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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA MESTRADO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE MARIA INEZ OCANÃ DE LUCA DISLEXIA E ATENÇÃO São Bernardo do Campo 2009

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    UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA

    MESTRADO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE

    MARIA INEZ OCANÃ DE LUCA

    DISLEXIA E ATENÇÃO

    São Bernardo do Campo 2009

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    MARIA INEZ OCANÃ DE LUCA Matrícula 75017

    DISLEXIA E ATENÇÃO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Saúde. Orientador: Prof. Dr. Renato Teodoro Ramos.

    São Bernardo do Campo

    2009

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    FICHA CATALOGRÁFICA

    De Luca, Maria Inez Ocanã Dislexia e Atenção. Maria Inez Ocanã De Luca – São Bernardo do Campo:

    UMESP. 2009

    Dissertação de Mestrado em Psicologia da Saúde – Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, 2009.

    Palavras-Chave: Dislexia, Atenção e Psicofisiologia.

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    MARIA INEZ OCANÃ DE LUCA

    DISLEXIA E ATENÇÃO

    Dissertação apresentada à Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Psicologia da Saúde.

    Data da defesa: __/__/__ Resultado: ________________________________________________ Banca: Prof. Dr. Renato Teodoro Ramos_______________________________ Universidade Metodista de São Paulo - UMESP Prof. Dr. Luis Fernando Hindi Basile_____________________________ Universidade Metodista de São Paulo - UMESP Prof. Dr. Ronald D. Ranvaud___________________________________ Universidade de São Paulo - USP

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    Dedico este trabalho à minha Mãe Lourdes, que não conseguiu ver este trabalho concluído.

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    AGRADECIMENTOS

    Para iniciar agradeço ao Sr. Adhemar do Instituto Biomédico nº 1 da Universidade de São Paulo – USP pelo equipamento Chin rest. Ao Prof. Dr. Ranvaud também pelo empréstimo do equipamento Chin rest, orientação e participação da banca. Ao Prof. Dr. Canto-Pereira por ter cedido o protocolo e por toda orientação teórica e técnica. Ao Prof. Dr. Basile por orientação e participação da banca. Ao meu orientador Prof. Dr. Renato pela idéia inicial do trabalho, orientação, paciência, interesse e experiência. Ao meu marido Valter pelo auxílio na parte técnica (informática). Aos meus filhos André e Rafael por entenderem a minha ausência em momentos importantes e me incentivarem. Aos voluntários (Disléxicos e Controles) que participaram com muita boa vontade do experimento. À ABD – Associação Brasileira de Dislexia, pela cessão do espaço, equipamento de informática, pelo acesso aos protocolos e também pelo apoio. Ainda dentro da ABD quero agradecer ao pessoal da recepção que me auxiliou na receptiva aos voluntários; às profissionais que cederam sua sala de trabalho para o estudo e a todos os profissionais que me ajudaram com alternativas quando surgiram as dificuldades. Aos meus colegas e professores do Mestrado que me incentivaram. À secretaria da pós pela orientação e apoio. E por último e mais importante, a Deus que me favoreceu com saúde e me fez chegar às soluções necessárias em momentos difíceis.

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    “Você não pode provar uma definição. O que você pode fazer é mostrar que ela faz sentido.” Albert Einstein

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    RESUMO

    Dislexia é uma condição neurológica associada a deficiências na aquisição e processamento da linguagem. Variando em graus de gravidade, que se manifesta por dificuldades na linguagem receptiva e expressiva, incluindo processamento fonológico, na leitura, escrita, ortografia, caligrafia, e por vezes em aritmética. Dislexia é uma condição hereditária associada a diversas anormalidades neurológicas em áreas corticais visuais e auditivas. Uma das mais influentes teorias para explicar os sintomas disléxicos é a chamada hipótese magnocelular. Segundo esta hipótese, a dislexia resulta de processamento de informações visuais anormais, devido principalmente a disfunção no sistema magnocelular. Esta dissertação explora esta hipótese comparando quinze indivíduos com dislexia e quinze controles, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos através de dois testes visuais de atenção. Ambos os experimentos avaliam tempo de reação a estímulos que apareciam em toda tela do computador, enquanto os indivíduos permaneciam instalados, com a cabeça apoiada por um chin rest e com os olhos fixos em um alvo central. O experimento I consistiu de estímulos (pequenos círculos) brancos apresentados em um fundo preto. No experimento II, a mesma metodologia foi utilizada, mas agora com os estímulos (pequenos círculos) verdes sobre um fundo vermelho. Os resultados foram analisados levando em consideração os quadrantes onde os estímulos foram apresentados. Pacientes e controles não diferiram em relação ao tempo de reação a estímulos apresentados no campo visual inferior, em comparação ao quadrante superior de um mesmo indivíduo. Considerando todos os quadrantes, disléxicos tiveram tempo de reação mais lento no experimento I, mas apresentaram tempos de reação semelhantes aos controles no experimento II. Estes resultados são compatíveis com anormalidades no sistema magnocelular. As implicações destes achados para a fisiopatologia da dislexia, bem como para o seu tratamento devem ser mais discutidos. Palavras-chave: Dislexia, Atenção e Psicofisiologia.

  • 10

    ABSTRACT

    Dyslexia is a neurological condition associated to impairments in acquisition and processing of language. Varying in degrees of severity, it is manifested by difficulties in receptive and expressive language, including phonological processing, in reading, writing, spelling, handwriting, and sometimes in arithmetic. Dyslexia is an inherited condition associated to several neurologic abnormalities in visual and auditory cortical areas. One of the most influential theories to explain dyslexic symptoms is the so called Magnocellular hypothesis. According to this, dyslexia arises from abnormal processing of visual information of movement mainly due to dysfunction in magnocellular system. This dissertation explores this hypothesis by comparing fifteen individuals with dyslexia and fifteen controls, aged between 18 and 30 years through two visual attention tests. Both experiments evaluated reaction time to stimuli appearing in entire computer screen while individuals remained sited, with head supported by a chin rest, and with the eyes fixed in a central target. The experiment 1 consisted of white punctual stimuli presented in a black background. In the experiment 2, the same target locations were used but now with target in green over a red background. The results were analyzed taking in consideration the visual quadrants were the stimuli were presented. Patients and controls did not differ in relation to a shorter reaction time to stimuli presented in inferior visual field, compared with the superior field of the same individual. Considering all quadrants, dyslexics reacted slower in experiment 1 conditions but performed similar to controls in experiment 2. These results are compatible to abnormalities in magnocelular system. The implications of these findings to the pathophysiology of dyslexia as well as its treatment are discussed.

    Keywords: Dyslexia, Attention, Psychophysiology

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    SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................12

    1.1 Dislexia: definição .................................................13 1.2 Histórico do conceito...................................................14 1.3 Quadro clínico.............................................................17 1.4 Alterações neurobiológicas e funcionais.....................23 1.5 Fisiologia da atenção visual........................................35 1.6 Atenção: definição .................................................39 1.7 Atenção, dislexia e leitura............................................44 1.8 Alterações na atenção visual entre disléxicos.............49 1.9 Teoria magnocelular da dislexia..................................52

    1.9.1 Sistema visual magnocelular..............................52 1.9.2 Sistema magnocelular e dislexia........................54

    2. MÉTODO............................................................................61

    2.1 PARTICIPANTES........................................................61 2.1.1 Disléxicos...........................................................62 2.1.2 Controles............................................................63

    2.2 LOCAL ........................................................................63 2.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS....................64

    2.3.1 Instrumentos.......................................................64 2.3.2 Procedimentos (Exp. I e Exp. II)........................,65

    3. ANÁLISE DE DADOS........................................................69

    4. RESULTADOS...................................................................70

    5. DISCUSSÃO.......................................................................73

    6. CONCLUSÃO.....................................................................77

    7. REFERÊNCIAS...................................................................78

    8. ANEXO 1–Termo de consentimento livre e esclarecido.....85

    9. ANEXO 2 – Anamnese........................................................86

    10. LISTA DE FIGURAS ..........................................................88

    11. LISTA DE TABELAS..........................................................89

  • 12

    1. INTRODUÇÃO

    Dislexia é um conceito antigo que descreve a ocorrência de dificuldades

    de leitura, de escrita e, como conseqüência, dificuldades para a compreensão

    de textos. Estas dificuldades costumam levar também a problemas na

    adaptação social, acadêmica e laboral. Este fenômeno é bastante freqüente e,

    nas últimas décadas, diferentes hipóteses envolvendo uma gênese

    primariamente biológica para estes sintomas têm ganhado força. Entre os

    modelos neurobiológicos para a dislexia, postula-se que anormalidades nas

    vias de transmissão das informações visuais sejam particularmente

    importantes.

    Dentro desta perspectiva, esta dissertação aborda o possível

    envolvimento da via visual magnocelular na gênese dos sintomas da dislexia.

    O sistema visual é considerado como a principal via de entrada de

    informações para o ser humano. É na retina que a percepção se inicia e esta

    percepção é transmitida através do cérebro até que se dê a construção mental

    da informação. Estas informações são processadas por três vias principais que

    são: Magnocelular, Parvocelular e Koniocelular. A via magnocelular, de forma

    simplificada, é responsável pela percepção de movimentos rápidos, pela

    percepção da localização de um objeto e pela percepção de profundidade. Pela

    via parvocelular dá-se a percepção da cor, forma e textura. Em ambas as vias

    são encontradas células do tipo konio.

    Após uma breve revisão sobre o conceito e características clínicas da

    dislexia e também sobre o conceito de atenção, serão apresentados os

    principais mecanismos atencionais relevantes para a compreensão deste

    distúrbio.

