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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANNA CAROLINE KLAMAS DE LUCAS O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ANNA CAROLINE KLAMAS DE LUCAS

O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO

CURITIBA

2014

ANNA CAROLINE KLAMAS DE LUCAS

O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito Orientador: Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

CURITIBA

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

Anna Caroline Klamas de Lucas

O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do Título de Bacharel em

Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de _____________ de 2014.

________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

________________________________________________ Orientador: Prof. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

_______________________________________________ Professor:

UTP

________________________________________________ Professor:

UTP

AGRADECIMENTOS

Agradeço à família pelo apoio incondicional sempre, em especial a minha

querida e amada mãe Maria Edite Klamas, meu exemplo pessoal de luta e esforço

diários. Obrigada por tudo e ainda será pouco.

Agradeço ao meu querido Alan Medeiros que me acompanhou todos os dias

ao longo desta jornada, (e de tantas outras)! Revisou compulsoriamente meus textos

mal escritos, deixou-os compreensíveis! Incentivou-me a continuar sempre. Teria

sido muito, muito mais difícil sem você. Obrigada. Obrigada por caminhar ao meu

lado, por todo o amor e compreensão diários!

Agradeço ao caríssimo professor Daniel Avelar, pois o desejo de pesquisar o

tema surgiu de suas aulas inspiradoras e do seu esforço em mostrar aos seus

alunos sempre um pouco além do conteúdo dos textos! Sempre nos dizia: “–

Cuidado! Isso não é pacífico”; “– Observem! Há aí uma questão para se pensar (...)”,

além de toda a jurisprudência, direito comparado, casos concretos, e assim, eu me

coloquei a pensar! Não tenho como agradecer todos os insights que suas aulas,

falas e palestras me proporcionaram! Lembro-me de uma aula sua, em um sábado

de manhã, em que falou por ininterruptas 2 (duas) horas, generosamente e sem uma

gota d’água, por insensibilidade nossa, que sequer paramos para pensar que talvez

o professor precisasse de uma pausa. Registro aqui este dia porque era uma aula

do tipo ‘não obrigatória’, e este professor estava ali oferecendo o que podia dar de

melhor a todos nós, um exemplo de esforço, trabalho e dedicação, mas, sobretudo,

de muita generosidade, sem dúvida, uma qualidade de alguns poucos grandes

mestres! Obrigada professor! Obrigada por ter aceitado me orientar neste trabalho!

Obrigada por servir de exemplo! Obrigada por tudo!

Gostaria de agradecer à querida professora Aline Guidalli Pilati que conseguiu

autorização para que eu pudesse assistir às aulas do Professor Jacinto Nelson de

Miranda Coutinho na Universidade Federal do Paraná, como ouvinte. Foi uma

experiência única, ampliou-me os horizontes e as perspectivas em uma extensão

que sequer consigo precisar. Não há palavras para agradecer e não é preciso dizer

o quanto mudou minha vida, o quanto me foi caro! Obrigada professora pela

atenção, pela gentileza, pelos textos emprestados, pelas conversas e carinho a mim

dispensados, sem que eu nada pudesse lhe oferecer em troca! Obrigada pela

generosidade!

Agradeço ao estimado professor Francisco Rabello que gentilmente confiou a

mim um livro raro de sua biblioteca particular para que eu pudesse realizar o

trabalho que se segue. Um grande mestre do qual tive a honra de ter sido aluna.

Por fim, agradeço ao querido professor Sylvio Lourenço da Silveira Filho, a

quem tive a oportunidade de conhecer ha pouquíssimo tempo, mas que contribuiu

com os momentos finais deste trabalho, pontuando questões que tive oportunidade

de rever e consolidar o entendimento.

RESUMO

O tema do presente trabalho versou sobre o contraditório prévio ao juízo de admissibilidade. A instauração da ação penal ocorre por meio do recebimento da denúncia pelo magistrado, com base apenas nas alegações da acusação, violando princípios constitucionais correlatos ao processo penal no rito comum ordinário. Sendo assim, a decisão pela procedência da ação penal é relevante por ter como consequência a inauguração do processo penal, quando o juiz recebe a denúncia e cita o réu para que apresente resposta à acusação. Neste contexto, a questão que se pretendeu discutir relaciona-se à compreensão de que a ausência de contraditório prévio no rito comum ordinário representa uma afronta às garantias individuais constitucionais, bem como debater a importância de oportunizá-lo neste momento de análise liminar do recebimento da exordial acusatória Nesta perspectiva, trabalhou-se com a hipótese de que se o processo penal deve se desenvolver a partir das garantias individuais constitucionais – que protegem o indivíduo do arbítrio estatal, titular do jus puniendi – então restringir o contraditório no momento de formação do juízo de admissibilidade da acusação, significa privar o individuo daquelas garantias constitucionais. O tema da pesquisa se justifica pela contribuição com a discussão acadêmica vigente, que não é pacífica, assim, acredita-se que a ampliação do debate aqui proposto encontra alguma relevância sob a ótica da necessária democratização do processo penal brasileiro à luz dos preceitos constitucionais e do processo penal de orientação acusatória. A abordagem metodológica do presente se deu por meio de pesquisa qualitativa, buscando-se reunir, revisar e expor uma análise da discussão doutrinária sob uma perspectiva crítica do tema, bem como do entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores pátrios. Realizou-se também leitura, exposição e confronto dos artigos e preceitos legais correlatos ao tema a partir uma análise sistemática dos mesmos à luz dos princípios constitucionais e das recentes modificações legislativas. Como objetivo geral, buscou-se discutir a necessidade do exercício do contraditório no momento de formação do juízo de admissibilidade e suas implicações no que concerne ao efetivo exercício da ampla defesa no sistema processual penal brasileiro. Conclui-se por fim, que a inviabilidade do contraditório neste momento procedimental viola garantias constitucionais, sobretudo a garantia do devido processo legal e consequentemente, da ampla defesa e da presunção de inocência, postulando pela necessidade de uma alteração legislativa sobre a questão. Palavras-chaves: Contraditório prévio; Juízo de admissibilidade da acusação;

Recebimento da denúncia ou queixa.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................

2 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS: A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, O DEVIDO PROCESSO LEGAL, GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA CORRELATOS AO PROCESSO PENAL ..................................................................................................................................

2.1 A GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ..............................................

2.2 A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO.................................................................

2.3 A GARANTIA DA AMPLA DEFESA ...................................................................

2.4 A GARANTIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA .............................................

3 O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUIZO DE ADMISSIBILIDADE.....................

3.1 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO PENAL..........................................

3.2 CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS........................

3.2.1 A possibilidade jurídica do pedido na doutrina tradicional e a tipicidade aparente na doutrina crítica......................................................................................

3.2.2 O interesse de agir na doutrina tradicional e a punibilidade concreta na doutrina crítica...........................................................................................................

3.2.3 Legitimidade ad causam..................................................................................

3.2.4 Justa Causa.....................................................................................................

3.2.5 Pressupostos processuais...............................................................................

3.3 A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA OU QUEIXA À LUZ DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E O PAPEL DO CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE..............................

4 RESPOSTA À ACUSAÇÃO OU DEFESA PRÉVIA NAS REFORMAS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO – UMA REVISÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO.........................................................................................................

5 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NO RITO COMUM ORDINÁRIO CONFORME O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.................................................

5.1 A QUESTÃO DA CITAÇÃO E O MOMENTO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA NO PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO E A LEI N. 11.719/2008..............................................................................................................

5.2 A POLÊMICA EM TORNO DO MOMENTO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, DEFESA PRÉVIA E A QUESTÃO DO CONTRADITÓRIO PRÉVIO

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AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE...........................................................................

5.3 DO RECEBIMENTO OU REJEIÇÃO DA DENÚNCIA QUANTO AOS INSTITUTOS DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO E AS POSSIBILIDADES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA DA DINÂMICA PROCEDIMENTAL NA LEI 11.719/2008 À LUZ DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO....................................................................................................

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................

REFERÊNCIAS.........................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta como tema o princípio do contraditório na

formação do juízo de admissibilidade da acusação. A instauração da ação penal

ocorre por meio do recebimento da denúncia pelo juiz com base apenas nas

alegações da acusação. Sendo assim, a decisão pela procedência da ação penal é

relevante por ter como consequência a inauguração do processo penal, quando o

juiz recebe a denúncia e cita o réu para que apresente resposta à acusação. Neste

contexto, a questão que se pretende discutir relaciona-se à compreensão de que a

ausência de contraditório prévio no rito comum ordinário represente uma afronta às

garantias individuais constitucionais, bem como debater a importância de oportunizá-

lo neste momento de análise liminar do recebimento da exordial acusatória.

Trabalha-se com a hipótese de que se o processo penal deve se desenvolver a

partir das garantias individuais constitucionais – que protegem o indivíduo do arbítrio

estatal, titular do jus puniendi – então restringir o contraditório no momento de

formação do juízo de admissibilidade da acusação, significa privar o individuo

daquelas garantias, violando em última instância, princípios constitucionais.

O tema da pesquisa se justifica pela contribuição com a discussão acadêmica

vigente, que não é pacífica, principalmente no que concerne ao momento de

recebimento da denúncia por parte do juiz, em função da aparente contradição ou

antinomia normativa presentes no Código de Processo Penal entre os artigos 396 e

399. O assunto carece de referencial teórico próprio e consistente, além do fato de

que a ausência de defesa prévia no rito comum ordinário encontra amparo legal e

jurisprudencial em matéria processual penal no Brasil, o que coloca sua discussão e

questionamento no âmbito de um posicionamento crítico frente ao status quo

instituído. Por fim, acredita-se que a ampliação do debate aqui proposto encontra

alguma relevância sob a ótica da necessária democratização do processo penal

brasileiro à luz dos preceitos constitucionais e do processo penal de orientação

acusatória.

A abordagem metodológica do presente se deu por meio de pesquisa

qualitativa, buscando-se reunir, revisar e expor uma análise da discussão doutrinária

sob uma perspectiva crítica do tema, bem como do entendimento jurisprudencial dos

Tribunais Superiores pátrios. Realizou-se também uma leitura, exposição e

confronto dos artigos e preceitos legais correlatos ao tema a partir uma análise

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sistemática dos mesmos à luz dos princípios constitucionais e das recentes

modificações legislativas.

Como objetivo geral, o presente trabalho buscou discutir a necessidade do

exercício do contraditório no momento de formação do juízo de admissibilidade da

acusação e suas implicações no que concerne ao efetivo exercício da ampla defesa

no sistema processual penal brasileiro. Para tanto, realizou-se uma pesquisa no

capítulo 2, no sentido de apresentar os princípios e garantias individuais

constitucionais, correlatos ao processo penal, em que se buscou demonstrar que um

processo penal que se pretenda acusatório, deverá nortear-se pelos princípios

cunhados na Constituição da República. O capítulo 3 apresenta uma exposição das

questões prévias passíveis de análise pelo juiz liminarmente ao recebimento da

acusação, quais sejam, os pressupostos processuais e as condições da ação. O

intuito foi o de demonstrar que a partir da apresentação dos aspectos e premissas

que envolvem a formação do juízo de admissibilidade, é possível identificar em que

medida este instituto da persecução penal, já em sede de jurisdição, afronta a

garantia do contraditório, em face do próprio direito de ação, do jus persequendi, ou

do jus libertatis que são igualmente constitucionais e correlatos ao processo penal.

No capítulo 4 apresenta-se uma breve revisão histórica do instituto da

resposta à acusação ou defesa prévia nas reformas do código de processo penal

brasileiro desde o Projeto Frederico Marques de 1973, passando pelos Projetos de

reforma do CPP do ano de 1994 - Comissão do Ministério da Justiça - Sálvio de

Figueiredo Dias acerca das mudanças nos artigos 395 e 396, também pelo

Anteprojeto reforma do CPP do ano de 2000 - Comissão constituída pelo Ministério

da Justiça presidida por Ada Pellegrini Grinover, até o Projeto de Lei nº 4.207/2001

que mudou o procedimento comum ordinário e transformou-se na lei 11.719/2008. O

objetivo deste capítulo é demonstrar que a ideia de oportunizar a defesa prévia ao

juízo de admissibilidade da ação penal de certa forma sempre esteve presente nos

projetos de alteração do código de processo penal brasileiro, mas nunca lograram

êxito na legislação pátria. Por fim, apresenta-se breve menção ao atual projeto de

reforma global do Código de Processo Penal que tramita atualmente no congresso,

o PLS 156, que é retomado posteriormente ao se tratar da polêmica em torno do

recebimento da acusação a partir dos artigos 396 e 399 do CPP ao final do trabalho.

No capítulo 5, apresentou-se a questão da defesa prévia e do contraditório

prévio ao juízo de admissibilidade no procedimento comum ordinário, tendo como

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pano de fundo, as alterações legislativas operadas pelo projeto de Lei nº 4.207/2001,

tendo como pano de fundo a polêmica provocada por um aparente duplo

recebimento da denúncia que restou da leitura dos artigos supracitados.

Por fim, nas considerações finais foram apresentados os princípios e

garantias constitucionais considerados violados pelo atual procedimento de

recebimento da denúncia no rito comum ordinário do Código de Processo Penal,

quais sejam, o devido processo legal, a presunção de inocência e a ampla defesa.

Tal violação decorre justamente da ausência de contraditório prévio ao juízo de

admissibilidade da acusação.

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2 - DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS: A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, O

DEVIDO PROCESSO LEGAL, GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA

DEFESA CORRELATOS AO PROCESSO PENAL.

Os princípios constitucionais devem nortear toda a atividade legislativa,

judiciária e executiva no Estado Democrático de Direito, bem como regular o limite

da atuação estatal frente aos cidadãos. E ainda, para além de ideias fundantes e

fundamentais, são revestidos de força normativa e devem ser observados a ponto

de terem sido elevados à qualidade de ‘garantias’, como é o caso do artigo 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Tanto que, por força do

artigo 60 §4º, IV da Constituição da República, os direitos e garantias individuais,

consubstanciados com os princípios e objetivos constitucionais do Estado brasileiro,

constituem-se enquanto cláusulas pétreas.

Sendo assim, toda reflexão que se pretenda realizar sobre o tema do Direito

Penal e do Direito Processual Penal, deve passar pela revisão dos princípios

constitucionais que lhes são correlatos, bem como pela reiteração de se ter como

norte, os direitos e garantias individuais previstos na Carta Maior.

2.1 A GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal consagrado pela Constituição Federal de

1988 no seu artigo 5º, LIV1, remonta historicamente à Magna Charta Libertatum de

1215 e à contemporânea Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em

seu art. XI, nº 1, in verbis:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

No que se refere especificamente ao processo penal, o devido processo legal

é a única forma de o Estado exercer o jus puniendi, a aplicação de uma sanção

penal, prevista em lei, ao mesmo tempo em que constitui-se ele próprio uma

1 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

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garantia aos acusados em geral de que serão preservados seus direitos essenciais,

constitucionalmente consubstanciados com o princípio da dignidade da pessoa

humana e também aqueles indisponíveis e inalienáveis. Ou seja, uma garantia de

limitação ao poder do Estado em face do indivíduo, do seu status libertatis e da sua

presunção de inocência, mesmo quando submetido a uma persecução penal que só

se constituirá legítima, se observadas as regras decorrentes deste princípio basilar.

Ainda no que se refere ao devido processo legal como garantia jurisdicional, a

doutrina é pacífica em destacar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que passou a integrar a ordem

jurídica brasileira por meio do Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, por força

do art. 5º, parágrafos 2º e 3º da Constituição da República de 1988. O artigo 8º da

Convenção define uma série de garantias penais e processuais penais, muitas delas

já consagradas pela nossa própria Constituição, com a ressalva da inovadora

garantia da duração razoável do processo, previsto na referida Convenção, e que

passou a figurar expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil

apenas em 2004, por força da EC nº 48 de 08 de dezembro, no inciso LXXVII do

artigo 5º.

O devido processo legal enquanto garantia da legalidade dos atos

processuais, deve ser considerado como “fator legitimante do exercício da

jurisdição” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2013, p. 91), sem o qual o Estado

Democrático de Direito não pode atuar, dado os princípios da legalidade e da

vedação do excesso que revestem e limitam a atuação estatal em relação aos

cidadãos. Neste sentido, o processo penal não pode se configurar enquanto legítimo

caso tais pressupostos norteadores não sejam observados à luz do texto

Constitucional. Quanto a este tema, preceitua o voto do Ministro Relator Eros Grau

abaixo transcrito:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNIOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARTS. 1º, III, E 5º, LIV E LVII, DA CB/88. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê

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amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal é inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. (STF - HC: 100872 MG , Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 09/03/2010, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-05 PP-01097) (sem grifos no original)

O trecho acima transcrito evidencia que da garantia do devido processo legal

se extraem outras garantias correlatas ao devido processo penal, quais sejam, o

princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana, a presunção de

inocência, ampla defesa e o contraditório. A partir da garantia do devido processo

legal é possível avaliar se as garantias que dele decorrem estão ou não presentes

no processamento de um caso penal.

O princípio do devido processo legal é um direito e também um conjunto de

garantias às partes de que o processo judicial será realizado a partir de

determinadas premissas garantidas em leis, elaboradas a partir de um processo

legislativo regular. Está consubstanciado no direito norte-americano na expressão

susbtantive due process of law, em que “a face substancial do devido processo legal

mostra-se na aplicação, ao caso concreto, de normas preexistentes, que não sejam

desarrazoadas, portanto, intrinsecamente injustas” (TUCCI, 2011, p. 61-62). A

aplicação de tais normas deve ser realizada por meio de instrumento hábil e

adequado à sua intepretação e realização, de acordo com os preceitos da

Constituição da República de 1988.

O devido processo legal deve garantir a paridade de armas, visando à

igualdade das partes no contexto do processo, essa igualdade substancial deve ser

efetiva, o que significa dizer; “somente será atingida quando, ao equilíbrio de

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situações, preconizado abstratamente pelo legislador, corresponder à realidade

processual” (IDEM, p. 63).

Vale ressaltar que o devido processo legal deve revestir-se de

impessoalidade e imparcialidade, e, neste ponto, reclama a vedação legal a

qualquer tribunal de exceção, consubstanciada com a figura do juiz natural,

conforme Pacelli (2012, p. 39 - 40):

Atendida a exigência de vedação de instituição de qualquer tribunal ou juiz de exceção para o caso, pode-se falar em juiz natural, inafastável por legislação infraconstitucional, em razão de estar a distribuição da competência estabelecida na própria Constituição Federal (...) consequência óbvia do princípio da impessoalidade que subordina as relações Estado/administrado, e, assim, também, Estado/jurisdicionado. (sem grifos no original)

No processo penal, por exemplo, o devido processo legal preconiza

determinados direitos e garantias específicos, como por exemplo, o princípio ne bis

in idem, em que se proíbe que o Estado imponha a um cidadão, uma dupla sanção

ou um duplo julgamento sobre um mesmo caso ou sobre a prática de um mesmo

crime. Neste sentido assevera Paulo Rangel (2012, p. 22):

O devido processo penal substantivo significa que o Estado não pode privar arbitrariamente os indivíduos de certos direitos fundamentais, como o direito de não ser julgado, duas vezes, pelo mesmo fato, criando uma forma de autocontrole constitucional dos atos discricionários do Estado na persecução penal.

