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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO ULBRA A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA CLÁUDIA FONSECA TUTIKIAN PORTO ALEGRE, RS, SETEMBRO DE 2006.

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO

ULBRA

A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA NA EFETIVAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

CLÁUDIA FONSECA TUTIKIAN

PORTO ALEGRE, RS, SETEMBRO DE 2006.

2

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO

A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA NA EFETIVAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

CLÁUDIA FONSECA TUTIKIAN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil para obtenção do título de Mestre em Direito Orientador: Dr. Luciano Benetti Timm

PORTO ALEGRE, RS, SETEMBRO DE 2006.

3

A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA NA EFETIVAÇÃO DO

DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

POR

CLÁUDIA FONSECA TUTIKIAN

Dissertação submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de

Mestre em Direito

Área de Concentração: Direitos Fundamentais

Orientador: Prof. Dr. Luciano Benneti Timm

Comissão de Avaliação: Dr. Gustavo Assed Ferreira

Dr. Luís Fernando Franceschini da Rosa

Dr. Cristiano Rosa de Carvalho

Prof. Dr. Wilson Steinmetz

Coordenador do PPGDir

4

SUMÁRIO:

RESUMO ....................................................................................................................................... 7

ABSTRACT .................................................................................................................................. 8

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 9

I. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ............................................................................ 15

1. Direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1988 .............................................. 15

1.1. Proibição de retrocesso dos direitos fundamentais sociais – prisma da segurança jurídica e

dignidade da pessoa humana ........................................................................................................ 19

1.2. Direito Fundamental Social à Moradia .................................................................................. 25

1.2.1. Conceito e Histórico ........................................................................................................... 25

1.2.2. O que já foi efetivado no direito à moradia ........................................................................ 28

2. Formas de implementação dos direitos sociais ......................................................................... 29

2.1. Esfera positiva ....................................................................................................................... 32

2.2. Esfera negativa ...................................................................................................................... 37

3. A ineficácia da Constituição ..................................................................................................... 39

3.1. A crise econômica do Estado ................................................................................................. 43

3.2. O custo dos direitos sociais ................................................................................................... 46

4. A visão da economia dos direitos fundamentais sociais, em especial do direito à moradia ..... 50

4.1. Qual a situação atual do direito à moradia ............................................................................ 54

4.2. Alternativa para implementar o direito à moradia: incorporação imobiliária ....................... 55

2. DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA .............................................................................. 61

1. Aspectos gerais ......................................................................................................................... 61

1.2. Legislação aplicável .............................................................................................................. 63

1.3. Conceito de incorporação imobiliária .................................................................................... 64

1.3.1. Definição de incorporador .................................................................................................. 69

1.4. Nascimento da incorporação imobiliária ............................................................................... 72

2. Sistematização da Lei de Incorporação Imobiliária .................................................................. 75

2.1. Do procedimento registral ..................................................................................................... 77

2.2. Do memorial de incorporação ............................................................................................... 79

2.2.1. Título de propriedade do terreno ........................................................................................ 81

5

2.2.2. Certidões ............................................................................................................................. 82

2.2.3. Histórico vintenário do imóvel ........................................................................................... 87

2.2.4. Projetos ............................................................................................................................... 88

2.2.5. Cálculos .............................................................................................................................. 91

2.2.6. Memorial descritivo ............................................................................................................ 92

2.2.7. Custo da obra ...................................................................................................................... 93

2.2.8. Discriminação das frações ideais ........................................................................................ 93

2.2.9. Minuta de convenção de condomínio ................................................................................. 95

2.2.10. Declaração do preço ......................................................................................................... 96

2.2.11. Procuração ....................................................................................................................... 97

2.2.12. Prazo de carência .............................................................................................................. 97

2.2.13. Atestado de idoneidade financeira .................................................................................... 99

2.2.14. Box de estacionamento ..................................................................................................... 99

3. Da incorporação imobiliária e da individuação ...................................................................... 100

3.1. Dos efeitos do registro da incorporação imobiliária ............................................................ 104

3.2. Da contratação ..................................................................................................................... 107

3.3. Da averbação e da transcrição da propriedade .................................................................... 113

4. A necessidade da incorporação imobiliária na sociedade ....................................................... 115

5. Da função social da incorporação imobiliária ........................................................................ 117

3. A MELHOR INTERPRETAÇÃO DA LEI DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

COMO MECANISMO DE EFICÁCIA MÁXIMA E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO

FUNDAMENTAL SOCIAL À MORADIA ........................................................................... 119

1. Da análise econômica do instituto da incorporação imobiliária versus eficácia do direito

fundamental social à moradia ..................................................................................................... 119

2. O que é necessário para fortalecer o instituto da incorporação imobiliária? .......................... 122

2.1. Papel institucional do Estado ............................................................................................... 125

2.2. Mercado imobiliário ............................................................................................................ 132

2.3. Confiança e certeza jurídica ................................................................................................. 135

2.4. Uniformização ..................................................................................................................... 139

2.5. Eficácia da incorporação imobiliária ................................................................................... 143

3. O que pode ser implementado para desenvolver o instituto da incorporação imobiliária? .... 145

6

3.1. Mecanismos de segurança e confiança jurídica para o incorporador .................................. 146

3.1.1. Garantia do recebimento do preço do imóvel ................................................................... 147

3.1.1.1. Segurança frente à inadimplência .................................................................................. 154

3.1.2. Conveniência da utilização da Lei nº 9.514/97 ................................................................ 156

3.1.3. Decisões judiciais ............................................................................................................. 158

3.1.4. Retificação de matrícula ................................................................................................... 168

3.2. Mecanismos de segurança e confiança jurídica para o adquirente ...................................... 169

3.2.1. Patrimônio de afetação ..................................................................................................... 172

3.2.2. Seguro ............................................................................................................................... 175

3.3. Outras alternativas ............................................................................................................... 176

CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 177

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 182

7

RESUMO:

O trabalho examina formas para atingir a efetividade e eficácia do direito fundamental

social à moradia; pretendendo superar as “promessas” constitucionais deste direito para alcançar

a implementação do acesso à moradia, em larga escala.

Para atingir este objetivo, o presente estudo considera o instituto da incorporação

imobiliária, como capaz de reduzir o déficit habitacional, valendo-se, principalmente, de recursos

privados, poupando os escassos recursos públicos.

Pela análise econômica do direito e, especialmente, dos efeitos do instituto da

incorporação imobiliária, o trabalho quer demonstrar que haverá considerável redução dos custos

de transação, o que, possivelmente, provocará uma redução do preço final dos imóveis,

possibilitando o acesso à moradia a um maior número de adquirentes, beneficiando, por

conseqüência, o interesse da sociedade.

8

ABSTRACT:

This work examines ways to achieve effetivness and efficiency in social fundamental

right for housing; intending to over pass constitutional “pledges” and to reach the implementatin

of acess to housing in large seale.

To reach this aim, the present work has considered the real state incorporation institute

able to reduce the housing deficit using mainly private money, to save limitted public funds.

Analysing this rigth on the economic point of view, specially the effects on the real state

incorporation institute, this work wants to demonstrate that the cost of transaction will be

considerable reduced, what will probably cause a reduction to the final price of the property and

will aloud access to housing for a larger number of buyers and consequentely, bringing benefit to

the ineterest of society.

9

INTRODUÇÃO:

A Constituição de 1988 visa, notadamente, à promoção do bem-estar do indivíduo,

através, especialmente, dos direitos fundamentais. Destarte, dispondo-se a atender a sua

finalidade de melhoria das condições de vida, a Constituição ampliou significativamente o rol dos

direitos sociais – inclusive, tendo o direito à moradia passado a ocupar lugar de destaque, como

direito fundamental, após a emenda nº 26/2000 – aspirando a, por conseqüência, atingir e

assegurar a dignidade da pessoa humana.

Desta forma, o objetivo primordial do presente trabalho é o exame do direito fundamental

social à moradia, conforme prevê art. 6º da Constituição Federal; notadamente, quanto à busca de

soluções rápidas, eficazes e com custo reduzido para a efetivação deste direito, zelando por uma

das opções mais adequadas: o instituto da incorporação imobiliária.

Através deste estudo, pretende-se apontar, nos seus pormenores, o porquê do mecanismo

da incorporação imobiliária ser uma alternativa viável para a tentativa de proporcionar a almejada

eficácia e efetividade do direito fundamental social à moradia, em larga escala e com habitações

dignas.

Para que seja possível entender os motivos da opção pelo instrumento da incorporação

imobiliária, é necessário que seja apreciada a conjuntura do déficit habitacional versus

crescimento da população, que se traduz em ilimitadas necessidades, e, em contrapartida,

considerando a condição financeira do Estado e a escassez de recursos financeiros públicos.

Neste cenário, o estudo utilizará o método análise econômica do direito.

A título de objetivos específicos são formulados três questionamentos infra elencados, que

serão examinados e desenvolvidos, respectivamente, nos três capítulos da dissertação:

O questionamento do primeiro objetivo: qual a noção atual da doutrina constitucional

acerca do dever do Estado de promover o direito à moradia?

10

A resposta sumária do primeiro objetivo: a moradia é um direito constitucionalmente

assegurado, incumbindo ao Estado o emprego de medidas para assegurar a sua concretização e

satisfação das necessidades da população. Como qualquer direito fundamental, as disposições do

art. 6º da Constituição Federal possuem eficácia imediata e devem ser interpretadas de forma a

obter a maior efetividade possível. Para garantir tal condição, o Estado tem duas ferramentas

básicas: através do implemento material e da função regulamentadora.

Este primeiro objetivo específico será detalhadamente estudado no decorrer do primeiro

capítulo; inclusive esclarecendo o contexto atual do modelo de Estado, o histórico dos direitos

fundamentais sociais no constitucionalismo, acerca da necessidade ou não de regulamentação das

normas programáticas em geral e relativas aos direitos sociais, a possibilidade ou não de suprimir

direitos oferecidos, elucidando a ineficácia da Constituição em razão do extenso e custoso rol dos

direitos colocados à disposição dos cidadãos e analisando, sob este prisma, a crise econômica do

Estado.

Este capítulo tratará, notadamente, do direito social à moradia. Inicialmente, situando o

direito em uma contextualização histórica e conceitual, demonstrando os avanços e a sua atual

situação do direito à moradia, seguindo pela apreciação das possibilidades de implementá-lo, de

forma mais ampla possível, tudo isto aliado a uma visão econômica deste direito. Por fim,

indicando o instrumento da incorporação imobiliária como apto a atender as pretensões supra

narradas.

A perquirição do segundo objetivo: atualmente, de que forma o instituto da incorporação

imobiliária implementa o direito fundamental social à moradia?

A resposta sucinta do segundo objetivo: a incorporação imobiliária é o instituto

implementado pelo Estado para, de forma segura e menos onerosa, viabilizar e promover o

11

acesso à moradia, além de desenvolver o setor da construção civil e, por conseqüência, fomentar

a economia do país.

O segundo capítulo analisará, de forma detalhada, o instrumento da incorporação

imobiliária, demonstrando que a maximização do direito fundamental à moradia depende de uma

adequada regulação legal e fiscalizatória do instituto, além da correta aplicação dos ditames da lei

em todos os setores – tanto pelos Registros de Imóveis, como pelos incorporadores,

consumidores, Poder Judiciário, etc. Assim, haverá esclarecimentos de toda ordem acerca da

adequada sistematização da Lei das Incorporações Imobiliárias, visando a almejada eficácia e

efetividade do direito à moradia.

O questionamento do terceiro objetivo: através da análise econômica do instituto, o que a

incorporação imobiliária pode fazer para ampliar a efetividade do direito à moradia?

A resposta sintética do terceiro objetivo: objetivando ampliar a eficácia do instituto da

incorporação imobiliária e, por conseqüência, a efetividade do direito à moradia, urge

primeiramente o adequado atendimento da lei específica, primando pela análise econômica do

instituto. Após, visando a ampliar as possibilidades, é possível a criação de medidas adicionais

aspirando a segurança jurídica e a proteção do mercado imobiliário. Tal situação redundará,

inclusive, em desenvolvimento da economia, o que, certamente, trará vantagens à sociedade,

sobretudo na forma de efetivação do direito à moradia.

Conclui-se, portanto, imprescindível destacar a necessidade de haver uma política de

habitação para promover e fomentar o direito à moradia, de forma cada vez mais abrangente e

eficiente, mas com nítida direção política e social, subordinando-se aos recursos financeiros

estatais e aos ditames da economia, jamais o inverso.

Frise-se, a essencialidade do instrumento da incorporação imobiliária aliado a uma visão

econômica se define em razão de que deverá haver o fomento do acesso à moradia, em larga

12

escala, e sem a utilização dos escassos recursos públicos. Alerta-se, as moradias, através da Lei nº

4.591/64, deverão ser construídas com capital privado, o chamado “financiamento direto” dos

próprios adquirentes, o qual é bem menos oneroso e, por conseqüência, recomendável pela

análise econômica.

Desta forma, a eficiência se produzirá, possivelmente, por dois motivos: (i) a classe

privilegiada financiará a sua própria moradia, o que será menos custoso e, portanto, poderão ter

residências com preços mais acessíveis, logo, há ampliação do acesso à moradia; (ii) com a classe

favorecida custeando sua própria moradia, naturalmente, minimizará o problema dos recursos

destinados à moradia e o Estado poderá destiná-los exclusivamente ao estrato social mais carente.

Nesta linha de raciocínio, é que a incorporação imobiliária implementará, em larga escala,

o direito à moradia. Nesta ordenação, a Lei nº 4.591/64 concretizará o direito à moradia para a

classe favorecida diretamente; e, para a classe com menos condições financeiras esta

materialização se dará de forma indireta, ao deixar os recursos públicos disponíveis. Claro que,

tão logo a situação seja mais promissora, após a adequação do instituto nos moldes propostos no

terceiro capítulo, pretende-se a sua ampliação e direcionamento também à classe mais

necessitada.

Além deste benefício direto e imediato, a dinamização do instituto da incorporação

imobiliária ainda propicia o estimulo da construção civil, uma das grandes alavancas do

desenvolvimento econômico, com criação de empregos, especialmente de baixa qualificação,

ampliação da renda e circulação de riqueza; fomentando a economia nacional.

Ressalta-se, a relevância social e jurídica deste tema é patente, pois as expectativas

relacionadas à implantação do direito fundamental social à moradia acendem, sob os mais

variados prismas, acalorados debates e intermináveis dúvidas; principalmente, em relação a

13

alternativas e soluções viáveis, seja em relação à incorporação imobiliária ou a outros institutos.

Além de envolver outra questão de extrema divergência: a visão econômica do direito.

Diante do exposto, resta nítida a extrema relevância do tema da incorporação imobiliária

na atualidade, inclusive com papel de destaque, na medida em que é uma atividade que visa a

atender uma das necessidades humanas de maior importância – o direito fundamental social à

moradia. E quanto maior a ampliação do instituto, maior será a facilidade em atingir a sua função

social e econômica.

Para alcançar este desiderato, a técnica a ser utilizada é a pesquisa bibliográfica,

desenvolvida basicamente a partir de livros e artigos científicos nacionais.

O embasamento teórico a ser utilizado é abalizado, mormente, em três linhas distintas,

utilizando como base três autores específicos e a partir deste momento aprofundando: um em

relação a cada área da pesquisa; pois, o presente trabalho representa a união de três searas

distintas do direito para que se tenha condições de chegar ao resultado final almejado.

É necessário que haja a adesão: do direito constitucional, o qual tem como pressuposto a

analise da efetividade dos direitos sociais, especialmente do direito à moradia; do direito

econômico, que tem como hipótese o exame da questão dos custos dos direitos e da escassez de

recursos; e, ainda, do direito civil, mais especificamente o direito imobiliário, através do instituto

da incorporação imobiliária, o qual é apontado como uma possibilidade de viabilizar a eficácia do

direito à moradia (plano constitucional), sem envolver o dispêndio de recursos públicos em larga

escala (plano econômico).

Assim, em relação a cada um destes temas interligados para atingir o objetivo final do

trabalho, as obras mais importantes são: na área de direito constitucional: “O Direito

Fundamental à Moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo

e possível eficácia” de Ingo Wolfgang Sarlet; na área de direito econômico: “Introdução à Teoria

14

dos Custos dos Direitos – Direitos não nascem em árvores” de Flávio Galdino; e na área de

direito civil, especificamente direito imobiliário: “Da Incorporação Imobiliária” de Melhim

Namem Chalhub.

Assim sendo, surge a necessidade de utilizar o método de interpretação jurídica

sistemática, visto que o assunto é incipiente e, portanto, impõe um estudo dinâmico e

multidisciplinar, especialmente, em razão da carência de material doutrinário.

Definição de termos: [direito/moradia/efetivação/incorporação/imobiliária].

15

I. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

1. Direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1988:

A primeira Constituição brasileira a acolher os direitos sociais foi a Constituição de 1934.

Na carta magna vigente, o rol dos direitos sociais foi significativamente ampliado e,

Recentemente, após a emenda constitucional nº 26, de 2000, o direito social à moradia passou a

incorporar a categoria dos direitos fundamentais, sendo denominado: direito fundamental social à

moradia.

É manifesto que o objetivo primordial de algumas Constituições modernas, especialmente

a Constituição brasileira de 1988, é a promoção do bem-estar do indivíduo mediante os direitos

fundamentais1, 2 e 3, visando a assegurar condições dignas para a vida humana. E, segundo

Steinmetz4 (2004-a. p. 92) “Definitivamente, os direitos fundamentais são um acontecimento

jurídico e social da modernidade”.

Baracho (2002. p. 336), ao discorrer acerca do caráter prestacional da Constituição

Federal, aduz que “A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões

essenciais uma Constituição do Estado Social [...]”5 e 6.

1 “Portanto, os direitos fundamentais, no marco do Estado constitucional contemporâneo, continuam operando como limites ao poder do Estado” (STEINMETZ, 2004-a. p 82). 2 “Como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice do ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de normas de superior hierarquia” (SARLET, 2003. p. 68). 3 “Entre el concepto de normas de derecho fundamental y el de derecho fundamental existen estrechas conexiones. Siempre que alguien posue un derecho fundamental, existe una norma válida de derecho fundamental que le otorga este derecho” (ALEXY, 1997. p. 47). 4 “Uma das grandes conquistas do homem moderno são os direitos fundamentais. São instrumentos jurídicos, políticos e éticos a serviço da liberdade, da igualdade e da dignidade humana. São direitos aos quais a civilização não deve renunciar, porque representam a garantia da própria civilização contra a barbárie. O esforço permanente deve ser no sentido de [...] torná-los cada vez mais efetivos” (STEINMETZ, 2004-a. p. 80-81).

16

Os direitos fundamentais sociais estão previstos no art. 6º da Constituição Federal de

1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição”.

Conforme Moraes (2002. p. 202):

Os direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.

Claro resta, portanto, que visando a atingir o desiderato do bem-estar social da população,

a Constituição Federal contempla um vasto elenco de direitos individuais, inclusive de direitos

fundamentais sociais, os quais são a configuração do Welfere State7 e 8.

Ocorre que estes direitos, mesmo tendo o cuidado de garantir-lhes aplicabilidade imediata

da norma constitucional foram arrolados com vagueza semântica, de modo programático9, 10 e 11,

5 “A Constituição é a égide da paz, a garantia da ordem, sem a qual não há progresso nem liberdade” (MAXIMILIANO, 1996. p. 312). 6 “[...] O dizer de Ferrajoli é correto, então o constitucionalismo – na sua versão instituidora do Estado Democrático de Direito – não é somente uma conquista e um legado do passado; é, certamente, o legado mais importante do século XX e ainda será no século XXI. Mas a Constituição, enquanto conquista, programa e garantidora substancial dos direitos individuais e sociais, depende fundamentalmente de mecanismos que assegurem as condições de possibilidade para a implementação do seu texto [...]” (STRECK, 2002). 7 A organização estatal, até chegarmos no modelo de Estado atual, passou por significativas modificações. De acordo com os ensinamentos de Maluf (1995. p. 92-93), a classificação da evolução histórica estatal é dividida em quatro épocas: a Idade Antiga, a Idade Média, a Renascença e a Idade Moderna. 8 De acordo com Streck (2002), o Estado do Bem-Estar Social ou Estado Providência (welfare state) foi instituído para compatibilizar as promessas da modernidade com o desenvolvimento capitalista. 9 “Há, entretanto, outros direitos sociais como o direito ao lazer que são carentes de uma complementação sintática, não passando de meras intenções do constituinte para implementação no futuro. São as chamadas normas programas ou normas constitucionais programáticas” (SANTOS, 2004). 10 “As normas programáticas são as disposições que indicam os fins sociais a serem atingidos pelo Estado com a melhoria das condições econômicas, sociais e políticas da população, tendo em vista a concretização e cumprimento

17

não havendo a especificação exata do que seja cada um desses direitos. Enfim, não há uma

definição precisa do que consista a regra jurídica e sobre a abrangência do direito12.

Sarlet (2002) pontua perfeitamente a questão ao mencionar que a primeira dificuldade que

surge em relação aos direitos fundamentais constitucionais, em razão das normas programáticas,

é que há apenas uma referência genérica na Constituição acerca desses direitos, não havendo

qualquer definição sobre seu objeto.

A conseqüência da vagueza semântica dos direitos fundamentais sociais previstos na

Constituição é a inevitável necessidade de complementação da norma jurídica pelo legislador

ordinário, objetivando estabelecer os contornos desses direitos. Para tanto, deverá determinar seu

objeto, o alcance e as delimitações, além de estipular o modus de sua materialização13.

Canotilho (1994. p. 315) esclarece ser indispensável e, por vezes, até forçoso a

regulamentação da norma para que seja possível a materialização do direito constitucional: "Em

muitos preceitos constitucionais que contém normas programáticas [...] é possível detectar uma

dos objetivos fundamentais previstos na Constituição. São normas vagas, de grande densidade semântica, mas com baixa efetividade social e jurídica, não gerando em sentido estrito direitos subjetivos públicos para a população” (SANTOS, 2004). 11 Pontes de Miranda (1969. p. 106-127) define com precisão que: “normas programáticas são aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são programas dados à sua função”. 12 “Marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve dizer-se que hoje não há normas constitucionais programáticas. É claro que continuam a existir normas-fim, normas-tarefa, normas-programa que ‘impõe uma atividade’ e ‘ dirigem’ materialmente a concretização constitucional” (CANOTILHO, 1992. p. 132). 13 Sarlet (2004) expõe algumas objeções de outros doutrinadores em relação ao reconhecimento de uma proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais. Estes entendem que a proibição esbarra no fato de que os direitos sociais não estão, em regra, definidos na constituição, sendo indeterminável sem a intervenção do legislador infraconstitucional, de tal sorte que este deve dispor de uma quase absoluta liberdade de conformação nesta seara. E como tal, engloba também a autonomia para poder voltar atrás das próprias decisões. Os defensores desta tese esclarecem que esta liberdade está limitada pelo princípio da proteção da confiança e pela necessidade de justificação das medidas reducionistas. Em oposição, Sarlet afirma que esta concepção não pode ser acolhida, sob pena de outorgar ao legislador poder quase que ilimitado de dispor acerca dos direitos sociais, concluindo que se esta teoria fosse confirmada haveria a chancela para a fraude à constituição.

18

imposição, expressa ou implicitamente concludente, no sentido de o legislador concretizar os

grandes fins constitucionais [...]".

Nesta mesma linha de raciocínio, Sarlet (2002) afirma que quem vai definir o que é o

direito à saúde14, por exemplo, é o legislador federal, estadual e/ou municipal – dependendo da

competência legislativa prevista na Constituição. Por conseqüência, o legislador ordinário, além

do constituinte, também irá concretizar15 este direito.

As normas programáticas16 e 17, portanto, ainda que tenham aplicabilidade imediata,

exigem, antes de mais nada, leis de natureza infraconstitucional que as regulamentem. Ancançada

a normatização, há necessidade de que também sejam criados mecanismos e realizadas

providências administrativas e operações materiais para que atinjam as estruturas econômicas,

sociais e culturais subjacentes à Constituição (HORTA, 1995).

Cabe assinalar, presente este contexto – consoante já proclamou a suprema Corte

brasileira – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode

converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando

justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o

14 Importante alertar para observação de Silva (1982): “No caso da educação e saúde, por exemplo, já há na Constituição Brasileira dispositivos específicos que vinculam recursos e geram direitos subjetivos à população para cobrar do Governo uma atuação positiva nestes setores sociais com a criação de políticas públicas setoriais. Possuem, assim, alguns destes direitos sociais uma eficácia plena e imediata ou ao menos uma efetividade plena e contida”. 15 “A falta de concretização não poderá, de tal sorte, constituir obstáculo à aplicação imediata pelos juízes e tribunais, na medida em que o Judiciário – por força do disposto no art. 5º, § 1º da CF – não apenas se encontra na obrigação de assegurar a plena eficácia dos direitos fundamentais, mas também autorizado a remover eventual lacuna oriunda da falta de concretização, valendo-se do instrumental [...]” (SARLET, 2005. p. 268). Este entendimento até pode ser aceito, desde que, entretanto, os julgados se atenham a uma visão econômica dos seus efeitos. 16 Horta (1995. p. 223-224) ensina que “a aplicabilidade imediata da norma programática, que a doutrina contemporânea proclama, é questão diversa da exigibilidade por si mesma da norma constitucional”. 17 "[...] A distinção entre efeito positivo e efeito negativo, entre função de exigência e função de proibição ou, como atrás se referiu, entre heteronomia constitucional determinante positiva e negativa, traduz o sentimento da necessidade de uma melhor afirmação dos efeitos impositivo das normas programáticas". (CANOTILHO, 1994. p. 300).

19

cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213,

Rel. Min. Celso de Mello). Desta forma, urge a criação de medidas para implementar as regras de

caráter programático18, sob pena de configurar uma promessa constitucional.

Por outro lado, importante frisar que o legislador tem a liberdade de concretizar estes

direitos como melhor lhe prouver19, pois como definiu Krell (2002. p 22-23) "A constituição

confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em

que o direito social deve ser assegurado, o chamado livre espaço de conformação”.

Assim sendo, resta claro que o legislador infraconstitucional tem a obrigatoriedade e

liberdade no que concerne a regulamentação e implementação dos direitos sociais. Entretanto,

esta implementação dos direitos sociais deve ser feita da melhor forma possível, visando a

produção de efeitos destes direitos e que estes sejam eficazes. Para tanto, convém, antes da

implementação dos direitos, seja feita apreciação rigorosa do custo desses direitos e da escassez

de recursos públicos versus ilimitadas necessidades; enfim, uma análise de eficiência, visando a

evitar o desperdício de recursos públicos, os quais são escassos.

1.1. Proibição de retrocesso dos direitos fundamentais sociais – prisma da segurança

jurídica e dignidade da pessoa humana

A problemática abrange toda e qualquer forma de redução das conquistas sociais já

alcançadas, seja quando realizada no plano da legislação infraconstitucional ou da legislação

18 “O fato é que o Estado não estava preparado para oferecer tantos serviços e prestações sociais e econômicas à população. Acabou-se, então, por garantir estes direitos de modo programático, perdendo a Constituição certa juridicidade” (SANTOS, 2004). 19 Se, por um lado, a ordinarização da Constituição é prejudicial ao constitucionalismo; por outro lado, a falta de materialidade da Constituição é mais prejudicial ainda e para a sociedade em geral.

20

constitucional. Alerta-se, há autores que defendem a impossibilidade do retrocesso e outros tantos

que aceitam a redução parcial e, por vezes, até total.

Os direitos fundamentais sociais são essenciais para que as pessoas possam viver com o

mínimo de dignidade almejada e resguardada pela Constituição. Formalizados estes direitos, a

sociedade anseia por sua concretização e não pela sua redução ou extirpação.

Esta conjuntura é protegida pelo princípio da proibição de retrocesso20 e 21. Mas claro resta

que este princípio22 e 23 não tem caráter de regra absoluta24, insuscetível de nenhum tipo de

20 A dignidade da pessoa humana não exige apenas uma proteção em face de atos de cunho retroativo e sim também uma proteção contra medidas retrocessivas – as quais não podem ser tidas como propriamente retroativas, já que não alcançam as figuras dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Assim, por mais paradoxal que possa parecer, o retrocesso também pode ocorrer mediante atos com efeitos prospectivos, futuros. 21 Conforme Sarlet (2004. p. 121-168) os principais argumentos em prol do reconhecimento da proibição de retrocesso como sendo um princípio implícito que decorre do sistema constitucional são: (i) o princípio do Estado democrático e social de Direito, que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o qual necessariamente abrange a proteção da confiança e a manutenção de um nível mínimo de continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas; (ii) o princípio da dignidade da pessoa humana, que exige a implementação por meio de prestações positivas e, na perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste patamar; (iii) o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, contido no art. 5º, § 1º da CF, e que necessariamente abrange também a maximização da proteção dos direitos fundamentais. A segurança jurídica exige uma proteção também contra medidas de caráter retrocessivo; (iv) as manifestações específicas e expressamente previstas na constituição, no que diz com a proteção contra medidas de cunho retroativo; (v) o princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito, impõe ao poder público como exigência de boa-fé nas relações com os particulares; (vi) os órgãos estatais, especialmente como colário da segurança jurídica e proteção da confiança, encontram-se vinculados não apenas às imposições constitucionais no âmbito da sua concretização no plano infraconstitucional, mas estão sujeitos a uma certa auto-vinculação em relação aos atos anteriores, tanto o legislador, quanto à administração e órgãos jurisdicionais; (vii) negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos – poder público de modo geral – a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõe do poder de tomar livremente suas decisões, mesmo em flagrante desrespeito a vontade expressa do constituinte. 22 Sarlet (2001. p.158) cita Luís Roberto Barroso diz que “por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”. 23 A proibição de retrocesso assume, portanto, feições de verdadeiro princípio constitucional fundamental implícito, que pode ser conduzido tanto ao princípio do Estado de Direito – no âmbito da proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas inerentes á segurança jurídica – quanto ao princípio do Estado Social, na condição de garantia da manutenção dos graus mínimos de segurança social alcançados, sendo de resto, colário da máxima eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais sociais e do direito à segurança jurídica, assim como da própria dignidade da pessoa humana. 24 Em sentido oposto, Canotilho (1998) diz que “O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-

21

diminuição ou redução dos direitos sociais, visto ser uma solução extremamente radical e, ao

invés de trazer benefício, poderia acarretar em malefícios à sociedade.

É patente que o princípio aceita determinadas reduções, desde que, obviamente, não haja a

supressão de direitos pura e simplesmente25. Ou seja, alguma redução, com restrições, aos

direitos sociais já implementados poderá ser aceitável, mas a eliminação do direito sem a

implementação de um substitutivo26 é inadmissível; já que a supressão sem limites poderá vir a

afetar, em muitos casos, a própria dignidade da pessoa humana27.

Corroborando com este entendimento, Andrade (1987. p. 307-309) aduz que a proibição

de retrocesso social não pode ser tida como regra geral absoluta, sob pena de se colocar

seriamente em risco a indispensável autonomia da função legiferante – pois não se pode

considerar o legislador como órgão de mera execução de decisões constitucionais. Ademais, de

forma absoluta, a proibição de retrocesso social outorgaria aos direitos fundamentais uma eficácia

maior do que aquela atribuída aos direitos de defesa em geral, já que estes podem ser restringidos

pelo legislador, uma vez preservado seu núcleo essencial.

Sarlet (2005. p. 394), apesar de ser um pouco mais ortodoxo no tocante ao retrocesso do

que Andrade, também entende que não é possível encarar a proibição de retrocesso como uma se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado”. 25 “Em razão do princípio da proibição de retrocesso, pode-se sustentar que o direito à moradia não mais poderá ser suprimido do texto da Constituição, passando a integrar o elenco dos limites materiais (ainda que na condição de limite implícito) da nossa Constituição” (SARLET, 2003. p. 104-105). 26 “Para além disso (e este é o sentido estrito da proibição de retrocesso), encontra-se vedada a possibilidade de o legislador infraconstitucional desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio conferiu às normas constitucionais, notadamente quando se cuida de normas que, em maior ou menor escala, acabam por depender destas normas infraconstitucionais para alcançarem sua plena eficácia e efetividade, em outras palavras, para serem aplicadas e cumpridas pelos órgãos estatais e particulares. Assim, parece razoável sustentar que o legislador complementar pátrio não poderia revogar integralmente ou em aspectos essenciais – sem oferecer qualquer alternativa compensatória similar [...]” (SARLET, 2003. p. 105). 27 “[...] que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado [...]” (SARLET, 2004-dig. p. 41).

22

regra geral de cunho absoluto. As razões principais de Sarlet são duas: (i) a redução da atividade

legislativa apenas à execução pura e simples da Constituição é insustentável; (ii) se esta solução

radical fosse acatada, poderia conduzir a uma espécie de transmutação integral das normas

infraconstitucionais em direito constitucional, além de inviabilizar o seu próprio

desenvolvimento.

Já quando se refere ao núcleo essencial da norma, a situação é diversa e torna-se mais

intransigente. É imprescindível registrar que o Poder Público não pode, uma vez concretizado

determinado direito social no plano da legislação infraconstitucional, mesmo com efeitos

prospectivos, suprimi-lo, relativizá-lo ou restringi-lo quando afetar o núcleo essencial do direito

social constitucionalmente assegurado28; pois este núcleo está diretamente ligado ao princípio da

dignidade da pessoa humana e ao conjunto de prestações materiais indispensáveis a uma vida

com dignidade29 – noção do mínimo existencial.

Ainda que se pretenda suprimir ou reduzir este conjunto de prestações básicas com a

ressalva dos direitos adquiridos não será possível, visto que esta conduta afeta o cerne material da

dignidade da pessoa humana e sempre se constituirá, caso haja alguma restrição, em uma

violação injustificável do valor máximo da ordem jurídica e social.

Nesta linha de raciocínio, Mendes (2002) foi taxativo ao afirmar “Já em relação aos

direitos fundamentais, o constituinte reconheceu que estes direitos são elementos integrantes da

28 Em sentido mais amplo, independente de afetar ou não o núcleo essencial, Canotilho assevera que “os direitos fundamentais assumem, uma vez concretizados em nível infraconstitucional, condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais na esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que tais direitos já não podem mais ser reduzidos ou suprimidos, pena de infração ao princípio da proteção da confiança, implicando inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançadas” (CANOTILHO, 1992. p. 474-475). 29 “Além disso, como já frisado, não se deverá olvidar que a dignidade – ao menos de acordo com o que parece ser a opinião largamente majoritária – independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos” (SARLET, 2004-dig. p. 43-44).

23

identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer

reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4o)”.

Observa-se, o princípio do retrocesso tem como sustentáculo a segurança jurídica e da

dignidade da pessoa humana; princípios estes que são profundas aspirações humanas, sendo que a

segurança jurídica garante a paz social e estabilidade nas relações e da própria ordem jurídica.

Outrossim, os direitos fundamentais, ao menos inicialmente e com intensidade variada,

constituem explicitações do princípio fundamental da dignidade da pessoa, assegurando um

mínimo de segurança jurídica.

Assim, pode-se definir o princípio da dignidade da pessoa humana como:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2004-dig. p. 135).

Uma situação corriqueira é, na hipótese concreta, surgir a necessidade de haver uma

ponderação dos direitos que entrem em rota de colisão. A solução para este conflito será através

do critério de razoabilidade respeitando sempre a dignidade da pessoa humana. Corroborando

com este entendimento, Sarlet (2004-dig. p. 135):

Em se admitindo – na esteira de Alexy – que mesmo a dignidade comporta diversos níveis de realização e, portanto, uma certa graduação e relativização, desde que não importe em sacrifício da dignidade da pessoa, como norma jurídica fundamental, possui um núcleo essencial e, portanto, apenas este (na hipótese de uma necessária harmonização da dignidade de diversas pessoas), por via de conseqüência, será inatingível.

24

Continua Sarlet (2003. p. 102-103)30 e 31 para justificar o seu posicionamento

exemplificando o direito à moradia: “Da mesma forma, verifica-se a ocorrência de conflitos (ou

colisões, se preferirmos) entre o direito à moradia de pessoas situadas em pólos opostos da

demanda, por vezes, ambos igualmente carentes de recursos [...]. Princípio da

proporcionalidade, que, por sua vez, sempre acaba por implicar uma ponderação de bens ou

interesses [...]. O direito à moradia não poderá ser considerado um direito absoluto, já que

sempre sujeito a conflito com direitos igualmente existenciais [...]”.

Desta forma, não há como impedir, de forma absoluta, a restrição de direitos, justificada,

inclusive, pela colisão de direitos por vezes da mesma grandeza, o que requer uma ponderação ou

relativização, fazendo com que um direito tenha de ceder espaço para o outro direito.

Convém salientar que o legislador infraconstitucional, ao editar normas visando a redução

da implementação de direitos fundamentais sociais já conquistados, terá de considerar em que

grau tais medidas redutivas, ainda que com efeitos prospectivos, serão prejudiciais, seja no

âmbito individual ou coletivo da ordem jurídica e social.

Por fim, é importante considerar que este princípio deve ser sempre analisado de forma

cautelosa, já que, por vezes, poderá vir a engessar o Estado, que deverá priorizar uma análise de

eficiência considerando os escassos recursos públicos versus as ilimitadas necessidades.

30 “Finalmente, hay que mencionar colisiones de derechos fundamentales sociales con otros derechos fundamentales sociales como asi también colisiones entre derechos fundamentales sociales y bienes colectivos” (ALEXY, 2002. p. 493). 31 “A aplicação do princípio da proporcionalidade, no âmbito das restrições ou limitações de direitos fundamentais – e é esse âmbito que aqui interessa, porque, primeiro, a colisão de direitos fundamentais (seja em sentido amplo, seja em sentido estrito), dado o caráter principal dos direitos fundamentais, é uma colisão de princípios e, segundo, a colisão de direitos fundamentais é um dos fenômenos que se materializam como restrição ou limitação destes direitos -, pressupõe a estruturação de uma relação meio-fim, na qual o fim é o objetivo ou finalidade perseguida pela restrição e o meio é a própria decisão normativa (legislativa, administrativa, judicial ou contratual) limitadora que pretende tornar possível o alcance ou a promoção do fim almejado. O princípio da proporcionalidade ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar ou promover e o meio utilizado deve ser adequada, necessária e proporcionada” (STEINMETZ, 2004. p. 211-212).

25

1.2. Direito fundamental social à moradia

1.2.1. Conceito e histórico

O direito à moradia é um dos pressupostos básicos do ser humano, tanto que está

intrinsecamente ligado ao princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana.

Somente com a satisfação de suas necessidades existenciais básicas – os direitos fundamentais

sociais, notadamente o direito à moradia – é que o homem poderá usufruir de uma vida digna.

Souza (2004. p. 339) define bem a questão: “[...] a moradia envolve uma necessidade

basilar do ser humano, tão essencial quanto a vida, elevada para muitos a condição sine qua non

de existência digna do ser”.

Corroborando com esta afirmação é a definição de Sarlet (2003. p. 86-87) sobre o direito à

moradia:

O direito à moradia exige parâmetros mínimos indispensáveis para uma vida saudável: segurança jurídica para posse, infra-estrutura básica, as despesas de manutenção da moradia não podem comprometer outras necessidades básicas, a moradia deve oferecer condições de efetiva habitabilidade, acesso em condições razoáveis à moradia, localização que permita o acesso ao emprego, saúde, educação e outros serviços sociais essenciais.

E, ainda, neste mesmo sentido, Souza (2004. p.135) define:

[...] o direito à moradia deve estar intimamente relacionado a outros direitos, já que pelo fato de morar sob um teto, em um local determinado, tem-se também direito a outros direitos, como o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, ao sigilo de correspondência de sua residência, ao segredo doméstico, ao sossego, à educação, à saúde, pois não há como admitir o exercício de um direito sem o outro, porquanto são tão essenciais que se unem em um só indivíduo, de forma que não se pode separá-los integralmente ou definitivamente. Não há como obter vida digna dentro de situações subumanas, como aquelas em que falta, por exemplo, saneamento básico.

26

É essencial, portanto, para que as pessoas possam se desenvolver em um ambiente

saudável que vivam com dignidade e se integrem com naturalidade à sociedade, que tenham o

seu direito à moradia resguardado.

É importante alertar que o direito à moradia tem de ter um padrão limite atendido, pois

não basta ser apenas uma moradia, tem de ser uma moradia digna, com os padrões mínimos de

habitabilidade. Sarlet pontua a questão de forma bem específico (2003. p. 87): “O direito à

moradia não pode ser interpretado como sendo apenas um teto sobre a cabeça ou espaço físico

para viver, pressupondo a observância de critérios qualitativos mínimos”.

Neste mesmo sentido, Silva (2002. p. 313) define: “O conteúdo do direito à moradia

envolve não só a faculdade de ocupar uma habitação. Exige-se que seja uma habitação de

dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e

a privacidade familiar [...]". Sintetiza Silva (2002. p. 313) “[...] Em suma, que seja uma

habitação digna e adequada [...]”.

Enfim, conclui-se que é necessário, para que a pessoa possa se desenvolver

saudavelmente e possa viver com dignidade, que tenha os seus direitos basilares atendidos,

especialmente e inclusive, o direito a uma moradia adequada, com os padrões mínimos de

habitabilidade32.

Entretanto, convém enfatizar que o direito à moradia não garante o direito à propriedade.

Para que se atinja a aspirada efetividade do direito à moradia basta que se obtenha uma moradia

digna para residir. Registra-se, o direito à moradia é distinto do direito à propriedade; estes

direitos, eventualmente, até podem ser coexistentes, quando, por exemplo, o morador detém

também a propriedade do bem. Mas, em linhas gerais, são direitos independentes.

32 Entende-se por padrões mínimos de uma residência, a moradia que tenha condições de habitabilidade, como, por exemplo, possua uma metragem condizente com o número de moradores, possua rede de esgoto, de água potável, de energia elétrica, tenha toda infra-estrutura.

27

Nesta mesma linha de raciocínio, Silva (2002. p. 313) esclarece:

O direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc, para nele habitar. No morar encontramos a idéia básica da habitualidade no permanecer ocupando uma edificação [...] O direito à moradia não é necessariamente direito à casa própria. Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a família de modo permanente [...].

De outra banda, o pleito pelo direito à moradia é de longa data. Em que pese ter sido o

direito à moradia incorporado à Constituição, como direito fundamental social, no art. 6º, apenas

no ano de 2000, através da Emenda Constitucional nº 26, constata-se que na própria

Constituição/1988 já havia menção expressa à moradia em outros dispositivos, seja no art. 5º,

XXIII, seja no art. 7º, no art. 24, no art. 170, III, no art. 183 ou no art. 191.

Além do mais, o direito à moradia já havia sido ratificado e incorporado ao nosso

ordenamento jurídico – o Brasil é signatário dos principais instrumentos internacionais sobre o

assunto. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948, foi o primeiro

reconhecimento pela ordem jurídica internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Posteriormente, também houve A consideração do direito à moradia no Pacto Internacional dos

Direitos Sociais, Econômicos e Culturais em 1966, e pela nova Carta de Direitos Fundamentais

da União Européia em 2000 (SARLET, 2003. p. 75-76).

Outrossim, a ONU promoveu conferências para tratar dos assentamentos humanos. Na

Declaração de Vancouver, Habitat I, em 1976, ficou definido que a moradia adequada constitui

um direito básico da pessoa humana. E na Declaração de Istambul, Habitat II, em 1996, houve

minuciosa previsão do direito à moradia (SARLET, 2003. p. 77).

A seguinte definição delineada por Souza (2004. p. 119) retrata com clareza a importância

do direito à moradia: “Portanto, o Estado tem o dever de garantir à moradia, em nível de vida

adequado com a condição humana, respeitando os princípios fundamentais da cidadania [...]”.

28

Considerando que hoje o Estado não tem condições, devido aos escassos recursos

públicos versus ilimitadas necessidades, de garantir este direito de forma satisfatória, procurou-se

través do presente trabalho priorizar uma interpretação econômica acerca do direito

constitucional à moradia, entendendo que esta é um das possíveis alternativas para buscar

alcançar a almejada eficácia e efetividade deste direito de vital importância.

1.2.2. O que já foi efetivado no direito à moradia

Apesar dos incontáveis esforços realizados para a criação e implementação de políticas e

medidas para a promoção e fomento do direito à moradia, este é um direito de difícil satisfação

da comunidade, assim como é de complexo atingimento um patamar mínimo aceitável de

moradias dignas disponíveis à população.

A situação fica ainda mais crítica quando analisada a velocidade de implementação de

políticas habitacionais em relação à carência de moradias dignas do país e a estimativa

populacional do Brasil; torna-se mais grave se esta avaliação for ponderada em face da escassez

dos recursos públicos.

