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UNIVERSIDADE PAULISTA
ELIANA MARIA BRUNELLI YAZBEK
ARTETERAPIA, PATCHWORK, APPLIQUÉ E QUILTING – UM ESPAÇO DE
LIBERDADE PARA A RESSIGNIFICAÇÃO DA HISTÓRIA DE VIDA NA
MATURIDADE.
SÃO PAULO
2017
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
ARTETERAPIA, PATCHWORK, APPLIQUÉ E QUILTING – UM ESPAÇO DE
LIBERDADE PARA A RESSIGNIFICAÇÃO DA HISTÓRIA DE VIDA NA
MATURIDADE.
Trabalho de conclusão de curso para
obtenção do título de Especialista em
Arteterapia apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.
Orientadora: Profa. Ms. Lídia Lacava
SÃO PAULO
2017
Yazbek, Eliana Maria Brunelli Arteterapia, patchwork, appliqué e quilting – um espaço de liberdade para a ressignificação da história de vida na maturidade / Eliana Maria Brunelli Yazbek – São Paulo, 2017. 74 f.: il. color., fotografias
Trabalho de conclusão de curso (especialização) – apresentado à pós-graduação lato sensu da Universidade Paulista, São Paulo, 2017. Área de concentração: Arteterapia
“Orientador: Profª. Me. Lídia Lacava”
1. Arteterapia. 2. Patchwork. 3. Maturidade. 4. Criatividade. I. Universidade Paulista - UNIP. II. Título. III. Yazbek, Eliana Maria Brunelli.
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Deus por ter me dado a oportunidade de vida.
Aos meus pais Neuza e Avahy por me direcionar neste mundo dando apoio,
incentivo, amor, liberdade de escolha.
Ao meu amado marido Carlos e aos meus filhos, amores da minha vida, Anderson e
Célio por participarem de cada momento deste estudo, pela paciência, pela minha
ausência durante o período de aulas. Ao meu filhinho peludo Rubi pela companhia e
por aquecer meus pés durante os estudos.
Aos professores e mestres em especial à querida Lídia Lacava, pela generosidade,
carinho e dedicação em transmitir seus conhecimentos em Arteterapia,
enriquecendo meu coração de sabedoria.
Às minhas convidadas participantes das oficinas Esmeralda, Jade e Cristal (nomes
fictícios) pela cooperação, apoio e colaboração no conteúdo deste encantador
estudo.
Aos meus colegas de classe, colegas de profissão e aos meus clientes, pela troca
do saber das experiências de vida, compartilhando generosamente amizade,
cumplicidade e alegria.
Aos meus amigos sinceros que permaneceram ao meu lado me apoiando,
acreditando e me abastecendo de ricas informações, e às novas amizades vindas
por consequência desta nova caminhada de vida que está próspera e valendo à
pena!
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste estudo
que, para mim, é de imensa importância.
Gratidão!
“Sou feito de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que
passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre
bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem
ser quem eu sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em
cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade...
que me tornam mais pessoa, mais humano, mais completo.
E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de
outras gentes que vão se tornando parte da gente também. E a
melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados...
haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.
Portanto, obrigado a cada um de vocês, que fazem parte da
minha vida e que me permitem engrandecer minha história com
os retalhos deixados em mim. Que eu também posso deixar
pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser
parte das suas histórias.
E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um
dia, um imenso bordado de nós”.
Cora Coralina
RESUMO
Este estudo apresenta uma experiência em Arteterapia com abordagem junguiana,
aliada à arte do Patchwork, Apliqqué e Quilting, realizado com um grupo formado por
três mulheres na idade entre 35 a 80 anos. Serviram de suporte teórico Joan Lewis e
Lynette Chiles, Fayga Ostrower, Otília Rosangela Souza, Patrícia Pina Bernardo. A
arte da costura foi utilizada como estímulo para despertar o processo criativo, criar
um espaço de liberdade para novas possibilidades na vida, capacitar o poder de
inovar, inventar, criar e disparar um processo de crescimento e apropriação de si e
das histórias de vida na maturidade.
Palavras-chave: Arteterapia. Patchwork. Maturidade. Criatividade.
ABSTRACT
This study presents an experience in Art Therapy with Jungian approach, allied to the
art of Patchwork, Apliqqué and Quilting, carried out with a group formed by three
women in the age between 35 and 80 years. Joan Lewis and Lynette Chiles, Fayga
Ostrower, Otília Rosangela Souza, Patrícia Pina Bernardo were the theoretical
support. The art of sewing was used as a stimulus to awaken the creative process, to
create a space of freedom for new possibilities in life, to empower the power to
innovate, invent, create and trigger a process of growth and appropriation of oneself
and of life histories in the maturity.
Keywords: Art therapy. Patchwork. Maturity. Creativity.
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 9
2. INTRODUÇÃO 10
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 12
3.1 Breve Histórico do Patchwork 12
3.2 Processos de Criação 15
3.3 Mulheres Maduras – o que buscam nessa fase da vida 17
3.4 Arteterapia 21
4. METODOLOGIA 23
5. COSTURANDO AS OFICINAS 24
5.1 Oficina 1 – Costurando o vínculo, o suporte, a base 25
5.2 Oficina 2 – Costurando sua graça! 29
5.3 Oficina 3 – Costurar para descosturar 33
5.4 Oficina 4 – Costurando os caminhos da vida
35
5.5 Oficina 5 – Refazendo a costura a partir das experiências
38
5.6 Oficina 6 – Costurar integrando com a jornada da vida
41
5.7 Oficina 7 – Costurando a trama com os fios da sabedoria 44
5.8 Oficina 8 – Costurar, criar, dar forma a algo – era o que eu mais queria!
46
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 50
REFERÊNCIAS
ANEXOS
ANEXO 1 - Colcha de Retalhos, Síntese do filme, 1995
ANEXO 2 - Música: Só Eu Sou Eu
ANEXO 3 - Conto: O alfaiate desatento
ANEXO 4 - Conto: A Fábula da Fábula
ANEXO 5 - Conto: Fátima, a Fiandeira
ANEXO 6 - Conto: A montanha e a pedra
ANEXO 7 - Conto: O equilibrista
ANEXO 8 - Conto: A moça tecelã
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1. APRESENTAÇÃO
Como tudo começou...
Numa cidadezinha pequena e pacata do interior, sentada no chão ao lado da
máquina de costura da minha querida mãe brincando com a minha boneca
Susi, tecia lindos vestidos com paninhos que sobravam das costuras e com a
agulha e linha iam se transformando em maravilhas que minha criatividade
permitia. Mas o que mais me encantava era o colorido dos tecidos que minha
mãe, com os retalhos que sobravam ao confeccionar nossas roupas, costurava
encantadoras colchas de retalhos para nossas camas.
Todo trabalho de patchwork, que na época (1967 / 1969) eu nem sabia que era
este o nome, só sabia que me encantava; era feito completamente sem
material específico como cortador, placa, régua, era somente com tesoura, fita
métrica e a máquina de costura, mas minha mãe conseguia colorir a nossa
casa. Ao mesmo tempo, meu querido pai construía mostruários para a fábrica
de tacos. Também recortando madeira de diferentes tamanhos, espécies e
cores, criando desenhos geométricos que resultava num verdadeiro patchwork
de madeira.
Meu encanto ficava cada vez maior e tudo isso ficou guardado em meu
coração. Até que em 2007 abri a porta do meu coração e comecei a colocar as
cores para fora e a cada dia que passava aumentava mais o colorido, o
encanto, a criatividade que saltava de meu coração com muito amor e
dedicação. Comecei a fazer as minhas primeiras colchas de patchwork, quanto
mais costurava, mais queria costurar.
Percebia que ainda faltava algo para completar o que eu havia criado em meu
coração, em minha infância quando tecia os vestidinhos da minha boneca Susi.
Seriam aquelas costuras formando desenhos para enfeitar, que chamávamos
de pesponto. Mas não demorou muito (2014) encontrei esta costura com o
nome de Quilting, aí eu me encontrei e me encantei e meu coração ficou ainda
maior, cheio de criatividade, pois o quilting proporciona isso em mim, que às
vezes eu acho que é loucura, mas não é não... é FELICIDADE!!!
10
Hoje me encontro no mundo do quilting e do patchwork, mundo este que
transforma os tecidos em verdadeiras obras de arte, transformando a tristeza
em felicidade. Comparo esse trabalho com uma Libélula “símbolo da felicidade
que representa mudança / transformação - como ela vive uma vida curta, sabe
que deve viver sua vida o mais plenamente possível com o curto tempo que
tem”. Isso acaba sendo uma grande lição para nós.
Então, esta criança, hoje adulta está realizando seu sonho em seu ateliê
costurando o que mais AMA e encantando os corações de suas clientes e
alunas, numa alegria sem fim!!! Com formação em Psicologia (1986) e Artesã
(acredito que desde sempre), vinha realizando os trabalhos separadamente,
mas acreditei que eles poderiam caminhar juntos.
Este estudo foi desenvolvido através de minhas experiências como terapeuta e
em encontros de costuras em Patchwork, Appliqué e Quilting, e com o passar
do tempo comecei a perceber que esses momentos se transformavam num
acontecimento mágico, que se dava na transformação, no encantamento das
pessoas, registrados em cada olhar, em cada sorriso, em cada gesto. Ao
costurar os retalhos de tecidos, percebia que as pessoas evocavam momentos
da própria vida, “retalhos internos” de momentos evocados através da linha, da
agulha, dos tecidos. E, em paralelo, os encontros terapêuticos aconteciam.
Acredito que esta arte nos proporciona um processo constante de construção
(costurar), desconstrução (descosturar) e reconstrução (recosturar), através
dos tecidos e suas variações de cores e estampas. Assim fui à busca da
Arteterapia!
“e o bonito dessa vida é poder costurar sonhos, bordar histórias e desatar os
nós de nossos dias”. Cidinha Araujo
2. INTRODUÇÃO
A justificativa para este trabalho foi a de procurar estudar as possibilidades da
união da arte com os tecidos, linhas e agulhas mediados por processos
11
arteterapêuticos. Buscou-se estudar a viabilidade de um trabalho com esse teor
poder, efetivamente, trazer maiores reflexões existenciais para quem dele
pudesse participar em qualquer fase da vida.
Restaurar as histórias de vida, permitindo a abertura de um espaço de
liberdade para que as participantes pudessem atribuir novos significados a
“acontecimentos” existenciais, despertando todo o potencial criativo na
maturidade e ressignificando a própria vida são justificativas para esse estudo.
Partindo de “acontecimentos” vividos em minhas experiências como terapeuta
e com os encontros de costura em meu ateliê, fui experienciando que os
retalhos “internos” eram costurados na mesma dimensão dos retalhos de
tecidos e se transformavam em pedaços de alegria e realizações.
O caos é inerente ao processo de crescimento psíquico e pede atenção de
diferentes formas e situações ao lidar e se relacionar com o criativo,
envolvendo uma flexibilidade psíquica, que para Bernardo:
A criatividade, portanto, se relaciona com a capacidade de utilizar a
energia psíquica, a ser utilizada por ela, na constituição de um
universo que respira através da polaridade eu-outro, eu inconsciente,
sendo que a cada separação desses pólos – que no entanto são
aspectos de uma única realidade – corresponde uma união deles que
se traduz num novo nível de compreensão e significação. (2013, p.
87).
Portanto, a união dos processos arteterapêuticos à costura e descostura,
através das técnicas do patchwork, appliqué e quilting é considerada “mágica”
ao despertar o espírito criativo, ao proporcionar liberdade de expressão em
todos os sentidos, do real ao imaginário, retomando energias vitais,
desenvolvendo um bem estar que poderá proporcionar maravilhas à
autoestima. “O idoso criativo tem ideias próprias, consegue expressá-las,
aceita melhor as limitações do corpo e encontra opções agradáveis para
desfrutar desta fase tão rica de experiências”. (SOUZA, 2014, p. 47).
A postura da mão ao posicionar a agulha quando no ato de costurar os tecidos
nos cortes geométricos (patchwork) formando belíssimas colchas de retalhos,
no casear do appliqué de diversos designs na construção de uma arte têxtil e
na liberdade de caminhar na costura do quilting ocorre, efetivamente, “um
12
acontecimento”, para os filósofos Deleuze e Guattari “o acontecimento não é
feito somente de variações inseparáveis, ele mesmo é inseparável do estado
de coisas, dos corpos e do vivido nos quais se atualiza ou se efetua.” (2010, p.
189).
A descoberta que o criar se faz presente, aflorando uma grande produtividade
nesta criação - “quanto mais costuro, mais quero costurar” - palavras que são
constantemente ditas quando a pessoa entra em contato com essa arte. E este
sentimento ganha força maior na fase da maturidade, numa época mais
avançada da vida. Portanto, Souza considera que para estar bem é preciso
agir, buscando na criatividade a melhor opção de vida. Assim diz:
É preciso ter na idade avançada, como em qualquer época da vida,
uma paixão, um sonho, um desejo de avançar, a despeito dos
reveses vividos. Assim é viver criativamente. Viver é o contínuo
processo de renascimento. A criatividade pode florescer na
maturidade e transformar esses reverses em possibilidades. (2014, p.
48).
“Já que têm de ser gravadas rugas na nossa testa, não deixemos que elas se
gravem em nosso coração; o espírito não deve envelhecer” James Garfield.
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 Uma breve história do Patchwork, Appliqué e Quilting
Patchwork é “trabalho com retalho”. É uma técnica que une, através da costura
à mão ou à máquina, pedaços de tecidos de formas geométricas variadas,
formando uma só peça. Foi inventado como meio de aproveitar restos de
tecidos, podendo ser denominado como “topo” o trabalho costurado antes de
ser acolchoado (quilting) e, não necessariamente, necessita de ser acolchoado;
o patchwork também se apresenta sozinho.
Para Santos, matemático e doutor em psicologia cognitiva, diz:
O patchwork é conhecido como um trabalho construído a partir da
emenda de retalhos, costurados de modo a gerar desenhos,
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compondo a parte de cima de uma peça e formando um grande
design. Os mosaicos de patchwork são montados com pedaços de
tecidos de algodão em cores e estampas variadas, que, combinadas,
possibilitam a visualização de diversos padrões geométricos
(quadrados, retângulos, triângulos, etc.) em sua composição, formas
essas que são cuidadosamente medidas e cortadas. Existem várias
técnicas para que se possa chegar a esse tipo de resultado. (2012,
p.13).
