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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Everson Roberto Soares da Silva A EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Everson Roberto Soares da Silva

A EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE B ENS

IMÓVEIS

CURITIBA

2011

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A EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE B ENS

IMÓVEIS

Curitiba

2011

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Everson Roberto Soares da Silva

A EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE B ENS

IMÓVEIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em direito. Orientador: Prof. Silvio André Brambila Rodrigues

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Everson Roberto Soares da Silva

A EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE B ENS

IMÓVEIS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de bacharel em direito no Curso de Direito da

Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,______ de ______________________ de 2011.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Professor Silvio André Brambila Rodrigues Universidade Tuiuti do Paraná

Professor: Universidade Tuiuti do Paraná

Professor: Universidade Tuiuti do Paraná

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Dedicatória À minha esposa Seliane e filhos André e Bruno, que, ao longo dos estudos, estiveram ao meu lado dando força para que eu continuasse em frente. Ao meu pai Antonio Renato S. da Silva que infelizmente faleceu no decorrer deste curso, mas que enquanto em vida, não mediu esforços em me auxiliar e orientar durante toda a minha vida, a minha mãe Maria de Lourdes S. Silva que sempre me incentivou e continua contribuindo de todas as formas. E finalmente, aos meus irmãos, cunhados, sogro e sogra pelo apoio.

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Agradecimentos Ao meu orientador que contribuiu para a elaboração deste trabalho através das dicas fornecidas que vieram a enriquecer esta pesquisa.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 08

2 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E SUA EVOLUÇÃO ................................. 11

2.1 A FIDÚCIA NO DIREITO ROMANO .......................................................... 12

2.2 O PENHOR DE PROPRIEDADE GERMÂNICO ........................................ 15

2.3 O TRUST RECEIPT........................................................................................ 16

2.4 O MORTGAGE ............................................................................................... 17

3 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO BRASIL ............................................... 19

3.1 CONCEITO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ............................................. 22

4 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS ......... 25

4.1 SURGIMENTO NO BRASIL ........................................................................ 25

4.2 NATUREZA JURÍDICA E CLASSIFICAÇÃO ............................................ 29

4.3 REQUISITOS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS

IMÓVEIS ................................................................................................................. 34

4.3.1 REQUISITOS SUBJETIVOS ........................................................................ 34

4.3.2 REQUISITOS OBJETIVOS ........................................................................... 36

4.3.3 REQUISITOS FORMAIS .............................................................................. 38

4.3.4 CLÁUSULAS ESSENCIAIS ......................................................................... 40

5 EXTINÇÃO DO CONTRATO ...................................................................... 45

5.1 PELO ADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE.............................................. 46

5.2 PELO INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE ......................................... 49

5.3 CONSTITUIÇÃO E PROVA DA MORA ..................................................... 52

6 CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PELO CREDOR ......................... 57

7 CONCLUSÃO ................................................................................................ 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 64

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RESUMO O objeto deste trabalho é o estudo da Lei 9.514 de 1997, de forma a demonstrar a eficácia que a mesma apresenta, especificamente no que diz respeito à seus requisitos, extinção, venda no público leilão e suas conseqüências, bem como a análise da propriedade fiduciária imobiliária. Destacando que de acordo com a legislação pertinente, o procedimento para a retomada do bem pelo credor é mais célere, o que diferencia o mencionado direito real de garantia dos demais. Estuda a Alienação Fiduciária, seu conceito e natureza jurídica, e como e quando foi regularizada no Direito Brasileiro, para ao final, analisar as formas de extinção do contrato. Como fontes, utiliza a pesquisa bibliográfica, a pesquisa de julgados e a própria legislação. Palavras-chave: Moradia, Alienação Fiduciária de bem imóvel e propriedade fiduciária imobiliária.

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1. INTRODUÇÃO

O instituto da Alienação Fiduciária encontra-se introduzido no

ordenamento jurídico pátrio desde o advento da Lei de Mercados de capitais (Lei nº

4.728 de 14 de Julho de 1965), precisamente no artigo 66 desta e que ganha mais

autonomia com a edição do Decreto Lei nº 911 de 1º de Outubro de 1969. A

introdução do referido instituto veio com a finalidade de simplificar o acesso ao

crédito direto ao consumidor na aquisição de bens de consumo duráveis, não

coincidentemente, a introdução do instituto da alienação fiduciária veio na mesma

década em que nosso país experimentava a industrialização. Portanto, sem duvidas, se

fazia mister a facilitação do crédito para o sucesso das vendas dos novos produtos

advindos deste processo de industrialização. Então, era mais uma ferramenta a utilizar-

se na viabilização das vendas em escala de automóveis, geladeiras, televisores, de

forma a consolidar a indústria nacional.

Temos então que o instituto teve sempre grande sucesso no que tange aos bens

móveis, até mesmo pela sua própria configuração já que quando da sua contratação

surge a propriedade fiduciária, nos moldes da propriedade resolúvel, em favor do

credor ainda que a posse direta do bem alienado esteja com o devedor enquanto

perdurar a obrigação principal.

Foi então que em 1997, tramitou o Projeto de Lei 3.242 por iniciativa do Poder

Executivo, vindo a converter-se na Lei 9.514 de 21.11.1997 que dispõe sobre o

Sistema Financeiro Imobiliário e nele instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel.

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O instituto da Alienação Fiduciária adentra então em um Sistema de

Financiamentos Imobiliários que era caracterizado pela desregulamentação e seu

funcionamento sustentado nas estruturas dos mercados financeiros e de capitais já

existentes. Com a criação do projeto de lei e posterior conversão em lei, surgiram

novas modalidades contratuais e a criação de novos instrumentos de captação de

recursos, que seriam postos a disposição da economia moderna.

Portanto, a intenção deste trabalho monográfico é demonstrar a eficácia da

Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis frente às garantias até então

existentes. Para tanto busca desde o histórico do instituto da alienação fiduciária, sua

criação até a sua utilização no Brasil principalmente nos bens imóveis.

Afim de cumprir com o objetivo, veremos no capítulo 2 a origem do instituto

da alienação fiduciária e sua evolução histórica, passando principalmente pelo Direito

Romano com as espécies de fidúcia, o Penhor da Propriedade Germânica e o

Mortgage.

No capítulo 3, passaremos a tratar do instituto da Alienação Fiduciária em

Garantia, já no ordenamento jurídico pátrio, a lei que a criou, e o seu conceito.

No capítulo 4 trataremos já do novo instituto então criado com a Lei 9.514 de

1997, a Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. Trataremos do seu conceito e

características, os requisitos formais, objetivos e subjetivos, e suas clausulas essências.

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No quinto capítulo, trataremos das formas de extinção do contrato, seja com

adimplemento ou inadimplemento por parte do Devedor fiduciante e suas

conseqüências até a consolidação da propriedade fiduciária por parte do Credor.

Finalmente, no sexto e último capítulo será demonstrada a consolidação da

propriedade do bem pelo credor, a forma como esta acontece e suas conseqüências.

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2. A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E SUA EVOLUÇÃO

A origem da Alienação Fiduciária em Garantia é objeto de discussão e

contrariedade no âmbito do Direito Civil. Os doutrinadores não chegam a um

consenso, dividindo-se a maioria pela origem romanista e anglo-americana, portanto, é

de extrema importância que se busque esta origem.

Na concepção romanista, o instituto da Alienação Fiduciária em Garantia esta

ligado à Lei das XII Tábuas. Orlando Gomes, defende a idéia de que este foi instituído

para o financiamento dos bens duráveis, pelo sistema floor planning (GOMES,

Orlando, 1975 p. 18-19). Para Venosa, a destinação originaria não seria o comerciante,

mas o consumidor final, baseando-se no fato de que o trust receipt é feito na confiança

que o financiador deposita no financiado, pois poderá alienar a mercadoria sem pagar a

dívida (Venosa, 2006, p. 390). Bem como, Nelson Rodrigues Netto, o assemelha ao

Mortgage.

Portanto, é importante recorrer ao direito comparado onde podemos identificar

estes institutos jurídicos que podem ter servido de inspiração para a criação da

Alienação Fiduciária em Garantia em nosso ordenamento jurídico. A exemplo disso

são: a Fidúcia Romana, o Penhor de Propriedade Germânico, o trust receipt e o

mortgage, sendo que para os dois últimos estão presentes no direito anglo-americano.

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2.1 A FIDÚCIA NO DIREITO ROMANO

Na sociedade romana, se assegurava o direito dos credores desde a Lei das XII

Tábuas, no sentido de que aos credores romanos, era dado, o poder de, após a apuração

de um concurso creditório, poderiam matar o devedor e se apoderar sobre seu corpo se

este não cumprisse a obrigação.

Desta forma, o instituto acabava por legislar, inclusive, sobre a vida e a

liberdade dos romanos, pois caso estes não pagassem suas dividas aos seus credores,

estariam lançando mão da sua própria vida que era a garantia dos credores, iniciando

assim, uma espécie de garantia.

Ao passar do tempo, esta forma de garantia foi se aperfeiçoando e deixando de

lado os critérios arcaicos em que baseavam, para alcançar evoluções no sentido de que

o inadimplemento da obrigação, não atingisse a vida do devedor e sim, o seu

patrimônio.

Essa evolução, no sentido de que não mais o devedor estava comprometido

com a própria vida para com seus credores, não agradou a todos, visto que assim,

abriria a possibilidade para fraudes, por parte dos devedores para com os credores.

Portanto, temos que a fidúcia romana é uma convenção pela qual aquele que

recebeu uma coisa ou um direito pela mancipatio ou pela in iure cessio, se obriga à

restituição, quando satisfeito o fim ou preenchida a destinação (CHALHUB, 1998. p.

14).

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É ao analisarmos os textos de Gaio que se encontram sua conceituação — uma

mancipatio pactuada com a obrigação do adquirente de remancipare, indicado que a

mesma se fazia pela mancipatio ou pela in iure cessio — e o registro de suas duas

espécies: a fidúcia cum creditore e a fidúcia cum amico.

Na primeira, temos que ela consistia na venda do bem do devedor ao credor

sendo que aquele poderia resgatar o bem após quitar a divida no prazo. No caso da

segunda, acontecia para salvaguardar os interesses do próprio fiduciante de forma que

pretendia a proteção de bens ameaçados e se dava da seguinte forma: o proprietário

alienava o bem ameaçado a um amigo com a condição de poder resgatá-la assim que

cessasse o perigo em relação ao bem. Esta modalidade de transferência ocorria em

situações especiais, podendo citar como exemplo longas viagens, risco de perecer em

guerras, perdas em virtude de eventos políticos, entre outros, não se prestava como

garantia e sim, dava ao fiduciário (amico) a simples custodia do bem, ainda que

perante terceiros fosse este o proprietário, mantendo oculta a convenção.

