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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Taíla Caproni Ferreira Fortes ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Taíla Caproni Ferreira Fortes

ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

CURITIBA

2011

ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

CURITIBA

2011

Taíla Caproni Ferreira Fortes

ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Danielli Weber Santos

CURITIBA

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Taíla Caproni Ferreira Fortes

ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Esta monografia foi julgada e aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2011.

_____________________________________

Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador de Monografias do Curso de Direito da

Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _____________________________________ Profª. Danielli Weber Santos Membros: _____________________________________ Prof. 1º Membro da Banca _____________________________________ Prof. 2º Membro da Banca

Dedicatória

Aos meus pais, Walter a Margarida. À minha irmã, Suzie.

Ao meu marido, Alexandre.

Agradecimento

Ao Carlos Alberto Nepomuceno Filho, por seus conhecimentos e pela habilidade em transmiti-los, pela dedicação e interesse, minha eterna gratidão.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9

2 DO DIREITO COLETIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO ......................................................................................................... 11

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES........................................................................... 11

2.2 DAS ESPÉCIES ................................................................................................. 12

2.2.1 Direito difuso................................................................................................... 13

2.2.2 Direito coletivo ................................................................................................ 14

2.2.3 Direito individual homogêneo......................................................................... 15

3 DO DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO ................................................ 18

3.1 A NATUREZA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR ................................................................................................ 18

3.1.1 Legitimidade para propositura do cumprimento de sentença.......................... 21

3.2 REFLEXOS DA EXTINÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA EXECUÇÃO DE

TÍTULO JUDICIAL E SURGIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NOS

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS......................................................... 24

4 ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ....................... 27

4.1 A (IM)POSSIBILIDADE DE INICIAR O PROCEDIMENTO NOS PRÓPRIOS

AUTOS DA AÇÃO COLETIVA............................................................................. 27

4.2 A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO SEU ADVOGADO COMO MARCO

INICIAL PARA O PAGAMENTO ESPONTÂNEO PREVISTO NO ART. 475-J, DO

CPC........................................................................................................................... 29

4.2.1 Da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil .................... 31

5 CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DOS

TRIBUNAIS ACERCA DA MATÉRIA............................................................... 35

5.1 A NECESSIDADE DE O CREDOR, BENEFICIÁRIO DA SENTENÇA

COLETIVA ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS,

INGRESSAR COM UM PROCESSO AUTÔNOMO DE CUMPRIMENTO DE

SENTENÇA ............................................................................................................. 35

5.2 A FLUÊNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 475-J, DO CPC, NÃO DEVE

OCORRER DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA ................ 36

5.2.1 Da inexistência do termo a quo para a incidência da multa de 10%, prevista no

art. 475-J, do CPC .................................................................................................... 38

6 CONCLUSÃO...................................................................................................... 40

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 43

RESUMO O objeto deste trabalho é levantar alguns aspectos polêmicos relativos ao cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais homogêneos, em razão do advento da Lei nº 11.232/2005. Para isso, é realizada uma breve disposição dos direitos coletivos com o propósito de definir o que são direitos individuais homogêneos. Discute-se a natureza da sentença condenatória prevista no art. 95 da Lei nº 8.078/1990, além dos reflexos da extinção do regime jurídico da execução de título judicial e suas implicações no cumprimento de sentença envolvendo esta modalidade de direito coletivo. Como fontes são utilizadas pesquisas doutrinária e jurisprudencial. É relevante o estudo na medida em que a legislação atual não regulamenta adequadamente estas demandas. Palavras-chave: processo coletivo; cumprimento de sentença; direitos individuais homogêneos

ABSTRACT The object of this work is to raise some controversial aspects relating to the performance of the sentence regarding to the homogeneous individuals rights, with the appearance of the law number 11.232/2005. For this purpose, it´s realized a short description of the collectives law with the intention to define what the homogeneous individuals rights are. The nature of the conviction sentence in the law number 8.078/1990 is discussed, besides the reflex of the extinction of the execution´s lawsuit and its implications in the performance of the sentence regarding this kind of collective law. As sources, it uses the bibliographical research and the judgments of the superior courts. It´s relevant the study because the actual laws doesn´t regulate well this actions. Key-words: collectives law; performance of the sentence; homogeneous individuals rights.

9

1. INTRODUÇÃO

O Direito Processual Civil é um instrumento a serviço do direito material, isto

é, o processo “existe em função do direito material e da necessidade de se contar com

instrumento capaz de servir de conduto para as pretensões de direito material diante do

aparelho jurisdicional.” (WAMBIER, 2007, p. 62).

Esta íntima correlação entre a função do Processo Civil e a estrutura do Poder

Judiciário motivou as substanciais modificações ocorridas com o Código de Processo

Civil nos últimos anos, que tiveram por finalidade simplificar sua estrutura e facilitar

seu manejo, tornando-o um instrumento útil para a administração da justiça.

Dentro desse contexto foi editada a Lei nº 11.232/05, que alterou a Lei nº

5.869/73 (Código de Processo Civil - CPC), estabelecendo a fase de cumprimento de

sentença no processo de conhecimento.

Ao revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial,

pretendeu o legislador proporcionar ao credor maior celeridade e eficácia no

cumprimento da sentença, tornando desnecessária a instauração de novo processo com

a citação do devedor.

Entretanto, apesar destas modificações, os meios tradicionalmente utilizados

pelo Direito Processual Civil brasileiro ainda se mostram insuficientes para resolver

todos os litígios, sobretudo aqueles que transcendem a esfera individual, os

denominados “direitos coletivos”.

10

O Direito Processual Coletivo é um novo ramo do direito processual. Em

razão disso, muito dos seus conceitos, princípios e diretrizes interpretativas ainda estão

em construção. Em regra, são aplicáveis no processo coletivo os procedimentos

previstos no Código de Processo Civil, embora sua aplicabilidade seja limitada pelo

fato deste diploma processual ter sido elaborado com base em uma concepção

individualista (ALMEIDA, 2007).

Decorrem desta equivocada concepção os principais problemas que serão

objetos de análise no presente trabalho. Como imaginar a continuidade do

cumprimento de sentença dentro dos próprios autos da ação coletiva, quando houver

milhares de beneficiários do título executivo? Ainda, diante do efeito erga omnes da

sentença de procedência, e de sua natureza genérica, teria como o devedor proceder ao

pagamento espontâneo, visto que na maioria dos casos desconhece seus credores? Em

consequência, como aplicar a multa prevista no art. 475-J, do Código de Processo

Civil?

