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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CAMILA CASTELIANO PEREIRA A FUNÇÃO SOCIAL DO CURRÍCULO (OCULTO) ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CAMILA CASTELIANO PEREIRA

A FUNÇÃO SOCIAL DO CURRÍCULO

(OCULTO) ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO

CAMPO

CURITIBA

2014

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CAMILA CASTELIANO PEREIRA

A FUNÇÃO SOCIAL DO CURRÍCULO (OCULTO)

ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do título de Licenciada.

Professora: Dra. Maria Antônia de

Souza

CURITIBA

2014

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu esposo Cleverson José dos Santos, amigo e

companheiro. Desde o início do curso acreditou na materialização deste sonho, que

era meu e se fez nosso. Dedicar este trabalho a você é pouco, tendo em vista, todas

as dificuldades que passamos juntos para que eu nunca parasse de estudar.

Compreendeu todos os momentos de ausência e sempre me apoiou, mas

principalmente me motiva a persistir. O seu carinho e compreensão foram

fundamentais, você é parte desta conquista. Te amo imensamente. Obrigada por

nunca me deixar desistir! E a minha mãe Sandra Cordeiro que sempre me ensinou a

valorizar o que é correto e principalmente me deu condições concretas para que eu

pudesse estar aqui hoje, você é o meu exemplo, eu te amo e quero sempre te

encher de orgulho.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus, pelas oportunidades e desafios que encontrei

ao longo dos quatro anos e meio no curso de Pedagogia, sei que Deus encaminha

as pessoas certas no momento certo para acrescentar em nossa vida, e assim dar

condições de efetivarmos nossa missão. Agradeço à minha orientadora Maria

Antônia de Souza, professora que tenho como exemplo, dedicada, atenciosa,

correta, mulher guerreira que sacrifica a vida e a família em troca da emancipação

de seus alunos, tenho muito respeito e admiração por você, espero um dia ser um

pouco do que você é, obrigada pela paciência e pela orientação excelente que tive.

Agradeço ao Reinaldo Cenci Torres, por me buscar todos os dias durante dois anos

no ponto de ônibus que era longe e escuro, você nunca reclamava mesmo quando o

frio era impiedoso. Agradeço a minha sogra Dalva Santos, por seu carinho e

amizade, reconheço sua nobre atitude em me presentear com um aparelho de DVD,

para que eu fizesse um trabalho da graduação, mesmo num momento de verba

escassa. Agradeço minha cunhada, Silmara Alessi por me ajudar em tantos

momentos difíceis e até me acompanhar em algumas ações, sua amizade e

lealdade foram fundamentais. Agradeço a minha amiga Leticia Fischer, por todo

carinho e confiança, nunca me esquece e sempre está disposta a ajudar no que for

necessário. Agradeço ao meu amigo José Antonio Karam por me motivar desde o

início de minha caminhada a persistir e sempre ir além, sei que acredita em mim.

Agradeço à minha amiga Andrea Delfini que é muito generosa e atenciosa, veio para

agregar em minha vida. Agradeço a doce e querida professora Maria Iolanda, por

confiar em meu trabalho e provocar reflexões acerca das problemáticas da

educação. Agradeço a Luciane Pereira Rocha, companheira desde sempre,

obrigada por me aguentar, mas principalmente por fazer parte desta história

também. Agradeço à todos os bolsistas do OBEDUC I mas em especial, à Regina

que é mais que uma colega é uma amiga, sou muito grata por me dar total atenção,

não há nada que eu precise que você não me atenda, obrigada por me deixar fazer

parte da pesquisa de Fazenda Rio Grande e por acrescentar em minha formação,

você sempre muito dedicada, preocupada e carinhosa, à Fabiana Rodrigues

professora da escola que pesquisei, por me fazer acreditar que vale a pena lutar,

você é guerreira e é o meu exemplo de persistência, à Gercinda funcionária da

escola, por contribuir para esta pesquisa, nossas conversas ampliaram minha visão,

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à minha amiga Rosana Cruz pelas contribuições que trouxe para esta pesquisa e

para minha vida, confia em meu trabalho e dá atenção às minhas considerações e

angústias, nossa amizade não começou aqui e nem terminará. Professora e amiga

Rosilda Borges além de muito inteligente é humilde, aprendi, aprendo e sei que

aprenderei muito contigo! Obrigada por confiar no meu trabalho e por compartilhar

comigo toda sua sabedoria. Agradeço à minha amiga Rita das Dores, tomada por

um encanto impar sua alma irradia alegria e esperança a todos que estão por perto.

Agradeço à minha amiga Patricia Morcoccia, por toda atenção dada, sempre muito

disposta a ajudar, indicou obras que foram fundamentais na construção deste, sua

inteligência contagia. Enfim, estes foram alguns de muitos anjos que passaram pela

minha vida, não foi fácil chegar aqui, mas sem vocês seria impossível!

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Os homens fazem sua própria história, mas não a

fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim

sob aquelas com que se defrontam diretamente,

legadas e transmitidas pelo passado.

Karl Marx

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RESUMO

Esta pesquisa teve como principal objetivo investigar aspectos do currículo das escolas localizadas no campo. Parte de um estudo crítico para delinear o que se entende por educação do campo e as lutas travadas na sociedade brasileira para romper com o projeto de educação rural e efetivar uma educação escolar digna, com qualidade e que considere a formação humana como determinante. O conceito de currículo dialoga com as teorias gerais críticas que contribuíram para compreender que a proposta de sociedade (elencada pela classe dominante) tem relações intrínsecas com a organização curricular, mas que a principal relação da aprendizagem com o currículo é que os encaminhamentos didáticos concluirão os resultados esperados. Destaca a experiência de uma escola Municipal Rural, localizada no Município de Fazenda Rio Grande - Paraná - que conta com a organização curricular multissérie. As obras de autores tais como: Apple Freire, Silva possibilitam uma análise da perspectiva crítica de currículo. Autores como Arroyo, Caldart, Molina, Munarim e Souza com seus estudos contribuem para construção conceitual da luta dos povos do campo que respondem às demandas dos movimentos sociais. Os procedimentos metodológicos centram-se em: análise documental, revisão teórica, observação do ambiente escolar e análise das Diretrizes Curriculares do Campo e do município pesquisado, elaboração de roteiro de entrevista com os pais dos alunos da escola Rural, visando compreender a visão dos próprios sujeitos sobre as peculiaridades da comunidade escolar, para contextualizar a proposta pedagógica e incorporar para dentro do currículo da escola conteúdos da realidade dos alunos. Os resultados apontam que: 1) currículo oculto integra valores ideológicos que materializam uma intencionalidade pré-determinada e que interferem na organização da sociedade de modo conservador, 2) há necessidade de se repensar o currículo (oculto) no contexto do campo, visto a forte presença da ideologia da educação rural, 3) os fundamentos teóricos dão suporte à prática coerente do professor, visto que esta não é neutra, 4) ao confrontar a realidade com os conhecimentos historicamente construídos, permite-se ampliar a visão de mundo do aluno, 5) a diretriz curricular do município atende a lógica da organização seriada e para o contexto urbano, apresenta-se a contradição do trabalho realizado na concepção da educação do campo por parte da professora frente às demandas da educação rural orientadas pelo município, 6) a concepção da educação do campo materializada no currículo escolar possibilita uma formação que humaniza, politiza, emancipa e liberta os sujeitos da aprendizagem, para responderem as provocações sociais de modo crítico e justo.

Palavras-chave: Currículo, Escola Pública, Educação do Campo.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FOTO 1 - PROFESSORA CATARINA COMO CATEQUISTA DA COMUNIDADE ... 63

FOTO 2 - SENADOR ALÔ TICOULAT GUIMARÃES ............................................... 64

FOTO 3 - FOTO DA ESCOLA DO CAMPO SENADOR ALÔ GUIMARÃES ............. 65

FOTO 4 - PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA REELABORAÇÃO DA PROPOSTA

PEDAGÓGICA .......................................................................................................... 70

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - LIMITE DO MUNICÍPIO DE FAZENDA RIO GRANDE ............................. 58

MAPA 2 - ESTADO DO PARANÁ E DIVISAS ........................................................... 58

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO DA ESCOLA RURAL E DA

ESCOLA DO CAMPO ............................................................................................... 21

QUADRO 2 - DOCUMENTOS ORIENTADORES DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

.................................................................................................................................. 40

QUADRO 3 - DADOS DAS MATRÍCULAS REALIZADAS NA ESCOLA ................... 60

QUADRO 4 - RELAÇÃO DE ESCOLAS COM NÚMERO DE

MATRÍCULAS/LOCALIZAÇÃO/SITUAÇÃO DE FUNCIONAMENTO ....................... 60

QUADRO 5 - ENCAMINHAMENTO DO CURRÍCULO OCULTO DENTRO DA

ESCOLA .................................................................................................................... 82

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LISTA DE ABREVIATURAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNB Conselho Nacional do Brasil

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNE Conselho Nacional da Educação

COMEC Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba

EJA Educação de Jovens e Adultos

ENERA Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária

FONEC Fórum Nacional da Educação do Campo

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB Índice do Desenvolvimento da Educação Básica

INEP Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa

IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

LDB Lei de Diretrizes e Bases

MEC Ministério da Educação e Cultura

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

SME Secretaria Municipal de Educação

UFPEL Universidade Federal de Pelotas

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UTP Universidade Tuiuti do Paraná

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13

2 EDUCAÇÃO DO CAMPO DIREITO DO SUJEITO TRABALHADOR ................ 18

2.1 DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS

HISTÓRICAS QUE CONFIGURAM CONCEPÇÕES ANTAGÔNICAS ..................... 18

2.2 ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ............... 31

3 CURRÍCULO ESCOLAR .................................................................................... 43

3.1 CURRÍCULO (OCULTO) ESCOLAR: DEFESA PELAS TEORIAS CRÍTICAS ... 43

3.2 CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA E A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA BASE

IRACI SALETE STROZAK ........................................................................................ 49

4 EXPERIÊNCIA ESCOLA RURAL MUNICIPAL SENADOR ALÔ GUIMARÃES57

4.1 O MUNICÍPIO FAZENDA RIO GRANDE ............................................................ 57

4.2 A COMUNIDADE ................................................................................................ 62

4.3 A ESCOLA .......................................................................................................... 64

5 AFINAL, QUAL A FUNÇÃO SOCIAL DO CURRÍCULO OCULTO? ................. 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 88

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 91

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto da pesquisa realizada na Universidade Tuiuti do Paraná,

no projeto do observatório da educação aprovado no edital 038/2010, do qual a

autora é partícipe como bolsista desde dezembro de 2012. O projeto que iniciou em

2011 e encerrará em dezembro de 2014, tem como título “A realidade das escolas

do campo na região sul do Brasil: com a ênfase na alfabetização e letramento dos

professores”. Este projeto é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES), e é articulado com as universidades UFSC

(Universidade Federal de Santa Catarina), UFPEL (Universidade Federal de Pelotas)

e UTP (Universidade Tuiuti do Paraná) núcleo em rede. A pesquisa envolve seis

escolas de cada estado da região sul, as quais foram selecionadas por terem as

menores notas do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2009.

O trabalho realizado conta com a orientação da professora doutora Maria Antônia de

Souza e equipe de graduandos, mestrandos, doutorandos e professores das escolas

partícipes do projeto.

As pesquisas realizadas no projeto, delineiam a temática do campo sob vários

aspectos: currículo escolar, formação de professores, projeto político pedagógico,

práticas pedagógicas, políticas públicas, letramento, papel do coordenador, entre

outros. Tais temáticas se complementam dentro das discussões em grupo, e

ampliam nossa visão sobre a invisibilidade e a posição em que a educação do

campo se apresenta. Tal situação se encontra, por falta de conhecimento, falta de

acompanhamento, falta emancipação política, falta de criticidade, falta de

possibilidades, que nos remete a pensar que há ausência de muitas coisas e, que

estas questões precisam ser discutidas e reivindicadas, dentro da escola, devendo

aparecer também no currículo.

Como cada bolsista tem um subprojeto de pesquisa, este trabalho de

conclusão de curso que discute a função social do currículo escolar em sua posição

política e ideológica do modelo de sociedade que se tem/quer que também se

articula ao subprojeto de pesquisa que a autora desenvolve junto ao grupo do

observatório.

A temática deste trabalho originou-se com provocações que a autora teve de

duas professoras da graduação. Sobre o currículo sentiu-se desafiada a pensar

sobre toda a educação pessoal que fora realizada em escola pública, a qual não

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permitia pensar, refletir e criticar. Desta forma ao chegar à universidade sua

condição era praticamente de analfabeta funcional; nos momentos de realizar os

trabalhos, sempre queria copiar e não pensar, não percebia a necessidade de

analisar e de se posicionar; os planejamentos sem sentido, professores

desqualificados, descumprimento dos dias letivos, enfim, a autora incorporou o mito

da caverna escrito por Platão1, e percebeu que saiu da caverna, estava no processo

de desacomodação da posição de alienada e percebeu-se enquanto questionadora

das questões sociais. A autora percebeu que a escola tem relações intrínsecas com

o modelo social que temos. Quanto a Educação do Campo, que cursou em caráter

de disciplina eletiva2, até aquele momento nenhum professor havia trazido essa

discussão para a sala de aula, então mais uma vez a autora entendeu que tinha um

novo desafio, para descobrir: Por que essa discussão estava oculta? As respostas

certamente se voltavam para relação com a ideologia e política assim como a

discussão do currículo. Desta forma houve o confronto entre educação do campo e o

currículo.

O objetivo geral desta pesquisa realizada no município de Fazenda Rio

Grande foi identificar os aspectos do currículo oculto presente na educação dos

povos do campo. Os objetivos específicos procuraram nos conceitos históricos e

legais sustentação para os dados encontrados, de modo que possibilite uma

visibilidade ao campo como resultado de uma intencionalidade planejada e que

necessita de questionamento.

A educação de modo geral, sempre teve um aspecto de precariedade, atraso,

desmerecimento e descompromisso por parte do poder público, porém pensamos

que a comunidade campesina sempre sentiu com intensidade os impactos dessa

imparcialidade com seus sujeitos, pois pouca visibilidade/importância se deu para

emancipação desses povos. Segundo Souza “é na tentativa de superar

desigualdades e ampliar a discussão de um projeto de país que as práticas

1 Filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga

2 O currículo que a autora cursou previa essa disciplina no final do curso como eletiva, porém com as

discussões sobre essa temática percebeu-se a importância de elencá-la no currículo atual como disciplina obrigatória. O conteúdo dessa disciplina deve ser trabalhado obrigatoriamente no curso de Pedagogia conforme legislação, porém a Universidade Tuiuti do Paraná é a única Instituição privada no Paraná que contempla como disciplina obrigatória, ademais Instituições que ofertam o curso trabalham o tema dentro do conteúdo programático na perspectiva da diversidade.

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educativas coletivas ficaram conhecidas como educação do campo, em oposição à

educação rural” (SOUZA, 2012, p.753).

Não acreditamos que o campo é inferior ao urbano ou vice-versa, ao

contrário, entendemos esse contexto, como um lugar repleto de significados,

culturas e vidas, que merecem respeito e seus direitos garantidos.

Segundo as diretrizes curriculares da educação do campo do Estado do

Paraná de 2006:

[...] O campo retrata uma diversidade sociocultural, que se dá a partir dos povos que nele habitam: assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por barragens, pequenos proprietários, vileiros rurais, povos das florestas, etnias indígenas, comunidades negras rurais, quilombos, pescadores, ribeirinhos e outros mais. Entre estes, há os que estão vinculados a alguma forma de organização popular, outros não. São diferentes gerações, etnias, gêneros, crenças e diferentes modos de trabalhar, de viver, de se organizar, de resolver os problemas, de lutar, de ver o mundo e de resistir no campo. (PARANÁ, 2006, p. 26-27)

Quando pensa-se no currículo das escolas quilombolas, indígenas,

ribeirinhas, urbanas e rurais, entende-se que todas precisam de análises que

compreendam a totalidade e que estejam preocupados com sua elaboração e os

encaminhamentos que se dão no processo prático (currículo oculto).

No documento Referências para uma Política Nacional de Educação do

Campo elaborado pelo MEC podemos observar que:

Embora os problemas da educação não estejam localizados apenas no meio rural, no campo a situação é mais grave, pois, além de não considerar a realidade socioambiental onde a escola está inserida, esta foi tratada sistematicamente, pelo poder público, com políticas compensatórias, programas e projetos emergenciais e, muitas vezes, ratificou o discurso da cidadania e, portanto, de uma vida digna reduzida aos limites geográficos e culturais da cidade, negando o campo como espaço de vida e de constituição de sujeitos cidadãos (BRASIL, 2004, p.7).

A diversidade social reflete na comunidade escolar do campo, desta forma

acredita-se que o ambiente escolar precisa contemplar a cultura dos sujeitos,

valorizando suas concepções de mundo, mas sempre sistematizando o

conhecimento produzido pela humanidade em busca da emancipação humana.

Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná “Tal diversidade

encontrada nas populações do campo paranaense sinaliza um fato que não pode

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ser deixado de lado: as escolas do campo terão presente no seu interior essa

conflituosa, portanto rica, diversidade sociocultural e política”.(PARANÁ, 2006 p. 27)

Esta pesquisa se torna importante para compreender a função que está se

empregando ao currículo escolar do campo e qual público ele está preocupado em

formar. Também, destaca-se a relevância deste estudo, pois problematiza a forma

como os sujeitos do campo estão se apropriando do conhecimento e qual sentido é

colocado em direção da valorização desta cultura. Enfatiza a necessidade de

discussões sobre as contradições, lutas de classes, trabalho, do que é direito e o

que está sendo cumprido, e das possibilidades (ou não) para que os sujeitos ali

continuem com a autonomia e dignidade de vida.

Será apresentada também a experiência da Escola Municipal Rural Senador

Alô Guimarães, localizada na região metropolitana de Curitiba, Município de

Fazenda Rio Grande, que atende a comunidade Passo Amarelo. Trata-se de uma

escola multisseriada que busca organizar seu currículo de modo a contemplar a sua

realidade. Apresenta-se também o trabalho realizado na escola frente ao

atendimento recebido pela Secretaria Municipal de Educação (SME).

A construção deste trabalho contou com a colaboração dos

pesquisadores/participantes do Observatório da Educação do Campo, concepções

de mundo dos familiares da Escola Rural Senador Alô Guimarães e dos professores

que atuam no campo.

O método escolhido para elaboração desta pesquisa apoia-se no

materialismo histórico, pois, conforme afirma Frigotto “permite uma apreensão

radical (que vai à raiz) da realidade e, enquanto práxis, isto é, unidade de teoria e

prática na busca da transformação e de novas sínteses no plano do conhecimento e

no plano da realidade histórica” (FRIGOTTO, 2000, p. 73).

Entende-se que toda pesquisa deve ter uma intencionalidade e uma ação

efetiva após a organização dos dados, possibilitando melhorias ao objeto de estudo;

desta forma a abordagem quali-quantitativa acontecerá por meio da investigação-

ação levando a ascensão emancipatória e possibilidade de transformação da

condição política dos sujeitos pertencentes à comunidade campesina.

As técnicas utilizadas na pesquisa foram análise documental das Diretrizes da

Educação do Campo (2002 e 2008) e demais documentos que norteiam o currículo

escolar, principalmente os que dialogam com o campo; revisão bibliográfica, pois

apresentará teóricos que discutem as relações estabelecidas e o ideário campesino

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que possibilite a emancipação humana e, por fim a técnica de observação do

contexto da Escola Rural Municipal Senador Alô Guimarães frente às demandas da

Diretriz Curricular do Município de Fazenda Rio Grande.

Para fundamentar este trabalho sobre a temática de Educação do Campo

utilizamos os conceitos centrais de Souza (2011a) (2011b), e Munarim (2008)

quando apresentam a historicidade da educação Rural, os movimentos por uma

educação do campo e a intencionalidade que gerou essa problemática; Arroyo

(2011) que defende as lutas do povo campesino, por uma educação básica do

campo, que nos diz que essa comunidade merece um olhar considerando sua

diversidade; e Caldart (2011) quando fala da “reafirmação dos povos do campo

como sujeitos de seu próprio destino” (CALDART, 2011, p.90).

Souza (2011a) nos releva que a educação rural foi construída com a ideologia

de campo como um lugar de atraso. Porém há contradições em relação à

intencionalidade do Estado para idealizar essa politica de superação de atraso, pois

não foram feitos investimentos para garantir esse direito aos povos do campo.

Sobre currículo trazemos discussões de Apple (1989) quando coloca o

currículo numa posição de poder, e define a concepção de currículo oculto para

compreensão da prática educativa, Silva (2007) que contribui para explicar o

processo histórico do currículo desde as teorias tradicionais às teorias críticas,

entendendo-o como diálogo com o modelo social existente, Freire (1987) que traz a

concepção do sujeito oprimido, da sociedade opressora e a necessidade de

emancipação política; Machado, Campos e Paludo (2008) para explicar a função

social do currículo e das práticas educativas.

O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos principais: no

primeiro será apresentado um histórico sobre a concepção de educação do campo,

sobre as contradições, lutas e movimentos sociais, para se entender o ideário

nacional. No segundo capítulo trabalhou-se sobre o currículo e toda sua ideologia a

partir de uma retrospectiva histórica de como surgiu a concepção crítica e as

possibilidades dos ciclos de formação humana para a uma prática coerente com a

concepção de educação do campo. No terceiro capítulo será apresentada a

experiência da pesquisa realizada na Escola Rural Municipal Senador Alô

Guimarães, juntamente com as dificuldades de se trabalhar uma concepção

coerente dentro de um contexto contraditório. No quarto e último capítulo serão

tratadas as discussões sobre a temática central, trazendo análises críticas dos

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autores que discutem sobre o campo e sobre currículo para fundamentar a função

social do currículo do/no campo.

