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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO IGREJA PENTECOSTAL “DEUS É AMOR”: ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E EXPANSÃO EMILIO ZAMBON DE MENDONÇA SÃO BERNARDO DO CAMPO 2009

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

IGREJA PENTECOSTAL “DEUS É AMOR”:

ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E EXPANSÃO

EMILIO ZAMBON DE MENDONÇA

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2009

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

IGREJA PENTECOSTAL “DEUS É AMOR”:

ORIGENS, CARACTERÍSTICAS E EXPANSÃO

EMILIO ZAMBON DE MENDONÇA

Orientador:

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências

do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para

obtenção do grau de mestre

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2009

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AGRADECIMENTOS

A Deus que me deu a saúde e a disposição para superar os desafios deste Mestrado.

Ao Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos pela sua amizade e dedicação durante todo o processo

de orientação que dele recebi para a preparação desta Dissertação de Mestrado.

Aos professores da UMESP pela transmissão do conhecimento durante todo o curso.

Às pessoas amigas que colaboraram comigo nas pesquisas realizadas no estado do Paraná,

especialmente as famílias Coraiola e Leite e o pessoal das Indústrias Klabin de Papel e

Celulose de Telêmaco Borba.

Ao amigo e pastor, Reverendo Abival Pires da Silveira e à Fundação Mary Harriet Speers

pela Bolsa de Estudos que me foi concedida, sem a qual eu não teria condições de custear este

Mestrado.

À Nilda Cruz de Mendonça, dedicada esposa que me apoiou em todos os momentos e me

incentivou a perseverar para a conclusão deste Mestrado.

À Sílvia, minha filha que me ajudou na computação, especialmente no preparo de fotos,

documentos escaneados e elaboração de Power Point para apresentação de trabalhos durante

todo o curso.

Finalmente aos filhos e netos pelo estímulo recebido para realização do curso, da pesquisa e

da Dissertação de Mestrado, especialmente pelas horas dedicadas aos estudos, muitas vezes

deixando de privar do aconchego do lar.

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ABREVIATURAS AD Assembléia de Deus

ARC Bíblia Almeida, edição revista e corrigida

BJ Bíblia de Jerusalém

BO Boletim de ocorrência policial

BPC Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo”

CBDA Curso Bíblico Deus é Amor

CCB Congregação Cristã no Brasil

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CPO Curso de Preparação de Obreiros

CTP Cantai Todos os Povos - Hinário da IPIB

DM David Martins de Miranda, Davi Miranda ou Missionário

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEVEC Igreja Evangélica Vida em Cristo

IPDA Igreja Pentecostal Deus é Amor

IPB Igreja Presbiteriana do Brasil

IPIB Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

IPISP Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo

OFSM Orquestra Filarmônica da Sede Mundial

PF Polícia Federal

REVIVER Fundação Reviver (controlada pela IPDA)

RI Regulamento Interno da IPDA

TEB Bíblia – Tradução Ecumênica - TEB

UMESP Universidade Metodista do Estado de São Paulo

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MENDONÇA, Emilio Zambon de. Igreja Pentecostal “Deus é Amor”- Origens,

características e expansão. São Bernardo do Campo, 2009. Dissertação de Mestrado.

Universidade Metodista de São Paulo.

RESUMO

Procuramos demonstrar que a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” - IPDA é uma Igreja,

em expansão nas últimas cinco décadas. Nossa Dissertação de Mestrado indica que a IPDA

elegeu a mídia radiofônica, seu jornal e suas próprias revistas para divulgar suas atividades. O

estudo demonstra que a IPDA é alheia à política, não dá entrevistas às demais rádios, proíbe o

uso da televisão e não atende jornalistas nem pesquisadores. Com base em nossa experiência

de 11 anos de atuação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, incluindo cinco anos como

diácono, resgatamos detalhes que fornecerão subsídios aos meios acadêmicos e aos

pesquisadores dos fenômenos pentecostais da atualidade. Ao cobrir certo espaço ainda não

pesquisado pela academia, complementamos, por outro lado, dados que não constam da

autobiografia de David Martins de Miranda, fundador da IPDA. Por fim, procuramos

identificar características doutrinárias da IPDA e dos seus processos administrativos, que

denotam certa tendência de profissionalização de parte da equipe da diretoria no processo

sucessório. Abordamos, ainda, a questão da reprodução da instituição, mantida até aqui

debaixo do carisma de seu fundador que vem administrando sua Igreja com todas as

características de uma empresa familiar, dentro de um gradiente seita/igreja. Nossas

conclusões demonstram as estratégias que permitiram a expansão da IPDA alicerçada nas

suas rádios, nas suas grandes concentrações, no seu apelo proselitista e na arrecadação de

recursos, fatores que alimentam e suportam o crescimento da Igreja Pentecostal “Deus é

Amor”.

Palavras-chave: Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, David Miranda, pentecostalismo

brasileiro, mídia pentecostal.

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MENDONÇA, Emilio Zambon de. Pentecostal Church “God is Love”- Beginnings,

characteristics and expansion. São Bernardo do Campo, 2009. Master Dissertation. Methodist

University of São Paulo.

ABSTRACT

We endeavored to demonstrate that the Pentecostal Church “God is Love” – PCGL –

has been a church in expansion for the last five decades. Our work indicates that PCGL chose

radio and its own newspaper and magazines to divulge its activities. The study demonstrates

that PCGL alienates itself from politics, does not give interviews to other radios, forbids the

use of TV sets in homes and neither answers reporters nor scholars. On the one hand, based

on our 11 years of experience in the PCGL, including five years as deacon, we reveal details

that will provide subsidies to academic studies in general of nowadays Pentecostal

phenomenon. On the other hand, by covering some areas not yet analyzed by the academy, we

complement information that does not appear in David Martins de Miranda’s autobiography,

him being the founder of PCGL. Finally, we tried to identify the doctrines that characterize

PCGL as well as its administrative processes. These denote a trend towards the

professionalization of part of the Board of Directors in relation to the succession process. In

terms of succession, we also analyzed the ‘institution’s reproduction’, a process that until now

is under the charisma of its founder who administers his church with all the characteristics of

a family business, within the gradient sect/church. Our conclusions demonstrate that the

strategies which fostered the expansion of PCGL are based on its radios stations, its big

rallies, its proselytism and its fund raising efforts that together feed and support the growth of

the Pentecostal Church “God is Love”.

Key words: Pentecostal Church “God is Love”, David Miranda, brazilian pentecostalism, pentecostal midia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO 1 – Origens e expansão da Igreja Pentecostal

“Deus é Amor” (IPDA) 25 Introdução 26

1.1 – O fundador: aspectos biográficos 26

1.1.1 – Trajetória familiar do fundador: David Miranda (DM) 27

1.1.2 – Trajetória familiar da esposa do fundador: Ereni Oliveira 29

1.1.3 – O casamento de David Miranda 30

1.1.4. – A conversão de David Miranda ao pentecostalismo 30

1.1.5 – Conversão, trajetórias familiares e explicações sociológicas 34

1.2 – A Igreja fundada por David Martins de Miranda 36

1.2.1 – As dificuldades iniciais e a expansão da nova Igreja 38

1.2.2 – As marcas espaciais de expansão 39

1.3 – A estrutura da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” 43

1.3.1 – Os Estatutos da IPDA 45

1.3.2 – Os regulamentos da IPDA 47

1.3.3 – Estrutura de igreja ou de seita? 49

1.3.4 – O sistema de governo da IPDA 53

Conclusão 55

CAPÍTULO 2 - Identidade, padrões de crenças, ritos e

processos de comunicação na Igreja Pentecostal

“Deus é Amor” (IPDA) 57 Introdução 58

2.1 – Os padrões de crenças e doutrinas 58

2.1.1 – O Batismo com o Espírito Santo e a glossolalia 60

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2.1.2 – A cura divina e a salvação 61

2.1.3 – O transe, a possessão demoníaca 66

2.1.4 – A busca da santidade na ética da Igreja

Pentecostal “Deus é Amor” 68

2.2 – Ritos e interpretação da Bíblia 69

2.2.1 – O batismo na IPDA 69

2.2.2 – O casamento na IPDA 72

2.2.3 – A unção com óleo e a barba 73

2.2.4 – A Santa Ceia na IPDA 74

2.3 – A maneira “mirandiana” de inculcação de regras 77

2.3.1 – A importância das regras em movimentos religiosos rigorosos 78

2.3.2 – A classificação das regras 79

2.3.3 – A seleção e formação de obreiros 82

2.3.4 – A música como auxiliar da doutrinação 86

2.3.4.1 – Banda e orquestra 89

2.3.4.2 – Discos da gravadora “A Voz da Libertação” 90

2.4 – O uso da mídia 95

2.4.1 – A IPDA e os programas de rádio 97

2.4.2 – A IPDA e suas publicações 102

2.4.3 – A IPDA e o uso da Internet 107

Conclusão 111

CAPÍTULO 3 – De galpão industrial ao

“Templo da Glória de Deus” 114 Introdução 115

3.1 – A busca por um espaço maior: A pressão da concorrência 115

3.2 – Organização de caravanas 115

3.3 – Estratégias para obtenção de recursos 117

3.4 – “Reviver”: o braço social da IPDA 133

3.5 – A política de abertura de filiais da IPDA 134

Conclusão 136

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CAPÍTULO 4 – IPDA e o risco da dissolução de

fronteiras entre Igreja e família 138 Introdução 139

4.1 – A liderança carismática e a instituição baseada no carisma 140

4.2 – Profetas, sacerdotes, magos e feiticeiros 145

4.3 – A sucessão de DM: conflitos atuais e previsíveis 152

4.4 – Questão de gênero, racial e política 158

4.4.1 – Questão de gênero 158

4.4.2 – Homossexualidade 163

4.4.3 – Questão racial 163

4.4.4 – Questão política 165

Conclusão 170

CONSIDERAÇÕES FINAIS 172

BIBLIOGRAFIA 184

Livros 185

Artigos e revistas 191

Dissertações e Teses 197

Internet 199

ANEXOS 200

ILUSTRAÇÕES 206

DOSSIÊ “IPDA” 207

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TABELAS

Tabela 1 – Cronologia da vida de David Martins de Miranda 22

Tabela 2 – Datas e endereços conforme autobiografia de DM 40

Tabela 3 – LP’s mais representativos 92

Tabela 4 – Principais temas dos hinos por quantidade de menções 93

Tabela 5 – Concentração dos principais temas nos hinos pesquisados 94

Tabela 6 – Anotações feitas no culto do dia 30/3/2008 na Sede Mundial

da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em São Paulo 129

Tabela 7 – Participação de negros e brancos nas principais denominações

pentecostais de acordo com dados do Censo IBGE 2000 163

Tabela 8 – Participação da IPDA no total de pentecostais e participação de

etnias na IPDA de acordo com o censo IBGE 2000 164

Tabela 9 – Porcentagem de pentecostais na população protestante 167

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO O título desta Dissertação de Mestrado “Igreja Pentecostal ‘Deus é Amor’, origens,

características e expansão” já traz embutido seu próprio tema e os propósitos de sua escrita.

No entanto, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA) está intrinsecamente ligada à

trajetória de seu fundador David Martins de Miranda (DM). Daí a necessidade de se analisar

pari passu a sua biografia. Todavia, pouca coisa tem sido escrita na academia sobre a Igreja.

O que se constitui um tipo de dívida dos estudiosos que têm se concentrado em outros

movimentos pentecostais de maior ou menor expressão que a IPDA. A pesquisa aqui relatada

refere-se a uma igreja pentecostal fundada em 1962 por David Martins de Miranda, um ex-

católico, que se converteu ao pentecostalismo. Hoje, 46 anos depois, sua Igreja tem sua sede

oficial à Avenida do Estado, 4568, na Baixada do Glicério no centro da capital paulista, é

dirigida por uma diretoria, da qual DM é o seu presidente. Os Estatutos Sociais dessa Igreja

estão registrados no 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa

Jurídica, de São Paulo, sob no. 9565, Livro A, no. 5 (Diário Oficial 26/6/62) e ela tem por

CNPJ o no. 43.208.040/0001-36.

A pesquisa foi realizada nos anos 2007 e 2008. A IPDA está espalhada por todo o

Brasil, América Latina e, com menos intensidade em dezenas de outros países. O IBGE, no

Censo 2000, colocou-a em 5o. lugar no ranking das igrejas pentecostais, com 774.830

membros. Realizamos pesquisas de campo sobre as origens de David Martins de Miranda a

partir de duas cidades do estado do Paraná: Reserva e Telêmaco Borba. A pesquisa parte da

data e local e lugar de nascimento de David Miranda, em 1936 e passa pela sua mudança para

a capital de São Paulo, em 1957, sua conversão do catolicismo ao pentecostalismo, em 1958 e

a fundação de sua denominação, em 1962.

Esta Dissertação de Mestrado pretende resgatar parte da história da família de David

Miranda e da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” – IPDA – desde suas origens até 2008. Esta

Igreja atraiu a nossa atenção porque se trata de uma Igreja sobre a qual há poucas pesquisas

realizadas no Brasil, envolvendo origens, características e expansão. Entre os autores que

escreveram sobre essa denominação, podemos destacar somente textos isolados de Paul

Freston (1993: 92);1 de Reinaldo Olécio de Aguiar (2004);2 de Hélio de Lima (2008);3 de

1 Paul Freston, em sua Tese de Doutorado escreve sobre a conversão de David Miranda. 2 . Reinaldo Olécio de Aguiar, em sua Tese de Doutorado, comenta as restrições da IPDA, “confundindo esporte com jogo de azar.” 3 José Hélio de Lima, em sua Dissertação de Mestrado, faz referência a David Miranda e ao seu programa de rádio “A Voz da Libertação”.

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Paulo Barrera (2001);4 de Proença (1999);5 de Leonildo Campos. Há um artigo que aborda a

estratégia de David Miranda de utilizar a mídia radiofônica como base de sua pregação e

expansão da Igreja. Isso ocorreu no seu texto O Milagre no Ar. Levantamento de técnicas

persuasivas num programa radiofônico em São Paulo;6 de R. Andrew Chesnut (1997: 38);7

de Allan Anderson (2004: 72-73)8 e, finalmente, do dicionarista Isael Araújo (2007: 462).9

Para evidenciar a falta de escritos sobre essa Igreja e seu fundador, procuramos no

Banco de Teses e Dissertações do Capes o material referente à IPDA. No Portal Capes, entre

214 teses e dissertações, destacamos a publicação de Luzmila Casilda Quezada Barreto

intitulado: Gênero e poder: o corpo no culto na Igreja Pentecostal Deus é Amor em Lima,

Peru, 01/02/2005. Também consta a publicação de Ricardo Mariano: Neopentecostalismo: os

pentecostais estão mudando, 1/6/2005. Joseane Cabral da Silva tem seu trabalho publicado: O

show da fé: carisma e mídia na Igreja Internacional da Graça de Deus, 1/10/2005. Nenhum

dos autores consultados abordou especificamente, e em detalhes, as origens, características e

expansão da IPDA. Também não há, modéstia à parte, alguém do meio acadêmico que tenha

tido um envolvimento com a IPDA como tivemos por 11 anos. Por essa razão, propusemo-nos

a pesquisar a IPDA, suas origens, características e expansão, tanto no Brasil como no exterior,

usando informações tanto internas como externas à Igreja.10

A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” foi fundada por um ex-católico e congregado

mariano, que se converteu aos 22 anos de idade ao pentecostalismo. Sua irmã, Araci Miranda,

juntamente com seu esposo, numa conversa informal, em dezembro de 2008, disseram-nos

que eles eram “católicos de primeira mão”, querendo, com isso, expressar que tratavam-se de

católicos fervorosos. Esse fervor DM transferiu para o pentecostalismo. A sua Igreja elaborou,

por exemplo, um regulamento rigoroso tal como uma Ordem católica medieval em que se

busca o aperfeiçoamento e a santidade. A IPDA tem se expandido, apesar da rigorosidade do

seu “Regulamento Interno” – RI - que prescreve inúmeras regras de usos e costumes. A IPDA

tem total aversão à política, à televisão, ao cinema e teatro, ao futebol e a outros esportes, 4 Paulo Barrera Rivera escreve sobre a IPDA do Peru em sua Tese de Doutorado que se transformou em livro. 5 Wander de Lara Proença, em sua Tese de Doutorado escreve sobre um tipo de pentecostalismo surgido no norte do Paraná com Miranda Leal, mencionando algumas citações referentes a David Miranda. 6 Revista Simpósio 26. São Paulo: ASTE, Dez. 1982. (pp. 92-114). 7 Chesnut se refere à conversão de David Miranda na Igreja Brasil para Cristo. (o que não é verdade, como se verá mais adiante no decorrer desta Dissertação de Mestrado). 8 Allan Anderson escreve que DM, cunhado de Manoel de Mello converteu-se na “Brasil para Cristo”. Estas duas informações não foram confirmadas e serão esclarecidas no decorrer desta Dissertação de Mestrado. 9 Isael Araújo refere-se a David Miranda, acrescentando que o mesmo converteu-se na Igreja Assembléia de Deus. Isso não condiz com informações de campo colhidas durante a pesquisa, como se verá mais adiante. 10 Nossa pesquisa gerou muitos documentos e relatórios de viagem que formam o Dossiê “IPDA” constante de 28 documentos e de um Caderno de Campo no qual citamos os arquivos eletrônicos, CD e DVD de gravações e fotos.

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condenando, dessa maneira, quase todas as formas de lazer usuais do ser humano numa

sociedade moderna. Isso nos leva a considerar que a IPDA ainda reflete características de

seita, por sua tendência ao isolamento da sociedade.11 Essa tendência não se enfraqueceu

apesar de institucionalmente ter se esforçado para se impor como Igreja, cumprindo com a lei

nos registros formais dos seus atos legais, como registro de Atas das Assembléias e registro

de imóveis em cartórios e outras exigências legais. Nesse sentido, as contribuições de Antonio

Gouvêa de Mendonça (1984: 288-289; 2004: 72-77) e de Leonildo Campos (1996: 21-27)

foram da maior importância para o nosso entendimento do gradiente seita-igreja, aliado ao

referencial teórico de Ernst Troeltsch (1960: 333, 691, 723ss, 1014); Henri Desroche (1985:

13) e Júlio de Santana (1992: 15). No entanto, a práxis de David Miranda, baseada no seu

evangelismo, está profundamente ancorada na pregação de curas divinas, no exorcismo, no

proselitismo e na sua extensa rede de programação de rádio, bem como nas atividades de sua

gravadora, que levam o mesmo nome: “A Voz da Libertação”.

Apesar da existência de alguns escritos sobre a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”,

ficamos intrigados com dados contraditórios e com a falta de detalhes nas informações

existentes sobre ela. Isso nos desafiou a pesquisar o assunto com mais profundidade,

especialmente nas informações de campo. Para tanto, foram necessárias uma volta à

freqüência aos seus cultos e análise de sua literatura e discografia, às buscas cartoriais e

viagens ao interior do estado do Paraná, a fim de colher subsídios à nossa Dissertação de

Mestrado. No entanto, valendo-nos de conhecimentos adquiridos durante a longa militância

na IPDA, visitamos alguns cultos e conversamos com a irmã de David Miranda, nossa

conhecida da década de 90. Entre os muitos cultos pentecostais que assistimos, identificamos

o nome da primeira denominação que acolheu DM quando de sua conversão; tal fato deu-se

numa entrevista com o fundador daquela Igreja, o pastor Leonel Silva, hoje com 90 anos de

idade. Não bastava encontrar detalhes das origens, mas também conhecer as motivações que

levaram o então jovem congregado mariano a buscar iniciar um processo de conversão que o

levaria a estabelecer seu próprio ministério.

11 Os termos “seita” e “igreja” foram introduzidos na discussão sociológica e histórica principalmente por Ernst Troeltsch (1960, vol. 1: 333) para quem “a palavra seita contudo, dá uma impressão errônea. Originalmente a palavra foi usada num senso apologético e polêmico e era usada para descrever grupos que por si mesmos se separavam da Igreja oficial, enquanto eles retinham certos elementos fundamentais do pensamento cristão.” No vol. 2 Troeltsch (1960: 714) afirma que “de forma geral o pietismo simplesmente representa o tipo ideal de seita dentro das Igrejas restritas [...] isto reaparece continuamente através da História da Igreja”. Mais adiante, na p. 1012 escreve: “a seita tem uma austeridade fria, zelo proselitista, puritanismo oposto aos instintos da moderna civilização, com tendência ao legalismo e farisaísmo, muito distante das mais profundas idéias cristãs.”

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Seria a influência de um modelo de catolicismo rural, combinado com o modelo

urbano que o desencantou, mesmo sendo congregado mariano? Ou seria a anomia pela “perda

de sua identidade, da raiz cultural, e a mudança para um sistema onde os códigos de valores

são diferentes...”, no dizer de Luís de Castro Campos Jr, (1995: 114)? Talvez fosse a busca de

nova identidade que o levou a essa nova ressignificação de experiências de vida de DM no

campo sócio-religioso? Os teóricos da sociologia consultados, especialmente Max Weber

(2006), Émile Durkheim (2001), Pierre Bourdieu (1982) ou Paul Tillich (1959)12 trouxeram-

nos luzes para explicar conceitos como “campo religioso”, “anomia”, “fato social”, “tomada

de decisão”, “trânsito religioso”, enfim, de fornecerem a nós toda a base necessária para o

referencial teórico.

Outras questões que despertaram o nosso interesse estão ligadas às origens histórico-

culturais-religiosas do fundador da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, como também da

própria instituição. Que papel tem desempenhado o seu fundador DM ao longo dos 46 anos de

história dessa Igreja? Quais são as suas doutrinas principais? Que causas sociais e culturais

podem ser atribuídas para o seu crescimento? Que estrutura a IPDA assumiu? Que dilemas

enfrentou ou enfrenta ao se tornar uma instituição/organização religiosa? Observamos ainda

que Atas da reunião da diretoria da década de 90, diferem bastante das atuais. Isso foi possível

conhecermos pela Ata da diretoria, pelas buscas a documentos pertinentes em cartórios da

Capital de São Paulo. A questão patrimonial também ensejou pesquisas documentais que

contribuíram para esclarecer alguns detalhes sobre as grandes aquisições da IPDA realizadas

nas últimas décadas, as quais foram comparadas com notícias veiculadas por jornais que

especularam sobre a “riqueza” de DM. As pesquisas de campo trouxeram explicações mais

detalhadas sobre algumas informações pouco precisas da autobiografia de próprio David

Miranda.

Quanto às conversões, não somente de David Miranda, como também de toda a sua

família, observamos que elas se deram em um contexto de curas divinas iniciadas com o

movimento de tendas da década de 50. É uma enorme massa de camponeses que se

converteram ao pentecostalismo nas grandes e médias cidades brasileiras nas décadas de

50/60. Emigram lideranças como Manoel de Mello (Brasil para Cristo); Leonel Silva

(Maravilhas de Jesus) ou David Miranda (Deus é Amor) e a Igreja do Evangelho

Quadrangular entre outras. Evidências colhidas durante a pesquisa caminham no sentido de 12 Veja também os referenciais teóricos que os seguintes autores fornecem para se compreender fenômenos como campo religioso, anomia, inclusão social, cultura e religião: Peter Berger (2004); Eunice R. Durhan 1973); Mircea Eliade (2001); Francisco Cartaxo Rolin (1985); Christian Lalive D’Epinay (1970); Beatriz Muniz de Souza, (2004); Thomas O’Dea (1969) e Júlio de Santa Ana (1992).

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confirmar essa hipótese. Dessas denominações surgidas à margem do pentecostalismo

tradicional, apenas David Miranda conseguiu expansão em todo o território nacional e

também no exterior. Hoje, a IPDA está em mais de 140 países.13 Qual o grande segredo de

DM nesse processo? Esta Dissertação de Mestrado mostrará que seus pares da época ainda

estão por aí, mas desempenham um pequeno papel no cenário nacional.

A questão doutrinária é outro grande desafio para qualquer pesquisador da IPDA.

Valemo-nos da nossa experiência anterior naquela Igreja para esclarecer alguns pontos

importantes dos seus ensinamentos. Nos anos 90 tivemos a oportunidade de dirigir vários

templos da IPDA, até mesmo a Sede Nacional que então se localizava na rua Conde de

Sarzedas 185 no centro de São Paulo. Fizemos duas viagens evangelísticas a serviço da IPDA

em Londres. Além de visitarmos outros templos da IPDA na América do Sul, pregamos em

alguns países como Bolívia, Paraguai, Peru e Venezuela. Em São Paulo, participamos como

dirigentes de reuniões onde os preceitos baseados no “Regulamento Interno” – RI eram

apresentados aos fiéis. Na verdade, as normas internas da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”

estabelecem um culto semanal, quando o pregador é obrigado a tomar como base para o seu

sermão um dos itens do RI. Por sua vez, os membros são obrigados a carimbar a sua presença

nesse culto. Essa é uma das condições para participar da Santa Ceia.

O louvor e os cânticos na IPDA estão impregnados de apropriações dos hinos da

Harpa Cristã, hinário das Igrejas Assembléia de Deus. Há até uma Bíblia lançada pela IPDA

em cuja parte final estão impressos todos esses hinos. Em uma outra Bíblia, cuja tiragem foi

de 100 mil exemplares, traz o “Regulamento Interno” e o “Livreto de Corinhos”, como se

pretendesse conferir mais credibilidade ou autoridade aos ensinos e a doutrina da IPDA. 14

Uma parte importante das pesquisas foi analisar as letras dos hinos e dos corinhos cantados.

Por conhecermos a doutrina e um bom número de hinos e corinhos da IPDA, levantamos a

hipótese de que nem sempre a doutrina está refletida nas mensagens cantadas. Para confirmar

essa hipótese, ouvimos centenas de músicas da gravadora “A Voz da Libertação” e dezenas de

corinhos, tabulando esses temas. Uma outra hipótese seria tentar identificar se as mensagens

pregadas por DM estão refletidas nos corinhos cantados nos cultos e nos hinos divulgados

pela sua gravadora “A Voz da Libertação”. Há coerência ou uniformidade entre a pregação

13 David Miranda afirmou em entrevista ao seu jornal O Testemunho ano 3, no. 4 – Dez. 2006, p. 2: “Estamos com a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em mais de 140 países em todos os continentes da Terra.” 14 A IPDA usa tal como a Igreja Assembléia de Deus a palavra “doutrina” com duplo sentido. Às vezes ela se refere a ensinamentos ou ensinos da Igreja, outras a doutrinas no sentido teológico do termo, ou então, ao conjunto de princípios éticos e morais que devem orientar o fiel em sua vida cotidiana. Em certos casos a afirmação “eles não têm doutrina” é usada para desclassificar membros de outras igrejas evangélicas de um modo geral.

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de David Miranda, o “Regulamento Interno”, as músicas da gravadora “A Voz da

Libertação”, o “Livreto de Corinhos” e alguns hinos da Harpa Cristã?

Qual a razão de DM adotar os hinos da Harpa Cristã? Quais características

doutrinárias seriam dominantes numa comparação desses hinos? Onde se concentram essas

mensagens? Na escatologia? Na cura imediata dos males do corpo ou no exorcismo? Ou na

manifestação do “dom de línguas”? Haverá nesses hinos ou nos “corinhos” uma mensagem

subliminar? Outro sub-tema discutido nesta Dissertação de Mestrado diz respeito à liturgia de

um culto pentecostal celebrado na IPDA. Notamos muita semelhança com o culto celebrado

na Igreja onde DM se converteu: a Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de

Jesus” (IMJ). No culto que assistimos com David Martins de Miranda, em março de 2008,

tivemos oportunidade de notar algumas semelhanças com o culto assistido em 3/12/08 na

IMJ. Não há boletim litúrgico ou uma ordem de culto anunciado antecipadamente. Alguns

corinhos são os mesmos; há uma parte para as pessoas darem seus testemunhos de cura; a

pregação é longa e, no final do culto, as pessoas desejarem se entram na fila para receber a

oração, ocasião em que ocorreram algumas sessões de possessão e exorcismo. As diferenças

ficam por conta de inumeráveis pedidos de ofertas na IPDA, enquanto que na IMJ há apenas o

pedido de uma oferta. Na IPDA há manifestações de “línguas estranhas”, o que não aconteceu

na “Maravilhas de Jesus”. Finalmente, há um longo apelo na IPDA para as pessoas “aceitarem

Jesus”, o que não observamos na outra Igreja, talvez por ter uma presença de somente 30 a 40

pessoas no culto (era uma quarta-feira), enquanto que na IPDA (um domingo), a presença era

de milhares de fiéis, principalmente durante a pregação de David Miranda.

No período dessas observações nos surgiram perguntas como estas: Por que os fiéis na

IPDA se agradam com uma rotina de culto que começa com uma longa oração; seguida de

outra oração para o batismo com o Espírito Santo, cuja manifestação principal é “dom de

línguas”? Qual o atrativo para o exorcismo, quando Satanás é exaustivamente expulso de um

irmão, de uma irmã ou de alguém do povo? Qual a motivação desse espetáculo? Qual a

importância das constantes menções sobre a escatologia, os acontecimentos dos últimos

tempos, e a iminência da segunda vinda de Cristo? Por que a pregação escatológica é tão

importante na pregação de DM e não nas de Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de

Deus, ou na de R.R.Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus? Qual a influência da

Teologia da Prosperidade na IPDA? Teria a IPDA características milenaristas? Por que dar

tão grande espaço nos cultos para votos, ofertas e dízimos? Qual é o centro do culto na IPDA:

a pregação da Palavra, a oração por revelação para cura das enfermidades ou o pedido de

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ofertas? Será que os hinos divulgados pela IPDA refletem essas evidentes preocupações com

a escatologia, a cura e o exorcismo?

Além dessas perguntas outras estimulam a nossa pesquisa: Quais foram os motivos

que levaram DM, desde a fundação da IPDA a investir nos programas de rádio? O que o

levou a adotar o sistema de criação de uma rede capilar de templos tanto no Brasil como no

exterior? Por que a mega construção de um templo? Seria a forma de concentração de carisma

do fundador que precisaria de um local tão grande para divulgar seus “milagres”? Como

manter a lotação de um espaço tão amplo? Quais foram as ações sociais da IPDA para assistir

parte de seus fiéis ou de pessoas desabrigadas, incluindo crianças de risco, velhos e

necessitados? De que forma DM vem enfrentando os problemas e as tensões familiares para

resolver a questão da herança do seu capital simbólico? (rotinização do carisma). Como

administrar a questão da cantora Léia que fazia dupla com sua irmã Débora, ambas filhas de

DM, nos hinos da gravadora “A Voz da Libertação”? Por que razão o seu genro, Sérgio Sóra,

casado com a cantora Léia, decidiu fundar sua própria denominação no Rio de Janeiro, a

Igreja Evangélica Vida em Cristo (IEVEC), agregando a eles membros e fiéis da IPDA?

Como DM trata seu processo de institucionalização do carisma? Até que ponto esse processo

poderá trazer maiores dificuldades para o futuro da IPDA? O progresso do país, pela melhora

no atendimento das necessidades básicas das classes C, D e E não implicará no decréscimo

das atividades religiosas do tipo DM?

Trabalhamos em nossa hipótese principal com a idéia que o sucesso da IPDA se dá por

vários motivos. Primeiro, pela presença no imaginário dos fiéis, a tradição católica,

pentecostal e mágica da cura divina. Depois, porque os ensinamentos da IPDA trazem

reflexos da tradição judaica, bíblica e de uma forte presença das doutrinas da santidade

abundantes nos EUA quando do surgimento do pentecostalismo no início do século XX.

Sentimo-nos à vontade para abordar esse tema, sobretudo porque pudemos aliar a antiga

militância com o distanciamento provocado pelo abandono dessa Igreja dos instrumentos

oferecidos pelo estudo acadêmico do fenômeno religioso. Procuramos, no entanto, tomar

cuidado com o distanciamento exigido pelas Ciências da Religião e os resíduos da antiga

militância naquela Igreja. Temos em mente a recomendação de Pierre Bourdieu (1990: 109)

de que o pesquisador, para ser científico, precisa praticar o mais que puder a neutralidade

científica ou experimentar a “ruptura epistemológica. Porém, não se deve aproveitar disso

para fazer um “ajuste de contas” com o seu passado religioso.

