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UNIVERSIDADE PUBLICA EM TEMPOS DE EXPANSAO

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UNIVERSIDADE PUBLICA

EM TEMPOS DE EXPANSAO

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Thiago Ingrassia PereiraORGANIZADOR)

UNIVERSIDADE PUBLICA

EM TEMPOS DE EXPANSAO

Entre o vivido e o pensado

Erechim, 2014

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© Os autores - Todos os direitos reservados - 2014

COLEÇÃO DEBATES DO PRÁXIS

Coordenação:Thiago Ingrassia Pereira – UFFS

Conselho Editorial:Jaime José Zitkoski – UFRGS

Leandro Raizer – IFRSBianca de Freitas Linhares – UFPel

Rafael Arenhaldt – Colégio de Aplicação (UFRGS)Giovani Forgiarini Aiub – IFRSVilmar Alves Pereira – FURG

Mauro Meirelles – UNILASALLEDouglas Santos Alves – UFFS

Luís Fernando Santos Corrêa da Silva – UFFS

Revisão:Zoraia Aguiar Bittencourt – UFFS

GRUPO PRÁXISLicenciaturasModalidade Conexões de Sabereshttp://petconexoesdesaberes-uffs.blogspot.com.br/

Universidade Federal da Fronteira SulCampus Erechim – RS

Apoio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

U58 Universidade Pública em Tempos de Expansão – Entre o Vivido e o

Pensado / Organizador: Thiago Ingrassia Pereira. – Erechim : Evangraf, 2014. 112 p.

ISBN 978-85-7727-601-1

1. PET Conexões. 2. Saberes. 3. Educação Popular. 4. Acesso ao Ensino Superior. 5. Formação Docente. 6. Escola Pública. I. Pereira, Thiago Ingrassia.

CDU 378 CDD 378

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)

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SUMÁRIO

PREFÁCIO

Luís Fernando Santos Corrêa da Silva ...............................................7

ABRINDO O DIÁLOGO

Thiago Ingrassia Pereira..................................................................11

PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS CAMPUS ERECHIM

Marcelo Luis Ronsoni ......................................................................17

LEITURA NO ENSINO SUPERIOR NOTURNO: ESTUDANTES DO

CURSO DE PEDAGOGIA ENTRAM NO DEBATE SOBRE A

PRODUTIVIDADE DO TRABALHO COM TEXTOS NA UNIVERSIDADE

Zoraia Aguiar Bittencourt e Suzana Schwartz.................................33

METODOLOGIA DE ENSINO EM PESQUISA SOCIAL QUANTITATIVA

Douglas Santos Alves .....................................................................49

A PESQUISA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO GRUPO

PRÁXIS – PET/CONEXÕES DE SABERES

Thiago Ingrassia Pereira..................................................................61

DA ESCOLA PARA A UNIVERSIDADE: O NOVO PERFIL DO

ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR

Fernanda May ................................................................................75

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DESIGUALDADES ESCOLARES E SEUS REFLEXOS PARA A

DIVERSIDADE ÉTNICA E DE COR NA UFFS CAMPUS ERECHIM

Joviana Vedana da Rosa .................................................................87

EDUCAÇÃO SUPERIOR E SUAS INTERFACES: OS DESAFIOS DA

CLASSE TRABALHADORA

Daniel Gutierrez ...........................................................................101

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PREFÁCIO

PREFÁCIO

Luís Fernando santos Corrêa da siLva1

Diante das possibilidades de definição da universidade, institui-

ção formativa que produz e difunde saberes, me agrada a possibili-dade de pensá-la como lugar permeado por desafios. Todos nós, que cotidianamente dedicamos parte significativa do nosso tempo e de nossas vidas ao “fazer universitário”, estamos imbuídos de desafios, sejam eles individuais ou coletivamente partilhados. Nos corredores e nas salas das instituições universitárias, estão configurados desafios múltiplos, impostos ou autoimpostos a todos que participam desses espaços.

Como elemento carregado de relevância, um dos grandes desa-fios do presente é o de afirmar a universidade como espaço inclusivo, seja de segmentos sociais ou de pessoas. Por outro lado, o debate sobre a inclusão de grupos sociais excluídos do ensino superior ocorre em paralelo com outro debate caro à instituição universidade, que evoca a importância da formação com qualidade. Diga-se de pas-sagem, o conceito de qualidade está em permanente disputa, visto que é passível de mudança ao longo do tempo e, desse modo, não é sequer desejável que seja entendido como fixo em determinado patamar ou, então, naturalizado a partir de condições pregressas. Em resumo, o imperativo posto como desafio contemporâneo pressupõe a criação de mecanismos inclusivos na educação superior em paralelo à qualificação da formação e dos processos internos às instituições.

1 Professor da área de Sociologia e Ciência Política e Coordenador Acadêmico da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim/RS. E-mail: [email protected]

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PREFÁCIO

No quadro da universidade que se constrói de desafios, que se pretende inclusiva e que procura produzir formação por meio de pa-drões elevados de qualidade, começa a emergir a superação de uma realidade que, para alguns, parecia intransponível: a ruptura com o modelo elitista de acesso ao ensino superior e ao saber especializado, sobretudo nos cursos mais valorizados socialmente. Esse processo, recente na história do Brasil, tem se tornado possível mediante o in-gresso dos estudantes da escola pública, dos negros, dos indígenas e dos filhos dos pequenos agricultores em espaços acadêmicos antes destinados a alguns poucos afortunados, que rompiam com trajetó-rias familiares de exclusão do ensino superior.

A criação de novas universidades públicas, a expansão dos cursos e das vagas oferecidas em universidades consolidadas e o surgimento de políticas públicas como o Prouni têm contribuído de modo consi-derável para o aumento da oferta de educação superior no país. Na última década foram implantados campi universitários em regiões his-toricamente desassistidas pela educação superior pública, o que pro-porcionou maior democratização do acesso, mesmo que problemas relacionados à expansão possam ser identificados com certa facilidade.

Contudo, do desafio da criação de novas instituições de ensino e da inclusão das classes populares na universidade emergem novos de-safios, afinal há um novo cenário que se instaura, no qual os atores e as estruturas são significativamente diferentes. Por exemplo, não somente os estudantes possuem perfil diferente daquele que até pouco tempo predominava nas universidades federais, mas também o perfil docente sofreu significativa modificação. A maioria dos novos docentes do en-sino superior é composta por jovens, alguns sem experiência docente pregressa e muitos que ainda buscam a formação em nível de douto-rado. Tais características, distintas daquelas encontradas em universi-dades consolidadas, em nada desmerecem os novos docentes, mas certamente impõem desafios antes não colocados em larga escala2.

2 Para exemplificar os desafios e a complexidade do novo contexto do qual falo, recordo de uma estudante que me procurou na coordenação acadêmica do Campus Erechim da UFFS para manifestar contrariedade ao posicionamento de sua turma em relação à qualidade das aulas de um professor. Segundo sua percepção, o professor também estava em processo de formação, visto que mencionou em sala de aula que não tinha experiência docente pregressa e havia con-cluído sua formação pouco antes de ingressar na carreira do magistério superior.

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PREFÁCIO

Neste contexto, diversos questionamentos surgem como tentati-va de melhor compreender essa nova realidade: Qual o perfil socio-demográfico dos novos estudantes do ensino superior? Quais suas expectativas em relação ao ensino superior? As políticas de perma-nência até então vigentes são adequadas para essa nova realidade? Como qualificar a formação dos estudantes das licenciaturas? Que desafios estão colocados no processo de inclusão do estudante tra-balhador? Sobre essas e outras questões se debruçam os autores dos capítulos que compõem o presente livro, organizado por Thiago Ingrassia Pereira.

Desde a chegada em Erechim, em março de 2010, compartilho com Thiago Ingrassia Pereira o desafio da implantação de um cam-pus universitário no município. Nossa proximidade, que decorre de interesses profissionais partilhados, mas também de uma amizade que iniciou em Porto Alegre, nos tempos do curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFR-GS, permite que eu ateste sua autodefinição mais recorrente: Thiago Ingrassia Pereira é um operário.

Como operário que dedica seus esforços para a causa da educa-ção popular, seu principal compromisso ético, o organizador dessa obra nos brinda com o segundo livro gestado no grupo PET – Cone-xões de Saberes, da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim, do qual é tutor desde dezembro de 2010. O livro, que está organizado em capítulos, conta com a participação de professores, em sua maioria da UFFS, de um técnico-administrativo em educa-ção e de estudantes vinculados ao Programa, e tem como objetivo a socialização dos resultados de pesquisas e estudos realizados nos últimos dois anos.

Além de possibilitar a divulgação das atividades realizadas no interior do PET – Conexões de Saberes, o livro possui conotação for-mativa inegável, visto que permite a estudantes de graduação o aces-so à publicação de textos acadêmicos, fato relativamente raro nesta etapa de formação. Por sinal, a prática da escrita acadêmica, muitas vezes relegada a um segundo plano nos currículos dos cursos de graduação, se constitui em ferramenta fundamental no processo de

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PREFÁCIO

construção de formação universitária, bem como é o meio por exce-lência da divulgação científica mais ampla.

O livro não pretende esgotar as temáticas sobre as quais se de-bruça, mas sem dúvida contribuirá consideravelmente para as dis-cussões sobre o novo cenário do ensino superior no país, mais espe-cificamente ao analisar o caso da UFFS, uma das novas instituições federais de ensino superior, que, em setembro de 2013, alcançou quatro anos de existência. Como a UFFS se pretende pública e po-pular, aspecto que é manifestado em documentos como o Projeto Pedagógico Institucional, estudos sobre as condições de inserção dos estudantes no ensino superior são fundamentais, visto que podem inclusive subsidiar o desenvolvimento de políticas de combate à eva-são, qualificação dos processos internos, avaliação das políticas de assistência estudantil, entre outros aspectos.

Por fim, cabe manifestar que os desafios e as tensões são per-manentes em uma universidade tão recente como a UFFS. Como é próprio de instituições em implantação, nas quais se inserem pessoas com as mais diversas trajetórias de vida, percursos formativos e visões de mundo, há projetos de universidade em disputa. Cabe à comuni-dade universitária fazer suas escolhas.

Contudo, dificilmente será possível construir uma universidade de excelência sem a adoção de critérios de justiça. No atual estado da arte da universidade brasileira, a promoção de critérios de justiça significa romper com a supremacia do mérito, elemento fundamen-tal de diferenciação social na modernidade, o qual, se adotado em forma pura, desvinculado das suas condições sociais de produção, implica em efeitos nocivos para a maioria da população, que ajuda a sustentar a estrutura de Estado que dá suporte à universidade pública com trabalho e impostos, mas dela está apartada.

Em âmbito local, se possibilitar o acesso das classes populares ao ensino superior está na raiz da criação da UFFS, nos cabe agora garantir permanência e formação qualificada. Esse é o nosso desa-fio, partilhado coletivamente, mas também compromisso pessoal dos que assumem a causa da educação pública. Refletir sobre tais aspec-tos é o intuito primordial da obra que agora inicia. Que permaneçam vivos nossos desafios!

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ABRINDO O DIÁLOGO

ABRINDO O DIÁLOGO

A produção coletiva do conhecimento é um compromisso polí-tico que assumimos no Grupo Práxis. O conceito que intitula nosso grupo de trabalho indica a relação sinérgica entre teoria e prática, ou seja, sugere um conhecimento aplicado que se constrói em diálogo com sujeitos sociais concretos. Por isso, construímos essa coletânea de textos, com o objetivo de compartilhar nossas experiências de en-sino, pesquisa e extensão durante os anos de 2012 e 2013.

Nosso grupo do Programa de Educação Tutorial (PET) iniciou suas atividades na UFFS Campus Erechim (RS) em dezembro de 2010. So-mos um grupo PET na modalidade Conexões de Saberes, o que colo-ca o desafio de produzirmos conhecimento a partir das experiências dos sujeitos que constituem o Programa. Dessa forma, nossos bolsis-tas são estudantes universitários de cursos de Licenciatura do turno da noite. Todos estudaram em escola pública na educação básica e fazem parte das primeiras gerações de suas famílias a cursarem o ensino superior, em especial, o público.

O principal tema de pesquisa que articula as ações do Práxis é a democratização do acesso ao ensino superior público. Trabalhamos a partir dos princípios teóricos e práticos do campo da Educação Popu-lar. Isso significa que assumimos plenamente a dimensão política do ato educativo. O desdobramento metodológico dessa base teórica é a pesquisa participante, modalidade de produção do conhecimento na qual ocorre o estabelecimento de relações horizontais entre pes-soas que, em diálogo, designam o mundo.

Nesse sentido, a temática transversal de nosso grupo é a forma-ção docente e a escola pública. Não dissociamos a discussão sobre a universidade da escola. Pelo contrário: são nas escolas públicas da re-

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ABRINDO O DIÁLOGO

gião de abrangência da UFFS/Erechim que desenvolvemos nossas ati-vidades de extensão. Nossa ação “Quero entrar na UFFS” se constitui em palestras, debates e oficinas nas escolas públicas estaduais que ofertam ensino médio regular e na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) da 15ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) do Rio Grande do Sul. De um total de 50 escolas em 41 municípios do norte gaúcho, nosso projeto de extensão, considerando o período 2011-2013, já esteve em 28 municípios e em mais de 30 escolas.

Nossa presença nas escolas objetiva levar informações aos estu-dantes do ensino médio sobre a UFFS e as demais políticas de acesso ao ensino superior (PROUNI, UAB, Lei de Cotas, SISU, FIES), proble-matizando o significado em termos culturais e de projeto de vida (trabalho) que representa a continuidade dos estudos na graduação. Além dessa dimensão informativa, buscamos ouvir os estudantes so-bre suas concepções de universidade, sobre seus projetos futuros e sobre os condicionantes sociais que interferem na tomada de deci-são. Não é simples morar em um município pequeno e de base agrí-cola e ir para a universidade. Mesmo não pagando mensalidade, há custos de transporte, alimentação, moradia, livros e outras questões pertinentes à manutenção da vida.

Além disso, percebemos um aspecto subjetivo importante: o apoio dos grupos sociais de referência (em especial a família) nem sempre é positivo em se tratando de continuar a estudar. A necessi-dade do trabalho remunerado é um fato relevante, tanto pela neces-sidade material imediata, como por uma noção moral que constrói o sentido de pertencimento social. Em outras palavras: trabalhar é mais importante do que estudar.

Contraditoriamente, sabemos que anos de estudo se relacionam com maiores ganhos financeiros no mercado de trabalho. Contudo, por ainda ser algo novo na região, a universidade pública, diferente do verificado em outras cidades em que já se encontra mais enrai-zada, ainda não desperta essa valorização subjetiva que poderia ser fator importante de incentivo para os concluintes do ensino médio.

Por isso, nossa atividade de extensão está implicada com outra ação que passamos a desenvolver em 2012: a pesquisa sobre o per-

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ABRINDO O DIÁLOGO

fil dos calouros da UFFS/Erechim. Muito se fala sobre a expansão (interiorização) da universidade pública, seja pela criação de novas unidades de universidades já existentes, seja pela criação de institui-ções novas. A UFFS inicia suas atividades letivas em março de 2010 em Erechim e nas cidades de Chapecó – SC (onde fica sua reitoria), Laranjeiras do Sul e Realeza – PR e Cerro Largo – RS. Em 2013 passa a operar com um Campus universitário em Passo Fundo – RS.

Assim, foi nossa intenção saber um pouco mais sobre o aluno que estava ingressando em nosso Campus. Nossa pesquisa foi realiza-da por meio de um questionário autoaplicável e respondido pelos ca-louros que ingressaram nos oito cursos1 de graduação ofertados em 2012. A aplicação dos questionários foi realizada nas salas de aula e procurou se constituir em um censo com essa população. Neste pro-cesso seletivo, a UFFS trabalhou com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e uma bonificação para quem cursou o ensino médio em escola pública. O chamado “fator escola pública” foi2 uma política afirmativa da universidade desde seu primeiro processo seleti-vo em 2010, objetivando o ingresso de maior número de estudantes provenientes da escola pública. Se o aluno tivesse cursado os três anos do ensino médio em escola pública, receberia uma bonificação de 30% sobre sua nota do ENEM. Tal iniciativa produziu interessan-te cenário nunca visto nas universidades federais brasileiras: mais de 90% dos estudantes da UFFS em seus primeiros anos de atividades tinham sido alunos de escolas públicas no ensino médio.

Para além dos números, queríamos saber mais sobre essas pes-soas que passavam a fazer parte da nossa universidade. Nesse sen-tido, nosso grupo de bolsistas se envolveu nesta pesquisa e passou a produzir reflexões sobre o processo de expansão atual do ensino superior público a partir da realidade da UFFS/Erechim, que, em últi-ma instância, é a sua própria realidade. Junto à atividade do “Quero

1 UFFS/Erechim – Cursos integrais (manhã e tarde): Bacharelados em Agronomia (ênfase em Agroecologia), Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental. Cursos noturnos: Licenciatu-ras em Ciências Sociais, Filosofia, História, Pedagogia e Geografia. 2 A partir do processo seletivo 2013, a UFFS adotou a orientação da Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012) e modificou sua política de ingresso. Em 2014, a universidade entrou no Sistema de Seleção Unificada – SISU.

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ABRINDO O DIÁLOGO

entrar na UFFS” e às leituras e diálogos do nosso grupo de estudos, passamos a compartilhar nossas ideias em fóruns de iniciação cientí-fica e seminários.

Nesse sentido, este livro é parte do que vivemos e pensamos e, também, das parceiras que constituímos ao longo dessa caminhada de três anos do nosso grupo PET. Os capítulos que integram essa coletânea representam cerca de um ano e meio de trabalho entre 2012 e 2013.

Se discutir o acesso à UFFS é algo fundamental na vida da nova universidade, não menos importante é avaliarmos a permanência dos nossos estudantes. Nessa linha, o Pedagogo Marcelo Luis Ronsoni, presente na construção da UFFS/Erechim desde seus primeiros passos e colaborador da ação “Quero entrar na UFFS”, reflete, no capítulo Permanência e evasão de estudantes da UFFS Campus Erechim, sobre o cenário de ocupação efetiva das vagas em nosso Campus. Este estudo sobre a evasão na UFFS/Erechim parte de números, mas vai além: sugere causas e motivos da evasão e apresenta possibilida-des de enfrentamento desse problema que tem origem tanto externa (social) como interna (mecanismos institucionais).

Ainda na linha da permanência dos estudantes na universida-de, a Professora da área de Alfabetização e Língua Portuguesa da UFFS/Erechim e colaboradora do Práxis, Zoraia Aguiar Bittencourt, e a Professora da área de Alfabetização da Unipampa/Jaguarão, Su-zana Schwartz, examinam com estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia aspectos relacionados à leitura durante a graduação. O capítulo Leitura no ensino superior noturno: estudantes do curso de pedagogia entram no debate sobre a produtividade do trabalho com textos na universidade apresenta um diagnósti-co sobre as causas do baixo acompanhamento das leituras por parte dos alunos, que nós, professores de cursos noturnos, percebemos, mas, muitas vezes, não entendemos. Ao examinar a percepção das estudantes sobre as leituras exigidas pelo curso de graduação, as autoras reúnem subsídios importantes para que os docentes universi-tários possam qualificar essa prática em suas aulas.

O próximo capítulo intitula-se Metodologia de ensino em pesquisa social quantitativa e seu autor, Professor Douglas San-

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tos Alves, da área de Ciência Política da UFFS/Erechim, apresenta argumentos que justificam a importância do domínio de técnicas de pesquisa quantitativa na formação de professores em nível superior. Nesse texto, encontramos um autor preocupado com a qualidade da formação dos licenciandos na universidade. Por isso, ele nos apresen-ta argumentos que superam a dicotomia quantitativo x qualitativo na pesquisa social, sugerindo que o ensino superior possa, de fato, formar sujeitos aptos a construir conhecimento a partir da realidade que os cerca. Vale destacar que o Prof. Douglas assessorou a pesqui-sa sobre o perfil dos calouros desenvolvida por nós do PET.

Na sequência, escrevi o capítulo A pesquisa como princípio educativo no Grupo Práxis – PET/Conexões de Saberes, buscan-do compartilhar algumas premissas políticas e pedagógicas de nossas ações no PET. Ao retomar as atividades do nosso grupo, dialogo com autores de referência sobre Pesquisa Participante e Educação Popular. Ao pensar sobre o nosso PET, de certa forma, promovo um debate so-bre a universidade no Brasil, problematizando seu papel na produção do conhecimento (Para quê? Para quem? Como?).

Depois de apresentarmos reflexões sobre aspectos da perma-nência na UFFS/Erechim e sobre o princípio educativo da pesquisa em nosso grupo PET, temos três capítulos escritos por bolsistas com base na análise dos dados da pesquisa sobre o perfil dos calouros da UFFS/Erechim 2012. Fernanda May, bolsista decana do Práxis, dis-cute a relação entre a escola pública e a universidade, destacando a presença majoritária de estudantes provenientes da escola pública na UFFS. No capítulo Da escola para a universidade: o novo perfil do estudante do ensino superior, a autora aborda a questão do perfil dos calouros da UFFS/Erechim e apresenta reflexões sobre o desa-fio de reinvenção da universidade (e da escola) em uma perspectiva emancipatória.

O debate sobre a questão étnica é o tema do capítulo Desi-gualdades escolares e seus reflexos para a diversidade étnica e de cor na UFFS Campus Erechim, de autoria de Joviana Vedana da Rosa. Preocupada com a desigualdade de acesso à universidade para a população não branca, a bolsista apresenta um mapeamento

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da situação demográfica da região de influência da UFFS/Erechim, relacionando com o perfil dos calouros 2012. Nesse sentido, proble-matiza o pequeno percentual de negros e indígenas na universidade, provocando o debate sobre as ações afirmativas e a política de cotas.

Daniel Gutierrez apresenta importante reflexão no capítulo Edu-cação superior e suas interfaces: os desafios da classe trabalha-dora. Neste texto, o bolsista parte da discussão teórica sobre classe social e examina dados do perfil dos calouros 2012 da UFFS/Erechim, apontando para os desafios que as classes populares enfrentam ao conciliarem trabalho e estudo. Por isso, os cursos noturnos que pos-suem a maior quantidade de estudantes trabalhadores necessitam de um tratamento especial na questão da permanência desses trabalha-dores que estudam.