  • 13

    1.1. DISLEXIA: DEFINIÇÃO

    Dislexia é definida como uma falha na aquisição de habilidade de leitura

    admitindo-se a existência de oportunidades de educação, inteligência média e

    ausência de anormalidades sensoriais, neurológicas ou psiquiátricas. As

    principais definições deste transtorno, adotadas pela Associação Internacional

    de Dislexia (IDA), Associação Britânica de Dislexia (BDA), Associação

    Européia de Dislexia (EDA) e pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD)

    consideram a dislexia como um distúrbio de aprendizagem de origem

    neurológica com importante carga genética, caracterizada por dificuldades na

    decodificação de processamento fonológico com prejuízo da leitura, escrita,

    nomeação rápida, memória de trabalho, processamento de informações e

    velocidade de trabalho.

    Este distúrbio também é descrito no DSM IV (F81.0) e no CID 10,

    (R.48.0), levando em conta as mesmas características e critérios já

    mencionados. A influência genética sobre este transtorno é especificamente

    admitida no DSM IV. A dislexia representa 80% de todas as dificuldades de

    aprendizagem (SAVIOUR; RAMACHANDRA, 2006).

    Saviour e Ramachandra (2006) relatam que 80% das crianças com

    dislexia têm outro membro da família com esta disfunção, sendo sua

    transmissão possivelmente autossômica dominante.

    A dislexia tem ganhado importância ao longo dos anos em parte devido

    à crescente necessidade da leitura e da escrita como meio de comunicação em

    diferentes contextos sociais e de trabalho.

    A aprendizagem da leitura e da escrita é considerada uma habilidade

    biologicamente sofisticada, uma vez que o indivíduo não nasce com esta

  • 14

    habilidade e precisa desenvolvê-la. Tal processo não ocorre com a fala, onde

    o indivíduo precisa somente ser exposto a um ambiente onde outras pessoas

    falem para que também comece a dominar a linguagem.

    Portanto, o quanto antes forem identificadas as dificuldades nesta área

    melhor será o resultado do acompanhamento ou tratamento, levando a um

    melhor desempenho acadêmico, evitando-se conseqüências como o

    comprometimento afetivo, cognitivo e social.

    1.2 HISTÓRICO DO CONCEITO

    O termo dislexia, utilizado para descrever esta dificuldade, vem do grego

    dis = distúrbio, dificuldade; lexia = leitura (do latim) ou linguagem (do grego).

    A compreensão da dislexia se inicia com estudos realizados em

    pacientes com lesões cerebrais comparados com outros pacientes que

    apresentavam dificuldades na leitura e escrita não relacionadas a lesões.

    Estes estudos começaram ainda no século XIX e, já naquela época, este

    tipo de sintoma gerava grande preocupação, pois havia uma percepção do

    efeito perturbador desta dificuldade para o indivíduo perante a sociedade.

    Em 1896, Pringle Morgan e Hinshelwood utilizaram a expressão

    “cegueira verbal” ao descrever as dificuldades de um paciente de 14 anos

    aparentemente incapaz para a leitura, porém com muita habilidade em

    matemática. Este termo também foi utilizado em 1676, pelo médico alemão

    Johann Schmidt, para explicar os sintomas apresentados por um paciente de

    65 anos após ter sido acometido por um acidente vascular cerebral. A mesma

    expressão foi utilizada também por James Kerr em 1897. (IANHEZ; NICO,

    2002)

  • 15

    James Hinshelwood publicou em 1917 um livro chamado “Cegueira

    Verbal Congênita” que discorria sobre adultos com problemas de leitura e

    escrita, neste caso, em decorrência a lesões cerebrais. Porém dificuldades

    semelhantes também eram encontradas em crianças sem lesões evidentes, o

    que levou este autor a sugerir que estes problemas poderiam ter uma origem

    orgânica com possível transmissão hereditária (IANHEZ; NICO, 2002).

    Em 1925, um estudo nos Estados Unidos para se determinar os motivos

    para o encaminhamento de crianças para o serviço de saúde mental, observou

    que dificuldades relacionadas à leitura, escrita e soletração estavam entre os

    mais freqüentes. Samuel T. Orton interessou-se sobremaneira por este

    resultado e realizou vários estudos com cérebros humanos post-mortem. Seus

    primeiros achados o levaram a atribuir o problema com a leitura a distúrbios de

    dominância cerebral (IANHEZ; NICO, 2002).

    A partir daí e ao longo das últimas décadas, surgiram estudos e relatos

    dando consistência à informação de que a dislexia tem caráter eminentemente

    orgânico.

    Os estudos sobre a dislexia a trinta anos atrás, eram direcionados

    principalmente às variáveis visuais e motoras. Depois disso o foco passou a ser

    a integração intersensorial ou, mais precisamente, a integração visuoauditiva.

    Em seguida o foco das investigações direcionou-se à integração espaço-

    temporal, com a justificativa de que as palavras escritas se organizam no

    espaço e as palavras faladas se organizam no tempo. Mais recentemente, as

    pesquisas têm se voltado para o processamento da informação verbal e

    atualmente estudam-se a relação entre linguagem escrita, análise dos

  • 16

    fonemas, grafemas e as condições biológicas, como por exemplo, a hipótese

    do envolvimento do sistema visual magnocelular na dislexia.

    No entanto, deve-se lembrar que a dislexia é uma disfunção complexa

    que afeta diferentes aspectos da leitura. A aquisição da habilidade da leitura é

    coordenada por várias áreas como: visão, controle motor, pensamento abstrato

    e linguagem. Tal complexidade sugere que a dislexia pode ser resultado não

    apenas de anormalidades anatômicas, mas também de alterações no

    funcionamento integrado de várias áreas do cérebro (SAVIOUR;

    RAMACHANDRA, 2006).

    Como a dislexia, segundo Artigas-Pallares (2009), pode se apresentar

    como um conjunto de dificuldades em competências de âmbitos distintos, sua

    melhor conceituação poderia envolver o conceito de uma desvantagem

    adaptativa ante uma exigência cultural particularmente dependente deste tipo

    de habilidade para a leitura e escrita.

    O quadro clínico da dislexia, como é visto atualmente, envolve esta idéia

    de avaliação do impacto geral dos sintomas sobre o funcionamento psicológico

    e social do paciente.

  • 17

    1.3 QUADRO CLÍNICO

    Os sintomas que definem a dislexia são observados desde a pré-escola

    onde já se percebe imaturidade motora (dificuldades para desenhar, pintar e

    para amarrar cadarço). Observam-se dificuldades com quebra-cabeças, atraso

    no desenvolvimento da fala e da linguagem em geral, dificuldade em aprender

    rimas e canções, falta de interesse por livros e impressos. Algumas vezes, a

    criança começa a apresentar resistência para ir à escola, relatando dores de

    cabeça, dor de estômago, mal estar geral e outros impedimentos. Alguns dos

    atrasos citados são considerados pela pediatria como estando dentro de uma

    faixa da normalidade e, portanto não são considerados significativos na

    ocasião e somente ganham peso quando surgem as dificuldades acadêmicas.

    Na fase escolar os sintomas se ampliam e verificam-se dificuldades na

    aquisição e desenvolvimento da habilidade lingüística com a apresentação de

    vocabulário pobre; disnomias (dificuldades para nomear), utilização de

    sentenças curtas, desorganização na escrita (tanto das idéias como na

    utilização do papel), dificuldades para memorizar seqüências (dias da semana,

    meses do ano, ordem alfabética e tabuada, por exemplo), dificuldades com

    análise e síntese do som de uma palavra, lentidão para cópia e leitura,

    utilização de apoio (régua ou dedo) para a realização da leitura e dificuldades

    com ditado. Nesta tarefa observamos trocas chamadas visuais (confunde letras

    parecidas visualmente como “b” e “d”; “p” e “q”; “a” e “e”) e também trocas

    auditivas (confunde letras com som parecido como “f” e “v”, “d” e “t”). A criança

    realiza ainda inversões de letras e sílabas nas palavras (“prato” por “parto”,

    “sílaba” por “síbala”), aglutinações ou separações inapropriadas (“com pressa”

    por “compressa” e “conteúdo” por “com teúdo”) e também omissões de letras

  • 18

    (“ditado” por “diado”). Além da omissão de letras, acontece a omissão de

    palavras ou linhas inteiras (tanto na leitura quanto na cópia e também na

    escrita espontânea), observam-se ainda pobre reconhecimento de rima

    (palavras com a mesma terminação) e aliteração (palavras com som inicial

    parecido). Na escrita apresentam disgrafia (letra feia e mal organizada),

    dificuldades com a lateralidade (confundem direita e esquerda), para leitura de

    mapas, para localização de palavras em dicionários e ainda para leitura de

    horas em relógio de ponteiros. Sua memória de curto prazo é prejudicada com

    dificuldades, por exemplo, para instruções longas, para decorar listas e com os

    sons dos fonemas (letras).

    Galaburda e Cestnick (2003) relatam que, nos países de língua inglesa,

    os casos de dislexia são mais comuns ou mais facilmente identificáveis em

    função de nesta língua existir em seu vocabulário um maior número de

    palavras chamadas irregulares. E é de conhecimento geral que o disléxico

    apresenta dificuldades também para a aprendizagem de uma segunda língua,

    principalmente no que diz respeito à escrita.

    Os disléxicos são ainda descritos como desatentos (vivem no “mundo da

    lua”, não prestam atenção em sala de aula, não lembram os recados que

    devem dar). Alguns apresentam também dificuldades com a matemática. Se

    esta dificuldade for relacionada à compreensão dos enunciados, fala-se em

    dislexia, porém se esta dificuldade ocorre em relação ao raciocínio lógico-

    matemático fala-se em discalculia. Alguns disléxicos apresentam ainda

    dificuldades na interpretação de desenhos geométricos (percepção visuo

    espacial).

  • 19

    Como a principal dificuldade destes indivíduos está relacionada à leitura

    e à escrita, os disléxicos costumam apresentar um melhor desempenho ao se

    expressarem oralmente e este aspecto deve ser considerado em sua vida

    acadêmica. A dislexia não é classificada como uma doença e não existe

    tratamento medicamentoso ou cura para ela. Assim, corre-se o risco do

    disléxico levar para a vida adulta muitas destas dificuldades, principalmente por

    não ter recebido acompanhamento adequado durante a fase de escolarização.

