universidade presbiteriana mackenzie mestrado em direito...

95
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO MUNIRAH MUHIEDDINE FORMA JURÍDICA E FORMA POLÍTICA NA FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA SÃO PAULO 2017

Upload: ngonhi

Post on 25-Jan-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

MUNIRAH MUHIEDDINE

FORMA JURÍDICA E FORMA POLÍTICA NA FILOSOFIA DO DIREITO

CONTEMPORÂNEA

SÃO PAULO

2017

Page 2: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

MUNIRAH MUHIEDDINE

FORMA JURÍDICA E FORMA POLÍTICA NA FILOSOFIA DO DIREITO

CONTEMPORÂNEA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação Stricto Sensu em Direito Político e

Econômico da Faculdade de Direito da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre em

Direito Político e Econômico.

Orientador: Prof. Dr. Silvio Luiz de Almeida

SÃO PAULO

2017

Page 3: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é
Page 4: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

M952f Muhieddine, Munirah.

Forma jurídica e forma política na filosofia do direito contemporânea / Munirah Muhieddine. – 2017.

95 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Orientador: Silvio Luiz De Almeida. Referências bibliográficas: f. 92-95.

1. Forma social. 2. Forma jurídica. 3. Forma política. 4. Cidadania.

5. Filosofia do direito contemporânea. I. Título.

CDDir 340.1

Page 5: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço ao Centro Universitário Dinâmica das Cataratas e a

Universidade Presbiteriana Mackenzie pela possibilidade de buscar meu sonhado

título de mestre em uma instituição de renome ímpar.

Ao meu orientador Professor Doutor Sílvio Luiz de Almeida pela divisão de

seus extensos conhecimentos sobre a matéria e sobre as discussões sobre a

injustiça vivida nos dias atuais.

A Professora Solange Teles da Silva por sua suave compreensão na

elaboração de uma pesquisa diferente e suas dicas durante a qualificação.

Estendo meus agradecimentos ao Professor Camilo Onoda Caldas o qual

conhecedor sobre o tema incentivou com dicas importantes abrindo um caminho

diferente durante a pesquisa.

Não poderia faltar agradecimentos ao Professor Felipe Chiarello o qual

abraçou cada aluno do Minter fazendo tornar realidade esta conquista.

Ao meu amado esposo que me acompanhou em toda jornada e fez com que

meu sonho acontecesse e aos meus filhos pelo amor mesmo nas ausências.

Page 6: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

“A vida é bela. Que as futuras

gerações a livrem de todo mal e

opressão, e possam desfrutá-la em

toda sua plenitude”.

(Leon Trotsky)

Page 7: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo da filosofia do direito contemporânea e do legado dos filósofos em relação as formas sociais, jurídicas e políticas. No primeiro momento, será feita uma demonstração didática da filosofia do direito contemporânea e a forma social. Dentre a concepção da forma social verificar-se-á a origem da forma jurídica trazendo em seu bojo as relações entre sujeitos de direito. Posteriormente, será realizada uma abordagem lógica e evolutiva do surgimento da forma política, tentando responder a questão da interligação entre forma política, forma jurídica e a cidadania como consequência da forma capitalista de estado, dentro da independência de tais institutos. O presente trabalho integra a linha de pesquisa da Cidadania Modelando o Estado uma vez que discute-se a abordagem do contexto da cidadania como uma de participação dos sujeitos de direito que integram a forma jurídica na consequente conformação com a forma política estatal. O método utilizado será bibliográfico.

Palavras-chave: forma social, forma jurídica, forma política, cidadania, filosofia do direito contemporânea.

Page 8: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

ABSTRACT

The present work aims to make a study of the contemporary philosophy of law and the legacy of philosophers in relation to social, legal and political forms. In the first moment, a didactic demonstration of the philosophy of contemporary law and the social form will be made. From the conception of the social form the origin of the juridical form will be brought bringing in its bulge the relations between subjects of right. Later, a logical and evolutionary approach will be taken to the emergence of the political form, trying to answer the question of the interconnection between political form, legal form and citizenship as a consequence of the capitalist form of state, within the independence of such institutes. The present work integrates the line of research of Citizenship Modeling the State once it is discussed the approach of the citizenship context as one of participation of the subjects of law that integrate the legal form in the consequent conformation with the state political form. The method used will be bibliographic.

Keywords: social form, legal form, political form, philosophy of contemporary law.

Page 9: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10

1. A FORMA JURÍDICA ................................................................................... 14

1.1 A FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA DE ALYSSON LEANDRO

MASCARO ....................................................................................................... 15

1.2 FORMA JURÍDICA: CONCEITO ................................................................ 30

1.3 FORMA JURÍDICA E NORMA JURÍDICA .................................................. 37

2. A FORMA POLÍTICA ESTATAL ................................................................. 43

2.1 FORMA POLÍTICA ESTATAL: CONCEITO ............................................... 44

2.2 FORMA POLÍTICA ESTATAL E FORMA JURÍDICA: CONFORMAÇÃO OU

DERIVAÇÃO SECUNDÁRIA ............................................................................ 58

2.3 FORMA POLÍTICA ESTATAL E INSTITUIÇÕES DO ESTADO ................. 44

3. CIDADADIA E FORMA POLÍTICA ESTATAL ............................................. 70

3.1 CONCEITO DE CIDADANIA ...................................................................... 70

3.2 CIDADANIA E FORMA JURÍDICA ............................................................. 79

3.3 RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E FORMA POLÍTICA ESTATAL ............. 81

CONCLUSÃO ................................................................................................. 81

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 91

Page 10: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

INTRODUÇÃO

O direito, ao longo dos tempos, acompanhou a humanidade e suas

transformações históricas. A princípio, o direito era fundamentado na religião, era

esta que ditava as normas. Com o surgimento do capitalismo, a forma social passou

a perceber o direito através de outra ótica, a visão mercantil das relações. Neste

trabalho, busca-se esclarecer, de uma forma didática, por intermédio da filosofia do

direito contemporânea e crítica, a concepção da forma social, que através das

relações entre os sujeitos, cria a forma jurídica e a necessidade de manter o

equilíbrio através da forma política.

O presente trabalho tem como objetivo promover uma análise da forma

jurídica e da forma política no âmbito da filosofia do direito contemporânea,

buscando esclarecer se tais institutos se conformam mutuamente ou se constituem

uma derivação secundária.

A forma social, que é a sustentação das formas jurídica e política tratadas

aqui, nas sociedades capitalistas, de acordo com MASCARO, permite compreender

o nascimento do capitalismo, tendo em vista o vínculo existente entre o processo do

valor de troca e determinadas formas que lhes são correlatas, no âmbito social,

político e até mesmo jurídico. A partir das formas sociais mercantis originam-se a

forma jurídica e a forma política estatal.

Destarte, existe uma ligação íntima “entre forma política e forma jurídica, mas

não porque ambas sejam iguais ou equivalentes, e sim porque remanescem da

mesma fonte. Além disso, apoiam-se mutuamente conformando-se”.1

1 MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 39.

Page 11: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

11

A forma da sociedade capitalista, é aquela onde o trabalho está sujeito à

intermediação do capital, o qual, no campo abstrato é conciliado pela forma que se

materializa no contrato, que regula as relações sociais.

Além disso, vale ressaltar que a troca mercantil que traduz a forma social

capitalista não é qualquer troca, possui alguns pressupostos específicos, tendo em

vista que os sujeitos são portadores de liberdade e igualdade, sendo proprietários

daquilo que trocam, diferenciando-se de outras sociedades não capitalistas. Assim,

consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é composta por proprietários de

mercadorias, o que significa que as “relações sociais dos homens no processo de

produção tomam uma forma coisificada nos produtos do trabalho que aparecem, uns

em relação aos outros, como valores”2.

Conceituar forma, não é uma tarefa fácil. Uma sociedade é determinada por

diversos fatores que a delineiam, criando uma forma. Neste sentido o presente

estudo busca demonstrar os conceitos de forma social, jurídica e política na

sociedade capitalista e suas inter-relações através da abordagem filosófica

contemporânea.

O conhecimento da filosofia do direito contemporânea se torna indispensável

para chegar no conceito que se pretende buscar, uma vez que, a compreensão das

formas se darão com a compreensão do surgimento do direito que advém da própria

forma social. Ademais, só se chegará ao conceito de forma analisando o contexto de

cada vertente filosófica da própria concepção do direito.

No primeiro capítulo, a partir da classificação do pensamento jurídico

contemporâneo feita por MASCARO, serão apresentados os fundamentos filosóficos

da discussão sobre a forma, discussão essa que só pode ser feita, como será visto,

nos marcos do pensamento jurídico crítico atual. Importante frisar que a partir da

compreensão dos três grandes caminhos da filosofia contemporânea é que a noção

de forma jurídica e a forma política são nitidamente demonstradas.

2 PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora

Acadêmica, 1988. Tradução de: Silvio Donizete Chagas. p. 70.

Page 12: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

12

O primeiro caminho traz a abordagem do juspositivismo, o qual por sua vez se

subdivide em: juspositivismo eclético, estrito e ético, os quais em linhas gerais

atribuem ao Estado o poder do direito a ser imposto socialmente, ou seja, a forma

jurídica posta por aqueles que detêm o poder.

O segundo caminho é lastreado pelos juristas e filósofos não juspositivistas,

em sentido amplo abrange uma visão de transpasse ao poder do Estado, sendo

superior ao normativismo.

Por fim, no terceiro caminho, chega-se à uma concepção crítica do direito por

intermédio da vertente marxista, onde o sistema capitalista origina a relação jurídica

combinada com a relação mercantil, em que se faz necessário uma teoria do direito

diferente das anteriores3.

Após a apresentação dessas concepções, se discorrerá a respeito da forma

jurídica. Uma matéria de difícil clareza e bastante correlata a forma social, o que

demonstra a importância de sua compreensão, para melhor entendimento do

sistema contemporâneo, tendo em vista que a essência do direito capitalista é

baseada em trocas mercantis, onde os sujeitos são livres para realizá-las entre si,

mas dependem de um regramento.

O segundo capítulo da presente dissertação desenvolverá conceitos acerca

da forma política estatal, mediante um estudo conceitual da forma política estatal,

sua origem e os diversos conceitos atribuídos pelos juristas e filósofos

contemporâneos, levando em consideração a sua existência originária e missão no

sistema capitalista.

Ainda neste capítulo será discutido a respeito da forma política estatal, que se

trata da unidade de poder separada dos agentes econômicos e que, em função

disto, tem a capacidade de intermediar os conflitos de classe e garantir o domínio

3 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.

p. 276-282.

Page 13: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

13

econômico do capital correlacionando com a forma jurídica, ou seja a relação

existente entre os sujeitos de direitos.

No terceiro capítulo, será conceituada cidadania, com especial preocupação

em se definir a cidadania capitalista, para então relaciona-la às formas jurídica e

política estatal onde haverá uma crítica a respeito de sua verdadeira finalidade no

estado contemporâneo atribuindo a cidadania um status de direitos inerentes aos

indivíduos, organizados em uma saciedade civil como participante da forma política

estatal, dentro do contexto capitalista.

Page 14: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

1. A FORMA JURÍDICA

Explicar o direito e suas concepções é um empreendimento complexo, isto

porque a intenção da filosofia hodierna vai mais longe do que apenas atribuir um

conceito jurídico ao direito ou às relações jurídicas e sociais, esta ciência questiona

a possibilidade atribuída ao Estado em ditar regras e normas que fundamentam a

forma social e jurídica.

Em sua visão contemporânea, a filosofia do direito vai deixando de lado a

base do direito ligada à moral e principalmente à religião para buscar respostas de

caráter técnico e até mesmo científicos. Negando as concepções jusnaturalistas, em

suas diversas variações, visa concretizar, no direito, a realidade social.

Para entender, toda a essa complexidade, nesse capítulo, realizar-se-á uma

investigação teórica a respeito da filosofia do direito, em especial a contemporânea,

para então, ser possível uma conceituação autêntica da forma jurídica, e

posteriormente, estabelecer a sua diferenciação de norma jurídica.

Page 15: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

14

1.1 A FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA DE ALYSSON LEANDRO

MASCARO

A proposta didática realizada por MASCARO revela que o pensamento

jurídico contemporâneo deve ser compreendido por meio de três caminhos, que

devem ser considerados em relação a eixos e vertentes que se conciliam,

perfazendo assim uma escada evolutiva que parte da visão conservadora do direito

positivo, passando por uma percepção não tão conservadora deste direito e, por fim,

evoluindo para uma visão crítica do direito4.

A classificação lógica da filosofia do direito, atribuída pelo por MASCARO, faz

uma reflexão necessária na qual os principais temas e eixos que interligam os

filósofos estão ajustados, independentemente de sua época, mas sim de acordo

com suas especificidades.

A grande importância desta divisão reside no fato de que as perspectivas do

direito e em especial da forma jurídica contemporânea não se encontra num único

caminho. Desse modo, o que se propõe é uma sistematização didática de vários

grupos com diferentes concepções a respeito do direito e uma distinta visão jurídica

de forma, que considera três grandes vertentes. GRILLO corrobora a importância

dessa divisão indicando que:

Essa classificação é, para a filosofia do direito, esclarecedora e muito singular, capaz de conjugar bases filosóficas como Kant, Heideger e Marx com o direito, ilumina a devida compreensão do “fenômeno jurídico” e de seus teóricos. Além disso, a classificação do jusfilósofo por si só já condiciona um conteúdo de crítica aos juristas e as

4 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.

p. 276.

Page 16: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

15

teorias do direito, uma vez que reconhece a posição marxista do direito como sendo a mais crítica dentre as críticas e a juspositivista a mais conservadora.5

Considerando a importância da presente divisão, ela se dará de forma

específica, desdobrando-se nas seguintes perspectivas: Juspositivistas, Não

Juspositivistas e a Filosofia Crítica do Direito com suas respectivas definições e

seguidores.

O juspositivismo tem como pressuposto central um direito imposto pelo

Estado. Na dialética de MASCARO pode-se definido como:

(...) uma associação necessária do fenômeno jurídico ao fenômeno da autoridade estatal. As raízes históricas de tal pensamento já vem de há muito, mas a construção sistemática de um modelo de identificação do direito ao Estado surge, vigorosamente, apenas no século XIX. Nessa época, os Estados nacionais europeus já se encontram sob o controle da burguesia, que então dita seus interesses por meio de normas jurídicas estatais.6

Observa-se, portanto, que introdutoriamente no juspositivismo, tem-se os

interesses da burguesia corporificados no direito imposto pelo Estado sob seu

comando. Com o fim de entender o desenrolar do direito posto pelo Estado,

apontam-se três grandes caminhos históricos: jusposivitismo eclético, juspositivimo

estrito e juspositivismo ético.

5 GRILLO, Marcelo Gomes Franco. O Direito Na Filosofia De Slavoj Žižek: perspectivas para o pensamento jurídico crítico. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dissertação de mestrado defendida em, v. 125, 2009. p. 30. 6 MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 53.

Page 17: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

16

O juspositivismo eclético nasce com o rompimento do jusnaturalismo,

privilegiando as normas criadas pelo Estado utilizando como fontes a moral, a

cultura e os valores sociais, sendo então o fenômeno jurídico embasado em fontes

variadas e por isso o ecletismo7.

Ressalta-se que um dos percussores ecléticos é SAVIGNY que, citado por

FERRAZ JUNIOR, sustenta que a norma posta advém das vontades do povo, do

espírito do povo:

Savigny (1840, v 1:19), por isso enfatiza o relacionamento primário da instituição do jurídico não à regra genérica e abstrata, mas aos institutos de direito, que expressão relações vitais, típicas e concretas (como por exemplo, a família). Os institutos são visualizados como totalidades de natureza orgânica, um conjunto vivo de elementos em constante desenvolvimento. E a partir deles que as regras jurídicas são construídas e entendidas, manifestando destarte o direito uma contingência radical no tempo e no espaço. Essa contingência, porém, não deve ser confundida com irracionalidade (pois então não haveria ciência), a medida que a historicidade dinâmica dos institutos mostra-se na conexão espiritual da História.8

Na segunda metade do século XIX, ONOFRE transcreve a teoria de

JHERING que sustenta que o direito positivo é aquele que observa à determinadas

finalidades com base em certos interesses. Para entender o pensamento de

JHERING deve-se conceber que em sua época houve uma expansão da dimensão

social do direito com um paradigma para conjugar a norma através de horizontes

históricos, naturais e realistas com uma interpretação política.

7 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p.53.

8 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampario. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação.

ed. 4. São Paulo: Atlas, 2003. p. 70.