Dessa forma, compartilhamos nossas produções teóricas, que partem de nossas ações de extensão, ensino e pesquisa. Esse é o segundo livro produzido pelo nosso PET em três anos de existência na UFFS/Erechim. O financiamento é da verba de custeio proveniente do FNDE. Agradeço ao apoio da Pró-Reitoria de Graduação da UFFS e ao Comitê Local de Acompanhamento e Avaliação (CLAA) pela asses-soria qualificada, bem como à Coordenação Acadêmica do Campus Erechim. Também, agradeço aos colegas docentes da UFFS/Erechim que colaboram com nosso PET, aos professores e alunos das escolas públicas do Alto Uruguai e, principalmente, aos bolsistas que coti-dianamente produzem essa experiência alegre e rigorosa do grupo Práxis.

Erechim, janeiro de 2014.5º ano da UFFS

Thiago Ingrassia PereiraTutor PET/Conexões de Saberes

Práxis (Licenciaturas)UFFS/Erechim

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PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS/CAMPUS ERECHIM

PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS/CAMPUS ERECHIM

MarCeLo Luis ronsoni1

O presente capítulo tem o objetivo de apresentar alguns dados

relativos à evasão de estudantes do ensino superior, tendo como re-corte a experiência da Universidade Federal da Fronteira Sul/Campus Erechim. A UFFS é uma instituição multicampi, criada em 2009 e que iniciou as atividades acadêmicas em 2010. A cidade de Erechim, localizada no norte do Estado do RS, recebeu um campus desta uni-versidade e conta atualmente com oito cursos de graduação e apro-ximadamente 1.200 estudantes.

Este trabalho toma como referência os dados sobre a evasão pro-duzida neste campus e procura analisá-los de forma ampla, dentro do novo contexto do ensino superior brasileiro. Diante do cenário da ex-pansão da oferta de vagas no ensino superior público e da demanda cada vez mais crescente em oportunizar às pessoas de camadas po-pulares o acesso a este nível de ensino, a UFFS utilizou como critério nos processos seletivos de 2010, 2011 e 2012 o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), acrescido de um índice relaciona-do ao tempo de formação do candidato em escolas públicas. Este índice possibilitou que cerca de 95% dos estudantes que ingressaram nestes anos fossem estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas.

1 Pedagogo da Universidade Federal da Fronteira Sul/Campus Erechim. E-mail: [email protected]

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PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS/CAMPUS ERECHIM

Além disso, a maioria destes estudantes faz parte da primeira geração das famílias que ingressam no ensino superior, justamente por ser público. A renda per capita média de 75% destes estudantes é entre 1 e 3 salários mínimos. Isto faz com que o perfil dos estudan-tes, especialmente dos cursos ofertados no período noturno, seja de trabalhadores, pela necessidade de obter ou complementar a renda familiar.

É deste contexto social e econômico que discutimos a evasão nos cursos de graduação da UFFS/Campus Erechim. Inicialmen-te apresentamos brevemente as ações de assistência estudantil desenvolvidas por esta universidade por entender que uma assis-tência ao estudante qualificada, além de um conjunto de outras ações, permite a permanência no curso e na instituição. A seguir caracterizamos o entendimento sobre evasão aplicado neste traba-lho e apresentamos tabelas com dados objetivos obtidos nos três primeiros anos de atuação da universidade no Campus Erechim, seguido de análises dos fatores que repercutem nos índices de evasão observados.

Política de Assistência Estudantil no Ensino Superior Público

Diante do elevado índice de evasão de estudantes de nível su-perior, o Ministério da Educação (MEC) criou a Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, em me-ados da década de 1990. Os estudos desta Comissão demonstraram que cerca de 40% dos ingressantes nas universidades abandonavam os cursos antes de concluí-los. Isto evidenciou um sistema ineficiente e oneroso. De acordo com a Secretaria de Educação Superior (SESu), o custo estimado com a evasão no sistema federal chegava a 486 mi-lhões ao ano, valor que, segundo Curi (1998), correspondia a 9% do orçamento anual das instituições federais. Por conseguinte, a União Nacional dos Estudantes (UNE), em 2004, apresentou um manifesto em defesa da construção de um plano nacional de assistência estu-dantil, reforçando a ideia de que o acesso ao ensino superior não

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PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS/CAMPUS ERECHIM

pode ser dissociado da permanência dos estudantes nas instituições de ensino.

Para tanto, o MEC, por meio da Associação Nacional dos Dirigen-tes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), aprovou, em 2007, o Plano Nacional de Assistência Estudantil, que apresenta as diretrizes norteadoras para a definição de programas e projetos de ações assistenciais estudantis, elaborado após pesquisas realizadas pelo órgão de assessoramento denominado Fórum Nacional de Pró--Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE, 2001).

Esse Plano instituiu, no âmbito da SESu, no Ministério da Educa-ção, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), Porta-ria Normativa n° 39, de 12 de dezembro de 2007, como estratégia de combate às desigualdades sociais e regionais, bem como busca auxiliar a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência dos estudantes com insuficiência de condições finan-ceiras no ensino superior público federal, vinculados aos cursos de graduação presenciais, levando-os a desenvolverem suas plenitudes acadêmicas.

A esse respeito, Nilma Lino Gomes (2009), ao discutir a implan-tação de ações afirmativas e ações voltadas para a assistência estu-dantil, ressalta que a permanência na instituição constitui um desafio para os estudantes das camadas populares que têm acesso ao Ensino Superior. Para estes estudantes, abrirem-se as portas da universidade para que eles ingressem nela não é suficiente. É preciso que, através de políticas de assistência estudantil, sejam garantidas melhores con-dições materiais e culturais.

A necessária conciliação de trabalho e estudo para determinados sujeitos das camadas populares que ingressaram nas universidades pode impedir que estes estudantes vivam a experiência universitária de forma plena, reduzindo-a a aulas ministradas em horário estabe-lecido, impossibilitando o envolvimento em atividades extracurricula-res, como palestras, seminários, teatros, a participação em pesquisas de iniciação científica, projetos de extensão e monitoria e até mesmo a participação em conversas desinteressadas mantidas nos espaços de convivência universitária.

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PERMANÊNCIA E EVASÃO DE ESTUDANTES DA UFFS/CAMPUS ERECHIM

Diagnóstico atual da Assistência Estudantil na UFFS

Com vistas à operacionalização dos recursos financeiros garanti-dos pelo PNAES, a Secretaria Especial de Assuntos Estudantis (SEAE) assumiu a tarefa fundamental de gestão dos recursos destinados à UFFS, o que possibilitou a criação de um conjunto de ações que be-neficiam os estudantes com comprovada vulnerabilidade socioeconô-mica, visando à integração acadêmica, científica e social.

Em cumprimento às determinações da Portaria Normativa n° 39/07-MEC, do PNAES, a SEAE organizou suas ações em duas áreas estratégicas: a que visa à permanência do estudante e a de desem-penho acadêmico, cultural e esportivo. Nota-se ênfase na área estra-tégica de permanência, por se tratar de ações mais amplas que en-volvem várias despesas dos estudantes. Assim, esta área contempla os seguintes auxílios: 1) Auxílio Transporte, que se refere ao auxílio ao estudante que utiliza o transporte coletivo ou locado no seu des-locamento da residência para a universidade; 2) Auxilio Moradia, que se destina ao estudante procedente de outro município ou distrito/interior da cidade onde o campus está instalado e reside em imóvel alugado ou pensionato no município em que estuda, em função do seu ingresso na Universidade; 3) Auxílio Alimentação, que objetiva proporcionar auxílio financeiro para estudantes procedentes de outro município ou distrito/interior da cidade onde o campus está instala-do, antes do ingresso na universidade, e que resida atualmente no município em que estuda, frequentando curso integral e/ou partici-pando em projetos de ensino, pesquisa ou extensão; 4) Auxílio Per-manência, que tem por finalidade minimizar as desigualdades sociais e contribuir para a permanência e diplomação dos estudantes de gra-duação em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

No que tange à área estratégica de desempenho acadêmico, cul-tural e esportivo, têm-se ações ofertadas da seguinte forma: 1) Bolsa Esporte, que oferece auxílio financeiro para promoção do esporte vol-tado ao desenvolvimento integral do estudante. Esse programa visa promover a integração acadêmica e estimular hábitos saudáveis, a partir da inserção do estudante de graduação em atividades esporti-

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vas, de várias modalidades, participação em competições desportivas municipais, estaduais e nacionais; 2) Bolsa Cultura, que tem como objetivo incentivar ações na área da cultura.

Considerando que a UFFS/Campus Erechim tem aproximada-mente 1.200 estudantes matriculados nos cursos de graduação, no período de maio a setembro de 2013 constatou-se que a Secretaria Especial de Assuntos Estudantis concedeu mais de 1.400 benefícios, contemplando 208 estudantes.

Ainda em fase de construção encontra-se o Restaurante Universi-tário, importante espaço quando se pensa em política de assistência estudantil. E está em discussão, por uma comissão criada para este fim, a implantação da Casa do Estudante Universitário.

Além das bolsas e auxílios destinados aos estudantes pela ver-ba do PNAES, a instituição oferece uma diversidade e quantidade considerável de outras bolsas, de programas de ensino, pesquisa e extensão. São bolsas de monitoria, iniciação científica e iniciação à extensão. Além destas, existem outras modalidades de bolsas em programas do Ministério da Educação, como o Programa Institucio-nal de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e Programa de Educação Tutorial (PET). Todos estes programas, apesar de não serem volta-dos para a assistência estudantil, acabam possibilitando uma vivência mais ativa da vida universitária e, por conseguinte, permanência no curso e na instituição.

Evasão: de que conceito estamos falando?

A Comissão Especial de Estudos sobre Evasão do MEC define o fenômeno da evasão como a saída definitiva do aluno do seu curso de origem sem concluí-lo. Essa definição é compartilhada por Ristoff (1999). No entanto, o autor separa evasão de mobilidade, que seria o fenômeno de migração para outro curso, apontando que um alu-no que abandona definitivamente um curso pode ter migrado para outro, o que não constituiria um desligamento da universidade, mas sim uma transferência interna. Pereira (1995) amplia essa definição dizendo que a evasão ocorre quando o aluno deixa a universidade

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sem concluir nenhum curso, o que excluiria a opção da mobilidade.Temos, ainda, a situação do aluno que abandona uma universi-

dade para ingressar em outra, configurando a situação de transferên-cia externa, o que define a evasão de uma dada universidade, mas não o desligamento do sistema de ensino superior.

A Comissão Especial (1995) especifica três modalidades de eva-são como forma de gerar uma precisão conceitual e possibilitar a comparabilidade dos resultados. São elas:

- evasão do curso: desligamento do curso superior em função de abandono (não-matrícula), transferência ou reescolha, trancamento e/ou exclusão por norma institucional;

- evasão da instituição: desligamento da instituição na qual está matriculado;

- evasão do sistema: abandono definitivo ou temporário do en-sino superior.

Silva Filho et al. (2007) destacam dois aspectos similares, mas não idênticos: a “evasão anual média”, que mede a porcentagem dos alunos matriculados em um curso ou instituição, que no ano seguinte não se matricularão; e a “evasão total”, que apresenta o número de alunos matriculados que não concluíram o curso após o seu período de oferecimento regular.

Neste estudo optou-se por utilizar a evasão do curso e da insti-tuição nos três primeiros anos de funcionamento da UFFS/Campus Erechim. Neste sentido, como não há turmas diplomadas, não é pos-sível calcular a “evasão total”, conforme conceito acima apresentado. Acompanhamos a evasão semestral média. Esses números, apesar de não apresentarem os dados do final de um ciclo, apontam para algumas pistas sobre o tamanho da evasão total que teremos em nossos cursos.

Dentro da projeção da evasão total, ainda há de se considerar a retenção, que faz com que estudantes que ingressaram num mesmo ano/turma não obtenham a diplomação no mesmo semestre.

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Dados da evasão na UFFS/Campus Erechim

Apresentamos abaixo parte do estudo realizado no Campus Ere-chim. O estudo completo contempla a análise dos dados da evasão por curso e por semestre, o que permite visualizar a situação de cada curso e compará-lo a anos/semestres anteriores e com os demais cursos dentro do campus.

Conforme mencionado anteriormente, nosso cálculo considera os estudantes que deixam o curso e a instituição a cada semestre. Não temos ainda dados de um ciclo fechado, pois as primeiras tur-mas, ingressantes em 2010, não concluíram o curso.

Para facilitar a análise, separamos os dados em duas tabelas: uma com o quadro da evasão dos cursos integrais (Agronomia, Arqui-tetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental) e outro com os cursos noturnos (Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História e Pedago-gia). Cabe ressaltar que os dados abaixo se referem somente aos in-gressantes pelo processo seletivo anual. As vagas ociosas são oferta-das em editais de retorno de aluno abandono, transferência interna, transferência externa e retorno de graduado, duas vezes ao ano.

Quadro 1: Dados evasão cursos integrais da UFFS/Campus Erechim

Curso / Ano ingressoVagas

OfertadasMatriculados Ativos Diferença Evasão

Agronomia / 2010 50 51 36 15 29,4%

Agronomia / 2011 50 49 39 10 20,4%

Agronomia / 2012 50 52 41 11 21,2%

TOTAL / MÉDIA 150 152 116 36 23,7%

Arquitetura e Urbanismo / 2010 50 43 31 12 27,9%

Arquitetura e Urbanismo / 2011 50 44 36 8 18,2%

Arquitetura e Urbanismo / 2012 50 52 41 11 21,2%

TOTAL / MÉDIA 150 139 108 31 22,4%

Engenharia Ambiental / 2010 50 51 32 19 37,3%

Engenharia Ambiental / 2011 50 50 27 23 46,0%

Engenharia Ambiental / 2012 50 52 37 15 28,8%

TOTAL / MÉDIA 150 153 96 57 37,4%

Fonte: Elaborado pelo autor

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Podemos perceber que nestes cursos a evasão tem ficado abaixo da média do Campus Erechim, mas, mesmo assim, elevada. Alguns fatores podem explicar esses índices: a) estes cursos são os mais pro-curados no campus, já que a concorrência nos processos seletivos é grande, nesta ordem: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Ambien-tal e Agronomia; b) o perfil de estudantes destes cursos caracteriza-se por uma dedicação exclusiva aos estudos, pois o índice de estudantes trabalhadores destes cursos é baixo; nestes cursos também a vincu-lação dos estudantes acaba sendo maior, já que os mesmos passam boa parte de seu tempo na universidade; c) grande parte destes estu-dantes reside em Erechim e aqueles que são de outros municípios, ao ingressar na universidade, passam a residir na cidade.

Quadro 2: Dados evasão cursos noturnos da UFFS/Campus Erechim

Curso / Ano ingressoVagas

OfertadasMatriculados Ativos Diferença Evasão

Ciências Sociais / 2010 50 48 25 23 47,9%

Ciências Sociais / 2011 50 51 24 27 52,9%

Ciências Sociais / 2012 50 53 27 26 49,1%

TOTAL / MÉDIA 150 152 76 76 50,0%

Filosofia / 2010 50 40 17 23 57,5%

Filosofia / 2011 50 49 19 30 61,2%

Filosofia / 2012 50 52 29 23 44,2%

TOTAL / MÉDIA 150 141 65 76 54,3%

Geografia / 2010 50 49 27 22 44,9%

Geografia / 2011 50 51 23 28 54,9%

Geografia / 2012 50 52 29 23 44,2%

TOTAL / MÉDIA 150 152 79 73 48,0%

História / 2010 50 46 21 25 54,3%

História / 2011 50 50 35 15 30,0%

História / 2012 50 50 30 20 40,0%

TOTAL / MÉDIA 150 146 86 60 41,4%

Pedagogia / 2010 50 49 35 14 28,6%

Pedagogia / 2011 50 51 35 16 31,4%

Pedagogia / 2012 50 51 42 9 17,6%

TOTAL / MÉDIA 150 151 112 39 25,9%

Fonte: Elaborado pelo autor

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Podemos perceber índices mais elevados de evasão nestes cur-sos. Nos cursos de Filosofia e Ciências Sociais, a média ultrapassa os 50%. Nos cursos de Geografia e História, a média está acima de 40% e, no curso de Pedagogia, a média de evasão é quase a metade dos demais cursos. Existe também uma tendência de elevação desta taxa de evasão nas turmas 2011 e 2012, pois tendo 2 ou 4 semestres a menos na instituição do que os ingressantes em 2010, já aponta para índices potencialmente maiores de evasão.

O perfil destes estudantes caracteriza-se por pessoas que, na grande maioria, conciliam o estudo com outras atividades, especial-mente o trabalho. Estudantes estes que só podem estar na universida-de neste turno e, por consequência, só se dedicam à formação neste momento. Levantamentos realizados apontam que cerca de 60% dos estudantes dos cursos noturnos trabalham nos demais turnos. Além disso, cerca de 30% destes estudantes residem em municípios pró-ximos a Erechim e percorrem diariamente até 100km para estudar.

Neste contexto a evasão se torna um problema bem mais grave. O esforço para fazer um curso superior já é grande e a possibilida-de de abandoná-lo está sempre presente, seja pela dificuldade em conciliar o estudo com o trabalho, uma eventual reprovação, a carga elevada de atividades, a falta de tempo para estudar.

Quadro 3: Dados evasão UFFS/Campus Erechim

Campus / Ano ingresso

Vagas Ofertadas

Matriculados Ativos Diferença Evasão

Erechim / 2010 400 377 224 153 40,6%

Erechim / 2011 400 395 238 157 39,7%

Erechim / 2012 400 414 276 138 33,3%

TOTAL / MÉDIA 1200 1186 738 448 37,9%

Fonte: Elaborado pelo autor

Considerando-se as vagas ofertadas nos processos seletivos nes-tes três anos, têm-se 37,9% como índice de evasão média no Campus Erechim. É um índice que se projeta aumentar até o momento do encerramento do curso por parte destes estudantes. A evasão total tende a ser esta ou maior em média no campus. Isto porque a eva-

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são, considerando as vagas ofertadas e preenchidas nos editais de transferência, é a mesma, pois nem todas as vagas são ofertadas e poucas são preenchidas e, além disso, sobre estas vagas, incide um índice de evasão parecido com o do processo seletivo.

Diante disso, constata-se que vagas ociosas certamente trazem prejuízos à instituição e à sociedade, uma vez que a estrutura e os docentes estarão trabalhando com metade de sua capacidade, como em alguns casos visualizados acima.

No caso da UFFS/Campus Erechim, a evasão tem ocorrido es-sencialmente no primeiro ano do ingresso na universidade. Após o primeiro ano, a tendência que tem se mostrado é a da permanência, e da permanência qualificada, pois esta é complementada com as possibilidades que a instituição oferece, ao mesmo tempo em que o estudante começa a percebê-las e compreendê-las de outra forma.

Cabe considerar também que estes dados incluem como estu-dantes ativos as matrículas trancadas, pois é dessa forma que o siste-ma acadêmico da instituição concebe a ausência destes por até 4 se-mestres consecutivos. Porém, a experiência tem mostrado, também, que o trancamento é um dos primeiros passos para a desistência. Na maior parte das vezes, não se desiste imediatamente, para, assim, manter a vaga ativa na universidade, mas, em síntese, protela-se uma ação que, em muitos casos, já é definitiva.

Fatores que levam à evasão

A apresentação de índices sobre evasão deve ser entendida tão somente como passo inicial de análises que devem buscar identificar e compreender os fatores que a ocasionam. Tais fatores podem ser de caráter interno às instituições, específicos à estrutura e dinâmica de cada curso – ou externos a elas, relacionados a variáveis econômi-cas, sociais, culturais, ou mesmo individuais que interferem na vida universitária dos estudantes.

Estes fatores podem ser classificados como os que se relacio-nam ao próprio estudante, os relacionados ao curso e à instituição e, finalmente, os fatores socioculturais e econômicos externos. Não é

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possível analisá-los de forma dissociada, pois fatores de uma ordem interferem necessariamente nos demais. Apenas para visualizá-los adequadamente, os mesmos estão separados abaixo.

Procuramos realizar o acompanhamento das desistências dos es-tudantes e, dentre aqueles que formalmente manifestam o interesse em se desligar da instituição, temos alguns argumentos e justificati-vas recorrentes, os quais apresentamos a seguir para chamar à refle-xão, mesmo sumária, sobre tais fatores. Outros fatores apresentados abaixo decorrem da experiência vivida neste período de análise, que nos permite apontar causas mais genéricas. Alguns destes fatores são apresentados no relatório da Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão (1997).

Os fatores vinculados a aspectos pessoais dos estudantes podem ser considerados como determinantes, em alguns casos, para evasão. Em outros, contribuem significativamente. O estudante do ensino superior lida diariamente com a pressão de aprender, de construir conhecimento, de compreender sentidos e significados para as coisas mais importantes de sua área de formação. Se não bem preparado pessoal, física e psicologicamente, pode apresentar dificuldades nes-ta caminhada.

Fatores relacionados à formação escolar anterior do estudante podem dificultar sua melhor integração acadêmica ao curso. Não se deve esquecer, também, que a maioria dos estudantes que ingressa nos cursos superiores realiza sua escolha profissional muito precoce-mente, numa faixa de idade que se situa quase que sistematicamente entre os 16 e os 18 anos de idade. É uma circunstância social que praticamente obriga o jovem a optar, quase que definitivamente, pela profissão que deverá influenciar os rumos de sua vida.

Fator igualmente a considerar, ainda relacionado às característi-cas de cada estudante, é sua capacidade de se adaptar à vida univer-sitária. Inúmeras vezes, o ingresso em um curso superior é acompa-nhado de mudança de entorno sociocultural. Esta “nova etapa” inclui também, em muitos casos, a necessidade de manter-se neste local e fazer uma inserção prematura no mercado de trabalho, com a con-sequente incompatibilidade entre horários e dificuldade de uma dedi-

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cação exclusiva. Nos cursos noturnos, especialmente, é significativa a quantidade de estudantes com essa especificidade. Neste sentido, o Campus Erechim caracteriza-se, desde sua implantação, por ser uma universidade de “estudantes trabalhadores”, pois apresenta elevados percentuais de estudantes que conciliam trabalho e estudo, resultado da maior oferta de cursos no período noturno.