Mesmo assim, são inúmeras as conquistas no setor habitacional a serem aplaudidas ou, no

mínimo, respeitadas, que tem contribuído para a implementação do acesso à moradia. Como

exemplo: as diversas formas de usucapião (extraordinário, extraordinário especial, ordinário,

ordinário especial, constitucional urbano, constitucional rural, coletivo), concessão de direito real

de uso e do uso especial para fins de moradia, direito de superfície, direito de perempção

regulado pelo Estatuto da Cidade, os assentamentos, construção de casas populares,

arrendamento residencial (PAR), regularização fundiária, Sistema Financeiro de Habitação33, o

33 “A criação do Banco Nacional da Habitação, por meio do Sistema Financeiro de Habitação, foi uma das medidas governamentais que buscaram atenuar a problemática habitacional, que se revelou como elemento essencial à

29

Sistema Financeiro Imobiliário, alienação fiduciária de imóveis, incorporação imobiliária,

patrimônio de afetação, entre outros34.

Na atual conjuntura do direito à moradia, pode-se afirmar que muito já foi feito pelo

Poder Público e muito, ainda, se pretende fazer; não obstante, a demanda elevada em relação à

pouca oferta, proporcionalmente falando. A carência habitacional cresce em intensidade de

progressão geométrica, enquanto que os recursos financeiros públicos do Estado se mantém

escassos.

Desta forma, torna-se imprescindível e iminente se formular uma política de habitação

que promova e fomente o direito à moradia, de forma abrangente e eficiente, mas com nítida

direção política, social e econômica. Claro que sempre considerando os limites orçamentários do

Estado e que necessitará do auxílio do capital e know how privado, pois caso contrário ficará

muito difícil solucionar o problema da moradia no país de forma célere e eficaz. Por estas razões,

reitera-se a necessidade de uma análise de eficiência no setor.

2. Formas de implementação dos direitos sociais – âmbito positivo e negativo

Os direitos fundamentais sociais podem ser efetivados através da esfera positiva

(prestações) ou negativa (defesa)35, ou, em alguns casos, através de ambas as situações.

indústria da construção civil, já que pôs uma grande massa de recursos à disposição dos negócios imobiliários [...]” (SOUZA, 2004. p. 56). 34 “No Brasil não é novidade a carência de políticas que tenham almejado solucionar a questão da falta de moradias, sobretudo ao público consumidor de classe baixa. Várias foram as tentativas realizadas pelo Poder Público, algumas surtiram efeito, outras não. [...]” (MARTINEZ, 2006. p. 9). 35 “Enquanto direitos de defesa, os direitos fundamentais asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário. Se o Estado viola esse princípio, dispõe o indivíduo da correspondente pretensão que pode consistir, fundamentalmente, em uma: (i) pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch); (2) pretensão de revogação (Aufhebungsanspruch), ou, ainda, em uma (3) pretensão de anulação (Beseitigungsanspruch). Os direitos de defesa ou de liberdade legitimam ainda duas outras pretensões adicionais: (4) pretensão de consideração (Berücksitigungsanspruch), que impõe ao Estado o dever de levar em conta a situação do eventual afetado, fazendo

30

Como exemplo da dupla incidência36 e 37 de esferas, Sarlet (2002) cita o direito à saúde:

Os direitos fundamentais em direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações (positivos), é o fato de que o direito à saúde pode, dependendo de sua função no caso concreto, ser reconduzido a ambas as categorias, o que, como ainda se terá oportunidade de verificar, acarreta reflexos importantes no âmbito da eficácia e da efetividade.

Continuando, Sarlet (2002) esclarece que o direito à saúde, por exemplo, pode ser

simultaneamente tanto um direito de defesa – no sentido de impedir ingerências indevidas por

parte do Estado ou de terceiros na saúde do titular – como um direito à prestação. Esta última é a

dimensão mais problemática, pois impõe ao Estado a realização de políticas públicas que

busquem a efetivação deste direito para população, como atendimento médico e hospitalar,

as devidas ponderações; e (5) pretensão de defesa ou de proteção (Schutzanspruch), que impõe ao Estado, nos casos extremos, o dever de agir contra terceiros. A Constituição outorga, não raras vezes, garantia a determinados institutos, isto é, a um complexo coordenado de normas, tais como a propriedade, a herança, o casamento, etc. Outras vezes, clássicos direitos de liberdade dependem, para sua realização, de intervenção do legislador. Assim, a liberdade de associação (CF, art. 5º, XVII) depende, pelo menos parcialmente, da existência de normas disciplinadoras do direito de sociedade (constituição e organização de pessoa jurídica, etc.). Também a liberdade de exercício profissional exige a possibilidade de estabelecimento de vínculo contratual e pressupõe, pois, uma disciplina da matéria no ordenamento jurídico. O direito de propriedade, como observado, não é sequer imaginável sem disciplina normativa. Da mesma forma, o direito de proteção judiciária, previsto no art. 5º, XXXV, o direito de defesa (art. 5º, LV), e o direito ao juiz natural (art. 5º, XXXVII), as garantias constitucionais do habeas corpus, do mandado de segurança, do mandado de injunção e do habeas data são típicas garantias de caráter institucional, dotadas de âmbito de proteção marcadamente normativo. Entre nós, Ingo Sarlet assinala como autênticas garantias institucionais no catálogo da nossa Constituição a garantia da propriedade (art. 5º, XXII), o direito de herança (art. 5º, XXX), o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII), a língua nacional portuguesa (art. 13), os partidos políticos e sua autonomia (art 17, caput e §1º). Também fora do rol dos direitos e garantias fundamentais (Título II) podem ser localizadas garantias institucionais, tais como a garantia de um sistema de seguridade social (art. 194), da família (art. 226), bem como da autonomia das universidades (art. 207), apenas para mencionarmos alguns dos exemplos mais típicos” (MENDES, 2002). 36 “Como exemplo, referimos aqui o direito à moradia, que, na condição de direito a ações positivas (fáticas ou normativas) voltadas à promoção e satisfação das necessidades materiais ligadas à moradia, pode ser definido como direito a prestações. Por outro lado, a moradia (agora na condição de direito negativo) também é protegida contra ingerências externas, sejam elas oriundas do Estado, sejam elas advindas de esfera jurídico-privada. Temos, portanto, que um mesmo direito fundamental, abrange muitas vezes um complexo de posições jurídicas, isto é, de direitos e deveres, negativos e positivos” (SARLET, 2005. p. 224). 37 “Ademais, também o direito à moradia reveste-se da complexidade peculiar dos direitos fundamentais, notadamente dos sociais, já que abrange um conjunto heterogêneo de posições jurídicas objetivas e subjetivas, assim como assume uma dupla feição defensiva e prestacional. Na sua condição como direito de defesa (negativo) a moradia encontra-se protegida contra a violação por parte do Estado e dos particulares, no sentido de um direito da pessoa a não ser privada da moradia digna, inclusive para efeitos de uma proibição de retrocesso [...]” (SARLET, 2005. p. 331).

31

fornecimento de medicamentos, realização de exames, enfim toda e qualquer prestação para a

realização do direito à saúde.

Em relação ao direito à moradia, Sarlet (2003. p. 88) também o cita como exemplo de

dúplice aplicação, tanto como direito de defesa, como do direito prestacional:

O direito à moradia abrange um complexo de posições jurídicas, isto é, de direitos e de deveres que, seguindo a prestigiada fórmula de Alexy, assumem a condição negativa (defensiva) e positiva (prestacional). Em outras palavras, sustentaremos aqui o ponto de vista de que o direito à moradia exerce simultaneamente a função de direito de defesa e direito a prestações, incluindo tanto prestações de cunho normativo, quanto material (fático) e, nesta dupla perspectiva, vincula as entidades estatais e, em princípio, também os particulares, na condição de destinatários deste direito.

Esta dúplice aplicação das esferas se dá, especialmente, em função do princípio da

dignidade da pessoa humana38, o qual exige a implementação dos direitos fundamentais sociais

por meio de prestações positivas e, na perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que

fiquem aquém do patamar mínimo aceitável para uma vida digna39.

A dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite40 e obrigação do Estado,

levando-o ao cumprimento dos direitos fundamentais41 em suas duas dimensões e,

38 “[...] É na dignidade da pessoa humana que reside o fundamento primeiro e principal e, de modo particular, o alicerce de um conceito material dos direitos fundamentais”. Mais adiante “[...] Consignando que a intensidade da vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais é diretamente proporcional em relação à importância destes para a efetiva fruição de uma vida com dignidade, o que, por sua vez, não afasta a constatação elementar de que as condições de vida e os requisitos para uma vida com dignidade constituam dados variáveis de acordo com cada sociedade e em cada época” (SARLET, 2003. p. 80-81). 39 “[...] considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade [...] isso sem falar no direito à moradia (e, evidentemente, à moradia digna) [...]” (SARLET, 2004-dig. p. 89-90). 40 Assim como os direitos fundamentais também são limites ao Estado. “Os direitos fundamentais se apresentam, então, como limites a todos os poderes públicos” (STEINMETZ, 2004-p. p. 81). 41 “A dignidade da pessoa humana como comando constitucional será observada quando os componentes de uma moradia adequada forem reconhecidos pelo Poder Público e pelos agentes privados, responsáveis pela execução de programas e projetos de habitação e interesse social, como elementos necessários à satisfação do direito à moradia” (JÚNIOR, 2004. p. 149).

32

conseqüentemente, ao atingimento de uma vida digna de sua população com a efetiva

implementação e fruição dos direitos sociais, seja através da esfera42 positiva ou da negativa.

2.1. Esfera positiva

A implementação dos direitos sociais através da esfera positiva43, isto é, mediante o

direito a prestações, apresenta-se sob dois enfoques44: (i) da entrega efetiva das prestações, no

plano fático/material; (ii) da função legislativa do Estado, no plano normativo/jurídico.

Sarlet (2003. p. 108-109) vislumbra a possibilidade da dupla forma de prestações, a

material e a normativa:

O objeto dos direitos a prestações pode assumir a feição tanto de prestações fáticas (materiais) quanto normativas e que uma das principais – se não a principal – manifestações do dever de proteção do Estado (que, ao menos segundo expressiva doutrina, resulta num correspondente direito à proteção que tem como titular o particular) para com os direitos fundamentais consiste na edição de medidas legislativas com o objetivo de salvaguardar, de forma efetiva, o direito fundamental ou viabilizar a sua implementação [...].

Quanto à primeira forma de concretização dos direitos sociais, a esfera positiva, a

obrigação do Estado se resume em cumprir com efetividade e eficácia os direitos sociais da

coletividade, concretizando materialmente as prestações dos direitos sociais. Destarte, com

relação especificamente ao direito à moradia, o Estado deve promover políticas públicas que

favoreçam o acesso à moradia.

42 Galdino (2005.p. 163) ao diferenciar as esferas positivas, na sua primeira espécie, e negativas “esta é a distinção fundamental entre os direitos positivos e negativos. Os primeiros são objeto de colisão por força da escassez de recursos, ao passo que os segundo são indiferente a escassez”. 43 “Reconhecer um direito fundamental à moradia como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal) já que este reclama, na sua dimensão positiva, a satisfação das necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocamente destinados à proteção da dignidade” (SARLET, 2003. p. 79). 44 “[...] direitos sociais, identificados como direitos essencial e preponderantemente dirigidos a prestações positivas do Estado, sejam normativas ou fáticas [...]” (SARLET, 2005. p. 94).

33

Evidentemente que não se pode olvidar o problema dos recursos financeiros para a

satisfação destes direitos sociais na forma de efetiva entrega das prestações. Seria inimaginável a

situação caótica nas finanças do Estado diante de uma circunstância como a proposta por Sarlet

(2003. p. 107): “[...] o Poder Público pode (e deve) ser compelido a disponibilizar, no todo ou

em parte, uma moradia para os que demonstrarem a sua falta e a impossibilidade de aquisição

ou acesso por seus próprios meios”.

Além de esta conjuntura ser impraticável à realidade brasileira, seja pela sua extensão,

seja pela vasta população, seja pela escassez de recursos, criar-se-iam, ainda, outros problemas,

como, por exemplo: o de quem teria direito às prestações sociais?; o de se todos teriam direito ou

apenas quem necessitasse destas prestações?; o de quem seria considerado necessitado?; o de

qual seria o parâmetro a ser utilizado para reconhecer a necessidade dessas pessoas?; o de qual

seria a extensão e a dimensão desse direito?; o de que se seria em sua total amplitude ou

considerando o mínimo possível? Dúvidas estas de difícil solução45. Desta forma, impreterível se

faz a busca de soluções menos onerosas e mais eficazes.

Outrossim, torna-se importante, também, aventar a discussão existente acerca do mínimo

essencial ou do máximo possível. Há grande divergência entre os que entendem que o Estado tem

o dever de fornecer o mínimo existencial para uma vida digna46 – definindo as necessidades

45 Neste mesmo sentido, Bastos (1994. p. 130) define: “as normas programáticas são extremamente generosas quanto às dimensões do direito que disciplinam, e, por outro lado, são muito avaras nos efeitos que imediatamente produzem. A sua gradativa implementação, que é o que no fundo se almeja, fica sempre na dependência de resolver-se um problema prévio e fundamental: quem é que vai decidir sobre a velocidade dessa implementação? Pela vagueza do Texto Constitucional, essa questão fìca subordinada a uma decisão política. Trata-se, portanto, de matéria insuficientemente juridicizada. O direito dela cuidou, sim, mas sem evitar que ficasse aberta uma porta para o critério político”. 46 Este questionamento também é feito por Sarlet (2005. p. 328) “Ademais, será o Estado obrigado a prestar saúde de acordo com padrões mínimos, suficientes, em qualquer caso, para assegurar a eficácia das prestações, ou terão os particulares direito a serviços gratuitos da melhor qualidade (equipamentos de última geração, quarto privativo em hospitais, etc)? Cuida-se, também neste particular, do clássico dilema do Estado social no que concerne às suas funções precípuas, isto é, se deve limitar-se à tarefa de assegurar um patamar mínimo em prestações materiais,

34

básicas e determinando prioridades aos gastos públicos. E, somente, após atingir o mínimo

existencial optar por outros investimentos – e os que entendem que o Poder Público tem o dever

de dar o máximo possível – isto é, enquanto houver recursos disponíveis terá de fornecer o

melhor, ainda que seja mais do que o necessário a uma vida digna.

Outrossim, há quem defenda que a cláusula da reserva do possível (que é representada

pelo binômio: razoabilidade de pretensão versus disponibilidade financeira do Estado) não pode

ser invocada pelo Estado com a finalidade de se exonerar de suas responsabilidades e, assim, não

dar efetividade aos direitos constitucionais47; entretanto, os defensores desta teoria não

esclarecem de onde sairiam os recursos financeiros para atender a totalidade de exigências da

população.

A dificuldade basilar que o Estado enfrenta para satisfazer e implementar os direitos

sociais, através da esfera positiva e entrega efetiva das prestações, é a escassez dos recursos

financeiros públicos em face de ilimitadas necessidades. Por vezes, a situação financeira do

Estado é tão grave que mesmo Sarlet (2001), defensor da obrigação do Poder Público de

disponibilizar os direitos sociais, alerta:

Os direitos fundamentais sociais e a crise do Estado Social e Democrático de Direito – o dilema da manutenção de níveis satisfatórios de proteção social num contexto de crise: o Estado Social e Democrático de Direito está com problematização de sobrevivência e com conseqüentes dificuldades na efetiva implementação de padrões mínimos de justiça social, seja devido a fragilização das instituições estatais, seja peja pelo fortalecimento das esferas do poder econômico. O Estado-Providência está gravemente enfermo.

destinadas a promover a igualdade material no sentido de uma igualdade de oportunidades (ajuda para a auto-ajuda) ou se deve (a despeito da efetiva possibilidade de alcançar tal objetivo) almejar um padrão ótimo nesta seara”. 47 Em sentido oposto a tese defendida por Sarlet, e outros doutrinadores, há a teoria defendida por Galdino, entre outros – de que a visão econômica e o mercado são meios mais eficientes de dar a eficácia e efetividade a Constituição Federal.

35

Assim, se este é o diagnóstico do Estado e de suas finanças, o enfoque jurídico para

solução do problema da concretização dos direitos fundamentais sociais deve ser o realístico, o

que considera as limitações orçamentárias do Poder Público. Por esta razão a importância da

interpretação econômica visando alcançar a eficiência.

Desta forma, muito mais adequado e oportuno para o Estado – especialmente diante das

condições fáticas e financeiras do Poder Público – é a implementação dos direitos sociais,

especialmente o direito à moradia, através da esfera positiva pela função legislativa do Estado, no

plano normativo/jurídico. Além, é claro, por meio do Poder Judiciário, quando o caso concreto

for oferecido à decisão judicial.

É importante registrar que a função legiferante do Estado, que é própria do Poder

Legislativo, e também chamada de função normativa, consiste, em linhas gerais, na capacidade

de definir uma diretriz, uma orientação e disciplinar o direito, ou seja, em criar leis

infraconstitucionais sobre os direitos, inclusive sobre os direitos sociais.

Frise-se, claro que cada ente político estatal utilizará a função normativa da sua

competência – seja federal, estadual e/ou municipal, de acordo com a previsão constitucional.

Em síntese, a função normativa tem relação estreita com o fenômeno da formação do

direito48, servindo não só para regulamentação como também para sua implementação.

Com efeito, o Estado não pode exclusivamente utilizar esta segunda opção, do plano

normativo49, e simplesmente abandonar a primeira alternativa, do plano material. Pois é apenas

48 Uma das funções da jurisprudência também é formação do direito. A jurisprudência é uma fonte indireta do direito. Gomes (1977. p. 62) aduz “A jurisprudência se forma mediante o labor interpretativo dos tribunais, no exercício de sua função específica. Interpretando e aplicando o direito positivo, é irrecusável a importância do papel dos tribunais na formação do direito, sobretudo porque se lhe reconhece, modernamente, o poder de preencher as lacunas do ordenamento jurídico no julgamento de casos concretos”. 49 “Na linguagem corrente a expressão normativo designa tudo aquilo que tem qualidade ou força de norma. Na linguagem jurídica não é diferente. Normativo significa aquilo que, opondo-se ao fatídico, supõe a inserção de uma

36

uma das alternativas, não a única. Evidentemente, é preciso utilizar as duas opções de forma

simultânea. Mas, por razões óbvias, o Estado precisa ser perspicaz e utilizar primordialmente o

plano normativo para fomentar e implementar os direitos sociais, diante do atual contexto50.

Resta patente que na atual conjuntura de crise financeira do Estado, o plano normativo é a

alternativa mais viável para se dar a efetividade almejada dos direitos fundamentais sociais51,

especialmente em maior escala. Até porque se o plano normativo for utilizado de forma adequada

ao momento, isto é, viabilizando de forma que o capital e o know how privado tenham amplo

acesso, será mais benéfico ainda.

Destarte, pode haver, inclusive, uma economia de tempo, procedimentos e recursos, visto

que é possível realizar a regulamentação dos direitos sociais – previsto na Constituição através

das normas programáticas – e a sua materialização, através da segunda opção, na esfera positiva,

em um único momento, na ocasião da elaboração da legislação aplicável a cada direito social.

Isto é, a mesma lei que regulamenta o respectivo direito, já indica as possibilidades e a forma da

sua implementação.

Em contrapartida, no caso de se optar pela materialização de determinado direito social

pela primeira opção da esfera positiva, serão necessários dois momentos distintos: um primeiro

instante, legislativo, para se regulamentar o direito outorgado pela Constituição de forma

vontade ordenadora no convívio humano, na dinâmica das relações sociais, orientado-as, harmonizando-as, amenizando-as a partir de determinadas escolhas, na maioria das vezes, hierarquizadas” (SCOTT, 2000. p. 105). 50 Logicamente que esta saída apontada serve para o momento atual, e que caso haja modificação na economia e política do país, talvez, podem surgir alternativas mais adequadas. 51 “Já na esfera de um direito à moradia como direito de acesso a uma habitação, igualmente existe um leque amplo de possibilidades, como demonstra a criação de linhas de financiamento específicas facilitando a aquisição ou construção de residências especialmente para pessoas de baixo poder aquisitivo, o estabelecimento de um sistema de mutirões, ou mesmo a criação de uma rubrica específica na esfera da assistência social (como ocorre em diversos países industrializados) destinados a cobrir – em caráter temporário e em montante variável de acordo com as circunstâncias do caso concreto – despesas com habitação (pagamento de alugueres), nesta hipótese com a vantagem de que com isto estarão sendo estimulados investimentos na construção de habitações, por sua vez refletindo no incremento dos níveis de emprego e fomento da economia” (SARLET, 2003. p. 109).

37

programática, e outro momento, material, para que o direito seja efetivamente implementado pelo

Estado.

É evidente que, nesta segunda hipótese, haverá uma utilização superior de recursos

financeiros estatais do que na primeira situação; assim como demandará mais tempo, visto que o

realizado no segundo caso será necessário, no mínimo, o dobro do tempo do realizado na

primeira hipótese – que será feito em um único ato.

Nesta senda, é vital que seja procedida uma análise econômica para que o objetivo da

implementação dos direitos sociais seja atingido de forma mais eficiente e efetiva possível. É

imperioso que sejam criadas alternativas, através do Estado regulador, considerando a necessária

contenção de recursos financeiros públicos.

Como bem sintetiza Santos (2004): “A função normativa própria é importante passo na

efetivação dos direitos sociais”.

2.2. Esfera negativa

Já no que tange à implementação dos direitos sociais através da esfera negativa, ou seja,

direitos de defesa, esta se dá de maneira completamente diferente da esfera positiva. Enquanto os

direitos prestacionais servem para efetivamente implementar de modo concreto os direitos à

sociedade, os direitos de defesa servem para proteger os direitos de eventuais agressões de

terceiros, seja por parte do Estado ou do particular.

Em relação à implementação dos direitos em âmbito negativo, Sarlet (2002) elucida:

No âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito à saúde não assume a condição de algo que o Estado (ou a sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestação concreta, tal como acesso a hospitais, serviço médico, medicamentos, etc. Na assim chamada dimensão negativa, ou seja, dos direitos fundamentais como direitos negativos (ou direitos de defesa), basicamente isto quer significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegida contra qualquer agressão de terceiros. Ou

38

seja, o Estado (assim como os demais particulares), tem o dever jurídico de não afetar a saúde das pessoas, de nada fazer (por isso direito negativo) no sentido de prejudicar a saúde. Assim, qualquer ação do Poder Público (e mesmo dos particulares) ofensiva ao direito à saúde é, pelo menos em princípio, inconstitucional, e poderá ser objeto de uma demanda judicial individual ou coletiva, em sede de controle concreto ou abstrato de constitucionalidade. Uma lei, por exemplo, que tivesse como objetivo impedir a determinados cidadãos o acesso ao SUS, poderia, em princípio, vir a ser declarada inconstitucional e anulada, o que, por si só, já se revela como uma forma de tornar efetivo o direito à saúde, ao menos nesta dimensão importante.

Quanto ao direito em comento, a moradia, na condição de direito de defesa o Estado,

assim como os particulares, tem o dever jurídico de respeitar e de não afetar a moradia das

pessoas, tanto que o titular do direito tem como aliado o poder Judiciário contra o ato violador.

Souza (2004. p. 119) esclarece ainda:

O direito à moradia detém outra característica dos direitos fundamentais: a ilicitude de sua violação. Há a violação do direito à moradia sempre que for implantado um sistema infraconstitucional ou qualquer ato advindo de autoridade pública que importe em lesão a este direito, em redução, desproteção ou atos que inviabilizem o seu exercício, porque o direito à moradia goza de proteção fundamental, tratando-se de um dever inerente do Estado (por intermédio dos três poderes) de respeitar, proteger, ampliar e facilitar esse direito fundamental [...].

Nesta linha de raciocínio, conclui-se que a esfera negativa tem a função de proteger os

direitos sociais já implementados, papel este tão relevante quanto o exercido pela esfera positiva.

De nada adiantaria a implementação dos direitos sociais através da esfera positiva se não

houvesse a posterior proteção destes mesmos direitos, já implementados, pela esfera negativa,

como, por exemplo, medidas judiciais de ações possessórias. Além do mais, esta forma de

implementar os direitos sociais é bem menos dispendiosa do que a esfera positiva; portanto, pela

análise econômica, é uma conjuntura que deve ser largamente explorada para dar a eficácia e

efetividade almejadas aos direitos fundamentais sociais.

39

3. A ineficácia da Constituição Federal de 1988

Com uma análise sumária da realidade do Brasil, concluí-se imediatamente pela ineficácia

e inefetividade de muitos direitos sociais elencados na Constituição52, especialmente em relação

ao direito à moradia, que necessita de uma larga expansão.

Streck (2002) aduz, com correção, que a simples elaboração de um texto constitucional53,

por melhor que seja, não é suficiente para que o ideário que o inspirou se introduza efetivamente

nas estruturas sociais, no cotidiano da população.

Tanto isso é verdade que, atualmente, vive-se a situação de uma constituição rica em

direitos e uma prática que, reiteradamente, nega a aplicação de tais direitos. Neste mesmo sentido

Barroso (1996. p. 62) “Todas estas normas, que ressoam preciosamente inócuas, padecem de um

mesmo mal: não são eficazes na prática, não se realizam efetivamente no dia-a-dia da vida das

pessoas. O ideário constitucional torna-se, assim, vazio e vão”.

Ainda, nesta mesma linha de raciocínio, Passos (2001) conclui pela ineficácia e

inefetividade de muitos direitos constitucionais: “Como já acentuei em outra oportunidade,

nossa Constituição cidadã foi generosa no enunciar direitos fundamentais, mas demasiadamente

mesquinha, cautelosa e astuta no assegurar esses direitos”.

Destarte, para que as normas constitucionais não tenham a sua credibilidade abalada54,

urge a criação de medidas concretizadoras de direitos, de forma mais célere, ampla e eficaz

possível.

52 O modelo constitucional do Welfare State entrou em crise, pois se tornou grande demais, acumulando grandes déficits em oposição aos insuficientes recursos financeiros. 53 “A eficácia jurídica é a capacidade de uma norma constitucional produzir efeitos jurídicos. Efetividade significa o desempenho concreto da função social do Direito, representando a materialização, no mundo dos fatos dos preceitos legais e simboliza a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social [...] estudo da efetividade (ou eficácia social) implicaria uma análise minuciosa dos diversos instrumentos jurídico-políticos disponíveis para tornar efetivos estes direitos” (SARLET, 2001).

40

Barroso (2002. p. 345) aponta, com clareza, a solução deste impasse: “Concretizar o

texto, introduzi-lo na realidade nacional, eis em verdade o desafio das Constituições brasileiras

[...]”. Continua Barroso (2002. p. 346) esclarecendo a necessidade de uma definição: “Com

efeito, na Constituição de 1988 as promessas constitucionais ora aprecem cunhadas em fórmulas

vagas, abstratas e genéricas, ora remetem a concretização do preceito contido na norma ou na

cláusula a uma legislação complementar e ordinária que nunca se elabora”.

A situação é tão dramática que muitos juristas entendem que ao Supremo Tribunal

Federal está se abrindo uma nova função: a da realização da justiça social55, através da

concretização da possibilidade de jurisprudencialização da Constituição, visando a atingir a

efetivação de direitos fundamentais56. Claro que há grande objeção, especialmente pela ofensa ao

princípio democrático de separação dos poderes com a chamada invasão do poder Judiciário nas

atribuições dos poderes Legislativo e Executivo.

Apesar de que, em alguns casos especiais, esta conduta de implementação dos direitos

sociais pelo poder Judiciário já está se confirmando, conforme se observa na jurisprudência

colacionada57. Este tipo de conduta acarreta muita divergência: pois de um lado, o Judiciário está

54 Com o mesmo entendimento, Sarlet (2001) “As promessas constitucionais exageradas, mediante os direitos fundamentais sociais, sem a possibilidade de concretização leva a uma frustração constitucional, abalando a confiança das pessoas na ordem jurídica como um todo”. 55 “É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo” (ANDRADE, 1987. p. 207). 56 “Permanece, todavia a indagação se o Poder Judiciário esta autorizado a atender a essas demandas e conceder aos particulares, via ação judicial, o direito à saúde como prestação positiva do Estado, compelindo o Estado ao fornecimento de medicamentos, leitos hospitalares, enfim, toda e qualquer prestação na área da saúde. Na medida em que o nosso Poder Público não tem logrado atender (e aqui não se está adentrando o mérito das razões invocadas) o compromisso básico com o direito à saúde, constata-se a existência de inúmeras ações judiciais tramitando nos Foros e Tribunais brasileiros [...]” (SARLET, 2002). 57 “O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar se indiferente ao problema da saúde

41

avocando para si responsabilidades que não tem, como a prática de políticas públicas; mas, de

outro lado, se o problema chegou no Judiciário precisa de uma solução prática. Assim, qualquer

decisão do Judiciário, nesta seara, causa muita divergência.

De outra banda, é indispensável que seja dado a máxima efetividade às normas

constitucionais, ou seja, a uma norma constitucional tem de ser atribuído o sentido58 e 59 que

maior eficácia lhe dê60 e 61 dentro do sistema constitucional. Ou seja, às normas constitucionais,

da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade”. (AGRRE 271286 / RS - Relator Ministro Celso de Mello). 58 "O princípio da máxima efetividade - este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê [...]" (CANOTILHO, 2002. p. 1208). 59 “Além disso, já se verificou que boa parte dos direitos fundamentais sociais (as assim denominadas liberdades sociais) se enquadra, por sua estrutura normativa e por sua função, no grupo dos direitos de defesa, razão pela qual não existem maiores problemas em considerá-los normas auto-aplicáveis [...]. Ainda que para estes direitos fundamentais também se aplique o princípio da aplicabilidade imediata” (SARLET, 2005. p. 94). 60 “Desde logo, cumpre rememorar que a nossa Constituição, no âmbito da fundamentalidade formal dos direitos fundamentais, previu, expressamente, em seu art. 5º, parágrafo 1º, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Tal formulação, à evidência, traduz uma decisão inequívoca do nosso Constituinte no sentido de outorgar às normas de direitos fundamentais uma normatividade reforçada e, de modo especial, revela que as normas de direitos e garantias fundamentais não mais se encontram na dependência de uma concretização pelo legislador infraconstitucional, para que possam vir a gerar a plenitude de seus efeitos, de tal sorte que permanece atual a expressiva e multicitada frase de Herbert Krüger, no sentido de que hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas sim, em leis na medida os direitos fundamentais” (MENDES, 2002). 61 “Para além disso (e justamente por este motivo), cremos ser possível atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunção em favor da aplicabilidade imediata e plena eficácia (e efetividade) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa na outorga da plenitude eficacial (que não implica a negativa de eficácia – e, portanto, de efeitos – e aplicabilidade) a determinada norma de direito fundamental, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá ser necessariamente fundamentado, à luz do caso concreto e da norma em exame. Cuida-se, em verdade, de operação eminentemente hermenêutica, já que, em última análise, caberá ao intérprete a tarefa, considerando os limites mínimos do texto e a razoabilidade, de aferir qual a eficácia possível a ser impressa às normas constitucionais. De como se poderá imprimir operatividade ao princípio (fundamental) da imediata aplicabilidade e plena eficácia (jurídica e social) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais [...]” (SARLET, 2003).

42

especialmente aos direitos fundamentais, devem ser dado a interpretação que melhor os

concretizem diante da realidade62.

Apesar disto, e ainda que o rol dos direitos colocados à disposição do cidadão seja

demasiadamente vasto, em contrapartida, infelizmente, poucos destes direitos são efetivamente

implantados para que o cidadão usufrua. Assim, esta gama de magnitude impar de direitos fica

restrita ao plano da idealização.

Conclui Sarlet (2003. p. 70) “A cada vez mais aguda crise da efetividade e identidade da

Constituição e dos direitos fundamentais”.

Evidentemente que esta crise mencionada por Sarlet tem origem direta na ineficácia

constitucional, pois não basta que a Constituição outorgue direitos e garantias, e que tais direitos

fiquem apenas em um plano meramente formal, é necessário a materialização destes direitos e,

sobretudo, sejam adequadamente usufruídos, somente neste momento, estaremos assegurando a

plenitude do princípio da supremacia da Constituição63.

Neste mesmo sentido é o entendimento de Baracho (2003. p. 537):

O reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais não é suficiente, desde que não vem acompanhado de garantias que assegurem a efetividade do livre exercício de tais direitos. As liberdades adquirem maior valor quando existem garantias que as tornam eficazes.

62 “São normas de eficácia plena aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produze, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular (por exemplo: os remédios constitucionais). Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados (por exemplo: art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer). Por fim, normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata ou reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes devolva a aplicabilidade (por exemplo: CF, art. 192, § 3º... – antes da modificação)” (MORAIS, 2002. p. 41). 63 “As Constituições têm sido os sustentáculos das democracias, graças à organização que proporcionam aos Estados, aos princípios de direitos humanos e de justiça que contém e à supremacia que desfrutam em seus respectivos ordenamentos jurídicos” (BRUST, 2004. p. 46).

43

Para Barroso (1996. p. 83): [...] A efetividade significa, portanto, a realização do Direito,

o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos

fatos, dos preceitos legais [...}”64. Repita-se, não basta que a Constituição outorgue o direito no

plano formal, é necessário que a pessoa possa efetivamente usufruir deste direito no plano

material, acarretando em melhoria da sua condição de vida.

Patente resta a necessidade de fazermos que tais direitos sejam efetivamente cumpridos65,

saindo do plano formal e passando para o plano material, pois certamente que esta nova realidade

beneficiará a sociedade no seu todo. Ressalta-se, entretanto, que esta materialização dos direitos

sociais deve se dar com base em uma visão econômica – análise de eficiência – da Constituição

Federal, pois somente a partir desta ponderação haverá a efetiva e eficaz implementação dos

direitos fundamentais sociais, especialmente o direito à moradia.

3.1. A crise econômica do Estado

É notório que o Estado brasileiro está em crise econômica, desnecessário se faz maiores

digressões acerca desta conjuntura fática inegável. Segundo Steinmetz (2004-p. p. 76-77)

“Tornou-se lugar comum dizer que o Estado-nação está em crise”.

64 A efetividade dos direitos fundamentais - de todos os direitos - depende, acima de tudo, da firme crença em sua necessidade e seu significado para a vida humana em sociedade, além de um grau mínimo de tolerância e solidariedade nas relações sociais, razão, aliás, pela qual de há muito se sustenta a existência de uma terceira dimensão (ou "geração") de direitos fundamentais, oportunamente designada de direitos de fraternidade ou solidariedade (MENDES, 2002). 65 Enquanto não atingimos espontaneamente a efetividade dos direitos fundamentais, que certamente será a solução definitiva, temos a possibilidade de utilização dos mecanismos disponíveis no Brasil como medida paliativa. Os instrumentos constitucionais, os quais são aptos inclusive para suprir a inércia dos Poderes Executivo e Legislativo, são: habeas corpus, habeas data, mandado de segurança individual e coletivo, mandado de injunção, direito de certidão, direito de petição, ação popular. Ainda há mecanismos que podem ser utilizados pelos legitimados que são: ação civil pública, ações de controle de constitucionalidade (sendo que o controle difuso pode ser exercido pelo particular também) e ação de argüição de preceito de constitucionalidade. Frise-se, estes instrumentos foram criados pelo constituinte justamente para exigir a efetivação dos direitos fundamentais.

44

Concomitante a crise econômica do país, há a ineficácia dos direitos fundamentais sociais.

Um dos principais fundamentos desta crise da ineficácia dos direitos sociais é que o Estado não

estava, e ainda não está, preparado técnica e financeiramente66 para disponibilizar tantos serviços

e prestações sociais e econômicas à população, direitos estes que foram ofertados na Constituição

Federal de 1988.

A conseqüência direta da situação financeira do Estado é a escassez de recursos para

aplicação integral dos direitos sociais. Sarlet (2001) esclarece “[...] enfraquecimento do Estado

tem gerado a diminuição da capacidade do poder público de assegurar aos particulares a efetiva

fruição dos direitos fundamentais [...]”.

De acordo com Galdino (2005. p. 155) “Consoante se usa afirmar, com arrimo em

noções econômicas basilares, os limitados recursos e bens existentes são insuficientes para

satisfazer as ilimitadas necessidades humanas”.

Mais do que uma conjuntura econômica, a situação do Estado é uma questão lógica. Se o

Estado está exaurido financeira e tecnicamente, se os recursos estão escassos, e em contrapartida

há crescente necessidade de direitos sociais, é manifesto que haverá uma situação de insuficiência

e não satisfação da integralidade das pretensões.

Corroborando com este pensamento, Ferreira Filho (1995. p. 23):

A Constituição não pode ser, destarte, um plano ideal de transformações econômico-sociais – como pretendem os partidários da Constituição-dirigente (que tanto influíram na última Constituinte brasileira). Realmente, se a sociedade não tiver condições de fornecer os recursos suficientes para a efetivação desse plano, a Constituição não ganhará plena efetividade. Ficará, em boa parte, no papel e isso levará inexoravelmente à sua depreciação, se não à sua desmoralização.

66 “Pois bem, bastou fossem contemplados nas Constituições os assim denominados direitos sociais, especialmente a educação, a saúde, a assistência social, a previdência social, enfim, todos os direitos fundamentais que dependem, para sua efetividade, do aporte de recursos materiais e humanos, para que se começasse a questionar até mesmo a própria condição de direitos fundamentais destas posições jurídicas” (SARLET, 2002).

45

Em tempos de crise, justamente quando há pouco para distribuir67, é que a necessidade da

implementação dos direitos sociais aumenta, pois muitos dos que antes não necessitavam, passam

a necessitar; assim como quem necessitava menos, passa a necessitar mais. Logo, a crise

econômica pode conduzi e/ou agravar à crise constitucional68 e 69. Aliás, o Estado está cada vez

encolhendo mais, enquanto as pessoas cada vez mais necessitam das políticas públicas.

Este também é o entendimento de Sarlet (2001) “De outra parte, a crescente insegurança

no âmbito da seguridade social decorre, neste contexto, de uma demanda cada vez maior por

prestações sociais e de um paralelo decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da

sociedade”.

Outro sério problema é em relação à eficácia das normas constitucionais, pois as pessoas

sentem-se exclusivamente credoras70 dos direitos consagrados na Constituição, entendendo que o

Estado é o único devedor pela concretização das normas constitucionais71. As pessoas não se

vêem, jamais, como co-devedoras, visto que entendem que a responsabilidade é exclusiva, e cada 67 “Para estes, o termo exprime essencialmente a impossibilidade, ou a crescente dificuldade, de os Estados de Bem-Estar (Welfare State) atenderem às demandas dos cidadãos. Sim, porque, enquanto estas de mais em mais alargam o campo de abrangência e o nível de intensidade, o volume de recursos postos à disposição do governo não acompanha esse crescimento. Ocorre então a crise fiscal, da qual resulta a ingovernabilidade de tais Estados” (FERREIRA FILHO, 1995. p. 1). 68 “Dessa posição aproximam-se alguns liberais, que vêem na ingovernabilidade a resultante de uma sobrecarga de tarefas assumidas pelo Estado. Tal sobrecarga potencializa a ineficiência e a improdutividade da gestão estatal, reclamando recursos de mais em mais vultosos, que a sociedade acaba por lhe recusar” (FERREIRA FILHO, 1995. p. 2). 69 “Da mesma forma, a governabilidade de um país depende, por um lado, das condições políticas, econômicas e sociais que o mesmo apresenta num determinado momento (condições estas que podem, ou não, resultar de mau governo), por outro, da adequação, ou inadequação da máquina governamental (sua capacidade, inclusive o estímulo de seus governantes, e recursos disponíveis) aos objetivos almejados” (FERREIRA FILHO, 1995. p. 3-4). 70 “A CF delineia os traços gerais de uma sociedade ideal: livre, justa e solidária (art. 3º, I). Por óbvio, dada a multiplicidade e a complexidade dos problemas do mundo atual – do mundo globalizado – a realização dessa sociedade ideal não é tarefa exclusiva do Estado. Se for verdadeira a tese de que as relações de poder estão em todas as relações sociais, então a realização dessa sociedade ideal é uma tarefa de todos – poderes públicos e poderes privados” (STEINMETZ, 2004-a. p. 91). 71 “Los derechos a prestaciones em sentido estrito son derechos del individuo frente al Estado a algo que – si el individuo poseyera médios financieros suficientes y si encontrase em el mercado uma oferta suficiente – podría obtenerlo también de particulares” (ALEXY, 2002. p. 482).

46

vez maior, do Estado; quando em verdade, “os direitos fundamentais não são direitos contra o

Estado, mas sim através do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais”

(KRELL, 2002. p. 19).

Conclui-se, portanto, que esta solução encontrada pelo constituinte para solucionar o

problema social não foi a mais adequada, visto que o Estado não têm condições financeiras de

desempenhar este papel de provedor do dispendioso elenco dos direitos sociais previstos na

Constituição Federal. E, esta situação, redundou em um problema ainda maior: a inefetividade

destes direitos em razão do seu custo e da conseqüente insuficiência de recursos financeiros,

levando à cultura de “promessas” constitucionais.

Destarte, a decorrência deste quadro é evidente: a insuficiência de recursos financeiros

públicos para abarcar este custoso e ilimitado rol dos direitos fundamentais sociais acarreta na

ineficácia da Constituição.

3.2. O custo dos direitos sociais

A maneira encontrada pelo Estado para solucionar o problema social, através da criação

de um vasto e oneroso rol de direitos sociais à população, gerou um efeito possivelmente

inesperado: o alto custo dos direitos sociais.

É sabido que, para ocorrer a efetividade, na esfera positiva material, isto é, a

materialização dos direitos sociais, demandará um custo. Aliás, custo este que deve ser calculado

abarcando a integralidade deste rol e multiplicando pelo número crescente da população do país.

Corroborando com esta tese, Passos (2001) assevera “As demandas sociais têm um custo

[...]” e Alexy (2002. p. 493) assegura “Todos los derechos fundamentales sociales son muy

costosos”.

47

Diante da demasiada onerosidade dos direitos fundamentais sociais, Galdino (2005. p.

325) esclarece “[...] os elevadíssimos custos subjacentes às prestações públicas necessárias à

efetivação dos direitos fundamentais” e, em contrapartida, da escassez dos recursos públicos,

“[...] manifesta ausência de condições materiais para o seu cumprimento [...]” (BARROSO,

1996. p. 60), certamente acarretará na realização de escolhas entre os direitos.

Isto é, no âmbito positivo, de um lado, existe uma gama variada de direitos sociais que

são imprescindíveis, os quais necessitam de excessivos recursos financeiros para serem

efetivados. De outro lado, os recursos públicos são limitados e escassos. Assim, fatalmente

acarretará em um conflito de disponibilidade versus necessidade e será inevitável a escolha entre

os direitos que serão ou não implementados.

Galdino (2005, p. 159) aduz “Assim, quando afirmados direitos que demandam

prestações estatais entram em choque, é inevitável uma opção, trágica no sentido de que algum

não será atendido (ao menos em alguma medida)”.

Galdino (2005. p. 159) arremata dizendo:

[...] A escassez de recursos econômicos e financeiros públicos impede a realização de todos objetivos sociais, de tal sorte que a realização de alguns desses relevantes objetivos impõe necessária e inevitavelmente o sacrifício de outros, igualmente importantes e por mais imprescindíveis que sejam.

Conclui-se, portanto, que estas escolhas trágicas72 – como Galdino (2005) denomina,

baseado na doutrina de Sunstein e Holmes – são em razão da insuficiência de recurso públicos

para atender a amplidão dos direitos sociais. Outrossim, estas escolhas são realizadas em razão da

necessidade, pela impossibilidade de atender todas as demandas sociais com os recursos

72 “Não é ocioso lembrar que nas tragédias típicas não há possibilidade de sequer de ponderação entre os valores ou compromissos – há apenas a escolha, que gera o sacrifício integral daquilo que não foi escolhido” (POSNER, Apud Galdino 2005. p. 160).

48

financeiros limitados, e não pela preferência de um direito pelo outro73. Assim, Galdino (2005. p.

235) sugere “[...] Impõe-se uma prévia análise de custo-benefício para compreenderem-se as

conseqüências das escolhas. [...]”.

Nesta linha de raciocínio, diante das condições fáticas do Estado – a escassez de

recursos74 versus ilimitadas necessidades sociais – é importante que hajam escolhas apropriadas

onde e como gastar tais recursos na esfera positiva material dos direitos sociais, objetivando dar a

maior efetividade possível aos direitos fundamentais sociais75 e 76.

