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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Elisa Tkatschuk O ACERVO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA: UMA PROPOSTA DE CONSERVAÇÃO CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Elisa Tkatschuk

O ACERVO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA: UMA PROPOSTA DE CONSERVAÇÃO

CURITIBA

2012

Elisa Tkatschuk

O ACERVO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA: UMA PROPOSTA DE CONSERVAÇÃO

Monografia apresentada ao curso de especialização em Gestão e Produção cultural da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Gestão e Produção cultural.

Orientador: Prof. Ms. Renato Torres

CURITIBA

2012

TERMO DE APROVAÇÃO

Elisa Tkatschuk

O ACERVO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA: UMA PROPOSTA DE CONSERVAÇÃO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Especialista em Gestão e Produção Cultural no Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 23 de março de 2012.

Prof. Ms. Elisa Kiyoko GunziCoordenadora geral do curso de Gestão e Produção Cultural/ Programa de Pós-Graduação Lato Sensu

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Ms. Renato Torres

Universidade Tuiuti do Paraná Programa de Pós-Graduação – Especialização em Gestão e Produção Cultural

Prof. Ms. Elisa Kiyoko GunziUniversidade Tuiuti do Paraná

Programa de Pós-Graduação – Especialização em Gestão e Produção Cultural

AGRADECIMENTOS

Ao orientador Renato Torres, pela ajuda e paciência, e à Elisa Gunzi, pelo apoio

durante o curso e fora dele.

Às colegas de pós-graduação, que se tornaram colegas fora da Universidade e que

fortaleceram ideias.

Ao meu pai Miguel Tkatschuk, que, infelizmente, não pode presenciar este trabalho,

mas cuja presença se dá de outras formas.

À minha mãe Elvira Tkatschuk, que sempre tolerou minhas aventuras e

experimentações.

Finalmente, a Pierre Lapalu, companheiro de ideias inusitadas.

RESUMO

O objetivo desta monografia foi estudar o acervo do Museu do Cartaz de Curitiba, em seu estado atual, destacando suas potencialidades para a elaboração de uma proposta de conservação. Em busca de um suporte teórico para as questões que a conservação deste acervo envolve, recorreu-se a uma pesquisa bibliográfica que aborda reflexões sobre arquivo e acervo, patrimônio, museu, conservação e deterioração. Essas reflexões são articuladas com levantamentos históricos sobre o cartaz e sua relação com a arte e a cidade, para justificar a importância do acervo do Museu do Cartaz de Curitiba. Fez-se um breve histórico do Museu do Cartaz, o que foi possível através de uma pesquisa documental em centros de pesquisa da Fundação Cultural de Curitiba, de uma visita ao Museu e de uma entrevista com a responsável pela manutenção desta instituição. Com os dados coletados, propôs-se uma forma de catalogação e conservação que tenta corresponder aos cuidados que o armazenamento que o tipo de suporte do cartaz exige, dentro das possibilidades e limitações que a situação nos coloca. Ao mesmo tempo, buscou-se uma proposta que beneficia a comunicação entre o museu e o público, reafirmando um dos objetivos ao qual a instituição “museu” se destina. Esse estudo tem importância para a questão da preservação do patrimônio, e atenta para o diálogo que pode ser estabelecido entre o público e patrimônio. Além disso, o estudo pode indicar um aprofundamento posterior sobre a relação entre a linguagem que o cartaz instaurou e favoreceu, as cidades e os museus, na atualidade.

Palavras-chave: museu; cartaz; conservação; patrimônio; artes gráficas.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - DURER, Albrecht. O Cavaleiro, a Morte e o Diabo, 1513 …................16

FIGURA 2 - REMBRANDT. O tocador de flauta, 1642.............................................17

FIGURA 3 - HOGARTH, William. Auto-retrato, 1748...............................................18

FIGURA 4 - CHERET, Jules. Bal Valentino,1869.......................................................20

FIGURA 5 - GOYA. Chinchillas, 1799.......................................................................21

FIGURA 6 - MANET, Edouard. Champfleury - Les Chats, 1869...............................22

FIGURA 7 - CAPA de programa circense [1864]........................................................23

FIGURA 8 - TIEPOLO, Giovanni. St. Tecla praying for the plague-stricken, 1759.........................................................................................24

FIGURA 9 - TOULOUSE-LAUTREC, Henri de. Reine de Joie, 1892......................25

FIGURA 10 – MAPOTECA........................................................................................51

FIGURA 11 - CALVI, Gian. Bastam dois para dançar um bom bolero, s/d...............57

FIGURA 12 - VEGA, Luis. Os irmãos Karamazov,1972............................................71

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................7

2. HISTÓRICO DO CARTAZ....................................................................................10

2.1 HISTÓRIA DO PAPEL...........................................................................................10

2.1.1 O papel e o livro...................................................................................................12

2.1.2 O papel e a gravura...............................................................................................15

2.2 OS CARTAZES E A ARTE.....................................................................................19

2.3 O CARTAZ E A CIDADE.......................................................................................26

3. SOBRE PATRIMÔNIO..........................................................................................30

3.1 SOBRE OS MUSEUS.............................................................................................33

3.1.1 A pesquisa museológica........................................................................................36

3.1.2 Museus e comunicação.........................................................................................38

3.2 RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO..................................................................41

3.2.1 Musealização........................................................................................................43

3.2.2 Deterioração e conservação..................................................................................45

3.3 REFLEXÕES SOBRE O ARQUIVO E O ACERVO.............................................52

4. HISTÓRICO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA.................................57

5. PROPOSTA .............................................................................................................62

6. DISCUSSÃO............................................................................................................67

7. CONCLUSÃO.........................................................................................................69

REFERÊNCIAS..........................................................................................................72

7

1 INTRODUÇÃO

O interesse nesta pesquisa sobre o Museu do Cartaz de Curitiba parte de uma

disposição pessoal para estudar o histórico dos cartazes enquanto linguagem artística.

Tal disposição envolve o gosto pelas origens da gravura e as possibilidades que suas

técnicas trazem. É significativo, também, o interesse pessoal pelas expressões artísticas

folclóricas eslavas que remontam à tradição da gravura e do cartaz, explicado por

herança cultural familiar1.

O problema surgiu no período de estágio no Centro Cultural Solar do Barão,

mantido no centro da cidade pela Prefeitura de Curitiba, ao verificar que o Museu do

Cartaz existe em referências nas placas desse local, mas não está instalado em

nenhuma sala do prédio. Ao buscar saber se o Museu ainda existe ou não, perguntando

aos orientadores dos ateliês do Solar do Barão, descobriu-se que ele está instalado na

Casa da Memória de Curitiba, mas não tem um espaço físico próprio e tem seu acervo

catalogado em uma sala de escritório.

O Museu do Cartaz funciona recebendo visitas agendadas: é preciso ligar

confirmando a visita. Um funcionário recebe os visitantes e mostra o que se quer

pesquisar. Isso porque os cartazes são catalogados em mapotecas e devem ser

manuseados pelos funcionários. Os cartazes não estão dispostos em uma sala de

exposição, mas sim conforme arquivos. O acesso a tais informações foi facilitado por

uma vivência que partiu de dentro: o projeto de pesquisa e parte desta foram feitos no

1 Das tradições folclóricas, destacam-se os ícones, as ilustrações, a pêssanka, o bordado, o cartaz e o lubok. Não há nenhum livro publicado no Brasil sobre o lubok, tradicional xilogravura eslava que combina ilustrações e textos por volta do século XVI. As referências a essas tradições são principalmente de pesquisas pessoais. Referências são encontradas sobretudo na internet.

8

período em que fui estagiária do centro cultural Solar do Barão.

A partir da análise da situação atual do Museu do Cartaz em Curitiba, pode-se

contribuir para o estudo do gerenciamento de arquivos e manutenção de acervos em

museus. Pode-se especular sobre a participação da população no processo de

gerenciamento dos bens públicos e levantar elementos envolvidos na conservação e

difusão da cultura e patrimônio, sobretudo na contemporaneidade.

No capítulo 2, levantou-se o histórico do papel e da gravura através de leituras

de Otavio Roth (1983), Catafal e Oliva (2003) e Ana Paula Mathias Paiva (2010).

Deste histórico, estudou-se como eles fazem parte do surgimento e difusão do cartaz,

em relação ao urbano, através de publicação de Abraham Moles (1974). Também

verificou-se a relação entre os cartazes e a arte, apoiadas nas análises de Barnicoat

(1976).

No capítulo 3, estudou-se a diferenciação entre arquivo e acervo pelos textos

de Ducrot (1997) e Cook (1998), num momento em que conceitos como museologia e

comunicação museológica, como apresentados por Santos (2000) e Cury (2001), estão

sendo questionados. Abordou-se a questão da conservação e deterioração em Bradley

(2001) e Catafal e Oliva (2003), assim como a questão da restauração e conservação

em Brandi (2005), utilizando-se dos conceitos de museu de Fausto Henrique dos

Santos (2000) e de patrimônio de Lemos (1987), Goodey, Morales e Murta (2005).

O capítulo 4 apresenta um breve histórico do Museu do Cartaz,

contextualizando a instituição conforme o que fora apresentado nos capítulos

anteriores. Para isso, utilizaram-se textos de catálogos e folders da Fundação Cultural

de Curitiba, anônimos ou escritos por Key Imaguire Jr. (1991), e depoimentos de

9

Patrícia Natel (funcionária do Museu).

Por último, foram pensadas tanto em possibilidades de manutenção e

disponibilização do acervo, como em possibilidades de revitalização e instalação do

Museu do Cartaz em um espaço físico, buscado costurar a relação entre o acervo, o

arquivo, o cartaz, a arte, o urbano, o patrimônio e o público, estudada nesta

monografia.

10

2 HISTÓRICO DO CARTAZ

O surgimento do cartaz foi possível graças ao desenvolvimento concomitante

do papel e da prensa. Buscando entender o desenvolvimento do papel, passando pelo

surgimento do livro até a difusão da gravura e dos cartazes, recorreu-se ao trabalho de

Otavio Roth (1983), Ana Paula Mathias Paiva (2010) e Jordi Catafal e Clara Oliva

(2003).

2.1 HISTÓRIA DO PAPEL

Otavio Roth (1983) mostra como os egípcios, com o monopólio do papiro, e

os persas, ao desenvolverem o pergaminho, estavam em busca de objetivos práticos.

Queriam um suporte flexível para comunicar através de pictogramas, palavras ou

ilustrações. O desenvolvimento do papel até como o conhecemos atualmente é abaixo

analisado a partir do ponto de vista unicamente deste autor.

Os árabes foram os primeiros a utilizar corantes e padronizar medidas para as

folhas, conforme sua finalidade. No século XII, o papel chega à Europa quando os

mouros conquistam a Espanha, e neste país também foi fundada a primeira fábrica de

papel, em 1151 (ROTH, 1983).

Naquele momento, o papel não foi bem aceito, pois desconfiavam de sua

durabilidade e resistência ao compará-lo com o pergaminho. A matéria-prima do papel

era importada, o que encarecia o produto. Além disso, havia o preconceito da igreja

com relação a árabes e judeus, que fabricavam localmente o papel.

11

Da Espanha, o papel difundiu-se para a Itália, França, Alemanha, Holanda e

Inglaterra. Sua produção em território europeu sofreu diferenciações com relação ao

Oriente, sobretudo por conta da finalidade a que era destinado. Na Europa, ele seria

utilizado inevitavelmente para a escrita. Suas características foram determinantes para

o surgimento da imprensa e encadernação de livros (ROTH, 1983, p. 37).

O papel europeu recebia cola e utilizava fibras distintas das utilizadas no papel

oriental. Por isso, era mais duro e propiciou, por exemplo, a impressão frente e verso

da folha. Essa é a base da impressão de livros que conhecemos ainda hoje. A prensa de

Gutenberg foi criada para que fosse possível imprimir nessa folha dura, então as

medidas das folhas existentes e a qualidade do papel serviram de molde para o

tamanho da prensa e a elaboração de tintas (ROTH, 1983).

A prensa também fez com que o papel tivesse seu custo reduzido, pois seu

consumo aumentava através da possibilidade de reprodução de textos. Outras

consequências foram a crescente alfabetização, horizontalidade do conhecimento e

declínio do poder da Igreja – que era o centro de cultura e poder (ROTH, 1983, p. 39).

Com a impressão de livros em larga escala, o consumo de papel aumentou.