A dificuldade de conciliar a jornada de trabalho e o horário es-colar é fator de suma importância na decisão de abandonar o curso superior. Quando as obrigações profissionais entram em conflito com os compromissos dos estudos, são estes, na maioria das vezes, que são adiados.

Somada a esses fatores, destaca-se, ainda, a necessidade de adaptação do estudante à nova dinâmica acadêmica (regime de cré-ditos, matrícula por disciplinas e periodização semestral), muito dife-rente daquela da educação básica. A aparente autonomia imputada ao estudante no ensino superior, se não bem compreendida, pode também contribuir para a sua não permanência no curso e na insti-tuição. Muitos estudantes não se apropriam deste fato e aguardam que as iniciativas de todas as ações voltadas à sua formação sejam desencadeadas pela instituição, e não atuam de forma proativa nos espaços e possibilidades que a instituição proporciona.

Nos fatores internos à instituição, podemos destacar os relativos às questões acadêmicas, de currículo, didático-pedagógicas, à forma-ção dos docentes, à assistência estudantil insuficiente e à inadequada estrutura de apoio ao ensino de graduação.

Porém, no caso da instituição estudada, estes fatores praticamen-te não aparecem nas justificativas dos estudantes ao desistirem do cur-so, mas são percebidos pelo autor como fatores que, dentro de um contexto já não muito favorável à permanência do estudante, afetado pelos demais fatores expostos, podem contribuir para sua evasão.

A UFFS/Campus Erechim desenvolve suas atividades em espaços provisórios e não dispõe ainda dos laboratórios didáticos próprios. Toda a sua estrutura está em construção, e algumas em fase de con-clusão. Este contexto, apesar de não ser o ideal, proporciona o desen-volvimento mínimo das atividades com a devida qualidade.

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Muitos docentes não têm experiência do magistério no ensino superior, e a entrada na instituição consiste no início de sua carreira como docente. Neste sentido, foi criado o Núcleo de Apoio Pedagó-gico, que tem como principal atribuição planejar a formação docente na UFFS.

Alguns cursos não trazem reconhecimento social e retorno eco-nômico satisfatório ao futuro profissional. São questões ligadas ao contexto político, econômico e social de nosso país. Se internamente essas situações forem trabalhadas com pessimismo e conformismo, a tendência é incentivar nossos alunos a não seguir estas carreiras.

Alia-se a isto o fato de que parcela significativa desses estudantes faz parte das classes populares, o que faz com que grande parte dos mesmos tenha que trabalhar nos demais turnos. Finalmente, se, além disso, o estudante atravessar dificuldades financeiras, a perspectiva de continuidade de seus estudos universitários torna-se ainda mais remota.

A inter-relação desses fatores indica que não se deve entender evasão como fenômeno simplesmente numérico. É fundamental ter clareza de que por detrás de todo número existe uma história. Nesta perspectiva, os números surgem tão somente como indicadores cuja compreensão exige constatações e análises de natureza qualitativa, que estão sendo implementadas pelo campus em parceria com o Grupo PET/Conexões de Saberes.

O desempenho acadêmico é processo influenciado por um con-junto de fatores, não há um único potencializador ou única condicio-nante. Somente buscando compreender esse processo em sua com-plexa dimensão é que as universidades adquirirão condições de agir consistentemente com objetivo de adequar seu trabalho às exigências atuais e, por consequência, amenizar os desafios a ele relacionados.

Considerações finais

As recentes ações de expansão do Ensino Superior, que, segundo Ristoff (2008), não podem ser confundidas com democratização, in-troduziram novas discussões acerca do acesso e da permanência dos

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estudantes das camadas populares e egressos de escolas públicas nas universidades. Ressaltamos que a democratização do acesso aos ban-cos das universidades deve vir acompanhada da democratização do acesso ao conhecimento e do direito à permanência dos estudantes para que possam concluir seus cursos.

Assim, entendemos a permanência como direito. Direito que todo estudante proveniente dos meios populares que ingressou na universidade pública, em seus diferentes cursos e turnos, por quais-quer meios, deve gozar. Entendemos que a assistência estudantil efetiva é contributo à permanência, mas não se confunde com ela. E as disposições individuais do estudante beneficiado por todo um conjunto de ações, a favor de si, na construção do conhecimento constituem elemento significativo para a permanência.

Diante do exposto, percebe-se que os recursos do PNAES vêm proporcionando à UFFS desenvolver ações que atendem os estudan-tes com insuficiência de condições financeiras, viabilizando a igualda-de de oportunidades e contribuindo para o êxito do acadêmico.

Porém, como foi dito, a assistência estudantil, em todas as suas formas, não somente com bolsas e auxílios financeiros, não resolve o problema da evasão nos cursos superiores. É fundamental que ela seja mais forte possível, pois, assim, vai contribuir mais significati-vamente na redução destes números. Cabe à universidade, dentro daquilo que concebemos como sua autonomia, buscar os elementos que têm contribuído para a evasão, analisá-los e encaminhar solu-ções, visando, por um lado, à permanência qualificada de seus es-tudantes e, por outro, utilizar da melhor forma e com maior retorno social o dinheiro público nela investido.

Referências

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Diplomação, Retenção e Evasão em cursos de graduação em Instituições de Ensino Superior Públicas. Brasília, 1997.

CURI, L. R. L. Folha de São Paulo, Caderno 3, São Paulo, 03 de maio de 1998.

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FONAPRACE. Plano Nacional de Assistência Estudantil. 2001.

PEREIRA, J. T. V. Uma contribuição para o entendimento da evasão: um estudo de caso. São Paulo, SP: UNICAMP, 1995.

RISTOFF, D. Educação superior no Brasil – 10 anos pós-LDB: da expansão à democratização. In: BITTAR, M.; OLIVEIRA, J. F. de; MOROSINI, M. (Orgs.). Educação superior no Brasil – 10 anos pós-LDB. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008. p.39-50.

RISTOFF, D. I. Universidade em foco: Reflexões sobre a educação superior. Florianópolis, SC: Insular, 1999.

SILVA FILHO, R. L. L. et al. A evasão no Ensino Superior Brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n.132, set./dez. 2007.

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LEITURA NO ENSINO SUPERIOR NOTURNO

LEITURA NO ENSINO SUPERIOR NOTURNO: ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA ENTRAM NO

DEBATE SOBRE A PRODUTIVIDADE DO TRABALHO COM TEXTOS NA UNIVERSIDADE1

Zoraia aguiar BittenCourt2

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Introdução

A leitura nos cursos de graduação está cada vez mais se tornan-do um desafio para professores e estudantes universitários. A estra-tégia de solicitar a leitura prévia de textos para as aulas parece ter se tornado a principal metodologia de trabalho no Ensino Superior. Uma breve análise dos planos das disciplinas entregues por professores de diferentes cursos pode referendar essa afirmação. No entanto, essa metodologia não parece estar atingindo o objetivo a que se propõe, que é o de subsidiar as aprendizagens que se deseja construir, pois muitos alunos, na maioria das vezes, não percebem significado na tarefa e não realizam as leituras solicitadas.

Este procedimento, de solicitar leituras prévias aos estudantes, já naturalizado nas práticas pedagógicas de muitos professores universi-

1 Este capítulo é uma versão adaptada de trabalho publicado na Revista Leitura. Teoria & Prática, 2012.2 Professora Assistente da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim, Curso de Licenciatura em Pedagogia. E-mail: [email protected] Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Campus Jaguarão, Curso de Licenciatura em Pedagogia. E-mail: [email protected]

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tários, se baseia em, a partir da listagem dos conteúdos das disciplinas, escolherem textos que abordem os temas/conteúdos que desejam/precisam ensinar e que esperam que os alunos aprendam. Neste cená-rio, frequentemente há uma ausência da leitura solicitada, a qual é vis-ta por muitos professores como “desleixo”, “desinteresse”, “preguiça”, “falta de compromisso” dos estudantes. No entanto, seria essa conclu-são, bastante recorrente em salas de professores universitários, a única explicação para a não-leitura dos textos solicitados pelos professores?

A hipótese aqui é a de que, para o sucesso desta prática, os textos precisariam estar articulados com a compreensão leitora dos alunos e com o prazer de ler para aprender.

Diante desta situação, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou investigar com os estudantes os seus mo-tivos para ler (ou deixar de ler) os textos solicitados pelos professores e as sugestões que oferecem como forma de modificar essa situação.

Para iniciar esta discussão, cabe explicitar, então, quem são estes estudantes ingressantes no Ensino Superior brasileiro, especificamen-te nos cursos de Pedagogia, uma vez que os sujeitos participantes desta pesquisa são alunos deste curso.

Quem são os alunos dos cursos de Pedagogia no contexto brasileiro?

As estatísticas indicam que a maioria dos estudantes brasileiros conclui o Ensino Fundamental e o Ensino Médio lendo sofrivelmente e sem domínio da linguagem matemática básica (PISA; INEP). Muitos desses alunos podem ser considerados analfabetos funcionais, pois, de acordo com o INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional, 2011), apenas 26% da população de 15 a 64 anos é considerada plena-mente alfabetizada. Esse mesmo estudo aponta que, dos alunos que completaram o Ensino Médio, apenas 35% atingem o nível pleno de alfabetismo e, entre os que chegaram ao Ensino Superior, 62% atin-gem pleno domínio das habilidades de leitura/escrita (INAF, 2011). Esses dados nos permitem concluir que 38% dos que ingressam no Ensino Superior não têm pleno domínio dessas habilidades.

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Essa percepção, vivenciada empiricamente em nossa prática co-tidiana, demanda estudos no sentido de evidenciar como os profes-sores estão lidando com esses alunos, bem como conhecer como os alunos estão desenvolvendo estratégias de soluções para as limita-ções decorrentes do Ensino Fundamental e Médio.

A intenção de trazer estes dados aqui, em um estudo sobre pro-fessores e alunos do Ensino Superior, é a de sinalizar que o Ensino Fundamental e o Médio não estão dando conta de ensinar aos alunos habilidades básicas para outras aprendizagens, como a compreensão e a produção de textos, por exemplo. Considerando-se que parte de tais egressos do Ensino Médio levam para o Ensino Superior essa séria defasagem no conhecimento quanto à produção de leitura, cabe exa-minarmos com que instrumentos e práticas pedagógicas os docentes têm buscado auxiliar os alunos na superação de suas dificuldades.

Outro aspecto que seria importante destacar se refere ao pro-cesso de escolha profissional desses alunos. Com base nos dados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), o INEP4 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) traçou um perfil dos alunos que manifestaram o desejo de ser professor. As conclu-sões parciais deste estudo: a) a maioria dos alunos que escolhe essa profissão é mulher, cursou Ensino Fundamental e Médio em escola pública, alcançou, em média, pontuação mínima no ENEM, tem ren-da familiar de até dois salários mínimos, foi educada apenas pela mãe analfabeta ou com baixo índice de escolaridade. Dentre os jovens de 17 a 20 anos que fizeram o ENEM em 2007, apenas 5,2% manifesta-ram terem escolhido a profissão de professor de Ensino Fundamental e Médio. Interessante ressaltar também que o estudo concluiu que os estudantes com as piores notas ao longo de sua escolaridade são os que têm probabilidade quase três vezes maior de escolher a carreira do magistério.

Diante destas informações, o INEP inferiu que “existem evidên-cias de que a carreira do magistério não está conseguindo atrair os melhores candidatos” e que é “pouco provável que o país esteja se-lecionando os professores entre os melhores alunos”. Consequente-

4 Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 15 ago 2013.

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mente, a universidade como agência formadora de professores está sendo questionada.

Outra pesquisa, encomendada pela Fundação Victor Civita à Fun-dação Carlos Chagas (2009), mostrou que apenas 3% optam de fato por ser professor, o restante cursa Pedagogia por motivos alheios ao seu desejo inicial, como, por exemplo, a maior facilidade para o ingresso, por ser um dos únicos cursos existentes em sua região, ou pelo preço das mensalidades, no caso de instituição privada.

Esses índices refletem algumas características importantes dos alunos ingressantes do curso de Pedagogia: sujeitos que não esco-lheram ser professores, alguns analfabetos funcionais, que não de-senvolveram o prazer de ler. Percebe-se também que, desde o Ensino Fundamental, a aprendizagem da leitura e da escrita não acontece de modo significativo, acabando por desencadear um efeito dominó, que colabora para que os poucos alunos que conseguem concluir o Ensino Médio cheguem aos cursos de licenciatura com lacunas impor-tantes em sua aprendizagem e, consequentemente, na compreensão leitora. “Eles são vítimas de um currículo escolar pobre, da falta de professores e da desmotivação dos profissionais da educação” (MA-SAGÃO, 2011)5.

Como dito, uma dessas lacunas refere-se às estratégias de leitura e de compreensão textual, além das que se referem às de produção de textos, relacionadas aos níveis de alfabetismo que o sujeito possui. De acordo com informações fornecidas por um estudo realizado pela Organização Não Governamental Ação Educativa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, do IBOPE, a cada dez universitários, dois podem ter problemas em acompanhar o curso devido a dificul-dades de compreender textos. O estudo analisou jovens de 15 a 24 anos das regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília (MASAGÃO, 2011).

Tendo apresentado este panorama e um breve perfil dos alunos dos cursos de Pedagogia no contexto brasileiro, incluindo suas dificul-

5 Disponível em: <http://aprendiz.uol.com.br/content/kekichewre.mmp>. Acesso em: 10 ago 2013.

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dades de ler e de compreender o que leem e as estratégias que vêm sendo utilizadas sistematicamente pelos professores para trabalhar os conteúdos de suas disciplinas através da solicitação de leitura de textos, quais reflexões podem ser encaminhadas sobre a adequação do uso dos textos nas mais variadas disciplinas, desde o primeiro se-mestre dos cursos, fator convergente e pouco discutido na prática docente nos cursos de Pedagogia? Neste sentido, busca-se conhecer o quadro de desencontro entre o ensino e a aprendizagem, analisan-do o aluno que o professor deseja que chegue ao Ensino Superior e o que, de fato, chega, incluindo as relações entre as estratégias6 que contribuem para a formação do sujeito-aluno-leitor e as que estão sendo prioritariamente utilizadas na universidade.

Entram nesta discussão, os estudantes do curso de Peda-gogia...

Não sei dizer o que deveria acontecer exatamente, mas talvez levar em conta que temos cinco matérias durante a semana, ou seja, a cada semana temos, no mínimo, 100 páginas para ler, lembrando que não são leituras que podem ser feitas de qualquer maneira, pois exigem atenção redobrada.

Para além do professor universitário que, muitas vezes, tem certa dificuldade em ministrar suas aulas, já que estas, em sua maioria, pressupõem a leitura prévia de textos de referência, os quais, como dito, frequentemente, não são lidos pelos alunos e, quando são lidos, nem sempre são compreendidos em sua totalidade, há os estudantes e suas vozes, as quais, na maioria das vezes e por diferentes razões, não são ouvidas em nossas salas de aula.

Preocupadas em conhecer como essa situação é observada/vi-venciada pelos próprios estudantes, foi realizada uma pesquisa com 38 alunos do 3º semestre do curso noturno de Licenciatura em Peda-

6 Entendemos por estratégias a capacidade de coordenar esforços e recursos em busca de metas definidas intencionalmente a serem alcançadas da melhor maneira e no menor espaço de tempo, priorizando intervenções que nos pareçam mais efetivas.

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gogia do campus Erechim da Universidade Federal da Fronteira Sul. Para tal, foram entregues questionários contendo duas questões: O que te faz ler (ou não) os textos solicitados pelos professores das diferentes disciplinas do curso? e Como acreditas que deveria ser o trabalho com leitura na universidade?

A partir da análise dos questionários, foi possível observar que há um distanciamento entre os conhecimentos prévios dos estudantes e as demandas que lhes são impostas como estratégias de aprendiza-gem no Ensino Superior. A dificuldade de compreender a linguagem utilizada nos textos indicados pelos professores se constitui como um dos principais empecilhos apontados pelos estudantes para a não-lei-tura destes materiais, uma vez que

essa modalidade de escrita [do discurso científico] tem o objetivo de divulgar as pesquisas científicas entre os cientistas; portanto, deve circular dentro de limites mui-to restritos, atingindo normalmente leitores-especialis-tas da área, que conhecem o domínio do conhecimen-to e a metodologia utilizada. Assim, a autora diz que “como decorrência, o discurso torna-se hermético e im-penetrável para um leitor não-especialista” (Zamponi, 2005: 169). (BERTOLUCI, 2012)

Nesta dificuldade de leitura, estão implicadas a exigência da compreensão de palavras que não fazem parte do vocabulário dos alunos e as próprias características de gêneros textuais (capítulos de livros ou artigos científicos) que, até então, não faziam parte do rol das poucas leituras destes estudantes, o que os leva a, “[...] ao in-vés de ler criticamente, [assumirem] uma postura passiva em relação aos textos propostos e [serem] incapazes de cumprir as exigências estabelecidas, provocando nos professores frustração e constantes reclamações” (COSTA, 2012).

Reclamações estas que, muitas vezes, não consideram que, “ao ingressar na universidade, os estudantes de Pedagogia (assim como os de outros cursos) passam a ter contato com um novo mundo de leituras, muitas vezes desconhecido” (BERTOLUCI, 2012).

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Como podemos observar, estes textos, que não são escritos para leitores iniciantes, não são compreendidos em sua totalidade pe-los estudantes, pois prescindem de uma contextualização fornecida pelos professores, uma vez que estes textos, geralmente, fazem refe-rência a autores e a fatos dados como conhecidos para o público de leitores a que são/estão direcionados. “Como decorrência, cria-se um “jogo de faz-de-conta”: de um lado, professores cobram postura críti-ca e ativa dos universitários; de outro lado, educandos são forçados a ostentar uma habilidade de leitura, que, na realidade, não possuem” (COSTA, 2012).

Sendo assim, orientar os estudantes ingressantes no Ensino Su-perior é fundamental para que estes possam aprender a ler e a com-preender estes textos circulantes nos espaços acadêmicos. Neste sen-tido, Pimenta e Anastasiou (2011, p.240) afirmam que

o inaceitável, entre professores universitários, é estar acompanhando alunos que entram com certas dificul-dades e concluem seus cursos, obtendo um diploma com a nossa conivência, sem terem superado as dificul-dades inicialmente constatadas, mesmo tendo passado quatro ou cinco anos na universidade.

Por isso que os docentes, ao fazerem tais afirmações “sobre hábi-tos de estudo insuficientes, dificuldades de raciocínio e falta de tem-po para estudar, [precisam compreender] que aprender a estudar é sempre possível. Muitas vezes falta a orientação básica sobre como estudar um texto [...]” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2011, p.238). Esta necessidade de orientação do professor para que haja uma melhor compreensão dos textos pode ser observada nos depoimentos-apelos de alguns estudantes participantes desta pesquisa: Alguns professo-res precisam ler o texto junto com nós, pois são textos muito difíceis e muito compridos: quando chego no final, não lembro mais nada; E que entendam que, por mais que a gente leia, às vezes leitura não é sinônimo de compreensão de texto.

Para estudantes que trabalham 40h semanais e que frequentam diariamente a universidade no período da noite, considerando que

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muitos também realizam longas jornadas de deslocamento até a uni-versidade, a falta de tempo é apontada como uma das grandes ra-zões para a não-leitura dos textos acadêmicos. Para tentar driblar esta dificuldade e minimamente cumprir com as demandas acadêmicas, estes alunos adotam práticas que nem sempre resultam em aprendi-zagem: Leio aos sábados, mas, no dia da aula, já esqueci do assunto.

Esta falta de tempo extraclasse para realizar a leitura dos textos surge, nesta pesquisa, como a principal causa para a não-leitura. Ela foi apontada por quase metade dos estudantes pesquisados, o que mostra que trabalhar e estudar vem se apresentando como um gran-de obstáculo para estes alunos de classes populares, os quais agora estão ingressando em cursos de graduação noturnos, tal qual afir-mam estas estudantes: Porque geralmente o aluno noturno trabalha diurnamente, não tem tempo de ler e, se começa a ler, gera sono devido ao cansaço. Então, penso que os cursos noturnos devem ser repensados na questão da didática adotada; Talvez se entendessem que meu tempo é muito pouco para leitura, pois trabalhar e estudar é muito puxado e o desgaste físico e psicológico é grande.

Em pesquisas realizadas em outros estados, como a realizada em 2007 por Bertoluci “com 60 alunos das duas turmas de 1º ano de um curso noturno de Pedagogia em uma faculdade particular da região metropolitana de Campinas/SP”, foram encontrados, talvez por tam-bém se tratarem de estudantes-trabalhadores, resultados similares à pesquisa aqui apresentada:

Outro grupo de alunos representa justamente aqueles que não conseguem ler os textos por diferentes razões: 20,59% afirmaram não ter tempo disponível para a re-alização das leituras; 8,82% não leem devido às difi-culdades que encontram no processo de compreensão; 5,88% argumentam que há um excesso de textos para leitura semanalmente e 2,94% apontam falta de recur-sos financeiros para ter acesso a todos os textos indica-dos pelos professores. Cabe salientar que os alunos em questão são, em sua maioria, trabalhadores de jornada integral, que possuem pequenas “brechas” de tempo para realizar as leituras e, por esta razão, acabam op-

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tando entre um ou outro texto. É importante que se ressalte novamente que o fato de os alunos estarem lendo não garante que estejam realmente entendendo os textos (BERTOLUCI, 2012).

Além disso, segundo os estudantes pesquisados, os textos soli-

citados são geralmente muito extensos, o que dificulta a compre-ensão das ideias apresentadas pelos autores, pois é a primeira vez que se deparam com leituras tão longas. Estas extensas (e, às vezes, densas) leituras acabam sendo realizadas em horários de intervalo no trabalho, durante longas viagens de deslocamento dos alunos até o trabalho, ou ainda após chegarem em casa depois de três turnos fora, o que leva alguns a terem que vencer o cansaço e o sono, aponta-dos por um terço dos entrevistados, para conseguir dar conta destas leituras: Sinceramente, não sei, eu estou em uma universidade, sou a favor da leitura, porém desejaria a compreensão, porque eu farei o possível para permanecer no curso. Mas não posso transpor limites que chegam ao físico, como cansaço, fome e sono.

