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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO JAVÉ, O PASTOR QUE ABRIGA EM BELAS PASTAGENS CONTRIBUIÇÃO EXEGÉTICA SOBRE O SALMO 23 Santa Ângela Cabrera São Bernardo do Campo, SP, Brasil, 2007

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JAVÉ, O PASTOR QUE ABRIGA EM BELAS PASTAGENS

CONTRIBUIÇÃO EXEGÉTICA SOBRE O SALMO 23

Santa Ângela Cabrera

São Bernardo do Campo, SP, Brasil, 2007

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JAVÉ, O PASTOR QUE ABRIGA EM BELAS PASTAGENS

CONTRIBUIÇÃO EXEGÉTICA SOBRE O SALMO 23

Santa Ângela Cabrera

Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes.

Dissertação: apresentada em cumprimento

parcial às exigências do Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Religião,

para obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo, SP, Brasil, 2007

2

BANCA EXAMINADORA

1o Examinador________________________________

2o Examinador________________________________

3o Examinador________________________________

3

Este texto foi escrito

com o apoio financeiro

do Departamento de bolsas do CNPq.

4

CABRERA, Santa Ângela. Javé, o pastor que abriga em belas pastagens – Contribuição exegética sobre o Salmo 23. Universidade Metodista de São Paulo – Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007.

SINOPSE Na América Latina temos pouca bibliografia sobre o Salmo 23. No entanto,

contamos com alguns pesquisadores que podem dialogar academicamente com cientistas europeus sobre nosso objeto de estudo. Apesar do grande atrativo deste texto no mundo pastoral de nosso continente, o aporte exegético deste Salmo estava em dívida, o que se tem convertido numa de nossa justificação científica para o estudo do Salmo 23.

O Salmo 23 se incrusta dentro do saltério. É poesia hebraica, a que se caracteriza

pela repetição do sentido de suas frases. Seu conteúdo está nas entrelinhas pelo uso freqüente de imagens, símbolos e figuras. Por estas e outras razões é difícil assinalar sua data de origem, mas deve ser pré-exílico.

Nosso texto revela, como lugar vital, uma comunidade litúrgica. Essa comunidade

está localizada no templo de Jerusalém. Ali se encontram, por sua vez, sacerdotes, levitas, intelectuais orgânicos; enfim, pessoas que têm testemunhado de perto a controvérsia de uma pessoa refugiada no templo, a que tem achado no santuário um lugar de amparo. Desde aqui deduzimos que o Salmo 23 foi escrito por alguém de sensibilidade poética, inspirado na vida do asilado.

O salmista tem experimentado os cuidados de Javé. Ali, no templo, na área do reino

de Javé, seus ameaçadores não podem capturá- lo. Os motivos de perseguição podem sugerir assuntos de dívidas e, ao mesmo tempo, assuntos de justiça. Uma vez no santuário, não carece de nada, porque seu pastor/rei lhe fornece o que precisa, isto é, comida, bebida, proteção, segurança, dignidade e fraternidade. Os agressores são testemunhas do estado de felicidade de seu inimigo, mas não podem fazer-lhe nada. Por isso o salmista, não teme e, na presença de Javé, encontra seu consolo.

Javé, como pastor/rei, hospeda a seu protegido. Pela inocência reconhecida do

refugiado, nasce o ambiente de festa, porque a comunidade litúrgica celebra a salvação alcançada. As graças recebidas têm para o salmista uma repercussão comunitária, o bem e a solidariedade que experimentou voltarão aos que o circundam, não por obrigação e sim por gratidão. Por assuntos de segurança e agradecimento o salmista deseja permanecer na casa de Javé.

Palavras chave: Salmo 23, Javé, refúgio, salvação, liturgia (ação de graças)

5

CABRERA, Santa Ângela. Yahweh, the Shepherd Who Gives Shelter in Beautiful Pastures: Exegetical Contribution on Psalm 23. São Bernardo do Campo: Methodist University of São Paulo, 2007.

ABSTRACT In Latin America we have little bibliography on Psalm 23. Nevertheless, we have a

few researchers who are able to dialogue academically with European scholars about our object of study. In spite of the great attractiveness of this text in the pastoral world in our continent, exigetically we have come up short with this Psalm, which has become our justification for making a study of this Psalm.

Psalm 23 in enwrapped in the Psalter. It is Hebrew poetry, which is characterized by

the repetition of the meaning of its phrases. Its content is between the lines, thanks to the frequent use of images, symbols, and figures. For these and for other reasons, it is difficult to point to its date of origin, but it must be pre-exilic.

Our text reveals, as a vital place, a liturgical community. This community is located

in the Jerusalem temple. There are there, each in turn, priests, levites, organic intellectuals, in sum, persons who have witnessed up close the controversy of a person who has sought refuge in the temple and who has found a supportive place in the sanctuary. From this we deduce that Psalm 23 was written by someone with poetic sensibility, inspired by the life of the person sheltered.

The Psalmist has experience Yahweh’s care. There in the temple, in the area of the

kingdom of Yahweh, those who threaten him cannot capture him. The reasons for persecution may suggest debt matters and at the same time matters of justice.. Once in the sanctuary, he is lacking for nothing, because his shepherd/ king provides him with what he needs, that is, food, drink, protection, security, dignity and fraternity. The agressors are witnesses of the happy state of their enemy, but they can do nothing to him. For this reason the Psalmist has no fear and, in the presence of Yahweh, finds comfort.

Yahweh as shepherd/ king is host to the one he protects. From the innocence of the

refugee is born the air of celebration, because the liturgical community celebrates the salvation which has been received. The graces received have for the Psalmist a communitarian repercussion, the good and the solidatiry which he has experienced will come back to those who surround him, not by obligation but as gratitude. For reasons fo security and gratitude the Psalmist wishes to remain in the house of Yahweh. Key words: Psalm 23, Yahweh, refuge, salvation, worship (thanksgiving)

6

CABRERA, Santa Ángela. Yavé, el pastor que abriga en bellos pastos – Contribución exegética sobre el Salmo 23. Universidad Metodista de São Paulo – Facultad de Filosofía y Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo, 2007.

SINOPSIS

En América Latina tenemos poca bibliografía sobre el Salmo 23. Sin embargo, contamos con algunos investigadores que pueden dialogar académicamente con científicos europeos sobre nuestro objeto de estudio. A pesar del grande atractivo del texto en el mundo pastoral de nuestro continente, el aporte exegético de este Salmo estaba en deuda, lo que se convirtió en una de nuestra justificación científica para el estudio del Salmo 23. El Salmo 23 se incrusta dentro del salterio. Es poesía hebrea, la que se caracteriza por la repetición del sentido de sus frases. Su contenido está entrelíneas por el uso frecuente de imágenes, símbolos e figuras. Por estas y otras razones es difícil señalar su fecha de nacimiento, pero debe ser pre-exílico. Nuestro texto revela, como lugar vital, una comunidad litúrgica. Esa comunidad está localizada en el templo de Jerusalén. Allí se encuentran, a su vez, sacerdotes, levitas, intelectuales orgánicos; en fin, personas que han sido testigos oculares de la controversia de una persona refugiada en el templo, la que ha hallado en el santuario un lugar de amparo. Desde aquí, deducimos, que el Salmo fue escrito por alguno de sensibilidad poética, inspirado en la vida del asilado. El salmista ha experimentado los cuidados de Yavé. Allí, en el templo, en el área del reino de Yavé, sus amenazadores no pueden capturarlo. Los motivos de persecución pueden sugerir asuntos de deudas y, al mismo tiempo, asuntos de justicia. Una vez en el santuario, no carece de nada, porque su pastor/rei le providencia lo que necesita, esto es, comida, bebida, protección, seguridad, dignidad y fraternidad. Los agresores son testigos del estado de felicidad de su enemigo, pero no pueden hacerle nada. Por eso el salmista no teme y, en la presencia de Yavé, encuentra consuelo.

Yavé, como pastor/rei, hospeda a su protegido. Por la inocencia reconocida del refugiado, nace el ambiente de fiesta, porque la comunidad litúrgica celebra la salvación lograda. Las gracias recibidas tienen para el salmista una repercusión comunitaria, el bien y la solidaridad que experimentó volverán a los que le circundan, no por obligación y sí por gratuidad. Por asuntos de seguridad y agradecimiento el salmista desea permanecer en la casa de Yavé.

Palabras clave: Salmo 23, Javé, refugio, salvación, liturgia (acción de gracias)

7

Este trabalho está dedicado ao Deus dos pobres e aos camponeses e camponesas

nicaragüenses, que me ensinaram ler a Bíblia como fonte e projeto de vida

8

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer infinitamente a cada ser humano que colaborou para mediar e

propiciar na minha vida este projeto de Deus. É por isso que não posso ser sintética neste

espaço.

Agradeço a minha família, especialmente a minha mãe Cristina, e minha outra mãe

celeste, Maria Francisca. A uma por ser o ponto de referência que me fala de amor

incondicional, e à outra pelos princípios de vida que me transmitiu e que hoje se inc rustam

na minha personalidade.

Agradeço, na pessoa de Faustina Posada, como representante da Congregação

Missionárias Dominicanas, a cada uma das irmãs que confiou nesta proposta, com apoio e

oração. Agradeço especialmente às irmãs do grupo da República Dominicana e às da

Nicarágua. Obrigada pela abertura, por me deixar ir atrás de um sonho que a princípio

parecia uma verdadeira loucura.

Agradeço à Ordem dos Pregadores pelo seu incentivo e apoio à formação das

mulheres dominicanas, fato que nos faz sentir, mediante laços fraternos, uma só família.

Agradeço também ás Irmãs da Imaculada Conceição, que me acolheram na sua casa,

quando pisei nesta terra.

Agradeço ás Irmãs Dominicanas de Monteils, que me receberam na sua comunidade

como se sempre fizesse parte deste grupo, que se converteram em colaboradoras direitas de

um esforço compartilhado. Com todas vocês, a distância foi mais aceitável, os momentos

de solidão e sacrifícios se fizeram mais leves, porque com a sua amizade eu compreendi

melhor a gratuidade de Deus. Muito obrigada por abrir as portas a esta peregrina que, sem

vocês conhecerem, decidiram aceitar em casa, por tanto tempo.

Agradeço ao Professor Paulo Nogueira, por perseverar no esforço de assegurar

minha formação acadêmica nesta Faculdade. Pelas suas contínuas orientações que,

9

pacientemente, foram fazendo realidade este sonho tão desejado. Obrigada por acompanhar

meu processo na Faculdade desde o principio.

Ao diretor do Programa, Antonio Carlos Magalhães, por confiar em mim e abrir

possibilidades para consolidar a formação de pessoas com capacidade e poucas

oportunidades de estudos. Muito obrigada por ser partícipe das coisas justas, por estar

atento a cada uma das minhas necessidades como estudante do Programa, pelo seu

incentivo e apoio solidário.

Também quero agradecer ao Professor Tércio Machado Siqueira, pela sua palavra e

apoio alentador nos momentos certos; por incentivar minha pesquisa na área de salmos, e

por sempre estar disponível para orientar, compartilhar e, sobretudo, valorizar o esforço de

meu trabalho.

Ao Professor Archibald Woodruff, por me contagiar com seu espírito cientista, por

ser homem sábio e simples, que coloca a inteligência a serviço da procura da verdade.

Obrigada pela sua delicadeza, sua atitude de pronta ajuda, e a disponibilidade de deixar o

escritório e acompanhar minhas pesquisas na Biblioteca.

Ao Professor Renatus Porath, por contribuir na realização deste trabalho. Obrigada

pelo empenho mostrado para que esta pesquisa fosse concluída o melhor possível.

Ao Professor Milton Schwantes. Por construir comigo uma historia de vida. Sou-

lhe muito grata pelas orientações recebidas, desde como usar o metrô em São Paulo até

como aprender a metodologia exegética. Você me mostrou o paradigma de professor que

coloca a academia a serviço da vida. Obrigada por combinar as facetas de orientador,

pastor, amigo e professor, por conhecer e reconhecer meus sacrifícios, e por conjugar o

amor e a exigência. O trabalho deste Salmo 23, sugerido por você, volta a suas mãos

transbordando de gratidão.

10

A meus amigos e amigas, aqueles que me fazem ver a vida bela e renovada: Leonor,

Miguel Angel, Flavio, Donaldo, Jorge, Alma, Nieves, Mairolet, Mônica, Isabel, José Angel,

Rui Manuel, Rafael, Genildo, Givaldo, Oscar, José Luis, Pedro, Kenia, Serley, Sintia,

Damares, Reina, Franklin, Erasmo, André, Elizanias, Marcelo, Deolinda, Juan Bosch, Luis,

Chia e Favio.

Agradeço de maneira especial as palavras de despedida do sacerdote Teodoro, na

Nicarágua: Angelita, não se esqueça por quais pessoas você vai estudar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL------------------------------------------------------------------------

CAPÍTULO I

UM OLHAR SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO

SALMO 23 NA AMÉRICA LATINA

1.1.Introdução----------------------------------------------------------------------

1.2.Teorias expostas sobre o Salmo 23--------------------------------------

1.2.1. José Fonseca----------------------------------------------------------------

1.2.2. Fidel Oñoro-----------------------------------------------------------------

1.2.3. Luís Stadelmann-----------------------------------------------------------

1.2.4. Leonardo Boff--------------------------------------------------------------

11

1.2.5. José Bortolini-------------------------------------------------------------

1.2.6. Hans Strauss-----------------------------------------------------------------

1.3. Encerramento do capítulo--------------------------------------------------------

CAPÍTULO II

EXEGESE DO SALMO 23

2.1. O texto e sua tradução (hebraico-português)--------------------------------------------

2.2. Crítica textual------------------------------------------------------------------------------

2.3. Delimitação------------------------------------------------------------------------

2.4. Divisão e coesão interna---------------------------------------------------------

2.5. Análise do estilo----------------------------------------

2.5.1. Estilo poético da primeira estrofe (v.1-4a)--------------------------------

2.5.2. Estilo poético da segunda estrofe (v.4b-6)--------------------------------

2.6.Algumas considerações sobre o gênero literário ------------------------------

2.7. Lugar------------------------------------------------------------------------

2.7.1. Data-------------------------------------

2.7.2. Autoria---------------------------------------------------

2.7.3. Aproximação ao contexto -----------------------------------------

2.7.3.1. O templo de Jerusalém como lugar de asilo-------------------

2.8. Assuntos de conteúdo--------------------------------------------------------------------------

2.8.1. Primeira estrofe (v.1-4a)------------------------------------------------------------

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2.8.1.1. Encerramento da primeira estrofe------------------------------------------------

2.8.2. Segunda estrofe (v.4b-6)----------------------------------------------------------

2.8.2.1. Encerramento da segunda estrofe----------------------------------------------

CONCLUSÃO GERAL------------ ------------------------------------------------------------

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------

INTRODUÇÃO GERAL

As comunidades cristãs de nosso continente latino-americano possuem um

significante atrativo pelo saltério, especialmente pelo Salmo 23. Com freqüência reparamos

neste texto um companheiro na caminhada dos povos pobres.

Uma das principais motivações para a realização desta pesquisa é contribuir,

mediante um estudo bíblico-científico, o conhecimento do Salmo 23. Queremos voltar tanto

ao setor popular quanto ao acadêmico, um material exegético, elaborado para nosso

contexto latino-americano.

Este trabalho possui dois momentos. O primeiro funciona como ponto de partida.

Nele apresentamos um mapeamento das mais importantes abordagens que se têm feito do

Salmo 23 em nosso continente latino-americano.

Para que o capítulo I possa ser situado dentro do trabalho contextual onde se

encontra a pesquisa do Salmo 23 na América Latina, apresentamos uma breve descrição da

situação exegética em que vive nosso continente. Este passo vai nos introduzir no panorama

atual que abrange a área científica-exegética nesta realidade.

13

Perceber o estado atual da literatura bíblica latino-americana é uma constatação que

pode ajudar a focalizar as forças e as fraquezas que distinguem este tipo de pesquisa. Ao

mesmo tempo, é um ponto interessante porque nos alerta no desenvolvimento da nossa

proposta de leitura científica.

Esta primeira parte, em comparação com a segunda, não é extensa. O fato, talvez

ponha em evidência a precariedade de literatura bíblica confiável, especialmente na área do

saltério. Contudo, apresentamos uma seleção de autores cujas hipóteses, relativas ao Salmo

23 podem ser consideradas como ponto de referência.

Os autores selecionados para este momento são: José Fonseca, Fidel Oñoro, Luís

Stadelmann, Leonardo Boff, José Bortolini e Hans Strauss. Eles representam o setor

acadêmico latino-americano, cujas propostas de interpretação do Salmo 23 são expostas.

No primeiro capítulo só apresentamos um breve resumo da principal contribuição de cada

um deles em relação a nosso objeto de estudo. No segundo capítulo, alguns deles

participam do diálogo acadêmico com outros autores europeus.

O segundo momento, capítulo II, consiste numa exegese do Salmo 23. O eixo

transversal de nossa metodologia está condicionado pelo método histórico-crítico, ou seja,

analisaremos o texto historicamente de forma rigorosa, buscando descobri- lo inserto no

passado, nascido em ambiente e circunstância determinados.

Afirmamos que o Salmo 23 tem como falar de sua história e de sua circunstância

vital. Para entender a sua linguagem é preciso permitir- lhe expressar-se. Isto apresenta a

segunda parte, a mais consistente de nosso trabalho.

Para alcançar nosso objetivo consideramos algumas questões que encaminham ao

melhor conhecimento do Salmo. Por isso, contamos com algumas ciências auxiliares, as

quais nos induzem a uma familiaridade, cada vez maior, com nosso objeto de estudo.

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Os principais autores selecionados para este momento são aqueles que, em questões

do saltério, se destacam com relevância: Hans-Joachim Kraus, Erhard Gerstenberger, Luis

Alonso Schökel e Cecília Carniti. Eles são os representantes do setor acadêmico europeu

que, em diálogo com os autores latino -americanos, contribuem no desenvolvimento de

nossa pesquisa.

Esta exegese tem, por assim dizer, como ponto de partida, o texto e a nossa tradução

do hebraico para o português. Tentamos conjugar uma tradução literal e, ao mesmo tempo,

compreensível na língua portuguesa. Pela natureza deste capítulo II, o principal referencial

é a Biblia Hebraica Stuttgartensia , porque este texto massorético ainda tem demonstrado

bom grau de fidelidade literária.

Imediatamente trabalhamos no texto: crítica textual, delimitação, divisão e coesão

interna. Analisamos o estilo poético das duas estrofes que distinguimos no Salmo. Quando

falamos de estrofe referimo-nos ao conjunto de frases que formam uma unidade de

pensamento, dentro do texto, pela forma e o conteúdo.

No mesmo aspecto, uma frase, a partir da perspectiva de nosso estudo, é um

conjunto de palavras que dão a conhecer um sentido. Na maioria dos casos a frase possui

um verbo, em outras ocasiões está delimitada pela sua circunstância gramatical. Também

abordamos algumas considerações sobre o gênero literário.

Apresentamos temas que têm a ver com o sentido histórico do texto. Abordamos

uma possível aproximação ao lugar e data de origem de nosso texto, assim como um breve

esboço no problema da autoria. No mesmo sentido, mostramos alguns tópicos que

iluminam o possível contexto externo do Salmo 23.

O tema escolhido para iluminar o contexto do Salmo é: o templo de Jerusalém como

lugar de asilo. Ou seja, trata-se de uma temática que em grandes traços ajuda a

compreender melhor as circunstâncias que puderam condicionar, direta ou indiretamente,

nosso objeto de estudo.

15

Na elaboração destes passos primários, no primeiro momento fazemos um breve

percurso do trabalho feito por alguns autores, que damos a conhecer na sua hora. Uma vez

elaborada a visão de conjunto, procuramos fornecer nossas próprias considerações em

relação a cada um dos tópicos analisados.

Uma vez apresentados esses pontos indispensáveis, que fazem parte da exegese,

preparamo-nos para mostrar as questões de conteúdo. Para estas questões, nos vemos com

necessidade de estudar cada uma das frases que compõe o Salmo, a partir da inter-relação

entre ambas, dentro de sua sub-unidade e dentro de sua unidade textual.

A transliteração utilizada, na medida do possível, apresenta-se próxima à língua

portuguesa, para facilitar a comunicação entre diversos leitores. Pelo mesmo motivo, neste

trabalho utilizamos poucas abreviaturas. As que aparecem mostramos a seguir: LXX,

Septuaginta; v., versículo; p., página.

Após a conclusão de cada estrofe, oferecemos um encerramento na forma

conclusiva. Este passo permite expressar em forma sintética as principais afirmações de

conteúdo obtidas em cada uma das sub-unidades do Salmo.

Finalmente, oferecemos algumas considerações gerais a modo de conclusão, que

nos permitem assinalar as principais afirmações obtidas após a pesquisa. Também

assinalamos alguns assuntos pendentes para futuras investigações. Com o preâmbulo,

iniciamos este percorrer. No trajeto, o texto vai-se revelando do mesmo modo que nós o

fomos conhecendo.

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CAPÍTULO 1

UM OLHAR SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO

SALMO 23 NA AMÉRICA LATINA

Neste primeiro momento, nosso objetivo se concentra em indagar a interpretação

bíblica que se tem produzido na América Latina sobre o Salmo 23. O capítulo busca

colocar-nos no momento atual em que se encontra a pesquisa relativa a este texto bíblico.

Este é nosso ponto de partida. Ele nasce do mapeamento que fizemos nas publicações

latino-americanas que tratam do Salmo 23.

O tema está imerso na realidade geral da produção bíblica na América Latina.

Precisamos, porém, situá-lo no hemisfério que o condiciona e o caracteriza, o que delimita

os trabalhos nascidos em nosso continente.

1.1. Introdução

17

A produção bíblica de qualidade na América Latina tem-se destacado

significativamente por tentar conjugar ciência e realidade. Ou seja, os exegetas latinos, na

sua maioria, relêem a ciência bíblica a partir do contexto imediato em que estão situados,

tendo o ser humano como lugar teológico. Este fato permite constatar a tensão existente

entre o rigor acadêmico e a pedagogia pastoral.

A parir desta circunstância, além de exercitar-se no aprofundamento dos assuntos

bíblico-científicos, os pesquisadores e pesquisadoras vêem-se na necessidade de fazer

chegar, de maneira digerível, suas investigações ao povo. Isto nos faz pensar,

imediatamente, no pouco acesso formativo-acadêmico que possui a maioria dos

destinatários.

Em um recente estudo, Víctor Mora comenta que a exegese em nosso contexto

continua sendo colaboradora do labor teológico, o que se aproxima do dogmatismo. Para

este autor, a América Latina carece de um sério debate em nível de especialização. Isso,

segundo ele, por causa do interesse pastoral.1

Para Víctor Mora, o exegeta latino-americano não se dedica por completo à tarefa

científica, a não ser na participação ativa do labor catequético/pastoral. Além disso, assinala

que existe o preconceito segundo o qual uma atividade acadêmica não seja pastoral. 2

Segundo o parecer de Víctor Mora, nosso continente não tem sido suficientemente

valorizado no âmbito acadêmico-exegético pela razão principal que não conseguimos ser

interlocutores eloqüentes em diálogos internacionais, não por falta de capacidade, e sim

pela dependência acadêmica do primeiro mundo.3

No momento de querer tomar uma postura ante a intervenção de Víctor Mora, se

nos apresentam vários pontos divergentes e entrelaçados entre si. Por um lado, constatamos

1 Víctor Mora, Lectura de la Biblia en América Latina, em Revista de Ciencias Religiosas y Pastorales, San José, Instituto Teológico de América Central Intercongregacional, vol.29, n.86, 2007, p.121. 2 Víctor Mora, Lectura de la Biblia en América Latina, p.121. 3 Víctor Mora, Lectura de la Biblia en América Latina, p.122.

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o avanço que tem alcançado nosso continente nos últimos anos em assuntos bíblico-

científicos. O acontecimento tem permitido mais independência científica e a gestação de

novas janelas hermenêuticas.

Podemos dizer que, neste momento crucial da história exegética latino -americana,

estamos em um ponto de relevância, sem polaridades qualitativas de conteúdo entre nós e

os países europeus. Por outro lado, ainda nos defrontamos com a precária produção literária

em algumas áreas. Estamos afirmando, então, que a bibliografia bíblica, cientificamente

confiável, em geral, abrange temas distantes do saltério.

Neste sentido, é possível afirmar que exista pouca bibliografia latino -americana

sobre o Salmo 23? Se considerarmos que a maioria dos escritos sobre este texto bíblico é de

caráter devocional, poderíamos dizer que sim. É por isso que nosso mapeamento se limita a

algumas apresentações de autores selecionados.

No entanto, uma outra questão se apresenta. Se o Salmo 23 se destaca no saltério

pelo grande atrativo que desperta no povo cristão de nosso continente, por que o temos

trabalhado pouco desde a perspectiva científica? É possível que a reposta nos leve a um dos

pontos justificativos desta pesquisa.

1.2. Teorias expostas sobre o Salmo 23

Neste momento, de maneira breve, abordamos diversas hipóteses sobre o Salmo 23,

elaboradas por autores que selecionamos. O critério da escolha está baseado na qualidade

científica das investigações que temos disponíveis. Também escolhemos alguns deles

porque fornecem uma idéia da metodologia exegética utilizada em nosso continente.

Para conseguir abranger as principais hipóteses é necessário criar um diálogo crítico

tanto entre os autores quanto com nosso projeto de pesquisa. A nossa metodologia não se

baseia na ordem cronológica dos estudos, mas sim na ordem da qualidade científica,

segundo nossos critérios.

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O estudo permitirá considerar os passos, desde a perspectiva exegética, alcançados.

Buscaremos construir uma visão de conjunto do estado atual no qual se encontra a pesquisa

do Salmo 23.

1.2.1. José Fonseca

Em um breve artigo de 2002, José Fonseca apresenta um estudo do Salmo 23. Na

sua análise, destaca uma leitura bíblico-teológica do texto. Considera que este é um canto

de esperança, onde se revela a confiança no Senhor como pastor. 4

José Fonseca não se concentra com uma leitura minuciosa do texto. Pelo contrário,

vai intercalando aspectos do Salmo com realidades atuais que ele considera paralelas às

circunstâncias vividas pelo salmista. Neste aspecto, compara o texto com a situação dos

excluídos da sociedade, aqueles que só têm Deus como lugar de refúgio.5

Este autor faz referência ao estado interior do salmista. Dele, diz estar longe do

conformismo. Descreve esta pessoa como o fiel que vive uma situação verídica, na que

experimenta, após as precariedades, a abundância e a segurança na presença de Deus. Para

José Fonseca, vida e oração estão relacionadas neste canto.6

Notamos que o artigo de José Fonseca tem lúcidas intuições, mas elas não se

concretizam em assinalamentos que revelem a realidade vital que circunda o salmista. O

contínuo paralelismo hermenêutico, típico de alguns escritos latino-americanos, impede que

o autor mergulhe na fonte literária como objeto de pesquisa.

1.2.2. Fidel Oñoro

4 José Fonseca, Salmo 23, em Revista de Orientación Bíblica, México, Hermanos Menores Capuchinos de México, n.91, 2002, p.30. 5 José Fonseca, Salmo 23, p.31. 6 José Fonseca, Salmo 23, p.32.

20

Um outro estudo sobre o Salmo 23, por Fidel Oñoro, encontra-se em uma revista

chilena. Esta publicação se baseia em um resumo de um curso de formação que o autor

dirigiu em Santiago de Chile, no ano 2001. Seu escrito pode ser considerado como uma

tentativa de interpretar cada uma das frases que compõem o Salmo.7 Mas, no seu intento,

cai na tentação de deixar de lado a coesão textual.

Fidel Oñoro concorda com José Fonseca ao considerar que no Salmo 23 existe uma

pessoa que passa de uma situação agitada a uma experiência de paz. Contudo, o próprio

deste autor é apresentar o Salmo como um texto composto por duas imagens. Por um lado,

a do pastor, e, por outro, a de dois amigos que se encontram para uma fraterna refeição.8

Para Fidel Oñoro, essas imagens do texto dividem o Salmo em duas partes. Ambas,

para ele, alcançam um equilíbrio entre a autoridade que se reflete na primeira parte, com a

figura do pastor, e a igualdade que emerge na outra metade, com a imagem da mesa

compartilhada. 9

Segundo esta interpretação, o Salmo estaria em função de revelar a dimensão

autoridade-fraternidade do Deus dos israelitas, e não a causa que fez nascer este texto

poético. Estamos querendo dizer que o Salmo 23 seria uma projeção teológica da imagem

de Deus, dos fatos que ele é capaz de fazer em favor de seu protegido, e não uma confissão,

onde o protagonista principal poderia ser o próprio salmista.