Page 18: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

17

Jhering entra en escena de manera explícita en la investigación, al ser evidenciado como epicentro del paradigma iuspositivista, como una pieza clave en la evolución de la dinámica del paradigma, por conjugar tres de los principales vectores sucesivos y complementarios que se desprenden del mismo a lo largo de su trayectoria: el historicismo, el naturalismo y el realismo o pragmatismo (p. 158). A partir del segundo capítulo, se devela ya por completo la complejidad que arroja el estudio de la figura de Jhering, pues este apartado propiamente vendría a ser aquel que engloba y profundiza en los aspectos ideológicos que contribuyeron en el iuspositivismo del autor. Así, tomando como referencia la propuesta de Scarpelli respecto a la interpretación política del positivismo jurídico, se traza un esbozo en el que el contexto social de la Alemania del XIX, caracterizada por la política bismarckiana, el nacionalismo y el estatalismo, el auge del industrialismo y en general el influjo desaforado del pragmatismo en todos los órdenes de la vida, intervienen directamente en la concepción que el alemán tenía sobre el derecho, orientándolo hacia una visión más “realista, comprometida y activa en la transformación política” (p. 227) de su entorno. Solo entendiendo dicho compromiso progresista de Jhering, respecto a la sociedad y el Estado como instancias supraindividuales con las que el derecho necesariamente debe tener contacto, pero manteniendo una cierta orientación respecto a consideraciones conservadoras y coincidentes con el liberalismo doctrinario, es posible concebir la personalidad y el pensamiento de este jurista como un complejo entramado de ideas jurídico-políticas que entroncan con el iuspositivismo”.9

O filósofo acaba com o romantismo de SAVIGNY e surge com o

individualismo do direito positivo trazendo uma reflexão sobre a luta em busca de

direitos, pois tais direitos só seriam conquistados se houvesse a procura e a luta

pelos mesmos, eis que o Estado não daria por vontade própria10.

Na filosofia brasileira, o precursor do juspositivismo eclético é REALE com a

ideia do “Tridimensionalismo do Direito”. Segundo o autor:

9 ONOFRE, Juan Jesús Garza. Rudolf von Jhering y el paradigma positivista. Fundamentos

ideológicos y filosóficos de su pensamiento jurídico de Luis M. Lloredo Alix, Dykinson, Madrid. 2012, 598 Pp. Ciencia Jurídica, v. 1, n. 7, 2015. p. 167-173. 10

Ibid, 167-173.

Page 19: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

18

A análise fenomenológica da experiência jurídica, confirmada pelos dados históricos, demonstra que a estrutura do Direito é tridimensional, visto como o elemento normativo, que disciplina os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada situação de fato, referida a valores determinados.11

O citado filósofo, quando classifica a estrutura do direito como tridimensional,

se refere às normas advindas de uma análise maior, que considera até mesmo a

cultura do povo, por isso enquadrado no juspositivismo eclético, tendo como base a

vontade do Estado envolto dos interesses culturais e sociais da coletividade.12

Na sua concepção filosófica, REALE observa uma estrutura tríplice do

positivismo: norma, fato e valor; atribuindo à realidade social a fundamentação para

criação da norma, sua visão tridimensional se amolda na ideia de que o fenômeno

jurídico existe desta forma devido a uma interação entre fato, norma e valor,

separando-as como fatias de uma realidade sendo inadmissível qualquer pesquisa

sobre o direito que não leve em consideração tais fatores.13

Esta tridimensionalidade promove a análise do fato, norma e valor, que são

interativos entre si, sendo que para o autor, as normas jurídicas não são pensadas

como resultante da vontade do legislador, existindo um processo diferenciado,

fenomenológico, histórico e social que resulta na elaboração de normas para esta

sociedade.

O juspositivismo estrito surge com a intervenção estatal. Advém de um

radicalismo de adequação do direito à forma estatal. Tem como precursor KELSEN

11

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. ed. 20. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 511. 12

Ibid, 511. 13

Ibid, 511.

Page 20: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

19

fundamentado na Teoria Pura do Direito, onde aduz a necessidade de abstrair

valores, moral e ideologias e caminhar ao fenômeno jurídico concreto, tratando o

direito como ciência, utilizando de um método analítico.

COMPARATO cita em sua obra “Ética” que a partir de COMTE, o pensamento

positivista se desenvolveu tendo em comum os seguintes princípios metodológicos:

1) o conhecimento humano só pode ter por objeto fatores apreendidos pela experiência sensível; 2) fora do mundo dos fatos, a razão só pode ocupar-se validamente de lógica e matemática. O saber fundado nesses dois princípios foi denominado de positivo14.

O autor também destaca que o pensamento positivista estrito retira qualquer

base diversa da científica e analítica para elaboração pelo Estado das normas

jurídicas15.

Nesse sentido, observa-se que o juspositivismo estrito não tem como base

um discurso de igualdade do direito positivo à justiça, mas simplesmente a posição

científica dos direitos e dos seus limites normativos sem qualquer valoração, de

forma praticamente matemática16.

O ideal de KELSEN quanto ao direito positivo é operacionalizado nas normas

estatais originárias de técnicas universais de forma completamente científica,

separando assim o direito da ciência do direito:

14

COMPARATO, Fabio Konder. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 351. 15

COMPARATO, Fabio Konder. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 351. 16

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p.55.

Page 21: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

20

Para Kelsen, o direito só pode ser entendido cientificamente a partir de uma especificidade que é normativa, do campo do dever-ser. O direito não é analisado pelo campo de sua manifestação concreta, como ser. O que ele é, em termos factuais concretos, pode ser uma reflexão sociológica ou da história, mas não da ciência do direito. Tal ciência alcança e se limita ao âmago normativo do direito.17

Advém de KELSEN a teoria de que as normas surgem em razão dos atos de

vontade do legislador que as cria, sendo que uma norma só será válida se criada

nos termos de outra norma que regulamente sua produção, através de uma norma

superior, havendo uma dinâmica com o ordenamento jurídico, criando a pirâmide de

normas de base inferiores e no cume as superiores surgindo uma coerência e

sempre respeitada a norma fundamental como diretriz. Ademais, KELSEN também

busca a interpretação na norma com base nas práticas jurídicas e técnicas do direito

normativo18.

Com a expressão “formalismo jurídico” BOBBIO cita certa teoria da justiça

segundo a qual somente é um ato justo aquele conforme a lei, indicando que o

direito deve ser visto como uma atividade prática, observando as questões

precedentes para as futuras, utilizando assim de uma definição do direito como é,

formal, separando-o da moral.19

17

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 343. 18

Id. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 59. 19

BOBBIO, Norberto. El problema del positivismo jurídico. México: Distribuiciones Fontamara, 1999.

Page 22: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

21

Sendo um grande estudioso da teoria kelsiana, BOBBIO ainda sustenta que

pode considerar KELSEN como o clímax do movimento juspositivista, porém,

posteriormente começa sua crise. O autor relata que o ornamento jurídico no

juspositivismo seria uma unidade formal, relativa ao modo pelo qual as normas são

postas, sendo que KELSEN fala de dois tipos de ordenamentos normativos: o

estático e o dinâmico; o estático pertenceria ao jusnaturalismo atribuindo a moral, já

o dinâmico seria o concebido positivamente. Segundo BOBBIO, para os

juspositivistas o direito constitui uma unidade em outro sentido pois todas as normas

são imperativas e postas direta ou indiretamente pela mesma autoridade legitimada

para criar o direito.20

Deste modo, há de se concluir que os autores acima citados têm uma visão

radial do positivismo, sem qualquer visão humana e social, usando os parâmetros

preexistentes e impostos de forma única por um ente criado para legislar, determinar

sem adentrar na essência do direito.

Para esta vertente, ressalta-se, que deve-se verificar a prática concreta para

utilização da norma, tendo como base a jurisprudência, as aplicações do direito

formal. MASCARO complementa “a analítica é o método que identifica o

juspositivismo estrito contemporâneo.”21

Desta feita, compreende-se que o juspositivismo estrito derivaria dos

entendimentos oriundos dos tribunais quaisquer que sejam seu entendimento, não

importando a vontade, seguindo apenas ao formalismo racional.

Com o advento da nova era, após segunda guerra mundial, surgiu a

necessidade de uma criação legislativa de segunda geração, passando, alguns

20

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compilada por Nello Morra. Tradução e notas: Márcio Pugliese, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. 21

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 55.

Page 23: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

22

teóricos a mencionar a necessidade de questões éticas na elaboração da norma

jurídica.

Tal vertente se amplia com RAWLS, HABBERMAS, DWORKIN e ALEXY, os

quais trazem ao direito positivo uma visão liberal com bases éticas e democráticas

para um todo social. Estes autores hão de buscar mecanismos pelos quais

normativamente, se atinja o virtuoso na relação entre o direito e a sociedade. Se as

normas jurídicas eram tidas por neutras na concepção mais técnica dos

juspositivistas, nessa nova visão as normas jurídicas são reencantadas.22

A preocupação com a ética fica latente, permitindo a liberdade de ação e

expressão considerando as normas jurídicas no seu plano formal e no seu conteúdo

que atentem os anseios da sociedade.

Todavia, não há unidade de pensamento entre estes autores acerca da

relação entre direito e moral. O que os une na mesma escola filosófica é a tendência

de não trabalhar com o direito positivo como mera técnica normativa, pois sempre há

um elo entre o jurídico e o ético-moral.

Dentre os expoentes desta corrente filosófica se destaca HABERMAS, que é

considerado um dos mais conhecidos pensadores da atualidade. Seus pensamentos

filosóficos podem ser classificados em dois grandes momentos, conforme afirma

MASCARO:

No primeiro deles, desde a sua formação até o final da década de 1960, embebeu-se do marxismo e do hegelianismo, hauridos do seu contato com pensadores da Escola de Frankfurt, como Adorno e Harkheimer. Num segundo momento, ao se aproximar das correntes de pensamento liberais e pragmáticas dos anglo-saxões, dialoga

22

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 57.

Page 24: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

23

com outros pensadores e promove uma espécie de virada linguística em suas ideais.23

Nesta virada linguística, HABERMAS construiu sua teoria do agir

comunicativo, afirmando que o fundamento da sociabilidade está na comunicação.

Assim, os problemas da filosofia hão de se dirigir à questão do entendimento entre

os indivíduos e os grupos sociais e o consenso passa a ser o objeto maior do projeto

político habermasiano. HABERMAS usa o direito como instrumento privilegiado do

consenso.24

Na interpretação de MASCARO, o pensamento habermasiano, é, na interação

comunicacional entre os indivíduos, a partir de um mundo da vida – isto é, de certas

relações culturais estruturadas dos seres humanos entre si, em relação ao grupo

social e mesmo em relação à produção e à natureza -, que se constrói o espaço

basilar da própria sociabilidade. As referências, as possibilidades linguísticas, a

cultura, todo esse complexo se levanta, dialeticamente, da própria interação

comunicacional25.

A verdade se constrói enquanto processo comunicacional e o nível desta

interação passa a ser o fundamento da própria construção social. A teoria do agir

comunicativo não é meramente uma teoria da linguagem. Por isso ainda é uma

espécie, dialeticamente superior, de formulação de racionalidades que se possam

considerar universais. A interação entre os indivíduos, em sociedade, pode produzir,

por meio da comunicação, consensos. A estabilidade desses consensos representa

o horizonte daquilo que, historicamente, as sociedades entendem por razão.

23

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 359. 24

HABERMAS apud MASCARO, Alysson Leandro. Ibid., p. 57-58 25

Ibid., 57-58.

Page 25: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

24

HABERMAS é a expressão do juspositivismo ético, pois para ele o direito

permite a ética na medida em que sua construção e sua utilização se dão por meio

de um espaço de interação comunicacional que demanda, ao mesmo tempo, um

agir democrático e uma amarração institucional de garantias26.

Neste contexto, o procedimento geral de interação da sociedade com o

direito que permite uma eticização da vida social contemporânea.

Algumas correntes contemporâneas acabam visualizando o direito por uma

perspectiva externa dos limites determinados pelo Estado. Para introduzir o não

juspositivismo no cenário contemporâneo, MASCARO menciona que a criação do

direito, para os adeptos desta vertente, pressupõe a existência de uma investigação

das causas concretas do fenômeno jurídico, tendo como precursores SCHIMITT e

FOUCAULT, os quais transpassam as barreiras do Estado, apontando para um

poder que controla até mesmo o próprio ente que cria as normas.27

Diferentemente da teoria kelsiana, segundo a qual, o poder emana do Estado

que emite normas cogentes que devem ser cumpridas por todos; os não

juspositivistas acreditam que o real direito não está nas normas jurídicas e sim na

sua exceção que demonstra o verdadeiro poder soberano, com a criação e o

rompimento da própria norma.

Nesta linha de pensamento, MASCARO demonstra, citando um dos mais

destacados pensadores do direito não positivista, SCHIMITT:

No pensamento de Schmitt, não se compreende o direito como reprodução automática das competências normativas. O direito é

26

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 57-58. 27

Ibid., p. 59.

Page 26: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

25

situacional. O poder é maior que o seu momento normativo. Para Schmitt, ao contrário do pensamento de Kelsen, não há identificação entre Estado e direito. Na visão kelsiana, a competência do poder estatal é a competência que formamente as normas lhe atribuem. Para Schmitt, o fenômeno do poder é maior que o do direito. Por isso, a guerra, a exceção, a ditadura, o caso extremo, revelam a verdade jurídica, não contida nos limites da norma jurídica.28

Enquanto o juspositivismo paira sob o normativismo, o não juspositivismo

sustenta o decisionismo, que nos dizeres de SCHMITT, citado por NEGRETTO:

La crítica de Carl Schmitt al liberalismo podría resumirse en un único concepto: decisionismo. En su visión, decisionismo significaba lo opuesto al pensamiento normativista y a una concepción de la política basada en el ideal de la discusión racional. Como doctrina legal, el decisionismo sostiene que en circunstancias críticas la realización del derecho depende de una decisión política vacía de contenido normativo. Desde una perspectiva ético-política, sin embargo, la esencia del decisionismo no implica la ausencia de valores y normas en la vida política sino la convicción de que éstos no pueden ser seleccionados por medio de un proceso de deliberación racional entre visiones alternativas del mundo. Valores y normas deben ser interpretados y decididos por quien detenta el poder. En su dimensión filosófica, el decisionismo de Schmitt es una reacción contra los principios de la crítica heredados del iluminismo.29

Nesta concepção, o decisionismo seria a contrariedade do normativismo,

sendo que para criação de uma norma jurídica se faz necessário uma percepção

jurídica que não se traduz necessariamente no racionalismo.

28

SCHIMTT apud MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 59. 29

SCHMITT apud NEGRETTO, Gabriel. El concepto de decisionismo en Carl Schmitt. El poder negativo de la excepción. Revista Sociedad, n. 4, 1994. p. 66-89.

Page 27: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

26

Ainda na linha não juspositivista contemporânea, MASCARO descreve a

incidência de FOUCAULT, o qual, mesmo não sendo da área jurídica, transpassa as

barreiras do juspositivismo, explicando a verdade do fenômeno jurídico de um modo

mais amplo e bem apropriado, através da microfísica do poder.30

No entender de FERREIRINHA e RAITZ, a microfísica do poder de

FOUCAULT se traduz no trinômio “poder, direito e verdade”:

No que se refere ao poder, direito e verdade, sob a análise de Foucault, existe um triângulo em que cada item mencionado (poder, direito e verdade) se encontra nos seus vértices. Nesse triângulo, o filósofo vem demonstrar o poder como direito, pelas formas que a sociedade se coloca e se movimenta, ou seja, se há o rei, há também os súditos, se há leis que operam, há também os que a determinam e os que devem obediência. O poder como verdade vem se instituir, ora pelos discursos a que lhe é obrigada a produzir, ora pelos movimentos dos quais se tornam vitimados pela própria organização que a acomete e, por vezes, sem a devida consciência e reflexão, para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação entre poder, direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância, digamos isto: somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade ou encontrá-la.31

Com a dimensão do poder, FOUCAULT vem com uma posição radical

aduzindo que as estruturas sociais dele derivadas é que formam o sujeito de direito

e não o contrário, conforme demonstra MASCARO:

30

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. ??. 31

FERREIRINHA, Isabela Maria Nunes; RAITZ, Tânia Regina. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, 2010. p. 367-383.