É nesse contexto que o presente trabalho pretende abordar os principais

aspectos polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais

homogêneos.

11

2. DO DIREITO COLETIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES

O Código Civil de 1916, marcadamente individualista, afastou qualquer

possibilidade de abertura para as tutelas coletivas, o que Fredie Didier (2010) chamou

de “réquiem”1 para as ações coletivas.

Somente com a Constituição de 19342, pela primeira vez, teve-se a expressa

menção às ações populares. Contudo, é a partir do Estado Democrático de Direito que

“o Estado tem que atuar para se reestruturar, reestruturando também a sociedade e

abrir igualmente as portas para a participação popular, como fator de sua legitimação

político-democrátiva.” (ALMEIDA, 2003, p. 56).

A evolução dos conflitos humanos ao longo do tempo evidenciou a

necessidade da sociedade em requerer soluções aos litígios que atingem uma

coletividade de pessoas. Diante disso, procedimentos foram criados para servir às

demandas coletivas: a ação popular (Lei nº 4.717/65 e art. 5º, inc. LXXIII da

Constituição Federal), a ação civil pública (Lei nº 7.347/85), o mandado de segurança

coletivo (art. 5º, inc. LXX da Constituição Federal), as ações coletivas para defesa de

direitos coletivos (arts. 81 a 100 do Código de Defesa do Consumidor) e as recentes

reformas no Código de Processo Civil, em especial a Lei nº 11.232/2005.

1 Uma missa dos mortos encomendada para as tutelas coletivas, em 1916, com o Código Civil de Beviláqua. Segundo o autor, tem-se pela primeira a vez um diploma legal profundamente comprometido com a exclusividade. O objetivo do legislador era purificar o sistema, retirando dele todos os temas que pudessem manter uma indesejável característica “pública”, de direito público. 2 Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 38- Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.

12

Ocorre que não há como tutelar os direitos coletivos somente por meio das

regras de direito processual civil clássico e leis complementares. Diante disso, quatro

anteprojetos de Código de Processo Civil Coletivo foram publicados no Brasil nos

últimos anos, de acordo com Antonio Gidi:

O primeiro anteprojeto foi o Código de Processo Civil Coletivo, de autoria de Antonio Gidi, iniciado em 1993 e terminado em 2002; o segundo foi o Código Modelo de Processos Coletivos do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, iniciado em 2003 e aprovado em 2005, que tiveram como relatores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi; o terceiro foi o Código Brasileiro de Processos Coletivos da USP, iniciado no fim de 2003 e terminado em 2006, liderado por Ada Pellegrini Grinover, e o quarto foi o Código Brasileiro de Processos Coletivos da UERJ/Unesa, iniciado em 2005 e terminado no mesmo ano, liderado por Aluísio Gonçalves de Castro Mendes. (2008, p. 02).

Contudo, nas recentes reformas do Código de Processo Civil em relação ao

cumprimento de sentença (Lei 11.232/2005), não houve preocupação com a execução

coletiva e os modelos até então existentes não dispensam tratamento específico a esta

execução.

É nesse contexto que serão abordados alguns aspectos polêmicos do

cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais homogêneos, diante da

inexistência, no sistema jurídico brasileiro, de um corpo legislativo próprio para reger

esta execução coletiva.

2.2 DAS ESPÉCIES

Consideram-se espécies dos direitos coletivos lato sensu os direitos difusos, os

direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. É a subdivisão

13

adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 81, parágrafo único, nos seus

incisos I, II e III.

Para Tesheiner (2010), estas “três categorias são redutíveis a duas: a dos

interesses coletivos ou transindividuais, que compreende os interesses difusos e

coletivos stricto sensu, e os direitos individuais homogêneos.”

Independentemente da classificação utilizada, para se estudar alguns aspectos

polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo os direitos individuais

homogêneos, torna-se relevante distingui-los das demais espécies de direitos coletivos.

2.2.1 Direito difuso

Dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do

Consumidor, que são “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos

deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

De acordo com este critério seguido pelo Código de Defesa do Consumidor,

sob o aspecto subjetivo, os interesses ou direitos difusos têm como titulares pessoas

indetermináveis e indeterminadas, que possuem uma origem comum, sem vínculo

jurídico prévio entre elas, uma vez que estão ligadas por meras circunstâncias fáticas.

Já o objeto dessa categoria de direito é indivisível, só podendo ser considerado como

um todo (id., 2003).

14

Por afetar um número indeterminado de pessoas, “a coisa julgada que advier

das sentenças de procedência será erga omnes, ou seja, irá atingir a todos de maneira

igual (art. 103, inc. I, CDC).” (DIDIER, 2010, p. 74).

São exemplos de direito difuso a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada

por meio da imprensa falada, escrita ou televisionada, que afeta um número

incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação jurídica base, a proteção

ao meio-ambiente, a preservação da moralidade administrativa, etc.

2.2.2 Direito coletivo

Em seu art. 81, inciso II, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que

são “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os

transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de

pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”

Os interesses ou direitos coletivos pertencem a um grupo, categoria ou classe

de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si por uma relação

jurídica prévia, mantida entre si ou com a parte contrária, cujo objeto também é

indivisível (id., 2003).

Esclarece Didier (2010) que a relação jurídica necessita ser anterior à lesão,

assumindo um caráter de anterioridade. No direito coletivo, a coisa julgada será ultra

partes, conforme o art. 103, inc. II do CDC, mas limitado ao grupo, categoria ou

classe.

15

Como exemplo de direito coletivo, tem-se os interesses dos contribuintes do

imposto de renda, pois existe uma relação jurídica base entre eles e o fisco.

2.2.3 Direito individual homogêneo

Direitos ou interesses individuais homogêneos são, pela definição do art. 81,

inciso III do Código de Defesa do Consumidor, os “decorrentes de origem comum”.

O que esses direitos têm em comum, segundo Didier (2010), é a procedência,

a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou

de fato que lhes conferem características de homogeneidade.

A homogeneidade “não é uma característica individual e intrínseca desses

direitos subjetivos, mas, sim, uma qualidade que decorre da relação de cada um deles

com os demais direitos oriundos da mesma causa fática ou jurídica.” (GIDI, 2009, p.

279).

É esta homogeneidade que possibilita “a defesa coletiva de interesses

individuais, porque as peculiaridades inerentes a cada caso concreto são irrelevantes

juridicamente, já que as lides são individuais, no que diz respeito às questões de

direito, são muito semelhantes e, em tese, a decisão deveria ser a mesma em todos e

em cada um dos casos.” (id., 1995, p. 30).