1.2.3. Luís Stadelmann

Vejamos agora a Luís Stadelmann, conhecido pelos seus escritos, destacado

significativamente por sua seriedade acadêmica. Sugere um método exegético para

interpretar os salmos através de um significativo estudo sobre o Salmo 23. Desta maneira,

7 Fidel Onõro, Comentario al Salmo 23, em La Revista Católica, Santiago, Seminario Pontificio Mayor, n.1133, 2002, p.7-11. 8 Fidel Onõro, Comentario al Salmo 23, p.8. 9 Fidel Onõro, Comentario al Salmo 23, p.11.

21

coloca-se como um dos pontos de referência para nosso diálogo bíblico em torno do nosso

objeto de estudo.10

Em assuntos de conteúdo, Luís Stadelmann não se contradiz com Fidel Oñoro, no

aspecto de dividir o Salmo em duas partes. Mas, agora, essas subdivisões mostram

diferentes perspectivas. Para este autor, a primeira parte do texto (v.1-4) apresenta a

proteção divina sobre o grupo de peregrinos que se dirigem ao templo.11 A segunda parte

(v.5-6) revela a presença de Deus no templo, lugar de refúgio, onde acontece a celebração

de um culto religioso.12

Os destaques de Luís Stadelmann são atrativos no momento de abordar a

reconstrução histórica do texto. Contudo, interrogamo-nos sobre este autor ver o Salmo

como uma literatura que, na sua gênese, teve duas realidades vitais diferentes: uma na

peregrinação e outra no templo. Será possível encontrar um ponto de união entre as duas

sub-unidades, pensarmos o texto como unidade coesa e com um só contexto vital? Isso o

verá a exegese.

A principal hipótese de Luís Stadelmann se baseia em considerar o Salmo 23 como

um texto que surgiu no contexto da tradição religiosa de Israel. Dentro deste ambiente, o

autor destaca a peregrinação como experiência de autênticos valores de espiritualidade.13

Estamos de acordo com Luís Stadelmann no sentido de ver o Salmo como um

poema que se incrusta na tradição religiosa de Israel. Mas, ao momento de uma indagação

detalhada no texto massorético, encontramos um drama individual e não coletivo.

Acreditamos que colocar o texto dentro de um ambiente de peregrinação comunitária é

forçá- lo a abandonar a singularidade pessoal que explicitamente o distingue.

10 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, em Revista Perspectiva Teológica , Belo Horizonte, Faculdade de Teologia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, n.82, 1998, p.421-430. 11 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, p.429. 12 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, p.430. 13 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, p.430.

22

1.2.4. Leonardo Boff

Continuando nossa pesquisa, apresentamos o estudo de Leonardo Boff, teólogo e

escritor brasileiro, de renome internacional, distinguido entre os pesquisadores do

continente pela sua produção literária a partir da realidade latino-americana. Entre suas

numerosas obras, destacamos uma como ponto de análise e referência para nossa pesquisa,

O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano.14

Mesmo que o livro de Leonardo Boff não possa ser avaliado como material

exegético, pela forma e pelo conteúdo se converte em objeto de análise para qualquer

pesquisador ou pesquisadora do Salmo 23, especialmente se o seu estudo tem a ver com a

realidade da América Latina.

Na sua obra, Leonardo Boff analisa o Salmo de maneira global e, ao mesmo tempo,

parcial, detendo-se em cada uma das frases que compõem o texto. Tenta extrair cada

detalhe das figuras apresentadas. Desde uma visão teológica, pode ser considerada uma

excelente abordagem. No entanto, exegeticamente, o material precisaria crescer em

rigorosidade científica.

Para este estudo sobre o Salmo 23, o teólogo se apóia em algumas pesquisas feitas

por especialistas no assunto. Além disso, procura estabelecer um diálogo entre cada frase

do Salmo e a realidade paralela que hoje circunda a humanidade.

Leonardo Boff, com relação a outros autores, distingue-se por argumentar no

sentido de defender a figura do rei Davi como autor do Salmo 23. Mas esta teoria foi

afastada desde o momento que estudos modernos, como demonstraremos mais adiante, têm

confirmado que os cabeçalhos do saltério são posteriores à redação final.

14 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, Rio de Janeiro, Sextante, 2004, 160p.

23

Este teólogo se une aos autores que vêem uma divisão no interior do Salmo (v.1-4 e

v.5-6). Em um primeiro momento, a imagem do pastor, que para ele transmite a impressão

de um suave idílio lírico-romântico, e que trará consigo o drama que acompanha a vida

humana, o vale tenebroso. E, no segundo, a imagem do hospedeiro, cujos símbolos se

articulam com os da primeira subdivisão.15

Ambas imagens, para Leonardo Boff, sintetizam o eixo transversal que atravessa o

Salmo: segurança e proteção do pastor e hospedeiro. Estes símbolos, segundo ele, estão a

serviço do propósito central do texto, sendo colocado exatamente no centro dele: “tu (estás)

comigo”.16

Poucos autores latino-americanos trabalham de forma tão detalhada este texto

poético. Leonardo Boff alcançou, com sua análise, a confirmar-nos algumas de nossas

suspeitas, especialmente as referentes a assuntos como segurança e proteção. Contudo, ele

pode ser catalogado entre os estudiosos deste Salmo que ainda deixa m inconclusa a

harmonia contextual de suas análises.

1.2.5. José Bortolini

José Bortolini elaborou um outro estudo relevante sobre o Salmo 23. Na sua obra,

Conhecer e rezar com os salmos,17 se destaca por ser um grande exegeta. Um dos aspectos

que caracteriza sua pesquisa é a conjugação entre a exigência acadêmica e a clareza

pedagógica, fato que faz de seu trabalho uma ferramenta útil em diversos âmbitos.

Com José Bortolini, cresce o número dos autores que descobrem no Salmo uma

mudança interna. A primeira localizada, como anteriormente comentamos, na imagem do

pastor. Daí resulta que o salmista se compara com uma ovelha (v.1-4). E a segunda (v.5-6)

faz alusão a uma pessoa fugindo dos inimigos, através do deserto. 18

15 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.29.32. 16 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.37. 17 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, São Paulo, Paulus, 2000, 624p. 18 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, p.102-103.

24

Segundo a proposta de José Bortolini, torna-se-nos difícil conjugar a relação entre

uma e outra estrofe. Será que se trata de dois salmos posteriormente unidos? O mesmo

autor introduz uma abordagem interessante no momento em que se pergunta pela origem do

texto. Para ele, o Salmo 23 remete à idéia de um indivíduo que foge e se esconde no

templo. Baseia-se no estudo da etapa da monarquia, em que o santuário de Jerusalém servia

de refúgio para casos como esses.19

É interessante a colocação do refugiado no templo, no momento de pensar uma

integração entre a imagem do pastor e a imagem da hospitalidade. Desta maneira, elas

poderiam corresponder-se mutuamente.

1.2.6. Hans Strauss

Agora vamos expor o parecer de Hans Strauss. Com ele concluiremos as diversas

hipóteses apresentadas. Trata-se de um exegeta que faz uma rigorosa abordagem científica

sobre o nosso texto objeto. Mesmo sendo de origem européia, o autor destaca-se pela sua

experiência acadêmica na América Latina, onde escreveu um comentário sobre alguns

salmos, entre eles, o Salmo 23. 20

O manual de Hans Strauss, de caráter exegético, chega a nossas mãos especialmente

pela colaboração dos participantes nas aulas do Primeiro Testamento na Faculdade

Luterana de Teologia de São Leopoldo, durante os semestres do ano 1969.

Em diferença de autores como Fidel Oñoro, Luís Stadelmann e José Bortolini, Hans

Strauss afirma que o Salmo 23 não pode ser dividido em duas situações de origem.

Considera que o texto, apesar de sua métrica irregular, está coeso mediante um diálogo que

transcorre com fluidez entre um indivíduo e Javé.21

19 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, p.103-104. 20 Hans Strauss, Comentário a salmos escolhidos, São Leopoldo, Sinodal, 1970, 99p. 21 Hans Strauss, Comentário a salmos escolhidos, p.80.

25

Segundo Hans Strauss, o v.5 revela que o Salmo provém de uma experiência

pessoal, pré-exílica, de direito ao asilo e à hospitalidade. Neste aspecto, lembra a intuição

de José Bortolini. Na experiência de refúgio, para Hans Strauss, se expressa a solidariedade

demonstrada por Javé para com o orador perseguido. Considera que a imagem de Javé

como pastor não deve ser separada da figura de Javé como hospedeiro. Quer dizer que onde

se experimenta o auxílio de Javé, é o mesmo lugar onde se forma a confissão teológica.22

Hans Strauss vem ao encontro de nossas suspeitas de indagar no Salmo uma

situação de origem que se converta em eixo transversal do texto. Estamos de acordo que

todo o Salmo transcorre em um lugar, mesmo que suas frases evoquem circunstâncias

passadas e presentes. Também consideramos que o texto fala explicitamente de uma

realidade pessoal. Esta poderia ser, perfeitamente, a situação desse indivíduo que,

concretamente, experimentou o auxílio de Javé.

No entanto, é necessário prevenirmos que as afirmações de Hans Strauss são dadas

sem a suficiente justificativa. É preciso examinar com detenção estas teorias e confirmá- las,

não só no discurso, mas também com o próprio texto bíblico em seus textos circundantes.

Antes de abordar as conclusões desta apresentação, achamos interessante observar

as diversas propostas de traduções que fornecem alguns destes autores. É oportuno

considerá- las pelo fato de colocarem em evidência o grau de coerência que os

pesquisadores alcançaram na intenção de enfrentar-se com o texto massorético e a

linguagem própria de América Latina.

Apresentaremos os textos em forma sinóptica para permitir a comparação entre eles.

Seguiremos na ordem anteriormente assinalada. A divisão de frases ficou a nosso critério,

para uma melhor apreciação de conjunto.

22 Hans Strauss, Comentário a salmos escolhidos, p.82 -83.

26

Primeiro quadro

Tradutor Fidel Oñoro Luís Stadelmann

Cabeçalho Salmo de Davi Salmo de Davi

Frase principal O Senhor é meu pastor O Senhor é meu pastor

v. 1 Nada me falta Nada me falta

v. 2 Em verdes campos me faz recostar Em verdes pastagens me faz

repousar

Para água de repouso me conduz Conduz-me até às fontes

tranqüilas

v. 3 Me conforta E reanima minha alma

Me guia por caminhos de justiça Guia-me por sendas da justiça

Em honra de seu nome Para a honra de seu nome

v. 4 Embora passe por vales tenebrosos Ainda que eu ande por um vale

de espessas trevas

Mal nenhum temerei Não temo mal algum

Porque vais comigo Porque tu estás comigo

Tua vara e teu cajado Teu bordão e teu cajado

v. 5 Me sossegam Me confortam

Preparas uma mesa para inveja de

meus adversários

Diante de mim preparas a mesa,

bem à vista de meus inimigos

Me unges com perfume a cabeça Me unges com óleo a cabeça

E minha taça está cheia Minha taça transborda

v. 6 Dita e graça me acompanharão todos

os dias de minha vida

Sim, bondade e amor me

acompanharão todos os dias de

minha vida

E habitarei para sempre na casa do

Senhor

E retornarei à casa do Senhor

por longos dias

27

Segundo quadro

Tradutor

Leonardo Boff

José Bortolini

Hans Strauss

Cabeçalho Salmo de Davi Salmo de Davi Salmo de Davi

Frase principal O Senhor é meu pastor Javé é meu pastor Javé é meu pastor

v. 1 Nada me falta Nada me falta Assim não sou

enfraquecido

v. 2 Em verdes pastagens

me faz descansar

Em verdes pastagens

me faz repousar

Faz-me repousar em

pastos abundantes

Conduz-me até fontes

repousantes

Para fontes tranqüilas

me conduz

Conduz-me a água do

descanso

v. 3 E repara minhas forças E restaura minhas

forças

Traz-me de volta a vida

Guia-me por caminhos

seguros

Ele me guia por bons

caminhos

Dirige-me por trilhos

certos

Como pede sua missão Por causa de seu nome Por causa de seu nome

v. 4 Ainda que devesse

passar pelo vale da

sombra da morte

Embora eu caminhe

por um vale tenebroso

Ainda que tivesse de

andar pelo vale da

escuridão

Não temo mal algum Nenhum mal temerei Não teria desgraça a

temer

Tu vais comigo Pois junto a mim estás Pois tu estás comigo

Teu bastão e teu cajado Teu bastão e teu cajado Tua vara e teu cajado

Me dão segurança Me deixam tranqüilo Dão-me ânimo

v. 5 Na minha frente

preparas a mesa sob o

olhar de meus inimigos

Diante de mim

preparas a mesa, à

frente de meus

opressores

Assim preparas diante

de mim uma mesa,

frente a meus

adversários

Unges minha cabeça

com perfume

Unges minha cabeça

com óleo

Com óleo ungiste

minha cabeça

28

E minha taça

transborda

E minha taça

transborda

Meu cálice transborda

v. 6 Sim, bondade e

fidelidade me escoltam

todos os dias de minha

vida

Sim, felicidade e amor

me acompanham todos

os dias de minha vida

Somente bondosa

solidariedade me

perseguirá enquanto

viver

E habitarei na casa do

Senhor por todo tempo

em que viver

Minha morada é a casa

de Javé por dias sem

fim

E permanecerei na casa

de Javé por toda a vida

Quanto às traduções observadas, podemos perceber que alguns pontos transcorrem

similares, como nos casos do cabeçalho que, a propósito, deixamos aberto. Além disso,

queremos assinalar as pequenas variações de alguns termos importantes que merecem ser

comparados.

Primeiramente, tratamos de um termo localizado no v.4, que os autores traduzem de

diversas maneiras: Fidel Oñoro, “vales tenebrosos”; Luís Stadelmann, “vale de espessas

trevas”; Leonardo Boff, “vale da sombra da morte”; José Bortolini, “vale tenebroso”; Hans

Strauss, “vale da escuridão”. O vocábulo torna-se interessante porque revela uma realidade

que pode ser parte do eixo transversal de todo o Salmo.

Também nas traduções, destaca-se o emprego que os autores fazem de um verbo

complicado, isso porque pode condicionar a perspectiva direcional do texto. Estamos nos

referindo ao termo localizado no v.6, que é traduzido da seguinte maneira: Fidel Oñoro,

“habitarei”; Luís Stadelmann, “retornarei”; Leonardo Boff, “habitarei”; José Bortolini,

“minha morada”; Hans Strauss, “permanecerei”.

Além destes pontos assinalados, que têm a ver com a tradução do Salmo 23,

poderíamos considerar a tradução que nossos autores fazem das partículas, preposições,

conjunções, tempos e formas verbais, que se encontram no decorrer do texto massorético.

29

Apresenta-se a necessidade de chegar a um acordo na tradução, porque das

pequenas variações literárias, as vezes esquecidas pelos autores, pode emanar maior riqueza

de simbologia e conteúdo. Perguntamos: será possível alcançar uma tradução literal do

texto massorético que ao mesmo tempo se torne compreensível para nossa língua?

1.3. Encerramento do capítulo

Na forma conclusiva, com esta exposição, abrimos as janelas para observar o

avanço da pesquisa científica sobre o Salmo 23 na América Latina. O capítulo nos permite

uma panorâmica geral que concentra nosso ponto de partida.

Este capítulo enriquece nossa investigação. A consulta dos diferentes autores nos

facilita concentrar elementos, às vezes para confirmar hipóteses, outras para descartá- las.

Neste sentido, percebemos que não podemos analisar nosso texto com duas situações de

origem. Nos sentimos motivados a seguir as pistas daqueles que observam o Salmo como

um texto integral, com principio, meio e fim harmonizados.

A partir de uma apreciação de conjunto, consideramos que a bibliografia produzida

não é suficiente para obter do texto uma proposta de leitura confiável, a que se alcança

mediante um estudo cientificamente rigoroso.

Com esta conclusão, introduzimos o que será considerado como nossa tarefa

exegética. Precisamos harmonizar o conteúdo e demonstrar afirmações que nos permitam

conhecer com olhos novos um texto tantas vezes visitado. Do Salmo 23 se poderia dizer

algo mais? É isso o que veremos em nosso segundo capítulo.

30

CAPÍTULO II

EXEGESE DO SALMO 23

Neste capítulo, buscamos elaborar um estudo exegético do Salmo 23. No

desenvolvimento da temática, como falamos na introdução, vamos apoiar-nos nas

ferramentas próprias do método histórico crítico para alcançar nosso objetivo.

2.1. O texto e sua tradução (hebraico-português)

dwI+d"l. rAmðz>mi

ynIcE+yBir>y:

av,D<â tAaån>Bi2 `rs")x.a, al y[iªro÷

hw"ïhy

bbe_Avy> yviîp.n: 3 `ynIlE)h]n:y>

tAxånUm. ymeÞ-l[;

`Am*v. ![;m;äl. qd<c,©÷-yleG>[.m;b.

ynIxEïn>y:)

31

[r"ª

ar"Ûyai«-al{ tw<m'‡l.c; aygEáB.

%le’ae-yKi( ~G:Ü

`ynImU)x]n:)y>

hM'heä ^T,ªn>[;v.miW÷ ^ïj.b.vi

ydI_M'[i hT'îa;-yKi

yr"_r>co dg<n<ï

!x'ªl.vu yn:“p'l. %roì[]T;

`hy")w"r> ysiîAK yviªaro÷ !m,V,îb;

T'n>V:ßDI

yY"+x; ymeäy>-lK' ynIWpD>r>yIâ ds,x,äw"

bAjÜ %a:Ü

`~ymi(y" %r<aoål. hw"©hy>÷-tybeB.

yTiîb.v;w>

Tradução ao português:

1.Salmo para Davi

32

Javé (é) meu pastor23,

não carecerei24:

2.em pastagens de belas ervas me faz deitar25.

Sobre águas de descansos me conduz26,

3.minha garganta restaura27.

Me dirige28 em trilhos de justiça, por causa de seu nome.

4.Em especial, ainda que ande29 em vale de trevas, não temerei30 mal.

Eis que!, tu (estás) comigo.

Teu cetro e teu bastão, eles me consolam31.

5.Preparas32 diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores33;

unges34 com o óleo minha cabeça,

meu cálice (está) transbordando.

6.Somente bondade e solidariedade me perseguirão,35 todos os dias de minha vida.

E morarei36 na casa de Javé, para prolongamento dos dias.

2.2. Crítica textual

23 Particípio do qal, primeira pessoa, masculina, singular, construto, sufixo primeira pessoa, masculina, singular; raiz: r‘h “pastorear”, “pastar”. 24 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: hsr “sentir falta”, “escassear”. 25 Imperfeito do hifil, terceira pessoa, masculina, singular, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: rbs “deitar”, “reclinar”, “recostar”. 26 Imperfeito do piel, terceira pessoa, masculina, singular, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: nhl “conduzir”, “guiar”, “levar”, “dirigir”. 27 Imperfeito do pual, terceira pessoa, masculina, singular; raiz: xvb “restabelecer”, “refrescar”. 28 Imperfeito do hifil, terceira pessoa, masculina, singular; raiz: nhh “dirigir”, “conduzir”, “guiar”. 29 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: hlk “andar”. 30 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: yr’ “temer” . 31 Imperfeito do piel, terceira pessoa, masculina, plural, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: nhm “confortar”. 32 Imperfeito do qal, segunda pessoa, masculina, singular; raiz: ‘rk “colocar”, “dispor”, “apresentar”. 33 Particípio do qal, masculino, plural, construto, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: srr “atacar”, “oprimir”, “agredir”. 34 Perfeito do piel, segunda pessoa, masculina, singular; raiz: dsn “dar vigor”, “robustecer”, “fazer prosperar”. 35 Imperfeito do qal, terceira pessoa, masculina, plural, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: rdf “ir detrás de”, “custodiar”, “seguir”. 36 Perfeito do qal waw, primeira pessoa, comum, singular; raiz: yxb “habitar”, “estabelecer-se”.

33

Os cientistas que hoje indagam sobre as variantes, câmbios textuais e outras

informações das Escrituras, comparadas entre os diversos manuscritos históricos, não têm

constatado amplas complicações no Salmo 23. É por esse fato que o aparato crítico deste

texto apresentado pela Biblia Hebraica Stuttgartensia não é grande. Contudo, veremos

onde se encontra seu estado atual, aberto a novas descobertas.

O texto massorético, no Salmo 23, apresenta diversas divisões de expressões

compostas de conjuntos de palavras. Estas palavras agrupadas, na forma de frase, sugerem

um sentido completo. Para sua divisão se utilizam dois pontos (̀ ), que convidam a uma

pausa moderada no texto. Estes sinais, colocados pelos massoretas, soem nos apoiar no

momento de construir uma seqüência exegética.

A forma verbal ynIcE+yBir>y “me faz deitar”, no v.2 do texto

massorético, aparece como objeto de crítica. Trata-se do verbo hifil, imperfeito, terceira

pessoa, masculina, singular. Tem como sufixo a primeira pessoa, masculina, singular. O

aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia37 propõe uma mudança do acento atnah:

^.

A função principal do acento atnah é a divisão da frase. 38 Ao invés de estar

colocado na antepenúltima sílaba do termo, sugere-se colocá-lo na última. O motivo da

mudança poderia ser o de colaborar com uma sintaxe lógica em função de melhorar a

musicalidade.

No v.4, mostra-se outra forma verbal ynImU)x]n:)y> “me

consolam”, verbo piel, imperfeito, terceira pessoa, plural, que tem como sufixo a primeira

37 Para distinguir e focalizar alguns signos abreviados utilizados no aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia, facilitando sua leitura e análise, consultamos: Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, São Paulo, Vida Nova, 1a edição, 2003, 270p. Das abreviaturas para o sinal do acento atnah se fala na p.49. 38 Ernst Kautzsch, Gesenius’ Hebrew Grammar, New York/Oxford, At The Clarendon Press, 1910, p.59.

34

pessoa, comum, singular. Os cientistas propõem utilizar ynIU)x]n:)y> “me

descansam”.

A sugestão oferecida nesse v.4 alcançaria uma mudança de sentido, podendo

significar, na forma acusativa, “descansam”. Contudo, o vocábulo, no verbo piel no

Primeiro Testamento, tem o sentido de “consolar”. Ele compartilha a mesma raiz localizada

em Is 40,1. Sendo assim, nossa proposta de trabalho confere com o texto massorético.

No v.5, o objeto de crítica é um substantivo, comum, masculino, singular

!x'ªl.vu “mesa”. Ao invés, sugere-se copiar x'ªl.v considerando que a

letra n nun é um erro de ditografia.39 Pela localização, a consoante seria uma duplicação,

tendo em conta que o próximo termo é dg<n< neged “na presença de”. Além disso, o

fato da sugestão ser a raiz do vocábulo, ajuda-nos a focalizar seu sentido textual, porque

possui vár ios, como veremos.

No cognato árabe !x'ªl.vu significa “esfolar o couro”; no siríaco, “o couro

que foi esfolado de um animal”. Tanto no hebraico quanto no ugarítico, tem um sentido

parecido, pois trata do “couro sobre o chão para comer”. A identificação com o árabe e o

hebraico pode ser errônea ou, pelo contrario, pode ser algum empréstimo. De toda forma, o

vocábulo, segundo a sua raiz, se refere à “mesa”.40

O v.5 tem um outro objeto de crítica. Trata-se de um substantivo, masculino,

singular, construto. Tem como sufixo a primeira pessoa, comum, singular ysiîAK"

“meu cálice”. O aparato crítico sugere comparar o vocábulo na Septuaginta, onde se

encontra a seguinte expressão kai. to. poth,rio,n sou, que significa “e o teu

cálice”. Notemos que aqui se encontra uma mudança acidental ou um erro dos copistas. 39 Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, p.44. 40 Hermann Austel, Mesa, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1568.

35

Em casos como este (v.5), não se pode determinar com certeza se a LXX se desviou

de um texto hebraico semelhante ao texto massorético ou se o texto massorético se desviou

de um hebraico mais antigo, que a LXX traduziu com fidelidade.

O v.6 mostra três chamadas a comentar. Primeiramente, fala-se dos termos

%a:Ü “somente”, e bAjÜ “bondade”. O primeiro uma partícula de advérbio, e o

segundo um substantivo, comum, masculino, singular. Este trecho os cientistas sugerem

comparar com a LXX. Na consulta, percebe-se que a LXX, simplesmente, omite qualquer

tradução de ak, “somente”, e tob, “bondade”.

O outro substantivo, comum, singular é dsx “solidariedade”. Dele se diz que o

Código Sinaítico, datado no século IV41, lhe adiciona ao vocábulo um sufixo, a segunda

pessoa singular. Ficando traduzido como “tua solidariedade”.

Por último temos a forma verbal yTiîb.v;w> “e morarei” (v.6). Refere-se

ao verbo qal waw, perfeito, primeira pessoa, comum, singular. Consideramos que é o ponto

de crítica mais complicado, pelas seguintes razões: segundo a LXX, se traduz “e meu

habitar”; no Siriaco, século II antes da era cristã, no Targum, século II antes da era cristã e

na Vulgata, século IV-V depois da era cristã, lê-se “e eu habitarei”. 42

Alguns estudiosos deste assunto, comparando o texto grego com o Salmo 27,4,

acharam que shabti, no v.6 do Salmo 23, pode ser lido como “estar”, “habitar”. A partir

desta perspectiva, consideraram que o vocábulo é o sujeito de uma oração sem verbo de

ligação, “meu habitar na casa do Senhor será para extensão dos dias”. Porém, concluíram

que na vocalização massorética shabti pode ser perfeito inverso de xvb “retornar”. 43

41 Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, p.75. 42 Michael Goulder, David and Yahweh in Psalm 23 and 24, em Journal for the Study of the Old Testament, Oxford/Sheffield, University of Oxford/University of Sheffield, vol.30, n.6, 2006, p.465. 43 Luis Alonso Schökel, em Elena Bosetti e Salvatore Panimolle, Deus –Pastor na Bíblia – Solidariedade de Deus com seu povo, São Paulo, Paulinas, 1986, p.44.

36

Em nosso contato com o texto massorético, descobrimos que yTiîb.v;w> “e morarei”, apresenta uma raiz problemática, porque pode

confundir-se com bWv xvb “retornar”. Contudo, estudando a frase a qual o vocábulo

pertence (v.6), e notando que a partícula que prossegue trata-se da preposição bet “em”,

pela forma, conteúdo e coesão do texto, consideramos mais coerente traduzir por “e

morarei”, sendo o verbo, então, da raiz yxb.

2.3. Delimitação

Nosso objeto de estudo é o Salmo 23. Poder-se-ia dizer que o texto, ao se apresentar

como unidade literária, já tem autonomia própria. Ele concentra sentido completo e

harmoniza internamente principio, meio e fim, características que lhe conferem

independência textual.

No entanto, o Salmo 23 apresenta significativa afinidade com seu contexto literário

circundante, ou seja, com os salmos que lhe estão mais próximos, especialmente com os

três que lhe antecedem e o que lhe precede, embora estes textos também mostrem certa

autonomia. Estamos falando dos Salmos 20; 21; 22 e 24. Consideramos que o lugar que

ocupa o Salmo 23 dentro do saltério não é um acaso. Esta chave levanta a necessidade de

estudá- lo dentro de seu imediato contexto literário.

Os cabeçalhos dos Salmos assinalados, 20; 21; 22; 23 e 24 fazem menção a Davi.

Mas isto não pode ser o único critério de relação, já que 73 deles são relacionados a este rei.

Notamos, além do mais, que os Salmos 20 e 21 são textos que cientistas identificam como

reais.44 E nós agregamos que os Salmos 22 e 24 também fazem referência à realeza.45

44 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, Valencia, Edicep, 1983, p.194. 45 O Salmo 22,29 diz: “pois a Javé pertence a realeza, ele governa as nações”. Estas palavras fazem lembrar Ap 11,15: “a realeza do mundo passou agora para nosso Senhor e seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos”. Além disso, em estudos modernos se considera que o Salmo 24 implica o reinado davídico. Conferir: Michael Goulder, David and Yahweh in Psalm 23 and 24, em Journal for the Study of the Old Testament, p.466.

37

O Salmo 23 parece mostrar indícios reais. As imagens que nomeia fazem lembrar a

missão dos reis: providenciar o necessário (v.1), conduzir, proteger (v.2) dirigir com justiça

(v.3), fornecer paz, consolar (v.4), celebrar, ungir (v.5), manter vigente a tradição religiosa

(v.6).

Os salmos vizinhos do 23 também apresentam sinais messiânicos: o Sl 20,7 fala

claramente de “ungido”, “messias”.46 No Sl 21,4 faz-se referência a Javé como quem cinge

uma coroa de ouro sobre a cabeça do rei.47 O salmista interpela a Deus pelo seu abandono

no momento da angústia (Sl 22,2). 48 Comenta-se de um justo do qual se repartem as vestes

e se sorteiam a túnica (Sl 22,19).49 Diz-se de pobres que comerão e ficarão saciados (Sl

22,27).50

O Salmo 23 faz recordar o bom pastor (v.1).51 E o Salmo 24 evoca a entrada triunfal

do rei da glória no templo de Jerusalém. 52 Se a denominação de Javé-pastor (Sl 23,1) evoca

a figura do rei, então estaríamos ante um conjunto de textos onde predomina a ideologia da

realeza e o sentido messiânico. 53

Além do mais, observamos que estes salmos, de uma ou outra forma, relacionam a

presença de Javé com o santuário. De alguma maneira mostram que no momento do

conflito, o auxílio do salmista vem desde Sião, onde se encontra Javé como fonte de

proteção para aqueles que o buscam (Sl 20,2-3; 21,7).