O presente trabalho recomenda que estas escolhas apropriadas, também denominadas de

escolhas trágicas, tenham como norte principalmente a visão econômica da Constituição,

visando, assim, atingir os direitos sociais de forma mais eficaz e efetiva e com menos gastos

possíveis. 73 Com opinião divergente, Sarlet (2001): “Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação democrática a respeito de sua destinação, especialmente de forma a que sejam atendidas satisfatoriamente todas as rubricas do orçamento público, notadamente aquelas que dizem com a realização dos direitos fundamentais e da própria justiça social. Na mesma proporção, deverá crescer o índice de sensibilidade por parte daqueles aos quais foi delegada a difícil missão de zelar pelo cumprimento da Constituição, de tal sorte que - em se tratando do reconhecimento de um direito subjetivo a determinada prestação social - assume lugar de destaque o princípio da proporcionalidade, que servirá de parâmetro no indispensável processo de ponderação de bens que se impõe quando da decisão acerca da concessão, ou não, de um direito subjetivo individual ou mesmo da declaração de inconstitucionalidade de uma medida restritiva dos direitos sociais”. 74 “Se toda atuação estatal depende de recursos públicos e estes são, pública e notoriamente, finitos, o limite daquela estará sempre na quantidade de recursos públicos disponibilizados para tanto pela própria sociedade” (MORAES, 2004). 75 Importante também haver a responsabilização da sociedade diante dos custos dos direitos, visto que a utilização destes direitos de forma irresponsável acarreta em ainda mais custos. Como bem lembrou Galdino (2005, p. 212) “Por derradeiro, insta referir ainda a questão do reconhecimento dos custos como meio de promover a conscientização dos indivíduos para a responsabilidade no exercício dos direitos”. Mais adiante Galdino (2005, p. 213) foi mais esclarecedor “[...] Assim, a falsa idéia de que alguns direitos nada custam, ou são gratuitos, essa sim gera irresponsabilidade”. Continua Galdino (2005. p. 338): “O que existe pragmaticamente é a dispensa da contraprestação em determinadas situações, qualificadas objetiva e, principalmente, subjetivamente. Tal dispensa não significa que o direito ou serviço sejam gratuitos, apenas significa que aquele que o utiliza não está pagando diretamente pelo direito ou serviço. [...] a sociedade suportará os custos desses direitos [...]”. Resta cogente o exercício responsável dos direitos, pois “[...] Direitos não nascem em árvores” (GALDINO, 2005. p. 328). 76 “[..] O reconhecimento de que todos os direitos possuem custos quase sempre elevados (isto é, são custeados por escassos recursos captados na coletividade de cada indivíduo singularmente considerado), e de que os recursos públicos são insuficientes para a promoção de todos os ideais sociais – impondo o sacrifício de alguns deles, implica também o reconhecimento de que aqueles (os direitos) devem ser exercitados com responsabilidade” (SUNSTEIN/HOLMES Apud Galdino 2005, p. 214).

49

Inclusive, para que se tenha a melhor análise de eficiência possível, convém que o Estado

utilize de forma mais perspicaz possível o plano normativo e busque alternativas na qual receba o

auxílio do capital e know how privados. Nesta perspectiva, certamente, haverá um implemento do

direito à moradia, e possivelmente dos demais direitos sociais, de maneira mais abrangente.

Destarte, através da interpretação econômica, convém que o Estado opte em gastar seus

escassos recursos de forma que dê mais resultados práticos com menos dispêndios, o que, por

decorrência, beneficiará mais pessoas.

Como bem esclarece Galdino (2005. p. 205) “[...] A aferição dos custos permite trazer

maior qualidade as trágicas escolhas públicas em relação aos direitos. Ou seja, permite escolher

melhor onde gastar os insuficientes recursos públicos”. Mais adiante, Galdino (2005. p. 171)

continua: “[...] Cuida-se apenas de permitir que essas medidas sejas adequadamente refletidas e

corretamente implementadas, otimizando as escolhas públicas em um cenário de escassez de

recursos”.

Apesar dos direitos sociais, no seu âmbito positivo material, serem muito custosos, ainda

mais se considerarmos a situação financeira atual do Estado; no entanto, esta situação não pode

ser usada como “desculpa” para a não efetivação dos direitos fundamentais sociais77.

Acentua Galdino (2005. p. 171) “Mas não significa de modo algum descartarem-se

medidas de cunho eminentemente social (efetivamente redistributivo) por serem deficitárias.

[...]”.

Ao contrário, não se pode negar o direito e sim diante desta situação – da ineficácia e

inefetividade da quase totalidade dos direitos elencados na Constituição, especialmente do rol

77 Segundo Sartet (2003. p. 69), é exatamente isso que vem sendo tentado em relação ao direito fundamental à moradia “em se considerando que um dos principais argumentos contrários ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações sociais encontra seu fundamento na dependência destes direitos da realidade socioeconômica e, acima de tudo, da sempre limitada capacidade prestacional do Poder Público”.

50

grandioso dos direitos fundamentais e dos direitos sociais – é forçoso que sejam criadas

alternativas que não exijam gastos dispendiosos de recursos públicos para que sejam viabilizados

e implementados os direitos fundamentais sociais em maior escala possível.

Em razão desta realidade, da necessidade imperiosa de economia de recursos e de criação

de alternativas menos custosas, é que a implementação do direito fundamental social à moradia

através da esfera positiva da normatização – Estado regulamentador – é a melhor escolha.

4. A visão da economia dos direitos fundamentais sociais, em especial do direito à

moradia

Diante da ocorrência fática financeira do Estado e da atual conjuntura ineficiente da

implementação dos direitos fundamentais sociais, em particular o direito à moradia, é

imprescindível que se proceda a uma análise econômica da Constituição e destes direitos, para a

concretização dos direitos sociais de forma eficaz e efetiva.

Desta forma, a visão econômica 78, 79 e 80 é essencial quanto à implementação dos direitos

fundamentais sociais, em específico o direito à moradia. Somente a partir desta apreciação é que

78 “[...] o direito e a economia. Elas, na realidade, se imbricam e se integram para formar um único campo de estudo, bastando, lembrar que aproximadamente 90% do conteúdo do Código Civil é constituído por dispositivos de cunho econômico: contratos, regime de bens no matrimônio e nas sucessões, a propriedade, as obrigações, todos têm subjacente a si uma realidade econômica, por implicarem situações ou operações onde se cogita de bens escassos e, portanto, dotados de valor [...]. No dizer de Carnelutti, quanto mais economia mais direito, ou seja, quanto mais escassos ficam os bens – mais econômicos – pelo adensamento da população e pela exacerbação dos interesses sobre eles, maior a quantidade de normas jurídicas necessárias para regular aqueles interesses [...]” (NUSDEO, 2005. p. 19). 79 “[...] não exagerar o papel da economia em relação ao direito. A análise econômica é importante e a introdução da noção de eficiência no direito é condição sine qua non do progresso econômico e da boa aplicação da Justiça. O que não se pode fazer é submeter o direito à economia. Queremos uma justiça eficiente, no tempo e na qualidade, mas não uma justiça que esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificando os direitos individuais ou, em certos casos, afetando até o respeito dos contratos e a sua fiel execução. Entendemos que economia e direito se complementam [...]” (SADDI, 2005). 80 “Pois bem, o conceito de Economia, surge, exatamente, quando se conjugam essas duas observações cruciais, decorrentes, como já foi dito da vivência quotidiana de cada um: a) as necessidades, além de serem em grande

51

criar-se-ão possibilidades de minorar o grave problema de escassez de recursos versus ilimitadas

necessidades para atingir a almejada concretização dos direitos.

Reitera-se, a situação em que o próprio Estado se colocou é extremamente delicada. Pois

o conjunto dos direitos fundamentais sociais colocados à disposição do cidadão é

demasiadamente vasto, para não dizer ilimitado, e custoso. Em contrapartida, é evidente que o

Estado não está, e dificilmente teria como estar81, preparado técnica e financeiramente para

disponibilizar tantos serviços e prestações sociais e econômicas à população.

Não restam dúvidas acerca do custo da implementação destes direitos sociais, ao menos

mediante o âmbito positivo de prestações materiais. Assim como, também, não há imprecisão

acerca da “falência” do Estado do Bem-estar Social.

Desta forma, é preciso que os governantes, ao realizarem medidas objetivando a

implementação dos direitos fundamentais sociais, especialmente o direito à moradia, considerem

primordialmente o orçamento82 e 83 do Poder Público e façam uma análise econômica84 e 85.

número, expandem-se indefinidamente; b) os recursos para o seu atendimento são, em maior ou menor grau, limitados, finitos, em uma palavra, escassos” (NUSDEO, 2005. p. 30). 81 De um lado há necessidades crescentes, ilimitadas, acompanhando o desenfreado aumento populacional. E, de outro lado, há o estanque, o limite, das receitas públicas. 82 Importante notar que, ainda que a obrigação do legislador ordinário seja assegurar da melhor forma possível a satisfação dos direitos, não se pode esquecer que pode estar havendo uma colisão de direitos, especialmente com os direito de outros cidadãos que não necessitem diretamente desta satisfação do direito que eventualmente foi implantado. Por isso, mais importante do que nunca, para respeitar estes cidadãos, é necessário o exame da eficiência. Como bem observado pelo Sarlet (2001): “Pode haver colisão de direitos fundamentais, pois para o Estado garantir os direitos sociais de uns, tem de aumentar a arrecadação e impostos e, portanto, prejudica os direitos fundamentais de outros. Assim, a capacidade do Estado é limitada pelos direitos fundamentais”. 83 “Ou seja, a decisão de uma sociedade pelo incremento do dirigismo estatal importa, necessariamente, em maiores despesas, ou custos, para o Estado e, conseqüentemente, maior ônus para os indivíduos integrantes da sociedade, dos quais sairão, via tributação, os recursos públicos necessários ao custeio das atividades estatais”. (MORAIS, 2004) 84 Por analogia, Scott (2000. p. 114-115) “A definição do que por ventura possa a ser o papel estatal de regulação da atividade econômica passa pela identificação e seleção das parcas leituras realizadas na doutrina em torno do seu conceito, extensão e natureza. Para tanto – a exemplo do que já ocorreu acima com a busca da significação do papel normativo e a partir da idéia básica de que o papel regulador tende a se caracterizar não pelo estabelecimento de comandos que devem ser seguidos, mas pela ação que adequa a realidade das atividades econômicas às pretensões

52

Somente nesta conjuntura é que efetivamente haverá viabilidade de implementar o direito em

comento, na hipótese, o direito à moradia. Pois, caso não haja esta preocupação, será apenas mais

uma “promessa” constitucional que será acrescida a tantas outras.

Nusdeo (2005. p. 30) define com precisão a questão da escassez de recursos:

[...] enfrentar o problema da escassez, vale dizer, a criação de um padrão decisório coerente a ser utilizado quando os recursos escassos devam ser destinados a um fim. A atividade econômica é, pois, aquela aplicada na escolha de recursos para o atendimento das necessidades humanas. Em uma palavra: é a administração da escassez [...].

Finalmente, corroborando com a tese da carência de recursos, Galdino (2005. p. 252) “[...]

é preciso que o direito, em especial o direito público, leve a sério – pragmaticamente – a

escassez de recursos”.

É imprescindível que esta cultura de “promessas” de direitos seja imediatamente estancada.

É cíclico, de tempos em tempos, para apaziguar outros problemas e desviar a atenção da

sociedade de algumas questões pontuais, o Estado oferece à sociedade, na ânsia de agradar à

população e minimizar as desigualdades sociais, mais e mais direitos sociais, majorando o seu

custo.

Em oposição a esta situação, e proporcionalmente ao aumento destas “promessas” de

direitos sociais, as possibilidades do Estado em cumpri-las vai diminuindo gradativamente a cada

acréscimo de direitos sociais ao já numeroso e custoso rol.

Enfim, pela insuficiência dos recursos financeiros públicos e pela magnitude – tanto em

extensão como pelo custo – das obrigações angariadas através deste comprometimento

previamente estabelecidas pela lógica daqueles próprios comandos – serão tomadas em conta manifestações de alguns autores cujas reflexões, voltadas à atuação estatal sobre o domínio econômico, merecem ser consideradas”. 85 Por enquanto basta guardar este conceito básico: a economia existe porque os recursos são sempre escassos frente à multiplicidade das necessidades humanas [...] (NUSDEO, 2005. p. 30).

53

constitucional, resta claro que o Estado não tem condições de cumprir sequer o mínimo destes

direitos fundamentais sociais, menos ainda a totalidade destes.

Aliás, desnecessário aventar que esta situação, do ponto de vista econômico, é

absolutamente insustentável e irrealizável. E, paradoxalmente, é através desta leitura econômica

da Constituição Federal que proporcionará maior eficácia e efetividade aos direitos fundamentais

sociais.

Com o mesmo entendimento, Coelho (1995. p. 155) assevera “[...] a eficiência econômica

deve nortear a aplicação do direito”.

Evidenciada que esta mesma apreciação econômica deve ser aplicada no âmbito restrito do

direito à moradia. A exposição supra se aplica perfeitamente ao direito em comento. Aliás, o

problema da escassez de recursos financeiros públicos em relação à concretização do direito à

moradia é muito mais severo, pois se o Estado não tem recursos sequer para implementar os

direitos fundamentais menos onerosos, não se concebe que o Estado tenha condições de suportar

o dispêndio de recursos para implementar o direito à moradia, o qual se materializa, no âmbito

material, através de entrega de habitações às pessoas.

Não é de se esperar a hipótese de que o Poder Público possa disponibilizar recursos, ainda

que tivesse condições, para construir uma casa ou apartamento para cada família. Observa-se,

deste modo, que o direito à moradia é um dos direitos fundamentais sociais que apresenta maio

grau de dificuldade de efetivação no âmbito positivo das prestações materiais.

Conclui-se, portanto, ser indispensável e primordial esta análise econômica dos direitos

sociais e que somente a partir desta visão de eficiência haverá a efetiva e eficaz implementação,

em larga escala, do direito fundamental social à moradia – de moradias dignas.

54

4.1. Qual a situação atual do direito à moradia

Não obstante as conquistas e avanços do setor imobiliário, assim como o reconhecido

esforço no desenvolvimento constante das políticas habitacionais, a conjuntura do direito à

moradia é inquietante, a conclusão é inequívoca: a situação atual do direito à moradia é

extremamente preocupante e de muita insuficiência.

Basta uma análise sumária da realidade para concluir pela evidente carência e

inadequação da implementação do direito à moradia, visto que parte significativa da população

sequer possui habitação e outro expressivo estrato da população possui moradas consideradas

inadequadas86.

No ano de 2005, o déficit habitacional era de 7.223.000,00 (sete milhões e duzentas e vinte

três mil) moradias (HENKES, 2005). Ressalta-se, este número refere-se unicamente ao déficit

habitacional, isto é, a carência de moradias, não havendo a inclusão de nenhum tipo de moradia

inadequada neste indicador.

Destarte, somando-se o déficit habitacional com as moradias inadequadas (14.259.599,00,

quatorze milhões e duzentos e cinqüenta e nove mil e quinhentos e noventa e nove moradias)87.

Verifica-se, com clareza, que esta estatística aumentou sobremaneira, pois o déficit alcançou mais

de vinte e um milhões. É necessário, por conseguinte, além da construção de moradias para sanar

este déficit, a substituição das sub-habitações por moradias mais dignas.

Realmente, esta conjuntura é preocupante. Sarlet (2003. p. 74), optando por um choque de

realidade, afirma “[...] Uma breve visita à periferia das grandes cidades brasileiras já é o

86 “Entende-se por adequada habitação a adequada privacidade, o adequado espaço, a acessibilidade física, a adequada segurança, incluindo segurança de posse, durabilidade e estabilidade estrutura, adequada iluminação, aquecimento e ventilação, adequada infra-estrutura básica, bem como o suprimento de água, o saneamento e o tratamento de resíduos, a apropriada qualidade ambiental e de saúde e a adequada locação com relação ao trabalho e serviços básicos, devendo todos esses componentes ter um custo disponível e acessível”. (SOUZA, 2004. p. 349). 87 Fonte IBGE – www.ibge.gov.br.

55

suficiente para vislumbrar este déficit habitacional, e de modo bem mais contundente do que

através dos dados estatísticos”.

Corroborando com esta assertiva, Souza (2004. p. 22-23) atesta:

É na valoração da moradia pela própria sociedade brasileira atual que, apesar das evoluções tecnológicas, genéticas e industriais que ela acompanha de países desenvolvidos, constatamos um verdadeiro contra-senso ante a exacerbada carência de fornecimento de uma moradia mais justa e equânime à sociedade. [...].

É evidente que esta circunstância do direito à moradia não pode continuar, ainda que seja

um direito de difícil satisfação, já que a carência habitacional aumenta desproporcionalmente a

capacidade financeira do empobrecido Estado do Bem-estar Social em atingir o patamar de

moradias dignas suficientes à população. Deveras, urge a necessidade de solução deste problema,

pois este é um dos direitos basilares da pessoa humana e sem o qual se inviabiliza a existência de

uma vida com dignidade.

Conclui-se, portanto, que diante do atual momento do direito à moradia em relação ao

crescimento habitacional acelerado, há necessidade da criação de novas medidas e alternativas

para promover e fomentar o direito à moradia, de forma cada vez mais abrangente e eficiente, não

olvidando da vinculação aos recursos financeiros estatais e aos ditames da visão econômica.

4.2. Alternativa para implementar o direito à moradia: incorporação imobiliária

Apreciando a conjuntura do déficit habitacional88 versus crescimento em grandes

proporções da população, considerando a situação financeira do Estado e a escassez destes

recursos, diante da ponderação de imprescindibilidade do acesso à moradia – tanto por ser uma

necessidade básica da coletividade, como por ser um dos garantidores do princípio fundamental

88 Incluindo, aqui, tanto a carência de moradias como a necessidade de substituição dos “alojamentos” por moradias dignas.

56

constitucional da dignidade da pessoa humana. Priorizando este exame, especialmente através de

uma análise econômica, indubitável que é indispensável a apresentação de soluções rápidas,

eficazes e com custo reduzido89.

Como o Poder Público não tem capacidade orçamentária para oferecer a moradia em si ou

linhas de financiamento para sua obterção, a toda população, é mister a busca de alternativas

viáveis, economicamente falando, para o atendimento desta demanda social.

Corroborando com este entendimento Ferreira Filho (1995. p. 129): “O volume dos

recursos postos à disposição do Estado que provém da tributação, deve ser calculado de modo a

permitir a expansão da economia pelo investimento privado. Outrossim, deve ensejar uma

elevação do nível de vida”.

Nesta linha de raciocínio, resta patente que o direito à moradia, ao menos enquanto

perdurar esta conjuntura, deve ser efetivado através do âmbito positivo normativo. Esta é a

alternativa mais viável para se dar eficácia e efetividade almejada ao direito à moradia90 e 91, e

com gastos aquém dos quais seriam utilizados pela efetivação dos direitos através do âmbito

positivo material92.

89 “O contexto do direito à moradia: em se considerando que um dos principais argumentos contrários ao reconhecimento de direitos subjetivos a prestações sociais encontra seu fundamento na dependência destes direitos da realidade socioeconômica e, acima de tudo, da sempre limitada capacidade prestacional do Poder Público” (SARLET, 2003. p. 69). 90 “Creio que uma discussão sobre os direitos humanos deve hoje levar em conta, para não correr o risco de se tornar acadêmica, todas as dificuldades procedimentais e substantivas [...]” (BOBBIO, 1992. p. 45). 91 “Em face da conjugação de tais tendências com a necessidade brasileira de migrar de um paradigma de Estado barateador do custo da produção do capital e gerador de emprego e renda para o de um Estado prestador de serviços e fomentador do desenvolvimento é que surge a necessidade imperiosa de dar-se maior atenção, sob o aspecto jurídico, à temática dos custos da atuação estatal” (MORAES, 2004). 92 Reitera-se, o plano normativo é uma alternativa, um plus, e não excludente do plano material, sendo conveniente a utilização de ambas as opções. No entanto, por razões óbvias, o Estado precisa ser perspicaz e optar, ao menos este momento, por utilizar em maior escala o plano normativo ao material.

57

Neste mesmo sentido, Scott (2000. p. 121): “ [...] Poderes do Estado a tarefa de prover

mecanismos técnicos e encaminhamentos aptos a dar efetividade à sua normatividade [...]”.

Outrossim, é sabido que o Estado tem o dever constitucional de atuar como agente

normativo93, a também chamada função legiferante, que consiste na definição das diretrizes e

disciplinação dos direitos, neste caso, no direito fundamental social à moradia.

O Estado tem esta mesma obrigação em relação ao acesso a moradia. Como bem

esclarece Souza (2004. p. 253-254):

Quanto ao direito à moradia, verifica-se que o Estado tem por obrigação e dever, não só em decorrência das normas internacionais de direitos humanos, como também agora em virtude da Constituição Federal de 1988, por meio do art. 6º, promulgar e criar legislação que beneficie, proteja e facilite o direito à moradia.

Mais adiante, Souza (2004. p. 260) continua:

[...] dever do Estado brasileiro em promover e proteger, por meio de medidas legislativas, políticas progressivas de desenvolvimento do setor habitacional do país. Não significa que esse dever obrigacional do Estado se traduza em doar uma casa para cada indivíduo, pois os aspectos que envolvem o direito à moradia devem ser quanto às normas legislativas, que devem permitir o exercício do direito à moradia, bem como quanto à obrigatória intervenção estatal para regulamentar as atividades também do setor privado que se refiram à política habitacional [...].

No momento em que o Poder Público impulsionar e colocar em funcionamento, com mais

intensidade e criatividade, a máquina legislativa; com toda certeza, haverá a concretização e

fomento em larga escala do direito à moradia. É indiscutível que a função normativa94 é decisiva

93 “À luz de tal necessidade de modernização do Estado brasileiro e considerando-se a necessidade de concentração dos recursos públicos disponíveis em atividades essenciais, destacam-se como tendências, percorridas também pelo direito público brasileiro, o fomento à expansão da atividade administrativa para o âmbito da sociedade civil organizada e o encolhimento da estrutura estatal, através de privatizações e da adoção de posturas menos burocráticas e mais gerenciais pelo Estado-Administração”. (MORAES, 2004). 94 Ressalta-se, no momento em que o Estado assumir definitivamente o seu papel institucional e optando pela função normativa para implementar os direitos sociais, nesta ocasião, mais do que nunca, será necessário dar visibilidade para a função fiscalizadora do Estado.

58

na efetivação dos direitos sociais e está coligada à visão econômica para que seja resguardado o

critério de eficiência.

Em síntese, o Estado, neste quadro de escassez dos recursos públicos, tem

fundamentalmente a alternativa normativa para implementar o direito à moradia em larga escala.

Inclusive, para que se tenha a melhor análise de eficiência possível, convém que o Estado utilize

de forma mais perspicaz possível o plano normativo e busque alternativas na qual receba o

auxílio do capital e know how privados.

Não obstante, em uma primeira impressão apressada, esta opção pode parecer ínfima, mas

não o é, pois é uma alternativa muito ampla, com diversas possibilidades. Como bem alertou

Sarlet (2003. p. 109) “[...] na esfera de um direito à moradia como direito de acesso a uma

habitação, igualmente existe um leque amplo de possibilidades [...]”.

Assim, é indubitável que a concretização do direito à moradia, através do plano

normativo, oportuniza incontáveis mecanismos privados para o acesso à moradia e um destes

instrumentos, um dos mais aproveitáveis e que será aprofundado neste estudo, é o instituto da

incorporação imobiliária.

Frise-se, a essencialidade do instrumento da incorporação imobiliária se dá em razão de

que haverá o fomento do acesso à moradia, em larga escala e sem a utilização dos escassos

recursos públicos. Alerta-se, as moradias, através da Lei nº 4.591/64, serão construídas com

capital privado, eliminados os intermediários e, por conseqüência, de forma menos onerosa,

mediante o chamado “financiamento direto” dos próprios adquirentes.

No momento em que há esta desintermediação, há, em tese, a desnecessidade do

financiamento bancário. Assim, estando o setor livre dos encargos, taxas e juros financeiros

bancários, além da alta tributação do capital, haverá um rebaixamento do preço e, portanto,

59

haverá eficiência no setor imobiliário, pois com o mesmo recurso terão conseguido mais

moradias construídas.

Em síntese, a eficiência se dará por dois motivos: (i) a classe mais privilegiada, média e

alta, financiará a sua própria moradia, visto que o financiamento direto, nesta hipótese, e

aplicando a Lei nº 4.591/64 em sentido estrito, será menos custoso e, portanto, mais acessível; (ii)

com a classe elevada custeando sua própria moradia, o Estado poderá destinar a totalidade da

dotação orçamentária destinada à moradia ao estrato social mais baixo, que não tem condições de

custear sua moradia, senão de forma reduzida.

Em razão disto, é que a incorporação imobiliária poderá vir a ser um instrumento para

implementar, em larga escala, o direito à moradia e assim atingir cada vez mais a sua função

social. Para a classe favorecida será uma concretização direta; e para a classe menos favorecida

será de forma indireta – ao não utilizar os recursos a quem tem condições, deixando-os

disponíveis para quem mais precisa. Ressalta-se, em um futuro próximo, após a adequação do

instituto nos moldes propostos, garantirá a possibilidade de sua ampliação e direcionamento,

também, à classe necessitada.

Outrossim, de forma indireta, a incorporação imobiliária quanto mais for utilizada mais

trará recursos à construção de moradias e as demais searas do país, pois é sabido que a construção

civil em expansão constitui em uma grande aliada para o desenvolvimento e fomento da

economia nacional95, 96 e 97. Tanto assim o é que Sarlet (2003. p. 109) asseverou: “[...] com a

95 “O estudo do Prof. Chalhub – referente às incorporações imobiliárias – representa, em suma, uma contribuição muito relevante para as letras jurídicas num campo de incomum interesse para as relações econômicas e num momento de crise nacional, em que os olhos de toda a Nação se voltam para a incrementação do desenvolvimento econômico, como necessidade fundamental e inadiável. A indústria da construção civil e especificamente a de construção de moradias está no epicentro do fenômeno crítico e não pode ser desestimulada ou embaraçada por interpretações inconvenientes e equivocadas das leis tutelares de consumo. A lição que se lança no meio jurídico, por meio desse importante livro, é um convite à meditação e conscientização em torno de um tema que merece tratamento mais aprofundado do que o feito até o momento nos pretórios e na doutrina” (Humberto Theodoro Júnior, no Prefácio do CHALHUB, 2005).

60

vantagem de que com isto estarão sendo estimulados investimentos na construção de habitações,

por sua vez refletindo no incremento dos níveis de emprego e fomento da economia”.

De forma muito clara, Barroso (apud Scott, 2000. p. 145) elucida a questão defendendo

que apenas haverá desenvolvimento com a geração de riquezas, que, por sua vez, circularão e

gerarão mais riquezas, criando um ciclo positivo: “Um país, para avançar socialmente e

desenvolver-se, precisa necessariamente, em meio a outras coisas, gerar riquezas, porque não se

distribui pobreza, e distribuir adequadamente essas riquezas”.

Em resumo, a concretização do direito à moradia se dará através da eficiente utilização do

instituto da incorporação imobiliária, que depende de uma previsível e clara sistematização da lei

aplicável à espécie, a Lei nº 4.591/64. Neste ponto, também é importante a análise econômica no

que tange à teoria dos custos de transação, já que a adequada interpretação e o correto emprego

da lei diminui custos, aumenta a eficiência, amplia o setor imobiliário e reduz o preço dos

imóveis, por decorrência, facilitando o atingimento do objetivo final: amplo acesso à moradia.

Em razão da magnitude deste direito, o qual tem importância vital à sociedade, e diante da

situação atual – escassez de recursos públicos versus ilimitadas necessidades –, é que o presente

trabalho prioriza uma interpretação econômica do direito constitucional à moradia, mediante

apreciação de eficiência do instituto da incorporação imobiliária, visando alcançar a almejada

eficácia e efetividade do direito fundamental social à moradia.

96 “Sabe-se que o setor da construção civil, quando aquecido, serve para alavancar a oferta de empregos, sobretudo aqueles de baixa qualificação, incrementando a atividade econômica do país, evitando o processo recessivo e acelerando o sonhado desenvolvimento econômico nacional” (MARTINEZ, 2006. p. 10). 97 “O mercado imobiliário é de grande importância para fomentar a economia nacional, devendo ser estimulado sempre [...]” (MARQUEZ FILHO, 2005. p. 36).

61

II. DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

1. Aspectos gerais

Como amplamente examinado no primeiro capítulo, o direito fundamental social à

moradia urge ser implementado o mais rápido e abrangente possível, visando à promoção e ao

fomento deste direito de vital importância. Evidentemente, para atingir sua implementação é

forçoso considerar o permanente e atual problema da escassez de recursos financeiros estatais

versus as ilimitadas necessidades.

Torna-se inviável a análise isolada da realidade. É preciso seu exame conjunto,

especialmente, em relação aos efeitos econômicos de decisões políticas e legais, sob pena das

disposições serem inexeqüíveis em decorrência da insuficiência de recursos financeiros.

Destarte, diante da atual situação de carência de recursos públicos financeiros, resta claro

que, primordialmente, através do plano normativo, será dada preferência ao desenvolvimento do

mercado e de mecanismos privados para implementar o acesso à moradia. Entre as diversas

possibilidades, o presente trabalho examina e sugere o instituto da incorporação imobiliária, por

entender que trará maior eficácia e efetividade98 e 99 ao direito fundamental social à moradia.

É necessário explicar a incorporação imobiliária considerando os seus pormenores,

especialmente em relação as suas características, peculiaridades e aplicações, pois a larga

aceitação e utilização deste instituto levam os estudiosos a reservar-lhe maior atenção. Outrossim,

98 “A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BONAVIDES, 1996. p. 83). 99 “Disto resulta que o Direito Constitucional, tanto como os demais ramos da ciência jurídica, existe para realizar-se. Vale dizer, ele almeja à efetividade. Efetividade, já averbamos em outro estudo, designa a atuação prática da norma, fazendo prevalecer, no mundo dos fatos, os valores por ela tutelados [....]. Ao ângulo subjetivo, efetiva é a norma constitucional que enseja a concretização do direito que nela se substancia propiciando o desfrute real do bem jurídico assegurado” (BONAVIDES, 1996. p. 246).

62

a basilar finalidade da incorporação é justamente o seu objetivo principal, ou seja, a

concretização do direito à moradia, em larga escala, e de maneira satisfatória.

É claro que esta materialização apenas será eficaz no momento em que houver o adequado

cumprimento de todas as diretrizes, requisitos e escopo da Lei das Incorporações Imobiliárias.

Esta conduta redunda em eficiência pela previsibilidade e segurança, o que acentua o

investimento no setor, ocasionando a participação do capital e do know how privados. Assim

como, necessário se faz que, em um segundo momento, haja o aprimoramento e o

desenvolvimento deste mecanismo, pois somente neste rumo é que o instituto atingirá cada vez

mais a sua função social, conseqüentemente, garantindo a majoração da eficácia e efetividade do

direito fundamental social à moradia.

Como já foi mencionado, os direitos fundamentais requerem uma interpretação de eficácia

máxima possível. Assim, a maximização do direito fundamental à moradia depende de uma

adequada regulamentação, tanto nas questões legal e como na ficalizatória do instituto, além da

correta aplicação dos ditames da lei em todos os setores – seja pelo Registro de Imóveis, pelos

incorporadores, consumidores ou Poder Judiciário.

Conclui-se, portanto, que a previsível e adequada interpretação e o bom emprego da Lei

nº 4.591/64 resulta na almejada diminuição dos custos de transação e conseqüente aumento da

eficiência, gerando entusiasmo no mercado imobiliário, aumentando os investimentos de capital

privado e de oferta e reduzindo o preço dos imóveis. Ao final desta cadeia, haverá a facilitação

para o atingimento do objetivo primordial: amplo acesso à moradia.

Objetivando contribuir para este desiderato, o presente trabalho, no decorrer deste

segundo capítulo, irá traçar as diretrizes e finalidades da incorporação imobiliária, tanto no que

concerne a sua teoria quanto em relação à prática. Destarte, criando condições necessárias para

63

melhor estudo, entendimento e aplicação do mecanismo de implementação do direito

fundamental social à moradia.

1.2. Legislação aplicável

A legislação que regula a incorporação imobiliária é, fundamentalmente, a Lei Federal nº

4.591, de 1964, a denominada “Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias”. Esta lei é de

suma importância para o instituto, visto que o regula inteiramente, inclusive indicando todos os

requisitos que devem ser cumpridos para que se possa alcançar o fim almejado: o registro da

incorporação imobiliária e a possibilidade de promoção das vendas antes do término da

edificação.

A título ilustrativo, salienta-se que a primeira legislação que disciplinou a matéria foi o

Decreto nº 5.481/28, o qual dispôs em linhas gerais acerca da alienação parcial de edifícios de

mais de cinco andares. Este decreto foi alterado pelo Decreto-Lei nº 5.243/43 e pela Lei nº

285/45. Após, em 1964, foi criada lei específica sobre as incorporações, vigente até hoje e

considerada bastante, lei de número 4.591, com regulamentação pelo Decreto nº 55.815/65.

A lei das incorporações, desde sua edição, sofreu, apenas, a incidência de duas leis

posteriores, as quais determinaram algumas modificações. Inicialmente, a alteração foi pela Lei

nº 4.864/65 e, mais recentemente, pela Lei nº 10.931/04; esta última regula, em particular, o

patrimônio de afetação.

Importante elucidar que a incorporação imobiliária não é tratada nem pelo Código Civil

de 1916 e tampouco pelo Código Civil vigente, apesar deste último disciplinar a figura do

condomínio edilício.

De outra banda, existem duas outras leis que, embora não influenciem, diretamente, na

incorporação imobiliária, são de suma importância para o direito imobiliário; e que,

64

impreterivelmente, devem ser do conhecimento do incorporador, pois afetam diretamente o

direito à moradia, e que são: as Leis nºs 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos – e Lei nº 8.078/90

– Código de Defesa do Consumidor.

Assim, sempre que o incorporador for efetivar a incorporação imobiliária e colocar suas

unidades autônomas à venda deve ater-se, principalmente, às Leis nºs 4.591/64, 10.931/04,

6.015/73 e 8.078/90; em assim agindo, certamente, estará de acordo com a legislação regulatória

da atividade.

Desta forma, verifica-se que este é o principal sistema legal que norteia a incorporação

imobiliária e para facilitar o acesso à moradia é impreterível que a sistematização da Lei nº

4.591/64 seja estritamente cumprida, principalmente no que diz respeito com a adequada

aplicação do instituto. Para tanto, é necessário conhecer o instituto nos seus pormenores, o que se

dará nos itens a seguir.

1.3. Conceito de incorporação imobiliária

Com o objetivo de elucidar as particularidades do instrumento da incorporação imobiliária

e para que seja possível o efetivo cumprimento da sistemática da lei, convém que primeiramente

se esclareça a conceituação basilar.

O conceito legal de incorporação imobiliária encontra-se no artigo 28, § único da Lei nº

4.591/64: “Para efeito dessa lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida

com o intuito de promover e realizar a construção, para a alienação total ou parcial, de

edificações ou conjunto de edificações composta de unidades autônomas”.

Simplificando o conceito legal, define-se a incorporação imobiliária como o instituto

destinado à venda das unidades autônomas ainda em fase de construção ou, até mesmo, antes de

65

serem sequer iniciados os preparativos do terreno, a chamada venda na “planta”, que nada mais é

do que a venda de imóvel futuro, pendente de ser construído.

Desta forma, resta claro que somente haverá necessidade de se efetuar a incorporação

imobiliária quando o incorporador pretender alienar as unidades da edificação100 e 101, que ainda

estará pendente de construção ou em fase de andamento das obras102 e 103, o que se constituiu na

promessa de compra e venda de coisa futura104.

Segundo Schmidt (1995. p. 25) “[...] elemento essencial para definição da incorporação

imobiliária é a promessa de venda ou construção de coisa futura, que está para ser iniciada ou

já está em andamento [..]”.

Continua Schmidt (1995. p. 17) caracterizando a definição da incorporação:

A incorporação imobiliária é uma atividade complexa, em que se relacionam pessoas físicas e jurídicas, como o proprietário do terreno, o incorporador, os autores dos diversos projetos, o corretor de imóveis, o incorporador, os adquirentes das unidades a produzir.

100 Entretanto, se uma pessoa adquirir uma unidade autônoma do incorporador e quiser revendê-la, logicamente, não se está mais tratando de incorporação imobiliária e o negócio jurídico será regido pelas normas da compra e venda de bens imóveis. 101 Assim, se o incorporador construir um prédio e não promover a alienação das unidades autônomas, deixando para transacioná-las apenas após a conclusão das obras, tornar-se-á totalmente dispensável a incorporação imobiliária, regendo-se apenas pelas normas da compra e venda. 102 Legalmente, a conclusão da obra se dá apenas com a expedição do habite-se, documento este de competência da Prefeitura onde o imóvel está situado. Somente a partir deste documento, indicativo de que a edificação se encontra em situação de habitabilidade, é que o imóvel pode ser habitado. 103 Nesta situação, será necessário somente que se realize a individuação do empreendimento, ato que discrimina as unidades autônomas e disponibiliza as matrículas individuais. 104 ��� � ����������� ��������������������� ����������� ����� ���������� � ������������ ������������������� !�"�� � � #���� ���� !���� ����� � �����������$%��&����%��& ������������'��� � �������(�%� �� ��� � �������&���&����� ) � ������%������ ��* �����+�������%�����&������ �%����%�%����� ) � �����������#,������ �����������,�� -� �������� !�,����� �������,.�� �"���� ���+��!��/�� !��� �0��, �������,���1�� 2��� $���� 1�������,�����1�� !��� !��������3� ���� ��� �33����3������� � 4���� �5�67� ����3�����3����38�#3������� �������(� !������� !����� 3����� �3�����3) ��� ������ !����� �38��:9 �3�� ����� �� ������� � ������!�����;����� ���������<�=��� ���� $��;��!��� ������!���!� ����� � ������� � ������!��!>?�+.�� �� ��@���3A !4� ��� �<5

66

Neste mesmo sentido é o esclarecimento de Chalhub (2005. p. 1) “Incorporação

imobiliária é a atividade empresarial que visa a produção e a comercialização de unidades

imobiliárias em edificações coletivas [...]”.

Salienta-se, ainda, que a incorporação imobiliária pode se dar através de três formas

distintas: (i) construção por empreitada, está prevista no art. 55 da Lei nº 4.591/64; (ii) construção

por administração, também denominada a preço de custo, elencada no art. 58 da Lei nº 4.591/64;

(iii) incorporação a preço e prazo certo, a qual é regulada no art. 43 da Lei nº 4.591/64, é a forma

mais comumente empregada.

A incorporação imobiliária pela modalidade de empreitada pode ser a preço fixo ou

reajustável, se presta quando o incorporador contrata um construtor para realizar a edificação;

permanecendo, entretanto, a responsabilidade pelo empreendimento ao incorporador.

Já a modalidade de construção por administração, também denominada a preço de custo,

ocorre quando os compradores formam um condomínio, adquirindo um terreno e contratando um

administrador e um construtor para a realização da edificação, ficando a responsabilidade para os

condôminos.

A última hipótese, a mais comum, é a incorporação a preço e prazo certo, com reajuste ou

não do preço, cabendo ao incorporador construir a edificação e ser responsável pela incorporação

imobiliária, inclusive pela alienação das unidades autônomas. Esta é a modalidade mais

recomendável para o acesso ao direito à moradia, pois geralmente envolve profissionais habituais

do meio imobiliário, com capacidade técnica e financeira direta ou indiretamente.

Nesta senda, conclui-se ser a principal obrigação formal do incorporador o registro da

incorporação imobiliária105, pois somente após estará legalmente habilitado a alienar as unidades.

105 “Alerta-se que a lei das incorporações imobiliárias elenca hipóteses do incorporador incorrer em crime e em contravenção contra a economia popular, bastando para tal infringir as regras desta lei, dentre outras, colocar à venda

67

O intento vislumbrado pela Lei nº 4.591/64 ao desenvolver este instituto foi o de

possibilitar a disponibilização do empreendimento futuro no mercado imobiliário e com isso

captar recursos financeiros dos adquirentes para a construção das respectivas unidades

autônomas106; desnecessitando, assim, da intermediação financeira e a utilização de recursos

públicos.

A intenção do legislador é de viabilizar a construção de imóveis e baratear seus custos,

pois os próprios adquirentes/futuros moradores abarcam a função de financiadores da obra, visto

que é com este capital que a obra será construída, na medida em que os adquirentes cumprirem

suas obrigações relativas ao pagamento das prestações107.

Acredita-se, ainda, que a finalidade da lei é, também, propiciar ao incorporador a

possibilidade de apenas iniciar as obras após estar todo empreendimento vendido e/ou com o

capital suficiente para concluir a edificação – capital este angariado única e exclusivamente no

mercado imobiliário através da venda das unidades que compõem o empreendimento.

Em assim agindo, estritamente de acordo com a legislação e ampliando a aplicação desta

lei, possivelmente, haverá um significativo implemento do direito à moradia, principalmente de

moradias dignas – entendidas como moradias com condições de habitabilidade108. Ademais,

haverá uma redução de custo para implementar este direito, pois no momento em que os próprios

adquirentes financiam a sua própria edificação, com dinheiro menos custoso, com redução de as unidades sem ter o registro da incorporação imobiliária registrado no competente Registro de Imóveis” (TUTIKIAN, 2005. p. 219) 106 É sabido que em alguns casos, infelizmente, o escopo da Lei nº 4.591/64 não vem sendo seguido. Pois em muitas situações, o incorporador obtém os recursos da obra de formas diversas, como em agentes financeiros, investidores, recursos próprios, etc. Entretanto, ainda que haja este desvirtuamento, o objetivo da lei continua sendo o mesmo. 107 No momento em que um adquirente passa a ser inadimplente, este prejudica não apenas o incorporador, mas todo o grupo de adquirentes do empreendimento e, por decorrência, o próprio direito à moradia. 108 Até porque, nem o mercado e tampouco a fiscalização do instituto – que hoje se dá pela Prefeitura e pelo Registros de Imóveis, este último apenas registra as incorporações com plantas aprovadas pela municipalidade – não tolerarão imóveis sem as condições e qualidades mínimas.

68

juros e sem intermediadores como os bancos, por exemplo; além de contar com técnicas

avançadas das próprias construtoras.

Com a desnecessidade da intermediação financeira, o dinheiro será menos custoso, pois as

incorporadoras não terão de pagar os encargos, taxas, juros bancários, alta tributação do capital e

atender a quaisquer outras exigências bancárias. Tal situação, contribuirá para a esperada e

imprescindível minoração de preços dos imóveis.

Essa conjuntura trará eficiência no setor imobiliário, pois com o mesmo volume de capital

se terá uma majoração significativa no número de moradias construídas. Observa-se, a

diminuição de custos aumenta expressivamente o aproveitamento e, como resultado, gera maior

atendimento dos direitos sociais, especialmente do direito fundamental social à moradia.

Essa forma de implementação do direito à moradia, a incorporação imobiliária, além de

conveniente aos indivíduos, também traz vantagens ao Poder Público, já que, em tese, não há

necessidade de utilização de recursos públicos, salvo na esfera fiscalizatória. Além do que, ganha

o Estado ao transferir para pessoas capazes uma atividade que não domina, ao menos na mesma

intensidade que o mercado imobiliário, e que lhe gera custos altíssimos.

Enfatiza-se, é patente que a incorporação imobiliária não se constituiu em uma solução

mágica para eliminar o problema da insuficiência de moradias dignas. Mas, ao menos, contribui

para aliviar a carga e o custo do Estado, pois atenua a dificuldade de moradia da classe média

que, assim, terá mais condições de custear a sua própria moradia com seus recursos privados e,

conseqüentemente, menos custosos. Concomitante, como resultado reflexo desta conjuntura, o

Estado, desobrigado com a classe média, pode direcionar seus escassos recursos financeiros

69

exclusivamente para moradia do estrato social mais baixo, a qual possui capacidade ínfima de

financiamento109 e, portanto, carece do protecionismo do Poder Público.

Com efeito, possivelmente, por este sistema, a incorporação imobiliária implementará, em

larga escala, o acesso à moradia. Para a classe favorecida, o instituto concretizará diretamente

este direito; e, para classe menos favorecida de forma indireta – quando deixa de utilizar os

escassos recursos públicos, oportunizando o Estado a aplicar diretamente em moradias populares,

além da geração de riquezas que reverterão em fomento à economia. Importante alertar, ainda,

que este quadro será apenas em uma primeira circunstância, pois a pretensão é que, em um futuro

próximo, após a adequação do mecanismo nos moldes propostos, haja a possibilidade de ampliá-

lo e direcioná-lo, também, à classe mais necessitada.

1.3.1. Definição de incorporador

Indispensável se faz elucidar o conceito de incorporador, visto que o efetivo cumprimento

da sistemática da lei advém, também, da adequação da figura do incorporador, pois este é o

viabilizador da incorporação imobiliária, é quem articula os esforços de toda cadeia para alcançar

a construção das moradias à coletividade.