Para Melo, graduada em Artes Plásticas, especialização em Design da Moda, e
Artesã, relata em seus estudos que:
As peças mais antigas que se tem notícia são “uma tenda funerária
egípcia de patchwork e aplicações do século IX A.C., pertencentes à
Rainha Isiem-Kebs, a capa de uma sela de montaria com aplicações
de feltro do séc. V ou IV A.C., no sul da Sibéria, um tapete
acolchoado da região cito siberiana do século I A.C (cujas bordas
estão decoradas com guarnições de formas aplicadas com desenhos
de linhas acolchoadas trabalhadas em ponto atrás), mas a
complexidade desses trabalhos sugere que sua origem seja um
pouco anterior.” (BRITTAIN, 1979, V.3, p.8)
Ao passo que o norte da África, Turquestão, Pérsia, Síria, Índia e
China desenvolveram e empregaram trabalhos têxteis de patchwork e
somente no século XI o patchwork e a aplicação foram introduzidos
na Europa, através das Cruzadas. A Europa passou a usar estas
técnicas em suas bandeiras, estandartes, tapeçaria, vestes litúrgicas,
artigos de cama e mesa. (DEVELYN, 2005)
O appliqué é uma técnica na qual se aplica motivos/desenhos/símbolos de
inúmeras variações com costura à máquina ou à mão sobre um tecido de
fundo. A aplicação foi inventada para remendar tecidos gastos ou com orifícios,
cobrindo-os mediante remendos. Ao longo do tempo, foram se tornando mais
decorativos ao se começar a recortar os remendos em diferentes formatos e
rematar suas bordas com fios em realce.
Melo ressalta:
Por ser a aplicação mais rápida de ser executada do que o bordado,
e ao mesmo tempo capaz de alcançar um bom resultado estético, foi
muito usada do século XIII ao XVII, muitas vezes para substituir o
bordado. Na Itália, na Alemanha e na França, a grande parte das
aplicações era feita mais em artigos domésticos tais como roupas de
cama, enquanto na Inglaterra eram mais usadas nas peças
eclesiásticas e vestuários. Era comum também a “aplicação persa”
feita com ponto de caseado em volta dos motivos aplicados. Os
motivos mais comuns eram emblemas, letras, escudos de armas,
pássaros, flores e animais. (DEVELYN, 2005)
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O quilting é a costura decorativa, escrita com linha em vários elementos e
desenhos, sobre o tecido liso, bem como no topo de patchwork e na aplicação.
Esta costura pode ser com linhas neutra ou colorida, dependendo da
criatividade de cada artesão ou, também, pode atuar sozinho se transformando
em verdadeira obra de arte.
Em seus estudos, a quilter Marcia Baraldi, referência no Brasil, afirma que “o
quilting consiste em acolchoar ou formar o tão conhecido sanduíche composto
de tecido de topo, manta e tecido de forro [...] a costura artística que prende as
camadas do sanduíche e enriquece o trabalho, dando alma ao corpo”. (2016,
p.5).
Passado algum tempo, esta arte se estendeu a fins decorativos. As pesquisas
não mostram a data precisa de sua origem, porém existem registros históricos
de que faz acolchoados desde que o homem aprendeu a tecer.
Melo traz que:
O quilting, ou acolchoamento, já era utilizado na Europa, e tinha uma
relação com os colchões usados pelos romanos. Os soldados já
usavam roupas protetoras, mas quando os Cruzados vieram da
Palestina, trouxeram camisas acolchoadas pelos sarracenos. Este
tipo de acolchoamento em vestimenta foi muito usado pelos soldados
até no século XIX. (DEVELYN, 2005)
Percebe-se o encantamento e o poder de criação que o patchwork, o appliqué
e o quilting proporcionam, no entanto, foram criados inúmeros desenhos e
todos receberam nomes específicos do local de origem de sua criação, até
chegar nos dias de hoje e, certamente, terão ainda uma rica história se formos
pesquisar.
Patchwork, appliqué e quilting, atualmente, vêm conquistando a América do
Sul, principalmente o Brasil, com suas belezas, seus diferentes coloridos,
formas de se criar e compor uma peça e, por conta de seus poderes
terapêuticos (terapia através da arte), estão sendo indicados tanto por
psicólogos como psiquiatras.
“A linha é um ponto que saiu para caminhar” - Paul Klee.
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3.2 Processos de Criação
O processo todo se inicia na escolha dos tecidos, das linhas e no projeto de
construção de sua colcha (quilt), pois a todo o momento o indivíduo usa sua
criatividade tanto no ato de cortar e costurar os tecidos, como canalizando
energias positivas a seu favor trazendo satisfação e felicidade.
Em seus estudos, Patrícia P. Bernardo, Pós Doutora em Mitologia Criativa e
arteterapeuta, diz:
Os fios, laços e nós, bem como a atividade de tecer e costurar, atar
pelo nó e desatar pelo corte, correspondem, em sua simbologia, a
formação de vínculo, aos envolvimentos (laços), aos bloqueios (nós)
e ao des-envolvimento (corte) através da libertação das amarras que
nos prendem e nos impedem de continuar crescendo, liberando
energia psíquica que pode, então, ser canalizada para a formação de
novos vinculos. (2013, p.27)
Propor a técnica do patchwork bem como o do appliqué e do quilting, onde as
três técnicas estão relacionadas ao ato de costurar, envolvendo retalhos
coloridos ou neutros, potencializa uma capacidade de criar.
Fayga Ostrower, grande referência nas artes e nos processos de criação,
considera criatividade como:
Um potencial inerente ao homem, e a realização desse potencial uma
das suas necessidades [...] as artes são vistas como área privilegiada
do fazer humano [...] criar e viver se interligam. (2014, p.5)
Ostrower relata que “criar corresponde a um formar, um dar forma a alguma
coisa. Sejam quais forem os modos e os meios, ao se criar algo, sempre se o
ordena e se configura.” (2014, p. 5)
A arte atua como facilitadora da criatividade, libera o processo criativo, dá
liberdade para que você se expresse de qualquer forma e em qualquer técnica
sem críticas, sem censura, existindo somente o estímulo e você.
Ainda segundo os ensinamentos de Ostrower:
Os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição. Embora
integrem toda experiência possível ao indivíduo, também a racional,
trata-se de processos essencialmente intuitivos. Esses processos se
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tornam conscientes na medida em que são expressos, isto é, na
medida em que lhes damos uma forma. (2014, p. 10)
Acredito que a criatividade que se constrói no fazer, forma e transforma,
podendo ser muitas vezes diante de dificuldades ao executar uma técnica, mas
com dedicação, amor, sensibilidade se vai abrindo caminhos para novas
possibilidades. É uma busca constante de significados que estão em nossas
atitudes.
Uma explicação concreta de Fayga Ostrower:
Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda
motivação humana de criar. Impelido, como ser consciente, a
compreender a vida, o homem é impelido a formar. Ele precisa
orientar-se, ordenando os fenômenos e avaliando o sentido das
formas ordenadas; precisa comunicar-se com outros seres humanos,
novamente através de formas ordenadas. Trata-se, pois de
possibilidades, potencialidades do homem que se convertem em
necessidades existenciais. O homem cria, não apenas porque quer,
ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto
ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando.
(2014, págs. 9 e 10)
Considero que todos os instrumentos que usamos para a confecção de uma
colcha de retalho, como o tecido, agulha, linha, manta e outros, são todos
símbolos de um só destino, o destino da transformação, que vem do nosso
poder de criar novas formas, no âmbito da intuição, da própria essência, pois
tudo o que está ao seu lado se transforma também, o universo conspira a
favor.
Corroborando essas ideias tem-se que:
Como processos intuitivos, os processos de criação interligam-se
intimamente com o nosso ser sensível. Mesmo no âmbito conceitual
ou intelectual, a criação se articula principalmente através da
sensibilidade [...] a sensibilidade não é peculiar somente a artistas ou
alguns poucos privilegiados. Em si, ela é patrimônio de todos os
seres humanos [...] a sensibilidade é uma porta de entrada das
sensações. (OSTROWER, 2014, p. 12)
Muitas vezes presenciei, em algumas clientes, na criação e execução da
técnica do patchwork ou mesmo do appliqué ou quilting, o que é mais comum -
o medo de errar e de fracassar, mesmo no ápice da criação – gerando
desconforto pessoal, social e até mesmo familiar.
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Esses momentos em que certos erros e certas cobranças surgem, poderão
despertar o quanto somos seres humanos, o quanto a verdade de cada um se
faz presente nas intenções durante o ato da criação.
Fayga Ostrower ressalta:
O nosso mundo imaginativo será povoado por expectativas,
aspirações, desejos, medos, por toda sorte de sentimentos e de
“prioridades” interiores. Se é fácil deduzir-se influência que exercem
sobre a nossa mente, no sentido de encaminhar as associações para
determinados rumos e renovar determinados vínculos com o
passado, do mesmo modo é fácil saber que as prioridades interiores
influem em nosso fazer e naquilo de “queremos” criar. (2014, p. 20)
“Queremos dizer que a criatividade e os processos de criação são estados e
comportamentos naturais da humanidade. A criatividade é, portanto, inerente à
condição humana”. Fayga Ostrower.
3.3 Mulheres maduras - o que buscam nessa fase da vida?
O que as mulheres buscam nessa fase da vida? Quando faço esta pergunta,
logo ouço: “Costurar!!! Faz bem pra alma, irradia felicidade!” São expressões
verdadeiras que demonstram o encantamento e o poder do ato da costura...
Quando chega a fase da melhor idade, existem muitas mudanças em nossa
vida, por toda trajetória vivida, suas dificuldades, certezas e incertezas e que,
muitas vezes, não percebemos o que estamos acumulando dentro de nós.
A mulher, em vários momentos, entra em um processo de silêncio e
introspecção, em função das dificuldades inerentes ao momento da vida, onde
o tédio passa a tomar conta do dia a dia. Confirmando essa ideia apresento as
palavras abaixo:
A maioria das pessoas leva uma vida de desespero silencioso,
certamente é porque o trabalho para muitos indivíduos é degradante
e desmoralizante. Mesmo aqueles que conseguiram as posições a
que aspiravam frequentemente darão consigo estranhamente
tomados pelo tédio. (THOREAU apud HOLLIS, 1995, p.41)
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Experiências acumuladas poderão ser riquíssimas para a busca de qualidade
de vida ao chegar à maturidade, como afirma James Hollis, analista junguiano:
Todos nós já tivemos momentos em que tivemos vontade de nos
afastar da loucura do mundo, e um recolhimento ocasional
certamente pode renovar a alma. Mas fugir para sempre significa
evitar o posterior desenvolvimento da identidade pessoal. Mais uma
vez, Jung expressou com eloquência essa tarefa: O curso natural da
vida requer que o jovem sacrifique sua infância e sua dependência
infantil dos pais físicos, para que não permaneça preso em corpo e
alma nos laços do incesto inconsciente. O medo é um desafio e uma
tarefa, porque somente a coragem pode livrar-nos do medo. E se não
corrermos o risco, o significado da vida será de algum modo violado,
e todo o futuro condenado a uma deterioração sem esperança, a um
cinzento opaco iluminado apenas por quimeras e ilusões. (1995, p.56)
A dor decorrente de algo ocorrido no passado, a morte interior de um
relacionamento fracassado, ou a alegria de uma vida interior nascendo,
acredito que podem ser expressas através de uma costura, ao escolher um
determinado tecido para a costura do patchwork, a agulha e linha se
posicionando na postura debaixo para cima de um caseado para a aplicação
do standard escolhido com um significado em sua vida, muitas vezes
inconsciente, este ato criativo pode resultar na descoberta de um momento de
felicidade.
Hollis relata que:
A verdade é simplesmente que aquilo que devemos saber virá de
dentro de nós. Se pudermos alinhar a nossa vida com essa verdade,
não importa quão difíceis os desgastes do mundo, sentiremos um
efeito benéfico, esperança e vida nova. (1995, p.131)
Acredito que muitas vezes temos que descobrir com “grandeza” o que é melhor
para a felicidade acontecer em nossa vida. Confirmando essa ideia, Clarissa
Pinkola Estés, poetisa premiada e psicanalista junguiana, relata:
Os atributos paradoxais do que é grande são primeiramente ser sábia
e ao mesmo tempo estar sempre à procura de novos conhecimentos;
ser cheia de espontaneidade e confiável; ser loucamente criativa e
obstinada; ser ousada e precavida; abrigar o tradicional e ser
verdadeiramente original. (2007, pág. 10)
O ato de costurar e criar com o tecido, a agulha e a linha, poderá transformar a
produção em verdadeira obra de arte, deixando o criador sem se dar conta de
que a sua criatividade facilitou o contato com questões guardadas, deixando
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aflorar situações de vida que poderão ser ressignificadas. “Quando uma
pessoa vive de verdade, todos os outros também vivem, quando uma criatura
resolve se dedicar a viver do modo mais pleno possível, muitas outras que
estiverem por perto se deixarão contagiar”. (ESTÈS, 2007, p. 14)
Sem dúvida, o estímulo para a criação através do patchwork, do appliqué e do
quilting, proporciona um combustível para o viver melhor na melhor idade,
transformando a vida em uma existência saudável e sábia. Assim complementa
Estès “[...] por todas as idosas que estão tecendo uma vida vigorosa,
preenchendo a trama com no mínimo um fio de ousadia, dois fios de
impetuosidade e três de sabedoria.” (2007, p. 95)
Será que estou sendo impetuosa e ousada com esse estudo? Sem dúvida...
acredito que não!
Escolher e buscar o que nos proporciona o bem é usar os três fios de
sabedoria que, segundo Estès, diz:
Escolher tornar-se mais sábia significa sempre escolher aprender de
novo. Independentemente da idade, condições ou situações, o
espírito da avó significa ensinar que lutar para crescer em sabedoria
e reformular e criar vida nova são atos de inteligência. (2007, p. 58)
Os mistérios e segredos de cada indivíduo são únicos, nada acontece sem
uma razão ou por uma razão e, ao desvendarmos esses enigmas, ocorre um
“acontecimento”, resultando em uma “Colcha de Retalhos”.
Todos temos, dentro de nós, o criar e, assim, complemento essas ideias com
as palavras abaixo:
O Artista acrescenta sempre novas variedades ao mundo. O artista é
mostrador de afectos, inventor de afectos, criador de afectos, em
relação com os perceptos ou as visões que nos dá. Não é somente
em sua obra que ele os cria, ele os dá para nós e nos faz
transformarmos com eles, ele nos apanha no composto. (DELEUZE e
GUATTARI, 1992, p. 207).
Com o patchwork, o appliqué e o quilting, podemos proporcionar a este artista
meios para a sua criação, meios de fazer melhor, transformando tecidos em
colcha de retalhos, pois o que o ser humano, enquanto humano, busca na
maturidade, o envelhecer “feliz”, onde a mente comanda seu corpo.
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Complementando essas ideias, trago o pensamento de Otília Rosangela
Souza, neuropsicóloga, arteterapeuta, máster em Criatividade, especialista em
Geriatria e Gerontologia, que diz: “Todo ser humano envelhece. O que difere é
o modo de chegar à Terceira Idade. Envelhecer satisfatoriamente depende do
delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo”.
(2014, p.41).