    No adulto as principais dificuldades relatadas são: lentidão para a leitura

    e para a escrita, dificuldade para a compreensão de textos (lêem duas ou três

    vezes para atingir a compreensão), dificuldades para a aprendizagem de uma

    segunda língua (principalmente a escrita), dificuldades com lateralidade, para

    nomear objetos (disnomias) e com organização em geral, além de memória de

    curto prazo prejudicada, que é a capacidade de reter informações por um

    período curto de tempo (IANHEZ; NICO, 2002). Segundo Dalgalarrondo (2000),

    a memória relaciona-se à capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já

    ocorridos, capacidade esta estreitamente dependente da atenção.

    Observarmos ainda no adulto disléxico sintomas relacionados à

    afetividade como depressão, ansiedade, baixa auto-estima e algumas vezes,

    consumo e abuso de drogas e álcool. Presume-se que estes sintomas sejam

    decorrentes de insucessos acadêmicos e sociais.

    Nem todos os sintomas estão presentes em todos os disléxicos, porém a

    maioria dos sintomas citados é relatada pelo disléxico ou seu familiar durante o

    processo de avaliação.

  • 20

    O diagnóstico da dislexia é basicamente clínico, de exclusão e

    interdisciplinar. A avaliação do paciente deve necessariamente incluir avaliação

    neurológica e psiquiátrica, e obrigatoriamente deve conter avaliação

    psicológica, neuropsicológica, fonoaudiológica, psicopedagógica, oftalmológica

    e audiométrica, além de avaliação do processamento auditivo. No entanto,

    havendo necessidade, outras avaliações poderão ser solicitadas.

    Embora o diagnóstico deva ser feito preferencialmente em crianças que

    já tenham passado por dois anos de processo de alfabetização, existem

    indicadores, principalmente quando houver parentes próximos com o

    diagnóstico de dislexia, que podem levar a um diagnóstico de criança de risco

    (ROTTA et. al., 2006; www.dislexia.org.br). A avaliação da criança de risco

    deve ser repetida após dois ou três anos de acompanhamento fonoaudiológico

    para a confirmação ou não do diagnóstico de dislexia. O diagnóstico no

    indivíduo já adulto também é possível e segue basicamente os mesmos

    indicadores utilizados para crianças e adolescentes.

    Durante o processo de avaliação buscam-se excluir outras

    possibilidades para as dificuldades apresentadas pelo paciente como privações

    sensoriais visuais ou auditivas, alterações constitucionais importantes relativas

    ao funcionamento emocional e personalidade, déficits cognitivos e lesões

    neurológicas. Deve-se também identificar características que auxiliem no

    diagnóstico da dislexia, principalmente relacionados ao desempenho na leitura,

    escrita e compreensão de textos.

    Para o diagnóstico são também avaliadas as habilidades em relação à

    lateralidade, organização espacial e temporal, discriminação e percepção visual

    e auditiva, memórias tátil e sinestésica, memória de curto e longo prazo,

    http://www.dislexia.org.br/

  • 21

    organização de figuras e praxias orofaciais; avaliação de habilidade para leitura

    e segmentação de palavras em seus sons unitários e em sílabas, grupos

    consonantais, dígrafos (dois fonemas que formam um único som) e logatomas

    (palavras sem significado). Avalia-se ainda a habilidade para formação de

    palavras e sentenças, ortografia, gramática, velocidade de escrita e aquisições

    lingüísticas através de soletração, rima (sons iguais no final da palavra) e

    aliteração (sons iguais no início da palavra) entre muitos outros testes

    (IANHEZ; NICO, 2002).

    A comorbidade da dislexia com outros transtornos também é comum.

    Podemos encontrar transtorno do déficit de atenção com ou sem a

    hiperatividade, traços de ansiedade e de depressão, estes sempre decorrentes

    das dificuldades em relação à leitura e escrita; discalculia (dificuldades com o

    raciocínio lógico-matemático) e alterações do processamento auditivo

    (SHAYWITZ, 2006).

    Apesar das inúmeras evidências apontando para uma forte influência

    biológica no desencadeamento dos sintomas, não existem tratamentos

    medicamentosos eficazes para a dislexia.

    Após a avaliação, dependendo das dificuldades apresentadas, é feita

    uma orientação aos pais ou ao próprio adulto sobre o distúrbio e sobre o

    acompanhamento apropriado, que geralmente é feito por profissionais das

    áreas de fonoaudiologia ou psicopedagogia, com a finalidade de levar o

    disléxico a adquirir estratégias pedagógicas que o ajudarão a melhorar seu

    desempenho em leitura, escrita e compreensão.

  • 22

    Isto é feito levando o disléxico à compreensão dos sons das letras,

    percepção de rimas, comparação de sons, divisão das palavras em unidades

    menores, colocando-as juntas e mudando-as de lugar, acrescentando e tirando

    um som (letra) da palavra. O disléxico recebe ainda orientação quando à

    prática na aplicação dessas habilidades na leitura e na escrita, dicas e

    estratégias para a compreensão da leitura, treinamento em fluência, entre

    outras, sempre se levando em conta as necessidades de cada disléxico

    (SHAYWITZ, 2006).

    Nos casos em que há prejuízos de ordem emocional como baixa auto-

    estima, por exemplo, também é indicada a psicoterapia, sem se deixar de

    trabalhar o aspecto pedagógico em conjunto (ROTTA et. al., 2006; SHAYWITZ,

    2006; www.dislexia.org.br).

    Além do acompanhamento extra-escolar, faz-se necessária a orientação

    à escola sobre as diferenças na aprendizagem do aluno disléxico, de forma a

    que alterações sejam feitas no âmbito escolar, principalmente no que diz

    respeito às avaliações (provas). Estas poderão ser realizadas em sala

    separada do resto da turma, em horário diferenciado, de forma oral, com maior

    prazo para a realização e com o professor efetuando a leitura das questões,

    entre outras estratégias.

    A didática também deve ser diferenciada, com mais exemplos,

    demonstrações de aplicações no dia a dia para o conteúdo dado, vivências,

    gráficos, desenhos, menor quantidade de dever para casa, sempre estimulando

    o disléxico a se expressar da forma que ele for capaz, com o objetivo de se

    obter a informação sobre o conteúdo de fato adquirido e retido pelo aluno.

  • 23

    1.4 ALTERAÇÕES NEUROBIOLÓGICAS E FUNCIONAIS

    Diferenças entre indivíduos com dislexia e controles têm sido descritas

    em estudos genéticos que relacionam este transtorno com alterações nos

    cromossomos 1, 2, 3, 6, 7, 17 e 18. A origem e o significado exato destas

    diferenças para a expressão de comportamentos complexos ainda são

    desconhecidos (MARKHAM, 2002, SAVIOUR; RAMACHANDRA, 2006).

    Admite-se, como em outros transtornos mentais, que alterações anatômicas e

    funcionais no cérebro sejam decorrentes de variações genéticas e estas

    alterações ocorram a partir de mutações (SAVIOUR; RAMACHANDRA, 2006).

    Em relação à genética populacional, existem relatos de que uma criança do

    sexo masculino, com um dos pais disléxico, tem 50% de chance de ser

    disléxico. O mesmo não foi observado em relação a crianças do sexo feminino,

    provavelmente devido a questões relacionadas ao hormônio testosterona que

    serão descritas adiante.

    A genética da dislexia é hoje considerada como associada a

    mecanismos poligênicos (ou seja, dependem da participação de vários genes)

    e multifatoriais (dependem de uma complexa interação entre genes e meio

    ambiente) para a expressão de seus efeitos.

    Pesquisas que ratificam esta consideração passam por estudos post

    mortem com indivíduos disléxicos, onde foram encontrados neurônios do tecido

    cerebral do tálamo 20% menores comparado a indivíduos sem dificuldades

    com leitura e escrita. Esta diferença poderia levar a anormalidades funcionais,

    principalmente lentificação no processamento de informações, tanto no sistema

    visual quanto no sistema auditivo (GALABURDA; KEMPER, 1979).

  • 24

    Além destas diferenças foram encontradas também ectopias em

    cérebros de disléxicos, particularmente na área da linguagem temporoparietal

    do lado esquerdo do cérebro (STEIN, 2001). Durante o período de

    desenvolvimento que antecede o nascimento, as células do córtex migram das

    partes mais profundas do córtex até chegarem ao seu destino final e pode

    acontecer de juntarem-se em grupos de células que ficam alhures no percurso.

    A estes grupos de células deslocadas dá-se o nome de ectopias.

    Estas ectopias foram encontradas em ambos os hemisférios do córtex

    perisilviano, mas especialmente nos lobos temporal e frontal do hemisfério

    esquerdo que são áreas essenciais para a linguagem.

    Saviour e Ramachandra (2006) relatam desempenho pobre dos

    disléxicos no domínio tátil juntamente com problemas de processamento visual

    e auditivo. Mostram ainda microscópicas más-formações corticais na área da

    linguagem, particularmente no giro frontal inferior e áreas temporoparietais do

    cérebro na forma de ectopias, microgírias (má-formação cortical) e displasias

    (desorganização de neurônios corticais). Estas alterações sugerem um

    processo de maturação cortical anômalo nos cérebros dos disléxicos. Estes

    resultados vão ao encontro dos relatados por Stein (2001), Galaburda e

    Kemper (1979) e Humphreys e colaboradores (1990).

    Fitch e colaboradores (1994) relatam ter encontrado também más

    formações corticais nos cérebros de disléxicos. Estas más formações seriam

    microgírias formadas por anormalidades na organização cortical, concordando

    com o que foi apresentado também por Galaburda e colaboradores (1978) e

    Stein (2001). Galaburda inclusive encontrou alterações de neurônios corticais

    já no quinto mês de gestação.

