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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rebeka Silveira Yurk A VIGIA DOS VIGILANTES: O MEDO NA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN Curitiba 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Rebeka Silveira Yurk

A VIGIA DOS VIGILANTES:

O MEDO NA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN

Curitiba

2014

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A VIGIA DOS VIGILANTES:

O MEDO NA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN

Curitiba

2014

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Rebeka Silveira Yurk

A VIGIA DOS VIGILANTES:

O MEDO NA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História – Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do grau de licenciada. Orientador: Professor Luiz Carlos Sereza.

Curitiba

2014

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AGRADECIMENTOS

A parte que eu mais esperei em toda a minha vida acadêmica foi a dos

agradecimentos de minha monografia. Foram tantos os momentos que passei

dentro e fora da Universidade Tuiuti, que seria irracional não agradecer todo

mundo que conheci dentro dela, fora dela e por causa dela, sem falar das pessoas

que conheci antes e continuaram na minha vida quando entrei.

Tenho a certeza de que terminar esse trabalho foi uma conquista tanto para

mim quanto para as pessoas que estavam ao meu redor. Começarei agradecendo

minha família, que eu nem estaria aqui se não fossem eles. Primeiro, minha mãe.

Obrigada mãe por me apoiar esses anos que eu passei dentro da universidade, por

ser paciente ao escutar que eu não podia fazer qualquer coisa além dos meus

trabalhos. Certamente você foi, e ainda é a pessoa mais acolhedora e que mais

me “puxava a orelha” por demorar tanto a escrever esse trabalho. Te amo, mãe, e

agradeço do fundo do meu coração por sempre me entender. Sei que tive minhas

dificuldades, mas você sempre esteve presente.

Depois, ao meu pai, que estava sempre me perguntando sobre o meu curso

e, mesmo sem ter afinidade com o tema, sempre prestava atenção no que eu tinha

para dizer. Por me fazer rir, por me ajudar sempre que eu o procurava, por me

lembrar que nessa vida é preciso muita simplicidade e organização. Sei que

estive meio ausente nesses últimos anos, mas foi por uma boa causa. Eu sei pai,

que você entende, pois passou pela mesma situação não faz muito tempo.

Obrigada, pai, por me dar o melhor presente que você poderia ter me dado, algo

que hoje posso chamar de meu irmão. Essa serzinho que sempre me faz rir e

sempre acreditar que a infância nunca sai da gente e, por isso, estou sempre

aprendendo com o Gregório. Tenho que agradecer muito a você, pai, e a

Rosangela por cuidarem dele e sei que ele está em grandes mãos. Amo vocês.

Tenho que agradecer muito, mas muito minha avó Juçara e meu avô

Antônio (in memorian) por me darem a condição de começar essa nova etapa.

Amo muito vocês e vou continuar amando por toda a eternidade, por sempre me

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darem o maior apoio e por acreditarem em mim. Sei que posso contar com você,

vovozinha, para tudo. E agradeço eternamente por sua gentileza.

Agradeço ao meu avô Godofredo que me ensinou que a gente deve ser

sempre humilde e que, nessa vida, a gente tem que saber ser feliz e tratar muito

bem as pessoas. Foi com ele que aprendi que a vida tem que ser vivida da melhor

maneira possível superando todos os limites. Durante todo esse período, lembrei

com todo o carinho da minha vovó Lala. Eu sei que, em algum lugar, onde quer

que ela esteja, com certeza está muito feliz por me ver finalizando essa etapa. Vó

sinto sua falta todos os dias da minha vida.

Agradeço a todos os meus tios, tias, primos, primas e agregados por me

darem apoio moral, sempre se preocupando com os meus estudos, e à tia Mari,

que me encorajou para fazer o vestibular da Tuiuti.

E por último, mas nem por isso menos importante, agradeço ao Daniel,

por ter me apresentado os quadrinho de Watchmen. Com toda a certeza absoluta,

se não fosse você, esse trabalho nunca teria saído pelas minhas mãos.

Agradeço cada professor que me deu aula, pois aprendi muito com cada

um, não só em termos de matéria ou como escrever melhor, mas como crescer,

amadurecer e me tornar um ser humano melhor. Cada professor dentro dessa

universidade merece meu muito obrigada.

Tenho que agradecer à professora Viviane que, mesmo eu mudando de

idéia para minha monografia, foi a primeira pessoa que chamei para ser minha

orientadora, pelo simples fato de que ela quebra as regras humanas e consegue

acumular tanta informação em apenas um cérebro e sempre estar disponível para

ajudar os alunos em qualquer circunstância.

Após mudar de tema, mudei de orientador, conseqüentemente. Assim, me

aproximei do professor Clóvis. Aprendi muito com ele, com seu imenso

conhecimento sobre o mundo dos quadrinhos. Ajudou-me imensamente na

formação do que eu queria escrever, me dando mais coragem a escrever sobre

quadrinhos, uma área que ainda não foi tão estudada assim.

Agradeço ao meu atual orientador, professor Luiz Sereza, que uma imensa

paciência comigo com relação aos prazos, minhas inseguranças de escrita e meus

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bloqueios com relação ao que eu escrevo e como eu escrevo. Estava sempre

pronto para discutir como iria fazer o trabalho, mesmo estando atolado de coisas

para fazer. Professor, não tenho palavras para agradecer o tamanho da ajuda que

o senhor me deu. Sem sua ajuda, esse trabalho não sairia nem do pré-projeto,

com certeza.

Deixo aqui meu agradecimento à professora Etelvina, que sempre deu

muito apoio a todos os alunos. Sempre passava uma segurança e a gente sabia

que podia conversar com ela sobre o trabalho, pois qualquer coisa que a gente

tinha dúvida, ela resolveria e faria de tudo para a gente terminar logo.

Não posso esquecer-me do professor Pedro Valandro que, mesmo dizendo

não entender muito sobre a Guerra Fria, aceitou de bom grado fazer a segunda

leitura do meu primeiro capítulo. Sua leitura foi muito importante no processo do

meu trabalho, sem contar sobre sua calma e paciência em me atender sempre que

ia perguntar sobre as normas técnicas.

Agradeço todas as pessoas que eu conheci dentro da Tuiuti, todas que

estudaram comigo de manhã. Sabemos como era triste e ruim sair cedo de casa

para ir à aula, mas estávamos lá, firmes e fortes, um ajudando o outro para

conseguirmos terminar essa faculdade. Depois, tivemos que estudar a noite, nos

aproximando mais de outros alunos e tendo, por conseqüência, novas amizades.

Mas as dificuldades não diminuíram, tivemos nossas pedras no caminho, mas

todos conseguiram chegar ao fim que tanto esperávamos.

Tenho que agradecer à minha amiga Guiullianna me-recuso-a-tentar-

escrever-seu-sobrenome. Você esteve sempre ao meu lado, principalmente nestes

últimos anos. Nossas conversas, risadas, surpresas, tudo, me ajudou muito nessa

etapa final, pois me lembrou que não posso ficar sozinha em nenhum momento.

Sempre esteve disponível a escutar sobre tudo, a conversar sobre tudo, opinar

sobre tudo. Como esteve mais do que presente nesse período de Monografia, fez

com que abstraísse em todos os momentos, pois não é só de escrita que vive uma

pessoa. Mas também de ótimas risadas, muitas lágrimas e vários lanches...

Outra pessoa que tenho que agradecer é a Letícia, vulgo “Arlete, que” não

me deixava ficar sozinha em momento algum na sala de aula. Sempre de alto

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astral, não podia ficar séria perto dela um segundo que fosse. Então, deixo meu

super obrigada, “Arlete”, por não me manter séria nesse momento tenso que é a

monografia.

Durante a escrita desse trabalho, e de muitos outros durante todo o curso,

tive o apoio moral de muitas bandas musicais. Sem elas, a realização desse

trabalho não teria tido fim. Entre elas, se encontra o Twisted Sister, Engenheiros

do Hawaii e Europe que, sem o som deles soando bem alto, não teria me

concentrado nem um quarto do tempo.

Por fim e por último, tenho que agradecer ao material feito pela dupla

Alan Moore e Dave Gibbons, Watchmen. Sem essa obra feita por eles,

obviamente esse estudo nunca teria sido feito e preparado. Só pelo fato de terem

feito esse trabalho, meu agradecimento eterno.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – OS HOMENS-MINUTO................................................................49

FIGURA 2 – AS CAPAS DE WATCHMEN.......................................................52

FIGURA 3 – SEYMOUR E O DIÁRIO...............................................................53

FIGURA 4 – COMBATENTES DO CRIME......................................................56

FIGURA 5 – REUNIÃO DOS COMBATENTES...............................................57

FIGURA 6 – A GUERRA NA TELEVISÃO......................................................59

FIGURA 7 – GREVE PERANTE O COMEDIANTE.........................................60

FIGURA 8 – O MEDO PARA OZYMANDIAS.................................................62

FIGURA 9 – DR. MANHATTAN E ESPECTRAL NO CAOS..........................62

FIGURA 10 – GREVE DIANTE DR. MANHATTAN E ESPECTRAL............65

FIGURA 11 – LEI KEENE..................................................................................66

FIGURA 12 – MAPA DE ATAQUES.................................................................68

FIGURA 13 – SEM BOMBARDEIO..................................................................69

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................10 1. O QUE FOI A GUERRA FRIA – UM CONFLITO DE IMAGENS ....................13 1.1 ALGUNS OLHARES SOBRE A GUERRA FRIA..................................................13 1.2 PRODUÇÃO CULTURAL NO PERÍODO DA GUERRA FRIA...........................33 2. UMA LEITURA DA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN......................................46 2.1 CONTEXTUALIZANDO WATCHMEN................................................................46 2.2 IDENTIFICANDO O MEDO DENTRO DOS QUADRINHOS..............................53 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................74

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INTRODUÇÃO

Alan Moore (1953) colaborou muito com a DC Comics quando escreveu

o quadrinho Watchmen (1986). Com a ajuda das ilustrações de Dave Gibbons

(1949), essa minissérie foi dita como uma das melhores histórias em quadrinhos

do mundo moderno. É tida como uma história complexa, recheada de lances

psicológicos e ironia, com um grande número de personagens. Com um total de

380 páginas, junta o universo dos super-heróis norte-americanos com o

dimensionamento intelectual típico dos europeus. Além do quadrinho

propriamente dito, há textos que são necessários ser lidos, para uma melhor

compreensão da história.

Dividida em 12 volumes mensais, alcançou sucesso de público e de

crítica. No meio de homens fantasiados que tentam combater o crime e a ciência

que cria um deus entre os humanos, a Terceira Guerra Mundial parece estar

muito próxima e, assim, o extermínio da humanidade. Durante a história, é

mostrado aos leitores alguns debates e questões do mundo real em Watchmen,

por exemplo, os ataque dos EUA e da URSS, que tinham em mãos um grande

arsenal nuclear. Durante a história em quadrinhos, debates em torno de questões

políticas, sociais e cientificas são discutidas.

As Graphic Novels são destinadas ao público adulto, pois são histórias

mais complexas, pois demonstram temas mais sérios, e Watchmen se encaixa

nesse padrão, pois estabelece discursos a um novo público alvo, reconstruindo a

imagem dos super-heróis como pessoas normais que vão defender os cidadãos.

Ao final da história, há um enfoque no discurso sobre o “bem maior”, que

envolve uma simulação de ataque alienígena, que mata milhões de pessoas em

Nova York. Essa simulação resulta no fim das tensões que existia entre EUA e

URSS, evitando o extermínio da humanidade em um massacre nuclear, o que

resulta na cooperação entre os povos.

A Guerra Fria, nos quadrinhos de Watchmen, aparecem como pano de

fundo para a história. Em alguns quadrinhos, há alguém assistindo televisão, e

passa um jornalista falando sobre a guerra e que ponto ela está. Em outros

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momentos, o presidente conversa com sua equipe sobre como proceder dentro

dela. Algumas manchetes de jornais ajudam o leitor a identificar algumas

diferenças entre o mundo fantasioso de Watchmen e o que aconteceu durante a

época. É nesse contexto que os personagens do quadrinho se encontram.

Como a Guerra Fria foi uma época de conflitos ideológicos que dividiu o

planeta em dois pólos, muitos escreveram sobre ela, assim como os autores de

História em Quadrinhos. O problema a ser discutido nesse trabalho é como o

imaginário do medo durante a Guerra Fria foi representado pelo autor nos

quadrinhos de Watchmen durante a década de 1980, tendo como objetivo central

compreender as representações do medo durante a Guerra Fria nos quadrinhos de

Watchmen.

Primeiramente, esse trabalho mostrará um histórico do que foi a Guerra

Fria, como ela começou e se desenrolou, alguns conflitos que ocorreram de

acordo com a visão de diferentes autores. Como muitos materiais foram

produzidos nessa época, será exibido o que teve de mais representativo no campo

das Histórias em Quadrinhos e alguns outros produtos culturais produzidos na

época.

Em um segundo momento, será analisado como o autor mostra esse

sentimento de medo das pessoas que viviam durante a Guerra Fria dentro dos

quadrinhos, mostrando uma relação de alguns autores que escreveram sobre o

medo com os quadrinhos propriamente ditos. Um dos autores que será abordado

no trabalho será o Bauman, pois ele escreve sobre o sentimento do medo, a

procura de segurança e a suspeita das pessoas diante o estranho.

Para Norbert Elias, as relações humanas com o perigo são inesperadas.

Por isso, se há a concentração da força nas mãos de uma pessoa, pode haver

espaços livres de violência. Por isso que, ao final dos quadrinhos, alguém

concentra certo poder sob sua responsabilidade, fazendo com que a guerra se

acalmasse. Assim, haverá uma interpretação da visão que o autor da Graphic

Novel passa sobre a solução para acabar a Guerra e começar uma fase de ajuda

mútua e solidariedade nos quadrinhos de Watchmen.

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Também para Bauman, a relação fragilizada entre os humanos foi

influenciada pela diminuição do poder estatal, iniciando assim, o medo moderno.

Por isso, a solidariedade sofreu, abalando algumas proteções artificiais. Deste

modo, será feita uma descrição sobre a relação entre heróis e cidadãos dentro dos

quadrinhos, fazendo uma relação com Bauman, pois é exatamente o medo do

estranho que a população tinha.

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1. GUERRA FRIA – UM CONFLITO DE IMAGENS

1.1 NOÇOES E CONCEITOS DA GUERRA FRIA

Para Hobsbawm, os 45 anos entre o lançamento das bombas atômicas até

a queda da União Revolucionária Socialista Soviética (URSS) não foram um

período homogêneo na história mundial e se dividem em duas metades, tendo

como divisor o início da década de 1970. Mesmo assim, a história dessa época

foi reunida em um único padrão por causa da situação internacional que dominou

até o fim da União Soviética: o contínuo confronto das duas superpotências que

se manifestaram depois da Segunda Guerra Mundial na chamada “Guerra Fria”.

A Segunda Guerra Mundial mal tinha acabado quando a humanidade

viu-se no que podemos superficialmente chamar de uma Terceira Guerra

Mundial, mesmo sendo uma guerra muito particular. Hobsbawm diz que, para o

filósofo Thomas Hobbes, “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar:

mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é

suficientemente conhecida” (Hobbes, capítulo 13)1. A Guerra Fria, disputada

entre os Estados Unidos da América (EUA) e URSS, dominou o plano de ação

internacional na segunda metade do Breve Século XX, como chama Hobsbawm.

Gerações se criaram sob o fantasma de batalhas nucleares globais que podiam

estourar a qualquer momento, devastando a humanidade. Mesmo com algumas

pessoas acreditando que um lado não atacaria o outro, era difícil não serem

pessimistas. Ao decorrer do tempo, mais coisas podiam não dar certo, tanto

política quanto tecnologicamente, em um confronto nuclear baseado na hipótese

de que só o medo da “destruição mútua inevitável” (em inglês, mutually assured

destruction, gerando a sigla MAD) impossibilitaria um lado de dar o sinal e

planejar a devastação da civilização. Não aconteceu, mas era uma possibilidade

durante quarenta anos.