Surgiram também revistas e jornais através da popularização da imprensa. Na

Renascença, o papel ganhou importância nas artes, sobretudo na técnica da gravura,

que se aprimorava ligeiramente e possibilitava o surgimento de novas formas de

impressão (ROTH, 1983, p. 41).

Roth (1983) nos mostra, por fim, que em 1719, René de Reaumur introduz a

madeira enquanto matéria prima adequada à fabricação do papel, graças à sua

observação das vespas e a construção de seus ninhos através da transformação, na

12

mastigação, de celulose. A industrialização do papel ainda se dá sob essa forma.

Em sua avaliação sobre o processo de desenvolvimento do papel, Roth aponta

que foram perdidos seus aspectos estéticos e seu significado espiritual. Por outro lado,

a sociedade burocratizada, que depende do papel, confere a este um grande poder.

Mesmo assim, o autor afirma, já em 1983, que o futuro do papel diante da

informatização será de “[...] provável último elo de ligação com o registro do

passado”. Sua previsão é de que acontecerá o fim da imprensa através da digitalização

(o que equivaleria a dizer que o livro seria substituído pelo e-book) (ROTH, 1983, p.

47).

Os artistas seriam, em grande parte, os responsáveis pela recuperação de tais

valores estéticos e tradicionais. Isso porque eles se interessam em certificar um lugar

neste mundo, através da busca por um suporte duradouro para seus trabalhos. Essa

conclusão de Roth é relevante para o estudo do acervo do Museu do Cartaz porque

valores estéticos e tradicionais permeiam a produção de cartazes no início do seu

desenvolvimento no século XVIII, conforme será visto mais adiante.

2.1.1 O papel e o livro

Ana Paula Mathias de Paiva (2010, p. 15), ao analisar o desenvolvimento do

livro, entende que seu uso como suporte no século XXI é resultado de um processo.

Ele nasce de uma longa evolução da escrita, do suporte, da técnica e da indústria. Em

sua interpretação, o livro é o registro que instrui, porque traz significados. Seu

desenvolvimento em paralelo com o da prensa é analisado neste capítulo conforme a

13

ótica de Mathias de Paiva.

A iconografia, as representações rupestres e os ideogramas eram algumas

formas de registro e expressão existentes antes do surgimento do livro. Paredes de

pedra de cavernas, pedras vulcânicas, mármore, argila, placas de metal (incluindo

ouro), peles de animais (como peixe e camelo) e madeira eram materiais usados para a

marcação, registro e pintura.

Na interpretação desta autora, as inscrições referiam-se geralmente a três

categorias: comemorativa ou histórica; votiva ou dedicatória; e donativa2. O ato de

escrever tinha relação com duas noções: o desenhar ou tornar visível; e reutilizar ou

raspar de novo. Para isso, povos do Egito Antigo, Mesopotâmia, China e Grécia, Índia

e Roma, por exemplo, usavam as placas de madeira cobertas e recobertas de cera,

chamadas de pugillares. O instrumento utilizado para marcar a cera era o stilus ou

graphium3 (PAIVA, 2010, p. 16).

Neste processo, o livro flexível mais antigo de todos é um rolo de papiro

descoberto em Tebas, com textos datados de 2563-2424 a. C. A palavra papiro vem do

latim papyrus, que originou a palavra conhecida hoje como papel. O papiro é uma

planta que era o suporte usado para a escrita durante a Antiguidade, principalmente no

Antigo Egito e Oriente Médio (entre os hebreus, babilônios e greco-romanos) (PAIVA,

2010).

Acredita-se que era usado no Egito desde o terceiro milênio a.C, para fins

literários e documentos legais, recibos, notificações e cartas oficiais. Ele não podia ser

dobrado devido à sua fragilidade, e por isso era estendido entre dois bastões (de

madeira, marfim, ébano ou ouro), que permitiam enrolar o papiro. 2 A autora não se estende na explicação destes termos, apenas enumera-os.3 A única descrição deste instrumento encontrada no livro de Paiva é de um objeto pontiagudo.

14

Esse suporte era uma espécie de livro fabricado a partir da extração da polpa

de uma planta. Por sua matéria prima, os papiros se deterioram rapidamente. Os

últimos que chegaram a época atual datam do século X. A fabricação do papiro foi

monopólio do Egito até o século XII. Outras partes do mundo continuavam a utilizar

suportes como pedra, metal, madeira, seda, vidro e pele de animais.

Contra o monopólio do Egito, o rei de Pérgamo, na Ásia menor (atual

Turquia), buscou alternativas para desenvolver sua biblioteca, pois esta era indicativa

de um princípio de civilização. Surge então o pergaminho, o nome dado à pele de

animal – cabra, carneiro ou ovelha. Ele era dobrável, podendo formar folhas-cadernos,

costurados juntos (PAIVA, 2010).

A invenção do papel pelos chineses no século II d. C., para substituir a seda,

dá impulso à revolução do livro. Ele foi apresentado ao mundo pelos árabes após cerca

de 600 anos de monopólio chinês. A invenção do papel com fibras vegetais é atribuída

a Lun, um oficial do tribunal chinês, por volta de 105 d.C. (PAIVA, 2010, p. 34). Os

árabes aprenderam a confecção do papel com prisioneiros chineses, mas fabricaram

papel com linho e cânhamo. O papel difundiu-se dos árabes para a Europa, no século

VIII d.c, pela Espanha.

A partir da difusão da fabricação do papel pela Europa, os livros proliferaram,

deixando de ser propriedade de instituições religiosas. Surgem os livros escolásticos e

literários, passando a ser comercializados a partir do século XIII. Já no século XIV, a

cópia feita à mão deixa de ser suficiente para atender a demanda. Para produzir mais

cópias, a técnica da xilografia (gravação de textos e imagens em madeira) é

amplamente utilizada. Da xilogravura chegou-se aos tipos móveis ou tipografia,

15

sobretudo através de Gutenberg, um impressor alemão (PAIVA, 2010, p. 43).

A impressão surgia como auxiliar na multiplicação das cópias, contribuindo

para a comunicação em massa. No século XV, são instaladas imprensas e tipografias

na Itália, Inglaterra, França, Suíça e Polônia, dentre outros países (PAIVA, 2010, p.

45). A escrita verbal e não verbal também é reformada para se adaptar à imprensa.

O aspecto de livro que conhecemos hoje se generalizou com a difusão do

Cristianismo, entre os séculos II e IV (PAIVA, 2010, p. 22).

2.1.2 O papel e a gravura

Aqui, toma-se como apoio o estudo de Jordi Catafal e Clara Oliva (2003) para

entender o lugar da gravura no processo de desenvolvimento dos cartazes. “O

desenvolvimento da gravura ocidental está intimamente ligado à imprensa, aos seus

progressos técnicos e ao mundo do livro impresso.” (CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 15)

Eles também mostram que a invenção da imprensa não teria acontecido sem o

conhecimento prévio das técnicas de impressão - a gravura xilográfica. Pouco depois,

a xilografia se popularizou nos Países Baixos e na Alemanha. Nos dois países, esteve

muito relacionada com a pintura.

As primeiras gravuras em metal surgiram quase simultaneamente com a

xilogravura (CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 16). Na Holanda, apareceram as primeiras

água-fortes e pontas-secas. Até o século XVII as gravações em cobre estiveram muito

ligadas à pintura, pois se utilizavam para a reprodução de quadros.

Catafal e Oliva (2003) trazem Albrecht Durer (ver figura 1) como um dos

16

grandes gravadores do Renascimento do Norte da Europa, na virada do século XV

para o século XVI.

Tem-se Hans Holbein e Lucas Cranach como destaque na Alemanha, e

Rembrandt4 na Holanda. Rembrandt (ver figura 2) teria diferenciado a gravura da

pintura através da água forte.

4 Rembrandt Harmenszoon van Rijn, artista holandês nascido em 1606 que teve grande importância para o desenvolvimento da gravura enquanto expressão artística. Ver: REMBRANDT e a arte da gravura. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2004. Catálogo.

FIGURA 1 - DURER, Albrecht. O Cavaleiro, a Morte e o Diabo ,1513. NOTA: Figura extraída de CATAFAL, Jordi; OLIVA, Clara. A gravura. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.

17

Em Veneza, no século XVIII, se desenvolveu uma rica atividade editorial,

baseada nos livros ilustrados e na influência holandesa. Essa conjuntura se converteu

na infra-estrutura econômica e industrial necessária para o desenvolvimento da gravura

(CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 17).

Na França, a gravura não ocupou um lugar de destaque até 1660, quando Luis

XIV incentivou a produção editorial através de um edito. Posteriormente, no século

XIX, neste mesmo país, muitos pintores utilizavam técnicas de gravura para dar maior

difusão à sua obra.

No século XVIII, a gravura se difundiu pela Inglaterra, tendo William

Hogarth (ver figura 3) como destaque.

FIGURA 2 - REMBRANDT. O tocador de flauta, 1642. NOTA: Figura extraída de REMBRANDT e a arte da gravura. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2004. Catálogo.

18

Na Espanha, a gravura toma um grande impulso devido à dinastia francesa

dos Bourbons, que criou uma estrutura de apoio às Belas Artes, relacionadas com o

Iluminismo.

Paralelamente ao processo de produção em massa das gravuras de grande

consumo, alguns artistas produziam gravuras artísticas ou criativas. A partir de então,

grandes alterações sociais, técnicas e estéticas marcaram o desenvolvimento da

gravura (CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 18).

A litografia, no século XIX, permitiu tiragens maiores e modificou o público,

a estética e as características da gravura (CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 22). No final do

FIGURA 3 - HOGARTH, William. Auto-retrato, 1748. NOTA: Figura extraída de CATAFAL, Jordi; OLIVA, Clara. A gravura. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.

19

século, Toulouse-Lautrec produziu litografias a cor, sobretudo em cartazes.

A gravura tornou-se mais acessível. As ilustrações de livros, as reproduções

litográficas de quadros e as imagens exóticas ou de viagens foram disponibilizadas a

todos pelos livros e revistas ilustradas. O colecionismo é então popularizado, coisa que

no século XVIII era elitista e aristocrática (CATAFAL; OLIVA, 2003).

2.2 OS CARTAZES E A ARTE

Os anúncios públicos, como nos mostra Barnicoat (1976), tem origens na

Antiguidade. O primeiro anúncio impresso apareceu na Inglaterra, em 1477, obra de

William Caxton. Tais anúncios, de modo geral, não eram maiores que uma página de

livro. Em 1869, com o aparecimento dos cartazes de Cheret, o anúncio assume um

desenho novo e “sóbrio”, que se tornaria a característica essencial do cartaz.

O cartaz surgiu em 1866, quando o artista Jules Cheret começou a produzir em

Paris cartazes coloridos em litografia, como o cartaz Bal Valentino (ver figura 4). Essa

é a forma de cartaz que conhecemos hoje e, conforme Barnicoat (1976), é a

coincidência de dois fatores: as melhorias técnicas na impressão litográfica e a própria

existência de Cheret.

A litografia foi introduzida por Alois Senefelder, na Áustria, em 1798. Foi só

em 1858, no entanto, que Cheret realizou seu primeiro desenho litográfico em cores,

Orphee aux Enfers. Na França, a litografia era usada, tradicionalmente, como meio de

ilustrar livros, e como procedimento para reproduzir outras formas de expressão

artística (BARNICOAT, 1976).

20

Cheret, ao voltar da Inglaterra, começou a desenhar diretamente na pedra,

como fazia Goya (ver figura 5) no começo daquele século, trazendo sua contribuição

para a historia do cartaz. A página impressa, então, é considerada como o “[...] meio de

evolução do cartaz” (BARNICOAT, 1976, p. 8).

FIGURA 4 - CHERET, Jules. Bal Valentino, 1869. NOTA: Figura extraída de BARNICOAT, John. Posters: A concise history. Londres: Thames and Hudson, 2003.

21

Quando os cartazes de Cheret estavam surgindo, um pequeno anúncio indicava

os novos padrões de desenho simples que se tornariam características da técnica do

cartaz: era o anúncio de Champfleury - Les Chats, de Edouard Manet, em 1869 (ver

figura 6).

Os cartazes de Cheret chamaram a atenção de críticos e historiadores de arte.

Eles eram compreendidos como uma galeria de arte na rua. Cheret somava a técnica

do litógrafo ilustrador de livros ao estilo de grandes pintores, como Tiepolo. A isso,

acrescentou um terceiro elemento fundamental: colocar seu trabalho de desenhista a

serviço da linguagem popular do seu tempo (BARNICOAT, 1976, p. 12).

