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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão e
consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo.
Marcelo Janikian
São Bernardo do Campo 2005
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão e
consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo.
por
Marcelo Janikian
Orientador: Prof. Dr. Leonildo S. Campos
Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de Mestre.
São Bernardo do Campo 2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do marketing na
origem, expansão e consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo / Marcelo Janikian.
São Bernardo do Campo, 2006. 157p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo,
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião.
Orientação : Leonildo Silveira Campos 1. Marketing religioso 2. Marketing (Igreja Renascer em Cristo) 3.
Pentecostalismo I. Título CDD 289.9
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
Universidade Metodista de São Paulo
________________________________________
Prof. Dr. Gino Giacomini Filho
Universidade de São Paulo - ECA
________________________________________
Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera
Universidade Metodista de São Paulo
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Dr. Leonildo Silveira Campos, pela paciência, orientação e dedicação;
Ao IEPG e à Secretaria Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, pelo auxílio;
Ao CNPq, pelo financiamento da pesquisa;
Aos professores Dr. Dario Paulo Barrera Rivera e Dr. Daniel Santos Galindo, pelas
sugestões dadas no Exame de Qualificação;
Aos professores Dr. Leonildo Silveira Campos, Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, Dra.
Sandra Duarte de Souza, Dr. Daniel Santos Galindo, Dr. Jung Mo Sung e Dr. Élio
Masferrer pelos conhecimentos compartilhados em sala de aula;
Aos meus pais, irmãos e amigos, pelo incentivo ao estudo;
E a todos que contribuíram, direta e indiretamente, para a realização dessa obra.
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JANIKIAN, Marcelo. Marketing e Religião: O papel do marketing na origem, expansão
e consolidação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em
Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
2006.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar o uso do marketing pelas igrejas
neopentecostais, que surgiram no cenário religioso brasileiro entre as décadas de 70 e
80. A utilização do marketing por tais igrejas tem em vista conquistar espaços cada vez
maiores dentro do campo religioso, ocasionando uma acirrada concorrência entre as
várias denominações cristãs e outros credos religiosos. Entre as igrejas neopentecostais,
que surgiram neste período, destacamos a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, fundada
no ano de 1986, cuja sede se encontra na cidade de São Paulo. A Igreja Renascer foi
escolhida para este trabalho por possuir vários elementos em suas práticas religiosas, que
nos dão base para afirmarmos que marketing e religião podem interagir perfeitamente,
sem qualquer tipo de preconceito. No estudo desta instituição religiosa constatamos que
o marketing desempenha um papel importante em sua própria expansão e consolidação
no campo religioso brasileiro. Estevam Hernandes Filho – fundador e líder da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo - traz em seu currículo de executivo uma boa experiência
em marketing, adquirida por meio de sua atuação em várias empresas, nacionais e
multinacionais, como profissional de marketing, habilitando-o a utilizar esta mesma
ferramenta em seu novo empreendimento. Dentro desse contexto, a Igreja Renascer em
Cristo construiu, até o presente momento, um império que engloba aproximadamente
1.300 templos espalhados pelo Brasil, emissoras de rádio, TV, editora, gravadora e a
Fundação Renascer, que centraliza todas as atividades administrativas da Igreja.
Palavras-chaves: Marketing, Religião, Campo Religioso, Marketing Religioso, Mercado
Religioso, Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Neopentecostalismo.
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JANIKIAN, Marcelo. Marketing and Religion: The role of marketing in the origin,
expansion and consolidation of the Renascer em Cristo Apostolic Church. Master’s
Degree Dissertation in Religious Science, Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2006.
ABSTRACT
The present work aims at analyzing the use of marketing techniques by
neopentecostal churches, which appeared in the brazilian religious scene between the
decades of 1970 and 1980. By using marketing techniques, these churches try to expand
their area of influence in the religious field, causing a great competition among the
various christian and non-christian churches. Among the neopentecostal churches that
appeared in Brazil in that period, we discuss the case of the Renascer em Cristo
Apostolic Church, founded in 1986, which head office is located in the City of São
Paulo. This particular church was chosen as the object of this project because it contains
several elements in its religious practice that allow us to affirm that marketing and
religion can perfectly coexist, without prejudice. Studying this religious institution, we
found out that marketing has played and important role in the expansion and
consolidation of this church in brazilian’s religious scene. Estevam Hernandes Filho –
founder and leader of the Renascer em Cristo Apostolic Church – has a great experience
with marketing techniques, acquired in years of work, in several national and
international companies, as a marketing professional. This experience has allowed him
to use the same techniques in his current enterprise. As a result, the Renascer em Cristo
Apostolic Church posses, until the present, an empire that includes approximately 1,300
temples all around Brazil, radio stations, a TV station, a publishing house, a record
studio and the Renascer Foudation, which centralizes all administrative activities of the
Church.
Key-words: Marketing, Religion, Religious Field, Religious Marketing, Religious
Market, Renascer em Cristo Apostolic Church, Neopentecostalism.
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SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................09
Capítulo 1. A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão .................18
1.1. Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização......................................18
1.1.1. Secularização ........................................................................................19
1.1.2. Desencantamento do mundo.................................................................21
1.1.3. Reencantamento do mundo ..................................................................23
1.1.4. Pluralismo religioso..............................................................................25
1.1.5. Globalização e pós-modernidade .........................................................28
1.2. Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico ................................30
1.2.1. O campo religioso e seus agentes .........................................................31
1.2.2. Protestantismo ......................................................................................32
1.2.3. Pentecostalismo ....................................................................................39
1.2.4. Novas formas de Pentecostalismo ........................................................42
1.3. Igreja Apostólica Renascer em Cristo: gênese e expansão .................................44
1.3.1. A origem da Igreja Apostólica Renascer em Cristo .............................44
1.3.2. A legitimação da autoridade carismática..............................................49
1.3.3. A formação do corpo eclesiástico.........................................................52
1.3.4. As funções hierárquicas........................................................................55
Capítulo 2. O papel do marketing na expansão da Igreja Renascer em Cristo ..........59
2.1. O uso do marketing pelas igrejas cristãs .............................................................59
2.1.1. Conceito de marketing..........................................................................60
2.1.2. O marketing e a concorrência: o conceito de mercado religioso..........63
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2.1.3. O marketing na Igreja ...........................................................................69
2.2. O marketing institucional da Igreja Renascer em Cristo .....................................78
2.2.1. A construção da marca Renascer em Cristo.........................................79
2.2.2. A música gospel no Brasil ....................................................................83
2.2.3. A Marcha para Jesus .............................................................................86
2.2.4. As obras assistenciais ...........................................................................89
2.2.5. A inserção da Igreja Renascer na política ............................................92
Capítulo 3. A Igreja Renascer em Cristo: formas de comunicação e discurso ..........103
3.1. A Igreja Renascer e suas formas de comunicação ..............................................104
3.1.1. Rádio .....................................................................................................105
3.1.2. Televisão...............................................................................................110
3.1.3. Mídia impressa .....................................................................................120
3.1.4. Gravadora .............................................................................................123
3.2. O discurso religioso da Igreja Renascer em Cristo .............................................126
3.2.1. A Teologia da Prosperidade .................................................................129
3.2.2. Dízimos, ofertas e “desafios” financeiros ............................................134
3.2.3. As denúncias da imprensa e o contra discurso da Igreja Renascer ......138
3.2.4. A segmentação nos cultos da Renascer................................................142
Considerações finais...................................................................................................147
Bibliografia.................................................................................................................150
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INTRODUÇÃO
O marketing se apresenta como uma ferramenta apropriada para aumentar a
competitividade das empresas diante de um mercado disputado por vários concorrentes.
Esta ferramenta, largamente utilizada nos meios empresariais, ultimamente vem sendo
utilizada por outras inst ituições, que até algumas décadas atrás não faziam uso maciço
em suas próprias atividades: as instituições religiosas. As igrejas cristãs, principalmente
as de origem neopentecostal, que surgem a partir da década de 70 com uma nova
concepção de religiosidade, começam a utilizar vários conceitos empresariais, tais como:
lucro, produtividade, investimento, capacitação profissional, expansão e domínio de
mercado. Essa nova mentalidade ainda pode soar um pouco estranha para alguns nos
dias atuais. Isso se deve ao fato de que, até então, acreditava-se que as igrejas cristãs
tinham como principal função apenas o ensino e a propagação do Evangelho.
Desde então, as igrejas passaram a usar termos como mercado e estratégias de
marketing para definir as suas ações. Segundo Philip Kotler, “marketing é a atividade
humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de
trocas”. 1 O termo marketing não encontra um significado apropriado na língua
portuguesa, e uma tradução literal seria algo próximo a “mercadologia”. 2 Entendemos
por mercado quando há dois grupos que interagem em uma relação de trocas, como por
exemplo, na comercialização de um produto ou na prestação de serviço. Nesta relação de
trocas, de um lado estão um grupo de pessoas e instituições que têm necessidades e
desejos insatisfeitos, e estão dispostos a dar algo em troca daquilo que os satisfaçam. Por
outro lado, há um outro grupo de indivíduos devidamente organizado, que procuram
atender de maneira eficaz a tais necessidades, recebendo financeiramente em troca pela
prestação desse serviço. No estudo do campo religioso é possível a aplicação da teoria
do marketing, pois de um lado há indivíduos com necessidades e desejos não satisfeitos,
1 KOTLER, Philip. Marketing. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 31. 2 PINHEIRO, Antonio P. Marketing racional: do produtor ao consumidor. São Paulo: EBRAS, 1987. p. 4.
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enquanto de outro há um grupo de especialistas religiosos que procura atender a
essas necessidades e desejos.
No decorrer de nossa pesquisa encontramos igrejas tais como a Igreja Universal
do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e Igreja Apostólica Renascer
em Cristo, que realizam verdadeiros espetáculos em seus templos com o propósito de
atrair fiéis de outras igrejas e confissões religiosas. Para isso, essas igrejas utilizam os
meios de comunicação de massa como forma de dar maior visibilidade às suas
atividades. Estamos, portanto, diante de importantes mudanças no campo religioso,
fazendo surgir algumas questões a serem respondidas por meio de pesquisas: É possível
a igreja, considerada uma organização sem fins lucrativos, utilizar conceitos
empresariais e ferramentas como o ma rketing para crescer e consolidar-se em relação
aos concorrentes? Existe afinidade entre religião e marketing? O que motiva uma
instituição religiosa a adotar o marketing em suas relações com a sociedade?
Para entender melhor esta mudança de paradigma propomos analisar quais são os
principais agentes e como eles surgiram neste concorrido campo religioso ao longo da
história. Pierre Bourdieu associa o surgimento das grandes religiões universais à
aparição e ao desenvolvimento da cidade.3 Porque, para ele, a urbanização contribuiu
para a racionalização da religião na medida em que esta favoreceu o desenvolvimento de
um corpo de especialistas, que mediante o reconhecimento social foi incumbido da
gestão dos bens de salvação. Essa monopolização por um corpo de especialistas
religiosos permitiu a exclusividade na produção, reprodução e difusão dos bens
religiosos por determinadas organizações religiosas. Assim, a constituição do campo
religioso proporcionou a separação deste grupo de especialistas (clero) do grupo de
leigos (laicato), estes últimos destituídos do capital religioso e de legitimidade. Portanto,
as relações de transação entre os especialistas e os leigos, e entre os diferentes
especialistas constituem a dinâmica do campo religioso. Tendo em vista a complexidade
dos agentes que atuam no campo religioso brasileiro, delimitamos o nosso objeto de
estudo e analisamos os movimentos religiosos cristãos surgidos a partir da Reforma
protestante, tais como: Protestantismo, Pentecostalismo e Neopentecostalismo.
3 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva. 2ª Ed., 1982. p. 27-78.
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A Reforma protestante iniciada no século XVI, na Alemanha, contém os primeiros
elementos para a mudança de paradigma no campo religioso cristão. A Igreja Católica
Romana, oficializada como Igreja do Império pelo governo de Roma no século IV,
dominou o cenário religioso no Ocidente por aproximadamente doze séculos. Durante
esse período a Igreja de Roma tentou monopolizar em torno de si todas as atividades
religiosas e políticas. Isso lhe possibilitou o controle total sobre todas as esferas da
sociedade. A partir da Reforma protestante, o Ocidente passou a contar com duas
principais opções religiosas: Catolicismo e Protestantismo. Desde então, do
Protestantismo surgiram várias outras denominações religiosas, tanto na Europa como
nas colônias inglesas da América do Norte, disputando espaços que antes pertenciam à
Igreja Católica.
Outro elemento importante em nossa análise foi o processo de secularização
iniciado na Europa, no mesmo período da Reforma protestante. Usamos aqui o termo
secularização, de acordo com Peter Berger, que o definiu como “o processo pelo qual
setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos
religiosos”. 4 Na história ocidental moderna, a secularização implicou na separação da
Igreja e do Estado e na retirada da Igreja cristã de áreas que antes estavam sob o seu
domínio, como a educação, as artes e a ciência. Conseqüentemente, isto ocasionou uma
pluralidade religiosa, e a perda do poder por parte das instituições religiosas. A
separação da Igreja e do Estado, o processo de laicização e o avanço do protestantismo
permitiram que outras formas de religiosidade entrassem no cenário religioso e
competissem pela fidelidade dos leigos. Durante mais de quatro séculos, ou seja, do
século XVI ao século XX, ocorreram vários embates entre estes dois principais
concorrentes no campo religioso, o Catolicismo por um lado e o Protestantismo de outro,
na conquista de fiéis para os seus respectivos templos.
Desde o início do século XX, um novo concorrente do Catolicismo e do
Protestantismo, dentro do campo religioso cristão, entrou em cena, provocando
4 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 4 ª. Ed., 1985. p. 119.
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profundas alterações nesse cenário, tanto nas Américas como nos demais continentes: o
Pentecostalismo. Este movimento surgiu nos Estados Unidos, no ano de 1906, e
espalhou-se rapidamente por toda a América, conquistando adeptos tanto do Catolicismo
quanto do Protestantismo. No Brasil, o Pentecostalismo instalou-se logo após o
fenômeno ocorrido nos Estados Unidos. Seus principais representantes foram a
Congregação Cristã do Brasil (1910) e a Igreja Assembléia de Deus (1911). O
Pentecostalismo, a partir de então teve várias ramificações, permitindo assim que, em
meados da década de 50, surgisse no Brasil uma grande variedade de igrejas
pentecostais, tais como: Igreja do Evangelho Quadrangular (1953), Igreja Pentecostal “O
Brasil para Cristo” (1956), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1961) e outras.
A partir da década de 70, surgiram, finalmente, o que tem sido classificado por
autores como Antônio Gouvea Mendonça5, Ricardo Mariano 6, Leonildo Silveira
Campos7, Paul Freston8 e outros estudiosos, como igrejas neopentecostais. Estas igrejas
surgiram com uma visão nova de mercado, capaz de unir religião e mercado. Entre os
principais representantes do neopentecostalismo temos: Igreja Universal do Reino de
Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e Igreja Apostólica Renascer
em Cristo (1986), que é o nosso objeto de pesquisa. Ora, o aparecimento dessas igrejas
fez com que o campo religioso brasileiro sofresse profundas mudanças, exigindo daí
novos paradigmas em sua análise. Principalmente porque essas transformações
introduziram uma nova concepção de religiosidade, por meio de uma teologia que ensina
o fiel a usufruir de todas as bênçãos de Deus para o seu dia a dia, na forma de bens
materiais e ascensão social.
A partir desse panorama histórico verificamos, que desde a Reforma protestante,
até a década de 70, quando surgem as igrejas neopentecostais, sempre houve uma
disputa pela hegemonia e domínio do campo religioso. Porém, com o surgimento das
igrejas neopentecostais, houve mudanças econômicas e culturais significativas, que
5 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. São Bernardo do Campo: Umesp, 1997. 6 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo Pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 7 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal . Petrópolis: Vozes, 1997. 8 FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment . Campinas: Doutorado – Ciências Sociais. Universidade Estadual de Campinas, 1993.
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levaram as igrejas e denominações a se sentirem em combate umas com as outras. Foi
nesse contexto que surgiu, em 1986, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, com novas
estratégias, utilizando-se de ferramentas apropriadas para entrar nesta disputa, adotando
sem qualquer pudor as estratégias de marketing a fim de crescer e se consolidar no
campo religioso, agora transformado em um mercado religioso.
Para orientar este trabalho investigativo partimos da seguinte hipótese: O uso do
marketing pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo foi uma das principais razões de
sua expansão e consolidação no campo religioso brasileiro. Porém, entendemos que essa
expansão não corresponde somente na forma de crescimento numérico de templos e
fiéis, mas também se expressa por meio da visibilidade alcançada perante a sociedade
em shows e eventos religiosos. Para nós, o marketing se constitui em uma ferramenta
importante para uma Igreja alcançar maior visibilidade em nossa sociedade, que vive sob
o impacto e a influência dos meios de comunicação de massa. Portanto, essa estratégia
foi decisiva para a expansão e consolidação desta instituição religiosa no cenário
brasileiro.
Nesse sentido, a escolha deste tema para a nossa pesquisa se deve ao interesse em
demonstrar como o marketing pode contribuir para a expansão e consolidação de uma
instituição religiosa, em uma sociedade em processo de secularização. A Igreja
Apostólica Renascer em Cristo foi escolhida para este estudo, pois ela apresenta vários
elementos em suas práticas religiosas que comprovam a nossa hipótese. É claro que a
Igreja Renascer em Cristo já foi objeto de estudo por vários pesquisadores, em diferentes
áreas de conhecimento, justamente pela forma como ela atua junto aos meios de
comunicação de massa na divulgação de suas propostas religiosas. Entre os
pesquisadores que estudaram a Igreja Renascer podemos citar: Sergio Carlos Francisco
Barbosa9, Eliane Hojaij Gouveia10, Alberto Carlos Augusto Klein11, Leda Yukiko
9 BARBOSA, Sergio Carlos Francisco. Religião e comunicação: a igreja eletrônica em tempos de globalização gospel. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 1997. 10 GOUVEIA, Eliane Hojaij. Imagens femininas: a reengenharia do feminino pentecostal na televisão. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, PUC-SP, São Paulo, 1998. 11 KLEIN, Alberto Carlos Augusto. Culto e mídia – os códigos do espetáculo religioso: um estudo de caso da Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, São Paulo, 1999.
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Matayoshi12, Carlos Tadeu Siepierski13, Jacqueline Ziroldo Dolghie14, Sueli Cardoso
Pitta15, Márcia Selivon16 e Magali do Nascimento Cunha 17. Ora, o fato da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo (IARC) ter despertado o interesse de vários
pesquisadores, em diversas áreas de conhecimento, mostra o quanto esta Igreja tem
importância nas abordagens do campo religioso brasileiro. Esse interesse se deve, e
disso não temos dúvida, pela capacidade que a Renascer tem de se fazer presente nesse
panorama religioso por meio do uso da mídia e de eventos espetaculares. Como exemplo
disso podemos citar o evento “Marcha para Jesus”, ocorrido em maio de 2005, que sob a
coordenação da Fundação Renascer e a liderança de Estevam Hernandes Filho, reuniu
em torno de dois milhões de pessoas na avenida Paulista, na cidade de São Paulo,
atraindo a atenção de todos os meios de comunicação de massa.
Por tais motivos estamos propondo mais um estudo sobre essa instituição
religiosa, focalizando especificamente o papel do marketing nas suas atividades. Além
disso, justificamos a importância do estudo do marketing religioso, dada a presença
desse fenômeno, que hoje não está restrito somente à Igreja Renascer em Cristo, mas,
também à outras denominações pentecostais com as quais ela concorre, tais como: Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), e na
própria Igreja Católica Apostólica Romana.
O objetivo geral da pesquisa foi, portanto, analisar a maneira como se dá o uso
do marketing em instituições religiosas, mostrando como isso ocorre naquela que é o
objeto de nossas investigações, na qual essas estratégias estão presentes desde a sua
origem, expansão e consolidação no campo religioso brasileiro. Já por objetivos
12 MATAYOSHI, Leda Yukiko. “Bem Aventurados aqueles que se comunicam como marca”: A Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 1999. 13 SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. “De Bem com a Vida”: o sagrado num mundo em transformação. Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP, São Paulo, 2001. 14 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o mercado de música gospel no Brasil . Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 2002. 15 PITTA, Sueli Cardoso. “Deus-Pai é gostosinho e Jesus é pirado”: um estudo das estratégias persuasivas no discurso da episcopisa Sonia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa, PUC-SP, São Paulo, 2003. 16 SELIVON, Márcia. O discurso da Igreja Renascer em Cristo: uma abordagem dos valores e das estratégias argumentativas. Dissertação de Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa, USP, São Paulo, 2004. 17 CUNHA, Magali do Nascimento. “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 2004.
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15
específicos procuramos descrever e interpretar as seguintes ações e estratégias da IARC:
Analisar os eventos e shows anuais promovidos pela IARC, como por exemplo: Marcha
para Jesus, S.O.S. da Vida e Renascer Praise; Descrever como a IARC utiliza os meios
de comunicação de massa, tais como a Rádio Gospel, TV Gospel e Gospel News, para
propagar a sua mensagem, realizações e os eventos; Identificar as estratégias de
marketing utilizadas pela IARC, focalizando-se a teoria dos quatro Pês: Preço, Produto,
Ponto de Venda e Promoção; o uso de slogans: “Deus é fiel”; a construção da marca
Renascer em Cristo; e a segmentação por nichos de mercado: culto dos empresários; e,
por fim, verificar a inserção da IARC nas eleições estaduais e municipais como forma de
ganhar visibilidade, conseguir legitimação e defender os seus interesses nas casas
legislativas.
A análise e interpretação do uso do marketing pela IARC teve como referencial
os estudos de Pierre Bourdieu, que reinterpretou Max Weber para tratar acerca da
formação do campo religioso, os textos de Peter Berger, sobre concorrência religiosa e a
situação de crescente processo de secularização, e as propostas de Philip Kotler, a
respeito de marketing de um modo geral e também do marketing aplicado às
organizações não-governamentais e igrejas. Faz eco também as propostas recentes
surgidas nos Estados Unidos a respeito da “escolha racional”, por meio da
sistematização de Lemuel Dourado, que analisa a transformação do campo religioso em
mercado de bens simbólicos.
Com relação a metodologia utilizada nesta pesquisa registramos que ela contou
com dois instrumentos específicos: 1) pesquisa bibliográfica e 2) pesquisa de campo. Na
pesquisa bibliográfica foram tomados os seguintes passos: a) Levantamento e análise da
produção acadêmica sobre a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, analisando-se
dissertações de mestrado e teses de doutorado; b) Catalogação das notícias e matérias
sobre a Igreja Renascer em diversas fontes secundárias, tais como: nos jornais O Estado
de S. Paulo e Folha de S. Paulo ; nas revistas: Veja, Isto É, Época; e na Internet; c)
Análise das publicações da própria Igreja Renascer, tais como: o seu jornal Gospel
News; apostilas do Curso de Formação de Oficiais; livros de autoria de Estevam
Hernandes Filho, e outras publicações.
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16
Procuramos, além da pesquisa bibliográfica, sistematizar a descrição e
interpretação do objeto de estudo por meio de observação e participação nos cultos da
Igreja Renascer, na cidade de São Paulo. Para isso, visitamos com mais insistência três
templos: “Renascer Sede”, situado no bairro do Cambuci, na avenida Lins de
Vasconcelos, 1.108; “Regional Santana”, situado no bairro de Santana, na avenida
General Ataliba Leonel, 1.117; e “Regional Santa Cruz”, situado no bairro de Vila
Mariana, na avenida Jabaquara, 123. Participamos também, para observar, alguns
eventos promovidos pela Igreja Renascer, tais como: Marcha para Jesus, S.O.S. da
Vida, e o lançamento do coral Renascer Praise. Procuramos registrar por meio de
gravações de áudio e de vídeo programas de rádio, TV e peças publicitárias feitas pela
Igreja para os programas levados ao ar por meio de sua emissora de TV, a Rede Gospel
(Canal 53 UHF; Canal 25 na TVA; canal 28 na NET) em São Paulo e na rádio (Rádio
Manchete Gospel 90,1 FM).
Na redação deste texto procuramos dividi-lo em três capítulos. No primeiro
deles, intitulado A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão
analisaremos a origem e a expansão da Igreja Apostólica Renascer em Cristo no campo
religioso brasileiro, dentro de um contexto cultural, histórico e social. No contexto
cultural serão abordados as principais mudanças ocorridas no Cristianismo
contemporâneo, marcados pelos processos de secularização, pluralismo religioso e
globalização. No contexto histórico analisaremos o surgimento do Protestantismo e do
Pentecostalismo e como esses movimentos vieram e se instalaram no Brasil, após
passarem por várias mudanças em seus países de origem. No contexto social iremos
tratar das origens históricas da Igreja Renascer em Cristo e mostrar as suas formas de
legitimação perante os seus membros.
No segundo capítulo, que tem por título O papel do marketing na expansão da
Igreja Renascer em Cristo pretendemos apontar para a importância do marketing na
expansão da Igreja Renascer em Cristo. Nele serão apresentados os principais conceitos
de marketing e a maneira como essa ferramenta vem sendo aplicada por Igrejas
católicas, protestantes e pentecostais. Também será objeto de análise o conceito de
mercado religioso e a transformação do campo religioso em mercado de bens
simbólicos. Além disso, pretendemos mostrar como se deu a construção da marca
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Renascer em Cristo, que, para nós, está baseada em quatro principais frentes de atuação:
a introdução e divulgação da música gospel no Brasil; a realização anual da Marcha para
Jesus; o investimento em obras assistenciais; e a inserção na política partidária brasileira.
Finalmente, no terceiro capítulo, intitulado A Igreja Renascer em Cristo: formas
de comunicação e discurso iremos mostrar como algumas das denominações cristãs
protestantes, pentecostais e neopentecostais, fazem uso dos meios de comunicação de
massa como forma de divulgação de suas mensagens. Essas igrejas se inspiraram nos
pregadores e tele-evangelistas norte-americanos, que fizeram sucesso nos Estados
Unidos durante as décadas de 70 e 80, arregimentando multidões de fiéis por meio das
ondas do rádio e da TV. Assim, pretendemos mostrar como a Igreja Renascer, desde o
seu início, deu grande destaque aos meios de comunicação de massa e as estratégias de
marketing. Também será analisado o discurso religioso adotado pela Igreja Renascer,
com base na Teologia da Prosperidade, e a segmentação do público-alvo.
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Capítulo 1. A Renascer em Cristo: contexto cultural, gênese e expansão.
Este capítulo tem como objetivo analisar a origem e a expansão da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo no campo religioso brasileiro. No entanto, para
entendermos as origens históricas da Igreja Renascer, necessitamos abordar as mudanças
ocorridas no Cristianismo contemporâneo, dentro de um contexto cultural marcado pelos
processos de secularização, pluralismo religioso e globalização. Além da questão
cultural, analisaremos também o contexto histórico em que surgiu tanto o Protestantismo
quanto o Pentecostalismo e como esses movimentos, depois de passarem por várias
mudanças em seus países de origem, acabaram instalando no Brasil uma versão alterada
do que eles foram na América do Norte e Europa. Analisaremos também as novas
formas de Pentecostalismo, frutos de sua fragmentação durante a implantação no Brasil.
A partir desse panorama cultural e histórico é que examinaremos o surgimento da
Igreja Renascer em Cristo no cenário religioso brasileiro, e que será o nosso objeto de
estudo daí em diante. Para uma melhor compreensão deste texto, iremos dividi-lo em
três partes distintas: 1) Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização; 2)
Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico; 3) Igreja Apostólica Renascer
em Cristo: gênese e expansão. Com isso, nossa pretensão será mostrar ao leitor uma
visão geral do campo religioso brasileiro e a interação entre os seus agentes.
1.1. Cristianismo: secularização, pluralismo e globalização.
A primeira parte desse capítulo será utilizada para definirmos alguns conceitos
aqui considerados importantes para a compreensão do contexto religioso e cultural.
Esses conceitos são necessários para explicarmos as mudanças ocorridas no cenário
religioso a partir da Reforma protestante, iniciada no século XVI, na Europa. A seguir,
analisaremos os seguintes conceitos: secularização, desencantamento e reencantamento
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do mundo, bem como os conceitos de pluralismo religioso, globalização e pós-
modernidade.
1.1.1. Secularização
O primeiro conceito a ser abordado em nosso trabalho refere-se ao processo de
secularização. A tese da secularização surgiu no início da segunda metade do século XX,
na Europa e Estados Unidos. Segundo Peter Berger entende-se como secularização “o
processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das
instituições e símbolos religiosos”, ocasionando a separação da Igreja e do Estado,
expropriação das terras pertencentes à Igreja e a emancipação da educação do controle
eclesiástico.18 Para Berger, o termo “secularização” também tem sido utilizado como um
conceito ideológico, possibilitando a libertação do homem moderno da tutela da Igreja e
da religião. Para entendermos melhor o que significa este processo de libertação, temos
que entender que o homem, durante vários séculos, esteve preso à ideologia regida pela
Igreja. Esse indivíduo, que viveu durante a Idade Média, era obrigado a seguir às
doutrinas e leis impostas pela Igreja para toda a sociedade, e, qualquer um que fosse
contra estas leis era alvo de uma perseguição implacável por parte das autoridades
religiosas. Neste período de dominação da Igreja, o homem não tinha liberdade nenhuma
de expressão, seja nas artes, na educação, na literatura, e, principalmente na ciência.
Aqueles que fossem contra os ensinamentos da Igreja eram levados à Inquisição,
tribunal eclesiástico da época, para serem julgados.
Como conseqüência da secularização, surgiu uma “crise de credibilidade” na
religião, ocasionando uma “secularização subjetiva” ou sócio-estrutural. 19 Na visão de
Berger, a secularização pode assumir também um significado subjetivo para o ser
humano. Além dos fatores sociais e econômicos, que desencadearam a separação da
Igreja e do Estado, durante o período da Reforma protestante, ocorreu tamb ém uma
secularização ao nível da consciência humana, permitindo a esse indivíduo encarar o
18 BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião , São Paulo: Paulus, 1985. p. 119. 19 Idem. Ibid. p. 139.
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20
mundo em que ele vivia sem a interferência das interpretações religiosas. Como este
processo é subjetivo, naturalmente não ocorreu da mesma forma e muito menos na
mesma intensidade na sociedade, ou seja, cada grupo de pessoas reagiu de forma
diferente a esse processo.
Giacomo Marramao aponta que a secularização possui um núcleo originário do
direito canônico, cujo significado permanece em vigor até hoje. Segundo ele, a
secularização “designava o ato jurídico dos ‘princes protestans’, politicamente fundado,
que reduz ou expropria os domínios e as propriedades temporais da Igreja para destinar a
outros escopos as rendas dali resultantes”. 20 A secularização ocasionou uma expulsão
gradual da autoridade eclesiástica do âmbito de domínio do Estado. Essa separação
ocorreu muitos séculos após o Edito de Milão, no ano de 313, que propôs uma aliança
entre o poder político e religioso, por meio do imperador romano Constantino, no quarto
século da era cristã.
Stefano Martelli ressalva que há uma polissemia no conceito de secularização,
evidente desde as origens do termo. Para ele, faz-se necessário distinguir a secularização
de sua origem jurídico-política da secularização como categoria filosófico-histórica.21
Conforme Martelli, o termo “secularização” surgiu na língua francesa no fim do século
XVI, indicando a redução de um clérigo regular ao estado laical. No âmbito do direito
canônico, a expressão “saecularizatio” conservou seu significado até hoje.
Posteriormente, esse conceito foi empregado para designar o processo de subtração de
um determinado território ou instituição, da jurisdição e do controle eclesiástico. Dentro
dessa acepção, o conceito apareceu pela primeira vez durante os acordos de paz de
Westfalia, em 1648. O termo “secularização” passou então do campo jurídico-político
para o filosófico- ideológico durante o século XIX, no processo de afirmação política e
social da burguesia. A atividade de grupos de intelectuais e sociedades culturais, tais
como na Grã-Bretanha, na Alemanha e na França, agiram intencionalmente em sentido
secularizante, exercendo um programa de ação política a fim de reduzir a influência das
igrejas em todos os setores da vida social, principalmente na s áreas da cultura e da
20 MARRAMAO, Giacomo. Céu e terra: genealogia da secularização , São Paulo: Unesp, 1997. p. 18. 21 MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e dessecularização. São Paulo: Paulinas, 1995. p. 274.
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21
educação. Portanto, o termo “secularização” designa o processo de laicização, ou seja,
autonomia em relação à esfera religiosa.
Dessa forma, tanto a secularização objetiva (por meio do processo histórico)
quanto a subjetiva (dentro do inconsciente do indivíduo), desencadeou um outro
processo, que os sociólogos rotularam como desencantamento do mundo. O
desencantamento do mundo, como veremos a seguir, significa, em poucas palavras, a
ausência de todos os meios mágicos e sobrenaturais na relação do homem com o
Sagrado.
1.1.2. Desencantamento do mundo
Antônio Flávio Pierucci, baseado nos conceitos formulados por Max Weber,
mostra que o termo desencantamento do mundo, em seu sentido estrito, se refere ao
mundo da magia e quer dizer literalmente: tirar o feitiço, desfazer um sortilégio, escapar
da praga rogada, derrubar um tabu, em suma, quebrar o encantamento.22
“Desencantamento”, traduzido do alemão entzauberung, significa literalmente
“desmagificação”. A palavra alemã zauber quer dizer magia, sortilégio, feitiço,
encantamento e zauberer, traduz-se por mágico, mago, feiticeiro, bruxo ou encantador.
A expressão entzauberung der welt, por sua vez, significa desencantamento do mundo.
Esse termo também pode ser entendido como uma forma específica de “desmistificação”
religiosa. Vemos essa idéia expressa nas seguintes palavras de Weber:
As seitas batistas, junto com os predestinacionistas, especialmente os calvinistas estritos, desenvolveram a mais radical desvalorização de todos os sacramentos como meios de salvação e realizaram assim, até as suas últimas conseqüências, a “desmistificação” religiosa do mundo. 23
Weber, ao analisar o Calvinismo no processo de racionalização da religião e sua
contribuição no desenvolvimento do capitalismo moderno, observou que a “eliminação
da magia do mundo” começara já com os antigos profetas hebreus, juntamente com o
pensamento científico helenístico, que repudiaram todos os meios mágicos para a
22 PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 7. 23 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 104.
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22
salvação, como sendo superstição e pecado.24 Nos cultos protestantes, o puritano, por
exemplo, chegava a rejeitar todos os sinais em uma cerimônia religiosa fúnebre,
sepultando seus entes queridos sem cânticos e rituais, para que nenhuma superstição ou
forças mágicas de salvação pudesse se manifestar. Para os fiéis não havia meios mágicos
de se obter a graça de Deus para aqueles que não fossem predestinados. O mundo existia
somente para servir à glorificação de Deus. Os cristãos eleitos estavam no mundo para
obedecer aos mandamentos de Deus com o melhor de suas forças. Essa obediência era
partilhada pelo trabalho dentro da vocação, propiciando a vida mundana da comunidade.
Assim, o indivíduo deveria “fundamentalmente permanecer na profissão e na posição
em que Deus originalmente o colocara, e a sua aspiração deve manter-se dentro dos
limites dessa sua condição de vida”. 25
A introdução das igrejas protestantes no cenário religioso promoveu uma
racionalização dos rituais, abolindo vários elementos “mágicos” da religião. Entre as
várias medidas adotadas por tais igrejas constatamos: a retirada de imagens de santos do
interior de seus templos, a proibição do uso de água benta, a redução drástica dos
sacramentos, permanecendo apenas o batismo e a ceia em memória de Jesus Cristo.
Verificamos também a racionalização de seus cultos, adotando a Bíblia como única
fonte de fé e revelação. Tudo o que era ligado à magia foi abolido nos cultos
protestantes: as profecias, as visões, os sonhos proféticos, as revelações, o êxtase e a
intermediação dos santos. O Protestantismo contribuiu para que ocorresse essa redução
do âmbito do sagrado na realidade social, tornando a sociedade mais “desencantada”.
Dessa forma, o Protestantismo “despiu-se tanto quanto possível dos três mais antigos e
poderosos elementos concomitantes do sagrado: o mistério, o milagre e a magia”. 26
Paulo Barrera Rivera argumenta nessa mesma linha weberiana ao afirmar que o
Protestantismo calvinista foi considerado secularizante pela sua contribuição ao
desenvolvimento da modernidade capitalista.27 Para ele, o Calvinismo se trata de uma
religião de racionalidade instrumental, e que o agir religioso tem sempre fins práticos. A
racionalidade prática do Calvinismo explorou o potencial cognitivo de um longo
24 Idem. Ibid. p. 72. 25 WEBER, Max. Ibid. p. 57. 26 BERGER, Peter L. Ibid. p. 124.
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23
processo de desencantamento religioso, alcançando seu clímax com a doutrina da
predestinação. O puritano predestinado, ao invés de seguir o caminho do ascetismo e
apartar-se da esfera mundana, engajou-se cada vez mais no mundo, sentindo-se
vocacionado por Deus no cumprimento de seu trabalho. O Calvinismo seria então a
última etapa do processo de eliminação da magia na religião. Segundo Barrera, “o
Protestantismo, além de desencantar o culto, contribuiu para o desencantamento do
mundo e da sociedade, já bastante desencantados”. 28
1.1.3. Reencantamento do mundo
Os conceitos acerca da secularização e desencantamento do mundo não tem sido
unânime entre os sociólogos da religião, principalmente em se tratando do campo
religioso brasileiro. Há aqueles que defendem a secularização como um caminho sem
volta, e outros que apregoam o retorno da magia e do sobrenatural, aqui entendido por
reencantamento do mundo.
Antônio Flávio Pierucci afirma que não há crise no paradigma da secularização.
O que ocorre é simplesmente o “declínio da religião”. Segundo ele, “por mais que novos
grupos religiosos e novas igrejas se formem e agitem o campo com novas energias de
combate e conquista, isto não significa de modo algum o fim do processo de
secularização. Antes, pelo contrário, ajuda-o, acelera-o”. 29
Lísias Negrão discorda dessa linha de argumentação ao afirmar que nós vivemos
o período do chamado “retorno do sagrado” ou “revanche de Deus” e que o mundo, de
uma certa forma, passa por um processo de “reencantamento”. Ele considera também
que no Terceiro Mundo, em especial no Brasil, o sagrado persistiu e a religião se
revitalizou, paralelamente ao “reencantamento” do Primeiro Mundo.30
Peter Berger aponta para uma “redescoberta do sobrenatural”, em sua obra
Rumor de anjos, após vários encontros com o Terceiro Mundo e a constatação de um
27 RIVERA, Paulo Barrera. Tradição, transmissão e emoção religiosa: sociologia do protestantismo na América Latina. São Paulo: Olho D’água, 2001. p. 125. 28 Idem. Ibid. p. 127. 29 PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização: a propósito do auto-engano em sociologia da religião in Novos Estudos Cebrap , n. 49, p. 99-117, São Paulo, novembro de 1997. p. 114.
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24
ressurgimento religioso na América do Norte.31 Berger não crê que a teoria da
secularização fora simplesmente um erro, porém, tanto o grau quanto a inexorabilidade
da secularização foram exagerados, mesmo na Europa e na América do Norte. Para ele,
essa obra se coloca como uma revisão de uma tese sociológica, com base em evidências
empíricas, coletadas em diversas localidades do Terceiro Mundo.
Gilles Kepel, por sua vez, mostra o ressurgimento dos fundamentalismos
cristãos, islâmicos e judaicos na segunda metade do século XX como formas de retorno
do sagrado.32 Kepel aponta os anos de 1977, 1978 e 1979 como referência para as
mudanças ocorridas no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, respectivamente.33 Em
maio de 1977, Menahem Begin torna-se primeiro ministro com o apoio dos movimentos
sionistas religiosos. Com essa vitória, os partidos religiosos aumentam sua penetração no
governo, incitando as implantações de colônias judaicas nos territórios ocupados, em
nome do antigo pacto entre Deus e o “povo eleito”. Em setembro de 1978, o cardeal
polonês, Karol Wojtyla é eleito como o novo pontífice da Igreja Católica. Ao mesmo
tempo, os grupos carismáticos, que se haviam desenvolvido no Catolicismo americano,
espalham-se pela Europa, conquistando muitos adeptos entre os jovens e as pessoas
instruídas. Esses grupos assumem um proselitismo às claras, e desempenham papel de
destaque na defesa da orientação dada à Igreja Católica por João Paulo II. Em fevereiro
de 1979, início do século XV da Hégira, o cenário político no Irã muda com a revolução
dos Aiatolás, que derrubam o Xá e assumem o poder. Em novembro do mesmo ano,
ocorre o ataque à Grande Mesquita de Meca por um grupo armado, que rejeita o controle
da dinastia saudita sobre os lugares santos. Para Kepel, o discurso e a prática desses
movimentos não são produtos de um desregramento da razão nem de uma manipulação
por forças obscuras, mas o testemunho insubstituível de um mal social profundo. Todos
esses movimentos têm projetos de reconstrução do mundo, que buscam nos textos
sagrados as regras da sociedade.
30 NEGRÃO, Lísias Nogueira. Mercadolicismo – mercado na religião e religião do mercado in Estudos de Religião , ano XIV, n. 18, p. 55-67, São Bernardo do Campo, UMESP, junho de 2000. 31 BERGER, Peter. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural . Petrópolis: Vozes, 1996. p. 177. 32 KEPEL, Gilles. A revanche de Deus: cristãos, judeus e muçulmanos na reconquista do mundo . São Paulo: Siciliano, 1991. 33 Idem. Ibid. p. 16.