  • 25

    Desta forma Humphreys e colaboradores (1990) sugerem que se

    existem conseqüências funcionais devido à presença de alterações corticais

    (referentes ao início da gestação), pode-se esperar como resultado, entre

    outros problemas, disfunções de planejamento e comportamento,

    hiperatividade e disfunção da memória auditiva nestes indivíduos.

    Nestas pesquisas observa-se que o cérebro humano é bastante

    lateralizado e que isto o torna mais eficiente principalmente quanto às funções

    cognitivas, como a memória, a linguagem, o raciocínio, as habilidades visuo-

    espaciais, o reconhecimento, a capacidade de resolução de problemas, etc.

    Porém processos mentais complexos como estes não ficam prontos

    automaticamente no indivíduo, no entanto são construídos durante o seu

    desenvolvimento através da experiência social, ou seja, através da interação

    do indivíduo com o meio (DALGALARRONDO, 2000).

    Quanto ao desenvolvimento dos hemisférios cerebrais sabe-se que o

    hemisfério esquerdo desenvolve-se ontogeneticamente mais lentamente que o

    hemisfério direito e o hemisfério esquerdo responde predominantemente por

    aspectos relacionados à linguagem de forma específica e eficiente.

    Já o hemisfério direito é responsável por aspectos relacionados à

    atenção, à intenção e visão espacial ou percepção visual, embora também

    esteja envolvido com a linguagem, ainda que de forma mais global

    (GALABURDA et. al., 1987; STEIN, 2001).

    Pennington e colaboradores (2000) encontraram fortes indicadores de

    controle genético no desenvolvimento dos hemisférios direito e esquerdo,

    havendo maior influência sobre o desenvolvimento do hemisfério esquerdo. No

  • 26

    entanto, não foi ainda possível separar os efeitos dos genes dos efeitos da

    ação do meio ambiente sobre o desenvolvimento do tamanho do cérebro.

    Na população em geral o habitual é encontrarmos assimetria entre os

    hemisférios direito e esquerdo. Já entre os disléxicos, vários estudos post

    mortem, têm encontrado simetria hemisférica, justificando em parte o pobre

    desempenho da linguagem destes indivíduos.

    Para Galaburda (1983) a distribuição de tamanho neuronal difere entre

    disléxicos e controles. Nos disléxicos há maior quantidade de pequenos

    neurônios e menor quantidade de grandes neurônios. Esta comparação foi feita

    em relação aos neurônios do hemisfério esquerdo e direito e as diferenças

    foram observadas em relação aos neurônios do hemisfério esquerdo quando

    comparados disléxicos e controles. No entanto não há diferenças em relação

    ao hemisfério direito considerando-se os mesmos grupos estudados.

    Galaburda juntamente com colaboradores, pondera que a testosterona

    possa ter um efeito na produção do menor grau de lateralização cerebral.

    Parece que a testosterona exerce uma influência direta no processo de

    desordem neuronal, o que levaria a favorecer a simetria hemisférica entre

    disléxicos (GALABURDA et. al., 1987).

    Bakker (2008) aventa também a hipótese de que o excesso de

    testosterona no feto ou ainda uma sensibilidade excessiva a este hormônio

    possam estar ligados à formação de células ectópicas. Sendo assim, este

    hormônio teria um efeito “negativo” sobre o sistema imune e também sobre o

    crescimento do cérebro, particularmente no hemisfério esquerdo, favorecendo

    ainda a compreensão da conexão entre a dislexia e doenças do sistema

    imunológico como, por exemplo, as alergias.

  • 27

    Além destas alterações, Galaburda e colaboradores (1994) supõem ser

    viável as diferenças nas células de outros sistemas, como o motor e o

    cognitivo.

    Rocha (1999) também pesquisou os efeitos da testosterona no

    desenvolvimento do cérebro e considera que as lesões corticais induzem a

    formação de lesões talâmicas que dependem da testosterona e esta alteração

    poderia também auxiliar na compreensão do motivo pelo qual a dislexia afeta

    muito mais homens do que mulheres, na proporção de três para um.

    Existem ainda estudos (LAMBE, 1999) que mostram diferenças nos

    caminhos de ativação cerebral para o processamento fonológico entre homens

    e mulheres, o que também poderia explicar o fato da dislexia afetar mais a

    homens do que mulheres, porém este aspecto (diferenças de desempenho

    entre homens e mulheres na dislexia) não será abordado neste trabalho.

    Extensas pesquisas têm sido feitas no sentido de observar estas

    conseqüências funcionais, usando-se técnicas de neuroimagens cerebrais, as

    quais têm a vantagem de serem realizadas com pacientes vivos, permitindo

    inclusive serem feitos exames com os participantes realizando alguma tarefa

    como a leitura, por exemplo, (NICOLSON; FAWCETT, 2008; EDEN et. al.,

    1996; SAUER et.al., 2006; PESTUN et. al., 2002; TURKELTAUB et. al., 2002;

    ÉDEN; ZEFFIRO, 1998; JOSEPH et. al., 2001).

    Éden e colaboradores (1996) em seus estudos com neuroimagem

    observaram que os disléxicos têm ativação cerebral reduzida nas áreas visuais

    das vias dorsais em resposta a alvos visuais em movimento. Os disléxicos

    apresentaram ainda resultados pobres em testes em que era requerido o

    processamento visual rápido (LIVINGSTONE et. al. 1991).

  • 28

    Falando-se em processamento visual, devemos lembrar que para a

    leitura eficiente é necessário que haja a ação coordenada de vários tipos de

    movimentos oculares como fixação, convergência e movimentos sacádicos

    (que são os deslocamentos que os olhos fazem para a realização de uma

    tarefa onde seja necessário o controle ocular fino, como na leitura, por

    exemplo). Todas estas funções devem estar adequadas para que a leitura se

    processe de forma eficiente. Estudos sugerem que convergência ou

    acomodabilidade ineficiente, déficits do movimento sacádico e também

    instabilidade binocular sejam comuns em disléxicos (STEIN, 2001). Estes

    estudos sugerem a existência de um controle de visão binocular pobre em

    disléxicos, causando uma visão instável, o que levaria a ocorrência de erros na

    leitura. Breitmeyer e Breier (1994) sugerem que haja uma falha na inibição da

    fixação da leitura, durante o movimento sacádico, provocando sobreposição de

    imagens quando sucessivas são apresentadas, causando a confusão visual.

    Alterações nestas funções poderiam justificar o relato comum entre

    disléxicos de que as letras parecem se mexer quando realizam a leitura

    (STEIN, 2001).

    Para os disléxicos a informação visual durante a leitura não é filtrada

    eficientemente de forma a obter uma resposta adequada no processamento da

    palavra, trazendo a hipótese de uma incapacidade em suprimir a informação

    distrativa durante o processo de decodificação (FACOETTI; TURATTO, 2000).

    Para aprender a escrita alfabética o cérebro precisa ter um mapa mental

    de representações da correspondência básica da pronúncia de cada som

    (fonema). A unidade gráfica da escrita recebe o nome de grafema. Um grafema

    pode ser uma letra, um caractere chinês, um número, um sinal de pontuação

  • 29

    ou até mesmo um logotipo (NICOLSON; FAWCETT, 2008; ARTIGAS-

    PALLARES, 2009).

    Pesquisas relatam que o leitor principiante tenha um aumento relativo da

    atividade em hemisfério direito durante o ato de ler, talvez porque se prenda à

    forma da letra e procure decodificar cada uma delas. Por outro lado, o leitor

    hábil utilizaria mais funções ligadas ao hemisfério esquerdo, realizando a leitura

    pela rota fonológica (pelo som). O disléxico parece apresentar uma variação

    não habitual (diferente de indivíduos sem dificuldade com a leitura) no que diz

    respeito à distribuição da atividade cerebral durante a leitura. (BAKKER, 2008).

    Os disléxicos têm dificuldade na representação ou evocação dos sons,

    com dificuldade em retê-los na memória de curto prazo e conscientemente

    segmentar os fonemas (tirar ou substituir fonemas em palavras, a assim

    chamada consciência fonológica) (RAMUS, 2001). Disléxicos apresentam

    ainda dificuldade em captar a amplitude e freqüência que caracterizam o som

    de cada letra. Ramus (2001) observou que os disléxicos obtiveram

    desempenho pior até do que pessoas com déficits auditivos em atividades que

    exigiam esta habilidade.

    Em línguas em que cada letra e som têm correspondência consistente a

    questão de formar a consciência fonológica é substancialmente mais fácil

    (como, por exemplo, na língua finlandesa) do que nas línguas semelhantes ao

    inglês, em que a relação som-letra é ambígua. Nestas línguas a dislexia

    manifesta-se na forma de uma aprendizagem mais lenta (LAASONEN et. al.,

    2001).

  • 30

    Isto nos leva a pensar em relação à dislexia em indivíduos que utilizam

    idiomas onde a escrita é representada logograficamente.

    Foram encontradas diferenças estruturais e anormalidades funcionais

    também em disléxicos chineses (chinês é uma língua não alfabética) e,

    comparando-se disléxicos chineses e disléxicos de língua alfabética foi

    observado que as áreas cerebrais afetadas eram diferentes. Desta forma os

    resultados encontrados por Siok e colaboradores (2008) sugerem que as bases

    estruturais e funcionais da dislexia variam entre línguas alfabéticas e não

    alfabéticas.

    O fato que disléxicos chineses e disléxicos não chineses mostram

    anormalidades estruturais em diferentes regiões do cérebro sugerem que a

    dislexia possa até estar ligada a desordens cerebrais, dependentes

    diretamente dos aspectos culturais relacionados à forma de escrita.

    Nas pesquisas de Siok e colaboradores (2008) foram encontradas

    anormalidades em áreas corticais e subcorticais em disléxicos. Entre os

    indivíduos que utilizavam línguas alfabéticas, foram encontradas

    anormalidades na área esquerda temporoparietal que parece estar envolvida

    na conversão de letra/som na leitura e no córtex médio superior temporal, o

    qual está envolvido na análise dos sons da fala e também no giro esquerdo

    inferior temporo-occipital que está relacionado ao reconhecimento. Desta

    forma, a dislexia estaria associada ao desenvolvimento atípico em estruturas

    do sistema posterior do cérebro.