Na acepção de Terra (2005):

O incorporador é um sonhador. Ao visitar um terreno ele não vê somente um pedaço de chão; ele antevê um futuro empreendimento. Cabe-lhe a função de sonhar, de planejar, de projetar, de obter as necessárias licenças administrativas, de negociar a aquisição do terreno – sua mais importante matéria prima – de construir, de alienar as futuras unidades autônomas, de iniciar e concluir a regularização jurídica do empreendimento.

Neste mesmo sentido, Chalhub (2005. p. 12) elucida o conceito:

109 Importante alertar, inclusive, que o financiamento que a classe mais necessitada tem condições de suportar, em geral, são os financiamentos governamentais, os quais restringem as prestações a valores de pequena monta e sem a aplicação de juros das instituições financeiras.

70

Qualquer que seja a roupagem de que se revista, a incorporação tem como elemento central a figura de um incorporador, que é o formulador da idéia da edificação, o planejador do negócio, o responsável pela mobilização dos recursos necessários à produção e comercialização das unidades imobiliárias integrantes de edificações coletivas, bem como pela sua regularização no Registro de Imóveis, depois de prontas.

Vistas as definições doutrinárias, convém conhecer o conceito legal da figura do

incorporador que se encontra no artigo 29 da Lei 4.591/64:

Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante, ou não que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Isto é, o incorporador é qualquer pessoa física ou jurídica com legitimidade legal que

realize a alienação das futuras unidades autônomas que no dito terreno serão edificadas e

concluídas.

No entanto, como bem esclarece Pereira (2001): “Não é qualquer pessoa que pode ser

incorporador, porém aquelas que o legislador reconhece essa qualidade”.

No artigo 31 da Lei nº 4.591/64, há a delimitação das pessoas que são capazes de ser

incorporadores: “[...] a) o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste

ou o promitente cessionário com o título que satisfaça os requisitos da alínea “a” do artigo 32.

b) o construtor ou corretor de imóveis”.

A alínea “a”, do artigo 31, refere-se ao proprietário, promitente comprador, ao cessionário

e ao promitente cessionário do terreno da edificação. Com a exceção do proprietário, os demais,

os promitentes, pelo fato de ser uma promessa de transferência de propriedade e não a

propriedade propriamente dita, necessitam fazer constar em contrato cláusulas garantidoras de

71

contrato definitivo. Assim, é mister a cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade, além da

cláusula de imissão de posse, visando a dar a idéia de peremptoriedade.

Já na alínea “b” do artigo 31, tanto o construtor como o corretor de imóveis, caso não

sejam os proprietários do terreno, deverão, obrigatoriamente, estar revestidos de mandato por

instrumento público irrevogável, outorgado por quem tenham capacidade para tal, ou seja, o

proprietário do terreno ou o promitente, que são as pessoas elencadas na alínea “a” do artigo 31.

Geralmente, o mais habitual, é a figura do construtor fundir-se com a do incorporador,

pois freqüente e tradicionalmente esta atividade é desenvolvida por incorporadoras e

construtoras.

Esta situação supra é muito habitual, especialmente, devido a complexidade da atividade,

pois a pessoa precisa ter conhecimentos de variadas áreas para alcançar a finalização de um

empreendimento com sucesso, por tal fato é que uma empresa tem mais capacidade de gerenciar

a atividade e englobar o conhecimento. Mister que o incorporador tenha conhecimento do

mercado, de engenharia, de arquitetura e, também, dos campos jurídico, contábil, administrativo,

tributário e econômico.

Aliás, como bem alerta Terra (2005), as condições para o desenvolvimento de um

empreendimento têm dois requisitos básicos: um jurídico e outro financeiro, ou seja, a

implementação jurídica do empreendimento, quer em relação aos órgãos administrativos, quer em

relação ao Poder Público, incluindo Registro de Imóveis, e a captação de recursos financeiros a

um custo administrável para edificar e concluir o empreendimento.

Desta forma, conclui-se que a figura do incorporador torna-se indispensável para a união

de esforços físicos e os recursos financeiros – capital e know how – para dar a almejada

implementação do direito fundamental social à moradia através da incorporação imobiliária.

72

1.4. Nascimento da incorporação imobiliária

A necessidade do surgimento deste instituto se deu com o passar dos anos, já que o

crescimento desproporcional da população em relação à quantidade de espaços aptos a

construção de moradias começou a se agravar de forma desmedida.

Pela legislação anterior, em um terreno apenas uma casa poderia ser construída,

minimizando a utilização do espaço físico. Após a Lei dos Condomínios e Incorporações

Imobiliárias e com a criação do condomínio especial, a utilização do espaço físico foi

maximizada, pois ofertou a possibilidade de em um terreno construir-se uma edificação com

diversas unidades. Isto é, na posição anterior, havia apenas uma casa sobre cada terreno, em geral

abrigando uma única família, e com a criação deste condomínio especial pode haver diversas

unidades autônomas sobre este mesmo terreno e, por conseqüência, abrigando mais moradores.

Com efeito, importante elucidar que a incorporação imobiliária se faz importante porque

submete a propriedade imóvel a um regime de condomínio especial ou relativo, possibilitando a

venda dessas unidades condominiais; dentro desta propriedade coexistindo a área privativa de

cada unidade – propriedade privativa e – a área de uso comum de todas as unidades – propriedade

comum110.

Para entender o que vem a ser condomínio relativo, é necessário entender o que é

condomínio ou co-propriedade, no seu sentido tradicional, para tal a definição de Pereira (1970) é

muito clara: “Dá-se condomínio, quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa,

cabendo a cada um deles igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes”.

110 “Sociedade é, como vimos, ato jurídico, contrato. É pessoa jurídica. Condomínio é direito real, que duas ou mais pessoas têm sobre um mesmo bem. Não tem personalidade jurídica” (FIUZA, 1999. p. 339).

73

Fiuza (1999. p. 504) define o condomínio tradicional: “Todos os condôminos têm

igualmente a propriedade da coisa por inteiro, sendo assegurada a cada um deles uma cota ou

uma fração ideal”.

É exatamente nesse momento que surge a necessidade de individualização da edificação,

objetivando ter no condomínio, além das partes comuns da qual todos são co-proprietários, a área

privativa de cada unidade autônoma. Ou seja, especificando qual a área privativa de cada casa,

apartamento, loja, sala ou box de estacionamento corresponde.

É de vital importância para a implementação e desenvolvimento do direito fundamental à

moradia o condomínio especial ou relativo. Isto porque este tipo de condomínio garante uma

propriedade privativa e uma propriedade comum – a área de uso comum de todas as unidades. Ou

seja, somente a partir do desenvolvimento deste tipo de condomínio é que foi possível o melhor

aproveitamento do solo, ou seja, atendendo os interesses sociais.

Desta forma, conclui-se que o condomínio especial, no momento em que amplia o número

de moradias em cima de um mesmo terreno, auxilia sobremaneira na concretização do direito

fundamental social à moradia, sendo outra vantagem ao interesse social trazida pela Lei das

Incorporações Imobiliárias.

Outrossim, o instituto da incorporação imobiliária teve sua origem na questão do déficit

habitacional – incluindo as moradias sem as mínimas condições de habitabilidade – versus

insuficiência de recursos financeiros públicos para sanar este déficit.

Pela inviabilizando de fornecimento de moradia a toda população, assim como a

substituição das moradias inadequadas por moradias dignas, é que surgiu, entre tantos

mecanismos, o instrumento da incorporação imobiliária.

Neste mesmo sentido, no geral, também há dificuldades para a população, de forma

individual, de obter a sua própria moradia. Os principais agravantes são, especialmente, a

74

escassez de terrenos bem situados e seus altos preços, a insuficiência de recursos financeiros para

construção isolada, a mão-de-obra custosa, a necessidade de contratação de técnicos de diversas

áreas, entre outros.

Diante desta conjuntura de necessidade de implementação do direito fundamental social à

moradia versus insuficiência de recursos públicos e dificuldades dos indivíduos, a solução que

pareceu mais eficaz, naquele momento, foi o surgimento da incorporação imobiliária111.

A necessidade de utilização da incorporação imobiliária é patente, pois muito mais eficaz

para implementação do direito à moradia é outorgar o processo da construção das moradias para

pessoas especializadas, com know how, as quais, sem dúvida alguma, engrenam a implementação

do direito com uma redução significativa de custos e, melhor, sem a utilização de recursos

públicos.

Dúvidas não restam de que pessoas sem habilitação técnica, financeira e jurídica para

desenvolver a atividade da construção, dificilmente, alcançam a almejada implementação do

direito à moradia de forma satisfatória. É notório que pessoas leigas não têm os mesmos

conhecimentos, técnicas e facilidades que as empresas especializadas da construção possuem e,

portanto, demandarão muito mais tempo e dinheiro para efetivar as moradias, com uma produção

quantitativa e qualitativa muitas vezes inferior.

De outra banda, os incorporadores, habituados com o mercado imobiliário e financeiro,

têm mais capacidade de captar recursos físicos (mão-de-obra) e financeiros, assim como de

aplicar e de desenvolver a técnica construtiva, tudo com custo e tempo significativamente

reduzidos, propiciando o efetivo e eficaz implemento do direito à moradia.

111 Ocorre que primeiro esta atividade era exercida de forma desregrada e somente após, em 1964, houve a regulamentação da construção através da criação da lei das incorporações imobiliárias.

75

Sobre o surgimento da incorporação, Pereira (2001. p. 231): “[...] Pouco a pouco foram

surgindo pessoas que realizavam uma atividade peculiar, ligada a estes empreendimentos, e com

o tempo constituiu-se a figura, que se batizou com o nome de incorporador [...]”.

Segundo Chalhub (2005. p. 1) “[...] grande inovação o disciplinamento da atividade

empresarial da incorporação, atendendo as necessidades sociais e econômicas ditadas pelo

acelerado processo de urbanização ocorrido no país a partir da década de 1930”.

Sintetizando, a incorporação imobiliária surgiu, indubitavelmente, como um mecanismo

espontâneo do mercado em resposta à insuficiência governamental, além de ser um instrumento

comunitário das grandes metrópoles, visando a gerar eficácia e efetividade ao direito fundamental

social à moradia.

2. Sistematização da Lei de Incorporações Imobiliárias

A Lei de Incorporações Imobiliárias tem uma sistematização própria e muito

característica, tanto que o procedimento das incorporações imobiliárias está previsto exaustiva e

exclusivamente nesta lei.

Para que o direito fundamental social à moradia seja efetivamente implementado e

fomentado o mais rápido e o mais abrangente possível, respeitando a escassez dos recursos

públicos e, portanto, adstringindo a utilização de recursos privados, é impreterível que a Lei nº

4.591/64 seja estritamente cumprida.

Se a lei e sua sistemática forem adequadamente interpretadas e cumpridas, especialmente

com crescente ampliação da aplicação da Lei das Incorporações Imobiliárias, certamente que

haverá uma significativa materialização do almejado direito à moradia, principalmente de

moradias dignas – entendidas como moradias com condições de habitabilidade.

76

É claro que a eficácia e efetividade do direito fundamental social à moradia apenas se

estabelecerão no momento em que houver a previsível interpretação e o bom emprego de todas as

diretrizes, requisitos e escopo da Lei das Incorporações Imobiliárias. Sem que estas condições

sejam implementadas, dificilmente, o objetivo de fomentar o direito à moradia será alcançado. É

necessário que as regras sejam claras para que haja diminuição dos custos de transação,

majoração dos investimentos no setor e conseqüente aumento da eficiência. Certamente que esta

conjuntura influencia no barateamento do custo da implementação das moradias dignas e, por

conseqüência, fomenta a atividade das incorporações imobiliárias.

É igualmente forçoso, em um segundo momento, após superados os empecilhos iniciais, o

aprimoramento e o desenvolvimento da incorporação imobiliária, pois somente neste rumo é que

o instituto atingirá cada vez mais a sua função social, alargando a sua aplicação a todas as castas

sociais e, conseqüentemente, facilitando cada vez mais o seu escopo: o amplo acesso à moradia.

Neste sentido, o incorporador, visando a legitimidade de cobrança dos órgãos públicos e

de todos envolvidos na atividade, é o primeiro que tem de agir dentro e nos limites da lei das

incorporações, seguindo a sistemática da Lei nº 4.591/64 na sua plenitude.

Pereira (2001. p. 255) alerta que anteriormente a lei ocorria situações impróprios, como:

“A Lei do Condomínio e Incorporação trouxe, também, como novidade, a obrigatoriedade do

incorporador. Efetivamente, uma das técnicas de evadir-se às responsabilidades era a do

‘incorporador oculto’ [...]”.

Assim sendo, todos os interessados em exercer a atividade da incorporação imobiliária,

obrigatoriamente, tem de seguir as determinações e diretrizes da Lei nº 4.591/64. Especialmente

em relação ao procedimento registral, com memorial de incorporação e os documentos

necessários, e as suas especificidades, as quais serão analisadas nos itens infra.

77

2.1. Do procedimento registral

Dentre os requisitos a serem estritamente cumpridos, visando a dar eficácia e efetividade

ao direito fundamental social à moradia, há o procedimento registral da incorporação imobiliária,

que é bem peculiar e requer o preenchimento de uma série de requisitos próprios e exclusivos da

Lei das Incorporações Imobiliárias112.

Esta exigência se dá em razão da segurança e previsibilidade para os agentes econômicos,

o que ocasiona a dinamização do mercado e faz gerar, por conseqüência, mais investimentos de

consumidores e empresas.

Antes do início do procedimento registral propriamente dito, é mister o cumprimento de

alguns atos preliminares. O primeiro deles é a realização cautelosa do memorial de incorporação,

o qual deve conter todas as informações e documentos exigidos pela lei de incorporações. O teor

deste memorial será analisado no próximo item.

Após esta primeira fase, o incorporador deverá ingressar com o requerimento e a

documentação no Registro de Imóveis competente, definido pela circunscrição do imóvel.

A partir de então, iniciar-se-á a etapa de análise deste requerimento e aferição dos

documentos acostados. Esta análise constitui o chamado exame oficial, o qual é realizado pelo

Oficial do Registro de Imóveis correspondente.

Procedida esta análise, o Oficial decidirá se estão presentes todos os requisitos e

documentos exigidos pela Lei nº 4.591/64, situação esta ensejadora do registro da incorporação

imobiliária, ou então o Oficial decidirá pela insuficiência de informações e/ou documentos. Nesta

última hipótese, o Oficial então procederá a impugnação do requerimento, devendo se dar por

112 Apenas o procedimento registral da lei dos loteamentos possui alguma similaridade com o procedimento das incorporações imobiliárias.

78

escrito e, se necessário, com fundamentação, conforme prevê o artigo 32, § 1º da lei das

incorporações.

É importante frisar que o Oficial do Registro de Imóveis tem o prazo de 15 (quinze) dias

para conferência do memorial e, outros 15 (quinze) dias, para o registro. Isto, claro, somente se

toda a documentação estiver em ordem. Este procedimento encontra seu fundamento no artigo

32, § 6º da lei 4.591/64.

Já na hipótese de haver incorreção no memorial, o Oficial apresentará, em 15 (quinze)

dias e por escrito, a impugnação. Neste documento, o registrador indicará expressamente todas as

suas exigências para efetivar o arquivamento e registro da incorporação, tanto em matéria de

informações como de documentação. Desta forma, satisfeitas estas exigências com a correção das

informações e complementação dos documentos, o registrador terá o prazo de 15 (quinze) dias

para registrar113 a incorporação imobiliária.

De acordo com os ensinamentos de Mezzari (1996. p. 108):

O exame dos documentos tem prazo de 15 dias (parágrafo 6º do art. 32), findo o qual, se exigências existirem, o oficial deverá indicá-las ao incorporador. Há quem julgue que este prazo foi dilatado para 30 dias, pela regra geral contida no art. 188 da Lei de Registros Públicos. No Rio Grande do Sul, todos os títulos têm 15 dias para serem examinados e deduzidas as exigências, se houver (item 10.2.1 da Consolidação Normativa).

Apenas a título ilustrativo, menciona-se que poderá haver divergência entre o

entendimento do registrador e do incorporador quanto às exigências a serem preenchidas e, nesta

hipótese, é cabível o processo judicial de suscitação de dúvida114. O juiz de direito decidirá acerca

113 Alerta-se, o registrador tem de ter muita cautela na correção das incorporações imobiliárias, pois em caso de erro será responsável civilmente pelos prejuízos que der causa. Além da responsabilidade civil, o registrador ainda é responsável administrativamente, as penalidades vão desde a advertência até a perda do cargo. Eventualmente, o registrador pode também sofrer responsabilidade criminal, conforme previsto no artigo 32, § 7º da Lei 4.591/64. 114 A suscitação de dúvida é um processo judicial, de jurisdição voluntária ou graciosa, com caráter administrativo. É originado a partir de uma dúvida ou por inconformismo do incorporador no que tange às impugnações. O juiz competente para dirimir a dúvida é o juiz da Vara de Registros Públicos, nas comarcas onde existir esta vara

79

da dúvida e as partes se submeterão, tanto o Oficial extirpando a exigência como o incorporador

cumprindo-a, à tese vencedora.

Somente após satisfeito o procedimento registral é que o incorporador estará apto a iniciar

a comercialização das unidades, angariando recursos privados para a construção da edificação

para, posteriormente, aplicar a técnica, construir e entregar as unidades aos respectivos

adquirentes. Com isso, paulatinamente, concretizando o direito à moradia.

É importante frisar que quanto mais célere e mais adstrito à Lei nº 4.591/64 estiver o

procedimento, tanto por parte do incorporador quanto pelo Registro de Imóveis, mais eficiente

será a incorporação imobiliária e menos custosas serão as respectivas moradias, o que fomentará,

conforme já alertado, o acesso à moradia.

2.2. Do memorial de Incorporação

É necessário que o requisito legal do memorial de incorporação também seja preenchido

para que seja viável concretizar o direito fundamental social à moradia através da incorporação.

Assim sendo, convém que o memorial seja devidamente esclarecido para a sua perfeita

formalização, pois após o registro será o elemento ensejador da publicidade registral e, com isso,

outorgará ao mercado a garantia de que a construção será concluída nos moldes delineados.

A incorporação imobiliária, visando a alcançar o registro, deve ser instrumentalizada

através de um memorial de incorporação, também chamado de requerimento, o qual deve estar

acompanhando dos documentos legais, tudo conforme previsão do art. 32 da Lei nº 4.591/64.

Ressalta-se, este rol do artigo 32, é exaustivo, ou seja, todos os documentos e informações

constantes neste rol devem integrar o processo da incorporação imobiliária.

especializada, ou então para o juiz Diretor do Foro. Enquanto a suscitação de dúvida estiver pendente de julgamento, o protocolo mantém os seus efeitos.

80

O memorial de incorporação nada mais é do que um requerimento endereçado ao Registro

de Imóveis, no qual tem de constar todas as informações exigidas no citado artigo, conforme

exame infra. Aliás, este memorial deve ser feito em duas vias115, assinado pelo incorporador ou

por procurador com poderes especiais e com a firma reconhecida.

Consoante Mezzari (1996. p. 81) os requisitos do memorial são: “No memorial de

incorporação encontrar-se-á a ordenação de todas as informações contidas nos documentos

esparsos e o próprio pedido para que se efetue o registro, obedecendo ao princípio da rogação

que norteia os atos registrários”.

Segundo explanações de Pilatti (2004. p. 10) acerca da documentação: “Os documentos

que acompanham o requerimento da incorporação deverão ser apresentados no original,

autuados em processo com todas as folhas numeradas e rubricadas [...]”.

Outra função primordial do memorial é a informação, pois somente com o conhecimento

das especificidades do empreendimento e das futuras unidades autônomas é que os consumidores

poderão exercer em plenitude seu direito de escolha, o que, também, determinará a eficiência do

mercado.

As informações e documentos indispensáveis e constantes da lista taxativa do artigo 32 da

Lei de Incorporações Imobiliárias que devem constar e acompanhar o memorial, para o adequado

cumprimento de todas as suas diretrizes, requisitos e escopo da Lei das Incorporações

Imobiliárias, são os seguintes:

115 Todos os documentos particulares devem vir em duas vias e com a firma reconhecida. Apenas os documentos públicos, em razão da sua essência, não precisam.

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2.2.1. Título de propriedade do terreno

É necessário que o memorial de incorporação contenha a descrição da propriedade do

imóvel onde será realizada a incorporação imobiliária, além de ser cogente que o título de

propriedade acompanhe o requerimento.

O título de propriedade mais adequado é uma escritura pública definitiva de compra e

venda registrada no Registro de Imóveis competente, o da circunscrição do imóvel, e com a

propriedade consolidada em nome do incorporador; entretanto, este título também poderá se

revestir de um contrato de promessa de compra e venda ou de um contrato de cessão de direitos,

ainda um contrato de promessa de cessão de direitos ou um contrato de permuta de terreno por

área construída.

Os contratos supra especificados, apesar de válidos, não são definitivos. Destarte, para

darem legitimidade à incorporação imobiliária precisam ter a característica de definitividade, a

qual será adquirida com a inclusão das cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, além da

cláusula de imissão de posse.

Além do mais, é mister que não tenha cláusula impeditiva de alienação de frações ideais

deste terreno e que apresentem cláusulas de autorização de demolição e construção do respectivo

imóvel.

Nesta senda, em havendo um contrato nestes moldes e registrado no Registro de Imóveis

da situação do imóvel, o incorporador estará apto, a priori, a realizar a incorporação imobiliária

neste terreno.

Quando a incorporação imobiliária utilizar mais de um terreno, além do incorporador

precisar ter a propriedade de todos estes terrenos, ainda terá de fazer a sua unificação fática e

jurídica – fusão de matrículas; claro, esta unificação, apenas, poderá ocorrer se os terrenos forem

lindeiros.

82

Este requerimento de unificação poderá ser feito no próprio memorial de incorporação ou

através de um requerimento avulso, necessitando apenas de firma reconhecida. Se os terrenos

lindeiros forem do incorporador basta o requerimento, acompanhado do levantamento descritivo

da unificação dos terrenos e da anuência do Município ou do Incra – dependendo se o imóvel for

em área urbano ou rural.

Se os terrenos lindeiros forem de proprietários diversos, o incorporador primeiro precisará

fazer a transferência de propriedade, no Registro de Imóveis, de todos os terrenos para o mesmo

titular, para depois proceder a unificação supra esclarecida.

Digno de registro, a importância da juntada do título de propriedade do terreno é para

caracterizar a situação dominial do imóvel, visando a dar certeza de que o incorporador é

efetivamente o proprietário do terreno e que tem legitimidade para edificar na respectiva área. Em

outras palavras, tende pela segurança jurídica da sociedade.

Destarte, a obrigação da juntada do título de propriedade é para atender às diretrizes da

Lei nº 4.591/64, objetivando instrumentalizar o processo de incorporação imobiliária para

alcançar o registro ensejador do início das vendas das unidades autônomas da edificação.

2.2.2. Certidões

As certidões, igualmente consideradas condição legal do memorial de incorporação

imobiliária, devem acompanhar o requerimento. Necessário se faz certidões negativas de ações

cíveis e criminais, de protesto de títulos, de impostos federais, estaduais e municipais relativos ao

terreno, ao incorporador e ao proprietário do terreno – quando houver a diferenciação dos

titulares; além das certidões negativas de ônus reais relativo ao imóvel e de débito junto à

Previdência Social.

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Em razão de serem diversificadas as certidões indispensáveis, conveniente se faz o

esclarecimento de cada certidão para que o requerimento seja satisfatoriamente formalizado;

conforme os esclarecimentos que se seguem:

A certidão negativa de ações cíveis e criminais divide-se em estadual e federal. As

certidões estaduais são obtidas no Distribuidor do Foro, no fórum da cidade do local do imóvel e

no local da residência do incorporador; e, as certidões federais cíveis e criminais são tiradas no

Distribuidor da Justiça Federal que abrange a região onde reside o incorporador e onde está

situado o imóvel.

Para obter as certidões negativas116 de ações cíveis e criminais é indispensável que o

incorporador não esteja sendo processado nem no âmbito cível e tampouco no criminal, caso

contrário sairá positiva.

Já a certidão negativa de protestos de títulos é obtida no Tabelionato de Protestos da

localidade do imóvel e da residência do incorporador; somente poderá obtê-la quem não possuir

título de crédito ou documento representante de divida protestado. Alerta-se, em algumas

localidades há mais de um Tabelião de Protestos, neste caso, é preciso obter a certidão negativa

de todos os Tabelionatos da cidade.

Uma informação prática relevante é que todas estas certidões acima explanadas são de

fácil acesso, ou seja, qualquer pessoa pode requerer estas certidões referente a outra pessoa, não

necessitando sequer de procuração ou autorização, tampouco necessita justificativa para obtê-la.

Já em relação à certidão negativa de impostos federais pode ser obtida na Secretaria da

Receita Federal, mediante requerimento padronizado, a pedido do próprio incorporador ou por

terceiro munido de procuração com poderes específicos117.

116 Não consta no rol do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, no entanto, a maioria dos Registros de Imóveis exige também a certidão negativa da Justiça do Trabalho, tanto da localidade do empreendimento como do domicílio do incorporador.

84

Os impostos federais que podem impedir a obtenção da certidão negativa são: “IR”,

imposto de renda de pessoa física ou jurídica; “COFINS” e “PIS”; contribuições sociais;

evidentemente, desde que estejam pendentes de pagamento118.

A certidão negativa de débitos fiscais estaduais é obtida na exatoria estadual, mediante um

requerimento padronizado, a pedido do próprio incorporador ou terceiro, munido de procuração

com poderes específicos.

Os impostos estaduais que podem impedir a certidão negativa são: “ICMS”, imposto

sobre circulação de mercadorias e serviços; “IPVA”, imposto sobre propriedade de veículos

automotores e “ITCD”, imposto sobre transmissão de bens causa mortis ou doações; certamente,

somente na hipótese de haver pendência de débitos.

A certidão negativa de débitos fiscais municipais é obtida na Prefeitura, tanto do local do

imóvel como da localidade de residência do incorporador, mediante um requerimento

padronizado, a pedido do próprio incorporador ou de terceiro munido de procuração com poderes

específicos.

Os impostos municipais que podem impedir a obtenção da certidão negativa são: “IPTU”,

imposto sobre a propriedade territorial urbana; “ISSQN”, imposto sobre serviços de qualquer

natureza e “ITBI”, imposto sobre transmissão de bens imóveis; obviamente, apenas caso haja o

inadimplemento destes impostos.

Além disso, é imprescindível que a empresa esteja em regular situação junto à Previdência

Social (INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social) no que tange ao recolhimento das

117 Atualmente, há possibilidade de se obter esta certidão através da Internet, na página da Receita Federal. 118 Claro que existem outros impostos federais, mas, provavelmente, o incorporador não irá devê-los, porque não tem qualquer relação com sua atividade, como, por exemplo: “IPI” (imposto sobre produtos industrializados), IE (imposto sobre exportação), “IOF” (imposto sobre operações financeiras).

85

contribuições previdenciária, somente assim poderá obter a CND119 – Certidão Negativa de

Débito. Importante fazer a ressalva que esta certidão é exigível apenas do incorporador que seja

responsável por este tipo de contribuição, ou seja, do incorporador que possua empregados120.

Se o incorporador tiver feito parcelamento de dívidas junto ao INSS e esteja adimplindo

esse acordo, o INSS terá de fornecer uma CND positiva, com efeito de negativa; objetivando não

impedir as transações do incorporador.

Quanto à certidão negativa de ônus reais em relação ao imóvel é obtida no Registro de

Imóveis onde o imóvel está matriculado e chama-se certidão de ônus reais e reipersecutória; em

razão do princípio da publicidade, qualquer pessoa pode solicitar esta certidão e quaisquer

matrículas.

Esta certidão apenas será negativa se o imóvel em questão não estiver gravado de ônus

real. Patente que se o ônus real decorrer de processo judicial, a parte ou seu procurador devem

ser diligentes e trazer do processo para o Registro de Imóveis este gravame, sob pena de não

constando na matrícula ser inoponível contra terceiros pela inobservância de formalidade legal:

ausência de noticiação ao órgão competente.

Frise-se que, mesmo havendo ônus reais sobre o imóvel, como regra geral, não haverá

impedimento à efetivação da incorporação imobiliária, mas o fato deverá ser noticiado em todos

os documentos de ajuste.

119 Ressalta-se que a CND do INSS também será necessária quando o outorgante for empresa ou pessoa equiparada e se tratar da alienação ou constituição de ônus real a imóveis integrante do ativo permanente. A dispensada da apresentação do CND se dará quando a empresa vendedora explorar exclusivamente a atividade de compra e venda de imóveis, locação, parcelamento ou incorporação, desde que o imóvel objeto da transação estiver lançado no ativo circulante da empresa, não podendo constar no ativo permanente. 120 Não consta no rol do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, no entanto, a maioria dos Registros de Imóveis exige também a certidão negativa da Caixa Econômica Federal para comprovação de regularidade do FGTS (Fundo de Garantia sobre Tempo e Serviço), caso o incorporador tenha empregados.

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Enfim, a existência de ônus fiscais ou reais121 e 122, salvo os impeditivos de alienação, não

se constitui em óbice123 e 124 para a realização da incorporação imobiliária125 e 126, bastando que

conste no registro e nos documentos a ressalva da existência destes ônus, visto que futuramente

gravarão as unidades ou poderão gerar problemas aos futuros adquirentes.

É importante lembrar, ainda, que todas as certidões têm um prazo de validade, após o

transcurso do respectivo prazo será necessário renová-las; por isso que, na prática, as

incorporadoras, evitando o desperdiço de tempo e dinheiro, deixam para juntar estas certidões

após o cumprimento de todas as impugnações do Registro de Imóveis.

De acordo com Pilatti (2004. p.13): “O prazo de validade das certidões, quando não está

determinado, é de 30 (trinta) dias – art. 1º, item IV, do Dec. 93.240/86”.

121 Por exemplo, a enfiteuse não há qualquer problema em realizar a incorporação. O foreiro ou enfiteuta por possuir o domínio útil (direto) ou a posse direta do imóvel poderá incorporar, desde que ressalvado o direito de preferência do senhorio direto na ocasião da compra das unidades. 122 Se o imóvel estiver gravado com usufruto, assim como o uso e a habitação, já que são as mesmas regras, é um instituto no qual nem o nu-proprietário nem o usufrutuário podem alterar a substância do bem sem o consentimento do outro, logo, só haverá incorporação quando houver aquiescência das partes. A razão para isso é que o nu-proprietário não detém a posse do imóvel e por isso está impedido de incorporar, e o usufrutuário também está impedido de incorporar porque o usufruto é um direito personalíssimo, o qual não pode ser cedido a terceiros. Resumindo, a única hipótese de haver incorporação em imóvel gravado pelo usufruto é havendo a concordância de ambos interessados, conforme Mezzari (1996. p. 94 e 95). 123 Os bens gravados com cláusulas de inalienabilidade, independente de ser por força de lei, testamento ou doação, não podem ser objeto de incorporação, salvo se houver a sub-rogação. A sub-rogação é a permuta do terreno em troca de área construída no próprio imóvel ou até em outro local, ressalvado o valor dos imóveis em negociação, mas isso somente poderá ser feito via judicial, segundo Mezzari (1996. p. 97). 124 Já os bens gravados com cláusula de indisponibilidade, estes não podem, em nenhuma hipótese, promover a incorporação imobiliária. 125 Já o imóvel gravado com servidão de não construir está impedido de efetivar a incorporação imobiliária, mas o imóvel gravado com outro tipo de servidão, como, por exemplo, de passagem, se analisará o grau do comprometimento que o empreendimento causará à servidão e definirá se pode ou não realizar a incorporação. 126 Em relação à hipoteca e à anticrese, a lei assegurou ao credor destas garantias o direito de seqüela, o qual possibilita que o credor “siga” o bem onde ele estiver, com quem estiver e como estiver. Logo, se houver a incorporação imobiliária, as unidades autônomas permanecerão gravadas com o respectivo ônus real. Caso o incorporador pretenda constituir hipoteca sobre o imóvel após a venda de unidades autônomas será necessário a anuência dos adquirentes.

87

É cabível ainda anexar ao processo de registro da incorporação, quando as certidões

demonstrarem uma situação financeira e/ou jurídica desfavorável, documentos esclarecedores,

tais como: certidões narratórias dos processos, cópias de documentos dos processos judiciais,

recibos de pagamentos de protestos ainda não baixados; estes documentos elucidativos revestem-

se de importância, já que trazem maior segurança jurídica ao consumidor.

Enfim, todas estas certidões têm como finalidade, além do cumprimento da lei,

demonstrar a idoneidade do incorporador e, por decorrência, trazer segurança jurídica ao

comprador.

2.2.3. Histórico vintenário do imóvel

Objetivando atender a ordenação da Lei das Incorporações Imobiliárias e, como

conseqüência, implementar o direito fundamental social à moradia, é imprescindível que o

memorial de incorporação venha com as informações do histórico vintenário, assim como seja

acompanhado de sua respectiva matrícula vintenária, isto é, dos últimos 20 (vinte) anos de

registros.

Este documento é de suma importância, pois a partir dele se pode conhecer o histórico do

imóvel, tais como: os proprietários, os ônus reais, etc. Aliás, em caso de uma ação de evicção é

possível responsabilizar o antigo proprietário que constará nesta matrícula vintenária.

Aliás, existem dois tipos de certidões que é possível solicitar Registro de Imóveis: a da

matrícula atualizada e a da matrícula vintenária do imóvel. A matrícula comum é a mais utilizada

e a matrícula vintenária, geralmente, é utilizada apenas nos registros de incorporações

imobiliárias.

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Não se pode esquecer de que um dos princípios que rege o Registro de Imóveis é a

continuidade dos atos e, por isso, terá de constar na matrícula vintenária127 do imóvel todos os

atos ocorridos com este bem, garantindo a ininterrupção de registros e, conseqüentemente, uma

seqüência lógica das transmissões de propriedade128. Só há duas exceções a este princípio: a

desapropriação e o usucapião.

Assim sendo, concluído o procedimento jurídico e fático da incorporação imobiliária,

quando o imóvel já estiver em uso dos seus moradores, estes terão de continuar respeitando os

princípios registrais. Isto é, o proprietário tem plena faculdade de alienar o imóvel, fomentando o

setor, mas terá de respeitar o princípio da continuidade e, portanto, a cadeia estabelecida no

histórico vintenário.

Este princípio registral, além de garantir a segurança jurídica, pois exige que toda cadeia

de proprietários seja registrada129, ainda gera impostos – pois a cada transmissão de propriedade

há o pagamento do imposto ITBI e demais despesas.

2.2.4. Projetos

Igualmente imprescindível para atender os requisitos da lei, agindo em total conformidade

para instrumentalizar o memorial e propiciar o registro da incorporação imobiliária, são os

127 A matrícula vintenária também é utilizada nos registros de loteamento. Como ensina Rizzardo (2003. p. 63) “Ao depositar o projeto do loteamento ou desmembramento, o interessado anexará os documentos [...]: histórico de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos [...]”. 128 Por exemplo, se uma pessoa prometeu vender a outra pessoa, e esta registrou o contrato, terá de consolidar a propriedade em seu nome, através de uma escritura pública definitiva de compra e venda, para somente neste momento poder transferir a terceiro. Isto é, não pode o proprietário original fazer a transferência diretamente a este terceiro, visto que consta o nome do segundo proprietário registrado, ainda que pelo contrato preliminar. Esta situação visa garantir o princípio registral da continuidade dos atos. 129 Como efeito reflexo, este princípio ainda gera maior facilidade de obtenção de crédito e redução de juros. A pessoa possuindo uma propriedade, que pode ser dada em garantir, propicia o crédito e pela segurança de retorno do capital ainda pode obter a negociação de juros menores do que de outra pessoa sem garantias.

89

projetos da futura edificação devidamente aprovados pela autoridade competente, ou seja, o

Município da localidade do imóvel.

Os projetos devem ser elaborados por profissional inscrito no CREA, órgão de classe dos

engenheiros e arquitetos, o qual será o responsável técnico pelos projetos. Este deve ser o

procedimento adotado para todos projetos – hidráulico, elétrico, telefônico, estrutural,

arquitetônico, etc.

Sempre que um profissional cadastrado no CREA efetiva um serviço desta natureza ele

tem a obrigação de emitir e pagar a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica - junto ao

CREA130.

Após o estudo e feitura dos projetos pelo incorporador e seus colaboradores, estes devem

ser levados à Prefeitura, em duas cópias, para serem analisados pelos técnicos responsáveis e

serem aprovados ou não, caso não sejam aceitos, far-se-ão as adequações necessárias e serão

novamente submetidos à apreciação para aprovação. A partir deste momento, os projetos

aprovados serão levados ao Registro de Imóveis, juntamente com a cópia de licença da obra

aprovada, com firmas reconhecidas.

Caso seja necessário demolir o prédio que está sobre o terreno onde se pretende efetuar a

edificação, deve-se pedir à Prefeitura licença para demolição do prédio e, após demolido, solicita-

se a certidão de demolição131, sob pena do registrador não aceitar o registro da incorporação

imobiliária, por ainda constar na matrícula o prédio anterior no terreno.

130 Não consta no rol do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, no entanto, alguns dos Registros de Imóveis exigem também a que a ART seja anexada ao procedimento da incorporação imobiliária. 131 Nesta situação, pode-se pedir na Prefeitura a manutenção da alíquota predial do imposto do IPTU pelo prazo máximo legal, que é variável de acordo com o município, em Porto Alegre, por exemplo, é de dois anos prorrogáveis por igual período com a licença para demolição sendo um dos requisitos legais, evitando de ter de pagar o imposto territorial que é muito mais caro, pois considera-se especulação do solo. Previsão legal para Porto Alegre é na Lei Complementar 285/92 combinado com artigo 5º, § 9º da Lei Complementar 07/73 e suas alterações posteriores.

90

Esta demolição do prédio antigo no terreno onde será construída a incorporação

imobiliária tem de ser informada ao Registro de Imóveis, o que se dá ou no memorial de

incorporação ou através de um requerimento avulso, acompanhado da certidão de demolição

expedida pela Prefeitura, após a devida vistoria, e da CND do INSS132 da demolição. Caso isto

não seja feito, a situação fática do imóvel não estará juridicamente comprovada, o que

impossibilitará o registro da incorporação imobiliária em razão de constar na matrícula outro

prédio no local, ao invés de um terreno sem qualquer construção.

Conclui-se, portanto, que a construção de moradias deve se ater aos projetos, os quais são

cuidadosamente analisados pela Prefeitura. É por esta razão que as moradias construídas em

regime de incorporação imobiliária têm todas as mínimas condições exigidas, especialmente

quanto à habitabilidade; pois, caso contrário, a Prefeitura não teria autorizado a construção. É por

este fato, inclusive, que as moradias construídas de acordo com a Lei nº 4.591/64 podem ser

classificadas e consideradas como dignas.

Outrossim, é importante registrar que este procedimento supra indicado deve ser realizado

com acuidade, sob pena de não resguardar a sistematização da Lei nº 4.591/64 e, em razão dos

equívocos do incorporador, inviabilizar o registro da incorporação imobiliária. Esta situação tem

de ser evitada, pois quanto mais longo e mais repetitivo for o processo, até que se atinja o registro

da incorporação, mais gastos serão gerados e repercutirá no preço final e sobre o número das

moradias a serem construídas.

132 Antes de fazer a demolição é indispensável que se abra uma matrícula de demolição no INSS, cadastrando todos os trabalhadores que participarão deste serviço, e assim pagar a contribuição previdenciária correspondente.

91

2.2.5. Cálculos

Outro requisito elencado na lei para a aprovação do memorial de incorporação, e, somente

a partir deste momento, será autorizada a venda das futuras moradias, refere-se aos cálculos da

edificação.

Deverá, também, ser informado no requerimento de incorporação imobiliária o cálculo

das áreas da edificação, com a discriminação das partes de uso comum, e indicando, para cada

tipo de unidade, a respectiva metragem da área construída. Igualmente necessário acostar ao

memorial as planilhas da NBR 12.721133.

Frise-se, as planilhas devem vir com a assinatura do responsável técnico devidamente

reconhecida em Tabelionato de Notas. Por se tratar de trabalho de engenharia, novamente, faz-se

necessário a emissão de ART.

A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) realiza a edição de normas para

definir para cada tipo de construção os critérios de custos, a forma de execução de orçamentos, o

acabamento da obra que estará inserido no memorial descritivo, bem como o cronograma das

obras. Mas claro, são apenas normas, das quais todos poderão melhor adaptá-las às suas

necessidades, desde que não descumpram os limites fixados.

Após a aprovação destes cálculos, o incorporador também terá a obrigação de respeitar

estas planilhas de cálculo, que representam as áreas de um modo geral, inclusive, em particular,

as áreas das moradias. Por este outro fator, outrossim, é que as moradias construídas em regime

de incorporação imobiliária podem ser consideradas dignas, visto que observam as metragens

mínimas de condições de habitabilidade.

133 Será necessário acostar á incorporação imobiliária 8 (oito) quadros: quadro I – cálculo das áreas dos pavimentos e das áreas globais; quadro II – cálculo das áreas das unidades autônomas; quadro III – avaliação do custo global da construção e o preço do metro quadrado; quadro IV – avaliação do custo de construção de cada unidade; quadro V– informações gerais; quadro VI – memorial descritivo; quadro VII – memorial descritivo das áreas privativas e quadro VIII – memorial descritivo das áreas comuns. (Pilatti, 2005. p. 33).

92

Atendendo a finalidade da lei, estas planilhas trazem, acima de tudo, segurança jurídica

aos futuros compradores, pois estes terão a certeza de que a sua futura morada terá as metragens

previamente estabelecidas pelas mencionadas planilhas de cálculo.

2.2.6. Memorial descritivo

O memorial descritivo da obra também é uma condição legal imposta pela Lei das

Incorporações Imobiliárias, que deve ser atendido sob pena de não aceitação de registro.

O memorial de incorporação deve ser acompanhado pelo memorial descritivo da obra. No

artigo 53, IV da Lei nº 4.591/64, pode-se obter o modelo legal a ser seguido.

Este memorial descritivo é simplesmente a tradução escrita das informações contidas nos

quadros V, VI, VII e VIII da NBR 12.721.

As informações que devem conter versam sobre a qualidade da obra, quais serão os

materiais utilizados na obra, bem como a especificação da marca e da espécie, enfim contendo a

maior gama possível de detalhes. Enfatiza-se que este memorial deverá ser seguido, sob pena de

o incorporador ser responsabilizado134 civilmente, nos termos do Código de Proteção do

Consumidor e da Lei das Incorporações Imobiliárias.

Novamente, aqui, há a acolhida da segurança jurídica dos compradores, pois a construção

das futuras moradias deve seguir estritamente as especificações constantes no memorial

descritivo. Assim sendo, este é outro requisito da Lei nº 4.591/64 que obriga a edificação de

moradias dignas, visto que a lei exige que sejam aplicados na obra materiais com o mínimo de

qualidade, resguardando a habitabilidade das moradias.

134 Se houver alguma dúvida sobre a qualidade do material indiciado no memorial descritivo e o aplicado na edificação, prevalecerá a solução que mais beneficiar o adquirente.

93

2.2.7. Custo da obra

É necessário que o requisito legal do custo da obra seja cumprido no memorial de

incorporação, visando atender a sistemática da Lei das Incorporações imobiliária, legislação

incentivadora do fomento do direito à moradia.

O memorial de incorporação deve conter a informação acerca do custo global da obra e a

discriminação do custo de cada unidade, com os valores atualizados à data do arquivamento.

Além de coexistir em um dos documentos acostados ao memorial, já que é uma das planilhas da

NBR 12.721 acima mencionada.

O custo da obra tem de ser calculado de acordo com as normas do artigo 53, III, da Lei nº

4.591/64, baseando-se no custo unitário135 estabelecido pelo artigo 54 da Lei nº 4.591/64. Estas

informações são expressas tecnicamente nos quadros III e IV da NBR 12.721.

Observa-se, assim, ser imprescindível definir o custo136 global da edificação e de cada

unidade autônoma, propondo-se a atender a sistemática da Lei nº 4.591/64.

2.2.8. Discriminação das frações ideais

Mister a discriminação das frações ideais no memorial de incorporação imobiliária, visto

tratar de requisito legal da ordenação da Lei nº 4.591/64 – o instrumento em verificação

implementador do direito fundamental social à moradia.

135 Lei nº 4.864/65, no seu art. 14, § único estabelece que o incorporador deverá avaliar o custo global da obra tendo como critério o valor do CUB (custo unitário básico), o qual será divulgado pelo sindicato de cada estado, pois o CUB pode variar, como em geral o é, de um estado para o outro. 136 Nas incorporações imobiliárias a preço e prazo certo, em nada interfere para o eventual adquirente a declaração dos custos exigida neste item, pois para ele o que interessa é o valor da oferta pública da unidade autônoma. Esta modalidade de incorporação é a mais comum no mercado, e os preços das unidades colocados à venda são baseados na oferta e procura, jamais nesta declaração de custos.