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25
Sabino Acquaviva registra que houve apenas uma “eclipse” da religião,
expressão muito conhecida nos meios acadêmicos, para mostrar as mudanças que
estavam ocorrendo na religião, diante do processo de urbanização e industrialização em
meio à sociedade italiana.34
Paulo Barrera Rivera faz uma comparação entre os cultos promovidos pelos
protestantes e pentecostais na América Latina, para explicar a sua visão acerca do
“reencantamento” do culto. A diferença entre os dois grupos reside na forma como cada
um deles trata da experiência religiosa em seus sistemas litúrgicos. O Protestantismo
gerou uma racionalização da experiência religiosa, e se caracterizou pelo estudo da
Bíblia. O Pentecostalismo, ao contrário, manteve viva a emoção religiosa em seus
cultos, por meio da glossolalia e do exorcismo. Assim sendo, “os cultos pentecostais são
verdadeiros processos de re-encantamento da experiência religiosa, mas isso não
significa o retorno a uma visão encantada do mundo”. 35
1.1.4. Pluralismo religioso
O avanço da secularização na Europa e em outras partes do mundo criou uma
situação de pluralismo gerando a necessidade de um novo conceito: pluralismo
religioso. Berger afirma que essa situação proporcionou uma liberdade de escolha do
indivíduo quanto à adesão religiosa. Para ele, essa pluralidade desembocou em uma
situação de mercado, obrigando as instituições religiosas a agirem como agências de
mercado, e as suas tradições, como comodidades de consumo. Como as instituições
religiosas não podiam mais impor suas antigas verdades como absolutas e nem contar
mais com a submissão cega da população às suas doutrinas, elas foram obrigadas a
entrar em uma disputa entre si pela fidelidade desse novo “consumidor”. Esse conceito
está bem explícito nas palavras de Berger:
A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições
34 ACQUAVIVA, Sabino S. El eclipse de lo sagrado em la civilización industrial . Bilbao-Espanha: Editorial Elexpuro, 1972. 35 RIVERA, Dario Paulo Barrera. Desencantamento e reencantamento: sociologia da pregação protestante na América Latina in Estudos de Religião , n. 23, v. 16, p. 56-82, dezembro de 2002. São Bernardo do Campo: Umesp. p. 78.
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religiosas tornam-se comodidades de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado.36
Em relação à expressão comodidades de consumo, na citação acima, Leonildo
Silveira Campos faz uma observação quanto à tradução do texto original. Para ele, ao ser
traduzido do inglês para o português, o tradutor usou uma expressão que não lhe pareceu
adequada. Por isso, Campos dá preferência à tradução espanhola que registrou: “La
situacion pluralista es, sobre todo, una situacion de mercado. En ella, las instituciones
religiosas se convierten en agencias comerciales y las tradiciones religiosas en
mercanderias para el consumidor”.37 Portanto, a tradução mais adequada seria
“mercadorias para o consumidor” ao invés de “comodidades de consumo”.
Mas, voltando ao argumento de Berger, os antigos monopólios religiosos
acabaram se tornando em competitivas agências de mercado. Esses grupos agora são
obrigados a se organizar para conquistar um contingente de consumidores, competindo
com outros grupos que possuem o mesmo propósito. Diante desta situação pluralista, a
religião não pode ser mais imposta, mas agora tem que ser posta no mercado. Para
Berger, é impossível colocar no mercado um bem de consumo sem levar em conta os
desejos dos consumidores em relação ao bem de consumo. Nesta situação fica cada vez
mais difícil manter as tradições religiosas como verdades imutáveis. É necessário agora
buscar a preferência do consumidor na esfera religiosa.
A situação pluralista dificultou cada vez mais a permanência das estruturas de
plausibilidade para a religião. Essas estruturas perderam a solidez e a durabilidade diante
da dinâmica da cultura de consumo. Assim, os conteúdos religiosos tornaram-se
suscetíveis à “moda”, tornando-se cada vez mais difícil sustentá- los como verdades
imutáveis. Assim, o fim dos monopólios religiosos tornou-se um processo socio-
estrutural, subtraindo da religião o poder de legitimar o “mundo”. Cada grupo religioso,
agora, procura manter seu próprio cosmos diante de uma diversidade de “mundos”
diferentes. Diante desse fato, restam às instituições religiosas duas opções distintas: Ou
elas se acomodam, modificando seu “produto” de acordo com a demanda do
36 BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião , São Paulo: Paulus, 1985. p. 149.
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consumidor, tal como uma empresa em uma lógica de mercado, ou simplesmente se
recusam a tal situação, continuando a professar suas próp rias verdades, como se nada
tivesse acontecido.
Reginaldo Prandi cita o Brasil como um país de diversidade religiosa. Segundo
ele, um quarto da população adulta já experimentou o sentido da adesão a uma religião
contrária daquela em que tinha ao nascer.38 Nesse contexto, a religião vai se ajustando
cada vez mais à idéia da escolha que se faz frente a variadas necessidades e
possibilidades de ser atendida. Segundo tais constatações, existe uma facilidade no
trânsito de um indivíduo de uma denominação para outra sem qualquer sentimento de
culpa. A própria noção de conversão religiosa tornou-se um conceito vago, pois não
significava mais uma ruptura dramática com o seu antigo modo de vida. Para Prandi, o
indivíduo não está mais interessado em defender nenhuma bandeira religiosa. A religião
foi passando, pouco a pouco, para o território do indivíduo, e deste para o de consumo, e
agora é obrigada a seguir as regras de mercado. Conseqüentemente, a religião se
transformou em consumo e o fiel em consumidor, dentro de uma relação de mercado.
Com o avanço do pluralismo religioso, as instituições passaram a trabalhar sob
pressão para buscar melhores resultados e conquistar maior número de fiéis. Como esse
indivíduo possui agora várias opções, ele pode escolher aquela que melhor lhe agrada.
Nesta disputa, o marketing surge como uma ferramenta apropriada para atender às
necessidades específicas desse consumidor, intervindo no processo de escolha. Com
isso, ao identificarem as necessidades de um grupo de pessoas, as instituições
padronizam os seus produtos para atender a clientela.
Em nosso estudo de caso, encontramos na Igreja Apostólica Renascer em Cristo,
por exemplo, reuniões para empresários, profissionais liberais e pessoas que desejam ter
o seu próprio negócio. De um lado temos um grupo de pessoas (empresários,
profissionais liberais) que possuem uma necessidade específica (realização profissional,
sucesso nas vendas), e de outro uma instituição religiosa que oferece a satisfação dessas
37 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal . Petrópolis: Vozes, 1997. p. 213. 38 PRANDI, Reginaldo. Religião paga, conversão e serviço in Novos Estudos Cebrap , n. 45, p. 65-77, São Paulo, julho de 1996.
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necessidades (cultos para invocar a benção de Deus em seus negócios), padronizando o
produto (prosperidade financeira) de acordo com o perfil de sua clientela.
1.1.5. Globalização e pós-modernidade
Outro conceito importante, aqui destacado, diz respeito ao avanço da
globalização e da pós-modernidade. Entendemos por globalização o processo de
interligação econômica e cultural, em nível mundial, que ganhou intensidade a partir da
década de 80, devido ao crescimento vertiginoso dos mercados financeiros e das redes
de informação. O fenômeno decorre basicamente da expansão dos sistemas de
comunicação por satélites, da revolução da telefonia e da presença da informática na
maior parte dos setores de produção e de serviços, inclusive por meio do uso da Internet,
conhecida como a rede mundial de computadores. Anthony Giddens define globalização
como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades
distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo
a muitas milhas de distância e vice-versa”. 39 Dessa forma, um fato ocorrido no outro
lado do planeta, como por exemplo, uma guerra localizada no Oriente Médio, pode
interferir de forma direta na economia do país, por meio de uma alta no preço do barril
de petróleo, e em todos os produtos derivados dessa matéria-prima.
A globalização pode ser entendida por meio de várias metáforas, bem como
expressões descritivas e interpretativas, tais como: “economia-mundo”, “sistema-
mundo”, “shopping center global”, “Disneylândia global”, “moeda global”, “aldeia
global”, “cidade global”, “capitalismo global”, “desterritorialização”, “hegemonia
global” e outras mais.40 À medida que o sistema social mundial se moderniza, o mundo
começa a se parecer uma espécie de aldeia global, termo utilizado por Marshall
Mcluhan em sua obra A aldeia global. No âmbito da aldeia global, a mídia eletrônica se
torna um poderoso instrumento de comunicação, informação, explicação e imaginação
39 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade . São Paulo: UNESP, 1991. p. 69. 40 IANNI, Octavio. Teorias da Globalização . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 10ª Ed., 2002. p. 15.
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sobre o que ocorre pelo mundo. Nesse sentido, “a noção de aldeia global é bem uma
expressão da globalidade das idéias, padrões e valores sócio -culturais, imaginários”. 41
Essa noção pode ser entendida como cultura de massa, mercado de bens culturais,
universo de signos e símbolos, linguagens e significados que povoam o modo pelo qual
as pessoas se situam no mundo. Com os avanços da tecnologia, os meios de
comunicação adquirem maiores recursos e alcances mais distantes. Assim, os meios de
comunicação de massa rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas, religiões,
regimes políticos e desigualdades sócio -econômica.
A globalização já se fazia presente na esfera religiosa desde a época do Império
Romano. Neste período, a Igreja Católica expandiu-se por meio de seus inúmeros
templos espalhados por toda a Europa. Posteriormente, com o surgimento do
Protestantismo e do Pentecostalismo, nos séculos XVI e XX respectivamente, o mesmo
processo ocorreu com esses novos movimentos. Apesar do Catolicismo ter surgido na
Itália, o Protestantismo na Alemanha e o Pentecostalismo nos Estados Unidos, nenhum
deles ficou restrito aos seus países de origem. Todos eles cresceram e se expandiram,
ultrapassando fronteiras e conquistando fiéis em diversos países do mundo.
Em meio à globalização, Reginaldo Prandi afirma que as igrejas de grande
sucesso – principalmente as neopentecostais - descobriram fórmulas racionalizadas e
bem eficazes para sua propagação. Para ele, a igreja é um empreendimento que conta
com um arsenal de soluções já testadas e aprovadas, e que em matéria estritamente
religiosa repete fórmulas simples e pasteurizadas, podendo ser ouvidas em qualquer
lugar do mundo aonde suas filiais vão sendo instaladas.42 Além disso, no mundo atual,
nem é mais preciso ir ao templo. Basta ligar a televisão e sintonizar um dos inúmeros
canais acessíveis pelas antenas parabólicas ou via cabo para assistir a um culto religioso.
A indústria cultural também adquiriu alcance global. Segundo Ianni, essa
indústria atravessa todo o tipo de fronteiras, sejam elas geográficas, políticas, culturais,
religiosas, lingüísticas e outras.43 Como resultado disso, podemos entender como o
termo gospel, tão popularizada nos Estados Unidos, foi transplantada para o Brasil, no
41 Idem. Ibid. p. 119. 42 PRANDI, Reginaldo. A religião do planeta global in Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 69. 43 IANNI, Octavio. Ibid. p. 122.
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início dos anos 90, por iniciativa da Igreja Apostólica Renascer em Cristo,
transformando-o em marca de sua propriedade e utilizando-o em diversos produtos
comercializados pela igreja. Também podemos entender como o evento Marcha para
Jesus, que teve início em Londres, na Inglaterra, no ano de 1987, pode ser realizado no
Brasil e em mais de 170 países.
Além da globalização, resta esclarecer o significado dos conceitos de
modernidade e pós-modernidade. Giddens afirma que “modernidade refere-se a estilo,
costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII
e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”. 44 A
modernidade, nesse caso, torna-se um estilo de vida, que começou a se originar no
período da Reforma do século XVI, ganhando impulso a partir da revolução industrial
inglesa e da revolução francesa. Giddens argumenta que ainda não vivemos em um
mundo pós-moderno, mas um período por ele denominado de “alta modernidade”. No
entanto, para outros estudiosos, o conceito de “pós-modernidade” tem a ver com uma
reação ao projeto cultural da “modernidade”, um período de esvaziamento,
decomposição e superação de tudo o que a “modernidade” pretendia instaurar. Esse
momento cultural se manifesta na aquisição de novas formas de raciocinar, sentir e
conceber a vida. No contexto de “pós-modernidade” o ser humano torna -se mais
individualista, voltando-se para si mesmo, pois para ele não interessa o passado e nem o
futuro, apenas o presente.
Diante desses conceitos, o Protestantismo tem sido vinculado ao processo de
modernização no Ocidente, devido à sua ruptura com as antigas tradições religiosas e
inserção ao sistema capitalista moderno. Por sua vez, as novas formas de
Pentecostalismo, principalmente as que surgem no Brasil, a partir da década de 70, estão
associadas ao advento da “pós-modernidade”, quando rompem com as fronteiras
delimitas pelo Pentecostalismo clássico, com uma nova visão de mercado.
1.2. Protestantismo e Pentecostalismo: um panorama histórico.
44 GIDDENS, Anthony. Ibid. p. 11.
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Vimos até agora como os processos de secularização, desencantamento e
reencantamento do mundo, pluralismo religioso e globalização afetaram a cultura e, em
especial, a religião. Nesta segunda parte analisaremos o impacto desses fenômenos
culturais sobre o Protestantismo, e em particular o Pentecostalismo. Pressupomos serem
as novas formas de Pentecostalismo acomodações da religião nesse novo contexto
cultural. Entre elas escolhemos para análise a Igreja Apostólica Renascer em Cristo.
1.2.1. O campo religioso e seus agentes
Para uma melhor compreensão da gênese e desenvolvimento da Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, adotaremos como referencial teórico a visão de Pierre Bourdieu
(1930-2002) sobre o campo religioso e seus agentes.45 Para Bourdieu, o surgimento das
grandes religiões universais está atrelado à origem e ao desenvolvimento da cidade. A
urbanização, segundo Bourdieu, contribuiu para a racionalização da religião na medida
em que esta favoreceu o desenvolvimento de um corpo de especialistas, que mediante o
reconhecimento social foi incumbido da gestão dos bens de salvação. Essa
monopolização pelos especialistas religiosos permitiu a detenção exclusiva quanto à
produção, reprodução e difusão dos bens religiosos. Assim, a constituição do campo
religioso surgiu com a separação deste grupo de especialistas (clero) do grupo de leigos
(laicatos), estes últimos destituídos do capital religioso e de legitimidade. Com esta
separação, ficou nítida a formação de um campo religioso, em que temos de um lado a
monopolização completa da produção religiosa por especialistas, e por outro lado o
consumo religioso dos leigos.
Para Bo urdieu o campo religioso é dinâmico, pois nele ocorrem as relações de
transação e de conflito entre os especialistas e leigos, e também entre os diferentes
especialistas no interior do campo religioso.46 Nesta dinâmica é possível encontrarmos
vários grupos de especialistas que concorrem entre si para estabelecer relações com o
grupo de leigos. Essas relações constituem um papel fundamental na dinâmica do campo
religioso, em que se verifica uma relação harmônica entre as práticas e crenças religiosas
e os interesses materiais da sociedade, constituindo o que ele denomina de habitus.
45 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva. 2ª Ed., 1982. p. 27-78. 46 Idem. Ibid. p. 50.
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Segundo Bourdieu, habitus religioso é o “princípio gerador de todos os pensamentos,
percepções e ações, segundo as normas de uma representação religiosa do mundo natural
e sobrenatural, ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do
mundo social”. 47 O funcionamento do campo religioso ocorre porque indivíduos e
instituições utilizam seus respectivos “capitais religiosos” para concorrer pelo
monopólio da gestão dos bens de salvação, e modificar ou inculcar um habitus religioso
nos leigos sob suas influências.
Na tipologia weberiana, o monopólio da gestão dos bens de salvação é disputado
pelos seguintes agentes no campo religioso: sacerdotes, profetas e magos.48 Dessa
disputa surge a Igreja, que tem o reconhecimento da sociedade como detentora oficial
dos bens de salvação em um determinado território, delegando a seus sacerdotes o
monopólio da distribuição dos sacramentos e uma autoridade para o exercício de tal
função. O profeta, por ser um empresário independente, conta somente com o seu capital
religioso para arregimentar pessoas ao redor da mensagem que ele proclama. Nesse
aspecto ele é considerado um revolucionário, porque tenta dessacralizar a ordem
sacerdota l vigente, produzindo uma alternativa de doutrina sistemática paralela. Já o
mago atua no mercado informal atendendo à sua clientela por intermédio do uso da
magia. Os magos, em alguns casos, podem estar unidos em uma corporação fechada ou
em uma casta hereditária, podendo adquirir, em determinadas comunidades, o
monopólio da magia.
Todavia, por causa da complexidade dos agentes que atuam no campo religioso
brasileiro, sentimos a necessidade de delimitar o nosso objeto de estudo, fazendo uma
breve análise dos movimentos religiosos cristãos que surgiram a partir da Reforma
protestante, tais como: Protestantismo, Pentecostalismo e as novas formas de
Pentecostalismo.
1.2.2. Protestantismo
47 BOURDIEU, Pierre. Ibid. p. 57. 48 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva . Vol. 1. 3ª Ed. Brasília: UnB, 2000. p. 294-310.
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A Reforma protestante iniciada no século XVI, na Alemanha, por meio de
Martinho Lutero, contém os primeiros elementos para a mudança de paradigma no
campo religioso cristão após o período do Renascimento. Isto porque, a Igreja cristã,
oficializada como Igreja do Império pelo governo de Roma no século IV, assumiu a
forma Católica Romana e dominou o cenário religioso no Ocidente por
aproximadamente doze séculos. Essa Igreja tentou dessa maneira monopolizar em torno
de si todas as atividades religiosas e políticas, por meio de ações que interferiam no
funcionamento do Estado. Isso lhe possibilitou o controle total sobre todas as esferas da
sociedade. Consequentemente, todas as outras opções religiosas surgidas naquela época
eram perseguidas ou destruídas pela ação da Igreja e do Estado que, nesse período,
agiam como um governo teocrático. A partir da Reforma protestante, o Ocidente passou,
desde então, a contar com duas principais opções religiosas: Catolicismo e
Protestantismo. O indivíduo, anteriormente obrigado por lei e tradição, desde o seu
nascimento, a pertencer à religião oficial do Estado, ou seja, ao Catolicismo, passou a
contar agora com mais uma opção de adesão religiosa. Desde então, o Protestantismo
possibilitou o surgimento de várias outras denominações religiosas, tanto na Europa
quanto nas colônias inglesas da América do Norte, disputando espaços que antes
pertenciam à Igreja Católica.
O Protestantismo que surgiu da Reforma do século XVI, ao contrário do
Catolicismo, não foi capaz de conservar-se unido, gerando uma variedade de tendências
e instituições. Antonio Gouvêa Mendonça usa o termo “Protestantismos” (luterano,
calvinista, metodista e outros) por causa da diversidade de correntes teológicas.49 Os
Protestantismos europeus, ao emigrarem da América do Norte, passaram por uma série
de transformações institucionais, teológicas e culturais que fizeram deles um fenômeno
religioso distinto de suas origens históricas mais próximas. Todavia, segundo Mendonça,
quando o Protestantismo chega ao Brasil, na metade do século XIX, encontra aqui uma
religião já confortavelmente instalada.50 O Catolicismo, antes de ser a religião do
Estado, era a religião do povo brasileiro. O Catolicismo levava vantagem de ter vindo
49 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990. p. 11. 50 MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Pendão Real / ASTE / IMS, 1995. p. 81.
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com os colonizadores e de ser implantado desde o primeiro momento da colonização no
Brasil.
O Protestantismo inseriu-se no Brasil no final da primeira metade do século XIX,
após duas tentativas fracassadas anteriormente.51 Na primeira delas, quando os franceses
se estabeleceram no Rio de Janeiro, entre os anos de 1555 e 1560; e na segunda, quando
os holandeses invadiram o Nordeste brasileiro, no período de 1630 e 1654. O primeiro
impulso para a inserção definitiva dos protestantes no Brasil se deu basicamente por
causa do processo imigratório, logo após a abertura dos portos brasileiros ao comércio
inglês, em 1810. Segundo Boanerges Ribeiro, o Tratado de Aliança e Amizade e o de
Comércio e Navegação, firmados entre o Brasil e a Inglaterra, abriu a primeira brecha na
estrutura montada pela Igreja Católica na hegemonia do sistema religioso brasileiro.52
Desde então os ingleses poderiam celebrar o culto protestante a bordo de seus navios
que ancoravam o porto do Rio de Janeiro ou em residências particulares. Além dos
ingleses favorecidos pelo Tratado, chegaram ao país cidadãos de outros países
protestantes, entre eles: norte-americanos, suecos, dinamarqueses e escoceses. A maioria
desses cidadãos ficaram na Corte e os demais foram para outras regiões à procura de
trabalho.
Outro fator que contribuiu para a inserção protestante no Brasil foi o incentivo
governamental à imigração européia, principalmente a alemã, alguns anos mais tarde.
Como a Constituição brasileira de 1824 permitia uma certa tolerância a cultos de outras
religiões que não fossem católicas, instalaram-se no país anglicanos, episcopais e
luteranos. Ribeiro aponta que havia divergência quanto à concessão de liberdade de
culto a brasileiros natos, pois somente estrangeiros protegidos pelo tratado de 1810 com
a Inglaterra podiam realizar culto não-católico. 53 Contudo o artigo 5º da Constituição
brasileira de 1824 estabeleceu o seguinte: “A religião Católica Apostólica Romana
continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com
seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma
51 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 12. 52 RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil monárquico, 1822-1888: aspectos culturais de aceitação do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1973. p. 16-17. 53 Idem. Ibid. p. 28.
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exterior de templo”. 54 Apesar da limitação imposta por pressão da Igreja Católica
Romana, os protestantes asseguraram seus direitos de expressão religiosa no Brasil.
A partir de 1850, começaram a chegar no Brasil os primeiros missionários
protestantes com a finalidade de propagar sua fé. Segundo Mendonça, esse impulso
corresponde ao que ele denomina de “Protestantismo missionário”. 55 Por meio dele
instalaram-se no Brasil a Igreja Congregacional, a Presbiteriana, a Metodista, a Batista e
a Episcopal. Para uma melhor compreensão do Protestantismo, faremos um breve
histórico a respeito de cada uma delas.
O missionário escocês chamado Robert Reid Kalley, juntamente com sua esposa,
Sarah Poulon Kalley, deu início à Igreja Congregacional do Brasil. Robert Kalley trouxe
para o Brasil o congregacionalismo, ramo calvinista das Igrejas livres da Inglaterra,
praticando a democracia direta ao afirmar a autonomia das igrejas locais. O
estabelecimento no Brasil se deu em 1855, no Rio de Janeiro. Robert Kalley introduziu a
teologia conversionista simples, semelhante à dos avivamentos, e Sarah Kalley produziu
um livro de hinos – Salmos e hinos – composto de uma miscelânea teológica em que
prepondera a teologia do pietismo.56 Os hinários, posteriores e atuais, em uso em
diversas denominações, têm como inspiração o hinário dos Kalley.
Segundo Douglas Nassif Cardoso, em 5 de outubro de 1856, Kalley já começava
a utilizar a propaganda em jornais, publicando a tradução da obra de John Bunyan O
Peregrino no jornal Correio Mercantil.57 Essa obra foi publicada em 35 capítulos,
causando boa impressão junto aos leitores. Esta iniciativa foi um importante agente para
propagar, durante esse período, suas idéias religiosas e liberais na sociedade e na corte.
Kalley tinha por objetivo aproximar-se de vários segmentos da sociedade, por meio de
sua atuação médica, artigos em jornais, contatos políticos e sociais, e, principalmente, o
serviço de colportagem junto à população mais simples. De acordo com Émile G.
Leonard, no período de 1855 a 1860 foram distribuídos 20 mil exemplares de Bíblias e
54 RIBEIRO, Boanerges. Ibid. p. 32. 55 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 31. 56 CARDOSO, Douglas Nassif. Sarah Kalley: missionária pioneira na evangelização do Brasil. São Bernardo do Campo: Editora do Autor, 2005. 57 CARDOSO, Douglas Nassif. Robert Reid Kalley: médico, missionário e profeta. Universidade Metodista de São Paulo, Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, São Bernardo do Campo, 2000. p. 131.
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Novos Testamentos no Brasil, realizado por meio de um intenso trabalho de
colportagem, com a ajuda direta de seus colaboradores mais próximos.58
No dia 11 de junho de 1858, Kalley realizou o primeiro batismo de um brasileiro,
em um culto doméstico no Rio de Janeiro.59 Kalley considerou este fato como um
marco, a tal ponto de estabelecer nesta mesma data a fundação da primeira igreja, que
recebeu o nome de Igreja Evangélica Fluminense, considerada a primeira comunidade
protestante do Brasil. Com o estabelecimento da Igreja Evangélica, Kalley continuou
com seus projetos evangelísticos por meio da utilização da mídia em jornais e revistas,
da colportagem, dos cultos domésticos e da escola dominical. Porém, a denominação
não se expandiu muito. Atualmente, as Igrejas congregacionais representam-se
nacionalmente pela União de Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB).
A UIECB possui um seminário teológico no Rio de Janeiro e outros isolados ou ligados
ao trabalho denominacional em vários estados. Segundo o último censo demográfico
realizado pelo IBGE em 2000, a denominação tinha naquela época em torno de 148.836
membros.
Em 1859, a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América do Norte,
conhecida como Igreja Presbiteriana do norte, enviou seu primeiro missionário ao Brasil,
Ashbel Green Simonton, que chegou ao Rio de Janeiro em 12 de agosto do mesmo
ano.60 Durante os oito anos de seu trabalho no Brasil, Simonton e seus auxiliares
realizaram os seguintes feitos: a fundação de uma igreja no Rio de Janeiro, em 12 de
janeiro de 1862; a fundação do primeiro jornal evangélico no Brasil, a Imprensa
Evangélica em 05 de novembro de 1864; a organização do primeiro presbitério, do Rio
de Janeiro, em 16 de dezembro de 1865; e a fundação do primeiro seminário teológico,
no Rio de Janeiro em 14 de maio de 1867.
Os presbiterianos do sul, representados pela Igreja Presbiteriana nos Estados
Unidos, também enviaram um grupo de missionários ao Brasil, entre eles George Nash
Morton e Edward Lane. Esses missionários estabeleceram colônias em diversas regiões
do Brasil. Dentre elas, a colônia de Santa Bárbara do Oeste, na província de São Paulo,
58 LEONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social . 3ª Ed. São Paulo: ASTE, 2002. p. 55. 59 Idem. Ibid. p. 57.
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foi a que mais prosperou. Seguindo a trilha do café, José Manuel da Conceição, ex-padre
convertido ao Protestantismo, foi o responsável pela expansão do Presbiterianismo no
país. Devido à influência de Conceição, a maior congregação presbiteriana foi a de
Brotas, na província de São Paulo, por vários anos. A igreja em Brotas, em razão de sua
posição, foi considerada de grande importância devido à evangelização do interior
paulista.
Os presbiterianos organizam-se a partir da relativa autonomia da congregação
local um sistema federativo e piramidal de concílios. Cada congregação local tem um
conselho de presbíteros leigos eleitos por ela. Um grupo de congregações locais forma
um presbitério. Um grupo de presbitérios forma um sínodo, e todos os presbitérios
formam o supremo concílio ou assembléia geral. Devido aos sucessivos cismas, os
presbiterianos brasileiros constituem atualmente nos seguintes grupos: Igreja
Presbiteriana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Igreja Presbiteriana
Unida do Brasil, Igreja Presbiteriana Conservadora e Igreja Presbiteriana Renovada. Os
presbiterianos possuem uma significativa rede educacional no Brasil e também uma
universidade, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Os metodistas, após tentativa frustada em 1836, no Rio de Janeiro,
estabeleceram-se de forma definitiva no Brasil em 1886, com os missionários Junius E.
Newman, John J. Ransom, J. W. Koger e James L. Kennedy. 61 O crescimento dos
metodistas se deu quando a influência de seus colégios e o crescimento das cidades
abriram as portas da burguesia em ascensão. Os metodistas se beneficiaram porque
deram prioridade à educação, abrindo colégios por toda parte. Entre eles podemos citar a
Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, a Universidade
Metodista de Piracicaba, no interior de São Paulo, o Instituto Bennett, no Rio de Janeiro
e o Izabela Hendrix, em Belo Horizonte. A Igreja Metodista também produziu algumas
dissidências e constituíram outras denominações no Brasil: Igreja Metodista Livre,
Igreja Metodista Wesleyana e Igreja Avivamento Bíblico.
60 DUNCAN, Alexander Reily. História documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1984. p. 110. 61 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 40.
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Os batistas tiveram seu início histórico no Brasil com a vinda dos missionários
William Buck Bagby (1855-1939) e Zachary Clay Taylor (1851-1919), em 1881.62 Os
missionários iniciaram suas atividades na Bahia e no dia 15 de outubro de 1882 ali
fundaram a Primeira Igreja Batista. Logo de início atingiram alguns estados do Nordeste
e depois o Rio de Janeiro. Após sete anos em atividade no Brasil, os batistas já possuíam
oito igrejas organizadas nos estados da Alagoas, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.63
Semelhantemente aos metodistas, os batistas atua ram nas áreas urbanas, onde a presença
física da Igreja Católica constituía um grande obstáculo aos protestantes. Por esse
motivo o crescimento inicial foi lento e difícil.
Os batistas também se dedicaram à educação, como os presbiterianos e
metodistas, mas não fundaram tantos colégios como estes. Os batistas canalizaram seus
recursos para a expansão de suas congregações e por esse motivo não se interessaram
tanto pelo ensino superior. Porém, fundaram os colégios batistas em São Paulo, Rio de
Janeiro e Recife. As igrejas batistas são autônomas, organizam-se em convenções
regionais e estão espalhadas por todo o território nacional. Sua entidade máxima é a
Convenção Batista Brasileira, mas há outras convenções concorrentes, como a
Convenção Batista Nacional, que reúne os dissidentes de linha pentecostal.
A Igreja Episcopal do Brasil surgiu em 1898, no Rio Grande do Sul, expandindo-
se para o Rio de Janeiro em 1908 e para São Paulo e Santa Catarina em 1920.64 O
crescimento da Igreja Episcopal do Brasil tem sido lento, pois seu culto é muito
semelhante ao da Igreja Católica, o que lhe traz problemas de identidade. Os
missionários episcopais Lucien L. Kinsolving e James W. Morris chegaram ao Brasil em
1889, enviados pela Igreja Episcopal Protestante dos Estados Unidos. As Igrejas
episcopais se formaram sob dupla orientação: de um lado, o conversionismo das Igrejas
norte-americanas e, de outro, o rigoroso ritualismo do Livro de Oração Comum dos
anglicanos.
Émile G. Leonard destaca que a instalação simultânea ou sucessiva no Brasil
entre as igrejas congregacionalistas, presbiterianas, metodistas e batistas, além de outras
62 PEREIRA, José dos Reis (da Silva). História dos Batistas no Brasil (1882-1982). 2ª Ed. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1985. p. 15-25. 63 Idem. Ibid. p. 65. 64 VELASQUES FILHO, Prócoro e MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ibid. p. 45.
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denominações, provocaram uma forte concorrência entre elas, principalmente em
relação ao trânsito de fiéis de uma para outra denominação.65 Os convert idos provindos
do Catolicismo, ao deixaram a religião de origem, buscavam outra que respondessem
melhor às suas necessidades espirituais. Estas concorrências entre as denominações
ocorreram com protestos e discussões. Leonard cita um caso em que houve um acordo
de delimitação de zonas, celebrado na Bahia, entre os missionários presbiterianos, de um
lado e os batistas, de outro, posteriormente violado pelos presbiterianos.66 Além da
concorrência entre a Igreja Católica e as igrejas protestantes, durante o século XIX, no
campo religioso brasileiro, veremos que a disputa será mais intensa com o surgimento de
um novo concorrente no início do século seguinte: o Pentecostalismo.
1.2.3. Pentecostalismo
No início do século XX, um novo concorrente do Catolicismo e do
Protestantismo entrou em cena, provocando profundas alterações no cenário religioso,
principalmente nas Américas e, posteriormente, nos demais continentes: o
Pentecostalismo. Este movimento surgiu dentro do Protestantismo, nos Estados Unidos,
no ano de 1906, e espalhou-se rapidamente por toda a América, conquistando adeptos
tanto do Catolicismo quanto do Protestantismo.
Na segunda metade do século XIX, o movimento de santidade (holiness),
inspirado pelo avivamento metodista do século XVIII, promovido por John Wesley,
expandiu-se rapidamente nos países de língua inglesa e penetrou em diversas
denominações. 67 Além disso, esse movimento produziu uma variedade de pequenos
grupos que buscavam uma experiência mística com o sagrado, acrescentando-se também
uma grande expectativa de que o iminente fim do mundo, com a volta de Jesus, fosse
precedido por um grande avivamento, tal como ocorrera na Igreja primitiva.
O Pentecostalismo, como movimento distinto, teria se originado no começo do
século XX, em uma escola bíb lica dirigida por Charles Parham, em Topeka, Kansas,
65 LEONARD, Émile G. Ibid. p. 140. 66 Idem. Ibid. p. 142. 67 FRESTON, Paul. Breve história do Pentecostalismo brasileiro in Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do Pentecostalismo . Petrópolis: Vozes, 1994. p. 72-75.
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onde a glossolalia (falar em línguas estranhas) era a evidência do “batismo com o
Espírito Santo”. 68 Parham organizou grandes reuniões em diversas cidades nas quais os
participantes se converteram, se santificaram, se curaram das enfermidades e se
batizaram do Espírito Santo. Porém, segundo Freston, o estopim do movimento
pentecostal ocorreu com um negro chamado W. J. Seymour.69 Ele havia nascido como
escravo, era cego de um olho e trabalhava como garçom. Em 1906, Seymour foi
convidado a pregar em uma igreja negra holiness em Los Angeles. Nesta reunião ele
pregou sobre o fenômeno do “batismo com o Espírito Santo”, acompanhado pela
manifestação da glossolalia.
Após esse convite, Seymour alugou um velho templo metodista na Azusa Street
para dar início à sua obra missionária, denominado de “Missão de Fé Apostólica”.
Inicialmente o movimento era composto apenas por negros, mas devido ao sucesso,
muitos brancos passaram a se juntar ao grupo. Pastores brancos, de várias partes do país,
iam a Los Angeles para participar das reuniões, juntamente com os líderes negros.
Porém essa convivência não durou muito tempo e o movimento pentecostal começou a
fragmentar-se em grupos independentes, separados por questões doutrinár ias e raciais.
No Brasil, o Pentecostalismo instalou-se logo após o fenômeno ocorrido nos
Estados Unidos.70 No ano de 1910, Luigi Francescon, um pregador ítalo-americano,
fundou junto à colônia de italianos, em São Paulo e Paraná, a Congregação Cristã no
Brasil. Em 1911, dois missionários suecos, chamados Daniel Berg e Gunner Vingren,
iniciaram, em Belém do Pará, um trabalho de avivamento denominado “Missão Fé
Apostólica”, que em 1918 adotou o nome de Igreja Assembléia de Deus. O
Pentecostalismo, a partir de meados da década de 50, teve várias ramificações,
ocasionando o surgimento de uma grande variedade de igrejas pentecostais, tais como:
Igreja do Evangelho Quadrangular (1953), Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo”
(1956), Igreja de Nova Vida (1960), Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (1961), Casa da
Bênção (1964), Metodista Wesleyana (1967) e uma enorme quantidade de pequenas
denominações.
68 HOLLENWEGER, Walter. El Pentecostalismo: historia y doctrinas. Buenos Aires - Argentina: Editorial La Aurora, 1976. p. 8. 69 FRESTON, Paul. Ibid. p. 74.
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Paul Freston classifica o movimento pentecostal brasileiro em “três ondas”, a
partir de um corte histórico institucional. 71 A “primeira onda” se iniciou, para ele, na
década de 1910, com o surgimento da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de
Deus (1911). Estas duas igrejas permaneceram durante 40 anos como únicas
representantes do movimento pentecostal no campo religioso brasileiro. A “segunda
onda” pentecostal, dentro de um contexto paulista, foi a dos anos 50 e início dos anos
60, quando ocorreu a fragmentação do campo pentecostal e surgiram as denominações:
Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo” e Igreja
Pentecostal “Deus é Amor”. A “terceira onda” começou no final dos anos 70 e início dos
anos 80, dentro de um contexto carioca, com o surgimento da Igreja Universal do Reino
de Deus e da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Leonildo Silveira Campos observa que a convivência dos protestantes históricos
com os pentecostais brasileiros não tem seguido um padrão uniforme.72 Os
presbiterianos, entre outros, olhavam os pentecostais com desprezo, considerando-os
como “fanáticos” e praticantes de uma “religiosidade inferior”. À medida que o
Pentecostalismo multiplicava a quantidade de seus adeptos, o desinteresse passou a se
tornar uma competição raivosa. Nesse período, multiplicaram-se nos jornais evangélicos
os números de artigos contra os pentecostais. A maior reação ocorreu nos anos 60, com
o surgimento do Pentecostalismo de “segunda onda” ou de cura divina. A despeito de
todos os esforços empreendidos pelos protestantes, nada impediu a debandada de seus
membros em direção ao Pentecostalismo. Assim, o Protestantismo tradicional brasileiro,
desde 1950, tem sofrido inúmeras derrotas para o movimento pentecostal.
Segundo Campos, o Protestantismo histórico fazia da cultura letrada o seu centro
articulador, enquanto que o Pentecostalismo tem se dado bem com a cultura oral,
desvinculada do sistema escolar. No Brasil, onde milhares de pessoas são consideradas
analfabetas, torna-se mais fácil atingi- los pelos meios de comunicação de massa. O
Protestantismo, até hoje, insiste em uma educação cristã e teológica fortemente teóricas,
centradas na literatura. O Pentecostalismo, ao contrário, treina comunicadores e ativistas
70 GUTIERREZ, Benjamim F. e CAMPOS, Leonildo Silveira. Na força do Espírito: os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real / AIPRAL, 1996. p. 84. 71 FRESTON, Paul. Ibid. p. 70-71. 72 GUTIERREZ, Benjamim F. e CAMPOS, Leonildo Silveira. Ibid. p. 104-105.
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de auditório, que dirigem o culto tal como um espetáculo encenado em um palco. Essa
visão do culto -espetáculo foi uma estratégia adotada pelos pentecostais, tendo como
modelo os tele-evangelistas norte-americanos, que foram sucesso na década de 70 nos
Estados Unidos.73
Para Campos, o Pentecostalismo de “terceira onda” reflete o deslocamento da
cultura e das instituições tradicionais, e dessa forma a produção, circulação e
distribuição de bens religiosos se inserem dentro de uma lógica que fez do rádio, da
televisão e dos templos como eficientes pontos de venda. Neste vasto “supermercado
religioso”, os pastores e missionários desempenham o papel de técnicos de marketing e
especialistas em estratégias de vendas. Para facilitarmos nossa compreensão em termos
de classificação, denominaremos essa “terceira onda” do Pentecostalismo, juntamente
com as mudanças ocorridas dentro do campo religioso brasileiro, de
Neopentecostalismo.
1.2.4. Novas formas de Pentecostalismo
A partir do final da década de 70 e com mais intensidade no começo dos anos 80,
surgem, finalmente, o que tem sido classificado por autores como Paul Freston, Ricardo
Mariano, Antonio Gouvêa Mendonça, Leonildo Silveira Campos e outros estudiosos,
como igrejas neopentecostais. Estas igrejas surgiram com uma visão nova de mercado,
capaz de unir religião e mercado. Entre os principais representantes do
Neopentecostalismo temos: Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da
Graça de Deus, Comunidade Sara Nossa Terra e Igreja Apostólica Renascer em Cristo.
Mariano identifica a “terceira onda” do Pentecostalismo com o termo
neopentecostal, utilizando-se da tipologia das “três ondas” formulada por Freston. 74 O
prefixo “neo” é designado tanto por sua formação recente quanto pelo caráter inovador
do Neopentecostalismo. Enquanto as duas primeiras “ondas” pentecostais não
apresentaram diferenças teológicas significativas entre si, o mesmo não ocorreu com o
Neopentecostalismo. Além do corte histórico institucional em “ondas”, Mariano utiliza
73 CAMPOS, Leonildo Silveira. Ibid. 74 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo Pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 33.
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as diferenças teológicas, comportamentais e sociais como critérios para adotar a
classificação de Neopentecostalismo. Para ele, o apego dos neopentecostais ao mundo é
indisfarçável, em contraste com o Pentecostalismo clássico, que enfatiza a salvação
celestial e exorta constantemente o fiel a permanecer firme na fé diante da proximidade
do Juízo Final. Para os neopentecostais, o que transparece na mensagem é o apego às
coisas materiais, a preocupação com esta vida e com este mundo, além das recompensas
celestiais.
Mendonça identifica o Neopentecostalismo com a classificação Pentecostalismo
de cura divina, representados por igrejas que fazem uso intenso da magia.75 Para ele,
essas igrejas são empresas de cura divina configurados como sindicatos de mágicos.