E complementa a autora:
Para se alcançar uma maturidade saudável, é necessário cuidar de
si, do bem-estar físico e mental durante toda sua existência [...] ao
superar obstáculos, adquire-se experiência, autoestima, e aprende-se
a valorizar cada conquista no imprevisível espetáculo da vida. Afinal,
viver com alegria é uma obra de arte. (SOUZA, 2014, p.45)
Alguns estudos mostram que a realidade de hoje está transformando nossa
sociedade em relação à velhice. Busca-se um envelhecimento saudável que,
através da estimulação da criatividade, irá contribuir para uma vida saudável
nos aspectos físico, mental e espiritual. Souza diz:
A criatividade contribuirá como um instrumento para criar a si mesmo
e aproveitar ao máximo o próprio potencial. Quando as pessoas da
terceira idade (idosos) têm a oportunidade de acionar o espirito
criativo, de se descobrirem e se expandirem na criatividade,
mergulham no arco do tesouro da sua riqueza interior e se
transformam. (2014, p. 51)
Os benefícios de se estimular a criatividade na maturidade implica no bem
estar do ser humano e, pode-se entender que existem segredos nesta
“costura”, como descreve Souza:
O segredo do bem viver está no aprender a conviver com as próprias
limitações, entendendo, aceitando, visualizando novas alternativas,
aproveitando todas as capacidades. Conhecer-se, ser dono dos
próprios desejos, construir relações positivas são armas eficazes que
propiciam bem estar. (2014, p. 52)
O propósito de costurar os tecidos e transformá-los em colcha de retalhos
acaba agindo como um exercício para a felicidade, que nas palavras de Souza:
O exercício da criatividade pode não curar as doenças, nem eliminar
limitações inerentes à idade avançada, mas pode auxiliar na
amenização da dor ou no encontro de uma postura mais positiva
diante da vida e da forma de ser, ou ainda despertar a vontade de
buscar a própria felicidade. (2014, p. 55)
21
Costurar, retalho por retalho, ponto por ponto, visualizando linhas adentrando
pelos retalhos é um momento de descobertas dos mistérios da vida, trazendo
para o autoconhecimento novos pontos de vista para uma determinada
situação que poderá ser desbravada com um simples costurar de uma trama,
descobrindo o caminho da felicidade.
Hollis (1995, p.144), em sua obra, ao apresentar o mitólogo Joseph Campbell
afirma que, quando era perguntado a este como deveríamos viver, ele gostava
de responder: “Siga a sua felicidade!”
Para finalizar o estudo em relação à possibilidade da arte da costura como
disparador da criatividade, na maturidade, Hollis diz:
Um dos pronunciamentos de Jesus toca exatamente no ponto que
precisamos aceitar para que possamos passar por uma
transformação na meia-idade. Ele disse: “Se trouxeres à tona o que
está dentro de ti, o que está dentro de ti te salvará. Se não trouxeres
à tona o que está dentro de ti, o que não trouxeres à tona te
destruirá”. (1995, p. 132)
“A estátua já está contida na pedra, sempre esteve na pedra desde o princípio
dos tempos e o trabalho do escultor é vê-la e libertá-la”. Michelangelo
3.4 Arteterapia
A Arteterapia vem surgindo e marcando seu lugar como uma terapia alternativa
e/ou complementar, estimulando a criatividade, proporcionando ao cliente
autoconhecimento, e ampliação da consciência através de caminhos mais
tênues, mais fecundos, mas não menos profundos.
Carla Maciel e Celeste Carneiro, arteterapeutas junguianas, referências em
Arteterapia no Brasil, conceituam que “a Arteterapia nos conduz a captar sinais
silentes, a “ouvir” os gritos de socorro implícitos nos gestos, nos traços, nas
cores e nos símbolos plasmados no encontro”. (2012, p.48).
Nesta questão, a Arteterapia deixa o cliente à vontade, permitindo o seu
encontro consigo mesmo, resgatando atitudes adormecidas ao longo da vida,
22
gerando uma dinâmica única e possibilitando a escuta da própria alma, o pulsar
do próprio coração. Como afirma Maciel e Carneiro:
A cura do paciente passa, sobretudo, pela ressignificação dos
problemas e tomada de consciência sobre a sua dinâmica psíquica,
distanciando-se, apesar da expectativa de alguns, do cruel
compromisso de se atingir um padrão ideal, movimento este que nos
adoece ainda mais. A arte, pela sua riqueza simbólica, é mestre em
nos conduzir a rever o nosso olhar sobre nós mesmos e a criar novos
campos de visão, novos pontos de vista sobre um conteúdo, conflito
ou situação vivenciada. (2012, p. 48/49).
Para a psicóloga junguiana e arteterapeuta Maria Cristina Urrutigaray:
A criação concebida por Jung possibilita uma reorganização criativa,
onde novos caminhos, como sua linguagem e o sentido de orientação
dela desprendido, dão espaço para desenvolver experiências onde a
sensibilidade pode unir-se à racionalidade, originando novos cenários
possíveis à vida humana. (2011, p. 25).
Ao usar das técnicas criativas, “o trabalho de um arteterapeuta é o de estimular
o sujeito a criar até a finalização de sua abra, observando neste percurso suas
atividades, reações e expressões orais, durante a execução do trabalho”.
(URRUTIGARAY, 2011, p.33).
O arteterapeuta, mais do que tudo, deve estar completamente seguro e
consciente das sensibilizações e vivências utilizadas e, no caso deste estudo, é
importante o domínio da técnica (patchwork, appliqué e quilting), bem como
dos fundamentos dessa linguagem expressiva.
Considero que a estratégia do trabalho com arte nos possibilita o acesso no
universo do imaginário, a busca por metas para uma mudança no bem estar
psíquico, bem como o conhecimento de “si-mesmo”. Dessa maneira “a
Arteterapia alcança sua meta como função terapêutica por permitir essa
passagem de um conteúdo inconsciente, não assimilado, transmutado ou
transformado em outro consciente” (URRUTIGARAY, 2011, p. 27).
Uma maneira que torna clara e compreensiva esta questão são as palavras de
Maciel que, a esse respeito afirma: “o terapeuta só conseguirá desbloquear a
criatividade no outro se estiver exercitando-a em sua própria vida, buscando
um constante aprimoramento” (2012, p. 72).
23
Contudo, considero fundamental atenção e cautela do profissional nas
escolhas e preferências em relação ao gênero de criação, para não deixar
despertar mecanismos de defesa, ou projeções indesejáveis. Neste sentido,
Maciel, complementa:
O arteterapeuta é o parceiro indispensável de uma longa, imprecisa e
surpreendente viagem rumo ao mistério, ao desconhecido. Não se
sabe bem aonde se vai chegar, mas confia-se no seu trajeto rico em
cores, sons, movimentos, superações...[...] Eles coordenam o
“museu” da alma [...] onde ambos, cliente e terapeuta, se inebriam e
se comovem com tamanha beleza e inspiração. (2012, p. 72).
Para finalizar, o trabalho com recursos artísticos possibilita a busca de nossos
tesouros internos, conforme Bernardo coloca:
O trabalho com recursos artísticos, proporcionando uma maior
conexão da consciência com o centro da personalidade total (Self),
promove o processo de individuação de nos tornarmos mais inteiros,
não divididos e sintonizados com um propósito maior para nossas
vidas. (2013, p. 206)
“O tempo é uma agulha delicada que costura a alma rasgada.” (autor
desconhecido)
4. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho realizaram-se oito encontros no espaço “Ateliê
Eliana Maria” (espaço próprio), numa frequência de uma vez por semana, com
duração de 3hs cada encontro, com um grupo composto por três mulheres,
assim identificadas:
Esmeralda, 35 anos, professora, casada, com duas filhas (uma já casada),
gosta de cozinhar, síndica de sua vila residencial, marido é contador.
Jade, 48 anos, superior incompleto em comunicação social, do lar, participação
esporádica em bazar de artesanato, divorciada, tem um filho de 20 anos.
Cristal, 79 anos, 2º grau completo, do lar, casada, tem um casal de filhos,
marido aposentado.
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As oficinas seguiram um eixo de realização formado por: apresentação do
tema, sensibilização, atividade expressiva, socialização do trabalho e
fechamento da proposta.
“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”! Cora Coralina
5. COSTURANDO AS OFICINAS
Neste momento da escrita, apresento os ricos momentos vivenciados pelas
mulheres, trazendo toda a possibilidade de transformação e ampliação da
consciência que esse trabalho ofereceu.
Durante as Oficinas Durante as Oficinas
5.1 Oficina 1 – Costurando o vínculo, o suporte, a base.
Esse encontro teve como objetivo criar um espaço que pudesse ser acolhedor
e continente, para que todas as participantes pudessem se sentir seguras e à
vontade durante o processo. Facilitar, através do ato de costurar, um processo
de abertura para novas possibilidades. Confirmando essa ideia, seguem as
palavras de Patrícia Bernardo, quando comenta a importância da construção
do vínculo:
A atividade de tecer e costurar, atar pelo nó e desatar pelo corte, corresponde, em sua simbologia, á formação de vínculos, aos envolvimentos (laços), aos bloqueios (nós) e ao des-envolvimento (corte) através da libertação das amarras que nos prendem e nos impedem de continuar crescendo, liberando energia psíquica que
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pode, então, ser canalizada para a formação de novos vínculos. (2013, p. 27).
Como sensibilização, foi apresentado o vídeo do filme “Colcha de retalhos”
(ANEXO 1). Histórias vividas enriquece nossa sabedoria e jamais devemos
esquecer-nos dos nossos propósitos de vida, percorrer nossos caminhos com
dignidade e astúcia, por mais sinuosos que sejam, não nos permitindo adoecer,
libertando-nos de nossas angústias, de nossas amarras.
A atividade expressiva consistiu no preparo do “alicerce”, da base, do suporte
físico e psíquico para receber o trabalho a ser executado nas outras oficinas
desse estudo, que na linguagem do Patchwork é o “forro” constituído por um
tecido, seguido de uma manta de poliéster como recheio, e por ultimo o
trabalho de Patchwork que é denominado como “topo”, como: preparar o centro
e as faixas de união dos 4 blocos a serem costurados nas oficinas seguintes
desse estudo, bem como a borda e o acabamento (debrum), que seria a
finalização da Colcha de Retalho; serão oferecidos tecidos com muitas
variações de cores e estampas para a execução da atividade. Todo este
preparo será reservado para serem unidos com os quatro blocos que serão
confeccionados nos demais encontro.
O grupo encontrou-se muito à vontade e empolgado em executar a atividade.
Transparecia, nos olhos das mulheres, uma grande ansiedade, aliada à grande
concentração e, ao mesmo tempo, trocavam assuntos de sua jornada diária, de
experiências vividas tanto na vivência com a costura como familiar. Quanto à
empolgação durante o processo da atividade, Maciel descreve:
Técnicas criativas são dinamizadoras de insights, visões de dentro, e
de movimentos internos, possibilitando a ação de transformar-se, ou
seja, de ir para além daquela forma. Ao darmos um novo sentido e
destino aos materiais, possibilitamos uma transformação simultânea
no nível psíquico. (2012, p. 56).
Cristal é a mais falante e rápida e ficava muito animada ao contar suas
histórias, até chamando atenção de suas colegas. Jade sempre agradecendo a
oportunidade de estar ali e com semblante de felicidade. Esmeralda super
empolgada no que fazia, admirando suas escolhas. Já no meio da sessão,
parecia que se conheciam há muito tempo.
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No final de cada encontro, solicitei uma só palavra para cada uma destas três
perguntas: Cor? Palavra? Sentimento?
Jade foi a primeira a falar, menciona:
Estou no momento de cuidar, de acreditar e de construção. (Sic).
Cor: Lilás; Palavra: Construção; Sentimento: União.
Pode-se dizer que está no momento de reorganização de sua vida, união
mãe/filho por estar atravessando uma fase na qual necessita estar mais
próxima de seu filho. Consultando o dicionário dos símbolos, Chevalier e
Gheerbrant proferem “toda construção renova a obra de criação [...]
ordenamento do caos, harmonização.” (1906, p. 274).
Preparo da base (faixas) - Jade Preparo da base (faixas) - Jade
Cristal foi a segunda a se colocar, com uma vontade enorme de falar a seu
respeito e faz um desabafo:
Faz tempo que queria fazer alguma coisa como esta que estamos
fazendo, é tão gostoso que chega a hora de ir embora e não quero ir
...é tão bom pra minha saúde ...então esse encontro faz eu olhar dentro
de mim ...é um banho na minha alma de tranquilidade, equilibra a mente
...no entanto quando chega a hora de estar acabando a aula eu não
quero voltar pra minha casa ...então eu tenho que assumir isso ...já o
meu casamento foi meio empurrado né ...fui criada pelos meus avós,
meu pai era jogador ...morreu numa mesa de jogos ...minha mãe nunca
sentou comigo como hoje em dia ...as mães conversam ...eu nunca tive
isso ...então o que eu aprendi no mundo e o que sou hoje foi quebrando
27
a cara ...assumindo a força que apanhei, caí, levantei e fui adiante
...agora vou ter que tomar atitudes ...mas eu tenho que ter calma ...
primeiro lugar tenho que cuidar da minha explosão ...tenho que
aprender a me controlar antes de qualquer coisa ...foi bom pra
esquecer, se desligar de tudo que nos incomoda ...estou aqui fazendo
uma coisa gostosa. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Lealdade; Sentimento: Paz.
Percebeu-se o que mais Cristal mencionou é a busca de “força” e até mesmo
mencionava com um tom de voz forte, para se ter a “Paz”, bem como a
sincronização nas respostas das perguntas sobre a cor, palavra e sentimento
por ela escolhida. Para uma melhor explicação e compreensão deste
simbolismo recorro à Chevalier e Gheerbrant, que dizem:
A Força é o símbolo da Pureza moral, da Inocência perfeita [...] as
energias para o combate [...] Esse simbolismo é claro no plano
psicológico, em que nossa vontade precisa domar e utilizar as forças
do inconsciente, a fim de realizar o melhor de nós mesmos. (1906, p.
446/447). O azul é a mais profunda das cores, nele, o olhar mergulha
sem encontrar qualquer obstáculo, perdendo-se até o infinito, como
diante de uma perpétua fuga das cores. (1906, p.107). No budismo
tibetano, o azul é a cor de Vaicorana, da Sabedoria transcendente, da
potencialidade. (p.109). A Paz é do estado central, edênico, liberto de
todas as agitações do mundo, é um estado de contemplação
espiritual. (1906, p. 694).
