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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (FCD): Sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência São Bernardo do Campo 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA

UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA (FCD):

Sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência

São Bernardo do Campo

2017

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VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA

UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA (FCD):

Sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência

Tese apresentada à Universidade Metodista de São Paulo, Escola de Comunicação, Educação, Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Educação para obtenção do grau de Doutor em Educação.

Orientação: Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini

São Bernardo do Campo

2017

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A tese de doutorado intitulada “UM OLHAR SOBRE A FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (FCE): sua trajetória em direção à Inclusão das Pessoas com Deficiência”, elaborada por VERA LUCI MACHADO PRATES DA SILVA, foi apresentada e aprovada em 09 de novembro de 2017, perante a banca examinadora composta por Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini (Presidente/UMESP), Profª. Drª. Arlete Assunção Monteiro (PUC/SP), Prof. Dr. Luiz Silvério da Silva (Escola de Gestão e Direito/UMESP), Profª. Drª. Elizabete Cristina Costa Renders (UMESP e USCS) e Prof. Dr. Roger Marquesini de Quadros Souza (UMESP)

_______________________________________________________

Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________________________

Profª. Drª. Roseli Fischmann

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Educação

Linha de Pesquisa: Formação de Educadores

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Ao

Serginho ( in memória)

e

À

Neves

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Agradecimentos

A Deus

Porque ter me dado a vida e não só isso, mas tem sido companheiro de jornada e

apresentado pessoas muito especiais que ajuda a dar sabor e cor que enfeitam

ao logo do caminho

Aos meus pais

que desde sempre deram suporte para a caminhada

Ao Luiz

marido, companheiro, incentivo em todas horas e principalmente porque apontou

a Frater como possibilidade para pesquisa

Aos Filhos

Juliana – pelo seu apoio incondicional “Mamãe vai dar certo! Tu vais

conseguir” de cada dia

Eduardo – meu motorista e companheiro em entrevistas, pelas transcrições, pela

compreensão e solidariedade nos momentos difíceis que passamos

Às Pessoas que contribuíram

dando seus depoimentos, indicando pessoas, acolhendo nos ventos,

convidando para os eventos, incentivando. Foram muitos, no Brasil e na

América Latina – Gratidão a todos e todas

À Mara

que tem sido parceira ao longo de toda a formação acadêmica, acompanhando

especialmente na revisão da escrita

À Profª Drª Zeila

pela coragem e confiança de aceitar o desafio de orientar um trabalho sobre um

tema desconhecido, pela solidariedade nos momentos difíceis

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Ao Prof. Dr. Luiz Silvério e ao Prof. Dr Roger Quadros

Pelas orientações dadas na Banca de Qualificação que foram muito valiosas

Ao Programa de Pós-Graduação

Em especial na pessoa de Profª Drª Roseli Fischman pelo incentivo e

solidariedade

Aos Colegas do Programa – eles e elas

Pelo convívio carinhoso, pela troca de saberes

À Banca de Defesa

Pela apreciação e considerações ao trabalho, as quais tornaram-se preciosas

para a lapidação na finalização do mesmo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Pela sustentação financeira que possibilitou frequentar o Programa de Pós-

Graduação e a realização da pesquisa.

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“Deixei de andar, não de viver.”

(Maria de Lourdes Guarda)

“A deficiência que invalida uma pessoa é a falta de sentido para a vida.”

(Margarida Oliva)

“A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente.”

(Paulo Freire)

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RESUMO

A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência (FCD) é um movimento que

iniciou na França na década de 1940, pelo padre Henri François, cujo lema é

“Levanta-te e Anda”. Pe François, com a saúde extremamente debilitada, vivendo

em uma sociedade dilacerada pelas guerras, inicia o trabalho de visitação às

pessoas enfermas e com deficiência. Com o passar do tempo, precisou de ajuda e

desafiou os próprios doentes e pessoas com deficiência para engajarem-se nesta

missão. Seu desafio foi atendido, o movimento ganhou um nome “Fraternidade

Católica de Doentes”, espalhou-se pela França, por toda Europa, chegando em

meados de 1960, à América Latina. Em 1972, chega ao Brasil, primeiramente em

São Leopoldo/Sul em seguida ao Nordeste, em Recife e hoje encontra-se

espalhada por todo país. A pesquisa se propôs a olhar para a trajetória da FCD

procurando descobrir qual a sua contribuição para inclusão das pessoas com

deficiência na sociedade brasileira. Para isto valeu-se de recursos como:

depoimentos, bibliografia, observação participante, fotos. Este trabalho estrutura-

se a partir da perspectiva do olhar: Quem olha (quem sou)? O que preciso ver?

Com que olhar? O que vejo? A introdução procura apresentar a proposta do

trabalho, assim como, apresentar quem olha, a trajetória de vida da pesquisadora

e seu envolvimento com a temática a ser pesquisada. A partir das vivências e

reflexões evidenciam-se temas que dão o terreno para que a FCD se enraíze e se

desenvolva. O primeiro capítulo discute temas como: deficiência; integração;

exclusão – inclusão, tentando tecer um cenário que serve como pano de fundo para

o nascimento e desenvolvimento da FCD. Quando olhamos para algo ou alguém,

mesmo que não estejamos fazendo uso de óculos ou lupa, estamos usando um

instrumental consciente ou inconsciente que vai pautar o que vemos ou não. Neste

sentido, no trabalho acadêmico, é necessário explicitar com que olhar, ou que lente

está nos instrumentalizando, para observação e busca de resultados na pesquisa.

O segundo capitulo situa o instrumental teórico, trazendo também temas que dão

instrumentalização para análise da atuação da FCD, como: Movimentos Sociais,

Teologia da Libertação, CEBs. O terceiro capitulo registra a trajetória da FCD,

utilizando os recursos disponíveis: depoimentos, fotos, bibliografia, histórias de

vida. O quarto capítulo explicita pontos importantes que este olhar permitiu ver: as

contribuições da Fraternidade na vida das pessoas, ajudando-a a assumirem a sua

própria vida. Bem como, o sair em direção ao outro, propiciando o envolvimento

nos movimentos sociais e na luta pela inclusão de pessoas com deficiência.

Finalizando com considerações que apontam a importância da FCD, tenta fazer

uma reflexão sobre o que foi encontrado pelo caminho, ressaltando os desafios,

diante da realidade que se vive hoje.

Palavras–Chave: Pessoa com Deficiência. Inclusão. Dignidade Humana.

Empoderamento. Fraternidade.

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ABSTRAT

The Intercontinental Christian Fraternity of People With Disabilities (ICFPD – in

Brazil Christian Fraternity of People With Disabilities, initials FCD) is a movement

by Father Henri François that began in France during the forties. Its motto is “rise

and walk with me”. Father François, suffering poor health and living in a war-torn

society, began to visit sick and disabled people. Soon he needed help and

challenged the sick and disabled people themselves to engage in this mission. His

challenge was answered, and the movement was named “Catholic Brotherhood of

the Infirm”. It spread through France and all of Europe, coming around the sixties to

Latin America. In 1972, it comes to Brazil, first to São Leopoldo (South of Brazil) and

then to Recife (Northeast). It is now spread through all the country. Our research

aimed at surveying the FCD trajectory and trying to discover its contributions to the

inclusion of disabled people in Brazilian society. To this end, we employed these

resources: testimonies, bibliography, participant observation and pictures. This

research structures itself from the perspective of the gaze: who looks (who am I)?

What do I need to see? Which gaze do I employ? What do I see? Our Introduction

tries to present the goals of this research, as well as presenting the gazer – the

biography of the researcher and her involvement with the subject. Through

experience and reflection, subjects are evidenced and offer the grounds for FCD to

root and develop itself. The first chapter discusses subjects such as disability,

integration, exclusion – inclusion in order to weave together a setting that serves as

a background for the birth and development of FCD. When we gaze at something

or someone, even though we wear no glasses nor use any magnifying glasses, we

employ conscious or unconscious tools that will dictate what we see or not. This is

why, in academic research, it is necessary to make explicit the type of gaze – which

lens we are using – to observe and look for research results. Chapter Two presents

our theoretical framework, introducing subjects that offer us tools to analyze FCD’s

operations, such as: Social Movements, Theology of Liberation and Basic Ecclesial

Communities. The third chapter sets down FCD’s trajectory employing available

resources: testimonies, pictures, bibliography and life stories. Chapter Four raises

the important points this gaze allowed us to see: FCD’s contributions to people’s

lives, helping them to take hold of their own lives. It also makes them reach out

towards others, allowing engagement in social movements and in the struggle to

include disabled people. Lastly, we offer considerations that indicate the importance

of the FCD. We also reflect upon what we found along the way, emphasizing the

challenges we face in our contemporary context.

Keywords: Disabled People. Inclusion. Human Dignity. Empowerment. Fraternity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES e FIGURAS

Figura 1 - Ilustração sobre a situação das pessoas com deficiência no

Renascimento. ................................................................................... 45

Figura 2 - A loja de próteses para soldados .................................................. 48

Figura 3 - Ilustração crítica à Guerra do Paraguai .......................................... 53

Figura 4 - A Família de Henri François ............................................................ 140

Figura 5 - Henri François aos 17 anos ............................................................ 140

Figura 6 - Primeiro encontro em 1945 ............................................................. 143

Figura 7 - Celebração Eucaristica em Benoite Vaux .........................................144

Figura 8 - Pe François em seu gabinete de trabalho no Lar em Verdun ......... 145

Figura 9 - Visita de Luiz Itamar e Pe Geraldo a Henri François – 1985 .......... 149

Figura 10 - Uma das ultimas Missas... em Verdun – dezembro de 1985........... 149

Figura 11- 1º Retiro em Benoite-Vaux, 1945 .................................................... 151

Figura 12 - Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição .............................. 161

Figura 13 - Vicente Masip com um fraternistas ................................................. 162

Figura 14 - NIDA ............................................................................................... 163

Figura 15 - HELENINHA ................................................................................... 164

Figura 16 - JOSÉ BERNER .............................................................................. 165

Figura 17 - Encontro de D. Sinésio Bohn com a Fraternidade .......................... 167

Figura 18 - Exposição de exemplares de Cartas Abertas ................................. 171

Figura 19 - Maria de Lourdes aos 22 anos ........................................................ 178

Figura 20 - Maria de Lourdes, Pe Geraldo e o Bebê que ela cuidava .............. 180

Figura 21 - Lourdes Guarda em manifestação na Av. Paulista ......................... 182

Figura 22 - Maria de Lourdes na kombi que foi adaptada para sua melhor

locomoção. ............................................................................... 183

Figura 22 - Encontro da FCD com a presença de cadeirantes do Carandiru... 184

Figura 23 - Equipes Nacional (Biênio 1979-1980 e Biênio 1981-1982) ............ 187

Figura 24 - Organograma da FCD ................................................................... 189

Figura 25 - Momento de Formação .................................................................. 192

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Figura 26 - Caminhada em direção à Praça da Matriz ..................................... 192

Figura 27 - Celebração Ecumênica de Encerramento ....................................... 193

Figura 28 - XI Assembleia, Fortaleza/CE – reunião de grupo ............................ 195

Figura 29 - Assembleia da FCD do Rio Grande do Sul ...................................... 198

Figura 30 - Encontro das Áreas Sudeste e Centro – Oeste. .............................. 200

Figura 31 - Teco-teco usado para viagem de M. Lourdes à Cuiabá .................. 202

Figura 32 - Casamento de José Roberto Amorim (Zé) e

Zenilda Borges Rego(Zê).... .......................................................... 208

Figura 33 - Casal com a filhinha -Yara Letícia .................................................. 209

Figura 34 - Clair Pereira de Souza .................................................................... 210

Figura 35 - Fraternistas recebidos pelo Governador no Palácio Piratini ........... 223

Figura 36 - Concentração no centro de Porto Alegre/RS .................................. 225

Figura 37 - Cartaz utilizados na Concentração em Porto Alegre/RS ................ 226

Figura 38 - Parte de um documento sobre o MDPD .......................................... 227

Figura 39 - Parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto

a participação no 1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes –

Recife 26 a 30 de outubro/81............................................................ 228

Figura 40 - Detalhamento do número de Fraternistas participantes no

1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes–Recife/81..............229

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LISTA DE ABREVIATURAS

AIPD – Ano Internacional de Pessoas das Pessoas Deficientes

ALCA - Área de Livre Comercio das Américas

APAE - Associação de Pais e Amigos de Excepcionais

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CECA – Centro Ecumênico de Evangelização Capacitação e

Assessoria

CGT – Central Geral dos Trabalhadores

CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano

CERU – Centro de Estudos Rurais e Urbanos (USP)

CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com

Deficiência

CUT- Central Única dos Trabalhadores

CVI – Centro de Vida Independente

FADERS - Fundação de Articulação e Desenvolvimento de

Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e

com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul

FCD – Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência

FRATER - Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência

FSM – Fórum Social Mundial

JOC – Juventude Operária Católica

JUC – Juventude Universitária Católica

MDPD – Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes

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MLD – Movimento dos Loteamentos Clandestinos

MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

NID – Núcleo de Integração dos Deficientes

ONEDEF – Organização Nacional de Deficientes Físicos

ONGs – Organizações não Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

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SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................ 17 Capitulo 1 - O que é preciso ver? ................................................................... 28

Da Invisibilidade à Visibilidade 1.1 Deficiência ................................................................................................... 29

1.1.1 Deficiência é doença? ............................................................................... 29

1.1.2 Visão da sociedade sobre a pessoa com deficiência 30 ........................... 33

1.1.3 Histórico ...................................................................................................... 36

1.1.3.1 Deficiência no Brasil ................................................................................ 49

1.1.4 Como Nomear? .......................................................................................... 55

1. 2 Inclusão ....................................................................................................... 58

1.2.1 Integração .................................................................................................... 61

1.2.2 Inclusão Social ............................................................................................ 62

1.2.3 Inclusão Escolar ........................................................................................... 67

Capitulo 2 - Com que olhar?.............................................................................. 75

Referencial Teórico – Metodológico

2.1 Perspectivas Teóricas ................................................................................. 76

2.1.1 Movimentos Sociais ...................................................................................... 84

2.1. 2 Movimentos de Pessoas com Deficiência ................................................... 94

2.1.3 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Teologia da Libertação..............106

2.1.3.1 Concílio Vaticano II .................................................................................. 110

2.1.3.2 II Conferência Geral do Episcopado Latino Americano – Medellín ..........113

2.1.3.3 III Conferência Geral do Episcopado Laino Americano – Puebla …....... 114

2.1.3.4 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ................................................ 117

2.1.3.5 Teologia da Libertação ........................................................................... 122

2.1.3.5.1 Gustavo Gutiérrez ............................................................................... 125

2.1.4 Novos Movimentos Religiosos .................................................................. 127

2. 2 Perspectiva Metodológica ......................................................................... 129

2.2.1 Construção da Pesquisa .............................................................................131

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Capitulo 3 - Olhando Para a FCD ..................................................................... 139

Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência

3.1 Quem é Henri François? .............................................................................. 139

3. 2 O que é a FCD? ............................................................................................ 151

3.2.1 Contextualização ...................................................................................... 152

3.3 FCD no Brasil ............................................................................................ 161

3.3.1 Como começa e com quem ....................................................................... 161

3.3.3.1 Quem são estes? ................................................................................... 161

3.3.2 Em que solo germina ............................................................................... 165

3.3.3 Os 10 primeiros anos ................................................................................. 168

3.3.4 A Coordenação da Lourdes Guarda ......................................................... 176

3.3.4.1 Um pouco Maria de Lourdes Guarda .................................................... 177

3.3.4.2 IV Assembleia Nacional ......................................................................... 185

3.3.5 Pós Maria de Lourdes Guarda ................................................................. 193

Capítulo 4 - O que vi .. ....................................................................................... 201

A importância da FCD

4.1 A Importância da FCD na vida das pessoas ................................................ 205

4.2 Participação da FCD com os Movimentos Sociais ...................................... 222

4. 3 A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência nos dias atuais ........... 236

Considerações .................................................................................................. 241

Referências ........................................................................................................ 254

Lista de Referências Complementares ............................................................... 264

Apêndice A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................... 269

Apêndice B - Depoimento de Carmencita ........................................................... 270

Apêndice C – Tradução depoimento do Orlando ............................................... 273

Apêndice D - Depoimento da Ir Conceição ......................................................... 275

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Apêndice E – Depoimento de Tuca Munhoz ...................................................... 283

Apêndice F – Depoimento de Olivia .................................................................... 288

Apêndice G – Depoimento de Levino Guilherme Schneider ............................... 290

Anexo A - Carta do Pe François a Luiz Itamar .................................................... 298

Anexo B - CARTAS ABERTAS Nº 57, comemorativa aos 15 anos da FCD/BR. 299

Anexo C - Celebração de Corpus Christi – Praça da Sé/ SP.............................. 300

Anexo D - Mensagens do Pe. François ............................................................... 301

Anexo E - Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração ....... 305

Anexo F - Fotos de Eventos ............................................................................... 306

Anexo G - Materiais utilizados para formação pela FCD/Brasil ......................... 312

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Um olhar sobre a FCD:

seu caminhar em direção à Inclusão de Pessoas com Deficiência

INTRODUÇÃO

As pessoas com deficiência sempre estiveram presentes, mas nem sempre foram

percebidas de fato ou como deveriam ter sido. Estas pessoas nem sempre foram

contabilizadas nas pesquisas demográficas. De algum tempo, tem surgido a

preocupação em se fazer um mapeamento da existência destas pessoas e da

incidência das diversas deficiências. O Censo de 2010, do IBGE, constatou a

existência no Brasil de 45.606.048 pessoas que apresentam algum tipo de

deficiência. Este número incide em várias faixas etárias: 7,5% nas crianças de 0 a

14 anos; 24,9% na população de 15 a 64 anos e 67,2% na população com mais de

65 anos. Do contingente das pessoas com deficiência: 38,5 milhões viviam em

áreas urbanas e 7,1 milhões em áreas rurais. Foi constatado também que a

população feminina é a mais atingida, em todas as raças declaradas. As diferentes

deficiências pesquisadas ficam assim distribuídas entre a população: Visual 37,4%;

Motora 28,6%; Auditiva 9,6%; Mental ou intelectual 2,7 milhões.

Sempre ao meu redor houve pessoas com deficiência. Conforme fui crescendo, fui

percebendo essas presenças e algumas coisas foram como que fazendo cócegas,

faziam com que olhasse para elas; olhando, algo trazia um certo incômodo. Não

com a presença delas, mas um sentimento estranho, acho que nunca de piedade,

coitadismo, mas um desconforto com o modo como eram tratadas. Não sei

identificar com precisão qual o sentimento. Era como se uma névoa se

interpusesse, envolvesse esse cenário. Confesso que algumas vezes senti medo

de algumas delas; em outras, desconforto por ver como eram tratadas ou

maltratadas.

Sou filha de comerciante, meu pai sempre trabalhou no comércio. Quando eu tinha

6 anos ele saiu do grande atacado onde trabalhou por muitos anos e montou um

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armazém no bairro onde morávamos. Durante minha infância e adolescência

passei muito tempo do outro lado do balcão, “atrás do balcão”, segundo o linguajar

da época, por onde passaram muitas pessoas. Revisitando esse tempo, posso

perceber que aproximadamente trinta pessoas, com as mais diferentes

deficiências, circularam em minha história, naquele período, a começar por

familiares muito próximos, de cada uma tenho lembranças muito marcantes.

Algumas trabalhavam, outras mendigavam, mas todas carregavam o estigma da

diferença que as afastavam do convívio social mais pleno, muitas vezes eram

menosprezadas, e até serviam de escárnio. Lembro que serviam até de ameaça

pelos pais, caso alguma criança infringisse alguma regra. Convivi com a deficiência

no meio familiar, um sentimento de desconforto com a superproteção e o

coitadismo sempre presente.

Percebi, que nestas vivências, já havia uma inquietação e desconformidade com a

situação destas pessoas. Com o passar do tempo, pude perceber nestas relações

com as pessoas com deficiência a marca da exclusão em uma sociedade

capitalista, de mercado e de culto ao corpo. O ser humano é valorizado pelo que

produz e pelas aparências. As pessoas com deficiência até muito pouco tempo

eram consideradas como improdutivas, incomodas para a sociedade e não faziam

parte do mercado da moda.

Aos 21 anos, fui estudar teologia para ser pastora da Igreja Metodista, da qual fui

participante desde o berço, onde aprendi a amar a Deus e ao próximo. Neste tempo

de formação teológica, encontrei as teorias de Paulo Freire e a Teologia da

Libertação que deixaram marcas para a atuação pastoral. Em 1979, tornei-me

pastora, estas marcas pautaram minha atuação como pessoa e como pastora. Nos

primeiros anos do pastorado, a questão da deficiência não esteve muito presente.

Confesso que só fui ter uma percepção consciente da pessoa com deficiência a

partir da convivência com a FCD (FRATERNIDADE CRISTÃ DE PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA), em 1992, na época ainda chamada de Fraternidade Cristã de

Doentes e Deficientes.

A FCD é um movimento de pessoas doentes e pessoas com deficiência que se

inicia na França, através do padre Henri François. Em 1942, a Fraternidade começa

a germinar como uma sementinha, com a nomeação do Pe François, vigário da

Paróquia de Saint-Victor, em Verdun, como Capelão do Hospital. Diante da

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impossibilidade de continuar sua missão de visitação domiciliar aos doentes e

deficientes desafia-as a continuarem sua tarefa. Três mulheres aceitaram o desafio,

continuam sua tarefa. François reunia-se mensalmente com elas. Compartilhavam

as experiências, rezavam juntos, reanimavam as forças e o movimento foi se

ampliando. A Frater (como é chamada carinhosamente por seus participantes)

chega ao Brasil através do seminarista Vicente Masip Viciano. A primeira reunião

realizou-se na Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo,

Rio Grande do Sul, no dia 12 de junho de 1972. É um movimento que se mantém

pelo protagonismo da própria pessoa doente ou com deficiência.

Em 1992, trabalhando no CECA (Centro Ecumênico de Evangelização Capacitação

e Assessoria, de São Leopoldo- RS), fui convidada a assessorar nas celebrações

do Encontro Nacional que comemoraria os 20 anos de atuação da FCD no Brasil.

Participei de algumas reuniões de preparação para o Encontro, junto com a

coordenação regional do Rio Grande do Sul, em especial, na preparação das

celebrações. Até que chegou o tão esperado dia – 7 de junho de 1992. Reuniram-

se por volta de 1200 pessoas do Brasil e da América Latina; destas,

aproximadamente 900 tinham alguma deficiência. O primeiro momento foi de

estranhamento, parecia estar em meio a limitações e impossibilidades, mas ao

mesmo tempo as potencialidades que estas pessoas possuíam; a competência em

realizar tão grande evento; a desenvoltura que transparecia na comunicação, na

parte artística, na formação profissional que possuíam; o clima de festa que pairava

no Encontro, dissipou de pronto aquele estranhamento. A convivência com aquele

grupo deixou marcas para a vida toda.

Outro fato impactante se deu na praça da Matriz da cidade onde aconteceu esse

evento, São Leopoldo-RS, cidade onde surgiu primeiro grupo da FCD no Brasil.

Como parte da programação, foi feita uma caminhada do Ginásio Municipal até a

praça principal. Quando chegamos em frente à Igreja Matriz, estava encerrando

uma Missa de Primeira Comunhão. Muitos pais estavam saindo com seus filhos e

filhas para tirar fotografia na praça, todos rigorosamente vestidos, com as roupas

tradicionais deste importante acontecimento religioso. A reação das pessoas foi a

pior possível, muitas delas pegavam os filhos e se afastavam como se a praça

tivesse sido tomada por um bando de bichos. Estava sendo distribuída uma carta à

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população, muito poucas pessoas a pegaram e algumas tomavam das mãos dos

filhos e as devolviam. Foi uma cena grotesca, nunca mais vou esquecer.

A partir deste primeiro contato, estreitaram-se os laços entre a FCD e o CECA.

Participantes da FCD frequentaram cursos oferecidos pelo CECA, como cursos da

Capacitação Política, Pastoral Popular, etc. Buscaram assessoria para vários

cursos e encontros de capacitação da própria FCD. Após meu afastamento do

CECA, em 1993, continuei em contato com o Movimento, especialmente

participando de celebrações. É tradicional, em Porto Alegre – RS, um Encontro

anual no Colégio São Luiz, durante um dia inteiro, encerrando com uma

Celebração, inclusive da Eucaristia. Por vários anos participei como celebrante

neste evento. Prestei assessoria em uma Assembleia Nacional, em Fortaleza/CE

no ano 2000, em Assembleias Regionais no Rio grande do Sul, em Cursos de

Formação realizados na EST, São Leopoldo.

Chegou, em 1993, nossa filha com Síndrome de Dandy Walker (SDW)1. Em

consequência, apresenta deficiência múltipla: déficit motor, visual e cognitivo. Os

exames Potencial Evocado Visual indicavam amaurese bilateral. Neurologistas e

oftalmologistas, diante dos diagnósticos produzidos por estes exames

computadorizados, afirmavam que ela não enxergava nem poderia vir a enxergar,

seu diagnóstico era cegueira total. O prognóstico neurológico era de que não

andaria, não enxergaria e não falaria, ou seja, teria uma vida vegetativa. No

entanto, hoje com 24 anos, anda, fala (com dificuldade, mas fala), tem um ótimo

convívio social, trabalha no Setor Produtos Artesanais na Universidade Metodista

de São Paulo, faz capoeira e dança. Em outros trabalhos tenho já narrado com

mais detalhes sua trajetória.

Na busca de proporcionar melhor qualidade de vida para a filha, passei

praticamente as manhãs, durante dez anos, nas salas de espera de profissionais

da área da saúde. Neste tempo pude partilhar com familiares, majoritariamente as

mães de crianças com deficiência, de suas angústias e expectativas. Ao mesmo

tempo, nasce na comunidade em que pastoreava uma criança que, em virtude de

1 Esta síndrome se caracteriza por uma alteração congênita no cerebelo, “é uma síndrome não familiar, caracterizada por dilatação cística do quarto ventrículo e por aplasia ou hipotrofia parcial ou total do verniz cerebelar.” (EWALD, 2005)

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uma parada cardíaca aos 3 meses de vida, ficou com severas sequelas. Tive a

oportunidade de construir uma rede de apoio a esta família junto à comunidade

eclesial. Isto me levou ao mestrado em Teologia Prática, na Escola Superior de

Teologia em São Leopoldo, onde discuti a comunidade eclesial e as mães de

crianças com deficiência, em que medida a comunidade eclesial poderia ou pode

ser terapêutica para estas mães. Conclui este mestrado em 2002, com a

dissertação: Comunidade Eclesial: espaço terapêutico para a díade mãe-criança

portadora de deficiência.

Vindo para São Bernardo, em 2005, trabalhei como voluntária no Projeto Vida, na

Universidade Metodista, que desenvolvia atividades esportivas e artísticas com

pessoas com diferentes deficiências, de diferentes idades. O Projeto oferecia a

prática de esportes como basquete, capoeira, dança, escalada, handebol, judô e

natação. O objetivo era oferecer melhor qualidade de vida para estas pessoas, além

de estimular a autoestima, melhorar o condicionamento físico e diminuir os casos

de depressão nessa população. Participando desse projeto, elas tinham a

oportunidade de lutar pelos seus direitos e exercer melhor a cidadania. Além de

ajudar a comunidade fora, também beneficiava os alunos da Universidade, em

especial dos cursos de Educação Física e Fisioterapia, envolvidos mais

diretamente nestas atividades, que tinham a oportunidade de se relacionar com

essas pessoas e assim ingressavam no mercado de trabalho com um diferencial

e uma experiência de cidadania. A convite do coordenador do Projeto, Prof.

Domingos Belasco Jr. (Dumas), coordenei o Grupo de Familiares, que no projeto

considerávamos um espaço de apoio mútuo e construção de cidadania.

Ao longo do tempo de minha convivência e percepção do mundo da deficiência,

surgiram movimentos pessoas com deficiência e de seus familiares, em direção a

uma maior visibilidade das mesmas. Elas passam a assumir seu papel na

sociedade como ser humano sujeito de direitos e deveres e como cidadãos e

cidadãs que pertencem à sociedade e querem dela participar. Esses movimentos

ganharam mais expressão na década de 1980, a partir de 1981, “Ano Internacional

da Pessoa Deficiente”, que foi estabelecido pela ONU. Muitos avanços têm havido

no sentido da sociedade perceber a presença destas pessoas e, também, um

esforço em incluí-las em seu convívio criando uma relação de pertencimento e de

participação.

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Na caminhada para a inclusão, está a discussão sobre inclusão escolar, pois, de

fato, é um direito das pessoas com deficiência terem acesso à educação como

qualquer outra pessoa. As leis brasileiras garantem a inclusão da pessoa com

deficiência na rede regular de ensino. No entanto, isto ainda é alvo de muita

discussão, desconfiança e insegurança. A escola tem dificuldade de fazer de fato

a inclusão por desconhecer a realidade destas pessoas e pela insegurança diante

dos preconceitos que foram cristalizados ao longo da história da humanidade a

respeito das deficiências e das pessoas acometidas por elas. Há também a

dificuldade de criar novos paradigmas educacionais que incluam estas pessoas no

processo de ensino aprendizagem. Os educadores muitas vezes manifestam se

sentimento de não estarem preparados para este desafio. Tenho visto muita

preocupação com o diagnóstico, o que pode ser limitador em um processo de

construção de possibilidades.

No período de atuação do Projeto Vida, acentuou-se a discussão sobre inclusão

escolar e medidas começam a ser tomadas para a implantação e cumprimento das

leis estabelecidas. Este movimento, tanto nas escolas quanto nas famílias, traz

muita insegurança. Surge, neste contexto, a necessidade de discutir a questão da

inclusão escolar do ponto de vista das famílias. Com o passar do tempo, foi

surgindo a necessidade de refletir sobre esse momento vivido como família: criança

que conviveu com a deficiência; mãe que acompanha o percurso (processo de

desenvolvimento da filha), em direção à sua construção como ser humano,

vencendo bravamente seus limites. Alguém que tem se envolvido neste mundo

ainda marginal, de pessoas que vivem a sua condição de diferente em uma

sociedade que as coloca como desiguais. Esta vivência, convivência, percepção do

que se passa deu a possibilidade de instituir-me como alguém que pode refletir e

dizer sobre esta realidade. Com esta perspectiva ingressei no Mestrado em

Educação, na Universidade Metodista de São Paulo e neste curso trabalhei sobre

a questão da inclusão escolar na perspectiva das famílias. Nota-se que ainda

existem muitas resistências com relação a isto. A dissertação de conclusão foi

apresentada em março de 2010 com o título: Inclusão: O que a escola tem a

aprender com a família.

Ingressando no doutorado, depois de algumas incursões em outros temas, a FCD

se colocou como uma possibilidade de pesquisa. Tendo investigado sobre

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movimentos sociais de pessoas com deficiência, encontrei muito pouco sobre a

FCD e sua importância para a Inclusão das pessoas com deficiência. Senti que as

leituras e conhecimentos acumulados a partir dos Mestrados realizados, das

vivências, quando busco conhecimento sobre formas de atuação de instituições,

religiosas ou não, poderão ajudar em pesquisas futuras. Por isto, no Doutorado, a

proposta é olhar para a caminhada da FCD (Fraternidade Cristã de Pessoas com

Deficiência) ao longo de sua história, especialmente, no Brasil. Perceber em que

medida a sua trajetória tem contribuído para o processo de inclusão da pessoa com

deficiência. Buscando responder às seguintes perguntas: Qual a contribuição da

FCD para a vida das pessoas com deficiência? Houve alguma contribuição na luta

para a inclusão efetiva? Qual? Qual a relação da FCD com outros movimentos

sociais, de pessoas com deficiência ou não? A FCD ainda tem relevância no estágio

atual dos movimentos de pessoas com deficiência?

Como já está registrado nos relatos, tenho tido ao longo da vida, contato com

pessoas com as mais diferentes deficiências e há 24 anos tenho vivenciado a

situação de cuidadora de uma filha com múltiplas deficiências. E, de repente, me

vejo na situação de cadeirante. Dia 28 de junho de 2016, em plena preparação para

a qualificação acadêmica, saio de casa para acompanhar o marido, que iria levar

um documento a Delegacia de Ensino. Saímos às 10h da manhã e às 10h30min,

estava com o pé quebrado, pouco acima do tornozelo. Primeira palavra do médico

“precisa cirurgia”. Como eu residia em outro município (estava em São Paulo e

resido em São Bernardo do Campo), fui encaminhada ao pronto socorro de minha

cidade, onde o médico deu outro diagnóstico: pode ser tratado com gesso, mas é

de 6 a 8 semanas sem colocar o pé no chão. Quinze dias depois, feita nova

avaliação, a previsão é um mês com o gesso e se tudo der certo será retirado e

colocada uma bota para começar o processo de andar. Resultado de tudo isto é

que foram três meses de gesso, por dois meses vivi a experiência de andar de

cadeira de roda e mais um mês de muleta, mais alguns dias de bengala.

Meu filho me disse: “Bah, mãe! Não basta pesquisar sobre deficiência, tem que

experimentar?” Realmente pude experimentar algumas situações que as pessoas

com deficiência passam no dia a dia. Que fique bem claro que é diferente: uma

coisa é saber que teremos uma limitação por um período curto de tempo; outra é

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saber que precisa adaptar-se a viver desta forma. No entanto, não deixa de ser

uma experiência interessante.

Nos dois primeiros dias foi uma angústia muito grande com a possibilidade de

cirurgia: passar por hospitalização; como ficaria a dinâmica da casa com uma mãe

idosa e uma filha com deficiência? Além de uma tese para escrever... Passado este

período, vem a fase de adaptação às limitações, como manejar a cadeira de rodas,

como se equilibrar com as muletas. A cadeira não passava por todas as portas. Um

sentimento de impotência e dependência vai tomando conta. Ficar dependente de

alguém até para ir ao banheiro... nada na casa é compatível com a situação. Tive

dificuldade de me adaptar com as muletas, caí dentro de casa. O medo de ter

afetado a quebradura, a recomendação médica para os dois primeiros meses era

não colocar o pé no chão sob hipótese alguma. Na visita ao médico no décimo

quinto dia, foi trocada a imobilização e colocada uma mais reforçada que deu maior

estabilidade ao pé. Sentindo-me mais segura. Começam as tentativas de

autonomia: levantar da cama sozinha, tomar banho com mais autonomia, até

chegar a fazer uso do banheiro sem precisar de auxílio. É uma sensação

libertadora. Outra experiência significativa foi vivenciar as barreiras arquitetônicas,

comportamentais e atitudinais impostas pela sociedade e, em meio às dificuldades

impostas por estas barreiras, a solidariedade ou a indiferença das pessoas com

estas situações.

Passado o tempo do gesso, é tempo de conviver com as consequências para o

resto do corpo, dor no tornozelo e joelho da outra perna e nos pulsos, pela exigência

de apoio para sentar, levantar e para andar com as muletas, sentindo o cansaço de

estar muito tempo sentada.

Como já mencionado, esta experiência não se compara à de uma pessoa que

convive com a deficiência ao longo da vida, mas deu para experimentar um pouco

do sentimento de limitação e dependência e como estes são “deprimentes”. Eles

ferem a autoestima e podem acentuar o sentimento de limitação. Por outro lado, a

conquista da autonomia, mesmo que pequena, pode trazer o sentimento de

libertação e a impulsão para novas buscas e conquistas.

Voltando à pesquisa, escolhi este movimento, em primeiro lugar, por já ter uma

familiaridade com ele. Depois, porque encontrei muito pouca referência a ele nas

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pesquisas. Das que encontrei, aparece a atuação em Conselhos de Pessoas com

Deficiência e suas lutas. Considero que este Movimento tem relevância por ter

abrangência mundial e, fundamentalmente, por apresentar em seus princípios uma

significativa preocupação com o protagonismo da pessoa com deficiência.

À medida que foram sendo feitos contatos para as entrevistas fui convidada pela

coordenadora da Equipe Continental a participar da reunião da Equipe de

Coordenação Continental que aconteceria em março de 2015, em Porto Alegre. Fui

e participei de toda reunião, que contou com a presença da Coordenadora Adjunta

da Equipe Intercontinental e do Conselheiro Intercontinental, além da Equipe

Continental da América Latina. Estes contatos possibilitaram uma visão ainda mais

abrangente da FCD, especialmente, em nível de América Latina. No entanto,

ajudou na delimitação da pesquisa centrando-se mais significativamente no Brasil.

A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência é um movimento que nasce com

um cunho essencialmente religioso, que traz em seu bojo um forte impulso para a

visibilidade da pessoa com deficiência à medida que vai dando a ela a conquista

de sua autoestima e autonomia e resgatando a dignidade humana inerente a todas

pessoas, com deficiência ou não. Nesse processo há um empoderamento e

envolvimento em lutas por seus direitos e pelos direitos de outras pessoas

marginalizadas. Neste sentido, a contribuição da FCD se dá na visibilidade

proporcionada às pessoas com deficiências e na luta por seus direitos, que se

tornam alavanca para o processo de inclusão na sociedade, no mundo do trabalho

e na escola. Para comprovar esta hipótese foram utilizados como recursos:

depoimentos de participantes e coordenadores de núcleos locais, regionais,

nacionais e continentais; histórias de vida de participantes; correspondências; atas

de reuniões; bibliografia; fotos; e o periódico "Cartas Abertas" produzido pela FCD,

no Brasil.

O trabalho se estrutura a partir da perspectiva do olhar: Quem olha (quem sou)? O

que preciso ver? Com que olhar? O que vejo? Entende-se que este olhar será

sempre incompleto e insuficiente, por mais esforço que seja empreendido em

desvendar o que é a FCD e sua abrangência na trajetória da inclusão das pessoas

com deficiência. Sempre ficará algum aspecto a ser descoberto, tendo em vista

ainda, que é um movimento que tem muitos ângulos a serem analisados, por sua

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forma de atuação e por estar espalhado em todos os continentes, nos seus mais

remotos rincões.

A introdução tem a pretensão de apresentar quem olha, a trajetória de vida da

pesquisadora e seu envolvimento com a temática a ser pesquisada, tendo em vista

que não há neutralidade entre a/o pesquisadora/o e seu objeto de pesquisa,

embora se exija o máximo de objetividade e competência científica.

A partir das vivências e reflexões evidenciam-se temas que dão o terreno para que

a FCD se enraíze e se desenvolva. Este “ser” que está sendo percebido está

envolto em algumas questões que interferem no seu desenvolvimento e na sua

caminhada. Precisamos trazer à discussão temas como: deficiência – eficiência;

integração; exclusão – inclusão. Estes temas serão tratados no primeiro capítulo,

procurando situar o cenário que serve como pano de fundo para o nascimento e

desenvolvimento da FCD.

Quando olhamos para algo ou alguém, mesmo que não estejamos fazendo uso de

óculos ou lupa, estamos usando um instrumental consciente ou inconsciente que

vai pautar o que vemos ou não. Neste sentido, no trabalho acadêmico, é necessário

explicitar com que olhar, ou que lente está nos instrumentalizando para a

observação e a busca de resultados na pesquisa. No terceiro momento há que

expor as questões teórico-metodológicas que estão norteando o percurso do

trabalho. O segundo capítulo situa o instrumental teórico, trazendo também temas

que dão instrumentalização para a análise da atuação da FCD, como: Movimentos

Sociais, Teologia da Libertação, CEBs.

Leve-toi ... et marche (Levanta-te e anda) é o mote da FCD. Em 1945, na França,

ela se pôs em marcha, e chegou até aqui. Na caminhada, muitos desafios foram

enfrentados. Quando chega no Brasil, em meio a ebulição de movimentos sociais

de luta pela redemocratização e luta por direitos, a FCD, à medida que vai

caminhando, vai envolvendo-se nas lutas pelos direitos da Pessoa com Deficiência

e de outras marginalizações. O terceiro capitulo, procura fazer um registro da

trajetória da FCD, utilizando os recursos disponíveis: depoimentos, fotos,

bibliografia, histórias de vida.

O quarto capítulo explicita pontos importantes que este olhar permitiu ver: as

contribuições da Fraternidade na vida das pessoas, ajudando-a a assumirem a sua

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própria vida, bem como, o sair em direção ao outro, propiciando o envolvimento nos

movimentos sociais e na luta pela inclusão de pessoas com deficiência.

Finalizando com considerações que apontam a importância da FCD, tenta fazer

uma reflexão sobre o que foi encontrado pelo caminho, ressaltando os desafios,

diante da realidade que se vive hoje.

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CAPÍTULO I

O QUE PRECISO VER?

Da invisibilidade à Visibilidade

Um olhar sobre a FCD não pode deixar de perceber duas realidades que se fazem

presente: Deficiência e Inclusão. A reflexão sobre estes dois temas é fundamental

para que se tenha mais clareza sobre o solo em que este movimento faz seu

percurso. A tentativa de definir ou conceituar a deficiência é muito complexa e, por

mais que se procure fazê-lo, será sempre limitada diante do universo vasto e

dispare em que se situa a realidade na qual vivem estas pessoas. Empiricamente,

busca-se definir na perspectiva da “normalidade” e da “anormalidade”. Seguindo o

raciocínio da “normalidade”, as pessoas tendem a confundir o “normal” com o

“comum”, levando à errônea ideia de que o diferente é inferior ou incapaz. O que

garante que uma pessoa que se locomove em uma cadeira de rodas não é ou não

poderá vir a ser, se a deixarem ser, exímia digitadora? Ou, ainda, uma pessoa com

paralisia cerebral ser muito eficiente em amar? Tenho visto e ouvido as pessoas

com paralisia cerebral serem consideradas como dementes ou totalmente

incapazes. Conheço duas pessoas com paralisia cerebral que são doutores.2

As pessoas com deficiência sofrem muito com o preconceito por vivermos em um

mundo onde as pessoas são valorizadas pelo que produzem e não pelo que elas

são. A aparência vale mais que o conteúdo. O diferente é considerado como

desigual. Há falta de atendimento adequado para as suas necessidades, até

atendimento adequado para o desenvolvimento de suas potencialidades. Tudo isto,

muitas vezes as exclui do convívio social. Esta exclusão pode favorecer o

acometimento de doenças emocionais e espirituais e que são causa de muito

sofrimento. Para se pensar em inclusão destas pessoas é necessário atentar para

alguns aspectos importantes que de certa forma dão a pauta de como estas

pessoas serão tratadas na sociedade. Há, ainda, certa confusão entre inclusão e

2 Gustavo Müller é doutor em Ciências Políticas pela UFRGS e Emílio Figueira é doutor em

Psicanálise, em Teologia e em Extensão Universitária em Docência em Ensino à Distância.

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integração, estes dois conceitos têm interfaces que precisam também ser

esclarecidos.

1 1 - DEFICIÊNCIA

111 - Deficiência é Doença?

O tema da deficiência tem sido tratado atualmente sob dois aspectos: o modelo

médico e o modelo social. O modelo médico tem pautado ao longo do tempo as

discussões sobre deficiência e suas intercorrências. Este modelo, como o próprio

nome já diz, tem como base os preceitos da medicina para tratar sobre a deficiência

e as pessoas que povoam este universo. Baseia-se no diagnóstico e no

prognóstico. Tem como função descrever a deficiência e diante da descrição fazer

uma previsão de como será a vida deste indivíduo que é acometido por ela.

Normalmente, apontando as limitações e não as potencialidades.

O modelo social tem superado a mera categorização médica das deficiências e

tratado das questões políticas e sociais em que estão envolvidas as pessoas que

são acometidas por elas, o que é um salto de qualidade no trato desta questão.

Alguém poderia pensar que então seria desnecessário tratar aqui do modelo

médico, porém, esta nova visão é muito recente e a FCD tem seu nascedouro em

um tempo que em que o modelo médico é decisivo.

É difícil uma definição sobre o que é deficiência. No senso comum, confunde-se

deficiência com doença. Embora a pessoa doente e a pessoa com deficiência

tenham algumas características ou necessidades em comum, como atendimento

profissional, reabilitação, ser vítima de preconceito, existem elementos que as

diferenciam. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes define-as como:

Qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as

necessidades de uma vida individual ou social normal, decorrência de uma

deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. (Apud

MÜLLER, 1999: 12)

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Giuseppe Sovergino define doente como:

[...] o indivíduo que é vítima de alguma das diversas espécies de doenças

físicas, psíquicas, ou psicossomáticas que perturbam gravemente a rotina da

própria vida e do próprio trabalho. Podem ser conhecidas através de uma

planilha nosográfica detalhada e pormenorizada, e atinge uma minoria das

pessoas e por um curto período de tempo em relação à vida inteira. Às vezes

trata-se de doenças crônicas.

Num sentido lato, entendemos por doente o indivíduo que sofre de alguma enfermidade ou de alguma fraqueza física ou psíquica que provoca algum condicionamento negativo. (SOVERGINO, 1998:283)

As definições apresentam alguns aspectos semelhantes que contribuem para que

se considere o deficiente como doente. Quando ambas acentuam a dificuldade de

prover as necessidades básicas para a vida, o que está diretamente relacionado à

possibilidade de trabalhar, estão colocando as duas situações no mesmo patamar.

Há casos em que a deficiência vem acompanhada de uma debilidade de saúde

física, ou provoca uma debilidade por falta de alguns atendimentos básicos. A

deficiência em si não é doença. Faz-se necessário ter claro essa distinção. No

imaginário popular, ainda hoje muitos se relacionam com pessoas com deficiência

como se fossem portadoras de doenças contagiosas. Uma mãe ao devolver o

questionário de uma pesquisa disse: É muito importante este trabalho, precisamos

continuar falando sobre isso. Infelizmente, ainda hoje, tem pessoas que olham para

nossos filhos com deficiência como se eles fossem contagiá-los com sua

deficiência. É duro! Porém, não podemos deixar de considerar que grande parte

das crianças com deficiência tenha a saúde muito débil e que demandam

frequentes cuidados médicos e internações.

As pessoas com deficiência sofrem muito com o preconceito por vivermos em um

mundo onde as pessoas são valorizadas pelo que produzem e não pelo que elas

são. A aparência vale mais que o conteúdo. O diferente é considerado como

desigual. Há falta de atendimento adequado para as suas necessidades, até

atendimento adequado para o desenvolvimento de suas potencialidades. Tudo isto,

muitas vezes as exclui do convívio social. Esta exclusão pode favorecer o

acometimento de doenças emocionais e espirituais e que são causa de muito

sofrimento.

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O dicionário (FERREIRA: 2005) define doença como alteração da saúde, no

equilíbrio do ser humano. Então, doente é quem tem a saúde alterada, está

enfermo. “Considera-se uma pessoa com deficiência aquela que possui de

nascença ou adquiriu ao longo da vida um déficit ou dano mental, físico ou

sensorial.” (MÜLLER, 1999:12)

Deficiência física para John Shenkman é

qualquer tipo de invalidez ou doença que coloca seu portador em desvantagem

diante das outras pessoas. Naturalmente, todos adoecemos de vez em quando:

é uma inflamação na garganta, é uma gripe que, às vezes, nos obriga a parar

as atividades por algum tempo. Mas a deficiência física tem um efeito mais

permanente sobre a vida daqueles que dela sofrem e exige esforço especial

para viver com os problemas que ela acarreta. (SHENKMAN,, 1994: 4)

Algumas deficiências físicas impedem que seus “portadores” façam tudo o que uma

pessoa considerada sadia faria. Por exemplo, toda criança corre, pula, chuta, canta

e tem energia para gastar. No entanto, a pessoa com deficiência física pode ter

mais dificuldades em fazer as coisas que são normais para a maioria.

Deficiência mental, para ASSUNÇÃO JR, é uma diminuição da inteligência, por

causas orgânicas, impedindo a pessoa de ter desempenhos esperados de acordo

com sua idade, sexo e grupo cultural, causando uma defasagem em relação aos

demais. (ASSUNÇÃO JR, 1991:31) A deficiência mental não é considerada doença

ou síndrome médica de causa específica. São identificadas mais de cem causas.

Os tratados que a conceituam e a definem não apontam para possibilidade de cura.

Procedimentos médicos são voltados para prevenção das causas e os de

assistência pressupõem alteração do padrão da deficiência.

Deficiência sensorial é a carência ou comprometimento de um dos canais

sensoriais de aquisição de informação. Comumente, divide-se em auditiva e visual

cada uma delas com diferentes graus de intensidade. (COOL, PALACIOS,

MARCHESI, 1995: 183)

Deficiência múltipla ocorre quando a pessoa é acometida de um déficit em mais de

uma destas áreas. Uma lesão precoce na área motora do cérebro resulta em

distúrbios na coordenação motora, com vários graus de severidade. Na paralisia

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cerebral, como é denominada esta lesão, associada à dificuldade motora poderão

ocorrer distúrbios da fala, da visão e da mente.

Estas são as classificações clássicas de deficiências. No entanto, há que se

considerar que dentro de cada uma dessas categorias há uma diversidade imensa

de intensidade de acometimento e de sequelas que cada uma delas acarreta.

Um fator que mexe com as pessoas são as causas das deficiências. Elas são

provocadas por fatores diversos, são consideradas causas pré-natais, natais e pós-

natais. As pré-natais são genéticas ou ambientais. As genéticas são alterações

ocorridas na gestação provocadas por diferentes fatores como: transmissão por

laços de consanguinidade, interação com fatores ambientais. Estas alterações

podem ser isoladas, múltiplas ou cromossômicas.3 As causas pré-natais ambientais

podem ser os traumatismos pré-parto, as infecções nutricionais ou tóxicas, as

doenças infecto-contagiosas, ação de agentes teratogênicos (físico ou químico)

desnutrição, álcool, fumo, drogas.... Hoje estão sendo muito faladas e estudadas

as alterações pré-natais provocadas pelo Zicavírus.

As causas natais incluem prematuridade, asfixias, traumas físicos, infecção durante

o parto, hemorragias intra-cranianas, hiperbilirrubinemias e a chamada

Encefalopatia Hipóxico – isquêmica.4

As causas pós-natais são o trauma físico, as infecções (como: neuroencefalites e

septicemias), os acidentes, doenças em geral, desnutrição e privação sócio-

econômico-cultural e afetiva, traumatismo crânio–encefálico. Contextualizando

para nossa situação brasileira, podemos dizer que essa causa está intrinsecamente

ligada à falta de prevenção e de condições básicas de vida (alimentação,

saneamento básico, assistência à saúde, etc.) aliada ao uso de drogas e

3I.Herança Autossômica Dominante: Tuberosa, S.Sturge-Weber, Aspert. Neurofibromatose.II.

Herança Autossômica Recessiva: Fenilcetonúria. Microcefaléia Vera, D. Tay-Sachs, S. Niemann-Pck, Mucopolissacaridoses.III. Herança ligada ao sexo: D. Hunter, D.Pelizaeus-Merzbacher.IV. Aberrações Cromossômicas: Trissomias do 21 (Down), do 18 (Edwards) e do 13 (Patau) Aneuploidias de cromossomos sexuais (S.Turner e Klinefelter). (WAJNSZTEJN, 2005: 102)

4Síndrome Hipóxico – Isquêmica (SHI) no período perinatal, é um insulto ao feto e ao recém-

nascido ... (...) representa hoje, uma importante causa de mortalidade e morbidade no período neonatal, sendo a causa mais comum de deficiência neurológica não progressiva, observada posteriormente na infância, incluindo: retardo mental, paralisia cerebral, dificuldades de aprendizado e epilepsias. (WAJNSZTEJN, 2005: 104,105)

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agrotóxicos e a acidentes, em especial automobilístico, cujo índice tem crescido a

cada ano.

11 2 - Visão da sociedade sobre as pessoas com deficiência

A Constituição Brasileira, no Capítulo I, art. 5º declara: Art. 5º Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,

à igualdade, à segurança e à propriedade..., consequentemente, perante a

sociedade, sem distinção de qualquer natureza. A Bíblia afirma que os seres

humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus. (Gn 1.26). Porém, o

comportamento humano com relação aos seus semelhantes nem sempre

corresponde a estas afirmações.

A imagem mítica com relação à deficiência aparece ainda hoje, de forma muito

frequente, especialmente nas igrejas neopentecostais, onde é propagada a visão

de que a deficiência é obra do demônio e que sua cura só será possível através do

exorcismo. O oposto também é frequente: considerar a “deficiente” presença da

divindade. “O deficiente vira ‘santo’, ‘pessoa iluminada’, ‘super-herói’, alguém que

‘é só coração’. Defeitos? Nenhum.” (WERNEK,1997:241)

Pessoalmente, passei por duas experiências com pessoas de igrejas

neopentecostais, que até foram engraçadas. Na primeira, minha filha tinha pouco

mais de cinco anos, estava iniciando a andar sozinha. Estávamos em uma calçada

esperando o pai e o irmão. Ela feliz andando de um lado para outro e eu feliz e

agradecida a Deus pelo seu desenvolvimento. Vi passar duas senhoras com uns

jornais na mão. Passaram, cumprimentaram, respondi e continuei a desfrutar do

encantamento do momento com a Ju. Vi que pararam na esquina, conversaram e

olharam para nós. Ouvi uma dizer “vou voltar e falar com ela”. Voltou, aproximou-

se de mim e alcançou-me um jornal. Era um jornal da sua Igreja e disse: minha

querida, tal dia o missionário tal vai estar no endereço tal. Vá e leve sua filhinha.

Ele vai orar por ela e afastar todo mal. Ela ficará curada. Fiquei um pouco surpresa,

agradeci o convite e elas saíram contentes. Passados alguns anos fui buscá-la na

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escola e quando entrávamos no carro apressadas, um jovem atravessa a rua e tira

do bolso um lencinho e estende na minha direção e diz: Senhora, leve este lenço

abençoado e coloque em baixo do travesseiro da sua filha e o Senhor fará uma

grande obra. Ela vai ficar curada. Eu estava com muita pressa, olhei para ele e

disse de supetão: Obrigada meu filho, o Senhor já fez tanto na vida dela que é pedir

demais a cura. Ele me olhou meio perplexo, ficou desconcertado e saiu. Entrei no

carro e fiquei pensando: coitado, ele era um jovem simpático, de aparência bem

humilde, queria fazer um bem, assim como as outras duas. No mesmo dia,

passando pelos canais de TV vi o líder de uma destas Igrejas neopentecostais

vendendo o tal lencinho.

Há um total desconhecimento a respeito da questão da deficiência, na população

em geral. O mundo da deficiência é, ainda, um mundo mítico. As pessoas não

sabem quais são as causas, não sabem quais as limitações, quais as

potencialidades. Povoam o imaginário popular as diferentes ideias que as culturas

cultivaram ao longo de séculos. Este imaginário explica a atitude das pessoas em

ambientes públicos quando se deparam com uma criança com limitações. As

atitudes variam da simples curiosidade ao preconceito, como expressa o relato de

uma mãe. “As pessoas ficam olhando sem parar, por curiosidade, parecendo quer

perguntar alguma coisa sobre ele. Às vezes contam uma história sobre outra

criança que conhecem ou da própria família, e perguntam como foi a história dele”.

A forma como as pessoas se porta diante da situação faz com que a própria mãe,

algumas vezes, prefira a segregação.

“Eu odeio andar de ônibus com Jéssica porque todos olham para ela. Ela sempre tem algumas bolhas de saliva horrorosas saindo de sua boca e eu sempre enxugo sua boca, mas o próximo bocado é sempre mais rápido que eu. Ela se debate e geme e dá uns pulos disparatados que chocam as pessoas.” Não é surpreendente que as pessoas olhem indiscretamente para tal comportamento incomum. Entretanto, este tipo de celebridade negativa é muito difícil de encarar. (...)” Eu gostaria que existissem hotéis para pessoas assim, ao invés de fazermos sempre esses passeios auto abastecidos, assim nós não ficaríamos constrangidos num restaurante” é um argumento comum. (SINAMON,1993:63)

Uma outra mãe, falando sobre situações enfrentadas no ônibus, ilustra um pouco

isto. “Quando se anda de ônibus cheio, as pessoas geralmente não dão o lugar.

Fica uma mandando a outra dar o lugar. Na verdade não levantam, ficam

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reclamando: não tem outro ônibus para pegar: não tem outro horário para sair? por

que tem que sair de casa com ele?”(SILVA, 2002:38).

Este desconhecimento está presente também nos círculos que prestam

atendimento às pessoas com deficiência. Na área científica, houve muitos

crescimentos e descobertas que oferecem novas possibilidades, mas ainda não há

muita clareza sobre reais possibilidades de cada pessoa. As capacidades do ser

humano são ilimitadas.

Em 1975, a ONU declara o ano de 1981 como Ano Internacional das Pessoas

Deficientes. Isto provocou uma grande mobilização em termos de preparação até o

Ano e também de programações e manifestação durante o ano. A partir daí, tem

crescido a consciência da sociedade com relação à condição de igual de uma

pessoa com deficiência, impulsionando um processo de inclusão dessas pessoas.

É uma caminhada lenta e difícil. Existem muitos movimentos de pessoas com

deficiência e de pais de crianças com deficiência que se organizam e buscam seus

direitos e espaços provocando essa inclusão. Muitos fatores concorrem, ainda,

para dificultar esse caminhar.

Embora seja constitucional o reconhecimento como igual, o desconhecimento de

quem é este ser diferente e como incluí-lo no meio dos “normais”, causa um certo

medo e insegurança, inclusive no que diz respeito ao direito à educação. O relato

de V. sobre o ingresso do filho, com paralisia cerebral, na creche. reflete esta

situação. Sua trajetória em busca de uma escola foi muito difícil. Ela procurou esse

ingresso desde que ele completou 4 anos. Foram quase três anos de peregrinação

nas creches e escolinhas da cidade. As razões para não o matricular foram as mais

diversas possíveis: “por usar fralda, pessoas teriam que trocar. Por não caminhar,

não acompanhar as crianças maiores que ele, nem os bebês. Dificuldade de

locomoção e de não comer sozinho”. (SILVA,2002:39)

Algumas chegavam a explicitar mais claramente os temores existentes na escola e

na sociedade em geral:

Creche particular: a desculpa era que as mães das outras crianças não

aceitariam, e/ou as próprias crianças quererem imitar ele. O preço da creche

era muito alto.

Creche do município: Não havia pessoa apta a trabalhar com ele. A creche não tinha espaço para ele. Uma escola do município, preparada para crianças com

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deficiência, não o aceitou pela 2ª vez, disse que ele não aproveitaria o trabalho da escola. (SILVA, 2002:40)

Estes temores impedem que uma grande parcela se beneficie deste direito.

Outro fator, que contribui para atitude discriminatória com as pessoas com

deficiência, são os critérios impostos pela sociedade capitalista em que vivemos: 1.

O padrão de beleza: quem não se enquadra dentro dos padrões de beleza,

especialmente imposto pela mídia, já está sujeito a discriminação; 2. A sociedade

valoriza a pessoa por aquilo que ela é capaz de produzir, seja no trabalho ou na

escola. A maioria destas pessoas não faz parte do mercado de trabalho.

Geralmente é dependente da família e do Estado. O rendimento escolar não

corresponde aos padrões estabelecidos pelo sistema escolar.

É importante salientar que o envolvimento com as pessoas com deficiência se

intensifica a partir das guerras, com a preocupação com os mutilados de guerra.

Poder-se-ia considerar que nesta situação a questão mítica da deficiência já está

mais ou menos desbravada, as causas estão explícitas e foge do imaginário mítico

religioso do endeusamento ou da presença do demônio. Sai da esfera do

desconhecido, conhecem-se as causas, o que não é o caso de uma criança que

nasce com alguma deficiência. Hoje estas causas já são mais conhecidas também

e até em muitos casos pode ser prevista anteriormente. Isto faz com que a

sociedade se relacione com elas de forma mais tranquila.

1 1 3 Histórico

Pessoa com deficiência na sociedade é acontecimento constante na história da

humanidade. Desde as culturas primitivas até o tempo presente, ocorreram casos,

e não poucos, na família e na sociedade. Há que se ressaltar que cultura é uma

construção humana e histórica que sempre teve decisiva influência na forma como

foram tratadas as pessoas com deficiência.

A cultura, portanto, está inserida no processo evolutivo do homem; ela faz parte de um mesmo processo que se desenvolve no processo mais simples (orgânico) para o mais complexo (social), baseado em ideias estimuladoras das ações. Isso garante a sobrevivência da espécie que envolve a produção e o consumo, o mundo do trabalho, além da transformação do modo de existência

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onde se insere a sociedade e suas relações humanas. (FERNANDES; SCHLESENER; MOSQUERA, 2011:133)

Os desenhos e restos arqueológicos demonstram isto, embora muitos povos

exterminassem crianças e adultos com deficiência, em geral relacionando o

nascimento destas crianças a uma relação com espíritos malignos. Nas culturas

da antiguidade sempre estiveram presentes acontecimentos em torno da

deficiência. Otto Marques da Silva, em sua obra Epopeia Ignorada (1986) aponta

que desde a antiguidade a humanidade convive com dois tipos de atitude: “uma

atitude de aceitação, tolerância, apoio e assimilação e uma outra, de eliminação,

desprezo ou destruição. O autor traz em seu primeiro capítulo importantes dados

sobre como se tratava a questão da deficiência no mundo primitivo.

A presença da deficiência sempre causa estranheza. As explicações para esta

presença vão da demonização à divinização. A deficiência, em algumas culturas,

era vista como presença da divindade ou do demônio. A forma como estas pessoas

foram tratadas estava muito relacionada com a explicação que se dava para o fato,

justificando o extermínio, a segregação ou inclusão da pessoa com deficiência.

Com o passar do tempo elas foram transpondo barreiras e modificando a visão da

sociedade sobre sua verdadeira condição. Os preconceitos que enfrentam ainda

hoje não nasceram do acaso, mas são frutos da compreensão sobre a deficiência

e da forma de tratamento que receberam ao longo da história. "Preconceitos não

nascem do abstrato, mas nascem e se fixam através de experiências vividas no

cotidiano da história". (MÜLLER, 1999:16)

Os egípcios, por seus registros, demonstram ter buscado a cura. Pessoas com

deficiência, dependendo de suas condições, podiam ter uma vida normal, apesar

de ver a deficiência como consequência de maus espíritos. (MÜLLER, 1999:19).

SILVA (1986), apresenta fatos que comprovam a atenção dada a pessoas com

deficiência na civilização egípcia, como cegueira de faraós, coral de homens cegos,

a presença de anões na vida e na arte. Ao mesmo tempo em que a medicina tinha

grandes avanços e tratava de algumas deficiências, era costume nesta sociedade

a prática de penas mutiladoras. Em geral, a pessoa condenada por ter cometido

algum crime pagava com a mutilação do membro ou parte do corpo com a qual

havia efetuado o crime.

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A literatura grega registra a presença de figuras mitológicas que apresentam algum

tipo de deficiência. O próprio escritor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, Homero,

era cego, segundo alguns historiadores. Como em outros povos, a guerra sempre

é causadora de deficiências, ainda mais em tempos de combates corpo a corpo.

Havia muitas amputações de mãos, braços e pernas. Os atendimentos médicos

procuravam garantir a sobrevivência, mas diante dos recursos da medicina da

época eram muito traumáticos. Além das deficiências causadas pela guerra, ainda

havia as causadas como pena e castigo e as congênitas ou adquiridas por doenças

ou acidentes diversos.

A medicina grega demonstrou preocupação e atendimento a questões de

deficiências físicas e sensoriais. Já no tempo de Hipócrates, deu vasta contribuição

na adoção de medidas que poderiam prevenir os defeitos físicos em crianças de

pouca idade e uso de recursos artificiais para fortificação de membros frágeis. A

história grega é marcada pela presença de pessoas que se dedicaram às questões

médicas de deficiência e também por pessoas que, tendo alguma deficiência, se

destacaram na história do povo grego.5

Os romanos negavam qualquer direito à vida a alguém que nascesse com alguma

anomalia. A criança deveria, por lei, ser morta imediatamente ao nascer. Porém

sabe-se que nem todos cumpriam essas leis e algumas crianças eram

abandonadas.

Havia para o “pater famílias”, dentre as faculdades a ele outorgadas pelo poder paterno (pátria potestas), uma alternativa: poderia expor a criança às margens do rio Tigre ou em lugares sagrados, desde que antes de o fazer tivesse mostrado o recém-nascido a cinco vizinhos, para que fosse de certa forma certificada a existência de anomalias ou da mutilação. (SILVA, 1986:125)

Havia também mutilados de guerra e pessoas que se automutilavam para não ir à

guerra.

5A obra Epopéia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje, de Otto

Marques da Silva traz um farto material sobre a deficiência no mundo grego bem como em outras civilizações.

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É importante ressaltarmos o quadro da deficiência na cultura judaica e na Idade

Média. Estas duas visões trazem marcas muito fortes à cultura atual, trazidas pela

cultura judaico-cristã. Os relatos bíblicos apontam alguns episódios que marcam a

presença de pessoas com deficiência que atuam ou atuaram na história do povo

hebreu como Moisés, tinha dificuldade de fala; Isaque, ficou cego; reis, que tiveram

ao longo de sua vida marcas da deficiência, trazendo até recomendações de

respeito a pessoas com deficiência como cegos e surdos. Maldito quem fizer o cego

errar o caminho. Todo povo dirá: Amém! (Deut.27:18) Não amaldiçoem o surdo

nem ponham pedra de tropeço à frente do cego, mas temam ao seu Deus. Eu sou

o Senhor. (Lev.19:14). Embora se encontre estes relatos e recomendações, há que

perceber que “apesar dessa forte ênfase nas várias normas de conduta do povo

hebreu o cego viveu praticamente por muitos séculos em absoluta degradação

social, que só começou a ser combatida sob o reinado do príncipe Judah-há-Nasin

(135 a 217 d.C.)” (SILVA, 1986: 83). Esta contradição estabelecida no livro de

Levítico (livro das leis judaicas), ao mesmo tempo que traz recomendações de

cuidado e respeito às deficiências, traz restrições especialmente no que diz respeito

aos ritos religiosos.

Disse ainda o Senhor a Moisés: 17 Diga a Arão: Pelas suas gerações, nenhum dos seus descendentes que tenha algum defeito poderá aproximar-se para trazer ao seu Deus ofertas de alimento. (grifo Nosso) 18 Nenhum homem que tenha algum defeito poderá aproximar-se: ninguém que seja cego ou aleijado, que tenha o rosto defeituoso ou o corpo deformado; 19 ninguém que tenha o pé ou a mão defeituosos, 20 ou que seja corcunda ou anão, ou que tenha qualquer defeito na vista, ou

que esteja com feridas purulentas ou com fluxo, ou que tenha testículos

defeituosos.

21 Nenhum descendente do sacerdote Arão que tenha qualquer defeito poderá aproximar-se para apresentar ao Senhor ofertas preparadas no fogo. Tem defeito; não poderá aproximar-se para trazê-las ao seu Deus. 22 Poderá comer o alimento santíssimo de seu Deus, e também o alimento santo; 23 contudo, por causa do seu defeito, não se aproximará do véu nem do altar, para que não profane o meu santuário. Eu sou o Senhor, que os santifico. (Lev.21:16-23 NVI)

Certamente contribuía para esta contradição a relação que os hebreus faziam entre

deficiência e pecado. As deficiências ou deformações como cegueira, surdez,

paralisia, eram consideradas como castigo em consequência de pecado ou crimes.

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O livro de Levítico é o código de leis da sociedade hebraica, traz elencada, assim

como o Deuteronômio, as normas e os castigos imputados para o descumprimento

destas normas. Em Deut. 25:11 e 12, encontramos uma das prescrições para

amputação de mão. Estes preceitos traziam a necessidade de normatização da

sociedade. “Então todo o Israel saberá disso; todos temerão e ninguém tornará a

cometer uma maldade dessas. (Deut.13.11) ”. “Então todos os homens da cidade

o apedrejarão até a morte. Eliminem o mal do meio de vocês. Todo o Israel saberá

disso e temerá. (Deut. 21.21). O capítulo 28 de Deuteronômio elenca uma

quantidade de bênçãos pela obediência ao Senhor, do versículo 9 ao 14: “O Senhor

fará de vocês o seu povo santo, conforme prometeu sob juramento, se obedecerem

aos mandamentos do Senhor, o seu Deus, e andarem nos caminhos dele” (Deut.

28.9). A seguir, traz uma série de castigos aos que não obedecerem: “Entretanto,

se vocês não obedecerem ao Senhor, o seu Deus, e não seguirem cuidadosamente

todos os seus mandamentos e decretos que hoje lhes dou, todas estas maldições

cairão sobre vocês e os atingirão:”(Deut. 28.15), terminando com a maldição da

deficiência:“ O Senhor os afligirá com loucura, cegueira e confusão mental. Ao

meio-dia, vocês ficarão tateando às voltas, como um cego na escuridão. Vocês não

serão bem-sucedidos em nada que fizerem; dia após dia serão oprimidos e

roubados, sem que ninguém os salve.” (Deut.28:28 e 29). Talvez em decorrência

destes preceitos religiosos que se tornam normas para a sociedade, o nascimento

de uma criança com deficiência era atribuído ao pecado dos pais, porque as leis

criadas para manter o povo unido previam castigos de amputação e vazamento de

olhos como pena às transgressões.

Havia também outras causas de deficiência que constavam no arcabouço das

explicações religiosas, como por exemplo: marcas da escravidão, sequelas de

acidentes e de guerras como em todas as outras civilizações. No entanto, estas,

carregadas de um sentido religioso e normativo da sociedade, deixaram marcas

muito profundas que transitam no imaginário popular até os dias de hoje nas

civilizações judaico-cristãs.

Relatos do Novo Testamento refletem este imaginário e como as pessoas com

deficiência, via de regra, eram colocadas à margem. Os diferentes relatos dos

milagres de Jesus, na grande maioria são referentes às mais diferentes

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deficiências. Segundo SILVA (1986), nos Evangelhos as causas das deficiências

eram atribuídas a três fatores: castigo pelos pecados, interferência dos maus

espíritos e as forças da natureza. Em que pese a atitude de Jesus com as pessoas

doentes e deficientes encontradas pelo caminho, de respeito, de solidariedade, de

inclusão, o imaginário construído através dos séculos permaneceu.

Os primeiros séculos do cristianismo foram marcados por castigos de mutilação e

cegueira aos primeiros cristãos.

Ao comentar a questão das mutilações impostas aos cristãos, sob o ponto de vista do Código Penal Romano, Mommsen afirma que ‘na perseguição aos cristãos que teve lugar sob Diocleciano, deixava-se inicialmente a cada tribunal, se estivermos bem informados, a liberdade de agravar as penas como bem lhes parecesse, pela mutilação corporal e finalmente o governo mandou adicionar à pena de minas o vazamento do olho direito e a amputação do pé esquerdo’(“Le Droit Pénal Romain”, de Mommsen) (SILVA, 1986: 156)

Em meio a castigos, enfermidades e mutilações, a história registra fatos que

mostram a presença de pessoas com deficiência que tiveram participação relevante

na sociedade, como é caso de Dídimo, teólogo cego que foi diretor da Escola de

Alexandria. Dídimo perdeu a visão por volta dos 4 anos de idade, e foi diretor da

Escola de Alexandria de 345 a 395.

O cristianismo foi relevante na mudança de mentalidade, condenava o sistema

vigente que, entre outras coisas, aprovava a morte de crianças indesejadas por

causa de deformações. Constantino condenou a prática prevalecente, em Roma e

Esparta, de morte pelos pais a recém-nascidos com deformações.

Constantino taxou esses costumes de “parricídio” e tomou providências para que o Estado colaborasse para alimentação e vestuário de filhos recém-nascidos de casais mais pobres. Exigiu que essa nova lei fosse publicada em todas as cidades da Itália e da Grécia, e que fosse em todas as partes gravada em bronze para, dessa forma, tornar-se eterna. (SILVA, 1986: 160)

Sob a influência do espírito do cristianismo de mansidão, caridade e amor ao

próximo, surgem os primeiros hospitais cristãos que atendem também as pessoas

com deficiência. Há registros de que o primeiro hospital foi organizado pelo Papa

Anacleto, Bispo de Roma que reinou entre 76 e 88. No entanto, são considerados

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de maior importância os organizados no século IV, sendo considerado o primeiro

hospital cristão o criado por São Basílio, em 375. Era constituído de vários edifícios,

um verdadeiro complexo hospitalar. São Jerônimo (347 a 420) em uma carta a um

cristão de Roma faz referência a uma mulher que se convertera ao cristianismo e

dedicara seu patrimônio aos pobres e necessitados e fundou um hospital.

...’et prima omnium ‘nosokomeion’ instuit’ (e antes de mais nada criou um ‘nosokomeíon’) O uso do termo grego, com caracteres gregos em sua carta original, indica-nos a inexistência de um termo próprio em latim para o novo tipo de organização de caridade na qual Fabíola e seus colaboradores cuidavam apenas de doentes, recebendo também pessoas deficientes, como veremos a seguir. São Jerônimo fala expressamente delas em algumas considerações que faz a Oceanus: “ Mencionarei agora algumas calamidades humanas, tais como, nariz decepado, olhos vazados, pés mutilados, mãos enfraquecidas, ventres tumefeitos, pernas enfraquecidas, pés inchados?” Na verdade, esses eram os tipos de doentes e pessoas deficientes que Fabíola por vezes chegava até a carregar em seus braços até o hospital. (SILVA,1986: 164).

Embora havendo preocupação cristã com as pessoas com deficiência, em que pese

que todos eram considerados filhos de Deus, continuava a acontecer no seio da

própria igreja instituída o uso de castigos que provocavam a deficiência. SILVA

(1986) traz a história de discórdia entre dois bispos, São Miles e Papas, que acaba

em uma maldição.

Miles, assustado e ao mesmo tempo chocado com aquela atitude questionadora, tirou-lhe o evangelho das mãos, beijou-o e aproximou-o dos olhos. Em seguida, num tom profético e inspirado disse ao bispo irreverente: “Já que em teu orgulho ousaste falar dessa maneira contra as palavras de vida do Senhor, eis que seu anjo está pronto para secar metade do teu corpo para inspirar o terror a todos; portanto, não expirarás: a vida ser-te-á conservada como um milagre de punição. ” No mesmo instante Papas sentiu a metade de seu corpo sem movimento e sem vida. Tombou sobre um lado e assim permaneceu. Viveu assim por mais doze anos, até sua morte no ano 326. (SILVA, 1986: 161)

Diferentes autores têm demonstrado que o cristianismo traz uma nova visão sobre

as pessoas com deficiência, embora conviva com suas contradições. Como já

vimos, por influência do estimulo à virtude da caridade e amor ao próximo,

começam a surgir os primeiros indícios de institucionalização dos atendimentos às

pessoas com deficiência. Primeiros hospitais, organizações de caridade e de

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assistência, que se constituíam em confinamento destas pessoas, dava algumas

melhoras em sua condição de vida, mas mantinha sua condição de necessitadas e

dependentes. Este modelo de institucionalização perdurou ao longo do tempo

chegando até a primeira metade do século XX. A partir dos avanços da

compreensão sobre as deficiências, começaram as contestações sobre esta forma

de atendimento, e paulatinamente começam a desaparecer.

Na Idade Média, houve um grande crescimento dos aglomerados urbanos. Por falta

de infraestrutura e com poucos recursos, o risco de epidemias era muito grande. A

principal causa das deficiências era a lepra, que colocava as pessoas segregadas.

As crianças nascidas com deficiência eram mortas ou eram também segregadas e

ridicularizadas. Segundo ARANHA, intensifica-se o imaginário relacionando as

deficiências, as más formações congênitas, a questões religiosas, atribuindo-as à

ira celeste e ao castigo divino. Ao mesmo tempo, ela aponta que tem autores, como

Teresa d’Amaral, que traz uma noção positiva da deficiência na Idade Média. A

pessoa com deficiência é tratada como sagrada, sinal da diferença, marca da

predestinação. Por isso, eram protegidas pela sociedade. (ARANHA, 2016:29)

É período da história da humanidade, que juntamente com o sistema de produção

baseado na agricultura, pecuária e artesanato, intensifica-se o fenômeno da

aglomeração urbana. Provocado pelo cristianismo surge uma nova classe social:

o clero, que se torna o guardião dos valores da sociedade, assim como do

conhecimento.

Estes guardiões do conhecimento e dominadores das relações sociais, foram assumindo cada vez maior poder social, político e econômico, provenientes do poder maior que detinham, de excomungar (vedando, assim, a entrada aos céus) aqueles que, por razoes mais ou menos honestas, os desagradassem. Assim, conquistaram o domínio velado das ações da nobreza, através da qual comandavam a sociedade. Cabia ainda ao povo (servos) o trabalho, seja na produção de bens e serviços, na constituição de exércitos, como no enriquecimento do clero e da nobreza, sem a prerrogativa de participação nos processos decisórios e administrativos da sociedade. Aparentemente, as pessoas com deficiências físicas e/ou mentais eram ignoradas a sua sorte, buscando a sobrevivência na caridade humana. (ARANHA, 2001:4)

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A organização social, segundo ARANHA (2001) propiciou dois processos que

desempenharam papel importante na história da humanidade: a Inquisição e a

Reforma Protestante.

A Inquisição foi um processo de tentativa de inibição de manifestações contrárias a

determinadas ações do clero, manifestações estas que chegaram a colocar em

risco a hegemonia e o poder da Igreja. Foi uma reação que provocou, em nome de

Deus, forte repressão levando muitos à morte e ao escárnio público. As próprias

cartas papais orientavam como deveriam ser os castigos (torturas, açoites,

punições severas, até a fogueira) para obter a confissão dos considerados hereges.

A Reforma Protestante, que comemora seus 500 anos neste ano, provocada pela

insatisfação com a atuação, especialmente do clero, liderada pelo monge

agostiniano Martinho Lutero, produz um rompimento com a Igreja. Dá início a uma

nova Igreja. No que diz respeito às pessoas com deficiência, não houve alteração.

Na realidade, a partir da Reforma Protestante, dois sistemas político-religiosos passaram a coexistir e concorrer, dominando, por muito tempo, o direcionamento da história da humanidade (grandes navegações, descobrimentos, repartição de áreas geográficas, colonizações). Ambos concebiam a deficiência como fenômenos metafísicos, de natureza negativa, ligados à rejeição de Deus, através do pecado, ou à possessão demoníaca. (ARANHA, 2001:5)

No Renascimento, houve um despertar de interesse com as pessoas colocadas à

margem, entre elas as com deficiência. O humanismo valorizava a cada pessoa,

mas a situação da marginalização era muito difícil. Isto fez com que surgissem

confrarias dos marginalizados, uma mendicância organizada, onde as pessoas

doentes e com deficiência faziam parte com relevância.