Suas principais características são: 1) utilização de métodos empresariais de prestação de
serviços ou de oferta de bens de religião, media nte recompensa pecuniária, com
modernos sistemas de administração e “marketing; 2) distanciamento da Bíblia, usada
esporadicamente sem nenhum rigor hermenêutico ou exegético, não estando afastado o
uso mágico; 3) inexistência de comunidade. Seus freqüentadores são clientes e a relação
entre a “empresa” e o “cliente” é na base do do ut des; 4) como não há comunidade, o
“culto” tem características de ajuntamento de interessados na obtenção imediata dos
favores do sagrado; 5) intenso ambiente de magia. Os mágicos de plantão estão a serviço
da “empresa mágica”, que traça normas gerais de prática, mas outorga certa margem de
liberdade às características de cada um.
Campos utiliza o termo Pentecostalismo tardio como sinônimo de
Neopentecostalismo.76 Neste caso ele utiliza a Igreja Universal do Reino de Deus como
modelo, cuja característica está justamente em adequar a sua mensagem religiosa às
necessidades e desejos de um público específico. Essa denominação atua dentro de um
contexto pluralista, cuja estratégia é localizar grupos de pessoas insatisfeitas e atraí- las
para novas experiências religiosas. A Igreja Universal, para Campos, é um
empreendimento religioso ligado ao surgimento de um capitalismo tardio, cujas
ferramentas de marketing desempenham um importante papel. Ela procura conhecer as
demandas dos fiéis, segmenta e escolhe os grupos que deseja satisfazer, oferecendo- lhes
75 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. São Bernardo do Campo: Umesp, 1997. p. 165. 76 CAMPOS, Leonildo Silveira. Ibid. p. 52.
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produtos diferenciados. Segundo Campos, o Neopentecostalismo “elabora um discurso
centrado na oferta de sonhos de prosperidade, saúde, bem-estar e ascensão social às
pessoas situadas no ‘fundo do poço’, isto é, sem muitas chances de resolverem as suas
aflições”. 77
Portanto, diante do surgimento das igrejas neopentecostais, o campo religioso
brasileiro sofreu profundas mudanças, exigindo daí novos paradigmas em sua análise,
pois estas introduziram uma nova concepção de religiosidade, por meio de uma teologia
que ensina o fiel a usufruir de todas as bênçãos de Deus para o seu dia a dia, na forma de
bens materiais e ascensão social. A visão que o fiel tinha antes do surgimento dessas
igrejas era que as bênçãos de Deus viriam somente após a morte, isto é, em um mundo
futuro. O Neopentecostalismo mudou esta visão, pois agora o fiel também pode receber
estas mesmas bênçãos na vida presente, sem esperar pela vida futura. Portanto, a saúde,
a prosperidade, o amor, o sucesso, podem ser adquiridos desde já, antes da morte.
Dentro desse contexto surge finalmente, em 1986, a Igreja Apostólica Renascer em
Cristo, utilizando-se de ferramentas apropriadas e com novas estratégias de marketing
para crescer e consolidar-se no campo religioso brasileiro.
1.3. Igreja Apostólica Renascer em Cristo: gênese e expansão.
No início deste capítulo fizemos uma breve descrição do panorama cultural e
histórico, a partir da Reforma protestante até meados do século XX, no intuito de
mostrar como as principais mudanças ocorridas no campo religioso cristão
possibilitaram o surgimento de outros movimentos religiosos, entre eles o
Protestantismo e Pentecostalismo. Consequentemente, com a inserção desses
movimentos no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX, e suas ramificações
até a década de 80 permitem entendermos melhor a complexidade dos agentes que
atuam hoje no campo religioso brasileiro. Por isso, na última parte deste capítulo
analisaremos a gênese e expansão da Igreja Renascer em Cristo no contexto social
brasileiro como uma expressão de novas formas de ser pentecostal no Brasil.
1.3.1. A origem da Igreja Apostólica Renascer em Cristo
77 Idem. Ibid. p. 438.
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A Igreja Apostólica Renascer em Cristo foi fundada na cidade de São Paulo, em
1986, por Estevam Hernandes Filho, ex-gerente de marketing da Xerox do Brasil e da
Itautec e sua esposa, Sônia Hernandes, nutricionista e ex-gerente de butique 78. Nascido
em uma família de tradição católica, Estevam passou sua infância e uma boa parte de
sua adolescência na Igreja Católica, aonde chegou a ser coroinha. A origem pentecostal
se deu por intermédio de sua avó materna, que se converteu à Igreja Assembléia de
Deus, motivando os pais de Estevam a tomarem a mesma decisão. Aos 20 anos, Estevam
ingressou na Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia do Brasil aonde veio a conhecer sua
futura esposa. Todavia, Sônia Hernandes nasceu em um ambiente de tradição
protestante, chegando a freqüentar a Igreja Presbiteriana por influência de seu pai, da
qual era presbítero. Os seus antepassados eram, contudo, membros da Igreja
Presbiteriana Independente, na região de Bauru.
Em uma entrevista concedida à jornalista Marília Gabriela no programa De frente
com Gabi, Sônia Hernandes conta os motivos que levaram o casal a formar uma nova
igreja:
Marília Gabriela – Eu estou fazendo essas perguntas pra você, porque na verdade eu estou tentando realizar aqui, como é que se começa uma Igreja, como que se reúne um dia e fala assim: “Vamos fazer uma Igreja”. Ou como é que nasce uma Igreja, de onde? De um apartamento? De uma sala? Eu juro que estou querendo saber como que é, estou querendo chegar nesse detalhe, como é que se faz a política de uma Igreja, quer dizer, porque vocês ficaram os chefes de uma Igreja, foram duas pessoas que resolveram, foram várias numa sala. Como é que foi? Sônia Hernandes – Foram várias. Nós pertencíamos à Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia do Brasil. O líder dessa Igreja faleceu e a visão apostólica daquela Igreja mudou e nós não nos encaixávamos mais. Começamos a procurar outras Igrejas. Saímos abençoados (...) Nós éramos líderes lá, meu marido já era pastor e eu liderava algumas áreas, começaram a nos procurar, porque a gente também não se encaixava nos lugares. Passamos a nos reunir na nossa casa, buscar uma direção de Deus, para onde a gente ia dar continuidade a tudo aquilo que a gente tinha iniciado. Procuramos a cobertura da Igreja Assembléia da Deus, uma Igreja muito grande e que tem um ministério de expansão, há pastores que só são designados para plantar Igrejas, então eles mandaram um pastor para que estivesse ali conosco, estivesse nos ajudando nesse sentido. Começou muito assim: nós estávamos procurando para nós, de repente um casal nos descobriu e falou: “Olha, nós ouvimos o Evangelho de vocês, então nós vamos aí na sua casa e vocês vão
78 MARIANO, Ricardo. Ibid. p. 101.
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fazer estudo bíblico”. Então eu falo: “Então vamos fazer, porque nós também estamos procurando”. E esse casal começou a trazer outro casal, começou a trazer outro no apartamento, então nós sentimos a necessidade de ter uma cobertura de uma Igreja, porque a gente não tinha isso e nem éramos e nem tínhamos a pretensão de ser uma Igreja e de repente, começou a aumentar o desejo comum de todos nós. Qual era nosso desejo comum? Viver a verdade que está na Bíblia. Se é verdade que Deus pode dar uma paz que ninguém tira, então eu quero conhecer esse Deus da Bíblia, eu quero menos postura e eu quero mais verdade.79
Como podemos observar por meio dessa declaração, com a morte do líder da
igreja pentecostal naquela época, o casal Hernandes acabou se desentendendo com a
liderança local, provocando a dissidência da igreja. Dentre as pessoas da antiga igreja
havia um casal que passou a se reunir no apartamento dos Hernandes. Esse casal acabou
levando outras pessoas para os encontros e assim, sucessivamente. Como o apartamento
não comportava mais a quantidade de pessoas, foi tomado a decisão de alugar um local
para realizar as reuniões do grupo. 80 Esse local foi um salão no piso superior da pizzaria
Livorno, localizado na altura 2500 da Rua Vergueiro, no bairro de Vila Mariana em São
Paulo. Durante aquele período, como o grupo continuava a se expandir foi necessário
alugar um horário na Igreja Evangélica Árabe, situado também na Rua Vergueiro n°
1845, no bairro do Paraíso, a poucos quarteirões da pizzaria onde as reuniões até então
aconteciam.
Porém, rapidamente o novo espaço se tornou pequeno, pois o crescimento era
contínuo. Como o local não comportava mais o grupo que ali freqüentava, a diretoria
decidiu procurar um local mais apropriado e que fosse próprio, pois até então a Igreja
Renascer alugava as dependências de terceiros. Após vários contatos, e com a
colaboração de uma generosa doação de um empresário cristão, o local escolhido foi o
antigo Cine Rivera, localizado no bairro do Cambuci, em São Paulo, onde atualmente se
encontra a Sede Internacional da Igreja.
79 Esse programa foi exibido pelo SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – no dia 16/05/99 e foi objeto de análise por PITTA, Sueli Cardoso em ”Deus-Pai é gostosinho e Jesus é pirado”: um estudo das estratégias persuasivas no discurso da episcopisa Sônia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa, PUC-SP, São Paulo, 2003. 80 IGREJA RENASCER. Apostila do Curso de Formação de Oficiais, São Paulo, s/d. p. 8-11.
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De acordo com uma entrevista dada a Anders Ruuth, o bispo Geraldo Tenuta
conta em detalhes como foi realizado a compra da atual sede da Igreja Renascer,
localizado na Av. Lins de Vasconcelos 1108, em São Paulo.81
Nós começamos há sete anos atrás. Eram sete pessoas. Seis anos atrás, mais ou menos. E a gente ia para uma reunião em uma casa. Dessa casa nós começamos a fazer uma reunião. A gente alugava uma sala num restaurante chamado Livorno. E aí começou a crescer essa reunião. Vinham bastante gente, tudo né? Depois disso nós mudamos para uma igreja chamada Igreja Evangélica Árabe. Essa Igreja Evangélica Árabe tinha um culto de domingo que vinham seis, sete membros, só, e o resto da semana ela ficava desocupada. Então nós alugamos o local (...). A pastora Sônia passou aqui em frente e Deus colocou no coração dela que ela começasse a orar por esse local. E ela começou a orar e ela usou uma estratégia. Ela usou a estratégia de Jericó. Todo dia ela vinha, dando sete voltas na quadra, orando. Ela vinha de carro, ficava andando em volta de carro e orando. E aí depois de um tempo o Estevam conheceu um empresário e ia pedir patrocínio para esse empresário para uma peça teatral. Mas quando ele chegou lá o empresário perguntou para ele: “Bom, vamos falar sobre a peça teatral”. Aí o pastor Estevam falou assim: “Olha, sobre a peça teatral a gente vai falar em outra oportunidade. Eu vim aqui para que você comprasse um local pra gente”. Aí o empresário ficou assim assustado, né? É um empresário evangélico, um dono de várias empresas. Mas ele olhou assim para o Estevam: “Olha, eu estou sentindo que é uma coisa de Deus”. Estevam não conhecia esse empresário. Era uma pessoa de uma outra cidade, de uma outra igreja. E aí o Estevam conversou com ele. Ele falou assim: “Olha, então vamos pedir um sinal pra Deus. Eu to indo para a Europa. Se eu for bem sucedido nos negócios lá eu volto pra cá e a gente vai conversar, e eu vou comprar o local para vocês”. A nossa igreja começou a orar e a jejuar. E começamos a orar e a jejuar e ele foi muito bem sucedido lá. Só que quando ele voltou eram US$ 600 mil que queriam vender esse prédio. Só que aí e les não queriam mais. Queriam US$ 750 mil. Aí esse empresário falou: “Já estão querendo demais. Vamos dar mais um período. Se for de Deus realmente, Ele vai me colocar no coração e eu for fazer uma contra-oferta para eles e eles vão vender”. E nós começamos de novo, orar e jejuar. Ele disse que ficava incomodado. Toda madrugada ele acordava e Deus incomodando ele para comprar o local. Até o momento em que ele chamou o Estevam e disse: “Eu vou comprar o local pra vocês”. E aí comprou esse local pra gente.
Segundo informações obtidas, o antigo Cine Rivera, onde atualmente se situa a
Sede da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, foi comprado e cedido à Igreja em regime
de comodato por meio da empresa Verbo Empreendimentos e Participações Ltda, sob o
81 Entrevista dada a Anders Ruuth, gravada em fita de áudio. RUUTH, Anders. Igreja Universal do Reino de Deus: gudsrikets universella kyrka en brasiliansk kyrkobildning . Stockholm: Almqvist & Wiksell International, 1995.
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CGC n. 54.626.890/0001-70. Além da compra da Renascer Sede, foram também
adquiridos vários outros imóveis ao redor da Igreja com o propósito de ampliar suas
instalações, todas eles em nome do mesmo proprietário. Nesse processo de ampliação,
alguns imóveis foram demolidos para abrigar um enorme estacionamento ao lado do
templo e outros foram reformados para utilização da Igreja.
Todos esses imóveis foram comprados em nome de Alípio José Gusmão dos
Santos, empresário e dono do Grupo Gusmão dos Santos, um império composto por
unidades industriais sediadas no Brasil, Argentina e Holanda, empregando em torno de
1.700 funcionários.82 Esse Grupo contribui com diversas entidades filantrópicas e
assistenciais, dentre as quais a AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituo sa);
AMA (Associação dos Amigos Autistas); AACC (Associação Assistencial à Criança
com Câncer); Cidade da Criança do Vale da Benção; GRAACC (Grupo de Apoio ao
Adolescente e à Criança com Câncer); Rede Feminina de Combate ao Câncer; VIVA a
VIDA (Instituição de Ajuda à Criança com AIDS) e Fábrica de Esperança, no município
de Acari, no Estado do Rio de Janeiro, que já foi presidida pelo pastor Caio Fábio
D´Araújo Filho.
Com o crescimento da igreja, tanto em número de membros como na
multiplicação de filiais, a estrutura de governo da igreja foi-se definindo. 83 Inicialmente
Estevam era o único pastor, e posteriormente, com o crescimento da igreja e abertura de
outros templos, foi auxiliado por outros pastores. Além de nomear outros pastores para
diferentes congregações, Estevam nomeou a sua esposa, Sônia Hernandes, como
pastora.
Em marco de 1994 Estevam fez um curso de apostolado na Los Angeles
University Cathedral, obtendo o título de “bispo”. Porém, o crescimento da igreja
continuava, incentivando-o a nomear alguns pastores como bispos, definindo-se assim
uma nova estrutura de poder na Renascer. Em 1995, durante a Conferência Profética,
evento ocorrido na Igreja sede, no bairro do Cambuci, em São Paulo, Estevam foi
consagrado “apóstolo” e reconhecido como tal pelo Conselho de Bispos da Renascer.
Logo após, nomeou sua esposa como “bispa”, título que ostenta até hoje. Além destas
82 Folha de S. Paulo, 10/01/1999. 83 SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. “De bem com a vida”: o sagrado num mundo em transformação. Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP, São Paulo, 2001. p. 95.
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mudanças, organizou-se um centro de treinamentos, intitulado Centro de Estudos
Renascer, que permite a captação e o treinamento de novos pastores, para manter a
estrutura da igreja e dar legitimidade ao líder carismático, agora conhecido como
“Apóstolo Estevam Hernandes”.
Segundo Jacqueline Ziroldo Dolghie, Estevam Hernandes se baseia nos relatos
bíblicos para dar legitimidade ao seu apostolado. 84 O “apostolado”, defendido pelo corpo
clerical da Igreja, está baseado no livro da Bíblia, chamado Atos dos Apóstolos,
capítulos 13 e 14. Estes capítulos narram o episódio em que Paulo e Barnabé foram
ungidos apóstolos pelos presbíteros, e após a consagração enviados a uma missão
evangelística. Tomando por base essa interpretação bíblica, o “apóstolo” torna-se um
personagem central de toda a formação hierárquica da Igreja Renascer, além de manter a
unidade de todos ao redor do carisma de Hernandes. Portanto, ele é o legítimo líder, o
“escolhido de Deus”, portador de uma missão específica para realizar a obra da
divindade.
1.3.2. A legitimação da autoridade carismática
Na análise da estrutura hierárquica da Igreja Apostólica Renascer em Cristo,
torna-se importante conhecermos o conceito de dominação, formulado por Max
Weber.85 Nesse processo, em qualquer grupo que analisarmos, encontraremos
obrigatoriamente a figura da “autoridade” ou do “dominador”, ou seja, a referência
àquele sujeito que exerce a do minação sobre os demais membros do grupo. Obviamente,
esta dominação somente terá êxito quando o grupo der legitimidade a este líder, na
medida em que existir, por parte das pessoas, um mínimo de vontade de obedecer, ou
algum interesse externo ou interno na obediência. Weber expressa de forma bem clara, o
que vem a ser esse conceito:
84 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o mercado de música gospel no Brasil . Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 2002. p. 35. 85 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva . vol. 1. 3ª Ed. Brasília: UnB, 2000.
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Chamamos “dominação” a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas. Não significa, portanto, toda espécie de possibilidade de exercer “poder” ou “influência” sobre outras pessoas. Em cada caso individual, a dominação (“autoridade”) assim definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submissão: desde o hábito inconsciente até considerações puramente racionais, referentes a fins. Certo mínimo de vontade de obedecer, isto é, de interesse (externo ou interno) na obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação.86
Para Weber existem três tipos puros de dominação legítima. O primeiro tipo de
dominação é de caráter tradicional, “baseada na crença cotidiana na santidade das
tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas
tradições, representam a autoridade”. O segundo tipo é de caráter carismático, “baseada
na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de
uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas”. O terceiro tipo é de caráter
racional, “baseada na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de
mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a
dominação”. 87
Na primeira forma de dominação, a tradicional, a obediência se dá à pessoa do
senhor nomeada pela tradição e vinculada a esta, em virtude de devoção aos hábitos
costumeiros. Na segunda forma de dominação, a carismática, a obediência se dá a um
líder cuja legitimidade é atribuída em virtude da confiança pessoal em revelação,
heroísmo ou exemplaridade dentro do âmbito da crença nesse seu carisma. Na terceira
forma de dominação, a racional-legal, a obediência se dá à ordem impessoal, objetiva e
legalmente estatuída e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade
formal de suas disposições e dentro do âmbito de vigência delas.
Segundo Weber, para que ocorra a legitimação da autoridade carismática é
necessário que o líder possua um “carisma” para qualificá-lo diante do grupo e exercer o
seu poder.88 “Carisma” é uma palavra de origem grega que significa “graça” e foi
amplamente utilizada na terminologia do Cristianismo primitivo para indicar uma pessoa
que possuía qualidades especiais dadas por Deus. O carisma, além de ser uma qualidade
86 WEBER, Max. Ibid. p. 139. 87 WEBER, Max. Ibid. p. 141. 88 WEBER, Max. Ibid. p. 158.
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especial dada por Deus, somente tem validade quando há o reconhecimento por parte
dos dominados, consolidado em virtude de provas, por meio de milagres, da entrega à
revelação, da veneração de heróis ou da confiança no líder. Os carismaticamente
dominados, por outro lado, tornam-se “súditos” regularmente tributários, membros
contribuintes de igrejas, seitas, partidos ou associações, soldados treinados e
disciplinados, forçados ao serviço, segundo determinadas regras e ordens, ou “cidadãos”
fiéis à lei.
Para Weber “a criação de uma dominação carismática é sempre resultado de
situações extraordinárias externas, especialmente políticas ou econômicas, ou internas,
psíquicas, particularmente religiosas, ou de ambas em conjunto”. 89 Essa dominação
nasce da excitação comum a um grupo de pessoas, provocada pelo extraordinário, e da
entrega ao heroísmo. Portanto, a legitimidade do poder carismático, mais do que nos
outros tipos de dominação, se apoia no grupo de seguidores, o qual se forma numa
partilha emotiva. O grupo possui um papel importante concedendo legitimidade ao líder
carismático, que por sua vez deve demonstrar seu carisma ao grupo, atributo que o faz
portador de um poder sobrenatural ou então um enviado de Deus.
Desde o início de suas atividades, a Igreja Renascer teve sua autoridade
carismática centrada na figura de Estevam Hernandes. Com o crescimento da igreja,
tornou-se necessário instituir um corpo administrativo para auxiliá-lo na administração
dos templos e de vários outros empreendimentos ligados à Renascer, tais como as rádios,
a TV, a editora, a gravadora e a Fundação Renascer. Para delegar tais poderes, todos os
escolhidos deveriam ter como atributo principal a lealdade direta à pessoa do líder. Com
a implantação do sistema de governo episcopal e a centralização administrativa por meio
da Fundação Renascer, Hernandes obteve, dessa forma, a legitimação em torno de sua
autoridade carismática.
89 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, vol. 2, Brasília: UNB, 1999. p. 331.
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1.3.3. A formação do corpo eclesiástico
Segundo Weber90, a disciplina racional, quanto ao seu conteúdo, nada mais é que
a execução conseqüentemente racionalizada, isto é, metodicamente ensinada, precisa e
que incondicionalmente reprime qualquer crítica pessoal de uma ordem recebida.
Acrescenta-se também a esta característica a uniformidade das ações ordenadas
fundamentando-se na formação de massas. O objetivo principal está na uniformização
racional da obediência de uma multiplicidade de pessoas.
Para dar legitimidade a todo este processo de dominação, a Igreja Renascer
investe de uma forma bem organizada e bem elaborada na formação de seu corpo
eclesiástico, por meio de diversos cursos ministrados em seu Centro de Estudos
Renascer (CER). Os cursos que a Igreja promove aos seus futuros oficiais (nome dado
àqueles que trabalham nas funções eclesiásticas como diáconos, presbíteros, pastores e
bispos), são elaborados para capacitar os fiéis que desejam trabalhar “na obra de Deus” e
conhecer mais de pe rto a visão Renascer. Os cursos oferecidos pela Igreja Renascer são:
1) Escola de Profetas Estrutural; 2) Curso de Formação de Oficiais; 3) Cursos de
Capacitação Ministerial; 4) Imersão para Diáconos; 5) Formação de Dirigentes de
Igrejas; 6) Curso Médio em Teologia; 7) Teologia Universitária; 8) Cursos de
Especialização; 9) Reciclagem e Capacitação de Professores; 10) Inglês; 11) Ensino à
Distância.91 As características de alguns desses cursos são as seguintes:
Escola de Profetas Estrutural, um curso de formação básica, baseado nos
conceitos da Palavra de Deus e na visão Renascer. Compreende três fases distintas: 1)
Descobrindo o mundo espiritual; 2) Conhecendo os livros da Bíblia; 3) O Espírito Santo
e você – oração e intercessão. Todo o curso é apostilado, com uma duração total de 56
aulas semanais.
Curso de Formação de Oficiais, que visa formar os futuros oficiais da Igreja
Renascer em Cristo, com a média de duração de dois meses, sendo que no final do curso
os participantes recebem a “unção de aspirante”, capacitando-os a trabalhar na Igreja.
90 Idem. Ibid. p. 356. 91 IGREJA RENASCER. Apostila do Curso de Formação de Oficiais, São Paulo, s/d. p. 198-201.
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Cursos de Capacitação Ministerial são cursos rápidos abordando os principais
ministérios da Igreja, com o objetivo de formar pessoas capacitadas a exercê- los de
acordo com a visão Renascer.
Curso de Imersão para Diáconos, composto de sete aulas que tratam de
conceitos mais profundos para a vida daquele que deseja caminhar como oficial, a saber:
“santidade”, “compromisso”, “autoridade espiritual”, “fidelidade”, “discipulado”,
“submissão”, “desenvolvimento”, “capacitação” e “participação”.
Curso de Formação de Dirigentes de Igreja, que visa à formação específica de
líderes e pastores para as igrejas locais, com duração de um ano, oferecido uma vez por
semana. A grade é composta das seguintes disciplinas: a) visão da Palavra (ênfase na
visão Renascer); b) visão administrativa; c) aconselhamento (estudo de casos); d)
relacionamentos interpessoais (ênfase em autoridade espiritual); e) panorama do Antigo
e Novo Testamento; f) visão dos ministérios (estudo dos manuais de imp lantação); g)
língua portuguesa.
Curso Médio em Teologia, composto por disciplinas da grade de graduação em
teologia. Tem duração total de um ano por ciclo, sendo que o aluno poderá cursar os três
ciclos simultaneamente: Os três ciclos são: Formação Especial (Relacionamentos
interpessoais – introdução à Antropologia, Panorama bíblico – ênfase em “Batalha
Espiritual”, Doutrina das Últimas Coisas, Português); Doutrinas Avançadas (Doutrina do
homem, pecado e satanás, Doutrina da Igreja, Homilética, Hermenêutica e Exegese);
Teologia – Trindade (Doutrina de Deus, Doutrina na Cristo, Doutrina do Espírito Santo).
Esses cursos são oferecidos na Igreja sede e nas regionais. Os demais cursos
ainda estão em fase de implantação. Os professores, obrigatoriamente, devem fazer parte
da estrutura de oficiais e formados nas disciplinas que estarão lecionando. Porém, em
todos os cursos ministrados no Centro de Estudos Renascer encontramos dois conceitos
básicos que todo aluno deve necessariamente conhecer: visão Renascer e ministério.
Para explicar o conceito de visão Renascer, a Igreja Renascer se baseia no livro
de Neemias, no Antigo Testamento, que narra a reconstrução dos muros de Jerusalém e
a reforma espiritual e administrativa, que teria sido resultante da ação de Neemias. Cabe
lembrarmos que Jerusalém havia sido destruída pelos babilônios em 586 a.C. (II Rs
25:10). Apesar de ter havido algumas tentativas de reconstruir o muro, a cidade ainda se
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encontrava em ruínas e, sem o muro de proteção, elemento fundamental no mundo
antigo. Diante dessa situação, os remanescentes (os que não foram levados cativos)
haviam perdido sua identidade como povo e quaisquer valores de soberania e respeito
próprio. Este é o cenário onde, segundo a Igreja Renascer, Deus levanta Neemias para
realizar uma obra de restauração, não só dos muros, mas também da dignidade do povo
de Judá. Segundo essa lógica, a visão Renascer consiste de posicionamentos espirituais e
naturais, traçando paralelos com os problemas concretos dos dias de hoje como a
restauração das famílias, em seus bairros, cidades, país e mundo. 92
O conceito de ministério, na Igreja Renascer, tem como base os exemplos tirados
da vida dos seus fundadores:
Nós, da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, temos um entendimento e uma visão bastante clara e definida do que é o ministério dentro da visão bíblica. Entre outras coisas, a seriedade com que tratamos as coisas do Senhor, assim como o Seu próprio chamado ministerial em nossas vidas, a disponibilidade incondicional que podemos enxergar na vida do Apóstolo e da Bispa, deixam mais que claro aquilo que ele próprio sempre diz: “O meu chamado é mais forte e importante do que a minha própria vida” – Apóstolo Estevam Hernandes.93
Outro conceito muito importante para aqueles que participam ou que já
pertencem ao corpo eclesiástico da Igreja é a noção de chamado. O chamado é visto
como uma escolha vindo da parte de Deus para aqueles que irão trabalhar na Igreja sob
as várias funções existentes. O indivíduo quando atende ao seu chamado e torna-se parte
do corpo eclesiástico da Renascer, passa a se submeter a uma estrutura de dominação
que a Igreja denomina como autoridade espiritual. Esta autoridade possui um grau
hierárquico que vai desde o diácono até chegar no topo da estrutura que é o Apóstolo. A
Renascer define esse termo da seguinte forma:
A questão da autoridade espiritual é, também, de suma importância a todos os cristãos e, de forma particularmente especial, a todos aqueles que são chamados ao ministério. Em primeiro lugar, pelo que o próprio texto da Palavra de Deus nos diz: que toda autoridade é procedente de Deus e que o se opor a elas representa, em última instância, opor-se ao próprio Deus, visto que Ele mesmo as instituiu dessa forma – Rm 13:1. 94
92 IGREJA RENASCER. Ibid. p. 18. 93 IGREJA RENASCER. Ibid. p. 23. 94 IGREJA RENASCER. Ibid. p. 38.
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55
Quando falamos em chamado, podemos fazer um paralelo com o que Weber
registrou sobre o termo vocação, ao afirmar ter sido esse conceito introduzido no dogma
central de todas as denominações protestantes como o único modo de vida aceitável por
Deus. Weber explica este conceito da seguinte forma:
Foi, portanto, nesse conceito de vocação que se manifestou o dogma central de todos os ramos do Protestantismo, descartado pela divisão católica dos preceitos éticos em praecepta e consilia , e segundo a qual a única maneira de viver aceitável para Deus não estava na superação da moralidade secular pela ascese monástica, mas sim no cumprimento das tarefas do século, imposta ao indivíduo pela sua posição no mundo. Nisso é que está a sua vocação.95
A partir desses conceitos podemos concluir que a formação do corpo eclesiástico
da Igreja Renascer tem como finalidade principal reforçar a legitimação do poder
eclesiástico por meio da doutrinação religiosa. Assim, todas as pessoas interessadas em
ingressar na estrutura administrativa da Igreja são obrigadas a seguir essa visão.
1.3.4. As funções hierárquicas
Para dar conta de seus objetivos, em uma sociedade complexa, todo grupo
religioso acaba organizando a sua liderança em camadas hierárquicas. De acordo com
Weber, “os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam
um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão
dos postos inferiores pelos superiores”. 96 Esse princípio de autoridade hierárquica de
cargo pode ser encontrado em todas as organizações burocráticas, tanto no Estado como
nas empresas privadas e nas organizações religiosas.
Seguindo esse processo de burocratização, as funções eclesiásticas na Igreja
Renascer em Cristo estão divididas da seguinte forma: a) Apóstolo; b) Bispo Primaz; c)
Bispo Regional ou Auxiliar; d) Pastor; e) Presbítero; f) Diácono; g) Aspirante.97
Em primeiro lugar na estrutura hierárquica da Igreja Renascer está o Apóstolo
Estevam Hernandes Filho, função essencial por tratar-se, na visão deles, de um
95 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 53. 96 WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 230.
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ministério apostólico. O “Apóstolo” é o líder do ministério, é o homem a quem foi
confiada tanto a visão de Deus quanto a missão de levá - la adiante.
A função de Bispo Primaz está relacionada ao de “pastor dos bispos”. É um
primeiro escalão de bispos; homens que detêm uma grande carga de responsabilidades,
inclusive administrativas, e que responde diretamente ao Apóstolo. Normalmente, eles
estão à frente das igrejas regionais e, naturalmente, são aqueles que inauguram frentes
ministeriais de Igrejas Renascer em Cristo em localidades novas.
O Bispo Regional ou Auxiliar têm funções pastorais e administrativas, pois além
de ser “pastor de pastores”, tem a tarefa de cuidar de sua própria igreja e de administrar
superintendências. Cada regional tem, normalmente, apenas um Bispo Primaz, porém, é
dividida em superintendências, que são subdivisões administrativas. Quem cuida dessas
superintendências são os Bispos Regionais ou Auxiliares, que respondem diretamente ao
Bispo Primaz e ao Apóstolo.
O Pastor é aquele que, dentro da terminologia tradicional do Protestantismo
inspirado na Bíblia, analogamente ao pastor de ovelhas, tem a função de cuidar,
proteger, potencializar e preservar a visão e a unção apostólica em uma igreja local.
Além disso, no “ministério Renascer”, assim como em outras igrejas, o Pastor tem uma
forte atribuição administrativa, respondendo administrativamente ao Bispo Auxiliar de
sua superintendência correspondente. Além disso, o pastor da Igreja Renascer pode ser
de duas espécies: a) “Pastor de tempo integral”, que não tem outras atividades seculares,
pois, além de cuidarem de suas igrejas, trabalham durante o dia em alguma área ligada
somente ao ministério. b) “Pastor de tempo parcial”, que exerce funções seculares
durante o dia e ainda cuida de sua igreja, tal como ocorre em outras igrejas evangélicas
como a batista, presbiteriana, metodista e outras.
A função do “presbítero” é equivalente à função de co-pastor em uma igreja
local, exercendo porém uma atividade mais voltada ao aspecto organizacional e
administrativo da Igreja. Muitas das igrejas locais da Renascer funcionam com
presbíteros à frente, exercendo a função de pastores, mesmo porque, para a Igreja, as
duas funções são equivalentes. O “diácono”, por sua vez, tem por função cuidar do bom
andamento do culto , zelar pela Igreja e por seus pertences, ajudando o pastor na tarefa de
97 IGREJA RENASCER. Ibid. p. 50-52.
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cuidar dos membros daquela igreja local. O “aspirante” é aquele que aspira pelo
diaconato e que, na maioria das vezes, já exerce as funções de um diácono. O
“aspirante” é o primeiro passo para uma carreira na estrutura hierárquica da Renascer.
Como podemos observar, toda a estrutura da Igreja Renascer está centralizada na
figura do Apóstolo. Assim, Estevam Hernandes possui o controle de toda a
administração eclesiástica, se legitimando o seu poder na teoria dos carismas e
exercendo um poder absoluto sobre os seus liderados.
Conclusão
O objetivo deste capítulo foi apresentar ao leitor um panorama geral acerca das
mudanças ocorridas no cenário religioso, desde a Reforma protestante até o surgimento
das modernas igrejas neopentecostais. Vimos também como o Catolicismo perdeu a sua
hegemonia no campo religioso ao se defrontar com novos adversários, que passaram a
disputar seus antigos fiéis. O pluralismo religioso, provocado pelo avanço da
secularização na Europa, permitiu que outras instituições religiosas entrassem nesse
cenário, proporcionando aos indivíduos novas opções de escolha quanto à adesão
religiosa. Isso ocasionou uma acirrada disputa entre elas, que se viram obrigadas a
adaptar seus “produtos” de acordo com a demanda do “consumidor”, buscando
conquistar o maior número de fiéis.
Desde o século XVI várias denominações foram surgindo, usando cada uma
delas suas próprias estratégias de crescimento. Assim, tanto o Protestantismo quanto o
Pentecostalismo se tornaram fortes concorrentes do Catolicismo com a implantação de
várias frentes missionárias em diversos países dos continentes americano, africano e
asiático, gerando novas instituições religiosas. A inserção das igrejas protestantes e
pentecostais no Brasil foi fruto da iniciativa de vários missionários vindos ao país com o
propósito de fazer proselitismo e concorrer com o Catolicismo aqui já estabelecido,
implantado desde o início da colonização no país. Porém, com o surgimento das igrejas
neopentecostais no cenário religioso brasileiro, a disputa por fiéis tornou-se mais
acirrada.
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Foi nesse contexto que surgiu a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, em 1986,
com uma nova visão de mercado, decidida a entrar nesta disputa a fim de crescer e
consolidar-se no campo religioso. Por meio de seu carisma, Estevam Hernandes montou
toda uma estrutura hierárquica baseada em sua autoridade apostólica. Com isso, ele
conseguiu unir em torno de si todo o controle e decisões da Igreja. Essa estratégia foi
necessária para evitar dissidências e confrontos na liderança da Renascer. Além do
processo institucional, Hernandes investiu na expansão de seus templos, bem como na
formação do corpo eclesiástico.
No próximo capítulo iremos discutir a relação existente entre o marketing e a
religião, e de que forma a Igreja Renascer se utiliza dessa ferramenta para concorrer no
mercado religioso.
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Capítulo 2. O papel do marketing na expansão da Igreja Renascer em Cristo.
Após termos analisado o contexto cultural, a gênese e a expansão da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo, pretendemos neste capítulo analisar a relação entre o
marketing e a religião, dentro de uma visão mercadológica, mostrando como a Igreja
Renascer se apropria dessa ferramenta para conquistar seu público-alvo. Partimos do
princípio que o marketing é uma atividade humana dirigida para atender às necessidades
e desejos dos consumidores. Podemos afirmar que cabe à liderança o papel principal de
identificar e conhecer as necessidades de seus fiéis, desenvolvendo, a partir delas,
serviços e produtos que respondam a tais anseios.
Dessa forma, o marketing se torna, a nosso ver, um elo de ligação entre a
instituição religiosa que oferece os seus produtos e serviços no mercado religioso às
pessoas carentes de bens simbólicos, e os consumidores, que vão aos templos a fim de
satisfazer suas necessidades espirituais transformadas em um ato de consumo. Para
explicarmos essa interação entre o marketing e a religião, dividiremos este capítulo em
duas partes distintas. A primeira parte tratará a respeito da aplicação geral dos conceitos
de marketing utilizados por diversas igrejas cristãs. A segunda analisará o marketing
institucional tal como é praticado pela Igreja Renascer em Cristo. Com isso nossa
pretensão será apontar para um panorama geral do marketing religioso, bem como lançar
algumas luzes sobre a forma como se dá a sua utilização pelas denominações cristãs.
2.1. O uso do marketing pelas igrejas cristãs
Antes de mais nada julgamos necessário uma melhor definição de alguns termos
ligados ao marketing. Somente depois poderemos mostrar como essas ferramentas vêm
sendo aplicadas por Igrejas católicas, protestantes e pentecostais. Para nós, a utilização
do marketing por tais igrejas tem como causa o surgimento de novos paradigmas
oriundos da economia, tais como: mercado religioso, concorrência, reserva de mercado e
outras mais. Esse fenômeno apareceu em decorrência de disputas intensas entre as
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denominações norte-americanas, já nos anos 70, atingindo outras regiões na medida em
que o capitalismo foi se tornando globalizado.
2.1.1. Conceito de marketing
O termo marketing não encontra um significado apropriado na língua portuguesa.
A sua tradução literal teria o mesmo significado de “mercadologia” ou como é
comumente utilizada: “comercialização”.98 Porém, o conceito de marketing é muito mais
abrangente, pois a sua origem está na identificação das necessidades do consumidor e na
maximização dos lucros decorrentes da satisfação delas. Segundo a definição adotada
oficialmente pela American Marketing Association, “marketing é o processo de
planejamento e execução desde a concepção, apreçamento, promoção e distribuição de
idéias, mercadorias e serviços para criar trocas que satisfaçam os objetivos individuais e
organizacionais”.99 Por sua vez, Philip Kotler define marketing como “a atividade
humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de
trocas”. 100
Essa definição proposta por Kotler traz implícita outros conce itos como: 1)
necessidades e desejos do homem; 2) produto; 3) troca e 4) mercado. A satisfação das
necessidades e desejos do homem é o ponto inicial para a utilização do marketing. O ser
humano, por exemplo, precisa de alimento, água, roupa e abrigo para viver. Além dessas
necessidades primárias, as pessoas também têm desejos, ligados a educação, lazer,
entretenimento, e outras carências a serem satisfeitas. A nossa sociedade oferece uma
infinidade de produtos e serviços para atender aos desejos e necessidades humanas, que
podem ser encontrados dentro de uma economia de mercado. Contudo, a existência de
necessidades e desejos humanos nos remete ao conceito de produto. O produto é tudo
aquilo capaz de satisfazer a um desejo ou necessidade. No entanto, ele não está limitado
a objetos físicos, pois há um aspecto intangível neles. Assim, qualquer coisa que tenha a
98 PINHEIRO, Antonio P. Marketing racional: do produtor ao consumidor. São Paulo: EBRAS, 1987. p. 4. 99 COBRA, Marcos. Administração de marketing. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 34. 100 KOTLER, Philip. Marketing. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 31.
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capacidade de prestar um serviço ou de satisfazer a uma necessidade, seja ela tangível ou
intangível, podemos chamá-lo de produto.
Dessa forma, o marke ting existe quando há a decisão de se buscar a identificação
e satisfação das necessidades e desejos de um público específico por meio do processo
de troca. Essa visão torna a troca um conceito central do marketing. Para que a troca
ocorra é necessário a satisfação das seguintes condições: a) existência de duas partes; b)
cada uma delas tem algo que pode ser valioso para a outra; c) cada parte é capaz de se
comunicar e de fazer a entrega; d) cada parte é livre para aceitar ou rejeitar a oferta.
Finalmente, o conceito de troca leva, naturalmente, a idéia de mercado, considerado a
arena para trocas potenciais. Conseqüentemente, onde existir um potencial para a troca
haverá possibilidade de se construir um mercado. Kotler utiliza o termo mercado para
descrever a existência de uma sensação humana (experiência religiosa), de um tipo de
produto (calçados, roupas), de um grupo demográfico (jovens, empresários) ou de uma
localidade geográfica (mercado brasileiro), ansiosa por este ou aquele tipo de produtos.
Já para William John Stanton o marketing está baseado em três pontos
fundamentais: 1) Todo o planejamento, política e operações de uma empresa devem
estar voltados para o cliente. 2) A meta principal deve ser o faturamento lucrativo. 3)
Portanto, todas as atividades de uma empresa devem ser integradas e coordenadas. Em
um sentido mais amplo, Stanton afirma que “o conceito de marketing é uma filosofia
comercial” e que “o atendimento das necessidades do freguês é a própria justificativa da
existência de uma empresa”.101 Logo, todas as atividades da empresa devem estar
concentradas na identificação dos anseios do cliente e, somente a partir daí, tentar
satisfazê- los e, conseqüentemente, obter lucro.
Outro conceito também utilizado na linguagem mercadológica se refere à famosa
teoria dos quatro “pês”. Atribui-se a criação dessa expressão a um professor
universitário norte-americano, Eugene Jerome McCarthy, ao designar o composto de
marketing ou o marketing mix.102 Esse composto é formado por um conjunto de quatro
variáveis: produto, ponto de vendas, promoção e preço. O primeiro dos quatro “pês”, ou
produto, vem a ser tudo aquilo que você oferece ao consumidor para satisfazer um
101 STANTON, William John. Fundamentos de marketing. São Paulo: Pioneira, 1980. p. 14. 102 PIAZZA, Adilson. Usando o marketing para fazer sua igreja crescer. Belo Horizonte: Atos, 2000. p. 29.