    Os circuitos neuronais envolvidos na leitura normal e suas disfunções

    podem variar conforme a língua (alfabética ou não alfabética). Por exemplo, na

    língua chinesa (logográfica), caracteres são mapeados por sílabas o que

  • 31

    diferencia do sistema alfabético (como por exemplo, inglês) onde as unidades

    gráficas (letras) são mapeadas por fonemas (unidade de som).

    Leitores chineses mostram relativamente mais compromisso ou ativação

    das áreas visuo-espaciais e região esquerda medial frontal para memória de

    trabalho complexo de reconhecimento de figuras que serão utilizadas para a

    pronúncia ao invés de aprenderem as regras de correspondência letra/som.

    Também entre disléxicos da língua chinesa foi encontrado um déficit

    fonológico similar ao que acontece entre disléxicos na língua alfabética e as

    regiões corticais que mediam este déficit em línguas logográficas e alfabéticas

    são especialmente separadas. Desta forma, mais uma vez, os mecanismos

    neurais sob prejuízo na leitura podem depender do sistema de escrita utilizado.

    Deve-se ter em mente que os disléxicos estudados são diferentes entre

    si e as dificuldades encontradas não estão restritas à leitura e escrita, mas se

    estendem à lateralidade confusa, à capacidade com seqüências em geral,

    dificuldades de dominância hemisférica, dificuldade em relação a tempo e

    espaço, entre outras (STEIN, 2001).

    Nicolson e Fawcett (2008) propõem ainda que crianças disléxicas

    tenham falhas na aquisição de habilidades ligadas à automatização de

    atividades cognitivas e motoras como equilíbrio, controle motor, habilidades

    fonológicas e velocidade de processamento de informações.

    Wilmer e colaboradores (2004) propõem que, para a leitura eficiente

    seja necessária a associação entre discriminação da velocidade e detecção

    coerente do movimento, além das habilidades já citadas.

  • 32

    Hari e colaboradores (1999) sugerem a existência de anormalidades na

    dominância do lobo parietal direito em relação à atenção espacial em

    disléxicos.

    Todos estes autores nos levam a pensar em dislexia como sendo

    conseqüência de múltiplas disfunções e alterações.

    A representação destas disfunções, através da captação do tempo de

    resposta o mais exata possível (em dezenas ou centenas de milésimos de

    segundo) é de fundamental importância para a compreensão de funções

    cerebrais, funções estas que são a base para se processar o discurso (fala).

    Na dislexia, o deslocamento da atenção e o tempo de resposta parecem ser

    lentos ao captar e processar informações rápidas e seqüenciais.

    Facoetti e colaboradores (2003a) encontraram evidências de um

    processamento mais lento para captura de estímulos apresentados no

    hemicampo direito (heminegligência esquerda) em disléxicos. A captura destas

    informações seria mais lenta em ambos os hemicampos (a captura seria mais

    lenta nos dois hemisférios, mas seria processada ainda mais lentamente,

    nestes indivíduos, no hemicampo direito) levando a um aumento na quantidade

    de erros na localização de objetos no hemicampo visual direito. Estes dados

    sugerem que a distribuição dos recursos atencionais ocorra mais difusamente

    em disléxicos devido a provável dificuldade em restringir o foco de atenção.

    Hari e colaboradores (1999) também encontraram em seus

    experimentos diferenças de desempenho entre adultos disléxicos e controles,

    mostrando que disléxicos levam mais tempo para a identificação visual de um

    objeto. Seguindo o mesmo raciocínio, Visser e colaboradores (2004)

  • 33

    concluíram que crianças disléxicas têm dificuldade em alocar rapidamente a

    atenção levando mais tempo para realizar tarefas.

    Laasonen e colaboradores (2001) estudaram disléxicos adultos com boa

    experiência de leitura e observaram que nestes indivíduos o déficit de tempo de

    resposta era menor em relação a disléxicos adultos com menor experiência de

    leitura, ou seja, com o treino e aquisição de estratégias o tempo de resposta

    melhora, embora, se comparado a um indivíduo sem dificuldade com a leitura,

    ainda possa ser considerado lento. Este dado nos mostra a possibilidade de

    utilização de estratégias para redução do dano.

    Em relação a crianças, Hari e colaboradores (1999) demonstraram que

    crianças disléxicas se equipararam em desempenho a crianças mais novas

    sem dificuldades de leitura sugerindo que exista um atraso no desenvolvimento

    da leitura, porém com a possibilidade de uma melhora até a vida adulta com a

    aquisição de novas estratégias, comparável ao que foi verificado entre adultos.

    Também para Skottun e Skoyles (2007) os disléxicos têm tempos de

    reação maiores que não disléxicos. Esta hipótese tem recebido considerável

    atenção, sugerindo que a dislexia seja causada por problemas gerais de

    processamento de informações com um déficit peculiar do processamento

    temporal (o processamento temporal pode ser definido amplamente como o

    processamento requerido quando dois ou mais diferentes estímulos são

    apresentados, conforme Visser e colaboradores, 2004).

    Vários autores relacionam um tempo de resposta mais lento em

    disléxicos a déficit no sistema visual magnocelular. A chamada teoria

    magnocelular da dislexia tem sido proposta por pesquisadores que acreditam

    em anormalidades no funcionamento deste sistema entre disléxicos. O sistema

  • 34

    visual magnocelular caracteriza-se por maior sensibilidade ao movimento, à

    direção do olhar e uma relativa insensibilidade à cor ou forma. O sistema

    magnocelular na dislexia ocupa um papel importante no processamento

    temporal e em toda a sensibilidade dos sistemas motores do cérebro como um

    todo e que podem ter sido danificados durante o desenvolvimento ainda na

    fase gestacional, corroborando com pesquisas anteriormente citadas (STEIN,

    2001).

    Stein (2001) e outros pesquisadores acreditam que para compensar o

    déficit do sistema magnocelular nos disléxicos haveria um maior

    desenvolvimento do sistema parvocelular e isto poderia justificar as habilidades

    encontradas entre os disléxicos em atividades chamadas artísticas ou visuais,

    como o desenho, a pintura, a escultura, a mecânica entre outras.

    Esta teoria será melhor explorada adiante neste trabalho.

  • 35

    1.5 FISIOLOGIA DA ATENÇÃO VISUAL

    O sistema nervoso é composto por um grande número de células. Estas

    células recebem informações o tempo todo e devem processá-las de forma

    rápida e precisa. Presume-se que estes processos sejam essenciais para as

    diferentes formas de percepção. De todas as fibras cerebroaferentes trinta e

    oito por cento pertencem ao sistema visual que, portanto, se configura como a

    principal via de entrada de informações para a espécie humana.

    Embora todos os elementos estruturais do olho humano participem da

    percepção da informação visual, a retina tem um papel central neste processo.

    (http://webvision.med.utah.edu).

    A retina é a mais importante porque é nela que se inicia a percepção

    visual. A luz entra pela córnea, é projetada no fundo do olho e é convertida em

    informação eletro-química pela retina. Em seguida estes sinais, através do

    nervo óptico, chegam aos centros superiores no cérebro, são processados para

    a geração do fenômeno perceptual, que é a construção mental de uma

    informação tridimensional estável (KANDEL et. al., 2000).

    A maior parte das informações visuais captadas pelo olho segue pelo

    nervo óptico até o córtex occipital, antes passando pelo tálamo. Parte destes

    sinais toma outros caminhos que nem sempre estão envolvidos com o

    processamento da informação visual, podendo estar envolvidos no controle do

    movimento da pupila e no acompanhamento de objetos no campo visual.

    Na retina a informação visual é segregada entre células ganglionares

    que têm dois tamanhos (células grandes – magnocelulares ou tipo M e células

    pequenas – parvocelulares ou tipo P). As informações chegam ao Núcleo

    Geniculado Lateral (NGL) do tálamo e depois a diferentes regiões do córtex.

    http://webvision.med.utah.edu/

  • 36

    Os axônios das células ganglionares são conectados ao corpo

    geniculado lateral (CGL) definindo três vias principais de processamento:

    Magnocelular, Parvocelular e Koniocelular.

    As camadas magnocelulares são responsáveis por responder a

    movimentos rápidos e de curta duração, fornecendo a informação sobre a

    localização do objeto no espaço e também sobre a profundidade. É através das

    camadas magnocelulares que se projetam para o cérebro formando o tronco

    cerebral, que se obtém o controle reflexo dos olhos.

    As camadas parvocelulares vão da área visual primária até o córtex

    temporal inferior e aí são processadas as informações sobre cor, forma e a

    textura e esta é uma via de processamento mais lento.

    Tanto nas camadas parvocelulares quanto nas magnocelulares são

    encontradas células tipo konio. As funções dos dois caminhos são preservadas

    no córtex visual, embora a separação não seja completa (MAEHARA et. al.,

    2004). Aproximadamente 80% das células ganglionares conectam-se à via

    parvocelular, 10% à via magnocelular e 9% à via koniocelular.

    O CGL é formado por seis camadas: duas magnocelulares, quatro

    parvocelulares e além destas existem ainda camadas intermediárias

    koniocelulares.

    Basicamente as informações após chegarem ao córtex seguem por duas

    vias: dorsal e ventral. A via dorsal segue para cima até o lobo parietal e o lobo

    frontal e a ventral segue para baixo até a parte inferior do lobo temporal.

    No fluxo dorsal a informação dominante é magnocelular e no fluxo

    ventral é parvocelular. No fluxo dorsal é que se observa a coordenação mão-

    olho e interferem na localização dos objetos e também são importantes para o

  • 37

    controle do movimento do olho durante uma busca visual. No fluxo ventral

    encontramos as funções de reconhecimento.