Preparo da base (faixas) - Cristal Preparo da base (faixas) - Cristal
Esmeralda foi a última a comentar:
Eu tô reorganizando meu mundo né ...de ter a minha filha fora de casa
porque se casou e a outra filha logo vai procurar o rumo dela ...eu acho
que o trabalho manual, o Patchwork em especial, na costura
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desmancha, mas no corte não dá pra desmanchar ...se você não tiver
entregue para aquilo, corta errado e tem que descartar ...então é o
momento de você largar as coisas que estão ocupando a sua mente,
infernizando a sua alma ...para mim funciona como exorcizar as coisas
...esse foi o momento de cada uma olhar pra si ...jamais que três ilustres
desconhecidas falariam se não tivesse esse momento antes ...são
assuntos íntimos, é o momento que a gente parou, focou no patchwork,
na escolha do tecido e para e pensa e projeta ...eu acho que isso nos
permitiu que nos entregássemos neste momento que no dia a dia não
dá tempo. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Família; Sentimento: Reorganização.
Já no primeiro encontro, percebeu-se que Esmeralda se entregou ao
sentimento de ressignificação, dando muito valor a esse “acontecimento”; as
três palavras usadas por Esmeralda, apresentam seu valor simbólico, “o azul é
a mais profunda das cores: nele, o olhar mergulha sem encontrar qualquer
obstáculo”, segundo Chevalier e Gheerbrant (1906, p.107).
Preparo da base (faixas) - Esmeralda Preparo da base (faixas) - Esmeralda
5.2 Oficina 2 – Costurando sua graça!
O segundo encontro teve como objetivo permitir o resgate da história de vida
mediado pela Arteterapia utilizando-se da costura, linhas e tecidos, desenvolver
o amor próprio e investigar o posicionamento em relação ao seu próprio
destino, costurando sua “graça”, seu nome, ao som da música “Só Eu Sou Eu”
do cantor e compositor Marcelo Jenesi (ANEXO 2).
Nós, seres humanos, temos muita resistência em encararmos a nossa jornada,
bem como resgatar as jornadas anteriores e interiores; se tivéssemos a força
29
que vem do espírito, a sabedoria que nos alimenta por toda a vida, aceitar,
entender e encarar esta natureza, nos tornaríamos conhecedores de nosso
desenvolvimento, deixando surgir “acontecimentos” enriquecedores para um
autorrelacionamento saudável.
A atividade expressiva consistiu na costura do primeiro bloco que constitui a
Colcha de Retalho, utilizando a Técnica Appliqué para confeccionar um
“Totem”1. Escolher um tecido para a base, um para a aplicação. Aplicar o
termocolante no tecido para a aplicação, dobrar o tecido com o termocolante na
metade, direito com direito, escrever em letra cursiva seu nome no sentido que
a dobra sirva de linha e base para a sua escrita. Em seguida recortar todo o
contorno de seu nome do lado oposto à dobra. Abrir e verá o motivo. Aplicar o
“totem” no tecido de base, costurar à mão com ponto caseado por toda a volta
do motivo.
Ficaram muito curiosas em saber o que seria o “tal” do “totem” até o momento
de recortar o nome. Foi uma surpresa em ver que seu nome transformou-se
num desenho lindo, justificando a sensibilização - “só eu sou eu”. No momento
do caseado da aplicação e costura à mão, foi um momento mágico de atenção,
concentração, silêncio, transformação no semblante, relaxando as marcas da
testa. Um momento de comunhão, só meu ... só eu sou eu!! Para Bernardo:
Ao trabalharmos com conteúdos relacionados aos atributos do
Feminino, estaremos favorecendo a estruturação de aspectos
psíquicos relacionados ao desenvolvimentodo amor próprio como
base da confiança que depositamos em nós mesmos, em nossos
sentimentos e na vida em seu constante fluir. (2013, p. 47).
No fechamento, Esmeralda demonstrava estar feliz e afirmou:
Interessante, eu não fui brilhante como meus irmãos, eu era o patinho
feio né lá de casa ...deixo de fazer as coisas pra mim ...pra fazer para
os outros ...então depende do que você quer pra você ...enquanto eu
estava preocupada com os outros ...eu era mais uma ...agora apesar da
genialidade do meu irmão e do brilhantismo da minha irmã ...quem virou
1 Totem = Proposta foi dada em supervisão pela Profa. Lídia Lacava. Técnica apresentada como uma dobradura partindo de um nome. Totem significa símbolo sagrado adotado como emblema por tribos ou clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores, que pode ser em forma de poste ou coluna.
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alguma coisa fui EU ...então a gente tem que desmistificar o que o outro
pensa a respeito do que a gente fez, né ...gera uma angústia ...uma
ansiedade ...joga pra cima e deixa o sonho chegar ...estou me
aproximando mais da minha filha solteira, dizendo o meu sentimento
por ela.”(Sic). Seus olhos encheram de lágrima ao dar este depoimento
e em seguida, olhou para seu totem pronto e falou: “não via a hora de
terminar pra ver como ia ficar ...tem essa coisa do enigma ...e o bordar
da aplicação é um momento único, seu, do cuidar ...às vezes um
pontinho ficava maior eu desmanchava ...momento de observar ...bem
introspectivo ...de descobertas!!! (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Amor; Sentimento: Eu me amo.
Momentos de descobertas de um verdadeiro amor que estava adormecido, o
amor por si proprio e o amor mascarado que a filha poderia estar esperando
para ouvir a muito tempo, não existindo mais obstáculos para este
“acontecimento”, concluindo com uma passagem do conto Eros e Psiquê por
Chevalier e Gheerbrant ,
Antes de tudo existiu o Abismo; depois a Terra de flancos amplos,
assentada firmemente, oferenda perene a todos os vivos, e o Amor, o
mais belo dentre os deuses imortais, aquele que derreia os membros
e que, no peito de todo deus como de todo homem, doma o coração
e a vontade prudente. (1906, p.46).
Costurando o Totem - Esmeralda Totem - Esmeralda
Jade olhando para o totem:
Éhhhh...é pra refletir. (Sic).
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Percebe-se um nó na garganta e não disse mais nada, só no final que
comentou:
Éhh rever ...descobrir o encantamento ...é difícil quando a gente entra
nesse ciclo ...se isola ...e não consegue enxergar de outro ângulo ...a
familia é tudo pra gente ...uma base ...a gente tem que descobrir um
jeito de se encantar novamente de se ressignificar mesmo ...eu acho
assim ...tem hora ...no geral ...a gente tem vícios de criticar e não abre
para as coisas boas ...uma energia melhor. (Sic).
Cor: Verde; Palavra: Descoberta; Sentimento: Reflexão.
Momentos de ressignificação, momentos estes que propiciam novos
significados a estes “acontecimentos”, exatamente o enxergar de outro ângulo,
uma nova visão aos valores que são atribuídos às novas descobertas. Para
Chevalier e Gheerbrant, na teoria dos símbolos, “cor verde é o despertar da
vida, cor da água, da esperança, da força, da longevidade, da imortalidade
universalmente simbolizada pelos ramos verdes”. (1906, p. 939).
Costurando o Totem - Jade Totem - Jade
Cristal quieta com expressão sorridente diz:
Em casa não tenho estes sentimentos que estou tendo, pareço uma
criança ...eu amo fazer trabalhos manuais e a costura pra mim
...supera!!! ...é a única coisa que me deixa tranquila! (Sic).
Cor: Rosa; Palavra: Luta; Sentimento: Procura.
Observa-se uma procura pelo amor e pelo poder, numa análise das palavras e
seus simbolismos, que para Chevalier e Gheerbrant “a rosa tornou-se um
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símbolo do amor e mais ainda do dom do amor, do amor puro; simbolismo de
regeneração” (1906, p.789) e “luta era um meio de captação dos poderes: o
vencedor saía do combate carregado com um acréscimo de forças”. (1906,
p.567).
Costurando o Totem - Cristal Totem - Cristal
5.3 Oficina 3 – Costurar para descosturar.
O terceiro encontro teve como objetivo despertar através de recursos criativos,
o desejo de se conhecer, olhar para si, para seu centro com atenção e ver
onde esta a sua luz, seu poder, num ato de costurar para descosturar. Para
iniciar a atividade expressiva tecemos com palavras o conto “O alfaiate
desatento”, autor desconhecido (ANEXO 3).
A atividade expressiva foi costurar o segundo bloco que constitui a Colcha de
Retalho,”Mandala”, utilizando na técnica de Patchwork o bloco Dresden Plate
de Lynette and Lewis. Inicou-se pela escolha dos tecidos, sendo oito para a
mandala, um para o centro e outro para a base da mesma. Cortar os tecidos
com o auxílio de um gabarito, costurar unindo as pétalas, costurar prendendo a
mandala na base e por último costurar o centro.
A mandala foi muito presente nesta oficina. Roselle Angwin, psicóloga e
espiritualista, diz em seus estudos sobre mandalas:
Forma artística circular empregada para fins de meditação. Simboliza
o Eu e a Fonte e também a totalidade do ser. Apresenta
frequentemente oito braços, lembrando muitas vezes uma roda
(muitas tradições psicológicas / espirituais afirmam ser o número oito
essencial a sua prática.). (1994, p. 203).
33
Notou-se uma verdadeira felicidade e satisfação de estar presente neste
encontro costurando suas mandalas de tecidos coloridos. A interação das
participantes na escolha dos tecidos foi um acontecimento mágico, todas se
envolvendo de maneira bem significativa. Afirma Bernardo: “no processo da
confecção de uma mandala, cria-se um círculo que atua em nossa psique
como a configuração de um espaço integrador, análogo a um ventre”. (2013, p.
20). Durante as costuras surgiram assuntos dos mais variados tipos e elas
mesmas são as psicólogas, as professoras, as mães, as filhas... é bonito de se
observar uma aconselhando a outra em suas descobertas. Complementando
com Bernardo:
Simbolicamente esse espaço corresponde ao nosso mundo interior,
no qual acolhemos e trabalhamos com as nossas vivências,
sentimentos e ideias, que é como um caldeirão em que
acondicionamos e germinamos as sementes do novo, transformando
nossas vivências em alimentos de nosso crescimento psicológico.
(2013, p. 21).
No fechamento, Cristal comentou seus sentimentos anteriores:
Interessante, no primeiro encontro senti que precisava assumir a minha
força, rédea ...o controle ...qual foi a decisão que tomei ...dei um
pontapé em tudo ...marquei uma reunião com minhas amigas em minha
casa ...essa atitude eu deveria ter tomado há muito tempo e eu venho
adiando ...aqui eu encontrei um propósito para eu enfrentar essa
situação ...foi a vida que me trouxe aqui ...precisei conhecer você
...nada acontece se não der os primeiros passos ...é uma sequência
...força pra realizar o que havia muito tempo eu não tinha realizado
ainda. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Tranquilidade; Sentimento: Paz / Alegria.
Costurando a Mandala (Bloco Dresden Plate) Mandala (Bloco Dresden Plate)
34
Cristal Cristal
Jade ficou em silêncio abrindo um sorriso:
Que fase... ehhh. (Sic).
Cor: Lilás; Palavra: Transformação; Sentimento: Harmonia.
Costurando a Mandala (Bloco Dresden Plate)
Jade Mandala (Bloco Dresden Plate)
Jade
Esmeralda olhou para sua mandala, refletiu e disse:
Vejo uma roda da vida ...interessante que tem tudo a ver com o meu dia
a dia ...essa coisa de relação com as pessoas ...entrelaçada ...minha
relação com as pessoas o tempo todo ...relação com os alunos ...com
os pais dos alunos que é um inferno. (Sic).
Cor: Vermelho; Palavra: Harmonia; Sentimento: Paixão.
Uma análise em relação ao significado das palavras ditas por Esmeralda em
relação à cor vermelha, Chevalier e Gheerbrant, em Dicionário de Símbolos,
considera como o símbolo fundamental do princípio de vida “o vermelho - cor
do fogo central do homem e da terra [...] é matriarcal, uterino [...] representa o
ventre, onde a morte e vida se transmutam uma na outra”. (1906, p. 944).
Podemos considerar a “roda da vida”.
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Costurando a Mandala (Bloco Dresden Plate)
Esmeralda Mandala (Bloco Dresden Plate)
Esmeralda
5.4 Oficina 4 – Costurando os caminhos da vida.
O quarto encontro teve como objetivo criar possibilidades de trazer para a
realidade as questões internas e entrelaçar com o mundo externo, olhar para si
próprio sem críticas, despertar estas questões através do ato de cortar e
costurar...cortar e costurar, no qual são os caminhos da nossa vida: passado,
presente e futuro.
Para inicar a atividade expressiva tecemos com palavras o conto “Uma fábula
sobre a fábula” – conto árabe (ANEXO 4).
A atividade expressiva consistiu em preparar e costurar o terceiro bloco que
compõe a Colcha de Retalhos, o “Olho de Deus ou Olho Mágico” em tiras de
tecidos. De acordo com seus estudos, Patrícia Bernardo, diz:
Os “olhos de Deus” ou “olho mágico” eram confeccionados por povos
ancestrais da Africa e da América Central (México, Peru), sendo
também encontrados no Oriente. No México, o “olho mágico” é
pendurado ao lado direito da porta de entrada de uma casa, como
amuleto de proteção. Esses povos teciam um “olho de Deus” quando
nascia uma criança: o miolo representa os olhos de Deus sobre a
ciança, protegendo-a, e os fios coloridos representam os pedidos
feitos a Deus, como por exemplo: sorte, saúde, amor, etc. Esse
objeto era pendurado em seu berço, e a cada ano de vida um novo
“olho de Deus” era confeccionado. Considerava-se que quando essa
criança tivesse 5 anos, ela já seria então capaz de confeccionar os
seus próprios “olhos de Deus”, fazendo-o a cada aniversário seu.
(2013, p. 28).
Os povos teciam os “olhos de Deus” com fios de lã ou linhas entrelaçadas em
varetas; transformando em técnica do patchwork, costurou-se os tecidos em
tiras de acordo com as medidas geométricas, podendo, “serem vistos como
leitos canalizadores de energia que favorecem o nosso crescimento, assim
36
como para trabalhar questões relativas a relacionamentos”. (Bernardo, 2013,
p.27).
No fechamento, Esmeralda permaneceu com a força da reorganização como
vimos na atividade anterior, em relação à cor vermelha, se colocou num
sentimento de harmonia familiar principalmente com a filha caçula, percebendo
sua força e persistência em organizar a sua vida e sua família, lidando com a
questão do relacionamento. Ela afirmou:
Agora ela me conta o que se passa com ela , porque antes ela escondia
...isso tem sido muito rico ...a gente está conseguindo construir uma
coisa que não tinha espaço ...pra mim tem sido um momento meu de
paz ...então esse momento do patchwork são momentos de eu olhar pra
mim ...é o meu tempo ...momento de resgate ...quando eu vi o resultado
na finalização do bloco ...foi muito prazeroso ...eu não imaginava que
fosse ficar tão lindo como ficou ...eu queria que o vermelho ficasse no
centro e fui fazer para ficar o vermelho e ficou ...esse é um momento de
resgate ...se não consegue vai a luta, é isso. (Sic).
Cor: Vermelho; Palavra: Persistência; Sentimento: Dever cumprido.