Os estudantes-trabalhadores, ao se depararem com leituras ex-tensas, ficam com tempo reduzido para realizar todas as leituras, o que os faz, muitas vezes, terem que optar por um ou outro texto, pela leitura solicitada em uma ou em outra disciplina, como afirma esta estudante: Textos longos e de cinco disciplinas diferentes para todas as aulas (diariamente) é muito difícil. O meu trabalho exige ati-vidades extraclasse, planejamento e isso também implica no tempo disponível de/para leitura.

Com isso, como complicador deste quadro, há o acúmulo de leituras, uma vez que aqueles alunos que cursam todas as disciplinas acabam por ter um número muito grande de páginas para dar conta a cada semana de aulas. Alguns afirmam que também é comum alguns professores solicitarem a leitura de mais de um texto para a mesma aula: Acúmulo de textos, sendo que, às vezes, têm mais de um texto da mesma disciplina para a mesma noite, totalizando a leitura de muitos textos por semana.

Considerando que, segundo Demo (2008, p.14), “na escola e na universidade estudar é o que menos se faz, gastando-se o tempo com

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aulas e com provas”, muitos estudantes, então, realizam somente aquelas leituras que servirão de base para futuras avaliações, como afirmam nove estudantes participantes da pesquisa em relação aos motivos que as levam a ler os textos solicitados: Leio somente por saber que o texto será o tema da aula e que será cobrado em ava-liações; Leio pela pressão para apresentar o texto em seminários; Só leio por causa da pressão para responder questões a serem entre-gues; Normalmente leio para fazer os trabalhos, e não por interesse próprio; Leio porque o professor pede; Leio por obrigação, pois às vezes estou muito cansada e preciso ler para responder questões ou fazer trabalhos (fichamentos, seminários...); Leio somente na sema-na antes da avaliação para obter uma nota boa.

A velocidade com que as informações veiculam atualmente tam-bém leva nossos jovens estudantes a não conseguir dedicar um espaço e um tempo adequados para realizar as leituras acadêmicas, o que corrobora com uma das principais características contemporâneas da leitura (e também das práticas de leitura destes nossos alunos traba-lhadores), que é a de que hoje “leem-se vários livros ao mesmo tempo, passa-se de uma leitura à outra; cada vez menos momentos específicos são dedicados à leitura, lê-se nos meios de transporte, fazendo outra coisa, ouvindo televisão, música, saboreando uma refeição, à espera de uma consulta médica” (HORELLOU-LAFARGE; SEGRÉ, 2010, p.132).

No entanto, 27 dos 38 estudantes afirmaram que, quando leem os textos para as aulas, o fazem pelo interesse em “estar por den-tro” do que será ensinado/aprendido, podendo melhor participar das aulas, ou ainda, motivados pela curiosidade, o querer aprender, o interesse pelo assunto estudado. É importante que os professores escutem o que motiva seus alunos a lerem os textos, já que a iniciati-va da “escolha de um material que seja acessível ao estudante e, ao mesmo tempo, que vá desafiá-lo, assim como o acompanhamento do processo pelo professor, é condição de sucesso nessa estratégia [estudo de texto]” (ANASTASIOU; ALVES, 2010, p.87).

Outro fator apontado por dois estudantes é o uso que é feito pelo professor em aula do texto que foi previamente solicitado, pois, segundo eles, as estratégias propostas a partir destas leituras podem,

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muitas vezes, desmotivar futuras leituras: Se eu ler um texto uma vez para determinada aula e o professor não utilizar o mesmo, nem co-mentar o texto para sanar dúvidas, na próxima vez não leio.

Com o objetivo de também apontar possibilidades, a segun-da questão apresentada aos estudantes solicitou que estes forneces-sem sugestões de outras estratégias metodológicas que pudessem complementar/substituir o trabalho com textos na universidade. As respostas de mais da metade dos estudantes entrevistados iniciam com a expressão Não sei, o que pode indicar que muitos também não vislumbram outras formas de trabalhar com textos no ambiente acadêmico, apesar do fracasso (ou da não produtividade) que essa prática vem apresentando em diferentes cursos de graduação. Al-guns afirmam não idealizar novas possibilidades, pois esta tarefa se-ria exclusiva de seus professores, outros ainda pensam ser tempo perdido opinar sobre práticas pedagógicas que, até então em sua trajetória escolar, nunca se preocuparam com o que eles pensam. Mesmo assim, 28 estudantes arriscaram algumas possibilidades ao dar sequência às suas respostas, dentre elas: Não sei explicar, mas creio que uma aula mais dinâmica influencia bastante para que nós nos interessemos mais; O texto nos proporciona conhecimento, mas não é a única forma de aprendermos algo. Aulas demonstrativas e práticas são mais rentáveis e menos cansativas; Os professores po-deriam utilizar os textos para mais que uma aula, explorá-los melhor, fazer mais questionamentos orais e escritos a partir dos textos; Usar os mesmos textos para mais de uma disciplina.

Como observamos nestas sugestões, os alunos têm muito a di-zer, apesar de não se sentirem legitimados para falar. Eles oferecem ricas contribuições, as quais, se consideradas/ouvidas por seus pro-fessores, podem servir como repertório para se (re)pensar as práticas de leitura no Ensino Superior.

Seria interessante que, ao invés de xerox de capítulos, poderíamos adotar um livro acessível, onde poderíamos comprar e utilizar durante o semestre. [...] Não consigo compreender o contexto destes textos, o que prejudica o aprendizado e o aproveitamento da matéria.

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Uma sugestão recorrente destes estudantes foi a de que seja feito pelos professores, anterior às leituras, o marketing do texto a ser lido, o que significa que o professor demonstre que leu e conhece o texto (e seu respectivo autor), gostou do que leu e, por estes mo-tivos, mais legítimos aos sujeitos desta pesquisa, sugere, então, esta leitura aos alunos. “Também ajudaria neste processo de formação a motivação para a leitura, se o interesse em ler do aluno e o prazer das leituras exigidas estivessem no horizonte de preocupações dos professores formadores” (CORRÊA, 2012). Neste sentido, uma vez que fica evidente o encantamento do professor pelo texto, os alunos afirmam que, somente isso, já basta para motivá-los a ficarem curio-sos pela leitura sugerida (e não exigida). Exemplos disso podem ser lidos no depoimento abaixo transcrito:

Na aula anterior, comentar elogiando ou criticando o próximo texto. [...] Trabalhar embasando o texto para que o estudante sinta que, se não ler, ficará “perdido”. Somos grandes, o texto deve ser apresentado sem ser uma obrigação. Ao invés de dizer “Você deve ler”, dizer “É interessante que você leia”. Dizer quem é o autor (pedagogo, economista...).

Por fim, é possível observar certa empatia/solidariedade/com-preensão de alguns alunos em relação às opções metodológicas de seus professores, o que pode estar demonstrando que acreditam que é possível (tentar) conciliar suas necessidades e as exigências curriculares dos próprios professores: Não sei por que, mas, se não lermos os textos, como serão as aulas?; Não sei, talvez dar menos textos, mas não sei se eles conseguiriam cumprir com os cronogra-mas.

Como vimos, existe uma grande distância entre as práticas de lei-tura propostas pelas universidades e o nível de proficiência de leitura de seus mais novos alunos. Mas, afinal, o que pode ser feito neste sentido? Muitos autores buscam apresentar propostas para reverter essa precariedade da leitura no Ensino Superior. Todos eles afirmam a necessidade do trabalho dos professores universitários estar voltado

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para uma alfabetização acadêmica7 que seja capaz de servir como base de leitura de textos até então desconhecidos e que circulam prioritariamente no meio acadêmico.

Sendo assim, parece estar sob responsabilidade do professor a se-leção do material didático, dos recursos e das estratégias de ensino que adotará em sua sala de aula, bem como cabe-lhe compreender que o aluno ingressante no meio universitário não possui experiências de leitura de gêneros acadêmicos, cuja complexidade exige do estudante processo cognitivo diferente do que lhe era exigido no Ensino Básico.

Nesse sentido, é tarefa do docente de Ensino Superior orientar os estudantes em suas leituras, esclarecendo conceitos e diálogos entre autores, bem como apontando o que é esperado de sua leitura. A in-teração entre professor e aluno é tão necessária no meio acadêmico quanto o fora nos níveis de formação anteriores, já que, por vezes, num primeiro momento, será sob orientação do professor que o alu-no terá condições de compreender os sentidos dos textos estudados.

Conclusão

Fazer com que a leitura seja prazerosa, não só um de-ver. A pessoa tem que gostar, pois assim aprende e entende melhor o que foi proposto.

A partir da análise dos resultados da pesquisa, é possível afirmar, então, que os estudantes-sujeitos desta pesquisa, em sua maioria, não leem os textos por falta de tempo, por sentirem cansaço após um dia inteiro de trabalho e pelo acúmulo de textos exigidos a cada se-mana de aulas. O que, majoritariamente, os impulsiona a ler os textos é realizar atividades avaliativas decorrentes destas leituras, conhecer o assunto a ser debatido em aula e possuir interesse pela temática. Suas propostas estão direcionadas, principalmente, para a solicitação de leitura de textos curtos, atrativos e de fácil compreensão.

7 Tal conceito envolve um conjunto de noções e estratégias necessárias para que o estudante universitário possa se integrar à cultura discursiva do meio acadêmico, atuando efetivamente nas produções e análises de textos solicitados em seu processo de aprendizagem (CARLINO, 2005).

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Neste sentido, e corroborando o depoimento que abre esta úl-tima seção do texto, percebe-se que as sugestões oferecidas pelos estudantes apontam para algum tipo de articulação do prazer de ler com as demandas dos professores, o que parece não estar ocorren-do. Portanto, considerando as sugestões dos estudantes, observa-se que este quadro só será revertido se e quando o prazer fizer parte das atividades que envolvem leitura no Ensino Superior e estas estive-rem em sintonia com a compreensão leitora dos estudantes.

Sendo assim, o reconhecimento das dificuldades relacionadas com a leitura deveria encaminhar para o uso de outro tipo de estra-tégia nos primeiros anos da graduação. E isso demandaria que o pro-fessor diagnosticasse o conhecimento e as experiências prévias dos alunos e planejasse procedimentos com o objetivo de que os alunos (re)aprendessem a ler e a estudar.

Uma das maneiras de fazer isso é fazer escolhas que vão ao encon-tro do perfil dos alunos reais, os quais não tiveram experiências de leitura de textos científicos no Ensino Fundamental e Médio e precisam não só vivenciar isso, mas aprender na universidade, com seus professores, a ler estes novos gêneros. Sendo assim, as conclusões deste estudo apontam para o uso de estratégias pedagógicas que busquem contribuir para a compreensão de textos que circulam prioritariamente no meio acadêmi-co, visando um trabalho produtivo com leitura na universidade.

Referências

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CARLINO, P. Escribir, leer y aprender en la universidad: una introducción a la alfabetización académica. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005.

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COSTA, M. S. S. Práticas de leitura dos acadêmicos do oitavo bloco do curso de pedagogia período 2008.2 da Universidade Federal do Piauí. Interciên-cias, Teresina, PI, v. 2, n. 1, jan./jun., 2010. Disponível em: <http://www.uespi.br/.../Práticas-de-leitura-dos-acadêmicos-do-oitavo-brloco...>. Acesso em: 10 mar 2012.

DEMO, P. Metodologia para quem quer aprender. São Paulo: Atlas, 2008.

GIL, A. C. Didática do Ensino Superior. 1. ed. 6. reimpr. São Paulo: Atlas, 2011.

HORELLOU-LAFARGE, C.; SEGRÉ, M. Sociologia da Leitura. Tradução de Mauro Gama. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2010.

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PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no Ensino Superior. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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dougLas santos aLves1

Introdução

A formação do cientista social, seja ele bacharel ou licenciado, passa pela aquisição de um corpus teórico mais ou menos referen-ciado no meio e pelo domínio do processo de construção de conhe-cimento científico. A primeira dimensão da formação profissional, a teórica, não só é largamente aceita como requisito essencial, como até mesmo naturalizada. A naturalização pode significar um pro-blema em contextos como o brasileiro e latino-americano, que mais importam do que produzem teoria social. Já a segunda dimensão, referente à pesquisa, sofre preconceitos variados que interferem na formação do profissional de ciências sociais.

A divisão da formação em licenciatura e bacharelado remete a uma separação entre professores e pesquisadores, na qual os primei-ros não necessitam dominar as ferramentas ligadas à pesquisa e os segundos dispensam a formação didático-pedagógica. Em ambos os casos, ainda, se reproduz outro tipo de preconceito, referente a um certo antagonismo criado entre abordagens de pesquisa qualitativas e quantitativas. Em todos os cenários se produz uma formação não só deficiente, mas que cria as condições necessárias para sua perpe-

1 Professor na UFFS, doutorando em Ciência Política na UFRGS. E-mail:[email protected]

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tuação deficitária. Por um lado, se limita a autonomia do profissional e do estudante frente ao conhecimento canônico. Por outro, se debi-lita sua capacidade de crítica, tornando-o refém do conhecimento es-tabelecido desde os grandes circuitos produtores de pesquisa e teoria social, em geral Estados Unidos e Europa. Desde esta perspectiva, tor-na-se fundamental reestabelecer a unidade entre ensino e pesquisa e, para tanto, desfazer os falsos antagonismos entre métodos e técnicas quantitativas e qualitativas necessários à pesquisa.

1 A oposição qualitativo-quantitativo e o preconceito com os números

Por diversos motivos, os métodos quantitativos têm sido vistos com certo preconceito e mesmo desconfiança pelas ciências sociais na América Latina (BAQUERO, 2009). O motivo primeiro provavel-mente está vinculado ao fato de o estudante que opta por um curso de humanidades acredita que estará escapando, dessa maneira, dos números. Em geral, os conhecimentos ligados à matemática são vistos como uma abstração completa, que dificilmente poderão se articular a qualquer realidade objetiva. Tornam-se, dessa forma, pensamento mágico, operações sem sentido que produzem resultados através de procedimentos obscuros e misteriosos. Os números, encarados deste modo, adquirem aparência fantasmagórica.

Contudo, este preconceito ganha imensa força quando encon-tra, no interior do meio acadêmico, certas ideias que já se torna-ram senso comum entre professores e pesquisadores. Dentre elas a de que métodos e técnicas de pesquisa possuiriam, por si mesmos, certa carga ideológica e/ou conteúdo epistemológico. Disso decorre um antagonismo já naturalizado no Brasil e na América Latina entre pesquisa qualitativa e quantitativa, cujas origens geralmente ficam despercebidas.

No contexto do pós-guerra, os estudos comparativos entre países ganharam grande atenção. O complexo industrial militar ligado ao governo norte-americano passou a financiar direta e indiretamente centros e institutos de pesquisa social ligados às principais universi-

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dades dos Estados Unidos (CHILCOTE, 1997). Em um momento mar-cado pela guerra fria, o interesse em conhecer a realidade dos países do chamado terceiro mundo se vinculava à necessidade de obter in-fluência num mundo dividido entre o campo soviético e o capitalis-ta. A América Latina, neste contexto, tornou-se alvo de interesse de estudiosos financiados por órgãos como Pentágono, CIA (Agência Central de Inteligência), FBI (Bureau Federal de Investigações), o De-partamento de Estado, dentre outros (CHILCOTE, 1997). É preciso lembrar que neste período ocorriam diversos golpes de Estado na América Latina e os altos comandos militares latino-americanos pos-suíam estreitos laços com os EUA.

Também, como resultado da corrida tecnológica e armamentista do mundo bipolar, foram desenvolvidos os primeiros computadores. Sua criação permitiu um grande avanço na área da estatística, que logo foi incorporada às ciências sociais como ferramenta de análise de dados coletados em larga escala. Assim, estudos quantitativos co-meçaram a se alastrar, fornecendo dados que permitiam sustentar análises sobre a realidade dos países que eram disputados como área de influência pelos dois blocos em conflito na guerra fria.

Os preconceitos e desconfianças que citamos, entretanto, não podem ser suficientemente explicados por estes motivos, uma vez que a queda do Muro de Berlin (1989) colocou um suposto ponto final naquela situação. O fato é que, dentro do campo das ciências sociais, há uma acirrada disputa epistemológica. As correntes teóri-cas hegemônicas, principalmente dentro do meio acadêmico norte--americano, procuraram tomar como referência as ciências exatas, buscando sempre regularidades e padrões fixos no interior dos fe-nômenos sociais. Com o advento da informática e o grande impulso que isso ocasionou no desenvolvimento da estatística, os estudos de tipo quantitativo foram imediatamente assimilados pelas linhas mais conservadoras das ciências sociais daquele país.

No caso da ciência política, é interessante notar que a realização de pesquisa nesse campo já não se tratava mais de uma atividade intelectual de um pesquisador isolado refletindo a partir de seus li-vros e estudos sobre a realidade. Mas passou a se apoiar em grandes

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aparatos de pesquisa com projetos internacionais e equipamentos até então caros, exclusivos2 e financiados com somas que chegavam à cifra de milhões de dólares.

Assim, nesse cenário tão peculiar, os métodos quantitativos acabaram sendo identificados, do ponto de vista político, com inte-resses geralmente alheios à realidade dos países do então terceiro mundo. Já do ponto de vista teórico/epistemológico, foram de ime-diato associados a uma concepção de ciência rígida e conservadora. Tais elementos combinados serviram de base para um clima de des-confiança na recepção dos métodos e técnicas quantitativos no Brasil e América Latina.

2 A estatística como ferramenta de auxílio

As pesquisas quantitativas estão profundamente apoiadas na es-tatística, porém seria um engano acreditar que esta antecede as ciên-cias sociais na realização da pesquisa social. Ao contrário, ela deve ser entendida como mera ferramenta, como auxílio e ponto de apoio. Os números não podem nos dizer nada se não forem interpretados à luz das teorias. Mais do que isso, os números não podem ser extraídos sem antes passarmos pelas teorias.

O processo de construção do conhecimento científico através da pesquisa está longamente discutido em diversos manuais acadêmi-cos. Sem reproduzir aqui essa literatura, recordamos simplesmente que a definição dos métodos e técnicas de coleta de dados constitui somente uma das diversas etapas da pesquisa científica. Tal escolha, é preciso reforçar, não é aleatória, mas consequência lógica da elabo-ração do projeto de pesquisa.

A seleção do instrumental metodológico está, por-tanto, diretamente relacionada com o problema a ser estudado; a escolha dependerá de vários fatores rela-

2 Basta recordar que, se hoje os microcomputadores são algo relativamente acessível, nos anos 1960 eram máquinas gigantescas, ocupando andares inteiros de prédios em salas refrige-radas e de uso exclusivo militar ou para pesquisa.

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cionados com a pesquisa, ou seja, a natureza dos fenô-menos, o objeto da pesquisa, os recursos financeiros, a equipe humana e outros elementos que possam surgir no campo da investigação. Tanto métodos quanto téc-nicas devem adequar-se ao problema a ser estudado, às hipóteses levantadas e que se queira confirmar, ao tipo de informantes com que se vai entrar em contato. (MARCONI; LAKATOS, 2010, p.147).

Assim, definir métodos e técnicas é uma escolha arbitrária do pesquisador, porém não é uma escolha ao acaso: obedece à lógi-ca geral da pesquisa, desde a formulação do problema. Em última instância, diz respeito ao meio mais eficaz, dentre uma diversidade de meios disponíveis, para se levar adiante a investigação. Mais ain-da, antes de estar ligado a um problema de tipo epistemológico, está ligada à globalidade do projeto de pesquisa, e mesmo a fatores bastante concretos, porém nem sempre considerados com a devida importância, como os recursos financeiros disponíveis, por exemplo.

Além disso, envolvem um exercício muito acurado de manipula-ção de teorias. Transformar conceitos teóricos, geralmente abstratos e complexos, em indicadores concretos e verificáveis na realidade constitui uma condição necessária para a construção de qualquer questionário (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2008). Para tanto, um pro-fundo domínio das teorias é necessário. Ousamos afirmar que, se isso vale para uma pesquisa, vale também para quem estuda os resulta-dos de uma pesquisa. Não só a construção de dados, mas também sua interpretação exigem a mediação da teoria.

É neste sentido que retomamos a afirmação inicial, da natureza instrumental da estatística para as ciências sociais. Compreender tal afirmação impõe a ruptura com os preconceitos e desconfianças.

A escolha de métodos e técnicas quantitativas, uma vez realiza-das as etapas que antecedem o desenvolvimento da pesquisa, agora sim, trazem implicações efetivas, mas que já estavam contidas nos momentos anteriores da investigação. A mais importante delas é a quantificação. Aí entram as especificidades de cada técnica de coleta de dados. Em geral, a pesquisa quantitativa possibilita, com uma pre-

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cisão própria, mensurar características que variam no interior de uma dada população. Assim, os dados permitem uma descrição acurada do objeto de investigação, possibilitando conhecer detalhadamente suas características e ainda compará-las. Mas, além do caráter descri-tivo, é possível também mensurar a relação entre as características do objeto de estudo das quais coletamos os dados (FOX; LEWIN, 2004). Por exemplo, podemos avaliar como a variável renda de uma popula-ção se distribui por graus de escolaridade, testando a hipótese de que o estudo formal permite elevação da renda das pessoas.

3 Mais uma vez o Quali e o Quanti...

Como parte do imaginário construído em torno da pesquisa quantitativa, criou-se a ideia de que ela seria inferior à qualitativa. Da mesma forma, difundiu-se o preconceito de que o contato mais intenso com o objeto de pesquisa, e mesmo a possibilidade de uma intervenção crítica na realidade, seriam possíveis somente com a pes-quisa qualitativa. Do outro lado da moeda, alguns “quantitativistas” afirmariam que a pesquisa quantitativa seria mais “científica” por ser mais precisa e ainda por seus resultados poderem ser generalizados3.