    Para Pashler (1994) tarefas visuais dependem de um mesmo sistema de

    entrada da atenção e sugere que a atenção sobre um objeto ocasionará sua

    representação na memória de curto prazo visual, possibilitando a execução de

    várias tarefas consideradas mais fáceis ao mesmo tempo, porém o mesmo não

    acontece caso as tarefas sejam consideradas mais complexas, isto em uma

    população considerada sem dificuldades.

    A informação processada pelo sistema magnocelular termina no córtex

    posterior parietal, que é uma área espacial seletiva e importante para o

    processo da atenção (FACOETTI et. al., 2003b). O córtex occipital contribui

    para a atenção visual e recebe estímulos predominantemente do sistema

    magnocelular (BODEN; GIASCHI, 2007).

    O olho, durante a leitura, apresenta um movimento rápido sobre a linha

    do texto caracterizado por breves paradas, conhecidas como fixações. Em

    leitores experientes estas fixações ocorrem a cada sete ou nove letras (em

    média) e, numa palavra dentro de uma frase, a fixação tem duração média de

    225 a 275 ms. Neste espaço de tempo, que é muito breve, o leitor extrai

    visualmente as informações que necessita para realizar a leitura. Se a palavra

    foi processada o olho é movido para a próxima, caso contrário é feita uma

    segunda fixação, desta vez de maior duração.

    As sacadas regressivas curtas (os movimentos rápidos dos olhos de

    volta para a palavra com curta fixação) servem para a revisão de uma palavra

    cuja leitura não foi bem sucedida. Porém as sacadas regressivas longas (os

    movimentos rápidos dos olhos de volta para a palavra com uma fixação maior)

  • 38

    ocorrem entre as linhas do texto e refletem a dificuldade que o leitor tem na

    compreensão do conteúdo.

    Foram encontradas diferenças na duração média da primeira fixação em

    pseudopalavras entre disléxicos e controles em várias línguas, como por

    exemplo, alemão, italiano e português (LUKASOVA et. al., 2009).

    Foi observado também que quando o leitor se depara com uma palavra

    desconhecida a agilidade para leitura diminui e aumenta o envolvimento do

    processamento visual para aí sim se realizar a decodificação da palavra.

    Algum tipo de pré-processamento ortográfico (quando a criança aprende

    que há palavras que envolvem irregularidades nas relações entre os grafemas

    e fonemas), fonológico (quando a criança faz o reconhecimento da

    correspondência entre letras e fonemas, ou seja, sons) ou lexical (quando a

    criança aprende a fazer a leitura visual direta de palavras, quando há alta

    freqüência destas palavras no ambiente do leitor), ocorre antes da palavra ser

    fixada pelo olho e a coerência deste pré-processamento determina a

    velocidade com que esta palavra será processada e fixada.

    Então para que a leitura seja considerada fluente e eficiente (pois

    envolve também a compreensão) é necessária a coordenação do

    processamento de leitura e planejamento motor. Esta coordenação é relevante

    para a dislexia, pois foram encontrados déficits motores entre estes indivíduos

    (LUKASOVA et. al., 2009).

  • 39

    1.6 ATENÇÃO: DEFINIÇÃO

    Willian James já em 1890 descrevia a atenção como sendo uma

    experiência pessoal, o indivíduo captando somente o que foi consentido por

    ele, escolhendo um estímulo entre muitos oferecidos simultaneamente e para

    lidar mais eficientemente com este estímulo que foi escolhido abdica dos

    demais (DALGALARRONDO, 2000).

    Luria em 1979 definia atenção como a capacidade de selecionar e

    manter o controle sobre a entrada de informações necessárias num dado

    momento. Assim, atenção é o termo utilizado para referir-se aos mecanismos

    pelos quais se dá a seleção de estímulos.

    A atenção pode ser dividida de forma sintética em atenção seletiva que é

    definida como a capacidade de selecionar um estímulo entre vários outros;

    atenção sustentada que é a capacidade de manter o foco de atenção ao longo

    do tempo; atenção dividida que é a habilidade de responder a mais de uma

    questão num mesmo momento e atenção alternada que é a habilidade em

    mudar de foco e voltar ao primeiro de modo repetitivo. Esta divisão é proposta

    apenas para melhor compreensão do fenômeno atencional, pois qualquer

    atividade mental que exija a capacidade de atenção irá envolver mais que um

    tipo (LÚRIA, 1979; DALGALARRONDO, 2000). Esta é uma proposta de

    definição clássica utilizada a muitos anos e que tem sido atualizada e revisada,

    principalmente quanto à atenção sustentada, que atualmente é entendida por

    alguns pesquisadores como sendo a capacidade de retomar ou retornar ao

    assunto.

  • 40

    De acordo com Cortese e colaboradores (1999) alguns fatores presentes

    em todas as modalidades da atenção são:

    1. Vigilância: capacidade de selecionar e focar os estímulos;

    2. Amplitude: quantidade de estímulos que deverão ser processados na

    realização da tarefa.

    3. Tracking: rastreamento do material em foco envolvendo processos de

    memória de curto prazo;

    4. Tempo de reação: tempo necessário para a realização da tarefa (este

    foi especialmente observado em nosso trabalho) e

    5. Alternância: flexibilidade e velocidade no deslocamento da atenção

    de um foco para outro.

    O funcionamento da atenção se apóia em fatores básicos como:

    - Fator fisiológico, onde depende de condições neurológicas e também

    da situação física em que o indivíduo se encontra;

    - Fator motivacional que depende da forma como o estímulo se

    apresenta e provoca interesse e depende do grau de solicitação e ativação do

    estímulo, levando a uma melhor focalização da fonte do estímulo, que pode ser

    visual, auditivo ou sinestésico.

    Estão envolvidos no processo de atenção o sistema reticular ativador

    (SRA) que é responsável pelo nível de consciência (que aqui representa estado

    vigil, ou seja, estar desperto) e também pelos mecanismos de alerta

    preparando o indivíduo para a reação; o tálamo onde acontece a convergência

    das projeções do SRA e que está envolvido na mediação entre estruturas

    cerebrais “superiores” (córtex associativo, sensorial e motor) com estruturas

  • 41

    “inferiores” (núcleos subcorticais, vias ascendentes e descendentes) e ainda o

    córtex das regiões pré-frontais que estão relacionados à regulação das

    atividades de atenção (CASTRO, 1998).

    Norman e Shallice (1980) relatam que os processos automáticos de

    captação da atenção são velozes e não requerem controle ativo por parte da

    pessoa, podendo por si mesmo ocorrer conjuntamente a outros

    processamentos, com pouca interferência, podendo também ser

    desencadeados prontamente de forma quase inevitável, por eventos

    inesperados, mesmo que o participante não esteja prestando atenção à fonte

    de estimulação.

    Existem ainda recursos atencionais controlados e que são necessários

    em tarefas que requerem planejamento de solução de problemas, como tarefas

    mal aprendidas ou que contenham seqüências novas, que sejam perigosas ou

    tecnicamente difíceis ou que requeiram a superação de uma resposta

    habitualmente forte e automática (NORMAN; SHALLICE, 1980).

    O ato de prestar atenção, independentemente da modalidade sensorial,

    se auditiva ou visual, aumenta a sensibilidade perceptual para a discriminação

    do alvo, além de reduzir a interferência causada por estímulos distratores

    (LIMA, 2005).

    A atenção então é uma função cognitiva, assim como é a memória de

    fixação e de recuperação (evocação), a sensopercepção, solução de

    problemas, a análise visuo espacial, a velocidade de processamento de

    informação e a linguagem. Está presente no indivíduo desde os primeiros dias

    de vida. Ela tem a função, a princípio, de orientar nossos sentidos para os

    estímulos do ambiente. Com o desenvolvimento do indivíduo ela assume a

  • 42

    função de administrar seletivamente estes estímulos e os recursos para

    processá-los, de forma a prestar atenção a uns e inibir outros (POSNER;

    ROTHBART, 2007).

    O uso adequado da atenção dá ao indivíduo a capacidade de mudar o

    foco de interesse e também regular a sensibilidade às características

    sensoriais e semânticas dos estímulos. É um sistema através do qual ocorre o

    processamento dos estímulos de forma seqüencial e diferentes sistemas

    cerebrais estão envolvidos neste processo, funcionando de forma organizada e

    hierárquica.

    Segundo Lent (2002) a atenção envolve essencialmente dois aspectos,

    sendo o primeiro o alerta, representando um estado geral de sensibilização dos

    órgãos sensoriais com o estabelecimento e manutenção do tônus cortical com

    a finalidade de receber os estímulos e o segundo que é a atenção

    propriamente dita, envolvendo a focalização do alerta sobre determinados

    processos mentais e neurobiológicos.

    Resultados obtidos em testes confirmam que as tarefas visuais

    dependem do mesmo sistema de atenção e entrada e sugerem que a atenção

    sobre um objeto implica na sua representação na memória de curto prazo

    visual (PASHLER, 1994).

    A atenção é considerada uma função importante para a interação do

    indivíduo de forma eficaz com o ambiente, pois através dela selecionamos qual

    estímulo será analisado em detalhes e qual será levado em conta para guiar

    nossos comportamentos, sendo de importância vital para a eficiência da leitura

    (LIMA, 2005).

  • 43

    A atenção é o mecanismo que permite ao cérebro tratar a grande

    complexidade dos sinais sensoriais, levando em consideração apenas um

    conjunto reduzido de sensações. No estágio de pré-atenção são verificados

    alvos potencialmente interessantes; num segundo estágio é feita uma análise

    com nível cognitivo mais alto. A atenção é então um processo que faz a ligação

    entre estas duas etapas citadas, decidindo qual estímulo será focado. (BASSO,

    2006).