Preparando o Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Esmeralda Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Esmeralda
Jade no seu momento de cuidar/família, suspirou:
Hummm nossa!!!!! ...aiiii bateu aqui, filhos, família ...essa coisa de
quando a gente perde a confiança ...nossa ...sinto que o patchwork
trabalha muito essa coisa da ansiedade, do cuidado. (Sic).
Cor: Amarelo; Palavra: Atenção; Sentimento: Dever a cumprir/
dedicação.
37
As palavras escolhidas por Jade e relacionando-se seus significados às
pesquisas de Chevalier e Gheerbrant, tem-se que “o amarelo é intenso,
violento, agudo até a estridência [...] é a cor dos deuses [...] um mediador entre
os homens e os deuses [...] associada ao mistério da Renovação, é a cor da
eternidade”. (1906, p. 40).
Costurando o Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Jade Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Jade
Cristal se posicionou com uma decisão firme em relação à sua família:
Eu estou me encontrando ...estou procurando botar um parâmento das
coisas em minha casa e fui apoiada pela minha filha ...eh aqui eu sou
feliz ...quero o mesmo em casa. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Paz; Sentimento: Esperança. (de acabar com essa
luta).
Costurando o Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Cristal Bloco Olho de Deus ou
Olho Mágico - Cristal
5.5 Oficina 5 – Refazendo a costura a partir das experiências.
O quinto encontro teve como objetivo promover o processo de renascimento,
renovação, transformação, de auto-criação, de reconstrução a partir das
38
experiências. Despertar a criatividade, o desejo de se conhecer, através de
estímulos como as cores e estampas dos tecidos e a costura; recosturando a
jornada da vida. Portanto, as nossas próprias experências nos ajudam a
desvendar este sentimentos, que para Ostrower:
O nossso mundo imaginativo será povoado por expectativas,
aspirações, desejos, medos, por toda sorte de sentimentos e de
“prioridades” interiores. Se é facil deduzir-se a influência que exercem
sobre a nossa mente, no sentido de caminhar as associações para
determinados rumos e renovar determinados vínculos com o
passado, do mesmo modo é fácil saber que as prioridades interiores
influem em nosso fazer e naquilo que “queremos” criar. (2016, p. 20).
Para iniciar a atividade expressiva, tecer com palavras o conto “Fátima a
Fiandeira”, conto grego (ANEXO 5).
A atividade expressiva consistiu em costurar o quarto bloco que formou a
Colcha de Retalho, utilizando a técnica do Patchwork Crazy, partindo de uma
base de tecido, costurou-se os retalhos, iniciando por um retalho no centro da
base, foi-se contornando o mesmo em sentido horário e de forma crescente até
cobrir, com os retalhos, por completo toda a base.
Esta técnica envolve uma quantidade de cores e estampas de retalhos que
encanta a cada costura, ocorrendo um acontecimento único, você e o mundo
colorido que você cria, a reconstrução. Simbolicamente pode-se pensar essa
“atividade em que se trabalha o desmanchamento de um passado que se
cristalizou e não carrega mais nenhuma vida de si (não promove mais o
crescimento saudável, e se torna enrijecedor e paralizante)”. (Bernardo 2013,
p. 56). Repetiu-se o momento mágico, momento de transformação, ao verem a
quantidade de retalhos de tecidos para costurar, “transformando-os em matéria
prima que pode ser utilizada para novas criações, fertilizando e revitalizando a
vida psíquica” (Bernardo 2013, p. 56). Sentadas na máquina uma ao lado da
outra, os retalhos a escolher, a troca, a busca pelo encontro do tecido de início
(início de uma nova fase da vida), a cor e estampa ideal, qual seria? A decisão
de colorir o primeiro fragmento e junto do segundo se está combinando, daí
pergunta-se “ você é quem escolhe o tecido ou o tecido é que escolhe você?”
Mistério!
39
Esmeralda, admirou cada pedaço de tecido costurado, e percebendo a firmeza
na cor vermelha, comentou:
O patchwork... juntar tecidos, juntar pessoas, juntar memórias ...o conto
...e a minha chatice eu não gostei vou e desmancho... e junto os cacos...
e com os outros não dá pra desmanchar...é isso.(Sic).
Cor: Vermelho; Palavra: Encontro; Sentimento: União.
Costurando o Bloco Crazy
Esmeralda Bloco Crazy - Esmeralda
Jade abriu um sorriso de felicidade, satisfação e afirmou:
Eu acho que pra mim juntar os pedacinhos foi muito bom porque eu tive
que ir com calma e no momento certo ... sou imediatista ...construir é
muito importante para mim ...e na construção muitas vezes não consigo,
é dificil ...se não tem perseverança, confiança, você desiste né ...e no
final da junção dos tecidos você olha e vê como ficou lindo, nem
acreditando que fui eu ...por que não fazemos este exercício em nossa
vida no dia a dia?...eu amei. (Sic).
Cor: Verde; Palavra: Surpresa; Sentimento: Liberdade.
Costurando o Bloco Crazy - Jade Bloco Crazy - Jade
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Cristal continuou sua luta, sentindo que o mais importante é a sua felicidade e
não o que os outros pensam, afirmou:
Você vê ...que comecei costurando os tecidos pequenininhos e depois
fui aumentando ...aumentando ...aumentando ...costurando os tecidos
maiores ...eu sou assim ...então eu quero uma ajuda ...eu quero
continuar nossos encontros ...eu quero e vou conseguir e vou fazer o
crazy micro ...rsrsrs ...vou juntando os pedacinhos ...os outros podem
não gostar ...mas o importante é que eu gostei ...fiz pra mim ...até a
escolha dos tecidos ...eu gostei. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Busca; Sentimento: Lutar.
Costurando o Bloco Crazy - Cristal Bloco Crazy - Cristal
5.6 Oficina 6 – Costurar integrando com a jornada da vida.
O sexto encontro teve como objetivo resgatar a história de vida, unindo os
fragmentos de nossa jornada diária em conjunto com a costura do patchwork,
appliqué e quilting, resultando numa composição prazerosa de sabedorias, que
para Maciel:
A partir do estímulo à criatividade inerente a todo indivíduo e do
resgate da “criança adormecida” em nós, trilhas que reativam e
preservam núcleos saudáveis da psique, nos apresenta um caminho
mais sutil e prazeroso de entrar em contato com questionamentos
íntimos, as angústias, as dores e os medos. (2012, p. 47).
Ao pensar em criar algo que possa levar ao resgate de nossas histórias, Maciel
descreve como:
Um convite para que tenhamos coragem de sentar na beira do poço
do inconsciente, da sombra, enfrentar o medo de entrar no escuro de
41
si mesmo, para enfim, pescar nossa luz caída utilizando nossas
próprias mãos, nosso corpo e nossa criatividade, por meio do
universo de cores, símbolos e descobertas, permitindo que a
claridade revelada possa trazer um sentido ainda maior à nossa
hitória de vida. (2012, p. 48).
Costurar tudo e integrar com a jornada diaria, faz parte da atividade expressiva
usando, como sensibilização, o conto “A montanha e a pedra” de David Mckee
(ANEXO 6 ).
Nesta oficina, foi feita a união dos blocos com as faixas preparadas no primeiro
encontro e compondo o topo da Colcha de Retalhos, fomando a composição de
acordo com o gosto de cada participante. Elas ficaram livres na distribuição e
posição dos blocos e conforme iam costurando e recosturando os tecidos, iam
se encantando com o resultado da composição do topo da colcha de retalhos.
Uma mostrando para a outra o resultado e os elogios transformavam os
olhares renovados, como bem ilustrou Urrutigaray:
Fazer “arte” implica diretamente estimular as ordenações de ideias
surgidas pela elaboração mental, como ação interativa entre fato e
ideia implícita nele, produzindo o pensamento. Aquele que tem
acesso à arte ou ao “fazer artístico” está tendo a oportunidade de
desenvolver ou de configurar habilidades, as quais são, por sua vez,
reveladoras da estrutura intelectiva ou cognitiva de quem as realiza,
assim como de seus sentimentos e valores ideais. (2011, p. 31).
Esmeralda era só alegria a cada ponto da costura. Suas palavras:
Aiiii tô me achando rsrs ...eu gostei do primeiro bloco (Totem) ...eu
gostei do segundo (Mandala) ...do terceiro gostei (Olho de Deus) ...do
quarto gostei (Crazy) ...a hora que juntou tudo ficou ótimo!!!!! ...o que
nós achamos que ficou errado, o errado valorizou ...só não erra quem
não tenta, né ...pra tudo tem um conserto ...é ter fé, como um porta que
se abre ...subir os degraus, porque eles nos fazem crescer de alguma
forma ...eu acredito que sem os obstáculos fica tudo muito fácil ... fazer
desejar alguma coisa e você fizer a sua parte, as coisas acontecem ...e
mesmo pra você achar que deu errado ...algum propósito existe ...antes
estávamos alinhavando, agora estamos costurando tudo!!! (Sic).
Cor: Bege; Palavra: Lindo; Sentimento: Transformação.
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Preparando a união dos blocos com
as faixas - Esmeralda União dos blocos com as faixas
Esmeralda
Jade não acreditou que conseguiu terminar sua colcha de retalhos. Afirmou:
O meu ficou bem diferente do que eu imaginava ...eu consegui fazer
...parecia que estava escondido!! ...eh costurou tudo. (Sic).
Cor: Lilás; Palavra: Encaixes; Sentimento: Ansiedade.
Costurando os blocos com as faixas
Jade União dos blocos com as faixas
Jade
Cristal mostrou-se feliz por ter visto uma atitude que não conseguia controlar,
também percebeu que a colcha de retalhos teve um sentido e um significado
para seu autoconhecimento e completou:
Tenho que pensar mais em mim ...no início eu estava mais agitada
...percebo que agora estou mais calma ...penso um pouco até nas
palavras que vou dizer pra não dizer palavras negativas! ...este trabalho
temos que colocar na parede para servir de lembrete e refletir a cada
passo o que quis dizer aquele determinado momento ...abrir os olhos e
dizer opaaa ...calma!!!! (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Palavras; Sentimento: Calma.
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Interessante que Cristal colocou “Palavras” no plural e consultando seu
significado no Dicionário de Símbolos, Chevalier e Gheerbrant nos define que
“a palavra simboliza de uma maneira geral a manifestação da inteligência na
linguagem, na natureza dos seres e na criação contínua do universo; ela é a
verdade e a luz do ser”. (1906, p. 680).
Preparando a união dos blocos com
as faixas - Cristal União dos blocos com as faixas
Cristal
5.7 Oficina 7 – Costurando a trama com os fios da sabedoria.
O sétimo encontro teve como objetivo despertar um equilíbrio no costurar e
recosturar das tramas com determinação, que movimentos e marcas quero
deixar na escrita do meu caminho de vida, costurando a trama com fios de
sabedoria.
Maciel complementa:
A Arteterapia, como novo modelo investigativo da psique que
caracteriza-se como uma prática catalisadora do equilibrio (envolve
os níveis sensório-motor, emocional, cognitivo e intuitivo do
funcionamento) na medida em que se entente a manifestação
artística como autorretrato da psique e promove o regate, o diálogo e
a comunhão das funções e dos afetos negligenciados, esquecidos e
reprimidos no inconsciente. A criação expressiva é uma ponte para a
reaprorpiação do íntimo, uma forma de recuperar a individualidade
perdida.
Para iniciar a atividade expressiva, teceu-se com palavras o conto “O
Equilibrista” de Fernanda Lopes de Almeida e Fernando de Castro Lopes
(ANEXO 7).
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Nesta atividade foi feito o acolchoado, que seria a montagem, a união do topo
com a manta e o forro, com o Quilting (à máquina, ou à mão) da colcha de
retalhos.
Interessante que a cada encontro a intensidade de troca aumentava, troca de
opiniões, de favores, de conselhos, os desabafos dos “problemas” em
circunstância da rotina familiar diária, como se fizessem parte do dia a dia de
cada uma. Durante o encontro, todas na máquina acolchoando, também havia
os aconselhamentos de como se costurar sem errar, a melhor forma de segurar
a colcha para ser mais fácil, como na vida, tudo para facilitar o dia a dia.
Esmeralda falou com orgulho sobre o equilíbrio de cada dia em sua vida e
afirmou:
A gente teve que equilibrar na vala da costura, se você perde o foco na
costura do quilting acaba errando ...serenidade também anda junto ...já
estou vendo de um outro ângulo ...acho que é exatamente procurar o
equilíbrio, trazendo para o campo da sabedora é exatamente isso ...é ter
sabedoria e ter discernimento na hora certa de usar ...fazer as coisas
mais divertidas, dá menos rugas ...rsrs. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Diversão; Sentimento: Leveza.
Seu encontro com o equilíbrio se deu com a nomeação do sentimento
“Leveza”, que analisado por Chevalier e Gheerbrant simboliza “uma aspiração
a uma vida superior, a uma redenção da angústia já em fase de se realizar, a
uma liberação que pode ser buscada ou por meio de evasão. Têm relação com
os símbolos da elevação.” (1906, p. 547).
Preparando para acolchoar – Quilting
Esmeralda Preparando para acolchoar – Quilting
Esmeralda
45
Jade entusiasmada, relatou a paixão pelas descobertas nos encontros,
dizendo:
Senti um equilíbrio ...que renasceu uma nova Jade ...é entregar com
confiança a transformação ...eu acho que aprendi muita coisa nestes
ultimos tempos em nossos encontros ...tenho ainda muito a aprender,
mas aprendi coisas muito importantes. (Sic).
Cor: Verde; Palavra: Coração; Sentimento: Paixão.
Notou-se que Jade se entregou de coração em seus sentimentos e, segundo o
Dicionário de Símbolos, “o coração é, de fato, o centro vital do ser humano; o
Reino de Deus se contém no coração, é esse centro da individualidade, para o
qual a pessoa retorna na sua caminhada espiritual, representa o estado
primordial, inicial, o locus da atividade divina, é o templo, o altar de Deus.
(CHEVALIER E GHEERBRANT, 1906, p. 280).
Preparando para acolchoar – Quilting
Jade Preparando para acolchoar – Quilting
Jade
Cristal demonstrou muita reflexão, muito decidida a praticar suas descobertas
em seu cotidiano:
Acho que temos que fazer este exercício o tempo todo ...o maior
problema é este ...sempre me excluindo no meu cantinho ...sou o
contrário do equilíbrio ...já estou tentando, só de enfrentar a realidade já
é uma grande coisa ...nestas últimas duas semanas já estou tendo
atitudes que não tinha ...eu vou conseguir!!! (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Luta; Sentimento: quero lutar para conseguir a
transformação.
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Preparando para acolchoar – Quilting
Cristal Preparando para acolchoar – Quilting
Cristal
5.8 Oficina 8 – Costurar, criar, dar forma a algo – era o que eu mais queria!
No oitavo encontro objetivou-se a permissão para um contato com as próprias
possibilidades e oportunidades, utilizando o melhor dos próprios recursos de
engenhosidade e criatividade, despertando um caminho para desenvolver o
potencial da criatividade na vida cotidiana.