2 EDUCAÇÃO DO CAMPO DIREITO DO SUJEITO TRABALHADOR

Este capítulo apresenta as duas concepções de ensino presentes no contexto

dos sujeitos do campo, que são a Educação Rural e a Educação do Campo, serão

apresentadas por meio de um breve histórico com reflexões acerca das condições

escolares e a ideologia de cada projeto de escola/sociedade.

Primeiro aborda-se uma discussão acerca da educação rural e educação do

campo apresentando o histórico que resultou em uma concepção de educação do

no campo que considera a emancipação do sujeito trabalhador, depois será

delineado uma discussão sobre as características da educação do campo e por fim

uma análise sobre as normativas da educação do campo.

2.1 DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS

HISTÓRICAS QUE CONFIGURAM CONCEPÇÕES ANTAGÔNICAS

Para iniciar a discussão, é necessário compreender que a educação rural foi

contestada a partir da década de 90 pelos movimentos sociais, que buscavam

qualidade como determinante na educação que era oferecida aos povos do campo,

enquanto a educação rural tinha (tem) como determinante atender uma demanda

contra o analfabetismo “superficialmente” e fixar o homem no campo, ou seja,

educação rural e educação do campo são projetos sociais distintos.

A educação voltada (rural) aos povos do campo sempre esteve associada a

uma situação de descaso com os sujeitos, no sentido da precariedade, do atraso, da

falta de qualidade no ensino, poucos recursos pedagógicos, estrutura física

inadequada ou praticamente inexistente.

Sobre a situação de desigualdade no meio campesino Molina, Montenegro e

Oliveira (2009) apresentam que:

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A partir de uma análise retrospectiva sobre a situação da Educação no país, pode-se constatar uma histórica ausência do Estado na oferta deste Direito no meio rural. Na história brasileira registra-se que a implantação da escola no território rural deu-se tardiamente, e não contou com o suporte necessário do poder público, no seu processo de consolidação, fator que até a atualidade em muito contribui para manutenção de suas fragilidades (MOLINA, MONTENEGRO E OLIVEIRA, 2009, p.20).

Com a contribuição de Souza (2011a) pode-se pontuar os principais

problemas (desiguais) ainda existentes no campo:

A insuficiência e a precariedade das instalações físicas da maioria das escolas; as dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de um sistema adequado de transporte escolar; a falta de professores habilitados e efetivados, o que provoca constante rotatividade; currículo escolar que privilegia uma visão urbana de educação e desenvolvimento; a ausência de assistência pedagógica e supervisão escolar nas escolas rurais; o predomínio de classes multisseriadas com educação de baixa qualidade; a falta de atualização das propostas pedagógicas das escolas rurais; baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distorção idade série;baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores, quando comparados com os dos que atuam na zona urbana; a necessidade de reavaliação das políticas de nucleação das escolas; a implementação de calendário escolar adequado às necessidades do meio rural, que se adapte à característica da clientela, em função dos períodos de safra (SOUZA 2011a, p. 29 apud INEP/MEC 2007, p.8-9).

Frente a isto entende-se que estas condições são caracterizadas como

descaso do Estado em relação às situações vividas pelos povos do campo no que

tange a educação e principalmente a cidadania.

Sobre a educação rural, Souza apresenta que:

Foi construída na primeira metade do século XX, mediante o debate sobre o atraso do Brasil e a relação do subdesenvolvimento com o analfabetismo. Foi organizada a partir dos estudos técnicos e das decisões governamentais a respeito do que era importante para os povos do campo. Logo, o conceito de educação rural tem origem na esfera das políticas governamentais que vão até a segunda metade do século XX (SOUZA, 2011a, p.88).

Para compreender-se o processo histórico e a intencionalidade da educação

rural para aquele momento social, recorre-se a Souza (2011a) para explicar que o

cenário que o país estava vivendo no século XX tinha como objetivo econômico a

industrialização. As intencionalidades do processo capitalista se voltam para as

classes populares por meio da manipulação do Estado na concepção de educação

que as escolas deveriam incorporar para a organização escolar, um exemplo foi

tornar o ensino médio profissionalizante de acordo com a necessidade de cada

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região. Souza revela ainda que “no âmbito da educação rural, praticamente nada era

dito sobre o trabalho rural e sobre a organização das comunidades. Os olhares

estavam voltados para o urbano e para os processos de industrialização” (SOUZA,

2011a, p.24).

Desde a sua origem, a formação voltada às classes populares do campo,

firmou-se em um modelo adaptado da educação urbana. Pontua-se nesse

tratamento o descaso e o demérito dos valores presentes no contexto campesino, e

a posição de inferioridade quando comparado ao ambiente urbano. O espaço rural

apresentava-se (ou podemos dizer que ainda apresenta-se) como um lugar de

atraso “parado no tempo”, e a sua cultura associada a preconceitos, estereótipos e

outras conotações conforme podemos observar nas Diretrizes Curriculares da

Educação do Campo (2006):

[...] As festas juninas fazem uso de roupa rasgada e remendada, dentes estragados, maquiagem exagerada etc; como características dos camponeses, em detrimento da valorização das músicas, das danças e das comidas típicas e da própria origem da festa (PARANÁ, 2006, p. 38).

Essa lógica excludente e preconceituosa se perpetua devido a negação da

cultura dos povos do campo, e a utilização de materiais didáticos que valorizem a

comunidade urbana em detrimento do campo. Segundo as Diretrizes Curriculares da

Educação do Campo (2006) para a superação desta exclusão do camponês dentro

do seu próprio ambiente de convívio social a educação do campo pode trazer:

[...] As características de sociabilidade e de trabalho comunitário presentes nas experiências camponesas. A troca de produtos de consumo básico, as atividades do tipo mutirão, a solidariedade no momento da colheita de determinado produto agrícola (PARANÁ, 2006, p. 38).

Contemplar o vivido pelo aluno faz como que ele se sinta parte das

discussões realizadas na escola, e permite a participação de modo crítico e

significativo, segundo as diretrizes curriculares da educação do campo do estado,

“isso possibilita criar uma identidade sociocultural que eleva o aluno a compreender

o mundo e a transformá-lo”(PARANÁ, 2006, p. 38).

Souza (2011a) apresenta a educação Rural, como uma concepção que

idealiza a fixação do homem no campo, uma educação construída sem os sujeitos

que fazem parte do processo, a utilização de materiais didáticos distantes do

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contexto vivido e uma adaptação deturpada da educação urbana negando a cultura

camponesa.

Com a contribuição de Souza pode-se observar no quadro abaixo a diferença

das características da educação da escola rural e da escola do campo centradas em

três aspectos:

QUADRO 1 - CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO DA ESCOLA RURAL E DA ESCOLA DO CAMPO

Educação da escola rural Educação da escola do campo

O distanciamento entre os conteúdos escolares e a prática social;

Identidade com a sociedade civil organizada e as lutas sociais no campo;

A centralidade em materiais didáticos que valorizam o espaço urbano e ignoram o rural;

Organização do trabalho pedagógico que valoriza trabalho, identidade e cultura dos povos do campo;

Organização do trabalho pedagógico marcado pelo cumprimento de tarefas e de proposições oficiais

Gestão democrática da escola com intensa participação da comunidade

SOUZA, 2011a, p.88- 89.

Percebe-se que a educação rural tem uma ideologia que é desenvolvida sem

os sujeitos do campo, sem levar em consideração o conhecimento que eles trazem,

sem a contextualização do campo enquanto lugar de contradições e disputas de

poder, na concepção da educação rural não se visa emancipação politica e humana.

Nota-se que há desmerecimento a esses povos, se comparados pela organização

urbana, um exemplo é a adaptação dos materiais didáticos oriundos do contexto

urbano (descontextualizado) para que o ensino não seja “atrasado”.

Munarim defende que a questão da incorporação dos aspectos urbanos no

contexto rural tem um caráter hegemônico e ideológico, “razão pela qual a questão

da educação dos povos que vivem no campo recebem pouca atenção ou atenção

enviesada da sociedade e das instituições públicas”(MUNARIM, 2008, p.1).

Os autores Souza (2011b) e Arroyo (2011) apresentam de forma clara a

intenção da luta dos sujeitos do campo por uma identidade valorizada da cultura dos

seus sujeitos.

Souza afirma que:

O que se busca é a transformação da escola rural (voltada para os povos do campo) em escola do campo (pensada/ organizada/ vivida pelos próprios povos do campo). Também não se trata de uma transição da escola rural para a escola do campo, mas de uma transformação que só pode se efetivar por meio da esfera pública que conjuga o interesse da sociedade

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civil organizada, particularmente dos trabalhadores do campo, com os deveres e intenções político-sociais do governo. De outra perspectiva, busca-se uma escola pública que dê visibilidade aos sujeitos que nela estão (SOUZA, 2011b, p. 28).

Arroyo também contribui quando escreve que:

A escola e os saberes escolares são um direito do homem e da mulher do campo, porém esses saberes escolares têm que estar em sintonia com os saberes, os valores, a cultura e a formação que acontecem fora da escola (ARROYO, 2011, p. 78).

A principal função da educação é emancipar politicamente os sujeitos e

permitir uma formação humana. É um direito social e o Estado tem o dever de

assegurar que esse direito básico seja garantido com dignidade, porém, o principio

de que a educação é o dever do Estado, não significa que não haja a necessidade

dos sujeitos se mobilizarem e exigirem qualidade, tanto de ensino quanto de

estrutura e da formação dos professores.

Desta forma Molina, Montenegro e Oliveira (2009) apresentam que:

Como parte da reação àquelas desigualdades educacionais e ao conjunto das privações e ausências do poder público no meio rural, os movimentos sociais e sindicais do campo, organizam-se e protagonizam um processo nacional de luta pela garantia destes direitos, que nacionalmente se reconhece como Educação do Campo. A compreensão de educação contida nas práticas e na elaboração teórica que tem estruturado tal conceito estende-se para muito além da dimensão escolar, reconhecendo e valorizando as diferentes dimensões formativas presentes nos processos de reprodução social nos quais estão envolvidos os sujeitos sociais do campo. Aliada a esta compreensão, parte relevante do movimento da Educação do Campo tem se dado em torno da luta pela redução das intensas desigualdades no âmbito da ausência e da precariedade do direito à educação escolar, nos diferentes níveis, no meio rural (MOLINA, MONTENEGRO E OLIVEIRA, 2009, p. 24).

Paulo Freire (1987) muito contribui com a necessidade da mobilização e

desacomodação, quando apresenta o conceito de educação bancária, que concerne

no ensino em que o professor detentor do saber, “deposita” o conteúdo aos alunos e

“saca” no momento da avaliação exatamente o mesmo que depositou (ou menos),

nesta visão o conhecimento é algo acabado, verdade incontestável, não há

conscientização, contextualização, reflexão, nem tem significado, muito menos a

emancipação política, o aluno é um mero ser passivo que tem a simples função de

memorizar para devolver aquilo que foi “depositado” (o que seria o conteúdo).

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Essa concepção de educação bancária, termo definido por Paulo Freire,

trazido no livro Pedagogia do Oprimido, encontra-se presente em vários contextos

educacionais, inclusive na educação rural. É uma concepção de ensino concebida e

sustentada pela classe dominante, e pelos meios de produção capitalista, que

certamente tem grandes interesses em uma sociedade cada vez menos politizada, e

consequentemente que exija menos os seus direitos, para tornar-se massa de

manobra.

Em discordância desta forma de ensino “bancário” voltado aos povos do

campo, a sociedade civil organizada se mobilizou para exigir a qualidade nas

escolas rurais por meio dos movimentos sociais, que resultou em projetos e políticas

públicas deram visibilidade para os povos do campo, tendo em vista a valorização e

qualidade, sem o demérito com que vinham sofrendo durante décadas. Segundo

Caldart (2004), “a Educação do Campo talvez possa ser considerada uma das

realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que afirma os pobres do

campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório e, por isso mesmo,

educativo” (CALDART 2004, p.14).

Munarim (2008) destaca que a década de 90 é marcada pelo momento

histórico que ele apresenta como “movimento de Educação do Campo” que vem

para trazer a valorização do campo, e da escola no sentido que contextualize as

vivências campesinas, esse movimento surge com a manifestação dos próprios

sujeitos do campo.

A primeira organização social inicia em julho de 1997 com o 1º encontro

Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (1º ENERA), reuniu, a

sociedade civil organizada representada pelo: Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das

Nações Unidas para a Ciência e Cultura (UNESCO) e do Conselho Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB), que tinha por objetivo conceber a educação como

prioridade enraizada com a reforma agrária.

Em 1998, com a Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do

Campo”, realizada em Goiânia, os movimentos sociais demonstraram a insatisfação

com o atendimento escolar que vinham recebendo do Estado, e passaram a exigir

uma educação de qualidade, digna das comunidades que pertenciam, conferência

que definiu a concepção de educação que valorize os povos do campo e que tenha

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como prioridade a qualidade de ensino e de infraestrutura, intitulada “educação do

campo”.

Segundo Munarim essa iniciativa era para:

Valorizar os sujeitos educandos como sujeitos constituídos de identidades próprias e senhores de direitos, tanto de direito à diferença, quanto de direito à igualdade, sujeitos capazes de construir a própria história e, portanto, de definir a educação de que necessitam (MUNARIM, 2008, p.4).

Munarim apresenta de forma clara que os povos do campo têm direitos à

diferença, enquanto organização voltada à sua própria vivência peculiar, quanto

direitos à igualdade tanto na acessibilidade à escola quanto na qualidade da

educação.

Caldart apresenta que:

Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a identidade deste movimento por uma educação do campo é a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o seu direito à educação e a uma educação que seja no e do campo. No: o povo tem o direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais (CALDART, 2011, p. 149-150).

Concordamos com Arroyo, Caldart e Molina quando escrevem que a

Educação do Campo é:

Um movimento de ação, intervenção, reflexão, qualificação que tenta dar organicidade e captar, registrar, explicitar e teorizar sobre os múltiplos significados históricos, políticos e culturais (consequentemente formadores, educativos) da dinâmica em que outras mulheres, outros homens, vêm se conformando no campo. A Educação do Campo traz, então uma grande lição e um grande desafio para o pensamento educacional: entender os processos educativos na diversidade de dimensões que os constituem como processos sociais, políticos e culturais; formadores do ser humano e da própria sociedade (ARROYO,CALDART, MOLINA, 2011, p. 13).

Como características da concepção de educação e de projeto social do

campo, trazemos os escritos de Souza:

Dos Fundamentos1. Vincula-se a uma concepção sociocultural e problematizadora do mundo e da educação. Coloca em evidência a disputa entre dois projetos para o Brasil. O projeto dos povos do campo e o projeto do agronegócio em grande escala. 2. Tem o homem e a mulher como sujeitos da história e da escola. 3. Ideologia da sustentabilidade socioambiental e da transformação do modo de produção capitalista. 4. Movimentos sociais indagam a realidade das escolas rurais. 5. Movimentos

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sociais indagam a gestão e o processo pedagógico. 6. Constituição de uma esfera pública (governos e sociedade civil) para definição de políticas públicas de educação do campo. 7. Articulada a um projeto de campo e um projeto de país. 8. Valorização do trabalho, cultura, educação e identidade.9. Produção coletiva do conhecimento. 10. Preocupação com a formação humana. Educação do campo não se resume à educação escolar. Da construção histórica:1. Papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 1980. 2. ENERA – Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária. 3. I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo 4. PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. 5. Movimento Nacional da Educação do Campo. 6. Práticas Educativas em parcerias: educação básica, ensino médio, educação superior, pós-graduação lato sensu e stricto sensu. 7. Licenciaturas em Educação do Campo. 8. Cursos de Agroecologia. 9. Produção de material bibliográfico. 10. Construção das diretrizes nacionais (2002). 11.Construção das diretrizes complementares (2008) 12. Pacto da Educação do Campo (2010). 13. Nos estados: comitês, fóruns, diretrizes, resoluções, materiais didático pedagógicos. Políticas públicas: Centralidade na construção de uma esfera pública. Demandas vêm dos movimentos sociais. Direção da pauta é dos trabalhadores organizados. Práticas pedagógicas: 1. Planejamento: preocupação com a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico e do planejamento do ensino. 2. Formação continuada de professores. 3. Conteúdos: livros didáticos, demais materiais presentes na escola. Ainda é um desafio, pois se busca um material didático-pedagógico que valorize o trabalho, a cultura, a identidade e a organização dos povos do campo 4. Relação professor-aluno: pretende-se dialógica, mas há um longo caminho a ser percorrido, pois a formação dos professores ainda é bastante tradicional e com pouca atenção à realidade rural do país. 5. Avaliação: pretende-se diagnóstica, crítica e autoavaliação. Criam se ciclos de formação. Busca-se a superação da seriação e da formação disciplinar. 6. Busca-se a efetivação de concursos e superação da rotatividade de professores (SOUZA, 2011a, p. 90-92).

A luta por um projeto emancipador e digno do campo é o reflexo de toda a

mobilização social dos próprios sujeitos. A concepção de educação do campo é o

resultado do trabalho coletivo, dos movimentos sociais enquanto projeto popular e

revolucionário de sociedade. O empenho dos movimentos sociais e a pressão contra

hegemônica possibilitou conquistas importantes para a sua valorização, entretanto

esse projeto de educação e consequentemente de sociedade ainda carece da

visibilidade para sua verdadeira efetivação.

2.2 Características da educação do campo

Para iniciar a discussão sobre as características da educação do campo é

preciso entender que a cultura é um determinante peculiar desses povos, que se

diferenciam enquanto suas relações sociais para sobrevivência do trabalhador no

campo. Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo do Estado do

Paraná (2006):

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O que caracteriza os povos do campo é o jeito peculiar de se relacionarem com a natureza, o trabalho na terra, organização das atividades produtivas, mediante mão-de-obra dos membros da família, cultura, e valores que enfatizam as relações familiares e de vizinhança, que valorizam as festas comunitárias e de celebração da colheita e de vizinhança, o vínculo com uma rotina de trabalho que nem sempre segue o relógio mecânico (PARANÁ, 2006, p. 24).

Segundo as Diretrizes Curriculares para a Educação do Campo as

comunidades do campo podem se dividir categorias organizadas por sua identidade

enquanto vínculo do trabalho com a terra:

[...] Posseiros, bóias-frias, ribeirinhos, ilhéus, atingidos por barragens, assentados, acampados, arrendatários, pequenos proprietários ou colonos ou sitiantes, dependendo da região do Brasil em que estejam – caboclos dos faxinais, comunidades negras rurais, quilombolas e também, as etnias indígenas (PARANÁ, 2006, p. 24-25).

Com relação às organizações coletivas (raiz), segundo as diretrizes

curriculares da educação do campo (2006) “a identidade política coletiva é gerada a

partir da organização das categorias em movimentos sociais, a exemplo do MST,

das etnias indígenas, dos quilombolas, dos atingidos por barragens e daqueles

articulados ao sindicalismo rural combativo” (PARANÁ, 2006, p. 25).

Trabalhar o conceito da educação do campo é considerar o conhecimento e

diversidade como possibilidade de politização, formação humana e principalmente

valorização e ao mesmo tempo contestação do lugar que vivem como determinante

para a superação das desigualdades. Neste sentido as Diretrizes Curriculares da

Educação do Campo (2006) apresentam que:

A educação do campo deve estar vinculada a um projeto de desenvolvimento peculiar aos sujeitos que a concernem. São povos que ao longo da história foram explorados e expulsos do campo, devido a um modelo de agricultura capitalista, cujo agronegócio, os insumos industriais, agrotóxicos, as sementes transgênicas, o desmatamento irresponsável, a pesca predatória, as queimadas de grandes extensões de florestas, a mão-de-obra escrava (PARANÁ, 2006, p.27).

Com a formação voltada para a politização o sujeito constrói possibilidades de

se posicionar frente a condições concretas e exigir melhorias, para os coletivos que

sobrevivem na comunidade, ou seja, a Educação do Campo é entendida não apenas

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dentro da esfera escolar, mas a partir dela, no sentido que permite condições

efetivas de transformar sua realidade.

O ponto de partida para refletir sobre como a Educação do Campo se se

configura é compreender que essa concepção de educação construída e exigida

pelos trabalhadores, foi conquistada por meio da luta dos coletivos do campo, para

questionar as desigualdades fortemente marcantes e ao mesmo tempo invisíveis.

Neste sentido a educação se coloca como um direito e possibilidade de

transformações que foi (e continua sendo) exigida pelos próprios sujeitos. Para

caracterizar essa discussão traz-se Souza (2011b) que escreve:

Tomando como referência a escola como instituição oficial, cuja prática pode ser modificada em função dos sujeitos que a fazem, é possível pensar que os alunos veem na escola a possibilidade de aquisição de conhecimento que elevem seus pensamentos e análises sobre o próprio modo de vida. Que os conhecimentos potencializem processos de transformação, fazendo com que atinjam coletividades ou pessoas em suas singularidades (SOUZA, 2011b, p. 26).

A educação do campo é o resultado de mobilização e contestação dos

próprios trabalhadores do campo, um projeto de formação humana de visibilidade

àqueles que vinham lutando dentro do próprio espaço de sobrevivência, por

dignidade. Esta perspectiva de construção histórica pode e deve ser inclusa dentro

do currículo escolar do campo, pois apresenta o resultado das lutas contra

hegemônicas da sociedade civil organizada para efetivação do direito à educação de

qualidade.

A Educação do Campo é uma concepção de homem e sociedade incorporada

a partir da organização dos movimentos dos trabalhadores rurais sem terra, ou seja,

foi construída pelos próprios sujeitos do campo. Nesta perspectiva Caldart (2004) diz

que:

[...] A Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo e, mais amplamente, com a formação humana. E, sobretudo, trata de construir uma educação do povo do campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele (CALDART, 2004, p.12).