1 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 224

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A particularidade da Guerra Fria era de que não havia perigo imediato de

guerra mundial e, mesmo com a retórica apocalíptica principalmente do lado

americano, os governos das duas superpotências concordaram com a disposição

global das forças depois que acabou a Segunda Guerra Mundial, significando um

equilíbrio do poder diversificado, mas não contestado essencialmente. A URSS

mantinha o poder sob um pedaço do globo, tendo uma grande influência sobre a

parte em que o Exército Vermelho e Forças Comunistas ocupavam depois da

guerra, não tentando aumentá-la com uso de força militar. Os EUA controlavam

e predominavam sobre o resto do mundo capitalista, o hemisfério norte e

oceanos, encarregando-se do que restava da velha hegemonia imperial das

antigas potências coloniais, não intervindo na zona hegemônica soviética.

Para Halliday, a desavença entre os sistemas soviético e americano nesse

período pós-guerra envolveu uma luta abrangente, na qual a inovação não foi

papel dos Estados, mas sim a maneira que essa competição interestatal se

desenrolou em novos terrenos, como a corrida armamentista nuclear e a grande

motivação de recursos ideológicos.

Com sua forte posição econômica, foi natural que o ocidente fosse atrás

de sua economia para pressionar a URSS,

tanto que a economia política internacional das relações Leste-Oeste foi, em essência, a do uso de instrumentos econômicos para fins políticos e militares pelo bloco mais forte, o dos Estados ocidentais. 2

No fim do conflito e no momento em que os Estados comunistas

aceitaram a influência ocidental, a pressão foi maior com prescrições sobre a

liberdade de economia, ligadas a cláusulas sobre o que o Estado representava na

economia.

Edward Thompson escreve que, se usarem os termos “homologia” e

“sistema” de Guerra Fria que Halliday usa, irão chegar nas mesmas conclusões;

se falarem de “reciprocidade”, “impulso inercial” e em “dinâmica auto-

2 HALLIDAY, Fred. Um Colapso Singular: a União Soviética e a Competição Interestatal. in:_______Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: UFRGS, 1999, p. 228

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reprodutora”, estão falando de um método histórico real, e não de “sistemas”

então, os fatos ocorridos em 1989 podem ser ou a conclusão de uma história, ou

o início de outra.3

Para Hobsbawm, as demarcações na Europa entre 1943 e 1945 foram

feitas tanto por acordos entre Roosevelt, Churchill e Stalin, quanto pelo fato que

só o Exército Vermelho poderia por um fim na Alemanha. Havia dúvidas,

principalmente sobre a Alemanha e a Áustria, que foram resolvidas com a

divisão da Alemanha com as linhas das forças de ocupação orientais e ocidentais

e a saída dos ex-beligerantes da Áustria, tornando-se parecida com a Suíça, pois

era um país pequeno empenhado com a neutralidade, sendo invejado por causa

de sua perseverança na prosperidade. A URSS, com certa relutância, aceitou

Berlim Ocidental como um enclave dentro de seu território alemão, mas sem

estar pronta para lutar pela questão.

Fora da Europa, a situação não era tão definida, a não ser pelo Japão, que

foi ocupado pelos EUA de forma unilateral, excluindo tanto a URRS quanto

outro co-beligerante. Mas o problema é que era previsível o fim dos antigos

impérios que tinham colônias e, em 1945, julgado imediatamente na Ásia, “mas a

futura orientação dos novos Estados pós-coloniais não estava nada clara” 4. Foi

nesse período que as duas potências lutaram por apoio e influência nos anos de

Guerra Fria.

No que depois se chamou de Terceiro Mundo, em poucos anos as

condições para atingir uma estabilidade no campo internacional começaram a

fluir, quando os novos Estados pós-colonialistas não se mostraram comunistas,

sendo a maioria anticomunista em sua política interna e não estava dentro do

campo soviético nos assuntos internacionais. Então, o “campo comunista”, para

3 Segundo Thompson, muitos críticos dizem que sua tese sobre o “exterminismo” é muito exagerada, e que foram rebatidas pelo que aconteceu depois de 1985. Quando permitiu a sugestão de que o “exterminismo” era um processo histórico determinado, uma parte das críticas é justificável. Acrescenta que o ensaio foi escrito no começo dos anos de 1980, então, antes que aparecesse o movimento a favor da paz. O termo “extermismo” por ele usado não foi apenas sobre um determinismo condenado, mas também um argumento de como libertar-se de uma lógica forçada para poder observar outras possibilidades. THOMPSON, Edward. Os Fins da Guerra Fria: Uma Resposta. in: BLACKBURN, Robin (Org.). Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 4 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 225

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Hobsbawm, não deu sinal de aumento entre a Revolução Chinesa, em 1911, e a

década de 1970.

O mundo ficou um pouco mais estável depois da guerra, permanecendo

assim até 1970, quando o sistema internacional e suas unidades entraram em

outra crise político-econômica. Até esse momento, as duas superpotências

aceitavam a distribuição desigual do mundo, esforçando-se para solucionar

confrontos de limites sem um conflito aberto entre as respectivas Forças

Armadas que resultasse em uma guerra e, ao contrário da ideologia e retórica da

Guerra Fria, aperfeiçoavam a suposição de que a existência pacífica entre as duas

era possível em longo prazo. Na hora de decidir, uma confiava na outra no

quesito de moderação, mesmo com momentos em que se achavam à beira da

guerra.

Até a década de 1970, sustentou-se o acordo de manter a Guerra Fria

como uma Paz Fria. A União Soviética sabia, em 1953, que o apelo dos EUA

para fazer o comunismo recuar não passava de exagero. Desse momento em

diante, confirmado pela revolução húngara de 1956, o Ocidente não estava mais

sob o domínio soviético.

A Guerra Fria [...] tentou corresponder à sua retórica de luta pela supremacia ou aniquilação não era aquela em que decisões fundamentais eram tomadas pelos governos, mas a nebulosa disputa entre seus vários serviços secretos reconhecido e não reconhecidos. 5

O período mais explosivo foi entre a fala da Doutrina Truman6, em

março de 1947, e abril de 1951, quando o presidente demitiu o General

MacArthur7. Foi nesse momento em que houve o medo americano de uma

separação social ou revolta social nas partes não soviéticas da Eurásia. Mas, em

contrapartida, os EUA tinham o privilégio de armas nucleares e aumentavam

5 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 226. 6 “Creio que a política dos Estados Unidos deve ser a de apoiar os povos livres que resistem a tentativas de subjugação por minorias armadas ou por pressões de fora” (HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 226) 7 Comandante das forças americanas na Guerra da Coréia.

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declarações contra o comunismo militante e agressivo, e foi então que

apareceram as primeiras rachaduras no bloco soviético com a saída da Iugoslávia

de Tito, em 1948.

No momento em que a URSS adquiriu armas nucleares8, era claro que as

duas superpotências tinham abandonado a guerra como objeto político, pois

equivaleria a um pacto suicida. Não chegaram a considerar a ação sobre outros

países, o que não ocorreu, mas ocorreu a ameaça nuclear, quase certo que sem

intenção de cumpri-la.

Para explicar os quarenta anos de confronto armado e mobilizado

baseado na suposição de que a inconstância do planeta era de tal maneira que

uma guerra mundial podia acontecer a qualquer momento, possibilitando o

desvio por causa da incessante discussão, primeiro é necessário entender que a

Guerra Fria tinha como base a crença ocidental, natural depois da Segunda

Guerra Mundial, de que, segundo Hobsbawm, a Era da Catástrofe9 não tinha

chegado ao fim e que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não

estava seguro.

Se Washington conseguia ver os grandes problemas do pós-guerra que

corroíam o equilíbrio sócio-econômico mundial, era porque, depois da guerra, os

países que estavam em guerra, tirando os EUA, haviam ficado em ruínas ao que

parecia aos americanos. Além disso, o sistema internacional antes da guerra

havia caído, o que deixara os EUA em frente a uma URRS muito fortalecida em

vários trechos europeus e em outros lugares maiores no resto do mundo, cujo

futuro era incerto.

A aliança da época de guerra se deu entre os grandes países capitalistas e

o poder socialista, tomando frente das próprias zonas de influência que antes

estavam rompidas, como acontece no fim das guerras. Mas isso não é o bastante

para explicar a causa que política americana deveria tornar como base um cenário

de pesadelos da superpotência moscovita pronta para conquistar imediatamente o

8 Quatro anos depois da bomba em Hiroxima (1949) e nove meses depois dos EUA no caso da bomba de hidrogênio (1953). (HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 227.) 9 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 228.

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globo que dirigia uma conspiração comunista atéia que estava tentando derrubar

os reinos de liberdade.

Era claro e provável, até entre 1945 e 1947, que a URSS não era

expansionista nem violenta, não contando com o progresso comunista mais do

que havia combinado nas conferências de cúpula de 1943-1945. Na real, nos

lugares em que Moscou tinha o controle de seus regimes, os lugares se

comprometiam a não erguer Estados que seguissem o modelo da URSS.

Ainda para Hobsbawm10, de forma racional, a URSS não demonstrava

perigo imediato para quem estava além do alcance de ocupação do Exército

Vermelho. Havia saído de guerra em ruínas, desgastada, com a economia de

tempo de paz muito decaída, com o governo receoso e uma população que, em

sua maioria fora da Grande Rússia, mostrara um claro e compreensível

descompromisso para com o regime. Era governado por Stálin, um ditador que

mostrava ser tão contrário a riscos fora do território sob seu controle quanto

impiedoso dentro dele. Necessitava de toda ajuda que pudesse ter, sem o

interesse imediato em contrariar a única potencia que podia dá-la, os EUA. Stálin

acreditava que o capitalismo iria ser substituído pelo comunismo e qualquer

existência simultânea não seria duradoura. Mas os planejadores soviéticos não

enxergavam o capitalismo em crise no final da Segunda Guerra Mundial, sem

duvidar de que continuaria por um longo tempo sob a supremacia dos EUA, que

tinham riqueza e poder. Isso, na realidade, era o que a URSS desconfiava e

temia. Após a guerra, sua postura não era agressiva, mas defensiva.

Dessa posição, surgiu uma política de confronto de ambos os lados. A

URSS sabia da fragilidade e insegurança da Europa Central e Ocidental e do

futuro duvidoso de grande parte da Ásia. A luta poderia ter aparecido mesmo

sem ideologia. George Kennan11 não acreditou que a Rússia estivesse em

esforços a favor do comunismo, estando longe de ser uma luta ideológica. Por

estudar a Rússia da velha escola de política e potência, Kennan viu-a como uma

10 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p 230. 11 Diplomata americano que teve a idéia da política de “contenção” que Washington adotou com veemência no início de 1946.

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sociedade retrógrada e bárbara, comandada por homens movidos por um senso

de insegurança russo, isolados do mundo exterior, dirigida por autocratas que

buscavam segurança apenas na luta calma e mortal para a devastação de uma

potência rival, sem nenhum acordo com ela, sempre respondendo à lógica da

brutalidade, nunca à razão. Em sua opinião, o comunismo fazia da Rússia ainda

mais perigosa, reforçando a mais bruta das potências com a mais imperdoável

das ideologias utópicas. Porém, a implicação da tese era de que os EUA, único

rival da Rússia, teria de barrar a pressão a partir de uma defesa inflexível, mesmo

que ela não fosse comunista.

Por outro lado, do ponto de vista de Moscou, a única estratégia para

proteger e explorar a vasta, porém fraca, nova postura de potência internacional

continuava sem acordo. A URSS estaria disposta a recuar de qualquer

circunstância expositiva, além de sua posição fortificada que considerava ser

prevista nas conferências de cúpula de 1943 a 1945, mas qualquer expectativa de

reabrir Yalta era respondida com uma negação pública por parte de Motolov,

ministro das Relações Exteriores de Stalin. Até certo ponto, o poder estava do

lado dos americanos. Até o mês de dezembro de 1947, não havia aviões para o

transporte das doze bombas atômicas existentes, nem militares capazes de armá-

las. A URSS não o tinha, e Washington só colocaria a disposição em troca de

privilégios, mas era isso que Moscou não podia sustentar, mesmo em troca de

ajuda econômica necessária, que de qualquer modo os americanos não queriam

enviar, dizendo ter perdido o pedido soviético de um empréstimo depois da

guerra, feito antes de Yalta.

Porém, a política de recíproca intolerância e de rivalidade contínua de

poder, não envolvia o perigo diário da guerra. As secretarias das Relações

Exteriores do século XIX sabiam que os momentos de confronto aberto eram

raros, e as crises de guerra mais ainda. A intolerância mútua resultava em uma

política de luta de vida ou morte, ou guerra religiosa. Mas dois elementos na

situação contribuíam para fazer com que o confronto passasse de algo racional

para algo emocional. Tanto um lado como o outro, eram potências que

representavam uma ideologia, sendo que a maioria dos americanos acreditava

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que era o modelo para o mundo. Ao contrário da URSS, os EUA era uma

democracia. Segundo Hobsbawm, eram provavelmente os mais perigosos.

Mesmo atribuindo um caráter negativo ao adversário, o governo

soviético não precisava se preocupar em ganhar votos no Congresso, ou com

eleições, diferente do governo americano. Para os dois propósitos, um

anticomunismo apocalíptico era vantajoso e tentador, até para os políticos que

não estavam tão convencidos de sua própria retórica. Um inimigo externo que

ameaçava os EUA não deixava de ser evidente para governos americanos que

haviam concluído que seu país era uma potência mundial e que observavam o

isolamento como uma barreira do próprio país. Se a América não estava a salvo,

tinham que aceitar as responsabilidades da liderança do mundo. O

anticomunismo era legítimo e profundamente popular em um país baseado no

individualismo e na empresa privada, e a nação se define em termos ideológicos,

podendo se julgar como pólo oposto ao comunismo.

Os dois lados viram-se empenhados em uma contínua corrida

armamentista para a recíproca destruição, com generais e intelectuais nucleares

cujo profissionalismo não percebesse essa loucura. Ambos estavam

comprometidos no aumento de homens e recursos para a preparação da guerra.

Os dois complexos industrial-militares eram incentivados por seus governos a

usar a sua competência excedente para atrair e armar aliados, conquistando

mercados de exportação lucrativos, ao mesmo tempo em que guardavam para si

as armas modernas e nucleares, pois, na prática, as superpotências defendiam seu

monopólio nuclear. Mas a Guerra Fria não contou que os britânicos conseguirim

suas próprias bombas em 1952, os franceses e os chineses na década de 1960.

Entre as décadas de 1970 e 1980, outros países, como Israel, África do Sul e

provavelmente a Índia, conseguiram fazer armamentos nucleares. Porém, esse

aumento nuclear só se tornou um problema internacional em 1989, no fim da

ordem.

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Segundo Halliday12, a corrida armamentista se encaminhou em três

estágios. O primeiro começa no final dos anos de 1940, quando a URSS e os

EUA estavam muito envolvidos em uma corrida armamentista, tanto

convencional quanto militar, com grandes gastos, juntamente com uma corrida

tecnológica, em que todas as dimensões mais importantes os EUA estavam na

frente em questão tecnológica, a não ser na corrida espacial nos anos de 1950,

mantendo uma liderança quantitativa. Em um segundo momento, o peso sobre os

EUA foi menor, mostrado na pequena porcentagem do Produto Interno Bruto, o

PIB, (5% a 10%), enquanto a URSS gastava 10% a 20% nesse período. Por

ultimo, por causa ausência de confronto militar direto, a corrida armamentista

representou uma continuação da política por outros meios, refletindo a busca por

uma ilusória, mas estratégica, superioridade, em que os dois lados procuravam

por prestígio internacional, constituindo uma pressão orçamental, resultando em

uma relação doméstica entre Estado e sociedade.

Apesar de o aspecto mais evidente da Guerra Fria fosse o confronto

militar e a corrida armamentista no Ocidente, para Hobsbawm13, não foi esse o

seu grande impacto. As armas nucleares não foram usadas. As potências

nucleares se envolveram em três guerras, mas não umas contra as outras. O

material de elevado preço e de alta tecnologia da competição das superpotências

se mostrou pouco decisivo. As ameaças de guerra geraram movimentos

internacionais de paz contra as armas nucleares, tornando-se movimentos em

partes da Europa, vistos pelos cruzados da Guerra Fria como armas secretas dos

comunistas. Esses movimentos não foram muito decisivos, mas o movimento dos

jovens contra a Guerra do Vietnã (1965-1975) se mostrou mais eficaz.