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desejo ou uma necessidade específica. O produto pode ser algo tangível ou intangível,
um bem ou um serviço prestado ao cliente. O segundo “P” está relacionado ao ponto de
vendas, ou distribuição, ou seja, ao local ou a forma como o produto será fornecido
diretamente ao consumidor. O terceiro “P” é a promoção, que tem como finalidade
comunicar e convencer as pessoas de que o produto está disponível, principalmente por
meio dos veículos de comunicação de massa, tais como jornais, revistas, rádio e
televisão. Além desses meios, a promoção pode também se utilizar de outras formas de
comunicação tais como a Internet , os outdoors, banners, shows, e eventos. O quarto “P”
tem a ver com o preço, ou seja, o valor estipulado para que o consumidor adquira o
produto, satisfazendo assim os seus desejos e necessidades.
O ponto de venda está associado aos inúmeros templos onde são comercializados
esses produtos. No caso da Igreja Renascer, segundo informações que colhemos do
bispo Geraldo Tenuta103, existem aproximadamente 1300 “pontos de vendas” espalhados
pelo Brasil onde são distribuídos os produtos religiosos. Em cada um desses locais
podemos encontrar um quiosque específico para comercialização de diversos produtos
tangíveis, como os CDs do Renascer Praise e de todas as bandas gospel patrocinados
pela produtora Gospel Records. Além dos CDs, encontramos DVDs com vários títulos,
desde as últimas gravações de cultos realizados na Renascer Sede, até os filmes e
desenhos evangélicos. Também são vendidos nesses locais várias publicações da Editora
Gospel, incluindo livros, bíblias e outros artigos religiosos. Em todos os temp los ou
pontos de vendas são também oferecidos os bens intangíveis como curas, prosperidade e
salvação, por meio da realização de cultos diários, visando a satisfação das necessidades
específicas de cada grupo.
A promoção é a propaganda feita pela instituição religiosa nos sermões e nos
meios de comunicação de massa. Além desses meios, a Igreja Renascer promove os seus
produtos por meio de shows e eventos religiosos tais como a Marcha para Jesus, o
S.O.S. da Vida e o lançamento dos CDs Renascer Praise, que serão objetos de análise
posteriormente. O preço será o valor que as pessoas pagarão para a obtenção dos
produtos desejados. Além do pagamento direto para a compra de um bem tangível, a
103 Geraldo Tenuta, entrevista gravada em 17/11/2005.
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Igreja Renascer estipula outros tipos de valores para a comercialização dos bens
intangíveis, entre eles: dízimos, ofertas, campanhas e desafios.
Assim, tendo por base os conceitos aqui apresentados concluímos ser possível
entender o marketing como um processo social em que as necessidades de um grupo são
identificadas e servidas por um conjunto de pessoas ou instituições. Para que isso ocorra,
o especialista tenta oferecer ao mercado-alvo benefícios que possam ter atrativos
suficientes a fim de produzir uma troca voluntária. Do ponto de vista do campo religioso
podemos aplic ar a teoria de Pierre Bourdieu sobre o “mercado de bens simbólicos”.104
Para Bourdieu, existem três instâncias atuando neste mercado: a) os “produtores” ou
fornecedores; b) os “produtos” ou bens simbólicos produzidos; e c) os “consumidores”
desses bens. Nesse sentido podemos afirmar que até as atividades do clérigo, como um
intermediário cultural, sofreu profundas alterações com a introdução do marketing no
campo religioso.
2.1.2. O marketing e a concorrência: o conceito de mercado religioso
A aplicação dos conceitos de marketing, concorrência e mercado religioso,
segundo Lemuel Dourado Guerra, tem sido largamente utilizados por autores norte-
americanos, tais como Laurence Iannaconne, Roger Finke, Rodney Stark e Richard Lee
para designar o clima de acirrada concorrência entre as inúmeras instituições religiosas
nos Estados Unidos.105 Assim, com a introdução da lógica de mercado na esfera do
sagrado, essas instituições têm transformado as práticas e discursos religiosos em
produtos consumidos por um público cada vez mais segmentado e específicos. Dentro
dessa teoria, o termo mercado se aplica à circulação dos bens simbólicos e a
transformação do campo religioso em mercado de bens simbólicos. Essas teorias,
surgidas há menos de um quarto de século, estimularam o aparecimento de um número
considerável de trabalhos científicos na área da Sociologia da Religião, que utilizam o
imaginário econômico americano e capitalista, justificando a idéia de um “novo
paradigma do mercado religioso”.
104 BOURDIEU, Pierre . A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva. 2ª Ed., 1982. 105 GUERRA, Lemuel Dourado. Mercado religioso no Brasil: competição, demanda e a dinâmica da esfera da religião . João Pessoa: Idéia, 2003. p. 53.
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Esse “novo” paradigma mantém a idéia central de que a dinâmica da esfera da
religião é profundamente alterada pela introdução da lógica mercadológica, de acordo
com o conceito desenvolvido inicialmente por Peter Berger em O Dossel Sagrado106.
Nessa abordagem, Berger aponta para o pluralismo religioso como um fenômeno aliado
a secularização, o que teria contribuído para um acentuado enfraquecimento das
estruturas de plausibilidade oferecidas pela religião à sociedade. Um dos resultados
imediatos desses fenômenos foi o aparecimento de um crescente individualismo
religioso, que produziu um certo tipo de privatização do sagrado, ficando o indivíduo
livre da pressão da tradição para elaborar novos sistemas de códigos e de significação de
mundo. Um outro resultado desses fenômenos foi uma diminuição considerável da
autoridade das tradições religiosas, ou seja, de sua eficácia simbólica, obrigando a
religião a competir no mercado com outros sistemas provedores de significado.
No entanto, Lísias Nogueira Negrão entende que a ingerência do mercado na
religião e a interligação entre economia e religião é um fenômeno bem mais antigo,
atingindo uma dimensão mundial somente a partir do século XIX. 107 Para Negrão, há
duas questões importantes a serem observados nessa relação entre economia e religião: a
mercantilização do sagrado e a sacralização do mercado. Assim, a mercantilização do
sagrado é um fenômeno milenar, cuja origem precede à própria economia de mercado,
atingindo o seu clímax na pós-modernidade. Nesse aspecto, a sacralização do mercado
foi introduzido como conseqüência da chamada “crise das instituições tradicionais
produtoras de sentido”. 108 Ora, essa crise intensificou-se entre os anos 80 e 90 com o
surgimento de seitas e grupos religiosos mercantilizados, voltados à solução de
problemas materiais de existência. Com isso, o campo religioso tornou-se complexo,
radicalizando sua competitividade e acentuando a subjetivação do sagrado. Essa nova
realidade permitiu que o indivíduo pudesse transitar livremente de uma religião para
outra sem a necessidade de adesões permanentes, compondo o seu referencial religioso
por meio de diversas fontes religiosas.
106 BERGER, Peter L. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião , São Paulo: Paulus, 1985. p. 149. 107 NEGRÃO, Lísias Nogueira. Mercadolicismo – mercado na religião e religião do mercado in Estudos de Religião , ano XIV, n. 18, p. 55-67, São Bernardo do Campo, UMESP, junho de 2000. 108 Idem. Ibid. p. 59.
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Analisando a atuação do Pentecostalismo de cura divina no campo religioso
brasileiro, Rubem Alves observou que tanto a indústria farmacêutica como as empresas
de cura divina se organizam em termos empresariais e racionais para vender serviços e
mercadorias a uma clientela necessitada.109 Para ele, as duas empresas se situam em um
mesmo nível, pois dirigem-se a um mesmo mercado e prometem cura para as
enfermidades. Esta seria uma das razões pelo qual os clientes passam de uma empresa à
outra quando a primeira se mostra ineficaz para a solução do problema. Alves entende
que o fenômeno das empresas de cura divina devem ser compreendido segundo um
modelo econômico e não religioso. Isto porque a sua configuração específica é a
comercialização de bens espirituais e não o fato de serem espirituais os bens
comercializados.
Segundo Lemuel Guerra, uma das tendências significativas na constituição desse
“novo” paradigma foi a aplicação da “Teoria da Escolha Racional”, para explicar o
comportamento religioso dos indivíduos.110 Entre os diversos trabalhos nessa linha
encontra-se o artigo de Richard Lee, intitulado Religious practice as social exchange: an
explanation of empirical findings, no qual afirma que tanto o comportamento religioso
quanto o econômico são determinados por uma variável independente comum, ou seja, a
expectativa de lucro.111 Laurence R. Iannaconne, também adepto dessa teoria, contribuiu
com o que ele denominou de “microeconomia do sacrifício” em seu artigo A Formal
Model of Church and Sect.112 Segundo ele, a decisão de participar ou não de uma
religião depende da expectativa de lucros a serem obtidos pela participação individual na
organização religiosa, que estaria associada positivamente e diretamente com o nível de
sacrifícios previsto na proposta de religiosidade.
Outro trabalho considerado polêmico na aplicação do “novo paradigma do
mercado religioso” é o livro The Churching of America, em que Roger Finke e Rodney
Stark usam a abordagem de mercado religioso para interpretar os cerca de 200 anos da
109 ALVES, Rubem A. A empresa da cura divina: um fenômeno religioso? in A cultura do povo, São Paulo: Cortez, 3ª Ed., 1984. p. 111-117. 110 GUERRA, Lemuel Dourado. Ibid. p. 55. 111 LEE, Richard. Religious practice as social exchange: an explanation of empirical findings. Sociological Analysis, 53: 1-35, 1992. 112 IANNACCONE, Laurence R. A formal model of church and sect. American Journal of Sociology, 94: 241-268, 1988.
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história das organizações religiosas nos Estados Unidos.113 Esse trabalho inclui no
vocabulário termos como “oferta” e “demanda”; “firmas” e “clientes”; “competição”;
“fatias de mercado”; “monopólios” e “cartéis”. Assim, as igrejas e seus clérigos são
considerados como “produtores” que decidem quais serão as características do seu
“produto” e as maneiras mais apropriadas de “vendê- lo”. Os fiéis são considerados
“consumidores”, que escolhem qual religião irão aceitar e quão extensivamente irão
participar dela.
A partir dessa abordagem podemos destacar duas ênfases: 1) Um determinado
empreendimento religioso somente se desenvolverá se oferecer um produto no mínimo
tão atrativo quanto os de seus concorrentes; 2) Os níveis de regulação podem afetar
profundamente os produtores e as opções dos consumidores. Nesta mesma linha de
argumentação, Finke e Stark, conforme Guerra, elaboraram o que eles denominaram
“microeconomia do compromisso religioso”, em que os indivíduos tendem a valorizar a
religião de acordo com os “custos e benefícios”. 114 Os princípios dessa
“microeconomia”, baseada na “Teoria da Escolha Racional” são:
1) Os indivíduos avaliarão os custos e benefícios e irão consumir os produtos religiosos
que maximizem seus ganhos;
2) Pelo fato de ser uma mercadoria produzida coletivamente, o prazer que a religião
oferece depende do grau de sociabilidade que produz. Assim, quanto maior a confiança
do grupo nos benefícios que a religião produzirá no futuro, maior a confiança dos
indivíduos nos mesmos;
3) Se é possível ter acesso aos lucros da religião sem participar efetivamente nela, os
indivíduos tenderão a ter baixos níveis de comprometimento com as organizações
religiosas.
Outra tendência, de acordo com um artigo de Stark e Iannaconne, intitulado A
supply-side reinterpretation of the “secularization” of Europe, propõe uma “Teoria da
mobilização religiosa”, com o objetivo de questionar a idéia de secularização da Europa,
113 FINKE, Roger e STARK Rodney. The churching of America – 1776–1990: winners and losers in our religion economy . New Brunswick, N.J.: Rutgers University Press, 1992. 114 GUERRA, Lemuel Dourado. Ibid. p. 63.
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apresentando algumas definições básicas para a discussão do mercado religioso.115
Nessa abordagem da dinâmica da esfera religiosa, esses autores enfatizam mais as
mudanças de comportamento dos empreendimentos religiosos do que as transformações
das atitudes dos consumidores da religião. Para eles, as definições básicas para a
construção da Teoria da mobilização religiosa são:
1) Religião: é um sistema de crenças e práticas referentes ao significado último das
coisas baseadas na crença e na existência do sobrenatural;
2) Empreendimentos religiosos: são empresas sociais cuja primeira proposta é criar,
manter e fornecer religião para um conjunto de indivíduos;
3) Economia religiosa: consiste em todas as atividades religiosas acontecendo em uma
determinada sociedade;
4) Produto religioso: conjunto de práticas e crenças oferecidas pelos empreendimentos
religiosos;
5) Consumidores: indivíduos potencialmente interessados em religião;
6) Lucro: quantidade de fiéis que um empreendimento religioso é capaz de conquistar
num determinado período de tempo;
7) Pluralismo: situação da economia religiosa na qual mais de um empreendimento
operam. Quanto mais empreendimentos religiosos em atividade, maior o grau de
pluralismo;
8) Especialização: processo pelo qual um determinado empreendimento religioso cria
um produto religioso capaz de atender as necessidades e gostos especiais de um
segmento específico do mercado.
Nesse mesmo artigo de Stark e Iannaconne, ainda comentado por Lemuel Guerra,
além das definições básicas citadas acima, encontramos sete outras proposições
apresentadas de forma sistematizada na discussão do mercado religioso.116 São elas:
115 STARK, Rodney e IANNACCONE, Laurence R. A supply-side reinterpretation of the “secularization” of Europe. Journal for the Scientific Study of Religion, 33: 230-252, 1994. 116 Idem. Ibid. p. 57.
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1) A capacidade de um único empreendimento religioso monopolizar uma economia
religiosa depende do grau em que o Estado usa a coerção para regular a economia
religiosa;
2) Na medida em que uma economia deixa de ser regulada, ela se tornará pluralística;
3) À medida que a economia religiosa é pluralística, os empreendimentos se
especializam;
4) Na medida em que uma economia religiosa é competitiva e pluralística, os níveis de
participação religiosa tendem a ser altos. Inversamente, na medida em que a economia
religiosa é monopolizada por uma ou duas organizações financiadas pelo Estado, os
níveis de participação tenderão a ser baixos;
5) Na medida em que um empreendimento religioso exerce um monopólio, ela procurará
exercer sua influência sobre as outras instituições sociais e a sociedade tenderá a ser
sacralizada;
6) Na medida em que a desregulação ocorre em uma economia religiosa previamente e
altamente regulada, a sociedade será dessacralizada;
7) A relação entre o grau de regulação da economia e os custos de instalação de uma
nova organização religiosa no mercado é curvilinear – declinando na medida em que o
Estado exerce menor coerção na defesa do empreendimento monopolístico, mas subindo
outra vez quando o pleno desenvolvimento do pluralismo produz um mercado
competitivo de empreendimentos efetivos e de sucesso.
Dessa forma, de acordo com a visão dos autores norte-americanos, tal como
foram apresentados por Guerra, estamos diante de um “novo paradigma do mercado
religioso” baseado na idéia fundamental de que a mudança do campo religioso nos
Estados Unidos produziu um mercado religioso plural, no qual as igrejas foram
transformadas em agências, competindo pela preferência dos indivíduos no mercado e
de que a religião tornou-se um produto para ser consumido no mercado como outro
qualquer, permitindo que as economias religiosas funcionem semelhantemente ao das
comerciais.
Esse processo também está em curso no Brasil, onde encontramos igrejas
competindo umas com as outras, não só pela preferência de fiéis, mas, também, por
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69
espaços cada vez maiores no mercado religioso. Por isso, a principal estratégia utilizada
por tais igrejas tem sido o marketing religioso, como forma de oferecer seus produtos
para um público que procura satisfazer suas necessidades e desejos específicos.
2.1.3. O marketing na Igreja
Entre os primeiros autores a analisar a relação entre marketing e religião, como já
tivemos oportunidade de afirmar, está Philip Kotler, que publicou inicialmente o livro
Marketing para organizações que não visam o lucro117, escrito especialmente para
atender às organizações com fins puramente assistenciais e filantrópicos. Essas
organizações, apesar de não buscarem o lucro como meta principal, também envolvem
produtos ou serviços com objetivos específicos, dependendo do mercado considerado.
Há, para tais organizações, a necessidade de campanhas de difusão e catequese sobre a
importância social de suas causas, para sensibilizar e persuadir os doadores a contribuir
para a sobrevivência e a continuidade de seus trabalhos sociais. Segundo Kotler, os
responsáveis dessas organizações estão se tornando cada vez mais conscientes da
relevância do marketing para resolver seus problemas, tais como: reitores de
universidades; administradores de hospitais; funcionários públicos; diretores de museus
e líderes religiosos.
A aplicação dos termos e conceitos de marketing às atividades eclesiásticas não
é, contudo, algo pacífico, tal como analisou Philip Kotler 118 e Leonildo Silveira
Campos119. Entretanto, entre os membros desse clube há um certo ceticismo em relação
ao marketing, pois imaginam ser ele um instrumento mais apropriado ao uso nos
negócios comerciais, relacionados às vendas e propaganda. Na visão de Kotler, a razão
básica para essas organizações interessarem-se pelos princípios do marketing é permitir
que elas se tornem mais eficazes na obtenção de seus objetivos. Isto porque tais
organizações dependem das trocas voluntárias para a realização de seus objetivos. Os
recursos devem ser atraídos, os empregados devem ser estimulados e os clientes
117 KOTLER, Philip. Marketing para organizações que não visam o lucro . São Paulo: Atlas, 1978. 118 SHAWCHUCK, Norman, KOTLER, Philip et alii. Marketing for congregations: choosing to serve people more effectively . Nashville – USA: Abingdon Press, 1992.
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encontrados. Todas as organizações dependem de relações de troca para atraírem
recursos que precisam, para os converter em em produtos e serviços úteis e para
distribuí- los eficientemente aos mercados-alvo.
Kotler também contribuiu na produção de um outro texto, escrito em parceria
com outros autores, intitulado Marketing for congregations: choosing to serve people
more effectively120. Dessa vez o objetivo era contemplar especificamente as instituições
religiosas, principalmente igrejas católicas, protestantes e sinagogas norte-americanas.
Neste livro os autores salientam o grande auxílio que a incorporação do marketing pode
dar às atividades diárias de líderes religiosos e congregações, sem que necessariamente
eles se tornem “marqueteiros”. Para tanto, propõem que o marketing auxilie esses líderes
a pensarem sistematicamente sobre o mercado de pessoas que potencialmente ou
correntemente não satisfazem suas necessidades de espiritualidade e ajude a sua
congregação a reconhecer essas necessidades.
Nesta obra, os seus autores definem a missão, o papel e os limites do marketing
para instituições religiosas, salientando a importânc ia do marketing como solução para
os principais problemas enfrentados pelas organizações religiosas, como a secularização
da sociedade, a erosão da ideologia, crescimento da competição, elevação de custos de
operação, e outras, rebatendo as principais críticas elaboradas contra o marketing
religioso. Os especialistas de Marketing for congregations discutem também a
necessidade de uma modificação de paradigma entre os líderes religiosos, para que
passem a ser orientados para o mercado, por eles considerada uma estratégia
fundamental para que a organização alcance seus objetivos. Tal orientação deve, no caso
de instituições religiosas, ter uma preocupação com o bem estar individual e social de
curto e longo prazo. Assim, a principal tarefa de uma organização é determinar as
necessidades, desejos e interesses de mercados-alvo e adaptar a organização para que os
satisfaçam, preservando ou melhorando o bem estar do consumidor e da sociedade.
George Barna, especialista em marketing aplicado à religião, escreveu algumas
obras nesse sentido, entre eles O marketing na igreja: o que nunca lhe disseram sobre o
crescimento da igreja. Esse texto foi preparado especificamente para líderes cristãos,
119 CAMPOS, Leonildo Silveira. Hóstias Edir contêm mais Deus: marketing e religião em RAE Light, v. 3, n. 2, p. 5-11, São Paulo, EAESP/FGV, 1996. 120 SHAWCHUCK, Norman, KOTLER, Philip et alii. Ibid.
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com o objetivo de oferecer ferramentas para a promoção e o crescimento da igreja.121
Barna, sendo cristão e profissional de marketing, afirma que as igrejas evangélicas nos
Estados Unidos estão perdendo a batalha pela atração de novos fiéis, e por esse motivo
há a necessidade de adotar estratégias para reverter este quadro. Para ele, o marketing
religioso tem a seguinte conotação:
“Marketing na igreja é o desempenho de atividades, tanto de administração secular quanto de ministério pastoral, que causem impacto sobre o público-alvo de determinado local, com a intenção de servir e atender às necessidades espirituais, físicas, emocionais e sociais desse público, atingindo assim os objetivos de ministério daquela igreja”.122
Partindo dessa visão, Barna considera que o marketing na Igreja está baseado em
quatro premissas. A primeira refere-se à igreja como um negócio. A igreja local precisa
ser dirigida com sabedoria e habilidade como qualquer empreendimento. Ela deve ser
gerenciada com objetividade e eficiência, marchando rumo às suas metas e finalidade.
Sua meta como igreja é obter êxito na evangelização e consolo espiritual às pessoas. A
segunda premissa defende o marketing como essencial para um negócio funcionar com
êxito. Há a necessidade de reconhecer as vantagens do marketing e adaptá- los aos
caminhos da igreja. A terceira premissa constata que a igreja cristã, com poucas
exceções, não possui uma perspectiva de marketing, com relação a crescimento e
desenvolvimento. Para Barna, infelizmente, as pesquisas têm revelado que o marketing
está ausente em mais de nove em cada 10 igrejas evangélicas. Pelos padrões de
julgamento do marketing as igrejas podem ser consideradas fracassadas, ou seja, elas
não estão maximizando o seu respectivo potencial para o sucesso. A última premissa se
refere aos evangélicos que estão seriamente preocupados com o estado das igrejas e
consideram seriamente adotar novas abordagens alternativas para o crescimento delas.
Além disso, Barna apresenta algumas vantagens e benefícios que a igreja cristã
pode obter com um marketing eficaz. Eis algumas delas:
121 BARNA, George. O marketing na igreja: o que nunca lhe disseram sobre o crescimento da igreja . Rio de Janeiro: JUERP, 1994. 122 Idem. Ibid. p. 46.
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1) Crescimento numérico: se a igreja estudar o público que deseja alcançar, estabelecer
planos inteligentes e desenvolvê - los fielmente, naturalmente terá um aumento no
número de visitantes e novos membros;
2) Melhor comunicação: mediante o planejamento do modo de abordar a mensagem que
deseja transmitir ao público-alvo, a igreja poderá melhorar a eficiência e a eficácia de
sua comunicação, não somente por meio de sermões, mas também pela publicidade e
outros meios de divulgação;
3) Uso mais eficiente de recursos: se souber exatamente para onde se está caminhando e
como chegar lá, será muito mais fácil não só conservar os recursos de que se disponha
de imediato e utilizá- los com maior eficiência, como também identificar outros recursos
que se tornem necessários e determinar como obtê- los;
4) Maior alcance da comunidade: a igreja poderá obter uma consciência comunitária
mais ampla, oferecerá uma opção a mais para os que estão em busca de uma igreja
cristã, e colherá os frutos de uma membresia mais envolvida em alcançar as pessoas;
5) Novas lideranças: pela participação na visão e desenvolvimento de um sistema
planejado de crescimento e progresso da igreja, uma nova equipe de líderes poderá vir a
ser identificada, treinada e comprometida com o trabalho eclesial.
Uma outra linha de investigação aparece em Ari Pedro Oro, que apesar de não
tratar diretamente do marketing religioso, analisou a reação católica frente ao avanço do
Pentecostalismo e à ameaça da perda de sua hegemonia no campo religioso brasileiro.123
Para ele, a expansão do Pentecostalismo tem-se constituído o fenômeno mais importante
dos últimos anos em nosso país, especialmente a versão “moderna”, que Ari Oro
denomina de Neopentecostalismo. Oro considera a Igreja Católica como a instituição
religiosa que mais tem sofrido a concorrência pentecostal, pois grande parte de seu
rebanho tem saído de suas fileiras para essas novas denominações. Por sua vez, diante
desse êxodo verificado em seus templos, a Igreja Católica tem desencadeado uma reação
para combater a perda de fiéis, que se centraliza na Renovação Carismática Católica.
Tendo como base as pesquisas de campo realizadas no estado do Rio Grande do Sul,
entre os anos de 1993 a 1995, Oro constatou que o Pentecostalismo já ocupava, naquele
123 ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996.
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período, cerca de 70% do campo evangélico, sendo este o segmento que mais tinha
crescido, especialmente o Neopentecostalismo, com a ênfase na cura divina, o uso
maciço do rádio e da TV e a sua organização empresarial.
Segundo Oro, a Igreja Católica adotou algumas estratégias para conter o avanço
pentecostal tais como:124 A primeira delas foi o incentivo dado por parte do clero
preferencialmente conservador, privilegiando um retorno à devoção e às práticas
religiosas tradicionais tais como: devoção de santos e veneração de suas imagens nas
igrejas; práticas ritualísticas de bênçãos (de moradias, carros, pessoas, água e objetos);
terços em família; novenas; missões populares, procissões e romarias; e missas com
intenções especiais de saúde, família, almas, e outras mais. A segunda estratégia foi o
incentivo ao uso dos meios de comunicação de massa, tais como: jornais, rádios e TV.
Ocorreu também o incentivo às publicações de livros e vendas de artigos religiosos nas
editoras e livrarias católicas tais como: Loyola, Vozes e Paulinas. A terceira estratégia
adotada pelo clero católico foi a implantação da Renovação Carismática Católica,
movimento religioso que valoriza o êxtase religioso, as bênçãos, as curas e os dons do
Espírito Santo. Essa última estratégia tem sido a principal arma da Igreja Católica, pois o
ritual celebrado nas reuniões da Renovação Carismática é semelhante aos realizados nos
cultos pentecostais, inclusive no uso da glossolalia, contribuindo assim para evitar a
evasão de fiéis.
A Renovação Carismática Católica surgiu nos Estados Unidos, no ano de 1967,
durante um retiro espiritual com cerca de trinta leigos católicos, todos membros do
corpo docente da Universidade Duquesne, em Pittsburgh. 125 Os participantes desse retiro
tinham contato com diferentes grupos pentecostais e desejavam buscar uma nova
experiência religiosa. Enquanto rezavam na capela teria ocorrido o fenômeno do batismo
no Espírito Santo. Alguns deles começaram a falar “em línguas” enquanto outros
recebiam o dom de profecia ou do conhecimento. Mais tarde, dois dos participantes,
Ralph Martin e Steve Clark fundaram a comunidade “Mundo de Deus”, em Ann Arbor,
cidade universitária localizada no Estado de Michigan, reunindo católicos e protestantes.
Informal no início, a comunidade foi-se expandindo e estruturando. Co m o tempo o
124 Idem. Ibid. p. 97. 125 PRANDI, Reginaldo. Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: Edusp, 2ª Ed., 1998. p. 32.
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movimento conquistou várias paróquias e bispados. Em 1971, a paróquia de Saint
Patrick, em Rhode Island, foi confiada a leigos carismáticos pelo bispo, consolidando
assim a fundação da Renovação Carismática como movimento organizado e em
justaposição com a organização eclesiástica. A Renovação Carismática teria chegado ao
Brasil em 1972 por meio de padres jesuítas, inicialmente em São Paulo e posteriormente
para todo o país.
Um outro texto que trata do marketing católico é o de Antonio Miguel Kater
Filho, que defende ser o marketing uma ferramenta apropriada à disposição da Igreja
Católica Apostólica Romana, para atender às expectativas e necessidades espirituais das
pessoas, que, nos últimos anos, experimentou uma grande evasão de seus fiéis e um
desinteresse cada vez maior daqueles que ainda permaneceram na igreja. 126 Kater
identifica como uma das causas dessa evasão a falta de sintonia entre o clero e os leigos,
que ocorreu em vários níveis, começando pela própria comunicação entre ambos, nos
cultos, liturgia, discurso e conflito das ideologias, passando pela catequese das crianças,
jovens e adultos, e na falta de utilização eficaz dos meios de comunicação de massa.
Para Kater, a prática da religião católica tem se tornado um mero ritual sacramental
simbólico, em que cada parte representa o seu papel. Esta prática, contudo, não atendeu
às necessidades e expectativas de nenhuma das partes, pois tanto o clero católico como
os fiéis tornaram-se frios no relacionamento, perdendo assim a autenticidade.
Kater alega que o marketing tem sido largamente utilizado por empresas,
organizações, políticos, artistas e governos para motivar as pessoas a consumir, a
acreditar, a se envolver e até mesmo a morrer pelos seus ideais, desde que eles
preencham e atendam às suas necessidades ou expectativas. Ele justifica o uso dessa
ferramenta, pois diversas “religiões”, cristãs ou não, têm utilizado-a constantemente, de
técnicas e estratégias de marketing para envolver os fiéis, desgarrados e insatisfeitos,
oriundos de outras religiões, principalmente a católica. Kater também afirma que a
Igreja Católica dispõe de um número mais que suficiente de pontos-de-venda e
representantes hierarquicamente organizados em dioceses, paróquias, igrejas e capelas
espalhadas por todo o mundo. Somente no Brasil ela conta com mais de sete mil
paróquias e catorze mil sacerdotes. Assim, a Igreja Católica pode ser considerada uma
126 KATER FILHO, Antonio Miguel. O marketing aplicado à Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1999.
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das mais antigas instituições conhecidas e em pleno funcionamento, estrategicamente
organizada e implantada sob a visão do marketing, pela forma como ela procura atender
às necessidades dos fiéis por pelo menos dois mil anos.
Quanto às igrejas neopentecostais há o texto de Leonildo Silveira Campos, que
analisou o marketing religioso a partir do comportamento e atuação da Igreja Universal
do Reino de Deus127, também estudados por Ricardo Mariano128, Ari Pedro Oro, André
Corten e Jean-Pierre Dozon129. Para Campos, a Igreja Universal é um empreendimento
neopentecostal que, em pouco mais de vinte e oito anos, conquistou no Brasil cerca de
quatro milhões de seguidores, segundo estimativas. Assim, ele discute a origem e o
desenvolvimento de uma das formas de cristalização de um certo tipo de “mentalidade
neopentecostal”, que, devidamente aculturada no Brasil, resultou em um
empreendimento religioso-empresarial. Essa organização consegue, em sua visão, obter
excelentes resultados desempenhando uma performance alavancada por estratégias de
marketing e de comunicação de massa de notável eficiência, aproveitando-se da
velocidade de um mundo submetido a um crescente processo de globalização econômica
e cultural. Segundo Campos, a Igreja Universal do Reino de Deus, nos anos 80 e 90,
ultrapassou em crescimento todos os pequenos empreendimentos pentecostais iniciados
no mesmo espaço e tempo, tais como Casa da Bênção, Cristo Vive, Cruzada Profética
Mundial Sinais e Prodígios, Igreja em Obra de Restauração, Igreja Evangélica Maranata,
Igreja Evangélica da Renovação, Salão da Fé, Igreja Internacional da Graça de Deus e
até mesmo a Igreja de Nova Vida, de onde saíram Edir Macedo, Romildo Ribeiro
Soares, Roberto Augusto Lopes, fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus.
Um bom exemplo que podemos citar também em relação ao marketing religioso
é o caso de Adilson Piazza, jornalista e publicitário, que desenvolveu um trabalho
conjunto com um pastor presbiteriano utilizando-se das ferramentas de marketing. Seu
objetivo foi propor o crescimento de sua igreja por meio de estratégias de divulgação, de
127 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal . Petrópolis: Vozes, 1997. 128 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil . São Paulo: Loyola, 1999. 129 ORO, Ari Pedro, CORTEN, André, DOZON, Jean-Pierre (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, 2003.
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promoção e de crescimento sustentado. 130 Essa igreja, situado na periferia de
Governador Valadares, no Estado de Minas Gerais, tinha no começo desse processo de
marketinização pouco mais de 30 membros. Após aplicar as técnicas do marketing, em
um período de aproximadamente doze meses, houve um crescimento de 500%, além da
ampliação e modernização do templo.
Segundo Piazza, existem três elementos básicos que são essenciais para obter
sucesso no marketing religioso:131 1) Serviços e produtos orientados para as
necessidades e desejos dos fiéis; 2) Uma organização de marketing que possua eficiência
para colocar os serviços e produtos em contato com os fiéis, dentro e fora das igrejas; e
3) Um plano de marketing que identifique as estratégias e responsabilidades para a
implementação de ações que busquem resultados eficientes. Piazza destaca também a
necessidade de atendimento às ovelhas (fiéis), considerado por ele uma atividade
diretamente ligada ao princípio básico que orienta a filosofia do marketing: satisfazer as
necessidades dos clientes. No caso das igrejas os fiéis são o principal foco de
preocupação dos profissionais do marketing religioso.
Antônio Mesquita Galvão, teólogo e mestre em marketing, entende que o
marketing faz a “ligação” entre a empresa, que possui o objetivo de vender e o mercado,
com sua necessidade de consumir.132 Num primeiro momento, a empresa faz a
comunicação (propaganda) de que tem algo para vender. Depois coloca no mercado seus
“bens e/ou serviços”. O mercado responde com o consumo e com as “informações” a
respeito dos bens adquiridos. Essas informações, vindas do mercado, podem ser colhidas
por formulação espontânea, pesquisa ou desejo de consumo. Se o produto não é
comprado, é sinal de que ele não agradou. Ao defender o uso do marketing no processo
de evangelização, Galvão faz a seguinte afirmação:
“Nas práticas de evangelização, podemos usar as técnicas do marketing em todas as tarefas do cotidiano. Assim, a busca da parceria, em que o empresário procura estabelecer um processo que vise satisfazer às partes envolvidas, serve bem para nosso trabalho pastoral. Enquanto o objetivo do evangelizador é anunciar a Boa Notícia, levando as pessoas a um relacionamento vivo e direto com Deus, igualmente os fiéis têm suas
130 PIAZZA, Adilson. Ibid. 131 Idem. Ibid. p. 19. 132 GALVÃO, Antônio Mesquita. Evangelização e marketing: a ciência da administração a serviço da boa notícia . São Paulo: Ave-Maria, 2001.
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necessidades, em paralelo com o desejo de salvação. Aí está o ‘processo de troca’ da definição. Hoje se constata a possibilidade de encontrar na ciência do marketing novas formas de evangelizar”.133
Na avaliação de Galvão, para que ocorra um adequado processo de marketing são
necessárias as seguintes ferramentas: planejamento, organização, execução e controle.
O planejamento entende-se pelo esforço de prover recursos (materiais, humanos e
tecnológicos) para prever os eventos de um processo de venda. Para planejar é preciso
conhecer os pontos fortes e fracos, tanto os nossos quanto os dos concorrentes. A
organização é a estruturação das unidades dinâmicas com objetivos definidos. A
execução se refere à coordenação dos recursos disponíveis, colocando-os em ordem de
funcionamento. Como instrumentos de execução temos a tomada de decisão, a
comunicação, a motivação, a liderança e a delegação. E o controle é a comparação entre
o que se planejou e os resultados que se alcançaram.
Para Galvão, essas ferramentas gerenciais, junto com a pesquisa de mercado e da
concorrência, possibilitam a criação de estratégias de venda, seja de produtos ou
serviços, que podem ser resumidas em dez pontos:134 1) Conhecer o mercado,
adaptando-se às suas constantes mutações; 2) Identificar as necessidades do público
consumidor, comunicando-se com ele em canais sempre abertos; 3) Segmentar o
mercado em nichos específicos, conforme a necessidade de consumo de cada um deles;
4) Utilizar, de forma consciente e racional, as ferramentas de marketing, como
planejamento, organização, execução, controle, comunicação e liderança; 5) Vender o
produto (Cristo) e o benefício (salvação, vida eterna); 6) Manter o ponto-de-venda
(igreja, templo) sempre em condições de dar bom atendimento para a satisfação da
clientela; 7) Manter atendimento e acolhida; 8) Supervisionar a equipe de vendedores
(padres, ministros, agentes, catequistas, leitores) que deve estar sempre treinada e
motivada; 9) Estabelecer um controle das atividades, que tornem sempre possível a
implementação de novas e rápidas estratégias; 10) Adotar uma pós-venda eficaz.
O uso do marketing na Igreja possibilitou significativas mudanças no campo
religioso. As Igrejas perceberam os benefícios que essa ferramenta pode trazer aos seus
ambiciosos projetos de expansão, contendo a evasão de fiéis para outros templos e
133 Idem. Ibid. p. 27.
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investindo na visibilidade de suas práticas religiosas. Diante desse quadro de
concorrência religiosa, a Igreja Renascer em Cristo entra decisivamente nessa disputa
com as mesmas armas para se expandir e consolidar sua presença no mercado religioso
brasileiro.
2.2. O marketing institucional da Igreja Renascer em Cristo
Na segunda parte deste capítulo é nosso objetivo apresentar o marketing
institucional da Igreja Renascer em Cristo, que se destacou no mercado religioso
brasileiro devido à sua forma de atuação, por meio de shows e mega-eventos realizados
em seus templos, ginásios e praças públicas. A Igreja Renascer conseguiu, dessa forma,
nessas duas décadas de existência, posicionar-se no mercado com uma linguagem
voltada para o público jovem e, consequentemente, crescer face aos seus concorrentes. A
marca Renascer em Cristo foi construída pela Igreja Renascer com o uso maciço dos
meios de comunicação de massa próprios, tais como a Rádio Gospel, a TV Gospel, o
jornal Gospel News e o portal eletrônico Igospel. Toda essa estratégia de comunicação
permitiu que a marca Renascer em Cristo fosse conhecida por milhares de jovens,
muitos deles oriundos de outras igrejas evangélicas, que se identificaram com a
linguagem jovial utilizada pelos pastores e bispos da Igreja.
A música gospel foi um dos fatores primordiais que contribuiu para o
fortalecimento da marca Renascer em Cristo, tornando-se um sucesso de vendas no meio
evangélico, tal como foi estudado por Jacqueline Ziroldo Dolghie135. A Marcha para
Jesus, evento realizado anualmente pela Igreja, tem sido um outro fator importante para
a construção da marca Renascer em Cristo, chegando a arregimentar cerca de dois
milhões de pessoas em plena Avenida Paulista, em maio de 2005, na cidade de São
Paulo. Também é importante destacar a atuação da Igreja Renascer frente às obras
assistenciais, bem como a sua inserção na política. Tudo isso propiciou o surgimento de
uma Igreja com uma identidade diferenciada perante a acirrada concorrência religiosa na
cidade de São Paulo.
134 GALVÃO, Antônio Mesquita. Ibid. p. 160. 135 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o mercado de música gospel no Brasil . Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 2002.
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2.2.1. A construção da marca Renascer em Cristo
Um dos temas importantes nos estudos de marketing é a construção da marca.
Pois bem, como se deu a construção da marca Renascer em Cristo? O termo marca tem
origem em uma antiga palavra norueguesa, cuja tradução literal significa “queimar”.
Segundo Don Schultz e Beth Barnes, esse termo foi desenvolvido para identificar a
fonte, o fabricante ou o proprietário de um produto ou item. 136 O uso mais comum era
“marcar” gado, cavalos, ovelhas ou outros bens. Com o desenvolvimento do comércio, a
marca passou a significar a origem ou a fonte de um produto, e a forma de diferenciá- lo
de outros concorrentes que produzem artigos semelhantes. Segundo Schultz e Barnes,
existe um consenso de que muitos dos conceitos e criação das marcas foram
formalizados nos Estados Unidos pela Procter & Gamble Company, a partir do final de
1800.
Porém, J. B. Pinho assinala que desde a mais remota antiguidade já existiam
várias formas de promover as mercadorias.137 Os sinetes, os selos, as siglas e os
símbolos eram utilizados como um sinal distintivo e de identificação para assinalar
animais, armas e utensílios. As marcas geralmente indicavam a proveniência do produto
agrícola ou manufaturado e muitas vezes atestavam a excelência e a boa qualidade dos
produtos. Os açougues romanos, por exemplo, exibiam a figura de uma pata traseira de
boi, os comerciantes de vinho colocavam na fachada de seus estabelecimentos o desenho
de uma ânfora, e a figura de uma vaca indicava a comercialização de laticínios em geral.
Na Idade Média, as corporações de ofício e os mercadores utilizavam a marca como
forma de controle da quantidade e da qualidade da produção. Os ourives na França e na
Itália e os tecelões na Inglaterra, por exemplo, eram forçados a usar marcas individuais
ou marcas de comércio para preservar o monopólio e identificar as falsificações, cuja
produção estivesse em desacordo com as especificações técnicas da corporação. No
século XI, as marcas individuais tornaram-se obrigatórias e adquiriram um sentido
136 SCHULTZ, Don E. BARNES, Beth. Campanhas estratégicas de comunicação de marca. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1ª Ed., 2001. p. 36. 137 PINHO, J. B. O poder das marcas. São Paulo: Summus, 1996. p. 11-14.
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comercial com o surgimento das cidades e a divisão de mercado e de trabalho. A
comercialização era realizada longe do centro produtor, impossibilitando uma relação
direta entre o produtor e o comprador. Dessa forma, a marca era o elemento que
estabelecia um vínculo entre o fabricante e o consumidor que se situavam em lugares
diferentes. Por meio da marca o comprador assegurava a garantia da qualidade do
produto, e caso a mercadoria não apresentasse as qualidades prometidas ele podia
reclamar junto ao fabricante.