Do mesmo modo, Tucci (2011, p. 66) leciona acerca do devido processo

penal e a observância de suas garantias constitucionais fundamentais, tais como:

(a) de acesso à Justiça Penal; (b) do juiz natural; (c) de paridade de armas; (d) de ampla defesa e do contraditório; (e) da publicidade dos atos processuais; (f) da motivação das decisões judiciais; (g) da razoável duração do processo; e (h) da legalidade da Execução Penal.

Por derradeiro, o devido processo legal objetiva a consecução dos direitos

fundamentais, “mediante a efetivação do direito ao processo, materializado num

procedimento regularmente desenvolvido, com a concretização de todos os seus

respectivos componentes e corolários, e num prazo razoável” (TUCCI, 2011, p. 64).

Assim, há que se observar a legalidade do procedimento e de todos os atos de um

processo preconizados por lei, mas também, para além dessa imposição à limitação

legal, observar a efetivação dos princípios relacionados aos direitos e garantias

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individuais, consagrados na Constituição da República, sempre que a atuação

jurisdicional do Estado seja reclamada.

2.2 A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO

Conforme Badaró (2014, p. 16), referindo-se neste ponto a Joaquim Canuto

Mendes de Almeida, a concepção mais clássica do conceito do contraditório,

repousa na ideia de que a ciência dos atos do processo, enquanto necessária

informação às partes é o que lhes possibilita contrariá-las, bem como reagir àqueles

atos e teses que lhes são desfavoráveis. Porém este conceito foi aprofundado e em

certa medida atualizado para a concepção de que o contraditório efetivo seja

devidamente estimulado pelo juiz, a fim de que a sua síntese dos casos encontre

apoio em “premissas simétricas” e, portanto, configure-se “mais justa”. Isto significa

defender a ideia de que “(...) a estrutura dialética do processo se aperfeiçoa por

meio de teses e antíteses com conteúdos e intensidades equivalentes” (BADARÓ,

2014, p. 16).

O autor traz uma releitura do princípio do contraditório no sentido de apontá-lo

como elemento fundamental do processo, para além da simples reação da parte em

face da ciência dos atos processuais. Aponta para o papel do juiz como ator no

sentido do fomento ao exercício contraditório das partes, uma vez que este princípio

delineia os limites do seu conhecimento sobre o caso penal. O contraditório é

colocado para além da possibilidade de reação das partes frente às informações,

mas, como algo constitutivo da busca da verdade no processo penal.

Consignado com a teoria do processo como relação jurídica, o autor ainda

apresenta o contraditório não apenas sobre os fatos relevantes para a busca da

verdade, mas também naquelas questões referentes ao direito. Isso não significa

dizer que o juiz está adstrito à dialética tese-antítese, uma vez que pode decidir

diversamente de quaisquer das teses, mas ao permitir que as partes se manifestem

no que tange às questões de direito e permitir o seu debate, pode contribuir

qualitativamente com o teor da decisão tomada ao final e evitar aquilo que o autor

chama de “sentença de surpresa”. Conforme Badaró (2014, p. 17) “deve-se evitar a

surpresa não só em relação ao material probatório, mas também em relação à

matéria de direito debatida. Nem sempre a questão de direito se resolve em um

simples processo de subsunção”.

17

Para o autor, tudo o que resultar em conteúdo de relevância decisória deve

ser oportunizado ao contraditório prévio das partes.

Em suma, diante da previsão constitucional do princípio do contraditório, em termos amplos e abertos, sua interpretação deve ser no sentido de um contraditório pleno e efetivo, com ampla participação do juiz, que deve respeitar e, se necessário, implementar o contraditório em relação às partes, mas também observando ele mesmo o contraditório, que deverá instaurar-se previamente, tanto em relação à matéria fática quanto às questões de direito, que não poderão ser objeto de decisão que cause surpresa às partes. (BADARÓ, IDEM, p. 18) (sem grifos no original)

Do mesmo modo, ainda que com contornos próprios, Aury Lopes Jr (2012).

apresenta o seguinte conceito de contraditório, “o contraditório deve ser visto como o

direito de participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar

informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental” (LOPES JR., 2012,

p. 241). A efetividade do contraditório reside, portanto no direito à informação e

participação das partes em relação a todos os atos processuais. Entretanto, para

além do direito de informação, o autor chama a atenção para a efetivação do

contraditório por meio do direito de audiência, da fala, das alegações mútuas de

forma dialética, e para atuação equidistante do juiz, porém não menos fomentadora

do contraditório no sentido ouvir as partes, de permitir-lhes ampla participação no

processo, atender seus requerimentos e petições, e decidir, fundamentadamente,

mesmo nas decisões de caráter interlocutório, “(...) evitando atuações de ofício e as

surpresas.” (LOPES JR., IDEM). Um processo penal que se pretenda minimamente

e fundamentalmente acusatório, não pode prescindir do princípio do contraditório, da

contradita das alegações deduzidas pela outra parte.

Outro autor que contribui para a ideia da efetividade do contraditório como

garantia fundamental do processo penal é Eugênio Pacelli (2012), que reforça o

entendimento do contraditório como elemento necessário à formação dialética do

processo em que as partes participam e atuam em “paridade simétrica” dos atos

processuais, e neste ponto, remete à Elio Fazzalari, ao afirmar que a falta do

contraditório, enseja, por exemplo, nulidade absoluta, quando da sua ausência restar

“prejuízo para o acusado”, há segundo o autor, um:

(...) interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal. Por isso, bem-vinda a Súmula 707 do STF, que dispõe: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo (PACELLI,2012, p. 44)

18

Segundo Pacelli, esta súmula é inovadora na medida em que preceitua a

insuficiência da nomeação do defensor dativo para responder ao recurso, interposto

contra a rejeição da denúncia, no que tange às questões processuais do artigo 356

do CPP. Chama ainda a atenção para o papel fundamental do contraditório no

conhecimento do caso penal, em todas as suas dimensões, permitindo ao juiz uma

análise mais abrangente dele, a partir dos argumentos e teses das partes, além da

ampliação do debate acerca das questões relativas às matérias de fato e de direito

que o compõe.

A garantia do contraditório deveria ser observada desde a fase postulatória

da persecução penal a fim de evitar a ocorrência de constrangimento ilegal contra o

cidadão passível de ser atacado em sede de Habeas Corpus, conforme os dois

julgados do STF, presididos pelo Ministro Gilmar Mendes e pelo Ministro Luiz Fux,

respectivamente apresentados a seguir:

EMENTA: 1. Habeas corpus. 2. Formação de cartel, tráfico de influência, corrupção ativa e quadrilha ou bando. Pedido de declaração de inépcia da denúncia. 3. A peça acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável. Precário atendimento dos requisitos do art. 41 do CPP. 4. Violação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 5. Ordem concedida para que seja trancada a ação penal instaurada contra o paciente. (HC 113386, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-103 DIVULG 31-05-2013 PUBLIC 03-06-2013) (sem grifos no original) Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. VÍCIOS NA PEÇA ACUSATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA, EX OFFICIO, PARA ANULAR PARCIALMENTE A DENÚNCIA, SEM PREJUÍZO DE QUE OUTRA SEJA OFERECIDA COM OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL. 1. A competência originária do Supremo Tribunal Federal é de direito estrito e, como consectário do efeito taxativo do rol constante da Constituição Federal, há de ser afastada do âmbito de suas atribuições jurisdicionais o processo e julgamento de causas que não se apresentam adequadas àquelas previstas no artigo 102 da referida Carta. 2. Afigura-se flagrantemente paradoxal, em tema de direito estrito, conferir interpretação extensiva para abranger hipóteses não sujeitas à jurisdição originária do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal deve conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional contrasta com os meios de contenção de feitos, que objetivam viabilizar o exercício, em sua plenitude, de função de guardião da Constituição Federal. 3. Pedido de habeas corpus não conhecido. 4. O Código de Processo Penal, no artigo 41, prescreve que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as

19

circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime (indicação de rol de testemunhas, se houver), exigências que encontram fundamento na necessidade de o representante do Ministério Público precisar os limites da imputação, possibilitando ao acusado, prima facie, o conhecimento da alegação de infringência à norma incriminadora e o exercício da ampla defesa. 5. O artigo 41 do Código de Processo Penal é de necessária observância, posto que a inépcia da denúncia baseada em descrição do fato delituoso, viola as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório, integrantes do núcleo essencial do due process of law. 6. In casu, a peça acusatória - à exceção do crime de furto – em relação ao crime de homicídio, não demonstra, sequer perfunctoriamente, a responsabilidade do denunciado e paciente, nem mesmo o nexo de causalidade entre a conduta deste e o crime supostamente cometido, nada dispondo quanto aos meios empregados ou de que maneira teria ele participado da suposta prática delituosa. 6.1 É que se impunha a narrativa dos fatos e das condutas empreendidas, conquanto não fosse exigida, desde logo, que a peça acusatória trouxesse a lume a comprovação dos fatos imputados em toda a sua inteireza, pois o que se exige é a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, ainda que sucintamente, sob pena de, não o fazendo, vir a impossibilitar ou a dificultar o exercício da ampla defesa e do contraditório (...) 8.O voto proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça pelo Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, embora vencido, bem evidenciou a nulidade da denúncia oferecida perante o Juízo de Primeira Instância, merecendo, inclusive, a censura do Ministério Público nesta sede, in verbis: “(...) É da letra do art. 41 do Cód. de Pr. Penal que ‘a denúncia (…) conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias...’ Isso exige que se diga, a par de quem morreu, quem matou, onde, quando e como se fez, se sozinho ou com o auxílio de outrem, e de que forma foi prestado esse auxílio, qual a contribuição desse concurso no objetivo criminoso. Portanto, para atender às prescrições legais, deve conter os sujeitos ativos (quis), os meios empregados para atingir o resultado criminoso (quibus auxiliis), o resultado (quid), o lugar do delito (ubi), o modo pelo qual foi praticado o crime (quomodo) e o tempo do fato (quando). Ora, o que efetivamente se sabe a respeito do paciente é que estava presente no momento da ação delituosa, e nada mais. (…) A exordial acusatória é desprovida do quibus auxiliis e quomodo, pelo que contraria tanto a determinação processual, quanto à garantia da defesa ampla e contraditório”. 9. Habeas corpus extinto sem julgamento do mérito, posto ser substitutivo de recurso ordinário constitucional, e concessão, de ofício, da ordem, porque evidenciada a inépcia da peça acusatória em relação ao crime de homicídio, sem prejuízo de que outra seja elaborada em relação ao réu, com o cumprimento dos ditames processuais penais legais. (HC 110015, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 19/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 10-04-2013 PUBLIC 11-04-2013) (sem grifos no original)

2.3 A GARANTIA DA AMPLA DEFESA

No processo penal, a garantia da ampla defesa, consubstancia um princípio

constitucional basilar em favor dos “acusados em geral”, que atende a uma

exigência do devido processo legal, e que, terá sua plenitude assegurada, em um

primeiro momento, pela efetivação da contraditoriedade em todos os atos que

20

compreendem a persecução penal e em todas as suas fases, e conforme a Carta

Magna, “com todos os meios e recursos a ela inerentes”2. (TUCCI, 2011, p. 154).

O direito à ampla defesa comporta o direito à informação plena por parte do

acusado da imputação que lhe é feita, de maneira que ele possa realizar sua defesa,

contraditando-a, assim como de todos os atos processuais que decorram da sua

citação válida. Compreende também o direito a autodefesa, e o indisponível direito à

defesa técnica, como forma de garantir a ‘paridade de armas’ face ao órgão

acusador. E neste aspecto, tanto o magistrado quanto o próprio Ministério Público

devem atuar no sentido de que tal direito seja efetivo, e não apenas mera

formalidade decorrente do devido processo legal.

Há um dever do Estado de que tal direito seja efetivamente garantido à todos

os cidadãos em qualquer processo, mesmo nos administrativos, o que o torna

imperativo, portanto, no processo penal.

No Estado Democrático de Direito, o direito à ampla defesa também guarda

íntima relação com o princípio da isonomia e o direito à igualdade do cidadão

perante a lei, principalmente frente ao poder punitivo do Estado. Trata-se de garantir

ao cidadão, máxima proteção ao seu status libertatis diante do Estado, que assumiu,

por força do contrato social, selado pela Constituição, o monopólio da jurisdição e da

força física, em contrapartida da garantia dos direitos inalienáveis dos homens. Essa

questão é neste ponto colocada, porque no contexto do processo penal, o direito de

ampla defesa é também uma forma de equiparar ou equilibrar em paridade de

armas, o direito de o acusado ‘lutar’ por sua liberdade frente ao direito de ação que

consubstancia a dedução de demanda acusatória ao órgão jurisdicional estatal.

Neste sentido, Grinover (2013, p. 93):

Pode-se afirmar que a garantia do acesso à justiça, consagrando no plano constitucional o próprio direito de ação (como direito à prestação jurisdicional) e o direito de defesa (direito a adequada resistência às pretensões adversárias), tem como conteúdo o direito ao processo, com as garantias do devido processo legal. Por direito ao processo não se pode entender a simples ordenação de atos, através de um procedimento qualquer. O procedimento há de realizar-se em contraditório, cercando-se de todas as garantias necessárias para que as partes possam sustentar suas razões, produzir provas, influir sobre a formação do convencimento do juiz. E mais: para que esse procedimento, garantido pelo devido processo legal, legitime o exercício da função jurisdicional.

2 Art. 5º, LV da CRFB/1988.

21

O que se depreende do trecho acima transcrito, com todas as ressalvas que

se deve ter em relação à transposição das categorias do direito processual civil ao

processo penal, é a ideia necessária de que ao direito de ação, equipara-se o direito

de ampla defesa, principalmente no contexto do processo penal, no qual o que ‘está

em jogo’ é o próprio direito de liberdade do cidadão quando submetido a uma

persecução penal.

Outro aspecto da garantia ao direito à ampla defesa relaciona-se ao fato de

que este não se confunde necessariamente com o contraditório, embora esteja com

ele intimamente relacionado. Tanto Badaró (2014, p. 18) quanto Aury Lopes Jr.

(2012) citam o mesmo trecho da professora Ada Pelligrini Grinover, exatamente no

que se refere a esta questão, estes autores entendem que a violação da ampla

defesa não viola necessariamente o contraditório, e vice versa. Conforme Grinover

(apud LOPES JR., 2012, p. 241)

Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.

Isso ocorre porque o contraditório se aplica às partes e não apenas ao réu, ao

passo que se pode cercear o direito de defesa especificamente, por exemplo, no que

tange ao aspecto da defesa técnica adequada. Outro exemplo é na fase de

investigação, que Conforme Badaró (2014, p. 20) é flagrante a desvantagem da

defesa, quando relacionada ao direito de ação, ou ainda quando se confere ao réu

direito de defesa sem proporcionar-lhe tempo adequado para tanto.

2.4 A GARANTIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

A presunção de inocência esteve prevista desde o Direito Romano, mas foi

abduzida pelo processo inquisitório na Idade Média, em que uma situação de dúvida

já correspondia a uma semiprova e, portanto a uma semiculpabilidade, tendo sido

retomada e consagrada pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789, por

ocasião da Revolução Francesa, e novamente, rechaçada por Manzini, entre o final

do século XIX e início do século XX que “(...) chegou a estabelecer uma equiparação

22

entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade” (LOPES JR.,

2012, p. 235).

Para Aury Lopes Jr. (IDEM), a presunção de inocência é “o princípio reitor do

processo penal”, decorre do princípio da jurisdicionalidade, que pressupõe a

necessidade de um devido processo legal, único meio de se produzir provas contra

quem quer que seja, e, se caso for, submetê-lo a uma pena. É também garantia de

liberdade e proteção do cidadão contra eventuais abusos do Estado, pressupõe o

dever de tratamento aos acusados em um processo penal, observadas as garantias

constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana.

Lopes Jr. ainda chama a atenção para o fato de que a presunção de

inocência implica no total afastamento do julgador na produção de provas, do papel

de acusador, já que, se considerado inocente, “o réu nada deve provar”, e em

sobrevindo dúvidas, que estas conduzam à absolvição, dada a imposição do in

dubio pro reo.

O princípio in dubio pro reo não necessariamente se confunde com o princípio

da presunção de inocência, mas está intimamente relacionado a este, bem como ao

princípio do Favor Rei, em que “o interesse do acusado goza de prevalente proteção

no contraste com a pretensão punitiva” (GRINOVER, 2013, p. 63). Ainda conforme a

autora, são exemplos desta prevalência as disposições do artigo 386, VI, da

absolvição por insuficiência de provas, os recursos privativos da defesa, conforme

disposto nos artigos 607 e 609, bem como a revisão somente em favor do réu do

artigo 623 e o parágrafo único do artigo 626, todos do Código de Processo Penal.

A presunção de inocência confere verdadeiros limites à atividade persecutória

e punitiva do Estado, tanto no aspecto da dimensão interna ao processo penal,

quanto externa, como por exemplo, a limitação ao abuso das prisões cautelares, ou

medidas que restrinjam direitos do cidadão ao longo do processo e na fase pré-

processual, a vedação e proteção do imputado quanto à exposição midiática que o

estigmatiza e condena previamente, além da responsabilidade de prova das

alegações, toda por conta do órgão acusador. Para Aury Lopes Jr. (2012, p. 236), o

nível de eficácia e observância da presunção de inocência, considerada como

princípio reitor do processo penal, permite averiguar “a qualidade de um sistema

processual”. No mesmo sentido, Badaró (2014, p. 22) também considera tal princípio

como:

23

componente basilar de um modelo processual penal que queira se respeitador da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana (...) Liga-se a própria finalidade de um processo penal: um processo necessário para a verificação jurisdicional da ocorrência de um delito e sua autoria.