Page 28: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

27

A grande importância de Foucault para a filosofia do direito é justamente a sua nova compreensão fenomênica do poder, do Estado, das instituições e do direito. Atravessados por redes de disciplinas, tais fenômenos não podem ser pensados apenas como dados formais. O jurista, ao entender o direito a partir de Foucault, não se limita mais ao mundo institucional oferecido pelas normas estatais. O direito é mais e menos que isso, mas nunca só isso.32

Assim, pode-se traduzir que para FOULCAUT, autor não juspositivista, o

direito não advém de dados formais impostos pelo Estado, existindo um poder

maior, expandindo a visão do direito contemporâneo numa forma crítica, transpondo

os limites da norma impositiva observando o acervo histórico.

A partir da teoria crítica, o direito deve ser observado sob uma dinâmica

existência, histórica e contemporânea reclamando ao futuro. Para MASCARO o

direito seria a expressão de uma situação existencial, tendo como ponto mais alto o

existencialismo jurídico baseado nas relações sociais dentro da concepção marxista:

[...] é preciso ir além: identificar o fenômeno jurídico em suas especificidades nessa situação existencial, e nesse momento o marxismo é a única ferramenta filosófica necessária e capaz de penetrar profundamente nas contradições do tecido histórico-social.33

Importante frisar que a teoria criada por Karl Marx nasceu com a ascensão do

sistema capitalista onde o poder do capital ficava com a classe burguesa em

detrimento do proletariado. PEREIRA, estudioso da teoria marxista, em relação ao

direito explica:

32

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 447. 33

Ibid., p. 448-449.

Page 29: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

28

O tecido social no qual se ergueu o marxismo como corrente teórico-política é do modo de produção capitalista, isto é, um conjunto de relações de produção e reprodução da vida material, base da sociedade burguesa moderna.34

Na análise do capitalismo, a imposição de um direito se torna frágil e injusto,

sendo que as relações normativas devem advir das relações sociais com um

panorama além do histórico e com um enfoque material, ou seja do seu conteúdo:

Uma teoria crítica do direito, fundada na teoria marxista, não se propõe apenas realizar uma análise crítica de seu objeto de estudo. Se seu desiderato se reduzisse à mera interpretação de seu objeto, o trabalho de investigação não se diferenciaria muito das propostas em voga, particularmente as concepções dominantes. Uma teoria crítica deve apoiar-se na realidade e agir sobre ela para transformá-la, por meio das lutas sociais. (...) Uma teoria jurídica crítica deve enfocar algumas questões teóricas para que possa colocar-se como uma alternativa de análise do direito, quais sejam: a) questionar a aparente transparência do objeto da ciência jurídica e seus conceitos principais, demonstrando seu caráter histórico e suas determinações reais, tendo em vista que os conceitos e ideias jurídicas são produzidos pelas necessidades da ordem do capital, reproduzidas e aperfeiçoadas pelas teorias dominantes; b) de outro, deve deixar claro o caráter idealista das análises jurídicas tradicionais, que transformam as ideias (de Justiça, de Natureza, de Homem etc.) ou de norma, em eixo de explicação da realidade jurídica, sem levar em consideração as condições reais de existência dos homens.35

Seguindo a linha da visão crítica da filosofia do direito, ao conceituar o direito,

PACHUKANIS, grande percursor desta teoria, sustenta:

34

PEREIRA, Francisco. Karl Marx e o Direito: Elementos para uma crítica marxista do direito. Salvador: LeMarx, 2015. p. 24. 35

Ibid, p. 24-26.

Page 30: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

29

O conceito de direito é aqui considerado exclusivamente sob o ponto de vista do seu conteúdo; a questão da forma jurídica como tal de nenhum modo é exposta. Porém não resta dúvida de que a teoria marxista não deve apenas examinar o conteúdo material da regulamentação jurídica como forma histórica determinada.36

Dadas as premissas iniciais, entende-se que a concepção do direito, neste

momento, vai além do formal, adentra no material, observando o contexto histórico

relativo a uma sociedade determinada criada por meio de interesses privados. A

tendência do direito em se resumir às vontades do Estado advém da exploração

econômica capitalista.

No entendimento de MASCARO, nesta vertente o direito se fundamenta na

lógica do sistema capitalista onde a circulação mercantil constrói necessariamente

um conjunto de instâncias de tipo jurídico que o fundamenta, ligados pela estrutura

da produção que vai além das trocas meramente mercantis.37

Conclui-se que as três vertentes da filosofia jurídica contemporânea se

fundamentam em pensamentos jurídicos com bases próprias, as quais trabalham

com a relação jurídica em diversos patamares: os juspositivistas com a imposição da

norma, atribuindo tal função ao Estado; os não juspositivistas que fazem uma

reflexão acerca do fenômeno jurídico por meio do poder que poderá transcender ao

estatal; e pôr fim aos adeptos da visão crítica e moderna do direito através do

marxismo, que estuda o direito num patamar amplo, questionando a forma política e

jurídica estatal que se origina da reprodução capitalista.

36

PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988. Tradução de: Silvio Donizete Chagas. p. 21. 37

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 60-61.

Page 31: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

30

O estudo da filosofia do direito de acordo com a classificação tríplice

formulada por MASCARO faz compreender que a evolução histórica da forma

jurídica advém justamente da formação do direito. Todos os conceitos básicos da

formação do direito, da relação jurídica e da relação política se interligam com a

forma, que deve ser criteriosamente analisada através da sistemática filosófica

proposta pelo autor de forma didática trazendo conceitos de relações jurídicas sob

os posicionamentos mais relevantes na contemporaneidade38.

Tão importante é fazer essa análise evolutiva de acordo com tais vertentes,

que só assim poderá se compreender as inconsistências da forma jurídica e do

próprio direito nos pensamentos filosóficos não críticos.

1.2 FORMA JURÍDICA: CONCEITO

A forma jurídica só é compreendida através da forma social. É somente com o

capitalismo que a forma jurídica aparece, posicionando o direito como uma ciência

específica. De acordo com o entendimento contemporâneo o “Direito é capitalismo

tanto quanto capitalismo é direito”.39

Em complemento MASCARO afirma que:

38

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 51-61. 39

KASHIURA, Celso Naoto Júnior. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011.

Page 32: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

31

Comparado ao passado o direito ganha especificidade apenas no capitalismo, a partir da Idade Moderna. No passado o direito era inespecífico, misturado à moral e à religião; no presente ele se revela como algo distinto, um fenômeno singularizado.40

Muitos países acreditam que advém da religião as normas que devem ser

seguida por membros da sociedade. De certo a religião pode trazer várias

abordagens de relacionamento entre pessoas no seio social, mas o direito se realiza

de modo distinto da religião mas sim da relação social e jurídica de acordo com a

história.

Considerando que com o capitalismo surge a forma jurídica, KASHIURA

demonstra que “a história da forma jurídica é mais complexa do que usualmente

consideraram os juristas” e sustenta que a forma jurídica não advém

necessariamente do “dever-ser”, em verdade a forma jurídica vem da relação

voluntária entre entes equivalentes, uma relação de troca mercantil, de onde deriva

a forma social capitalista:

É apenas quando as relações de troca se generalizam e se tornam socialmente dominantes que a forma jurídica atinge seu pleno desenvolvimento. Portanto, é apenas a partir do advento do modo de produção capitalista que se pode falar da forma jurídica como tal, é apenas neste momento que começa a história da forma jurídica. O que ficou para trás foi a pré-história, na qual apareceram estágios “embrionários”, estágios não completamente desenvolvidos da forma jurídica.41

40

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 02. 41

KASHIURA, Celso Naoto Júnior. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011. p. 47.

Page 33: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

32

Desta maneira, fica nítido o liame entre o capitalismo e a forma jurídica que se

pretende compreender através de um critério qualitativo do direito. Nesta linha de

raciocínio, MASCARO explica que com o advento do capitalismo, o direito acaba

ocupando um lugar específico nos relacionamentos sociais pressupondo ser

também um relacionamento de direito, ou seja, a forma jurídica42.

Corroborando com esta análise, fica claro que com o capitalismo as relações

jurídicas acabam se tornando relações técnicas objetivas entre sujeitos de direito.

PACHUKANIS argumenta:

Se, portanto, estas definições abstratas da forma jurídica não se referem somente a processos psicológicos, mas representam também conceitos que exprimem relações sociais objetivas, em que sentido diremos nós, então que o Direito disciplina relações sociais? Efetivamente, não queremos nós, assim dizer que as relações se disciplinam por si mesmas? Ao dizermos, pois, que esta ou aquela relação social reveste formas jurídica, nós não devemos exprimir uma simples tautologia: o direito reveste uma forma jurídica.43

Analisando tais premissas, o que se verifica é que nas relações entre os

sujeitos, o direito tem uma função específica que depende de regulamentação, uma

vez que não decorrem necessariamente da razão humana. Pode-se dizer que o

direito representaria a forma de relação social específica, podendo ser transferida de

uma relação à outra ou até mesmo em sua concepção global.44

42

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 64. 43

PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988. Tradução de: Silvio Donizete Chagas. p. 41. 44

Ibid., p. 41.

Page 34: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

33

Um dos pressupostos para caracterização do direito como forma jurídica, tem

como premissa maior as trocas mercantis, podendo definir o direito como a própria

forma jurídica, que por sua vez pode ser considerada forma mercantil.

KASHIURA, ao interpretar PACHUKANIS, revela que:

A generalização das relações de troca mercantil – generalização que acarreta, de um lado, a conversão de todas as coisas em mercadorias e, de outro, a conversão de todas as pessoas em sujeitos de direito – marca o apogeu da forma jurídica.45

Por sua vez, GRILLO, compreendendo o filósofo contemporâneo ŽIŽEK,

demonstra o alinhamento na interpretação da forma jurídica como forma mercantil:

Žižek é extremamente próximo a Pachukanis quando constrói seu raciocínio jusfilosófico admitindo que “o mercado de trocas pressupõe formalmente/legalmente sujeitos iguais que se encontram e interagem no mercado” e que como consequência disso o trabalhador, ao vender sua força de trabalho, age dentro do conceito de liberdade existente na sociedade capitalista. Ou seja, pela abstração jurídica, a exploração capital/trabalho jamais seria detectada em um primeiro momento, pois, “em termos ideais (em princípio), o trabalhador recebe em pagamento o valor total da mercadoria que vende”, surgindo nas relações jurídicas como igual. Por isso, para desmascarar a igualdade jurídica há a necessidade de registrar que o seu conteúdo decorre das inerentes relações capitalistas e troca nas sociedades modernas, inclusive da troca da

45

KASHIURA, Celso Naoto Júnior. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011. p. 47.

Page 35: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

34

força de trabalho por salário, concluindo, daí, igualmente, a equivalência da forma jurídica à forma mercantil.46

Diante desta confrontação, do ponto de vista jurídico, as diversas relações de

produção na sociedade mercantil se equiparam às relações sociais e

consequentemente à forma jurídica, fazendo-se necessário aprofundar sobre

conceitos específicos e técnicos do direito.

Partindo das introduções sobre o direito e forma jurídica, alinhavados no

presente capítulo, o conceito de forma jurídica pode ser mais amplo: forma jurídica é

forma mercantil que, por sua vez, é relação tanto social como capitalista, que poderá

se traduzir no direito.

Para entender a forma jurídica, seguindo a premissa acima alinhavada, deve-

se observar que o núcleo é a relação jurídica, a qual de acordo com PACHUKANIS

“toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos”.47

Concordando com esse entendimento, MASCARO informa que a forma

jurídica seria uma forma de sujeitos de direito atomizados que submetidos ao Estado

relacionam-se entre si como mercadorias48.

Sendo os sujeitos entes da forma jurídica, as relações entre si e com o Estado

mostra o caráter qualitativo do direito, ao ponto que as transações mercantis

sugerem a necessidade de regulamentação, por meio de trocas através de institutos

46

GRILLO, Marcelo Gomes Franco. O Direito Na Filosofia De Slavoj Žižek: perspectivas para o pensamento jurídico crítico. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dissertação de mestrado defendida em 2009, v. 125. p. 65. 47

PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988. Tradução de: Silvio Donizete Chagas. p. 68. 48

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.

Page 36: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

35

técnicos. O direito, no contexto capitalista, se tornou um elemento técnico, impessoal

e mecânico que refletem a sociedade atual.49

Essa relação mercantil de troca é surpreendente, uma vez que dela deriva a

necessidade dos sujeitos que formam a relação, de operacionalizar o mercado,

transacionando mercadorias e gerando a necessidade de instituir órgãos jurídicos

modernos atuando através de mecanismos de equivalência.

O sujeito de direito se relaciona com outro sujeito e esta relação pode ser

denominada de relação jurídica, transformando o sujeito em peça principal para

forma jurídica.

A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como a condição de existência da liberdade e da igualdade que se fazem necessárias para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantis, e, consequentemente, para que se constitua a figura do proprietário privado desses bens, objetos da circulação.50

Dentro desta visão, os sujeitos são portadores de mercadorias, que podem

ser descritas até mesmo como trabalho, e se relacionam por um mecanismo de

equivalências, fazendo surgir o direito, ou seja a forma jurídica. O núcleo da forma

jurídica é o sujeito de direito.

Exemplifica-se essa relação mercantil no direito do trabalho na qual, o sujeito

é detentor de sua mercadoria (mão de obra) sendo que quem o contrata paga pelos

seus serviços, havendo uma equivalência para seu ato, como contraprestação,

49

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. 50

NAVES, Marcio Bilharinho et al. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. 1996. Tese Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp. São Paulo. p. 59.

Page 37: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

36

ficando o sujeito obrigado ao cumprimento de determinações imposta. O mesmo

raciocínio se aplica às relações de consumo, onde caso haja a aquisição de um

produto defeituoso, aquele que o vendeu deverá indenizar aquele que o comprou.

Eis a demonstração efetiva do mecanismo de troca, concretizando que a forma

jurídica, conhecida como o direito, se equivale a forma mercantil, nas relações

capitalistas.

A forma jurídica também se traduz em técnica de relações, sendo que de

forma estrutural o direito correlaciona-se com as formas sociais capitalistas. É no

interior da relação jurídica que o direito realiza sua verdadeira função, e assim

exprime que o direito deve possuir determinada forma, ou seja forma jurídica.

A forma jurídica nasce somente em uma sociedade na qual impera o princípio da divisão do trabalho, ou seja, em uma sociedade na qual os trabalhos privados só se tornam trabalho social mediante a intervenção de um equivalente geral. Em uma tal sociedade mercantil, o circuito de trocas exige mediação jurídica, pois o valor de troca das mercadorias só se realiza se uma operação jurídica – acordo de vontades equivalentes- for introduzida.51

Nessa percepção, a mercadoria seria a forma social e o processo de troca

dessa mercadoria exige uma equivalência gerando uma relação jurídica e a forma

jurídica no seu sentido amplo.

51

NAVES, Marcio Bilharinho et al. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. 1996. Tese Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp. São Paulo. p. 59.

Page 38: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

37

1.3 FORMA JURÍDICA E NORMA JURÍDICA

A concepção de norma jurídica passada é de imposição originária do Estado.

Acontece que com o advento das sociedades capitalistas as normas jurídicas

possuem outro viés, sendo constituídas através de uma análise da forma jurídica e

de contextos sociais, baseada na relação mercantil de troca. Muitos confundem

direito com norma, uma vez que norma é um método de agir do direito de acordo

com a sociedade que dela necessitem, não se traduzindo apenas em uma criação

do estado para regulamentar tal convívio social.

Em relação à elaboração das normas, MASCARO dita que nas sociedades

capitalistas são as estruturas sociais que dão corpo à norma jurídica, ele sustenta

também que seu surgimento demanda a existência de direitos subjetivos vindo

diretamente das relações sociais, isto é, “a forma sujeito de direito é espelho da

forma sujeito, que dá base às próprias relações de troca no capitalismo”.52

É nessa linha de raciocínio que se logra interligar a forma jurídica com a

norma jurídica. Considerando a forma jurídica como a relação jurídica de sujeitos de

direito, a norma surge como a expressão técnica de regulamentar tal relação, ou

seja, considerando que no sistema de troca mercantil entre sujeitos pode ser

corporificado através de um contrato, a norma seria os regramentos que devem ter

tal contrato para ter sua validade e efetivar seu objeto. Mas deve se ater ao

conhecimento de que não é a norma que cria as relações e sim as relações sociais

que originam as normas.

A norma jurídica difere da norma social, sendo a primeira objeto de interesses

sociais e em especial do Estado para regulamentar as formas jurídicas em si, e a

52

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 65.

Page 39: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

38

segunda pode ser entendida como a prática de um grupo social ou comunidade que

nem sempre se relacionará com o sistema de troca que origina a forma capitalista.