De acordo com Pinho, o uso pioneiro da marca como fator de diferenciação
aconteceu em 1835, na Escócia, com a introdução da marca Old Smuggler, criada para
designar uma linha de uísque que utilizava um processo especial de destilação.138
Também surge, no início do século XIX, a preocupação com as questões de proteção e
registro das marcas, principalmente na Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Essas
demandas possibilitaram, na segunda metade do século XIX, a promulgação da Lei de
Marcas de Mercadoria na Inglaterra (1862), da Lei Federal de Marcas de Comércio nos
Estados Unidos (1870) e da Lei para a Proteção de Marcas na Alemanha (1874). No
Brasil, a Lei foi aprovada após uma disputa jurídica entre as firmas Meuron & Cia
(fabricante de rapé com a marca Arêa Preta) e a Moreira & Cia, que lançou o mesmo
produto com o nome Arêa Parda. Sob a alegação de usurpação da marca, a empresa
Meuron & Cia ingressou em juízo contra a Moreira & Cia, tendo Rui Barbosa como
advogado da causa. Após ser julgada improcedente pelo Tribunal da Relação da Bahia,
foi encaminhada uma nova representação pelo autor do processo ao Poder Legislativo,
pois na época não havia nenhuma lei que qualificava o fato como delito. Dessa vez, a
causa foi acolhida pela Comissão de Justiça Criminal da Câmara dos Deputados, que
elaborou um projeto de regulamentação e após a aprovação se transformou na Lei nº
2.682 de 23 de outubro de 1875.
Em 1960, o Comitê de Definições da American Marketing Association
estabeleceu o seguinte conceito de marca: “Marca é um nome, termo, sinal, símbolo ou
desenho, ou uma combinação dos mesmos, que pretende identificar os bens e serviços de
um vendedor ou grupo de vendedores e diferenciá- los daqueles dos concorrentes”. 139
138 Idem. Ibid. p. 12. 139 PINHO, J. B. Ibid. p. 14.
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Além do conceito de marca é importante também algumas referências ao termo
logotipo, que é uma junção de duas palavras gregas: logos (palavra) e typos (impressão
ou marca). Um logotipo procura identificar imediata e prontamente uma determinada
instituição ou produto, facilitando a sua fixação na memória do público, destacando-o
dentre vários outros estímulos visuais diariamente recebidos pelas pessoas. A American
Marketing Association define o conceito de logotipo como “a parte da marca que é
reconhecível, mas não é pronunciável, como um símbolo, desenho ou cores e formatos
de letras distintivas”. 140
Marcos Gouvêa de Souza e Artur Nemer assinalam que a marca é mais do que
um simples nome ou símbolo, pois ela se torna uma síntese de todas as ações
mercadológicas originadas na satisfação dos desejos ou necessidades específicos do
consumidor.141 As ações mercadológicas visam fazer com que o consumidor associe à
marca uma série de atributos do produto, uma expectativa de desempenho e uma
diferenciação em relação às marcas concorrentes. Assim, a marca se torna uma das
formas pela qual a empresa se comunica com o público alvo, sintetizando as
características do produto e formando uma imagem na mente do consumidor.
O principal objetivo de qualquer empreendimento empresarial ao investir na
construção de uma marca é aumentar sua lucratividade, tornando seus produtos atraentes
e referência no mercado. O esforço de uma empresa na construção de sua marca é
aumentar a percepção de valor que o consumidor tem a seu respeito. A sensibilidade do
consumidor é atingida quando a compra satisfaz racionalmente e também
emocionalmente suas aspirações e desejos.
Todavia, conforme estudos de José Martins142 e Christiane Gade143, as
motivações de compra estão relacionadas às necessidades, crenças e desejos individuais,
pois a preferência do consumidor é despertada por imagens que estão no inconsciente
coletivo das pessoas. Ou seja, a escolha está ligada à emoção que está no inconsciente ou
140 Idem. Ibid. p. 15. 141 SOUZA, Marcos Gouvêa de. NEMER, Artur. Marca e distribuição: desenvolvendo dominação estratégica e vantagem competitiva no mercado global . São Paulo: Makron Books, 1993. p. 11. 142 MARTINS, José. A natureza emocional da marca: como encontrar a imagem que fortalece sua marca. São Paulo: Negócio, 1999. p. 27. 143 GADE, Christiane. Psicologia do consumidor. São Paulo: EPU, 1980.
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no imaginário das pessoas e quando esse sentimento é alcançado a imagem da marca
transmite a sensação de autenticidade.
Para Martins, a estrutura de uma marca deve atender a quatro áreas básicas da
percepção humana: físico, funcional, emocional e espiritual.144 Segundo ele, a percepção
de autenticidade é maior quando existe uma coerência entre os atributos emocionais da
marca e as características do produto. A imagem que fazemos de uma marca é formada
pelo que pensamos e sentimos. Isso está atrelado na mente do consumidor. O intelecto
analisa e avalia se o desejo sentido deve ser ou não realizado, em função das alternativas
de satisfação de desejos e necessidades do consumidor. A razão verifica as vantagens
objetivas, porém a emoção altera o significado e o valor. Se tivermos uma percepção
positiva do imaginário da marca, temos a tendência de relevar os seus defeitos e
realçarmos as suas qualidades. Entre duas marcas que apresentam pouca diferenciação
nos produtos, a identidade da marca é determinante na escolha.
Da mesma forma que os produtos são criados para atender as necessidades
objetivas do consumidor, as marcas atendem suas necessidades psicológicas. Na
construção da marca é necessário trabalhar com grupos de imagens representativas das
emoções humanas. Dessa maneira, o consumidor rompe a estrutura racional e entra em
contato direto com o inconsciente coletivo. Portanto, segundo Martins, a imagem da
marca deve ser verdadeira. Caso o consumidor crie uma expectativa superior ao
desempenho do produto, isso o induzirá a rejeitá- lo na próxima compra.
Segundo David A. Aaker, a implementação de uma estratégia de marca
geralmente focaliza a criação e o crescimento de visibilidade, associações de marca e
relacionamentos profundos com os clientes.145 A visibilidade possui diversos
componentes no processo de compra do cliente e na estrutura da atitude da marca, tais
como o reconhecimento (“você já ouviu falar desta marca”), a recordação espontânea
(“que marca você conhece”) e o status (“qual a primeira marca que vem à sua cabeça”).
A criação de associações é impulsionada pela identidade da marca. O objetivo não é
somente criar associações fortes, mas também uma marca diferenciada. Com isso, a
marca torna-se uma parte significativa da vida do cliente e do conceito que ele tem de si
144 MARTINS, José. Ibid. p. 113-115. 145 AAKER, David. A., JOACHIMSTHALER, Erich. Como construir marcas líderes. 2ª Ed. São Paulo: Futura, 2000. p. 276.
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mesmo. Quando ocorre um relacionamento profundo o cliente será leal e provavelmente
falará com outras pessoas sobre a marca, discutindo os méritos e defendendo as falhas.
No que se refere a Igreja Renascer em Cristo, diante de várias opções religiosas
que existem no mercado, essa Igreja conseguiu agregar atributos à sua marca, o que a
colocou em vantagem diante de outras igrejas evangélicas concorrentes. Para nós, essa
construção da marca Renascer em Cristo está baseada em quatro principais frentes de
atuação da Igreja: 1) a introdução da música gospel no Brasil; 2) a realização anual da
Marcha para Jesus ; 3) o investimento em obras assistenciais; e 4) a inserção da Igreja
Renascer na política.
2.2.2. A música gospel no Brasil
Ao analisar a trajetória da Igreja Renascer em Cristo e a sua repercussão perante
o público jovem, identificamos que a utilização da música gospel, nos cultos e eventos
promovidos por ela foi um dos fatores primordiais que contribuiu para a construção da
marca Renascer em Cristo. Voltada principalmente ao público jovem, a marca Renascer
em Cristo foi associada e trabalhada por intermédio da música gospel nos programas de
rádio e TV da Igreja. Nesse sentido, Marc Gobé aponta a música como um dispositivo
utilizado para a construção de uma identidade.146 Para ele, a associação a um gênero
específico de música permite que uma determinada empresa possa contribuir para a
distinção de sua identidade. Isso fica bem evidente quando verificamos a apropriação da
música gospel pela Igreja Renascer em Cristo.
O termo “gospel” foi patenteado pela Igreja Renascer em 1990147 e, desde então,
tem sido intensamente divulgado por ela. No Brasil, o termo gospel agrupa uma
variedade infindável de estilos musicais, tais como: rock, reggae, pagode, samba, e
outros. A Igreja Renascer em Cristo, adepta desde o início de suas atividades à uma
concepção ética mais ligada à liberalização comportamental, como no uso de roupas,
adereços e freqüência de lugares seculares, fez o mesmo quanto ao estilo musical de seus
cânticos, incorporando todos os ritmos e estilos em suas práticas litúrgicas. Dentro desse
146 GOBÉ, Marc. A emoção das marcas: conectando marcas às pessoas. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 121. 147 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Ibid.
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novo contexto, a Igreja Renascer em Cristo influenciou outras denominações, colocando
a música gospel na vanguarda do mercado de bens simbólicos.
A música gospel foi difundida no Brasil em várias frentes e o contato com o
público se tornou cada vez mais intenso. Dessa maneira, vários canais de distribuição
foram ativados pelos neopentecostais, tanto da Igreja Renascer em Cristo como da Igreja
Universal do Reino de Deus, que passaram a explorar essa fatia do mercado para atingir
o público jovem.
Conforme observações de Sérgio Barbosa, o mercado de música gospel foi
motivo de disputa entre a Igreja Renascer em Cristo e a Igreja Universal do Reino de
Deus.148 Entre as várias acusações que ambas trocavam por meio de seus respectivos
veículos de comunicação estava a discussão se o rock, adotado pela Igreja Renascer em
suas práticas religiosas, era ou não um instrumento do diabo. Apesar dessa discussão,
verificou-se que por trás disso estava uma briga entre a Gospel Records, gravadora de
propriedade da Igreja Renascer e a Line Records, pertencente à Igreja Universal do
Reino de Deus pelo domínio da música gospel no Brasil.
A Igreja Renascer utilizou a rádio, a TV e os grandes shows gospel como o SOS
da Vida e a Marcha para Jesus para o lançamento do produto, entre os anos de 1990 e
1991. A distribuição do produto foi o ponto determinante para que Estevam Hernandes e
Antonio Abbud, publicitário e bispo da Igreja Renascer, criassem a sua própria
gravadora, a Gospel Records, também em 1990. Assim, a divulgação se dava por meio
da rádio e da TV, e a distribuição dos CDs por meio da Gospel Records.
Segundo Jacqueline Ziroldo Dolghie, a música gospel possibilitou atender às
necessidades de dois grupos do laicato que apresentavam, até então, descontentamento
com a marginalização da música de estilo popular pela tradição hinódica das igrejas
tradicionais. Esses dois grupos foram representados pelos músicos e jovens. No grupo
dos músicos, Dolghie observou haver um descontentamento, não só pela falta de
liberdade estilística de composição, como também pela descredibilidade de sua atuação
dentro do campo religioso. Dessa forma, ao dar ao músico um status de “levita”,
liberdade estilística e possibilidade de profissionalismo, a Igreja Renascer atendeu ao
148 BARBOSA, Sergio Carlos Francisco. Religião e comunicação: a igreja eletrônica em tempos de globalização gospel. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 1997. p. 55.
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desejo de reconhecimento desse grupo, tanto dentro como fora da igreja. Da mesma
forma que a Igreja Renascer deu ao músico a possibilidade de profissionalização,
permitiu ao grupo dos jovens o entretenimento social ou “gospel”. Seguindo a tendência
de visibilização social e abandono da atitude ascética das igrejas neopentecostais, o
jovem cristão encontrou na música gospel uma interação com o mundo secular. Tal
necessidade de visibilização, aliada ao desejo de pertença a algum tipo de grupo social
foram proporcionados pela música gospel, que pôde assim satisfazer aos desejos dos
jovens.
Essa estratégia de associação da música gospel à marca Renascer em Cristo
também foi analisada pela pesquisadora Leda Yukiko Matayoshi, ao observar o público
jovem dos adeptos da Igreja Renascer: “A Renascer é conhecida pelo uso da
musicalidade para difusão evangélica. Essa estratégia somada ao liberalismo nos usos e
costumes externos de santidade fez da igreja um produto bastante atraente para os jovens
consumidores de religião”. 149 Segundo ela, além do trabalho com os jovens, por meio da
música, a intenção do líder Estevam Hernandes era atrair os pais deles para a igreja. Era
uma estratégia contrária ao que ocorria em outras igrejas, em que os pais apresentavam
uma religião aos seus filhos. Nesse caso, os jovens que se identificavam com o estilo
musical adotado pela Igreja Renascer convidavam seus próprios pais a participarem dos
cultos, causando muitas vezes o êxodo de outras igrejas evangélicas.
Uma outra contribuição importante para o tema vem de Magali do Nascimento
Cunha, que retrata o movimento gospel a partir de uma dimensão histórico-social e
cultural, junto com a significação de fé.150 Para ela, a explosão gospel é uma expressão
cultural que marca o cenário religioso contemporâneo, em especial o evangélico. A
inserção desses novos elementos seria mediada pela mídia evangélica. Essa mediação
permitiria a configuração da cultura gospel, por meio de novas formas de realização do
culto religioso, de expressão verbal e não-verbal e de comportamento construídos pelos
adeptos das igrejas evangélicas a partir da produção fonográfica e dos espetáculos de
149 MATAYOSHI, Leda Yukiko. “Bem Aventurados aqueles que se comunicam como marca”: A Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 1999. p. 105. 150 CUNHA, Magali do Nascimento. “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 2004.
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promoção destes produtos. Para Cunha, esta explosão cultural está presente entre os
diferentes segmentos do cenário religioso, ou seja, o movimento gospel não é um
fenômeno exclusivamente evangélico, mas também se refere a outros grupos cristãos,
como o católico-romano. Cunha também destaca que o consumo e o entretenimento
também são elementos que constituem o modo de ser “gospel”. Nesse mercado
encontramos uma variedade de oferta de produtos, tais como: livros, revistas, CDs,
vídeos, DVDs, roupas, cosméticos, instrumentos musicais e outros.
O termo “gospel” não é tratado somente como um estilo musical, mas também
como um movimento, devido às proporções com que atingiu os jovens evangélicos do
país, passando a simbolizar uma nova expressão cultural. Assim, com a divulgação da
música gospel no mercado religioso, a Igreja Renascer conseguiu imprimir sua marca
perante os jovens consumidores e atraí- los para os seus templos. Essa estratégia fez com
que a instituição fosse identificada como uma Igreja de vanguarda, diferenciando-a de
outras marcas religiosas existentes no mercado.
2.2.3. A Marcha para Jesus
A Marcha para Jesus é outro elemento fundamental para a cons trução da marca
Renascer em Cristo, atraindo um público aproximado de dois milhões de pessoas em
uma grande passeata pelas ruas de São Paulo, em maio de 2005. Esse evento mostra a
força que a Igreja Renascer tem para agregar centenas de outras igrejas e denominações
nessa manifestação religiosa, incluindo a participação de políticos como prefeitos e
governadores, e atraindo a atenção dos meios de comunicação de massa.
A Marcha para Jesus é um evento que ocorre todos os anos aqui no Brasil, a
partir de 1993151, na cidade de São Paulo, como em outras cidades do Brasil. O evento é
organizado pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo, sob a liderança de Estevam
Hernandes e de sua esposa Sônia Hernandes. A Marcha teve início em Londres, na
Inglaterra, em 1987, pela iniciativa do pastor Roger Forster e dos cantores e
compositores Graham Kendrick, Gerald Coates e Lynn Green. A intenção inicial dos
organizadores era tirar a Igreja das quatro paredes e mostrar que ela estava viva e
151 As informações referentes à Marcha para Jesus foram extraídas do site www.marchaparajesus.com.br.
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presente na sociedade. Com o passar do tempo, o evento se estendeu por todos os
continentes e passou a ser organizado pelo Movimento Pacifista Evangélico, AD 2000.
Em 1989, mais de 45 localidades marcharam juntas em todo o Reino Unido, inclusive
em Belfast (capital da Irlanda), onde seis mil católicos e protestantes se reuniram, num
visível sinal de união. Neste dia, 200 mil cristãos estiveram unidos em toda a nação, fato
que voltou a repetir em 1990 e 1991. Alguns anos depois a Marcha já se tornara um
evento de proporções continentais, ocorrendo em toda Europa. Em 1992, por exemplo, a
Marcha para Jesus já se tornava em um movimento mundial, chegando a outros países
da América, África e Ásia.
No Brasil, a primeira edição ocorreu em 1993, levando cerca de 350 mil pessoas
às ruas de São Paulo, com destino ao Vale do Anhangabaú, onde ocorreu um grande
show gospel e foram arrecadadas mais de 15 toneladas de agasalhos. Em 1994, com o
slogan "O Dia para Mudar o Mundo", o segundo evento já colocou o Brasil no topo da
lista dos demais países participantes. Só na cidade de São Paulo foram 800 mil pessoas
às ruas, que teve como destino a Praça da Paz, no parque do Ibirapuera, em São Paulo. O
evento teve cobertura das pr incipais emissoras de rádio e TV do país, que tomaram
conhecimento e noticiaram o evento. O show gospel na Praça da Paz contou com a
presença de vários cantores evangélicos, entre eles: Cristina Mel, Kalebe, Adhemar de
Campos e a Orquestra Filadélfia. Além deles, estavam presentes as bandas: Resgate,
Banda Rara, Oficina G3, Katsbarnea, Fruto Sagrado e Kadoshi.
Em 1995, a cifra atingiu a marca de 1,2 milhão participantes somente na cidade
de São Paulo. O evento começou no Campo de Marte e seguiu até concentrarem-se no
Vale do Anhangabaú, com uma estrutura envolvendo 700 caravanas, 50 denominações
evangélicas, 20 Trios Elétricos, e 4500 pessoas trabalhando na coordenação e segurança
da Marcha. Na concentração ocorrida no Vale do Anhangabaú as pessoas ouviram as
bandas gospel, testemunhos de artistas e atletas, bem como a mensagem de pastores e
líderes de outras denominações. Em 1996, o slogan da Marcha era “Um Mundo a ser
Conquistado”. Em São Paulo, o evento teve início na estação Luz do Metrô e seguiu pela
Avenida Tiradentes, chegando até o local da concentração no Campo de Marte. A partir
de 1996, a Marcha Para Jesus tornou-se parte do calendário oficial da cidade de São
Paulo, graças a Lei nº 12.195 de 16/09/96.
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Em 1999, o ponto de partida da Marcha para Jesus em São Paulo foi na Avenida
Tiradentes, em frente à estação Luz do Metrô, seguindo em direção à Praça dos Heróis
da Força Expedicionária, próximo ao Campo de Marte, zona norte da cidade. Estima-se
que dois milhões de fiéis das mais diversificadas denominações evangélicas, no decorrer
do dia percorreram os três quilômetros do trajeto marchando para Jesus. Neste evento
houve a presença de aproximadamente 500 caravanas vindas de todo o Brasil e 15 Trios
Elétricos de diversas igrejas evangélicas, com o slogan "Celebrando o Rei dos Reis". A
Marcha Para Jesus contou com a presença de Collyn-Daye, pastor sul-africano que
atualmente atua na Kensington Temple, em Londres, e a participação das mais
expressivas bandas e cantores de música gospel. Marcaram presença as bandas:
Renascer Praise, Soraya Moraes, Praise Machine, Código C, Oficina G3, Katsbarnea,
Paulinho Makuko, RM6, Coral Renascer Praise, Aline Barros, Carlinhos Félix, Bateria
Salmo 150, Patmus, Ronaldo Bezerra, Priscila Angel, Adhemar de Campos, entre outros.
Em 2005, a 13ª edição da Marcha para Jesus iniciou na Avenida Doutor
Arnaldo, em frente à estação Clínicas do Metrô, seguindo em direção à Avenida
Paulista, até a altura da Alameda Campinas, onde foi montado um palco para a
apresentação de 29 artistas de música gospel, entre eles: Mara Maravilha, Dj Alpiste,
Resgate, Renascer Praise, Cassiane, Priscila Lisboa, Chris Duran, Marcelo Aguiar, entre
outros. Além de São Paulo, a Marcha aconteceu também nas capitais do Rio de Janeiro,
Bahia, Pará e Amapá. Em São Paulo, além da participação de políticos ligados à Igreja
Renascer, como o deputado estadual “Bispo” Geraldo Tenuta e a vereadora “Bispa”
Lenice Lemos, o evento contou com a participação do prefeito José Serra. Esse evento
teve a cobertura dos principais meios de comunicação tais como: TV Globo, TV Record,
Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário de São Paulo , Jornal Agora, além de
sites da Internet e rádios de São Paulo. O local para o encontro não foi aleatório, pois, a
Igreja estava inaugurando uma torre instalada em um prédio na região da Paulista de
onde futuramente haverá transmissões da TV Gospel.
A respeito desse evento o jornal Folha de S. Paulo (27/05/05) registrou a
seguinte matéria com a manchete “Evangélicos lotam Paulista no Corpus Christi”:
Em pleno dia de feriado católico, o de Corpus Christi (que celebra a Eucaristia), os evangélicos foram à luta. A retórica era de combate. Aparecia
![Page 90: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/90.jpg)
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nos discursos, nas camisetas, escrita nas faixas, em bandeiras: assim 2 milhões de fiéis, segundo dados da Polícia Militar, tomaram ontem a Paulista, na 13ª edição da Marcha para Jesus. Começava pelo nome e lema da manifestação: "Marcha para Jesus 2005, Marchando pela Conquista das Nações". A alusão guerreira ressurgia no maior hit de vendas entre os camelôs: camisetas imitando traje militar camuflado, a R$ 10, com o dístico "Exército de Deus" ou "Aliste -se nas tropas de Jesus". Faixas de delegações hostilizavam o demônio, como a da zona norte: "Renascer Parada de Taipas: Marchando com pés apostólicos, detonando o inferno e conquistando a terra prometida." O exército neopentecostal começou a desembarcar na Paulista às 10h, proveniente da avenida Dr. Arnaldo, próximo à estação Clínicas do metrô, rumo ao palco montado na Paulista, em frente ao prédio da Gazeta. Apesar do rigor, o "povo de Deus", como os evangélicos se identificam, nem de longe lembrava os antigos crentes. Não se viam fiéis com Bíblias, as mulheres não tinham os cabelos compridos e as saias longas. Em vez disso, o apóstolo Estevam Hernandes, líder da Renascer em Cristo, que convocou a marcha, trajava jeans e boné preto, enquanto sua mulher, a bispa Sônia, chacoalhava em um jeans justo, ao som das bandas gospel que se alternaram no palco. Teve música sertaneja, reggae, samba, pagode, rock para louvar Jesus, uma das marcas fortes da Renascer. A força da manifestação de ontem, além do número vistoso de 2 milhões de participantes, aparece na adesão das várias igrejas evangélicas. Nada menos do que 850 se fizeram representar oficialmente na marcha. A grande ausente, contudo, foi a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, espécie de "rival" da Renascer no campo do televangelismo. Ambas têm canais próprios de TV para cooptar novos fiéis. Realizada três dias antes da Parada Gay, que acontecerá na Paulista no domingo, a marcha se comparava todo o tempo com a manifestação GLTB. E não conseguiu evitar umas alfinetadas. Para cortar caminho, muitos fiéis entraram pelo Conjunto Nacional, onde toparam com uma exposição de fotos de edições passadas da Parada Gay. No livro de visitas, um marchante escreveu: "Homossexuais idólatras assassinos, mentirosos e feiticeiros, não herdareis o reino dos céus."152
Como podemos ver, a Marcha para Jesus torna-se um elemento importante na
construção da marca Renascer em Cristo, oferecendo uma maior visibilidade à Igreja
perante a sociedade, políticos e meios de comunicação de massa.
2.2.4. As obras assistenciais
Uma outra estratégia importante colocada em prática pela Igreja Renascer é o da
prática da assistência social. Nesse aspecto a Igreja procura associar, de todas as formas,
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a sua imagem com as obras assistenciais mantidos pela “Fundação Renascer”. Com isso
ela pretende mostrar à sociedade sua preocupação com os excluídos sociais e
marginalizados, tais como: moradores de rua, favelados, dependentes químicos, idosos,
órfãos e outros. Dessa forma, a Igreja passa a utilizar o marketing social como uma
estratégia específica para ganhar simpatia às suas causas e obter recursos humanos e
financeiros.
O termo “marketing social” surgiu por volta de 1971 para descrever o uso de
princípios e técnicas de marketing para a promoção de uma causa, idéia ou
comportamento social.153 Segundo Kotler, para obter sucesso em marketing social é
necessário criar um produto social para satisfazer uma necessidade que não esteja sendo
satisfeita, ou projetar um produto melhor que os existentes. Neste texto, entendemos o
marketing social da Igreja Renascer de acordo com a seguinte definição:
Marketing social é a modalidade de ação mercadológica institucional que tem por objetivo atenuar ou eliminar problemas sociais, carências da sociedade relacionadas principalmente com questões de higiene e saúde pública, trabalho, educação, habitação, transporte e nutrição.154
A Fundação Renascer, entidade filantrópica de utilidade pública federal e
municipal, situado na Rua Apeninos 1.088, no bairro do Paraíso, em São Paulo, possui
uma série de projetos assistenciais desenvolvidos por voluntários e membros da própria
Igreja. As principais frentes promovidas pela Igreja Renascer são:
Casa Lar Abrigo: Localizada na cidade de Franco da Rocha, cujo objetivo
principal é o de proporcionar um ambiente familiar para crianças e adolescentes que de
alguma maneira ficaram sozinhas, seja por abandono ou ausência dos pais, ou ainda pela
impossibilidade dos mesmos de criá- las. A Casa Lar oferece acompanhamento integral
dessas crianças até que estejam aptas para ser integradas ao mercado de trabalho. A
instituição oferece alimentação, vestuário, ensino, brinquedoteca, além de apoio médico
e psicológico, atendendo hoje cerca de 34 crianças e 15 adolescentes.
152 Folha de S. Paulo, 29/05/2005. 153 KOTLER, Philip, ROBERTO, Eduardo L. Marketing social: estratégias para alterar o comportamento público. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25. 154 VAZ, Gil Nuno. Marketing institucional: o mercado de idéias e imagens. São Paulo: Pioneira, 1995. p. 281.
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Casa Caleb: O Projeto Calebe está iniciando a implantação de duas casas de
abrigo no mesmo molde da Casa Lar Abrigo para hospedar pessoas da terceira idade,
oferecendo alimentação, roupas e acompanhamento em atividades físicas e
psicomotoras, além de tratamento médico gratuito.
Centro de Recuperação: Localizado na cidade de Santana de Parnaíba, tem como
objetivo recuperar os dependentes químicos por meio de tratamento profissional e
técnico. A Fundação pretende construir 25 Centros de Recuperação, mas somente um
deles está em funcionamento, com capacidade para atender 128 pessoas. Além disso,
possui toda infra-estrutura necessária para oferecer apoio físico e psicológico e, assim,
proporcionar a recuperação do dependente químico e sua reintegração familiar e social.
O Centro de Recuperação contou com o apoio da Prefeitura de Santana de Parnaíba que
doou o terreno de 3.750 m2, além da doação dos projetos arquitetônicos e paisagísticos
por parte de um arquiteto. Antes de ser encaminhado ao Centro de Recuperação, o
indivíduo passa por uma prévia avaliação psicológica do GAUF, Grupo de Apoio aos
Usuários de Drogas e Familiares, que realiza reuniões semanais para verificar a
necessidade ou não de tratamento integral.
Expresso da Solidariedade : Consiste em um ônibus equipado que sai pela cidade
levando comida, roupas e assistência social aos moradores de rua. Segundo o bispo
Geraldo Tenuta, atualmente a Fundação conta com 15 ônibus especiais para atendimento
aos carentes.155 As refeições são feitas diariamente na própria Igreja, com a ajuda
voluntária dos fiéis que trabalham tanto no preparo como na entrega dos mantimentos.
Além da mão-de-obra voluntária, a Fundação conta com as doações de roupas e
alimentos, provenientes de campanhas e shows promovidos pela Igreja.
Núcleo Assistencial Heliópolis : É o centro administrativo de todas as obras
assistenciais da Fundação Renascer. Neste local as pessoas recebem assistência médica,
odontológica, psicológica e jurídica por parte de profissionais voluntários que doam seu
tempo e seu trabalho. Atualmente, o núcleo de Heliópolis atende cerca de 100 famílias
carentes, com atividades específicas para as crianças e para a terceira idade. Equipado
com um centro de saúde, atende toda a comunidade local, com programas regulares de
educação e prevenção de doenças.
155 Geraldo Tenuta, entrevista gravada em 17/11/2005.
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Cursos Profissionalizantes : São cursos criados pela Fundação Renascer para
atender as comunidades carentes visando a área profissional. São cursos de computação,
tricô, crochê, corte e costura, formação de cabeleireiros, marcenaria, oficinas de pintura
em cerâmica, curso de tapeçaria, tear e também cursos de alfabetização para adultos e
acompanhamento escolar para crianças e adolescentes.
Com essa estratégia em investir nos projetos sociais, a Igreja Renascer consegue,
ao mesmo tempo, atingir dois alvos específicos. O primeiro lhe permite adquirir
simpatia e visibilidade perante à sociedade. O segundo possibilita à Fundação Renascer
manter a sua condição de entidade filantrópica, e com isso, obter isenções fiscais e
tributárias em suas atividades.
2.2.5. A inserção da Igreja Renascer na política
Em último lugar analisaremos outra forma de visibilidade social que já tem sido
praticado pelos neopentecostais, desde os anos 80, como é o caso da Igreja Universal do
Reino de Deus. A Igreja Renascer, embora tenha entrado na política quando da eleição
para deputado de um de seus bispos, o Bispo Geraldo Tenuta, já tinha aspirações
políticas que vem desde o período de sua formação. Essa participação política pode ser
avaliada nas declarações de fé propostas pela denominação:
Através do próprio Apóstolo e da Bispa, ou mesmo por meio de homens de Deus que vieram a esse país, muitas palavras proféticas foram deixadas sobre esse ministério – sobre nós. Será que você as conhece? a) seríamos a maior igreja do Brasil; b) seríamos conhecidos pela prosperidade; c) seríamos o celeiro do evangelho a todo o mundo; d) o Senhor nos daria os meios de comunicação; e) estaríamos na rota da eleição de um presidente da república; f) São Paulo seria a 1ª cidade do mundo em número de convertidos e o ministério Renascer em Cristo seria usado para isso; g) faríamos em um ano aquilo que, normalmente, levaria dez anos e em um mês, aquilo que levaria um ano; h) a batalha espiritual seria uma marca da nossa conquista.156
Como podemos observar, Estevam Hernandes utiliza-se de todo seu carisma para
investir no projeto político da Igreja, e por meio de sua liderança consegue mobilizar os
fiéis a participarem ativamente desse processo e direcionar seus votos aos candidatos
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próprios da Igreja. Essa estratégia política também vem sendo utilizado por outras
igrejas pentecostais, tais como as Assembléias de Deus e Universal do Reino de Deus,
com o objetivo de conquistar espaços cada vez maiores na sociedade.
Essa nova geração de políticos que surge das urnas foi definida por Campos
como “políticos de Cristo”, expressão dada aos políticos evangélicos eleitos pelos fiéis
para defender os interesses de sua própria denominação.157 Para Campos, “a politização
de uma Igreja é uma conseqüência natural da multiplicação dos espaços ocupados por
ela na sociedade e do aumento de seus interesses patrimoniais, financeiros e
burocráticos”. 158 Nesse caso, a política torna-se uma estratégia de visibilidade da
instituição religiosa perante a sociedade e um fortalecimento de seu marketing
institucional.
Segundo Paul Freston, as igrejas pentecostais lançaram oficialmente seus
candidatos a partir da eleição de 1986, entre elas a Assembléia de Deus, a Quadrangular
e Universal do Reino do Deus. Ele considera que “as causas básicas da politização de
lideranças pentecostais têm a ver com a evolução do próprio meio pentecostal e a defesa
de suas fronteiras”. 159 Para ele, a consciência do crescimento numérico favoreceu uma
nova interpretação da Bíblia, que antes defendia o apoliticismo. Segundo esse novo
entendimento os evangélicos brasileiros seriam herdeiros das promessas registradas no
Antigo Testamento, no livro de Deuteronômio 28:13, que diz: “E o Senhor te porá por
cabeça e não por cauda”.160
A Igreja Renascer inicia efetivamente sua participação na política em 1994, ao
assumir a candidatura de Francisco Rossi para o cargo de governador do Estado de São
Paulo 161. Durante a campanha, Rossi utilizou-se amplamente do discurso religioso,
provocando uma intensa participação dos evangélicos de São Paulo no processo político-
eleitoral naquele período. A Igreja Renascer foi uma de suas mais importantes bases
156 IGREJA RENASCER. Curso de Formação de Oficiais , São Paulo, s/d. p. 33. 157 CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos nas eleições de 2002: os avanços da Igreja Universal do Reino de Deus in Cadernos Adenauer, ano IV, n. 01, 2003. 158 CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal , Petrópolis: Vozes, 1997. p. 468. 159 FRESTON, Paul. Evangélicos na política brasileira: história ambígua e desafio ético. Curitiba: Encontrão, 1994. p. 63. 160 Idem. Ibid. p. 65. 161 SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. “De bem com a vida”: o sagrado num mundo em transformação. Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP, São Paulo, 2001. p. 104.
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para articulação com as igrejas pentecostais, em grande parte conduzidas por Estevam
Hernandes. Nessa ocasião, a Igreja foi mobilizada para apoiar essa candidatura e a
liderança articulou-se com outras igrejas evangélicas para conseguir adesões. Segundo
depoimento de um dos coordenadores da campanha, caso Rossi fosse eleito governador
a Igreja Renascer receberia em troca duas Secretarias de Estado. 162 Com toda essa
mobilização dos evangélicos à sua campanha, Rossi venceu a primeira etapa, o que lhe
permitiu disputar o segundo turno com o candidato eleito Mário Covas.
No programa “Espaço Renascer”, transmitido na época pela TV Manchete, Ana
Maria Rossi, mulher de Francisco Rossi, disse à apresentadora Sônia Hernandes, que a
“força de Deus” auxiliou o marido a chegar ao segundo turno, enfrentar Covas e o Plano
Real.163 Todavia, apesar de todo apoio da Igreja Renascer e de uma grande parcela do
eleitorado evangélico de São Paulo, Rossi terminou o segundo turno com apenas 44%
dos votos válidos, perdendo as eleições para o seu concorrente Mário Covas. Mesmo
assim a campanha de Rossi foi uma significativa vitória dos evangélicos de São Paulo.
Em 1996, Rossi entrou novamente na disputa eleitoral, dessa vez para concorrer
à Prefeitura de São Paulo. Todavia, nessa ocasião, a Igreja Renascer apoiou a
candidatura de Celso Pitta, afilhado político do então prefeito Paulo Maluf, antigo
protetor da Igreja. Inclusive, quando da realização da Marcha para Jesus, Pitta esteve
presente ao lado de Maluf para obter apoio da Igreja Renascer à sua candidatura. Neste
evento, Estevam Hernandes recebeu das mãos do Prefeito o certificado no qual a
Prefeitura reconhecia a Fundação Renascer como sendo de utilidade pública municipal,
sob os aplausos da multidão estimada em quase um milhão de pessoas.164 O candidato
apoiado pela Igreja Renascer, Celso Pitta, venceu as eleições no segundo turno,
enquanto que Francisco Rossi, que em 1994 era a opção preferencial dos evangélicos,
encerrou sua participação na disputa em quarto lugar, ainda na primeira fase das
eleições.
Em 1998, Paulo Maluf se candidatou ao governo do Estado de São Paulo,
obtendo novamente o apoio da Igreja Renascer. Nesta ocasião, Estevam Hernandes foi
escolhido como coordenador-geral da Frente Cristã de Bem com São Paulo, ao lado do
162 Idem. Ibid. p. 110. 163 Folha de S. Paulo, 26/10/1994. 164 SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. Ibid. p. 113.
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ex-pastor da Igreja Universal, Ronaldo Didini. A intenção era atrair os votos evangélicos
para a campanha de Maluf, que na época apoiavam a candidatura de Francisco Rossi.
Estevam Hernandes teve uma atuação importante nesta eleição, como podemos ver na
reportagem do jornal Folha de S. Paulo (23/06/98) sob a manchete Maluf busca votos
em área de Rossi:
Reduto eleitoral de Francisco Rossi (PDT), a cidade de Osasco foi escolhida pelos malufistas para a inauguração do primeiro comitê evangélico de apoio à candidatura de Paulo Maluf (PPB) ao governo estadual. Tecnicamente empatado em primeiro lugar com Maluf na preferência dos paulistas, segundo o último Datafolha, Rossi, que é evangélico, foi duas vezes prefeito de Osasco e recebeu, no primeiro turno das eleições de 94, 65,5% dos votos válidos da cidade. ''Queremos que todo o povo evangélico de São Paulo saiba que o fato de Rossi ser evangélico não implica que nosso voto seja de cabresto'', afirmou o deputado do PPB Lamartine Posella. Segundo o apóstolo Estevam Hernandes, presidente da Igreja Renascer em Cristo e coordenador da frente que apóia a candidatura malufista, existem cerca de 22 mil igrejas evangélicas no Estado, 8.000, só na capital. ''A grande maioria delas apoiou o Rossi na eleição de 94, mas creio que podemos mudar isso. A igreja precisa de propostas sociais. Rossi não apresentou propostas de governo em 94 e agora também não'', declarou. ''Além disso, Rossi está desprezando e colocando até como inexpressiva a adesão dos evangélicos, de quem teve apoio maciço'', disse o apóstolo, referindo-se às declarações do pedetista de que tratará religião como um assunto de ‘foro íntimo’ durante sua campanha. Entre as igrejas evangélicas que já declararam adesão ao nome do pepebista, Hernandes cita a Batista, a Assembléia de Deus e a Brasil para Cristo. O grupo de religiosos espera investir de R$ 30 mil a R$ 40 mil na instalação de mais quatro comitês na cidade de São Paulo, subcomitês em Guarulhos e São Bernardo e 400 escritórios espalhados pelo Estado. De acordo com o coordenador da frente, os recursos são arrecadados junto a ''empresários cristãos''. A frente ainda prepara camisetas, bonés, cartazes e ''botons'' com a inscrição ''De bem com São Paulo, Maluf governador'', para distribuição nos templos. Adesivos já estavam à disposição no evento de ontem. Contagiado pelo ambiente, Maluf, que durante a inauguração da frente na semana passada teve um comportamento discreto, ontem optou por um tom religioso em seu discurso.165
Contando com todo esse apoio por parte dos evangélicos, Maluf conseguiu ir ao
segundo turno das eleições. Porém, para decepção de seus corre ligionários, acabou
sendo derrotado pelo seu rival Mário Covas que foi reeleito governador de São Paulo.
165 Folha de S. Paulo, 23/06/1998.
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Em 2002, a Igreja Renascer em Cristo entrou novamente na disputa política,
agora, com uma nova estratégia. Ao invés de apoiar candidatos à Prefeitura e ao
Governo do Estado de São Paulo, Estevam Hernandes investiu seu cacife político em
candidatos próprios para ocupar um cargo na esfera legislativa. Com essa estratégia, a
Igreja Renascer elegeu seu primeiro deputado estadual em São Paulo, o bispo Geraldo
Tenuta, mais conhecido como “Bispo Gê”. Aos 43 anos, Geraldo Tenuta se elegeu com
cerca de 96 mil votos pela legenda do PSDB. Formado em comunicação pela Fundação
Armando Álvares Penteado (FAAP), “Bispo Gê” comanda programas de rádio e
televisão pela Rede Gospel de Comunicação. Em seu mandato, manteve um trabalho
junto à comunidade para a recuperação de dependentes químicos, além da inclusão
social de idosos carentes e de pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza.
A atuação do deputado estadual “Bispo Gê” pode ser visto no histórico de suas
proposições, tal como aparecem no site oficial da Assembléia Legislativa de São Paulo
(www.al.sp.gov.br), capturado em 20/12/2005:
1) Projeto de lei 748 / 2003: Obriga as ins tituições financeiras que comercializam títulos
de capitalização a informarem o consumidor de forma clara, precisa e concisa, a
natureza de seu investimento. Publicado em 06/09/2003.
2) Projeto de lei 212 / 2004: Dispõe sobre a instituição de um cadastro com os números
das linhas telefônicas dos assinantes do serviço de telefonia interessados no sistema de
venda, por via telefônica. Publicado em 03/04/2004.
3) Moção 27 / 2004: Apela para o Sr. Presidente da República, a fim de determinar à
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que disponha aos usuários, via
internet, o demonstrativo das contas telefônicas, discriminando os serviços utilizados,
bem como os seus respectivos valores. Publicado em 03/04/2004.
4) Indicação 515 / 2004: Indica ao Sr. Governador a doação de uma ambulância para o
Centro de Recuperação Renascer de drogados no bairro Campo da Vila, em Santana de
Parnaíba. Publicado em 06/04/2004.
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5) Projeto de lei 378 / 2004: Assegura aos usuários do serviço de transporte
intermunicipal que embarquem e desembarquem em uma única viagem, no mesmo
município de seu domicílio, o direito ao pagamento da tarifa correspondente ao serviço
de transporte municipal. Publicado em 02/06/2004.