As conseqüências políticas da Guerra Fria polarizaram o mundo

controlado pelas superpotências em dois campos. Os governos antifascistas que

tinham terminado com a guerra na Europa (exceto os Estados da URSS, dos

EUA e da Grã-Bretanha) dividiram-se em regimes pró-comunistas e

12 HALLIDAY, Fred. Um Colapso Singular: a União Soviética e a Competição Interestatal. in:_______Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: UFRGS, 1999, p 215. 13 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 234.

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anticomunistas homogêneos entre 1947 e 1948. Na parte ocidental, os

comunistas foram marginalizados politicamente. Para encarar os EUA, foi criada

uma Internacional Comunista, restrita e eurocêntrica, dissolvida em 1956,

quando as atividades internacionais se aquietaram.

As políticas do bloco comunista começaram a ficar estáticas, e sua

fragilidade foi aumentando. A política dos Estados europeus alinhados com os

EUA era menos monocromática, pois praticamente todos os partidos locais,

exceto o partido comunista, se juntaram, pois tinham em comum o desprezo

pelos soviéticos. Pela política externa, não importava quem estava no poder.

Porém, os EUA fizeram as coisas ficarem simples para o Japão e a Itália, ex-

inimigos seus, criando um sistema unipartidário permanente.

Em 1957, a Comunidade Européia era formada por seis Estados14 e no

final do século XX, quando o sistema dava princípios de oscilação, como o resto

dos produtos da Guerra Fria, tinham entrado outros seis15 e, teoricamente, se

comprometia com uma formação política e econômica mais estreita. Isso deveria

levar a união federada ou confederada da “Europa”.

A “Comunidade”, assim como outras coisas na Europa pós-1945, era a

favor e contra os EUA, ilustrando o poder e a ambigüidade daquele país,

mostrando, ao mesmo tempo, a força dos medos que mantinha unida a aliança

anti-soviética. Não era apenas medo da URSS. Para a França, o perigo principal

vinha por parte da Alemanha, e o receio de uma grande potência revivida na

Europa Central era partilhado com outros Estados europeus que tiveram alguma

participação na guerra, que estavam em uma aliança chamada Organização do

Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que contavam tanto com os EUA quanto

com a Alemanha armada e bem economicamente, mas endividada. Os temores

eram em relação aos EUA, um aliado forte contra a URSS, mas ainda assim um

suspeito e desconfiável, podendo por seus interesses da supremacia acima de

todos.

14 França, República Federal da Alemanha, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo 15 Grã-Bretanha, Irlanda, Espanha, Portugal, Dinamarca e Grécia

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Uma coisa boa para os aliados dos EUA é que a situação da Europa

Ocidental entre 1946 e 1947 demonstrava estar tão tensa que Washington sentiu

que o auge da economia européia e japonesa na época era mais urgente, e o Plano

Marshall foi lançado em 1945, projeto para a recuperação européia, que

representou um papel maior de verbas do que de empréstimos. Mas os EUA não

estavam em condição de impor aos Estados europeus seu ideal de um plano

europeu único, levando a Europa para uma estrutura política e econômica aos

moldes dos EUA.

[…] para os americanos uma Europa efetivamente restaurada, parte da aliança militar anti-soviética que era complemento lógico do Plano Marshall – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de 1949 – tinha de basear-se realisticamente na força econômica alemã, reforçada pelo rearmamento do país.16

Os franceses teriam que entrelaçar os negócios com a Alemanha

Ocidental para que os dois não entrassem em conflito, propondo uma versão de

união européia17, que foi uma alternativa para o plano americano de união

européia. Assim, o fim da Guerra Fria iria arruinar a base em que a Comunidade

Européia e a aliança franco-alemã haviam se erguido.

Com o avanço da Guerra Fria, o espaço entre a dominação militar e

política que Washington exercia na aliança e o enfraquecimento da

predominância econômica dos EUA aumentavam. A economia mundial passava

das mãos dos EUA para as mãos européia e japonesa, estes que os EUA

acreditavam ter salvado economicamente. Os dólares, mesmo poucos em 1947,

saíam dos EUA de forma acelerada por causa da tendência americana de

financiar o déficit resultante causado pelas suas atividades militares globais e

pela ambição americana de bem-estar social. O dólar, moeda-chave da economia

16 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 238. 17 Em 1950, denominada Comunidade Européia do Carvão e do Aço, transformando-se, em 1957, em Comunidade Econômica Européia ou Mercado Comum, depois Comunidade Européia e, por fim, em 1993, com União Européia, com o quartel-general em Bruxelas, mas o núcleo era a unidade franco-germânica. (HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 238.)

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mundial depois da guerra, estava enfraquecendo. Durante a década de 1960, o

equilíbrio do dólar não se baseava mais nas reservas dos EUA, mas na disposição

dos bancos centrais europeus de não trocar seus dólares por ouro, e começar a

manter o preço do metal no mercado, o que não durou. A conversibilidade do

dólar foi deixada em agosto de 1971, junto com a estabilidade do sistema de

pagamentos internacional, finalizando o controle dos EUA ou de qualquer outra

economia nacional.

No fim da Guerra Fria, a hegemonia econômica americana estava quase

acabando, sendo que até a hegemonia militar não podia ser financiada pelo

próprio país. Em 1991, a Guerra do Golfo, contra o Iraque, foi financiada pelos

países que financiavam Washington. Foi uma das poucas guerras que uma grande

potência teve lucro.

No começo dos anos de 1960, a Guerra Fria pareceu ir em direção à

insanidade. O perigo do ano de 1947 e até a Guerra da Coréia, entre 1950 e 1953,

não havia tido uma explosão mundial. O mesmo aconteceu com os abalos que

sacudiram a União Soviética na década de 1950, principalmente depois da morte

de Stalin. Não tendo que lutar contra a crise social, os países da Europa Ocidental

começaram a entender que estavam começando a viver uma época inesperada de

prosperidade.

No final da década de 1950, Kruschev, dirigente da URSS entre 1953 e

1964, estabeleceu sua supremacia na URSS após sobressaltos e excursões pós-

Stalin. Kruschev acreditava na reforma e coexistência pacífica, esvaziando os

campos de concentração de Stalin, dominando o cenário internacional nos anos

seguintes. A détente18 era sobreviver a um tenso período de confrontos entre o

gosto de Kruschev pelo blefe e os gestos políticos de Keneddy (1960-1963), o

presidente americano mais superestimado do século. As duas superpotências

foram levadas a duas operações de alto risco em um momento em que o Ocidente

capitalista sentia que estava perdendo território para as economias comunistas,

que cresceram muito rápido durante a década de 1950.

18 Jargão tradicional dos diplomatas da velha guarda, que significa o afrouxamento da tensão, aparecendo no fim da década de 1950.

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No entanto, o resultado das ameaças mútuas foi um sistema internacional

de relativa estabilidade, e um acordo implícito das duas superpotências de não

assustar uma a outra nem o resto do mundo, tendo como símbolo a instalação da

“linha quente” telefônica que ligava a Casa Branca com o Kremlin. O Muro de

Berlim fechou a última fronteira indefinida entre a Europa Ocidental e Oriental.

Os EUA aceitaram uma Cuba comunista em sua soleira. As chamas da guerra de

libertação e de guerrilhas que foram acesas pela Revolução Cubana na América

Latina, e pela descolonização na África, não aumentaram, parecendo sumir.

Kennedy foi assassinado em 1963 e Kruschev foi mandado em 1964 embora pelo

establishment19 soviético, que queria uma visão mais violenta da política. Os

anos de 1960 e 1970 viram algumas medidas significativas para controlar e

colocar limite nas armas nucleares, como alguns tratados de proibição de testes,

tentativas para deter a proliferação nuclear, um Tratado de Limitação de Armas

Estratégicas entre os EUA e a URSS, e alguns acordos entre os Mísseis

Antibalísticos de cada lado. O comércio entre os EUA e a URSS, abafado por

tanto tempo, começou a aparecer no final dos anos de 1960, fazendo com que as

perspectivas parecerem boas.

Mas não eram. Na década de 1970, o mundo entrou no que é chamado de

Segunda Guerra Fria. Aconteceu ao mesmo tempo de uma grande mudança

econômica mundial, um longo período de crise que tomaria duas décadas, com

seu clímax na década de 1980. No começo da mudança, o clima econômico não

foi notado pelos participantes dos jogos das superpotências, a não ser pelo

aumento dos preços de energia, por causa do sucesso do golpe do cartel dos

produtores petrolíferos, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEP), que enfraqueceu o domínio internacional dos EUA. As duas

superpotências estavam felizes com as suas economias sólidas. Os EUA foram

menos afetados pela nova crise econômica do que a Europa, e a URSS achava

que tudo ia a seu favor. Leonid Brejnev, sucessor de Kruschev, parecia estar um

pouco otimista, talvez pelo fato de que a crise do petróleo de 1973 duplicou o

19 Grupo de pessoas com grande influência no poder. Disponível em: www.priberam.com/dlpo.

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valor de mercado das grandes jazidas petróleo e gás natural que haviam sido

descobertas na URSS desde a década de 1960.

Porém, dois acontecimentos relacionados entre si pareciam mudar o

equilíbrio das duas superpotências. O primeiro era a provável derrota dos EUA,

quando se lançou na Guerra do Vietnã, que desmoralizou e dividiu a nação, com

cenas passadas na televisão de manifestações contra a guerra, acabou com um

presidente, o que resultou na sua derrota e a retirada prevista após dez anos

(1965-1975), demonstrando o isolamento dos EUA, pois nenhum de seus aliados

europeus mandou contingentes para lutar junto às suas forças. É difícil saber a

causa de os EUA terem se envolvido nessa guerra condenada.

O Vietnã e o Oriente Médio, após a guerra do Yom Kipur em 1973,

deixaram os EUA debilitados, o que não alterava o equilíbrio global das

superpotências, ou a natureza do confronto durante a Guerra Fria. Entre os anos

de 1974 e 1979, novas revoluções surgiram em torno do globo, que podia mudar

o equilíbrio das superpotências, sendo desfavorável aos EUA, pois vários

regimes na África, Ásia e mesmo na América eram atraídos para o lado soviético,

fornecendo bases militares e navais. Essa fase de conflitos foi resultado de

guerras locais no Terceiro Mundo, travadas de modo indireto pelos EUA, que

evitavam o erro de arriscar suas próprias forças cometidas no Vietnã, e um

grande aumento da corrida armamentista nuclear.

Como a situação européia estava estável e as linhas tinham sido traçadas,

as duas superpotências transferiram sua competição ao Terceiro Mundo. O

enfraquecimento da tensão na Europa deu aos EUA de Nixon (1986-1974) e

Kissinger a chance de obter vantagens dois grandes sucessos: a evacuação dos

soviéticos do Egito e o alistamento informal da China para a aliança anti-

soviética. As novas revoluções, quase todas contra regimes conservadores dos

quais os EUA haviam se feito defensores globais, deu à URSS a oportunidade de

recuperar a iniciativa. No momento em que o império africano de Portugal

passava para o lado comunista e a revolução que derrubou o imperador da

Etiópia virava-se para Leste e à medida que o xà do Irã recaía, uma histeria

tomava conta do público americano e do debate privado.

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A auto-satisfação não explicada dos soviéticos incentivou esse clima

sombrio. Os propagandistas dos EUA estavam decididos a levar seu rival à

falência, aumentando os gastos com defesas, após 1964. A corrida não tinha

sentido, mas deu à URSS a satisfação de afirmar que estava párea aos EUA em

lançadores de mísseis em 1971 e uma superioridade em 25% em 1976, mesmo

estando abaixo no que diz respeito ao número de ogivas. O esforço organizado da

URSS para conseguir uma marinha com presença mundial nos oceanos não era

estrategicamente sensato, mas era compreensível com um gesto político de uma

superpotência global, que reivindicava o direito de exibir mundialmente sua

bandeira.

Contudo, o próprio fato de a URSS não mais aceitar seu confinamento regional pareceu aos adeptos da Guerra Fria americanos uma prova clara de que a supremacia ocidental poderia acabar, se não fosse reafirmada por uma demonstração de força. 20

E a grande confiança de Moscou que a levou a abandonar a cautela pós

Kruschev no que se tratava de questões internacionais confirmaram essas

opiniões.

Esse nervosismo de Washington não era baseado em um argumento

realista. Na verdade, o poder americano, diferente de seu prestígio, continuava

maior que o soviético. Em quesito de economia e tecnologia em ambos os lados,

a superioridade ocidental (e japonesa) era evidente de qualquer forma. Os

soviéticos, vistos como rudes e inflexíveis, com muito esforço, poderiam ter

organizado a melhor economia da década de 1980, mas não adiantava muito à

URSS o fato de que produzia 80% mais aço, duas vezes mais ferrogusa e cinco

vezes mais tratores que os EUA, pois não se adaptou a uma economia que

dependia de silício e softwere. Não havia sinal de que a URSS queria uma guerra,

muito menos que estava planejando um ataque militar ao Ocidente. Os roteiros

de ataque nuclear expostos na publicidade governamental e dos envolvidos

adeptos da Guerra Fria ocidentais eram gerados por eles mesmos. Tinham o

20 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 243.

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efeito de convencer os soviéticos de que um ataque nuclear antecipado do

Ocidente à URSS podia acontecer, provocando a maior movimentação de massa

pela paz antinuclear na Europa de toda a Guerra Fria.

A política do presidente Ronald Regan, eleito em 1980, pode ser entendida

como uma tentativa de tirar o sentimento de humilhação na demonstração de

supremacia e invulnerabilidade dos EUA, e, se pudessem, com utilização do

poderio militar contra alvos móveis. O autor diz que, talvez por ser um ator de

Hollywood, Reagan compreendia o estado de espírito do povo e quão profundo

estavam as feridas causadas à sua auto-estima. Então, assim podemos encontrar

na Guerra do Golfo, contra o Iraque em 1991, uma forma de equilíbrio tardia

para os pavorosos momentos de 1973 e 1979, momento em que a maior potência

da Terra não achou respostas a um consórcio de fracos Estados do Terceiro

Mundo, ameaçando estrangular seus abastecimentos de petróleo.

O governo de Reagan ia contra o “Império do Mal”, dedicando suas

energias mais para uma terapia para os EUA do que uma tentativa de restabelecer

o equilíbrio de poder mundial. Isso aconteceu no fim da década de 1970, quando

a OTAN tinha começado seu rearmamento, e os novos Estados de esquerda

africanos tinham sido controlados desde o começo por movimentos ou Estados

que tinham apoio dos EUA, com sucesso no Sul e Centro da África, lugar que os

EUA podiam agir junto do regime de apartheid da República da África do Sul.

A ajuda de Reagan para a Guerra Fria foi mais ideológica do que prática.

Acabou o período de governo centrista e um pouco social-democrata, no

momento em que as políticas econômicas e sociais da Era de Ouro pareceram

arruinar. Governos de ideologia direitista conseguiram chegar ao poder por volta

de 1980, e entre os mais destacados, Reagan e a Sra. Thatcher, entre 1979 e

1990, como primeira-ministra na Grã-Bretanha. Reagan dirigia a Guerra Fria não

era contra o “Império do Mal” no exterior, mas contra a imagem de Roosevelt no

próprio país: contra o Estado do Bem-estar Social e qualquer outro Estado

interventor. Seu inimigo era tanto o liberalismo quanto o comunismo.

Como a URSS ia acabar antes do fim da era Reagan, os propagandistas

americanos diriam que ela foi derrubada por uma militante campanha americana,

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então, os EUA tinham combatido e ganhado a Guerra Fria, destruindo por

completo seu inimigo. Não há indício de que o governo americano previsse a

queda imediata da URSS, ou estivesse pronto para quando acontecesse.

Esperando pôr uma economia soviética sob pressão, foi informado pela sua

espionagem que ela estava em boa forma e conseguiria sustentar a corrida

armamentista com os EUA, o que era errôneo. No começo da década de 1980, a

URSS era vista, de forma errada, como comprometida em um ataque global. O

próprio Reagan acreditava na existência entre EUA e URSS que não se baseasse

num equilíbrio de terror nuclear. Assim pensava também o secretário-geral do

Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, como deu a entender

em sua conferência de cúpula, realizada na Islândia, em 1986.