Trata-se de uma presunção que está no plano político e ideológico da

constituição de um Estado de Direito, que visa a garantir a liberdade dos cidadãos,

que por sua vez, diante de uma persecução penal, deve observar outros princípios

consoantes ao devido processo legal, e, por isso, garantir determinadas regras de

tratamento dos acusados, de comprovação de culpa por parte da acusação, dentre

outros supramencionados. Para Badaró, a noção de estado de inocência se equivale

ao estado de não culpabilidade que se exteriorizará no decorrer do devido

processamento do caso penal. A presunção de inocência, de acordo com Aury

Lopes Jr., só se efetiva ao longo do processo, quando o juiz se mantém em posição

de alheamento das partes, e conhece do caso penal apenas a partir de uma

estrutura dialética, contraditória, enquanto garantidor do processo acusatório.

24

3 O CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUIZO DE ADMISSIBILIDADE

3.1 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO PENAL

A partir das lições de Enrico Tulio Liebman em sua obra “Estudos sobre o

Processo Civil Brasileiro” (1947), no capítulo em que postula sobre O despacho

saneador e o julgamento do mérito, tem-se que o juízo de admissibilidade da ação

pode ser compreendido como a análise prévia que o magistrado deve fazer antes de

colocar-se a julgar o mérito da causa. De acordo com o autor, a devida separação

pelo julgador das questões prévias daquelas relacionadas ao mérito, é conveniente

à devida instrução do processo e à economia processual, significa dizer que antes

de se colocar a analisar o mérito da causa, o julgador deverá observar aspectos que

dizem respeito à regularidade e validade do processo. Tais questões prévias se

referem aos pressupostos processuais e às condições da ação. Essa análise é

necessária por configurar a base em torno da qual se discute o juízo de

admissibilidade, com a necessária ressalva de que tais elementos, quando

realocados do processo civil para o processo penal, encontram neste último,

dissonâncias que devem ser apontadas e consideradas.

O está ‘em jogo’ no juízo de admissibilidade da ação penal são suas

consequências no âmbito da formação do processo penal, principalmente para o

acusado, que, a depender da decisão do juiz, será colocado em uma situação de

réu, o que por si só, já representa um sofrimento e estigmatização do mesmo, na

medida em que foi citado para responder a uma denúncia formalmente deduzida e

recebida contra si por parte do Estado-juiz.

O juízo de admissibilidade serve como filtro que se interpõe entre o jus

accusationis e a possibilidade do jus puniendi, que só se efetivará por meio do

processamento do caso penal em tela, para o qual se busca responder por meio do

devido processo legal com o correspondente provimento jurisdicional, se houve

infração penal e se é o caso de punir seu agente, “nulla poena sine judicio”. O juízo

de admissibilidade é julgamento prévio que o juiz realiza liminarmente acerca da

ocorrência de um aparente ilícito penal e da procedência ou não da Ação Penal,

mediante a verificação de seus requisitos legais, quais sejam, as condições da ação

e os pressupostos processuais. Cabe ressaltar que neste momento de formação do

25

processo penal, o juiz não estará decidindo sobre a condenação ou não do acusado,

mas tão somente acerca das questões que pressupõem a instauração do processo

penal. Tal verificação permite ao juiz analisar a procedência da Inicial, que,

juntamente com os pressupostos processuais, informarão ao magistrado se estão

presentes os requisitos de existência e validade do processo, para que se prossiga

com o processamento e julgamento do mérito do caso penal.

A partir da apresentação dos aspectos e premissas que envolvem a formação

do juízo de admissibilidade, será possível identificar em que medida este instituto da

persecução penal, já em sede de jurisdição, afronta a garantia do contraditório, em

face do próprio direito de ação, do jus persequendi, ou do jus libertatis que são

igualmente constitucionais.

O direito de ação é um direito à jurisdição ilimitado e incondicionado,

consubstanciado pela Constituição da República no seu artigo 5º, XXXV. Deve ser

compreendido no sentido de que o direito de ação constitucionalmente previsto é

amplo e genérico, não sofre qualquer limitação, na medida em que assegura o

direito de pretensão, ou direito de petição dos indivíduos-cidadãos. Porém, no plano

processual, a ação precisa ser revestida de requisitos legais para se tornar

procedente e “inaugurar” o processamento de um caso penal. Uma das razões

dessa limitação é a tentativa de coibir denúncias temerárias que se prolonguem no

tempo e no decurso de um processo penal sem razão de ser.

Ainda é necessário ressaltar que no plano processual, as condições da ação

dizem respeito à obtenção da tutela jurisdicional. Há nesta esfera, condições prévias

que serão consideradas pelo juiz, que, quando verificar a ausência de quaisquer

delas, deverá de plano, rejeitar a peça inicial.

De todo modo, o direito de ação e seu conteúdo genérico se mantêm

inalterado mesmo em casos de rejeição por parte do órgão jurisdicional da petição

livremente deduzida em juízo, ainda que para declará-la inepta. Conforme Silveira

(2005, p. 41):

Nessa hipótese, contudo, moveu-se a jurisdição (...) exerceu-se a ação. O condicionamento da ação, portanto, decorre da lógica que preside o sistema, voltada para não se ter prejuízos e perda de tempo. Assim, (...) pode-se concluir que as condições da ação são requisitos à obtenção da tutela jurisdicional, sem uma das quais está obstada a apreciação do mérito (com o qual não se confundem), cuja finalidade é evitar o emprego abusivo do direito de ação.

26

Ao realizar a análise das condições da ação e dos pressupostos processuais,

o juiz deve, por exemplo, julgá-la improcedente naquilo que não depender de prova

e que puder ser identificado em sede de cognição sumária, como em casos de

ilegitimidade da parte nas ações penais privadas, ou mesmo das públicas

condicionadas à representação. Embora a análise da regularidade formal da Inicial

não guarde relação com o mérito do caso penal a ser processado, este não será

apreciado pelo juiz em casos de rejeição da denúncia.

Decorre destas questões a necessidade de um contraditório prévio ao juízo

de admissibilidade. Primeiramente porque daria ao juiz melhores condições de

cognição do caso penal apresentado e de decidir sobre a procedência ou não da

exordial, ao mesmo tempo em que conferiria ao acusado as garantias exigidas no

devido processo legal, conferindo também legitimidade ao ato jurisdicional, que,

conforme disposto no Código de Processo Penal atual, é unilateral e revestido de

elementos inquisitivos que não se coadunam com os princípios constitucionais de

um Estado de Direito que se pretende garantista e democrático.

3.2 CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Antes de iniciar a exposição das questões prévias analisadas no juízo de

admissibilidade da ação, cabe a ressalva de que a pura e simples transposição das

categorias processuais civis para o processo penal, na tentativa de construir uma

teoria geral do processo, não se mostra válida do ponto de vista de uma análise

científica, uma vez que parte de um pressuposto da ideia de lide, inexistente no

processo penal, por inúmeras razões3, dentre as quais, por “possuir fundamentos

eminentemente privados (pretensão e conflito de interesses)” (LUCCHESI, 2009, p.

9). Do mesmo modo, Antonio Acir Breda (1980, p. 97-98) em relação à possibilidade

de compatibilização com a doutrina do processo civil, assevera que seu trabalho

“não comporta crítica quanto à validade científica desta postura” mas afirma que,

“por ora, basta dizer que as condições exigidas para o exercício da ação penal são

aquelas catalogadas na lei processual penal”.

Assim, optou-se por apresentar uma exposição das condições da ação e dos

pressupostos processuais que contemplasse por um lado, as noções fundantes da

3 Para um aprofundamento da questão vide Coutinho (1989) “A lide e o conteúdo do Processo Penal”.

27

doutrina tradicional majoritária, que defende a existência de uma teoria geral do

processo, consubstanciada nos ensinamentos de Enrico Liebman, e as condições da

ação penal propostas pela doutrina crítica, da qual participam autores como Antonio

Acir Breda, Fernando Fowler, o professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,

dentre outros. Segundo a escola crítica, as condições da ação penal, ainda devem

ser extraídas do revogado artigo 43 do CPP4 pela Lei 11.719/2008, conjugado com o

artigo 18 bem como por meio de uma análise sistemática, com outros dispositivos do

mesmo diploma legal, devido ao fato de a lei revogadora ter instituído no artigo 395

do CPP, por exemplo, as condições de rejeição da denúncia ou queixa de maneira

imprecisa, além de se referir às condições da ação e pressupostos processuais de

forma demasiadamente genérica. Neste sentido, Silveira (2008, p. 115):

Embora a sistemática original tenha autoria em Fowler e Breda, Coutinho promoveu importantes ajustes no modelo. A partir deste último autor, e desde tais dispositivos legais, pode-se dizer que são condições genéricas (isto é, que se aplicam a todos os casos) da ação penal em sentido estrito: a) tipicidade aparente (art. 43, I, do Código de Processo Penal); b) punibilidade concreta (art. 43, II, do Código de Processo Penal); c) legitimidade da parte (art. 43, III, 1ª parte do Código de Processo Penal); d) justa causa (art. 43, III 2ª parte, c/c art. 18, ambos do Código de Processo Penal).

Para Liebman (1947) as questões prévias são divididas ou classificadas da

seguinte forma: análise dos pressupostos processuais que se inexistentes tornam

irregular a relação processual, quais sejam, a capacidade das partes e a

competência do juiz; análise acerca da ausência de causas impeditivas, como por

exemplo, a litispendência ou coisa julgada, e ainda perempção, convenção de

arbitragem, a suspeição do juiz ou situações terminativas do processo, e, por fim,

análise das condições da ação.

No que se refere às condições da ação, Liebman fala em “carência de ação”

quando ausentes quaisquer das suas condições em espécie, quais sejam, a

possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam.

4 Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - o fato narrado evidentemente não constituir crime; II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único. Nos casos do no III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

28

Para que o juiz possa julgar a demanda, é necessário, sob a ótica do autor, que

estejam presentes todas as condições da ação, pelo fato de configurarem os

requisitos de sua existência. Embora majoritariamente a doutrina considere as

mesmas condições da ação civil como passíveis de transposição ao processo penal,

como é o caso de Cintra, Grinover e Dinamarco (2013, p. 279), os quais postulam

que a ausência de uma das condições da ação, obsta o exercício do direito de ação,

segundo a doutrina crítica, por outro lado, não há que se falar em limitação ou

carência do direito de ação. De acordo com a Constituição da República, o direito de

ação é subjetivo, público, abstrato e incondicionado, constituindo-se, conforme

Coutinho (1989, p. 144) como “um direito-dever de provocar a atuação jurisdicional

(...) para acertar um determinado caso penal”, limitado apenas no âmbito processual,

para evitar demandas temerárias. Como dito anteriormente, ainda que para decidir

pela rejeição da denúncia, e proferir sentença terminativa sem resolução de mérito,

moveu-se aí a jurisdição, e, conforme Silveira (2008, p. 107):

Convém lembrar que as condições da ação penal não dizem com a existência da ação penal e não representam limite ao seu exercício. Antes, são requisitos legais de admissibilidade da acusação, no sentido de que condicionam a atuação jurisdicional em relação ao acertamento do caso penal.

O que se depreende do trecho acima transcrito é a necessidade de se

compreender que enquanto garantia constitucional, a ação possui um conteúdo

amplo e genérico, mas que possui requisitos processuais legais que garantem a

admissibilidade da sua propositura a partir de uma análise da sua regularidade

formal e dos fins a que se presta, ou seja, dar início ao processamento de um caso

penal.

Cabe ainda ressalva acerca da diferenciação das condições genérica da ação

penal, das suas condições específicas, dentre as quais figuram: a representação do

ofendido na ação penal pública condicionada (art. 100, §1º, CP c/c art. 24 do CPP);

a requisição do Ministro da Justiça (art. 100, §1º, CP c/c art. 24 do CPP); a entrada

do agente brasileiro, em território nacional, nos crimes cometidos no estrangeiro (art.

7º, §2º, CP); a sentença civil de anulação do casamento no crime do artigo 236 do

CP (art. 236, parágrafo único); o exame pericial homologado pelo juiz, nos crimes

contra propriedade imaterial (art. 529, caput, CPP); dentre outros exemplos, como é

o caso da necessidade de esgotamento da via administrativa nos crimes contra a

ordem tributária, conforme súmula vinculante nº 24 do STF.

29

3.2.1 A possibilidade jurídica do pedido na doutrina tradicional e a tipicidade

aparente na doutrina crítica

No direito processual civil, uma demanda é juridicamente possível se não for

vetada pelo ordenamento jurídico, e como exemplo clássico de pedido juridicamente

impossível, dado por Liebmam era o pedido de divórcio, quando inexistente no

Brasil, por exemplo, a possibilidade de dissolução do casamento, razão pela qual o

juiz não deveria “conhecer da lide, porque, de qualquer modo, não poderia proferir a

decisão pleiteada pelo autor” (LIEBMAN, 1947, p. 140). Para o autor, a possibilidade

jurídica é “a admissibilidade em abstrato do provimento reclamado, segundo as

normas vigentes no ordenamento jurídico nacional” (LIEBMAN apud SILVEIRA,

2008, p. 100). A partir de uma reconsideração por parte do próprio autor de seu

posicionamento doutrinário sobre o tema, devido à alteração legislativa, restou claro

que no processo civil, o pedido do autor (polo ativo) da relação jurídica processual,

não precisa estar expresso no ordenamento jurídico para ser considerado viável,

basta que não esteja vetado pela lei5. A análise desta condição da ação deve ser

concebida em termos negativos, ou seja, significa que faltará essa condição da ação

diante de expressa proibição legal.

No processo penal, a possibilidade jurídica do pedido será concebida em

termos positivos, ou seja, desvirtuada de seu conceito próprio, se importada tal

como conceituada no âmbito do processo civil ao processo penal, isso porque neste

último a conduta imputada ao acusado deve ser típica, sob pena de rejeição da

denúncia por falta de condição da ação. E como o juiz está decidindo em sede de

cognição sumária, basta que os fatos ali narrados tenham aparência de tipicidade.

Até porque da maneira como o procedimento ordinário está posto hoje no

ordenamento jurídico pátrio, sem a possibilidade de um contraditório prévio ao juízo

de admissibilidade, não é possível ao juiz antecipar uma decisão de mérito sem

prova produzida em contraditório. A defesa prévia ao juízo de admissibilidade

configurar-se-ia caríssima neste ponto.

Uma coisa, portanto, é o autor demonstrar que os fatos narrados na imputação têm, na aparência, credibilidade suficiente para serem

5 Neste sentido Moniz de Aragão In: Coutinho, 1989, p. 146.

30

considerados típicos, algo tão-somente comprovável no curso do processo; outra é a comprovação efetiva. Inclusive, a prova produzida no crivo do contraditório pode conduzir à conclusão oposta, ou seja, que o fato é atípico. Está aqui portanto, mais uma evidência de não ser o processo penal o veículo onde, a todo custo, deve impor a pretensão punitiva. Ao contrário, o Estado-administração, em razão da prática de um crime, quer processar o caso penal e, se assim entender a jurisdição, executar a pena, mesmo porque, nesse sentido, seu vontade (assim como a do querelante), não tem importância. (COUTINHO, 1989, p. 147)

Infere-se do trecho acima transcrito que o autor refere-se à tipicidade

aparente justamente porque é distinta, neste momento da jurisdição penal, da

tipicidade objetiva enquanto matéria de mérito do próprio caso penal. Neste sentido

leciona Fernando Fowler (1977, p. 91), ao mencionar o inciso I do revogado artigo

43 do CPP, acerca da primeira condição da ação penal:

Sem que o fato típico objeto da imputação tenha a aparência de delito definido na lei penal, impossível é que a acusação se revista de idoneidade para justificar a instauração de um processo. O fato constante da imputação deve ser certo e determinado, isto é, representativo de um trecho de realidade vivida, que guarde correspondência a um modelo abstrato cunhado na lei penal.

Do mesmo modo, Lucchesi (2009, p. 22) chama à atenção ao correlato

princípio da reserva legal relacionado à tipicidade aparente:

(...) a fim de se evitar um prejulgamento do mérito do processo, a cognição da tipicidade de se dar de forma bastante sumária, cabendo ao julgador verificar tão somente a aparência de tipicidade dos fatos narrados, isto é, se o fato narrado na peça acusatória está previsto na legislação penal brasileira como crime (...) Tal condição da ação decorre logicamente do princípio da reserva legal, pois somente aquelas condutas que se amoldem a descrição legal é que podem estar sujeitas à sanção previamente estabelecida em lei.

Se o juiz entender no juízo de admissibilidade da acusação, que a conduta

narrada na inicial é atípica, deverá desde logo rejeitar a denúncia ou queixa por falta

de condição da ação.

3.2.2 O interesse de agir na doutrina tradicional e a punibilidade concreta na doutrina

crítica

Outra condição da ação em espécie para Liebman (1947) relaciona-se ao

interesse de agir, em que o autor da ação precisa demonstrar ter um conflito de

interesses, a partir do qual, o direito lesionado afirmado, torne a prestação

31

jurisdicional solicitada, necessária e adequada. Conforme Silveira (2005, p. 44),

Liebman ainda ressaltou a necessidade de o interesse configurar-se como útil, ou

seja, passível de “trazer um benefício prático-jurídico ao interessado”. O interesse de

agir é considerado necessário porque o ordenamento jurídico brasileiro não permite

a autotutela na composição da lide e deve ser adequado em relação ao provimento

jurisdicional demandado.

No direito processual penal, não se aplica tal noção do interesse de agir pelo

fato de o Estado não poder exercer o jus puniendi senão por meio do processo

penal, nulla poena sine judicio e nulla poena sine judice, decorrentes do princípio da

indefectibilidade da jurisdição penal, amparada pela Constituição da República nos

incisos LIII e LIV do artigo 5º, de maneira que a ideia da necessidade na ação penal

condenatória é implícita.

Neste sentido assevera Fowler (1977) que o critério que se apresenta

coerente no processo penal é o da punibilidade concreta, ou seja, é condição de

admissibilidade da denúncia ou queixa, a possibilidade de se aplicar ao acusado a

pena prevista em lei, diante do caso penal em tela, desde que não esteja extinta a

punibilidade do fato. A punibilidade concreta estava prevista no revogado artigo 43

do CPP em seu inciso II. De maneira que sempre que se vislumbrem as hipóteses

dos artigos 107 e principalmente 109 do Código Penal, no que tange ao juízo prévio

de admissibilidade da ação penal, deve o juiz rejeitar a denúncia ou queixa por falta

de condição da ação.

Considerando-se que o desiderato do processo penal é o acertamento de um caso penal, com possível imposição de pena, e que a existência de causa de extinção de punibilidade frustraria seu atingimento, não há como negar a punibilidade como condição da ação penal (SILVEIRA, 2005, p. 58)

Caso sobrevenha no curso do processo qualquer causa de extinção da

punibilidade, deverá ser decretada a qualquer tempo segundo o que se depreende

do artigo 61 do CPP. E neste sentido cabe a ressalva da menção à extinção da

punibilidade como causa de absolvição sumária do acusado no artigo 397, IV,

primeiramente por se tratar de matéria de ordem pública, “não pode ser restrita a

uma causa de absolvição sumária” (LUCCHESI 2009 p. 24), em segundo lugar

porque não se trata de absolver o acusado, e sim da perda do jus puniendi do

Estado.