Essa modalidade de geração da propriedade fiduciária prestou-se, durante

algum tempo para fraudar credores, uma vez que também era utilizada como maneira

de subtrair bens à garantia genérica dos credores. Ao transferir a propriedade do bem

ao amico, diminuía-se, ou mesmo punha-se termo ao patrimônio do fiduciante

reduzindo-o a mais completa e absoluta insolvência (MEZZARI, 1997, p. 16)

Em ambas podemos perceber que ocorria a transmissão da propriedade do

bem, ainda que com a condição de retornar ao alienante a partir do cumprimento do

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contrato e, como bem comenta René Jacqueline, a fidúcia é uma convenção baseada na

boa fé (JACQUELINE, René. De la Fiducie, apud CHALHUB, 1998, p. 14)

Neste sentido, decorre que o fiduciário tendo propriedade plena sobre o bem

pode dele dispor, desde que, quando satisfeita a dívida, retornasse o bem ao fiduciante.

Ainda como leciona Melhim Namem Chalhub, a responsabilidade do

fiduciário estava sujeita apenas a uma ação pessoal, sujeitando-se o fiduciante aos

riscos de insolvência do fiduciário (CHALHUB, 1998, p. 14).

Neste diapasão, referindo-se aos inconvenientes da fidúcia, José Carlos

Moreira Alves denota, em sua obra de Direito Romano:

“(...) que o devedor, para reaver a coisa, ficava, primitivamente, na dependência exclusiva da vontade do credor, pois não dispunha contra este de uma actio (ação) para compeli-lo à restituição da coisa; e, mesmo mais tarde, quando surgiu a actio fiduciae, era ela uma ação pessoal contra o credor, razão por que, se este alienasse a coisa a terceiro, ao invés de restituí-la, o devedor, pela actio fiduciae, podia obter apenas indenização pelo não cumprimento do pacto de restituição da coisa (pactum fiduciae), e não a anulação da venda ao terceiro”. (ALVES, 2003, p. 351)

Ainda que com todos os inconvenientes, e após o surgimento da hipoteca

que fez com que a fidúcia ficasse em segundo plano, a Fidúcia do Direito Romano

serviu de modelo para a criação da Alienação Fiduciária em Garantia, nos moldes

em que se apresenta hoje.

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2.2 O PENHOR DE PROPRIEDADE GERMÂNICO

Relativamente ao Penhor de Propriedade Germânico, que por sua vez se

apresentava de forma parecida com a Fidúcia Romana, o devedor vinha a transferir a

propriedade do bem ao seu credor, e este, obrigava-se a restituir o bem ao devedor

quando do adimplemento. A diferença para a fidúcia romana, portanto, esta no fato de

que o caráter resolutório da propriedade do credor é erga omnes.

Desta forma, se acaso o fiduciário viesse a alienar o bem a terceiros, o

fiduciante poderia retomar a propriedade do bem, sem que ficasse sujeito a perdas e

danos da fidúcia romana. Sobre o assunto, Melhim Namem Chalhub citando Martin

Wolf destaca que:

“Enquanto no sistema romano a alienação era incondicional, só existindo uma obrigação pessoal de restituição sujeita à extinção da dívida, já em direito germânico a coisa era transmitida sob condição resolutiva de pagamento da dívida; assim, pois, cumprida a condição, a propriedade voltava ao alienante, assegurada por efeito da condição resolutiva”. (CHALHUB, 1998, p. 19)

O legislador alemão, vislumbrando possível astucia por parte do fiduciário,

previu possibilidade do que hoje entendemos por direito de seqüela, ou seja, poderia o

alienante reivindicar a coisa, mesmo que na posse de terceiros, de forma que, ainda

que viesse o fiduciário a se desfazer da coisa, poderia o alienante exercer seu direito

sobre ela.

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Então, esta garantia visava coibir abusos, oferecendo ao devedor uma

segurança, já que enquanto a obrigação estivesse sendo cumprida, o bem não poderia

ser consumido. Garantia esta que não ocorria no direito romano, sendo que, o direito

real na modalidade germânica era limitado e relativo.

2.3 O “TRUST RECEIPT”

Este instituto teve seu surgimento, principalmente, devido ao grande avanço

advindo da Revolução Industrial, fazia-se necessário que as formas de garantias

fossem mais eficazes em todos os sentidos e para ambas as partes contratantes, o que

já não se observava no penhor e hipoteca.

O trust receipt, não deixava de ser um modelo de fidúcia baseado nos modelos

romanos, só que com particularidades inglesas. Porém, como já citado anteriormente,

Silvio de Salvo Venosa defende a idéia de que o trust receipt não pode ser considerado

uma espécie de Alienação Fiduciária, conforme citado abaixo:

“[...] este não seria o mecanismo da alienação fiduciária em garantia, pois a destinação originaria não é comerciante, mas o consumidor final. Ademais, no trust receipt, o negócio baseia-se na confiança que o financiador deposita no financiado, pois este poderá alienar a mercadoria sem pagar a dívida. Na alienação fiduciária, o devedor mantém a posse direta, não possuindo a propriedade e dessa forma não podendo dispor da coisa (inclusive possuindo status de depositário)”. (Venosa, 2006, p. 390)

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Relativamente ao trust receipt ou recibo de confiança do direito anglo-

americano, está configurado como negocio jurídico, onde, necessariamente, continha

três pessoas, a saber: o comprador, o vendedor e o financiador. O primeiro, ao comprar

mercadorias do segundo, emite recibo (“trust receipt”) e desta forma indica que possui

a posse da mercadoria em nome do financiador.

Como característica, este instituto previa a possibilidade do financiado vir a

vender o bem para saldar sua divida, mas o preço mínimo era indicado pelo

financiador e a faculdade deste para retomar o bem à sua vontade a qualquer tempo.

Distingue-se da alienação fiduciária em garantia, uma vez que nesta é vedado

ao fiduciante alienar a coisa sem a autorização do fiduciário, ainda que seja para pagar

a dívida, e o fiduciário somente poderá retomar o bem em hipótese de

inadimplemento. (SAAD, 2001, p. 59)

2.4 O “MORTGAGE”

O direito inglês contemplava a figura do mortgage, que consistia na

transmissão da propriedade com escopo de garantia. Chalhub assevera que existe uma

semelhança, identidade de estrutura, de caracteres e de finalidade entre mortgage e a

fidúcia cum creditore, muito embora ambos os institutos tivessem desenvolvimento

autônomo e estivessem distanciados no tempo e no espaço. (CHALHUB, 1998, p. 19)

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Os dois institutos teriam como base, um contrato real, já que temos a

transferência de propriedade de uma coisa do fiduciante ao fiduciário. A este contrato

real está vinculado um contrato obrigacional, tendo em vista a obrigação do fiduciário,

em restituir a coisa, uma vez cumprida a prestação do fiduciante. A condição

resolutiva presente no antigo direito inglês dava ao mortgage a característica peculiar

que, mesmo podendo aproximá-lo do direito germânico, o distanciava da fidúcia cum

creditore, uma vez que, efetivamente, no mortgage, o direito do fiduciário era

destinado a resolver-se de maneira automática, se e quando o fiduciante pagasse a

dívida no prazo contratado. (CHALHUB, 1998, p. 21)

Nesse sentido, registra Melhim Namem Chalhub:

“É nesse contexto que se constrói a “equity of redemption”, pela qual a Corte confere ao devedor, mesmo depois de vencido o prazo do contrato, o direito de obter a restituição da coisa dentro de um prazo razoável, desde que pagasse a dívida, mais os juros e uma reparação pela mora. De outra parte, assiste ao credor o direito de propor que a Corte imponha ao devedor a obrigação de exercitar a “equity of redemption” dentro do prazo, sob pena de perder definitivamente a propriedade. Para evitar esse processo, as partes passaram a incluir no “mortgage” uma cláusula autorizando o credor a vender o bem em caso de falta de pagamento. "É assim, como decorrência desse processo evolutivo, que se afastam os conceitos de “mortgage” e da fidúcia cum creditore, apesar de ambos, na fase genética, terem tido estruturas exatamente iguais, pois se tratava de negócio jurídico que, de fato, tinham como antecedente lógico um vínculo obrigacional entre fiduciante e fiduciário, no qual o fiduciante tinha a qualidade de devedor da prestação e o fiduciário a de credor, sendo essa a obrigação que se tratava garantir”. (CHALHUB, 1998, p. 21)

Após esta breve analise, percebe-se que todos os institutos aqui mencionados,

ainda que próximos, apresentam suas peculiaridades no sentido em que cada um

pretendia atender as necessidades de cada sociedade, época e ordenamento jurídico a

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que pertencem, pois, parafraseando Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, “o

direito é fruto de uma época histórica que tem, sobretudo, determinantes econômicos.

(PINHEIRO & SADDI, 2005, p. 85)

Não foi diferente com o direito pátrio, nosso instituto da Alienação Fiduciária

em Garantia surgiu para acompanhar as necessidades geradas pela vida moderna,

insatisfeita com aqueles de cunho tradicional, como o penhor e a hipoteca 1.

(PEREIRA, 2004, p. 423)

3 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO BRASIL

No Brasil, o instituto da Alienação Fiduciária em Garantia surge em nosso

ordenamento jurídico no ano de 1965 com o advento da Lei 4.728, que regulou o

mercado de capitais tendo como objeto de garantir somente bens móveis. O Brasil

passava nesta época por grande recessão econômica desde o inicio da década de 60, o

que causou uma alarmante queda de produtividade da indústria nacional. Visando

acelerar o ritmo de desenvolvimento, o governo brasileiro veio a apresentar um plano

de ação econômica, através da contenção da inflação e realização de reformas sociais.

1 De fato as garantias existentes nos sistemas jurídicos de origem romana, e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese, não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las. (ALVES, José Carlos Moreira. Alienação Fiduciária em Garantia, apud CHALHUB, Melhim Namem. (Negócio Fiduciário, p. 195.).

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Nesta mesma linha fazia parte do plano de ação, a estimulação ao crédito para

o consumo de bens duráveis. Porém, para que as instituições financeiras viessem a

conceder crédito ao consumidor, para que estes adquirissem bens de consumo

duráveis, principalmente eletrodomésticos e automóveis, e desta forma cumprir com o

objetivo, que era fazer crescer a indústria nacional, fazia-se necessário que as garantias

quando da liberação deste crédito fossem mais eficazes.