Segundo Fred Halliday, o destino do comunismo é importante para a

avaliação da tese de que a constituição de Estados revolucionários incluiu um

aumento na força do controle estatal executado como uma resposta às pressões

internacionais. Ainda que os regimes comunistas terem sido criados pelos

movimentos revolucionários e terem, pelo menos no início, sido fundamentados

em mobilizações de massa e em algum consentimento popular, todos se tornaram

sistemas em que a política era decidida por uma pequena elite. As capacidades,

métodos e objetivos destas elites eram resultados de seus próprios objetivos, mas

eram influenciados por fatores internacionais: o objetivo de rivalizar e, quem

sabe, superar o capitalismo, a reprodução e a ajuda de outras lideranças de

partidos comunistas e a vigilância da URSS dos partidos europeus do oriente

pós-Segunda Guerra e o impulso de recursos para defesa do “campo socialista”

contra a ameaça externa.

Para Hobsbawm21, a Guerra Fria acabou quando as duas superpotências

reconheceram o absurdo da corrida nuclear, e quando uma acreditou na verdade

do desejo da outra de terminar com a ameaça nuclear. Era maior a probabilidade

de um líder soviético tomar essa iniciativa, pois Moscou não encarava a Guerra

Fria como uma cruzada, talvez porque não precisasse levar em consideração a

21 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 246

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opinião pública. Por causa disso, era difícil para um líder soviético fazer com que

o Ocidente acreditasse que falava sério, pois Gorbachev tomou a iniciativa e

convenceu sozinho o governo americano de que falava a verdade. Mas não se

pode subestimar a ajuda de Reagan, cujo idealismo simplista quebrou o anteparo

de ideólogos e fanáticos profissionais que estavam a sua volta para deixar-se

convencer. Para uma praticidade, a Guerra Fria terminou nas duas conferências

de cúpula de Reyklavik, em 1986, e Washington, em 1987.

O fim da Guerra Fria está ligado com o fim do sistema soviético, embora

sejam fenômenos historicamente separados. O socialismo soviético era uma

alternativa global para o sistema mundial capitalista. Como este último não ruiu,

as perspectivas do socialismo como alternativas dependiam de sua capacidade de

competir com a economia mundial capitalista. Depois de 1960, o socialismo

estava deixando de ser competitivo. No momento em que essa competição se

formava como um confronto entre as duas superpotências políticas, militares e

econômicas, a inferioridade tornou-se nociva.

Para Fred Halliday, no fim dos anos de 1980, a queda do sistema soviético

ergueu muitas questões estimulantes e não resolvidas, dentro de teorias sociais e

internacionais. A primeira questão desse fenômeno a ser analisada é a da

explicação, fornecendo uma importância que mostre as razões de um sistema

político e socioeconômico específico, quase igual ao seu inimigo no campo

militar, quebrando de uma forma rápida e evidente e na ausência de conflito

militar internacional.

Assim, essa questão levanta ao menos mais outras duas. A primeira,

menos expressa, mas que atiça a curiosidade, faz referência à seriedade do

colapso. Assim, pode-se questionar se o comunismo soviético estava destinado a

falhar ou se, com sorte, poderia ter continuado, aumentando seu poderio ou

prevalecendo em uma escala mundial. A segunda, sendo uma explicação e

avaliação da história do comunismo, é quando e como esta crise terminal

começou, se é que se pode colocar uma data a partir de decisões.

Tendo desafios e necessitando ser sustentada por suposições conceituais e

teóricas, estas questões são diferentes de outro conjunto de preocupações

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edificado pelo colapso comunista. A diversidade, a rapidez das mudanças

recentes e a importância dada sobre os acontecimentos destas sociedades

constituem um laboratório de processos sócios-políticos descontrolados,

importantes para a avaliação de teorias conflitantes. É possível dizer quatro

processos que falam sobre a interação dos Estados no sistema internacional, que

são relevantes para a avaliação dos Estados, das interações sociedade-Estado e

das formas e limites das capacidades de Estados: a natureza da Guerra Fria e seu

caráter intersistêmico; os padrões de transformação vindos de cima e a função

dos fatores internacionais em moldá-los e limitá-los; as probabilidades e as

perspectivas para uma passagem até o momento único, a do comunismo para o

capitalismo; e as várias proporções da competição internacional e seu papel na

ruína soviética.

Hobsbawm22 descreve que ambas as superpotências se entenderam,

distorcendo demais suas economias com uma grande corrida armamentista, mas

o sistema capitalista mundial podia arcar com a dívida de três trilhões de dólares.

Mas não havia ninguém para absorver os gastos soviéticos, que era de proporção

muito maior. Os EUA, por causa de uma combinação de sorte histórica e política,

viram seus dependentes virarem economias tão grandes que superaram eles

próprios. Mas os aliados soviéticos não andaram sozinhos, dependendo ainda dos

dólares anuais da URSS. No que diz respeito à tecnologia, a superioridade

ocidental aumentava, não havendo disputa. Portanto, a Guerra Fria, desde o

começo, foi uma guerra de desiguais.

Para Halliday23, a vitória soviética na Segunda Guerra e, depois, quarenta

anos de concorrência com o Oeste tenha aumentado gradativamente a ilusão da

eficácia do comunismo, dentro e fora de seu país. No entanto, a história da

competição interestatal insinuaria que o comunismo foi um fracasso é simplista,

sendo uma surpresa para os alemães capturados em Stalingrado, e para os

22 HOBSBAWM, Eric J. Guerra Fria in:______ Era dos Extremos: O Breve Século XX 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 247 23 HALLIDAY, Fred. Um Colapso Singular: a União Soviética e a Competição Interestatal. in:_______Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: UFRGS, 1999, p. 210.

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planejadores militares do Pentágono que encaravam os avanços soviéticos no fim

da década de 1950 e os progressos dos mísseis entre as décadas de 1970 e 1980.

A causa da ruptura do comunismo envolve olhar tanto para seus registros

internos quanto externos, mesmo quando é avaliado o desempenho e a

capacidade do Estado. Isso separa os diferentes tipos de competição interestatal e

intersocial: na visão mais convencional da competição internacional, não

somente na Segunda Guerra, mas também na corrida armamentista entre os

grandes poderes e suas competições no Terceiro Mundo; sendo que o seu

fracasso no nível socioeconômico foi de propósito, pois não envolveu um

fracasso absoluto, mas uma comparação, notada na falta de meios para

acompanhar a competição. Por sua compulsão de competir junto com a ideologia

comunista, junto com a impossibilidade de guerra, o registro doméstico

comparativo do comunismo voltado para suas principais alternativas capitalistas

tornou-se o objetivo da rivalidade e de sua queda.

Hobsbawm demonstra que não foi a batalha agressiva com o capitalismo e

seu superpoder que arruinou o socialismo. Foi a soma entre seus próprios

defeitos econômicos, mais evidentes, e a crescente invasão da economia

socialista pela mais avançada, dinâmica e dominante economia capitalista

mundial. Ao mesmo tempo em que a retórica da Guerra Fria via o capitalismo, o

“mundo livre”, e o socialismo, “totalitarismo”, como dois lados de um abismo,

rejeitando a possibilidade de uma ponte, podia-se dizer que ela certificava a

sobrevivência do adversário mais fraco, pois, mesmo atrás de uma cortina de

ferro, era viável a economia de comando por planejamento centralizado. Foi a

interação da economia soviética com a mundial capitalista, a partir da década de

1960, que tornou o socialismo fraco. Quando os lideres socialistas na década de

1970 deram a preferência por explorar os recursos recém-disponíveis no mercado

mundial, ao invés de enfrentar a reforma de seu sistema econômico, foi aí que

começaram a decair.

Em certo sentido, os radicais da Guerra Fria de Washington não estavam

totalmente errados. A real Guerra Fria acabou na cúpula de Washington em

1987, não podendo ser oficialmente encerrada até a URSS deixasse de ser uma

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superpotência. Depois de quarenta anos, a suspeita e o medo não poderiam ser

facilmente revertidos. As máquinas de guerra continuavam funcionando, e

serviços secretos continuaram suspeitando de um truque do outro lado para

desarmar a vigilância. Foi a ruína do império soviético em 1989 e a dissolução da

URSS entre 1989 e 1991 que tornou possível acreditar que tinha mudado.

Para Thompson24, quando as barreiras ideológicas começaram a

desmoronar em 1989, escreve que sua análise poderia se confirmar, e não a de

Halliday. Se trocar “homologia” por noções dialéticas de processo recíproco,

então o processo está apenas no começo, e os fatos ocorreram nos anos seguintes.

Ninguém no movimento pela paz imaginou que os acontecimentos dividiriam o

mundo em dois lados. Nas eleições para presidência feitas durante os anos de

1940 nos EUA, a direita tem colocado os parâmetros de segurança e ameaça

soviética, sendo silenciadas na propaganda ensurdecedora.

1.2 PRODUÇÃO CULTURAL NO PERÍODO DA GUERRA FRIA

Em seu livro, Superdeuses25, Grant Morrison mostra que o primeiro super-

herói a ser criado, dando início à Era de Ouro dos quadrinhos, foi o Superman,

em 1938. Nessa época, os bancos dos EUA estavam falindo e pessoas perderam

seus empregos e suas casas. Na Alemanha, Hitler tornou-se ditador, mesmo

tendo ganho nas eleições cinco anos antes. Inspirados nesse cenário, Jerry Siegel

e Joseph Shuster demoraram sete anos para que a história em quadrinhos tivesse

o ritmo que conhecemos. Após quatro anos de tentativas fracassadas de vender o

Superman como tira de jornal, a dupla conseguiu encontrar o ritmo. Siegel e

Shuster venderam os direitos para a National Comics, que viraria mais tarde a

DC, por 130 dólares, na época. Sua primeira história foi proteger uma mulher

que estava apanhando de seu marido. Na época, o herói era mais rude e mal-

24 THOMPSON, Edward. Os Fins da Guerra Fria: Uma Resposta. in: BLACKBURN, Robin (Org.). Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 77. 25 MORRISON, Grant. Superdeuses Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis. 1a. ed. São Paulo, 2012, p. 20.

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humorado do que a que conhecemos hoje, pois a visão dos criadores era um herói

que defendesse de verdade os fracos e oprimidos.

Em 1938, o editor da revista Detective Comics, Vin Sullivan recebeu

ordens de seu chefe para criar um personagem nos moldes do Superman para

tirar proveito dessa nova moda dos super-heróis, mas com um pouco mais de

mistério, crime e terror. Batman fez sua estréia em 1939, tendo como roteirista

Bob Kane com colaboração de Bill Finger, mas não ficando muito tempo.

Por mais diferentes que fossem, Batman e Superman ficaram amigos,

inaugurando o universo da DC Comics.

Robin, o Garoto Prodígio, fez sua primeira aparição na Detective Comics

em 1940. Dick Grayson foi apresentado aos leitores como um menino

bagunceiro, o mais distante possível do meio social em que Batman se

encontrava, mas tinha mais coragem do que qualquer outro garoto que o super-

herói já encontrara, fazendo sentido os dois se unirem e dividirem a vida

combatendo o crime.

O Lanterna Verde apareceu pela primeira vez em 1940, em All American

Comics nº 16, contando a história de Alan Scott, um ferroviário que descobriu

uma lamparina com poderes mágicos. Deixou a antiga vida para combater o

crime com uma roupa de cores vibrantes. No mesmo ano, Flash foi o primeiro

super-herói acidental, antecipando o universo Marvel, em que todos eram vítimas

da ciência e motivados pelo altruísmo, usando seus poderes para o bem da

comunidade.

Muitas editoras de quadrinhos têm um ou mais personagens semelhantes

ao Superman. Mesmo as coisas sendo diferentes em 1949, não se queria outro

Superman. Mesmo com a equipe jurídica da National dando um jeito de provar o

contrário, para Grant Morrison, o Capitão Marvel era diferente do Superman.

Enquanto o Superman mostrava o poder do indivíduo de forma realista, as

histórias do Capitão Marvel caíam no irreal. Se o Superman era ficção científica

e Batman era policial, o Capitão Mavel se encaixava na fantasia.

Billy Batson era um menino que vendia jornal na estação de trem, lugar

que lhe servia como dormitório. Após ser acordado por uma figura de chapéu e

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casaco, um trem chega à estação com viagem para outra realidade. Ao final da

viagem, o homem de barba longa, que tem um cubo pairando sobre sua cabeça,

diz quais são suas novas obrigações e poderes, pois tomará o lugar do velho e a

transferência se faz quando Billy diz o nome do bruxo: Shazam, transformando-

se, assim, no Capitão Marvel.

Em 1941, Joe Simon e Jack Kirby inventaram o Capitão América, o maior

dos super-heróis patriotas, com a missão de revidar a ameaça dos japoneses e dos

nazistas. Steve Rogers era um Cabo franzino que se voluntariou para uma

experiência militar que o transformaria em um super-guerreiro. Diferente do

Superman e do Batman, o Capitão América era um soldado com permissão para

matar.

Apesar das histórias de Super-heróis serem escritas para serem universais

e inclusivas, só haviam personagens do sexo masculino. A primeira super-

heroína era Ma Hunkel, uma dona de casa de meia-idade e fez sua primeira

aparição em 1940 em All American nº 20 usando uma capa de cobertor e uma

panela na cabeça, completamente sem poderes e conhecida como Tornado

Vermelho. Mesmo sendo esquecida, ela ainda faz parte do Universo DC.

Então, William Moulton Marston, professor universitário e inventor do

detector de mentiras, criou a Mulher-Maravilha, a mais famosa das super-

heroínas. Moulton via nos quadrinhos um meio de transmitir idéias complexas

em forma de dramas simbólicos violentos e empolgantes. “Apresentando a

Mulher-Maravilha”, de 1941, mostra um avião da Força Aérea caindo em uma

ilha que não estava mapeada, habitada por lindas mulheres muito fortes. O piloto,

capitão Steve Trevor, era o primeiro homem a pisar na ilha e se apaixonou pela

Princesa Diana.

Durante a segunda Guerra, o sucesso dos super-heróis aumentou, mas o

interesse por eles após 1945 caiu tão rápido quanto o crescimento do seu sucesso.

Entre 1945 e 1954, títulos de outros gêneros geraram tanto lucro que os super-

heróis não foram satisfatórios. A Era de Ouro acaba como começou, com o

Superman, um dos poucos sobreviventes da breve expansão inicial e veloz do

Universo DC.

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A Era de Ouro ia chegando ao fim, mas os personagens como Superman,

Batman e Mulher-Maravilha, que tinham reconhecimento com programas de TV

e Merchandising, sobreviveram. Por causa das atuações das atrações secundárias

em Adventure Comics, os super-heróis de segunda linha, como o Arqueiro Verde

e Aquaman, superaram a situação, mas não prosperaram.

A Era de Ouro tinha acabado, mas o mundo em que os heróis estavam

morrendo precisava deles mais do que nunca. Nos anos de 1950, a América

estava inquieta por causa do medo da destruição termonuclear, da Bomba, dos

comunistas e dos que eram diferentes. Estava acontecendo a corrida espacial,

com o objetivo de alcançar o desconhecido, e Alfred Kinsey26 estava pesquisando

sobre os hábitos sexuais dos americanos, adentrando na vida privada de um país

que vivia fechado e camuflado. A América olhava para si para buscar soluções

ao que estava acontecendo fora.

Na década de 1950, a espionagem aumentou, principalmente com a CIA

(Central Intelligence Agency, em português, Agência Central de Inteligência) nos

EUA, e a KGB (Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, em uma tradução livre

para o português, Comitê de Segurança do Estado), que tinha funções de serviço

secreto e de polícia do governo soviético. O medo de que o comunismo pudesse

estar infiltrado nos EUA levou as autoridades a perseguir cidadãos em uma

iniciativa como Macartismo. Com a explosão da bomba H em 1952, a corrida

armamentista aumentou e, como resposta em 1955, a OTAN as potências

soviéticas assinaram o Pacto de Varsóvia.

O presidente dos EUA entre 1953 e 1961 foi Dwight David Eisenhower e,

do lado soviético, o dirigente entre 1953 e 1964 foi Nikita Kruschev. A Rainha

Elizabeth II subiu ao trono britânico em 1952, e Josip Broz Tito foi responsável

pelo primeiro governo comunista não dependente da União Soviética na

Iugoslávia, primeiramente como primeiro-ministro entre 1945 e 1943 e, depois,

como presidente entre 1953 e 1980.

26 Entomologista e zoólogo norte-americano. Em 1947, na Universidade de Indiana, fundou o Instituto de Pesquisa sobre Sexo, hoje chamado de Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução.