32

3.2.3 Legitimidade ad causam

A legitimidade da parte como condição da ação deve ser analisada em juízo

prévio de admissibilidade da ação penal. No processo civil tem-se, na proposição de

Liebman (1947), que a legitimatio ad causam refere-se à titularidade passiva e ativa

da ação, ou seja, “ao reconhecimento pela ordem jurídica de que o autor e o réu são

as pessoas com titularidade para propor (ativa) e para contestar (passiva) a

providência demandada”, tendo-se como norte a noção civilista de lide (SILVEIRA,

2008, p. 104).

No processo penal, por outro lado, tal condição da ação deve ser pensada em

termos das diferenças entre a ação penal pública e privada, a partir do que dispunha

o inciso III, primeira parte, do artigo 43 do CPP. Na ação penal pública, conforme se

depreende do artigo 129, I da Constituição da República, é o Ministério Público o

seu titular legítimo, enquanto que na ação penal de iniciativa privada, é o ofendido-

querelante, ou seu representante legal, nas hipóteses admitidas em lei, por força do

artigo 30 do CPP. Porém, nem o Ministério Público ou mesmo o ofendido são

titulares do poder de punir, exclusivo do Estado, que o faz a partir do processamento

jurisdicional do caso penal. O processo penal não comporá qualquer conflito de

interesses, como se depreende do conceito de lide, o processo penal ao contrário,

busca o acertamento do caso penal a fim de aplicar, se for o caso, a sanção penal

prevista em lei.

Quando o Ministério Público promove uma ação penal, não possui pretensão

punitiva, “não garante os direitos do ofendido (...) e não substitui a vítima”

(SILVEIRA, 2005, p. 52) devendo restringir-se ao pedido de processamento do feito.

Assim, a pertinência da questão subjetiva da ação penal só pode ser considerada no

que se refere à legitimidade passiva, ou seja, ao autor do fato imputado.

Vale lembrar que tal condição da ação, poderá deixar de existir, se aceita a

proposta de extinção das ações penais de iniciativa privada, conforme tramita no

legislativo a proposta de reforma do Código de Processo Penal, PLS 156/2009.

3.2.4 Justa causa

A justa causa pode ser considerada como uma quarta condição da ação, e se

refere a um lastro mínimo probatório de autoria e materialidade delitiva. Embora o

33

revogado artigo 43 do CPP, na parte final do inciso III, não mencione objetivamente

a justa causa, refere-se à “falta de condição exigida pela lei para o exercício da ação

penal” e assim a considera conforme a doutrina crítica. Outro instituto do Código de

Processo Penal que se refere à justa causa, como necessária ao recebimento da

acusação, pois exige um mínimo de informações suficientes para embasá-la, é o

artigo 18 do CPP, que em certa medida complementa a leitura do artigo supracitado,

na medida em que dispõe: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela

autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá

proceder a outras pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.

Antonio Acir Breda (1980, p.97) leciona:

(...) faltará condição para o exercício da ação penal, nos casos que o titular do ius puniendi pedir o arquivamento “por falta de base para a denúncia”. Estaríamos diante da chamada falta de justa causa para a acusação, isto é, falta de prova do fato e de indícios de autoria, requisitos indispensáveis ao exercício da ação penal, uma vez que o processo penal não se compadece com a acusação fruto de mera elaboração mental (...) Em suma, a denúncia exercida com falta de base para a acusação (idoneidade de pretensão) pode ser fruto de mera denunciação caluniosa, devendo por isso mesmo, ser rejeitada.

Aqui reside um importante aspecto do processo penal que deve ser levado

em conta, que é o fato de que ter o acusado uma denúncia recebida contra si e ver-

se processado pelo Estado, por si só configura-se a imposição de uma ‘pena’ ao

mesmo, quando do juízo de admissibilidade da acusação. Revestir a denúncia de

elementos que demonstrem a existência de um fato criminoso, bem como a

indicação de que o denunciado seja o autor deste fato a partir de informações

colhidas ao longo da investigação preliminar, são absolutamente imprescindíveis

para se demonstrar a viabilidade da ação penal no intuito de inadmitir denúncias

temerárias.

Neste sentido, adverte o Ministro Gilmar Mendes em voto proferido pelo

deferimento da ordem de HC para trancamento de ação penal, e no caso em tela,

ordem deferida, por maioria:

O tema tem, portanto, sérias implicações no campo dos direitos fundamentais. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Mas há outras implicações! Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1º, III, da Constituição. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do

34

homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana (...). Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe a o indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso. (...) Parece que estamos no campo da vagueza absoluta, da indeterminação ilimitada, da acusação pela acusação. Nesses termos, pedindo vênia ao Ministro-Relator, defiro a ordem para trancar a ação. (STF, HC 84.409/SP, 2ª T., j. 14.12.2004, m.v. rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 19.08.2005). (Sem grifos no original)

A investigação preliminar se presta à reunião de elementos de convicção para

o órgão acusador embasar a denúncia com a existência de elementos probatórios

mínimos acerca da existência material de um crime e a autoria delitiva, sem os quais

a inicial deverá ser rejeitada, sob pena de caracterizar constrangimento ilegal

ensejando habeas corpus como o exemplo supracitado.

Conforme Badaró (2009, p. 142), tomando como base as lições de Francesco

Carnelutti acerca das diferenças entre possibilidade, probabilidade e certeza, o grau

probatório para configurar a justa causa e consequentemente justificar a propositura

de uma denúncia, deve demonstrar a certeza da ocorrência do crime e a

probabilidade de que o acusado seja o seu autor.

O ‘lugar’ da justa causa na doutrina nacional não é pacífico, há autores que

lecionam que a ausência de quaisquer das condições da ação implica na própria

ausência de justa causa para a ação penal, como é o caso de Maria Thereza Rocha

de Assis Moura. Por outro lado Antonio Acir Breda a considera uma quarta condição

genérica à admissibilidade da acusação, tratando-a em sentido estrito. Há autores

que a identificam com o interesse de agir e outros com a possibilidade jurídica do

pedido6.

O próprio artigo 395 do CPP em seu inciso III, conforme a nova redação dada

pela lei 11.719/2008 insere a justa causa como um elemento distinto das condições

ação penal. De qualquer forma, conforme disposto neste artigo e para os fins a que

se pretende este trabalho, nos restringimos à afirmação de que sem elementos que

comprovem a existência de um crime e em grau de probabilidade apontem o seu

6 Vide Badaró (2009) e (2014).

35

autor, a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada, porque a ação penal se mostra

inviável, assim como também o será, se não descrever um fato aparentemente típico

ou se já estiver extinta a punibilidade.

3.2.5 Pressupostos processuais

A questão dos pressupostos processuais também não é pacífica na doutrina.

Atribui-se a Oskar Von Bülow, em sua obra “A teoria das exceções processuais e os

pressupostos processuais” a noção de que processo enquanto relação jurídica,

exige determinados requisitos para que se constitua e se desenvolva de maneira

válida e regular. Tais requisitos devem ser observados pelo juiz em “procedimento

prévio” ou autônomo.

Para Liebman (1947), a análise prévia dos pressupostos processuais deve ser

realizada porque se ausentes, inviabilizam a constituição da relação processual. Tal

análise deve levar em conta, a capacidade das partes, a competência do juiz e a

ausência de causas impeditivas, como por exemplo, a litispendência, coisa julgada,

perempção, convenção de arbitragem, a suspeição do juiz ou situações terminativas

do processo.

Badaró (2009, p. 126) apresenta a discussão sobre os pressupostos

processuais a partir de uma divisão sistemática em duas grandes teorias, uma que

ele chamou de restritiva, e outra de ampliativa. Autores circunscritos à teoria

restritiva consideram que a análise dos pressupostos processuais deve levar em

conta a regularidade da demanda formulada, deduzida perante uma autoridade

jurisdicional competente, por uma entidade capaz de ser parte em juízo.

Por outro lado, aqueles autores relacionados à teoria ampliativa, consideram

os pressupostos processuais a partir de determinados pressupostos de existência e

validade da relação jurídica processual, revestidos de caráter subjetivo e objetivo.

Como caráter subjetivo dos pressupostos processuais, consideram as partes e o juiz

e suas questões correlatas à competência, imparcialidade e capacidade postulatória.

O caráter objetivo dos pressupostos processuais se refere a determinados

pressupostos intrínsecos, como por exemplo, a regularidade da peça inicial, a

citação válida e a regularidade procedimental, e como pressupostos extrínsecos,

aqueles pressupostos negativos relacionados às causas impeditivas.

36

Badaró (2009, p. 128) ainda levanta a seguinte ressalva quando da análise

dos pressupostos processuais: “Se a existência desses requisitos não é verificada

previamente, em procedimento autônomo, tal qual ocorria na construção original de

Bülow, melhor denominá-los pressupostos de sentença de mérito”.

Ainda em relação a este tema, Antonio Acir Breda (1980) leciona acerca dos

pressupostos processuais de existência e de validade. Os pressupostos processuais

de existência, uma vez ausentes, teriam como consequência lógica a própria

inexistência da relação processual, sua ausência constituiria vício insanável do

processo. Tais pressupostos se relacionam aos próprios sujeitos da relação

processual, ou seja, autor, réu e um juiz com jurisdição penal. Para Breda (1980, p.

94) “onde inexiste relação processual não é possível pensar-se em sanação do vício

processual, uma vez que inexiste processo”.

Já no que diz respeito aos pressupostos processuais de validade do

processo, a ausência destes, configura-se nulidade absoluta:

Daí a importância prática da distinção entre os pressupostos de existência e validade. Na falta dos primeiros não surge o processo, e em tal caso, qualquer decisão (condenatória ou absolutória) não tem eficácia. Na falta dos pressupostos de validade, a relação processual é nula. Aliás, a nulidade é absoluta. (IDEM, p. 95).

São pressupostos de validade, conforme o autor, a regularidade formal da

acusação, expressa no artigo 41 do CPP; a citação válida, que permite a correta

integração dos sujeitos na relação processual, principalmente para o réu que será

informado acerca da acusação e deverá integrar a relação com a garantia da ampla

defesa; a competência do juiz, que tem como consequência a inexistência do

processo em casos de impedimento e a sua nulidade em casos de suspeição,

conforme artigos 252, 254 e 101 do CPP; a capacidade das partes, em que o autor

faz a ressalva das diferenças entre a capacidade de se estar em juízo, ou

capacidade processual e a capacidade postulatória e suas diferenças nas ações

penais públicas e nas ações penais de iniciativa privada; e por fim, a originalidade da

causa, enquanto pressuposto processual negativo, no sentido de se avaliar a

ausência de litispendência ou coisa julgada, por exemplo.

Ainda como pressuposto processual de validade do desenvolvimento regular

do processo, leciona Breda, que se deve oportunizar a ampla defesa, considerada

como autodefesa e defesa técnica, esta última postulada dentre outros, pelo artigo

37

261 do CPP e também, no que tange a fase de instrução criminal, a participação

obrigatória do Ministério Público, conforme disposição do artigo 564, III, “d”, do CPP.

O autor também chama a atenção para as diferenças essenciais entre os diferentes

procedimentos a serem adotados no que se refere aos seus pressupostos de

validade, conforme o que preceitua o artigo 394 do CPP.

Breda ressalva em seu texto que não é possível ao juiz analisar e verificar

liminarmente se estão ou não presentes todos os pressupostos processuais. É

preciso não perder de vista que há dois aspectos distintos a serem observados, ou

seja, os pressupostos de existência e validade referentes ao nascimento e também

desenvolvimento do processo penal. Neste sentido pode-se afirmar com certeza que

aqueles que dizem respeito à existência e surgimento da relação jurídica processual

podem ser facilmente observados pelo juiz em sede de cognição sumária. Por outro

lado há requisitos que só poderão ser verificados ao longo do desenvolvimento do

processo depois de instaurado, como por exemplo, a observância das regras da

citação válida, a capacidade das partes, a adoção do procedimento legal adequado.

Todas estas questões podem ser arguidas pela defesa na resposta à acusação, ou

por qualquer das partes, para além da fase postulatória. Quando se tratar de

nulidades absolutas e até mesmo daquelas relativas, quando verificadas situações

de prejuízo às partes, e interpostas tempestivamente, podem ser alegadas ao longo

de toda a persecução penal até a fase recursal.

3.3 A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA OU QUEIXA À LUZ DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

E DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E O PAPEL DO CONTRADITÓRIO

PRÉVIO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Para fins de análise do recebimento da denúncia ou queixa, questão que se

coloca como ‘pano de fundo’ para o desenvolvimento da discussão acerca da

polêmica em torno do ‘duplo’ recebimento da acusação, objeto de estudo deste

trabalho, no que tange à questão do contraditório prévio, faz-se necessário uma

análise do artigo 3957 do CPP. Neste caso, vale ressaltar de antemão, que “não são

7 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Alterado pela L-011.719-2008) I - for manifestamente inepta; (Acrescentado pela L-011.719-2008) II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

38

todas as situações identificáveis com os pressupostos processuais que geram

rejeição da denúncia” (BADARÓ, 2009, p. 128).

Um dos primeiros aspectos passíveis de crítica da redação do referido artigo,

diz respeito ao que dispõe em seus incisos I e II, que se mostram redundantes no

sentido de destacar a inépcia da denúncia ou queixa dos pressupostos processuais,

quando, como já se viu, a aptidão e regularidade da exordial acusatória integram os

pressupostos processuais, por força do artigo 41 do CPP. Badaró sugere como

explicação para tal separação o desejo do legislador de reforçar a possibilidade de

rejeição da inicial no limiar do processo.

Cabem ainda ressalvas ao inciso II, que como já se disse, há pressupostos

processuais que não podem ser verificados em sede de juízo de admissibilidade,

como é o caso dos pressupostos negativos, por exemplo, que devem estar ausentes

para o válido desenvolvimento do processo, como são as situações de impedimento

processual, que são diferentes daqueles pressupostos necessários ao seu

surgimento. Quanto aos impedimentos processuais, no que tange a coisa julgada e

a litispendência, dispõe o artigo 95, incisos III e V do CPP, estes devem ser

alegados por meio de exceção, e ensejarão a extinção do processo sem julgamento

de mérito. Tais elementos serão analisados pelo juiz apenas após a resposta à

acusação, bem como ao longo do processamento do caso.

A incompetência do juízo não gera rejeição da inicial, mas ao contrário, sua

declinação ao órgão jurisdicional competente, ou seja, desloca-se o feito ao juiz

competente. Diferente do que ocorre, por exemplo, com o juiz impedido ou suspeito,

que, para Badaró (2009, p. 129) tem como consequência apenas o afastamento do

magistrado, enquanto que para Breda (1980, p. 104), o impedimento do juiz equivale

à inexistência da sua jurisdição para o caso, diferentemente do juiz suspeito, que por

força do artigo 101 do CPP, anulam-se os atos processuais por ele praticados.

Por fim, o inciso III do artigo 395 do CPP refere-se à justa causa, como um

critério de análise do juízo de admissibilidade da acusação apartado das condições

da ação, cuja ausência, como já se discutiu, torna a peça acusatória temerária, fere

o princípio da dignidade humana, que, se não rejeitada de plano, ensejará Habeas

Corpus sob o fundamento do constrangimento ilegal por parte do Estado contra o

indiciado imputado réu em um processo penal injustificado.

A questão do contraditório prévio ao juízo de admissibilidade é primordial

nesta discussão, uma vez que, como se demonstrou, a redação do artigo 395 do

39

CPP é por demais genérica e contém imprecisões de natureza técnica que por si só

ensejam uma série de críticas quanto a sua disposição legal no que tange à sua

aplicação prática quando o juiz se coloca a analisar os pressupostos processuais e

as condições da ação.

Oportunizar o contraditório no momento de análise destas questões prévias

permitiria ao magistrado em sede de juízo de admissibilidade ter acesso a

determinadas informações que ensejariam a rejeição da denúncia naquelas

situações de impedimento processual, ou falta de condições da ação penal como

atipicidade da conduta, também naqueles casos de extinção da punibilidade,

legitimidade da parte passiva e até mesmo ausência de justa causa. Tais questões

prévias que poderiam ser analisadas liminarmente, por força da oportunidade do

contraditório, que na atual sistemática do procedimento comum ordinário, só podem

ser arguidas pela defesa a partir de um momento em que o processo penal já se

tenha se instaurado contra o réu, ou seja, após o recebimento da denúncia, que o

informa deste ato pretérito, por meio da sua citação.

O contraditório prévio oportunizado à defesa participaria do convencimento do

juiz no sentido de verificar - melhor informado acerca do caso penal e suas

circunstâncias fáticas e jurídicas - elementos que de plano poderiam levar à decisão

de rejeição da denúncia. Esta decisão pode ser importante, se levar-se em

consideração, por exemplo, que quando motivada por atipicidade da conduta, ou

extinção da punibilidade, o arquivamento da inicial nestes casos, ensejaria, por

exemplo, a ocorrência de coisa julgada material. Postula Badaró que em casos

como estes, impede-se “a repropositura de ação penal idêntica, posto que o tema

terá sido definitivamente decido pelo Poder Judiciário (...) independentemente do

momento procedimental em que são constatadas” (BADARÓ, 2014, p. 113).

A questão aqui colocada relaciona-se ao necessário filtro processual que

possui o papel do juízo de admissibilidade da acusação. Melhor seria se neste

momento se oportunizasse à defesa a contrariedade da demanda acusatória

deduzida em juízo, a fim de impedir processos inúteis, inviáveis ou até mesmo ações

penais temerárias. Neste momento, o contraditório contribuiria para tornar mais

eficaz a ideia de economia processual, além de reforçar os princípios constitucionais

relacionados à dignidade da pessoa humana, ao impedir o processamento de ações

penais injustificadas. Nestes casos, o grau de cognição do juiz, ainda que em sede

de juízo de admissibilidade, seria complementado pelas alegações da defesa e não

40

apenas em cognição superficial, que conforme legislação atual se constitui a partir

das afirmações do órgão acusador.

Finalmente, sem qualquer pretensão de aprofundar o assunto, outro aspecto

que é preciso ressaltar se refere à ausência de motivação da decisão que recebe a

denúncia ou queixa. Trata-se de comando constitucional (artigo 93, IX da CR) que

se presta a garantir a impugnação da decisão por via recursal, e, portanto, efetivar o

instituto da ampla defesa, além de garantir o controle democrático da legalidade e da

imparcialidade das decisões, e, por fim, da própria justiça do julgamento.