Há grandes desigualdades presentes no campo, há lutas de classes e

também contradições, que são visíveis e perceptíveis para aqueles lá buscam

sobrevivências, conforme podemos observar o que Caldart (2004, p. 13) escreve:

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A Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a própria contradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de origem entre a agricultura capitalista e a Educação do Campo, exatamente porque a primeira sobrevive da exclusão e morte dos camponeses, que são os sujeitos principais da segunda (CALDART, 2004, p. 13).

Essas contradições precisam estar presentes nos encaminhamentos didáticos

dos professores em confronto com os conteúdos. Os alunos percebem as

desigualdades que vivem, mas não tem argumentos críticos de contestar tal

realidade, pois estas precariedades podem parecer “normais”. Neste sentido

concordamos com Souza (2011b) que afirma que:

[...] a questão central é pensar em como a escola pode ter uma organização do trabalho pedagógico que não diminua os conhecimentos a serem desenvolvidos nem os descolem da vida dos sujeitos – os alunos. [...] O trabalho com a educação do campo e a valorização da escola do campo não se reduz à discussão da realidade rural brasileira. A questão é maior: trata-se de conhecer a dúbia realidade do campo no Brasil para compreender os conteúdos dos livros acadêmicos e didáticos e, por sua vez propor atividades e estudos que tenham perspectiva questionadora em relação às contradições que cercam o campo e as lutas pela terra e pela sobrevivência (SOUZA, 2011b, p.26).

A principal interpretação e efetivação da ideologia da Educação do Campo é

que se defende uma educação coerente com a emancipação política, com respeito e

valorização da cultura e da diversidade do campo, no sentido que a educação tem

relação intrínseca com a cidadania.

Segundo Souza (2011b):

O que se busca é a transformação da escola rural (voltada para os povos do campo) em escola do campo (pensada/organizada/vivida pelos próprios povos do campo). Também não se trata de uma aquisição da escola rural para a escola do campo, mas de uma transformação que só pode se efetivar por meio da esfera pública, que conjuga o interesse da sociedade civil organizada, particularmente dos trabalhadores do campo, com os deveres e intenções político-sociais do governo. De outra perspectiva, busca-se uma escola pública que dê visibilidade aos sujeitos que nela estão (SOUZA, 2011b, p. 28).

Traz no cerne da educação uma compreensão concreta da realidade em

confronto com os conteúdos historicamente produzidos. Há visibilidade nesta

concepção de educação, neste sentido nega-se o assistencialismo ou a troca de

favores, pois os povos do campo são sujeitos de direitos e o Estado tem o dever de

garantir a efetivação destes com qualidade.

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Neste sentido a educação do campo contesta a realidade precária e não

incorpora uma posição neutra frente às desigualdades. Não aceita adaptações, mas

caracteriza sua identidade, pois tem condições para isto.

Para compreender a realidade e organizar o trabalho a partir do lugar que

vivem, a Educação do Campo defende que os professores sejam moradores da

própria comunidade escolar, pois estes vivenciam os mesmos paradigmas que os

alunos e podem configurar a escola num ambiente de discussões e organizações

para transformar esta realidade. O professor é o mediador e efetiva a concepção de

Educação do Campo, ele compreende os processos contraditórios substanciais da

comunidade. O professor tem um papel fundamental, é o protagonista da educação.

Não é nele que a concepção de educação do campo responsabiliza os resultados,

mas é com ele que se organiza, para a transformação social. Para que a escola

traduza a realidade vivida pelos alunos e confronte com os conhecimentos

historicamente produzidos é necessário que o professor compreenda essa realidade,

na medida em que essa visibilidade se materialize na formação humana.

O professor deve ter uma formação política e revolucionária, que acredite na

concepção de Educação do Campo e que contribua para a libertação dos sujeitos

oprimidos por meio da emancipação social. É ele quem organiza o planejamento,

currículo e proposta curricular e escolhe quem quer formar.

O planejamento curricular não pode ser neutro e descontextualizado muito

menos adaptado. Traz-se algumas observações dos trabalhos realizados no

Observatório da Educação, Edital 038/2010, que mostram que a maioria dos

professores utiliza como determinante para o planejamento o livro didático, e este

muitas vezes é oriundo da escola urbana e valoriza o contexto vivido do urbano. Em

conversa com a secretária municipal de educação do município de Curiúva, observa-

se que a mesma apresentou que as escolas rurais utilizam o material didático

(apostilas) de um sistema de ensino de Curitiba, construído por assessores

pedagógicos que atendem às demandas do contexto urbano, justificou tal medida:

para que os alunos tenham as mesmas condições de quem estuda na cidade.

Com estas provocações refletimos sobre valorização do currículo (que é

considerado como adaptação do contexto urbano), e da cultura vivida, para

organização dos trabalhos pedagógicos, conforme afirmações que estão dispostas

nas Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (2006):

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A educação para os povos do campo é trabalhada a partir de um currículo essencialmente urbano e, quase sempre, deslocado das necessidades e da realidade do campo. Mesmo as escolas localizadas na cidade têm um currículo e trabalho pedagógico, na maioria das vezes, alienante, que difunde uma cultura burguesa e enciclopédica. [...] A cultura, e os saberes da experiência, a dinâmica do cotidiano dos povos do campo raramente são tomados como referência para o trabalho pedagógico, bem como para organizar o sistema de ensino, a formação de professores e a produção de materiais didáticos (PARANÁ, 2006, p.28).

É neste sentido que a educação do campo defende um trabalho pedagógico

rico de discussões e que atenda a diversidade que está inserida, e principalmente

que inclua a própria comunidade escolar para a construção deste trabalho.

O planejamento coerente incorpora a valorização da cultura destes povos,

para que não se construa uma visão deturpada que o campo é um lugar de atraso

em comparação ao urbano. Enfim, o planejamento permite inquietações e deve

responder as contradições capitalistas no sentido que dê conta principalmente de

instigar os alunos a entenderem a prática correlacionando com a teoria.

A proposta curricular precisa incorporar a concepção da educação do campo

com um sentido de “pertencer aos povos do campo”, deve expressar as lutas

daqueles sujeitos. É organizado em ciclos de formação humana, que respeita o

tempo de vida e entende os conteúdos como algo inacabado, que necessita sempre

de contestação, interrogação e (re) significação por parte dos sujeitos. Deve

proporcionar criticidade, valorização, emancipação, contestação, politização e

principalmente dialogar com a realidade. Como base nisso trazemos Souza que

escreve que:

A proposta curricular está descrita no projeto político-pedagógico decada escola. O currículo revela a concepção de educação predominante na organização do trabalho pedagógico. Tal proposta pode ter vínculo com o Plano Municipal de Educação e com as diretrizes estaduais e nacionais para a educação Básica, e em especial para as escolas do campo (SOUZA, 2011a, p.99).

Desta forma apresenta-se a importância do professor conhecer e estudar as

legislações que permeiam a construção da proposta curricular, e principalmente é

preciso que tenha condições de perceber quais interesses essas normativas

atendem para então construir sua perspectiva de trabalho (concepção que acredita)

ou como aqui se denomina proposta curricular.

Para que os conteúdos tenham sentido, é preciso significá-los. A provocação

do professor, no sentido de possibilitar uma tradução crítica dos conteúdos

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possibilita o entendimento das condições concretas existenciais com que eles vivem.

Desta forma, a função social do currículo/escola ampliam suas esferas de meros

formadores de alunos (neutralidade da realidade), para emancipadores de cidadãos

(questionador da realidade). Aqui menciona-se o currículo oculto presente de forma

subliminar ou não, de modo que interfere no resultado final daquilo que se pretende

ensinar para os alunos.

A educação do campo é uma ideologia de sociedade igualitária, altruísta que

atende aos trabalhadores e exige um lugar mais digno para se viver. Para uma

escola atender às demandas da educação do campo, precisa superar a ideologia da

educação rural. Este processo de (re) conceptualização precisa ser cuidadoso. O

que se tem visto são algumas escolas apenas trocando a nomenclatura, porém

permanecendo com a ideologia rural.

Todas essas propostas defendidas pela concepção de uma educação

humanizadora, coerente com a efetivação da dignidade, que não atenda às

demandas dos processos de produção capitalista, são pautados em uma gestão

democrática que organize todos esses processos educativos numa perspectiva

voltada ao trabalho coletivo que faça o chamamento da comunidade escolar, dos

professores, alunos, pais, secretaria municipal, movimentos sociais. A escola aqui

não é entendida como mais um espaço do campo, e sim a totalidade que interfere e

transforma a realidade, a escola é o lugar de todos e logo, direito de todos.

2.2 ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

A luta por uma Educação do Campo perpassa ainda, o princípio da norma

que a limita ou possibilita. Entende-se dentro deste contexto como ideologia a

legislação educacional voltada à diversidade do campo, que certamente atende aos

interesses da elite.

Essa afirmação ampara-se na contribuição de Souza que apresenta que

“quatro legislações importantes no âmbito educacional, que pouco deram atenção a

educação e as escolas rurais, essas leis são respectivamente as Leis orgânicas dos

anos de 1940, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 4.204/61, a lei 5.692/71 e a LDB

9.394/96” (SOUZA, 2011a, p. 26).

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As leis orgânicas criadas por Gustavo Capanema3 objetivavam a organicidade

e a obrigatoriedade do ensino. Conforme podemos observar nos escritos de Souza,

sobre a organização educacional:

A Lei Orgânica do Ensino Primário, de janeiro de 1946, sob nº. 8.529, instituía a educação primária fundamental, composta pelo ensino primário destinado às crianças de 7 a 12 anos e o ensino primário e supletivo destinado aos adolescentes e adultos (SOUZA, 2011a, p.19).

Importante verificar que o currículo (e não propostas pedagógicas

diversificadas) organizado de modo multissérie, já estava nas discussões das leis

orgânicas, conforme podemos observar:

Nesse período foram criados tipos de estabelecimento de ensino, a saber: 1) Escola isolada: aquela que possuía uma turma e um professor. Ficou conhecida como escola multisseriada. [...] 2) Escolas reunidas: quando a escola tivesse entre duas e quatro turmas e o mesmo número de professores, ou seja, um para cada turma. 3) Grupo escolar: com cinco ou mais turmas, sendo um professor para cada turma. 4) Escola supletiva: a que oferecia ensino supletivo para adultos (SOUZA, 2011a, p.19).

O ensino secundário visava separação da educação das classes populares,

da educação da elite, com a intencionalidade de “formar as elites condutoras do

país” e com a preocupação com a formação da classe operária (educação

profissional/técnica) (SOUZA, 2011a, p.19).

A primeira LDB 4.024 fora aprovada em 1961, que segundo Souza (2011a),

traz em seu “1º artigo os ideais de liberdade e solidariedade humana”, e também

apresenta no 2º artigo a educação como um direito e conclui que os artigos 29º e 30º

“faziam menção à responsabilidade dos municípios com “a chamada” da população

para a matrícula dos filhos nas escolas”. Concordamos com a autora quando

posiciona como um descompromisso do poder público, exigir a matrícula dos filhos,

mas aceitar a exceção caso houvesse insuficiência de escolas, ao invés de investir

nas carentes e precárias escolas presentes no contexto rural.

Segundo Souza (2011a) a lei nº. 5.692 aprovada em 1970 tinha como

intencionalidade “formar mão de obra para o mercado em expansão” (p.23), desta

forma unificou o 1º e 2º graus tornando obrigatória a profissionalização no 2º grau,

3 Ministro da Educação de 1937 a 1945.

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para expandir o processo de industrialização com mão de obra qualificada para o

trabalho.

Segundo Souza (2011a) “no âmbito da educação rural nada era dito sobre o

trabalho rural, sobre a organização das comunidades. Os olhares estavam voltados

para o urbano e para os processos de industrialização” (SOUZA, 2011a, p.24).

Já na LDB nº. 9.394 de 1996 com a ajuda de Souza (2011a), pontuamos que

dois artigos contemplam a diversidade da educação rural, o artigo 28º traz:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

E no artigo 26º que dispõem o currículo enquanto prática diversificada:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996).

A visão voltada para a educação tinha como foco não, a formação humana e

emancipadora, mas sim a mão de obra qualificada para expansão da

industrialização do país. Os documentos legais pouca relevância deram, para os

povos do campo, como pode-se observar na LDB que traz a questão “adaptação” e

não “construção” de propostas pedagógicas voltadas a esses povos.

Com as discussões sobre a temática e a lutas dos coletivos organizados, por

uma educação digna e de qualidade, a Educação do Campo, teve um olhar para sua

peculiaridade, ou pode-se indicar que está recebendo atenção aos poucos por parte

do poder público.

A participação dos movimentos sociais sempre esteve a frente das demandas

do campo, com o intuito de cobrar dos representantes públicos o que é de direito do

sujeito trabalhador do campo, por meio de políticas públicas. Apresenta-se uma

síntese dos apontamentos vindos dos movimentos sociais que foram discutidos em

conferências, simpósios e fóruns que articulou a participação do Estado, sociedade

civil organizada e academia, dentre eles a Conferência de Porto Barreiro, o Simpósio

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em Faxinal do Céu, a articulação em Candói e o Fórum Nacional de Educação do

Campo (FONEC) que resultou em um relatório síntese das conclusões e

proposições das demandas do campo.

Em novembro de 2000 foi elaborada uma carta que apontou os aspectos

discutidos na II Conferência por uma Educação Básica do Campo, em Porto Barreiro

município do Paraná. Esta conferência contou com a participação de dirigentes

públicos (Prefeitura Municipal de Porto Barreiro-PR, Prefeitura Municipal de

Francisco Beltrão-PR), educadores do campo, representantes das universidades

(Setor de Educação da UFPR, Departamento de Serviço Social da UEL,

UNICENTRO e UNIOSTE) e movimentos sociais (APEART, ASSESOAR, CRABI,

CPT, CRESOL-BASER, CUT, DESER, Articulação Paranaense “Por uma Educação

do Campo” e MST).

A intenção desta conferência foi discutir sobre o trabalho pedagógico

realizado no campo que logo foi direciona para a discussão da precariedade das

politicas públicas que eram voltadas aos povos do campo (educação rural) e a

desigualdade presente no contexto do sujeito trabalhador. Nesta discussão foi

identificado que o Estado do Paraná conta com uma riqueza agrária impar, mas que

a intencionalidade da classe dominante configurava-se num impedimento para

efetivação da reforma agrária, pois favorecia (ainda favorece) o agronegócio em

detrimento da agricultura.

A carta apresenta que faltavam políticas públicas que possibilitassem a

efetivação de um projeto coerente de campo, e que na ausência dessas políticas

foram incorporadas experiências para dar conta das demandas deste contexto,

assim, o engajamento dos educadores partiu do pressuposto que “em todas as

experiências discutidas no encontro havia um compromisso em comum: a

valorização do Desenvolvimento Humano, essencial para a consolidação do Projeto

Popular para a nação brasileira” (PORTO BARREIRO, 2000).

Os próprios educadores estabeleceram algumas metas que foram apontadas

como compromisso dos educadores para a construção de um projeto de campo

dentre os quais apresentamos5 itens que dialogam com currículo, a saber:

1)Trabalhar, em todas as instâncias, a construção de um Projeto Popular para o Brasil; 2) Trabalhar a educação na perspectiva da elaboração de um Projeto Popular de Desenvolvimento para o campo; 3) Fomentar pesquisas sobre as novas práticas pedagógicas que estamos desenvolvendo nos diferentes níveis de ensino no campo, bem como, sobre as experiências

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comunitárias de organização social, política econômica, cultural e ambiental; 4) Criar inúmeras oportunidades de formação e reflexão sobre a importância dos Valores Humanos para a construção do Projeto Popular para o Brasil; 5) Priorizar e incentivar os estudos, as leituras, as reflexões para promover os conhecimentos científicos e culturais: patrimônios da humanidade (PORTO BARREIRO, 2000).

Esses apontamentos mostram que o compromisso estabelecido nesse

encontro indicava a necessidade de uma ruptura nos encaminhamentos voltados

(concepção rural) aos povos do campo, a principal constatação é que a

intencionalidade do Estado impedia a efetivação de um projeto do campo e que a

discussão coletiva possibilitou visibilidade dessas problemáticas.

Os compromissos assinados na carta de Porto Barreiro consideram a

formação humana como determinante para a organização da escola e a intenção

desta formação é pensada como um projeto de cidadania. Embora os movimentos

sociais estivessem a frente do Estado para as discussões sobre a escola, nesse

período não havia documentos legais que amparassem os professores na

organização do trabalho pedagógico do campo e do currículo, a concepção de

educação do campo ainda era muito recente (1998), assim a troca de experiências

se apresentava como possibilidade para amparar os educadores.

A importância considerada nesse encontro em ampliar os estudos e leituras

tem grande impacto nos encaminhamentos didáticos do professor e logo indicam a

ideologia do currículo oculto, pois o professor tendo condições de se apropriar dos

conhecimentos historicamente produzidos e principalmente refletir sobre ele, poderia

confronta-los em sala de aula com a realidade do aluno, resultando em uma

aprendizagem significativa, ou seja, o professor se tornando emancipado, quer dizer,

ao ter propriedade para colocar os conteúdos curriculares numa dinâmica dialética,

terá condições de emancipar os alunos.

Outra organização vinda dos movimentos sociais foi o VI Simpósio Estadual

da Educação Campo realizado em Faxinal do Céu no Estado do Paraná em abril de

2010 que contou com a participação de representantes do Estado, educadores, e

movimentos sociais. Apresenta-se na íntegra os Objetivos do encontro, retirados da

carta:

(1) Fortalecer uma rede de ações e relações político-pedagógicas entre Escolas Públicas Estaduais do Campo, Instituições de Ensino Superior e Movimentos Sociais; (2) Consolidar a Implementação das Diretrizes Operacionais Nacionais e as Diretrizes Curriculares Estaduais da Educação do Campo; (3) Consolidar com gestores e educadores das escolas

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estaduais, representantes das Instituições de Ensino Superior e dos Movimentos Sociais os princípios e concepções que fundamentam a identidade da Escola do Campo; (4) Contribuir no debate sobre o papel da Escola Pública do Campo no processo de Desenvolvimento Rural Sustentável (FAXINAL DO CÉU, 2010).

Dentro da discussão foi possível perceber os avanços que a Educação do

Campo conquistou sob o aspecto curricular, que foram indicados no encontro, como

a implementação da diretriz curricular da educação do campo do estado do Paraná

de 2006, a criação de cursos de licenciaturas em Educação do Campo e elaboração

e implementação de projetos políticos pedagógicos de algumas escolas que

contemplam a concepção de educação do campo como foi apontado na carta: o

Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Iraci Salete Stroczak (organizado

por Ciclos de Formação Humana); a Proposta Pedagógica do Programa ProJovem

Campo Saberes da Terra (Organizado por área do conhecimento); o Projeto Político-

Pedagógico das Escolas das Ilhas do Litoral Paranaense (Organizado por área do

conhecimento); Proposta Pedagógica Quilombola (Organizado por área do

conhecimento).

A Diretriz Curricular do Estado do Paraná constitui um norte ao trabalho dos

professores do Campo no sentido que presta um direcionamento para a organização

pedagógica peculiar dos povos do campo, orienta as temáticas e como trabalha-las

dentro de um contexto rico de diversidade cultural. A abertura de cursos de

Licenciatura do Campo aponta que as discussões do campo adentrou a academia e

indica um favorecimento à construção do trabalho pedagógico voltado à sua

peculiaridade. O projeto político pedagógico com intencionalidade voltada às

demandas do campo é outro indício de melhorias no campo, pois entende que as

lutas organizadas pela sociedade civil são válidas para a transformação da

sociedade, vale destacar que o projeto político pedagógico da Escola Estadual Iraci

Salete Strozak contempla a efetivação das escolas Itinerantes 4 , e garante a

educação como direito básico à cidadania, aos trabalhadores do campo, que lutam

pela reforma agrária.

Como aspectos a serem superados no âmbito do currículo, podemos destacar

sete itens do que foi discutido e sistematizado na carta:

4 A escola Itinerante está presente nos assentamentos, favorecendo o acesso dos alunos (filhos dos

trabalhadores do campo) à escola.

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1)Integrar as experiências socioculturais dos educandos(as) ao Currículo, ao Projeto Político-Pedagógico e as práticas educativas que são organizadas a partir destes nas Escolas do Campo; 2) Repensar o programa Escola Ativa do MEC (Escolas Multisseriadas) na perspectiva da Educação do Campo e uma política de normatização nos sistemas estadual e municipais de educação, o que na perspectiva política significa manter e qualificar as escolas no e do campo, e no aspecto pedagógico superar a seriação e caminhar para os Ciclos de Formação; 3) Traçar estratégias para garantir a participação da Comunidade na Escola, através de mutirões, projetos, entre outros; 4) Construção dos projetos políticos pedagógicos com a comunidade escolar, tornando-o um instrumento de identidade, dinâmico e de intervenção a partir dos fundamentos e concepções da Escola do Campo; 5) Trazer a comunidade para participar da gestão na construção dos referenciais de projetos de vida (trabalho, cultura, valores, conhecimento); 6) Assegurar o papel do pedagogo/a da escola como mediador entre a comunidade e a escola, entre as áreas do conhecimento, entre o pensado e vivido do currículo e a concepção da escola; 7) Encontrar possibilidades de rever ou retomar a discussão da LDB sobre os 200 dias letivos para a realidade das Escolas do Campo, propondo a elaboração de calendários escolares adequados à realidade vivida pela comunidade escolar, considerando os períodos de safras, colheitas, plantios, respeitando as 800 horas, porém revendo a forma de trabalhar os dias letivos (200), aproveitando as experiências da alternância, tempo escola, tempo comunidade e tempos educativos entre outros. Isso possibilitaria caminhar para a implementação da escola integral na perspectiva da Educação do Campo (FAXINAL DO CÉU, 2010).