Não se confunde com o litisconsórcio, pois não se trata de uma reunião de

pessoas que em conjunto defendem interesses ou direitos individuais. De acordo com

Didier (2010), a ação coletiva para interesses individuais homogêneos é caracterizada

pela pretensão do legitimado, que se concentra na procedência de uma tese jurídica

16

geral que pode aproveitar a muitas pessoas, o que é diferente de haver pretensões

singularizadas, verificadas em relação a cada um dos respectivos titulares do direito.

Os direitos individuais homogêneos têm como titulares, na ótica de Gregório

Assagra de Almeida,

pessoas perfeitamente individualizadas, que podem ser indetermináveis, mas facilmente determináveis. Pelo aspecto objetivo e pelo caráter predominantemente individualizado, são eles divisíveis e distinguíveis entre seus titulares. Pelo aspecto origem são eles de origem comum. Em relação à origem comum é que há ponto de semelhança entre os direitos individuais homogêneos e os direitos ou interesses difusos, pois ambas as categorias, diferentemente dos direitos coletivos, em que se exige prévia relação jurídica base, geralmente nascem ligadas pelas mesmas circunstâncias, não obstante sejam, quanto à titularidade e objeto, totalmente distinguíveis. (2007, p. 332).

Embora seja perfeitamente divisível e identificável o beneficiado por um

direito individual homogêneo, o motivo para seu tratamento coletivo, segundo o

Superior Tribunal de Justiça (STJ)3, é a dimensão social, o impacto de massa, por ser

grande o número de interessados e das graves repercussões na comunidade que possam

ser provocadas pelo direito lesionado.

A ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos visa a uma

sentença condenatória. É através do cumprimento desta sentença que será possível a

identificação dos titulares do direito subjetivo. Entretanto, tal medida exige um

tratamento jurisdicional específico, uma vez que não está compreendida nas situações

clássicas.

3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil e Direito do Consumidor. Defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos. Dispensa de pré-constituição pelo menos há um ano. Inversão do ônus da prova. Impossibilidade da ação coletiva superada. Recurso Especial nº 140.097. Philip Morris Marketing S.A. a Associação de Defesa da Saúde do Fumante. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha. 04 de maio de 2000. Diário da Justiça da União, 11/09/2000, p. 252.

17

Dentro desse contexto é que se deve adaptar o cumprimento de sentença aos

direitos individuais homogêneos, diante dos aspectos polêmicos que envolvem as

alterações advindas com a Lei 11.232/05 na efetividade destes direitos.

18

3. DO DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO

3.1 A NATUREZA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

O presente trabalho busca demonstrar, na prática forense, as principais

incongruências entre o cumprimento de sentença envolvendo uma ação individual

daquele proveniente de ação coletiva.

Ocorre que para chegar a essa conclusão final, alguns conceitos importantes

acerca das ações coletivas, envolvendo o direito individual homogêneo, devem ser

previamente analisados.

O ponto central, para o entendimento dos aspectos polêmicos que serão

tratados posteriormente, diz respeito à natureza da sentença condenatória proferida nas

ações coletivas.

Dispõe o artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor, que “em caso de

procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu

pelos danos causados.”

Nas lições de Elton Venturi, “a pretensão deduzida na ação coletiva que visa a

tutelar direitos individuais homogêneos, quando condenatória, diz respeito somente à

fixação genérica do dever de ressarcir (an debeatur).” (2000, p. 125).

19

Logo, a sentença de procedência envolvendo direitos individuais homogêneos

será ilíquida, uma vez que não especifica o valor da condenação nem a identidade dos

titulares do direito subjetivo.

A condenação genérica, portanto, visa identificar a lesão a direito e os danos

advindos desta lesão, tendo em vista que o dano efetivamente sofrido por cada vítima

será apurado em liquidação de sentença a ser realizada posteriormente.

Deve-se fazer, então, a seguinte indagação: Haveria sempre necessidade de os

legitimados ingressarem com a prévia liquidação, para quantificar o seu direito?

A doutrina especializada não possui entendimento pacificado acerca do

assunto. Segundo Rizzato Nunes,

o magistrado julga a ação procedente e apenas fixa a responsabilidade do réu pelos danos causados. Os valores a serem pagos advirão da fase posterior de liquidação, conforme se verá na seqüência. Portanto, a sentença é certa e genérica, mas ilíquida, demandando liquidação. (2009, p. 95).

Nesse mesmo sentido, Antonio F. Benjamin esclarece que

ao determinar que a condenação, na hipótese de procedência da ação coletiva será genérica, o legislador do CDC definiu o âmbito de conhecimento judicial na decisão da causa, a identificação da lesão a direito e os danos causados por esta. O caráter de generalidade da decisão judicial, neste sentir, indica primeiro que esta será ilíquida, ao mesmo tempo que não deverá debruçar-se sobre o que efetivamente cada vítima do dano perdeu. A condenação genérica apenas afirma a lesão a direito e a ocorrência de dano decorrente desta, restando a precisa determinação do ‘quantum’ devido para a liquidação e posterior execução da sentença, que poderá ser promovida tanto individualmente quanto pelos legitimados para a ação coletiva. (2010, p. 1429).

Para estes autores, portanto, existiria a necessidade de prévia liquidação, posto

que a sentença será sempre genérica.

20

O artigo 475-B, caput¸ do Código de Processo Civil, inserido no capítulo que

trata da liquidação da sentença, entretanto, prevê que “quando a determinação do valor

da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o

cumprimento da sentença, na forma do artigo 475-J desta Lei, instruindo o pedido com

a memória discriminada e atualizado do cálculo.”

Para o Prof. Wambier (20__), a respeito da norma processual acima citada,

“não obstante a redação do art. 95 do CDC, nada impede que, mesmo em se tratando

de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, seja proferida

sentença líquida, que defina com precisão o valor devido a cada um dos entes

individualmente considerados.”

Comenta este autor que isso aconteceu em Curitiba (PR), em ações civis

públicas nas quais foram concedidas tutelas coletivas, condenando instituições

financeiras ao ressarcimento das diferenças de correção monetária nas aplicações de

caderneta de poupança, geradas por planos econômicos nos anos de 1987 e 1989.

Embora essas sentenças não individualizassem nem os valores e tampouco

seus beneficiários, entendeu-se que as execuções individuais dispensariam prévia

liquidação: cada interessado iniciaria a execução individual, apresentando-se como um

dos beneficiários da tutela e trazendo consigo, na própria inicial da execução, os

demais elementos que permitissem a quantificação de seu crédito.