Conforme Badaró (2014, p. 24-25) “a motivação é uma garantia de controle

democrático sobre a administração da justiça (...) o dever de motivar não tem por

objeto apenas as decisões finais – as sentenças definitivas ou terminativas – mas

também toda e qualquer decisão interlocutória”. Assim, ainda que se considere a

decisão de recebimento da denúncia como mero despacho interlocutório, por força

de preceito constitucional, deve ser devidamente motivada, por conferir

transparência à decisão, permitir o seu controle de legalidade e possibilitar o efetivo

exercício da ampla defesa no processo penal.

41

4 RESPOSTA À ACUSAÇÃO OU DEFESA PRÉVIA NAS REFORMAS DO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO – UMA REVISÃO HISTÓRICA DO

INSTITUTO

No que tange às reformas procedimentais do processo penal, previstas no

CPP, a resposta ou defesa prévia ao recebimento da acusação reflete um

importante objetivo das mudanças propostas pelos anteprojetos de reforma deste

diploma legal, operadas nas alterações legislativas de 2008, em especial a Lei

11.719/2008. Não se trata de considera-la uma inovação propriamente dita, já que a

figura desta defesa esteve presente em projetos e anteprojetos anteriores ao que

deu ensejo à referida lei.

O anteprojeto de reforma do Instituto brasileiro de Direito Processual,

presidida por Ada Pellegrini Grinover no ano de 2000, objetivava maior celeridade e

a desburocratização dos procedimentos, sem descurar a garantia da defesa efetiva,

tendo como norte, a concepção de um processo acusatório. Conforme Grinover

(2002, p. 7) “A defesa concreta e efetiva é um dos principais requisitos do devido

processo legal. Sem o pleno exercício do direito de defesa, não pode haver

processo e muito menos condenação”. Neste contexto, é necessário salientar que

de acordo com a professora Ada, o projeto dispôs expressamente sobre a “aplicação

das normas atinentes à defesa anterior ao recebimento da acusação em todos os

procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não previstos no Código de

Processo Penal” (IDEM, p. 6).

Conforme Fernandes (2011), a proposta de uma defesa de caráter prévio e

anterior ao juízo de admissibilidade alinha o ordenamento jurídico brasileiro a alguns

países da Europa e da América Latina, que defendem a ideia de um processo penal

“(...) com procedimento ordinário bifásico separado em dois estágios: o primeiro

destinado à reação da defesa e à coleta de prova para o juízo de admissibilidade da

acusação; o segundo, ao julgamento da causa” (IDEM, 2011, p. 199).

O autor também observa que a intenção de garantir a possibilidade de defesa

prévia ao recebimento da denúncia ou queixa, historicamente já foi objeto de

discussão dos anteprojetos e projetos de reforma do CPP, além de estar

amplamente consignada nas aspirações da doutrina nacional. São exemplos, o

anteprojeto elaborado sob a presidência de Hélio Tornaghi (Comissão para reforma

42

do Código de Processo Penal instituída pelo Decreto nº 1.490, de 8 de novembro de

1962), que se referia a “réplica preliminar à acusação”.

Também o Projeto 633/75 de Frederico Marques (Comissão de Coordenação

e Revisão dos Códigos vigentes, instituída pelo Decreto nº 61.239, de 25 de agosto

de 1967, referente aos estudos de reforma anteriormente iniciados no Ministério da

Justiça, em que o professor Frederico Marques foi encarregado de “elaborar estudos

visando a reforma processual e apresentou o Anteprojeto de Modificação do Código

de Processo Penal”, após inúmeras sugestões e revisões, dentre a apresentação de

outros anteprojetos de reforma, e comissões revisoras, “o projeto foi enviado ao

Congresso Nacional pelo Presidente Ernesto Geisel, por intermédio da Mensagem

nº 159/1975 e converteu-se no PL 633/1975 retirado em 1978”)8. Tal projeto,

conforme Fernandes (2011, p. 201):

(...) de forma estruturada, possibilitava ao acusado a oportunidade de reagir à imputação contida na denúncia ou queixa e de, assim, influir no juiz de modo a levá-lo a proferir decisão de absolvição sumária, de declaração de extinção da punibilidade, de rejeição da acusação por ausência de pressuposto processual ou de condição da ação. Foram mantidas com pequenas alterações formais as regras do Projeto sobre a reação da defesa à imputação nos anteprojetos posteriores, os quais, de maneira geral, o seguiram. Em 1994, com base em trabalho desenvolvido por Comissão constituída pela Escola Superior da Magistratura e pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, foi apresentado projeto com proposta de mudanças nos artigos 395 e 396 do Código de Processo Penal, reafirmando-se as pretensões manifestadas desde o Projeto Frederico Marques.

Este, dentre outros projetos de reformas tópicas do CPP, apresentadas em

1994, foi retirado, e criou-se a Comissão presidida por Ada Grinover, que, com base

no projeto anterior de 1994, elaborou o Projeto de Lei n° 4.207/2001, apresentado no

ano 2000, com sete projetos de reforma.

No que se refere ao procedimento de defesa prévia ou resposta à acusação,

o anteprojeto da Comissão Grinover9 propôs a seguinte redação originalmente no

caput do artigo 395:

8 In: PASSOS, Edilenice. Código de Processo Penal: Notícia histórica sobre as comissões anteriores. Brasília: Secretaria de Informação e Documentação, 2008. Disponível em: http://www.senado.gov.br/novocpp/pdf/CPP-noticia-historica.pdf Data de acesso: 03 fev. 2014. 9 Transcrição redação do texto original Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=40019&tp=1 Data de acesso: 02 mar. 2014.

43

Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada de mandado aos autos, ou no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.

Tal instituto teve como documento anexado ao anteprojeto, a Exposição de

Motivos nº 23, apresentada ao Ministro da Justiça em 6 de dezembro de 2000, e

publicada em de 25 de janeiro de 2001, que preceitua no item B3 – Alteração nos

Procedimentos, [sic]:

Os procedimentos previstos no vigente código de Processo Penal muito se distanciam do processo moderno, especialmente no que diz respeito a celeridade, à defesa efetiva e ao sistema acusatório (...) No atual procedimento ordinário, o fracionamento da instrução jamais encontrou qualquer justificativa que pudesse compensar a demora excessiva que proporciona à prestação jurisdicional. (...) Para garantir a eficácia do processo e a ampla defesa, visando a favorecer a punibilidade concreta das infrações penais, mantendo-se todas as garantias do acusado, previstas na Constituição Federal, leis e tratado celebrados pelo Brasil, estão sendo propostos procedimentos penais ágeis e objetivos, cuja dinâmica será facilmente notada pela sociedade. São adotadas técnicas novas que garantem o cumprimento de seu objetivo, tais como a efetiva defesa do acusado antes do exame de admissibilidade da denúncia; a obrigatoriedade de fundamentação da decisão que recebe ou rejeita a denúncia (...) o juiz poderá rejeitar a acusação, liminarmente ou no momento do recebimento da denúncia ou queixa, bem como absolver sumariamente o acusado, após facultar às partes a produção de provas.(...) Disposição expressa constante do anteprojeto faz com que normas atinentes à defesa anterior ao recebimento da denúncia sejam aplicáveis em todos os procedimentos penais, ainda que não previstos no Código de Processo Penal. Assim, proporciona-se uma uniformidade de procedimentos, com a inclusão da inovação acima referida a todo o processo penal.10 (sem grifos no original)

A redação do referido artigo foi modificada por ocasião do seu trâmite

legislativo, pela acolhida em definitivo da emenda nº 08 da Câmara dos Deputados,

no projeto aprovado, que será objeto de discussão a posteriori no presente trabalho.

Por ora, faz-se mister ressaltar a proposição de efetivar defesa prévia ao acusado

antes da formação do juízo de admissibilidade, consubstanciada nos princípios da

ampla defesa e do contraditório prévios à instauração do processo penal

propriamente dito.

10 Transcrição da redação original do texto. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=40019&tp=1 Data de acesso: 02 mar. 2014.

44

A defesa prévia contribuiria também com a necessária compreensão da

diferença entre ação e processo penal, o procedimento assim estruturado garantiria

o direito constitucional de petição por parte do órgão acusador em face da

ocorrência de um possível injusto penal, e também a possibilidade de a defesa

reagir, contraditar e influenciar no juízo de admissibilidade da exordial acusatória.

A importância do instituto ora apresentado é pacífico na doutrina e encontrou

neste anteprojeto reflexos expressos de uma necessária efetivação legislativa para o

mesmo, de acordo com Fernandes, (2011, p. 203):

Também como se fez nas propostas anteriores desde o Projeto 633/75,(...) A necessidade de resposta à imputação era comprovada pela sua constante presença nas reformas projetadas, que constituíam clara evidência da repulsa da doutrina ao sistema vigente até 2008, pois permitia prosperar acusação manifestamente infundada por falta de momento para a defesa se manifestar. (sem grifos no original)

No quando abaixo, apresenta-se uma tentativa de compilação dos projetos de

reforma do Código de Processo Penal no que se refere ao instituto da defesa prévia

no referido diploma legal, desde o projeto Frederico Marques de 1975, passando

pelo projeto Sávio de Figueiredo Dias de 1994, também pelo anteprojeto de reforma

da Comissão Grinover de 2000, até o Projeto de Lei nº 4.207/2001 que culminou em

uma série de mudanças no Código de Processo Penal brasileiro, dentre elas a

edição da Lei 11.719/2008.

Quadro 1: A Defesa Prévia nos diferentes projetos de Reforma do Código de Processo Penal.

DENÚNCIA OU QUEIXA – E DEFESA PRÉVIA Projeto 633/75 de Frederico Marques

Projetos de reforma do CPP do ano de 1994 - Comissão do Ministério da Justiça - Sálvio de Figueiredo Dias acerca das mudanças nos artigos 395 e 396

Anteprojeto reforma do CPP do ano de 2000 - Comissão constituída pelo Ministério da Justiça presidida por Ada Pellegrini Grinover

Projeto de Lei nº 4.207/2001 – Mudanças nos artigos 395 e 396 em relação ao seu anteprojeto original da Comissão Grinover.

Oferecida a denúncia ou queixa: o acusado poderia manifestar: - defesa prévia e exceção (Art. 276)

Oferecida a denúncia ou queixa: o acusado deveria ser citado para apresentar: resposta à acusação, por escrito; defesa prévia e exceção.

Art. 395, caput – oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitasse liminarmente, citaria o acusado para responder a acusação11.

Art. 396, caput, em não rejeitando liminarmente a denúncia ou queixa, o juiz “recebê-la-á”, e ordenará a citação do acusado para que apresente resposta12.

11 Vide redação original do artigo de lei transcrita na página 43 do presente. 12 Fixou-se como início do prazo para a defesa, no caso de citação por edital a data do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído;

45

DEFESA PRÉVIA (OU REAÇÃO DA DEFESA À IMPUTAÇÃO) Projeto 633/75 de Frederico Marques

Comissão Sálvio de Figueiredo Dias (1994)

Comissão Ada Pellegrini Grinover (2000)

Projeto de Lei nº 4.207/2001

Art. 279, I, alegar como matéria preliminar a inexistência de pressupostos processuais, ou de condições de procedibilidade; Art. 279, II: Invocar tudo o que interessasse à defesa e requerer produção de provas; - Art. 280: por meio de exceção arguir impedimento, suspeição ou incompetência.

Na defesa prévia poderia arguir preliminares e invocar tudo o que interessasse à sua defesa; oferecer documentos e justificações, especificar provas e arrolar testemunhas.

Na resposta poderia arguir preliminares e alegar tudo o que interessasse à sua defesa; oferecer documentos e justificações (art. 395, §1º), apresentar exceção (art. 395, §2º). - Obrigatoriedade da resposta ao prescrever a nomeação de defensor sativo para oferecê-la se o acusado não a apresentasse no prazo legal (art. 395, §3º)

396-A do CPP

PRELIMINARES E OITIVA DO MP OU QUERELANTE Projeto 633/75 de Frederico Marques

Comissão Sálvio de Figueiredo Dias (1994)

Comissão Ada Pellegrini Grinover (2000)

Projeto de Lei nº 4.207/2001

Art. 288 Em caso de preliminar deveria ser ouvido o MP ou o querelante.

Oitiva do MP sobre preliminares e documentos, e se fosse o caso, poderia o juiz realizar diligências que considerasse imprescindíveis.

Oitiva do MP ou querelante sobre preliminares e documentos, e se fosse o caso, poderia o juiz realizar diligências que considerasse imprescindíveis (art. 395, §§ 4º e 5º)

Restou excluída a previsão de oitiva do MP ou querelante sobre preliminares e doc. bem como a possibilidade de o juiz, quando imprescindível, determinar a realização de diligências, podendo ouvir testemunhas e interrogar o acusado.

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA Projeto 633/75 de Frederico Marques

Comissão Sálvio de Figueiredo Dias (1994)

Comissão Ada Pellegrini Grinover (2000)

Projeto de Lei nº 4.207/2001

Art. 291, I O julgamento antecipado da lide era cabível quando o juiz absolvesse o réu por considerar plenamente provada sua inocência. Ou , conforme art. 291, II, porque entendia extinta a punibilidade.

O juiz poderia absolver sumariamente o réu em caso de comprovação plena das matérias alegadas pela defesa; pela inexistência de crime; por não ser o imputado o autor do delito; ou por haver causa de exclusão de ilicitude.

Em face da acusação, defesa, provas e eventuais diligências, o juiz poderia absolver sumariamente o acusado (art. 397), se restada “plenamente comprovada a improcedência da acusação e a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade”.

Atual artigo 397 do CPP.

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, OU POR SENTENÇA TERMINATIVA Projeto 633/75 de Frederico Marques

Comissão Sálvio de Figueiredo Dias (1994)

Comissão Ada Pellegrini Grinover (2000)

Projeto de Lei nº 4.207/2001

Art. 290, I e II – Se rejeitada a denúncia ou queixa por ausência de justa causa para a acusação, ou por falta insuprível de pressuposto processual ou condição de procedibilidade.

Em face da acusação, da resposta e de eventuais diligências, o juiz poderia rejeitar a denúncia ou queixa por inépcia, por falta de pressuposto processual, falta de condição da ação penal e de justa causa para a acusação.

Em face da acusação, defesa, provas e eventuais diligências, o juiz poderia: - rejeitar a denúncia ou queixa (art. 396);

Atual artigo 395 do CPP – sobre a decisão de rejeição da denúncia ou queixa.

Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir do conteúdo pesquisado em Fernandes (2011).

46

O Projeto 4.207/2001, que resultou na Lei 11.719/2008, com alterações no

artigo 396, autoriza o juiz a receber a exordial e citar o acusado, quando inexistir

hipóteses de rejeição liminar da denúncia ou queixa. Não é o ideal, quando se tem

em contexto, a proposição inicial do anteprojeto do qual resultou. Embora tenha

havido avanços importantes diante do procedimento vigente até o ano de 2008, em

que a defesa do réu ocorria após a audiência de instrução e julgamento e no

aspecto de que era ele o primeiro a ser interrogado por exemplo.

Fato é que o legislador, ao alterar o texto original do projeto – do artigo 395

transformando-o no atual 396, e lido sistematicamente em conjunto com o atual

artigo 399 – permitiu uma divergência doutrinária no entendimento do momento de

recebimento da denúncia, e, portanto, do marco interruptivo do prazo prescricional,

objeto de discussão do próximo capítulo.

Também não se consolidou a proposta de uniformização dos procedimentos

em primeiro grau, como queria o anteprojeto, ainda que o artigo 394 §4º do CPP

preceitue tal entendimento, fato é que a possibilidade de efetiva defesa prévia,

garantida pelo exercício do contraditório prévio ao recebimento da denúncia, tem

previsão legal, clara e expressa apenas em algumas leis especiais. Cita-se a título

de exemplo, casos cujo processo se dá a partir de ações penais de competência

originária dos tribunais, como as leis 8.038/1990 e 8.658/90. Nestas, após ouvidas

as partes, se não depender de prova e o Tribunal entender que a denúncia não deve

prosperar, poderá rejeitá-la, ou julgar antecipadamente a causa e declarar

improcedente a acusação.

Outro exemplo é a Lei 9.099/95, na qual o juiz decide se recebe ou não a

acusação após audiência única de instrução e julgamento, com garantia de ampla

defesa e contraditório para o acusado. Há ainda previsão no próprio Código de

Processo Penal, em seu artigo 513, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade

dos funcionários públicos. Havia também previsão na revogada Lei de Falências, Lei

nº 7.661/45 e na Lei de Imprensa, Lei nº 5.250/67, não recepcionada pela

Constituição Federal de 1988, conforme ADPF 130/DF, julgada pelo Supremo

Tribunal Federal em 30/04/2009.

Faz-se necessário observar que toda essa legislação especial, com ritos

diferenciados, demonstra a flagrante distância do atual CPP da efetiva defesa prévia

ao juízo de admissibilidade no momento do recebimento das ações penais, ato

unilateral do juiz, com base apenas na peça de acusação. Diante deste contexto

47

pode-se até afirmar que o juízo de admissibilidade da ação penal se faz com base

em uma presunção de culpabilidade, e não de inocência, pois o ato de recebimento

da exordial acusatória é realizado sem qualquer possibilidade de reação, ou

participação da defesa na constituição do mesmo. Embora o artigo 14 do CPP

preceitue a possibilidade de a defesa solicitar diligências na fase de investigação, na

fase postulatória, naquilo que se refere ao juízo próprio de admissibilidade da

acusação, não se oportuniza o contraditório. Não há aqui, sequer resquício do

processo acusatório, mas antes, um traço característico do sistema inquisitório, uma

vez que o ato de recebimento da acusação traduz-se na própria instauração do

processo penal, com a citação válida do acusado.

Atualmente tramita no Senado o Projeto de Reforma do Código de Processo

cuja Comissão13, criada no âmbito do Senado Federal, para redigir o anteprojeto de

reforma global do CPP (atual Projeto nº 156/2009-PLS), foi formada pelos juristas,

Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira,

Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido,

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar, Tito Souza do Amaral.

Esta Comissão manteve no anteprojeto a resposta à acusação, deixando claro que o

recebimento da denúncia ou queixa deve ser posterior à apresentação da defesa,

como se depreende de institutos como, por exemplo, o art. 260 que dispõe:

“Oferecida a denúncia, se não for o caso de seu indeferimento liminar, o juiz

notificará a vítima para, no prazo de 10 dias, promover a adesão civil da imputação

penal”. No projeto final o artigo manteve a mesma disposição no artigo 271.