Considerar o currículo como construção dialógica do que é vivido no campo

com os conteúdos historicamente produzidos é dar condições do aluno responder e

questionar a realidade buscando argumentos legais para exigir melhorias sociais,

desta forma os itens acima indicam análises que precisam ser lapidadas no chão da

escola para constituir o projeto de educação do campo.

O item 2 da carta que fora apontado neste trabalho dialoga com a realidade

das escolas multisseriadas, e apresenta que há necessidade de se discutir sobre os

ciclos de formação humana para a superação da organização seriada. O contexto

multissérie é a realidade de muitas escolas do campo e as formações para essa

especificidade são frágeis e antagônicas à sua essência, pois normalmente é

orientado para adaptação da organização seriada.

O chamamento da comunidade para as discussões da escola é um

determinante para a efetivação de um projeto político pedagógico, esta consideração

é apontada como questão a ser superada, o que dialoga com a lógica deste

trabalho, pois considera o currículo além dos muros da escola. E principalmente dar

as mesmas condições legais de funcionamento que estão previstas na LDB às

escolas do Campo, de modo que atenda as peculiaridades do tempo e espaço, mas

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que atenda às determinações mínimas exigidas pela lei, é compreender a

diversidade como possibilidade para a organização do trabalho pedagógico.

Em Candói, município do Paraná em agosto de 2013, foi realizada uma

articulação "para refletir sobre a atual conjuntura do campo e da Educação do

Campo, comprometidos com a classe trabalhadora na perspectiva de sua

emancipação" (trecho retirado da própria carta de Candói), o evento reuniu

educadores, movimentos sociais, representantes de Universidades e representantes

do Estado para as discussões sobre a educação do campo. O encontro foi

organizado após 13 anos da Conferência em Porto Barreiro, pela Articulação

Paranaense “Por uma Educação do Campo”.

Pode-se pontuar alguns itens destacados da carta que indicam os

compromissos frente às demandas da educação do campo no que tange o currículo

escolar:

1) Elaborar e construir propostas pedagógicas e materiais voltados às especificidades do campo (com a participação dos professores do campo e especialistas em educação do campo), articulando-as às Universidades e órgãos de financiamento; 2) Colocar a Escola do campo a serviço da transformação social, assumindo o desafio pedagógico de construção de propostas que incluam e promovam os saberes locais, a identidade, a memória, a história da comunidade; 3) Reunir e sistematizar as experiências do campo produzidas no estado, organizá-las, socializá-las e potencializá-las.4) Ofertar cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas, incluindo nos seus currículos o estudo sobre as modalidades, como EJA e Educação Especial, na perspectiva da concepção da Educação do Campo; 5) Garantir materiais didáticos para os educandos (as) do campo, por área e/ou disciplinas construídos pelos setores das universidades que pesquisam a Educação do Campo, em conjunto com os educadores (as) estaduais, municipais e das organizações e movimentos sociais do campo; 6) Criar uma coordenação da Educação do Campo, nas secretarias municipais de educação; 7) Exigir o fim do programa Agrinho, pois, não atende às necessidades das escolas do campo, bem como, não se relaciona com os sujeitos que vivem nas comunidades camponesas; 8) Promover a valorização da Educação do Campo junto à sociedade e à comunidade do campo por meio de campanha e ações midiáticas oficiais; 9) Construir práticas pedagógicas em espaços educativos do campo na perspectiva da emancipação humana; 10) Criar cursos técnicos que atendam às necessidades do campo (CANDÓI, 2013).

As discussões presentes no encontro de Candói demonstram que

preocupação com o currículo (oculto ou não) obteve maior relevância no dialogo da

educação do campo, indícios disso é a intenção de valorizar os sujeitos do campo

nas campanhas midiáticas oficiais, constituindo assim a importância e o

reconhecimento do campo junto á sociedade.

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Percebe-se que há preocupação em fomentar práticas que orientem o

trabalho pedagógico voltado ao campo, como a inclusão de estudos sobre as

modalidades da EJA (por exemplo) nos currículos de cursos de Licenciatura. Outra

questão relevante para orientar o trabalho pedagógico no campo é a criação de

coordenação do campo em cada município para viabilizar o trabalho dos professores

que atuam no campo, que hoje conta com um atendimento frágil e adaptado da

visão urbana.

No encaminhamento do currículo, foi apontado a necessidade de elaborar um

material didático coletivo (educadores, pesquisadores das universidades que

estudam a Educação do Campo e movimentos sociais do campo), organizado por

área e ou disciplinas, e a extinção do material “Agrinho”, que tem ideologias

contrárias da defendida na concepção da Educação do Campo. Esta preocupação é

expressiva para a prática do professor, pois muitas vezes, o “Agrinho” chega nas

escolas, como uma ferramenta para se trabalhar a realidade do campo e incorpora

a ideologia do agronegócio no encaminhamento do currículo oculto o que fomenta

concepção da educação rural na prática do professor.

O FONEC (Fórum Nacional da Educação do Campo) realizou uma oficina de

Planejamento sobre as atividades que estariam em pauta para encaminhamento das

demandas do campo para 2013 a 2014, foi realizada em julho de 2013 e contou com

a participação de representantes de 20 estados do país, entre movimentos sociais,

educadores, representantes das universidades e dirigentes públicos para dialogar

sobre as problemáticas do campo numa perspectiva dos limites e possibilidades.

Pontua-se como discussão sobre Currículo alguns itens que foram escritos no

relatório síntese final, a saber:

1) Pautar urgentemente a discussão a respeito das Diretrizes Curriculares das Licenciaturas no CNE; 2) Reafirmar a importância da formação técnico profissional com currículo integrado. E que essa perspectiva se desenvolva nos Institutos Federais, com expansão até a universalização da oferta aos agricultores familiares camponeses; 3) Referente ao livro didático, especificamente: tanto na intenção e no método de sua produção, quanto, e principalmente, no seu uso, ainda é um instrumento visto como sinônimo de currículo; 4) Não há como conceber um material (livro) único, de alta tiragem, que seja consenso nacional. Talvez, a regionalização/contextualização da produção seria alternativa melhor (FONEC, 2013).

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Como já pontuada nos demais eventos, a função social de considerar a

concepção de Educação do Campo no currículo das Licenciaturas favorece o

trabalho contextualizado na perspectiva da realidade dos sujeitos do campo. No

relatório síntese foi indicada uma crítica ao PRONATEC CAMPO, pois há uma

intencionalidade contrária à concepção de educação defendida, a função social

deste programa é voltada ao trabalho tecnicista sem a contextualização histórica do

que representa a luta do sujeito trabalhador do campo, assim é considerada a

importância de se encaminhar um currículo integrado e dos Institutos Federais

incorporarem a responsabilidade para viabilizar essas demandas.

Outra questão discutida no FONEC refere-se à utilização e organização do

material didático, como foi colocado no relatório síntese, a intenção da produção e

do método do livro didático que volta-se para servir de instrumento do currículo, é

uma visão equivocada e diminuída do sentido e da função social que o currículo tem,

muitas vezes o planejamento do professor parte dos conteúdos que estão livro

didático que são descontextualizados da realidade do campo, fomentando um

demérito à cultura camponesa. E por fim é proposto ir além de um único material

didático (livro), e considerar a regionalização - contextualização da produção, para

conseguir atingir o objetivo didático do material. Percebe-se a relevância coerente

em pontuar o recurso depois que se tenha estabelecido os objetivos da aula e não

ao contrário.

O trabalho da sociedade civil organizada impulsionou as demandas públicas

para que hoje se tenha documentos orientadores das práticas pedagógicas a fim de

que norteie o trabalho do professor com a concepção de educação do campo, com a

colaboração dos escritos de Souza (2011a), organizou-se no decorrer do quadro

cada documento e seu assunto que se torna relevante para os povos do campo:

QUADRO 2 - DOCUMENTOS ORIENTADORES DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Documento

Trata sobre:

Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002.

Neste documento, estão presentes orientações sobre as peculiaridades do campo e sua organização curricular. É relevante que a inserção da definição da identidade dos povos do campo muito contribui para a valorização do contexto e dos sujeitos.

Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008. Essa resolução contempla diretrizes complementares, para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação

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Básica do Campo.

PACTO para o desenvolvimento da Educação do Campo.

Versa sobre compromissos do poder público para com os povos do campo. A saber: 1) Ampliação da oferta da Educação Básica, 2) Formação inicial dos profissionais da Educação do Campo, 3) Formação continuada. Esses pontos foram discutidos na conferência Por Uma Educação Básica do Campo. Segundo Souza, “trata-se de um compromisso “interinstitucional partilhado entre Ministério da Educação (MEC), o conselho de secretários de Estado da Educação (CONSED) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME)”, de modo como está explícito na versão preliminar do documento, datado de julho de 2009” (SOUZA, 2011a, p.64)

Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Em seu primeiro artigo, traz a questão da ampliação e qualificação da educação básica e superior aos sujeitos do campo. Dispõe sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) segundo Souza, “como um programa intensificador dos processos de formação profissional e técnica entre os povos do campo” (SOUZA, 2011a, p.69).

Diretrizes Curriculares da Educação do Campo do Estado do Paraná de 2006.

Possibilita ao professor que reorganize as práticas realizadas em sala de aula, de modo que contemple as contradições presentes no campo, por meio de quatro eixos temáticos a saber: 1) Trabalho: divisão social e territorial, 2) Cultura e identidade, 3) Interdependência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável, 4) Organização política, movimentos sociais e cidadania. Concebe concepções metodológicas para o professor.

FONTE: Elaborado pela autora, 2014.

Pode-se observar que com as luta foi possível avançar as discussões para a

sistematização de normas que dessem visibilidade aos povos do campo. Essas

normativas não significam que a educação do campo esteja coerente com a lei,

muito tem se discutido sobre a precariedade que ainda permanecem. O que nos

remete é que a falta de informação, sobre as normas e sobre as peculiaridades do

campo empobrecem as escolas do campo.

A discussão de Educação do Campo é reduzida ao diálogo da diversidade,

não há contextualização histórica e legal sobre essa concepção, o que resulta na

falta de conhecimento de muitos profissionais que estão a frente das secretarias de

educação, deixando a desejar na orientação e a efetivação da Educação do Campo

coerente com qualidade na infraestrutura (condição básica para a aprendizagem),

mas principalmente qualidade no trabalho pedagógico que contextualize a vida dos

sujeitos.

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Frente às discussões trazidas neste capítulo, percebe-se a importância de

refletir sobre o que se ensina? Para quem? E como? É a partir de um ensaio sobre a

própria prática que será construído um projeto de Educação coerente com a

realidade do campo.

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3 CURRÍCULO ESCOLAR

O segundo capítulo apresenta o currículo escolar em sua posição política e

ideológica para a transformação da sociedade. Inicia fazendo uma análise sob as

teorias críticas mais gerais do que as propriamente voltadas a discussão de

currículo, mas que contribuem de forma efetiva para análise da perspectiva

conservadora e crítica de educação, a segunda defendida pela concepção de

educação do campo. Para uma análise mais concreta da realidade do campo,

dialoga com os documentos legais que orientam o trabalho dos protagonistas desta

prática.

Após essa discussão fazemos uma relação entre a proposta de organização

curricular por ciclos de aprendizagem e traz-se a experiência da Escola Estadual

Iraci Salete Strozak, para defender um currículo organizado para a especificidade

dos sujeitos da aprendizagem e que tenha como princípio a formação humana.

3.1 CURRÍCULO (OCULTO) ESCOLAR: DEFESA PELAS TEORIAS CRÍTICAS

O currículo tem a função de apresentar de forma sistematizada alguém ou

algo, colocar os caminhos percorridos e os objetivos a serem alcançados. O

currículo escolar é um documento de identidade que apresentará a escola e a

comunidade, mas principalmente possibilitará ou limitará a transformação dos

sujeitos da ação deste currículo. Na escola a função social do currículo se

estabelece na posição que a escola está se colocando, onde espera chegar e na

importância da formação dos sujeitos que ali buscam conhecimento.

É relevante para a escola e sua comunidade que o currículo escolar leve em

consideração a sua realidade e valorize o contexto dos que pertencem a ela. Nesse

sentido defende-se que é dentro do currículo que serão colocados os limites e

possibilidades da comunidade e o norte que a escola segue para efetivar o principal

objetivo que é tornar seus alunos autônomos, conhecedores e transformadores do

meio onde vivem.

Ao iniciar a temática do currículo é necessário compreender que o currículo

aqui defendido, não se reduz ao simples fato de organizar as disciplinas oferecidas

pela escola, nem tampouco ao conteúdo programático, ou seja, a definição de cada

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disciplina, mas procurou-se ir além dessa perspectiva para contemplar a intenção

que o currículo tem para a construção social dos sujeitos da ação desse currículo e

as práticas pedagógicas que diferenciam a abordagem dos conteúdos.

Para dialogar com as teorias mais gerais, mas que de alguma maneira

discutem o currículo, embasou-se na obra de Silva (2007), pois permite

compreender de forma sistematizada a caminhada histórica do currículo até as

teorias críticas na qual traz provocações sobre a ideologia presente em cada teoria e

os projetos de sociedade que se pretendiam. Ao entender a escola como resultado

de uma ideologia pré-determinada, concorda-se com Souza et al (2008) quando

escrevem que “a escola que conhecemos é resultado de um processo histórico que

foi instituído pela sociedade para cumprir determinadas funções. Por isso, não é

possível compreender a escola sem antes compreender a sociedade” (SOUZA et al,

2008, p. 45).

Segundo Silva (2007) nos anos de 1960, em meio a intensas manifestações

internacionais iniciam-se os movimentos a favor de uma nova sociedade, e nesse

período de fortes transformações sociais surgiram pensamentos que confrontavam o

que estava sendo trabalhado na época; transformar o currículo foi uma importante

decisão, para a construção de uma nova sociedade.

Para Silva (2007) esse movimento de transformações para, os

estadunidenses corresponde ao “movimento de reconceptualização”, e para os

ingleses a “nova sociologia da educação”. As contribuições destas teorias permitiram

uma crítica à concepção do modelo de currículo tradicional, o qual estava atrelado

ao modelo de sociedade existente, para dar início a uma nova tendência. A

diferença entre as teorias tradicionais e críticas é que enquanto a tradicional tem um

caráter de aceitação, adaptação, ajuste, a critica traz indagação, questionamento,

transformação e revolução.

Apple (1989) estudioso de currículo possibilita uma análise relacional, entre a

aplicação das teorias tradicionais frente às demandas econômicas voltadas ao

mercado de trabalho e aponta:

Um método “neutro” significava nossa própria neutralidade, ou assim nos parecia. O fato de que os métodos que empregávamos tinham suas raízes nas tentativas da indústria para controlar os trabalhadores e aumentar a produtividade, nos movimentos da eugenia popular e em grupos com interesses particulares de classe, era obscurecido pela carência extrema de uma visão histórica na área. [...] Embora um certo número de tradições

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alternativas continuasse tentando manter viva esse tipo de questão política, de modo geral a fé na inerente neutralidade de nossas instituições, no conhecimento ensinado e em nossos métodos e ações, servia de forma ideal para ajudar a legitimar as bases estruturais da desigualdade (APPLE, 1989, p.29).

Percebe-se assim que na concepção de educação rural há relações

intrínsecas com a teoria tradicional de currículo, enquanto a Educação do Campo

tem enraizada na sua concepção as vertentes críticas das teorias no sentido de

questionar a anterior.

Nesse pensamento voltamos ao modelo de organização curricular pensado

aos povos do campo que sempre se reduziam em adaptar ao projeto do urbano, de

aceitar os conteúdos descontextualizados sem conceber a educação como função

politizadora e questionadora de sociedade. A teoria tradicional está apoiada na

perspectiva da educação rural, eleita pela hegemonia para que seja destinada à

classe popular, enquanto a teoria crítica é voltada à classe dominante.

Há necessidade de realizar uma análise das teorias críticas mais gerais do

que aquelas propriamente curriculares, mas que de certa forma tem relações diretas

na organização do currículo e de seu sentido ideológico. Para tanto, observamos na

obra de Silva (2007) e destaca-se a ideologia de cada teoria.

Começando pelas teorias críticas clássicas, destaca-se o filósofo francês

Louis Althusser, que elaborou um famoso ensaio, “A ideologia e os aparelhos

ideológicos de Estado”, conforme pode-se observar:

Ele faz uma conexão entre educação e ideologia que seria central às subsequentes teorizações criticas da educação e do currículo baseadas na análise marxista da sociedade. [...] A permanência da sociedade capitalista depende da reprodução de seus componentes propriamente econômicos (força de trabalho, meios de produção) e da reprodução de seus componentes ideológicos (SILVA, 2007, p. 31).

Silva (2007, p. 31) afirma que para Althusser, além de instituições que

garantem a não oposição do modelo social imposto pela hegemonia, os aparelhos

repressivos (polícia), e os aparelhos ideológicos (estado, religião, mídia, escola e

família), tornam o modo de vida aceitável, bom e desejável. Desta forma, a escola

está no centro dos aparelhos ideológicos, pois atinge quase toda a população por

um longo tempo.

Segundo Apple (1989):

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[...] Como um aparelho do estado as escolas exercem papéis importantes na criação das condições necessárias para a acumulação de capital (elas ordenam, selecionam e certificam um corpo discente hierarquicamente organizado) e para a legitimação (elas mantêm uma ideologia meritocrática imprecisa e, portanto, legitimam as formas ideológicas necessárias para a recriação da desigualdade) (Apple, 1989, p.31).

Este processo ideológico é incorporado por meio do currículo:

Através das matérias mais suscetíveis ao transporte de crenças explicitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História, Geografia, ou de forma mais indireta, através de disciplinas mais “técnicas”, como ciências e matemática. [...] A ideologia atua de forma discriminatória: inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e controlar. Essa diferenciação é garantida pelos mecanismos seletivos que fazem com que as crianças das classes dominadas sejam expelidas da escola antes de chegarem àqueles níveis onde se aprende os hábitos e habilidades próprios das classes dominantes(SILVA, 2007, p. 32).

Segundo Silva (2007) para Althusser, ao “transmitir” por meio das disciplinas

a crença de que a organização da sociedade é boa e desejável, reforça o modo de

dominação capitalista, fortalecendo a desigualdade e alienação social. Acrescenta-

se ainda que esta forma de abordagem pedagógica acomoda os sujeitos, tornando

uma sociedade neutra diante da desigualdade.

Bowles e Gintis, citados pela obra de Silva (2007), apresentam o “conceito de

correspondência para estabelecer a natureza da conexão entre escola e produção”.

(SILVA, 2007, p. 32) Para os autores há uma reprodução do local de trabalho para a

escola, e os alunos são ensinados através das relações sociais, as atitudes para ser

um bom trabalhador dentro do modelo capitalista. Porém, há diferenciação no modo

de ensinar, pois os alunos da classe dominada são treinados a obedecer ordens, ter

pontualidade, assiduidade, confiabilidade e o aluno da classe dominante, aprende a

comandar, pensar estrategicamente e de forma autônoma, porém os dois serão

futuros trabalhadores. Para o sistema capitalista esse modelo de ensino garante

seus trabalhadores. (SILVA, 2007, p.32).

Para Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, citados por Silva (2007), a

crítica da escola capitalista estava associada à reprodução cultural. Para eles a

economia funciona como uma cultura, e utilizam o conceito “capital cultural”. Silva

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aponta que “para Bourdieu e Passeron, a dinâmica da reprodução social está

centrada nos processos de reprodução cultural. É através da reprodução da cultura

dominante que a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida” (SILVA, 2007,

p.34).

A cultura da classe dominante condiz como a cultura do prestigio, quem a

possui obtém vantagens, fortalecendo o capitalismo. Silva (2007) apresenta dentro

da teoria de Bourdieu e Passeron que nesse aspecto a escola permanece nessa

dinâmica, uma vez que reproduz a cultura da classe dominante para dentro da

escola da classe dominada. Entretanto, para a classe dominante que tem um

convívio social desde cedo com essa cultura, se torna fácil à compreensão,

enquanto do outro lado para a classe dominada que não teve provocações

anteriores esta se apresenta de maneira indecifrável e incompreensível.

Desta forma, o acesso aos estudos superiores serve-se aos alunos das

classes dominantes, pois estes têm condições arbitrarias de lidar com as

dificuldades propostas no decorrer de seus estudos e de sua vida social. De outro,

lado os jovens das classes dominadas ficam pelo caminho e não conseguem

acompanhar.

Essas discussões e relações da escola frente às demandas da sociedade

possibilitaram visibilidade da estrutura educacional, e conquistaram um lugar nas

discussões teóricas. Consideramos este resultado como um avanço, pois iniciou

uma nova vertente (crítica), que analisou e encontrou “entrelinhas” nas teorias que

se aplicavam dentro da educação e favoreciam um sistema desigual. Com os

questionamentos feitos nessa época, pudemos direcionar nosso olhar para o

currículo além de sua organização de disciplinas elencadas em uma grade, mas

para sua face oculta, quer dizer, no modo como essa aprendizagem se efetiva por

meio do encaminhamento didático, entendendo-o como determinante no reflexo da

sociedade desejada/manipulada.