FIGURA 5 - GOYA. Chinchillas, 1799. NOTA: Figura extraída de SEIS séculos da arte da gravura. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2006. Catálogo.

22

Cheret emprestou a linguagem popular dos programas de circo, que eram

panfletos decorados, geralmente, de forma anônima (ver figura 7). Barnicoat

aproxima a técnica de desenho de Cheret a Watteau e Fragonard, ou seja, suas obras

são comparadas ao trabalho de outros artistas anteriores. O autor coloca os cartazes de

Cheret em primeiro lugar na historia do cartaz, visto que eles não eram bom material

publicitário, mas obras de arte baseadas na pintura mural.

FIGURA 6 - MANET, Edouard. Champfleury - Les Chats, 1869. NOTA: Figura extraída de BARNICOAT, John. Posters: A concise history. Londres: Thames and Hudson, 2003.

23

Tal afirmação se deve às suas composições grandes, verticais e retangulares,

tal como observado nas composições de Tiepolo (ver figura 8). O próprio Cheret teria

declarado, em uma entrevista, que os cartazes não eram necessariamente uma boa

forma de publicidade, mas eram excelentes murais (BARNICOAT, 1976 , p. 6).

Para Cheret, a rua transformou-se no novo lugar para a sua obra. Além disso,

o artista, quando desenhou o cartaz da inauguração do Moulin Rouge em 1889, trazia a

linguagem de Tiepolo ao cenário moderno (BARNICOAT, 1976, p. 25).

FIGURA 7 - CAPA de programa circense [1864]. NOTA: Figura extraída de BARNICOAT, John. Posters: A concise history. Londres: Thames and Hudson, 2003.

24

Os artistas jovens perceberam que o cartaz criaria uma linguagem visual

própria para expressar ideias de forma simples e direta, e a influência de Cheret sobre

eles aumentou. O trabalho de Cheret influenciou também a Art Nouveau, em geral, e o

artista Georges Seurat.

Henri de Toulouse Lautrec (1864 – 1901) acentuou e estendeu as contribuições

de Cheret, utilizando o cartaz como meio para descrever as vidas interiores dos

FIGURA 8 - TIEPOLO, Giovanni. St. Tecla praying for the plague-stricken, 1759. NOTA: Figura extraída de BARNICOAT, John. Posters: A concise history. Londres: Thames and Hudson, 2003.

25

habitantes das ruas. A contribuição de Lautrec (ver figura 9) para a evolução do cartaz

foi a dramatização de sua experiência pessoal.

Na pintura do seu tempo, Lautrec não tinha como expressar os elementos

caricaturesco, irônico e satírico, nem a linha decorativa ou as formas simples e lisas,

como podia no cartaz (BARNICOAT, 1976, p. 24).

Cheret trouxe para o cartaz a tradição da arte do passado. Lautrec antecipou,

no cartaz, a evolução futura da pintura, ao mesmo tempo que consolidava a forma

FIGURA 9 - TOULOUSE-LAUTREC, Henri de. Reine de Joie, 1892. NOTA: Figura extraída de BARNICOAT, John. Posters: A concise history. Londres: Thames and Hudson, 2003.

26

típica de expressão do cartaz (BARNICOAT, 1976, p. 24): os desenhos de Lautrec

distanciaram o cartaz das ilustrações de livros e da pintura tradicional de cavalete

(BARNICOAT, 1976, p. 25).

Barnicoat argumenta: a arte não é fundamentalmente comunicação, mas

criação. Dessa forma, os cartazes, ao servirem para as funções da publicidade e

propaganda, seriam uma forma secundária de arte. No entanto, os cartazes mantiveram

relação com a pintura nos seus primeiros cem anos de existência. Como consequência,

os cartazes levaram à grande população os movimentos artísticos do século XX

(BARNICOAT,1976, p. 7).

2.3 O CARTAZ E A CIDADE

Abraham Moles (1974, p. 219), em seu livro O Cartaz, mostra que um dos

mais importantes aspectos do cartaz é o seu papel e seu lugar na cidade. Ele tem um

destino urbano.

Para Moles (1974), o cartaz é um estímulo colorido que tem uma função. Este

carrega um conteúdo semântico e funcional em duas dimensões: uma é promover a

venda de alguma coisa, a outra é uma dimensão estética que nem sempre tem conexão

com sua dimensão funcional. É uma “imagem-mancha” de cor, um “[...] microevento

no fluxo da percepção” (MOLES, 1974, p. 229). O que caracteriza o cartaz, para

Moles (1974, p. 231) é o fato dele nunca estar só e não ser único, porque está ligado ao

mecanismo da cópia e da cultura global. Além disso, o cartaz combina os gêneros da

arte visual e da arte tipográfica.

27

O autor divide o acontecimento do cartaz na cidade entre a ótica do psicólogo

e a do urbanista. O psicólogo centra-se no indivíduo e no conteúdo individual de

percepção, e a pergunta que se faz é: “Como esses estímulos se sucedem, no trajeto

que o indivíduo faz e no qual é seduzido?” (MOLES, 1974, p. 229) Este seria o meio

mais racional de estudar o papel do cartaz na vida urbana, isto é, sua situação na rua. A

visão do urbanista se interessa pela massa, pelo fluxo de indivíduos que se move a

partir de um estímulo em um ponto determinado.

O cartaz traz uma função de paisagem urbana. Ele tem como aspecto o choque

visual perante o “cinzento” das ruas. Junto com as vitrines, ele desvia as pessoas de

seu caminho. Isso acontece porque os vários elementos nas cidades, não-organizados,

constituem um “mosaico de apelos”, como o mito da felicidade, o erotismo, o poder e

o prestígio. O cartaz não convence o indivíduo, apenas, ele seduz e emociona. Essas

são justamente suas técnicas. (MOLES, 1974, p. 220).

O fenômeno dos cartazes nas cidades envolve o gratuito, o prazer e o

funcional. A cidade é, com suas vitrines e cartazes, como uma “[...] galeria permanente

de estruturas estéticas ou emocionais, cuja percepção é programada pelo trajeto dos

indivíduos na cidade, estímulos que são renovados depois de um certo prazo de uso,

sofrendo um desgaste sob o olhar” (MOLES, 1974, p. 232).

A cidade de Moles, em relação ao fenômeno do cartaz, é um “[...] labirinto

explorado pelos indivíduos com motivações diversas, no qual se distribui certo número

de choques cromáticos e semânticos.” (MOLES, 1974, p. 233). Conforme Hollenstein

(1966, citado por MOLES, 1974, p. 231), o acaso mistura as mensagens e imagens

criadas para os transeuntes. A isso, Moles acrescenta que o elemento aleatório são os

28

locais de afixação de cartazes disponíveis na cidade (MOLES, 1974, p. 221).

Os cartazes podem ser feios ou belos, ou seja, não são esteticamente neutros.

Moles ressalta que alguns cartazes recorrem a efeitos de obras de arte do passado,

desempenhando por isso um papel importante na difusão cultural e na educação

permanente das artes. Eles pertencem ao “museu imaginário” - algo como o acervo

simbólico de uma população - e colocam em questão a própria existência do museu

real, que é considerado por ele como “cemitério da cultura” e que mataria a

espontaneidade (MOLES, 1974, p. 233).

O cartaz puramente decorativo, impresso e vendido, abriga uma nova

possibilidade. Sobre o caráter artístico do cartaz, Moles cita que a utilização de

cartazes grandes ou pequenos enquanto obras de arte ou elementos decorativos em

apartamentos e salas ilustra o “novo” - naquele momento - papel “puramente estético”

do cartaz, que não é mais só propaganda ou publicidade, mas existe em si e representa

um objeto de arte “multiplicado” (MOLES, 1974, p. 234).

A importância do estudo de Moles sobre os cartazes para este trabalho é a

ideia da cidade como labirinto que envolve várias soluções para se pensar em

“exposição”. Pontos de saída e chegada, como estações de metrô, praças centrais,

bairros residenciais, são fontes de visibilidade que dialogam com o problema de

galerias de arte e museus e são pontos estratégicos explorados pelos artistas urbanos,

como os que fazem os “lambes”. “O centro da cidade é o lugar onde a complexidade

dos microacontecimentos é máxima.” (MOLES, 1974, p. 233)

Moles imagina a cidade como um quadro gigante, em que o transeunte só

consegue enxergar um detalhe. Seu prazer seria a colagem de todas as partes para

29

formar uma imagem só, formando uma “sequência de situações estéticas” (MOLES,

1974, p. 234). Mas Moles pensava tudo isso com a preocupação de elaborar uma

“política urbana do cartaz”.

Essa política envolveria a escolha do lugar conforme o fluxo dos trajetos, o

que poderia gerar a construção de espaços destinados à afixação de cartazes

publicitários “[...] em forma de esculturas abstratas às quais o cartaz empresta a sua

força de cores” (MOLES, 1974, p. 225). A política deveria envolver, também, a

natureza e o caráter colorido e artístico próprios do cartaz.

Para este estudo, destaca-se a conclusão de Moles de que os elementos da

imagem, no cartaz, adquirem valor simbólico e linguístico nas cidades. O cartaz

reproduz a erotização da sociedade de consumo, mas também é um meio de veicular

outros valores, como força, inserção social, alegria e individualismo. Os valores que

podem ser transmitidos dependem da escolha e enfoque que a sociedade dá ao cartaz.

30

3 SOBRE PATRIMÔNIO

Carlos A. C. Lemos, ao tratar do patrimônio histórico, mostra que se deve

perceber as relações mantidas entre os bens culturais, sobretudo as relações espaciais

(LEMOS, 1987, p.47). A partir desta observação, ele formula a seguinte questão: o que

preservar na cidade?

Para tentar respondê-la, ele afirma que o importante é entender como as

cidades se adaptaram ao local de estabelecimento, pois nesta relação estão implícitos

todos os componentes culturais importantes para a análise do patrimônio. O autor

defende esta ideia baseando-se na definição do intelectual brasileiro Mário de Andrade

(1981), para quem “patrimônio cultural” é tudo que tem interesse para a Antropologia

Cultural (LEMOS, 1987, p.42).

Uma das normas de conduta relacionadas ao modo de preservar seria manter o

bem cultural, sobretudo o edifício, em uso constante e, sempre que possível,

satisfazendo a programas originais (LEMOS, 2005, p.69). Neste movimento de

preservação, um problema encontrado é que o patrimônio geralmente está arruinado,

endividado, descaracterizado e apresenta defasagem em sua documentação.

Quando Brian Goodey (2005) trata do patrimônio urbano no contexto do

turismo, ele afirma que a nossa época é marcada pela variedade de conteúdo e de

apelos, o que significa que quaisquer edifícios, associações e eventos, por exemplo,

podem ser comercializados no mercado como patrimônio a ser compartilhado e

consumido. No entanto, em muitos deles há potencial para transmitir mensagens e

informações honestas.

31

O problema apontado por Goodey é que tudo isto, atualmente, se enquadra em

um padrão de consumo e lazer inspirado pela mídia, ou seja, é uma "experiência

volátil", pronta para ser esquecida quando o visitante se afasta do local. A solução

apresentada por ele seria:

[…] enfatizar o valor particular do patrimônio no desenvolvimento das cidades e fazer com que os moradores e visitantes entendam que as decisões tomadas sobre o planejamento e preservação dos centros urbanos afetam a sua imagem. (GOODEY, 2005, p. 77)

Outro problema é que a insuficiência de recursos técnicos e financeiros na

preservação do patrimônio não recebe o devido cuidado, não é divulgada e, logo, não

alcança a visibilidade dos moradores e visitantes. O desenvolvimento sustentável nas

cidades, em relação ao patrimônio, pede que os moradores e visitantes tomem para si

um maior controle sobre seus recursos e seu futuro, pois isso interfere no local que

ocupam (GOODEY, 2005, p.48).

Stela Maris Murta e Brian Goodey (2005, p. 13) entendem que a questão do

patrimônio histórico e cultural envolve a “interpretação”. Interpretar é um ato de

comunicar mensagens ou emoções, é revelar significados e provocar emoções.

Interpretar o patrimônio é ampliar o valor da experiência do visitante ao fornecer

informações e representações que destacam a história e as características culturais e

ambientais de um lugar.