Esse antagonismo é falso, além de contraproducente. O critério para se afirmar se uma técnica é melhor do que outra não pode ser a técnica em si, mas o tipo de investigação que se pretende realizar. O contato com o objeto de pesquisa, por sua vez, está presente em ambas, ainda que não seja garantia de maior rigor metodológico e científico para a coleta de dados. Por fim, a possibilidade de interven-ção na realidade estudada, quando e se for desejável, é uma questão que diz respeito ao pesquisador, e provavelmente será mais eficien-te após a finalização da pesquisa. Investigações rigorosas permitem uma melhor caracterização e diagnóstico da realidade, necessários para qualquer intervenção mais efetiva.

Para além dessas falsas polêmicas, o fato é que os métodos e téc-nicas, sejam quais forem, possuem suas vantagens específicas e seus

3 Devemos lembrar que a generalização só é possível mediante construção de amostras re-presentativas, não possível em todos os tipos de estudos quantitativos.

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limites próprios. Reconhecer isso torna possível trabalhar sua comple-mentaridade. Conhecer um determinado objeto de pesquisa, por ve-zes, demanda uma combinação de técnicas e métodos. Além disso, o uso das técnicas quantitativas requer o domínio de algumas técnicas qualitativas. A simples construção de um questionário, por exemplo, pode requerer a realização de grupos focais e entrevistas em profundi-dade para se acessar a dimensão intersubjetiva necessária à construção de perguntas fechadas capazes de ser compreendidas pela população a ser estudada. Da mesma forma, a análise das respostas, por vezes, demanda um trabalho apoiado em técnicas de análise de conteúdo (BABBIE, 2003). Ou seja, o pesquisador que se apoia em técnicas quan-titativas precisa dominar as técnicas qualitativas para seu trabalho.

4 O conhecimento como ensino e pesquisa

O domínio das técnicas e métodos de pesquisa não pode ser en-carado como um problema que diz respeito somente ao pesquisador e, no caso dos cursos de graduação em ciências sociais, aos estudan-tes do bacharelado. Mesmo para aqueles que não pretendem realizar pesquisa social, o problema está colocado.

Tal como afirma Severino (2007), o processo de ensino na Uni-versidade deve articular o conhecer e o pesquisar. Nesse sentido e segundo o autor, no ensino superior se conhece pelos processos, e não pelos produtos da pesquisa, ou seja, pela construção, e não pela representação do conhecimento. Mais do que memorizar massas de dados, é necessário analisar os processos que lhes dão origem. Do contrário, pode-se incorrer uma concepção demasiado positivista, na qual, segundo Cunha (1996, p. 32), “o conhecimento é tido como acabado e sem raízes, isto é, descontextualizado historicamente”. Isso significa pensar o ensino e a aprendizagem mediante uma atitu-de investigativa. Para tanto, a própria aprendizagem pode ser conce-bida como pesquisa, retirando o estudante da condição passiva de re-ceptor de informação e conduzindo-o a uma postura de investigador.

Dentro dessa concepção, dominar métodos e técnicas de pesqui-sa passa a ser fundamental. Representa a possibilidade de aprofundar

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a intersecção entre licenciatura e bacharelado, reunificando ensino e pesquisa na prática cotidiana da formação em ciências sociais. A par-tir disso, o estudante pode estabelecer uma outra relação com seus estudos, mais autônoma e crítica, uma vez que está capacitado para conhecer e avaliar como o conhecimento que adquire foi construído.

É mediante este processo que o fetiche dos números pode ser desconstruído. Conhecendo os procedimentos que permitem a cons-trução dos números, estes podem deixar de se apresentar ao leitor como algo mágico e externo à racionalidade, e retornar à sua condi-ção real de mera parte de um processo anterior de pesquisa realizado por um sujeito que domina os mesmos procedimentos que o leitor domina. Assim, pode-se diminuir a distância entre quem lê e quem escreve, permitindo que o aluno, munido do conhecimento acerca dos processos que geram o conhecimento, possa conhecer a partir de uma posição que já não é mais de desvantagem, mas de sujeito crítico.

5 Os problemas que a pesquisa quantitativa impõem ao pesquisador

Uma das características da pesquisa quantitativa é que ela deixa o pesquisador “exposto”. Pelo nível de precisão que a lógica quantita-tiva impõe, o estudioso é obrigado a fazer escolhas, muitas vezes ar-bitrárias. Suas escolhas ficam evidenciadas e estão na base dos resul-tados que encontra. Assim, por exemplo, no esforço de operacionali-zar com um conceito teórico, o pesquisador precisa transformá-lo em um número limitado de indicadores empíricos objetivos e verificáveis. Deste modo, o conceito de “classe social”, para ser mensurado, pode ser convertido em indicadores como faixa de renda, renda familiar, aquisição de bens de consumo, tipo de vínculo empregatício, tipo de atividade laboral, valor de patrimônio, etc.

O resultado dessa especificidade da pesquisa quantitativa é que as opções feitas pelo pesquisador podem ser facilmente criticadas. Pode-se muito bem questionar por que se utilizar tal variável para analisar determinado aspecto da realidade e não outra variável. Por

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que agrupar tal conjunto de variáveis para se construir um índice e não outro conjunto? Ora, os conceitos teóricos são abstrações do raciocínio, não existindo efetivamente na realidade. Estabelecer a ponte que liga teorias e conceitos ao mundo concreto é sempre um exercício de opções e escolhas feitas por qualquer teórico e passível de serem questionadas. Porém nos parece que a natureza arbitrária dessas escolhas parece ficar mais evidente na pesquisa quantitativa do que noutras modalidades de pesquisa.

O que poderia ser tomado como uma fragilidade nos parece ser exatamente o ponto forte desta modalidade de pesquisa. Ao obrigar o pesquisador a expor suas escolhas, ao explicitar o “como” proce-deu em sua investigação, o método científico, diferencial de outras tipos de conhecimento, fica melhor delineado. O leitor, seja ele outro pesquisador, um estudante ou professor, pode melhor acompanhar os processos que estão por detrás do resultado da pesquisa. Isso permite ao leitor dialogar com o texto num nível mais profundo, o de sua construção mesma.

6 O conhecimento crítico e hegemônico

Desde essa perspectiva, queremos colocar um problema acerca do conhecimento que é (re)produzido nas universidades brasileiras e latinoamericanas. Enquanto um certo senso comum acadêmico mui-to fala de paradigmas já superados e da necessidade de se construir um novo paradigma, queremos situar o problema em outros termos. O Brasil e a América Latina têm se caracterizado por ser a periferia do sistema mundial. Não só em termos econômicos, mas também aca-dêmicos e culturais. Isso tem implicado na importação de referenciais teóricos e explicativos de centros consagrados, como Europa e Esta-dos Unidos. Parece comum o estudante de ciências sociais estar mais familiarizado com autores franceses ou norte-americanos do que com brasileiros e latino-americanos.

Assim, decorre que adotamos modelos explicativos construídos com base em outras realidades e mediante outras preocupações para tentar analisar a nossa. Quando o cubo não se encaixa no buraco

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do triângulo, não questionamos o cubo, revelando uma apropriação acrítica destes mesmos modelos.

O fato é que a construção do conhecimento científico ocorre sob certas circunstâncias históricas, no marco de relações de poder que moldam e instituem este conhecimento. Deste modo, há uma deter-minada gama de referenciais que se torna hegemônica e termina por se impor sobre aquelas realidades periféricas.

O resultado se traduz na valorização de ensaios que se caracterizam muito mais pelo número de vezes que citam as “autoridades” reconhecidas do que pela ten-tativa de propor algo diferente. Tal atitude conduz à reprodução do conhecimento, e não à valorização do conhecimento crítico e de incidência. (BAQUERO, 2009, p.13).

Apropriar-se sem as devidas mediações do que vem do centro hegemônico e aplicá-lo em contextos tão distintos como o nosso, independente deste conhecimento estar identificado com velhos ou novos paradigmas, nos parece perpetuar o problema ao invés de re-solvê-lo. Concordamos com Baquero (2009) quando afirma que, em países periféricos ou em desenvolvimento, o pesquisador de ciências sociais não deve se subordinar ou ser subjugado pelo conhecimento estabelecido quando este não dá respostas adequadas aos fenôme-nos sociais atuais.

Ou seja, desde este ponto de vista, está colocado o desafio da construção de um novo tipo de conhecimento: da síntese do que está sendo produzido ao norte com as peculiaridades únicas do que está ao sul, ou ainda, da apropriação marcadamente crítica do que é criado no centro com a agregação do conteúdo particular do que há na periferia.

É neste sentido que nos parece extremamente frutífero pensar o domínio dos métodos e técnicas quantitativos como uma forma de permitir ao estudante estabelecer uma outra relação com o conheci-mento que adquire. Ao mesmo tempo, a apropriação de tais técnicas pelos pesquisadores, aplicadas a outras problemáticas advindas de

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outras realidades, pode possibilitar a subversão do conhecimento he-gemônico e a construção do novo.

Referências

BABBIE, E. Métodos de pesquisa Survey. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

BAQUERO, M. A pesquisa quantitativa nas Ciências Sociais. Porto Ale-gre: Editora da UFRGS, 2009.

CHILCOTE, R. H. Teorias de política comparativa: a busca de um novo paradigma reconsiderado. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

CUNHA, M. I. Ensino como pesquisa: a prática do professor universitário. Caderno Pesquisa, São Paulo, n.97, p.31-46, maio 1996.

LEVIN, J.; FOX, J. A. Estatística para ciências humanas. São Paulo: Pren-tice Hall, 2004.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia cientí-fica. São Paulo: Atlas, 2010.

QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. Manual de investigação em Ciências Sociais. Lisboa, Gradiva – Publicações. 2008.

SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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thiago ingrassia Pereira1

Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como princípio

educativo que é, na base de qualquer proposta emancipatória.

Pedro Demo

Primeiras palavras

Certa vez, estudando metodologia de pesquisa participante, me deparei com uma reflexão do Prof. Danilo Streck que dizia assim: “A pesquisa é [...] um ato e uma forma de pronunciar o mundo” (2006, p. 259). Pensando na radicalidade dessa assertiva, nos vemos diante de uma provocação: fazer pesquisa nos coloca o desafio de designar o mundo, as coisas, as relações, enfim, sis-tematizar aquilo que aparentemente é, mas que, na verdade, está sendo.

Por isso, ao construir o projeto do Grupo Práxis, procurei assen-tar nossa atividade a partir dessa perspectiva curiosa e rigorosa, ou seja, a pesquisa, que, como um ato e uma forma de pronunciar o mundo, daria o tom do nosso trabalho.

1 Tutor do Grupo Práxis, PET/Conexões de Saberes (FNDE). Professor da área de Fundamentos da Educação (UFFS/Erechim). E-mail: [email protected]

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Os Grupos PET são espaços potentes de experiências universitá-rias, pois se constituem a partir do tripé que caracteriza a universidade brasileira: ensino, pesquisa e extensão. Dessa forma, não desprezan-do as duas outras dimensões, mas afirmando a pesquisa como um princípio educativo (DEMO, 2011), nosso grupo vem trabalhando em ações que articulam três dimensões do processo de construção do conhecimento na área de ciências sociais: ontologia, epistemolo-gia e metodologia (BAQUERO, 2009).

Nesse capítulo, reflito sobre esses pressupostos e afirmo a ati-tude científica que procuramos construir no Práxis. Ressalto, desde já, que nosso entendimento de pesquisa procura desmistificar esse que-fazer como algo restrito a especialistas e técnicos apartados da sociabilidade do “homem simples” (MARTINS, 2008), pois a busca, a curiosidade e a própria necessidade vital da educação, que brota do reconhecimento de nosso inacabamento, promovem a pesquisa como parte da aventura humana em seu processo de busca de Ser Mais (FREIRE, 2005a). Contudo, essa nobre atividade não ocorre no “vazio”, estando inserida nos processos materiais e simbólicos que conformam a universidade brasileira.

1 A universidade brasileira e sua expansão

A universidade brasileira é uma construção recente. Se a universi-dade no mundo ocidental é uma construção de mais de nove séculos (ROSSATO, 2005), em nosso país ainda não chegou a ser centenária. Nesse período histórico, seu acesso sempre foi restrito, situação que permitiu sua caracterização como elitista.

O processo de expansão universitária no Brasil assinalou sua pas-sagem do domínio público à privatização (ROSSATO, 2006), tendo em vista que o setor privado foi se hegemonizando no número de instituições e na oferta de matrículas na graduação. Dados do Censo da Educação Superior 2011 (BRASIL, 2013) indicam que a esfera pri-vada é responsável por aproximadamente ¾ na oferta de matrículas no ensino superior.

Mesmo considerando uma diminuição relativa da participação do setor privado nos últimos anos, ainda é possível afirmarmos que

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o perfil médio do universitário brasileiro aponta para um estudante branco, entre 18 e 24 anos e de uma faculdade da rede privada. Por isso, algumas pesquisas, a partir do contexto dos anos 1990, indica-vam um processo de mercadorização do ensino superior no Brasil (OLIVEIRA, 2009), principalmente pelas possibilidades abertas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996.

Com a mudança de governo em nível federal em 20032, o diag-nóstico de que o país necessitaria de uma agressiva política de expan-são do acesso à universidade oportunizou a criação de políticas como o Programa Universidade para Todos (ProUni – Lei nº 11.096/2005), a Universidade Aberta do Brasil (UAB – Decreto nº 5.800/2006), a reformulação do crédito educativo pelo Fundo de Financiamento Es-tudantil (FIES – reorganização de seu formato em 2010) e o Progra-ma de Apoio a Plano de Reestruturação e Expansão das Universidade Federais (Reuni – Decreto nº 6.096/2007). Além disso, a rede de es-colas técnicas federais também se expandiu e repensou sua natureza acadêmica, surgindo os Institutos Federais (IFs), também com oferta de cursos superiores.

A partir desse cenário, ocorreram alguns avanços quantitativos no número de vagas públicas (seja pelo ProUni ou pelos novos Campi públicos), bem como um processo de interiorização do acesso ao en-sino superior público. A UFFS é parte deste contexto, sendo fruto do Reuni. Assim, estamos construindo a instituição em meio às contra-dições deste atual processo expansionista. Um dos grandes debates aponta para as condições da real democratização da universidade, pois expansão não é sinônimo de democratização.

2 Os oito anos (1995-2002) de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB) foram marcados por processos de liberalização econô-mica, impactando o sistema educacional como um todo e, em especial, a educação superior. A partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), o Estado passou a fomentar políticas de expansão universitária, seja por meio do crédito educati-vo (FIES), de bolsas em instituições privadas (ProUni), pelo uso da educação a distância (UAB), da expansão de novos Campi das universidade existentes e pela criação de novas universidade públicas (Reuni). Para Leher (2010), mesmo com essas medidas, o governo Lula manteve a lógica mercantil observada durante a gestão anterior, tendo em vista o financiamento com dinheiro público de instituições privadas e o aumento de vagas nas instituições públicas sem o devido aporte de recursos. Pela sua atualidade, esse cenário precisa continuar a ser examinado em seus limites e potencialidades.

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Nesse sentido, a partir do contexto brevemente apresentado, o ensino superior brasileiro é hegemonicamente privado3 e, muitas vezes, opera majoritariamente com apenas um segmento do tripé universitário: o ensino. A sala de aula, assim, é o espaço privilegiado do estudante do segmento privado em detrimento da extensão e da pesquisa. Esse estudante tem um contato muito breve com a produ-ção do conhecimento, ficando numa perspectiva de reprodução dos conhecimentos já produzidos.

Certamente, explorar a literatura de referência da área é uma atividade relevante, principalmente para os estudantes que iniciam a graduação. Contudo, o ensino superior universitário deveria oferecer maiores condições de desenvolvimento da capacidade criativa dos estudantes. Na fronteira entre uma formação cultural relevante e as exigências de profissionalização dos estudantes, as universidades, em geral, tendem a se constituir em centros de formação de mão de obra (muitas vezes, de duvidosa qualidade).

Essa realidade, tipicamente observada nas instituições privadas, mas presente também no segmento público, é proveniente da influ-ência do modelo napoleônico que esteve presente na construção do ensino superior brasileiro, além da ideia da instituição universitária como organização social4. Esse modelo de universidade volta-se à formação de quadros profissionais. Nesse sentido, anos de estudo significam maiores possibilidades de ganhos no mercado de trabalho e, de posse deles, nos tornamos uma “mercadoria mais valiosa” em contextos competitivos. Particularmente, essa dimensão do ensino superior (formação profissional) é um “atrativo” para as classes po-

3 É importante não criarmos uma falsa homogeneidade neste setor. A construção histórica do ensino superior brasileiro e, particularmente o gaúcho, aponta que, entre as instituições pagas, há o segmento das comunitárias, que trabalham sem fins lucrativos e se inserem numa lógica pública não estatal. Por outro lado, há as instituições de mercado, com fins lucrativos e resultantes da atividade empresarial stricto sensu. Pela configuração política e econômica dos últimos anos, principalmente a partir da LDB/1996, ocorre uma indiferenciação do segmento privado, seja pela preponderância da lógica de mercado na atuação das instituições, seja pelas dificuldades das comunitárias em encontrar seu espaço de atuação (BECHI, 2011) na fronteira entre o público e o privado. 4 Para Chauí (2003), no contexto neoliberal dos anos 1990, a universidade passou a ser trata-da como organização social, portanto, como uma entidade prestadora de serviços. Essa lógica procurou destituir a universidade, principalmente a pública, de sua qualidade como instituição social, que aponta para seu papel político e cultural na sociedade.

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pulares prosseguirem seus estudos (PEREIRA, 2011), tendo em vista suas necessidades materiais imediatas.

Por isso, o diploma universitário aparece como um meio para me-lhores postos de trabalho, além de manter-se como traço distintivo que fomenta a estratificação social a partir do status. Dessa forma, nos deparamos com a ideia de que entrar no ensino superior asse-melha-se a continuar na “lógica escolar”, ou seja, assistir aula. Aqui, aparece com força o traço “instrucionista” da aula, conforme critica Pedro Demo (2011). Nessa linha instrucionista, horas em sala de aula significariam aprendizado. Isso é tão questionável como o dia ter 25 horas...

A universidade pode ser algo mais do que uma “agência de di-plomas”? É possível expandirmos o acesso à universidade com o rigor necessário? Seriam a pesquisa e a extensão “privilégios” de uma elite estudantil? Basta estar na universidade para aprender? O enfrenta-mento dessas e de outras questões estão na origem da proposta de trabalho do Práxis.

2 A pesquisa na formação universitária

Quando em 2010 surgiu a oportunidade de termos na UFFS gru-pos do Programa de Educação Tutorial, logo vislumbrei uma possibi-lidade de trabalho em duas direções básicas: 1) construir um espaço de reflexão sobre o próprio processo expansionista universitário a partir de dentro, ou seja, os sujeitos que constroem a universidade a examinariam, ou, para retomar o início deste capítulo, a pronuncia-riam; 2) proporcionar aos estudantes dos cursos noturnos de licencia-tura do Campus Erechim oportunidade de desenvolverem atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Na direção um, imaginei que um aporte teórico-metodológico importante seria a Educação Popular como um paradigma orienta-dor de nossas atividades políticas e pedagógicas, tendo em vista os grupos sociais de referência (classes populares) que o programa pre-tendia apoiar e a experiência de escola pública desses estudantes-bol-sistas.

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Por sua vez, na direção dois, tenho uma convicção político-peda-gógica em relação às licenciaturas: o professor, enquanto tal, precisa se reconhecer como pesquisador (FREIRE, 2005b). Não podemos cair no falso dilema entre licenciatura e bacharelado: de um lado, o ba-charel que pesquisa e produz conhecimento, de outro, o professor que ensina e reproduz o conhecimento. Ora, além desse falso dilema, há outra questão importante: as licenciaturas do Campus Erechim são cursos noturnos. Por isso, criar um programa que oportunizasse bolsas remuneradas para a formação com base no tripé característico da universidade é algo importante para este segmento.

Dessa forma, procuramos romper com a ideia de que universida-de é somente aula. Um dos diferenciais de uma universidade pública é a possibilidade de espaços como os programas tutoriais. Experien-ciar rotinas acadêmicas, organizar seu tempo para o estudo, partici-par de eventos de iniciação científica, seminários, viagens de estudos, publicar em livros e periódicos, entre outras coisas, confere substanti-vidade à vida universitária. E isso, para um estudante de licenciatura do turno da noite, é quase um “privilégio” 5.

Faço uma provocação nesse sentido: numa sociedade desigual como a brasileira, estudar se apresenta com “ares” de privilégio, prin-cipalmente se somos da classe trabalhadora. A socialização dos traba-lhadores não ocorre pela escola, como nas classes média e alta, mas pelo trabalho (BRANDÃO, 2006). Por isso, aquilo que é um direito (fazer uma faculdade), principalmente nas instituições públicas, pelas condições objetivas de grande parte das pessoas que não chegam ao ensino superior, “parece” ser um privilégio. Ter uma bolsa como a do PET, longe de ser algo incomum, deveria ser a “regra” em institui-ções nas quais políticas de permanência universitária fossem priorida-de absoluta. Indicadores quantitativos de número de matrículas são importantes, mas não suficientes para expressar o desafio que está colocado ao contexto atual de expansão: popularizar a universidade sem descuidar do rigor formativo.

5 Ainda nos anos 1960, Florestan Fernandes (2010, p. 239) argumentou: “o ensino superior, embora não seja definido legalmente como ‘privilégio’, na prática, é monopolizado socialmente pelos estratos médios e altos da população”.

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A PESQUISA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO GRUPO PRÁXIS – PET/ CONEXÕES DE SABERES

Quando falo em rigor, estou me associando à perspectiva frei-reana (STRECK, 2008). Não compreendo rigor como sinônimo de “qualidade”, tendo em vista que este conceito é problemático na educação. Ser formado dentro de uma perspectiva de “rigorosidade metódica” é um ponto fundamental para o professor que se compre-ende, enquanto tal, como pesquisador.

Dessa forma, ao estabelecermos a pesquisa como princípio edu-cativo no Grupo Práxis, criamos um espaço de curiosidade, partindo das experiências concretas dos sujeitos que constituem a nova univer-sidade. E essa curiosidade é construída a partir da sistematização de experiências (HOLLIDAY, 2006) provenientes das nossas atividades de ensino, extensão e pesquisa. Assim, produzir conhecimento não se torna uma atividade burocrática apenas, mas se torna algo vivo, pulsante e desafiador.