Na elaboração desta Dissertação de Mestrado é importante relembrar também os

procedimentos metodológicos no decorrer da pesquisa. Além da pesquisa bibliográfica, do

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levantamento do material publicado no site da IPDA, nas publicações impressas e também nas

capas de discos, dirigimo-nos ainda à cidade natal de David Miranda, visitamos a fábrica onde

o mesmo trabalhou como operário, conseguimos informações biográficas preciosas com o Sr.

Jamil Fonseca Leite, funcionário da Câmara Municipal de Telêmaco Borba no estado do

Paraná, e também visitamos e conversamos longamente com o pastor Leonel Silva da Igreja

Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”, onde DM se converteu. Também

fizemos buscas em oito Cartórios, sendo três no estado do Paraná, um no município de

Mairiporã e quatro na capital paulista, incluindo um cartório de registro de títulos e

documentos, com o objetivo de obtenção de cópia de Ata de nomeação da atual diretoria da

IPDA e para levantamento de imóveis em nome da IPDA e de David Martins de Miranda e

Ereni Oliveira de Miranda. Conversamos com familiares de DM em São Paulo e visitamos a

fábrica onde David Miranda trabalhou no estado do Paraná. Naquela fábrica fomos atendidos

pelo encarregado do pessoal que gentilmente nos ofereceu cópia da ficha de empregado de

David Miranda.

No período em que fomos seguidores de DM, tivemos contato pessoal com ele em

várias oportunidades. Todavia, para a elaboração desta Dissertação de Mestrado, não foi feita

nenhuma entrevista com o mesmo, nem com seus filhos, filhas ou mulher. Valemo-nos, no

entanto, de informações que nos foram prestadas por sua irmã Araci e por seu marido. Ainda

mantemos amizade com pessoas que ocupam papel de destaque dentro da IPDA. Para melhor

esclarecimento do tema debatido, elaboramos algumas tabelas, tal como a tabela 1. Para

elaborar essa tabela, utilizamo-nos de várias fontes de informações, a saber:

1 – Autobiografia de David Martins de Miranda;

2 – Pesquisas realizadas no município de Reserva, no estado do Paraná, envolvendo conversas

informais com pessoas da cidade, visita à Secretaria da Cultura de Reserva e busca no

Cartório de Registro de Imóveis;

3 – Pesquisas realizadas no município de Telêmaco Borba, no estado do Paraná, envolvendo

conversas informais com moradores, visita à fábrica de papel da Klabin, buscas cartoriais,

visita à Secretaria da Cultura e do museu do município de Telêmaco Borba;

4 – Leitura de revistas e do jornal publicados pela IPDA, com anotações de entrevistas dadas

por David Miranda aos seus órgãos internos de divulgação;

5 – Buscas no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e em alguns Cartórios de

Registro de Imóveis da capital paulista e no município de Mairiporã, em São Paulo.

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Tabela 1 – Cronologia da vida de David Martins de Miranda15 DATAS EVENTOS

4/7/1936 David Martins de Miranda nasceu num sítio no município de Reserva – PR

1949 Roberto Miranda Ribeiro, pai de David faleceu

1953 A família mudou-se para Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba. Os cartórios de Telêmaco Borba só se instalaram na cidade em 1962. Por essa razão, nas buscas feitas, não conseguimos localizar o endereço da casa que a família comprou em Monte Alegre.

11/5/1953 DM começou trabalhar na fábrica de papel da Klabin como aprendiz mecânico

2/2/1954 Anália Miranda, viúva de Roberto Miranda Ribeiro, formalizou a venda do sítio conforme Certidão do Registro de Imóveis do município de Reserva obtida em 2008.

1/1/1955 DM foi transferido para a secção de manutenção de instrumentos na fábrica da Klabin

15/3/1957 DM pediu demissão da fábrica da Klabin e logo a seguir mudou-se com a família para São Paulo, SP, empregando-se num escritório

7/1958 DM converteu-se ao pentecostalismo (Miranda, 1992: 28-36)

3/1962 DM foi despedido do escritório e com a indenização resolveu alugar um salão para realização de cultos à rua Setenta, hoje Afonso Pena, Vila Alegre, região de Vila Maria (Miranda: 62)

3/7/1962 DM fundou a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” – IPDA- (Miranda: 65) no endereço acima. Ainda no ano de 1962 começou com programas de rádio. Primeiro programa pela Radio Industrial, no bairro do Butantã, 15 minutos, três vezes por semana.

16/12/1962 A IPDA já mantinha um templo em São José dos Campos (Ide Ano 3, no. 6, p. 7). Veja também (Miranda: 69): pregava lá aos sábados e mantinha programa de rádio aos domingos, das oito às nove horas pela Rádio Piratininga de São José dos Campos.

1963 A IPDA mudou-se para a rua Afonso Pena. Surgindo reclamação de vizinhos, mudou-se para a R. Carmem Porto em Vila Medeiros.

12/6/1965 David Martins de Miranda casou-se com Ereni Oliveira de Miranda (Miranda, 1992: 93-94)

1/4/1966 Nasceram gêmeos David e Débora, os dois primeiros filhos de David e Ereni.(Miranda: 78)

8/9/1968 Nasceu Daniel (Miranda: 81). Na p. 96 aparece DM com os dois filhos e as duas filhas: David, Débora, Léia e Daniel (O nascimento de Léia, deve ter sido em 1967).

1970 A IPDA muda-se para um salão maior, à rua Fernão Sales, Parque D. Pedro II. O salão foi dividido para moradia de David Miranda e para cultos da IPDA (Miranda: 80)

7/9/1970 A IPDA adquire duas casas de madeira na rua Conde de Sarzedas, 185 no centro de São Paulo e transforma essas casas num salão de madeira onde funcionará sua Sede Nacional.

1/1/1976 A IPDA inaugura o templo definitivo no mesmo endereço acima, em concreto e alvenaria, com pavimento superior e inferior, como se encontra hoje. (O Testemunho, dezembro de 2006, p. 2)

7/9/1979 Novo templo no. 2 à Rua Prefeito Passos, 231, Parque D. Pedro II, para onde é transferida a sede nacional da IPDA (um quarteirão da Av. do Estado) Área de 4.000m2 (O Testemunho: 2) Matr 24743, Certidão de 30/12/08 do 1o. Cartório de registro de imóveis de São Paulo. (Dossiê “IPDA”, item 17).

1/1/1980 Novo templo, no terreno com 27.000m2 (mesmo quarteirão da rua Prefeito Passos). Com o endereço: Av. do Estado, 4568. Inaugurado salão no. 1, como sede mundial (O Testemunho: 2) São várias matrículas não reunidas num só imóvel. Vide Anexo 4

Dezembro de 1999 Lançamento da primeira revista da IPDA: Revista Ide, Ano 1, no. 1, impressão Abril S.A. dezembro de 1999 (50 p). Idem, primeira revista Expressão Jovem. Ano 1, no. 1, dezembro de 1999 (34 p.).

7/9/2000 Novo templo no.3 numa área de 20.772,076m2, na Av. do Estado 5000 (enquanto seriam demolidos os antigos dois salões da Av. do Estado 4568 para a construção do novo salão) (O Testemunho: 2) Certidão 121.750 do 6o. Cartório de registro de imóveis de São Paulo, de 19/12/08 (Dossiê “IPDA”, item 20)

15 Fonte: Elaboração própria.

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Quando do início da nossa pesquisa, procuramos localizar documentos que nos dessem

a fundamentação para falar sobre a IPDA como uma organização semelhante às outras no

aspecto da legitimidade jurídica. Assim, encontramos os Estatutos da Igreja. Desses Estatutos

pudemos extrair os seguintes dados:

Nome oficial: Igreja Pentecostal “Deus é Amor”

Data de fundação: 3 de junho de 1962

Fundador: David Martins de Miranda – Pastor presidente.

Local de fundação: Rua Setenta, 241, Vista Alegre, Alto de Vila Maria, São Paulo,

Capital.

Estatuto: Registrado no 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de

Pessoa Jurídica sob número 9565, Livro A, número 5, Diário Oficial do Estado

de São Paulo, 26/06/62.

Última Ata: Edital de convocação datado de 28 de dezembro de 2007, assinado pelo

Presidente do Conselho Deliberativo, David Martins de Miranda. Registrada no

3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica sob

número 560.285 em 21.01.2008, conforme Certidão de Inteiro Teor em 5

folhas. Esta Ata da Reunião Ordinária da IPDA aprovou as contas do exercício

anterior e elegeu a diretoria para o período de 1/1/08 a 31/12/09.

Pressupomos que o problema investigado tem uma grande relevância social, pois, ao

se procurar identificar qual a estratégia adotada pela IPDA junto às camadas mais carentes da

sociedade, especialmente as D e E, podemos ligar a questão da pobreza, miséria e exclusão

social à busca do milagre. Porém, as pessoas ao se converterem abandonam o jogo, a bebida,

as drogas e a marginalidade. Principalmente porque, ao ingressarem nessa nova denominação

de caráter puritano e pietista, elas encontram um sentido para a vida cotidiana. Mas essas

pesquisas poderão contribuir para a própria instituição IPDA, justamente quando abordamos a

questão da rotinização do carisma de seu líder fundador, David Martins de Miranda. Sendo

uma empresa familiar, mantida até aqui sob forte controle pessoal de um líder carismático,

certamente a reprodução dessa liderança encontrará obstáculos quando da indicação de

eventual sucessor ou sucessores.

Esta Dissertação de Mestrado é composta por quatro capítulos. No primeiro capítulo, o

leitor encontrará três sub-temas com os quais analisamos origens e trajetórias de familiares de

David Martins de Miranda e de Ereni Oliveira de Miranda, a partir da década de 30 até a

década de 50. Aproveitamos para estudar a conversão da família Miranda ao pentecostalismo

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com as devidas explicações sociológicas. Ainda neste bloco descrevemos como se deu a

fundação da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA) e as marcas espaciais da sua expansão,

a partir da década de 60. Finalmente analisamos a estrutura da IPDA com seus estatutos,

regulamentos, suas características de igreja/seita e seu sistema de governo.

No segundo capítulo, procuramos mostrar a identidade, os padrões de crenças, ritos e

processos de comunicação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”. Este capítulo foi dividido em

vários sub-temas, tendo sido o mais extenso desta Dissertação de Mestrado. No primeiro sub-

tema, estudamos os padrões de crenças e doutrinas. No segundo, abordamos a questão dos

ritos e interpretação bíblica. No terceiro, analisamos a maneira de circulação de regras dentro

da IPDA. No quarto, abordamos a importância da mídia para David Martins de Miranda

(DM). Finalmente, dedicamos um espaço para fazer algumas observações sobre o Batismo,

Casamento, Louvores, Ministério de oração/jejum e como a IPDA lida com seus desviados

(os que deixam a Igreja e querem voltar). Também estudamos características das exigências

de santificação dentro da IPDA.

No terceiro capítulo, estudamos a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” em sua política

expansionista, tendo dividido a nossa Dissertação de Mestrado em quatro sub-temas. Em

primeiro lugar, estudamos a preocupação com a necessidade de grandes templos por parte de

DM. Em segundo lugar, como resultado dessa preocupação, as estratégias da IPDA para

obtenção de recursos e suas implicações. Em terceiro lugar, levantamos os programas

assistenciais da IPDA. Finalmente, em quarto lugar, analisamos a política de abertura e a

liderança das filiais dessa Igreja.

No quarto capítulo, tratamos sobre a confusão de fronteiras entre instituição IPDA e

família Miranda, destacando para esse estudo quatro sub-temas. No primeiro, analisamos as

questões ligadas às relações entre liderança carismática de DM e a IPDA. No segundo,

fazemos uma abordagem das influências no imaginário dos fiéis advindas de sincretismos.

Nesse sentido, abordamos o papel de profetas, sacerdotes, magos e feiticeiros no catolicismo

rural e no pentecostalismo influenciado por figuras do candomblé e da macumba. No terceiro,

estudamos a questão da empresa familiar, processos sucessórios e os conflitos atuais e que

possam advir no futuro, quando da sucessão de DM. Finalmente, no quarto sub-tema,

estudamos a questão de gênero, homossexualidade, raça e política na IPDA como instituição e

como a IPDA tem lidado com essas questões polêmicas.

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CAPÍTULO 1

Origens e expansão

da

Igreja Pentecostal

“Deus é Amor” – IPDA

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Capítulo 1 - Origens e expansão da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” –

IPDA

Introdução A história da IPDA se confunde com a biografia, família e trajetória de vida de seu

fundador, David Martins de Miranda (DM). Nascido e criado no estado do Paraná, DM ali

viveu até completar 21 anos de idade. Em 1957, a família emigrou para São Paulo, então em

fase de muitas opções de empregos. Por um ano DM permaneceu na religião católica. Em

1958 ele se converteu ao pentecostalismo. A sua inserção em igrejas pentecostais foi difícil,

até que em 1962 resolveu fundar sua própria Igreja. Hoje a IPDA é a quinta igreja pentecostal

mais numerosa no Brasil.16 Quase 50 anos se passaram. Já é tempo de se buscar a história

dessa Igreja e traçar a sua trajetória, ainda hoje identificada com a história de seu fundador,

hoje um “velho” missionário, mas cujo dinamismo lhe permite manter centralizado em suas

mãos o controle dessa grande Igreja pentecostal.

1.1 – O fundador: aspectos biográficos

A partir do estado do Paraná e do sul do estado de São Paulo surgem os dois

personagens que formarão a família Martins de Miranda. A vinda de ambas as famílias para a

capital do estado de São Paulo, está inserida no contexto do êxodo rural para grandes centros

urbanos os quais se desenvolviam pela industrialização posterior à Segunda Guerra Mundial.

Eunice R. Durhan (1973: 113) afirma que o processo de imigração campo-cidade

... não decorre, em geral, de uma situação anormal de fome ou miséria, desencadeada por calamidades naturais. Ao contrário, a emigração aparece como resposta a condições normais de existência. O trabalhador abandona a zona rural quando apercebe que “não pode melhorar de vida”, isto é, que a sua miséria é uma condição permanente. Isto não quer dizer que calamidades naturais ou acidentes não sejam fatores que precipitem a emigração. Há, evidentemente, inúmeros fatores que influem na tomada de decisão: a perda da propriedade, a morte de um membro da família e conseqüentemente desorganização do grupo doméstico, a insistência de um parente que “está bem” em outro lugar.

David Martins de Miranda, filho de Roberto Miranda Ribeiro e Anália Martins de

Miranda, nasceu no município de Reserva em 4/07/1936. A sua família, naquela época, era

16 IBGE – Censo Demográfico 2000: Igreja Assembléia de Deus 8.418.140; Congregação Cristã no Brasil 2.489.113; Igreja Universal do Reino de Deus 2.107.887; Igreja do Evangelho Quadrangular 1.318.805; Igreja Pentecostal “Deus é Amor” 774.830.

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dona de uma pequena parcela de terras (20 alqueires),17 resultante da fragmentação de uma

gleba de 16 mil alqueires conhecida por “Fazenda Santa Elena”. Em 1953, a família mudou-se

para Telêmaco Borba, onde David Miranda, então com 17 anos, foi trabalhar na fábrica de

papel da Klabin, onde foi registrado em 11/05/53. Em 15/03/57 DM pediu demissão porque

sua família estava de mudança para São Paulo. A sua trajetória do campo para a cidade é

semelhante à da maioria de seus fiéis, que vêm do mundo rural, convertem-se a uma nova

religião ao chegarem à cidade e, geralmente, a uma igreja pentecostal. Para Francisco Cartaxo

Rolim (1985: 62) o catolicismo adotou uma estratégia equivocada, supondo que mantinha seu

domínio sobre “setores populares das classes dominadas”, privilegiando as classes médias, se

esquecendo dos migrantes rurais mais pobres.

Do seu lado, a Igreja Católica dava continuidade à sua aliança com o setor cafeicultor e com as classes médias, de cujo seio tirou sua elite de intelectuais leigos. Mas os setores populares das classes dominadas, que o catolicismo oficial supunha ter sob seu domínio, permaneciam à margem de um trabalho criativo que fosse ao encontro de sua espontaneidade e das raízes da sua fé. Ora, foi precisamente nesta extensa faixa dos econômica e culturalmente desprivilegiados que o pentecostalismo fincou as suas bases.

O pai de David Martins de Miranda (1992: 19-20) faleceu quando ele tinha 13 anos de

idade. Sua família praticava o catolicismo típico das regiões rurais brasileiras, recebendo uma

assistência periódica de padres católicos. É nesse período de formação que DM interioriza

aspectos da doutrina católica romana, que mais tarde iria influenciar a sua maneira estabelecer

os princípios que iriam reger a denominação pentecostal que fundou em 1962.

1.1.1 – Trajetória familiar do fundador: David Miranda

Saindo de um ambiente rural, como todo recém-chegado à cidade, DM começou a

ressignificação seus valores já em Telêmaco Borba, onde trabalhou na indústria de papel dos

Klabin por quase quatro anos. Isso significa que ele teve que ressignificar os seus valores,

adaptando-se a um ambiente fabril, interagindo com novos atores sociais. O período foi

relativamente curto, porque decorridos quatro anos seus familiares decidiram vender a

17 Vide Dossiê “IPDA” 8, Certidão do Ofício do Registro de Imóveis do município de Reserva no

Paraná. “Elena” está mesmo grafada com “E” de acordo com a Certidão em nosso poder. O documento não especifica a área em hectares. De acordo com Ricardo Yoshiyuki Hirata, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006, tab. 1, p.7): “1 alqueire paulista equivale a 24.200 metros quadrados. A medida alqueire é encontrada em diversas regiões do país, cada qual com uma dimensão diferente. Convencionou-se a utilização do hectare, unidade de medida nacional equivalente a 10.000 metros quadrados.”

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residência de Telêmaco Borba e mudar-se para São Paulo,18 capital de um estado pujante,

centro urbano em fase de industrialização, onde DM enfrentou novos desafios para seu

ajustamento social.

Ao chegar a São Paulo, David Miranda (1992: 62) empregou-se, aos 22 anos de idade,

num escritório. No espaço de uma década, DM experimentou quatro mudanças ou situações

críticas que abalaram sua estrutura psicossóciorreligiosa. A primeira foi a perda do pai no

sítio; a segunda: deixou suas funções de trabalhador rural em plena adolescência,

empregando-se numa grande indústria situada em uma pequena cidade; a terceira: mudou-se

para São Paulo, e empregou-se num escritório, numa metrópole de alguns milhões de

habitantes; a quarta: toda sua família se converteu ao pentecostalismo,19 ficando somente ele

na religião anterior da família. Percebe-se que o estado de anomia de DM se manifestava de

forma bem marcante, porque, no catolicismo, ele não encontrava apoio e nem se identificava

com o catolicismo urbano de São Paulo, apesar de pertencer à Congregação Mariana. Em sua

autobiografia, David Miranda (1992: 26) escreveu: “eu ia para a catedral católica na Praça da

Sé e ficava ali por muitas horas lendo o catecismo e rezando; pedia aos santos que trouxessem

de volta ao catolicismo toda a minha família e principalmente minha mãe.”

Porém, na maioria dos casos a conversão do catolicismo para o pentecostalismo é um

caminho sem volta. Notemos que DM ainda lutou para permanecer na religião de seus

antepassados. Mas, um ano e três meses após a chegada a São Paulo ele também se converte

ao pentecostalismo. A não desconversão da família Miranda, como ele sonhava, deve-se aos

fortes mecanismos que todo grupo religioso (assemelhado a uma seita) emprega para criar

laços profundos de coesão social e de ligação entre os seus membros. Beatriz Muniz de Souza

trata disso em seu texto pioneiro sobre o pentecostalismo no Brasil. Contudo, as exigências

requeridas para pertencer a uma nova religião são compensadas pela coesão interna do grupo.

Nesse contexto, cabe a afirmação de Beatriz Muniz de Souza (1969: 73, 81): “A disciplina 18 Durhan (1973: 113) analisou com precisão esse fenômeno: “Há, evidentemente, inúmeros fatores que influem na tomada de decisão: a perda da propriedade, a morte de um membro da família e conseqüentemente desorganização do grupo doméstico, a insistência de um parente que “está bem” em outro lugar.” Nesse caso, observamos que, alguns anos depois que DM perdeu o seu pai, sua irmã Araci mudou-se para São Paulo e se instalou na rua Conde de Sarzedas na década de 50 conforme entrevista de Araci Miranda ao jornal O Estado de S. Paulo. (Sorano, 2008: C8). 19 Em 30 de dezembro de 2008, visitamos Araci Miranda, irmã de DM em sua loja à Rua Conde de Sarzedas, 237 no centro de São Paulo, praticamente ao lado do número 185 onde funciona o templo da IPDA. Conversando com Araci e seu marido Deamiro, hoje com 80 anos de idade, ambos confirmaram sua conversão ao pentecostalismo, no início da década de 50, quando chegaram em São Paulo, nos cultos das tendas de pastores americanos, que mais tarde deram origem à Igreja do Evangelho Quadrangular. Araci menciona o nome de um americano: “William” com quem se converteu. Trata-se de Harold Williams. “Em 1953, Harold Williams iniciou no Brasil as atividades da Igreja do Evangelho Quadrangular com a ajuda do pregador de cura divina Raymond Boatright após intensa campanha em tendas de lona com o nome genérico de Cruzada Nacional de Evangelização.” (Antonio Gouvêa Mendonça, 2008: 136).

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interna da ‘seita’ manifesta-se, também, através de rigor disciplinar que desce até a

pormenores na aparência dos fiéis, que devem diferir das pessoas ‘do mundo’ por sua

vestimenta recatada”. Além do mais, leva à “coesão interna para apoiar o membro”. Essa

inclusão oferecida ao membro é explicada por Francisco Cartaxo Rolim (1985: 43): “Os

crentes falam nos cultos, ora pregando ora trazendo seus testemunhos. Prega o pastor, prega o

diácono ou o simples crente. Não denotam medo de falar em público, mas entusiasmo. Ser

letrado ou não ter instrução não é exigência”. Assim, em 1958, começa a relação de DM com

o pentecostalismo. Em 1962, iria fundar a própria igreja e, três anos depois, casaria-se com

Ereni Oliveira.

1.1.2 – A trajetória familiar da esposa do fundador: Ereni Oliveira

Na sociedade brasileira, o casamento é uma forma de aliança que se estabelece entre

um homem e uma mulher. Aparentemente, as escolhas são feitas ao acaso. Mas não é assim

que acontece. Há determinações sociais que agem sobre o casal, fazendo com que a escolha

recaia sobre pessoas de perfis semelhantes. Pois bem, qual era o perfil de Ereni que a

aproximava de David Miranda? As informações sobre essa mulher que se tornaria o braço

direito de DM nos foram fornecidas quase ao acaso, por um antigo amigo da família de seus

pais. Jamil Fonseca Leite foi o informante no levantamento de dados sobre as origens dos

Mirandas, quando de nosso contato (2008). Com 68 anos de idade, dos quais 63 anos em

Telêmaco Borba, Leite é contabilista aposentado e estava prestando serviço de vigia na

Câmara Municipal. Foi um encontro casual que tivemos com ele, na praça diante da Prefeitura

e da Câmara. Em conversa informal, Jamil nos disse que “conheceu David Miranda apenas de

vista, quando moço”, mas sabia que a família veio do município chamado Reserva.

Acrescentou que conheceu a família de Ereni, que ficou hospedada em sua casa por seis

meses, quando os pais de Ereni procuravam uma oportunidade para se estabelecer em

Telêmaco Borba. Ereni tinha então aproximadamente nove anos de idade, seus pais se

chamavam Otávio Lagüista e a mãe, Áurea. Depois disso, a família voltou para Caputera,

distrito de Itapeva, no estado de São Paulo. Posteriormente, em carta, Jamil20 escreveu:

“Minha mãe era sobrinha e afilhada de Da. Áurea, mãe da Ereni.” É provável que a parte

20 Carta em nosso poder datada de 30/7/08 (Dossiê “IPDA” 9). Nessa carta Jamil dá melhores informações sobre a estadia da família de Ereni em sua casa. Enviou uma foto de Ereni ainda criança (Anexo 1 – Registro fotográfico). Jamil escreveu num dos textos de sua carta: “Parece que pretendiam residir na Fazenda Monte Alegre, (atual Telêmaco Borba) mas depois resolveram retornar para Itapeva-SP, e não sabemos quanto tempo depois foram para a capital de São Paulo.”

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materna da família de Ereni venha a origem do sobrenome “Oliveira”, porque os filhos e as

filhas de David Miranda trazem esse sobrenome.

Nota-se na ficha de David Martins de Miranda que o sobrenome de seus pais são;

Miranda Ribeiro por parte de pai e Martins de Miranda por parte de mãe. O sobrenome

“Oliveira não aparece; mas está no nome da Ereni. Inclusive ela chega a usar em artigos

assinados em publicações da IPDA.21 Jamil nos contou ainda que os pais de Ereni cantavam

na rádio de Itapeva e formavam uma dupla sertaneja. A mãe cantava e tocava pandeiro e o

pai, além de cantar, tocava viola. Na expressão de Jamil, ele tinha um “vozeirão”; que,

recentemente, seus familiares, já idosos passaram por São Paulo, vindos de Aparecida do

Norte e resolveram procurar Ereni. Falou da dificuldade que encontraram com os seguranças

da IPDA para atingir seus objetivos, mas, depois de muita insistência, Ereni os recebeu e

perguntou quem eles eram realmente e o que desejavam. A mãe de Jamil tirou uma antiga foto

de sua bolsa e mostrou para a Ereni, perguntando se ela se reconhecia com nove anos de

idade, junto de seus familiares em Telêmaco Borba. Diz que Ereni abraçou-se com a mãe de

Jamil, já idosa, e chorou emocionada.

1.1.3 – O casamento de David Miranda

Jamil, o nosso informante em Telêmaco Borba, em 2008, disse não saber como David

se encontrou com Ereni, nem como se casaram, pois não mais acompanhou a vida deles.

Afirmou também que David Miranda está muito rico e que “não liga” para eles, que apoiaram

Ereni e seus pais nas dificuldades. Não conseguimos maiores detalhes sobre a mudança da

família de Ereni para São Paulo e nem como ela se converteu ao pentecostalismo. Mas é

possível que o mesmo modelo de imigração rural-urbana dos demais imigrantes tenha sido

experimentado por essa família. De acordo com sua autobiografia,22 (Miranda: 1992: 71-72)

David conheceu Ereni em São Paulo, numa vigília e casaram em 12 de junho de 1965, três

meses depois de conhecê-la.

1.1.4 – A conversão de David Miranda ao pentecostalismo

O pentecostalismo, ao qual se filiou Miranda, tinha características bem diferentes

daquele advindo com Francescon, que deu origem à Congregação Cristã no Brasil, em 1910.

21 Revista Ide ano 7 no. 13. Seu nome Ereni Oliveira de Miranda consta de Ata de constituição da Diretoria da IPDA, datada de 01 de janeiro de 2008, conforme Certidão: 3o. Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de 09/12/2008. 22 Embora uma autobiografia tenha sempre alguma característica tendenciosa, o texto de David Miranda serviu de base par início de nossas pesquisas.

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Também mantinha distância com o pentecostalismo de Berg e Vingren que originou a

Assembléia de Deus (1911). As pesquisas realizadas por nós indicam que a conversão da

família Miranda deu-se no contexto do movimento de tendas, cuja pregação era centrada em

curas divinas. Daí saiu a Igreja do Evangelho Quadrangular, que remonta aos anos de 1906,

com o movimento denominado Apostolic Faith Mission (Missão Fé Apostólica) da qual veio,

em 1923, a International Church of the Foursquare Gospel, a Igreja do Evangelho

Quadrangular, que se estabeleceu no Brasil poucos anos antes da conversão de DM. Miranda

afirma em sua autobiografia que se converteu numa Igreja diferente daquela em que sua

família congregava. Araci e Deamiro, que se converteram na Quadrangular, confirmam essa

informação. Mas, certamente, não foi no movimento da Quadrangular que DM se converteu.

O anexo 2, no final desta Dissertação de Mestrado, reproduz um mapa histórico para maior

esclarecimento da filiação e formação desses movimentos.23 Sabemos, todavia, que as várias

denominações surgidas na década de 50 estavam sob forte impacto das pregações de curas

divinas influenciadas pelo movimento de tendas.

Paul Freston faz referência à conversão de DM aos primeiros anos em São Paulo,

informações parcialmente confirmadas na autobiografia do fundador da IPDA. Além de

Freston, outros autores pesquisaram esse tema sobre o qual não há consenso até este

momento. Entendemos que as entrevistas de David Miranda e sua autobiografia devam servir

como parâmetro, embora DM não mencione o nome da Igreja na qual se converteu.24

Eu era católico, nascido em berço católico, meus pais davam hospedagem para os padres, missionários, numa fazenda que nós tínhamos no interior do Paraná, porque lá não tinha Igreja Católica e os padres de três em três ou de seis em seis meses, iam e ficavam uma semana toda na casa da fazenda de meu pai. Era uma casa muito grande e ali o padre celebrava as missas, fazia os casamentos, celebrava os batismos de crianças, enfim, eu nasci num berço católico, aprendendo inteiramente com o padre sobre a doutrina católica

Nesse texto, David Miranda continua esclarecendo em que circunstâncias se converteu:

[...] no ano de 1958, dia 6 de julho, quando eu voltava de uma matinê dançante, eu passava em frente a uma Igreja e esta Igreja tinha poucos membros, era pequenina, todavia ali entrei [...] o pastor tinha sotaque baiano e chamava-se Pastor Jonas da Cruz, um senhor já bastante idoso [...] e ele então, lendo a Palavra de Deus, falava sobre o sacrifício de Abraão quando Deus pediu Isaque para ser oferecido em sacrifício a Deus.[...] No momento em que Abraão ia oferecer seu filho em holocausto, Deus providenciou o cordeiro para ali ser sacrificado em

23 Vide Anexo 2 – Mapa genealógico da IPDA (reprodução parcial do Mapa Histórico (Campos, 2005: 114) com acréscimos a partir dos anos 50). 24 DM. Entrevista em Ide, São Paulo, no. 1, Dez. de 1999 - p. 5.

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lugar de seu filho[...] E ele passou a mencionar sobre nosso Jesus que depois de ser maltratado, esbofeteado, terem posto uma coroa de espinhos em sua cabeça e terem feito tantos males a Ele, ainda o crucificaram e mataram[...] Naquela hora, eu me senti envolvido pelo Espírito de Deus. Eu não contive as minhas lágrimas. Pela primeira vez eu me reconheci como pecador diante de Deus.

Porém, nessa autobiografia Miranda (1992: 31-39), omite o nome da igreja e do pastor

que pregava quando ele se converteu. Mas, o dia da conversão, 6 de julho de 1958, ele repete

na entrevista de dezembro de 1999. Nas décadas de 80 e 90 era voz corrente na IPDA que

David Miranda tinha se convertido na Igreja “Maravilhas de Jesus”.25 Numa visita feita a essa

Igreja, e na conversa informal que mantivemos com o presbítero Fiorindo Valoto (25 anos

congregando naquela Igreja) e que lá se encontrava em novembro de 2008, esse presbítero

confirmou que DM realmente se converteu na Igreja “Maravilhas de Jesus” – IMJ – fundada

pelo pastor Leonel Silva, um afrodescendente, advogado ainda atuante.

Na primeira conversa ele não dispunha de tempo e confirmou rapidamente que ficou

conhecendo David Miranda no primeiro dia em que ele entrou na Igreja “Maravilhas de

Jesus”, mas que chegou com um violão e alcoolizado “querendo aceitar Jesus”, expressão

comum entre evangélicos para a pessoa que se converte. Transcrevemos trecho extraído da

conversa que tivemos26 quando da segunda visita à IMJ, em 24 de dezembro de 2008:

Voltamos ao assunto anterior, pedindo uns minutos da atenção dele, após mostrar a identificação da Universidade Metodista e esclarecer o motivo da visita, ou seja, a elaboração da Dissertação de Mestrado sobre a IPDA. O pastor Leonel atendeu com boa vontade, disse que DM apresentou-se com um violão, mas que estava embriagado, prometendo voltar na noite seguinte. Quando voltou, estava sóbrio, e aceitou Jesus no culto com o pastor Jonas da Cruz. Este pastor faleceu em 2007. Leonel explicou que DM congregou em sua Igreja por seis meses e que não foi batizado porque não estava preparado. Que DM queria ser logo pastor, mas que isso não seria possível. Que havia um presbítero semialfabetizado em sua Igreja que não concordava em muitas coisas e que saiu, dividindo a Igreja “Maravilhas de Jesus” e fundando a Igreja Pentecostal de Jerusalém, para onde DM foi congregar. O pastor Leonel não sabe onde DM foi batizado, mas sabe que David Miranda passou pela “Brasil para Cristo”, não se dando bem em nenhuma igreja, até fundar sua própria denominação a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”.