Dentre esses grupos que mantinham identificação própria, nos quais estavam invariavelmente inseridos pobres com deficiências evidentes, é importante destacar alguns, tais como:

- os “Orphelis” – mendigavam chorando pelas ruas das cidades;

- os “Mercandiers” – errantes, andavam vestidos com um gibão velho mas de qualidade, fazendo-se passar por comerciantes arruinados;

- os “Malingreux” – cobertos de andrajos, mostravam suas feridas e chagas (falsas muitas vezes) e pediam dinheiro para uma pretendida viagem de peregrinação a um templo milagroso para sua cura;

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- os “Piètres” – mendigos com deficiências físicas, locomoviam-se com muletas ou pequenos aparatos para as mãos e joelhos;

- os “Sabouleux” – pedintes em feiras, mercados e igrejas, simulavam ataques e convulsões, espumando pela boca graças a um pequeno pedaço de sabão, rolando pelo chão e conseguindo polpudas esmolas. (SILVA, 1986: 235)

Figura 1 – Ilustração sobre a situação das pessoas com deficiência no Renascimento

Fonte: (SILVA, 1986: 234)

Os grupos mencionados por Silva, assim como uma série de outros tantos, eram

encontrados na França, porém esta mendicância organizada se espalhava por

vários países da Europa. “Dentre os que tinham mais e melhores esmolas sempre

estavam os mendigos com deficiências físicas mais sérias ou que mais tocavam a

população. ” (SILVA, 1986: 236).

Havia neste período a sensibilização com as deficiências físicas, e certa valorização

da pessoa com deficiência visual. No entanto, as crianças com retardo mental

profundo eram consideradas como “entidades que se assemelhavam a seres

humanos, mas não eram. Esta crença estava disseminada até mesmo nos meios

intelectuais. Otto Marques da Silva apresenta o relato de Martinho Lutero sobre o

caso de um menino de doze anos que ele havia examinado e seu veredito sobre o

caso, confirma esta crença. “Lutero chegou a afirmar que estava convencido de que

aquele retardado de doze anos de idade era apenas massa de carne (“massa

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carnis”) sem alma. ‘O demônio possui esses retardados e fica onde suas almas

deveriam estar.’ (Apud Wolfensberger)” (SILVA, 1986: 236, 237).

Apesar de todas estas mazelas, a Renascença, com o surgimento do mundo

científico e a relativização do poder e supremacia clerical, contribuiu para amenizar

a ignorância sobre a questão das deficiências. “No século XVI, Paracelso e

Cardano trouxeram a questão da deficiência para o âmbito da ciência, para a

medicina, tirando-a da esfera somente moral e teológica.” (MÜLLER, 1999: 20) Isto

faz com que as deficiências começassem a ser tratadas como causadas por fatores

naturais e não espirituais. Passam a ser tratadas na área da medicina. A introdução

de novos conceitos traz uma mudança na abordagem com referência às pessoas

com deficiência, passando de uma questão ético-religiosa ou humanitária para uma

concepção com argumentações científicas. Surgiram algumas ações concretas em

benefício destas pessoas: primeira cadeira de rodas, organizações para cegos,

ortopedia ... Houve neste século pela primeira vez, avanços com relação à audição

e surdez.

[...] A partir da segunda metade do século XIX, surge um fato fundamental: A pessoa com deficiência é vista como potencial de trabalho também. Em 1884, Bismarck, chanceler alemão, cria leis de proteção ao acidentado de trabalho. Logo após, em 1889, surge em Cleveland, estados Unidos, o primeiro centro de reabilitação para pessoas com deficiência como um todo e não apenas em relação ao seu déficit (MÜLLER, 1999: 21) .

É importante ressaltar que este foi um paço de fundamental importância que

direcionou o olhar para a pessoa com deficiência no século XX. Principalmente, na

primeira metade do século, houve um grande desenvolvimento e investimentos

científicos, motivados pela ideia de reabilitação que contribuiu para que pessoas

com deficiência tivessem melhor qualidade de vida. Aconteceram avanços na

medicina, cirurgias corretivas; novas tecnologias que possibilitaram o avanço das

próteses e aparelhos, assim como medidas preventivas, especialmente, na

prevenção de acidentes de trabalho.

Também o século XX foi marcado pelas duas grandes guerras, além de outras

polvilhadas ao longo do tempo. Estas guerras foram palco de muita destruição,

mortes, multiplicação de mutilados, doenças que produziam a debilidade e

marginalização do ser humano. Dados, embora não muito precisos, mostram que

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na Segunda Guerra Mundial os 72 países que entraram em guerra, mobilizaram

110 milhões de pessoas, aproximadamente. Como resultado, contabiliza-se por

volta de 50 milhões de mortos e 28 milhões de mutilados,6 sem falar nas sequelas

emocionais e psíquicas.

As guerras trazem grande contradição. Ao mesmo tempo que trazem a destruição

e a miséria trazem a preocupação com as sequelas deixadas por elas. Já no pós

1ª guerra e em especial após a 2ª, houve maior interesse pela reabilitação dos

mutilados e o reaproveitamento destes como força de trabalho. Este fato mereceria

uma pesquisa sobre qual seria a verdadeira motivação para isto. Escassez de mão

de obra? Preocupação com o ser humano? Ou até sentimento de culpa? Ou ainda

um ou outro, ou todos juntos?

Após a final da 1ª Guerra Mundial, o mundo estava assolado por questões

econômicas e sociais, em consequência da guerra. O número de mutilados,

doentes, refugiados estava escancarado. Os países envolvidos precisaram se

mobilizar e atender as carencias tanto de militares como de civis.

21 milhões de homens ficaram feridos durante a Primeira Guerra Mundial, e muitos voltaram com lesões faciais incapacitantes. Embora a cirurgia plástica estivesse avançando mais rápido do que nunca na época, muitos soldados passaram a usar rostos protéticos para esconder as cicatrizes que não puderam ser removidas. Depois de trabalhar com soldados feridos na Cruz Vermelha, Anna Coleman Ladd, nascida em Boston (EUA), montou uma loja em Paris, que se tornou incrivelmente popular. Ela vendia próteses feitas à mão a partir de cobre e aplicadas ao rosto do paciente de maneira que se misturassem com a pele tão perfeitamente quanto possível. Anna produziu mais de 220 máscaras protéticas até 1918. O espaço da loja era o mais alegre possível para combater o trauma que os pacientes já haviam passado na guerra, com um jardim coberto de hera e decorado com estátuas, quartos cheios de flores e bandeiras por todos os lados. Os soldados recebiam chocolates, vinho e dominó para passar o tempo enquanto estavam na loja. Anna estabeleceu padrões revolucionários de cuidados para os feridos, diferente de tudo que eles já tinham visto antes (ROMANZOTI, 2014).

6 Dados encontrados em: Rápido e Fácil! Estatísticas Resumidas Segunda Guerra Mundial.

https://asegundaguerramundial.wordpress.com/tag/mortos/- acesso 27/06/2017

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Figura 2 - A loja de próteses para soldados

Fonte: ROMANZOTI, (2014)

A Inglaterra e os Estados Unidos tiveram um impulso significativo em direção ao

processo de reabilitação. A Inglaterra criou a Comissão Central da Grã-Bretanha

para o Cuidado do Deficiente. Nos Estados Unidos, em 1917, em New York, surge

a Red Cross Institute for the Crippled and Disabled Men, já atendendo civis. Hoje é

conhecida essa organização como ICD Rehabilitation and Research Center (SILVA,

1986: 305).

No ano de 1918, foi aprovada a lei conhecida nos Estados Unidos da América do

Norte como Vocational Reabitation Act. Lei que dava condições de reabilitação para

o trabalho a veteranos portadores de deficiências, vindos quer das fileiras da

Marinha, quer do Exército. Em 1920, o chamado Fess-Kenyon Civilian Vocational

Rehabilitation Act autorizou o atendimento de civis com deficiências físicas. A

legislação procurou enfatizar soluções de trabalho e descuidou-se excessivamente

dos aspectos de recuperação ou de restauração física, como parte do programa.

No entanto, foi uma grande colaboração aos programas de reabilitação, pois abriu

uma grande avenida para a compreensão da problemática global das pessoas com

deficiência e reconhecimento da necessidade de se implantar programas mais

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abrangentes (SILVA, 1986: 309). A década de 30 foi marcada por forte depressão

econômica, deixando muitas dificuldades e fez com que a mão de obra de pessoas

com deficiência fosse menosprezada e olhada com comiseração e caridade. É a

época em que surgem as agências de bem-estar social, com um atendimento mais

individualizado.

A Segunda Guerra foi deflagrada quando já havia sido construído o respeito e

entendimento sobre reabilitação, crescendo o envolvimento de organismos

internacionais na preocupação e assistência às necessidades das pessoas com

deficiência e com os “investimentos” na reabilitação, que não são só econômicos,

mas científicos, emocionais e outros.

Um passo decisivo para um maior envolvimento da ONU e de suas Agencias Especializadas ocorreu quando, no mês de dezembro de 1946, sua Assembleia Geral adotou uma resolução que estabeleceria o primeiro passo para um programa de consultoria em diversas áreas de bem-estar social , nele incluindo a reabilitação das pessoas deficientes, como uma das principais áreas com possibilidades de captar recursos financeiros para assistência técnica a ser colocada à disposição dos países subdesenvolvidos e interessados no assunto. Foi montado o Bureau of Social Affairs, dentro do Secretariado da ONU, que iniciou seu funcionamento quando a ONU ainda trabalhava em Lake Sucess, nos arredores de New York. Dentro da estrutura do Bureau foi inserida uma Unidade de Reabilitação da Pessoas Deficientes (SILVA, 1986:312).

1 1 3 1 - Deficiência no Brasil

O processo histórico de construção e desconstrução do ideário sobre as pessoas

com deficiência se fez presente no Brasil também, como não poderia deixar de ser.

Historiadores como Emílio Figueira (2008) registram que os povos primitivos no

Brasil eram fortes, robustos, sofriam poucas doenças. “Não são maiores nem mais

gordos que os europeus são, porém, mais fortes, mais robustos, mais entroncados,

mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias havendo entre eles muito poucos

coxos, disformes, aleijados ou doentes.” (LÈRY apud FIGUEIRA, 2008:24,25). Isto

demonstra que a presença da deficiência não era frequente, mas havia. Nossos

índios viviam da caça, da pesca e da agricultura, domesticavam animais. Todos

tinham os mesmos direitos e recebiam o mesmo tratamento. Porém, há relatos de

historiadores e de antropólogos que registram a exclusão de crianças nascidas com

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deficiência, abandonando nas matas, atirando das montanhas e até faziam

sacrifício em rituais de purificação. Acreditavam que trariam maldição para a tribo

ou coisas da natureza, crenças essas que causam discussões e polêmicas ainda

hoje.7

[...] Entre os indígenas só foram encontradas deficiências traumáticas, nenhuma de nascimento ou hereditariedade, o que demonstra que a prática de sacrifício de crianças com anomalias ao nascer era natural. Havia, no entanto, paralíticos, coxos, cegos e muitos surdos. (MÜLLER, 1999: 22)

No período da escravidão houve grande produção de pessoas com “defeitos”

físicos provocados por desastres nos engenhos e por castigos, legitimados por

documentos oficiais.8

A cegueira noturna foi um mal assustador dos séculos XVI e XVII, tendo como principal causa a alimentação sem vitamina A. Os escravos foram portadores de deficiências físicas advindas, muitas vezes, de castigos sofridos e desastres em engenhos. Eles também eram vítimas de raquitismo, beribéri, escorbuto, males que denotam carências na alimentação (MÜLLER, 1999: 22).

A preocupação em atender as pessoas com deficiência no Brasil inicia já no

período dos jesuítas com o surgimento dos primeiros hospitais e dos primeiros

sinais de uma educação especial. FIGUEIRA, (2008) registra que na segunda

metade do século XVI, o Brasil contou com a “chamada Medicina Jesuítica”

7 A mídia tem divulgado seguidamente notícias a respeito de polêmicas entre as sociedades

indígenas e os órgãos governamentais de saúde e de defesa das crianças a respeito de procedimentos de saúde com crianças indígenas com deficiência. Por exemplo: Caso de índia Ianomâni deficiente gera crise institucional no Amazonas e Polêmica sobre infanticídio indígena mistura leis, valores culturais e saúde pública, veiculadas na internet pela UOL Notícias em16/04/2009. 8 Emilio Figueira registra em sua obra Caminhando em Silêncio, o seguinte documento que

autorizava atos de mutilações: Alvará de 3 de março de 1741 do rei D. João V sobre punição a escravos achados em quilombos (quilombolas). “ Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem, que sendo-me presentes os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chamam quilombolas, passando a fazer o excesso de se ajuntarem em quilombos; e sendo preciso acudir com remédios que evitem esta desordem: hei por bem que a todos os negros eu forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra “F”, que para este efeito haverá nas câmaras; e se, quando for executar esta pena, for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do juiz de fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia.” (FIGUEIRA,2008: 45)

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[...] onde os padres e irmãos da Companhia de Jesus foram de fato os médicos, os enfermeiros e os boticários dos indígenas, dos povoadores, dos colonizadores [...] tratando-se de pessoas bem instruídas e bem orientadas, os jesuítas foram permitidos aplicar seus conhecimentos de arte médica europeia e ao mesmo tempo procuraram se inteirar da pratica médica indígena – pajés, ou médico-feiticeiros, nos quais os índios depositavam supersticiosa fé [...] (FIGUEIRA,2008: 28,29).

As deficiências não atingem só a população indígena e negra, os colonizadores

também são atingidos. A quantidade de insetos e os males dos trópicos causavam

enfermidades que chegavam a afetá-los com limitações físicas ou sensoriais.

SILVA, (1986) faz referência a um inseto chamado “chigua” que se introduzia entre

as unhas e as carnes das mãos e dos pés.

Léry conta que, que por maior cuidado que tivesse e por maior esmero que procurasse empregar para deles se livrar, não conseguia. Segundo seu relato, chegaram a extrair dele mais de vinte “chiguas” num só dia. E, de acordo com Southey, muita gente chegou a perder os pés de uma forma pavorosa, por causa deste inseto. (SILVA, 1986: 276)

Assim como em outros países com situações semelhantes, o Brasil tem

apresentado casos de deformidades, congênitas ou adquiridas das mais diversas,

por falta de recursos médicos. Ocorreram muitos casos de amputação cirúrgica. A

camada mais pobre e marginalizada da população é a que mais sofreu com as

doenças e as sequelas deixadas por elas.

Desde os primeiros séculos de nossa história, houve sinais de preocupação e

acolhimento, especialmente com as crianças. Na verdade, era uma preocupação

assistencialista, mas não diferindo do que se passava no mundo da época. Em

1585, existiam no Brasil cinco “Casas de Machucados”, em Ilhéus, Porto Seguro,

Espirito Santo, São Vicente e São Paulo. Eram lugares onde abrigavam os

chamados “órphãos da terra”

Crianças oriundas das ligações entre os brancos ou negros e mulheres índias, que normalmente eram abandonadas por suas mães, pois os índios acreditavam que o parentesco verdadeiro só vinha pela parte dos pais; por isto, estes não faziam parte do seu povo, na medida que não foram gerados por um homem da tribo (FIGUEIRA, 2008: 35).

Outra forma de acolhimento surgiu em 1726, em Salvador, na Bahia, a “Roda dos

Expostos”. Foi instalada na Santa Casa de Misericórdia da Bahia a primeira “Roda

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dos Expostos”. Teve origem na Idade Média e servia para recolher bebês

enjeitados. Este sistema se espalhou pelas Santas Casas de Misericórdia do país

e persistiu desde 1726 até 1950.

[...] em 1726 Salvador tinha em torno de 30.000 habitantes, e o abandono de crianças já se constituía num sério problema. Todas as manhãs podiam ser encontradas, nas ruas da cidade, corpos de recém-nascidos deixados à própria sorte por seus pais, e que acabavam mutilados por cães e porcos. Embora não tendo números e informações exatas, Januzzi (2006), chama-nos a atenção para suas observações: “Pode-se supor que muitas dessas crianças traziam defeitos físicos ou mentais, portanto as crônicas da época revelavam que muitas vezes eram abandonadas em lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam” (p.9). A situação tornou-se insustentável, provocando a reação do Vice-Rei Vasco Fernandes de Menezes (Conde de Sabugosa), que designou à Santa Casa a tarefa de criar uma Roda para acolher os bebês enjeitados [...] (FIGUEIRA, 2008: 37).

No período do Império, por influência das tendências de renovação e modernização

vindas da Europa, foram criadas por D. Pedro II, três organizações para

atendimento de cegos e surdos e mutilados de guerra. O primeiro em 1854, Imperial

Instituto de Meninos Cegos, inspirado pelo jovem José Alvares de Azevedo, que

havia estudado na França, no Institute des Jeunes Aveugles de Paris e com apoio

do médico da família real, Dr. Xavier Sigaud, que era pai de uma menina cega. Este

Instituto, mais tarde na Republica, ganhou o nome de Instituto Benjamin Constant.

Segundo alguns, esta foi a primeira tentativa de educação especial. O Asilo dos

Inválidos da Pátria foi inaugurado com pompa, em 29 de julho de1868, e esteve em

atividade até 1976. Desde o século XVIII já havia no Brasil iniciativas de

atendimento aos feridos e mutilados nas guerras internas. Com a participação na

Guerra do Paraguai, estas iniciativas se intensificam e resultam na criação deste

Asilo. Possivelmente com um misto de gratidão e reconhecimento pelos feitos das

tropas e de remissão de culpa pela miséria em que se encontravam tais

combatentes.

Mesmo recebidos como heróis, esses soldados “eram infelizes”, segundo observações de Honorato, pois a Pátria restava amenizar seus dias para viverem em paz. Combatentes da Guerra do Paraguai, estavam pelo menos naquele dia, recebendo o carinho de seu Imperador e de toda a multidão presente. “Aqueles homens foram os que inutilizaram-se pela Pátria, foram os bravos que regaram os campos de batalha com o sangue de suas veias, foram os que viram para sempre a estrela fagueira, que lhes acenava para o futuro, desaparecer” (HONORATO Apud SILVA, 1987, p.291) Os oficiais que

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compunham o Corpo dos Inválidos, quase todos mutilados ou sem maiores possibilidades de atuar no serviço militar ativo – prejudicados por ferimentos graves, por amputações os por doença sérias, durante a guerra contra o Paraguai -,eram pobres, sem qualquer chance de receber da sociedade brasileira muita coisa, a não ser , talvez, compaixão. Dentre eles haviam os já mencionados “Voluntários da Pátria”, homens pobres, mulatos e negros formavam os batalhões convocados para combater soldados na Guerra do Paraguai, os escravos da nação – africanos trazidos ilegalmente para o país após a lei de extinção do tráfico, que estavam sob a guarda do Império e recebiam alforria para ser transformados em soldados. Naquele dia de inauguração o Asilo já contava com 29 oficiais, 67 sargentos, 1 coronheiro, 7 músicos, 239 cabos e semelhantes, 1010 soldados e 1 tambor. E no mesmo lote de doentes e deficientes do exército brasileiro, havia 42 prisioneiros paraguaios nas mesmas condições físicas (FIGUEIRA, 2008: 37).

Figura 3 – Ilustração crítica à Guerra do Paraguai

Fonte: SILVA, (1987: 294)

A terceira instituição foi o Instituto dos Surdos-Mudos, criada por D. Pedro II por

volta de 1887, com a finalidade educativa – educação literária e profissionalizante

para meninos surdos-mudos. Eram admitidos alunos entre 7 e 14 anos, que viviam

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em regime de internato. Mais tarde se tornou conhecido como Instituto Nacional

de Educação de Surdos – INES. SILVA (1987) apresenta algumas orientações

importantes para a vida do futuro profissional de seus alunos:

- “É inquestionavelmente de máxima importância e conveniência que o surdo-mudo tenha um ofício, ou arte que subsista.”

- “Na escolha do ofício ou arte a que o surdo-mudo deve aplicar-se, convém

ater-se à sua constituição física, à localidade em que tem de residir, à sua aptidão e até à posição ou gênero de vida de seu pai”.

- “Em geral as artes e ofícios convém aos habitantes das cidades e a agricultura aos dos campos”.

- “Das artes e ofícios devem ser preferidos os que podem ser exercidos em qualquer parte, cidade ou pequenos povoados. Sapateiro, alfaiate, correeiro, torneiro, oleiro, chapeleiro, tintureiro, impressor e encadernador, são industrias que muito lhe convém”.

- “Os ofícios de carpinteiro, pedreiro e outros que exigem comunicações simultâneas com o trabalho, não lhe são tão convenientes” (SILVA, 1986: 288).

Assim como na história da deficiência em geral, o Brasil também passa por fases

distintas na forma de enfrentar a deficiência. Müller (1999) aponta três fases que se

apresentam de forma demarcada, embora não necessariamente de forma linear.

São: extermínio (entre os índios); segregação ou asilismo (institutos e abrigos) até

a integração a partir de 1981. “Enquanto se discutia e discute uma política de

integração no trabalho, na sociedade, ainda se constroem casas-lares, asilos para

alojar as pessoas com deficiência, demonstrando que a fase do assistencialismo

ou asilismo está em pleno vigor.” (Müller, 1999: 22)

A fase da integração vem sendo gestada desde a preocupação em inserir a mão

de obra da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, como vimos

anteriormente, o que também acontece no Brasil. Para isto é preciso um processo

de reabilitação. Segundo FIGUEIRA, (2008) a criação dos hospitais-escolas

contribuiu para isto.

O Hospital São Paulo, que abriu as portas em 1942, foi o primeiro nascido como hospital-escola, em ligação com a Escola Paulista de Medicina. Embora precise de um estudo mais profundo, podemos dizer que a partir dos hospitais-escolas, as deficiências passaram a também ser alvos de estudos, novas pesquisas científicas, desenvolvimento de novos tratamentos e novas técnicas de trabalho, principalmente no campo da Reabilitação. Fortalecendo assim, a associação da deficiência com a área médica. (FIGUEIRA, 2008: 70,71)

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Este envolvimento das Escolas de Medicina no mundo da deficiência possibilitou

maior descrição sobre as diferentes deficiências evidenciando suas causas,

descobrindo medidas para amenizá-las, e criando possibilidades de reabilitação

para o mundo trabalho. A partir daí foram criados os centros de reabilitação como

o Sara Kubitschek, em Brasília. Este olhar da medicina sobre a pessoa com

deficiência reforçou o que se chama Modelo Médico, em que a pessoa era vista

como um diagnóstico. Era feito uma descrição da patologia e os sintomas que teria.

No máximo o que poderia ser feito minimizar estes sintomas. Não se pensaria nas

potencialidades que esta pessoa teria fora as suas limitações.

1 1 4 - Como Nomear?

O esforço em nomear as pessoas e suas deficiências tem variado ao longo da

história, conforme a relação da sociedade com estas pessoas e os valores vigentes

em cada época. Com o passar do tempo, tem se acelerado as buscas para uma

nomenclatura mais compatível e que respeite a dignidade destas pessoas. Nesta

busca há duas frentes que têm contribuído no avanço deste intento: os movimentos

populares e as medidas de ordem governamental. Os movimentos populares têm

encabeçado as discussões e dado visibilidade à realidade destas pessoas,

enquanto as medidas governamentais de ordem nacional ou global têm legitimado

os avanços.

Tentando dar uma nomenclatura adequada, podemos correr o risco de enfocar

mais a necessidade e perder de vista dois aspectos importantes: o primeiro, é que

estas pessoas têm limitações, mas têm potencialidades que são múltiplas; o outro,

não ver na diferença a alteridade. .... Um homem não pode ser valorizado pela

quantidade de passos que pode dar com suas próprias pernas e, sim, pelo amor e

respeito que tem por si mesmo e pelos outros. (ARAUJO, 1999:15)

A declaração da ONU, que deu o nome de “Ano Internacional das Pessoas

Deficientes” no ano 1981, refere-se a “Pessoas Deficientes”, o que foi considerado

um avanço, pois foi pela primeira vez em todo mundo, o substantivo “deficientes”

(como em “os deficientes”) passou a ser utilizado como adjetivo, sendo-lhe

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acrescentado o substantivo “pessoas” (SASSAKI, 2003). No entanto, esta

expressão é ainda muito limitadora. A palavra deficiente carrega em si o estigma

de descapacitado e junto a isto um sentido de inferiorização. A pessoa que traz

consigo alguma deficiência não está descapacitada no sentido de ser pessoa.

Pode-se dizer que é diferente, tem limitações, mas não é desigual na sua condição

de ser humano.

A Constituição Brasileira de 1988 utiliza a nomenclatura “pessoa portadora de

deficiência”. Esta expressão retira a conotação de incapacidade. No entanto,

acarreta outra dificuldade, pois a expressão “portadora” sugere que a pessoa

carrega alguma coisa e que poderá deixar de portar, o que não é o caso.

Por algum tempo foi usado “Pessoa com Necessidades Especiais”. Esta

“classificação” suscita um questionamento: Todo ser humano deve ser tratado

como tal, e deve ter garantida a dignidade e integridade, independentemente de

sua condição física, mental, sensorial. Qual a necessidade especial que uma

pessoa que não anda, não fala ou precisa de apoio mecânico ou de outra ordem

precisa para ser humana?

A partir da Declaração de Salamanca 19949, tem se diferenciado “pessoas com

necessidades especiais” quando se refere a necessidades educacionais e “pessoas

com deficiência” quando se refere à deficiência, seja física, sensorial ou múltipla

que acarrete em alguma necessidade educacional especial ou não.

Depois de muitos debates, os movimentos mundiais de pessoas com deficiência

acordaram que querem ser chamadas de “Pessoas com Deficiência” em todos os

idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção Internacional para

Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência,

9 A Declaração se Salamanca resultou da Conferência, organizada pelo Governo da Espanha

em cooperação com a UNESCO, congregou altos funcionários da educação, representantes das

Nações Unidas e das Organizações Especializadas, outras organizações governamentais

internacionais, organizações não governamentais e organismos financiadores. A Conferência

aconteceu em Salamanca de 7 a 10 de Junho de 1994, mais de 300 participantes, em

representação de 92 governos e 25 organizações internacionais, a fim de promover o objetivo

da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais de política necessárias para

desenvolver a abordagem da educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para

atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais.

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aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 2004 e promulgada posteriormente

através de lei nacional de todos os Países-Membros, da qual o Brasil é signatário.

Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegado ao nome “pessoas com deficiência”: 1.Não esconder ou camuflar a deficiência; 2.Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência; 3.Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; 4.Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5.Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais’, “pessoas com eficiências diferentes” , “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem , agiremos com avestruzes com a cabeça dentro da areia”(i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”); 6.Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; 7.Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência). (SASSAKI, 2003: 12-16.)

Uma das pessoas entrevistadas quando perguntada: qual é sua deficiência?

Respondeu: Olha, ultimamente, para você ver como as coisas mudam, eu estou

achando que não tenho deficiência. E apresenta a seguinte reflexão:

Na verdade, nós estamos, talvez progredindo para novas conceituações. Como

já existiram conceituações, até chegar a pessoas com deficiência, ou da própria

deficiência, eu tenho feito alguns vídeos, que eu. tenho colocado na internet,

eu fiz dois e uso um termo, bastante conhecido, que digo: “As palavras tem

poder”, né?

Então quando nós somos chamados de deficientes, o que isso pode significar?

O que significa isso no contexto semântico social? Na Europa, em alguns

países da Europa mais, outros menos, mas na Espanha e em Portugal, tem

sido muito forte a discussão, já superando essa terminologia de deficiência,

usando o termo: diversidade funcional

As pessoas não têm, não são deficientes, elas têm diversidade funcional. Então isso é interessante, porque a deficiência, quer queira ou quer não, ela está no corpo da pessoa, não é? Muito mais do que no meio, no ambiente. Talvez seja interessante. Eu não sei até que ponto eu concordo com essa definição, mas eu acho que a pro-ble-ma-ti-za-ção que ela traz, é muito interessante. (Tuca Munhoz)

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Isto demonstra que este conceito “pessoa com deficiência” também não dá conta

das implicações que envolvem a situação destas pessoas, mas dá a possibilidade

de reforçar a presença da “pessoa”, do ser humano que pode ter limitação em

alguma área da vida, mas que é um ser humano com todas as suas características,

limitações e potencialidades e digno de ser tratado como tal.

1 2 - Inclusão

Ao abordar o tema deficiência, vimos que o imaginário sobre a Pessoa com

Deficiência decorre de preceitos e conceitos construídos culturalmente e

modificam-se ao longo do tempo, conforme as situações sociais, políticas e

culturais que vão se delineando também com o passar do tempo. O modelo médico,

centrado na falta, na anomalia, está ainda muito arraigado no imaginário da

sociedade e expressa sua compreensão sobre a deficiência, possibilitando que as

pessoas que trazem a marca de alguma, sejam colocadas à margem.

À medida que se modificam os conceitos sobre estas pessoas, muda também a

forma como elas são tratadas na sociedade e como participam dos espaços sociais.

No entanto, em que pesem as mudanças do imaginário sobre o mundo da

deficiência, o estigma a respeito do assunto continua e o processo de exclusão

permanece na sociedade. GOFFMAN afirma:

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo,

nem honroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1988: 1)

No entanto, o próprio GOFFMAN diz que: “Por definição, é claro, acreditamos que

alguém com um estigma não seja completamente humano.” (GOFFMAN, 1988:15)

Isto consciente ou inconscientemente justifica as relações de exclusão que

imperam na sociedade em relação às pessoas com deficiência. “Há, bem no fundo,

um sentimento velado de rejeição contra tudo o que é diferente, que é ‘defeituoso’

e que causa certo mal-estar” (SILVA, 1986: 20). As pessoas com deficiência vivem,

via de regra, a experiência de uma profunda marginalização, da sociedade, do

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conhecimento, do trabalho e até da família. Esta marginalização se dá através do

afastamento do convívio social pela institucionalização, segregação na família, etc.

Cotidianamente presencia-se ou ouve-se relatos que demonstram a marginalização

e segregação destas pessoas. Fui pastora em uma cidade do RS, na região

calçadista, no início da década de 90, onde a população era basicamente de

pessoas oriundas da zona rural, que vieram morar na periferia da cidade, para

trabalhar na indústria do calçado. Estes pequenos agricultores deixavam sua terra

e se instalavam ali em precárias condições. Após já haver trabalhado por longo

período com aquela população, em uma certa programação de final de ano, na

distribuição de doces para as crianças, uma senhora da comunidade pediu-me um

pacotinho a mais para levar para um vizinho doente. Procurei saber quem estava

doente. Então ela contou: é o filho do meu vizinho da frente, na verdade ele é

doente, teve um problema no parto e vive em cima de uma cama. Ele é gêmeo com

“fulano”. O fulano era um adolescente que eu conhecia, vizinho do barraco onde

nos reuníamos, deveriam ter uns 14 ou 15 anos. Seu irmão teve uma complicação

ao nascer, ocasionando uma paralisia cerebral grave. Tinha uma vida vegetativa.

Este adolescente vivia segregado em casa e nem a maioria da vizinhança sabia de

sua existência.

Uma senhora que fazia trabalho voluntário nas periferias da sua cidade, a uns 10

km de Porto Alegre (uns 10km), em um encontro de capacitação da FCD relatou

as degradantes condições, abandono, falta de higiene e saúde em que

encontravam as pessoas com deficiência, nas visitas que faziam.

Vivemos, no ano de 2016, a experiência de sediar no Brasil as Paralimpíadas, onde

pode-se acompanhar um grandioso espetáculo de eficiência e possibilidades

proporcionado por pessoas com deficiência. Evento este, que não ficou devendo

em nada para as Olímpiadas que aconteceu poucos dias antes. Este acontecimento

e sua divulgação deram sinais concretos de como as pessoas com deficiência estão

colocadas na sociedade: um grupo à margem. Por um lado, a mídia deu, ou não

deu, atenção ao evento, tratando-o como um evento à parte: Aconteceu o grande

evento das Olimpíadas, agora tem um apêndice: a Paralimpíada. Pouca divulgação,

pouco espaço para que a população pudesse acompanhar o desempenho dos

atletas. Quem não teve acesso aos canais fechados, de TV, praticamente, só pode

acompanhar os feitos de maior destaque: à premiação dos vencedores, às quebras

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de recordes. A eficiência do dia a dia, o desempenho de cada atleta, sua eficiência

em praticar determinada modalidade, mesmo lhe faltando algo, foi privada à

população de acompanhar. Em uma Olimpíada, ou em qualquer outra competição,

para haver um vencedor, é necessário haver outros competidores, que podem não

ter sido o melhor naquele momento, mas que são muito bons naquilo que fazem e

o vencedor só venceu porque teve alguém com quem competir. Por outro lado, nas

divulgações, foram dadas, de forma exagerada, ao meu ver, ênfases à ideia de

superação e a idéia de “heroicização” destes competidores. Essa atitude de

“heroicização” parece-me perigosa.

Cada vez que alguma pessoa que tem algum estigma particular alcança notoriedade, seja por infringir a lei, ganhar um prêmio ou ser o primeiro de sua categoria, pode-se tornar o principal motivo de tagarelice de uma comunidade local; esses acontecimentos podem até mesmo ser notícia nos meios de comunicação da sociedade mais ampla. De qualquer forma, todos os que compartilham o estigma da pessoa em questão tornam-se subitamente acessíveis para os normais que estão mais imediatamente próximos e tornam-se sujeitos de uma ligeira transferência de crédito ou descrédito. Dessa maneira, sua situação leva-os facilmente a viver num mundo de heróis e vilões de sua própria espécie, sendo a sua relação com esse mundo sublinhada por pessoas próximas ou não, que lhes trazem notícias do desempenho de indivíduos de sua categoria. (GOFFMAN, 1988: 37)

Corre-se o risco de colocar estas pessoas na condição de superioridade em relação

a tantos outros que têm deficiência e não tiveram oportunidade de estarem lá ou

têm outras eficiências que não são ligadas ao esporte de alta

“produtividade”. Ou ainda de colocar numa condição de supra-humano, de certa

forma desconsiderando a condição humana de um contingente da humanidade que

tem alguma deficiência e não tem a visibilidade das suas eficiências.

Em meio a esta marginalização e segregação há o movimento de trazer estas

pessoas ao convívio da sociedade. Isto passa pelo processo de transformação do

entendimento e da desconstrução do imaginário sobre a deficiência. No bojo desta

tentativa de aproximação destas pessoas com a sociedade, há dois conceitos que

perpassam essa discussão: integração e inclusão. Embora muitas vezes usadas

como sinônimo, COSTA-RENDERS (2009) assim como CERIGNONI;

RODRIGUES (2005) reportam a uma questão política apresentando pontos de

diferenciação. Embora, ambas estejam preocupadas com a presença da pessoa

com deficiência na sociedade partem de pressupostos diferentes para atuação. A

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integração tem seu fundamento no modelo médico enquanto que a Inclusão tem

como referência o modelo social.

“Se para o modelo médico a lesão levava à deficiência, para o modelo social

são os sistemas sociais excludentes que levam pessoas à experiência da deficiência. Em síntese, o modelo médico identifica a pessoa com deficiência como alguém com algum tipo de inadequação para a sociedade: o modelo social, por sua vez, inverte o argumento e identifica como deficiência a inadequação da sociedade para a inclusão de todos, sem exceção. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005: 33,34)

Para os autores o principal problema está na forma como as pessoas são tratadas

na sociedade em decorrência de sua deficiência. Por isto, a necessidade de tratar

estes termos separadamente.

1 2 1 - Integração

Integração, poder-se-ia dizer, está mais relacionada ao modelo médico, e dá ênfase

à deficiência; de certa forma o diagnóstico é que estabelece os procedimentos a

serem adotados para que a pessoa com deficiência possa aproximar-se dos

padrões de normalidade e assim participar da sociedade. Embora se possa

considerar a integração como um processo embrionário do movimento em direção

à inclusão, está relacionada à adaptação da pessoa com deficiência à sociedade,

na busca de reabilitação e inserção na mesma. Para Costa-Renders “a integração

é uma via de uma mão só – onde cabe à pessoa com deficiência superar suas

incapacidades para inserir-se na sociedade.” (COSTA-RENDERS, 2009:89).

Segundo ARANHA (2001:6), este ideário está imbricado no século XVII, no

surgimento do modo de produção capitalista. Passa-se a defender a ideia de que

os indivíduos não são iguais e que é necessário respeitar as diferenças. Isso dava

legitimidade para a existência da desigualdade social, a prática da dominação do

capital e dos privilégios.

Dentro deste processo de fortalecimento da produção capitalista, está inserido o

paradigma da institucionalização, uma medida que demanda muito custo. Além do

que acresce, com o desenvolvimento da indústria, as deficiências causadas por

acidentes de trabalho e a necessidade de tornar ou retornar estas pessoas

produtivas, dando origem a um novo paradigma, o Paradigma de Serviços, com o

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objetivo de tornar as pessoas com deficiência o mais próximo possível da

“normalidade”. Aí surge a ideia de reabilitação e neste bojo proliferam os centros

de reabilitação. Estes esforços tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na

sociedade, no entanto, ela precisava alcançar padrões compatíveis com os

vigentes na sociedade.

No modelo integrativo, a sociedade, praticamente de braços cruzados, aceita receber pessoas com deficiência desde que estas sejam capazes de:

moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial, etc)

acompanhar os preconceitos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social, etc)

contornar os obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifícios, transportes, etc)

lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas (Sasssaki, 1995ª; Amaral, 1994, p.18, 35-37, 40), e

desempenhar papéis sociais individuais ( aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor, etc) com autonomia, mas não necessariamente com independência . (SASSAKI, 2006: 34)

Concomitante a esse processo, no âmbito da medicina foi avançando e se

consolidando o conhecimento sobre fisiologia, bioquímica, etc. Com o passar do

tempo, foram dados passos importantes de intervenções que poderiam levar a uma

nova configuração ao atendimento às pessoas com deficiência e até na

“minimização” da deficiência, aproximando o “portador/a” da normalidade. Talvez

daí originando a tão propalada ideia de “superação”. Essa ideia não cabe numa

sociedade inclusiva. Quando se fala em superação parece estar embutida a ideia

de que a pessoa deixou de “portar” sua deficiência. Que conseguiu se tornar mais

“normal”. Conseguiu aproximar-se do mundo dos normais. Deixou a deficiência pelo

caminho. No entanto, o que acontece é que a pessoa não deixa de ter uma

deficiência, no entanto ela desenvolve suas competências , que são muitas, como

qualquer outra pessoa.

1 2 2 - Inclusão Social

A palavra inclusão vem do latim inclusius, includo – encerrar, fechar, rodear, cercar,

incluir. Inclusio, inclusionis – prisão, encerramento. Os dicionários como: HOUAISS

(1979 ) define inclusão como Ação ou efeito de incluir – compreender, envolver;

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para FERREIRA (2005) incluir é – fazer parte, fazer constar na lista ou conter, trazer

em si, compreender, abranger; Pensando na inclusão da pessoa com deficiência,

entende-se inclusão como inserir, dar condições para que ela tome parte, abranger

a todos o direito de ser e participar integralmente da sociedade.

A inclusão traz um movimento em direção contrária à integração. É a caminhada

da sociedade em direção à pessoa com deficiência, reconhecendo-a como

pertencente ao grupo social e sujeito de direitos. “A inclusão é uma via de mão

dupla – onde também a sociedade é responsável pela superação das

incapacidades da pessoa com deficiências, barreiras estas resultantes de barreiras

sociais” (COSTA-RENDERS, 2009:89). A atenção não está centrada na sua

incapacidade, mas no que falta para que ela faça parte de seu grupo social sem

barreiras arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais; no que ela tem para

contribuir com seu grupo social onde as diferenças não são barreiras, mas

possibilidades de construção de subjetividades e de um novo status quo.

Podendo definir, então, inclusão como: o ato ou ação de incluir, compreender,

envolver, fazer tomar parte das ações que constroem cidadania. Cidadania,

entendida aqui, como medida da qualidade da vida humana, ou seja: “o homem só

é efetivamente humano na medida em que dispõe das condições objetivas que lhe

permitam exercer sua tríplice atividade prática: a prática produtiva, prática social, e

a prática simbólica” (SEVERINO, 2002:11). Seria a construção de possibilidade de

participação no mundo do trabalho, do convívio na sociedade e na cultura

simbólica. Goffman, afirma: “Por definição, é claro, acreditamos que alguém com

um estigma não seja completamente humano,” (GOFFMAN, 1988:15). Neste

sentido é necessário reconhecer a dignidade humana da pessoa com deficiência.

Se formos capazes de nos colocar diante da pessoa com deficiência de igual para igual, descobriremos, neste convívio, que o ser humano tem uma capacidade extraordinária de superar seus limites, quando acolhido e amado por outro ser humano. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005: 67)

Como seres humanos, somos inconclusos, limitados, condicionados. É preciso ver

no diferente um outro que é capaz de se colocar diante de nós com sua condição

de ser humano e que traz em si a possibilidade de ser, de reagir além do limite do

nosso desejo.

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O vídeo Janelas da alma10 apresenta diferentes olhares, não só diferentes formas

de interpretar o que se vê. Poder-se-ia dizer: com que instrumentos se vê, com os

olhos como a maioria das pessoas, com o tato, com outros órgãos dos sentidos ou

mesmo com os sentimentos? A palavra de um dos entrevistados, que tem uma

dificuldade, ou melhor, uma alteração visual chama a atenção. Para ele isto não é

uma dificuldade, é a forma que ele vê, não sabe se esta é a melhor ou pior, não

imagina ver o mundo de outra forma. Ele tem uma maneira diferenciada de ver o

mundo, não só de interpretá-lo, mas uma instrumentalização diferente para ver o

mundo. Porém, não deixa de participar da vida e de fazer a diferença nela, o que

nos aponta a necessidade de conviver com o diferente, “sem obviamente, se

considerar superior ou inferior a ele ou ela, como gente” (FREIRE, 2003b:194). No

pensamento de ARDOINO (1998), “instituir o outro como outro”. Isto significa

considerar o outro como valioso, importante, com capacidade de participação

criadora na construção de si mesmo e de relações libertadoras. Reconhecer o ser

humano é reconhecer nossa dignidade e nossos direitos, reconhecer a dignidade e

o direito dos outros, primar para que a dignidade e o direito de todos sejam

garantidos. Independente das diferenças de locomoção, de comunicação, da forma

de ver e de ler o mundo.

O conceito de cidadania aponta para pertencimento e participação. Seria dizer que

todos pertencem à sociedade brasileira e participam dela como sujeitos de direitos

e deveres. Entre estes direitos, está o acesso à educação independente de suas

limitações ou diferenciações. A educação é mediadora do processo de construção

de cidadania, “ela só se legitima se estiver construindo a cidadania.” (SEVERINO,

2002:11). Pode-se dizer que a educação é um processo contínuo de aquisição de

conhecimento acumulado pela humanidade ou sua relação com o cotidiano,

10 JANELA DA ALMA. Documentário de João Jardim e Walter Camargo – 2001

Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão: o funcionamento fisiológico do olho, o uso de óculos e suas implicações sobre a personalidade, o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens e também a importância das emoções como elemento transformador da realidade se é que ela é a mesma para todos. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-50435/ ACESSO – 6/04/2017

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construindo cidadania que traz a ideia de pertencimento e participação. Acontece

em espaço formal, institucional (escola) e ou em qualquer outro que propicie aos

sujeitos a conscientização de seu desenvolvimento como ser humano.

Desenvolvimento este que traga autonomias individuais, participações

comunitárias e sentimento de pertencimento à espécie humana (MORIN, 2002:55).

A caminhada para inclusão é um processo educativo. O centro do processo

educativo é o ser humano, que traz em si toda uma complexidade porque é um ser

psicológico, biológico, social, histórico, religioso que vai se constituindo como ser

humano à medida que vai se conscientizando de sua condição pessoal e social.

Ernani Maria Fiori, na apresentação da Pedagogia do Oprimido referindo-se ao

método Freiriano diz que a “antropologia acaba por exigir e comandar uma política”

(FIORI, 1991: 53). Certamente, refere-se a todos e todas, independentemente de

suas condições, físicas, sociais, mentais, etc. A discussão sobre inclusão tem que

ser centrada na visão de ser humano e no entendimento sobre educação. A

educação deve incluir todos em um processo que é antropológico, gnosiológico e

político porque traz a perspectiva de transformação social. Para pensar educação

e inclusão, é fundamental a visão do ser humano como inacabado; sujeito de

história que não só sofre os efeitos dos acontecimentos, mas que faz história; que

é capaz de ler o mundo; que tem a sua palavra e, ainda, considerar que a educação

se constrói no diálogo.

Homens e mulheres, ao longo da história, vimo-nos tornando animais deveras

especiais: inventamos a possibilidade de nos libertar na medida em que nos

tornamos capazes de nos perceber como seres inconclusos, limitados,

condicionados, históricos. Percebendo, sobretudo, também, que a pura

percepção da inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso

juntar a ela a luta política pela transformação do mundo. A libertação dos

indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a transformação

da sociedade (FIORI, 1991: 100).

Freire fala ainda na capacidade do ser humano de ler o mundo, “do ato de ler, que

não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita,

mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo

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precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1984:11). O filme Diário de Motocicleta11, de

Walter Salles, mostra claramente a possibilidade do ser humano de fazer a leitura

do mundo e o quanto isso pode ser transformador. Alberto e Ernesto percorrem a

América do Sul em uma motocicleta velha, sujeitos a qualquer contratempo. Os

dois jovens depararam-se com diferentes situações de vida do povo latino-

americano que não foram tomadas apenas como situações pitorescas de uma

viagem aventureira. Eles se interessaram pela situação e se deixaram tocar pelo

que estavam vivenciando. O filme demonstra isto em várias situações: desde a

carta para a mãe, onde relata a morte da senhora idosa, ao olhar melancólico do

barco rebocado, onde navegam os pobres e os doentes. O contato com a teoria

veio mais tarde, quando tiveram contato com as ideias de Mariategui sobre o

potencial revolucionário do povo da América Latina, mas já estavam impregnados

pela leitura que fizeram das situações vivenciadas. A possibilidade de ler o mundo

e envolver-se com ele propiciam a alteração. Promove construção da subjetividade

em relação, reforçando a ideia de Freire, do ser inacabado e a vocação de ser mais.

Na situação de inclusão de pessoas com deficiência, é preciso ler o mundo destas

pessoas que são seres humanos e que vivem no seu dia a dia as barreiras

colocadas a partir de sua condição; barreiras reais ou impostas pela sociedade e

descobrir com elas o que é possível transpor ou eliminar. Paulo Freire, em sua obra

escrita e realizada, demonstra uma amorosidade pela vida, pelo mundo e,

especialmente, pelas pessoas que, de certa forma, as sacraliza. Nesta

amorosidade deve-se ter presente que não é um amor piegas, mas um amor em

11 Diários de Motocicleta - O filme de Walter Salles mostra a viagem que Ernesto Guevara, o

Che, e seu amigo Alberto Granado fizeram pela América do Sul na década de 50. Che Guevara

era um jovem estudante de medicina, seu amigo, Alberto Granado, um bioquímico. Baseado em

fatos reais e aborda uma viagem pela América do Sul, em 1952, destes dois amigos. Saíram da

Argentina com o intuito de percorrer o subcontinente em uma motocicleta, pois pretendiam

conhecer a América do Sul, da qual só tinham informações através de livros e revistas. A viagem

é realizada em uma moto, que acaba quebrando após 8 meses. Mesmo assim, eles seguem

viagem por meio de caronas e caminhadas. Quando os viajantes chegam à colônia de San Pablo,

no Peru, ali havia um leprosário, tanto Che Guevara quanto Alberto Granado convivem com os

doentes sem qualquer tipo de discriminação e orgulho.

O filme também aborda as desigualdades socioeconômicas da população sul-americana.

http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/o-filmediarios-motocicleta.htm

Acesso em 06/04/2017

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ação, que implica em comprometimento e esperança: “a verdadeira generosidade

está em lutar para que desapareçam as razões que alimentam o falso amor”

(FREIRE, 1977: 31).

No encontro de heterogeneidades há possibilidades da construção de uma postura

diante da vida e de uma relação de construção de subjetividades. A princípio, pode

ser dolorosa, mas quando passamos a olhar o outro como outro que, na sua

diferença, é um ser humano capaz de se constituir sujeito de sua identidade, esta

pode se tornar uma experiência enriquecedora. Lembrando Oliver Sacks (1995),

precisamos passar por uma mudança radical no funcionamento psicológico, no eu,

na identidade. Em nosso processo de ver o outro, em sua identidade e na

construção de nossa nova identidade, se processa o mesmo. O que ARDOINO

chama de alteração, “ela ocorre no tempo, na temporalidade e contém também a

morte e o enriquecimento tudo junto” (ARDOINO,1998:20), se dá no

reconhecimento do outro como outro que está em interação comigo e com o mundo

e está “me” e “se” constituindo como ser humano, é considerar a presença do outro

e sua ação (BARBOSA, 2004:16,17). Poderíamos dizer que estamos assim em um

processo de educação para a condição humana.

Educar para a condição humana é, antes de qualquer coisa, buscar compreender a condição humana vislumbrando a possibilidade de uma vida melhor para todas as pessoas, com ou sem deficiência. É reconhecer a cultura humana em sua complexidade e respeitá-la. Nestes termos, é possível olhar a pessoa com deficiência como uma pessoa que compõe o universo social e que tem um modo diferente de viver e aprender. (COSTA-RENDERS, 2009: 95)

Na caminha da educação para a condição humana está o direito a educação e a

uma educação inclusiva, no que se refere a pessoa com deficiência ou não.

1. 2 3 - Inclusão Escolar

A Constituição de nosso país garante a todos os cidadãos brasileiros o direito à

cidadania e à educação ( Art.1º, 3º, 5º e 205ss), sem discriminação de qualquer

espécie. A lei nº 8.069/90, no art. 54, III, assegura o atendimento educacional

especializado, que deve ocorrer de forma preferencial na rede regular de ensino. A

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lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394/96 garante a educação e o

atendimento especializado, na rede regular de ensino, com apoio necessário. Para

se efetivarem esses direitos previstos na Constituição, muitas discussões se

estabelecem em torno da educação de pessoas com deficiência.

A Declaração de Salamanca, 1994, com base na Declaração Universal dos Direitos

Humanos (1948), reafirma o direito à educação para todos os indivíduos. Garante

o acesso às escolas regulares, que incluam a todos. Estas escolas devem adequar-

se através de uma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro de suas

necessidades. É enfática quando recomenda aos órgãos governamentais a

necessidade de construir novos paradigmas educacionais adequados e voltados à

criança e às suas necessidades. Apela aos governos, entre outras coisas, para:

- adotar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva,

admitindo todas as crianças nas escolas regulares, a não ser que haja razões

que obriguem a proceder de outro modo (Declaração de Salamanca, 1994: IX).

- que sancionem a perspectiva da escola inclusiva e apoiem o desenvolvimento

da educação de alunos com necessidades especiais, como parte integrante de

todos os programas educativos (Declaração de Salamanca, 1994:X).

A inclusão, segundo Maria Teresa Mantoam, é a “inserção escolar de forma radical,

completa e sistemática.” Todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas

de aula do ensino regular. (MANTOAN, 2003: 19). Ela entende que no conceito de

integração cabe a idéia de escola especial. Para Susan Stainback

uma escola inclusiva é um lugar do qual todos fazem parte, em que todos são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros membros da comunidade escolar, para que suas necessidades educacionais sejam satisfeitas (STAINBACK, 1999:XII).

A presença de uma pessoa com deficiência na rede de ensino deve garantir-lhe

estar integralmente envolvida no processo educacional, em todos os espaços

disponíveis, capazes de propiciar seu desenvolvimento cognitivo, cultural, social

possibilitando seu crescimento como ser humano. Deve permitir seu crescimento

pessoal e possibilitar a seus colegas um crescimento em relação à sua visão sobre

as diferenças e uma postura qualificada de convivência com elas. Isto nos reporta

ao pensamento de MASETO (2003) sobre processo de aprendizagem. Ele faz uma

diferenciação entre processo de ensino e processo de aprendizagem. O processo

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de ensino traz a ideia de transmissão de conhecimento “o professor ‘ensina’ aos

alunos que ‘não sabem”. Ele defende o processo de aprendizagem, que embora

traga embutida a ideia de ensino, leva em conta o aluno, o que ele precisa saber,

como ele aprende e qual o capital cultural que possui.

... aprender entendemos buscar informações, rever a própria experiência,

adquirir habilidades, adaptar-se às mudanças, descobrir significados nos seres,

nos fatos, nos fenômenos e nos acontecimentos, modificar atitudes e

comportamentos. (MASETO, 2003:36)

Ao falarmos de processo de aprendizagem, queremos nos referir a um processo

de crescimento e desenvolvimento de uma pessoa em sua totalidade,

abarcando minimamente quatro grandes áreas: a do conhecimento, a do

afetivo-emocional, a de habilidades e a de atitudes ou valores. (MASETO,

2003:37)

A educação como ato de conhecimento vai além de aquisição de conteúdo,

estende-se a conhecer a razão de ser dos fatos econômicos, sociais, políticos,

ideológicos, históricos a que estejamos submetidos (FREIRE, 1999:102).

Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior - o de

conhecer, que implica re-conhecer. No fundo, o que eu quero dizer é que o

educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece,

ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida

em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos ou dos

conteúdos (FREIRE, 1999:47).

Dentro deste processo de aprendizagem, o professor/a torna-se mediador da

construção do conhecimento, pesquisador e incentivador de pesquisa e mediador

de convivência das diferentes culturas. Com a perspectiva da escola inclusiva, a

convivência com o diferente torna-se mais aguda, o docente, além de conviver com

as dificuldades da docência e sua constante necessidade e busca de superação

desta demanda, depara-se com o “inédito viável”, como diria Paulo Freire.

O ‘inédito viável’ é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente

conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um ‘percebido destacado’

pelos que pensam utopicamente, esses sabem então que o problema não é

mais um sonho, que ele pode se tornar realidade. (Ana Maria Freire, in FREIRE,

1999: 206)

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O docente tem diante de si o desconhecido que se apresenta e já à primeira vista

é diferente na forma de se locomover, de se comunicar, de ler, etc. A diferença

agora não é só de âmbito cultural de construção de sentidos e valores, culturas

diferentes. Inclui um instrumental de comunicação e locomoção diferenciado. No

entanto, é uma pessoa que transpôs barreiras, que se constituiu como estudante,

na maioria das vezes com muitas lutas e dificuldades e chegou, está aí para

continuar sua caminhada no sentido de “ser mais”.

O docente e discente se constroem em relação e juntos produzem conhecimento

sobre si e sobre o conhecimento acumulado pela humanidade. em que o outro não

é apenas ideia de outro, mas considerar a presença do outro e sua ação na

temporalidade e “que produz morte e enriquecimento tudo junto” (BARBOSA, 2004)

A pessoa com deficiência é um dos atores deste processo e precisa ser incluída

como participante deste processo. Ela tem plenas condições de ser atora e autora

desta construção de cidadania, pois “o fim último da educação inclusiva é a

conquista da autonomia moral e intelectual de pessoas com deficiência” MANTOAN

(1997). Isto nos reporta à ideia de autor-cidadão defendida por BARBOSA (2000),

que aponta o aluno como construtor da sua própria história e ao mesmo tempo

construtor da história, participando de todas as perspectivas da vida.

Educando é o sujeito que se percebe “não pronto” (fechado), como se

fosse um lugar definitivo, mas “pronto” (aberto), no sentido da capacidade

de, per si, elaborar uma leitura do mundo e de se expressar nele, como

numa linguagem em que a continuidade é propriedade importante, em

resposta aos desafios das mais diferentes ordens e de velocidade cada

vez mais acentuada, apresentados pela dinâmica social. (BARBOSA,

2000: 90)

É importante ressaltar que o papel do educador e da educadora é desafiador.

Desafio este, que reporta novamente ao filme “Diário de Motocicleta”. O

personagem, em sua festa de aniversário, ao invés de ficar confortável no seu

mundo já estabelecido, opta por estar com os leprosos, mesmo que isto lhe custe

uma difícil e perigosa travessia a nado por um rio caudaloso. Ele estava do lado da

ciência, do lado do conhecimento (proximidade dos médicos, o hospital...), mas isso

não bastava. Era necessário aproximar-se dos que necessitavam desse

conhecimento para torná-lo efetivo, transformando-o em atividade prática e

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proveitosa para os que dele necessitam. Essa travessia é um ato simbólico do papel

do educador, que é o de servir de elo, de aproximação entre o saber sistematizado

e saber informal, entre quem detém o conhecimento e quem necessita deste

conhecimento. Atravessar o rio torna-se ato emblemático de transposição de

barreiras para aproximar dois mundos, que, na verdade, são duas faces da mesma

moeda.

A postura educacional deve ser a de apostar no incerto e trilhar um caminho que

precisa ser descoberto a cada passo, partindo do princípio de que o que está dado

não é definitivo. MANTOAN fala em déficit real e circunstancial, refere-se a déficit

real como aquele dado pelo diagnóstico médico diante da anomalia ou lesão

apresentada. O déficit circunstancial seria a interação entre a incapacidade física

e/ou mental e os obstáculos que o social interpõe entre o sujeito e o meio

(MONTOAN, 2000:18). Este pensamento encontra eco no pensamento de

Fewerstein, apontando que o objetivo não deve ser de definir as características

estáveis, mas procurar formas para superar as barreiras impostas, “é conhecer as

diferenças de forma a sobrepujá-las” (FEWERSTEIN apud BEYER, 1996: 72).Estes

pensamentos sustentam-se na teoria de Vygotsky, da zona de desenvolvimento

proximal. Segundo ele:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob

a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes

(VYGOTSKY, 2000: 112) .

A escola pode proporcionar estes procedimentos que ajudam a construção da

educação levando em conta o pensamento de Fewerstein e Vygotsky. O primeiro

defende a mediação como instrumento de estimulação e possibilidade de transpor

barreiras de aprendizagem. O outro defende a troca entre alunos/colegas com

“níveis” diferentes de aprendizagem. “As formas de funcionamento cognitivo são

construídas através dos processos interpsíquicos, vivenciados pelo sujeito. Estes

processos interpsíquicos acontecem no nível das interações vividas pelo indivíduo

no seu grupo cultural” (VYGOTSKY, apud BEYER, 1996: 53). Estas posturas

apontam para um processo educacional que transpõe o modelo médico e vê o

educando com possibilidades de ser mais e com condições de transpor barreiras

postas por sua deficiência e ou barreiras que lhe impõe a sociedade.

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Pensando mais na presença da criança com deficiência na escola, esta deve

garantir-lhe estar integralmente envolvida no processo educacional em todos os

espaços disponíveis capazes de propiciar seu desenvolvimento cognitivo, cultural,

social, possibilitando seu crescimento como ser humano. Deve permitir seu

crescimento pessoal e possibilitar a seus colegas um crescimento em relação à sua

visão sobre as diferenças, bem como a postura qualificada de convivência com

elas.

O trabalho de inclusão, certamente, é como navegar em um oceano de incertezas,

e é necessária a parceria entre todos os atores desse processo, não reforçando as

suas limitações e dificuldades, mas valorizando as características positivas, nas

quais se possibilite apostar em seu desenvolvimento. Muitas vezes, o caminho a

ser percorrido com uma criança com deficiência é bastante desconhecido, todos

parecem estar pisando em um pântano, porém é preciso acreditar na possibilidade

de chegar ao solo firme. Cada um tem uma parte desta pista. Pode-se dizer que

todos têm uma pedra que pode servir de apoio para um próximo passo. Cada pedra

colocada pode formar uma trilha onde se consegue prosseguir com mais

segurança. Neste caminhar em direção a uma educação inclusiva, três elementos

devem estar aliados: a família, a escola e outros profissionais especializados.

A discussão sobre inclusão no universo das pessoas com deficiência passa pelo

pensar sobre a família, em geral, a temos como um espaço idealizado, cheio de

virtudes, mas que na prática não é bem isto. Sabemos que a família é espaço de

conquista, aprendizado, troca de afeto, cristalização de atitudes, de conceitos, mas,

também, de preconceitos, de muito conflito, luta de poder, ciúmes, etc. Quando da

presença de uma pessoa com deficiência, tudo isto pode ser potencializado. Pode

ser o primeiro espaço de inclusão ou de exclusão.

Via de regra, a família passa por algumas fases, como: luto pela perda daquele ser

idealizado, busca da superação do “problema”, aprendizagem de viver aquela

situação, que precisam ser considerados.

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Muitas vezes, a própria família, passa por um processo de exclusão, pelo fato de

ter a presença da deficiência em um dos seus membros. Ela também precisa ser

incluída, no meio social, no meio médico, no meio escolar. Por outro lado,

teoricamente, passa a maior parte do tempo com a criança. Circula entre os demais

ambientes que a criança frequenta. Nem sempre tem conhecimento acadêmico

sobre o assunto, mas tem a vivência com a criança e ela precisa dos saberes dos

outros envolvidos para qualificar sua atenção com a criança.

Nos relatos de familiares, normalmente as mães, é frequente a constatação de

como os diagnósticos e prognósticos são limitadores e de como seus filhos

quebraram, extrapolaram os prognósticos. Mas ainda assim, elas mantêm um

vínculo com os profissionais da saúde que lhes dão um certo saber sobre as

condições de seus familiares.

A escola, por outro lado, tem o instrumental educacional e o espaço de convivência,

necessários para o desenvolvimento da criança. Em primeiro lugar a escola propicia

a convivência com outras crianças o que é estimulador para que a criança com

deficiência desenvolva suas potencialidades. Por outro lado, é o espaço de

compartilhamento do conhecimento acumulado pela história da humanidade que é

importante para bagagem cultural do educando, Da mesma forma, que dá

possibilidade para que este construa seu próprio conhecimento.

Porém, é impossível ter o conhecimento sobre todos os aspectos de todos os

alunos. A troca com outros envolvidos pode enriquecer o processo, seja com a

família, seja com profissionais da saúde, tornando o processo de inclusão em um

caminhar criativo e de desconstrução de barreiras para os educandos com

deficiência.

Há outros profissionais, como: médicos, psicólogos, psicopedagogos, terapeutas

ocupacionais, fonoaudiólogos, etc, que detêm conhecimento mais especializado e

podem contribuir para a inclusão, clarear mais o caso clínico e subsidiar a escola

no processo de inclusão.

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Tem uma fundamental importância a parceria entre eles. A família pode ser o elo

entre a escola e estes profissionais. É necessário que barreiras sejam quebradas

na relação destes três elementos, sabendo que o três tem a sua contribuição para

a construção de uma vida digna para a pessoa envolvida, seja ela criança ou adulto.

O processo de inclusão social ou educacional que vivemos nos tempos atuais estão

intrinsicamente ligado ao entendimento sobre deficiência que se construiu e

desconstruiu ao longo da história. Hoje vivemos um momento de resgate da

dignidade humana das pessoas com deficiência, porém volte e meia, aflora as

atitudes discriminatórias para com estas pessoas. Haja vista, as medidas

governamentais que têm sido tomadas atualmente, como Reforma da Previdência

e Terceirização que vão retirar direitos adquiridos. Isto daria outra tese. Até aqui

vivíamos um momento, onde a brisa da inclusão, de direitos e dignidade foi

conquistado pela construção de conhecimento sobre a deficiência e sobre o ser

humano e muito pela luta dos movimentos de pessoas com deficiência que se

intensifica a partir da década de 1980.

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Capítulo II

COM QUE OLHAR?

Referencial Teórico Metodológico

O título do trabalho aponta para o olhar que tem como principal objetivo dar conta

de vários aspectos que envolvem a FCD. No capítulo anterior, procuramos sinalizar

temas que estão envolvidos neste universo por onde transita este olhar e precisam

ser levados em conta para melhor entendermos o universo das pessoas com

deficiência. Agora, se faz necessário tornar claro o olhar teórico-metodológico que

está a nortear o percurso a ser desbravado.

Ao debruçar o olhar sobre um objeto de pesquisa, é preciso ter clareza com que

lente se está fazendo isto, quais referências nos possibilitam analisá-lo, com que

visão de mundo estamos desvendando dados e fatos. É importante salientar que

me aproximo deste movimento chamado FCD com um olhar de quem tem

vivenciado o mundo das deficiências com uma certa intensidade e interesse,

especialmente, nos últimos anos em que tenho me permitido ver aspectos que não

eram percebidos em tempos passados. Isto me possibilita pensar e pesquisar a

partir dos referenciais vivenciais e acadêmicos aqui postos.

A proposta primeira é olhar para este “locus” procurando trazer à luz a história e os

depoimentos das pessoas que atuaram na luta pela conquista da dignidade

humana e dos direitos das pessoas com deficiência. Lembremos que, quando

falamos em deficiência, não a estamos tratando como contrária à eficiência,

capacidade, potencialidade. Referimos aqui pessoa com deficiência como alguém

que tem alguma dificuldade, ou falta em algum órgão ou sentido, mas isto não

significa que não seja capaz. O dicionário do portal UOL define “eficiente” como

“competente e eficaz”. Isso a pessoa com deficiência pode ser se lhe forem

possibilitadas as oportunidades de sê-lo. Por isso a necessidade de olhar para a

caminhada destas pessoas procurando ver o protagonismo de suas vidas, a

construção de uma nova realidade com a participação de todos e todas e a

importância de cada um e cada uma com a mínima contribuição que seja.

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2 1 - Perspectiva Teórica

A história oficial é pautada pela narrativa dos grandes acontecimentos da

humanidade, dos feitos heroicos de personagens que passaram pelo mundo

deixando marcas, nem sempre heroicas no sentido de construção da humanidade

cidadã, solidária e responsável. Em geral, narra a história dos vencedores,

deixando de lado a voz dos que morrem nas batalhas, dos que deram o sangue

para que houvesse uns poucos vencedores. De outro lado, não visibiliza o cotidiano

que dá sabor e cor à vida, que perpetua valores e constrói identidades.

Ultimamente, tem se questionado esta postura. Hoje está fortalecido o pensamento

de que há necessidade de novos olhares para que se possa construir uma narrativa

histórica mais inclusiva, percebendo a contribuição de atores nesta construção,

com o desvelamento de fatos e valores até então ocultados e ainda apontando

novas perspectivas de atuação na realidade atual.

As grandes narrativas ocultam e simplificam as dinâmicas múltiplas e as

contradições que se processam no interior dos acontecimentos. Narrativas de

guerras, via de regra, contam os atos “heroicos” dos vencedores e deixam de lado

ou ignoram totalmente os horrores sofridos nos meandros destes acontecimentos.

Lembro-me sempre do sofrimento de um senhor que conheci já com,

aproximadamente, 90 anos. Ele participava da comunidade da qual fui pastora,

vivia atormentado por um fato que havia vivido na Guerra Civil Espanhola. Cada

vez de participar da mesa de comunhão (Eucaristia), ele sofria muito. Por muitas e

muitas vezes, contou-me a mesma história: Quando jovem soldado na guerra,

encontrara um inimigo gravemente ferido. Este jovem inimigo implorou

desesperadamente que ele o matasse, pois se ficasse vivo certamente sofreria

muito como prisioneiro de guerra. Nunca contou o que de fato ele fez, mas era

visível o seu sofrimento. Certamente este fato não foi registrado nos anais desta

guerra, mas marcou a vida desta pessoa para sempre, assim como deve ter sido

um momento de extrema angústia e sofrimento para o inimigo ferido. Para Mary Del

Priore, “os problemas colocados pelo cotidiano não são ‘menores’ e a história não

é um produto exclusivo dos grandes acontecimentos; ao contrário, ela se constrói

no dia a dia de discretos atores que são a maioria” (DEL PRIORE, 1997: 266).

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Veena Das, assim como Michel de Certeau, entende que a “cotidianidade constitui

a unidade que resolve na prática (quer dizer, na sua realização) a complexa relação

entre agência e estrutura, subjetividade e objetividade, enunciados e gêneros

discursivos” (ORTEGA, 2008: 22). Das trabalha com situação de sofrimento de

mulheres da sociedade hindu, vítimas de uma violência histórica, desde a luta de

separação entre Índia e Paquistão. Aponta, em relatos de mulheres e em textos

literários, os sinais de libertação em meio à violência estrutural. Esta autora defende

a ideia da necessidade de se prestar atenção ao sofrimento e à possibilidade de se

fazer história através desta leitura. Para ela, o Conceito não dá conta da

experiência da dor inefável.

Lendo a história de Helen Keller, e assistindo o Filme “O Milagre de Anne Sullivan”,12

percebe-se que, em meio ao caos de sua relação com a família e desconstrução

do mundo em sua volta, ela demonstrava uma enorme vontade de se inserir

naquele mundo. Uma atitude frequente, que fica bem expressa no filme, é sua

insistência em pôr a mão na boca das pessoas, o que passa a elas, como sendo

um comportamento agressivo, que causa medo. No entanto, a menina tinha a

percepção, mesmo que inconsciente, que ali ela teria uma possibilidade de

comunicação com o mundo dos falantes. Tanto que, fotos e materiais bibliográficos

mostram que continuou, ao longo da vida, como um meio de comunicação, a

utilização da mão na boca de seu interlocutor/a. “Mi mano es para mí lo que el oído

y la vista juntos son para vosotros.”( KELLER, ... , 5)

A ello le debo mi continuo contacto con el mundo exterior. También es mi mano

la que me permite salir del aislamiento y de la obscuridad, mientras mis dedos

anhelantes se apoderan de todo goce y actividad que encuentran a su paso. Al

pasar por primera vez una simple palabra de otra mano la mía, al rozar

suavemente otros dedos los míos, comenzaron la conciencia, el júbilo y la

plenitud de mi vida. Como Job, siento que una mano me ha hecho, me ha dado

una forma, aunque un tanto vaga, y ha moldeado mi propia alma. (KELLER, ...,

5)13

12O filme The Miracle Worker ,produzido para TV em 2000 nos EUA, dirigido por Nadia Tass,

conta a história de Helen Keller e o trabalho de Anne Sullivan para integrá-la ao mundo. Helen era cega e surda. O filme está disponível no Youtube . 13 A ela devo meu contato com o mundo exterior. Também minha mão me permite sair do

isolamento e da obscuridade, enquanto meus dedos ansiosos se apoderam de todo gozo e atividade que encontram em seu caminho. Ao passar pela primeira vez uma simples palavra de uma mão a minha, ao roçar suavemente outros dedos os meus, iniciaram a consciência, o júbilo e a plenitude de minha vida. Como Jó, sinto que uma mão me tem feito, me tem dado forma, ainda que um tanto vaga, e tem moldado minha própria alma. (KELLER, ..., 5, trad. Nossa)

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Esta incessante busca pela aprendizagem, o se deixar experimentar não a partir de

suas limitações, mas das possibilidades que lhe eram apresentadas, deu-lhe a

possibilidade de fazer sua leitura do mundo.

Las ideas forman el mundo donde vivimos, y son las impresiones las que

transmiten las ideas. El mundo en el cual vivo se halla construido sobre una

base de sensaciones táctiles, desprovistas de todo color y sonido físicos; pero

a pesar de ello, es un mundo donde se respira y se vive. Cada objeto esta

íntimamente ligado en mi mente a esas cualidades táctiles, las cuales,

combinadas de diversos modos, me proporcionan el sentido del poder, de la

belleza o de la discordancia; ya que con la ayuda de mis manos pueda llegar a

sentir tanto lo risible como lo admirable en el aspecto de las cosas. Observad

que vosotros, los que dependéis de vuestra vista, no os dais perfecta cuenta

del número de las cosas tangibles que os rodean. Todo lo palpable es móvil o

rígido, sólido o líquido, grande o pequeño, cálido o frío, y estas cualidades están

infinitamente matizadas. (KELLER, ..., 5-6)14

Em seus relatos, Helen Keller deixa claro que através da imaginação possibilitou

construir o seu mundo, dando sentido e significado às formas e tessituras que seus

tatos lhe comunicavam.

Que insignificante sería mi mundo sin la imaginación! Mi jardín no representaría más que un trozo de tierra silencioso y salpicado de varas y estacas, en gran diversidad de formas y aromas. Pero en cuanto el ojo de mi mente se abre la belleza que encuentra en el, el suelo raso, libre ya de malezas, se ilumina de regocijo bajo mis pies, los setos se cubren de hojas y del rosal prodiga su fragancia por doquier. Conozco cual es el aspecto de los árboles en flor y penetró íntimamente la tierna alegría de los pájaros al hacer sus nidos.15

Este es el milagro de la imaginación. (KELLER, ...,7)16

14 As ideias formam o mundo no qual vivemos, e são as impressões que transmitem as ideias. O

mundo no qual vivo se acha construído sobre uma base de sensações táteis, desprovidas de toda cor e som físicos; porém apesar disto, é um mundo onde se respira e se vive. Cada objeto está intimamente ligando minha mente a essas qualidades táteis, as quais, combinadas de diversos modos, me proporcionam o sentido do poder, da beleza ou da discrepância; já que com a ajuda de minhas mãos posso chegar a sentir o risível como o admirável do aspecto das coisas. Observo que vocês, que dependem de vossos olhos, não dão se dão conta do número de coisas palpáveis que os rodeiam. Todo o palpável é móvel ou rígido, sólido ou líquido, grande ou pequeno, quente ou frio, e estas qualidades estão infinitamente matizadas. (KELLER, ..., 5-6, trad. Nossa) 15 Que insignificante seria meu mundo sem a imaginação. Meu jardim não representaria mais

que um pedaço de silencioso de terra, salpicado de varas e estacas, em grande diversidade de formas e aromas. Porém quando o vejo minha mente se abre a beleza que encontra nele, o solo plano, livre já de ervas daninhas se ilumina de regozijo de baixo de meus pés, os cogumelos se cobrem de folhas e do roseiral exala fragrância por todo lugar. Conheço o aspecto das arvores em flor e a alegria envolvente dos pássaros a fazerem seus ninhos. (KELLER, ..., trad. Nossa) 16 Este é o milagre da imaginação. (KELLER, ..., 7, trad. Nossa)

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Y así es como la imaginación corona la experiencia de mis manos. Éstas aprehendieron su sagacidad de las sabias manos de la persona (aclaración de pie de página: Miss Sullivan, maestra de Helen Keller) que, guiada por su imaginación poderosa, supo conducirme felizmente por senderos desconocidos, lograr que la sombra se convirtiera el luz y hacer más fácil mí paso al través de los caminos tortuosos. (KELLER, ...,7)17

A imaginação, segundo Rui Josgrilberg,

é uma atividade intencional que trabalha a objetivação e a ideação de algo. Passiva ou ativa, trabalha ao lado de outras intencionalidades como percepção, linguagem ou sentimento. Trata-se de outro modo de tornar algo presente. A imaginação é “outro modo” de trabalhar com os objetos dados à nossa consciência. (JOSGRILBERG, 2012: 10)

Ela ganha relevância no processo de construção de mundo, tanto trazendo à

memória sensações e sentimentos já experimentados, assim como despertando

outros que ganham sentido no entrelaçamento de vivências anteriores ou possíveis.

“A busca de sentidos é a expressão da contínua sede do corpo e da alma. Sede

múltipla, sede de diferentes águas e diferentes vinhos!” (GEBARA, 2010:180).

Vivemos e é pelo vivido e no vivido que se faz historicidade. É no vivido que temos

nossas emoções, nossos afetos, nosso inconsciente. Certamente, neste vivido está

um emaranhado de acontecimentos, sentimentos, situações que vão constituindo

a vida de cada um, de cada uma. (BORBA: 2004). Segundo Gebara: “o mundo

começa a partir de meu mundo pessoal. O mundo para mim é aquilo que interpreto

como mundo.” (GEBARA, 2005: 28). Seguindo esta perspectiva, tomamos o

pensamento de Remi Hess (2004) ao entender que a vida é constituída de

momentos. Define momento como “tempo-espaço que o sujeito se dá para se

construir” dando, assim, a possibilidade da construção consciente de sua própria

subjetividade. Os momentos não são tempos e espaços estanques, são vivências

que vão se entrelaçando e construindo significados e identidade, são pilares para

a construção da subjetividade. Para Hess: “O momento é constituído de um

conjunto de elementos materiais, psicológicos (afetivos) e passionais” (HESS,

17Assim é como a imaginação coroa a experiência de minhas mãos. Estas aprenderam sua

sagacidade das sábias mãos da pessoa (esclarecimento de pé de página: Miss Sullivan, professora de Helen Keller) que guiada por sua imaginação poderosa, soube conduzir-me felizmente por caminhos desconhecidos, fazendo com que a sombra se convertesse em luz e tornando mais fácil meus paços através dos caminhos tortuosos. (KELLER, ..., 7, trad. Nossa)

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2004: 35), desencadeado por um outro momento. Pode-se dizer que, a princípio,

ele se alimenta de nossa herança, depois cresce e evolui. É um feixe de várias

ramificações que vão constituindo nosso presente. Temos vivências e quando

pensamos as nossas vivências passamos a ter experiências (JOSSO, 2004). Tendo

em vista as vivências, estas deixam de ser passado, são constituidoras do presente

e alicerces para o futuro. Estes elementos são constituintes de nossos momentos

e, por consequência, os momentos são constituintes de nossa subjetividade.

No processo de construção de si mesmo, com a possibilidade imaginativa se

estabelece o processo de construção de mundo. Conforme Ivone Gebara referindo-

se ao reescrever a história de vulnerabilidade, “a história de nosso corpo tornava-

se o ponto de partida para o conhecimento do mundo!” (GEBARA, 2010:181)

Na perspectiva fenomenológica, ‘’mundo significa horizontes” (horizonte

transcendental de produção de sentidos/formação de sentido). Um horizonte que

não se explica por causa e efeito. Explica-se pelas condições da experiência

elaborada sempre com a percepção de sentido. A experiência deve sempre fazer

sentido. Dentro de um mundo horizonte cabem outros mundos possíveis.

O ser humano por colocar ativamente na constituição de seu mundo, cuja abertura permite a constituição de um mundo comum a todos, pode conter, e isso já um acréscimo fenomenológico, uma diversidade de mundos possíveis em seu mundo. Isso me parece essencial: nós formamos um mundo que pode conter todos os mundos pensáveis e possíveis. Mundo aqui é horizonte. Nós somos formadores de nosso mundo porque a constituição de sentido possui um aspecto ativamente humano de doar uma ordem ao nosso entorno, doar sentido às coisas, e abrir o mundo como horizontes para outros mundos possíveis. (JOSGRILBERG, 2012: 6)

Caminhar em direção ao ser mais, segundo Paulo Freire (2003b), é a vocação do

ser humano, acontece no encontro de subjetividades em uma relação dialogal.