Bernardo considera:
A criatividade só é possível se olharmos para a sombra,
transformando nossos “monstros” internos em nossos aliados, se nos
abrimos aos aspectos inconscientes de nossa personalidade (pois
tudo o que não está na esfera consciente, esta na sombra). (2013, p.
52).
Costurar, criar, dar forma a algo, era o que eu mais queria! Então iniciamos a
atividade expressiva com o conto “A moça Tecelã” de Marina Colassanti
(ANEXO 8). Neste conto, a autora nos fez refletir sobre o sentimento de
liberdade, dos valores de cada ser humano, existindo a presença das
dualidades amor/liberdade, valores materiais/valores afetivos,
autonomia/submissão, que vem ao encontro de nossa vida cotidiana.
O que significa liberdade para Ostrower:
Ser livre significa compreender, no sentido mais lúcido e amplo que a
palavra pode ter, significa um entendimento de si, uma aceitação em
si da necessidade da existência em termos limitados. A vivência
desse entendimento é a mais plena e a mais profunda interiorização a
que o indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar o seu espaço de
vida. (2014, p.165).
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A moça vivendo no seu espaço e no seu tempo, determinando conforme sua
vontade e sua necessidade por intermédio de sua criatividade, não aceitando
interferências que não viessem acrescentar algo em sua vida. Podemos
acreditar que este sentimento também pode existir dentro de nós.
“Criar é tão difícil ou tão fácil como viver. E é do mesmo modo necessário”.
(OSTROWER, 2014, p. 166).
A atividade expressiva foi finalizar o trabalho com o debrum. Escolher o tecido
que desejasse, cortar e costurar na borda da colcha de retalhos seguindo as
orientações dadas pela facilitadora. Fazer o acabamento com costura à mão no
ponto invisível.
Envolvidas pelas cores dos tecidos, o conto, o acolchoado a terminar, último
encontro, surgiu uma energia transformadora de “quero mais”, de criar dando
forma em algo que pudesse trazer felicidade - é o que mais queremos! - diziam
as mulheres. A dualidade felicidade/tristeza estava presente, mas agora em
outro senti: a tristeza, porque era o último encontro, aqueles momentos
mágicos estavam chegando ao fim, e felicidade pois tudo tinha sido muito
produtivo e regado com muita sabedoria!
Esmeralda com seu encantamento, expôs em um longo discurso e com
propriedade os seus sentimentos. Afirmou:
O primeiro bloco (Totem), por ser novidade, foi o que me deu
encantamento ...porque este é um bloco que é só meu ...ninguém vai ter
igual ...é a minha escrita ...fazer as coisas sem o encantamento não dá
...a partir do momento em que você perde o encantamento por alguma
coisa, tá na hora de mudar de rumo ...não dá pra você fazer as coisas
sem paixão ...o crazy sempre para mim é uma surpresa ...tem tudo a ver
com a vida ...planeja, planeja, planeja e ele tem o seu rumo ...às vezes
você olha e não gosta como vários tecidos que costurei e aí quer
desmanchar, mas eu não desmanchei porque ele tinha que ficar assim,
era o momento ...para mim é o bloco que mais tem simbologia de vida, é
o crazy ...é juntar as coisas, e nós somos isso mesmo ...de alguma
forma se está construindo a própria identidade ...em outros blocos você
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tem uma projeção, mas no crazy não tem nenhuma projeção ...a
mandala pra mim foi um desafio ...sempre tive implicância com este
bloco ...eu achava que nunca ia conseguir fazer por causa das curvas e
que não ia ficar perfeito ...mas quando estava fazendo o quilting nele eu
olhei e não é que esse trem ficou bonito, ficou legal, e me chamou a
atenção o preto do centro, pois minha cor preferida é o preto ...e ele tem
uma coisa de ser reservado, não gosto de estar em evidência, e tem o
dourado, então aí eu não fico tão invisível assim ...então eu gosto do
reconhecimento ...reconhecer até quem te sacaneia, porque ele te faz
crescer ...não é fácil ver uma totalidade ...às vezes precisa estar
distante, dar um distanciamento pra ver, às vezes você se agarra em
coisinhas e perde a dimenção do todo ...e mesmo no relacionamento
com as pessoas ...temos que tomar cuidado ...muitas vezes vemos só o
lado negro e não vemos as qualidades ...isso é um defeito ...podemos
olhar mais pras coisas boas ...definir que lado quero olhar ...aí tem a
fase da metamorfose, como a borboleta, a lagarta que morre no casulo
pra virar uma borboleta e eu acho que aqui nós estamos trocando
informações para uma possível transformação! (Sic).
Cor: Vermelho; Palavra: Crescer; Sentimento: Transformação.
Colcha de Retalhos – Quilt
Esmeralda
Jade demonstrou-se muito reflexiva, pensativa, não terminando de costurar o
debrum. Percebi que não terminou para ainda ter um vínculo e afirmou:
Eu achei tudo legal ...muitas dicas num todo, nas coisas que faço ...foi
um superaprendizado estes encontros ...cai na coisa do cuidado, de
49
estar ligado, atenta ...precisa ter um cuidado num todo ...cuidado na
própria alma ...tá difícil eu explicar ...perder a totalidade das coisas, eu
preciso ter cuidado ...olhar mais amplo. (Sic).
Cor: Azul; Palavra: Finalização; Sentimento: Angústia (por não ter
terminado de costurar o debrum).
Colcha de Retalhos – Quilt
Jade
Cristal demostrou-se triste logo ao chegar, por ser o último encontro, mas com
expressão de satisfação por estar fazendo parte deste acontecimento que
parece ter muita importância em sua vida, conclui:
Cada pedacinho que fiz eu gostei ...a mandala, o olho de Deus me
atrapalhei, mas depois consegui, no crazy pra mim era um monte de
trapinho aí eu entendo que era um monte de tranqueiras da minha vida
juntada, costuradas, mas não deixa de ser um espiral a vida da gente
...eu percebi que estes encontros de Arteterapia vem me ajudado muito
...eu quero continuar ...quero orientação ...consegui ver minha
resistência em tudo, na minha totalidade sou resistente ...no ponto que
estou precisando colocar aparelho de audição e não quero ...será que
não quero ouvir? ...é uma resistência em não aceitar o que vem dos
outros ...e das coisas erradas que faço ...em primeiro lugar tenho que
me encontrar e já estou enxergando a minha resistência ...primeiro eu
tenho que vencer a minha pessoa pra depois ver o outro. (Sic).
Cor: Lilás; Palavra: Totalidade; Sentimento: Vencedora.
50
Colcha de Retalhos – Quilt
Cristal
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste trabalho foi a união, a integração da Arteterapia com os
recursos da costura “patchwork, aplicação e quilting” possibilitando um espaço
de criação e liberdade para o autoconhecimento.
Em relação aos objetivos propostos neste estudo, notou-se que a costura
tornou-se, no mundo dessas mulheres, um “acontecimento” de grande
importância, dando credibilidade às suas capacidades de criação, num
processo de (re)construção, transmutação e ressignificação do momento
presente de suas vidas.
Esmeralda, Cristal e Jade foram preenchidas por boas energias para
avançarem em seu viver, mesmo com possíveis momentos de hesitações, mas
com perspicácia nutrirão suas almas e seus espíritos, como diz Estés “a alma e
o espírito têm a capacidade de ver longe, remar muito e se curar
razoavelmente bem. Trate de usá-los.” (2007, p. 23).
Através da linha, da agulha e do tecido foram alinhavados momentos de caos
que puderam ser transmutados pela liberdade do ato de criar exteriorizando
registros do tempo de suas vidas que foram evocados em cada encontro, em
cada momento. E o gratificante era o efeito instantâneo desse rememorar que
ficava impresso no ato da costura.
Pude observar o “poder” de uma linha saindo para caminhar. A importância
para as participantes da troca de conselhos, das experiências vividas que
51
vinham de cada relato e confortava o coração da outra, das descobertas de
que “eu posso, eu sou capaz e eu consigo”.
O efeito terapêutico obtido foi bastante presente em vários momentos dando
lugar a uma sensação de calma e tranquilidade que acontecia em cada
encontro.
Contudo, existe a oportunidade de tecer e destecer o tecido e, metaforicamente
a própria vida! Possibilidades para planejar e tomar decisões, tendo uma ação
coerente e firme.
Concluo sugerindo que... cada um poderá pegar seu ponto e sair para
caminhar, formando e criando linha de sua vida!
Fazer arte em um sentido literal envolve vários níveis humanos como
o sensório motor, o emocional, o cognitivo e o intuitivo. Por meio da
atividade com arte, o sujeito transforma a realidade e a si mesmo,
promovendo o desabrochar da percepção, da organização, e a
ordenação de seu pensamento, possibilitando a compreensão do
momento circunstancial, bem como da dimensão de si mesmo.
Maria Cristina Urrutigaray (2011, p. 41).
7. REFERÊNCIAS
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Paulo: Editora Cultrix, 1994.
BARALDI, Marcia. Quilting Livre – Desvendando Segredos, 2ª Edição.
Florianópolis: Ed. da autora, 2016.
BERNARDO, Patrícia Pinna. A mitologia criativa e o olhar: dando corpo e
voz aos diferentes aspectos do ser. In: ARCURI, I. (org) Arteterapia do Corpo e
Alma. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p.121-145.
BERNARDO, Patrícia Pinna. A Prática da Arteterapia - Correlações entre
temas e recursos, Volume I, Temas Centrais em Arteterapia, 4ª Edição. São
Paulo: Arterapinna Editorial, 2013.
BERNARDO, Patrícia Pinna. A Prática da Arteterapia - Correlações entre
temas e recursos, Volume II, Mitologia Indígena e Arteterapia: A arte de trilhar a
Roda da Vida, 3ª Edição. São Paulo: Arterapinna Editorial, 2013.
BERNARDO, Patrícia Pinna. A Prática da Arteterapia - Correlações entre
temas e recursos, Volume V, A Alquimia nos contos e mitos e a arteterapia:
criatividade, transformação e individuação, 2ª Edição. São Paulo: Arterapinna
Editorial, 2013.
DELEUZE, Gilles. & GUATTARI, Félix. O que é filosofia? 3ª Edição. São
Paulo: Editora 34, 2010.
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain, 1906. Dicionário de Símbolos –
Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números, 29ª Edição.
Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2016.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e
histórias do arquétipo da mulher selvagem, Tradução de Waldéa Barcellos. 1ª
Edição. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovem
enquanto velha, velha enquanto jovem; tradução de Waldéa Barcellos. Rio de
Janeiro: Rocco, 2007.
HOLLIS, James. A Passagem do Meio: da miséria ao significado da meia-
idade, 1ª Edição. São Paulo: Editora Paulus, 1995.
JAMES, William. Pragmatismo e outros textos, Tradução de Jorge Cetano da
Silva e Pablo Rubén Mariconda, Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
LYNETTE, Chiles and LEWIS, Joan. 501 Quilt Blocks - Better Homes and
Gardens, A Treasury of Patterns fo Patchwork & Appliqué. United States of
America: Medredith Corporation.
MACIEL, Carla e CARNEIRO, Celeste. Diálogos criativos entre a Arteterapia
e a Psicologia Junguiana. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012.
MELO, Myrian Coelho. Entrelinhas do fazer feminino: patchwork e quilting
como expressão não verbal, Faculdade de Engenharia e Arquitetura da
Universidade FUMEC. Belo Horizonte, 2007.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação, 30ª Edição.
Petrópolis, Vozes, 2014.
SANTOS, Ernanis Martins. Discurso e atividade matemática de praticantes
de patchwork. 177 f. Tese (Doutorado) - Departamento de Psicologia, Pós-
Graduação em Psicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco.
Recife, 2012.
SOUZA, Otília Rosângela. Longevidade com Criatividade: Arteterapia com
Idosos, 2ª Edição. Belo Horizonte: Editora da Autora, 2014.
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia – A transformação pessoal pelas
imagens, 5ª Edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
ANEXOS
ANEXO 1
Colcha de Retalhos, Síntese do filme, 1995.
O filme Cocha de Retalhos narra as experiências de vida de um grupo de
mulheres maduras, que costumam reunir-se a cada ano para confeccionar uma
colcha de retalhos. Cada uma delas borda um pedaço de pano que é algo
relacionado com o sentimento de cada uma delas, no final elas unem todos os
pedaços formando uma linda colcha artesanal, mostrando através desses
bordados o momento em que elas foram realmente felizes. Todas essas
histórias foram objetos de estudo de tese da mestranda Finn, uma jovem, que
se encontra dividida entre casar-se com o homem que ama e sua liberdade.
Naquele ano em que ela está prestes a se casar com Sam, resolve passar três
meses na casa de suas tias Jaci e Gladi (sua avó e tia avó), em uma cidade
mais calma. Na casa o grupo de mulheres confecciona uma colcha para
presenteá-la, e o tema escolhido por todas elas é “onde mora o amor”. No
decorrer do filme, Finn fica conhecendo as histórias e segredos de cada uma
daquelas senhoras, e isto serve para que ela vá, aos poucos, refletindo sobre o
que realmente quer de sua vida. No início do filme pode-se observar em uma
cena, que foca o desenrolar de um carretel de linha, fazendo uma comparação
entre este procedimento e a vida do ser humano: a vida se desenrola aos
poucos, em uma sequência, exatamente da mesma forma que o rolo de linha.
O filme trata em separado a experiência de cada uma daquelas senhoras, as
histórias são ricas em significação. As primeiras a contarem seus segredos são
a tia e a avó Jaci Gladi. Ao encontrar-se desesperada pelo fato de seu marido
estar á beira da morte, acaba envolvendo-se, com o marido de Gladi. Na
mesma cena em que Gladi descobre a traição do marido com a irmã, há
construção de metáfora: ela quebra tudo o que vê pela frente, recolhe todos os
cacos e faz obras de arte nas paredes de sua. A próxima história a ser
revelada é a de Sofia. Quando jovem, era nadadora e sonhava em seguir
carreira, mas com um casamento precoce fez com que ela abandonasse todos.
Nesta história pode-se destacar uma antítese: ela era nadadora e ele geólogo,
ou seja, ela era água e ele a terra. Há também uma metáfora do laguinho que
ele construíra para ela. Compensação por ela ter abandonado a natação. A
seguinte é de Em que conta pessoalmente a sua história para Finn. Ela é casa
com um artista, um pintor, que traía muito, desde o início de seu casamento.
Neste episódio aparece como símbolo o vermelho, cor em que o artista tenta
pintar o retrato de sua musa, mas não consegue, de tão grande que é sua
beleza e o desejo que sente por ela. A personagem conta sua história,
pronuncia a frase “A fêmea fica no ninho enquanto o macho sai para exibir
suas penas”, faz uma alusão ao machismo e a posição submissa da mulher
perante o marido.