A luta por um projeto revolucionário ao sujeito do contexto campesino é

desenvolvida por vários pontos que resultam na concepção de Educação do Campo,

e o currículo é um determinante que necessita de um olhar crítico. No Caderno do

ano VIII nº 1 da Escola Itinerante do MST, que traz histórias, projetos e experiências

de luta pela educação de qualidade aos povos do campo podemos observar o que o

currículo significa:

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O currículo procura responder as perguntas inquietantes e latentes que surgem, tais como: o que ensinar e aprender? Como fazer isso? Quando é o momento? Como, por que, com quem e quando avaliar? Como planejar? As respostas não estão prontas e não se encontram somente no currículo, mas no projeto de sociedade que estamos dispostos a construir – uma sociedade socialista (MST, 2008, p. 27).

Percebe-se com a contribuição da citação acima, quantos questionamentos o

currículo possibilita para o repensar da escola que se têm, em busca de um projeto

transformador, questionador e emancipador.

Outra contribuição importante, para a interpretação do currículo que

contextualize o lugar, a comunidade e os sujeitos é compreender que o:

Currículo é a descrição e a concretização do que a escola deve realizar no contexto do campo. Neste caso, ainda, é um enfoque histórico na perspectiva da construção das escolas públicas do campo. Currículo é prática, é expressão da função socializadora e cultural da instituição escola, a qual estamos (re) significando. A cara do povo do campo precisa estar na escola e em seu currículo, para que possamos assegurar aos camponeses a aquisição da experiência social historicamente acumulada e culturalmente organizada (MST, 2008, p. 26).

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo

de 2002 em seu artigo 2º expressa que:

Estas Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam adequar o projeto institucional das escolas do campoàs DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na modalidade Normal. Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL, 2002, grifo nosso).

Percebe-se que a palavra “adaptação” não perdeu sua força, para designar a

elaboração de propostas curriculares, para o campo. No parágrafo único deste

mesmo artigo o campo é concebido pela sua identidade, voltando-se às

singularidades, ou seja, reconhece que há várias especificidades, o campo é

composto de várias culturas, várias peculiaridades, que devem ser respeitadas,

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valorizadas e incorporadas para dentro do currículo com os conhecimentos

historicamente construídos pela humanidade.

O ponto determinante para organização do currículo da educação do campo é

voltado para o reconhecimento da diversidade presente nestas comunidades, o

currículo necessita ter uma contextualização digna a sua realidade, e ser elaborado

para tal fim pelos seus próprios sujeitos.

Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo de 2006:

[...] Valorizar a cultura dos povos do campo significa criar vínculos com a comunidade e gerar um sentimento de pertença ao lugar e ao grupo social. Isso possibilita criar uma identidade sociocultural que leva o aluno a compreender o mundo e transformá-lo (PARANÁ, 2006, p. 38).

O que se defende neste sentido é que o conteúdo historicamente produzido e

acumulado pela sociedade é direito do aluno independente de onde estudar. O que

vai diferenciar é a abordagem didática, o questionamento sobre o assunto, a

sistematização daquilo que não se registra, que aqui é explicado por currículo oculto.

Educação do campo é uma concepção em movimento, assim é preciso

construir este projeto atendendo todas as especificidades com práticas que efetivem

a emancipação dos sujeitos, para que assim contemple essa denominação, como

projeto de escola e de sociedade.

3.2 CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA E A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA BASE

IRACI SALETE STROZAK

A educação conforme pode-se observar, esteve sempre voltada aos

interesses industriais, capitalistas e que atendesse à classe dominante. Educação

sempre foi sinônimo de formação para o mercado de trabalho. Os sujeitos não

tinham sua valorização e não havia preocupação com a aprendizagem. Em

contrapartida a essa visão da educação, discutiu-se então a necessidade de

incorporar uma nova organização escolar para a mediação do saber acumulado

historicamente que levasse em consideração uma aprendizagem, mas que

contemple a formação humana como determinante.

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No o artigo 23º da Lei de diretrizes e bases (LDB 9394/96) percebe-se a

disposição da organização da educação, onde os ciclos adentram as discussões

educacionais:

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Os ciclos de formação humana entendem a educação e a escola como etapa

básica para emancipação. Neste sentido, a escola considera a aprendizagem do

aluno como principio libertador e não como um sentido punitivo (caso não se alcance

os objetivos impostos) os conteúdos (componentes necessários para apropriação

dos conhecimentos) empregam uma função social que dialogam com a realidade,

não tem um caráter hierárquico conforme foi empregado à ideologia da organização

seriada, pois o conteúdo é dialético e nunca estático.

Segundo Azevedo (2007) a organização tradicional seriada é hegemônica, o

autor coloca essa lógica como uma:

[...] Estrutura voltada ao trabalho individual, especializado, fragmentado: o conhecimento é parcelado em disciplinas; os tempos e os espaços são predeterminados; os conteúdos predefinidos linearmente em uma cadeira de pré-requisitos. Cabe ao educando, um ser em formação, enquadra-se e adaptar-se a essa estrutura, independentemente da sua individualidade, das suas experiências sociais e culturais. A rigidez dos tempos e dos espaços serve de formato para programas e conteúdos artificialmente concebidos, homogenizadores de produtos de aprendizagem. Metas iguais para indivíduos desiguais, critérios avaliativos decorrentes de expectativas de aprendizagem padronizadas, resultando na inevitável exclusão dos diferentes (AZEVEDO, 2007, p. 18).

Podemos observar no que se constitui a concepção de escola frente a

organização por ciclos de formação humana:

O Ciclo de Formação constitui numa nova concepção de escola, na medida em que encara a aprendizagem como direito de cidadania propõe o agrupamento dos estudantes onde as crianças e adolescentes reunidos pelas suas fases de formação [...]. As professoras e professores formam o coletivo por ciclos, sendo que a responsabilidade pela aprendizagem é compartilhada [...]. O conteúdo escolar é organizado a partir da pesquisa sócio-antropológica realizada na comunidade [...]. A partir dessa pesquisa reúnem-se representantes discentes e da comunidade para discutir com os professores o eixo central dos conhecimentos a serem trabalhados na escola (KRUG, 2006, p. 17apud HAMMEL e ANDREEATTA 2011, p. 5).

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A organização do trabalho pedagógico coerente com os ciclos de formação

humana é construída de uma forma peculiar. Segundo Azevedo (2007):

Os pressupostos teóricos que compreendem o conhecimento como uma construção social colocam uma questão prática: a de organizar uma ação pedagógica que capte os elementos culturais do contexto social, reconhecendo os diferentes saberes destes contextos como elementos constituintes da construção do conhecimento (AZEVEDO, 2007, p. 22).

O MST (2008) traz uma contribuição relevante desta organização curricular,

para a intervenção educativa:

O currículo por ciclos vem para renovar os métodos de organização e de ensino, que antes justificava a função social da escola pela intervenção educativa legitimada nos conteúdos hierarquicamente organizados. Os ciclos exigem de nós educadores um novo olhar sobre o sujeito que aprendem e nos desafiam para novas concepções e métodos de avaliação como, por exemplo, a promoção e não o fracasso dos sujeitos (MST, 2008, p. 27).

Arroyo (1999) apresenta que a organização por ciclos é uma postura

inovadora na educação, e que o oficio docente nesta nova perspectiva de formação,

não tem um caráter de seguir novos direcionamentos estabelecidos verticalmente,

mas sim de voltar o olhar ao processo de ensino que era trabalhado para perceber a

lógica excludente que se configurou tanto tempo na organização por seriação,

considerar o aluno no seu tempo de vida e respeitar a sua temporalidade para a

própria formação é tratar a educação com a seriedade que ela merece, não é

adaptar o ensino a cada ultima lei, mas sim construir os saberes coletivamente de

forma que atenda às demandas da formação humana (ARROYO, 2009, p. 152-154).

A organização por ciclos de formação humana é presente no trabalho

realizado na escola base Iraci Salete Strozak que é localizada em Rio Bonito do

Iguaçu no Centro-oeste do Estado do Paraná em um assentamento da reforma

agrária, é uma escola “Base”, pois acompanha os processos legais de 5 escolas

itinerantes, a saber: 1) Escola Oziel Alves localizada em Cascavel2) Zumbi dos

Palmares localizada também em Cascavel, 3) Escola Caminho do saber localizada

em Ortigueira, 4) Escola Paulo Freire localizada no município de Paula Freitas e 5)

Escola Sementes do Amanhã localizada em Matelândia. Segundo Hammel e

Andreeatta “pais, educandos e professores construíram esta escola não apenas no

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espaço físico, mas também na sua pedagogia e fazer social” (HAMMEL E

ANDREEATTA, 2011 p. 3).

O principio norteador do colégio é organizar o trabalho pedagógico que leve

em consideração a pessoa humana no sentido que dê conta de se tornar um sujeito

que responda a realidade de forma crítica e que tenha condições de transformá-la.

Segundo Hammel e Andreeatta:

A adesão aos Ciclos mudou a forma de compreender o educando nas suas fases da vida; a relação com o conhecimento, “eu ensino, mas também aprendo”; a consideração da cultura, da arte e da sabedoria camponesa; a forma de distribuir as aulas, o educador assumiu o ciclo todo, podendo compreendê-lo e buscar intervir com mais propriedade; a avaliação assumiu um novo caráter, não a de punição ou a atribuição de valores, mas do diagnóstico e intervenção e especialmente o rompimento da seriação (HAMMEL e ANDREEATTA, 2011, p. 8).

Na efetivação do desenvolvimento da escola pelos ciclos de formação

humana os sujeitos do campo são valorizados, por meio de práticas pedagógicas

intencionalmente construídas para a emancipação humana. Trabalha-se de modo

que desenvolva a autonomia, a valorização, a criatividade, criticidade, politização e

libertação tendo como principio norteador o diálogo. Segundo Freire (1987):

A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o mundo, em comunicação e colaboração. O diálogo autêntico – reconhecimento do outro e reconhecimento de si, no outro – é decisão e compromisso de colaborar na construção do mundo comum. Não há consciências vazias; por isto os homens não se humanizam, se não humanizando o mundo (FREIRE, 1987, p. 11).

O diálogo presente nos encaminhamentos da escola tem um caráter

emancipador, a escola é vista neste contexto além dos muros da escola, para a

realidade que está inserida, o diálogo deve dar conta de libertar os sujeitos de

maneira que compreendam a realidade com uma visão crítica. Segundo Caldart:

O vínculo de origem da educação do campo é com os trabalhadores “pobres do campo”, trabalhadores sem-terra, sem trabalho, mas primeiro com aqueles já dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o “estado da coisa”, para aos poucos buscar ampliar o olhar para o conjunto dos trabalhadores do campo (CALDART, 2009, p. 41).

Freire fundamenta esta ação-reflexão e escreve que:

Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de ser

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mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do homem. Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos das suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se há realmente reflexão, conduz à prática (FREIRE 1987, p. 29).

Hammel e Andreeatta, professoras da escola Iraci Salete Strozak,

apresentam a pretensão de reorganizar a estrutura curricular, de modo que

contemple os ciclos de formação humana:

Estamos propondo a organização em Ciclos de Formação Humana, pois através deles e, com eles, pretende-se colocar a ação educativa da escola em movimento. Ciclo é movimento, não nos deixa parados, é processo, é relação, é agrupar e reagrupar-se para aprender e ensinar (PPP, 2009apud HAMMEL e ANDREEATTA, 2011, p. 11).

No site do governo do estado do Paraná encontram-se relatos sobre como

ocorre a avaliação da escola Iraci Salete Strozak:

O educando é avaliado considerando vários aspectos envolvendo sua vivência, levando em conta o estado psicológico do educando e o meio que o cerca, os resultados são observados no desenvolvimento da aprendizagem do educando sendo concretizado por dossiês, pareceres e notas. Outra prática pedagógica do colégio é o conselho de classe participativo entendendo como forma de avaliar todos os aspectos como, o processo ensino aprendizagem no conjunto da escola. Esta prática é organizada em vários momentos, finalizando com uma mesa redonda composta pela turma, direção, funcionários, educadores e pais. Este momento os educandos se auto avaliam e avaliam o conjunto da escola. Este momento se dá a cada semestre (HISTÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK, 2014).

Sobre a avaliação observa-se esta preocupação nas discussões do MST no

sentido que considere como determinante a aprendizagem do aluno, conforme pode-

se observar:

Assumindo nosso discurso, de que a avaliação é contínua, sistemática, processual e interdisciplinar, na prática escolar a avaliação é encaminhada através de registro que comprovam o trabalho desenvolvido e a aprendizagem dos alunos em dossiê individual. Este acompanhará cada educando em todo ciclo. Nele, o educador arquiva e anota elementos do avanço e dos limites do educando, tendo espaço para o registro da auto-avaliação dos educandos e um espaço específico para a família fazer suas anotações (MST, 2008, p. 34).

Compreende-se que a escola Iraci Salete Strozak, tem um compromisso

coerente com a organização escolar por ciclos de formação humana e com a

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concepção de Educação do Campo, pois considera os sujeitos do próprio processo

de ensino para dentro das discussões do que significa a escola e a educação. A

escola amplia sua esfera “particular” e reduzida do chão da sala de aula, e passa a

fazer parte da sociedade de forma efetiva, a escola se transforma num movimento

que é caracterizada pelo próprio movimento dos trabalhadores rurais sem terra que

a construíram.

Frente a este trabalho voltado à formação humana, Arroyo (2010) contribui

com essa discussão quando traz as matrizes pedagógicas como eixo de trabalho

para se construir o processo educativo no campo, a saber: o trabalho, a terra, a

cultura, a vivência da opressão e os movimentos sociais; e afirma que trabalhar com

esses temas “nos remete à existência de um núcleo fecundante, de um processo

estruturante e conformante de nossa formação-humanização como gente, como

sujeitos humanos, não tanto no plano biológico, mas sobre tudo no plano

sociocultural, educativo” (ARROYO, 2010, p.38).

Arroyo explica que utilizar o trabalho como matriz formadora:

Não é apenas o atrever-nos a pensa que nos liberta, mas é o trabalho que nos constitui, é o trabalho que é a grande matriz formadora dos seres humanos. O próprio conhecimento que foi acumulado ao longo da história tem sua origem no trabalho. Conhecimento não nasce pelo conhecimento, como se fosse uma flor, que nasce solitária. O ser humano não produz conhecimento e ciência pelo conhecimento apenas. Neste sentido o trabalho, é a forma de produzir a vida, é que vai exigir conhecer a natureza, conhecer a sociedade, produzir a cultura, convívios e até conflitos. E deste processo (o trabalho) que vai surgir o conhecimento, a ciência, os valores, as civilizações e etc. Esse seria o sentido de dizer que o trabalho é uma matriz formadora não dos indivíduos, mas das sociedades (ARROYO, 2010, p. 41).

O autor ainda traz como exemplo a experiência de vida dos alunos frente às

demandas de trabalho, que podem ser consideradas na construção da

aprendizagem:

[...] Agora imaginem a diferença de começar a discutir, por exemplo, o espaço primeiro tentando ver, conhecer, como aqueles adolescentes, crianças, jovens ou adultos, se vinculam com o espaço, com a produção dele lutando contra a expulsão da terra, seja na relação com o espaço ocupado, a terra, esse adolescente, essa criança, esse sem-terrinha que acompanhou, desde pequeno, seus pais lutando, seu coletivo lutando pela terra, ele foi produzido no espaço e produzindo, concomitantemente, uma imagem do espaço, uma vivencia, um saber sobre o espaço (ARROYO, 2010, p. 42).

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Arroyo considera que o trabalho é o eixo da própria existência humana, o

homem ser pensante, transforma a natureza em função das suas necessidades

básicas com um trabalho intencional e planejado, traz essa relação com autores

clássicos como Marx, e entende que temos que superar nossa visão idealista

ingênua de que ao dialogar sobre a exploração o sujeito responderá à exploração

por isso o trabalho como matriz pedagógica deve ser construído a partir das

condições concretas que o próprio aluno vive (ARROYO, 2010, p. 43).

Arroyo ainda indica que temos que “[...] assumir a responsabilidade de formar

educadores e educadoras do campo explorando os estreitos vínculos com os

processos de produção e de trabalho no campo. Isso significa ter o trabalho como

principio formador e educativo” (ARROYO, 2010, p. 45).

A terra é aspecto relevante do trabalho como matriz pedagógica pois:

[...] é um campo de resistências, de vivencias de expulsão, de lutas pela terra, pela produção familiar, camponesa, pelo espaço da vida. A pedagogia da terra tem que pesquisar as potencialidades formadoras que acontecem na especificidade dos modos de produção agrícola e, sobretudo nas tensões, lutas e resistências do campo. [...] toda pedagogia escolar para ser pedagogia da terra tem de estar enraizada em um projeto de campo. Aí encontrará raízes fecundas (ARROYO, 2010, p. 47).

Arroyo alerta que há um demérito na utilização da cultura para a organização

do trabalho pedagógico frente às possibilidades que a mesma apresenta. Segundo o

autor “na escola, a cultura, quando entra, entra mal. Aparece como recurso de

aprendizagem, como uma festa, como uma distração. Aí não percebemos os

estreitos vínculos entre cultura e conhecimento”. (ARROYO, 2010, p. 48).

Arroyo explica que:

A cultura seria a grande matriz onde essa riqueza de civilizações, identidades, de autoimagens, de signos, de valores, de linguagens foi produzidas. O direito à educação é o direito à herança cultural. É na cultura que nós produzimos a grande matriz que nos conforma. [...] Não percebemos que os processos educativos estão muito mais colados aos processos de construção de valores, identidades, conhecimentos, aos processos culturais, socializadores. [...] É que a escola normalmente se preocupa mais pelo campo dos chamados conhecimentos, as competências, a mente, e esquece de formar as identidades, o sujeito ético, o sujeito estético, corpóreo, o sujeito imaginário, o sujeito de emoções, de memória (ARROYO, 2010, p. 40-50).

Sobre a vivência da opressão como matriz pedagógica, Arroyo, dialoga com a

teoria de Freire - Pedagogia do Oprimido; e indica que os oprimidos precisam ter

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consciência da sua opressão para então se tornarem sujeitos libertados, se não for

discutido à própria condição de oprimidos num contexto de opressores não há

emancipação.

E neste ensejo vem a última matriz pedagógica proposta por Arroyo que é

trabalho com os movimentos sociais, Arroyo escreve que “os movimentos como

provocadores de uma dinâmica social, política e cultural que produzem, conformam

novos sujeitos coletivos sociais, políticos, culturais” (ARROYO, 2010, p. 52).

Assim explica que os movimentos sociais, protagonistas da visibilidade da

educação do campo “tem provocado o avanço da consciência e da garantia dos

direitos” (ARROYO, 2010, p.52) há diferença de a própria classe lutar pelos seus

direitos, pois esses direitos certamente serão voltados ao próprio coletivo de sujeitos

que defenderão suas demandas. Lutar para os movimentos sociais é sinônimo de

conquistar um espaço digno de sobrevivência. Arroyo escreve que:

A luta não é um mero instrumento para a conquista de direitos, mas ela per se é pedagógica, é formadora dos coletivos em luta e da sociedade, das estruturas e culturas, dos valores. A luta liberta, conscientiza, politiza, transforma a sociedade e os coletivos humanos. É pedagógica (ARROYO, 2010, p. 52).

Entende-se que incorporar essas matrizes na organização do trabalho

pedagógico é saber que esses temas estão enraizados na concepção de educação

crítica de campo e que certamente irão resultar numa emancipação do sujeito da

aprendizagem. A formação humana está no centro dessas matrizes pedagógicas. Ao

trabalhar a própria experiência dos sujeitos é possibilitar que ele entenda sua

realidade como resultado de um processo histórico que é dialético, ou seja, sua ação

(intencional e planejada) poderá transformar a história que está em movimento.

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4 EXPERIÊNCIA ESCOLA RURAL MUNICIPAL SENADOR ALÔ GUIMARÃES

No terceiro e último capítulo apresenta-se a experiência da Escola Rural

Municipal Senador Alô Guimarães que contribui para entender a materialização da

função social que o currículo tem na caracterização da comunidade. A escola está

construindo um currículo que atenda a especificidade de classes multisseriadas,

porém conta com contradição, politização e ideologia num campo de tensões entre a

comunidade e os interesses do município.

Para iniciar o relato da pesquisa realizada na escola é preciso compreender

alguns dados do município, após apresentaremos o trabalho realizado na escola

com provocações teóricas de autores que discutem a temática do campo e

contradições presentes na diretriz do município, juntamente com o relato das

observações realizadas na escola.

4.1 O MUNICÍPIO FAZENDA RIO GRANDE

Localizado na região metropolitana de Curitiba o Município de Fazenda Rio

Grande originou-se com o desmembramento do Município de Mandirituba em 1993.

Tem como vizinhos os município de Araucária, Curitiba, Mandirituba e São José dos

Pinhais (IPARDES, 2014).

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MAPA 1– LIMITE DO MUNICÍPIO DE FAZENDA RIO GRANDE

FONTE: IPARDES, 2014.

MAPA 2 - ESTADO DO PARANÁ E DIVISAS

FONTE: PARANÁ TURISMO

Segundo IBGE, pode-se pontuar o histórico do Município:

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A principal atividade da Fazenda Rio Grande era a criação de cavalos de raça, cujo maior cliente era o exército Brasileiro. A partir de então, a história da Fazenda Rio Grande confunde-se com o expansionismo industrial e populacional de Curitiba, com ação direta no parcelamento do solo urbano da área correspondente á atual sede municipal. Tal fracionamento decorreu dos fenômenos de ocupação urbana da cidade de Curitiba. A procura cada vez maior, de pessoas vindas do interior do estado e também de Santa Catarina, por áreas onde morar, e a perda sistêmica de renda, conjugaram-se com os negócios imobiliários em toda região metropolitana da capital. O inicio do loteamento da Fazenda Rio Grande filão periférico de Curitiba, deu-se a partir de 1959. Daí para frente não parou de acontecer, até os dias de hoje. Desde aquela data, foram vendidos lotes que ocupam mais de 6.740.000 metros quadrados. Mais distante da sede municipal de Mandirituba e mais próxima da capital, a população de Fazenda Rio Grande foi organizando sua vida em função da grande cidade, onde havia mais empregos e serviços urbanos (IBGE, 2014).