Foi então que com esta necessidade, em meados da década de 60 institui-se o

mercado de capitais, mais precisamente a partir da criação da Lei de Mercados e

Capitais, qual seja a Lei 4.728 de 1965 que com ela no seu artigo 66 trouxe ao

ordenamento jurídico pátrio esta figura jurídica denominada Alienação Fiduciária em

Garantia.

Acompanhando o ritmo e as necessidades deste mercado aquecido, em 1969 o

legislador acabou por criar o Decreto-Lei 911/69 através do qual garantiu aos credores

que, em casos de inadimplemento da obrigação por parte do devedor seria possível a

retomada do bem do qual era possuidor, através da Ação de Busca e Apreensão.

Sobre a o tema, destaca Viegas de Lima:

“Com o corolário lógico da inviabilização do uso das tradicionais garantias reais até então existentes, foi imprescindível dotar o ordenamento jurídico nacional de mecanismo eficiente que, por um lado, resguardasse os interesses do credor, atraindo, por conseguinte, um maior aporte de recursos. De outro, que não fosse obstaculizado o devedor, quer no adimplemento da obrigação principal, quer na fruição do bem objeto da garantia”. (VIEGAS de Lima, 2006, p. 34)

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Ainda com relação o surgimento da Alienação Fiduciária em Garantia, nos

leciona Caio Mario da Silva Pereira:

“O contrato de alienação fiduciária nasceu, tal como é hoje, das exigências do progresso econômico. As técnicas tradicionais de garantia creditícia se mostraram insuficientes para suportar a multiplicidade de operações no campo dos bens móveis. Era necessária, pois, uma nova modalidade de garantia”. (PEREIRA, 2004, p. 380)

Tão logo a Alienação Fiduciária em Garantia foi criada, sua aceitação e

utilização, ocorreram imediatamente no mercado interno, o que fez com que realmente

aquecesse a economia, pois facilitou o acesso ao crédito às pessoas com menor poder

aquisitivo, uma faixa da população economicamente menos favorecida.

A Alienação Fiduciária então, acabou por nascer em decorrência das

necessidades do progresso econômico em que nosso país se encontrava, levando

consigo marcantes traços da Fidúcia e do trust receipt, mas nasceu principalmente

porque as garantias então existentes já mostravam-se insuficientes para os anseios do

mercado.

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3.1 CONCEITO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

No tocante aos conceitos dados ao instituto da Alienação Fiduciária, veremos

a seguir o que dizem os principais doutrinadores a respeito do tema. Porém, antes

mesmo de adentrar diretamente no que tem a nos dizer os doutrinadores a respeito dos

conceitos da Alienação Fiduciária, vejamos o que nos diz o Art. 66 da Lei n° 4.728/65,

alterada pelo Dec-Lei n°911/69 e Art. 1361 do CC, respectivamente:

Art. 66 - A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. Art. 1321 - Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Como já pudemos observar através do estudo constante no capitulo anterior, a

Alienação Fiduciária é uma espécie de negocio jurídico e de acordo com Paulo

Restiffe Neto a Alienação Fiduciária existe quando: “o devedor aliena a coisa sob a

condição suspensiva de retorno ipso jure do domínio mediante o pagamento da dívida

assim garantida. E o credor investe-se temporariamente no domínio da coisa alienada

em garantia fiduciária, sob condição resolutiva”. (RESTIFFE NETO, 2000, p. 33)

O doutrinador Pontes de Miranda, vem a esclarecer a respeito do conceito de

Alienação Fiduciária que:

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“Sempre que a transmissão de um bem tem um fim que não é a transmissão mesma, de modo que ela serve a negocio jurídico que não é o da alienação a quem se transmite, diz-se que há fidúcia ou negocio jurídico”. (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 123)

Além do fator confiança, a fidúcia encerrava duas ordens de relações: relação

de direito real (transferência de propriedade ao fiduciário) e relação de direito

obrigacional (dever de restituição da coisa, uma vez resolvido o contrato, pelo alcance

do fim a que se destinara). (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 124)

A maioria dos doutrinadores, busca a conceituação de forma mais direta como

vemos a partir do conceito de Orlando Gomes: “negocio jurídico pelo qual uma das

partes adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la

quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe

seja pedida restituição”. (GOMES, 1975 p. 351)

Neste mesmo sentido é o conceito dado por Maria Helena Diniz, que vem a

adotar um conceito de acordo com a legislação, sem, no entanto, se afastar do restante

da doutrina.

“A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência, feita pelo devedor ao credor, da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação”. (DINIZ, 2002, p. 356)

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Ainda no campo da conceituação e aproveitando o que tem a nos lecionar

Mario Pazutti Mezzari, “a Alienação Fiduciária pode ser conceituada como a

transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independente de

sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que consente,

resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da divida garantida”. (MEZZARI,

1997, p. 12)

Ao analisarmos a conceituação dada pelo doutrinador Silvio Rodrigues,

observamos que e nada difere da linha de pensamento da doutrinadora acima citada:

“A alienação fiduciária é o negocio jurídico mediante o qual o adquirente de um bem transfere o domínio do mesmo ao credor que emprestou dinheiro para pagar-lhe o preço, continuando, entretanto, o alienante a possuí-lo pelo constituto possessório, resolvendo-se o domínio do credor quando for pago de seu crédito”. (RODRIGUES, 1997, p. 144)

Em suma, após observar o que tem os principais doutrinadores a nos

ensinar sobre o conceito de Alienação Fiduciária, conclui-se que trata-se de um

contrato acessório, bilateral, real, oneroso e formal tendo em vista que a lei exige a

forma escrita. O devedor poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica, com a devida

observância de que deverá gozar da capacidade civil para realizar atos da vida civil.

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4. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

4.1 SURGIMENTO NO DIREITO BRASILEIRO

Assim como, o fato gerador quanto a explicita necessidade que fez surgir no

ordenamento jurídico pátrio a Lei 4.728/65 e conjuntamente o instituto da alienação

fiduciária em garantia, tivemos mais tarde, semelhante necessidade quanto aos bens

imóveis, já que aquela, não servia para os negócios imobiliários, que somente poderia

contar com a hipoteca.

A Hipoteca era o instituto jurídico mais utilizado, em se tratando de garantia

na aquisição de bens imóveis, porém, o prestigio de outrora não mais se fazia presente,

tendo em vista, que não mais oferecia o rigor e a eficiência desejada com relação à

segurança do crédito.

O Brasil já atravessava a algum tempo, grande recessão no setor imobiliário,

convivia-se mesmo com a inexistência de um mercado imobiliário expressivo. Que

desta forma, não atendia os anseios da população fosse ela de baixa renda, para os

casos da política habitacional de aquisição da propriedade imobiliária a crédito, bem

como para aquelas classes economicamente mais favorecidas da sociedade. (VIEGAS

DE LIMA, 2006, p. 30)

A figura da hipoteca caiu no descrédito devido à grande insegurança jurídica

que esta apresentava, em especial, no tocante aos problemas enfrentados pelos agentes

financeiros em eventual fase executiva. Desta forma, as instituições preferiam

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trabalhar com outras linhas de crédito, deixando uma lacuna que deveria ser

preenchida.

Tal lacuna viria a ser preenchida com o advento da Lei 9.514/97, que além de

criar o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), veio a disciplinar o regime jurídico da

Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. No tocante a criação da Alienação Fiduciária

em Garantia de Bens Imóveis, vejamos o que dizem Cristiano Chaves de Farias e

Nelson Rosenvald:

“O legislador tenciona criar meios mais céleres para o credor fiduciário recuperar seu crédito, em substituição ao Sistema Financeiro de Habitação, no qual preponderava a execução da garantia hipotecária, que perdeu a credibilidade em razão de gerar um processo judicial extremamente demorado e oneroso que inviabilizava a própria concessão do crédito habitacional. Ademais, há sério questionamento em face da constitucionalidade do Processo de execução hipotecária, reservado ao DL nº 70 de 1966”. (FARIAS e ROSENVALD, 2006, p. 385)

Cumpre ressaltar, o complemento que nos traz Frederico Henrique Viegas de

Lima:

“O modelo usual de hipoteca existente no direito brasileiro é incapaz de dotar os negócios imobiliários da rapidez indispensável, requerida pela economia de escala como solução para a recuperação do crédito concedido, caso exista a impontualidade do devedor (...) As execuções hipotecárias são procedimentos judiciais infindáveis, arrastando-se nos foros judiciais por anos a fio, acobertadas por um sistema recursal que protege aquela parte que deseja procrastinar o feito. (...) Muitas vezes o credor se vê compelido à adjudicação do imóvel, coisa que no momento da concessão do crédito não era sua intenção”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 32-33)

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Neste sentido, a Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis, agora já

instituída, através da lei supracitada, fez com que as instituições financeiras voltassem

a ter interesse nesta linha de negócios. Isso ocorreu, como bem observa Frederico

Henrique Viegas de Lima: “Note-se, no entanto, ser evidente que a criação da

alienação fiduciária de coisa imóvel foi realizada em beneficio do credor e não em

favor do devedor. Isto porque ela se destina a facilitação do aporte financeiro por parte

do investidor”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 37)

Neste mesmo sentido e aproveitando ainda a linha de raciocínio de Viegas de

Lima, observemos o que comenta:

“Com o surgimento deste novo direito real, busca-se um mecanismo capaz de possibilitar a rápida recuperação do credito imobiliário concedido, sem os inconvenientes originários das garantias reais até então existentes, pois, por regra geral, estas são prestadas sem que haja a necessidade de transferência, para o credor, da coisa dada em garantia. Portanto, no modelo tradicional que experimentamos até hoje, não existe a transferência da propriedade para a constituição da garantia real, fazendo com que a posse, sob a modalidade de posse direta, e a propriedade do bem, dado em garantia, permaneçam com o devedor, que não será privado de sua utilização no caso de inadimplemento, até o término do procedimento de expropriação forçosa”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 37)

Portanto, a alienação fiduciária surgiu para estimular o financiamento

imobiliário, atingindo relevante grau de importância na sociedade, visto que difere das

demais garantias reais, pois nestas, penhor, anticrese e hipoteca, o titular da garantia

tem um direito real na coisa alheia, enquanto na propriedade fiduciária o titular da

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garantia é titular de direito de propriedade, embora limitado pelo caráter fiduciário.