46 Evoca a Jesus. Ele mesmo se declarou ungido de Deus (Lc 4,18-22). 47 Lembra a Cristo rei (Mt 16,28). 48 Também Jesus interpela a Deus pelo seu abandono (Mc 15,34). 49 Situação que fizeram com Jesus (Jo 19,23-24). 50 Faz alusão ao festim messiânico (Is 55; Mt 26,29). 51 O Segundo Testamento apresenta Jesus como pastor messiânico (Mt 2,6), aquele que busca suas ovelhas (Mt 6,34). Jo 10,1-30 apresenta na figura de Jesus o verdadeiro e único pastor. 52 Também faz referência à realeza de Deus compartilhada com o filho e que se manifesta no Segundo Testamento. Em Jo 12, 12-19, achamos descrita a entrada triunfal de Jesus rei em Jerusalém. 53 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário , São Paulo, Paulus, vol.1, 1996, p.381. Por agora, vamos indicando algumas citações bíblicas onde se mostra a ima gem do pastor aplicada aos reis e aos chefes do povo: 2Sm 7,8; Jr 25,34-36; Jo 10,12.

38

Notamos que existem sinais de ameaça constante para a pessoa que acredita em

Javé. Ante a ameaça de morte, vem a aclamação pela proteção com o objetivo de garantir a

vida no meio da controvérsia. Nota-se a promessa de votos e festas litúrgicas uma vez que o

conflito esteja superado (Sl 22, 23.26).

Existem evidências que dão unidade ao pensamento teológico do Primeiro

Testamento. Elas falam dos critérios para aqueles que, desde a montanha de Javé, esperam

bençãos, justiça e salvação. Trata-se de pessoas inocentes, de coração puro, que não se

entregam à falsidade, nem fazem juramento para enganar (Sl 24, 3-5).

Pelas indicações já assinaladas, estas evidências nos fazem sentir em harmonia com

a principal hipótese que buscaremos provar ao longo desta indagação científica. Com isto

queremos dizer que o Salmo 23 pode ser lido como um texto de asilo.

No momento de estabelecer a seqüência de sentido dos textos próximos do Salmo

23, achamo-nos com um texto alfabético, no Salmo 25. Este concentra o sentido da súplica

do salmista, que reconhece seus pecados, e que se encontra num momento de perigo. No

texto, não fica evidente indício de messianismo nem de realeza. Este texto apresenta uma

pequena mudança, que daria por terminada a seqüência narrativa. A mesma coisa

poderíamos dizer do Sl 26.

É de considerável importância dizer que o Salmo 27 oferece, paralelamente com o

Salmo 23, um forte sentido de confiança e de asilo. Achamos, não obstante, que estes três

Salmos, 25; 26 e 27, não reúnem as características do anterior bloco assinalado (Salmos 20;

21; 22; 23 e 24) onde podemos levantar a possibilidade de serem textos reais ou de

expressarem sentido messiânico.

Na forma conclusiva, ainda que não descartemos a possibilidade de estudar nosso

texto-chave tendo em conta sua circunstância literária, deixamos claro que nosso objeto de

pesquisa é o Salmo 23 considerando que se trata de um texto, como demonstraremos, com

harmoniosa integridade textual.

39

2.4. Divisão e coesão interna

Desde décadas anteriores, o Salmo 23 tem sido objeto de diversas opiniões enquanto

a sua estrutura interna. Neste aspecto, Erhard Gerstenberger considera os v.1-3 como uma

confissão que destaca o status do Senhor. Para ele, os v.4-5 são vistos como uma afirmação

da confiança, onde a expressão “não temo porque tu (estás) comigo” evoca a mensagem

central do texto. Segundo este autor, o Salmo é concluído no v.6, manifestando uma

expressão de esperança.54

Contrariamente, L. Köhler afirma que o Salmo 23 é um poema uniforme, que

transcorre sem interrupções, no qual aparece uma só imagem, a do pastor. Considera que a

mudança de cena no interior do Salmo é a metáfora que determina a totalidade do mesmo.

Analisa o v.5 como o remédio para curar as feridas das ovelhas, que segundo diz, se ferem

com facilidade. 55

Hans-Joachim Kraus, em debate com L. Köhler, lhe contra-argumenta a teoria, pois

pensa que nela se omite o detalhe da mesa no mesmo v.5. Além disso, faz- lhe a pergunta:

desde quando as ovelhas bebem em copo?56

Kraus propõe dividir o Salmo em duas partes: os v.1-4, onde se reflete a imagem de

Deus como pastor, e os v.5-6, que evocam a Deus oferecendo hospitalidade no lugar

santo. 57

Seguindo o debate sobre a divisão interna de nosso objeto de estudo, Luis Alonso

Schökel e Cecília Carniti destacam a individualidade das duas imagens que, segundo

54 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with introduction to cult poetry – The forms of the Old Testament Literature, Michigan, Willian B. Eerdmans Publishing Company, vol.14, 1988, p.115. [Série: FOTL]. 55 L. Köhler, em Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, Salamanca, Sígueme, vol.1, 1993, p.469. 56 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.469. 57 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.470.

40

dizem, o Salmo apresenta. A imagem do pastor e a imagem do anfitrião. Para estes autores,

o Salmo percorre duas etapas sem transição explícita.58

Para Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, uma frase do v.4 é o centro do texto

pela forma e o conteúdo, “tu (estás) comigo”. 59 Daqui surge para ele a pergunta que o leva

a analisar a afirmação que antes fizera Hans-Joachim Kraus: existe um fator que unifique as

duas partes do Salmo 23?60 Na sua pesquisa exegética, Alonso Schökel reconhece que esta

questão ainda não foi resolvida.61

Buscando uma reposta conclusiva, podemos deduzir que os exegetas que se

inclinam por dividir o texto em duas situações vitais diferentes, talvez não tenham indagado

o suficiente em relação à inter-relação entre todas as frases que compõem o Salmo. Em

suma, o livro de salmos, diferente dos outros livros da Bíblia Hebraica, não é dividido em

perícopes ou seções. 62 Nosso texto forma uma íntegra unidade. Vejamos porquê.

O texto inicia enfatizando o sujeito Javé. Pelo lugar e a forma que ocupa a frase

“Javé (é) meu pastor” (v.1) tem a função de frase principal. Notamos uma série de verbos

imperfeitos, dez no total, desde o v.1 até o v.6. Este detalhe mostra que se trata de um texto

em contínuo movimento, do principio ao fim.

Também observamos que desde o v.1 até o v.4a e o v.6 sobressaem a primeira e

terceira pessoa do singular. Depois, desde a metade do v.4 até o v.5 aparece

significativamente a segunda pessoa. Percebemos uma mudança interna que divide o texto

em duas partes segundo sua forma verbal. Só no v.6 retorna-se à primeira pessoa.

A quebra se localiza na metade do v.4, entre as frases “em especial, ainda que ande

em vale de trevas, não temerei mal” e “eis que!, tu (estás) comigo”. Esta última frase abre a

participação da segunda pessoa, ou seja, de Javé “pastor”. 58 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.384. 59 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.381. 60 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.384. 61 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.385. 62 Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético , p.112.

41

Para confirmar a nossa proposta divisória devemos observar as duas partículas

subordinadas que apresenta o texto massorético. Trata-se de ki na primeira frase do v.4, que

nos traduzimos por “ainda que” e que está introduzindo a máxima circunstância de perigo

pela qual atravessa o salmista, a qual termina numa fórmula de confiança, “em especial,

ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

A segunda conjunção se localiza, imediatamente, no mesmo v.4, ki “eis que!” Esta

abre campo para manifestar a cúpula do Salmo “eis que!, tu (estás) comigo”. Consideramos

que estas partículas gramaticais favorecem os sinais divisórios das duas estrofes, embora

permaneçam integramente unidas.

Observamos que a primeira estrofe, integrada desde o v.1 até a metade do v.4, gira

em torno da descrição de um conflito do salmista, o qual se encontra assistido por Javé. E a

segunda, composta desde as restantes frases do v.4 até o v.6, gira em torno à superação do

conflito. Nota-se uma interdependência entre uma e outra estrofe, fato que as integra

progressivamente.

Além do mais, no interior das duas estrofes, observamos mínimas variações que não

impedem a coesão textual como sub-unidade. Exemplo: na primeira sub-unidade (v.1-4a),

após a fórmula de confiança, “não carecerei” (v.1) vêm três frases relacionadas: “em

pastagens de belas ervas me faz deitar”, “sobre águas de descansos me conduz” (v.2) e

“minha garganta restaura” (v.3). Depois parece apresentar-se um novo tema, “me dirige em

trilhos de justiça, por causa de seu nome” (v.3), esta frase parece culminar com um tom

conclusivo. Imediatamente inicia-se o que consideramos a última frase da primeira sub-

unidade de sentido, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

A segunda estrofe (v.4b-6), de maneira especial, também dá indícios de pequenas

divisões internas. Primeiramente, mostra-se a presença de Javé vivenciada pelo salmista.

Isto se observa nas duas frases que pertencem ao v.4 desta sub-unidade de sentido. Depois,

42

o v.5 dá sinais de que o texto se encontra situado no lugar específico. Por último, o v.6

parece ser uma formulação de votos na forma conclusiva.

Temos a realçar que o contraste de tempos verbais que se observa no v.5,

imperfeito, particípio, perfeito, sugere estar indicando as ações ou eventos que tiveram

início em tempos passados, que ainda continuam ou que estão em processo de realização.63

Em suma, para fornecer uma visão mais clara do que acabamos de dizer, mostramos

um breve esquema de nossa proposta de divisão:

Cabeçalho: salmo para Davi

Primeira estrofe (v.1-4a): assistência de Javé para o salmista que atravessa um momento de

risco Fórmula de confiança: não carecerei

em pastagens de belas ervas me faz deitar.

Sobre águas de descansos me conduz,

minha garganta restaura.

Javé (é) meu pastor

Me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome.

Fórmula de confiança: Em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal.

Segunda estrofe (v.4b-6): superação do conflito, apresentado em três momentos

63 Ernst Kautzsch, Gesenius’ Hebrew Grammar, p.313.

43

1) Presença de Javé como consolo do asilado

Eis que!, tu (estás) comigo,

teu cetro e teu bastão, eles me consolam.

2)Ato litúrgico como ação de graças

Preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores,

unges com o óleo minha cabeça,

meu cálice (está) transbordando.

3) Fórmula de votos na forma conclusiva

Somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha vida.

E morarei na casa de Javé, para prolongamento dos dias.

2.5. Análise do estilo

Neste momento vamos estudar o estilo do Salmo. Como ponto de partida,

apresentamos a opinião de alguns autores com relação à poesia hebraica, dentro da qual se

incrusta nosso texto.

Segundo Luis Alonso Schökel, os salmos como poesia devem ser estudados desde

seu universo poético, para que a análise aproxime seu sentido.64 Segundo esta afirmação,

com a qual concordamos, ao pretender estudar o Salmo 23 nos encontramos diretamente

com a poesia hebraica.

64 Luis Alonso Schökel, Treinta salmos – Poesía y oración, Madrid, Cristiandad, vol.2,1981, p.29.

44

A poesia hebraica se caracteriza por estar preenchida de repetições e variações. É

considerada por alguns especialistas, como Maria Cristina Ventura, semelhante às voltas de

um pássaro, em torno a um só pensamento.65

A opinião de Maria Cristina Ventura também é estimada por Cássio Murilo Dias da

Silva quem argumenta que o paralelismo não é o aspecto mais forte nem mais característico

deste estilo literário. Isso pelo fato de que nesta poesia, mais que rima, encontra-se a

combinação das idéias ou dos conceitos. 66

Com a motivação apresentada, tentaremos abranger o caráter poético do Salmo 23.

Algumas observações podem parecer já assinaladas, não obstante, a intenção neste

momento gira em torno ao aspecto poético do texto. Pela precariedade de referências

bibliográficas concernentes a nosso objeto de estudo, nos vemos na necessidade de criar

uma proposta de trabalho sobre a poesia que o Salmo apresenta.

Nós também consideramos que o Salmo 23 é de caráter hebraico-poético. E

reafirmamos que este caráter se distingue pela repetição de sentido entre suas frases. É isso

o que vamos ver neste momento, as correspondências de sentido que o texto apresenta entre

suas frases.

Como vimos na divisão interna do Salmo, este texto está separado mediante duas

sub-unidades de sentido. A cada uma destas partes nós chamamos de estrofe (compostas

por frases). Agora vamos apresentar o estilo de poesia que caracteriza a primeira sub -

divisão.

2.5.1.Estilo poético da primeira estrofe (v.1-4a)

65 Em Maria Cristina Ventura, Uma contribuição ao conceito de trabalho a partir do Salmo 127, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo/Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, UMESP, 1999, p.54. [Série: dissertação e tese]. 66 Cássio Murilo Dias da Silva, Metodologia de exegese bíblica, São Paulo, Paulinas, 3a edição, 2003, p.306.

45

A primeira estrofe do Salmo 23 (v.1-4a) está formada por sete frases: “Javé (é) meu

pastor”, “não carecerei”, “em pastagens de belas ervas me faz deitar”, “sobre águas de

descansos me conduz”, “minha garganta restaura”, “me dirige em trilhos de justiça, por

causa de seu nome”, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

Achamos afinidade entre estas sete frases. A repetição de seu sentido as caracteriza

como poesia hebraica. Observemos, neste aspecto, a movimentação e correspondência que

existem entre elas, as quais oferecem coesão como primeira sub-unidade de pensamento.

O Salmo se abre com o que poderíamos considerar a frase principal, “Javé (é) meu

pastor” (v.1). Esta frase se caracteriza por concentrar o núcleo em torno do qual vão girar as

restantes frases.

Observamos uma fórmula de confiança, “não carecerei” (v.1). Esta tem

correspondência com a outra fórmula de confiança localizada na última frase da sub-

unidade, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a). Estas

duas parecem concentrar o corpo poético que compõe a primeira estrofe. Quando falamos

do corpo poético estamos falando das quatro frases (v.2-3) concentradas no meio destas

duas fórmulas de confiança:

v.1. não carecerei

v.2. em pastagens de belas ervas me faz deitar.

Sobre águas de descansos me conduz,

v.3. minha garganta restaura.

Javé (é) meu pastor

Me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome.

v.4.Em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal.

Notamos que as duas frases que correspondem ao v.2 e a primeira do v.3 se

familiarizam mutuamente. Elas concentram o sentido da assistência de Javé para quem,

46

metafóricamente, se apresenta como ovelha. Observamos que, após a frase principal, “Javé

(é) meu pastor” (v.1), cujo sentido gira em todas as frases, se encontra a fórmula “não

carecerei”. Seguidamente vem as três frases vinculadas por uma seqüência de sentido: “em

pastagens de belas ervas me faz deitar”, “sobre águas de descansos me conduz” (v.2),

“minha garganta restaura” (v.3).

Reparemos a inter-relação destas três frases: “em pastagens de belas ervas me faz

deitar” (v.2), se corresponde com “minha garganta restaura” (v.3). Ao mesmo tempo,

“sobre águas de descansos me conduz” (v.2), é uma frase que fica no meio, coesa em forma

e conteúdo pela frase que lhe antecede e precede. Os sinônimos que se apresentam nas duas

frases do v.2, “pastagens” e “águas”, são indícios chave no momento de afirmar que a frase

do v.3 é o resultado das duas ações mencionadas no v.2. Em outras palavras, as duas

primeiras ações, localizadas no v.2, poderiam provocar o estado do salmista, expressado no

v.3.

Da mesma maneira, a segunda frase do v.3, “me dirige em trilhos de justiça, por

causa de seu nome” aparenta ser uma leve mudança de sentido, mas tem a ver com a frase

seguinte, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4). Tudo

parece indicar que esta primeira frase do v.4 se apresenta como uma conseqüência da que a

antecede.

A primeira frase do v.4 que corresponde a esta sub-unidade, mostra uma partícula

de conjunção, ~G: gam, e parece introduzir um novo sentido, “em especial, ainda que

ande em vale de trevas, não temerei mal”. Imediatamente observamos que esta frase

termina com outra fórmula de confiança, que vem a ter coesão com a primeira “não

carecerei” (v.1).

Em suma, entre as fórmulas “não carecerei” e “em especial, ainda que ande em vale

de trevas, não temerei mal”, se concentra o sentido da assistência de Javé, o pastor (v.1).

Essas duas fórmulas, uma que abre o pensamento e a outra que o fecha, no seu corpo

47

poético apresentam as razões da confiança daquele que de nada carece e que nada teme.

Observemos as correspondências semânticas no texto massorético:

rs")x.a, al{å ynIcE+yBir>y: av,D<â tAaån>Bi2

ynIlE)h]n:y>

tAxånUm. ymeÞ-l[;

y[iªro÷ hw"ïhy> bbe_Avy> yviîp.n: Am*v. ![;m;äl.

qd<c,©÷-yleG>[.m;b. ynIxEïn>y:)

[r"ª ar"Ûyai«-al{ tw<m'‡l.c; aygEáB. %le’ae-yKi( ~G:Ü

2.5.2. Estilo poético da segunda estrofe (v.4b-6)

Do mesmo modo que estudamos a primeira estrofe (v.1-4a), agora nos

encaminhamos ao estudo da segunda sub-unidade de pensamento (v.4b-6). Teremos em

conta a conexão existente entre ambas estrofes.

Esta segunda estrofe (v.4b-6) possui sete frases: “eis que!, tu (estás) comigo”, “teu

cetro e teu bastão, eles me consolam”, “preparas diante de mim uma mesa, na presença de

meus agressores”, “unges com o óleo minha cabeça”, “meu cálice (está) transbordando”,

“somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha vida”, “e morarei

na casa de Javé, para prolongamento dos dias”.

A primeira coisa a ter em conta é que, o pensamento com que termina a primeira

sub-unidade de sentido “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”

48

(v.4a), tem continuidade nesta segunda, “eis que!, tu (estás) comigo” (v.4b). É um fato que

permite a coesão textual, ou seja, a integridade do texto como uma unidade de pensamento

harmoniosa. Como na primeira estrofe, esta também apresenta mínimas divisões de

pensamento que não impedem sua integridade. Nota-se nela começo, meio e fim, estes são:

Começo: “eis que!, tu (estás) comigo” e “teu cetro e teu bastão, eles me consolam” (v.4).

Meio: “preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores”, “unges com o

óleo minha cabeça”, “meu cálice (está) transbordando” (v.5).

Fim: “somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha vida” e “e

morarei na casa de Javé, para prolongamento dos dias” (v.6).

Primeiramente observamos que a frase “eis que!, tu (estás) comigo” (v.4) está

intimamente relacionada com a frase “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”, do mesmo

v.4. Quer dizer que a primeira frase faz uma afirmação e a segunda a justifica.

O v.5 dá continuidade ao v.4. Nele se evidencia uma prolongação do mesmo sentido

que se vem desenvolvendo na sub-unidade. Aqui se fornecem três frases seqüenciais que

evocam uma sucessão de eventos: “preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus

agressores”, “unges com o óleo minha cabeça”, “meu cálice (está) transbordando”. Todas

elas evocam ações de Javé em consideração ao salmista. Essas atividades têm a ver com o

ambiente de festa que o texto revela mediante os substantivos “mesa”, “óleo” e “cálice”.

Reparamos que as duas primeiras frases do v.5, “preparas diante de mim uma mesa,

na presença de meus agressores” e “unges com o óleo minha cabeça” se apresentam como a

causa que provoca a seguinte expressão, “meu cálice (está) transbordando”, a última frase

do mesmo v.5.

No v.5 também notamos que suas frases falam, de maneira mais explicita, de um

lugar específico. O fato nos remonta a possível relação entre o lugar que mostram as duas

49

frases: “em pastagens de belas ervas me faz deitar” e “sobre águas de descansos me

conduz” (v.2).

O v.6 manifesta a forma conclusiva do Salmo. Ele possui duas frases, que parecem

ser a formulação de votos emitidos publicamente pelo salmista, e que poderiam ser o

resultado da travessia desenvolvida no percorrer da poesia.

É muito interessante observar que a primeira frase do Salmo, “Javé (é) meu pastor”

(v.1) vem a relacionar-se com a última no v.6, “e morarei na casa de Javé, para

prolongamento dos dias”. Ambas compartilham o nome “Javé”. O mesmo que se encontra

alusivo no v.3, “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”. Esta constatação

nos confirma que o Salmo 23 forma uma unidade literária coesa. Apresentamos sua

correspondência semântica:

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hw"©hy>÷-tybeB. yTiîb.v;w>

Em suma, o Salmo 23 é de caráter poético. Sua poesia se revela mediante a

repetição de sentido de suas frases, que está bem matizado. Observamos que as frases que

compõem o texto possuem interdependência de forma, o que garante sua correspondência

em assuntos de conteúdo. Suas repetições estão em função de comunicar um sentido

completo, o que gira no interior do texto, mediante cada frase. O caráter desta poesia o

converte num texto harmoniosamente integrado.

2.6. Algumas considerações sobre o gênero literário

Neste momento, acercamo-nos da tarefa de descobrir o gênero do nosso objeto de

estudo, o Salmo 23. O trabalho nos permitirá distingui- lo dentro de seu conjunto com a fim

de exprimir sua maneira de comunicar sentido. Além disso, nos permitirá edificar as bases

para encaminharmos uma posterior missão, a de construir seu contexto vital.

Poderíamos começar fazendo referência a um dos mais relevantes estudiosos

clássicos do saltério, Hermann Gunkel. Em 1933, ele escreveu uma obra introdutória aos

salmos, na qual introduziu um novo paradigma para o estudo do livro a partir do gênero

literário.

Para Hermann Gunkel, a confiança é um elemento característico do gênero literário

de Israel.67 Sabendo isso, e desde sua ótica inovadora, incrustou o Salmo 23 dentro do

bloco dos que ele considera salmos de confiança individual, estudando-o paralelamente

com os Salmos 4; 11; 16; 27; 62 e 131.68

67 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.229. 68 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.194.

51

Conforme Hermann Gunkel, os salmos de confiança provêm de um gênero maior,

os salmos de lamentações individuais, que constituiriam a base autêntica do saltério. Esta

afirmação se baseia no fato de que a maioria das lamentações foi composta em perigo de

morte de seus autores.69

Hermann Gunkel reconhece que no saltério os gêneros estão mesclados, fato que

provocou, na sua época, retardamento na aceitação do estudo dos salmos a partir de seu

gênero.70 Está consciente de que o Salmo 23 é o menos típico, no sentido literário, dos de

seu grupo, lamentação individual, porque desde o principio está dominado pelo motivo da

confiança. Neste aspecto, diz, faltaria o lamento e a súplica. 71

Outros autores modernos, como Erhard Gerstenberger, também observam que os

leitores do Salmo 23 concordam em afirmar que o motivo da confiança está presente no

texto. Para ele, o Salmo expressa claramente que a confiança e a esperança estão articuladas

no olhar futuro.72

Hans-Joachim Kraus sugere que o Salmo 23 pertença ao grupo de formas dos

cânticos de oração. O autor se mostra respeitoso das posturas anteriores, que classificam o

Salmo dentro do grupo das lamentações individuais. No entanto, aclara que a fórmula de

confissão de fé que há nos v.2-3 levam-nos a considerá- lo como cântico de ação de graças

pronunciado por um orante régio.73

Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti examinam que o Salmo 23 pode ser vítima

dos seus recitadores, que o podem deixar situado numa profunda emoção de confiança,

abolindo seu caudal imaginativo. Eles consideram necessário estudá-lo a partir do propósito

69 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.204. 70 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.41. 71 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.267. 72 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.115-116. 73 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.416.470.

52

de fazer emergir à superfície esses símbolos que o texto fornece, para mostrar seu potencial

generoso.74 Contudo, os autores não deixam claro a que gênero o Salmo pertence.

Alguns autores latino-americanos como Fidel Oñoro 75, José Bortolini76 e Leonardo

Boff77, também identificam o Salmo 23 como um texto onde predomina a confiança e a

ação de graças. No mesmo aspecto, reconhecem o caráter pessoal que emana da poesia.

Consideram, de uma ou outra forma, no percorrer de seu estudo, que o texto revela um

indivíduo com absoluta confiança em Javé.

Consideramos que, há mais de um século, estes e outros autores modernos, com

mínimas variantes, têm seguido a classificação do Salmo 23 segundo seu gênero literário,

modelo proposto por Hermann Gunkel.

Várias questões nos preocupam no momento de oferecer a nossa proposta literária.

Primeiramente porque pensamos que, na sua origem, os compositores não estariam

preocupados em fechar sua inspiração poética num gênero específico, mas estavam

preocupados por transmitir uma mensagem nascida das suas circunstâncias.

Não há dúvida de que o Salmo se mostre, significativamente, como um texto onde

predomina a confiança. É certo que do próprio texto emanam outros sinais literários. Se

evocarmos algumas questões poderíamos ressaltar, no texto, algum outro aspecto, no

sentido do gênero, que nos abra novas janelas de interpretação.

Considerando que o Salmo 23, ao invés de manifestar elementos de súplica, mostre

elementos de afirmações, poderíamos perguntar: sobre qual base se apóiam essas

afirmações? Ou seja, em quem e por que confia o salmista de nosso texto? Com certeza, a

reposta nos encaminha diretamente à imagem de “Javé pastor” (v.1). Em torno dele gira

todo o texto.

74 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.380. 75 Fidel Onõro, Comentario al Salmo 23, p.7. 76 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, p.102. 77 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.32.

53

Para concluir, pensamos que o Salmo 23 pode ser abordado como “um canto de

agradecimento particular a Javé pastor por uma graça recebida”. O canto está repleto de

confiança em Javé que apascenta, e mostra, ao mesmo tempo, sinais da ideologia real. Em

nossa proposta, não contradizemos Hans-Joachim Kraus, no aspecto de ver no Salmo 23

uma canção que glorifica a Javé como pastor de Israel.78

2.7. Lugar

Neste momento assinalaremos algumas dicas que nos aproximem do lugar onde

surgiu o Salmo 23. Como ponto de partida consideramos que este texto nos manifesta uma

experiência de vida. Esta experiência revela, nas entrelinhas, o lugar e a circunstância pelas

quais atravessa o salmista. Mesmo que já tenhamos feito menção de algumas indicações,

tentaremos situar o Sitz im Leben ou contexto vital, do nosso objeto de estudo.

Os salmos que mostram uma linguagem individual, como é o caso do Salmo 23,

podem fazer referência ao círculo familiar.79 Não descartamos a possibilidade de que estes

textos tenham sua raiz nos focos comunitários e que mais tarde fossem reformulados e

utilizados para seu uso litúrgico oficial.

O certo é que o Salmo apresenta como seu lugar vital o templo de Jerusalém. Estas

assembléias, no santuário central, eram comumente freqüentadas por pessoas de todo Israel

(1Sm 11,3-21). Desta maneira, os fiéis que chegavam para vivenciar sua fé e sua comunhão

solidária ultrapassavam o pequeno círculo de parentes e vizinhos. 80

Para Hermann Gunkel, o Salmo 23 nasceu no contexto litúrgico e sua situação vital

evoca um oráculo divino. Este oráculo de salvação oferecia ao salmista a segurança de que

78 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.472. 79 Erhard Gerstenberger, Os gêneros dos salmos no Antigo Testamento – Introdução e salmos de lamentação – Salmos 22 e 88 , São Leopoldo, Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 1982, p.14. 80 Erhard Gerstenberger, Os gêneros dos salmos no Antigo Testamento – Introdução e salmos de lamentação – Salmos 22 e 88, p.15.

54

sua súplica tinha sido escutada. Desta maneira, criava-se o pressuposto psicológico de

confiança para quem estava passando por uma situação de perigo de morte. 81

Também para Hans-Joachim Kraus, o contexto vital do Salmo 23 é originado num

contexto litúrgico. Brevemente, o autor assinala a situação de refúgio e a circunstância de

um ambiente comunitário, segundo o costume, onde se oferecia um banquete sacrifical

empregando-se este texto como um canto de ação de graças. 82

No contato estreito com o texto hebraico, e pelas reflexões destes autores,

afirmamos que o Salmo 23 remete, como lugar vital, ao templo de Jerusalém, “casa de

Javé” (v.6). Estamos de acordo que o Salmo 23 é entoado num ato litúrgico dentro da

tradição religiosa de Israel, que costumava celebrar os atos salvíficos de Javé, presentes e

históricos. Prática que vinha acontecendo desde a época do deserto (Ex 15,1-18).83

Mas, da mesma forma, dizemos que o caráter pessoal do Salmo 23 impede seu

desenvolvimento no sentido de pretender estudá-lo como um texto que teve sua origem em

uma situação coletiva. Ao focalizar o ponto chave do Salmo, pretende-se descobrir a

realidade individual pela que passa o crente nas entrelinhas do texto.