    A partir de estudos envolvendo percepção visual, a atenção tem sido

    descrita como um processo de alta velocidade, da ordem de 50ms. Os tempos

    de reação a estímulos visuais são considerados uma medida confiável e

    tradicionalmente utilizada para quantificar atenção visual (CANTO-PEREIRA et.

    al., 2006). Desta forma a atenção pode ser melhor descrita como um estado

    sustentável durante cada representação de objetos relevantes tendo a

    possibilidade de guiar comportamentos.

    De acordo com Ross (1979), uma medida de atenção somente poderá

    ser obtida através de experimentos que exijam do indivíduo uma resposta

    motora simples como pressionar um botão após o aparecimento de um

    estímulo perceptível, que pode ser de categoria visual, auditiva ou sinestésica.

    Assim, no caso de falha na emissão da resposta motora poderemos considerar

    esta falha como sendo um indício de falha atencional.

    Considerando estes achados este foi o modelo de experimento utilizado

    em nossa pesquisa.

  • 44

    1.7 ATENÇÃO, DISLEXIA e LEITURA.

    Existem evidências de que alterações na atenção sejam um dos

    possíveis mecanismos envolvidos na dislexia. Embora existam descrições

    clínicas de anormalidades no desempenho atencional nestes indivíduos, a

    exata natureza e dimensão deste fenômeno são ainda pouco conhecidas.

    Uma vez que a atenção ocorre através de um sistema de

    processamento que envolve diferentes sistemas cerebrais organizados de

    maneira hierárquica (LÚRIA, 1979); considerando que a atenção nos auxilia na

    organização dos processos mentais e permite a interação eficiente do indivíduo

    com o meio ambiente através da seleção dos estímulos que serão levados em

    consideração para guiar seu comportamento (LIMA, 2005) e ainda conhecendo

    a importância da atenção em situação de aprendizagem, nos parece relevante

    entender como este mecanismo se apresenta em relação aos disléxicos.

    Não podemos esquecer ainda que o sistema atencional está relacionado

    e é influenciado pelo sistema motivacional, podendo este interferir na

    velocidade de resposta a estímulos (CANTO-PEREIRA et. al., 2006).

    Para Facoetti e colaboradores (2003b), aprender a ler requer habilidades

    visuais e fonológicas apropriadas. Para ler uma palavra desconhecida ou uma

    não palavra, ou ainda uma seqüência de símbolos visuais, estes devem ser

    reconhecidos e transformados em uma seqüência de sons, através da rota

    fonológica. Para que uma palavra familiar seja lida corretamente através da

    rota lexical (contexto), deve ser isolada de outra no texto. De qualquer forma,

    em ambos os casos estaremos selecionando a informação relevante e

    excluindo a irrelevante (a isto dá-se o nome de processo de atenção).

  • 45

    A decodificação de um texto escrito exige habilidades precisas e

    específicas, selecionando e filtrando a informação visual, o que não acontece

    com outros processos cognitivos. Desta forma a dislexia poderia ser explicada

    por uma orientação visual lenta, ou seja, uma atenção voluntária deficitária

    (FACOETTI et. al., 2003b).

    Facoetti e colaboradores (2003a) sugerem que um déficit de atenção

    espacial seletiva possa alterar o desenvolvimento da representação fonológica

    e ortográfica que é essencial para se aprender a ler. Os problemas da criança

    disléxica, segundo estes autores, se estendem além das habilidades

    diretamente implicadas em leitura, como processamentos espaciais e

    temporais e também déficits no processamento de estímulos táteis, equilíbrio e

    controle motor. Tais alterações poderiam resultar de um problema mais geral

    na seleção de estímulos. Além disso, estes autores encontraram déficits de

    percepção auditiva, relatadas como uma incapacidade de deslocar

    rapidamente a atenção auditiva para discriminação adequada de

    características de um som.

    O desenvolvimento fonológico e também o desenvolvimento das

    representações ortográficas são essenciais para a leitura eficiente. Parece que

    os indivíduos disléxicos têm estas habilidades prejudicadas e este prejuízo

    poderia ser explicado por uma lentificação da atenção, dificultando a escolha

    na passagem perceptual tanto de estímulos auditivos quanto visuais

    (FACOETTI et. al., 2003a).

    Naturalmente, muitas funções de seleção visuo espacial contribuem para

    a leitura e a atenção seletiva para palavras ou cadeias de palavras requer um

    filtro controlador de orientação visual rápida. Assim, um déficit da atenção pode

  • 46

    prejudicar a percepção de elementos visuais como letras e palavras, durante a

    leitura. Estudos recentes mostram que a causa do déficit da leitura e prejuízo

    fonológico envolvem também a captura automática da atenção.

    Facoetti e colaboradores (2003a) encontraram uma conexão direta entre

    déficit de atenção auditiva automática e um prejuízo do processamento

    fonológico na dislexia, causando ainda déficits de consciência fonológica.

    Encontraram também inibição espacial anormal durante a orientação da

    esquerda à direita da atenção visual.

    A capacidade dos disléxicos para leitura é otimizada depois de um

    treinamento específico que melhora a sua seleção espacial visual. A orientação

    da atenção espacial auditiva também pode representar uma solução eficaz.

    Em crianças disléxicas que ainda não tem um repertório de estratégias

    desenvolvido há evidência de orientação da atenção prejudicada e focalização

    da atenção também prejudicada. Estas alterações também podem acontecer

    entre adultos (BODEN; GIASCHI, 2007). Isto foi observado através de

    experimentos em que a atenção é deslocada de um ponto a outro no campo

    visual sem movimento de olho, similar ao utilizado neste trabalho.

    Facoetti e colaboradores (2000) postulam que a lentificação da atenção

    prejudicaria a passagem de estímulos auditivos e estímulos visuais, podendo

    alterar o desenvolvimento fonológico e também as representações ortográficas,

    ambos essenciais para a leitura eficaz. Este fenômeno parece acontecer entre

    disléxicos e estes indivíduos, devido ao déficit da percepção visual tenderiam a

    deslocar letras dentro de uma palavra e a invertê-las, fazendo com que as

    palavras pareçam distorcidas, sobrepondo-as ou movendo-as. Segundo os

    autores estas alterações não podem ser atribuídas somente a uma disfunção

  • 47

    fonológica, mas também a déficit do processamento visual (FACOETTI et. al.,

    2000 e RAMUS, 2001).

    Stein e Walsh (1997) afirmam que as dificuldades encontradas por

    disléxicos estão relacionadas a déficits de processamento visual e auditivo, a

    coordenação motora abaixo do esperado, baixa velocidade de nomeação e a

    déficits de consciência fonológica. Esta consciência fonológica deve ser

    entendida como a noção de que as palavras são formadas por diferentes sons

    ou grupos de sons e que elas podem ser segmentadas em unidades menores

    (CARDOSO-MARTINS; FRITH, 1999).

    Consciência fonológica é uma habilidade lingüística que envolve

    conhecimento sobre os sons que formam palavras. Há dois níveis de

    consciência fonológica: conhecimento silábico e conhecimento fonêmico. No

    nível silábico, a consciência é medida por uma variedade de respostas,

    incluindo explorar número de sílabas, acréscimo de sílabas e deleção de

    sílabas. O nível fonêmico é de longe o mais difícil para aquisição e é medido

    pela habilidade de contar fonemas, divisão de palavras em uma série de

    fonemas, deletar e substituir fonemas. A habilidade para dividir palavras e

    rimas passa pela consciência silábica e também pela consciência de fonemas.

    A progressão do domínio da linguagem considerada típica para crianças

    seria o reconhecimento silábico por volta de três ou quatro anos, depois um

    estágio intermediário baseado no reconhecimento de rimas e por final o

    reconhecimento de fonemas individuais, isto após a idade de seis anos

    (SHAYWITZ, 2006).

  • 48

    Foram identificados três subtipos de dificuldades de leitura. Aqueles

    envolvendo déficits fonológicos, aqueles envolvendo déficits de velocidade e

    aqueles associados a ambos os déficits. Este último grupo provou ter o mais

    severo prejuízo e seria o de mais difícil remediação.

    Para um processamento da informação eficiente precisamos de

    velocidade de processamento e controle do processamento. Já a memória de

    trabalho inclui eficiência executiva e fonológica e armazenamento visuo

    espacial para resolução de problemas (NICOLSON; FAWCETT, 2008).

    Segundo Hulslander e colaboradores (2004) os achados referentes a

    déficit de atenção na dislexia não são suficientes para explicar as dificuldades

    com a leitura e a escrita, sendo o déficit de atenção apenas um dos sintomas

    de um quadro maior com outros fatores a influenciarem este distúrbio.

    Ramus (2001) também observou diferenças entre os disléxicos em

    relação às suas dificuldades e déficits. Em testes em que os participantes são

    instruídos explicitamente a usarem estratégias verbais, observou-se que

    controles saiam-se melhor do que disléxicos e que estes têm dificuldade na

    discriminação entre alguns estímulos visuais, quando apresentados

    seqüencialmente, mas não quando são apresentados simultaneamente. Estes

    resultados sugerem que, quando existem déficits no processamento de

    estímulos visuais e auditivos, os indivíduos disléxicos utilizem diferentes

    estratégias para a leitura.

    Foi sugerido por Facoetti e Turatto (2000) que o principal problema das

    crianças disléxicas fosse um prejuízo geral no processamento de informações

    apresentadas rapidamente. Um prejuízo desta função levaria a uma

  • 49

    capacidade reduzida de focar a atenção e este prejuízo poderia ser levado à

    vida adulta do disléxico.

    Portanto, ainda há muito a ser estudado sobre este distúrbio que a

    princípio nos parece uma simples alteração na leitura e escrita e que vem se

    revelando um fenômeno complexo e interessante, envolvendo várias funções

    cerebrais.

    1.8 ALTERAÇÕES NA ATENÇÃO VISUAL ENTRE DISLÉXICOS

    Pellicano e Gibson (2008) em seus estudos apontam para um

    rompimento do processamento de estímulos dinâmicos no autismo e uma

    reduzida sensibilidade neste processamento entre indivíduos com dislexia,

    síndrome do X frágil, síndrome de Willians e também está alterado em outras

    desordens neurológicas, inclusive na esquizofrenia, merecendo, portanto

    atenção e mais estudos.