(CHALHUB, 1998, p. 200-201)

A alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, apesar de exercer função

semelhante às garantias reais até então existentes, é dotada de maior eficácia já que o

devedor transmite a propriedade do bem ao credor até que seja satisfeita a obrigação,

enquanto que nas outras, o devedor retém o imóvel, apenas gravando-o para garantia

de uma obrigação. Assim, “Em suma, enquanto a hipoteca é um direito real em coisa

alheia, a propriedade fiduciária é um direito real em coisa própria”. (CHALHUB,

1998, p. 196)

Apenas para destaque, a redação do próprio artigo 22 da Lei 9.514/97 nos traz

o que seria o conceito do instituto da Alienação Fiduciária em Garantia de Bens

Imóveis:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

A doutrina não busca aprofundar em um conceito para a Alienação Fiduciária

de Bens Imóveis, visto que o legislador tratou de deixar bem claro, o que é, e a que se

destina este instituo.

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4.2 NATUREZA JURÍDICA E CLASSIFICAÇÃO

Adentrando no campo da natureza jurídica da Alienação Fiduciária em

Garantia de Bens Imóveis, destaca-se que é assemelhada aos direitos reais sobre coisas

alheias em garantia, mas que consiste na esperança de retorno da propriedade

consolidado na pretensão restitutória, quando o fiduciante cumprir a condição

estabelecida com o fiduciário. Como nos apresenta Viegas de Lima:

“[...] a estrutura idealizada do legislador para a alienação fiduciária imobiliária, como ocorre com os direitos reais em garantia, revela dois momentos que sempre devem ser distinguidos: o da contratação e o do surgimento do direito real”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 49)

Ainda com base em Viegas de Lima, interessante é a analise que o doutrinador

faz quanto à que realmente nos remete o contrato de alienação fiduciária, segundo o

autor, após o surgimento da Lei 9.514/97 ficou evidenciado que o contrato de

Alienação Fiduciária nos remete ao surgimento da Propriedade Fiduciária neste

sentido, vejamos o que nos traz Viegas de Lima:

“De uma parte, temos os contratos que podem nos levar ao surgimento do direito real. O contrato de penhor leva ao penhor; o contrato de anticrese leva à anticrese; o contrato de hipoteca leva à hipoteca. Cabe então indagar: o contrato de alienação fiduciária em garantia imobiliária leva à alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel? A resposta é negativa. Para a alienação fiduciária em garantia mobiliária, pela deficiente redação do art. 66 da Lei 4.728/65, repetida de certa maneira pela nova redação emprestada pelo Dec.-lei 911/69, muitos autores entenderam que a nova garantia real é a alienação fiduciária. Equívoco que é bem apontado e afastado por Moreira Alves.

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Já a Lei 9.514/97, corrigindo o erro da legislação da alienação fiduciária mobiliária, destaca com claridade que o contrato é de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel, que possibilita o surgimento da propriedade fiduciária. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 49)

Tal afirmativa fica evidenciada quando da analise dos artigos 22 e 23 da Lei

9.514/97 que deixam claro a afirmação de Viegas de Lima de que o contrato de

alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel remete à propriedade fiduciária.

Ademais, os citados artigos, nomeiam com clareza as partes do contrato, deixa claro

que através do contrato ocorre a transferência ao credor e que esta é resolúvel de coisa

imóvel. Bem como aponta como se da à formalidade exigida.

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negocio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel da coisa imóvel. Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Quanto à formalidade exigida, esta decorre da necessidade de registro para que

seja constituída a propriedade fiduciária e este direito possa gerar efeitos perante

terceiros.

Ainda que esteja evidenciado através do mandamento legal que a alienação

fiduciária é direito real de garantia, a doutrina não é pacífica no sentido de que parte

entende que trata-se de direito real de garantia sobre coisa própria, e assim ligada

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diretamente a propriedade do bem, e parte entende que é garantia sobre coisa alheia, e

assim, na sua constituição, não seria mais do que um direito real de garantia.

Melhim Namem Chalhub defende e entende que a alienação fiduciária de

coisa imóvel transmite a propriedade ao credor fiduciário:

“Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal”. (CHALHUB, 2009, p. 220)

Com entendimento diverso, ou seja, entendendo que a alienação fiduciária em

garantia de coisa imóvel não se trata de transmissão de propriedade ao credor, e sendo

assim, não seria mais do que um direito real de garantia temos apontamento de Ubirayr

Ferreira Vaz.

“Ressalta do contexto da Lei 9.514 que a transmissão da propriedade resolúvel, como parte integrante do contrato de alienação fiduciária, não significa a perda da propriedade pelo fiduciante, nem seu ingresso no patrimônio do fiduciário. A perda da propriedade, com o caráter que lhe empresta o Código Civil, somente ocorrerá quando, não pagas as prestações e seus encargos, consolidar-se a propriedade fiduciária, e, ainda, se for ela alienada no primeiro leilão, pelo valor estipulado no contrato; se for ela alienada no segundo leilão, pelo valor igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais; com a extinção da dívida e respectiva quitação, caso no primeiro e no segundo leilões os maiores lances não alcancem os valores mínimos supra mencionados. Trata-se, pois, de transmissão e aquisição, a que não se podem aplicar, de forma intransigente

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e dogmática, os conceitos tradicionais da propriedade e da própria alienação”. (FERREIRA VAZ, 1998, p. 55)

Nesta senda, Mezzari parte do principio de que, a transmissão da propriedade

não seria a função ou a finalidade, ainda que tal fato seja da própria natureza do

instituto. Visto que, a finalidade, a pretensão das partes não é a de transferência de

domínio do bem ao credor, e sim, tão somente, garantir o credor em caso de

inadimplemento do devedor. (MEZZARI, 1998, p. 13)

O próprio autor, acima citado, nos diz que tem natureza de contrato acessório,

tendo em vista que existe um crédito que está garantido através da propriedade de

determinado imóvel, que sob condição resolutória é transferida ao credor, e assim, é,

portanto, um contrato de garantia. Pois garante o crédito gerado em outro contrato,

chamado de principal, mútuo ou de parcelamento de preço de venda.

Conforme a definição dada pelo artigo 23 da Lei 9.514/97: Constitui-se a

propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente registro de

imóveis, do contrato que lhe serve de titulo. De onde, conclui-se que a propriedade

fiduciária é constituída a partir do registro do contrato. Então, antes do seu registro,

temos somente, um contrato de alienação fiduciária em garantia. Nestes termos, a

propriedade fiduciária, somente nasce após o registro do contrato no registro

imobiliário competente.

Como bem ressalta Viegas de Lima, “não se confundem alienação fiduciária

de coisa imóvel e propriedade fiduciária” (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 44). Esta

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como forma de propriedade, só passa a existir com o registro do contrato no Registro

Geral de Imóveis, visto que nosso ordenamento jurídico, diferentemente do francês,

não admite a simples manifestação de vontade como modo de aquisição da

propriedade2. Até o registro do contrato, existe somente o negócio jurídico de

atribuição patrimonial, consubstanciado no contrato de direito das coisas.

“A contratação da alienação fiduciária é negócio jurídico diverso da propriedade fiduciária que passará a existir no momento em que o contrato for levado a registro no ofício imobiliário competente. Daí, a importante distinção que deve ser efetuada entre alienação fiduciária e constituição da propriedade fiduciária em favor do credor fiduciário. (...) Portanto, o título aquisitivo não é o bastante para a perfectibilização da transferência da propriedade – quer seja plena, quer resolúvel. É indispensável um outro momento, que caracterize no caso concreto da alienação fiduciária de coisa imóvel, o modo de adquirir pela transcrição do título, consubstanciado no registro do contrato alienativo no registro imobiliário da situação do imóvel. Só a partir do registro passa a existir a propriedade fiduciária, estabelecida em favor do credor. Até então, temos um contrato, de cunho obrigacional, que gera a obrigação de transferir a propriedade, por meio resolúvel, surgindo, por conseqüência a propriedade fiduciária. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 42)

O contrato de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel é tido como

contrato típico, uma vez que as regras que irão disciplinar o contrato devem ser em

total concordância com a lei, ou seja, as partes deverão contratar, obrigatoriamente de

acordo com as normas legais que compõe a sua dogmática. (MEZZARI, 1998, p. 13)

É contrato oneroso, de forma que ambas as partes visam uma obtenção de

vantagens ou benefícios advindos do contrato, impondo-se encargos recíprocos.

2 Como ensina Caio Mario da Silva Pereira, “como negócio translativo da propriedade, não vale o contrato por si só, pois o nosso direito não reconhece efeitos reais aos contratos”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – volume IV, p. 426.).

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Também bilateral ou sinalagmático, dado fato de que gera obrigação para ambos os

contratantes, ficando cada um com a sua prestação.

Contrato comutativo, pois a prestação de cada uma das partes, são conhecidas

de antemão, e entre si, guardam uma relativa equivalência de valores. (MEZZARI,

1998, p. 14)

4.3 REQUISITOS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM

GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

4.3.1 REQUISITOS SUBJETIVOS

Quanto à subjetividade no contrato de alienação fiduciária em garantia de bens

imóveis, está ligada diretamente às partes do contrato, bem como, quanto a sua

capacidade e legitimidade para contratar. Para os contratos em questão, as partes são

conhecidas como Fiduciário e Fiduciante, para um melhor entendimento vamos aos

conceitos de cada um.

Como se extrai da própria Lei 9.514/97, Fiduciário é o conceito do credor, ou

seja, é aquele que adquire a propriedade fiduciária do bem. De outro lado, é chamado

Fiduciante o devedor, aquele que alienou o seu bem em garantia com o intuito de

garantir uma obrigação principal, através da qual, geralmente, é o beneficiário.

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Não existe óbice para que qualquer pessoa, física ou jurídica, possa atuar em

qualquer um dos pólos, sendo assim, podem atuar como devedor fiduciante ou como

credor fiduciário independente de participação no SFI3 ainda que a Lei 9.514/97 verse

sobre Sistema de Financiamento Imobiliário. Pois o artigo 22 da referida Lei, é claro

neste sentido.

Art. 22. §1o. A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam o SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

Sobre o assunto, destaca Viegas de Lima:

“Do texto legal infere-se que não há restrição para que a contratação só possa ser desenvolvida no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário. Assim, os particulares estão legitimados a figurar no contrato como credores fiduciários”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 84)

No mesmo sentido, Melhim Namem Chalhub ao comentar sobre a

generalização da legitimidade diz que esta decorre da intenção do legislador:

3 São legitimados para atuar no Sistema de Financiamento imobiliário as pessoas indicadas no artigo 2º da Lei nº 9.514 de 1997: Art. 2º Poderão operar no SFI as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional – CMN, outras entidades.