Outra daquelas senhoras, narra à Finn que ama seu falecido marido, mas
estava fragilizada com a perda e acabou cedendo aos encantos do marido de
Em. As últimas a revelarem suas histórias são a de Ana e Mariana (mãe e
filha). Neste trecho do filme o símbolo é o corvo que simboliza a garra e a
perseverança da mulher negra; onde Mariana, é uma mulher experiente que
viveu em Paris e teve muitos homens, mas aquele que ela realmente quis ela
não pode ter. Este homem representa a fidelidade, pois recusou sair com ela
porque amava sua esposa. Uma antítese pode ser perfeitamente percebida no
que se refere à experiência daquelas mulheres e a sede de Finn em viver
intensamente. Antítese relevante diz respeito às irmãs Gladi e Jaci em
oposição a Sofia. Enquanto as primeiras mostram-se alegres e felizes, apesar
de tudo, o que lhes aconteceu à segunda mostra-se mal-humorada e infeliz.
Outro símbolo que aparece no filme é o morcego. Ele representa a paixão
proibida e o desejo que envolve Finn e um rapaz do povoado que ela sentiu-se
muito atraída. Também acontece um vendaval que aparece como uma
metáfora das ideias da moça. Sua cabeça está confusa principalmente depois
da conversa com sua mãe: tudo o que a mãe lhe ensinara, agora, entretanto, a
mãe agora afirmava que estava enganada. Depois do vendaval tudo ficou mais
claro para Finn, e também para outras pessoas. Sofia ao sentar-se no laguinho
pela primeira vez começa a encarar a vida com mais alegria, pois procura
lembrar-se apenas dos momentos bons em que viveu. Em, ao entrar no atelier
do marido para proteger-se do vendaval, descobre que era a única mulher que
ele realmente amou, entrando lá percebeu que só havia seus retratos. Gladi
também quebra todas aquelas paredes com cacos de vidro, significa que
passou o ressentimento, ela perdoou sua irmã da traição. No final do filme, sua
avó a cobre com a cocha que elas confeccionaram então ao acordar enrolada
pela colcha de retalhos, o corvo aparece novamente e vai guiando até a
escolha certa de que seu verdadeiro amor é o Sam. O filme todo é uma
alegoria.
https://www.youtube.com/watch?v=9ogzRgb5FMw
ANEXO 2
Música: Só Eu Sou Eu de Marcelo Jeneci e Arthur Nestrovski.
Tem muita gente tão bonita nessa terra
Nas minhas contas são sete bilhões
Mais eu
Tem Ronaldinhos e rainhas da Inglaterra
Mas nada disso muda que só eu sou eu
Só eu sou eu
Só eu sou eu
Além de mim não tem ninguém que seja eu
Vem cá, menina
Vem brincar comigo
Que outra criatura igual jamais nasceu
Vem cá, menino
Vamos lá, juntinhos
Ainda bem que a gente é
Você e eu
Você e eu
Você e eu
E cada um é cada um
E cada eu
ANEXO 3
Conto: O alfaiate desatento – autor desconhecido
Era uma vez, a menos de mil quilômetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia
com a filha pequena... Apesar de ser um ótimo artesão, era uma pessoa que
não pestava atenção em algumas coisas.
Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha, todas esfarrepadas,
que usava o dia inteiro dentro de casa.
As pessoas comentavam: “Um homem que anda tão mal vestido não pode ser
um profissional competente. Esse alfaiate não devew ser bom”.
Os comentários se espalhavam, e niguém mais encomendava roupas para o
alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia, sua filha disse: “Pai, não temos quase
nada para comer. O senhor precisa fazer alguma coisa, senão vamos morrer
de fome”.
O alfaiate foi até o sótão da casa, onde fazia muito tempo guardava coisas que
considerava sem utilidade. Ao remexer nas pilhas empoeiradas descobriu que
entre elas havia objetos de valor. Ele nem se lembrava mais quando os
tinhaposto alí, nem por quê. Juntou uma porção desses objetos num carrinho e
foi vendê-los no mercado da cidade. Com o dinheiro que recebeu, comprou
comidas deliciosas para ele e para sua filha.
No caminho de volta para casa ele viu, pendurado na porta de uma tenda, um
tecido magnífico, como nunca tinha visto. Era inteiro bordado com fios de todas
as cores do arco-íris, formando várias figuras distintas. Nele também havia
padrões ornamentais com os fios de ouro e prata entrelaçados que brilhavam à
luz do sol. O alfaiate, maravilhado, resolveu comprar aquele tecido com o
dinheiro que havia sobrado.
Assim que chegou em casa, esticou o tecido sobre a mesa, pensou um pouco,
e depois cortou e costurou um belíssimo manto que quase arrastava no chão.
Quando saiu à rua com aquele manto, as pessoas o rodearam e perguntaram:
- Onde foi que você comprou este manto? No Oriente, na ilha de Java?
- Não – respondeu o alfaiate. – Eu mesmo o fiz.
- Então, nós também queremos uma lindo como este.
E foram levar tecidos para ele, formando uma fila à porta de sua casa. Eram
tantas pessoas, e tantos mantos ele fez, que acabou ficando rico.
Mas ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele
não tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim.
Passou-se muito, muito tempo. O manto ficou velho e estragado. As pessoas,
vendo-o tão mal vestido na rua, começaram a achar que ele não devia ser um
bom profissional. E deixaram de fazer encomendas. E ele ficou pobre outra
vez.
Certo dia, não tendo nada para fazer, o alfaiate ficou observando o manto e
descobriu que ainda havia um pedaço do tecido que não estava estragado. Pôs
o manto sobre a mesa, cortou as partes rasgadas, desmanchou as costuras,
pensou um pouco e fez um lindo casaco, com uma gola enorme.
Quando saiu com o casaco, as pessoas queriam saber: - Onde foi que você
comprou este casaco? Na Austrália, no polo Norte?
- Não, eu mesmo o fiz.
E foram tantas encomendas de casacos, que o alfaiate ficou rico outra vez.
Mas continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas
coisas. A qualquer tipo de comemoração, casamento, batizado, enterro, festa
de aniversário, lá ia ele com o casaco.
Passou-se muito, muito tempo. E o casaco ficou todo esburacado, cheio de
manchas. Ninguém mais fazia encomendas. Ele ficou pobre. Percebendo que o
casaco ainda tinha um pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez
um colete tão lindo que todos na rua lhe perguntavam:
- Onde foi que você comprou este colete? No Afeganistão? Na Terra do Fogo?
- Não, eu mesmo o fiz.
E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate ficou rico. Mas, não sei se já
lhes contei, ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas.
Não tirava o colete para nada, nem mesmo para tomar banho.
Passou-se muito, muito tempo. O colete ficou em petição de miséria. Pobre
mais uma vez, o alfaiate aproveitou o pequeno pedaço de tecido do colete que
ainda estava perfeito e sabem o que ele fez? Uma gravata-borboleta. Mas não
era uma gravata qualquer. Era tão linda e brilhava tanto, que todos queriam
gravatas como aquela.
Depois de muito trabalhar, ele acabou ficando rico. E não deixava de ser
aquela pessoa que Não P... A... em A... Coisas. Nem para dormir ele tirava a
gravata.
Passou-se muito, muito tempo. E a gravata ficou torta, ensebada,
irreconhecivél. O alfaiate ficou pobre outra vez, já que ninguém mais lhe fez
encomendas.
(Não se preocupem, o conto já está chegando ao fim.)
O alfaiate ainda descobriu na gravata um pedacinho de tecido que podia servir
para alguma coisa. E então fez um superutrabelíssimo botão, bem redondo,
que costurou na sua roupa velha, no meio do peito. Ninguém notava os
farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante e magnífico que todos
queriam botões como aquele. E tantos ele fez, que ficou rico.
Mas continuava sendo aquela pessoa que N... Prestava A... em A... Coisa. Por
muito, muito tempo. E ele ficou pobre.
Desmanchou o botão e ainda sobrou um pedacinho de tecido bem
pequenininho, que conservava intactos alguns padrões de fios dourados e
prateados, entremeados com todas as cores do arco-íris, que brilhavam
intensamente.
O que o alfaiate fez com aquele pedaço minúsculo que sobrou do magnífico
tecido?
***
Pois o contador de histórias que narrou este conto para mim disse que cada
um de nós é que tinha que inventar no que o alfaiate transformou aquele
paninho precioso, porque esta é uma hístoria que continua com cada um.
Existem muitas formas de contar a história desse alfaiate.
É por causa dele e do seu botão que este conto sempre foi lembrado e
continuará sendo contado para sempre, noite e dia, em qualquer lugar do
mundo onde haja gente.
Porque sempre existirão pessoas que não prestam atenção em algumas
coisas.
E sempre existirão coisas que guardam seu brilho num lugar cada vez menor e
mais profundo.
https://www.youtube.com/watch?v=5nZzYqXaisk
ANEXO 4
Conto: Uma fábula sobre a fábula – conto árabe.
A Deus criou a mulher e junto com ela criou a fantasia. Foi assim que uma vez
a Verdade desejou conhecer um palácio por dentro e escolheu o mais suntuoso
de todos, onde vivia o grande sultão Haroun Al-Raschid. Vestiu seu corpo
apenas com um véu transparente e pouco depois chegou à porta do magnífico
palácio. Assim que o guarda apareceu e viu aquela bela mulher sem nenhuma
roupa, ficou desconcertado e perguntou quem ela era. E a Verdade respondeu
com firmeza:
- Eu sou a Verdade e desejo encontrar-me com seu senhor, o sultão Haroun Al-
Raschid.
O guarda entrou e foi falar com o grão-vizir . Inclinando-se diante dele, disse:
- Senhor, lá fora está uma mulher pedindo para falar com nosso sultão, mas ela
só traz um véu completamente transparente cobrindo seu corpo.
- Quem é essa mulher? – perguntou o grão-vizir com viva curiosidade.
- Ela disse que se chama Verdade, senhor – respondeu o guarda.
O grão-vizir arregalou os olhos e quase gaguejou:
- O que? A Verdade em nosso palácio? De jeito nenhum, isso eu não posso
permitir. Imagine o que ia ser de mim e de todos aqui se a Verdade aparecesse
diante de nós? Estaríamos todos perdidos, sem exceção. Pode mandar essa
mulher embora, imediatamente.
O guarda voltou e transmitiu à Verdade a resposta do seu superior. A Verdade
teve que ir embora, muito triste.
Acontece que...
Deus criou a mulher e junto com ela criou a teimosia. A Verdade não se deu
por vencida e foi procurar roupas para vestir. Cobriu-se dos pés a cabeça com
peles grosseiras, deixando apenas o rosto de fora e foi direto, é claro, para o
palácio do sultão Haroun Al-Raschid.
Quando o chefe da guarda abriu o portão e encontrou aquela mulher tão
horrivelmente vestida, perguntou seu nome e o que ela queria.
Com voz severa ela respondeu:
- Sou a Acusação e exijo uma audiência com o sultão deste palácio.
Lá se foi o guarda falar com o grão-vizir, ajoelhando-se diante dele, disse:
- Senhor, uma estranha mulher envolvida em vestes malcheirosas deseja falar
com nosso sultão.
- Como é que ela se chama? – perguntou o grão-vizir.
- O nome dela é Acusação, Excelência.
O grão-vizir começou a tremer, morto de medo:
- Nem pensar. Já imaginou o que seria de mim, de todos aqui, se a Acusação
entrasse nesse palácio? Estaríamos todos perdidos, sem exceção. Mande essa
mulher embora imediatamente.
Outra vez a Verdade virou as costas e se foi tristemente pelo caminho. Ainda
dessa vez ela não se deu por vencida.
E isso porque...
Deus criou a mulher e junto com ela criou o capricho.
A Verdade buscou pelo mundo as vestes mais lindas que pôde encontrar:
veludos e brocados, bordados com fios de todas as cores do arco-íris. Enfeitou-
se com magníficos colares de pedras preciosas, anéis, brincos e pulseiras do
mais fino ouro e perfumou-se com essência de rosas. Cobriu o rosto com um
véu bordado de fios de seda dourados e prateados e voltou, é claro, ao palácio
do sultão Haroun Al-Raschid
Quando o chefe da guarda viu aquela mulher deslumbrante como a Lua,
perguntou quem ela era.
E ela respondeu, com voz doce e melodiosa:
- Eu sou a Fábula e gostaria muito de encontrar-me, se possível com o sultão
deste palácio.
O chefe da guarda foi correndo falar com o grão-vizir, até esqueceu de
ajoelhar-se diante dele e foi logo dizendo:
- Senhor, está lá fora uma mulher tão linda, mas tão linda, que mais parece
uma rainha. Ela deseja falar com o nosso sultão.
Os olhos do grão-vizir brilharam:
- Como é que ela se chama?
- Se entendi bem, senhor, o nome dela é Fábula.
- O quê? – disse o grão-vizir, completamente encantado. – A Fábula quer
entrar em nosso palácio? Mas que grande notícia! Para que ela seja recebida
como merece, ordeno que cem escravas a esperem com presentes magníficos,
flores perfumadas, danças e músicas festivas.
As portas do grande palácio de Bagdá se abriram graciosamente, e por elas
finalmente a bela andarilha foi convidada a passar.
Foi desse modo que a Verdade, vestida de Fábula, conseguiu conhecer um
grande palácio e encontrar-se com Haroun Al-Raschid, o mais fabuloso sultão
de todos os tempos.
ANEXO 5
Conto: Fátima a fiandeira - conto grego.
Era uma vez, numa distante cidade do Ocidente, uma jovem chamada Fátima.
Ela era filha de um próspero fiandeiro. Um dia seu pai lhe disse: “Venha, filha,
partiremos em viagem, pois tenho negócios nas ilhas do Mediterrâneo. Talvez
você encontre um jovem bonito e de boa condição financeira que possa tomar
como marido”.
Eles partiram e viajaram de ilha em ilha; o pai realizava seus negócios
enquanto Fátima sonhava com o marido que logo seria seu. Um dia, no
entanto, a caminho de Creta, desabou uma tempestade, e o barco naufragou.
Fátima, semiconsciente, foi lançada à costa perto de Alexandria. Seu pai
estava morto, e ela, completamente desamparada. Tinha apenas uma vaga
lembrança de sua vida até aquele momento, pois a experiência do naufrágio e
o tempo que ficou no mar a levaram à exaustão.
Estava caminhando pelas areias, quando uma família de tecelões a encontrou.
Embora fossem pobres, levara-na para sua humilde casa e lhe ensinaram seu
ofício. Foi assim que construiu para si uma segunda vida e, em um ou dois
anos, estava feliz e reconciliada com sua sorte. Mas um dia, quando, por
alguma razão, estava na praia, um bando de mercadores de escravos
desembarcou e a levou, junto com outros nativos.