3 A pesquisa no Grupo Práxis – PET/Conexões de Saberes

Quando me referi às dimensões da pesquisa social, estava me filiando a uma perspectiva de produção de conhecimento que se as-socia seminalmente a uma proposta emancipatória de educação.

Nesse sentido, dialogando com Baquero (2009), apresento o esquema a seguir, que procura organizar etapas fundamentais da construção do conhecimento na área de ciências sociais. Tal perspec-tiva orienta a organização do trabalho de pesquisa no Grupo Práxis – PET/Conexões de Saberes.

Figura 1: Conexões do processo de conhecimento

Fonte: Elaboração do autor. Adaptado de Baquero (2009).

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Percebemos a inter-relação entre os blocos que constituem a pes-quisa, sugerindo a “rigorosidade metódica” a que fazíamos menção anteriormente. É importante que os estudantes de licenciatura do campo das ciências humanas e sociais, como são os bolsistas do Prá-xis, tenham sólida formação metodológica. Isso ajuda a romper com a ideia de que professor não faz pesquisa, pois é, por definição, um reprodutor do conhecimento já existente.

Dessa forma, organizamos espaços formativos em pesquisa a partir de três ações básicas:

1 – Leitura e reflexão de textos acadêmicos sobre epistemologia, filosofia e história da ciência, pesquisa participante e pesqui-sa-ação;

2 – Formação em métodos de pesquisa, tanto da abordagem quantitativa, como da qualitativa;

3 – Exercícios empíricos de pesquisa, aproximando a atividade extensionista como espaço de excelência para a produção do conhecimento.

Em nosso encontro semanal do grupo de estudos, dedicamos uma unidade de leituras e debates sobre a produção do conhecimen-to. Discussões sobre os diferentes tipos de conhecimento, a produção cultural dos seres humanos e a própria pesquisa acadêmica em suas nuances encontraram acolhida em nossas preocupações formativas. Junto a isso, construímos projetos de pesquisa sobre alguns temas ori-ginados das temáticas centrais de nossa proposta de trabalho. Assim, como exercício de pesquisa social quantitativa, realizamos a pesquisa sobre o perfil dos calouros, que, inclusive, sustenta parte significativa dos argumentos apresentados pelos bolsistas em seus capítulos neste livro. Em termos de pesquisa social qualitativa, realizamos pesquisa com alguns integrantes do Conselho Estratégico Social (CES) da UFFS, proveniente do Movimento Pró-Universidade, importante espaço polí-tico da sociedade civil para a conquista da instituição.

Para realizar a pesquisa sobre o perfil dos calouros da UFFS/Erechim, contamos com a assessoria do Prof. Douglas Santos Alves,

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especialista em métodos quantitativos aplicados às ciências sociais. Nosso objetivo com esta pesquisa é saber quem está chegando ao Campus Erechim da UFFS. A nova universidade, de fato, está aberta a quem? De onde? As pessoas entraram no curso que sempre sonha-ram? Essas e outras questões motivaram a construção de um instru-mento de pesquisa (questionário com questões fechadas e abertas, autoaplicável), a realização de questionários para teste (“piloto”), o contato com as coordenações dos cursos de graduação da UFFS/Erechim, a aplicação dos questionários nas turmas de ingressantes (1º semestre), a sistematização dos questionários e o trabalho com o banco de dados (SPSS), tendo em vista a sua “alimentação” (digita-ção) e posterior análise por meio de frequências e cruzamentos.

Ao participarem desse momento, os bolsistas experienciaram todas as etapas da pesquisa social quantitativa e tiveram formação introdutória sobre estatística. Alguns achados dos levantamentos de 2012 e 2013 foram apresentados em eventos de iniciação científica em diversas universidades. Certamente, essa é uma formação inci-piente, que carece de maior aprofundamento com posteriores estu-dos. Contudo, ao vivenciarem o manejo com banco de dados e a ló-gica quantitativa (com seus limites e alcances), os bolsistas terão uma base adequada para se posicionarem como pesquisadores em pro-blemáticas que indicam o uso de técnicas quantitativas apoiadas na estatística e, sobretudo, pela sua condição de licenciandos, poderão orientar estudantes da educação básica na interpretação de gráficos e tabelas, além de noções básicas de amostragem e probabilidade relacionadas ao exame de conteúdos de suas áreas de formação.

No que se refere ao método qualitativo, a pesquisa com o CES/UFFS foi pensada a partir do papel desempenhado por esse Con-selho na mediação entre a comunidade universitária e a sociedade em geral. Proveniente do processo de construção da UFFS, a partir da atuação política do Movimento Pró-Universidade, o CES possui função consultiva acerca dos aspectos administrativos e pedagógicos da universidade. Por isso, dentro dos propósitos temáticos do Grupo Práxis, nos pareceu pertinente escutar algumas pessoas envolvidas com o CES, destacando aspectos avaliativos dos primeiros anos da

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UFFS, bem como algumas noções sobre princípios de atuação e me-tas institucionais, como é o caso do conceito de “popular”.

Para isso, organizamos um roteiro com questões orientadoras das entrevistas. Ainda, antes disso, realizamos pesquisa na internet sobre o Movimento Pró-Universidade e caracterizamos a atuação do CES na UFFS. A partir disso, definimos os interlocutores e a forma de nossa abordagem. Realizamos entrevistas por meio do roteiro construído pelo nosso grupo e vivenciamos a riqueza do processo de pesquisa social qualitativa. Durante a construção deste livro, estáva-mos envolvidos com o processo de coleta de informações com alguns membros do CES.

Da mesma forma que com a pesquisa com os calouros, esta pes-quisa com o CES nos colocou diante de inúmeras questões pertinen-tes ao processo de construção da nova universidade. Seja lançando mão de técnicas quantitativas e/ou qualitativas, a experiência de pes-quisa social cumpriu importante espaço formativo junto aos bolsistas.

Além disso, nosso trabalho extensionista nos possibilitou impor-tante canal de diálogo com a comunidade regional. Nossa presença em escolas públicas da área de abrangência da 15ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) oportunizou aos estudantes de licencia-tura o contato direto com o ambiente escolar, além da possibilidade de dialogar com alunos concluintes do ensino médio público sobre a UFFS e o papel da continuidade dos estudos na sociedade contem-porânea.

Por outro lado, tivemos a oportunidade de conhecer as escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No mês de novembro de 2013, estivemos em visita de estudos no Iterra, em Veranópolis, RS. Em 2014, organizaremos contato com o Educar, em Pontão, também no estado gaúcho. Essas duas escolas do MST são referências na formação de quadros dos movimentos sociais do campo, apresentando a “metodologia da alternância” como princí-pio pedagógico. Também, as duas escolas firmaram parceria com a UFFS/Erechim para a oferta de cursos superiores em Licenciatura em História (Iterra) e Bacharelado em Agronomia, com ênfase em Agro-ecologia (Educar).

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Ao experienciarem essas ações de pesquisa, os bolsistas do Práxis – PET/Conexões de Saberes têm a oportunidade de uma formação mais abrangente, qualificando sua vida universitária e cidadã. Às téc-nicas de pesquisas se adicionam a sensibilidade social e o compromis-so com uma sociedade mais justa, base da proposta original da UFFS.

Esse processo formativo não está imune a um conjunto de con-tradições. Nossa proposta se desenvolve em meio à construção da universidade, com problemas de estrutura física e recursos humanos e tecnológicos. Além disso, há algumas dificuldades na estrutura ge-rencial por parte do Ministério da Educação, tendo em vista a verba de custeio anual do programa, que sofre com atrasos sistemáticos.

Contudo, merece destaque a organização do Comitê Local de Acompanhamento e Avaliação (CLAA) dos grupos PET na UFFS, que vem desempenhando importante papel na organização administrati-va do Programa. Inclusive, no mês de junho de 2013, tivemos a reali-zação do I Seminário Interno dos Programas de Educação Tutorial da UFFS (SINPET) no Campus Chapecó – SC. Neste espaço, foi possível conhecermos os demais grupos PET da universidade, além de vislum-brarmos os desafios para a consolidação do PET na UFFS.

Algumas palavras finais

Ao estabelecermos a pesquisa como princípio educativo, busca-mos contribuir para a desmistificação da pesquisa como algo seleto e indisponível, por exemplo, aos estudantes de uma licenciatura no-turna. Certamente, o trabalho com pesquisa deverá subsidiar ações pedagógicas em sala de aula, ainda que encontre maiores possibili-dades em programas de iniciação científica, como o PET/Conexões de Saberes.

A universidade pública é um patrimônio do povo brasileiro, de-vendo cumprir sua função social e sua missão técnico-científica. Nes-se contexto reformista atual, é importante disputarmos o projeto de universidade pública em nosso país. A propagada qualidade das uni-versidades públicas sempre foi para poucos, ou seja, a qualidade para poucos é um traço elitista.

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Abrir as universidades públicas aos segmentos populares é um desafio de grandes proporções, pois tensiona a lógica estritamente meritocrática do ensino superior, além de sugerir a própria reinven-ção do espaço universitário. Por isso, nos parece essencial discutir a expansão do acesso à universidade em estreito vínculo com a perma-nência dos estudantes.

Assim, o Grupo Práxis é um espaço de permanência na universi-dade pública brasileira. Mesmo cientes de muitas contradições, como o valor mensal da bolsa6 e as dificuldades burocráticas de gestão do programa por parte do MEC, apostamos na formação em pesquisa, ensino e extensão dos estudantes de licenciatura da UFFS/Erechim.

As ações desenvolvidas pelo nosso grupo PET apontam para o gran-de potencial dos estudantes originários da escola pública. Cabe à univer-sidade proporcionar espaços de formação e políticas de permanência, contribuindo para o desenvolvimento de espíritos inquietos, curiosos e comprometidos com uma sociedade mais justa, diversa e feliz.

Referências

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CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Set-Dez, n. 024, p. 5-15, 2003. Disponível em:

6 O valor da bolsa do PET segue a política nacional de bolsas de iniciação científica. Os bolsis-tas entraram em 2014 recebendo R$ 400,00 mensais.

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DA ESCOLA PARA A UNIVERSIDADE: O NOVO PERFIL DO ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR

Fernanda May1

Introdução

A universidade historicamente serviu para poucos. Seu caráter elitista permitia que apenas as classes mais favorecidas tivessem aces-so à educação superior. Essa realidade mantinha a divisão social de classes, já que o acesso ao ensino superior era importante, também, para manter posições e status sociais.

A partir dos anos 1990, ocorre mais um dos ciclos de expansão do ensino superior no Brasil, porém, nesse período, se deu de forma concentrada no setor privado. Ocorre, assim, o crescimento do núme-ro de vagas nas instituições privadas e aumentam as possibilidades de financiamento. Em decorrência de mudanças políticas, só mais tarde é que vai se expandir o ensino superior público, com a criação de mais vagas e novas universidades mantidas pelo Estado.

Com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino superior, o poder público vem investindo na expansão das universidades, levan-do universidades para regiões onde historicamente não havia ensino superior público e priorizando um público diferenciado. Esse proces-so já vem trazendo resultados positivos, como os que podemos ob-servar no caso específico da UFFS/Erechim, quando nos referimos a

1 Estudante do curso de Ciências Sociais – Licenciatura e bolsista Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes (FNDE), UFFS Campus Erechim. E-mail: [email protected]

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uma mudança no perfil histórico da universidade. Se antes apenas as classes mais favorecidas tinham acesso à educação superior, hoje podemos afirmar que mais pessoas têm a oportunidade de ingressar na universidade. Longe de desconsiderar os limites desse processo de expansão, o objetivo deste texto é apresentar dados que sugerem algumas mudanças que já podem ser percebidas.

Busco, além de problematizar um novo perfil de estudante do ensino superior, trazer alguns elementos importantes para análise da trajetória dos estudantes de classes populares e dos desafios enfren-tados para chegar à universidade. Entre eles, destaco a pertinência da expansão do ensino superior público e a interiorização das uni-versidades, bem como enfatizo o papel da escola pública, enquanto agente de formação dos estudantes e o seu papel para que tenham uma trajetória escolar de sucesso nos diferentes níveis de ensino. Por fim, apresento alguns dados do perfil dos alunos da UFFS/Erechim, que considero a caracterização de um novo perfil de estudante do ensino superior.

Expansão do ensino superior – entre o público e o privado

A educação não é uma mercadoria disponível no mer-cado a quem possa pagar, não é um serviço prestado em troca de alguma perspectiva de lucro e, sobretudo, não deve, apenas, estar associada a demandas instru-mentais de formação de mão-de-obra para o competiti-vo mercado de trabalho. (PEREIRA, 2011, p.25)

De acordo com Pereira, a educação superior não é uma merca-doria, no entanto, por um longo período, ela de fato esteve dispo-nível majoritariamente a quem podia pagar. As alterações políticas e sociais que o país enfrentou tiveram grande responsabilidade sobre isso, principalmente no período militar de 1964 a 1985, no qual “as políticas oficiais contiveram a expansão do ensino de graduação pú-blico e gratuito e permitiram a multiplicação dos estabelecimentos privados onde o ensino era pago”. (NEVES; RAIZER; FACHINETTO, 2007, p.142).

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A partir da década de 1990, a reabertura política propiciou o investimento em novas formas de conceber as ações do Estado, abrindo portas para as propostas neoliberais. Em decorrência disso, a educação passa a ser pensada a partir dessa nova lógica neoliberal, para a qual

a educação deve ser reestruturada e repensada para servir à sociedade do livre mercado. Na visão neoliberal, com propósitos empresariais, a educação deve ter dois objetivos: de um lado, compete-lhe preparar a mão de obra necessária ao mundo do trabalho e os estudantes devem ser preparados o melhor possível para o merca-do competitivo; de outro, a educação tem um papel ideológico, devendo ser meio para transmitir ideias que proclamam a excelência do livre-mercado e da livre-ini-ciativa. (ROSSATO, 2006, p.93)

Nesse sentido, a expansão da educação pelo setor privado tor-nava ainda mais difícil o acesso para as classes populares, que não dispunham dos recursos necessários, além de alimentar uma lógica baseada na formação técnica, profissional, voltada para o mercado de trabalho e incentivando a competição. Também não levava em conta outros aspectos importantes, como a formação humana e ci-dadã dos estudantes.

Dentre outras dificuldades enfrentadas para ingressar no ensi-no superior, estava a localização das universidades, concentradas nas áreas metropolitanas, quase sempre situadas nos grandes centros urbanos, distantes do interior do país. As pessoas que desejavam es-tudar, principalmente em universidades públicas federais, tinham que se deslocar de suas regiões. Muitas acabavam não retornando aos seus locais de origem.

No entanto, mesmo reconhecendo as dificuldades, a procura e/ou a necessidade de uma formação superior cresceu e continua au-mentando. Os frequentes motivos que têm levado à busca pelo ensi-no superior são as possibilidades de conseguir melhores oportunida-des no mercado de trabalho, de obter aumento de renda e melhores condições de vida, bem como um crescimento cultural e pessoal.

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A universidade como possibilidade

Com a chegada da Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS, a possibilidade de fazer um curso superior em uma universidade fede-ral, gratuito e perto de casa, surge aos estudantes da região do Alto Uruguai, historicamente desassistida pela educação superior pública. A UFFS foi criada em 2010, a partir do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), fomentado pelo governo, visando à expansão e democratização do acesso ao ensino superior.

A vinda da UFFS para região possibilitou que muitos estudantes tivessem a oportunidade de fazer um curso superior gratuito. Para muitos, a primeira experiência de graduação, possível graças à gratui-dade e localização próxima de suas casas. Assim como, para a grande maioria, a primeira experiência de ensino superior na família.

A UFFS, desde os seus primeiros processos seletivos, priorizou os estudantes oriundos da escola pública, oferecendo a estes alunos uma bonificação por cada ano do ensino médio cursado em escola pública, o chamado “Fator Escola Pública”. Segundo Rotta, Vitcel e Andrioli (2012, p.60),

[...] analisando a região, a comissão de criação da Universidade apontava que 90% dos alunos de Ensino Médio estavam em escolas públicas. Ao chegar ao En-sino Superior, porém, apenas 10% estudavam em uni-versidades públicas. Esta disparidade indicava que era necessário criar um mecanismo capaz de possibilitar o acesso à universidade para os alunos provenientes das escolas públicas. [...]

O “Fator Escola Pública”, como ação afirmativa, consiste em um diferencial, que aponta para uma mudança histórica, já que quase sempre os alunos das escolas públicas que desejavam fazer um cur-so superior acabavam indo para as universidades privadas, devido a maior facilidade de passar no vestibular ou, então, por estas ofere-cem cursos noturnos, já que muitos dividiam seu tempo entre o tra-

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balho e os estudos. Enquanto isso, os estudantes das escolas privadas tinham mais chances de ingressar nas universidades públicas, devido ao maior tempo que dedicavam aos estudos e aos investimentos que faziam com livros, cursinhos, etc.

A partir do exposto, podemos concluir que, mesmo com todas as dificuldades e limites, o público que chega à universidade hoje di-fere do público de elite tradicional. Trabalhadores, filhos de pequenos agricultores, estudantes da escola pública, das classes menos favore-cidas, têm maiores oportunidades de acesso ao ensino superior.

Com a entrada desses segmentos na universidade e considerando suas trajetórias condicionadas pelas adversidades sociais, passamos a enfrentar outros desafios, entre os quais, a permanência destes es-tudantes. A permanência perpassa uma série de fatores, para além do fator econômico. A universidade se apresenta com mais comple-xidade e exige dos estudantes tempo e dedicação para cumprir suas demandas. No entanto, tempo e dedicação também carecem de uma base escolar sólida, que dê segurança aos estudantes e facilite na compreensão dos conteúdos, na interpretação das leituras, na escrita de textos e outras atividades.

Dessa forma, os alunos chegam à universidade com muitas de-ficiências, o que torna mais difícil, tanto a aprendizagem, quanto o trabalho do professor. Essas carências de aprendizagem são consequ-ências de um ensino escolar precário, que não se explica apenas pela falta de estrutura, falta de condições de trabalho e falta de professo-res, como veremos a seguir.

Da escola para a universidade

A escola pública hoje se constitui especialmente por sujeitos das classes populares, consequência das lutas pela ampliação do acesso à escola pra todos. A incorporação destes segmentos por uma ins-tituição que historicamente também serviu a poucos exige que se faça uma reflexão a respeito das condições que a escola oferece para qualificar esses sujeitos, tanto na dimensão técnica do conhecimento, quanto numa dimensão mais humana e cidadã.

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A partir da democratização do acesso à escola, os sujeitos das classes menos favorecidas passam a conviver com o conhecimento científico, por vezes, alheio às suas vivências anteriores. No entanto, a descaracterização dos conhecimentos trazidos pelos estudantes para a escola não pode acontecer em detrimento apenas dos saberes cien-tíficos, como têm nos demonstrado as experiências de ensino que deslegitimam ou desqualificam esses saberes. Corre-se o risco de tor-nar os estudantes alienados diante das suas realidades e aprendentes de um conhecimento que não lhes faz sentido, podendo, ainda, tor-nar este o principal motivo de abandono da escola, já que esta não responde às suas expectativas.

Como explica Rui Canário (2006, p.13),

durante séculos, as aprendizagens foram realizadas em continuidade com a experiência e por imersão na pró-pria realidade social. Acontece que a escola – invenção histórica recente – instituiu um espaço e um tempo distintos, destinados às aprendizagens. Consagrou, por um lado, a dicotomia aprender – agir e, por outro, modalidades de aprendizagem que se baseiam não na continuidade, mas na ruptura com a experiência.

A não relação dos conteúdos escolares com a experiência vivida pelos alunos é característica do modelo escolar hegemônico que se apresenta hoje. Os alunos encontram dificuldades em atribuir sentido àquilo que aprendem. Esse sistema gerou um tipo de acomodação, na qual os alunos esperam respostas prontas e não desenvolvem a curiosidade, o gosto pelo conhecimento e pela pesquisa. O professor foi colocado como centro do processo de ensino-aprendizagem, e os alunos são como recipientes, que aquele tem a função de encher com os conteúdos.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz comunica-dos e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de

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receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. [...] No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta equivocada concepção “bancária” de educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis os ho-mens não podem ser. Educador e educandos se arqui-vam na medida em que, nesta distorcida visão de edu-cação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. (FREIRE, 2005, p. 33)

Essa concepção de educação, tratada por Freire como “bancá-ria”, não desenvolve a autonomia dos estudantes. Tende a torná-los meros repetidores daquilo que aprendem, sem o necessário exercício de reflexão, de problematização. Possivelmente, este aluno terá maio-res dificuldades ao enfrentar as provas seletivas das universidades ou em outros concursos quaisquer. E, mesmo sendo aprovado, sentirá os reflexos da escolarização passiva no decorrer da vida acadêmica ou em qualquer outro espaço que venha a se inserir.

A perda de sentido da escola tem sido muito discutida. Para al-guns, a escola já não teria nenhuma função social a cumprir e a so-ciedade poderia muito bem viver sem ela. Ivan Illich (apud CANÁRIO, 2006, p.136) afirma que uma “sociedade sem escolas” é possível, pois “é depois de saírem, ou à margem da escola, que todas as pes-soas aprendem a viver, aprendem a falar, a amar, a sentir, a brincar, a desembaraçar-se, a trabalhar”. Assim, ele sugere que sejam poten-cializados os instrumentos educativos de outras instituições. No en-tanto, para outros, esta é apenas uma questão de ressignificação ou reestruturação de uma instituição histórica e de um modelo, que já enfrenta desafios para responder aos problemas da sociedade atual.

No entanto, mesmo com os problemas, desafios e limites, consi-dero que a escola continua sendo um lugar importante, pois, como nos disse Paulo Freire em um de seus poemas, “escola é o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima”.

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Para Gadotti (2007, p.11), “a melhor afirmação para definir o alcance das práticas educativas em face dos seus limites é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa”. Nesse sentido, devemos sim considerar os problemas que a educação pú-blica enfrenta. No entanto, devemos considerar que a reestruturação do modelo atual e as mudanças necessárias são possíveis. A sua fun-ção formativa, socializadora, as relações que se estabelecem a partir dela, continuam sendo importantes para o desenvolvimento social e humano, mesmo diante das suas contradições.