[…] a forma normativa é meio sistemático pelo qual a forma política estatal toma em seus braços a criação, a manutenção, a alteração e a dinâmica do próprio direito. As formas sociais capitalistas redundam em formas jurídicas e essas se delineiam e se consubstanciam sempre junto com as formas políticas, que são normativas estatais.53

É visando sua reprodução que a sociedade capitalista cria as normas

jurídicas, atendendo seus interesses advindos de um poder estatal. Almeida e

Mascaro fazem uma crítica sobre a norma jurídica sob o prisma daqueles que veem

a norma jurídica como o próprio direito:

Se a forma jurídica (relação entre sujeitos de direito) é resultante da forma-mercadoria, estão afastadas as concepções juspositivistas do direito, que reduzem o direito, ainda que como objeto científico, à norma. Nem as relações sociais ou a subjetividade jurídica são criações normativas. Sob o prisma da história, o capitalismo constitui-se por uma série de práticas, muitas das vezes de extrema brutalidade e violência, que não tiveram base em normas pré-constituídas. As normas surgiram atravessadas ou posteriormente, para estabilizar, normalizar [...].54

53

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 67. 54

MASCARO, Alysson Leandro; ALMEIDA, Silvio Luiz. ALMEIDA, Silvio Luiz. Apontamentos para uma Crítica Marxista do Direito. In: El derecho y el Estado: procesos políticos y constituyentes en nuestra América / MarcoNavas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6. p. 104.

Page 40: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

39

Demonstra-se assim que a norma jurídica surge com um aspecto, na

sociedade capitalista, regulador das relações entre trocas de mercadorias, ou seja,

relações sociais, entre entes ou sujeitos de direitos.

Em confrontação à dogmática jurídica, a forma jurídica poderá se traduzir em

técnicas do direito, no sentido de diferenciar a ciência do direito e as técnicas

jurídicas. MASCARO afirma que as relações sociais e jurídicas que conceituam a

forma jurídica passa a ser interpretada por juristas através das técnicas jurídicas as

quais se baseiam a estrutura das relações sociais55.

A base da filosofia jurídica aduz que “o sujeito do direito é equivalente à

filosofia mercantil com fundamento na troca (lei do valor) e exploração”56.

Equivalente abordagem sobre o tema faz KASHIURA que salienta o que se segue:

[...] forma e conteúdo interagem, porque um certo conteúdo só se expressa socialmente em dado contexto através de certa forma e certa forma expressa socialmente limites dados de conteúdo, enfim, porque o conteúdo determina a forma ao mesmo tempo em que a forma determina o conteúdo, é necessário considerar ambos, é necessário não perder de vista a dialética entre ambos, já que a dissociação conduz inexoravelmente à inverdade. Esta compreensão da dialética entre forma e conteúdo deve resultar na superação da concepção segundo a qual o movimento da história atinge apenas um dos termos. Não é possível supor que, na constante negação e implicação de ambos, um se transforme e o outro permaneça alheio a esta transformação.57

55

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 39. 56

PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988. Tradução de: Silvio Donizete Chagas. p. 9. 57

JÚNIOR, Celso Naoto Kashiura. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011. p. 43-44.

Page 41: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

40

Seguindo este raciocínio, é lógico afirmar que forma jurídica equivale a forma

mercadoria, esta demonstrada, intrinsicamente, por MARX como equivalentes:

As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar de violência, em outras palavras, tomá-las.125 Para que essas coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que se reflete a relação econômica.58

Nitidamente existe uma lógica entre forma mercadoria como forma jurídica,

em um mecanismo de troca que se equivalem. Este é o entendimento de

KASHIURA que alude:

A relação de troca, que é preponderantemente uma relação entre coisas, estabelece, em seu aspecto subjetivo, a própria forma do direito. Em seu aspecto objetivo, a troca vincula mercadorias, e este vínculo é constituído com base no valor- em seu aspecto subjetivo, a troca vincula sujeitos de direitos e este vínculo, que é constituído por vontade, é por si mesmo um vínculo jurídico. A explicação do direito

58

OS ECONOMISTAS. Karl Marx. O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Tradução de Régis Barbosa e Flávio R. Rothe. p. 209.

Page 42: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

41

reside, portanto, em sua forma – e não no conteúdo de suas relações ou de suas disposições.59

O objeto de troca é a mercadoria que no contexto ora analisado é o próprio

direito objeto da relação jurídica. Em sua tese de defesa à forma jurídico-

processual, GRILLO demonstra a semelhança da forma jurídica com a forma

mercadoria fazendo uma abordagem a respeito do sujeito de direito portador da

mercadoria:

A forma jurídica é equivalente a forma mercadoria quando surge o modo de produção que converte a pessoa em um sujeito de direito portador de mercadorias, subjetivamente com plena, geral e irrestrita introjeção da liberdade e da igualdade, as quais, nesse sentido, são qualidades individuais que tornam o ser humano capaz e de trocar mercadorias no mercado como indivíduos, sem imperar a força coercitiva, agindo assim, o sujeito, a partir daí, ou seja, do capitalismo, como sujeito de direito – pessoa livre e igual, portador dessas mesmas liberdade e igualdade passam a ser, ato contínuo e quase que subitamente, normatizadas como direito subjetivo de liberdade e igualdade.60

Já MARX, por sua vez, atesta que a forma mercadoria é a forma geral do

produto de trabalho sendo consequentemente a relação das pessoas umas com as

outras enquanto possuidoras de mercadorias. Esta explicação é relacionada a forma

jurídica quando se traduz em relações jurídicas e sociais.61

59

KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto. Crítica da Igualdade Jurídica: Contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 71. 60

GRILLO, Marcelo Gomes Franco et al. Forma jurídico-processual e capitalismo. 2016. Tese Doutorado em Direito Político e Econômico. Universidade Presbiteriana Mackenzie. p. 29-30. 61

OS ECONOMISTAS. Karl Marx. O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Tradução de Régis Barbosa e Flávio R. Rothe. p. 187.

Page 43: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

42

As relações jurídicas são dependentes dos sujeitos de direito, assim como as

relações de mercadoria também dependem dos guardiões da mercadoria que se

pretendem trocar.

A troca entre os sujeitos é a relação jurídica. Os sujeitos detentores da

mercadoria são os detentores do direito em si, sendo assim equivalentes os objetos

da forma.

Page 44: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

2. A FORMA POLÍTICA ESTATAL

Neste capítulo será realizado um estudo conceitual acerca da forma política

estatal, sua origem e os diversos conceitos atribuídos pelos juristas e filósofos

contemporâneos, levando em consideração a sua existência originária e missão no

sistema capitalista.

Posteriormente, pretende-se abordar a relação entre a forma jurídica e a

forma política estatal, correlacionando-as para responder a problemática suscitada

no trabalho realizado, uma vez que o que se busca é demonstrar se a forma política

estatal e a forma jurídica, em que pese originárias da mesma fonte (forma social)

seriam interdependentes, conformando entre si ou seria uma derivada da outra,

sendo abordado ainda a derivação da própria forma política estatal.

A partir da concepção de forma política, tem-se o Estado e as instituições

criadas por ele, desta forma, o final do presente capítulo trará uma reflexão acerca

do poder político e do poder econômico adquirido pelas instituições do Estado.

2.1 FORMA POLÍTICA ESTATAL

A política estatal já foi conceituada das mais diversas formas para sustentar a

sua existência. Nas sociedades antigas e teocentristas, era Deus que justificava a

poder do Estado, já que se acreditava que seres divinos consignavam o seu poder

Page 45: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

44

ao soberano, e este regulava a vida em sociedade conforme a vontade daquele,

mantendo a ordem, o bem comum e, algumas vezes, a vontade de todos62.

Os pressupostos teológicos foram parcialmente superados na Idade Moderna,

a política passou a ser considerada de forma mais concreta, mas ainda um tanto

irracional, pois ainda apresentava como alicerce algumas conjecturas idealistas,

como a tentativa de legitimação racional do poder para possibilitar a perpetuação de

classes burguesas dominantes e a ideia de ordem63.

Analisa-se, portanto, que diversas são as teorias acerca do surgimento do

Estado, para MALATESTA é “[...] da consciência moral da sociedade surge a sua

consciência jurídica e desta surgem, direta ou indiretamente, todas as formas de

manifestação do direito”64. Segundo seu entendimento, o Estado é uma dessas

manifestações:

O afirmar-se então do direito como um conjunto de preceitos sociais obrigatórios conduz naturalmente à gênese do Estado. [...] A sociedade, então, sentindo a necessidade inevitável de impor o cumprimento constante dos preceitos jurídicos, sente ao mesmo tempo a necessidade de constituir-se em organização que tenha tal poder superior de coerção, para garantir o cumprimento de tais preceitos: eis-nos diante da constituição política do Estado.65

62

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 9. 63

Ibid., p. 9. 64

MALATESTA, Nicola Framarino dei Malatesta. A Sociedade e o Estado: introdução sociológica ao estudo do direito público. Tradução de: Lúcia Amélia Fernandes Braz e Maria Sicília Damiano. Campinas: LZN, 2003. p. 150. 65

Ibid., 151.

Page 46: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

45

Como foi discorrido no capítulo anterior, essa corrente de pensamento é o

juspositivismo, em que o Estado nada mais é que “o momento de confecção ou

expressão final do direito”66, nesse contexto MASCARO expõe que:

Desde a modernidade, o Estado adquire um papel central e proeminente na construção do direito. Por isso, num fluxo crescente, o direito deixou de ser associado à moral e à religião e passou a ser compreendido como um fenômeno de manifestação estatal. [...] O direito seria um fenômeno contido nos limites do Estado.67

O grande formulador dessa teoria é KELSEN, pois ao descrever o “dualismo

tradicional do direito e do Estado” ele demonstrou que:

[...] não pode o direito, assim como o Estado, ser conhecido senão como um ordenamento coercitivo da conduta humana, sobre cujo valor moral ou de justiça nada pode se declarar. Desse modo, o Estado não pode ser juridicamente concebido, nem mais, nem menos, a ser como o próprio direito.68

Assim, nessa diapasão, o Estado pode ser compreendido como um “ente

metajurídico”, já que nas palavras de KELSEN:

66

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. ed. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p. 52. 67

Ibid., p. 51. 68

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 179-180.

Page 47: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

46

[...] o Estado preenche uma missão histórica, assim como se ensina, porque cria o direito, o “seu” direito, o ordenamento jurídico objetivo, para ele então se submeter, com deveres e direitos. Assim o Estado como ente metajurídico, como uma espécie de macroanthropos onipotente, ou organismo social, pressupõe o direito e, ao mesmo tempo, sujeita-se a ele, como sujeito de direitos e deveres.69

O filósofo francês DUGUIT não investiga propriamente a origem do Estado,

em sua obra, ele busca a “legitimidade do poder político”, que surge junto à evolução

social, para ele:

Entre todas as sociedades chamadas de Estado, das mais primitivas às mais complexas, encontramos sempre um fator comum: indivíduos mais fortes que querem e podem impor a sua vontade aos restantes e, nesse caso, pouco importa que esses grupos estejam ou não fixados em um território, que sejam ou não reconhecidos como grupos, com estrutura homogênea ou diferenciada. A imposição dessa vontade reveste-se de variadas expressões: força exclusivamente material, força moral e religiosa, força intelectual ou força econômica. (grifo nosso)70

No mundo moderno, por conseguinte o que legitima o poder estatal é o

direito, visto que conforme DUGUIT discorre “o Estado fundamenta-se na força, e

esta força legitima-se quando exercida em conformidade com o direito”71. Ele

69

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 169. 70

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução de Márcio Pugliese. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 79-80. 71

Ibid., p. 85.

Page 48: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

47

também contraria IHERING ao não aceitar o direito como a política da força e sim,

“que o poder político é a força a servi-lo”72.

Ao abordar as particularidades do Estado, todavia sob o pensamento crítico,

RAJLAND o sintetiza de forma esclarecedora, já que ela explicita que o Estado, se

disfarça com “falácias” de que serve a vontade geral e o bem comum, para atender

as necessidades do sistema de produção capitalista:

El Estado – historicamente – surge desde el seno de la sociedad, pero se coloca “cómo” si estuviera por “encima” de ella, en un espacio aparte, dicho neutral. Eso es lo que le permite enmascararse en las falácias de la voluntad general, en el bien común, en el interés general. enmascararse y falacias, porque realmente no existen ni la voluntad general, ni el bien común, ni el interés general. Es justamente una ficción que mistifica, que naturaliza una mirada falsa. En una sociedad dividida en clases, los intereses o el bien, o la voluntad, nunca son generales ni comunes, siempre son de una parcialidad. La idea de la totalidad no se aplica, más aun, no se puede aplicar. El Estado, desde la tradición marxista – de donde lo abordamos – es considerado una relación social con características especiales que se constituye a partir de las relaciones sociales de producción, pero que a su vez también contribuye a constituirlas, en una relación dialéctica. O sea, el Estado como vinculado con la reproducción del conjunto del sistema social.73

Voltando a DUGUIT, mas relacionando-o a MARX, é possível afirmar que

essa “força” é o capitalismo; isto porque as “relações de produção” eram

estabelecidas pela classe burguesa, por esta ter os meios de produção, que a

72

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução de Márcio Pugliese. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 85-86. 73

RAJLAND, Beatriz. La Relación Estado-Derecho desde El Pensamento Crítico: La cuestión em la región nuestramericana. In El derecho y el Estado : procesos políticos y constituyentes en nuestra América / Marco Navas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6. p. 84.

Page 49: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

48

maioria não tinha, de modo que essa maioria fornecia mão-de-obra em troca de

dinheiro, que era usado manter-se nessa nova estrutura social (onde os seres

humanos são livres e sujeitos de direito). Todavia, socioeconomicamente há uma

disparidade, pois a concentração de riqueza continua com a minoria burguesa,

enquanto os assalariados mal ganham para seu sustento74.

Nesse contexto, MASCARO aponta que por causa da desigualdade social, os

trabalhadores acabam por vender sua força de trabalho – como se fosse mercadoria

– mas quem fica com a “mais-valia” (lucro) são os capitalistas:

É pela impossibilidade do domínio direto dos meios de produção que os trabalhadores são impulsionados a venderem o seu trabalho, seus corpos, sua inteligência e suas energias, como mercadoria, aos capitalistas, que entesouram a mais-valia desse esforço de multidões de pessoas. O trabalho não se constitui em razão de uma necessidade social, mas de um fim, o processo de valorização, de produção de riqueza75.

Assim, seguindo com a filosofia de MARX, pode-se compreender que são

essas “relações de produção” que formam a “estrutura econômica da sociedade”, é

partir delas que surgem os fundamentos jurídicos e políticos do capitalismo, desta

feita, a forma política para ele é originada da luta de classes76, e não a partir do

contrato social de ROUSSEAU, como ressaltado por FOUCAULT77.

Pode-se afirmar que para MARX o Estado se manifesta de maneira pura e

simples, constituindo-se um “instrumento” de domínio, nessa diapasão o Estado é

74

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 252. 75

Ibid., p. 254. 76

Ibid.,p. 255. 77

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p. 290.

Page 50: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

49

entendido como uma mera expressão dos interesses da classe dominante. Ele,

portanto, não está encarregado de representar a sociedade de um modo geral,

promovendo o bem comum e o respeito ao interesse geral. Na verdade, o Estado

nasce como instrumento de dominação da classe mais forte, e não se coloca acima

da luta de classes, mantendo-se, na verdade, inteiramente imbricado nela.

Já POULANTZAS, citado por CHICARINO, ao expressar sua compreensão de

Estado, rejeita essa visão marxista instrumental, vez que ele interpreta o Estado

como algo além de um simples reflexo das relações econômicas vigentes na

sociedade, para ele a natureza estatal não pode ser separada dos conflitos,

contradições e dos compromissos oriundos das lutas de classes características da

sociedade capitalistas.78

Para escola derivacionista de MARX, é legítimo afirmar que com o advento do

capitalismo, a forma política estatal se sintoniza com as demais formas sociais

capitalistas, das palavras de KASHIURA JÚNIOR entende-se que:

[...] apenas com o capitalismo o “velho” poder político encontra esta “nova” forma que surge não de simples evolução, mas de uma ruptura com relação às formas anteriores. A forma de Estado, como forma de poder político “retirado” da sociedade e precisamente em função de sua apresentação como uma “exterioridade”, aparece socialmente como corporificação – sem corpo – do interesse coletivo, interesse esse que não encontra e não pode encontrar abrigo na sociedade civil.79

78

CHICARINO, Tathiana Senne. Teorias políticas, Estado e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. p. 104. 79

KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 94-95.