94

O memorial de incorporação deve conter a discriminação das frações ideais do terreno

com as unidades autônomas das quais correspondem. Além de ser um dos documentos que

constitui o memorial, por ser uma das planilhas da NBR 12.721.

A discriminação das frações ideais do terreno e suas respectivas unidades autônomas

serão expressas tecnicamente nos quadros da NBR 12.721.

No que tange à fração ideal do terreno e das coisas comuns, sabe-se que cada unidade

autônoma corresponde a uma fração, percentual, sobre os bens comuns – artigo 1, § 2º da lei

4.591/64.

Define Pilatti (2004. p. 16): “[...] a soma das frações ideais do solo das unidades

autônomas deve totalizar 1,00 ou 100%”.

A importância patrimonial da fração ideal é ímpar, visto que se em caso de desapropriação

do futuro prédio, em caso de sinistro com destruição da edificação ou de pretensa venda do

terreno, cada proprietário receberá a indenização na proporcional a sua fração ideal.

A função secundária da fração ideal é a de servir de parâmetro para se saber a cota de

participação dos condôminos nas despesas da edificação, ou seja, quem possuir unidade

autônoma maior terá proporcionalmente maior fração ideal e, conseqüentemente, arcará com

valor a maior para com os gastos do condomínio no momento do rateio de despesas. Este é o

critério usado habitualmente; contudo, nada impede que sejam adotados outros critérios para a

fixação da cota condominial.

Dessa forma, verifica-se, novamente, a necessidade da juntada desta planilha

esclarecedora da fração ideal, visto que esta informação se constitui em mais uma garantia para a

construção de moradias dignas, pois igualmente resguarda a fração ideal do imóvel previamente

definida e aprovada, protegendo a habitabilidade das moradias.

95

2.2.9. Minuta de convenção do condomínio

A minuta de convenção do condomínio também é uma condição legal da sistemática da

Lei das Incorporações Imobiliárias, legislação motivadora ao fomento do acesso à moradia.

O requerimento de incorporação deve vir acompanhado desta minuta de convenção do

condomínio, a qual, enquanto não for substituída pela convenção de condomínio definitiva, é a lei

interna do condomínio.

Este documento regerá a edificação, estabelecerá os direitos e deveres de cada pessoa

envolvida, determinando o que é possível ou não fazer nas áreas de uso comum e de uso

particular137.

A minuta será assinada pelo incorporador, com firma reconhecida, devendo ser em duas

vias. Apesar de não usual, se for do interesse do incorporador, poderá ser elaborada a minuta

mediante escritura pública.

Esta minuta é transitória, pois é elaborada pelo incorporador e, por isso, a denominação de

minuta. Posteriormente, após a instituição do condomínio e eleição de síndico, poderão os

moradores138 unir-se e efetivar uma convenção de condomínio, a qual será de acordo com a

vontade comum dos adquirentes.

Enfatiza-se, após as respectivas moradias construídas sob o regime da incorporação

imobiliária estarem habitadas e enquanto não houver alteração da dita minuta, os seus moradores

deverão seguir este regramento básico de convivência constante na minuta.

137 Claro que nas áreas individuais, a minuta somente pode regular o que ultrapassar da liberdade pessoal do morador. 138 Até o próprio incorporador poderá elaborar uma convenção de condomínio, mas para tal precisa ter o quorum legal de frações ideais.

96

2.2.10. Declaração do preço

A seguinte condição legal, objetivando cumprir a sistemática da Lei nº 4.591/64, é que se

houver permuta, o memorial de incorporação deve fornecer esta informação e conter a declaração

do preço da quota parte da área das unidades a serem entregues em pagamento pelo terreno,

conforme determina o artigo 39, II da Lei nº 4.591/64.

A declaração tem de esclarecer o quantum que o proprietário do terreno receberá em área

construída e o quantum que receberá em dinheiro139.

Nesta situação da permuta, o proprietário entrega o terreno para o incorporador e este,

após a construção, entregará ao proprietário do terreno um determinado número de unidades

autônomas da edificação, de acordo com a negociação das partes, a qual poderá envolver quantias

em dinheiro também.

A permuta tem de ser, obrigatoriamente, declarada e arquivada no Registro de Imóveis,

além de ser cogente constar em todos os documentos esta permuta.

Frise-se, caso exista permuta do terreno, é absolutamente impreterível constar esta

informação nos documentos legais do empreendimento, pois somente a partir desta declaração

será possível conhecer quais moradias dentro da edificação o incorporador não poderá alienar por

serem de domínio do proprietário do terreno. Assim, esta declaração acaba sendo uma garantia ao

adquirente da moradia acerca da sua propriedade, nestes limites.

Novamente, aqui, há a acolhida da segurança jurídica dos compradores pelos argumentos

supra expostos. Imprescindível se faz obedecer ao regramento da Lei nº 4.591/64, a viabilizadora

do direito à moradia.

139 Nas incorporações imobiliárias a preço e prazo certo, em nada interfere para o eventual adquirente a declaração dos preços exigida neste item, pois para ele o que interessa é o valor da oferta pública da unidade autônoma. Esta modalidade de incorporação é a mais comum no mercado, e os preços das unidades colocados à venda são baseados na oferta e procura, jamais nesta declaração de custos.

97

2.2.11. Procuração

O requerimento de incorporação, com a finalidade de atender a ordenação da Lei nº

4.591/64, deve estar acompanhado do instrumento público de mandato, conforme determina o

artigo 31, § 1º da Lei nº 4.591/64, nos casos em que haja permuta do terreno por área construída.

Se o incorporador não for o proprietário do terreno, ele deverá estar munido de poderes

especiais mediante procuração por instrumento público para poder efetivar a incorporação

imobiliária. Apenas o proprietário do terreno, o promitente comprador, o promitente cedente e o

cedente possuem esta faculdade.

No mandato deverão constar as informações habituais e especialmente deve ser transcrito

expressa e literalmente o artigo 35, § 4º da Lei 4.591/64, conforme determinação expressa no art.

31 da dita lei.

É sabido que nas hipóteses de permuta do terreno por área construída, o terreno não é de

propriedade do incorporador e sim do permutante. Conseqüentemente, para que possa ser

realizado o processo de incorporação imobiliária – e, como decorrência, ser concretizado o direito

fundamental social à moradia – o incorporador precisará ter autorização, através de procuração,

com poderes específicos, sob pena de não ser legitimado.

2.2.12. Prazo de carência

Outra exigência legal, dispondo-se agir em adequação com a Lei das Incorporações

Imobiliárias, é constar no memorial de incorporação a declaração do prazo de carência e em quais

condições será possível utilizar essa possibilidade, pois caso não haja esta declaração considerar-

se-á que o incorporador renunciou a este direito.

98

O incorporador tem a faculdade de optar ou não pelo prazo de carência; se optar, dentro

deste prazo lhe será lícito desistir do empreendimento; caso não opte, o incorporador ficará desde

logo obrigado a construir e entregar as unidades autônomas.

Caso o incorporador desista do empreendimento dentro do prazo de carência, apenas terá

de restituir aos adquirentes as prestações eventualmente pagas. Mas se o incorporador desistir do

empreendimento sem ou fora do prazo de carência, além de ter de restituir as quantias pagas

ainda poderá ser condenado a indenizar lucros cessantes e danos emergentes.

Caso o incorporador decida utilizar o prazo de carência e desistir do empreendimento, este

deverá denunciar a incorporação e comunicar por escrito a todos adquirentes a sua decisão.

Assim como deverá averbar a desistência no Registro de Imóveis onde a incorporação imobiliária

estiver registrada.

O prazo de carência é de no máximo 180 (cento e oitenta dias), a contar do registro da

incorporação imobiliária.

Em todos os documentos preliminares deverá constar a notícia da existência do prazo de

carência. Esta obrigatoriedade será válida enquanto o prazo de carência estiver vigendo.

Novamente, o objetivo da inserção desta informação é resguardar a segurança jurídica dos

adquirentes, para que tenham acesso à informação e não sejam surpreendidos com contingente

desistência do empreendimento.

O objetivo primordial da Lei nº 4.591/64, como já foi dito, é o de fomentar o direito à

moradia. Ao propiciar este direito ao incorporador parece, em uma análise apressada, que, neste

aspecto, a lei foi justamente em oposição a sua finalidade. Entretanto, ao ponderar o conjunto

verifica-se que este direito objetiva evitar maiores prejuízos com acidental desistência em tempo

hábil, para que seja possível aos compradores buscarem outra negociação e empregarem o seu

capital em um empreendimento que venha realmente a ser edificado.

99

2.2.13. Atestado de idoneidade financeira

O atestado de idoneidade financeira é mais um dos requisitos legais a constar no memorial

de incorporação imobiliária, cujo objeto é o de atender a legislação incentivadora do fomento do

direito à moradia.

O memorial de incorporação deve estar acompanhado do atestado de idoneidade

financeira, o qual pretende dar ciência da vida econômica pregressa do incorporador.

Este atestado é fornecido por estabelecimento de crédito respeitável e que opere no país

há mais de cinco anos, do qual o incorporador seja cliente, devendo ser fornecido em duas vias,

com reconhecimento de firma do subscritor.

Assim como as certidões, o atestado de idoneidade financeira serve para demonstrar a

solidez financeira do incorporador, o que dará maior segurança jurídica aos compradores.

2.2.14. Box de estacionamento

É necessário que a condição legal da declaração dos boxes de estacionamento integre o

memorial de incorporação, atendendo, desta forma, a sistematização da Lei das Incorporações

imobiliária estará beneficiando o acesso à moradia.

O requerimento de incorporação deve conter a informação acerca dos boxes de

estacionamento e estar acompanhado das plantas elucidativas sobre o número de veículos que a

garagem da edificação comporta e os locais destinados à sua guarda, além da necessidade das

planilhas da NBR 12.721virem acompanhando o memorial.

Os boxes de estacionamento tanto podem ser considerados uma unidade autônoma, com

matrícula própria; como podem ser considerados acessórios, inclusos na matrícula do imóvel,

assim como é o caso de um depósito.

100

Desta forma, o incorporador dispõe de algumas opções para alienar os boxes de

estacionamento: uma das opções é determinar o número de boxes para cada unidade autônoma e

já incluir no preço da unidade, integrando-os na matrícula do apartamento ou fazendo matrículas

autônomas para cada unidade; outra opção é alienar cada box separadamente, cada qual com a

sua matrícula. Pode ocorrer que um apartamento possua mais boxes do que o outro.

Uma opção diversa, que modernamente é pouco usual, é o incorporador entregar todos os

boxes ao condomínio da edificação e deixar ao arbítrio dos adquirentes a estipulação de como

irão utilizar os boxes de estacionamento, sendo que esta deliberação constará na convenção de

condomínio, já que os boxes farão parte da área comum da edificação. Podendo definir o uso

como melhor lhes prouver.

Assim sendo, as habitações construídas sob o regime de incorporação imobiliária têm

previamente definido a questão dos boxes de estacionamento, se houver no empreendimento,

tendo a garantia de que tudo estará de acordo com a autorização concedida pela Prefeitura.

3. Da incorporação imobiliária e da individuação

Após a juntada de todos os documentos e informações supra citados – os quais são

condensados no memorial de incorporação de acordo com as diretrizes acima traçadas – e

entregues no Registro de Imóveis da localidade do imóvel, vem a etapa da análise. Superada a

fase da conferência e da impugnação, nada mais resta do que o registro da incorporação

imobiliária na matrícula do imóvel.

Após esta exigência jurídica do registro da incorporação imobiliária, autorizado está o

incorporador a iniciar as vendas e dar início ou continuar na execução das obras. Ao término da

edificação, de fato e de direito, é o momento de outorgar estas moradias dignas à coletividade de

adquirentes.

101

Ressalta-se que somente será possível o fomento ao direito à moradia, através da Lei nº

4.591/64, com a adequada interpretação da sistematização da dita lei, inclusive com o registro da

incorporação imobiliária. Somente após este registro é que haverá possibilidade legal do

incorporador iniciar as transações imobiliárias com as respectivas unidades autônomas.

Mezzari (1999. p. 107) faz uma excelente definição do ato registral da incorporação

imobiliária: “O registro da incorporação imobiliária é ato complexo, que exige do registrador

um exame acurado de toda a documentação e pressupõe uma análise de nuances que escapem ao

primeiro enfoque”.

Conforme Oliveira (2004. p. 123): “Entretanto, sob o ponto de vista documental e

registral, a incorporação efetivamente passa a ter personalidade jurídica no instante em que o

registrador proceder ao ato requerido, na matrícula do imóvel, na qual será erigida a edificação

[...]”.

Importante ressaltar que o registro da incorporação tem validade de 120 (cento e vinte)

dias e, findo este prazo, caso o incorporador não tenha concretizado a obra e nem tampouco

negociado todas suas unidades, ele deverá revalidar o registro por igual prazo. Isto é, para o

incorporador poder continuar negociando as unidades deverá atualizar a documentação constante

do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, conforme prevê o artigo 33.

Outrossim, desnecessário se faz revalidar o registro caso a edificação esteja fática e

juridicamente finalizada, neste caso, conforme Oliveira (2004. p. 124): “Concluídas as

construções, cessa o termo incorporação”.

Porém, finalizada a construção da edificação e já estando a incorporação registrada na

matrícula do imóvel, torna-se imprescindível que o incorporador requeira ao registrador a

102

averbação da construção anexando os documentos hábeis: habite-se140 e CND do INSS. Somente

após esta averbação é que será possível considerar a obra juridicamente terminada e dar início ao

procedimento de abertura das matrículas individuais.

Assim, caso o incorporador não proceda a obrigação da averbação de conclusão da obra, o

construtor tem obrigação de fazê-lo, sob pena de responsabilidade solidária141, consoante artigo

44, § 1° da Lei nº 4.591/64. Se ainda assim não houver a averbação da construção da obra, há a

possibilidade de qualquer dos adquirentes realizar esta providência142, previsão legal no artigo 44,

§ 2° da Lei nº 4.591/64.

A lei determina que posteriormente a averbação da construção da obra, a qual até então

está sendo considerada como um todo, é necessário proceder a individualização e discriminação

das unidades. Somente neste momento será possível a abertura das matrículas individuais para

cada unidade autônoma e assim permitir que os adquirentes tenham a propriedade da sua moradia

outorgada em seu nome.

O requerimento de individuação, atendendo a sistemática da Lei das Incorporações

Imobiliárias, tem de estar assinado pelo incorporador e com a firma reconhecida, e deve estar

acompanhado do documento de habite-se, CND do INSS, projeto arquitetônico aprovado, quadro

de custos das unidades e planilha de áreas e frações ideais. Estes documentos são os mesmos

140 Pode haver habite-se parcial, por exemplo, em um empreendimento de blocos de edifícios, no qual a liberação dar-se-á de um a um. 141 Incorporação imobiliária. Responsabilidade solidária do construtor prevista no § 1º do art. 44 da Lei nº 4.591/64. Obtenção do habite-se. Obrigação do incorporador. Em princípio, é do incorporador a obrigação de obtenção do habite-se junto à autoridade competente. A responsabilidade solidária do construtor, prevista no § 1º do art. 44 da Lei nº 4.591/64, ocorre apenas se o mesmo não requerer a averbação das edificações no Registro de Imóveis, após a obtenção do habite-se pelo incorporador e a omissão deste em requerer a mencionada averbação. (STJ. RESP 441236. RJ. 3ª T. Relª Min. Nancy Andrighi. DJU 30.06.2003). 142 “Caso os responsáveis pela obra não se manifestem ou retardem a regularização à averbação da construção, o adquirente a qualquer título de uma unidade autônoma pode requerê-la, caso disponha dos dados indispensáveis ao ato (art. 44, parágrafo 2º da Lei nº 4.591/64)” (Pereira, 2001).

103

supra solicitados e explicados. Já os custos e planilhas podem ser substituídos pela assinatura do

engenheiro no requerimento, desde que estes dados constem no documento.

Deve-se ter em mente uma distinção de vital importância, isto é, após o registro da

incorporação imobiliária e da realização da edificação tem-se apenas uma unidade, a qual agrupa

diversos apartamentos, casas, lojas ou salas, mas é apenas uma. Tanto isto é verdade que o IPTU

é cobrado apenas sobre um imóvel, o todo. Este bloco somente será considerado individualizado

no momento em que se registra a individuação na matrícula do imóvel, ocasião em que serão

discriminadas todas as unidades e áreas; a partir de então, serão abertas matrículas individuais

para cada unidade. Logicamente que também haverá a cobrança do IPTU respectivo do

proprietário da dita unidade, assim como as cotas condominiais que passarão a existir após a

instituição do condomínio.

Importante destacar que somente será possível finalizar totalmente o procedimento da

incorporação imobiliária, o qual se dá com a outorga da propriedade aos adquirentes, se a

sistemática da lei for integralmente cumprida, inclusive quanto ao procedimento de

individualização de unidades, com a abertura individual de matrículas.

Outrossim, apenas a título ilustrativo, é possível que haja o processo da individualização

sem que antes tenha havido o da incorporação imobiliária. Esta situação pode ocorrer se o dono

do terreno decidir construir toda a edificação e não alienar nenhuma unidade, deixando para fazer

isso após a edificação finalizada, neste caso, não precisará registrar a incorporação imobiliária.

Entretanto, ainda assim precisará individualizar esta edificação nas suas unidades autônomas,

através do processo de individualização, sob pena de ficar com um bloco único e não com

unidades isoladas.

Salienta-se que a importância de realizar este procedimento da individualização das

unidades, geralmente posterior a incorporação imobiliária, é em razão de que somente assim, com

104

cada unidade autônoma tendo a sua própria matrícula, é que o adquirente terá condições de

figurar no fólio real do imóvel como o seu legítimo proprietário. Com isto estar-se-á dando

plenas possibilidades de acesso à moradia.

Alerta-se, o direito à moradia não significa propriedade do imóvel, mas, evidentemente,

que se a moradia for efetivada através da aquisição de um bem imóvel, nada mais justo e

adequado143 que, desde logo, seja regularizada a titularidade.

Assim, nota-se que este é o sistema legal de acesso privado, através da incorporação

imobiliária, ao direito à moradia.

3.1. Dos efeitos do registro da incorporação imobiliária

Pelo fato de que o direito em comento ser de suma importância, visto que lida com uma

das maiores necessidades humanas, a moradia, convém que sua implementação seja dada de

forma a gerar maior eficácia e efetividade. Por estas razões é que o processo de incorporação

imobiliária deve ser realizado de forma adequada, atendendo estritamente à sistematização da

legislação aplicável, visando ao competente registro para viabilizar a negociação das habitações e

posteriormente sua entrega à coletividade.

Dúvidas não restam acerca da imprescindibilidade do registro da incorporação imobiliária

quando há o desejo de comercializar as unidades autônomas da edificação, seja quando estiverem

ainda na planta ou mesmo quando em fase de construção. O registro da incorporação imobiliária,

nesta hipótese, torna-se obrigatório.

143 Repita-se como efeito reflexo ainda gera maior facilidade de obtenção de crédito e redução de juros. A pessoa possuindo uma propriedade, que pode ser dada em garantir, propicia o crédito e pela segurança de retorno do capital ainda pode obter a negociação de juros menores do que de outra pessoa sem garantias.

105

Através do registro da incorporação imobiliária, o qual gera o efeito e contém uma carga

de segurança144 jurídica e tranqüilidade à sociedade, visto que pelo princípio da publicidade

registral todos os interessados podem ter acesso à documentação e, por conseqüência,

conhecimento da situação econômica e técnica de determinada empresa, podendo optar ou não

pela compra do imóvel fundamentada em dados concretos.

Repisa-se o entendimento, Tutikian (2005. p. 221):

Ressalta-se que após o incorporador cumprir todas as exigências legais para ter registrada a incorporação imobiliária, abre-se a possibilidade de futuros adquirentes das unidades, ou simplesmente interessados, em conhecer todos os dados relativos ao empreendimento e às unidades, além de ter um panorama da situação técnica, fiscal, financeira, jurídica e etc da empresa, através da documentação obrigatória anexada.

Ainda assim, o registro da incorporação imobiliária é de suma importância no que tange à

segurança, tranqüilidade e garantia para os adquirentes das unidades. Isto se dá em razão de que

no momento em que se tem a incorporação registrada pode-se obter a garantia de que o

incorporador está com a documentação em dia e legal, não tendo dívidas que impeçam a

alienação da edificação, tendo todos os projetos e planilhas do empreendimento aprovados.

Enfim, é uma gama de garantias, das quais os adquirentes podem analisar a viabilidade da

empresa e do empreendimento antes de assumirem qualquer compromisso.

A segurança que o registro da incorporação imobiliária traz aos adquirentes, diante dos

recentes acontecimentos sociais, como é o caso da incorporadora Encol, parece ínfima ou inócua.

Entretanto, não é exatamente assim, pois o registro traz muita segurança e tranqüilidade. O

problema é que nem sempre os adquirentes têm conhecimento desta obrigatoriedade e geralmente

não se preocupam em realizar esta busca no Registro de Imóveis, daí o papel do Estado como

144 Frise-se que a Lei das Incorporações Imobiliárias ainda traz outras medidas de segurança, como, por exemplo, o patrimônio de afetação e o seguro imobiliário, consoante explanação no próximo capítulo.

106

agente fiscalizador. Por outro lado, reitera-se a necessidade de maior aprimoramento e

melhoramento nos mecanismos deste instituto.

Corroborando com este entendimento, Brito (2005. p. 332):

Deveras, o primeiro, e talvez mais importante de todos, diz respeito ao registro da incorporação imobiliária. O art. 32 da LCI preceitua, como estudado, que o incorporador só poderá vender as frações ideais a serem vinculadas às unidades autônomas após o registro de uma série de documentos, que, sem embargos, é um verdadeiro atestado de idoneidade financeira do incorporador. Além disso, esse registro disponibiliza todas as informações necessárias para o adquirente.

Neste mesmo sentido, Chalhub (2005. p. 39):

Há, no memorial, documentos de natureza jurídica, técnica, financeira e empresarial, que se destinam a dar à pessoa interessada na aquisição condições de conhecer com exatidão o objeto que pretende comprar, bem como avaliar o risco da aquisição.

Evidentemente que se após analisar os documentos e certidões anexadas pela empresa

ficar configurada uma situação de caos econômico, de diversas ações judiciais dos seus clientes

ou quaisquer situações similares, o adquirente deve repensar sua decisão de comprar o imóvel.

Nesta situação, convém que o adquirente vislumbre a possibilidade de adquirir imóvel de outra

construtora com situação mais estável e confiável, evitando, com tal conduta, riscos

desnecessários.

Daí a importância do princípio da publicidade registral, pois quaisquer interessados

poderão ter acesso a todos os documentos e informações arquivadas no Registro de Imóveis

acerca da incorporação imobiliária, inclusive poderão ter certidões ou cópias destes dados.

Salienta-se, ainda, que o efeito primordial do registro da incorporação imobiliária é o de

que, somente a partir do registro, o incorporador poderá iniciar as transações das futuras unidades

autônomas.

107

Caso tal preceito não seja atendido, o incorporador poderá ser responsabilizado, segundo

Mezzari (1996. p. 78): “A desobediência a este mandamento legal constitui contravenção

relativa à economia popular, conforme definido no art. 66 da Lei nº 4.591”.

Outro efeito de vital importância aos adquirentes é que após o registro da incorporação e

já havendo alienação de unidades, não poderá o incorporador dar os imóveis já transacionados,

sequer o terreno, em garantia sem a anuência dos promitentes compradores.

Outrossim, com este procedimento realizado a contento, um efeito positivo que gera aos

adquirentes é que estes poderão gozar de tranqüilidade e certeza de que, no momento oportuno,

receberão a posse e a propriedade de sua unidade, mesmo que seja através de uma ação judicial

de adjudicação compulsória.

Conclui-se, portanto, que o registro da incorporação imobiliária produz efeitos positivos à

sociedade, especialmente aos adquirentes, e, também, aos incorporadores, além é claro de ser um

incentivador do acesso à moradia.

3.2. Da contratação

Posteriormente ao registro da incorporação imobiliária, as unidades em construção ou

pendentes de iniciação, na “planta”, estarão legalmente aptas a serem vendidas, podendo iniciar a

publicidade e conseqüente comercialização.

Com a comercialização do empreendimento, o incorporador inicia a injeção de capital

menos oneroso no seu negócio, sem a intermediação bancária, angariando investimentos.

Somando este fato a previsível e adequada interpretação e aplicação da Lei das Incorporações

Imobiliárias, o resultado é a almejada eficiência no setor e conseqüente barateamento de

moradias, logicamente, com alargamento do acesso à moradia.

108

Aliás, esta é uma fase fundamental da incorporação imobiliária, visto que é neste

momento – da contratação e pagamentos – que se inicia o ciclo envolvendo os adquirentes e por

conseqüência o seu capital privado a ser aplicado no setor, o que faz engrenar o sistema para

motivar a concretização da norma constitucional de acesso à moradia.

Seguindo o procedimento preliminar de atendimento aos requisitos da Lei nº 4.591/64 e

conseqüente registro da incorporação imobiliária, inicia-se a fase de lançamento do preço das

unidades através de oferta pública, geralmente, publicada em anúncios de jornais e distribuição

de folders sobre o empreendimento. O segundo momento se dá quando o pretenso adquirente se

interessa pela edificação e vai ao encontro do incorporador, iniciando tratativas. Superada a fase

da negociação, definido o preço, a forma de pagamento e os demais ajustes, as partes firmarão o

contrato preliminar, pelo qual o adquirente se obriga a pagar as prestações, além da parcela à

vista.

Na ocasião em que os adquirentes firmam os seus contratos, estes passam a ser

beneficiados com a materialização do direito à moradia, já que estão adquirindo uma unidade

autônoma, a qual, em função de ter sido construída sob a égide da Lei das Incorporações

Imobiliárias, e gozarão de muitos benefícios, como foi visto anteriormente. A principal vantagem

é o valor do imóvel, o qual é significativamente reduzido, em razão do custo do imóvel ter sido

financiado pelos próprios adquirentes do empreendimento. Assim, afastando a necessidade da

utilização de recursos financeiros de terceiros, como os captados em bancos, por exemplo,

bastante mais onerosos.

Além do mais, outra prerrogativa de suma importância da incorporação imobiliária é a

não necessidade de utilização de recursos públicos, os quais além de escassos, são muito custosos

à população, principalmente, através dos impostos.

109

Assim sendo, o instituto da incorporação imobiliária é de fundamental importância, pois

dá efetividade a uma das maiores carências sociais, a moradia, e sem trazer gastos vultosos aos

cofres públicos. Redundando em benefício direto à sociedade, seja pelo fato do barateamento dos

imóveis, seja pela não utilização dos recursos públicos escassos, os quais poderão ser destinados

a outros fins, inclusive para construção de moradias para a casta social menos favorecida. Mais, a

construção civil, repita-se, é uma das grandes alavancas do desenvolvimento econômico, logo,

quanto mais utilizada for, mais riqueza trará ao país.

Destarte, esgotados o procedimento formal antes descrito, na ocasião em que as pessoas

adquirem o seu imóvel, surge a necessidade de redigirem o contrato. Frisa-se que o adquirente e o

incorporador têm de formulá-lo conjuntamente, para que não se configure, eventualmente, em um

contrato de adesão, evitando, assim, entendimento de abusividade145 e resguardando, portanto, o

interesse coletivo. Conforme ensinamento de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1995. p.

32) “As cláusulas abusivas em geral, entre elas as exageradas e as excessivamente onerosas ao

consumidor, são nulas de pleno direito (artigo 51 Código de Defesa e Proteção do Consumidor).

Não se consideram como anuláveis; são nulas”.

A Lei nº 4.591/64 no seu artigo 67 disponibiliza ao incorporador arquivar no Registro de

Imóveis um contrato padrão, contendo as cláusulas que são comuns a todos adquirentes. Nesta

situação, quando o incorporador e o adquirente firmarem o contrato estabelecerão apenas as

cláusulas específicas, pois as cláusulas gerais o incorporador fornecerá uma cópia do contrato

padrão ao adquirente.

145 O consumidor é reconhecido como a parte vulnerável da relação, estando amparado pelo Código de Defesa do Consumidor, com uma gama de direitos que interferem no contrato, como: reprimir cláusulas e práticas abusivas (art. 6º, IV do CDC); coibir a lesão nos pactos que estabelecem prestações desproporcionais entre os contratantes (art. 6º, V do CDC), proporcionando a revisão do contato através da teoria da imprevisão. Com tais medidas, e outras, o legislador entendeu que colocaria as partes em equilíbrio, retirando a natural desproporção entre elas.

110

Há diversas formas de negociação e opções de pagamento. A primeira maneira é quando o

adquirente opta por fazer o pagamento do preço da unidade em parcelas, durante alguns anos,

sendo financiado diretamente pelo incorporador. Neste caso, as partes firmam um contrato de

promessa de compra e venda, ou seja, é um contrato preliminar, pois só irá se efetivar após o

adimplemento de todo o preço contratado e após a entrega da unidade. Mas, logicamente, que

mesmo não sendo um contrato definitivo, este gera direitos e obrigações entre as partes, devendo

o adquirente registrá-lo na matrícula do imóvel para conferir-lhe direito real e ser oponível a

terceiros.

No momento em que o adquirente cumprir a sua obrigação, o pagamento do preço, o

incorporador está obrigado a outorgar o contrato definitivo e a escritura de compra e venda para

que o adquirente possa consolidar a propriedade para seu nome. Caso o incorporador não o faça,

o adquirente terá o direito de obter a propriedade judicialmente, através de uma ação de

adjudicação compulsória146, independente de ter ou não registrado o seu contrato preliminar na

matrícula do imóvel, conforme artigo 35 da Lei 4.591/64.

Outra possibilidade é a compra e venda da unidade com pagamento através de

financiamento, total ou parcial, pelo agente financeiro. Nesta hipótese, o adquirente firmará dois

contratos147: o primeiro, a promessa de compra e venda, será com o incorporador, e o segundo

será com o agente financeiro, que é chamado se Instrumento Particular de Compra e Venda,

Mútuo, Quitação Parcial, com Garantia de Hipoteca e Outros Pactos, regido pela Lei nº 4.380/64.

146 “A inadimplência do promitente vendedor em assinar a escritura definitiva corrige-se ajuizando o promitente comprador ação de adjudicação compulsória, arts. 16 e 22 do decreto – lei 58/57 e art. 25 da lei 6.766/79” (NASCIMENTO, 1995. p. 22). 147 Estes dois contratos geralmente são firmados em momentos distintos, visto que enquanto a promessa pode ser feita inclusive antes do início das obras, o contrato de financiamento apenas pode ser realizado após o empreendimento concluído, inclusive com o habite-se expedido e as unidades individualizadas, visto que pelo artigo 61 da Lei nº 4.380/64, este contrato particular tem força de escritura pública e com o seu registro transfere de imediato a propriedade.

111

Convém alertar que esta possibilidade se desenvolveu primordialmente em razão do alto

custo das unidades pela incorporação imobiliária. Assim, no momento em que a sistemática da

Lei nº 4.591/64 for devidamente cumprida, exatamente nos moldes supra esclarecidos, o custo de

transação diminuirá e o que se refletirá imediatamente sobre o preço final do imóvel.

Outra situação, que somente poderá ser utilizada após a conclusão da obra, é quando o

comprador pretende pagar o imóvel a curto prazo e as partes estipulam, desde já, a escritura

pública de compra e venda. Nesta situação, o incorporador para se garantir, insere na escritura

cláusula resolutória148, determinando que o contrato será desfeito caso não haja o implemento

total do preço.

Também poderá o adquirente quitar o preço do imóvel à vista; neste caso, o incorporador

terá de outorgar a escritura definitiva de compra e venda imediatamente após a conclusão do

prédio. Com o recebimento destas cifras, o incorporador pode intensificar as obras, pois há

injeção de capital em maior escala do que o previsto, o que beneficiará a coletividade.

Digno de registro, independente da forma de contratação, deve o adquirente ser diligente

para evitar prejuízos, especialmente em relação à garantia da hipoteca. Assim, caso o próprio

empreendimento seja financiado, normalmente, o terreno se constituirá na garantia da dívida, e

posteriormente esta garantia será transferida ao prédio e após às unidades autônomas. Desta

forma, caso o adquirente esteja honrando o preço, sem a utilização de recursos de agente

financeiro, deverá exigir ou uma declaração do banco de liberação da respectiva unidade ou que

na outorga da escritura o agente financeiro intervenha como anuente, declarando a liberação da

hipoteca ou de qualquer outro gravame.

148 A cláusula resolutória foi o instituto encontrado para substituir o pacto comissório, visto que no novo Código Civil não há previsão legal para este instituto, enquanto no antigo código estava previsto.

112

Ainda que o adquirente não tenha sido suficientemente diligente, mas tenha quitado o

pagamento da sua unidade e esta continue com o gravame da hipoteca ou outro, e o credor

hipotecário não queira liberar o imóvel deste ônus, há a alternativa ao adquirente de aforar uma

ação de cancelamento parcial de hipoteca149 e 150, justamente em nome do seu direito fundamental

à moradia.

No Código Civil brasileiro, no seu artigo 500, caput e § único, determina que no ato de

venda do imóvel tem de conter a exata área especificada no contrato ou na escritura pública de

compra e venda, quando esta venda for realizada ad mensuram, sob pena de o comprador ter

direito de exigir do vendedor o complemento da área ou abatimento proporcional do preço, além

de uma possível indenização. Porém, não lhe cabe esse direito se o imóvel for vendido ad corpus,

ou seja, uma coisa certa e determinada, constando a área do imóvel no contrato ou na escritura

pública apenas a título ilustrativo. Além do mais, há previsão no parágrafo único do mesmo

artigo, caso a diferença de área não exceda a um vinte avos151 da extensão total enunciada,

presume-se que a referência a área foi meramente enunciativa, não cabendo nenhum

ressarcimento.

149 “Compra e venda. Incorporação. Lei nº 4.591/64. Massa falida da ENCOL S/A. Hipoteca. Violação aos direitos do consumidor. Art. 51 do CDC. Anuência para tal gravame. Após a averbação da incorporação e realizados os contratos de promessa de compra e venda com terceiros, é impossível onerar o imóvel como um todo, porque estar-se-ia violando o direito do consumidor adquirente, que pagou ou vem pagando a contento suas prestações. A penhora ou hipoteca só pode ser permitida com a expressa anuência dos promitentes-compradores, não bastando, para tal fim, cláusulas genéricas que prevêem a possibilidade de dar em garantia, para financiamento, os terrenos e as unidades construídas” (TJDF. APC 19990110142308. 3ª Câmara Cível. Rel. Des. Vasquez Cruxên. DJU 21.05.2003). 150 “ENCOL. Intimação do Ministério Público. Cláusula Abusiva. Desoneração do imóvel gravado por hipoteca e outorga da escritura de compra e venda. Pagamento do preço ajustado. I. Ao ser decretada a falência, deve o representante do Ministério Público ser intimado para intervir no feito. Não se tratando de ação proposta originalmente contra massa falida, a intervenção do parquet no segundo grau aperfeiçoa o feito, desde que não haja prejuízo à ordem pública. II. A cláusula do contrato de promessa de compra e venda que autorizava o gravame hipotecário é abusiva e não pode prevalecer por colocar o consumidor em desvantagem exagerada em relação à construtora, subordinando-a exclusivamente à sua vontade. III. Uma vez cumprida a contraprestação do promissário-comprador, traduzida, tão-somente, no pagamento do preço ajustado, deve o vendedor liberar o imóvel do gravame hipotecário e outorgar a escritura de compra e venda” (TJDF. APC 19990110129219. 3ª Câmara Cível Relª Desª Sandra de Santis. DJU 11.06.2003). 151 Um vinte avos corresponde a 5% (cinco por cento) sobre o total da área.

113

Cumpre alertar que os esclarecimentos prestados neste item acerca dos contratos, suas

conseqüências, possibilidades e efeitos são indispensáveis para uma melhor elucidação da

instrumentalização da negociação, visando a fomentar e a atender satisfatoriamente o direito à

moradia.

Ressalta-se, o direito à moradia não se materializa obrigatoriamente através da

propriedade, mas quando isso ocorrer, convém seja da melhor forma possível.

Aliás, o próprio adquirente das unidades, poderá também futuramente, ou até no mesmo

momento, negociá-las com terceiros, seja por locação, doação, comodato ou qualquer outra

maneira prevista no direito. Desta forma, verifica-se que esta situação, de propriedade, também

propicia o fomento e desenvolvimento do acesso à moradia, ainda que de forma reflexa.

3.3. Da averbação e da transcrição da propriedade

Para regularizar as unidades, com a finalidade de resguardar satisfatoriamente o direito à

moradia152 – reitera-se: após o registro da incorporação imobiliária, é necessário a averbação da

conclusão da obra, a individuação das unidades e a contratação – conveniente se faz a outorga da

propriedade das unidades autônomas aos respectivos adquirentes.

Primeiramente, cumpre alertar que é de fundamental importância a distinção entre

averbação e registro.

Averbar significa noticiar fatos relevantes, é acessório na matrícula do imóvel, a fim de

indicar qualquer alteração ou modificação subjetiva ou objetiva havida no título, sem que venha a

influir no registro efetivado, para que qualquer pessoa tenha conhecimento da real situação do 152 É de suma importância ao direito à moradia da coletividade a regularização da propriedade, visto que o direito à moradia também se dá através da propriedade, então, convém que nesta situação a propriedade esteja com toda documentação regular, inclusive para que em futuras negociações, quando for outorgar esta moradia a outrem, esta terceira pessoa também tenha a sua documentação regular. A irregularidade da propriedade apenas traz prejuízos, além de reduzir o preço do imóvel nas negociações, ainda traz gravame ao Estado na cobrança dos impostos e ao ser acionado para solucionar o problema.

114

imóvel. Exemplificando: a averbação da alteração de nome, o adendo contratual, a noticiação de

que a convenção de condomínio foi registrada, a averbação da conclusão da obra, a averbação de

casamento desde que especificado o regime de bens e separações e divórcios, dos contratos de

locações (especialmente para resguardar a preferência no caso de alienação do imóvel), de

cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, entre outras situações. Na

Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, em especial no seu artigo 167, II, nas suas alíneas há

o elenco das hipóteses em que poderão ocorrer averbações.

Registrar é o ato em que altera substancialmente a situação jurídica do bem, subjetiva ou

objetiva, pois possibilita a transferência de propriedade de uma pessoa para outra. Por exemplo,

pode gravar o bem com direitos reais, registrar o contrato de compra e venda, a promessa de

compra e venda, a efetivação da hipoteca, a doação, a penhora, o arresto, o seqüestro, da

instituição do bem de família voluntário, dos contratos de locações (especialmente para ter valor

a cláusula de vigência no caso de alienação), a servidão, o usufruto, a enfiteuse, a anticrese, das

citações relativas aos imóveis, entre várias outras situações. Na Lei dos Registros Públicos, Lei nº

6.015/73, em especial no seu artigo 167, I, nas suas alíneas há o elenco das hipóteses em que

poderão ocorrer registros.

Na matrícula do imóvel, a averbação caracteriza-se por Av. e o registro por R., com o

número em ordem crescente, iniciando-se pelo um, ao lado e uma barra com o numero da

matrícula, por exemplo, R2/44.444.

Frise-se, o registrador ao proceder ao registro de transferência ou oneração de propriedade

tem de exigir a guia de imposto do ITBI ou ITCD paga e, arquivá-la no seu cartório, pois de

acordo com o Código Tributário Nacional ele é solidariamente responsável pelo pagamento

destes tributos caso haja algum problema e ele não consiga comprovar o recolhimento.

115

Enfim, apenas com o registro da escritura pública de compra e venda na matrícula do

imóvel é que o adquirente passa a ser juridicamente o proprietário do imóvel.

Importante salientar que tal elucidação acerca da averbação e transcrição da propriedade,

as suas diferenças e peculiaridades, são de suma importância para desenvolver com perfeição o

direito à moradia. Reitera-se, a moradia não se consolida necessariamente pela propriedade, mas

quando assim for, convém que o seja da melhor forma possível e com a devida regularização da

propriedade, inclusive visando futuras transferências da residência, que fomenta o acesso à

moradia.

4. A necessidade da incorporação imobiliária na sociedade

Como já dito, a necessidade da incorporação imobiliária na nossa sociedade é

incontestável, pelos seguintes motivos: (i) em primeiro lugar, o crescimento anual da população

em nosso país provoca, certamente, a insuficiência de moradia, que é uma necessidade básica das

pessoas. Deste modo, é imprescindível que se dê mais atenção à atividade da incorporação

imobiliária, a qual é potencial geradora de moradias dignas, pelo menos, diretamente, para um

segmento significativo da população e, indiretamente, para outros segmentos; (ii) em segundo

lugar, como já foi mencionado, a incorporação imobiliária é indispensável para que a viabilização

de alienações das moradias ainda na “planta” ou em fase de construção, utilizando-se recursos

financeiros dos próprios adquirentes, situação esta acarretadora de minoração do preço do

imóvel; (iii) em terceiro lugar, trata-se de um instituto de direito privado, que não tem necessita

dos escassos recursos públicos financeiros, ao menos em grande monta, desonerando o Estado;

(iv) e, em quarto lugar, o setor da construção civil, quando incentivado, constitui-se em alavanca

para o desenvolvimento econômico.

116

É patente o crescimento acelerado da população em nosso país em total descompasso com

a implementação do direito à moradia. O problema torna-se ainda maior se forem consideradas

como moradias as residências com um mínimo de infra-estrutura, excluídas as favelas, casebres e

etc.

Por este motivo é que a incorporação imobiliária reveste-se de extrema importância à

sociedade, visto que é uma alternativa de implementação de moradias dignas. Aliás, uma forma

de implementação em larga escala do direito à moradia e sem prescindir expressivamente dos

recursos financeiros públicos – o que se constitui em mais um problema a ser enfrentado pelo

Estado. Com isso, poderá o Estado se concentrar na tarefa fiscalizatória de cumprimento à lei,

visto que o mau funcionamento da Lei nº 4.591/64 trará prejuízos incalculáveis à coletividade e

dificultará o acesso à moradia.

Resta claro que a incorporação imobiliária, além de ser uma forma de materialização do

direito à moradia digna, ainda o faz de maneira mais eficaz que o Estado, porque domina o know-

how, e poupa verbas públicas, além de reduzir os custos para a outra ponta: o adquirente.

Porém, para que este sistema funcione com máxima eficácia e efetividade, urge que a

sistemática Lei das Incorporações Imobiliárias seja adequada e totalmente cumprida, em todos os

seus aspectos, os quais foram anteriormente citados e analisados. É necessário, ainda, uma

interpretação previsível da lei e que tenha segurança, o que ocasiona a pretendida diminuição dos

custos de transação e, conseqüentemente, o preço dos imóveis, facilitando o acesso à moradia.

Evidenciado, ainda, que em um segundo momento, o instituto da incorporação imobiliária

deve ser aprimorado e melhorado, visando especialmente à diminuição ainda mais significativa

dos gastos e, por conseqüência, ao barateamento da maior parte das moradias dignas à sociedade.

Assim como objetiva a concretização de outras medidas, almejando uma maior segurança e

garantia nas transações imobiliárias. Algumas destas medidas de aprimoramento do instituto

117

serão analisadas no capítulo infra. Outrossim, com estas modificações, pretende-se ampliar a

utilização deste mecanismo para as classes menos favorecidas.

Na tentativa do aprimoramento do instituto, recentemente houve alteração legislativa

buscando justamente o aperfeiçoamento do mecanismo e alargamento da segurança jurídica com

a criação do patrimônio de afetação. Este melhoramento da lei, e outros, serão adequadamente

analisados no próximo capítulo.

Ademais, a incorporação imobiliária, além de fomentar o acesso à moradia, como parte

integrante do setor da construção civil, é um mercado muito importante à economia nacional,

visto que promove o desenvolvimento, gera empregos e aumenta a circulação de riqueza.

5. Da função social da incorporação imobiliária

Após as alegações e argumentação dos dois primeiros capítulos, resta cristalino o objetivo

e a função social da incorporação imobiliária: a implementação do direito fundamental social à

moradia, especialmente de forma ampla, rápida e com redução de custos, isto é, com eficácia e

efetividade.

Alerta-se que a explicação permenorizada acerca desta situação se desenvolveu nos itens

supra e será ampliada no próximo capítulo.

Além desta função social, a incorporação imobiliária também exerce uma função social

econômica, visto que através deste instituto haverá a implementação maciça do direito à moradia

e sem onerar o Erário Público, pois a incorporação imobiliária não depende dos escassos recursos

públicos. Até porque é inviável fazer uma análise isolada da realidade, sendo imprescindível o

exame dos efeitos econômicos que cada situação individual reflete no todo social.