Sendo ser humano, é o centro do processo de construção de conhecimento, é

preciso caminhar junto, ouvir, perguntar, deixar falar, sinalizar e criar possibilidades

de, neste exercício de leitura da realidade, se desvendar novas possibilidades, de

modo que a pessoa se insira na “comunidade” humana como integrante dela,

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sujeito de transformação da realidade. O processo de leitura dos acontecimentos e

reflexão sobre eles possibilita “tomar distância” de nós mesmos. “Em certo

momento não apenas vivíamos, mas começamos a saber que vivíamos, daí que

nos tivesse sido possível saber que sabíamos e, portanto, saber que poderíamos

saber mais.” (FREIRE, 1999:98)

É impossível a construção da subjetividade sem que se tenha em mente que ela se

construiu e se instituiu no convívio com outras subjetividades. Estabelece-se,

assim, uma relação de coautoria. Posso dizer que minha história de vida,

construída numa relação de intersubjetividades, é marcada por todas as pessoas

que povoaram minha caminhada e comigo conviveram. Tanto marcas positivas,

como negativas, fazem parte da minha subjetividade e as trago junto comigo em

um processo de construção de conhecimento. Não posso me desvencilhar da

instituição do outro, como outro, na dimensão do vivido. Esta experiência possibilita

um processo de alteração que ganha radicalidade na possibilidade do outro reagir

diferentemente do modo que esperamos, ou mesmo que se oponha a nós. A esta

capacidade que o outro possui sempre de poder desmantelar, com suas próprias

contra estratégias, aquelas das quais se sente objeto, Ardoino (1998) chama de

“negatricidade”. Essa ideia nos reporta a Certeau (1994) e sua concepção de tática

como “ação calculada no espaço do outro” que possibilita uma ação que neutralize

a estratégia dominante. Sem considerar estes aspectos, a construção do ser

humano, na perspectiva do pensamento de Edgar Morin, “todo desenvolvimento

verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias

individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie

humana fica prejudicada.” (MORIN, 2002: 55)

Considerando ainda que o foco da pesquisa é o ser humano, precisa-se examiná-

lo na sua complexidade. Esta complexidade vem do fato de que ele é constituído

de bipolaridades que são, ao mesmo tempo, complementares e antagônicas, cujas

fronteiras entre antagonismo e complexidade são tênues e permitem que os

elementos, permanentemente, se entrecruzem. A articulação entre o físico,

biológico, social, cultural, psíquico e espiritual é o que desenha esta complexidade.

Isto situa-se não na ordem do complicado, mas na forma de olhar-se para o objeto,

percebendo os feixes de elementos envolvidos em sua tessitura. Tomando a ideia

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de MORIN (2005) sobre a complexidade do ser humano, pode-se dizer que é um

ser político, social, cultural, econômico, religioso, que está envolvido em um mundo

de relações: e é na construção destas relações que ele se constrói como ser

humano.

É fundamental a visão do ser humano como inacabado, segundo Paulo Freire;

sujeito de história que não só sofre os efeitos dos acontecimentos, mas que faz

história; que é capaz de ler o mundo; que tem a sua palavra e, ainda, considerar

que esta subjetividade se constrói no diálogo. Freire fala da capacidade do ser

humano de ler o mundo “do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da

palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na

inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE,

1984:11). A possibilidade de ler o mundo e envolver-se com ele, propicia a

alteração, promove a construção da subjetividade em relação, reforçando a ideia

de Freire, do ser inacabado e da vocação de ser mais.

Sendo o ser humano o centro deste processo que traz em si toda uma

complexidade, que vai se constituindo à medida em que vai se conscientizando de

sua condição pessoal e social, propicia a inclusão de todos em um processo que é

antropológico, gnosiológico e político porque traz a perspectiva de transformação.

Para Ernani Maria Fiori, “a antropologia acaba por exigir e comandar uma política”

(FIORI, 1991: 53). Neste processo de construção da própria subjetividade, torna-se

autor-cidadão, na perspectiva do pensamento de Joaquim Barbosa:

[...] é uma construção histórica, geográfica, social, psicanalítica, ecológica que,

enquanto tal, exige “politização não só de uma dimensão do sujeito, tal como a

economia ou a política partidária, mas da vida em suas várias perspectivas,

englobando seu modo de ser e de se expressar. (BARBOSA, 2000:90)

A narrativa de histórias de vida tem aspectos importantes, a serem considerados

neste processo. “Ao imaginar a ideia de capacidade pelo poder dizer, conferimos

de saída à noção de agir humano a extensão que justifica caracterização como

homem capaz de si que se reconhece em suas capacidades” (RICEOUR, 2006:

110). Para Ivone Gebara,” contar já é interpretar” (...), o ouvir a narração já é

reinterpretar o que foi contado” (GEBARA, 2000a: 47).

A experiência do “contar” não só indispensável, mas revela nossa própria condição humana. Somos seres que nos contamos sempre e, a cada vez,

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guardamos os traços do passado à luz do presente. O presente muda a compreensão que temos do passado e de nós mesmos. O presente introduz novas mediações para compreender o passado e parece às vezes ampliar ou às vezes diminuir seu significado (GEBARA, 2000a: 48).

Sedo assim, as narrativas de História de Vida não se constituem apenas no relato

de uma história que passou, ela aponta para um vir a ser. Para Delory-Momberger

(2008), a narrativa não é só o lugar no qual o indivíduo toma forma, mas é o espaço

que possibilita a este ser sujeito de uma história a ser construída.

A “história de vida” não é a história da vida, mas a ficção apropriada pela qual o sujeito se produz, como projeto dele mesmo. Só pode haver sujeito de uma história a ser feita, e é, à emergência desse sujeito, que intenta sua história e que se experimenta com projeto, que responde o movimento da biografização (DELORY-MOMBERGER, 2008: 66).

Ela contém um caráter formativo, além de contribuir para o processo de formação

individual e coletiva no grupo envolvido. O explicitar dessas vivências e dessas

diferenças, e no diálogo com elas, se produz novos significados e um novo patamar

de conhecimento. Para JOSSO (2004), há uma “auto-interpretação” e uma “co-

interpretação” nesse processo). Produz, assim, uma reformulação da subjetividade

e do conhecimento conforme Joe L Kincheloe :“Ao examinarmos o eu e sua relação

com outros nesses contextos, adquirimos um sentido mais claro de nosso propósito

no mundo, especialmente em relação à justiça, à interconexão e à produção de

sentido”.(KINCHELOE, 2007: 55).

A História de Vida reconstrói aspectos individuais, singulares de cada sujeito,

mas, ao mesmo tempo, ativa uma memória coletiva, pois, à medida que cada

indivíduo conta sua história, esta se mostra em um contexto sócio-histórico que

precisa ser hermeneuticamente reconstituído pelo pesquisador (OLIVEIRA,

2011: 2).

Ouvir a própria história, refletir sobre ela e confrontá-la com as histórias de vida de

outros faz-nos perceber o outro com suas emoções e vivências que, por vezes, são

semelhantes às suas ou totalmente díspares. Trata-se de experimentar, na prática,

o pensamento de Certeau: “Essa maneira de ‘dar a palavra’ às pessoas ordinárias

correspondia a uma das principais intenções da pesquisa, mas ela exigia, na coleta

das conversas, uma intenção diretiva e uma capacidade de empatia fora do

comum.” (CERTEAU, 1994: 26)

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As histórias de vida e depoimentos propiciam a explicitação dos condicionantes

sociais e culturais que atuam no cotidiano do indivíduo que, por sua vez,

condicionam sua atuação na sociedade. A relação entre o público e o privado é

uma relação dialética. Podemos tomar como exemplo a família, nela se constroem

os valores que vão direcionar o modo como o indivíduo vai se colocar na sociedade.

Por exemplo, a questão de gênero é um aspecto marcante nesta perspectiva da

dialética entre o cotidiano e a sociedade. O gênero sublinha o aspecto relacional

entre o homem e a mulher. Em geral, na família é acentuada a relação assimétrica

entre ambos e que vai perpetuar-se na esfera do público. No entanto, outra é a

visão que povoa o imaginário da família sobre, por exemplo, a questão da

deficiência. A sociedade recebe influência do imaginário social sobre a deficiência

e suas interferências na vida das pessoas e ao mesmo tempo propaga o seu próprio

entendimento e experiência sobre esta realidade. Isto ressalta a importância de se

ter presente como se entende o ser humano e o processo de construção de sua

subjetividade, tendo presente a sua complexidade e a percepção de que o ser

humano se constrói em relação com o outro e isto é um processo contínuo.

2 1 1 - Movimentos Sociais

No capítulo anterior foram tratados os temas deficiência e inclusão que têm

alcançado muitos avanços através de Movimentos Sociais. A FCD desde o seu

nascedouro identifica-se como um movimento. Em seus documentos, deixados por

François, seu fundador, encontramos três razões para que seja identificada como

tal. Entende-se como movimento por que: 1) não a considera como uma obra social;

2) nem a considera como uma associação: 3) e por último, porque ela se mantém

pelo protagonismo das próprias pessoas com doença ou com deficiência. Ao longo

de sua história, também, a FCD teve participação em movimentos de luta pelos

direitos das pessoas com deficiência. Quando da chegada da FCD no Brasil, em

1972, tanto os Movimentos Sociais como as CEBs (Comunidades Eclesiais de

Base) estavam em efervescência no país. Diante disto, faz-se necessário refletir

sobre o tema Movimentos Sociais e perceber em que medida pode ou não ser

assim classificada.

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A sociologia, desde seu nascedouro, tem dado atenção aos Movimentos Sociais

como objeto de estudo, porém, mesmo anteriormente, estes estiveram sempre

presentes no meio da sociedade. Para Alain Touraine, os movimentos são o

coração e o pulsar da sociedade. Ao longo do tempo, vários pensadores têm

procurado definir o que é movimento social. Segundo SCHERER-WARREN, o

termo “movimentos sociais surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840.

Defendia a necessidade de uma ciência da sociedade que se detivesse no estudo

de movimentos dentro dela, como o movimento do proletariado na França e do

comunismo e socialismo emergentes. A partir do início do século XX, cresce o

interesse da Sociologia Acadêmica pelo tema. Nos anos da década de 1950, a

Academia passa a incorporar cada vez mais a análise marxista para estudo dos

movimentos sociais na “busca da contribuição dos movimentos sociais na produção

transformadora do social” (SCHERER-WARREN,1987a:13). Embasada na

corrente marxista para análise da sociedade, a autora define movimento social

como:

uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e a sua direção). (SCHERER-WARREN,1987a: 20)

A sociedade vai modificando-se, ao longo do tempo, e novos agentes começam a

atuar, modificam-se as formas de atuação dos movimentos sociais e com isto novas

teorias tentam descrever e analisar estes movimentos. Tem crescido esta

teorização e várias correntes posicionam-se sobre o papel e importância deles

como ações coletivas dentro da sociedade. GOHN (2010) ressalta que no contexto

da globalização, o Estado deixou de ser, para muitos teóricos, o centro da

investigação. Boaventura de Sousa Santos tem contribuído para este entendimento

da política, para além do marco liberal da distinção entre Estado e sociedade civil.

Neste contexto de transferência de interesse para a sociedade civil, os movimentos

sociais passam a ser considerados como uma das ações sociais por excelência.

[...] A politização do social, do cultural e, mesmo, do pessoal abre um campo imenso para o exercício da cidadania e revela, no mesmo passo, as limitações da cidadania de extracção liberal, inclusive da cidadania social, circunscrita ao marco do Estado e do político por ele constituído. (SANTOS,2003: 263)

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Nesta perspectiva, a discussão passa a ser sobre os novos movimentos

sociais que tentam dar conta do que acontece na sociedade, no momento.

Ele aponta os movimentos estudantis dos anos 60 e 70 como exemplo

deste alargamento da visão da política, ressaltando três características

importantes deste movimento:

- opõe ao produtivismo e ao consumismo uma ideologia antiprodutivista e neoliberal;

- identifica múltiplas opressões e propõe se alargar a elas o debate e a participação política;

- declara o fim da hegemonia operária nas lutas pela emancipação e legitima a criação de novos sujeitos de base transclassista. (SANTOS, 2003: 263)

Este deslocamento, ou alargamento da visão política, possibilita a percepção de

novos sujeitos sociais que atuam de diferentes formas e modificam situações e

conceitos na construção de novas realidades sociais. Esta movimentação de novos

sujeitos pode trazer uma contribuição importante para que se possa situar a

atuação das pessoas com deficiência dentro do leque de movimentos sociais, em

especial, a FCD. A definição de subjetivação apresentada por Alain Touraine traz

elementos que apontam para características pertinentes à ação e atuação desta

organização.

A subjetivação é a construção do sujeito quando se põe à procura de uma felicidade que só pode nascer da recomposição de uma experiência de vida pessoal e autônoma, que não pode nem quer escolher entre a globalização, onipresente, e a identidade...

O sujeito, que tem seu fundamento na vontade pessoal de felicidade, é a única força capaz de fazer nascer o diálogo e a compreensão mútua entre as tendências que desmembram a experiência pessoal como também a vida social. TOURAINE, 1999: 81,82)

Para o autor, esta construção ou reconstrução só é possível se houver o

reconhecimento do indivíduo “como criador de sentido e de mudança e igualdade

de relações sociais.” (TOURAINE, 1999: 75). Na subjetivação está contido “o apelo

à dignidade, de si mesmo e do outro”. (TOURAINE, 1999: 80). A construção do

sujeito só é possível em uma ação coletiva, onde o ator entra em relação com o

outro, que é outro, que é diferente, que ao mesmo tempo é parcialmente

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identificado. Esta relação é feita de empatia, de simpatia e até de compreensão. O

sujeito se torna ator de transformação e isso adquire uma significação política.

A ideia de movimento social traz sempre a presença do conflito central, econômico,

cultural. Para TOURAINE, o conflito está presente em toda parte, “o sujeito

constitui-se unicamente por sua luta, por um lado, contra a lógica dos mercados e,

por outro, contra a lógica do poder comunitário”. TOURAINE, 1999:114). “Em todas

as sociedades, porém, o sujeito se revela pela presença de valores morais que são

opostos à ordem social”. “Um movimento social é sempre um protesto moral”.

(TOURAINE, 1999: 119).

No texto, Movimientos sociales, participación sociológica y educación en el nuevo

milênio, Maria da Glória Gohn define movimentos sociais

[...]como acciones sociales coletivas, de carácter sociopolítico y cultural, que viabilizan distintas formas de organización y expresión de las demandas de la población. En la acción concreta, essas formas adoptan diferentes estrategias que van desde la simple denuncia, pasando por la presión directa (mobilizaciones, marchas, concentraciones, distúrbios del orden constituído, actos de desobediencia civil, negociaciones, etc.), hasta las preciones indirectas. En la actualidad, los principales movimientos sociales actúan por medio de redes sociales, locales, regionales, nacionales, e internacionales, y se valen em gran medida de los novos medios de comunicación e información – como el Internet. Por esto, ejercen lo que Habermas denominó como la acción comunicativa. La creación y el desarrollo de nuevos saberes son produtos de esa comunicación. (GOHN, 2002:25)18

Em outra obra, a autora, ao definir movimentos sociais, acrescenta um dado

importante que não aparece claramente aqui e que ajudam na identificação do

movimento. Para ela, um dos elementos constitutivos do movimento social é que

suas “demandas configurem sua identidade, adversários, bases, lideranças e

assessorias.” E ainda, os movimentos têm “nos direitos a fonte de inspiração para

18 Como ações sociais coletivas, de caráter sociopolítico e cultural, que viabilizam distintas formas

de organização e de expressão das demandas da população. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que vão da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, distúrbios da ordem estabelecida, atos de desobediência civil, negociações, etc), até as pressões indiretas. Na atualidade, os movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais, e internacionais, e se valem em grande medida dos novos meios de comunicação e informação – como a Internet. Por isso, exercem o que Habermas denominou como ação comunicativa. A criação e o desenvolvimento de novos saberes são produtos dessa comunicação. (GOHN, 2002:25, trad. Nossa)

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construção de sua identidade”. (GOHN, 2010: 14). Quatro pontos que devem ser

levados em conta para a análise destas ações coletivas em uma realidade concreta,

como o Brasil: 1) “a necessidade de qualificação do tipo de ação coletiva que tem

sido caracterizada como movimento social.” Os movimentos sociais passaram por

transformações até chegarem à atualidade. Os movimentos de século XIX e início

de século XX diferenciam-se muito nas lutas e reivindicações no início do século

XXI.; 2) “no novo cenário, relações desenvolvidas entre os diferentes sujeitos

sociopolíticos presentes na cena política alteraram-se neste milênio.” Embora tenha

havido ampliação de sujeitos, modificação nas mobilizações e outros, convivem ao

mesmo tempo as antigas características e as novas; 3) “as alterações do Estado

em suas relações com a sociedade civil e em seu próprio interior”. Há uma ação

contraditória do Estado, pois, ao mesmo tempo em que prioriza processos de

inclusão social de camadas “vulneráveis e excluídas”, cria parcerias de ações com

ONGs (Organizações Não Governamentais) que garantem o controle e

coordenação das ações coletivas para o poder estatal; 4) As lacunas na produção

acadêmica a respeito dos movimentos sociais, que a autora aponta sete delas:

1) O próprio conceito de movimento social. 2) O que os classifica como novos. 3) O que os distingue de outras ações coletivas ou de algumas organizações sociais como as ONGs .4) O que ocorre de fato quando uma ação coletiva expressa num movimento social se institucionaliza. 5) Qual o papel dos movimentos sociais neste novo século. 6) como podemos diferenciar um movimento social criado a partir da sociedade civil, por lideranças e de mandatários, de ações civis organizadas ao redor de projetos de mobilização social e que também se autodenominam movimentos. 7) Quais teorias que realmente têm sido construídas para explicá-los. (GOHN, 2010: 14)

Ao longo do tempo, o Movimento Social tem passado por fases que se diferenciam

conforme a demanda defendida por eles. GOHN (2013) divide as lutas e

movimentos sociais no Brasil no século XX em seis fases, que são: 1ª fase – Lutas

sociais da Primeira República (1900-1930); 2ª fase- Lutas sociais após a Revolução

de 30 até a Queda do Estado Novo (1930-1945); 3ª fase - As lutas dos Movimentos

no Período Populista (1945-1964); 4ª fase – A resistência durante o Regime Militar

(1964-1974); 5ª fase – As Lutas para Redemocratização (1975-1982); 6ª fase – A

época da Negociação e a era dos Direitos (1982-1995).

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Tanto no Brasil como na América Latina, nas décadas de 1960 a 1980 houve

grande efervescência dos movimentos populares. No período de 1964 a 1974 o

Brasil vive um tempo de resistência durante o período militar, em que ao mesmo

tempo a sociedade brasileira sofre a repressão imposta pelo regime militar.

Ocorreram muitas lutas de resistência e movimentos de protesto no país, a despeito

do forte controle político e social (prisões, torturas e perseguições), muitos tiveram

que ir para fora do país para não serem mortos. As organizações populares eram

reprimidas; no entanto, vários movimentos de resistência surgiram neste período.

Neste bojo, estão movimentos populares de Igrejas.

Em 1968 surge, especialmente, na zona rural do Nordeste, o Movimento das

Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica no Brasil (CEBs). Este

movimento tem grande impulso e sustentação nas Conferências do Episcopado

Latino-Americano, em especial, a de Medellín, na Colômbia, em 1968, que teve

como tema “A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio

Vaticano II”. E ainda a de Puebla, no México, em 1979. Estas Conferências

firmaram a opção de “uma Igreja voltada para os pobres, buscando melhorar as

condições de existência na Terra” (GOHN: 2013,110).

A Teologia da Libertação, sistematizada por Gustavo Gutierrez e desenvolvida por

outros teólogos latino-americanos e brasileiros como os irmãos Boff, serviram de

fundamentação teórica para a práxis deste movimento. A noção de libertação foi,

desde seu nascedouro, apresentada em uma dimensão global, integral, partindo de

“uma reflexão crítica sobre a práxis à luz da Palavra de Deus” (GUTIERREZ, 2000:

28). Nas décadas de 50 e 60, aparecem os primeiros traços da consciência e

organização populares na defesa da vida e luta pela dignidade e justiça, movidos

pela leitura libertadora da revelação cristã. A libertação é apresentada em três

níveis: libertação de situações econômicas e sociais de opressão; transformação

pessoal que traz a construção de um homem novo; a libertação do pecado. “Apenas

a libertação do pecado vai à frente da injustiça social e de outras dimensões

humanas e nos reconcilia com Deus e com os outros”. (GUTIERREZ, 2000: 40). Os

temas das CEBs e Teologia da Libertação serão tratados mais adiante.

No Brasil, nos anos 70, acontece uma movimentação no meio da sociedade, com

novos agentes e características diferentes dos antigos movimentos sociais, que

Eder Sader identifica como novos personagens entrando em cena, o que denomina

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de novos sujeitos. Marilena Chauí, no prefácio do livro deste pensador, identifica

este novo sujeito social, apresentado por ele, como: sujeitos que criam seus

próprios movimentos sociais populares, sem teorias prévias que os determinem;

sujeito coletivo e descentralizado; sujeito coletivo, mas sem uma universalidade

definida.

Porém, sujeito novo ainda noutro sentido, pois os traços anteriores revelam ser uma determinação, decisiva desse sujeito histórico a defesa da autonomia dos movimentos, tendendo a romper com a tradição sócio política da tutela e do cooptação e, por isso mesmo, fazendo a política criar novos lugares para exercitar-se. Lugares onde a política institucional ainda não lançou tentáculos e que interessam a Eder Sader neste livro: aqueles onde se efetua a experiência do cotidiano. (CHAUÍ: in SADER, 2001: 11)

Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nestas lutas. (SADER, 2001: 55)

Na perspectiva do sujeito coletivo, os anos 70 são marcados por uma ebulição de

movimentos, que pipocam em todo país e contribuem para que algumas conquistas

sejam alcançadas. Em 1972, o Movimento de Pastorais de Periferia Urbana, em

São Paulo, vai trabalhar com um público carente e cheio de necessidades e num

momento de total cerceamento dos canais tradicionais de participação política e

social. Outros movimentos tiveram grande relevância neste período como: 1972-

Movimento do Custo de Vida, mais tarde Movimento de luta contra a carestia;

Movimento dos Loteamentos Clandestinos - MLC, também surge em 1972; 1973-

Promulgação do Estatuto do Índio, que garante a posse e o usufruto permanente

das terras habitadas pelos índios. Os movimentos sociais e populares tiveram

acolhida na Igreja e isto, de certa forma, garantiu uma proteção.

Os anos de 1980 foram marcados pela luta de garantia de direitos com lutas e

experiências políticas sociais, iniciando com os movimentos de sem-terra e

atingidos por barragens como o Acampamento de Encruzilhada Natalino, no Rio

Grande do Sul e a invasão da Itupu, em São Paulo em 1981, que são marcos para

início do Movimento dos Sem Terra (MST). A luta pelas Diretas, em 1984, levou

multidões às ruas, resultando na volta das eleições diretas para presidência da

república, no processo da constituinte e promulgação da nova Constituição em

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1988, chamada Constituição Cidadã. A década de 80 foi marcada pela

institucionalização dos movimentos sociais: criação do Partido dos Trabalhadores,

surgimento das Centrais Sindicais (CUT, CGT, FORÇA SINDICAL e outras). Este

tempo foi marcado também pelo surgimento de muitos movimentos sociais

trazendo novas demandas e discussões, evidenciando novas problemáticas como:

das mulheres; das crianças; dos negros; do meio ambiente; dos idosos; das

pessoas com deficiência e muitos outros.

todos, em seu conjunto, revelavam a face dos sujeitos até então ocultos ou com as vozes sufocadas nas últimas décadas. Os anos de 1980 são fundamentais para a construção da cidadania dos pobres no Brasil, em novos parâmetros. Embora com o estatuto de cidadãos de segunda categoria, os pobres saíram do submundo e vieram à luz como cidadãos dotados de direitos – direitos estes que são inscritos na Constituição, mas, usualmente, negados ou ignorados na prática. (GOHN, 2013: 126)

Os movimentos sociais das décadas de 70 e 80 motivam e constroem mudança na

cultura política do país, fortalecem a crença no poder popular. As demandas

continuam as mesmas, o novo encontra-se na configuração do comunitário nas

formas de lutas pelos direitos. A ideia de comunidade passa a ser “não apenas

como locus geográfico espacial, mas como uma categoria da realidade social, de

intervenção social nesta realidade.” (GOHN, 2013: 203) O movimento das CEBs

pode ter contribuído para este empoderamento popular.

A autora em questão aponta um novo direcionamento dos movimentos sociais no

final do século XX, os pobres passam a ter um sentido diferenciado de excluídos.

O pobre tem um caráter mais genérico e é um tema que vem sendo discutido desde

o início da colonização, enquanto os excluídos passam a ter uma identidade. São

os jovens, as mulheres, os idosos, as pessoas com deficiência e outros, que

expressam suas lutas e dificuldades, se organizam e reivindicam seus direitos

sociais de cidadãos.

O novo dos movimentos que passa a ser construído nos anos 70 e 80 que criou

figura do comunitário, passa a ser configurado pelas lutas cívicas de cidadania. Os

anos 90 foram marcados pela mobilização do impeachment do ex-presidente Collor

de Melo, com o movimento “Ética na Política”.

Nos anos de 1990 o modelo referencial passa a ser outro. Ele enfatiza os valores da ética e da moral. Uma nova moral, sem corrupção, com dignidade.

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Trata-se de metas ambiciosas se considerarmos o passado da cultura política vigente, impregnada de vícios como o nepotismo, clientelismo, e uma visão patrimonialista do Estado. (GOHN, 2013: 206)

A organização dos movimentos passa a perder relevância e se fortalecem novas

formas de institucionalização. Surgem as Câmaras Setoriais de Negociação e a

prática dos Orçamentos Participativos.

Na década de 90 há uma nova configuração dos movimentos sociais populares,

alguns entram em crise, outros se redefinem. Surgem novos movimentos onde as

questões éticas e a revalorização da vida são a tônica. Criam-se movimentos

nacionais, com características de “Campanhas” de solidariedade como “Ação da

Cidadania Contra a Fome, a Miséria, Pela Vida” liderada por Herbert de Souza, o

Betinho. Em 1993, foi criada a Central dos Movimentos Populares, ocorrendo que

as questões da cidadania e da moradia foram eleitas como suas prioridades de

lutas. Em 1992, acontece, conjuntamente à ECO 92, no Rio de Janeiro, o Fórum

Global das Organizações Não Governamentais relacionadas com o meio ambiente.

E, ainda, outros eventos como: Grito dos Excluídos, Plebiscito contra a Divida

Externa, Plebiscito contra a ALCA (Área de Livre Comercio das Américas)19

Há, nesta década, um fortalecimento das ONGs (Organizações Não

Governamentais) e incentivo de parcerias com o poder público, especialmente do

governo de Fernando Henrique Cardoso, na segunda metade da década. Segundo

Maria da Glória Gohn:

Essas tendências são lados complementares das novas ênfases das políticas sociais contemporâneas, particularmente nos países industrializados do Terceiro Mundo. Trata-se das novas orientações voltadas para a desregulamentação do papel do Estado na economia e na sociedade como um todo, transferindo responsabilidades do Estado para as “comunidades” organizadas, com a intermediação das ONGs, em trabalhos de parceria entre o público estatal e o público não estatal e, às vezes, com a iniciativa privada também. (GOHN, 2013:128-129)

Também na segunda metade da década de 1990, surgem, em nível internacional,

novas formas de mobilização que são movimentos transnacionais, chamados de

19Estas mobilizações tiveram grande apoio da Igreja Católica através da Caritas Brasileira, a

CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), as pastorais Sociais e ainda: o “Movimento Consulta Popular”; o Movimento Nacional dos Direitos Humanos; a Comissão Nacional de Justiça e Paz e outros.

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anti ou alterglobalização. No início do século XXI, ocorre no Brasil, em 2001, o I

Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre/RS. Este Fórum com o slogan “um

outro mundo é possível” mobilizou pessoas do mundo inteiro com discussões

antiglobalização e tem sido reeditado em vários lugares do mundo.

Os anos 2000 trazem um enfraquecimento dos movimentos comunitários, surgindo

os movimentos comunitaristas –“organizados de cima para baixo, em função de

programas e projetos sociais estimulados por políticas sociais e projetos sociais

estimulados por políticas sociais governamentais.” (GOHN, 2013: 224).

Neste novo século, percebe-se um crescimento na implantação dos Conselhos de

direitos, já garantidos por lei desde a Constituição de 1988. Os Conselhos

Comunitários foram criados ainda no período do regime militar. Os Conselhos

Institucionalizados têm sua legitimidade garantida pela Constituição Cidadã de

1988. Estes Conselhos são temáticos, compostos em parceria com o poder público.

Atuam como controladores e fiscalizadores do poder executivo, com participação

no planejamento das políticas públicas, com mais ou menos intensidade, conforme

a correlação de forças nestas composições.

Segundo o depoimento de Francisco Cerignoni, em 1984 foi criado no Estado de

São Paulo, no governo de Franco Montoro, o Conselho Estadual para Assuntos da

Pessoa Deficiente, assim como outros Conselhos Identitários: da saúde, dos

negros, das mulheres. Maria de Lourdes Guarda, da FCD, foi eleita a primeira

coordenadora do Conselho referente às Pessoas com Deficiência. Esta experiência

de São Paulo certamente motivou a institucionalização na Constituição destes

Conselhos.

A partir da segunda metade do século XX, o Brasil passou por uma efervescência

de movimentos sociais que tentavam dar conta às demandas trazidas pela

conjuntura sócio-política da época, configurada por questões internas ou externas

do país. Estes movimentos ganhavam características diferenciadas a cada década,

que faziam com que algumas ênfases fossem deixadas de lado e/ou acrescidas de

outras demandas. Neste percurso, também se fizeram presentes os movimentos

de Pessoas com Deficiência, o que passaremos a ver a seguir.

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2 1 2 - Movimento de Pessoas com Deficiência

Desde o Império, já houve algumas providências em relação às pessoas com

deficiência com a criação de instituições asilares que cuidavam inicialmente de

cegos. Estas instituições, criadas a partir de iniciativas governamentais, eram para

pessoas do sexo masculino. Motivadas por uma postura de caridade e

benevolência, não tinham características de políticas públicas, eram marcadas por

posicionamentos de moral e não por uma preocupação com a situação político

social em que estavam envolvidas essas pessoas. Mais tarde surgiram instituições

de cunho associativas, criadas por familiares e profissionais envolvidos na área das

deficiências, como o caso da Sociedade Pestalozzi.

Com a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, a Organização das Nações

Unidas declara no artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e direitos” e ainda no artigo 7º: “Todos são iguais perante a lei e, sem

distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual

contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer

incitamento a tal discriminação.”(UDHR, 1948) Isto impulsionou que fossem

tomadas medidas que fizessem assegurar os direitos básicos a grupos vulneráveis

e deu mais força para grupos associativos e outra instituições foram criadas: em

1954, no Rio de Janeiro a primeira Associação de Pais e Amigos de Excepcionais

- APAE; Conselho Brasileiro para o Bem Estar dos Cegos, 1954; Federação

Nacional das APAEs, 1962; Federação Nacional das Sociedades Pestalozzi, 1970;

Federação Brasileira de Excepcionais, 1974. Em 1975 foi criada a Associação

Nacional de Desportos para Deficientes, cujos objetivos eram diferenciados das

outras instituições.

Como se percebe, o caminhar da sociedade em direção às pessoas com deficiência

se dá no sentido do “por elas” e “para elas”, sem uma participação direta das

mesmas. Estas são consideradas passivas e objetos da benevolência alheia. As

ações destinadas a elas eram marcadas pelo caráter assistencialista, filantrópico,

caritativo. Mais tarde, passa a ter a preocupação com a reabilitação. No Brasil, isto

se fez sentir com mais intensidade nos anos da década de 70.

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Ainda em meio a esta configuração surge, em 1972, a FCD, trazendo uma nova

postura para com as pessoas com deficiência. No primeiro momento, vai ao

encontro delas, ajuda-as a resgatar sua autoestima e assumir o protagonismo da

sua própria história e, aos poucos, torna-as participantes do mundo em sua volta,

essa marca que a acompanha desde seu nascedouro, na década de 40, na França.

Chegando aqui, encontra um ambiente social de lutas pela democratização do país

e pela garantia de direitos.

Os movimentos sociais na luta pela redemocratização no Brasil, como vimos nas

páginas anteriores, a partir da segunda metade do século XX, ganham impulso e

visibilidade, passando posteriormente por um período de lutas e discussões por

direitos de grupos identitários. Neste bojo estão os grupos de pessoas com

deficiência.

Os movimentos sociais de pessoas com deficiência, como tantos outros da sociedade civil brasileira, foram decorrentes do florescimento da participação social, e se baseavam nos laços de identidades e pertencimento, em busca de reconhecimento de sua cidadania. (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013: 103)

A partir da influência dos movimentos internacionais de pessoas com deficiência, a

ONU, na Assembleia de 9 de dezembro de 1975, lança a Declaração dos Direitos

das Pessoas Deficientes. No rastro da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

ressalta a dignidade e o valor da pessoa humana. Isto se torna mais evidente no

Artigo 3º:

- As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade

humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. (DDPD, ONU : 1975)

No ano seguinte, 1976, a ONU institui o ano de 1981 como “Ano Internacional das

Pessoas Deficientes”. Com isto, os Movimentos Sociais de Pessoas com

Deficiência ganharam um novo impulso e um novo foco, passando a lutar pelas

demandas próprias de sua condição pessoal e social. Houve um fortalecimento na

luta pela dignidade humana da pessoa com deficiência, pelo reconhecimento

destas como cidadãs e cidadãos de direitos e construtores de história. As pessoas

com deficiência passam a ser sujeitos de sua própria história.

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Para acontecer o que estabelecia a proclamação do Ano Internacional das Pessoas

Deficientes (AIPD) com o lema “Participação Plena e Igualdade”, era preciso

colocar em prática um plano de ação em nível nacional, regional e internacional.

No Brasil, as pessoas com deficiência, que já vinham participando de organizações

que defendiam seus interesses, impulsionadas pela mobilização da sociedade pela

redemocratização e cientes das oportunidades e responsabilidades que o AIPD

oferecia, começaram a se mobilizar e se organizar nacionalmente. Ainda em 1979,

acontece a primeira reunião para discussão de estratégias de mobilização das

pessoas com deficiência, de conscientização da sociedade e responsabilização do

Poder Público para as pautas apontadas pelo AIPD. Nascia, assim, o Movimento

das Pessoas com Deficiência. Participaram destas primeiras reuniões: Maria de

Lourdes Guarda, Heloisa Chagas, Sérgio Del Grande, Thomas Frist, Romeu

Sassaki, entre outros.

Antes mesmo de 1981, acontece em Brasília, de 22 a 25 de outubro de 1980, o 1º

Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Participaram do Encontro

mais de 500 pessoas, sendo a maioria delas com deficiência.

Durante este evento histórico, o movimento decidiu suas estratégias nacionais, criou a Coalizão Nacional Pró-Federação de Entidades de Pessoas Deficientes (composta por 25 entidades de dez Estados brasileiros) e entregou ao Presidente da República20 um manifesto contra o fato de que não

havia representantes das pessoas com deficiência na Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Depois dessa e de outras manifestações, o governo incluiu, na qualidade de consultor da Comissão Nacional, José Gomes Blanco, representante da Coalizão Nacional. (Linamara Rizzo Battistela21. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 12)

O Encontro foi um marco no Movimento de Pessoas com Deficiência não só por ser

um espaço de discussão da política nacional relacionada às pessoas com

deficiência, como também por evidenciar as diferentes deficiências e as barreiras

impostas pela sociedade para que estas possam ter livre acesso à vida em

20 João Batista de Oliveira Figueiredo, presidente no período de 1979 a 1985. Através do Decreto

84.919, de 15/71980, criou a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes e nomeou seus membros. Paradoxalmente, nenhuma pessoa com deficiência ou representante das mesmas foi nomeada para fazer parte desta Comissão. 21Linamara Rizzo Batistella – Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, à

época da publicação da obra “30 anos do AIPD – Ano Internacional das Pessoas Deficientes – 1981-2011”. Faz a introdução do livro.

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sociedade. Os relatos a seguir dão uma visão do que foi e o que significou este

evento na vida dos participantes.

O Encontro Nacional que houve em Brasília foi um encontro épico. Viajamos, 18 horas, num ônibus com motorista que a Lourdes arrumou com algumas empresas. Lotou de pessoas com deficiência. Ela mesma foi na maca. Foi muito sacrificado. Assim como nós, pessoas do Brasil inteiro, também foram com dificuldade. Esse encontro foi memorável. A gente já tinha participado de vários encontros com pessoas com deficiência. Mas, é grande o choque cultural que se tem quando entra num recinto e vê 500 pessoas com deficiência! Foram discutidos vários assuntos. Houve embates políticos, discussões e divergências de opinião. A parte da logística ficou com o pessoal de Brasília. Tiveram muita dificuldade. O pessoal estava alojado em exército, em convento, em clubes, casas de família, de amigos. Quando nosso ônibus chegou, não havia alojamento para nós. Mas, deram um jeito e começaram a espalhar a gente por Brasília. Só que os ônibus eram poucos, nenhum acessível. Rodava, rodava, rodava e parava: “Fulano agora é você! ” Desciam Romeu e o motorista. Tiravam a cadeira de rodas do cara. Tiravam o cara. Botavam o cara na cadeira de roda. Romeu e o motorista entravam no ônibus e começava de novo. Rodava, rodava, parava: Agora é você sicrano!” Havia umas 15 pessoas no ônibus. Como era noite e todos os prédios se parecem em Brasília, a impressão que se tinha é que o ônibus rodava, rodava, rodava e parava sempre em frente ao mesmo prédio. Eu me senti num episódio daquela antiga série de TV “Além da Imaginação”. Fomos os últimos a ser entregues. Era madrugada. Lembro-me do Romeu deitado no meio do ônibus, no chão, exausto, depois de ter trabalhado o dia inteiro. (Lia Crespo. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 39)

Fui para Brasília, em outubro de 1980, para o Congresso Nacional. (...) já estava reabilitada! Fui com minha cadeirinha, tinha 25 anos. (...). Aí, vi como viver na cadeira de rodas! Vi como minha cadeira de rodas era linda, como bengalas eram bonitas, como surdos que faziam sinais eram felizes. Vi o cego que dava trombada na parede e ria! Quem tinha deficiência mental nos ajudava muito. Todos ali eram como todo mundo, com alegria e tristeza, com sonhos e desejos! Deu mais vontade de viver. Uma amiga minha, Isaura Pazzatti, disse: “Célia, tem um amigo meu do Rio que quer fazer uma entrevista sobre mercado de trabalho para a pessoa com deficiência. Quer entrevistar pessoas que tenham ficado deficientes para saber se estão ou não. (...) Ele contou que tinha uma pesquisa, que mostrava que, de fato, não tinha mercado de trabalho para deficiente. Empregador, empresário não empregava deficiente, além disso, tinha a falta de escolaridade. Então falei: “Acho que estou no caminho certo por estar neste Congresso.” (Célia Leão. In: SÃO PAULO (Estado), 2011:39- 40)

A movimentação gerada a partir da proclamação do AIPD resultou em muitas

reuniões de preparação de eventos, de discussões sobre a situação das pessoas

com deficiência e levantamento de agendas de lutas em toda parte do Brasil. Em

1981, de 25 a 30 de outubro acontece em Recife o 2º Encontro Nacional de

Entidades de Pessoas Deficientes, simultaneamente ao 1º Congresso Brasileiro de

Pessoas Deficientes. Este Congresso teve como objetivo reinvindicações quanto a

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melhores serviços de reabilitação, eliminação de diferentes barreiras que impediam

e ainda impedem a efetiva inclusão das Pessoas com Deficiência. O 1º Encontro

de Delegados de Pessoas Deficientes aconteceu nos dias 16 a18 de julho de 1982,

em Vitória/ES. Durante este Encontro ficou definido que o 3º Encontro Nacional de

Pessoas Deficientes seria realizado em São Bernardo do Campo de 13 a 17 de

julho de 1983. Neste evento, a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de

Pessoas Deficientes começa a ser extinta e inicia o processo de organização de

Entidades Nacionais por tipos de deficiências.

No encontro nacional de Brasília, foi criada a Coalizão Nacional, que reunia entidades de todos tipos de deficiência. Em Recife, no Congresso Brasileiro, as quatro áreas de deficiência disputavam espaço. Mas, era uma disputa saudável. Não era para atender o ego de ninguém, nem de nenhuma instituição. É que cada um queria ver a sua luta atendida. Havia os deficientes visuais, os deficientes auditivos, os deficientes físicos e o pessoal do Morhan (dos hansenianos). Os deficientes mentais, como eram chamados, na época não participaram. Esta disputa já apontava para as quatro organizações nacionais, separados por áreas de deficiência, criadas após a dissolução da Coalizão Nacional. Foi quando surgiu a Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos) da qual o Rui e eu fizemos parte da Coordenação. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 39)

As novas organizações nacionais se aliaram ao Movimento de Reintegração das

Pessoas Atingidas pela Hanseniase (MOHAN), que havia sido criado em 1981. Em

1984, foram criadas: a Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos

(ONEDEF) e a Federação Brasileira de Entidades de e para Cegos (FEBEC). A

Sociedade Brasileira de Ostomizados (SOB) foi criada em 1985. A Federação de

Educação e Integração dos surdos (FENEIS) e a Associação de Paralisia Cerebral

do Brasil (APCD) foram criadas em 1987.

Em decorrência da preparação e atuação no AIPD, houve muita movimentação das

pessoas com deficiência, que ganharam visibilidade na sociedade e nos meios de

comunicação, junto com a exposição da variedade de deficiências existentes. A

mídia passou a dar atenção ao assunto, como mostra o cartunista Jota.22

22 Cartum de autoria de Jota, mostra um batalhão de profissionais da mídia entrevistando uma

pessoa com deficiência sob a luz de fortes holofotes, enquanto uma criança que se aproximava

para vender balinhas é afastada por um jornalista que diz: “Nem vem! O teu ano já passou!”,

referindo-se ao ano de 1979, o Ano Internacional da Criança (AIC). O cartum previa que, assim

como a criança voltou a ser esquecida logo que acabou o AIC, a pessoa com deficiência, em

destaque durante o AIPD, poderia vir a acabar no esquecimento. (SÃO PAULO(Estado),

2011:108)

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Embora a falta de conhecimento e o preconceito ainda fizessem com que o assunto

fosse tratado de forma equivocada e sensacionalista, Romeu Sassaki contou em

uma entrevista um episódio com a Rede Globo que retrata bem o entendimento e

o interesse por parte dos meios de comunicação.

O Ano Internacional foi em 1981, mas no início de 1980 a Globo nos procurou dizendo que queria fazer uma série de vinhetas de 30 segundos para passar em cada intervalo do show do cantor Roberto Carlos. [...] A Rede Globo já tinha tudo pronto, as cenas, onde filmar, quem filmar, o que falar. Eles nos procuraram não para perguntar se concordávamos, se a abordagem estava correta. Não! Fomos procurados porque eles queriam que nós indicássemos pessoas com deficiência para serem filmadas. Mas, aí, olhamos o projeto e vimos as barbaridades que havia e dissemos que estava tudo errado, precisávamos melhorar aquele roteiro. Brigamos muito, mas a Globo resistiu e não quis saber de acatar nossas sugestões.

A Globo, assim como o jornalismo em geral da época, queria mostrar “sangue”: filmar o “defeito” físico, o “horror das feridas” da perna, do braço, etc.Eles queriam mostrar isso para chocar. A coordenadora do projeto, Virginia Cavalcante, dizia: “Temos que chocar o público para conscientizá-lo!” E nós dizíamos: “Não, de jeito nenhum. Não concordamos com isso. Essa tática de chocar o público com o objetivo de sensibilizar para a questão é errada; não concordamos com isso. Queremos conscientizar e informar o público sobre nossas reinvindicações, sobre o que queremos que mude na sociedade. Essas vinhetas vão reforçar ainda mais aquela visão do coitadinho, ‘olha que coisa triste que está ali’. Nós não queremos mais isso!” A Globo não nos respeitou e filmou do jeito que ela queria. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)

A luta dos movimentos sociais foi muito dura. Houve confrontos de interesses e de

mundos contraditórios. Embora o Brasil passasse pelo período de abertura política,

forças contrárias ainda se faziam presentes. O regime militar mantinha vigilância e

controle sobre os movimentos e sobre a liderança que lutava para a transformação

do status quo. O movimento de pessoas com deficiência não ficou isento a essa

vigilância. Prova disto são documentos no Arquivo Público do Estado, encontrados

pela pesquisa feita para o Memorial da Inclusão. Foram encontrados documentos

que provam a vigilância pelo Dops sobre os Militantes pelos Direitos das Pessoas

Deficientes (MDPD): Candido Pinto de Melo; Isaura Helena Pozzati e Maria de

Lourdes Guarda, à época na coordenação da FCD. Ainda foram encontrados

documentos, matérias, folhetos incluídos em relatórios que provam a presença de

“arapongas” em eventos realizados pelo movimento. Por exemplo, o ato em frente

ao Teatro Municipal. “Portanto não julgamos como mera paranoia ou fantasia os

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receios dos ativistas em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.”

(GADELHA; CRESPO; RIBEIRO: In: SÃO PAULO (Estado), 2011:25). Como no

caso do relato a seguir:

Acho que em 1979 ou 80, fazíamos reunião de coordenação da FCD, na igreja do Carmo, lá na Rua Monsenhor Passalacqua. Na ocasião, tínhamos que pedir licença para o Dops. Sim, pedir licença para o Dops, mandar a relação dos nomes dos participantes e dizer o motivo da reunião! Em uma ocasião, estávamos em Parelheiros, acho que num encontro de formação ou coisa parecida, e a gente começou a aprender a letra daquela música Caminhando (Pra não dizer que não falei de flores), do Geraldo Vandré. Um dos participantes era medroso que só e falou: “Não! Essa música a gente não deva cantar porque se o Dops aparece por aqui o que vai acontecer? Todos os aleijadinhos vão presos! ” Tinha repressão, sim! Nossa Senhora! (Ilda Mitico Saito. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 25)

O simples fato de estas pessoas estarem nas ruas e tornarem públicas suas

demandas, já mexeu com a estrutura social e cultural.

Os na época considerados “deficientes” enfrentaram conscientemente esse debate e com isso alargaram o espaço público de sua atuação, pois ela passa a ser ao mesmo tempo ação “perturbadora” e política. Criando sujeitos capazes de mediar o mundo em conflito no qual vivem e direcionar suas escolhas por meio de suas experiências. (GADELHA; CRESPO; RIBEIRO, 2011:29)

O Ano Internacional foi muito intenso, houve muitas atividades e manifestações que

colocaram as pessoas com deficiência em evidência e propiciaram ganhos em

relação a sua melhor participação na sociedade. Como, por exemplo, o movimento

pela rampa de acesso ao Teatro Municipal de São Paulo.

Em julho de 1981, em São Paulo, aconteceu um fato inédito. O MDPD conseguiu que o secretário Municipal de Cultura, Mário Chamie, autorizasse a construção de uma rampa provisória, feita de madeira, na entrada do Teatro Municipal de São Paulo. Embora fosse provisória, aquela rampa representou uma conquista. Para nós, esta foi uma vitória porque que foi a única maneira de as pessoas com deficiência poderem entrar e assistir, como todo mundo, a uma apresentação do maestro Isaac Karabtchevsky. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)23

Outro evento marcante, narrado por Sassaki, foi a realização de uma feira de

demonstração de barreiras e acessibilidades, na Praça Roosevelt. Proporcionou ao

público em geral sentir o que eram as barreiras e o que era acessibilidade. Foram

23 A rampa está registrada em foto na obra comemorativa aos 30 anos do AIPD, editada pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Em: SÃO PAULO (Estado), 2011:103.

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construídos caminhos com degraus e desníveis, havia várias cadeiras de rodas

para as pessoas experimentarem a dificuldade de estar em uma cadeira de rodas

diante de degraus. Assim como outras dificuldades que as pessoas com deficiência

encontram no seu dia a dia, como: altura de orelhão, a altura da pia, do espelho:

“tudo tinha amostra do errado e do certo”.

A mobilização das pessoas com deficiência ultrapassou o AIPD. Em decorrência

das discussões levantadas durante a programação do AIPD, onde foram expostas

a realidade da pessoa com deficiência e as suas demandas, várias iniciativas

aconteceram que propiciaram a continuidade das discussões e lutas pela inclusão

das mesmas, impulsionando a criação de organismos estaduais e municipais

buscando a implantação de políticas públicas para esse segmento da sociedade.

Em São Paulo, onde havia intensa atividade do MDPD, foi articulado o Fórum de

Pessoas com Deficiência, que abrangia todo o Estado de São Paulo.

Incentivamos, divulgamos e implementamos, junto a outras pessoas, o Fórum das organizações de pessoas com deficiência, daqui de São Paulo, do qual participavam Romeu Sassaki e Robinson de Carvalho (médico já falecido, de Ourinhos), além de representantes de Taubaté, eu, de Piracicaba, e o pessoal das entidades de São Paulo: Fraternidade, MDPD, NID e vários movimentos. Logo depois do Ano Internacional, nós demos continuidade a esse fórum que resultou no 1º Seminário Estadual das Pessoas com Deficiência, depois da eleição de Franco Montoro, 1983. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40)

A primeira reunião ocorreu em 20 de maio de 1989, dando início à atuação do

Fórum, segundo Romeu Sassaki. O registro das discussões e as diversas

retomadas das mesmas possibilitou o fortalecimento da construção teórica sobre a

questão e nortear o rumo do movimento. Resultou na confecção da Carta de

Princípios.

...onde ficou tudo claro: em que documentos estávamos nos baseando, quais direitos reivindicávamos, que medidas especiais – nunca direitos especiais - quais eram as ações de conscientização, observância, atualização. [...] Elaboramos o Programa do Fórum para a década de 90. Tudo isso é fruto de debates, não saiu da cabeça de uma pessoa. Era uma batalha para a gente fechar estas coisas: ônibus adaptados ou acessíveis, reinvindicações, eliminação de barreiras, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência (21 de setembro), etc. (Romeu Sassaki- Entrevista da “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil- acesso 19/04/2017)

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O Dia Nacional de Luta foi proposto em 1982. Só mais tarde foi oficializado, pela Lei

Nº 11.133, de 14 de julho de 2005, o dia 21 de setembro como o Dia Nacional das

Pessoas com Deficiência. É considerado um dia de luta que tem como objetivo

pautar ações que contribuam na reflexão e busca de caminhos para uma efetiva

inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços sociais. A data foi

escolhida para coincidir com o Dia da Árvore, representando o nascimento das

reivindicações de cidadania e participação em igualdade de condições.

Conforme depoimento de participantes dos diferentes movimentos de pessoas com

deficiência o AIPD foi um impulsionador dos avanços alcançados por estas pessoas

nas últimas décadas. Um dos resultados deste evento juntamente com a

democratização do país foi a criação de Conselhos para tratar dos assuntos da

pessoa com deficiência, tanto em nível estadual como municipal. O Estado de São

Paulo, no governo de Franco Montoro, foi o primeiro ou dos primeiros estados a

instituir o Conselho.

A partir do Ano Internacional, tudo foi se consolidando. Foram sendo criados conselhos. O primeiro foi no Estado de São Paulo. Depois começaram a surgir os outros conselhos estaduais e municipais também, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e outros Estados. Discutimos e aprovamos 14 propostas para serem encaminhadas para fazer parte da Constituição. E todas foram aprovadas. Lógico que tinha outras propostas individuais de deputados e outros grupos. Mas, o movimento organizado apresentou 14 propostas, que passaram a fazer parte da Constituição, promulgada em 4 de outubro de 1988. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41)

Com o processo de democratização, vem a discussão sobre a necessidade de uma

nova Constituição. Para isso, instala-se o processo da Constituinte e o movimento

se engaja neste processo, apresentando a discussão sobre a nova Constituição e

os direitos das pessoas com deficiência, ou melhor, passa a discutir sobre a

participação da pessoa com deficiência na sociedade, incluindo direitos e

responsabilidades. Os relatos a seguir dão uma panorâmica do que foi este

processo:

Surge o movimento pela Constituinte. Fizemos uma coisa muito interessante, com o apoio, inclusive, do governo Montoro: realizamos reuniões setoriais para discutir o deficiente na Constituinte. Nós tivemos 19 reuniões. Na época, tínhamos 500 e poucos municípios. Fizemos reuniões em diferentes regiões do Estado. A primeira e a última foram aqui em São Paulo, para discutir o que deveria estar contemplado na Constituinte. (Linamara Rizzo Battistela. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40)

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Cada entidade nacional fez um fórum. Houve reuniões em Minas Gerais e Belo Horizonte. Houve também, uma grande reunião em Manaus, durante a qual foi feito o fechamento das propostas que seriam encaminhadas por duas pessoas de cada área de deficiência. Dois deficientes físicos, que eram da Onedef, dois da Federação dos Cegos, dois dos deficientes auditivos e dois do Morhan. Esse foi um momento marcante. A maioria daquelas propostas foi contemplada e faz parte hoje da Constituição Federal. Até o Ano Internacional, havia uma postura da sociedade. A partir de1981, havia outra postura e nova Constituição. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41)

No Ano internacional, não participei dando palestras. Fiquei direcionada para a legislação do portador de deficiência. (...) em 1988, coletamos assinaturas dos portadores de deficiência ou de não deficientes, para que nossas propostas fossem incluídas na Constituição. Nessa época, fui falar de legislação em recife, Fortaleza, Manaus, Brasília, Paraná, Rio de Janeiro. Havia pessoas que nunca tinham ouvido falar nisto. (...). Toda parte da legislação, eu compilei. Uma pessoa trabalhava comigo e eu coordenava. O Fundo Social de Solidariedade me pediu permissão para editar meu trabalho. Falei que sim. (...). foi um livreto sobre direitos das pessoas portadoras de deficiência, com trechos da Constituição do Estado de São Paulo, da Lei Orgânica do Município de São Paulo e mais alguma coisa do Estatuto da Criança e do Adolescente. O título ficou sendo “Direito das Pessoas Deficientes”. Tenho até um exemplar daqueles antigos. (...). Foram feitos mais 30 mil livretos. A gente viajava e levava. Fez muito sucesso o livreto. (Cintia de Souza Clausell. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40-41)

A Constituição aprovada em outubro de 1988 garantiu a existência dos Conselhos

em todos os níveis (nacional, estadual e municipal). No entanto, o CONADE

(Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) só foi criado em 1 de

junho de 1999, através do Decreto 3.076/1999. Inicialmente vinculado ao Ministério

da Justiça, mais tarde passa à Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Em

março de 2010, por necessidade de se adequar às exigências da Convenção sobre

os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, houve uma atualização no nome

passando de Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência,

como havia sido criado, para Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com

Deficiência, através da Medida Provisória nº 483. O CONADE é um órgão superior

de deliberação colegiada, criado para acompanhar e avaliar o desenvolvimento de

uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas

setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura,

turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidos a esse grupo social. Foi criado

para que 23,92% da população brasileira, que possui algum tipo de deficiência,

segundo o censo de 2010, do IBGE, tome parte do processo de definição,

planejamento e avaliação das políticas destinadas à pessoa com deficiência. É um

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meio da articulação e diálogo com as demais instâncias de controle social e os

gestores da administração pública direta e indireta. “Estes espaços são a

materialização do “nada sobre nós sem nós”, pois tem a tarefa de garantir a

participação e o protagonismo das pessoas com deficiência na avaliação e

monitoramento das políticas públicas” (SDH/PR-SNPD, 2017). Segundo dados

governamentais, aproximadamente 10% dos municípios brasileiros já possuem

Conselho de Direitos das Pessoas com Deficiência e todos os Estados possuem o

órgão institucionalizado. (SDH/PR-SNPD, 2017)

Acontece, em 2006, em Brasília, a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa

com Deficiência, com o tema: “Acessibilidade, você também tem compromisso”.

Durante todo o período de mobilização e discussão nos movimentos, dois temas

eram recorrentes: educação e trabalho. Quanto à educação, as discussões vão

desde o direito à educação até a inclusão da pessoa com deficiência na classe

regular. Resulta, então, a obrigatoriedade por lei matricular a criança com

deficiência na escola regular. Junto a isso, houve grande discussão sobre inclusão

e educação especial. Ajudou nas resoluções sobre as questões de educação a

Declaração de Salamanca, em 1994, já mencionada anteriormente. Da discussão

sobre trabalho resulta a lei de cotas, que garante o ingresso de pessoas com

deficiência no mercado de trabalho.

LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas. Lei 8213/91, lei cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência e dá outras providências à contratação de portadores de necessidades especiais. Art. 93 - a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: - até 200 Funcionários.................. 2% - de 201 a 500 funcionários........... 3% - de 501 a 1000 funcionários......... 4% - de 1001 em diante funcionários... 5% (DEFICIENTEonline, 2017)

Estas e outras discussões que se fizeram ao longo do tempo, tanto a nível nacional

como internacional resulta mais tarde, em 2015, na Lei Brasileira de Inclusão, Lei

nº 13.146, de 6 de julho de 2015.

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Art. 1o. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3o do art. 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência,

colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 2017)

A mobilização das pessoas com deficiência acontece não só no Brasil, mas em

nível mundial. E o Brasil também teve participação neste movimento mundial, com

representantes brasileiros participando de eventos internacionais e trazendo as

discussões que se davam em nível mundial para os espaços de debates no país.

Soube do 1º Congresso Mundial da Pessoa Deficiente, organizada pelas Nações Unidas e pela DPI (Disabled People International), que seria realizado no Canadá. Escrevi dizendo que gostaria de participar. Mas, não tinha recursos. Quando retornei do 1º Congresso, em Recife, recebi um telegrama comunicando que mandariam uma passagem. Tive que ir sozinho, com a cara e a coragem. Mas, tinha força adquirida na FCD. Formamos o Conselho Mundial das Pessoas Deficientes e os Conselhos Continentais. Como era só eu do Brasil, acabei fazendo parte do Conselho Latino-Americano e, depois, simultaneamente, do Conselho Mundial. [...]. Na época, não havia a preocupação de detalhar por temas (educação, saúde, transporte, etc) o que hoje a gente chama de políticas públicas. O grande arcabouço era a acessibilidade. E, a partir daí, se fazer presente na sociedade. Eu passava aos militantes de vários estados do Brasil, as informações sobre as discussões do Congresso Mundial e do Conselho Latino-Americano. Na época, lembro que Rosangela Bermann também estava muito atuante, no Rio de Janeiro. Aqui,

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além de outras pessoas da FCD, havia o saudoso Rui Bianchi. (Celso Zoppi. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 41-42)

Participei, em 1990, de um seminário, no Vaticano, a respeito das pessoas com deficiência. Esse seminário foi fruto do Ano Internacional, da melhoria de consciência em nível internacional. A Igreja também começou a se manifestar. (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 42)

A 30 de março de 2007, em Nova York, na sede da ONU, foi assinada a Convenção

sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. O Brasil

foi signatário destes documentos. No ano seguinte, 2008, o Brasil eleva a

Convenção à condição de equivalência constitucional.

Marco para os Direitos Humanos e para o público destinatário, a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência afirmou a importância do protagonismo dessas pessoas, na medida em que endossou o tema do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência de 2004: Nada sobre nós, sem nós. (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013: 111)

Embora os problemas ainda continuem a partir dos movimentos das pessoas com

deficiência, a sociedade passou a ter um novo olhar para com elas e significativas

vitórias foram alcançadas durante este processo. Muito ainda precisa ser superado,

como em todas as situações, especialmente onde o preconceito está envolvido. Em

meio aos ganhos e as novas formas de ver e enfrentar situações, sempre estão

convivendo os novos conceitos, novas visões de mundo, com a visão antiga e

preconceituosa.

2 1 3 - Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Teologia da Libertação

Como já foi referido anteriormente, durante a ditadura militar o Brasil viveu um

período de muitas lutas de resistências e movimentos de protestos. Neste contexto,

conforme salienta Maria da Glória Gohn, estão os movimentos populares de Igrejas,

apontando a Teologia da Libertação como base teórica para estes movimentos.

Leonardo Boff, considerando esta relação, afirma que existe uma estreita conexão

entre Teologia da Libertação e CEBs. (Comunidades Eclesiais de Base). São dois

momentos do processo de mobilização do povo na América Latina. “As

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comunidades eclesiais representam a prática da libertação popular e a teologia da

libertação, a teoria desta prática” (BOFF,1986: 93). É inegável. Na Igreja da

América Latina, a partir da década de 1960, as CEBs e a Teologia da Libertação

caminham juntas, uma serve de combustível para a outra.

Procurando entender o relacionamento entre religião e política na América Latina,

assim como outros autores, Michel Lövy (2000) aponta que o que possibilitou o

surgimento tanto da teologia da libertação como o que ele chama de cristianismo

da libertação, foi “uma combinação ou convergência de mudanças internas e

externas à Igreja que ocorreram na década de 50, e que se desenvolveu a partir da

periferia e na direção do centro da instituição” (LÖVY, 2000:69). Como síntese e

demonstração simbólica dos elementos dessa convergência temos, pelo lado

interno, a convocação do Concílio Vaticano II, e pelo externo, a revolução cubana

e todo o seu lastro de consequências para os países latino-americanos.

Foi a convergência desses conjuntos muito distintos de mudança que criou as condições que possibilitaram a emergência da nova “Igreja dos Pobres”, cujas origens, é preciso observar, remontam a um período anterior ao Vaticano II. De uma maneira simbólica, poderíamos dizer que a corrente cristã radical nasceu em janeiro de 1959, no momento em que Fidel Castro, Che Guevara e seus camaradas entraram marchando em Havana, enquanto que, em Roma, João XXIII publicava a primeira convocação para a reunião do Concilio. (LÖVY, 2000:70)

O processo de radicalização da cultura católica que iria levar ao movimento dos

cristãos da libertação começou com setores marginais de Igreja: movimentos

laicos, padres estrangeiros, ordens religiosas; e avançou para o centro,

influenciando bispos e conferências episcopais (especialmente ao Brasil). Houve

vários desdobramentos da inserção de leigos e teólogos na realidade social latino-

americana, assim como também tentativa da hierarquia eclesiástica, especialmente

do Vaticano, de bloquear esse movimento.

O novo movimento social surgiu primeiramente entre os grupos que estavam localizados na interseção desses dois grupos de mudanças: os movimentos laicos (e alguns membros do clero), ativos entre a juventude estudantil e nas comunidades mais pobres. Em outras palavras, o processo de radicalização da cultura católica latino-americana que irá levar à formação do cristianismo da libertação não começou, de cima para baixo, dos níveis superiores da Igreja, como a análise funcionalista que aponta para a busca de influência por parte da hierarquia sugeriria, e nem de baixo para cima, como argumentam certas interpretações “de orientação popular” e, sim, da periferia para o centro. (LÖVY, 2000:70,71)

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Para este autor, dois grupos laicos contribuíram para o desenvolvimento deste

movimento: o movimento da juventude com: Juventude Operária Católica (JOC);

Juventude Universitária Católica e Ação Católica. Outros movimentos populares,

tanto no Brasil como na América Latina, junto com as comunidades de base “eram,

no início dos anos 60, a arena social da qual os cristãos se comprometeram

ativamente com as lutas populares, reinterpretaram o Evangelho à luz de suas

práticas e, em alguns casos, foram atraídos pelo marxismo.” (LÖVY, 2000: 71)

A Ação Católica, segundo Prof. Dr. Pe. Ney de Souza, começa a germinar na

França, na Revolução Francesa, em 1789, quando brota na sociedade o ideário

baseado no pensamento iluminista (liberdade, igualdade e fraternidade). Ganha

impulso com Pio XI, no início do século XX, considerado o “papa da Ação Católica

e das missões. A intenção era que fosse “uma associação de católicos que, a partir

do seu próprio ambiente, participam ativamente na missão apostólica da Igreja”

(SOUZA, 2006: 48). No Brasil, a Ação Católica nasce com este espírito, tendo como

papel inicial a defesa dos valores e princípios cristãos por parte dos leigos católicos

no campo da atuação política. A prática para ministrar doutrina da Igreja aos

operários e estudantes utilizava o método Ver, Julgar, Agir, especialmente

adaptado à mentalidade concreta destes. “A Ação Católica teve o mérito de levar a

doutrina social da Igreja às escolas, às universidades, às fábricas, aos meios de

comunicação, aos sindicatos e estimulando a criação de inúmeros outros

movimentos sociais de inspiração cristã.” (SOUZA, 2006: 49). Segundo Souza, D.

Hélder Câmara tem um significativo protagonismo no movimento, imprimindo uma

forte inclinação para atividades políticas e sociais.

Estes são alguns dos movimentos especializados da Ação Católica. - HAC: Homens da Ação Católica – para os maiores de 30 anos e os casados de qualquer idade; - LFAC: Liga Feminina da Ação Católica – para as maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade; - JCB: Juventude Católica Brasileira – para homens de 14 a 30 anos; - JFC: Juventude Feminina Católica – para moças de 14 a 30 anos. Os próximos movimentos citados são relacionados pelos Estatutos da Ação Católica como seções importantíssimas” São eles: - JEC: Juventude Estudantil Católica – para a mocidade do curso secundário; - JOC: Juventude Operária Católica – para a mocidade operária; - JUC: Juventude Universitária Católica – só para universitários. Depois teremos outros grupos: - JAC: Juventude Agrária Católica;

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- JIC: Juventude Independente Católica; - MAC: Movimento de Adolescentes e Crianças; - ACO: Ação Católica Operária – atualmente MTC: Movimento dos Trabalhadores Cristãos. (SOUZA, 2006: 53,54)

Também contribui de forma significativa para a formação do que poderia se chamar

de “cristianismo de libertação”, tomando a expressão de Michel Lövy, e englobando

nesta expressão a teologia da libertação e as CEBs, o grupo de intelectuais e

pensadores que embora não tenham passado pelo processo de formação da Ação

Católica tiveram papel importante na assessoria de bispos e Conferências

Episcopais. Eram economistas, sociólogos, teólogos e outros especialistas “que

constituíam uma espécie de aparelho intelectual leigo da Igreja, que introduzia na

instituição os últimos acontecimentos nas ciências sociais – o que na América

Latina a partir da década de setenta, significava sociologia e economia marxista

(teoria da dependência)” (LÖVY, 2000: 73). Estas equipes assessoravam,

instruindo e propondo planos para atuação pastoral e redigindo declarações

episcopais. Foram responsáveis na formulação de documentos levados pelo

Episcopado Brasileiro à Conferência de Medellín (1968), desde a sua preparação.

Assim como os grupos leigos dentro da própria instituição religiosa, houve

protagonismo de religiosos que se tornaram fundamentais na prática e na

teorização do novo modo de ser Igreja que se instala na América Latina a partir de

meados do século XX. As ordens religiosas, em especial: Jesuítas, Dominicanos,

Franciscanos, Capuchinos, Maryknolls e as ordens femininas estiveram na

vanguarda neste movimento prático teológico. “As ordens religiosas – um total de

157.000 pessoas em toda América Latina, em sua maioria mulheres – são os

grupos que mais participam das novas pastorais sociais e que mais criam

comunidades de base.” (LÖVY, 2000: 73).

Junto a este grupo de religiosos se acrescenta a contribuição de padres e religiosos

estrangeiros, que vêm somar ao surgimento e à consolidação do cristianismo da

libertação. Estes religiosos, vindos especialmente da França, da Espanha e da

América do Norte, certamente se dispunham à missão na América Latina, por já

estarem envolvidos no setor da Igreja que se mostrava sensível aos problemas da

pobreza e marginalização do Terceiro Mundo.

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Muitos dos missionários franceses tinham participado da experiência dos padres operários, ou pelo menos tinham um com conhecimento de primeira mão dessa experiência; e entre os “espanhóis” havia uma alta porcentagem de bascos, vindos de uma região onde a Igreja tinha uma tradição de resistência ao governo. Uma razão adicional é o fato que membros do clero estrangeiro eram muitas vezes enviados pelos bispos para regiões mais remotas e mais pobres, ou para as novas favelas que proliferavam nas grandes áreas urbanas do continente – isto é, onde não existissem dioceses tradicionais. O contraste entre as condições de vida em seu país de origem e a pobreza total que descobriram na América Latina levou muitos deles a uma verdadeira conversão moral e religiosa ao movimento de libertação dos pobres. Como observou Brian H. Smith, um sociólogo americano, em seu importante trabalho sobre a Igreja no Chile, os padres estrangeiros, que originalmente tinham sido inspirados pelas mesmas preocupações com reforma que os bispos, “tinham se radicalizado graças ao que haviam visto e vivenciado nas áreas das classes trabalhadoras” e, com isso, “passaram decisivamente para a Esquerda, tanto

em suas opiniões teológicas, quanto em sua análise social”. (LÖVY, 2000: 75).

Esse processo de radicalização se deve, em grande medida, à utilização do

marxismo, pelo fato de que ele fornece não apenas uma análise cientifica, mas

também uma visão utópica da mudança social, capaz de “inspirar uma praxis

revolucionária radical e permanente” (G. Gutierrez)

Este “cristianismo de libertação” onde estão envolvidas as CEBs e a Teologia da

Libertação, ganham fomento com o Concílio Vaticano II e com as Conferências

Episcopais Latino – Americanas, principalmente a de Medellín e Puebla.

2 1 3 1 - Concílio Vaticano II

Conforme referido anteriormente o Concílio Vaticano II foi um marco fundamental

na Igreja da América Latina, traz um novo aggiornamento: rompe algumas

fronteiras e traz uma modernização para dentro da Igreja, ao mesmo tempo em que

impulsiona o “cristianismo libertador”. Este evento foi convocado pelo papa João

XXIII, em 1959, realizou-se entre 1962 e 1965, com quatro sessões,

aproximadamente uma por ano (outubro a dezembro). Contou com a participação

de bispos do mundo todo, nos encontros, debates e votações. A abertura do

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Concílio foi feita pelo papa João XXIII. Com sua morte em 196324, assumiu a direção

o papa Paulo VI, que o substituiu no pontificado.

Foi um concílio pastoral. Tinha como objetivo expresso pelo papa João XXIII

procurar atualizar a doutrina da Igreja face à sociedade contemporânea.

Constavam na pauta das discussões temas como: rituais da missa; deveres dos

padres; liberdade religiosa; relação com as outras igrejas cristãs e não cristãs;

costumes da época. Foram tratados temas delicados que fizeram com que a Igreja

repensasse e fizesse mudanças na forma de sua presença no mundo moderno.

Este Concílio foi um marco fundamental na história da Igreja Católica, o que

certamente teve reflexo nas demais denominações cristãs.

Deste evento resultaram 16 documentos (quatro constituições, nove decretos e três

declarações). As 4 constituições, consideradas os pilares para os demais

documentos, são: Lumen Gentium; Sacrosanctum Concilium; Gaudium et Spes; Dei

verbum.

Sobre esses quatro pilares a Igreja hoje edifica sua missão, para salvaguardar o depósito, o tesouro da sua doutrina, a riqueza do Evangelho, para apresentá-lo ao mundo, ao homem de nosso tempo. Entendamos bem esses 4 documentos, situando cada qual. 1. Precisava-se urgentemente na Igreja uma Renovação Teológica. Houve grandes teólogos na época: Para isso, respondeu o documento conciliar Dei Verbum, que fala de toda a Revelação Divina e de sua transmissão, que é uma constituição dogmática; 2. Precisava-se renovar a Liturgia, não podendo mais somente se rezar em Latim, o padre virado de costas e ninguém entendendo nada da Liturgia. A Constituição Sacrosanctum Concilium responde a essa verdadeira renovação do modo de celebrar e entender a própria liturgia; 3. Urgia, na Igreja, um verdadeiro e profundo diálogo com o mundo, com o homem moderno, da técnica, das correntes sociais. A Constituição pastoral Gaudium et Spes vinha ao encontro dessas tantas perguntas que se fazem da vida, da sociedade em constante mudança e a missão da Igreja no mundo. Note-se que é uma constituição pastoral porque tem a intenção de exprimir as relações da Igreja com o mundo e o homem moderno – diria hoje

24Poucos dias antes de morrer, o papa XXIII ditou ao cardeal Cicognani um texto que resumia a

sua visão do futuro da Igreja. “Hoje mais do que nunca, e com certeza mais do que nos séculos passados, somos chamados a servir o homem enquanto tal e não somente aos católicos, em relação aos direitos da pessoa humana e somente direitos da Igreja católica. As circunstâncias presentes, as exigências dos cinquenta últimos anos, o aprofundamento doutrinal, conduziram-nos a novas realidades – como disse na abertura do Concílio. Não é o evangelho que mudou: acontece que nós começamos a entendê-lo melhor. Quem viveu longamente e enfrentou, no início do século, novas tarefas de atividade social que envolvem o homem inteiro, quem viveu – como é o meu caso – vinte anos no Oriente, oito na França, e quem pode enfrentar culturas e tradições diversas, sabe que chegou o momento de reconhecer ‘os sinais do tempo’, de aproveitar o momento oportuno e olhar para longe.” (COMBLIN, 2002: 160,161)

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já pós-moderno. Diga-se que o concílio teve esse caráter pastoral e ecumênico, não tanto dogmático como foi o de Trento e outros. 4. Finalmente, também se precisava uma verdadeira mudança de mentalidade em relação à própria identidade da Igreja, refletindo sobre si mesma, sua missão, sua atuação como fermento de transformação. Para isso a Constituição dogmática Lumen Gentium, vinha ao encontro dessas respostas. Diga-se que esse foi o mais polêmico documento, que necessitou de inúmeras reformulações até ser aprovado quase por unanimidade, havendo apenas 5 votos contrários em novembro de 1964. (SCHMIDT, 2016)

O Concílio provocou mudanças tanto no âmbito teológico pastoral, como na

hierarquia da Igreja. As missas que eram, até então, rezadas em latim passam a

ser celebradas na língua de cada país, com o padre de frente para o público,

mulheres e homens leigos (que não são do clero) podem ajudar na celebração.

Aumenta um pouco a liberdade dos teólogos para interpretar a Bíblia, apesar de

continuar a condenação do capitalismo e do comunismo. Há maior aceitação da

ideia de que, por meio de outras religiões, também é possível conhecer Deus e a

salvação. Foi dada menor atenção aos Santos, aqueles não canonizados foram

abolidos. Há uma centralização da pessoa de Cristo na missa. A obrigatoriedade

do uso da batina pelos padres é deixada de lado podendo ser usado, por estes, os

trajes sociais. O poder ficou mais descentralizado, o papa aceita dividir parte do

seu poder com outros cardeais. No que concerne aos costumes, o Concílio foi

pouco liberal, especialmente no que diz respeito à sexualidade. Mantém o celibato

para os padres e a condenação do sexo antes do casamento.

A realização do Concílio ensejou a aspiração pela II Conferência Geral do

Episcopado Latino-americano, que já foi pela primeira vez, proposta pelo CELAM

(Conselho Episcopal Latino- Americano) na sua IX reunião, na última sessão do

Concilio Vaticano II, com o objetivo de pensar a aplicação do Concílio à realidade

da América Latina. Em novembro de 1967, na XI reunião do CELAM ficou acertada

a realização da Conferência e estabelecido seu objetivo: estudar a Igreja na

América Latina à luz do Concílio. Em janeiro de 1968, o papa convoca a

Conferência para 26 de agosto a 6 de setembro de 1968.

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2 1 3 2 - II Conferência Episcopal da América Latina – Medellin

A II Conferência Episcopal da América Latina tem sua abertura no dia 24 de agosto,

em Bogotá, feita pelo papa Paulo VI, por ocasião do XXXIX Congresso Eucarístico

Internacional. Em seu discurso, o papa salientou quatro categorias de pessoas que

mereceriam uma atenção especial: os sacerdotes, os jovens, os estudantes e os

trabalhadores. Em 26 de agosto, a Conferência se deslocou para Medellín, onde

transcorreu o desenrolar dos trabalhos.

A reunião em Medellín se desenrolou em um contexto de grandes transformações

na Igreja e no mundo. Transformações estas que escapavam da atuação da própria

Igreja: a Revolução Cubana que se transformou em referencial para milhares de

jovens; o movimento estudantil que se agitava no mundo com protestos contra a

“ordem burguesa” e o “imperialismo”; os movimentos feministas e a quebra de

tabus; junto com o descontentamento e questionamentos contra a Igreja católica

por seus costumes considerados medievais e arcaicos.

Fue verdaderamente extraordinario el entorno de la II Conferencia General del Episcopado Latinoamericano. La fecha es emblemática, agosto de 1968, apenas unos meses después del mítico mayo de La Sorbona que ha venido a caracterizar toda una época de contestación y de esperanzas. Era el período inmediatamente siguiente al Vaticano II, el ambiente estaba cargado de euforia y optimismo en una Iglesia, que, experta en humanidad y empeñada a fondo en el aggornamiento propuesto por Juan XXIII , quería hacer llegar su voz de aliento al mundo contemporáneo mediante un diálogo abierto y fecundo. Pablo VI una vez clausurada la gran Asamblea Ecuménica, había publicado la Populorum progressio y había tomado el cayado del peregrino cruzando el ancho mar Atlántico, por primera vez en la vida dos veces milenaria de la Esposa de Cristo. El Vicario de Cristo, con gesto expresivo e innovador, puesto de rodillas, había besado emocionado la tierra del continente americano, ante la mirada asombrada y conmovida de la multitud que se había congregado para recibirlo y la de la muchedumbre inumerable que su viaje a través de la televisón. (MESA POSADA: 1996: 417)25

25 Foi verdadeiramente extraordinário o entorno da II Conferência Geral do Episcopado Latino-

Americano. A data marcada, apenas alguns meses depois do mítico maio da Sorbonne que vem marcar uma época de contestação e de esperanças. Era o período imediatamente posterior ao Vaticano II, o ambiente estava carregado de euforia e otimismo em uma Igreja, que, desperta para a humanidade e empenhada a fundo na atualização proposta por João XXIII, queria fazer chegar sua voz de alento ao mundo contemporâneo através de um diálogo aberto e fecundo. Paulo VI, após o encerramento da grande Assembleia Ecumênica, havia publicado a Populorum progressio e havia tomado o cajado do peregrino cruzando o amplo Oceano Atlântico, pela primeira vez na vida de dois milênios da Esposa de Cristo. O Vigário de Cristo, com gesto expressivo e inovador, ajoelha-se, beija emocionado a terra do continente americano, diante do olhar assombrado e comovido da multidão que se congregava para recebê-lo e da multidão imensurável que acompanhava sua viagem pela televisão. (MESA POSADA, 1996: 417)

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O contexto internacional estava agitado com manifestações que pediam mais

liberdade e justiça. O CELAM compromete-se com a causa dos setores populares

da América Latina – “opção preferencial pelos pobres”. Não sem tensões internas

que expressavam pensamentos destoantes ao que ficou aprovado.

O documento final com o título: A Igreja na atual transformação da América Latina

à luz do Concílio expõe as linhas de pensamentos presentes na elaboração de seu

conteúdo. O documento traz frequentes alusões ao Concilio. O trabalho se

desenvolveu de maneira semelhante ao mesmo, no tratamento dos temas

utilizando o método Ver, Julgar e Agir.