21

Desse modo, ainda que genérica, a prática forense mostrou que haverá casos

em que os titulares do direito poderão ingressar diretamente com o cumprimento da

sentença, dispensando o procedimento de liquidação4.

São nesses casos, sobretudo, que os aspectos polêmicos aqui tratados ganham

corpo, pois que devem possuir tratamento diverso daqueles dispensados às ações

individuais.

3.1.1 Legitimidade para propositura do cumprimento de sentença

Conforme se observou no tópico anterior, toda a sentença de procedência,

proferida em ações coletivas, como regra, terá natureza genérica.

Cumpre, então, discorrer acerca dos legitimados para ingressar com o

cumprimento dessa sentença.

O artigo 97, do Código de Defesa do Consumidor, esclarece que “a liquidação

e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim

como pelos legitimados de que trata o art. 82.”.

4 Havendo a sentença acolhido todos os pedidos formulados em ação civil pública, na qual foram discriminados os valores a serem ressarcidos, cujo montante corrigido pode ser obtido por mero cálculo aritmético, não há falar em necessidade de liquidação por arbitramento nem tampouco ofensa à coisa julgada, pois o acórdão recorrido, confirmando a decisão do juízo da execução, não modificou comando contido na sentença transitada em julgado, apenas redirecionou o procedimento executivo para a técnica adequada. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Liquidação de sentença proferida em ação civil pública. Acórdão recorrido. Omissão. Não ocorrência. Distribuição de Feitos no STJ. Prevenção do órgão julgador. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 635.717. Recurso Especial. Ministério Público do Estado de São Paulo a Air Pires de Campos. Relatora Ministra Denise Arruda. 19 de maio de 2005. Diário da Justiça da União, 20/06/2005, p. 142.

22

Embora não se despreze os legitimados de que trata o artigo 82, os quais só

teriam papel relevante na propositura de execução coletiva, para a análise da questão

serão utilizados tão somente os conceitos inerentes às vítimas e seus sucessores, como

forma de apresentar a diferença existente para os legitimados nas ações individuais.

Sabe-se que nessas ações, a sentença proferida no processo de conhecimento,

ainda que genérica (ilíquida), é dirigida especificamente às partes que compuseram a

lide. Em sede de liquidação da sentença, ou até mesmo o cumprimento de sentença

fundado no artigo 475-B, do CPC, a legitimidade para propositura dessa será da parte

beneficiada pela sentença, a qual desde o processo principal já é determinada.

Na ação envolvendo direito individual homogêneo, por serem os beneficiados

pela sentença, na maioria das vezes, pessoas diversas daquela que propôs a ação

principal coletiva, além da necessidade de “liquidar” a sentença, há também a

obrigatoriedade de a parte fazer prova constitutiva do seu direito.

Aqui reside a sensível diferença entre o processo individual e o processo

coletivo, envolvendo direito individual homogêneo. Enquanto naquele o titular da

liquidação ou do cumprimento de sentença é conhecido desde o momento da intimação

da sentença, nesse os titulares do direito terão que comparecer em juízo para fazer

prova não apenas do quantum que lhes é devido, mas também da titularidade do seu

crédito.

Segundo José Marcelo Menezes Vigliar (2003 citado por GOMES JUNIOR,

2008, p. 361), há necessidade de se remontar ao evento comum para que ocorra, de

fato, uma tutela jurisdicional, devendo o interessado provar a ocorrência do dano

23

individual, seu nexo com a atividade lesiva reconhecida no julgado e o quantum

debeatur respectivo.

Corroborando esse entendimento, em recentes julgados o C. Superior Tribunal

de Justiça5 entendeu que

[...] a sentença coletiva (condenação genérica, art. 95 do CDC), ao revés da sentença que é exarada em uma demanda individualizada de interesses (liquidez e certeza, art. 460 do CPC), unicamente determina que as vítimas de certo fato sejam indenizadas pelo seu agente, devendo, porém, ser ajuizadas demandas individuais a fim de se comprovar que realmente é vítima, que sofreu prejuízo e qual o seu valor.” (sem grifo no original).

Ainda6,

[...] a ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material.

Esse entendimento restou sedimentado tendo em vista que é por intermédio da

liquidação que “ocorrerá uma verdadeira habilitação das vítimas e sucessores, capaz de

transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados do art. 95, em

indenização pelos danos individualmente sofridos.” (GRINOVER et alii, 2007, p.

906).

Destaca Didier (2010) que embora tenham objeto divisível, os direitos

individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis até o momento de sua

5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Servidor Público. Ação coletiva. Execução individual no domicílio do autor. Foro diverso do foro do processo de conhecimento. Possibilidade. Incidência das Leis 8078/90 e 7347/85. Conflito conhecido. Competência da Justiça Federal do Estado do Amazonas. Conflito de Competência nº 96682. Fundação Nacional da Saúde a Alcides Gerardes Pereira da Silva Peres e outro. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 23 de março de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 23/03/10. 6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação civil coletiva. Execução de sentença. Honorários advocatícios. Lei nº 9494/97, art. 1º-D. Inaplicabilidade. Agravo Regimental do Recurso Especial nº 489348. Fazenda Nacional a Wagner Amaury Gau. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. 07 de agosto de 2003. Diário da Justiça da União, 01/09/03, p. 230.

24

execução. Uma vez prolatada a sentença de condenação genérica, “competirá a cada

parte provar o nexo de causalidade entre o dano individual e o dano coletivo

reconhecido na sentença definitiva.” (GOMES JUNIOR, op. cit., p. 359).

Mas como visto linhas acima, na prática os beneficiários dessa sentença

poderiam ingressar diretamente com o cumprimento de sentença, dependendo a

liquidação “tão-somente de cálculo aritmético, o demandante apresentará diretamente

o pedido de cumprimento da sentença por execução forçada (art. 475-J, CPC),

apontando o valor que entende devido.” (MARINONI, 2008, p. 455).

Esse conceito será de suma importância para o enfrentamento da problemática

envolvendo o pagamento espontâneo pelo devedor.

3.2 REFLEXOS DA EXTINÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA EXECUÇÃO DE

TÍTULO JUDICIAL E SURGIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NOS

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O regime jurídico do Cumprimento de Sentença, instituído pela Lei nº

11.232/2005, trouxe ao sistema processual civil mudanças profundas no procedimento

a ser adotado pelo credor para cobrar do devedor valor concedido em sentença no

processo de conhecimento.