118

Desta forma, conclui-se que o instituto da incorporação imobiliária é tão útil à

implementação e desenvolvimento do direito à moradia que deve ser utilizado em grandes

proporções e cada vez mais. Outrossim, alerta-se que esta conjuntura apenas prosperará com a

eficácia e efetividade almejada se a sistemática da legislação aplicável for devidamente cumprida

e aplicada. Por fim, reitera-se que em um segundo momento, a incorporação imobiliária deve ser

aprimorada e melhorada, visando, com tal atitude, a atingir o ápice do fomento do direito à

moradia.

Além deste benefício direto e imediato, a dinamização do instituto da incorporação

imobiliária ainda gerará riquezas ao país, pois, como dito, propiciará estimulo à construção civil,

uma das maiores alavancas do desenvolvimento econômico153, criando empregos154,

especialmente para mão-de-obra de baixa qualificação, ampliando a renda e a aumentando a

circulação de riqueza, o que, por conseqüência, acarretando o fomento da economia nacional.

Desta forma, conclui-se que a adequada utilização do instrumento da incorporação

imobiliária trará grandes avanços na seara social, imobiliária, financeira e fiscal.

153 “O macrossetor da construção representa 18,4% do PIB do País, considerando-se os efeitos diretos, indiretos e induzidos. O efeito induzido pode ser explicado da seguinte forma: o macrossetor para produzir paga salários para os trabalhadores, que por sua vez, se convertem em demandas por bens produzidos fora do macrossetor, tais como alimentos, roupas, eletrodomésticos, automóveis, etc. Isto significa, considerando-se a ultima estimativa oficial (Contas Nacionais de 2004) apresentada pelo IBGE para o PIB brasileiro – R$ 1,766 trilhão a preços de mercado e R$ 1,581 trilhão referentes ao valor adicionado –, que o macrossetor da construção movimenta cerca de R$ 290 bilhões na economia nacional”. (Sinduscon/RS http://www.sinduscon-rs.com.br/documentos/macrossetor_2006.pdf). 154 “Outra característica importante do macrossetor da construção é a sua elevada capacidade de gerar empregos: cerca de 6,2 milhões de trabalhadores estavam diretamente ocupados na cadeia produtiva da indústria da construção, em 2004, o que corresponde a 8,5% do total de postos de trabalho existentes no país no mesmo período. Já considerando-se o somatório dos efeitos multiplicadores (diretos, indiretos e induzidos) de emprego do macrossetor na economia, o número atinge a 12,1 milhões de trabalhadores ocupados em toda economia brasileira”. (Sinduscon/RS http://www.sinduscon-rs.com.br/documentos/macrossetor_2006.pdf).

119

III. A MELHOR INTERPRETAÇÃO DA LEI DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

COMO MECANISMO DE EFICÁCIA MÁXIMA E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO

FUNDAMENTAL SOCIAL À MORADIA

1. Da análise econômica do instituto da incorporação imobiliária versus eficácia do

direito fundamental social à moradia

No primeiro capítulo da presente dissertação foi elaborado um estudo primordialmente

voltado para o direito fundamental social à moradia, analisando a demanda coletiva de habitação

em função do custo deste direito e da crise econômica do Estado. De imediato, a conclusão se

firmou pela necessidade de busca de alternativas que não dependam dos escassos recursos do

Poder Público, e visando à implementação, em larga escala, do direito à moradia.

Diante da conjuntura atual, a preferência pela incorporação imobiliária foi em razão de

que é através deste mecanismo que pode ser propiciado o acesso ao direito à moradia, em maior

escala. Por este motivo, o segundo capítulo do presente trabalho versou sobre o exame deste

instituto, estendendo os conhecimentos acerca da incorporação imobiliária e demonstrando a

necessidade da estrita observância da sistemática da Lei nº 4.591/64.

Neste diapasão, através de uma análise econômica, a melhor solução vislumbrada foi pela

utilização e desenvolvimento do instrumento da incorporação imobiliária, especialmente com o

adequado atendimento das exigências da Lei nº 4.591/64, mediante uma interpretação estrita.

Desta feita, para que se atinja este desiderato, é vital que o instituto da incorporação

imobiliária e a eficácia do direito fundamental social à moradia sejam analisados principalmente

mediante a visão de análise econômica. Galdino (2005. p. 242): “A partir desta concepção, a

questão central na análise econômica do direito será a eficiência econômica ou, mais

120

precisamente, a maximização da eficiência econômica das instituições sociais e, dentre estas,

também no Direito”.

Corroborando com o entendimento supra, Nusdeo (2005. p. 176) expressa: “O

desenvolvimento está associado à idéia da chamada eficiência dinâmica da economia [...]”.

Reitera-se, em uma economia de mercado como a vigente no país, forçoso se faz, como

uma maneira de alcançar soluções práticas e menos dispendiosas, a dinamização da economia

através da eficiência dos macrosetores.

Neste mesmo sentido155, Stztajn (2005. p. 75): “Comum aos estudos de Law and

Economics é a percepção da importância de recorrer a alguma espécie de avaliação ou análise

econômica na formulação de normas jurídicas visando a torná-las cada vez mais eficientes”

Esta obrigação decorre da circunstância de que o direito fundamental social à moradia

colocado à disposição do cidadão na Constituição Federal é demasiadamente custoso e com vasta

extensão, para não dizer ilimitado ao considerar a população numerosa do país e com tendência

crescente. Se for considerado, ainda, o déficit habitacional, assim como a necessidade de criação

de moradias dignas, a situação torna-se mais preocupante. Em contrapartida, é notório que o

Estado não está preparado técnica e financeiramente para disponibilizar esta prestação social,

menos ainda nesta magnitude, à população; restando ao Estado um grave problema para

solucionar: escassez de recursos versus ilimitadas necessidades.

155 “No século XVIII, Adam Smith e Jeremy Bentham, o primeiro ao estudar os efeitos econômicos decorrentes da formulação das normas jurídicas, o outro ao associar a legislação e utilitarismo, demonstravam a importância de análise interdisciplinar ou multidisciplinar de fatos sociais. Embora haja estudos anteriores, é a partir dos anos 60 do século passado que se inicia o desenvolvimento da denominada área de Law and Economics, que vem se fortalecendo na pesquisa acadêmica. O movimento começa a ganhar corpo com a publicação de The problem of Social Cost, de Ronald H. Coase, professor da Universidade de Chicago, passa por Richard Posner, com Economic Analysis of Law, ambos professores da Universidade de Chicago, por The Cost of Accidents de Guido Calabresi, de Yale. Além deles, Henry Manne, George Stingler, Armen Alchian, Steven Medema, Oliver Willianmson, entre outros, aprofundam o diálogo” (SZTAJN, 2005. p. 74).

121

Neste mesmo sentido, Galdino (2005. p. 242) também entende que: “Na ótica da escassez

[...], o objetivo central é alcançar a maior eficiência possível nas alocações sociais [...]”.

Após uma análise sumária da realidade, aliada a uma visão econômica, a definição é de

que a incorporação imobiliária pode ser de extrema utilidade à sociedade, visto que é uma forma

de implementação de moradias dignas; mais, é uma forma economicamente viável. Aliás, uma

maneira de implementação em larga escala do direito à moradia e sem a utilização expressiva de

recursos financeiros públicos; pois, como já foi dito, são os próprios adquirentes quem custeiam a

edificação.

Nesta senda, tendo de um lado a classe média e a classe alta custeando a sua própria

habitação – visto que pela redução da onerosidade, criam-se possibilidades da utilização de

recursos privados; por conseqüência desta situação, por outro lado, estes recursos públicos hoje

utilizados pela classe privilegiada podem ser destinados, na sua totalidade, para classe menos

favorecida custear a moradia. Em assim agindo, através desta análise econômica, a realidade de

efetividade e eficácia do direito à moradia estará cada vez mais próxima.

De outra banda, além deste benefício direto, como já salientado, a incorporação

imobiliária ainda traz outra valiosa contribuição social, visto que é uma grande aliada para a

circulação de riqueza e criação de empregos, especialmente de baixa qualificação, o que acarreta

em desenvolvimento e fomento da economia nacional156.

156 “A atividade da construção impacta a economia brasileira de forma bem mais ampla do que aquela diretamente visualizada através de um produto imobiliário ou de uma obra de construção pesada como uma estrada, por exemplo. Na verdade, a importância e o impacto desta atividade sobre o ambiente econômico se estabelece a partir do notável padrão de articulação intersetorial que se forma através da cadeia produtiva, que liga desde fornecedores de matérias-primas, insumos diversos e equipamentos (que estão para trás na cadeia), até aquelas atividades de serviços (aluguéis, hotéis, consultorias, etc), que estão para frente. Através da identificação das inter-relações entre os elos da cadeia, é possível dimensionar o macrossetor de forma completa e, assim, pode-se avaliar o impacto resultante do seu efeito multiplicador sobre a economia em termos de geração de produto, renda, emprego, impostos, etc”. (Sinduscon/RS http://www.sinduscon-rs.com.br/documentos/macrossetor_2006.pdf).

122

Assim sendo, nada mais resta do que seja a Lei das Incorporações Imobiliárias aplicada

estrita e literalmente cumprida e seja procedido ao adequado aprimoramento e desenvolvimento

do instituto da incorporação imobiliária, aliado a uma visão econômica; neste rumo, o instituto

certamente atingirá cada vez mais a sua função social, garantindo a eficácia e efetividade do

direito fundamental social à moradia.

Conclui-se, portanto, que quanto melhor funcionar o instituto da incorporação imobiliária

– dependendo da adequada interpretação e cumprimento da sistemática da lei específica, Lei nº

4.591/64 – mais o interesse coletivo será atendido e proporcionalmente aumentará o atingimento

de sua função social, visto a maior contribuição para a concretização do direito fundamental à

moradia.

2. O que é necessário para fortalecer o instituto da incorporação imobiliária?

O fortalecimento do instituto da incorporação imobiliária de acordo com a análise

econômica depende de alguns fatores, dentre os quais e, principalmente, que a Lei das

Incorporações Imobiliárias, com todas as suas peculiaridades, seja estritamente aplicada, sem

reduções ou acréscimos à lei, claro que ressalvados os casos excepcionais. Assim, pretendendo

alcançar a diminuição de custos e, por conseqüência, do preço final dos imóveis.

Somente a partir do atendimento da sistemática da lei é que o instituto será cada vez mais

apto a produzir os efeitos ambicionados; sem os embaraços desnecessários, criados por

extensivas interpretações da lei, seja por parte do registrador, do incorporador, do poder

Judiciário, do adquirente ou da sociedade em geral.

Estes obstáculos que surgem em dissonância com a Lei nº 4.591/64 provocam,

especialmente, aumento de despesas, pois para que seja possível contorná-los, demandam tempo

123

e dinheiro estes ajustes; o que, certamente, acarreta em prejuízo direito ao incorporador, e

indireto à sociedade.

Os prejuízos a que o incorporador amarga com esta conduta são de toda ordem, gerando

reflexos imediatos sobre o prazo maior para que o imóvel seja oferecido no mercado imobiliário

– já que a disponibilização do bem, nestes termos, apenas pode ocorrer com o registro da

incorporação imobiliária.

Certamente que toda esta situação inusitada gera aumento nos custos de transação157,

majoração esta que o incorporador possivelmente repassará para o preço do imóvel, o qual será

negociado com o adquirente por preço maior do que teria sido necessário, onerando o interesse

público – sociedade e Poder Público.

Em síntese, estas interpretações elásticas da lei acarretam prejuízos consideráveis às

incorporadoras e aos promitentes compradores; conseqüentemente e de forma mais ampla, tal

situação causa danos à sociedade, pelo acréscimo de custo no preço final das moradias e a

minoração do crescimento da economia.

De outra banda, a existência de um mercado imobiliário consolidado é absolutamente

necessário para fortalecer o instituto da incorporação imobiliária e, por decorrência, atingir a

almejada função social da incorporação. Pelo fato de ser uma economia de mercado é,

igualmente, imprescindível a existência de instituições sólidas, de previsibilidade e de o Estado

assumir o seu papel institucional.

Diante disto, nada mais adequado do que a correta e integral aplicação da lei e, em um

futuro próximo, o aprimoramento do instituto, visando a alcançar melhores resultados e, portanto,

a diminuição significativa de gastos burocráticos com a atividade. A implicação direta desta

157 “Os custos de transação são afetados pelo sistema legal e por normas não positivadas [...]” (SZTAJN, 2005. p. 85).

124

postura possivelmente será o barateamento das habitações dignas à sociedade, facultando, assim,

expressivo avanço e o desenvolvimento do direito à moradia no país. Neste momento, a

incorporação imobiliária estará, mais do que nunca, atingindo a sua função social e sublimando o

interesse público, visto que a concretização do acesso à moradia se dará de forma ampla, eficaz e

com custos reduzidos.

Esta situação provoca eficiência do setor em razão da previsibilidade e segurança jurídica,

trazendo entusiasmo no mercado imobiliário. Melhor, ainda haverá a influência, possível e direta,

no barateamento da implementação das moradias.

Igualmente imprescindível é a criação e ampliação de alternativas para garantir as

relações, mormente com segurança jurídica, às transações imobiliárias e o setor imobiliário em

geral.

Desta forma, conclui-se que pouco adianta a comoção pública em torno do problema do

déficit habitacional, se os incorporadores – pessoas habilitadas para solucionar, em grande parte,

o problema da carência de residências, especialmente de moradias dignas – encontrem

incontáveis dificuldades na atividade; tornando-a, por vezes, desinteressante.

É indubitável que apenas existirão consideráveis investimentos privados e fomento da

seara imobiliária, se a atividade for rentável, pois a ausência ou poucas condições de

lucratividade ou de desenvolvimento do setor denunciará no afastamento da atividade. Como bem

define Chalhub (2005. p. 12): “A atividade da incorporação tem natureza empresarial, pois a

finalidade de lucro é da sua essência [...]”.

Destarte, repita-se, é necessário que o Poder Público aplique estritamente a sistemática da

Lei das Incorporações Imobiliárias, assim como haja o aprimoramento e desenvolvimento do

instituto, através de medidas de incentivo e agilidade à atividade, para que se atinja o almejado

implemento do direito fundamental social à moradia.

125

Sintetizando, é de suma importância, de interesse público, que este instrumento da

incorporação imobiliária funcione eficientemente, atingindo sua função social da melhor e mais

ampla forma possível.

2.1. Papel institucional do Estado

Para fortalecer o instituto da incorporação imobiliária e, com isso, implementar cada vez

mais o direito fundamental social à moradia, é necessário, antes de qualquer posição, que o

Estado assuma definitivamente o seu papel institucional, inclusive em relação ao seu papel

promotor de políticas públicas158.

Pinheiro (2005. p. 449) atesta pela necessidade do papel institucional do Estado quando

afirma que “Não há um país desenvolvido sem um bom sistema financeiro, o que implica que

também não há país nessa situação sem um bom sistema legal e judicial [...]”.

Neste mesmo sentido, Scott (2000. p. 115):

A começar por Tércio Sampaio Ferraz Junior que entendeu o papel estatal de grande regulador da atividade econômica como sendo a condição sob a qual seriam executadas as tarefas de incentivo e planejamento. Tal posicionamento, na mesma linha restritiva já manifesta pelo autor quando enfocou o papel normativo, acolhe duas funções e descarta uma, a da fiscalização – não substanciando, por isso, a leitura mais correta. Abordagem mais feliz foi encaminhada por Eros Roberto Grau quando afirmou que a atuação reguladora reclama também a fiscalização

Neste sentido, o Estado precisa exercer com firmeza e exatidão este papel institucional,

tanto no âmbito regulatório159, como no âmbito fiscalizatório, inclusive estabelecendo e aplicando

158 “O Estado tem o dever de adotar políticas, ações e demais medidas asseguradas pela vigente Constituição Federal de 1988, de modo a tornar efetivo o direito à moradia, principalmente às classes de menor renda, de forma que tais políticas públicas garantam o amplo acesso de todos ao mercado habitacional, fomentando planos e programas habitacionais com recursos públicos e privados para segmentos sociais desprotegidos economicamente” (SOUZA, 2004. p. 348). 159 “Assim, o intervencionismo que na fase neoliberal foi útil à dita regularidade da livre iniciativa e da livre concorrência, nesta altura, sob a fórmula do Estado social, passou à condição de medida absolutamente necessária

126

regras coercitivas. Atualmente, no setor imobiliário, o Estado não vem exercendo seu papel

regulatório com a devida adequação e, menos ainda, exercendo seu papel fiscalizador, isso

estimula o descumprimento da lei, premiando a concorrência desleal, por conseqüência,

prejudicando o interesse público.

Corroborando com este entendimento Mezzari (1996. p. 78): “[...] Levaram J.

Nascimento Franco e Nisske Gondo a dizer que o instituto somente se aperfeiçoará mediante a

edição de novas normas legais. Caio Mário Silva Pereira lamenta a falta de um órgão

fiscalizador dos incorporadores [...]”.

Urge que o Estado seja mais ativo na questão tanto regulatória como fiscalizatória, além, é

claro, na questão de promoção de políticas públicas, pois não basta que regule com clareza e

eficiência o setor através de normas e atos administrativos, é preciso também fiscalizar o

cumprimento dos regulamentos emitidos.

Acredita-se ser indispensável a criação de um órgão específico de fiscalização para a

verificação acerca do cumprimento da Lei nº 4.591/64, ao menos no que tange ao registro da

incorporação imobiliária; pois caso assim não se proceda, alguns incorporadores continuarão a

não realizar este procedimento de vital importância, diante da pouca probabilidade de risco de

aplicação de qualquer tipo de penalidade.

Certamente que este órgão de fiscalização poderia utilizar a estrutura já existente, para

não despender recursos públicos desnecessariamente. Esta fiscalização poderia ser feita, por

exemplo: pela Prefeitura, que poderia exigir o registro da incorporação quando o incorporador

fizesse qualquer tipo de requerimento, solicitasse licenças ou quando fossem fiscalizar a obra;

pelos registradores quando tivessem notícia de alguma incorporação sem registro; pelo CREA,

não só à conservação, à integração do sistema capitalista, do seu necessário enquadramento às novas exigências da sociedade contemporânea, mas à própria evolução desta sociedade” (SCOTT, 2000. p. 57).

127

órgão fiscalizador da categoria dos engenheiros e arquitetos; e, por fim, pelos próprios

adquirentes.

O importante é que haja uma efetiva fiscalização, para que a totalidade das incorporações

imobiliária seja levada a registro e a lei seja verdadeiramente cumprida.

De outra banda, é imprescindível que o Estado exerça, na seara imobiliária, com mais

vigor, o seu papel regulatório160, assim como a função de criação de políticas públicas.

Entretanto, não basta que haja apenas a regulação e adequação do instituto, pois é recomendável

que sejam dados incentivos, especialmente em relação ao mercado imobiliário voltado para a

classe menos favorecida.

Convém que o Estado, ao exercer o seu papel regulatório de políticas públicas, crie

programas161 visando o implemento, em larga escala, da incorporação imobiliária – o que

acarretará, por conseqüência, na possibilidade de maior concretização do direito à moradia.

A título ilustrativo, indica-se um exemplo da concepção de incentivo fiscal: em relação à

alíquota do imposto pago pelos incorporadores esta deveria ser proporcional ao valor das

moradias construídas, isto é, quanto mais baixo fosse o estrato social do público alvo das

moradias construídas pelo incorporador menor seria a alíquota do imposto a ser recolhido162.

Afora tal situação, o Estado ainda poderia disponibilizar aos incorporadores linhas de

crédito especiais com juros subsidiados para o setor da construção civil. Na mesma política dos

160 “[...] As políticas sociais que visam fomentar determinada atividade econômica são papel fundamental do Governo, despertando na atividade privada o interesse que lhe possa substituir na quimera de solucionar o problema habitacional” (MARTINEZ, 2006. p. 10). 161 Por exemplo, o programa criado pela França: “o Código de Urbanismo e Edificações da França prevê possibilidade de o poder público notificar o proprietário de um terreno ocioso para nele iniciar uma construção conforme o plano direto, assinando-lhe normalmente prazo de dois anos ou, então, para que o coloque à venda dentro de seis meses. Caso não efetivada a venda, o terreno irá a hasta pública ou será desapropriado [...]” (NUSDEO, 2005. p. 210). 162 “Um imóvel fica 29% mais caro devido à carga tributária” (Sinduscon/SP http://www.sindusconsp.com.br).

128

impostos, os juros poderiam ter alíquotas proporcionalmente mais subsidiados na mesma medida

em que as moradias fossem direcionadas para as classes menos privilegiadas; ou seja, quanto

menor a classe econômica do público alvo, menor seriam os juros.

Outra situação que poderia ser mais explorada é a recente redução dos impostos

incidentes sobre os materiais de construção basicamente empregados nas moradias populares.

Ocorre que muitos materiais de construção ainda poderiam ter a redução de alíquota de forma

mais expressiva. Na seqüência, em um futuro próximo, outros materiais com melhor qualidade

também poderiam ter seu imposto reduzido, visando a baratear o custo das moradias para a classe

média e alta também.

Frise-se, mediante este tipo de políticas públicas, pretende-se, de imediato, reduzir

significativamente o custo da construção de moradias para a classe mais necessitada e, após, a

diminuição do custo da construção para todos os tipos de moradias, visto a magnitude deste

direito.

Nesta mesma linha, poderia haver a redução de imposto também aos prestadores de

serviço para empresas construtoras e, até, para as próprias construtoras163. Isto é, qualquer

atividade direta que envolvesse trabalho voltado à construção de moradias deveria receber

incentivo fiscal. Assim, certamente haveria uma capacidade construtiva muito superior a atual

conjuntura.

Claro que em um primeiro momento poderia parecer que o governo perderia, e muito,

com estes programas que visam, especialmente, a redução de impostos. Mas, possivelmente, isso

não ocorreria e a situação seria revertida com a brevidade esperada; até porque tal redução

certamente iria fomentar fortemente o setor e, com isso, haveria um aumento significativo nos

163 Já há iniciativas nesta seara, cita-se como exemplo a chamada “MP do bem”.

129

postos de emprego164, especialmente os empregos para mão-de-obra sem qualificação – tanto os

empregos diretos na construção, como os diretos na produção e fabricação dos materiais

envolvidos na construção, além dos inúmeros empregos indiretos que seriam gerados. Além, é

patente, de ampliar o mercado e como tal, a quantidade de contribuinte também aumentará.

É bem provável que o setor aquecido pagaria em valores muito mais impostos165 e 166,

ainda que com uma alíquota menor, do que o setor desaquecido, ainda que com alíquota de

imposto maior, isto é uma questão econômica – atividade parada resulta em parcos impostos;

atividade aquecida, com circulação de riqueza167, gera expressivos e crescentes impostos.

Ademais, com o aquecimento do setor imobiliário, haveria o fenômeno “dominó” na

economia, trazendo crescimento aos demais setores também, já que um campo influencia

diretamente o outro, o chamado efeito “multiplicador”168.

Resta patente que com o fomento da economia haverá maior circulação de riqueza e

aumento do volume de transações comerciais, o que acarretará na maior geração de impostos.

Outrossim, com este aquecimento da economia, outro efeito imediato é a criação de mais

oportunidades à população em geral, o que seguramente trará benefícios inclusive para os que

hoje, por total insuficiência de recursos, necessitam da ajuda beneficente do governo, de 164 “O macrossetor da construção participa com 14,7% do total de salários pagos na economia” (CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção – www.cbic.org.br. Fonte FGV/CBIC Março 2005). 165 “Carga tributária: o setor foi o terceiro maior arrecadador do país em valor: R$ 26,9 bilhões, perdendo apenas para comércio e bancos”. Sinduscon/SP (http://www.sindusconsp.com.br/publicacoes). 166 “O macrossetor da construção paga carga tributária da ordem de 44,27% do seu PIB” (CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção – www.cbic.org.br. Fonte FGV/CBIC Março 2005). 167 “O macrossetor da construção contribui com 68,4% dos investimentos totais do país” (CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção – www.cbic.org.br. Fonte FGV/CBIC Março 2005). 168 Impactos do macrossetor da construção na economia nacional: (i) participação no PIB, no ano de 2002, efeitos diretos 11,1%, efeitos diretos e indiretos 15,2% e efeitos diretos, indiretos e induzidos 20,56%; (ii) movimentação econômica, no ano de 2002, efeitos diretos R$ 132.966,00, efeitos diretos e indiretos R$ 182.156,00 e efeitos diretos, indiretos e induzidos R$ 246.568,00; (iii) pessoal ocupado, no ano de 2002, efeitos diretos 6.185,00, efeitos diretos e indiretos 11.487,00 e efeitos diretos, indiretos e induzidos 12.455,00. (Fonte: Matriz Insumo-Produto do Macrossetor da Construção – FGV-IBRE/CBIC – www.cbic.org.br).

130

programas públicos e da filantropia. Nesta oportunidade, o Estado economizará com a verba

humanitária, pois apenas receberá auxílio quem realmente necessitar.

Desta forma, há previsões de toda ordem que o resultado da equação será de lucro e

desenvolvimento do país, em contrapartida de uma redução de impostos nos setores apropriados

da economia, como é o caso do mercado imobiliário. Reitera-se, isto é uma questão econômica,

pois enquanto o mercado estiver desaquecido, não circulará riqueza, não haverá o que se tributar

e tampouco haverá criação de postos de empregos, como conseqüência final deste quadro, o país

pode tornar-se estagnado e o acesso à moradia será provido de forma muito mais tímida.

Outras medidas paliativas, mas que também são incentivos ao setor, poderiam ser feitas

pelos governos estaduais e municipais. Por exemplo, o governo local poderia fazer uma

negociação subsidiada com o incorporador e permutaria terrenos ou índices construtivos em troca

de área construída, claro que em menor proporção de que seria no mercado privado. Ou seja, o

governo entregaria um terreno ao incorporador e este faria a construção das moradias com preço

igualmente subsidiado, entregando uma parte destas casas ao governo e ficando com o restante

para vender com preço a menor.

Diferente exemplo e de essencial importância seria a diminuição da burocracia nos órgãos

públicos, de todas as esferas do poder, o que diminuiria os custos de transação. Assim, o governo

municipal, estadual e federal poderia facilitar a regularização e andamento das obras e

documentação, visto que para o incorporador obter qualquer licença ou documento, é um

verdadeiro desperdiço de tempo, dinheiro e energia.

Tal situação, da maneira como atualmente é vivenciada, aumenta demasiadamente os

custos de transação da atividade e, logicamente, reflete em toda cadeia produtiva e, por fim,

acarreta no aumento no custo final do produto, isto é, das moradias dignas.

131

Esta situação supra narrada é justamente o contrário do que a sociedade ambiciona e,

especialmente, é o oposto do que é pregado neste trabalho como alternativa para alcançar a

plenitude do direito fundamental social à moradia.

É sabido que a obrigação do Estado é, através do direito, diminuir o custo de transação

das atividades econômicas, pois somente neste momento é que, possivelmente, haverá a

significativa redução dos preços169 e 170.

Corroborando com este entendimento, Timm (2006):

Como os mercados são imperfeitos, existem custos de transação (custos incorridos pelas partes para negociar e para fazer cumprir um contrato).171 É papel do Direito diminuir estes custos de transação. O que se pode afirmar, inclusive, é que, pelo menos dentro de uma perspectiva econômica, quanto mais desenvolvidas as instituições, mais propício é o ambiente para seu natural desenvolvimento, pela diminuição dos custos de transação. Quanto mais sólidos os tribunais e íntegro o sistema jurídico de um país (garantindo a propriedade e os contratos empresariais), melhores são suas instituições172 [...].

Assim, no momento em que o Estado exercer este papel regulatório, inclusive de políticas

públicas, com a devida adequação certamente que o mercado imobiliário sairá fortalecido, visto

que trará maior segurança às relações, tanto para o incorporador como para o adquirente.

169 “Conforme percebeu Coase, os agentes econômicos organizam empresas para diminuir custos de transação, que são os custos da utilização dos mecanismos de formação do preço” (TIMM, 2005. p. 89). 170 “Assim, pela empresa, adquire-se o poder de gestão sobre fatores de produção, possibilitando fugir-se do esquema de formação de preços e mercados e, portanto, diminuindo custos de transação. Em síntese, a organização econômica em empresa serve para atuar em mercados com a finalidade de diminuir os custos de transação no exercício de uma determinada atividade econômica” (TIMM, 2005. p. 90). 171 COASE, 1988, p. 07. 172 Nesse sentido, ver North, Douglas. “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”. Cambrigde, Cambridge University Press, 1990. Ver ainda Williamson, Oliver. “Por que Direito, Economia e Organizações?”. In “Direito e Economia”. Zylberstajn e Sztajn (org.). São Paulo, Campus, 2005, p. 16 e ss. Williamson, Oliver. “The economic institutions of Capitalism”. Nova Iorque, Free Press, 1985, p. 15 e ss. Mais radical ainda é a posição de Granovetter, Mark. “Economic action and social structure: the problem of social embeddedness”. In American Journal of Sociology. Vol. 91, nº 03, 1985, p. 481.Interessante, mas não no mesmo sentido, a abordagem de Malloy, Robin Paul. “Law in a Market Context”. Cambridge, Cambridge University Press, 2004.

132

Igualmente fundamental nesta perspectiva será a estabilidade e previsibilidade das relações e

conseqüências dos atos, assim como a acessibilidade da informação.

Como ensina Sztajn (2005. p. 239):

[...] Por um lado, tem-se a necessidade de estabilidade, condição para a redução da incerteza; por outro, tem-se a necessidade de mudança imposta pela busca de eficiência adaptativa. Estabilidade e mudança são dois extremos que podem estar em conflito na busca pela estrutura institucional que potencialize o desempenho econômico. O excesso de estabilidade pode embutir perda de oportunidades e a conseqüente estagnação; o excesso de mudança pode trazer incerteza e a conseqüente paralisia. Ambos os elementos, se mal dosados, podem ocasionar resultados desastroso. Na verdade, são dois extremos de um mesmo contínuo que, para desempenharem papel virtuoso, necessitam ser contrabalançados.

Do fortalecimento do setor imobiliário a sociedade como um todo auferirá as vantagens,

visto que haverá fomento na economia – especialmente pela importância e imponência deste

setor; promoção esta decorrente da circulação de riqueza, do aumento de empregos, utilização

inclusive de mão-de-obra sem qualificação, da geração de impostos, do desenvolvimento direto

das áreas ligadas à construção e indireto nas demais searas. Mas, especialmente e acima de tudo,

será possível atingir o objetivo: a implementação do direito à moradia, as quais serão

disponibilizadas à sociedade em maior escala e por valores reduzidos, em conseqüência da

redução dos custos em geral e da eficiência alcançada do setor.

2.2. Mercado imobiliário

Diante da necessidade apresentada do fortalecimento do setor imobiliário, no caso em

tela, do instituto da incorporação imobiliária, para atingir o almejado implemento do direito à

moradia, aliado a limitação orçamentária e de atuação do Estado, urge cumprir ao mercado

imobiliário – iniciativa privada – a tarefa de auxílio à solução do problema.

133

Claro, para que o problema possa ter início a sua resolução, através da iniciativa privada,

é necessário, como já foi dito, que o Estado crie condições propícias, através de um mercado

imobiliário consolidado, bem regulamentado, com políticas públicas voltadas ao setor e

adequadamente fiscalizado. Além é claro da forçosa segurança das relações, da informação, e da

estabilidade e previsibilidade destas relações e dos atos.

Estas condições adequadas do mercado imobiliário se dão, neste instrumento, através da

regulamentação e aprimoramento do instituto pela Lei das Incorporações Imobiliárias, assim

como é imprescindível uma previsível e uniforme aplicação da lei.

O mercado, no caso em comento o mercado imobiliário, é um propiciador para o auxílio

da solução do acesso a moradias; é através do mercado que haverá a troca – o incorporador

entrega os bens, as moradias, e em troca recebe a contraprestação, o capital investido e o lucro.

A definição de Sztajn (2005. p. 200) acerca do mercado:

A criação de riqueza, nas economias modernas, depende, substancialmente das trocas em mercados, o que requer ambiente legal apto a aumentar a capacidade das partes no que diz respeito à definição dos termos de aperfeiçoar os termos da troca que garantem a produção de riqueza e certeza quanto ao cumprimento dos acordos [...].

Corroborando com este entendimento, Timm (2006):

Para tanto, é preciso saber que mercado existe, enquanto espaço de interação social e coletiva. Com efeito, o mercado existe enquanto instituição social espontânea, ou seja, enquanto fato social. Nas palavras de Coase, o mercado é a instituição que existe para facilitar a troca de bens e serviços, isto é, existe para que se reduzam os custos de se efetivarem operações de trocas173 [...].

Para que o mercado imobiliário funcione perfeitamente, nestes moldes, necessário se faz

que o incorporador realmente tenha o lucro, pois caso contrário ele não terá interesse de entrar

173 Coase, 1988, p. 07.

134

neste mercado e não investirá o capital privado na atividade. Repita-se, para que a atividade seja

viável imprescindível que as condições supra elencadas estejam presentes.

Em razão de o mercado viabilizar a troca de bens e serviços, com eficiência, pela lei da

oferta e da procura, é o mercado a instituição que melhor responde à tarefa de lidar com as

necessidades ilimitadas versus recursos escassos, daí a sua função social (TIMM, 2005).

Reitera-se, a eficiência do mercado se dá pelas trocas econômicas174, as quais dependem

de um baixo custo de transação e de uma clara atribuição da propriedade. Como bem exemplifica

Timm (2005) “Tanto o é que países de altos custos de transação – caracterizados por pouca

confiança interpessoal, por um judiciário lento e ineficiente – como de regra os países latino-

americanos, tendem a se desenvolver menos175”.

Nusdeo (2005. p. 142 a 170) esclarece que o mercado176 precisa de 5 (cinco) fatores, os

quais dependem de regulamentação, para agir sem falhas e eficientemente: a mobilidade, a

transparência, a estrutura, os incentivos e os sinais. A mobilidade é necessária para se adaptar às

leis da oferta e da procura177; a transparência é a informação sobre o mercado e os produtos; a

174 “[...] Por isso que se constatam alterações nas condutas dos agentes; por exemplo, se o Judiciário concede ganho de causa a inúmeros postulantes em ações de revisão de juros bancários, o crédito começa a escassear ou mesmo desaparece da praça. É a resposta (feedback) do sistema econômico ao jurídico, pois passa a ser mau negócio para as instituições financeiras conceder crédito barato” (TIMM, 2005. p. 101). 175 Para tanto, ver o relatório do Banco Mundial, Doing Business, versão 2004 e 2006. Este relatório demonstra que países com um claro regime de propriedade e com um rápido mecanismo de cumprimento de contratos tende a se desenvolver mais rapidamente. O relatório quantifica o custo da burocracia exagerada e evidencia o quanto ainda falta para o Brasil caminhar no que tange as suas instituições rumo ao desenvolvimento. 176 “De toda sorte, o que ora importa salientar é o fato de que, disciplinando juridicamente a atividade econômica, o Estado passa a lançar técnicas de direção sobre os mercados. O que caracteriza os mercados é o clima de liberdade, dentro do qual se movimentam os agentes econômicos. Pois bem: a direção, administração ou organização dos mercados pelo Estado, se dá justamente mediante a imposição de técnicas de direção sobre aquele clima, de liberdade. Desde esta verificação abre-se todo o campo de exposição a propósito das chamadas teses de convergência dos sistemas econômicos, estruturadas a partir da observação de que no mundo socialista, onde o mercado é substituído pelo plano como mecanismo de coordenação do processo econômico, vem o Estado, paulatinamente – embora com muita timidez – lançando técnicas de liberdade sobre o clima de direção que caracteriza o plano. Do tema tratei em meu Planejamento Econômico e Regra Jurídica” (GRAU, 1981. p. 20).

135

estrutura ou concentração diz em relação ao número adequado de compradores e vendedores, sob

pena do mercado não ficar bem estruturado; a falha de incentivos é quanto ao suprimento de bens

coletivos; a falha de sinalização é quanto aos efeitos externos.

Destarte, verifica-se que a possibilidade de conjugar as necessidades ilimitadas versus

recursos escassos se dá através de um mercado consolidado. A função social do mercado

imobiliário é, dentre outras, justamente de fortalecer a economia e a circulação de riquezas, e,

com isso criar condições propícias para implementar o acesso ao direito à moradia, em larga

escala.

2.3. Confiança e certeza jurídica

Um dos anseios básicos de quaisquer envolvidos em uma negociação é precisamente a

confiança e segurança jurídica. Entretanto, a legislação e jurisprudência pátria têm tido uma

preocupação quase que imensurável com a proteção jurídica do consumidor. Em contrapartida,

este mesmo posicionamento não se reflete em relação à segurança jurídica do incorporador – a

outra ponta; aliás, geralmente, o incorporador sequer tem algum resguardo por parte do

Judiciário, o que, obviamente, é extremamente prejudicial ao mercado imobiliário e, em maior

abrangência, à economia nacional.

Por razões evidentes, resta claro que esta situação de incerteza e insegurança jurídica dos

investidores e empresários não pode permanecer, sob pena de poder haver ao caos econômico

177 “Podemos concluir que o juro é um preço. Trata-se do preço que os tomadores (pessoas físicas ou jurídicas) pagam pela utilização dos recursos que lhes são emprestados pelos poupadores. Como ocorre com o preço de qualquer mercadoria – e dinheiro não passa de uma mercadoria – os juros estão sujeitos aos efeitos da oferta e da demanda – lei imutável da natureza econômica. Se há mais gente querendo antecipar os gastos e menos querendo postergá-los, o preço da moeda (juros) sobe; caso contrário, ele cai. Da mesma forma, como ocorre com qualquer mercadoria que passa por um processo de intermediação, o preço recebido pelo ofertante é, em geral, mais baixo que o preço pelo demandante, sendo a diferença de preços dada pelos custos de intermediação [...]” (CASTELAR, 2005. p. 444).

136

desde mercado, com a retirada maciça de capital privado; ao invés da concretização em larga

escala do direito à moradia.

Reitera-se, a incorporação imobiliária é uma atividade empresarial e, portanto, visa lucro.

Desta forma, os incorporadores apenas irão ter interesse em fomentar o setor se houver confiança

jurídica no mercado imobiliário. Esta mesma situação, repete-se com os investidores, com os

agentes financeiros178, 179 e 180 e, até, com o Estado (dinheiro público), pois certamente que

nenhum agente investirá recursos financeiros no âmbito imobiliário se não houver a confiança do

retorno do capital e do lucro pelo empréstimo.

Até porque, é sabido, que mesmo havendo plena confiança jurídica nem sempre a

atividade é rentosa e, por vezes, o incorporador sequer recupera o capital empregado e o

investidor tampouco recebe a integralidade do dinheiro emprestado.

Em um mercado marcado pela segurança e confiança jurídica, certamente, que o dinheiro

circulará com maior facilidade e com preço mais ameno, o que acarretará em desenvolvimento

dos setores e, por fim, no desenvolvimento econômico como um todo. Em contrapartida, em um

mercado, caracterizado pela ausência de confiança e segurança jurídica, haverá temor e retração

de investimentos e, como decorrência, a estagnação do desenvolvimento e da economia; no final

desta cadeia, os reflexos no setor imobiliário serão diretos, ofertando menos moradias à

população e com preço mais elevado pela escassez do produto. Assim, é evidente que tal

conjuntura prejudicará sobremaneira o interesse público e o direito fundamental social à moradia.

178 “O setor empresarial da construção civil reclama, desde muito tempo, da falta de financiamentos habitacionais que possam fomentar a indústria da construção civil. A oferta de crédito para a atividade construtiva sempre foi fraca em relação às necessidades verificadas nas estatísticas, além do excesso das exigências estabelecidas pelos agentes financeiros” (MARTINEZ, 2006. p. 9). 179 “Dentre os assuntos mais debatidos da atualidade, na imprensa e na sociedade, destacam-se a alta taxa de juros e a pequena oferta de crédito bancário na economia brasileira [...]” (CASTELAR, 2005. p. 445). 180 “Não apenas os juros são altos, mas também, como seria de se esperar, o volume de crédito é pequeno no Brasil [...]” (CASTELAR, 2005. p. 447).

137

Corroborando com este entendimento Marques Filho (2005. p. 142) “[...] Podemos

observar que, com o advento da Lei de Afetação Imobiliária, investir ou simplesmente adquirir

nessa modalidade tornou-se muito mais seguro, sendo que a tendência é de baixar os juros, em

virtude dessa segurança”. Mais adiante Marques Filho (2005. p. 37) continua “[...] Com efeito,

havendo o equilíbrio contratual, os juros acabarão diminuindo, pois então, não se pode olvidar,

atrelados ao risco da transação que tende a reduzir-se”.

Aliás, diante da atual conjuntura do Estado e do déficit habitacional, a sociedade, para ter

o direito à moradia implementado, precisa dos investimentos da iniciativa privada voltados ao

mercado imobiliário e, para tanto, é necessário que sejam dadas as condições adequadas.

Nestas condições, quanto mais a sociedade pretender que o direito à moradia seja

implementado, cada vez em maior escala e com a crescente redução dos custos, mais medidas

devem ser realizadas para dar aos empreendedores confiança e segurança jurídica. Isto é, quanto

mais claras forem as “regras do jogo”, mais pessoas irão se sentir aptas a investir na economia.

Em recente entrevista publicada no site do Superior Tribunal de Justiça, o coordenador de

locação da Câmara do Comércio e Administração de Imóveis (CCAI), Leandro Ibagy, disse que:

Muitos imóveis estão fechados devido ao elevado índice de insegurança jurídica e à morosidade do Judiciário, especialmente nos casos de falta de pagamento de aluguel. Com segurança jurídica e com as garantias que dela advêm, a tendência é que esse mercado possa recepcionar não só os imóveis ociosos, mas também fomentar novos investimentos nessa atividade imobiliária da construção civil, importante para a queda do número extremamente elevado de déficit habitacional.

Neste mesmo sentido, tratando da questão das instituições financeiras, foi a entrevista do

advogado Arnaldo Wald, publicada no site Valor Econômico, dia 23/02/06: “Se você não cria

condições de segurança para os bancos, eles só vão emprestar dinheiro às empresas, e não mais

às pessoas”.

138

A confiança jurídica que se impõe não se confunde, em nenhum momento, com anuência

ao abuso do poder econômico dos empresários e investidores, ao contrário: o que se pretende é

apenas um cenário de credibilidade, de confiança jurídica, que se defina com clareza e

transparência as regras norteadoras da atividade e que, após, sejam mantidas e seguidas como

foram previamente estipuladas.

Igualmente prejudicial ao setor é o desvirtuamento das leis, como por vezes ocorre com o

Código de Defesa do Consumidor. Anteriormente à Lei nº 8.078/90, muitas vezes, os

consumidores tinham seus direitos desrespeitados e pouco se fazia; atualmente, após a criação

desta lei, a qual visa a proteger os consumidores de eventuais abusos, houve um alargamento

interpretativo da lei na proteção dos consumidores, e a situação, em muitos casos, inverteu-se.

Agora, reiteradamente, são alguns consumidores que extrapolam a boa-fé ou a prudência e

utilizam indiscriminadamente a lei; especialmente, quando sabidamente adquirem serviços e

produtos de valores superiores ao seu orçamento, fazendo financiamentos e gastos em grande

monta, os quais ao se avolumarem, seguramente, não serão adimplidos e, após, simplesmente,

buscam a proteção do poder Judiciário. Por estas medidas judiciais, geralmente protelatórias,

dizendo-se amparados pelo Código de Defesa do Consumidor, este tipo de consumidor gera

imensuráveis prejuízos às empresas e, no final da cadeia, ao mercado como um todo e, por fim, à

sociedade.

Define-se, deste modo, a necessidade de se resguardar cada vez mais tanto o adquirente

como o incorporador, dando-lhes plenas condições e ampla segurança jurídica, conforme análise

nos itens infra.

139

2.4. Uniformização

Outrossim, para fortalecer o instituto da incorporação imobiliária e ao mercado de imóveis

também é necessário que haja uma uniformização no procedimento de aplicação da Lei das

Incorporações Imobiliárias, especialmente, em relação a uma padronização no Registro de

Imóveis.

É sabido que todos interessados em exercer a atividade da incorporação imobiliária,

obrigatoriamente, tem de seguir as determinações e diretrizes da Lei nº 4.591/64. O procedimento

registral da incorporação imobiliária é bem peculiar e requer o preenchimento de uma série de

requisitos próprios e exclusivos da mencionada lei, os quais são fiscalizados pelos Registros de

Imóveis competentes.

No entanto, a sistemática desta lei nem sempre é seguida pelos registradores, pois a

grande maioria, por excesso de zelo, provavelmente, adota outras exigências extra legais e às

vezes minuciosas ao extremo, o que acarreta no aumento dos custos de transação e

oportunidades. Ressaltando, ainda, que cada registrador adota as suas cobranças particulares que

entende adequadas, objetivando complementar a lei, o que acaba acarretando em um excesso de

burocracia incomensurável ao incorporador e diversidade no procedimento.