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“Diferentemente, a Lei nº 9.514 de 1997, que instituiu o Sistema de Financiamento Imobiliário e disciplinou a alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis, atribuiu legitimidade para contratação dessa alienação a qualquer pessoa, quer física, quer jurídica, não restringindo às entidades que operam no mencionado Sistema. Com a generalização, o legislador deixa clara sua intenção de dotar o setor imobiliário, em toda a sua amplitude, de um novo instrumento para dinamização de suas atividades, em atenção à sua função multiplicadora na economia e à sua capacidade de geração de empregos em larga escala, e, em especial, viabilizar o funcionamento do mercado secundário de créditos imobiliários”. (CHALHUB, 1998, P. 2002-203)

Sendo assim, em breves apontamentos sobre o que havia a se destacar no

tocante a legitimidade das partes para contratar a alienação fiduciária em garantia de

bens imóveis, dentro dos requisitos subjetivos, passamos à análise dos requisitos

objetivos.

4.3.2 REQUISITOS OBJETIVOS

Entendendo que a Lei 9.514/97 possibilitou a Alienação Fiduciária de Bens

Imóveis, observa-se que em seu artigo 22, o objeto é a propriedade temporária de coisa

imóvel. O imóvel deverá, necessariamente, ser passível de alienação, pois vedada é a

utilização de imóvel gravado com quaisquer cláusulas de inalienabilidade.

Porém, o artigo 22 da Lei 9.514/97 sofreu alterações ao passar do tempo, na

redação original do parágrafo único do referido artigo, poderia ser objeto de alienação

fiduciária imobiliária a coisa imóvel concluída ou em construção. Para Melhim

Namem Chalhub, esta redação esclarecia sobre o objeto, mas de forma tecnicamente

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incorreta, já que o caput do artigo definia o objeto como propriedade resolúvel de

coisa imóvel assim, englobando o terreno e suas acessões, sendo, portanto, dispensável

a particularização do parágrafo único (CHALHUB, 1998, p. 206). Entendimento este,

em concordância com o Código Civil de 20024, assim como pelo Código Civil de

19165, dentro da definição de bem imóvel.

Em 2007 o parágrafo único do artigo 22, da Lei 9.514/97 sofreu uma radical

alteração em virtude da Lei 11.481 de 2007, onde no lugar do parágrafo único, foram

colocados dois parágrafos que alargou os bens que podem ser objeto de alienação

fiduciária imobiliária. Porém fomentou também a discussão sobre a possibilidade de

imóveis contendo gravame real serem objeto da garantia. Vejamos a redação atual:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. §1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade fiduciária plena: I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário; II – o direito de uso especial para fins de moradia; III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação; IV – a propriedade superficiária. §2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos III e IV do §1º deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso também tenham sido transferidos por período determinado.

4 Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, 5 Art. 43. São bens imóveis: I - o solo com sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo; II - tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e as construções, de modo que se não possa retirar sem modificação, fratura ou sano;

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Portanto, a atual redação não só aceita a alienação fiduciária em garantia

imobiliária, os imóveis com gravame real, como também outros direito reais

imobiliários, desta forma, aumentando o campo de atuação do instituto e fomentando o

mercado de crédito imobiliário.

4.3.3 REQUISITOS FORMAIS

Apesar de destacado no capitulo anterior, cabe ressaltar a importância da

formalidade exigida para o contrato de alienação fiduciária em garantia de coisa

imóvel. É indispensável que ocorra o registro no Registro Geral de Imóveis, para que

se assegure o direito real em garantia, e para o caso, a propriedade fiduciária

imobiliária.

O artigo 38 da Lei 9.514/97 passou por duas alterações, a primeira ocorreu

através da Medida Provisória nº 2.223, posteriormente convertendo-se na Lei

10.931/2004 e pela Lei 11.076/2004, que acabou por alterar a redação original da Lei

9.514/97, no sentido de que o artigo então permite a contratação através de Escritura

Publica ou por Instrumento Particular com efeitos de escritura publica.

Desta forma, a lei somente impõe que o contrato seja na forma escrita como

requisito para sua validade. Neste mesmo entendimento vemos Viegas de Lima ao

tratar sobre o tema:

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“Trata-se de forma escrita ad substantiam para a caracterização do negócio jurídico, não se podendo falar simplesmente em forma ad probationem tantum. O legislador equiparou – conscientemente – o escrito particular à escritura pública. Unicamente remanescem as seguintes diferenças: um é forma escrita não autêntica (o contrato particular). O outro é forma escrita autêntica. Porque materializada por notário em seu livro de notas, de acordo com a vontade das partes. Entretanto o critério equiparativo do qual o legislador lançou mão, ao adotar o escrito particular de força de escritura pública, na finalística, atinge o mesmo resultado. Sendo a diferenciação na forma autêntica de um e a ausência desta característica no outro. Desta forma não resta dúvida que toda e qualquer contratação originária da Lei 9.514/97 pode ser instrumentalizada mediante instrumento público ou particular. Até mesmo a aquisição da propriedade, mediante contrato de compra e venda, desde que destinada a uma futura constituição da propriedade fiduciária, pode ser realizada por qualquer das duas modalidades de negócio jurídico”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 118/122)

Sobre o assunto, Arnaldo Rizzardo faz um breve comentário:

“Quanto à forma, consoante o art. 38 na redação dada pela Lei 11.076/2004, permite-se o instrumento particular na celebração dos contratos, por conseguinte, dispensada a escritura pública, a exemplo do que é assegurado no Sistema Financeiro da Habitação, estendendo a regra quando a garantia é hipoteca, permitida na letra do art. 17, inciso I. No próprio contrato particular institui-se a hipoteca sobre o imóvel financiado. Não importa que a alienação fiduciária envolva imóvel. O instrumento é particular”. (RIZZARDO, 2009, p. 217)

Como já vimos anteriormente, em não havendo o referido registro, não há que

se falar em propriedade fiduciária. Portanto, é imperativo que se observem os

requisitos formais inerentes ao contrato, no que tange a seu conteúdo e forma.

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4.3.4 CLÁUSULAS ESSENCIAIS

Em relação à forma do contrato, as partes deverão observar e respeitar os

requisitos indispensáveis para que os contratos possam ser registrados, já que como

visto anteriormente, é contrato típico. Tais descrições encontram-se no artigo 24 da Lei

9.514/97 já que é esta que regula a Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, e não o

Código Civil, embora algumas encontramos em ambos. São elas:

Art. 24 O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: I – o valor do principal da dívida; II – o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do Fiduciário III – a taxa de juros e os encargos incidentes; IV – a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título de aquisição; V – a cláusula assegurando ao fiduciante enquanto inadimplente a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; VI – a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; VII – a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

Sendo assim, o oficial do registro somente poderá proceder, observando que

no contrato estejam dispostas, no mínimo, as clausulas citadas no referido artigo. Não

podendo alterar o conteúdo das cláusulas enumeradas essenciais ou ainda, excluir uma

ou outra por serem imperativas e cogentes.

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Vale lembrar, que as partes poderão acrescentar ao contrato outras cláusulas

para particularizar situações específicas, isso em virtude do princípio da autonomia da

vontade6.

Passando para uma breve análise das cláusulas essenciais, a primeira diz

respeito ao valor da divida, que deverá ser em moeda corrente brasileira, para o

momento da contratação. Em seguida, se faz necessário que conste do contrato a

fixação do prazo da contratação, visto que não há propriedade fiduciária perpétua, bem

como a periodicidade em que deverão ser cumpridas as prestações.

O próximo requisito é a indicação da taxa de juros e os encargos incidentes.

Aqui, cabe ressaltar, como bem coloca Viegas de Lima que nos casos em que o

fiduciário é pessoa não autorizada a capitalizar os juros, não vigorará a permissão

desta capitalização dos juros contida no artigo 5º da Lei 9.514/97, que somente são

validas para as entidades autorizadas a atuar no Sistema Financeiro Imobiliário

“(VIEGAS DE LIMA, 2006. p. 112 e 113).

Viegas de Lima aponta que a permissão legal do referido artigo afasta o

contrato em tela da vedação da Súmula 1217 do Supremo Tribunal Federal e inclui a

contratação nas exceções da Súmula 5968 do Supremo Tribunal Federal nos casos em

que figura como credora uma entidade autorizada a funcionar no Sistema de

Financiamento Imobiliário (VIEGAS DE LIMA, 2006. p.112).

6 Frederico Henrique Viegas de Lima classifica o conteúdo necessário do contrato como essentialia negotti, e as cláusulas que complementar o conteúdo mínimo de accidentalia negotti. (LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel, p. 108.). 7 Súmula 121 – É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. 8 Súmula 596 – As disposições do decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.

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“Neste particular, deve-se fazer a distinção entre a contratação em que figure como credora fiduciária uma entidade autorizada a funcionar dentro do Sistema de Financiamento Imobiliário e nos casos em que o credor seja uma entidade não autorizada ou um particular. A possibilidade de incidência de juros capitalizados, bem como a utilização de taxas de juros do mercado financeiro, só pode ser empregada pelas instituições financeiras ou entidades que operam no Sistema de Financiamento Imobiliário. É impensável que o particular, embora credor fiduciário possa valer-se da excepcionalidade, quer da Lei nº 9.514 de 1997, quer da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 112 e 113)

Dando seqüência, é necessário dispor sobre o direito real de garantia, ou seja,

sobre a propriedade fiduciária. Assim, o devedor ou o terceiro interveniente deve

declarar, expressamente, que transfere o bem imóvel com escopo de garantia pelo

prazo pactuado (MEZZARI, 1998, p.40). Da mesma forma que o credor deverá

manifestar-se com a aceitação do bem.

Destarte, através do princípio da individualização das garantias, regra das

garantias reais, se faz indispensável a identificação do bem imóvel em que recairá a

propriedade fiduciária, bem como do titulo e do modo da aquisição9.

Contudo, exige ainda, cláusula que permita ao devedor adimplente a livre

utilização do imóvel objeto da alienação fiduciária, por sua conta e risco. Cláusula esta

que vem a complementar o artigo 23 da Lei 9.514/97 no tocante ao desdobramento da

posse, já que o devedor tem a posse direta e o credor a posse indireta do bem. Esta

cláusula visa a proteção do credor e do devedor.