Diz-se profunda porque a Lei nº 11.232/2005 extinguiu o regime jurídico da

execução de título judicial, antes presente no Livro II do Código de Processo Civil, o

qual trata “Do Processo de Execução”.

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Essa extinção, na prática, se deu porque o cumprimento de sentença passou a

integrar o Livro I do Código de Processo Civil, que trata “Do Processo de

Conhecimento”. Significa, em linhas muito gerais, que o processo de conhecimento

não mais encerra com a sentença.

A reforma, nas lições de Claudio Takeshi Tuda (2008), consolidou a tendência

do direito processual civil de unir cognição e execução em um só processo, prezando

pela efetividade.

Como se sabe, é prejudicial à estabilidade das relações que, mesmo após as

dificuldades do processo de conhecimento em razão do tempo despendido para haver o

reconhecimento do direito em juízo, o jurisdicionado não tenha sua pretensão

efetivada.

Por isso, estas alterações “têm tido como motivação ‘desmanchar alguns nós’

existentes no sistema, facilitando o acesso à Justiça e seus efetivos resultados [...] com

vistas ao alcance mais imediato dos resultados práticos do processo.” (WAMBIER,

2006, p. 214).

Se no regime jurídico da Execução de Título Judicial o credor, após ser

proferida a sentença, era obrigado a ingressar com uma nova ação, autônoma, para

cobrar o seu crédito, no novo regime do Cumprimento de Sentença, teoricamente,

bastará ao credor exigir o pagamento na própria ação de conhecimento.

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Na prática, deixou de haver a necessidade de nova citação da parte, porque já

realizada na ação principal, bastando a simples intimação das partes dos termos da

sentença condenatória para que abra prazo para o pagamento espontâneo do devedor.

Mas como aconteceria essa continuidade nos casos de ação coletiva

envolvendo direitos individuais homogêneos? Ao contrário do que ocorria no regime

jurídico da Execução de Título Judicial, o Cumprimento de Sentença não é processado

mediante ação autônoma, exceto nos casos de que trata o artigo 475-N, parágrafo

único, do Código de Processo Civil.

Ainda, como o novo regime jurídico do Cumprimento de Sentença instituiu

multa para o caso de não pagamento espontâneo da dívida (artigo 475-J, do CPC), qual

seria o marco inicial para a realização do pagamento espontâneo, considerando-se que

o beneficiário da sentença coletiva deverá fazer prova não apenas do quantum a que

tem direito, mas também da prova constitutiva do seu direito?

Embora tenha representado um avanço, pelo menos do ponto de vista da

celeridade processual, é certo que a Lei nº 11.232/2005, que introduziu o

Cumprimento de Sentença no ordenamento processual civil, não contemplou as ações

coletivas que tratam dos direitos individuais homogêneos.

Sendo assim, passa-se a expor alguns aspectos polêmicos a serem enfrentados

no âmbito do cumprimento de sentença envolvendo as ações coletivas.

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4. ASPECTOS POLÊMICOS DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

4.1 A (IM)POSSIBILIDADE DE INICIAR O PROCEDIMENTO NOS PRÓPRIOS

AUTOS DA AÇÃO COLETIVA

Como primeiro ponto polêmico no cumprimento da sentença coletiva

envolvendo os direitos individuais homogêneos, destaca-se a possibilidade ou não, de

dar continuidade ao cumprimento de sentença nos próprios autos da ação coletiva que

gerou a sentença condenatória.

Conforme já mencionado em tópico anterior, o regime jurídico do

Cumprimento de Sentença está previsto no Livro I, do Código de Processo Civil, o

qual trata do Processo de Conhecimento.

De acordo com o exposto, a sentença condenatória não mais encerra o

processo, mas tão somente resolve o mérito (artigo 269, do CPC). Isso porque a parte

credora, beneficiada pela sentença, pode iniciar o cumprimento de sentença nos

próprios autos do processo de conhecimento, sendo desnecessária nova citação do

devedor.

Sob a ótica de Cerdeira (2011), com o advento da Lei nº 11.232/2005, o

legislador teve por objetivo acabar de vez com a ação autônoma de execução de

sentença, pois as condenações por quantia certa não mais dependerão de nova ação.

Seguindo literalmente o texto desta Lei, chega-se à conclusão que proferida a

sentença, as partes serão intimadas do seu teor e, nesse momento processual, iniciará o

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prazo para pagamento espontâneo do devedor. Não havendo, iniciará o credor,

mediante petição a ser protocolizada nos mesmos autos da ação de conhecimento, o

cumprimento da sentença.

Contudo, observa-se que tal conduta é incompatível nos casos em que houver

uma sentença condenatória proferida numa ação coletiva que, por possuir efeito erga

omnes, pode alcançar milhares de beneficiados.

Transportando esse raciocínio para as causas envolvendo direito individual

homogêneo, chegar-se-ia ao absurdo de ter milhares de petições protocolizadas nos

próprios autos da ação coletiva que ensejou o cumprimento de sentença.

Mais do que tumultuo processual, esse fato tornaria inviável a tramitação tanto

da própria ação principal, como dos respectivos cumprimentos de sentença. Se a idéia

inicial era dar ao cumprimento de sentença maior celeridade na execução do crédito

proveniente de título judicial, para as ações coletivas esse mecanismo representou um

entrave.

A polêmica aqui levantada se traduz, então, na necessidade de um

procedimento autônomo de cumprimento de sentença para cada credor individual que

faça prova de seu direito.

Como reflexo deste procedimento autônomo, tem-se a necessidade do credor

em contratar um advogado para requerer o cumprimento da sentença e o pagamento de

novas custas, pois não foi parte na ação coletiva.

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A identificação dessa problemática é de suma importância, pois que possibilita

demonstrar que na prática o Cumprimento de Sentença, nos casos em que estiver

sendo discutido direito individual homogêneo, pouco avanço trouxe às partes.

Isso porque permaneceu a necessidade de o credor ingressar com um processo

autônomo de cumprimento de sentença. Conseqüentemente, deverá ser realizada nova

citação.

Conclui-se, então, que a razão destas divergências se deve ao fato de a Lei nº

11.232/2005 ter sido idealizada com base nas premissas processuais das demandas

individuais, sem preocupação com a execução coletiva.

4.2 A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR OU DO SEU ADVOGADO COMO MARCO

INICIAL PARA O PAGAMENTO ESPONTÂNEO PREVISTO NO ART. 475-J, DO

CPC

Foi visto no item anterior que o cumprimento de sentença oriundo de ação

coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos necessita de instauração de

procedimento autônomo, apartados dos autos da ação coletiva.