O problema se restringe em relação a cada incorporação a ser registrada em um único

Registro de Imóveis, mas sim no conjunto. Pois o incorporador que esteja procedendo ao registro

simultâneo de mais uma incorporação, em registros diversos, geralmente, depara-se com

exigências também diversas, o que causa dificuldade organizacional na sua empresa181, dispêndio

de tempo e de dinheiro. Esta situação é um impeditivo para o desenvolvimento da atividade, pois

181 Considerando, ainda, que o prazo de conferência e de registro da incorporação imobiliária reinicia em cada impugnação do procedimento, a situação fica muito mais grave pelo tempo decorrido.

140

torna o registro da incorporação quase que peculiar de ofício para ofício. Isto reflete diretamente

no preço final dos imóveis, em razão do elevado custo de transação.

Esta situação, aliada à baixa fiscalização do setor, acaba fazendo com que os

incorporadores desistam ou não consigam regularizar a sua incorporação, o que gera a ausência

de registro. Como bem alerta Mezzari (1996. p. 78): “[...] A realidade nos dá conta de que

raríssimos empreendimentos têm a incorporação imobiliária levada a registro. Excetuando-se

alguns empresários mais cautelosos [...]”.

Esta conjuntura – de baixa fiscalização aliada à alta burocracia – acarreta em incentivo ao

não cumprimento da Lei das Incorporações Imobiliárias, o que traz prejuízos de toda ordem ao

interesse público e, diretamente, aos futuros adquirentes das unidades autônomas.

Faça-se a ressalva de que não há o propósito de “culpar” os registradores pela burocracia

excessiva, tampouco de diminuir a gerência dos Registros de Imóveis, mas sim há o escopo de

simplificar e uniformizar o procedimento da incorporação imobiliária, assim como as exigências

legais. Pois caso não haja uma solução imediata deste problema, os incorporadores que decidirem

seguir a lei, registrando a sua incorporação, terão o seu custo de transação aumentado

significativamente e, por conseqüências, o acréscimo do preço final das moradias.

Examinando o rol do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, é nítido que nem todos os documentos

e informações constantes são indispensáveis e precisam integrar o procedimento da incorporação

imobiliária. Sem dúvida que há elementos imprescindíveis, como o título de propriedade do

terreno, procuração, projetos, cálculos, memorial descritivo, discriminação das frações ideais,

prazo de carência e certidões. Ressalta-se, em relação a estas certidões, convém serem

esclarecidas definitivamente quais são os elementos necessários e apenas estes serem exigidos,

não podendo o rol ser ampliado de caso a caso.

141

Apesar disso, outros documentos e informações são dispensáveis, como, por exemplo: o

histórico vintenário, pois a prescrição máxima no Código Civil atual reduziu dos 20 (vinte) anos

para 10 (dez) anos, portanto, faz-se necessário apenas o histórico dos 10 (dez) últimos anos; o

custo da obra e declaração do preço das unidades, já que em nada modifica aos interessados

terem conhecimento das cifras envolvidas na obra, pois não influencia diretamente no preço das

unidades; a minuta da convenção de condomínio, a qual não tem necessidade de ser anexada

neste momento, pois pode, na ocasião da instituição do condomínio, ser registrada diretamente a

convenção de condomínio; o atestado de idoneidade financeira, visto que este documento não

tem relevância diante das certidões judiciais e dos Tabelionatos de Protestos, sendo presumível a

idoneidade ou não do incorporador pela análise das certidões; a estipulação acerca dos boxes de

estacionamento é igualmente desnecessária, caso não sejam unidades autônomas e façam parte do

condomínio, posteriormente, pode haver definição na convenção do condomínio.

É imprescindível que haja um movimento conjunto entre os representantes das três pontas

diretamente atingidas por qualquer alteração na Lei das Incorporações Imobiliárias –

registradores, incorporadores e consumidores – para analisar e discutir as exigências desta lei,

examinando os pontos possíveis de serem extirpados, outros de serem minorados ou até algumas

inclusões ou trocas. O importante é que este estudo seja feito de forma minuciosa e que atinja o

objetivo – simplificar e uniformizar o processo, sem prejudicar a segurança jurídica dos

envolvidos no processo.

Mezzari (1996. p. 80) tem este mesmo entendimento: “Diminuir o volume de exigências

do art. 32 talvez fosse uma das formas de se conciliar interesses antagônicos, [...]”.

Ainda que não haja modificação na lei, ao menos os registradores poderiam, mesmo que

de forma regionalizada ou setorizada, adotar tais tratativas como padrão e todos se restringirem

142

ao dito procedimento. Claro que isto após um criterioso estudo e transação envolvendo os

interessados.

Após este passo preliminar, ainda faltaria ajustar o procedimento em uma questão de

suma importância e que depende exclusivamente dos registradores: a agilidade da conferência e

do registro da incorporação imobiliária.

Ressalta-se que o Registro de Imóveis tem o prazo de 15 (quinze) dias para conferência do

memorial de incorporação e outros 15 (quinze) dias para registro – a base legal é o artigo 32, § 6º

da lei 4.591/64. Mas, caso o Oficial decida pela insuficiência de informações e documentos, há a

impugnação fundamentada e por escrito, no prazo de 15 dias.

Caso o registrador tenha possibilidades, adequado seria, desde já, a diminuição dos prazos

de conferência e de registro, visto que os 15 (quinze) dias para conferência e os outros 15

(quinze) dias do registro são os prazos máximos que a lei impõe. Se os prazos fossem mais

exíguos, muitos benefícios trariam à economia e ao mercado de imóveis: facilidade

organizacional na empresa incorporadora, menos dispêndio de tempo e de dinheiro, diminuição

dos custos de transação.

Já em relação às impugnações, em alguns casos, há problemas nesta fase da conferência.

Primeiro que, por vezes, os oficiais fazem impugnações parciais, ou seja, não lançam de uma vez

só todas as suas objeções, fazendo as restrições aos poucos. Não é preciso nem explicar o quanto

isto é prejudicial ao incorporador e o quanto representa para o aumento dos custos de transação.

Segundo, muitas vezes, a impugnação não vem devidamente fundamentada, faltando clareza e

gerando dúvidas, obrigando o incorporador a despender mais tempo e dinheiro para primeiro

entender a impugnação e depois cumpri-la, às vezes tendo até de diligenciar no Registro de

Imóveis para esclarecer as divergências com o oficial, o que, obviamente, também gera

majoração nos custos de transação.

143

Assim sendo, conveniente se faz que os registradores tenham a cautela de realizar as

impugnações de forma mais fundamentada e clara possível, condensando todas as suas exigências

em um primeiro momento. Certamente que se assim for procedida à conferência da incorporação,

haverá economia de tempo e dinheiro pelo incorporador e inclusive pelo registrador, o qual não

precisará sequer atender o incorporador para explicar as suas impugnações. Em assim agindo,

certamente, além de gerar benefícios aos envolvidos na incorporação com a simplificação do

procedimento, ainda trará benefícios à coletividade, pois reduzirá o preço final das moradias.

2.5. Eficácia da incorporação imobiliária

Desta forma, constata-se que a eficácia do instituto da incorporação imobiliária no que

tange a implementação do direito à moradia, habitações dignas, de forma cada vez mais

abrangente poderá se produzir de imediato após haver a adequada aplicação da sistemática da Lei

nº 4.591/64; e, posteriormente, com o aperfeiçoamento da Lei das Incorporações Imobiliárias e de

sua aplicação, haverá o natural barateamento das unidades autônomas182.

Dúvidas não restam que no momento em que forem implementadas todas as condições

supra narradas, haverá grande repercussão no mercado imobiliário, pois quanto melhor funcionar

o instituto, mais eficiente este o será e mais pessoas serão beneficiadas, atendendo cada vez mais

o interesse público e, em decorrência, alcançando cada vez mais a sua função social.

Havendo confiança jurídica no setor, mais investimentos serão concretizados e de forma

menos onerosa, seja através de investidores privados, de capital próprio da incorporadora e pela

182 “O registro da propriedade eficiente reduz os custos de transação e impede que os títulos formais de propriedade caiam na informalidade” (Doing business in Brazil. www.worldbank.org. 2006. p. 7). Aliás, o registro da propriedade ainda traz o benefício de facilitação de obtenção de crédito, especialmente com os agentes financeiros, para o proprietário, pois a propriedade é um ativo imobiliário que pode ser dado em garantia. Assim, além da propriedade ser um facilitador na obtenção do crédito, ainda poderá beneficiar o seu dono com a redução da taxa de juros, uma vez que o banco tem o seu capital garantido de retorno com a dita garantia real.

144

captação direta183 – adquirentes. Enfim, haverá uma gama de opções, o que provavelmente

reduzirá o custo do dinheiro e ocasionará a almejada redução dos custos de transação. Aliás,

diante da vislumbrada segurança do setor e da pretendida opção de recursos disponíveis, até os

agentes financeiros oficiais terão de reduzir o custo dos empréstimos, ao menos nesta seara, os

quais hoje são caríssimos e de difícil acesso.

Chalhub (2005. p. 11) afirma que:

Traço característico dessa atividade é a ‘venda antecipada de apartamentos de um edifício a construir’, que, do ponto de vista econômico e financeiro, constitui o meio pelo qual o incorporador promove a captação de recursos necessários à consecução da incorporação; a captação de recursos, observam Orlando Gomes e Maria Helena Diniz, é a operação que ‘consiste em obter o capital necessário à construção do edifício, mediante venda, por antecipação, dos apartamentos de que se constituirá.

Diante desta perspectiva, é patente que o setor terá o seu custo de produção das unidades

autônomas significativamente reduzido e, como resultado deste custo menor, haverá a provável

diminuição dos preços das unidades ao adquirente final e, portanto, mais pessoas terão acesso a

uma habitação digna, o que acarretará na implementação, cada vez em mais larga escala, do

direito fundamental social à moradia.

Através de uma visão econômica do instituto da incorporação imobiliária, o grande

benefício se estabelece em razão da mínima utilização de recursos financeiros públicos; já que a

edificação, na incorporação imobiliária, é construída com capital privado, menos oneroso,

custeado pelos próprios adquirentes.

Pelo custo reduzido, a classe elevada terá maiores benefícios e condições de custear a sua

própria habitação, sem a utilização de recursos financeiros públicos. Assim, o capital público que

183 Apenas a título ilustrativo, convém alertar que há outras formas de captação de recursos financeiros para a construção de moradias: SFH (Sistema Financeiro de Habitação), SFI (Sistema Financeiro Imobiliário), Cédula Hipotecária, Cédula de Crédito Imobiliário, Letra Hipotecária, Letra de Crédito Hipotecário, Securitização de Crédito Imobiliário, Fundos de Investimento Imobiliário.

145

hoje é utilizado pela casta privilegiada pode ser totalmente destinado ao estrato social manos

privilegiado. Em assim agindo, por esta análise econômica, será viável atingir a almejada

efetividade e eficácia do direito à moradia.

Concomitante a esta conjuntura, a incorporação imobiliária, repita-se, ainda é eficaz para

gerar desenvolvimento na economia nacional, em razão da movimentação de riqueza e criação de

inúmeros postos de emprego.

3. O que pode ser implementado para desenvolver o instituto da incorporação

imobiliária?

Diante de todas as informações acima mencionadas, especialmente acerca do instituto da

incorporação imobiliária ser um dos mecanismos possíveis e adequados para a implementação do

direito fundamental social à moradia, é mister que – após o exame do instituto – seja procedido

um julgamento visando o saneamento das falhas e carências.

Desta forma, nos itens infra, o instrumento será apreciado e recomendadas questões a

serem desenvolvidas e aprimoradas, sempre visando o aspecto econômico e social. Como

objetivo final do presente trabalho, pretende-se fazer com que a incorporação imobiliária tenha

maior aplicação e abrangência para ampliar o acesso à moradia.

Importante não olvidar que as medidas abaixo sugeridas apenas terão legitimidade se,

primeiramente, houver a aplicação estrita da sistemática da Lei das Incorporações Imobiliárias.

Somente em um segundo momento, após superadas as questões mínimas iniciais, de

cumprimento da lei, é que será viável a evolução e melhora do instrumento.

Em assim agindo, tranqüilamente, cada vez mais, o instituto da incorporação imobiliária

alcançará a sua função social, especialmente com a implementação em larga escala do direito

fundamental social à moradia.

146

3.1. Mecanismos de segurança e confiança jurídica para o incorporador

Para que o instituto da incorporação possa se desenvolver plenamente, é mister sejam

implementadas diversas melhorias. Entre as opções, convém destacar a necessidade de criação de

instrumentos para dar segurança e confiança jurídica ao incorporador. Observa-se, é comum que

haja preocupação com a segurança do consumidor, adquirente, mas com a segurança jurídica do

incorporador poucos se preocupam.

Verifica-se que o fortalecimento do instrumento da incorporação imobiliária através da

estabilidade e previsibilidade das relações, assim como da tranqüilidade do incorporador em ter

segurança jurídica, será um benefício à sociedade, não apenas ao incorporador. É sabido que um

mercado imobiliário instável e duvidoso não traz acréscimos à economia, assim como afugenta os

investidores e empresários, e esta conjuntura gera efeitos diretos, devastadores, de aumento nos

custos de transação, o que, obviamente, implica na elevação do preço das moradias, prejudicando

ao interesse público, enfim, à coletividade em geral.

Por outro lado, o incorporador resguardado sente-se seguro e tende a construir mais, a

empregar mais, a angariar mais investimentos, a circular riqueza, a disponibilizar mais moradias

dignas à população, etc.

Adverte-se, a segurança jurídica que se pretende outorgar ao incorporador, na mesma

medida que os adquirentes possuem e gradativamente a aumentarão, é para estabilizar o setor e

trazer serenidade aos incorporadores e investidores, ao mercado imobiliário como um todo. Claro

que se almeja conceder a segurança jurídica apenas aos que agem dentro da legalidade e de boa-

fé; jamais, visa-se a proteger os incorporadores que eventualmente agem de má-fé, assim como

também não se pretende defender os adquirentes que não estejam incutidos de boa-fé.

Aliás, no momento em que há a sugestão de ampliação da segurança jurídica aos

envolvidos na incorporação imobiliária, parte-se do pressuposto de que todos, tanto os

147

incorporadores como os adquirentes, estão agindo de boa-fé. Até porque, na realidade, é uma

pequena minoria, seja de incorporadores como de consumidores, que eventualmente não age nos

limites da boa-fé.

Superando esta introdução acerca da segurança jurídica, convém o exame individual de

cada possível mecanismo propiciador de segurança jurídica ao incorporador.

3.1.1. Garantia do recebimento do preço do imóvel

É sabido que na transação imobiliária de compra e venda de unidades a cada parte

compete sua obrigação: o incorporador tem de entregar a unidade dentro das condições e prazo

estabelecidos, enquanto o adquirente tem de pagar o preço do imóvel nos valores e prazos

pactuados.

É de se referir, inclusive, que o incorporador tem o direito de receber a integralidade do

preço dos imóveis, nos prazos estabelecidos. Isto se constitui não apenas pelo fato de ser um

direito do incorporador receber a remuneração da sua atividade, mas também porque muitas

vezes este depende deste capital para quitar as dívidas do empreendimento e para promover

novos empreendimentos, criando mais e mais moradias dignas à população.

Não obstante a imprescindibilidade do incorporador no recebimento do preço do imóvel,

na prática, algumas vezes os adquirentes simplesmente abandonam os pagamentos, seja por terem

adquirido um imóvel de preço superior as suas possibilidades, seja pelo fato de modificar a sua

situação econômica, seja por qualquer motivo outro. E, esta situação acontece, em geral, com a

guarida do Poder Judiciário.

Ocorre que, neste contexto, o incorporador se envolve em uma situação extremamente

delicada, visto a dificuldade de recebimento do seu crédito. Ainda mais complexa a situação do

incorporador que vendeu o imóvel através do Sistema Financeiro de Habitação, pois neste caso o

148

agente financeiro tem hipoteca sobre o bem e é absolutamente inócua qualquer medida judicial

do incorporador em relação a este imóvel, visto a garantia primordial do banco184.

De qualquer sorte, o incorporador acaba tornando-se, praticamente, sem ação contra o

adquirente inadimplente, pois este geralmente não possui outro bem imóvel – até porque se

possuísse não poderia adquirir o seu imóvel através do SFH; quando possui bens móveis, estes

estão guarnecidos pelo alargamento do instituto da impenhorabilidade; se possuir automóvel, em

geral, também estará alienado para os bancos; e etc. E, ainda assim, se por ventura o incorporador

conseguir implementar alguma medida para buscar o seu crédito, o inadimplente ainda pode

utilizar diversas ações e recursos judiciais para postergar o pagamento da dívida185.

É de se referir que caso o incorporador aja contra o seu devedor contumaz, inserindo o seu

nome nos órgãos de proteção ao crédito, como SPC e SERASA, ou levando o título de crédito à

protesto, de regra, o devedor consegue obter um pronunciamento judicial favorável de sustação

dos efeitos da inscrição ou do protesto. Para tanto, comumente, basta que ajuíze uma simples

ação revisional, ainda que desprovida de fundamento e que ao final seja julgada improcedente,

em muitos casos, sem sequer haver a exigência do depósito mensal das prestações, ainda que seja

em quantia supostamente entendida como devida pelo devedor, para conseguir a antecipação de

tutela.

Aliás, convém lembrar que habitualmente não há qualquer sanção, ou a pena é de pequena

repercussão, para o adquirente que oferece este tipo de ação, ainda que sabidamente sem

fundamento. Sequer a condenação da verba sucumbencial dos honorários advocatícios, na

184 Neste caso, apenas caso haja saldo, após a quitação do banco, é que o incorporador receberá. Normalmente, o incorporador nada recebe e, por vezes, sequer o banco tem a totalidade do seu crédito satisfeito pela venda do imóvel. 185 “Ação cautelar de sustação de protesto [...]. Confirmada a existência de negócio e conseqüente débito, e utilizados os processos como meio de protelar o pagamento [...]”. (TJRS, Apelação Cível Nº 70007085350, Décima Quinta Câmara Cível, Rel. Paulo Roberto Felix, Julgado em 19/04/2006).

149

maioria das vezes arbitrados em baixo valor, há pagamento em razão do comum abrigo da

Assistência Judiciária Gratuita – ainda que inadequado. Tal conjuntura, evidentemente, acarreta

em incentivo ao descumprimento contratual.

Com efeito, o Judiciário possui instrumentos punitivos para evitar esta conjuntura

relatada, como a pena de litigância por má-fé. Entretanto, esta pena é subutilizada, pois apenas

em casos entendidos como mais graves há a aplicação desta sanção186, quando em verdade

deveria ser utilizada em muitos casos como este supra narrado.

Deveras, esta situação não pode perdurar, sob pena da inadimplência contratual, além de

ser extremamente prejudicial, ainda ter guarida judicial. É de extrema importância que o

Judiciário seja mais criterioso e faça uma análise aprofundada da situação antes de conceder a

sustação dos efeitos das atitudes de cobrança do incorporador, ainda mais quando a ação for

nitidamente protelatória e padronizada, com alegações genéricas. Pior ainda, quando o

ajuizamento da dita ação for posterior a alguma atitude de cobrança do credor, por exemplo, o

protesto de título. Até porque, depois que o juízo monocrático concede a antecipação de tutela, o

problema passa a ser do incorporador para tentar revertê-la, o que além de todo prejuízo já arcado

ainda exige mais gastos com advogados, custas processuais e trâmite de recursos.

É imprescindível que o poder Judiciário, ao analisar um fato concreto, perceba que

possivelmente a sua decisão gerará efeitos187 e 188 além da solução da lide189, pois este fato social

186 “Embargos à execução. [...] O imóvel que serve de residência do devedor pode ser penhorado para pagamento de dívida condominial. A obrigação de natureza propter rem constitui exceção à impenhorabilidade, nos termos do artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/90. [...] Não-verificação, na conduta processual do apelante, de qualquer das hipóteses elencadas pelo artigo 17, do Código de Processo Civil, que dizem com a litigância de má-fé. A oposição dos embargos à execução, que representa o exercício do direito de defesa do devedor, não contendo caráter meramente protelatório. Afastada a condenação imposta. Deram parcial provimento ao apelo. Unânime. (TJRS, Apelação Cível Nº 70012806220, Décima Nona Câmara Cível, Rel. José Francisco Pellegrini, Julgado em 14/02/2006). 187 “Magistrados [...] ao afastarem-se da Lei munidos do ideal de corrigir problemas econômicos no varejo, tal como percebem, a Magistratura nem sequer percebe que agrava os problemas que pretende corrigir. A pesquisa de Armando Castelar, cujo texto está reproduzido neste volume, bem documenta este viés, e elabora sobre os custos

150

faz parte de um conjunto e, portanto, não pode ser apreciado como se fosse isolado da

sociedade190. Por vezes, uma decisão judicial favorece um indivíduo em detrimento da sociedade,

visto que os efeitos econômicos desta decisão irão repercutir negativamente sobre o restante da

coletividade.

Neste mesmo sentido, Timm (2006):

Em uma perspectiva econômica, ainda que não se renuncie à preponderância do interesse social, essa tese de utilização de critérios distributivos ou de Direito Público aos contratos (espaço privado) não faz sentido, pois acaba confundindo o interesse coletivo com a proteção da parte mais fraca (que muitas vezes espelha um interesse individual e não coletivo). Nem sempre aquele interesse social significa interferir no contrato em favor de uma das partes. Ao contrário, exemplos recentes dão conta de que a interferência estatal no acordo entre as partes pode favorecer a parte mais fraca no litígio e prejudicar a posição coletiva, ao desarranjar o espaço público do mercado que é estruturado em expectativas dos agentes econômicos. [...] o todo em um contrato de financiamento habitacional é representado pela cadeia ou rede de mutuários (e potenciais mutuários) que dependem do cumprimento do contrato daquele indivíduo para alimentar o sistema financeiro habitacional, viabilizando novos financiamentos a quem precisa. Assim, se houver quebra na cadeia, com inadimplementos contratuais, quem sai perdendo é a coletividade (que ficará sem recursos e acabará pagando um juro maior). Até porque, conceitualmente e mesmo na vida real, os bancos não emprestam o seu dinheiro, mas uma moeda captada no mercado. Portanto, não há como se pensar no todo social em uma relação contratual sem descurar do ambiente em que ele é celebrado – que é indubitavelmente o mercado.

econômicos da insegurança jurídica assim gerada” (BICCA, 2005. p. 11 - Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm). 188 “Infelizmente, ainda não está assimilada por todos a idéia de que os julgadores devem sopesar, em suas decisões, os reflexos econômico-sociais das mesmas” (BICCA, 2005. p. 47 - Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm). 189 “A sentença que será dada naquele processo poderá ter sérias conseqüências para outros “C”, “D” e “E”, que não fazem parte do processo mas serão por ele afetados” (BICCA, 2005. p. 47 - Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm). 190 “O julgador não quer despejar o idoso “A” por que isso vai contra a dignidade da pessoa humana? Saiba, que, a pretexto de ajudar o idoso “A”, o julgador estará prejudicando todos os demais idosos, pois, sabendo que não conseguirão retomar o imóvel (isto é, aumentado o risco), os locadores não locarão mais para idosos ou exigirão aluguéis mais altos. Em suma, como diz o ditado popular, “o tiro sai pela culatra” (BICCA, 2005. p. 48 - Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm).

151

É demasiadamente cômoda a situação de um adquirente inadimplente, pois ele permanece

utilizando o imóvel por diversos anos consecutivos, seja como sua própria residência ou até como

fonte de renda; enquanto isso, não paga ao incorporador as prestações, e ainda tem, geralmente, a

seu favor uma medida de antecipação de tutela impeditiva de cadastrá-lo negativamente nos

órgãos de proteção ao crédito ou de protestá-lo. Isto é, ainda usufrui o conceito de bom pagador

e, por este fato, consegue utilizar outras linhas de crédito.

Esta situação é de extrema prejudicialidade191, pois o incorporador além de ter de amargar

os prejuízos da inadimplência, ainda tem de amargar os prejuízos da danificação do imóvel.

Enquanto o adquirente utiliza o imóvel e ainda descapitaliza o incorporador para novos

empreendimentos – já que são os próprios adquirentes que financiam a atividade.

Então, em prol de um indivíduo inadimplente, toda cadeia é lesada, repercutindo ao final e

diretamente na sociedade, a qual terá menos crédito imobiliário e menos oferta de moradias a sua

disposição. Logo, o prejudicado primeiro é o interesse público, juntamente com o incorporador.

Mais, o adquirente inadimplente ainda tem a seu favor o Judiciário moroso. Assim, se o

incorporador ainda tiver forças para tentar buscar o seu crédito e oferecer uma ação de execução,

ainda despenderá mais capital – ao contrário do adquirente que freqüentemente consegue amparo,

ainda que indevido, da Assistência Judiciária Gratuita192 – para custear o advogado e as despesas

do processo. Superada esta fase inicial, o credor ainda terá de aguardar por anos para obter a

solução do processo, já que o adquirente ainda poderá protelar o término do litígio com embargos

e recursos. O mais prejudicial é que após toda esta investida, o processo ainda pode finalizar sem

191 Claro que, por vezes, quando as pessoas não agem nos limites esperados da boa-fé, verificam o “sucesso” da técnica e ainda pretendem repetir o frutífero método de inadimplir o crédito e socorrer-se novamente do Judiciário, utilizando a ação revisional, em várias empresas e agentes financeiros. 192 Em relação à Assistência Judiciária Gratuita é comum discussões acerca do alargamento demasiado deste nobre instituto, visto que o intuito inicial seria possibilitar que pessoas pobres, nos termos da lei, tivessem acesso ao Judiciário, não necessitando arcar com as custas processuais e, atualmente, muitas pessoas que não têm esta necessidade estão amparando-se no benefício, o que propicia a aventura jurídica.

152

que o incorporador receba o seu crédito e ainda com mais prejuízos, pois agora ainda tem de

somar os gastos com o processo e a morosidade193 na solução do litígio.

É necessário que sejam desenvolvidos mecanismos para que o processo judicial não

funcione como um incentivo ao descumprimento de contratos.

Nesta linha de raciocínio, adequado seria a criação de um banco de dados do poder

Judiciário, o qual pudesse ser acessado por qualquer interessado, ainda que mediante o

pagamento de uma certidão, assim como ocorre nos Tabelionatos de Protestos. Neste banco,

apenas seriam inseridas informações sobre processos judiciais com trânsito em julgado e

pendentes de pagamento, seja do principal, das custas processuais ou de honorários advocatícios.

Certamente que este banco, acessável por qualquer interessado, especialmente pelos fornecedores

de crédito, seria um grande inibidor da inadimplência nos processos judiciais.

Verifica-se, inclusive, que este banco de dados do poder Judiciário traria grandes

benefícios à sociedade em geral. Primeiro porque os fornecedores de crédito teriam uma fonte

segura para pesquisar acerca da conduta do seu pretenso cliente; aliás, fonte esta que não estaria

sujeita a proteção de informações por medidas judiciais. Segundo porque, assim, as pessoas

tentariam honrar mais as suas dívidas, assim como tentariam se obrigar apenas dentro dos limites

do seu orçamento, isto pelo receio de ter seu nome cadastrado neste banco – pois saberiam que

não haveria como obter uma medida judicial para excluir o seu nome deste cadastro. Terceiro,

traria um grande benefício ao Judiciário, pois reduziria sobremaneira o número de processos

193 “A qualidade dos sistemas legal e judicial também influencia uma série de fatores que determinam a eficiência de uma economia. Por exemplo, um sistema legal e judicial de má qualidade distorce os preços da economia, na medida em que induz um risco jurídico nos preços, que, ao incidir de forma não uniforme nos vários mercados de bens e serviços, distorce os preços relativos e diminui a eficiência alocativa da economia. “[...] o banco não pode contar com o Judiciário para reaver rapidamente as garantias dadas - uma cobrança judicial de dívida leva em média de dois a três anos - ele tem de compensar este custo financeiro extra no spread. Além disso, a morosidade do Judiciário faz com que os bancos sejam obrigados a manter uma burocracia encarregada de seguir os longos processos judiciais de cobrança de dívidas, causando um custo administrativo adicional, que também é incorporado nos spreads [...]” (TIMM, 2005. p. 63).

153

judiciais, diminuiriam as execuções de sentença, assim como o tempo de tramitação destas,

aumentaria o número de ações acordadas e de ações pagas. Quarto e último, este banco ainda

traria satisfação da população frente ao Judiciário, pois certamente o número de processos

pendentes de pagamento cairiam volumosamente, ainda mais em dívidas de pequeno valor, pois a

grande maioria das pessoas pagariam as suas condenações para não serem inscritas neste banco.

Uma medida que certamente seria inibidora de aventuras jurídicas seria o Judiciário

compelir o devedor a pagar, no ato e em moeda corrente, a parte incontroversa, sob pena da

extinção da ação – medida esta que já vem sendo timidamente utilizada.

Outrossim, como medida paliativa, o Poder Judiciário pode solidificar, de forma

definitiva, a penhora on line de valores em contas bancárias do devedor – a pedido do credor, em

uma ação de execução, há a penhora de valores diretamente na conta bancária do devedor, através

do sistema informatizado do Judiciário. Este mecanismo, quando adequadamente utilizado, é de

grande valia para o credor.

Evidentemente que para a penhora on line de valores funcionar de forma satisfatória,

primeiramente deve haver em todas as varas e fóruns o sistema informatizado ligado ao Banco

Central – o que hoje não acontece. Superada esta questão estrutural, impreterível se faz a

flexibilização dos juízes acerca da aceitação desta forma de penhora, que é visivelmente mais

célere do que os métodos tradicionais. E, em um terceiro momento, procedida a penhora de

valores em contas bancárias, os juízes devem ser cautelosos ao deliberarem sobre eventuais

defesas alegando impenhorabilidade de salários e etc, devendo exigir provas concretas e apenas

autorizarem a liberação da quantia mediante a substituição de penhora.

Ora, indiscutível que o incorporador, e quaisquer credores, têm de ter possibilidades de

constranger o devedor para receber o seu crédito, sob pena de eternizar a dívida e, pior, ainda

prescrever o crédito. Todavia, para que isso seja possível, é necessário que o poder Judiciário seja

154

mais sensível aos problemas do incorporador, não apenas aos dos consumidores – até porque nem

sempre apenas estes estão de boa-fé ou com a razão. Os incorporadores também precisam, e

muito, da compreensão do Judiciário.

3.1.1.1. Segurança frente à inadimplência

Além dos mecanismos supra argumentados, como a inscrição nos órgãos de proteção ao

crédito, o protesto dos títulos de crédito e da sentença condenatória no Tabelionato de Protestos, a

ação de execução ou cobrança e a compreensão do Judiciário, o incorporador ainda pode utilizar

para garantir o recebimento do seu crédito outras possibilidades.

Uma alternativa bastante usual, geralmente bem eficaz, é quando o incorporador faz a

exigência de um fiador na transação imobiliária. Claro que se o adquirente possuir um bom

fiador, o negócio flui com mais tranqüilidade de pagamento194, mas quando o adquirente não tem

um bom fiador – leia-se: bom fiador como uma pessoa com patrimônio considerável – a situação

complica-se.

Não obstante a existência da garantia da fiança, o incorporador deve se prevenir e exigir

que o fiador tenha patrimônio consolidado, inclusive quanto a possuir mais de um imóvel, com

plena capacidade financeira.

Outra alternativa, esta pouco utilizada, mas de grande valia, especialmente quando o

adquirente for funcionário público ou de empresa privada estável, com pagamento pontual, é o

desconto em folha195 e 196. Claro que este instrumento não tem eficácia no caso de profissionais

194 Ainda que o fiador também tenha a possibilidade de impedir o pagamento utilizando-se do Judiciário para tentar defender-se e postergar o pagamento. 195 “Antecipação de tutela para cancelamento de desconto em folha de pagamento e proibição de inscrição do devedor em órgãos de proteção ao crédito. Não há ilegalidade no desconto automático das parcelas do mútuo diretamente na folha de pagamento do devedor, desde que não ultrapasse o limite de 30% de seus rendimentos, excluídos os valores relativos ao imposto de renda e fundo previdenciário, ainda que anteriormente contratado pelas

155

liberais e tampouco em empresas que atrasem pagamentos, pois neste caso igualmente poderá

haver atraso no pagamento das prestações.

O desconto em folha apenas se perfectibiliza com uma autorização do adquirente ao seu

empregador. No entanto, convém alertar que a qualquer momento o adquirente pode cancelar esta

autorização, sem qualquer aviso ao incorporador.

Afora estas opções, o mais apropriado é o incorporador fazer a cobrança,

convencionalmente através de bloqueto bancário, para o adquirente e esperar que este realize o

pagamento espontaneamente. Mas caso o crédito não entre na conta do incorporador, este deve

tentar primeiro um acerto amigável e somente depois de esgotadas as possibilidades, neste

momento, utilizar métodos mais efetivos de cobrança, como o protesto do título.

Todavia, superada a fase amigável, sendo do interesse e conveniência do incorporador,

este tem a prerrogativa de notificar o adquirente extrajudicialmente, pelo Registro de Títulos e

Documentos ou em mãos, ou até judicialmente, via oficial de justiça, para constituí-lo em mora,

concedendo o prazo de quinze dias para pagar a dívida, purgar a mora, ou resilir o contrato, nos

termos do Decreto-lei 745/69197.

Esta situação supra se aplica perfeitamente quando o adquirente ainda não foi imitido na

posse do imóvel. Quando o adquirente já está na posse a situação se complica, pois não há outra

solução, além da amigável, senão a utilização do Judiciário para retomar o imóvel. Neste último

partes e, diante de difícil situação financeira do mutuário, busca esse a revogação daquela autorização. Precedentes da Corte [...]. Agravo de instrumento parcialmente provido”. (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70015007420, Décima Oitava Câmara Cível, Rel. André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 20/04/2006). 196 “Desconto de parcelas de débito na folha de pagamento do devedor não pode ser equiparado à penhora dos vencimentos, pois não se está diante de processo de execução, mas de simples exercício de disposição contratual. Precedentes desta corte e do STJ. Por unanimidade, negaram provimento à apelação”. (TJRS, Apelação Cível Nº 70014223275, Décima Quinta Câmara Cível, Rel. Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 19/04/2006). 197 “Decorrido in albis o prazo de emenda da mora, a declaração de que o negócio está resolvido, independe de prévio pronunciamento judicial” (SCHMIDT, 1995, p. 103).

156

caso, portanto, retorna-se ao habitual problema da morosidade do Judiciário e, por conseqüência,

prejuízo ao acesso à moradia.

Evidentemente que para evitar lesões ao direito à moradia, convém que o incorporador

opte pela medida mais eficaz, inclusive, se houver possibilidade, pode até conjugar os métodos de

cobrança, desde que solucione a questão de forma mais favorável ao acesso à habitação.

3.1.2. Conveniência da utilização da Lei nº 9.514/97

Em razão de todos os problemas supra indicados, quando a negociação imobiliária não

envolver o Sistema Financeiro de Habitação, convém que o incorporador utilize a Lei nº 9.514/97

para realizar a compra e venda das suas unidades.

Se o incorporador utilizar o procedimento desta lei, em caso de inadimplência do

adquirente, terá muitas facilidades para solucionar o problema e a maior parte se resolverá nos

Registros de Imóveis e de Título e Documentos, utilizando ao mínimo o Judiciário, o que acarreta

em manifesto benefício ao direito à moradia.

Convém expandir os conhecimentos sobre as noções gerais desta lei e do procedimento a

ser seguido. Assevera-se que a alienação fiduciária de imóveis pode ter como objeto imóvel

inclusive em fase de construção, no qual o adquirente – devedor fiduciante – contrata a

transferência da propriedade resolúvel do imóvel do incorporador – credor fiduciário; entretanto,

o negócio apenas se constitui mediante o registro do contrato no competente Registro de Imóveis,

ocasião em que há o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o

fiduciário possuidor indireto.

Se o contrato transcorrer normalmente e a dívida for integralmente paga, a propriedade

fiduciária do imóvel resolve-se e o fiduciante passa a ter o domínio e a posse plena do imóvel,

157

formalizado através do registro no Registro de Imóveis do termo de quitação fornecido pelo

fiduciário.

Mas se houver o inadimplemento da dívida, o fiduciante é constituído em mora, através de

notificação do Registro de Títulos e Documentos e tem o prazo de 15 (quinze) dias para purgar a

mora, não o fazendo, a conseqüência legal é a consolidação da propriedade em favor do

fiduciário mediante o registro da matrícula, inclusive com pagamento de imposto de transmissão

(ITBI).

Após esta situação, o incorporador fiduciário tem o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da

data deste registro, para promover o leilão extrajudicial e alienar este bem a outro adquirente,

fazendo com que esta moradia passe a ser habitada por outras pessoas.

Todo este procedimento, até este momento, transcorre de forma extrajudicial, seja perante

o Registro de Imóveis, o Registro de Títulos e Documentos ou em um leilão extraoficial.

Somente após a alienação deste bem é que, caso o fiduciante não colabore, será necessária a

intervenção judicial.

Desta forma, havendo oposição do fiduciário, o incorporador ou novo adquirente do

imóvel terá de ingressar com uma ação de reintegração de posse do imóvel ou ação de imissão na

posse, respectivamente. Apesar disto, estas ações resolverão o problema de forma célere, em

razão da obrigação de concessão de liminar para desocupação em 60 (sessenta) dias, conforme

dispõe o art. 26 da lei, desde que comprovada a consolidação da propriedade.

Importante ressaltar, entretanto, que para esta Lei nº 9.514/97 funcionar adequadamente e

promover de forma célere o acesso à moradia, é necessário que o Judiciário não intervenha e

tampouco modifique a essência da lei, como às vezes ocorre, possibilitando que este

procedimento extrajudicial transcorra normalmente.

158

3.1.3. Decisões judiciais

Deveras, para que o instituto da incorporação imobiliária seja efetivamente desenvolvido,

convém que o poder Judiciário198 preste um pouco mais de atenção à seara imobiliária, assim

como faça mais esforços para compreender as peculiaridades do setor. Por vezes, faz-se

necessário que o Judiciário não seja tão protecionista em relação aos consumidores e tenha claro

que, em muitas situações, o incorporador amarga grandes prejuízos com inadimplência e/ou

desistência do adquirente, ainda mais porque independente disto precisa continuar honrando os

seus compromissos e, portanto, merece o correspondente e adequado reparo.

Outrossim, é importante alertar que é com este capital privado dos adquirentes que os

incorporadores constroem as edificações e disponibilizam as moradias à população. Portanto, na

medida em que o mercado imobiliário é fortalecido, o interesse social é atendido199.

Em face das circunstâncias, convém que o poder Judiciário alie também uma visão

econômica200 e 201. Galdino (2005. p. 161) afirma “Na verdade, de modo geral, sequer são

198 Convém frisar, no presente trabalho não se pretende discutir a integralidade das decisões do Poder Judiciário, apenas há intenção de argumentar em relação às decisões e tendências que parecem incorretas em algumas oportunidades. Reitera-se, é apenas a defesa democrática de um ponto de vista, com ampla possibilidade de aceitação de opiniões divergentes. 199 “Admitir-se a legalidade do procedimento pretendido pelos requerentes (revisão contratual de contrato de financiamento imobiliário) implicaria o surgimento de perigoso precedente com sérias conseqüências para todo o complexo e rígido sistema de financiamento da habitação, cuja estrutura e mecanismo de funcionamento foi bem exposta por Caio Tácito [...]: ‘ademais, os contratos imobiliários são, no caso, parte integrante de um todo interligado, de um sistema global de financiamento que tem, como outra face, a manutenção da estabilidade de suas fontes de alimentação financeira [...].” Tribunal Regional Federal – 4ª região. Embargos Infringentes na Apelação Cível nº 17.224, Relator: Desembargador Federal Luiz Carlos Lugon. 200 “[...] Os juízes, com certa freqüência, falam como se o dinheiro nascesse em árvores, como se orçamentos públicos fossem ilimitados. [...] De fato, é possível ver decisões judiciais ou leis converterem-se em objeto de crítica feroz por parte de economistas preocupados com seus efeitos econômicos. Parte dessas críticas gira em torno de uma lógica clara: uma norma jurídica não deve ser ineficiente no sentido de gerar mais distorções ou efeitos colaterais do que benefícios sociais. Do mesmo modo, ela não deve ser contraproducente no sentido de prejudicar aqueles que busca beneficiar, tampouco demandar custos de implementação e monitoramento superiores aos ganhos de bem-estar a que visa. Essa visão econômica. Já os juristas pecam por outras razões. Às vezes prendem-se de maneira injustificável ao formalismo ou a retóricas vazias, como se o direito se reduzisse a isso. Também, com certa freqüência, falam (e decidem) como se o dinheiro nascesse em árvores, isto é, como se orçamentos públicos ou recursos privados fossem ilimitados. Ao fazê-lo, de modo consciente ou não, podem gerar injustiças. Uma alocação inconseqüente de recursos para dada finalidade significa redução da disponibilidade desses mesmos recursos para

159

cogitados os efeitos econômicos das decisões judiciais [...]”. Mais adiante Galdino (2005. p.

210) diz que “Em realidade, observam os autores, a ignorância acerca dos custos, além de tudo,

estimula indevidamente a atuação do Poder Judiciário, o que conduz (e os autores trazem

variados exemplos) a inconvenientes excessos por parte desse Poder”. Conclui Galdino (2005. p.

283) que “Nos dias que correm, a falta de compreensão dos custos dos direitos, especialmente

por parte de alguns tribunais, atinge graus realmente preocupantes, gerando gravíssimas

conseqüências [...]”.

Em suma, nada mais equivocado ao fomento da economia da nacional, especialmente

através de uma das maiores alavancas, a construção civil, do que a postura habitualmente

prejudicial e, em alguns momentos, até preconceituosa do poder Judiciário em relação à

atividade202. Muito mais conveniente, genericamente falando, é rotular os consumidores de

hipossuficientes e julgar as demandas favoráveis a eles, do que analisar a demanda

profundamente e realmente verificar quem tem razão e o quanto de razão, e analisar os efeitos

econômicos que este tipo de decisão acarreta à sociedade. Aqui não se está defendendo os

incorporadores e tampouco os consumidores, mas sim a sociedade, o interesse público203, o

acesso à moradia, buscando o equilíbrio social.

outras finalidades possíveis [...]” (Entrevista do advogado Diogo R. Coutinho, publicada no site Valor Econômico, dia 28/12/05). 201 “Só que, ao contrário do que os iludidos sonham e os desinformados tentam crer, o Direito não cria o dinheiro para pagar os servidores. Não levanta as paredes da escola nem monta as carteiras escolares. E, ao contrário de reduzir as taxas de juros, acaba ao fim somente por aumentá-las” (BICCA, 2005. p. 43 - Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm). 202 “O Judiciário brasileiro é uma instituição com problemas sérios, o mais visível dos quais é a sua falta de agilidade, um problema que se tornou ainda mais prevalente após a Constituição de 1988 e o grande crescimento da demanda por serviços judiciais que a ela se seguiu. Mas esse não é o único problema. A justiça no Brasil é freqüentemente vista como parcial e imprevisível, com conseqüências negativas, para a economia em particular, que vão muito além das acarretadas pela demora em resolver os litígios” (PINHEIRO, 2002. p. 4). 203 “Nesse sentido, a revisão judicial dos contratos empresariais pode trazer instabilidade jurídica, insegurança ao ambiente econômico, trazendo mais custos de transação para as partes negociarem e fazerem cumprir o pacto.

160

Ressalta-se, o entendimento da jurisprudência majoritária é no sentido de que o adquirente

tem o direito de resolver judicialmente o contrato de promessa de compra e venda quando não

tiver mais interesse em prosseguir com o seu cumprimento, não precisando de nenhum motivo

plausível, bastando afirmar o desinteresse. Nesta hipótese, o poder Judiciário, na maioria dos

julgados204, condena o incorporador a devolver todas as quantias pagas, retendo apenas 10% (dez

por cento) a título de cláusula penal e, por vezes, o valor da corretagem, quando devidamente

comprovada.

Comumente, o singelo fundamento da maioria destes julgados é que o adquirente não

pode ficar “preso” a um contrato que não quer mais205. Isto é, o adquirente decide comprar o

imóvel e depois, por um motivo ou outro, completamente estranho e indiferente ao incorporador,

desiste do imóvel, mesmo já tendo se obrigado contratualmente, tendo inclusive tirado a

possibilidade do incorporador vender o imóvel a outro potencial cliente, feito o incorporador

realizar gastos administrativos e financeiros com o adquirente, para este simplesmente desistir.