As pesquisas que realizamos até este momento indicam as seguintes versões sobre o

nome da Igreja na qual David Miranda se converteu.

25 A Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” foi fundada em 1957, por Leonel Silva, que completará 90 anos em 2009, tem a sua seda à Rua do Carmo 71-77, na Sé, no centro da capital paulista. Conversamos em duas ocasiões diferentes com esse pastor após o culto de sua Igreja em 3 e 24 de dezembro de 2008. 26 Dossiê “IPDA” 27 – Caderno de Campo. Visita de 24/12/08 à Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”.

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Nome da Igreja Fonte

1) Igreja Jerusalém Paul Freston, Tese de doutorado, (2003: 92)

2) Brasil para Cristo R. Andrew Chesnut, Born Again in Brazil, (1997: 38)

3) Brasil para Cristo Allan Anderson An introduction to Pentecostalism,

(2004: 72-73)

Este autor informa que DM é cunhado de Manoel de

Mello o que é refutado por Freston. Cita texto

de Chesnut indicado acima.

4) Assembléia de Deus Isael Araújo: Dicionário do Movimento Pentecostal

(2007: 462).

5) Assembléia de Deus Gilberto Stéfano27

6) Igreja “Maravilhas de Jesus” Pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã

Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” e

Presbítero Fiorindo Valoto (informação obtida em

conversa informal), nas visitas à sede da Igreja na Rua do

Carmo 71/77, na Sé, no centro de São Paulo.)

Nas análises das informações acima, nota-se que Freston não dá sua fonte de

referência, mas contesta Anderson. Assim, parece que os quatro autores Freston, Chesnut,

Araújo e Anderson, com pequenas variações, bebem das mesmas fontes. Apesar de

convivermos com DM e com seus familiares, naquela época não nos preocupávamos com

essa questão. Por essa razão, não tínhamos a informação dada pessoalmente por DM ou por 27 Uma outra versão aparece em Gilberto Stéfano (2009) que segue desenhos de Araújo (2007: 462): “O missionário David Martins Miranda, que tem origem assembleiana, deixou-a e fundou a IGREJA DEUS É AMOR em 1962. Esta igreja ainda está em ascensão. Cresce muito entre a população mais carente do país. O fato de seu fundador e líder ainda estar vivo ajuda muito a sua propagação. Seus programas de rádio têm grande audiência na camada mais pobre, e principalmente, nos moradores da zona rural. Muito parelha a esta igreja em doutrinas e costumes a IGREJA SÓ O SENHOR É DEUS, que tem como fundador o missionário Miranda Leal (Que dizem ser primo de Davi Miranda).” ( http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo/PentecostaisNeoPCarismaticos-GilbertoStefano.htm) -(Acessado em 02 jan 2009).

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seus familiares. No período em que congregamos na Igreja Pentecostal “Deus é Amor”,

jamais ouvimos David Miranda referir-se à denominação onde se converteu. Apenas ouvimos

por terceiros que DM tinha se convertido na Igreja “Maravilhas de Jesus”. Entendemos, por

questão de Marketing, que DM jamais divulgaria o nome da denominação concorrente porque

considera as demais igrejas como “igrejas mundanas”. Na sua autobiografia consta

“denominação diferente da minha”. Apenas em 3 de dezembro de 2008 obtivemos uma

informação bastante confiável de que realmente DM se converteu na igreja do pastor Leonel

Silva, tendo depois transitado por várias igrejas. Em 24 de dezembro de 2008, num segundo

encontro, o próprio pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã Pentecostal Independente

“Maravilhas de Jesus” – a IMJ, confirmou que DM, ao deixar a IMJ, passou pela “Pentecostal

de Jerusalém”,28 depois pela “Brasil para Cristo”, saindo dessa peregrinação religiosa para

fundar sua própria denominação em 1962.

A respeito da situação em sua casa, quando de sua conversão ao pentecostalismo, em

sua autobiografia, Miranda (1992: 40) afirma que “a bem da verdade, nós já quase nem nos

falávamos mais, devido a tantas brigas dentro de casa por motivo de religião. Então, ninguém

sabia ainda do ocorrido que transformara a minha vida. Eles congregavam em outra igreja

cuja denominação era diferente da minha”. A igreja, “simples, humilde e pequena”, na

expressão de DM era a Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus”, o pastor

que pregava era o pastor Jonas da Cruz que permaneceu na IMJ até 2007, quando faleceu

segundo informações do pastor Leonel Silva. Araci Miranda confirma a conversão de David

Miranda na IMJ. Deamiro, esposo de Araci diz que o cunhado não parava em igreja nenhuma

até fundar a própria igreja.

Para uma melhor compreensão da trajetória de vida familiar e religiosa de DM,

registramos os dados levantados em uma tabela cronológica. Como se pode observar, David

Miranda começa sua vida de proprietário de imóveis aos 34 anos de idade. Daí em diante suas

aquisições em nome da IPDA vão se desenvolvendo aceleradamente nas duas décadas de sua

vida.

1.1.5 – Conversão, trajetórias familiares e explicações sociológicas

As mudanças biográficas, que no meio religioso são chamadas de conversão,

receberam o de alternação por Peter Berger. Essa passagem de um círculo para outro 28 Ainda segundo informações de Leonel Silva, a “Igreja de Jerusalém foi fundada por um presbítero semi- alfabetizado, que saiu da IMJ levando alguns fiéis” e que David Miranda foi um deles. Mas, segundo sua irmã Araci Miranda e seu esposo Deamiro, DM não ficou lá por muito tempo porque transitou por várias igrejas antes de fundar a “Deus é Amor”.

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acontece, ainda segundo Berger, (2004: 18) porque “o homem não possui uma relação

preestabelecida com o mundo. Precisa estabelecer continuamente uma relação com ele”. Ora,

em um curto espaço de tempo DM experimentou quatro fases, cada qual contendo desafios

para uma personalidade em fase de formação. Na última das crises vividas, DM passou a

experimentar uma metanoia, palavra usada no vocabulário teológico para designar uma

ressignificação dos valores sóciorreligiosos de um indivíduo. DM estava diante de diferentes

campos ou espaços sociais fisicamente objetivados, todos eles relevantes para um momento

de reorientação, conforme Bourdieu (1982: 160-161). Por sua vez, Mircea Eliade (2007: 132)

considera que “colocado entre a aceitação da condição histórica e seus riscos, de um lado, e

sua reidentificação com os modos da natureza, de outro, ele (DM – grifo nosso) escolheria

uma tal reidentificação.” Pressupomos que David Miranda experimentou esse processo ao

converter-se ao pentecostalismo. Para os que vivem experiências anômicas como essas, “a

participação em processos dessa índole significa importante afirmação pessoal. [...] As

pessoas nessas condições sentem-se valorizadas. Começam a experimentar a cota necessária

de auto-estima necessária para tornar suportável a existência de qualquer ser humano”,

escreveu Júlio de Santa Ana (1992: 13).

O mesmo processo se faz presente na maioria dos seguidores de David Miranda, pois

quase todos eles também vieram do mundo rural. Santa Ana (1992:12) afirma que “a perda de

raízes, a incapacidade de produzir sentido para a própria existência e a ausência de

reconhecimento social levam muitos a se sentir ‘perdidos’. Nestas condições, a religião

procura dar sentido em meio ao desespero”. A necessidade de conversão a uma nova religião

em situação de anomia também pode ser analisada à luz da teoria de Thomas O’Dea (1969:

13-14), ao explicar que a “teoria funcional supõe que essa necessidade seja o resultado de três

características fundamentais da existência humana. Em primeiro lugar a incerteza [...]

caracterizada pela contingência [...] em segundo lugar [...] impotência [...]. Além disso, as

sociedades existem em condições de escassez, a terceira característica fundamental da

existência humana”. Segundo linha de argumentação semelhante, Lalive D’Epinay (1970: 60)

escreve que a tese que pretendemos sustentar, cujo tema já é clássico na sociologia das seitas, será a seguinte: O pentecostalismo apresenta-se como resposta religiosa comunitária ao abandono de grandes camadas da população, abandono provocado pelo caráter anômico de uma sociedade em transição.

Beatriz Muniz de Souza (1969: 97, 101) retoma tais explicações ao escrever sobre a

motivação ou a “resposta religiosa” que na expressão de D’Epinay não se refere apenas ao

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presente, mas também ao futuro. Pois o presente, representado pela “renúncia ao mundo” e o

futuro na salvação eterna, a saber: “a condenação dos pecadores; necessidade de

arrependimento; renúncia ao mundo; felicidade dos que alcançam a salvação.” (Souza: 97).

“[...] Outro ponto doutrinário referido com certa constância nos sermões é o fim do mundo,

quando ‘os ímpios serão condenados e os pecadores arrependidos alcançarão a salvação.”

(Souza: 101). André Drooger (1992: 66) sustenta que “[...] em sociedades suscetíveis de

mudanças rápidas e grandes contradições de interesses, a anomia mostra-se inevitável [...] A

partir de suas próprias necessidades básicas, as pessoas vão em busca de nova comunidade

[...] a anomia é irregularidade transitória, o consenso é a situação normal”. Mais adiante,

acrescenta que “[...] a impotência dos pobres se converte, com a ajuda da força dos dons do

Espírito (cura, profecia, dom de línguas) em força. Os desqualificados pelo mundo, em dado

momento, desqualificam esse mesmo mundo”, completa Drooger (1992: 67).

Acreditamos que fatores ligados à anomia influenciaram profundamente a experiência

de vida de DM, levando-o a se servir muito mais de novas ressignificações do que fora a sua

formação católica rural. Num primeiro momento, DM foi aceito pelo novo grupo cuja

liderança não admitia concorrência, razão de sua mudança para outra congregação, onde

também não conseguiu se impor. “[...] depois de ter passado essa fase de lutas e provações,

fiquei apenas freqüentando os cultos por uns 50 dias, mais ou menos, em diversas

denominações diferentes”, afirma Miranda, (1992: 49).29 Tendo sido dispensado de seu

emprego, enfrentando praticamente sua última fase de rompimento de raízes, Miranda decidiu

fundar sua própria denominação, como se pode observar na cronologia apresentada. Porém,

houve um certo mistério sobre a conversão de DM ao pentecostalismo. Essa falta de

informações, alimentada por ele mesmo, criou versões imprecisas sobre seu passado.

1.2 – A Igreja fundada por David Martins de Miranda

David Miranda, em sua autobiografia (Miranda, 1992: 62, 68, 69, 70 e 74) afirma que

em março de 1962 iniciou seu trabalho num salão que ele próprio teria alugado com recursos

da indenização recebida de seu emprego num escritório: “No final do mês de março,

inauguramos a igreja na antiga Rua Setenta, hoje, Avenida Afonso Pena em Vila Alegre,

região de Vila Maria.” O seu templo mais tarde mudou-se para a Rua Carmem Porto na Vila

29 Em 30 de dezembro de 2008 conversamos com Araci Miranda e Deamiro seu esposo os quais informaram que David Miranda não se firmou em nenhuma denominação. Saiu da Igreja “Maravilhas de Jesus” para sua dissidente “Igreja de Jerusalém”, depois de breve passagem pela “Brasil para Cristo”, tendo passado também por outras denominações. O pastor Leonel Silva, fundador da Igreja Cristã Pentecostal Independente “Maravilhas de Jesus” confirma que DM ficou apenas seis meses em sua Igreja e que lá não foi batizado.

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Medeiros; inaugurando então um templo em São José dos Campos, onde mantinha um

programa na Rádio Piratininga daquela cidade. DM afirma que “o povo havia me ‘batizado’

com o título de maior pregador de curas divinas da época,” relatando algumas curas atribuídas

a Deus enquanto ele orava. A igreja por ele fundada é centrada em sua própria liderança

carismática, pois é tido como profeta ou o “homem de Deus”. Campos (1982: 96) faz

referência ao uso constante em seu programa “A Voz da Libertação” como “o consagrado

homem de Deus, Missionário David Miranda”. A IPDA sustenta uma visão do batismo com o

Espírito Santo30, usando como base textos bíblicos do livro do profeta Joel e de livro dos Atos

dos Apóstolos. Assim, DM dispensa quaisquer referências aos reformadores Lutero, Calvino

ou à tradição das igrejas protestantes, recurso típico do líder carismático, cujo tipo ideal foi

elaborado por Max Weber (1982: 285): “O carisma só conhece a determinação interna e a

contenção interna. 31 O seu portador toma a tarefa que lhe é adequada e exige obediência e um

séquito em virtude de sua missão.” Entretanto, a capacidade ou o “dom missionário” que DM

tem, inclusive para acumulação de patrimônio e riqueza, distancia-o do tipo de “carisma

apostólico” referido por Weber (2004: 124).

Único obstáculo é, outra vez, aquela glorificação – inspirada no exemplo da vida missionária dos apóstolos – do carisma da pobreza apostólica entre os “discípulos” eleitos por Deus pela “predestinação”, o que de fato significava uma repristinação parcial dos consilia evangélica. A criação de uma ética profissional racional à maneira dos calvinistas foi com isso, quando nada, retardada, se bem que – como mostra o exemplo da transformação do movimento anabatista – não totalmente excluída (sendo pelo contrário preparada espiritualmente por intermédio da idéia de trabalhar exclusivamente “por causa da vocação”).

Porém, DM encarna bem o tipo ideal do líder carismático que se fundamenta somente

no seu próprio capital adquirido, tal como nos apresenta Pierre Bourdieu (1982: 59):

A gestão do depósito do capital religioso (ou sagrado), produto do trabalho religioso acumulado e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação deste capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado simbólico em que o primeiro se desenvolve, somente podem ser assegurados por meio de um aparelho de tipo burocrático que seja capaz, como por exemplo a Igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua

30 BURGESS, Stanley M; McGEE, Gary B. (1996: 415) esclarecem, numa tradução livre que fizemos do texto: “Pentecostais usam o termo ‘batismo no Espírito’ para se referirem à efusão inicial dos crentes com o Espírito e consideram isso como a experiência de poder que foi acompanhada por falar em línguas no Dia de Pentecostes (At 2.4)”. 31 Atos 2.1-12 – Parte do texto do livro de Atos: V.1: “E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar [...] V.4: E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.” Transcrição dos dois versículos da passagem paralela do profeta Joel, (Joel 2.28-29): “E há de ser que depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito.”

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(ordinária) necessária para assegurar sua própria reprodução ao reproduzir os produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a saber o corpo de sacerdotes e o mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos (em oposição aos infiéis e aos heréticos) como consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (hábitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica de seus produtos.

As primeiras dificuldades de todo novo líder carismático ou profeta constituem-se na

identificação de um caminho que lhe garanta o sucesso junto às massas. Ele precisa acumular

um capital só na sua atividade e sucesso. Inicialmente, as pessoas não estão interessadas no

investimento num pregador desconhecido. É somente com a realização de atos milagrosos

atribuídos a ele que a liderança carismática estabelece o próprio carisma.

1.2.1 – As dificuldades iniciais e a expansão da nova Igreja

David Miranda conseguiu captar certas características da cultura popular, o que

facilitou a sua penetração no meio (popular), especialmente entre os mais necessitados, com

seu conceito de religião que nasce na cultura (Durkheim: 1989: 38, 295, 509), ou numa

interação entre cultura e religião (Tillich: 1959: 42). É nesse ambiente que a IPDA transita

com grande desenvoltura, identificando as necessidades do povo e oferecendo a solução dos

seus problemas, exigindo, porém, o cumprimento de votos e a realização de campanhas,

copiando técnicas usadas pelo catolicismo, no cumprimento de promessas e as novenas dos

católicos romanos. Tillich (1959: 42, 47) mostra com bastante clareza como a religião e a

cultura se interagem:

Simplificando: religião é a substância da cultura, cultura é a forma de religião [...] Cada ato religioso, não apenas na religião organizada, mas também nos mais íntimos movimentos da alma é culturalmente formado. [...] “A forma da religião é a cultura. Isto é especialmente óbvio na linguagem da religião. Cada linguagem, incluindo a da Bíblia, é resultado de inumeráveis atos da criatividade cultural”.

A IPDA transitou por diversos endereços até que se fixasse numa sede própria, oito

anos depois de sua fundação. Podemos nos aproximar sociologicamente da forma assumida

pela IPDA por meio de afirmações feitas por Marcelo Ayres Camurça (2003: 258):

Quanto às novas expressões religiosas surgidas na alta modernidade, estas tomam a forma de comunidades carismáticas emocionais, e mantêm seus esquemas de sociabilidade sob um caráter eletivo (fraternité élective), dispensando a determinação de uma “linhagem de memória coletiva” que as identifique. Em suma, integram-se por meio de relações emocionais. Sua identidade, enquanto religião pós-tradicional, repousa prioritariamente em um espírito de comunidade que numa tradição. Todavia, há uma reapropriação dos eixos comunitário, emocional, ético e cultural desarticulados neste processo de subjetivação e desregulação da identidade religiosa. [...] A maneira como a religião se insere e se dissemina na sociedade contemporânea é marcada pelo crescente abandono de suas formas institucionalizadas

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dominantes. A isto Hervieu-Léger chamou de desregulação institucional, que exprime o modo principal como se dá o mencionado processo de mudança da religião na atualidade: “as recomposições das identidades religiosas [...] se inscrevem sobre o duplo signo da proliferação e disseminação das crenças de uma parte e da desregulação institucional de outra parte.”

Uma das características do ser humano é procurar exemplos de pessoas bem sucedidas

para tentar imitá-las, objetivando o mesmo sucesso. Não raro, nas artes cênicas, deparamos

com artistas que procuram reproduzir fielmente os hábitos, trejeitos, feições, cabelos,

vestimentas, enfim, todo o padrão de comportamento de seus “ídolos”, em busca de sucesso.

David Miranda, segundo José Hélio Lima32, seguiu as mesmas trilhas de Manoel de Mello ao

decidir utilizar os espaços profanos para reunir grande massa humana. Lima esclarece que o

primeiro local utilizado por Mello para concentrações foi o Teatro de Alumínio. DM alega

que somente quando começou fazer suas concentrações em cinemas, teatros, clubes e praças é

que conseguiu recursos para pagar muitos programas de rádio, e com isso partiu para outras

aquisições, por exemplo, as duas casas de madeira da rua Conde de Sarzedas, onde se instalou

em 1970, num salão de madeira.

1.2.2 – As marcas espaciais da expansão

David Miranda conta, em sua autobiografia e em algumas entrevistas dadas

exclusivamente aos seus órgãos de informação (revistas e jornal), como se deu a trajetória de

sua igreja desde a ocasião em que decidiu alugar um salão para começar seus cultos, já com a

denominação escolhida: Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (IPDA). Diferente de algumas

denominações que alteram seu nome ao longo de sua história, a IPDA continua mantendo-o

por quase meio século. A expansão da IPDA tem sido contínua desde os anos 1970. O próprio

fundador DM tem afirmado, em diferentes ocasiões, que foram difíceis os primeiros oito anos

de sua Igreja, ou seja, entre 1962 e 1970. Embora David Miranda tenha declarado que

começou a crescer com programas de rádio e com concentrações em praças, cinemas e

teatros, alternando com declarações de que mudou drasticamente as características de sua

doutrina, entendemos que a falta de experiência inicial tenha sido o principal fator que

impediu um rápido crescimento de sua obra. A tabela a seguir mostra essa evolução e suas

declarações sobre suas justificativas para seu crescimento.

32 LIMA, José Hélio. Programa “A Voz do Brasil para Cristo”. A relação estabelecida entre o líder pentecostal Manoel de Mello e o Rádio. São Paulo, 2008. 150 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Instituto Presbiteriano Mackenzie.

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Tabela 2 - Datas e endereços conforme autobiografia de DM33

DATAS EVENTOS OBSERVAÇÕES Março de 1962 Primeiro endereço da IPDA

(salão alugado) Rua Setenta, atual Av. Afonso Pena, Vila Alegre, região da Vila Maria (pp. 62-65)

3 de julho de 1962 Mesmo salão, onde é estabelecida a pessoa jurídica da IPDA

A IPDA continua no mesmo endereço

1962 Segundo endereço da IPDA - salão alugado

Rua Carmem Porto, Vila Medeiros (p. 68)

1970 Terceiro endereço da IPDA (salão alugado)

Rua Fernão Sales, Parque D. Pedro II. O salão foi dividido para moradia de David Miranda e para cultos da IPDA (p. 80)

7 de setembro de 1970 Quarto endereço da IPDA (sede própria – compra de duas casas de madeira)

Rua Conde de Sarzedas, 185, no centro da capital paulista (as casas são reformadas e transformadas num salão para cultos)

1 de janeiro de 1976 Mesmo endereço onde é construído em alvenaria o salão definitivo

A sede nacional da IPDA continua nesse endereço por alguns anos

7 de setembro de 1979 Quinto endereço da IPDA (sede própria – compra de prédio de uma indústria desativada)

Novo templo à Rua Prefeito Passos, 231, Parque D. Pedro II, para onde é transferida a sede nacional da IPDA (lateral, mesmo quarteirão da da IPDA na Av. do Estado)

7 de setembro de 1980 Sexto endereço da IPDA (inaugurado o Templo Um (sede própria)

Avenida do Estado, 4568, Parque D. Pedro II, onde passa a funcionar a sede mundial. A sede nacional volta para a Rua Conde de Sarzedas, 185

7 de setembro de 2000 Sétimo endereço da IPDA (sede própria, - Templo Três, com 37 mil metros quadrados)

Avenida do Estado 5000, (antiga Mesbla). Durante quatro anos a sede mundial funcionará nesse novo endereço até a conclusão do novo templo da Avenida do Estado, 4568

Junho de 2002 Início da demolição do Templo Um e Templo Dois, da Avenida do Estado, 4568 para dar lugar ao novo templo no mesmo endereço

David Miranda informa em sua entrevista que o novo templo terá “uma área aproximada de 70 mil metros quadrados, podendo receber em dias festivos, até 200 mil pessoas.” (p.49)

1 de janeiro de 2004 Inauguração do novo Templo na Avenida do Estado, 4568

Trecho extraído da mensagem de DM ao leitor: “...se usarmos todas as dependências, comportaria mais de 200 mil pessoas.” (Jornal O Testemunho, ano 3, no. 4, p.2)

33 Fontes: Da 1a. à 4a. linha: Autobiografia (Miranda: 1992: pp. 62-80); da 5a. linha em diante a fonte é a revista Ide (ano 3, no. 6, junho de 2002, pp. 48-51).

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Em 2006 ele declarou que o Senhor “revelou-lhe, em oração”, que “não queria uma

igreja igual às outras [...] cortamos o mundanismo pela raiz [...] a doutrina foi severa para os

demais membros [...] a igreja que nunca havia enchido começou a se lotar”.34

Na entrevista de 199935 ele atribui que o seu crescimento deu-se a partir de

“...concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes...”

Sempre pessoas me falavam essas coisas, que havia já tantos anos e Deus não aprovava, a obra não crescia. Já fazia sete ou oito anos de Ministério da Igreja Deus é Amor e a obra continuava com aquele pouquinho de irmãos, aquele grupinho tão pequeno de crentes congregando conosco. Mas também eu não tinha experiência para um trabalho maior, não tinha condições financeiras, nem a Igreja, para fazer cobertura para um trabalho de evangelismo. Mas cerca de oito anos depois Deus preparou um meio de evangelizarmos através de concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes e aí começou a nossa experiência de evangelização, com as concentrações de milagres, de curas divinas. Aí Deus começou a mandar muita gente para estes locais e a Igreja começou a reagir. Porque então ela começou a ter possibilidades financeiras de ter mais horários de programas no rádio, de distribuirmos mais folhetos, enfim foi nesta época, oito anos depois, que a obra começou a crescer.

A expansão da IPDA teve início na América Latina, exatamente pelo Sul: Argentina,

Uruguai e Paraguai, por duas razões estratégicas: posição geográfica e facilidade com o

idioma. Em 1996 foi criado o Curso de Preparação de Obreiros (CPO), com o objetivo de

aprimorar o conhecimento da língua portuguesa dos pregadores e da língua espanhola para

aqueles que seriam enviados para os países de fala espanhola. A expansão para os países

vizinhos foi conseqüência natural e, em pouco tempo, a IPDA já estava presente em toda a

América do Sul. Devido ao grande esforço para evangelizar o mundo e, conseguindo carrear

grandes recursos, não demorou que se expandisse por muitos países. A estratégia de DM para

a evangelização mundial começa por nomear como responsável pela evangelização um

presbítero ou diácono de uma sede administrativa. Por exemplo, na ata da reunião de 26 de

julho de 1999 da qual participamos, ficou registrada a seguinte decisão: País: Inglaterra Cont. Europa Mudar ao país: Pb. José Vieira Sede adm.: Caldas Novas Novo resp.: Dc. José Fonseca

Naquela ocasião, foram relacionados 165 países, alguns dos quais impossíveis de

receber uma pessoa da IPDA. Nessas condições, a redação da deliberação é a seguinte:

34 Revista Ide, ano 6 no. 12, Dez. 2006, pp. 13-15 35 Ibid., Ano 1 no.1, Dez. 1999, p. 13.

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País: Kuweit Cont. Ásia Mudar ao país: País fechado Sede adm.: Diretoria/Cons. Adm. Novo resp.: Diretoria/Cons. Adm.

Como as atividades no exterior geravam a necessidade de remessa de recursos,

começaram a surgir denúncias, uma delas de um ex-funcionário, naturalmente descontente

com questões pessoais que se desconhecem. O acontecimento envolveu a cúpula da IPDA, a

imprensa, uma CPI e políticos, conforme reprodução de parte da matéria publicada no jornal

O Estado de S. Paulo (9/6/2000):

1 – PF apreende documentos na casa de David Miranda; 2 - Material pode ajudar na abertura de inquérito para apurar evasão de divisas pela igreja Deus É Amor, fundada pelo pastor. 3 - O inquérito foi aberto depois de reportagem do Jornal da Band, da TV Bandeirantes, que trouxe o depoimento do ex-presbítero Guilhermino Filho do Prado. Segundo o denunciante, a igreja Deus é Amor sonega impostos e tem um esquema de envio irregular de dinheiro para o exterior. 4 - O advogado Rúben Cavalheiro disse anteriormente, em entrevista ao Jornal da Tarde, que a Igreja Deus é Amor tem tudo sob controle e que não há problema de as denúncias serem investigadas. 5 - Danilo Angrimani Publicado em 18/05/2000 no Estadão. Deus é Amor: pastores indiciados O dono e o tesoureiro da Igreja Deus é Amor foram indiciados ontem pela Polícia Federal (PF). O pastor David Miranda e seu empregado Luiz Andreu Rubio são acusados de evasão de divisas e sonegação fiscal. 6 - "Patrão e empregado serão investigados pela Divisão de Crime Organizado da PF, pelos mesmos inquéritos", disse o delegado Gilberto Tadeu Vieira Cezar. Denúncias contra igreja pentecostal serão enviadas ao MP Com as acusações que surgiram na CPI do Narcotráfico, a Igreja Deus é Amor volta ao noticiário policial. Ontem, o deputado Renato Simões confirmou que Daniel Oliveira Miranda tem duas passagens pela polícia por porte de entorpecentes. "De maneira alguma isso significa que ele seja traficante." 7 - Um documento da Igreja divulgado pelo Jornal da Band expõe as cotas de dinheiro que cada templo tem de enviar mensalmente à sede. 8 - O ex-funcionário, que não quis ser identificado, foi chefe da Divisão de Exterior da Igreja durante 18 anos e diz que chegou a mandar US$ 1 milhão para bancos de outros países em um mês. Nos últimos cinco anos, segundo ele, pelo menos US$ 40 milhões teriam sido enviados.

As informações sobre o crescimento no número de fiéis da IPDA são variadas. O

Censo do IBGE de 2000 informa que a IPDA estava com 774.830 membros. O jornal da

IPDA O Testemunho de (dezembro de 2006, ano 3, no. 4) informava “milhões de

convertidos”. O Censo do ano 2000 não informa a quantidade de templos.36

36 Ano 2000: 7500 templos (Reunião de obreiros da IPDA da qual participamos) Ano 2000: 12.000 templos (www.dantas.com.br) Ano 2002: 8.000 templos (http://asreligioes.globo.com (2002) Ano 2006: 19.000 templos Jornal O Testemunho, (ano 3 no. 4, Dez. 2006)

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Em outubro de 1989, fomos batizados pela IPDA, na represa de Guarapiranga, ocasião

em que mais de 2.500 fiéis se batizaram. Porém, 19 anos depois o jornal O Estado de S.Paulo

(4/10/2008) informou que “A reportagem acompanhou, no domingo passado, o batismo

trimestral da Igreja Pentecostal Deus é Amor, no Bororé, Billings. Cerca de 500 fiéis adultos e

adolescentes – a maioria mulheres – foram batizados”.37

Vimos, até aqui, como se deu a fundação da IPDA, suas dificuldades iniciais e a

estratégia de DM para encontrar seu espaço entre as denominações pentecostais surgidas que

foram do movimento de tendas que pregava especialmente a “cura divina”. Dentre essas

novas denominações sobressaíram a “Brasil para Cristo”, a “Deus é Amor” e a “Maravilhas

de Jesus”, ainda atuantes no cenário da capital paulista. A seguir, vejamos como se estruturou

a IPDA para se destacar nesse cenário, suplantando suas demais concorrentes.

1.3 – A estrutura da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”

Algumas das Igrejas pentecostais são consideradas “empreendimentos” voltados à

“venda” de bens espirituais. Como resultado desse processo elas acabam por apresentar um

mesmo sistema de administração que coloca o titular como principal e único responsável por

tudo o que se passa na organização. Tal não se dá com as denominações históricas e

reformadas, cada uma com um sistema administrativo que envolve várias pessoas:

episcopado, congregacional e presbiteral, praticado pelos presbiterianos, metodistas, batistas e

luteranos. Naturalmente há uma pessoa jurídica em todas essas denominações, inclusive nas

neopentecostais, com suas diretorias constituídas, estatutos, normas e doutrinas. Porém, as

assembléias realizadas em certas igrejas pentecostais sempre cumprem as ordens emanadas da

“presidência”, continuamente ocupada pelo mesmo titular, enquanto viver. Nas eleições, a

diretoria apresenta uma chapa única diante da assembléia que a elege por aclamação. Quando

há uma liderança dissidente radical, podem ocorrer cisões que têm origem por discórdia na

diretoria ou numa região onde a arrecadação de valores é considerável. Nesse caso, o

presbítero ou pastor que dirige aquela região divide a igreja, criando uma nova denominação,

com um mesmo sistema centralizado de governo.

Segundo Max Weber (1982: 269) as burocracias cumprem sua função de manter

“secretos seu conhecimento e intenções. A administração burocrática tende sempre a ser uma 37 O Estado de S.Paulo (4/10/2008) (Mazzitelli/Catassini, p. A36) É do nosso conhecimento que o local de batismo em Bororé foi adquirido no final da década de 90. Antes, todos batismos da Grande São Paulo (Sede Mundial) eram realizados na represa do Guarapiranga, local distante alguns quilômetros do autódromo de Interlagos. Tais números nos deixam a impressão que o crescimento nos dias de hoje é menor ou teria aumentado o número de cerimônias de batismos durante o ano.

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administração de ‘sessões secretas’: na medida em que pode, oculta seu conhecimento e ação

da crítica.” Nesse contexto, não só a IPDA, como também outras denominações pentecostais

adotam mesmos princípios administrativos.