Para estes autores, as “evidências pessoais” da historia são fundamentais no

processo de interpretação e valorização do patrimônio: “Enquanto arte de apresentar

lugares e expressões culturais, a interpretação é elemento essencial à conservação e

gestão do patrimônio, uma vez que orienta o fluxo de visitantes visando a proteção do

32

objeto da visita.” (GOODEY; MURTA, 2005, p. 14)

De acordo com Stela Maris Murta e Celina Albano (2005, p. 10), a

interpretação do patrimônio natural e cultural mostra o valor único de um determinado

ambiente e a comunicação com o visitante estimula várias formas de olhar e apreender

o que é estranho: “O principal foco da interpretação é estabelecer uma comunicação

efetiva com o visitante […]” mantendo, dentre outras, relações com a preservação do

patrimônio e o desenvolvimento cultural.

Morales, ao pensar a questão do patrimônio, defende que a interpretação revela

o significado do legado natural, cultural, ou mesmo a historia do público. Afirma que o

conhecimento deve ser popularizado para preservar o patrimônio, o que induz a

atitudes de respeito e proteção (MORALES, 1998, p. 95).

Para estes autores que trabalham a questão do patrimônio e do turismo –

Goodey, Morales, Albano e Murta (2005) - o erro da administração dos patrimônios

desde a expansão das cidades na década de 80, sobretudo na Europa, foi a ausência de

planejamento. Sem uma parceria entre órgãos de preservação e turismo, explicam, os

patrimônios tornam-se fossilizados e pasteurizados para o rápido consumo, sem a

vitalidade das práticas culturais e sociais das comunidades locais.

Morales, baseando-se em Tilden (1957) e Wagar (1976), defende que todo

intento de realizar uma interpretação deve contribuir para um melhor estado das

pessoas e das coisas. A finalidade da interpretação do patrimônio é produzir mudanças

nos âmbitos cognitivos, afetivos e comportamentais (MORALES, 2005).

Porém, a mudança no comportamento deve ser efetiva e permanente, sendo

que para isso é necessário: unir as partes em um todo; produzir impacto no público;

33

deve ir além do contexto da visita; deve elaborar políticas de gestão ou de metas, como

estratégia de planejamento que ajuda o público a criar vínculo com o patrimônio

(MORALES, 2005, p. 96).

O cartaz é um “documento” que pode ser vinculado à historia de um povo e

uma cidade, pois tem características culturais que, inseridas numa linha do tempo,

narram os acontecimentos de uma época, como já mostrava Imaguire Jr (1991) e como

pretendia Mário de Andrade em seu interesse pela Antropologia Cultural.

A preservação, como defende Lemos (2005), depende de esforços de apelo e

integração ao público, comunicação que é essencial para a interpretação e conservação

do patrimônio, conforme Morales (2005) indica. Qual o espaço do Museu do Cartaz

nesse contexto? O Museu do Cartaz ocuparia o lugar das ruínas, uma definição técnica

que traz o reconhecimento e exigência de um ato a ser desenvolvido para a sua

conservação, como formulado por Cesare Brandi (2005, p.77)?

3. 1 SOBRE OS MUSEUS

De acordo com Fausto Henrique dos Santos (2000), a história dos museus nos

mostra que a museologia varia conforme o contexto socioeconômico, político e

cultural de cada local, em um dado momento histórico.

O autor destaca que, no Brasil, a Semana de Arte Moderna de 19225 foi

relevante para inovar o conceito de arte e de objeto. Surge neste momento o Museu

Histórico Nacional, que buscava recolher objetos que representassem uma simbologia

nacional.

5 O autor refere-se à Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu entre 13 e 18 de fevereiro no Theatro Municipal de São Paulo. Nesta manifestação, reuniram-se artistas e poetas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz e os irmãos Mário e Oswald de Andrade.

34

Em 1932, criou-se o curso de Museus, único do país. Somente a partir de 1950

as discussões e reuniões sobre museologia se ampliaram no país.

A UNESCO/ICOM define o museu como6:

uma instituição permanente, sem fins lucrativos a serviço da sociedade e a seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe a herança tangível e intangível da humanidade e do seu ambiente para os propósitos de educação, estudo e usufruto. (tradução livre)

A essa definição, Santos (2000, p. 14) acrescenta que o museu “[...] é um

fórum de debates e uma das formas de efetivação desse fórum, é o estabelecimento de

múltiplas relações com a comunidade.” O museu de Fausto Henrique dos Santos é

produtor de conhecimento: o acervo permite a compreensão do tempo e da sociedade.

O museu, em sua perspectiva, é capaz de compreender o passado, entender o presente

e projetar o futuro.

Foi através do objeto que o homem conseguiu estabelecer uma linguagem, pelo

uso de signos e símbolos. A garantia de preservação dessa memória é dada pela

sobrevivência do objeto, ou seja, através da conservação e preservação dos objetos

(SANTOS, 2000, p. 17).

Em sua análise, o autor mostra que os objetos eram colecionados, antigamente,

por causa de uma relação entre vida e morte (SANTOS, 2000, p. 18). Como o homem

não conhecia seu destino, nem do mundo, colecionava objetos como registro de sua

trajetória. A escrita e os suportes usados na escrita surgiram desse registro. As

reflexões e ideias registradas originaram livros, cartas e bibliotecas (SANTOS, 2000,

p. 19).7

6 "A museum is a non-profit, permanent institution in the service of society and its development, open to the public, which acquires, conserves, researches, communicates and exhibits the tangible and intangible heritage of humanity and its environment for the purposes of education, study and enjoyment. " Disponível em: <http://icom.museum/who-we-are/the-vision/museum-definition.html> Acesso em: 7 dez 2011.

7 A biblioteca de Alexandria foi a primeira biblioteca desse tipo. (SANTOS, 2000, p. 19)

35

Conforme Santos, os objetos também devem ser vistos através das informações

que estão associadas a eles. Sua justificativa para este fato é que tudo criado pelo

homem e é transmitido pelas gerações possui um sentido social, pois é resultado de sua

vivência e transforma “[...] as experiências em patrimônio, ideias em herança,

acontecimento em tradição.” (SANTOS, 2000, p. 19) Isso significa

interdisciplinaridade.

O acervo é definido pelo autor como “[...] um conjunto de objetos e/ou

espécimes que constituem a coleção ou as coleções de um museu, ou de uma

instituição ou mesmo de particulares.” (SANTOS, 2000, p. 22) O produto humano é

patrimônio e tradição. O conjunto de bens dos museus, então, constituem patrimônio.

O autor estabelece que foi a partir da civilização grega que se consolidou o ato

de colecionar. Ali surgiram as primeiras pinacotecas. Partindo do ato de colecionar, se

deu a abertura para o surgimento de “gabinetes de raridades”, que eram reuniões da

burguesia apreciadora de raridades (SANTOS, 2000, p. 20). O mercado de obras de

arte se originou dessas reuniões, e tinha como clientes o clero e a nobreza. O comércio

de arte se intensificou com o tempo e dali apareceram vários colecionadores.

Santos (2000) afirma que foi a França a iniciadora de uma campanha para

reunir as obras de arte que estavam espalhadas em diferentes palácios, em um mesmo

lugar. A ideia tomou forma e legitimação com a criação do Museum des Arts, que é

hoje o Museu do Louvre, em 10 de agosto de 1793. O acervo teve origem no desejo,

com vários objetivos e significados, de reunir objetos. Mas, conforme Santos (2000, p.

23), o ato de colecionar implica “[...] capacidade de pesquisa e estabelecimento de

políticas de preservação [...]”.

36

A preservação do acervo envolve gerenciamento financeiro, que inclui

manutenção de pessoal, técnicas e processos adequados para a conservação e

restauração. A responsabilidade da preservação do acervo guardado no museu, aponta

Santos, é da instituição. Ela deve estabelecer princípios para dar apoio à equipe

técnica. Uma das suas metas deve ser a preservação da integridade física original da

obra (SANTOS, 2000, p. 24).

O estabelecimento de sistemas de gestão de qualidade, na área da cultura, para

a preservação da memória, partiu da conscientização da necessidade da preservação

mencionada acima. Os acervos dos museus constituem grande parte dessa memória a

que nos referimos. Nas palavras do autor, “[...] preserva-se para que o legado dos

nossos antepassados chegue aos nossos descendentes” (SANTOS, 2000, p. 25).

Santos (2000) demonstra que, na preservação do patrimônio, deve ser

observada a difusão de informações o mais completas possíveis sobre a existência dos

acervos. Isso significa a divulgação dos acervos através de produtos.

O autor avalia que um dos desafios enfrentados pelos acervos é o seu acúmulo,

o que exige adoção de técnicas de preservação através de ações decisivas, conforme

uma política nacional. Os museus não são mais concebidos como locais de depósito,

que expõem os objetos. Conforme dito anteriormente, o museu tem outra finalidade: a

de centro de pesquisa (SANTOS, 2000). O museu do Cartaz de Curitiba poderia se

encaixar nessa descrição de "centro de pesquisa".

3.1.1 A pesquisa museológica

37

O melhor desenvolvimento dos museus, de acordo com Santos (2000),

depende de se repensar a utilização dos museus, dentro de suas funções. O museólogo

deve se conscientizar da importância da pesquisa para transformar o museu em um

“centro dinâmico de divulgação cultural”:

Essa transformação dos museus teria dupla utilidade, pois além de continuarem como instituições de preservação e de educação, seriam também centros de pesquisa que ocupariam parte de um vazio muito preocupante. (SANTOS, 2000, p. 88)

A pesquisa museológica pode se estender para as relações externas e internas

do museu, possibilitando ao museólogo melhorar seu trabalho em sua área e

compreender pesquisas realizadas em outras áreas. A pesquisa museológica

compreende a catalogação das peças, as exposições, as intervenções de restauro, coleta

e compra de acervo (SANTOS, 2000, p. 92).

Quanto à doação ou aquisição de acervo a um museu ou instituição, para ser

exposto, Santos defende que o público também adquire direitos sobre os objetos a

serem expostos: eles passam a ser domínio público. Por isso que o museólogo deve

conciliar os interesses do público às ações do museu. A manutenção desse vínculo com

a comunidade – que é onde está o museu e onde se processa a cultura - é obtida através

da pesquisa do acervo (SANTOS, 2000, p. 90).

Ao compreender o objeto como a linguagem do museu, tem-se que a pesquisa

museológica tenta recuperar a memória do objeto. Ela parte do próprio objeto para o

acontecimento que o envolve, com o auxílio de ciências como artes e filosofia. Seu

objetivo é fazer o “arranjo” das coleções (SANTOS, 2000, p. 92).

O objeto possui uma existência independente do pesquisador, mas o

38

pesquisador também tem sua vida própria: o contexto em que está inserido e suas

visões sobre diferentes aspectos da sociedade (SANTOS, 2000, p. 94). A exposição é a

atividade final do museu, em que se devolve ao público um enfoque da memória do

objeto. Esse enfoque depende do recorte dado pelo pesquisador ao seu objeto.

3.1.2 Museus e comunicação

Para Santos (2000, p. 124), os museus são considerados comunicadores em

potencial, pois recolhem, preservam, estudam, guardam e expõem objetos. O meio de

comunicação específico dos museus é a própria exposição .

Nas palavras de Marília Xavier Cury (2005, p. 34), a comunicação

museológica, em amplo sentido, são “[...] diversas formas de extroversão do

conhecimento em museus [...] como artigos científicos de estudos de coleções,

catálogos, material didático em geral, vídeos e filmes, palestras, oficinas e material de

divulgação e/ou difusão diversos.” No entanto, Cury (2005, p. 37) concorda com

Santos, afirmando que a forma específica de comunicação museológica é a exposição,

sendo a principal maneira de aproximação entre o homem e o objeto, a sociedade e o

patrimônio cultural .

Conforme a autora, tem ocorrido o distanciamento entre museus e sociedade.

Esse distanciamento tem bases históricas: origina-se da ideia de museu público,

iniciada a partir da institucionalização das coleções privadas. As coleções, explica,

foram formadas a partir de valores do proprietário original. Dessa forma, o direito ao

acesso a essas obras não garante que as coleções sejam democraticamente apropriadas,

39

porque as intenções do colecionador original eram pessoais e a coleção era exposta a

poucos (CURY, 2005).

Uma mudança de sentido ocorreu quando se passou da coleção para o acervo.