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Dalai-Lama fugiu para a Índia depois de governar o Tibete entre 1940 e

1959, como líder temporal e espiritual. Em Cuba, Fidel Castro, líder da

Revolução Cubana, ocupou o maior posto político do país. Jean-Paul Sartre

tornou-se um influente pensador e ativista do Existencialismo, filosofia que

proclama a total liberdade do ser humano.

Os anos de 1950 foram marcados por avanços científicos, tecnológicos e

mudanças tanto culturais quanto comportamentais. Por causa das transmissões

televisivas, houve uma mudança nos meios de comunicação. Essa década é mais

conhecida como o período dos anos dourados. Nessa época, a sociedade movia-

se de acordo com a moral e os bons costumes. Mas nos filmes, James Dean foi

um símbolo de rebeldia e ídolo juvenil, ao lado de Elvis Presley e seu rock and

roll. Frank Sinatra também fez sucesso com sua música, considerado o primeiro

astro pop moderno.

Segundo Grant Morrison27, em 1958, os quadrinhos do Superman ainda

faziam sucesso. Mortimer Weisinger assumiu como editor nesse ano e as vendas

do Superman superaram as das séries Disney, ficando com a fama de personagem

de quadrinho mais famoso do mundo.

Jay Garrick, em 1956, lançou o novo Flash na Showcase nº4 e fez sucesso

imediato, marcando a Era de Prata dos quadrinhos. Barry Allen era o homem

mais rápido do mundo, podendo correr em volta da Terra sete vezes em um

segundo. Podia quebrar a barreira do tempo com sua máquina “Esteira Cósmica”.

Barry era um cientista e estava trabalhando em seu laboratório de madrugada

quando um relâmpago atingiu sua estante de produtos químicos e deu-lhe a

supervelocidade.

Em 1962, acontece a Crise dos Mísseis em Cuba, julgada como o auge da

Guerra Fria e a ocasião em que o mundo estava mais próximo de uma terceira

guerra mundial. Mas as potências fizeram um acordo de que a URSS retirasse a

base em Cuba e os EUA não invadisse a ilha. Outra medida foi a linha telefônica

27 MORRISON, Grant. Superdeuses Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis. 1a. ed. São Paulo, 2012, p. 81.

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que ligava a Casa Branca com o Kremlin, mais conhecido como “telefone

vermelho”, para negociarem mais rápido no caso de novas crises.

A disputa espacial estava cada vez mais intensa, e a televisão, que já

estava presente em muitos lares, aumentou essa empolgação. A URSS foi a

primeira a mandar um homem e uma mulher ao espaço, em 1961 e 1963,

respectivamente, e a ter um astronauta a sair da nave e flutuar no vácuo, em

1965, e pousando uma sonda na Lua em 1966. Recebendo imagens de sua

superfície. Mas foram os EUA que levaram homens à órbita da Lua, em 1968, e

pisar nela, em 1969.

O editor da DC Comics, Julius Schwartz, começou a desenvolver um

universo compartilhado, onde o Flash era amigo do Lanterna Verde, Hal Jordan,

e do Homem-Elástico, Ralph Dibny. Eles não se encontravam para lutar entre si,

como depois se tornara normal entre os heróis da Marvel. Eram tranqüilos,

gostavam de ter uma rotina, talvez, por uma invasão alienígena.

Então o presidente morreu, deixando a mostra um cenário frágil,

principalmente no que diz respeito ao Vietnã. Então, baseado nesse pano de

fundo, os super-heróis da Marvel haviam chegado. Nessa época, começa a era

dos homens que eram deuses, e junto, veio a punição, temas que repercutiriam

em crianças fora dos padrões. Então, a partir desse momento, ter super-poderes,

significaria ter grandes responsabilidades ou uma era horrível maldição.

Stan Lee escrevia quadrinhos há vinte anos, e estava pronto para desistir,

pois o mercado estava estático por causa das modas que tentavam atrair leitores.

Lee escrevia para diversos tipos de gêneros, até que sua esposa sugeriu que ele

tentasse uma ultima vez, mostrando algo que gostaria de ler, ao invés do que os

editores o mandavam escrever.

Os super-heróis haviam retornado por causa das inovações da Era de Prata

da DC e do sucesso da Liga da Justiça da América, de Schwartz. Então, o editor

Martin Goodman deu um novo desafio a Lee, uma nova equipe de super-heróis,

mais moderna e pertinente. Lee contou com Jack Kirby e Steve Ditko, os artistas

mais criativos do mercado. A Marvel se inspirou no mundo de Julius Schwartz

para criar o seu.

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O Quarteto Fantástico apareceu no final de 1961. Sendo diferente, por

quebrar tabus, eles usavam roupas civis, até serem pressionados a usarem roupas

apropriadas para super-heróis, Kirby desenhou-os com macacões azuis,

consagrando-os como uma nova classe de super-heróis da era espacial com pés

no chão. Voltando à idéia original de Jerry Siegel, com super-heróis reais, e não

contos para crianças.

Os super-homens da Marvel eram cientistas. Lee e Ditko, aproveitando a

oportunidade, criaram o Homem-Aranha, o que seria o próximo sucesso da

Marvel. Era um adolescente que não era um parceiro mirim, que tinha a chance

de estrelar sua própria série e seu nome não começava com Rapaz ou Garoto.

Peter Parker, estudante de ciências, poderia ser qualquer um, trazendo outro nível

de realismo às histórias. Foi apresentado em Amazing Fantasy nº 15, em agosto

de 1962.

Assim como o Quarteto Fantástico, o Hulk, os X-Men e o Demolidor, o

Homem-Aranha foi alvo da transformação radiativa. Peter Parker foi mordido

por uma aranha que havia recebido uma grande quantidade de radiação durante

uma demonstração científica. Ao invés de ter sucumbido ao envenenamento

radioativo, ele virou um super-herói.

Por volta de 1965, com novos e excêntricos sucessos, incluindo o Hulk,

Thor, o Demolidor e o Homem de Ferro, Stan Lee colocava em cada edição um

cabeçalho que dizia “Uma Produção Pop Art da Marvel”, fazendo com que se

distanciasse dos concorrentes “sérios” da DC e entrava em maiores fluxos da

cultura pop. Stan Lee fazia provocações de uma árdua rivalidade entre a Marvel e

a DC, enquanto esta nem lhe dava atenção, ao menos publicamente. Mas os

novos heróis da Marvel eram tão grandiosos com suas personalidades legítimas,

que faziam os personagens da DC parecerem juvenis, fazendo tamanha pressão

para se manter renovada.

Quem ficou no lugar de Stan Lee como editor-chefe da Marvel foi Roy

Thomas. Quando entrou para a equipe da Marvel, em 1965 tinha apenas 26 anos,

sendo importante para os fãs da Era de Ouro, quando leitores da primeira era dos

super-heróis se juntaram para compartilhar da sua paixão, através de uma rede

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pré-internet e revistas feitas a mão. Foi escolhido para escrever a série dos

Vingadores semanalmente, agarrando-se nos floreios de Lee, tendo como ponto

de partida o jeito de envolver o leitor na história.

Mas a época se tornou famosa por causa das revoluções cultural e

comportamental, que contava com uma juventude rebelde e idealista. A geração

da década de 1960 nasceu na explosão demográfica pós Segunda Guerra

Mundial, ávidos por liberdade, começaram a questionar a ordem social e mundial

em vários aspectos, como a sexualidade, a moral, os costumes, o consumismo e

as guerras. Começaram a surgir o feminismo e os movimentos em favor dos

negros e homossexuais, da liberação sexual e da propagação das drogas, do

pacifismo e da contracultura que tem como exemplo o movimento Hippie, e os

protestos contra a Guerra do Vietnã.

Algumas invenções importantes acontecem nessa década, como a pílula

anticoncepcional, o chip, o transplante de coração e a Arpanet, o que seria o

começo da internet. A informática aos poucos começou a se comercializar e os

aviões supersônicos de passageiros fizeram seus primeiros vôos. John Kennedy

assumiu o cargo da presidência dos EUA de 1961 até 1963, quando foi

assassinado, e desafia quem leva o homem à lua e o traz a salvo. Lyndon Johnson

assume o cargo logo em seguida até 1969, enviando o seu país para a Guerra do

Vietnã. O líder do lado soviético é Leonid Brejnev, responsável pelo poderio

político e militar da União Soviética. Em Portugal, o ditador António de Oliveria

Salazar fica no governo entre 1932 e 1968.

Indira Gandhi foi a primeira mulher chefe de governo na Índia, entre 1966

e 1977, e entre 1980 e 1984. Che Guevara, líder revolucionário, tornou-se ícone

dos estudantes simpatizantes da esquerda. O Papa João XXIII organizou o

Concílio Vaticano II, modernizando o catolicismo. Nelson Mandela foi

condenado à prisão perpétua, em 1964, por lutar contra o apartheid na África do

Sul. No mesmo ano, Martin Luther King ganhou o Nobel da Paz pela campanha

pacífica nos EUA pelo fim da segregação racial e pelos direitos civis da

população negra.

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Em doze de abril de 1961, Yuri Gagarin viajou ao espaço em um vôo

orbital de quase 50 minutos, descobrindo que a Terra é azul. Neil Armstrong, em

vinte de julho de 1969, foi o primeiro homem a ir para a Lua, dizendo a frase

“Um pequeno passo para um homem, um salto para a humanidade”.28

Ainda nessa década e no início da de setenta, teve início a preocupação

com o crescimento populacional, por isso, taxas de crescimento populacional

começou a ser projetada. O que mais preocupava eram o equilíbrio ambiental e a

estabilidade social, política e econômica no mundo. Cientistas, economistas e

governos dos países desenvolvidos resgatam as teorias malthusianas, lançando

previsões obscuras sobre o futuro da humanidade, se não acontecesse um

controle demográfico. Essa preocupação caía principalmente sobre os países não

desenvolvidos da África, Ásia e América Latina.

No pós-guerra, houve um incentivo ao crescimento populacional,

chamado de baby-boom, mas ainda no final da década de 1950, já havia uma

postura de controle populacional. Preocupados com o alto índice de pobreza, os

países capitalista, sob a liderança dos Estados Unidos, fizeram campanhas de

controle de natalidade dos países mais pobres, baseados nas teorias malthusianas.

Em seu artigo “Revista Seleções do Reader’s Digest e as Campanhas de

Controle Demográfico no Interior da Guerra Fria”, Lenita Jacira Faria Raad

escreve que nenhum outro periódico defendeu tão intensamente os interesses dos

EUA e capitalistas, como a revista Seleções do Reader’s Digest, fundada em

Nova York em 1922, pelo casal Roy William DeWitt Wallace e Lila Achenson

Wallace, que começaram a atividade editorial com cinco mil exemplares, fazendo

sucesso dentro e fora do país.

Segundo o casal, a população gostaria de artigos de interesse popular,

sendo tirados de livros e outras publicações, resumidos de tal forma que

pudessem ser lidos rápida e facilmente. A idéia era de uma revista com uma

leitura de fácil assimilação. Acreditavam que os artigos originais poderiam ser

diminuídos em mais de 75% do conteúdo e, ainda assim, ter a substância e o

28 Na Inglaterra, os Beatles tornam-se um fenômeno musical popular e revolucionário. O primeiro disco, intitulado Please, Please, Me, foi gravado em novembro de 1962 e lançado em março de 1963. A cantora Janis Joplin tornou-se símbolo do movimento de contracultura na música.

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estilo de quem escreveu. A revista tinha 31 artigos de interesse duradouro, sendo

que a leitura era feita de um artigo por dia do mês. Com a forma compacta, o

conteúdo simplificado e informativo atraiu o número de leitores a cada edição.

“The Readers’s Digest”, primeiro nome da revista, tinha como projeto

selecionar o que a imprensa, tanto nacional como internacional, tinha lançado de

mais interessante e reunir em uma só edição. A revista se diferenciava de tudo

que existia na época, começando pelo formato, que era uma revista de bolso com

seu índice na capa. Na época, era tão diferente dos padrões editoriais, que os

jornalistas e editores não acreditaram no sucesso do empreendimento, sendo a

revista mais lida mundialmente.29

A revista, quando comentava sobre a Guerra Fria ou problemas da

explosão demográfica, tinha sempre uma linguagem dramática e apelativa, com

objetivo de impressionar e sensibilizar os leitores. Algumas vezes, a palavra

“desqualificantes” foi usada para mostrar a conseqüência do aborto e a falta de

uma política de Planejamento Familiar. Segundo Lenita Jacira Raad30, Paul

Erlich, autor do livro The Population Bomb lançado nos anos sessenta, escreveu

um artigo em que dava sugestões que resolveriam o problema do descontrole da

população.

A filosofia da revista Seleções do Reader’s Digeste era denunciar os males

do comunismo e as vantagens do sistema de economia livre, tendo, assim, grande

importância na divulgação dos interesses dos EUA. Foi utilizada como mais uma

29 A revista Seleções fez maior sucesso no Brasil principalmente entre as décadas de 1950 e 1960, decaindo um pouco nas décadas seguintes, mudanças estas que começaram por causa da mudança do escritório do Brasil para Portugal, no começo da década de 1970. A entrada de novos executivos também foi um fator importante, por causa da idade avançada de seus fundadores, e novas publicações aparecendo no mercado. Mesmo sendo a revista mais lida nos EUA e circular normalmente em outros paises, perdeu sua influência e características, assim como a venda. A revista chegou ao Brasil em 1942, durante o Estado Novo e a agitação da Segunda Guerra Mundial, determinando os nazistas, e depois os japoneses, como inimigos. No pós-guerra e com a Guerra Fria, o inimigo da vez é o comunista, terrorista, ateu, desumano... A chegada da revista no mercado editorial foi aprovada pelas autoridades do governo de Getúlio Vargas. Além de difundir o modo de vida dos EUA, a revista mostrava aos leitores, com uma linguagem de fácil acesso, assuntos que eram de interesse geral, como os avanços científicos, principalmente da área médica, sendo a primeira na divulgação das pesquisas com hormônios sintéticos, que depois seriam lançados como contraceptivos mais conhecidos como as pílulas. (RAAD, Lenita Jacira Farias. Revista Seleções do Reader’s Digest e as campanhas de controle demográfico no interior da Guerra Fria. in: Revista Esboços. n.11. Florianópolis: UFSC, 2004, ISSN 2175-7976, p. 169) 30 RAAD, Lenita Jacira Farias. Revista Seleções do Reader’s Digest e as campanhas de controle demográfico no interior da Guerra Fria. in: Revista Esboços. n.11. Florianópolis: UFSC, 2004, ISSN 2175-7976, p. 172.

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arma norte-americana na briga para a disputa hegemônica mundial. A cobertura

que a revista deu para o perigo da explosão demográfica ajudou na difusão de

uma atmosfera apreensiva ou de pânico, tanto no crescimento excessivo

populacional, quanto ao perigo de dominação do comunismo, pois, para a revista,

os dois colocavam em risco o futuro da humanidade.

Grant Morrison mostra que, nos quadrinhos, os pais da Era das Trevas

foram o roteirista Dennis O’Neil e o artista Neil Adams que, em 1970,

anteciparam as temáticas dessa fase na série Lanterna Verde/Arqueiro Verde.

O’Neil se baseava na época que bebia muito para criar estereótipos. Após

trabalhar como jornalista em Missouri, conseguiu um emprego na Marvel.

Neal Adams foi para O’Neil o colaborador perfeito para conseguir unir a

ficção fantástica e o jornalismo. Seu trabalho era adulto, conseguindo dar

profundidade a personagens nem originais nem charmosos, como o Arqueiro

Verde, fazendo trabalhos impressionantes, como O’Neil fez com o Batman. O

Batman de O’Neil era grandioso, demonstrando grande domínio de artes

marciais.

Quando uniram Lanterna Verde/Arqueiro Verde, heróis que mais se

destacavam na DC, a Era das Trevas se fixou com uma arte fotorrealista, a

consciência sociopolítica, os super-heróis divididos entre agentes do Estado ou

anarquistas rebeldes.

Em relação à Era de Prata, as vendas do Lanterna Verde caíram em ritmo

acelerado. Julius Schwartz deixou O’Neil unir o Lanterna Verde com o Arqueiro

Verde, o que parecia chamar atenção para uma nova fase. Tornou-se comum

saídas como estas, sendo um terreno fértil para novas idéias e perspectivas.