O atual sistema de governo da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” compreende duas

diretorias: a Diretoria Deliberativa, presidida por David Martins de Miranda e a Diretoria

Executiva, pelo pastor Antônio Ribeiro de Souza. Vale observar que na década de 90 a

diretoria era uma só, composta por nove membros, entre os quais figurava David Oliveira de

Miranda um dos filhos de DM como Diretor Fiscal. Na atual diretoria, com 12 membros,

além de Ereni Oliveira de Miranda (esposa de DM na função de Conselheira), aparece o

nome de Débora Oliveira de Miranda Almeida (filha de DM) casada com o pastor Lourival de

Almeida. Assim, além de Léia, filha dissidente, casada com Sérgio Sóra, que dividiu a IPDA

do Rio de Janeiro, ficam fora da atual diretoria: David Oliveira de Miranda (filho mais velho);

Daniel Oliveira de Miranda (filho mais novo) e Lourival de Almeida (genro, casado com

Débora, a filha de DM).

Pelo que se pode observar, há uma tendência de profissionalização parcial na diretoria

da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, não obstante a presidência continue com David Martins

de Miranda. Por sua vez, a esposa é a Diretora Presidente da Fundação Reviver, responsável

pelas atividades assistenciais da IPDA. Assim, ambos continuam no comando da IPDA; ele,

na atividade burocrática/espiritual e ela na social/educacional. David Miranda comanda ainda

toda a atividade da gravadora “A Voz da Libertação”, por meio de um controle financeiro

pessoal.

ORGANOGRAMA DA SEDE MUNDIAL

(DÉCADA DE 90)

1 - Diretoria

2 - Sedes nacionais no exterior - sedes estaduais no Brasil38

3 - Sedes regionais conforme divisões no país (estado ou departamento)

4 - Sedes de micro-regiões

5 - Congregações

6 - Pontos de pregação

38 Na década de 90 a sede nacional da IPDA em São Paulo (para diferenciar da Sede Mundial) funcionava na rua Conde de Sarzedas 185, no centro da capital paulista, com um dirigente específico: nós dirigimos por 13 meses. Porém, o dirigente para o estado de São Paulo ficava na Sede Mundial e era escolhido na reunião da diretoria.

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Títulos na hierarquia da IPDA

1 - Missionário39

2 – pastores

3 – presbíteros

4 – diáconos

5 – obreiros (as)

6 – Daniéis e Anas

7 – membros

Função (posição de mando)

1 – Diretoria

2 – dirigente nacional (no exterior)

3 – dirigente estadual40

4 – dirigente regional

5 – dirigente de congregação local

6 – responsável por ponto de pregação.

Observação:

A IPDA aceita evangelistas de ambos os sexos (exemplo: irmã Lorena que viaja por todo os

países a serviço da Igreja). Evangelista não tem função na hierarquia ou na posição de mando

da IPDA.

1.3.1 – Os Estatutos da IPDA

Uma análise do Estatuto da IPDA mesmo que rápida chama a atenção do analista para

o rigor com que se exige do fiel certas coisas. Por exemplo, no Capítulo II – Artigo 4 a IPDA

estabelece que os membros devem comunicar ao seu dirigente local, sempre que tiver que se

ausentar por mais do que 24 horas, seja por motivo de viagem, ou de mudança de residência.

Em resumo, o responsável pela Igreja está em constante contato com seu membro. Sua

mudança de endereço também precisa ser comunicada à Igreja. No entanto, entre 1989 e

2000, não nos lembramos de qualquer punição baseada nesse item do regulamento. A pessoa

que é membro da IPDA é muito assídua e sua ausência, numa pequena congregação é notada

imediatamente. Nesse caso, alguém vai visitá-la. Dificilmente tal aconteceria na Sede

39 Apenas Davi Miranda adotou o título de “Missionário” para si desde a fundação da IPDA. 40 No Brasil: dirigente estadual; no exterior: dirigente do estado ou departamento, conforme a divisão administrativa de cada país.

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Mundial, com milhares de membros nos cultos porque sua ausência não seria notada no curto

prazo. De qualquer forma, o controle da freqüência é feito pelos carimbos semanais nos cultos

de doutrina, nos cultos de Confraternização. O próprio membro está interessado em manter

sua documentação em ordem, especialmente no culto de doutrina, sem o que não será

admitido no salão para o culto da Santa Ceia.

No capítulo III, Artigo 6, sobre Contribuições, chama-nos a atenção que “a Igreja não

determina o valor que seus membros deverão contribuir, nem estabelece o sistema de

contribuição, sugerindo, portanto, a qualquer um que contribua da forma que se propõe,

conforme consta da Bíblia”. Ora, este Artigo 6 é frontalmente desobedecido, porque, na

prática, o membro tem o controle do dízimo em sua credencial, além de outros controles como

será demonstrado a seguir, sem o que lhe é vedado participar da Santa Ceia, a menos que

obtenha de seu dirigente uma justificativa como desemprego, doença ou viagem para fora de

sua região.

No capítulo VI – Artigo 16 que dispõe sobre os ministros lemos que, dependendo das

necessidades da obra, a Igreja pode consagrar ministros, conforme os princípios bíblicos.

Parágrafo único – A Igreja será responsável pela manutenção dos ministros consagrados ao

serviço da Igreja. Porém, a IPDA mantém dois tipos de obreiros, incluindo diáconos ou

presbíteros. Uns são remunerados e outros não o são, mas cumprem com as mesmas tarefas

dos remunerados. Durante os 11 anos em que servimos como obreiro e como diácono, jamais

recebemos sustento da IPDA, a não ser quando em viagens evangelísticas a Londres. O

critério para remunerar um oficial para trabalhar na Igreja Pentecostal “Deus é Amor” é muito

complexo: em primeiro, depende do dirigente da região que vai comprovar ao dirigente

estadual a necessidade de manter aquele obreiro assalariado. Em segundo lugar, a Sede

Mundial vai controlar essa necessidade pelo volume de valores arrecadados em cada Igreja,

cada sede regional ou estadual para decidir o número de pessoas assalariadas.

Acreditamos que essa dificuldade em se criar um clero assalariado se deve às origens

carismáticas da Igreja. Aliás, a esse respeito, recordamos de Weber (1982: 284) ao afirmar

que

Em contraste com qualquer tipo de organização burocrática, a estrutura carismática desconhece uma forma ou um processo ordenado de nomeação ou demissão. Ignora qualquer “carreira”, “progresso”, “salário” regulares, ou treinamento especializado e regulamentar do portador do carisma ou de seus auxiliares. Não conhece qualquer agência de controle ou recurso, bailios locais ou jurisdição funcionais exclusivas; nem abarca as instituições permanentes como nossos “departamentos” burocráticos independentes das pessoas e do carisma exclusivamente pessoal.

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Como foi possível observar, há um conflito de interesses entre boas normas

administrativas e as práticas de uma organização submetida a uma estrutura carismática. Uma

é a exigência estatutária legal, sem a qual a organização não pode funcionar na sociedade.

Outra, é a prática do líder que administra seu “negócio” segundo sua intuição e seu modo de

agir; como diz o ditado popular: “há uma diferença entre a gramática e a prática”. É o que

veremos no caso do “Regulamento Interno” da IPDA.

1.3.2 - Os regulamentos da IPDA

Sabemos que, quando um governo baixa uma lei, esta só entra em vigor quando da

publicação e sua regulamentação. Isto nos faz lembrar dos tempos remotos do judaísmo

quando conseguiram transformar o Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) em 613

preceitos. Rabbin A. Cohen (1983: 17) na Introdução de sua obra Le Talmud (O Talmude),

explica que em 587 a.C. os textos bíblicos que tratavam daquela época não forneciam

ensinamentos detalhados. Com isso, ele procura justificar as centenas de preceitos oriundos da

tradição aplicados na leitura do Antigo Testamento. O Talmude tornou-se então uma espécie

de “regulamentação da lei judaica”. De semelhante modo, o “Regulamento Interno”,

conhecido como RI, é a regulamentação de parte das exigências estatutárias da Igreja “Deus é

Amor” e da totalidade de suas exigências doutrinárias.

O “Regulamento Interno” da IPDA funciona como espécie de regulamentação das

regras que vão da letra “A” até a letra “T”, envolvendo 100 páginas. Resumindo, chegamos à

contagem de 20 capítulos, os quais englobam 285 diferentes recomendações, baseadas em

incontáveis citações bíblicas, algumas bem adequadas, outras, porém, fora do contexto, além

de mais sete instruções no verso da capa do “Regulamento Interno”.41 Porém, a “Credencial

de Membro”, com validade até 2001 registrada no 3o. Ofício sob no. 9565, Livro A no. 5

(Diário Oficial 26/6/62), não inclui todas as recomendações ou regulamentos do RI. Quando

se aproximava o 40o. aniversário da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, essa Igreja mandou

imprimir na SBB 100 mil exemplares comemorativos da Bíblia42 A impressão é de 1999 e traz

um encarte com 31 páginas, reproduzindo o “Regulamento Interno” da IPDA, que é a

reprodução fiel do regulamento que aparece na “Credencial de Membro”. Traz, ainda, um

encarte do “Livreto de Corinhos”, com 64 páginas que estão conforme a última versão do

41 Por outro lado, a “Credencial de Membro”, com validade até 2001, registrada no 3o. Ofício sob o no. 5 (Diário Oficial 26/6/62) não inclui todas as recomendações ou regulamentos do RI. 42 BIBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. (ARC). Série DO 53/57 – 100.000. São Paulo: SBB, 1999.

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“Livreto de Corinhos” em nosso poder. Essa credencial está redigida em suas 40 páginas e

traz os seguintes sistemas de controle:

p.1-3: compromisso de jejuar e controle dos jejuns por mês;

p. 4-5: controle das horas em que permaneceu orando ou ouvindo o rádio no programa da

“A Voz da Libertação”;

p. 6-7: freqüência nos cultos de doutrina na Sede Mundial ou administrativa ou nas cinco

semanas da Sede Estadual;

p. 8-9: freqüência na Santa Ceia na sede e na Igreja43;

p. 10-11: freqüência nas confraternizações na Sede Mundial, na Sede Administrativa, na Sede

Estadual e na Sede Regional;

p. 12-17: Credencial da Prosperidade – Cartão do Dízimo o qual contém 66 campos para

lançamentos dos dízimos: cada campo indica a data, o valor e o visto de quem recebeu o

valor. Atualmente, para concentrar os recebimentos na Sede Mundial, o dízimo dos obreiros é

depositado no Banco e o comprovante enviado à Sede Mundial com o relatório mensal das

entradas de cada Igreja.

p.18-38, apresentam 14 capítulos, que vão da letra B a P, englobando 107 recomendações

diferentes sobre os seguintes temas: batismo, casamento, desviados, louvores, ministério

oração/jejum, pecados e santificação.

Uma Igreja que surge a partir do esforço pessoal de um líder carismático tem a

tendência de permanecer sob seu forte domínio, especialmente quando esse líder sente

dificuldades para delegar funções, seja por uma questão de desconhecimento de técnicas de

delegação de poder ou simplesmente por uma opção pessoal de sistema de governo. Por essa

razão, a IPDA continua sendo, por mais de 46 anos, uma organização pessoal, vertical e

familiar, centrada nas decisões pessoais de seu fundador o Missionário David Miranda. Mas

teria a IPDA, fundada por DM, deixado de ser “seita” para se tornar “igreja”? Abordaremos

essa questão no capítulo seguinte, sob o referencial teórico de Ernst Troeltsch, Max Weber,

Lalive D’Epinay, Henri Desroche e Antonio Gouvêa Mendonça.

43 Segue a reprodução dos dizeres de uma Autorização para a Santa Ceia num papel simples, de 11 por 8 cm. em nosso poder “Igreja Pentecostal ‘Deus é Amor’ – Sede Mundial. Autorização para Ceia. Autorizado a participar da Santa Ceia dia: (carimbo: 15 ago 1993), assinatura: Sérgio Sóra. Motivo de não ter a Carteirinha: 19 set 1993,” Neste caso, a pessoa havia esquecido a carteirinha em casa ou a havia perdido. O dirigente da Congregação ou da Igreja que conhece o membro é quem providencia ante a autoridade maior, a competente autorização. Durante a entrega dos elementos da Ceia, o membro exibe esses documentos ao diácono ou o presbítero. Aliás, esses comprovantes são exibidos já na entrada do culto de Ceia que é restrito aos membros.

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1.3.3 – Estrutura de igreja ou de seita?

É difícil classificar uma denominação religiosa como sendo uma seita. Especialmente

a IPDA, que provavelmente se encontra num gradiente entre os dois termos: Igreja e seita.

Quando DM afirma que a sua igreja retoma a tradição da Igreja primitiva e Júlio de Santa Ana

(1992: 15) fala,porém, de tradição em sua definição de igreja, ficando essa questão numa

posição mais confusa ainda.

A igreja, portanto, manifesta-se por meio do respeito à tradição. A ‘seita’ (pelo menos segundo a opinião dos responsáveis pelas ‘igrejas’) rompe com a tradição.” “Por sua vez, os novos movimentos religiosos criticam as ‘instituições eclesiásticas tradicionais’ apelando igualmente para desqualificá-las.” “Apela-se, em outras palavras, à doutrina. Tanto num como no outro caso, os dogmas são decisivos para o exercício da desqualificação mútua [...] A diferença é que as novas expressões da fé consideram que as mais antigas perderam o conteúdo das crenças.

Lalive D’Epinay (1970: 14, 60, 162- 163) sustenta que

[...] o que garante este êxito do pentecostalismo é o fato de ter sabido reinterpretar e restaurar os esquemas culturais e sociais da tradição latino-americana, num período de desestruturação radical [...] se tivermos que qualificar a sociedade pentecostal, deveríamos falar de associação voluntária fortemente hierarquizada mas sem classes, na qual o poder se exerce de cima para baixo. [...] a tese que pretendemos sustentar, cujo tema já é clássico na sociologia das seitas, será a seguinte: O pentecostalismo apresenta-se como resposta religiosa comunitária ao abandono de grandes camadas da população, abandono provocado pelo caráter anômico de uma sociedade em transição.

Pelas muitas exigências e punições as mais diversas para cada tipo de transgressão,

fica uma dúvida sobre a classificação da IPDA como uma religião (igreja) pentecostal ou uma

seita pentecostal. Antonio Gouvêa Mendonça (1984: 288-289) trabalha essa questão com

grande propriedade ao escrever que a

a atitude do movimento pentecostal no que se refere à Bíblia é tão difícil de analisar quanto o é o próprio pentecostalismo. O dinamismo do movimento pentecostal é tão grande que a extensão do gradiente seita/igreja se torna de difícil compreensão. Na base inferior do gradiente encontram-se seitas tão diferenciadas quanto às suas origens institucionais eclesiais que só residualmente poderemos considerá-las cristãs. Tais são as seitas de cura divina, grandes e pequenas, em que o sincretismo com formas diversificadas de religião é muito sensível. Mas como a Bíblia está presente, não só fisicamente mas também na linguagem ritual, temos de introduzir esses grupos em nossa análise.

Mendonça (1992: 52) volta a analisar a questão em seu artigo “Sindicato de Mágicos”, onde

apresenta as seguintes características dos movimentos de cura divina:

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1. Características empresariais de prestação de serviços ou de oferta de bens, de religião mediante recompensa pecuniária, com modernos sistemas de administração e “marketing”. Algumas já são multinacionais;

2. Distanciamento da Bíblia, usada esporadicamente sem nenhum rigor hermenêutico ou exegético, não estando afastado o uso mágico;

3. Inexistência de comunidade. Seus freqüentadores são clientes e a relação entre a “empresa” e o “cliente” é na base do do ut des;

4. Como não há comunidade de adoração e louvor, o “culto” tem características de ajuntamento de interessados na obtenção imediata dos favores do sagrado.

Intenso ambiente de magia. Os mágicos de plantão estão a serviço da “empresa mágica” que traça normas gerais de prática, mas outorga certa margem de liberdade às características de cada uma.

A respeito dessa questão podemos registrar ainda as palavras de Leonildo Campos (1997:

114) que ao resenhar o livro de Lewis Coser escreveu que:

A “seita”, do ponto de vista sociológico, é uma instituição composta de pessoas que procuram se separar do corpo social, formando um grupo limitado, exclusivo, que recusa as normas da sociedade e exige a adesão a um conjunto especial de valores e regras de condutas. Diferente de outras organizações, como igrejas e partidos políticos, as seitas exigem lealdade absoluta e recrutam uma minoria de agentes qualificados. Essas características podem ser encontradas tanto em grupos religiosos como em políticos e intelectuais. A seita sustenta uma moral de extremos e recusa a tolerância, a vacilação e até mesmo a dúvida para os seus membros.

Campos (1996: 21) aborda o conceito de “seita” e “igreja”, afirmando que esses

conceitos, “a despeito de terem sido inicialmente empregados conforme procedimentos

acadêmicos, logo se tornaram conceitos-armas, ou melhor, instrumentos de luta, usados para

desmascarar os fenômenos religiosos não assimiláveis dentro das fronteiras estabelecidas pela

ortodoxia das instituições religiosas.” Para esse autor é bom “reconhecer que a linguagem

atual se encontra eivada de usos ideológicos e políticos do gradiente ‘seita-igreja’, quase

sempre empregados para expressar preconceitos e posicionamentos políticos incompatíveis

com a análise científica” (Ibidem). Estamos diante de um conceito descartável? Há outros que

o mantém muito mais por falta de opções conceituais do seu uso.

O emprego desses termos vem desde as obras de Ernst Troeltsch (1960:723) e Max

Weber (2006: 36, 138; 1982: 347ss). Para Troeltsch, além dos tipos de “seita” e “igreja” há

também o tipo “misticismo” e, eles têm as seguintes características:

As duas formas sociológicas dos tipos de seitas, a ordem religiosa e a associação voluntária, estão aqui combinadas; ao mesmo tempo são elásticas para recepção e aumento de membros, sem, contudo, permitir que desapareça a oposição ao pietismo popular característico de igreja. Batismo infantil é, na realidade, substituído pela experiência do Novo Nascimento, que está ligado à conversão e seu reconhecimento para admissão na Sociedade. Nada foi alterado no dogma da Igreja, seu caráter sobrenatural foi somente intensificado, e seu significado geral foi acrescentado na conversão e na sua pressuposição, e em santificação com seus resultados celestiais. A continuidade da Igreja foi levada em conta, apesar de que seu espírito foi deixado de lado. Isso necessariamente levou a uma separação externa, e na própria Inglaterra em geral.

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Quando essa separação e independência foi conseguida, o Metodismo passou pela mesma experiência que atingiu batistas, moravianos e quakers.44

Para Troeltsch, o Metodismo em suas diferentes divisões abrangia cerca de 30 milhões

de fiéis. No entanto, o Metodismo estava cada vez mais abandonando o caráter de oposição ao

mundo e à cultura, deixando de ser seita para se tornar igreja. H. Richard Niebuhr (1992: 19)

propõe outra forma de classificação ao escrever sobre as origens sociais das denominações

cristãs: Nas origens da diferenciação teológica observamos a presença de importante elemento. Max Weber e Ernst Troeltsch demonstraram quão importantes são as diferenças na estrutura sociológica dos grupos religiosos para a determinação de suas doutrinas. A distinção entre Igreja e seita é a principal. A primeira constitui um grupo social natural semelhante à família ou nação; a outra é uma associação voluntária. A diferença é clara. Os membros da Igreja nascem nela; os membros da seita devem aderir a ela. As igrejas são instituições inclusivas, freqüentemente de âmbito nacional e acentuam o universalismo do Evangelho; as seitas são de caráter exclusivo, apelam para elementos individualistas do cristianismo e ressaltam as exigências éticas. Numa Igreja, a condição de membro é socialmente obrigatória em conseqüência natural do nascimento numa família ou nação, e não privilegia condições e exigências especiais; a seita, por outro lado, provavelmente exija algum tipo de experiência religiosa como pré-requisito para filiação.

Segundo Troeltsch, (1960: 714) a raiz do pensamento de uma seita está no pietismo

porque “falando de forma geral, pietismo simplesmente representa o ideal sectário dentro das

igrejas, restrito e controlado pelo pensamento fundamental da igreja. Isso aparece

continuamente através da História da Igreja”. Nesse contexto, precisamos rever o que

Troeltsch entende e quer afirmar com a expressão “pensamento fundamental da igreja”. Como

sabemos, as igrejas têm suas doutrinas e seus dogmas como seus fundamentos; mas ser

fundamentalista parece termo pejorativo por remeter a um extremado rigor na observância dos

preceitos doutrinários. Não se trata aqui, da expressão fundamentals cunhada pelos norte-

americanos quando da eclosão dos fundamentalistas que originaram, a partir dos batistas.

Procurando aplicar esses conceitos de Troeltsch à forma de ser da IPDA, notamos que

há muitas semelhanças entre o denominacionalismo da IPDA com a Igreja Católica Romana,

bem como com o pietismo, que em suas variadas formas permeia toda a religião cristã. Apesar

disso, Niebuhr (1992: 21) sustenta que

os males do denominacionalismo não estão, no entanto, nas diferenças entre igrejas e seitas. Ao contrário, o surgimento de novas seitas empenhadas em advogar a ética sem concessões de Jesus e em ‘pregar o Evangelho aos pobres’ tem servido para levar o cristianismo a se lembrar de sua missão. Esta fase da história denominacional deve ser considerada salutar a despeito da quebra de unidade que representa.

44 Tradução que fizemos livremente do inglês.

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Uma das características da IPDA que parece identificá-la como seita é a que impede

seus fiéis de pegarem em armas, em quaisquer que sejam suas atividades: segurança

particular, polícia militar ou soldado do exército. Para tanto, só batizam o homem quando está

quite com o serviço militar para que não haja conflito de autoridade; ou seja, a IPDA não

aceita o membro armado, e o Exército Brasileiro não aceita o cidadão insubmisso. Esse

comportamento parece confirmar o que Troeltsch (1960:331) escreve sobre seitas: “O

ascetismo das seitas é uma forma de se separar do mundo, recusando leis, juramento na

justiça, participar de guerra”.

Henri Desroche (1985:13) comenta sobre a teologia dos protestantes dissidentes que

originaram várias seitas quando escreve que “a esperança de Lutero e a teologia que a

acompanha não é a de Thomas Münzer...” Conforme Troeltsch, as idéias de Münzer estavam

ligadas ao fanatismo de Zwickau. Mais adiante escreve Troeltsch (1960: 754): “Münzer

representa um reavivamento das idéias místicas combinadas com as idéias revolucionárias

fanáticas Hussita e Taborita [...] Os assim chamados “Fanáticos de Zwickau estão também

ligados com Münzer através de sua residência em Zwickau”. Não é sem razão que Weber vai

escrever: “...a prova de milagres era exigida de todos os profetas como os habitantes de

Zwickau ainda a exigiram de Lutero (Weber, 1978: 25).

Troeltsch (1960: 694; 719; 725; 691-805), classifica uma infinidade de movimentos

sectários dentro do protestantismo em seu capítulo 4 intitulado “O tipo de seita e misticismo

dentro do protestantismo”. Como exemplo, o autor relaciona: batistas e reformadores;

morávios; Exército da Salvação e Adventistas; seguindo-se muitas outras referências a seitas.

Em sua crítica ao sectarismo e, na mesma linha de pensamento e de abordagem dos demais

estudiosos do assunto, (Troeltsch: 1012) expõe as características do tipo seita.

Por outro lado, pela sua fria austeridade, sua visão restrita e concreta, seu zelo proselitista e suas características puritanas sem arte (sem sentido nosso grifo) ela é oposta a todos os instintos da moderna civilização; do ponto de vista puramente religioso, também sua tendência ao legalismo e farisaísmo, para uma febril atividade de visão mecânica, ela está muito longe de uma completa conformidade com as mais profundas idéias cristãs.” 45

A questão da troca com a divindade, na expectativa de se obter sucesso explica por

que a IPDA acaba usando algumas fórmulas mágicas de prosperidade, quando escreve nos

envelopes de dízimo: “O dízimo do Senhor Deus -PROSPERIDADE”. Santa Ana (1992:20),

no sentido de desdramatizar o debate faz a seguinte pergunta: “pode-se entender ainda o

45 Tradução do inglês feita livremente por nós.

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termo ‘seita’ em sentido neutro? Ainda que nos esforcemos para alcançar esse fim, acredito

que é preciso reconhecer nele forte carga ideológica negativa”.

Acabamos de examinar as características de Seita e Igreja no conceito de estudiosos

do assunto. Apesar de todo nosso esforço, não temos condições de concluir com razoável

certeza como classificar a IPDA. Preferimos, na expressão de Mendonça, deixar essa

denominação entre os dois pólos ou seja, no gradiente “seita/igreja”. Por outros termos,

arriscamos a afirmação: A Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, é uma igreja com características

sectárias. A seguir, examinaremos seu sistema de governo, o qual também reflete essas

características estudadas.

1.3.4 – O sistema de governo da IPDA

Todo grupo religioso ao se iniciar como movimento tende, conforme Weber (1982:

338-339; 2006: 138, 243), a se tornar uma instituição regulamentada por estatutos. O mesmo

ocorreu com a IPDA que tem seus Estatutos e suas Atas registrados regularmente conforme as

leis vigentes. Seu sistema de governo, até antes da atual Lei, era de tipo “vertical-autoritário”,

“episcopal”, apesar de que a eleição da diretoria se dava com a indicação de uma chapa

“oficial” constando a nova diretoria por indicação do Diretor Presidente, Missionário David

Martins de Miranda. Vez por outra, trocava-se um diretor por outro. A aprovação era por

aclamação e, claro, quem concordava, ficava sentado e os que discordassem se punham de pé.

Durante os 11 anos em que nós participamos dessas assembléias, jamais vimos um voto

discordante. Há uma reunião mensal de obreiros e obreiras com a presença da diretoria da

IPDA. A mesa da diretoria era composta pelo Presidente David Martins de Miranda,

acompanhado pelo Vice-Presidente, Diretor Secretário, Diretor Tesoureiro e o Diretor

Jurídico.46

46 Ata do dia 26 de julho de 1999 foi assinada pelas seguintes pessoas nos respectivos cargos: (grafia conforme a ata): Miss. Davi Miranda – Pres.; Pr. Antônio Ribeiro – Vice-Pres.; Pb. José Marques – Tes.; Pb. Marivaldo Viana – Sec.; Pb Gerson – 2. Tesour.; Pb. Darci Alves; Pb. José Machado – 2 Secret.; Pb. Rosalvo Santana – Fiscal; Pb. José Ferreira – Fiscal No mês seguinte, na ata de 13 de agosto de 1999, assinam os seguintes diretores: Miss. Davi Miranda – Pres; Pr. Antônio Ribeiro – Vice-Pres.; Pb. José Marques – Tes.; Pb. Marivaldo Viana – Sec.; Pb. Gerson – 2 Tesour.; Pb. Darci Messias 2 Secret.; Pb. David O. Miranda – Fiscal; Pb. Rosaldo Santana – Fiscal; Pb. José Ferreira – Fiscal. Notas:

a) Nessa ocasião o filho de DM, David O. Miranda assina junto com o corpo de diretores, na função de fiscal;

b) Exercemos a função de fiscal nos últimos anos nossas atividades na IPDA (final da década de 90). c) Cópias das Atas da IPDA estão anexas em 13 páginas no final desta Dissertação de Mestrado, no

Dossiê “IPDA” 2.

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Nesse tipo de reunião comparecem, os presbíteros e diáconos, os obreiros e obreiras e

os chamados “Daniéis” e “Anas” (nomes dados a pessoas que oram constantemente). Não há

diaconisas nem presbíteras e muito menos pastoras. A IPDA reconhece, porém, a função de

“evangelistas” tanto para homens como para mulheres. Normalmente as pessoas escolhidas

para essas funções são aquelas carismáticas, cuja conversão foi muito impactante. Entre essas

aparece o “Irmão Valdir, o homem sem língua”, que “consegue falar”. Segundo seu

testemunho, usava drogas e num desses espasmos teve sua língua dobrada e estava sufocado

quando alguém que o socorreu, arrancou sua língua e assim ele não morreu e depois “aceitou

Jesus”, isto é, converteu-se e tornou um evangelista. Também citam com grande freqüência a

“irmã Lorena”, que viaja o mundo todo evangelizando. Essa irmã tem grande carisma e ora

por “divina revelação” em todos os cultos no Brasil e no exterior. Sua principal característica

é que está constantemente naquele estado de tremor dos quakers, isto é, quando ora treme;

fala tremendo, comunica as divinas revelações de doenças e curas, porém, sempre tremendo.

Durante essa reunião mensal da diretoria com os oficiais da igreja são discutidos os

problemas de cada Igreja ou Congregação. Geralmente, são reuniões demoradas, nunca menos

de seis horas de duração. Nelas são comunicadas as decisões da diretoria, apresentadas

eventuais acusações ou é dada a oportunidade à pessoa acusada de se defender diante de toda

a assembléia, normalmente com cerca de 2.500 pessoas. Também são informadas as

suspensões e punições, as ações da justiça contra a IPDA quando o departamento jurídico faz

seu relatório. São informadas as transferências de dirigentes de uma região para outra ou de

uma congregação para outra. São revisados os valores que cada Igreja deve remeter

mensalmente à Sede Mundial, são informados os países e seus responsáveis pela sua

evangelização e outras providências.47

47 A IPDA reconhecia, na década de 80/90 apenas três pastores, cujo número foi aumentando sempre que presbíteros eram enviados ao exterior e depois de um certo tempo voltavam com o título de pastor, que só era mantido no exterior. No Brasil, eram presbíteros ou diáconos ou obreiros; mas, no exterior eram pastores. A nossa função, naquela época era de diácono, porém, nas duas viagens a Londres, a serviço da IPDA, viajamos com uma carteirinha de “pastor” que era devolvida à secretaria da Igreja tão logo do regresso. A partir de 2003 ou 2004, as funções do diácono passaram a ser iguais às do presbítero, notadamente nas periferias ou locais distantes por falta de presbíteros. Alguns membros recentemente entrevistados não souberam definir a diferença atual entre diáconos e presbíteros. Ocorre que na unção de ambos, presbíteros ou diáconos, há imposição de mãos de outros presbíteros já ordenados nessa função, de forma que todos passam a ter autoridade para ministrar atos formais da Igreja.

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Conclusão

Na busca das origens da Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA) e de David Martins

de Miranda (DM) foi possível apresentar um mapa das raízes do pentecostalismo até sua

chegada ao Brasil, e os desdobramentos posteriores, particularmente os ocorridos nos anos 50

e 60. No estudo das origens de David Miranda foram utilizadas informações extraídas de sua

autobiografia e das pesquisas realizadas nas duas cidades do estado do Paraná, onde DM

viveu até os 21 anos de idade. Foi levantada a certidão comprovando a posse e venda do sítio

da família Miranda no município de Reserva. Também comprovou-se que DM trabalhou na

fábrica de papel da Klabin entre 1953 e 1957, por meio de levantamento de sua ficha de

empregado naquela indústria. Sua atividade num escritório na capital paulista baseia-se

apenas em sua autobiografia e em suas entrevistas registradas nos órgãos de divulgação da

Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (revista Ide e jornal O Testemunho).

A conversão de David Miranda é parte de um processo de adaptação e de reconstrução

de identidade explicado à luz dos conceitos de anomia e de ressignificação com base nos

referenciais teóricos de Pierre Bourdieu, Peter Berger, Lalive D’Epinay, Júlio de Santa Ana,

de Danièle Hervieu-Léger e André Droogers. Conseguimos resgatar informações que

complementaram o que já é conhecido sobre as origens da família Miranda e da Igreja

Pentecostal “Deus é Amor”. Isso foi feito graças às certidões obtidas junto a órgãos oficiais e

através de informações colhidas de pessoas diretamente envolvidas no processo de conversão

dessa família católica ao pentecostalismo.

As características doutrinárias da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” podem indicar sua

origem no pentecostalismo, porém apropriando-se de doutrinas católicas, judaicas e

protestantes. Mas, com seu “Regulamento Interno” a IPDA, de certa forma, isola-se da

sociedade em que está inserida. Por isso, essa denominação acaba se colocando num gradiente

seita-igreja difícil de se definir para qual pólo se inclina; em alguns detalhes, a IPDA tem

características de seita por ser refratária à política, quando abomina os lazeres da sociedade e

inculca regulamentos internos que isolam seus fiéis do ecumenismo e da comunidade cristã.