Pela forma e pelo conteúdo do Salmo 23, atrevemo-nos afirmar que se trata de uma

experiência pessoal. Ou seja, um drama superado de quem se encontrava refugiado no

templo. Estamos querendo dizer que o Salmo é de asilo, mas a controvérsia conclui-se

numa ação de graças acompanhada pela comunidade presente, a que tem testemunhado a

trajetória desta pessoa.

2.7.1. Data

81 Hermann Gunkel, Introducción a los salmos, p.199.204. 82 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.471. 83 Artur Weiser, Os salmos, São Paulo, Paulus, 1994, p.21.

55

Neste momento tentamos abranger a possível data de origem do Salmo 23. Esta

possibilidade não se refere à origem dos termos que nele se utilizam, e sim o nascimento da

composição literária como poema.

Desde os primórdios, Israel possuía cânticos que eram utilizados nas festas

nacionais (Ex 15,1-18; Sl 68). Estas canções eram entoadas no santuário central, ou seja,

nas liturgias celebradas em Jerusalém após a construção do templo.84 É possível que para

estas ocasiões se utilizassem livros de cantos próprios para o momento.

Anterior a essa concentração de material litúrgico reconhece-se o papel que

desempenharam as pequenas comunidades locais na origem dos salmos e no processo de

sua canonização. Foi destes grupos simples e familiares que mais tarde os santuários, o

templo e as sinagogas herdaram as poes ias, maioria delas nascidas como hinos de ação de

graças ou de lamentações em prol de um individuo ou de uma coletividade. 85

Não obstante, um dos problemas que apresenta o livro dos salmos é o de determinar

a data e a circunstâncias que deram origem a cada uma destas poesias. Isso pelo motivo de

que sua linguagem poética fornece poucos dados em relação a sua situação histórica.

A possibilidade de que a coleção de salmos tenha sido agrupada no decurso de seis

ou mais séculos nos confronta com uma diversidade literária produzida e contextualizada

em épocas distantes. O controle histórico escapa de nossas mãos. Neste sentido, o saltério

só representa uma pequena porção desses escritos, pois se reconhece a existência de salmos

extrabíblicos.86

Esta situação, sabida pelos estudiosos do saltério, dá-nos a tarefa de explorar o texto

com o objetivo de indagar sobre sua gênese. Nesta exploração, apóiam-nos, especialmente,

os sinais históricos fornecidos pela análise literária e semântica. 84 Erhard Gerstenberger, Os gêneros dos salmos no Antigo Testamento – Introdução e salmos de lamentação – Salmos 22 e 88, p.7. 85 Erhard Gerstenberger, Os gêneros dos salmos no Antigo Testamento – Introdução e salmos de lamentação – Salmos 22 e 88, p.8. 86 Teodorico Ballarini e Venancio Reali, A poética hebraica e os salmos, Petrópolis, Vozes, 1985, p.48.

56

Alguns autores consideram que a maior parte dos salmos foi composta na época pré-

exílica. Entre eles está Artur Weiser, apoiando-se no fato de que a coleção de salmos

atribuída a Davi pertencia à tradição davídica do culto no templo antes do exílio.87 Erhard

Gerstenberger também considera que a coleção de salmos está destinada ao uso litúrgico,

um fato que faz alusão à época anterior ao exílio.88

Um outro autor que vem a reforçar a nossa proposta de datação é Hans Strauss. Ele

considera o Salmo 23 como uma confissão muito antiga, pré-exílica, de alguém que obteve

asilo vitalício no santuário de Jerusalém. 89

Além do mais, consideramos que a expressão “Javé pastor” (v.1) mostra um título

que, em Israel, podia designar o rei. 90 Neste sentido, não se pode comprovar a titulação de

Javé como rei antes do período da época monárquica.91 Como o Salmo 23 também faz

referência à “casa de Javé” (v.6), nos faz pensar que se trata do templo de Jerusalém,

porque o texto evoca a tradição davídica.92

Além disso, com a expressão “casa de Javé” designa-se, no Primeiro Testamento, o

templo de Javé em Jerusalém. 93 As referências acerca desta “casa” mostram vinculação ao

santuário terreno (Sl 26,8; 27,4). Mesmo que “casa de Javé” seja uma fórmula utilizada em

textos exílicos e pós-exílicos (Is 2,3; 56,5; Mq 4,1), afirmamos que essa expressão, no

Salmo 23, fala da época anterior ao exílio.

87 Artur Weiser, Os salmos, p.14.66. 88 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.29. 89 Hans Strauss, Comentário a salmos escolhidos, p.82. 90 John Mackenzie, Pastor, em Dicionário bíblico, São Paulo, Paulinas, 5a edição, 1997, p.697. 91 Antonius Gunneweg, Teologia bíblica do Antigo Testamento – Uma história da religião de Israel na perspectiva bíblico-teológica, São Paulo, Teológica/Loyola, 2005, p.191. 92 Consideramos que o principio dinástico nunca foi implantado no Reino do Norte, enquanto que em Judá foi observado. Aqui, alguém era rei pela graça de Deus. Conferir: Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento , São Paulo, Paulus, 2003, p.127. 93 Ernst Jenni, Casa, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, Madrid, Cristiandad, vol.1, 1978, p.456.

57

Queremos afirmar que o Salmo 23 mostra indiretamente uma época anterior à

destruição do templo e anterior ao desterro. Isso, pelo fato que o texto carece da linguagem

própria do momento do desterro ou do retorno. O texto, como vimos, não tem sentido de

súplica nem mostra a nostalgia de quem está longe de sua terra ou com anseio de

restauração. Tudo indica, na análise textual, que as celebrações litúrgicas no santuário

central, chamado “casa de Javé”, não foram interrompidas pela potência babilônica.

Com estas alusões, queremos situar o Salmo 23 num período concreto da história,

naquele que transcorre desde a monarquia até antes do exílio babilônico. Pelas

circunstâncias, vemo-nos limitados a sugerir que o texto é pré-exílico.

Tendo em conta que, no contato com o Primeiro Testamento, os livros que se

destacam em mencionar o termo “pastor” são do fim do período pré-exílico, exílico ou pós-

exílico (Zacarias, Ezequiel, Isaías e Jeremias), poderíamos pensar que o Salmo 23 nasce

num período não muito distante do exílio. Sendo assim, o título designado a Javé, “pastor”,

seria uma terminologia empregada no momento.

2.7.2. Autoria

E quem é o autor do Salmo 23? Este é um assunto complicado de responder

concretamente. Vejamos porquê. Um antigo costume era atribuir escritos significativos,

neste caso, os salmos, aos personagens relevantes da história de Israel. Esta é uma das

razões pela qual se atribui a Davi a autoria do Salmo. Todavia no momento basta dizer que

o Salmo 23 não é de autoria de Davi, e sim uma homenagem a ele.

Um detalhe a observar é que escribas e levitas estavam envolvidos diretamente na

cotidianidade litúrgica e cultual do templo. Eles colecionavam canções religiosas advindas

tanto de dentro quanto de fora de Jerusalém, surgindo assim uma espécie de folheto que

servia de material litúrgico.94

94 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.27.

58

Estas personagens responsáveis pelo culto, especialmente levitas, testemunhavam

numerosas experiências dos crentes que ali se encontravam. Neste nosso caso, a experiência

de um asilado no templo, que tinha recebido um oráculo de inocência e salvação. É possível

que esse fato de vida tenha marcado a sensibilidade de algum levita, intelectual orgânico, e

lhe provocara inspiração poética.95

2.7.3. Aproximação ao contexto do Salmo 23

Considerando nossa teoria, a de que o Salmo 23 é um texto de asilo, vamos fornecer

algumas informações que ilumine a nossa pesquisa. O principal, neste momento, é repensar

o templo de Jerusalém como lugar de refúgio para pessoas que, sendo inocentes, eram

perseguidas e ameaçadas de morte. É oportuno abrir espaço para esta exposição, pois ela

condiciona diretamente o eixo transversal desta poesia.

2.7.3.1. O templo de Jerusalém como lugar de asilo

Neste trabalho, quando falamos do templo de Jerusalém nos referimos ao primeiro

santuário localizado no monte Sião, construído na época do reinado de Salomão, ao redor

do ano 952 antes de Cristo, que depois se converteu no centro religioso de todo israelita

(1Rs 6).

A presença da arca da aliança no templo foi propicia para que este ganhasse honra e

fama: “os sacerdotes conduziram a arca da aliança de Javé ao seu lugar, ao Debir do

templo, a saber, ao Santo dos Santos, sob as asas dos querubins” (1Rs 8,6). Estes querubins

eram figuras que representavam o trono divino (1Sm 4,4).

Toda a simbologia da arca, especialmente as duas tábuas, que remetiam ao período

mosaico (1Rs 8,9), evocava o lugar da misericórdia e do senhorio real de Javé, de onde

recebia a exp iação e emitia a sua vontade (Ex 25,22; 2Sm 4,4). 95 Teodorico Ballarini e Venancio Reali, A poética hebraica e os salmos, p.50.

59

Possivelmente, segundo a tradição, desde os inícios esta arca era conduzida

encabeçando a marcha dos israelitas. Era o símbolo ambulante da presença de Javé

caminhando entre eles, partindo tanto para as guerras como para os lugares de fertilidade e

repouso (Nm 10,33; 14,44).

A mobilidade local da arca, desde este começo, foi o motivo para que estudos mais

recentes duvidassem do acerto de sua centralidade no templo de Jerusalém. Para essa

afirmação, considerou-se a existência de santuários portáteis entre as tribos pré-islamicas da

Arábia, que podia refletir o sentido verdadeiro da arca da aliança dos israelitas.96

Na realidade, a arca no templo, seja pela influência da herança nômade ou pela

herança da terra de cultivo, foi-se convertendo para os israelitas na visualização da morada

de Javé.97 A consciência da atmosfera divina no santuário vem justificada desde os

primórdios. A tradição considerava que o mesmo Javé teria escolhido esse lugar para

colocar o seu nome, fixar a sua residência, e facilitar o encontro (Dt 12,5; Sl 132,13).

Esta questão, da existência da presença de Javé no templo, tem uma explicação

razoável por Antonius Gunneweg. Ele considera que o templo foi entendido como símbolo

visível da misericórdia e do favor de Javé. Ou seja, com este santuário, o Deus dos

israelitas facilitava seu encontro com seus fiéis, ali se deixava achar para aceitar as

oferendas, atender as orações e falar, mediante pessoas escolhidas. Para este autor, isso

significa que o templo não reduzia nem controlava a presença de Javé. 98

Poderíamos considerar que o templo era parte da pedagogia humano-divina. Era

como uma ponte de união entre as esferas profana e sagrada, como núcleo de intersecção

entre o transcendente e imanente, onde o terreno e o celeste se concentravam numa

96 John Mackenzie, Arca da aliança, em Dicionário bíblico, p.70. 97 Werner H. Schmidt, A fé do Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 2004, p.194. 98 Antonius Gunneweg, Teologia bíblica do Antigo Testamento – Uma história da religião de Israel na perspectiva bíblica-teológica, p.180-181.

60

totalidade envolvente. Neste sentido, tornava -se compreensível que Javé, mediante pessoas

inspiradas, facilitara sua relação com o povo escolhido.

O templo converteu-se assim, oficialmente, na sede da presença de Javé. Quando a

arca, após os triunfos de guerra, voltava a ser introduzida no templo (Sl 24,7), o Deus dos

israelitas se apoderava de sua casa: “a glória de Javé enchia o templo de Javé” (1Rs 8,10).

Esta percepção (1Rs 8,10) unida à tradição mostra o objetivo da edificação do

templo: construir uma morada para Javé, uma residência em que habite para sempre (1Rs

8,13). Isso contribuiu para que todo fiel israelita assumisse a presença real de seu Deus no

santuário de Jerusalém. Além disso, a tradição afirma que foi o lugar escolhido por Javé

para que seu nome resida ali (2Rs 23,27).

Com a morada de Javé no templo, tornou-se plausível a tradição cultual, refletida

muito bem nos salmos: “começo a recordar as coisas e minha alma em mim se derrama,

quando eu passava, sob a Tenda do Poderoso, em direção a casa de Deus, entre os gritos de

alegria, a ação de graças e o barulho da festa” (Sl 42,5).

Todas estas considerações tornam-se necessárias para entendermos o poderoso

significado do santuário de Jerusalém como lugar sagrado que servia de asilo. A lei de asilo

era uma necessidade muito antiga, que pode ser remetida ao mundo nômade. Depois,

passou a ser uma virtude sagrada e inviolável, com caráter de hospitalidade.99

É prudente aclarar que o substantivo miqlat, “asilo”, no hebraico, denota o local

para onde uma pessoa se refugiava quando era ameaçada de morte. É distinto de mahseh,

que significa “local de refúgio para pessoas e animais”, “lugar para onde alguém foge”,

“local forte ou elevado”.100

99 Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.29. 100 Leonard Coppes, Asilo, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1344.

61

Segundo Erhard Gerstenberger, o termo miqlat “asilo”, vem a ser sinônimo do

vocábulo hebraico hsh “refugiar-se”, que pode ser entendido como “salvar-se”, “esconder-

se”.101 Também pode evocar “confiar-se a alguém” (Sl 31,6), “ficar em” (Sl 91,1).

Sendo assim, o contexto mais próximo dessas expressões refere-se,

metaforicamente, à busca de um lugar seguro, como um santuário (Sl 7,2; 36,8; 57,2).102 A

confiança expressada, além de indicar a busca de um lugar de asilo, manifesta a postura

interna da comunidade em questão. 103

De onde vem a designação de um local como lugar de asilo? Um dos fundamentos

se acha no código da aliança. O livro do Êxodo 21,13 indica um lugar de amparo para

pessoas que tenham cometido homicídios involuntários, e que fossem perseguidas por

causa de vingança de sangue.104

O ponto de referência para refugiados era, sem dúvida, um santuário. Antes da

reforma religiosa do rei Josias existiam muitos deles, com altares oficiais, dedicados a Javé

(2Rs 23,4-14). Contudo, o principal entre eles sempre foi o santuário central da federação

das tribos, onde estava, como vimos, a arca da aliança (Sl 122,3). 105

O templo de Jerusalém era, especialmente, o lugar destinado para asilo, onde se

tratavam os casos mais difíceis (Dt 17,8). Ali se confirma a presença de pessoas refugiadas:

“Adonias, temendo a Salomão, levantou-se e foi se agarrar aos chifres do altar” (1Rs 1,50).

Outras referências em: 1Rs 2,28-31; Sl 27,2-5; 61,4-6; Is 14,32.106

101 Erhard Gerstenberger, Refuriarse, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, p.861. 102 Erhard Gerstenberger, Refuriarse, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.1, p.862-863. 103 Erhard Gerstenberger, Refuriarse, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, p.864. 104 Em Jz 6,26 se prevê a construção de um altar que ofereça proteção aos fugitivos. As dívidas e as vinganças pessoais também poderiam provocar na pessoa a condição de asilado (Sl 56,11-12). 105 Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.196. 106 Relativo às cidades de refúgio consultar Js 20,1-6; Nm 35,9-34. Estas cidades eram destinadas a abrigar pessoas que cometiam homicídios involuntários. São consideradas três cidades na Transjordânia e três na Cisjordânia. Destas cidades nos limitamos a fazer só referência, porque nosso objetivo é estudar o templo de Jerusalém como lugar de refúgio. Conferir informações sobre estas cidades refúgio: Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.196.

62

A exclusividade narrada em Ex 21,13, indicando que somente o inocente pode

refugiar-se no santuário, deve-se a que o ser humano, sujeito de impiedade, não podia ser

considerado hóspede de Javé (Sl 5,5). Pelo contrário, se uma pessoa buscava refúgio, sendo

culpada, podia ser arrebatada do altar para que morresse (Ex 21,14).

Para lograr refúgio no templo, o acusado tinha que entrar no santuário antes que

seus acusadores e perseguidores o capturassem para executá- lo. Uma vez no lugar sagrado,

os inimigos não podiam fazer- lhe nada. Imediatamente, o caso era deixado nas mãos da

jurisdição divina, mediante os sacerdotes (Sl 4,9; 34,9). 107

Hans-Joachim Kraus aclara que a proteção divina no santuário era só na ante-sala,

ali se preparava o perseguido mediante súplicas, sacrifícios e purificações: “Javé, meu

Deus, se eu fiz algo... se em minhas mãos há injustiça...” (Sl 7,4). No dia seguinte, se

esperava o veredicto de Javé, que podia ser emitido mediante um oráculo através do

sacerdote (Sl 26,1-2).108

As pessoas que se refugiavam no templo eram pobres, porque os ricos ao invés de

Javé, tinham suas riquezas como escudo (Sl 27,2; 52,9; 54,5; Pr 10,29). Isso reflete a idéia

de que o essencial para a proteção não eram as muralhas do santuário e sim quem residia

dentro dele, o defensor dos desamparados, Javé, e a comunidade cultual (Dt 32, 37).

Queremos dizer que foi a presença de Javé, junto à comunidade fiel, que tornou o

templo sagrado. Neste sentido, falar do templo como lugar de asilo, é o mesmo que falar de

Javé como lugar de refúgio.

A partir destas indagações podemos entender algumas expressões usadas para

designar Javé nos salmos: abrigo na sombra de asas (36,8), fortaleza (59,10), escudo

salvador (18,36), torre forte à frente dos inimigos (61,4), lugar de amparo (61,5), forte

rochedo (62,7), rocha acessível de hospitalidade (71,3), asas de abrigo, refúgio (91,4.9).

107 Hans-Joachim Kraus, Teología de los salmos, Salamanca, Sígueme, 1985, p.176. 108 Hans-Joachim Kraus, Teología de los salmos, p.177.

63

Se buscar refúgio ressaltava a insuficiência e a insegurança do indefeso e, por sua

vez, enfatizava o aspecto defensivo ou externo da salvação de Deus, então se refugiar em

Javé podia significar experimentá- lo como fonte de fortaleza e proteção nos momentos de

perigo (Sl 46,2-4). 109

O livro dos salmos apresenta um significante número de pessoas que

experimentaram os favores de Javé. Essas pessoas libertadas das ameaças puderam, após

seu resgate, cantar hinos de agradecimentos ao Deus de sua salvação (Sl 23).

Em suma, com o exposto abrangem-se perspectivas para estudar o Salmo 23 como

um texto que nasce numa situação de asilo. A forma e o conteúdo deste poema indicam que

nas entrelinhas existe uma pessoa asilada e proclamada inocente no templo de Jerusalém.

2.8. Assuntos de conteúdo

Neste momento, fornecemos uma proposta de interpretação de conteúdo do Salmo

23. Apresentaremos uma exegese. Nossa exegese, como vimos, está baseada no método

histórico-crítico.

O caráter poético de nosso Salmo, o que se distingue pela repetição de sentido de

suas frases, nos leva estudar o texto a partir da relação de suas frases. Esta relação

considera a coesão das frases dentro de sua estrofe e, ao mesmo tempo, dentro de sua

unidade textual. Vamos dividir este momento em duas partes, sem deixar de lado a inter-

relação entre ambas. O critério de divisão está em conformidade tanto com a divisão interna

do texto quanto com nossa proposta de estrutura poética, já estudadas.

2.8.1. Primeira estrofe (v.1-4a)

Assistência de Javé para o salmista que atravessa um momento de risco 109 Donald Wiseman, Refúgio, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.504.

64

Esta primeira estrofe possui uma rica simbologia. Ela concentra tanto um perfil

teológico quanto antropológico, o que emana da estreita relação entre o salmista e Javé. A

sub-unidade de pensamento (v.1-4a) se caracteriza por mostrar a assistência de Javé para o

pobre que atravessa um momento de perigo.

O v.1 está formado por três frases, inclusive o cabeçalho, “salmo para Davi”. Além

dele, estudaremos o que temos denominado frase principal, “Javé (é) meu pastor”, e a

primeira fórmula de confiança, “não carecerei”. Vejamos, pois, cada frase, considerando a

certa independência que possui o cabeçalho.

dwI+d"l. rAmðz>mi “salmo para Davi”

O cabeçalho do Salmo 23 é uma frase relevante porque focaliza a perspectiva

direcional do texto. O termo hebraico apresentado no título rAmðz>mi mismor, tal

como aparece, se refere a um substantivo, comum, singular, absoluto, “salmo”.

O vocábulo mismor “salmo” as vezes está associado a rmz smr que se remete ao

verbo “cantar”, “entoar um canto”, “canto”. 110 Neste sentido, também está relacionado à

direção musical ou a nomes de melodias, aquelas tocadas com instrumentos de corda.111 No

mesmo sentido, o termo hebraico para designar o livro de salmos (que é o plural do

hebraico mismor) significa tehillim “louvores”. 112

O texto massorético, nesta frase (v.1), apresenta a preposição l le “em direção de”,

que em termos gramaticais expressa “estar ou acontecer em direção a”. Também pode ser

110 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, São Paulo, Paulus, 3ª edição, 2004, p.365. 111 David Clines (editor), Psalms, em The dictionary of classical Hebrew, Sheffield, Sheffield Academic Press, vol.5, 2001, p.210. 112 Herbert Wolf, Salmo, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.396.

65

traduzida por “a”, “junto a”. Além do mais, pode ser entendida como “em relação a”, “no

tocante a”, “com objetivo de”, “por causa de”. 113

A preposição l “para”, pode ser interpretada no sentido de “pertença”, “posse”,

“propriedade”, “atribuição”, “resultado ou produto de uma ação”, “relação de genitivo”.114

As traduções, comentários e estudos a nós disponíveis e que fazem referência ao Salmo 23,

optam pela linha interpretativa, que observa o genitivo masculino “de”. Mas nós, como

explicaremos, optamos pela tradução “para”.

Após a partícula “para” achamos um substantivo dwI+d david “Davi”.

Antigamente interpretado como “amado”, fazendo alusão a um título divino. A rigor se

refere, segundo a tradição judaica, ao filho de Jessé, de Belém, sucessor de Saul como rei

de Israel, ungido por Samuel (1Sm 16,13).

A frase mismor le david “salmo para Davi”, é considerada o cabeçalho do Salmo 23.

Estes títulos têm sido observados como acréscimos posteriores ao texto original. Eles não

determinam a origem literária dos salmos, porque foram acrescentados posteriormente à

redação final dos textos.115

Mostramos alguns critérios que indicam porquê optamos por traduzir l le como

“para” e não “de”. Sugerimos que o Salmo 23 foi dedicado a Davi, segundo o texto

massorético. A tradução que acolhemos para nosso estudo é “salmo para Davi” e não

“salmo de Davi”.

Uma segunda questão continua inconclusa, porquê foi o Salmo 23 dedicado a Davi?

Responderemos brevemente para não desviarmos do texto.

113 Nelson Kirst, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, São Leopoldo/Petrópolis, Sinodal/Vozes, 18a edição, 2004, p.107. 114 Nelson Kirst, Dicionário hebraico-português e aramaico-português , p.107. 115 John Mackenzie, Salmos, em Dicionário bíblico, p.828.

66

Existem textos bíblicos e, porém, uma corrente ideológica, que apresenta Davi

como o pastor escolhido. Afirmam que Javé vai suscitar o servo Davi para que desempenhe

a verdadeira missão do pastor, apascentar e servir as ovelhas. Javé parece ansiar que Davi

seja o único guia de seu rebanho, a fim de que as ovelhas andem conforme suas normas e

estatutos (2Sm 5,1-10; Ez 34, 23.24).

O nome de Davi também evoca a expressão “linhagem de Davi”. Este rei, em sua

história pessoal, foi um jovem pastor (1Sm 16,11), valente guerreiro, homem de

discernimento, músico e belo. Além disso, era reconhecido como fundador da liturgia do

templo (1Sm 16,18. 23; 17, 34-37).

Davi ganhou a simpatia do povo, especialmente dos anciãos a quem dava presentes

após os triunfos de guerra, e se mostrou útil para os agricultores. Com estas estratégias, no

dia em que precisou formar uma equipe de guerreiros encontrou apoio. Ocupou a capital de

Judá, governando por sete anos e meio.116

O estado de Davi desde Jerusalém, para onde se trasladou a arca da aliança, foi

comercial e agrícola, dependendo um setor de outro. Tratou-se do equilíbrio de força de

ambos grupos, pois tanto o urbano como rural tinham interesse de sobrevivência.117 Nos

salmos, segundo Milton Schwantes, temos ap roximações entre Sião e Davi.118

Davi passou para a história, segundo a tradição javista, como um rei justo, vitorioso,

humilde, protetor do povo, forjador da paz. Ele se apresentou como o rei e pastor desejado

e eleito por Javé, como o inspirado de Deus (1Sm 16,1), ungido pela vontade divina (16,3).

Em suma, o cabeçalho do Salmo 23, “salmo para Davi”, foi uma homenagem a Davi

pastor. Javé fez uma aliança eterna e especial com ele e sua linhagem (Sl 89). Em outras

116 Notas tomadas na disciplina Religião e sociedade no mundo bíblico. Professor: Dr. Milton Schwantes. Segundo semestre 2006. Programa d e Pós-Graduação em Ciências da Religião da Faculdade Metodista de São Paulo. 117 Notas tomadas na disciplina Religião e sociedade no mundo bíblico. Professor: Dr. Milton Schwantes. 118 Milton Schwantes, Esperança messiânica e davídicas, em Revista de Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n.23, 1989, p.28.

67

palavras, de Davi e de sua descendência se esperou o rei/pastor prometido (Ez 37,24), que

teria a missão de proporcionar um governo estável, que garantisse a paz e o bem-estar para

todo Israel. 119 Mesmo que se tenha tratado, segundo Gilberto Gorgulho, de uma

hermenêutica a partir da ideologia do rei justo e de um valor do estado monárquico.120

Agora nos acercamos a um outro momento, o que supõe um contato mais estreito

com as próprias frases que formam o Salmo 23.

y[iªro÷ hw"ïhy “Javé (é) meu pastor”

Após o estudo do cabeçalho do Salmo 23, “salmo para Davi”, iniciamos a análise de

sua frase principal, “Javé (é) meu pastor” (v.1). Considerando sua importância, dedicar- lhe-

emos uma atenção especial.

Lembramos que a frase “Javé (é) meu pastor” faz parte da primeira estrofe do Salmo

(v.1-4a). Ela, conjuntamente com a frase seguinte, “não carecerei”, possuem um sentido

especial dentro do texto e se encontram em íntima relação. Aliás, ambas correspondem ao

v.1.

Vejamos, pois, como alguns exegetas lêem nossa primeira frase.

A frase nominal “Javé (é) meu pastor”, segundo Erhard Gerstenberger, revela a

imagem de Deus como pastor, a que ocorre, conforme diz, em salmos nacionais (77,21;

80,2; 100,3), fazendo lembrar pequenos grupos pastoris (Gn 48,15).121

Hans-Joachim Kraus, no seu comentário, realça, nesta frase, a imagem do povo que,

como rebanho, é conduzido e protegido. Considera que esta metáfora faz alusão ao papel de

uma nação onde se exerce um senhorio com poder e, ao mesmo tempo, com bondade. 122 119 A expressão linhagem de Davi também nos lembra a esperança messiânica. 120 Gilberto Gorgulho, Os salmos do rei, em Revista de Estudos Bíblicos, p.10. 121 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.114.

68

Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti entendem a frase a partir da seguinte

perspectiva: ao usar a imagem de um animal domesticado para representar suas relações

com Deus, a pessoa humaniza suas tendências ferozes, oferecendo-se dócil à guia de

Deus.123

Apesar da sutil divergência entre estes autores, Erhard Gerstenberger, Hans-Joachim

Kraus, Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti são unânimes em constatar que o termo

“pastor” faz referência a um título real que os israelitas transferiram para seu Deus.124

Para Artur Weiser, a frase “Javé (é) meu pastor” tem a ver não com um indivíduo, e

sim com uma coletividade. Para isso apóia-se no Primeiro Testamento, onde a figura do

pastor expressa a ação salvífica de Javé com o povo da aliança.125

Para concluir esta ambientação, encerramos com Fidel Oñoro, autor latino-

americano, que nos oferece uma contribuição significativa. Para este biblista, Javé é o

pastor do povo como coletividade e, ao mesmo tempo, se relaciona particularmente com

cada membro. Javé é o nome pessoal de Deus, com o qual se revela. Além disso, comenta,

quando o salmista diz “Javé (é) meu pastor”, está dizendo que esse Deus se ocupa dele,

ama-o, tem um coração e se revela na vida de seus fiéis.126

Até aqui, temos indagado o parecer de diversos autores com relação à frase “Javé

(é) meu pastor” (v.1). Preparamo-nos para fornecer a nossa proposta de conteúdo. Para isso

tentaremos descobrir o sentido da frase dentro do contexto e da situação vital na qual vive o

salmista.