Também já foi debatido o fato de quem teria legitimidade para ingressar com

o presente cumprimento de sentença que, via de regra (artigo 82, do Código de Defesa

do Consumidor), não é o mesmo autor que figurou no polo ativo da demanda coletiva.

Baseado nesses conceitos, e reafirmando a necessidade de os credores, ao

ingressarem com o cumprimento dessa sentença, fazerem prova não apenas do

quantum que lhes é devido, mas também de que estão abrangidos pelos limites da

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sentença condenatória coletiva, em que fase processual se daria a intimação do

devedor ou de seu advogado para contagem do prazo para pagamento espontâneo, no

intuito de evitar o pagamento da multa prevista no artigo 475-J, do Código de Processo

Civil?

Para Marinoni (2008), qualquer forma que se preste a dar ciência inequívoca

ao demandado ou a quem o represente no processo é suficiente para dar início à

fluência do prazo de 15 dias.

Nas ações de natureza individual, em que as partes são as mesmas que

integrarão o posterior cumprimento de sentença, em recente precedente o C. Superior

Tribunal de Justiça7 entendeu que o prazo para pagamento espontâneo se inicia com a

intimação, na pessoa do advogado, da sentença condenatória, e eventual baixa dos

autos ao juízo de origem, e a oposição do “cumpra-se”.

Já nas sentenças condenatórias advindas das ações coletivas, que por força do

artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor, possuem natureza genérica, nos casos

em que houver procedimento de liquidação prévio o prazo para pagamento espontâneo

deve ocorrer da intimação da sentença de liquidação.

Isso porque será nesse momento processual que os credores farão a prova de

seu direito e do quantum debeatur, sendo a intimação dessa sentença de liquidação o

marco inicial para o pagamento espontâneo por parte do devedor.

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Lei nº 11.232, de 23.12.2005. Cumprimento da sentença. Execução por quantia certa. Juízo competente. Art. 475-P, inciso II, e parágrafo único, do CPC. Termo inicial do prazo de 15 dias. Intimação na pessoa do advogado pela imprensa oficial. Art. 475-J do CPC. Multa. Juros compensatórios. Inexigibilidade. Recurso Especial nº 940-274. Aparecida Ferreira Bezerra a Brasil Telecom S/A. Relator Ministro João Otávio de Noronha. 07 de abril de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 31/05/10.

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Ocorre que o artigo 475-B, caput, do Código de Processo Civil, assim dispõe:

"quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo

aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta

Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.”.

Por essa norma, os credores abrangidos por tal título judicial coletivo estariam

aptos a ingressar com o cumprimento de sentença sem haver necessidade de passar

pelo procedimento de liquidação.

Entretanto, mesmo dependendo de simples cálculo aritmético, é certo que a

planilha individualizada e atualizada do débito serviria exclusivamente para fazer

prova do valor do seu crédito. Todavia, como já mencionado anteriormente, o credor

deverá fazer prova de seu direito, ou seja, de que foi abrangido pela sentença coletiva,

cuja análise deverá ser feita pelo juiz da causa, motivo pelo qual deve ser anterior à

manifestação do devedor no cumprimento de sentença.

Sendo assim, tem-se que a intimação do devedor (ou do seu advogado), para

efetuar o pagamento espontâneo para cada credor que postule crédito oriundo de

sentença envolvendo direito individual homogêneo, diante do seu efeito erga omnes,

não pode ocorrer antes de o Juiz proceder à análise individualizada do direito de cada

credor postular aquele cumprimento de sentença.

4.2.1 Da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil

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A real necessidade de se discutir o termo inicial para que o devedor possa

efetuar o pagamento espontâneo do débito está intimamente ligado à aplicação da

multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475-J, do Código de Processo Civil.

Mesmo após o entendimento do C. STJ mencionado no tópico anterior,

persiste o problema relacionado à multa prevista no artigo 475-J, do CPC.

Nas lições de Cássio Scarpinella (2010), formaram-se quatro correntes sobre

este assunto. Uma primeira corrente sustenta que o prazo de quinze dias previsto no

art. 475-J, do CPC, flui desde o trânsito em julgado da sentença condenatória,

independente da intimação do devedor. A segunda corrente sustenta a necessidade de

intimação do advogado do devedor para a fluência do prazo de quinze dias. A terceira

corrente entende ser necessária a intimação do devedor para a fluência deste prazo. Já

a quarta corrente condiciona a intimação do advogado do devedor à prévia

quantificação do valor devido.

Dentre as correntes acima expostas, observa-se que nenhuma pode ser

aproveitada nos casos envolvendo processos coletivos que disponham sobre direitos

individuais homogêneos, em face de suas peculiaridades, pois, conforme exposto

anteriormente, faz-se necessária a comprovação, pelo credor, de que foi beneficiado

pela sentença coletiva, para só então fazer valer o seu direito.

Embora se reconheça a necessidade de o credor fazer prova de que foi

albergado por esta sentença, o artigo 475-J, do CPC, não contempla essa fase

processual prévia. Em sua primeira parte, apenas dispõe sobre o prazo de 15 (quinze)

dias para que o devedor efetue o pagamento espontâneo e, em sua segunda parte, já

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prevê a aplicação da multa de 10% (dez por cento) e a expedição de mandado de

penhora, a requerimento do credor.

Porém, ressalta-se que ainda que não haja previsão legal na Lei nº

11.232/2005, nos casos em que a determinação do valor depender apenas de cálculo

aritmético, antes de iniciar o cumprimento de sentença com base no artigo 475-B, do

CPC, cada credor individual deverá fazer prova de que seu direito foi tutelado pela

sentença proferida na ação coletiva e, mais importante, o juiz reconhecê-lo antes de o

devedor ser intimado a efetuar o pagamento do débito.

O raciocínio até agora traçado foi no sentido de que a sentença condenatória

envolvendo os direitos individuais homogêneos é genérica por natureza e obriga a

parte liquidá-la. Mesmo que o credor individual inicie o cumprimento de sentença nos

termos do artigo 475-J, do CPC, teria de haver uma análise preliminar do juiz acerca

da titularidade do direito postulado, tendo em vista que as partes que compuseram o

processo de conhecimento não serão as mesmas do cumprimento da sentença.

Logo, o prazo para pagamento espontâneo na demanda coletiva não pode ter

inicio com o trânsito em julgado da sentença condenatória coletiva. Se assim o fosse,

como o devedor não foi condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixado em

liquidação, uma vez que esta sentença tem natureza genérica, não haveria incidência

da multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC.