Estudiosos do tema seita-igreja como Antonio Gouvêa Mendonça, Christian Lalive D’Epinay,

Ernst Troeltsch e Júlio de Santa Ana Henri Desroche e H. Richard Niebuhr, forneceram

subsídios para embasar a conclusão sobre o gradiente seita-igreja em que se coloca a Igreja

Pentecostal “Deus é Amor”.

Dois quadros demonstram os diferentes endereços da IPDA com base na autobiografia

de DM e nas entrevistas que ele tem dado. Porém, está razoavelmente demonstrado por quase

duas dezenas de anexos que o processo de expansão da IPDA está intrinsecamente

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relacionado com o crescimento patrimonial de DM, daí a afirmação inicial de que a história

da IPDA se confunde com a biografia e trajetória de vida de seu fundador. David Miranda

conseguiu estabelecer um sistema de institucionalização da sua Igreja, com diretoria

constituída, atas de assembléias e circulares. Assim, a estruturação da IPDA parece garantir a

perpetuação de DM no poder como diretor presidente. Não há sinais perceptíveis de que DM

esteja disposto a delegar poder. Talvez venha enfrentando dificuldades para identificar o

provável sucessor, uma vez que carisma, no conceito weberiano, não se transmite e a Igreja

Pentecostal “Deus é Amor” nasceu e cresceu sob a liderança carismática de David Martins de

Miranda. A seguir, estudaremos como DM faz uso de sua liderança para introduzir em sua

denominação os padrões que permitem diferenciar a IPDA de outras igrejas pentecostais.

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CAPÍTULO 2

Identidade, padrões de crenças, ritos

e processos de comunicação

na Igreja Pentecostal

“Deus é Amor” - IPDA

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Capítulo 2 – Identidade, padrões de crenças, ritos, e processos de

comunicação na Igreja Pentecostal “Deus é Amor” - IPDA

Introdução Analisamos no capítulo anterior as origens e a expansão da IPDA, ocasião em que

identificamos suas raízes e as origens de David Martins de Miranda – DM, o fundador dessa

denominação. Vimos que essa Igreja nasceu dos movimentos de curas divinas e mais

diretamente das pregações de missionários americanos em suas tendas. Observamos que as

origens de DM estão impregnadas das doutrinas de um catolicismo rural que ele absorveu em

sua infância e adolescência no sítio da família, no interior do estado do Paraná. Por fim,

notamos que ele soube se apropriar do clima que envolvia a população urbana, especialmente

as levas de trabalhadores rurais que, nas décadas de 50 e 60, começavam a chegar à capital

paulista, resultado do êxodo rural em busca de melhorias de vida. Apontamos sua estratégia

para se valer de seu carisma e dos exemplos de outros grupos pentecostais que se

desenvolveram no mesmo período. A seguir, estudaremos a identidade, os padrões de crenças,

ritos e processos de comunicação da IPDA que dão continuidade a essa base sobre a qual se

estabeleceu a Igreja Pentecostal “Deus é Amor”.

2.1 – Os padrões de crenças e doutrinas

Os movimentos religiosos, tal como nos aponta Thomas O’Dea (1969: 55), após um

certo tempo entra em um processo de institucionalização. Nesse estágio começam a aparecer

os rituais litúrgicos, os padrões de crenças e doutrinas, bem como regras de comportamento.

Fink e Stark48 escrevem que “numa economia religiosa, onde funcionam vários tipos de fé,

ocorre um alto grau de especialização”. Com isso, os autores querem dizer que a exigência da

especialização força o aparecimento de uma grande diversidade de denominações, cada qual

enfatizando características de seu próprio interesse ou dom. Por exemplo, Casa da Bênção:

local para ser abençoado; Igreja Apostólica Renascer em Cristo: local onde há apóstolos e a

pessoa renasce em Cristo, e assim por diante.

Assim, cada denominação, procurando impor a sua identidade passa, então, a

uniformizar os ensinamentos que serão definidos por regras e normas. Por exemplo: em que

crê a IPDA? Quais são as doutrinas específicas do pentecostalismo clássico com as quais ela

48 Os autores Fink e Stark (1988: 42) tratam sobre “Economias religiosas e dossel sagrado: mobilização religiosa em cidades americanas”, numa tradução livre que fazemos do texto em inglês.

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compartilha? A IPDA crê que suas características são similares à da Igreja primitiva, porque

prega o Batismo com o Espírito Santo o dom de línguas e as curas divinas, enfatizando os

dons do Espírito Santo. Sua liturgia, porém, dá ênfase no exorcismo e nas “revelações” do

Espírito Santo para indicar e eventualmente curar pessoas enfermas ou possessas entre as que

se acham presentes no culto. Allan Anderson (2004: 13,14) dá seu ponto de vista: “Eu penso

que o termo ‘Pentecostal’ é apropriado para descrever globalmente todos os movimentos e

igrejas que enfatizam as obras dos dons do Espírito [...] porque o pentecostalismo tem sua

ênfase na experiência e espiritualidade mais do que na teologia formal ou doutrina...” Por seu

lado, Donald Dayton sustenta que o pentecostalismo está alicerçado em dois princípios: “1.

Valor pessoal e individual acima do estrutural ou denominacional; 2. Valor da experiência

espiritual acima da articulação teológica. Por aí percebe-se que ambos têm o mesmo ponto de

vista. Mais adiante, Dayton (1991: 12, 13, 24) afirma que:

Os pentecostais falam da recuperação da fé apostólica. Há relação de Wesley com o pentecostalismo na opinião dos que consideram Wesley como o “teólogo do Espírito.” Wesley era Cristocêntrico o que o diferenciava dos desenvolvimentos posteriores que culminaram nos pentecostais. Os “quakers” são contemporâneos de Wesley.

David Miranda enfatiza que a IPDA resgata valores dos tempos apostólicos. Até aqui

Dayton já havia chegado bem antes de DM como vimos acima. As novidades ficam por conta

de DM quando introduz regras e exigências que restringem ou alteram usos e costumes da

própria sociedade em que sua Igreja está inserida. Com referência às regras para se obter a

santidade, o “Regulamento Interno” chega a especificar o número mínimo de jejuns que um

membro deve praticar, ou um mínimo de horas que a pessoa deve cumprir orando no

“Ministério orai sem cessar”, ou o número de dias em que deve cumprir uma campanha na

Igreja, sem faltar um dia sequer. Max Weber, (1982:368) referindo-se às exigências sectárias

do puritanismo, escreveu:

Para o puritanismo, tal conduta era um certo modo de vida, metódico, racional que – dentro de determinadas condições – preparou o caminho para o “espírito” do capitalismo moderno. As recompensas eram atribuídas a quem se “provava” perante Deus, no sentido de alcançar a salvação – que se encontra em todas as seitas puritanas – e “provar-se” frente aos homens no sentido de manter a posição social dentro das seitas puritanas.

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Na IPDA, a pessoa deve se esforçar para alcançar a salvação.49 Nesse sentido, DM

conserva suas crenças para “alcançar uma graça” trazida do catolicismo.

2.1.1 – O Batismo com o Espírito Santo e a glossolalia

Na história das religiões não é desconhecido o hábito de se usar sons de gonzos e sinos

para criar estados alterados de consciência. Parece-nos que tais técnicas são semelhantes às

praticadas pela IPDA. Pois, quando esta começa a sua liturgia com um hino apropriado e uma

oração exaltada do celebrante, a pessoa é orientada a dizer “glória, glória, glória, glória,

glória”, mantendo, assim, a sua mente livre de qualquer outro pensamento, repetindo “glória,

glória, glória” até que sua língua pareça engrossar e, então, a pessoa comece a falar em

línguas, pronunciando sons inarticulados, principalmente labiais. O que não se entende é que

essa língua “estranha” repita palavras que, via de regra, são ditas pelo orador principal ou pelo

Missionário David Miranda, por exemplo: Surianda, orikanda, alabaia, alabakata,

alabachéia. Essas expressões mudam conforme a congregação e de acordo com o costume

daquele orador habitual que diariamente celebra cultos naquele local. Assim, percebe-se uma

“imitação” da língua que não é mais “estranha”, porém, conhecida, embora sem tradução

inteligível.50 Aqui, invoca-se o mantra Umm...Umm... (Leila Amaral, 2000: 115), que, de certa

forma, leva a coletividade ao êxtase ou ao estado Zen: “...se você estiver inteiro, como um

arqueiro Zen, imbatível em sua plena atenção...você se transforma em Deus...” (Ibidem, p.

50). Nesse ponto, diverge frontalmente da doutrina da IPDA, a qual deixa, ao Espírito Santo,

a tarefa de revelar ao celebrante, aquilo que Deus quer revelar à Igreja.

Saulo de Tarso Cerqueira Baptista, (2007: 85), escrevendo sobre a glossolalia, registra

que ela “é encontrável tanto no pentecostalismo como nos movimentos carismáticos das

igrejas protestantes históricas e na Renovação Carismática Católica. Nesses contextos, os

cânticos são usados para criar o clima emocional intenso que leva os participantes das

reuniões ao êxtase.” Certas pessoas, nesse transe, manifestam-se aos pulos e gritos e tremores

49 O ministério “Buscai ao Senhor” baseado em Is 55.6: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar” considera desviado o membro que se dedica menos de 30 horas mensais a buscar ao Senhor em: “Horários de cultos, vigílias, orações, louvor, visitas, ler a Bíblia, programa, trabalho na obra sem ganhar (reforma da Igreja, construção, cantina, escritório, livraria, procurar programa, salão e qualquer trabalho nba obra de Deus sem ganhar. – sic.” Ainda segundo esse cartão de controle, o membro que se dedica 31 a 45 horas mensais nessas atividades é considerado espiritualmente fraco; 46 a 75 horas: regular; 76 a 120 horas: bom; 121 a 150 horas: excelente. (Dossiê “IPDA”, item 28). 50 No “Regulamento Interno” da IPDA, item F21 consta: “Haverá um culto por semana em todas IPDA’s para buscar o batismo e os dons do Espírito Santo...” Nesses cultos, formam-se filas e membros que têm o dom de línguas se postam na frente do púlpito e vão impondo as mãos nas pessoas que se aproximam. Quando impõem as mãos, vão dizendo: “Batiza, Senhor; batiza, Senhor...” Por seu lado, o membro vai repetindo “glória, glória, glória...” Quando o dom se manifesta, a pessoa é separada num grupo que continua ali orando em línguas por alguns minutos. Quem não recebeu o Espírito Santo retorna aos bancos. Essa parte do culto toma cerca de 15 a 30 minutos.

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tão acentuados como aqueles que deram origem aos “quacres”, forma aportuguesada de

quakers, termo inglês que significa “os que tremem” ou “tremedores”, usados também pelos

pentecostais que falam em língua estranhas. Participamos de inúmeros cultos quando essas

manifestações ocorrem e certa ocasião, dirigindo um desses cultos, fomos constrangidos a

repreender um jovem que corria em círculos diante do púlpito, com os braços abertos como

avião ou pássaro. Quando os obreiros o seguraram, foi esclarecido a ele o que Paulo escreveu:

“que tudo fosse feito com ordem e decência.”

2.1.2 – A cura divina e a salvação

A cura divina foi característica marcante do movimento de tendas que chegou na

capital paulista no início da década de 50. Com a eclosão desse movimento em São Paulo,

muitas pessoas se converteram, inclusive a família de David Miranda. Ele, porém, converteu-

se um pouco depois, numa das diversas religiões que pregavam a cura divina, tanto que se

celebrizou, em seus próprios dizeres como “o maior pregador de curas divinas da época”. DM

tem afirmado que a maior parte das enfermidades é de origem maligna. Quando o demônio é

expulso, com ele sai a doença. Apenas 5% das doenças têm origem fisiológica. Nesse ponto,

sua teologia se aproxima dos judeus do tempo de Jesus e da visão mais holística de

religiosidades indígenas e orientais, isto é, corpo e espírito estão unidos. A salvação de um

implica na cura do outro. Segundo o evangelho de João, perguntaram a Jesus: “Rabi, quem

pecou, ele ou seus pais para que nascesse cego?” (Jo 9). Para David Miranda, é o demônio

que faz a pessoa pecar e com o pecado vem a enfermidade. A base bíblica para esse

posicionamento de DM vem de Jo 5.14: “Eis que estás curado; não peques mais, para que não

te suceda algo ainda pior” (BJ).51 Leonildo Campos (1982: 102), em seu artigo “O Milagre no

Ar”, aborda a técnica persuasiva utilizada por DM no trato com as questões de doenças e

aflições.

A exploração da idéia de que há um inimigo comum a todos é uma antiga técnica persuasiva, empregada especialmente na propaganda política. DM também emprega o conceito de inimigo através da apresentação do Diabo, inimigo forte, persistente, onipresente e astuto. Sua maior finalidade é desviar o homem da vontade de Deus. Ele se torna para DM o responsável por todas as doenças e aflições. Daí o fato de sua mensagem libertadora ser apenas uma linguagem exorcista. O uso desse símbolo já está presente na religião desde os tempos mais antigos. Ele é o encarregado da oposição à divindade.

51 Bíblia de Jerusalém (2002: 1718): Em nota de rodapé consta: Ref. Mt 9.2 “...as enfermidades eram consideradas conseqüência do pecado cometido pelo doente ou pelos seus pais...”

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Ora, no conceito pentecostal, coisas ruins, infortúnios, doenças, praticamente tudo isso

está ligado ao pecado cujo resultado é a doença. Esse posicionamento não deixa de ser uma

influência do judaísmo no cristianismo, que se alojou profundamente na teologia pentecostal.

Então, como se dá a cura? Nas igrejas pentecostais, partindo-se de uma interpretação

discutível dos profetas do Antigo Testamento (Is 53) afirmam que Jesus, (o Messias) morreu e

levou sobre si a doença. Logo, ao aceitá-lo afastam-se a doença e o pecado. Mas, na teologia

de DM, o pecado vem com o diabo e ao expulsá-lo, expulsa-se também a doença, o infortúnio

e tudo o mais que atribula o ser humano. Por essa razão é que a IPDA reserva boa parte do seu

culto para a cura divina que se dá de várias formas:

Revelação divina: A pessoa que ora por “revelação divina” por exemplo, diz: “O Espírito de

Deus que não se engana está me revelando que alguém nesta fila de bancos está com câncer.

Levante sua mão!” Entre algumas mãos levantadas, o pastor ou quem quer que esteja orando

por revelação indica aquela mão que Deus mostrou. Então a pessoa vai até ao púlpito e fica

aguardando o final das “chamadas por revelação”. A essa se juntam outras que vão sendo

reveladas.

Exorcismo: Da mesma forma, a pessoa que está orando diz: Alguém aqui entre nós, na fila de

bancos da esquerda está sofrendo muitas lutas. É o “Exu Caveira” (pode dizer, também, que é

o “Tranca Rua”, outra divindade do mal) que está na sua vida. Vamos orar, Igreja para que

esse demônio caia por terra. Em seguida começa toda a Igreja a clamar em alta voz: “Queima

ele, Jesus”. O clamor se sucede até que alguma pessoa caia endemoninhada, é segura por

obreiros, se for homem, e por obreiras, se for mulher. Em seguida, é levada à frente para ser

exorcizada. É interessante notar a participação da Igreja. Sob a voz de comando do celebrante

a Igreja toda levanta as mãos em direção à pessoa endemoninhada, gritando: “Sai diabo”, “Sai

capeta”, e assim por diante. Quando o pastor decide entrevistar o demônio, pessoas curiosas

correm à frente (até mesmo crianças) para ver de perto as feições da pessoa endemoninhada

até que seja liberta: a pessoa solta grunhidos, retorce mãos ou pés, fica transtornada. Com a

provável libertação, vem a provável cura, a solução do problema. Quando a pessoa fica curada

ou liberta (Gerstenberger, 2007: 89)52 e quer contar a bênção, no final do culto, o seu

testemunho será gravado e, posteriormente, divulgado pela extensa rede de rádio da IPDA.

Copo de água sobre o rádio: Quando David Miranda está orando por cura divina, a pessoa

coloca um copo de água sobre o rádio e após a oração, a pessoa toma a água para se curar.

52 “Mas é possível que, no caso de terceiros serem responsáveis pela desgraça, o atingido tenha outro distanciamento em relação ao sofrimento. As más influências exteriores que lhe amarguraram a vida são, de fato, ‘obras do diabo’, da qual é preciso desvencilhar-se e que precisa ser expulsa.”

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Disco de oração de DM: O disco de oração é colocado sobre o local enfermo ou é tocado em

casa e a pessoa se cura ouvindo a oração ou coloca o copo com água ao lado do toca-disco

para beber depois de ouvir a oração do disco.

Garrafa ou frascos com água sobre o púlpito: No final do culto, as vasilhas com água são

levadas para casas para passar sobre as enfermidades das pessoas que não puderam ir ao culto,

as quais podem também tomar daquela água.

Unção com óleo: A pessoa pede que o pastor faça a unção com óleo sobre peças de roupa para

a pessoa vestir e se curar, ou faça unção com óleo sobre a carteira de trabalho para que Deus

abra a porta do emprego à pessoa desempregada.

Envelope de voto de ofertas que foi ungido no culto: Tem havido casos de testemunho de

pessoas que colocaram o envelope ungido debaixo da cabeça de defunto na mesa do

necrotério e a pessoa reviveu! (Havia uma pessoa vinda do estado do Pará que contava esse

testemunho). Há também outros exemplos de crentes da IPDA que ousaram colocar o

envelope ungido sobre o defunto no caixão para a pessoa ressuscitar, mas nada aconteceu.

Durante os anos que freqüentamos a IPDA tomamos conhecimento de todas essas

formas de cura, além daquela cura normal que acontece quando uma enorme fila se forma

após o culto e os obreiros e obreiras, inclusive o pastor ora por imposição de mãos, ocasião

em que acontece de tudo: pessoas caem endemoninhadas, pessoas se curam e para muitas

nada acontece, a não ser a certeza de sua fé que saem da Igreja protegidas contra tantas coisas

que podem acontecer em suas vidas.

Mistério da cura. Finalmente, vem uma instrução sobre o mistério da cura. Essa orientação foi

dada numa certa ocasião por DM numa reunião de obreiros: “sabemos que muitas pessoas

doentes acabam se curando; assim, se você ora por um grupo de pessoas enfermas, a maior

parte ficará curada a você começa a ficar conhecido como um “pregador de curas divinas”. As

exceções ficam por conta dos verdadeiros milagres que podem acontecer quando uma pessoa

com doença terminal acaba por se curar: na opinião de DM, a pessoa se cura pela fé de quem

está orando, pela fé da pessoa que recebe a oração ou pela misericórdia de Deus.

A doença pode ser estudada sob um outro enfoque, na visão de Erhard S.

Gerstenberger e Wolfgand Schrage53 (2007: 125) para quem há que se considerar a questão

psíquica, não apenas os planos individual, social e espiritual. “Evidencia-se aqui, uma vez

mais, o aspecto integral do sofrimento, em especial sua relação com fatos psíquicos e

religiosos (cf. Mc 2.1ss com v.5), sem que se defina a natureza da doença, o que, aliás, até

53 Os autores abordam a questão do sofrimento na perspectiva bíblica.

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hoje não foi possível.” Contudo, os autores estão considerando outros fatores: “A doença, no

entanto, não tem apenas a faceta biológica e somática, mas também efeitos sociais e

religiosos” (ibidem, p. 126). Sua origem, na concepção judaica, segundo esses autores (p. 33)

está no mal e no pecado, que não passa de uma transgressão de mandamentos:

Ao contrário de muitos teóricos de nossos dias, porém, o indivíduo do AT não estava disposto a localizar o mal de forma inequívoca e definitiva. Ele pode estar aninhado no próprio indivíduo. Este talvez tenha melindrado, de modo consciente ou não, por medo ou petulância, um poder na imensa ‘economia’ universal ou transgredido uma norma de comportamento.

Mais adiante Gerstenberger e Schrage (p.85) vão explicar esse conceito quando

escrevem sobre a desgraça ou o sofrimento: “Ele vive numa estrutura legal não fixada por

escrito cujas regras não transgredirá impunemente. A desgraça pode muito bem ser um

lembrete de alguma falta ou descuido.” Saindo das raízes do pensamento cristão sobre o

pecado, profundamente arraigadas na sua matriz, o judaísmo, e chegando aos nossos tempos,

podemos apreciar as considerações feitas por José Comblin (1996: 38) quando analisa a

atuação do atual pregador de curas divinas e de libertação.

Sabe manipular os sentimentos de angústia, de desamparo ou de pecado dos ouvintes. Ou persegue-os nos lugares em que a angústia é maior: hospitais, prisões... Penetra nas pessoas pelo lado de sua maior fraqueza. Mostra-lhes que não há salvação fora da adesão ao seu grupo. Em tal situação não há diálogo possível. A pessoa perde as suas faculdades críticas e se entrega a quem sabe manipular melhor as suas falhas de personalidade. [...] Outros oferecem bens materiais ou espirituais, sobretudo a saúde, a cura das doenças, ou então a paz interior, a tranqüilidade, uma experiência de reconciliação com a vida.

Ainda de acordo com José Comblin, essas pessoas que manipulam os sentimentos dos

oprimidos operam sob denominações carismáticas que atuam essencialmente nas cidades,

uma vez que no campo as pessoas preferem continuar na sua religião de origem e “morrer

nela”. Para Comblin (1996: 40)

As Igrejas carismáticas dirigem-se à sensibilidade, despertam emoções, permitem a todos que se expressem e manifestem suas necessidades psicológicas pessoais, suas angústias, seus temores e suas aspirações. Oferecem uma resposta a uma população que vive diariamente o fato da doença. Oferecem uma resposta a um povo que vive assustado pela violência, angustiado pelas brigas, pelos gritos, pela falta de comunicação. Oferecem a saúde.

David Miranda é recorrente em seu discurso quando diz que a IPDA resgata

características da Igreja primitiva. Por seu lado, DM parece encontrar dificuldade na divisão

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dos bens amealhados na comunidade de seus fiéis. Ananias e Safira,54 apesar de entregarem a

metade de seus bens para dividir, mesmo assim pagaram com a vida pela tentativa de burlar

os fiéis da Igreja primitiva. Na verdade, na IPDA “nada é comum a todos”, conforme o livro

de Atos dos Apóstolos. A razão dessa afirmativa é a existência do enorme patrimônio que esta

Igreja amealhou nas últimas décadas de sua de existência. Seu patrimônio hoje é dividido

entre a IPDA como instituição e a família Miranda, conforme demonstraremos mais adiante

num levantamento parcial feito em cartórios de registros de imóveis da capital paulista. Nesse

caso, parece que o objetivo principal da IPDA foi desvirtuado ao longo de sua trajetória ou

está se alternando entre amealhar almas para o Reino de Deus e amealhar imóveis e outros

bens para a família Miranda.

Voltando à questão da Igreja primitiva, Donald Dayton (1977: 115-116) afirma que

Não podemos resolver aqui muitas questões complicadas sobre como entender a validade permanente da motivação da cura na tradição cristã. No pentecostalismo, porém, essas questões podem ser respondidas, entendidas em si mesma como a restauração da identidade perdida da Igreja primitiva. [...] Há alguma sugestão de que Lutero mudou de opinião no fim de sua vida, quando houve o incidente da cura de Philip Melanchton depois das orações do próprio Lutero. [...] também Wesley, foi profundamente influenciado pelo puritanismo, mas também estava em tensão com ele. Por outro lado, através de seus pais Wesley era um produto da alta tradição da escola anglicana com tendência a preservar a doutrina de milagres.

Dayton também afirma que “o realismo bíblico do pietismo e a orientação pastoral

combinada com a crença na continuação dos milagres, produziram a doutrina da cura através

da oração e da fé”. (Ibidem, p. 119). O ser humano está sujeito a muitos tipos de manipulação,

especialmente a pessoa das classes D e E, as quais vivem desassistidas e carentes de todo o

tipo de apoio, a começar por educação, saúde, segurança, emprego, lazer e, acima de tudo,

inclusão social. Como vimos até aqui, a doença e a salvação estão implícitas no mesmo

contexto de libertação. Salvar, na teologia pentecostal moderna, quer dizer tirar a pessoa do

anonimato, providenciar sua inclusão num grupo, animar essa pessoa fiel a continuar na

esperança da prosperidade, dar solução a todos os seus problemas. Nesse processo estão

envolvidas muitas questões que merecem profundo estudo; inclusive a problemática que trata

da questão do transe e da possessão demoníaca, tema do próximo item deste capítulo.

54 Personagens da Igreja dos primórdios que sonegaram ofertas e foram reprimidos por Deus (At 5.1-25).

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2.1.3 – O transe, a possessão demoníaca

Paula Montero e Ronaldo de Almeida55 em Trânsito Religioso no Brasil. (p. 14)

apresentam o sincretismo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), (embora

neopentecostal), num contexto bastante similar ao da IPDA, por envolver a glossolalia, o

exorcismo, o diabo e o transe.

No cenário atual, pode-se entender a neopentecostal Igreja Universal, fundada em 1977, como resultante da interação, tanto simbólica quanto numericamente, dos universos evangélico e umbandista. A Igreja Universal construiu uma religiosidade que condenou – e ao mesmo tempo validou - os conteúdos de outras religiões, contudo, paradoxalmente, incorporou as formas de apresentação e certos mecanismos de funcionamento de um prática encontrada particularmente na umbanda. Ela ficou mais parecida com a religiosidade inimiga ao elaborar um sincretismo às avessas que associou as entidades da umbanda e orixás do candomblé ao pólo negativo do cristianismo: o diabo. Se originalmente os universos foram formados em contextos diferentes, a interação (produto do trânsito de pessoas e idéias) gerou uma religiosidade que mistura exus com glossolalia, exorcismo com transe; de tal maneira que se estabeleceu uma continuidade pela qual as entidades puderam transitar e esses universos puderam, pelo transe, se comunicar.

O transe nas cerimônias religiosas é um tema estudado há séculos. Os psicólogos se

preocupam com esse assunto, mas é impossível desvincular da religião esse fenômeno que

leva a pessoa a um estado crítico. Para alguns se trata de um fenômeno transcendental,

enquanto para outros é possessão demoníaca. Paula Montero,56 em Religião, pluralismo e

esfera pública no Brasil resume com bastante propriedade o que acontece quando se confunde

o espiritismo, o transe e a possessão demoníaca.

O modo de conceber o transe operou portanto a partir de duas matrizes: a científica e a religiosa. Na chave da ciência, se o transe espírita podia ser concebido como fenômeno universal da mente humana — o hipnotismo — operado por mãos incompetentes, incorrendo no crime de exercício ilegal da medicina (charlatanismo), a “possessão” era da ordem das patologias raciais, podendo levar à degeneração e ao crime. Na chave da religião, se o espiritismo pôde ser aceito como crença foi porque ao atender pobres e doentes não evidenciava intenção de dolo. Já as práticas de negros, uma vez centradas em possessão, batuques e danças “diabólicos”, não podiam ser percebidas como ritos religiosos, derivando, pois, para a categoria inversa, a magia, voltada para o mal e francamente ameaçadora.

Há um outro enfoque sobre o êxtase (transe). Algumas denominações consideram o

êxtase apenas como manifestação divina. Mas, a IPDA entende que uma pessoa em transe

está endemoninhada e precisa ser exorcizada para que o “diabo saia do corpo”. Cheryl J.

Sanders, ( 1996: 59) afirma que “o que separa as igrejas de santidade é que a possessão na

Santidade é apenas do Espírito Santo no êxtase. Nas demais, são possessões de divindades da 55http://64.233.169.132/search?q=cache:E6DdbcaittkJ:www.centrodametropole.org.br/pdf/ronaldo_almeida2.pdf+paula+montero&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=4&gl=br Acessado em 17/11/2008. 56 http://www.scielo.br/pdf/nec/n74/29639.pdf - Acessado em 17/11/2008.

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macumba cubana, do vudu africano e do candomblé brasileiro.” Durkheim (2001: 498) assim

explica a função do diabo no cristianismo: “o próprio cristianismo, por mais alta que seja a

idéia de divindade que tem, foi obrigado a conceder lugar, na sua mitologia, ao espírito do

mal. Satã é uma peça essencial do sistema cristão.” Na maioria das Igrejas e congregações da

IPDA, os cultos de sexta-feira são cultos de libertação. O exorcismo é um procedimento ritual

para expulsar “o diabo do corpo” da pessoa possessa; é o centro das atenções. Muitas

congregações e igrejas locais da IPDA colocam faixas para chamar atenção do público para o

culto de libertação. O que se oferece é a libertação da pessoa dos seus problemas familiares,

com bebidas, desemprego, brigas, drogas, cigarro, etc. Há, também, a “divina revelação” que

mostra a pessoa endemoninhada ou a ser curada. Campos (1996: 283) estudou a possessão e a

cura divina na IURD, uma denominação que pratica o exorcismo numa linha similar à da

IPDA.57

Todavia, apesar de tudo o que foi afirmado, o próprio Edir Macedo (1995:53ss) recomenda cuidado ao se lidar com casos “aparentes” de possessão, segundo ele, perfeitamente estudados com muito sucesso pela psicologia e psicanálise. Antes de iniciar o exorcismo, o mesmo texto recomenda indagar de conhecidos ou familiares se a pessoa “freqüenta ou freqüentou centros espíritas, se é epiléptica ou se tem problemas mentais, etc. Isso nos ajuda a fazer a abordagem.” A seguir, o texto enumera os sinais característicos de uma possessão, entre elas: “falar na terceira pessoa”, “assumir outra personalidade” e “apresentar posturas próprias de endemoninhado”. Para evitar problemas posteriores tem havido, ultimamente, um maior cuidado em não se dispensar ajuda médica para casos mais graves. Macedo então concluiu: “Em situações nas quais o estado da pessoa é grave (crises agudas, transes longos, debilitação, etc.) o recomendável é procurar imediatamente o atendimento médico.”

Esse tema foi estudado por Antonio Gouvêa de Mendonça (2008: 128-129), ligando-o

também à glossolalia. Este autor escreve que “nas religiões ou práticas religiosas em que o

êxtase é valorizado, a passagem do estado de consciência para o estado extático pode ser

conseguida por meio de técnicas ou drogas”. Mais adiante, Mendonça afirma:

O êxtase é um estado de consciência considerado ideal para romper as barreiras que impedem ou dificultam a comunhão com o sagrado. Caracteriza-se pela ruptura maior ou menor dos laços que ligam os indivíduos à realidade. Ele pode ir de um intenso estado emocional, às vezes assinalado por tremores, voz embargada ou inarticulada, choro, desbloqueio das censuras naturais, até estados de total inconsciência. Nas religiões em que se buscam o êxtase é freqüente o surgimento da glossolalia que, em muitos casos, é instrumento de profecias (revelações).

57 A IPDA, na década de 90, inaugurou um salão na Av. São João, no centro da capital paulista, com o nome de “Pronto socorro de Jesus”.

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De acordo com tudo o que vimos sobre a alteração do estado de consciência e as

diversas opiniões de autores sempre comparadas com os ensinos da IPDA, parece-nos que o

pentecostalismo ao qual se alinha essa Igreja, está mais conforme com a possessão maligna, a

incorporação de um espírito mau, para não dizer do diabo ou do demônio no corpo para

caracterizar a expressão “a pessoa caiu endemoninhada”. Veremos, a seguir, o antídoto para

qualquer pessoa que na IPDA queira se proteger desse inimigo invisível, sem o qual muitos

pregadores do pentecostalismo perderiam o centro de sua pregação. Na verdade, num desses

cultos, ouve-se muito mais sobre demônios do que sobre Jesus.