Observando, pois, a tradição de Israel, segundo as Escrituras, encontramos claros

indícios da existência de lideranças políticas chamadas pelo título de “pastor”, que tinham a

122 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.472. 123 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.381. 124 Constatar a afirmação nas mesmas páginas anteriormente indicadas. 125 Artur Weiser, Os salmos, p.164. 126 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.8.

69

missão de governar o povo no direito e na justiça. Vamos nomear alguns casos, mesmo que

a datação das referências pertença tanto ao período anterior como ao posterior da possível

gênese do Salmo 23.

No Primeiro Testamento, muitos fatos indicam que certas lideranças desvirtuavam a

sua função de pastores. Fala-se da existência de horror para alguns pastores (Gn 46,34).

Achamos sinais de pastores insensatos aos olhos de Javé, porque abandonaram suas

ovelhas (Zc 11,15).

Existem evidências de pastores/reis que ao invés de apascentar as ovelhas se

apascentavam-se a si mesmos (Ez 34,8). Além disso, lemos que o povo sofria porque

parecia não ter pastor/governantes (Zc 10,2). Quando se fala de Javé “pastor”,

indiretamente se remete à existência de outros pastores, com distintos princípios de relação

entre eles e suas ovelhas (Ez 34,5; Jr 49,19; 50,44).

Ainda no Primeiro Testamento, notamos a existência de ovelhas/povo dispersas,

vítimas dos perigos de morte, como presa de animais do campo (Ez 34,5). Existe um

explícito pronunciamento de Javé, manifestando-se contra esses pastores/reis (Ez 34,10). A

imagem de pastor também é contemplada em: Is 40,11; 44,28; 63,11; Jr 31,10; 43,12;

49,19; 50,44; 51,23.

Nas referências bíblicas que acabamos de assinalar, observamos uma dimensão

político-real do termo “pastor”. O relacionamento entre pastor e ovelha é de autoridade

versus subalternidade. De alguma maneira, o termo, neste sentido, implica uma dimensão

comunitária, porque supõe um governante que, mesmo distante, domina a cada uma das

ovelhas.

A frase nominal y[iªro÷ hw"ïhy yhvh ro‘i “Javé (é) meu pastor”

(v.1) localiza-se após o cabeçalho, “salmo para Davi”. Inicia a primeira estrofe do Salmo

23 (v.1-4a). Está intimamente relacionada com a frase seguinte, “não carecerei”.

70

Nossa frase em questão é importante. Está iniciada por “Javé” que,

gramaticalmente, se apresenta como sujeito de uma oração nominal. Quando, no hebraico,

uma frase começa com o sujeito, então ela pretende dar destaque especial a este sujeito.

Portanto, na primeira frase “Javé” recebe destaque. Aqui não se encontra a idéia de tempo,

o que é determinado ou delimitado pela forma verbal.127 Isto significa que “Javé” é, sempre

e em todo momento, o que apascenta.

O título de “pastor” no Primeiro Testamento não é tão freqüente quanto o verbo

“apascentar” e seus sinônimos. Consideramos que a raiz verbal h[r r‘h pode significar

“pastorear”, “apascentar”, “cevar”, “cuidar de”. Além disso, pode ser alusiva à metáfora de

“chefe”, “Deus”, “governante do povo”. A mesma raiz também faz alusão a “acompanhar”,

“juntar-se”, “conviver”, “relacionar-se”, “misturar-se”, “ir com”. 128

Segundo o sujeito ou objeto da frase, r‘h pode ser interpretado. Quando o sujeito é o

ser humano, “ser pastor” pode evocar o sentido de cuidar de pessoas, quer dizer, governar,

alimentar, satisfazer, providenciar (1Sm 16,11; 2Sm 7,7; Is 14,30).129

Na tradição israelita o título “pastor” foi um nome dado a Javé e ao rei. As vezes

constatamos ocasiões nas quais a referência a Javé “pastor” é uma variante do título melek ,

“rei”. Consideramos que numa sociedade, cuja economia se baseia principalmente na

agricultura e na criação de gado, o título de pastor podia ser transferido, sem dificuldade, a

Javé, ao rei ou às autoridades em geral.130

Ao se tornar “rei”, Javé assumiu funções de autoridade. No pré-exílio, o templo

estava do lado do palácio. A tendência era a de o rei passar a dominar o templo e seus

127 Thomas Lambdin, Gramática do hebraico bíblico, São Paulo, Paulus, 2003, p.87. 128 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.625. Javé no Salmo 23 designa o nome do Deus dos israelitas. A frase do livro de Êxodo o confirma: “é o meu nome para sempre, e é assim que me invocarão de geração em geração” (Ex 3,14-15). 129 J. A. Soggin, Pastar, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.995. 130 J. A. Soggin, Pastar, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.998.

71

costumes (1Rs 2). Mas, com o tempo, o templo se tornou cada vez mais importante e o rei

precisou obedecer aos costumes do santuário. Um exemplo disso é que o templo oferecia

asilo, como em nosso Salmo.

Mas isso implica em que Javé seja pastor, ou seja, rei do templo e de seu pátio. Javé

“governa” o pátio do templo, ao lado do palácio. Dá abrigo aos empobrecidos. É como se

Javé tivesse sua terra/país e nele governasse acolhendo os pobres.131

Tudo isto vem a ser necessário para demonstrar que, quando o salmista proclama:

“Javé (é) meu pastor” (v.1), está revelando que Javé é seu rei. Um rei que lhe dá abrigo no

seu território.

Segundo Milton Schwantes, yhvh “Javé” seria um imperfeito do verbo hyh hyh

“ser”, “acontecer”, “acionar”, podendo significar “age” e “acontece”. Quer dizer que Javé

se torna compreensível e experenciado na sua atuação histórica. Ou seja, ao invés de ser um

nome, “Javé” é uma forma verbal que aponta para um agir.132

A frase “Javé (é) meu pastor” concentra o sentido teológico do Salmo. No entanto,

atribuir- lhe a condição de refrão fica em dúvida porque não se repete ao longo da poesia.

Pela forma e o conteúdo encontra-se abrangendo uma dimensão coletiva e pessoal. Envolve

tanto o salmista quanto a comunidade litúrgica.

“Javé (é) meu pastor” transmite a imagem de quem proclama a frase: uma pessoa

pobre, que busca justiça e é persistente. Ela, como uma ovelha, está sendo apascentada, isto

é, cuidada, alimentada, protegida e defendida. Se forem as pessoas justas e pobres aquelas

que se identificam e intimamente experimentam este Deus (Sl 64,11), deduzimos que a

frase é pronunciada por uma destas pessoas que se sentiu socorrida e auxiliada por Javé.

131 Ver os Salmos 2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144. Outros textos que também remetem à realeza de Javé são: Ex 15,18; Nm 23,21; Is 6,5. Para constatar as citações do rei prometido ler: Jr 23,4; Ez 34,23; 37,24; Mq 5,3. 132 Milton Schwantes, História de Israel, São Leopoldo, Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 1984, p.154. [Série: Exegese].

72

A confissão “Javé (é) meu pastor” é uma experiência baseada naquele que é e que

acontece, que se gloria de agir em favor de quem nele confia. Um ato prodigioso mergulha

no fundo do texto. Fala de uma ação benévola, aquela que provoca a melodia agradecida.

A tradição religiosa israelita, manifestada pelo salmista, acolheu o seu Deus como

aquele que dá a vida e a protege. O v.1, além de remeter a uma velha confissão de Israel

(Gn 48,15), conhece e reconhece a singularidade de Javé, ao ter uma relação íntima com

cada um dos que formam seu povo.

Quando o salmista diz “Javé (é) meu pastor”, pronuncia uma frase que revela o

nome de quem o apascenta. Quem lhe apascenta é, pela forma e o conteúdo, o mesmo que,

no momento, lhe hospeda. Sendo assim, quem busca hospedagem e proteção é aquele que

precisa dele, um pobre. Estamos querendo afirmar, na forma conclusiva, que “Javé pastor”

é o rei dos pobres.133

Esta afirmação, a que relaciona Javé como rei dos pobres, tem continuidade na

próxima frase “não carecerei”, do mesmo v.1. Ao mesmo tempo, lembramos que estamos

na primeira sub-unidade (v.1-4a), onde esperamos deixar clara a correlação entre as duas

133 Exemplos de “pastor” utilizado no Antigo Oriente Médio. 1): “No Egito [...] com a ascensão do Sol, a divindade universal, também a imagem do Deus-pastor recebeu ampliação de significado: a sua função pastoril não se limitava mais unicamente ao faraó (textos das pirâmides) ou aos egípcios, mas passou a abranger também os povos vizinhos. Essa abertura universalista não significava, porém, desatenção para com o indivíduo. O pastor universal era suplicado como pastor pessoal, como o pastor de cada um. Exemplo disso é este pequeno trecho de um hino a Ámon, datado de pouco mais da reforma de El Amarna, e que pode ser considerado como paralelo egípcio do Salmo 23: Amon, pastor que se ocupa bem cedo com seus touros, que conduz o faminto à pastagem. Como pastor leva os touros para o pasto, Amon me conduz, faminto, ao alimento; sim, Amon é pastor, pastor que não é preguiçoso”. 2) “No Ensinamento para Merikara, escrito sapiencial dirigido a um rei da X dinastia (cerca de 2000 a.C), encontramos a afirmação de que os homens são o rebanho de Deus [...]: Cuida do povo, que é o rebanho de Deus. Foi por amor aos homens que ele fez o céu e a terra e conteve a avidez das águas. Foi para que seus narizes vivam que ele fez o vento, uma vez que eles são semelhança dele, saídos do seu corpo. É por amor a eles que ele surge no céu; para eles fez as ervas, os animais, os pássaros e os peixes, para que lhes saciem a forme”. Conferir: Elena Bosetti e Salvatore Panimolle, Deus – Pastor na Bíblia – Solidariedade de Deus com seu povo , p.11-14. 3) Outros exemplos: “Lipit -Istar de Isin é o pastor sábio e humilde. Amurabi é o pastor do povo. Além disso, o deus Samas é chamado de pastor. Contudo, o uso teológico que o Primeiro Testamento faz do título manifesta diferença em comparação com a forma que se usava na Mesopotâmia. Em Israel, o título também é aplicado a os dirigentes do povo, funcionários reais, anciãos, em suma, a todos os que tinham autoridade segundo a sua tradição.” Conferir: John Mackenzie, Pastor, em Dicionário bíblico, p.697.

73

fórmulas de confiança que a estrofe apresenta: “não carecerei” e “em especial, ainda que

ande em vale de trevas, não temerei mal”.

rs")x.a, al “não carecerei”

Neste momento nos aproximamos a constatar a relação entre esta frase, “não

carecerei”, e a anterior, “Javé (é) meu pastor”. Ao mesmo tempo, nossa nova frase em

questão vai-se corresponder, de maneira especial, com a última frase desta sub-unidade,

“em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a).

Estas duas frases (v.1 e v.4a), que apresentam partículas negativas, sendo, por sua

vez, afirmativas e com caráter de confiança, vão abrir e fechar a primeira sub-unidade de

pensamento. Em torno delas se condensa o pensamento teológico refletido na frase

principal, “Javé (é) meu pastor”.

Novamente vamos começar com a opinião de alguns exegetas, depois forneceremos

nossa proposta de interpretação, tendo em conta a seqüência de análise.

Como ponto de partida consideramos a opinião de Hans -Joachim Kraus. Para ele,

esta frase pertencente ao v.1 remete à idéia de um indivíduo que não tem carências. Esta

satisfação vem- lhe pela condição de sentir-se protegido pelo senhorio benévolo e poderoso

do pastor. 134

Segundo a opinião de Erhard Gerstenberger, mesmo que a frase não tenha caráter de

súplica, mostra ser uma afirmação negativa, a indicar a confissão pessoal de alguém que se

descobre fora de risco.135

134 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.472. 135 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.114.

74

Autores como Leonardo Boff são da opinião de que nestas poucas palavras, “não

carecerei”, se esconde o fundamento da confiança e da entrega incondicional do salmista

para com seu Deus.136

Reparamos que estes três autores não se contradizem. Entre eles se observa que, de

uma ou outra forma, relacionaram a carência com a providência. Contudo, precisamos

indagar para aproximarmos a nossa proposta, que agora se inicia.

Observando o texto massorético, confirmamos a seqüência de sentido entre as duas

frases pertencentes ao v.1. A primeira concentra um sentido teológico, “Javé (é) meu

pastor”, e a segunda condensa o aspecto antropológico, “não carecerei”. Quer dizer que a

confiança e a providência se incrustam para forjar o sentido das duas frases.

Além do mais, como já reparamos, “Javé (é) meu pastor” é uma frase que não está

sujeita a tempo verbal limitado. A primeira frase expressa que Javé é pastor em todo

momento. Em contrapartida, “não carecerei” apresenta uma forma verbal e delimita um

tempo determinado, se bem que contínuo. Agora o verbo está no imperfeito do qal. Trata-se

da raiz rsx hsr “carecer”.137

O verbo rsx hsr é importante em nossa frase. Não é dos mais usado no Primeiro

Testamento. De fato, poucas vezes se apresenta como objeto de estudo em comentários e

dicionários. Mas, existem referências que sua raiz está vinculada com “pobreza”,

“privação” e “necessidade”. Às vezes é utilizado para referir-se à providência de Javé para

atender as necessidades de seu povo (Ex 16,18).138

Outras duas traduções de nossa frase, de caráter literal, em conformidade com o

texto massorético, seriam: rs")x.a, al “não necessitarei” ou “não

136 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.52. 137 Nelson Kilpp, Dicionário hebraico-português e aramaico-português , p.73. 138 Jack Scott, Pobreza, Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.506.

75

escassearei”. Sendo assim, unida com a frase anterior, “Javé (é) meu pastor”, poder-se-ia

expressar o sentido de: Javé (é) meu rei e por isso não carecerei. Notamos, pois, que ambas

frases estabelecem uma harmonia de sentido e seqüência.

Fazendo um breve percurso nas Escrituras, observamos os casos nos quais a raiz

rsx hsr “escassear” é empregada:

Em certas ocasiões se utiliza a raiz para se referir a uma situação de fome e de sede

(Dt 28,48). Em 1Sm 3,29 é feita referência à precariedade alimentícia. O Sl 34,11 também

fala da necessidade e da falta de comida que sofrem algumas pessoas, menos as que

buscam a Javé. Neste mesmo aspecto, em Provérbios é utilizado para falar do justo que

come e se farta, enquanto o ventre dos ímpios passa fome (13,25). No livro de Amós o

termo faz alusão à falta de pão (4,6), e em Eclesiástico à falta de vinho (31,33). O profeta

Jeremías utiliza-se o verbo para se referir à carência total (44,18).

Podemos dizer, pois, que “não carecerei” pressupõe uma pessoa pobre que

experimentou escassez, carência e necessidade em um momento específico de sua vida. Faz

lembrar a expressão: “mirrados pela penúria e pela fome, ruminavam a estepe, lugar

sombrio de ruína e desolação” (Jó 30,3). Mas, no momento do texto, essa mesma pessoa

expressa que já não voltará a carecer nem a ter penúria, e se fundamenta, para isso, na sua

pertença ao reinado de Javé.

O Salmo 72 também ilumina nosso estudo. Ele afirma que o reinado de Javé dá

primazia aos pobres (v.2). Estes pobres são pessoas libertadas das injustiças, de seus

clamores, de suas indigências; pessoas fracas e carentes, das quais o rei teve compaixão e

salvou (v.3). O auxílio concreto para estes desamparados se concretiza mediante o

fornecimento da abundância de trigo pelo campo, das pompas pelas montanhas e da

quantidade de frutos, como a erva da terra (v.16). Essas ações são reconhecidas como as

maravilhas do rei que age com justiça (v.18).

76

“Não carecerei” é uma fórmula de confiança que sintetiza a assistência do pastor

para com o salmista, que antes estava carente e agora está satisfeito. Assim, a frase

condensa o estado de quem está realizado e satisfeito, de quem já superou qualquer tipo de

controvérsia ou, mais literalmente, de miséria. Desta vez, não existe invocação (Sl 20,2),

não existe petição (Sl 22,9), não existe lamentação (Sl 22,2) nem angústia (Sl 22,13).

Agora, por meio do canto, só se destaca a plenitude daquele que pertence ao reinado de

Javé.139

Até aqui comprovamos que a fórmula de confiança “não carecerei” vem a encontrar

sintonia de pensamento com a outra fórmula de confiança que a estrofe apresenta, “em

especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a). A frase (v.1) no seu

conteúdo apóia a outra (v.4a). Se o salmista afirma que não vai carecer, também está

dizendo que não espera mal nenhum para sua vida. No começo destas duas afirmações

(v.1-4a) se encontra a frase que concentra o sentido central e teológico do texto “Javé (é)

meu pastor”. Aqui se condensa o fundamento da confiança.

Sintetizando: a frase nos apresenta um pobre que, alimentando-se na área do

templo, já não sente carência. Quer dizer que nosso texto é um Salmo edificado a base da

expressão de um pobre. Considerando que o Êxodo e os Profetas são defensores dos

pobres, poderemos dizer que o Salmo 23 se incrusta dentro da mais importante tradição da

Bíblia.

Observamos, pois, que o pensamento do v.1 continua no v.2, e avança um pouco

mais. Agora se começam a conhecer as razões da afirmação anterior e posterior (v.1 e 4a).

Acercamo-nos ao v.2, formado por duas frases, também pertencentes à primeira sub -

unidade de sentido. Ao mesmo tempo, conforme a nossa estrutura, também nos estamos

aproximando da primeira frase do v.3, com a qual as duas do v.2 se encontram

harmonizadas. Elas enumeram a assistência concreta de Javé para auxiliar a seu pobre no

momento da controvérsia. 139 Nas Escrituras, lembramos a experiência de deserto do povo israelita, ao qual, por quarenta anos, não faltou coisa alguma (Dt 2,7).

77

ynIcE+yBir>y av,D<â tAaån>Bi “em pastagens de belas

ervas me faz deitar”

A frase que vamos trabalhar, “em pastagens de belas ervas me faz deitar”, encontra

certa correspondência com a primeira do v.3, “minha garganta restaura”. Mas, de maneira

especial, se encontra em sintonia com a que lhe segue, no seu próprio v.2, “sobre águas de

descansos me conduz”.

Novamente vamos conhecer o parecer de alguns exegetas com relação a nosso

imediato objeto de estudo, a primeira frase do v.2, na sua relação com as demais frases.

Com freqüência, alguns autores, ao comentar esta frase, ficam submergidos no

aspecto metafórico da mesma. Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, por exemplo,

propõem que o “verde gramado” recorde a idéia de deitar para recuperar as forças. Mas

esgotam seu comentário relatando a forma com a qual o salmista reconstrói

imaginativamente a cena, falando das ovelhas caminhantes e conduzidas pelo pastor no

meio do deserto.140

Fidel Oñoro nos introduz a um outro aspecto.Trata-se de reler a figura das pastagens

com um novo perfil. Para este autor latino-americano, a frase transmite a experiência

cotidiana de um fiel que ora na sinagoga. Este é o espaço, segundo afirma, onde se recebe a

Palavra, a que se converte em oração frutífera.141

No entanto, nós precisamos procurar o significado e o conteúdo da frase, “em

pastagens de belas ervas me faz deitar” (v.2), ou seja, queremos aproximar-nos ao sentido

que ela possui dentro da circunstância vital do salmista. Assim nos acercamos a nossa

proposta. Indaguemos.

140 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.381. 141 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.8.

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Após a fórmula de confiança “não carecerei” (v.1) prossegue a frase “em pastagens

de belas ervas me faz deitar” (v.2). A aparição da forma verbal do hifil, “me faz deitar”, é

interessante. No hebraico, este tronco acusa a ação de outro autor.142 Quer dizer, pela forma

e pelo conteúdo, Javé é o autor da ação que aqui se experimenta.

O salmista está dizendo que Javé faz deitar em belas pastagens. O substantivo

hw"n" navah pode ter o sentido de “campo”, “lugar”, “residência”, “morada”.143

Então, afirmamos que estas pastagens não são, literalmente, um lugar copioso de ervas.

Elas, as pastagens, estão falando de outra coisa, do alimento que está sendo providenciado

para o pobre.

Estas “pastagens” da frase possuem uma característica. São pastagens de belas

ervas. Elas falam de “ervagem verde”, “erva tenra”, “grama que recém brotou”, “erva

nova”.144 Nestas pastagens Javé faz deitar seu hospede são formosas e estão relacionados,

como vimos, com sua sobrevivência e sua manutenção.

Indagando sobre o modo e o emprego de hw"n" navah “pastagem” no

Primeiro Testamento, descobrimos estes estão vinculados diretamente com a fertilidade da

terra e com a vida (Is 27,10). As pastagens podem ser o termo substitutivo para falar de

comida, alimento e manutenção, ou seja, do indispensável para garantir a existência (Ez

25,5; 34,14).

É interessante verificar que o verbo da frase, imperfeito do hifil, “fazer deitar”, na

sua raiz, #br rbs pode ser entendido como “reclinar-se”, “recostar-se”, “estender-

se”.145 Ou seja, a frase revela a imagem de lazer e relaxamento, provocada pela fartura na

que se encontra o que antes estava com fome e agora está satisfeito nas belas pastagens,

que são, pela forma e conteúdo, as áreas que pertencem ao templo, onde nada falta. 142 Thomas Lambdin, Gramática do hebraico bíblico, p.256. 143 Nelson Kirst, Dicionário hebraico-português e aramaico-português , p.152. 144 Milton Schwantes, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.51. 145 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.604.

79

Neste sentido, quando o salmista diz “Javé (é) meu pastor” (v.1) está dando a

conhecer o nome daquele que lhe fornece a comida, isto é, “as pastagens de belas ervas”. O

Salmo 132 ilumina nossa pesquisa. Ele fala de um rei, em cuja morada, serão abençoadas

com largueza todas as provisões, para saciar de pão aos pobres que ali habitarem, para que

gritem de alegria (v.15-16).

As “pastagens de belas ervas” onde o salmista está deitado podem provocar alegria

e felicidade: “as pastagens do deserto gotejam, e as colinas cingem-se de júbilo; os campos

cobrem-se de rebanhos, e os va les se vestem de espigas, clama-se, canta-se hinos!” (Sl

65,13-14). É nesta nova situação que o pobre de nosso texto reconhece que Javé é seu

pastor, o autor de sua alegria e satisfação.

Segundo o indagado, podemos afirmar que Javé faz a seu hóspede deitar num lugar

de sua propriedade, de seu domínio, onde há comida em fartura e abastança (Jó 36,16).

Estas belas pastagens, quer dizer, esta comida abundante, encontra-se no templo, onde o

salmista se refugia e é acolhido. Dentro destes ambiente e circunstâ ncia, a frase anterior

recupera um melhor sentido, “não carecerei” (v.1). Quer dizer, que no templo de Javé, não

falta comida.

Em suma, esta primeira frase do v.2 está dizendo que Javé faz deitar a seu

protegido no lugar de belas pastagens. Nestas pastagens ele pode satisfazer suas

necessidades imediatas. Estas pastagens, por sua vez, estão relacionadas com as “águas de

descansos”, das que se fala na frase seguinte. É por isso, como vimos, que as duas frases do

v.2 se apresentam, de maneira especial, intimamente inter-relacionadas. Esta segunda frase

do v.2 será trabalhada agora.

ynIlE)h]n:y> tAxånUm. ymeÞ-l[; “sobre águas de

descansos me conduz”

80

Lembramos que nos encontramos na primeira estrofe (v.1-4a). Até o momento,

vamos percorrendo as razões que suportam a confiança do salmista. Dizímos anteriormente

que a frase “em pastagens de belas ervas me faz deitar” possui relação de sentido com a

primeira do v.3, mas especialmente com esta do seu mesmo v.2, “sobre águas de descansos

me conduz”.

Esta última frase do v.2, ao mesmo tempo, encontra maior significado

conjuntamente com a frase que lhe segue, “minha garganta restauras” (v.3). Estamos

observando o caráter de integridade que possui o texto. Nas frases estudadas, observamos

que Javé vai-se apresentando como o autor do estado atual do salmista.

Novamente retomamos a opinião de alguns biblistas antes de apresentar nossa

interpretação.

Segundo Fidel Oñoro, a expressão “águas de descansos” indica uma situação de

coração. É o passo de uma situação agitada, turbulenta, para uma experiência de paz. Essa

experiência, para ele, tem a ver com a sensação vivida de poder cantar após um momento

de crise.146

Leonardo Boff considera que estas “águas” estão relacionadas com a prosperidade

material, com a alegria provocada pela intimidade com Deus. Agrega que a expressão está

vinculada à paz político-social. 147

Para Hans-Joachim Kraus, as “águas”, no seu sentido metafórico, recordam as

águas que fluem mansamente, para onde são conduzidas as ovelhas, porque, como diz, as

grandes correntes são perigosas e impróprias para o gado. Segundo ele, seu pleno sentido

corresponde à imagem de um indivíduo que se sente restaurado sob o senhorio de Javé.148

146 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.8. 147 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.61. 148 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.473.

81

Com as intervenções destes três autores, observamos que a frase em questão supõe

o sentido da assistência de Javé para com seu hóspede. Será que a imagem das “águas de

descansos” para onde o salmista é conduzido pode dizer algo mais? Aqui apresentamos

nossa proposta.

A frase “sobre águas de descansos me conduz” dá continuidade de pensamento à

frase anterior, “em pastagens de belas ervas me faz deitar”. Aliás, vem a ser

complementárias. Percebemos que, em ambas, Javé se manifesta como autor das ações. Ele

é quem faz deitar ao salmista em pastagens de belas ervas e quem conduz sobre águas de

descansos.

Um outro detalhe, na primeira frase do v.2 o texto massorético, apresenta a

preposição b “em” para fazer referência às pastagens de belas ervas onde o salmista é

deitado. E na segunda utiliza a preposição l[; “sobre” para falar das águas de

descansos para onde é conduzido. Destas duas partículas, podemos dizer que uma poderia

estar vinculada ao lugar e a outra ao que existe no lugar. Quer dizer que Javé faz deitar o

faminto e o sedento em belas pastagens e, ao mesmo tempo, lhe conduz junto, ao lado ou

perto das águas de descansos.149

Observando o texto massorético, nesta segunda frase do v.2, achamos um

substantivo plural em estado construto, vinculado a outro substantivo plural,

tAxånUm. ymeÞ-l[; “sobre águas de descansos”. Estas águas que o

Salmo 23 apresenta possuem, como as pastagens, algumas características: aquelas são

formadas por belas ervas e estas são águas de descansos.

Este hx'Wnm. “descanso”, que agora apresentamos na sua forma singular,

está vinculado com repouso, alivio (2Sm 14,17; Is 28,12). Ele fala de fontes tranqüilas,

lugar de descanso (Is 66,1), lar onde descansar (Sl 132,14). Em Dt 12,9 se fala de alcançar

149 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.493.

82

o repouso, e em Isaías 32,18, de habitar em mansões tranqüilas. 150 Isto diz para nós que o

salmista é conduzido ali onde existe parte do que precisa para recuperar seu descanso,

águas.

O verbo hebraico que a frase (v.2) apresenta é lhn. Tal como aparece no texto

massorético, refere-se à raiz nhl “levar”, “guiar”. Pode evocar o sentido de “prover”,

“outorgar”.151 À raiz nhl “levar”, também lhe são assinalados outros sentidos: “guiar

cuidadosamente”, “suprir”, “abastecer”.152 É um verbo que só existe no piel, e agora se

apresenta no tempo imperfeito. Lembramos que este tronco, no hebraico, tem um matiz de

intensidade.153 Imediatamente, esta análise reflete a autoridade de Javé como pastor, que

conduz ao lugar indicado, de seu domínio, para fornecer ao indigente o que precisa.

A raiz lhn nhl “conduzir”, unida ao nosso marco de referência (v.2), pode

mostrar certa relação com a frase que aparece na expressão de Is 49,10: “não terão fome

nem sede, a canícula e o sol não os molestarão, porque aquele que se compadece deles os

guiará, conduzi- los-á aos mananciais”. Pelo sentido, o radical nhl se apresenta contrário ao

aspecto de “extraviar” (Jr 50,6).154 Isto está indicando que a ação de Javé, ao conduzir,

mostra sua disponibilidade para contribuir ao bem estar do necessitado, indicando o

caminho certo.

Quando damos uma olhada no Primeiro Testamento, percebemos que o verbo lhn

nhl “conduzir”, que aparece em nossa frase, “sobre águas de descansos me conduz” (v.2), é

utilizado para referir-se à ação de conduzir para sustentar com pão (Gn 47,17), para

amamentar as ovelhas (Is 40,11), para terminar com a sede e a fome (Is 49,10).Tem relação

especial com a condução de parte de Javé (Sl 77,21). Segundo Ernst Jenni, os textos nas

150 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.383. Existem textos nos quais Javé é apresentado como fonte de água viva: Gn 1,7.9; Nm 24,6; Jr 2,13. 151 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.423. 152 Nelson Kirst, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.151. 153 Thomas Lambdin, Gramática do hebraico bíblico, p.237. 154 Ernst Jenni, Dirigir, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.81. Outros textos alusivos são: Ex 13,17.21; 15,13; 32,24; Is 40,11; Sl 31,4.