Contudo, a institucionalização das coleções alterou pouco o distanciamento entre

público e museus, porque as exposições abertas ao público continuavam refletindo um

sistema fechado de pensamento, por parte dos centralizadores do processo de

musealização, compreensíveis apenas para uma elite cultural (CURY, 2005, p. 35).

A postura democrática propôs o museu como instrumento de transformação

social e destacou o papel das coleções na busca desse objetivo. Essa postura levou à

reflexão sobre as formas pelas quais tais instituições se aproximam do público. Como

consequência, surge a construção de outros tipos de museus – comunitários, centros de

ciência, museus de cidades, entre outros. Como exemplo em Curitiba, temos o Museu

do Holocausto e o Museu da Periferia, ambos recém-inaugurados.

No entanto, ainda há o risco de se transmitir a noção de que a instituição já tem

estruturado o significado da mensagem, e de que o público alvo é aquele que está apto

a receber a mensagem e compreendê-la. Por isso, a exposição como transmissão de

mensagem a um público alvo por meio de objetos pode ser uma noção equivocada,

limitada e negativa (CURY, 2005).

A proposta de Cury (2005, p. 42) para o processo comunicacional é que este se

dá na interação entre o público e a exposição. Assim, a avaliação museológica deve ser

repensada e enfocar no espaço da interação, não na emissão e recepção. Isso traz

consequências para a forma de atuação dos museus. O público passa a ser visto como

ator, ativo, não um consumidor passivo. Também sugere uma alteração na metodologia

40

de concepção e montagem de exposições, dando espaço a uma equipe interdisciplinar:

“O museu monólogo cederá lugar ao museu diálogo e local de discussão.”

Paralelamente, ocorrem as atividades de documentação e conservação dos

objetos. Um museu conserva e ao mesmo tempo comunica, então é necessário

equilibrar exposição e conservação, sem anular um ou outro (CURY, 2005, p.110). A

integridade física dos objetos depende da orientação do conservador. O conteúdo

temático da exposição depende do pesquisador, que também é figura chave no

processo.

Fausto Henrique dos Santos (2000) reafirma a postura da autora ao mostrar

que a comunicação eficiente e positiva se dá quando os objetivos forem expressos

buscando respostas do receptor. Ele mostra que os museus devem utilizar todos os

meios de comunicação possíveis para atingir seus objetivos. Os instrumentos

utilizados, além da exposição, são cartazes, folders, convite, ingresso, folhetos e

catálogos.

Santos (2000) comenta que eles devem ser usados em suas funções normais,

mas sempre considerando que eles podem servir para valorizar a imagem do museu.

Como exemplos, cita os museus europeus, que utilizam uma face do ingresso para

imprimir um objeto do acervo ou a imagem do próprio museu. No caso de Curitiba,

temos o Museu Oscar Niemeyer (MON) que adota a mesma prática.

Dentre as funções importantes da comunicação, Santos (2000) destaca: de

identidade, expressiva, informativa/educativa, de divertimento e de articulação

política. O museu deve, também, buscar se comunicar através de sinalização nas ruas e

bairros, arquitetura do prédio e anúncio visual, acervo, jornais e revistas.

41

Mas, além da comunicação, este autor mostra que é fundamental para um

museu a circulação. Ele enumera os seguintes aspectos fundamentais para uma boa

circulação:

1. Espaço físico x quantidade de visitantes por hora, o que permite a

observação do fluxo ideal, resguardando a obra de arte dos excessos, evita poluição e

torna o acervo exposto menos vulnerável. Racionaliza o fluxo e favorece o

estabelecimento de critérios adequados na organização das exposições.

2. Utilização do espaço x proposta de organização do museu: assim o espaço é

pensado de maneira eficiente levando em conta a sua total utilização, inclusive

considerando-se a arquitetura do local.

3. Adequação do espaço x otimização da circulação: é importante sobretudo

nos museus instalados em espaços preexistentes, tombados ou adaptados, em que o

desenvolvimento de propostas alternativas é importante como fator integrante,

associado organização do museu (SANTOS, 2000, p. 132).

O autor ressalta que a circulação do museu não está restrita a exposições,

abrange as reservas técnicas e áreas de lazer, por exemplo, ou como se verifica no

MON, em Curitiba, o estacionamento, que aos finais de semana assemelha-se a um

parque que as pessoas frequentam.

3.2 RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO

Se tomarmos a definição de Cesare Brandi (2005, p. 25), temos que

restauração é “[...] qualquer intervenção voltada a dar novamente eficiência a um

42

produto da atividade humana”. A restauração está atrelada ao fato de reconhecermos

no produto da atividade humana uma obra de arte. Até que esse reconhecimento

ocorra, o produto só o é potencialmente.

Essa definição de restauração envolve a intervenção em um produto da

atividade humana. Sua definição mais completa é que “[...] restauração constitui o

momento metodológico do reconhecimento da obra de arte [...] com vistas à sua

transmissão para o futuro” (BRANDI, 2005, p. 30).

A conservação da obra vai do simples respeito à intervenção mais radical, e se

relaciona com a consistência material da imagem. Por isso, um primeiro eixo de sua

teoria é de que se restaura somente a matéria da obra de arte, mesmo que a perpetuação

da imagem não esteja associada somente ao seu suporte. Isso significa que o suporte

físico é um meio, e não o fim da manifestação da imagem, e que essa matéria, mesmo

assim, se relaciona com a imagem.

A obra de arte possui historicidade e esteticidade. A conservação e restauração,

consequentemente, não devem ser feitas seguindo apenas um desses elementos. Daí

surge o problema levantado por Brandi: é legítimo conservar ou se deve remover o

estatuto de arte que uma obra recebeu?

A restauração é função da própria atualização da obra de arte na consciência de

quem a reconhece como tal. Ao buscar conservar os elementos que atribuem valor

semântico à imagem, atrela-se ao tempo histórico da obra. A restauração constitui

então em duas fases: a reconstituição do texto autêntico da obra e a intervenção sobre a

matéria de que a obra se compõe (BRANDI, 2005).

Há a possibilidade de prevenir as alterações na obra, que depende das

43

características físicas e químicas do seu suporte. A restauração não consiste apenas de

intervenções práticas na matéria da obra de arte. Qualquer providência para assegurar,

no futuro, a conservação da obra de arte como imagem e matéria, é também

considerada restauração. Assim, restauração preventiva e restauração efetiva valem

como ato que a consciência impõe quando do reconhecimento da obra como arte.

A restauração preventiva é mais imperativa e, talvez, mais necessária do que a

restauração de urgência, porque tenta impedir que a urgência aconteça. Por isso, o

máximo empenho da pessoa ou do órgão que abriga a obra deve ser sobre a

restauração preventiva. A obra de arte define-se na matéria de que é feita, deve-se

questionar sobre o estado de consistência da matéria e sobre as condições ambientais

enquanto permitam, dificultem ou ameacem a conservação (BRANDI, 2005).

3.2.1 Musealização

Marília Xavier Cury (2005) se propõe a analisar metodologicamente a

comunicação inserida no processo de musealização do conhecimento.

Musealização, para ela, é o processo de valorização dos objetos, que pode

ocorrer com a transferência do objeto para o contexto dos museus ou a sua valorização

no lugar de origem (CURY, 2005, p. 24). A musealização indica a seleção das coisas

materiais por um olhar museológico, percebendo o valor das coisas, selecionando-as e

as preservando.

Cury (2005, p. 25) avalia: “A musealização, então, se inicia na valorização

seletiva, mas continua no conjunto de ações que visa à transformação do objeto em

44

documento e sua comunicação.” As ações sobre os objetos que a musealização envolve

incluem a aquisição, pesquisa, conservação, documentação e comunicação. O fim do

processo é a apresentação do objeto ao público através de exposições e atividades

educativas, por exemplo. As atividades administrativas são pano de fundo desse

processo.

A ação de valorar objetos não é neutra. A instituição museu não é neutra, é

ideológica. Os objetos “[...] são selecionados com o objetivo de provocar o confronto

do Homem com sua Realidade, Realidade construída pelo próprio Homem (sic). […]

Museu não coleta coisas, Museu coleta a poesia que está nas coisas [...]” (CURY,

2005, p. 30)

Museu e museologia, consequentemente, criam valores culturais, e suas

finalidades são a cidadania e seu exercício. Daí a importância da preservação do

patrimônio cultural, como construção e reconstrução da memória e identidade. Sobre

isso, Cury conclui que a preservação está ligada com o ato de interrogar (CURY, 2005,

p. 31).

O museu assume diversas formas. “A relação entre o Homem e o Objeto (sic)

ocorre em uma situação provocada institucionalmente […] A ideia consensual que

temos dessa instituição é um prédio que abriga um acervo (depositado em reserva

técnica)[...]” (CURY, 2005, p. 32). Essa ideia vem se modificando através do conceito

de musealização. A ideia de acervo se amplia quando o objeto tem sua qualidade de

musealidade (qualidade histórica, antropológica, técnica, entre outras) avaliada no seu

lugar de origem, que pode ser uma escola, um ambiente natural, ou: um escritório (no

caso específico que nos interessa, do Museu do Cartaz). Surgem conceitos como

45

Patrimônio Comunitário, Patrimônio Integral e Referência Patrimonial, abaixo

definidos segundo palavras de Cury (2005):

- Patrimônio Comunitário é o conjunto de bens partilhado em um dado tempo

e espaço, por um grupo de pessoas, que deve ser preservado por manter a identidade

cultural do grupo;

- Patrimônio Integral é o conjunto de bens que se relacionam com a identidade

e integridade dos seres vivos;

- Referência Patrimonial é um recorte de um universo que o preserva.

Estas ideias levaram à criação de outras formas de instituição, como museus de

bairros, ou novos museus: “Cada um com seu desafio metodológico que consiste na

sua forma específica de construção da relação entre o Homem e o Objeto [...]” (CURY,

2005, p. 33). Ela conclui que há apenas uma museologia e seu objeto de estudo, o fato

museal, mas diferentes formas de manifestação.

3.2.2 Deterioração e conservação

Susan Bradley (2001), ao analisar a conservação das obras nos museus,

constata que, após se tornarem parte de um acervo, nem todos os objetos tem

possibilidade de sobreviver, pois alguns são feitos de materiais duráveis e outros,

sujeitos a rápida deterioração.

A historia dos objetos antes deles fazerem parte de um acervo afeta suas

probabilidades de sobrevivência. Por isso, o papel da conservação nos museus é de

grande importância. A finalidade de um museu é a proteção dos bens sob sua guarda,

46

por meio da segurança e conservação (BRADLEY, 2001, p. 19).

Bradley (2001) afirma que, quando um objeto entra num acervo, todo esforço

deve ser feito para garantir sua sobrevivência. No entanto, a finalidade para a qual um

objeto foi feito, seu material e o modo como foi utilizado, são fatores determinantes

para saber quanto tempo ele sobreviverá.

As finalidades do museu, com relação ao público, são a curadoria, o estudo do

acervo (por pesquisadores e estudantes, por exemplo), a exposição e o ensino.

"Segurança" consiste em limitar o acesso aos objetos do acervo, o que contribui para a

sobrevivência do objeto. O efeito da conservação deve ser o de estabilizar e proteger o

objeto, garantindo sua sobrevivência. Quando a preservação de um objeto ultrapassa o

estado em que se encontram a teoria e a prática da conservação, ele deve ser registrado

através de ilustrações e fotografias (BRADLEY, 2001).

A causa mais comum de prejuízos aos objetos nos museus, conforme Bradley

(2001, p. 20), é o manuseio. Por isso, é importante que toda equipe dos museus receba

formação quanto às técnicas corretas de manipulação. Também é necessária a criação

de normas para o manuseio dos objetos. Em museus, o manuseio deve ficar restrito ao

pessoal especializado e a um número limitado de pessoas. Uma das tarefas dos

conservadores de museus é fazer recomendações sobre os objetos emprestados

(BRADLEY, 2001, p. 21).

A preservação permanente é mais plausível se os objetos nunca forem

manipulados e se forem mantidos em ambientes escuros, com umidade relativa e

temperatura constantes. Mas o conservador não deve afastar os objetos da equipe do

museu e do público, pois seu papel é garantir que os objetos sejam usados, em

47

segurança, para os objetivos do museu (BRADLEY, 2001).

Para isso, há métodos de conservação "ativos" e "passivos" (BRADLEY, 2001,

p. 22). Os métodos ativos incluem intervenção no objeto. O método passivo prevê

exame do acervo, recomendações sobre o modo de usar o objeto, possibilidade de

colocá-lo em exposição ou emprestá-lo e recomendações sobre condições ambientais

seguras.