2.1.4 – A busca da santidade na ética da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”

A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” constantemente prega que sua doutrina de

santificação é total, envolvendo espírito, alma e corpo, baseada principalmente na carta

paulina aos tessalonissenses.58 Dentro dessa tricotomia que supera o platonismo na máxima de

sua dualidade: “o corpo é a prisão da alma”, David Miranda instituiu, juntamente com sua

equipe de membros que o apóia teologicamente, nada menos do que 29 itens que procuram

disciplinar a vida da Igreja, desde assistir televisão item P1 até o item P29 que tem 6 sub-

itens: uso de camisetas, saias, tênis, assobiar, fotos e brincadeiras de amigos secretos. Nota-se

que na teologia de DM, a santificação começa por preceitos que regulam o comportamento da

pessoa. Assim, parte-se do princípio de Juvenal “mente sã num corpo são”.59 Até ai, entende-

se que o corpo sadio sustentará a mente (alma) sadia. O maior problema na teologia

“mirandiana” é a explicação entre alma e espírito. A alma é a vida da pessoa, sua atuação na

vida social. A pessoa deve ser correta, honesta, trabalhadora, prudente, pacífica e, assim por

diante, durante toda a sua vida, enquanto a alma está nele. Nesse sentido, a alma é a vida.

A questão espiritual é enfocada na vivência da pessoa com sua religiosidade.

Constância nas orações, nas vigílias, nos jejuns, nos cultos, na evangelização, na leitura

bíblica, enfim, na sua relação com o sagrado. Nesse sentido, a IPDA institui regras de controle

na “Credencial de Membro”, que vão desde carimbos de freqüência nos cultos de Santa Ceia,

Doutrina e Confraternizações nas sedes, até marcações de quantidades de jejuns que a pessoa

pratica por mês. Mas, a “Credencial de Membro” não reproduz a totalidade dos itens do

“Regulamento Interno” RI. DM dá mais ênfase ao seu método de instituir regras para cada

58 O texto básico é 1a. Ts 5.23, na versão ARC (Almeida Revista e Corrigida): “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Exemplo: itens P16, P17, P28 e P29 do “Regulamento Interno”). 59 Mens sana in corpore sano (mente sadia em corpo sadio). Décimo Júnio Juvenal, poeta satírico latino nascido entre 50 e 60 da era cristã e morto por volta do ano 127.

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coisa que considera importante para sua doutrina, partindo do pressuposto de que a partir das

vestimentas, do cabelo, da barba, dos sapatos, da gravata, dos cintos e de tantas outras

exigências, a pessoa está caminhando para a sua própria santificação, “Sem a qual ninguém

verá a Deus” (Hb 12.14).60 Em seu comentário sobre os metodistas, Mendonça (1984: 50)

explica que “a certeza da conversão se dava pela capacidade de renúncia aos prazeres sociais:

jogo de cartas, jogos de azar, dança, freqüência a teatros e assim por diante. A moralidade

metodista irá exercer grande influência nas concepções protestantes na América e nas suas

áreas de missão”.

Não são apenas as regras de santificação que regem a IPDA, mas uma série de outros

preceitos que complementam o que está escrito nas páginas da “Credencial de Membro” e no

RI. As Atas de Assembléias e circulares da IPDA, vez por outra, acrescentam mais exigências

como veremos a seguir quando trataremos dos ritos e interpretação da Bíblia.

2.2 – Ritos e interpretação da Bíblia

Seitas ou religiões, por mais primitivas ou modernas que sejam necessitam de seus

ritos para se apresentar diante do sagrado. Francisco Cartaxo Rolim (1985: 232) comenta que

“No plano religioso: tanto mais socialmente baixas são as camadas sociais presentes às

orações coletivas, mais estas se revestem de comportamentos um tanto selvagens e

desordenados que transparecem nas vozes, que mais parecem gritos, e nos gestos, livremente

descomedidos.” É nesse contexto que cada organização religiosa tipo “igreja” procura colocar

ordem especialmente no culto público ou liturgia. Essa ordem cúltica se manifesta nos ritos

que serão descritos a seguir.

2.2.1 – O batismo na IPDA

A exemplo de quase todas denominações evangélicas, a Igreja Pentecostal “Deus é

Amor” não aceita o batismo da Igreja Católica. Seus novos convertidos, depois de um período

de ensinamento na nova doutrina são batizados por imersão em águas correntes em nome da

Trindade.61 Como a IPDA não se comunica com outras denominações, tampouco aceita cartas

de transferência de membros. Aceita, porém, fiéis de outras denominações que trazem uma

60 David Miranda elabora seus conceitos sob influências de duas vertentes: a) pregação da Cruzada Nacional de Evangelização (Igreja do Evangelho Quadrangular); b) Assembléia de Deus. Vide anexo 2: Mapa genealógico da Igreja Pentecostal “Deus é Amor” no final desta Dissertação de Mestrado. 61 Na p.18, item A6 da “Credencial de Membro” consta: “Pessoas que foram batizadas em tanques ou em mar, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e totalmente libertas, ficará na consciência de cada uma se aceitarão ou não esse batismo. Se foram batizadas somente em nome de Jesus, terão que se batizar novamente. Rm 5.1; 14.22; Ef 4.4-6; Hb 6.1-3; 11.1; Mt 28.19.”

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doutrina parecida e que já foram batizados por imersão e que acham que seu batismo foi

válido. Na década de 90, um senhor se converteu na Igreja da IPDA que dirigíamos em

Biritiba Mirim, SP. Ele dizia que tinha sido batizado por imersão, mas não aceitava seu

batismo porque foi batizado por um pastor que era “amancebado” segundo sua expressão.

Pela sua insistência, nós o batizamos novamente. Mas, se foram batizados ainda fumando,

bebendo, jogando ou assistindo televisão ou outro vício qualquer condenado pelo RI,

precisam ser batizados novamente. A pessoa que foi batizada por imersão quando já estava

liberta e que não praticou nada que o RI condene, poderá ser aceita, todavia, se fizer questão

de ser batizada, batiza-se novamente. Dessa forma, o rebatismo é freqüente na IPDA.

A forma da IPDA celebrar o batismo não segue os hábitos das igrejas evangélicas que

batizam em tanques batismais ou em piscinas. A IPDA só batiza em águas correntes e por

imersão. Para ser batizado na IPDA, o membro precisa estar “liberto”. O conceito de

“liberto”, quer dizer que a pessoa não cai endemoninhada nos cultos de exorcismo62 ou em

outros cultos, não fuma, não bebe, não joga, não contraria nenhum dos preceitos do RI. O

homem, mesmo liberto de todo impedimento acima descrito, só pode ser batizado após

completar 18 anos de idade, se estiver quite com o Exército brasileiro. Isto para que não haja

conflito de autoridade, porque a IPDA proíbe que a pessoa use armas em quaisquer funções: a

serviço do exército, polícia ou na guarda armada. Se for batizado antes do serviço militar e,

sendo membro da IPDA, terá conflito com as ordens militares de portar e utilizar armas. A

Igreja Pentecostal “Deus é Amor” costuma realizar quatro batismos por ano.

Nas congregações locais ou na própria Sede Mundial há uma listagem das pessoas que

se convertem e que querem se batizar. Essa lista fica constantemente sobre o púlpito e em

todo culto o dirigente deve pedir que a Igreja se ponha de pé e ore em favor dos que vão se

batizar. Os responsáveis por essa lista devem acompanhar as pessoas e chamá-las à frente em

todos os cultos para que se sintam acolhidas e animadas para o dia do batismo. Nessa ocasião,

as pessoas confirmam que já deixaram de fumar, de beber, de jogar e de fazer “tudo aquilo

que não agrada a Deus”. Devem, ainda, desfazer-se do aparelho de televisão e confirmar que

estão assistindo os cultos de doutrina para conhecer o “Regulamento Interno” da Igreja.

Os responsáveis também pedem aos casados que tragam a certidão de casamento para

ser conferida. O casal que vive junto e não se casou, é convidado a regularizar sua situação

62 As pessoas que sofrem ataque epiléptico, para que não se confundam com endemoninhadas, devem providenciar um atestado médico comprovando a doença: “Regulamento Interno”, item B12, p. 13: “Pessoas endemoninhadas, somente poderão ser batizadas, quando estiverem libertas completamente, e pessoas que sofrem ataques epilépticos, poderão ser batizadas se comprovarem a doença com atestados médicos.” (Mt 17.14-15; Jo 8.32-36; Mc 9.17-18; II Co 12.7-10)

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perante a Lei. Nós chegamos em certas ocasiões a pagar as custas de Cartório a fim de

regularizar a situação dessas pessoas para poderem se batizar. O RI contém 17 exigências

diferentes para a questão do batismo. Nem todas pessoas que dão seus nomes se batizam,

porque muitas não se libertam de seus vícios e de outros impedimentos de ordem particular.

No ano de 1989, quando nos batizamos por imersão na represa do Guarapiranga, a lista

beirava quatro mil pessoas. Todavia, no dia do batismo, apresentaram-se pouco mais de 2.500

pessoas.

No dia do batismo, as pessoas devem estar em jejum, levar um avental branco ou usar

o avental que a Igreja fornece no local. Devem separar uma toalha, uma muda de roupa

adicional, incluindo um par de sapatos ou de sandálias. A Igreja disponibiliza local adequado

para as pessoas se trocarem e se colocarem em filas, as mulheres separadas dos homens. Os

presbíteros entram na água até a altura da cintura e dão-se as mãos em oração após a pregação

do responsável pelo culto do batismo. Em seguida, as pessoas começam a se movimentar. No

dia do nosso batismo, havia cerca de 50 presbíteros na água, cada qual recebia o candidato,

perguntava se estava liberto de vícios, como jogo, bebida, cigarro, se não tinha televisão em

casa e outras perguntas do gênero. Em seguida, pedia para a pessoa fechar bem as narinas,

mergulhava-a proclamando a conhecida frase do batismo em nome da Trindade. A pessoa,

uma vez saída da água, trocava-se e estava terminada a cerimônia.

No período em que freqüentamos a IPDA (11 anos), não tomamos conhecimento de

acidentes que tivessem ocorrido na cerimônia de batismo nas águas correntes. Na década de

90, fizemos o batismo de uma jovem menor de 18 anos que ia casar naquela semana, no

cartório civil e na IPDA. O local escolhido foi uma curva do Rio Tietê, entre Mogi das Cruzes

e Biritiba Mirim. Como a correnteza era forte, escolhemos um lugar menos perigoso. O

presbítero, após ler um texto bíblico e pregar por alguns minutos, desceu o barranco, firmou-

se bem com água pela cintura, após o que descemos a jovem com cuidado. O presbítero

segurou-a pelas mãos, perguntou se estava liberta completamente, pronunciou que a batizava

em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e a seguir mergulhou-a completamente no rio.

Com isso, os perigos foram afastados.

David Oliveira de Miranda, filho de David Miranda, contou que, quando jovem, ainda

desviado, fazia questão de passar com uma lancha veloz próximo do local onde seu pai estava

batizando, só para provocar a ira do pai e dos presbíteros. Esse rapaz, depois de casado,

tornou-se pastor e prega nos cultos da IPDA. Devido à sua inconstância na doutrina e a alguns

desvios de comportamento, seu nome não consta da Ata que elegeu a atual diretoria para 2008

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e 2009. Porém, seu nome e o nome de Daniel, seu irmão mais novo, continuam na agenda do

site da IPDA no quadro de pregadores.

Finalmente vale dizer que cada dirigente costumava ter uma agenda na qual anotava as

pessoas que aceitavam Jesus em seus cultos e das pessoas que seriam levadas a batismo, num

controle pessoal da evolução dos membros do templo sob sua responsabilidade. Aliás, no

relatório que o fiscal fazia habitualmente e, como fiscal, algumas vezes preenchemos esses

relatórios, que traziam um campo no qual se anotava o número de membros do ano anterior e

do ano atual. O dirigente cujo rebanho diminuía corria o risco de ser trocado sem maior aviso.

2.2.2 – O casamento na IPDA

Quando dirigíamos a Sede Nacional da Rua Conde de Sarzedas 185, no centro da

capital paulista, todos os casamentos de membros da Sede Mundial da Avenida do Estado

4568 eram realizados na Rua Conde de Sarzedas. A Igreja era ornamentada nas formas

tradicionais. Se o casal tinha posses, o templo era ricamente embelezado. Quando se tratava

de pessoas humildes, mesmo assim havia ornamentação. O “Regulamento Interno” da Igreja

impedia muitas liberdades que aconteciam nas igrejas do protestantismo histórico e na Igreja

Católica. Não só a noiva, mas também as testemunhas mulheres, tinham de vir vestidas

recatadamente. No casamento religioso, só se aceitam testemunhas que sejam membros da

IPDA. O RI contém uma extensa lista de preceitos, totalizando 27 recomendações. Dentre

essas, destacamos: O menor de 18 anos pode casar desde que permitido pela justiça e pelos

pais. Nessas condições, primeiro se faz o batismo (na semana do casamento) e depois se

realiza o casamento.

Em 2007 assistimos uma cerimônia de casamento durante a qual o celebrante disse

que aquele documento (Certidão de Casamento) “é documento humano que não tem valor,

porque o divórcio é aprovado pelo governo. O que vale mesmo é o casamento diante de Deus,

que é indissolúvel”. Todavia, só se pode celebrar o casamento quando o casal exibe a

competente Certidão do Cartório. O seja, o documento legal não tem valor, mas sem ele não

tem casamento religioso. O RI estabelece regras específicas desde o namoro na letra C-1 até a

letra C-27. Por exemplo: uma pessoa com 18 anos de idade só pode casar com outra que tenha

no máximo até 36 anos de idade (letra C3); é proibido ir a casamento na Igreja Católica (letra

C27).

Na década de 90, dirigindo a Igreja de Biritiba Mirim, SP, um membro da IPDA

queria casar com uma mulher de outra denominação. Conversamos com ambos e explicamos

que a IPDA não aprovava aquele casamento e que a mulher deveria vir para a IPDA onde seu

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futuro marido estava congregando. Passadas algumas semanas, a mulher veio dizer que

aceitava as nossas condições e passou a congregar junto com seu noivo cujo casamento foi

celebrado alguns meses depois. A IPDA não permite namoro prolongado, nem namoro

escandaloso. O item C4, intitulado “aparência do mal”, diz que o jovem não pode dormir na

casa da namorada. Se for forçado a dormir naquela região, deve dormir na Igreja mais

próxima da casa da namorada. O namoro não pode ultrapassar das 22 horas. Os namorados ou

noivos que desobedecem essas e outras recomendações ficarão suspensos da comunhão da

Igreja até casarem no Cartório e a Igreja não fará a invocação de bênçãos.

Há uma exceção curiosa no item C15 que trata de casamento de desquitados ou

divorciados da comunhão na Igreja “em outros países onde a lei é diferente: consultar a

Diretoria.” O uso de aliança é obrigatório, com exceção para quem tem doenças nos dedos.

Tivemos um caso de obreiro que não usava aliança, porque tinha perdido a sua. Nesse caso,

foi-lhe recomendado que comprasse uma bijuteria em forma de aliança até que tivesse

condição de ter outra de ouro. Na questão do namoro, noivado e casamento, nota-se uma

grande preocupação da IPDA em manter essas etapas sob rigoroso controle, punindo todo e

qualquer tipo de desvio que tolhe a liberdade das pessoas. O objetivo é manter coesa a família

e os membros da Igreja, impedindo o contato com outras denominações, especialmente no

casamento. Há outras práticas na IPDA que assumem uma função quase sacramental. Entre

elas, estão a unção com óleo e o cuidado com a barba e bigodes.

2.2.3 – A unção com óleo e a barba

A IPDA costuma ungir os fiéis de forma generalizada, não apenas os enfermos.

Porém, só presbíteros e pastores podem ungir as pessoas. Ungem também objetos como

carteira profissional e votos para que Deus dê a vitória à pessoa, na forma de um emprego ou

resolvendo o problema pelo qual fez aquele voto e pediu a unção da Igreja. A passagem

bíblica mencionada no “Regulamento Interno”, item F27 estabelece que “presbíteros poderão

ungir quantas vezes quizerem (sic)”; depende da fé do obreiro. A unção deve ser feita na testa,

e não na enfermidade, todas as IPDAS (sic) poderão fazer campanhas de unção, Sl 23.5 – Mc

6.12-13; Tg 5.14-16”.

Cabem algumas observações: A primeira observação: O “Regulamento Interno” em

seu item P15 proíbe o uso da barba: “Irmãos usarem cabelos crescidos, ou seja começando a

cobrir as orelhas, e também usar costeletas, perucas, barbas e bigodes. É proibido...”. A

segunda observação: A unção com óleo, tão freqüente nos cultos da IPDA, deixa de lado o

Salmo 133.2: “É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de

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Aarão, e que desce à orla dos seus vestidos.” (ARC). Segue o texto em outra versão: “É como

óleo fino sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre a gola de

suas vestes.” (BJ). Resta a pergunta: Por que o RI deixa de mencionar o Sl 133.2? Será pelo

interdito da barba na IPDA? E como fica a unção sobre a barba de Aarão? Por que Aarão

podia ter barba e um membro da IPDA não pode igualmente ter barba? IPDA em sua defesa

poderia citar o livro de Êxodo, no capítulo 30, versículos 25 a 30 que prescrevem a unção de

forma geral: tenda, arca, mesa, candelabro e outros acessórios.

Mas a Bíblia esclarece que aquela unção especial seria para as coisas do templo e para

Aarão e seus filhos, porque o versículo 32 diz: “Não será derramado sobre o corpo de nenhum

homem...”. Percebe-se que a unção seria para santificação conforme versículo 29:

“Consagrará essas coisas e serão muito santas; quem as tocar ficará santificado” (BJ). Porém,

não se pode afirmar que toda doutrina da IPDA esteja enquadrada biblicamente quando aceita

a unção e a aplica em objetos como no Antigo Testamento, no livro de Êxodo, capítulo 30. A

Bíblia contém várias passagens nas quais reis são ungidos, como a unção de Saul e de Davi

por Samuel e todos eles usavam barbas longas! Mais tarde, com o passar dos séculos, a unção

com óleo passou a ter outras conotações: a partir da era dos apóstolos, a unção com óleo

significava não somente a cura, mas o perdão de pecados, conforme Tiago capítulo 5,

versículos 14-15 “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja e orem sobre

ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor e a oração da fé salvará o doente e o Senhor o

levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”.(Bíblia, ARC). Conclui-se,

dessas passagens, que a IPDA faz uma leitura seletiva da Bíblia e, escolhe determinados

textos bíblicos (unção), rejeitando outros (a barba). Já a Igreja Católica adota a unção dos

enfermos. DM transita entre o Antigo Testamento (unção , mas rejeita a barba) e a Igreja

Católica quando adota um de seus sacramentos. Já comentamos sobre a unção com óleo.

Vejamos como a IPDA realiza a Santa Ceia.

2.2.4 - A Santa Ceia na IPDA

A Santa Ceia é parte importante do culto da IPDA. Dela participamos, inclusive como

celebrante ao longo de 11 anos. Contudo, pelo que afirma Paulo Barrera Rivera (1999: 283) a

IPDA do Peru parece não dar muita importância a esse rito, diferentemente do que ocorre no

Brasil. Com isto queremos frisar que a eucaristia não constitui um rito importante no sistema de transmissão da IPDA. A freqüência de sua realização é muito irregular, pois nem sempre se realiza uma vez por mês.[...] O culto de Santa Ceia na IPDA de Lima, se realiza em meio a um caos generalizado por causa da quantidade de pessoas participando. Os colaboradores que

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distribuem os elementos, pão e vinho, dificilmente conseguem passar entre as pessoas. Quando suspeitam do participante, exigem mostrar a “carteirinha”.

A liturgia da Santa Ceia, segundo o mesmo autor, em Lima também é diferente. Ali, a

consagração do vinho deve ser feita depois de colocado no cálice.” (Rivera, 1999: 284). Na

Sede Mundial, em São Paulo, e nos demais templos que conhecemos e de cujas Ceias

participamos, os presbíteros e diáconos levantam os elementos para consagração (os pães

inteiros e o suco em jarras) e, só depois, acontece do pão ser repartido em pedaços e do suco

ser colocado nos cálices.63 Quanto à distribuição desses elementos entre as fileiras de bancos

ou assentos, apenas em Lima isso acontece. Estivemos visitando a IPDA que funcionava em

um antigo cinema, com o carpete bastante danificado, em Lima, nos anos 1990. Realmente é

difícil passar entre as poltronas de um cinema para distribuir os elementos da Santa Ceia

porque as fileiras são enormes. Na maioria dos salões da IPDA nunca há mais do que fileiras

de 10 a 12 assentos e assim, um diácono ou presbítero distribui os elementos de um lado pelo

seu corredor; seu colega distribui do outro lado, não acontecendo o “caos” referido por

Rivera. O problema é mais complexo quando há milhares de pessoas para receber os

elementos. Em certos casos, há pessoas que aguardam mais de meia hora com o elemento

(pão ou cálice) na mão, esperando o momento em que todos irão participar ao mesmo

tempo.64

Se a Igreja possui dois salões, um fica vedado só para os participantes da Santa Ceia.

Quando há um só salão, os obreiros devem providenciar uma faixa separando o salão: de um

lado os convidados e impedidos de participar da Ceia. Do outro lado, as demais pessoas que

estão autorizadas e que passaram pelo crivo da comissão de inspeção, que está na porta

conferindo credenciais de membros, cartões de freqüência, conferindo o corte de cabelo dos

homens que não pode cobrir a orelha, conferindo a largura e o desenho da gravata, a altura do

salto do sapato das mulheres, o comprimento das saias e muitos outros itens especificados no

“Regulamento Interno” ou na “Credencial de Membro”.

O controle sobre os diáconos e presbíteros quanto às formas de celebrar a Santa Ceia é

contínuo. Nós mesmos, em uma certa ocasião, participando de uma reunião de obreiros na

Sede Mundial, fomos acusados por ter servido a Santa Ceia a uma irmã idosa, que não tinha

comparecido ao “culto de doutrina” no meio da semana, quando se lê um item do RI e se

comenta esse texto bíblico, que serve de base àquele regulamento. A acusação foi feita por 63 A luta contra o alcoolismo levou os evangélicos brasileiros de um modo geral e a IPDA não é exceção, a substituir o vinho pelo suco de uva. 64 Com a inauguração de uma sede própria em 2007 em Lima no Peru, a IPDA deve ter resolvido o problema da distribuição dos elementos no culto de Santa Ceia.

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uma carta anônima de membro da congregação então sob nossa responsabilidade, na cidade

de Biritiba Mirim. Essa irmã residia numa chácara afastada cerca de cinco quilômetros do

templo, numa área separada por um trecho de mata. O culto era à noite e a irmã, com cerca de

60 anos tinha medo de passar por aquele trecho. Além dos caminhões que transportavam

verduras por aquelas estradas intransitáveis, somente carros com tração nas quatro rodas

conseguiriam chegar até a casa dela. David Miranda obrigou-nos a prometer que jamais

daríamos a Santa Ceia àquela irmã ou a quem quer que faltasse aos cultos de doutrina. A

desobediência implicaria no afastamento da frente daquele trabalho. A rigorosidade de David

Miranda na aplicação dos preceitos de seu “Regulamento Interno” também foi notada por R.

Andrew Chesnut (1997: 38), que classificou tais exigências como “leis eclesiásticas

draconianas”. 65

A Igreja Pentecostal Deus é Amor (DEA), diferente de seus modernos “concorrentes” (ou seja, das religiões modernas), adotou formas de comportamento, ascéticas da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã. O Manual de Regulamento para Membros (“Regulamento Interno” - RI) é um compêndio de leis eclesiásticas draconianas, ditando conduta pessoal, vestimenta, e relações entre os sexos. (nossa tradução livre do texto)

Boa parte da base doutrinária da IPDA baseia-se em trecho de 1a. Ts 5.23, uma carta

paulina destinada aos cristãos de Tessalônica, que se refere à santificação do espírito, da alma

e do corpo. Para tanto, o RI destina extensas recomendações sobre regras de comportamento.

Esse comportamento ascético faz parte do que Weber considera ser o cerne da “ética

protestante” pois, com a sua conversão, o fiel deixa de gastar o seu dinheiro em vícios como

bebida, cigarro ou deixa de participar em jogos, bailes ou outras diversões.

Conseqüentemente, ocorrerá sobra de dinheiro no seu orçamento, o que passa a gerar mais

dinheiro.

Para nos aproximarmos da problemática da interpretação “mirandiana”, vamos

comparar a sua maneira de interpretar a Bíblia com algumas versões usadas no meio

evangélico. O que difere nesses textos não são os dizeres dos versículos, mas os títulos da

perícope e as observações em notas de rodapé, quando se tratam de Bíblias com comentários.

A versão usada pela IPDA é a Almeida Revista e Corrigida (ARC), ou melhor, a tradução de

65 Segue o texto original em inglês: “The God Is Love Pentecostal Church (Igreja Pentecostal Deus é Amor (DEA), unlike its modern counterparts, adopted the ascetic ethos of the AD (Assembléia de Deus) and CC (Congregação Cristã). The DEA Regulation Handbook for Members is a compendium of draconian ecclesiastical laws dictating personal conduct, dress, and relation between the sexes.” A seguir Chesnut dá o exemplo do item U6 que regula a altura dos saltos dos sapatos e das botas femininas. Esse item está revisado na atual “Credencial de Membro” de 2008, na letra G1 da página 36: “Os saltos dos sapatos e das botas das irmãs não deverão ultrapassar 4cm...” Vide Dossiê “IPDA” 25.

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João Ferreira de Almeida, edição Revista e Corrigida, onde se lê: “Lança o teu pão sobre as

águas, porque depois de muitos dias o acharás.” Já a versão Almeida, Revista e Atualizada

(ARA), comentada por Russel P. Shedd traduziu o texto da mesma forma. Enquanto a Bíblia

de Jerusalém (BJ) afirma: “Joga teu pão sobre a água porque após muitos dias o encontrarás”.

Na versão Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB) encontramos: “Atira o teu pão à superfície

das águas, que com o tempo o reencontrarás”.

O texto acima foi retirado do livro de Eclesiastes (EC 11.1). A IPDA interpreta

literalmente essa passagem, adotando a versão ARC), recomendando lançar sobre as águas as

sobras da Santa Ceia. Conforme o RI, item 02, “a sobra da Ceia deve ser lançada em rios de

águas correntes”. Os comentaristas da ARC, da ARA, da BJ e da TEB interpretam essa

passagem num bloco de seis versículos, ou seja: Ec 11.1-6 sob títulos diferentes: A ARC

escreve: “Façamos o que é bom no tempo oportuno”; seguir, menciona o Pv 19.17: “Ao

Senhor empresta o que se compadece do pobre e ele lhe pagará o benefício.” Por sua vez,

consta na versão ARA o título da perícope: “O procedimento prudente do sábio”; em seguida,

informa uma passagem paralela no livro dos Salmos (126.5): “Os que com lágrimas semeiam,

com júbilo ceifarão”. A TEB (p.1323) usa como título: “Prudência demais prejudica” e a BJ

(p.1083): “Saber assumir riscos” (p.1083).

Outro detalhe importante sobre a Santa Ceia refere-se à doutrina da transubstanciação,

dogma da Igreja Católica adotado por David Miranda. Nessas condições, a coerência não

chega a ser completa, especialmente porque interpreta literalmente uma passagem bíblica,

(lançar as sobras da Santa Ceia em águas correntes), desprezando seu contexto referido na

própria Bíblia. Dessa forma, a IPDA parece querer apropriar-se de algumas características do

judaísmo, do catolicismo, do protestantismo e de outras denominações pentecostais, porém,

na sua melhor conveniência e com exigências “eclesiásticas draconianas”, nos dizeres de

Chesnut. Para a consecução de seus objetivos, David Miranda precisou não apenas dessas

apropriações, como também teve de inovar, criando regras as mais diversas, tendo a

preocupação de colocar no final dessas regras algumas passagens bíblicas como seu

referencial ou para melhor embasamento, algumas vezes completamente fora do contexto

como já analisamos. No próximo item, estudaremos essas regras com mais detalhamento.

2.3 – A maneira “mirandiana” de inculcação de regras

Durante muitos anos, o “Regulamento Interno” – RI - da Igreja Pentecostal “Deus é

Amor” foi a base de sua doutrina. Ainda o é atualmente, apesar de não haver nova edição; a

original não foi datada. Tomamos conhecimento desse livreto de regulamentos em 1989 e até

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2001 estava vigente. Surgiram algumas alterações ao longo dos anos, as quais constam das

Atas das reuniões periódicas dos obreiros com a Diretoria. Porém, as chamadas “carteirinhas”,

ou seja, a “Credencial de Membro” passou a reproduzir parte dos preceitos do RI. Esses

regulamentos acham-se encartados numa edição especial da Bíblia ARC mandada editar pela

IPDA em 1999, quando se aproximava o aniversário do 40o. ano da fundação da Igreja que

seria em 2002. Referidos preceitos também fazem parte do corpo da “Credencial de

Membro”. Por seu lado, o dirigente local (da Igreja ou da Congregação) tem a obrigação de

destinar um dia da semana para fazer um culto específico sobre a doutrina. Ele lê o

regulamento, cita as passagens, a Igreja acompanha e, em seguida, ele passa a explicar.

Segundo a orientação recebida na reunião de obreiros, éramos instruídos a revisar, de capa a

capa, todas as instruções: explica-se e prega sobre um regulamento em cada culto. Chegando-

se à última página, começa de novo na primeira página, e assim continuamente. Nesse culto,

exceto quando milhares se reúnem na Sede Mundial, é permitido ao membro fazer perguntas e

tirar dúvidas sobre as exigências do “Regulamento Interno” da IPDA.

Considerando as 100 páginas desse RI, a passagem de todas recomendações para os

membros tomava mais de um ano. A importância da presença do membro nesses cultos é a

confirmação em sua “carteirinha”, mediante um carimbo “Fiel”, cuja verificação na porta do

salão no dia da Santa Ceia decide se a pessoa entra ou não. Cada detalhe desses regulamentos

pode ser visto nas páginas da “Credencial de Membro” reproduzidas nos anexos,

especialmente ilustrações 2 e 5 e Dossiê “IPDA” itens 24 e 25. Destacaremos, alguns desses

preceitos a seguir.

2.3.1 – A importância das regras em movimentos religiosos rigorosos

As características de seita atribuídas à IPDA foram objeto de análise no capítulo

anterior, especialmente por sua tendência isolacionista. De fato, os membros de uma seita

consideram-se separados. David Miranda costuma chamar de “Igrejas mundanas” todas as

demais denominações. Para atrair católicos, seara de onde ele costuma arrebanhar almas para

seu “aprisco”, DM gosta de chamá-los de “irmãos católicos”. Com isso, procura se identificar

com seus prováveis futuros fiéis. Muitas são as exigências do “Regulamento Interno” da

IPDA que demonstram características sectárias: por exemplo, um membro da Igreja não pode

participar de movimentos políticos ou sociais como MST e outros. Também não pode possuir

TV nem assistir qualquer programa na televisão. Todo o tipo de lazer é vedado, por exemplo,

futebol, esportes, praia, piscina e tantos mais relacionados no item P que trata da santificação,

envolvendo 29 itens diferentes que serão examinados mais adiante. O membro não pode ter

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emprego de segurança armada, nem ser policial. A questão de servir o exército fica eliminada

de início, porque só batiza a pessoa que está quite com o serviço militar.66

Um membro não pode ter imóvel alugado para bar onde se vende bebida alcoólica.

Tampouco pode ter um salão alugado para bailes. Quando assumimos a tesouraria de 22

Igrejas na região de Mogi das Cruzes, Guararema, Salesópolis e Biritiba Mirim, conhecemos

um presbítero da IPDA que tinha um restaurante. Ele reclamava que muitos clientes pediam

cerveja, vinho e aperitivos e que seu movimento diário era prejudicado por não vender

bebidas alcoólicas em seu restaurante. Durante a pregação, não se pode citar outros livros

além da Bíblia; só se usam as referências que constam dos demais livros bíblicos. Os sete

livros da Bíblia Católica e os apócrifos, nem de longe! No próximo item daremos destaque

dessas regras.