O que coloco em discussão no momento não é a validade da escola ou a definição do seu papel ou da sua função social. O que deve ser discutido é: Em que sentido esta escola pública tem contribuído para a formação destes sujeitos, que já enfrentam os desafios propostos pela sociedade desigual em que vivem? Esta escola tem contribuído para o prolongamento da escolaridade nos diferentes níveis, formando os estu-dantes para enfrentarem os desafios da universidade e também da vida?

Um novo perfil de estudante do ensino superior – Dados da Pesquisa Perfil dos Calouros 2012 UFFS/Erechim

A partir das problematizações expostas acima, identificamos um conjunto de condicionantes que historicamente dificultaram a entrada dos estudantes das classes menos favorecidas ao ensino superior: a educação posta como uma mercadoria disponível a quem pudesse pa-gar; a distância das universidades federais dos seus locais de origem; os reflexos da escolarização anterior, os quais dificultavam o sucesso nos vestibulares; a necessidade do trabalho precoce, entre outras.

Diante dos dados da pesquisa Perfil dos calouros 2012 da UFFS/Erechim, apresento, a seguir, parte do quadro que aponta alterações no perfil do estudante do ensino superior e da própria universidade. Os dados demonstram que, mesmo com todos os desafios e limites possíveis, muitos estudantes das classes populares vêm rompendo fronteiras entre a escola e a universidade e tornando viável um futuro melhor a partir da educação.

Ao traçar o perfil do novo estudante universitário, apontamos algumas características que diferem do que se conheceu historica-

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mente. Podemos começar pelo fato de que 95,1% dos estudantes concluíram o ensino médio em escolas públicas e apenas 4,3% vêm de escolas privadas.

Quanto à modalidade de ensino, prevalece o ensino regular com 77,6%, seguido do ensino técnico/profissionalizante com 14,8%. Na modalidade EJA se formaram 4,6% dos alunos.

Também podemos destacar a relevância da UFFS para a região, quando observamos que a totalidade de estudantes, ou seja, 100% dos estudantes residem na região do Alto Uruguai. Destes, 70,1% residem na cidade de Erechim, onde está localizada a UFFS, e 29,9% são das cidades vizinhas.

Outra característica que chama atenção no perfil dos calouros da UFFS é que a quase totalidade de alunos é a primeira geração da família a chegar ao ensino superior. Chegamos a esta conclusão observando os dados que dizem respeito à escolaridade dos pais dos alunos, como podemos observar nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1: Escolaridade dos paisNível de escolaridade dos pais Porcentagem (%)

Não alfabetizado 2,6Alfabetizado 4,6Ensino Fundamental Incompleto 45,1Ensino Fundamental Completo 11,5Ensino Médio Incompleto 4,2Ensino Médio Completo 21,4Ensino Superior Incompleto 2,6Ensino Superior Completo 4,6Pós-Graduação 2

Fonte: Pesquisa Perfil dos Calouros 2012 – UFFS/Erechim (PET). N= 304.

Tabela 2: Escolaridade das mãesNível de escolaridade das mães Porcentagem (%)

Não alfabetizado 2Alfabetizado 4,3

Ensino Fundamental Incompleto 38,1Ensino Fundamental Completo 10,2

Ensino Médio Incompleto 5Ensino Médio Completo 22

Ensino Superior Incompleto 3Ensino Superior Completo 8,9

Pós-Graduação 6,2Fonte: Pesquisa Perfil dos Calouros 2012 – UFFS/Erechim (PET). N= 304.

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Para muitos estudantes, esta é a primeira experiência de gradu-ação. Os estudantes que já possuíam alguma experiência no ensino superior somam apenas 6,6%, enquanto que, para 85,9% dos estu-dantes, a UFFS representa a primeira graduação. Quanto ao tipo de ins-tituição na qual os estudantes tiveram alguma experiência, para 10,5% foi em instituições privadas e apenas 2,6% em instituições públicas.

A Tabela 3 apresenta os principais motivos, expectativas e influ-ências que levaram os estudantes a optar por um curso superior.

Tabela 3: Expectativas e Influências na escolha pelo Curso Su-perior

Expectativas/Influências Porcentagem (%)Expectativas de Trabalho e Renda 70,4Expectativa de Crescimento Cultural 33,6Influência da Trajetória Escolar 13,2Influência Familiar 8,5

Fonte: Pesquisa Perfil dos Calouros 2012 – UFFS/Erechim (PET). N= 304.

Considerações Finais A UFFS/Erechim, sendo uma das novas universidades criadas pelo

REUNI, é representante de algumas mudanças no âmbito do acesso ao ensino superior. A proposta de um “Novo Perfil de Estudante do Ensino Superior” se dá a partir desse processo de expansão, na medida em que novos segmentos sociais começam a chegar à universidade.

Esse novo perfil de estudante do ensino superior se materializa a partir dos dados da pesquisa “Perfil dos calouros 2012 – UFFS/Erechim”, na qual é possível verificar as mudanças no que tange ao acesso à universidade, considerando fatores como a totalidade dos alunos provenientes da região do Alto Uruguai, os mais de 95% dos estudantes oriundos da escola pública e a grande maioria como a primeira geração da família a chegar ao ensino superior. Ou seja, os dados demonstram que o estudante da escola pública encontra maio-res possibilidades de acesso à universidade pública, diferente do que aconteceu historicamente, bem como tem maiores oportunidades de seguir com os estudos, diferente do que tiveram seus pais e, ainda, contam com uma universidade pública próxima de suas casas, sem

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necessidade de deslocamento para outras regiões.Longe de resolver os problemas do acesso ao ensino superior

para os segmentos menos favorecidos da população, a UFFS/Erechim se apresenta como uma possibilidade. Porém, não basta apenas ofe-recer a vaga, é preciso oferecer condições de permanência a estes estudantes. Se já temos alguns avanços na questão do acesso, é pre-ciso avançar na qualificação, na formação, tanto profissional, quanto na dimensão humana e cidadã do conhecimento. Para isso, é essen-cial oferecer a estes estudantes a oportunidade de se tornarem eles próprios os protagonistas das mudanças sociais tão esperadas pela sociedade.

Referências

CANÁRIO, R. A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 41. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GADOTTI, M. A escola e o professor. Paulo Freire e a Paixão de Ensinar. São Paulo: Publisher Brasil, 2007.

NEVES, C. E. B.; RAIZER, L.; FACHINETTO, R. F. Educação superior para to-dos? Acesso, expansão e equidade: novos desafios para a política educacio-nal. Sociologias, Porto Alegre, v. 9, n. 17, p. 124-157, jan.-jun. 2007.

PEREIRA, T. I. Construindo uma Universidade Pública e Popular: Intencio-nalidades políticas, pedagógicas e epistemológicas da proposta do grupo PET/Conexões de Saberes na UFFS/Erechim. In: ZITKOSKI, J. J.; MORIGI, V. (Orgs.). Educação Popular e Práticas Emancipatórias: desafios contem-porâneos. Porto Alegre: Corag, 2011, p. 25-34.

ROSSATO, E. A expansão do ensino superior no Brasil: do domínio públi-co à privatização. Passo Fundo: Ed. UPF, 2006.

ROTTA, E.; VITCEL, M. S.; ANDRIOLI, A. I. A Universidade Federal da Fron-teira Sul e sua experiência de inclusão por meio da instituição das cotas sociais. In: LUFT, H. M.; FALKEMBACH, E. M. F.; CASES, J. B. (Orgs.). Freire na agenda da educação: inclusão e emancipação de jovens e adultos. Vol. 2. Ijuí: Ed. Unijuí, 2012, p. 55-65.

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CAMPUS ERECHIM

Joviana vedana da rosa1

1 Considerações iniciais Historicamente, a universidade foi espaço para uma minoria. Já

no ensino escolar naturalizam-se lógicas de desigualdades sociais, nas quais, muitas vezes, todos são colocados no mesmo ponto de partida, não considerando aspectos socioeconômicos e culturais que fazem parte da vida dos estudantes. Logo, a tendência é que alunos em situações menos favorecidas acabem por não finalizar os estudos na educação básica, refletindo em quem terá acesso à universidade.

Desta forma, perante a importância da continuidade dos estu-dos para a mobilidade social e pela realidade econômica e escolar desigual que se apresenta para populações de cor e diferentes etnias, este trabalho busca identificar motivos da baixa represen-tatividade de negros, pardos e indígenas nos cursos de graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim, verificada na pesquisa Perfil dos Calouros 2012, realizada pelo Grupo Práxis – Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões de Saberes.

1 Estudante do curso de Ciências Sociais – Licenciatura e bolsista Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes (FNDE), UFFS Campus Erechim. E-mail: [email protected]

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Para isso, partindo da constatação de que desigualdades sociais repercutem em desigualdades escolares e estas últimas no acesso à universidade, procura-se estabelecer um panorama geral de nível de instrução das populações branca/amarela, preta, parda e indígena na área de influência da UFFS, Campus Erechim, a partir de dados do Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

2 Desigualdades e acesso ao ensino superior

As condições sociais e econômicas influenciam diretamente na trajetória escolar, não só no acesso, mas também na permanên-cia e continuidade nos estudos. Trabalhos, como os de Henriques (2002), revelam que desigualdades raciais, econômicas e escolares estão intrinsecamente relacionadas e são frutos de uma construção histórica, como a escravidão, que produziu a sua naturalização e o seu silenciamento através da fixação no senso comum de uma “cordialidade” entre as raças na sociedade brasileira, o mito da “de-mocracia racial”.

Conforme Pereira (2011), as discussões sobre desigualdade e raça são de natureza social, e não biológica ou psicológica. Não se trata de discutir sobre inteligência, mas sim sobre a distribui-ção e a posse desigual dos bens produzidos socialmente. Desta maneira,

os estudos das condições de acesso e permanência e desempenho na escola fornecem elementos funda-mentais para análise da magnitude da desigualdade entre as raças. As oportunidades educacionais contri-buem, de forma decisiva, para a melhoria da qualida-de de vida das pessoas e, dessa forma, o avanço no sistema educacional influencia diretamente as chan-ces de integração do indivíduo na sociedade e sua ca-pacidade de mobilidade ou ascensão social. A educa-ção aparece, portanto, como uma variável crucial para

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transformar a situação desigual em que se encontram os indivíduos das diferentes raças (HENRIQUES, 2002, p. 14-15).

Diante disso, analisar o acesso à universidade torna-se de suma importância, uma vez que ela não é uma instituição apartada das transformações sociais, mas sim um produto destas. De acordo com Mayorga, Costa e Cardoso (2010), a universidade sempre privilegiou o acesso e a formação de uma elite, seja por meio do processo seleti-vo, de caráter meritocrático, como os vestibulares, seja pela desvalo-rização de saberes, como os populares.

Munanga (2004, p.49) conclui que, devido às desigualdades so-ciais, mesmo se o ensino básico e fundamental fossem os melhores possíveis e todos pudessem competir igualmente no vestibular, “os alunos negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos brancos”. Além disso, segundo Relatório de Desenvolvimento Huma-no (PNUD, 2005 apud PEREIRA, 2011), um estudante branco tem chances 137 vezes maiores que um estudante negro em ingressar na universidade. Cabe destacar, portanto, a relevância de ações afirma-tivas, entendendo-as como

políticas e práticas públicas e privadas, de caráter compulsório ou facultativo, que têm como objeti-vo corrigir desigualdades historicamente atribuídas e impostas a determinados grupos sociais. Incluem negros, indígenas, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiências e outros grupos cujos direitos so-ciais têm sido desconsiderados e não reconhecidos em função do tratamento desigual dado as suas di-ferenças; as ações afirmativas visam à promoção da diversidade cultural e da justiça social (MAYORGA; SOUZA, 2010, p. 205).

A partir do governo Lula, em 2003, o país vivencia políticas de expansão e acesso no ensino superior, como a criação, em 2004, do Programa Universidade para Todos (ProUni), a compra de vagas em instituições privadas pelo poder público, o Programa de Apoio

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a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em 2007, criando 14 novas universidades federais, entre elas a UFFS, com o objetivo de atender uma região historicamente de-sassistida pelo ensino superior, a Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul; e a instituição da Lei 12.711, em agosto de 2012, que estabelece critérios para o acesso de egressos do ensino médio pro-venientes de escola pública, levando em consideração fatores como renda familiar, cor e etnia.

Desde o seu primeiro processo seletivo, a UFFS favoreceu o in-gresso dos alunos provenientes da escola pública, por meio do de-nominado “fator escola pública”: índices de 10%, 20% ou 30% apli-cados à nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), os quais contemplavam cada ano do ensino médio cursado nessa rede escolar. Na pesquisa com os ingressantes dos cursos de graduação em 2012, realizada pelo Grupo Práxis - PET Conexões de Saberes, no Campus Erechim, com o objetivo de delinear o perfil dos estudantes, identifi-cou-se que, de um total de 304 questionários aplicados – 400 possí-veis2, considerando o número de 50 vagas oferecidas em cada curso (oito cursos no total) –, com relação à cor ou etnia, 87,2% considera-ram-se brancos, 10,2% pardos, 1% negros e 0,3% indígenas. Pode-se perceber, portanto, que, mesmo com o fator escola pública, o ano de 2012 apresentou pouca presença de negros e indígenas entre os ingressantes.

Assim sendo, devido a pouca representação de negros, par-dos e indígenas nos cursos de graduação da UFFS, as condições socioeconômicas, como elementos decisivos para a continuidade nos estudos e sendo o nível escolar como um dos pré-requisitos para acesso à universidade, procura-se estabelecer um panorama geral do grau de instrução da população da região de influência da UFFS Campus Erechim, com 18 anos ou mais de idade, branca/amarela, preta, parda e indígena, a partir de dados do Censo 2010 do IBGE.

2 Este número indica o caráter censitário do estudo realizado.

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3 Nível de instrução das populações branca/amarela, preta, parda e indígena na área de influência da UFFS, Campus Erechim

Primeiramente, considerou-se como região de influência a área

da 15ª Coordenadoria Regional de Educação – CRE (41 municípios), pelo fato de que, através da pesquisa do Grupo Práxis, verificou-se que todos os estudantes têm sua residência atual nestes municípios, com cerca de 70% dos estudantes residentes em Erechim. No entan-to, analisou-se que, levando em conta apenas esta região, poucos municípios apresentam representatividade de população indígena (vide Tabela 1): Charrua, com população indígena de 43,91% (de um total de 3.471 habitantes), Benjamin Constant do Sul, 43,48% (2.307 habitantes), Cacique Doble, 19,08% (4.868 habitantes) e Erebango, com 9,06% (total de 2.970 habitantes).

Deste modo, acrescentaram-se 15 municípios3 ao entorno da área de abrangência da 15ª CRE, os quais também apresentam elevados percentuais de população autodeclarada preta e parda, com a presença de comunidades indígenas e quilombolas mape-adas pela pesquisa Mapeamento de Comunidades Indígenas e Quilombolas da Região do Alto Uruguai: aspectos sociais, eco-nômicos, culturais e territoriais, desenvolvida nos anos de 2012 e 2013, pelo Grupo de Pesquisa Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes4 (GPASE). A Figura 1 apresenta a região de influência da UFFS Campus Erechim.

3 Os municípios de Sertão e Coxilha possuem a presença de comunidade quilombolas, os treze restantes possuem a presença de comunidades indígenas.4 Grupo de pesquisa da UFFS – Campus Erechim, vinculado ao CNPQ. Maiores detalhes sobre os trabalhos do grupo em: <http://anticapitalismoesociabilidades.blogspot.com.br/>.

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Tabela 1. Percentual da população branca/amarelos, preta, par-da e indígena na área de influência da UFFS Campus Erechim

MUNICÍPIOTOTAL DA

POPULAÇÃOBRANCOS E

AMARELOS (%)PRETOS (%)

PARDOS (%)

INDÍGENAS (%)

MU

NIC

ÍPIO

S D

E A

BR

AN

GÊN

CIA

DA

15ª

CR

E

ARATIBA 6565 92.06 2.19 5.71 0.03ÁUREA 3665 93.10 1.28 5.62 0.00

BARÃO DE COTEGIPE 6529 90.12 1.47 8.33 0.08BARRA DO RIO AZUL 2003 94.31 1.95 3.74 0.00

BARRACÃO 5357 80.98 4.09 14.88 0.06BENJAMIN C. DO SUL 2307 52.62 1.86 2.04 43.48

CACIQUE DOBLE 4868 70.83 3.12 6.96 19.08CAMPINAS DO SUL 5506 85.71 1.65 12.60 0.04

CARLOS GOMES 1607 97.82 1.00 1.00 0.19CENTENÁRIO 2965 97.23 0.57 2.19 0.00

CHARRUA 3471 54.39 0.32 1.38 43.91CRUZALTENSE 2141 91.13 4.34 4.53 0.00

ENTRE RIOS DO SUL 3080 76.72 3.31 19.90 0.06EREBANGO 2970 71.21 2.26 17.47 9.06ERECHIM 96087 85.32 2.25 12.31 0.12

ERVAL GRANDE 5163 82.82 3.89 13.27 0.02ESTAÇÃO 6011 87.07 4.01 8.92 0.00

FAXINALZINHO 2567 76.98 4.75 11.18 7.09FLORIANO PEIXOTO 2018 97.67 0.45 1.88 0.00

GAURAMA 5862 91.97 1.31 6.65 0.07GETÚLIO VARGAS 16154 85.20 2.34 12.07 0.39IPIRANGA DO SUL 1944 87.50 2.06 10.44 0.00ITATIBA DO SUL 4171 84.80 4.51 10.57 0.12

JACUTINGA 3633 85.49 2.70 11.70 0.11MACHADINHO 5510 79.20 3.99 16.57 0.24

MARCELINO RAMOS 5134 85.22 1.97 12.72 0.10MARIANO MORO 2210 92.94 0.32 6.74 0.00

MAXIMILIANO

DE ALMEIDA

4911 78.19 3.81 18.00 0.00

PAIM FILHO 4243 84.12 4.45 11.43 0.00PAULO BENTO 2196 94.63 0.96 4.42 0.00PONTE PRETA 1750 94.57 0.91 4.51 0.00

QUATRO IRMÃOS 1775 76.79 2.03 21.18 0.00SANANDUVA 15373 88.89 0.97 10.06 0.08

SANTO EXPEDITO DO SUL 2461 94.35 1.54 4.10 0.00SÃO JOÃO DA URTIGA 4726 92.26 1.38 6.37 0.00SÃO JOSÉ DO OURO 6904 85.31 1.72 12.73 0.23

SÃO VALENTIM 3632 85.60 2.81 11.56 0.03SEVERIANO DE ALMEIDA 3842 94.85 0.81 4.19 0.16

TRÊS ARROIOS 2855 99.19 0.14 0.67 0.00TUPANCI DO SUL 1573 89.51 3.62 6.87 0.00

VIADUTOS 5311 90.17 0.40 9.43 0.00

MU

NIC

ÍPIO

S D

O E

NTO

RN

O

PLANALTO 10524 78.23 3.16 8.95 9.65GRAMADO

DOS LOUREIROS

2269 67.52 7.14 11.99 13.35

LIBERATO SALZANO 5780 71.26 3.51 17.87 7.35TRINDADE DO SUL 5787 74.32 4.82 20.75 0.10TRÊS PALMEIRAS 4381 67.95 4.70 18.42 8.92RIO DOS ÍNDIOS 3616 76.08 3.15 16.51 4.26

ENGENHO VELHO 1527 61.95 1.57 2.42 34.05ALPESTRE 8027 85.66 3.60 10.73 0.01COXILHA 2826 84.47 3.86 11.32 0.35

RONDA ALTA 10221 74.76 2.39 12.80 10.06ÁGUA SANTA 3722 83.05 1.29 9.24 6.42

TAPEJARA 19250 84.83 1.88 13.19 0.10NONOAI 12074 71.21 2.94 18.20 7.64SERTÃO 6294 81.22 5.42 13.28 0.08

CONSTATINA 9752 80.72 2.32 17.3 4.90TOTAL 377.730 habitantes

Fonte: IBGE, Censo 2010.

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Figura 1.

Fonte: Elaboração da autora, utilizando o software Philcarto, 2013.

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Para o levantamento do nível de escolaridade, considerou-se a população total das pessoas com 18 anos ou mais de idade, pois se tem esta referência de idade como tempo ideal para a conclusão do ensino médio. Na área de abrangência de estudo, a população com 18 anos ou mais de idade, pelo Censo Demográfico do IBGE 2010, é de 284.539 habitantes. A população autodeclarada branca/amarela representa 85% (241.909 pessoas); pretos, 2,5% (6.946 pessoas); pardos, 10,8% (30.723 pessoas) e indígenas, 1,7% (4.961 pessoas) (Figura 2). Analisando o percentual por cor ou raça, de acordo com o nível de instrução (Figura 3)5, percebe-se que mais da metade da população branca/amarela maior de 18 anos, 50,08%, não possui instrução ou possui o nível fundamental incompleto. Maiores percen-tuais se apresentam para a população parda 64,3%, preta 72,05% e indígena 75,4%. Observa-se certa regularidade, entre 15 e 18%, para as diferentes populações, com relação ao nível de instrução funda-mental completo e médio incompleto.

No entanto, 24,4% da população branca/amarela possuem o grau de instrução médio completo ou superior incompleto, sendo me-nores os índices para a população preta, parda e indígena: 10,35%, 15,4% e 7,2%, respectivamente. Supõe-se, então, que estes seriam os percentuais de representatividade, por cor, de pessoas que pode-riam estar na universidade ou concluir um curso, porém encontram-se índices ainda menores para pessoas com o nível superior completo: 9% para a população branca/amarela; pretos 1,8%; pardos 2,5%; e indígenas 0,7%, o que indica a disparidade de acesso e permanência a este nível de ensino.

5 A população de nível de escolaridade não determinado representa para brancos/amarelos e pardos 0,2%; pretos 0,06%; e indígenas 0,4%

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Figura 2:

Fonte: IBGE, Censo 2010

Figura 3:

Fonte: IBGE, Censo 2010.

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Pode-se inferir, portanto, que os baixos índices de acesso a um curso superior derivam também do baixo índice de escolarização da população, principalmente das populações pretas, pardas e indíge-nas: 66,4% da população branca/amarela possuem até o ensino mé-dio incompleto; pretos, 87,8%; pardos, 81,9%; e indígenas, 91,7%. Logo, além da grande proporção da população branca/amarela na região (85%), este pode ser um dos motivos da baixa representativi-dade de pretos, pardos e indígenas na UFFS, campus Erechim.