    Isto porque a função do sistema visual é extrair informações do mundo,

    facilitando a interação com ele, pois através do olho o estímulo é selecionado e

    o cérebro reconstrói este estímulo através da posição, forma, cor e movimento,

    formando uma imagem mental, que irá servir de parâmetro para a comunicação

    (http://webvision.med.utah.edu).

    Uma das formas mais utilizadas pelo ser humano para a comunicação é

    a leitura. Durante a leitura o olho foca a letra e esta é identificada

    imediatamente, porém a ordem é atribuída à posição que o olho tinha antes de

    focar a letra. A visão fornecida pelos olhos deve ser integrada a sinais motores

    como o movimento dos olhos e é precisamente neste sistema visuo-motor que

    muitos disléxicos têm problemas (LUKASOVA et. al., 2009).

    http://webvision.med.utah.edu/

  • 50

    Foram encontrados déficits entre disléxicos, e também entre portadores

    de outras síndromes ou disfunções, no controle dos olhos durante tarefas de

    busca visual, o que sugere a importância do desenvolvimento genético durante

    a formação das estruturas dorsais.

    Hari e colaboradores (1999) observaram que adultos disléxicos são mais

    lentos no processamento de informações em forma de seqüencias rápidas de

    estímulos, havendo até uma suposição de uma redução geral da velocidade

    em todo o processamento neuronal nestes indivíduos.

    Segundo os experimentos de Hari e Renvall (2001) os disléxicos sofrem

    de uma heminegligência no campo visual esquerdo. Em seus estudos crianças

    disléxicas realizaram tarefas de busca visual e foi observado que estas

    crianças omitiram um número maior de alvos quando estes eram apresentados

    no campo visual esquerdo, em relação às omissões apresentadas no campo

    visual direito. Este resultado parece indicar um aumento no processamento da

    informação visual do lado direito.

    As diferenças na velocidade de resposta entre disléxicos e controles

    eram ainda mais evidentes quando a velocidade de apresentação do estímulo

    era mais elevada, segundo Schulte-Korne e colaboradores (2004).

    Para Solan e colaboradores (2007) os déficits encontrados na dislexia

    são oriundos tanto de anormalidades da atenção visual quanto do sistema

    magnocelular, principalmente no que se refere à fixação dos olhos, com

    implicações diretas sobre a eficiência na leitura, pois em bons leitores a fixação

    dos olhos e a atenção são consideradas sem alterações.

  • 51

    Atualmente para se estudar as dificuldades com a leitura têm-se utilizado

    da análise do movimento do olho durante esta tarefa. E estes estudos têm

    mostrado um padrão diferente de movimento em sujeitos com dificuldade em

    relação a bons leitores (LUKASOVA et. al., 2009).

    Em estudos realizados por Facoetti e Turatto (2000) foram encontradas

    evidências de uma capacidade reduzida de supressão de informação distrativa

    no campo visual direito, entre disléxicos, o que levou a se pensar que esta

    diferença de desempenho possa representar um papel crucial nas desordens

    de leitura e escrita.

    Quanto aos déficits perceptuais vistos na dislexia, segundo Stuart e

    colaboradores (2001) e Stein e Walsh (1997), estes seriam indicativos de

    danos ou mudanças ou ainda diferenças funcionais das camadas

    magnocelulares. Assim sendo, poder-se-ia pensar em alterações de

    processamento em pelo menos três sistemas diferentes nos disléxicos,

    fonológico, visual e motor além do auditivo.

  • 52

    1.9 TEORIA MAGNOCELULAR DA DISLEXIA

    Uma das teorias mais estudadas recentemente em relação à dislexia é a

    teoria do déficit do sistema magnocelular. Esta teoria postula que existe um

    déficit no funcionamento de um dos dois caminhos paralelos retinocorticais do

    sistema visual, especificamente o caminho ou via magnocelular do núcleo

    geniculado lateral (NGL) (WILLIAMS et. al., 2003).

    A possibilidade de que anormalidades do funcionamento do sistema

    visual magnocelular estejam envolvidas na gênese da dislexia foi

    extensamente revisada por Stein (2001), Johannes e colaboradores (1996),

    Wilmer e colaboradores (2004) e Schulte-Korne e colaboradores (2004),

    segundo os quais o processamento de estímulos em movimento, apresentados

    rapidamente, está alterado nos disléxicos, reforçando o papel do sistema

    magnocelular neste distúrbio.

    1.9.1 SISTEMA VISUAL MAGNOCELULAR

    Dois grupos principais de células trabalham a informação espacial e

    temporal. Estes grupos são chamados parvos e magnos. Os parvos são mais

    freqüentes na fóvea e são ativados para a representação da informação

    espacial, com clareza de detalhes e melhor percepção de cores. Já os magnos

    são mais freqüentes na periferia da retina. Eles são destinados à percepção

    temporal, sendo sensíveis ao movimento, detectando também a direção do

    deslocamento. (BODEN; GIASCHI, 2007).

    O sistema magnocelular é formado por células que se distribuem

    extensamente através da retina e se projetam através do NGL ventral até o

    córtex visual e depois até o córtex parietal. Segundo Hansen e colaboradores

  • 53

    (2001) a via dorsal estando ocupada, o sistema magnocelular bloqueia as

    entradas parvocelulares na via ventral, assumindo assim o controle do feed

    back atencional.

    Dos axônios que chegam a cada NGL 80% vem do córtex visual

    primário. O NGL recebe também conexões do tronco encefálico que estão

    relacionadas a sinais de atenção e alerta, pois o tronco encefálico está ligado

    diretamente ao comportamento do indivíduo e ao estado atual de suas

    sensações (SCHULTE-KORNE et. al., 2004; MARKHAM, 2002).

    O córtex visual é a área com maior desenvolvimento evolutivo e sua

    principal função é decompor a imagem obtendo informações sobre a forma,

    movimento e cor.

    Compondo o córtex visual encontramos o sistema parvocelular que é

    principalmente observado em primatas, indicando que este foi desenvolvido

    mais tarde no processo de evolução, ou seja, mais recentemente na história da

    evolução do homem. Assim, o sistema magnocelular pode ser considerado

    como muito importante para a sobrevivência em ambientes primitivos (caça e

    defesa), sendo o responsável principal por perceber o movimento, portanto

    tendo sido desenvolvido mais rapidamente do que o sistema parvocelular pela

    necessidade de sobrevivência da espécie.

    Há um grande grau de mistura das entradas magnocelulares e

    parvocelulares no córtex visual, ficando difícil especificar e discriminar estas

    vias entre si. Portanto há entradas tanto dos neurônios magno quanto parvo em

    ambas as vias, dorsal e ventral. Há ainda evidências indicando que uma área

    da via dorsal recebe também entradas diretas de neurônios koniocelulares do

    GNL (SKOTTUN; SKOYLES, 2007).

  • 54

    O sistema magnocelular termina no córtex parietal posterior que tem um

    papel importante na atenção visual e também para o controle do movimento do

    olho, para a atenção visuo espacial e ainda para a visão periférica. Todos estes

    processos são componentes essenciais para a eficácia da leitura

    (NANDAKUMAR; LEAT, 2008).

    1.9.2 SISTEMA MAGNOCELULAR E DISLEXIA

    Galaburda em pesquisa realizada em 1983 encontrou células do sistema

    magnocelular do NGL com tamanho 27% menor, em sujeitos disléxicos. Foram

    encontradas alterações nos disléxicos apenas no sistema magnocelular,

    mostrando assim a relação entre dislexia e resultado pobre em testes de

    processamento visual rápido, já que este sistema seria o responsável por maior

    eficiência no processamento visual (GALABURDA et. al., 1994).

    Estudos em cérebros lesionados (não disléxicos) mostraram que a

    danificação no sistema magnocelular do NGL produz perda significativa na

    sensibilidade ou até mesmo completa cegueira para estímulos tanto de alta

    quanto de baixa freqüência espacial, confirmando a conclusão de Galaburda e

    colaboradores (STUART et. al., 2001).

    Segundo Rocha (1999) as informações visuais vão da retina para o

    córtex do sistema magnocelular que processa informações rapidamente

    expostas e sob baixo contraste de luminância. Conforme este autor, lesão de

    certos neurônios do sistema magnocelular tem sido um constante achado em

    pacientes disléxicos. Estas lesões se constituem de ectopias, ou seja,

    crescimento anormal de neurônios que ocorreriam entre a décima sexta e a

  • 55

    vigésima semanas da gestação. Estas lesões levariam a uma reduzida

    habilidade em detectar mudanças rápidas no campo visual.

    Este déficit visual sozinho talvez já pudesse explicar a causa da

    dificuldade com a leitura entre os disléxicos, pelo menos parte das dificuldades

    (NICOLSON; FAWCETT, 2008).

    Confirmando estes estudos, com a técnica de neuroimagem funcional,

    Eden e colaboradores (1996) estudaram o processamento visual motor e

    observaram falha na produção de ativação na região do córtex visual em

    disléxicos, quando o estímulo era apresentado em movimento (NICOLSON;

    FAWCETT, 2008).

    O sistema magnocelular é quem processa sinais de movimento também

    durante a leitura, pois quando os olhos passam sobre as letras são induzidos a

    se fixar. O sistema magnocelular atua ajudando os olhos a se posicionarem

    adequadamente sobre cada letra, determinando a ordem destas letras dentro

    da palavra. Os disléxicos mostram precisar de maior tempo para a realização

    desta tarefa.

    Poderia ser sugerido também que o déficit magnocelular com tempos de

    reação mais longos em disléxicos seria devido a uma redução da atenção

    (SKOTTUN, 2000). Os estudos de Petkov e colaboradores (2005) sugerem que

    estímulos ap