2.3.2 – A classificação das regras

Não é nosso objetivo estudar aqui todas as 100 páginas do “Regulamento Interno” nas

suas várias implicações. São 283 regras sem contar as adicionais, sendo que na “Credencial de

Membro” constam 112 regras que estudaremos nos seis grupos abaixo. O total geral de regras

é muito maior. Por exemplo, nos itens que tratam da santificação, encontramos 21 adendos

entre os itens P27 e P29. Uma exigência curiosa: uso de tênis para homem só é permitido em

casa ou no trabalho; por aí, entende-se que um membro não pode ir ao culto usando tênis. No

sentido que mais interessa ao membro, faremos uma breve apresentação das regras constantes

da “Credencial de Membro” de 2008, apesar de que já analisamos, em secção à parte, a

questão do batismo e do casamento:

• Batismo 17 regras

• Casamento 27 regras

• Desviados 5 regras

• Louvores 8 regras

• Ministério oração/jejum 8 regras

• Pecados 18 regras

• Santificação 29 regras

66 Antonio Gouvêa Mendonça (1992: 52) mostra algumas características da seita: “Oferta de bens de religião mediante recompensa pecuniária; usa a Bíblia sem nenhum rigor hermenêutico; a relação entre a ‘empresa’ e o ‘cliente’ é na base do do ut des; o ‘culto’ tem características de ajuntamento de interessado na obtenção imediata dos favores do sagrado.”

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As regras do RI que não aparecem na “Credencial de Membro” são as seguintes:

Letra A 14 regras: Programa “A Voz da Libertação”

Letra D 2 regras: Cerimônias (apresentação de crianças e fúnebre)

Letra E 7 regras: Documentos (do membro)

Lestra F 33 regras: Cultos

Letra H 15 regras: Livraria

Letra K 22 regras: Obreiros

Letra M 15 regras: Reuniões

Letra N 2 regras: Sangue

Letra O 13 regras: Santa Ceia

Letra Q 9 regras: Sustento pastoral

Letra R 11 regras: Templos

Letra S 23 regras: Tesouraria

Letra T 5 regras: Trabalho

Achamos desnecessário comentar os itens do “Regulamento Interno” que não constam

da “Credencial de Membro”. Como já foram comentadas à parte as questões do batismo, do

casamento, da Santa Ceia e da unção com óleo, abordaremos, a seguir, os itens que tratam de:

Desviados – Louvores – Ministério oração/jejum – Pecados – Santificação. A expressão

“desviados” é muito utilizada na IPDA. Desviado é um membro que vai congregar em outro

ministério, volta a assistir televisão ou a praticar qualquer transgressão do RI. Sua volta

implica num período chamado de “prova”. Há uma carteirinha especial na qual a pessoa

carimba sua regularidade nos cultos até que cumpra aquele prazo imposto. Para se pertencer

ao grupo de louvores, um membro precisa estar em comunhão, ou seja, participando da Santa

Ceia. O grupo de louvor não aceita pessoas de outro ministério.

Um membro que queira participar do ministério oração/jejum tem uma credencial

especial na qual ele anota a quantidade de jejum que pratica no mês e as horas de oração. O

item J8 chega a considerar uma pessoa como desviada se ela dedica menos de 30 horas no

mês para suas orações, para ouvir o programa da “A Voz da Libertação”, para leitura bíblica

ou outra atividade edificante na IPDA. Mas essa característica de “desviado”, nesse caso

específico, não tira a pessoa da comunhão com a Igreja, podendo participar da Santa Ceia. Na

questão de Pecados, são inúmeras as regras para definir o que é pecado. Trata da questão do

adultério, sexo, homossexualidade, masturbação, aborto, controle de natalidade, laqueadura e

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vasectomia, enfim, são 18 regras, mais 10 adendos. Quanto à santificação, 29 regras e mais de

20 adendos. Por exemplo, o item P15 prescreve:

Irmãos usarem cabelos crescidos, ou seja começando a cobrir as orelhas. E também usar costeletas, perucas, barbas e bigodes, é proibido, pois no dicionário da língua portuguesa encontra-se a definição que o bigode faz parte da barba. I Cor 11.14 e 16; Ez 44.20; Gn 41.14. Punição: chamar a atenção dentro da palavra; se persistir no erro, noventa dias. Obs. É permitido usar bigodes apenas por defeito físico nos lábios.

Até início da atual década, a IPDA não tinha uma comissão de acompanhamento que

aconselhasse membros em situação de “prova”. Atualmente essa comissão acompanha a

pessoa em seu esforço para voltar à comunhão. Não temos tido experiência para avaliar esse

trabalho, que julgamos importante na continuidade da ligação do membro com a Igreja. Em

nossa experiência anterior, tivemos casos de pessoas punidas e que se afastam da Igreja, indo

para outras denominações, por não concordarem com o sistema de carimbar carteirinhas de

freqüência no período de prova. Há muitas transgressões de regras que acontecem

simplesmente porque o membro desconhece o regulamento. Para que tal não aconteça, a

IPDA realiza toda semana um culto específico de doutrina, quando a pessoa toma

conhecimento de todo o complexo sistema de ensino dessa Igreja. É o que veremos a seguir.

Fica claro então que DM instituiu um mecanismo próprio de inculcação de regras que

é realizado nos cultos de doutrina, conhecidos também como cultos do RI. Notamos que os

novos convertidos assistem o culto juntamente com toda a Igreja, não havendo uma aula na

Escola Dominical que seja específica para a sua orientação. Considerando que os cultos da

IPDA são muito demorados, sempre há um momento em que se fala da doutrina,

especialmente da santidade. Dois versículos muito usados são: “sem santificação ninguém

verá a Deus” (Hb 12.14); ou “sede santos como sou santo, diz o Senhor.” (I Pe 1.16). Já

vimos, também, que o “Regulamento Interno” destina praticamente 40 explicações sobre a

questão da santificação e das punições para quem desobedece. Não consideramos que apenas

o culto de doutrina esteja cumprindo seu papel de doutrinação, mas entendemos que em todos

os cultos há uma constante preocupação de DM em doutrinar ou passar para a IPDA suas

regras morais e religiosas que fazem parte da “Credencial de Membro”.

Porém, a instituição de uma escola dominical, tanto para adultos como para crianças,

nunca teve grande apoio, apesar de algumas publicações específicas sobre o assunto. Temos

algumas publicações da IPDA nesse sentido. Por exemplo, Manual Bíblico para a escola

dominical: abril a junho 1984 – 65p; Idem, outubro a dezembro de 1985 – 65p; idem, outubro

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a dezembro 1991 – 26p. (este último, para jovens e adultos). Temos, ainda, um exemplar da

IPDA para escola dominical datado de 2005 com o título: Fundamentos da fé cristã, 53p.

Ruth de Albuquerque Tavares (1997: 130-143) em sua tese de doutorado, no capítulo

V, sob o título: “Igreja Deus é Amor – um estudo de caso”, informa que “ficamos sabendo

que não há escola dominical nem para crianças e nem para adultos. As crianças se reúnem

para o ensaio do conjunto num dia da semana. Os adultos têm um dia na semana de estudo

bíblico, nas quintas-feiras”. Ainda nesse capítulo Tavares (p. 137) escreve: “observamos que

as crianças que ali estavam não se interessavam muito, pois algumas brincavam, outras saíam

e voltavam enquanto o culto se realizava. Não havia nada endereçado às crianças”.

Quanto aos adultos, podemos afirmar que, quando a pessoa deseja ser obreiro ou

obreira, então passará por um treinamento especializado. A IPDA ao longo de sua história

acabou por construir uma estrutura que contém traços de contínuo processo de

burocratização. Como em todo movimento que se institucionaliza, a IPDA também idealizou

formas pelas quais são treinados os seus obreiros, suas obreiras, os diáconos, presbíteros e

pastores, tema do próximo sub-item.

2.3.3 - Seleção e formação de obreiros

A Igreja Pentecostal “Deus é Amor” rejeita toda publicação “estranha” ou que

contrarie o ensinamento emanado do órgão controlador do “sistema”. A IPDA proíbe que seus

membros tomem contato com outras “doutrinas”. Há, até a proibição do membro freqüentar

qualquer outra denominação evangélica. De fato, o “Regulamento Interno” (IPDA, s/d, p. 55).

prescreve: Item K20 – OBREIROS – CURSOS. Obreiros ou membros não poderão fazer cursos de teologia e outros cursos bíblicos, ou aprenderem a tocar instrumentos em outros ministérios, por motivo de vários problemas já surgidos anteriormente. I Cor 15.33, I Cor 14.40.67

Um dos colaboradores68 da revista Ide, (junho de 2008: 13), editada pela Igreja

Pentecostal “Deus é Amor”, escreveu que:

“A graça e o conhecimento”, explicando sobre a Teologia, da IPDA: O único lugar onde se pode aprender alguma coisa sobre Deus é a Bíblia Sagrada. Alguns podem dizer: ‘Mas e os

67 O “Regulamento Interno” (R.I.) foi originalmente redigido com as abreviaturas dos textos bíblicos de forma inadequada. Atualmente, a “Credencial de Membro” reproduz as prescrições doutrinárias mais importantes, com as abreviações corrigidas. No texto de 1 Co 15.33 lemos: “Não vos deixeis iludir: “As más companhias corrompem os bons costumes.” Em nota de rodapé a Bíblia de Jerusalém esclarece que se trata de “Verso do poeta Meandro, talvez transformado em máxima popular” (BJ, 2002: 2014). 68 Revista Ide, ano 8 no. 14 – junho de 2008. (João Paulo Oliveira, p. 12-17).

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outros livros de autores evangélicos?’ Com certeza, para escrevê-los eles leram a Bíblia, concorda? Portanto, para se aprender alguma coisa sobre Deus é necessário estudar a Bíblia.

Até o ano 2000, quando deixamos a IPDA, o “Regulamento Interno” ainda não tinha

sido revisado. Relembramos, no entanto, que o interdito colocado pelo item K20 prejudica a

formação acadêmica e cultural de uma pessoa que é membro da IPDA. Na expressão “más

companhias”, incluiu-se a associação com os que procuram o conhecimento, isso porque a

teologia pode ameaçar a doutrina ou contrariar o pensamento da IPDA. Esse pensamento foi

oficializado por David Miranda, o qual, dessa forma, desqualifica os seus concorrentes,

considerando-os como “más companhias” que possam de uma forma ou de outra “corromper

os bons costumes” do seu rebanho.69 A IPDA, nos últimos anos, mostrou-se mais aberta à

questão da formação de seus obreiros, principalmente dos diáconos e dos presbíteros que são

os que celebram os seus ritos. Por exemplo, no mês de março de 2008, visitamos o Curso

Bíblico Deus é Amor (CBDA), que funciona à Avenida do Estado, 5000, bem próximo à Sede

Mundial. Naquela ocasião, seus alunos já atingiam a casa de 400, assistidos por 14

professores. O salão é amplo e não se assemelha a uma sala de aula, porque só tem cadeiras

plásticas. A coordenadora do CBDA chama-se Eunice Guimarães (cf. Ide ano 6 no. 12). “No

dia 15 de dezembro de 2007 foi realizada a cerimônia de formatura dos alunos do CBDA que

concluíram o último nível (Liderança) e dos que cursaram os cursos específicos (Oratória e

Escatologia)”.70

No início dos anos 1990, devido aos erros gritantes de português na fala de seus

pregadores, a IPDA montou o chamado Curso de Preparação de Obreiros (CPO). As aulas

visavam o ensino do vernáculo e da Bíblia. A IPDA não incentivava o encaminhamento de

seus membros aos Seminários Teológicos devido à restrição do comentado item K20. Já na

nova década a IPDA decidiu investir na formação teológica de seus obreiros. A revista Ide

(ano 1, no.1, Dez. 1999) não traz nenhuma referência a essa preocupação. Todavia, sete anos

após, em dezembro de 2006, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” informou que o CBDA –

oferece vários níveis de cursos.71

Desde sua fundação até a década de 80, ou seja, por cerca de 20 anos, a IPDA não

percebeu a necessidade de aprimorar os conhecimentos de seus obreiros. A característica para

69 Os grifos são expressões retiradas do texto bíblico 1 Co 15.33. 70 Revista Ide, ano 8 no. 14, junho de 2008: 10) 71 Ide, ano 8 no. 14, Jun. de 2008: 71. Os cursos oferecidos são os seguintes: Básico (Bibliologia I; Doutrinas Bíblicas I) - Intermediário (Bibliologia II; Doutrinas Bíblicas II) - Avançado (História de Israel; História do Cristianismo) - Missões (Evangelismo; História do Cristianismo) - Educação Cristã (Ética Cristã; Discipulado) - Liderança Cristã (Ética Pastoral; Liderança Cristã).

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a sua escolha era, em primeiro lugar, que tivessem o “dom de línguas”. Parece que esse

procedimento abriria caminho para simulação já que as expressões “orianda, surianda” são

repetidas em várias ocasiões por pessoas diferentes, entre membros da IPDA. No período em

que congregamos na IPDA não presenciamos alguém que interpretasse o que o Espírito queria

dizer com “orianda, surianda”. Em segundo lugar, a escolha de diáconos e de presbíteros se

dava por meio de testes aplicados aos que eram indicados para essa função: a regulamentação

consta dos itens K8 e K 11 do “Regulamento Interno” da Igreja. Além dessas prescrições, os

candidatos deveriam responder questões da Bíblia e do referido Regulamento. Os quesitos a

serem preenchidos são:

1) Diáconos: 22 anos de idade e oito anos após o batismo; ser submetido a uma prova e

acertar 70% de 10 perguntas.

2) Presbíteros: 25 anos de idade e de batismo; na prova, deve acertar 70% de 20

perguntas.

3) Pastores: só após 12 anos de batismo.

Os candidatos eram reunidos num salão e aqueles que tinham “dom de língua” iam

impondo as mãos sobre todos os candidatos que estavam ajoelhados em oração e a pessoa que

declaradamente não se manifestasse em “línguas estranhas” não participaria dos testes.

Questões que faziam parte dos testes: nome dos primeiros diáconos, e a passagem bíblica (At

6); quais foram as sete igrejas da Ásia e em que passagem bíblica se encontra o texto (Ap

1,2,3); como deve ser feita a contagem do dinheiro do cofre? Com quem fica o segredo e com

quem fica a chave?72

As bases teológicas ou bíblicas das exigências quanto aos membros comuns e aos

obreiros aparecem indiretamente entre o RI, o Manual de Obreiro e a “Credencial de

Membro”. Há o “Regulamento Interno”, hoje divulgado só para dirigentes de Igrejas. Antes

da década de 80, quando a “carteirinha” de membro era simples, o RI servia como seu

manual. No Manual do Obreiro, que serve como identidade eclesiástica na IPDA, há espaço

para anotação dos dízimos que o obreiro dá e outras instruções consideradas úteis ao seu

portador. Esse “Regulamento Interno” expressa todas as exigências que envolvem preceitos,

usos e costumes. Antigamente, utilizava-se o RI com 100 páginas que foi substituído pela

72 De acordo com as normas da IPDA, todo templo tem cofre tipo boca de lobo fixado sobre base de concreto. A chave fica com um membro e o segredo com outro membro. Nunca pode ficar com o dirigente nem com o tesoureiro. Mas o cofre só pode ser aberto na contagem do dinheiro e isso é feito na presença mínima de seis pessoas (RI, item S1, letra B-C, p. 89)

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“Credencial de Membro”. As livrarias dentro da IPDA não disponibilizam mais o RI aos

interessados e informa que prevalece o regulamento constante da “Credencial de Membro”.73

Nas últimas três décadas a IPDA revisou, pelo menos três vezes, o seu RI. As

alterações aparecem na “Credencial de Membro” que foi comparada com o antigo RI da

década de 80 e com o “Manual do Obreiro”. Os três documentos aqui comparados são os

seguintes: RI, sem data da década de 80; “Credencial de Membro”, de 2001 e a credencial de

2008. A atual “Credencial de Membro” (2008) traz prescrições a partir da letra A (batismo) p.

18 até a letra G20, p. 40 (várias recomendações) e está reproduzida em sua íntegra no final

desta Dissertação de Mestrado.74 A capa mostra a foto da atual Sede Mundial inaugurada em

2004 e que se localiza à Av. do Estado, 4568, na Baixada do Glicério, no centro da capital

paulista.

Como a maioria dos pentecostais, a IPDA não leva em conta os “Pais da Igreja” dos

primeiros séculos, nem a Reforma de Lutero e Calvino, muito menos os teólogos que os

sucederam. Nesse sentido, na falta de um embasamento teológico sobram as razões de ordem

prática. Inclusive os fariseus do Novo Testamento (Mc 7.3-4) podem ser lembrados, assim

como os dizeres de Flávio Josefo, um historiador judeu do primeiro século da nossa Era.75

Mc 7.3-4: os fariseus, com efeito, e todos os judeus, conforme a tradição dos antigos, não comem sem lavar os braços até o cotovelo, e ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se aspergir, e muitos outros costumes que observam por tradição: lavação de copos, de jarros, de vasos de metal. (BJ).

Pelo que podemos observar, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” tem regras bem

definidas para controlar não apenas seus membros, mas também toda a sua liderança. Sem 73 O regulamento anterior era mais completo, envolvendo desde a letra A (programa “A Voz da Libertação” da p. 1) até a letra T (trabalho – locação pecaminosa) da p. 98. A “Credencial de Membro” válida até 2001 começava com a letra B, p. 18 (batismo) e ia até a letra P, p. 33 (santificação), terminando com algumas recomendações até à p. 38, cuja última nota estabelece: “Brincadeira de amigo secreto que normalmente se faz no final de ano ou Natal, ou em festas, não é permitido pois se trata de um costume mundano. Hb 12.14 e 1 Ts 5.23” 74 Esse documento foi impresso e encadernado com a Bíblia comemorativa aos 40 anos da IPDA. Essa inserção busca dar legitimidade aos artigos do RI considerados equivalentes à Bíblia. (Dossiê “IPDA” item 24). 75 Flávio Josefo: Contra Apião II. 173-178, com referência ao apego à Lei e ao Templo diz o seguinte: “Nosso legislador teve todo cuidado em conciliar esses dois ensinamentos. Não deixou absolutamente sem explicação a prática dos costumes, nem aceitou que o texto da Lei ficasse sem efeito; a começar pela primeira educação e pela vida doméstica de cada um, não deixou nada, nem o mínimo pormenor, à iniciativa e à imaginação dos súditos; até os alimentos de que é preciso abster-se ou que se podem comer [...] Porque ele não deixou lugar à desculpa de ignorância; ele proclamou a Lei como o ensinamento mais belo e mais necessário; não é uma vez, nem duas, nem várias, que é preciso entender isso; mas ele ordenou que toda semana, abandonando todos os outros trabalhos, as pessoas se reunissem para escutar a Lei e aprendê-la exatamente de cor.[...] Assim, desde o despertar da inteligência, o estudo aprofundado das leis grava-as por assim dizer em nossas almas, raramente alguém as transgride, e nenhuma desculpa conseguiria afastar o castigo.” (Flávio Josefo. (VV.AA.) - Uma testemunha do tempo dos Apóstolos Em: Documentos do Mundo da Bíblia – 3 São Paulo, Paulus, 1986: 38).

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prejuízo dos rigores de seus preceitos e da inflexibilidade de suas punições; nota-se que há

absoluta obediência às normas impostas de cima para baixo, sem participação democrática na

elaboração deles. Nesse sentido, a IPDA tem pouco a dever às suas raízes judaicas,

especialmente se compararmos os 613 preceitos do Talmude com as mais de 300 normas da

IPDA. O segredo da salvação para os judeus está na obediência; na Igreja Católica a salvação

precisa ser alcançada pelas promessas, pelas missas e pelo esforço pessoal de cada um na

Igreja: “fora da Igreja não há salvação”. Essa máxima também está presente na IPDA. Assim,

parece que a doutrina arminiana, ou das Igrejas Holiness, permeia todo o ensinamento de

David Martins de Miranda que combina essas duas teologias. Todavia, é bom que

examinemos a distinção que Donald Dayton (2006: 1) faz entre os pentecostais e as Igrejas de

Santidade, numa tradução livre que fazemos:

Algumas das diferenças podem ser vistas na caricatura em que as Igrejas de Santidade enfatizam a “graça” ou os “frutos” do Espírito, enquanto que as Igrejas Pentecostais colocam mais forte peso nos ‘dons’ do Espírito, especialmente “cura divina” e glossolalia.

A seguir, examinaremos como esses preceitos são divulgados pela música, pelo

hinário e pela gravadora “A Voz da Libertação”.

2.3.4 – A música como auxiliar da doutrinação

O ser humano inseriu a música em sua cultura desde os primórdios. É provável que

tenha surgido logo após as danças cujo acompanhamento era ritmado por tambores

rudimentares e chocalhos; ou que os pássaros tenham inspirado o ser humano a reproduzir

seus sons a partir de flautas e instrumentos de cordas rudimentares adaptadas em corpos ocos

como cabaças, cocos (exemplo: berimbau), além de outros. A música acompanha o ser

humano em todas suas manifestações. Por essa razão, há música sacra, música fúnebre,

música clássica e música popular. Conforme as circunstâncias, toca-se ou canta-se

determinada música. Cada nação tem seu hino nacional que é tocado ou cantado em todas as

cerimônias oficiais e importantes. Toda cultura ou sociedade tem sua música folclórica que

reflete usos, costumes e principalmente crendices do povo. A música é parte introdutória nos

cultos mágicos, precedida de toques de tambores e outros instrumentos. Toda religião utiliza-

se dos recursos musicais em suas liturgias. Quase todas adotam seus hinários próprios que

refletem boa parte de sua tradição, de sua doutrina ou de seus usos e costumes. Jacqueline

Ziroldo Dolghie (2007: 13) estuda a questão da origem dos corinhos, ligando-os às

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instituições paraeclesiásticas.76: “no fim dos anos 50, o campo protestante foi penetrado por

outros grupos musicais intimamente relacionados com a chegada das instituições

paraeclesiásticas, que introduziram, no protestantismo os chamados “corinhos”. Por uma

questão de estilo rural, tanto por parte de David como de Ereni Miranda, o casal deu o tom

para os tipos de músicas que deveriam ser divulgadas na IPDA. Seus corinhos simples, alguns

adaptados dos hinários tradicionais como Harpa Cristã, Salmos e Hinos, Cantor Cristão, e

outros mais, servem para animar os cultos, sempre acompanhados de palmas ritmadas.

Tampouco DM adota a música gospel nos seus cultos, apesar de que sua banda toca e canta

alguns números, sempre de autoria interna da IPDA.

A IPDA, nas duas primeiras décadas de existência de sua gravadora explorou bastante

a música de estilo rural, mas na atual década seus CD’s seguem o modernismo da música

eletrônica. Segundo Dolghie (2007: 216): “A música gospel firmou-se como tal, nos anos 90

quando a Igreja Renascer em Cristo patenteou a marca ‘gospel’ e começou um amplo trabalho

de divulgação na mídia.” A IPDA tem sua própria gravadora na manutenção dos seus ensinos

por meio das mensagens veiculadas pelas músicas. Cabe ainda ressaltar que os ensinamentos

de DM incidem com muita força sobre usos e costumes. Daí suas exigências sobre o

vestuário, o corte de cabelo, barba e bigode, enfeites, sapatos, cintos, gravatas, e tantas outras

coisas que para a sociedade faz pouca diferença, mas que para DM têm a maior importância

por se tratarem de elementos distintivos de que possui ou não a santificação. As primeiras

gravações da IPDA foram feitas com a esposa de DM, Ereni Miranda e suas filhas ainda

crianças Débora e Léia, que faziam dueto. Muitas músicas foram gravadas pelas duas irmãs

até 2005. Com a cisão da IPDA por parte do genro de DM, Sérgio Sóra, que é casado com

Léia, cessaram as gravações e os duetos “Débora e Leia”.

Com o crescimento da IPDA, surgiram alguns cantores e cantoras que, antes de

gravarem suas composições, cediam todos os direitos à gravadora de DM. Essa gravadora é,

atualmente, de propriedade particular de DM e encaminha toda sua produção às diversas

congregações e igrejas sedes de regiões, as quais revendem aos fiéis. O controle da venda é

feito por um relatório à parte da Igreja (Livraria) e mensalmente cada responsável presta conta

do que foi vendido e envia relatório do “estoque” remanescente. Por esse relatório, a Sede

Mundial da IPDA onde se localiza o “Almoxarifado Central”, envia novo lote de discos, fitas,

CD`s, etc. Dessa forma, DM tem uma receita adicional advinda da venda desses artigos.

Dificilmente se encontram discos, fitas ou CD’s em lojas. Foi encontrado apenas um disco da

76 Tese de doutorado: Por uma sociologia da produção e reprodução musical do presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto.

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cantora Débora Miranda numa pesquisa que fizemos em várias lojas de artigos religiosos na

Rua Conde de Sarzedas, a rua onde se concentram lojas que vendem Bíblias, livros, discos,

fitas, CD’s e todos os demais artigos religiosos, especialmente de pentecostais. Mas parece

que, na origem, a gravadora não pertencia a David Miranda. Pelo menos é o que indica a

gravação mais antiga que chegou às nossas mãos.

Ao ouvir a quinta faixa do lado A do LPAM 084 de 1981, o cantor André de Paula

agradece à proprietária da “Gravadora Deus é Amor”, Araci Miranda, responsável pela

produção e direção daquele LP. De fato, trata-se do LP mais antigo que foi localizado por esta

pesquisa até este momento. É provável que a gravadora tenha mudado de nome e de

proprietário entre a década de 80 e 90 ou que o cantor estivesse equivocado em sua

homenagem. Em recente reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, Araci Miranda (irmã de

DM) informa que está estabelecida vendendo discos e artigos religiosos na Rua Conde de

Sarzedas desde a década de 50; portanto, bem antes da fundação da IPDA. O folheto

distribuído na loja menciona 118 títulos de músicas evangélicas, porém, nada da IPDA existe

para venda nessa loja; apenas o título “Deus é Amor”, sem o tradicional arco-íris da IPDA.

Quando estivemos em dezembro de 2008 visitando Araci e seu esposo Deamiro, soubemos

que realmente eles viviam em atritos e só fizeram as pazes agora em 2007, quando David

Miranda os visitou e, segundo eles, pediu desculpas por alguma coisa passada. Pode ser que a

gravadora seja um dos motivos do estranhamento. Hoje, Araci congrega na Sede Mundial da

IPDA e está de bem com seu irmão. Mas continua divulgando o nome de sua “Gravadora

Deus é Amor”, enquanto que DM trabalha com a gravadora “A Voz da Libertação”.

Muitas são as afirmações dando conta de que os hinários das Igrejas são expressão de

suas doutrinas. Esta pesquisa caminhou nessa direção com o estudo de 236 faixas dos hinos

da IPDA, não sendo possível comprovar completamente essas afirmações. Porém, esta

Dissertação de Mestrado conseguiu resgatar gravações feitas pela IPDA a partir de 1981, as

quais representam um pouco da doutrina e dos usos e costumes que são refletidos nas músicas

gravadas em discos, fitas cassetes, CD´s e também nas músicas escritas nos hinários da IPDA.

A música e os hinos na IPDA estão mais centrados nas atividades da gravadora “A Voz da

Libertação”. São raras as apresentações de grupos de louvor nos cultos das tardes de domingo

quando DM prega. Por exemplo, no culto do dia 24 de junho de 2007 não se apresentou

nenhum grupo de louvor. A antiga banda, da década de 80 e 90, dirigida pelo maestro “Zé da

Banda”, agora foi substituída por uma orquestra filarmônica que se apresenta em ocasiões

especiais. (Coelho, 2006: 12-16).

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2.3.4.1 – Banda e orquestra

Os jovens também se apresentam com sua banda, porém, sem a bateria que é proibida.

Seus instrumentos básicos são: teclado, baixo guitarra. Até a bateria eletrônica é proibida.

Quem apóia o movimento dos jovens com sua banda é o pastor Lourival de Almeida, genro de

DM - Lourival é casado com Débora Miranda. A banda costuma se apresentar nas igrejas da

IPDA e em concentrações com o pastor Lourival de Almeida. Como essa banda vem atuando

desde a década de 80, seu desempenho é bom, levando-se em conta que o pastor Lourival de

Almeida é bastante rigoroso com seus músicos, inclusive nas mensagens transmitidas pelas

letras das suas músicas. Lourival de Almeida também não permite aquelas pregações paralelas

que se notam nas demais bandas pentecostais que se apresentam em outras denominações e

que prejudicam a mensagem central do pregador do dia, mas que animam os fiéis. Muitas

denominações contratam o seu ministro do louvor que, segundo Dolghie (2007: 319, 321),

tem 70% de preferência contra 15% dos que querem ouvir a mensagem. Parece que a IPDA,

pela estratégia de Lourival de Almeida, consegue lidar bem com esse problema:

Mais do que nunca a autonomia do momento de louvor é visível. A condução no ministro de adoração é altamente carismática, mas o que se acentua, neste modelo, é sua atuação performática, porque a apresentação das bandas também o é. [...] Com essa estratégia, evita-se o conflito entre os tipos de dominação religiosa e elimina-se a concorrência com o sacerdote, porque tanto a música quanto a prédica são dirigidas por ele. Por tal motivo, mesmo a exorbitante diferença entre a preferência do louvor de 70% em relação à prédica em 15% não representa uma ameaça ao sacerdócio.

A orquestra filarmônica da IPDA, denominada Orquestra Filarmônica da Sede

Mundial (OFSM) é regida pelo maestro Paulo de Tarso Coelho. No culto de 30 de março de

2008, a orquestra estava composta por 11 violinos, um baixo, um violão, um teclado, 11

instrumentos de sopro e quatro instrumentos de percussão. Segundo o maestro, os músicos

devem ser necessariamente membros da IPDA ou filhos de membros. Apenas um músico

aparentava 30 anos. Os demais eram jovens, inclusive uma menina de aproximadamente 10

anos. Gênero: 14 mulheres e 17 homens, incluindo o regente da orquestra. As aulas

acontecem todas segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras. Deixamos de apreciar o

desempenho da orquestra porque foi criada recentemente e seus músicos ainda estão em fase

de aprendizagem. Mas, como me disse um maestro amigo, é muito difícil reger uma orquestra

quando a assistência acompanha por palmas, como é costume na IPDA. Nesse detalhe,

notamos a dificuldade do regente durante o culto que assistimos, pelo desencontro do ritmo

das palmas e do compasso que ele procurava imprimir na sua regência. Essa interferência do

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externo na produção musical da orquestra desaparece nas gravações da gravadora “A Voz da

Libertação”.

2.3.4.2 – Discos da gravadora “A Voz da Libertação”

Para dar conta do item sobre a importância das músicas produzidas e vendidas na

IPDA, para a doutrinação e expansão da Igreja, pesquisamos também os discos lançados pela

IPDA desde 1981 até 2006. Identificamos algumas novidades nessa pesquisa. A primeira fala

sobre a proprietária da gravadora que era Araci Miranda, irmã de David Miranda. Nossa

pesquisa não conseguiu localizar um disco da gravadora “A Voz da Libertação” com data

anterior a 1981; tampouco pesquisamos quando esta gravadora começou a operar. Araci

Miranda divulga em sua loja que é proprietária da gravadora “Deus é Amor”, enquanto que

David Miranda é proprietário da gravadora “A Voz da Libertação”. A segunda novidade é que

naquela época o endereço da Sede Mundial era na Rua Prefeito Passos, onde DM adquiriu a

primeira propriedade de quatro mil metros quadrados que mais tarde se juntaria a pouco mais

de 22 mil metros quadrados, que hoje representam a totalidade de quase 27 mil metros

quadrados no atual endereço oficial da IPDA: Avenida do Estado 4568.

Na questão do louvor, notamos quando da nossa visita em 2008 que a liturgia do culto

na Sede Mundial não mudou ao longo das últimas décadas. O louvor é pouco valorizado nos

cultos da IPDA, exceto quando a banda se apresenta nas concentrações. A pregação é baseada

em curas divinas, exorcismo e batismo com o Espírito Santo (dom de línguas). Em paralelo,

pregam diferentes campanhas para as quais são requeridos votos de ofertas. A pregação sobre

o dízimo, e a entrega desses envelopes dentro dos quais a pessoa deve trazer os 10% do seu

ganho acontece em todos os cultos. Porém, há raras citações sobre dízimos, ofertas, curas,

exorcismo e dom de língua nos hinos e nas gravações que pesquisamos.