Entretanto, observa-se na prática forense que cada credor tem apresentado

individualmente seu pedido de cumprimento de sentença e o Juiz vem concedendo o

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prazo de 15 (quinze) dias para o devedor efetuar o pagamento “espontâneo”, sob pena

da aplicação da multa, sem proceder tal análise.

Se esse pagamento pode ou não ser entendido como sendo espontâneo, visto

que o devedor é forçado a efetuá-lo sob pena de lhe ser aplicada a multa, é questão

secundária.

O que se buscou levantar como polêmico foi o fato de não existir, na Lei nº

11.232/2005, a possibilidade de ocorrer pagamento espontâneo por parte do devedor

na demanda coletiva, não havendo, portanto, como aplicar a multa prevista no artigo

475-J, do Código de Processo Civil.

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5. CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DOS

TRIBUNAIS ACERCA DA MATÉRIA

5.1 A NECESSIDADE DE O CREDOR, BENEFICIÁRIO DA SENTENÇA

COLETIVA ENVOLVENDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS,

INGRESSAR COM UM PROCESSO AUTÔNOMO DE CUMPRIMENTO DE

SENTENÇA

Conforme visto anteriormente, na sentença condenatória envolvendo os

direitos individuais homogêneos, há necessidade de o credor ingressar com um

processo autônomo de cumprimento de sentença, diante da impossibilidade deste

procedimento ser iniciado nos próprios autos da ação coletiva.

Mesmo diante da omissão legislativa acerca deste procedimento, os Tribunais

Superiores assim tem entendido. O E. Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR)8, ao

afastar a incidência das custas processuais no incidente de impugnação à execução,

entendeu que “... o cumprimento se sentença exarada em ação coletiva ocorre em autos

apartados da ação em que foi prolatada a sentença coletiva.”

Em outro caso também envolvendo a questão referente às custas processuais,

o E. TJ/PR9, embora tenha entendido pelo cabimento destas custas, o fundamento

8 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Impugnação a pleito de cumprimento de sentença. Exigência de pagamento de custas processuais. Impossibilidade. Recurso provido. Agravo de Instrumento nº 580.355-4. Banco do Brasil S/A a Irno Antonelli e outros. Relator Juiz Substituto de 2º Grau Eduardo Sarrão. 18 de agosto de 2009. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 09/11/09. 9 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Cumprimento de Sentença decorrente de ação civil pública proposta pela Apadeco. Condenação genérica. Necessidade de execução individual e autônoma. Despesas da serventia. Incidência de custas processuais. Decisão mantida. Banco do Brasil S/A a Alcides Belezzi e outros. Agravo de Instrumento nº 444.086-0. Relator Desembargador Abraham Lincoln Calixto. 01 de julho de 2008.

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também foi o cumprimento da sentença em autos apartados: “... considerando que os

exeqüentes não participaram da relação processual cognitiva [...] é devido o

pagamento das custas processuais. Assim, ainda que, como regra geral, já não mais

exista processo autônomo de execução de sentença, no caso sub judice não se trata de

simples cumprimento de sentença, já que a fase de conhecimento se desenvolveu em

ação da qual os exeqüentes não fizeram parte.”

Ainda, o C. Superior Tribunal de Justiça (STJ)10, ao apreciar conflito de

competência para processar ação autônoma de execução de sentença proferida em ação

coletiva, reconheceu a necessidade deste procedimento:

[...]as sentenças proferidas no âmbito das ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, por força de expressa disposição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 95), são condenatórias genéricas. Nelas não se especifica o valor da condenação nem a identidade dos titulares do direito subjetivo. A carga condenatória, por isso mesmo, é mais limitada do que a que decorre das demais sentenças condenatórias. Sobressai nelas a carga de declaração do dever de indenizar, transferindo-se para a ação de cumprimento a carga cognitiva relacionada com o direito individual de receber a indenização.

5.2 A FLUÊNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 475-J, DO CPC, NÃO DEVE

OCORRER DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

A sentença condenatória prevista no art. 95, do Código de Defesa do

Consumidor, tem natureza genérica. Isso significa, conforme visto anteriormente, que 10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Servidor Público. Ação coletiva. Execução individual no domicílio do autor. Foro diverso do foro do processo de conhecimento. Possibilidade. Incidência das Leis 8078/90 e 7347/85. Conflito conhecido. Competência da Justiça Federal do Estado do Amazonas. Conflito de Competência nº 96682. Fundação Nacional da Saúde a Alcides Gerardes Pereira da Silva Peres e outro. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 23 de março de 2010. Diário da Justiça Eletrônico da União, 23/03/10.

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os credores devem fazer prova não apenas do valor que lhes é devido, mas também de

que estão abrangidos pela sentença condenatória coletiva.

É por este motivo que a fluência do prazo de 15 (quinze) previsto no art. 475-

J, do CPC, dias não deve ocorrer a partir do trânsito em julgado da sentença

condenatória, em face de sua iliquidez.

A respeito desse tema, o E. TJ/PR11, ao dispor sobre o prazo para que o

devedor promovesse o pagamento voluntário da pretensão individual fundada em uma

sentença coletiva, de modo a não incidir a multa prevista no referido dispositivo,

entendeu que

[...] o prazo de quinze dias para pagamento, sem a incidência da multa de 10%, iniciar-se-ia a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória. No entanto, considerando que no caso em apreço o título judicial que se pretende fazer cumprir se origina da ação coletiva, é natural concluir que o prazo para que o Banco promovesse o cumprimento voluntário da pretensão individual do poupador se inicie a partir de sua intimação, no âmbito do Cumprimento de Sentença formulado pelo credor, ora Agravado. Há notícia nos autos de que o BANCO DO BRASIL S/A foi intimado para "pagar a quantia de R$ 26.416,26, devidamente atualizada, no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10%".” (sem grifo no original).

Neste sentido também se posicionou o E. TJ/SP12, ao entender ser descabida a

imediata intimação do devedor da sentença condenatória, para pagamento espontâneo,

sob pena de multa de 10 % (dez por cento):

11 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Expurgos inflacionários. Ação coletiva. Cumprimento de sentença. Prazo para impugnação. Agravo interno a que se nega provimento. Agravo interno no Agravo de Instrumento nº 533.079-6/02. Banco do Brasil S/A a Mario Vieira Neto. Relator Desembargador Leonel Cunha. 02 de dezembro de 2008. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 19/01/09. 12 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Cumprimento de sentença. Sentença proferida em ação civil pública. Liquidação e execução promovida individualmente pelo lesado. Determinação imediata para pagamento em quinze dias, sob pena de multa (art. 475-J do CPC). Descabimento. Nova relação jurídica processual, entre o

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[...] a liquidação e a execução da sentença coletiva pelos lesados individuais ocorrem por via distinta da ação civil pública, implicando na formação de uma nova relação jurídica processual voltada a demonstrar o nexo causai e a extensão do dano de cada indivíduo, concretizando a condenação genérica contida no título (...) não se mostra razoável, destarte, a determinação de intimação para pagamento voluntário, sob pena da multa do art. 475-J do CPC, antes mesmo de efetuada a citação do devedor.