Esta situação, em uma economia de mercado, não pode ser aceita. Se o adquirente fez um

mau negócio, arrependeu-se, percebeu posteriormente que não tinha condições de suportar o

negócio, isto é de sua inteira responsabilidade, não podendo outorgar o ônus ao incorporador, sob

Ademais, aqueles casos de revisão dos pactos demonstram que muitas vezes o risco ou mesmo o prejuízo da interferência é distribuído entre a coletividade, que acaba por pagar pelo inadimplente judicialmente protegido (como acontece paradigmaticamente com os juros bancários e como aconteceu em um caso dos contratos de financiamento da soja no Estado de Goiás)” (TIMM, 2006). 204 “Apelação cível. Ação rescisão contratual cumulada com reintegração de posse. Compra e venda de imóvel. Restituição do preço pago, abatido o percentual de 10% a título de cláusula penal compensatória. Culpa pelo desfazimento do negócio. Prova. Ônus, no caso, dos réus que admitiram a mora. Recursos parcialmente providos. Unânime”. (TJRS, Apelação Cível Nº 70012853610, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 17/11/2005). 205 “Resolução de promessa de compra e venda de apartamento e box por inadimplemento da parte promitente compradora. Sentença de improcedência e acórdão dando parcial provimento à apelação, admitindo a resolução contratual a pedido do promitente comprador inadimplente e regulando o desfazimento contratual relativamente às restituições recíprocas do preço e do imóvel”. (Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível Nº 70011074762, Vigésima Câmara Cível, Rel. Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 23/03/2005).

161

pena de prejudicar a coletividade dos adquirentes que depositam recursos no empreendimento.

Claro, caso o incorporador aceite resilir o negócio é uma situação, mas se não tiver condições o

correto é não haver esta possibilidade.

Na situação proposta por estes julgados, o adquirente pode desistir do imóvel por não ser

obrigado a ficar “preso” ao contrato, mas contraditoriamente o incorporador é obrigado a aceitar

o imóvel de volta porque ele sim é obrigado a ficar “preso” a esta situação, que é um contrasenso.

Nesta atual conjuntura, geralmente ocorrem situações do incorporador investir volumosas

quantias em campanhas publicitárias, vender a integralidade do empreendimento e após alguns

anos, quando não há mais nenhuma unidade no edifício, sem publicidade, e tampouco estrutura e

possibilidades de revender esta unidade, salvo pelos métodos comuns que todos possuem, ter de

“aceitar” novamente a unidade. Assim, além da unidade ficar perdida na incorporadora, com

difícil revenda, com preço defasado – até em razão de não ser mais um imóvel novo, às vezes até

mesmo danificado, o incorporador ainda amargará prejuízos mensais com o adimplemento das

quotas condominiais, impostos, fazendo manutenção e conservação, além de ficar com o capital

imobilizado.

Além de toda esta situação prejudicial, o incorporador deverá devolver todas as quantias

pagas pelo adquirente, com a devida atualização monetária, aplicação de juros, custas processuais

e ainda honorários advocatícios sucumbenciais. Além é claro, dos honorários advocatícios pagos

para o advogado defender o incorporador e eventuais custas com recursos e etc. Com a mínima

retenção de 10% (dez por cento) a título de cláusula penal206, valor que chega a ser irrisório perto

do montante dos prejuízos do incorporador com esta conduta. Pior, conduta que sequer foi ele

quem originou.

206 Se há a utilização do imóvel, geralmente há possibilidade da empresa ser ressarcida a título de “aluguel” mensal do imóvel. O problema é que nunca houve uma locação e sim uma compra e venda, certamente porque a empresa não tem interesse em locar imóvel e sim em vendê-los.

162

Patente que esta situação narrada gera imensuráveis prejuízos à sociedade, visto que o

capital que poderia ser empregado em outra edificação, com concepção de novas moradias, acaba

sendo destinado a cobrir os gastos supra elencados. Outrossim, por vezes, a própria coletividade

dos adquirentes do respectivo empreendimento acaba sofrendo com esta conduta diretamente, já

que são eles próprios quem financiam a edificação, logo, cada adquirente desistente traz lesão

imediata à construção do empreendimento, que é mais volumosa se for tratada da forma como

vem sendo.

Assim, a situação é deveras cômoda para o adquirente desistente, o qual tem o seu capital

e gastos devolvidos, com toda correção e aplicação de juros – uma verdadeira “aplicação

financeira”. Enquanto o incorporador, que pretendia cumprir o contrato e foi surpreendido com a

atitude desistente do adquirente, é quem arca com o prejuízo, tanto na ocasião de pagar a

condenação, como para manter o imóvel defasado que foi compelido a receber de volta no seu

patrimônio.

Realmente esta situação produz efeitos econômicos prejudiciais a toda coletividade, seja

com o aumento dos custos de transação e conseqüente aumento no preço final dos produtos, das

moradias, seja com a demora na construção das moradias – visto que o capital que seria

empregado na edificação é destinado a cobrir estas obrigações judicialmente impostas.

O mais impróprio nesta situação toda é que o incorporador não precisa ter sequer qualquer

culpa nesta desistência, bastando o adquirente resolver fazê-la. Quando, em verdade, o adequado

seria que este adquirente refletisse melhor antes de assumir um compromisso de tal seriedade ou

arcasse com as conseqüências da sua desistência. Uma possibilidade usual é o próprio adquirente

realizar a venda da unidade a terceiros, ficando com os ônus e os bônus da sua conduta.

É preciso que os magistrados considerem que as empresas têm sim prejuízos, os quais são

demasiadamente onerosos, não havendo enriquecimento sem causa com eventuais resoluções. Ao

163

contrário, a incorporadora tem pleno interesse na manutenção e adimplemento de todos os seus

contratos, pois caso assim não o fosse, não faria tais pactuações.

Ressalta-se, ainda, que na pretensão de dar uma explicação jurídica para esta conjuntura,

muitos juízes falam em riscos do negócio. Realmente, neste aspecto eles têm razão, pois há os

riscos do negócio e este é um dos riscos. No entanto, é importante lembrar, as decisões judiciais

têm uma função econômica e social de extrema relevância. Assim, de nada adianta estas decisões

judiciais que quase “quebram” com as empresas, ainda mais quando são em massa, e que visam a

beneficiar alguns adquirentes desistentes em detrimento da sociedade. Ainda mais se perceberem

que estas decisões geram efeitos econômicos que acarretam em problemas sociais de intensidade

infinitamente maior, cita-se genericamente o enfraquecimento do setor imobiliário207.

Mais, é importante lembrar que quanto maior for o chamado “risco do negócio”, na

mesma proporção aumentarão os custos de transação, o que refletirá diretamente no preço dos

imóveis – prejuízo imediato ao interesse público.

Registra-se, em uma economia de mercado, é evidente que todos os riscos são embutidos

no preço do produto. Logo, quanto maior for o risco do setor de imóveis, mais caros estes serão,

pois será necessário embutir no preço das moradias estes riscos.

Assim, ao contrário do que uns podem imaginar, tais decisões judiciais são extremamente

prejudiciais e, em geral, fazem apenas subir os preços dos imóveis nestas circunstâncias. Isto é,

uma única pessoa é beneficiada por uma decisão judicial, causando danos de forma coletiva;

207 Na mesma linha, o pronunciamento do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, REsp nº 59.870/SP, DJ 07.02.2000, sobre a aplicação da cláusula de perda das importâncias pagas e a interpretação do artigo 53 do CDC, in verbis: “[...] Na minha compreensão, não se pode transformar o contrato de compra e venda em um contrato de poupança. E a tanto equivale um contrato que autorizasse o comprador de um imóvel, financiado por cerca de 10 anos, a pedir a devolução do que pagou porque no quinto ano não tinha condições de honrar as obrigações que assumiu. Não haveria mais segurança jurídica em contrato de compra e venda de imóveis, gerando graves conseqüências no sistema econômico [...]. O devedor não pode, por falta de cobertura legal, a meu sentir, pleitear a devolução do que pagou porque não pode mais continuar cumprindo com a obrigação contratual [...]”.

164

inclusive, esta mesma pessoa hoje beneficiada, poderá amanhã, quando for adquirir outro imóvel,

ser vítima dos efeitos da decisão judicial que lhe foi favorável, adquirindo imóveis mais caros.

Neste mesmo sentido, Timm (2005, p. 55) “A percepção de que o mau funcionamento do

Judiciário tem impacto significativo sobre o desempenho da economia [...] e reflete o crescente

interesse no papel das instituições enquanto determinantes do desenvolvimento econômico

(North, 1981; Olson, 1996) [...]”.

Ademais, além de ser um problema econômico e social, ainda é um problema de retidão,

pois não se pode generalizar e punir os incorporadores corretos em prol dos consumidores que

não utilizam a boa-fé, assim como o inverso também não pode ser aceito. Em razão desta

conjuntura é que há a necessidade de se examinar cada caso isoladamente e não apenas aplicar

uma norma geral para todos os casos208.

Merece menção que toda esta situação supra narrada é uma construção209 da

jurisprudência moderna, pois a lei civil, ainda que recentemente modificada, apesar de ter

alterado significativamente muitos dos seus dispositivos, manteve exatamente idêntico o art. 475

ao do código de 1916, o art. 1.092.

Ademais, como é sabido, os contratos são leis entre as partes e, portanto, devem ser

cumpridos na exata medida do pactuado, salvo se incidir nas exceções que a própria lei definir.

208 A aptidão dos juízes para modificar e adaptar normas ineficientes nos sistemas de direito civil é maior do que pode ser imaginado porque os juízes têm alguma competência normativa. Pode-se observar, em numerosas ocasiões, que, quando a eficiência de uma norma codificada é duvidosa, os tribunais terminam por contorná-la, usualmente ampliando a interpretação de padrões flexíveis como "boa-fé", "razoabilidade", "eqüidade", entre outros. [...] (SZTAJN, 2005. p. 215) 209 “Há de se rejeitar com toda a ênfase - o que aqui propomos - a orientação ou linha de pensamento que tenta atribuir ao Poder Judiciário a função direta, por exemplo, de transformar a sociedade ou de definir as políticas públicas. No Brasil, os membros do Judiciário não se submetem à apreciação do voto popular, logo, não são detentores do direito de decidir o que, a seu ver, é melhor para a sociedade. Até porque desta não receberam mandato para tanto. [...] Portanto, não pode o juiz mudar a interpretação da lei ou deixar de aplicá-la simplesmente porque lhe pareceu justa” (TIMM, 2005. p. 43).

165

Assim, não pode o Judiciário, na intenção de fazer justiça social, simplesmente chancelar o

descumprimento contratual. Como bem define Bicca (2005. p. 48)210:

Por fim, contratos têm de ser cumpridos. Não se está a dizer, com isso, que a interpretação destes tenha de ser sempre a literal. Mas, quando não puder ser, haverá de ser considerada a realidade existente (e não o mundo ideal) e o desejo das partes ao firmarem aquele contrato (e não o que o julgador acha justo ou adequado).

Sztajn (2005, p. 103-104) também compartilha deste entendimento acerca da

necessidade de cumprimento dos contratos “A essência econômica do contrato é o de

promessa. Para que os indivíduos realizem investimentos e façam surgir o pleno potencial das

trocas através da especialização, faz-se necessária a redução nos custos associados a riscos

futuros de rupturas das promessas [...]”.

Timm (2005. p. 64) continua esclarecendo a necessidade do cumprimento dos contratos211 e 212 :

[...] Os agentes privados só irão fazer investimentos de longo prazo, altamente especializados, se estiverem seguros com os contratos que garantem suas atividades serão corretamente implementados [...]. Não basta nesse caso que haja um contrato entre as partes especificando que o pagamento inclua também a remuneração do capital. É necessário que haja um Judiciário eficiente e independente que faça com que esse contrato seja respeitado.

Desta forma, a conclusão evidente é que estas decisões que propiciam ao contratante

desistente a possibilidade de requerer a resolução contratual são em sentido absolutamente oposto

ao espírito da lei. Reitera-se, caso o legislador concordasse com essa possibilidade, certamente a

210 Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm. 211 “Assim, são três as razões apontadas por Masten (op. cit.) para a existência dos contratos, a saber: prover a alocação eficiente do risco (teoria de agência), prover incentivos eficientes (teoria dos incentivos e economizar em custos de transação ex post (Economia dos Custos de Transação)” (SZTAJN, 2005. p. 105). 212 “Em um sistema eficiente para o cumprimento dos contratos encoraja as empresas a fazer negócios com novos clientes. A instituição que força o cumprimento dos contratos (entre devedores e credores, fornecedores e clientes) é a Justiça. Contudo, em muitos países o sistema judicial é lento, ineficiente e até mesmo corrupto. Isto vale em especial para a América Latina, onde o prazo médio para se fazer cumprir um contrato é superior a um ano e os custos chegam a mais de 30% do valor da dívida” (Doing business in Brazil. www.worldbank.org. 2006. p. 11).

166

teria incluído em algum dispositivo nesta acepção na recente alteração do Código Civil, senão o

fez é porque não havia intenção de outorgar este direito ao contratante inadimplente.

Cumpre referir, o art. 475 do Código Civil é claro e reza que: “A parte lesada pelo

inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,

cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

Dito isto, é imperativo, pela norma citada, o contratante desistente, inadimplente, não

pode pedir a resolução do contrato que restou incumprido por sua única e exclusiva culpa. Menos

ainda, quando a outra parte, já adimpliu a sua contraprestação. O direito de pleitear a resolução

contratual é exclusivo do contratante adimplente. Neste mesmo sentido é a jurisprudência mais

longínqua213, 214 e 215.

Afora tal situação, cumpre referir que a jurisprudência mais atual do Superior Tribunal de

Justiça216, ao menos em relação aos consórcios de imóveis, já está menos complacente com os

consumidores desistentes. Recentemente determinou que o consorciado aguardasse o término do

prazo previsto contratualmente e somente 30 (trinta) dias após este prazo haveria a devolução dos

valores corrigidos. Aliás, a partir desta data, apenas, é que os juros moratórios passariam a

incidir, caso houvesse o inadimplemento.

213 “Pedido de rescisão contratual. Promessa de compra e venda de parte de área que não pertence a quem prometeu alienar. Se não demonstrado que pode ser outorgada a escritura, legítima a recusa do promitente comprador em satisfazer a integralidade do preço (arts. 1.092 e 1.093 do CCivil). Somente a parte lesada é que pode pedir a rescisão do contrato, e não o seu causador. Recurso desprovido”. (Ap. Civ. nº 586049967, 5ª Câmara Cível, Tapes, rel. Décio Antônio Erpen, j. em 18.11.86, TJRS, RJTJRGS 121/358). 214 “Civil. Promessa de compra e venda. Resolução. legitimidade ativa. 1. A resolução do contrato só cabe ao parceiro fiel, pois é necessário imputar ao outro figurante inadimplemento imputável (art. 1.092, parágrafo único, do Código Civil). 2. Apelação da ré provida”. (Apelação Cível nº 193.162.872, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado, rel. Araken de Assis). 215 “Código de Defesa do Consumidor. Rescisão contratual. Cláusula resolutiva. Dedução de prestações. Ofensa ao art. 53 não caracterizada, operando, no caso, a cláusula resolutiva em favor do credor. A rescisão não pode ser pleiteada pelo contratante inadimplente. Recurso Especial não conhecido”. (REsp nº 61.190/SP, da Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. 3ª Turma). 216 Exemplo: STJ, Resp 696666/RS, Terceira Turma, Min. Rel. Castro Filho, DJ 20.10.2005.

167

Importante consignar que este tipo de decisão, como a citada, outorga segurança jurídica e

confiança ao mercado imobiliário, privilegiando a sociedade em geral.

É importante ressaltar o entendimento de Castelar (2005, p. 44)217 “[...] O Poder

Judiciário tem, a nosso ver, apenas mais três funções, [...]: (i) dar acessibilidade a todos; (ii)

previsibilidade de suas decisões e (iii) proferir decisões em tempo social e economicamente

tolerável”.

Define, ainda, Castelar (2005. p. 65)218:

Por outro lado, o Judiciário, em particular, tem uma importante função enquanto protetor do cidadão e do investidor privado da expropriação estatal. Quando o Judiciário exerce esse papel adequadamente, a política e os compromissos públicos passam a ser mais críveis, e mais latitude pode ser dada ao gestor público, para que se adapte a política econômica às condições do momento, sem receio de que essa liberdade seja abusada. O Judiciário também pode estimular o crescimento reduzindo a instabilidade da política econômica. Políticas econômicas voláteis e altamente arbitrárias, ao desestabilizarem as “regras do jogo”, desencorajam o investimento e a produção. Um bom sistema judicial contribui para reduzir a instabilidade das políticas ao garantir o cumprimento de compromissos legislativos e constitucionais e ao limitar o arbítrio governamental.

Constata-se, por fim, que as deliberações do Judiciário219 influenciam sobremaneira o

mercado imobiliário, e em quaisquer mercados, através dos efeitos econômicos das suas decisões,

beneficiando ou prejudicando a sociedade220. Assim, mister que as decisões propiciem segurança

217 Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm. 218 Capítulo integrante do livro Direito e Economia, organizado por Luciano Timm. 219 “O porto de partida conceitual para se entender a influência das leis e do Judiciário sobre o desempenho econômico pode ser encontrado na economia neo-institucionalista, principalmente nos trabalhos de Ronald Coase, Douglas North e Oliver Williamson, para ficar apenas autores mais conhecidos. Vale a pena citar que há também um amplo conjunto de trabalhos que mostram empiricamente a importância dos sistemas legais e jurídicos na determinação da taxa de crescimento econômico. Ou seja, que variações na qualidade dos sistemas legais e judiciais são importantes determinantes do ritmo de crescimento e do desenvolvimento econômico dos paises. Esta seção discute essa literatura, analisando o Judiciário enquanto instituição econômica (CASTELAR/TIMM, 2005. p. 54). 220 “Uma justiça que busca privilegiar o trabalhador acaba diminuindo o nível de emprego e aumentado a informalidade. O juiz que favorece os inquilinos diminui o número de imóveis disponíveis para aluguel. O magistrado que beneficia pequenos credores estará num segundo momento aumentando os juros que lhes são

168

jurídica, confiança e previsibilidade ao mercado, pois somente assim haverá o almejado acesso à

moradia digna e em larga escala.

3.1.4. Retificação de matrícula

Com efeito, a Lei Federal nº 10.931/04, alterou a Lei dos Registros Públicos, com o

intuito de trazer maior celeridade ao procedimento da retificação de registros, que passa a

tramitar no Registro de Imóveis, não necessitando mais aguardar as delongas do Judiciário. Tal

modificação é extremamente vantajosa e auxilia no fomento da incorporação imobiliária, por

conseqüência, dinamiza o acesso à moradia.

As principais modificações trouxeram grandes vantagens ao procedimento e se deram

inclusive na questão do erro evidente, pois agora, o próprio registrador pode corrigir, ex officio, o

registro que contenha erro evidente, sendo desnecessário aguardar a manifestação do interessado;

mas se o interessado perceber o erro antes do registrador poderá solicitar a correção.

Em relação às retificações de registros ou de averbações, estas podem ser feitas pelo

método tradicional, a retificação judicial, ou pelo método moderno, a extrajudicial.

O principal problema que o incorporador geralmente enfrenta com as matrículas é o

equívoco nas medidas, as quais precisam ser exatas para que seja possível o registro da

incorporação imobiliária e decorrente possibilidade de alienação, em fase de construção, das

unidades autônomas. Neste caso, o proprietário deve fazer o requerimento de retificação de área

acompanhado das plantas mostrando a situação constante na matrícula e a existente no local, com

memorial descritivo e com a ART do profissional engenheiro ou arquiteto. cobrados ou mesmo alijando-os do mercado de crédito. Ainda que a capacidade de reação dos agentes possa ser pequena a curto prazo, ela é razoavelmente alta em prazos mais longos. Há várias razões por que os judiciários eficientes estimulam o crescimento econômico. Ao proteger a propriedade e os direitos contratuais, reduzir a instabilidade da política econômica e coibir a expropriação pelo Estado, judiciários fortes, independentes, imparciais, ágeis e previsíveis estimulam o investimento, a eficiência e o progresso tecnológico” (CASTELAR/TIMM, 2005. p. 76).

169

É importante salientar que nesta hipótese indispensável se faz que haja a aquiescência dos

confrontantes, a qual se obtém, habitualmente, pela assinatura na referida planta do imóvel. Tal

exigência é de importância impar, visto que eventualmente a alteração das medidas pode

modificar a situação dos imóveis lindeiros.

Objetivando precisar quem pode ser enquadrado no conceito de confrontante, o que é de

suma importância, visto que é esta pessoa a única pessoa legitimada a aquiescer a retificação do

imóvel no seu limite, Tutikian (2005. p. 46) define: “Digno de registro, o conceito de

confrontante é muito amplo, não se restringindo apenas ao proprietário, podendo ser

considerado o possuidor, que a qualquer título, esteja ocupando o imóvel”.

Reitera-se, é imprescindível que haja a concordância de todos os confinantes. Mas, se

alguém não concordar, ainda assim o incorporador pode iniciar o procedimento e o Oficial

notificará o dito lindeiro, que, após notificado, terá o prazo de 15 (quinze) dias para oferecer

impugnação fundamentada221. Caso o confrontante se quede inerte, presume-se a sua anuência.

A partir destes dados, tendo o incorporador seguido todos os requisitos legais, o oficial irá

proceder a retificação da matrícula e, neste momento, o incorporador estará apto, atendidas as

demais condições da Lei nº 4.591/64, a realizar o registro da incorporação imobiliária para, então,

disponibilizar à população as suas moradias.

3.2. Mecanismos de segurança e confiança jurídica para o adquirente

Analisados os instrumentos e possibilidade de segurança jurídica do incorporador, é

imprescindível que sejam igualmente examinados os mecanismos de segurança e confiança

jurídica dos adquirentes, pois somente no momento em que todas as partes envolvidas na

221 Havendo impugnação fundamentada, o Oficial intimará o requerente e o profissional que firmou a planta e o memorial para se manifestarem, em 5 (cinco) dias. Senão houver acordo entre as partes, a retificação extrajudicial será transformada em judicial e resolvida no Judiciário, pelo procedimento tradicional.

170

incorporação imobiliária estejam tranqüilas é que poderá haver o efetivo fomento e

desenvolvimento do instituto.

Brito (2002. p. 341) comenta com correção “[...] É sempre importante ampliar o espectro

de segurança jurídica do adquirente”.

Especialmente, o consumidor, ao adquirir o imóvel, como em qualquer outro bem, tem de

se preocupar com a idoneidade da empresa que irá lhe vender o imóvel. Este cuidado é essencial

na hora da compra; deve-se saber se o incorporador já fez outras edificações, se presta orientação

e manutenção aos seus outros clientes, se costuma usar produtos de boa qualidade nas unidades

que constrói, enfim, coletar o maior número de informações possíveis.

Em matéria de segurança e confiança jurídica dos adquirentes, a primeira providencia que

deve ser tomada na ocasião de adquirir um imóvel que ainda está em fase de construção, após a

análise da empresa, é exigir o registro da incorporação imobiliária.

Tal exigência é de vital importância, pois além de garantir a obrigação do incorporador de

terminar a edificação, estritamente de acordo com as plantas, cálculos e descrições, inclusive

acerca da qualidade do empreendimento, ainda trará a certeza ao adquirente acerca da situação

técnica e financeira da empresa.

Outro grande benefício acarretado pelo registro da incorporação imobiliária, é que após

este registro e já havendo alienação de unidades, ainda que seja apenas de uma, o incorporador

não pode dar o terreno e futuramente o empreendimento em garantia real222 sem a anuência dos

promitentes compradores.

222 Aliás, convém alertar que em algumas vezes está anuência já está inserida no contrato de promessa de compra e venda da unidade. Se o adquirente ainda for utilizar o financiamento do agente financeiro que emprestou o dinheiro para construir a edificação e, portanto, detém a garantia, não há problemas. Mas, caso o adquirente não vá utilizar esta possibilidade, inclusive optando em quitar a parcela do financiamento com recursos próprios, neste caso, tal garantia não pode perdurar nesta unidade. Tanto que em muitos julgados, considera-se inclusive anulável a cláusula autorizadora da garantia nestes casos.

171

É igualmente adequado que o adquirente proceda ao registro do seu contrato particular de

compra e venda na matrícula do imóvel, pois tal providência oferece uma grande carga de

segurança jurídica ao adquirente, inclusive garantindo direito real sobre o referido imóvel

oponível a terceiros. Aliás, este registro inviabiliza a transferência da propriedade do imóvel a

terceiro sem que o adquirente tenha conhecimento; se isso ocorrer, o ônus é exclusivamente do

terceiro que não vistoriou a matrícula do imóvel onde constava o registro do contrato.

Ocorrendo problemas e a incorporadora, por um motivo ou outro, não possibilitar a

outorga da escritura definitiva de compra e venda ao adquirente, ainda que com o preço do

imóvel quitado, caberá uma ação de adjudicação – na qual a pretensão é compelir a incorporadora

a outorgar a escritura, ainda que tenha de cumulá-la com ação de cancelamento de hipoteca, para

que a propriedade seja entregue livre de ônus.

É importante analisar a segurança e confiança jurídica dos adquirentes em caso de ocorrer

uma situação mais complexa, como a da incorporadora não conseguir cumprir as suas obrigações

e entrar em processo falimentar, deixando os seus credores e, especialmente, os adquirentes dos

imóveis ainda inacabados em situação difícil.

Neste caso, os adquirentes têm algumas alternativas e convém que optem pela que melhor

lhes prouver e mais segurança lhes trouxer, visando alcançar o acesso a sua moradia adquirida.

A primeira alternativa é ingressar no juízo universal da falência e pleitear a resolução do

contrato e devolução das quantias pagas, a título de credores quirografários223. É sabido que esta

medida é praticamente inócua, pois o credor quirografário é o último dos credores a receber o seu

crédito, somente após todos os preferenciais receberem.

223 “Credor quirografário ou simples é aquele que goza de crédito que somente é atendido pelo rateio do saldo do patrimônio da massa falida, depois de satisfeito os privilegiados. (NEVES, 1997. p. 674).

172

Outra opção, é em caso de impossibilidade dos adquirentes em continuarem as obras,

abre-se a alternativa de receberem a restituição dos valores pagos, só que neste caso como

credores preferenciais224, base legal artigo 43, III da Lei 4.591/64. Mais, se os bens da massa

falida não forem suficientes para complementar os pagamentos dos adquirentes, estes poderão

invocar a responsabilidade do incorporador, o qual responderá subsidiariamente com os seus

bens.

Há ainda a possibilidade dos adquirentes instituírem um condomínio225 e todos

adquirentes entrem no juízo universal da falência, representados pelo condomínio, com o objetivo

de retirar o respectivo empreendimento do juízo universal da falência e unirem esforços para

concluírem a sua edificação.

Ressalta-se que esta última opção é muito eficaz e certamente é deste dispositivo que

partiu a criação do patrimônio de afetação, medida que visa a ampliar a segurança jurídica do

adquirente, e que será tratada no item infra, e dar efetividade e eficácia ao direito fundamental

social à moradia.

3.2.1. Patrimônio de afetação

O patrimônio de afetação, como acima mencionado, teve sua origem na própria Lei das

Incorporações, mas desenvolveu-se em razão dos reflexos diretos dos acontecimentos que

causaram impacto e intranqüilidade social, decorrentes da falência de grandes incorporadoras.

224 “[...] Pela falência do incorporador, os titulares de promessas de compra e venda têm a opção para prosseguir na parte faltante da construção, desde que em maioria (art. 43, III, da Lei nº 4.591/64), ou habilitar-se na falência do incorporador, privilegiadamente, pelas quantias pagas [...]”. (TJRS. AC 70003300423. 5ª Câmara Cível. Rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha. J. 08.08.2002). 225 “[...] Falência da incorporadora. Construção administrada pelos condôminos. Hipótese sui generis, em que o condomínio foi instituído com dupla finalidade: concluir a construção do edifício, em decorrência da falência da ENCOL, incorporadora responsável pela obra; e administrar a coisa comum, pagando as despesas ordinárias e extraordinárias para a manutenção do imóvel [...]” (TJRS, Apelação Cível Nº 70009786781, Décima Oitava Câmara Cível, Rel. Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 09/12/2004).

173

O episódio da falência da ENCOL, pelos incontáveis prejuízos sociais e econômicos,

possivelmente, tenha sido o estopim para que a sociedade clamasse por maior segurança nas

relações imobiliárias. Nesta ocasião, difundiu-se o entendimento de que o atendimento das

inúmeras exigências da Lei de Incorporações Imobiliárias por si só não bastaria, não daria a

necessária segurança jurídica para a aquisição de imóveis na planta ou em fase de construção.

Conclui-se, portanto, que o patrimônio de afetação é um eficaz mecanismo para ampliar a

segurança jurídica do adquirente, podendo ser considerado um instrumento de proteção do acesso

à moradia e, em decorrência, da economia popular.

Convém alertar que além da segurança jurídica, este instituto visa a incentivar a

construção civil e, por conseqüência, gerar desenvolvimento econômico. Afirma Marques Filho

(2005. p. 87) “A Lei 10.931 trouxe alterações à Lei 4.591/64. Estas alterações objetivam dar

segurança e estabilidade à função econômica e social do acervo da incorporação, dando maior

garantia aos adquirentes e às instituições financeiras [...]”.

Neste mesmo sentido, Marques Filho (2005. p. 13) afirma também:

[...] Lei 10.931, de 03.08.2004, que trouxe em seu bojo várias novidades ao ordenamento jurídico brasileiro, representando uma revolução no mercado imobiliário, ao criar um ambiente favorável a um crescimento consolidado. A medida é de extrema importância, pois a incrementação do desenvolvimento econômico neste setor é necessidade fundamental e inadiável, tanto pela segurança que a operação requer, como para fomentar e economia nacional.

Corroborando com este entendimento, Tutikian (2004. p. 49):

Esta lei do patrimônio de afetação, com alterações em questões do financiamento imobiliário, tem como principal escopo incentivar a construção civil, gerando, por conseguinte, desenvolvimento e progresso, não perdendo de vista os consumidores que buscam segurança e tranqüilidade na aquisição dos imóveis na planta ou em construção. Ademais, mesmo que por vias transversas, o patrimônio de afetação acaba também favorecendo o financiador, o que imediatamente refletirá no mercado, pois irá reativar os financiamentos imobiliários para o setor da construção civil.

174

Digno de registro, o instituto propicia segurança jurídica ao adquirente porque cada

patrimônio de afetação é constituído do patrimônio próprio de cada empreendimento imobiliário,

não se confundindo com o restante do patrimônio da incorporadora. Assim, o patrimônio do

respectivo empreendimento imobiliário do qual o adquirente possua a unidade é contabilmente

apartado do patrimônio total da incorporadora.

Assim, em caso de falência da incorporadora, os adquirentes do empreendimento não

ficam prejudicados, pois tem o seu empreendimento resguardado pelo patrimônio de afetação e

podem continuar a obra contratando outra empresa, sem precisar recorrer ao Judiciário, e como

medida alternativa podem ainda realizar a liquidação deste patrimônio. Como bem define Pilatti

(2005. p. 114) “[...] instituindo o patrimônio de afetação [...] esta lei criou um instrumento de

proteção para o comprador, dificultando que este tenha maiores prejuízos em caso de falência

ou insolvência civil do incorporador [...]”.

Por este motivo é que a primordial função da comissão de representantes do condomínio é

a de, em caso de falência do incorporador ou de paralisação das obras por mais de 30 dias, sem

justa causa, assumir a administração do empreendimento. Para tal, a comissão tem de convocar

uma assembléia, no prazo de 60 (sessenta) dias e com quorum de 2/3 (dois terços), para deliberar

pela continuidade da obra ou pela liquidação do patrimônio de afetação.

É importante ressaltar que o condomínio ainda tem a faculdade de vender, através de

praça, as unidades imobiliárias remanescentes do empreendimento, objetivando pagar despesas

gerais do empreendimento226 e 227.

226 Ressalvando, ainda, que a continuidade das obras dependerá do pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência do incorporador, com prazo para pagamento de no máximo 1 (um) ano, a contar da deliberação da continuidade ou do habite-se, se em prazo inferior. Ficando os adquirentes responsáveis solidariamente com as obrigações, mas limitadas a sua fração ideal. Se esta condição não for satisfeita, forçosamente os adquirentes terão de liquidar o patrimônio.

175

Objetivando dar eficácia integral ao instituto do patrimônio de afetação, a lei ainda

possibilitou que esta comissão de representantes fosse investida de mandato irrevogável com

poderes especiais para outorgar aos adquirentes, desde que estivessem com os seus imóveis

integralmente quitados, as escrituras públicas definitivas de compra e venda.

Caso assim não fosse, os adquirentes conseguiriam liberar a sua respectiva edificação da

massa falida, dariam andamento às obras, concluiriam o empreendimento, teriam a posse das suas

unidades, mas não teriam a propriedade dos seus imóveis. Com esta solução oferecida pela lei, os

adquirentes também terão sua propriedade garantida e com isso a segurança jurídica dos

adquirentes completamente satisfeita.

O instrumento do patrimônio de afetação228, se devida e adequadamente utilizado,

auxiliará no fomento do direito fundamental social à moradia, inclusive quanto à segurança das

partes e entrega efetiva das habitações, que serão concluídas pela sistemática desta lei.

3.2.2. Seguro

Outro mecanismo para que os adquirentes tenham segurança e confiança jurídica é o

seguro imobiliário229, que garante a entrega das moradias; é obrigação legal do incorporador

informar aos adquirentes acerca da possibilidade de contratar este seguro.

227 Outrossim, os adquirentes, se optarem em continuar as obras, ficarão sub-rogados nos direitos, obrigações e encargos relativos à incorporação, inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver. Se outro critério não for deliberado em assembléia, cada adquirente será responsável pelo saldo porventura existente entre a receita do empreendimento e o custo da conclusão da incorporação na proporção do coeficiente de construção atribuível a sua unidade. 228 O problema deste instituto se restringe a dois fatores de fundamental importância. O primeiro é que este instituto vem sendo muito pouco explorado e, possivelmente, apenas passará a ser utilizado quando os agentes financeiros ou os adquirentes passarem a exigi-lo. Enquanto isso não ocorrer, certamente, não será empregado, pois para o incorporador a utilização do patrimônio de afetação é incômoda, visto a necessidade de cada empreendimento possuir a sua estrutura contábil, administrativa, financeira e patrimonial. Já o segundo fator é que no momento que os adquirentes libertam a sua edificação da massa falida, eles assumem o passivo deste patrimônio afetado, o qual, por vezes, é muito maior do que o imaginado e que do os condôminos pretendem e podem suportar.

176

O seguro de garantia de conclusão das obras é contratado pelos adquirentes para que haja

a injeção de capital pela seguradora, na hipótese de falência da incorporadora, e, assim, o

condomínio tenha possibilidades financeiras de prosseguir com as obras. Através deste seguro

imobiliário, eventuais riscos de falência da incorporadora são transferidos à seguradora, mediante

pagamento do prêmio.

Dúvidas não restam de que por este seguro imobiliário os adquirentes têm garantia de

entrega do seu imóvel, estando com a segurança e confiança jurídica ampliadas230, e o acesso à

moradia garantido.

3.3. Outras alternativas

Em face da necessidade de atingir o objetivo de implementação e incremento do instituto

da incorporação imobiliária, para chegar ao objetivo final que é a implementação do direito à

moradia, nos itens acima foram analisados e desenvolvidos mecanismos para aumentar a

segurança e a confiança jurídica do incorporador e do adquirente, a partir dos quais

possivelmente será possível alcançar o escopo em apreço.

Não obstante todos estes mecanismos estudados, esta é uma busca constante, em que a

sociedade deve se empenhar para dia-a-dia, com a evolução da atividade, encontrar novos

instrumentos mais eficazes e efetivos ao instituto da incorporação imobiliária e, por

conseqüência, ampliar o acesso à moradia.

229 Assim denominado por Chalhub (2005. p. 215). Atualmente, já há previsão legal para este seguro na Lei 9.514/97, no artigo 5º, § 3º - Sistema Habitacional Imobiliário. 230 Nesta situação, o problema se dá em razão do valor do seguro. Certamente que o seguro imobiliário, visando garantir indenização para construir ou finalizar a conclusão de uma obra, é expressivamente oneroso. Assim, se o objetivo é justamente baratear o preço das moradias, este instituto, neste quesito, vem em sentido completamente oposto. Entretanto, em relação à almejada segurança jurídica tal instituto tem incontáveis vantagens.

177

CONCLUSÃO:

Diante do exposto, claro resta que não é suficiente ter uma Constituição Federal rica em

direitos fundamentais sociais, que visam a promoção do bem-estar da sociedade, sem que haja a

devida implementação destes direitos. A coletividade não se satisfaz apenas em ter estes direitos,

a sociedade ambiciona também em poder usufruí-los. Frise-se, sem que haja a devida fruição

destes direitos sociais, não se estará atendendo ao princípio fundamental da dignidade da pessoa

humana.

Assim, impreterível se faz a implementação destes direitos sociais, notadamente do direito

fundamental social à moradia, art. 6º da Constituição Federal, que se constitui em uma

necessidade basilar do ser humano, vislumbrando uma vida com plena dignidade.

Todavia, convém alertar que não basta apenas um espaço físico para se viver, sendo

imprescindível que seja uma moradia digna, de acordo com os padrões construtivos, em

dimensões adequadas, com infra-estrutura, enfim em condições perfeitas de habitabilidade.

Ressalta-se, o acesso à moradia não se confunde com direito à propriedade; ainda que por vezes

até possam estar unidos.

Não obstante, a concretização do direito à moradia é um sério problema, visto que se de

um lado existem necessidades ilimitadas, seja quanto ao direito à moradia como em relação aos

demais direitos sociais; de outro lado, há escassez de recursos financeiros públicos. A

necessidade e a carência habitacional crescem em intensidade largamente superior ao que se

consegue atender com os escassos recursos públicos do Estado.

Em conseqüência da obrigação do Estado de concretizar o direito à moradia,

constitucionalmente assegurado, necessário se faz a utilização do âmbito positivo e/ou negativo

das formas de implementação dos direitos fundamentais sociais.

178

Quanto à esfera negativa, esta sempre será utilizada. Além de ser economicamente mais

acessível, esta esfera é indispensável – já que de nada adianta a implementação do direito sem a

possibilidade de defesa deste mesmo direito já assegurado, evitando assim o risco de perdê-lo.

No tangente à esfera positiva, prestacional, esta se divide no plano material e no

normativo. O plano fático ou material é de difícil realização, pois demanda quantias vultosas para

a satisfação do direito – o que é praticamente inviável, atualmente, pela escassez dos recursos

públicos versus o imenso e custoso déficit habitacional. Em contrapartida, o plano normativo ou

jurídico tem utilização recomendável, especialmente, na perspectiva do Estado.

Considerando que a função normativa tem capacidade de implementar os direitos sociais e

pela atual conjuntura de crise financeira do Estado, o plano jurídico é a alternativa mais plausível

para se alcançar a efetividade almejada do direito à moradia, inclusive em maior escala. Ressalta-

se, ainda que a esfera normativa seja predominante, não se pode afastar a esfera material, a qual

também deverá ser utilizada, mesmo que seja em menor escala.

Nesta senda, é vital que se proceda a uma análise econômica para que a criação da

regulamentação atinja o objetivo da implementação dos direitos sociais, visto ser imperioso o

desenvolvimento de uma política habitacional que promova e fomente o direito à moradia, de

forma cada vez mais abrangente e eficiente, subordinando-se aos recursos financeiros estatais e

aos ditames da economia.

Em razão dos direitos sociais serem muito custosos, surge a necessidade de concretização

do direito à moradia sem agravar ainda mais a crise financeira do Estado, pois os recursos

escassos exigem que se façam escolhas apropriadas.

Assim sendo, para que o Estado tenha possibilidade de se afastar desta situação de

formalismo constitucional, garantindo a dignidade da pessoa humana, conclui-se que urge a

criação de soluções normativas eficazes para dar efetividade às normas constitucionais e sem a

179

utilização expressiva dos escassos de recursos financeiros públicos. Portanto, o mergulho nos

fundamentos desta crise é medida que se impõe, especialmente através de uma visão econômica,

para que alternativas imediatas e eficazes sejam encontradas.

Por toda esta conjuntura – déficit habitacional versus crescimento da população,

considerando a condição financeira do Estado e a escassez de recursos financeiros públicos,

assim como as ilimitadas necessidades – resta claro que é por meio da esfera normativa que será

oportunizado o desenvolvimento do mercado e de mecanismos privados para implementar o

acesso à moradia. Desta forma, o presente trabalho apontou como alternativa viável, dentro da

análise econômica, o instituto da incorporação imobiliária.

Constata-se, primordialmente, que o mecanismo da incorporação imobiliária fomenta o

acesso à moradia sem a utilização expressiva dos escassos recursos públicos, visto que as

moradias são edificadas com capital privado – “financiamento direto” – dos próprios adquirentes.

Em decorrência da não utilização de intermediários para o financiamento da edificação, há o

barateamento do custo do dinheiro, refletindo no custo final da moradia.

Assim, verifica-se que a incorporação imobiliária, além de ser uma forma de

implementação do direito à moradia digna, ainda o faz de maneira mais eficaz que o Estado, visto

que não há gastos excessivos de verbas públicas e ainda há redução de custos para a outra ponta:

o adquirente.

Em razão destes fatos é que surgiu a necessidade de um estudo minucioso e aprofundado

do instituto, o qual se deu no segundo capítulo, almejando melhor aproveitamento. Quanto mais o

instituto da incorporação imobiliária for adequadamente utilizado e aperfeiçoado, mais atingirá

sua função social: contemplar o interesse público com o oferecimento de moradias dignas em

larga escala.

180

Pelo exame realizado, dúvidas não restam que esta materialização do acesso à moradia se

dará de forma eficaz no momento em que houver o adequado cumprimento da sistemática da Lei

das Incorporações Imobiliárias. Assim, objetivando auxiliar neste desiderato, foram traçadas as

diretrizes da incorporação imobiliária, tanto referente à teoria quanto em relação à prática, assim

como houve a análise da Lei nº 4.591, fornecendo os elementos necessários para um melhor

entendimento e cumprimento deste instrumento. Igualmente imperioso foi explanar acerca do

nascimento da incorporação imobiliária, o ordenamento da lei, a conceituação, o procedimento de

registro, o memorial de incorporação e suas especificações, os efeitos dos registros de

incorporação, individuação, contratação, transferência da propriedade, etc. Especialmente,

importante foi o esclarecimento acerca da possibilidade de alienações das moradias ainda na

“planta” ou em fase de construção, o que acarretará na negociação de moradias aos consumidores

por um custo mais acessível.

No momento em que houver o atendimento da sistemática das regras da incorporação

imobiliária, provavelmente, haverá, na mesma proporção, a redução dos custos de transação da

atividade imobiliária. Nesta senda, o interesse público será o maior beneficiado, já que com o

mesmo montante de capital será possível construir um número muito mais elevado de

residências, ampliando o acesso à moradia para a coletividade.

Outra conseqüência positiva vislumbrada pelo instituto é a de gerar o fomento e o

desenvolvimento da economia nacional, pois do aquecimento do setor imobiliário decorrerá o

efeito “dominó” na economia, trazendo crescimento aos demais setores e a sociedade em geral.

No entanto, observa-se que a maximização do direito à moradia depende especialmente de

uma adequada regulação legal e fiscalizatória da incorporação imobiliária, além da correta

aplicação dos ditames da lei por parte de todos os agentes – tanto pelos Registros de Imóveis,

181

como pelos incorporadores, consumidores, Poder Judiciário, etc. Mecanismos estes todos

examinados no terceiro capítulo.

Destarte, coube elucidar que a incorporação imobiliária devidamente registrada traz

segurança jurídica, tranqüilidade e garantia para os adquirentes das unidades, emanando

diretamente sobre a confiança no mercado de imóveis. Inclusive, houve referência acerca de que

esta busca por segurança jurídica através de novos mecanismos é constante, tanto que foi

exemplificado com o patrimônio de afetação.

Em síntese, para que se tenha o efeito esperado é mister a existência de um mercado

imobiliário consolidado, com segurança e confiança jurídica de todos os envolvidos – tanto dos

incorporadores, como dos investidores, dos agentes financeiros e dos adquirentes. Nesta

circunstância favorável, evidentemente, haverá redução dos custos de transação, o que deve

refletir diretamente sobre a baixa dos preços dos imóveis, beneficiando o interesse público.

Convém referir, ainda, que o mais apropriado é o constante aperfeiçoamento do instituto,

para que se alcance a excelência e, portanto, a redução progressiva e expressiva dos custos da

atividade, fazendo com que o instituto atinja, cada vez mais, a sua função social: ampliação do

acesso a moradias dignas.

Desta forma, conclui-se ser imprescindível uma análise econômica do instituto da

incorporação imobiliária e do acesso à moradia, pois somente em uma conjuntura de

cumprimento e aplicação da sistemática da legislação aplicável poderá haver a almejada eficácia

e efetividade do direito à moradia.

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