Entre essas gravações, a de maior procura é o pequeno compacto de David Miranda

sobre cura. Ela assemelha-se a um amuleto, devido ao seu emprego por parte dos membros da

IPDA. São muitas as edições desse compacto, que nunca traz data. A ilustração seguinte

reproduz uma versão dos anos 1980, com o Missionário ainda jovem. Esse disco era usado

como um desencadeador da fé que curaria o enfermo. Ao enfermo era recomendado colocar o

compacto no toca-disco para rodar na face A e, ao mesmo tempo, colocar a mão sobre a

enfermidade ou a capa do disco sobre o local doente. Se possível, quando esta gravação

estivesse sendo transmitida pelo rádio, dever-se-ia colocar um copo com água sobre o rádio,

orando junto com DM. Se a cura viesse acontecer a pessoa deveria ir à Sede Mundial da

IPDA ou a uma das Igrejas “Deus é Amor” para contar a bênção e gravar seu testemunho.

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Ilustração no. 1 – Capa do disco com pregação e oração de DM

Para melhor explicação sobre os discos apresentados, eles foram enumerados como

seguem:

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[15] VLLP 116. A mesma mensagem do compacto aparece no VLLP 116 – “Sacrifício

Vivo”, lançado em 1988. A oração é a mesma do pequeno compacto da década de 80, além da

pregação em Romanos, capítulo 12, mais coral e alguns corinhos.

Uma vez feito o destaque do disco mais procurado e mais utilizado pelos membros da

IPDA, passamos a expor o resultado da pesquisa realizada nos demais discos. Conseguimos

pesquisar 236 faixas de discos lançados pela gravadora “A Voz da Libertação”. De um total

de 1535 ocorrências, tabulamos 1307, ou seja, 85%, cujo resultado aparece logo abaixo. As

outras novidades sobre a pesquisa das gravações e dos hinos ficam por conta das

características dessas mensagens, que mostram a IPDA com um enfoque cristocêntrico e

escatológico. É o que indica a tabela apresentada a seguir:

Tabela 3 - LP’s mais representativos

[1] – LPAM77 de 1981, “Espada de dois gumes”, o mais antigo, época em que a proprietária

da gravadora era Araci Miranda, irmã de DM, conforme faixa 5 “Minha homenagem”.

[2] – Um dos mais recentes, é um CD lançado em setembro de 2006, “Lágrima escondida”.

[3] 11,2% (Jesus) Exemplo: VLLP 16778 El Sembrador

[4] 10,8% (Escatologia) Exemplo: VLLP 140 – Canção do Exílio

[5] 6,3% (Deus) Exemplo: VLLP 202 – Filadélfia

[6] 6,1% (Fé) Exemplo: VLLP 194 - Cristãos

[7] 5,5% (Oração) Exemplo: VLLP 122 – Oitenta portas

[8] 5,1% (Pecado) Exemplo: VLLP 125 – Luz do mundo

[9] 4,1% (Amor) Exemplo: VLLP 137 – Bendizei ao Senhor

[10] 3,8% (Evangelização) Exemplo: VLLP 175 – Eu creio

[11] 3,8% (Alegria) Exemplo: VLLP 129 – Armadura de Deus

[12] 3,5% (Coração) Exemplo: VLLP 169 – Coração quebrado

[13] Corinhos da IPDA79

Há uma interessante contribuição de Dolghie (2007: 205) sobre a origem dos corinhos

cantados nas igrejas brasileiras que ela denomina paraeclesiásticas como segue:

77 LPAM são as siglas de Long Play Araci Miranda 78 VLLP são as siglas de Voz da Libertação Long Play 79 IPDA publicou o “Livreto de Corinhos” (Nova Edição) contendo 177 corinhos, repetindo alguns cânticos da Harpa Cristã.

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No entanto, os primeiros corinhos, seguindo o que aconteceu com os hinos, eram traduções e adaptações de canções americanas, que aos poucos foram servindo de modelo para composições brasileiras. A teologia desses novos cânticos, acompanhava a teologia das paraeclesiásticas, que, por sua vez, não era muito diferente da teologia missionária do período da inserção protestante no Brasil. Assim, características como pietismo, individualismo, salvação pessoal e apelo emocional continuaram a constituir o conteúdo dos novos cânticos.

Tabela 4 - Principais temas dos hinos por quantidade de menções

TEMAS

NÙMERO DE

MENÇÕES

PERCENTUAL

SOBRE O TOTAL

Alegria + alegre + feliz 58 3,8

Alma oprimida + pecado + desviado 78 5,1

Amor 63 4,1

Bênção + Graça 35 2,3

Bíblia + evangelho + pregação 41 2,7

Clamor + oração + súplica + intercessão 83 5,5

Coração 60 3,5

Cura 29 1,9

Deus 98 6,3

Diabo + inimigo 32 2,1

Confiança + esperança + perseverança + fé + fiel 95 6,1

Escatologia + salvação + ressurreição + N.Jerusalém 165 10,8

Espírito Santo + batismo c/ fogo + novas línguas 26 1,7

Evangelização 57 3,8

Igreja 30 2

Jesus, Cristo, Salvador 173 11,2

Lágrimas + prantos 27 1,7

Louvor 36 2,3

Paz 33 2,2

Perdão 23 1,5

Santa Ceia 44 2,9

Vaidade (saia curta, pintura) + vÍcios (jogo, etc.) 21 1,4

Sub total pesquisado 1307 85

Outros 228 15

TOTAL GERAL 1535 100

Os dados acima demonstram que a IPDA tem mensagem essencialmente

cristocêntrica, porque a maior incidência encontrada nesse item representa 11,2%. É também

uma Igreja com pregação fortemente escatológica, porque 10,8% das ocorrências referem-se à

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salvação, ressurreição e Nova Jerusalém. Ao contrário do que se ouve falar, o exorcismo ou a

expulsão do diabo tem pouca freqüência na pesquisa acima, porque representou apenas 2,1%.

Da mesma forma, não identificamos, nos hinos pesquisados, grande incidência de menções

sobre a cura divina, tão explorada nos cultos e em todos os templos da IPDA. Esse item

representou apenas 1,9%.

Tabela 5 - Concentração dos principais temas nos hinos pesquisados

TEMAS PERCENTUAL

Intercessão e confiança 15,4

Jesus 11,2

Evangelho e salvação 7,5

Deus 6,3

Oração e súplica 5,5

Igreja 2

Afirmação de fé 1,9

Espírito Santo 1,7

Na tabela acima fica evidenciado que a intercessão e a confiança foi o objetivo

principal dos cantores, autores e divulgadores das mensagens da IPDA por meio da gravadora

“A Voz da Libertação”. Nesse item procuramos enquadrar a oração, a exortação, o clamor, a

súplica e outras menções correlatas, que somam juntos algo como 21% das mensagens.

Do ponto de vista doutrinário e exortativo, o LP mais rico é o VLLP 122 – “Oitenta

portas”, uma homenagem ao templo antigo (fábrica) que possuía 80 portas. Esse LP

contempla 69 ocorrências do total de itens pesquisados e está presente no bloco das 60,2%.

Pode-se deduzir que esse autor, senão o único, identificou os principais pontos doutrinários da

IPDA. Contudo, a IPDA dá grande valor à ação do Espírito Santo na revelação e também na

cura e no exorcismo. Todavia, esses três quesitos não estão entre os dez mais importantes

porque representam respectivamente 1,7%, 1,9% e 2,1%. Deve-se levar em conta que os

preceitos doutrinários que aparecem no “Regulamento Interno” da IPDA não foram

contemplados nas mensagens da gravadora “A Voz da Libertação” como se esperava. Apenas

identificamos 228 menções, de um total de 1535 pesquisadas, o que representa 15,2% das

ocorrências.

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Apesar da relevância do tema “música e louvor” e da forte atuação de DM por meio da

vendagem de discos no seu “mercado interno” por meio de suas livrarias instaladas no interior

dos templos da IPDA, entendemos que a maior concentração de esforços de David Martins de

Miranda esteja baseada na mídia radiofônica, que apresentaremos no próximo item.

2.4 – O uso da mídia

Podemos afirmar que foi a partir de 1450 que os cristãos tiveram seu grande momento

quando Gutenberg (Johann Gensfleisch zur Laden ou zum Gutenberg 1390-1468) imprimiu a

primeira Bíblia. Todavia, só em 1517, com Lutero, e com a Reforma, começou a divulgação

da Bíblia em alemão, posteriormente em vários idiomas. A imprensa veio permitir, então, que

os reformadores começassem a publicar folhetos, livros e hinários para dar suporte ao

incipiente protestantismo que enfrentava o catolicismo cujas fontes de divulgação ficavam

concentradas no clero, e somente em latim. Todavia, podemos considerar que o processo de

divulgação, a partir da Idade Média, exceção feita à oralidade e à escrita manual, deu-se em

três etapas, entrando agora na quarta etapa.

A primeira etapa foi a escrita pela imprensa com tipos móveis de Gutenberg. A

segunda etapa viria com a eletricidade e o invento do rádio. A terceira etapa, com a televisão.

Hoje, com a Internet, entramos na era da informática com divulgações online, que atuam com

todo o dinamismo que a sociedade requer nesses tempos de modernidade. A religião não

poderia deixar passar ao lado essas grandes descobertas sem se aproveitar dos seus benefícios.

A humanidade experimentou, com o rádio, uma das maiores revoluções na área da

comunicação. O início do século XX foi sacudido com a grande novidade da comunicação em

tempo real. Se de um lado a escrita permitiu que os povos antigos deixassem suas memórias

gravadas em pedras, placas de barro, em papiros e pergaminhos e, mais tarde, no papel, por

outro lado, o rádio colocou, independentemente da distância, pessoas, povos e nações em

contato constante e imediato. Dele se valeram as nações para as mais diversas formas de

comunicação.

O uso do rádio na evangelização também teve seu momento de glória com um

pregador carismático chamado J. Charles Jessup nascido em 1916. O texto de J. Peter Boyer

(1999: 64-83)80 esclarece que esse pregador era bastante excêntrico, tornou-se milionário e

caiu em desgraça. Começou por tentar transportar dinheiro dentro do estofamento de seu

80 Homem milagre. Memórias americanas. – Tradução livre que fazemos do texto em inglês.

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automóvel. Esse pregador tornou-se modelo para um filme, O Apóstolo,81 apresentado em

TV’s e também em cinemas. Jessup, em 1933, após prolongado jejum, sentiu a presença de

Deus que lhe conferiu o dom de cura. Pessoas curadas jogavam o remédio fora. Sua desgraça

começou quando ele pediu insistentemente dinheiro, por meio de cartas aos ouvintes para

pagar programas de rádio, mas descobriram que ele já havia quitado adiantado o pagamento

de alguns meses. Ao contrário de David Miranda, que ora pelo rádio, Jessup pedia cartas e

envelopes com contribuições, prometendo orar em favor de cada remetente.

Os críticos diziam: “como orar por 30.000 remetentes?” David Miranda inova quando

ora pelo rádio, mas o sistema de ofertas para a IPDA se dá por dízimos e envelopes de votos

das inúmeras campanhas incentivadas por todos os pregadores e pelos locutores do programa

de rádio “A Voz da Libertação”.82 A estratégia de Jessup era diferente: explorava o

departamento de Correios, dizendo-se “um homem de Deus”, remetia milhares de cartas a

preço subvencionado. Uma pessoa curada deu-lhe de presente um automóvel Lincoln

Continental de 12 cilindros. Mas Jessup acabou sendo incriminado por explorar as pessoas

pelas cartas e não por fraude de impostos, porque diziam os fiscais do imposto de rendas: “é

impossível saber quanto dinheiro entra numa igreja.”

O autor comenta sobre o lucrativo “ministério do rádio”, que enriqueceu o Reverendo

Jessup. Quando de sua condenação em 1969 a um ano de prisão, o juiz mencionou seus

cadillacs, aviões e barcos, adquiridos com dinheiro vindo de pessoas a quem ele escrevia. Em

seguida, o juiz, em tom de zombaria, leu uma das cartas retidas pelo Departamento de

Correios que estava monitorando correspondências de Jessup: “Lágrimas estão correndo de

minha face enquanto eu escrevo”. Noutra carta, o juiz leu: “Oh, pense! Deus envia uma

profecia para você”. Cumprida sua pena, Jessup, tendo perdido tudo, conseguiu o emprego de

zelador numa propriedade. Morreu em 1993. Esse texto conclui afirmando que os

aproveitadores da fé do povo conseguem o seu intento, em proveito próprio, sendo o rádio

uma grande arma nessa batalha para a obtenção de riqueza. David Miranda tem tido sucesso

81 Trata-se do filme: The Apostle (O Apóstolo), (1997), que descreve a história de um pastor, cuja esposa o traiu. Agrediu o amante da esposa, deixando-o em coma, fugiu para outra cidade. Incógnito fundou uma igreja que cresceu na base de programação de rádio. Por se tornar muito conhecido, acabou sendo descoberto pela polícia que o prendeu. A apropriação do exemplo de um homem cheio de defeitos (Jessup tinha uma vida bastante desregrada) com esse pastor criminoso, e a falta de cuidados com a própria família, parece ser a mensagem do filme. 82 Campos (1982: 107) esclarece que “O esquema de negociação se dá ainda na chamada ‘campanha dos sete dias’, que funciona assim: o problemático assina um compromisso de freqüência à Igreja e de contribuição durante 7 dias. Assinar uma campanha e cumprir o voto é encarado como uma excelente preparação para receber o milagre.”

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em seus empreendimentos que se englobam sob as operações da sua atividade radiofônica,

assunto que analisaremos a seguir.

2.4.1 – A IPDA e os programas de rádio.

O uso do rádio, desde sua descoberta, foi bastante útil na tarefa de evangelização. Sua

influência se fez sentir também no Brasil, embora um pouco mais tarde do que nos Estados

Unidos da América do Norte e na Europa. De acordo com Muriel Valência (2008: 15):

As primeiras demonstrações de rádio foram feitas em 1922 na então capital do País, o Rio de Janeiro. No dia 7 de Setembro daquele ano o presidente Epitácio Pessoa fez a primeira transmissão brasileira, em que seu discurso chegou às poucas pessoas dos primeiros rádios de galena. Mas foi em 20 de abril de 1923 que os pioneiros Edgard Roquete Pinto e Henrique Moritze fundaram a primeira rádio brasileira: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com o prefixo PRA-A.

Esse extraordinário meio de comunicação foi utilizado por DM desde que começou

suas atividades como líder religioso de sua denominação pentecostal. Campos (1982: 112)

havia identificado essa estratégia que proporcionou o rápido crescimento da IPDA, ancorada

em seus programas de rádio divulgados pela “A Voz da Libertação”:

O sucesso do programa se deve à existência de uma situação econômico-social que favorece, criando continuamente novos enfermos e impulsionando-os à procura de um milagre qualquer. Por outro lado usando técnicas já assimiladas pela sociedade, seu trabalho se torna facilitado, agindo à sombra de formas tradicionais (religiões mágicas e catolicismo popular) de solução de aflições. As técnicas persuasivas presentes no programa lhe dão a característica de ser porta-voz de uma empresa especializada na produção e comercialização de bens religiosos, dentro dos mecanismos da sociedade capitalista de consumo.

David Miranda confessa que foram as concentrações em cinemas, teatros e praças que

lhe proporcionaram meios para investir em programas de rádio. Em sua entrevista, por

ocasião do lançamento da primeira revista Ide83, DM afirmava:

Deus preparou um meio de evangelizarmos através de concentrações nos cinemas, nos teatros, nos clubes e aí começou a nossa experiência de evangelização, com as concentrações de milagres, de curas divinas. Aí Deus começou a mandar muita gente para estes locais e a Igreja começou a reagir. Porque então ela começou a ter possibilidades financeiras de ter mais horários de programas de rádio, de distribuirmos mais folhetos, enfim foi nessa época, oito anos depois, que a obra começou a crescer.

A IPDA pode se orgulhar do seu eficiente trabalho realizado em seus inúmeros

programas de rádio, não só em suas emissoras próprias como em programas contratados e

83 Ide ano 1 no.1, Dez. 1999. p. 13

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outras emissoras. Desde os primeiros momentos de funcionamento de sua Igreja, DM

percebeu que o rádio seria a alavanca para as curas ou o ponto de apoio para levantar sua

denominação. Talvez seguindo o exemplo de Manoel de Mello, que desde janeiro de 1956

tem seu programa de rádio A voz do Brasil para Cristo, tema estudado por José Hélio de Lima

(2008: 73), David Miranda (1992: 67ss) informou que seu primeiro programa de rádio foi um

programa de 15 minutos, três vezes por semana na Rádio Industrial que ficava no bairro do

Butantã. “Alguns dias depois, conseguimos mais 12 minutos na Rádio Cacique de São

Caetano do Sul, também três vezes por semana” (Ibidem, p. 68). O terceiro programa foi em

sua filial de São José dos Campos, na Rádio Piratininga, todos os domingos das oito às nove

horas (Ibidem, p. 69).

Campos (1996: 217) ao escrever sobre o pentecostalismo, que nos anos 50 começou a

utilizar-se dos recursos do rádio para difundir suas mensagens, cita a liderança de Manoel de

Mello, seguida depois por David Miranda, sendo que este último criticava seu “concorrente”,

pelo menos por duas razões: Mello tinha um vasto bigode e vivia se envolvendo com

políticos. Já a doutrina da IPDA impedia que seus membros usassem barba e bigode e que se

envolvessem com a política. Quanto ao uso do rádio, Campos informava que no Brasil, a ligação sólida com o rádio se deu nos anos 50, com a fusão de características do “pentecostalismo clássico” com o movimento “de cura divina”, cuja expansão gerou imediata resistência do protestantismo histórico. Impossibilitados de continuarem usando templos pertencentes às denominações já estabelecidas e aproveitando-se da experiência do movimento de “cura divina” dos Estados Unidos, os missionários Harold Williams, Raymond Boatright e outros pregadores estimularam o emprego com intensidade das emissoras de rádio como estratégia de apoio às concentrações então realizadas em tendas de lonas, divulgação das curas divinas e contato com um rebanho disperso por inúmeras cidades do interior do País. Naqueles primeiros dias do movimento de cura divina no Brasil, no ABC paulista, um pregador alemão, Ernesto Grimm divulgava pelo rádio as principais idéias do movimento.

Duncan Alexander Reily (2003: 366 e 435) identificou a estratégia dos pentecostais

por meio do rádio, comentando seu crescimento:

O movimento continua em franco crescimento, facilmente constatável pelo uso maciço do rádio. Por exemplo, “A Voz da Libertação” diariamente das 4 às 9 h. E do meio-dia às 17 h., do missionário David Miranda, e o programa diário de Manoel de Mello na Rádio Tupi, São Paulo.

O site da IPDA acessado em agosto de 2008 indica que ela mantém programação de

rádio no Exterior em 14 países e no Brasil, nos 24 estados, incluindo o Distrito Federal. Essa

relação acha-se incorporada aos anexos no final desta Dissertação de Mestrado, conforme

Dossiê “IPDA” no. 6.

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Campos (2004: 156) escreveu um texto para a Revista USP, ocasião em que teceu

comentários sobre o sucesso de David Miranda com o rádio:

Os seus estúdios estão localizados em sua Sede Mundial, um amplo e luxuoso templo construído no local de uma antiga fábrica desativada, próximo da praça da Sé, no centro de São Paulo, inaugurado em 1o./1/2004, após um investimento da ordem de R$ 25 milhões de reais. Deles saem as vozes do “consagrado homem de Deus” David Miranda, de seus presbíteros, evangelistas, filhas, filho, genros e obreiros, ecoando por toda a América Latina através de centenas de horas diárias de programação radiofônica, transmitidas por cerca de 20 emissoras de propriedade do próprio grupo e por centenas de outras com horários comprados em todo o Brasil e América Latina.[...] Mas a que atribuir o sucesso da programação radiofônica dos pentecostais? Temos trabalhado com a hipótese de que houve um casamento ideal entre pentecostais e rádio no Brasil por causa da cultura da oralidade que aqui se desenvolveu. Ora o rádio cria a possibilidade de o ouvinte gerar as suas próprias imagens mentais, tornando-se assim cúmplices ou um agente ativo no processo de comunicação, enquanto preenche com as suas fantasias e desejos os claros do discurso da linguagem falada.

Misticismo e magia também são transmitidos pelas ondas do rádio quando se pede ao

ouvinte que coloque um copo com água sobre o rádio para receber a oração do locutor: o

poder mágico da oração alcançará a água que, ao ser tomada, curará o enfermo. Na década de

90, pertencendo ao quadro de diáconos da IPDA, durante vários meses fizemos o programa de

rádio da “A Voz da Libertação” que era transmitido diretamente do estúdio C da Sede da

IPDA na Av. do Estado, no bairro do Glicério, no centro da capital paulista. Nesses

programas, era norma pedir à pessoa ouvinte que fosse colocado sobre o rádio um copo com

água para receber a unção do Espírito Santo na hora da oração do locutor ou quando o

Missionário David Miranda orava. Quando acontecia a cura, a pessoa curada era convidada a

vir ao estúdio da IPDA para contar a bênção. Nossa locução ia das 18h à meia noite dos dias

da semana. Na locução, havia constantemente dois locutores e um técnico que colocava as

músicas no ar ou as mensagens de DM no ar. Sempre que possível o técnico colocava

testemunhos que começavam com a expressão: “conta a bênção, irmão” no ar ou a agenda da

semana de David Miranda. Era comum receber ligações telefônicas fora do ar para

aconselhamento e oração em favor de quem telefonava. Um locutor estava sempre alerta,

avisando àquele que estava usando o microfone para citar as campanhas da semana e a agenda

de pregação do Missionário David Miranda, que era como ele gostava de ser chamado. DM

também apreciava quando alguém o anunciava como o “consagrado homem de Deus

Missionário David Miranda.” Campos (2002: 104) abordando essa mesma questão observa

que: Uma nova forma de manifestar a conversão entre os novos pentecostais é a gravação dos “testemunhos de fé” (como se fossem ex-votos apresentados nos santuários pertencentes ao catolicismo popular) para programas de emissoras de rádio e televisão ou então para o jornal da Igreja. Por exemplo, a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” que somente usa o rádio como meio

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de propagação de sua mensagem, tem um quadro em seus programas radiofônicos em que um pastor-locutor desencadeia o discurso do convertido com um refrão: “conte a bênção irmão”.

Hugo Assmann (1986: 163) ao comentar sobre as curas e os milagres assim se

manifesta: Não se trata, evidentemente, de apoiar o curandeirismo, o milagreirismo. Mas é necessário sair dos simplismos racionalistas. Abandonar a pseudociência. Agüentar perguntas. Não querer explicar tudo como trapaça e engano, apesar de existirem muitos trapaceiros. O terrível é que a religião fornece os substitutivos mágicos – que funcionam, repetimos – lá onde se exigem soluções de caráter humano, individual e social. Milagres há. O que falta são as soluções. E os milagres, no sentido abrangente que aqui conferimos ao termo, são uma razão a mais para buscar soluções.

A IPDA tem investido pesadamente em programação radiofônica. Atualmente é

considerada a rádio que mais investe nessa forma de comunicação, pois a “A Voz da

Libertação” tem sido o carro chefe na expansão da IPDA84. Outras denominações utilizam-se

da rede de televisão, mas DM considera a TV como a “caixa do diabo” e membros da Igreja

Pentecostal “Deus é Amor” estão proibidos de possuir aparelhos de TV em suas casas e de

ouvir “músicas mundanas” pelo rádio, conforme os itens G3 e G4, pp. 36-37 da atual

“Credencial de Membro”, reproduzidos a seguir:

Ilustração no. 2 – Parte da “Credencial de Membro”

84 Jornal da IPDA O Testemunho ano 3 no. 4 Dez. 2006 p. 2: DM informa que a IPDA está “em mais de 140 países em todos os continentes da Terra, 19 mil Igrejas, (leia-se templos) mais de 180 mil obreiros, milhões de convertidos, 18 mil programas de rádio diários...” Todavia, os adversários dos movimentos pentecostais freqüentemente acusam os líderes de exagerarem nos números. Nós aqui damos apenas a versão oferecida por DM e sua Igreja.

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Quanto ao rádio, o item G4 especifica: “Rádio, Internet, CD’s, MP3, etc.: Não é

permitido ouvir músicas e programas mundanos.”

É nesse espaço que DM, por intermédio do rádio, se inseriu na comunidade de fiéis

(Campos 1982: 92-93), aproveitando uma situação de crise que “envolveu todo o antigo grupo

das Associadas”.

DM escolheu a Rádio Tupi de São Paulo quando grande crise financeira envolveu todo o antigo grupo das Associadas. [...] Com o agravamento da crise, ela passou a viver dos “milagres e profecias.” Quase todo o seu horário foi vendido a religiosos [...] Há pelo menos duas razões que, acreditamos, levaram DM a escolher esse meio para ser o órgão oficial de sua seita [...] ele se dirige para uma audiência onde há milhões de pentecostais de outras seitas. Eles acreditam que a televisão é “do diabo” [...] Ele jamais poderá usar um meio condenado pela sua audiência. Uma outra razão seria que, atuando entre migrantes pobres, doentes, e aflitos, pessoas quase sempre vindas do meio rural, marcadas por um sistema oral de comunicação, ele encontra no rádio um ponto de equilíbrio entre um sistema oral e outro de média. [...] Surgem as “madrugadas com Deus”. Numa delas surgiu o programa de David Miranda, “A Voz da Libertação” [...] um fenômeno de massa que encontrou no rádio o seu veículo ideal.

Para Miranda, o uso do rádio é um atendimento à ordem de Jesus de pregar a qualquer

custo, a tempo e fora de tempo, a mensagem do Evangelho. Nesse contexto, até mesmo certas

irregularidades seriam toleradas, como as rádios clandestinas. Na reunião da diretoria da

IPDA, realizada em 26 de julho de 1999, foi tratado e aprovado o Item 15: “Foi autorizado a

pegar programa ‘A Voz da Libertação’ em rádio FM/Comunitárias, conhecidas como Rádios

Piratas”. Essas autorizações visavam, como ainda visam, divulgar as programações da “A Voz

da Libertação” a partir de qualquer comunidade onde um templo da IPDA esteja instalado.

Quando não havia recurso para uma Congregação da IPDA pagar os programas locais,

a própria sede estadual ou mundial se comprometia a pagar essas despesas. Muitas cidades

pequenas que mantinham suas rádios divulgavam a programação da IPDA local. Nas

concentrações com David Miranda, de qualquer lugar onde ele estivesse, a rede nacional e

mundial da “A Voz da Libertação” entrava no ar e aquela pequena localidade também fazia

parte da extensa rede. Cada dirigente de Igreja era cobrado dessa necessidade de se integrar à

rede da “A Voz da Libertação”. Essa exigência era obrigatória para todo dirigente das

chamadas “sedes estaduais”. O “Regulamento Interno”, na letra A12 especifica:

É obrigatório todas as sedes estaduais terem, no mínimo, um programa de rádio, pode ser até de 5 minutos por dia; e nestes programas, é obrigatório anunciar para os ouvintes virem na IPDA retirar as credenciais dos ministérios do jejum e da oração, incentivando-os que somente teremos vitórias pela oração e jejum. 1 Tm 4.10; Mc 9.29.

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Há, também, punição para aqueles que não dão a devida assistência ao programa. O item A6

especifica:

Os obreiros que deixarem o programa somente rodando hinos, e não apresentarem, ou gravarem ou escalarem alguém que tenha condições de apresentar o programa, serão punidos. Pv. 18.9; Mt 25.26. Punição: pagar com o seu dinheiro o valor dos horários que ficou rodando somente hinos.

Todavia, essas rádios se escondem sob o título de comunitárias; porém, a grande parte

presta poucos serviços à comunidade; servindo mais a interesses particulares de seus

proprietários. O governo não tem conseguido inibir a ação desses aproveitadores. Prende

alguns, derruba as antenas de outros, mas essas rádios proliferam por todos os cantos. O

conceito de “emissora pirata” tem sido usado pela imprensa brasileira para designar estações

transmissoras operadas por particulares sem autorização do Ministério das Comunicações ou

da Anatel. A acusação permanente se baseia em possíveis interferências dessas emissões na

comunicação da polícia, dos bombeiros e ambulâncias e até na navegação aérea. O mesmo se

afirma das dificuldades de comunicação nos aeroportos.

Nos anos 90, David Miranda decidiu desenvolver um projeto para instalar suas rádios

filiais em todo o território nacional. Seu plano ruiu por falta de apoio político em Brasília,

tema que será abordado no capítulo 4 desta Dissertação de Mestrado, quando tratarmos da

política na IPDA.

2.4.2 – A IPDA e suas publicações

Em 1982, portanto 20 anos após a sua fundação, Campos (1982: 111) já havia notado

que a IPDA não mantinha outro meio de divulgação a não ser o rádio. Revistas só

apareceriam no final da década seguinte.

Devido às características técnicas do rádio como veículo de comunicação de massa, aliado ao potencial econômico da seita, esse tem sido o único meio de comunicação empregado por DM, além das concentrações públicas. Não observamos a existência de jornal, revista ou qualquer forma de atingir o público, além do rádio.

Causa bastante estranheza uma entidade religiosa ficar praticamente três décadas sem

um órgão oficial de divulgação por escrito Na verdade, em seu depoimento anterior, David

Miranda disse que após começar suas pregações em praças e salões “[...] começou a ter

possibilidades financeiras de ter mais horários de programas de rádio, de distribuirmos mais

folhetos...” Apesar do seu jornal ter publicação muito esporádica, sua primeira edição deve ter

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ocorrido na década de 90, ou seja, 28 anos após a fundação da IPDA. Em 1999, DM falava de

folhetos e de rádio, mas não de revista. Sua primeira revista surge em dezembro de 1999. Em

2006, a IPDA editava três órgãos informativos, sendo duas revistas e um jornal. As revistas

começaram a ser editadas em 1999 e o jornal deve ter iniciado antes de 1991, já que Paul

Freston faz a seguinte citação à p. 92 de sua Tese de Doutorado: “Sobre a vida de Miranda,

ver O Testemunho, julho de 1991, p. 5”. Esse jornal não foi localizado, porém, a autobiografia

de DM é datada de 1992, portanto devendo ser mais completa, já que mais recente do que o

jornal de 1991.

No entanto, esta Dissertação de Mestrado já reproduziu partes da entrevista que David

Miranda deu em duas ocasiões aos seus órgãos de informação: a revista Ide de 1999 e o jornal

O Testemunho de dezembro de 2006. Não se localizou na pesquisa, até o momento, o

primeiro número do Jornal O Testemunho nem o de 1991 referido por Freston. Na avaliação

feita sobre os órgãos de informação da Igreja Pentecostal “Deus é Amor”, nota-se que o

número de páginas vem aumentando paulatinamente, comprovando que as informações sobre

essa Igreja são dinâmicas. David Miranda e sua esposa têm transmitido seus princípios

doutrinários por meio de suas revistas e de seu jornal. Seguem alguns exemplos:

“A luta do crente” (DM) Ide – ano 1 no. 2 – junho de 2000

“O Espírito Santo” (DM) Ide - ano 2 no. 4 – junho de 2001

“Deus cumpre a promessa” (DM) O Testemunho - ano 3, no. 4 – dezembro de 2006

“Crença ou divertimento?” (Ereni) Ide - ano 6 no. 12 – dezembro de 2006

O calendário mostrado na página seguinte é distribuído gratuitamente nos cultos, por

ocasião do fim do ano. Esse calendário foi reproduzido, em parte, num folheto apresentado

com frente e verso, apesar de que o calendário foi impresso em cartolina bem resistente,

apresentando a figura de DM diante das cadeiras de rodas, muletas e outros aparelhos

ortopédicos deixados na IPDA pelas pessoas supostamente curadas nas concentrações com

David Miranda. Nesse calendário constam as datas dos principais eventos da IPDA. Por

exemplo:

Todos segundos sábados e domingos de cada mês – Santa Ceia na Sede Mundial; 1o. de janeiro de 2008: Reunião e confraternização mundial com Miss. David Miranda 7 e 8 de junho de 2008: Santa Ceia, Reunião e 46o aniversário da IPDA com David Miranda; Dia 31 de dezembro: Vigília da virada do ano com o Miss. David Miranda.

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Ilustração no. 3: Calendário da IPDA para o ano de 2008