Importante também em uma leitura sistemática, a leitura do artigo Art. 263:

Estando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, o juiz receberá a acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária ou de extinção da punibilidade, designará dia e hora para a instrução ou seu início em audiência, determinando a intimação do órgão do Ministério Público, do defensor ou procurador e das testemunhas que deverão ser ouvidas.

No Projeto final a redação do referido artigo, dispõe, no artigo Art. 274:

13 Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal. Criada na forma do Requerimento nº 227, de 2008, aditado pelos Requerimentos nº (s) 751 e 794, de 2008, e pelos Atos do Presidente nº (s) 11, 17 e 18, de 2008. Transcrição do texto original disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/58503.pdf Data de acesso: 2 mar. de 2014.

48

Estando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, o juiz receberá a acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária ou de extinção da punibilidade, designará dia e hora para a instrução ou seu início em audiência, a ser realizada no prazo máximo de 90 (noventa dias), determinando a intimação do órgão do Ministério Público, do defensor ou procurador e das testemunhas que deverão ser ouvidas.

Estes e muitos outros dispositivos alterados e aperfeiçoados pelo projeto de

Lei nº 156/2009-PLS não deixam dúvidas de que a referida Comissão teve como

norte os pressupostos de um sistema acusatório e consequentemente, de um

processo penal garantista no que concerne ao princípio do devido processo legal,

ampla defesa e contraditório, à luz dos preceitos estabelecidos pela Constituição

Federal de 1988, como se pode observar do seguinte trecho da Exposição de

Motivos que introduz o documento, acerca do aspecto garantista do modelo de

processo penal proposto [sic]:

Nesse passo, cumpre esclarecer que a eficácia de qualquer intervenção penal não pode estar atrelada à diminuição das garantias individuais. É de ver e de se compreender que a redução das aludidas garantias, por si só, não garante nada, no que se refere à qualidade da função jurisdicional. As garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, ao contrário, é exigência indeclinável para o Estado. Nas mais variadas concepções teóricas a respeito do Estado Democrático de Direito, o reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais aparecem como um verdadeiro núcleo dogmático. O garantismo, quando consequente, surge como pauta mínima de tal modelo de Estado14.

Espera-se que a tramitação legislativa do projeto mantenha a orientação

original do anteprojeto, no sentido de buscar instituir no Brasil um processo penal

acusatório, consubstanciado com a Constituição da República de 1988, e instituindo

de maneira clara, definitiva e sem espaço para dúvidas, as garantias processuais do

devido processo legal, ampla defesa, contraditório e presunção de inocência. Do

mesmo modo espera-se, que se observe devidamente às diferenças entre ação e

processo, suas finalidades respectivas, como também suas especificidades e as

devidas garantias constitucionais que delas decorrem.

Por fim, espera-se que a legislação efetive no procedimento comum ordinário

a possibilidade do contraditório e a defesa prévia desde o momento da formação do

14 Transcrição do texto original disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/58503.pdf Data de acesso: 02 mar. 2014.

49

juízo de admissibilidade da acusação, com o intuito de evitar denúncias temerárias,

delimitando o papel do juiz como um verdadeiro garantidor dos princípios e garantias

constitucionais, previstos na Constituição da República e correlatos ao processo

penal.

50

5 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NO RITO COMUM ORDINÁRIO CONFORME O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O rito comum ordinário, conforme preceitua o artigo 396 do CPP15, autoriza o

juiz a citar o acusado para que apresente defesa escrita, caso não rejeite

liminarmente a denúncia ou queixa, cujos requisitos estão descritos no artigo 395 do

CPP, já reproduzido no capítulo 2 deste trabalho.

Uma leitura sistemática destes artigos, juntamente com o 36316 do mesmo

diploma legal, leva-nos à compreensão de que se estiverem presentes os

pressupostos processuais e as condições da ação, o juiz receberá a denúncia e

restará ao acusado oferecer resposta escrita nos termos do artigo 396-A17,

consubstanciado, no que couber, nas hipóteses de absolvição sumária do artigo

39718 do Código de Processo Penal.

O ato e o momento do recebimento da denúncia implicam em uma discussão

e controvérsia doutrinária, porque além da questão do juízo de admissibilidade, há

ainda a questão acerca da interpretação literal ou não da redação dos artigos 396 e

399 do CPP, no que tange a possibilidade de se considerar dois momentos de

recebimento da denúncia, que refletem por sua vez, a questão do marco interruptivo

da prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Estes aspectos demonstram a necessidade de se discutir com alguma cautela

o instituto do recebimento (ou não) da denúncia ou queixa, por parte do magistrado,

porque se refere ao momento da instauração da ação penal, em que, a partir da

15 Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Alterado pela L-011.719-2008) 16 Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado. (Alterado pela L-011.719-2008) 17 Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Acrescentado pela L-011.719-2008) 18 Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Alterado pela L-011.719-2008) I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Acrescentado pela L-011.719-2008) II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.

51

citação, o acusado será submetido à persecução penal por parte do Estado e será

chamado a responder a um processo penal. O Estado por sua vez, para ver seu

direito persecutório legitimado, precisa respeitar direitos e garantias individuais do

acusado, previstos na Constituição da República de 1988.

Se o devido processo legal deve garantir o direito à ampla defesa e ao

contraditório, além da presunção de inocência, constitucionalmente legados aos

acusados em geral, parece-nos que tais regras não são colocadas à priori, ao

menos naquilo que se refere à fase postulatória do processo penal. Referimo-nos

aqui ao momento imediatamente anterior à formação do Processo Penal, qual seja,

o recebimento da denúncia ou queixa, ou, a instauração da Ação Penal, que se

consuma mediante o juízo de admissibilidade realizado pelo magistrado, diante da

denúncia oferecida. Neste momento, conforme a sistemática geral do processo

penal brasileiro, não é dada a possibilidade de contraditório prévio por parte da

defesa no que concerne ao ato de recebimento da exordial acusatória.

Esse momento de formação do processo penal, ao lado da sentença de

mérito, é extremamente importante principalmente pela perspectiva do acusado,

porque se condenado, sofrerá uma pena privativa de liberdade ao final do processo,

mas que por outro lado, se tivesse a possibilidade de influenciar na decisão do juiz

de recebimento da denúncia, talvez fosse o caso de sequer de sofrer contra si um

processo. O Estado tem o dever de aplicar as sanções previamente cominadas

àqueles que cometem ilícitos penais e restam condenados, mas tem igual dever de

garantir o estado de inocência, a liberdade e a dignidade dos cidadãos inocentes.

Isso só é possível com a efetividade dos direitos e garantias constitucionais em

todas as fases da persecução penal.

O momento de recebimento da denúncia ou queixa relaciona-se a uma

decisão tão importante por parte do magistrado que a depender das condições da

ação como já se viu, essa decisão pode obstar ao nascimento do próprio processo

penal. Conforme Badaró (2009, p. 169) “(...) as condições da ação, justamente por

se ligarem ao direito material e, portanto, ao mérito, quando ausentes, podem se

converter em situações de ‘absolvição’ sumária”. O autor defende este

posicionamento quando da reapreciação da inépcia da denúncia ou da ausência de

justa causa, após a resposta do acusado, posicionamento este que iremos tratar

logo adiante no item 5.3.

52

Outra situação para a qual queremos aqui chamar a atenção, é o fato de que

existem situações de verificação das condições da ação em que a depender do caso

e da decisão, serão dotadas de coisa julgada material, como é o caso da atipicidade

e da extinção da punibilidade, por exemplo.

Oportunizar o contraditório prévio ao recebimento da denúncia confere ao

juízo de admissibilidade um “nível de cognição mais amplo, e, principalmente,

decorrerá de uma visão do fenômeno sob o prisma bilateral, após um contraditório

inicial, e não apenas uma concepção unilateral dos órgãos de acusação” (IDEM, p.

168). Tal premissa pode ser considerada como o mínimo que se espera de um

processo penal acusatório em que ao direito de ação deve ser considerado como

equivalente ao direito de ampla defesa.

Antes de se realizar uma análise sistemática dos institutos legais correlatos

ao recebimento da denúncia, conjugados com a defesa à acusação e as

consequências que daí decorram, apresenta-se uma verificação do instituto da

citação no procedimento comum ordinário de acordo com a nova Lei 11.719/2008.

5.1 A QUESTÃO DA CITAÇÃO E O MOMENTO DE RECEBIMENTO DA

DENÚNCIA NO PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO E A LEI N. 11.719/08

Conforme Flaviane de Magalhães Barros (2009) o artigo 396 do CPP com

nova redação dada pela Lei nº 11.719/08, autoriza o juiz a rejeitar liminarmente a

denúncia ou queixa, após a verificação da regularidade formal da Inicial caso não

atenda ao que está disposto nos artigos 41 e 395 do CPP. Ao contrário, se verificar

a regularidade das condições da ação e dos pressupostos processuais, receberá a

denúncia ou a queixa e determinará a citação do acusado para apresentar defesa

escrita no prazo de 10 dias.

A questão que se coloca imediatamente à análise deste instituto é “a definição

do termo inicial do prazo para resposta escrita” que deve ser analisado “a partir dos

diferentes tipos de citação” (BARROS, 2009, p. 139). Há que se observar as

diferenças entre a citação pessoal, por hora certa e a citação por edital, uma vez que

refletirão nas possibilidades ou não de o acusado exercer o seu direito à ampla

defesa.

Na citação por mandado, em observação a Súmula nº 710 do STF, o prazo

deverá ser contado a partir do cumprimento efetivo do mesmo e não da sua juntada

53

aos autos do processo. A autora discorda desta orientação, devido ao fato de a

citação, neste caso, se constituir enquanto o primeiro ato de comunicação do

processo, no qual o acusado é chamado ao contraditório, encontrando-se o mesmo

ainda “desassistido de qualquer orientação técnica de advogado” (IDEM, p. 139), o

prazo deveria ser o da juntada aos autos do mandado, pois conferiria ao acusado

um tempo procedimental maior para constituir defensor e elaborar defesa adequada

ao caso. Neste sentido Badaró (2014) conforme dito anteriormente, assevera que

pouco importa conferir ao réu direito de defesa sem proporcionar-lhe tempo

adequado para tanto, fere o direito constitucional à ampla defesa.

No caso de citação com hora certa, como se trata de citação ficta, entende a

autora que o prazo também deveria se iniciar a partir da juntada aos autos do

mandado cumprido, devido ao fato de não se poder “precisar o dia em que o

acusado tomou conhecimento da citação para providenciar a defesa” (BARROS,

2009, p. 139). Nesta forma de citação, não apresentando resposta escrita, o juiz

deverá nomear defensor dativo para realizar a defesa inicial, dando-se

prosseguimento ao processo.

Quanto à citação por Edital, o parágrafo único do artigo 396 do CPP dispõe

que o prazo para a defesa escrita começa a fluir do comparecimento pessoal do

acusado ou do seu defensor constituído, sendo que o seu não comparecimento,

ensejará a suspensão do processo, nos termos do artigo 366 do CPP.

Outra questão a se destacar quanto ao instituto da citação, é a hipótese de o

acusado impossibilitado de constituir advogado por não possuir recursos, ter o seu

direito a ampla defesa prejudicado em face de tais disposições legais e dos prazos

para oferecimento da resposta escrita.

É preciso ainda chamar a atenção para o artigo 363 do CPP que diz: “O

processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”.

Cabe aqui a necessária discussão do momento de recebimento da denúncia, em

face da citação do acusado para o oferecimento da resposta escrita.

Se o processo se forma de maneira completa com a citação do acusado, lido

em conjunto com o disposto no artigo 396 do CPP, significa, portanto, concluir, que o

juízo de admissibilidade se deu sem a observação do contraditório, suprimindo-se a

intenção originária do Projeto de Lei 4.207/01, que era a de “criar um verdadeiro

contraditório prévio, não somente democrático como isonômico, em face da

equiparação a outros ritos, máxime aquele destinado aos que têm prerrogativa de

54

função (Lei 8.038, de 28/05/90)” Jacinto Nelson de Miranda Coutinho19. A redação

apresentada pela Câmara dos Deputados, e que restou definitiva, decidiu pela

inclusão do verbo ‘receber’, em mesóclise.

Neste aspecto, Flaviane Barros, coaduna-se aos questionamentos ora

apresentados, pois os dispositivos de lei permitiram margem para dúvida quanto ao

momento de recebimento da denúncia pelo juiz:

Antes de determinar a citação, quando verificar a possibilidade de rejeição liminar da denuncia ou queixa, ou depois da defesa inicial do acusado nos termos do artigo 399 do CPP (...) nos termos da reforma, o juiz apreciará em dois momentos a regularidade da denuncia ou queixa. O primeiro será antes de determinar a citação e o segundo ao apreciar os argumentos dos pedidos formulados na defesa inicial do acusado (BARROS, 2009, p. 140).

O entendimento neste ponto deveria ser pelo recebimento ou não da

denúncia ou queixa, após a apresentação da defesa escrita, garantindo-se o

contraditório prévio ao juízo de admissibilidade e afastando “uma análise sumária do

tema antes da citação”. Acerca dessa decisão em cognição sumária, considera a

autora que o que se depreende do artigo 396 do CPP, foi a preocupação com o

marco interruptivo da prescrição em detrimento da possibilidade de defesa prévia.

A dita análise sumária sobre o recebimento da denúncia ou queixa somente passa a ser relevante, se definir o marco da interrupção da prescrição, de modo que ela – a decisão liminar – deve ser proferida, inclusive, de forma fundamentada (IDEM, p. 140 – 141).

Assim, a questão que se coloca para além da definição da interrupção da

prescrição, é a supressão da defesa neste momento procedimental. Ressalte-se

aqui a observação de Fabrício Campus (apud ALESSANDO CRISTO 2012, p. 1) “a

defesa apresentada antes do recebimento da denúncia tem o intuito de que a

acusação sequer seja admitida. Já a manifestação posterior, visa à absolvição

sumária, com base em elementos que impedem que o processo prossiga”. Daí a

necessidade de se verificar os institutos ora apresentados, à luz da Constituição da

República em seu artigo 5º, incisos, LVII, LIV e LV da CR/88.

Neste sentido, o juiz de direito Fabiano Afonso20 (2010, p. 2), postula pela

igualdade e equiparação de todos os cidadãos brasileiros “aos agentes públicos

19 In: Revista Eletrônica Consultor Jurídico (20 set. 2008), p. 1. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-20/citacao_nao_significar_processo_penal_instaurado> Acesso em: 07 set de 2013. 20 Juiz de Direito da Comarca de Uberlândia (MG) e integrante do Programa de Doutorado da UFMG.

55

disciplinados pelo regime de competência originária (Lei 8.038/90) e pelos arts. 513

a 518 do código de processo penal”. O juiz defende a necessidade do contraditório

prévio ao recebimento da ação penal, com base no princípio constitucional da

igualdade, em uma perspectiva do Estado Democrático de Direito, ao afirmar:

Realmente, os princípios da igualdade de tratamento e de acesso à justiça garantem aos acusados em geral a sua equiparação aos demais agentes públicos nas garantias de contraditório prévio antes do recebimento e processo de uma acusação penal contra sua pessoa. Portanto, o princípio do Estado Democrático coabita com o de Direito, que se prima pelo respeito à sua própria estrutura lógica, que no caso, refere-se às garantias processuais e constitucionais do processo, do devido processo legal e do contraditório (IDEM, p.3).

Ainda neste entendimento, considera o professor Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho21 sobre a emenda nº 01 – de 17 de maio de 2007, do Deputado João

Campos, rejeitada pelo Senado e acolhida pela Câmara dos Deputados na emenda

nº 08 conforme relatoria do Deputado Regis Fernandes de Oliveira – por ocasião da

tramitação do projeto de lei n. 4207/01, que resultou na lei 11.719/08, que na sua

redação original tencionava prover o rito comum ordinário de defesa prévia:

Assim, como já aparecia em outros ritos (v.g. no do artigo 513 e seguintes, do CPP), antes do juízo de admissibilidade da ação (vero e próprio), positivo ou negativo, dever-se-ia prever um contraditório prévio a fim de que os denunciados (ou querelados, se fosse o caso) oferecessem defesa prévia (esta sim, de fato, prévia, e não confundida com aquela do antigo artigo 395, do CPP, em geral chamada de defesa prévia e que sempre foi tão-só alegações preliminares) e, assim, estabelecessem condições técnicas para o precitado juízo de admissibilidade da ação, tendo em vista, na referida defesa, discutir-se a procedência (ou não) da ação, antes exercida pelo órgão do MP ou pelo querelante, tudo em face das condições (da ação), genéricas e específicas.

Para Fabiano Afonso (2010, p. 3) o acusado deve ter o direito de “intervir

democraticamente no processo penal, antes e previamente ao recebimento da

denúncia”. A partir desta reflexão do princípio constitucional da igualdade no interior

do processo penal, o autor defende a possibilidade de intervenção do acusado nesta

fase inicial do processo, para que o contraditório aí necessário, não se torne apenas

uma ficção jurídica. Por exemplo, no caso de verificação dos requisitos da própria

denúncia ou queixa, não caberia apenas ao juiz avaliá-los, conforme os preceitos do

21 In: Consultor Jurídico (20 set. 2008), p. 1. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-20/citacao_nao_significar_processo_penal_instaurado> Acessado em: 07 set de 2013.

56

artigo 4122 do CPP, mas também ao acusado deveria ser dada a possibilidade de

contraditá-la, como forma de fornecer subsídios ao juízo de admissibilidade do juiz e

também de democratizar o rito persecutório. Conforme Afonso (IDEM, p. 5):

Não estando a denúncia revestida dos requisitos legais, ou seja, por demais genérica, cabe ao acusado o direito de contradita-la de modo a levar a sua rejeição. E daí surge a necessidade prévia de contraditório, pois depois que o julgador recebe a denúncia, muito dificilmente volta atrás (...) o contraditório deve ser feito antes da denúncia, pois do contrário, o contraditório seria peça de ficção.

O autor consubstancia sua tese nos escritos de Fazzalari23 que compreende o

processo como espécie de procedimento, em que “o contraditório deve ser real e

efetivo e não apenas mera ficção”, a partir da ideia de que o processo se desenvolve

sob a forma de uma “dialética e simétrica paridade das partes”. Daí a necessidade

do contraditório prévio ao recebimento da denúncia, sob o prisma do princípio

constitucional da igualdade, postulando pela paridade de tratamento procedimental

penal a todos os cidadãos comuns, em relação aos procedimentos já anteriormente

citados como a Lei de tóxicos (art. 55), a lei de competência originária dos tribunais

(art. 4º) e do procedimento para os crimes de servidores públicos (art. 516 do CPP),

“sob pena de dar tratamento mais benéfico ou mais gravoso, processualmente

falando, para crimes diversos” (AFONSO, 2010, p. 7).