6) Indicação 1865 / 2005: Indica ao Sr. Governador a criação de vagão para deficientes
físicos, em todas as linhas do Metrô. Publicado em 27/09/2005.
7) Indicação 1866 / 2005: Indica ao Sr. Governador a formação de Batalhão da Polícia
Militar especializado e dirigido à orientação, defesa e proteção aos turistas. Publicado
em 27/09/2005.
8) Projeto de lei 823 / 2005: Obriga as empresas de ônibus intermunicipais a equiparem
seus ônibus com kits de primeiros-socorros. Publicado em 22/11/2005.
9) Projeto de lei 824 / 2005: Proíbe o uso de charutos em recintos fechados mesmo nas
áreas destinadas a fumantes. Publicado em 22/11/2005.
10) Projeto de lei 864 / 2005: Obriga a exibição de informe publicitário em todas as
salas de cinema, antes das sessões, esclarecendo as conseqüências sofridas pelo
organismo humano e pela sociedade devido ao uso de drogas ilícitas. Publicado em
02/12/2005.
Na eleição seguinte para vereador, em 2004, a Igreja Renascer lançou um outro
candidato próprio para concorrer a um novo cargo legislativo. Com o apoio da Igreja e
adotando o slogan “Bispa Lenice – Uma mulher de fé para São Paulo”, Lenice Lemos,
aos 53 anos, foi eleita vereadora em São Paulo pela legenda do Partido Verde (PV),
conquistando 45.776 votos. Formada em pedagogia pela Universidade Mackenzie,
Lenice Lemos São Bernardo afirmou, em uma entrevista, que pretendia dedicar o seu
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mandato aos projetos assistenciais e atendimento aos moradores de rua e dependentes de
drogas.166
A seguir apresentamos um histórico de todas as proposições elaboradas pela
vereadora Bispa Lenice, tal como aparece no site oficial da Câmara Municipal de São
Paulo (www.camara.sp.gov.br), capturado em 20/12/2005:
1) Projeto de Lei nº 113/2005 de 09/03/2005: Dispõe sobre o programa de monitoria
para a pré-escola.
2) Projeto de Lei nº 114/2005 de 09/03/2005: Dispõe sobre a instalação, no âmbito do
município de São Paulo, do programa de orientação alimentar.
3) Projeto de Lei nº 115/2005 de 09/03/2005: Dispõe sobre a obrigatoriedade de
instalação de lombadas eletrônicas na frente das escolas municipais.
4) Projeto de Lei nº 116/2005 de 09/03/2005: Dispõe sobre a obrigatoriedade do
cadastramento dos vigilantes particulares.
5) Projeto de Lei nº 117/2005 de 09/03/2005: Altera a redação do art. 2º, inciso VII da
lei 13.396, de 26 de julho de 2002. Referente convênio entre Secretaria de segurança
urbana e empresas privadas ligadas ao setor.
6) Projeto de Lei nº 169/2005 de 09/04/2005: Institui no âmbito do município de São
Paulo o programa de orientação em puericultura.
7) Projeto de Lei nº 170/2005 de 09/04/2005: Dispõe sobre a obrigatoriedade da inserção
de material publicitário preventivo nos anúncios de bebidas alcoólicas feitos em São
Paulo.
166 O Estado de S. Paulo, 06/10/2004.
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8) Projeto de Lei nº 230/2005 de 02/05/2005: Institui no âmbito do município de São
Paulo o programa “São Paulo para a melhor idade”.
9) Projeto de Lei nº 457/2005 de 01/08/2005: Dispõe sobre o programa de treinamento
de jovens para as questões ambientais.
10) Projeto de Lei nº 458/2005 de 01/08/2005: Dispõe sobre a padronização dos passeios
públicos.
11) Projeto de Lei nº 459/2005 de 01/08/2005: Proíbe a comercialização de bebidas
alcoólicas em locais que especifica.
12) Projeto de Lei nº 485/2005 de 05/08/2005: Dispõe sobre a obrigatoriedade da
utilização de formulários médicos padronizados a serem emitidos pela Secretaria
Municipal de Saúde, para a formalização do atendimento aos pacientes da rede pública
municipal de saúde na cidade de São Paulo.
13) Projeto de Decreto Legislativo nº 73/2005 de 05/08/2005: Dispõe sobre a outorga do
título de cidadã paulistana à senhora Maria Zenobia de Oliveira Duch.
14) Projeto de Lei nº 501/2005 de 11/08/2005: Denomina rua Estevam Hernandes, o
logradouro público denominado rua Projetada, compreendida entre a praça do Povo
Húngaro e a rua Gregório Serrão.
15) Projeto de Lei nº 562/2005 de 30/08/2005: Dispõe sobre a criação do programa e
fundo municipais de apoio e qualidade de vida ao transplantado e da Casa Municipal do
Transplantado no município de São Paulo.
16) Projeto de Lei nº 563/2005 de 30/08/2005: Dispõe sobre a divulgação de obras
literárias e de arte no interior dos veículos de transporte coletivo na cidade de São Paulo.
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100
17) Projeto de Decreto Legislativo nº 102/2005 de 05/10/2005: Dispõe sobre a outorga
da medalha Anchieta e diploma de gratidão de São Paulo ao Exmo. Sr. Dr. Clóvis
Ferreira de Araújo.
18) Projeto de Lei nº 668/2005 de 18/10/2005: Acrescenta dispositivo ao artigo 1° da lei
municipal 9.120, de 08 de outubro de 1980, que proíbe o tabagismo nos locais que
especifica.
19) Projeto de Lei nº 709/2005 de 26/10/2005: Autoriza o Executivo a firmar parceria
com entidades religiosas, no município de São Paulo, para desenvolver nas várias
regiões metropolitanas o programa “Eu amo meu bairro”, vinculado a projetos
relacionados às áreas de educação, profissionalização técnica e social.
20) Projeto de Lei nº 755/2005 de 22/11/2005: Denomina praça Diogo Nomura, o
logradouro público (praça) localizado entre as ruas Dr. Lineu de Moraes Leme, General
Dantas Barreto e João de Lery, no bairro do Jabaquara.
Atualmente, com a presença de um representante na Assembléia Legislativa de
São Paulo e outro na Câmara Municipal de São Paulo, a Igreja Renascer tem planos
mais ambiciosos para ampliar sua participação política nas próximas eleições. Segundo
informações dadas pelo Bispo Geraldo Tenuta, a Igreja pretende lançar, em 2006, em
torno de 15 a 20 candidatos para disputar uma vaga de deputado estadual em diversos
estados onde a Renascer se faz presente, incluindo um deputado distrital. Além disso,
Geraldo Tenuta será o candidato oficial a deputado federal, concorrendo a uma vaga na
Câmara Federal.167 De olho nas próximas eleições, Tenuta já vem acompanhando
pessoalmente, em Brasília, as reuniões promovidas pela Frente Parlamentar Evangélica,
composta por 71 deputados federais, para discutir temas de interesse políticos dos
evangélicos.
Diante dessa trajetória política, constatamos que a Igreja Renascer, a partir das
eleições de 1994, até os dias atuais, adotou a estratégia política como forma de ocupar
167 Geraldo Tenuta, entrevista gravada em 17/11/2005.
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101
novos espaços dentro da sociedade brasileira, conquistando maior visibilidade tanto no
campo religioso como no político. Parece-nos que essa Igreja, que tem como objetivo ser
a maior igreja do Brasil e influenciar na eleição de um Presidente da República, com
certeza irá utilizar de todos os meios disponíveis para alcançar o seu intento.
Conclusão
O propósito deste capítulo foi mostrar as maneiras como o marketing tem sido
utilizado pelas instituições religiosas, em um mercado disputado por vários
concorrentes, especialmente por parte da Igreja Renascer em Cristo. Ficou claro que
tanto a Igreja Católica como as protestantes e pentecostais descobriram o potencial do
marketing em suas atividades. A aplicação dos conceitos de marketing na religião
passou a ser uma estratégia fundamental na conquista de novos fiéis. Assim, o marketing
religioso tornou-se uma ferramenta poderosa para uma Igreja e movimentos religiosos
alcançarem uma maior visibilidade no mercado. Dentro desse contexto, a Igreja
Apostólica Renascer em Cristo tem se utilizado dessa ferramenta de uma maneira eficaz,
conquistando e ampliando uma melhor posição no ranking das igrejas no campo
religioso brasileiro. Graças aos seus esforços de marketing, a Igreja Renascer imprimiu a
sua marca no mercado religioso, diferenciando-se de seus principais concorrentes.
Assim, graças a introdução da lógica de mercado na esfera do sagrado, as
instituições religiosas transformaram suas práticas e discursos em produtos para serem
consumidos por um público cada vez mais segmentado. Nesse sentido, a Igreja Renascer
adaptou a sua linguagem para o público jovem ao introduzir a música gospel no mercado
religioso. O uso da música nos programas de rádio, TV, shows e eventos promovidos
pela Igreja contribuiu para que ela diferenciasse a sua marca perante os seus
concorrentes. A Renascer foi identificada por esse público como uma Igreja de
vanguarda e sintonizada com os anseios dos jovens que não tinham liberdade de
expressão em outras igrejas. Isso permitiu uma adesão maciça de jovens aos seus
templos, vindas de outras denominações religiosas, além de atingir outros grupos
desprezados pelas igrejas tradicionais, como por exemplo, os “roqueiros”.
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Além da música, a Igreja Renascer se notabilizou pela organização da Marcha
para Jesus, que ocorre no Brasil todos os anos, principalmente em São Paulo e também
em outras cidades do país. Essa estratégia trouxe maior visibilidade à ela por causa da
forma como ela consegue reunir em torno de si diversas denominações para a realização
desse evento. Para reforçar o seu marketing institucional, a Igreja Renascer investiu
também seus recursos humanos e financeiros em diversos projetos sociais. A Fundação
Renascer possui hoje diversas frentes assistenciais que atendem desde as crianças
abandonadas até as pessoas da terceira idade. Essa estratégia, além de trazer visibilidade
à Igreja, permite que a Fundação obtenha isenções fiscais e tributárias às suas atividades.
Por fim, outra estratégia de marketing adotado pela Renascer foi a inserção da
Igreja na política. Com um representante na Assembléia Legislativa do Estado de São
Paulo e outro na Câmara Municipal da cidade de São Paulo, a Igreja consegue obter
apoio do Estado e Município para as suas obras sociais e interesses religiosos. Resulta
do sucesso dessa inserção os planos que a Igreja tem de ampliar essa participação
política, lançando seus próprios candidatos à Câmara Federal e às Assembléias
Legislativas em diversos Estados do país já nas próximas eleições de 2006.
No próximo capítulo pretendemos apresentar ao leitor as diversas formas de
comunicação adotadas pela Igreja Renascer para atingir seu público, com o uso da rádio,
TV, jornal, e outros meios. Além disso, iremos mostrar como a Igreja elabora um
discurso específico para cada tipo de auditório.
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Capítulo 3. A Igreja Renascer em Cristo: formas de comunicação e discurso.
No Brasil, praticamente todas as denominações cristãs, incluindo as igrejas
católicas, protestantes, pentecostais e neopentecostais, fazem uso dos meios de
comunicação de massa como forma de divulgação de suas mensagens. A única exceção
fica por conta da Congregação Cristã no Brasil, que não admite nenhum tipo de
promoção, proibindo essa prática até os dias atuais. De todas as igrejas mencionadas,
aquelas consideradas neopentecostais como a Universal do Reino de Deus, Internacional
da Graça de Deus e Renascer em Cristo são as que mais investem seus recursos na
aquisição de rádios e TVs, ampliando cada vez mais sua presença nesse meio. Essas
igrejas inspiraram-se nos pregadores e tele-evangelistas norte-americanos, que fizeram
sucesso nos Estados Unidos durante as décadas de 70 e 80, arregimentando multidões de
fiéis por meio das ondas do rádio e da TV.
A Igreja Renascer, desde o seu início, deu grande destaque aos meios de
comunicação de massa. No começo de suas atividades a Igreja alugava horários
específicos na rádio Imprensa FM para a transmissão de sua programação gospel e
veiculava cerca de quatro programas diários de televisão na extinta Rede Manchete. A
partir de 1996, Estevam Hernandes adquiriu parte da concessão de uma emissora de TV
em São Paulo, batizada de Rede Gospel e veiculada pelo canal 53 UHF, sendo também
transmitida por TV a cabo, na NET e TVA.
Segundo informações obtidas por nós em entrevista com um ex-pastor da Igreja
Renascer, que pediu para não ser identificado, a concessão da Rede Gospel foi adquirida
no ano de 1992 por Gineton Alencar168, um ex-pastor da Igreja Assembléia de Deus que
hoje vive nos Estados Unidos, graças ao apoio do então ministro das Comunicações
Antônio Carlos Magalhães, no período do governo de José Sarney. No começo a Igreja
Renascer comprava alguns horários na Rede Gospel e com o tempo foi ampliando sua
participação na emissora. Anos mais tarde, Estevam Hernandes fez uma proposta para
Alencar com o propósito de adquirir o controle total da emissora. Entretanto, essa
168 Atualmente Gineton Alencar, irmão do pastor Jabes Alencar, vive nos E.U.A. onde mantém um ministério situado em Boca Raton, na Flórida. Mantém, inclusive, um site que pode ser facilmente acessado: www.glowministriesinternational.com.
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negociação não foi totalmente pacífica, chegando ao ponto de ser questionado até
mesmo na Justiça. Apesar de tudo, Hernandes conseguiu vencer essa disputa e assumir o
controle total dessa emissora. Segundo reportagem da revista Època (20/05/2002, n.
209), a Rede Gospel foi registrada em nome da Fundação Trindade, entidade presidida
por Sônia Hernandes e seu filho Felipe Hernandes.
Porém, no caso da extinta Rede Manchete a história foi bem diferente. Em 1999,
Hernandes chegou a assinar um contrato com o proprietário do grupo Bloch para
assumir o controle da Rede Manchete, que estava à venda para saldar dívidas e passando
por uma grave crise financeira. O contrato, porém, foi cancelado por causa da
inadimplência da Igreja, que não teve condições financeiras para pagar o valor mensal
estimado em R$ 4,8 milhões. Mesmo assim, Hernandes continuou com seu ambicioso
projeto de expansão dos meios de comunicação e passou a adquirir concessões de rádios
em várias regiões do país. Segundo os dados fornecidos pela instituição, atualmente a
Igreja Renascer já possui em seu controle, até o momento, 14 emissoras de rádio FM e a
Rede Gospel de Televisão.
Outro ponto que merece destaque é o uso de um discurso baseado na Teologia da
Prosperidade, adotada principalmente pelas igrejas neopentecostais. Essa teologia tem
como marca a busca da prosperidade financeira. Essa retórica tem atraído milhares de
seguidores, pois sua mensagem está centralizada nas bênçãos de Deus, como a
prosperidade, a saúde, o amor, etc. Segundo essa teologia, o cristão passa a receber suas
bênçãos ainda em vida e não somente após a morte. Para que isso ocorra, o fiel necessita
provar a sua fé por meio de sua fidelidade nos dízimos e ofertas. Assim, quanto mais ele
contribuir financeiramente, maior será a sua retribuição, tal como em uma aplicação
financeira.
3.1. A Igreja Renascer e suas formas de comunicação
A principal estratégia de marketing adotada pela Igreja Renascer, sem dúvida,
tem sido o uso maciço dos meios de comunicação de massa como forma de visibilidade.
Com o uso da mídia, a Igreja Renascer conseguiu ampliar suas ações mercadológicas
além das limitações geográficas de seus templos. Ela expandiu seu raio de ação
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atingindo diversos nichos, desde o público jovem até os empresários e profissionais
liberais.
Tony Schwartz compara os meios de comunicação de massa à um segundo deus,
pelo simples fato deles estarem por toda a parte. 169 Assim como Deus, eles são
onipresentes, pois fornecem conhecimentos, emoções e estabelecem uma moral comum
entre os homens em todos os lugares. Nos dias de hoje não precisamos mais de uma casa
especial com torre e sino para nos comunicarmos com esse segundo deus. Ele nos atinge
a qualquer momento em nossas casas e tem o seu lugar garantido junto à nossa família.
Da mesma forma como Deus não faz acepção de pessoas, todos tem acesso a esse deus,
tanto humildes como poderosos, cultos e ignorantes, crianças e adultos. Os meios de
comunicação também podem afetar profundamente as atitudes da comunidade e as
estruturas políticas de um país. Da mesma forma que Deus, “a mídia pode alterar o curso
de uma guerra, arrasar um presidente ou um rei, elevar os humildes e humilhar os
orgulhosos.170
3.1.1. Rádio
Segundo Luiz Artur Ferraretto, a primeira emissora de rádio a funcionar
regularmente no Brasil foi a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, durante a exposição do
Centenário da Independência.171 Os pioneiros da radiodifusão sonora brasileira, sob a
liderança do cientista e professor Edgard Roquette-Pinto, conhecido como o pai do rádio
brasileiro, e seu colega Morize, reuniram-se na sede da Academia Brasileira de Ciências,
em 20 de abril de 1923, para fundar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Em seus
primeiros meses de funcionamento a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro operou
precariamente, sem uma programação definida e com emissões esporádicas. Somente
em outubro começou a ser organizada uma programação com notícias de interesse geral,
conferências literárias, artísticas e científicas, poesia, música vocal e instrumental, além
da programação infantil.
169 SCHWARTZ, Tony. Mídia: o segundo Deus. São Paulo: Summus, 1985. 170 Idem. Ibid. p. 20. 171 FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001. p. 95.
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Na primeira metade dos anos 20 o Brasil ainda não utilizava o rádio como
instrumento de uma programação financiada pela venda de espaço publicitário. Essa
nova concepção de possibilidade lucrativa do veículo de comunicação teve origem em
1° de junho de 1924, quando foi fundada a Rádio Clube do Brasil, por Elba Dias, um dos
técnicos que trabalhara na estruturação da Rádio Sociedade. Essa emissora foi a primeira
do país a obter autorização para transmitir publicidade. De 1923 até o início de 1930
começaram a surgir emissoras em diversos estados brasileiros. Em 1932, ao ser
regulamentada a publicidade, iniciou-se uma nova fase na história da radiodifusão do
país, presente nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Até o ano de 1931 as emissoras de rádio não tinham uma legislação específica, e,
portanto, eram enquadradas na legislação da telefonia e da telegrafia sem fios. 172 Com a
aprovação do Decreto 20.047, em 1931, definiu-se os parâmetros da radiodifusão. Nesse
decreto, o governo assegurava a sua condição de poder de concessão e também a criação
de uma rede nacional sob controle do Estado. O Decreto 21.111, aprovado no ano
seguinte, impulsionou o rádio como empreendimento comercial, organizando a
veiculação da publicidade. No mesmo decreto, nos artigos 66 e 69, destinava também
uma hora diária a um programa obrigatório, que mais tarde seria conhecida como Hora
do Brasil.
Nos Estados Unidos, a primeira transmissão radiofônica religiosa se deu em 2 de
janeiro de 1921, quando uma estação de rádio de Pittsburgh transmitiu as orações
vespertinas da Calvary Episcopal Church.173 Em 1924, a fundadora da International
Church of the Four-Square Gospel, Aimee Semple McPherson, colocou no ar a sua
própria emissora de rádio, a KFSG, que transmitia a programação diretamente do
Angelus Temple, de Los Angeles. De lá para cá as transmissões religiosas nos Estados
Unidos tornaram-se comuns com a veiculação de diversos programas evangelísticos por
pregadores norte-americanos como Oral Roberts, Pat Robertson, Jimmy Swaggart e
outros.
172 Idem. Ibid. p. 102. 173 BURGESS, Stanley M., MCGEE, Gary B., ALEXANDER, Patrick H. Dictionary of pentecostal and charismatic movements. Michigan – EUA: Zondervan Publishing House, 1988. p. 753.
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No Brasil, até os anos 50, os pentecostais ainda não ocupavam qualquer espaço
significativo no rádio.174 As incursões no rádio pelos pentecostais foram de forma
paulatina, por meio da compra de tempo nos horários noturnos. O marco significativo se
deu no ano de 1955, quando Manoel de Melo, um ex-pregador da Igreja Assembléia de
Deus, iniciou um programa radiofônico na Rádio América e, alguns meses depois,
passou a transmiti- lo pela Rádio Tupi. O programa A Voz do Brasil para Cristo tinha
uma duração de apenas quinze minutos e ia ao ar entre as 6:00h e 6:45h da manhã. Em
1956, com a repercussão do programa na rádio, Manoel de Melo fundou uma Igreja com
o mesmo nome, denominada Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo”.
Outra denominação religiosa que fez uso do rádio como estratégia de
comunicação foi a Igreja Pentecostal Deus é Amor, fundada no ano de 1961, que
começou a transmitir para todo o Brasil e América Latina o programa A Voz da
Libertação, pela voz de seu líder e fundador, Davi Miranda, a partir de seus estúdios
localizados no bairro do Glicério, em São Paulo, com 27.000 m2 de área construída.
Segundo Campos, no início da década de 80 a Igreja já possuía cerca de 400 mil
seguidores e o programa A Voz da Libertação era transmitido em 140 emissoras de rádio
em todo o Brasil.175
Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, começou suas
pregações nos final dos anos 70, na Rádio Metropolitana. Em 1984, Macedo adquiriu a
sua primeira emissora, a Rádio Copacabana, e a partir daí, a Igreja Universal montou um
grande império de comunicação que hoje inclui rede de rádios, televisão e jornais. Em
2002, a Igreja Universal possuía, somente no Brasil, 62 emissoras de rádio, das quais 21
AM e 31 FM, formando a Rede Aleluia.176 Além das rádios, ela também era proprietária
da Rede Record que reúne 63 emissoras de televisão, das quais 21 pertencem à própria
Igreja, formando a terceira rede em número de retransmissoras e em audiência. Além da
Rede Record, a Igreja Universal ampliou a sua presença na televisão com a aquisição da
174 CAMPOS, Leonildo Silveira. O marketing e as estratégias de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus in Estudos de Religião, v. 12 n. 15, p. 21-38, São Bernardo do Campo, UMESP, dezembro/1998. 175 CAMPOS, Leonildo Silveira. O milagre no ar: levantamento de técnicas persuasivas num programa radiofônico em São Paulo in Simpósio, ASTE, v. 15, n, 26, dezembro de 1982. 176 FONSECA, Alexandre Brasil. Igreja Universal: um império midiático in ORO, Ari Pedro, CORTEN, André, DOZON, Jean-Pierre (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 259.
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Rede Mulher, emissora UHF. Inicialmente a Universal adquiriu duas emissoras, uma em
São Paulo (TV Taiti) e outra na Bahia (TV Cabrália), formando a Rede Família. Essas
duas emissoras uniram-se à Rede Mulher, com um alcance de 85% das capitais
brasileiras e em cerca de trezentos municípios, veiculada também por intermédio de
operadoras de TV a cabo.
Segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, em outubro de 1997, foi
constatado que uma em cada sete rádios brasileiras estava vinculada a uma igreja,
totalizando 394 emissoras.177 Desse total os católicos controlavam quase a metade, com
cerca de 181 emissoras, das quais 163 pertenciam a RCR (Rede Católica de Rádios),
com sede na cidade de Aparecida, em São Paulo. A Igreja Universal do Reino de Deus,
apesar de não confirmar o número exato, declarava que a relação de suas emissoras
girava em torno de 70, entre concessões próprias registradas em nome de pastores,
bispos, empresários e parlamentares ligadas à igreja, e emissoras arrendadas. A Igreja
Renascer em Cristo, nesse período, também contava com seis emissoras de rádio, duas
das quais arrendadas.
A Folha de S. Paulo (6/1/2003, p. 1-8) noticiou que, com o acirramento da
disputa por novas concessões de rádio e TV pelas denominações cristãs, a Igreja
Renascer conseguiu recursos para expandir sua atuação nessa área. Essa pesquisa foi
realizada em diversas Juntas Comerciais do país e como resultado apurou-se a compra
de 14 concessões de rádio FM e duas de TV por parte da Igreja Renascer em Cristo, em
valores compromissados até o momento de R$ 9,16 milhões. Nessa pesquisa foi
identificada três empresas ligadas à Igreja: Ivanov Comunicação e Participações, FH
Comunicações e Participações e Mello e Bruno Comunicação e Participações, todas elas
registradas com o endereço da Fundação Renascer, na rua Apeninos, em São Paulo. As
duas concessões de TV, em Lages (SC) e em Campo Mourão (PR), foram compradas
pela empresa Mello e Bruno, registrada em nome dos bispos José Bruno e sua esposa
Blanche Bruno, que obteve ainda a concessão de duas rádios FM. As empresas Ivanov e
FH adquiriram, cada uma, seis concessões de rádio FM, limite máximo admitido pela
legislação. A Ivanov, registrada em nome do bispo Jorge Bruno, irmão de José Bruno,
obteve três rádios no Ceará, duas em Minas Gerais e uma em São Paulo. A empresa FH
177 Jornal Folha de S. Paulo, 10/08/97, p. 1-18.
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Comunicação e Participações foi registrada em novembro de 1997 em nome da bispa
Sônia Hernandes, esposa de Estevam Hernandes, e do filho do casal, o pastor Felipe
Hernandes. Em maio de 2003, a sede da empresa mudou para Recife e as cotas foram
transferidas para o pastor Hamilton Gomes, líder da Igreja em Pernambuco. A FH
Comunicações venceu quatro licitações para rádios FM no interior de São Paulo e duas
no interior do Ceará.
A Igreja Renascer possui hoje cinco emissoras de rádio em plena operação.
Segundo matéria publicada no jornal Gospel News (ano 2, n. 21, p. 9, agosto de 2005) a
Igreja adquiriu, por meio de licitação a concessão de mais nove rádios que deverão
compor a Rede Manchete Gospel de Rádio. As emissoras serão incorporadas pelo
sistema via satélite às rádios de Caldas (MG), Senador Pompeu (CE), Itapetininga (SP),
Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). As novas aquisições foram as rádios de
Araraquara (SP), Bauru (SP), Goiânia (GO), Fortaleza (CE), Louveira (SP), Quixerê
(CE), Belo Horizonte (MG), Panorama (SP) e Garça (SP).
A Rádio Manchete Gospel FM, em São Paulo, apresenta uma programação
variada e direcionada principalmente para o público jovem, incluindo música, pregação
e informações gerais da Igreja Renascer. O repertório musical conta com a participação
de várias bandas nacionais, todas elas pertencentes à gravadora Gospel Records, tais
como: Resgate, Katsbarnéa, Oficina G3 e Renascer Praise. Nos intervalos da
programação, os locutores anunciam a agenda da Igreja Renascer, como inauguração de
templos, acampamentos, vigílias, apresentação de bandas, e outros. A Rádio também
veicula ao vivo todos os eventos da Igreja Renascer como a Marcha para Jesus, o SOS
da Vida e o lançamento do coral Renascer Praise. Além da programação musical, a
rádio também veicula os seguintes programas: Espaço Renascer, De bem com a vida e
Escola de profetas.
O programa Espaço Renascer é apresentado pelo apóstolo Estevam Hernandes e
transmitido simultaneamente no rádio e na TV Gospel. A programação conta com uma
mistura de pregação e clips de música gospel, além da participação dos ouvintes via
fone, fax e Internet. O programa apresenta os seguintes quadros: “palavra do dia”,
“salmo da manhã”, “aconselhando a todos” e a “oração do Pai nosso”. Nesse último
quadro, todos os pedidos de oração recebidos pelos ouvintes são colocados sobre uma
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mesa onde o Apóstolo derrama o “óleo da unção” e ora. Além disso, também são
apresentados os testemunhos de pessoas que receberam as respostas de oração. O
programa é veiculado ao vivo de segunda-feira a sábado das 09:00 às 11:30 h.
Logo em seguida é veiculado o programa De bem com a vida, apresentado pela
bispa Sônia Hernandes e também transmitido simultaneamente no rádio e na TV Gospel.
O programa aborda temas relacionados à família e conta com entrevistas de pessoas e
casais que passaram por problemas financeiros e conjugais. Esse programa é veiculado
ao vivo de segunda- feira a sábado das 11:30 h às 13:30 h.
O programa Escola de profetas é apresentado pelo bispo e deputado Geraldo
Tenuta. Nesse programa ele apresenta estudos sobre vários temas bíblicos que vão desde
a criação do mundo até a Segunda vinda de Cristo. Ele também trata de temas
específicos como: promessas, maldições, “batalha espiritual” e outros. O programa ainda
conta com a participação dos ouvintes, que podem fazer perguntas ao vivo. Com uma
duração de trinta minutos, esse programa é gravado e veiculado de segunda- feira a
sábado em três horários: às 06:30, 13:30 e 19:35 h. Além da veiculação dos programas
Espaço Renascer, De bem com a vida e Escola de Profetas, a rádio também transmite
aos domingos os cultos realizados diretamente da Igreja Renascer Sede, no bairro do
Cambuci, em São Paulo, ministrado pela bispa Sônia Hernandes às 17:00 h e pelo
apóstolo Estevam Hernandes às 19:00 h.
Para manter toda essa estrutura em operação, a Igreja Renascer conta com a
contribuição de todos os membros e ouvintes da rádio. Em todos os momentos da
programação, os locutores apelam aos seus ouvintes para que contribuam com as obras
sociais da Igreja, adquirindo um carnê Gideão, e também com a manutenção e expansão
dos meios de comunicação por meio do “Desafio Josué”. Esse tema será analisado mais
adiante quando discutirmos as formas de contribuições financeiras adotadas pela Igreja.
3.1.2. Televisão
Embora as emissoras de rádio tenham surgido praticamente em todas as regiões
do Brasil, durante a década de 20, a televisão, ao contrário, começou em apenas dois
grandes pólos do desenvolvimento urbano e industrial do país: São Paulo e Rio de
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Janeiro. Segundo Armand e Michele Mattelart, por intermédio de Assis Chateaubriand,
empresário de uma cadeia de jornais e estações de rádio, foi inaugurada em setembro de
1950, em São Paulo, a primeira emissora de televisão denominada TV Difusora.178 No
ano seguinte, em janeiro de 1951, foi inaugurada a TV Tupi, no Rio de Janeiro. Logo em
seguida, em dezembro de 1951, surgiu a TV Paulista, em São Paulo, e um pouco mais
tarde a TV Record, no Rio de Janeiro.
Em 1962 foi promulgado o primeiro Código Brasileiro de Telecomunicações,
que concedia ao Estado a responsabilidade de instalar e explorar as redes de
telecomunicações e definia o caráter privado da difusão do rádio e da televisão.179 Em
1965 foi criada a Embratel, Empresa Brasileira de Telecomunicações, com uma tripla
missão: unir os diversos Estados por meio de um sistema de microondas, construir uma
estação terrestre de comunicação por satélite e lançar as bases de uma rede nacional de
televisão. Com esse incentivo, foi possível inaugurar, em fevereiro de 1969, a estação
terrestre, e em apenas três anos, em 1972, as ondas curtas já levavam os sinais para todo
o país, possibilitando, assim, a primeira transmissão em cores para todo o país.
Os primeiros programas religiosos começaram a ser veiculados a partir da década
de 50, nos Estados Unidos, por grupos ligados ao Protestantismo, Catolicismo e
Judaísmo, tais como: Lamp Unto My Feet (CBS), Directions (ABC), Frontiers of Faith
(NBC) e Look Up and Live (CBS).180 A partir dos anos 60 ocorreu uma explosão de
novos programas na mídia televisiva norte-americana apoiado por grupos religiosos
mais conservadores e com tendências carismáticas. Segundo Horsfield, desde os anos 60
tem havido um rápido crescimento de programas evangélicos independentes e
fundamentalistas, os quais adquiriram mais tempo no ar em estações locais, aumentando
sua audiência. Assim, o número desses programas que eram 38 em 1970 passaram para
72 em 1978.
A utilização da TV como veículo de comunicação de massa para fins religiosos,
nesse período, ficou conhecido como “Igreja Eletrônica”.181 Esse fenômeno, peculiar à
realidade norte-americana, revelou o intenso e crescente uso dos meios eletrônicos, em
178 MATTELART, Armand e Michele. O carnaval das imagens: a ficção na TV. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 35. 179 Idem. Ibid. p. 37. 180 HORSFIELD, Peter. Religious Television: The American Experience. New York, Longman, 1984.
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especial a televisão, por lideranças religiosas fortemente personalizadas e relativamente
autônomas em relação às denominações cristãs convencionais. A maior parte dos tele-
evangelistas norte-americanos constituiu, com uma certa autonomia, a sua própria base
de teledifusão, com toda a infra-estrutura necessária para gerar programas evangelísticos
e transmiti- los para todo o país. Alguns desses programas alcançaram projeção mundial
com a transmissão para vários países da América Latina, África e Ásia. Entre os
principais tele-evangelistas podemos citar: Oral Roberts, Rex Humbard, Jimmy
Swaggart, Jerry Falwell, Pat Robertson, Jim Bakker, Robert Schuller, Paul Crouch,
Robert Tilton, Bill Bright e outros.
Como os investimentos nessa área necessitavam de grandes somas de recursos
financeiros, os tele-evangelistas utilizavam algumas estratégias específicas para angariar
fundos de seus fiéis e simpatizantes. Conforme a abordagem de Hugo Assmann, haviam
seis formas de arrecadar dinheiro junto ao público ouvinte:182
1) A venda de espaço sagrado: eram campanhas específicas para que os contribuintes
enviassem doações para construções de seus gigantescos centros televisivos, como
por exemplo, a Torre da Oração de Tulsa (Oral Roberts), a Catedral de Cristal
(Robert Schuller), Heritage USA (Jim Bakker).
2) A venda de tempo de oração : os contribuintes teriam uma atenção individual que
os tele-evangelistas dariam, dentro ou fora do programa, às suas causas pessoais.
Nessa modalidade estavam as orações sobre listas de nomes, bênçãos individuais,
correspondências, etc.
3) O convite para entrar no “Clube”: corresponde a uma criação de uma associação
de contribuintes regulares. Por exemplo: a Família-Chave de Oração, de Rex
Humbard, o Clube 700, de Pat Robertson e o Clube PTL, de Jim Bakker.
4) Venda de objetos religiosos: é a venda “sacramentalista” de toda parafernália que
lembra o antigo comércio das relíquias e das bulas de indulgências. Por exemplo:
Robert Schuller comercializava medalhas com versículos bíblicos chamadas “Pocket
181 ASSMANN, Hugo. A igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1986. 182 Idem. Ibid. p. 63.
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113
Sermon Coins”; Oral Roberts, os lenços com a impressão de sua mão curadora; Rex
Humbard, a famosa chave de acesso ao “Banco de Deus”.
5) Os apelos pessoais que simulam intimidade : O pregador pede que o telespectador
não tema em confessar-lhe qualquer problema, pois toda correspondência receberá
resposta. Certos tele-evangelistas utilizavam abundantemente várias telefonistas,
mostrado no vídeo, atendendo com muita solicitude a qualquer chamada.
6) Ameaça de ter que suspender o programa: O tele-evangelista simulava uma crise
financeira, que só um milagre divino ou a generosa contribuição dos telespectadores
poderia resolver.
De acordo com Dennis A. Smith, a predominância dos tele-evangelistas norte-
americanos teve vida curta.183 A combinação de problemas pessoais e legais sofridos por
Jimmy Swaggart, em 1987, e Jim Bakker, em 1988, o colapso do muro de Berlin, em
1989, e as inovações no marketing dos bens simbólicos fomentou o surgimento dos tele-
evangelistas brasileiros, nos anos 90, e, portanto, o fim dos monopólio americano na
Igreja Eletrônica na América Latina.
Alguns desses tele-evangelistas, como Rex Humbard e Jimmy Swaggart, ficaram
conhecidos aqui no Brasil devido à transmissão dublada para o português de seus
programas originais para o telespectador brasileiro. Entre os anos de 1975 e 1984, a
televisão brasileira abriu espaço para os programas de Rex Humbard em duas fases
distintas. 184 Na primeira fase, o programa Família Humbard foi veiculado na TVS em
São Paulo, atualmente SBT, Sistema Brasileiro de Televisão, contendo quadros
musicais, evangelismo, além da apresentação de toda a sua família visando causar um
impacto de “família feliz” perante os telespectadores. Em uma segunda fase a Rede
Manchete tentou veicular o programa de Humbard mas não obteve o mesmo sucesso da
primeira fase. Os programas de Jimmy Swaggart, por sua vez, foram veiculados pela
Rede Record e Rede Manchete.
183 SMITH, Dennis A. Religion and the Electronic Media in Latin America: a review. Washington DC, Latin American Studies Association, september 6-8, 2001. 184 BARBOSA, Sergio Carlos Francisco. Religião e comunicação: a igreja eletrônica em tempos de globalização gospel. São Bernardo do Campo: Mestrado em Ciências da Religião. UMESP, 1997. p. 33.
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114
Segundo Campos, os tele-evangelistas norte-americanos tiveram uma forte
influência sobre os homens que mais se destacaram na mídia televisiva evangélica
brasileira, tais como: Nilson do Amaral Fanini, Edir Macedo, Ro mildo Ribeiro Soares e
Estevam Hernandes.185 Nilson do Amaral Fanini, pastor da Primeira Igreja Batista de
Niterói, no Rio de Janeiro, iniciou nos anos 80 um programa de TV chamado
Reencontro, que chegou a ser transmitido por 88 emissoras. Em 1983, Fanini foi
agraciado com a concessão do Canal 13 do Rio de Janeiro por 15 anos, graças ao seu
apoio ao governo do general João Figueiredo, no período da ditadura militar. No
entanto, seu projeto não foi adiante por causa das enormes dívidas acumuladas,
obrigando Fanini a vender a sua participação majoritária.
Romildo Soares foi um dos companheiros de Edir Macedo na fundação da Igreja
Universal do Reino de Deus, em 1977. Após desentendimentos com Macedo, Soares
partiu para o seu próprio empreendimento e fundou, em 1980, a Igreja Internacional da
Graça de Deus.186 Desde então, ele passou a utilizar a televisão como estratégia de
visibilidade, cujos programas foram veiculado na TV Gazeta (das 06:00 às 08:00 h) e na
TV Bandeirantes (das 05:30 às 07:00 h). Atualmente a Igreja da Graça ocupa o horário
nobre da Rede Bandeirantes com o seu programa Show da Fé , que vai ao ar de segunda-
feira a sábado das 21:00 às 22:00 h.
A Igreja Universal, por sua vez, adquiriu em 1989 a TV Record por 45 milhões
de dólares e, anos mais tarde, a TV Jovem Pan pelo preço de 15 milhões de dólares.
Apesar do alto investimento na compra da TV Record, a programação religiosa da
Universal está restrita ao período da madrugada, no horário das 01:00 às 07:00 h.
Segundo Fonseca, o programa da Igreja que tem conseguido maior audiência é o Fala
que eu te escuto, veiculado ao vivo entre uma e duas horas da madrugada. 187 Nesse
programa os telespectadores expressam suas opiniões por telefone sobre um tema
específico escolhido no dia. Além da TV Record, a Igreja Universal veicula seus
programas religiosos na Rede Mulher, durante todo o dia, e também na TV Gazeta, de
segunda- feira a sábado das 20:00 às 22:00 h.
185 CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos, pentecostais e carismáticos na mídia radiofônica e televisiva in Revista USP , São Paulo, n. 61, p. 146-163, março/maio de 2004. 186 Idem. Ibid. p. 160. 187 FONSECA, Alexandre Brasil. Ibid. p. 266.
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115
Em 1997 o jornal Folha de S. Paulo (10/8/97, p. 1-18) publicou uma matéria
intitulada Igrejas disputam “guerra santa” por TVs, para mostrar a luta desencadeada
pelas igrejas no Brasil por concessões de rádios e televisões nos meios de comunicação.
À frente dessa disputa estava a Igreja Universal do Reino de Deus, que nesse período já
contava com 18 emissoras geradoras de TV das 259 existentes no país. A previsão da
cúpula da Universal era montar ainda uma segunda rede, a TV Família, somente com
programação religiosa. A Igreja Católica, que desde a década de 50 concentrava suas
atenções em emissoras de rádio, começou a se mobilizar para financiar a implantação da
Rede Viva, construída a partir de uma pequena geradora, a TV Independência, em São
José do Rio Preto. A proposta era colocar o sinal no ar por todo o país com a instalação
de retransmissoras financiadas pelas dioceses. A Igreja Católica também contava com
um canal de TV via satélite, a TV Canção Nova, ligada ao grupo da Renovação
Carismática. A Igreja Assembléia de Deus, que tem pretensões futuras de adquirir um
canal em rede nacional, já contava com duas geradoras de TV, uma em Belém e outra
em Manaus, além de um canal via satélite, a Jesus Sat, que pode ser captado por
parabólicas. A Igreja Renascer em Cristo também figurava nesta relação com o seu canal
próprio de TV em UHF, a TV Gospel, em São Paulo.