83

Escrituras que falam de Javé como pastor que conduz a seu povo, ou a um individuo, surge

da piedade, que renova suas formas de expressar a segurança de Israel no seu Deus.155

Notamos que as frases que compõem o v.2 estão coesas. Elas falam das duas

necessidades imediatas que foram satisfeitas no salmista: “pastagens de belas ervas”, ou

seja, comida. E um lugar com “águas de descansos”, quer dizer, com água para saciar a

sede. Com estas carências, de caráter antropológico, satisfeitas, o pobre, livre de tormento e

de ameaças, volta a sua paz e a seu descanso.

O salmista reconhece que Javé lhe hospeda no seu território, no lugar certo onde

não falta comida nem água, no pátio do templo. A partir desta perspectiva, retomamos a

frase “não carecerei”. As duas frases do v.2 também evocam um pressuposto teológico, a

disponibilidade de Javé para providenciar o indispensável para que seu hóspede não sofra

necessidade. O caráter de confiança em que o pobre se encontra faz retomar a frase “em

especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a).

Nesta altura da estrofe, o salmista confessou que com Javé “pastor” não carecerá

(v.1), porque este não lhe deixa escravo da fome nem da sede. Tão pouco lhe deixa preso

com angústia e tormento. Pelo contrário, fornece- lhe o pressuposto básico para garantir sua

existência quando esta é ameaçada.

É aqui quando vamos perceber, mais de perto, a relação existente entre “sobre águas

de descansos me conduz” (v.2) e a frase seguinte, “minha garganta restaura” (v.3).

Indicamos que agora avançamos para o v.3, entretanto, permanecemos na primeira estrofe

(v.1-4a), aliás, na primeira relação de sentido que vimos na estrutura, onde as duas frases

do v.2 e a primeira do v.3 apresentavam uma seqüência de pensamento.

bbe_Avy> yviîp.n “minha garganta restaura”

155 Ernst Jenni, Dirigir, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.81.

84

A frase “minha garganta restaura” (v.3) também faz parte das ações de Javé para

socorrer a vida do salmista, as que se encontram refletidas especialmente nos v.1-4a.

Porém, há de ser entendida dentro de sua sub-unidade, onde se manifestam as razões de

confiança daquele que nada teme e a quem nada falta.

Desta vez vamos ter como ponto de partida a contribuição de Fidel Oñoro, depois

ofereceremos nossa interpretação.

Para Fidel Oñoro, a frase “minha garganta restaura” está falando da ação de Deus,

no sentido de devolver a vida e a vitalidade de seu protegido. Ao mesmo tempo, poderia

estar indicando várias experiências de libertação.156

Reparamos que este autor tem significativas intuições. No entanto, precisamos

indagar de forma mais concreta: o que está querendo dizer o salmista quando fala de Javé

como restaurador de sua “garganta”?

Com a frase “minha garganta restaura”, inaugura-se o v.3. Ela é uma continuidade

do v.2. Além disso, se observa como um resultado das duas frases anteriores, especialmente

da última, “sobre águas de descansos me conduz” (v.2). Ao mesmo tempo, estas três frases,

como pequeno bloco de sentido, vão-se corresponder com a segunda frase do v.3 , “me

dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”. Vamos, pois, descobrindo estas

correspondências de forma e conteúdo.

Para compreender a intenção do salmista, a sua expressão e desejo de comunicação,

temos em conta que “garganta”, na frase, está se referindo ao vocábulo vp;n" nefex,

cuja raiz npx tem o sentido de “respirar”, que também pode significar “laringe” e “vida”.157

Existem ocasiões, como em nosso caso, nas quais nefex está relacionado com fome

e sede. A partir desta perspectiva, significa “sustento” e “alimento”. Portanto, está 156 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.8. 157 Claus Westermann, Alma, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.105.

85

familiarizado com o anseio de comida e, ao mesmo tempo, com a saciedade desse desejo.

Este sentido fala da ação de alguém que ajuda à pessoa necessitada com o fim de preservar-

lhe e prolongar- lhe a vida, devolvendo-lhe a vitalidade. 158

“Restaura”, verbo imperfeito do pual (v.3), vem da raiz bWv xvb “restaurar”. A

complexidade do verbo não ajuda no momento de classificá-lo quanto ao seu conteúdo.

Não obstante, dentro da nossa pesquisa xvb pode remeter o sentido de reconduzir o salmista

à satisfação, fazendo-o voltar à calma, à respiração sossegada, devolver as forças, mediante

as águas dadas a ele que anteriormente estava sedento.159

Quer dizer que bWv xvb “restaurar”, nesta frase, tem a ver com a ação de devolver

e de restabelecer aquilo que antes estava em ameaça. Trata-se de um retorno ao ponto de

partida, que é a vida mesma. 160 Analisamos que o retorno do salmista a seu estado vital

acontece pela intervenção de Javé.

Observando a íntima relação entre vp;n" nefex “garganta” e bWv xvb

“restaurar”, podemos dizer que daqui emana o sentido de restabelecer a vida do salmista,

de restituir, mediante águas, sua garganta sedenta e, também, sua vida. O mesmo aspecto se

encontra em Lm 1,11: “todo o teu povo, entre gemidos, procura pão; deram seus tesouros

para comer, para encontrar a vida”. 161

Para tentarmos aproximar, ainda mais, do sentido de nossa frase (v.3), vamos seguir

olhando como, às vezes, o Primeiro Testamento relaciona nefex , que nós traduzimos por

“garganta”, com experiências concretas de fome e, especialmente, de sede.

158 H. Seebass, nepes, em Theological dictionary of the Old Testament, Michigan, William B. Eerdmans Publishing Company, vol.9, 1986, p.500-501. 159 Conferir: Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.660-661. 160 J. A. Soggin, Volver, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.1110. 161 Claus Westermann, Alma, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.112.

86

Em Provérbios 25,25, usa-se o vocábulo para se referir ao estado de prazer de quem,

sedento, pode beber água fresca. Isaías 29,8 utiliza-o para lembrar ao que, com sede, sonha

que está bebendo, mas que quando acorda se sente exaurido e como com a garganta seca; e

em 58,11, fala de Javé como aquele que assegura a fartura até em terra árida, que revigora

os ossos para que seus protegidos sejam como jardim regado, como fonte borbulhante,

cujas águas nunca faltam. Em Jeremias 31,25 se evoca a promessa de saciar a quem estava

desfalecido. No livro dos salmos achamos vários casos, dentre eles: 42,2 faz alusão à falta

de água. Compara-se o estado espiritual do salmista com uma corça em busca de águas

correntes. Em 44,26, se diz das gargantas que se afogam no pó, e dos ventres grudados ao

chão. Também em 63,2 se volta a mencionar a falta de água e a terra sedenta. E em 107,5

se conta de famintos e sedentos, que a vida os abandonava.

Quer dizer que, mediante a frase “minha garganta restaura” (v.3), estamos ante uma

pessoa que está falando da ação que nela foi realizada para preservar- lhe sua vida. Estas

ações têm que se relacionar conjuntamente com as frases que se mencionam no v.2. Em

outras palavras, o perigo de morte pelo que atravessava o salmista teve seu limite mediante

a intervenção oportuna de Javé.

Toda esta pesquisa nos vem a confirmar que, quando o salmista de nosso texto diz

“minha garganta restaura” (v.3), está falando da garganta que antes estava desfalecente e

que agora, após sua estadia no lugar onde abundam as águas, se encontra restaurada e

satisfeita. Ao mesmo tempo, desde uma perspectiva teológica, se fala da vida que descobre

a Javé refazendo-a novamente. 162

A frase “minha garganta restaura”, no v.3, compreende-se no conjunto da estrofe à

qual pertence. Depois que o salmista é assentado em “pastagens de belas ervas”, onde

abunda a comida, após ter repousado nas “águas de descansos”, onde não lhe falta água

(v.2), sente-se restaurado, ou seja, percebe que a sua respiração volta à calma, e é

consciente de que Javé é o autor desta restauração. Aqui se encontra a relação que

162 Conferir: J. A. Soggin, Volver, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, p.1112.

87

anteriormente fazíamos, onde apresentávamos a primeira frase do v.3 como resultado das

duas frases do v.2.

“Minha garganta restaura”, é uma frase que concentra uma dimensão antropológica.

Ela fala do retorno à vida plena mediante a salvação experimentada, a que se alcança pela

comida, pela bebida (v.2) e pelo descanso. Quando o salmista expressa “Javé (é) meu

pastor” (v.1), também está dizendo que seu rei lhe auxiliou, acolhendo-o no seu território,

onde nada falta e onde nada teme (v.1-4a).

Observando a linha de ação de Javé, nesta primeira frase do v.3, executadas a favor

do seu hóspede, como restaurar a “garganta”, conjuntamente com os fatos do v.2, fazer

deitar em “pastagens de belas ervas” e conduzir para “águas de descansos”, podemos voltar

e redescobrir as anteriores frases: “Javé (é) meu pastor”, “não carecerei” e, “em especial,

ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a).

Neste momento, segundo a estrutura do texto, ocorre uma pequena mudança com a

frase “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu no me” (v.3). Mas esta pequena

quebra não impede que ela forme unidade de sentido com a primeira estrofe (v.1-4a).

A frase “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome” (v.3) poderia ser

analisada como o resultado das frases anteriores: “Javé (é) meu pastor”, “não carecerei”; e

de maneira especial com “em pastagens de belas ervas me faz deitar”, “sobre águas de

descansos me conduz” e “minha garganta restaura”. Aliás, ela poderia ser vinculada,

primordialmente, com a última da sub-unidade, que é a primeira do v.4, “em especial, ainda

que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

Am*v. ![;m;äl qd<c,©÷-yleG>[.m;b.

ynIxEïn>y:) “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”

88

A frase em questão “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”, é

muito importante. O lugar que ocupa dentro de sua estrofe, não é um acaso. Ela pode ser o

resultado conclusivo das frases anteriores e, ao mesmo tempo, pode ser uma causa que

provoca a frase posterior, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”

(v.4).

Vamos ver o que os exegetas falam dela, depois nos aproximaremos a nossas

próprias conclusões.

Não é comum encontrar comentários sobre a frase completa “me dirige em trilhos

de justiça, por causa de seu nome” (v.3). Às vezes aparece dividida em duas partes. Por

exemplo, Fidel Oñoro fala dos “trilhos de justiça”. Diz que é uma expressão técnica na

Bíblia. Estes caminhos indicam os caminhos de Deus que, segundo diz, não são os mais

fácies, e não o são porque eles buscam, conforme a pedagogia divina, não agradar, senão

purificar e fazer madurecer.163

Hans-Joachim Kraus, no seu estudo, considera que esta frase (v.3) evoca a imagem

do pastor em busca de sendas justas. Também aplica a idéia ao fiel que está seguro que Javé

lhe preserva de toda caída e lhe conduz com justiça.

O autor Hans-Joachim Kraus ilumina a situação citando o Salmo 5,9: “guia-me

segundo tua justiça, Javé, por causa dos que me espreitam. Aplaina a minha frente o teu

caminho”.164 Tanto a intuição dele quanto a de Fidel Oñoro contribui a nosso campo de

pesquisa. Ela vem encontrar relação com o eixo transversal que vai conduzindo nosso texto.

Michael Goulder, com relação à parte da frase “por causa de seu nome”, comenta

que o “nome” de Javé não foi envolvido em sorte individual ou em interesses pessoais. Ao

contrário, agrega, foi usado nos casos relacionados à aliança com o seu povo.165

163 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.9. 164 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.473. 165 Michael Goulder, David and Yahweh in Psalm 23 and 24, em Journal for the Study of the Old Testament, p.465.

89

Sem duvidar da razoabilidade de Goulder, vamos dizer que a frase deste v.3 está

relacionada com um caso individual e, ao mesmo tempo, coletivo. Tem relação pessoal

porque o Salmo revela uma pessoa que se deixa guiar nos caminhos da “justiça”. E tem

relação comunitária porque esses “trilhos de justiça” têm repercussão comunitária.

Apesar disso, precisamos concretizar: o que significam esses trilhos de justiça pelos

quais é dirigido o salmista, pela causa de “seu nome”, e o que estes supõem para sua vida?

Com esta motivação, apresentamos a nossa interpretação.

“Me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome” (v.3) é uma frase que

parece ter certa autonomia dentro da estrofe, mas, como vimos, ela se acha vinculada e

coesa com as frases que a precedem. Igual que nas frases anteriores (v.2-3a), Javé se

encontra como autor da ação que aqui se expressa.

Neste momento é oportuno considerar que o verbo lhn nhl “conduzir” (v.2)

mostra ser sinônimo da raiz verbal hxn nhh “dirigir”, nesta segunda frase do v.3. Aliás,

os dois verbos compartilham os mesmo sinônimos. Este detalhe nos reafirma a vinculação

de sentido entre as frases “sobre águas de descansos me conduz” e “me dirige em trilhos de

justiça, por causa de seu nome”. O fato faz pensar que aquele que conduz para águas de

descansos é o mesmo que dirige pelos trilhos de justiça. Ambos os verbos, de movimento,

se encontram familiarizados com a missão do pastor.166

A forma verbal que apresenta nossa frase (v.3b), no imperfeito do hifil, vem da raiz

hxn nhh e pode significar “dirigir”, “guiar”, “governar”, “pastorear”, “conduzir”,

“levar”. É interessante perceber que este verbo, hxn nhh (v.3), que nós traduzimos por

“dirigir”, é um dos favoritos para expressar a liderança do pastor. Em contraste com

166 Conferir: Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.428. Alguns textos de consulta: Gn 24,48; Dt 32,12; Jó 31,18; Sl 78,14.53.72; 107,30.

90

lhn nhl (v.2), parece expressar um ato mais enérgico, possivelmente envolvendo força.

Por isso é visto como a função do pastor; de fato, às vezes é usado como seu sinônimo (Sl

78,72). O ato de liderar, ao mesmo tempo, inclui a noção do caminho (Sl 5,9; 27,11; 77,20;

139,24). A partir desta perspectiva, podemos ir aproximando-nos ao sentido de “me dirige

em trilhos de justiça, por causa de seu nome” (v.3).167

Segundo o contexto e a realidade gramatical, nhh “dirigir”, é comparável ao árabe

naha, “endereçar o caminho”, “dirigir-se”, “tomar a direção”. Em Qumrán se encontra uma

vez em 1QS 9,18 “para dirigir-los com acerto”. Sua maior força aparece no Primeiro

Testamento, no aspecto de “instruir”, “ensinar”. 168 Neste aspecto, estaríamos certos ao

afirmar que Javé executa a sua autoridade para dirigir pelos caminhos bons, em atenção a

seu próprio nome.

Os trilhos no que o salmista é dirigido por Javé são os da qdec' sedeq

“justiça”, da verdade, da benevolência. Neste aspecto, alguns dicionários e traduções

bíblicas, apoiados na tradução da LXX e da Vulgata, soem traduzir o verbo sdq por “ser

justo” e os substantivos por “justiça” e “direito”. 169

Estes qd<c,©÷-yleG>[.m “trilhos de justiça” merecem uma

atenção especial. Vejamos.

Os lG"[.m; “trilhos”, na frase, também podem ser comparado com um

caminho estreito, o que podemos chamar de senda, sulco, pegada, rodeira (Sl 17,5;140,6),

inclusive pode ser associado com cercos de carros (1Sm 17,20; 26,5).170 Em Isaias 59,8,

esses trilhos estão relacionados com a justiça. A idéia deste substantivo em nosso contexto

167 C. Barth, naha, em Theological dictionary of the Old Testament, vol.9, p.313. 168 Ernst Jenni, Dirigir, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, p.80.82 . Ver os textos: Gn 24,27; Ex 13,21; Sl 5,8; 67,4. 169 K. Koch, Ser fiel a la comunidad, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.645. 170 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.387.

91

fala dos trilhos onde o salmista é dirigido, os quais, longe de ser amplos, são apertados, e

para se andar só, sem pessoas ao lado.

A qdec' sedeq está unida às relações justas dentro da comunidade. Possui

uma repercussão entre as pessoas, que inclui apoio mutuo. Ela pode ser entendida de

maneira bidimensional, que inclui Javé/pessoas e pessoas/Javé. É interessante observar que

a sedeq “justiça” é constatada, especialmente, em relações de senhor e servo, rei e súbdito,

patrão e forasteiro, anfitrião e hóspede (Gn 44,16; 20,4; Dt 1,16).171 Isto nos faz pensar que

no Salmo 23 Javé se manifesta como um anfitrião justo.

Tudo o percorrer vem a ser necessário para compreender melhor quais são esses

qd<c,©÷-yleG>[.m “trilhos de justiça” através dos quais o salmista é

dirigido por Javé em atenção de seu nome. Esses trilhos são as pegadas nas quais Javé o

dirige. Estas andanças não são fáceis, inclusive, pela forma e conteúdo, esta direção parece

ser exercida com autoridade e com sentido de modelar e aperfeiçoar a pessoa na sua prática

da justiça, a que remete à comunidade.

Observemos que esses qd<c,©÷-yleG>[.m “trilhos de justiça”,

onde o salmista é dirigido por Javé tem que ser entendidos com a restante parte da frase,

Am*v. ![;m;äl “por causa de seu nome”. A frase (v.3b) apresenta uma

partícula-preposição unida a um substantivo: Am*v. ![;m;äl “por causa de

seu nome”. Sua forma se mostra composta por: ![m m‘n “por”, “em atenção a”, “como

corresponde a”. Em geral, costuma ter o sentido de “consideração a” (1Rs 11,12), “fazendo

honra a seu título” (Sl 23,3).172

171 Conferir: K. Koch, Ser fiel a la comunidad, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.649. 172 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.391.

92

O substantivo ~ve xem, também significa “título”, “renome”, “fama”,

“celebridade”, “honra”.173 O termo vem da raiz wsm “assinalar”, “marcar com ferro

quente”. Abrange a idéia de um sinal externo que pode distinguir uma coisa ou pessoa

dentre outras.174 Quer dizer que xem “nome”, em nosso estudo, remete ao suje ito de nossa

frase principal, “Javé” (v.1). Este é o nome que distingue ao pastor do salmista, o que

também se apresenta no v.6. Quando a frase fala em atenção a seu nome, está também

dizendo em atenção a Javé.

Com estas aclarações, afirmamos que os trilhos de justiça no que anda o salmista

são indícios do “nome” daquele que dirige, Javé. Os efeitos deste nome estão em relação

com quem o carrega.175 Em sentido dinâmico, os sinais de justiça que o salmista vai

deixando na suas pegadas, vão falando do nome de Javé, de sua glória, de seu honra e de

sua fama (Sl 66,2). O nome de Javé, neste sentido, está em relação com os trilhos de

justiça.

A cultura religiosa de Israel reconhece que, salvando o seu povo no Egito, Javé conquistou um “nome” (Dn 9,15); fama que se estende a lugares extranacionais (1Rs 8,41). O “nome” de Javé, desde a Antigüidade, vai unido à sua honra, prestígio e reputação (Sl 48,11), podendo ser sinônimo de sua glória.176 Este “nome” supõe um olhar retrospectivo na história de salvação, onde muitos atos passados estão ligados a Javé (Ex 20,7).

Em suma, pela forma e o conteúdo de nosso texto, podemos dizer que o salmista se

encontra hospedado no território que pertence a seu rei, o que coloca seu poder e autoridade

a favor da justiça. Este salmista é instruído nos trilhos dessa justiça, a qual experimentou na

sua própria vida, e que agora supõe para ele uma dimensão comunitária em atenção ao

nome de seu pastor, Javé.

173 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 677. 174 Walter Kaiser, Nome, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1578. 175 A.S. van der Woude, Nombre, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, p.1187. 176 A.S. van der Woude, Nombre, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, p.1201.

93

Indicamos que o substantivo “nome”, no final da frase, faz um breve fechamento

para introduzir a próxima, a última da sub-unidade, “em especial, ainda que ande em vale

de trevas, não temerei mal” (v.4a). Lembremos que esta segunda frase do v.3 poderia ser

apresentada como causa da primeira, do v.4.

Nesta altura do texto, estamos-nos aproximando do fim da primeira estrofe (v.1-4a).

Agora nos centramos na frase seguinte, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não

temerei mal”. Ela inaugura o v.4. O momento favorecerá perceber a relação de sentido

entre esta e a última frase do v.3.

[r"ª ar"Ûyai«-al{ tw<m'‡l.c; aygEáB.

%le’ae-yKi( ~G “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”

Esta frase, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”, a

última da primeira estrofe (v.1-4a), serve de ponte para conectar as duas sub-unidades. O

pensamento com o qual termina a primeira estrofe tem continuidade no começo da nova

sub-unidade (v.4b-6), “eis que!, tu (estás) comigo”, aliás, conecta com segunda frase da

nova estrofe, “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”, também do v.4. O fato permite

perceber a coesão textual.

Novamente, antes de fornecer nossa proposta exegética, vamos a indagar o estudo

feito pelos biblistas.

Hans-Joachim Kraus é dos que mais fala desta primeira frase do v.4. Seu

comentário gira em torno da figura do pastor que demonstra seu poder protetor para cuidar

do gado no tempo, que passa por sendas perigosas. O autor compara esta cena com a vida

do salmista, que em alguns momentos tem que percorrer caminhos escuros, mas que não

teme porque Javé lhe faz companhia.177

177 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.473-474.

94

Além da imagem de caminhos escuros, da que fala Hans -Joachim Kraus, Leonardo

Boff assinala que as trevas também evocam o risco de vida, de perseguição feroz causada

por inimigos. Elas falam de humilhação, exclusão e solidão devastadora.178

Com este ponto de partida, nos encaminhamos para a nossa interpretação da frase

“em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

Observamos que esta frase (v.4a) se apresenta como uma fórmula de confiança. Ela

se mostra, na sua forma e conteúdo, fechando a primeira sub-unidade de pensamento (v.1-

4a), e remete à primeira fórmula de confiança que abre a estrofe, “não escarecerei” (v.1).

Lembremos que entre elas, gira um pensamento teológico, “Javé (é) meu pastor” (v.1).

Realmente, a frase (v.4a) introduz um momento especial no Salmo. A partícula de

conjunção ~G: gam “em especial”, com a qual se inicia a frase, caracteriza-se por

enfatizar e intensificar o enunciado ao qual acompanha ou introduz. Por sua vez, inaugura

um novo começo, e assinala a importância da frase em questão.179

Imediatamente se apresenta outra partícula, yKi ki, que nós traduzimos por

“ainda que”. Esta partícula também tem a função de introduzir um momento de relevância

dentro do Salmo. Na sua forma gramatical, dentro da frase, ela se encontra iniciando uma

oração que termina numa negação, e possui um certo caráter de advertência.180 Quer dizer

que o salmista, nesta primeira frase do v.4 expressa que, mesmo que tenha que andar em

vale de trevas, não vai temer o mal.

178 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.93. 179 Para Milton Schwantes, a partícula gam recobra seu verdadeiro sentido enfático quando é traduzida como “em especial”. Acolhemos sua proposta. A partícula está avisando que a frase cobra um grão significativo de importância em relação às demais. Estas notas foram tomadas na disciplina Exercícios exegéticos. Professor Dr. Milton Schwantes. Primeiro semestre 2006. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Faculdade Metodista de São Paulo. 180 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.312.

95

A primeira forma verbal que acompanha nossa frase, imperfeito do qal, é complexa.

Dizemos isto porque sugere vários sentidos. Por exemplo, o verbo, na sua raiz $lh hlk

“andar”, “caminhar”, “viver”; este verbo poderia estar indicando, em nosso contexto do

Salmo 23, não uma movimentação física, senão um estado pessoal de alguém que está

sombrio e triste (Ml 3,14; Sl 42,10), aliás, poderia evocar o sentido de uma vida humana

que sabe que se lhe aproxima a morte.181

Contudo, no sentido geral da frase “em especial, ainda que ande em vale de trevas,

não temerei mal”, o verbo $lh hlk “andar” pode ter outro matiz. Para descobrir- lo, temos

que compreender a frase (v.4a) em consideração com a que lhe segue de seu mesmo v.4,

“eis que!, tu (estás) comigo”. Desta maneira, o verbo não indica que o salmista vive um

estado sombrio, e sim que não vai temer mais esse estado, já superado na sua vida, porque

Javé lhe faz continua companhia.182

Aqui nos vamos introduzindo no sentido da frase “em especial, ainda que ande em

vale de trevas, não temerei mal” (v.4a). O sentido de tw<m'‡l.c;

aygEáB. %le’ae “ande em vale de trevas” revela o máximo de uma situação

de crise e de perigo que foi experimentada pelo pobre de nosso texto, a que agora não teme

voltar a enfrentar, porque Javé lhe protege.

Se o substantivo tw<m'l.c; “trevas”, em nossa frase, está relacionado com

lce “sombra” e com twm “morte”,183 confirmamos que o pobre do Salmo 23 sabe

o que são, na sua vida, os momentos de profunda escuridão, o mesmo que dizer de intensa

miséria e angustia, que lhe colocavam sua vida em ameaça. Quer dizer que “vale”, dentro

181 G. Sauer, Ir, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.1, p.687. 182 Conferir: C. Helfmeyer, hlk , em Theological dictionary of the Old Testament, vol.8, p.389. 183 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.561. Is 9,1 lembra a caminhada pela terra de sombras. Jr 2,6 faz referência à terra escura. O Sl 44,20 fala da sombra da morte. Ver outros textos: Ex 10,22; Jó 3,5; 12,22; 15,23; 16,16.

96

da frase (v.4a), não possui um sentido geográfico, senão um estado de tempo e de

circunstância, pela que ele já passou.

O outro verbo que a frase apresenta vem da raiz ary yr’ “temer”, e há de

entender-se dentro de sua fórmula de confiança, a que se encontra na final da frase, “em

especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”(v.4a). Este verbo tronco qal,

como é nosso caso, faz referência ao medo a alguém ou a algo em concreto que o salmista

está na iminência de afrontar.184

Como vemos, os sinais de temor e os motivos deste devem deduzir-se do contexto;

sendo assim, descobrimos que está em relação com [r"ª “mal”. No Primeiro

Testamento, este adjetivo apresenta-se na forma qal e sua raiz [[r r‘‘ significa “ser

ruim”, “ser perigoso”, “ser miserável”, “desgraça”, “ruína”.185

Esta situação também nos lembra a segunda frase do v.3, “me dirige em trilhos de

justiça, por causa de seu nome”. Aliás, dízimos que esta segunda frase do v.3 se

apresentava como uma das causas do vale de trevas. Como vimos, os trilhos nos quais Javé

dirige, que supõem a prática da justiça (Mq 6,8), podem levar, como conseqüência, ao

mundo tenebroso (Sl 26,1.3; 101,6).

Um outro aspecto de nossa frase, quando o salmista fala de trevas, nos remete

àqueles que se identificam com esse mundo tenebroso: “durante o dia, se escondem os que

não querem conhecer a luz. Para eles todos, a manhã torna-se sombra da morte, pois eles

experimentam os terrores da sombra da morte” (Jó 10,21; 16,22; 24,16-17). Porque as

“trevas” evocam o espaço de vingança (Sl 82,5), o momento aproveitado para tramar e

fazer maldades (Sl 55).

184 Conferir: H. F. Fuhs, yr’, em Theological dictionary of the Old Testament, vol.6, p.294. 185 H.J. Stoebe, Ser malo, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.2, p.1003.

97

Ao mesmo tempo, quando o salmista diz, mesmo que ande em vale de trevas não

temerei mal, revela a existência de um protetor com mais poder que as forças que atuam

nessa escuridão, “Javé (é) meu pastor” (v.1), que seria dizer: ele é o pastor que me libertou

das trevas e dos que ali atuam, onde só existia angustia e miséria (Sl 18,12; 139,12).

Quando o salmista diz, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei

mal”, está encorajando e desafiando qualquer controvérsia presente e futura, porque se

suporta no estado de segurança que lhe fornece estar no território de seu protetor, Javé. Nas

Escrituras achamos outras fórmulas de confiança que iluminam nosso estudo: Is 8,9; 30,31;

Ez 2,6; 3,9; Ml 2,5.

A esta altura do texto, podemos afirmar, apoiados na frase do v.4a, o que sa lmista

está querendo comunicar: sendo Javé meu rei, de nada carecerei (v.1). Antes estava nas

trevas, na fome, na sede, na angustia, no tormento, agora estou onde nada falta, onde estão

as pastagens de belas ervas, as águas de descansos (v.2), onde minha garganta se restaura,

onde se me aplica a justiça (v.3). É por isso que não temerei ser escravo da insegurança e da

miséria, nem daqueles que atuam na escuridão.

Com a frase correspondente ao v.4a chegamos ao final da primeira sub-unidade de

sentido (v.1-4a). Neste momento vamos oferecer um fechamento na forma sintética das

principais idéias desta nossa primeira estrofe.