Segundo o IBGE em Fazenda Rio Grande a densidade demográfica é de

771,70 (hab/km²) e o grau de urbanização é de 92,96%, ou seja, apenas 7,04% do

município correspondem à área rural, caracterizando-o como urbano. Neste sentido

é possível perceber que a intencionalidade do município, se volta para a expansão

do ambiente urbano visando o “aumento de empregos”. Assim o ambiente rural e os

sujeitos do campo não tem espaço para este projeto.

Segundo o COMEC a vocação econômica do município está voltada ao

parque industrial, contando com a instalação de grandes empresas como KYB-

MANDO do Brasil - fabricantes de autopeças, Mate Leão do grupo Coca-Cola,

ANTEX - fabricante de tecidos sintéticos para automóveis, ESTRE AMBIENTAL -

empresa de reciclagem, SNR-NTN - fabricante de rolamentos; Sumitomo Rubber -

fabricante de pneus. Na agricultura contam com a produção de milho, soja e feijão

além da avicultura e pecuária (COMEC, 2014).

Segundo o site do INEP no Município de Fazenda Rio Grande existem 20

escolas públicas sob administração do município, destas 18 atendem a pré-escola e

20 escolas que atendem o ensino fundamental das séries iniciais. Sob a

administração do estado são 14 escolas, destas 12 atendem o ensino fundamental

das séries finais e 14 escolas que atendem o ensino médio. Ao todo as escolas

entendidas como urbanas estão divididas em 18 municipais 14 estaduais, as rurais

são apenas 2 sob a administração do Município.

Conforme pontou-se o município conta com duas escolas rurais, a saber: a

Escola Rural Municipal Senador Alô Guimarães situada na comunidade Passo

Amarelo e a Escola Municipal Rural Francisco Quirino Machado situada na

comunidade São Sebastião. Esta, no entanto, não é entendida e caracterizada por

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sua comunidade escolar como rural desta forma a SME está realizando os trâmites

legais para trocar a nomenclatura da escola, com o objetivo de retirar o “rural” do

nome, ou seja, a escola localizada na comunidade Passo Amarelo é a única

considerada rural pelos moradores município.

Com os dados do Censo Escolar disponibilizados no site do INEP observou-

se o número de matrículas na escola Rural Municipal Senador Alô Guimarães entre

2012 a 2014 (em 2014 os dados foram disponibilizados pela professora da escola):

QUADRO 3 - DADOS DAS MATRÍCULAS REALIZADAS NA ESCOLA

Ano Pré-escola Ensino fundamental I

2012 9 25

2013 12 30

2014 16 24

FONTE (INEP, Censo Escolar, 2012 e 2013). Organizado pela autora, 2014.

Abaixo apresenta-se um quadro com as vinte escolas municipais que

atendem a pré-escola e as séries iniciais do ensino fundamental correlacionando

com a localização, situação de funcionamento e o número matrículas efetivadas em

2013, o quadro ainda apresenta as escolas desativadas:

QUADRO 4 - RELAÇÃO DE ESCOLAS COM NÚMERO DE MATRÍCULAS/LOCALIZAÇÃO/SITUAÇÃO DE FUNCIONAMENTO

Escola

Matrículas

na pré-

escola

Matrículas no

Ensino Fund.–

Séries iniciais

Localizada

em espaço:

Situação de

Funcionamento

Escola Municipal Alcides Mario

Peland 152 741 Urbano Em atividade

Escola Rural Municipal Alô

Guimaraes 12 30 Rural Em atividade

Escola Municipal AntonioBaldan 44 379 Urbano Em atividade

Escola Municipal Arnaldo

Busato 129 504 Urbano Em atividade

Escola Municipal Carlos

Eduardo Nichele 25 282 Urbano Em atividade

Escola Municipal Dep Luiz G

Sampaio 47 605 Urbano Em atividade

Escola Municipal Francisco Q - 156 Rural Em atividade

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Machado

Escola Municipal Generoso S Barbosa

86 388 Urbana Em atividade

Escola Municipal Guisela Kuss Rieke

- 243 Urbana Em atividade

Escola Municipal Joao Ferreira Da Rocha

- - Rural Paralisada

Escola Municipal Joaquim Katsuki Matsumoto

71 492 Urbana Em atividade

Escola Municipal Luiz Nichele 98 377 Urbana Em atividade

Escola Municipal Marlene Barbosa

115 765 Urbana Em atividade

Escola Municipal MaryleAp S Ferri

148 518 Urbana Em atividade

Escola Municipal Nossa Sra Fatima

139 808 Urbana Em atividade

Escola Municipal Padroeira Do Brasil

- - Rural Paralisada

Escola Municipal Parque Verde - - Urbana Paralisada

Escola Municipal Santa Cecilia 119 449 Urbana Em atividade

Escola Municipal Santa Fe 51 506 Urbana Em atividade

Escola Municipal Santa Maria 63 224 Urbana Em atividade

Escola Municipal Santo Antonio

- - Rural Paralisada

Escola Municipal São Francisco De Assis

50 504 Urbana Em atividade

Escola Municipal São Gabriel 122 523 Urbana Em atividade

Escola Municipal Vinte E Seis De Janeiro

142 613 Urbana Em atividade

FONTE INEP, Censo Escolar, 2013. Organizado pela autora, 2014.

A partir destes dados é possível compreender o número de escolas

municipais em sua localização (contexto urbano ou rural) com o número de

matrículas para o ano de 2013. Levando em consideração que das 4 escolas

desativadas 3 são rurais e 1 é urbana, e uma escola não é considerada como rural,

o município conta apenas com uma escola rural.

Ao observar esses dados é possível compreender a intencionalidade do

município frente à especificidade da escola pesquisada que contempla a

peculiaridade da cultura rural.

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4.2 A COMUNIDADE

A escola partícipe do projeto 5 no qual se está materializando como

experiência de pesquisa neste trabalho é a Escola Rural Municipal Senador Alô

Guimarães, localizada na comunidade Passo Amarelo.

Barbosa e Zonta (2000) apresentam a historicidade da comunidade Passo

Amarelo:

Em 1912 nesta região, várias famílias ucranianas chegaram da Europa depois do golpe da Primeira Guerra Mundial. Dentre elas estão os avós da Professora Catarina Baran Guerra e os pais da Dona Sofia Bescorovaine. Segundo um relato minucioso feito por Dona Sofia, a primeira dificuldade que os pais encontraram quando aqui chegaram, foi a aquisição de terras, uma vez que a maior parte delas já eram lavradas. Mesmo, seus pais João e Maria Bescorovaine, conseguiram comprar sua pequena área de terras, onde plantaram, na época uma espécie de “linho” que era exportado para a Europa para a confecção de roupas. Segundo ela, o pagamento pela matéria-prima era insignificante. Os produtos eram transportados até Curitiba por carroças. Muitas vezes ficavam atolados nas estradas que era trilhas recém-abertas, segundo relatou a própria senhora, hoje com 74 anos, confirmado pelos demais moradores que realizavam o mesmo trajeto (BARBOSA e ZONTA, 2000, p. 39-40).

Sobre a origem do nome da comunidade Barbosa e Zonta (2000) escrevem

que:

No inicio, chamava-se Campestre dos Pintos devido ao grande número de famílias com este sobrenome. Em virtude de os moradores não gostarem desse nome e por haver no local um passo, (pequena lagoa de água amarela) pelo qual precisavam atravessar, esse mesmo local acabou dando nome para a localidade: Passo Amarelo (BARBOSA E ZONTA, 2000, p. 42).

Em relação à educação na localidade, Barbosa e Zonta (2000) apresentam

que:

Em 1962, o pai da Professora Catarina, preocupado com o desejo da filha pelos estudos, assim como das demais crianças da localidade, providenciou uma professora de São José dos Pinhais para alfabetizá-los. A mestra de ensino capitulou antes mesmo de formar sua classe, obrigando o pai de Catarina a ir atrás de outras professoras que também desistiram da nobre jornada (BARBOSA e ZONTA, 2000, p. 40).

Devido à desistência de muitas professoras em lecionar na comunidade, a

menina Catarina e as demais crianças negaram as dificuldades de acesso e foram

5 Observatório da Educação aprovado no edital 038/2010.

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concluir os estudos em uma escola no município de São José dos Pinhais

(BARBOSA e ZONTA, 2000, p. 41).

Segundo Barbosa e Zonta (2000):

Em 1972, Catarina, já moça, realizava seu sonho, tornando-se a primeira professora – filha da terra, na primeira escola construída num terreno doado pelo Sr. Miguel Corol. Nascia a Escola Rural Osvaldo Cruz. Em 1985 constituíram a atual escola “Alô Guimarães” (BARBOSA e ZONTA, 2000, p.41).

FOTO 1 - PROFESSORA CATARINA COMO CATEQUISTA DA COMUNIDADE

FONTE: BARBOSA e ZONTA, 2000 p. 41.

Conforme percebe-se, a professora Catarina Baran Guerra tem grande

influência para a consolidação da escola na comunidade, entretanto, o nome da

escola homenageia o Senador Alô Guimarães que foi médico, jornalista e professor,

exerceu carreira política entre 1935 a 1963, como deputado federal, prefeito e

senador do estado do Paraná, entretanto, não tem relações culturais e históricas

com a escola nem com a comunidade Passo Amarelo.

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FOTO 2 - SENADOR ALÔ TICOULAT GUIMARÃES

FONTE: http://www.justica.pr.gov.br

A professora da escola relatou na pesquisa o desejo da comunidade em

mudar o nome da escola, para Catarina Baran Guerra de modo que prestigie a luta e

perseverança da primeira professora para a efetivação da escola na comunidade.

4.3 A ESCOLA

A professora Fabiana, bolsista do projeto desde o início, a mesma tem um

subprojeto que dialoga com as diretrizes curriculares municipais e a especificidade

do campo, ou seja, também traz contribuições acerca do currículo para a efetivação

da função social da escola na perspectiva de um trabalho coerente com a educação

do campo. Ela trabalha na escola desde o segundo semestre de 2010.

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FOTO 3 - FOTO DA ESCOLA DO CAMPO SENADOR ALÔ GUIMARÃES

FONTE: Regina Bonat Pianovski, 2014.

Como característica da escola destaca-se: duas salas de aula, cozinha, dois

banheiros, não tem biblioteca, quadra de esportes, telefone, internet, computador,

nem muro em volta da escola. Em frente da escola tem uma estrada onde passam

muitos carros e caminhões, correndo o risco de atropelar alguma criança. Além da

infraestrutura precária, a escola não tem água potável na torneira.

A escola atende alunos do ensino fundamental das séries iniciais pela manhã

e educação infantil na parte da tarde, organiza o planejamento curricular no modelo

multissérie, e até final de 2012, contava com apenas uma professora (unidocência).

Segundo o Panorama Nacional da Educação do Campo:

As classes multisseriadas têm alunos de diferentes séries e níveis em uma mesma sala de aula, independente do número de professores responsável pela classe. A unidocência ocorre quando um único professor é responsável pela condução do desenvolvimento de uma classe multisseriada. Embora possa acontecer de uma escola ou classe ser multisseriada e ter mais de um professor, as escolas multisseriadas do campo contam, na quase totalidade dos casos, com apenas um professor, o que torna unidocência e multisseriação termos equivalentes (BRASIL, 2007, p. 25).

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Hoje a escola conta com duas professoras Cassiana e Fabiana, a Cassiana

iniciou na escola no início de 2013, ela atende uma classe multisseriada do 1º ao 3º

ano pela manhã e outra classe multisseriada de educação infantil no período da

tarde, e a Fabiana atende pela manhã uma classe multisseriada do 4º ao 5º ano. A

escola conta ainda com a Gercina que colabora com as funções de serviços gerais

(limpa a escola e faz a merenda).

A organização das escolas do campo por vezes, é caracterizada pelo modelo

multissérie. Esta é a realidade presente na organização do trabalho pedagógico da

escola que contempla esse modo de estruturação curricular. Quanto à disposição

multissérie as Diretrizes Complementares para a Educação Básica das escolas do

Campo de 2008, definem que “há necessidade de docentes com formação

pedagógica inicial e continuada, instalações físicas e equipamentos adequados,

materiais didáticos apropriados e supervisão pedagógica permanente” (BRASIL,

2008, p.3).

Segundo o Panorama Nacional da Educação do Campo:

Os professores das escolas multisseriadas, além da atividade docente, acumulam outras tarefas administrativas voltadas para a manutenção da unidade escolar, chegando, na maioria das vezes, a ter que conciliar as atividades de limpeza com o preparo da merenda escolar. A situação que se coloca quanto à adequação das turmas multisseriadas é bastante delicada. Apesar de a primeira impressão ser negativa, em termos do processo ensino-aprendizagem, torna-se importante a consideração do contexto no qual estão inseridas (BRASIL, 2007, p. 25).

Na escola, até 2012, a professora Fabiana realizava as atividades

administrativas e tinha o cargo de Diretora, com a vinda de mais uma professora, a

gratificação de 20% em seu salário para as atividades extras foi cortada e a

professora não tem mais essa função que ora foi repassada para a SME, entretanto

a professora Fabiana continua realizando as mesmas atividades, porém, sem a

devida gratificação e nomeação.

Entendemos este movimento de tirar a autoridade da professora Fabiana

acontece devido a negação do campo por parte da SME e das contradições

presentes no atendimento à comunidade. Segundo Caldart (2009):

A questão é de reconhecer a especificidade dos processos produtivos e formadores do ser humano que acontecem no campo, compreender como historicamente essa relação foi formatada como sendo de oposição,

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exatamente para que se explicitem os termos sociais necessários à superação desta contradição (CALDART, 2009, p. 47).

Com a participação no projeto de pesquisa, muitos questionamentos foram

realizados sob as condições de trabalho e o tratamento que vinha recebendo da

SME. Questionamentos que se configuram em uma emancipação política sobre os

deveres do estado para com os sujeitos daquela comunidade, e que de certa forma

“incomodam” o município.

A SME não tinha, e ainda não tem, conhecimento para amparar a professora

na organização do seu planejamento em caráter multissérie e não compreendem a

concepção da educação do campo, pois a concepção da educação rural esta

presente no discurso e nos tratamentos de descaso que são recebidos.

Segundo o panorama da educação do campo de 2007:

A transformação da educação do campo requer mais do que a melhoria física das escolas ou a qualificação dos professores; ela implica, necessariamente, um currículo escolar baseado na vida e valores de sua população, a fim de que o aprendizado também possa ser um instrumento para o desenvolvimento do meio rural (BRASIL 2007, p. 8).

Esta afirmação significa que o ensino- aprendizagem é o ponto determinante

para a incorporação do conhecimento, não entendendo que a infraestrutura seja

menos importante, mas que a intencionalidade da escola é a apropriação dos

saberes produzido historicamente, e a este sentido, escola, comunidade e secretaria

devem caminhar.

A Diretriz Curricular do Município de Fazenda Rio Grande de 2008

apresenta em seu documento que a efetivação da aprendizagem escolar ocorre na

perspectiva de ciclos de formação humana e diz que:

A concepção de Educação, que se busca nessa Rede Educacional, visa o processo integral de Formação Humana, entendendo que, esse processo não se esgota no tempo escolar, portanto, sua formação global não está determinada pela passagem escolar (FAZENDA RIO GRANDE, 2008, p.31 grifo nosso).

Ainda no documento há um discurso sobre a individualidade e o respeito à

diversidade conforme podemos observar:

Cada ser humano ao nascer, requer condições que o auxiliem na sua existência no mundo da cultura. Por esse fato, argumenta-se

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favoravelmente à aquisição de produtos culturais nos quais se inserem também os conhecimentos racionais, esses, à medida que são reelaborados ampliam o desenvolvimento científico e cultural da humanidade. Situar o ser humano enquanto produtor, portanto, não determinado, implica orientar-se pelos princípios da solidariedade, do reconhecimento do valor das individualidades e respeito às diferenças. Assim, desenvolver ações que contribuam no processo de Formação Humana requer a compreensão de que cada educando pode construir inúmeras possibilidades de relações, inclusive com o conhecimento, tendo por base a liberdade da vontade, a autonomia para organizar os modos de existência e a responsabilidade pela direção de suas ações. Trata-se de características essenciais que culminam para a formação de um sujeito acima de tudo ético. Preconiza-se, assim, o objetivo fundamental da Educação, pelo qual perpassa toda e qualquer prática educativa inclusive as desenvolvidas nas nossas Instituições Educativas Escolares (FAZENDA RIO GRANDE, 2008, p.32 grifo nosso).

A formação humana e o reconhecimento das diferenças como forma de

trabalho para o ensino-aprendizagem são princípios que estão presentes no

documento que direciona o trabalho das professoras que atuam nas escolas

municipais. Entretanto, no documento “norteador” do Município de Fazenda Rio

Grande, nada é dito sobre a realidade rural e sobre as especificidades de trabalho

com esses sujeitos, a diversidade não é contemplada, e a escola rural municipal

Senador Alô Guimarães única no município com a característica multissérie e rural

não é comtemplada neste documento.

Sobre os espaços escolares a Diretriz Curricular do Município de Fazenda Rio

Grande (2008) apresenta:

Os professores envolvidos no trabalho com crianças precisam intervir quanto à criação e/ou adequação do ambiente a fim de torná-lo aconchegante, seguro e ao mesmo tempo estimulante. Deste modo, estará permitindo à criança aventurar-se nele, descobri-lo, além de poder descobrir-se e descobrir o outro. Em função de como se organiza o espaço, as atividades podem ou não acontecer. O espaço é uma questão central na Educação, sendo em si uma forma de educar. As salas devem ser organizadas de modo a priorizar as trocas de interações entre os educandos, de forma a contrapor o modelo das salas de aula tradicional; nas quais, pela própria organização e disposição das carteiras, está implícita a idéia de inibir a interação entre os estudantes. [...] A estrutura física de todo o prédio da instituição e, particularmente das salas para os grupos de crianças, deve oferecer segurança e, ao mesmo tempo, desafios para o desenvolvimento e aprendizado (físico, social e cognitivo) (FAZENDA RIO GRANDE, 2008, p. 104-105 grifo nosso).

O espaço é algo fundamental para o trabalho pedagógico, entretanto, pouca

relevância se deu para o espaço da escola, não tem muros, não há segurança, visto

que fica em um lugar afastado que passa diversos automóveis em alta velocidade,

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há relatos da professora que “alguns carros com vidros escuros ficavam rondando a

escola”, o que a torna um lugar desprotegido, não há espaço para atividades

diferenciadas que ampliem o conhecimento por meio do acesso ao laboratório de

informática, laboratório de ciências, biblioteca, quadra entre outros.

A Diretriz Curricular do Município de Fazenda Rio Grande foi elaborada em

2008 e não faz menção as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo que foi

elaborada pelo estado do Paraná em 2006, na qual orienta sobre os quatro eixos de

trabalho que contemplam as discussões e contradições da educação do campo, a

saber: a) Trabalho: divisão social e territorial, b) Cultura e identidade, c)

Interdependência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável, d)

Organização política, movimentos sociais e cidadania, além de proporcionar

alternativas metodológicas para a organização do trabalho no campo.

Tendo em vista as contradições presentes entre a realidade do campo e a

proposta do município no sentido que direcione a organização do currículo da escola

afirmamos que este documento norteador do município não atende a concepção da

educação do campo. Trazemos algumas hipóteses para esta afirmativa: 1) não seja

a intencionalidade do município, 2) falta de conhecimento por parte da secretaria

municipal de educação 3) invisibilidade dos sujeitos do campo, 4) não se tenha

prioridade para atender as demandas do campo, 5) tenha-se o propósito de fechar

todas as escolas rurais, 6) urbanização do município. O que podemos resumir é que

a proposta curricular não entende as escolas rurais presentes no município para

estruturar um currículo que permita a incorporação do conhecimento dos sujeitos do

campo de acordo com a diversidade que estão presentes.

Com essas reflexões sobre a invisibilidade que a escola tinha, e ainda tem,

em relação às demais, sob administração do município, a professora Fabiana

buscou aprofundamento teórico para direcionar sua prática pedagógica de modo que

pudesse superar as dificuldades presentes, tal como a defasagem de conteúdo dos

alunos e a organização do planejamento multissérie. Pensou-se na reorganização

da proposta pedagógica da escola de modo que contemplasse a realidade da

comunidade e com as especificidades da organização curricular da escola.

O trabalho coerente com a concepção da educação do campo se materializa

com a participação da comunidade escolar para as tomadas de decisões e

construções politizadoras da escola. Na foto 4 observa-se a participação dos pais na

reelaboração da proposta pedagógica. Em uma reunião com a pedagoga da SME,

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organizamos um questionário com algumas perguntas para sistematizar a percepção

dos familiares frente à comunidade para depois contextualizá-la dentro da proposta

pedagógica. Esta reunião possibilitou uma reflexão com os pais acerca da

necessidade de se trazer discussões da comunidade para superação das

desigualdades presentes na escola, como possibilidade de trabalho com o currículo

escolar.

FOTO 4 - PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA REELABORAÇÃO DA PROPOSTA PEDAGÓGICA

FONTE: Cleverson José dos Santos, 2013.

O questionário aplicado aos pais da escola contemplou algumas perguntas

para a caracterização socioeconômica das famílias, a percepção da comunidade e a

importância da educação presente na localidade nesta pesquisa 18 famílias

participaram.