A partir da compra da Rede Record pela Igreja Universal, a Igreja Católica
percebeu o seu atraso no que se referia a uma presença mais firme na televisão. Segundo
Arlindo Pereira Dias, com a fundação do Instituto Brasileiro de Comunicação Social
(Inbrac), no dia 19 de dezembro de 1992, foi selada a entrada da Igreja Católica na
corrida pela mídia televisiva.188 Nesse momento nascia a RVT (Rede Vida de
Televisão), que só entraria no ar três anos mais tarde. As transmissões da Rede Vida
começaram no dia 20 de junho de 1995, geradas pela TV Independente de São José do
Rio Preto, que atualmente conta com emissoras e retransmissoras em UHF, VHF, TV a
cabo, NET, Multicanal e TVA. Essa emissora é dirigida pelo Inbrac e conta com a
presença de conselheiros da CNBB (Conselho Nacional de Bispos do Brasil). Em 1999,
a Rede Vida já cobria cerca de oitocentas cidades em todo o país. A Renovação
Carismática Católica, por sua vez, também se fez presente na televisão por meio da TV
188 DIAS, Arlindo Pereira. Domingão do cristão: estratégias de comunicação da Igreja Católica. São Paulo: Salesiana, 2001. p. 44.
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116
Canção Nova e Século 21 por iniciativa da Associação do Senhor Jesus (ASJ),
instituição criada pelo padre Eduardo Dougherty, em 1982. Essa Associação abriga o
seu Centro de Produções Século 21 em Valinhos, interior de São Paulo. O complexo
conta com um auditório com capacidade de 1.500 pessoas nas arquibancadas, uma
cidade cenográfica de sete mil m2, além de um vão adaptável para diversos cenários,
ocupando um terreno de 75 mil m2.189
A Igreja Renascer em Cristo iniciou suas atividades na televisão em 1992, com
um programa semanal na Rede Manchete. Em pouco tempo aumentou sua participação
nessa emissora, com a veiculação de outros programas, entre eles o De bem com a vida,
apresentado por Sônia Hernandes. Em dezembro de 1996, com a aquisição da concessão
de um canal de TV, passou a veicular também seus programas pelo canal 53 UHF. No
final de 1998, visando aumentar sua participação na televisão brasileira, resolveu entrar
na briga para administrar a Rede Manchete, que nesse período estava passando por uma
grave crise financeira.
Tendo como objetivo o arrendamento da Rede Manchete, foi assinado no último
dia de 1998 um contrato entre os representantes da Igreja Renascer em Cristo, o apóstolo
Estevam Hernandes e o bispo Antônio Carlos Abbud, e o empresário Pedro Jack
Kapeller, presidente do grupo Bloch, válido por 15 anos (Folha de S. Paulo, 6/2/99, p. 4-
10). O contrato previa a transferência da produção, operacionalização e comercialização
de todos os programas da Rede Manchete para a RGC, Rede Gospel de Comunicações.
O custo mensal do contrato estava avaliado em R$ 4,8 milhões mensais. Para obter os
recursos necessários à compra da Rede Manchete, a Igreja Renascer lançou um desafio
junto aos seus fiéis para arrecadação de fundos, conforme publicou a Folha de S. Paulo
(9/1/99, p. 4-10):
A Igreja Renascer em Cristo colocou um novo desafio para seus fiéis: ajudá-la a pagar o arrendamento da Rede Manchete. O pedido de dinheiro é feito por meio de folhetos colocados nas cadeiras das igrejas, ao lado do envelope que pede o dízimo. Elas trazem o logotipo da Manchete acrescido da expressão "Agora Gospel" e pedem que cada fiel escreva seus dados pessoais e contribua com um valor à sua escolha por 12 meses. O folheto se chama "Desafio Josué - A Conquista da Terra Prometida". Desafio é uma forma de coleta de dinheiro que coloca o fiel numa posição de desafiar Deus a lhe dar a graça. Após preenchido o formulário, o carnê com as parcelas chega ao fiel
189 Idem. Ibid. p. 73.
![Page 118: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/118.jpg)
117
via correio. Pode pagá-lo em qualquer agência bancária ou na sede da igreja, na avenida Lins de Vasconcelos, 1.108, no Cambuci (região central de São Paulo). Há uma semana, a Rede Gospel de Comunicações, empresa que faz os programas de TV da Renascer, assinou um acordo com a Manchete. O acordo estabelece que quem cria a programação, vende os comerciais e produz os programas é a Renascer, não mais o Grupo Bloch. Em troca, a igreja deve pagar um arrendamento, espécie de aluguel, que pode chegar a R$ 5 milhões mensais, segundo apurou a Folha. É para cobrir esses gastos, além dos salariais e dos custos de produção dos programas, que a igreja está pedindo ajuda a seus evangélicos. O folheto mostra que a Renascer não pretende sustentar a Manchete apenas com o dinheiro gerado pela venda de espaço na emissora, ao contrário do que dirigentes da igreja afirmaram na terça-feira. A Folha teve acesso ao folheto na quarta, quando visitou a sede da igreja. Antes de a reportagem se identificar, havia formulários em todas as cerca de 3.000 cadeiras vermelhas estofadas do templo. Minutos após a identificação, todos os folhetos haviam sido recolhidos. Ninguém quis explicar a razão do sumiço nem do que se tratava o "Desafio Josué". Durante toda a semana, a Folha procurou insistentemente e em vários locais o apóstolo Estevam e a bispa Sônia Hernandes para falar sobre o assunto, mas eles não deram entrevista.
Mesmo com toda essa mobilização, os recursos levantados junto aos fiéis foram
insuficientes para pagar o arrendamento mensal, forçando a Igreja a romper o contrato
com a Rede Manchete. A inadimplência da Fundação Renascer fez com que o grupo
Bloch anulasse o contrato na Justiça. Por meio de liminar concedida pelo juiz da 16ª
Vara Cível do Rio de Janeiro, os integrantes da Fundação Renascer foram impedidos de
entrar na sede da TV Manchete, no Rio de Janeiro, sob pena de pagamento de multa de
R$ 50 mil, conforme a Folha de S. Paulo (26/2/99, p. 2-3) noticiou. A justificativa do
juiz para essa decisão foi o descumprimento da Igreja Renascer com suas obrigações
contratuais, restabelecendo o direito da TV Manchete de usar o bem imóvel de sua
propriedade.
Essa tentativa de compra da TV Manchete deve ter deixado grandes prejuízos
para a Igreja Renascer, que nunca conseguiu, tal como a sua concorrente Universal do
Reino de Deus, ter recursos em caixa suficientes para alavancar os planos e projetos de
sua liderança. Com a extinção do contrato de arrendamento da Rede Manchete, a Igreja
Renascer cancelou todos os programas exibidos nesta emissora. A partir daí, passou a
veicular seus programas somente na Rede Gospel, com 24 horas de programação diária.
A seguir apresentamos a programação da Rede Gospel, tal como aparece no site oficial
da Igreja Renascer (www.igospel.com.br), acessado em 10 de outubro de 2005:
![Page 119: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/119.jpg)
118
Segunda Terça, Quarta e Sexta Quinta Sábado Domingo
00:00 Escola de Profetas
00:30
Hora de Renascer (ao vivo)
02:00
Venha Renascer (reprise)
03:30
Espaço Renascer (reprise)
04:30
Bíblia em Debate (reprise)
05:30
Celebração da Família
06:30 Escola de Profetas
(reprise)
07 :00 Happy Day
07:30
Venha Renascer (ao vivo)
09:00
Espaço Renascer (ao vivo)
11:30
De Bem com a Vida (ao vivo)
13:30
Escola de Profetas (reprise)
14:00
Clip Gospel (ao vivo)
15:30
A Bíblia em Debate (ao vivo)
16:30
Celebração da Família (reprise)
17:30
Gospel Kids
00:00 Jornal da TVE
00:30
Hora de Renascer (ao vivo)
02:00
Venha Renascer (reprise)
03:30
Espaço Renascer (reprise)
04:30
Bíblia em Debate (reprise)
05:30
Celebração da Família
06:30 Escola de Profetas
(reprise)
07:00 Happy Day
07:30
Venha Renascer (ao vivo)
09:00
Espaço Renascer (ao vivo)
11:30
De Bem com a Vida (ao vivo )
13:30
Escola de Profetas (reprise)
14:00
Clip Gospel (ao vivo)
15:30
A Bíblia em Debate (ao vivo)
16:30
Celebração da Família (reprise)
17:30
Gospel Kids
00:00 Jornal da TVE
00:30
Hora de Renascer (ao vivo)
02:00
Venha Renascer (reprise)
03:30
Espaço Renascer (reprise)
04:30
Bíblia em Debate (reprise)
05:30
Celebração da Família
06:30 Escola de Profetas
(reprise)
07:00 Happy Day
07:30
Venha Renascer (ao vivo)
09:00
Espaço Renascer (ao vivo)
11:30
De Bem com a Vida (ao vivo)
13:30
Escola de Profetas (reprise)
14:00
Clip Gospel (ao vivo)
15:30
A Bíblia em Debate (ao vivo)
16:30
Celebração da Família (reprise)
17:30
Gospel Kids
00:00 Jornal da TVE
00:30
Hora de Renascer (ao vivo)
02:00
Venha Renascer (reprise)
03:30
Espaço Renascer (reprise)
04:30
Bíblia em Debate (reprise)
05:30
Celebração da Família
06:30 Escola de profetas
(reprise)
07:00 Happy Day
07:30
Venha Renascer (ao vivo)
09:00
Espaço Renascer (ao vivo)
11:30
De Bem com a Vida (ao vivo)
13:30
Escola de Profetas (reprise)
14:00
Clip Gospel (CNT)
15:30
A Bíblia em Debate (ao vivo)
16:30
Celebração da Família (reprise)
17:30
Gospel Kids
00:00 Escola de Profetas
00:30
Hora de Renascer (reprise)
02:00
Venha Renascer (reprise)
03:30
Espaço Renascer (reprise)
04:30
Bíblia em Debate (reprise)
05:30
Celebração da Família
06:30 Escola de Profetas
(reprise)
07:00 Happy Day
07:30
Venha Renascer (reprise)
09:00
Espaço Renascer (reprise)
11:30
De Bem com a Vida (reprise)
13:30
Escola de Profetas (reprise)
14:00
De Bem com a Vida (CNT)
15:00
A Bíblia em Debate (ao vivo)
16:00
Clip Gospel (reprise)
17:30
Gospel Kids
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119
18:00
Oração da Fé
18:05 Cristo é Vitória
18:35
Mensagem de Esperança
19:05
Fonte de Vida
19:35 Escola de Profetas
20:05 Celebração da Família
21:10
De Bem com a vida (reprise)
22:10
Espaço Renascer (reprise)
23:00
Última Palavra (ao vivo)
18:00
Oração da Fé
18:05 Cristo é Vitória
18:35
Mensagem de Esperança
19:05
Fonte de Vida
19:35 Escola de Profetas
20:05 Celebração da Família
21:05
De Bem com a vida (reprise)
22:05
Espaço Renascer (reprise)
23:00
Última Palavra (ao vivo)
18:00
Oração da Fé
18:05 Cristo é Vitória
18:35
Mensagem de Esperança
19:05
Fonte de Vida
19:35 Celebração da Família
20:35 Medade
21:05
De Bem com a vida (reprise)
22:05
Espaço Renascer (reprise)
23:00
Última Palavra (ao vivo)
18:00
Oração da Fé
18:05 Cristo é Vitória
18:35
Mensagem de Esperança
19:05
Escola de Profetas
19:35 Fonte de Vida
20:05 Celebração da Família
21:00
De Bem com a Vida (reprise)
22:00
Espaço Renascer (reprise)
23:00
Última Palavra (ao vivo)
18:00
Oração da Fé
18:05 Mens. de Esperança
18:35
Programa do Apóstolo Daniel Wilson
19:05 Arepe
20:00
Espaço Renascer (reprise)
21:00 De Bem com a Vida
(reprise)
22:00 Domingo Especial
23:00 Última Palavra
(ao vivo)
Na época em que era transmitido pela Rede Manchete, o programa De bem com a
vida, apresentado pela bispa Sônia Hernandes, foi um dos mais destacados em audiência
entre a programação evangélica do ano de 1996.190 Segundo a pesquisa feita por Fonseca
entre os fiéis de várias denominações religiosas no Rio de Janeiro, entre os 12 programas
evangélicos mais assistidos pelo fiéis, o De bem com a vida foi o mais citado, atingindo
o índice de 36,7%. Além disso, o programa Clip Gospel, uma espécie de MTV
evangélica, apresentado pelos filhos do casal Hernandes, chegou a ocupar o quarto lugar
do ranking de programas evangélicos, com 26,5% da audiência. Todavia, o programa De
bem com a vida foi transmitido pela Rede Manchete até 1998, em todos os dias úteis e
aos domingos no início da tarde. Esse programa era apresentado por Sônia Hernandes e
se constituía numa mistura de variedades e bate-papos com pessoas de classe média, que
lhe faziam um relato de suas vidas e a maneira como foram abençoadas por Deus.
190 FONSECA, Alexandre Brasil. Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. p. 147.
![Page 121: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/121.jpg)
120
Segundo Fonseca, de todos os programas apresentados na televisão, esse era o de
melhor formato.191 Gravado às terças e quartas, a Bispa gastava cerca de 15 horas
semanais em estúdio para preparar sua participação nas 22 horas que a Igreja se fazia
presente na Rede Manchete durante toda a semana. Além desse programa, a Igreja
Renascer veiculava também os seguintes programas na mesma emissora: Sábado
Especial, na madrugada de sábado para domingo; Espaço Renascer, na madrugada de
segunda a sexta- feira; e Clip Gospel, nas madrugadas de segunda-feira a sábado, todos
com uma hora de duração.
3.1.3. Mídia impressa
Segundo John Thompson, o surgimento da imprensa teve origem por volta de
1450 na Europa, originalmente desenvolvida por Johann Gutenberg. 192 As primeiras
impressões eram em latim, e grande parte delas voltada aos interesses religiosos. Entre
os impressos incluíam várias edições da Bíblia em latim como também livros de
filosofia, teologia clássica e medieval, além de textos sobre assuntos jurídicos e
científicos. As organizações tipográficas e editoras que surgiam na Europa moderna
eram instituições culturais e econômicas. O surgimento da indústria editorial criaram
novos centros e redes de poder simbólico baseado nos princípios da produção mercantil,
que eram relativamente independentes do poder político e simbólico controlados pela
Igreja e pelo estado.
Nos primeiros anos do aparecimento da imprensa, a Igreja apoiou o
desenvolvimento de novos métodos de reprodução textual, encomendando trabalhos
teológicos e litúrgicos. Porém, no final do século XV e início do século XVI, houve
numerosas tentativas por parte da Igreja, para suprimir materiais impressos contrários à
religião oficial. Embora as intervenções das autoridades religiosas e políticas fossem
constantes, os editores sempre encontravam meios de burlar os censores, estimulando o
comércio de contrabando de livros. As novas técnicas de impressão tiveram um papel
fundamental na difusão das idéias de Martinho Lutero e outros reformadores. Por meio
191 Idem. Ibid. p. 155. 192 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 3ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 54.
![Page 122: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/122.jpg)
121
dessas técnicas foi possível que as 95 teses de Lutero, afixadas inicialmente à porta da
igreja em Wittenberg, em 31 de outubro de 1517, fossem traduzidas para as línguas
vernáculas, impressas em folhetos e distribuídas por toda a Europa pouco tempo depois.
De acordo com Thompson, as primeiras publicações periódicas de notícias e
informações começaram a aparecer na segunda metade do século XVI, na Europa,
porém, as origens dos jornais modernos surgiram no início do século XVII.193 À medida
que a indústria gráfica foi tornando-se mais industrializada e o mercado foi se
expandindo, um público maior começou a ter acesso a esse meio de comunicação. Com
a evolução tecnológica e a redução de custos, muitos jornais adotaram um estilo mais
atraente para aumentar o círculo de leitores. Com o aumento do número de leitores, a
propaganda comercial adquiriu um papel importante na organização financeira da
indústria, permitindo que os jornais se tornassem um meio vital para a venda de outros
bens e serviços.
Assim como outras denominações religiosas brasileiras, a Igreja Renascer em
Cristo tem utilizado esse veículo de comunicação para manter um contato mais próximo
com seus adeptos. O jornal Gospel News conta com uma tiragem mensal de 200 mil
exemplares e é vendido em todos os templos da Renascer ao preço de R$ 1,00 por
exemplar. O jornal é um informativo sobre todas as realizações da instituição, com uma
mensagem voltada ao público evangélico. Apesar de ser publicado desde o ano de 1994,
o jornal passou por uma reformulação e atualmente encontra-se em seu segundo ano de
edição, contendo um único caderno com 12 páginas de conteúdo. Todas as matérias
publicadas no Gospel News passam por um rígido controle do conselho editorial,
composto pelos seguintes membros: Estevam e Sônia Hernandes, o filho do casal, Felipe
Hernandes e os dois irmãos bispos José e Jorge Bruno. Além do jornal Gospel News, a
Igreja Renascer publica mensalmente a revista Gospel com informações sobre as bandas
evangélicas e todas as novidades do mundo gospel. Essa revista pode ser adquirida em
diversas bancas de jornal do país e seu público está focalizado principalmente entre os
jovens.
A Igreja Renascer possui também uma editora própria, localizada na rua do
Paraíso, 148, 3° andar, no bairro do Paraíso, em São Paulo. A Editora Gospel conta hoje
193 Idem. Ibid. p. 73.
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com um catálogo em torno de 20 livros, todos eles com conteúdo religioso. Entre as
obras publicadas pela editora existem sete livros de autoria de Estevam Hernandes.
Além de livros, também são confeccionadas apostilas para uso interno dos oficiais da
Renascer. Todas as publicações da Editora Gospel podem ser encontradas e adquiridas
nas livrarias e quiosques nos templos da Igreja Renascer. A seguir apresentamos o
catálogo da Editora Gospel, conforme informações fornecidas pela instituição:
1) Série Apóstolo Estevam Hernandes: A fumaça do inferno, A caminho da
felicidade, A caminho da oração, Como não morrer no deserto, Desafiando o
impossível, O homem segundo a vontade de Deus e O mover apostólico.
2) Série R12: Escola de líderes, Fidelidade, Firmando os pés sobre a rocha, Gideão,
Manual de implantação, Manual do encontro, Ministrações para GCD, O que
aconteceu comigo.
3) Série Escola de Profetas : Apostila Escola de Profetas I, Apostila Escola de
Profetas II, Apostila Escola de Profetas III.
4) Série Renascer Kids : Apostila do Renascer Kids módulo I, Apostila do
Renascer Kids módulo II.
Os livros da série “Apóstolo Estevam Hernandes” são da linha de auto-ajuda e
foram escritos especificamente para aqueles que estão em busca de uma experiência
religiosa. A série “R12” destina-se especificamente aos oficiais da Igreja Renascer que
atuam na área de evangelismo. As apostilas da série “Escola de Profetas” são utilizadas
nos cursos ministrados no Centro de Estudos Renascer. A série “Renascer Kids”, por
sua vez, destina-se àqueles que atuam na catequese de crianças. Portanto, como podemos
observar, todas as publicações da Editora destinam-se ao público interno da Igreja com o
objetivo de doutrinação de seus adeptos.
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3.1.4. Gravadora
No início das atividades da Igreja Renascer, Estevam Hernandes começou a
investir no segmento jovem e passou a organizar várias bandas para que se
apresentassem nos cultos, tocando os mais diversos tipos de gêneros musicais, tais
como: rock, jazz, reagge, rap, funk, samba e pagode. Essa iniciativa foi tão bem
sucedida que atraiu muitos jovens freqüentadores de outras igrejas evangélicas com suas
respectivas famílias. Essas bandas passaram a se apresentar inicialmente nas noites de
segunda- feira, na Renascer Sede, em São Paulo, incluindo em seu repertório música,
dança e evangelismo. Entre os grupos estavam as bandas Katsbarnéa, fundada por
Brother Simeon, ex-dependente químico que se converteu à Igreja; Atos II, que
posteriormente veio a se chamar Kadosh; Resgate, fundada pelo atual bispo José Bruno
e Oficina G3. No fim dos anos 80 foram realizados os primeiros shows de música gospel
em casas de espetáculo como Canecão, no Rio de Janeiro, e Dama Xoc, em São Paulo.
Foi nesse contexto que Estevam Hernandes e o publicitário e bispo Antônio Carlos
Abbud criaram a gravadora Gospel Records em 1990. 194 No mesmo ano de fundação foi
lançado o primeiro disco, pertencente à banda Rebanhão, formada no Rio e Janeiro em
1985 e conhecida como a precursora do rock gospel brasileiro.
Para Jacqueline Ziroldo Dolghie, a Igreja Renascer em Cristo foi a principal
responsável pela consolidação do mercado de música gospel no Brasil.195 Estevam
Hernandes, aliando a sua personalidade carismática, o conhecimento interno do campo
religioso brasileiro e as técnicas de marketing, conseguiu lançar um produto simbólico
diferenciado que foi o divisor de águas na história da música evangélica no Brasil. O
objetivo de Hernandes era ao mesmo tempo satisfazer a demanda do público jovem e
criar um produto com características de mercado, atraindo músicos em busca de
profissionalização e jovens em busca de entretenimento.
194 CUNHA, Magali do Nascimento. “Vinho novo em odres velhos”. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação, ECA-USP, São Paulo, 2004. p. 141. 195 DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e o mercado de música gospel no Brasil . Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, UMESP, São Bernardo do Campo, 2002. p. 140.
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Localizado no mesmo endereço da Editora Gospel, na rua do Paraíso 148, 3°
andar, em São Paulo, atualmente a gravadora apresenta mais de 100 títulos lançados, que
fazem da Gospel Records um referencial no mercado nacional. A distribuição de seus
produtos é feito pela estrutura de mídia da própria Igreja Renascer, tais como: Rádio
Manchete Gospel, Rede Gospel, Jornal Gospel News e Revista Gospel. A seguir
apresentamos o catálogo da Gospel Records, tal como aparece no site da Igreja Renascer
(www.gospelrecords.com.br), acessado em 10 de outubro de 2005:
1) Louvor / Adoração: Renascer Praise, Marcelo Aguiar, Soraya Moraes, Priscila
Lisboa, Maurílio Santos, Eliezer Rodrigues, Jaqueline Kaufman, Ana Raia, Andréia
Nascimento, Rhimena Abecia, Angelo Eduardo, Abrahm Laisina, David Quinhoes,
Ismael Ramos e Sam Baker.
2) Pop / Rock: Resgate, Katsbarnéa, Oficina G3, Militantes, Código C, Praise
Machine, Metal Nobre, Fernando Cester, Virtud, CUSM, RM6, Faty, Paulinho
Makuko, Patmus, Juízo Final, Stauros, Troad, Rebanhão, Brother Simion, Rod
Mayer, Getsemani, Benner Jacks, Fruto Sagrado e Banda Rara.
3) Rap / Black: Dj Alpiste, Soul Dreams, O Melhor do Black, Banda Bani, XBarão,
Groove Soul, FLG, F.O., Karitas Petrucci.
4) Samba / Pagode: Juninho do Banjo, No Compasso do Criador, Renascer do Samba,
Radicais da Fé.
5) Infantil: Danny & Gaby
6) Coletâneas / Outros: O melhor do Black Gospel, De Bem com a Vida, Louvor em
Comunidade, Gospel Love, Fé e Obras, Copan – um novo coração, Manchete Gospel
Hits vol. 1, VIII Marcha para Jesus, As grandes mulheres da música Gospel, IX
Marcha para Jesus, Os Peregrinos, Sandra Lima, Banda Canal, Banda Nova, João
Alexandre.
A gravadora Gospel Records também é a patrocinadora oficial de todos os shows
musicais realizados pela Igreja Renascer em Cristo, como o S.O.S. da Vida, os
lançamentos do coral Renascer Praise e das apresentações das bandas gospel em
diversas casas noturnas. O último lançamento do Renascer Praise, em sua 12ª edição,
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foi realizado no dia 7 de setembro de 2005, data comemorativa da independência do
Brasil, no estádio do Pacaembu, em São Paulo.196 Segundo os organizadores do evento,
mais de 60 mil pessoas compareceram para prestigiar o lançamento do Renascer Praise.
Houve a apresentação de um coral com cerca de 12 mil vozes acompanhado de mais de
100 músicos e cantores, além de quatro mil bailarinos que dançaram sob o ritmo de
vários estilos musicais. O show contou com a participação de várias caravanas vindas de
outros estados como o Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Minas Gerais e também da
Argentina, onde a Igreja Renascer mantém uma filial na cidade de Buenos Aires.
A 14ª edição do S.O.S. da Vida entrou na agenda cultural da cidade de São Paulo
com o evento “Virada Cultural – São Paulo 24 horas com você”.197 O Projeto Virada
Cultural foi promovido pela Prefeitura de São Paulo por intermédio da Secretaria de
Cultura e da São Paulo Turismo, em sua primeira edição, das 14 horas do dia 19 de
novembro às 14 horas do dia 20. Foram 24 horas de cultura com diversas atrações que
estimularam a população e seus visitantes a se apropriarem dos espaços públicos da
cidade por meio da cultura. Essa maratona abrangeu todas as regiões da cidade, tendo
como pontos principais o Anhangabaú e os jardins do Museu do Ipiranga. Além dos
shows nos palcos construídos ao ar livre, diversas unidades do SESC ficaram abertas,
além de cinemas, feiras e lojas que funcionaram 24 horas ininterruptas.
O S.O.S. da Vida foi realizado no estacionamento do Sambódromo do Anhembi
e, segundo os organizadores do evento, contou com a participação de 50 mil pessoas,
que foram prestigiar a apresentação de cerca de 30 bandas gospel. Entre elas estavam
presentes as seguintes bandas: Resgate, Praise Machine, Renascer Praise, Mara
Maravilha, Soul Dreams, Dj Alpiste, RM6, Código C, Banda Bani, X-Barão, Priscila
Lisboa, Soraya Moraes, Katsbarnéa, Oficina G3, e outras.
Segundo Daniel Galindo, hoje vivemos em uma sociedade midiática, cuja
característica é a supervalorização do entretenimento e do lazer.198 Neste contexto, a
prática religiosa apropria-se destes mecanismos como forma de divulgação e
sobrevivência em meio ao espaço midiatizado. Nesse tipo de sociedade, a produção e
196 Jornal Gospel News , ano 2, n. 22, p. 6. 197 Jornal Gospel News , ano 2, n. 23, p. 6. 198 GALINDO, Daniel Santos. Religião, mídia e entretenimento: o culto “tecnofun” in Estudos de Religião , ano XVIII, n. 26, p. 24-52, São Bernardo do Campo, UMESP, junho de 2004.
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transmissão da mensagem religiosa concorrem nos diversos meios de comunicação, por
uma audiência ávida por emoções e sentimentos. Assim, o sagrado é midiatizado e
materializado numa nova hierofania, proporcionado por programas de auditório, estúdios
de rádio e TV, Internet, e até mesmo em forma de CDs. A apropriação da mídia pela
religião passa hoje pela compreensão do fenômeno comunicacional, em um contexto
social em que a busca pelo consumo de bens materiais ou simbólicos vem embalado
com o significativo rótulo do prazer e do entretenimento.
No entanto, no decorrer de sua história, a Igreja Renascer em Cristo tem sabido
utilizar os meios de comunicação de massa na divulgação de sua mensagem religiosa
com notória eficiência. Com essa estratégia comunicacional, a Renascer expandiu sua
ação além dos limites geográficos, conseguindo atingir um público diferenciado.
3.2. O discurso religioso da Igreja Renascer em Cristo
O objetivo deste item é verificar como a Igreja Renascer em Cristo constrói o seu
discurso. A estratégia foi buscar os temas mais presentes e tentar uma análise de
conteúdo, forma que cremos nós ser suficiente para um entendimento da chave de
sucesso de qualquer tipo de discurso. Em outras palavras, se um discurso atinge um
público é porque esse público encontra no discurso elementos com os quais ele se
identifica.
A presença da Igreja Renascer nos meios de comunicação de massa,
principalmente pela utilização de várias emissoras de rádio e uma emissora de TV, leva-
nos a indagar pelo discurso dessa Igreja. No decorrer de nossa pesquisa pudemos
perceber que dentro do contexto da Igreja Renascer em Cristo, o discurso religioso
apresenta-se como uma estratégia persuasiva para arregimentar novos adeptos e manter
os atuais membros reunidos em torno de suas práticas religiosas. Algumas pesquisas já
foram realizadas tomando como objeto de estudo o discurso da Igreja Renascer, tais
como: Alberto Carlos Augusto Klein199, Eliane Hojaij Gouveia200, Márcia Selivon201 e
199 KLEIN, Alberto Carlos Augusto. Culto e mídia – os códigos do espetáculo religioso: um estudo de caso da Igreja Renascer em Cristo . Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, São Paulo, 1999.
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Sueli Cardoso Pitta 202. Esses trabalhos procuraram identificar no discurso religioso dos
líderes da Igreja Renascer, especialmente da bispa Sônia Hernandes, a util ização de
recursos persuasivos para estabelecer relações entre Deus e o homem e as manifestações
da ideologia praticada por essa instituição religiosa. Como fruto dessa análise, Pitta faz a
seguinte observação:
No interior do discurso religioso utilizado pela Renascer em Cristo, Sônia Hernandes fica incumbida pelos fiéis de ser a porta-voz dos valores que eles reconhecem. Por esta razão, assume uma posição privilegiada de autoridade não só reconhecida, como também aceita e desejada pelos fiéis. Dessa forma, verifica-se a construção da cumplicidade entre Sônia e seu auditório, com o objetivo de provocar a persuasão e o convencimento necessário para suas afirmações.203
Eni Orlandi afirma que no discurso religioso há um desnivelamento na relação
entre o locutor (orador) e o interlocutor (ouvinte). Segundo ele, “o locutor pertence ao
plano espiritual (o sujeito, Deus) e o interlocutor pertence ao mundo temporal (os
sujeitos, os homens)”.204 Dessa forma, locutor e interlocutor estão situados em dois
mundos diferentes, apresentando uma desigualdade em sua relação, com o domínio do
espiritual sobre o temporal. Nessa relação, cabe ao locutor a função de anunciar a
mensagem sagrada e ao interlocutor ser o receptor desse discurso por meio da fé. Nesse
sentido, Pierre Bourdieu concorda que “a língua não é somente um instrumento de
comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder”. 205
Na visão de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Guimarães Barbosa, a propaganda
pode ser definida como uma “comunicação persuasiva”, ou seja um “conjunto das
técnicas e atividades de informação e de persuasão, destinadas a influenciar as opiniões,
200 GOUVEIA, Eliane Ho jaij. Imagens femininas: a reengenharia do feminino pentecostal na televisão. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, PUC-SP, São Paulo, 1998. 201 SELIVON, Márcia. O discurso da Igreja Renascer em Cristo: uma abordagem dos valores e das estratégias argumentativas. Dissertação de Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa, USP, São Paulo, 2004. 202 PITTA, Sueli Cardoso. “Deus-Pai é gostosinho e Jesus é pirado”: um estudo das estratégias persuasivas no discurso da episcopisa Sônia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa, PUC-SP, São Paulo, 2003. 203 Idem. Ibid. p. 89. 204 ORLANDI, Eni P. Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 243. 205 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas em Pierre Bourdieu: sociologia. Organização de Renato Ortiz. São Paulo: Ática, 1983. p. 160.
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os sentimentos e as atitudes do público num determinado sentido”.206 Para eles, essa
comunicação é uma ação planejada e racional, desenvolvida por meio dos veículos de
comunicação para divulgar as vantagens, qualidades e superioridades de um produto,
serviço, marca, idéia, instituição ou doutrina.
J. A. C. Brown observou que as pessoas são mais sugestionáveis em uma
multidão quando sua credulidade individual tende a reduzir-se ao mínimo. A sugestão,
segundo ele, é o mecanismo fundamental empregado por todas as formas de propaganda,
inclusive a religiosa. Ela pode ser definida como “a tentativa de induzir em outros a
aceitação de uma crença específica sem dar razões por si mesmas evidentes ou lógicas
para essa aceitação, quer elas existam ou não”. 207 Segundo Brown, existem algumas
técnicas que são geralmente empregadas pela propaganda para sugestionar o público,
tais como: a) a maioria das pessoas deseja considerar os problemas simples e não
complexos; b) elas desejam ter os seus preconceitos confirmados; c) desejam sentir que
“pertencem” a alguém ou a alguma coisa; e d) precisam apontar um inimigo a quem
culpar por suas frustrações.208
Na Igreja Renascer, o discurso se apresenta em uma linguagem voltada para a
satisfação das necessidades dos fiéis e busca na Teologia da Prosperidade a sua forma de
legitimação. Essa teologia inverte a relação entre Deus e o homem. Apesar de sua
onipotência, Deus está sujeito ao homem por causa de suas promessas contidas na
Bíblia. O cristão, por sua vez, assume uma posição de domínio, exigindo os seus direitos
perante a divindade. O discurso da Igreja, em conseqüência dessa crença, ensina que os
dízimos e ofertas são necessários. Para isso, há todo um discurso elaborado sobre como
os fiéis devem contribuir financeiramente para a Igreja. No discurso da Renascer, o
dízimo tem a finalidade de deter a ação demoníaca de uma certa entidade tida como um
“devorador”, identificado pela metáfora do gafanhoto. Da mesma forma como o
gafanhoto tem o poder de destruir toda uma lavoura, o “devorador” pode ceifar a
prosperidade financeira do fiel caso ele deixe de dar o dízimo à Igreja. As ofertas, como
206 RABAÇA, Carlos Alberto, BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro: Codecri, 1978. p. 378. 207 BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão: da propaganda à lavagem cerebral . Rio de Janeiro: Zahar, 3ª Ed., 1976. p. 26. 208 Idem. Ibid. p. 27.
![Page 130: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULOtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/227/1/Marcelo Janikian.pdf · 3 FICHA CATALOGRÁFICA Janikian, Marcelo Marketing e religião : o papel do](https://reader031.vdocuments.com.br/reader031/viewer/2022011806/5be38b8309d3f233038bde44/html5/thumbnails/130.jpg)
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também os “desafios” financeiros, são contribuições financeiras específicas, com o
propósito de obter a liberação das bênçãos divinas.
Por outro lado, graças às estratégias de segmentação de mercado, a Renascer
consegue elaborar um discurso para cada tipo de auditório. Assim, os shows promovidos
pela Igreja, como o S.O.S. da Vida, têm por finalidade atrair, principalmente os jovens,
por meio da apresentação de várias bandas gospel. A Arepe (Associação Renascer de
Empresários e Profissionais Evangélicos) tem como alvo os empresários e profissionais
liberais, com a realização de cultos específicos às segundas-feiras à noite e realização de
diversos eventos sociais. O programa “De bem com a vida”, hoje apresentado pela bispa
Sônia Hernandes, na Rede Gospel, é voltado especificamente para o público feminino.
Assim, o objetivo da Igreja Renascer é ampliar o seu raio de ação e conseguir
arregimentar o maior número de adeptos possível.
3.2.1. A Teologia da Prosperidade
A Teologia da Prosperidade teve sua origem nos Estados Unidos na década de
40, em meio a grupos evangélicos carismáticos que enfatizavam crenças sobre cura,
prosperidade e poder da fé.209 Com o tempo esse movimento doutrinário adquiriu grande
visibilidade e começou a difundir-se para outras correntes cristãs. Além desse nome, o
movimento foi rotulado por seus críticos de Health and Wealth Gospel, Faith
Movement, Faith Prosperity Doctrines e Positive Confession. Seus principais
representantes foram: Essek William Kenyon (1867-1948), Kenneth Erwin Hagin,
Kenneth Copeland, T. L. Osborn, Gordon Lindsay, Oral Robertson e outros.
Considerado o autor original da “Confissão Positiva”, Essek William Kenyon
nasceu no dia 24 de abril de 1867 em Saratoga Country, New York, e foi grandemente
influenciado durante sua juventude pelas idéias metafísicas que predominaram na
faculdade onde cursou oratória, o Emerson College.210 Foi escritor, pregador e radialista
de um programa de rádio que conduziu até sua morte no dia 19 de março de 1948.
209 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo Pentecostalismo no Brasil . São Paulo: Loyola, 1999. p. 151. 210 RODRIGUES, Ricardo Gondim. O evangelho da nova era: uma análise e refutação bíblica da chamada Teologia da Prosperidade. São Paulo: Abba Press, 1993. p. 43.
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Kenyon inclinou-se aos ensinos das “seitas metafísicas” derivados da filosofia do “Novo
Pensamento”, formulada originalmente por Phineas Quimby (1802-1866). Para formular
sua filosofia, Quimby estudara espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia, e com
suas práticas religiosas inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã.
O fato ocorreu no dia 1 de fevereiro de 1866, quando Eddy escorregou no gelo e acabou
ferindo-se. Nessa ocasião ela buscou a ajuda de Quimby e três dias depois foi curada por
ele, apenas pelo poder da mente. Esse incidente motivou Eddy a estudar sobre a
realidade da doença, da matéria diante do espírito e assim formular as bases de sua nova
igreja.211
Anos mais tarde, um pregador chamado Kenneth Erwin Hagin inspirou-se nas
idéias de Kenyon para desenvolver a chamada Teologia da Prosperidade ou “Confissão
Positiva”. 212 No entanto, Hagin plagiou grande parte das obras de Kenyon, chegando a
ponto de copiar livros inteiros contendo os seus pensamentos. Além de plagiar as idéias
de Kenyon, Hagin também foi acusado por semelhante prática em outro episódio.
Descoberto em 1983 por um aluno da Universidade Oral Roberts, chamado Dale
Simmons, 75% do livro de Hagin, intitulado “A Autoridade do Crente”, era uma cópia
exata, palavra por palavra, de uma série de artigos publicados em 1932 por John
McMillan, e os outros 25% da obra, plágio dos pensamentos do mesmo autor.
Segundo sua autobiografia, Hagin nasceu de forma prematura em 1917, com um
problema congênito no coração. 213 Apesar dos médicos não lhe darem nenhuma
esperança de vida, ele sobreviveu e passou uma infância difícil e turbulenta. Seu pai
abandonou a família quando ainda era pequeno e aos nove anos de idade foi viver com
os avós maternos, pois sua mãe estava com a saúde bastante debilitada. Aos 16 anos, a
condição física de Hagin deteriorou e ele foi confinado à cama. A experiência mais
marcante na vida de Hagin veio através da leitura de uma passagem da Bíblia em
Marcos 11:23,24:
Porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue -te e lança-te no mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo
211 Idem. Ibid. p. 40. 212 RODRIGUES, Ricardo Gondim. Ibid. p. 45. 213 ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p. 92.
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que diz, tudo o que disser lhe será feito. Por isso, vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis.
Depois de várias meditações e compreensão do significado real dessa passagem
bíblica, Hagin começou a confessar sua cura dia após dia, durante alguns meses. Em um
determinado dia, apoiando-se na beira da cama, ele levantou-se e, determinado a andar,
deu um passo seguido de outro. Diante desse fato, segundo Hagin, ele foi curado de sua
enfermidade.
Logo após essa experiência sobrenatural de cura, Hagin começou seu ministério
em 1934, como pregador de uma Igreja Batista. Mas, em 1937, começou a freqüentar as
reuniões de um grupo pentecostal e recebeu o batismo no Espírito Santo. Neste mesmo
ano foi ordenado ministro da Assembléia de Deus, pastoreando várias igrejas dessa
denominação entre 1937 e 1949. Envolveu-se com vários pregadores independentes de
cura divina, entre eles William Marion Branham, Oral Roberts e T. L. Osborn. Em 1963
fundou a Kenneth Hagin Evangelistic Association. A partir daí recebeu muitos convites
para pregar e realizar seminários em várias partes dos Estados Unidos. Em 1974, seu
filho, Kenneth Hagin Jr., fundou a Rhema Bible Training Center, com o objetivo de
ensinar os princípios da “Confissão Positiva”. Esse centro de treinamento nos Estados
Unidos chegou a formar mais de 23 mil pastores. Além do programa de rádio Faith
Seminar of the Air, transmitido por mais de 250 estações na América do Norte, Kenneth
Hagin e seu filho já produziram cerca de 150 livros para promover a Teologia da
Prosperidade, com mais de 65 milhões de cópias em circulação ao redor do mundo.
No Brasil, a Teologia da Prosperidade iniciou sua trajetória nos anos 70,
penetrando em muitas igrejas e ministérios, tais como: Internacional da Graça de Deus,
Universal do Reino de Deus, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, Nova Vida,
Bíblica da Paz, Cristo Salva, Nacional do Senhor Jesus Cristo, Missão Shekinah,
Adhonep e especialmente naquele que é o objeto de nosso estudo: Renascer em
Cristo.214 Os pregadores de tais igrejas afirmam que só não é próspero financeiramente e
feliz nessa vida quem carece de fé, não cumpre o que diz a Bíblia a respeito das
promessas divinas e está envolvido direta ou indiretamente com o diabo. Nas palavras de
Paulo Romeiro, segundo tal teologia, “a vida do cristão deve ser livre de qualquer
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problema. Ele deve morar em mansões, possuir carros caros, ter muito dinheiro e muita
saúde. Se isso não ocorrer, estará caracterizada a ausência de fé, a vida em pecado ou
então o domínio de satanás”. 215 Portanto, a característica principal do verdadeiro cristão
deve ser a plena saúde física e emocional, além da prosperidade material.
Um dos motivos que possibilitou o êxito dessa crença entre as igrejas
neopentecostais foi a sua sintonia com a motivação humana.216 No campo da psicologia,
um dos mais importantes conceitos de motivação é a conhecida teoria de Maslow.