2.8.1.1. Encerramento da primeira estrofe (v.1-4a)

Vamos, pois, antes de passar à segunda estrofe (v.4b-6), deixar claras algumas

considerações.

Até o momento observamos que o texto revela uma pessoa pobre e inocente que no

momento preciso é socorrida e auxiliada por Javé. Esta pessoa reconhece publicamente que

Javé é o autor da paz e da satisfação na qual se encontra.

98

A imagem de Javé que a estrofe apresenta é de realeza, ou seja, de um Deus rei que

coloca seu poder e seus palácio e templo a disposição daqueles que mais precisam, os

pobres. Este rei fornece o que o pobre precisou: comida, bebida, lugar de descanso e

tranqüilidade. Assim são entendidas em nosso texto as pastagens, as águas, a restauração da

garganta. Com estes pressupostos antropológicos satisfeitos, sua vida volta a refazer-se.

Javé se apresenta na vida do salmista como o rei que lhe protege. Ao hospedar o

pobre e inocente no pátio do templo, onde nada lhe falta e onde nada o aflige, o rei se

mostra como um pastor justo. E é por esses caminhos que ele dirige a seu hóspede. O

salmista, nessas instruções, sente sua vida caminhando nos mesmos trilhos que Javé,

porque a justiça que foi aplicada à sua vida, resgatando-o do mundo das trevas e da miséria,

tem uma repercussão comunitária. Ele é chamado a praticar da justiça em atenção ao nome

daquele que lhe abriga e lhe dirige, Javé.

Os trilhos da justiça, que são as práticas justas a favor da vida, podem trazer para o

salmista uma situação de controvérsia. Mas, neste sentido, ele diz que não vai temer, ou

seja, ele assume o passo pelo vale tenebroso, porque sabe que na caminhada Javé lhe

acompanha. É com este pensamento que se inicia a segunda estrofe (v.4b-6), a que agora

vamos a estudar.

2.8.2. Segunda estrofe (v. 4b-6)

Superação do conflito, apresentados em três momentos

Nesta segunda sub-unidade de sentido (v.4b-6), são abertas as janelas que mostram,

com maior clareza, que o texto é um Salmo de asilo e que possui, como lugar vital, o

templo de Jerusalém. Além disso, mostra claros indícios litúrgicos que nos situam no

ambiente de ação de graças pela superação de um conflito.

Como vimos, o v.4 se divide entre as duas estrofes do Salmo 23. À segunda estrofe

pertencem duas frases. Elas dão razão e fundamentação da confiança do salmista.

99

Antes de iniciar, observemos que trabalharemos a primeira parte desta segunda

estrofe. Ela está composta por duas frases: “eis que!, tu (estás) comigo” e “teu cetro e teu

bastão, eles me consolam”. Pela singularidade que distingue estas duas restantes frases do

v.4, a ela demos o título: presença de Javé como consolo do asilado

ydI_M'[i hT'îa;-yKi “eis que!, tu (estás) comigo”

A frase “eis que!, tu (estás) comigo” é a primeira da segunda sub-unidade (v.4b-6).

Ela dá seqüência de sentido à última frase da primeira estrofe, “em especial, ainda que ande

em vale de trevas, não temerei mal” (v.4a); aliás, tem que ser interpretada em relação com a

frase que segue, “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”.

Antes de iniciar a nossa proposta de estudo, vamos apresentar a opinião de Erhard

Gerstenberger que, como exegeta, colabora com nosso campo de pesquisa.

Erhard Gerstenberger assinala nesta frase (v.4b) um aspecto significativo. Considera

que ela envolve uma dimensão litúrgica por algum motivo de ação de graças.186 O autor

compara esta expressão com outra localizada no Sl 118,6: “Javé está comigo, jamais

temerei! Que poderia fazer-me o homem?” Esta informação, como vemos, vem nos ajudar

em nossa investigação. Vamos ver agora nossa proposta de trabalho.

A frase “eis que!, tu (estás) comigo” revela um momento importante. Ela está

introduzida pela partícula yKi ki, que agora traduzimos por “eis que!”, porque joga um

papel de chamar a atenção para inaugurar um enunciado de relevância.

Igual que a frase principal do Salmo “Javé (é) meu pastor” (v.1), “eis que!, tu (estás)

comigo” se apresenta como uma oração nominal, sem verbo e, porém, sem limites de

186 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.115.

100

tempo.187 Desta vez, ao invés do sujeito Javé, temos o realce no pronome pessoal

ht'a' “tu” que, aliás, também está se referendo a Javé (v.1). Lembramos, conforme a

divisão interna do texto, que com o pronome pessoal “tu”, inaugura-se a participação, no

sentido gramatical, da segunda pessoa.

A partícula “comigo” que se encontra na primeira frase desta segunda estrofe, vem

da raiz dm[‘md “estar”. Pode expressar o sentido de presença, de assistência, de ficar,

manter-se em pé. Em Jó 8,15 o termo se utiliza fazendo referência ao apoio e tem matiz de

solidez e de permanência. No mesmo aspecto, o vocábulo também se utiliza no Salmo

109,31, fazendo alusão a Javé, aquele que se põe à direita do indigente, para dos juízes

salvar sua vida. 188

“Eis que!, tu (estás) comigo” (v.4) é uma frase que confirma que a confiança do

salmista se baseia na certeza da presença do pastor (Sl 102,29). É esta presença que lhe

permite ao indigente expressar, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei

mal” (v.4a). Isto, porque sabe que Javé o assiste e lhe suporta a subsistência.

Pela forma e o conteúdo, quando o salmista diz “eis que!, tu (estás) comigo” está

dizendo que seu pastor está com ele e que ele está com seu pastor. Nesta relação Javé

conhece os padecimentos do salmista e se solidariza com ele. Os sinais dessa presença

podem ser sentidos nas ações de justiça que foram aplicadas na própria vida do pobre,

através do fornecimento de comida e bebida, que puderam restaurar- lo novamente (v.2-3).

Retomando a análise de Erhard Gerstenberger, se a fórmula “eis que!, tu (estás)

comigo” tem a ver com a prática cultual, porque designa a base teológica de todo grupo

litúrgico israelita,189 então podemos afirmar que essa frase revela o contexto vital do Salmo.

187 Thomas Lambdin, Gramática do hebraico bíblico, p.87. 188 S. Amsler, Estar de pie, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.419. No Salmo 102,27 achamos um uso referencial da mesma raiz ‘md “estar”: “eles perecem, mas tu permaneces”. 189 Erhard Gerstenberger, Psalms – Part 1 with an introduction to cultic poetry – The forms of the Old Testament literature, p.115.

101

O ambiente litúrgico acontece no templo, território de Javé, donde nada vai faltar e

onde nada há que temer. Ali se encontra o pastor de Israel, sentado sobre os querubins,

onde resplandece (Sl 65,5; 80,2; 84,5). Perto dele o justo se alegra por permanecer na sua

presença (Dt 12,11; 14,23), presença que também se percebe nas andanças pelos trilhos de

justiça (v.3).

Podemos entender o sentido que circunda a frase “eis que!, tu (estás) comigo”. Este

sentido se encontra nas duas frases: “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não

temerei mal” (v.4a) e “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”. A presença de Javé é

garantia da existência do salmista, porque com o cetro e o bastão seu rei administra a

justiça retamente (Sl 2,9).

Esta frase (v.4b) possui maior significado quando se fornecem mais razões que

fundamentam o motivo da confiança do salmista. Estas se encontram, de maneira especial,

na frase seguinte, a última do v.4, “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”.

ynImU)x]n:)y> hM'h ^T,ªn>[;v.miW÷

^ïj.b.vi “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”

“Teu cetro e teu bastão, eles me consolam” é a última frase do v.4. Ela é parte da

segunda estrofe (v.4b-6) e, dentro desta, pertence ao primeiro momento da segunda sub -

unidade, formada por duas frases do mesmo v.4. A esta parte, como vimos, chamamos,

presença de Javé como consolo do asilado.

Novamente, antes de apresentar a nossa interpretação, partimos das contribuições

dadas por outros exegetas.

Para Hans-Joachim Kraus, a frase “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”,

apresenta duas ferramentas próprias do pastor. A primeira, como arma protetora, para

apartar os perigos das ovelhas. E a outra, utilizada para direcionar no caminho certo as

102

ovelhas que se apartam do grupo. Da mesma maneira, para este autor, o fiel passa pela

experiência de sentir-se protegido e guiado pelo pastor. 190

No mesmo sentido, Leonardo Boff diz que estes instrumentos cetro e bastão são

ferramentas próprias do pastor para disciplinar e dar segurança às ovelhas. Estas, para ele,

são o suporte da metáfora da presença do pastor, seja corrigindo ou segurando, conforme a

necessidade do momento. 191

Sem querer contradizer estes dois autores, precisamos alcançar coesão de conteúdo.

Tentaremos indagar o sentido desta frase dentro de nosso eixo transversal. Realmente, que

significa “cetro” e “bastão” em nossa leitura do Salmo 23? Quando o salmista diz que o

cetro e o bastão do pastor lhe dão consolo, que está expressando? É aqui que

encaminhamos a nossa interpretação.

A frase “teu cetro e teu bastão, eles me consolam” possui continuidade de sentido

com a frase anterior, “eis que!, tu (estás) comigo”, ambas do v.4. Desta vez se nos

apresentam dois substantivos chave, com os quais temos que nos familiarizar, jb,v,

“cetro” e tn<[,v.mi “bastão”. A frase também apresenta um pronome, hM'h

“eles”, que refere, pela forma e o conteúdo, ao cetro e ao bastão de Javé, que trazem

consolo na vida do salmista.

Como ponto de partida, vamos afirmar que jb,v, “cetro” e

tn<[,v.mi “bastão”, dentro de nossa frase, são símbolos de poder e de autoridade.

Eles são insígnias do poder político e real.192 Vejamos alguns exemplos baseados,

principalmente, nas Escrituras.

190 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.474. 191 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.105. 192 Bruce Waltek, Cetro, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1512.

103

Do termo jb,v, “cetro”, evidencia-se que em acadiano o cognato significa

“bater”, “ferir”, “corrigir”.193 Apresenta-se como símbolo de comando (Gn 49,10),

representa o chefe de uma nação (Nu 24,17), é uma ferramenta de poder (Zc 10,11), faz

parte do cenário real e alude ao instrumento para governar (Sl 2,9). No livro de Amós se

utiliza o te rmo com clara dimensão política. Também possui uma conotação teológica, pois

se incorpora ao sentido da justiça divina (Eclo 35,23). Utiliza-se para fazer referência ao

trono de Javé, o que possui o cetro da retidão (Sl 45,7). Neste aspecto, se diferencia o cetro

de Javé daquele dos injustos (Sl 125,3).

O tn<[,v.mi “bastão”, por sua vez, está relacionado com o verbo sha‘na,

que pode estar familiarizado com “sustento”, “apoio”, “confiar-se”, “apoiar-se em” algo ou

alguém. 194 Ele, nas Escrituras, também se apresenta, basicamente com dois sentidos, um

antropológico e outro teológico. Primeiramente, é uma ferramenta que, como cetro, faz

parte do cenário real (Nm 21,18; 2Rs 4,29.31), mostra-se como instrumento pelo qual as

pessoas limitadas encontram suporte (Zc 8,4); ele serve, ainda, de apoio para andar (Ex

21,19). No outro aspecto, Javé é apresentado como fonte de apoio para os que andam na

retidão (Sl 18,19; Eclo 3,31; Is 3,1).

O verbo que acompanha nossa frase, imperfeito do piel, vem da raiz ~xn nhm

“consolar”, pode ter vários matizes. Nossa frase está relacionado com a misericórdia de

Javé. Tem a ver diretamente com “o que me alivia”, que no Salmo 23 seria o mesmo que

dizer, o que me restaura a garganta (v.3).195

Neste sentido, consultando o Primeiro Testamento, o consolo está relacionado com

a ação de oferecer comida e pão aos famintos (Jó 42,11). Ou seja, se trata de uma ajuda

específica, no momento preciso que provoque libertar da angustia aquele que passa por um

momento de miséria (Sl 71,21).

193 Bruce Waltek, Cetro, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1512. 194 Hermann Austel, Apoiar-se, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1598. 195 H. J. Stoebe, Consolar, Diccionario teológico manual del Anti guo Testamento, vol.2, p.95.

104

O exemplo bíblico mais indicado para iluminar nossa pesquisa se encontra em

Eclesiástico 4,1-2: “meu filho, não recuses ao pobre a sua subsistência, e não faças

enfraquecer os olhos do miserável. Não faças sofrer aquele que tem fome, não irrites o

homem na sua indigência”.

O consolo, em nosso texto, também está relacionado a colocar uma pessoa a salvo

no momento que está sendo perseguida pelos inimigos (Sl 86,17). Outros exemplos se

encontram em: Ecl 4,1; Sl 71,21. Em todas estas situações, Javé se encontra como autor do

consolo.

Com estas aclarações, fica evidente que quando o salmista diz “Javé (é) meu pastor”

(v.1) deixa transluzir a imagem da realeza de seu protetor. Seu “cetro” e seu “bastão”, como

rei, oferecem consolo para o pobre que se encontra abrigado no seu reino. Eles são mostra

da presença do pastor, a fonte do consolo, “eis que!, tu (estás) comigo”.

O “cetro” e o “bastão” se mostram como instrumentos complementares para o rei

justo. Primeiramente, pode aludir-se ao aspecto de Javé que administra a verdade com

justiça, a que se torna eficaz, neste momento, na vida do pobre de nosso texto. E

segundamente, se alude a Javé como único amparo, suporte e refúgio desse indigente. São,

pois, estas complementaridades as que provocam o consolo do salmista.

Em suma, a frase “teu cetro e teu bastão, eles me consolam”, estão dizendo que o

consolo de Javé se torna eficaz na vida do salmista porque ele fornece ao pobre o que

precisa para que sua vida se prolongue, isto é, “pastagens/comida”, “águas/bebida” (v.2) e,

porém, restauração (v.3). Todas estas ações falam que o cetro e o bastão de Javé fazem

justiça ao pobre que nele se ampara. Esse apoio lhe permite dizer “em especial, ainda que

ande em vale de trevas, não temerei mal”. Estes são os caminhos de justiça nos quais Javé

instrui, e essa pratica está envolvida diretamente com o seu nome (v.3b).

105

Agora vamos nos introduzindo no v.5 e, com ele, no segundo momento de nossa

sub-unidade, a que chamamos ato litúrgico como ação de graças. O v.5 está composto por

três frases. Nelas se manifestam os sinais litúrgicos, aliás, messiânicos, que permeiam o

texto, e que estão em relação com a superação do conflito. As frases parecem ser uma

pequena quebra dentro no Salmo. Elas são uma seqüência de atos e movimentos, que

indicam o resultado de tudo o que vem acontecendo desde a primeira estrofe (v.1-4b).

yr"_r>co dg<n<ï !x'ªl.vu yn:“p'l

%roì[]T;

“preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores”

Esta primeira frase do v.5, segundo nossa estrutura, inicia-se mostrando um

ambiente litúrgico. A frase que lhe segue “unges com o óleo minha cabeça” parece ser uma

ação que tem continuidade no mesmo ambiente que a primeira, “preparas diante de mim

uma mesa, na presença de meus agressores”. E estas duas frases parecem ser a causa da

terceira, que forma o mesmo v.5, “meu cálice (está) transbordando”.

Uma vez mais, antes de fornecer a nossa interpretação apresentamos algumas

considerações dos exegetas.

Autores como Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti tendem a ver, a partir desta

frase, uma divisão do texto. Ou seja, consideram que ela deixa para trás a imagem do pastor

para inaugurar a imagem do anfitrião.196

No entanto, Luís Stadelmann reforça nossa interpretação. Ele descobre nesta frase a

presença de Javé no templo. Para ele, este santuário é um lugar de refúgio e proteção contra

os inimigos e, ao mesmo tempo é o lugar onde se celebra o culto religioso, no qual se situa

o Salmo.197

196 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.383. 197 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, p.430.

106

Achamos que a idéia de dividir o Salmo em duas partes, a partir desta frase (v.5), é

de pouca credibilidade. Vamos descobrir o ponto de relação desta frase dentro de um

mesmo ambiente vital, o mesmo que gesta todo o texto. Vejamos nossa proposta de

conteúdo.

Além do v.5 mostrarmos uma dimensão litúrgica, mediante a frase “preparas diante

de mim uma mesa, na presença de meus agressores”, se revela um dos pontos que provoca

a controvérsia na vida do salmista. É a primeira vez que se fala de “agressores”, seus

agressores. Estes personagens, ao mesmo tempo, podem estar familiarizados com a situação

que ocorre no v.4a, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

Sem intenção de dividir a primeira frase do v.5, observamos que no seu interior se

executam duas cenas paralelas. A primeira, !x'ªl.vu yn:“p'l

%roì[]T; “preparas diante de mim uma mesa”. O verbo que aparece, imperfeito do

qal, %r;[' “preparar”, está se referindo, simplesmente, à ação de “colocar”, “dispor”,

“ordenar”, “pôr”,198 a mesa. Ação que se executa diante do salmista. O substantivo hnP “frente” indica um movimento em direção a algum lugar, ou seja, orientação do rosto. Quer

dizer que o salmista expressa que essa mesa está preparada diante dele, a sua frente. A

cena, inclusive, sugere uma ação que inclui movimentação, indicando orientação do rosto

ou do olhar daquele que prepara em direção ao homenageado.199

A forma verbal do substantivo !x'ªl.vu “mesa” não se encontra no

Primeiro Testamento.200 Aqui achamos que é utilizado com variações. Algumas citações

constatam que a maioria tem a ver com o sentido de “mesa”. No Sl 78,19, refere-se à

198 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.517. 199 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.537. 200 O termo em questão, mesa, pode ter vários sentidos. Entre eles destacamos, como já vimos: um couro que se estende no chão para comer e, um maior número de vezes, uma mesa posta com comida (Ne 5,17). Conferir: Hermann Austel, Mesa, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1568.

107

provisão divina para as necessidades humanas e em Ez 40,39; 41,22 é empregado para

identificar o altar destinado aos sacrifícios.201 Outros textos: Is 21,5; 65,11; Ez 23,41; Pr

9,2. Em nossa frase, “mesa” (v.5), remete ao uso que dele se faz no contexto.

A segunda cena paralela, na mesma frase (v.5a), é aquela que indica que a mesa está

sendo preparada na presença dos agressores do salmista, yr"_r>co dg<n<

“na presença de meus agressores”. Poderíamos entender que o ato de preparar a mesa no

Salmo 23 é uma ação pública, o que lembra o pátio do templo e o altar dos holocaustos,

onde participa somente a comunidade litúrgica (2Cr 29, 18-36).

A partir desta perspectiva, podemos entender a partícula dgn neged “na

presença de”, dentro da frase. Ela fala de “informar”, “anunciar”, “comunicar”,

“publicar”202 que aquele pobre, que antes carecia de tudo, e estava indefenso, já não carece

de nada, nem tampouco teme voltar a passar mal, porque tem um pastor que lhe protege.

Javé se converte para o salmista no ponto de refúgio e de amparo, nos momentos de perigo.

Também é importante fazer referência especial aos “agressores” que a frase

menciona. No texto massorético se apresenta na forma particípio do qal, vem da raiz verbal

rc sr “opressor”. Pode remitir aos inimigos particulares, pois seu sinônimo mais

freqüente é ‘oyeb, “inimigo”.203

Vamos fazer um breve percurso pelas Escrituras para observar mais de perto as

características destes personagens, os “agressores” do salmista, em cuja presença se prepara

a mesa.

Segundo a linguagem do saltério, os agressores ou inimigos são os que odeiam (Sl

41,8), os que levantam falso testemunho (Sl 27,12), os que caluniam (Sl 7,4), os que falam

201 Hermann Austel, Mesa, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1568. 202 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.417. 203 Ernst Jenni, Enemigo, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, p.196.

108

mentira (Sl 12,3), os que enganam (Sl 26,4), os que buscam a qualquer preço a perdição do

indefenso.

Os inimigos do pobre no Salmo 23 são aqueles que se opõem ao projeto de Javé e

que odeiam a verdade e a justiça (Sl 34,21). São os mesmos inimigos de Javé (Sl 83,2-3).

Podem ser identificados como pessoas poderosas, influentes, de prestígio social, que

odeiam aos humildes. São os soberbos, que perseguem com violência a todo aquele que

restringe seus projetos ambiciosos e, sobretudo, aqueles que estão em dívidas com eles.

Estas pessoas fortes não se importam em aniq uilar, porque para elas não existe o temor a

Deus (Sl 11,5; 35,10; 54,5).

Agora, dando um passo mais, vamos tentar construir uma interpretação mais exata

de nossa frase após ter todos esses dados.

Consideramos que, se o sacerdote é responsável pelo serviço do altar,204 após a

declaração da inocência do asilado, cria-se o ambiente de ação de graças, o que culmina no

ato litúrgico. A partir desta circunstância, entendemos a palavra “mesa” (v.5) dentro da

frase. Ela fala do “altar” (Ez 44,16), instrumento de mediação e sinal de presença divina.

Nela se depositam as ofertas e os sacrifícios que, em parte, passam a ser consumidas pelos

presentes (Lv 3). É dentro de este ambiente de festa que melhor se entende a relação entre

as duas frases do v.1, “Javé (é) me pastor” e “não carecerei”. Aqui está se revelando que no

reino de Javé não falta a comida.

Concordamos com Erhard Gerstenberger ao considerar que ante um caso de

salvação individual todo o povo comemora publicamente a vitória e o fim da calamidade,

por meio de hinos de agradecimento, em nosso caso, a Javé “pastor” (v. 1).205 Isto vem a

confirmar que a “mesa” (v.5) inaugura uma atividade que ele,o refugiado, não executa

isoladamente. É aqui quando descobrimos o sentido escatológico da frase, que revela o

banquete de comunhão dos justos ao redor da mesa (Sl 128,3). 204 Rolan de Vaux, Instituições de Israel no Antigo Testamento, p.388. 205 Erhard Gerstenberger, Os gêneros dos salmos no Antigo Testamento – Introdução e salmos de lamentação – Salmos 22 e 88, p.43.

109

Pela forma e o conteúdo, os agressores que observam de longe são os inimigos

particulares do salmista. Eles são responsáveis pela condição de asilado que agora vive o

pobre, e seriam uma ameaça para sua vida se não estivesse protegido pela autoridade real

de Javé. A isso se poderia chamar, segundo Hans-Joachim Kraus, instituição sacra do

santuário, onde Javé julga e redime o justo, aparentemente desamparado.206

Podemos sugerir a razão de asilo do salmista: sendo um pobre faminto e indigente,

se endividou com algumas dessas pessoas poderosas e teve que fugir porque não tinha com

que pagar. O templo é o lugar destes pobres hospedar-se, porque ali não entram os

agressores. Javé não gosta de impiedade, o mau não é seu hóspede nem os arrogantes

permanecem na sua presença (Sl 5,5-6).

Notemos que o texto não apresenta ameaça de castigo para os “agressores” que

observam de longe (v.5), que buscam a ruína do justo (Sl 55,4). Desta vez, a “cetro/bastão”

(v.4) de Javé não se tornam de ferro (Sl 2,9) para os inimigos. Os responsáveis do templo

não condenam aos agressores. O fato faz pensar que Javé não quer a morte desses ímpios,

mas que se convertam e vivam (Ez 33,11).

O salmista de nosso texto confirma que seus inimigos poderosos não triunfaram,

que seu Deus não o entregou às mãos dos seus perseguidores que buscavam destruí- lo. A

situação faz lembrar o Salmo 61,4-5: “porque és abrigo para mim, torre forte à frente do

inimigo. Morarei em tua tenda para semp re, abrigar-me ao amparo de tuas asas”.

Em síntese, a esta altura do texto, podemos compreender melhor a frase “Javé (é)

meu pastor”. Ela vai revelando que Javé brinda o salmista com abrigo no momento certo,

hospedando-o com todos os benefícios que esta permanência supõe, isto é, o que ele

precisava: “pastagens/comida”, “águas/bebida” (v.2). A realidade por ele vivida lhe pode

fazer dizer, “eis que!, tu (estás) comigo”, “teu cetro e teu bastão, eles me consolam” (v.4).

206 Hans-Joachim Kraus, Teologia de los salmos, p.178.

110

Quer dizer que a justiça de Javé se torna consolo tanto para o indigente como para todos

aqueles que, junto a ele, estão sentados na mesa (v.5).

Agora seguimos introduzindo a segunda frase do v.5. Ela também se apresenta,

como vimos, harmonizada com as duas frases que lhe circundam. E também faz parte do

segundo momento desta estrofe que chamamos ato litúrgico como ação de graças.

yviªaro÷ !m,V,îb; T'n>V:ßDI “unges com o óleo minha

cabeça”

A frase “unges com o óleo minha cabeça” se apresenta como uma continuidade da

frase anterior, “preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores”. Quer

dizer que elas estão intimamente relacionadas dentro de uma mesma cena. E também se

vincula com a que segue, “meu cálice (está) transbordando”. As três são do mesmo v.5.

Aliás, dizemos que esta terceira frase poderia ser considerada como um resultado das duas

primeiras ações nas duas frases anteriores.

Vamos ver, como ponto de partida, o que dela comenta Leonardo Boff.

Os comentários citados sobre o Salmo 23 falam pouco do detalhe da unção. Mas ela

pode ter um simbolismo determinante. Leonardo Boff, comentando a frase, lembra os

hebreus. Deles diz que usavam ungüento para perfumar a cabeça do hóspede com a

intenção de expressar alegria de recebê- lo.207

Agora, nós estamos precisando buscar e descobrir que significa o rito de ungir

dentro da seqüência de nossa exegese. Aqui nos aproximamos à nossa interpretação.

A frase “unges com o óleo minha cabeça” é a segunda ação que se lhe atribui

diretamente a Javé dentro deste pequeno bloco de sentido que formam as três frases do v.5.

207 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.124.

111

A primeira foi o ato do que se fala na primeira frase, “preparas diante de mim uma mesa, na

presença de meus agressores”. Observamos que o ato de ungir parece acontecer após o ato

da mesa preparada, na mesma cena. É uma ação que, como as anteriores, é atribuída a Javé.

O verbo piel !vd dxn, em nossa frase, tem o sentido de “consolar”,

“fortalecer”.208 Ainda não se identifica com exatidão a origem deste rito em Israel, mas

consideramos que o ato de ungir uma pessoa, geralmente tinha por fim reanimar-la, torná-la

sagrada, inviolável e forte.209

Alguns textos que nos ajudam em nossa pesquisa são: Isaías 1,6. Aqui o verbo

!vd está relacionado com curar as feridas mediante o óleo. Em Amós 6,6 tem um

aspecto de festa, onde algumas pessoas se ungem com bons óleos, e o Salmo 133,2 nos diz:

“é como óleo fino sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre a

gola de suas vestes”.

Os substantivos que a frase apresenta !mev' “óleo” e var “cabeça” são

usados de forma concreta para indicar o óleo com o que se unge. É um ato que se opõe ao

sentido metafórico, e se refere à cabeça mesma do pobre do Salmo 23 com o objetivo de

aliviar- lhe e fornecer- lhe forças.210

Embora o ato de ungir no Salmo 23 possa iluminar o sentido real do texto, aqui não

se trata de uma unção real nem sacerdotal. Ela, como vimos, tem a função de alívio, porque

na Antiguidade, mesmo com sentido religioso, vários tipos de azeite podiam ser utilizados

como ungüento em função de recuperar forças, saúde e alegria.211

208 Milton Schwantes, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.51. 209 John Mackenzie, Unção, em Dicionário bíblico, p.953. 210 Conferir: H. P. Müller, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.886.898. 211 Wilhelm Brunotte, Ungir, em Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento , São Paulo, Vida Nova, vol.2, 2a edição, 2000, p.2568.

112

A segunda frase do v.5 quer expressar que esse óleo derramado sobre a cabeça do

salmista provoca conforto na vida do asilado, ao ser libertado da situação de miséria e de

perigo na qual se encontrava; especialmente agora que não está vigente o momento

tenebroso, e que, pelo contrário, os sinais de alegria e de comunhão se fazem sentir.

Com o ato da unção, (v.5) o asilado do Salmo 23 se torna uma pessoa protegida e

inviolável (2Sm 1,14), de modo que seus “agressores” e inimigos, os que observam de

longe, não possam concretizar suas ameaças na vida daquele que, publicamente, está sendo

reconhecido como membro da comunidade litúrgica.

Outra coisa que se poderia dizer é que o ato de “ungir” a cabeça no v.5 remete a

uma expressão contrária ocorrida no Sl 141,5: “não terei prazer em seus banquetes! Que o

óleo do ímpio não me perfume a cabeça, pois me comprometeria com suas maldades”.