2 1 3 3 - III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano - Puebla

A terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, a princípio fora

convocada por Paulo VI para outubro de 1978. Seu falecimento e o breve

pontificado do Papa João Paulo I, fizeram com que fosse transferida para realizar-

se em Puebla de los Angeles, no México, de 28 de janeiro a 13 de fevereiro

de 1979. A Conferência foi inaugurada por João Paulo II e presidida por

Sebastião Cardeal Baggio, prefeito da Congregação para os Bispos e presidente

da Pontifícia Comissão para a América Latina; Cardeal Dom Aloísio Lorscheider,

arcebispo de Fortaleza, presidente da CNBB e presidente do CELAM; e Alfonso

López Trujillo, arcebispo coadjutor de Medellín, na Colômbia e secretário-geral

do CELAM. Teve a participação de 356 delegados. Os bispos, neste conclave,

apontaram para o fenômeno da desigualdade e da injustiça na América Latina e o

desafio cristão de transformar o contexto de marginalização e desrespeito aos

direitos humanos. Apontava, no que diz respeito à doutrina, caminhos e

preocupações com relação à dignidade humana e libertação total da pessoa.

O objeto precípuo desta doutrina social é a dignidade pessoal do homem, imagem de Deus e a tutela de seus direitos inalienáveis (PP 14-21). A Igreja explicitou seus ensinamentos nos diversos campos da vida: social, econômico, político, cultural, segundo as necessidades. Portanto, a finalidade dessa doutrina da Igreja – que traz sua visão própria do homem e da humanidade (PP 13) – é sempre a promoção de libertação total da pessoa humana, em sua dimensão terrena e transcendente, contribuindo assim para a construção do

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Reino último e definitivo, sem confundir, contudo, progresso terreno e crescimento do Reino de Cristo. (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)

[...] Para que nossa doutrina social seja acreditável e aceita por todos, deve responder de maneira eficaz aos desafios e aos problemas graves que surgem de nossa realidade latino-americana. Homens diminuídos por carências de toda espécie reclamam ações urgentes em nosso esforço promocional que tornam sempre necessárias as obras assistenciais. Não podemos propor eficazmente esta doutrina sem sermos nós mesmos interpelados por ela em nosso comportamento pessoal e institucional. Ela exige de nós coerência, criatividade, audácia e entrega total. Nossa conduta social é parte integrante de nosso seguimento de Cristo. Nossa reflexão sobre a projeção da Igreja no mundo como sacramento de comunhão e salvação é parte de nossa reflexão teológica, porque “a evangelização não seria completa se não levasse em conta a interpelação recíproca que ao longo dos tempos se estabelece entre o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem (EN 29 ) (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)

O Documento final define como acontece a promoção humana.

A promoção humana implica atividades que ajudam a despertar a consciência do homem em todas as suas dimensões e a lutar por si mesmo como protagonista de seu próprio desenvolvimento humano e cristão. Educa para a convivência, dá impulso à organização, fomenta a comunicação cristã dos bens, ajuda de modo eficaz a comunhão e a participação. (EPISCOPADO LATINO AMERICANO, 1979)

Estas duas Conferências tiveram papel preponderante na atuação da Igreja na

América Latina, na sua tentativa de pensar o Concílio Vaticano II no contexto latino-

americano e como colocar em prática suas importantes decisões. As discussões e

o resultado destas Conferências, embora tenha havido muitas discordâncias, foram

um espaço de referendo para as ações do cristianismo da libertação que se fazia

ativo e também serviu de fomento para sua continuidade.

Após estas, houve mais duas, não menos importantes para a história do catolicismo

latino-americano, mas que não trouxeram muito avanço para a Igreja da base.

Nestas últimas Conferências, as forças que ficaram mais de lado ganharam mais

espaço e deram mais o caráter de seu pensamento contrário à teologia da

libertação.

A IV Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo

Domingo (República Dominicana) de 12 a 28 de outubro de 1992. A palavra chave

para Santo Domingo foi inculturação. É dada especial atenção à promoção

humana. A vivência da cidadania é requisito para uma efetiva comunhão e

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participação libertadora. E, para que haja uma autêntica promoção humana, é

preciso ter em conta as diferentes culturas presentes na América Latina e no

Caribe. Esta Conferência se deu em um panorama difícil, acrescidas as dificuldades

encontradas nas discussões que envolviam o tema proposto. O evento foi aberto

em 12 de outubro de 1992, dia do chamado “Descobrimento da América”. A

Conferência-Geral encontra-se diante de duas realidades: uma, a celebração dos

500 anos desde a chegada dos europeus à América Latina e, outra, a reflexão em

vista de uma ação evangelizadora para o próximo futuro. “A celebração tornou-se

muito complexa. Não estava claro o que se iria celebrar: uma invasão, uma

ocupação ou uma evangelização?” Como seria a celebração – teria um caráter

penitencial ou eucarístico? Tudo isto se refletiu no documento final, prejudicando a

sua clareza e coerência na redação.

A V Conferência Geral do Episcopado acontece em Aparecida, no Brasil, de 13 a

31 de maio de 2007. Procurando responder à pergunta: como ser Igreja na atual

situação da América Latina? analisou a realidade social, econômica, política,

cultural, religiosa e eclesial do continente, confrontando-a com a perspectiva

teológica escolhida, a saber, como ser discípulo e missionário em tal contexto

histórico.

O documento final se estruturou em torno de três eixos centrais, seguindo o método

ver-julgar-agir.

A conclusão do documento retomou incisivamente a ideia central de “despertar a Igreja na América Latina e Caribe para um grande impulso missionário”. No horizonte está “uma grande Missão Continental”, cujo projeto e desejo o texto mencionou em vários lugares. Ao falar das CEBs, reconheceu-as como “ponto válido de partida” para ela. E agora, na conclusão, o documento acena para o “despertar missionário em forma de uma Grande Missão Continental”. As linhas de tal missão já foram discutidas na conferência, mas ela será considerada concretamente na próxima Assembleia Plenária do Celam em Havana, Cuba. (LIBÂNIO, 2007)

Libânio, fazendo um prévio balanço sobre o que foi Aparecida, aponta que:

conservam-se as aberturas da tradição de Medellín, mas modifica-se a maneira de

compreendê-las. Insiste-se na “alegria” do encontro com Jesus, de que se dá

testemunho. Pergunta: Será já algum toque pós-moderno, carismático? Ou indica

que o ímpeto militante da década pós-Medellín se tornara pesado, sisudo e duro?

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Estamos em tempos de sublinhar a alegria, o gozo, o prazer de ser cristão; desloca

a inserção simplesmente para dentro da Igreja particular em comunhão com o

bispo, e a pobreza aparece sob a forma de liberdade diante do mercado e das

riquezas. A inserção no meio dos pobres desaparece. (LIBÂNIO, 2007)

2 1 3 4 - Comunidades Eclesiais de Base (CEBS)

Com as CEBs recuperamos criativamente a grande tradição do primeiro

milênio, cujas raízes, na verdade, se encontram na própria comunidade dos

Doze, formada ao redor de Jesus, e na experiência eclesial atestada nos Atos

dos Apóstolos (capítulos 2 e 4). Os membros das CEBs possuem forte

consciência deste seu transfundo evangélico e apostólico. (BOFF,1986:84)

As Comunidades Eclesiais de Base são um grande movimento que acontece no

meio, especialmente, da Igreja Católica na América Latina, surge da periferia da

Igreja e da sociedade. Para falar sobre as CEBs é necessário, primeiramente,

pensar o que se entende por Igreja, com atenção especial aos setores mais

progressistas da Igreja.

A palavra “Igreja” vem do latim “Ecclesia”, que transmite o conteúdo do termo

hebraico “qahal” ou “qehal”, que “assembleia”, o ato da reunião ou também a própria

comunidade reunida. Os primeiros cristãos chamavam de “Igreja” também uma

comunidade reunida em algum lugar, como a Igreja da Judéia, a da Galileia, a da

Samaria, que são partes da terra de Jesus.

Ao longo dos séculos, a Igreja passou por muitas transformações, passando de um

movimento para uma institucionalização e aliança com o Estado. A América Latina

foi palco desta aliança no processo de colonização e cristianização do continente,

com movimentos de contestação e reformas que foram acontecendo ao longo do

tempo. Para pensarmos o que é a Igreja, tomamos o pensamento de D. Paulo

Evaristo Arns, Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo, no período de maior

efervescência dos movimentos populares e dos movimentos de pastorais

populares. Para ele: “Também hoje, quando dizemos “Igreja Católica” pensamos

na comunidade de fiéis batizados, que se encontram no mundo todo. ”(ARNS,

1981:9) O Concilio Vaticano II, que se realizou nos anos de 1962 até o final de

1965, resgatou a expressão bíblica e passou a chamar a Igreja de Povo de Deus.

Este Povo de Deus tem um papel evangelizador.

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Os Bispos reunidos em Roma junto com o Papa, no Sínodo de 1974, chegaram à conclusão seguinte: “A Igreja evangeliza, quando, unicamente firmada na força divina da mensagem que proclama, ela procura converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam, a vida e o meio concreto que lhe são próprios”.

Se você, portanto, perguntar à Igreja o que é mais essencial na evangelização, ela responderá pela palavra do Papa Paulo VI: É “atingir e como que modificar, pela força do Evangelho, os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade” (ARNS, 1981:9)

O resgate dessa expressão “povo de Deus”, conforme COMBLIN (2002), vem

carregado de grande relevância no sentido de ser Igreja e sua atuação no mundo.

Povo, para ele, tem características muito fortes que constroem sua identidade. O

povo é sujeito, é ele que faz história. Sua identidade se dá na sociedade, se constrói

em comunidade, é o oposto do individualismo. No povo todos são livres. O povo

tem poder. O que fundamenta o povo é a esperança. “Sem esperança não há povo.

O que faz o povo é a esperança comum. Não há esperança que não seja coletiva,

esperança de uma multidão em povo.” (COMBLIN, 2002: 11)

Se a Igreja é povo de Deus, isso quer dizer que o seu ministério de comunhão com o Pai, o Filho e Espirito Santo se vive e se realiza numa condição de Povo. Povo, como veremos, inclui toda a realidade humana na sua diversidade concreta. O mistério da Igreja não se vive num mundo paralelo ao mundo dos povos terrestres, num mundo espiritualizado, supraterrestre, num mundo de almas, num mundo puramente religioso. A religião é parte de um povo, mas não é o povo. Se a Igreja é povo, isso quer dizer que ela não se limita à dimensão religiosa da vida, mas penetra toda a diversidade do ser humano. (COMBLIN, 2002: 134)

Segundo Faustino Teixeira, não dá para enquadrar o catolicismo brasileiro como

uma religiosidade homogênea. Para ele, há uma diversidade de catolicismo que

classifica como: catolicismo “sensorial”; catolicismo “erudito” ou “oficial”; catolicismo

dos “reafiliados” e o catolicismo “midiático”. As CEBs são colocadas no grupo dos

“reafiliados”, seguindo o pensamento de Hervieu-Léger, que apresenta a figura do

convertido que se insere num “regime forte” de intensidade religiosa. (TEIXEIRA,

2005:19)

É uma experiência que traduz para seus participantes uma mudança significativa no campo do exercício religioso. Pode-se falar com pertinência de conversão, como mudança acentuada na maneira pessoal e coletiva de se viver a experiência da própria religião. O caso das CEBs evidencia a trajetória de indivíduos que se reafiliam a uma mesma tradição, que redescobrem uma

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nova identidade religiosa, até então mantida formalmente. (TEIXEIRA, 2005:20)

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são uma nova forma de organização

pastoral em torno de paróquias urbanas ou de capelas rurais. São grupos pequenos

de natureza religiosa e caráter pastoral, podem ser organizadas por leigos, padres

ou bispos. Frei Beto as define assim:

São comunidades porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à mesma Igreja e moram na mesma região. Motivadas pela fé, essas pessoas vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviços, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares. Há também comunidades indígenas. (FREI BETTO, 1981: 17)

Nas CEBs, emerge um novo modo de ser Igreja, pois se inscrevem dentro de um

modelo de Igreja-comunhão-comunidade, recuperando o modelo das comunidades

cristãs primitivas, que se encontra no evangelho e nas comunidades fundadas por

Paulo. Em seu interior prevalecem as relações comunitárias e relações de

comunhão, não só de fé, mas afetivas e efetivas.

As pessoas se conhecem pelo nome; comungam não apenas a mesma fé e esperança, mas também a vida e suas lutas. A Igreja assim estruturada exerce para além de sua função especificamente religiosa uma eminente função humanizadora e integradora. (BOFF,1986:84)

A característica mais visível desta Igreja-comunhão-comunidade se manifesta na

atuação e na convicção de se considerar de base. Leonardo Boff define como “uma

Igreja na base e a partir da base”, ressaltando dois sentidos de base.

Primeiramente, base como povo organizado, onde estão os leigos que compõem a

Igreja Popular e as diferentes instâncias eclesiais que compõem a hierarquia da

Igreja, havendo uma estreita relação de poder, onde a questão da Igreja Popular é

discutida e amadurecida na base e esta tem poder nas decisões. Por isto, base

também é um conceito político-eclesiástico: “distingue-se entre a fonte humana do

poder (a base: o povo organizado) e o exercício do poder (cúpula: os ministros

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sacros).” “A partir da base se constrói o consenso e a comunhão, impedindo

cristalizações autoritárias de poder.” (BOFF, 1986:56)

A emergência da Igreja Popular do seio da Igreja em regime de cristandade na qual se separavam demasiadamente clero e fiéis, cristãos ricos e cristãos pobres, reunindo-os agora numa comunidade de participação em todos os níveis construída a partir de baixo, mas aberta em todas as direções, buscando justiça e liberdade para todos, concretiza a permanente vontade fundadora de Cristo e de seu Espírito que quer uma igreja, reunião dos povos peregrinando

para o Reino definitivo. (BOFF, 1986:57)

A inserção nas CEBs provoca em âmbito vital uma reorganização ética e espiritual. Os participantes das comunidades passam a compartilhar uma nova identidade (fala-se em “novo jeito de ser Igreja”), reorganizam seu “aparelho de conversa” sob novas bases e estabelecem uma nova relação com o sagrado, que implica agora a centralidade da conscientização, um novo compromisso

ético e político e a ênfase na participação em lutas populares. ((TEIXEIRA, 2005:20)

Há duas vertentes sobre o surgimento das CEBs, no Brasil: sabe-se que surgiram

por volta dos anos de 1960. Segundo alguns, na Arquidiocese de Natal, em Nísia

Floresta, segundo outros, em Volta Redonda. Quando da redação da obra O que é

Comunidade Eclesial de Base, Frei Betto (1981) registra que a estimativa era da

existência de 80 mil CEBs, no Brasil, agregando por volta de dois milhões de

pessoas pobres e em situação de opressão.

As CEBs viveram o seu momento de maior efervescência nas décadas de 70 e 80, envolvendo distintas formas de pertencimento. A partir do final dos anos 80, com os novos ventos da conjuntura eclesiástica internacional, elas encontram inúmeras resistências e mesmo impedimentos para a continuidade de sua afirmação criadora. Mas sobrevivem à crise e ampliam o campo de seu interesse para novos desafios, como os da cultura, etnia, gênero, subjetividade,

ecologia, espiritualidade, ecumenismo e diálogo inter-religioso. (TEIXEIRA, 2005:21)

Nas últimas décadas o movimento carismático tem crescido muito no meio da

população católica, a chamada Renovação Carismática Católica. Muitos estudiosos

afirmam que este movimento tem contribuído para o encolhimento das CEBs.

Teixeira, utilizando-se de dados de Luiz Alberto Gomes de Souza, afirma que os

Intereclesiais26 de: 1997, em São Luiz; 2000, em Ilhéus; 2005, em Itabira e ainda as

26Encontros Intereclesiais são Encontros de caráter nacional que reúnem milhares de pessoas

participantes das CEBs do Brasil inteiro. Iniciou em 1975, por D. Luiz Fernandes, em 2018

acontecerá o 14º Intereclesial em Londrina no Paraná. Terá como tema “CEBs e os desafios no

mundo urbano”, e o lema: “Eu vi e ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7).

http://www.a12.com/noticias/detalhes/intereclesial-de-2018-em-londrina-vai-discutir-os-

desafios-do-mundo-urbano - ACESSO 30/05/2017

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pesquisas de campo apontam que o movimento das CEBs se mantém vivo e com

pujança, apresentando novas nuances e com maior sensibilidade ecumênica e

interreligiosa. (TEIXEIRA, 2005:21)

Os Intereclesiais continuam acontecendo, o último aconteceu na Diocese de Crato,

no nordeste brasileiro. O 13º Intereclesial das CEBs reuniu mais de cinco mil

pessoas. Teve como tema: justiça e profecia a serviço da vida; e como lema: CEBs,

romeiras do reino no campo e na cidade.

Este grande evento eclesial reuniu 2.248 mulheres, 1.788 homens, entre estes, 146 religiosos/as, 232 sacerdotes, 72 bispos, 68 assessores e membros da ampliada, 36 participantes de outros países,27 20 pessoas evangélicas, 75

representantes dos povos indígenas e vários representantes de comunidades afrodescendentes. Foram 4.036 inscritos provindos das Comunidades de Base das Grandes Regiões do Brasil: nortão, nordestão, oestão, sulão e lestão, e outros países. A soma com os voluntários que participaram das equipes de serviços no espaço do encontro totalizou um número de 5.046 participantes. Mas destacamos ainda os membros das equipes de acolhida, alimentação, transporte e hospedagem que se engajaram nas paróquias.(VIDAL,2017)

As CEBs orientam-se pelo método Ver-Julgar-Agir. Mesmo método foi usado no

desenrolar dos trabalhos do Concílio e também das Conferências. O Ver consiste

em colocar diante da comunidade sua vida. Os participantes do grupo trazem seus

relatos pessoais, familiares, profissionais. Cada grupo tem sua sistemática de fazer

florescer este compartilhar de experiências do cotidiano. Destes relatos salientam-

se questões e problemas que são considerados importantes. O Julgar se dá a partir

das questões levantadas, ligando-as ao Evangelho. A pergunta básica é “como

Jesus agiria nesta situação?” “Como devemos agir?” Através da leitura e reflexão

sobre o Evangelho buscam-se pistas para ação na vida. A terceira parte é o Agir.

Através da relação ação de Jesus-nossa ação é feita as combinações para

enfrentar de forma concreta os problemas e busca de soluções. Cada momento

tem inter-relação com o outro, não funciona de forma linear. É um método dialético.

Grupos de natureza religiosa, as comunidades têm um caráter pastoral, que é aristotelicamente político. Por adotarem um método que parte da realidade,

27representantes das CEBs da América Latina e do Caribe (Argentina, Paraguai, Colômbia, Haiti,

Costa Rica, República Dominicana, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala e México), da

Europa (Espanha, Itália, Alemanha, Áustria, Austrália, Inglaterra), da Ásia (Filipinas) e da África

(Cabo Verde) para a partilha de suas experiências exitosas e reflexão das problemáticas

contemporâneas que desafiam a evangelização da Igreja comprometida com os pobres nestes

novos tempos.http://www.cebsdobrasil.com.br/artigos/m.html - acesso 30/05/2017

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elas suprimem a dualidade fé-vida encontrada em grupos cristãos que partem da doutrina e reduzem o “ser cristão” ao domínio intelectual-moral das verdades reveladas e explicitadas pelo magistério eclesiástico. [...] as comunidades permitem à Igreja retornar sua índole evangélica; ser fermento na massa, luz no mundo, sal na comida. Espaço de expressão da palavra do oprimido, nas comunidades emerge a consciência crítica do povo, a crítica à ordem social injusta. Neste sentido, elas são políticas, são enquanto grupos partidários ou dotados de estratégias e táticas políticas. Pretender “despolitizar” as comunidades seria castrar seu caráter pastoral libertador e torna-las mera caixa de ressonância do discurso eclesiástico-político dominante, aprofundando a introjeção da ideologia do opressor na consciência do oprimido. (FREI BETTO, 1981: 31,32)

A ação das comunidades eclesiais de base se dá de modo intra-eclesial (celebração do culto, festas litúrgicas, novenas, catequeses, preparação aos sacramentos, estudos de documentos da Igreja) e de modo extra-eclesial (vinculação às lutas populares, na cidade e no campo). (FREI BETTO, 1981: 32)

2 1 3 5 - Teologia da Libertação

Ao longo do processo, que se instala na América Latina, de compromisso e reflexão

a partir das exigências da fé cristã e da urgência do compromisso libertador, passo

a passo, é construída uma nova maneira de fazer teologia. É uma reflexão que

questiona, a partir da perspectiva da libertação, o status quo, e a vivência dos fiéis

latino-americanos, levando em conta as bases econômicas, estruturas políticas e

diferentes formas de expressão de sua consciência social.

Nesta construção teológica o que mais influenciou, antes de uma abordagem

teórica, foi a prática, isto é, a verificação da pobreza e o engajamento na

transformação das condições que a geram. E, para isto, a busca de uma

compreensão adequada do fenômeno.

A pobreza generalizada, a marginalidade e o contexto histórico de dominação irrompeu agudamente na consciência coletiva e produziu uma virada histórica. Desta consciência nova que impregnou todo o continente, nas ciências sociais, na educação, na psicologia, na medicina, nas comunicações sociais, participa também a existência cristã e se reflete na reflexão teológica. (BOOF, 1975:13)

É dessa reflexão teológica, nascida do compromisso revolucionário como uma

reflexão crítica sobre a práxis, que surge a elaboração teológica mais genuína da

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América Latina: a teologia da Libertação. Gustavo Gutiérrez conseguiu

sistematizar, de forma clara, a tarefa a que se propôs esta teologia:

[...] a teologia será uma reflexão crítica na e sobre a práxis histórica, em confrontação com a palavra do Senhor, vivida e aceita na fé. Será uma reflexão na e sobre a fé que parte de um compromisso em criar uma sociedade justa e fraterna e que deve contribuir a que esse compromisso seja mais radical e mais pleno (...). Reflexionar sobre a fé como práxis libertadora é um reflexionar sobre uma verdade que se faz e que não só se afirma. (GUTIÉRREZ, 1973:244)

A proposta da teologia da libertação, portanto, torna-se significativa por ser uma

reflexão surgida não no gabinete dos pensadores, mas nas práxis objetivas da

libertação. Os parâmetros para verificar sua assertiva constituíam-se não apenas

no pensar sobre teorias, mas de verificação pratica se essas teorias serviam ou não

aos propósitos da libertação. Na prática, realizava-se o pensar teológico. A

elaboração que daí surgia era julgada por ela e, por sua vez, dialeticamente, a

fecundava. É a isso que os teólogos da época se referiam com a expressão “nova

maneira de fazer teologia”.

Por se tratar de um compromisso real, tornava-se fácil confundir a intenção que se

tinha ao elaborar essa teologia. Por isso, Gutiérrez alertava: “a teologia da

libertação não tenta justificar cristãmente posturas já tomadas, não quer ser uma

ideologia cristã revolucionária”. (GUTIÉRREZ, 1973:244)

Porém, não dá para negar a influência marxista na fundamentação do pensamento

de teólogos da libertação. O próprio Gutiérrez falando sobre a reflexão crítica sobre

a prática e o compromisso implicado nos sinais dos tempos afirma:

A isto se acrescenta a influência do pensamento marxista centrado na práxis, dirigido para a transformação do mundo. Tem seus inícios em meados do século passado, porém sua gravitação se acentuou no clima cultural dos últimos tempos. Muitos são os que por isso pensam, com Sartre, que “o marxismo, como marco formal de todo pensamento filosófico de hoje não é superável”. Seja como for, de fato, a teologia contemporânea acha-se em inesquivável e fecunda confrontação com o marxismo. E em grande parte estimulado por ele é que, apelando às suas próprias fontes, o pensamento teológico orienta-se para uma reflexão sobre o sentido da transformação deste mundo e sobre a ação do ser humano na história (GUTIÉRREZ, 2000:65,66).

Devido a sua inspiração ético-religiosa, os teólogos da libertação, usando as

categorias de análise marxistas, foram mais radicais que os próprios partidos

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comunistas latino-americanos, que defendiam necessidade de um

desenvolvimento capitalista para se chegar ao socialismo. No Brasil e na América

Central, uma parcela pequena, mas significativa, mais do que uma ‘aliança tática

ou estratégica’, chegou mesmo a incorporar certos princípios básicos do marxismo

em uma nova interpretação do cristianismo e a propor uma unidade orgânica com

os marxistas.

É importante salientar, ainda, que este não foi um movimento isolado no cenário da

reflexão científica e nem seus horizontes críticos foram compartilhados por uns

poucos “intelectuais da teologia” do nosso subcontinente, como se refere Leonardo

Boff, na citação acima, pois abrangeu não só a teologia, mas várias áreas do

conhecimento.

Houve muita produção intelectual, e produções bem elaboradas, sistemáticas e

abrangentes do tema “libertação” que estão à disposição no mercado de produção

acadêmica teológica. Estas são apenas emergências de uma grande quantidade

de escritos e reflexões que não aparecem ao grande público, mas que chegavam

as comunidades de base e aos movimentos populares através de pequenos

cadernos datilografados e reproduzidos através de mimeógrafos e papel barato,

muitas vezes ilustrados com desenhos despretensiosos. Proliferavam em sistema

comercial próprio, vendidos a preço do custo ou distribuídos gratuitamente.

Nisto reside a grande riqueza da teologia latino-americana de então: uma teologia

que não ficava restrita a grupos especializados com bonitas edições para consumo

de uma minoria privilegiada, mas se encarnava no povo, na medida em que refletia

sua vida, seus anseios, suas preocupações e voltava a ele, possibilitando um

sentido cristão a suas lutas e esperanças. Isso não deve ser confundido com

barateamento ou com banalização do conteúdo da teologia, mas deve-se

interpretar como uma recuperação do verdadeiro sentido da mensagem bíblica e

do cristianismo, que se efetivou quando o rico potencial teórico das disciplinas

teológicas reverteu em favor do povo e foi fertilizado pela vida deste mesmo povo.

Isto, em grande medida, é o que a teologia da libertação representou de novo.

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2 1 3 5 1 - Gustavo Gutiérrez

Tem-se como grande expoente desta teologia o dominicano Gustavo Gutiérrez.

Sua contribuição foi marcada pela sistematização da reflexão sobre a prática da

Igreja na América Latina. Ele trouxe essa reflexão para dentro da oficialidade

assessorando Encontros e Assembleias da Igreja latino-americana.

Gustavo Gutiérrez Merino Diaz, nascido no Peru, em 1928, teve sua infância e

adolescência marcada pela luta contra pobreza enfrentada pela família. Aos 18

anos foi diagnosticado com uma doença chamada osteomielite, doença que

acarreta inflamação na medula óssea, da qual carrega marcas até hoje. Gutiérrez

teve uma vasta e variada formação acadêmica, frequentou de 1947 a 1950 o curso

de medicina na Universidade Maior de San Marcos, em Lima. Em 1948 e 1949,

juntamente com medicina, cursou letras, na Universidade Católica Del Perú. Mais

tarde, estudou filosofia e psicologia na Université Catholique de Louvaine, na Suiça.

Logo em seguida ingressa no curso de teologia na Universidade Catholique de

Lyon, na França. Após formado, em 1959, com trinta anos de idade, é ordenado

sacerdote, em Lima.

Seu trabalho pastoral tornou-se o fundamento de sua produção teológica, no qual procurava desenvolver sua práxis, pois entendia ser fundamental a necessidade de caminhar junto com seu povo, questionando as cruéis situações dos empobrecidos, buscando uma aproximação de sua realidade e estabelecendo canais de diálogo em encontros, conversas e reuniões. (PRADO, 2016: 51)

Durante seu tempo de estudante em Lima, militou ativamente em grupos

universitários e grupos de apostolado leigos. Mais tarde, já ordenado, foi nomeado

para assessor da União Nacional dos Estudantes Católicos, em Lima. Gutiérrez

ajudou nas reflexões desta juventude que estava cada vez mais envolvida nas

discussões das questões de desigualdade social e nas condições de opressão

histórica do continente latino-americano. Tudo isto, certamente, contribuiu para a

reflexão e sistematização do que se chamou teologia da libertação. Gustavo

Gutiérrez deu sua valiosa contribuição na sistematização de todo pensamento e

prática ocorridos na América Latina, nas CEBs e nos movimentos de libertação.

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Sua sistematização ajudou na realimentação da práxis destes agentes sociais e

religiosos. Sua contribuição se deu não só escrevendo essa nova teologia, mas

também assessorando e refletindo junto com eles em encontros, assembleias, etc.

O lançamento de seu livro Teologia da Libertação: perspectivas, em 1971, foi um

marco da sistematização do conceito teológico, que se construía neste processo –

a Teologia da Libertação.

A Teologia da Libertação apresentada por Gutiérrez procura equacionar uma

questão histórica entre o dogma cristão de salvação e o processo de libertação

humana. Ele reconhece o crescente despertar do povo latino-americano para sua

situação e condicionamentos econômicos e socioculturais e suas causas.

Reconhece a dificuldade que o pensamento teológico desenvolvido até então tem

em responder a estas questões. Ou melhor, tem construído uma dicotomia entre o

privado e o político.

Insistiu-se na vida privada, no cultivo dos valores intimistas: o político achava-se em segundo plano, no escorregadio e pouco exigente terreno de um mal-entendido “bem comum”. Isso servia, no máximo, para elaborar uma “pastoral social”, baseada na “emoção social” que todo cristão que se respeitasse devia ter. (GUTIÉRREZ, 2000:104).

Dentro deste quadro, ele afirma que na América Latina há um conflito girando em

torno do eixo opressão-libertação. No entanto, a construção de uma sociedade

justa passa pelo enfrentamento de grupos antagônicos. Isso traz o questionamento

a respeito do papel do cristão na história presente, que ele afirma categoricamente:

A práxis social converte-se, gradualmente, no próprio lugar onde o cristão empenha - com outros – seu destino humano e sua fé no Senhor da história. A participação no processo de libertação é um lugar obrigatório e privilegiado da reflexão e da vida cristãs hoje. Nessa participação se escutarão matizes da palavra de Deus, imperceptíveis em outras situações existenciais, e sem os quais não há, no presente, autêntica e fecunda fidelidade ao Senhor.

Por isso é que, se aprofundarmos um pouco a forma como hoje se apresenta o problema do valor da salvação, descobriremos na tarefa histórica, assim entendida, quer dizer, como práxis libertadora, que se trata de uma pergunta sobre a própria significação do cristianismo. Ser cristão é aceitar e viver solidariamente na fé, na esperança e na caridade o sentido que a palavra do Senhor e o encontro com ele dão ao devir histórico da humanidade em marcha para a comunhão total. Estabelecer a relação única e absoluta com Deus como horizonte de toda ação humana é situar-se inicialmente em contexto mais amplo, mais profundo. Mais exigente também. (GUTIÉRREZ, 2000:105). (grifo nosso)

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Juntamente com Gutiérrez, outros pensadores envolvidos nas CEBs e na luta do

povo latino-americano em seu processo de libertação também contribuíram para

esta elaboração teológica, tanto católicos como protestantes. Aqui vamos apenas

enumerar alguns sem especificar suas contribuições: Leonardo Boff, Clodovis Boff,

Frei Betto, Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Elza Tames, Enrique

Dussel, Ernesto Cardenal, Helder Câmara, Ivone Gebara, João Batista Libanio, Jon

Sobrinho, Jorge Pixley, José Comblin, José Miguez Bonino, Juan Luis Segundo,

Milton Schwantes, Pablo Richard. Entre tantos outros e outras. É importante

ressaltar que dentre estes alguns tiveram destacada contribuição na leitura popular

da Bíblia como é caso do Frei Carlos Mesters e o Pastor Milton Schwantes.

A conjunção das CEBs e Teologia da Libertação ou poderia se dizer este

“cristianismo de libertação” tem uma atuação importante nos movimentos de

libertação em vários países da América. Um caso exemplar das mudanças

ocorridas foi o da Igreja brasileira. Sua atuação produziu uma mudança

fundamental na atuação dos movimentos populares rurais e urbanos (CPT, MST e

Coordenação Central dos Mov. Populares), o sindicalismo (criação da CUT) e na

política partidária (criação do PT) e outros que Maria da Glória Gohn enumera muito

bem. Chegou a esta posição devido a três fatores que se verificaram no início dos

anos 60: uma radicalização da teologia francesa progressista recebida no meio

católico brasileiro; uma incorporação cada vez maior de elementos teóricos do

marxismo; uma participação intensa de católicos nas lutas sociais, especialmente

no movimento estudantil e não dá para deixar de lado também a apropriação da

Bíblia pelas CEBs.

2 1 4 - Novos Movimentos Religiosos

No discurso atual, com característica de senso comum, na Modernidade, não há

espaço para a religião. O que está se assistindo é o desmoronamento das religiões

tradicionais. O ser humano do mundo atual é um sujeito autônomo, que não precisa

mais da Igreja para dar respostas às suas inquietações e como elemento fundante

da sociedade atual.

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Autores como Philip Jenkins em seu livro, A próxima Cristandade, projetam para os

próximos 50 anos, um crescimento significativo, até vertiginoso, do cristianismo.

Expansão esta que se dá de uma forma inversa ao que aconteceu até aqui, ou seja,

será da periferia para o centro do mundo cristianizado, do sul para o norte (América

Latina, África e Oriente) tendo como matriz os Novos Movimentos Religiosos

Cristãos – Igrejas Neo-pentecostais). Em sua análise, apresenta um crescimento

das Igrejas Pentecostais, mas não fica claro o lugar que as igrejas “tradicionais”

terão neste crescimento, ao que parece não terão um papel relevante. O autor

aponta, também, em sua projeção o crescimento significativo das religiões

orientais, em especial o Islam. Surgem as novas configurações do cristianismo e a

invasão da Europa por um cristianismo “nativo” contextualizado nas diferentes

culturas, especialmente, a africana. Em grande parte, este fenômeno se dará pelo

processo migratório.

Segundo Danièle Hervieu-Léger, a Modernidade não faz desaparecer a religião.

Ela a transforma. A dinâmica do progresso que caracteriza a cultura moderna é

acompanhada da incerteza que gera a novidade da religião, mas recomposta e

disseminada. Entre as mudanças essenciais aparece primeiro “o fim da civilização

paroquial. Este modelo de enquadramento de espaço e de tempo para as

instituições religiosas” já teve seu tempo. O mundo de observância de ritos

desapareceu. Outro aspecto da mudança: “A bricolagem das crenças”. A crença é

pessoal/personalizada. “Cada um, à sua maneira, possui dentro do capital cultural

religioso o que lhe convém. Antes, a religião foi manifestada como uma canga.

Atualmente, ela aparece como um recurso segundo as necessidades e de livre

escolha do indivíduo. Se o universo religioso das sociedades tradicionais

desapareceu, a secularização proveniente da modernidade não a suprimiu, “mudou

o sentido”. A religião constitui, nas suas formas novas, uma das ofertas possíveis.

Outro autor que pensa a modernidade, Marc Augé, propõe um outro olhar da

antropologia para o que ele chama de supermodernidade. Segundo ele, a

antropologia até então tem um olhar “viciado”. Toma seu objeto de pesquisa a partir

de um local determinado, com limites e fronteiras bem estabelecidos. Faz sua

descrição de fenômeno territorializado e como se comporta dentro deste território

com seus ritos, crenças e organização social, em que as civilizações viviam em

agrupamentos e organizavam o seu cotidiano em uma constante relação entre seu

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grupo social. Onde as relações familiares, econômicas, religiosas se entrecruzam.

Os lugares são bem determinados: lugar de culto, lugar de trabalho, etc., marcados

por símbolos que os identificam. Para Augé, o ser humano da supermodernidade

vive o não- lugar.

O não-lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, à aldeia, ao espaço

personalizado. O ser humano da supermodernidade vive sempre em trânsito. As

fronteiras sejam geográficas, sejam culturais, ou de outra ordem, são muito tênues.

Com as facilidades tecnológicas, há uma grande mobilidade. Uma pessoa pode

estar em um mesmo dia em diferentes lugares, distantes um do outro. Com os

meios de comunicação, os acontecimentos podem ser acompanhados em tempo

real em diferentes partes do mundo. Os lugares desconhecidos tornam-se

familiares através da propagação da imagem, da fotografia. A sociedade da

modernidade está sofrendo a invasão da imagem que está “enfraquecendo” o

sonho e o mito.

As pessoas nesta constante mobilidade estão em geral na presença de muitas

outras e até em meio a uma multidão, mas em geral estão como indivíduos. Na

verdade, é uma participação coletiva, mas predominantemente individual. Este

não-lugar propicia a proliferação da não-memória, enfraquece os laços com os

centros que são referências para a memória, por sua vez traz o enfraquecimento

da tradição.

Daniéle Hervier-Léger defende a presença da religião na modernidade e aponta

suas características, que tem se modificado da religião tradicional, trazendo forte

traço de mobilidade e trânsito religioso. A leitura feita por estes autores nos dá

elementos para entender este quadro da religiosidade contemporânea. A forma

como o religioso se apresenta na modernidade é reflexo de como se configuram as

relações sociais e as relações de tempo e espaço no mundo moderno. Diante do

exposto, faz-se necessário também pensar a FCD dentro deste quadro.

2 2 - Perspectiva Metodológica

Ao debruçar o olhar sobre um objeto de pesquisa, é preciso ter clareza com que

lente se está fazendo isto, quais referências nos possibilitam analisá-lo, com que

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visão de mundo estamos desvendando dados e fatos, se faz necessário traçar o

caminho percorrido e com que olhar se está intentando perceber este “locus”. Até

aqui, procuramos sinalizar temas que estão envolvidos neste universo por onde

transita o tema, proposto pela pesquisa. É importante, ainda, salientar que a

aproximação a FCD, como “locus” de pesquisa, se dá com o olhar de quem tem

vivenciado o mundo das deficiências com uma certa intensidade e interesse,

especialmente, nestes últimos anos em que foi permitido ver aspectos que não

eram percebidos em tempos passados. Isto possibilita-me pensar e pesquisar a

partir dos referenciais vivenciais e acadêmicos aqui postos. E, já na introdução fica

claro o envolvimento da pesquisadora com o Movimento que está sendo analisado.

A proposta primeira é olhar para este “locus” procurando ver as histórias e

depoimentos das pessoas que atuaram na luta pela conquista da dignidade

humana e direitos das pessoas com deficiência. Tendo presente que, quando

falamos em deficiência não estamos tratando-a como contrária a eficiência.

Tomamos aqui pessoa com deficiência como alguém que tem alguma dificuldade,

ou falta em algum órgão ou sentido, mas isto não significa que não seja capaz. É

olhar para a caminhada destas pessoas procurando ver o protagonismo de suas

vidas e a construção de uma nova realidade com a participação de todos e todas e

a importância de cada um e cada uma, com a mínima contribuição que seja.

As histórias de vida e depoimentos propiciam a explicitação dos condicionantes

sociais e culturais que atuam no cotidiano do indivíduo que, por sua vez,

condicionam sua atuação na sociedade. A relação entre o público e o privado é

uma relação dialética. Podemos tomar como exemplo a família, nela se constroem

os valores que vão direcionar o modo como o indivíduo vai se colocar na sociedade.

Por exemplo, a questão de gênero é um aspecto marcante nesta perspectiva da

dialética entre o cotidiano e a sociedade. O gênero sublinha o aspecto relacional

entre o homem e a mulher. Em geral, na família é acentuada a relação assimétrica

entre ambos e que vai perpetuar-se na esfera do público. Outro, é a visão que

povoa o imaginário da família sobre a questão da deficiência, se reflete na

sociedade e vice-versa.

A pesquisa oral, em especial quando envolve as histórias de vida das pessoas, é

muito enriquecedora. No entanto, é necessário rigor na realização do trabalho de

análise cauteloso com as entrevistas obtidas. O texto "História Oral, Sociologia e

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Pesquisa: a abordagem do CERU” traz o passo a passo realizado nas pesquisas

do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, e é muito útil como proposta para analisar

corretamente as narrativas (CAMPOS; DEMARTINI; LANG, 2010). Os passos

sugeridos foram adaptados conforme as necessidades da pesquisadora e as

oportunidades que se apresentaram, tanto estender o campo de observação, como

delimitar alguns passos em função da limitação do tempo para finalização da

pesquisa.

Por se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, difere da quantitativa em que a

análise é feita somente após a coleta completa de dados, enquanto que, em

pesquisas qualitativas, ela é realizada em todas as fases. Isso porque o resultado

de cada entrevista pode - e deve - contribuir para as seguintes; levando, muitas

vezes, a reformulações e aperfeiçoamentos no roteiro orientador do estudo. No

processo desta pesquisa a cada entrevista surgia a possibilidade e a indicação de

uma nova pessoa a ser entrevistada ou a indicação para participação em eventos.

Ao iniciar a construção deste caminho, a intenção primeira era trabalhar com relatos

orais, mais especificamente, histórias de vida, entendendo que a história de vida

de pessoas com deficiência, que tiveram algum envolvimento com a FCD,

pudessem fornecer ricas informações sobre este Movimento e sua contribuição

para as pessoas com deficiência, ao longo de sua trajetória de mais de 75 anos.

Com o passar do tempo e o esgotamento de prazos para conclusão, optamos por

utilizar depoimentos, tendo em vista que a história de vida demanda vários

encontros, disponibilidade de tempo da pesquisadora e do entrevistado/a. Fez -se

necessário recorrer a outras fontes que pudessem confirmar ou clarear dados

colhidos nas entrevistas que mostrassem o envolvimento da FCD como um

movimento social e qual sua contribuição nos movimentos e na vida das pessoas

com deficiência.

2 2 1 - Construção da Pesquisa

Olhando para a FCD com um olhar pesquisador ou desbravador, a primeira

pergunta foi: por onde começar? A conclusão: falando com pessoas que já

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conheço. Lembrei-me da Salete, que foi Coordenadora Nacional, com quem já

havia tido contato e participado de encontros e assembleias no período em que ela

era coordenadora no Estado do Rio Grande do Sul, na década de 90.

Entrando em contato com ela, fui convidada a participar da reunião da Equipe de

Coordenação Continental, da qual é atual Coordenadora, que aconteceria nos dias

20 a 26 de março de 2015, em Porto Alegre. Participei de toda a reunião, tive

contato com os coordenadores de área na América Latina e com a Coordenadora

Adjunta da Equipe Internacional e também com o Conselheiro Internacional, ambos

moram na América Latina. Em decorrência desta participação, participei, no ano

seguinte, da outra reunião anual, que foi preparatória para a Assembleia

Continental, que aconteceu em fevereiro de 2017, em Honduras, na qual não pude

comparecer por razões pessoais.

As duas Reuniões da Equipe de Coordenação Continental da FCD aconteceram

em Porto Alegre, na Casa da Fraternidade. A primeira foi de 20 a 26 de março de

2015, sob a coordenação de Salete Milan, Coordenadora Continental. Teve a

participação de Miguel Angel Arrasate – Conselheiro Intercontinental (Basco – Vive

no Panamá); Frei José Luis Gennaro, OFM Conv. (Argentina) Conselheiro

Continental; Frei Nelson, Conselheiro Adjunto (Brasil). Os três Conselheiros são

religiosos. Carmencita Mazariegos (Guatemala), Coordenadora Adjunta

Intercontinental; Ana Fernanda Iñiguez Guevara (México), coordenadora da Área

I28; Orlando Jaramillo Gaviria (Colombia) Coord. Area II29; Verónica Olave Godoy

(Chile) Coord. Área III30, que abrange o Brasil. As coordenadoras e o coordenador

das Áreas são leigos, todos com deficiência.

No primeiro momento da reunião, foram feitos informes e avaliação do Comitê

Intercontinental, que aconteceu na Eslovênia, a partir dos relatos e das impressões

dos que estiveram participando. No geral, o sentimento era de que o Encontro foi

importante: troca de experiências, renovação das forças, serviu para se

reaproximar pela Frater. Algumas recomendações foram postas: procurar fazer

28 Área I é composta dos seguintes países: Panamá, Costa Rica, Honduras, Nicarágua,

México, Guatemala, Porto Rico. Estados Unidos está em fase contatos. 29 Área II - Bolívia, Peru, Equador, Venezuela e Colômbia 30 Área III – Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai

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informes que não sejam só executivos; utilizar melhor os meios de comunicação;

aprender a orar a vida.

A reunião teve diversos momentos: relatos, celebrações, discussão de temas,

primeiros encaminhamentos para a Assembleia Continental. Boa parte do tempo

foi dedicado ao relato sobre as áreas: suas realizações, seus avanços e suas

dificuldades. Além do cunho organizativo e administrativo, foi dedicado tempo

também para formação. Frei José Luiz apresentou um estudo com base no

pensamento de Gustavo Gutierres com o título “Da exclusão a Libertação” e o Frei

Nelson apresentou uma reflexão sobre Solidariedade. Outro assunto tratado foi

sobre a comemoração dos 70 anos da Frater. Ficou como recomendação para a

Equipe Inter: recordar a história da Frater e dos Grupos; avaliar como estão; ver

onde querem chegar; ter no continente uma Celebração comemorativa no dia 17

de maio. Miguel Angel fez uma recomendação “Cuidado para não fazer ídolos” (Ter

sempre na lembrança que François em sua ação traz a ação de Jesus) Também

foram pensadas algumas questões relacionas à Assembleia Continental que

deveria acontecer em fevereiro de 2017, na América Central. Foram sugeridos três

países: Costa Rica, Porto Rico e Honduras. Data prevista, 5 a 12 de fevereiro de

2017 e para assessorar ficaram, como sugestão, os nomes do Frei Carlos Mesters

e Gustavo Gutierres. Foi sugerido que se escolhesse um tema que deveria ser

discutido por cada país e apresentado por ocasião da Assembleia.

Todo dia iniciava e encerrava com uma celebração que servia de iluminação para

o dia. Toda noite havia um momento de confraternização. A semana foi encerrada

com uma bonita e significativa celebração, coordenada pelo padre Miguel Angel. É

importante salientar que a pesquisadora participou de todos os momentos, em que

pode estar presente, em igualdade de condições com qualquer outro membro da

Equipe. Nas Celebrações, o marco ecumênico foi muito forte. Em uma determinada

manhã foi preciso encontrar com uma pessoa amiga que havia passado por uma

séria enfermidade e não foi possível estar no momento de celebração no início dos

trabalhos do dia. Foi uma agradável surpresa quando fui recebida no final da manhã

com os elementos da eucaristia que havia sido celebrada. Após o encerramento do

evento, fomos todos e todas, que não precisaram voltar de imediato para seus

países, comemorar em uma churrascaria, pois durante os dias da reunião, três

membros da Equipe fizeram aniversário. Foi um momento celebrativo, de

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confraternização e de partilhar da cultura do Rio Grande do Sul, não só do

churrasco, mas da música e da dança. Deste encontro de 2015 tivemos contato e

nos foram disponibilizadas matérias de formação da FCD no Brasil e na Espanha.

A segunda reunião de coordenação da Equipe Continental aconteceu, nos dias 10

a 16 de março de 2016. Nesta ocasião, foram apresentados os relatórios das 3

áreas que compõem a Equipe Continental. Estiveram presentes também, além

das/dos coordenadores de áreas, a Coordenadora Adjunta da Equipe

Intercontinental e Conselheiros de áreas. A reunião serviu para preparação da

Assembleia Continental que se realizaria em Honduras, no mês de fevereiro de

2017. Tendo como Tema: Frater - Semeadores de Cambio e como Lema:

Despertemos e lutemos Unidos por la dignidad. Não foi possível participar durante

todo o tempo do evento, estive só nos últimos três dias. Os temas tratados para a

formação e iluminação pensando, especialmente, na Assembleia Continental foram

baseados na Encíclica do Papa Francisco sobre Misericórdia e o que significa ter

misericórdia na América Latina. Para isto foi utilizado um vídeo que traz a

mensagem do Papa Francisco, em Santa Cruz, na Bolívia em 10 de julho de 2015

– El Papa le habla a los Movimientos Sociales.

Nesta oportunidade foram colhidos os depoimentos das coordenadoras das Áreas

I e III: Ana Fernanda Iñiguez Guevara, (México) e Verónica Olave Godoy (Chile) do

coordenador da Área II: Orlando Jaramillo Gaviria (Colômbia) da Coordenadora

Adjunta Intercontinental: Carmencita Mazariegos (Guatemala). e ainda da

coordenadora da casa, em Porto Alegre, Olivia Machado. Após o termino da

reunião no dia 19/03, visitei o sr Levino Guilherme Schneider, atual Conselheiro

Adjunto da FCD no Rio Grande do Sul. Passei o dia com ele e a esposa e gravamos

entrevista. Levino está na Frater desde 1980. Acompanhou por muitos anos a Luiz

Itamar Jaines, que foi Coordenador Nacional e Continental. Por problemas na

gravação não foi possível contar para analise os depoimentos das coordenadoras

da Area I e III.

A Casa da Fraternidade, em Porto Alegre abriga documentação e material que

sinaliza trajetória FCD, ao longo dos 45 anos de existência no Brasil. Este material

foi disponibilizado pela Ir. Ângela Smiderle, que é a responsável pelo acervo.

Durante a realização das reuniões continentais não foi possível examinar a

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documentação porque o material se encontra no arquivo na sala de reuniões e que

servia também de dormitório para a ala masculina do grupo. Diante disto, se fez

necessário uma visita à casa, para examinar o material. Esta visita foi realizada em

23 de março de 2017. Para aproveitar a viagem, foi marcada a entrevista com a Ir.

Ângela, para esta data. Foi uma grata surpresa quando chego lá e encontro o Frei

Nelson, com quem estava difícil o contato e mais ainda uma data para entrevista.

Almoçamos juntos com a Olivia coordenadora da casa e aguardamos a chegada

da Ir. Ângela. Logo após o almoço, o que seria uma entrevista ou coleta de um

depoimento se tornou uma conversa a três.

Nesta mesma ocasião fiquei sabendo que haveria no final do mês a Assembleia

Estadual e que gostariam que eu assessorasse. A assembleia aconteceria no dia

31, 1º e 2 de abril, como eu não pudesse ficar até esta data providenciaram a

passagem para que pudesse estar na assembleia. Voltei a Porto Alegre e participei

no dia 1º e 2 de abril. Participaram da Assembleia por volta de 22 pessoas,

representando núcleos espalhados pelo Rio Grande do Sul. Na noite do dia 31, foi

a chegada e acolhimento. Sábado pela manhã foram os relatórios da coordenação

estadual e dos núcleos representados. Na tarde do dia primeiro trabalhei com o

grupo. O tema proposto era Motivação. Foram feitas algumas dinâmicas de grupo

procurando motivá-los a retomar o entusiasmo a partir do que para eles é

importante na Fraternidade e necessidade de compartilhar o que eles recebem

neste convívio fraternistas. Uma das dinâmicas realizadas os participantes foram

motivados a dizerem o que os/as encanta na Fraternidade. Estes depoimentos

foram gravados e também utilizados como material da pesquisa. No domingo, fui

convidada a presidir a celebração de encerramento, que foi realizada com o

Conselheiro Estadual Adjunto Levino Schneider.

Quando da entrevista com Antonio Carlos Munhoz, ele mencionou que havia

recebido o convite para uma reunião da FCD de São Paulo. Após enviou-me as

informações. O convite era para a XVII Assembleia Estadual da FCD – SP, nos dias

24 a 26 de março de 2017, na Casa de Encontro Centro Santa Fé, via Anhanguera.

No dia 25, pela manhã estive presente. Estava assessorando o Dr. Marcos Arroyo

que trabalhou o tema “A Essência da Fraternidade e a Realidade Atual”. Foi

interessante perceber o clima da assembleia, encontrar pessoas conhecidas e

conhecer outras tantas.

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Nos dias 28 a 30 de abril, aconteceu no local da Assembleia, o Encontro Inter

Estadual da FCD, perto de Perus/SP. Estivaram presente representantes de São

Paulo, Mato Grosso, Espirito Santo e Rio de Janeiro. No dia 28 a tarde houve um

seminário sobre a Reforma da Previdência e suas implicações para as pessoas

com deficiência. O seminário foi apresentado pelo vereador Toninho, do PSOL de

Perus e a sua assessora Michele (participante da FCD e que tem deficiência física).

Neste seminário, participaram além dos representantes dos Estados, um membro

do Conselho Estadual para Assunto das Pessoas com Deficiência e vários

fraternistas participantes de Conselhos Municipais. À noite, os representantes dos

estados se reuniram com o Coordenador Nacional (Giovani Rodrigues) e o

Conselheiro Continental (Frei Nelson). Na oportunidade, os participantes na

Assembleia de Honduras (Frei Nelson, Pe. Geraldo e Giovani) fizeram um breve

relato sobre a Assembleia e os grupos dos Estados compartilharam sobre seus

núcleos. Nestes dois momentos, pude estar presente.

Por ocasião destes encontros foi possível fazer observações, anotações e

gravações de depoimentos, que junto com os documentos examinados, a

bibliografia consultada e os depoimentos colhidos formaram o acervo para embasar

o trabalho.

Além dos depoimentos colhidos por ocasião da participação de eventos da FCD,

foram também colhidos depoimentos de outras pessoas como:

Francisco Núncio Cerignoni (Chico Pirata) que atua na FCD desde 1980 e já foi

coordenador Intercontinental. Teve e tem forte participação em movimentos por

direitos da pessoa com deficiência especialmente na construção do arcabouço

jurídico. O depoimento de Chico foi tomado em dois momentos em sua casa em

Piracicaba. O primeiro, por falha no equipamento de gravação, foi perdido grande

parte. O segundo aconteceu um mês depois. Nesta ocasião ele sugeriu que seria

importante ter um contato com Pe Geraldo que é o atual Conselheiro Nacional e

tem uma longa militância na FCD e foi Conselheiro Nacional à época em que

Lourdes Guarda foi Coordenadora Nacional. Quando dessa recomendação, Pe

Geraldo estava fora do Brasil.

Pe Geraldo Marcos L. Nascimento, SJ. – De volta ao Brasil após contato telefônico,

Pe Geraldo gentilmente recebeu-nos em sua residência e deu-nos seu depoimento.

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Foi colega de seminário de Vicent Masip, colaborou com a FCD desde seu

nascimento, mas participou ativamente a partir do final da década de 70. Foi grande

amigo e companheiro de jornada na Fraternidade com Maria de Lourdes Guarda.

Foi uma grata satisfação conhecer o Pe Geraldo e poder construir laços de amizade

com ele.

Antônio Carlos Munhoz (Tuca Munhoz) . Tuca Munhoz como é conhecido é um

ativista social dos movimentos sociais de pessoas com deficiência. Foi coordenador

da Pastoral da Pessoa com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo. Amigo e

colaborar da FCD. Tuca, após contato telefônico e por e-mail acertou em nos

encontrarmos em um café no centro de São Paulo. Na conversa que tivemos ele

recomendou que era importante fazer contato com a Irmã Conceição, irmã de

Lourdes Guarda. Após alguns dias me pôs em contato com ela.

Irmã Conceição – Feito contato telefônico com ela, acertamos de encontrá-la em

sua residência, a Casa das Irmãs de São José, em Santo André. Fui recebida

carinhosamente por ela. Foi uma tarde muito agradável, falou sobre sua irmã e

sobre o grande amor e empenho que ela tinha para com a Fraternidade.

Salete Millan – É Coordenadora Continental, reeleita na Assembleia em Honduras.

Estivemos juntas nas duas reuniões da Intercontinental, mas não foi possível gravar

seu depoimento. No entanto, entendia que era muito importante para o trabalho.

Como não conseguíamos conciliar datas ela se prontificou e enviou seu depoimento

por escrito.

Após a transcrição dos depoimentos foram lidos e analisados levando em conta os

seguintes itens: Como as pessoas com deficiência são tratadas na sociedade;

Importância da FCD na vida das pessoas – Resgate da Dignidade, Resgate da

Autonomia, Empoderamento; Contribuição da FCD (Metodologia); Envolvimento da

FCD com Movimentos Sociais; Contribuição para esses Movimentos. Para cada

uma destas categorias foi utilizada uma cor e os textos foram assinalados conforme

a possibilidade de serem encaixados nas mesmas. A seguir foi feito um quadro com

este material e após utilizados na elaboração do trabalho final.

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Este capítulo parece ao primeiro olhar que está um pouco desconexo, no entanto,

considera-se necessário que os temas abordados aqui estejam presentes,

fundamentando como se dá este olhar para o que será tratado no próximo capítulo.

Olhar que estará debruçado sobre a FCD, sua fundamentação, sua forma de

atuação e sua caminhada em solo brasileiro.

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Capítulo III

Olhando para ... FCD

Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência

Esta pesquisadora, como já tem sido referido anteriormente, está embebida nesta

realidade da pessoa com deficiência, tem alguns pressupostos para este mundo

das deficiências. Porém este trabalho tem um “locus” específico para onde seu

olhar está voltado, que é a FCD. Por esta razão, se faz necessário responder as

perguntas: está olhando para quê? Ou seria melhor, para quem? O primeiro passo

deste capítulo apresenta este “locus” que está sendo olhado e precisa ser

enxergado em suas riquezas e peculiaridades, e também dificuldades. A FCD

precisa ser apresentada: Como surgiu? Por quem? Onde? Como chegou ao Brasil?

Como foi sua caminhada? Que rosto tem? para que se possa explicitar, discutir e

de certa forma responder a pergunta central deste trabalho: A FCD contribuiu, como

um movimento social, na caminhada em direção à Inclusão das pessoas com

deficiência, em que medida?

A FCD é um movimento de doentes e deficientes que se inicia na França, através

do padre Henri François. Em 1942, a Fraternidade começa a germinar como uma

sementinha, com a nomeação do Pe François, vigário da Paróquia de Saint-Victor,

em Verdun, Capelão do Hospital. Diante da impossibilidade de continuar sua

missão de visitação domiciliar aos doentes e deficientes, desafia estes a

continuarem sua tarefa.

3 1 Quem é Henri François?

Henri François nasceu em 08 de maio de 1897, em Legny, na França, filho de René

e Marguerite Morel que tiveram 12 filhos dos quais morreram 7 ainda pequenos.

Henri era o mais velho dos sobreviventes. A família estabeleceu-se em Ligny,

pequena cidade de 5 000 habitantes, encravada no vale de Ornain. Levavam uma

vida tranquila, viviam de rendimentos.

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Figura 4 – Família de Henri François

Fonte: BOILLON, (2001: 6)

Figura 5 – Henri François aos 17 anos

Fonte: BOILLON, (2001: 7)

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Fez sua formação secundária em Melgrange, o grande colégio católico de Nancy.

Terminava seu curso quando estourou a guerra de 1914. Sua vocação sacerdotal

despertou ainda no colégio. Iniciou sua formação sacerdotal em St.Sulpice. Durante

sua formação, adoece gravemente.

“No Natal de 1916 em Issy-les-Moulineaux, fico gravemente doente. Depois de

dois anos em cima de uma cama ou numa espreguiçadeira, retorno ao meu

seminário na diocese de Verdun, Bar-le-Doc. Regime especial: uma hora de aula

pela manhã, uma hora à tarde. Cama e espreguiçadeira o resto do tempo. Em

1921 faço meu último ano em Benoite-Vaux, para onde o seminário foi

transferido”. (FRANÇOIS apud BOILLON,2001: 22)

Sua enfermidade não o impediu de fazer um bom seminário. Dedicou seu tempo

de imobilidade à reflexão e ao aprofundamento teológico e das Escrituras.

Terminou seus estudos em 1922, com meritórios resultados, mas com a saúde

profundamente comprometida. O Bispo Monsenhor Ginistry tomou a seguinte

decisão: “Vamos ordená-lo para que possa rezar algumas missas antes de morrer.”

E, após a ordenação, disse-lhe: “Não vou lhe dar nenhuma função. Volte para sua

família e se trate”. (GINISTRY apud BOILLON, 2001: 23). Em 29 de junho é

ordenado e encaminhado à família.

De volta a Ligny, procura seu pároco para pedir-lhe uma função. Um pouco

embaraçado, o pároco disse-lhe que ensinasse o catecismo e visitasse os doentes.

“Ele o estava engajando no caminho em que o Espirito faria dele o ‘Fundador’ da

‘Fraternidade Cristã Intercontinental dos Doentes e Deficientes’”(BOILLON, 2001:

23). Ao dedicar-se à visitação dos doentes, em uma cidade de operários, descobriu

não só o mundo dos doentes, mas o mundo dos pobres. A doença de um operário

o colocava imediatamente na condição de mendigo, pois nesta época a Seguridade

Social não existia. Isto o impactou para toda a vida, segundo as palavras de seu

sobrinho, Luc François:

De família rica e de grande inteligência, ele tinha tudo para ter conseguido êxito

na Igreja, mas abandonou tudo para dedicar-se aos pobres e aos pequenos.

Sua humildade natural tornava-o dependente de todo mundo, apagando-se

diante dos outros, pois gostava de colocar seus irmãos e irmãs em evidência.

Sua fé era muito grande, mas se tornava sempre modesto e acessível diante

dos pequenos, usando uma linguagem simples despojada e direta, jamais fazia

sobressair sua própria pessoa, preferindo uma vida simples, modesta,

acolhendo as dificuldades, assumindo o lema: “Nos meus sofrimentos, vou

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crescendo”. Era assim que confortava as pessoas que sofriam. (FRANÇOIS

in FRANÇOIS, 2003: XVII)

Passaram-se anos e como não morreu e se recuperou, podia assumir uma

responsabilidade. Em agosto de 1929, já com 32 anos, foi nomeado pároco de

Faire-les-Sources e mais tarde, em 1932, com a morte do capelão do Hospital

Psiquiátrico, torna-se além de vigário, capelão do hospital, onde teve contatos

continuados com os doentes mentais.

Mon ministère des malades s’élargit. Je remarque que je fais du bien aux malades de l’hôspital. Je suis leur seul ami. Iln’ont de contact qu’avec les surveillants qui “surveillent”, et avec les médecins qui, à leur yeux, ne sont des amis, mais ceux qui les tiennent enfremés. Ces contacts avec les malades mentaux m’ont donné une expérience extraordinaire de la fragilitè du mécanisme psychique et des repercussions du physique sur le mental et rèciproquement.” (FRANÇOIS apud BOILLON, 1989: 17).31

Em 1937, foi nomeado pároco de Saint-Victor, continua com sua tarefa de visitação

a doentes e deficientes. Saint-Victor era a mais populosa das cinco paróquias de

Verdun. Contava com uma população de cerca de 4000 habitantes, mais os

quartéis. Em 1942, morre o capelão do Hospital de Saint-Victor e ele assume

cumulativamente a capelânia. Impossibilitado de continuar com as visitas

domiciliares, pela sobrecarga dos trabalhos, desafiou os doentes e deficientes da

paróquia a assumirem esta missão.

Três mulheres aceitam o desafio de continuar a tarefa, Bernadette Buflon,

Marguerite Renand e Jeanette Huguet. Então delegou a elas a missão.Tornaram-

se assim as cofundadoras da FCD. Para incentivá-las e manter a troca de

experiência François reunia-se mensalmente com elas. Compartilhavam as

experiências, rezavam juntos, reanimavam as forças e o movimento vai se

ampliando. Cada uma prestava conta das visitas, indicava quem deveria receber

31 Meu ministério junto aos doentes se amplia. Percebo que faço bem aos doentes do hospital. Sou

seu único amigo. Eles só têm contato com aqueles que fazem a vigilância e com os médicos que

eles não consideram amigos, mas pessoas que os mantém encarcerados. Estes contatos com os

doentes mentais foram para mim uma experiência extraordinária quanto à fragilidade do mecanismo

psíquico e às repercussões do físico sobre o mental e reciprocamente. (FRANÇOIS apud BOILLON,

2001:27)

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os Sacramentos. Refletiam juntos sobre êxitos e dificuldades encontradas. Com o

passar do tempo, o grupo que se reunia mensalmente aumentou, chegando a uma

dezena.

Maravilhosa intuição! Aqueles “assistidos” se convertiam em “responsáveis”,

aqueles “inúteis” vinham a ser “úteis”, aqueles “solitários” se uniam em “grupos”,

os “marginalizados” se inseriam na vida paroquial e social. Era uma autêntica

ressurreição, da qual o vigário, feliz, contemplava seus frutos: a solidariedade na

doença e na deficiência era uma solidariedade de estilo evangélico, provocando

conversões. (BOILLON: In: FRANÇOIS, 2003: XX)

Muitas pessoas foram visitadas. Em março de 1945, as pessoas doentes e

deficientes organizaram um Retiro Espiritual de três dias, em Benoit-Vaux.

Estenderam a participação aos diversos Movimentos de Ação Católica da Diocese

de Verdun. Reuniram, no primeiro dia, 45 doentes e deficientes, sendo 15 de maca.

No último dia o número de participantes chegou aproximadamente a uma centena.

O padre François foi o convidado a pregar neste retiro e as visitadoras de Verdun

contaram o que faziam e convidaram aos doentes a fazerem o mesmo, cada um

em seu respectivo lugar. No terceiro dia, decidiram, por unanimidade,

reencontrarem-se e se organizarem em Movimento, ainda sem nome.

Ainda em junho de 1945, Pe. François sai de Saint-Victor para ser o Diretor da

Equipe Diocesana de Conselheiros da “Ação Católica”, em Verdun, o que acelerou

a expansão da Fraternidade em toda Diocese.

Figura 6 - Primeiro encontro em 1945

Fonte: BOILLON, (1989: 168)

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Figura 7 - Celebração Eucaristica em Benoite Vaux

Fonte: BOILLON, (1989: 169)

Voltam a se reunir em 1946 e neste segundo retiro, por sugestão do padre François,

o Movimento passa a denominar-se Fraternidade Católica dos Doentes (Fraternité

Catholique des Malades).

L’équipe de Verdun est le centre du Mouvement. Bientôt,em 1946, deux

grandes infirmes, Simone et Annie, quittent leur famille et viennent renforcer

l’équipe de Verdun. C’est alors que naît projet d’avoir une foyer de Fraternité,

um foyer où l’accueil serait fraternel. Il serait la Maison de famille pour les

malades de Verdun, et um lieu de séjour tous ceux de l’exterieur qui

voudraient se refaire. Le désir est profond, le rêve est beau. Mais nous

n’avons ni Maison ni argent. J’em parlai à l’Evêque. C’est alors qu’une

grande Maison appartenant à l’Evêché, et qui avait été requisitionnée

pendant la guerre, se trouva libre. On s’y instala avec une confiance em la

Providence. Nous n’avions pas le moindre mobilier! L’Evêque était inquiet ...

Il fut rassuré quando il vit arriver mobilier et ravitaillement par la voie de la

Providence... (FRANÇOIS in BOILLON, 1989: 27, 28)32

32 A equipe de Verdun é o centro do Movimento. Logo, em 1946, duas deficientes, Simone e Annie,

deixaram as suas famílias e vieram reforçar a equipe de Verdun. Em seguida, nasce o projeto de

ter uma casa da Fraternidade, um lar onde a acolhida seria fraternal. Seria a casa da família para

os doentes de Verdun, um recurso para qualquer pessoa de fora que quisesse se refazer. O desejo

é profundo, o sonho é lindo. Mas não tínhamos nem casa, nem dinheiro. Falei com o Bispo. Em

seguida, uma grande casa pertencente à diocese, que tinha sido requisitada durante a guerra,

estava livre. Ele instala com confiança na Providencia. Nós não temos nenhum mobiliário! O bispo

estava preocupado ... Ele foi tranquilizado quando viu aparecer mobiliário e material por meio de

providencia ... (FRANÇOIS in BOILLON, 1989: 27, 28) (Trad. Nossa)

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Em 1955, torna-se Conselheiro Diocesano da Fraternidade. O Movimento toma

proporções internacionais e em 1960 surge a Fraternidade Católica Internacional

dos Doentes, durante o I Comitê Internacional, em Bury, com a presença de quatro

países: França, Alemanha, Bélgica e Suíça. Nesta ocasião, foi criada uma

Comissão Internacional Provisória. Em 1961, em Trêveris, Alemanha, no II Comitê

Internacional foi escolhida a primeira “Coordenação Internacional” sendo escolhido

o Pe. François como Conselheiro Internacional.

Com o passar do tempo, a Fraternidade expande-se cada vez mais, atingindo

outros continentes e, em 1967, nasce a Fraternidade no Peru, com Pe. Manuel

Duato, da Espanha. Em 1972, chega ao Brasil, sempre acompanhada, mesmo que

de longe, por François, que quebra todas as expectativas e prognósticos de vida.

Figura 8 - Pe François em seu gabinete de trabalho no Lar em Verdun – 1972.

Fonte: BOILLON, (1989: 167)

Ao longo de sua vida, alimentava o movimento com mensagens que anunciava um

Deus presente com a humanidade e especialmente no sofrimento. Ao mesmo

tempo incentivava os doentes e deficientes saírem de si mesmos e se voltarem aos

outros. Apontava a importância das pessoas doentes e deficientes e estimulava a

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ir ao encontro de outros na mesma situação. Como expressa esta mensagem de

natal do ano de 1947, com o título: VIVER EM ENCANTAMENTO

" Vocês encontrarão, num estábulo, uma criança envolta em / panos ".

Parece uma informação precária, mas foi o suficiente. Os Pastores o

encontraram. E desde essa primeira visita a Jesus muitos outros foram adorar

o Salvador junto a Maria e José.

Queridos doentes e deficientes, estou convidando-os para me acompanhar

numa visita ao Menino Jesus. Vamos visitar o presépio! Abandonem os leitos

e as cadeiras de rodas, desçam das alturas dos sanatórios e clínicas, saiam

deste hospital, cuja limpeza o torna ainda mais frio; fujam de seus quartos,

sombrios e úmidos. Há lugar para todos, portanto, para você também!

" O que vamos levar-lhe como presente? ". Vocês vão me fazer essa

pergunta. " O que vamos dar-lhe? " "Tenho umas moedas na minha bolsinha".

Tenho aquela xícara de leite e uns tabletes de açúcar, uns poucos

complementos alimentares ". "Uma canção? "" Uma prece que compus? "

Deixem tudo isso, queridos amigos, e venham comigo sem levar nada. Vamos

entrar. Há um mundo de pessoas, pois os doentes e deficientes não são os

únicos convidados. É preciso arranjarmos um lugar, nos colocarmos num "

canto. [...]

[...] Não acham ser muito mais conveniente agir assim? Para se ter sucesso

não é preciso capacidade intelectual, nem grande raciocínio, nem imaginação

brilhante, nem grande memória. Precisa-se somente do coração, mas não há

necessidade de espelho para nos vermos doando o nosso coração.

Se quiser continuar me seguindo, não limite seu "encantamento" à época do

Natal. Proponho-lhe vivê-lo sempre.

Dê seu coração ao Salvador, aos seus irmãos, e esqueça completamente de

você mesmo. Eu queria falar a cada um de vocês, mostrar-Ihes como realizar

esse "encantamento" por toda vida ...

Vou citar alguns exemplos típicos:

Você bem pode estar entre os doentes e deficientes que pouco podem se

queixar. Sua família e amigos o cercam, têm toda consideração por você.

Procure, então, dar uma vida tranqüila a todos aqueles que de você se

aproximam. Acabe com as exigências, perca o hábito de se queixar.

Demonstre seu reconhecimento, por menores que sejam as atenções que lhe

dispensem. Pense no bem daqueles que o visitam, interesse-se por eles e

esqueça seus próprios interesses. Você terá, então, uma vida de

"encantamento".

Ou, talvez, à sua doença você ainda tenha que acrescentar outra dificuldade:

a de ser "economicamente fraco". Além de ser um doente ou deficiente, você

tem que assumir, ao mesmo tempo, a responsabilidade de um trabalho,

portanto, você tem que esforçar-se muito mais do que as pessoas sãs.

Trabalhe com Jesus, siga Jesus, e dê aos outros o exemplo de uma vida

corajosa e aberta. Então você será também um "encantado".

Ou ainda, você pode ter muitos momentos de solidão. Viva com Cristo.

Ofereça tudo por seus irmãos. Sua alma ficará radiante de luz. Você torna-se

“encantado”.

Ou, quem sabe, você mora dentro de um desses abrigos de doentes em

hospitais e sanatórios. Cem vezes por dia você tem ocasiões de sofrer com a

doença ou a deficiência seus irmãos e irmãs no contato com eles. Nesse seu

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problema não é solidão, mas é uma bela ocasião de estar com outros,

esquecendo-se de si mesmo. Uma auréola de “encantamento” vai marcar sua

vida.

Se a palavra "encantamento" indica uma saída de si, ela também significa

alegria. Um "encantamento" triste nunca existiu. Essa vida dedicada fará sua

tristeza fugir para bem longe. Você não terá necessidade de procurar a

alegria, pois já a encontrou.

Você será a alegria de seu Salvador.

Você será a alegria dos outros.

E, vitorioso, você se achará preparado para falar, com alegria, de seu

reconhecimento pela vida fecunda que Cristo o faz levar. 33 (FRANÇOIS,

2003: 5-7)

Inspirado na Encíclica “Quadragésimo Anno” do Papa Pio XI: “os apóstolos dos

obreiros serão os obreiros...” foi espalhando por meio de suas mensagens:” os

apóstolos dos doentes e deficientes serão os doentes e deficientes”. Espalhou esta

convicção através das mensagens de Natal e de Páscoa dos anos de 1947 a 1985

que alimentaram e alimenta a Fraternidade até agora. Elas eram reproduzidas e

serviam de reflexão em todas as partes do mundo onde havia a Fraternidade. Na

Páscoa de 1961 ele envia a mensagem incentivando a sair de si mesmo e ousar, ir

em direção ao outro, com o título “Aquele que ousa é como uma árvore ao vento

solidariamente enraizada – ousar ... para ser.”34 Inicia com a frase de Turgot “

Aqueles que não ousam sair com medo de quebrar uma perna, como não saem é

como se tivessem quebrado as duas” 35(FRANÇOIS, 2003:123). Algumas partes,

desta mensagem, merecem ser ressaltadas para demonstrar a forma como se

dirigia aos seus companheiros da Fraternidade.

[...] Vocês perceberam, queridos amigos, que esta frase tem um sentido simbólico e devemos, então, desenvolvê-la.

Não querer sair, é não quere sair de si mesmo, não ousar ir aos outros, não ousar dialogar com os outros, resumindo, não ousar se fraternizar com os outros.

E o motivo é bem claro: temos medo de nos prejudicar.

33Texto em francês, em (BOILLON, 1989: 89)

34CELUI QUIOSE C'EST L' ARBRE DE PLEIN VENT SOLIDEMENT ENRACINE

OSER ... POUR ÊTRE (BOILLON, 1989: 197)

35 «Ceux qui n'osent pas sortir de peur de se casser les jambes, comme ils ne sortent pas, c'est

comme s'ils s'étaient cassé les jambes» (Turgot). (BOILLON, 1989: 197)

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[...] recusar diálogo com os outros, não é apenas recusar agir, é recusar ser.

Ser, é atingir a idade adulta, assumir toda a responsabilidade. Aquele que não ousa, está incompleto. Há nele possibilidades que se atrofiaram. Observem aquele que nunca exercita um membro, em que estado ele fica! Aquele que há anos está acamado, quando se levanta, não consegue dar nem mesmo alguns passos sozinhos, seus músculos estão flácidos.

[...] então, vocês, doentes e deficientes, que passam por pessoas que são menos, mesmo que não sejam, apareçam, claramente, como aqueles que são porque ousam Ser, e que levam, ao mundo, a vida. (FRANÇOIS: 2003:123, 124).

Sua última mensagem de Natal foi em 1985, “Amour Fou” (Amor louco) dois meses

antes de sua morte. Além das destas mensagens para as datas importantes da

cristandade, existem muitas outras que foram pregadas nas Assembleias e

reuniões continentais da Fraternidade. Suas mensagens anunciam um Deus

sempre presente na vida e ao mesmo tempo que incentivam aos doentes e aos

com deficiência a sair de si mesmo e a se voltarem aos outros. Aponta a importância

da pessoa doente ou com deficiência e estimula a ir ao encontro do outro. Mantinha

correspondência com fraternistas espalhados pelo mundo. Continuou como

Conselheiro e Conselheiro fundador até o ano de 1980, quando sua saúde já estava

muito debilitada, mas não deixou de manter suas correspondências, como a que

segue:

Verdun, 29 de dezembro de 1984

Querido Amigo, Fiquei muito feliz em receber tua carta. Estou muito contente pelos fortes laços

de amizade que existem entre nós. São sólidos porque são para o bem de

muitos doentes e deficientes. Nós os ajudamos a se tornarem vivos e

irradiantes nos locais onde moram.

Asseguro-te minhas preces por ti e por toda tua família.

No mês de janeiro, a Equipe Intercontinental vai se reunir aqui em casa. Estou

feliz por vê-las e certamente falarão da América Latina.

Estou muito feliz por ver como ela está se desenvolvendo bem no continente.

Tu desempenhas muito bem teu papel de responsável. Que Deus te dê força e

inteligência para bem realizá-lo.

Reafirmo toda minha amizade e, de todo coração, abraço-te e abençoo toda

tua família. (FRANÇOIS, 2003: 414) (grifo nosso)36

36 Carta enviada ao Coordenador Latino-Americano, Luiz Itamar. A original encontra-se no acervo

da FCD/BR, na Casa da FCD em Porto Alegre. Foto nos Anexos

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Figura 9 – Visita de Luiz Itamar e Pe Geraldo a Henri François - 1985

Fonte: BOILLON, (2001: 17)

Figura 10 - Uma das últimas Missas... em Verdun – dezembro de 1985.

Fonte: BOILLON, (1989: 166)

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Sempre com a saúde débil, mas com disposição e fé, alcança os 88 anos de vida.

Veio a falecer em 03 de fevereiro de 1986, em Verdun.

Les obsèques furent célébrés le 6 févrie dans la Cathédrale. L’employé des Pompes Funèbres était presque scandalisé du cercueil choisi pour lui:” C’est le cercueil des indigentes!”. Mais cetait as volonté formelle exprimée dans son testament. Ce cercueil desapin das cette cathédrale remplie comme aux grands jours avait son éloquence. Eloquente aussi la couronne des viturettes d’handicapés qui l’antouraient . La Fraternité de tuote le Meuse átait là, mais aussi des representetants d’un grand nombre de diocese, d’Allemagne, d’Austriche, de Belgique, de Suisse, d’Espagne. C’était leur père qui une fois encore les rassemblait. Som frère et sa proche famille était au premier rang, tandis que son neveu Bernard allait assiter, les filles de Notre Dame de l’Offrande, et particulièrement celes qui l’accompagné pendant son interminable chemin de Croix. Etaient là également les anciennes responsables internacionales entourant l’actuelle qui, ayant la veille enterré sa propre mère, avaint tenu à être là pour ce dernier adieu. Etaient là aussi ceux qu’il appelait ses “copeins”, une larme au coin de l’oeil. (BOILLON, 1989: 76)37

A descrição de seu funeral retrata a importância do Pe. François no movimento da

Fraternidade e na vida das pessoas que tiveram contato com ele. A última frase de

François foi: Eu me alegro em deixar este mundo, com a certeza de deixar atrás de

mim, a Fraternidade, Movimento de Evangelização” (FRANÇOIS. In:

DOCUMENTO BASE, 2006: 4)

37 As exéquias foram celebradas no dia 6 de fevereiro na Catedral. O empregado da funerária ficou

escandalizado com o caixão escolhido. “É caixão de indigente”. Mas fora vontade formal expressa no seu testamento. O caixão de pinho, dentro da Catedral repleta como as grandes datas, tinha sua eloquência. Expressiva era também a coroa de cadeiras de rodas dos deficientes que o cercavam. A Fraternidade de toda Meuse ali estava, bem como representantes de um grande número de dioceses da Alemanha, Áustria, Bélgica, Suíça e Espanha. Era o pai deles que mais uma vez os reunia. O irmão e os parentes marcavam presença, e o sobrinho Bernardo ajudava o Bispo na celebração. Sua família espiritual, as filhas de Nossa Senhora da Oferenda e, particularmente as que o acompanhavam em sua interminável via sacra, lá estavam, também, os ex-Responsáveis internacionais e a atual, que na véspera, enterrara a própria mãe. Todos faziam questão de lhe dar o último adeus. Também lá se encontravam seus “companheiros", com lágrimas nos olhos (BOILLON, 2001: 84).