O que se depreende dos trechos acima transcritos é que existe de fato uma

‘disparidade de armas’ entre defesa e acusação na fase postulatória, que à luz da

Constituição da República de 1988, viola garantias individuais constitucionais, além

de não haver uma uniformização de procedimentos no processo penal brasileiro

como um todo.

5.2 A POLÊMICA EM TORNO DO MOMENTO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA,

DEFESA PRÉVIA E A QUESTÃO DO CONTRADITÓRIO PRÉVIO AO JUÍZO DE

ADMISSIBILIDADE.

22 Art. 41 - A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 23 A doutrina do jurista italiano Elio Fazzalari foi desenvolvida no Brasil a partir dos escritos de Aroldo Plínio Gonçalves, professor da Faculdade de Direito da UFMG em sua obra Técnica Processual e Teoria do Processo (1992).

57

É evidente a contradição entre o artigo 396 caput e o artigo 399 do Código de

Processo Penal no que diz respeito ao momento de recebimento da denúncia, e

essa contradição se reflete também na doutrina nacional, de forma que surgiram

diferentes interpretações dos institutos, que a depender do entendimento, conferem

maior ou menor grau de democratização ao processo penal brasileiro.

Como não é possível que coexistam dois momentos de recebimento da

denúncia, uma vez que o artigo 396 do CPP dispõe que a denúncia terá sido

recebida logo após seu oferecimento quando não for o caso de rejeição liminar, não

seria possível um novo recebimento após a resposta à acusação nos termos do

artigo 399 do CPP. Assim, há autores que entendem que poderia se considerar o

primeiro momento do artigo 396 do CPP como um momento provisório ou precário e

o segundo como um momento definitivo. Postulam por um “juízo progressivo sobre a

admissibilidade da acusação”24.

Em sentido contrário, há autores que postulam pelo entendimento de que o

recebimento da denúncia se dá pelo que dispõe o artigo 396 do CPP, propondo

assim uma interpretação literal do artigo. Neste entendimento, o artigo 396 demarca

também o momento de interrupção da prescrição. Tem-se como exemplo, o Assento

nº 005/2009 – TUPJC – MT, definido pela Turma de Procuradores de Justiça

Criminal para Uniformização de Entendimentos, do Ministério Público do Estado do

Mato Grosso25 que preceitua que se analisados em conjunto os artigos 396, 396-A,

397 e 399 do Código de processo penal, conclui-se que “o CPP criou não uma fase

preliminar ao recebimento da denúncia, mas uma fase de resposta escrita após o

recebimento da denúncia e citação”.

Ainda dentro desta linha de pensamento, o promotor de justiça do Estado de

São Paulo, Cleber Rogério Masson (2008, p. 21) entende que o artigo 396 do

Código de Processo Penal deve ser entendido como o correto momento de

recebimento da denúncia ou queixa:

24 Neste sentido, Fernandes e Lopes (2008) In: Badaró (2009). 25 I - As disposições dos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, com a redação da Lei 11.719/08, não instituíram defesa preliminar ao recebimento da denúncia; II - O juiz, entendendo que a denúncia ou queixa preenche os requisitos formais legalmente exigidos, as condições da ação e os pressupostos processuais, deverá recebê-la, cabendo-lhe determinar a citação do réu para oferecer resposta escrita no prazo de 10 dias (art. 396, caput); III - Vinda a resposta escrita, e alegando o réu uma das causas previstas no art. 397 do Código de Processo Penal, deverá o juiz examiná-las, podendo absolvê-lo sumariamente em decisão de mérito, devidamente fundamentada. Disponível em:<http://www.mpmt.mp.br//storage/webdisco/2010/01/28/outros/cabe802356055157696d04444d8ef63b.pdf > Acesso em: 17 ago. 2013.

58

Portanto, o recebimento da denúncia ou queixa antecede à resposta escrita. A inicial acusatória já passou pelo juízo de admissibilidade, pois considerada minimamente aceitável, justificando seu recebimento, o que importa também no Direito Penal em diversos reflexos, como a interrupção da prescrição (CP, art. 117, I) e o limite temporal para a diminuição da pena em decorrência do arrependimento posterior (CP, art. 16). Constitui-se a resposta escrita, portanto, um meio de defesa posterior ao recebimento da denúncia ou queixa, e não em defesa preliminar26, pois não se destina a buscar a rejeição da inicial acusatória (...), uma vez que depende do prévio recebimento da denúncia, bem como da citação válida do acusado (...) serve para o réu postular a absolvição sumária e indicar ao magistrado a necessidade dessa medida, seja com alegações contundentes ao seu respeito, seja com a apresentação de documentos que comprovem cabalmente uma das situações previstas pela lei.

Conforme o entendimento acima disposto, o artigo 366 do CPP é o dispositivo

considerado como aquele em que, pela citação, se completa a relação processual,

dado o recebimento da denúncia ou queixa. A absolvição sumária só caberia após o

juízo de admissibilidade da inicial acusatória, sem o qual não teria lógica sequer a

defesa do denunciado.

Por outro lado, há autores que defendem uma “interpretação corretiva,

parcialmente ab-rogante do artigo 396, caput do CPP, na parte em que dispõe:

‘recebê-la-á’, com a consequência de que haverá apenas um único recebimento da

denúncia, o previsto no art. 399 do CPP” (BADARÓ, 2009, p. 150). Para Badaró,

26 Conforme Victor Gonçalves (2008) Disponível em: http://www.esmp.sp.gov.br/Biblioteca/Revista_Juridica/revista1_vol2_2008.pdf Acesso em: 17 ago. 2013. “A dúvida, portanto, é se a denúncia deve mesmo ser recebida logo após seu oferecimento, nos termos do art. 396, ou se tal recebimento só deve ocorrer depois da resposta escrita e de análise em torno de eventual absolvição sumária, conforme o art. 399. Existe até mesmo o entendimento de que passaram a existir dois recebimentos de denúncia, pois tal conclusão seria decorrência literal do texto de lei. A interpretação literal, contudo, não pode prevalecer em virtude de diversos argumentos lógicos, históricos, e de interpretação sistemática. Inicialmente, deve-se salientar, que, em acompanhamento ao trâmite legislativo do Projeto de Lei n. 4.207/2001, que culminou na nova lei, pode-se notar que o tema foi ampla e expressamente debatido, precipuamente na Câmara dos Deputados, última Casa Legislativa a apreciar o Projeto. Com efeito, no texto original nela aprovado, constava efetivamente que a resposta escrita ocorreria depois do recebimento da denúncia, porém, essa ordem foi alterada por substitutivo do Senado Federal. Quando o Projeto retornou à Câmara foi necessário discutir novamente o assunto, tendo, então, sido decidido que a alteração proposta pelo Senado seria rejeitada, retomando-se o texto original que prevê o recebimento da denuncia, antes da resposta escrita do réu. Do voto do Relator, o Dep. Régis de Oliveira (aprovado no dia da votação final do projeto), pode ser extraída a seguinte passagem: ‘O instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir o feito. Melhor se mostra que o Juiz ao analisar a denúncia ou queixa ofertada fulmine a relação processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado’. Esse texto deixa claro que a denúncia deve ser recebida logo após seu oferecimento. É evidente, por sua vez, que se houvesse a intenção de se criar duplo recebimento de denúncia isso teria expressamente constado do voto do Relator, o que não ocorreu”. (sem grifos no original)

59

consubstanciado pelos ensinamentos de Norberto Bobbio em sua obra Teoria do

Ordenamento Jurídico (1994), essa é a interpretação do processo penal

consentânea com os postulados constitucionais, fundados na dignidade da pessoa

humana:

(...) e, portanto, deverá ter mecanismos para repelir uma acusação injusta e infundada, evitando todos os malefícios que o recebimento de uma denúncia abusiva acarreta. Além disso, a Constituição assegura a ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988), que deve permitir a todo o acusado se defender de acusações injustas, antes do recebimento da denuncia ou queixa, tendo a oportunidade de impedir tal ato. (BADARÓ, IDEM, p. 151)

Porém vale a ressalva de que para Badaró, o juiz deve citar o acusado para

responder a exordial, sem recebê-la, quando não for o caso de rejeição liminar. O

que a nosso ver não resolve a questão da instauração do processo penal contra o

acusado de maneira unilateral, de acordo com o que dispõe o artigo 363 do CPP.

No mesmo entendimento, mas com fundamentação diversa, Afonso (2010, p.

10) assevera que a melhor e mais adequada interpretação constitucional do

momento de recebimento da denúncia é o que dispõe o artigo 399 do CPP, em que

o juiz não cita o acusado, mas notifica-o para responder a acusação:

Não é permissivo interpretar da norma do art. 396, do CPP que o juiz deve primeiro receber a denúncia para depois mandar citar. O juiz deverá, sob pena de nulidade (art. 5º, LIV e LV da CF) determinar a notificação prévia do acusado, para somente depois receber a denúncia e dar início a instrução criminal (...) Essa é a melhor interpretação do processo penal à luz do Estado Democrático de Direito.

Também para Flaviane Barros, sob a ótica do princípio constitucional do

contraditório, o momento do recebimento da denúncia e que marca, portanto, a

instauração do Processo Penal, é o artigo 399 do CPP27, pelo qual se deve

compreender que, para o acusado:

Tendo-lhe sido garantido meios processuais para evitar o seu recebimento, por meio de defesa escrita e juntada de documentos, respeita-se o contraditório e a ampla defesa. Essa decisão é que fixa os pontos de discussão no processo penal, fixando a imputação, além de ser o marco para a interrupção da prescrição (BARROS, op cit, p. 156).

27 Em sentido contrário, coloca-se a doutrina de Aury Lopes JR na obra Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.; Também PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. Estes autores entendem que o momento do recebimento da denúncia e do marco interruptivo da prescrição é o disposto no artigo 396 do CPP, ou seja, logo após o oferecimento da denúncia.

60

Ainda no que se refere às garantias constitucionais do contraditório aqui em

debate, Flaviane Barros (op cit, p. 143) preceitua que uma provável dilação da fase

postulatória, não obstaria necessariamente em uma relação direta, a ocorrência da

prescrição:

A preocupação com uma maior dilação da fase inicial, privilegiando-se a garantia do contraditório, pode preocupar os órgãos de acusação. Contudo, nenhuma dilação será entendida como indevida se for para concretizar garantias constitucionais, aqui, especificamente, a do contraditório prévio. Ademais a prescrição não se opera do dia para a noite, é preciso um tempo relevante para que isso ocorra. (...) A necessidade de uma compreensão que tome o contraditório prévio como base para a interpretação conforme a Constituição não pode ser desconsiderada. Para garantir o direito fundamental à liberdade, não é possível excluir o contraditório prévio de uma das partes para o início do processo.

Assim, a saída para operar-se com um dispositivo legal, flagrantemente

inconstitucional, como é o caso do disposto no artigo 396 do CPP, é justamente

utilizar o método da interpretação conforme a Constituição, segundo observa Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho28 citando Lenio Streck, em que o juiz deve receber a

denúncia e notificar o acusado para responder a acusação, sem citá-lo:

“A fórmula – seguindo a equação ‘a norma é o resultado da interpretação do texto’ – será: ‘O dispositivo do artigo 396 somente é constitucional se entendido no sentido de que, não rejeitada liminarmente a denúncia ou a queixa, o juiz recebê-la-á e ordenará a notificação do acusado para responder a acusação no prazo de dez dias, por escrito’. Recordemos: ‘O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado’ (artigo 363), ou seja, feita citação já se terá processo e, assim, o que se decidirá (sendo ele o due processo of law, naturalmente), daí por diante, não é mais a ação. A regra do artigo 396, assim – se não se fizer a verfassungskonforme Auslegung – estará quebrando/violando o sistema constitucional processual, o que vem reforçado pela redação do artigo 397, quando permite uma ‘absolvição sumária’, inclusive em razão da extinção da punibilidade (sic). Desta forma, o processo somente será instaurado após a defesa escrita e circunstanciada. Essa é a chave do problema. Citação implica processo penal instaurado. E isso não pode ocorrer se quisermos preservar a tese de que a reforma veio para instaurar o império da igualdade, da ampla defesa e do contraditório”.

Importante ainda salientar que a democratização do processo penal brasileiro,

também passa pela questão da função juiz no processo, que deveria, em termos

28 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. ARTIGO 396 - Citação não pode ser entendida como processo penal instaurado. In: Consultor Jurídico (20 set. 2008), p. 3. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-20/citacao_nao_significar_processo_penal_instaurado> Acessado em: 07 set de 2013.

61

ideais, ser imparcial. Para Coutinho, tomar o juiz como uma figura absolutamente

imparcial no curso de um processo penal, beira a “hipocrisia” em aspectos práticos:

o princípio da imparcialidade funciona como uma meta a ser atingida pelo juiz no exercício da jurisdição, razão pela qual se busca criar mecanismos capazes de garanti-la (...) é forçoso reconhecer que a imparcialidade é uma garantia tanto para aquele que exerce a jurisdição, como para aquele que demanda perante ela; mas não deixa de ser meta optata. Única coisa que se não pode aceitar, na espécie, é uma visão ingênua (...) que a tomam como algo dado por natureza, quando, em verdade, o que se passa é exatamente o contrário (COUTINHO, 2000, p. 5).

À luz desta discussão, “o princípio do contraditório, típico de um processo de

partes (...) exige que o julgador mantenha-se em posição o mais equidistante

possível das partes” (IDEM, p. 11). No que concerne ao tema do recebimento da

denúncia, em questão, ou seja, no momento de instauração da Ação Penal, o juiz

toma uma decisão em cognição sumária e unilateral, sem confrontar as arguições da

acusação com as da defesa, não havendo, portanto, qualquer possibilidade de

contraditório. O contraditório enquanto garantia constitucional, só poderia ser

restringido no curso de um processo penal democrático, quando “esbarrar em outro

princípio também previsto na Constituição, como ocorre, por exemplo, nas hipóteses

em que são protegidos os direitos à intimidade e à privacidade”. O autor entende

que o princípio do contraditório, “em sendo princípio lógico, está inserido em um

âmbito mais amplo, ou seja, aquele do devido processo legal” (IDEM). O

procedimento previsto para a instauração da Ação Penal garante o direito

constitucional de peticionar, ao passo que suprime a figura do contraditório, sendo

assim, da perspectiva do denunciado e neste ponto, opera-se o cerceamento da

ampla defesa e o desrespeito à presunção de inocência do acusado.

Para Flaviane Barros (op cit p. 130), a simplificação dos procedimentos no

contexto da reforma do novo Código de Processo Penal contribui com a situação de

supressão de garantias constitucionais, “(...) é fazer uma análise utilitarista do

procedimento penal, e não uma interpretação voltada ao processo como garantia,

pois reduz o contraditório e a ampla argumentação”. Tal crítica levanta interessante

questão sobre a necessidade de se pensar com cautela sobre os prós e contras da

celeridade processual em face de diferentes institutos e direitos constitucionais,

como seria o caso de se pensar a duração razoável do processo por um lado e a

ampla defesa por outro. Um possível problema que daí poderia ocorrer no Brasil é o

cerceamento de ambas as garantias constitucionais, por falta de efetivação de uma

62

ou de outra em função da ineficiência da gestão e administração da organização

judiciária e administrativa no âmbito do processo penal brasileiro, assim como por

problemas de interpretação legislativa como temos tentado demonstrar ao longo

deste trabalho.

Na sequência apresenta-se uma análise sistemática dos institutos correlatos

ao recebimento da denúncia, formação do processo penal, resposta à acusação e

hipóteses de absolvição sumária, relacionados às garantias constitucionais do

contraditório, ampla defesa e presunção de inocência na sistemática do processo

penal brasileiro.

5.3 DO RECEBIMENTO OU REJEIÇÃO DA DENÚNCIA QUANTO AOS

INSTITUTOS DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO E AS POSSIBILIDADES DE

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA DA DINÂMICA

PROCEDIMENTAL NA LEI 11.719/2008 À LUZ DO PRINCÍPIO DO

CONTRADITÓRIO.

Em uma análise integrada dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 399 do Código

de Processo Penal, temos que a análise das questões prévias realizadas no juízo de

admissibilidade da acusação, tem como principal função a realização de um

verdadeiro filtro processual, destinado a evitar denúncias infrutíferas ou temerárias,

assim como permitir ao juiz que se ocupe das questões probatórias referentes ao

regular desenvolvimento do processo a fim de decidir o mérito do caso penal. Há

uma série de questões que podem ser levantadas quanto à importância e

consequências que a decisão de recebimento ou rejeição da denúncia podem

acarretar para o caso penal em tela. Tais questões por vezes são prévias, mas

outras tantas, serão correlatas ao mérito do próprio caso penal porque guardam com

ele íntima relação, como é o caso por exemplo das condições da ação.

As condições da ação quando verificadas em cognição sumária, não se

relacionam ao mérito do caso, mas a depender do que se está analisando, podem,

por exemplo, extinguir o processo sem que o mérito seja julgado, quando da

resposta à acusação, ou levam mesmo à rejeição da denúncia sem que o processo

seja instaurado. Ao contrário dos pressupostos processuais que como já se

demonstrou, dificilmente são passíveis de análise em sede de juízo de

admissibilidade, por dependerem de provas, que na maioria das vezes, só ocorrerão

63

com a resposta à acusação ou com o desenvolvimento do processo. Daí a

importância de se oportunizar o contraditório prévio no momento do recebimento da

denúncia.

Uma importante questão que pode ser levantada quando da análise

integrada dos institutos acima referidos, vincula-se às hipóteses de absolvição

sumária do artigo 397 do CPP, que conforme Badaró (2009, p. 154) se estivessem

presentes quando do juízo de admissibilidade, o juiz rejeitaria liminarmente a Inicial,

por falta de condições da ação ou ausência de justa causa. Se ocorrer a

possibilidade de o juiz não tê-las percebido de plano, deve reconhecê-las e por

ocasião da resposta à acusação, absolver sumariamente o acusado. Porém o autor

faz uma ressalva quanto ao aspecto da justa causa, que não está presente nas

hipóteses de absolvição sumária, postulando que se restar provado na resposta à

acusação, que o acusado não é o autor do delito, ou que este sequer existiu, nestes

casos, deve o magistrado por analogia, aplicar o artigo 415, I e II do CPP e absolver

sumariamente o acusado.