Na avaliação de Bradley (2001), os conservadores devem estabelecer com os

curadores um programa de levantamento do acervo, para identificar os objetos que

precisam de conservação. Como o número de objetos no acervo pode ser grande, os

conservadores podem não conseguir um tratamento completo de conservação. Neste

caso, dá-se atenção ao urgente.

Sobre a deterioração, considera-se que os objetos podem se deteriorar porque

eles mesmos são instáveis. Entre os materiais dos objetos, não há nenhum que seja

classificado como estável. Bradley (2001) destaca, inclusive, que muitos objetos já

começaram a se deteriorar antes de entrarem no museu. Por outro lado, os objetos

estáveis também podem ser acidentalmente danificados no manuseio pelo público ou

por atos de vandalismo deliberados.

Como solução, especula-se que é possível retardar a deterioração através do

controle ambiental. A umidade e o calor afetam a velocidade das reações, então, a

remoção de gases corrosivos da atmosfera pelo uso de filtros e absorventes, além da

escolha criteriosa dos materiais usados na armazenagem e exposição do acervo, são

caminhos para o controle da deterioração (BRADLEY, 2001, p. 23).

Todos esses aspectos têm importância ao se estudar a conservação do acervo

48

do Museu do Cartaz porque os materiais orgânicos, como têxteis, papel, ossos e

marfim, alteram-se com as variações de umidade relativa e temperatura. A situação do

cartaz é ainda mais específica, pois seu suporte é o papel, muitas vezes não tão

resistente quanto outros papéis preparados especialmente para a gravura. No entanto,

em busca de parâmetros para a conservação do acervo do Museu do Cartaz, parte-se

aqui dos cuidados que se aplicam à gravura para encontrar cuidados que poderiam ser

comuns entre eles.

É preciso considerar que a umidade causa a expansão e contração do papel,

provocando deformações, rachaduras, descamação e deterioração na sua estrutura. Os

raios UV e a luz visível também causam deterioração estrutural: os pigmentos podem

ser desbotados e sofrer alterações químicas. Essas reações podem ser controladas

restringindo-se a exposição à luz. Se esses cuidados se aplicam a gravuras e aos

pigmentos em geral, também poderiam se aplicar a cartazes.

Ainda comparando a condição do cartaz com aquela de outras obras gráficas, a

luz pode prejudicar desenhos e gravuras, causando séria descoloração. Como a

natureza do material de gravuras e desenhos é, em grande parte, mista, e entendendo

que o material do cartaz é ainda mais frágil, consequentemente, a exposição à luz não

tem parâmetros definidos. A restrição do tempo de exposição pode ser aplicada a todos

os objetos fotossensíveis, o que poderia se aplicar aos cartazes também. Se um registro

do período de exposição à luz fosse feito, isso facilitaria decisões futuras para as

exposições do acervo (BRADLEY, 2001, p. 29).

Bradley (2001, p. 28) menciona como exemplo o Museu Britânico, que

promove apenas exposições temporárias de sua coleção de gravuras e desenhos, com

49

duração de até seis meses cada, com luz e ultravioleta controlados. Ao fim das

exposições, os objetos voltam a ser abrigados em caixas e arquivos especiais, onde

ficam guardados no escuro, sendo retirados apenas para novos estudos ou novas

exposições. Similarmente, menciona-se que, no Japão, pinturas japonesas foram

restringidas a um tempo de exposição de dois meses e luz controlada.

As oscilações de umidade relativa afetam a estabilidade das dimensões e

provocam enrugamento do papel. As variações de temperatura provocam expansão e

contração. Os gases poluentes podem aumentar a acidez. No entanto, haveria indícios

que as condições mais secas são mais adequadas para as coleções de biblioteca e

etnográficas. Sobre isso, Bradley declara:

A menos que se instale um sistema completo de refrigeração, é impossível obter o controle pleno da umidade relativa do ar e da temperatura. Os efeitos das variações da umidade são mais nocivos do que os das oscilações de temperatura, desde que a temperatura não seja excessivamente elevada (BRADLEY, 2001, p. 30).

Dessa forma, é fundamental que a umidade relativa se mantenha estável, de

preferência próxima a umidade relativa média do prédio. É mais fácil manter um

ambiente totalmente estável num espaço pequeno. Sua conclusão é que o índice de

sobrevivência de objetos guardados em museus é bom.

[…] não se pode prever o tempo real de sobrevivência dos objetos, mas ele está estreitamente ligado à capacidade de os seres humanos manterem um ambiente favorável e estável, o que e aplica não somente aos museus, mas também a todos os objetos e construções de fabricação humana que fazem parte do nosso dia-a-dia (BRADLEY, 2001, p. 32).

Catafal e Oliva (2003), ao estudarem a deterioração das gravuras, encontram

50

suas causas, tal como Bradley (2001), em fatores naturais, como mudanças de

ambiente, desastres naturais ou agressão direta por organismos vivos; e em fatores de

origem humana, como o modo de exposição das obras, sua manipulação, limpeza ou

pela poluição ambiental. A instabilidade química dos materiais que constituem a obra,

como a acidez dos materiais, é tida como causa de deterioração.

O papel absorve a água do ambiente, então é necessário o controle da umidade

relativa do ambiente em que estão armazenadas ou expostas. A temperatura ideal para

a conservação do papel é de cerca de 18°C e umidade relativa de 50%. A umidade a

60% já favorece o aparecimento de fungos no papel, e a 80%, envolve o risco de

surgimento de microorganismos e insetos, que destroem as fibras do papel e as tintas

(CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 30).

A favor de Bradley (2001), Catafal e Oliva (2003) observam que, exposta ou

guardada, é importante que a obra fique longe de fontes de calor, para que não se altere

os pigmentos e o papel. A esse fator, acrescentam que o pó também favorece o

surgimento de microorganismos e insetos, e as mudanças bruscas de temperatura

provocam um envelhecimento do papel. Os riscos diminuem se houver ventilação no

local e nos móveis.

Ensina-se que as gravuras devem ser guardadas sempre estendidas e

protegidas, dentro de gavetas produzidas para o armazenamento de papel - chamadas

aqui de "mapotecas" (ver figura 10). As gavetas ideais são de metal, tratadas com

antioxidantes, ou movéis de melamina (CATAFAL; OLIVA, 2003, p. 30). No

manuseio, se as gravuras não estiverem protegidas por papel, é necessário usar luvas

de algodão fino para não marcá-las com gordura e suor das mãos.

51

Catafal e Oliva (2003) recomendam uma maneira simples de conservar as

gravuras: guardá-las em sacos de papel de seda translúcido e neutro, feitos na medida

das gravuras. Depois, juntá-las em pastas feitas de papel resistente e neutro, dobrado e

fechado. Esses autores recomendam, também, nunca enrolá-las. Se for inevitável,

enrola-se a gravura com a imagem para fora. Ao desenrolar, é necessário que se

umedeça superficialmente o papel, com vaporizador ou material absorvente úmido,

para que ele volte ao seu estado normal.

Portanto, ao se propor a conservação do acervo do Museu do Cartaz em um

ambiente propício, deve-se pensar nos cuidados mencionados acima. Afinal, o cartaz

utiliza o mesmo suporte da gravura – o papel, ainda que em qualidade inferior. Isso

significa que seu suporte sofreria com umidade, luz e temperatura da mesma forma

que as gravuras. Por ser confeccionado, muitas vezes, em papel mais frágil, o cartaz

poderia sofrer maiores danos com tais elementos.

FIGURA 10 - MAPOTECA para conservação de gravura. Fonte: Fotografia extraída de CATAFAL, Jordi; OLIVA, Clara. A gravura. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.

52

3.3 REFLEXÕES SOBRE O ARQUIVO/ ACERVO

Ariane Ducrot (1997), em texto produzido para o Seminário Internacional

sobre Arquivos Pessoais, afirma que uma boa classificação de arquivos públicos e

privados é consequência da combinação de três fatores: a preparação, a observação do

“princípio da proveniência” e a observação de regras específicas para cada categoria

de arquivos.

A preparação envolve a definição de uma política, a visita aos proprietários e

tratamento jurídico e material rigoroso. A definição de uma política requer

recenseamento de arquivos privado conservados por variadas instituições públicas e

privadas, como arquivos, bibliotecas, universidades e museus; e também conservados

por particulares.

É preciso, conforme Ducrot (1997), definir regionalmente ou nacionalmente,

qual a vocação de cada instituição, observando qual política seria melhor para cada

arquivo. A coordenação e cooperação entre as instituições, no caso de arquivos

privados, são indispensáveis para esta autora.

O "princípio da proveniência" implica que os documentos não devem ser

tratados isoladamente conforme um método, mas devem ser agrupados conforme seu

fundo de origem. O fundo de origem é o conjunto de arquivos que provém de uma

mesma entidade, seja ela pessoa, família ou órgão público, por exemplo.

Ducrot (1997) acrescenta que, além de documentos escritos de tipo tradicional,

constituem um fundo de arquivo: cartazes, mapas, plantas, desenhos e croquis,

fotografias, gravações sonoras, visuais e outros; que esclarecem ou completam outros

53

documentos da atividade cotidiana de alguém. Esses documentos devem ser inseridos

no fundo. No entanto, Ducrot (1997) observa que, quando esses documentos

constituírem criação literária ou artística, e não uma necessidade utilitária, eles não

pertencem ao arquivo.

Ducrot (1997) destaca que a lei brasileira n ° 8.159, de 8 de janeiro de 1991

define os arquivos como

[…]os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos. (DUCROT, 1997)

Essa definição coloca-se em oposição à definição de coleção. As coleções são

constituídas voluntariamente por uma pessoa em torno de um tema escolhido. As

criações literárias, artísticas, dentre outras, também nascem de uma decisão voluntária

do autor e, assim, conforme palavras de Ducrot (1997), se opõem à definição de

arquivos.

Se a coleção não se aplica na categoria de arquivo, a sua classificação e

conservação deve ser organizada de forma que favoreça as pesquisas, como ordem

cronológica, ordem alfabética de nomes de pessoas ou países. Mas não deve ser

organizada por assunto de pesquisa, pois o critério depende do entendimento do autor

da coleção. Se há conhecimento de como o autor classifica, então é possível recorrer a

essa nomenclatura.

Terry Cook (1998) identifica uma divisão incômoda ou uma tensão entre o

arquivo público e o pessoal. Na Europa, a maior parte dos países não recolhe papéis

pessoais de indivíduos como recolhem documentos oficiais. Estes são recolhidos, em

54

sua maior parte, por bibliotecas, museus, institutos de pesquisa ou universidades.

O autor menciona como exceção o Canadá, que implantou a noção de “arquivo

total”: toda instituição arquivística do país adquiriu, além de arquivos oficiais dos

produtores, os manuscritos ou mídias pessoais de indivíduos, famílias ou grupos

particulares (COOK, 1998, p. 130). Com isso, os papéis pessoais neste país são

procurados pelas instituições, adquirindo força ativa nos arquivos.

Cook (1998) aproxima os arquivos pessoais e públicos conforme duas

características: ambos são formas de registro e evidências de uma atividade; e os

arquivistas aplicam método e técnica semelhantes no armazenamento dos arquivos,

mas se dissolvem em divergências de perspectiva. De acordo com a perspectiva

clássica, os arquivos públicos ou institucionais são acumulações neutras, imparciais e

objetivas, e os arquivos pessoais são diferenciados de documentos de arquivos oficias

e públicos.

Entretanto, para Cook (1998, p. 132) essa ideia merece ser repensada, pois

existem novas exigências, como a inserção da tecnologia – sobretudo o advento da

internet, que causaram mudanças conceituais no âmbito da organização dos arquivos.

O enfoque deve ser na construção da memória da sociedade. A teoria clássica é

herança de 1898, época em que os arquivos eram gerados pelo Estado e para ele

próprio.

Comenta-se:

No novo mundo dos documentos eletrônicos, essa análise funcional e as decisões de avaliação dela resultantes devem ser incorporadas desde cedo ao processo de criação de documentos [...] e não tempos depois da criação e uso do documento, quando pode haver o benefício de uma visão retrospectiva e de uma perspectiva histórica ao se decidir sobre a avaliação. (COOK, 1998, p. 137)

55

Essas mudanças nos conceitos e metodologias arquivísticas alteram, segundo

Cook (1998, p. 139), a teoria arquivística como um todo. Arquivos multimídia, por

exemplo, são organizados de forma instável se aplicada uma metodologia clássica,

pois envolvem várias categorias. Atualmente, a teoria arquivística estaria voltada para

a análise dos processos de criação dos documentos, transferindo a importância do

registro para o contexto.