9 Segundo Mario Pazutti Mezzari, a redação da Lei referente a modo e título é anacrônica, pois o sistema brasileiro prevê o registro como constitutivo de direito, eficaz entre partes e contra terceiros. O modo, nesse sistema, é tão decisivo que absorve o título. Aqui o título não constitui direito, ainda que, em torno dele, haja acordo de vontades. Completa ainda dizendo que, na verdade, bastante será, para atender ao disposto neste inciso IV do art. 24 da Lei n. 9.514/97, que se faça expressa referência à matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório, como exigido na Lei dos Registros Públicos, art. 222. (MEZZARI, Mario Pazutti. Alienação Fiduciária da Lei n. 9.514, de 20-11-1997, pp. 42-43.).

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O credor é protegido, tendo em vista que ao devedor só é dado o direito de

utilização do imóvel enquanto permanecer adimplente, ou seja, enquanto a posse for

justa já que a partir da inadimplência a posse é precária. E alem disso, cabe ao devedor

os encargos que recaiam sobre o imóvel.

A proteção para o devedor, esta no fato de que não é permitido ao credor,

intervir na posse do devedor adimplente, seja na modalidade de esbulho ou turbação10.

Deverá ainda constar como cláusula essencial do contrato de alienação

fiduciária imobiliária, indicar o preço do imóvel caso o mesmo seja objeto de publico

leilão, constando ainda quais os critérios de revisão deste valor. Este último tem a

finalidade de atualizar o preço de forma a não deixar defasar o valor em decorrência

do tempo.

Após a indicação do preço no contrato as partes não podem alterá-lo, apenas

podem indicar os critérios de atualização. Pretende-se com isso, garantir celeridade e

agilidade em eventual alienação do imóvel através de publico leilão. Explica Viegas de

Lima que:

Não seria concebível que as partes, uma vez convencionado o valor do bem para a finalidade de sua venda pública, alterassem o seu valor. Deste modo, estaria sendo feita letra morta do citado inciso VI, do artigo 24, da Lei nº 9.514 de 1997, uma vez que, sendo possível o reajuste do preço, nada mais é que uma avaliação no momento em que se realiza a venda. A finalidade do estabelecimento do valor do bem é evitar sua futura avaliação. (VIEGAS DE LIMA, 2006,p. 117)

10 Vale dizer que neste caso, também são invocados os artigos 1.197 do Código Civil – A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto; e 1.210 §2º - Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

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Ainda em relação ao conteúdo mínimo do contrato conforme a legislação em

comento, existe a clausula em que as partes devem estabelecer como procederá ao

publico leilão, em caso de inadimplemento do devedor. Apesar de constar que as

partes devem escolher como se procederá o público leilão, este não é de total livre

convenção das partes já que a própria Lei 9.514/97, em seu artigo 27 dispõe sobre suas

exigências. O que cabe livremente às partes disporem, é no tocante a forma de

alienação do bem, se ocorrerá através de venda judicial ou extrajudicial, isto é, com ou

sem a intervenção do judiciário.

E por fim, se faz necessária, cláusula que disponha a respeito do prazo de

carência para expedição de intimação da mora constante no artigo 26 da Lei 9.515/97.

Vejamos o que nos apresenta o referido artigo:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. §2o. O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.

Referido artigo exige que as partes convencionem por quanto tempo o credor

suportará a inadimplência do devedor antes que solicitar a expedição da intimação da

mora pelo Oficial do Registro de Imóveis. Como comenta Viegas de Lima, a lei não

nulifica o contrato que não contenha esta cláusula, chamando-a de facultativa

(VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 119). Mario Pazutti Mezzari, diz que as partes devem

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dispor sobre o prazo de carência, dando-nos a entender que isso seja em nome da

segurança jurídica.

A lei não comina de nulidade o contrato de alienação fiduciária que não tiver previsto esse prazo de carência. Nem parece que essa seja uma daquelas propaladas “normas de ordem pública”, obrigatória, cogente, indescumprível. Na verdade, o grande risco de não consignar o prazo de carência será suportado exatamente pelo credor, que não saberá quando poderá começar o processo de execução contratual. Qualquer prazo que o credor adote, não previsto no contrato, poderá ser contestado pelo devedor, protelando-se assim um procedimento que nasceu para ser célere, o da rescisão contratual. Bem se poderia afirmar que o devedor também estará inseguro quando não souber qual a tolerância do credor em relação à sua inadimplência, mas a legislação brasileira é pródiga em proteger o considerado mais fraco – o devedor -, e as práticas de mercado serão facilmente utilizadas por ele contra o credor. (MEZZARI, 1998, p. 45)

5. EXTINÇÃO DO CONTRATO

O contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, assim como os outros são

transitórios, pois após a produção dos efeitos pretendidos quando da contratação, se

extinguem. Quanto aos efeitos pretendidos já vimos neste breve estudo que este

contrato visa à aquisição de bem imóvel por parte do devedor que não pôde ou não

quis fazê-lo à vista e sim a prazo.

Analisando a Lei 9.514/97 são duas as formas de extinção do contrato, quais

sejam, pelo adimplemento ou inadimplemento do fiduciante em relação à obrigação

principal contratada, isto é, pelo pagamento integral ou não da dívida.

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Assim dispõe a referida lei que, resolve-se o contrato nos termos do artigo 25

§§ 1º e 2º, da Lei nº 9.514/97, pelo adimplemento, ou seja, pelo pagamento integral da

dívida e os seus encargos, que gerará conseqüentemente, cancelamento do registro da

propriedade fiduciária, e pelo artigo 26 §§ 1º ao 8º da Lei nº 9.514/97, pode ocorrer

através do inadimplemento do devedor, o que levará, após a constituição em mora, à

consolidação da propriedade do imóvel, em favor do credor fiduciário, observadas as

exigências legais.

5.1 PELO ADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE

Neste item, como será evidenciado oportunamente, a Lei 9.514/97 mostra sua

eficácia na proteção e na celeridade que adveio desta para o devedor que cumpre com

a sua obrigação. Eficácia na proteção do devedor, porque traz obrigações ao credor

quando resolvido o contrato, aplicando-lhe multa em caso de atrasos para liberação do

termo de quitação ao devedor e, celeridade pela forma e efeitos gerados pelo

cancelamento do registro de propriedade fiduciária.

A extinção do contrato através do adimplemento do devedor, seria a forma

natural, normal, a principal forma de extinção da alienação fiduciária em garantia, pois

se dá através do cumprimento da obrigação do devedor fiduciante que paga as

prestações e seus encargos, e de outro lado o credor que as recebe e lhe outorga a

quitação, na forma da lei.

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Com relação ao adimplemento contratual, dispõe o artigo 25 da Lei 9.514/97:

Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel. §1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato. §2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.

A transmissão da propriedade ao credor, ocorreu com escopo de garantir outra

obrigação, com o pagamento total desta, resolve-se a propriedade fiduciária imobiliária

que encontrava-se em favor do credor, para que retorne ao patrimônio do devedor.

Portanto, o pagamento opera o implemento da condição que, por um lado, obriga o

fiduciário a dar quitação ao fiduciante e, por outro, possibilita que este recupere a

plena propriedade do imóvel. (CHALHUB, 1998, p. 214)

Mediante o pagamento da obrigação principal, o credor obriga-se dentro do

prazo de trinta dias a fornecer para o fiduciante o termo de quitação, sob pena de multa

de 0,5% ao mês sobre o valor do contrato, para que este proceda ao cancelamento do

registro da propriedade fiduciária.

Sobre o tema, comentando o termo de quitação, Renan Miguel Saad o

conceitua assim:

“o instrumento capaz de gerar validamente a obrigação de transferência do domínio, na medida em que, diante do termo de quitação, a propriedade deixa de ser resolúvel e de pertencer ao fiduciário para se tornar plena e sob o domínio do fiduciante”. (MEZZARI, 1998, p. 59)

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Esse cancelamento gera o imediato retorno da situação jurídico-dominal do

bem ao status quo ante, uma vez que o devedor volta a ser titular do mesmo direito de

propriedade que tinha antes de realizar a alienação fiduciária. (MEZZARI, 1998, p. 59)

Os efeitos gerados pelo cancelamento são ex tunc, em outras palavras,

retroagem à data da constituição da propriedade fiduciária. Sobre o tema, destaca-se o

complemento dado por Viegas de Lima afirmando que “todos os direitos ou ônus

porventura estabelecidos sobre a propriedade fiduciária desaparecem a partir do

cancelamento, e o retorno da propriedade é efetuado sem a incidência de nenhum

gravame. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 126)

Concluindo, o disposto no § 2º do artigo 25 da Lei 9.514/97 quanto à baixa da

alienação fiduciária mediante a apresentação do termo, torna mais simples o

procedimento por parte do fiduciante, se comparado ao contrato de promessa de

compra e venda, que precisa da escritura definitiva de compra e venda, cabendo, na

recusa do promitente vendedor, o requerimento judicial da adjudicação compulsória

pelo comprador, conforme norma contida no artigo 1.418 do Código Civil11. Vale

lembrar ainda, como bem menciona Mario Pazutti Mezzari que, em ambos os

procedimento (escritura definitiva ou adjudicação compulsória) há custos elevados e,

no último, demanda um tempo de execução dilatado, pois é necessária a intervenção

do Poder Judiciário.

11 Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

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. 5.2 PELO INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE

A partir deste ponto, é que se destaca, com muito mais afinco, a eficácia que

tem a Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, nos moldes em que é aplicada através da

Lei 9.514/97, pois como citado anteriormente, este instituto trouxe muito mais

seriedade e celeridade no tocante à possibilidade de necessidade, por parte do credor,

em ver seu crédito satisfeito frente ao inadimplemento do devedor.

Os procedimentos quanto ao inadimplemento nos contratos de alienação

fiduciária imobiliária, estão disciplinados no artigo 16 da Lei 9.514/97 e este, preceitua

que, vencida e não paga, no todo ou em parte, a divida e constituído em mora o

fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

A responsabilidade pela inadimplência funciona como incentivo ao bom

desempenho do contrato (PINHEIRO & SADDI, 2005, p. 133). Assim, esta segunda

forma de extinção do contrato de alienação fiduciária, resta configurada pelo

inadimplemento do fiduciante em relação à obrigação principal.

Ainda com relação ao artigo 26 da Lei 9.514/97, após o fiduciante deixar de

pagar a divida, este então deverá ser constituído em mora nos termos da referida lei.

Evidenciando que, para que o credor veja como rompido o contrato e possa consolidar

a propriedade fiduciária em seu favor será somente necessário um lapso temporal e

respeitando os procedimentos da lei.

Durante este estudo sobre a eficácia da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis,

destacou-se anteriormente, que a Lei 9.514/97 veio a trazer mais celeridade nas

execuções e desta forma, reduzindo os riscos do credor o que conseqüentemente

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facilitou o acesso ao crédito para o devedor. Esta afirmativa, esta ligada com o que

preceitua o artigo 26 desta lei.