A respeito da demonstração da justa causa após a resposta à acusação,

postula Aury Lopes Jr. (2012, p. 382) por uma solução diferente:

Dependendo do caso, é perfeitamente possível que o juiz se convença, após a defesa escrita (e, portanto, após o recebimento da acusação) que não há justa causa. O que deverá fazer? Pensamos que as seguintes decisões são possíveis: (a) anular a decisão de recebimento e, logo a seguir, decidir pela rejeição da denúncia (art. 395, III); (b) ou, em sendo adotado o entendimento de que não cabe rejeição após o recebimento da acusação (...) deve ser proferida a decisão de absolvição sumária, aplicando o 397, III, do CPP, por analogia; (c) ou ainda, deverá proferir uma decisão de extinção do feito sem julgamento de mérito.

O autor sugere que, por força da possibilidade de reapreciação do

recebimento da denúncia após a resposta à acusação, a primeira decisão acima

apontada é mais adequada, qual seja a de que o juiz deve desconstituir o ato

defeituoso e refazê-lo, já que a justa causa e a ilegitimidade não se encontram no rol

do artigo 397 do CPP que autoriza a absolvição sumária do acusado. Para o autor:

Não raras vezes, o réu demonstra, na resposta à acusação, a falta de justa causa (ou de legitimidade) da acusação (...) Após a reforma processual de 2008, pensamos que a solução deve tomar um novo rumo: poderá o juiz rever a decisão de recebimento à luz dos argumentos trazidos na resposta à acusação e rejeitá-la. Sustentamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento, anulando-o, para a seguir, proferir uma nova decisão, agora de rejeição liminar. Não existe preclusão pro iudicato e nada impede que o

64

juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado, até porque, se o ato foi feito com defeito, pode e deve ser refeito, regra básica do sistema de invalidades processuais (...) nenhum óbice existe em um juiz revisar a decisão que recebeu a denúncia para, à luz dos argumentos e provas trazidos na resposta do réu, rejeitá-la. (LOPES JR, 2012, p. 435-436)

O julgado proferido pelo Relator Taadaqui Hirose, da 7ª Turma do TRF4,

consolida o entendimento ora apresentado:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA INICIALMENTE ADMITIDA À LUZ DO ART. 43 DO CPP. LEI 11.719/2008. REFORMA PROCESSUAL PENAL. PROCESSO EM CURSO. ARTIGOS 395 E 397 DO CPP. NOVA ANÁLISE DA JUSTA CAUSA APÓS A RESPOSTA PRELIMINAR. POSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. CABIMENTO. 1. Com o advento da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, o denunciado somente será submetido a persecutio criminis in judicio quando houver plausibilidade da acusação, a qual, vale dizer, deverá estar lastreada, ao menos, na prova da existência de infração penal, sob pena de constrangimento ilegal. 2. Nessa linha, a partir das alterações processuais produzidas pela aludida Lei, após o oferecimento da peça acusatória, não sendo caso de rejeição liminar (art. 395), cabe ao juiz propiciar a apresentação de resposta por escrito, oportunidade em que o denunciado poderá alegar tudo o que interesse à sua defesa (art. 396 e 396-A). Dessa forma, os fatos narrados na peça incoativa passam a ser examinados em cotejo com os argumentos apontados pela defesa (art. 397) para, somente assim, sob os auspícios do contraditório e da ampla defesa, aferir o julgador se, efetivamente, há justa causa para a ação penal, iniciando a, se for o caso, com o recebimento da denúncia. 3. Portanto, não há mácula na decisão que, após a apresentação das respostas preliminares, realiza novo juízo de prelibação para, revendo decisão anterior, concluir pela ausência de justa causa ao exercício da ação penal. Até porque, inexiste utilidade no prosseguimento do feito quando não evidenciado um suporte probatório mínimo acerca da autoria e da materialidade delitivas atribuídas aos ora recorridos. (TRF4, RSE 2009.71.02.000450-0, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, D.E. 08/07/2009) (sem grifos no original)

Em conformidade com a nova sistemática consolidada pela reforma

procedimental do CPP, da mesma forma que Aury Lopes Jr, Badaró (2009, p. 156)

preceitua que “não há preclusão da decisão de recebimento da denúncia ou queixa”

o que significa dizer que é possível uma reapreciação das questões prévias

analisadas em juízo de admissibilidade da acusação, após o recebimento da

denúncia. Para Badaró, segundo o entendimento de que o juiz deve citar o acusado

sem receber a denúncia, conforme o disposto no artigo 399 do CPP, não sendo o

caso de rejeição liminar, caberia ao magistrado, após a resposta à acusação: “(a)

rejeitar a denúncia ou queixa, nos termos do artigo 395 do CPP; (b) absolver

sumariamente o acusado, nas hipóteses do artigo 397 do CPP; (c) receber a

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denúncia, em decisão fundamentada, e designar audiência de instrução e

julgamento (art. 399, CPP)” (IDEM, p. 155). Para o autor, o juiz pode absolver

sumariamente o acusado mesmo após o recebimento da denúncia para além das

hipóteses legais do artigo 397 do CPP, pois entende que:

não se pode negar que as situações que autorizam a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395 do CPP, nada mais são do que hipóteses de absolvição sumária do artigo 397 do CPP, embora analisadas em momento posterior e com elementos probatórios mais robustos (...) considerando uma mesma matéria (atipicidade, ou excludente de ilicitude, ou excludente de culpabilidade) esta justificaria tanto a rejeição da denúncia quanto à absolvição sumária.

É evidente que o autor ressalva a necessidade de se distinguir quando um

mesmo tema deve ser considerado como condição da ação, em sede de juízo de

admissibilidade e quando deve ser tratado como mérito, após a instauração do

processo. Das questões levantadas pelo autor, o que interessa ao presente trabalho

está relacionado à mudança substancial do grau de cognição do juiz após a resposta

à acusação, o que o torna fundamental na medida em que acarreta diferentes

consequências para o acusado. Mais um argumento para se defender o contraditório

prévio ao juízo de admissibilidade da acusação, posto que permitiria ao juiz decidir

de plano questões que dependem diretamente das informações que a resposta à

acusação acrescentaria às informações do inquérito policial, por exemplo,

contraditando-as ou justificando-as.

Neste ponto Badaró levanta uma importante questão acerca da possibilidade

de o juiz reapreciar, por exemplo, a questão da inépcia da Inicial após a resposta à

acusação, devido ao momento procedimental ali possibilitado pelo artigo 396-A. Diz

o autor:

Não há, qualquer óbice a que o juiz ‘reveja’ o seu ato de recebimento. Alias, do ponto de vista prático, não existindo uma fase saneadora, qual seria o sentido em se alegar ‘preliminares’, como prevê o novo artigo 396-A do CPP, se elas não pudessem ser apreciadas? No que toca a inépcia da denúncia, não haveria qualquer outro momento para o seu reconhecimento.

Badaró assevera que as questões prévias no que tange as condições da ação

e aos pressupostos processuais, são matérias de ordem pública que devem ser

reconhecidas a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição,

independentemente da provocação das partes, que não vinculam o juiz com o ato de

recebimento da denúncia por este não precluir. Assim, “impossibilidade jurídica do

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pedido, extinção da punibilidade, ilegitimidade das partes, inépcia da denúncia, são

temas que poderão ser revistos, mesmo após o recebimento da denúncia”

(BADARÓ, 2009, p. 171). Neste sentido, apresentamos o seguinte julgado do STJ

que teve como relatora a Ministra Laurita Vaz:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A APRESENTAÇÃO DA DEFESA PRELIMINAR. IMPROCEDÊNCIA. AUTORIZAÇÃO LEGAL DADA PELO ART. 396-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUE PERMITE AO ACUSADO ARGUIR QUESTÕES PRELIMINARES NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Superada a fase do art. 395 do Código de Processo Penal com o recebimento da inicial acusatória, após a apresentação da defesa preliminar, o juiz não fica vinculado às hipóteses elencadas no art. 397 do mesmo diploma legal, autorizadoras da absolvição sumária. 2. Verificada, após a apresentação das defesas preliminares, a inépcia da exordial acusatória pela ausência da descrição individualizada das condutas de cada denunciado, ao Juiz é lícito reconsiderar o recebimento da denúncia, quer por permissão legal, quer por uma questão de coerência com os anseios do legislador, impulsionadores da reforma do Código Adjetivo Penal, tendentes a um processo célere e fecundo. Inteligência do art. 396-A do Código de Processo Penal. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 82199 AL 2011/0280346-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014) (sem grifos no original)

Já no que se refere à justa causa, ainda que não esteja presente nas

hipóteses de absolvição sumária, e para além da possibilidade de o juiz aplicar por

analogia o artigo 415, I e II do CPP, tendo a defesa provado a sua não incidência,

Badaró (2009) assevera:

Não se discorda da possibilidade de absolvição sumária se, com a resposta, o acusado provar, plenamente, que o fato não existiu ou ele não foi o seu autor. O que não se pode aceitar, sob pena de o processo penal se transformar, facilmente, num instrumento rotineiro de ultraje à dignidade humana, é que, se a defesa demonstrar, na resposta escrita, que a investigação preliminar não gerou a convicção sobre a existência do fato – juízo de certeza – ou sobre indícios de que o acusado seja o seu autor – probabilidade de autoria – o juiz nada poderá fazer, e a denúncia, já recebida, permanecerá inatacável, com o prosseguimento do feito. (IDEM, p. 172)

O autor vai adiante e ressalta o aspecto da coisa julgada da decisão pela

absolvição sumária:

Após o oferecimento da resposta, havendo certeza negativa quanto à existência do crime ou sobre a autoria delitiva, o acusado deve ser

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absolvido sumariamente. Trata-se de julgamento antecipado do mérito, que fará coisa julgada material, impedindo a repropositura do feito. (IDEM, p. 175).

Aqui o autor se refere explicitamente às hipóteses legais de absolvição

sumária do artigo 397 do CPP, quais sejam: excludente de ilicitude; excludente de

culpabilidade, fato atípico. Configuram-se hipóteses de julgamento antecipado do

mérito, cuja sentença será revestida de coisa julgada material. Importante ressalvar

neste ponto, que a extinção de punibilidade do agente é sentença declaratória que

pode ser proferida de ofício a qualquer tempo, não se trata, portanto, de absolver o

acusado. No mesmo sentido, Aury Lopes Jr. (2012, p. 433) preceitua sobre as

hipóteses de absolvição sumária do artigo 397 do CPP e seu caráter de coisa

julgada material:

E, por que essas condições da ação estão no artigo 397, como causas de absolvição sumária? Porque são questões intimamente vinculadas ao mérito, ao elemento objetivo da pretensão acusatória, e dizem respeito a interesse da defesa, que, como regra, acabam sendo alegados (e demonstrados) depois, na resposta preliminar do art. 396 (...) No fundo, apenas se retirou um (pseudo) obstáculo a que o juiz rejeite a acusação, mesmo já a tendo recebido. Como a jurisprudência erroneamente não admitia esse tipo de decisão, abriu-se a possibilidade através da absolvição sumária. Ademais, por serem questões vinculadas ao mérito e que, portanto, geram coisa julgada material, a absolvição sumária é uma decisão adequada para esse fim. (sem grifos no original)

Pela possibilidade de reapreciação de questões prévias ao juízo de

admissibilidade após o recebimento da denúncia, cabe ainda a ressalva de que essa

decisão pode determinar a extinção do processo sem julgamento de mérito, sendo

ainda importante ressaltar a necessidade da distinção entre as questões prévias, e

aquelas que, a depender do grau de cognição do juiz e do suporte probatório,

referem-se ao mérito do caso penal. A decisão que extinguir o processo sem

julgamento de mérito por ausência de justa causa, por exemplo, enquanto rejeição

da denúncia, não acarretará em absolvição sumária, e não obstará a repropositura

da denúncia se surgirem novas provas substanciais que a justifiquem. Neste sentido

assevera Aury Lopes Jr (2012, p. 431):

Quando a rejeição por falta de justa causa tiver por fundamento a ausência de provas suficientes de autoria e materialidade, pensamos que essa decisão produzirá apenas coisa julgada formal. Havendo novos elementos, nada impede que a acusação seja novamente formulada.

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Ainda que seja imprescindível a devida separação das condições da ação

enquanto questões prévias e enquanto matérias de mérito, é inegável que há uma

íntima relação entre elas, porque uma decisão de rejeição da denúncia pode

fulminar o nascimento de um processo penal, ou ainda, após a resposta à acusação,

extinguir um processo sem julgamento de mérito. Se assim o é, se a resposta à

acusação pode interferir de forma tão decisiva no prosseguimento ou não do

processamento de um caso penal, e se o caso fosse de rejeição da denúncia,

porque não oportunizá-la desde logo? Por que não estabelecer na legislação um

contraditório prévio ao recebimento da denúncia, em que o juiz em sede de juízo de

admissibilidade já pudesse observar de plano e com maior grau de cognição,

aspectos que levariam à rejeição da Inicial?

A Constituição da República de 1988 permite este entendimento do processo

penal quando preceitua o estado de inocência, a ampla defesa e o contraditório

prévio aos cidadãos brasileiros. Falta-nos a consolidação destes princípios

norteadores do processo penal em todas as fases da persecução penal,

principalmente na postulatória, na qual não ocorre a observância do devido processo

legal, que de acordo com a atual legislação, não conferiu a menor possibilidade de

contraditório prévio ao acusado, cerceando-lhe a defesa e violando sua presunção

de inocência.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento da formação do juízo de admissibilidade, a necessidade de

instituir defesa prévia a partir da garantia do contraditório antes de iniciado o

processo penal ainda não está contemplada na legislação processual penal

brasileira. Tal lacuna acaba por suprimir a ampla defesa e o contraditório, bem como

o princípio da presunção de inocência, correlatos ao devido processo legal

constitucional.

Apesar de o instituto da defesa prévia ter figurado em inúmeros projetos

pretéritos de alteração do Código de Processo Penal, fato é que não se consolidou,

haja vista que voltou a ser objeto de discussão no atual projeto de alteração global

do Código de Processo Penal em trâmite no Congresso brasileiro (PLS 156/2009). A

necessidade de alteração legislativa é flagrante, uma vez que pretende integrar a

atuação e o procedimento do direito processual penal, a partir dos princípios

constitucionais consagrados pela Constituição da República de 1988. O processo

penal brasileiro ainda compreende uma série de institutos ligados ao processo

inquisitório que não podem coexistir com os princípios constitucionais que

prelecionam por um processo acusatório, democrático e garantista. Tanto é

inquisitório, que dentro do próprio ordenamento jurídico convivem diferentes

procedimentos nos quais se permite defesa prévia em determinados casos, como

por exemplo, nas ações originárias dos Tribunais Superiores, e em outros não, como

é o caso do procedimento comum ordinário. Neste contexto, se o direito de ação é

equiparado ao direito de defesa, no âmbito do processo penal não se justifica que a

defesa se manifeste por meio do contraditório prévio ao juízo de admissibilidade da

acusação. Acredita-se existir nesta lacuna legislativa, violação do devido processo

legal e violação do princípio da presunção de inocência do acusado.

O procedimento comum ordinário tal como se apresenta hoje na legislação

pátria, em função das últimas modificações legislativas operadas pela lei

11.719/2008, possibilitou uma espécie de celeuma doutrinária acerca do momento

de recebimento da acusação, que ao invés de efetivar as garantias constitucionais já

consolidadas, contribuiu para a sua supressão, uma vez que, a depender do

entendimento, o acusado só terá a oportunidade do contraditório após a instauração

do processo. A referida modificação legislativa permitiu a manifestação da defesa

logo após a citação do réu e antes da audiência de instrução e julgamento, o que já

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pode ser considerado uma inovação, na perspectiva da doutrina crítica, porém se

avançou pouco no sentido de democratizar o processo penal brasileiro como quer a

Constituição da República. Espera-se que o referido projeto pela alteração global do

Código de Processo Penal, enfim goze de aprovação no que concerne às mudanças

ali descritas acerca do tema em comento.

Demonstrou-se no presente trabalho que o juízo de admissibilidade é formado

a partir da análise de determinadas questões prévias, ligadas às condições da ação

e aos pressupostos processuais, que embora se relacionem em última instância ao

mérito do caso penal, não se confundem. A partir da verificação destas condições

prévias, pode o juiz rejeitar de plano a acusação e extinguir o processo sem

julgamento de mérito ou até mesmo proferir sentença de absolvição sumária, com

antecipação do julgamento do mérito após a resposta à acusação. O que definirá em

certa medida uma ou outra decisão, é justamente o grau de cognição do juiz e o

momento em que lhe é dado conhecer do caso penal com maior ou menor

profundidade.

O grau de cognição do juiz do caso penal apresentado em juízo de

admissibilidade, definirá seu convencimento sobre a procedência ou não da ação

penal, ou seja, sobre a possibilidade ou não da instauração de um processo penal

contra o autor imputado na Inicial. Pensamos que é justamente neste ponto que

reside a importância das questões aqui trabalhadas. Não se trata por óbvio de

defender uma ideia ilusória de que em sede de juízo de admissibilidade, o juiz tenha

plenas condições de decidir sobre o caso penal, mas ao contrário, defende-se a

ideia de que nas situações que ele poderia observar de plano, o contraditório prévio

traria contribuições significativas.

Certamente possibilitar o contraditório na fase postulatória, antes do

recebimento da denúncia e consequente citação do réu, evitaria denúncias

temerárias e infundadas, sem os requisitos da justa causa para ação penal, por

exemplo. Contribuiria para a consolidação e efetivação de um processo penal

acusatório e democrático dentro dos parâmetros do devido processo legal, que

preceitua a paridade de armas para além da regularidade procedimental, e

principalmente, assegura a garantia das liberdades individuais, do processo justo, e

da presunção de inocência.

Não se pode negar a importância para o acusado da decisão de recebimento

da denúncia, não se pode admiti-la como mero despacho interlocutório, em que a

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motivação é dispensada. Esta é a primeira e mais importante decisão que inaugura

o processo penal, que como se viu, pode, ao contrário, absolver o acusado

sumariamente após a resposta à acusação, ou até mesmo, reapreciar o próprio ato

de recebimento da exordial acusatória após a manifestação da defesa e rejeitar a

denúncia. Neste caso, melhor seria se a defesa fosse ouvida tão logo a peça

acusatória fosse apresentada, observando a paridade de armas, a igualdade das

partes e a presunção de inocência do acusado, ausentes neste momento de

instauração da ação penal.

Observadas as garantias do devido processo legal, pode o Estado, se for o

caso, punir os condenados enquanto prerrogativa legal, mas não sob pena de

eventualmente submeter arbitrariamente o inocente a um processo penal, antes

mesmo que ele tenha o direito de se manifestar contrário às acusações que lhe são

imputadas. Pois na sistemática atual do Código de Processo Penal, o acusado só

terá direito à defesa e ao contraditório, depois de citado para responder a um

processo já devidamente contra ele instaurado. Começa aí a sua penalização,

principalmente, em se tratando de um inocente.

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