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3 2 - O que é a FCD?

A FCD - “Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência” é um

movimento internacional e ecumênico de Apostolado Leigo, de natureza

promocional, no qual os próprios doentes e deficientes assumem sua

direção e se encarregam de sua difusão. (DOCUMENTO BASE, 2006:5)

É assim que se define a FCD no Brasil, a partir do Documento Base da FCD,

aprovado na VII Assembleia Nacional, realizada em fevereiro de 1988, em Cuiabá

(MT). Porém ela tem seu nascedouro em meados do século XX, na Europa,

estreitamente ligada a história de vida do Padre Henri François. Poderia se dizer

que deu seu primeiro passo em 1929, com sua ordenação e devolução para a

família devido a sua saúde frágil. Começa a estender suas pegadas em 1942,

quando pároco de Saint-Victor assume cumulativamente a capelânia do Hospital

de Saint-Victor e delega sua tarefa de visitação às três mulheres, doentes ou

deficientes , que aceitaram o desafio. No entanto, esta caminhada foi oficialmente

reconhecida a partir de 1945. Data que é celebrada como da fundação da FCD.

Figura 11 - 1º Retiro em Benoite-Vaux, 1945

Fonte: BOILLON, (1989: 169)

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3 2 1 - Contextualização

Poder-se-ia considerar que a sementinha da Fraternidade tenha sido plantada em

1942, quando o Pe François foi nomeado capelão do Hospital de São Vitor. Porém

é importante ressaltar que François inicia sua formação sacerdotal vivendo o

contexto da 1ª Guerra Mundial, que vai de julho 1914 a novembro de 1918. Esta

guerra envolveu as maiores potências mundiais. Calcula-se 70 milhões de

soldados envolvidos, além dos civis.

Mais de 1,3 bilhão de projéteis de artilharia, canhões, obuses e morteiros foram usados durante o conflito, mostrando o papel essencial da artilharia, incluindo o famoso canhão Big Bertha. Bombardeios causaram 70% da morte de militares.

O uso de capacetes metálicos aumentou, mas não fez tanto efeito. Os soldados voltavam para casa amputados, mutilados, envenenados, cegos e desfigurados. (UOL, 2014)

No final de 1916, quando é acometido pela tuberculose que o afasta por dois anos

de seus estudos de preparação sacerdotal, volta ao seminário na diocese de

Verdum. Na região onde aconteceu, em 1916, uma das mais longas e mais

sangrentas batalhas da 1ª Guerra Mundial. “As emblemáticas batalhas de Verdun

e do Somme, travadas em 1916 na França, provocaram, respectivamente, 770.000

e 1,2 milhão de baixas (mortos, feridos e desaparecidos), dos dois lados”

(em.com.br Internacional, 2014). Calcula-se que na Batalha de Verdun, em média

mais de mil pessoas por dia, perderam a vida, esfacelados pela violência das

armas. Explosões que pulveriza soldados.

Entre os incontáveis monumentos aos 300 dias de Verdun, nenhum é tão impressionante quanto o Ossário de Douaumont, erguido em 1927 diante do forte mais poderoso e setentrional da zona de batalha. Na torre principal dessa sepultura de massa jazem os restos mortais de cerca de 130 mil soldados franceses e alemães, todos desconhecidos. Até hoje ainda são depositados lá ossos da época, achados por acaso em jardins, campos e bosques da região. Para a França e os franceses, a catástrofe de Verdun é superposta hoje pelo sentimento de vitória, uma vitória de defensiva, segundo o lema de Pétain: "On ne passe pas!" – "Aqui não se passa!" (DW made for ninds, 2016)

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Em 1922, terminando seus estudos, volta para a família em Lingy, logo após a

guerra e encontra um mundo que não conhecia.

Filho de uma família burguesa, nunca tinha visto, tão de perto, o mundo da pobreza e mesmo da miséria, pois nessa época, a Seguridade Social não existia, e a doença de um operário o colocava imediatamente na condição de mendigo. Isso para um sacerdote recém ordenado, uma revolução, um choque que iria ter um papel importante na sua vida. (BOILLON, 2001: 23)

Foi neste contexto de destruição, de morte, de desesperança que François, foi

também desacreditado. Para ele não tinha esperança, estava condenado, era só

esperar um tempo que não tardaria a chegar. E ele saiu, foi visitar, visitar, visitar e

viu renascer a esperança e o reacreditar no ser humano. E certamente isto deu-lhe

um sentido para viver. E como disse Pe. Geraldo38, dirigindo-se aos fraternistas na

Assembléia Estadual da FCD, em São Paulo: “Ele começou a trabalhar ele tinha

essa ameaça da tuberculose que na época matava. E ele esqueceu de morrer foi

morrer aos 87 anos, puro esquecimento, não se lembrou que estava com esse

compromisso de morrer.”

Como não morreu, em 1929 foi designado para a paróquia de Faíns. Em 1932, foi

designado capelão psiquiátrico. O reconhecimento de seu trabalho, tanto na

paróquia como no hospital se espalhou e em 1937, foi nomeado para vigário de

Saint Victor.

São Vitor era uma das cinco paróquias de Verdun. Era a mais populosa. Tinha cerca de 4 000 habitantes, sem contar os importantes quartéis. Na paróquia estava o Carmelo, fundado depois da guerra de 1914-1918, para que fosse um lugar de oração permanente, nesta terra dolorosamente, ensanguentada. (BOILLON, 2001:30)

Em 1939, ainda em meio ao cenário de destruição eclode uma nova Guerra

Mundial, vai de 1939 a 1945. Europa é novamente palco de destruição e a França

da mesma forma. Isto vai interferir no seu trabalho sacerdotal. Em 1940, por ocasião

da invasão alemã, a cidade de Verdun teve que ser evacuada.

Como Bom Pastor, acalmou as angustias, ajudou a organizar a as saídas por causa da catástrofe, conduzindo em seu carro os idosos e as bagagens até a estação. Saiu por último com as carmelitas numa aventura pitoresca que vale a pena relembrarmos, pois foi o ponto de partida para a amizade entre ele e o

38 Pe. Geraldo (Geraldo Marcos Labarrère Nascimento) é o atual Conselheiro da FCD, no Brasil.

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Carmelo, que veio a ter um papel importante para o resto de sua vida. (BOILLON, 2001:31)

No mesmo ano por insistência da Madre Germaine, Madre Superiora, fundadora do

Carmelo de Verdun, voltam para Verdun e se instalaram no Carmelo, ainda

interditado. Em 1943, sua irmã Madeleine, religiosa Franciscana Missionaria de

Maria, foi morta, junto com toda comunidade, atingida por bombas italianas, em

Alger.

É neste contexto de guerra, destruição e miséria que esta sementinha chamada

FCD, começa a ser gestada e já como uma grande força de vida. O quese percebe

nos dados publicados sobre as duas grandes guerras, é que o que é contabilizado,

via de regra, é o número de mortos, deixando pra traz o rastro de destruição de

vidas, pessoas que perderam parte do seu corpo, que perderam seus queridos e

passam a viver a dor desta perda, os que sofrem ao longo do tempo da guerra e

até as futuras gerações que sofrem ou sofrerão pelo efeito das querras químicas.

Não se contabiliza a multidão daqueles e daquelas que ficam destroçados à beira

do caminho ou são colocados nas casas para militares feridos de guerra e perdem

o direito a viver com os seus e até de prover o seu próprio sustento ou de sua

família. Sem falar nos civis atingidos pelos horrores da guerra e que não estão

envolvidos e nem queriam estar.

A reflexão do Pe Geraldo falando de sua visita ao Pe François:

eu tive a oportunidade de conhecer o François. Eu estive em Verdun, bem no

finalzinho, pouco antes dele falecer. Em Verdun, ele morava. É uma cidade

cemitério, tem centenas de cemitérios. O que significa uma cidade de

cemitérios depois da Guerra violenta, que não era uma guerra de matar de

longe, era uma guerra de matar de perto, não havia tantas bombas, então era

na baioneta, era na proximidade, era eu matar alguém mesmo. Isso arrasa na

pessoa, com o Marcos falava, arrasa na cabeça, arrasa fisicamente, mas

arrasa mais na cabeça. Arrasa na cabeça em que ponto? Arrasa na cabeça a

esperança que a gente tem na pessoa humana. Quem é que não conhece uma

pessoa que ela mesma acha que é boa, fulano de tal acha que é muito bom.

Se destruírem isto na minha cabeça, destroem ao mesmo tempo a capacidade

que eu tenho de me achar bom.39

39 Pe. Geraldo (Geraldo Marcos Labarrère Nascimento) é o atual Conselheiro da FCD, no Brasil. Falando se sua visita ao Pe François e sua impressão a respeito da cidade de Verdun.

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Neste sentido podemos dizer que a Guerra, não só produz morte, deficiências

físicas, mentais, emocionais, causa também a “deficiência em SER”. Porém, a força

de vida, como uma sementinha que germina em meio aos escombros, cresce e não

se deixa contagiar pelas guerras e continua a acreditar e reacreditar. Trouxe

encantamento, conforme sua mensagem para o Natal de 1947 (p5-7). Este

encantamento chegou aos quatro cantos da Terra.

Em 1946, quando se reuniram para o segundo retiro o movimento já havia se

expandido a toda diocese de Verdun. Neste encontro, o movimento passa a ser

denominado Fraternidade Católica dos Doentes (FraternitéCatholique dês

Malades). Em 1949, acontecem os primeiros encontros de estudo com participantes

de dioceses vizinhas.

A Assembleia de Cardeais e Arcebispos (Igreja Católica) autoriza, em 1952, a

existência da Fraternidade Católica de Doentes. Ela ganha impulso dentro da

França e fora dela. Em 1957, iniciam os contatos e implantação na Bélgica, na

Alemanha e na Espanha, já tendo passado para Suíça, Áustria e Madagascar. Em

1966, acontece em Strasbourg, o I Congresso Internacional, que segundo o próprio

François, é marca de uma etapa importante. Além de salientar a unidade e a

profunda fraternidade do Movimento, dá origem e expansão da fraternidade na

América Latina. O padre Manolo Duato, jesuíta espanhol, parte para o Peru e ali,

em 1967, inicia o trabalho da Frater que vai daí para o Brasil, Argentina, Colômbia,

Guatemala e México. Pe. Duato sofria com uma enfermidade vascular que o levou

a passar por 17 cirurgias. Com sua vasta experiência do sofrimento, trabalhou com

amor e afinco semeando a Fraternidade por todos os países da América Latina,

sempre com um vivo amor ao próximo irradiando alegria e fé.

Com o passar do tempo, surgiram protestos quanto ao nome. As pessoas com

deficiência não se consideravam doentes. Então passou-se a chamar Fraternidade

Católica Internacional de Doentes e Impedidos. Um pouco mais tarde,

considerando que a palavra “Impedido” era inadequada, foi mudada para

Fraternidade Católica de Doentes e Deficientes, em 1972. Surge outro problema

em relação ao nome. Com a expansão do movimento, chega a países de

ascendência protestante como: Alemanha, Holanda, Suíça, talvez na América

Latina, passando a fazer parte da Fraternidade doentes e deficientes protestantes.

Por decisão comum, em 1974, no VI Comitê Internacional, a partir de uma visão

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ecumênica da situação das pessoas com deficiência e sua participação no

Movimento, além da percepção de que a deficiência e a doença são ecumênicas,

atingem pessoas de todos os credos, passa a denominar-se Fraternidade Cristã

Internacional de Doentes e Deficientes.

Isso só podia nos alegrar. Mas havia dois perigos a evitar: fazer do Movimento

um instrumento de proselitismo para atrair os protestantes ao catolicismo, ou

escorregar numa confusão onde desaparecessem todas as diferenças. Pe.

François havia estudado, dentro dessa perspectiva, os textos conciliares,

chegando a conclusões sábias: caso os protestantes viessem para o

Movimento, que o fizessem em união com seus pastores e que estes pudessem

ser convidados para os Encontros gerais. Por outro lado, era preciso que, pela

oração comum, se evitasse o que dividia. Todavia, para Celebração

Eucarística, haveria separação, a fim de que se conservasse a fidelidade à fé

de cada confissão e a disciplina da Igreja Católica. (BOILLON, 2001:67)

Atenta aos sinais dos tempos e participante dos movimentos sociais, a FCD tem

demonstrado na sua própria identificação, em seu nome, como se apresenta

adequando-se às mudanças e as exigências que a sociedade e, em especial, as

pessoas com deficiência exigem e demostram sua postura no mundo. Diante disso,

ao longo do tempo, tem alterado seu nome, sua identidade civil. Hoje denomina-se:

Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Já se ouve algum questionamento

sobre o termo Cristã, tendo em vista que participam pessoas que fazem parte de

outros movimentos religiosos que não necessariamente se considerem cristãs,

especialmente no Brasil. Atualmente, já tem tomado providencias práticas para que

esta questão seja tratada, está sendo programada uma reunião intercontinental

para acontecer até o final de 2018, segundo comunicação de Giovanni à

Assembleia Estadual no Rio Grande do Sul, quando do seu relatório sobre a

Assembleia Continental (continente Latino-Americano) realizada em Honduras, em

fevereiro de 2017.

Eu fui eleito como delegado para um comitê internacional que vai acontecer na Europa, neste ano ou provavelmente o ano que vem pra decidi umas questões lá de estatuto, de mudança de nome da federação, Fraternidade que eles querem tirar o termo cristão, porque tá Europa, tá na África e em outros países que tem religiões diferentes como: budistas, muçulmanos, judeu, cristão, evangélico ... então foi discutido lá nessa assembleia. (Giovanni – Coordenador Nacional da FCD no Brasil)

A Fraternidade se vê como um movimento, pois não é uma obra social que se reúne

para realizar uma ação beneficente em favor de alguém, nem tão pouco uma

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associação, porque não tem associados, que se inscreva para cumprir estatutos e

pagar mensalidade.

As pessoas profundamente atingidas por um ideal vivem esse ideal!

...irradiando-o por todo seu ambiente .... Um movimento é alguma coisa em que

sempre há o que se fazer e aperfeiçoar... E é justamente isso que a

Fraternidade quer criar entre todos os deficientes: uma fraternidade conforme

o Evangelho.

Os doentes e deficientes deixam seu isolamento, desabrocham, assumindo

plena e ativamente seu lugar na vida, de acordo com o plano de Deus a seu

respeito. (FRANÇOIS, 2000: 10)

É um movimento que se mantém pelo protagonismo da própria pessoa doente ou

deficiente, anônimas ou não. Muitas delas tiveram grande protagonismo na

expansão do movimento e muito mais que isso contribuíram para o resgate de

muitos e muitas para a vida e vida com dignidade. Segundo palavras do próprio

François na sua luta de desvincular a Fraternidade da tendência de torna-la uma

instituição caritativa ou uma obra social: “a Fraternidade não prende o doente a ela.

Não lhe pede adesão nenhuma. Ela somente quer ele renasça, que cresça na

realização do plano de Deus em relação a ele.”40(FRANÇOIS apud BOILLON, 2001:

38)

O trabalho atingiu todos os continentes, está estabelecido em aproximadamente 45

países. Na Ásia ainda está na fase de contatos com Taiwan e com a India.

Il y a 3 groupes à Taiwan. Il est prévu pourl'année prochaine faire une visite aux membres de la Fraternité pour en définir les activités. Visites aux pays: la Chine (novembre 2016), Philippines (17 Février), le Japon (17 mai). Cette année, on prévoit de faire 2 ou 3 visites em Chine pour stimuler l'esprit de la fraternité. On suggère à Taiwan de développer un programme de formation et d’autres activités. Cela peut renforcer les groupes et la participation des membres. (LETTRE AUX NATIONONS No 22)41

40Mais Ia Fratemitén 'attache pas le malade à elle-même. Elle ne lui demande aucun eadhésion. Elle veut seulement qu'il revive, qu'il avance um peu dans Ia réalisation du plan de Dieu sur lui.(FRANÇOIS apud BOILLON, 1989: 29) 41 Existem 3 grupos em Taiwan. Está previsto para o próximo ano uma visita aos membros da Fraternidade para definir as atividades.Visitei os países: China (novembro de 2016), Filipinas (Fevereiro de 2017), Japão (maio de 2017). Este ano está previsto 2 ou 3 visitas à China para estimular o espirito da fraternidade. Sugerimos a Taiwan desenvolver um programa de formação e de outras atividade. Isto pode reforçar os grupos e a participação dos membros. (Carta às Nações, publicada pela Fraternidade Cristã Internacional de Pessoas com Deficiência) (trad. Nossa)

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Esta trajetória alicerça-se em sete princípios fundamentais, que, por sua vez, são

baseados nos princípios que foram definidos desde seu nascedouro pelo Pe.

François, que estabelecem a forma como deve funcionar, estabelece claramente a

motivação, a quem se dirige, como, para quê e qual a animação42. A Fraternidade:

1) fundamenta-se no espírito da fraternidade evangélica;

2) dirige-se a todos os doentes e deficientes;

3) cria laços pessoais e comunitários entre doentes e deficientes;

4) desenvolve integralmente os doentes e deficientes;

5) ajuda o doente e o deficiente a se integrar em seu meio;

6) tem vida através das equipes de Fraternistas Responsáveis: doentes e

deficientes;

7) recebe animação espiritual, através principalmente dos conselheiros, que

participam ativamente na vida das equipes. (FRANÇOIS, 2000: 11, 12)

Como a Fraternidade é um movimento que está espalhado por várias partes do

mundo, em cada lugar ela sofre ajustes para se adequar a cada realidade. Porém,

há quatro características que não podem mudar:

1. Os contatos pessoais – estes contatos se dão através da visitação que toca na

pessoa doente ou com deficiência que está à margem da sociedade, à margem da

vida. É um contato que cria laços de amor fraternal: universal; gratuito; recíproco;

criador; vai aos menos amados.

42PRINCIPES FONDAMENTAUX: La Fraternité s’appuie sur sept príncipes fondamentaux. Mais il

ne faut pas les mettre l’um endessous de l' sans explication. Ils ont un ordre logique. Le voici:

D’abord, il y a un ESPRIT qui anime tout ce qui se fait: 1. La Fraternité mise à fond sur l’esprit de

Fraternité évangélique. Cet esprit, il faut le livre pratiquement. C est pourquoi le príncipe suivant dit

à qui la Fraternité s´adresse. POUR QUI? 2. La Fraternité va à tous les malades et handicapés. La

Fraternité dit comment elle agit: COMMENT? 3. La Fraternité crée des liens personnels et

communautaires entre malades et handicapés. La Fraternité exprime SON BUT: POURQUOI? 4.La

Fraternité épanouit les malades et handicapés. 5. La Fraternité aide le malade et handicapé à

s’intégrer a son milieu. Mais son Esprit ne peut se propager et se maintenir qu’avec un minimum de

structure. A cette âme, ilfaut un corps. Donc: ANIMATION 6. La Fraternité vit par des equipes de

responsables maladies et handicapés. 7.La Fraternité reçoit son animation spirituelle principalement

des aumôniers qui participant activement à la vie des équipes. ( Extraído do livreto "LEVE-TOI ...

ET MARCHE" de Monseigneur FRANÇOIS. (FRANÇOIS, 2000)

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2. O fato da fraternidade não ser uma associação, mas um movimento – François

em seu livreto Leve-toi ... et Marcheargumenta que a Fraternidade não é uma

associação porque não tem associados e ninguém é excluído por falta de

fidelidade. Não é uma obra social, porque na obra social as pessoas se reúnem

para realizar alguma obra beneficente para suprir alguma carência e oferecem :

dinheiro cuidados, etc.

É um movimento porque os fraternistas criam laços responsáveis, com outros

doentes e deficientes. E, estes deixam seu isolamento, desabrocham, assumem

em plenitude seu lugar na vida.

3.A inquietude da evangelização – “Para Pe. François, era básica e essencialmente

um Movimento apostólico, cuja finalidade era ir a todos os doentes, tal como numa

caminhada de evangelização.” (BOILLON, 2001: 46) “... cultivar uma espiritualidade

de ressurreição em vez de resignação; fazer com que os doentes não se sentissem

mais assistidos, mas responsáveis.” (BOILLON, 2001: 47) “ Se a Fraternidade ajuda

o doente a encontrar o Senhor, ela merece tomar seu lugar como o grande

movimento de evangelização do mundo moderno. Se não for assim, que ela

desapareça! ...” (FRANÇOIS apud BOILLON, 2001: 49)

4. A equipe de Coordenação: A Equipe de Coordenação deve ser constituída

predominantemente de pessoas doentes e de pessoas com deficiência, tanto a

nível local, regional, Nacional, continental ou intercontinental. (Organograma em

Anexo)

Outro aspecto que não se pode deixar de abordar é a importância dada pela FCD,

desde o início com o primeiro grupo que se sentiu desafiado pelo Pe François, é a

atenção dada à formação. O próprio François deixou esta marca a partir das

reuniões mensais realizadas com o grupo, em que o compartilhar das vivencias se

tornavam uma capacitação mútua. Esta marca permanece até hoje. A FCD por toda

parte tem um programa de formação próprio fundamentado nos ensinamentos e

documentos deixados pelo fundador, materiais produzidos pelos comitês

Internacionais, continentais e nacionais. Há promoção de cursos específicos ou

participação em outros espaços de formação que tratam de assuntos pertinentes

ao grupo, tanto no que diz respeito às questões da deficiência ou assuntos

referentes a problemas socioculturais. A Fraternidade Cristã Internacional de

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Pessoas com Deficiência produziu uma publicação em seis idiomas(Français,

English, Deutsch, Español, Português e Magyar) com o objetivo de divulgar as

decisões da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e também

capacitar aos Fraternistas a partir de sua identidade a porem em prática estes

direitos e atentar para o respeito aos mesmos. Este material foi publicado

reproduzindo o tema do V Comité Internacional da Fraternidade Cristã de Pessoas

com Deficiência, acontecido em agosto de 2010, na cidade do Porto (Portugal).

Em nível continental, América Latina, foram publicados dois cadernos com o Plano

de Formação para o continente. O primeiro trata os temas mais pertinentes à

atuação da FCD como: contatos pessoais e visitas; temas relacionados às questões

da deficiência e suas consequências na perspectiva de resgate da pessoa;

apresentação da Fraternidade e outros textos. O segundo caderno apresenta três

grandes temas subdivididos em vários outros temas: 1. Formação humana e

crescimento na fé; Fraternidade, aldeia global; Espirito Ecumênico. Este material

está traduzido para o português e tem servido de suporte para a formação dos

fraternistas no Brasil, junto com o Documento Base.

Os cadernos do Plano de Formação na América Latina (traduzidos para o

Português), o Material sobre a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência

e o Documento Base são a base para a formação da FCD/BR.

Ao longo de todos estes anos a FCD tem se esforçado em cumprir as

recomendações do Pe François: “ e mais, que cada país dê prova de sua

imaginação para deixar bem marcado este ano... Sempre com o mesmo objetivo:

fazer de nossos irmãos doentes e deficientes... seres vivos ...43(FRANÇOIS, 2003:

228)

43 “Em plus, que chaque pays fasse preuve d’imagination pour marquer cette annèe ... Toujours

le même objetctive: Faire de nos frères malades ou handicapés ... des Vivants ... (FRANÇOIS. In:BOILLON,1989: 291) segundo a tradução para o português das mensagens de Henri François, esta frase faz parte da Circular Internacional, em outubro de 1980, enviada por François, quando deixa sua função de Conselheiro Internacional.

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3 3 - FCD NO BRASIL

3 3 1 - Como começa e com quem?

A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, ou a Frater (como é chamada

carinhosamente por seus participantes) chega ao Brasil através do seminarista

Vicente Masip. A primeira reunião aconteceu na Casa Paroquial Nossa Senhora da

Conceição, em São Leopoldo, no dia 12 de junho de 1972. Nasce aqui ainda com

o nome de Fraternidade Católica dos Doentes, tendo, entre os cofundadores,

Zenilda de Lourdes da Costa (Nida), Helena Inácia da Silva (Heleninha), José

Eugenio Berner.

Figura 12 – Casa Paroquial Nossa Senhora da Conceição

Foto: JAINES; SCHUCK, (1982: 24)

3.3.1.1 Quem são estes?

Vicent Masip nasceu em Carcagente (Valencia, Espanha) no dia 11 de junho de

1947. Ingressou na Companhia de Jesus em 1965. Chegou ao Brasil em 1969,

estudou teologia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio

Grande do Sul. Foi ordenado sacerdote em 1974.

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Figura 13 - Vicente Masip com um fraternistas

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 23)

Segundo relato de Pe. Geraldo, que foi seu colega de formação para o sacerdócio,

Masip conheceu o Pe. Duato, quando este esteve São Paulo e passou pela

Faculdade de Filosofia onde estudava.

Quando eu estava na filosofia, ...aqui o Masip era colega meu na filosofia,

passou por são Paulo e nos deu uma palestra o Padre Manoel Duato. Quem

fundou no Peru, exatamente. É... Ele chamava Padre “Quitapenas,” porque...

ele... tinha muitas operações, muitas doenças e conseguia ainda ser alegre,

conseguia ser... beleza, ter iniciativa, criatividade e tal. Então, chamavam a ele

de Padre Quitapenas.

Ele passou na Faculdade de Filosofia e nos deu uma palestra sobre

movimentos com deficientes e tal. Eu participei dessa palestra, mas eu nessa

época já estava ligado a parapsicologia com Quevedo. E... Então, o Vicente

não tinha um trabalho escolhido né, ... nas próximas férias que ele teve, pediu

licença ao provincial para fazer um estágio lá no Peru, pra conhecer melhor

esse trabalho, que ele achou interessante, gostou não sei quanto, e ele recebeu

essa... essa... licença e foi, passou no Peru um mês.

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Em 71 nós fomos para a teologia no Rio Grande do Sul, ele também, eu e ele,

e 72 ele começa a fraternidade em São Leopoldo. e eu daí de novo eu me

conectava. Porque daí eu ajudava, descia o pessoal das kombis, do carro,

ajudava a levar, a trazer, essas coisas. Não tava trabalhando com eles mais

tinha esse envolvimento aí. (Pe. Geraldo)44

Em 1971, viaja para o Peru e lá tem contato direto com o movimento da Frater

através de Pe. Duato, que era Conselheiro do movimento. De volta ao Brasil, inicia

um trabalho de visitação e realiza a primeira reunião, em 12 de junho.

Estas três pessoas são consideradas cofundadoras da Fraternidade, no Brasil.

Figura 14 - NIDA

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 173)

Zenilda de Lourdes da Costa (Nida) – nasceu em São Sebastião do Caí, no dia 5

de março de 1935. Aos 5 anos de idade, em consequência de uma queda, ficou

com deficiência física. Foi a primeira responsável do primeiro Núcleo da FCD no

Brasil, em São Leopoldo. Ela desempenhou a função por 4 a 5 anos, sempre com

dinamismo, alegria e otimismo. Junto à sua função no movimento, cuidava da casa

e dos nove irmãos. Faleceu em janeiro de 1977, vítima de derrame cerebral.

44Pe Geraldo em entrevista à pesquisadora em 1º de março de 2017

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Figura 15 - HELENINHA

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 174)

Helena Inácia da Silva (Heleninha) - nasceu em 15 de junho de 1929. Vitimada por

paralisia infantil aos 9 anos de idade, passou 41 anos em cadeira de rodas. Foi, por

5 anos, responsável pelo Núcleo de Sapucaia do Sul, RS, cidade vizinha a São

Leopoldo e incentivadora da responsável pelo núcleo em Esteio, Tia Pierina. Ao

conhecer a Fraternidade, sua vida se transformou. Dedicou-se com fidelidade, amor

e carinho ao movimento, com muito esforço para escrever, pois sua mão não

segurava a caneta. Organizou seu núcleo elaborando um fichário das pessoas com

deficiência. Escrevia cartas regularmente ao programa de rádio “Hora da Alegria”45,

programa semanal da FCD, em São Leopoldo.

“Cada vez que me encontro com meus amigos dá mais vontade de trabalhar. Vou levando a vida com fé, esperança e caridade, com otimismo, não olhando para trás. A graça do Divino Espirito Santo que me trouxe esta grande alegria. Para tudo que vou fazer, peço a graça de Jesus, Maria e José e Divino Espirito Santo. Tudo que faço é por amor a nosso bom Deus, assim vou cumprindo minha missão, fazendo a vontade de nosso Criador, a vida é bela e digna de ser vivida.” (HELENINHA in: JAINES, 1982: 174)

45 HORA DA ALEGRIA foi o primeiro programa semanal de rádio da FCD de São Leopoldo, indo ao ar no dia de 15 maio de 1973, há pouco menos de um ano do início das atividades da FCD no Brasil.

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Figura 16 - JOSÉ BERNER

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982:26)

Quanto a José Berner há pouca informação. No livro Dez Fraternos Anos no Brasil

os autores citam-no como um dos fundadores. Referem que ele era do Lar São

Francisco e que trabalhou desde o início da Fraternidade. O núcleo do Lar São

Francisco foi um dos primeiros a serem criados, ainda no ano de 1972. Certamente

este fraternista teve papel importante neste núcleo. Seu nome consta também

como um dos representantes de São Leopoldo, na 1ª Assembleia Nacional da

Fraternidade.

3 3 2 - Em que solo germina?

Com a dedicação e esforço destas pessoas, até então anônimas, começa a

germinar a sementinha da FCD em solo brasileiro, gaúcho e leopoldense. São

Leopoldo é um município relativamente pequeno em área territorial, porém com

grande desenvolvimento industrial e econômico com aproximadamente cem mil

habitantes. Seu desenvolvimento se deu principalmente pela implantação de

indústrias fornecedoras de insumos para as fábricas de calçado que se instalaram

na região, hoje chamada de zona calçadista. A marca de sua produção é na

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indústria da borracha. Nasceu fortemente marcada pela imigração alemã, que

aportou às margens do Rio dos Sinos em 1924, trazendo sua cultura e suas crenças

religiosas. Ao longo do tempo, a religiosidade católica como protestante têm

firmado suas pegadas neste município, tanto no que diz respeito às questões de fé

como na educação. É importante ressaltar que, durante os anos de construção e

implantação da comunidade leopoldense, foram vividas experiências muito fortes

de uma boa convivência assim como experiências muito duras como, por exemplo,

o episódio dos Muckers, uma verdadeira guerra política e religiosa.46

Por parte da Igreja Católica, a comunidade deve a influência às congregações

Jesuítas e Franciscanas. O município sedia a UNISINOS, importante universidade,

e o Colégio Cristo Rei, que foi centro de formação de centenas de Sacerdotes e

Bispos brasileiros. No final dos anos 70 e início de 80, foi implantada a Diocese de

Novo Hamburgo, da qual São Leopoldo passou a fazer parte. Foi nomeado como

primeiro Bispo da nova Diocese, D. Sinésio Bohn, que foi empossado em 23 de

fevereiro de 1980 com o lema: “Para que todos sejam um” (omnes unumsint). D.

Sinésio teve atuação marcante naquela região do Vale do Rio dos Sinos, foi um

grande incentivador e companheiro dos movimentos populares. Foi, por muitos

anos, Conselheiro do CECA, mesmo depois de sua transferência para a Diocese

de Santa Cruz do Sul.

46Os “mucker” (santarrões, hipócritas, santos fingidos, em alemão), como eram chamados, foi um

movimento messiânico ocorrido no interior do Rio Grande do Sul, no final do sec. XIX. Teve início por volta de 1867 e seu desfecho sangrento em 1874. Dividiu a colônia alemã, gerou conflitos e mortes, e se transformou em tragédia com a intervenção do Exército Nacional. O centro dos acontecimentos se dá aos pés do Morro Ferrabraz (localizado na que é hoje cidade de Sapiranga, região Metropolitana de Porto Alegre), na colônia germânica de Padre Eterno. Houve desdobramentos em toda região da então, colônia alemã de São Leopoldo, que hoje atinge vários municípios do Vale dos Sinos e Vale do Caí. Este movimento foi liderado pelo casal Maurer, com forte domínio de Jacobina Meurer.O movimento foi essencialmente religioso, porém teve forte influência política, tanto de lideranças locais, como regionais e até nacionais. Inspirou livros como Videiras de Cristal (1991), de Luiz Antonio de Assis Brasil, e filmes como Os Mucker (1978), de Jorge Roberto Bodanzky, e A paixão de Jacobina (2001) de Fabio Barreto.

Em 23 e 24 outubro 1897 são assassinados os Jovens Mueller, Weber e Graebin, na Fazenda Pirajá, em Nova Petrópolis. O Crime atribuído aos Mucker da região, que estariam reunidos sob liderança de Aurélia, filha do casal Maurer. Nascida em abril de 1872, sendo referida como herdeira dos dons espirituais da mãe. Estava casada com Miguel Nëe, filho de um colono Mucker, um dos que conseguira escapar do massacre final. Em 3 janeiro 1898, mais de 100 colonos da região assassinam 5 colonos Mucker na região de Nova Petrópolis e Lajeado. Muitos anos mais tarde, ainda se faz sentir as repercussões deste movimento.

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Figura 17 – Encontro de D. Sinésio Bohn com a Fraternidade

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 122)

Também, não sem menor importância, participa da construção da identidade de

São Leopoldo, a Igreja Luterana, em especial a IECLB (Igreja Evangélica de

Confissão Luterana no Brasil) que, além de sua influência doutrinária religiosa na

sociedade, tem a EST (Escola Superior de Teologia) que centraliza a formação de

pastores e pastoras para todo o Brasil e também a formação acadêmica com

Mestrado e Doutorado em Teologia. Hoje a EST oferece outros cursos de formação,

além da Escola de Música, que já oferecia anteriormente e hoje através da

Faculdade de Musicoterapia. No próprio campus da EST funciona o Colégio Sinodal

que é responsável pela formação básica e média de expressiva parcela da

liderança da sociedade de São Leopoldo.

Além destes dois grupos nitidamente influentes nesta comunidade, também

funciona no município o Seminário Concórdia da IELB (Igreja Evangélica Luterana

do Brasil).

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3 3 3 - Os 10 primeiros anos

A Fraternidade começou sendo um Movimento intimista, preocupado apenas com o mundo interior do homem sofredor, alheio aos grandes problemas do Brasil e do mundo.47

Este caráter intimista não atrapalhou a impulsão do movimento, ao contrário, as

pessoas sentiam-se resgatadas para a vida e impulsionadas a irem ao encontro do

outro e compartilhar este novo momento. A partir do primeiro encontro, no salão

paroquial, o “espírito da Fraternidade”, como os fraternistas gostam de dizer, se

espalhou. Depois de fundado o primeiro núcleo no centro de São Leopoldo, foi

fundado no Bairro Rio Branco e mais tarde no Lar São Francisco. Em seguida,

surgem os núcleos das cidades vizinhas como: Sapucaia do Sul, Esteio, Campo

Bom, Estrela, Novo Hamburgo e no Bairro Partenon, em Porto Alegre. Para estes

núcleos, a FCD contou com apoio da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Porto

Alegre. O depoimento da Ir. Ângela Paulina Smiderle confirma isto

Estou na fraternidade a pedido do Luiz Itamar. Eu trabalhava na época na

CNBB, no setor da Pastoral da Saúde. Que bem na verdade, eu acompanhei

com Vicente Masip que ia no meu apartamento onde eu morava. Ele dizia que

nós éramos tudo da área da saúde e ele ganhava muita experiência conosco

na área de saúde. Como se inicia, como é que se faz os trabalhos, como é que

organiza, (...). O trabalho que eu fiz na pastoral da CNBB me deu lastro também

para ajudar a organizar, um pouco, a fraternidade. Logo no início foi um trabalho

bastante árduo, porque significava, é que a gente tinha que ver onde os

deficientes estavam e também quem é que estava conosco como

colaboradores, porque a fraternidade sem colaborador, ela não subsiste. Que

é aliás o problema que nós estamos tendo hoje, a falta de colaboradores pra

poder ajudar a manter o trabalho. Mas, no início foi assim... eu poderia dizer...,

até bastante profícuo. Porque, então, como a fraternidade começou no Rio

Grande do Sul, a gente começou a organizar os núcleos aqui, organizar o

estado e a partir da... da fraternidade do Rio Grande do Sul, se expandiu pelo

Brasil. O Masip foi lá para o Recife depois. Então no início não foi assim, eu

diria, bem exuberante, porque era tudo novidade. Não era fácil pra poder

localizar os deficientes, conseguir colaboradores, fazer com que tivesse um

transporte pra poder fazer as visitas e pra poder agrupá-los, mas, com

insistência no trabalho das pastorais, nas paróquias e nas congregações, a

gente conseguiu fazer frente a este trabalho, diria eu, bastante bem. (Ir.

Ângela)48

47 Expressão dos autores Luiz Itamar Jaines e Ethilha Maria Schuck na introdução da obra Dez fraternos anos no Brasil 1972*1982. P.13 48 Depoimento dado pela Ir Angêla, juntamente com o Frei Nelson, à pesquisadora. Em 23 de março de 2017, na Casa da Fraternidade em Porto Alegre.

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Em maio de 1973, dia 15, foi ao ar o primeiro programa semanal de rádio “A HORA

DA ALEGRIA”, da Fraternidade Católica de Doentes (FCD) de São Leopoldo. A

FCD começa a ocupar os espaços nos meios de comunicação para divulgar sua

mensagem. O nº 15 de Cartas Abertas, de agosto de 1976, anunciava os seguintes

programas de rádio:

a) A HORA DA ALEGRIA – às 17h30min na Rádio Progresso, de São Leopoldo -RS, às sextas-feiras;

b) LEVANTA-TE E ANDA – das 18h30min às 19h na Rádio Olinda, de Recife – PE, às sextas-feiras;

c) Na Rádio Progresso de N. Hamburgo – às quartas-feiras, das 16h30min às 17h;

d) Na Rádio Clube de Canela-RS – às segundas-feiras, das 18h30min às 19h; e) Na Rádio Cultura de Livramento-RS, das 15h20min às 15h30min

diariamente. (JAINES; SCHUCK, 1982: 60)

No verão de 1973/74, chega ao nordeste, durante as férias de verão, Vicente Masip,

juntamente com Claudemira Soares e Terezinha Ferreira do Nascimento (Teca),

que iniciam os trabalhos fraternistas nos bairros de Pina e Vasco da Gama, na

cidade de Recife.

Conscientizar o deficiente pelo próprio deficiente ou doente para que se assume é o objetivo fundamental da Fraternidade Cristã de Doentes e deficientes (FCD). Nesse sentido, as visitas e as reuniões dos mesmos adquirem um papel importante, pois o simples fato de eles entrarem em contato, conviverem, já ajuda a superar as dificuldades. (JAINES; SCHUCK, 1982: 21)

Por onde passam os ventos da Fraternidade, o chamado de “Levanta-te e anda”

traz o despertar na vida das pessoas, nas doentes e nas com deficiência e também

nas sãs que se tornem colaboradoras. À medida que o número de participantes

aumenta, torna-se necessário ampliar e qualificar a forma de comunicação para

que possam fluir as informações entre os núcleos, tanto locais como no estado e

até entre outros estados que estão sendo atingidos. Então foi criado um canal de

informação e circulação de notícias que atendia aos grupos em todo Brasil.

CARTAS ABERTAS, esse foi o nome dado a mais um fraternistas, que, de agora em diante, iria chegar aos lares, com a mesma roupa, a mesma linguagem e o espirito. Foi este o meio utilizado pelo Movimento, para chegar a todos a experiência vivida. (JAINES; SCHUCK, 1982: 29)

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Foi editado, em 1974, no ano do sesquicentenário da migração alemã, o primeiro

número de CARTAS ABERTAS, por intermédio do Pe. Masip. Este periódico

circulou por quase quatro décadas veiculando entre os doentes e deficientes as

notícias e informações sobre os núcleos e testificando a ação da Fraternidade na

vida das pessoas. Servia para noticiar eventos, resoluções das assembleias,

estudos para formação, notícias sobre a vida dos fraternistas como: casamentos,

aniversários, nascimentos, falecimentos e também para divulgar as informações de

interesse continental e intercontinental.

CARTAS ABERTAS, Nº1, março de 1974, levava aos seus primeiros leitores esta mensagem:

No momento em que redigimos estas palavras, temos presente a figura extraordinária do Padre Manolo Duato, jesuíta espanhol, com o seu desejo de unificar as forças fraternais da América Latina, a sua vontade de se doar sem limites. Ele é que nos ensina para dar este passo à frente, cheio de alegria e entusiasmo.

É possível que você, que lê o Boletim, não seja brasileiro, não saiba Português. Mas estamos certos de que vai entender tudo o que aqui for escrito. Porque o AMOR supera as palavras e as línguas e estas folhas estão cheias de muito AMOR. (JAINES; SCHUCK, 1982: 30)

Figura 18 – Exposição de exemplares de Cartas Abertas

Montagem de fotos tiradas com celular de exemplares de Cartas Abertas em exposição na XVII Assembleia da FCD/SP

Fonte: Foto Nossa

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O periódico, Cartas Abertas, circulou de 1974 até o final de 2011. O último número

a circular foi nº 126 out., nov., dez./2011. Cumpriu um papel muito importante na

caminhada da FCD, no Brasil, foi um canal importante na divulgação do movimento

e também de aproximação dos fraternistas espalhados por um país continental.

Serviu para levar informações e também alimentar a chama e o entusiasmo através

do compartilhar das experiências e dos ensinamentos que circulavam entre os

grupos.

Nos primeiros anos, no Brasil, houve vários encontros, seminários que foram

despertando a necessidade de haver uma Assembleia para dar possibilidade de

um maior conhecimento dos trabalhos e dos participantes (Responsáveis,

Conselheiros e colaboradores) e também para delinear uma mínimo de estrutura e

organização necessária para o Movimento. A primeira Assembleia acontece em

Porto Alegre, nos dias 10 a 13 de abril de 1975, na Vila Manresa. Houve vários

estudos sobre o que é a FCD e como funciona, quantos somos, como descobrimos

os doentes, quais são os nossos problemas. Nesta Assembleia foi declarado que a

Fraternidade contava com a participação de 600 fraternistas em todo o Brasil. Foi

eleita a Equipe Nacional que deveria coordenar o Movimento no Brasil. Na noite de

12 de abril foram definidas as seguintes Conclusões Gerais:

1. O nosso Movimento denomina-se Fraternidade Cristã dos Doentes e Deficientes Físicos. 2. A FCD é um movimento de Evangelização no mundo dos doentes e deficientes onde, ele próprio, libertado por Cristo de tudo o que oprime, passa a evangelizar os outros doentes. E não somente os doentes, mas também os sãos. 3.Compõe-se a FCD de Doentes-Responsáveis, Colaboradores e Conselheiros. 4. A Fraternidade brasileira divide-se em Núcleos (Conjunto de Fraternistas de cada paróquia ou bairro), Áreas (conjunto de Núcleos de uma cidade ou diocese) e Regiões (conjunto de Áreas por Estado ou Estados próximos). 5. A Fraternidade brasileira forma parte integrante da FCD latino-americana e está plenamente inserida na FCD internacional. 6. A FCD trabalha unida à Pastoral de Saúde de diversas dioceses. 7. A partir de 12 de abril, a Equipe Nacional da FCD é constituída pelas. seguintes pessoas: Luiz Itamar Jaines (Responsável Nacional), Ethel Batista (Responsável Nacional Adjunta, Pe. Vicente Masip (Conselheiro Nacional), Pe. Izaías Bordignom (Conselheiro Nacional Adjunto) 8. A Equipe Nacional enviará uma carta ao Governo Federal, participando a existência da fraternidade e as urgentes necessidades da pessoa doente no nosso país. 9. Cada dois anos terá lugar uma Assembleia Nacional Brasileira (a próxima será em abril de 1977, no mesmo lugar)

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10. Haverá Encontros Regionais de Formação para Doentes-Responsáveis, cada ano. 11. Haverá frequentes Encontros de Colaboradores. 12.Ficou estabelecido que cada Núcleo da FCD colaborará com as despesas da Equipe Nacional por meio de uma cota anual. 13. A Equipe Nacional elaborará um fichário completo de todos os fraternistas para se fazer presente no dia do seu aniversário. 14. A Equipe Nacional se encarregará de preparar a celebração Eucarística do dia 6 de julho de 1975, a ser televisionada pela TV Difusora, canal 10, de Porto Alegre. 15.A Equipe Nacional, juntamente com a Equipe Técnica da Pastoral da Saúde da Arquidiocese – POE, planejará algumas atividades para a Semana do Enfermo (13-20 de junho de 1975). (JAINES; SCHUCK, 1982, 41-42)

Luiz Itamar Jaines nasceu em São Leopoldo, em 25 de maio de 1944, desde os

sete anos começou a trabalhar, exerceu diversas profissões. Estudou, concluiu o

2ª grau (científico) Cursou Administração de Empresas e processamento de Dados,

especializando-se em Mercado de Capitais. Aos 23 anos casou, pai de duas filhas.

Até aos 28 anos levou sua vida normalmente, quando foi acometido por uma

enfermidade e diagnosticado com a chamada Esclerose Amiotrófica Lateral, que

aos poucos foi deixando-o imobilizado. Sofreu por dois anos, no anonimato, as

angustias de sua deficiência física. Em seu isolamento lhe apareceu o Pe Valério

Alberton,S.J que o reanimou e lhe incentivou a não se deixar abater pela doença.

“Comecei a meditar e perguntei a mim mesmo: Será que na minha doença o mundo terminou para mim, ou posso transformá-lo? Pois mesmo paralítico, meu corpo está em movimento, e principalmente meu espírito.

O mundo tornou-se pequeno para mim, quase limitado. Mas um sorriso que dou a meus irmãos já é alguma coisa. O que não posso é ficar inerte, parado.

Já que não tenho condições de fazer enormes coisas, serei grande para transformar as pequenas. Não posso mudar, porque sou pequeno demais, mas posso modificar o meu ser, ajudando aqueles que de mim se aproximam: ouvindo, orientando, aconselhando e dizendo aos sãos que não é necessário ficar paralítico para a gente se encontrar consigo mesmo. E aos doentes, encorajando-os, amando-os. “(JAINES; SCHUCK, 1982, 48)49

Na primeira Assembleia Nacional da FCD no Brasil, que acontece de 10 a 11 de

abril de 1975, em Porto Alegre, Luiz Itamar é eleito Responsável Nacional e reeleito

na 2ª Assembleia em 1977. Durante seus dois mandatos como responsável

49Este texto é parte de um depoimento de Luiz Itamar Jaines publicado em Cartas Abertas

nº10, de outubro de 1974. Itamar Jaines teve participação marcante nos 10 primeiros anos, foi coordenador nacional por muitos anos e depois coordenador latino-americano.

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nacional ao lado de Vicente Masip, assessor nacional, viajaram por todo estado do

Rio Grande do Sul, por vários estados do Brasil fundando e fortalecendo o

movimento. Em julho de 1976, participa do Comitê Internacional em Frankfurt, na

Alemanha, representando o Brasil e Argentina. Com a ajuda de Representantes da

Argentina e acompanhado da Equipe Nacional, em janeiro de 1978, vão a

Montevidéu para o fundar o Movimento.

Participou, em 1980, da 1ª Assembleia Latino Americana, onde estavam

representados 14 países. Foi eleito como Responsável Latino-Americano, para um

mandato de 4 anos. Nesta época sua enfermidade já havia se alastrado,

lentamente, afetando cada vez mais sua mobilidade, deixando-o totalmente

dependente de outra pessoa. O fraternistas, Levino Schneider, ingressou na

Fraternidade no ano de 1980, através do próprio Luiz Itamar, e o acompanhou por

muitos anos como cooperador por suas andanças pelo Brasil e pelo mundo. Levino

relatou o seguinte:

Ele tinha problema de locomoção, esclerose amiotrófica lateral e ele tentou

curas, mas não conseguiu. Os médicos deram 3 anos de vida pra ele, no

entanto, ele viveu 15 anos. E ele me disse o seguinte: eu estou vivendo por que

eu não estou ruminando a minha doença, estou me preocupando com os

outros, por isso que em vez de três anos eu ainda to vivo. Isto ele me falou

quando já tinha 10 anos mais ou menos. (Levino Schneider)50

O “Ita” como era chamado carinhosamente, foi o primeiro responsável nacional e

reeleito, em 1977. Foi também o primeiro responsável latino-americano e também

reeleito. Conheceu pessoalmente o fundador do movimento. Conheceu toda a

Fraternidade no Brasil, na América Latina e na Europa. Sempre incentivou o

ecumenismo. Escreveu dois livros: Vivendo o desafio: a libertação das deficiências

físicas, juntamente com Elaine Gonçalves de Araujo; Dez Fraternos Anos no Brasil:

1972*1982. Faleceu em 24 de maio de 1989, em Cachoeirinha /RS.

A 2ª Assembleia Nacional acontece novamente em Porto Alegre, de 8 a 13 de

julho de 1977. Teve como tema: Humanização da Sociedade. Em sua palavra o

coordenador, Luiz Itamar ressaltou o seguinte:

50 Relato de LevinoGuilherme Schneider, entrevista dada em sua casa no dia 19 de março de

2016, Porto Alegre/RS.

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Hoje, muitas pessoas falam de humanização. Ao ligarmos a televisão, rádio, vemos e ouvimos falar em direitos humanos, direitos disso, direitos daquilo. E nós? Nós que sentimos realmente a falta e a carência de humanização, procuramos vivenciá-la?

O que significa realmente humanizar? Humanizar é despertar no homem a capacidade de ser mais- pessoa, dar-lhe condições para que descubra seus valores, os desenvolva e os coloque a serviço da humanidade. É fazer CRESCER O AMOR na terra, é fazer brotar mais vida, mais comunhão. É estabelecer, construir pontos entre os homens para maior relacionamento e comunicação. É encorajar os tímidos e os deprimidos a acreditarem em seus valores, é incentivar os passivos a se tornarem dinâmicos e cultivarem suas personalidades. É irradiar espírito do Evangelho do Cristo, que manda amar sem distinção e procurar em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça ...

É ter coragem de denunciar os erros e proclamar a verdade. É ser capaz de dar a própria vida pelos irmãos, de morrer por uma causa, por uma missão assumida por causa do Reino ... O humanizador é sempre um profeta, que tem coragem de transgredir e denunciar as leis que escravizam o homem - que entravam a libertação da humanidade. Por isso é sempre perseguido, caluniado e, não poucas vezes, morto, como Cristo na Cruz. Nós Fraternistas estamos vivendo isto? Estamos realmente vivendo a missão. que pregamos? (JAINES; SCHUCK, 1982, 73)

Na ocasião, estiveram representados os núcleos de 20 cidades do Rio grande do

Sul, mais a representação de Recife, Florianópolis, Brasília e representes de

Buenos Aires – Argentina. Onde foram tomadas as seguintes decisões:

1. Enviar uma carta ao Presidente da República propondo algumas reformas à lei 6. 179 de novembro de 1974.

2. A FCD integra a Pastoral de Saúde, conservando, porém, sua identidade própria.

3. Solicita-se à Coordenação da Pastoral de Saúde (CNBB) a inclusão da FCD como Pastoral de Saúde Domiciliar.

4. Foi reeleita, por um período de dois anos, a atual Equipe Nacional: Luíz Itamar Jaines, responsável e Pe. Vicente Masip, Conselheiro.

5. Foi eleita como Equipe Regional do Rio Grande do Sul (Regional Sul III) o Núcleo de Caxias do Sul.

6. A partir desta Assembleia, estará estruturada da seguinte forma: núcleo, área, diocese, regional, nacional e internacional.

7. Uma vez por ano, todos os núcleos planejarão uma promoção especial remetendo no mínimo 50 % do lucro líquido para as equipes regionais e nacionais.

8. O boletim Cartas Abertas será enviado gratuitamente a todos os Núcleos que o desejarem. Cada Núcleo se encarregará de distribuí-los entre os fraternistas, colaboradores e as pessoas interessadas. Há as assinaturas de colaboração que serão pagas. Sua distribuição ficará a encargo do respectivo Núcleo.

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9. A Equipe Nacional tem CGC (nº 88.018.130/0001-00). 10. O local e data da próxima Assembleia será em Florianópolis-SC, na segunda quinzena de julho de 1979. (JAINES; SCHUCK, 1982, 75)

A 3ª Assembleia acontece no Morro das Pedras, em Florianópolis, de 17 a 22 de

fevereiro. NOSSAS CAPACIDADES SUPERAM AS DEFICIENCIAS: foi o lema que

norteou as discussões das 124 pessoas reunidas, entre fraternistas, Conselheiros

e Colaboradores. Que representavam a FCD em Pernambuco, Minas Gerais, São

Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Argentina, Bolívia e Uruguai. Foi

constatada a existência de núcleos da FCD em 31 Dioceses do Brasil.

Nesta Assembleia foram criadas 4 regionais: Rio Grande do Sul, Santa Catarina,

São Paulo e Nordeste. Luiz Itamar é eleito como responsável pela regional do Rio

Grande do Sul e Moisés Tavares de Souza assume como Responsável Nacional e

o Pe Masip, que foi reeleito, como Conselheiro Nacional. Moisés era o Responsável

de Recife.

Como disse Luiz Itamar o movimento da FCD iniciou tímido, intimista, buscando um

a um na reclusão, vai trazendo, colocando na roda começa a ver os seus

semelhantes, começam se colocar de forma diferente na família e na sociedade,

começam a ser percebidos e a se perceber, começam a ter uma nova percepção

de seu lugar social .

A FCD, a partir de 1979 começou a ser impulsionada também, para os problemas sociais. Assim, os que antes eram poucos e não tinham uma visão real da situação de marginalização do doente e do deficiente no Brasil, agora mais conscientizados, com mais coragem e mais unidos, resolvem voltar-se para uma formação mais social e mais libertadora. E, com essa nova consciência realizaram o II Encontro Regional de Estudos da FCD, na Vila Manresa - Porto Alegre, no período de 6 a 13 de julho de 1979, tendo como tema central: Direitos e Deveres do Doente e Deficiente para com a Sociedade. (JAINES; SCHUCK, 1982, 105)

Nestes primeiros dez anos de existência, a FCD expandiu-se e iniciou um processo

de visibilidade para a sociedade da pessoa com deficiência, seus problemas e

especialmente sua eficiência. Houve quatro Assembleias que ajudaram a

consolidar o movimento e que tiraram resoluções importantes para o seu trabalho

e para fortalecimento da luta por direitos. Em 1981, são apresentados os seguintes

dados:

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A Fraternidade cresceu muito em qualidade e quantidade. Os dados oficiais e em cultivo, para uma realidade aproximada em 1981, com perspectivas de aumentar são as seguintes:

A FCD existe no Brasil em 14 Estados, sendo:

11 Estados oficialmente; 1 Estado em cultivo – Paraná; 2 Estados solicitam a fundação: Amazonas e Piauí.

Das Dioceses onde já existe a FCD, em uma delas a implantação se acha em cultivo e em outra é solicitada a formação.

Atinge-se o total de 185 Núcleos, estando 30 destes em fase de cultivo. O total de fraternistas (deficiente) é de 6.400. (JAINES; SCHUCK, 1982:168)

Pode-se dizer que a partir de 1979 inicia uma nova fase na FCD do Brasil, os

primeiros anos foram de implantação e expansão, mas ainda com uma

preocupação individual com as pessoas com deficiência, a partir da decisão de

eleger o ano de 1981 o Ano Internacional da Pessoa Deficiente abriu-se a visão em

relação a estas pessoas e o mundo de situações em que elas estavam envolvidas.

3 3 4 - Coordenação de Maria de Lourdes Guarda

Olhando para a caminhada da FCD no Brasil, percebe-se que ela viveu momentos

bem distintos: nos primeiros dez anos, foi o período de expansão e consolidação

com um caráter mais intimista, como expressaram fraternistas Luiz Itamar e Ethilha,

sem deixar seu ímpeto libertador. Já na próxima década ganha um caráter mais

identificado com os movimentos sociais em efervescência no país. Na Assembleia

de 1981, foi escolhida para coordenadora nacional Maria de Lourdes Guarda, que

foi "responsável" nacional de 1981 a 1988. Lourdes Guarda, como era mais

conhecida, ficou paraplégica aos 20 anos, por erro médico, ficando 50 anos deitada

em uma maca. Vivia no Hospital Matarazzo, em São Paulo, mas isto não a impediu

de ter uma incansável militância na Frater, desde que ingressou no final dos anos

70. Viajou por todo o Brasil e alguns outros países, trabalhou com aidéticos,

encarcerados. prostituta, crianças ... Depois da gestão como "responsável"

nacional, dedicou-se ao periódico "Cartas Abertas". O período sob a liderança de

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Lourdes coincide com a preparação e a programação da comemoração do Ano

Internacional da Pessoa Deficiente, 1981.

3 3 4 1 - Um pouco sobre Maria de Lourdes Guarda

“Deixei de andar não de viver. Pois a felicidade está dentro da

gente”.(Maria de Lourdes Guarda)

Nasceu na cidade de Salto, no interior de São Paulo. Filha de Innocêncio Guarda

e de Júlia Froner Guarda. Teve dois irmãos Geraldo e Leonor. Sua irmã Leonor

tornou-se freira do Instituto das Filhas de São José do Caburlotto, assumiu o nome

de Irmã Conceição. Estudou os primeiros anos em Salto, no Grupo Estadual

Tancredo do Amaral, mais tarde foi para o internato do Colégio Patrocínio, em Itu.

Aos 18 anos retorna a Salto e vai lecionar no Colégio da Congregação das Filhas

de São José. Seu grande sonho era seguir os passos da irmã e entrar para a vida

religiosa. Para isso precisou primeiro tratar de sua saúde, pois apresentava muitas

dores na coluna.

Aos 20 anos, foi diagnosticada com lesão na coluna vertebral e recomendada a

cirurgia. Seu amigo de todas as horas, Archimedes Lammoglia51, a época estudante

de medicina, animou-a a confiar na indicação feita.

Em 12 de agosto de 1947, foi realizada a primeira cirurgia com relativo sucesso,

mas as dores não desapareceram. Precisou ser submetida a nova cirurgia, no

decorrer de cinco anos passou por seis procedimentos cirúrgicos. Devido as

complicações em decorrência destes procedimentos teve uma perna amputada na

altura do joelho e a outra totalmente paralisada, ficou impossibilitada até mesmo de

51 A intensa atividade de Maria de Lourdes dependia da colaboração de seus inúmeros amigos,

destaca-se, um que a acompanhou desde a infância e juventude. Archimedes Lammoglia era estudante de Medicina na época em que se encontrava com Maria de Lourdes na saída da escola onde lecionava, em Salto. Ele a animou a procurar o médico que a operou. E tal qual fiel “anjo da guarda”, o doutor Archimedes acompanhou-a por toda a vida e até na morte. Médico residente no Hospital Matarazzo, nunca se casou, sempre ocupou um quarto ao lado do de Maria Lourdes e a visitava diariamente. Maria de Lourdes morreu no dia 5 de maio de 1996. Archimedes faleceu no dia 8 de junho de 1996. (OLIVA; ROCHA, 2016: 40,41)

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sentar. Lourdes passa a viver em um leito de hospital, no antigo Hospital Matarazzo,

viveu deitada por aproximadamente 50 anos.

Figura 19 – Maria de Lourdes aos 22 anos

Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016:18)

Durante os vários tratamentos a que foi submetida na esperança de poder voltar a

andar, mantém correspondência com sua irmã Leonor. Entre 1949 a 1957 escreveu

quinze cartas e um bilhete. No início de junho escreve para comunicar que fará

nova cirurgia, provavelmente no dia 15. “Desta vez vai ser pior do que das duas

outras, vão fazer um enxerto na coluna e mexer no nervo ciático para ver se consigo

andar” (in: OLIVA; ROCHA, 2016:24). Em setembro do mesmo ano ela escreve:

Eu estou de bruços no gesso, mas graças a Deus já estou acostumada; o médico quer que eu fique até que eu possa, depois me põe de costas noutro gesso; quanto a operação na espinha, estou me sentindo bem, mas tenho bastante dor no pé e nas pernas porque o dr. Pontes abriu a perna boa para tirar o osso para enxerto na espinha; fiquei quatro horas na mesa e passei mal nos primeiros dias, mas agora continuo bastante animada, fico 40 dias neste gesso, depois vão me fazer um colete para quatro meses. Penso que com este colete irei para casa, se for possível andar; gostaria que mamãe ficasse mais sossegada, mas tudo será se Nosso Senhor permitir, pois eu estou disposta a fazer tudo o que Ele quiser. Recebi dia 29 uma benção especial do Santo Padre por intermédio do padre Geraldo52, fiquei tão, contente. Nosso Senhor me deu

a graça do sofrimento, mas não faltam consolações e esta é uma delas.( In: OLIVA; ROCHA, 2016:24)

52 Pe. Geraldo Azevedo, de Campinas/SP, era um velho amigo de sua família.

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Em seu depoimento Padre Geraldo, que foi seu companheiro de jornada por muitos

anos, na FCD em São Paulo e no Brasil descreve o quadro.

Ela teve amputada a perna direita. Depois tirou os ossos aqui dos quadris.

Então, a perna esquerda atrofiou e por isso precisava do gesso. Era uma

camada grossa de gesso, não sei se sete, oito centímetros, nas costas até o

joelho. No pescoço aqui em cima, uma canaleta, né. O gesso queimava. Ainda

tinha uma armação de madeira que ficava por cima para o lençol não ficar direto

em cima da perna. Não podia, paralisava a circulação. Sonda vaginal. Várias

infecções.... Então ela tinha muita dificuldade de tomar remédios, não gostava

porque tinha medo, tinha pavor de médico e de hospital. (Pe. Geraldo L.

Nascimento)

Em 1972, quando completa 25 anos de permanência internada, houve festa no

Hospital Matarazzo para comemorar o jubileu de prata de internação.

Maria de Lourdes Guarda, uma senhora forte, de traços delicados e um constante sorriso, há 25 anos está internada no Hospital Matarazzo, sem poder ao menos levantar da cama. Para muitos, isto poderia ser motivo de de tristeza; mas não para ela, para seus incontáveis amigos, funcionários, médicos e freiras daquela casa: todos têm-na como símbolo de amor e fé, que tem sempre um conselho otimista para dar, ao mesmo tempo em que faz trabalhos manuais para o próprio hospital.

Por isso, a administração do Hospital Matarazzo organizou, ontem à tarde, uma verdadeira festa para os 25 anos de internamento de Maria de Lourdes. Às 15 horas, na capela, foi oficiada missa em ação de graças, cantada por um grupo de freiras e com a presença de uma verdadeira multidão de amigos. “25 anos para a Glória do Senhor”, assim foi chamada essa missa, onde Maria de Lourdes fez sua profissão de fé dizendo “que a canção de Bernadete seja a minha canção de graças a Deus pelos meus 25 anos de hospital, onde nossa amizade nasceu e perdura até hoje” (JORNAL ULTIMA HORA, 1972: 5).

Os autores do livro “Um quarto com vista para o mundo”: A vida de Maria de

Lourdes Guarda”, dividem sua história em três fases. Chamam a primeira fase de

“infância”, a luta pela reabilitação física. Foi um período de esperanças frustradas,

questionamentos, resignação e aceitação de uma realidade imposta por

circunstancias alheias a sua vontade. Interpretado por ela como “vontade de Deus”.

“Foi duro para ela, muito duro. Ela sofreu bastante com isso, porque ela era uma

criatura muito assim... viva. Gostava de ter trabalho, de ir na igreja, na escola...

tudo!” (Ir. Conceição)53

53 Ir. Conceição é a Leonor, irmã de Maria de Lourdes.

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Aos poucos foi entendendo a sua condição de deficiência física e atualizando suas

potencialidades humanas. Foi um tempo de elaboração e aprofundamento,

libertação de sonhos impossíveis.

Lourdes foi compreendendo aos poucos o sentido da mudança em sua vida e fez questão de frisar que se trata de um assumir e não de aceitar. “A gente assume a condição: não se trata de aceitar, porque todo o dia é difícil ficar na cama. Então, aceitar mesmo, não; mas é um assumir a responsabilidade de viver como posso. Eu acho que a vida ´muito importante; então, se não posso viver andando, eu vivo deitada. É lógico que eu tenho que fazer o máximo do que posso: eu quero que a minha vida seja bem vivida, deitada. Eu amo a vida ... eu acho que a vida tem muita razão de ser, por isso é preciso ser bem vivida”. (Revista Família Cristã, 1/1979: 22)

A esta segunda fase, os autores chamam de “vida oculta”, passou mais de 20 anos.

Foi uma longa hibernação, passou bordando e animando a quem se aproximava

dela.

Esse período da vida de Maria de Lourdes é extremamente rico. Sua vida está a serviço dos outros. Na imobilidade forçada, seu dinamismo vital se concentra e se potencializa. Seu quarto é um ponto de encontro, um polo de atração que reúne não só amigos, mas pessoas que buscam consolo e ajuda para suas carências. Até de um bebê, cuja mãe tinha que trabalhar e não tinha com quem deixar, Maria de Lourdes cuidou. Sua paz de espírito e sua alegria de viver se irradiam, cada vez mais, para além das quatro paredes de seu quarto. Dessa época, seus amigos guardam a imagem de um rosto sadio, olhos azuis, brilhantes, e suas palavras: “A vida é boa demais” (OLIVA; ROCHA, 1998: 30)

Figura 20 – Maria de Lourdes, Pe Geraldo e o Bebê que ela cuidava

Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 36)

Segundo relatos que encontramos no livro sobre a sua vida e nos das pessoas que

a conheceram, seu quarto era um ponto de peregrinação. Por lá passavam

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funcionários do hospital, pessoas de fora que vinham conhece-la e buscar seus

conselhos, pacientes, artistas, ativistas sociais, etc. Seu telefone não parava de

tocar. Este foi o período de sua vida em que se abriu para os outros.

Seu amigo Archimedes foi eleito vereador e se manteve por várias legislaturas. Em

certa medida foi sua voz na Câmara de Vereadores de São Paulo, lutando a favor

das pessoas sofridas e marginalizadas.

Em 1975, quando participou de um encontro de deficientes no Colégio São Luiz,

conheceu o padre Aldo Giacchi, jesuíta promotor do Movimento Esperança Cristã.

Foi convidada por ele para coordenar o Movimento no Brasil. Aceitou e coordenou

o Movimento em São Paulo, por um ano. Mas em seu entendimento a proposta de

Movimento valorizava muito e deficiência, a espiritualidade proposta dava a

impressão de que quanto maior a deficiência mais facilidade em entrar no céu. Ela

grava uma fita, envia ao padre Giacchi, no Chile, dizendo o que pensava: “devia-se

valorizar a pessoa com a deficiência, e não a deficiência da pessoa...”. (OLIVIA;

ROCHA, 2016: 40) O padre responde indicando outro movimento que poderia estar

mais de acordo com o que pensava, a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes

que iniciou no Rio Grande do Sul e já estava em Pernambuco e Santa Catarina.

Em maio de 1977 ela tem o primeiro encontro com o padre Geraldo Marcos

Labarrère Nascimento, que foi colega de seminário de Vicente Masip, quem inicou

a FCD no Brasil.

Em 71 nós fomos para a teologia no Rio Grande do Sul, ele também, eu e ele.

Em 72 ele começa a Faternidade em São Leopoldo, e eu daí de novo eu me

conectava. Porque daí eu ajudava, descia o pessoal das kombis, do carro,

ajudava a levar, a trazer, essas coisas. Depois, no final de 75 eu retorno da

teologia para São Paulo. Em 76 vem a Janete Vega Lomparte, do Peru,

trabalhar comigo, quero dizer, veio para trabalhar no CLAP( Centro Latino

Americano de Parapsicologia), acabou ficando sendo minha secretária, e ela

conheceu a Lurdes, porque lá no Peru ela já conhecia o movimento da

Fraternidade. E ela então falava comigo, e insistia comigo:

- “Ah, fiquei conhecendo uma senhora lá no Hospital Matarazzo, Lurdes não

sei das quantas e... Vamos lá, você vai gostar de conhece-la.”

Eu falei:

- Ah, vou sim – mas não ia. Vou sim – mas não ia. Vou sim, vou sim, vou sim

– mas não ia não.

No mês de Maio de 77, isso demorou então um ano, mais ou menos, eu

falando que sim, que não, que sim, que não e que não ia, né... É... Eu fui ao

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hospital com ela, depois do nosso trabalho, fui e gostei demais da Lourdes.

Aí passei a ir quase todos os dias. Depois do expediente a gente ia pra lá.

E acabou que nós começamos a Fraternidade aqui, em São Paulo. (Pe

Geraldo)

A partir daí inicia-se a terceira fase da vida de Maria de Lourdes Guarda, a que os

autores chamam de “vida pública”.

“Vida pública”, totalmente pública, entregue, de quem não podia dar um passo

sequer, não alcançar sozinha, um único copo que estivesse na mesa ao lado. Nela se manifestou, cabal e literalmente, a grande força de Deus que se revela na sua fraqueza humana (2Cor 12.9-10) Teve certeza, absoluta, do enorme amor que Jesus tinha para ela. (Pe. Geraldo In: OLIVA; ROCHA, 2016: 14)

Figura 21 – Lourdes Guarda em manifestação na Av. Paulista

Fonte: OLIVA;ROCHA, (2016: 34)

A FCD, pra ela, foi a vida dela! Porque, você deve saber que quando ela foi

para a FCD ela não via obstáculo, não via coisa nenhuma. Ela viajava, ela ia

pra lá, mesmo daquele jeito... era avião, era ônibus, era coisa e tal não tinha

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problema nenhum. Então, ela trabalhava muito nisso. A FCD foi a vida dela,

mesmo. (Ir. Conceição)

A partir do encontro com o padre Geraldo, em maio de 1977, inicia as andanças

dos dois espalhando os principios e valores da FCD, primeiramente na cidade de

São Paulo. Com isto foram surgindo os primeiros grupos: no Jaçanã, na Vila Carrão,

no Centro ... Não demorou muito e para chegar ao interior: Campinas, Limeira,

Americana, Santa Barbara d’Oeste, Ourinhos, Andradina, Valinhos, Marília,

Jundiaí,Ubatuba, Lins.

Figura 22 - Maria de Lourdes na kombi que foi adaptada para sua melhor locomoção.

Fonte: Acervo digital do Memorial da Inclusão.

... nós ganhamos uma Kombi num sorteio na Paróquia São Luís, que é na final da Paulista, lá que é dos jesuítas. Nós ganhamos... A Lurdes ganhou umas cartelas de bingo. Fomos à festa, ela distribuiu as cartelas e ficou sem.

E a que eu fiquei, foi marcando tudo. Acabou que nós tiramos um carro. Estavam sorteando um carro, e saiu o carro, mas saiu com outra senhora também. Então, nós vendemos o nosso carro lá no meio do palco mesmo, e com dinheiro de metade do carro nós compramos uma Kombi antiga do Anchietano que é onde eu morava. Estavam querendo trocar a Kombi, então...

- Troca com a gente... - e tal.

De posse dessa Kombi, nós começamos com liberdade. Porque antes nós dependíamos de Kombis emprestadas. De amigos, conhecidos da Lurdes.

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- Pode emprestar? - “Ah, nessa semana pode. Nessa semana não pode.” – A gente ficava nessa dependência.

Ganhamos. E aí pronto, espalhamos o movimento pela cidade. Primeiro São Paulo, depois estado de São Paulo, várias cidades, e... E assim foi esse comecinho aí, né. (...) chegou no fim do ano, e o negócio já tinha crescido de tal modo, tinha espalhado pelo interior todo, pela cidade toda, já tinha encontros grandiosos, é... (Pe Geraldo)

Ainda em dezembro de 1977, acontece o primeiro encontro de pessoas com

deficiencia organizado com inspiração no espirito da FCD. Foi um marco na

caminhada da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiencia. Dia 7 de dezembro

de 1977 é considerado o dia da fundação da FCD em São Paulo.

Este encontro reuniu pessoas com deficiência de diferentes níveis sociais. Maria

de Lourdes conseguiu que o juiz corregedor, Renato Laercio Talli, permitisse que

detentos deficintes fisicos participassem do evento. Pe Geraldo relata um fato

corrido que envolve um dos detentos e outro participante paraplégico.

Nós conseguimos entrar no presidio do Carandiru. Tínhamos conseguido

uma... uma licença do juiz corregedor e entramos no Carandiru. E conseguimos

uma licença desse juiz, para os presos cadeirantes e deficientes, participarem

do nosso encontro. E são esses aí de roupa branca, de traje branco.

Figura 22 – Encontro da FCD com a presença de cadeirantes do Carandiru

Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 51)

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E, lá do meio da... do encontro, um dos presos fala assim:

- “Quem que é esse senhor que tá ali nessa outra cadeira de rodas?”

Era o doutor Adalberto, era um desembargador que não era deficiente, depois

por uma doença ficou deficiente e o preso também não era deficiente, depois,

por um tiro, ficou cadeirante e ele já tinha roubado a casa do doutor Adalberto.

Olha... Quer dizer... As coisas bem malucas, né¿ Uai, nós vamos então

apresentar você pra ele agora que vocês dois... agora que vocês já se

conhecem ... (risos) são colegas.

Pois então, vamos lá... e ficaram amigos e tudo. Quer dizer, então, aconteceu

muitas coisas assim, né. (Pe Geraldo)

3 3 4 2 - IV Assembleia Nacional

Realizou-se em São Bernardo Campo, nos dias 18 a 25 de janeiro, na Casa de

Retiros São José a IV Assembleia Nacional da Fraternidade Cristã de Doentes e

Deficientes (como era denominada na época a FCD). Participaram representantes

dos Estados de: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco,

Paraíba, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além da representação na

nacional: Messias Tavares de Souza – Responsável Nacional e Vicente Masip –

Conselheiro Nacional estiveram presentes também Itamar Jaines – Responsável

da América Latina e mais organizadores e colaboradores.

Foram tratados assuntos relevantes para a caminhada do Movimento no Brasil e

temas que estavam em efervescência no momento, como:

1)Realidade Atual da FCD no Brasil.

2) Regimento da Fraternidade Cristã de Doente e Deficiente no Brasil.

3) Conferência sobre PUEBLA - Tema: Como situar os 7 pontos Fundamentais da FCD nas Conclusões de Puebla. 4) 19 Encontro Nacional das Pessoas Deficientes em Brasília nos dias 22 a 25

de outubro de 1980

5)Ano Internacional das Pessoas Deficientes - 1981.

6)Estrutura Internacional da FCD e Comitê na Bélgica.

7)Eleição da nova Equipe Nacional.

8)Semana do Enfermo e Cartas Abertas. (JAINES; SCHUCK, 1982:135)

A partir da discussão dos temas foram tomadas algumas decisões que pautaram a

atuação da FCD nos anos que se seguiram. Em termos de organização do

Movimento no Brasil foi aprovado o regimento interno para servir de orientação aos

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núcleos espalhados pelo país. Existiam 153 núcleos formados e em alguns Estados

estavam em formação, como: Rio de Janeiro, Paraíba, Mato Grosso, Rio Grande

do Norte, Fortaleza e Sergipe.

Foram também introduzidas algumas alterações em termos de coordenação, o

Responsável passa a chamar-se Coordenador. As Equipes de Coordenação ficam

constituídas: Coordenador, Vice coordenador e Conselheiro, eleitos nas

respectivas assembleias. Mais 3 (três) pessoas escolhidas por estes. A composição

das Equipes deve ser de 2/3 (dois terços) de pessoas com deficiência, sendo o

Coordenador e o Vice coordenador sempre deficientes. Ainda foi criado um Comitê

Nacional para facilitar o entrosamento da Fraternidade brasileira, tendo em vista a

extensão territorial. Este comitê fica constituído pela Equipe Nacional e por todos

os Coordenadores e Conselheiros regionais e reúne-se anualmente.

Outra decisão importante foi suprir do nome do Movimento a palavra Físicos, que

até então era usada, passando a chamar-se Fraternidade Cristã de Doentes e

Deficientes (FCD), isto para demonstrar sua abertura para todas as pessoas com

deficiência.

O evento foi um marco importante na caminhada da FCD, teve além destas

decisões, duas outras que impulsionaram a Fraternidade para um maior

envolvimento social. Primeira, porque se deu no início do Ano Internacional da

Pessoa Deficiente e foi criada a comissão interna para elaborar, colher dados,

informações e sugestões sobre este importante evento mundial. A segunda, pela

eleição da nova Coordenação Nacional. Foi eleita para Coordenadora Nacional,

Maria de Lourdes Guarda, para vice coordenadora Célia Camargo Leão

(cadeirante) e o Pe Geraldo M.L Nascimento Conselheiro Nacional, por um período

de dois anos.

A partir daí inicia-se as andanças pelo país na implantação de novos núcleos e

consolidação dos já existentes. Segundo padre Geraldo, ajudaram a iniciar mais de

250 grupos, por todo país. Além das muitas atividades que envolviam outros grupos

sociais de pessoas com deficiência ou não que se organizavam e lutavam por seus

direitos e melhores condições de vida.

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Figura 23 – Equipes Nacional (Biênio 1979-1980 e Biênio 1981-1982)

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982:135)

Começamos a viajar pelo Brasil. a Lourdes ocupava nove assentos do avião, por causa da maca. Deitávamos o encosto de nove cadeiras e a cama, já sem pés, era colocada sobre seis próximas das janelas. As outras três eram levantadas para sua posição normal e aí, sentávamos nós, Célia, Mauricio Silva e eu. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 210)

Os mais de 30 anos de hospitalização de Lourdes Guarda, foram marcados pela

rede de relacionamentos que ela estabeleceu com pessoas dos mais diversos

seguimentos da sociedade. Pelo fortalecimento espiritual e social que ela

proporcionava a elas. Estas viagens só foram possíveis porque o presidente da

companhia aérea Transbrasil foi uma das pessoas impactadas pelo seu trabalho.