Page 51: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

50

Nesse sentido, HIRSCH esclarece que surge a necessidade de se apartar

Estado e economia, para a própria sobrevivência desta:

A relação de reprodução material do capitalismo, mantida através da eficácia da lei do valor, é – enquanto produção e realização de mais-valia – fundamentalmente portadora de crise. E isso em um sentido duplo: o processo de acumulação do capital, que é ao mesmo tempo luta de classes, luta pela produção e apropriação do sobreproduto, está permanentemente sujeito a paralisações e colapsos. Ele se apoia simultaneamente sobre condições sociais e sobre precondições da natureza, que não podem ser criadas e tampouco mantidas pelo processo mercantil capitalista. Ele inclusive tende a destruí-las.80

No período pré-capitalista, MASCARO elucida que não havia uma separação

entre “aqueles que dominam economicamente e aqueles que dominam

politicamente”81. Essa cisão estrutural ocorreu em virtude da complexidade da vida

social nesse novo regime econômico, foi necessário, então, o desdobramento entre

o econômico e o político:

A dinâmica da reprodução social se pulveriza, e, a partir daí, em muitas ocasiões as vontades do domínio econômico e do domínio público parecem não coincidir em questões específicas. Mas isso não se trata de um capricho; o desdobrar do político com uma instância específica em face do econômico não é um acaso. Somente com o apartamento de uma instância estatal é possível a reprodução capitalista. Esta dá causa àquela.82

80

HIRSCH, Joaquim. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n.24. São Paulo: Revan. p.33) 81

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 17. 82

Ibid., p. 17.

Page 52: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

51

Essa divisão, no entendimento de POULANTZAS, interpretado por

CHICARINO, é apenas um “processo em que os interesses políticos da classe

dominante são transformados em interesse geral no plano político – o Estado

nacional”, ele denomina tal processo como “hegemonia”. Ela é responsável por

mascarar os interesses da classe dominante, de forma que esta consegue aplicar

seus interesses sob a escusa do bem comum:

Em resumo, a hegemonia mascara os interesses da classe dominante em um Estado nacional que unifica politicamente grupos antagônicos e neutraliza a divisão social. Esse Estado nacional reitegra os grupos antagônicos no todo unificado do indivíduo e da igualdade.83

Seguindo com a escola derivacionista, pode-se apontar a “teoria materialista

do Estado” que conforme PEREIRA:

De modo geral, a construção da teoria política a partir do método materialista compreende a derivação da forma política e jurídica a partir da forma mercantil. Para alguns, essa derivação será imediatamente Lógica, isto é, a forma mercantil se utiliza dos aparelhos políticos e jurídicos de maneira imediata para a circulação do capital, segundo as vontades deste. Para outros, a derivação será uma relação de fatos sociais que são construídos historicamente a partir da separação entre Estado e Política84.

83

POULANTZAS apud CHICARINO, Tathiana Senne. Teorias políticas, Estado e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. 84

PEREIRA, Luiz Ismael. Forma política e cidadania na periferia do capitalismo: a América Latina por uma teoria materialista do Estado. 128 f. Tese de Doutorado (Direito Político e Economico) – Universidade Presbitariana Mackenzie, São Paulo, 2017. p. 19.

Page 53: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

52

Pode-se compreender, portanto, que para MASCARO o Estado nada mais é

do que “um fenômeno especificamente capitalista”:

O Estado, assim, se revela como um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca de mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob forma assalariada. As instituições jurídicas que se consolidam por meio do aparato estatal – o sujeito de direito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade, por exemplo – possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios exploradores e explorados. [...] exsurge o Estado como terceiro em relação à dinâmica entre capital e trabalho.85

Se faz necessário salientar, que apesar do Estado ser colocado como terceiro

na relação entre capitalista e trabalhador, ele não é um elemento neutro e realizador

do bem-estar social, ao revés:

A existência de um nível político apartado dos agentes econômicos individuais dá a possibilidade de influir na constituição de subjetividades e lhes atribuir garantias jurídicas e políticas que corroboram para a própria reprodução da circulação mercantil e produtiva. E, ao contribuir para tornar explorador e explorado sujeitos de direito, sob um único regime político e um território unificado normativamente, o Estado constitui, ainda afirmativamente, o espaço de uma comunidade, no qual se dá o amálgama de capitalista e trabalhadores sob o signo de uma pátria ou nação.86

Nesse ponto, POULANTZAS assume posição semelhante, já que ele afirma

que ao criar um ente “apartado” da economia para administrar a vida em sociedade,

85 MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 18. 86

Ibid., p. 19.

Page 54: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

53

consegue-se um espaço para negociar e reunificar as diferenças, sejam essas entre

classes ou dentro de uma mesma classe, já que “a burguesia é incapaz de agir

como um bloco único por meio de seus partidos, pois possui divisões internas”.87

O Estado, então, liberta a burguesia da preocupação de governar a si própria;

contudo, isso não significa que ele abandona os interesses burgueses, ao revés, ele

adiciona uma nova função a sua conjectura, pois ele deve exercer a sua “função

social”, podendo até mesmo “adotar algumas medidas que são positivas para as

massas”, na ótica de POULANTZAS:

[...] o Estado é um “espaço de luta” no qual se materializam as relações de forças não só das classes dominantes, mas também das classes dominadas. Uma análise que traz elementos importantes para compreender o modo de funcionamento do Estado capitalista e de seus componentes totalitários e da forma com que ele se relaciona com as classes e grupos sociais.88

No mesmo sentido, manifesta-se KASHIURA JUNIOR ao aludir que somente

com a construção de um poder político centralizado e apartado é que se cria uma

sociedade civil:

Com efeito a relação de poder, em tempos passados foram relações de dominação de fato, assumem, no capitalismo, por derivação, uma forma jurídica. Apenas a partir da separação clara entre política e economia, entre público e privado, enfim, apenas a partir da constituição de um poder político centralizado e apartado – O Estado

87

POULANTZAS apud CHICARINO, Tathiana Senne. Teorias políticas, Estado e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. p. 105. 88

Ibid., 105-106.

Page 55: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

54

– que se põe uma sociedade completamente despolitizada - a sociedade civil.89

Nas relações de produção capitalistas se dá uma organização social que em

termos históricos é muito insigne, separando os produtores diretos dos meios de

produção, estabelecendo uma rede necessária de trabalho assalariado, isto porque

no entender de NAVES, o aparelho Estatal estrutura-se no mercado:

[...] se nos aprofundarmos, torna-se óbvio que não apenas tal ou qual estrutura técnica do aparelho do Estado nasce no terreno do mercado, como também, que não deixa de existir um vínculo interno indissociável entre as categorias da economia mercantil e monetária e a própria forma jurídica.90

Não obstante, todo este aparato, MASCARO afirma que “o capitalismo é um

processo global e estruturado que alimenta sua própria reprodução”, e isto se não se

dá tão somente por meio do Estado, mas por engrenagem composta pelo “papel da

política, das classes burguesas e das classes trabalhadoras”, assim:

[...] a compreensão da luta de classes é também fundamental para dar conta das diversas relações havidas no seio das sociedade capitalistas. A luta de classes revela a situação específica da política e economia dentro da estrutura do capitalismo. Mas, para além da luta de classes, as formas sociais do capitalismo, lastreadas no valor

89

KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 96-97. 90

NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 7.

Page 56: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

55

e mercadoria, revelam a natureza da forma política estatal. Na forma reside o núcleo da existência do Estado e no capitalismo.91

Averígua-se também que conforme SADER é preciso relações políticas

desenvolvidas que dão suporte as relações de produção, próprias da economia

capitalista:

[...] as relações econômicas capitalistas pressupõem relações políticas sob forma desenvolvida, mesmo porque a história daquela passa pelo desenvolvimento desta, da mesma forma que a gênese do capital passa pela exposição do mecanismo de trocas. O desenvolvimento das relações econômicas e políticas constitui-se, pois, em um processo único de produção e reprodução do sistema, compondo as relações de produção.92

No entanto, ainda se faz necessário salientar que o Estado e a forma política

não se manifestam em um aparato único, na visão de HIRSCH há uma dicotomia

entre ambos:

„Estado‟ e „forma política‟ não são idênticos, como mostra a discussão sobre a relação entre estruturas sociais e instituições. E mesmo em sua configuração mais geral, o Estado capitalista só pode ser compreendido no contexto da totalidade de suas determinações sociais, ou seja, como expressão da forma valor e da forma política.93

91

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 20. 92

SADER, Emir. Estado e Política em Marx. São Paulo; Boitempo, 2014. p. 44. 93

HIRSCH, Joaquim. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n.24. São Paulo: Revan, 2007. p. 17.

Page 57: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

56

Permitindo compreender que os sujeitos de direito, que são os pilares da

forma jurídica, são livres e por possuírem tal liberdade garantida, voluntariamente

realizam um processo de troca, existe a necessidade de estabilizar esses elementos

mercantis, surgindo assim a necessidade do Estado e sua forma política. A esse

respeito, NAVES corrobora dizendo que se faz necessário:

[...] um Estado que possa ser a expressão de um poder impessoal acima dos interesses de classe, uma real autoridade pública. Essa autoridade pública só pode surgir na presença de uma circulação mercantil fundada no princípio da troca por equivalente, na qual sujeitos celebram seus contratos livremente, sem que uma autoridade coatora interfira em suas relações mútuas.94

Neste contexto, a dominação burguesa acaba sendo considerada o poder

público, pois a exploração da classe operária se torna formal na medida em que há

uma troca consciente e consensual sem subordinação entre os sujeitos. Havendo

relações jurídicas, que incansavelmente demonstra-se a moldar as relações

mercantis, para haver a harmonização surge a forma política estatal, onde opera de

certa forma a regulação na produção e circulação da mercadoria, confrontando com

a forma jurídica.

A partir da determinação do direito pelo processo do valor de troca, torna-se possível apreender a instância jurídica como forma política par excellence da sociedade burguesa. Quando a burguesia legaliza uma certa prática operária, por exemplo, a greve, ao mesmo tempo ela criminaliza todas as formas de luta que permanecem fora do direito, isto é, fora do campo da legalidade por ela estabelecido, o

94

NAVES, Márcio Bilharinho. Democracia e dominação de classe burguesa. Critica Marxista. São Paulo, v. 4, 1997. p. 60.

Page 58: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

57

que equivale a dizer, fora do campo de luta que lhe é mais vantajoso.95

A contar do momento que se tem a circulação em massa da mercadoria e o

próprio valor de troca existe uma necessidade primordial, com o fim de manter a

regulamentação social harmônica, da existência de um ente pacificador e que tenha

poder para punir os que não cumprem o acordado no contrato mercantil.

O Estado é a entidade de poder que surge quando a circulação de mercadorias se generaliza, isto é, quando a ninguém mais é dada a prerrogativa de exercer violência direta sobre outrem, visto que tudo – quer sejam coisas, resultados de trabalho humano ou o próprio trabalho humano – passa a ser obtido apenas através da troca. Pois, quando a troca se generaliza, a prerrogativa de exercer violência direta é abolida “deste mundo”, do mundo do mercado, mas não desaparece: concentrasse toda num “outro mundo”, o mundo do Estado. Retirada das mãos dos homens, a violência, identificada agora como poder público, passa a uma entidade abstrata concebida como encarnação do “bem comum”, que se encarrega de fazer cumprir coercitivamente os pactos não cumpridos voluntariamente e de garantir as condições de reprodução do capital em geral. Parece ser somente assim, através da concentração do poder numa entidade abstrata, que podem surgir como universais a igualdade formal e liberdade, os atributos supremos do sujeito de direito. Do mesmo modo, parece ser somente quando já existe o Estado como o “centro” do direito que relações sociais quaisquer poderão passar à forma de relações jurídicas.96

Examinar o Estado capitalista significa analisar sua forma política, que é o

que o diferencia dos demais Estados anteriores; deve-se ressaltar, portanto, que as

formas sociais, segundo a teoria materialista, são “condições concretas de

95

NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões/Dobra, 2014. p. 4-5. 96

KASHIURA, Celso Naoto Júnior. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011. p. 56-57.

Page 59: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

58

sociabilidade construídas historicamente e que pressupõe uma sociabilidade, pois a

condicionam dentro de determinados objetivos que tomam a sociedade nas mãos”97.

A existência das formas sociais, em especial da forma política, está

condicionada com o que PEREIRA chama de “o segredo maior do próprio sistema: a

reprodução dos meios de produção”, assim, segundo ele:

Por mais que o capital enfrente as vontades individuais em certos momentos de perturbação políticas, ele precisa garantir que a sociabilidade se mantenha caminhando para adiante, reproduzindo os meios necessários para sua autovalorização. [...] O Estado, portanto tem suas condições de surgimento quando é garantida uma sociabilidade que reproduza seus próprios meios necessários de subsistência, o que somente será possível no capitalismo.98

Destarte, pode-se dizer que a relação entre capitalismo e Estado se

estabeleceu com a invasão do econômico no político, consequentemente, essas

duas faces do todo social, se constroem e se estruturam em conjunto, formando o

que se conhece da forma política estatal, onde o capital não existe sem uma política

estatal correspondente e a recíproca também é verdadeira, não podendo tal forma

existir sem uma reprodução capitalista contínua.99

2.2 FORMA POLÍTICA ESTATAL E FORMA JURÍDICA: CONFORMAÇÃO OU DERIVAÇÃO SECUNDÁRIA

97

PEREIRA, Luiz Ismael. Forma política e cidadania na periferia do capitalismo: a América Latina por uma teoria materialista do Estado. 128 f. Tese de Doutorado (Direito Político e Economico) – Universidade Presbitariana Mackenzie, São Paulo, 2017. p. 35. 98

Ibid.,. p. 36. 99

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 112.

Page 60: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

59

As formas jurídica e política estatal são derivadas imediatas da forma-

mercadoria, nas palavras de ALMEIDA e MASCARO elas “se arraigam a partir das

condições históricas das sociedades em que se erigem”100. Para MASCARO:

Há um nexo íntimo entre forma política e forma jurídica, mas não porque ambas sejam iguais ou equivalentes, e sim porque remanescem da mesma fonte. Além disso, apoiam-se mutuamente, conformando-se. Pelo mesmo processo de derivação, a partir das formas sociais mercantis capitalistas, originam forma jurídica e a forma política estatal. Ambas remontam a uma mesma e própria lógica de reprodução econômica, capitalista. Ao mesmo tempo, são pilares estruturais desse todo social que atuam em mútua implicação. As formas política e jurídica não são dois monumentos que agem separadamente. Elas se implicam. Na especialidade de cada qual, constituem, ao mesmo tempo, termos conjuntos.101

No entanto, apesar de terem uma “raiz comum”, ambas formas não são

totalmente homogêneas, uma vez que se assim o fossem, seriam uma coisa só, e

não formas distintas. Assim, inobstante sejam similares, cada qual guarda sua

singularidade, especialmente em seu núcleo.

Neste aspecto, MASCARO discorre que núcleo da forma jurídica é “o sujeito

de direito”, portanto:

A dinâmica do surgimento do sujeito de direito guarda vínculo, necessário e direto, com as relações de produção capitalistas. A

100

MASCARO, Alysson Leandro; ALMEIDA, Silvio Luiz. Apontamentos para uma Crítica Marxista do Direito. In El derecho y el Estado : procesos políticos y constituyentes en nuestra América / Marco Navas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6. p. 109. 101

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 39.

Page 61: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

60

circulação mercantil e a produção baseada na exploração da força de trabalho jungida de modo livre e assalariado é que constituem, socialmente, o sujeito portador de direitos subjetivos.102

Assim, a forma jurídica não advém do Estado, ele em momento posterior

pode até ratifica-la de maneira formal, contudo é uma conexão final, fazendo com

que as formas mantenham as suas especificidades. Em seu estudo, MASCARO

enuncia que “a forma política estatal se estabelece definitivamente apenas quando a

sociabilidade geral se torna jurídica”, ou seja:

O Estado de direito assim o é, fundamentalmente, porque opera em conjunto com as relações sociais permeadas pelo direito. No processo social da reprodução capitalista se instaura uma subjetividade que investe de juricidade a relação entre burgueses e trabalhadores e, ao mesmo tempo, torna o Estado também permeado pela mesma juricidade. Ainda que não um sujeito de direito como as pessoas físicas e as pessoas jurídicas, na sociabilidade capitalista o Estado adquire um forma específica, que o faz ser constituído e relacionado, de modo próprio, como uma subjetividade jurídica. As categorias fundantes do direito passam a operar no Estado.103

No mesmo sentido, explanam MASCARO e ALMEIDA que para haver uma

sociabilidade capitalista é preciso formas jurídica e política que se confluem

mediante a norma:

Na sociabilidade capitalista, o campo jurídico, determinado pela forma de subjetividade jurídica, é ainda constantemente atravessado

102

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 40. 103

Ibid., p. 40-41.