Neste diapasão, Eduardo Takemi, citado por Cristiano Chaves de Farias e

Nelson Rosenvald:

“A grande facilitação da retomada e consolidação da propriedade do imóvel pelo credor em caso de inadimplemento, inclusive com a dispensa do processo – ao contrário da lenta execução que ocorre no sistema hipotecário -, torna-se um fator de estímulo à construção civil, pois incita o financiador a buscar a atividade cujo risco é mitigado pelo ordenamento jurídico pela célere recuperação do crédito. reflexamente, esta confiança conduzirá a uma redução nas taxas de juros, muito influenciadas pelo fator de risco”. (FARIAS & ROSENVALD, 2006, p. 387)

Todavia, o não pagamento da obrigação, ou seja, da dívida não é a única

forma de descumprimento da obrigação principal por parte do devedor fiduciante. Há

que se destacar ainda, mais três hipóteses que ensejam a ruptura do contrato, com

conseqüente vencimento antecipado, são elas: a ocorrência de deterioração do imóvel,

insolvência do devedor e a desapropriação do imóvel dado em garantia, sendo algumas

delas previstas no Código Civil.

No caso de deterioração do imóvel, desfalcando a garantia do credor,

pois contrariamente ao que preceitua o Código Civil quanto aos direitos reais de

garantia em suas regras gerais, na propriedade fiduciária imobiliária não é possível a

substituição ou reforço da garantia como aponta Viegas de Lima:

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“o bem, durante a pendência da obrigação principal, pertence, em propriedade fiduciária resolúvel, ao credor fiduciário, razão pela qual não é próprio do negócio jurídico efetuado que possa o devedor fiduciante reforçar a garantia ou mesmo substituir o seu objeto. Caso existisse esta possibilidade, em realidade teríamos a extinção da propriedade fiduciária, com a conseqüente extinção do direito real”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 127)

No tocante a insolvência do devedor, estão previstas no artigo 32 da Lei

9.514/97 e no artigo 1.425 do Código Civil, que vem a assegurar o direito do credor

em requerer restituição do imóvel alienado fiduciariamente, nos casos em que reste

comprovada a insolvência do devedor.

Por fim, a desapropriação do imóvel dado em garantia, previsto no artigo

1.425, inciso V do Código Civil, nesta situação, credor e devedor serão chamados ao

processo, e todos os direitos que recaírem sobre o imóvel se sub-rogam no preço. Em

virtude dessa sub-rogação, por força de lei, será consignado em favor do credor-

fiduciário o valor necessário para seu integral pagamento. Se o valor for superior,

caberá o que sobejar ao devedor-fiduciante. (DANTZGER, 2007, p. 81)

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. 5.3 CONSTITUIÇÃO E PROVA DA MORA

Como vimos no item anterior, o inadimplemento da obrigação principal da o

direito ao credor de exigir a satisfação do seu crédito através da consolidação a seu

favor da propriedade fiduciária sobre o bem alienado fiduciariamente. Para tanto,

necessário se faz a constituição em mora do devedor fiduciante.

Após o inadimplemento, o devedor inadimplente deverá ser constituído em

mora, sendo-lhe assegurado prazo para que efetue o pagamento, ou seja, purgar a

mora. Em não purgando a mora o devedor, caberá então ao credor a satisfação do

crédito através da consolidação da propriedade do bem imóvel em seu nome.

Neste sentido ensina Viegas de Lima:

“Uma vez que o devedor fiduciante deixe de cumprir a obrigação principal, no todo ou em parte, há o inadimplemento obrigacional. A partir da caracterização da impontualidade, surge para o credor fiduciário a possibilidade de exercer seu direito de satisfazer seu crédito com a aplicação do valor do bem objeto da propriedade fiduciária”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 128)

O Código Civil disciplina em seu artigo 394 que basta para caracterizar a

mora, simplesmente o não pagamento no tempo, modo e lugar convencionado. Porém,

a Lei 9.514/97 tratou do assunto, a fim de evitar que o fiduciante seja surpreendido

com a subtração repentina do imóvel. Para tanto, o artigo 26 § 2º da referida lei, exige

que a constituição em mora do devedor, deverá ocorrer através de intimação que

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somente poderá ser expedida depois de esgotado o prazo de carência estabelecido no

contrato.

Em não havendo convenção contratual no tocante ao referido prazo, a

intimação do devedor para constituição da mora poderá ser efetuada tão logo se

verifique a inadimplência.

A intimação do devedor fiduciante, deverá ocorrer a pedido do credor

fiduciário, visto que esta não ocorre de oficio, cabendo ao Oficial do Registro de

Imóveis procedê-la. No entanto, poderá também ser feita pelo Oficial de Registro de

Títulos e Documentos da comarca em que se situe o imóvel, podendo ainda ser feita

pelo correio, com aviso de recebimento.

Essa intimação deverá se feita pessoalmente ao fiduciante ou a quem o

represente (artigo 26 § 3º da Lei 9.514/9712).

Com base nos ensinamentos de Viegas de Lima, são duas as situações em que

o Oficial do Registro de Imóveis pode delegar a outro serviço a tarefa de intimar o

devedor fiduciante:

“A primeira hipótese ocorre quando opta para que a intimação seja efetivada por Oficial de Títulos e Documentos e a segunda quando é remetida pelos Correios. A intimação por Títulos e Documentos torna-se importante, sobretudo quando o devedor fiduciante possuir domicílio diverso do local da situação do imóvel. Assim, caso o Oficial do Registro de Imóveis necessite intimar o devedor em outro Município, poderá solicitar ao Oficial de Títulos

12 Art. 26 §3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio com aviso de recebimento.

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e Documentos, desta localidade que a realize, conseguindo com isso, que a intimação seja feita pessoalmente. A outra possibilidade de intimação, mediante correio, nos parece pouco apropriada. Os Correios não efetuam a entrega da correspondência pessoalmente, sendo mais comum que estas sejam dadas a empregados e prepostos. Ademais não é possível a certificação acerca do conteúdo da correspondência entregue. Tem-se, unicamente, a comprovação da entrega da correspondência, mas nunca a certeza de que se trata de uma intimação”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 129)

Ainda, é possível a intimação do devedor fiduciante, ou de quem o represente,

por edital, esta ocorrerá após a certificação por parte do Oficial do Registro de Imóveis

de que se encontra em lugar incerto e não sabido. Deverá ser feita por três dias em

jornal de grande circulação do local do imóvel ou, em não havendo, em comarca de

fácil acesso, caso não haja jornal de grande circulação ou de publicação diária na

comarca do imóvel. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 130 e 131)

Ademais, de acordo com ementas de julgados do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, é possível também a intimação por hora certa, bem como o suprimento da

intimação pelo reconhecimento da mora pelos devedores.

Neste sentido, segue o julgado:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO 10ª Câmara Cível Agravo de Instrumento no 2006.002.18991 Agravante: Luiz Marcelo Peixoto Lubanco Agravado: Jardins do Recreio Empreendimentos e Participações Ltda. Relator: Des. José Carlos Varanda C.R.: 5 Agravo Instrumental. Alienação Fiduciária em garantia de bem imóvel. Mora existente. Ação de reintegração de posse. Deferimento liminar. Acerto da decisão. Alegação de nulidade da notificação. Improcedência. Mais de 20 tentativas extrajudiciais e judiciais de se notificar pessoalmente o devedor. Correta a notificação por hora certa. Manutenção da decisão agravada. Recurso improvido

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Há que se observar os requisitos exigidos e definidos, quanto ao seu conteúdo,

no § 1º do artigo 26 da Lei 9.514/97, para que se garanta a validade da intimação como

bem observa Viegas de Lima:

“O valor das prestações vencidas e as que vencerem nos quinze dias subseqüentes à data da intimação, dentro dos quais é possível a purgação da mora pelo devedor-fiduciário; juros convencionais, penalidades contratualmente estabelecidas, encargos legais, tais como a atualização monetária do débito, tributos que incidam sobre o bem, além de despesas condominiais, para imóveis em condomínio, seja o denominado condomínio comum, seja um condomínio especial; despesas de cobrança e para intimação do devedor-fiduciante. A atuação do oficial registrador imobiliário na intimação é formal, não podendo este interferir nos cálculos apresentados pelo credor-fiduciário, que os realiza por sua conta e risco”. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 158)

Melhim Namem Chalhub, ao tratar do assunto, o faz de maneira mais

minuciosa e cuidadosa, vejamos:

“O credor-fiduciário deverá instruir o requerimento com demonstrativo do débito, a exemplo do que prevê o ar. 614 do Código de Processo Civil para a hipótese de execução. A purgação da mora far-se-á perante o oficial do Registro de Imóveis competente, mediante pagamento dos valores que lhe tiverem sido informados pelo credor., em demonstrativo no qual deverão estar discriminados os valores do principal, dos juros e demais encargos contratuais; tendo em vista o tempo que decorrerá entre o requerimento de intimação e o final do prazo para purgação da mora, é de toda conveniência que o credor apresente demonstrativo em que estejam compreendidas a parcelas que se vencerem neste interregno, incluindo as penalidades, pois do contrário, haverá o risco de efetivar-se pagamento em valor inferior ao devido, considerada a futura data em que vier a se realizar a purgação da mora; nos 3 dias seguintes à purgação, o Oficial do Registro de Imóveis deverá entregar ao credor-fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e intimação”. (CHALHUB, 2009, p. 251 e 252)

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Ademais, a constituição em mora do devedor, deve estar de acordo com o

artigo 26, § 2º da Lei 9.514/97, não tendo que se falar em outro mandamento legal e

nem mesmo nos artigos 213 e 214 do Código de Processo Civil. Desta forma, bastará

que a intimação esteja de acordo com o artigo 26, § 2º da Lei 9.514/97 que será o

suficiente para que a propriedade seja consolidada a favor do credor-fiduciário,

entendimento, de nossa recente jurisprudência.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.00.000663-5/PR RELATOR : Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA APELANTE : ROSANE PEREIRA ADVOGADO : Gilberto Adriane da Silva APELADO : CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF ADVOGADO : Everly Dombeck Floriani RELATÓRIO Trata-se apelação de sentença (fls. 100/102) que julgou improcedente ação ajuizada com o fim de ver declarado nulo o ato de consolidou em nome da Caixa Econômica Federal imóvel alienado fiduciariamente à autora nos termos da Lei 9.514/1997. Na sua apelação, a parte autora refere que não houve a citação nos termos dos artigos 213 e 214 do CPC, inválido o procedimento que consolidou a propriedade do imóvel em nome da credora. É o relatório. VOTO Raia ao absurdo a alegação de que a consolidação da propriedade em nome da credora deva ser reputada nula em razão da não citação da requerente nos termos dos artigos 213 e 214 do CPC. Tal determinação restringe-se à validade no âmbito do processo civil e não se aplica ao caso sub judice. Quanto à intimação para purgar a mora, nos termos do artigo 26, § 2º da Lei 9.514/1997, esta foi perfectibilizada, não acudindo a mutuário ao afastamento da inadimplência e nem trazendo aos autos razões para se declarar nulo o procedimento que terminou por consolidar a propriedade do imóvel em nome da credora em razão da inadimplência que sequer é discutida. Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia Relator (AC. nº 2008.70.00.000663-5/PR TRF 4ª Região).