“Por isso, a cada um, dois ou três meses, durante quatro anos do nosso mandato nacional, passou a nos dar as passagens para irmos a qualquer lugar do Brasil realizar os trabalhos da Fraternidade: encontros, reuniões, congressos, assembleias…” (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 210)

Viajou pelo Brasil todo e por países da América Latina, visitou e fez contatos em

presídios, asilos, colônias de hansenianos, com prostitutas e outros.

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Não havia limites para a Lourdes. Isso impressionava muito. Enquanto todos nós reclamávamos por qualquer coisa, ela chegava a ter queimaduras, nas costas, por causa do gesso e do calor do Mato Grosso. Tinha bolhas nas costas, o gesso queimava. Como se fosse um bronzeado do sol. Mesmo assim, ela não abria a boca pra lamuriar. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 211)

Não se escondeu atrás de nenhuma de suas enormes dificuldades, ajudou a tornar este mundo um lugar melhor. (Pe Geraldo, SÃO PAULO (Estado), 2011: 212)

Em 1983 acontece a V Assembleia Nacional, Maria de Lourdes foi reeleita. É

apresentada a proposta de aumentar o mandato da Coordenação Nacional devido

a complexidade territorial do Brasil e também adequação com a Coordenação

Continental, ficou para ser discutida. Nesta Assembleia também, foi manifestada a

necessidade de ter um documento que expressasse o espirito do movimento.

Lourdes pediu a Francisco Cerignoni que assessorasse neste processo.

Na Assembleia que aconteceu em 1985, em Belo Horizonte foi formada uma equipe

juntamente com o Frei Carlos Mesters, para redação final. Em 1988, na Assembleia

de Cuiabá foi aprovado o que se chamou de Documento Base. Na Na XIII

Assembleia em 2006, em Jundiaí foi feita a revisão e após a publicação de um

livreto, com o documento e na contracapa o organograma de como a FCD se

organiza. Nas palavras de Francisco Cerignoni :

É um documento em que colocamos o espírito da -Fraternidade. Foi a principal

contribuição da gestão Lourdes para a Fraternidade Mundial. Esse documento

não só passou para o papel nosso espírito de Fraternidade, mas começou a

ser um exemplo para todas as outras Fraternidades do mundo, que estavam

perdendo o espírito. Há 50 anos estamos no mundo. Então havia muitas

Fraternidades desgastadas, que estavam vivendo só a fraternidade dentro

delas mesmas, sem perspectivas mais amplas, sem ação construtiva.

Principalmente na Europa.

E esse documento balançou a Fraternidade no mundo. Traduzido para o francês e o espanhol, foi a principal contribuição da gestão Lourdes. O documento foi elaborado segundo o método do ver--julqar-agir. Primeiramente, ver a realidade da vida das pessoas com deficiência. Quem somos, os problemas que temos, nossas esperanças, necessidades, facilidades, a vida nossa de cada um. Ver a realidade, o tipo de deficiência. A missão da Fraternidade vem depois. A realidade constatada é julgada à luz do Evangelho, da Bíblia. O julgar é baseado na missão do servo sofredor, de Isaías. Aí então vem o agir: a missão da Fraternidade, o engajamento na Igreja, na sociedade, a missão evangélica de propagar a Boa Nova. E a Boa Nova, para nós, é que a vida supera qualquer obstáculo. Essa é a Boa Nova que a Fraternidade tem vivido. Lourdes falava muito isso. A vida supera tudo. O que

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importa é a vida, e não a deficiência. O que importa é a pessoa. (OLIVA; ROCHA, 2016:78)

Figura 24 - Organograma da FCD

Fonte: Contracapa do livreto “Documento Base”.

Após o cumprimento de seus mandatos, Lourdes Guarda, dedicou-se a edição do

periódico “Cartas Abertas” até o final de sua vida, seu quarto se tornou a sede

editorial deste periódico.

Também lutou até o fim pela reabertura do Hospital Matarazzo e participou da luta

pela garantia dos direitos trabalhista dos funcionários do hospital. Lourdes faleceu

em 5 de maio de 1996, sem ver o final das negociações.

Eles faziam muitas reuniões com ela no hospital, onde estava fechado, porque eles não tinham recebido todas as suas indenizações. Conta-se que depois, naquele ano que ela faleceu, 96, em novembro, no dia do aniversário dela, diz que receberam tudo, tudo aquilo que deviam, né. Então, eles diziam: “Ah, é milagre da Lourdes.” (Ir. Conceição)

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A vida Maria de Lourdes Guarda é rica no aspecto pessoal, suas lutas e disposição

para vida, assim como, sua abertura para o próximo que se deu através das

relações pessoais como no envolvimento e abertura para o mundo como diz o título

da obra que procura descrever sua vida. Certamente este trabalho deixa de

apresentar muitos aspectos importantes, mas objetivo do mesmo não é um estudo

sobre ela. O que não deixa de ser desafiador, quem sabe um novo locus de

pesquisa. Para encerrar este período da história da FCD reproduzo aqui as

palavras do padre Geraldo

A Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes foi sua casa, sua bandeira, a quem ela deu a vida. Por dezenove anos ela não mediu esforços, suor ou lágrimas. O Brasil foi seu palco.Do extremo do Pará aos confins do Rio Grande do Sul; dos fundos do Mato Grossoà mais avançada praia, bico último da Paraíba. Experimentou dfe tudo, menos o pecado (Heb 4,15), pois jamais deixou de servir a quem quer que seja. Banhou-se nas águas do mais límpido rio da Chapada dos Guimarães (MT); atravessou, de ponta a ponta, o Pantanal matogrossense. Frequentou a praia no interior paraibano, com direito a fotos e tudo mais. Passou frio e medo, sem gasolina, nas madrugadas do mais ermo sertão deste país. Crutiu horas de solidão, no quarto, noite adentro, esquecida em cima da “comadre”, enquanto a acompanhante dormia numa “breve” visita à capela. De penitenciárias a colônias de hansenianos; de favelas a acampamentos de sem-terra; de campos de futebol para ver seu time favorito (São Paulo) a cinemas e sorveterias; de shows do Roberto Carlos a pesseatas de protesto nas avenidas mais movimentadas de San Jose da Costa Rica, na América Central; de celebrações diminutas, nas casas de um abandonado portador de deficiência física, a concentrações de Corpus Christi, monumentais, de 100 mil pessoas, 400 padres, 12 bispos e o cadeal, na Praça da Sé (SP). Ela foi a tudo. Visitou, deu força, apoiou o que pode, sem limites. (Pe Geraldo. In: OLIVA;ROCHA, 1998:12,13)

A segunda década de atuação da FCD no Brasil foi marcada pela forte atuação na

vida pública e no envolvimento em movimentos sociais e especialmente nos que

envolvia a luta pela garantia de direitos das pessoas com deficiência. Maria de

Lourdes incentiva seus participantes a engajarem-se nos espaços políticos que

poderiam garantir estes direitos. Os autores OLIVA e ROCHA apresentam vários

relatos que demonstram isto.

Por meio de Archimedes, que foi deputado estadual durante oito legislaturas, Maria de Lourdes entrou em contato com muito políticos e pessoas com cargos no governo, aos quais recorria para resolver os casos desesperados que lhe batiam à porta. (OLIVA; ROCHA, 1998, 33)

Depois de falar de seu comprometimento com todos os marginalizados em geral, posseiros, sem-terra, favelados, negros, índios, Lourdes confia à repórter Tânia Regina Pinto que está prestes a realizar mais um sonho: a casa dos

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deficientes, para que tenham onde ficar quando vierem a São Paulo, para tratamento. (OLIVA; ROCHA, 1998, 46)

É preciso valorizar o pequeno, valorizar as coisas simples, valorizar o pobre, o deficiente, o favelado, o sem-terra... E começamos a nos engajar nessas lutas todas. Nas lutas dos sem-terra, nas lutas dos favelados, nas lutas políticas. O Celso foi, até 1996, vice-presidente da Câmara Municipal de Americana. Era vereador. Eu fui secretário do Bem-Estar Social da Prefeitura de Piracicaba. Fui delegado estadual do IBDF (atual Ibama), aqui no Estado de São Paulo, sou secretário de um partido político, o Partido Popular Socialista. O Celso é do PT, estamos engajados na luta política também ... E Lourdes incentivava sempre muito isso. Dizia que era nosso compromisso participar de todas as lutas, estar presente e expressar nosso pensamento onde fosse possível... (Francisco Nuncio Cerignoni in: OLIVA; ROCHA, 1998, 64)

Isto ela nos passou de maneira bastante clara e bastante forte: a necessidade de estarmos comprometidos com a vida da comunidade, da sociedade.

Em 1982, ano eleitoral, foi estimulada nos núcleos, em todo o país, a discussão sobre o tema fé e política, para reverter aquela ideia de que política é coisa suja e incentivar o portador de deficiência a participar também da política.

Outra ideia que Lourdes repetia e me marcou muito foi de que, se os portadores de deficiência constituem 10% da população, no mínimo poderíamos reverter essa sociedade que a gente considera injusta e transformá-la em mais fraterna com a nossa participação.

Começou esse envolvimento na política, com participação nos diversos partidos. Em 1992 fui eleito vereador. (Celso Zoppi in: OLIVA; ROCHA, 1998, 66-67)

Este incentivo resultou em uma participação ativa da FCD na elaboração da

Constituição de 1988, nos Movimento Nacional das Pessoas com Deficiência que

resultou em leis que garantem direitos destas pessoas.

Em 1992, ainda sob sua Coordenação, houve em São Leopoldo/RS, no Ginásio

Municipal um grande evento em comemoração aos 20 anos da Fraternidade no

Brasil. Foi um dia festivo iniciando com uma celebração ecumênica, onde foi

amassado um grande pão. Ao longo do dia houve momentos de discussão sobre

temas pertinentes à Fraternidade, apresentação das delegações, muitas

apresentações artísticas e momentos de formação, com mesas de discussão sobre

direitos das pessoas com deficiência.

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Figura 25 – Momento de Formação

Mesa que discutiu questões da deficiência e da FCD, com a participação do Presidente da FADERS- Humberto Lippo, pastor Ricardo Wangen, Frei Nelson e umas representantes da coordenação estadual, nacional e continental da FCD.

Foto: Vera Luci M.P.da Silva

No final da manhã os participantes do evento, que reuniu por volta de mil pessoas,

deslocaram-se em caminhada até a praça da Matriz, onde foi distribuída uma carta

aberta à população.

Figura 26 - Caminhada em direção à Praça da Matriz

Foto: Vera Luci M.P.da Silva

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A celebração ecumênica, com a participação do Rev. Renato da Cruz Raatz, pela

Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; do Pastor Ricardo Wangen, pelo; Igreja

Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; do Frei Nelson Junges, pela Igreja

Católica e da Revª Vera Luci Machado Prates da Silva, pela Igreja Metodista,

quando foi partilhado o pão, que havia sido amassado pela manhã e assado na

casa das irmãs religiosas da comunidade local, encerrou o evento. Participaram

fraternistas de todo o Brasil e de países da América Latina. Maria de Lourdes era

esperada com entusiasmo pela equipe coordenadora, mas não foi possível sua

presença devido a complicações em sua saúde.

Figura 27 - Celebração Ecumênica de Encerramento

Consagração e partilha do pão amassado na Celebração de Abertura. Celebrantes da esquerda para direita: Rev. Renato, Revª Vera Luci; Pastor Ricardo e Frei Nelson.

Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

3 3 5 - Pós Maria de Lourdes Guarda

Após 1992 não houve períodos mais longos de uma mesma coordenação, os

grupos já estavam bem mais estruturados espalhados pelas diversas regiões do

país ensejando maior alternância entre as regiões, na Coordenação Nacional. No

decorrer dos anos 90, a FCD continuou seu trabalho de visitação e busca de

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pessoas com deficiência em seu isolamento, sempre com uma ativa preocupação

com a formação dos fraternistas tanto no que diz respeito às questões relacionadas

às pessoas com deficiência, quanto à questões que envolvem a sociedade. Neste

período acompanhei mais de perto a FCD/RS e pude perceber a presença de seus

membros e cursos de formação de educação popular, pastoral popular e formação

política. Nos encontros do próprio movimento, havia quase como regra, espaço

para análise da conjuntura nacional.

Eleita em 97, em Florianópolis, a primeira equipe ampliada realizou, prioritariamente, 1) expedição de circular motivando o aprofundamento das diretrizes de formação, procurando um maior conhecimento e adequada aplicação; não recebeu retorno. 2) O envio de cópias do capítulo 5 do documento base, buscando colher contribuições das Estaduais que aperfeiçoem, culminando com o Comitê Nacional. Consultou-se advogados e contadores quanto ao registro civil da Equipe Nacional. Eles indicam a formação de uma federação como melhor caminho, pois assim manterá uma independência jurídica, inclusive das Estaduais que ainda não têm registro. Por falta desse registro, a Nacional não participou dos Conselhos de Saúde, Assistência Social e CORDE. Mesmo assim; a FCD Nacional não deixou de participar de encontros locais, como da Comissão Civil de Acessibilidade, Grito dos Excluídos e campanhas da fraternidade da CNBB. Além de estudos bíblicos, comemorou 25 anos da Frater no Brasil; realizou, em Salvador, assembleia extraordinária e encontro do Comitê Nacional, onde concluíram alterações do documento base e redefiniu Cartas Abertas; realizou o I Encontro Nacional de Conselheiros, em 99. (CARTAS ABERTAS, 2009, nº 93: 17)

O envolvimento com as questões das pessoas com deficiência se deu em

diferentes frentes, teve efetiva participação nos Conselhos de Direitos das pessoas

com deficiência, sua implantação e consolidação tanto em nível municipal, quanto

estadual e nacional.

A XI Assembleia aconteceu em Fortaleza no Ceará, na segunda semana de março

de 2000. Estiveram presentes fraternistas dos estados de Pernambuco, Paraíba,

Rio de Janeiro, Sergipe, Piauí, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio

Grande do Sul; equipes nacional e latino-americana e intercontinental. Na ocasião

foi eleita a nova Coordenação Nacional, que ficou assim constituída: Coordenadora

Nacional – Zenira Rebouças Ferreira (Bahia); Conselheiro - José Ilson Moreira

Gonçalves (São Paulo); Conselheira Adjunta – Cleusa Gonsalves Seixas (Bahia).

Representantes Adjuntos: Interestadual Sudeste – Maria Auxiliadora Massoli de

Campos (Mato Grosso); Interestadual Sul – Salete Millan (Rio Grande do Sul);

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Interestadual Nordeste – Maria José Mendes (Pernambuco). A pesquisadora

esteve participando nesta assembleia com toda família. Juntamente com o Pastor

Luiz Eduardo, meu marido, foram assessores, trabalhando os desafios da FCD para

o terceiro milênio tem vista a Pedagogia de Jesus e a sua atuação com as pessoas

com deficiência.

Figura 28 - XI Assembleia, Fortaleza/CE – reunião de grupo

Foto: Vera Luci M.P.da Silva

As XII e XII Assembleias aconteceram, respectivamente, no Rio de Janeiro, em

2003 e Jundiaí/SP, em 2006. Na do Rio de Janeiro foi eleita para Coordenadora

Nacional, Salete Inês Milan do Rio Grande do Sul, a época Coordenadora Inter Sul.

Para Conselheira Nacional foi eleita a Ir. Ângela Smiderle, também do Rio Grande

do Sul. Elas cumpriram o mandato e foram reeleitas em Jundiaí. Salete hoje é

Coordenadora Continental, já no segundo mandato, foi reeleita na Assembleia de

Honduras, em fevereiro de 2017. Atualmente, mora em Chapecó/SC.

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XIV Assembléia Nacional aconteceu entre os dias 17 a 23 de maio de 2009 em

Carpina/PE, com a participação de 70 pessoas entre delegações de Estados e

convidados. Contou com a presença de Vicente Masip, quem trouxe a FCD para

Brasil. Masip falou sobre a implantação da Frater aqui e respondeu a perguntas dos

participantes. Outras assessorias ajudaram na discussão do tema assembleia

“Convenção da ONU e os desafios e possibilidades da FCD no contexto atual” e do

lema: “Conheça e faça conhecer”. Assessoram nestas discussões o Frei Nelson e

Chico (Francisco Cerignoni).

Foi eleita a nova Equipe de Coordenação Nacional que ficou assim constituída:

Coordenadora Nacional Rosane Gil Valente (RJ); Conselheiro Almiro Dantas

(Pretinho) (RJ); Conselheiro Adjunto Estevão dos Santos Filho (RJ);

Coordenadores Adjuntos e representantes de suas Interestaduais foram eleitos:

Inter Sul – Domingos João Montagna (SC); Inter Sudeste/Centro Oeste – Carlos

Alberto Moraes da Silva (SP); e Inter Norte/Nordeste Raimundo Monteiro (Dedinho)

(CE), este reeleito para mais um mandato.

A nova coordenação continua a participar do movimento de pessoas com

deficiência. Em agosto de 2009, a FCD Brasil, foi representada pela coordenadora

Rosane, conselheiro Estevão e com a colaboração de Cenira, FCD/RJ, no

Encontro com Organizações Nacionais, representantes do movimento de pessoas

com deficiência, para aprofundar o debate sobre habilitação e reabilitação e a

promoção de sua inclusão na vida comunitária. O evento aconteceu em Brasília e

foi promovido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, ao qual a FCD Brasil

está inscrita. CARTAS ABERTAS registra este evento em seu nº 125, ano 2011.

A coordenadora Rosane com a colaboração de Cenira, FCD/RJ, no dia 11 de

agosto, participaram a representando a FCD Brasil, na reunião com entidades da

sociedade civil, que tratam do tema pessoa com deficiência, promovido pela

Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Nesta reunião esteve

presente a Ministra Maria do Rosário Nunes – Secretaria Nacional de Promoção e

Defesa dos Direitos Humanos.

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O “Plano Nacional de Ação para Pessoa com Deficiência”, denominado “VIVER

SEM LIMITES”, que foi lançado pela presidente Dilma Rousseff, em solenidade no

Palácio do Planalto em Brasília, na manhã do dia 17 de novembro de 2009. A

FCD/BR esteve representada pela coordenadora Rosane Gil Valente e pelos

Coordenadores adjuntos, Domingos J. Montagna e Raimundo J. R. Monteiro –

Dedinho, que. representam a FCD no CONADE.

O plano aborda quatro eixos, sendo eles: “Educação, Saúde, Inclusão e

Acessibilidade”. As ações previstas, para o “Viver Sem Limites”, serão executadas

em conjunto, por 15 órgãos do governo federal, sob a coordenação da Secretaria

de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Foram estabelecidas

metas para serem alcançadas até 2014, com previsão orçamentária de R$ 7,6

bilhões.

A XV Assembleia aconteceu em São Leopoldo/RS, de 29 de abril a 05 de maio de

2012. Nesta ocasião foi eleito para coordenação nacional Raimundo J. R. Monteiro

(Dedino), do Ceará. Sua gestão foi marcada pela realização de Seminários em

diferentes regiões do país, em parcerias com entidades de pessoas com deficiência

e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A XVI Assembleia foi realizada na Paraíba, na primeira semana de novembro de

2015. Onde foi eleita a seguinte Equipe Nacional: Coordenador Nacional ou

presidente da Federação Nacional das Fraternidades Cristãs de Pessoas Com

Deficiência no Brasil – Giovani Silveira Rodrigues (Rio Grande do Sul);

Coordenador adjunto da Area Norte Nordeste – Paulo Fernando da Silva;

Coordenadora adjunta Area Sul – Carmen Sibila Fittareli; Area Sudeste/Centro

Oeste – Amélia Galan; Conselheiro Nacional – Pe Geraldo Labarrère Nascimento

e Conselheiro Adjunto – Gerson Lordelo.

Neste período atual, os temas que tem sido recorrentes nas discussões são:

Motivação e encantamento pela Frater, Desafios para o tempo presente e as

Reformas do Governo Temer – Reforma Trabalhista e Reforma Previdenciária. Isto

se reflete nas assembleias estaduais.

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A Assembleia do Rio Grande do Sul, de 31 de março a 2 de abril de 2017, teve

como tema “Resgatando a verdadeira missão da FCD”. Estivemos presente como

assessora, trabalhando o tema “Encantamento”, o que me encanta na Fraternidade.

Figura 29 – Assembleia da FCD do Rio Grande do Sul

Assessoria à Assembleia no Rio Grande do Sul, trabalhando sobre Motivação e Encantamento

Foto: Vera Luci M. P. da Silva

“A Essência da Fraternidade e a Realidade Atual” foi o desenvolvido pelo assessor

Marcos Arroyo, na XVII Assembleia Estadual da FCD/SP, realizada de 24 a 26 de

março de 2017, Perus/SP. Arroyo ressaltou a importância da FCD desde o seu

surgimento no contexto das duas grandes guerras, salientando a importância da

visitação desafiando o grupo a assumir ou reassumir o papel protagônico na

sociedade.

Aconteceu no primeiro semestre de 2017, o encontro das áreas Sudeste e Centro

Oeste, com a presença de representantes dos estados de: São Paulo, Mato

Grosso, Espirito Santo e Rio de Janeiro. Como parte da programação aconteceu,

em uma das tardes, um seminário aberto sobre as reformas do governo Temer:

Reforma Trabalhistas, em especial, a Reforma Previdenciária e suas implicações

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para as pessoas com deficiência. O tema foi abordado pelo vereador Toninho, de

Perus/SP e pela assessora parlamentar Michele. Michele atua na FCD há muitos

anos. Após a exposição do arcabouço legal desta reforma, pelo ver. Tonhinho, e as

implicações para as pessoas com deficiência, pela Michele, houve amplo debate e

foram feitos alguns encaminhamentos, como: elaboração de um documento se

pronunciando sobre o assunto; procurar outras entidades de pessoas com

deficiência ou não para endossar o documento; enviar o documento a todos os

deputados; acrescentar ao documento a questão da terceirização; adaptar o

material disponibilizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para ser utilizado

nos núcleos em cada Estado. Juntamente com os participantes do encontro

estiveram presentes fraternistas de vários núcleos da cidade de São Paulo e da

Grande São Paulo, atuantes nos Conselhos Municipais dos Direitos das Pessoas

com deficiência e um representante do Conselho Estadual.

À noite os representes dos Estados reuniram-se com os representantes da Equipe

Nacional: Coordenador Nacional – Giovani; Coordenadora da Área

Sedeste/Centro-Oeste – Amélia e Conselheiro Nacional – Pe Geraldo. Com a

presença ainda, do Frei Nelson Junges – Coordenador Nacional.

Na ocasião, Frei Nelson, Pe Geraldo e Giovani fizeram um breve relato sobre a

Assembleia Continental que aconteceu em Honduras, no início do ano. Frei Nelson

falou ainda, de suas andanças no continente latino-americano, especialmente, na

América Central onde esteve visitando, por vários dias, os núcleos espalhados pela

região. Giovani compartilhou com o grupo algumas informações sobre a

FCD/Brasil. Após estes relatos, os representantes dos estados trouxeram

informações sobre seus grupos e como está sendo a experiência da FCD no

Sudeste e no Centro-Oeste.

De maneira geral, percebe-se que a Fraternidade está ativa nestas duas regiões

do Brasil. É recorrente na fala dos participantes a dificuldade de engajamento das

pessoas na liderança dos grupos locais e a falta de recursos financeiros para

realização do trabalho. As pessoas que participam e que já tem história no

movimento mantém o encantamento, no entanto há dificuldades de renovação de

quadros.

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Figura 30 - Encontro das Áreas Sudeste e Centro – Oeste.

Reunião à noite. Troca de informações sobre as áreas e relato sobre a Assembleia Continental em Honduras: Frei Nelson – Conselheiro Continental; Pe Geraldo –

Conselheiro Nacional e Giovani – Coordenador nacional. Foto: Vera Luci M. P. da Silva

Estes apontamentos refletem alguns aspectos da trajetória da FCD, da França até

o Brasil de nossos dias. Certamente estes são apenas alguns pontos de uma

profícua caminhada que deixou pegadas por onde passou. Por ser um movimento

que apresenta múltiplas facetas e está sedimentado em diferentes culturas

brasileiras, torna-se difícil dar uma ideia global do que é e como acontece em cada

parte do quase continente brasileiro e de seu atuar no mundo.

No entanto, entende-se que as marcas deixadas nesta caminhada são significativas

para as pessoas que se envolveram com ela diretamente ou não. Também

sinalizam sua participação nas lutas das pessoas com deficiência, pela garantia de

seus direitos e de sua dignidade. Este olhar sobre a FCD possibilita-nos perceber

alguns aspectos que passarão a ser considerados como: a importância da FCD

para as pessoas; o envolvimento da FCD nos movimentos sociais e, em especial,

os de pessoas com deficiência.

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CAPÍTULO IV

O QUE VI:

A Importância da FCD

Tendo feito um breve passeio sobre a história da FCD, principalmente, no Brasil,

pode-se perceber que a Frater tem um papel importante na história de vida das

pessoas que se aproximam dela, como das que são buscadas pelos fraternistas.

Os depoimentos confirmam a maneira discriminatória como são tratadas as

pessoas com deficiência. Muitas são as formas de discriminação, mas algumas

palavras marcam duas posturas que afastam-nas de sua possibilidade de

participação plena no meio social: a invisibilidade e o coitadismo. “E, ninguém

enxerga, ninguém vê, precisamos participar mais, nós queremos participar...”

(Francisco Cerignoni) “Me lembro de muitas visitas em que e a pessoa dizia: “Mas

vieram por minha causa?” – E a gente: Viemos por tua causa. “Mas ninguém me

visita. Ninguém me conhece. Ninguém sabe. E vocês vieram por minha causa.”” (Ir.

Ângela).

Ninguém falava de deficiente, ninguém convidava os deficientes, ninguém valorizava... Então o fato de a gente ir por causa da pessoa com deficiência, isso fez com que, familiares e amigos, né, criassem interesse e quisessem ajudar nesse processo. E como não havia associação de deficiente nenhuma, né? tudo isso veio depois, mais tarde, é... a gente via que, nos locais, mesmo no interior, onde a gente chegasse e alguém tivesse vontade de levar o trabalho pra frente, podia-se confiar que eles achavam um jeito de fazer. A criatividade era grande, e não precisava criar muita coisa, porque não tinha nada, não é. Qualquer coisa que fizesse era bom. Agora, a... a mudança que dava na pessoa com deficiência, isso era uma coisa impressionante. (Frei Nelson)

Quer dizer, começaram aí... essa... recuperação da autoestima, e... a gente viu

muita gente por esse Rio Grande, por esse Brasil a fora, pessoas que estavam

escondidas em casa e que de repente por uma amizade, que começou com

visitas, elas começaram a sair, começaram a participar, se tronaram líderes e

partiram pra vida. De fato, fizeram o que diz o lema: Levanta-te e anda! (Ir.

Ângela)

É uma situação recorrente no país. Ir. Ângela certamente fala a partir do Rio

Grande do Sul, onde foi seu principal campo de atuação, embora tenha sido por

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dois mandatos, Conselheira Nacional. Francisco fala da situação em Piracicaba,

sua cidade e onde inicia sua militância na FCD. Pe.Geraldo faz um relato que

atesta esta mesma atitude em outra região brasileira.

Em Mato Grosso, por exemplo, combinamos um encontro em Alta Floresta, no

interior do Estado. Por isso, em Cuiabá, Plinio e amigos conseguiram uma

avioneta, um teco-teco. Mas como entrar naquele aviãozinho nós quatro:

Lourdes, Célia, Maurício e eu? Desmontamos a maca e a Lourdes foi,

praticamente, com a cabeça no colo do piloto e, nós outros três, mais a cadeira,

os pés da maca e as malas, atulhados no fundo.

Figura 31 – Teco-teco usado para viagem de M. Lourdes à Cuiabá

Fonte: OLIVA; ROCHA, (2016: 56)

E o sufoco não acabou aí. Quando chegamos à cidade, o padre, com quem

havíamos combinado, disse: “Vocês me desculpem, não vamos ter o encontro

porque, aqui, não tem deficientes, a cidade é pequena”. Falei: “Meu Deus,

padre, como o senhor não nos avisou? Fizemos uma viagem dessas, saímos

de São Paulo, viemos até aqui, nestas condições dificílimas e, agora, voltar

sem nada? Jamais”. Combinamos, então, Maurício e eu de sairmos pelas ruas

convidando os deficientes que encontrássemos. Quarenta e três, daqueles

“invisíveis” (nem o padre enxergava), participaram do encontro. Engraçado que

havia 18 mineiros entre eles. O padre ficou sem jeito, mas Deus nos abençoou.

Imaginem, corria o ano de 1983/84 e a única coisa que aquele pessoal recebia

na cidade era compaixão e piedade. Ninguém os via como pessoas de direito,

necessitadas de cuidados e atenção, ao menos da paróquia. (Pe. Geraldo. In:

SÃO PAULO (Estado), 2011: 210, 211)

Há um dito popular que diz: “O que os olhos não veem o coração não sente”. Este

provérbio aplica-se muito bem para esta situação, nosso olhar não regista a

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presença da pessoa com deficiência e assim ela passa a não existir. Se “ela não

existe” não é preciso se preocupar com ela. Não precisa adaptar o mundo e a

sociedade para que ela possa participar e com isso ela própria não constrói o seu

mundo. A invisibilidade passa pelo ignorar a presença da pessoa, ou mesmo pelo

esconder, isolar até do convívio familiar.

Todas as famílias, antigamente, tinham um quartinho secreto. Você não pegou

isso... Eu peguei. Quando ia sair de visita com a minha mãe, né. Eu era

pequeninho. Então eu lembro que chegava no... Vamos visitar a família do

fulano, beltrano, lá. Aí chegava lá. Criança não fica agarrada no pé da mãe. Vai

brincar lá com outro que chegou e corre lá pelo campo. Sempre tinha lá um

quartinho no fundo que não podia tocar, não podia abrir a porta, não. E aí...

- “Não, não, não. Não mexe aí não, não mexe aí não” – Era alguém deficiente

ou com deficiência mental ou com alguma coisa assim, né. (Pe Geraldo)

A negação da presença da deficiência na família era uma constante. O próprio Pe

Geraldo, relembrando as investidas da FCD/SP para iniciar o núcleo em

determinadas localidades, relata o que vivenciavam:

Lembro que acontecia algo interessante, quando começamos a formar um núcleo da Fraternidade num bairro. Uma das estratégias era buscar informações nas farmácias, onde as famílias compravam alguns remédios específicos para certas doenças. Nas abordagens sempre informavam onde moravam os deficientes locais e quais eram suas deficiências. Porém quando chegávamos ao endereço para confirmar, as famílias negavam: “Deficiente aqui? Não temos não.” Respondíamos que havíamos recebido a informação por parte do farmacêutico. Mesmo assim ouvíamos: “Não, tem não, deve ser outra casa.” Era a negação pela vergonha, que demandou todo um trabalho imenso para reverter esse quadro. (Pe Geraldo, In: SÃO PAULO (Estado),2011 213)

O dito serve também para ajudar a perceber o quanto é difícil para a família lidar

com a presença da deficiência. Ir Ângela considera, depois de tantos anos atuando

na Fraternidade, que ainda hoje, um dos maiores desafios que a pessoa com

deficiência enfrenta é a família.

Eu me lembro da Etel Batista que ela tava a meu lado e a mãe disse: “Se eu

soubesse que eu ia ter uma filha deficiente eu ia abortar. ” – Na frente da filha.

Quer dizer, assim como estas, quantas vezes que eu ouvi, então me parece,

para mim, todos são desafios bastante grandes, mas para mim é o desafio que

o deficiente tem dentro da família. De ele ser considerado um membro como

os outros, com os mesmos direitos, mesmos deveres e que a ele seja dado

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esta oportunidade. Então isto me parece que foi, para mim, foi um dos maiores

desafios. (Ir Ângela)

Outro fator impeditivo da participação, das pessoas com deficiência, da vida na sua

plenitude é o coitadismo. É o sentimento de dó, de pena que está carregado da

perspectiva de ver o outro, a outra, como alguém que não é. “Quer dizer, o que a

gente nota é que a pessoa não... é, até hoje ... É um coitadinho!” (Ir. Ângela e Frei

Nelson). Junta-se a isto o que passa pelo imaginário religioso sobre a deficiência e

o sofrimento.

“e fora os preconceitos da Igreja. Antigamente quem era deficiente não

precisava participar da comunidade, porque ... já estava salvo, porque estava

sofrendo... Aquelas teorias de sofrimento que não tem nada a ver. E tudo isso

está no subconsciente, ainda da sociedade. (Frei Nelson)

Este sentimento de dó, expressa-se de diferentes maneiras, desde ficar olhando de

longe até se aproximar com expressão de pesar ou condolência. Pe Geraldo conta

um episódio ocorrido, enquanto ele empurrava a cadeira de rodas de um jovem

tetraplégico, pelas ruas de São Paulo. O moço era professor de inglês e

coordenador estadual do Movimento.

Estávamos no meio do caminho, quando avistamos uma senhora que vinha em nossa direção, à distância aproximada de uma quadra. Notei que ela olhava, parava e mexia na bolsa. Parava, andava um pouco, tornava a parar e mexer na bolsa. Eu falei: “Zé Carlos, acho que você vai ganhar uma esmola.” Ele falou: “o que é isso menino!” Respondi: “Acho que aquela senhora lá do outro lado está com uma atitude meio esquisita, fuçando tanto naquela bolsa que sinto que vai sair um troquinho para você.”

O Zé continuou duvidando: “Ah não ... Imagina! Não fala isso, não.” Insisti e brinquei: “Vai sim! Vamos ficar um pouquinho mais ricos com esta caminhada.” Lá fomos nós, até que a mulher se aproximou e, de fato, deu 10 centavos a ele, que até agradeceu ... (Pé Geraldo)

Vivendo estas experiências cotidianas, a Fraternidade ganha uma importância

diferenciada na vida das pessoas com deficiência: tira-as do isolamento e ajuda-as

a perceber que há um mundo além das quatro paredes de sua casa, que existem

possibilidades além de suas “limitações”. Isto faz com que abracem o lema do

Movimento: “Levanta-te e anda”. Assumem a sua própria vida e passam a se

envolver na busca da melhor qualidade de vida para si e para os outros, resultando

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no envolvimento em movimentos sociais e nas lutas pela garantia de direitos, dando

assim, com sua peculiaridade, relevante contribuição para os movimentos sociais,

especialmente, nas décadas de 1980 e 1990.

4.1 Importância da FCD na Vida das Pessoas

Diante o quadro exposto podemos destacar alguns aspectos que demostram o

quanto a FCD é significativa para vida das pessoas. Trazemos aqui depoimentos

colhidos em uma Assembleia Estadual da FCD/RS, com representantes de núcleos

espalhados por todo o Estado, como parte de uma dinâmica de grupo, em que as

pessoas foram convidadas a falar sobre a importância da Fraternidade para sua

vida. Também retiramos das entrevistas e de outras fontes algumas falas que

confirmam esta importância.

Eu sou a Neusa Maria, o que me encanta na Fraternidade, é: Primeiramente, a

amizade, que a gente tem com o grupo, e também a identificação: a

identificação de problemas, da relação com limitações. Um apoia o outro e a

gente encontra a... identificação, né. A dificuldade na superação.

Para os fraternistas o encontro tem um papel importante na sua vida, talvez reflexo

do isolamento a que são submetidos no dia a dia.

Bem, meu nome é Edi. O que me encanta é de estar junto sempre, unido, união.

Que a gente tem muito isso lá em Pelotas, assim, é o grupo, né. E, assim,

quando a gente vem pra cá a gente sente aquela alegria de tá junto. A

felicidade de estar junto. O que eu sinto é isso.

Eu sou Carla, e o que me motiva é o amor, e puxando o gancho da... da Edi, a

maravilha de quando a gente se encontra lá no grupo, é mesmo muito bom

estar junto. É muito bom a gente se encontrar, aonde a gente se encontra, com

os amigos... parece que não se vê há muitos, muitos anos, assim, e é sempre

com a mesma intensidade, o amor que se tem um pelo o outro.

Alguns depoimentos expressam que a Fraternidade é um misto de diversidade,

humanidade, autonomia e empoderamento.

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... encontrei na Fraternidade a liberdade. A liberdade de poder falar, de poder

pensar, poder refletir. Ao mesmo tempo, descobri em mim o espírito de

solidariedade que me faz ter algum resquício de... fraternismo. ... Fraternidade

é aberta a todos os seguimentos. Sem nivelar ninguém, sem excluir ninguém,

não é. Não tem lugar onde eu me sinta mais livre do que dentro da

Fraternidade. Experimento totalmente da liberdade dentro do movimento

Fraternidade. (Fernando)54

Essa questão de... fraternidade, solidariedade, amor, união, que... a gente...

briga pra conseguir, né! Briga no sentido, que é uma briga que é... faz parte do

nosso eu. Eu acho que isso tá dentro de cada um de nós. Acho que nós temos

dois lados, todos. O lado ruim e o lado bom, e na fraternidade, eu... eu acho

isso... sensacional de poder ver, mesmo que a gente, às vezes fica bravo com

certas situações e... que... acha que não tá certo e vê essas discórdias, mas

as... muitas vezes eu já parei pra refletir e eu já falei com pessoas que não

fazem parte do movimento quando eu falo da fraternidade e digo: “Lá é o mundo

das pessoas.” É... acho que tem um pouco de cada coisa, né. Um pouco de

cada credo, um pouco de cada um, um pouco de cada sentimento... eu acho

que é uma mistura, essa mistura toda de... explosão, é uma explosão de

sentimentos, onde tem as nossas... a gente consegue avaliar as nossas

frustrações, as... nossos anseios, as coisas que nós amamos, que nós

queremos... Eu acho que isso é sensacional e que... parece que é isso que não

me deixa sair..., essa oportunidade de conviver com isso, né! (Carmem)55

O encontro com seus semelhantes, que também são diversos, traz o prazer da

convivência, mas também desperta a possibilidade de ser mais, de desfrutar mais

plenamente da vida. “Se a gente vai olhar assim, quanto empoderamento se deu

às pessoas, quanta gente que estava em casa sem fazer nada e que de repente

começou no encontro do grupo se apaixonar, ... casaram, quantos estudaram,

procuraram emprego ... (Frei Nelson)”.

A Neuza (Aparecida dos Santos) já morava ali há 9 anos, cadeirante, jovem,

robusta, cheia de vitalidade, mas sem nenhuma perspectiva de sair dali. A

gente sabe como são esses depósitos humanos, custeados com verba pública,

sempre escassa e, muitas vezes, desviada, apesar do enorme esforço das

irmãs em administrar o pouco que chegava até elas. As meninas, os meninos

e idosos internos tinham de se levantar a partir das 8 da manhã, quando

chegavam as funcionárias que, pouco a pouco, iam colocando os internos nas

cadeiras de rodas.

Daí a pouco, a partir das 15 horas, começavam a retornar aos leitos, para se

deitar, pois às 16 horas as funcionárias iriam embora. Depois desse horário,

ninguém tinha condições de ajudá-los a subir na cama. Ou, se depois de subir,

durante a noite se caíssem no chão, aí passariam até a manhã, machucados

ou não. Os vigilantes noturnos, além de poucos, eram para o patrimônio,

54 Fernando é Coordenador da FCD no Rio Grande do Sul 55 Carmem faz parte da Coordenação Nacional da FCD no Brasil

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portaria e algo mais. Na instituição, que ocupava bem mais de cinco quadras,

com cerca de 150 moradores. Todos precisando de algum tipo de auxílio

pessoal. A maioria passava sem beber água e sem urinar, do momento em que

era colocado na cama até o momento em que era descido, no dia seguinte, isto

é, das 16 da tarde às 8 da manhã: 16 horas. Não havia quem pudesse ajudar.

Se fizermos as contas, a Neuza, jovem cheia de vida, dos nove anos que

passou ali, seis ela esteve sobre uma cama, pois eram dois terços de cada dia

no leito, não por maldade, mas por condicionamento de horário dos

funcionários. Apesar do bom tratamento, é uma vida muito judiada.

Mais tarde, três ou quatro anos participando da Fraternidade, ela arranjou um

jeito de estudar, terminar a formação do segundo grau, fazer um curso técnico,

prestar concurso em um banco, onde trabalhou como telefonista, alugar um

apartamento para dividir com alguém as despesas e, por fim, preferiu morar

sozinha, vivendo a sua independência até o final de seus dias. (Pe. Geraldo In:

SÃO PAULO (Estado), 209, 210)

Em 1981, durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, fiquei conhecendo a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FCD), que hoje se chama Fraternidade de Pessoas com Deficiência. Quando tive que apresentar, numa das primeiras reuniões, falei que assistia a muitos filmes da Sessão da Tarde, na minha TV em preto e branco. Nada mais acontecia, pois, o médico da AACD disse para meu pai que eu não tinha mais jeito e me deu uma sentença fatídica: eu não podia fazer nada na vida. O pessoal da FCD me disse: “Olha, é mentira desse cara. Você pode fazer o que quiser.“ E, desde então, não paro mais em casa. Estou sempre em reuniões, representando a FCD. [...] abracei esse movimento com muito carinho. Nem podia ser diferente. Afinal, o pessoal mudou minha vida, quando me disse: “Olha, você pode tudo, pode até não fazer o que eu faço, exatamente como eu faço, mas vai fazer a mesma coisa, só que de outra maneira.” (José Roberto Amorim. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 275)

O periódico CARTAS ABERTAS, ao longo de aproximadamente 37 anos, circulou

com depoimentos e histórias do resgate de vida de fraternistas. Em quatro

exemplares narra partes da vida de José Roberto Amorim, cujo relato sobre a FCD

está registrado acima. É na verdade a história do Zé e da Zê, assim chamados

carinhosamente. José Roberto é um fraternistas ativo, teve envolvimento nas

atividades do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Casa-se em 2008 com

Zenilda Borges Rego, em 2009 nasce a filhinha do casal e ele faz um emocionante

depoimento.

Que é ser pai Ser... queremos ser tantas coisas!! Advogado, Engenheiro, Médico, mas ser pai, a emoção é diferente. É se sentir pequeno diante da grandeza de ter um filho, ou uma filha... É um milagre!! Sentir a emoção de beijar este ser tão

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pequeno, porém, geram tão grandes emoções que se misturam... Alegria, responsabilidade, incertezas em um mundo onde crianças são abandonadas, assassinadas... Onde está nossa responsabilidade? Nossa filha Yara nasceu dia 30 de março de 2009, portanto há 4 meses. Diziam que não iria deixar-nos dormir... Que bom!! Teremos mais tempo para admirá-la, para conversarmos os três. Tenho paralisia cerebral com falta de coordenação motora, portanto, tinha medo de machucar a Yara, mas minha esposa que veio do céu para se casar e termos a filha mais amada do mundo, muito me ajudou a enfrentar meu medo em relação à criança. Ela colocou Yara em meu colo e deste este instante em diante eu perdi todo o medo e Zenilda minha amada e mãe disse: Zé, Yara Letícia é sua, é nossa filha! Yara começou a balbuciar sons. E nós rimos, choramos a cada momento em que ela balbucia alguma coisa. É muito emocionante! Todo ser humano deveria passar pela experiência e emoção de ser pai! Aproveito e desejo neste segundo domingo de agosto próximo, para todos os pais, Um Feliz dia dos Pais! (José Roberto de Amorim, In: CARTAS ABERTAS, 2009, Nº 118: 26)

Figura 32 - Casamento de José Roberto Amorim (Zé) e Zenilda Borges Rego(Zê)

– Núcleo Arthur Alvin – FCD/SP

Fonte : CARTAS ABERTAS, ( 2008, Nº 113:26)

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Figura 33 - Casal com a filhinha -Yara Letícia

Fonte: CARTAS ABERTAS, (2009, Nº 118: 30)

É forte o sentimento de que a Fraternidade é espaço de resgate de vida.56

A fraternidade pra mim é uma coisa muito boa, é uma coisa que... que me

levanta, que... a gente faz as coisas com vontade e pro núcleo ir pra frente, pro

es... pra o estado ir pra frente e pra gente também, porque é muito gratificante...

é o amor e o carinho que irmandade traz junto. (Haroldo)57

Eu... quando entrei na fraternidade, acho que a fraternidade existia há uns 3

anos, por aí, eu já participava da associação (...). No tempo da FCD, eu

descobri o valor da vida. Porque, quando tinha formação do espírito, na

época tinha quase 80 alunos, né, no início, e, pessoal... nós íamos visitar o

pessoal da FCD, núcleos, e lá as pessoas pegavam vida com as próprias

mãos. Se descobriam, que tinham uma vida que tinha sentido, e para o

atendimento até a habilitação da pessoa com deficiência, é ele descobrir

que tem uma vida. Não é o treinamento pra uma escola tal ou adestramento

ou treinamento, é mais descobrir um sentido da vida, que tem uma vida, que

precisa se querer bem, se querer (...). Não de retirar eles de casa (...) mas que

se descubra que tem uma vida que tem sentido e esse sentido ele pode

56 Os grifos, nos depoimentos, são nossos. 57 Haroldo é vice- coordenador da FCD no Rio Grande do Sul

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ser uma mudança de trans... transformação de vida. Eu consegui, boa

parte, dentro da FCD.58

Então a importância da FCD na minha vida foi isto: eu era uma pessoa extremamente tímida, tinha dificuldade de interagir com as pessoas. Apesar de ter ainda hoje... Estou na casa da FCD há 13 anos, coordeno a casa, recebo o pessoal que vem de fora e para os encontros como este. Posso dizer que a Fraternidade pra mim... que ela me libertou, eu era... ficava sempre dentro de casa e agora se quiser me encontrar tem que ligar e agendar pra me achar, né. Então a FCD pra mim foi uma liberdade, foi também onde aprendi a me amar como sou. Era extremamente revoltada com minha deficiência, né. (Olivia)59

Eu sou Clair, trintanta na Fraternidade. Esse... resgate, daquilo que eu tinha

e não sabia, que é me conhecer e... e saber que é uma fonte de vida, cada

dia renova, cada dia surgem novas pessoas e cada dia novas pessoas

descobrindo o que elas podem fazer... então isso me encanta.60

Figura 34 - Clair Pereira de Souza -Santiago/RS

Fonte: CARTAS ABERTAS, (2008, Nº 113: 22)

58 Adão Zanandreia é advogado, deficiente visual, está com 79 anos, atua na FCD segundo ele

desde o terceiro ano de atuação no Brasil. Foi Coordenador Estadual, atuou fortemente na inserção, especialmente, do deficiente visual no mercado de trabalho. Atualmente atua junto a direção da Casa do Cego Idoso, em Porto Alegre e é representante da FCD no Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência. 59 Olivia teve Poliomielite, é cadeirante. Coordena a Casa da FCD em Porto Alegre, mora sozinha

na casa. A Casa da FCD serve para os encontros e cursos e também acolhe fraternistas que precisam passar uma temporada na capital, principalmente para tratamento de saúde. 60 Depoimento da Clair na Assembleia em Porto Alegre.

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Quando falo da fraternidade, ou na Frater, falo da minha vida! Costumo dizer nas palestras que faço que minha vida tem dois períodos: um antes da Frater e outro depois da Frater. Imaginem leitores há 50 anos atrás, a mentalidade, numa cidade do interior, quando estava incrustado na mente não de uma pessoa, mas a sociedade (baixo poder aquisitivo, desnível social e cultural), onde se pensava que a pessoa com deficiência era um ser inanimado, que se tivesse comida e roupas limpas não precisava de mais nada. Hoje quando estou fazendo essa comparação parece que estou falando de uma outra pessoa? Porque Deus é tão bom que iluminou um servo, que eu gostaria de dizer um profeta, que semeou para o mundo e escreveu no livro da vida que a diferença só é um problema quando ela está casada com a ignorância, com o descaso, com a falta de solidariedade, resumindo com a falta de amor. Fui vereadora, conclui o ensino médio, iniciei a faculdade de psicologia, interrompi, fiz o ENEM e espero conseguir PROUNI. Casei, meu esposo bem mais jovem, e por essa situação, também, enfrentamos preconceito, perguntavam se eu tinha dinheiro para ele me querer, mas eu confio na libertação dessas pessoas, pois Deus é perseverante e nos dá força para sermos instrumentos dessa transformação. Nasci em 1953 e a Frater iniciou em Santiago em 1980. Muitos da FCD me conhecem e sabem qual é a minha luta! (Clair. In: CARTAS ABERTAS, 2008, Nº 113: 21, 22)

Clair participou como delegada, na Assembleia Estadual do Rio Grande do Sul. Em

seu relatório salientou a vida de jovens com deficiência que passaram a participar

da Fraternidade. Mudaram o rumo de sua vida, fizeram curso universitário e hoje

são profissionais respeitados em seu município e colaboram com a Frater dentro

de seu ramo profissional.

As pessoas que expressaram como a Fraternidade foi ou é importante, em especial,

a descoberta de sentido para suas vidas, não mudaram a sua condição de pessoas

com deficiência, não perderam suas limitações e em algumas até acentuou suas

dores físicas. No entanto, descobriram que tinham uma vida e que poderiam dar

sentido a ela. A FCD tem proporcionado aquilo que Viktor Frankl, que experimentou

o limite da vida em um campo de concentração afirma: “Precisamos aprender e

ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós

ainda temos ainda que esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida

espera de nós.” (FRANKL, 1987: 97)

O que se pode perceber é que as pessoas ao se aproximarem do Movimento,

encontram outras, com suas lutas e dificuldades, descobrem que não estão sós nas

suas próprias fragilidades. Encontram um ambiente fraterno acolhedor, sentem-se

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acolhidas e reconhecidas, percebem que estas pessoas encaram a vida de outra

forma e vão se envolvendo. Neste aproximar-se e envolver-se criam um clima de

pertencimento e de percepção da diferença de mundos. Há pelos menos dois

mundos diferentes: o que encontram no seu dia a dia e o que encontram agora,

neste espaço. Começam a envolver-se com outras pessoas e a esquecerem-se de

si. “Quanto mais a pessoa esquecer de si mesma – dedicando-se a servir uma

causa ou amar outra pessoa – mais humana ela será e mais se realizará.”

(FRANKL, 1987: 127).

De acordo com a logoterapia, podemos descobrir este sentido na vida de três diferentes formas: 1. Criando um trabalho ou praticando um ato; 2. Experimentando algo ou encontrando alguém; 3. Pela atitude que tomamos diante do sofrimento inevitável. A primeira, o caminho da realização, é bastante óbvia. A segunda e a terceira necessitam de uma melhor elaboração. A segunda maneira de encontrar um significado na vida é experimentando algo – como bondade, a verdade e a beleza – experimentando a natureza e a cultura ou, ainda experimentando outro ser humano em sua originalidade própria –

amando-o. (FRANKL, 1987: 127) É preciso deixar claro, no entanto, que o sofrimento não é de modo algum necessário para encontrar sentido. Insisto apenas que o sentido é possível mesmo a despeito do sofrimento – desde que, naturalmente, o sofrimento seja

inevitável. (FRANKL, 1987: 129) Eu sou Luiz Carlos. O que me motiva estar na Fraternidade, é a necessidade que temos de ser humano. Na Fraternidade eu senti que tem ser humano. Na Fraternidade eu senti que vou ter irmãos e irmãs que se sentem responsáveis pelos outros... Eu sempre sentia a necessidade de ser útil, de ser humano. Então na Fraternidade eu encontrei um motivo. Eu me senti útil por ter cooperado. As vezes a minha dor não é a dor do outro... e na Fraternidade eu encontrei um motivo a mais para descobrir-me útil, né! Necessário!

Eu sou Clarisdina. O que me encanta na Fraternidade na... na Fraternidade, o

que encantou, há tantos anos atrás, é que... eu consegui ver que... o

deficiente é gente como os outros, pessoas, que eu não me sentia gente,

me sentia... uma coisa, né! Porque eu não gostava de aparecer pra ninguém,

eu tinha vergonha de tudo, e a Fraternidade me fez ver que nós somos, com

todos os defeitos físicos que a gente tem, a gente é e tem importância na...

na... na vida da gente. Que a gente tem uma missão pra cumprir. Então isso

me encantou, tanto que eu... tá que nem uma cachaça, eu não passo mais sem

a FCD.

Meu nome é Giovani. O que me encantou no início, que eu não conhecia o

movimento, quando a... Carmem ... a Carla lá de Venâncio me convidou, foi

que... não era um movimento de piedade, não era um movimento

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assistencialista. É um movimento, como ela fala de... de ajuda, de...

potencialização, de capacitação, de... reconhecimento, de... valorização

seria a palavra, né? É um movimento de valorização da pessoa, que a pessoa

quando ela tá na diferença, ela... ela... ela se analisa diferente, e a fraternidade

dá essa oportunidade de reflexão, como o Fernando falou, pra que a gente

possa se descobrir e descobrir que a vida é mais importante de que... qualquer

outra coisa. É isso.61

Em um dos depoimentos a pessoa conta que sentia como se só ela estivesse em

uma cadeira de rodas. Quando aceitou o convite e foi até uma reunião da

Fraternidade se surpreendeu. Encontrou pessoas cadeirantes, de muleta, de

bengala todas felizes, cantando e dançando, pensou: “AH! Aqui eu quero ficar!”

(Carmencita)

Aprendi en la Fraternidad que no tengo que quejarme, puedo aprovechar al máximo lo que me tengo, puedo hablar, puedo utilizar mis brazos y lo que es mas importante es que todo esto se puede poner al servicio de los demas. La visita, y el encuentro con el otro que tiene descapacidades mas profundas y así como me sentí más contenta cuando me encontre. Esto fue así para mí como uno: el despertar. (Carmencita) 62

O depoimento da Salete Inês Milan63, Coordenadora Continental do Continente

Latino – Americano, sobre sua trajetória na FCD, reflete a síntese do que significa

a Fraternidade para a vida de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo e que

de alguma forma se envolvem no Movimento.

Um resumo da minha trajetória na FCD.

Depois de refletir um pouco, sobre a minha vida na FCD, comecei a contar os anos e me surpreendi de como o tempo passou.

Já se passaram exatamente 39 anos que estou na FCD, a conheci quando tinha 15 anos, em plena adolescência, justamente quando mais necessitava.

61 Giovani é o Coordenador Nacional da FCD, no Brasil. Há poucos anos levou um tiro em um

assalto e em consequência teve lesão na coluna. Locomove-se com ajuda de aparelhos ortopédicos ou na cadeira de rodas. 62 Aprendi na Fraternidade que não tenho de que me queixar, posso aproveitar ao máximo o que

tenho, posso falar, posso utilizar meus braços e, o que é mais importante, é que tudo isso pode-se colocar ao serviço dos demais. A visita e o encontro com o outro que tem deficiência mais profunda e assim como me senti mais contente quando me encontrei. Isto foi assim pra mim como pessoa: o despertar. Carmencita é da Guatemala, é cadeirante. Sofreu um acidente quando tinha 23 anos. Em 1979 conheceu a Fraternidade, atualmente faz parte da Equipe de Coordenação Intercontinental. É coordenadora adjunta. 63 Salete é brasileira, mora em Chapecó. Casada tem uma filha que também se tornou cadeirante. A filha está com 23 ou 24 anos, é universitária e como se diz na gíria “muito bem resolvida”.

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A amiga e fraternista Lia Mara, seguidamente me visitava. Visitas sem interesse, apenas por amizade, seu exemplo de vida, sua luta para estudar, trabalhar sair à rua sozinha, foi um impulso para a minha vida. Senti que não estava sozinha, que eu tinha uma amiga para compartilhar.

Depois de um tempo, Lia me convidou para participar de um encontro da FCD em seu núcleo. Não gostei da ideia, mas como iria encontrar minha amiga, fui.

Quando me vi diante de várias pessoas com deficiência, um pior do que o outro, minha reação foi de sair correndo e não voltar mais. Porém DEUS tinha um plano para mim. Logo fui sendo cativada por outros fraternistas e minha vida mudou por completo.

A FCD me fez descobrir que podia ser protagonista da minha própria história, que tinha capacidades de decidir, opinar, estudar, trabalhar e amar. Que tinha direitos e que junto aos demais fraternistas podíamos lutar por eles com mais força. E ali aprendi que eu também sou amada por Deus e que Ele nunca me abandonou.

Comecei a participar de outros encontros, outras atividades da FCD. Aos poucos fui conhecendo a vida de Padre François, a história da FCD, seus objetivos sua espiritualidade e mística, sua simplicidade em acolher a todos e todas sem distinção. Entendi a importância de uma visita. Nesta trajetória, visitei muitas pessoas com deficiência isoladas, sem perspectiva, presenciei o seu despertar para a vida, acompanhei o lindo LEVANTATE e ANDA de muitos. Posso dizer que me enamorei da FCD, e hoje é minha filosofia de vida.

Durante 10 anos estive na FCD apenas como assistida, nunca quis assumir compromisso. Não me sentia capaz. Este período (pode parecer longo), eu o necessitei para sentir-me motivada e segura para assumir alguma função. Assim foi, que despertou em mim um sentimento muito forte de responsabilidade pelo movimento. Meu primeiro “sim” a uma função, foi como coordenadora de núcleo, depois como coordenadora diocesana, estadual (RS) e nacional da FCD Brasil, coordenadora da Área III (países do Conesul), por dois períodos. Hoje como coordenadora do Continente Americano e membro da equipe Intercontinental.

Coloquei minha vida a serviço da FCD, porque não tenho dúvida que é um movimento de AMOR, de promoção humana, de luta por dignidade das pessoas que sofrem o preconceito, a exclusão por ter uma deficiência. Acredito que somos parte de uma sociedade que tem muita força e capacidade, para ajudar na transformação de um mundo melhor para todos e todas. Apenas precisamos que esta sociedade acredite nisso.

Salete Inês Milan Julho de 2017

A “ditadura do olhar” é um determinante na forma de como as pessoas são tratadas

e como elas agem ou reagem em resposta a esse tratamento. A expressão

“ditadura do olhar” é utilizada por Marcelo Rezende Guimarães, referindo-se à

possibilidade de a teoria interferir ou engessar a ação na educação para a paz.

(GUIMARÃES, 2011: 143). Consideramos que é perfeitamente possível utilizá-la

no contexto da vivencia e convivência no mundo das deficiências. As pessoas que

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são olhadas com coitadismo, como alguém que não é, ou como alguém que é de

uma outra “esfera”, tendem a se comportar no mundo dentro dos padrões com os

quais são rotuladas.

Nas manifestações sobre a importância da FCD, nota-se que é dada ênfase ao

encontro. Isto é significativo, levando em conta a importância da convivência na

construção da subjetividade. Embora TOURAINE enfatize a individualidade do

sujeito, em sua combinação de três componentes na formação da consciência do

sujeito, é na relação entre subjetividades que se constrói a própria subjetividade.

Para ele os componentes são:

Primeiramente uma relação a si mesmo, ao ser individual, como portador de direitos fundamentais, o que marca uma ruptura em relação à referência a princípios universalistas, ou mesmo à lei divina. O Sujeito é seu próprio fim. Em segundo lugar, tanto hoje como ontem, o sujeito não se forma a não ser entrando conscientemente em conflito com as forças dominantes que lhe negam o direito e a possibilidade de agir como sujeito. E por fim, cada um, enquanto sujeito, propõe uma certa concepção geral do indivíduo. (TOURAINE, 2006: 130)

Esta relação intersubjetiva propicia a reflexão sobre si mesmo, o reconhecimento

do outro como outro. Este outro que tem uma deficiência diferente, que pensa

diferente, que tem necessidades diferentes, mas que ao mesmo tempo é

parcialmente identificado. As diferenças podem trazer pontos de negatricidade. No

entanto, a riqueza do encontro está em dialogar com estes pontos.

O diálogo, como modo de existência, é a superação do solipsismo do sujeito e a afirmação da alteridade, uma vez que supõe sempre, ao menos, dois parceiros que interagem. O esquema que estrutura o diálogo não é um-depois-do-outro, mas um-com-o-outro. Ouvir constitui-se, não apenas da exigência e condição central da hermenêutica filosófica, mas sua mais originária experiência. Compreender-se no mundo significa “compreender-se-um-com-o-outro” e “compreender-se-um-com-o-outro significa compreender o outro” (GADAMER apud ROHDEN, 2002, p. 199). (GUIMARÃES, 2011: 234)

Compreender o outro implica também compreender-se a si mesmo e entender-se

como alguém que é e pode ser mais. O encontro contribui não só na construção da

subjetividade, na identificação das semelhanças e diferenças, como também, é um

espaço de empoderamento. GUIMARÃES (2011) baseado em ARENT afirma a

importância do coletivo para a existência do poder. Ele trata o poder como uma

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possibilidade de poder ou um potencial que só passa a existir quando os humanos

agem juntos e desaparece quando se dispersam. Ele entende o poder como

potencialidade de convivência.

“O poder emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se”. (ARENT, 1994, p. 41) A essência do poder é a experiência coletiva, assentando sua base na coletividade. O poder nunca é prioridade de um indivíduo, mas pertence a um grupo e permanece em existência apenas à medida que o grupo permanece unido. (ARENT, 1994, p.36). (GUIMARÃES, 2011: 231)

O poder é coletivo, grupal e comunitário, embora possa-se identificar o

empoderamento individual dos participantes da FCD, este poder emana do

pertencimento a um grupo, a um movimento que valoriza, que potencializa a

convivência e traz luz aos pontos de conflito com as forças excludentes dominantes.

As pessoas que não têm deficiência também são conquistadas pela Fraternidade,

por sua proposta e pelo clima de encantamento, solidariedade e força dos

fraternistas. Depoimentos de colaboradores/as e conselheiros e conselheiras

confirmam isto e expressam o quanto esta convivência é transformadora.

Para mí conocer la Fraternidad Cristiana de Personas con Discapacidad fue una Gracia de Dios, no pongo en duda. En el caso de que se trate de una persona que no sea de su familia, no se sienten satisfechos con mi vida, con la trayectoria que había tenido. Y pedía mucho a Dios que me diera luz que me asistiera. Era docente de inglés y de religión y uno de los niños que tenía unos trece años, venía cada día a decirme: Profe, en mi casa tenemos un grupo de oración y nos tiene contacto lo que ustedes nos enseña aquí y ellos quieren conocer ...... Yo había recaudado a Manisalles y quise ir a casa de jovencito, alumno de día porque la noche, sentía que no iba a encontrar la dirección. Una tarde, buscando la dirección de este joven, me encontré con 2 personas en silla de ruedas y una religiosa esperando para ver quién las ayudaba a subir en un vehículo que estaba estacionado. Me pidieron el favor y me gustó que me ayudara a subir en el vehículo. Se sentó en dos tablillas porque no tenía silla de ruedas. Entonces dijeron: Bueno. ¿Quién nos ayudará a bajar allá donde vamos? Y me ofrecí, cambié de planes y ya no fui a buscar la casa de mi alumno. Sentí que me parecía bueno, ayudar a estas dos personas. Regresé con ellos hasta el centro de la ciudad a una universidad, donde iban a reunirse con otras personas y estuve toda tarde con ellos. Regresé con ellos desde donde habíamos partido inicialmente, los ayudé a instalar en su casa, luego la religiosa me invitó a su casa de la comunidad, tomamos algún refrigerio, finalmente la comida. Hablamos por largo tiempo, hasta las nueve de la noche y así me encanta.

Este fue el comienzo, conociendo a unas personas con discapacidad y luego abriéndome a grupos ya actividades más amplias. Por eso digo que fue una

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gracia de Dios. Mi vida adquirió nuevo sentido, me sentí más contento, ya no era sólo un profesor, un docente en un colegio sino que tenía una proyección en el campo pastoral, en el servicio a los demás. Y me encontré con algo muy grande, ya cumplirá 40 años de estar con la Fraternidad, con la FCD y digo muy contento muy lleno todos los días ha tenido sentido mi vida. (Orlando) 64

Eu sou a Maria, eu entrei... estou participando da Fraternidade que me chamou

a participar com eles. A gente vê neles aquela fortaleza, eles têm uma fortaleza

muito grande e ao mesmo tempo eles têm uma fé, e um carisma muito grande,

que eles têm. Então, isso que me encantou na Fraternidade.

Meu nome é Ilce Siqueira. Eu, assim, ... a fraternidade é uma... uma grande

família, e como toda grande família, têm grandes discussões, mas tem amor e

solidariedade.

Eu me chamo Janete, e o que eu encontro aqui, com a fraternidade, é... essa

oportunidade de através das diferenças, aparentes ou não, compartilhando

essas diferenças, as pessoas sentindo-se parte de uma unidade. Unidade - ser

humano, com mais essência do ser humano mesmo e... é o que eu encontro

na fraternidade. As diferenças, elas podem ser uma ponte pra olhar pra mim

mesma e (...) melhorar, de ser mais inteira, tornar-me um pouco mais inteira

dentro do que é a busca do ser humano. Isso eu acho valioso.

Eu diria assim: Todo esse tempo que eu trabalhei na Fraternidade, eu trabalhei

em diversas áreas em diversas situações, em diversos movimentos, o que eu

tive de ganho, quantas vezes mudou minha cabeça, meus conceitos, minha

maneira de ver, minha maneira de ser, de olhar para a pessoa humana de olhar

para o ser humano... da maneira como se manifesta; o que tem de prós e

contras, dificuldades que tem. Ah! Dá outra visão para a gente. Eu posso

sempre dizer que o ganho eu tive como pessoa trabalhando com deficientes é

inexplicável. Que outro, qualquer setor dá esta bagagem, da gente poder ter

esta percepção, sobre a pessoa. E depois assim ó... o desafio pra gente

também. Então a pessoa com toda dificuldade de caminhar, então caminha dor,

com nem sei que ... ah! Contente, sorrindo, vai ... caminha com dificuldade,

mas tá lá. Quer dizer, não deixa de ser um desafio, né. Muito bonito isto. Muito

bonito eu acho ... testemunho. E aí não só pra mim, mas para as pessoas que

tenho próximas de mim também. Eu começo a dizer: pra que eu to me

queixando olha aí ó... pra que que estou me queixando e aí o desafio e o

testemunho né. Isso também é muito bonito. Acho que neste sentido também

o deficiente dentro da sociedade como um todo ele é um questionador e um

desafio para as pessoas que se dizem normais. Porque eles portam, como diria

eu, portam uma bagagem muito grande de testemunho que chama a atenção.

Basta olhar pra si, tá se queixando, se queixando do quê? Tu consegues

caminhar, tu consegues viver bem, tu consegue .... eu não consigo ... e ela vivia

feliz. Tudo fala: não falta nada, tu poderias dizer. Então, isto eu acho que é um

grande ganho para toda a sociedade quando o deficiente consegue, realmente,

64 Orlando Jaramillo Gaviria é da Colombia, Coordenador da Area II. Sua deficiência se

manifestou aos 51 anos em consequência de uma trombose cerebral. (Tradução do depoimento nos Anexos)

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mostrar-se e agora com a pessoa do jeito como é. Com os valores que tem. (Ir.

Ângela)

O benefício do contato com o movimento das pessoas com deficiência é muito

grande. Agora por exemplo lá na 10ª Assembleia Continental, em Honduras...

na cidade de Comaiaguá, antiga capital de Honduras. E tinha lá um encontro

de seminaristas. É... Candidatos e de seminaristas já seminaristas. E... eles

participaram da nossa celebração eucarística final. Então... um deles, que eu

fico com a impressão, não gravei, mas que eu fico com a impressão que era

Júlio, ele falou assim: - “olha, nunca pensei que na minha vida eu tivesse a

oportunidade de participar de um encontro tão forte espiritualmente pra mim.

Por causa da alegria de vocês, do... da... É um mistério isso pra mim.”

A sociedade acha que a pessoa com deficiência... O conceito de pessoa né!

é... só o perfeito, corpo perfeito, e bonito, né! Então, quem não está perfeito e

não é bonito, é... devia estar chorando, devia... né! E quando chega lá e vê

aquela turma toda sem perna, sem braço, sem visão, e alegre, e sorrindo, isso

fica muito esquisito. Isso toca muito. Então... Dois, dois, dois momentos fortes,

três, quatro, ixe... Não sei quantos.

Um dia foi tocar lá a banda da polícia militar e... Daí em cima do palco e nós

ficamos em baixo, o palco alto, mas eles não aguentaram ficar lá em cima

tocando e desceram e vieram dançar com os deficientes que estavam em

baixo... Então falavam: “Ah! nós pensávamos que vocês iam estar meio

chorando e nós ia alegrar vocês, porque...” – Inclusive os próprios deficientes

pensam isso, né! Antes de entrar em contato, né!

- “Não, eu aleijado, basta eu. Vou mexer com aleijado? como assim? credo...

Não vou lá de jeito nenhum.”

Aqui teve uma... uma coordenadora aqui em são Paulo que pensou isso

durante muito tempo. Convidada, convidada, convidada. e não ia, não ia...

Mas aí um dia não teve jeito, foi:

- “ô meu Deus, vou ficar nessa porcaria. Vai ser aquela choradeira, porque a

minha muleta, que a minha perna, porque a minha cadeira, porque a minha não

sei quanto...” – E chegou lá estava todo mundo contente, alegre, nunca mais

saiu. (...) foi por aí também. No final foi coordenadora, depois nacional.

Então tem muito isso, então a polícia foi e depois esse jovem:

- “Olha, isso tudo, essa experiência aí que eu tive aqui hoje espiritual foi muito

forte pra mim. Nunca na vida imaginei que fosse presenciar uma coisa dessa.

Ou seja, a fraternidade tem uma missão, junto a sociedade, muito grande. De

aparecer nos locais. E ver que a vida que a sociedade concebe como vida, não

está correta esta concepção, né! Precisa de haver uma reformulação de:

O que que é gente? O que que é pessoa humana? (Pe Geraldo)

A pergunta posta aqui pelo Pe. Geraldo “o que é a pessoa humana?”, merece ser

considerada. Estamos desde o início deste trabalho falando em pessoa com

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deficiência. Talvez merecesse ser grafado assim, “PESSOA com deficiência”.

Falamos aqui em pessoas que tem uma característica que pode ou não ser

impeditivas em suas vidas, porém são pessoas e se são pessoas são humanas.

Trazem em si essência da dignidade. “Dignidade” definida pelo dicionário Aurélio

como “qualidade de digno”, “que confere posição graduada” (FERREIRA,

2005:318).

O espaço de envolvimento destas pessoas é inicialmente uma comunidade de fé e

da atuação pastoral de um homem, um padre que se coloca ao lado dos que

sofrem. Segundo BRAKMEIER, “A fé, em sentido lato, constitui uma necessidade

elementar do indivíduo e da sociedade, e o sagrado exerce papel fundamental na

vida das pessoas.” (BRAKMEIER, 2002: 20,21) Para Ronaldo Sathler “ a tarefa

perene da ação pastoral é facilitar o contínuo processo humano de busca por

sentido na jornada da vida, em meio as suas mudanças, aos seus desesperos, às

angustias, injustiças e enfermidades``(SATHLER-ROSA, 1996: 99). Neste percurso

da trajetória da FCD percebe-se que esta tarefa tem sido desempenhada.

Certamente a primeira força propulsora desta caminhada, foi a partir de uma

experiência de fé e atuação pastoral fundamentada na formação teológica que

François recebeu no Seminário, por isso não é possível fugir aqui, de se valer de

algumas informações nesta área de conhecimento.

Com base na Bíblia, para BRAKMEIER, “quem define o ser humano e lhe confere

a identidade” é Deus. Ele fundamenta isto, em Gn. 1.26-27, onde encontramos que

o ser humano foi feito a imagem e semelhança de Deus (homem e mulher), esta

afirmação bíblica traz uma série de implicações para a atuação junto às pessoas.

Reconhecer que o ser humano é imagem e semelhança de Deus é reconhecer que

o ser humano é sagrado. “Portanto, a relação com o criador é constitutiva para a

compreensão do fenômeno humano. A identidade e a dignidade do ser emanam de

sua qualidade de imagem de Deus.” (BRAKMEIER, 2002: 18)

Por intermédio da imagem de Deus (Sl 8,5; Sb 2,23; 1Co 11.7, Tg 3.9), a Bíblia

afirma o sagrado ou a dignidade de cada pessoa. Dizer que cada pessoa é

sagrada é dizer que Deus tem um relacionamento tão estável conosco que não

conseguimos entender uma pessoa sem considera-la como um ser em relação

com Deus. ... Entendemos uma pessoa como alguém cuja dignidade é mantida

pelo amor divino e a fidelidade. A nossa dignidade é sagrada, porque Deus nos

ama. (GULA, 2001: 31,32)

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Diante disto, pode-se afirmar que cada ser humano tem a sua dignidade que é

um valor inestimável, refletida pela imagem de Deus nele. Nisto se estabelece a

igualdade entre os seres humanos. “A aplicação do conceito da imagem de Deus

ao ser humano é o estatuto da igualdade humana e a constituição da

humanidade em ‘sociedade’… A qualidade da imagem é atribuída a todas as

pessoas indistintamente, sem consideração de raça, cultura e credo, sexo.”

(BRAKMEIER, 2002: 21). Também, às pessoas com deficiência. Dizer que os

seres humanos são iguais não significa ignorar as diferenças. Há uma

diversidade muito grande no gênero humano, mas isso, não significa que não

sejamos iguais.

Agora, eu acho que o momento bastante importante para o deficiente na

Fraternidade foi quando percebeu que eles deveriam ser os líderes do

movimento, assessorados pelo conselheiro e outros colaboradores. Me parece

que aí eles começaram a perceber que têm um lugar na sociedade e que ele

era próprio deles. Eles se desempenhavam dentro da liderança. [..] foi um

momento bastante importante na hora que eles perceberam que além do

trabalho, além de namorar, além de estudar, eles tinham condições de serem

líderes na sociedade e isso foi pra mim, pelo que eu percebi, foram momentos,

assim, bastante importantes. (Ir Ângela)

A medida que foram descobrindo suas capacidades e exercendo a liderança dentro

movimento começaram a participar em esferas maiores e se tornaram líderes em

outros espaços, movimento popular, partidos políticos, etc.

O pessoal estudou, se preparou e tem seu emprego e está seguindo adiante.

Poucos líderes que tinham essa capacidade que foi despertada, conseguiram

ficar lutando dentro da fraternidade, mas a fraternidade cumpriu a missão dela,

né, que foi motivar pra que sejam felizes. Que possam assumir o protagonismo

nas suas vidas. (Ir Ângela)

Uma vez eu perguntei para os fundadores: “Como é que tem umas lideranças

que vem e são trabalhadas, são dinâmicas, são líderes, são entusiasmadas e

como é que não militam no movimento?” – Tanto como outro me disse assim:

“Olha, a fraternidade tem uma grande missão: Fazer com que a pessoa se

perceba pessoa e tome a sua história em suas mãos, seja construtora da sua

própria história. Se milita na Fraternidade, bom seria. Mas importante é que

com isso ela conquiste seu espaço no mundo.” – Eu achei isto maravilhoso,

porque eu ficava agoniada. Como é que vem, o pessoal é trabalhado e, daqui

a pouco, quando pensam que é alguém que poderia pegar bem, pegar no

núcleo, um estado e... e já... e... e... pega outro, seu próprio caminho, com seu

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próprio histórico. E aí, sabe que depois me convenceu. Me disse: “A grande

missão da fraternidade não é prender todos dentro da fraternidade, é ajudar

para que a pessoa com deficiência se reconheça pessoa, descubra o seu

espaço neste mundo, seja protagonista de sua própria história e vá construir a

sua história contribuindo do seu jeito na construção da sociedade.” – Achei isto

maravilhoso. Bom, lógico, nós gostaríamos que as lideranças ficassem

conosco. Mas, realmente, o objetivo não era prender, é ajudar a pessoa a Ser

e encontrar o seu espaço (...). É lógico, muitos vão encontrar o seu espaço

militando na fraternidade. Que bom que ficam. Agora, mas também, nós temos

que respeitar os que têm o caminho sendo protagonistas dentro da sociedade.

(Ir Ângela )

Com base na palavra das pessoas encontradas pelo caminho, percebe-se que

estas falas refletem o sentimento das pessoas e ao mesmo tempo é como se elas

vivessem sem se perceber, que de repente, sentem-se diante de um espelho e

veem que existem, que são pessoas e tomam sua vida e dão sentido a ela. Nas

palavras de Paulo Freire, percebem que vivem e que podem ser mais. É o resgate

de sua condição de ser humano que não é só uma pessoa com deficiência. É

cidadão. Como tal, é legitimo participante da prática produtiva, da prática social e

da prática simbólica e que tem direito de participação no mundo do trabalho, do

convívio na sociedade e na cultura simbólica. A sociedade tem o dever que construir

condições para que todos possam participar plenamente destes espaços.

Começam então a participar no espaço que se abre ao seu redor, mas não ficam

aí. Abrem o leque a sua volta e participam da vida do cotidiano e nas lutas por

direitos, seus e de seus pares. Com isto, participam da construção da história,

deixam marcas na participação com os movimentos sociais, especialmente, nos de

luta por garantia de direitos das pessoas com deficiência.

Antes disso, as pessoas com deficiência, eram apenas vistas como.... sujeitos de caridade, e foi com o papel da FCD, naquele, nos primórdios aí de 30, 40 anos atrás, que essa realidade, é... começou a mudar e as pessoas com deficiência passaram a ser vistas, não mais como sujeitos de caridade, mas como sujeitos de direito. Essa realidade ainda não mudou completamente. É... Ao contrário. Ainda é forte essa visão e esse conceito caritativo e assistencialista e paternalista em relação as pessoas com deficiência. Mas aqui no Brasil, marcadamente aqui em São Paulo, a FCD foi a pioneira na mudança nos primeiros passos que levaram a... que estão levando ainda, essa mudança, essa transformação do papel social das pessoas com deficiência. (Antônio Carlos Munhoz/Tuca Munhoz)

Nos primeiros anos de atividade no Brasil, a FCD, foi voltada à busca das pessoas

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com deficiência no seu isolamento, no espaço da família ou até nas intuições

asilares. Com o passar o tempo, vendo que havia vida fora de sua “janela” e que

sua marginalização não era consequência de sua deficiência e sim de uma

realidade marginalizante, passam a interessar-se pelas questões sociais. Pe

Geraldo relatou um episódio ocorrido, no Metrô de São Paulo, no início, nos

primeiros anos da atuação da FCD na cidade.

Aqui em São Paulo teve uma confusão, mil novecentos e setenta e oito... O Metrô estava começando..., Quer dizer, começando... Já havia. E um cadeirante foi tentar utilizar e o segurança veio pra ele, quando estava se aproximando da... catraca, veio e... - “olha, não dá né?! Infelizmente...”

- “olha...” – Ele falou... pro segurança. – “Olha, eu posso dar alguns passos, não posso caminhar, mas posso dar alguns, posso ficar em pé com muletas canadenses, tenho aqui, e o senhor podia passar então a cadeira pra mim.” – E foi começando a se levantar, né. Pegar a muleta pra se levantar, e... O segurança perdeu um pouco o chão e disse:

- “Olha, você não tá vendo que isso aqui não é pra aleijado? Caramba meu, presta a atenção. To falando que não pode, é porque não pode!”