As constatações, embora superficiais, pois apenas metade dos familiares

participou da entrevista, apresentaram que as famílias percebem as precariedades

no atendimento recebido pelos órgãos públicos, foi possível também perceber que

há necessidade da participação politizadora das famílias frente às questões da

escola/comunidade. Não há mobilizações coletivas para discussões das

problemáticas da escola.

Segundo Souza et al (2008):

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Os educadores têm a responsabilidade de aprofundar o debate sobre a sociedade e sobrea educação com os educandos, com as famílias, com o poder público e com os educadores que ainda não conhecem a proposta pedagógica em que se inserem, cuja concepção e projeto são voltados para a concepção da Educação do Campo (SOUZA et al, 2008, p.54).

Na concepção da educação do campo a participação da comunidade na

elaboração/construção/reconstrução do projeto político pedagógico é fundamental

para que caracterize e dê sentido à escola, entretanto, todos os dados obtidos com

as discussões com os pais foram organizados pela professora e enviados à SME

para que lá fosse realizado a reestruturação da proposta curricular da escola de

forma isolada, para então ser enviada ao núcleo. Entendemos que essa

característica atende às demandas da educação rural, ou seja, a proposta

pedagógica não seria construída “no” campo e sim “para” o campo.

Segundo Caldart (2004):

A Educação do Campo se identifica pelos seus sujeitos: é preciso compreender que, por trás de uma indicação geográfica e de dados estatísticos isolados, está uma parte do povo brasileiro que vive neste lugar e desde as relações sociais específicas que compõem a vida no e do campo, em suas diferentes identidades e em sua identidade comum; estão pessoas de diferentes idades, estão famílias, comunidades, organizações, movimentos sociais. A perspectiva da Educação do Campo é exatamente a de educar as pessoas que trabalham no campo, para que se encontrem, se organizem e assumam a condição de sujeitos da direção de seu destino (CALDART, 2004, p. 18).

Com os estudos realizados juntamente com a professora, pode-se levantar

dados sobre a importância de um currículo que levasse em consideração a realidade

que eles vivem. Assim sendo, a diretriz curricular do município encontra-se em

reformulação, pois até meados de 2013 não considerava as duas únicas escolas

rurais como parte do município e não promovia uma diretriz que pudesse amparar as

professores que trabalham com a realidade do campo.

Quando a professora iniciou seu trabalho na escola, não houve uma formação

pedagógica voltada à especificidade das classes multisseriadas. Conforme já

afirmamos a professora observou a defasagem de conteúdos dos alunos, e esta

percepção estava intimamente ligada à falta de preparo para trabalhar com uma

realidade diferente da que havia aprendido na formação superior.

Segundo Hage (2011):

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Os professores das escolas ou turmas multisseriadas enfrentam muitas dificuldades para organizar seu trabalho pedagógico em face do isolamento que vivenciam e do pouco preparo para lidar com a heterogeneidade de idades, séries e ritmos de aprendizagem, entre outras que se manifestam com muita intensidade nessas escolas ou turmas. Sem uma compreensão mais abrangente desse processo, muitos professores do campo organizam o seu trabalho pedagógico sob a lógica da seriação, desenvolvendo suas atividades educativas referenciados por uma visão de “ajuntamento” de várias séries ao mesmo tempo, que os obriga a elaborar tantos planos de ensino e estratégias de avaliação da aprendizagem diferenciadas quantas forem as séries com as quais trabalham, envolvendo, em determinadas situações, estudantes da pré-escola e do ensino fundamental concomitantemente (HAGE, 2011, p.100).

A demanda de trabalho das professoras (solicitação da secretaria) apoiava-se

em seguir os padrões organizados pelo município, conforme apresentou-se a diretriz

curricular do município atende a organização curricular seriada, realidade distante da

escola aqui mencionada. Hage (2011) apresenta essa característica vivenciada pela

professora como aspecto das classes multisseriadas em geral:

Sentem-se pressionados pelas secretarias de educação, quando estabelecem encaminhamentos padronizados referentes à definição de horário do funcionamento das turmas e ao planejamento e listagem de conteúdos, reagindo de forma a utilizar sua experiência acumulada e criatividade para organizar o trabalho pedagógico com as várias séries ao mesmo tempo e no mesmo espaço, adotando medidas diferenciadas em face das especificidades de suas escolas ou turmas (HAGE, 2011, p. 101).

Na SME não há um amparo na organização do trabalho pedagógico das

professoras. Uma professora relatou que em uma reunião na secretaria, uma

pedagoga foi buscar no site de pesquisa informações sobre classes multisseriadas

para ajudá-la a organizar o planejamento, a professora disse “se você me perguntar

como eu faço, teremos um ponto de partida para ampliar meu trabalho na escola”,

esse relato demonstra o despreparo da secretaria em orientar o trabalho da

professora dentro das especificidades vividas, Hage fundamenta essa afirmação:

Por parte dos funcionários que atuam nas secretarias de Educação, as justificativas em relação à falta de acompanhamento pedagógico apontam carências de estrutura e pessoal para a realização dessa ação, pois a maioria delas não possui departamento ou coordenação específica para atender a Educação do Campo, e, quando existe, sua criação é recente e a maioria dos técnicos que ocupam essas instâncias tem pouca experiência ou formação para assumir a função (HAGE, 2011, p. 103).

O município não possui um departamento para atender as demandas da

educação do campo, devido essa falta de conhecimento, muitas vezes a escola “Alô

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Guimarães” não participa de políticas públicas voltadas aos povos do campo, pois as

pessoas que estão à frente da secretaria municipal de educação não cumprem os

prazos estabelecidos para inscrição da escola.

Com as discussões sobre a concepção de Educação do Campo e educação

rural no projeto de pesquisa, a professora incorporou alguns questionamentos que

precisavam ser efetivados para que a escola construísse uma concepção coerente

com concepção de educação do campo, a saber: 1) Defasagem de conteúdos, 2)

Dificuldades de organizar o planejamento, visto que a realidade da escola não

contempla a obrigatoriedade do planejamento do município, 3) Pouca visibilidade por

parte da SME, 4) As Diretrizes Curriculares Municipais são organizadas por série e

não trazem as discussões para a educação do campo, 5) Dificuldades para

efetivação e cadastro da escola em políticas públicas voltadas a realidade do

campo, 6) A escola recebe poucos materiais pedagógicos, 7) Materiais didáticos

voltados para o contexto urbano, 8) Falta de documentação do terreno da escola

(pois foi doação de um morador). Com esses apontamentos, percebemos que

muitas coisas precisam ser discutidas e superadas, devida tanta precariedade nas

condições do trabalho pedagógico.

Abaixo pode-se observar relatos de algumas observações e discussões

realizadas na escola que caracterizam aspectos da Educação do Campo e da

educação rural:

Valorização da comunidade: A professora relatou que as crianças

tinham vergonha de estudar em uma escola denominada “rural”, não

queriam realizar atividades pedagógicas fora da escola para não se

sentirem inferiores às crianças de outras escolas do município. Houve

a realização de um trabalho que a professora denomina como

“letramento da própria realidade”, onde a prática social foi incorporada

para a materialização da aprendizagem. As crianças realizaram

pesquisas acerca da historicidade da comunidade, isso tornou a escola

mais próxima da realidade deles e a comunidade um lugar valorizado,

mas principalmente deu significado à aprendizagem. Esse trabalho

repercutiu na superação da “defasagem de conteúdos”, aspecto

levantado pela professora pela dificuldade da aprendizagem dos

alunos.

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Adequação do planejamento: Ao iniciar na escola, a professora não

conhecia a prática das classes multisseriadas e realizava um

planejamento por série, ou seja, como trabalhava com as turmas do 1º

ao 5º ano realizava 5 planejamentos diários, seguia a lógica da

seriação para o trabalho pedagógico, para dar conta da solicitação do

município. Com o trabalho afinco realizou discussões e estudos sobre

organização multissérie, percebeu a importância desta na

especificidade da escola, assim incorporou os ciclos de formação

humana para materializar o planejamento das aulas. A ação

determinante na prática pedagógica é a formação humana e não os

conteúdos organizados de maneira hierárquicos. Importante constar

que o que contribuiu para o trabalho frente às necessidades da escola

e com coerência à educação do campo, foi provocado com a

participação no projeto de pesquisa (que a professora é partícipe). Não

houve um curso de formação (da SME) pensado nas necessidades do

campo, nem provocações acerca desta realidade na formação inicial.

Envolvimento dos pais: A professora realizou algumas reuniões com

os pais e conseguiu construir a APMF e o Conselho Escolar, neste

trabalho pontuamos como educação do campo num campo de tensões

com a educação rural, devido a efetivação desses programas na

escola necessitarem da contribuição da SME para que fosse

protocolado junto ao MEC. Os órgãos colegiados na escola ainda não

estão efetivos, pois a SME ainda não pôde analisá-los e prestar os

devidos encaminhamentos. Houve organização de eventos oriundos

dessas participações na escola, que foram realizadas para

arrecadação de dinheiro (para comprar materiais pedagógicos).

Segundo relatos da professora este ano (2014) os órgãos colegiados

estão inativados;

Assistencialismo: A escola apareceu nas discussões da SME,

entretanto, a visibilidade surgiu com um olhar assistencialista. O

atendimento acontece em caráter de “favor”. Não há inscrição nem

encaminhamentos das políticas públicas voltadas à escola do campo.

A professora relatou que como não houve resposta da SME sobre as

verbas públicas voltadas para as reformas, enviou uma solicitação ao

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MEC porém a resposta do Órgão federal foi enviada para a SME e não

para a professora, o que resultou em uma conversa na sede pela

atitude “impertinente”, a SME considerou quebra da hierarquia a

professora ir direto ao órgão maior que é MEC.

Negação do Campo: Observou-se que a intencionalidade do

município se volta para os processos de urbanização, alguns dados

relatados neste trabalho justificam essa afirmação. A professora relatou

que a prefeitura apresentou uma proposta de asfaltar as ruas da

comunidade Passo Amarelo, assim o aspecto rural dará lugar ao

“urbano”. Percebemos que há tensões entre a ideologia rural com a do

campo, pois a cultura não será levada em conta nesta mudança. As

reivindicações da professora não são consideradas nas tomadas de

decisões da SME que deveriam ser realizadas com os coletivos, pois

quem está à frente dos atendimentos recebidos pela professora não

reconhecem a diversidade do campo e não compreendem a concepção

de educação do campo enquanto possibilidade de emancipação

humana. Realizaram a troca da nomenclatura da escola de Escola

Rural Senador Alô Guimarães para Escola do Campo Senador Alô

Guimarães, trocar o nome da escola não melhorou as condições

desiguais que a escola se encontra, não ampliou o olhar da SME para

a escola enquanto “do” campo, não considerou a escola como espaço

para construção coletiva, assim não é significativa a mudança de

nome, não há sentido em maquiar a concepção da escola, parece

mágica um dia a escola é rural no outro a escola é do campo, a

concepção de campo não será construída do dia para a noite é um

processo construído com uma perspectiva emancipadora, libertadora e

politizadora com os sujeitos, e não para os sujeitos.

Pressão Política: Uma característica marcante na relação entre a

escola e a SME é a pressão política que a professora Fabiana convive.

Todo ano há indícios que a escola irá fechar, a SME busca argumentos

para amparar essa decisão, entretanto, com a posição visível que a

escola se colocou frente ao projeto de pesquisa e a participação da

professora nas discussões sobre educação do campo o fechamento da

escola não se efetivou (ainda). Como o fechamento da escola foi

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“embargado”, a SME construiu estratégias para diminuir o poder da

professora nas ações da escola a saber: 1) no inicio de 2013 a escola

recebeu mais uma professora (Cassiana), até então a escola

compreendia a unidocência, esse fato contribuiu para a organização do

trabalho pedagógico, mas a professora Fabiana não contou mais com

a gratificação de diretora nem com a autonomia que a função

estabelece, porém as tarefas continuam sendo executadas por ela, 2) a

criação das instâncias colegiadas na escola não estão ativas devido a

SME não realizar os encaminhamentos legais para sua efetivação,

assim não recebe verbas nem pode contar com uma gestão

democrática amparada nas organizações coletivas, 3) o terreno da

escola foi doado por um morador, entretanto, como a maioria dos

terrenos naquela região não tem documentação “legal”, e é o caso do

terreno da escola que não está legalizado, percebemos o desinteresse

do município em acompanhar e dar condições da doação ser efetivada

e a documentação ser regularizada para que ocorra o registro da

escola, 4) em todos os eventos da escola a SME está presente, para

acompanhar o que acontece, com um caráter ficalizador, 5) a

professora relatou que alguns familiares transferiram as crianças com

medo da escola fechar e perder a vaga em outra escola, assim já

realizaram a transferência antecipada, 6) Não são enviados verbas

para reformas na escola, a professora relatou que houve um morador

da comunidade que se disponibilizou em doar materiais e mão de obra

para pintar a escola, mas não foi permitida a ação (impedimento da

SME), assim a infraestrutura da escola continua precária. Percebe-se

que com os questionamentos das condições da escola a SME precisou

criar uma estratégia de desempoderamento da ação da professora

para diminuir os questionamentos. A SME não compreende as

manifestações da professora, pois não compreende a concepção de

Educação do Campo, visto que a educação rural está enraizado nos

discursos e no atendimento, percebemos essa relação disposta num

campo de contradição do que é dever do Estado e o que é recebido

pela sociedade.

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Materiais didáticos: A escola começou a receber materiais didáticos

como todas as demais escolas do município, a professora relatou que

antes demorava demais para chegar ou até mesmo nem recebia os

materiais. Na última visita em campo (11 de abril 2014) a professora

nos mostrou a coleção Agrinho que a escola recebeu, a mesma

mostrou as contradições presentes no material e disse que não tem

condições de usá-la frente à prática materializada na concepção de

educação que está construindo na escola (somente por parte da

professora). Esta percepção, mostra que há um cuidado maior na

escolha do material que será utilizado principalmente pela

intencionalidade que ele traz. Assim supera-se a visão que para o

campo serve qualquer coisa conforme Souza (2011a) que aponta essa

condição como aspecto da educação rural.

Práticas educativas isoladas: O documento norteador (proposta

pedagógica) da escola, estava em construção, iniciou como proposta

coletiva, entretanto, foi finalizada apenas na SME. A professora relatou

que foi questionar sobre o andamento do documento e a pedagoga da

secretaria informou que estava no núcleo para análise.

Os encaminhamentos na escola estão se direcionando para a construção de

um projeto de educação do campo, embora as contradições fortemente presentes na

relação entre escola e SME, frente a isto, Caldart explica que:

A educação do Campo, fundamentalmente pela práxis pedagógica dos movimentos sociais, continua e pode ajudar a revigorar a tradição de uma educação emancipatória, retomando questões antigas e reformulando novas interrogações à política educacional e a teoria pedagógica. E faz isso, diga-se novamente, menos pelos ideais pedagógicos difundidos pelos seus diferentes sujeitos e mais pelas tensões/contradições que explicita/enfrenta no seu movimento de crítica material ao estado atual das coisas (CALDART, 2009 p.42).

A professora até o início do projeto recebia “ordens” de como organizar os

processos educativos, e tinha a função tarefeira de adaptar seu trabalho ao modelo

padrão do município, hoje tem argumentos para exigir um amparo efetivo para sua

atividade. Ainda que a escola não esteja caracterizada como ideal na concepção de

educação do campo, caminha para isto, porém, a pressão política é intensa e a

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vontade de fechar a escola é silenciada na postura da SME como uma proposta

oculta, mas ao mesmo tempo é extremamente perceptível pelo atendimento

prestado à escola. O que precisa ser refletida é a posição em que se estabelecem

esta mudança de concepção, o principio da libertação precisa ser incorporado ante

qualquer aspecto, para que não se reduza a uma opressão “ingênua” conforme

Freire alerta:

[...] É que, quase sempre, num primeiro momento de descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou sub opressores. A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se “formam”. O ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está, clara , é ser opressores. Estes são o seu testemunho de humanidade (FREIRE, 1987, p. 17).

Concordamos com Arroyo que escreve:

Um tratamento mais público na Educação do Campo poderá ser a garantia de novos tempos para a história da educação. Reconhecida no terreno dos direitos universais, de todo ser humano, e assumido como dever do Estado, a educação dos diversos povos do campo poderá ser construída em novas bases (ARROYO, 2004, p.62).

Essa troca de posição da condição de ingênuos do processo para consciência

e responsabilidade pela transformação se dá num campo de reconhecimento do

aluno enquanto humano, educação enquanto direito, e principalmente a diversidade

como possibilidade e não como atraso.

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5 AFINAL, QUAL A FUNÇÃO SOCIAL DO CURRÍCULO OCULTO?

Ao pensar o objeto de estudo deste trabalho que é a função social do

currículo oculto das escolas do campo, pensamos em identificar aspectos estruturais

que apontam os limites e possibilidades das práticas educativas presentes nas

escolas e nas orientações superiores. Todas essas orientações indicam que tais

perspectivas ao se materializarem podem condicionar o aluno (futuro operário) a

naturalizar a sua condição social ou emancipá-lo (futuro questionador e

transformador) frente às demandas do processo de produção capitalista, que

fazemos parte, e que por consequência do próprio sistema social se estrutura em

classes.

Esta reflexão da função social do currículo oculto em reposta ao modelo de

sociedade que temos é base do sistema educacional de forma geral, mas a

intensidade do resultado ganha ênfase quando pensamos na especificidade do

campo, onde normalmente a prática educativa é “condicionada” aos modelos

padrões do contexto urbano num caráter mandatório vindo verticalmente de órgãos

que se consideram superiores à função docente.

Esta lógica segregadora é intencional e tem um caráter hegemônico para

manter os processos de produção capitalistas. Concordamos com Souza et al que

escrevem:

Estudos realizados há décadas buscam realizar como funciona a escola na sociedade capitalista e como ela reproduz a sociedade em que está inserida. Para esta compreensão é importante ter a noção de que as relações sociais acumulam não só o capital econômico, mas também o capital cultural e social, e que a classe trabalhadora, independente do espaço em que estiver, sofre com as desigualdades no seu processo educativo, tendo menos acesso aos materiais didáticos e pedagógicos, aos instrumentos de escrita, aos bens culturais. Seus sujeitos são condicionados às relações sociais que mantêm sua própria condição social (SOUZA et al, 2008, p. 45).

Entendemos que o currículo voltado às demandas da lógica capitalista (que

vivemos), é compreendido como projeto para os futuros trabalhadores alienados à

sua função politica/crítica, comprometidos à atividade produtiva. Esta por sua vez

tem relações intrínsecas com a educação rural que deixa de lado a construção de

um sujeito socialmente construído, e não trabalha as teorias como um processo de

incorporação histórico humana, ou seja, ensina a teoria descontextualizada e sem

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um sentido transformador. A intencionalidade desta concepção volta-se à formação

de mão de obra para o mercado de trabalho. Frente a essa afirmação apontamos os

escritos de Souza et al, que escrevem:

A escola na sociedade capitalista, local de trabalho, atua com o objetivo de formar o trabalhador assalariado, capacitado para atender às demandas do mercado. Para isto, a escola ajusta-se às exigências do mercado de trabalho, proclama a intencionalidade pedagógica da instituição, sendo a instrução, o ensino-aprendizagem de memorização de conteúdos, a qualidade hegemonicamente pretendida pela educação (SOUZA et al, 2008, p. 45).

Com base nessas discussões da educação como perspectiva intencional para

a preparação para o mercado de trabalho, trazemos a crítica feita ao PRONATEC

CAMPO (que veio para engrenar as políticas da educação profissional do Estado)

sistematizado no relatório síntese do FONEC que indica essa política como é

antagônica a concepção de educação do campo, pois:

Trata-se de uma política imposta, sem tempo nem possibilidade de discussão, nem do conteúdo, nem da forma. É um programa constituído de projetos de cursos de capacitação que desconsideram a história construída em cada contexto. Assim, não é a nossa política. Os interesses privatistas se constituem no Pronatec, seja “Pronatec Campo” ou simplesmente “Pronatec”, pois não há diferença alguma entre um e outro. E o sentimento é de que, na atual correlação de forças, não só não tivemos condições de impedir sua instituição, como também, pelo fato de haver muito dinheiro envolvido, ele ostenta um potencial de cooptação das próprias lideranças dos trabalhadores do campo e dos trabalhadores da educação. Por consequência, os próprios trabalhadores não conseguem percebê-lo se não como uma oportunidade; pior, como se fosse a única oportunidade de formação técnico profissional que lhe cabe. O Pronatec contribui a que não se cogite discutir o acesso aos cursos técnicos com escolarização, que é, efetivamente o que os trabalhadores precisam, ainda que, em geral não tenham consciência disso. Ademais, qual será o campo de atuação dessas pessoas que serão capacitadas, tendo em conta as condições econômicas dos camponeses e as condições da agricultura familiar camponesa? Como e onde irão se inserir? Admitindo que possa ocorrer “inserção”, de toda maneira, somente a capacitação técnica não é suficiente para que não o seja de maneira restrita ao mundo da economia e no patamar da subalternidade (FONEC, 2013, grifo nosso).

Percebemos assim que a materialização da concepção de educação do

campo segue caminhos contrários à formação voltada ao processo de produção

capitalista, segundo o MST “este projeto educativo vincula e compromete-se com o

debate dos movimentos sociais do campo na luta pela construção [...] da reforma

agrária, o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento da agricultura camponesa e

a educação do campo” (MST, 2008, p. 23).

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A formação coerente com a educação do campo precisa ir além daquilo que

se recebe como orientação, deve-se questionar o que não for de utilidade para

emancipar os sujeitos, pois a função social crítica do ensino aprendizagem é

precisamente “preparar o educando para compreender seu tempo e colocá-lo em

movimento de transformação, resolvendo as situações contraditórias que aparecem

no mundo real do educando” (MST, 2008, p.24).