Embora Fátima tenha lamentado argumentando seu destino, não despertou
compaixão nos seus captores, que a levaram para Istambul e a venderam
como escrava.
Seu mundo ruiu pela segunda vez. Acontece que, naquele dia, havia poucos
compradores no mercado. Um deles era um homem que procurava escravos
para trabalhar na sua marcenaria, onde construía mastros para embarcações.
Ao ver a tristeza da desafortunada Fátima, decidiu compra-la pensando que
assim, pelo menos, poderia dar a ela uma vida um pouco melhor do que fosse
comprada por outra pessoa.
O homem levou Fátima para sua casa com a intenção de fazer dela uma criada
para sua esposa. Ao chegar à sua casa, contudo, soube que tinha perdido todo
o seu dinheiro num carregamento que fora capturado por piratas. Como não
podia mais ter empregados, ele, Fátima e sua mulher arcaram sozinhos com o
árduo trabalho de fabricar mastros.
Fátima, agradecida a seu patrão por tê-la salvado, trabalhava tanto e tão bem
que ele lhe concedeu a liberdade, e ela passou a ser sua ajudante de
confiança. E foi assim que ela ficou razoavelmente feliz na sua terceira
profissão.
Um dia seu patrão lhe disse: “Fátima, quero que você acompanhe um
carregamento de mastros até Java como minha representante e se assegure
de realizar um boa venda”.
Ela partiu, mas quando o navio estava na altura da Costa da China, um tufão o
fez naufragar, e Fátima se viu novamente jogada na praia de uma terra
estrangeira... Mais uma vez chorou amargamente, pois sentiu que nada na sua
vida estava funcionando de acordo com suas expectativas. Sempre que as
coisas pareciam estar indo bem, algo acontecia e destruía todas as suas
esperanças. “Por que será que, sempre que tento fazer algo, isso se
transforma em tragédias? Por que tantas desgraças têm de acontecer
comigo?” Exclamou pela terceira vez. Mas não houve resposta. Então,
levantou-se da areia e caminhou, afastando-se da praia.
Acontece que, na China, ninguém tinha ouvido falar de Fátima nem conhecia
seus problemas. Mas havia a lenda de que um dia chegaria ali uma mulher
estrangeira que seria capaz de construir uma tenda para o imperador. E, já não
havia, até agora, ninguém na China que construísse tendas, todos aguardavam
o cumprimento dessa profecia com grande expectativa.
Para ter certeza de que essa estrangeira, quando chegasse, não passaria
despercebida, sucessivos imperadores da China mantiveram o costume de
enviar mensageiros uma vez por ano a todas as cidades e povoados, pedindo
que qualquer mulher estrangeira fosse conduzida à corte.
Foi numa dessas ocasiões que Fátima chegou cambaleando a uma cidade
costeira da China. O povo falou com ela por meio de um intérprete e lhe
explicou que teria de ser levada até o imperador.
“Senhora”, disse o imperador, quando Fátima foi trazida à sua presença. “sabe
fazer uma tenda?”
“Acho que sim”, disse Fátima.
Ela pediu cordas, mas não havia nenhuma disponível. Então, lembrando-se
dos seus tempos de fiandeira, juntou fibras de linho e fez as cordas. Depois,
pediu um tecido grosso e resistente, mas os chineses não tinham nenhum do
tipo de que ela precisava. Contando com sua experiência com os tecelões de
Alexandria, confeccionou certa quantidade de um tecido resistente. Então,
percebeu que precisava de estacas, mas não havia nenhuma na China. Assim,
Fátima, lembrando-se de como fora treinada pelo marceneiro de Istambul,
construiu com destreza estacas firmes. Quando estavam prontas, ela puxou de
novo pela memória, procurando se lembrar de todas as tendas que tinha visto
nas suas viagens, E vejam só! Uma tenda foi erguida.
Quando essa maravilha foi apresentada ao imperador da China, ele ofereceu a
Fátima a realização de qualquer desejo seu. Ela escolheu se estabelecer na
China, onde se casou com um belo príncipe e permaneceu feliz, rodeada por
seus filhos, até o fim dos seus dias.
Foi por meio dessas aventuras que Fátima compreendeu auq aquilo que em
dado momento lhe pareceu ser uma experiência desagradável acabou se
revelando uma parte essencial da sua felicidade definitiva.
https://www.youtube.com/watch?v=yeCjAJepywA
ANEXO 6
Conto: A montanha e a pedra de David Mckee.
Ninguém no mundo morava numa casinha como aquela, no alto da montanha.
Não dava para desejar nada melhor. Mas a sra. Busca resolveu implicar com a
pedra que ficava atrás da casa... e vejam só o que aconteceu!
O sr. e sra. Busca moravam numa casinha no topo de uma montanha, a única
montanha daquela região.
Como era a única montanha, recebia muitos visitantes. A vista era maravilhosa.
Chegar ao topo da montanha era um pouco difícil para os vizitantes, mas voltar
para casa era fácil. Todos diziam que era um lugar perfeito para morar. “Seria
perfeito”, dizia a sra. Busca para o marido, “se não fosse a pedra”.
A pedra ficava atrás da casa e tapava metade da vista da janela da cozinha.
“É perfeito”, dizia o sr. Busca, “metade da nossa vista é melhor que a vista
inteira de qualquer outra pessoa”.
“Além disso”, dizia o sr. Busca, “posso subir na pedra e avistar mais longe
ainda”.
Mas a sra. Busca continuava insistindo na pedra. Ela dizia: “Você sai para
trabalhar, mas eu tenho que ficar em casa olhando para essa pedra”, ou então:
“Eu fico um tempãp na cozinha”, ou só: “é uma pena essa pedra”.
Finalmente, uma noite o sr. Busca falou: “Amanhã vou dar um jeito nisso”. E a
sra. Busca ficou feliz.
No dia seguinte, o sr. Busca escavou o chão ao lado da pedra. Empurrou-a
pelo outro lado e a pedra rolou até o pé da montanha.
“Viva!”, exclamou o sr. Busca.
A sra. Busca ficou felicíssima, pois agora enchergava toda a vista da janela da
cozinha. Mas aquela noite ela disse: “Que barulho estranho é esse? Parece um
chiado!” O Marido, que tinha ficado exausto com o trabalho, já estava
dormindo.
Na noite seguinte foi o sr. Busca que disse: “Que barulho estranho é esse?
Parece um chiado!”
“Não sei”, disse a sra. Busca, “mas ouvi o mesmo barulho ontem à noite”.
No dia seguinte, o sr. Buscar achou mais fácil voltar do trabalho para casa.
Quando chegou, encontrou a mulher chorando.
“A montanha está baixando”, ela soluçou. “O chiado é do ar que está
escapando da montanha que ficava bem debaixo da pedra”.
Era isso mesmo. Dia após dia, noite após noite, a montanha foi baixando até
ficar plana.
“Agora estamos como todas as outras pessoas”, disse o sr. Busca.
Os visitantes continuavam indo até lá, por curiosidade, mas já não ficavam
muito tempo.Não havia nada para ver. “Que dia bonito”, diziam, e iam embora.
Coitada da sra. Busca! Sem a montanhanão havia vista, a não ser da janela da
cozinha. De lá ela avistava a pedra ao longe. E o chiado continuava.
Dia e noite, noite e dia, a casa continuava descendo, até chegar ao fundo de
um vale.
Os visitantes iam até lá, pois era o único vale da região e era fácil chegar nele.
Não ficavam muito tempo. As encostas de um vale não são uma vista bonita, e
era difícil voltal para casa.
Uma noite, outro barulho assustou o sr. e a sra. Busca: um estrondo terrível e
um estalo. O sr. Busca espiou para fora das cobertas e depois foi ver o que
estava acontecendo.
No escuro, não conseguia enxergar nada. Trancou a porta, voltou correndo
para a cama e se escondeu de novo debaixo das cobertas.
De manhã, o sr. Busca saiu devargazinho para espiar lá fora.
“É a pedra”, ele gritou para a sra. Busca. “Ela rolou para o vale e voltou para
cima do buraco!”
“Ah, não! Está pior do que antes!” disse a sra. Busca. “Agora está tapando a
vista toda da janela da cozinha.”
“Não importa, “disse o sr. Busca. “tive uma idéia.”
Ele passou o resto do dia trabalhando atrás da pedra.
No fi, o sr. Busca tinha pintado um quadro atrás da pedra. “Agora pelo menos
temos uma vista na janela da cozinha”, ele disse.
A sra. Busca ficou contente. “E o chiado parou”, ela disse.
Agora que o ar não tinha para onde escapar, a casa começou a subir de novo.
Dia e noite, aos poucos, o vale foi desaparecendo. A casa continuou subindo,
até a montanha ficar como antes.
Os visitantes voltaram a escalar a única montanha da região.
“Vocês tem sorte”, eles diziam à sra Busca. “É um lugar perfeito para morar,
com essa vista maravilhosa.”
“Perfeito”, concordava a sra. Busca. “E a minha vista favorita é a janela da
cozinha. Venham ver”.
ANEXO 7
Conto: O equilibrista - Fernanda Lopes de Almeida; ilustração de
Fernando de Castro Lopes.
Era uma vez um equilibrista.
Vivia em cimade um fio, sobre um abismo.
Tinha nascido numa casa construída sobre o fio. E já nascido avisado de que a
casa podia desmoronar a qualquer momento.
- Acho que vou me mudar.
AVISO esta casa está por um fio!
Mas logo percebeu que não havia nenhum outro lugar para ele morar.
O equilibrista ainda era bem jovem quando descobriu que ele mesmo é que
tinha de ir inventando o que acontecia com o fio.
- MEU DEUS QUE RESPONSABILIDADE!
Se queria ter uma festa, tinha que fabricar a festa com o fio.
- Não há nenhuma festa pronta para as pessoas ali na esquina.
- Não? Então vou fazer uma.
Convite para a minha festa. Eu já fiz.
Se queria ir à Europa, tinha que construir a viagem para a Europa.
- Tem aí uma viagem à Europa já viajada?
- Engraçadinho! Não quer mais nada, não?
Ele então transformava o fio em viagem.
E a verdade é que não se arrependia:
- É incrível quanta coisa se pode fazer com este fio!
Para ter amigos, o equilibrista tinha que procurar outros equilibristas.
As pessoas desequilibristas não queriam ser amigas dele:
- Que idéia é essa, de viver assim!
- É louco.
O equilibrista ainda tentava se defender:
- A idéia não foi minha! Já nasci assim!
Mas as pessoas não queriam ouvir:
- Imagine se vou acreditar numa mentira dessas!
Elas juravam que ninguém nasce assim.
O equilibrista, então, ia se encontrar com os outros equilibristas.
- Como vai?
- Vou-me equilibrando dentro do possível.
p o s s í v e l
O equilibrista ficava um pouco assustado com a conversa dos desequilibristas:
- Como vai?
- Muito mal. Meu carro enguiçou.
- Como vai?
- Muito bem. Minha poupança rendeu juros.
- Mas então quem vai mal e quem vai bem não são vocês. São o carro e a
poupança!
- Há! Há! Há! Olha o bobo!
- Qual é a diferença?
Os equilibristas também podiam ir muito mal ou muito bem. Mas a conversa
deles dava para entender:
- Como vai?
- Vou mal. Estou com um elefante na cabeça.
- Como vai?
- Vou bem. Hoje, pela primeira vez, eu verdadeiramente vi um beija-flor.
É verdade que, às vezes, o equilibrista ficava morrendo de inverja de quem
tinha um chão. Mesmo que fosse feinho.
- Chão de cimento é feio, mas que comodidade!
Na mesma hora se desequilibrava e caía. Enquanto caía, gritava:
- ONDE FICA O CHÃO?
Mas só recebia respostas malcriadas:
- Está claro que fica embaixo. Não enxerga?
- Mas embaixo de quê?
- Olhe, não tenho tempo para conversas bobas. Passe bem.
O equilibrista fazia um esforço danado para saber onde era embaixo.
Afinal, desistia.
- O jeito é ir desenrolando o meu fio.
E desenrolava o melhor que podia.
- Pensando bem, gosto de ser equilibrista.
- Pensando bem, como é dura a vida de equilibrista!
- Pensando melhor, é ruim e bom. Tudo misturado.
De vez em quando o equilibrista dava uma paradinha e olhava para trás:
- Puxa! Meu chão fui eu mesmo que fiz!
Mas tinha que ser uma paradinha rápida.
- Meu avô sempre dizia: - Quem para demais pra pensar, acaba sem saber
andar.
O equilibrista pensava no justo tempo e andava no justo tempo.
- E aprendi a fazer isso com o tempo. Há! Há!
Assim foi chegando ao fim do fio.
Antes de despedir-se, disse:
- Respeitáveis outras pessoas! Esta vida de equilibrista é perigosa, mas muito
interessante. Por mim, fiz o que podia e achei que valeu a pena. Adeus.
Umas pessoas concordavam. Outras, não.
- Eu também cho muito ineressante! Viva o equilibrista!
- Eu não acho graça nenhuma! Fora! Fora!
- Eu acho que vale a pena! Vale ,muito a pena!
- Não vale a pena, nada! Eu acho uma boa droga!
O equilibrista deu um risinho:
- Justamente o interessante é que cada um acha o que quer.
E saiu.
ANEXO 8
Conto: A moça tecelã de Marina Colassanti.
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas
da noite. E logo se sentava ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado
traço cor de luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora
a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes
lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte
demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira
grossos fios cinzentos de algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra
trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos
rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se
durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os
pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol
voltasse a acalmar a natureza. Assim, jogando a lançadeira de um lado para o
outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça
passava os seus dias. Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe,
com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser
comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E
à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila. Tecer era tudo
o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Mas tecendo e tecendo, ela
própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou
como seria bom ter um marido ao seu lado. Não esperou o dia seguinte. Com
capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no
tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo
foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato
engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta
dos sapatos, quando bateram à porta. Nem precisou abrir. O moço meteu a
mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida. Aquela
noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria
para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo.
Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque,
descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas
que ele poderia lhe dar. - Uma casa melhor é necessária, -- disse para a
mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais
belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa
acontecer. Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. – Para que ter
casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta,
imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata. Dias e
dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e
escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para
chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia.
Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o
ritmo da lançadeira. Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o
marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre. - É
para que ninguém saiba do tapete, -- disse. E antes de trancar a porta à chave,
advertiu: -- Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos! Sem
descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos,
os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer
era tudo o que queria fazer. E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua
tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela
primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo. Só esperou
anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas
exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre,
sentou-se ao tear. Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a
lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a
desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os
jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que
continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além
da janela. A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura,
acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já
desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo,
sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito
aprumado, o emplumado chapéu. Então, como se ouvisse a chegada do sol, a
moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios,
delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
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