- “Ta bom.” – Sentou de novo, foi pra nossa reunião e contou o fato. – “Olha, no metrô não pode aleijado.”

Falei:

- Pelo amor de Deus, como que não pode aleijado? Mas é justamente para deficiente, é quem mais vai precisar desse negócio, porque facilita a vida.

Aí marcamos um dia, na praça da Sé e foi todo mundo pra lá. Cento e tantos. Cadeirantes, muletas, cegos, surdos, mudo... de tudo quanto é jeito. E... Aí parou tudo. Parou tudo... é...

- “Confusão imensa.”

E... Entramos na praça da Sé e descemos na avenida Vergueiro. É ali perto onde é Centro Cultural de São Paulo. Então foi uma loucura. E abrimos um processo contra o Metrô, que... correu durante dez anos. Em oitenta e oito nós tivemos ganho de causa, obrigando o Metrô a... fazer... botar acesso, né! Todas as estações, que ainda não tivessem sido inauguradas, botar elevador. E nas que já estavam prontas, entregues, tinham que ter alguém que pudesse trazer em baixo e levar. Em todo caso, não poderia proibir, nem impedir, nem dificultar, mas facilitar. Então, hoje, aqui tem alguém que chamam... é... Jovem cidadão. Jovem cidadão, no guichê tal, aí vai ele lá um desces e leva em baixo. Mas é isso. ( Pe Geraldo)

4 2 – Participação da FCD com e os Movimentos Sociais

As palavras do Responsável Nacional, Messias Tavares de Souza, eleito na III

Assembleia Nacional, em 1979, reforçam o interesse pelas questões sociais.

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Nossa FCD está se desenvolvendo bastante, segundo expressão que pude captar recentemente. Nota-se um interesse maior pela questão social, uma consciência de que é o próprio deficiente que deve exercer uma ação ordenada e eficaz, visando a obter a efetivação de seus direitos como membro da comunidade brasileira, atento às suas obrigações, mas exigindo que não lhe neguem o que lhe é devido (JAINES; SCHUCK, 1982: 104).

Este interesse intensifica-se a partir de 1979. “Os que antes eram poucos e não

tinham uma visão de marginalização do doente e do deficiente no Brasil, agora mais

conscientizados, com mais coragem e mais unidos, resolveram voltar-se para uma

formação mais social e mais libertadora.” (JAINES; SCHUCK, 1982: 105). Em julho

de 1979, acontece em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, o II Encontro Regional

de Estudos da FCD, com o tema: Direitos e Deveres do Deficiente para com a

Sociedade. Participaram do encontro 82 fraternistas e outros convidados. O

Governador do Estado foi convidado para o encerramento do evento, mas não

compareceu.

O não comparecimento do Governador ao Encontro Regional de Estudos foi a razão que levou os fraternistas reunidos no encontro a dirigirem-se ao Palácio para levarem em mão suas reinvindicações ao Governador. Durante o período de espera, os meios de comunicações (imprensa falada, escrita e televisada) deram apoio ao Movimento (JAINES; SCHUCK, 1982: 108).

Figura 35 – Fraternistas recebidos pelo Governador no Palácio Piratini

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 108)

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As comemorações do Ano Internacional da Pessoas Deficientes, 1981, foi uma

mola propulsora para o envolvimento das organizações de pessoas com

deficiência, não só em eventos comemorativos, mas principalmente em atos

reivindicatórios. Francisco Cerignoni (Chico Pirata) fala de como iniciou seu

envolvimento com a FCD, em 1980, já no final da sua administração como

Secretário Municipal do Bem-Estar Social, em Piracicaba/SP. Seu depoimento a

respeito, retrata um pouco da realidade das atividades referentes a este ano.

Em setembro, comecinho de outubro, eu saí no final de outubro, eu recebi a

visita de um grupo de pessoas com deficiência, aqui de Piracicaba, e o

movimento que eu não conhecia chamado Fraternidade Cristã de Pessoas com

Deficiência, a tal da FCD. Eu recebi porque no ano seguinte era o Ano

Internacional da Pessoa Deficiente. Eles vieram pedir, ao Secretário, apoio pra

comemorar esse ano. Que era o ano para discutir os problemas, levantar os

problemas, para descobrir onde estão estas pessoas. A gente sabe que é

bastante, mas não tínhamos dados naquela época, nem eles. Sabe que é

bastante, mas não sabe quanto. Ninguém enxerga, ninguém vê, precisamos

participar mais, nós queremos participar... e aí eu me comprometi com eles de

ajuda-los, né. E, pensei comigo mesmo, não só eles, eu vou participar porque

é da minha turma. Uma pessoa com deficiência de outro grupo, a gente se

interessa. Então! Mas, eu saí da Administração, as facilidades que eu podia ter

como Secretário eu não ia ter, mas mesmo assim, que eu fiz? falei: bom, eu

vou entrar no grupo e vamos ver o que junto a gente pode fazer. Aí comecei a

participar do grupo, aí organizamos várias atividades durante o ano, a principal

delas foi um grande encontro, que também tinha o pessoal de Santa Barbara

do Oeste, de Americana (lá já tinha um grupo da fraternidade, também), e o

pessoal aqui de Piracicaba, nós fizemos um grande encontro na Câmara

Municipal, pra discutir as questões das pessoas com deficiência. De certa

forma parou o centro da cidade porque não tinha nenhuma adaptação. A

câmara não tinha elevador, o salão nobre era no andar superior. Precisamos

mobilizar bombeiros, tiro de guerra pra levar as pessoas lá em cima, é!. E aí,

isso saiu nos jornais, saiu ... não tinha televisão, mas saíram nas rádios e

começou a aparecer... esse movimento, não só o movimento da FCD, mas as

pessoas com deficiência. Eu comecei a me engajar cada vez mais na FCD, aí

eu fui designado aqui de Piracicaba, eleito pra participar de uma assembleia

extraordinária do Estado, que foi em São Paulo, no Anchietano. Eu cheguei lá

participando e tal, já me elegeram vice coordenador estadual. (Francisco

Cerignoni)

A IV Assembleia Nacional, da Frater, ocorrida em São Bernardo do Campo/SP, no

início de 1981, que elege de Maria de Lourdes Guarda, para a Coordenação

Nacional, juntamente com o Pe Geraldo do Nascimento, para Conselheiro Nacional,

estabeleceu que em todos os lugares, onde existisse a Fraternidade deveria haver

concentração pública para : “Expor e reivindicar tudo o que for necessário para a

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conscientização dos Valores e Direitos das Pessoas Deficientes.” (JAINES;

SCHUCK, 1982: 139)

Precisamos chamar a atenção da sociedade em geral, usando todos os meios de comunicação possíveis, distribuindo panfletos que alertem sobre todas as fontes causadoras de deficiências, bem como faixas colocadas em lugares estratégicos (em cada cidade), salientando: Acidentes, Medicamentos, Poluição, Prevenção, Reabilitação, Transporte, Lazer etc... Tudo o que conceberem dentro da realidade de cada lugar (JAINES; SCHUCK, 1982: 139).

Figura 36 – Concentração no centro de Porto Alegre/RS

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 142)

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Figura 37 – Cartazes utilizados na Concentração em Porto Alegre/RS

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 143)

Após a eleição de Maria de Lourdes, para a Nacional, assume a coordenação no

Estado de São Paulo, Isaura Helena Pozzatti, que até então era a vice. Francisco

Cerignoni, conhecido como Chico Pirata, assume a vice-coordenação.

Exatamente a data não me lembro, bom aí eu comecei a me engajar cada vez mais. Aí a Lourdes me chamava pra ajudar algumas coisas, porque eu era agrônomo, formado tinha habilidade pra escrever, secretário, tinha uma visão política e coisa e tal. Então, virava e mexia eu ia lá na casa, no Hospital Matarazzo onde a Lourdes morava. Eu ia praticamente uma vez por mês, depois eu comecei a ir 2 vezes por mês. E aí, em 82 foi eleito no Estado de São Paulo o Governador Franco Montoro, eu era do partido dele, PMDB, e, o que era prefeito, João Hermann, foi eleito Deputado Federal e aí, em 83 ele me chamou para trabalhar, com ele. O que começou a facilitar eu ir lá com a Lourdes, porque eu tinha que ir pra SP uma vez por mês mesmo, então eu ia, era pertinho de onde a Lourdes morava. Então, eu passava onde eu precisava ir. Fazia meio rapidamente as coisas no período da manhã, aí eu ia almoçar com a Lourdes, ficava a tarde ali trabalhando com ela. Nós trabalhávamos: fazíamos o projeto, priorizava pauta, ... quando foi instituído Fórum Estadual das Pessoas com Deficiência. Ela que motivou que o pessoal do Vale do Paraíba, o pessoal de Ourinhos, nós aqui de Piracicaba, o pessoal de Americana, vários grupos da FCD de São Paulo, dos outros movimentos: MDPD, do NID, vários movimentos lá da capital... E nós começamos a ... como fruto do Ano Internacional este Fórum, que depois deu origem ao Conselho Estadual de luta .. de Assunto da Pessoa com Deficiência. (Francisco Cerignoni)

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Figura 38 - Parte de um documento sobre o MDPD

Fonte: SÃO PAULO (Estado), (2011: 81)

A Fraternidade participou ativamente de toda mobilização nacional em torno do Ano

Internacional. Esteve junto com outros, os mais diferentes movimentos e

organizações, cada um contribuindo com as estratégias que lhes eram mais

próprias, mas que se complementavam. “A FCD notabilizou-se por buscar as

pessoas com deficiência onde quer que estivessem em situação de marginalidade

(prisões, asilos, hospitais e, mesmo, residências familiares), para “resgatar” a

autoestima e mobilizá-las para a causa” (SÃO PAULO (Estado), 2011: 27). O

movimento em torno do Ano Internacional das Pessoas Deficientes foi fundamental

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para se chegar ao estágio atual, da visibilidade, garantia de direitos, da inclusão da

pessoa com deficiência.

A luta desse movimento social “foi o confronto violento não apenas de interesses, mas de mundos contraditórios.” (Rancière, 1996, 375) É importante refletir o significado do simples fato de pessoas deficientes estarem nas ruas e suas demandas serem objeto de discussão pública. O que isso representou em um país com uma estrutura social e cultural como a brasileira. Os na época considerados “deficientes” enfrentaram conscientemente esse debate e com isso alargaram o espaço público de sua atuação, pois ela passa a ser ao mesmo tempo ação “perturbadora” e política. Criando sujeitos capazes de mediar o mundo em conflito no qual vivem e direcionar suas escolhas por

meio de suas experiências. (SÃO PAULO (Estado), 2011: 29)

Entre os temas que perpassavam as discussões do Ano Internacional das Pessoas

Deficientes estava a acessibilidade, ou melhor a falta dela que impedia o ir e vir das

pessoas com mobilidade reduzida, seja qual fosse o grau de redução. Ir. Ângela

Smiderle traz dois relatos que demonstram esta dificuldade e como dois fraternistas

enfrentaram este problema. O primeiro acontece em Porto Alegre, em relação às

resistências das Empresas de Transporte Urbano em adaptar a frota para

possibilitar a acessibilidade.

Estou vendo, aqui em Porto Alegre, ônibus adaptado. Foi uma luta da

Fraternidade para conseguir os ônibus adaptados aqui, porque os empresários

diziam que não tinha deficientes para viajar. Então tinha o Zezinho, lembra? O

Zezinho pegava ônibus num ponto, dava toda a volta, descia no outro ponto,

pegava outro ônibus e ia rodando a cidade. Ele disse: “Não?...” – “Os

empresários vão ver que tem deficientes que vão de ônibus.” Ele passava o

dia, no ônibus, zanzando, pra dizer: “Não, porque nós vamos conseguir (...)

ônibus adaptado.” Eu me lembro que nós começamos com a Carris aqui. A

Fraternidade, ia com o grupo de Kombi, no estacionamento da empresa para

treinar os cobradores e os motoristas como subir e descer deficientes do

ônibus. Depois então vieram os ônibus adaptados, e também daqui se

expandiu para o Brasil, foi aqui em Porto Alegre, um dos primeiros lugares onde

nós tivemos ônibus adaptados.

O outro episódio, ocorreu com Maria de Lourdes Guarda, dificuldade de acesso à

urna eleitoral.

A acessibilidade, era um grande problema na movimentação dentro das cidades, como circular a cadeira de rodas? Não só cadeiras, mas os que andam de muleta, por exemplo. Agora a gente tá vendo que, a maioria das esquinas, o meio fio já está rebaixado. Tem ainda o grande problema do acesso em logradouros públicos. Mesmo das próprias igrejas começou a despertar consciência que pra ele, a igreja tinha que ter uma rampa para entrar. Isso

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também parece que ajudou, mas tem ainda muito problema, acessos também é direito. Eu me lembro, por exemplo, na época das eleições, colocam a urna no terceiro andar. Eu sei que a Maria de Lurdes Guarda, ela tinha no terceiro andar. Ela foi votar, de Kombi. Ficou na frente do prédio. “A senhora é deficiente, não tem obrigação de votar.” “Eu sou cidadã. Eu quero votar.” – Ficou uma tarde, na frente do prédio, dentro da Kombi, e aí chamou rádio e televisão, com tudo que tinha direito. Bem que a urna desceu e ela votou.

Na obra publicada pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do

Estado de São Paulo, em comemoração aos 30 anos do Ano Internacional das

Pessoas Deficientes, é possível encontrar inúmeros registros da participação da

FCD, nos movimentos de luta pela garantia de direitos das pessoas com

deficiência. Tanto nas mobilizações e manifestações públicas como em

Congressos e Encontros nacionais.

O movimento social ampliou e recriou o espaço público, bem como transformou a imagem das pessoas com deficiência, ao dispensar seus antigos porta-vozes (os médicos, os padres, os políticos) e passar a falar por si mesmos. E, o mais importante, se fizeram ouvir. E isso só foi possível, como grupo ou coletivo, por meio da “cidadanização” de seus membros. (SÃO PAULO (Estado), 2011: 26)

Figura 39 - Parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto a participação no

1º Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81

Foto Nossa

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Figura 40 – Detalhamento do número de Fraternistas participantes no 1º Congresso

Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81

Foto Nossa65

O depoimento de Antônio Carlos Munhoz, o Tuca Munhoz, aponta a importância da

FCD como movimento social e sua contribuição nas lutas das pessoas com

deficiência, ressaltando a significativa liderança de Lourdes Guarda.

No caso da Maria de Lurdes Guarda, eu acho que a Maria de Lurdes, além de ser uma liderança, de alto gabarito, uma pessoa... muito politizada, com forte

65 Fotos tirada de parte do relatório da Coordenação da FCD- Nacional quanto a participação no 1º

Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes – Recife 26 a 30 de outubro/81

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poder de mobilização, ela teve a sorte e o privilégio de militar em uma época, junto a igreja, em que nós tivemos talvez o maior, e o mais destacado... cardeal da arquidiocese de São Paulo, que era o Dom Paulo Evaristo Arns. Então, quero crer sobre esse aspecto, que FCD nunca foi , salve engano, analisada, mas ela, é... o desabrochar, digamos assim da FCD, é... foi em um terreno, em um ambiente muito... propício, muito fértil, em função, justamente do papel que Dom Paulo Evaristo Arn desenvolvia aqui na arquidiocese, em sintonia, com a Maria de Lurdes Guarda que era também uma liderança... de... enorme expressão. Então foi um momento privilegiado pra FCD e um momento também em que ela foi pioneira e foi, é... e teve a dianteira do... movimento social de pessoas com deficiência, aqui em São Paulo. Na luta, por exemplo, por acessibilidade nos transportes. Eu lembro que, por exemplo na luta pela acessibilidade no metrô, logo que o metrô foi inaugurado, aqui em São Paulo. Mesmo antes de ele ser inaugurado, mas quando estava em planejamento, a FCD teve um papel bastante destacado e hoje nós... o que nós temos de acessibilidade nos transportes aqui da cidade de São Paulo, deve-se muito ao papel que a FCD desempenhou na época. A fora isso, um outro papel bastante importante que a FCD, é... foi pioneira, foi justamente de dar visibilidade às pessoas com deficiência junto ao movimento social de modo geral. Ao movimento social que lutava por habitação, que lutava pelos direitos humanos... Eu lembro que, na época, havia o movimento contra a carestia, e... e a FCD tinha presença nisso. (Antônio Carlos Munhoz)

Na verdade, a FCD esteve envolvida em todos os espaços possíveis de discussão

e concretização de direitos. Maria Lourdes Guarda incentivava a participação dos

fraternistas em todos espaços da vida social incluindo a participação na política

partidária. Isto se constata nas palavras de Celso Zoppi.

"Isto ela nos passou de maneira bastante clara e bastante forte: a necessidade de estarmos comprometidos com a vida da comunidade, da sociedade. Em 1982, ano eleitoral, foi estimulada nos núcleos, em todo o país, a discussão sobre o tema fé e política, para reverter aquela ideia de que política é coisa suja e incentivar o portador de deficiência a participar também da política. Outra ideia que Lourdes repetia e me marcou muito foi de que, se os portadores de deficiência constituem 10% da população, no mínimo poderíamos reverter essa sociedade que a gente considera injusta e transformá-la em uma mais fraterna com a nossa participação. Começou esse envolvimento na política, com participação nos diversos partidos. Em 1992 fui eleito vereador. Envolvimento não só em política, mas também na Igreja e nos diversos movimentos sociais. Lourdes dava muita importância à unidade e ao esforço do trabalho em conjunto com outras entidades de portadores de deficiência - eu me lembro de que naquele ano de 1981 houve um esforço muito grande de se estabelecer ligação com os deficientes visuais, com os deficientes auditivos e com os hansenianos, a ponto de se realizar um congresso nacional envolvendo não só a Fraternidade mas outros movimentos de portadores de deficiência, outras entidades, sem distinção de credo, raça ou cultura. Foi formada uma coalizão nacional, envolvendo todas as áreas. Lourdes Guarda, representando a Fraternidade, fez parte desse movimento para poder levar o espírito de valorização da vida também para as outras áreas de deficiência." ( Celso Zoppi. In: OLIVA; ROCHA, 1998: 66,67)

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Outros tiveram também um envolvimento na esfera política, concorrendo a cargos

eletivos, como é o caso de Célia Leão, que exerceu o mandato de Deputada

Estadual e Archimedes, Vereador de São Paulo, o amigo inseparável de Lourdes

Guarda.

Passado o AIPD, a mobilização continuou, embora tenha ganhado novos

contornos. Inicia a fase de luta pela garantia de políticas para toda sociedade e

principalmente pela garantia dos direitos das pessoas com Deficiência.

Incentivamos, divulgamos e implementamos, junto a outras pessoas, o Fórum das organizações de pessoas com deficiência, daqui de São Paulo, do qual participavam Romeu Sassaki e Robinson de Carvalho (médico já falecido, de Ourinhos), além de representantes de Taubaté; eu, de Piracicaba, e o pessoal das entidades de São Paulo: Fraternidade, MDPD, NID e vários movimentos. Logo depois do Ano Internacional, nós demos continuidade a esse fórum, que resultou no 1º Seminário Estadual das Pessoas com Deficiência, depois da eleição do Franco Montoro, em 1983 (Chico Pirata. In: SÃO PAULO (Estado), 2011: 40).

Houve a partir daí a consolidação dos ganhos alcançados durante as atividades em

torno do AIPD. No governo de Franco Montoro no Estado de São Paulo foi

constituído o Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa Deficiente. Depois

foram surgindo outros em nível estadual e também municipal.

Estava aqui no Brasil um processo de reeducação, de redemocratização e nós aqui, então participávamos de todos os momentos políticos: lançamento da Assembleia Nacional Constituinte, nós estávamos juntos; aprovação da Constituição em 88, nós estávamos juntos; a discussão da Constituição nós estávamos juntos; fazíamos protestos na Av. Paulista; nós fazíamos protestos no metrô na Sé, na Câmara Municipal de São Paulo; no dia 21 de setembro que foi definido o Dia Nacional de luta; em todos os lugares, na frente o INSS, na frente do Ministério da Saúde conforme fosse o caso, conforme fosse a luta.

A FCD, estava metida em tudo, não sozinha, mas ela sentia assim: “ nada sobre nós, sem nós” . O Documento Base que estava sendo elaborado ainda, já dava a sedimentação destas reivindicações, destas discussões, destas políticas de protestos. Isso foi, mais ou menos, até a década de 90. Foi num crescendo, participação popular, compromisso com os mais pobres, reivindicações, passeatas, mutirões, tudo que se pode imaginar. (Francisco Cerignoni)

O Brasil nesta época passa por um processo de redemocratização e luta por

garantia de direitos políticos que haviam sido desrespeitados ou retirados no

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período do Regime Militar. A luta pelas diretas, a reivindicação por uma Assembleia

Nacional Constituinte. Estas questões estiveram presentes no horizonte da FCD.

Nós participamos também da elaboração da Constituição, Como representante do Conselho e pela FCD. Eu como, naquela época, era diretor do Conselho. O Conselho de SP, um dos que ajudou a puxar esta discussão nacional, tanto que, eu que fui designado para coordenar a última Assembleia para decidir o que encaminharíamos para Assembleia Nacional Constituinte, que foi em 1987. Nós ficamos lá 6h para decidir 14 pontos que encaminhamos para Assembleia Nacional Constituinte. Desses 14, se não me engano foram todos adotados, passou a fazer parte da Constituição. Foi no começo, algumas coisinhas assim que a pessoa com deficiência devia receber algum recurso quem não tem como trabalhar. Depois deu origem ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), algumas coisas assim .... Tem direito a educação, então precisa matricular as crianças, porque não adianta dizer que tem direito, mas não matricula, e algumas coisas assim. Tem direito a saúde, é ... princípios bem gerais como era a Constituição. A Constituição é de princípios bem gerais, não é de detalhes, e nós respeitamos isto. Apesar de que, a Constituição não respeitou tanto, colocou mais detalhes do que deveria. Mas, nós respeitamos a ideia da Constituição ser uma coisa enxuta, tanto é que nós apresentamos somente 14 pontos. Isso não significa que esgotava todas as questões que dizia respeito as pessoas com deficiência (Francisco Cerignoni).

Com a aprovação da Constituição, muda a forma de atuação, é tempo de garantir

que a legislação contemple o que foi discutido e apontado como direitos dos

cidadãos e, particularmente, os dos cidadãos com deficiência. A FCD tem isto claro

e continua atuando.

Depois da Constituição (88) nós passamos por um período que foi construir o arcabouço jurídico. Houve uma enorme redução das atividades reivindicatórias, de manifestações públicas ... por um lado a Fraternidade foi crescendo no espírito fraterno e tal. Com pouca participação pelo viés que ela tinha maior, que era de luta popular, de levar cartaz e tal e agora não era essa época... A época era de construir leis, era de pressionar deputados... pressionar senadores .... Construir, porque aprovada a Constituição Nacional, teve que aprovar todas as constituições estaduais, cada estado começou a se debruçar para que aquelas questões que foram garantidas na Constituição passassem a vigorar através das constituições estaduais. Então foi uma época assim, de pouca atuação de massa, foi mais atuação de bastidor e aí eram poucas pessoas que tinham essa visão, que tinham essa amplitude, né. Eram poucas as pessoas que participaram mais ativamente nesta construção, porque é um processo difícil, é um processo de muitas idas e vindas, e as pessoas da população em geral se desgasta com isso. Sabe!

Dá a impressão que não caminha, que nunca avança e é assim mesmo o processo de construção no legislativo, mas foi construído um arcabouço jurídico, que garantiu vagas nos... no mercado de trabalho, garantiu as cotas, né. As famosas cotas e começou a garantir o atendimento de saúde pelo SUS, né. O SUS começou a distribuir algumas órteses e próteses, mas não distribuía cadeira de rodas, cadeira de rodas aí vem depois, né. Mas foi construindo essa

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legislação, né. Aí foi aprovada a LOAS - A Lei Orgânica da Assistência Social. A Lei Orgânica já trouxe algumas coisas mais, veio o tal de PPC, isso foi até ... até 88, 93, 95 até o ano 2000 mil mais ou menos, esse período que a Fraternidade... vamos dizer assim ... patinou enquanto movimento popular, no caso de essa atuação foi mais na área de legislação. Nesta área muito poucos participaram, né. O terceiro momento é aquele que nós vivemos agora a partir do ano 2000. Com a Fraternidade agora a característica dela é de ela ser, vamos dizer assim o elo de ligação entre várias entidades que existem de pessoas com deficiência, então ela tem : teve acento no CONADE, nesse período, duas ou três ela teve (2 ou 3 mandatos) acento no CONADE. Neste momento ela não tem.

A LBI (Lei Brasileira da Inclusão) que a gente reivindicou para que ela pudesse vir para organizar os Conselhos, para dar força para estes Conselhos... Não fala em nenhum momento de Conselho .... não toca nesse assunto. Diferente do Estatuto do Idoso, obrigou que todos os municípios tivessem Conselho ... Estatuto da Criança e do Adolescente que obrigou que todos os municípios tivessem o Conselho da Criança e do Adolescente, o da pessoa com deficiência, não tocou nesse assunto a LBI. É! o atual estatuto da pessoa com deficiência não tocou nesse assunto do Conselho, portanto ele está solto.né! Tem alguns estados que ajudam mais como o estado de SP, e tem outros estados ... como é obrigatório ... fica ... fica na vontade da participação das pessoas com deficiência e dos organizadores das pessoas com deficiência que também sofrem ,ora tão no alto, ora tão na baixa, como todo movimento popular, movimento de igreja , movimento de esquerda: sobe, desce, sobe, desce, né. Tem uma linha que mantém, mas sobe muito, desce muito (Francisco Cerignoni).

Na avalição de Francisco Cerignoni, a FCD, assim como os movimentos populares

passam por um momento de estagnação, ou de baixa e com isso as pessoas com

deficiência tendem a se tornar novamente invisíveis. Aparecem na lei, nos

documentos, mas perdem em protagonismo na vida, na história.

Hoje nós entendemos, todos os setores de pessoas com deficiência estão, como o trabalho popular, em baixa. Não está aparecendo muito, nós estamos invisíveis de novo. Nos documentos a gente aparece etc, ..... sem o protagonismo, os Conselhos não tem força. Agora, o de SP nós estamos tentando reativar, o de Piracicaba eu quando assumi lá, visando implementar melhor com os companheiros, que nós somos ou ... que pegamos pra valer, né. Mas, tá num momento difícil, os movimentos populares de uma forma geral tá, em baixa. Esta é uma hora difícil de atuar porquê .. é .. tem aí esta questão dessas PEC, a PEC 241 agora já mudou de número agora é 55, no Senado é outro nº, a PEC 55 é o ... a Fraternidade se posicionou. Eu tenho o documento aí assinado pela Amélia e pelo padre Geraldo, né. A fraternidade se posicionou, o Conselho Estadual se posicionou, o nosso conselho.. O CANADE se posicionou , nosso Cons. Munic. aprovou... to redigindo, tenho que apresentar até 4ªf , 3ª é feriado, hoje ponto facultativo, pra manda pro senado, né. O documento considerando algumas coisas, mas é pouco. Não é só nós que estamos aí. Os que tão mais batalhando são os estudantes secundaristas que aproveitaram o embalo da mudança do ensino médio, né. A proposta de

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mudança do ensino médio que tão atuando também ,né... com relação a PEC. Mas, nós estamos vivendo um momento dramático que a gente vai ... a gente analisando as questões das pessoas com deficiência, hoje a Constituição garante um mínimo pra saúde, um mínimo pra educação, com esta proposta da PEC isso não tá mais garantido, né. Pelo que foi aprovado da Convenção Internacional e da LBI há necessidade de gastar mais com a pessoa com deficiência e o pessoal vai cortar, vai gastar menos, vão descumprir a Constituição, Vão descumprir a constituição porque não dá pra cumprir os dois , porque um é proposta de emenda constitucional aprovada para vir a Constituição. Mas, a Constituição já está ali não foi nada divulgado? Então vai cumprir alguma coisa e outra não. Vai ser uma ... juridicamente vai ser um negócio inseguro, para o país inteiro, porque eles vão cobrir este lado da Constituição e o outro vão deixar, vão deixar .... (Francisco Cerignoni)

No período pós Constituição, como Francisco relata, foi um período árduo, mas

com envolvimento mais direto de poucos. Isto devido a natureza da exigência do

momento. Embora não tenham sido muitos os envolvidos, neste processo, A FCF

se fez presente e teve uma atuação interna, significativa. Como já foi mencionado

na palavra do próprio Francisco, juntamente com a discussão da Constituinte a

Fraternidade passou por uma intensa discussão interna que resultou na elaboração

e aprovação do Documento Base, que afirma a missão e a mística do Movimento,

assim como aponta perspectivas.

A fase de implantação do Documento Base, foi quando nós refletimos: quem nós somos, o que nós queremos, como é que nós queremos fazer, o que nós defendemos, quais são os nossos parceiros, quais são os nossos adversários. Esse é o nosso quadro que foi e consta no Doc. Base. Com isso ela teve uma expansão enorme, no Brasil e fora do Brasil. Porque a fraternidade Cristã já era um movimento internacional, mas nunca tinha um documento que surgiu da própria Fraternidade. Os documentos que tinham e que se discutiam eram documentos teológicos vindos de sacerdote, vindo de pensadores de dentro da Igreja, do próprio Pe. François que era o fundador, ele morreu em 86. Ele produzia muito! Mas das pessoas... era mais a reflexão que ele fazia sobre as pessoas. Documento das pessoas tinha pouco, para nós pelo menos, nos chegava pouco. Então, o fato de ter este documento que tinha: uma mística, que tinha, ou defendia uma mística; que tinha uma forte base teológica mais ao mesmo tempo tinha pinceladas de ecumenismo, foi uma revolução. Esse documento defendia até as últimas consequências a participação das pessoas com deficiência, nas questões que diziam respeito às pessoas com deficiência. O slogan “ nada sobre nós, sem nós” ainda existia, mas a Fraternidade defendia e este fato motivava ela participar de tudo que existia e de forma bastante marcante. (Francisco Cerignoni)

Além desta atuação da Fraternidade, na esfera social, em que Francisco tem

participado ativamente, também participou do Relatório Alternativo da Sociedade

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Civil com relação a prestação de contas que o Brasil faz do Cumprimento da

Convenção da ONU, da qual é signatário.

Nas Assembleias e encontros que aconteceram este ano, nota-se uma forte

inquietação dos fraternistas com relação ao risco da perda de direitos, com medidas

que o Governo Temer tem tomado. A Reforma Trabalhista e a Reforma da

Previdência tem sido pauta de estudo e discussão. A Assembleia de São discutiu o

assunto e redigiu uma carta à população que foi divulgada em meios de

comunicação. Na Assembleia do Rio Grande do Sul, também a temática fez parte

da pauta das discussões. O Encontro de Formação da Área Sudeste/Centro Oeste

também tratou em um Seminário sobre o tema, onde os participantes manifestaram

suas preocupações e levantaram uma série de sugestões para atuação.

4 3 - A Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência nos dias atuais

As pessoas entrevistadas de forma mais sistematizada ou não, manifestam em

seus depoimentos como veem a FCD atualmente e quais são as perspectivas em

relação a ela.

Francisco fala manifesta sua visão na perspectiva da FCD como movimento social.

A partir de 90 começou a arrefecer, não só a Fraternidade, mas os movimentos populares todos. Exatamente não sei, foi na década de 90, mas não sei se foi 91,92, ... 95, mas eu sei que começou a arrefecer o movimento popular e a Fraternidade sentiu muito isso. Esse terceiro momento que nós estamos a gente não milita mais em protesto e tal, mas a militância da Fraternidade é mais. Alcançamos uma série de mudanças legislativas significativas, a Fraternidade participou e agora ela participa diluída no meio de centenas de movimentos que tem e que antigamente eram muito poucos, e a Fraternidade era um dos mais fortes e ainda é. Agora tem muito mais movimentos e tem muito mais possibilidade através da internet, na nossa época era cartinha ...né, era revistinha, era boletinzinho ... agora se a gente chega em qualquer lugar do mundo aí com uma facilidade enorme por causa desta questão da internet.

Nós perdemos algumas disputas que nós vínhamos ganhando, a gente tinha acento na ... no CONADE, no Conselho Nacional, a FCD tinha acento perdeu o acento. A ONEDEF assumiu, porque a Fraternidade não conseguiu mostrar que ela trabalha com vários tipos de deficiência. Foi designado pelo CONADE, que a vaga seria destina para ser ocupada pela pessoa com deficiência física. Aí são três organizações a FCD, o CVI e a ONEDEF (Organização Nacional dos Deficientes Físicos) e CVI (Centro de Valorização da Vida Independente – Centro de Vida Independente) . Estes três, vamos dizer trabalham com a

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deficiência física, então havia sempre um ... Antes da ONEDEF se reestruturar, tinha a FCD e o CVI. Na verdade, foi feito um acordo de cavalheiros, uma vez cada um, um mandato cada um. Então, um mandato era do CVI, o outro mandato era da FCD. Agora a ONEDEF entrou e falou: não, agora eu só. Eu que represento todos, eu que sou da organização nacional. Então, é uma disputa que não... tem nem força hoje, nós não tivemos nem força hoje. A CVI abriu mão porque se desinteressou, porque toda vez que o CVI assume ou que a FCD assume, não pode receber recurso:, se o CVI assume recurso não pode vir para o CVI. Se é a FCD que assume, também não pode vir para a FCD. Se é a ONEDEF que assume, então ... também perde o interesse de participar do Conselho. Por que se participa do Conselho, e você tem algum projeto pra desenvolver a nível de recurso do poder público federal fica inviabilizado.

Eu acho que nós temos que achar um ponto de equilíbrio entre uma rede e atuar nestes espaços que são possíveis, que são os Conselhos ... Nós minimamente participamos da elaboração do Relatório Alternativo da Sociedade Civil com relação à prestação de contas que o Brasil faz do cumprimento da Convenção (Francisco Cerignoni).

Frei Nelson e Ir. Ângela tem uma visão mais voltada a FCD nas suas características

mais fundantes. A visão de quem está no dia a dia do movimento, na visita no

encontro, na busca das pessoas. Ir. Ângela sempre esteve envolvida com a

formação dentro do Movimento.

Vamos considerar também, nos últimos anos, digamos, quinze, vinte anos aí,

o que politicagem começou a... meter... digamos... a pedra no caminho para

que essa... essa autonomia possa continuar (...) impressionante.

Eu sempre acreditei e continuo acreditando se as pessoas com deficiência

assumem a sua realidade e passam a viver com alegria dentro dessa

sociedade de consumo, elas vão se tornar evangelho vivo, elas são presença

viva disso que vai além do material e das aparências. Agora, pra conseguir que

uma pessoa com deficiência consiga se libertar de toda a carga da sociedade,

é complicado... é muito difícil. São poucas as pessoas que realmente fizeram a

caminhada no sentido de que se tornaram militantes e que... por problemas e

coisa, não tenham desistido no caminho. São... são poucas que

compreenderam e assumiram isso como algo... além de ser convicção humana,

também uma convicção de fé, de dizer: “Olha, eu... se eu me amo tenho que

mostrar isso com gestos para as pessoas.”

A pergunta é: Por que tantos fizeram o curso se tão poucos ficaram? Digamos,

na luta? Eu pessoalmente tenho a minha leitura, depois dessas caminhadas,

assim, em diferentes níveis. Para mim é uma convicção já de muito tempo a

constatação de que mundialmente existe uma mentalidade de dependência.

Poucas pessoas são protagonistas. No sentido de dizer que tem uma opinião

crítica, que são capazes de se manter, um pouco independente da influência

do meio, né? Digamos, essa mentalidade de dependência, para mim, muito é

gerada pelas igrejas e pelas religiões. Inclusive eu notei que na Europa, por

exemplo, nos Estados Unidos, países de primeiro mundo, a gente não sente

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tanto essa mentalidade de dependência. Porque ali o social, político, já existe

uma cobertura, uma infraestrutura que dá cobertura básica. Mas no religioso,

tanto na Europa como nos Estados Unidos e aqui, nós que sentimos. Essa

mentalidade de dependência está presente em toda a parte, e nem sei se é

possível dizer quais as raízes. Falando com um companheiro da Alemanha,

né¿ é... ã... a gente... e olhando um pouco que falava Yung, né¿ dos medos e

da... e da esta insegurança interior, é... Ao me ser perguntado, como se podia

superar? Para mim os únicos dois caminhos que deveriam ser trabalhados

seriam: a espiritualidade e a sexualidade; porque, a... a... ao não falar do corpo,

ao não conhecer o corpo, ele... as energias que nós temos, este

desconhecimento é a primeira fonte de medo. A pessoa se sente insegura, não

sabe nem de si mesmo, então não sabe dos outros... e eu creio que a

fraternidade trabalhou, em alguma época, um pouco mais isso. Me lembro no

nosso tempo nós fazíamos até encontros sobre sexualidade, de uma forma

muito aberta, se tentou com psicólogo, mas com psicólogo não deu certo. Dava

certo, quando se reunia um grupo pessoas, casadas e não casadas, e se

começa a falar da... das sensações que se tinham. Foram momentos de

terapias, conjunto, muito interessantes, e que ajudaram pessoas a de fato

ficarem mais tranquilas, sabe. Saírem um pouco dessa mentalidade moralista

e que tudo é pecado. Eu fico impressionado como hoje em dia ainda se fala

tanto em pecado quando na verdade já fomos liberto de tudo isso. Cristo já ...

(Frei Nelson)

Isso que é o difícil hoje em dia. As pessoas não se visitam, sabe. Não criam um processo de encontro para se tornarem amigas e como pessoas amigas (...) juntas fazer alguma coisa. Isso antigamente funcionava.

Porque o. conjunto exigia isso, ...era natural as pessoas como estavam muito isolados ir e querer se encontrar. Hoje em dia com essas... com esses aparelhos, todo mundo se sente...

Isolado...

...conhecedor do mundo e... e não precisa... que não precisa mais nada, né¿ Então na hora da solidão, aí que... aí começa a apertar o calo, né. Porque aí não adianta isso aqui... (mostra o celular)

Esses meios de comunicação, diria eu, eletrônicos tem prejudicado muito a comunicação dentro da família e o relacionamento dentro da família. Diria até entre os próprios casais, aonde individualismo e isolamento, aí realmente esses meios...

O meio é bom. Seria bem usados, como tudo, excelente. Só que, no seu devido espaço, no seu devido momento Quer dizer, isso seria um meio excelentíssimo, eu vejo o que me serve o celular, meu Deus! Mas usado nas devidas proporções pelo qual ele foi criado e não para isolar a pessoa. Quer dizer, hoje me parece que estes meios já estão vindo para fazer com que a nossa turma retome o isolamento. Tô vendo isso. Se não é bem orientado eles vão se isolar de novo. (Ir. Ângela)

Padre Geraldo aponta a importância da FCD, no buscar a pessoa, no contato, na

valorização da vida.

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Eu acho que, a fraternidade, diferentemente dos outros movimentos, ela vai atrás. Geralmente, não sempre, mas geralmente, os movimentos todos de pessoas com deficiência, são de anunciar e alguém que venha a nós. Então nós estamos abertos, ele entra ali e olha, para.

- “como é que é isso aqui?

Ou então pela internet, hoje em dia né:

- “O que que houve aí? Como é que isso?

A fraternidade geralmente vai atrás das pessoas. Então fica sabendo...

- “Ah! tem uma pessoa lá que fica trancada.”

- “Ah! então vamos lá visitar um dia.” – Marca com o colaborador, vai né.

Então, é esse ir atrás que eu acho que é um aspecto da fraternidade, importante. É... Eu acho que a presença. Então ainda hoje nós estamos ainda muito... Tirando gente do baú, né. O que que seria isso? Quer dizer, ainda tem muita gente que não tem uma instrução, uma cultura, um entendimento, ... São pessoas muito, ainda, abandonada que a gente vê nos encontros. Tem muito isso. É... Mas eu acho que a missão da fraternidade, que é cuidar desse povão todo, resgatar as pessoas por convívio, social. É... E, estar presente. Justamente por isso. Para mostrar que vida não é só poder andar, poder enxergar, poder escutar, poder ... Se movimentar. Mas mesmo com todas as dificuldades, a vida é maior do que qualquer tipo de deficiência que possa ter. Não só deficiência física, mas deficiência espiritual, deficiência moral, deficiência qualquer uma, qualquer outra. A fraternidade eu creio que tenha uma grande missão, no mundo. Grande. Porque a medida que ela conseguir, superando as barreiras, estar presente e mostrar que:

- “Olha, isso é possível.” –

Vale mais a vida que a gente tem, ainda que limitada sobre esse ou aquele outro aspecto, do que o limite. Não temos que valorizar o limite... Temos que valorizar a vida, que restou. E essa também é uma das diferenças com respeito a um outro movimento que tem mais no Chile, né¿ A Veronica fazia parte ou faz parte ainda da... desse movimento “Esperança Cristã”.

Que é outro movimento. com a pessoa. Que valoriza muito, ainda, a deficiência e não a pessoa. A fraternidade veio com essa tonalidade diferente sobre isso. Valorizar a pessoa! O importante no ser não é que você não tem, é o que você tem. A Esperança Cristã trabalha muito com o que não tem. Com o sofrimento, com a dificuldade, então vamos rezar pelo... salvação do mundo, vamos oferecer lá o sacrifício, estamos salvando junto com Jesus. Junto com a Paixão de Cristo, nossa paixão também e tal... A Fraternidade, justamente... A Lurdes começou a participar da esperança Cristã aqui em são Paulo, né¿ Porque veio, era um padre jesuíta também, Aldo Jacque, esse... esse... Duato era jesuíta também. Aldo Giacchi, que... né... Começou a tal da Esperança Cristã, e foi no Chile também. E ela começou lá e depois viu que não era bem aquilo e... (Pe Geraldo)

Visitar esta caminha da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, além de ter

sido um passeio prazeroso, fraterno, foi um descobrir que a FCD faz sentido. Faz

sentido porque caminha junto com as pessoas, devolve a vida para quem não acha

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sentido nela. Chama, convida e vai junto lutando, celebrando, partilhando o gosto

da vitória.

O “Levanta-te ... e anda!” acrescido de “Entra na roda com a gente também. Você é

muito importante. Vem ....”66 têm sentido nesta jornada.

66 Coro de um cântico muito cantado nos encontros da FCD.

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CONSIDERAÇÕES

Ao iniciar este trabalho, procura-se deixar claro o envolvimento da pesquisadora

com as pessoas com deficiência, e que desde muito cedo, esta tem um olhar

inquieto sobre as situações que as envolvem. O encontro com a FCD, em 1992,

possibilitou a percepção de que este movimento tem uma atuação diferenciada no

convívio com elas e com as dificuldades enfrentadas em consequência de suas

deficiências. A medida em que foi se aproximando e se envolvendo com o

Movimento, foi crescendo o sentimento de admiração e respeito por ele e pelas

pessoas envolvidas. Neste caminhar muitas amizades foram construídas. O

percurso da pesquisa foi muito agradável. Possibilitou o reencontro com pessoas

amigas e a construção de novas amizades, permitindo que o trabalho de

garimpagem se tornasse agradável, cercado por laços de amizade e cooperação.

Por outro lado, o esforço para manter o olhar pesquisador e exploratório,

exercitando o necessário distanciamento, foi intenso.

A proximidade com o “objeto” exige um esforço maior para o distanciamento e a

objetividade, no entanto, foi enriquecedora, na medida que possibilitou conhecer

detalhes antes não conhecidos, recordar e refletir sobre outros trilhados juntos e

ainda a possibilidade da discussão de igual para igual de questões que foram sendo

postas ao longo da caminhada.

A proposta da pesquisa foi muito bem acolhida pela FCD, as pessoas se mostraram

abertas para o diálogo, colocaram os materiais e a documentação à inteira

disposição, desde as esferas: estaduais, nacional, continental e até internacional.

Para alguns até com um certo orgulho, porque pelas informações que possuem é

“a primeira tese de doutoramento sobre a FCD no mundo” (palavra do Pe. Geraldo

Nascimento, na Assembleia Estadual de São Paulo, em março de 2017). Esta

disposição e acolhida disponibilizou muito material para ser examinado, o que

necessitou delimitar a abrangência da pesquisa. Devido a extensa atuação da FCD,

em todos os continentes, no primeiro momento foi pensado focar a pesquisa no

Continente Latino Americano. Com o passar do tempo, foi sentida a necessidade

de concentrar no Brasil, tendo em vista que demandaria muito tempo e recursos

financeiros para viagens e o prazo para finalização da pesquisa estava se

esgotando.

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A garimpagem foi feita ouvindo pessoas que tiveram ou têm ainda uma participação

efetiva na FCD, no Brasil. Alguns até com atuação no âmbito Continental ou

Intercontinental como é o caso da Salete Milan, atual Coordenadora Continental;

Frei Nelson Jungues, Conselheiro Continental, que já foi Conselheiro

Intercontinental; Francisco Cerignoni que foi Coordenador Intercontinental. Dados,

também foram colhidos na participação em reuniões e encontros do Movimento,

tendo uma observação participativa. Algumas pessoas deram depoimentos que

foram gravados e depois transcritos. Ficaram de fora pessoas importantes na

história da FCD, no país. Uma delas, é Vicente Masip, quem trouxe a FCD para o

Brasil, que mora em Recife. Foram feitas duas tentativas de contato, mas não houve

resposta. A Coordenadora Continental, Salete Milan, enviou por escrito, um resumo

de sua atuação na Frater. Embora mantendo contato e tendo estado junto, pelo

menos por duas vezes durante o processo da pesquisa, não foi possível fazer uma

entrevista gravada com ela. Outras pessoas contribuíram informando sobre os

encontros que aconteceriam, colocando-os a disposição para participação e

observação, ou ainda, respondendo a algumas questões via facebook, como é o

caso de Amélia Galan, Coordenadora Adjunta Área Sudeste/Centro-Oeste.

Juntamente com os depoimentos e observações foi necessário a pesquisa

bibliográfica para fundamentação histórica e teórica da deficiência, bem como, das

questões metodológicas. Este percurso da pesquisa expandiu o olhar sobre a

complexidade da deficiência e sua presença na história, bem como a forma de tratar

as questões que envolvem as pessoas atingidas por ela, ao longo da história da

humanidade. Levou à percepção de que houve um árduo e doloroso processo de

construção e desconstrução de conceitos e atitudes relativas às pessoas com

deficiência, que deixaram marcas e que interferem na forma como essas pessoas

são tratadas na sociedade, ainda hoje. Bem como, a luta pelo seu reconhecimento

como pessoas, de sua eficiência e de suas potencialidades.

A história aponta a trajetória do extermínio, da exclusão, da invisibilidade, até à

atitude de reconhecimento do pertencimento das pessoas com deficiência ao

mundo social, como ser humano, sujeito de direitos e deveres. De que estas

pessoas são maiores do que as suas limitações pessoais, causadas pela sua

deficiência. Incluindo, ainda, o reconhecimento de que o comportamento da

sociedade em relação estas pessoas é que é deficiente, produzindo mais barreiras

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que limitam sua participação plena. Até chegar ao que hoje entendemos por

Inclusão.

Notadamente, percebe-se que as diferentes ideias que povoaram o imaginário da

humanidade sobre as deficiências ainda estão presentes hoje e são responsáveis

pela imensa discriminação de que essas pessoas são vítimas ainda hoje. A cada

momento novo da história da humanidade, a cada mudança na forma de ver o

mundo e de se organizar dentro deste mundo mudam também os conceitos e a

forma de tratar as pessoas com deficiência. Isto vem com uma carga forte dos

entendimentos religiosos, mas também com as diferentes formas de organização

da sociedade, com o modo de produção que se estabelece no grupo social. Ou

seja, mudam as conceituações sobre a deficiência conforme os interesses

presentes na sociedade. Nas sociedades primitivas em que se vive dependente da

coleta e do nomadismo as pessoas com deferências se tornam um peso. Nas

sociedades agrarias elas podem coexistir com a família, mas são confinadas. Nas

sociedades industriais a situação é diferente porque esse próprio tipo de sociedade

produz deficiência ao mesmo tempo, em que necessita dessas pessoas como mão

de obra. Aí surge a necessidade da reabilitação. Estamos hoje em uma nova

realidade devido a ‘revolução’ informática e da robótica. Estas questões

mereceriam uma pesquisa mais específica e aprofundada, sob dois aspectos: a

relação entre a conceituação de deficiência e de pessoa com deficiência e os

modos de produção e as consequências dos avanços científicos e tecnológicos

atuais para o futuro dessas questões. Há indícios de que em sociedades

‘envelhecidas’, como a Europa, em que, em outra época houve a necessidade da

presença mais efetiva das pessoas com deficiência como mão de obra, hoje essas

pessoas, apesar de terem reconhecimento e condições melhores de vida, voltam

ao estágio de marginalização, “devem permanecer no seu canto”. Este aspecto

mereceria uma pesquisa de maior folego.

Fica evidente o papel das guerras não só na produção de deficiências, como

também na busca por minimizar seus afeitos na sociedade e na vida das pessoas

que sofrem com as sequelas, no que diz respeito às descobertas e avanços

tecnológicos que vêm ajudar na reabilitação. Isto como sentimento humanitário de

solidariedade, mas também, e até principalmente, pela necessidade de

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recuperação de mão de obra, para o mercado de trabalho, dizimada pela própria

guerra.

O nascedouro da Fraternidade, com o Pe François, na França, quando o mundo

está destroçado pelas duas Grandes Guerras, em especial o mundo europeu, a

França e, mais especialmente ainda, Verdun, tem um viés diferente. Neste

ambiente de morte e destruição alguém se levanta do leito de sua enfermidade e

sai estendendo a mão a outros que estão nas mesmas condições ou em condições

piores. Que perderam seus pedaços em meio à guerra, que assistiram a morte de

milhares de companheiros, dos dois lados das tropas, que até participaram da

destruição de povoados, que atingiram muitos civis. Certamente, pessoas que

estavam convivendo com a sua dor e mutilação presentes, mas também com as

memórias dos tempos de horror. Ele vem ter contato com a pessoa, na sua casa,

nos hospitais, no isolamento. Simplesmente porque é pessoa e está sofrendo.

Talvez seja a única pessoa que ouve, que trata como pessoa, que toca sem ser

para dar um cuidado médico, impessoal, como ele mesmo narra. Esta visita sinaliza

que o mundo não é só aquele horror vivido. As pessoas percebem que vivem, que

este vivido pode ter outra possibilidade. Em determinado momento, François

percebe que suas mãos não são mais suficientes e ele desafia outros e outras nas

mesmas condições para também estenderem a mão e o Levanta-te e anda! passa

a ecoar com mais força.

Estas pessoas levantando-se, levantam o olhar e seu ângulo de visão se expande

e outros são encontrados, olhares se encontram, percebem que a experiências de

vida tem semelhanças, percebem que são pessoas e têm direito à vida e à

felicidade. Com isso, sua visão de mundo se amplia, podem ler o mundo através

de sua experiência dolorosa, mas essa visão extrapola limitações, desperta a

necessidade de se construir ou se reconstruir, como pessoa. Constrói a sua

subjetividade na relação com outros e outras que enfrentam dificuldades

semelhantes e constroem juntos um caminho para uma vida digna. Este despertar

de si, este tomar as rédeas da sua própria vida não fica só na individualidade, mas

traz a compreensão de que esta experiência pessoal precisa ser entrelaçada com

a vida social.

Neste passeio sobre a história da FCD, pode-se perceber que a Frater tem um

papel importante na história de vida das pessoas que se aproximam dela, como

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das que são buscadas pelos fraternistas. Os depoimentos confirmam a maneira

discriminatória como são tratadas as pessoas com deficiência. A invisibilidade e o

coitadismo são atitudes que contribuem para dificultar uma participação mais

efetiva na vida por parte dessas pessoas. Reforçando a ideia de “ditadura do olhar”,

conforme foi mencionado anteriormente. A forma como as pessoas são vistas e

tratadas determina a forma como se colocam no mundo.

A Fraternidade para muitos tem sido um misto de diversidade, humanidade,

autonomia e empoderamento. É muito forte o sentimento de que a Fraternidade é

espaço de resgate de vida. O depoimento da Salete Inês Milan, Coordenadora

Continental do Continente Latino–Americano, sobre sua trajetória na FCD, reflete a

síntese do que significa a Fraternidade para a vida de milhares de pessoas

espalhadas pelo mundo e que de alguma forma se envolvem no Movimento. “A

FCD me fez descobrir que podia ser protagonista da minha própria história, que

tinha capacidades de decidir, opinar, estudar, trabalhar e amar.” Tudo isto fazendo

com que se quebre as amarras desta “ditadura do Olhar”.

Tomando o pensamento de Touraine, de que o movimento social é sempre um

movimento moral, que os sujeitos se revelam pela apresentação de valores morais

que são opostos à ordem social, a FCD tem essa identidade por excelência. Sua

proposta tanto como movimento religioso, quanto como movimento social, está

gravida de valores, como a valorização da vida, a valorização do ser humano, a

valorização do diferente. Vê a pessoa com deficiência na sua totalidade como ser

humano, com virtudes e defeitos, com eficiência e ineficiência. Como pessoa

amada por Deus. Esses são valores que estão deixados de lado na sociedade em

geral. No caso da pessoa com deficiência a exclusão e o preconceito ainda é

bastante acentuado.

O papel fundamental da FCD, na vida das pessoas com deficiência e dos que estão

ao seu redor, diferentemente de outros movimentos que engajam as pessoas que

já estão em processo de reabilitação ou já tem uma certa participação na

sociedade, é ir ao encontro das pessoas lá no seu isolamento, na sua solidão.

Visita, estimula, acha formas de fazê-las participar dos encontros dos grupos.

Coloca-as no convívio com outras em condições similares. Pode-se notar nos

relatos e depoimentos, o quanto proporciona o resgate da autoestima, o

protagonismo de suas vidas e o resgate da dignidade humana. A medida que estão

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se envolvendo no Movimento, são propiciados momentos de formação e

capacitação, preparando-as para um maior envolvimento. O despertar destes

seres humanos contagia as outras pessoas à sua volta, em primeiro momento a

família, depois cuidadores e até pessoas mais distantes que começam a perceber

as transformações. Despertando de sua letargia, os fraternistas tornam-se sujeitos

de sua história e da história da sociedade.

A atuação social passa pelo indivíduo, que despertado sente a necessidade e vai

em busca de participação, mas também se dá como coletivo. Neste contexto os

fraternistas não só se tornam sujeitos de sua própria vida, como também

apresentam valores que vão na contramão do que se encontra no meio social. Além

deste movimento de subjetivação vai passo a passo envolvendo-se em questões

de luta pelos direitos das pessoas com deficiência, especialmente naquelas lutas

que procuram proporcionar a plenitude de vida para estas pessoas. No mundo todo,

a FCD tem dado sinais de envolvimento, de uma forma ou de outra, nas demandas

por direitos. A FCD, como entidade civil, participa dos movimentos sociais.

A Fraternidade, quando chega na América Latina, e particularmente no Brasil,

encontra um solo fértil para sua participação como Movimento Social e, poderia se

dizer, como Movimento Social Religioso. Pipocavam na América Latina os

movimentos sociais por democratização, de lutas dos povos nativos, de lutas por

direito dos trabalhadores.... Isto, em grande medida, respaldado pelas

Comunidades Eclesiais de Base e embasado na Teologia da Libertação. No Brasil,

não foi diferente. Em 1972, quando acontece a primeira reunião da FCD, este

processo dos movimentos, tanto sociais, como de CEBs, estava em pleno

desenvolvimento.

A Igreja por influência do Concílio Vaticano II, das Conferencias Episcopais da

América Latina começa a ter outro olhar para as pessoas em situação de

marginalização e exclusão. Em especial, por meio das Conferencias de Medellín e

de Puebla. A primeira expondo as mazelas do mundo, situação de marginalização

e miséria da maioria do povo latino-americano. E a segunda, buscando o resgate

da dignidade humana. Os estudos e a reflexões sobre os documentos de Puebla

dão subsídio para o engajamento nas lutas sociais. Este olhar e sensibilização

ajudou os movimentos de luta por melhores condições de vida e lutas identitárias.

Identificando-se aí com o que Sader identifica como novos sujeitos, ou novos

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agentes sociais (SADER, 2001). Não são mais grupos de classe na perspectiva das

relações de trabalho, mas são novos agentes que tem uma especificidade e que

são marginalizados por isto. Envolvem-se, então, na construção de uma melhor

qualidade de vida.

Juntando-se a isto, a declaração do ano de 1981, como Ano Internacional da

Pessoa Deficiente propiciou que a FCD saísse com mais intensidade, se

envolvesse em lutas por melhores condições de vida para as pessoas com

deficiência e até se envolvesse nas lutas de outros segmentos da população

A FCD deixa de ser um movimento intimista, preocupado com o sofrimento das

pessoas com deficiência, para incluir-se nas discussões pertinentes ao mundo da

deficiência e das pessoas atingidas por ela e também preocupar-se e ocupar-se

dos problemas do Brasil e do mundo. Este caminhar em direção aos direitos e aos

problemas do mundo que se dá de forma mais intensa a partir da preparação do

Ano Internacional da Pessoa Deficiente e das comemorações no ano de 1981,

continuou, em decorrência das discussões e da visibilidade que estas

comemorações propiciaram. A partir daí a FCD tem efetiva participação nas lutas

sociais em geral e particularmente nas questões relacionadas à direitos que

também incluem as pessoas com deficiência como: direito a educação, direito de ir

e vir, e outros. Na luta pela educação, houve a preocupação, como disse Francisco

Cerignoni, com a garantia do direito à educação e pouca discussão com relação a

Inclusão Escolar. O Movimento Social Religioso torna-se também em um

movimento político, à medida que se envolve na luta por direitos e participa de atos

de denúncia e anúncio de situações que contribuem para a construção de

melhores condições de vida e de uma sociedade mais justa e solidária.

Olhando para o percurso da FCD com um olhar de mais distanciamento é possível

perceber diferentes formas de atuação. Assim como os demais Movimentos

Sociais, a FCD/BR passa pelas fases apresentadas por Maria da Glória Gohn. No

início, 1972 até 1979, foi a fase da implantação e expansão com um caráter mais

intimista. A partir do AIPD até o início década de 1990, é o tempo da descoberta do

mundo que envolve as pessoas com deficiência e que, por condicionamentos

sociais e culturais, as coloca na marginalidade. Nessa fase, que corresponde mais

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ou menos a década de 80, foi o momento das mobilizações, grandes encontros,

processo construção de uma nova Constituição. A Fraternidade envolve-se nos

movimentos sociais e mais especificamente em movimentos sociais que tratam das

questões pertinentes às pessoas com deficiência. Tem participação ativa nas

atividades do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que depois se tornou a

Década da Pessoas Deficientes e contribui significativa no processo Constituinte.

A década de 90 foi o tempo de garantir que os princípios apontados na Constituição

fizessem parte do arcabouço jurídico e da implantação dos Conselhos de Direitos.

Nesse período o governo neoliberal de Fernando Henrique estabeleceu um modo

de relação com as ONGs criando um sistema de parceria, que de certa forma

terceiriza alguns serviços e obrigações do Estado, dando condições de que

iniciativas mais ligadas a sociedade civil sejam subsidiadas pelo governo. Cria, para

isso, a necessidade de institucionalização dos Movimentos. A FCD, depois de muita

discussão, tornou-se pessoa jurídica, com o nome de “Federação Nacional de

Fraternidades Cristãs de Pessoas com Deficiência do Brasil”. No final dos anos 90

inicio de 2000 começa um período de menos visibilidade pública, acompanhando a

caminhada dos movimentos sociais que também tem um certo arrefecimento em

sua mobilização e lutas. No entanto, a FCD a despeito de menor envolvimento

social, não deixou de ter a mobilização interna e junto com a participação nas lutas

por direitos de cidadania, fez um interno movimento de consolidação de sua

identidade na implantação do Documento Base, fruto de muita reflexão na década

de 80.

Já no início do ano 2000, com a identidade jurídica firmada tem processo de

parcerias com Órgãos Governamentais, sobretudo na vigência da anterior Equipe

de Coordenação. No entanto, ainda tem dificuldade de conciliar as questões

institucionais com o ‘ser movimento’, no espirito da fraternidade. Este é um tema a

ser seriamente pensado, para os tempos atuais.

Por ser um movimento religioso, passa também pelos efeitos da conjuntura

religiosa. A Modernidade e as questões conjunturais da sociedade globalizada hoje,

têm trazido novas configurações nos espaços religiosos, e no ser religioso. O

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sentimento de não pertencimento e de não lugar apontados por HERVIEU-LÉGER

e AUGÉ apresentados no segundo capítulo, mereceriam ser analisados para um

melhor entendimento da conjuntura da FCD, atualmente.

Neste ano completaram-se 45 anos de atuação no Brasil, passara-se quatro

décadas, a conjuntura social, política, religiosa sofreu várias transformações, que

vem afetando a identidade dos movimentos e também da FCD. Isto se reflete no

engajamento e no entusiasmo. Por isto, se faz necessária uma séria reflexão que

incluam uma consciente leitura de mundo e um resgate dos valores fundamentais

da Fraternidade. Como vivenciá-los nos tempos de hoje, tendo em vista a

atualidade e como “voltar ao primeiro amor”? Isso se faz necessário, levando-se

em conta que pessoas com deficiência continuam existindo e a sociedade da

máquina e da tecnologia tem cada vez mais causado deficiências por acidentes, a

violência urbana é outra causa, bem como, continuam nascendo pessoas com

problemas congênitos. Até mesmo causados pelo próprio processo civilizatório,

com a utilização indiscriminada de produtos químicos.

Assim como os demais movimentos sociais e movimentos de Igreja em geral, a

FCD passa por um momento de mais recolhimento e internalização, sofrem os

reflexos da modernidade e do mundo capitalista e globalizado. Ou seja, como já foi

mencionado, a FCD também passou e passa pelas fases que atingem os outros

movimentos sociais. Pensando em desafios e potencialidade há alguns aspectos a

serem considerados, especialmente, internamente na FCD.

Nos depoimentos fica claro o entendimento que Fraternidade Cristã de Pessoa com

Deficiência possui um diferencial em relação a outros organismos e movimentos

que congregam pessoas com deficiência, que é a busca, a visita, o contato pessoal.

Ela vai lá no espaço do isolamento da pessoa, no espaço da desesperança e ajuda

na recuperação da autoestima, propicia o despertar da vontade de ser protagonista

da sua própria vida e de atuar na vida social. Isto é um valor que é ressaltado por

todos, mesmo pelos outros movimentos parceiros. É um atributo que precisa ser

preservado.

Em uma das reuniões da Equipe de Coordenação Continental duas frases que

ficaram martelando na memória. Parecem pertinentes e que merecem uma

reflexão: “O mercado adapta as condições para o deficiente, para que tenha

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autonomia, mas desde que lá no seu canto. A América Latina nos faz reconhecer

que necessitamos uns dos outros”. (Miguel Angel, Conselheiro Intercontinental,

referindo-se a situação das pessoas com deficiência em nível mundial); “A Frater é

uma escola para aprender a ser humano”. (Orlando, Coordenador da Área II). Estas

frases devem fazer parte da reflexão que se impõe. A pergunta posta é: como

manter o elã do encontro, do contato pessoal, em uma sociedade midiática? Como

aproveitar a tecnologia sem perder a humanidade? É possível fazer uso o

instrumental das mídias para manter o contato pessoal? Isto consegue substituir a

importância da visita? Senão, quais a consequências disto, no mundo moderno.

Dentro da questão das tecnologias, parece interessante, colocar como perspectiva

o retorno da circulação de CARTAS ABERTAS, pelo menos por meio eletrônico,

tendo em vista que em diferentes encontros, durante a pesquisa, houve

manifestações sobre a importância do periódico e a necessidade do resgate deste

meio de comunicação entre os grupos.

Observando os diferentes grupos reunidos, pode-se perceber que são constituídos

basicamente de pessoas com deficiências físicas e visual. Há muito tempo atrás

perguntei a um fraternistas, o porquê e respondeu o seguinte: “O movimento de

pessoas cegas, tem uma especificidade, eles formam quase que uma sociedade a

parte. Fica difícil trabalhar com eles. E, quanto aos com deficiência mental, a FCD

não sabe como trabalhar, aí tem outras demandas. ” Este é um aspecto que não foi

dada atenção, nesta pesquisa. Só foi observada a constituição do grupo, mas não

foi aprofundada a questão.

Quanto a questão da educação, como já foi mencionado, o Movimento preocupou-

se com a luta pela garantia de direitos e entre eles estava o direito à educação. Em

que pese, a não discussão de como seria esta educação, analisando o Movimento,

ele pode ainda contribuir nesta discussão. Tendo em vista que a Inclusão Escolar

está em andamento, envolta em muitas dúvidas e até equívocos, é importante que

as pessoas que já passaram por um processo educacional, e trouxeram sua

deficiência para o espaço escolar, ou até aquelas a quem não foi dado o acesso,

possam ter a palavra e dizer o que é necessário fazer para que a Inclusão seja

realmente efetiva. No que diz respeito a forma de atuação da FCD, pode-se dizer

que é um agente educativo, desde o jeito de envolver as pessoas em seu meio já

é pedagógico. Mas não fica aí, existe internamente toda uma preocupação com a

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formação e é proporcionado aos fraternistas sistematicamente espaços de

formação. E ainda, é incentivada a participação em outros espaços formativos.

Temos visto a cada dia aparecer em toda parte sinais de intolerância contra

diferentes setores da sociedade, tanto no Brasil, como no mundo. Intolerância esta

que manifesta, especialmente, contra grupos marginalizados, discriminados na

sociedade. Muitos deles que até já haviam tido um ganho no que diz respeito a

poder participar mais dignamente na sociedade. Diariamente, ouve-se notícias

sobre violências cometidas que denotam intolerância: racial, religiosa, de gênero,

xenofobia, homofobia, política ideológica e outras. Na questão religiosa brasileira

há, de tempos em tempos, manifestações de intolerância entre católicos e

evangélicos, cristãos e as religiões de matriz africana. Atualmente, isto tem

acontecido, com uma certa intensidade. A FCD, embora tenha nascido no seio da

Igreja Católica Romana e com o nome de Fraternidade Católica, hoje se reconhece

como ecumênica, e pensa como deveria se chamar tendo em vista que inclui na

sua caminhada pessoas dos mais diferentes credos cristãos ou não.

O ecumenismo da FCD de forma geral, na América Latina e no Brasil, se dá no

pertencimento e participação de pessoas de diferentes matizes religiosas como

fraternistas. Em termos oficiais, das estruturas denominacionais não há

participação. No Brasil, há alguns religiosos de denominações protestantes e

evangélicos que acompanham o movimento, mais por iniciativa própria destes, sem

uma relação institucional denominacional. Na América Latina esta participação já é

mais rara. No entanto, há um espirito ecumênico dentro da Fraternidade, que se

expressa na acolhida e respeito a todos os credos, mesmo porque a deficiência é

ecumênica, atinge a todos indistintamente. Neste sentido, a FCD é uma luz a

sinalizar possibilidades de convivência contrária à intolerância, não só religiosa,

mas de qualquer tipo.

Como mencionado, anteriormente, a FCD está situada como Movimento de cunho

religioso e sente os efeitos da conjuntura dos movimentos religiosos da

modernidade. O Catolicismo, assim como, outras denominações vivem hoje um

tempo diferente dos anos 70 e 80, da efervescência das CEBs, da preocupação

com os marginalizados e com a integralidade do ser humano. A tendência hoje é

de uma maior espiritualização, uma volta para a instituição religiosa, para a

devoção. Dentro deste quadro, o Pontificado do Papa Francisco é um sinal de

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esperança. Sua trajetória de vida e seus posicionamentos como Papa, tem animado

a caminhada dos que guardam ainda os princípios da Teologia da Libertação, a

animação das CEBs e a preocupação com os marginalizados.

É importante, ainda, informar que tramita, em Roma, na Congregação para a Causa

dos Santos, um processo para canonização de Maria de Lourdes Guarda. Em 2003,

foi formada uma comissão para encaminhar a proposta. Em dezembro de 2008,

Dom Gil Antônio Moreira, Bispo de Jundiaí/SP, promulgou o decreto de nomeação

do Tribunal Diocesano para a causa da canonização. Em 2010, foi encaminhado à

Roma. O processo foi aprovado, e em 2011 foi declarada Serva de Deus. Seus

restos mortais foram transladados para os baixos altares da Sagrada Família na

Igreja Matriz N. Sra. de Monte Serrat, Salto/SP. Agora aguarda o prosseguimento

do processo. Este fato tem animado, por um grupo, que vê nisto a possibilidade de

engajamento, de despertar o Movimento. Outro grupo entende que a canonização

não é uma necessidade, e até que pode trazer algum impedimento para a

caminhada ecumênica.

A Maria de Lourdes Guarda, sua história, sua garra e comprometimento com a vida,

com a vida do outro, seu engajamento social são fundamentais para a identidade

da FCD/BR nas décadas de 1980/1990. Tuca Munhoz ressalta ainda presença de

Dom Paulo Arns, como Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo. Maria de Lourdes

foi Coordenadora Nacional, por algum tempo, mas permaneceu atuante na cidade

e estado de São Paulo. Há muitos fatos, muitas pessoas e documentos a serem

analisados, ouvidas ainda. Acompanhar a trajetória da FCD possibilitou perceber

que este Movimento é um rico campo de pesquisa, muitos aspectos mereceriam,

ainda, de estudo mais aprofundado. Certamente uma pesquisa focada na FCD/SP

traria elementos importantes para a própria FCD, como para os movimentos de

pessoas com deficiência.

Ao longo da pesquisa alguns questionamentos foram aparecendo: Qual o

diferencial da FCD em cada continente? Como são tratados os princípios fundantes

no diferentes mundos e culturas? Como tem sido a aproximação nos países de

população notadamente não cristãs, como Ásia e África? Notadamente a Teologia

da Libertação e as CEBs tiveram papel importante na dinâmica da FCD, este fato

poderia ser explorado e evidenciado, que aspectos desta contribuição poderiam

ainda hoje servir como impulsos na caminhada?

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Ao finalizar este trabalho, pode-se afirmar a significativa importância da

Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência. Em sua trajetória, além dos

benefícios pessoais às pessoas com deficiência, conforme o apresentado no

decorrer do trabalho: autonomia, empoderamento, resgate da dignidade humana,

o lema da Fraternidade “Levanta-te e Anda!” tronou-se realidade. As pessoas

levantaram-se de seu “leito” e saíram a andar. Saíram de seu quarto, saíram de

sua casa e começaram a percorrer a vida. Começaram a ser encontradas no portão,

na praça, no mercado, no metrô, no ônibus, nas manifestações ... nas igrejas para

rezar, casar, batizar... A sociedade começa a perceber que tem mais um agente

participando no seu meio. É um pouco estranho, diferente, mas aos poucos vai

percebendo que também é gente e está reivindicando seus direitos.

Estes seres, que só viam pela janela e eram vistos só através da vidraça, fazem

com que a sociedade se conscientize que eles existem. São pessoas. Esta é uma

importante contribuição da FCD, tirar as pessoas com deficiência da invisibilidade.

Isto contribui para o processo de inclusão social e escolar, mesmo que não tenha

participado conscientemente da discussão sobre a escolarização inclusiva. Elas

estão aí! Fazem parte do grupo social e vão participar!

Aquele que ousa, mistura-se com todos, dialoga com todos para chegar a fraternizar-se com todos. É a árvore exposta ao vento, mas solidamente enraizada. O vento, a neve e a chuva não impedem sua frondosidade magnífica, sua abundancia de flores e frutos. É ela.

Então, vocês, doentes e deficientes, que passam por pessoas que são menos, mesmo que não sejam, apareçam, claramente, como aqueles que são porque ousaram Ser, e que levam ao mundo, a vida.

Henri François

Pascoa de 1961

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APENDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu ______________________________________________________________ _

RG nº.______________-- e CPF____________________ , consinto em participar da

pesquisa: Um olhar sobre a FCD: seu caminhar em direção à Inclusão Escolar. Este

trabalho propõe uma pesquisa a partir metodologia de História de Vida, e depoimentos de

pessoas que tem ou tiveram algum envolvimento com a FCD (Fraternidade Cristã de

Pessoas com Deficiência). A intenção é responder a pergunta: A FCD contribuiu, como um

movimento social, na caminhada em direção à Inclusão Escolar e em que medida?

Fui informada/a sobre a metodologia, que constará da observação participante, relato das

histórias de vida e depoimentos, havendo garantias de que receberei os esclarecimentos

necessários antes e durante a pesquisa. Os relatos e depoimentos serão gravados e

posteriormente transcritos. Estes serão utilizados no transcorrer da redação do trabalho à

medida que se fizerem necessários.

Fui informada que este estudo, de caráter acadêmico, será conduzido pela aluna Vera

Luci Machado Prates da Silva do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Doutora, sob a orientação

do Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini. Ainda, que esta pesquisa não implica em

risco para a saúde dos entrevistados, mas poderá ocorrer desconforto emocional em

relembrar fatos relativos à sua história. Neste caso a entrevistadora procurará expressar

apoio e solidariedade, sem comprometer o resultado da pesquisa.

Declaro ainda, ter compreendido que não sofrerei nenhum prejuízo de ordem psicológica

ou física e que será preservada minha privacidade.

Concordo que os dados, mantido o sigilo sobre a minha participação, sejam publicados

com fins acadêmicos ou científicos.

Estou ciente que poderei, a qualquer momento, comunicar a minha desistência em

participar do presente estudo, sem qualquer penalização.

_________________________________ , __ e ________________ de 20___

__________________________

Assinatura

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APENDICE B

Depoimento de Carmencita

Quero que você me diga seu nome e qual a sua deficiência. Sua participação

na FCD, pode contar um pouco da sua história, como é que você começou. O

significado da FCD pra você.

Soy Caramencita Mazariegos, de Guatemala, a los 23 años sufri un acidente

porque el senhor que condizia no viu una curva, nos fuimos a un barranco y ai me

lesione la coluna y la delante já no le movi a las piernas. Y em 79 conoci la

Fraternidad, la Fraternidad y Yo pensaba que sólo yo era así de silla de ruedas y

una .... me envito a un encoentro en una casa de Cristiandad. Y quando llegue

habia unas personas sanas, ahora entiendo que son los colaboradores qui mi

recibieran como qui me conocieran de toda la vida. Mi ayudaran y cuando entré

habia mucha gente em silla de ruedas, muletas, bastones bailando y el padre

cantando una cancion para las freiras ... Ah! Cuando vi todo isto Ai aqui me quero

quedar.

Aprendi em la Fraternidad que no tengo que quejarse, puedo aprovechar al máximo

lo que me tengo, puedo hablar, Puedo utilizar mis brazos y lo que es mas importante

es que todo esto se puede poner al servicio de los demas. La visita, Y el encuentro

con el otro que tiene descapacidad mas profundas y Y así como me sentí más

contenta cuando me encontre. Esto fue así para mí como uno: el despertar.

Carmencita me conta um pouco da Frater da Equipe Intercontinental: como

está o trabalho de vocês, como está ...

Si, tuvemos el Comitê el año 2015 en Eslovênia Y allí aí se quedaran algunos

acuerdos que tendremos que trabajar durante estes 4 años en El equipo que

acabamos de elegir; reforma de estatutos Estamos pidiendo información a todos

los países sobre la vida de Fraternidad a cada país. Porque queremos este material

para enviar un documento al Papa Para acelerar la visión de la discapacidad desde

la Fraternidad: no como dolorista y sí como La visión diferente de la Fraternidad

que es resurrección, que es vida

Entonces todos los países están haciendo, trabajando Su historia para poder juntar

este material

Y también estamos trabajando la reforma de los estatutos Y para ello se integró una comisión Y para esta comisión esta maria dolores que es asesora en Nicaragua, Marissol

que es la coordinadora europea Y Juan de Dios Mopembe y Juan de Dios Admama

que son de África, Frei Nelson, Chico de Brasil. Es que están trabajando

Ha avanzado muchísimo porque lo que hemos visto em Comitê anterior Que había

muchas lagunas en los estatutos Y que debido a esto había muchas personas que

habían ... muchos países que habían perdido Que habían perdido el espíritu del

movimiento y por ello sería importante renovar Los estatutos para seguir la línea

que nos enseñó nuestro fundador. Como quería el padre François, la Fraternidad

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como un movimiento de evangelización. Entonces este trabajo se está haciendo

ahora Y la celebración de los 70 años de la Fraternidad Que muchos países tuvimos

buenas respuestas. Guatemala, por ejemplo, realizamos una caminata corta a

causa de las personas con muletas, con bastones, con silla de ruedas pueden ir

más rápido, pero como otras personas que se movilizan pueden ir más rápido. Fue

un corto recorrido. Una colaboradora que tiene un colegio, nos prestó la banda.

Entonces con la banda, hicimos carteles con mensajes de padre François y vamos

cantando ... y también la Fraternidad logró que construyeran una rampa en la

Catedral. Entonces eso fue bonísimo y entramos para la eucaristía celebró nuestro

obispo. Y estaba muy bonito. Participó bastante gente, son cosas muy pequeñas

que hay que hacer para concientizar a las personas, a la sociedad y las Iglesias.

¿No es verdad? Porque es importante que perciban nuestra presencia ¿No es

verdad? Tratamos de hacer cosas pequeñas porque no tenemos muchos recursos,

y ahí vamos. Pero siento que con mucha alegría con muy goso fraterno en los

barrios más pobres del país, pero siento que la vida se lleve.

Você tem idéia de em quantos países existe a Fraternidade?

Aproximadamente en 45 países, sólo en Asia son contactos con Tayoan y la India.

Ahí están empezando, pero no hay nada formal, son puros contactos. Ellos

estuvieron como invitados en el Comité en Eslovenia. Y me llamó mucho la atención

porque Frai ..Ilich.. el día de la fiesta cultural por la noche se paró a bailar y dijo:

¡esto es pentecostés! Algunos bailaban otros cantaban y Frai Guilich era su primera

participación. Él asesora en la India. Es jesuita, entonces él dijo: esto es un gran

pentecostés. Entonces se puso a bailar, ¿no es verdad?

Carmencita, como que é no seu país a questão da inclusão das pessoas com deficiência na rede escolar? Na educação, como é que se dá isso? Qual a participação da Frater nisto?

En mi país hay mucha discriminación, no hay espacio para la educación. No hay

escuela adaptada para nosotros y por eso hay muchos problemas porque los

padres no se ocupan de ponhar a estudar desde pequeños sus hijos

Hasta que crezcan y con la necesidad y algún trabajo consigan pagar

Las escuelas especiales no hay, no hay. Y lo que son pocas. ¿no es verdad? Y no

atienden todo lo que necesitamos, por eso la lucha de golpear las puertas, la

necesidad de darnos a conocer para que la gente entiende que tenemos necesidad

de estudiar

Por ejemplo para trabajar: hay una ley que el 1% de la empresa tiene que ser de personas con discapacidad Y aún no se cumple. El más duro para mí es que no tenemos ningún apoyo a nivel hitacional, de vivienda no tenemos ningún apio. Y sí, necesitamos

Necesitamos mucho, estamos trallando pero como toda lucha es dura, cuesta pero

estamos luchando.