Neste processo, cabe ao arquivista avaliar, investigar e compreender o contexto

do documento. Dessa forma, não é possível que ele fique neutro e imparcial dada a

própria natureza de sua atual atividade, pois suas escolhas dependerão de seus valores.

Os arquivistas tornaram-se “construtores ativos da memória social” e trabalham com

“contextos semioticamente produzidos”. Essa reintegração do subjetivo é positiva

para Cook (1998), já que o arquivista é parte do processo histórico.

Heloísa Liberalli Bellotto (1997), comentando Ariane Ducrot (1997), mostra

que os arquivos pessoais são interdisciplinares, o que possibilita muitas abordagens.

Existem interrelações possíveis entre áreas da arquivística, museologia e teorias ou

políticas documentárias.

Conforme Belotto (1997, p. 2), a existência, rastreamento, organização e

divulgação desses arquivos ganhou importância recentemente, duas ou três décadas

atrás. Atualmente, arquivos pessoais documentam trabalhos acadêmicos e inspiram

exposições ou pesquisas. Tal feito demonstra a “dinamização e crescimento” da

organização e conservação de documentos de origem privada em órgãos públicos e

particulares.

Para Cook (1997, citado por BELLOTTO 1997, p. 4), os documentos de

56

arquivo são produzidos “[...] dependentes das instituições e/ou dos indivíduos”. O

enfoque, afirma Bellotto (1997, p. 5), deve passar do governo, compreendido como as

estruturas e a ação burocrática, para a governança, sendo esta “tudo o que possa

comprovar a interação entre cidadão e Estado, o impacto do Estado na sociedade e as

funções e atividades da sociedade em si mesma[...]”.

Em diálogo com as ideias de Ducrot (1997), Bellotto constata que no Brasil, o

arquivo parece ser mais oferecido do que procurado, e que parece existir uma “[...]

tradição no tratamento dos registros pessoais para a qual [...] ainda não temos

substitutos plausíveis.” (BELLOTTO, 1997, p. 7) Bellotto questiona como seria

possível viabilizar esta mudança.

A reflexão sobre os arquivos suscita um problema, no contexto do Museu do

Cartaz: como lidar com o acúmulo de cartazes, separando o cartaz que apresenta

conteúdo artístico, dos demais cartazes, como os informacionais ou publicitários? Que

critérios adotar para que o cartaz seja parte do acervo?

O problema se coloca ao nos depararmos com o volume de doações que este

museu recebe. Ele também interfere na proposição de soluções para a conservação do

acervo do Museu do Cartaz e enfatiza a importância de uma equipe especialista por

trás de sua administração.

Como essa questão não pretende ser resolvida neste trabalho, aponta-se apenas

para uma possível solução, que seria a constituição de uma comissão para avaliar quais

cartazes poderiam ser aceitos ou não para o acervo, quando da doação.

57

4 HISTÓRICO DO MUSEU DO CARTAZ DE CURITIBA

O Museu do Cartaz de Curitiba foi fundado em 1981 no Solar do Barão, com a

1a. exposição Brasileira de Cartazes de Teatro (ver figura 11). Diferentes datas da sua

fundação são apresentadas: 7 de julho, no catálogo desta Exposição inaugural (1981), e

16 de junho, em catálogo de 10 anos do Museu, Fundação Cultural de Curitiba (1991).

Foi o primeiro museu do gênero no país.

O surgimento desse museu foi possível devido a doação de 4.000 cartazes de

um colecionador particular, que percorreu vários estados brasileiros coletando cartazes

FIGURA 11 - CALVI, Gian. Bastam dois para dançar um bom bolero, s/d. NOTA: Figura extraída de: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA.1 a. Exposição de Cartazes de Teatro. Curitiba: Imprensa Oficial. Catálogo.

58

para sua coleção, e veio morar no Paraná. Seu nome era Ailton Silva, ator, natural de

Caruaru, em Pernambuco. Daí seu apelido: "Caru".

Em 1981, o Museu contava com um acervo de cerca de 5.000 cartazes.

Conforme texto do catálogo da exposição inaugural, essas obras estavam sendo: "[...]

recuperadas, catalogadas e classificadas dentro de um sistema especialmente criado,

procurando caracterizar o cartaz quanto ao seu tipo de papel, impressão, cores, autoria,

tema, local, data, dentre outras características." (FUNDAÇÃO CULTURAL DE

CURITIBA, 1981)

Nesse mesmo catálogo, o texto apresenta uma preocupação do Museu para

chamar a atenção da população para o cartaz enquanto obra de arte. Dentre seus

objetivos, descava-se no texto: levantamento histórico, social e cultural do cartaz

brasileiro, edição de publicações sobre o tema, promoção de cursos e palestras e

realização de duas exposições por ano sobre temas específicos, que percorriam o país.

Enumera-se a existência de uma sala de exposições permanente com uma

mostra didática sobre o cartaz, uma sala para a recuperação, e uma sala para

catalogação e classificação dos cartazes, além da criação de um banco de layouts

colaborativo, que possibilitava aos artistas enviarem seus trabalhos (FUNDAÇÃO

CULTURAL DE CURITIBA, 1981).

Inicialmente, Caru coletava cartazes de teatro. Mas, conforme texto do folder

explicativo, "[...] valorizando o cartaz como documento, Ailton passou a colecionar

variados temas." [FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 200?] Na época da

edição deste folder, o Museu do Cartaz já contava com 10.000 exemplares no acervo.

O texto segue, afirmando que as finalidades do museu são "[...] guardar e preservar o

59

cartaz considerando-o como um documento iconográfico; possibilitar a pesquisa e

ampliar o acervo." A ampliação do acervo é feita através de doações da comunidade, o

que significaria "[…] a cumplicidade da comunidade em relação a seus bens culturais."

Constam como objetivos, neste folder,

[...] manter o acervo tecnicamente organizado, à disposição de profissionais da área de Artes Gráficas, estudantes e público em geral; realizar levantamento sobre a produção local e nacional; difundir o acervo através de exposições, palestras, encontros e publicações.(FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, [200?])

Em pasta sobre o Museu do Cartaz, no Centro de Pesquisa do Solar do Barão,

encontram-se registros em jornais de exposições, como: "Cartazes políticos", em 1982;

"Poemas de Mário Quintana", com abertura no dia 25 de agosto de 1982; "Palestina",

em 1986; "Cartazes Poloneses" da década de 60, com abertura no dia 10 de maio de

1989; e "Cartazes à mostra - Esportes", aberta em abril de 2006. Há registros da

programação de exposições, mês a mês, para o ano de 1996, em parceria com o SESI.

Elas incluem temas como: índio e arte indígena, folclore, política e sociologia, filatelia

e etnias.

No catálogo de aniversário de 10 anos do Museu, Key Imaguire Jr. (1991)

ressalta a importância do cartaz como um documento que revela traços culturais da

sociedade. Em sua apresentação, afirma que, tal como os desenhos esboçados em

cavernas no período paleolítico, o cartaz também transmite uma mensagem para a

comunidade, através de um grupo ou de um artista .

Imaguire Jr. (1991) mostra que o cartaz se desenvolveu junto com o

desenvolvimento do consumo e serviu, historicamente, como instrumento político:

Jules Cheret é creditado como introdutor do cartaz em 1869, com Bal Valentino - tal

60

como Barnicoat (1976), visto anteriormente. Mas a Revolução Francesa havia

utilizado esta técnica no século anterior para o recrutamento de seu exército. Mais

tarde, o cartaz foi amplamente utilizado pelo governo soviético em sua propaganda.

O cartaz, como produto do processo de impressão e das artes gráficas,

apresenta, além das características da sociedade industrial, características sociais. Por

isso, uma das justificativas de Imaguire Jr. (1991) para a criação do Museu do Cartaz

em Curitiba foi a valorização dos cartazes como um "documento histórico" e "forma

de expressão". A proposta do Museu era a organização e classificação do acervo para

consulta e exposições freqüentes, focadas em ressaltar características culturais

brasileiras.

Em visita ao Museu do Cartaz realizada no dia 04/08/2010, fui orientada pela

responsável, Patrícia Natel, que, em um breve histórico, me mostrou as instalações em

que estão armazenados os cartazes do acervo. Patrícia Natel explicou o modo de

funcionamento do Museu do Cartaz, atualmente instalado em uma sala do segundo

andar da Casa da Memória, no Largo da Ordem – local onde para onde foi mudado,

em 2006.

Em fotos guardadas pela direção, mostrou-se como era feito o armazenamento

dos cartazes no Solar do Barão: em uma estante de madeira, guardados em envelopes

de papel. Mostrou-se, também como é feito o armazenamento atualmente, em

mapotecas que comportam cerca de 500 cartazes.

Patrícia informou que esta instituição não é efetivamente um museu porque

não há um estatuto que a regula como tal. Em contraposição à proposta inicial do

Museu do Cartaz em 1981, o acervo não é exposto. A última exposição realizada foi

61

em 2006, nas instalações do Teatro Guaíra, para homenagear Caru, o doador do

acervo.

É possível agendar consultas e pesquisar os cartazes arquivados, sob a

supervisão do responsável pelo Museu do Cartaz. É inclusive disponibilizada a

permuta de cartazes repetidos entre entidades, assim como há cartazes disponíveis para

doação ao público.

A partir deste contato, buscou-se analisar a relação entre acervo, museu e

patrimônio cultural no caso do Museu do Cartaz, mantido pela Fundação Cultural de

Curitiba, para elaborar uma proposta de preservação do acervo deste museu.

62

5 PROPOSTA

Este capítulo apresenta uma proposta de preservação do acervo do Museu do

Cartaz, a partir dos conteúdos trabalhados nos capítulos anteriores. As ideias elencadas

abaixo pretendem, conforme os autores trabalhados no capítulo 3, relacionar a

conservação do acervo com a preservação do patrimônio. O objetivo é alcançar maior

visibilidade para o potencial que o acervo do Museu do Cartaz carrega.

O acervo do Museu do Cartaz é entendido aqui como "arquivo total", como

definido por Cook (1998), em que as categorias de "acervo" e "arquivo" se relacionam

entre si, pois a própria Fundação Cultural de Curitiba entende os cartazes do acervo

como "documentos iconográficos" (ver capítulo 4).

Enquanto solução para a organização do acervo, propõe-se o "museu virtual"

ou "acervo digital", baseado no mesmo tipo de arquivo de bibliotecas. Entende-se que

essa proposta resolve os problemas da manipulação, que interfere na conservação e

acelera a deterioração do documento; da organização dos cartazes; da disponibilização

a um amplo público, além do problema do espaço específico para visitação.

A ideia de Museu Virtual como um ambiente construído de forma totalmente

virtual está presente em uma iniciativa do jornal "El País", do Uruguai. O "Museo

Virtual de Artes" ilustra a possibilidade de se transformar um acervo em arquivo

digital8. O posicionamento é favorável ao pensamento de Cook (1998), que mostra que

não é possível, atualmente, pensar apenas na teoria arquivística clássica, separando

categorias de arquivos, documentos e acervos, sobretudo na era da tecnologia.

No entanto, pensando em formas de injetar dinheiro para sua preservação,

8 Disponível apenas em endereço eletrônico.

63

observa-se que o Museu do Cartaz está sob os cuidados da Fundação Cultural de

Curitiba, uma entidade municipal. Pensa-se que a iniciativa privada poderia ser

proposta via editais da própria Fundação Cultural9, como por exemplo, os editais do

Fundo Municipal de "Ocupação de espaços para exposições", "Difusão de estudos

sobre patrimônio cultural", "Fomento para a produção e difusão artística e cultural";

ou o edital da lei do Mecenato.

Essa forma de captação de recursos possibilitaria o contrato com um sistema

de arquivo digital, como por exemplo o Pergamum10, utilizado atualmente nas

bibliotecas das universidades e faculdades de Curitiba, e na Biblioteca Pública do

Paraná. Um sistema como o Pergamum permitiria o acesso ao acervo do Museu do

Cartaz de qualquer local, sem que o indivíduo precisasse ir até o seu prédio, a Casa da

Memória, para pesquisar.