Segundo o MST “os envolvidos no processo curricular são sujeitos cognitivos

e sociais. Neste sentido, o currículo se constitui nas oportunidades que a escola

organiza no modo como educandos aproveitam estas oportunidades, ampliando sua

maneira de vivenciar o mundo” (MST, 2008, p. 27). Esta organização de conteúdos

conta com ideologias ocultas, que transmitem valores ao serem ensinadas e

respondem à sociedade com o seu resultado, esta ação intencional e planejada é

intitulada por currículo oculto termo definido por Apple (1989), que irá conduzir a

aprendizagem a um tipo de valor desejado, imposto e manipulado.

Currículo oculto, segundo Apple (1989), são as práticas realizadas na escola

que tem um caráter subliminar, que são percebidos ou não, mas que interferem no

desenvolvimento do trabalho da escola e tem grande peso na formação do aluno,

como as regras definidas (pontualidade, oração antes de iniciar a aula, suspensão

do aluno em caso de indisciplina), organização do espaço escolar (carteiras em fila

ou em círculo), organização das práticas pedagógicas (distribuição de grupos de

trabalhos voltados para o coletivo ou individual), relações que se estabelecem entre

professor-aluno (hierárquico ou horizontal), entre outras questões que realizamos na

escola que direta ou indiretamente possibilitam ou limitam formação emancipadora.

Ou seja, currículo oculto podem ser todos os encaminhamentos procedimentais que

se materializam e não interferem apenas nos conteúdos necessários à

aprendizagem mínima na educação básica, mas na formação humana do aluno.

No quadro 5 apresenta-se um quadro que sistematiza os encaminhamentos

do currículo oculto dentro da escola (pensado para a classe dominada), numa esfera

que tenta apresentar o que é? Como acontece? E por quê? Para explicar que toda

ação tem uma intenção e logo nenhuma prática é neutra:

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QUADRO 5 - ENCAMINHAMENTO DO CURRÍCULO OCULTO DENTRO DA ESCOLA

O quê? Como? Por quê?

Regras

Pontualidade, oração antes de iniciar a aula, suspensão do aluno em caso de indisciplina, uso do uniforme, obediência.

Valores solicitados ao futuro trabalhador que responda à necessidade do modo de produção capitalista.

Organização do espaço escolar

Carteiras em fila, direção da escola destacada como autoridade punitiva, biblioteca sem um sentido social ou inexistente. Negação das instâncias colegiadas, e de uma gestão democrática para não ensinar a classe dominada a se organizar e questionar.

Para materializar a visão de alguém superior (professor) no comando e diminuir as forças de organização coletiva. Biblioteca atende às demandas do capital, assim a formação será voltada a alienação e a individualidade.

Organização das práticas pedagógicas

Distribuição de grupos de trabalhos voltados para o trabalho individual, função social da escola voltada a competições. Atenção voltada ao ensino das áreas que são cobradas na prova brasil (que indicam a nota no IDEB). Hierarquização dos conteúdos dispostos em séries (aluno aprendeu o conteúdo não precisa retomar mais). Possibilidades culturais reduzidas a idas a parques aquáticos, parques temáticos ecinemas (filmes sem intencionalidade pedagógica). Distanciamento da prática social. Descumprimento dos dias letivos.Avaliação como poder (reprovar ou aprovar).

As práticas são voltadas as necessidade do mercado de trabalho. Os trabalhos individuais são intencionalmente pensados para condicionar a visão que trabalho coletivo não permite que os objetivos sejam alcançados. Ao pensar por si, cria uma raiz individualista necessária ao capitalismo, pois materializa uma indiferença frente à realidade que o sujeito vive (se há desigualdade com o outro, o que tem haver comigo?).

Relação professor-aluno

Todos os alunos são iguais (visão do aluno pronto e acabado). Hierarquicamente submisso, o aluno deve obedecer ordens e responder na prova apenas “as verdades incontestáveis” que foram transmitida pelo professor.

O mercado de trabalho exige um funcionário exemplar que saiba obedecer as ordens do seu superior da maneira que foi solicitada.

Relação professor-secretaria municipal de educação

Recebe orientações de como encaminhar às aulas, recebe o projeto político pedagógico pronto. Cursos de formação continuada sem intencionalidade intelectual. Não dão conta de acompanhar e orientar o trabalho do professor nas suas especificidades. Julgamento da competência e incompetência é feito por um órgão maior e a responsabilidade é do

Educação pensada na equidade constrói um padrão para todas as escolas seguirem, o resultado é competência ou incompetência do professor, deixando oculto a visão de que se a escola vai mal foi porque o professor não trabalhou, sem levar em conta as condições que esse professor tem para trabalhar. Assim esses valores são

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professor. transmitidos ao aluno para que ele também seja responsabilizado por não aprender o conteúdo na escola, e depois não ter competência para exercer uma tarefa “pensante” no mercado de trabalho. Ou seja é culpa do sujeito e não do sistema desigual.

Políticas públicas

Criar programas que levam tudo pronto ao professor, para que ele não tenha a necessidade de pensar sobre o que está utilizando. Tem um caráter assistencialista e compensatório.

Para desempoderar o professor na sua função docente, nesta lógica ele não terá condições (nem precisará) de questionar, logo, o aluno também não.

Provas padronizadas que querem “medir” o nível do conhecimento do aluno, sem uma avaliação qualitativa da especificidade da realidade educacional que o sujeito vive.

Para responder às demandas da economia internacional, sem sentido emancipatório que entenda os vários aspectos que interferem na aprendizagem do aluno, como infraestrutura, formação do professor, materiais didáticos coerentes com a realidade que vivem, entre outros aspectos que não tem relação com a característica pontual de cada sujeito.

Materiais didáticos

São carregados de ideologias, no contexto campo temos o exemplo do material voltado à lógica rural o “Agrinho”, e de livros didáticos descontextualizados, apostilas sem aprofundamentos teóricos.

Para limitar e diminuir o mínimo que o aluno precisa e deve aprender. Aprenderá o básico para servir as classes dominantes.

Elaborado pela autora, 2014.

Com o mapeamento acima, ainda que frágil, do que se tem por currículo

oculto, na escola voltada ao capital, contextualiza-se as práticas intencionais

pensadas para a escola do trabalho, ao contrário disso, pensa-se na escola como

mais um espaço que traduza a realidade e construa com os sujeitos possibilidades

de mudanças, assim concorda-se com Souza et al que escrevem:

A escola do campo necessita vincular-se como outros espaços educativos, a fim de formar lutadores sociais, militantes de causas coletivas e cultivadores de utopias que enxerguem para além dos problemas individuais e saibam criar condições/ possibilidades de mudanças. Nesse processo, a educação do campo dialoga com as matrizes formadoras do ser humano, de entre as quais destacamos duas matrizes pedagógicas que são importantes para o processo formativo/ educativo dos sujeitos do campo. Uma diz respeito à matriz do trabalho e a outra diz respeito à matriz da cultura (SOUZA et al, 2008, p. 52).

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O currículo coerente é além do esperado (o que está previsto nas normativas

como mínimo a ser incorporado pelos alunos), leva em consideração a sua realidade

como possibilidade, assim Souza et al, escrevem que:

Para a educação do campo, os educadores, assim como os coletivos escolares são sujeitos que devem conhecer profundamente a realidade em que estão inseridos, para ajudar a comunidade e o movimento a enxergar as contradições, refletir e encontrar soluções (SOUZA et al, 2008, p. 52).

Os autores ainda defendem que para que essa prática se materialize é

necessário que o professor confronte o planejamento com a especificidade do lugar:

[...] percebemos que o trabalho pedagógico tem limites em articular o planejamento de trabalho com as reais necessidades dos sujeitos educandos. Isso passa a ser uma rotina, porque é mais cômodo não nos envolvermos com problemas que dizem respeito aos outros e, nesse contexto, o comodismo torna-se natural e cada um resolve ou tenta resolver os problemas que fazem parte dos interesses pessoais. Isso fica evidenciado no isolamento e falta de articulação da prática educativa entre os educadores, tornando o trabalho uma soma de planos imediatos e não projetos articulados e de longo prazo (SOUZA et al, 2008, p. 52-53).

Neste sentido ao pensar no planejamento do professor percebe-se que há

fragilidades para contemplar a realidade do aluno frente às desigualdades presentes

no contexto do aluno, ao discutir que tipo ideologia se atribui ao processo educativo

o professor pode ter um norte para direcionar seu trabalho. Mas é fundamental

entender que o professor precisa conhecer a realidade para então trabalhar com ela.

Defende-se aqui que o professor precisa ter condições arbitrárias para efetivar o

ensino-aprendizagem, assim ele precisa saber (estudar, incorporar, acumular) os

conteúdos que serão trabalhados, afim de que o aluno some (aprenda, incorpore,

acumule) e não divida (lógica do professor que aprende com o aluno) o aprendizado.

Com a contribuição de Fonseca et al amplia-se a discussão e verifica-se o

que se espera da organização do processo educativo:

A organização do processo educativo tem como pano de fundo uma visão de mundo que carrega uma concepção de educação e de ser humano que emerge do contexto histórico, que se desenvolve e se aperfeiçoa na dinâmica social, econômica, política e cultural. [...] a organização do processo educativo visando à organização global da escola como um projeto, deve considerar também a sala de aula, embora a transcenda, Essa organização deve se dar num processo coletivo e construir-se no diálogo entre educadores, considerando os dirigentes da escola, a comunidade na

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qual a escola se insere, os educandos, levando em conta o tempo e o espaço social e histórico, assim como o ritmo de cada um, o que implica entender as diferenças e as diversidades (FONSECA et al, 2008, p. 59).

Ainda sobre a organização do processo educativo, Fonseca et al, contribuem

para dar visibilidade às intenções da escola voltada a atender às demandas dos

processos de produção capitalista:

A escola capitalista não se ocupa das relações humanas, pois precisa ensinar as relações das coisas. Não pode contribuir com a formação de sujeitos construtores de suas vidas, pois isso é muito perigoso para o próprio sistema. Seu papel não é o de provocar a mudança, uma vez que a desigualdade social é uma necessidade para a manutenção do sistema, devidamente incorporada pela escola em sua prática cotidiana e ali questionadora (FONSECA et al, 2008, p. 61).

Nesses encaminhamentos ocultos do processo educativo há sempre uma

intencionalidade, que é atender à uma classe que pensa em favor das suas

demandas, em toda ação há uma intenção logo não há neutralidade. Para romper

com essa lógica excludente é que se discutem orientações aos sujeitos do processo.

Pensar em uma escola que rompa com a lógica do capitalismo é a

possibilidade da emancipação dos seus sujeitos e logo para a transformação da

sociedade, Fonseca et al explicam que:

Tratar da organização do processo educativo, na perspectiva de transformação é entendê-lo dialeticamente. É uma construção permanente, que leva em conta o processo emancipatório do ser humano. Trata-se de uma emancipação que é antagônica à submissão e à obediência servil, levando-se em conta que um processo só é um processo educativo quando oferece elementos parra o desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano, considerando nos conteúdos a produção da cultura, a arte a dança, etc., enfim, os elementos significativos, relacionados com a vida concreta, não vazios, mas plenos de sentidos (FONSECA et al, 2008, p. 62).

A ideologia que estará marcada na prática de reconhecer a realidade para

superação da desigualdade é crítica e transformadora, assim é preciso que os

sujeitos se reconheçam dentro da face oculta que está enraizada nos

encaminhamentos didáticos para conquistarem o papel de questionadores.

Na escola pesquisada (Escola Rural Senador Alô Guimarães) pode-se

perceber vários aspectos que caracterizam ações subliminares que resultam em um

tratamento vindo do município e aderem à lógica da educação rural, a saber: 1) a

primeira questão é a proposta do município "urbanizar" a comunidade rural, essa

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intenção resulta em orientações voltadas à prática da educação rural que incorpora

um demérito à agricultura pensando no urbano como superior, diminuindo e

impedindo às discussões questionadoras da professora Fabiana resultando no

desempoderamento da professora, 2) Outra afirmação que indica ações ocultas na

escola é a construção da proposta pedagógica ter sido realizada na secretaria

municipal de educação, considerando a participação fragmentada (quase nula) da

professora 3) As práticas educativas vindas do município tem um caráter

assistencialista e desconsideram a emancipação dos sujeitos, 4) Não há incentivo

para a formação docente, principalmente voltada às demandas da concepção de

educação do campo, 5) A professora incorporou a concepção da educação do

campo, assim os valores transmitidos em sala com os conteúdos historicamente

construídos permitem a quebra de paradigmas presentes na diretriz curricular do

município, parte da organização da sala, adentra na organização do planejamento e

principalmente no significado que é confrontado com os conteúdos que os alunos

aprendem, que hoje tem valor ao contexto que vivem, 6) O fracasso do aluno é

responsabilidade da professora e do aluno, visto que não se constroem discussões

acerca da realidade que a escola se insere que é multisseriada, a secretaria

municipal de educação não compreende a estrutura desta organização curricular,

assim transfere a incumbência da própria professora de se organizar, 7) A escola

recebeu o “Agrinho” como material didático para trabalhar a realidade dos alunos,

essa prática diminui as possibilidades do trabalho pedagógico crítico e caminha

contra à concepção de educação do campo, a professora Fabiana compreende esse

conceito e tem condições arbitrárias de lidar com esse material, de modo que não

aliene os alunos ao trabalhar o agronegócio como possibilidade em detrimento à

agricultura.

A educação se efetiva com uma relação coletiva, a SME existe para ser uma

referência entre a escola, programas e políticas educacionais, tem papel

fundamental para promover a equidade e principalmente dar visibilidade às escolas,

que por sua vez existem para organizar construções educativas e provocar reflexões

que ampliem a visão de mundo das pessoas, devem possibilitar a socialização de

discussões teóricas de modo que sistematize o conhecimento produzido

historicamente para que o sujeito do processo responda a realidade de forma crítica.

Mas principalmente transforme-a, assim a escola é entendida além da estrutura

física, para uma estrutura social, portanto não existe escola sem pessoas, a relação

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entre escolas SME e comunidade deve se estabelecer no princípio horizontal, na

teoria as discussões devem atender às necessidades dos coletivos (comunidade) e

não aos interesses políticos do município, mas percebemos que na prática essa

relação tem um sentido antagônico do que deveria ser, assim, consideramos que

nessa relação há forjamentos, encaminhamentos ocultos que ficam visíveis apenas

para os sujeitos deste processo que são: comunidade, alunos, professores.

Segundo Fonseca et al:

Se a escola é um instrumento que contribui para manter o sistema, pode também, contribuir para transformá-lo. Acreditando nesta possibilidade, consciente de que a escola não está fora da sociedade, mas reflete sua organização, pensamos em possibilidades de irradiar elementos de construção de uma nova escola e, consequentemente, elementos de uma nova sociedade (FONSECA, et al, 2008, p. 63).

Com essa discussão pode-se concluir que a escola é um ambiente carregado

de ideologias, assim intenções pensadas e planejadas são transmitidas como

valores aos sujeitos do processo educativo, esses valores podem vir de um

processo pré-determinado elencado dentro de orientações contempladas num

caráter mandatório (estabelecido) ou num processo ingênuo incorporado pelo

próprio professor em face de sua formação oprimida que resulta num processo de

opressão, pois traz em sua prática fortemente marcada essa concepção.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral desta pesquisa foi caracterizar limites e possibilidade que o

currículo oculto exerce na Educação do Campo. Frente a essa proposta realizou-se

uma crítica à intencionalidade e a função social que se emprega à ação pedagógica

das escolas do campo, que responde ao questionamento de como o conteúdo é

ensinado. Essa ação relaciona-se com currículo oculto que são os

encaminhamentos didáticos materializados e pensados intencionalmente frente a

uma demanda social.

A Educação do Campo é rica de possibilidades para dialogar com os

conhecimentos produzidos historicamente, haja vista às lutas marcadas na história

destes povos para serem reconhecidos dentro das propostas sociais, o que ainda

não se efetivou por completo, mas caminha isto. Pois a Educação do Campo é um

projeto completo e só poderá ser considerado concluso se for contemplado a

totalidade da sua essência, levando em conta os coletivos de sujeitos.

Não há ingenuidade na prática educativa, isto é um resultado importante para

a superação da opressão, frente ao trabalho na escola. Todo trabalho é uma ação

intencional e planejada. Mais que assistencialismo, os professores precisam receber

condições econômicas e temporais de refletir sobre sua prática, é terrível a visão

que algumas instâncias sociais têm dos professores, no sentido de desconsiderar

sua posição enquanto construtores e emancipador da realidade. É preciso um

reconhecimento do professor e possibilidades de formações que transformem sua

prática.

A escola é o local que boa parte das pessoas irá passar, frente a isso, o

desempoderamento do professor efetiva a intencionalidade da classe dominante

para que os valores desejados e convenientes sejam transmitidos a uma grande

parcela da população por meio de “receitas ideológicas”. O professor que segue

essas receitas, não tem a necessidade (nem tempo) de pensar, planejar e discutir o

que será ensinado, assim o que mantém os processos de produção capitalistas

estão engendrados no trabalho pronto e acabado do professor (de forma oculta), e

isso é um facilitador do trabalho docente, mas monstruoso, pois faz perdurar a

desigualdade, e os padrões de classes (dominante e dominada), tornam-se

aceitáveis e desejáveis.

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É preciso compreender a produção histórica das teorias que respondem o

resultado que vivenciamos para então superá-las dentro das especificidades que o

currículo incorpora frente às demandas de um grupo dominante, para então

confrontá-las nos encaminhamentos didáticos do contexto do campo, assim

conhecer esse contexto e entendê-lo como ambiente carregado de ideologias

possibilita a emancipação.

O currículo escolar não é neutro, por meio dele percebemos o reflexo da

sociedade. Seu aspecto sempre esteve voltado a formação para às relações de

trabalho, um currículo ao operário manual e outro ao operário intelectual; neste

sentido se apagou a especificidade de formação crítica e política. E no campo não é

diferente, talvez seja pior, pois desconsidera a própria vivencia deste sujeito,

demonstra que ele sempre esteve atrapalhando um projeto de expansão nacional do

agronegócio, um absurdo, desvalorizar o sujeito, sua cultura e ainda roubar o direito

básico previsto em constituição do acesso à educação.

Frente a essa questão surge a oportunidade se de trabalhar um currículo

construído no contexto do sujeito, cria-se um movimento dentro próprio movimento

dos trabalhadores do campo, que resultou em inquietações do atendimento pautado

nas “adaptações” voltadas ao campo.

A educação tem seu valor considerado dentro dos movimentos sociais como

possibilidade de emancipação. A exigência é que o ensino neste sentido não tenha

um caráter mínimo e acabado, ou simplesmente voltado a atender uma determinada

especificidade técnica de trabalho, mas sim por um ensino que possibilite condições

arbitrárias de questionar e exigir aquilo que é de direito, pensar, criticar, mas

concebendo a formação humana como determinante.

A LDB normatiza a organização por ciclos, e possibilita um currículo além da

hierarquização de conteúdos, discutem-se propostas de materializar este currículo

dentro de uma perspectiva de formação humana, e experiências positivas surgem do

próprio contexto do campo que apresentamos neste sobre a Escola Estadual Iraci

Salete Strozak. Quebram-se paradigmas de que o padrão estabelecido por uma

diretriz permite a equidade. É preciso um norte para se trabalhar na escola, porém

as especificidades só serão contempladas se forem dialogadas pelos próprios

sujeitos. Assim é possível pensar em uma formação humana que caracterize a

realidade e dê condições do cidadão ter acesso ao conhecimento historicamente

produzido, para compreender a realidade e questioná-la.

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As matrizes pedagógicas como possibilidades de materializar a prática

educativa permitem ao professor sensibilidade de compreender o contexto do seu

aluno, tendo em vista que estes não são prontos e acabados, têm histórias, lutas,

sentimentos e precisam ter condições de se libertarem do papel de oprimidos que

tanto tempo ficou neutralizado na educação rural. Contemplar as matrizes

pedagógicas de Arroyo é possibilitar a liberdade que merece um cidadão.

Na escola pesquisada não é diferente, valorizamos o trabalho realizado pela

professora Fabiana, que é árduo, mas compensatório. Compensatório na ética que

lhe cabe enquanto docente, pois ela não permite se tornar massa de manobra para

alienar as crianças da escola. Vive em meio a tensões com a SME, mas luta, e com

a luta conquistou aspectos que caracterizam o projeto de educação do campo, e

assim caminha no processo de incorporar essa concepção de escola, sujeito e

sociedade.

O município atende a escola na perspectiva da educação rural, percebe-se

pelo tratamento recebido da SME que por sua vez tem intenções contrárias da

professora Fabiana. A pressão política é intensa, mas necessária, para que a escola

caminhe (ainda que na prática pedagógica), no limite que cabe à professora por uma

proposta de concepção de educação do campo.

A participação do projeto de pesquisa possibilitou a visibilidade da escola

enquanto espaço possibilitador de transformações sociais, alguns aspectos da

concepção de educação do campo foram incorporados, entretanto, muito precisa ser

conquistado com questionamentos e indagações frente ao atendimento que

comunidade escolar ainda recebe.

Por fim, entende-se que a função social do currículo oculto se estabelece na

concepção de educação que a escola acredita nas práticas pedagógicas, aquilo que

não se registra, a didática, os encaminhamentos do professor para que se efetive a

apropriação do conhecimento que definirão a concepção de educação. Dentro da

escola é possível provocar questionamentos que confrontem os conhecimentos

historicamente produzidos com as problemáticas sociais presentes no cotidiano do

aluno, o currículo oculto estará entre a opressão e a libertação, esta é a função

social, é a ideologia que se materializa na prática que acontece na escola e que

interfere além dela.

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