Sendo assim, quando o salmista se deixa “ungir”212 poderia estar numa atitude de

comprometer-se com aquele que dirige “nos trilhos de justiça, por causa de seu nome”

(v.3). 213

Neste instante, estamos aproximando-nos do último momento deste segundo bloco

de sentido, o que chamamos ato litúrgico como ação de graças. Lembremos que estas três

frases que formam o v.5 estão intimamente relacionadas, numa cena conjunta que as

harmoniza progressivamente.

hy")w"r> ysiîAK “meu cálice (está) transbordando”

Recordamos que esta frase, “meu cálice (está) transbordando”, apresenta ser, de

maneira especial, o resultado das duas anteriores, “preparas diante de mim uma mesa, na

presença de meus agressores” e “unges com o óleo minha cabeça”, as três do v.5. Com o

fechamento desta frase se inicia o caráter conclusivo da estrofe, o que se inaugura com as

duas frases do v.6. 212 Textos de constatação: Ex 28,41; 40,12 -15; Lv 21,10, Nm 3,3; 1Sm 16,13; 2Sm 1,14; 19,22; Ez 16,9. 213 Conferir: B. Negoita, dxn, em Theological dictionary of the Old Testament , vol.2, p.312.

113

Uma vez mais, antes de fornecer nossos critérios de interpretação, vamos apresentar

outra opinião, agora a de Hans-Joachim Kraus.

Para Hans-Joachim Kraus, o “cálice” transbordando (v.5) é uma imagem

relacionada com o ambiente festivo que acompanha a ação de graças, a que se celebra

dentro do templo de Jerusalém.214 Com esta afirmação, o autor nos confirma o eixo

transversal de nossa leitura exegética.

Entretanto, nós queremos acolher esta frase situando-a no contexto, como unidade

coesa. Vejamos nossos critérios.

A frase “meu cálice (está) transbordando”, igual às frases “Javé (é) meu pastor”

(v.1) e “eis que!, tu (estás) comigo” (v.4b), é uma oração nominal. A importância se

encontra no substantivo “cálice”. A situação da frase nos permite analisar que qua ndo o

salmista diz “meu cálice (está) transbordando”, está falando de uma ação que não possui

tempo limitado. Isto faz lembrar a frase, “em especial, ainda que ande em vale de trevas,

não temerei mal” (v.4a). Ou seja, aqui se manifesta que o cálice do salmista está e sempre

vai estar transbordando.

O substantivo SAK kos, que acompanha nossa frase, pode significar “taça”,

“copo”, “tigela”. 215 A maneira mais freqüente de traduzir é por “cálice”. Possui, tanto no

hebraico quanto no ugarítico e árabe, substantivos derivados que indicam cálices para

beber.216 Textos sugeridos: 2Sm 12,3; Ez 23,32; Jr 35,5.

Em ocasiões, como a que ocorre no Salmo 23, kos “cálice” também pode ser

empregado no mesmo sentido, o de beber. Desde o momento em que o chefe de família

214 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.475. 215 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.310. 216 John Oswalt, Cálice, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.710.

114

enchia o cálice dos membros da casa e dos hóspedes recebidos à mesa, o cálice se foi

tornando um símbolo próprio da sorte ou da proteção.217

É importante ter em conta que, como a frase não possui verbo, seu segundo

vocábulo também é um substantivo, hy")w"r> “saturação”. Sua raiz é

exclusivamente hebraica, hw"r' rvh, significa “saciar”, “satisfazer”. Na forma

substantivada, como aparece em nosso texto, também pode traduzir-se por

“transbordamento”.218 Notamos que, uma vez mais, o tema da abundância, refletida

espec ialmente neste v.5, se faz presente de maneira significativa.

Podemos afirmar que, no contexto do Salmo 23, o “cálice” tem um papel positivo.

E, porém, está longe de indicar julgamento (Jr 25,27). Ele apresenta o salmista bebendo o

cálice de sua salvação.219 A salvação que obtem mediante a abundância de alimentos e

bebidas e a libertação. Aqui se confirma uma cena de acolhimento e de acontecimentos

festivos, especialmente revelados nesta segunda estrofe.

É significativa a imagem do “cálice transbordando”, ou seja, da vida do pobre e

indigente enchida da dita e felicidade. Ela pode ser comparada com a expressão do Salmo

66,12: “deixaste um mortal cavalgar nossas cabeças; passamos pelo fogo e pela água, mas

fizeste-nos sair para a abundância ”. Neste mesmo sentido se podem entender os Salmos

16,5 e 116,13, os que falam de Javé como aquele que garante a porção e em nome de quem

o cálice da salvação se ergue.

Em suma, a frase “meu cálice (está) transbordando” para ser entendida, deve ser

situada, especialmente, em relação às duas frases anteriores, “preparas diante de mim uma

mesa, na presença de meus agressores” e “unges com o óleo minha cabeça” (v.5). Neste

ambiente se mostra, de maneira mais evidente, o ambiente de festa, de comida e de

sacrifícios. O cálice, pela forma e o conteúdo, seria o copo de vinho transbordando, o que 217 John Mackenzie, Cálice, em Dicionário bíblico , p.135. 218 William White, Saciar-se, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1406-1407. 219 Z. Mayer, kos, em Theological dictionary of the Old Testament, vol.7, p.103.

115

causa alegria e reflete a abundância existente nos átrios de Javé: “não olhes o vinho: como é

vermelho, como brilha na taça, e como escorre suave” (Pr 23,31).

Neste momento vamos nos aproximando do terceiro e último momento desta

segunda estrofe, a que chamamos fórmula de votos na forma conclusiva. Ele está composto

pelo v.6, que apresenta duas frases, “somente bondade e solidariedade me perseguirão

todos os dias de minha vida” e “e morarei na casa de Javé para prolongamento dos dias”.

Elas, as frases do v.6, carregam uma dimensão conclusiva do texto. Tudo parece

indicar que se trata de uma formulação de votos nascida tanto pelas dádivas que o salmista

usufrui quanto pela sua realidade concreta de asilado. Ao mesmo tempo, se mostra relação

de forma e conteúdo com a sub-unidade anterior, fato que consolida o texto em assuntos de

coesão.

yY"+x; ymeäy>-lK' ynIWpD>r>yIâ ds,x,äw"

bAjÜ %a:Ü

“somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha vida”

A primeira frase do v.6 inicia o tom conclusivo de nosso texto. Ela tem

continuidade de maneira especial com a frase seguinte, “e morarei na casa de Javé para

prolongamento dos dias”. Ambas possuem um certo sentido de complementaridade.

Vamos ver o que pensam os exegetas desta frase, depois ofereceremos a nossa

interpretação.

116

Para Fidel Oñoro, estas dádivas têm a ver com sinais da presença de Javé. Para ele,

a “bondade” tem a ver com os alimentos anteriormente recebidos, e a “solidariedade” está

relacionada com o sentido que tem estes presentes.220

Sem ter uma idéia contraditória com Fidel Oñoro, Hans-Joachim Kraus encontra um

belo comentário. O autor diz que, ao invés dos inimigos, são estas duas dádivas, expressas

nesta frase do v.6, as que seguirão o fiel pelo resto de sua vida.221

As intuições de Hans-Joachim Kraus e Fidel Oñoro nos parecem interessantes, e

iluminam a nossa pesquisa significativamente. Contudo, temos a indagar: o que supõem e

que sentido possuem estas dádivas que vão perseguir a vida do salmista? Aqui nos

aproximamos de nossa proposta de estudo.

A frase “somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha

vida” possui dois substantivos chave, que são necessários compreender para poder

interpretá- la. Por isso lhe dedicaremos uma atenção especial. Trata-se de bAj tob e

dsx hesed.

Entre as diversas fontes que temos a nosso alcance, os termos que traduzimos por

“bondade” e “solidariedade” no Salmo 23 se apresentam de diversas maneiras. A Bíblia

Almeida traduz, na ordem seqüencial: “bondade” e “misericórdia”; a Bíblia de Tradução

Ecumênica transcreve “felicidade” e “fidelidade”, e a Bíblia de Jerusalém fala de

“felicidade” e “amor”. Autores como Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti traduzem os

termos por: “bondade” e “lealdade”. 222

Tudo parece indicar que os vocábulos em questão são traduzidos em relação

imediata ao contexto do texto ou à leitura que se faz do Salmo. Estes substantivos

220 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.11. 221 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1 -59, p.475. 222 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.377.

117

traduzidos em nossa língua são de um extenso âmbito de emprego. É por isso que se

utilizam para diversos objetivos.

Em alguns outros casos do saltério, bAj é traduzido na Bíblia de Jerusalém por:

“bem” (84,12), “bom” (111,10). E dsx por “fiel” (4,4), “amor” (136,2); o termo também

se apresenta junto ou relacionado com fidelidade: Sl 25,10; 40,11.12; 57,4; 86,15. E, às

vezes, aparece vinculado à misericórdia: Sl 25,6; 40,12; 103,4. É dos mais utilizados no

saltério.

O substantivo bAj, que nós traduzimos por “bondade”, se apresenta como um

conceito orientado diretamente à vida. E, como pano de fundo, aparece a idéia de que a

vida só é possível dentro de uns parâmetros de convivência comunitária.223 Estes

parâmetros nos fazem pensar, imediatamente, nos trilhos da justiça nos quais Javé dirige o

salmista (v.3).

Aparecem textos em que Javé é chamado bAj “bom”, Sl 25,8; 34,9; 73,86;

119,68. E, especialmente, no Salmo 52,11, se diz que o nome de Javé é bom. Neste sentido,

a bondade de Javé inclui uma postura de disponibilidade para com as pessoas. 224 No caso

do Salmo 23, para com o pobre que nele busca refúgio. O salmista de nosso texto tem

experenciou na sua própria vida a bondade de Javé, a que está relacionada com sua

misericórdia.

dsx hesed é um substantivo que se refere à “graça”, “lealdade”, “misericórdia”,

“fidelidade”. Sua raiz pode ser considerada como “favor”. Ela pode indicar a ação de

mostrar-se benigno: “com o fiel tu és fiel, com o íntegro és íntegro” (Sl 18,26). Por sua vez,

mostra indícios de amizade, benevolência e compromisso.225 Na situação de nosso texto, o

223 H. J. Stoebe, Bueno, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.1, p.912. 224 H. J. Stoebe, Bueno, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.1, p.915. 225 Milton Schwantes, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.73.

118

substantivo remete a ação benévola de Javé para com o salmista. E quem recebe bondade

deve corresponder com a mesma disponibilidade. Não por obrigação, mas por gratidão.226

Toda esta motivação vem apresentar-se necessária para poder acolher melhor o

sentido completo de nossa frase, “somente bondade e solidariedade me perseguirão todos

os dias de minha vida” (v.6a), onde a bondade e a solidariedade estão intimamente

familiarizadas.

Até agora fizemos referência à forma verbal que nossa frase em questão apresenta.

Trata-se da raiz @dr rdf, que pode ter o sentido de “estar atrás”, “ir ao encalço de”,

“perseguir”. Geralmente, é usada para evocar uma ou mais pessoas que perseguem alguém

com o objetivo de combater ou se vingar (1Sm 26,20).227

Pelas indagações, a frase “somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os

dias de minha vida” (v.6a) apresenta-se como uma frase construída com a linguagem

própria do momento. Ou seja, o salmista vive uma experiência marcada pela perseguição,

as ameaças, as andanças no “vale de trevas” (v.3). Ao mesmo tempo, experimenta na sua

vida a bondade e a solidariedade de Javé.

O pobre de nosso texto reconstruiu a sua nova situação, expressando que adiante,

não os agressores, e sim as dádivas de seu pastor lhe perseguirão pelo resto de sua vida. A

situação lembra o Sl 116,14: “cumprirei a Javé meus votos, na presença de todo o seu povo

reunido”. O salmista, no Salmo 23, declarado inocente, poderia fazer suas promessas

publicamente, no meio da assembléia.

Para concluir, voltamos a dizer que esta frase, a primeira do v.6, está em

correspondência com a seguinte, “e morarei na casa de Javé, para prolongamento dos dias”.

Ela também (v.6b), como já falamos, é parte do terceiro e último momento da segunda

estrofe. 226 H.J. Stoebe, Bondad, em Diccionario Teológico manual del Antiguo Testamento , vol.1, p.847. 227 William White, Perseguir, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento , p.1403-1404.

119

~ymi(y" %r<aoål. hw"©hy>÷-tybeB.

yTiîb.v;w>

“e morarei na casa de Javé, para prolongamento dos dias”

Esta última frase do v.6b mostra ser uma seqüência de sentido da anterior (v.6a).

Como última frase do Salmo, conclui e fecha a unidade de sentido. Por sua vez, ela mostra

ter uma familiar relação com a frase principal, “Javé (é) meu pastor” (v.1), e com a segunda

frase do v.3, “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”. Isto provoca um

encerramento harmonioso do texto.

Uma vez mais indagamos o que desta frase falam os exegetas e depois apresentamos

a nossa interpretação.

Esta última frase do Salmo 23 é objeto de diversas interpretações, especialmente

pelo problema que apresenta seu verbo yxb “morar”, do qual se fala na crítica textual.

Segundo Fidel Oñoro, o salmista possui a certeza de ter um amigo, alguém de que o estima,

que o ama e que está presente na sua vida. É por isso que deseja morar para sempre na casa

dele. 228

Para Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, por exemplo, o assunto da fo rma verbal,

na sua problemática, cria uma tensão que mesmo em seu estudo do Salmo 23, conforme

reconhecem, não fica resolvida.229

Seria pretensioso considerar uma possível solução? Tentaremos, neste momento,

abranger o conteúdo da frase com os pressupostos que obtivemos das restantes que

compõem o texto.

228 Fidel Oñoro, Comentario al Salmo 23, p.11. 229 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.386.

120

Esta segunda frase do v.6, “e morarei na casa de Javé, para prolongamento dos

dias”, parece ser continuidade da anterior, “somente bondade e solidariedade me

perseguirão todos os dias de minha vida”. É a segunda formulação de votos que o texto

apresenta, e que assinala, conjuntamente, o caráter conclusivo do Salmo.

Além disso, observamos que a primeira frase do v.6 inicia com a partícula %a:Ü “somente”, que emite um tom conclusivo. Imediatamente a segunda frase do v.6 mostra a

partícula de conjunção w> “e”. Estas duas observações ajudam a confirmar que uma

frase é continuidade da outra.

A raiz da forma verbal yTiîb.v;w> “e morarei” é yxb, que também

transmite o sentido de “habitar”, “domiciliar-se”, “fixar residência”. 230 Então afirmamos

que quando o salmista diz “e morarei na casa de Javé, para prolongação dos dias”, está

expressando, literalmente, sua vontade e decisão de residir no templo de Jerusalém.

Às vezes, o verbo pode lembrar a idéia da permanênc ia de Javé “habitando”,

“sentado” no seu trono: “Javé, eu amo a beleza de tua casa e o lugar onde a tua glória

habita” (Sl 26,8). 231 Mas, com relação ao salmista, não se pode afirmar nada sobre o modo

e a duração da permanência. Dados como este têm que ser obtidos no contexto.

Pela forma e o conteúdo de nossa frase, se o verbo “morar” faz referência a uma

presença verídica,232 o termo não possui um sentido figurado, senão que expressa a

permanência concreta de uma pessoa no lugar específico; em nosso caso, o templo de

Jerusalém.

230 Luis Alonso Schöke l, Dicionário bíblico hebraico-português, p.298. 231 A. R. Hulst, Habitar, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.1137. 232 A. R. Hulst, Habitar, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.2, p.1141.

121

Agora tentaremos focalizar o sentido teológico da hw"©hy>÷-tybe

“casa de Javé”, dentro de nossa frase. Ela, no Primeiro Testamento, é uma fórmula

utilizada para distinguir o templo de Javé em Jerusalém (Sl 135,2.21). 233

É oportuno assinalar que nos textos ugaríticos, o término tyIB; “casa” pode

receber diversas traduções: casa de uma divindade, o templo, o santuário e casa do rei.

Neste sentido, como sinônimo de “casa” se emprega dinastia, reino. Se o inquilino

principal da morada é o rei, então se fala de casa do rei (Jr 39,8).234 É neste sentido que

voltamos a lembrar o significado do templo, surge da idéia de que Javé é um rei e, porém,

deve viver num palácio (2Sm 7,2).

Quando a frase (v.6b) fala da hw"©hy>÷-tybe “casa de Javé” é preciso

lembrar que esta casa não supõe só o edifício nem a sacralidade pela presença de Javé. Esta

morada fornece para os que habitam nela tudo o que há dentro: desde a comunidade cultual

até as provisões. Neste sentido, o Salmo 36,9 fala das pessoas que ali ficam saciadas da

gordura da casa de Javé, e das embriagadas em um rio de delícias. É com razão que o

salmista diz “não carecerei” (v.1), porque na casa de seu rei existe comida e bebida em

abundância.

É importante a nova aparição do nome hw"©hy “Javé”, que indica relação com

a frase principal, “Javé (é) meu pastor”. No mesmo aspecto, se evoca a segunda frase do

v.3, onde aparece a frase “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome”. O

substantivo “nome”, como vimos, pela forma e o conteúdo, está se referindo a Javé. Isto

poderia estar indicando que quando o salmista diz “e morarei na casa de Javé, para

prolongamento dos dias” estaria, ao mesmo tempo, dizendo, que morará para sempre na

casa de seu pastor, onde habita o nome de seu rei.

233 Ernst Jenni, Ca sa, em Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, vol.1, p.455. 234 H. Haag, bat, em Diccionario teológico del Antiguo Testamento, Madrid, Cristiandad, vol.1, 1978, p.640-641.

122

Este pobre deseja morar na casa de Javé ~ymi(y" %r<aoål “para

prolongamento dos dias”. O final desta frase se presta também para vários tipos de

traduções. A Bíblia de Jerusalém traduz “por dias sem fim”; a Tradução Ecumênica, “para

longos dias”; o Primeiro Testamento Interlinear, “pela largura de dias”. Nós traduzimos,

“para prolongação dos dias” considerando que é a mais adequada ao nosso conteúdo.

Pela forma e o conteúdo, é oportuno assinalar que nesta frase (v.6b) se revela, com

maior clareza, o caráter de asilo do Salmo 23. O salmista, protegido e satisfeito por tudo o

que há na casa, deseja conservar sua vida, e decide fixar sua residência no santuário, para

que sua vida não termine nas mãos de seus agressores (v.5) nem em situações de miséria.

Esta frase está falando, principalmente, de um assunto de segurança e, além disso, de

necessidades vitais.

Tudo parece indicar que se trata de um asilo sem limites de tempo, talvez com o

objetivo de aguardar o fim do perigo. Declarado inocente, o salmista pode permanecer no

santuário e, ali, dedicar-se ao serviço tendo como ponto de referência a “bondade” e a

“solidariedade” que lhe perseguem (v.6a).

2.8.2.1. Encerramento da segunda estrofe

Fechando a segunda estrofe, deixamos claro que esta sub-unidade de sentido está

intimamente coesa com a primeira. Revela-se, com mais clareza, a simbologia do Salmo,

que parece ser mais acentuada na primeira estrofe. Observamos que as frases de ambas se

correspondem em assuntos de conteúdo, o que contribui à harmonia textual.

Nesta segunda estrofe, manifesta-se a confiança do salmista, baseada na presença de

Javé. E também se observa que vão juntos na mesma caminhada, aquela que implica os

trilhos da verdade em atenção ao nome de Javé. A presença do pastor mostra indícios de

justiça. Justiça que tem a ver com a assistência a um pobre que busca amparo na casa de

Javé, o pastor que ele considera seu rei.

123

Uma vez no pátio do templo, que também pode ser considerado como o palácio de

Javé, o salmista sente consolo. Esse consolo de Javé se torna eficaz porque se transmite

mediante ações justas que libertam o pobre de seu tormento. Então Javé é um bom pastor.

O consolo do salmista lhe vem com a abundante comida e a transbordante bebida, no lugar

da fome que passava, e da certeza de saber-se fora do alcance das mãos criminosas com as

quais ele estava endividado. Os agressores do salmista não podiam fazer- lhe nada porque

ele estava refugiado no território de Javé, instituição sagrada.

As mostras de festas litúrgicas indicam um ambiente de alegria. O possível oráculo

de salvação, que declara inocente o pobre refugiado, implica a toda a comunidade cultual.

A cena mostra sinais messiânicos que evocam a comunhão dos justos.

Como conclusão da travessia, o salmista faz voto de manter vinculação e sintonia

com seu pastor. Expressa que só a “bondade” e a “solidariedade” de Javé, experimentada na

sua própria vida, são dádivas recebidas que lhe perseguirão enquanto exista. Pressupõe-se,

neste sentido, uma repercussão comunitária. Pelas circunstâncias e a realidade que lhe

envolve, o salmista também faz voto de morar para sempre na casa de Javé, porque onde

poderá servir e onde de nada carecerá, nem nada temerá. O fato permitirá garantir sua vida,

sua estabilidade e sua paz, longe dos inimigos.

CONCLUSÃO GERAL

Neste momento, convém deixar claras as principais convicções, assim como as

dúvidas, que ficaram e que desafiam futuras investigações.

Este trabalho contém dois capítulos. No primeiro, fizemos uma pesquisa sobre a

interpretação bíblica do Salmo 23 na América Latina. Situamos esta investigação dentro do

124

contexto de nosso continente. Percebemos que uma das principais características do

trabalho bíblico-científico latino-americano é a conjugação do rigor acadêmico com o

mundo pastoral.

Apesar de que a América Latina possuir pouca bibliografia sobre o Salmo 23,

consultamos alguns trabalhos concernentes a nosso objeto de estudo. Os autores: José

Fonseca, Fidel Oñoro, Luís Stadelmann, Leonardo Boff, José Bortolini e Hans Strauss

foram representantes do mundo acadêmico latino-americano cujo trabalho e pesquisa sobre

o Salmo foram pontos de referência para nossa investigação.

Observamos que estes autores tinham finas intuições com relação ao Salmo 23,

especialmente no que concerne a assuntos hermenêuticos. Em outro sentido, suas diversas

interpretações sobre o mesmo objeto de estudo nos desafiaram. A situação provocou ainda

necessidade de estudar o texto com rigor científico para poder oferecer uma proposta de

leitura autônoma e, ao mesmo tempo, acreditada.

Com este panorama começou o segundo capítulo. Elaboramos uma exegese sobre o

Salmo 23. Neste momento integramos vários autores europeus para que, em diálogo com

alguns autores da comunidade acadêmica latina, contribuíssem com nossa investigação.

Entres estes europeus se encontram: Erhard Gerstenberger, Hans-Joachim Kraus, Luis

Alonso Schökel e Cecília Carniti. Como resultado percebemos que os dois campos

acadêmicos contribuíram no desenvolvimento de nossa temática.

Esta segunda parte da pesquisa tentou ser uma contribuição exegética sobre o Salmo

23, um texto tantas vezes visitado. Pelo tipo de investigação, de caráter exegético, nos

apoiamos principalmente no método histórico-crítico. Um método que facilitou tornar a

interpretação do Salmo compatível com nossa circunstância latina.

Para lograr que este texto pudesse falar de si mesmo, com o maior realismo

possível, fizemos vários passos. O ponto de partida foi traduzir o texto do hebraico para o

português. Para esta tradução tentamos conjugar ser o fiel ao sentido original/literal ao

125

fornecer uma tradução compressível à língua portuguesa. O resultado desta tradução

permitiu uma melhor compreensão de cada um dos vocábulos do Salmo, aqueles que

compõem cada uma de suas frases.

Quando estudamos a crítica textual do Salmo, a partir do aparato crítico da Bíblia

Hebraica Stuttgartensia, pudemos ampliar nossa visão com relação ao texto objeto.

Descobrirmos que o Salmo 23 tem termos que podem ser submetidos à crítica pelo fato que

sua redação atual passou primeiro por vários copistas. As diferentes hipóteses entre os

diversos manuscritos, especialmente na LXX, nos desafiaram no momento exegético.

Um outro passo que demos foi delimitar o Salmo 23. Aqui percebemos que o texto

possui um lugar dentro do saltério e que esse lugar não é um acaso. O Salmo tem que ser

entendido dentro de sua circunstância, dentro do conjunto dos salmos visinhos que lhe

rodeiam. Entre os salmos que encontram certa relação com nosso objeto de estudo estão:

Salmos 20; 21; 22 e 24. No entanto, deixamos claro que o Salmo 23 pode ser estudado

como uma unidade literária independente.

Estudamos o Salmo na sua divisão interna. Descobrimos que, pela sua forma verbal,

ele pode ser dividido em duas partes. Estas são os v.1-4a e 4b-6. Além do mais, percebemos

que cada uma dessas sub-unidades possuía pequenas quebras, mas que não alteravam sua

coesão textual.

Dedicamos tempo a estudar a poesia do texto, ou seja, o seu estilo. Aqui

assinalamos também duas partes, que chamamos estrofes, (v.1-4a) e (4b-6). Percebemos

que essas duas estrofes estão formadas por frases que se inter-relacionam

significativamente. A poesia do Salmo se caracteriza, como as de seu gênero, pelo caráter

de repetição de sentido de suas frases.

Após o estudo poético, consideramos o gênero literário. Afirmamos que o texto

pertence ao gênero de canto de ação de graças: o Salmo 23 é um canto dedicado a Javé

pastor por um motivo de agradecimento.

126

Tentando nos aproximar do contexto vital do Salmo, percebemos que seu lugar

imediato é o litúrgico. Seu nascimento tem a ver com uma comunidade litúrgica. Na busca

de sua origem descobrimos uma situação de asilo. Uma pessoa pobre que tinha encontrado

no pátio do templo de Jerusalém um lugar para refugiar-se.

Pela difícil condição que apresentam os salmos com relação aos sinais históricos,

tentamos demonstrar que o texto apresenta possibilidades de ser pré-exílico. Entre estas

possibilidades, assinalamos que o templo era utilizado como lugar de refúgio, fato que

manifesta uma época anterior ao desterro babilônico e, por sua vez, que o Salmo carece de

linguagem de súplica ou de nostalgia, próprias dos tempos de exílio ou pós-exílio.

Também foi difícil nos referirmos ao assunto da autoria. Mas, apresentamos o

cabeçalho do texto, “salmo para Davi”, como um título colocado posterior à redação do

Salmo. Sendo assim, deduzimos que o texto foi escrito por algum membro da comunidade

litúrgica, de sensibilidade poética, inspirado na vida do asilado.

Como sentimos a necessidade de oferecer uma breve ambientação histórica que nos

permita compreender melhor o texto, estudamos o templo de Jerusalém como lugar de

refúgio. Aqui expressamos claramente que o santuário servia como lugar para asilar a

pessoas que eram perseguidas por assuntos de vingança. O templo, como instituição sacra,

era inviolável e nele não podiam entrar pessoas para agredir aos refugiados.

Depois, nos aproximamos dos assuntos de conteúdo. A exegese, neste momento,

revelou o conflito específico que circunda o texto, afastando qualquer tipo de leitura

fundamentalista do Salmo 23. Dar com essa controvérsia foi o ponto chave da

interpretação, por ter fornecido várias linhas de pesquisa. Estas são: por que o salmista está

no vale de trevas? Que acontece ali? Quem são os seus agressores? Por que ameaçam a vida

do salmista? Qual é o verdadeiro significado das belas pastagens, as águas de descansos,

assim como de todo o simbolismo que o texto apresenta? Como se inter-relacionam as

127

diversas frases entre si? Foram perguntas como estas as que nos fizeram ir a busca e

construir nosso conteúdo.

A partir desta perspectiva, percebemos que no interior do texto está a presença de

um pobre perseguido, carente e desamparado, que no santuário de Javé encontra seu

refúgio e sua salvação. Javé é pastor do salmista e, ao mesmo tempo, é seu rei. O templo é

apresentado no texto como o palácio de Javé, o rei dos pobres.

Uma vez no território de seu rei o salmista não carece de nada, nem teme mal algum

nem de necessidades vitais nem de agressores particulares. Pelas considerações

experimentadas, e pela sua realidade pessoal, o salmista deseja morar na casa de Javé. De

agora em adiante, só a bondade e a solidariedade lhe seguirão pelo resto de sua vida, e não

os inimigos. Elas, talvez lhe sirvam como ponto de referência para sua estadia no templo,

onde possivelmente se dedique ao serviço comunitário.

Em suma, o protótipo de pastor apresentado no Salmo é exigente. Denota uma

acentuada diferença entre pastores que buscavam lucro, tentando servir-se das ovelhas,

comer a sua carne e vestir-se com sua lã (Ez 34,9). O Salmo 23 revela para nós que Javé é

o pastor dos pobres. Javé é o rei do consolo, do desamparado, que remedia, mediante ações

concretas, o estado de carência e de tormento que lhe ameaça. Mas também este rei/pastor é

quem dirige o seu protegido, pelos caminhos de justiça, em consideração a seu nome. Javé

e o salmista compartilham, na suas andanças, os mesmos trilhos.

Resta-nos a indagação sobre os sinais messiânicos que o texto apresenta. Também

fica pendente a tarefa de aprofundar a seqüência textual entre o Salmo 23 e seus textos

vizinhos.

128

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