Chris Claremont fez com que X-Men fundisse a ficção científica à fórmula

novelesca de super-herói da Marvel, rendendo mais um vencedor. Claremont

colocou sua imaginação na vida emocional atraente e convincente do elenco. Os

personagens, dessa vez, mutantes, podiam representar qualquer minoria,

demonstrando o que sentia um renegado, muito presente em alguns adolescentes

na época.

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44

Em 197331, houve a quarta guerra entre árabes e Israel, entre 06 e 26 de

outubro, terminando com vitória israelense. Dessa vez, os membros árabes da

Organização dos Paises Exportadores de Petróleo (OPEP) não forneceram o

produto aos EUA e às potências européias que apoiavam Israel. Então, a OPEP

aumentou o preço do petróleo, iniciando a primeira crise do petróleo. Em 1979,

outra crise petrolífera acontece, mas por causa da Revolução Islâmica no Irã. Por

causas dessas turbulências, a década de 1970 é considerada, do ponto de vista da

economia, como a pior década desde a Grande Depressão de 1929.

Mas para o Japão e alguns países do Terceiro Mundo, foi um período de

prosperidade. A China rompe com a União Soviética, se aproximando dos EUA,

sendo reconhecida pelo Ocidente, entrando em 1972 para a Organização das

Nações Unidas (ONU).

O aumento da economia, do consumo e da população, prejudicou o meio

ambiente, através da devastação, ameaçando o futuro da vida no planeta fazendo

com que apareça uma nova ideologia política, o ecologismo. Os primeiros países

a terem um partido ecologista são a Nova Zelândia, em 1972, e o Reino Unido,

em 1973, mas o movimento só começou a ter uma repercussão internacional a

partir de 1983, quando o partido alemão Os Verdes alcançaram quase um milhão

de votos e 28 cadeiras no Parlamento da Alemanha Ocidental.

Richard Nixon foi presidente dos EUA entre 1969 e 1974 e aproximou o

país da China, visitando-a em 1972, e seu secretário de Estado, Henry Kissinger,

aumentou a atividade diplomática com a China, o Vietnã e a URSS, e ganhou o

Prêmio Nobel da Paz em 1973. O presidente estadunidense entre 1974 e 1977 era

Gerald Ford, responsável pela saída dos EUA do Vietnã. Já entre 1977 e 1981,

foi Jimmy Carter quem assumiu a presidência, que articulou a paz entre Israel e

Egito.

31 A década de 1970 foi marcada pelo triunfo do capitalismo na América Latina por meio das ditaduras militares. Em Portugal, a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, terminou com a ditadura salazarista que ficou no poder 43 anos. Francisco Franco foi um ditador espanhol que ficou no poder entre 1939 e 1975, que enfraquece após o Pacto de Moncloa em 25 de outubro de 1977.

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45

Em seu livro32, Grant Morrison demonstra que, após ter escrito 300 e Sin

City, Frank Miller, em 1985 já estava estabelecido como Futuro Prodígio depois

de ter feito uma abordagem violenta e policial do Demolidor da Marvel, o que

deu abertura na seqüência com trabalhos experimentais como Ronin na DC. Seu

primeiro sucesso foi colocar a figura do Batman como uma caricatura burlesca,

em O Cavaleiro das Trevas. Miller e a DC queriam mostrar que era assim que

deveriam ser os quadrinhos para adultos, usando personagens infantis queridos

para atrair leitores.

Depois de surgir O Cavaleiro das Trevas, Alan Moore mostrou uma nova

série que, segundo ele, mudaria o jeito de como os leitores olhavam para os

super-heróis. Foi nesse momento que Watchmen entrou em cena. Mas esse será

um assunto discutido em outro momento. Moore abriu as portas para um novo

tipo de super-herói, direcionados aos fãs no mercado mais direto, que não

queriam mais os antigos truques e desejavam versões mais impactantes dos

heróis preferidos.

The Sandman foi escrito por Neil Gaiman, baseado no Sandman de

Gardner Fox de 1939, trajando terno, gravata e máscara de gás e depois,

passando por outras versões. Em 1974, Jack Kirby resgatou o nome e fez uma

nova criação, protetor da Dimensão Sonho, em histórias direcionadas para as

crianças, fracassando ao atrair adolescentes e jovens, que eram os compradores

de quadrinhos na época. Gaiman continuou no tema envolvendo os sonhos, mas

tudo era mais novo, mesmo usando o que os quadrinhos tinham de tradicional,

como o homem esbelto, usando capa, com algo que lembrava uma super equipe.

The Sandman de Gaiman durou por muito tempo, mas fugiu da sua base que

inventou um novo gênero entre a ficção fantástica, terror e literatura.

Em 1989, a Praça Celestial, na China, estava cheia de manifestações

contra o autoritarismo socialista. A década foi mais liberal, e foi nessa época que

o neoliberalismo se fortalece, mas a América Latina foi marcada pela inércia

econômica.

32 MORRISON, Grant. Superdeuses Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis. 1a. ed. São Paulo, 2012, p. 221.

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Em 1981, a Acquired Immune Deficiency Syndrome (em português,

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), mais conhecida como AIDS, foi

divulgada pela primeira vez, sendo considerada uma pandemia em poucos anos.

Em 1986, aconteceu o desastre nuclear em Chernobil, e o narcotráfico e seus

cartéis era o problema maior na Colômbia. Já a Coréia do Sul, Cingapura,

Taiwan e Hong Kong se juntam, formando os “Tigres Asiáticos” por causa do

salto dado pela guinada na industrialização e na exportação.

Mikhail Gorbachev foi presidente da URSS de 1985 e 1991 e responsável

pelo término da Guerra Fria. Ronald Reagan, presidente norte-americano entre

1981 e 1989, e primeiro a declarar guerra contra o terrorismo internacional.

François Mitterrand foi o primeiro presidente socialista francês, entre 1981 e

1995. Raúl Alfonsín foi o primeiro presidente civil argentino depois de oito anos

de ditadura militar.

Em 1980, foi lançado o canal de noticias norte-americano CNN (Cable

News Network, em português, Rede de Notícias a Cabo) e o cineasta Stanley

Kubrick lança o sucesso de terror O Iluminado. Em 1982, estréia o filme E.T., o

Extra Terrestre. A trilogia Star Wars (Uma Nova Esperança, em 1977, O Império

Contra Ataca, em 1980, e O Retorno de Jedi, 1983) emprestou as idéias dos

quadrinhos, e de outras fontes, para uma narrativa mítica e fantástica.

2. UMA LEITURA DA GRAPHIC NOVEL WATCHMEN

2.1 CONTEXTUALIZANDO WATCHMEN

Segundo Grant Morrison em seu livro “Superdeuses”33, depois de

Batman, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, o espetáculo estava

começando e a Era das Trevas dos quadrinhos estava no auge de seu trajeto. Com

algumas revoluções acontecendo, Alan Moore anunciou uma nova série,

33 MORRISON, Grant. Terrível Simetria. In.:_____ SUPERDEUSES: Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis. 1ª ed. São Paulo, 2012. p. 228

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transformando a maneira de olhar dos leitores para os super-heróis. Algum tempo

depois, a minissérie Watchmen tem início.

Watchmen foi escrito entre 1984 e 1985, sendo que a primeira edição

saiu em setembro de 1986 e a última, em agosto de 1987, contabilizando, assim,

doze fascículos, tendo seus quadrinhos são coloridos.

A Graphic Novel teve como base a admiração que Moore tinha pelas

ficções de Thomas Pynchon e pelos filmes de Nicolas Roeg, tendo algo em

comum com a obra do diretor Peter Greenaway, por causa do universo codificado

e perfeccionista. Watchmen fez com que os quadrinhos de super-heróis

americanos seguissem o mesmo caminho de Moore. Por causa do seu talento

clínico e sua análise fria da política externa cheia de interesses dos Estados

Unidos, armado de uma história alternativa com super-heróis e combatentes

mascarados do crime, foi até a DC Comics, permitindo, assim, escrever no

âmago do sistema. Watchmen teve uma repercussão tão grande que, após seu fim,

deixou uma mensagem para as histórias de super-heróis: evoluam ou acabem.

Grant Morrison cita34 que Watchmen começou a entrar na lista dos cem

melhores romances da revista Times quando Moore e Gibbons colocaram uma

nova abordagem aos personagens que a editora adquiriu após a falência da

Charltor Comics, em 1985.

Grant Morrison, em sua obra Superdeuses35, explica que a sinopse de

Moore rondava o mistério de um assassinato ao longo de doze edições, com a

Guerra Fria e sua paranóia nuclear como pano de fundo, e uma história

alternativa com o aparecimento de um único super-humano em 1959,

modificando e desestabilizando o planeta de forma política, econômica e cultural.

Colocada como um romance fechado, para Morrison, a idéia original deixaria as

aquisições da Charltor na situação de uma conclusão lógica, deixando-as

inutilizáveis. Assim, Moore e Gibbons foram convidados a repensar a proposta,

fazendo analogias ao elenco original da Charltor. Tiveram um processo de

34 Id. 35 Ibid. p. 229

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reinvenção, resultando em uma obra prima de ficção completa e coerente que não

teria sido possível com a versão original.

Os personagens principais de Watchmen são:

Walter Joseph Kovacs é Rorschach e usa um chapéu no estilo detetive e

um casaco cinza abotoado e rasgado. Sobre o rosto, usa uma máscara que

continha um liquido negro preso entre camadas de látex que mudava

simetricamente de acordo com o seu humor. Na luta contra o mal, projeta seu

senso de solidariedade, construindo sua própria moral. É ele quem move o

enredo da história e seus personagens, após perceber que há um complô para

matar super heróis. Após a Lei Keene36, é um herói renegado e fora-da-lei,

sempre perseguido pela polícia.

Edward Morgan Blake é a identidade secreta do super-herói Comediante

após reconhecer o horror nas relações humanas e se refugia no humor. Único

participante, além do Capitão Metrópole, que participou dos Homens-Minuto37 e

dos Combatentes do Crime38. Ele se vestia com uma máscara que cobria os

olhos, uma camiseta preta, uma calça da mesma cor, botas que iam até o joelho,

luvas e ombreiras.

36 Nos quadrinhos de Watchmen, foi uma lei aprovada, em 1977, pelo senador Keene que fazia os vigilantes serem ilegais, fazendo com que a maioria dos mascarados se aposentasse. O Comediante e o Dr. Manhattan trabalhavam sob supervisão do governo, o primeiro militarmente e o segundo, em pesquisas científicas. 37 Reunião de super-heróis feita em 1940, que contava com o Capitão Metrópole (Nelson Gardner,), Dollar Bill (William Benjamin Brady), a primeira Espectral (Sally Juspeczyk), o primeiro Coruja (Hollis Mason), o Justiça Encapuzada (Rolf Müeller), a Silhouette (Úrsula Zandt) e o Traça (Byron Lewis). 38 Seguindo o exemplo dos Homens-Minuto, um grupo de super-heróis se reuniu em 1966 para combater o crime, contando com o Capitão Metrópole, Dr. Manhattan, a segunda Espectral, o segundo Coruja, Rorschach e o Ozymandias.

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Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 45.

Jon Osterman, ou Dr. Manhattan, é o único com super poderes entre os

personagens da história após sofrer um acidente ao entrar em uma câmara de

testes para pegar seu avental. É um homem careca e azul, que pode mudar de

tamanho, mover objetos sem encostar neles, viajar qualquer distância no espaço e

consegue estar em vários lugares. No meio da testa, tem desenhado o símbolo de

um hidrogênio. Quando não usava um conjunto de lycra, ficava pelado, pois,

para um ser de poder e intelecto tão grande, não desejaria nem havia necessidade

de se aquecer. Antes de se isolar, trabalhava para o governo no Centro Rockfeller

de Pesquisas Militares.

Quando Laurie Juspeczyk tinha treze anos, sua mãe, Sally, tinha uma

academia dentro de casa para que treinasse e continuasse com os passos da mãe e

se tornar a segunda Espectral. Sua fantasia é um vestido amarelo curto de mangas

longas com duas faixas pretas na parte da frente que começavam finas e se

alonga até se encontrarem na saia do vestido, com um sapato de salto preto

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Daniel Dreiberg é o segundo Coruja. Sua fantasia é cinza, que cobre todo

o corpo. Sua capa marrom, presa em torno da cabeça e dos ombros, desce por

suas costas. Na parte que prende na cabeça, há um detalhe imitando as orelhas de

uma coruja. Usa óculos para poder enxergar no escuro. Como era fã do primeiro

Coruja, pediu permissão para poder seguir seus passos. Depois de se formar em

aeronáutica e zoologia em Harvard, conseguiu construir algumas armas e

construiu um planador.

Ozymandias é considerado o homem mais inteligente do mundo ao ponto

de conseguir desviar de uma bala após calcular sua trajetória. Depois de mostrar

ao mundo que Adrian Veidt é sua identidade três anos antes da Lei Keene,

montou uma empresa que vende pôsteres, dietas e brinquedos baseados em seu

super-herói. Sua fantasia é dourada, cobrindo todo o corpo. Por cima usa uma

túnica roxa e um cinto dourado.

O bem maior, descrito no final de Watchmen, após o plano em que

envolvia um aparente ataque alienígena torna-se um sacrifício de milhões de

cidadãos de Nova York. Esse plano tem como objetivo colocar um fim nas

pressões que tanto os EUA quanto a URSS mantinham, assim como a destruição

dessas pessoas desencadeou uma compaixão e colaboração entre as outras

sociedades.

Em uma década marcada por crises, como foi a de 1980, todos os setores

sofrem, principalmente o econômico e o social. Por isso que o medo de um

desastre nuclear em uma sociedade decadente dá base a um discurso crítico visto

tanto em Watchmen, quanto em outros produtos na época.

A Nova York mostrada em Watchmen é apresentada como uma cidade

decadente. Ela funciona como a soma de crises econômicas e sociais, vivendo

sob uma angústia por causa da expectativa de um ataque nuclear, sentimento que

podemos acompanhar nos quadrinhos.

Os justiceiros mascarados, nomeados na história de vigilantes (em inglês,

“watchmen”), aparecem nessa Nova York no fim da década de 1930. A princípio,

são pessoas normais que vão defender a cidade de crimes e violência. Depois de

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greves policiais e a má imagem dos vigilantes para a sociedade, foi aprovada a

Lei Keene em 1977, sendo ilegal a vigilância dos super-heróis.

A história começa com a morte do Comediante em 1985, que trabalhava

para o governo mesmo após a Lei Keene ser promulgada, sendo abertas várias

investigações que envolveram os vigilantes, assim como um plano minucioso

para dar um fim na Guerra Fria, tendo como objetivo a era utópica.

Veidt, empresário e considerado o homem mais inteligente do mundo,

consegue criar um monstro com a ajuda de geneticistas, artistas plásticos,

escritores e sensitivos, mandando-o para o centro de Nova York para matar

metade da população, através de um choque psíquico. Por isso os governos

crêem em um ataque alienígena, dando fim ao conflito nuclear e dando início,

assim, a uma ajuda mútua.

O bem maior, descrito no final de Watchmen, após o plano em que

envolvia o aparente ataque alienígena torna-se um sacrifício de milhões de

cidadãos de Nova York. Esse plano tem como objetivo colocar um fim nas

pressões que tanto os EUA quanto a URSS mantinham uma à outra, e a morte

dessas pessoas desencadeou uma compaixão e colaboração entre as outras

sociedades.

Esse desfecho, segundo Wyllian Correa e Níncia Teixeira39, tem uma

aparência radical após insinuar outra era melhor, impondo no coletivo uma

escolha individual.

Para Grant Morrison40, Watchmen acabaria com as expectativas, fazendo

isso já no título, pois não havia uma super-equipe batizada de Watchmen, ou

Vigilantes em português. O nome faz referência a um epigrama citado no começo

da série “Quis Custodiet Ipsos Custodes” ou “Quem Vigia os Vigilantes”, escrito

pelo poeta e satirista Juvenal na Roma Antiga.