Ainda, deve-se ressaltar o fator geracional, pois a tendência é de que pessoas adultas possuam grau de escolaridade menor na medida em que gerações mais jovens têm maior acesso ao ensino formal, porém o avanço geracional e o aumento da média de escolaridade da população não são indicativos da igualdade entre as diferentes raças, uma vez que as dispa-ridades permanecem (HENRIQUES, 2001). Um exemplo disso, conforme dados do PNAD e do IBGE (apud INEP, 2011), foram os aumentos nos percentuais da população brasileira de 18 a 24 anos de idade que frequen-taram ou concluíram um curso superior nos anos de 1997, 2004 e 2011, para ambas as populações brancas, pretas e pardas. Contudo, as desigual-dades entre elas não só continuaram, mas aumentaram (Figura 4).

Figura 4:

Fonte: PNAD/IBGE apud INEP, 2011

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Deste modo, as discussões sobre desigualdades educacionais demonstram a fragilidade da permanência dos estudantes nos en-sinos fundamental, médio e superior. Munanga (2005) destaca que, além do impacto das situações socioeconômicas desfavoráveis para a população negra, os preconceitos contidos nos livros didáticos, as relações preconceituosas entre alunos e até mesmo entre professor e aluno, pelas dificuldades em se lidar com as diversidades, e o mo-delo de sistema educativo baseado no eurocentrismo, que apaga as memórias, histórias e identidades afrodescendentes, são fatores que influenciam na maior evasão e repetência dos alunos negros em rela-ção aos alunos brancos.

Referente às políticas de educação formal em comunidades in-dígenas, Luciano (2006) aponta várias críticas, entre elas, a sua con-traposição com a educação tradicional, língua, ritos e costumes estar distante da realidade das comunidades, dificuldades de formação de professores indígenas e barreira linguística de muitos deles, materiais didáticos insuficientes e inadequados etc. Sendo algo proveniente da cultura do colonizador, o ensino formal, comumente, pode ser en-tendido como um meio de aculturação, mas também como um meio para reforçar direitos e identidades.

Neste sentido, apenas criar formas de acesso ao ensino formal, tanto para populações brancas como para as de cor e de diferentes etnias, sem recursos e devidas políticas de permanência que valorizem especificidades, como as diferenças socioculturais e econômicas, não repercutem no aumento do nível de escolaridade, devido a maior probabilidade de evasão escolar, refletindo, assim, na continuidade de um ensino superior para uma minoria.

4 Considerações finais

Por fim, vale destacar que a análise do nível de escolaridade na área de influência da UFFS - Campus Erechim torna visíveis as desi-gualdades escolares entre as populações branca/amarela, preta, par-da e indígena, constatando baixos índices de escolaridade, principal-mente para pretos, pardos e indígenas.

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Sabendo, portanto, que desigualdades escolares estão direta-mente relacionadas com cor ou etnia e situações socioeconômicas desfavoráveis, políticas públicas de acesso e permanência à uni-versidade que não levam em conta estes elementos tendem a não ser eficazes. Por este motivo, torna-se oportuno a instituição da Lei 12.711/2012, uma vez que cria a reserva de vagas de acordo com critérios de renda, cor e etnia para acesso às universidades públicas federais.

Contudo, não se pode desviar a atenção dos problemas educa-cionais e da ineficiência de políticas de permanência, pois, conforme o demonstrado neste trabalho, um grande contingente de pessoas têm baixos índices de escolaridade. Além de que na universidade, as-sim como na escola, tende-se a padronizar conhecimentos, afastando diversidades culturais.

5 Referências

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EDUCAÇÃO SUPERIOR E SUAS INTERFACES: OS DESAFIOS DA CLASSE TRABALHADORA

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1 Introdução

Pensando a partir de elementos que envolvem a Educação Po-pular, pretende-se neste capítulo fazer uma discussão considerando a relação que a mesma possui com a categoria Trabalho, a qual ain-da hoje se encontra muito presente na vida de grande parte dos estudantes do Ensino Superior brasileiro e se constitui em um dos grandes desafios quando pensamos a inclusão e a permanência des-tes estudantes na universidade. Parto do pressuposto de que, histo-ricamente, a educação no Brasil se deu mais como privilégio do que como direito, e, mesmo se tratando de um direito constitucional, a educação sempre esteve ao alcance de uma pequena parte da popu-lação brasileira. Dessa forma, apenas os filhos da “elite” gozavam do acesso a uma estrutura educacional de qualidade, o que lhes permitia a reprodução do status quo.

Partindo deste princípio, podemos aprofundar um pouco mais nossa reflexão, discutindo alguns entendimentos sobre a “categoria trabalho” e a função socializadora aplicada a ela, relacionando-a aos desafios encontrados pelos estudantes do Ensino Superior. A partir daí, temos subsídios para pensarmos um modelo de universidade que

1 Estudante do curso de Ciências Sociais – Licenciatura e bolsista Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes (FNDE), UFFS Campus Erechim. E-mail: [email protected]

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contraste com o que se pode entender por desenvolvimento socioe-conômico de um país.

Junto a essa reflexão discutiremos o cenário atual da expansão da Educação Superior com base na criação de novas instituições de Ensino Superior em regiões historicamente desassistidas pelo Estado (aqui falo da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, instituição da qual faço parte). Assim, faremos alguns apontamentos em relação à Educação Popular e seus entendimentos, baseando-se na pesquisa “Perfil dos calouros”, realizada pelo grupo Práxis PET Conexões de Saberes da UFFS campus Erechim. Neste sentido, discutiremos o pa-pel e a influência dessas novas instituições, que nascem, em grande parte, das lutas dos movimentos sociais e de classe que enxergaram a necessidade da Universidade nas regiões do interior do país.

2 O contexto educacional e a importância do trabalho

A partir da década de 1930, com o governo Getúlio Vargas, hou-ve diversos processos de transformação política e social no Brasil, principalmente na área da educação. Em consequência dos processos de industrialização e urbanização (falo aqui do período em que o desenvolvimentismo era a principal corrente política do Estado e do surgimento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova), viu-se a necessidade de preparar os indivíduos para estes novos cenários que se constituíam no país. A abertura e o fomento da educação segundo princípios liberais e a criação de instituições de ensino superior nos anos seguintes foram algumas das atitudes pensadas pelo governo como forma de preparar os indivíduos para os quadros que se forma-vam no processo de desenvolvimento nacional.

Observamos que esse processo se deu com diversas configura-ções. No que tange ao ensino primário, a educação que estava sen-do oferecida às massas nunca se equiparou ao modelo educacional que até então as elites dispunham, já que a intenção era preparar minimamente uma população que, em sua maioria, encontrava-se analfabeta, para, assim, ocupar postos de trabalho que necessitavam do mínimo de instrução e letramento possível.

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Com relação ao Ensino Superior, nele se depositava a esperança do desenvolvimento da nação, através de um novo modo de pensar que rompesse com o antigo modelo europeu colonizador de pensar as sociedades e o desenvolvimento, modelo que começou a ser ques-tionado a partir da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo. Sendo assim, a meta do ensino superior passa a ser a formação de quadros para a administração Estatal e também a formação de uma série de profissionais, os quais, se acreditava, eram necessários para o desenvolvimento da nova ordem nacional que se configurava.

Devido a uma série de fatores conjunturais (sociais, políticos e econômicos) e, principalmente, à baixa oferta de vagas frente à de-manda existente, o Ensino Superior historicamente esteve ainda mais distante da grande massa do povo brasileiro, sendo um direito con-quistado basicamente pela elite. Nos dias de hoje, ainda são poucos aqueles que concluem o ensino médio já com perspectivas de ingres-sar em uma universidade particular ou, até mesmo, pública, muito em virtude da concorrência.

Hoje, devido ao modelo de sociedade estabelecido, criou-se no “imaginário médio” o entendimento de que a educação (anos de es-tudo) é a principal ferramenta de ascensão social e progresso. Assim, se aposta nela como método de transformações sociais. Mas, em um país ainda tão desigual, aquilo que é direito de todos e que deveria ser garantido pelo Estado acaba sendo visto e tratado como privilé-gio, ou algo distante de ser alcançado, desestimulando grande parte dos jovens em idade “adequada” para estar inserindo-se no meio aca-dêmico. Grande parte dos jovens acaba optando por trabalhos, mui-tas vezes, precários ao invés de tentar o ingresso no Ensino Superior. Logicamente não podemos naturalizar esse fato, pois existem fatores para além do indivíduo que se explicam pelas realidades sociais nas quais cada um está inserido.

Após essa breve contextualização, gostaria de discutir um pouco mais a categoria Trabalho, que desempenha papel fundamental na elaboração de questões que dialogam com as experiências que até então as classes populares tiveram com relação ao ensino superior brasileiro. Estabelecer uma relação entre trabalho e educação tor-

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na-se inseparável na medida em que tratamos aqui das classes po-pulares. Entendemos classes populares propriamente como a classe trabalhadora do nosso país, que historicamente esteve ausente das salas de aula do ensino superior brasileiro.

Ausentes, talvez porque a educação superior ocupasse ou ainda ocupe papel secundário em seus projetos de futuro. A continuidade dos estudos para além do ensino básico sempre foi encarada como algo distante ou reservado para aqueles que têm uma “vida boa”. Dessa forma, o trabalho sempre ocupou papel de destaque na vida do ser humano. Essa concepção de vida baseada no trabalho é hoje ainda mais presente nas classes populares, nas quais, em grande par-te, não há a perspectiva de ascensão social pelo estudo, e sim pelo trabalho. Assim, faz-se do trabalho o agente socializador destes in-divíduos, oportunizando a eles um “lugar na sociedade”. Por muito tempo, e ainda hoje, existe o mito de que homem bom é aquele que possui um trabalho e de que só prospera aquele que é trabalhador. A escola, assim como as mais distintas formas de Educação, sempre se importou com a questão social do trabalho. Nesta perspectiva, podemos entender que

Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho, pois o trabalho é a base da existência humana, e os homens se caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transfor-mando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da ma-neira pela qual se organiza o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho. (SAVIANI, 1986, p. 14).

Dessa forma, o Trabalho torna-se um dentre muitos motivos pelos quais precisamos pensar e rediscutir a Educação Superior do Brasil, principalmente quando tratamos da educação voltada para as classes populares e para a transformação social através da educação.

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Segundo o professor Paulo Freire, “[...] o que traduz a educação po-pular não é um voto de solidariedade paternal aos pobres, mas o que sela um projeto de educação popular. É o seu compromisso radical de transformação do mundo”. (FREIRE, 1984 apud RODRIGUES, 2008).

Hoje, com a atual configuração que se estabeleceu em nossa sociedade, devido ao seu modo de produção e de sua complexidade, mais do que nunca encontramos pesquisas nos indicando que anos a mais de estudo refletem diretamente na renda dos indivíduos, renda da qual todos necessitam para subsistência. Marx já dizia que o ho-mem é um ser histórico, e a sua própria história lhe permitiu produzir os meios necessários para sua existência, com a construção de sua vida material frente às suas necessidades. Segundo Marx e Engels,

[...] todos os homens devem ter condição de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas ou-tras coisas mais. O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades (Bedürfnisse), a produção da própria vida material, [...] O segundo ponto a examinar é que uma vez satisfeita a primeira necessidade, a ação de satis-fazê-la e o instrumento já adquirido com essa satisfa-ção levam a novas necessidades - e essa produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico. (MARX; ENGELS, 2002, p. 21-22)

No processo histórico, do qual o homem em relação com a natu-reza produz a sua vida material ou modo de existência, – digo mais uma vez – o trabalho sempre ocupou papel fundamental e ainda hoje ocupa. Isso refletiu diretamente no modelo educacional pen-sado para a sociedade moderna. Aliás, a própria universidade tem como uma de suas funções promover a capacitação dos indivíduos para o mercado de trabalho. Capacitação que há algumas décadas era restrita a uma pequena parcela da população, cabendo aos de-mais o mercado de trabalho sem nenhuma especialização, o que hoje vem se tornando cada dia mais acessível graças à expansão do ensino superior dos últimos anos.

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No entanto, acredita-se que apenas criar novas vagas e universi-dades não resolverá o problema da exclusão das classes populares, é preciso pensar um modelo educacional (de ingresso e permanên-cia) que atinja as classes populares e que minimamente dê condições para que ela consiga chegar e permanecer na universidade. Existem diversos fatores que colaboram para a “exclusão” dos alunos das clas-ses populares do ensino superior e o principal deles é a necessidade do trabalho. Sobre isso Brandão nos diz que

Existe um outro indicador de desigualdades para o qual o sistema escolar costuma ser pouco sensível. De modo crescente à medida que desce de classe, a criança e os adolescentes pobres são trabalhadores precoces que es-tudam. E através do trabalho, não do “ensino”, que se dá a inserção deles na vida social e o “estudo” para um trabalho futuro concorre com o tempo do trabalho atual que, para muitos, torna precário ou impossível o exer-cício do próprio estudo. Na mesma pesquisa de Lia Ro-semberg, cerca de 1/5 dos alunos de escolas públicas da cidade de São Paulo trabalha, ou está em busca de um trabalho. A proporção aumenta à medida que diminui a renda familiar, e é bastante mais alta entre adolescentes de cursos noturnos. (BRANDÃO, 2006, p. 24-25)

Aqui mais uma vez fica expresso o papel socializador que o tra-balho adquire na vida dos indivíduos. Citamos o trabalho como fator que dificulta as classes populares de estudar, pois, no final das contas, os indivíduos necessitam de um trabalho remunerado para sobreviver, e isso é ainda mais presente quando se trata de classes populares. Por isso, precisamos compreender como está se dando essa relação entre a possibilidade de ingressar no Ensino Superior e manter-se nele, num cenário onde estamos pensando um modelo educacional não para estudantes que trabalham, e sim para trabalhadores que estudam em busca de um futuro melhor.

No cenário atual, enquadram-se as novas políticas de expansão e interiorização das universidades, como o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).

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A partir de algumas experiências desse mesmo Programa, podemos analisar como esse processo tem ocorrido frente às necessidades das classes trabalhadoras de estar inserindo-se nesses espaços. A Univer-sidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, décima primeira das quatorze últimas instituições criadas pelo REUNI, é um desses exemplos de instituições que estão sendo implantadas em locais desassistidos pelo ensino superior federal e que visa à inclusão das classes populares.

A partir do próximo tópico, analisaremos alguns dados sobre o perfil dos alunos da UFFS campus Erechim obtidos pelo grupo Práxis – PET Conexões de Saberes, que vem estudando a inclusão e a per-manência das classes populares no Ensino Superior brasileiro.

3 A pesquisa

Nessa etapa de nossa discussão gostaria de trazer alguns apon-tamentos que partem de dados empíricos que foram construídos a partir de minha experiência com as pesquisas realizadas pelo grupo Práxis – PET Conexões de Saberes da UFFS do qual faço parte.

Já discutimos sobre as dificuldades encontradas hoje pelos es-tudantes das classes populares que buscam no Ensino Superior uma alternativa de qualificação profissional, vislumbrando melhorias em sua qualidade de vida e também ascensão social.

Partindo dos dados levantados pela pesquisa “Perfil dos calou-ros 2012”, pode-se problematizar a realidade na qual estudamos ou obter um possível entendimento sobre a mesma. A partir dos dados, também temos subsídios para discutir a realidade partindo da própria realidade, não caindo, assim, num discurso falacioso ou que se con-funda com o discurso trazido pelo senso comum.

Antes de mais nada, acredito ser necessário entendermos um pouco sobre a realidade do estudante e também como está se cons-truindo este “perfil dos estudantes”. Para isso, gostaria de apresentar alguns gráficos que ilustram a realidade partindo da pesquisa. Gosta-ria de iniciar demonstrando como os alunos estão divididos por tur-nos e também como se dá a questão relativa ao trabalho (se possui atividade remunerada ou não) dos mesmos. Observem os gráficos:

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Fonte: Pesquisa “Perfil dos calouros 2012” realizada pelo grupo Práxis – PET Conexões de Saberes da UFFS/Erechim. N: 304

Analisando os gráficos acima, podemos observar que 56% dos alunos ingressantes no ano de 2012 se encontram no período notur-no. Esse percentual representa mais da metade do total de alunos. Interessante destacar que o período noturno é aquele em que os cursos de licenciatura estão instalados. Segundo demonstra a nossa pesquisa, no período noturno a média de idade está entre 22 anos, enquanto no matutino ela está na média de 19 anos.

Gostaria de deixar uma questão para pensarmos. Os dados já demonstram que mais da metade de nossos alunos estão matricula-dos em cursos de licenciatura no noturno e que a média de idade é superior a dos alunos do matutino. Sabendo que no atual cenário em que vivemos, no qual cursos de licenciatura não são tão valorizados quantos outros, será que estes alunos estão ali porque realmente é aquilo que sempre almejaram ou é devido apenas a uma oportunida-de que lhes apareceu? Considere-se, neste momento, que a oferta de cursos é no contraturno de trabalho e sem custos.

Trago aqui essa questão, pois parto de minha própria realidade. Já escrevi um capítulo no livro Há uma Universidade no Meio do Ca-minho, desenvolvido também pelo Grupo Práxis – PET Conexões de Saberes (GUTIERREZ, 2012), onde lá descrevo minha trajetória esco-lar e, desta forma, compreendo as dificuldades hoje existentes para aqueles que desejam formar-se no Ensino Superior, principalmente

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àqueles que, como eu, dependem de um emprego para sobreviver e o conciliam com os estudos.

Relevante também destacar aqui que, destes 49% que se decla-raram como trabalhadores, mais da metade afirmou trabalhar em média oito horas por dia. E, em muitos dos casos, principalmente no caso de alunos do noturno, os mesmos, além do trabalho, são pais e mães de família que tentam, no terceiro turno de seu dia, buscar uma qualificação através dos estudos.

Agora quero demonstrar outro gráfico, o qual deixa ainda mais evidente essa realidade de trabalho-estudo enfrentada por nossos es-tudantes. Observem o gráfico:

Fonte: Pesquisa “perfil dos calouros 2012” realizada pelo grupo Práxis – PET Conexões de Saberes da UFFS/Erechim. N: 304

Analisando o gráfico, observamos que, no período noturno, 70,2% de nossos alunos são trabalhadores. Esse dado por si só não demonstra muita coisa, mas partindo dele podemos pensar outros fatores que influenciam na permanência e no bom rendimento dos estudantes. Sabendo que temos uma grande maioria de estudantes trabalhadores, ou de trabalhadores estudantes, como diria Brandão, talvez tenhamos pistas para pensarmos a evasão, por exemplo.

Referente aos nossos alunos do turno da manhã, cerca de 19% declarou ser trabalhador. E o mais interessante disso é que a grande maioria deles citou como trabalho as bolsas de iniciação científica

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oportunizadas pela Universidade. Desse modo, podemos entender o papel fundamental que tal política de assistência estudantil possui. Talvez esses 19% não conseguiriam estar aqui se não fosse mediante tal ajuda, e mais, analisando o perfil de seus pais (que também fazia parte da pesquisa), podemos supor que os demais alunos, que se de-clararam como não trabalhadores, também necessitariam de algum tipo de política de assistência estudantil.

Gostaria de encerrar relembrando que a UFFS nasce com o dis-curso de se tornar uma instituição, para além de Pública, também Popular, e, a meu ver, esse Popular refere-se a certas camadas da sociedade que historicamente estiveram excluídas do acesso e da per-manência no ensino superior. Essa camada é justamente a camada trabalhadora, que, desde cedo, precisou encarar aquilo que chama-mos de vida ou realidade. Neste momento em que os filhos dos traba-lhadores estão tendo a oportunidade de chegar ao Ensino Superior, temos que pensar a Universidade de forma que a mesma não seja excludente ao mesmo tempo em que tenta incluir esses alunos.

4. Apontamentos finais

Podemos perceber que, nas últimas décadas, a realidade da Educação Superior brasileira vem se alterando: pessoas/classes que jamais se imaginaram dentro de uma universidade agora estão ten-do oportunidades (mesmo que poucas ainda) de se inserir no meio acadêmico. Mas essa nova realidade também nos aponta alguns pro-blemas que precisam ser superados, ou pelo menos repensados: se realmente queremos a democratização do acesso e da permanência de alunos das classes populares, precisamos pensar meios para isso, pois apenas criar novas vagas não garantirá que esse aluno conclua seu curso.

Por isso a discussão sobre o trabalho é tão importante. É com o trabalho e com a necessidade de se manter através dele que as horas de estudo estão disputando espaço nas vidas das pessoas. E é justa-mente o trabalho que, muitas vezes, torna inviável que os mesmos permaneçam nas universidades, pois, para além do trabalho e do

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estudo, as pessoas possuem família e diversos outros afazeres em sua vida, o que implica em muitos casos de abandono ou de não opção pela universidade por não conseguirem conciliar o estudo com suas demais tarefas.

Fica aqui não apenas um questionamento, mas sim desafios: Como podemos pensar a inclusão e a permanência da classe tra-balhadora no Ensino Superior sem que o mesmo os exclua devido às diversas dificuldades encontradas nessa trajetória? Como pensar um modelo educacional ou métodos didáticos para alunos que tra-balham o dia todo e, no terceiro turno de seu dia, passam em média três horas em uma sala de aula, muitas vezes cansados e com pou-quíssimo tempo para os estudos extraclasse?

Afinal, como citado anteriormente, hoje as realidades em muitas universidades são de trabalhadores estudantes, e não de estudantes que trabalham, parafraseando Brandão. E são nesses que devemos pensar quando tratamos da democratização do Ensino Superior bra-sileiro, para que realmente se alcance o objetivo de construir institui-ções de ensino Populares, assim como a UFFS pretende um dia se tornar.

Referências

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GUTIERREZ, D. Memórias de um sonhador. In: PEREIRA, T. I. (Org). Há uma universidade no meio do caminho. Erechim: Evangraf, 2012.

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SAVIANI, D. O nó do ensino de 2º grau. Bimestre, São Paulo: MEC INEP – CENAFOR, n. 1, out. 1986.

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