Ainda que já ressaltado anteriormente, cumpre destacar que neste sentido

também é eficaz a Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis, como bem se

vê na jurisprudência citada. Pois para que o devedor seja constituído em mora, basta

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tão somente que sejam cumpridos os requisitos da Lei 9.514/97 em seu artigo 26 e

parágrafos, no tocante a intimação do devedor, para que, no prazo legal, venha a

purgar a mora sob pena de ser consolidada a propriedade ao credor na forma que será

apresentado no item seguinte.

. 6. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PELO CREDOR

Decorrido o prazo para purgação da mora, e sendo esta não purgada pelo

devedor fiduciante, o Oficial do Registro de Imóveis irá consolidar a propriedade

fiduciária em favor do credor fiduciário, com a averbação na matricula do imóvel e

com o pagamento, por parte deste, do imposto de transmissão inter vivos.

Após ter a propriedade consolidada em seu nome, deve o credor fiduciário

promover, dentro do prazo de 30 dias, o leilão público para a alienação do imóvel.

Diferentemente do que acontece com os bens móveis, que para estes é permitida a

venda livre, o leilão de imóveis deverá ser precedido da devida divulgação (Venosa,

2007).

Para melhor compreensão quanto aos procedimentos que serão descritos na

seqüência, vejamos o que nos diz o artigo 27 da Lei 9.514/97:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. § 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.

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§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais. § 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por: I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais; II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro. § 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil. § 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. § 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio. § 7o Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004) § 8o Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

Como determina a Lei 9.514/97 em seu artigo 24, VI, constará no contrato o

valor do imóvel para fins de possível leilão, bem como os critérios que serão utilizados

para a correção monetária desse valor. Tal informação importa no sentido de que este

valor será utilizado como o mínimo a ser aceito como lance. A lei prevendo que o

maior lance ofertado poderá ser inferior ao valor constante no contrato somando-se as

devidas correções monetárias, prevê a realização de um segundo leilão dentro dos 15

dias seguintes.

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Para o segundo leilão a Lei 9.514/97 no artigo 27 § 2º, determina que o imóvel

será alienado pelo valor do maior lance ofertado, desde que este seja maior ou igual ao

valor da dívida, somando-se a ela, as despesas, os prêmios de seguro, os encargos

legais, inclusive tributos, e as contribuições condominiais.

Viegas de Lima bem explica como se operam os dois leilões previstos na Lei

9.514/97:

Na eventualidade de, no primeiro leilão, não se atingir o valor do imóvel, entendido este como aquele convencionado entre as partes no momento da contratação da alienação fiduciária em garantia para esta finalidade específica, segundo a normativa do § 1º do artigo 27 da Lei 9.514/97, deverá ser realizado um segundo leilão, dentro do prazo de quinze dias do primeiro. Neste caso, o valor mínimo a ser aceito será o da dívida do devedor fiduciante, acrescido das despesas indispensáveis para a sua efetivação, bem como os acréscimos estabelecidos na legislação, tributos – neste incluído o valor do imposto de transmissão entre vivos pagos pelo credor fiduciário para a consolidação da propriedade para si – e encargos condominiais, para imóveis em condomínio. A realização do segundo leilão é feita em bases diversas das do primeiro, uma vez que não é mais necessário o atingimento do valor acordado entre as partes quando da contratação da alienação fiduciária em garantia. Desaparecem a possibilidade e o conseqüente direito do devedor fiduciante de ver o bem ser leiloado pelo valor consignado no contrato. Toma-se por base o valor da dívida, juntamente com o das despesas. (VIEGAS DE LIMA, 2006, p. 141)

Note-se que com referencia ao § 3º, I e II, do artigo 27 da Lei 9.514/97, este

define claramente que no valor do lance mínimo, em segundo leilão, deverá levar em

consideração o valor da dívida e despesas, bem como, deixa explicito a que devem se

referir esses valores. Para Venosa este parágrafo do artigo serve para que não pairem

duvidas, porém, em acontecendo, “tanto fiduciante como fiduciário podem impugnar

os valores, recorrendo ao judiciário, se necessário” (VENOSA, 2007, p. 384).

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Ainda determina o parágrafo 4º do artigo 27 que, em caso de sobejar

importância no valor alcançado em leilão, este deverá ser entregue no prazo de cinco

dias ao devedor. E neste valor considera-se incluído os valores relativos a benfeitorias

depois de deduzidos os valores referentes à dívida e encargos, o que implicará em

recíproca quitação. No parágrafo 5º do referido artigo, fica evidenciado que se este

valor de venda no segundo leilão, não for superior ao débito, considerar-se-á extinta a

divida e o credor deverá dar quitação da dívida, nos cinco dias subseqüentes ao

segundo leilão.

Segundo Venosa , “se houver crédito ainda em favor do credor, este poderá

valer-se dos meios ordinários de cobrança, levando-se em consideração os princípios

do enriquecimento sem causa, utilizando-se dessa ação residual”. Bem como, o autor

informa ainda que “a lei expressamente exclui a possibilidade de retenção por

benfeitorias, reportando-se à parte final do artigo 516 do Código Civil (VENOSA,

2007, p. 384).

Neste sentido, pronuncia-se Mario Pazutti Mezzari:

A retenção do imóvel por benfeitoria e/ou o pedido de indenização poderia truncar o livre andamento do processo de rescisão e de liquidação do contrato de alienação fiduciária. Especialmente na fase final, quando o legislador visou criar rapidez por meio de procedimentos novos. Consciente do risco que a retenção traria à pretendida celeridade na execução da garantia, a Lei n. 9.514/97 pretende ter criado novos mecanismos que afastem essa ameaça, ao estipular nos §§4º e 5º do art. 27, que a entrega ao devedor dos valores que sobejarem à dívida e demais encargos, após a realização do leilão, implicará a plena, justa e satisfatória indenização das benfeitorias, e a quitação por todos os valores que o devedor já tenha pago. E afastou expressamente a incidência da parte final do disposto no art. 516 (atual 1.219) do Código Civil, vale dizer, exatamente o que cria o direito de retenção158. (MEZZARI, 1998, p. 80)

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Por fim, acrescenta-se que em caso de frustração do segundo leilão, ou seja, se

o maior lance ofertado não for igual ou superior ao valor da dívida e dos encargos,

bem como após o fornecimento do termo de quitação como mencionado anteriormente

o credor fiduciante passará a possuir a propriedade plena do imóvel. Desta forma

poderá dispor do mesmo, da maneira que melhor lhe aprouver, ou ainda, ficar com ele.

Por fim, não se poderia encerrar o presente capítulo sem lembrar que a

formação e a interpretação contratuais, inclusive na alienação fiduciária em garantia,

necessitam obedecer aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Por este prisma, deve-se entender que o procedimento do artigo 27 da Lei nº

9.514 de 1997 para satisfação do crédito seja repelido nas ocasiões em que o fiduciante

tenha adimplido substancialmente as obrigações contratuais.

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7 . CONCLUSÃO

Através deste trabalho monográfico, procurou-se demonstrar a eficácia da

Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis, bem como, a importância da sua

criação, estabelecida pela Lei nº 9.514 de 1997, pois, ao reduzir os riscos do negócio

para o credor, facilitou o acesso ao crédito imobiliário ao devedor.

Pelo presente estudo, pode-se concluir que a devido ao descrédito em que se

encontrava a hipoteca e com a evidente necessidade de criação de um mecanismo que

viesse a dar mais segurança e celeridade aos financiamentos imobiliários, o advento da

Lei 9.514/97 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e este instituiu a

Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis, que demonstrou grande eficácia e

vindo a aquecer o mercado imobiliário.

A alienação fiduciária imobiliária esta configurada pela transferência

fiduciária da propriedade do bem imóvel do devedor para o credor. Por este motivo,

distingue-se das demais garantias reais, como a hipoteca, tendo em vista que nesta, o

titular da garantia tem um direito real em coisa alheia, enquanto que na propriedade

fiduciária o titular da garantia é titular de direito de propriedade, embora limitado pelo

caráter fiduciário.

O instituto possibilitou, com mais facilidade, ao devedor fiduciante a

realização do sonho de aquisição de sua casa própria, com as prerrogativas de usar e

gozar, enquanto cumprir com a obrigação principal, e ainda ao final do contrato, fica a

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este garantida, a propriedade plena, ou seja, readquire o domínio automaticamente e

independentemente de qualquer ato de disposição do fiduciário, ao contrário do que

ocorre nos compromissos de compra e venda. Ao mesmo tempo, assegura ao credor

fiduciário a posse indireta do bem e, em caso de inadimplemento por parte do devedor,

cumprindo os requisitos legais, fazer valer o seu direito de satisfação do crédito

podendo vir este a consolidar a propriedade.

Outro aspecto de primordial importância é a rapidez que a lei imprimiu na

outorga do termo de quitação da dívida, que deve ser entregue pelo credor-fiduciário

ao devedor-fiduciante no prazo de trinta dias, sob pena de multa.

Através do que encontra-se exposto neste trabalho monográfico, destaca-se

que o contrato de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis é instituto típico,

criado por Lei e que desta forma possui as características necessárias para continuar

com sua crescente utilização. Tendo em vista que, por um lado, atende a população

desejosa de adquirir imóvel próprio, por outro, tranqüiliza os credores ávidos por

garantias que reduzam o risco contratual e que facilitam a recuperação do crédito.

Cumpre ressaltar, que o instituto da alienação fiduciária imobiliária não

adentrou em nosso ordenamento jurídico substituindo a hipoteca ou qualquer outro

direito real de garantia. É então, uma nova modalidade de garantia que passou a ser

mais utilizada frente às demais, em virtude de sua eficácia.

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