39 CORREA, Wyllian Eduardo de Souza; TEIXEIRA, Níncia Cecília Ribas Borges. Watchmen e o Discurso Distópico do “Bem Maior”. n. 2 Fênix – Revista de História e Estudos Culturais: Abril – Junho de 2009 v. 6 Ano VI. ISSN: 1807-6971. p.3. Disponível em www.revistafenix.pro.br 40 MORRISON, Grant. Terrível Simetria. In.:_____ SUPERDEUSES: Mutantes, Alienígenas, Vigilantes, Justiceiros Mascarados e o Significado de Ser Humano na Era dos Super-Heróis. 1ª ed. São Paulo, 2012. p. 230

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A palavra “watch”, que também significa relógio, faz referência ao

Relógio do Apocalipse, elemento recorrente na série, emprestando seu formato à

estrutura circular da narrativa. Esse Relógio do Apocalipse é mantido desde 1947

pelos diretores do Bulletin of the Atomic Scientist (em uma tradução livre,

Boletim dos Cientistas Atômicos) na Universidade de Chicago para um aviso

simbólico, pois seu ponteiro dos minutos se distanciava ou se aproximava da

meia-noite, dependendo da possibilidade de uma catástrofe global. Em 1985, ano

em que Alan Moore estava escrevendo a série, o ponteiro estava marcando

23h57min, mas em Watchmen marcava 23h55min, pois era mais seguro e

otimista. Depois de o Comediante morrer, no início da história, os cinco

personagens principais seguiram para a meia-noite, a conclusão de Watchmen.

Segundo Grant Morrison41, como inovação, as capas de Watchmen

mostravam um significativo objeto de perto, que era a imagem de abertura da

narrativa, assim, cada capítulo começava na capa. O título Watchmen estava

escrito na vertical, ao lado esquerdo da capa, o que lembrava uma faixa policial

na cena de um crime.

FONTE: Disponível em: http://tarciziosilva.com.br/. Acesso em: 18 maio 2014.

Moore escrevia seus roteiros com muitos detalhes sobre os quadros,

como cada ângulo deveria estar, sua cor, formato, estado de uso dos objetos e seu

significado simbólico. Em Watchmen, Moore usava alguns monólogos internos

41 Id.

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em capítulos posteriores, seu ritmo era calculado com flashbacks, flashforwards e

narrativas simultâneas para desligar o tempo do relógio e torná-lo cíclico,

infinito, como se tudo acontecesse ao mesmo tempo.

A imagem do último quadrinho da série era o mesmo rosto feliz

impresso na camisa de um jovem chamado Seymour, que estava para revelar a

trama da série. O ciclo da história estaca para se fechar, pois voltaríamos a ler o

diário de Rorschach que começara na primeira página. Morrison faz uma análise

de que os leitores são Seymour, lendo o diário, entrando na história no seu fim.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 412. 2.2 IDENTIFICANDO O MEDO DENTRO DOS QUADRINHOS

Para Norbert Elias, em seu livro O Processo Civilizador42, o processo

civilizador faz uma mudança na conduta e no sentimento humano, indo a um

objetivo mais específico. Mas, para ele, as pessoas presas ao passado não

acompanharam essa mudança, tentando torná-la real aos poucos com medidas

conscientes. Tanto a civilização quanto a racionalização não são algo planejados

em longo prazo.

O sociólogo explica que, historicamente, essa mudança tenha sido

executada de forma racional, através de uma educação intencional de pessoas ou

grupos, acontecendo sem planejamento, mas, mesmo assim, sendo feito de

42 ELIAS, Norbert. Do Controle Social ao Autocontrole. In: _____ O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. 2 v. p. 193

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acordo com algum tipo de ordem. O controle efetuado a partir de terceiras

pessoas vira um autocontrole, e as atividades humanas não aceitas são tiradas da

vida comum e são tidas como vergonhosas e o controle de uma vida instintiva

torne-se mais estável. Para o autor, esses costumes não são resultados de idéias

formadas por pessoas isoladas, influenciando as gerações seguintes. Mesmo não

sendo planejada e intencional, essas mudanças não são algumas seqüências de

transformações confusas e desestruturadas. Em alguns casos, as mudanças podem

gerar o medo nas pessoas, por estarem enfrentando o desconhecido.

Bauman demonstra em seu livro Medo Líquido43 que o medo e o mal

estão sempre juntos, um apontando para o mundo e o outro, para dentro da

pessoa. Para o autor, há sempre uma busca para a resposta do significado do mal.

Explica que, para o código jurídico, o mal é o crime e, como temos

mandamentos, o mal é a violação desta lista, tornando os praticantes pecadores.

Ao recorrer à idéia de mal, não podemos mostrar qual regra foi rachada pelo ato

que procuramos um nome apropriado. A capacidade que se tem para guardar as

histórias de terror e torná-las inteligíveis se quebra quando tentamos explicar o

tipo de maldade que chamam de mal, sendo incapaz de mostrar a quantidade de

regras que a maldade violou.

Por isso os filósofos deixaram de lado as tentativas de explicarem o mal

por ser considerado um projeto sem esperança. Por estar afastado da

compreensão, o mal é mostrado quando tentamos explicar o inexplicável. É o

ultimo auxílio pela busca daquilo que se explica. Mas ultrapassar sua posição de

objeto de explicação seria ir além do alcance da razão humana.

Em seu livro Confiança e Medo na Cidade, Bauman escreve que os

europeus, ao sentirem medo, procuram segurança. O autor acha isso estranho e

cita Robert Castel44, que explica que, nas angústias provocadas pelo medo, pelo

menos nos países avançados, as pessoas vivem no meio da segurança. Como

43 BAUMAN, Z. O Medo e o Mal in: _____ Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 74. 44 CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido? Rio de Janeiro, Vozes, 2005. apud: BAUMAN, Z. Confiança e Medo na Cidade in: _____ Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 1

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contraste, as pessoas se sentem inseguras e amedrontadas, muito perto do pânico

e mais interessadas no que oferece segurança do que qualquer outra sociedade.

Bauman afirma que Sigmund Freud45 enfrentou esse enigma, e a solução

seria desprezar a alma humana pela lógica factual. Os pesares humanos, inclusive

seus medos, provém do poder da natureza, de suas fraquezas e da inadequação

das normas que influenciam nos relacionamentos. Quando se trata do sofrimento

da miséria, as pessoas não aceitam a imposição de limites.

A razão, segundo Bauman, é um atributo dos seres humanos, mas o que

pode abordar depende do instrumento e da prática utilizados, podendo mudar

com o tempo. Os dois crescem e, ao que parece, quanto mais poder tem, mas

fracas ficam as ferramentas racionais quando se insere o mal na ordem do

compreensível. Ao mesmo tempo, quanto mais eficiente a prática, menos

apropriadas estarão para completar a tarefa.

Para nossos ancestrais, o mal estava no ato de pecar e voltava aos

pecadores como punição. Se os humanos acompanhassem os mandamentos

divinos e optassem pela bondade ao invés do mal, este não teria de onde sair. A

presença do mal era um problema moral, assim como era tarefa da moral

enfrentá-lo e fazer com que desaparecesse. O pecado e a punição eram os

instrumentos da razão e, assim, o arrependimento e o cumprimento da pena eram

empregados na busca da imunidade ao mal, lutando para que o expulsem do

mundo dos humanos.

Para poderem firmar a crença para se houver um abalo, a doutrina do mal

como punição dos pecados foi somada com “cláusulas destinadas a se contrapor

antecipadamente a qualquer evidência em contrário”46, como a doutrina de Santo

Agostinho47 e o ensinamento de Calvino48.

Para Bauman, os atentados naturais que abalaram Lisboa, em Portugal,

no ano de 1755, deu início à moderna filosofia do mal. Para os filósofos

45 SIGMUND, Freud. O mal-estar na civilização, Rio de Janeiro, Imago,1997. apud: BAUMAN, Z. Confiança e Medo na Cidade in: _____ Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 1 46 BAUMAN, Z. O Medo e o Mal in: _____ Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 77 47 Doutrina da hereditariedade, para toda a espécie do pecado original 48 Disponibilizar graça e da condenação divinas antecede os esforços dos seres humanos pela salvação, sendo imune a qualquer coisa feita depois.

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modernos, há uma separação entre os desastres naturais, classificada como

aleatoriedade, dos males morais, sendo classificados como intencionalidade ou

premeditação. Bauman cita a filósofa americana Susan Neiman, que diz que os

males naturais não têm relação com os males morais, pois não possuem

significado.

A insegurança moderna se baseia no medo dos criminosos e seus crimes.

Por suspeitar dos outros e de suas intenções, se recusam a confiar na

solidariedade humana. Para Bauman, Castel culpa a individualização moderna

por essa situação, pois a sociedade foi construída sobre a insegurança de que o

perigo está por toda parte.

Podemos observar isso em uma passagem de Watchmen, em que alguns

homens normais, sem algum tipo de poder, a não ser o Dr. Manhattan, se juntam

e, através dos Combatentes do Crime, tentam acabar com o perigo da cidade de

Nova York. É bem marcado em uma passagem nas páginas 49 e 50, na primeira

reunião deles.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 49.

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A cena que podemos ver é de uma seqüência de quadrinhos, em que o

Capitão Metrópole fala sobre o país não ter uma equipe de aventureiros

mascarados desde que os Homens-Minuto se dispersaram, em 1949.

O Capitão Metrópole fala sobre a inércia das forças especializadas,

diferente dos crimes, pois males sociais estão aumentando, como a

promiscuidade, as drogas, entre outros. Além de mostrar um panorama em que a

cidade se encontra, esses quadrinhos mostram que a segurança da cidade

retratada está nas mãos de pessoas normais, apesar de treinadas.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri – SP: PaniniBooks, 2011, p. 50.

A insegurança que eles sentem faz com que se reúnam e tentem

organizar um grupo para que tentem combater o crime, como o próprio nome do

grupo mostra. Com os males na sociedade, as forças especializadas ficam inertes,

sem conseguir se impor. Com o aumento de crimes e males sociais, há uma

mudança repentina na sociedade.

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Ainda em seu livro Confiança e Medo na Cidade, Bauman explica que a

transformação na Europa desempenhou um papel importante, pois foi a primeira

a ter mudanças, e não teria existido sem duas mudanças repentinas. A primeira

foi a supervalorização do indivíduo, que deixava de lado algumas restrições

impostas pelos vínculos sociais. A segunda foi a fragilidade e vulnerabilidade

desse indivíduo, que começou a ficar sem proteção.

Se a primeira revelou aos indivíduos a estimulante e sedutora existência de grandes espaços nos quais implementar a construção e o aprimoramento de si mesmo, a segunda tornou a primeira inacessível para a maior parte dos indivíduos.49

Ainda citando Neiman, Bauman escreve que Lisboa mostrou que o

mundo estava distante dos seres humanos, e em Auschwitz, os seres humanos

estavam distantes de si mesmos. E se separar o natural do humano é um projeto

moderno, o intervalo de tempo entre Lisboa e Auschwitz demonstrou como é

difícil separá-los.

Bauman explica que, para Hannah Arendt, há um choque e uma confusão

ao se ouvir falar de Auschwitz pela primeira vez e há uma reação de desconforto

por causa da dificuldade em colocá-lo como se passando no mundo em que

vivemos.

Na prática de Bauman, qualquer pessoa pode fazer o mal sem a intenção

maldosa. O motivo de ação pode ser irrelevante, mas uma razão importante

para não se basear nos motivos dos executores era a ameaça de que, se a tarefa for refém de intenções e convicções específicas, ela poderá desviar-se no caso dessa motivação, insuficientemente cultivada, se esgotar ou ser anulada por algum motivo pelo fato de não estar sendo promovida com suficiente firmeza.50

Não se pode confiar nas emoções, pois são inconstantes. Têm um tempo

natural de curso, assim como suas bases biológicas. Não tem uma estabilidade,

podendo ser transformadas.

49 BAUMAN, Z. Confiança e Medo na Cidade in: _____ Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 16 50 BAUMAN, Z. O Medo e o Mal in: _____ Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 83

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Bauman expõe que o Estado moderno teve que administrar o medo,

reconstruindo a rede de segurança que a revolução moderna tinha destruído,

reparando-a várias vezes, pois a modernização a desgastava. Diferente da

segurança pré-moderna, as criadas pelo Estado eram planejadas ou progrediam

sem querer a partir dos grandes esforços da fase sólida da modernidade.

Os medos modernos começaram com a diminuição do poder do Estado,

no momento em que a relação entre os humanos, foi fragilizada. Do jeito que a

modernidade sólida ministrava o medo, substituiria os laços naturais danificados

por laços artificiais, que assumiriam a forma de associações e sindicatos. A

solidariedade entrou no lugar da irmandade como proteção para um destino

incerto. O fim da solidariedade mostra o fim do lugar em que a modernidade

ministrava o medo, destruindo, assim, as proteções modernas artificiais.

Com esses laços danificados, a guerra se torna uma conclusão, como

podemos ver no pano de fundo de Watchmen. Em um dos quadrinhos, vemos

uma televisão em que um homem diz que a guerra nuclear acontecerá nos

próximos dias, e só Deus sabe o que essa gente tem na cabeça.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição: PaniniBooks, 2011, p. 256

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Além da Guerra, outro exemplo de que as relações estão afrouxadas

dentro dos quadrinhos, é a não aceitação dos mascarados por parte dos policiais.

Acontece uma rebelião em que as pessoas não aceitam os mascarados e

justiceiros e querem a polícia de verdade. Mesmo após esses homens se reunirem

para juntar forças e acabar com o crime e os males da sociedade, os cidadãos não

as aceitam, mostrando uma falta de solidariedade, não por parte dos mascarados,

mas por parte da população, que os discrimina e fazem ataques aos que estão

tentando cuidar da proteção de todos.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 57

Para Norbert Elias, as mudanças específicas que acontecem quando as

pessoas se relacionam uma com as outras, transformando sua personalidade de

maneira civilizadora, mudam de acordo com o tempo.

[...] as funções sociais, sob pressão da competição, tornaram-se cada vez mais diferenciadas. Quanto mais diferenciadas elas se tornam, mais crescia o número

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de funções e, assim, de pessoas das quais o indivíduo constantemente dependia em todas suas ações, desde as simples e comuns até as complexas e raras.51

Quando as pessoas sincronizavam suas atitudes com as de outras, as

ações se organizariam com mais rigor, para que as ações individuais

desempenhassem uma função social. A pessoa era forçada a controlar o

comportamento de modos diferentes, uniforme e firme. O conjunto de ações

ficou tão complicado, o esforço para que se comportem ficou tão difícil que,

além do autocontrole individual, um aparelho automático de autocontrole foi

organizado para prevenir violações.

Quando há um monopólio de força, se produz espaços sociais

pacificados e livres de atos violentos. As pressões sobre as pessoas são

diferentes. A violência não-física que existia se separa da força física, persistindo

nas sociedades mais pacificadas. Há vários meios para que a manipulação

permita que o homem, em grupo ou individualmente, imponha sua vontade aos

demais. A monopolização dos meios de produção é uma das poucas que se

tornam importante quando a violência física se monopoliza, enquanto que nas

sociedades ditas mais pacíficas, o uso da força física pelos que são fisicamente

mais fortes deixa de ser permitido.

Por ter um grande monopólio, Veidt conseguiu explorar um grande

invento para poder acabar com a guerra e fazer com que os Estados se ajudassem.

No quadrinho, Ozymandias, de costas para os outros dois, diz que um nó

que poria à prova até mesmo o intelecto de Alexandre. Os dois lados

reconheciam as implicações suicidas do conflito nuclear. No entanto, não podiam

se esquivar delas sob pena de o oponente tirar proveito. Diz que há o medo das

armas, o medo de perder, medo de piscar ou de dar as costas.

51 ELIAS, Norbert. Do Controle Social ao Autocontrole. In: _____ O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. 2 v. p. 195-196

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Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 367

Seguindo a filosofia de Alexandre, Veidt acredita que, por mais que

houvesse mortes, chegaram perto de um mundo unificado, onde a guerra trocaria

de lugar com a união de estados para um bem maior, que seria a ajuda dos países

para Nova York poder se reerguer.

O quadrinho abaixo mostra exatamente o momento em que o Dr.