Page 62: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

61

pela forma política estatal. Daí resultam derivações como a legalidade. Estado e direito se engendram reciprocamente para uma elaboração de seus termos a partir de referências normatizadas. O espaço da confluência entre o político e o jurídico é, então, lastreado em força e norma.104

Já, quanto ao núcleo da forma jurídica estatal, MASCARO discorre que ele se

constitui a partir do sistema capitalista:

Tal núcleo é relacional, sempre em face da externalidade constituinte da forma própria forma, que é a reprodução social capitalista. E por conta das formas sociais do capitalismo que a forma política se erige, possibilitando, a partir daí, a inteligibilidade de seus atributos internos e a congruência de suas instituições.105

Pode-se dizer, deste modo, que sendo as formas jurídica e estatal derivadas

do mesmo fenômeno – as revoluções liberais burguesas – o Estado e o direito, são

em última análise “formas acopladas tecnicamente”. A forma jurídica surge primeiro,

como produto social, e o Estado a conforma106. Melhor exemplificação que a de

MASCARO não há:

104

MASCARO, Alysson Leandro; ALMEIDA, Silvio Luiz. Apontamentos para uma Crítica Marxista do Direito. In El derecho y el Estado : procesos políticos y constituyentes en nuestra América / MarcoNavas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6. p. 109. 105

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p.32. 106

Conformar aqui significa: aceitar/impor determinada forma (ajustar/amoldar).

Page 63: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

62

Os agentes de produção já se apresentam na estrutura social capitalista como sujeitos de direito, operando relações sociais concretas, quando os Estados os definem formalmente como tais e lhes dão seus contornos peculiares, como as atribuições da capacidade. São as normas estatais que conformam o sujeito de direito a poder realizar vínculos contratuais livremente a partir de uma idade mínima estabelecida, mas esse sujeito já se impunha na estrutura social por derivação direta da forma-mercadoria. 107

Isto é, a dinâmica capitalista gera a manifestação social do sujeito de direito,

mas é, o Estado que a normatiza, estabelece regras para o seu funcionamento. Para

MASCARO e ALMEIDA “[...] há uma conformação entre forma jurídica e forma

política estatal, numa interação entre suas determinações que é dinâmica, peculiar e

perpassada por graus de funcionalidade variados”108.

Essa “conformação” é o liame entre o direito e o Estado, pois as formas

realizam entre si “uma espécie de derivação de segundo grau, a partir de um fundo

primeiro e necessário que é derivado da forma-mercadoria”. Consequentemente,

cria-se um “complexo fenômeno político-jurídico”, formado por aparato estatal

preexistente e formas jurídicas produzidas pela prática capitalista.109

Consoante MASCARO, é preciso salientar que nesse “processo de

conformação” os núcleos de ambas as formas devem ser mantidos intactos:

[...] os limites nucleares das duas formas são necessariamente mantidos em sua especificidade, como estruturas fundamentais da reprodução do capital. A conformação opera na quantidade da

107

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 41. 108

MASCARO, Alysson Leandro; ALMEIDA, Silvio Luiz. Apontamentos para uma Crítica Marxista do Direito. In El derecho y el Estado : procesos políticos y constituyentes en nuestra América / Marco Navas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6. p. 109. 109

MASCARO, Alysson Leandro. op. cit., p. 41.

Page 64: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

63

política e do direito, nunca na qualidade de estatal ou jurídico. [...] O Estado avança sobre o jurídico, tocando no núcleo a própria forma-sujeito, limitando-a ou talhando-a em novos modos. Mas tal poder do político no jurídico nunca vai a ponto de negar a própria forma jurídica de sujeitos de direito livres e iguais para o vínculo de trabalho. O Estado, se limita a quantidade da autonomia da vontade no contrato de trabalho, não extingue a própria relação de trabalho.110

Sendo assim, a forma jurídica “preserva seu núcleo necessário” perante o

Estado, não porque ela seja maior que a forma estatal, mas porque ambas não

podem se submeterem reciprocamente a ponto de desaparecerem. Pois, o

desaparecimento de uma delas acabaria com o direito e o capitalismo, e o próprio

Estado, já que são todos derivados da forma valor e mercadoria.111

Desse modo, os sujeitos de direito - que são os pilares da forma jurídica são

livres – e, por possuírem tal liberdade garantida, voluntariamente realizam um

processo de troca, daí surge a necessidade de estabilizar os elementos mercantis,

criando-se dessa forma a imprescindibilidade do Estado e de sua forma política.

Por todo exposto, depreende-se que do Estado que surge a forma política

regulamentadora da forma jurídica, daí a comprovação de que as formas se

complementam e precisam ser compreendidas através de uma evolução gradual,

pois são interdependentes entre si, eis que da circulação de mercadorias realizada

por sujeito de direito tem-se a relação jurídica (forma jurídica) e que para

estabilização desta forma necessária a regulamentação aquele que terá poder de

controle (forma política) formando a pacificação da vida social.

110

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 41-42. 111

Ibid., p. 42..

Page 65: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

2.3 FORMA POLÍTICA ESTATAL E INSTITUIÇÕES DO ESTADO

Com a finalidade entender a relação entre forma política estatal e instituições do

estado, preliminarmente, se faz necessário, definir o que são instituições, o que

HIRSCH faz com excelência:

Em seu significado geral, instituições são modos de orientação, rotinização e coordenação de comportamentos que tanto orientam a ação social como a tornam normalmente possível, proporcionando relativa estabilidade aos sistemas sociais. Sob as condições do modo de socialização capitalista, elas tornam-se processos de institucionalização na medida em que, de „forma determinada‟, asseguram a reprodução da sociedade “nas costas” dos atores individuais, mas por meio de sua ação.112

Considerando GIDDENS citado por HIRSCH, pode-se afirmar que as sociedades

– principalmente as capitalistas – são:

[...] sistemas sociais que se destacam, de forma relevante, frente a um pano de fundo de uma série de outras condições sistêmicas, nas quais eles estão incrustados. Eles se destacam porque, com a ajuda de princípios estruturais totalmente definidos, servem para a constituição, no espaço e no tempo, de um definido e abrangente arcabouço institucional.113

112

HIRSCH, Joaquim. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n.24. São Paulo: Revan, 2007. p. 26. 113

GIDDENS, Anthony apud HIRSCH, Joaquim. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n.24. São Paulo: Revan, 2007. p. 25.

Page 66: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

No decorrer deste estudo, já foi demonstrado que das relações mercantis

próprias do capitalismo surgiram as formas sociais jurídica e política, que “são

expressões de uma sociedade, cuja particularidade consiste em não permitir a direta

e consciente elaboração das relações sociais de trabalho, e, com isso, de uma

comunidade política direta”. Seguindo com HIRSCH, pode-se assegurar que nessas

sociedades “a sociabilidade dos indivíduos se apresenta como „poder alienado‟,

como um objeto aparentemente independente”. 114

O nexo entre as instituições e, especialmente a forma política estatal, é portanto,

imprescindível para o funcionamento da engrenagem capitalista, vez que a forma

política se materializa em organismos estatais e nas instituições sociais.

Nesse sentido, MASCARO garante e exemplifica:

A materialização da forma política se dá em instituições políticas. Por exemplo, ao se dizer que o Estado concentra o monopólio da violência, depreende-se, então, a existência de órgãos de forças armadas. A forma política estatal capitalista, em sua constituição social, apresenta-se numa rede de relações que instaura e porta um aparato militar, que concentra a repressão. A necessidade de se dar aos julgamentos uma maior previsibilidade aparta o poder de julgar dos demais poderes estatais – as instituições do próprio Estado, assim, se apresentam com poderes múltiplos e divididos.115

Embora a forma política seja materializada mediante instituições políticas,

ambas não se confundem, sobre o tema MASCARO relata que:

114

HIRSCH, Joaquim. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n.24. São Paulo: Revan, 2007. p. 26. 115

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 30.

Page 67: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

[...] a forma política estatal não se caracteriza a partir de tais instituições, tomadas em sua internalidade, mas sim em sua externalidade, a partir de determinadas formas de relações sociais, cujas categorias são mais fundantes da totalidade social, como a forma-valor. O Estado não surge porque suas instituições o impõe como tal, para então, depois ser capturado em benefício do interesse do capitalismo. O movimento é distinto. As relações mercantis e de produção capitalistas geram uma forma politica necessariamente apartada dos portadores de mercadoria, forma que seja terceira, “pública”, assegurando as condições de reprodução do valor.116

É, portanto, a forma política que manipula as instituições, criando-as,

aproveitando-as, afastando-as, reformando-as, transformando-as ou, ainda, as

reconfigurando, sejam com instituições já existentes ou formulando novas, tudo para

atender as necessidades que vão surgindo com a vida social.

Ressalta-se também, que apesar da forma política estatal revestir-se de

instituições que lhe são próprias e específicas, essas não explicam a forma, podem

até ajudar a esclarece-la, contudo é aquela que sempre informa a posição material e

estrutural das instituições. No entendimento de MASCARO:

Mesmo os institutos e atributos mais consagrados que identificam a forma política estatal só podem tomar corpo e ser entendidos a partir de tal complexo relacional da reprodução capitalista. Não são sua história interna ou suas características próprias que lhe dão base. Por exemplo, a soberania, que é reconhecida tradicionalmente como um dos critérios privilegiados de identidade dos Estados, pode ser apenas um protocolo jurídico de reconhecimento de uma autonomia política por outros Estados, carecendo profundamente de fundamentos econômicos ou militares que assegurem a plenitude da atribuição.117

116

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 31 117

Ibid., p. 32.

Page 68: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

A relação entre forma política e instituições é “contraditória, conflituosa,

instável e muitas vezes até mesmo oposta”. Isto porque, ela não é lógica, e sim

histórica, já que “ela é atravessada, necessariamente, pela luta de classes, grupos e

indivíduos”. Continua MASCARO:

Não há um conjunto institucional “padrão” para a forma política estatal. É um engano, por exemplo, associar estruturalmente capitalismo a Estado democrático de direito. Se a forma-mercadoria demanda uma forma política estatal, esta pode se consolidar em instituições estatais democráticas, conforme um tipo específico de arranjo de classes no capitalismo. Mas também pode haver graves crises na reprodução do capital, exigindo, contra a democracia, arranjos políticos ditatoriais ou mesmo fascistas.118

Eis a variabilidade das instituições, todavia, essas variações são apenas parciais,

visto que a ausência de todas instituições comuns à forma política – que deriva da

forma-mercadoria – acarretaria na inviabilidade da existência da própria forma.

Assim, conforme MASCARO:

As instituições políticas, dessa maneira, são variáveis na materialização da forma política estatal. Mas, certamente, não todas elas ao mesmo tempo, tampouco em todas as combinações possíveis de ausências parciais, na medida em que a sua falta total ou em determinados arranjos é a ausência dos mecanismos pelos quais a própria forma política se materializa.119

118

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 33. 119

Ibid., p. 33.

Page 69: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

A materialização da forma política estatal é composta por uma “pluralidade de

instituições”, que podem lhe ser imediatas, ou então distantes. Contudo, sempre são

orientadas pelas relações sociais capitalistas, vez que essas instituições são

concebidas para atender as necessidades de tal dinâmica.

Quanto ao aparato estatal, MASCARO o compara a um organismo em que:

Ele só pode ser compreendido num sistema geral de instituições que se atravessam e convivem numa relação dinâmica, na reprodução social conflituosa do capitalismo. A partir desse todo, tomando-se o Estado como um organismo, suas instituições tradicionalmente são compreendidas como seus órgãos próprios e específicos. Os órgãos políticos estatais são, assim, as unidades de constituição interna do próprio Estado. Na sociabilidade capitalista, todos operam atravessados pela forma política.120

Deste modo, pode-se concluir que a forma política deriva da reprodução

econômica capitalista e suas formas sociais, enquanto as instituições políticas por

sua vez, derivam da forma política, assim, em conjunto, podem operar as dinâmicas

complexas do capitalismo.

120

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 35.

Page 70: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

3. CIDADANIA E FORMA POLÍTICA ESTATAL

Nesse capítulo será realizada uma investigação acerca do conceito de

cidadania, dando enfoque principalmente na vertente de pesquisadores da teoria

crítica. Após defini-la, a preocupação será relaciona-la com as formas política e

jurídica amplamente retro estudadas.

3.1 CONCEITO DE CIDADANIA

A existência de uma sociedade pressupõe a atuação conjunta dos indivíduos,

apenas assim é possível uma convivência harmônica. Nas sociedades capitalistas, o

objeto de relação entre os seres humanos é a mercadoria - que por sua vez faz com

que as pessoas realizem trocas entre si - atuando em dependências recíprocas.

Conforme FACHIN e BANNWART JÚNIOR:

A espécie humana se caracterizou, sob a perspectiva da etologia, ao longo de sua presença no planeta terra, como uma espécie gregária, cuja sobrevivência dependeu sempre da capacidade dos indivíduos de atuar em conjunto e de colaborar entre si para a manutenção de todos.121

121

FACHIN, Zulmar; BANNWART Júnior, Clodomiro José. Direito e Filosofia: diálogos. Campinas: Millennium, 2012. p. 101.

Page 71: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

71

Cidadania também pode ser definida como a ação pela qual alguém se torna

civil, habitante de um Estado convivendo em uma sociedade civilizada. Nos dizeres

de RAMOS:

Cidadania é o vínculo jurídico político que, traduzindo a pertença de um indivíduo a um Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações [...] a cidadania exprime assim um vínculo de caráter jurídico entre um indivíduo e uma entidade política: o Estado.122

Acerca da “cidadania capitalista”, encontra-se em MANZINI algumas

contradições propostas pelo marxismo:

Marx denuncia, de forma mais funda que qualquer outro teórico, a exploração do capitalismo – seja a da acumulação primitiva, seja a exploração das condições e da extensão da jornada de trabalho a que são submetidos os operários. Para existir, o capitalismo precisa de uma grande acumulação de capital, obtida com saques das riquezas dos povos [...] hoje, a luta entre trabalhadores e capitalistas se dá, de certa forma pelos espaços do e no próprio Estado. Daí a conveniência de adotar a cidadania como categoria estratégica dessa luta. [...] O trabalhador enquanto mercadoria, deve lutar para obter certa equivalência na troca estabelecida com o capitalista e o Estado.123

Considerando a existência das relações entre indivíduos, MARX identifica

que:

122

MOURA RAMOS apud LIBANIO, I.B. Ideologia e cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 2000. p. 824-25. 123

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 34-37.

Page 72: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

72

A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias, e a mercadoria individual como sua forma elementar. [...] A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie.124

Desta vertente surge a ideia de que cada indivíduo é detentor de sua

mercadoria como objeto de seus direitos. O objeto de uma relação jurídica é

justamente o direito que cada ser detém.

Com a necessidade de um ente terceiro regulamentar as formas jurídicas em

si, houve o surgimento do Estado, através da forma política que conforma

diretamente as atuações entre indivíduos. É o estado que, mediante sua forma

política, dita unicamente a ordem, todavia nem sempre atende as necessidades dos

sujeitos.

A cidadania, nesse aspecto, seria um direito natural do indivíduo de participar

das escolhas políticas. A literatura marxista não fala explicitamente sobre a

cidadania, mas, sim sobre os direitos e garantias inerentes ao ser humano, que

neste contexto traduz no tema proposto.

O que se pretende inicialmente é demonstrar que a cidadania está

intimamente ligada a forma jurídica que por sua vez liga-se de forma basilar a forma

política estatal. Para melhor compreensão das ligações entre os institutos,

necessário, em primeiro lugar entender, o conceito de cidadania na sociedade

capitalista.

124

OS ECONOMISTAS. Karl Marx. O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Tradução de Régis Barbosa e Flávio R. Rothe. p. 45.

Page 73: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

73

A ideologia do Estado é dominado por uma classe, tentando fazer acreditar

na igualdade de todos os sujeitos de direito daquele espaço que ocupa dentro da

sociedade civil. Nesse contexto, VIANNA explica:

O papel ideológico do estado burguês se refere, em especial, a ele mesmo. Ele apresenta-se como “público”, “imparcial”, “neutro”, etc.; apresenta-se como aquele que representa o interesse geral da sociedade, o interesse nacional. O egoísmo dos interesses particulares da sociedade civil encontra a barreira do estado, corporificação do interesse geral, desinteressado, altruísta. O estado cria também a cidadania e os direitos iguais do cidadão. Perante ao estado todos são iguais, independentes de sexo, raça, classe, ideologia política, etc. Todos podem ultrapassar a desigualdade real na sociedade civil através da igualdade imaginária no estado.125

Utilizando-se desta compreensão, entende-se que cidadania é a possibilidade

do ser humano ser introduzido na sociedade civil, adquirindo determinados direitos

estabelecidos por uma classe dominante, com um vínculo deste ser com o próprio

Estado.