5.2.1 Da inexistência do termo a quo para a incidência da multa de 10%, prevista no

art. 475-J, do CPC

O art. 475-J, do CPC, é omisso em relação ao termo inicial para a incidência

da multa de 10 % (dez por cento). Entretanto, o legislador expressamente previu sua

aplicação ao devedor que, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixado em

liquidação, não efetue este pagamento no prazo de 15 (quinze) dias.

Em assim sendo, considerando que a sentença condenatória envolvendo

direitos individuais homogêneos é, por sua natureza, genérica, apenas após a

liquidação do valor devido é que se daria a intimação do devedor, nos moldes do art.

475-J do CPC, ressaltando-se, ainda, a hipótese prevista no art. 475-B deste diploma.

Conforme já observado, ambos os casos exigem a comprovação, pelo credor, de que

foi beneficiário pela sentença coletiva.

Contudo, o E. TJ/PR13, em recente julgado, entendeu ser devida a incidência

da multa de 10% em execução individual advinda de sentença coletiva, no qual o

poupador e o banco, que exige nova citação e contraditório, ainda que apenas para individualizar a reparação do dano - Aplicação do art 475-N, parágrafo único, do CPC. Agravo de Instrumento nº 7250235-9. Banco Itaú S/A a Nelson da Silva. Relator Desembargador Rui Cascaldi. 13 de agosto de 2008. Diário da Justiça do Estado de São Paulo, 03/09/08. 13 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Direito Processual Civil. Execução de sentença. Poupança. Expurgos inflacionários. Multa de 10%. Honorários de advogado. Cabimento. Agravo de Instrumento nº 628.597-8. Banco Banestado S.A. a Maria Aparecida de Goes. Relator Desembargador Leonel Cunha. 23 de novembro de 2009. Diário da Justiça do Estado do Paraná, 23/11/09.

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credor iniciou o cumprimento de sentença, tendo o devedor efetuado o depósito para

fins de garantia do juízo:

[...] A incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil não decorre da boa ou má-fé do devedor, mas da simples verificação de ter havido ou não o pagamento espontâneo, no prazo de 15 (quinze) dias. b) Na hipótese dos autos, embora os Executados- Agravantes tenham depositado o valor integral a obrigação, o fizeram apenas para possibilitar a respectiva impugnação, incidente no qual deduziram matérias de defesa visando a própria extinção da execução, o que revela de maneira inequívoca que o depósito não se prestou ao pronto pagamento.

Depreende-se, do julgado acima, que o Tribunal entendeu pela fixação da

multa antes mesmo de se verificar se o credor era ou não beneficiário da sentença

coletiva.

Porém, considerando a natureza individual homogênea do direito pleiteado

produzir sentença genérica, é por meio da execução individual que o juiz terá uma

cognição exauriente e o devedor, um contraditório amplo.

Deve haver, portanto, uma fase processual que possibilite ao juiz fazer esta

análise, bem como ao devedor de exercer seu contraditório.

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6. CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se afirmar que o cumprimento de sentença em

relação aos direitos individuais homogêneos é um tema complexo e não possui um

tratamento legislativo específico.

O legislador, ao redigir a Lei nº 11.232/2005, em que pese ter procurado

proporcionar maior efetividade e celeridade à satisfação do direito material pelo

credor, não previu as hipóteses de como este cumprimento de sentença ocorreria nas

sentenças coletivas.

A natureza genérica (ilíquida) da sentença condenatória envolvendo os

direitos individuais homogêneos, por si só, traz uma série de implicações que

inviabilizam a aplicação de alguns dispositivos da Lei nº 11.232/2005.

O cumprimento de sentença por um beneficiário de um direito individual

homogêneo deve conter, além da individualização do valor devido, o juízo sobre a

titularidade do beneficiário em relação ao direito material, ainda que o valor da

condenação dependa apenas de cálculo aritmético, uma vez que não foi parte na ação

principal.

Embora o legislador não tenha previsto, este procedimento de cumprimento

de sentença deve ser efetuado em autos apartados diante da incompatibilidade de ter

milhares de petições protocolizadas nos autos da ação coletiva que originou o título

executivo.

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Quando a determinação do valor da condenação não depender apenas de

cálculo aritmético, o devedor deverá ser intimado a efetuar voluntariamente o

pagamento a partir da intimação da sentença de liquidação. Caso contrário, conforme

previsto no art. 475-B, do CPC, cabe ao credor requerer o cumprimento de sentença,

na forma do art. 475-J, do CPC. Nenhuma destas hipóteses afasta da apreciação, pelo

juiz, da legitimidade do credor para o cumprimento da sentença, procedimento prévio

à intimação do devedor.

No cumprimento da sentença condenatória envolvendo direito individual

homogêneo, não há como o devedor espontaneamente efetuar o pagamento com a

intimação ou com o trânsito em julgado da sentença, uma vez que esta é, em regra,

ilíquida. Logo, não há que se falar em aplicabilidade da multa prevista no art. 475-J,

do CPC, ao menos nesse momento processual, tendo em vista que o referido

dispositivo expressamente exige a condenação do devedor ao pagamento de quantia

certa ou já fixada em liquidação para fixação da multa.

Estes são alguns aspectos polêmicos do cumprimento de sentença envolvendo

os direitos individuais homogêneos que demonstram a falta de sistematização do

direito processual coletivo no ordenamento jurídico brasileiro.

Por este motivo, é importante a criação de disciplinas legislativas específicas

e adequadas para a execução desses direitos, sobretudo no plano procedimental, uma

vez que o CPC foi elaborado para a tutela de direito individual, e a reforma deste

diploma com a Lei nº 11.232/2005 não teve qualquer preocupação com a execução

coletiva.

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Dessa forma, novos entendimentos sobre questões que norteiam o processo

coletivo devem ser buscados, para que se seja garantida a efetividade dos direitos

coletivos.

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BIBLIOGRAFIA

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