Manhattan e Laurie voltam para Nova York e descobrem que as pessoas

morreram. Dr. Manhattan diz que foi uma tempestade de Táquions que conseguiu

matar todas aquelas pessoas, e se pergunta de onde vinham.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 387

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A relação entre as pessoas, os diferentes pensamentos e ideais, fazem

com que as elas entrem em conflito. A guerra, tanto a Guerra Fria quanto as

outras que existiram, é o ápice desse afastamento e inexistência de relações

afetivas. Então, a escapatória para Veidt nos quadrinhos, foi que, quando as

pessoas se deparassenm com uma catástrofe como a de milhares de pessoas

mortas, por qualquer motivo que seja, nos quadrinhos mostrado como um falso

ataque de alienígenas, faz com que as pessoas se aproximem e parem uma guerra

de anos para ajudarem uma cidade a se reconstruir.

Para Norbert Elias, há uma mudança no comportamento e na organização

afetiva das pessoas quando as cidades sem um monopólio da força têm uma

divisão de funções pequena, e a as relações entre os indivíduos são curtas. Então,

as sociedades com uma estabilidade no monopólio da força são as que têm a

divisão de funções em maior progresso, tendo maior relação entre as pessoas,

junto com uma dependência funcional entre elas. Dentro desse sistema, o

indivíduo é protegido da violência física em sua vida, sendo, assim, reprimida a

vontade de atacar fisicamente outra pessoa, sendo que outras compulsões estão

tomando o mesmo caminho.

Como nas relações entre humanos o perigo acontece de modo inesperado

e a vitória é mais repentina, o ser humano fica dividido entre o prazer e a dor. É

pouco provável que a função social do guerreiro livre seja construída de modo

que os perigos possam ser previstos antecipadamente.

Em seu livro Medo Líquido, Bauman exprime que, olhando os

acontecimentos, a aposta moderna na razão científica parece ser o começo de

uma longa jornada, que, no seu final, parece voltar ao lugar que partiu, nos

incalculáveis horrores imprevisíveis, que atacam de modo aleatório. Mesmo

sabendo mais com o que nossos ancestrais passaram, não somos tão confiantes

em encontrar o caminho para nos afastar das catástrofes naturais. Em um

caminho projetado pela esperança de manter distantes as catástrofes naturais dos

humanos, a humanidade enfrenta males produzidos pelos humanos, que podem

ser tão cruéis, insensíveis e imprevisíveis quanto foram as catástrofes em Lisboa.

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Os males produzidos pelo ser humano parecem mais inesperados do que os

precedentes naturais.

Antes de Auschwitz ou Hiroshima, não se imaginava o tamanho do mal

produzido pelo ser humano, o mau moral transformado em natural, uma vez que

fosse capaz ter vantagem de novas armas e ferramentas transformadas pela

ciência e tecnologia modernas. A lição aprendida pelo autor é que nem sempre os

maldosos cometem crimes.

Bauman explica que, para Castel, houve um retorno das classes

perigosas, que, originalmente, eram formadas pelo excesso de gente excluída. As

novas classes perigosas são as que não são capazes de uma reintegração e não

saberiam ser úteis, mesmo depois da reabilitação. Por isto estão em excesso, pois

são supérfluas e excluídas.

A exclusão não é um resultado de momento, mas algo definitivo, sendo

uma via de mão única. É improvável que se reorganize com as falhas que já

aconteceram, e são essas que recorrem contra a sentença que fazem dos excluídos

a classe perigosa.

Essa exclusão é a conclusão da separação do Estado social, que, segundo

Bauman, se assemelha, nos dias de hoje, a uma rede de poderes constituídos. O

fim do Estado social informa que a oportunidade de resgate sumirá, o direito ao

apelo será anulado, se perderá a esperança e a vontade de resistir se extinguirá. O

fim do trabalho é vivido como uma condição de supérfluo do que como de

alguém que está desempregado. Ser excluído do trabalho é igual a ser

descartável.

Podemos observar esse sentimento de exclusão em outra passagem de

Watchmen, em que há um grupo de pessoas está na rua, alegando que os

mascarados não deixam os policiais trabalharem.

Nos quadrinhos a seguir, vemos uma revolta na frente da Casa Branca,

em Washington com Dr. Manhattan e Espectral tentam acalmar a multidão. Essa

é a greve da polícia contra os mascarados e justiceiros. Eles formam uma classe

perigosa, pois há atiçadores entre a multidão. Os policiais, nesse momento, estão

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sentindo essa exclusão do trabalho descrita por Bauman. Eles se sentem

descartáveis, já que não podem defender a cidade.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 130

Essa greve da polícia resultou na Lei Keene. O jornalista do próximo

quadrinho diz que a lei proposta pelo Senador Keene foi aprovada, e os vigilantes

voltam a serem ilegais mesmo os que trabalhavam para o governo. Esses

quadrinhos demonstram a distância em que a população está dos vigilantes.

Enquanto que em outros quadrinho, os super-heróis ajudam a polícia a combater

o crime e livrar a rua de outros problemas, em Watchmen, a polícia demonstra

que os vigilantes são ameaçadores.

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Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 131

Essa relação se afina mais por causa do Dr. Manhattan, pois ele é chamado

de Bomba H. Como o Dr. Manhattan sofreu o acidente, ele conseguiu poderes,

coisa que os outros mascarados não tinham. Então, ele começou a ser uma arma

do governo, sendo uma peça importante na Guerra do Vietnã, por exemplo, em

que os EUA conseguem a vitória. No início, ele foi bem recebido pela população,

pois conseguia a vitória em guerras e impedia atentados a pessoas importantes.

Mas, com o passar do tempo, a imagem do Dr. Manhattan foi mudando,

pois ele foi visto como uma bomba humana, podendo explodir a qualquer

minuto. Isso só fez aumentar o medo dos mascarados e afastá-los ainda mais da

população. Como a confiança da vigilância estava depositada na polícia,

aconteceu a greve dos policiais.

Ainda em seu livro Medo Líquido, Bauman explica que, quanto mais as

pessoas se separam dos vizinhos imediatos, mais confiança se deposita na

vigilância do ambiente. Há muitas casas que são construídas para protegerem

seus moradores, e não para integrá-los na comunidade a qual pertence. Assim,

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alguns espaços da cidade começam a ser separada por zonas, fazendo com que

haja uma sensação de afastamento, tanto de localidade e pessoal quanto social e

economicamente falando.

A separação das novas elites globais, o abandono dos compromissos que

tinham com a população do local no passado, a distância entre o lugar onde vivia

e onde vive são as significativas tendências sociais, culturais e políticas

associadas à passagem de uma fase mais sólida para uma seguinte da

modernidade.

Nesse quadro, quase se extingue a parte importante da verdade, a que

melhor caracteriza a vida urbana contemporânea, caracterizando a estreita

interação entre as pressões globalizantes e como as identidades locais são

negociadas.

Para Norbert Elias, quando as relações humanas se modificavam, as

organizações monopolistas de força física progrediam e o indivíduo se defendia

do choque de brigas, sofrendo as compulsões duradouras de funções pacíficas

baseadas no ganho de dinheiro e a declaração sentimental subindo para uma linha

mediana. As hesitações no comportamento e nos sentimentos não sumiram, mas

afrouxaram.

Segundo Elias52, a formação de monopólios de força, um homem pode ser

uma ameaça para outro e, assim, sujeito ao controle mais severo, por isso o dia a

dia não está tão sujeito a mudanças súbitas de sorte.

Mesmo com uma organização de controle, a violência física e sua ameaça

influenciam sobre o indivíduo. A insegurança não influenciava mais o individuo,

mas uma segurança particular. Uma pressão constante entra na vida do indivíduo

através da violência física retida na vida diária, uma pressão conhecida e quase

não notada, tendo a conduta e a paixões sendo moldada desde cedo até a essa

estrutura social. Com o molde social e o código de conduta, houve a mudança,

não apenas em uma forma específica de conduta, mas todo um padrão de vida

52 ELIAS, Norbert. Do Controle Social ao Autocontrole. In: _____ O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. 2 v. p. 200

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individual. A organização que monopoliza a violência física muitas vezes não

tem o controle do indivíduo por ameaça direta.

A monopolização da violência física nos espaços sociais pacificados

estabelece um diferente tipo de autocontrole ou autolimitação. A agência

controladora se forma como parte estrutural da personalidade individual, assim

como a agência controladora na sociedade. As duas determinam uma regra

diferente para todos os impulsos emocionais, à conduta humana no seu todo. As

duas, uma mediada pela outra, exercem uma pressão contínua para impedir

grandes cargas de emoções. Assim como a monopolização da força física

diminui o medo que alguém sente de outra pessoa, ao mesmo tempo, restringe a

possibilidade de causar medo em outros e, assim, tira possíveis descargas

emocionais agradáveis.

A guerra é um exemplo de ameaça e de força física.

Nas páginas do jornal New York Gazette, o jornal que circula na história,

podemos acompanhar uma jornada que foca na Terceira Guerra Mundial. No

quadrinho a seguir, o exército examina o cenário de destruição dos ataques de

mísseis nucleares, enquanto o presidente Nixon, conformado com o que vê, diz já

ter visto cenários piores. Em outro momento, diz não querer atuar como um

“Bombardeiro louco”.

Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 100

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Fonte: GIBBONS, Dave; MOORE, Alan. Watchmen. 2ª edição, Barueri: PaniniBooks, 2011, p. 315

É diante desses acontecimentos que Veidt tenta acabar com a ameaça

nuclear, unido os povos após finalizar uma era de conflitos. No fim da história,

então, vemos que o massacre em Nova York tece sucesso. A mídia mostra o

incidente, assim como a comoção por parte de outros povos.

Para Bauman53, no mundo que se globaliza, a política se torna cada vez

mais local. Como foi banida ou teve seu acesso vetado, ela se volta para questões

mais locais, como os bairros. A interação só faz diferença quando se trata dessas

questões locais, enquanto que para regiões maiores, não há alternativa. Há a

suspeita de que esses assuntos continuarão com seu curso, não importando o que

as pessoas façam ou proponham.

53 BAUMAN, Z. Confiança e Medo na Cidade in: _____ Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 28.

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As cidades se transformaram em armazenamento de problemas causados

pela globalização. A população e os eleitos representantes se portaram perante a

tarefa de solucionar locais para contradições globais.

É a partir disso que há o paradoxo de que as políticas estão cada vez mais

locais em um mundo que é estruturado por processos globais. A política local,

principalmente a urbana, está sobrecarregada, não podendo ser operada. Os

cidadãos precisam diminuir as conseqüências da globalização não controlada

pelos meios e com os recursos de que a globalização tornou inadequada.

A diferença do processo civilizador individual bem-sucedido do mal-

sucedido é que, o primeiro, depois dos conflitos durante o processo, é

apresentado um padrão de conduta bem-adaptado inseridas nos hábitos

satisfatórios e, ao mesmo tempo, um balanço positivo de prazer. No segundo, ou

o autocontrole socialmente necessário é comprado para uma satisfação pessoal

ou o domínio dessas energias não é alcançado totalmente. Freqüentemente,

nenhuma oscilação positiva prazerosa é praticável, por causa dos comandos e das

proibições sociais representam as outras pessoas e o eu abalado de cada uma,

pois um lado proíbe o que o outro deseja.

Para Elias54, o processo civilizador só é favorável ou desfavorável nos

casos mais extremos, pois as pessoas vivem em um meio-termo dentro dessa

escala. Aparências socialmente positivas ou negativas, propósitos gratificantes e

frustradores são misturados em proporções variáveis. Assim, um molde social do

indivíduo de acordo com o processo civilizador no que hoje chamamos de

Ocidente é difícil. Por isso que é tomado mais tempo de modelagem individual

das classes médias e altas do que das mais baixas.

Bauman escreve, em seu livro Confiança e Medo na Cidade, que o medo

do desconhecido busca algum tipo de alívio. As agonias acumuladas

descarregam-se nos forasteiros, o que não é familiar e o que é perigoso e cheio de

ameaças. Ao erguer obstáculos nas fronteiras contra os falsos pedidos de asilo e

os imigrantes por motivos econômicos, espera-se estabilizar a vida incerta e

54 ELIAS, Norbert. Do Controle Social ao Autocontrole. In: _____ O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. 2 v. p. 206

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imprevisível. Mas a vida na nova modernidade está predestinada a permanecer

estranha, por mais que sejam as situações críticas que os estranhos são culpados.

As cidades estão cada vez mais associadas ao perigo. O medo,

subentendido na construção da cidade, está aumentando, com o aumento de

tranca para carros, as portas blindadas, o aumento na vigilância em lugares

públicos e, principalmente, os alertas de perigo nos meios de comunicação.

As ameaças a integridade da pessoa e à propriedade privada se tornam

questões de grande alcance cada vez que se percebem as vantagens de se viver

em determinado lugar. A insegurança futura, a posição social frágil e a

insegurança da existência se convertem em objetivos mais próximos e assumem

questões de segurança pessoal.

Viver em uma cidade é uma experiência ambivalente, atraindo e

afastando. A situação do cidadão se complica, pois são os aspectos da vida

urbana, ao mesmo tempo, atraem e repelem. A grande variedade do ambiente

urbano causa o medo, principalmente para os que foram tirados do modo de vida

habitual e colocados na incerteza dos processos de globalização.

Viver na cidade nem sempre é envolto de maldição e infelicidade. Quanto

maior e com mais variedades, mais coisas a cidade tem a oferecer, prometendo,

assim, oportunidade. Então, quanto maior a cidade, maior a probabilidade de

atrair um grande número de pessoas que negam a possibilidade e viver em

lugares menores e com possibilidades mais escassas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O medo está presente em vários momentos na vida de qualquer pessoa.

Ele pode ser visto, principalmente, em épocas de guerra, no momento em que

pessoas que estão governando discordam da visão de outro governante, em

qualquer sentido. No período Guerra Fria não foi diferente, pois, para a

população que estava envolvida, a qualquer momento poderia acontecer alguma

coisa e desencadear, assim, uma Terceira Guerra.

O medo está presente em muitas passagens de Watchmen. Vemos, em

algumas passagens, esse sentimento perante a guerra e os mascarados,

principalmente em relação ao Dr. Manhattan, pois ele é chamado de Bomba H.

Através das greves podemos ver que a população e os mascarados não tinham

uma boa relação, pois os cidadãos não os enxergava como um grupo que estava

lá para protegê-los. Os mascarados, nessa história, passam um sentimento de

anonimato, pois a população não sabe quem são na verdade, fazendo com que se

sintam inseguros perante eles. Percebemos que, em alguns momentos, aparecem

reuniões em que representantes do Estado estão discutindo sobre a guerra, e isso

influencia na vida das pessoas, pois há um receio perante a morte.

As histórias de Super Heróis, em geral, demonstraram uma história de

esperança para os leitores. Durante a Guerra Fria, houve muitas histórias desse

gênero. Mas Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons, como visto durante o

trabalho, apresenta uma visão diferente. Por isso que os quadrinhos, dentro da

história, não fizeram sucesso mais e começaram a escrever quadrinhos de piratas.

Nos dois períodos representados na HQ, os vigilantes se reuniram para

tentar acabar com os crimes, a circulação de drogas, os homicídios e tantos

outros problemas da cidade de Nova York, tanto em 1940, como Homens

Minuto, quanto em 1966, como Combatentes do Crime. Mas os cidadãos não

gostaram dessa reunião, e fizeram algumas greves contra os vigilantes e a favor

dos policiais. Nessas greves, a população xingava os vigilantes, o que demonstra

que a relação dos mascarados com os cidadãos não era boa. Os cidadãos não

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achavam que os vigilantes estavam ajudando, e sim, tirando o trabalho dos

policiais.

Há na história, uma influência da distopia, idéias que assombram e

ameaçam a liberdade, produzindo sombras ofuscando, assim, o futuro. Então, o

cidadão não vê uma esperança no futuro. Como é uma forma de distorcer o

futuro, sempre acontece algo de inesperado no cursor da história. São

influenciadas pelo pessimismo, por isso o futuro é algo ruim e decadente. O final

dos quadrinhos de Watchmen é uma forma distópica de acabar uma história.

Como a guerra estava para estourar em poucos dias nos quadrinhos, houve

uma explosão no final da história em que um dos vigilantes tramou isso. Esse

mascarado conseguiu reunir um grupo de pessoas para projetarem um monstro

que tinha capacidade de matar metade de Nova York. Após mandar o monstro

para a cidade, os Estados que estavam em guerra pararam de atacar os outros

para poderem ajudar Nova York, acabando, assim, com a guerra. Essa solução do

mascarado realmente acabou com a guerra que estava tão perto de acontecer, mas

foi baseada na morte de tantos outros que estavam morando em Nova York.

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