As escolas ... há escolas especiais ou aqueles com deficiência, que tem

deficiência vão pra escola regular, escola “normal” ou são escolas especiais?

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Algunas personas se incluyen en las escuelas formales y hay escuelas especiales

pero pocas, para personas con daños cerebrales. Si éstas son las especiales. Así

que hay. Para nosotros así Con discapacidad, especial, especial

no hay. Nos incluimos dentro de la escuela formal …

Há acessibilidade para cadeirante … se tem cuidade ou não

Muy poca, insistimos con el Ministerio de Educación, con la Ministra de Educación,

pero ... se ha avanzado pero poquito.

Então a FCD tem se envolvido nas lutas para garantir os direitos ..,Sim...

La Fraternidad somos ... CONADE es el Consejo de todas las organizaciones de

discapacitados de toda la guatemala. La Fraternidad somos los únicos reconocidos

como movimiento de Iglesia trabajamos fuerte y apoyamos Junto a los grupos más

fuertes. Me alegro mucho y casi siempre cuando hablan del mundo de la

discapacidad la fuente es la Fraternidad.

Que bom! Obrigada Carmencita

No hay, que muchas gracias alegro em volverte a encontrar, alegro em podermos

praticar.

Alegria é minha. Fico muito feliz.

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APENDICE C

Tradução do depoimento do Orlando

Para mim, conhecer a Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência foi uma

Graça de Deus não ponho em dúvida. Andava um pouco desorientado, tinha 26

anos, trabalhava em um colégio, porém não estava satisfeito com minha vida, com

a trajetória que havia tido. E pedia muito a Deus que me dessa luz que me

assistisse. Era docente de inglês e de religião e um dos meninos que estava com

uns treze anos, vinha todos as dias dizer-me: Profe, em minha casa temos um

grupo de oração e nos tem contato o que vocês nos ensina aqui e eles querem

conhece-lo . Eu havia arrecem chegado a Manisalles e quis ir a casa de jovenzinho,

aluno de dia porque a noite, sentia que não ia encontrar o endereço. Então uma

tarde, buscando o endereço deste jovem, me encontrei com 2 pessoas em cadeira

de rodas e uma religiosa esperando para ver quem as ajudava a subir em um

veículo que estava estacionado. Me pediram o favor e eu gostosamente lhes ajudei

a subir no veículo. Ficaram sentados em duas tabuletas porque não tinha cadeira

de rodas. Logo disseram: Bom! Quem vai nos ajudar a descer lá onde vamos? E

me ofereci, mudei de planos e já não fui procurar a casa de meu aluno. Senti que

aquilo me parecia bom, ajudar a estas duas pessoas. Regressei com eles até o

centro da cidade a uma universidade, onde iam se reunir com outras pessoas e

estive toda tarde com eles. Regressei com eles de onde havíamos partido

inicialmente, Os ajudei a instalar em sua casa, logo a religiosa me convidou a sua

casa da comunidade, tomamos algum refrigério , finalmente a comida. Falamos por

longo tempo, até as nove da noite e assim me encantei.

Este foi o começo conhecendo umas pessoas com deficiência e logo abrindo-me a

grupos e a atividades mais amplas. Por isso eu digo que foi uma graça de Deus.

Minha vida adquiriu novo sentido, me senti mais contente, já não era somente um

professor, um docente em um colégio senão que tinha uma projeção no campo

pastoral, no serviço aos demais. E, me encontrei com algo muito grande, já vai

completar 40 anos de estar com a fraternidade, com a FCD e digo muito contente

muito cheio todos os dias tem tido sentido minha vida

Você já tinha deficiência quando começou?

Não! Eu era completamente são e minha deficiência adquiri quando tinha 51 anos.

Já tinha casado, tinha meus 3 filhos e talvez por excesso de trabalho, de

preocupações, etc. Me deu uma trombose cerebral, não foi um derrame sanguíneo

no cérebro, foi um coagulo que interrompeu uma veinha no cérebro e por falta de

oxigenação me provocou uma hemiplegia no lado esquerdo. Tive reabilitação, hoje

sou independente. Levo uma vida normal, as vezes me esqueço que tive essa

dificuldade em minha vida.

Você é professor ou foi professor, fui professor... como é que você vê no seu

país a questão inclusão da PcD no meio escolar, no meio educacional? Há

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um processo? Há ... a FCD se envolveu ..., não se envolveu? Como é que é

isto?

Em Colômbia há leis que reconhecem os plenos direitos das PcD, porem uma coisa

é ter as leis e outra coisa é se por em pratica que essas leis a serviços das PcD.

Há progressos, há avanços, eu não estou contente com o que temos conseguido

até o momento. É um caminho longo, porque há romper paradigmas, há que

romper estruturas, as vezes excludentes, e estruturas também conformistas das

pessoas com deficiência: não pois assim ... assim estamos bem ... Temos

alcançados algumas coisinhas, mas ... dizem as pessoas com deficiência: estamos

bem ... o que temos conseguido até agora nos basta ... Isto é a origem também do

conformismo. Creio eu.

A Frater tem se envolvido ... ou incentivando as pessoas a participarem deste

processo de Educação?

Sim, a Frater faz parte de um coletivo de PcD, há pessoas que se interessam mais

por esporte outras por aprender meios para trabalhar e ser produtivos

economicamente. A Frater acompanha, faz parte deste coletivo e busca lembrar

sempre que somos pessoal integral, que devemos deixar o lugar espiritual nosso e

que devemos trabalhar por projetos que sejam integrais.

Obrigada Orlando, pelo depoimento que Deus abençoe o teu trabalho, tua

missão como coordenador de Area.

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APENDICE D

Depoimento da Ir Conceição

Bom... Irmã Conceição, é um prazer, ã... conhecê-la e... especialmente por ser

irmã da... da Maria de Lurdes, que eu não tive a oportunidade de conhecer

pessoalmente, mas que... a... admiro muito, pelo... pela história de vida dela,

pelo testemunho cristão e pelo envolvimento com a fraternidade. Eu gostaria

que a senhora começasse se apresentando um pouco e... falando, dando seu

“depoimento” sobre a Maria de Lurdes e sobre a fra... sobre a FCD. Eu estou

fazendo um trabalho de doutoramento sobre a FCD, trabalhando

especialmente a questão da... da visibilidade que a... a FCD propiciou,

propícia e propiciou, às pessoas com... com deficiência e... a sua... a... o

trabalho com... elevação da autoestima, da autonomia das pessoas, e que

isso contribuiu, também, por todo esse processo de inclusão da pessoa com

deficiência que está... nesta... que a gente hoje tá... festejando e tal, mas, e

não tem visto esse trabalho da FCD que eu acho que é importante.

Isso não conseguiu vê tudo aquilo que ela projetou, que ela projetava! que ela

queria. Hoje, né¿ é diferente

Mas então a senhora pode ficar à vontade.

Eu sou... Bom, eu sou a irmã, né¿ da Maria de Lurdes, e... estou numa, ã... nessa

instituto, né¿ Das filhas de São José, já há 77 anos, né¿ [risos] Tanto é, que quando

eu saí de casa, ã... eu... é... eu tinha 16 anos, né¿ e... ela estudava, interna, né¿

no colégio Patrocinito e... por isso nós só convivemos assim, mas depois assim na

mocidade dela, assim, eu não tive essa... esse contat... ã... sabe¿ esse contato

com ela [inaudível], víamos, assim, de vez em quando, né¿ e... depois, ela queria

também entrar na vida religiosa, como eu, mas foi aí que ela... foi fazer os exames,

né¿ passa pelos exames médicos e o médico disse:

“Olha, é melhor você primeiro fazer uma... um tratamento, né¿ médico.” – Tudo pra

não ter... problema depois. Tanto é, que ela foi pa... fez o tratamento, mas... foi

necessário um cirurgia, né¿ e ali, antes disso, ela já s... trabalhava lá no colég...

nos colégio, dava aula porque ela já tava formada, né¿ e... e aí, indo pra... pro...

fez a cirurgia, foi em São Paulo, e acontece que, nessa primeira cirurgia, ela andou,

voltou, foi me ver, tudo, né¿ mas foi necessário mais outra cirurgia e, nessa

segunda cirurgia, ela já não andou mais, né¿ Foi um problema aí, e foi isso aí que

começou toda essa... coisa dela, né¿ essa doença aí. Aí... faz outra cirurgia

[inaudível] fez, parece, que umas seis cirurgias, ela fez, mas nada adiantava. Tanto

é, que todo mundo dizia: “Mas como pode uma moça assim ficar, né¿ desse jeito,

tudo.” – Mas não houve meios né¿ Fizemos tudo, de tudo. Então, ela ficou nesse...

sempre assim. Foi duro para ela, muito duro. Ela sofreu bastante com isso, porque

ela era uma criatura muito assim, né¿ viva, coisa assim gostava de... de ter

trabalho, né¿ de ir [inaudível] na igreja, escola, tudo. Mas, depois nesse ... Mas,

houve um... depois de muitos anos, né¿ Eu não sei se você conhece, mais ou

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menos, né¿ que ela começou a trabalhar, mas isso foi bem depois que ela começou

a trabalhar na... é... no movimento, né¿ que ela conta que [inaudível] é... primeiro

ela... ã... foi ver num outro movimento, mas ela não... não se... né¿ não gos...

praticamente, ela disse: “Não era aquilo.” – Porque eles não... valorizavam a... a

própria pessoa pra poder fazer. Então, aí, depois que ela ficou conhecendo este

movimento da fraternidade. Aí ela começou com o trabalho dela e tudo isso, né¿

Mas isso foi bem já depois de muitos anos, né¿ Mas... então, ã... a FCD, pra ela,

foi a vida dela, né¿ porque, você deve saber que quando ela foi ela não via

obstáculo, não via coisa nenhuma. Ela viajava, ela ia pra lá né, mesmo daquele

jeito na ... era avião, era ônibus, era coisa e tal não tinha problema nenhum. Então,

ela trabalhava muito nisso. A FCD foi a vida dela, mesmo, né¿ Mas, depois,

aconteceu que, todo aquele problema, né¿ no... no... da... do... onde ela... ficava,

né¿ no hospital, que fechou, né¿ Aquilo foi, pra ela, foi... né¿ mas ela não saiu de

lá , né¿ ficou junto dos funcionários, mas pra... aquilo lá, pra ela, foi... praticamente,

a morte [inaudível].

Tanto é, que ela... quando, é... em... 96¿ é, que ela faleceu, e... e depois os

funcionários, eles faziam muitas reuniões com ela lá na... no hospital, onde tava

fechado, porque eles não tinham recebido todas as sua indenizaçães, tudo. E...

conta-se que depois na... aconteceu, que, naquele ano que ela morreu, 96, em

novembro, no dia do aniversário dela, diz que receberam tudo, todo aquilo que

deviam, né¿ Então, diz que foi uma... eles diziam: “A, é milagre da Lurdes.” –

Porque, né¿ Não conseguiam fazer nada disso, né¿ então... Agora, sobre a FCD,

eu não sei lhe dizer tanta coisa querida. Porque eu não tinha, assim, aquela coisa

com a FCD. Eu... eu admirava o trabalho dela, sabia onde ela ia, né¿ no trabalho,

tudo isso, o grande amor que ela tinha e tudo aquilo que ela fez, porque ela dizia

que tinha que... os... os próprios paraplégicos diziam: “Nós não podemos ser coi...

coitadinhos. Nós não somos coitadinho. Nós somos gente que [inaudível]. Nós

temos vida.” - Né¿ Então, aí que... ela... ensinava, a... trabalhar, o que podia fazer,

aquele que podia, aquele que não podia... Por isso que eu falo que a agora, se ela

estivesse aqui, seria a alegria dela de ver todos, né¿ estão em... ã... trabalhando,

não é verdade¿ Quantos desses estão... é... em... em escolas, em... enquanto ...

né¿ Porque nós temos também a nossa escola, diversas, né¿ Muitas.

Que... a gente... há a necessidade e [inaudível]. Bom, é obrigado, né¿ agora.

Então... ela... optou muito, [inaudível] a coisa pra le... eles viverem mesmo do

trabalho, aquilo que podiam fazer e aconteceu tudo isso depois da morte dela, né¿

Então... é isso. Agora você... não sei se tem mais alguma coisa. Porque eu, sobre

a FCD mesmo, não sei... As vezes eu tenho ... eles conversam comigo muitas

vezes, o padre Geraldo tá sempre aqui e conta, me descreve e tudo, né¿ Então eu

sei, assim, de... dos paraplégicos que trabalham, que vão a reunião, que isso aqui

que é uma coisa, né¿ Isso eu sei que eles fazem.

Aham.

É, mas não... não estou dentro do movimento.

Do movimento, né¿

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Né¿ isso...

Mas... Já é importante esse seu... seu depoimento, né¿ e... de... trazer essa...

esse entusiasmo, assim...

A sim, é.

Da... da... da Maria de Lurdes, assim, de mais de perto, alguém da família que...

Fami... Sim, tanto é que...

Que vivenciou essa...

É. Você, acho que não... não soube daquele... é... porque eu tenho um primo, é da

família, ele trabalha... ele é jornalista na... Século XXI, TV Século XXI.

Aham.

Né¿ e... Acho que [inaudível], há dois anos atrás ele veio aqui, ele fez um... veio

me entrevistar, ficou aqui a tarde toda comigo e veio entrevistar, tudo... [inaudível],

perguntando coisas assim, e depois, ele disse que foi, ã... foi ao ar isso aí. Mas, ã...

foi entrevista comigo, depois ele quis muita coisa que mosreasse e... aí ele chamou

também o padre Geraldo e um outro padre... que era vigário lá em Salto aonde n...

onde nós morávamos.

A sim.

É. E aí, ã... teve [inaudível] entrevista deles e... e foi uma... sabe¿ e então foi... a,

isso aí, quer dizer... esse... foi... duas vezes acho que ele passou isso. Não sei,

acho que você não... não viu, né¿ Não, não vi.

É, uma pena que... que eu não... aliás, não gravei, né¿ mas meu primo me falou

aquilo que podia fazer e o... então eu tentei gravar tudo aquilo, mas... infelizmente,

né¿ porque o padre Geraldo e o outro padre foram lá na... na... na TV. Ã.

Mas eu não, eu f... né¿ eles fizeram assim mesmo só no... eu falando, uma coisa

ou outra, mas... foi muito boa aquela... [inaudível] que fala do movimento, que fala...

Que fala de tudo, né¿

Fala tudo sobre isso, né¿

Eu vou ver se o padre Geraldo tem alguma...

Eu que...

Alguma coisa... gravada.

Eu acho que ele tem, viu¿ Padre Geraldo. Então... Porque o padre Geraldo

conviveu muito com ela, né¿ Eles viajavam muito e tudo isso, né¿ Então quero

dizer que eles tem, ele tem bem com... nossa... tudo... aquilo mais pra falar, pra

dizer, pra contar, né¿

É porque o padre Geraldo foi conselheiro...

Foi.

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...enquanto ela era coordenadora...

Isso.

...nacional, né¿

Viajavam juntos, né¿ Também a... a deputada lá, Célia. Você conhece Célia Leal.

Célia Leal. Eu conheço só da TV que eu... que eu a vi na TV.

A, da TV. É.

A, tá. E...

É.

Mas não...

É, porque ela também, viajou muito com a Lurdes, né¿ tudo, né¿ Então... Faz tempo

que eu não converso com ela...

Eu até não tenho visto. Ela continua deputada ou... Porque eu não tenho...

Acho que sim.

Eu não tenho visto...

Eu acho que sim.

Mais falar nela.

Eu acho que há vários anos atrás, ela... queria tá... veio de Roma uma doutora,

Eunice, trabalhou muito com a Lurdes, e... e ela então queria vê-la, queria...

[inaudível] foi marcado lá na... na... em São Paulo, e... e nós fomos lá, sabe¿ Até

tinha uma reunião dos grandes lá, mas ela marcou para que nós fossemos lá e nós

fomos. Ela conversou muito com essa... doutora, essa... mas ainda ela era, isso foi

há 2 anos, não sei agora como é que é. Mas faz tempo que eu não... converso com

ela, né¿ Então... não sei o que mais Não, acho que já...

Ólha, eu tenho essas... é um te... as testemunhas do reino, que foi um... um

professor, até ele é um professor da nossa, da nossa lá ... em São Paulo, ele sabia

muito dela e ... ele pedia a mim para falar com os alunos, apresentar, né¿ e ele

escreveu, numa revista, sobre ela...

AH, que maravilha.

Então isso aqui posso... você pode...

A, que bom.

Ó, aqui também tem, é... tem uma sobre a fraternidade, né¿ tem, é... esse... essa

entrevista que houve, dela, lá no... no... no hospital Humberto Primo em 1989, sobre

a fraternidade, olha. Foi. Ela foi entrevistada sobre a fraternidade.

Ah, que bom.

Você já viu isso ou não¿

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Não, esse material eu não tinha...

Esse aqui em 70 e .2.. É... é... isso é de um jornal lá da minha terra, Salto, sabe¿ é

tudo sobre ela. Em 1972, ela fez 25 anos de hospital. Então, foi feita uma grande

festa e o bolo dizia: Bodas de prata do hospital. [inaudível]

72¿ Foi justamente o ano que... inicia a fraternidade no Brasil.

Então, isso [inaudível] 25 anos. Aqui é um encontro nos... no colégio São Luís, lá

da fraternidade também.

Esses encontros no colégio São Luís eram...

É... hein¿

Já são tradicionais, né¿

É. Ó, esse aqui também saiu em revista. [tosse] tem uma fala sobre ela. A, esse

aqui também foi em 72 [inaudível].

Isso foi na...

[inaudível] que escreveu também. Isso aqui é uma... reunião da FC... [inaudível]

FCD. Uma reunião.

A...

[inaudível] não sei... [inaudível] Essa aqui é mais...

Junho, só que eu não tenho a data...

Essa aqui é mais recente.

Esse é mais recente né¿

É, porque tá [inaudível] Padre Geraldo.

Padre Geraldo e a pastora Helena.

A é¿

Que é... ela foi pastora em Itaquera. Trabalhou bastante com...

A, em Itaquera é¿

É, ela trabalhou bastante com a FCD lá em Itaquera.

A, sei.

E ela sempre participa dos... dos eventos...

A é¿ Então, e aqui acho que é o mesmo, porque aqui tem o padre Geraldo, é.

Então... é, é... o mesmo, né¿

É... não sei se é o mesmo...

Mesmo... [Inaudível]

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Se é o mesmo evento.

[Inaudível] mas só tenho isso aí, só. Hoje, tirando... Só essas... Só, é... a foto.

Assim, não tem outra coisa, né¿

A, mas já é o... o... procuro com o padre Geraldo pra saber quem...

É, precisaria ver com ele, né¿ Porque...

Eu estive também agora há poucos dias... Ã.

Na assembleia estadual aqui de São Paulo...

A, [inaudível] esteve lá¿

Que foi lá em... na... na Anhanguera, lá na...

Na Anhanguera¿

É.

A, sim. Lá nos...

Nos...

Sei.

Jesuítas, eu acho.

A, Jesuítas¿ É. É¿

É.

A, esteve lá¿

Estive lá. Não fiquei todo o tempo, só assisti a... a palestra do Marco Arryo e

depois... aí voltei. Agora, no final de... final de abril... Ã.

...vai haver o outro encontro... interestadual...

A, sim.

Lá também.

A, lá¿

É, e eu tô pretendendo... ir também e dar uma passada por lá. Eu fiquei de

encontrar o frei Nelson...

A, frei Nelson.

Porque o frei Nelson é...

Ela falava muito do frei Nelson. Sabia se é [inaudível], só que nunca mais eu

consegui... não consegui ver ele...

Não conseguiu ver¿

Não. [inaudível]

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O padr... O frei Nelson está sempre correndo. Ele agora foi eleito conselheiro

continental e...

A, sim.

...ele era conselheiro adjunto...

Sei.

...e agora foi eleito conselheiro continental, e...

Então, e ela... ela foi, não sei o que ela... ela foi também... em Costa Rica, né¿ Não

sei se você viu, isso sobre a Lurdes. Que ela foi em Costa Rica.

Ela foi em Costa Rica, é¿

Ficou um mês lá também, né¿ Foi, ela... Bom, ela viajou muito, muito, muito...

É, acho que ela... Ela esteve com François também¿ Teve sim.

Lá em... lá na... na França¿

É. [Inaudível]. É, mas ant... no começo, assim, que ela ficou assim tão... mal, né¿

e não tinha como... a... andar, como sentar, não... não... [inaudível], aí tinha mesmo

minha mãe. Papai, não. Papai faleceu bem novo, né¿ Com 67 anos, parece. Tanto

é, que o papai viu muito pouco a Lurdes assim e a... mas a mamãe ela ia todo do...

todo domingo a mamãe ia no hospital, quando ela estava [inaudível] , todo domingo.

Ela ia com uma pessoa, ia pro hospital de ônibus e voltava. Foi um sofrimento muito

forte.

A, imagino, né¿

Minha mãe foi mesmo, né¿ e... tanto é, que... ã... depois ela ficou doente, e... e aí

a Lourdes sempre recomendava: Olha, presta a atenção na tua mãe, por favor.” –

Tanto é, que mamãe ficou três anos comigo, morando comigo, lá em... na cidade

de Porto Feliz, que nós temos o colégio lá...

Aham.

...e... e... então... e é perto lá de Salto e ela ficou morando três anos comigo. Ela

quase cega, né¿ Então, a madre falou: “Não, deixa a sua mãe que fique com você.

Lá em Porto tem lugar, tudo. Você cuida dela.” – Tanto é, que ela ficou comigo três

anos. Nuca me deu trabalho, por assim dizer, de eu deixar o meu trabalho, porque

eu dava aula aquele tempo, nunca, nunca, nunca. Aí a tarde tinha uma cozinheira,

uma... ela era muito boazinha, ela... era jovem e ela cuidava da minha mãe, né¿

Então, chegava a hora do almoço e eu dava comida e tudo isso, e a tarde, quando

eu voltava da... da escola, então, eu dava banho, fazia tudo que precisava e ela

dormia comigo. Então, ficou três anos assim. Depois... é... quando ela ficava mal,

eu levava no hospital e tudo isso. Cuidei muito dela, né¿ e... e ela, coitada,

[inaudível] nem mais podia ver minha irmã, porque ela era difícil sair. Mas minha

irmã, muitas vezes, vinha pra vê-la, né¿ e... Então, quando ela faleceu, depois....

faleceu até comigo mesmo, faleceu em Salto, ela veio, né¿ Padre Geraldo, tudo

isso. Mas, foi um sofrimento muito grande pra minha mãe, né¿ Essa doença dela,

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né¿ e... isso que vou ela, assim, acha que... né¿ ficou... mal, assim... não conseguia

... teve pressão alta, problema cardíaco, tudo isso. Mas ela faleceu ainda já com 85

anos, né¿ quer dizer que...

A, 85 anos¿

É. ...e a Lurdes tava viva ainda, né¿ Depois meu irmão, que é o caçula, de 50 e

poucos anos, também faleceu, né¿ E aquilo foi sofrimento grande, né¿ pra... pra

minha mãe, pra Lurdes tudo. Mas, a vida sempre continuou e ela sempre

trabalhando, viajando, [inaudível], então, foi assim, né¿ A... nossa vida, né¿ Tanto

é que, quando ela morreu eu estava em... em São Paulo, ela morreu comigo, né¿

e até ela não queria me dar trabalho, não... sabe¿ escondia uma coisa ou outra.

Mas, uma enfermeira me chamou aquele dia e falou como estava e daí... e também

a... a... ã... foi o hospital mesmo que agravou bem a... né¿ que ela sentiu muito

desse hospital ter...

Ter fechado.

Muito, muito. Mas, nem morreu lá. Foi no... hospital Santa Catarina.

Hum... É ali no... no Paraíso.

É, isso. É. [inaudível]. Bom... Mais nova que eu, né¿ Três anos mais nova que eu,

porque... eu... eu... desde que eu estou aqui, desde 2001 [inaudível] ainda dá pra

fazer alguma coisa, né¿ só a perna que não dá. Mas faço ... Mas agora... então...

o seu... o seu... trabalho que você vai fazer é¿ é da¿ É sobre a fraternidade.

Fraternidade. É.

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APENDICE E

Depoimento de Tuca Munhoz

Agora... Boa tarde Tuca e... obrigada pela aceitação do convite de... podermos

conversar, e eu gostaria você... começasse falando um pouco de você, sua

história e... e também... como que... a sua relação com a FCD e como você vê

a FCD dentro dos... dos movimentos populares de pessoas com deficiência.

Bom, falando de mim, eu... Sou, pra minha alegria, um misto de pedra e de vidraça.

Ora sou gestor público, ora sou movimento popular. Isso é muito rico, tem sido

muito rico pra mim, pra conhecer, bem, vamos chamar assim, os dois lados da

moeda e... e saber, de uma maneira mais aprimorada, como se desenvolvem e

como se aplicam políticas públicas de fortalecimento da cidadania das pessoas com

deficiência. É... Agora eu não tô muito próximo, mas eu já estive bastante próximo...

da FCD, sobretudo quando eu estava na... coordenação da pastoral da pessoa com

deficiência. E... é uma... organização que eu admiro muito... mas, eu acho que a

FCD perdeu muito, em termos quantitativos e qualitativos de uns anos à esta faixa

Quantitativos no sentido que ela tinha muito mais núcleos, espalhados pelo Brasil

e mesmo pela... pelo estado e pela cidade de São Paulo, do que tem agora. E

qualitativo, porque, me parece também, que ela perdeu, muito, o viés... militante, e

político, que ela já teve, e me parece que hoje, é um grupo mais de... mais de

encontro, de pessoas com deficiência, do que um grupo... de ativismo, um grupo

militante. No entanto, eu espero que isso seja uma fase do... da... da entidade, dado

que ela tem um histórico muito rico e tem uma estrutura que é incomparável, em

termos de movimento... de pessoas com deficiência no Brasil. Ainda que ele tenha

perdido núcleos e tal, ela ainda hoje é a, sem dúvida, a, entidade de pessoas com

deficiência mais, é... com maior presença no Brasil, hum¿ E... Me parece que,

algumas lideranças, que a FCD já teve, no notadamente Maria de Lurdes Guarda

e Sergio Lisboa, ao... ao desaparecerem, né¿ Não... não conseguiram deixar

herdeiros em termos de liderança e a entidade acho que se perdeu um pouco e...

enfim, não tem conseguido, é... recuperar esse caráter militante que já teve. (Quer

passar pra outra¿ Ou quer que eu fale mais¿) Pode falar mais. O que que você...

Ou se você quiser perguntar, é... que eu complemente alguma coisa, né¿

É, voltando um pouquinho então na sua... Qual é a sua... Qual é a sua

deficiência¿ Sua... Pra gente poder situar na...

Olha, ultimamente, pra... pra você ver como as coisas mudam, eu tô achando que

não tenho deficiência.

Não tem deficiênc...

(risos)

Na verdade nós estamos, é... é... talvez progredindo pra um... pra novas...

conceituações, né¿ Como já existiram, é... outras conceituações, é... de pessoas

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com deficiência, ou da própria deficiência, eu tenho feito alguns vídeos que eu...

tenho colocado na... na internet, eu fiz dois e eu... eu uso um termo, bastante

conhecido, que digo: “As palavras tem poder”, né¿ Aham.

Então quando nós...

Eu vi ontem (risos)

Então quando nós somos chamados de deficientes, o que isso pode significar, né¿

O que significa isso no contexto semântico social¿ Na Europa, é... Em alguns

países da Europa mais, outros menos, mas na Espanha e em Portugal, tem sido

muito forte a discussão, é... já superando esse... essa terminologia de deficiência,

usando o termo: diversidade funcional; né¿

Que as pessoas não t... não são deficientes, elas tem diversidade funcional. Então

isso é interessante, porque a deficiência, quer queira ou quer não, ela está no corpo

da pessoa, né¿ Muito mais do que no meio, no ambiente. Talvez seja interessante,

eu não sei até que ponto eu concordo com essa definição, mas eu acho que a, a

problemim... a pro-ble-ma-ti-za-ção que ela traz, é muito interessante. Mas, pra ser

mais objetivo, pra matar a curiosidade dos nossos ouvintes, eu vou declarar que eu

tive, aos onze meses de idade, poliomielite. Uma d... Uma... Um vírus, erradicado

no Brasil e em quase todos os países do mundo. Infelizmente em três países do

mundo, ainda está ativo o... o vírus da pólio. Mas, há uma perspectiva de

erradicação, completa desse vírus, em poucos anos. É... O único vírus, até hoje

erradicado, no mundo, é... vírus de doenças, é o da... o do TIFo. TIFo, né¿ Esse

vírus foi erradicado, e agora (...) estamos em perspec... na perspectiva de

erradicação do vírus da pólio também em... em alguns anos. Infelizmente a situação

de guerras, no mundo, desestabiliza o sistema de saúde, o... o... o... as estratégias

de vacinação, como tem acontecido agora na Síria, né¿ A síria teve agora

recentemente dois casos de poliomielite, sendo que foi um dos primeiros países do

mundo a erradicar a pólio. Então, eu sou um cara que tem sequela de pólio B91.

Deixa eu dar uma olhada. Ver como é que...

Então, é... A minha maior... proximidade com a FCD, justamente se deu, é...

quando... nós criamos a pastoral da pessoa com deficiência aqui em São Paulo.

Mas infelizmente, não foi das aproximações mais... amigáveis. Porque justamente,

é... não todos, mas algumas lideranças da FCD, ficaram um pouco enciumadas,

porque, é... elas achavam que seriam, e de certa forma são, os legítimos

representantes das pessoas com deficiência junto a igreja católica, ainda que seja

uma entidade ecumênica. Mas, é... é... houve uma certa... um certo ruído, né¿ entre

nós, entre algumas lideranças e a pastoral, nesse sentido. Porque... ã... é... elas

consideraram que a pastoral estaria ocupando um espaço que era da FCD. O que

foi uma leitura equivocada, sem dúvida. Porque a pastoral tem um papel, enquanto

uma pastoral da igreja católica, e uma ação da igreja, enquanto que a FCD tem

outro papel e... enquanto movimento social e tal. São... Aliás, são absolutamente

complementares, ou poderiam ser, absolutamente complementares. Mas

infelizmente houve um... um ruído. Mas, independentemente disso, várias das

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lideranças, que se aproximaram, e mesmo chegaram a fazer parte da... da pastoral

da pessoa com deficiência, foram lideranças da FCD. Então isso foi muito rico

também, é... tanto pra mim pessoalmente, pra eu aprender e... é... mais, sobre o

movimento de pessoas com deficiência e sobre a FCD, e sobre a igreja também,

é... como também foi muito rico, é... em termos de crescimento, eu acho, da própria

FCD, né¿ Da própria FCD houve um crescimento. Enquanto pastoral eu participei

de vários encontros, da... é... da FCD, inclusive fui convidado para participar um

agora que vai ter brevemente, né¿ aqui em São Paulo, no centro pastoral, Santa

Fé se eu não me engano, e... Enfim, é... aprendi muito com a FCD. No caso da

Maria de Lurdes Guarda, é... eu acho que a Maria de Lurdes, além de ser uma

liderança, assim, de pri... de alto gabarito, uma pessoa... muito politizada, com forte

poder de mobilização, ela teve a sorte e o privilégio de militar em uma época, junto

a igreja, em que nós tivemos talvez o maior, é... e o mais destacado... cardeal da...

da arquidiocese de São Paulo, que era o Dom Paulo Evaristo Arnes. Então, quero

crer... essa... sobre esse aspecto, ac... acho que FCD nunca foi , é... salve o

engano, analisada, mas ela, é... é... o desabrochar, digamos assim da FCD, é... foi

em um terreno, em um ambiente muito... propício, muito fértil, em função,

justamente do papel que Dom Paulo Evaristo Ares de... é... é... desenvolvia aqui

na arquidiocese e, em sintonia, com a Maria de Lurdes Guarda que era também

uma... uma liderança... de... enorme expressão. Então foi um momento privilegiado

pra FCD e um momento também em que ela foi pioneira e foi, é... e teve a dianteira

do... movimento social de pessoas com deficiência, aqui em São Paulo, na luta, por

exemplo, por acessibilidade nos transportes. Eu lembro que, por exemplo na luta,

é... pela acessibilidade no metrô, logo que o metrô foi inaugurado, aqui em São

Paulo, mesmo antes de ele ser inaugurado mas quando tava em planejamento, a

FCD teve um papel bastante destacado e hoje nós... o que nós temos de

acessibilidade nos transportes aqui da cidade de São Paulo, deve-se muito ao

papel que a FCD desempenhou na época. A, fora isso, um outro papel bastante

importante que a FCD, é... foi pioneira, foi justamente de dar visibilidade às pessoas

com deficiência junto ao movimento social de modo geral. Ao movimento social que

lutava por habitação, que lutava pelos direitos humanos... Eu lembro que, é... na

época, havia o movimento contra a carestia, e... e a FCD tinha presença nisso.

Antes disso, o... as pessoas com deficiência, é... eram apenas vistas como... ã...

sujeitos de caridade, e foi com o papel da FCD, naquele, nos primórdios aí de 30,

40 anos atrás, que essa realidade, é... começou a mudar e as pessoas com

deficiência passaram a ser vistas, não mais como sujeitos de caridade, mas como

sujeitos de direito. Essa realidade ainda não mudou completamente. É... Ao

contrário. Ainda é forte essa visão e esse conceito caritativo e assistencialista e

paternalista em relação as pessoas com deficiência. Mas aqui no Brasil,

marcadamente aqui em São Paulo, a FCD foi a pioneira na mudança nos primeiros

passos que levaram a... que estão levando ainda, essa mudança, essa

transformação do papel social das pessoas com deficiência. Agora você pai.

Agora você (risos)

(risos)

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Obrigada Tuca. (risos) Eu acho que... Importante essa... esse seu depoimento.

Eu não sei se você tem mais alguma coisa a... acrescentar... E como é que

você vê o movimento, hoje, das pessoas com deficiência, ã... em geral... não

só a FCD, mas outros movimentos¿ Como é que...¿

Olha... Luci, o... o... o movimento social no brasil, movimento popular, tá bastante

enfraquecido, né¿ Tirando um ou outro, é... movimento, como o movimento de

habitação e tal, o movimento social tá bastante enfraquecido. Vide, por exemp...

o... o... a situação que nós estamos vivendo, onde direitos sociais do povo brasileiro

estão sendo... é... usurpados e a resistência em relação a isso é muito pequena.

Muito pequena. Oxalá ela venha crescer e tal, mas é muito pequena. A gente tem

visto aí que, ã... a cad... a cada dia, os direitos são diminuídos, são achatados, e

temos tido pouca resistência em relação a isso. No caso de movimento de pessoas

com deficiência, também. É... Vide aí, as questões relativas a... a previdência

social, aos direitos das pessoas com deficiência, o beneficio de prestação

continuada... A gente vê aqui e ali algum foco muito... muito frágil de resistência,

né¿ Mas, é... nós precisamos tra... atuar no sentido desse fortalecimento. Eu

considero que houve uma... uma situação que, inclusive a... aconteceu comigo

mesmo, é... de que muitas lideranças do movimento de pessoas com deficiência, e

isso aconteceu no movimento social de modo geral, isso des... é... inclusive existem

documentários e estudos desde a época da... de quando a Erundina ganhou a

prefeitura aqui em São Paulo, de pessoas do movimento social, não de,

necessariamente, de pessoas com deficiência, que foram chamadas à fazer parte

da administração. E isso, é... grandes lideranças, é... foram chamadas pra fazer

parte da... da administração, (...) como gestores públicos, e o movimento social

acabou perdendo lideranças nesse caso. E isso, também, muito marcadamente no

movimento de pessoas com deficiência, que foram convidadas pra trabalhar na

gestão pública e deixaram o movimento social. Isso acabou cirando um vácuo que

ainda não foi preenchido. Muitas pessoas com deficiência foram pro poder público,

eu sou uma das pessoas, é... um exemplo disso, é.. várias outras pessoas do

movimento, é... o... por exemplo, o ex-secretário nacional dos direitos da pessoa

com deficiência, Antônio José, é... aqui em São Paulo, Marco Antônio Pelegrini, é...

Lia Crespo... Várias lideranças foram... passaram do movimento social pro... pra

gestão pública, e... eram lideranças importantes do movimento social que acabou

ficando, é... digamos assim, sem essas lideranças e não conseguiu repor numa...

nu... com a... a... agilidade necessária essas lideranças. Então nós estamos muito

carentes de lideranças, é... no movimento social de pessoas com deficiência. E

também, é... porque, de modo geral, os governos, é... tem muita dificuldade em

implementar políticas públicas, e acabam repetindo mais do mesmo, né¿ repetindo

políticas assistencialistas, políticas paternalistas, vide, por exemplo, e eu até, é...

é... a convidaria a fazer uma análise rápida, né¿ que não é o seu... o seu tema, mas

vide aqui em São Paulo, é... o caso do conselho municipal das pessoas com

deficiência que já foi um dos conselhos mais fortes do Brasil, em termos de pessoa

com deficiência, e hoje é um conselho completamente à reboque, é... é... da

prefeitura de São Paulo, completamente à reboque do governo de plantão. É uma...

é uma grande pena. A, a mesma coisa se dá em termos do conselho estadual da

pessoa com deficiência e do conselho nacional das pessoas com deficiência, que

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não tem autonomia e não tem força pra pautar a política pública e fica à reboque

do governo de plantão.

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APENDICE F

Depoimento de Olivia

Hoje é 15 de março, na Casa da Fraternidade, estou conversando com Olívia.

Meu nome é Olivia Machado, Ah! Nós somos parentes! É.... Eu também sou

Machado. Sou Olivia Machado estou na Fraternidade há 14 anos, eu conheci a

Fraternidade através da Salete, que hoje é a coordenadora da Latino -Americana

e... e a importância da FCD pra minha vida é que eu era uma pessoa muito, muito

tímida, extremamente (interrompido - ruído)

Então a importância da Fcd na minha vida foi isto: eu era uma pessoa

extremamente tímida, tinha dificuldade de interagir com as pessoas. Apesar de ter

ainda hoje ...... Estou na casa da FCD há 13 anos, coordeno a casa, recebo o

pessoal que vem de fora e ...... como este encontro. Sou responsável e na equipe

estadual eu sou ........... posso dizer que a Fraternidade pra mim que ela me libertou,

eu era ... ficava sempre dentro de casa e agora se quiser me encontrar tem de ligar

e agendar pra me acha, né. Então a FCD pra mim foi., foi uma liberdade, foi também

onde aprendi a me amar como sou. Era extremamente revoltada com minha

deficiência, né.

Qual é tua deficiência? A minha é poliomielite, tive com 2 aninhos. A poliomielite

me atingiu e ... a poliomielite atinge o lado direito ou o lado esquerdo, a minha foi

o lado esquerdo, braço e perna. Só que com 6 anos eu fui operada e os médicos

em vez de operarem a que eu tinha pólio operaram a que não tinha nada e aí

cortaram os meus nervos .... .... na perna direita era pra eu não ter nada. È isso

Vera, tu tens alguma outra

...

Tu estudaste, teve alguma ...? Eu estudei só até a oitava série....... onde os meus

pais têm a casa era muito difícil pra eu ter acesso ao colégio e os meus irmãos

todos trabalhavam e não tinha como eles me acompanharem, pra ir junto comigo

né. Então eu só estudei até a 8ª série. Como é que foi o teu tempo de escola, a

relação com a escola, com a acessibilidade? Com a inclusão como é que ...

Foi bem difícil, porque não tinha acessibilidade e daí toda vez que eu precisava ir

... tinha que vir dois, três, quatro colegas pra me ajudar a subir a cadeira, era

superdifícil e aí eu fui perdendo a vontade de estudar. Chegava a um ponto que eu

não queria mais ir. Um pouco era por medo, né, que os ... vá que deixam cair lá

de cima, me deixam rolar, né, a escada... ficava pensando nisso todo dia e chegava

e não queria ir na escola. Hoje vejo, to acompanhando e vejo que tem mais

acessibilidade do que tinha no meu tempo, né. Hoje eu estou com 52 anos e então

quando eu estudava, né. A acessibilidade podia se dizer que tava zero quase, né.

Então.

Qual é cidade que tu és? Alvorada! Alvorada... unrrrrum.

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Tá bom Olivia muito obrigada pelo teu depoimento e tudo de bom pra ti.

Eu que agradeço Vera.

OBS. Olivia é cadeirante, mora só na Casa da Frater em Porto Alegre, coordena a

casa e recebe os encontros da Frater que acontecem lá.

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APENDICE G

Depoimento de Levino Guilherme Schneider

Você me diz o seu nome de onde você veio ... começa a contar a sua história

Meu nome é Levino Guilherme Schneider, de origem alemã. Eu sou filho de um

colono lá do interior, gente simples e vim a Porto Alegre pra completar meus

estudos. Nos estudos eu fui só até o 4° ano de direito, por causa de doença então

eu suspendi os estudos. E quando entrei na Fraternidade foi através do Luiz Itamar

Jaines, que era o coordenador latino-americano da Fraternidade ele era ... em que

ano foi isto? Em 1980. O Luiz Itamar, ele era deficiente, ele era PC, PC como dizer

problema cerebral. Então ele tinha problema de locomoção e era amiotrófica lateral,

esclerose amiotrófica lateral e ele tentou curas, mas não conseguiu. Os médicos

deram 3 anos de vida pra ele, no entanto, ele viveu 15 anos. E ele me disse o

seguinte: eu estou vivendo por que eu não estou ruminando a minha doença, estou

me preocupando com os outros, por isso que em vez de três anos eu ainda to vivo.

Isto ele me falou quando já tinha 10 anos mais ou menos. Então quando eu entrei

na Fraternidade não existia livro em português, nenhum livro em português. No ano

seguinte em 1981, houve um encontro continental na Vila Manresa, aí eu perguntei

pro conselheiro continental que era o Juan ....... se não tinha nada por escrito em

... porque na Fraternidade só fazia palavra, verbalmente. Então ele me deu um livro

em Francês, este livro Lve-toi ... et Marche (mostrou o livro). Esta é uma relíquia eu

até agora não descobri nenhum brasileiro que tenha este livro, escrito pelo próprio

Henri François. Foi o único livro que ele escreveu, os outros foi tudo circulares

avulsas, de mensagens avulsas. Eu vou-lhe, inclusive, dar uma cópia desta relíquia.

AH! Eu agradeço muito! Eu vou fazer uma dedicatória pra você e o Luiz, né.

Ahhham. Muito obrigada! Vou fazer uma dedicatória porque isto é uma relíquia,

uma raridade, poucos tem esta cópia aí. E quando eu cheguei a ser conselheiro

estadual, eu fui ... antes eu fiquei muitos anos com o Luiz Itamar. Quando ele deixou

de ser ... aí eu continuei na Fraternidade porque eu achei ... num momento muito

interessante eu entrei no núcleo aí da Medianeira e de lá eu fui pra ... naquela época

era uma equipe, não se chamavaaa subestadual que nem agora era, tinha uma

terminologia católica, então ... Fui conselheiro e depois conselheiro regional,

diversas vezes. Quando conselheiro a preocupação era livros em português então

eu em nome da equipe estadual eu me encarreguei, fiz a tradução deste Leve-toi

........ logo depois foi editado o livro Pequena biografia de François e logo em

seguida Mensagens ....... depois da morte de François. Então em 1980 saiu mais

uma ... este livro aqui. Em 1981 saiu o livro Breve Biografia, em 1982 então

Mensagens Fraternas.

Mensagens Fraternas, então, foi uma edição pós morte, mas foram escritas

por ele? Isto. Foram escritas por ele, quem ... dois países que começaram a

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arrebanhar todas as mensagens que ele fez, uma foi lá na França e outra na

Espanha, e o mais interessante que tem algumas mensagens de François que só

tão na edição espanhola e não na edição francesa. Então eu tenho estes dois livros

e o original, eu tenho todas as ... Depois da morte de dele a equipe nacional lá da

França, ela arrebanhou todas as mensagens dele, mensagens .... comitês das

assembleias, circulares, tudo e publicou um livro e este livro nós também

publicamos aqui e isso foi tudo na época em que eu fui conselheiro aqui. Então, a

minha grande preocupação é ter em português, para o pessoal ...

E você foi Conselheiro Nacional também? Fui candidato, depois de uma

assembléia muito tensa, porque eu propunha uma mudança do documento base e

fazer um ... na época que foi resolvido fazer um estatuto nacional, então a minha

idéia era a primeira era adaptar o documento base às origens, ao fundador, que foi

alterado. Em quase todas as assembleias o Documento Base já foi alterado, então

minha proposta era atualizar o Documento Base a suas origens do fundador e

baseado nele fazer o estatuto. O Estatuto Nacional e depois fazer um estatuto de

... estadual e municipal porque também tinha sido autorizado que somente as três

esferas: a nacional, a estadual e municipal podia fazer CGCs, mas desde que

vivenciassem o Movimento e não o documento estatutário, porque o Estatuto era

somente para servir de apoio para a Fraternidade. Então o ... atualmente tem esse

grande risco, o pessoal em vez de vivenciar o documento O MOVIMENTO, muitos

se atem mais ao Estatuto legal. Quer dizer isto já é contrario às intensões do

Fundador, porque o Fundador diz que a Fraternidade é um Movimento que não

......... ela tem o espírito completamente diferente.

O Estatuto é o que rege a Federação? Isto! É! .... o político da ... Seria apenas

para conseguir alguma verba governamental. Como Movimento oficialmente não

se existe, né. Então a gente oficializou através de um estatuto, para servir apenas

de apoio para o movimento. Então em alguns estados também já tem, por exemplo,

o Rio Grande do Sul nós já temos estatutos também. Temos estatuto, mas a

vivencia é ser sempre dentro do Movimento. ..............................

Levino eu te conheci quando eu trabalhava no CECA, quando vocês foram

buscar ajuda do CECA na questão da formação. Podia me falar um pouquinho

assim: o que estava no bojo ... que idéia vocês tinham de formação... porque

vocês acharam necessário este processo de formação?

A idéia era que, como a Fraternidade é ecumênica, e sabíamos que o CECA tinha

um espirito ecumênico, então nós pensamos vamos complementar o nosso

ecumenismo tirando cursos ali no CECA. Então foi neste sentido, no sentido de

ampliar o sentido de ecumenismo e também se integrar com outros movimentos

ecumênicos. Porque a Fraternidade tinha o objetivo de se integrar com todos os

movimentos sociais e ......... dentro do espirito da Fraternidade. Então ...........

achamos muito interessante que ....., alias, foi muito interessante que a linha

ecumênica que .....que o ecumenismo é a recomendação do fundador. Ele em

primeiro lugar ... eu pra mim .... a pessoa com deficiência era discriminada e

abandonada isso que dizer o que? Que um mandamento novo .... porque se a gente

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discrimina a pessoa com deficiência ....então ... equivocada achando que quem tem

a deficiência é castigada por Deus ou coisa assim. Então, retomou o amai- vos uns

aos outros e quando ele retomou ele descobriu a força do amor. Ele quando foi

visitar pessoas com deficiência, ele notou que antes de ..., primeira visita o

deficiente queria é morrer, não queria mais viver, triste, abandonado e depois de

criar laços de amizade ele descobriu que o deficiente ficava alegre e queria

continuar vivendo e assumia a sua vida apesar da deficiência. Esta foi uma grande

descoberta de François. E como ele dizia que o verdadeiro amor fraterno só

acontece através de contatos pessoais, então a pessoa tem que ir, ver a pessoa e

isso ...... o verdadeiro amor e coisas que dentro da estrutura que François dizia não

existia. E como aaa deficiência também pode-se dizer que é ecumênica também,

quer dizer, que qualquer pessoa pode virar deficiente, então disse que essa

orientação, este amor pode ser dado a todas as pessoas, não importa a crença

religiosa, não importa a classe, não importa a idade, nada. Tem que se ir a todas

as pessoas sem discriminação. Então ele acha ........................

Não é somente os fiéis da igreja. Outra coisa que ele descobriu que ... a fraternidade

da Fraternidade tem que ser através de uma equipe e dizia que o mínimo de equipe

é três pessoas, que precisariam duas pessoas com deficiência, que são os agentes

e o conselheiro é um incentivador desta equipe de deficientes. Então, novamente

o François, segue as orientações da Bíblia porque Jesus quando mandou os

apóstolos para fazer a evangelização diz: vocês vão de dois em dois, dois a dois.

Ele não indicou vai Pedro e João. Eles que escolhiam qual dois que iam. Então

François se baseava nisso aí, quer dizer em contrário com a comunidade que ele

vivia, porque a comunidade era comanda por uma única pessoa que era o vigário,

era o padre. Então todas as ... em movimento, ele diz que a Fraternidade é um

movimento porque o movimento não tá regido em leis. Então quem ama de verdade

não tá sujeito a leis é espontâneo e gratuito e vai como movimento. Então

novamente ele foi contrário a estrutura .... que ele pertencia .... é movimento porque

ele se baseou novamente no evangelho porque nos primeiros 300 anos, nos

primórdios do cristianismo a Igreja. Não tinha Igreja institucional ... As Igrejas

institucionais foram criadas na época do Imperador Constantino, quando esteve em

Constantinopla, porque até então o Cristianismo vivia como movimento. Então, eu

digo os livros todos que foram adotados, que foram escritos o nosso fundador se

baseou nesse .... nessa era de movimento. >>>>>>>>>>>>>> A igreja em Roma,

a Igreja em Jerusalém, a Igreja em Corinto então era as pessoas, as comunidades

reunidas que chamava da Igreja. Então, o que aconteceu ... eeee François se

baseou nesse evangelho aí para criar a Fraternidade como movimento. Pra

entendermos melhor o que é movimento nós temos que ir ... que as Igrejas

institucionais, teve uma pesquisa aí que eu li que diz que em 1962, se não me

engano, que foi feito um senso que existia perto de 900 Igrejas Cristãs.

Institucionais! Quer dizer, Jesus fundou uma Igreja só, a Igreja de Jesus Cristo,

porque tentas assim? Porque no tempo de Constantino, ele decretou, que como ele

estava em Constantinopla e havia uma igreja movimento em Constantinopla, ele

fez um decreto dizendo que a igreja de

Constantinopla seria a sede do cristianismo, e foi ... qual é o resultado disto? A

Igreja em Roma ela dizia: Ela não pode ser sede, porque inclusive a igreja de Jesus

Cristo é universal. Então ela, o que que ela, ela se autodenominou, o que que é ser

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universal? O evangelho de Jesus é universal, então eles apelaram para uma

palavra grega “católica”, católica quer dizer universal. Então eles se

autodenominaram católica de Roma. Quer dizer deixou de ser movimento, antes

era Igreja em Roma agora é Igreja Católica de Roma. E qual é o risco que ocorreu

aí? Como o decreto dizia que ele eram a sede, Constantinopla, a Igreja Católica de

Roma se achou que ..... eles também eram ... a .. e se denominaram Santa Sede,

como lá era a sede então a Igreja de Roma era a Santa Sede rsrsrs e com os anos

ficou Santa Sé, senão ... Este nome até hoje existe. Quer dizer .... o que a Igreja

de Constantinopla fez, eles achavam, não nós temos a doutrina certa, então o que

eles disseram, eles escolheram um termo também grego que quer dizer doutrina

certa. Doutrina certa quer dizer “Ortodoxa” . Ortodoxa quer dizer doutrina certa.

Então, eles criaram Igreja Ortodoxa de Constantinopla, quer dizer a 2ª igreja

institucional que se formou, antes não existia. Então já existia a 1ª a Igreja Católica

de Roma e a agora a Igreja Ortodoxa de Constantinopla. Eles inclusive no inicio se

davam bem, inclusive os evangelhos todos que foram escritos durante o tempo de

movimento, eles eram todos ................ escritos em ... ou em aramaico ou em grego

e Santo Agostinho, Santoooo ... quem traduziu os, os evangelhos na época do

grego pro latim ele era da Igreja Católica de Roma, então, a Igreja Ortodoxa de

Constantinopla aceitou também este, essas traduções em latim ... mas isto

aconteceu .........que ocasionou isso aí tudo. E daí em diante igreja era

denominação da instituição e não mais das pessoas reunidas, então, o nome

passou para a instituição .......e outra coisa até o prédio começou a chamarem de

igreja. Isto foi até o ano mil e pouco. Separaram aí porquê... o que é uma igreja

institucional? Igreja Institucional é inicialmente é uma maneira própria de viver o

evangelho, então, cria uma igreja institucional, mas com o tempo é o grande risco

que acontece, elas começam a introduzir doutrinas, mais doutrinas, mais doutrinas

e o que que ocasiona essas doutrinas? Muitas vezes cria inimizade com as outras

igrejas. Quer dizer: não é mais uma maneira própria de ver é uma maneira

imprópria.

Mas voltando mais um pouquinho pra questão da formação, eu lembro que

vocês tiveram a participação em encontros, cursos do CECA: Pastoral

Popularrr, Formação de trabalhadores e também havia uma discussão entre

as pessoas que estavam participando da Frater e que criavam, ganhavam um

certo nível de consciência e começavam a se envolver em outros

movimentos, até em movimentos políticos ... Como é que vocês viam isto n

aquela época?

Bom vivendo o espírito da Fraternidade, e a Fraternidade diz que ela tem que ser

divulgada, então pra ser divulgada tem haver integração, a gente tem que se

integrar com outros grupos. Então era dentro deste espírito que a Fraternidade ...

se integrar com outros movimentos que tem o espírito idêntico, se integrar para que

a Fraternidade fosse.. Então era considerado que alguns achavam que não podia,

então, a solução final era se integrar nestes grupos, nestes movimentos e inclusive

nas .........e fazer .........e inclusive influir para que estas entidades estes

movimentos também vivenciassem o espirito da Fraternidade. Incluíssem as

pessoas com deficiência nestes movimentos? Isto!! .....

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Nos anos 80 em diante cresceu muito o movimento de ... para inclusão de

pessoa com deficiência no processo escolar. A Frater teve alguma influencia

nisto, participou de alguma discussão ... ? Eu sei que a Frater no geral

congrega mais adultos. Sim!! Não trabalha tanto com criança, mas mesmo

estes adultos que já passaram por um processo de escolarização ou não se

envolveram na discussão da inclusão escolar ou não?

.......o fundador orienta que a Fraternidade é um movimento, mas veja que

recomenda que todos fraternistas escolhessem uma associação, uma entidade

para complementar a ação, então, nesse sentido, ele até dizia que além de

participar de uma associação tinha que continuar o espirito do movimento. Podia

fazer parte de uma associação também, de uma entidade outra, de uma

organização social. Então, nesse sentido ...., foi permitido, mas ultimamente se tem

notado que ....... a pessoa em vez de vivenciar mais o espirito da Fraternidade eles

se atém mais as da associação, as leis da entidade o que François não queria,

então, esse é o grande risco e esse risco tá acontecendo na realidade hoje. A

pessoa abandona o espirito de movimento, a pessoa vivencia mais a lei e o

fundador ........ diz que a lei não vivencia, quem vivencia é o espirito...

Uma outra coisa, é que eu olhando a ... lendo a biografia do François, deu

perceber que ele viveu entre as duas guerras e neste período da guerra foi

um período da ..., foi um crescimento grande da pessoa com deficiência , isto

foi.... as sequelas da guerra tu conheces algum material que tenha um pouco

dessa ... alguns dados dessa, aumento das sequelas ou não...

.......eu nesse sentido, me refiro a estrutura que ele pertencia por a orientação que

ele dava eram, normalmente eram contraria à estrutura que ele pertencia, mas em

compensação ele tinha um bispo, Bispo Pierre broion ele dava todo apoio, então,

nisso o movimento do François era um movimento visto com certa desconfiança

por muitasss, muitos clérigos da Igreja Católica, mas ele tinha todo apoio do bispo.

Eu considero inclusive que, como agora eles dizem que os cofundadores são as

três ........ que iniciaram o movimento, eu digo que o cofundador foi também o

Bispo Pierre Boillon. Porque se não fosse esse bispo que ... a Fraternidade não

teria vencido. Então, uma das questões era questionar a Igreja Católica a que ele

pertencia porque um clérigo não podia ser deficiente e ele fez toda luta por isso

....... que os deficientes podiam entrar no, no ... clerical. Ele inclusive, ele inclusive

ele conseguiu, porque ele próprio foi discriminado.

Sim! porque ele tinha uma doença crônica, né! Então ele lutou pra altera isso aí.

Ele lutou, conseguiu! Agora, oficialmente, até hoje depende muito do bispo, então,

tem setores dentro da Igreja Católica, do Concílio Vaticano II que permitem já

pessoas com deficiência possam entrar no clero. ....... isso com François, mas isto

é muito pequeno ainda. ...... mas houve luta do François neste sentido. Inclusive,

numa dasss dois anos antes de morrer, ele fez uma circular, uma mensagem a um

Encontro Internacional que tava acontecendo em Costa Rica, ele dizendo que a

responsabilidade do ........ do, do da pessoa com deficiência inclusive, ele chamava

que o deficiente .....de uma equipe, de um grupo, ele chamava de responsável e

que este responsável tinha que ter força do Espirito Santo pra poder agir dentro

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desta missão. E como o leigo não tem o Espirito Santo, o leigo não é sacerdote,

quer dizer o sacerdote é que tem o

Espirito Santo, então ele fez uma ...... que é revolucionária ....... ele diz que a

Fraternidade não é leiga, e eu descobri esta .............só foi publicada depois da

morte dele. Nesse sentido, eu vejo que ele além de Santo, evangélico, de bom

senso que ele tinha, ele era estratégico, porque pra mim .................porque era mais

uma instrução contraria a estrutura a que ele pertencia. Ele diz que a fraternidade

não é leiga é cristã, porque se .......... o Bispo dele já não é , não era mais o Boyon,

pra mim ele não é, é uma estratégia que ele usou ......................

A outra gran de lição que ele deu, apesar que a orientação que ele dava era

contraria a estrutura que ele pertencia, ele não fundou nova igreja. Ele permaneceu

na estrutura que ele tava vivenciando um novo espirito. Então, essa é uma grande

lição que ele nos deixou. A pessoa quando está numa estrutura, numa igreja

institucional, está dentro da estrutura não precisa sair dela. Ela vivencia o novo

espirito da Fraternidade, e continua nessa estrutura e aproveita a estrutura. Então,

essa é a grande lição que François deu, apesar de ele..., as instruções eram,

praticamente, todas elas são fundamentadas no Evangelho e muitas delas

contrarias à estrutura que elas representam. .... mas através do Bispo Boyon ele

conseguiu apoio, na época, apoio da Igreja, muitos outros Cardiais e Bispos, ele

conseguiu apoio. Hoje depende muito, a Igreja Católica, oficialmente, em muitos

lugares, .................. Então na minha prática, tenho notado que ... as Igrejas Cristãs,

porque ela se integra com todas Igrejas Cristãs, principalmente três Igrejas Cristãs

que estão dando muito apoio à Fraternidade. Que é a Igreja Católica, a Igreja

Institucional Católica, a Igreja Metodista e a Igreja Episcopal, porque entendo que

estas três, que mais se evidenciam na Europa, no apoio na Fraternidade,

atualmente.

A Igreja Luterana, não sei como é que... não sei se tu conheces isto: a Igreja

Luterana tem uma pastoral própria deee É eu não sei se ela tem alguma

relação com a Frater, ou alguma coisa...

É uma outra Igreja, a Igreja Evangélica Luterana ela também dá muito apoio. Quer

dizer que são quatro Igrejas que dão apoio. Então, ... a Igreja Luterana inclusive

nós tivemos até conselheiros já da Igreja Luterana. ......... inclusive na hora da ... ali

do ... da da ... uma conselheira, havia outras pessoas da Luterana que

participavam. Atualmente eu não vejo mais este ......... talvez esse seja uma das

causas de atrito na Fraternidade, que o espirito da Fraternidade não está sendo

mais cumprido a rigor .

Falando em Igreja, a gente percebe assim ... a aa Fraternidade mudou de nome

ao longo ...SIM. Iniciou com Fraternidade Católica de doentes, depois de

doentes e deficientes ... Depois de Católica passou para Cristã e hoje por

exemplo, especialmente, no Brasil nós temos um leque de religiosidade que

extrapola a ao meio cristão e, certamente, a deficiência também vai por todos

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os os arraiais que não são cristãos. Como é que se dá essa relação da Frater

com os grupos não cristãos? Tu tens alguma informação?

Vou começar por outros países, no Brasil ainda é Fraternidade Cristã, mas já

existem países, por exemplo, Peru e um país lá da América Central, eles

abandonaram o termo Cristão. E, falando com a coordenadora internacional, ela

disse que a maioria das Fraternidades na África e na Ásia, também não usam mais

a palavra Cristã. Então pelo nome, porque há um setor que entende já, que é meio,

que é uma interpretação fundamentalista que pra ser cristã tem que pertencer a

uma Igreja Institucional Cristã e o espirito da Fraternidade não é este.

A Fraternidade ........ cristão ....... então, existe um movimento aqui no Brasil, de

abandonar também cristã. Eu sou a favor, que abandone cristã, porque o espirito

não muda, porque os princípios são os mesmos, a orientação do fundador é a

mesma e Fraternidade é um movimento de evangelização ...... o Evangelho fica

intacto só muda o nome. Não é pelo nome que não vamos vivenciar o cristianismo.

Então existe um movimento dentro do Brasil, que se abandone a palavra cristã, que

tem muitos Ortodoxos, tem budistas, muçulmanos, .... com a palavra cristã ele tem

uma certa rejeição. Não querem saber deste movimento, no entanto eles tem o

amor cristão também ( e a deficiência?) A maioria das religiões, filosofias, igrejas

que existem por aí, elas defendem o amor e dizem claramente que não fazem com

os outros aquilo que não querem que façam pra si. Então, a palavra cristã não influi

em nada, porque o espirito da Fraternidade continua o mesmo. Porque se a

mudança de interpretação é a mudança de sentido, por exemplo se Igreja Católica

tivesse os espirito inicial, isto é, universal não precisaria ..... mas como na época

católico não só, não era universal e somente fiéis ao, a igreja universal, igreja

católica Católica Romana? Institucional! Agora tem gente que acha que ...........

tem que ser uma igreja institucional. A Fraternidade não é uma igreja institucional,

a Fraternidade é ... Jesusss... o fundador .... como movimento e como movimento

somos cristãos e como tal: nós somos movimento de evangelização e como tal nós

sendo movimento de evangelização somos movimento de igreja também. Então,

eu, particularmente, me realizo como Igreja dentro da Fraternidade, não preciso

pertencer a uma igreja institucional. Eu não saí da igreja institucional, que é a

Católica, continuo ..... eu respeito a doutrina, lá eu me porto como leigo, mas dentro

da Fraternidade ............ da bíblia porque “amai-vos uns aos outros” porque se

vocês se amarem uns aos outros serão meus discípulos e depois disso quem ama,

quem cumpre os seus mandamentos, Jesus diz. Quer dizer: amai-vos, meu pai o

amará eu e meu pai iremos a ele faremos a nossa morada, quer dizer, que ele se

torna templo do Espirito Santo. Então, eu nas celebrações ecumênicas, e eu sou o

coordenador geral, eu não ..... eu falo todo mundo sacerdote, porque se todo, se a

pessoa ama o próximo, que nem Jesus amou ele se torna templo vivo do Espirito

Santo e ele tem poder para celebrar. O que a linha, a linha que diz que a

Fraternidade é um apostolado leigo já não permite isto, não permite celebrações

ecumênicas na Fraternidade. Inclusive, lideranças nossas atuais, estão nesta linha,

contraria ao ecumenismo da Fraternidade. Querem fazer o contrário do que o

François fez. O François deu uma orientação nova e ficou por dentro da doutrina,

dentro da estrutura que ele pertencia, hoje em dia eles fazem o contrário, os que

estão lá dentro querem que seja de acordo com a doutrina da Igreja. Por isto dizem

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que é um movimento de apostolada leigo, quer dizer, tá atrelado à doutrina da Igreja

Católica. Laicato não existe no evangelho, ........... não existe! Isto é uma doutrina

criada pela igreja institucional católica apostólica de Roma que foi fundada no

tempo de Constantino. Então nós temos que, todo fraternistas tem que, tem que

entender muito bem existe Igreja de Jesus Cristo e igrejas institucionais que são

dezenas, de acordo com cálculos feitos, existem mais de mil igrejas institucionais

... quer dizer que não são Igreja de Jesus, são igrejas institucionais. Então muita

gente dentro das Igreja institucional não tão a rigor da doutrina que eles pertencem

mas seguem a doutrina do Evangelho, quer dizer, se torna Igreja de Jesus Cristo.

Apesar de estarem numa igreja institucional, as vezes contraria ao espirito do

Evangelho.

Bom Levino, eu acho que ao longo do dia se a gente lembrar de alguma coisa

a gente grava de novo. Por enquanto eu acho que a gente tem um bom

material aqui e ...

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ANEXO A

Carta do Pe François a Luiz Itamar

A foto da carta original enviada ao Coordenador Latino-Americano, Luiz Itamar.

Tirada, com celular, pela pesquisadora, no acervo da documentação da FCD que

se encontra na Casa da Fraternidade, em Porto Alegre/RS.

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ANEXO B

CARTAS ABERTAS – Nº 57, comemorativa aos 15 anos da FCD no Brasil

(SÃO PAULO (Estado) -30 anos do AIPD: 219)67

67 Imagem. Capa da Revista Cartas Abertas, de 1987

Cabeçalho: Cartas Abertas – Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes – Ano XIV – nº 57 – Junho de 1987. Três fotos em branco e preto: 1 - Maria de Lourdes Guarda na maca e milhares de pessoas na rua; 2 – Maria de Lourdes na maca, rodeada de crianças, no fundo vê-se freiras; 3 – Maria de Lourdes e um grupo de pessoas, com e sem deficiência, posam para foto num pátio, em frente a uma construção. Rodapé: FCD – 15 Anos de Fraternidade no Brasil. Referência bibliográfica: CARTAS ABERTAS. FCD: 15 ANOS DE FRATERNIDADE NO BRASIL. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, jun 1987 Acervo digital Memorial da Inclusão. Doação Cedipod.

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ANEXO C

Celebração de Corpus Christi – Praça da Sé/ SP

Fonte: OLIVA;ROCHA, (2016: 42)

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ANEXO D

Mensagens do Pe. François

1.NOËL. 1947

VIVRE DANS LE RA VISSEMENT

«Vous trouverez, dans une étable, un enfant enveloppé de pauvres langes».

C'est peu, comme renseignement, mais c'est suffisant: les Bergers ont trouvé.

Et depuis cette prerniêre visite à Jésus, bien d'autres sont venus adorer leu r

Sauveur avec Marie et Joseph.

Chers malades, je vous invite à m'accompagner prês de Jésus- Enfant.

Faisons notre visite à Ia creche.

Quittez lits et fauteuils, descendez des hauteurs de vos sanas et pré- vents,

sortez de cet hôpital trop froid au coeur, à force d'être net; évadez-vous de votre

chambre sombre et humide, il y a place pour tous, donc il y a place pour vous.

«Qu'allons-nous emporter?» me demandez-vous. «Quels présents Lui

faire?». «Il y a quelques sous dans ma bourse plate». «Il y a cette tasse de lait,

ces morceaux de sucre, suppléments octroyés chichement par le ravitaillernent».

«Une chanson? Une priére que je composerai?».

Laissez tout cela, chers amis, venez avec moi sans vous charger.

Nous entrons. Il y a du monde, car les malades ne sont pas les seuls invités.Il

faut se frayer une place, se tassef dans un coin Dieu! que de belles choses on

offre à l'Enfant divin!

«Petit Jésus, je vous dorme mon agneau préféré, donnez-moi un bon mari

bientôt. Voici des légumes, que mon jardin ne gele pas au printemps. Voici de

l'argent, que mes titres ne baissent plus en bourse. Voici un chant, que je n'aie

jamais mal à Ia gorge. Voici ... voici!», et les

offrandes et les demandes se multiplient etJésus sourit à tous, se réser- vant de

les exaucer selon son bon plaisir, donc les exaucer souvent à sa maniére et pas

toujours à Ia leur.

Et vous vous tournez vers moi, amis malades, avec un air de repro- che.

«Vous n'avez pas voulu que nous apportions quelque chose, com- ment Jésus

va-t-il nous recevoir?». Eh bien, vous allez, dans cette as- semblée, tenir Ia place

du «Ravi». Dans les creches provençales, on

met une foule de petits personnages qu'on appelle «Santons». Chacun porte un

objet ou joue d'un instrumento Mais il y a un Santon qui n'a rien dans les mains,

il regarde Jésus d'une bonne figure épanouie. C'est <de Ravi». Il est pris,

beaucoup plus pris que les autres. 11 ne dit

pas «Voici ce que je vous offre», il ne dit rien. 11 est.là, planté sur ses jambes,

les bras ballants ou les mains jointes. Il mange le Sauveur des yeux, va à Marie,

à Joseph, revient encore à Jésus et s'y fixe. La scéne lui plait, Il est ravi. Il se

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livre, sans rien demander en retour. Il oublie de

le remarquer. 11 est dans le ravissement.

Et c'est lui qui donne le plua..parce qu'il donne tout en croyant qu'il ne donne

rien. Jésus lui sourit plus aimablement qu'aux autres, un contact plus intime

s'établit entre eux deux.

Ne trouvez-vous pas qu'il est souverainement désirable que nous agissions

ainsi? 11 ne faut pas, pour réussir, beaucoup de capacités in- tellectuelles, ni

puissance de raisonnement, ni éclat d'imagination, ni ténacité de mémoire. Il y

faut seulement du coeur et surtout il ne faut pas prendre une glace pour se

regarder donnant son coeur.

Si vous voulez me suivre jusqu'au bout, vous ne limiterez pas à Noêl votre rôle

de «Ravi»,je vous propose de vivre constamment dans le ravissement.

Donnez votre coeur au Sauveur, à vos frêres, oubliez-vous cornplêtement,

Je voudrais parler à chacun de vous, lui montrer comment pratiquer ce

Ravissement de toute Ia vie.

Quelques cas-types, au hasard:

Ou bien vous êtes parmi les moins à plaindre des malades, votre famille et

vos amis vous entourent, sont aux petits soins pour vous. Faites Ia vie douce

à tous ceux qui vous approchent. Cessez vos exigences, perdez l'habitude de

vous plaindre. Montrez-vous reconnaissant desmoindres attentions qu'on a

pour vous. Pensez au bien de ceux qui vous rendent visite, intéressez-vous à

eux et oubliez de les intéresser à vous. Ce sera une vie de «Ravi»,

Ou bien, à votre maladie, vous joignez cette autre débilité d'être

«économiquement faible», Vous devez être à Ia fois infirme et travail- leur,

donc peiner beaucoup plus que les bien portants. Travaillez avec Jésus,

souffrez avec Jésus, et donnez aux autres l'exemple d'une vie

courageuse et dilatée. En cela, vous aussi serez un «Ravi»,

'" Ou bien vous avez de grands moments de solitude. Vous vivez avec le Christ.

Vous offrez tout pour vos Irêres, votre âme est rayonnante de lumiére, vous

êtes «Ravi».

Ou bien, vous êtes dans ces grands rassemblements de malades que

sont les hôpitaux et les sanas; cent fois par jour vous avez l'occasion

de souffrir du contact de vos fréres et de vos soeurs en maladie; cette

fois Ia solitude vous manque, mais quelle belle occasion d'être aux

autres en vous quittant vous-même. Quel ravissement pour au

réoler votre vie!

Si le mot «ravi» indique une sortie de soi-rnême, il signifie aussi Ia joie. Un

triste «ravi» n'a jamais existé.

Cette vie donnée fera fuir loin de vous Ia tristes se. Vous n' aurez

pascherché Ia joie pour elle-

rnême et vous l'aurez trouvée.

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Vous serez Ia joie de votre Sauveur.

Vous serez Ia joie des autres.

Et vous vous trouverez invinciblement porté à dire au Christ votre

reconnaissance joyeuse de Ia vie féconde qu'il vous fait mener. Henri François

(BOILLON, 1989: 89,90)

*********

2. PÂSQUES, 1961

CELUI QUIOSE C'EST L' ARBRE DE PLEIN VENT

SOLIDEMENT ENRACINE OSER ... POUR ÊTRE

«Ceux qui n'osent pas sortir de peur de se casser les jambes, comme ils ne

sortent pas, c'est comme s'ils s'étaient cassé les jambes» (Turgot).

D'abord, j'en ai connu qui se cassaient la jambe en sortant du lit.

Et puis, s'ils sortent, ils ne sont pas sürs de tomber.

S'ils tombent, ils ne sont pas súrs de se casser Ia jambe.

S'ils se cassent une jarnbe, il n'est pas sür qu'elle sera mal recollée.

Et si elle est mal recollée, ils ne sont pas perdus pour cela.

Illeur restera ceei, qu'ils auront vu du pays, qu'ils auront compris que le monde

ne tourne pas sans eux, qu'ils sont dans le monde.

Vous saisissez déjà, chers amis, que cette phrase a un sens symbolique et

qu'il nous faut maintenant le développer.

Ne pas vouloir sortir, c'est ne pas vouloir sortir de soi, ne pas oser aller aux

autres, ne pas oser dialoguer avec les autres, bref, ne pas oser fraterniser avec

les autres.

Et le motif est três bien indiqué: on a peur que cela nuise à soimême.

Je ne pense pas qu'il y en ait beaucoup de cette espêce parmi les malades et

infirrnes, mais enfin, pour les vacciner tous contre ce microbe, et pour réjouir

ceux qui ne sont pas atteints par lu i, suivez-rnoi bien:

Refuser de dialogue r avec les autres, ce n'est pas seulement refu-

ser d'agir, c'est refuser d'être.

Être, c'est atteindre son âge adulte, avoir toute sa personnalité. Celui qui n'ose

pas est forcément incomplet. Il y a en lui des possibilités qui s'atrophient,

Regardez celui qui n'exerce jamais un membre, en quel état est ce membre!

Celui qui a fait des années de lit, quand il se

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releve, ne peut plus faire même quelques pas tout seul, ses muscles sont lâches.

.

Accepter de dialoguer, soit! mais seulement avec certains, en les triant sur le

volet, les choisir; là encore, ce n'est pas être pleinement. Ces gens me font

penser à des plantes de serre, qui ont belle apparence, mais illeur manque un je

ne sais quoi de vigoureux, un air de solide santé, on n'oserait pas les exposer

aux intempéries.

Celui qui ose, qui se mêle à tous, dialoguant avec tous, pour arriver à

fraterniser avec tous, c'est l'arbre de plein vent, solidement enraciné. Le vent, la

neige et la pluie n'ernpêchent pas les frondaisons magnifiques, l'abondance de

fleurs et de fruits. Il est.

Nous sommes en plein dans l'esprit de l'Evangile. Le Pêre Chevrier, qui a

fondé le Prado, à Lyon, il y a cent ans, écrit ces lignes: «C'est le raisonnement

qui tue l'Evangile et qui ôte à l'âme l'élan qui nous porterait à suivre Jésus-Christ

et à l'imiter dans sa beauté évangélique».

Les Apôtres, aprés Pâques, nous ont donné l'exemple d'un tel élan irrésistible.

Le Seigneur ressuscité, sans tant d'explications, leur a dit: «Allez partout porter

mon message: Dieu est votre Pêre, Soyez frêres les uns des autres».

Ils ont osé, mais en se tenant bien unis, car même répandus surtoute Ia terre,

ils gardaient une unité profonde.

Ils ont osé, mais en s'appuyant sur le Christ.

Et ils sont devenus ces hommes admirables, colonnes de l'Église.

Voilà un beau modele que je vous propose: les Apôtres. Vous êtes nombreux

maintenant qui voulez cet idéal de fraternité. Vous êtes nombreux, mais il faut le

vívre ensemble. Ne soyez pas des isolés. Cherchez tout de suite avec qui vous

allez vous unir pour porter Ia Fraternité à vos frêres et soeurs malades. Si

vraiment vous êtes tout seul, alors pensez à tous ceux qui, de loin, pensent

comme vous, travaillent avec vous. Ainsi, tous ne font qu'un.

Et puis, le Christ est avec vous, puisque vous voulez augmenter dans le

monde sa fraternité.

Alors, vous, malades et infirmes, qui passez pour des gens qui êtes moins, ou

même qui n'êtes pas, vous apparaitrez clairement comme ceux qui sont parce

qu'ils ont osé être, et qui apportent au monde Ia vie. (BOILLON, 1989: 197,198)

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ANEXO E

Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração

Documento informando sobre o Dia Nacional de Concentração – decidido na IV Assembleia Nacional de FCD. Com o carimbo do Departamento da Ordem Política e

Social

Fonte: (SÃO PAULO (Estado) - 30 Anos do AIPD, 2011: 82)

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ANEXO F

FOTOS DE EVENTOS

1. Foto da IV Assembleia Nacional – 1981

Eleição do 1º mandato de M.L.Guarda

Fonte: JAINES; SCHUCK, (1982: 136)

2. Fotos da Comemoração dos 20 anos da FCD no BrasilSão Leopoldo

- 1992

Momento de descontração após o almoço.

Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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Apresentação artística musical Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

Início da concentração em frente ao Ginásio Municipal. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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Caminhada pelas ruas de São Leopoldo/RS Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

Preparação para o Parabéns e a partilha do bolo de aniversário comemorativo aos 20 anos da FCD no Brasil.

Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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3. Fotos de momentos da XI Assembéia, Fortaleza/CE - 2000

XI Assembleia, Fortaleza/CE fraternistas reunindo-se para início de trabalho em grupo. As pessoas com deficiência são: Sidnei Fagundes (Sid) - Coodenador do Núcleo em

Pelotas/RS e Raimundo Monteiro (Dedinho) – Coordenador Estadual da FCD no Ceará. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

Assessores da XI Assembleia em Fortaleza , com Sérgio C. Lisboa (o Serginho) e Messias Barbosa, lideranças na FCD/SP

Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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4. Fotos da Assembleia Estadual/RS – abril 2017

Participantes da Assembleia Estadual – Rio Grande do Sul Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

Coordenador Nacional - Giovani Silveira Rodrigues e Coordenadora adjunta Area Sul – Carmen Sibila Fittareli representantes da Equipe Nacional falando sobre a FCD/Brasil

Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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4. Foto da XVII Assembleia Estadual da FCD/SP – março 2017

XVII Assembleia Estadual da FCD/SP- Pe Geraldo, Conselheiro Nacional e Amélia Galan Coordenadora de área Sudeste/Centro Oeste, representando a Equipe de Coordenação

Nacional. Foto: Luiz Eduardo P. da Silva

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ANEXO G

Materiais utilizados para formação pela FCD/Brasil

Os cadernos do Plano de Formação na América Latina (traduzidos para o Português)

Material sobre a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Documento Base

Fonte: Foto Nossa