Uma definição contemporânea de cidadania, pode ser encontrada em

MARSHALL que a traduz como “participação do indivíduo na sociedade civil”,

associada a um tipo de igualdade humana básica. Ele ainda faz uma interessante

divisão da cidadania em: civil, política e social.

O elemento civil é composto dos direitos necessários a liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito a propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] o elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo na herança social e

125

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A dinâmica da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003. p. 30.

Page 74: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

74

levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.126

Para CARVALHO, citado por CHICARINO, segue essa mesma linha de

pensamento em que a cidadania é o resultado da combinação de três categorias de

direitos: direitos civis (que se manifestam mediante as liberdades individuais, por

exemplo: direito à vida, à propriedade e à igualdade perante a lei); direitos políticos

(garantem a participação do cidadão no governo da sociedade, como o direito de

fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar e ser votado); e os

direitos sociais (garantem a participação na riqueza coletiva, como o direito à

educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde e à aposentadoria).127

Consoante Nunes, este é o conceito de cidadania mais aceito entre os

especialista em ciências sociais, ele ainda acrescenta que ela é:

[...] um estado de consciência do ser humano quanto aos seus direitos e deveres, bem como a prerrogativa de gozar de todos os direito civis, políticos e sociais em igualdade de condições com todos os demais membros da sua comunidade e de seu país. [...] Ela está sempre em construção, é um referencial de conquista dos seres humanos, na busca de mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, não se conformando diante das dominações arrogantes, seja do Estado, de instituições ou mesmo de pessoas que queiram impor privilégios, exercer a opressão, e toda a sorte de injustiças.128

126

MARSHALL, Thomas Humphrey. Classe Social e Status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 62-64. 127

CARVALHO apud CHICARINO, Tathiana Senne. Teorias políticas, Estado e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. p. 128

NUNES, Laerce de Paula. Prosperidade – cidadania – justiça social: as semelhanças que fazem a diferença. Rio de Janeiro: Interciência, 2014. p. 32-33.

Page 75: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

75

Essa divisão didática fez com que a história percebesse a difusão da

cidadania para própria criação da sociedade civil. Não há registro expresso de

MARX acerca da cidadania, encontra-se apenas uma crítica em relação ao que a

cidadania se reduz como meio de preservação de direitos; para ele o ser humano

critica o Estado quando a cidadania é utilizada para preservar os direitos do ser

humano, sendo considerado como tal apenas o burguês e não necessariamente o

portador da cidadania.

O tema toma-se ainda mais incompreensível, ao observarmos que os libertadores políticos reduzem a cidadania, a comunidade política, a simples meio para preservar os chamados direitos do homem; e que, por consequência, o citoyen é declarado como servo do «homem» egoísta, a esfera em que o homem age como ser genérico surge rebaixada à esfera onde ele atua como ser parcial; e que, por fim, é o homem como bourgeois, e não o homem como citoyen, que é considerado como o homem verdadeiro e autêntico. O objetivo de toda a associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem (Declaração dos Direitos do Homem, etc., 1791, Artigo 2). O governo é instituído a fim de garantir ao homem o desfrute dos seus direitos naturais e imprescritíveis» (Declaração, etc., 1793, Artigo 1). Deste modo, mesmo no período do seu entusiasmo juvenil, que atingiu o clímax pela força das circunstâncias, a vida política declara-se como simples meio, cuja finalidade é a vida da sociedade civil.129 (grifos do autor)

A existência de uma lei que prevê direitos emanada de um ente político por si

não sustenta a cidadania, como visto, ela é maior do que apenas diretos inerentes

aos homens, mas os direitos inerentes a todas as relações relativa a uma sociedade

civilizada.

129

MARX, Karl. A Questão Judaica. Tradução de Artur Morão. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017. p. 26.

Page 76: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

76

Sobre a cidadania, MARSHALL afirma ainda que é um status entregue aos

membros de uma comunidade, tornando todos com tal status iguais em relação aos

direitos e deveres relativos a esta característica.130

A participação do sujeito da relação jurídica na comunidade política é

primordial para a formação da cidadania, tal como a lealdade a própria civilização

humana, na visão de SAES:

A cidadania, por implicar sempre, em algum nível, o reconhecimento por parte do Estado da igualdade entre os homens, seria incompatível com o feudalismo medieval. Na sociedade feudal, teriam vigorado status diferenciais, relacionados com a classe social, a função política e posição social da família de cada um; e não um único status e uniforme, típico da cidadania modera.131

A cidadania desde suas formas iniciais constituiu um princípio de igualdade,

começando do ponto em que todos os homens são livres, a cidadania emerge no

próprio conjunto de direito que tais homens eram capazes de possuir. Porém esses

direitos não estavam em conflito com as desigualdades da sociedade capitalista,

eram, ao contrário, necessários para manter aquela forma de desigualdade, nas

medidas necessárias.132

O núcleo da cidadania se compõe nos direitos civis os quais se tornaram

indispensáveis na economia mercantil. Na teoria moderna do Estado, cidadania nos

130

MARSHALL, Thomas Humphrey. Classe Social e Status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 76. 131

SAES, Décio Azevedo Marques de. Critica Marxista. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Publicado em abril de 2000. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamar xista/arquivos_biblioteca/16saes.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017. p.13. 132

MARSHALL, Thomas Humphrey. op. cit., p. 79.

Page 77: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

77

dizeres de BENEVIDES seria uma “qualidade do indivíduo que tem um vínculo

jurídico com o Estado”:

É o portador de direitos e deveres fixados por uma determinada estrutura legal (Constituição, leis) que lhe confere, ainda, a nacionalidade. Cidadão são, em tese, livres e iguais perante a lei, porém súditos do Estado. Nos regimes democráticos, entende-se que os cidadãos participaram ou aceitaram o pacto fundante da nação ou de uma nova ordem jurídica.133

Não pode-se, em tempos atuais, separar a ideia de cidadania do contexto da

globalização, para STRECK e MORAIS sua definição deve ser reexaminada:

[...] não apenas em seus conteúdos – mas, e particularmente, em seus espaços de expressão, embora hoje prevaleça, ainda, uma noção de cidadania identificada com um elenco conhecido de liberdades civis e políticas, assim como de instituições e comportamentos políticos altamente padronizados, que possibilitam a participação formal dos membros de uma comunidade política nacional, especialmente na escolha de autoridades que ocupam os mais elevados cargos e funções de governo, estando, também ela, indissociável da ideia moderna de território.134

Isto porque, no mundo contemporâneo, a globalização fez com que a teoria

de territorialização (Estado nacional) não abrangesse mais todas as relações, a

sociedade passa por “um processo conjunto de desterritorialização e

reterritorialização” no qual as relações não ficam mais restritas aos limites

133 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, v. 33, 1994. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451994000200002> p. 5-16. 134

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 103.

Page 78: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

78

geográficos do Estado-nação, mas se expandem “ao espaço internacional, além das

experiências locais”135.

Assim, em seu teor, deve-se considerar que a cidadania extrapola a política,

já que se faz presentes em outros seguimentos, é o que afirmam STRECK e

MORAIS:

Quanto ao conteúdo, é necessário que tenhamos presente que a questão da democracia e da cidadania há muito ultrapassaram o seu viés político e ingressaram em outros setores, tais como o social – na perspectiva do Estado do Bem-Estar Social –, o gênero, o trabalho, a escola, o consumo, os afetos, as relações jurídicas e jurisdicionais – muito embora neste último talvez seja aquele em que ocorra a maior defasagem.136

Eles acrescentam também que a cidadania pode estar vinculada aos direitos

humanos:

Poderíamos, também, falar de uma cidadania atrelada às gerações de direitos humanos, em que teríamos uma cidadania da liberdade, vinculada às liberdades negativas; uma cidadania da igualdade, atrelada às liberdades positivas e às prestações públicas; e uma cidadania da fraternidade/solidariedade, adrede aos novos conteúdos humanitários ambientais, de desenvolvimento sustentável, de paz etc.137

Em relação ao seu alcance, STRECK e MORAIS adicionam que a cidadania,

deve ser considerada de forma “multifacetada e multipolarizada”, de um modo que

extrapole o conjunto de direitos civis, políticos e sociais, uma vez que ela é

135

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 103. 136

Ibid., p. 103. 137

Ibid., p. 103.

Page 79: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

79

“cosmopolita”, portanto, deve constituir “deveres éticos para com os outros além das

fronteiras geográficas, ideológicas, raciais, culturais etc”, ou seja:

Quanto à extensão, é preciso saber conjugar e materializar as práticas e conteúdos da cidadania e da democracia no tradicional espaço nacional da modernidade e do Estado-Nação com o espaço regional/comunitário, produto das aproximações integracionistas/comunitárias, além de expandi-las para o espaço supranacional, seja identificando-o com espaço das relações privadas, seja com o espaço das relações interestatais, bem como compartilhar do esforço de forjar um espaço local/participativo, onde haja uma transformação radical nas fórmulas das práticas cidadãs e democráticas, aproximando e autonomizando autor e sujeito das decisões.138

Destarte, pode-se afirmar que cidadania além de um direito do indivíduo

participar da própria forma política Estatal, é também uma característica de cada um,

no entanto, no mundo contemporâneo não basta mais ser cidadãos da própria

comunidade política, visto que atualmente há cidadanias múltiplas e diversas que se

exercem em locais, sob formas e conteúdos variados.

3.2 CIDADANIA E FORMA JURÍDICA

O liame entre forma jurídica e cidadania é natural, visto que o modo de

produção capitalista funciona por meio da forma jurídica que é intermediada pelo

138

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 104.

Page 80: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

80

Estado, o qual supostamente traria uma objetividade em seus mandamentos

tratando todos os sujeitos de forma isonômica.

A forma jurídica traduzida como relação jurídica entre detentores de direitos,

só existe se houver os citados detentores, ou seja, os sujeitos de direitos que se

relacionam entre si, estes sujeitos são justamente os detentores da cidadania.

A cidadania é uma relação jurídica de direito de participação do ser nas

escolhas do Estado, NAVES a respeito da relação jurídica revela que:

[...] toda relação em que a equivalência não existe, ou se encontra em posição subordinada, é uma relação de natureza não jurídica, uma relação de poder, que, como lutamos, pode se manifestar como moralidade ou misticismo religioso.139

Quando se refere de atuação do sujeito de direitos no Estado, não é uma

tentativa de demonstrar uma subordinação e sim uma atuação participativa na forma

política.

Modernamente, tende-se a dar um novo enfoque em relação a cidadania com

os sujeitos de direito, devido as revoluções jurídicas que antecederam a existência

da atuação estatal. Disserta SAES acerca do assunto:

O procedimento fundamental para essa reformulação implica, antes de mais nada, levar em conta que as revoluções políticas modernas, que derrubaram o Estado feudal absolutista, foram também revoluções jurídicas. Ou seja, tais revoluções determinaram a

139

NAVES, Márcio Brillharinho. Marxismo e Direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 87.

Page 81: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

81

instauração, nessas sociedades, da forma-sujeito de direito; isto é a atribuição por parte do Estado a todos os homens independente de sua situação sócio-economica, na condição de seres individuais capazes de praticar atos de vontade. Noutras palavras o Estado pós revolucionário conferia igualitariamente a todos os homens a capacidade de ir e vir e de movimentarem livremente, bem como a capacidade de serem proprietários de bens e de si mesmos.140

Dentro deste viés, pode se definir a cidadania civil como corporificação da

forma-sujeito de direito, que por sua vez, quando relacionados, tem-se a forma

jurídica como estudada até o presente momento.

3.3 RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E FORMA POLÍTICA ESTATAL

Os indivíduos detentores de suas mercadorias (direitos) dispõem, dentro de

seus interesses capitalistas, de autonomia para trocá-los em lucro. Partindo desta

premissa, entende-se que o estado está intimamente inserido na sociedade e que o

modo de sua produção o constitui, sendo que a sociedade civil como se conhece

hoje advém do Estado capitalista, onde sua forma jurídica influencia diretamente nas

relações com o próprio Estado e o indivíduo:

140

SAES, Décio Azevedo Marques de. Critica Marxista. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Publicado em abril de 2000. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivo s_biblioteca/16saes.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017. p. 22-23.

Page 82: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

82

O estado capitalista não pode ser separado do modo de produção capitalista. O estado não está fora da sociedade, pois ele é parte integrante dela. O modo de produção mantém uma unidade com suas formas de regularização das relações sociais e, por conseguinte, com o estado, e, ao mesmo tempo, uma oposição. Por enquanto, nos limitaremos a tratar do momento de sua unidade. Vimos anteriormente que a dissolução do modo de produção feudal ao criar inúmeros pequenos proprietários isolados possibilitou a expansão do capital comercial que influenciou o conjunto das relações sociais criando a produção capitalista propriamente dita.141

O ser humano tende a se desenvolver na sociedade de forma natural

associando-se a outros seres humanos, esta ligação forma a sociedade que para

organiza-la acaba criando o Estado. Segundo WOLKMER:

O Estado pode ser compreendido ora como um jogo de papéis e funções que se interligam e se complementam na esfera de uma estrutura sistêmica, ora como um aparelho repressivo que tende a defender os interesses das classes dominantes no bloco hegemônico de forças.142

Eis que o Estado seria o ápice da estrutura do modo de produção capitalista

que dita os interesses da burguesia e os parâmetros da relações sociais. De MARX

se colaciona que:

O Estado político aperfeiçoado é, por natureza, a vida genérica do homem em oposição à sua vida material. Todos os pressupostos da

141

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A dinâmica da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003. p. 21. 142

WOLKMER. Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. ed. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 65.

Page 83: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

83

vida egoísta continuam a existir na sociedade civil, fora da esfera política, como propriedade da sociedade civil. Onde o Estado do político alcançou o desenvolvimento, o homem leva uma dupla existência – celeste e terrestre, não só no pensamento, na consciência, mas também na realidade, na vida. Vive na comunidade política em cujo seio é considerado como ser comunitário, e na sociedade civil, onde age como simples indivíduo privado tratando os outros homens como meios, degradando-se a si mesmo em puro meio e tornando-se joguete de poderes estranhos. O Estado político, em relação à sociedade civil, é justamente tão espiritual quanto o céu em relação à terra.143

Traduzindo a cidadania como os direitos inerentes ao próprio ser, verifica-se

que no meio capitalista é o Estado que mascara o poder de cada ser humano

através de sua suposta igualdade, ditando regras de interesse comum de apenas

uma parcela política para suposta manutenção da sociedade civil e comum mediante

vivencia harmônica.

Como já abordado anteriormente, ao interpretar a teoria marxista, MASCARO

afirmou que a descoberta primordial daquele é a ligação necessária entre formas

políticas atuais e o sistema capitalista:

O Estado moderno torna o indivíduos cidadãos. Instituído como sujeito de direito, cada ser humano está apto a transacionar nos mercados. Poder-se-ia reputar esse fato, da constituição do sujeito de direito pelo Estado, como fenômeno isolado, ocasional, ocorrido na época moderna. [...] Tendo em vista que a forma política – moderna – estatal, jurídica, que torna a todos os indivíduos cidadãos, sujeito de direito – atende à necessidade lógica da circulação mercantil capitalista, a superação do capitalismos há de se revelar

143

MARX, Karl. A Questão Judaica. Tradução de Artur Morão. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017. p. 13.

Page 84: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

84

então, par Marx, como a superação também da própria forma política que lhe corresponde.144

Reiterando assim que a filosofia contemporânea traça uma linha direta entre

forma jurídica com forma política estatal, e consequentemente, os sujeitos que se

inserem nas formas com o Estado através da cidadania, de forma a auxiliar na

produção das normas.

Para SOARES, a construção da cidadania advém de uma noção

eminentemente política que não está necessariamente ligada a valores universais,

mas sim à decisões políticas.145

Sendo o Estado, o detentor do poder de regulamentar as relações, tanto

jurídicas, como de qualquer cunho social, esse poder deve ter de alguma forma uma

atuação daqueles que lhe são subordinado. Nos dizeres de TAVARES:

O poder, vai afirmar Loewenstein, é uma relação sociopsicológica, baseada num efeito recíproco entre os que detêm e exercem o poder (os detentores do poder) e aqueles aos quais se dirige (destinatários do poder). Na sociedade estatal, o poder político aparece como um controle social. Entende-se este como a função de tomar ou determinar uma decisão, assim como a capacidade de seus detentores de obrigarem os destinatários a cumprir essa decisão, que jamais poderá ser tomada em benefício pessoal de quem representa o todo. 146

Ele ainda segue expondo que:

144

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 289-291. 145

SOARES, Maria Victoria de Mesquita Benevides. Cidadania e direitos humanos. Cadernos de pesquisa, n. 104, 2013. p. 43. 146

TAVARES, André Ramos. Democracia e exercício do poder: apontamentos sobre a participação política. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 3, n. 1, 2004. p. 351-378.