Ou seja, ao contrário do sistema de arquivo digital existente atualmente na

Casa da Memória, que cataloga e disponibiliza a informação de maneira fechada

(somente na rede da Fundação Cultural de Curitiba e seus funcionários), o Pergamum

transformaria o acervo em arquivo aberto. Um aspecto positivo deste sistema é que ele

integra todas as bibliotecas de uma entidade. Assim, todo arquivo digital da Fundação

Cultural de Curitiba poderia ser disponibilizado em rede ao público, em integração às

bibliotecas da cidade, acima mencionadas.

Como exemplo de acervo digital implantado no Brasil, temos o "Projeto de

Informatização do Centro de Documentação e Arquivo do Museu Universitário

'Professor Oswaldo Rodrigues Cabral' ", na UFSC, de 2010. Neste projeto, define-se

9 Uma lista de editais fica disponível no endereço eletrônico da Fundação Cultural de Curitiba, referenciado no final deste trabalho.

10 O software possui endereço eletrônico, disponível ao final deste trabalho.

64

como biblioteca digital "[...]tanto uma base de dados na Internet, que organiza objetos

digitais, quanto uma base onde catalogamos objetos (livros, periódicos, etc) de uma

biblioteca física." Nos dois casos, o objetivo principal é "[...]a recuperação dos objetos,

sejam eles virtuais ou físicos." (CAPRI; DUARTE; GARRIDO, 2010, p. 4)

Como resultado do projeto da UFSC, destaca-se maior controle sobre o

destino do acervo. O sistema desempenha as principais funções de uma biblioteca, o

que facilita a gestão dos centros de informação. O sistema ainda permite a consulta ao

catálogo on-line, no formato de pesquisa por autor, título e assunto (CAPRI;

DUARTE; GARRIDO, 2010). No entanto, para mantê-lo, o sistema Pergamum tem

uma taxa mensal, estimada no projeto (CAPRI; DUARTE; GARRIDO, 2010) no valor

de R$ 800,00.

Seria possível obter recursos, também, para divulgação do Museu: folders,

cartazes, veiculação em jornais, outdoors são alguns exemplos. Parcerias poderiam ser

buscadas em universidades e entidades envolvidas com design, ou entidades

museológicas, para a promoção de exposições temáticas, já que, conforme visto no

capítulo 4, o Museu do Cartaz realiza empréstimos de acervo.

A Universidade Federal do Paraná tem em seu prédio da Reitoria uma sala

disponível para exposição de pesquisas e trabalhos desenvolvidos pelos alunos do

curso de Design. A sala seria uma possibilidade de parceria de exposições temporárias,

o que daria ao Museu do Cartaz maior visibilidade aos estudantes envolvidos com

artes gráficas, um público potencial.

Sobre a conservação do acervo, indica-se nos textos consultados sobre o

histórico do Museu do Cartaz, que o acondicionamento em prateleiras de madeira ou

65

mapotecas com capacidade para 500 cartazes foram as opções disponibilizadas para o

armazenamento. Como estudado em Catafal e Oliva (2003), no capítulo 3, a

conservação das gravuras pede um acondicionamento mais apropriado, sendo

necessária a disponibilização de um maior número de mapotecas. Além disso, Bradley

(2001), no capítulo 3, sugere o treinamento de profissionais do museu.

Embora não seja possível propor um edifício para o acervo, tendo em vista que

o Museu pertence à Fundação Cultural de Curitiba, especula-se aqui o que poderia ser

feito para que ele ganhasse um espaço físico apropriado, como solução para a

conservação do seu acervo. Apresentam-se aqui duas possibilidades: disponibilizar

uma sala ou um andar no Museu Metropolitano de Artes de Curitiba, o MUMA,

localizado no bairro Portão; ou no projeto do centro cultural da rua Riachuelo, no

prédio da Polícia Municipal.

O MUMA possuía, anteriormente, biblioteca, sala de cinema e de exposições.

Após sua restauração, está prevista sua inauguração, mesmo que sem data precisa. Se o

projeto de restauração incluísse a transferência do acervo do Museu do Cartaz para seu

prédio, o espaço físico poderia ser enriquecido como centro cultural. O museu

ganharia visibilidade pois, separado do conjunto da Casa da Memória, estaria dentre

outras opções de exposições, fazendo parte do circuito de visitação de artes. Poderiam

ser realizadas exposições temporárias, temáticas, do acervo. Elas teriam que ser

organizadas por funcionários especializados, contratados e treinados, o que seria um

benefício para o Museu.

Semelhantemente à proposta do MUMA, poderia ser cedida uma sala no

centro cultural da rua Riachuelo, uma promessa ainda não concretizada da Fundação

66

Cultural de Curitiba em substituição aos Cinemas Ritz e Luz. Se o projeto deste centro

cultural fosse pensado como o Paço da Liberdade, que é administrado pelo Serviço

Social do Comércio do Paraná, ali instalado, o Museu teria os mesmos benefícios

apontados na proposta do MUMA: maior visibilidade, contratações, treinamento de

funcionários e inserção no circuito de visitações.

Chega-se, então, a uma proposta de espaço físico, independente da

administração da Fundação, prevendo armazenamento do acervo, pesquisa, exposições

e visitação: pensa-se que um centro cultural seria um ambiente ideal e propício, pois

ofereceria um circuito de visitações mais diversificado, colocando o Museu do Cartaz

dentre várias salas de exposições e não isolado. Ao mesmo tempo, um prédio de centro

cultural forneceria espaço para pesquisa e manutenção do acervo permanente.

Quando se pensa em uma sala de exposições própria para o Museu do Cartaz,

isso nos coloca diante de novas possibilidades de revitalização, como a abertura de

editais, seja para exposições de artistas que trabalham com cartazes, gravuras e

lambes, seja para propostas de exposições temáticas do acervo; ou mesmo abertura de

espaço para exposições de cartazistas estrangeiros, nacionais, contemporâneos ou não,

que não fazem parte do acervo.

Em ambas propostas – arquivo digital e espaço físico de museu -, um prédio

adequado ao acervo do Museu teria que permitir o armazenamento sem sobrecarga das

mapotecas, além dos cuidados previstos no capítulo 3 sobre a temperatura e

condicionamento do papel.

67

6 DISCUSSÃO

Ao trabalhar com Ducrot (1997) e Cook (1998), temos dois autores com

perspectivas opostas sobre a distinção entre arquivo e acervo. Quando Ducrot (1997)

afirma que fundo de origem é o conjunto de arquivos que provém de uma mesma

fonte, seja uma entidade, pessoa ou família, significa que podemos pensar os cartazes

do Museu como arquivo de fundo de origem.

No entanto, posteriormente, Ducrot contrapõe as coleções ao arquivo de fundo

de origem. Os cartazes do acervo do Museu se enquadram na categoria de coleção,

sobretudo porque foram organizados, num primeiro momento, por Caru,

voluntariamente.

Ducrot (1997) classifica os cartazes como parte de documentos que esclarecem

ou completam outros documentos da atividade cotidiana de uma pessoa. Mesmo que

ela diga que esses documentos, que complementam outros, não podem pertencer ao

arquivo se forem criações literárias ou artísticas, podemos encontrar no cartaz uma

dimensão utilitária - o que ela define como parâmetro de classificação de arquivo.

Conforme Cook (1998), a perspectiva clássica, que considera os arquivos

públicos e institucionais como neutros, deve ser repensada. Este autor pensa que

arquivos pessoais e públicos são ambos formas de registro e evidências de uma

atividade. Os arquivos multimídia, segundo Cook (1998), abrangem várias categorias

que se entrelaçam, sendo impossível organizá-los de forma estável a partir de uma

teoria arquivística clássica.

No presente, a importância do documento passou do registro para o contexto.

68

Por isso, o arquivista deve avaliar, investigar e compreender o documento. Assim,

pode-se pensar o acervo do Museu do Cartaz como constituindo um arquivo total.

Finalmente, Santos (2000) propõe o museu como fórum de debates, com

múltiplas relações entre a comunidade. Os museus, em sua perspectiva, não são mais

locais de depósito, que expõem objetos. A sobrevivência do objeto é a preservação da

memória. A conservação do acervo do Museu do Cartaz e a preservação deste

patrimônio encontram neste argumento suas justificativas.

69

7 CONCLUSÃO

A previsão de Roth (1983) apresentada no capítulo 2 é de que o papel seria o

último elo de ligação com o registro do passado, culminando no fim da imprensa. Os

processos tradicionais seriam, então, resguardados pelos interessados. Partindo dessa

premissa, estendo para os cartazes a importância de resguardá-los como registros

também, uma vez que o suporte utilizado na sua confecção é o papel; e a técnica pela

qual se difundiu, a impressão em xilogravura e litografia.

Uma das conclusões deste estudo é que, se o cartaz está vinculado a uma

dimensão comercial e outra estética, e surge através do advento da cópia, da

reprodução e do consumo em massa, decorre daí sua importância histórica. O cartaz,

além disso, interfere na paisagem urbana, diante de todos os apelos publicitários, como

destacou Moles (1974) no capítulo 2. Eles estão conectados a processos artísticos, por

isso concordo que desempenham papel fundamental na difusão cultural e educação das

artes.

Pensando que o patrimônio tem valor específico no desenvolvimento das

cidades, como Goodey e Murta (2005), sugiro que a preservação do Museu do Cartaz

atua na manutenção ou construção da imagem urbana e necessita da visibilidade

proposta por esses autores, em que interpretar envolve: comunicar e revelar o

significado do patrimônio.

O acervo do Museu do Cartaz, estando organizado conforme arquivos em uma

sala de escritório, traz uma reflexão sobre a distinção entre o arquivo e o acervo,

conforme analisado no capítulo 3. Questiono: como poderíamos classificar o material

do Museu do Cartaz? É documento, termo que os próprios textos do catálogo e do

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folder analisados utilizam, ou é obra de arte?

Se, conforme ideia de Santos (2000) estudada igualmente no capítulo 3, o

museu tem também a finalidade de centro de pesquisa, defendo que o Museu do Cartaz

pode ser um espaço para abrigar arquivos. Este autor mostra ser necessário repensar a

utilização do museu para que este alcance um melhor desenvolvimento. Considero que

a pesquisa seria um fator importante neste processo, e o museu do Cartaz poderia ser

transformado em um "centro dinâmico de divulgação cultural".

As finalidades do Museu do Cartaz incluem, notadamente, a pesquisa e a

preservação do cartaz como "documento iconográfico", conforme visto no capítulo 4.

Para Cook (1998), a inserção da tecnologia e internet mudou os conceitos de

organização dos arquivos. Essa mudança favorece a implementação de um acervo

digital no Museu do Cartaz - conforme proponho no capítulo 5.

Como exemplo de resgate de memória artística que o cartaz representa e

possibilita, menciono a exposição realizada na galeria da Caixa, "Cartazes Cubanos",

em 2009. Esta exposição apresentou uma seleção de cartazes produzidos entre 1960 e

1990 pelo Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica - ICAIC. Os cartazes

ali selecionados foram feitos através da técnica da serigrafia, remontando à história da

linguagem do cartaz (OLIVEIRA, 2009).

A exposição mostrava cartazes de artistas cubanos como René Azcuy e Luis

Vega (ver figura 12). Esses cartazes contam a história política e cultural de Cuba que,

sob a Revolução de 1959, viu o surgimento do ICAIC e de uma política de valorização

nacional. Essa política pedia que artistas cubanos criassem cartazes novos em

alternativa aos cartazes originais de filmes estrangeiros, e causou uma revolução nas

71

artes visuais desse país (MICHE, 2009).

A realização dessa exposição pela Caixa Cultural confirma a relação entre os

cartazes e a arte, estudada no capítulo 2. Estabelece-se, dessa maneira, a importância

da preservação da instituição do Museu do Cartaz, da valorização e da conservação do

seu acervo.

Finalmente, concluo que a relação entre os cartazes e a cidade dá margem a

estudos posteriores sobre manifestações artísticas contemporâneas, como as

intervenções urbanas conhecidas por "lambes": papéis colados e expostos no mesmo

suporte que os cartazes - os muros e as paredes - e interferem na paisagem da cidade.

FIGURA 12 - VEGA, Luis. Os irmãos Karamazov, 1972. NOTA: Figura extraída de: GUEDES, Alexandre Linhares (org). Cartazes cubanos: um olhar sobre o cinema mundial. Rio de Janeiro: Letra e Imagem, 2009. Catálogo.

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