Segundo ela, os desejos e as necessidades humanas são organizados em prioridades,
passando de um nível a outro à medida que o anterior seja satisfeito. Para Maslow, as
necessidades humanas estão divididas nos seguintes níveis: a) fisiológicas; b) segurança;
c) afeto; d) status e estima; e) realização. Conforme o estudo elaborado por Alan Pieratt,
a Teologia da Prosperidade praticada por tais igrejas está baseada em cinco princípios
básicos: 1) o conhecimento dos direitos do fiel; 2) a firmeza da fé do fiel; 3) o uso
adequado do nome de Jesus; 4) a ausência de dúvida; e 5) a confissão sem indícios de
dúvida.217
A razão por que muitos cristãos continuam a sofrer com os problemas da vida
está na falta de conhecimento dos direitos que eles têm perante Deus, conforme as
promessas registradas na Bíblia. Esses direitos estão garantidos porque foram
estabelecidos por Deus como parte das leis espirituais que regem o mundo. Essas leis
estão à disposição do cristão para serem usadas conforme o desejo e a necessidade de
cada um. Com o pleno conhecimento de seus direitos perante Deus, a outra condição
para o cristão obter saúde e riqueza está no uso adequado da fé. Essa fé não é apenas um
estado de espera, de passividade, mas de exigência de seus direitos. A verdadeira fé
apresenta três características: a) exige seus direitos; 2) exige-os em nome de Jesus; 3)
nunca duvida. A oração dirigida a Deus na condição de exigência e não apenas de um
pedido ou favor baseia-se em uma justificativa exegética do versículo bíblico em João
14:13-14: “E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja
glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”. De acordo
214 MARIANO, Ricardo. Ibid. p. 156. 215 ROMEIRO, Paulo. Ibid. p. 98. 216 GADE, Christiane. Psicologia do consumidor. São Paulo: EPU, 1980. p. 24.
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com os pregadores dessa teologia, como Kenneth Hagin, a palavra grega traduzida como
“pedir” teria o mesmo significado de “exigir” ou “reivindicar”.
Além da compreensão de seus direitos e da correta aplicação da fé, o cristão
também precisa utilizar em suas “exigências” a expressão “em nome de Jesus”. Por meio
desse nome o cristão tem acesso ao ilimitado poder que rege o Universo. Os direitos
implicados no uso do nome de Jesus são comparados a uma conta bancária, em que o
recebimento de uma resposta de oração está associado à emissão de um cheque. Assim
como o cheque deve ser preenchido de maneira correta, o nome de Jesus também deve
ser proferido corretamente. Nessa conta bancária, Jesus já depositou o dinheiro
suficiente para os cristãos sacarem no momento em que bem entenderem. Para obter
resultados, é crucial que o cristão acredite firmemente que seu pedido foi atendido,
mesmo que as circunstâncias mostrem o contrário. Qualquer espécie de dúvida irá anular
todo o processo feito até aqui. Ao orar, o cristão nunca deve usar a expressão “se for da
tua vontade”, pois isso demonstra sua dúvida em relação à sua petição. Por último, para
que o fiel receba saúde e prosperidade ele deve confessar em voz alta que obteve aquilo
que desejava. Deve-se agir e falar como se o pedido tivesse sido atendido, mesmo que
isso não seja real. Assim, para obter êxito em sua vida, torna-se vital para o cristão
conhecer seus direitos e confessá-los diante de cada necessidade ou problema.
A Teologia da Prosperidade tem sido largamente utilizada pela Igreja Renascer
em Cristo como uma forma de assegurar aos seus fiéis a prosperidade, a saúde e o
sucesso em suas vidas. Para alcançar essas bênçãos, o fiel necessita ter fé incondicional
e inabalável em Deus, exigir seus direitos em alta voz e em nome de Jesus, e
“profetizar” sua vitória diante dos problemas. Na reunião realizada no primeiro sábado
do mês de setembro de 2005, no Espaço Renascer, localizado no bairro da Barra Funda,
em São Paulo, Estevam Hernandes realizou a Ceia dos Oficiais da Igreja Renascer com
o seguinte tema “As características apostólicas de Calebe”. Nesse culto, segundo o
jornal Gospel News (ano 2, n. 22, p. 4), Hernandes fez uma comparação entre a vida de
Calebe, personagem bíblico que teria conquistado ao lado de Josué os territórios de seus
inimigos, com a vida do cristão:
217 PIERATT, Alan. O evangelho da prosperidade: análise e resposta . 2ª Ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 65.
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O que o Senhor colocou na vida de Calebe coloca hoje sobre a vida de vocês, onde habitará um espírito diferenciado e todos saberão que o espírito do Senhor está em vocês para conquistar o que ninguém jamais conquistou. Estamos prontos para lutar! O espírito apostólico é um espírito de luta, de vigor e de confronto, para conquistar as obras do diabo. Essa igreja vai conquistar os montes e vai conquistar como nunca aconteceu na face da terra. Eleva os teus olhos para os montes! Esse monte é teu, da tua família e da igreja de Jesus Cristo! Profetizo que o Senhor está te dando hoje o monte da tua vitória financeira porque é no monte que os pães e os peixes são multiplicados. Profetizo que ele te dá o monte da tua unção porque é no monte que o Senhor unge os seus escolhidos. Ele te dá o monte da tua família porque é no monte em que consagramos nossa família como Abraão. Ele te dá o monte da tua conquista porque as nossas conquistas são para o Senhor.
Como podemos observar nesse caso, o ato de “profetizar” está relacionado com a
confissão positiva. Os fiéis da Igreja Renascer aprendem a exercer esse direito “tomando
posse” das bênçãos de Deus e “profetizando” a vitória diante da adversidade.
3.2.2. Dízimos, ofertas e “desafios” financeiros
Dentro dos cultos da Igreja Renascer, o momento do ofertório adquire um papel
de destaque pela forma como pastores e bispos ressaltam a importância da contribuição
financeira dos fiéis à “casa de Deus”. Segundo a Teologia da Prosperidade, ao contribuir
com os seus dízimos e ofertas os fiéis tornam-se participantes de um pacto divino, e
como contrapartida Deus se compromete a abençoá-los na mesma medida. Para
legitimar essa ligação entre a oferta e as bênçãos a serem recebidas de Deus, a Renascer
usa as promessas de abundância aos dizimistas situados no livro de um dos profetas do
Antigo Testamento (Malaquias 3:10-12):
Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós uma bênção tal, que dela vos advenha a maior abastança. E, por causa de vós, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; e a vide no campo não vos será estéril, diz o Senhor dos Exércitos. E todas as nações vos chamarão bem-aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o Senhor dos Exércitos.
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O dízimo é visto pela Igreja como uma contribuição obrigatória da parte do fiel,
correspondendo à décima parte de seus rendimentos, enquanto que as ofertas são
voluntárias, sem um valor estipulado, e que podem ser dadas conforme a vontade do
contribuinte. Em todos os cultos da Renascer os fiéis são exortados exaustivamente, com
o uso de vários exemplos bíblicos e relatos de pessoas que foram abençoados por Deus,
das virtudes e benefícios em ser um dizimista ou ofertante na Casa do Senhor, com a
promessa de que ao tomarem o mesmo passo também serão merecedores das bênçãos
divinas.
A Igreja Renascer, porém, não admite que as contribuições sejam desviadas pelos
doadores para outros propósitos como, por exemplo, a compra de uma cesta básica para
uma família necessitada ou uma ajuda financeira a algum membro da Igreja. Ela sempre
deixa bem claro que o dinheiro deve ser entregue somente dentro de seus templos e no
momento dedicado ao ofertório. Para justificar essa atitude, a instituição apresenta em
textos internos de doutrinação de oficiais e clérigos as seguintes razões:218
a) Os dízimos, embora estejam em nossas mãos, não nos pertencem para que sobre eles
arbitremos quanto ao seu uso; eles pertencem ao Senhor e devem ser geridos na obra
de Deus pelas autoridades constituídas na igreja pelo próprio Senhor da obra;
b) O cuidado com os órfãos, viúvas, pobres e demais necessitados deve ser
administrado pela igreja constituída e não individualmente, pelos impulsos de nossos
corações que podem, muitas vezes, ser manipulados por pessoas de má fé;
c) Quando a igreja constituída gera os recursos, tendo uma visão global da obra e das
necessidades, ela pode então direcionar esses recursos corretamente, de forma que
tudo seja alcançado;
d) Se todos os cristãos resolvessem gerenciar e dir ecionar seus próprios dízimos, jamais
haveria recursos para o mantimento da Casa do Senhor, o que fere totalmente o
princípio que o próprio Senhor estabeleceu para a manutenção de Sua Casa.
Para a Renascer, o simples fato de reter os dízimos e as ofertas faz com que o
indivíduo cometa um “crime contra Deus”, recebendo como pena uma maldição sobre a
218 Igreja Renascer. Apostila do curso de formação de oficiais. s/d. p. 117.
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sua vida. Essa advertência é vista por eles e deduzida do mesmo livro de Malaquias
(3:8,9), no qual se lê: “Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em
que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas. Com maldição sois amaldiçoados,
porque me roubais a mim, vós, toda a nação”. Segundo essa visão, ao deixar de dizimar
o fiel está “habilitando” a ação de um demônio sobre a sua vida financeira, denominado
devorador.
O devorador é a entidade da própria terra que se habilita e ganha forças contra nós, através da nossa própria negligência aos valores do Senhor ou, em outras palavras: os únicos que podem habilitar o devorador são os próprios servos de Deus quando retêm aquilo que pertence ao Senhor, sendo que o único que pode repreendê-lo é o próprio Deus e Ele o faz mediante uma atitude nossa de aliança chamada “Dízimo”.219
Dentro dessa visão, o dízimo cobrado pela Igreja não passa de uma obrigação
que todo crente tem em relação a Deus, equivalente a uma alíquota de 10% de seus
rendimentos, semelhante a um imposto compulsório como o Imposto de Renda ou a
contribuição à Previdência Social. As ofertas, ao contrário do dízimo, são contribuições
voluntárias e por meio delas os fiéis têm acesso à prosperidade divina. As ofertas estão
baseadas na “lei da semeadura”, isto é, a colheita da bênção financeira será proporcional
ao valor ofertado. Quem semeia pouco, pouco colherá, quem semeia muito, muito
colherá. Esse princípio está baseado na seguinte passagem bíblica: “E digo isto: Que o
que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em
abundância também ceifará” (2 Coríntios 9:6). Essa obrigatoriedade, considerada uma
lei, também está baseada em outro versículo da Bíblia, no evangelho de Lucas 6:38:
“Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos darão;
porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo”.
Portanto, com base na “lei da semeadura” o fiel aprende que quanto maior for o valor de
sua oferta na Igreja, maior serão os benefícios a receber da parte de Deus.
Reginaldo Prandi observa com uma certa ironia que a forma como as religiões
atuais, tanto as igrejas neopentecostais como também as religiões afro-brasileiras,
alteraram profundamente a concepção religiosa entre seus adeptos. Isto porque, o acesso
219 Idem. Ibid. p. 118.
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à religião deixou de ser gratuita e passou a ser paga. O fiel, para iniciar ou permanecer
no grupo ao qual ele aderiu, necessita contribuir sistematicamente para receber as graças
divinas:
A expansão das religiões cuja filiação depende de gastos elevados em ritos de iniciação ou contribuição financeira sistemática, obrigatória e em montantes expressivos em face dos escassos rendimentos dos adeptos, tem alterado substancialmente a concepção que se faz entre religião e compromisso financeiro; a religião vai deixando de ser entendida como pública, isto é, gratuita, um direito de todos no entender de nossa cultura, para se tornar privada. É preciso pagar para fazer parte dela.220
Prandi entende que a religião passa por um processo de privatização, e por isso
atende apenas uma parte da população. A religião que era geral, disponível para toda a
sociedade, passa a ser de poucos. Somente aqueles que se dispõem a pagar pelos
serviços prestados pelos especialistas religiosos podem receber as bênçãos divinas,
materializados na forma de carros, casas, empregos, saúde, casamento e outras. É como
diz a “lei da semeadura”: “Quem semeia pouco, pouco colherá, quem semeia muito,
muito colherá”. Para colher é necessário semear. E para semear é necessário contribuir
financeiramente com a obra de Deus.
Os “desafios” financeiros da Igreja Renascer em Cristo são outras modalidades
de arrecadação de dinheiro junto aos fiéis. Todo o dinheiro arrecadado pela Igreja possui
uma finalidade específica. Os dízimos e ofertas arrecadados nos cultos destinam-se
exclusivamente ao pagamento de despesas administrativas dos templos e da Fundação
Renascer, tais como: aluguel, água, luz, gás, telefone e salários. Os “desafios” são
contribuições para financiamentos em projetos sociais e investimentos nos meios de
comunicação. A Renascer possui dois tipos de “desafios” financeiros: “Desafio Gideão”
e “Desafio Josué”. O primeiro deles é um carnê mensal em que o associado colabora
diretamente com todos os projetos assistenciais da Fundação Renascer. O contribuinte
pode fazer uma doação no sistema on-line por meio do portal Igospel ou solicitar o envio
para a sua residência de um carnê com 12 parcelas mensais no valor mínimo de R$
15,00. Já o segundo, o “Desafio Josué” é uma contribuição única ou em cheques pré-
220 PRANDI, Reginaldo. Religião paga, conversão e serviço em A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política . São Paulo: Hucitec, 1996. p. 268.
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datados para colaborar com o projeto de expansão dos meios de comunicação da Igreja.
Foi graças a esse “desafio” que a Igreja Renascer alcançou seu primeiro objetivo em
2005, que foi a compra de um prédio na região da Avenida Paulista, em São Paulo, e a
construção de uma nova torre de transmissão da Rede Gospel. O segundo passo agora é
investir na compra de transmissores para aumentar o alcance de transmissão da Rede
Gospel para todo o Brasil pelo canal UHF 53.
O objetivo da Igreja Renascer em investir nos meios de comunicação é expandir
a sua atuação para todos os estados brasileiros, conquistando um número cada vez maior
de fiéis em todo o país e, conseqüentemente, aumentando a sua base de arrecadação.
3.2.3. As denúncias da imprensa e o contra discurso da Igreja Renascer
Todavia, essa ênfase na arrecadação para manter em funcionamento toda essa
máquina midiática levou a Igreja a enfrentar problemas financeiros os quais vieram a
público por meio de denúncias na imprensa profana. Por exemplo, em maio de 2002, a
Igreja Renascer em Cristo enfrentou uma série de acusações provenientes da revista
semanal Época, que publicou duas matérias de capa, nos dias 20 e 27 de maio,
denunciando irregularidades cometidas pela Igreja. Essas denúncias foram levantadas
por uma jornalista, que durante quatro meses assistiu aos cultos e conversou com fiéis e
ex-fiéis para obter as informações de que necessitava. A primeira matéria da revista
Época (20/05/2002, n. 209) intitulado Os caloteiros da fé, trouxe na capa a fotografia do
apóstolo Estevam Hernandes ao lado de sua esposa Sônia Hernandes com a seguinte
manchete: “Fiéis acusam líderes da Igreja Renascer de estelionato. O apóstolo e a bispa
respondem a 51 processos na Justiça, que somam R$ 12 milhões”. A segunda matéria foi
publicada na semana seguinte (Época, 27/05/2002, n. 210), com a manchete Renascer:
onde está o dinheiro, e a chamada: “Fiéis segue m denunciando calote enquanto
aparecem bens milionários que pertencem à bispa Sônia e ao apóstolo Estevam”. Nessa
segunda matéria, já na capa havia fotos de duas propriedades do casal Hernandes, uma
fazenda em Mairinque, em São Paulo, avaliado em R$ 1,8 milhão e uma casa no
condomínio Boca Falls, na Flórida, Estados Unidos, avaliado em US$ 465 mil.
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As primeiras denúncias contra a Igreja Renascer, coincidentemente, surgiram no
mesmo dia em que era realizado a 10ª Marcha para Jesus e estourou como uma bomba
sobre o público que participava do evento. Durante o percurso da Marcha foram
colocados estrategicamente diversos outdoors com a matéria de capa da Revista Época,
causando constrangimento aos organizadores do evento e incentivando uma grande
parcela dos fiéis a irem às bancas para a compra de um exemplar. Na análise feita por
Márcia Selivon “a publicação chegou às bancas justamente em um dos momentos de
maior visibilidade da Renascer, a Marcha para Jesus, que, conforme já foi dito, é um
evento internacional que ocorre em São Paulo, organizado pela Igreja Renascer”.221
Nesse dia compareceram quase um milhão de pessoas e o apóstolo Estevam Hernandes
preocupou-se o tempo todo em dizer aos repórteres que a matéria tinha sido
encomendada para sair no dia do evento.
O levantamento feito pela reportagem da revista Época revelou que só na cidade
de São Paulo existiam 47 processos contra a Renascer; no Distrito Federal, mais quatro.
A maioria deles referia-se a cobranças ou ações de despejo. Em um delas cobrava-se um
calote de R$ 800 mil em aluguéis de um sítio de Itapecerica da Serra, na região
metropolitana de São Paulo. Outra ação era movida pela gráfica Bloch e cobrava sete
milhões de reais. Além das ações de cobrança, também existia uma por uso indevido de
marca, movido pelos Gideões, uma instituição mantida por empresários cristãos que
distribuem exemplares do Novo Testamento em várias instituições sociais.
Outra irregularidade praticada pela Igreja, segundo a revista Época, foi a relação
espúria entre a Fundação Renascer, instituição sem fins lucrativos, e a agência de
publicidade Abbud Comunicações, com faturamento anual de R$ 2,6 milhões. A
empresa está registrada em nome do bispo Antônio Carlos Abbud, o mesmo que teria
assinado um contrato com Estevam Hernandes para o arrendamento da Rede Manchete
em 1999. O ato ilícito estaria no fato da empresa de Abbud usar o CNPJ da Fundação
Renascer em lugar do próprio número do cadastro. Nos cartórios de São Paulo foram
encontrados quatro cobranças em nome da Abbud Comunicação, com o CNPJ da
Fundação Renascer.
221 SELIVON, Márcia. Ibid. p. 59.
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A matéria da revista acusava também os dirigentes da Renascer de estelionato,
usando para isso denúncias de fiéis e ex- fiéis que foram fiadores no aluguel de templos.
Uma das fiadoras a ter o seu nome envolvido na Justiça por falta de pagamento foi a
professora Maria Margarida Pinto Coelho, de Brasília. Segundo o seu depoimento, ela
foi criada na Igreja Batista e começou a freqüentar os cultos na Renascer em 1998. No
ano seguinte, um bispo a procurou para pedir-lhe sua colaboração, pois a instituição
necessitava de dois fiadores para alugar um cinema, onde seria instalado um templo da
Renascer. Depois de muita insistência, Maria Margarida e outra fiel aceitaram de boa-fé
ajudar a Igreja tornando-se fiadoras desse imóvel. Porém, em maio de 2001, ela recebeu
uma notificação de um oficial de Justiça comunicando- lhe que a Igreja não tinha pago os
aluguéis e na condição de fiadora teria de honrar o compromisso que já estava em torno
de R$ 71 mil. Em maio de 2002, um ano após a primeira notificação, ela recebeu a visita
de outro oficial de justiça. Nessa notificação ela teria 24 horas para pagar a dívida que já
estava somando R$ 260 mil. Diante dessa situação, Maria Margarida e a outra fiel que
emprestou seu nome como fiadora do imóvel não tiveram outra opção, e entraram juntas
com uma representação criminal contra a Renascer por estelionato.
Segundo a reportagem da Época, Antonieta Hakimiam foi também lesada pela
Igreja Renascer. Ela afirmou que seis anos antes os inquilinos alugaram um galpão para
a instalação de um templo da Renascer, mas pagaram somente os dois primeiros
aluguéis. Após três anos sem receber, Antonieta foi à sede da Igreja procurar a bispa
Sônia, mas não foi atendida. No caso dela a Igreja tinha uma dívida acumulada de R$ 25
mil em aluguéis atrasados. Carlos Alberto de Carvalho teve um problema parecido, pois
alugou um galpão em Osasco a pedido de um pastor da Renascer, liberando o imóvel
com a promessa de que o contrato seria assinado pelo apóstolo Estevam Hernandes. Os
papéis nunca foram assinados e somente depois de oito meses o proprietário conseguiu
tirar a Igreja do imóvel, restando uma dívida de R$ 20 mil.
Logo após a publicação da reportagem da revista Época (27/05/2002, n. 210, p.
75), o apóstolo Estevam e a bispa Sônia Hernandes foram à televisão para responder às
denúncias feitas por ex-fiéis e credores. Diante da TV apresentaram vários documentos e
disseram-se vítimas de “perseguição religiosa”. A primeira aparição foi no domingo, ao
vivo, no programa “Domingo Legal”, do SBT, apresentado por Gugu Liberato. Nesse
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dia o casal tentou se defender, mas foi contestado ao vivo por telefonemas de pessoas
vítimas de calote. Na segunda- feira, Sônia Hernandes foi ao programa “Superpop”, da
Rede TV, apresentado por Luciana Gimenez, dar a sua própria versão. Nesse programa,
Sônia Hernandes deu entrevista somente com a condição de que não fosse aberto espaço
para telefonemas. Sem nenhuma contestação a bispa mostrou recibos para dizer que a
dívida da igreja com uma das proprietárias, Antonieta Hakimiam, de São Paulo, estava
paga. Porém, no dia seguinte a proprietária contestou a versão apresentada pela bispa:
“Meu marido, falecido, assinou os recibos, sim. Mas os cheques voltaram porque não
tinham fundo”.
Antônio Flávio Pierucci entende que as religiões no Brasil possuem total
liberdade de expressão e, portanto, não haveria nenhuma razão para uma denominação
qualquer acusar setores da sociedade, seja da parte do Estado ou da imprensa, por
motivos de “perseguição religiosa”. Sua argumentação sobre a liberdade religiosa está
na seguinte afirmação:222
Com tantas igrejas novas abrindo e crescendo, com tanta religião, para-religião, terapia religiosa oferecendo-se nos interstícios do mercado urbano de serviços e bens simbólicos, tanto pregador esgoelando nas praças e esquinas, tanto feiticeiro e feitiço se esgueirando nas feiras e encruzilhadas, tanto templo, terreiro e capela, tanto altar se erguendo por toda parte, tanta riqueza sendo acumulada por instituições religiosas “sem fins lucrativos”, tanto espaço conquistado na política e na mídia, tanto pastor na tela da TV, tanto cinema virando igreja, com tamanha diversidade de oferta religiosa, fica difícil atinar com a razão de semelhante chiadeira neopentecostal (...). E no entanto, alguns líderes evangélicos teimam em mostrar-se extremamente sensíveis a tudo aquilo que, da parte do Estado em qualquer dos seus níveis (da União à Prefeitura), ou da parte de outros corpos da sociedade civil (sejam organizações religiosas, como a Igreja Católica, ou não-religiosas, como a Rede Globo e o Estadão, para ficar em apenas dois exemplos), possa apresentar-se vagamente como ameaça ao livre exercício da religião, ou virtual violação da “autonomia das igrejas”.
Pierucci também afirma que a diversificação dos serviços oferecidos pelas
instituições religiosas pode criar novos obstáculos devido à baixa regulação por parte do
Estado. Segundo ele, daqui a algum tempo surgirá no Brasil, como já ocorre nos Estados
222 PIERUCCI, Antônio Flávio. Liberdade de cultos na sociedade de serviços in A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 276.
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Unidos, um tipo de advogado especializado em defender o “consumidor religioso”.223
Essa atitude permitiria aos clientes religiosos, no caso de se sentirem lesados por algum
pastor, bispo, padre, pai de santo ou guru, poder denunciar seus “médicos espirituais”
por fraude, trapaça, danos morais, coação, violência psicológica, lavagem cerebral, além
de sonegação fiscal e demais crimes contra a economia. Para isso, Pierucci defende o
uso do modelo “defesa do consumidor” para defender as vítimas da mercantilização
religiosa de práticas religiosas abusivas ou lesivas e de promessas não cumpridas.
Partindo desse princípio podemos classificar as práticas abusivas cometidas pelas
instituições religiosas de propaganda enganosa. Na definição proposta por Gino
Giacomini Filho, “considera-se propaganda enganosa um anúncio que contenha
incorreção, gere dano ou induza ao erro”. 224 Embora não possuam o mesmo sentido, ele
também emprega outros termos para se referir à propaganda enganosa, tais como: falsa,
ilegal, lesiva, abusiva, desleal, fraudulenta, falaciosa e deceptiva. Na propaganda
enganosa está implícito a geração de um dano individual causado por uma experiência
pessoal diante de uma frustração, ansiedade, lesão ou qualquer interferência negativa
junto ao consumidor. Entendemos que tais igrejas se enquadram nessa categoria quando
prometem facilidades aos fiéis em troca de contribuições financeiras.
3.2.4. A segmentação nos cultos da Renascer
Segundo Raimar Richers, a segmentação pode ser definida como sendo “a
concentração consciente e planejada de uma empresa em parcelas específicas de seu
mercado”. 225 Quando uma empresa concentra todos os seus esforços de marketing em
determinados segmentos de mercado, ela acredita ter produtos capazes de satisfazer à
demanda de maneira mais adequada em relação aos seus concorrentes. Para isso,
existem várias maneiras de segmentar um determinado mercado, tais como: geográficas,
demográficas, sócio-econômicas, padrões de consumo, benefícios procurados, estilos de
vida, e outras.
223 Idem. Ibid. p. 284. 224 GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus propaganda . São Paulo: Summus, 1991. p. 107. 225 RICHERS, Raimar e LIMA, Cecília Pimenta (orgs.). Segmentação: opções estratégicas para o mercado brasileiro . São Paulo: Nobel, 1991. p. 16.
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Nesse sentido, a Igreja Renascer cons egue diversificar a sua atuação para
diferentes segmentos da sociedade, que além dos jovens incluem também os empresários
e profissionais liberais. Todas as segundas-feiras à noite são realizadas na Renascer Sede
e, em todas as regionais, as reuniões da Arepe. Essa associação reúne empresários,
profissionais liberais e membros da Igreja que possuem ou pretendem iniciar os seus
próprios empreendimentos. Os cultos são realizados com uma mensagem voltada para o
público empresarial, utilizando temas específicos para o estímulo profissional dos seus
membros. Segundo a Igreja, o propósito da Arepe é oferecer “um direcionamento
espiritual, assim como suporte, instrução e formação, assessoria contábil e jurídica para
os profissionais das mais diversas áreas de atuação, tanto em nível profissional quanto
espiritual”.226 Além disso, a Associação dispõe de uma bolsa de empregos, cursos
profissionalizantes e promove eventos sociais como: café da manhã, almoços, jantares e
encontros nacionais. Esses eventos são realizados em restaurantes, hotéis, centros de
convenções e tem como objetivo a interação entre os profissionais a ela pertencentes.
No jantar realizado pela Arepe, no dia 10 de agosto de 2005, em um tradicional
restaurante no bairro de Higienópolis, em São Paulo, o apóstolo Estevam Hernandes fez
a seguinte declaração diante de uma platéia composta por mais de 400 empresários e
profissionais liberais:227
O mundo dos negócios é um mundo de competição e desgaste, mas precisamos entender que existem forças espirituais que regem não só esse mercado, mas todo o mundo. Dessa forma, se faz necessária a interferência de Deus no nosso dia a dia. Um homem de Deus precisa colocar sua vida, seu trabalho e seus negócios debaixo de uma cobertura apostólica e a Arepe faz isso”.
Além das reuniões da Arepe, a Renascer também possui uma atenção voltada
para o público feminino. Como pudemos observar, as mulheres estão bem representadas
em toda a estrutura hierárquica da Igreja, ocupando cargos de bispas, pastoras,
presbíteras e voluntárias, atuando praticamente em todas as atividades da Renascer.
Sônia Hernandes apresenta-se como uma representante legítima desse público por meio
de suas pregações em cultos realizados na Sede e nos meios de comunicação da Igreja.
226 Igreja Renascer. Apostila do curso de formação de oficiais. s/d. p. 202.
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Essa estratégia foi analisada por Eliane Hojaij Gouveia, que pesquisou os caminhos
percorridos pelas mulheres pentecostais nas “comunidades eletrônicas de consolo”, nas
décadas de 80 e 90.228 Sua pesquisa ocupou-se principalmente da análise do
Pentecostalismo em sua vertente eletrônica, discutindo a posição da mulher na sociedade
brasileira. Segundo Gouveia, um número expressivo de mulheres identificam-se com a
proposta religiosa da Renascer ao reconstruir suas identidades por meio do recurso
televisivo. Essa identificação ocorre quando essas mulheres se encontram, pela televisão,
com outras iguais a elas. Como exemplo, ela cita o programa “De bem com a vida”,
apresentado pela bispa Sônia Hernandes, meio pelo qual as telespectadoras encontrariam
estímulo para organizarem as suas relações no mundo do trabalho, vizinhança, vida
afetiva e familiar. Para Gouveia, o programa “De bem com a vida” é “produzido por
mulheres e tem nelas seu público-alvo, independentemente de sua posição de classe
social”. 229 Na televisão, Sônia Hernandes procura atrair os fiéis com um discurso
nitidamente utilitarista, mostrando as recompensas provenientes da conversão como, por
exemplo, uma vida familiar equilibrada e estável e ampliação dos laços de solidariedade
e sociabilidade.
No discurso religioso da Igreja Renascer, o uso do slogan “Deus é Fiel” surge
como uma estratégia de persuasão perante os fiéis. O seu uso constante nos púlpitos e
nos eventos promovidos pela Igreja reforça uma identidade própria ao grupo,
caracterizado por um sentimento de vitória perante as mazelas do mundo. Apesar do
desemprego, das enfermidades, da violência e de tantos outros problemas do dia a dia, o
fiel tem em mente que Deus virá sempre em seu auxílio para livra-lo das circunstâncias
adversas. Essa certeza, na mensagem da Igreja, está baseada na fidelidade de Deus que
cumpre cabalmente as suas promessas aos seus seguidores.
O slogan, segundo Olivier Reboul, pode ser definido como “uma fórmula concisa
e marcante, facilmente repetível, polêmica e freqüentemente anônima, destinada a fazer
agir as massas tanto pelo seu estilo quanto pelo elemento de autojustificação, passional
ou racional que ela comporta”. 230 O slogan também pode ser compreendido como uma
227 Jornal Gospel News , ano 2, n. 21, p. 3. 228 GOUVEIA, Eliane Hojaij. Ibid. 229 Idem. Ibid. p. 68. 230 REBOUL, Olivier. O slogan. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 39.
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fórmula curta e incisiva que resuma o texto de um cartaz, o conjunto de uma campanha
eleitoral ou ainda toda uma ideologia. Grande parte dos slogans têm por função reforçar
uma imagem da marca ou associar na mente do público um valor a um nome. Para
Reboul, um dos aspectos do poder dos slogans é satisfazer às necessidades,
diversificados nos seguintes casos:231 a) o slogan formula uma necessidade coletiva
proporcionando uma resposta simples à expectativa das massas; b) o slogan transfere
uma necessidade real para um objeto ou para um ato sem relação direta com a
necessidade; c) o slogan concilia necessidades opostas entre si ou hábitos opostos a uma
situação nova; e d) o slogan promete e satisfaz em esperança necessidades que atiça pela
própria promessa. A Igreja Renascer em Cristo associa de várias formas à sua imagem o
slogan “Deus é fiel”, que é utilizado praticamente em todas as suas publicações, eventos
públicos, meios de comunicação de massa e cultos. Também pode ser localizado nas
fachadas dos templos e letreiros luminosos, inclusive na fachada da futura torre de
transmissão da Rede Gospel, localizado na região da Avenida Paulista, em São Paulo.
A expressão “Deus é fiel” é extraída da Bíblia, de uma das cartas paulinas, em 2ª
Coríntios 1:18-20:
Antes, como Deus é fiel, a nossa palavra para convosco não foi sim e não. Porque o Filho de Deus, Jesus Cristo, que entre vós foi pregado por nós, isto é, por mim, e Silvano, e Timóteo, não foi sim e não; mas nele houve sim. Porque todas quantas promessas há de Deus são nele sim; e por ele o Amém, para glória de Deus, por nós.
O uso desse slogan traz em seu bojo uma mensagem subliminar, porque se Deus
é fiel para cumprir todas as suas promessas que estão registradas na Bíblia, então todos
os pedidos de cura, prosperidade, paz, amor e sucesso serão atendidos por Ele, não
importando o tempo ou circunstâncias para a realização. Esse slogan se encaixa
perfeitamente no discurso das igrejas neopentecostais que adotam a Teologia da
Prosperidade. Conforme esse entendimento, Deus está comprometido com a “Sua
Palavra” e jamais deixará de cumpri-la. Por outro lado, assim como “Deus é fiel” aos
seus seguidores, estes também devem ter a mesma postura em relação à Igreja, seja por
meio do trabalho voluntário ou na contribuição de seus dízimos e ofertas.
231 Idem. Ibid. p. 60.
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146
Conclusão
Ao longo dos anos, a Igreja Renascer em Cristo conseguiu aumentar de forma
significativa a sua visibilidade na sociedade brasileira, graças ao uso dos meios de
comunicação de massa. Consideramos que a Igreja teve um bom desempenho, nesses
quase 20 anos de atuação, devido à compra de uma emissora própria de TV, em UHF, e
a aquisição de várias concessões de rádio. Caso tivesse condições financeiras de honrar
o contrato assinado com o grupo Bloch, em 1999, hoje a Igreja também estaria à frente
da atual Rede TV.
Apesar dos ataques desferidos pela revista Época, em 2002, a Igreja Renascer
cresceu e hoje conta com aproximadamente 1300 templos espalhados pelo Brasil e em
outros países. Para nós, a Teologia da Prosperidade adotada pela Igreja foi um dos
motivos que contribuiu para essa expansão, atraindo milhares de fiéis que encontram
nesse discurso a satisfação de seus desejos e necessidades.
O discurso elaborado pela Igreja Renascer, centralizado na contribuição
financeira dos fiéis, permitiu levantar os recursos necessários para a manutenção e
expansão dos templos e dos meios de comunicação de massa. Além dos dízimos e
ofertas, a Igreja criou duas modalidades de arrecadação financeira chamados “desafios”
e com isso foi possível investir tanto em seus projetos sociais como na mídia.
Outro ponto importante a destacar é a segmentação do público da Igreja, que
além de trabalhar com os jovens, procurou também atrair outros grupos sociais, como os
empresários e profissionais liberais. Essa estratégia permitiu que a Igreja atingisse ao
mesmo tempo vários segmentos da sociedade, proporcionando a cada um deles um
atendimento específico.
A Igreja Renascer, porém, tem planos mais ambiciosos e pretende expandir cada
vez mais sua atuação na área de comunicação, adquirindo novas concessões de rádios e
TV para alcançar futuramente todos os lares brasileiros. Assim, a Igreja espera poder se
distanciar dos seus concorrentes e consolidar sua posição nesse disputado mercado
religioso.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi apresentar ao leitor, a partir de uma visão
sociológica e mercadológica, a relação existente entre o marketing e a religião, usando-
se para isso o caso da Igreja Apostólica Renascer em Cristo na qual o marketing
desempenhou um papel fundamental na sua expansão e consolidação. Percebemos
também que além da Renascer, outras denominações religiosas cristãs brasileiras
encontraram no marketing uma ferramenta poderosa para alcançar uma maior
visibilidade no mercado. Para tais igrejas, a aplicação do marketing tornou-se uma
estratégia fundamental na conquista de novos fiéis, em um mercado disputado por vários
concorrentes.
Nessa análise verificamos que essa concorrência foi fruto do pluralismo religioso
desencadeado pelo avanço da secularização no mundo ocidental, o que possibilitou a
várias instituições religiosas entrarem no mercado, acirrando cada vez mais essa disputa.
Nessa concorrência foi fundamental o surgimento da Reforma protestante, quando várias
denominações foram surgindo ao longo da história, cada uma delas com suas próprias
estratégias de crescimento. Assim, tanto o Protestantismo quanto o Pentecostalismo,
principalmente na América Latina, tornaram-se fortes concorrentes do Catolicismo com
a implantação de várias frentes missionárias em diversos países do continente europeu e
americano, gerando novas instituições religiosas.
No Brasil, essa concorrência tornou-se mais acirrada com o aparecimento, no
último quarto do século XX, das igrejas neopentecostais, que passaram a disputar fiéis
com as igrejas católicas, protestantes e pentecostais instaladas no país. O crescimento do
Pentecostalismo e a visibilidade dos neopentecostais no campo religioso, cultural e
político brasileiro trouxeram profundas alterações no cenário com a utilização de
estratégias de marketing e a adoção de um discurso centrado na satisfação dos desejos
humanos. Dentro dessa estratégia, destacamos o uso da Teologia da Prosperidade pelos
neopentecostais, que, ao contrário de outras igrejas cristãs, ensina o fiel a usufruir de
todas as bênçãos divinas na forma de bens materiais e ascensão social.
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148
Entre as igrejas neopentecostais, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo
conseguiu se destacar e se posicionar no mercado religioso com uma linguagem voltada
especialmente para o público jovem, usando-se para isso a música gospel. O uso desse
novo estilo musical nos programas de rádio, TV, shows e eventos promovidos pela
Igreja contribuiu para que ela se diferenciasse de seus concorrentes. Com esse
posicionamento, a Renascer foi identificada como uma Igreja de vanguarda e
sintonizada com os anseios das camadas mais jovens. Essa estratégia contribuiu para
uma adesão maciça de jovens aos seus templos, vindas principalmente de outras
denominações religiosas.
Além da música, a Igreja Renascer também se destacou entre as concorrentes no
campo re ligioso devido à realização anual da Marcha para Jesus, tanto em São Paulo
como em outras cidades do país. Nesse evento, a Igreja Renascer consegue agregar em
torno de si diversas denominações religiosas e reunir em torno de dois milhões de
pessoas, o que lhe permite alcançar uma enorme visibilidade social. Além disso, o
evento também atrai a presença de políticos e diversos órgãos da imprensa. A
apresentação de bandas gospel nesses eventos tem sido outra estratégia da Igreja. Como
a maioria do público é representado por jovens, a Gospel Records consegue expor os
seus produtos diretamente ao seu público-alvo, o que lhe possibilita incrementar as
vendas de CDs e obter um maior retorno financeiro.
No contexto social, a Igreja Renascer também consegue levar vantagem em
relação a muitas outras igrejas concorrentes. Nos referimos ao seu investimento em
obras sociais, o que reforça o seu marketing institucional e traz visibilidade perante a
sociedade. Com diversos projetos sociais mantidos pela Fundação Renascer, a Igreja
consegue apoio do governo para as suas causas, obtendo assim isenções fiscais e
tributárias em suas atividades. Outra estratégia de marketing adotado pela Igreja foi a
sua inserção na política. Graças ao seu poder de mobilização junto aos fiéis, a Renascer
conseguiu eleger um representante na Assembléia Legislativa e outro na Câmara
Municipal de São Paulo. Essa estratégia lhe permite obter o apoio do Estado para as suas
obras sociais e interesses religiosos.
Todavia, o principal trunfo da Igreja Renascer ao longo dos últimos anos foi
aumentar significativamente a sua visibilidade na sociedade brasileira devido ao uso
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149
maciço dos meios de comunicação de massa. É claro que desde o início de suas
atividades essa Igreja procurou se fazer presente na mídia. Porém, só recentemente ela
passou a investir na aquisição de concessões de emissoras de rádio e de uma TV. A
mídia sempre foi uma prioridade para os líderes da Igreja, que encontraram nessa forma
de comunicação melhores condições para atingir novos nichos de mercado, além de estar
presente em regiões onde não é representada por seus templos.
Um outro nível em que se destacou está o do discurso ou da retórica religiosa. No
entanto, o emprego maciço da mídia, um veículo tão caro como é a televisão, por
exemplo, levou a Igreja Renascer desenvolver uma retórica ou um discurso voltado à
captação de recursos financeiros em grande escala. Essa estratégia permitiu levantar os
recursos necessários para a manutenção e expansão dos templos e dos meios de
comunicação de massa. A ênfase nos dízimos, ofertas e “desafios” financeiros foram
necessários para que a Igreja pudesse levantar fundos e investir em seus projetos.
É claro que o crescimento exige a captação de mais recursos. Como o público da
Renascer é mais segmentado do que a Igreja Universal, por exemplo, acreditamos que
nem sempre a contribuição dos jovens e seus pais é suficiente, deixando a Igreja
vulnerável a certas crises financeiras, a nosso ver episódicas. Uma delas foi justamente
explorada pela revista Época, ligado à Rede Globo de Televisão. Para nós, essa
estratégia talvez seja a mais importante de todas as outras, porque sem ela a Igreja não
teria condições financeiras para alavancar novos projetos. Isso ficou bem evidente no
caso da compra da extinta Rede Manchete. A Igreja só não conseguiu levar adiante esse
projeto por absoluta falta de dinheiro. Caso ela tivesse cumprido o seu acordo, hoje ela
estaria em uma posição muito mais confortável em relação ao seus concorrentes.
A partir dessa análise, podemos concluir que a expansão e consolidação da Igreja
Apostólica Renascer em Cristo ocorreu graças ao uso das estratégias de marketing.
Nesse sentido, o marketing pode ser aplicado pelas instituições religiosas tal como o faz
uma empresa comercial, com a finalidade de se obter lucros e expandir
empreendimentos. No caso da Igreja Renascer, tanto a expansão como a consolidação
ainda estão em processo contínuo. Percebemos que os planos desta instituição religiosa
são cada vez mais ambiciosos, tendo em vista a aquisição de novas concessões de rádios
e TV, bem como a ampliação de seu espaço na sociedade brasileira.
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www.gospelrecords.com.br
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