Page 85: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

85

É evidente que o discurso detentores/destinatários deve ser abandonado em virtude da necessária proximidade das esferas pública e privada, alicerçada na mencionada fórmula participativa (a ser viabilizada de maneira a ser amplamente acessível). Participação, no sentido político, será empregada como a atuação dos indivíduos (incluindo-se a sociedade) ou grupos intermediários entre sociedade e Estado nos processos decisórios deste último. Envolve, portanto, a inserção no poder. Concebese a participação política, nesta ótica, como “a atuação formal e informalmente admitida, dos indivíduos e dos grupos sociais secundários, na ação juspolítica do Estado.147

Assim, pode-se afirmar que é a atuação dos indivíduos na forma política

Estatal que demonstra concretamente a cidadania, a qual tem cunho eminentemente

político, se constituindo a base das relações jurídicas entre os detentores do direito

que respeitam as regras ditadas pelos quais de alguma forma deveriam participar na

sua elaboração.

147

TAVARES, André Ramos. Democracia e exercício do poder: apontamentos sobre a participação política. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 3, n. 1, 2004. p. 351-378.

Page 86: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

CONCLUSÃO

O presente estudo teve como finalidade discutir a filosofia do direito

contemporânea, analisando filósofos e suas concepções sobre as formas sociais,

jurídicas e políticas.

Preliminarmente, foi realizado um estudo didático acerca da filosofia do direito

contemporânea e a forma social, isto porque, para o entendimento da forma jurídica

se faz imprescindível conhecer o referencial teórico no qual ela se afirma.

Para tanto, baseou-se principalmente nas obras de Alysson Mascaro, grande

representante da teoria crítica no Brasil, em sua perspectiva, forma jurídica não

advém de uma única fonte, para compreende-la de forma mais abrangente, é

preciso conhecer as especificidades de cada caminho que leva a um panorama

geral da filosofia do direito.

São três, portanto, esses “caminhos” que levam a compreensão do direito,

eles se dividem nas seguintes perspectivas: “Juspositivistas”, “Não Juspositivistas” e

as “Filosofia Crítica do Direito”.

De forma resumida, pode-se dizer que, do ponto de vista juspositivista, o

direito é imposto pelo Estado, ou seja, há uma relação de poder onde o Direito está

sob o arbítrio dele, o Direito se traduz por normas e essas, por sua vez, são

impostas pelo Estado; deriva do pensamento juspositivista outros três caminhos:

juspositivismo eclético, juspositivismo estrito e juspositivismo ético, todos

devidamente conceituados no decorrer do retro estudo.

Já da perspectiva não juspositivista, compreende-se que o direito como

fenômeno mais amplo, que extrapola a norma. Entre seus representantes, os que

mais se destacam são Carl Schimtt e Michel Foucalt.

Page 87: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

87

Para o primeiro, o direito é “situacional” e o poder estatal é maior que o poder

da norma, desta forma, somente em situações extremas fora do contexto legal

(guerras, exceções, ditaduras) é que se conhece a “verdade jurídica”, assim, pode-

se afirmar que o direito se revela a partir da história.

Enquanto que, para Foucalt, há blocos de poder que controlam, não apenas o

direito, como o também Estado. Ele revela a “microfísica do poder”, que indica que

direito está nos “pequenos poderes”, que se constroem e se manifestam em rede,

constituindo uma complexa estrutura que se difunde e se transporta nas mais

variadas instâncias: econômicas, políticas, culturais, morais, religiosas, sexuais e,

até mesmo pelo próprio corpo (biopoder).

Considerando os pensamentos jurídicos críticos, constrói-se uma ideia de que

o direito não é apenas uma manifestação do poder normativo, mas também de um

poder que se erige fora da norma e controla todas as relações, inclusive a

microfísica do poder.

O marxismo, e suas derivações, é o precursor da teoria crítica, com ele

passou-se a verificar o direito como manifestação a partir da lógica da reprodução

concreta das relações sociais capitalistas.

É na discussão marxista que se compreende que o direito surge da forma

mercantil através dos mecanismos de produção capitalistas, tem uma missão maior

do que das teorias anteriormente citadas, pois questiona além da origem, o

conteúdo material normativo, fundamentado na forma jurídica estatal advinda da

reprodução capitalista, mercantilizada através de um sistema de troca, em sua

totalidade.

Foi imprescindível realizar essa análise evolutiva do pensamento jurídico, vez

que facilitou a compreensão das inconsistências da forma jurídica e do próprio

direito nos pensamentos filosóficos não críticos.

Page 88: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

88

A compreensão das formas sociais é indispensável para se entender a

engrenagem capitalista em sua totalidade, pois são elas que instrumentalizam todas

interações sociais é, portanto, dessas interações (processos de trocas) que se erige

a forma-mercadoria (forma econômica do capitalismo) e, desta última, advém todas

as configurações das relações sociais (tais como: o dinheiro, o trabalho, a

propriedade, o lucro, o sujeito de direito e a política).

Constata-se que se pode afirmar que a forma jurídica só é compreendida por

meio da forma social. E, ainda, é apenas com ascensão do capitalismo que a forma

jurídica aparece, posicionando o direito como uma ciência específica.

A história da forma jurídica é, portanto, intrínseca a do capitalismo, e mais

complexa do que a maioria dos juristas usualmente consideram, a forma jurídica não

advém necessariamente do “dever-ser” e, sim da relação voluntária entre entes

equivalentes em uma relação de troca mercantil.

Isto ocorre porque com o capitalismo as relações jurídicas se tornam relações

mais técnicas e objetivas. Os sujeitos de direito transacionam na sociabilidade

capitalista e, essa transação, precisa de regulamentação, por conseguinte surge a

forma jurídica para suprir essa necessidade.

Em outras palavras, o sujeito de direito se relaciona com outro sujeito, esta

relação pode ser denominada de relação jurídica, o que transforma o sujeito no

protagonista da forma jurídica. Destarte, para que possam “contratar”, os indivíduos

são tornados juridicamente sujeitos de direito.

Essa transformação se dá por causa da existência de um aparato político

estranho aos sujeitos, que opera com efetividade e aparatos concretos para

assegurar o reconhecimento dessa qualidade jurídica dos sujeitos, garantindo assim,

o funcionamento do sistema econômico capitalista.

Page 89: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

89

Os sujeitos são, dessa maneira, entes da forma jurídica; as relações entre si e

com o Estado mostra um caráter qualitativo do direito, ao ponto que as transações

mercantis sugerem a necessidade de regulamentação, por meio de trocas através

de institutos técnicos. Nessa diapasão, o direito, no contexto capitalista, se torna um

elemento técnico, impessoal e mecânico que reflete a sociedade atual.

Partindo da premissa que os sujeitos de direito - que são os pilares da forma

jurídica - são livres e, por possuírem tal liberdade garantida, voluntariamente

realizam um processo de troca, existe a necessidade de estabilizar esses elementos

mercantis, surgiu a necessidade do Estado e sua forma política.

Dessa maneira, para a forma-mercadoria expandir-se e generalizar-se foi

necessária a criação de um espaço que assegurasse a sua universalidade, para

tanto nasceu o Estado, um ente externo à economia, mas ainda assim, seu

garantidor.

A forma política é, portanto, o ponto de intersecção entre as formas sociais,

ela vincula através de um aparato político, o sujeito de direito à forma-mercadoria.

Ela se instaura como Estado, uma unidade de poder que apesar de atuar

apartadamente ao sistema econômico e da forma-valor, que tem como finalidade

endossar a sua reprodução.

Por conseguinte, a interligação entre forma política e forma jurídica, está

justamente relacionada ao fato de ambas remanescerem da mesma fonte – a forma-

mercadoria – de tal modo, pode-se afirmar, que entre elas há um processo de

conformação, um liame entre o direito e o Estado, já que essas formas realizam

entre si uma derivação de segundo grau.

Ou seja, a partir do fenômeno capitalista, com os agentes de produção se

instituiu a forma jurídica, o Estado mediante a forma política apenas lhe conformou

(no sentido de ajustar, amoldar, adequar), atribuindo-lhe contornos formais. Assim, é

possível alegar que esse processo de conformação diz respeito ao fato de que o

Page 90: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

90

direito foi modelado por normas estatais enquanto o próprio Estado foi concebido por

institutos jurídicos.

Como já se verificou no decorrer deste trabalho, a sociabilidade capitalista

transformou os agentes econômicos em sujeitos de direito, para posteriormente em

um plano político, fazer deles cidadãos.

Essa transformação se justifica pelo fato de que, esses cidadãos, enquanto

forem revestidos de direitos (civis, políticos e sociais) garantirão a reprodução do

sistema capitalista. Esse resguardo de uma subjetividade mínima ao indivíduo

assegura que uma vinculação com o capital, vez que a liberdade negocial, a

igualdade formal e a propriedade privada são o alicerce da economia liberal.

Utilizando-se da teoria crítica como respaldo para conceituar cidadania pode-

se concluir que ela é a possibilidade do ser humano introduzir-se na sociedade civil,

adquirindo determinados direitos estabelecidos por uma classe dominante.

A cidadania está intimamente ligada a forma jurídica e política, visto que a

forma jurídica traduzida como relação jurídica entre detentores de direitos, só é

possível no caso existir esses cidadãos, ou seja, os sujeitos de direitos que se

relacionam entre si, estes sujeitos são justamente os detentores da cidadania.

Destarte, considerando a cidadania como um complexo de direitos inerentes

ao próprio ser, verifica-se que no meio capitalista é o Estado que mascara o poder

de cada ser humano mediante a suposta igualdade formal, ditando regras de

interesse comum, mas que no fim das contas beneficia apenas uma parcela política,

no entanto, é imprescindível para a manutenção da sociedade civil e comum em

uma convivência harmônica e, consequentemente, da engrenagem capitalista em

sua totalidade.

Page 91: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O direito no jovem Lukács: a filosofia do direito em História e consciência de classe. São Paulo: Alfa Omega, 2006.

ALTHUSSER, Louis. A favor de Marx. 2. ed. Tradução Dirceu Lindoso. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, v. 33, 1994. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451994000200002>. Acesso em: 23 maio 2017.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 2005. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo: Atlas, 2005.

BOBBIO, Norberto. El problema del positivismo jurídico. México: Distribuiciones Fontamara, 1999.

______. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compilada por Nello Morra. Tradução e notas Márcio Pugliese, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995.

CALDAS, Camilo Onoda. Teoria da derivação do Estado e do direito São Paulo: Dobra/Outras expressões, 2012.

CERRONI, Umberto. O pensamento jurídico soviético. Tradução Maria de Lurdes Sá Nogueira. Póvoa do Varzim: Europa-América, 1976.

CHICARINO, Tathiana Senne. Teorias políticas, Estado e sociedade. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014.

COMPARATO, Fabio Konder. Ética. Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras. 2013

CONDE SALGADO, Remigio. Pashukanis y la teoría marxista del derecho. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989.

COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1995.

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Traduzido por Márcio Pugliese São Paulo: Martin Claret, 2009.

Page 92: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

92

EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia: elementos para uma teoria marxista do direito. Tradução Soveral Martins e Pires de Carvalho. Coimbra: Centelha, 197.

FACHIN, Zulmar; BANNWART Júnior, Clodomiro José. Direito e Filosofia: diálogos. Campinas: Millennium, 2012.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampario. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FERREIRINHA, Isabela Maria Nunes; RAITZ, Tânia Regina. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Revista de Administração Pública, v. 44, n. 2, 2010.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. Organização e tradução de: Roberto Machado.

GRILLO, Marcelo Gomes Franco et al. Forma jurídico-processual e capitalismo. 2016. Tese Doutorado em Direito Político e Econômico. Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.

______ O Direito Na Filosofia De Slavoj Žižek: Perspectivas Para O Pensamento Jurídico Crítico. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dissertação de mestrado defendida em, v. 125, 2009.

HIRSCH, Joaquim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

______. Forma política, Instituições políticas e Estado I. Crítica marxista. v.1, n. 24. São Paulo: Revan, 2007.

KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

______. Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. Direito & Realidade, v. 1, n. 1, 2011.

______. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões/Dobra, 2014.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella.

LIMA, Martonio Mont‟Alverne Barreto; BELLO, Enzo. Direito e marxismo. Rio de Janeiro, 2010.

MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Sociedade e o Estado: introdução sociológica ao estudo do direito público. Tradução Lúcia Amélia Fernandes Braz e Maria Sicília Damiano.Campinas: LZN, 2003.

Page 93: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

93

MARSHALL, Thomas Humphrey. Classe Social e Status. Tradução Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.

MARX, Karl. A Questão Judaica. Tradução de Artur Morão. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.

MASCARO, Alysson Leandro. Crítica da legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

______. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.

______. Filosofia do direito. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.

______. Introdução ao Estudo do Direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

______. O sentido jurídico brasileiro-reflexões para uma teoria política e jurídica a partir de" O povo brasileiro" de Darcy Ribeiro. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 95, p. 405-415, 2000.

______. Nos extremos do direito (Schmitt e Pachukanis). Lua Nova, n. 57, 2002.

______. Sobre os direitos humanos e sua tutela. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 97, p. 267-278, jan. 2002. ISSN 2318-8235. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67546>. Acesso em: 11 jul. 2017.

______.; ALMEIDA, Silvio Luiz. Apontamentos para uma Crítica Marxista do Direito. In El derecho y el Estado: procesos políticos y constituyentes en nuestra América / MarcoNavas Alvear ... [et al.].Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6.

LIBANIO, João Batista. Ideologia e cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 2000.

NAVES, Márcio Bilharinho. A “ilusão da jurisprudência”. Lutas Sociais. ISSN 1415-854X, n. 7, 2004.

______. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões/Dobra, 2014.

______. Democracia e dominação de classe burguesa. Critica Marxista, São Paulo, v. 4, 1997.

______. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2000.

Page 94: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

94

NEGRETTO, Gabriel. El concepto de decisionismo en Carl Schmitt. El poder negativo de la excepción. Revista Sociedad, n. 4, p. 66-89, 1994.

NUNES, Laerce de Paula. Prosperidade – cidadania – justiça social: as semelhanças que fazem a diferença. Rio de Janeiro: Interciência, 2014.

ONOFRE, Juan Jesús Garza. Rudolf von Jhering y el paradigma positivista. Fundamentos ideológicos y filosóficos de su pensamiento jurídico DE LUIS M. LLOREDO ALIX, DYKINSON, MADRID. 2012, 598 Pp. Ciencia Jurídica, v. 1, n. 7, p. 167-173, 2015.

OS ECONOMISTAS. Karl Marx. O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1982. Tradução de Régis Barbosa e Flávio R. Rothe.

PACHUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução Silvio Donizete Chagas. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988.

PEREIRA, Francisco. Karl Marx e o Direito: Elementos para uma crítica marxista do direito. Salvador: LeMarx, 2015.

PEREIRA, Luiz Ismael. Forma política e cidadania na periferia do capitalismo: a América Latina por uma teoria materialista do Estado. 128 f. Tese de Doutorado (Direito Político e Economico) – Universidade Presbitariana Mackenzie, São Paulo, 2017.

RAJLAND, Beatriz. La Relación Estado-Derecho desde El Pensamento Crítico: La cuestión em la región nuestramericana. In El derecho y el Estado: procesos políticos y constituyentes en nuestra América / Marco Navas Alvear ... [et al.]. Coordinación general de Beatriz Rajland; Mauro Benente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO. Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, 2016. ISBN 978-987-722-188-6.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SAAD FILHO, Alfredo. O valor em Marx. Campinas: Unicamp, 2011.

SADER, Emir. Estado e Política em Marx. São Paulo: Boitempo, 2014.

SAES, Décio Azevedo Marques de. Critica Marxista. Cidadania e capitalismo: uma crítica à concepção liberal de cidadania. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Publicado em abril de 2000. Disponível em: <https: //www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/16saes.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.

SOARES, Maria Victoria de Mesquita Benevides. Cidadania e direitos humanos. Cadernos de pesquisa, n. 104, 2013.

Page 95: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3352/5/Munirah Muhieddine.pdf · consoante PACHUKANIS, a sociedade capitalista é

95

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

TAVARES, André Ramos. Democracia e exercício do poder: apontamentos sobre a participação política. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 3, n. 1, 2004.

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A dinâmica da política institucional no capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.

WOLKMER. Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.