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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA LETÍCIA MARQUES CAMARGO A CIDADE DOS PRIMOS Uma Etnografia da História no Distrito de Barão de Juparanã em Valença/RJ Niterói, 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

LETÍCIA MARQUES CAMARGO

A CIDADE DOS PRIMOS

Uma Etnografia da História no Distrito de Barão de Juparanã em Valença/RJ

Niterói, 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

LETÍCIA MARQUES CAMARGO

A CIDADE DOS PRIMOS

Uma Etnografia da História no Distrito de Barão de Juparanã em Valença/RJ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Antropologia da Universidade Federal Fluminense,

como requisito parcial para obtenção do Grau de

Mestre.

Vínculos temáticos

Linha de Pesquisa do orientador:

Patrimônio Cultural, Práticas Produtivas e Categorias

Ocupacionais

Niterói 2015

3

(Espaço para quadro da biblioteca)

4

Banca Examinadora

__________________________________________

Profª Orientadora – Drª Ana Cláudia Cruz da Silva

Universidade Federal Fluminense

Programa de Pós-Graduação em Antropologia

_____________________________________________

Profª Drª Tânia Stolze Lima

Universidade Federal Fluminense

Programa de Pós-Graduação em Antropologia

_____________________________________________

Profª Drª Olívia Maria Gomes da Cunha

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

_____________________________________________

Suplente interno: Profº Drº Antônio Rafael Barbosa

Universidade Federal Fluminense

Programa de Pós-Graduação em Antropologia

______________________________________________

Suplente externo: Drº Thiago Niemeyer

Universidade Federal de Juiz de Fora

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Bolsista Pós-Doutorado

5

RESUMO

Acredito serem história e antropologia ciências intrinsecamente ligadas, já que

não se é possível traçar limites reais entre elas. Quando as pessoas de uma localidade

encaram suas próprias histórias como elemento central de suas reivindicações políticas,

essa ligação se torna ainda mais visível. O distrito de Barão de Juparanã, em Valença,

possui essa peculiaridade. Suas histórias são contadas atravessando gerações e de forma

oral. Estas são evocadas cotidianamente para expressar o que essas pessoas são e como

se constitui o mundo dentro dessa perspectiva. Nesta dissertação pretendi analisar como

tais histórias vão tomando forma e a maneira como elas atuam nas práticas sociais e

políticas na localidade de Barão de Juparanã, em Valença/RJ. A partir de um

“etnografia da história”, meu objetivo é compreender as múltiplas “versões” do que é a

história, seja ela utilizada para uma reivindicação política ou pela via do parentesco para

afirmar laços e a força feminina na “origem” da família, ou ainda demonstrar as

relações possíveis entre senhores e escravos. O passado contado a partir da memória e

dos arquivos vai montando pouco a pouco um mosaico que vai se assemelhando a um

retrato de família que reúne gerações diferentes (entre vivos e mortos), mas que atuam

de forma prática no presente.

Palavras-chave: etnografia, história, parentesco

6

ABSTRACT

I believe History and Anthropology to be intrinsically connected sciences, since

it is not possible to determine actual limits between them. When people from a certain

place face their own histories as the main point of their political demands, this

connection becomes even more visible. The district of Barão de Juparanã, in the city of

Valença, possesses this peculiarity. Its history is told through generations and orally.

These stories are evoked with the intention of expressing who these people are and how

the world constitutes itself inside this perspective. In this dissertation I wanted to

analyze how such history takes form and the role it has in social and political practices

at the district of Barão de Juparanã in Valença, RJ. Through an "ethnography of

history", my main goal is to understand the multiple "versions' of what history is, either

if it is used for a political demand, or, through kinship, to affirm connections originated

in blood relations, to affirm the feminine power in the "origin" of the family, or to

demonstrate other possible relations between lords and slaves. The past, told through

memory and files, starts to show little by little a mosaic that begins to reveal a family

portrait uniting different generations (among living and dead), yet acting in a practical

form in the present.

Keywords: ethnography, history, kinship

7

Dedico esse trabalho a Mazinho, ao seu amor e seu

carinho pela família que ficarão aqui eternizados.

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AGRADECIMENTOS

Não sei como começar a agradecer, são tantas pessoas que passaram por mim

durante esse tempo e que contribuíram de forma assustadoramente mágica para que eu

conseguisse escrever. Toda a leveza dessa escrita é proporcionalmente inversa à

facilidade que tive para escrever. Sei que para todos aqueles que passam por esse

processo, o sentimento de finalizar um trabalho desse porte é de esgotamento, de

anulação, mas também de prazer e liberdade. Agradeço, portanto, primeiramente aos

meus colegas que estão passando por isso comigo, ou que passaram durante esses dois

anos regrados em que a nossa alma é retirada do corpo, sem tempo para pensar ou

reagir. Cito aqui Natalia, André, Larissa, Bia, Talitha, Betânia, Reginaldo, Thalita

Paris8, e todos os outros que estão chegando ao final dessa jornada... Enfim,

conseguimos! Talvez tenha passado por algumas dificuldades a mais, que sem o apoio

da minha mãe, pai, irmãos e sobrinhas eu não conseguiria voltar ao campo e concluir

minhas pesquisas. Agradeço, portanto à dona Maria do Gato Preto, ao Tio Lolo, Zuzu,

Gabi, Raca, Clara e Sarah. Ao meu amigo, parceiro, incentivador e recentemente

médico Fred Griman. Às primas mais maravilhosas do mundo Lulu e Tada, que me

deram abrigo, carinho, comida e amor, que saudades... Tada também me auxiliou de

forma fenomenal na sistematização dos dados, principalmente da genealogia, todos os

dias chegava com novas informações, conversávamos e ela trabalhava completando os

quadrinhos que estão em anexo, uma parceira e tanto, que nunca poderia deixar de

exaltar.

Aos meus amigos do IPHAN de Vassouras que trabalham com muito respeito

pelo pesquisador e pelos documentos que são os guardiões. O que vocês fazem é

impagável: ao sorriso diário e às dicas de Sônia, ao carinho e boa vontade de Cris (que

subia e descia com caixas e mais caixas de arquivos para mim), ao Almir sempre

disposto a ajudar, à dona Isabel que coordena esse trabalho lindo, e é capaz de

compreeder letras que nenhuma pessoa do mundo conseguiria ler, e finalmente ao

Carlos Eduardo, que mesmo com o IPHAN em obras, abriu as portas e as caixas de

documentos para que eu trabalhasse, foi meu primeiro contato ali dentro, e portanto, é

graças a ele que temos o segundo capítulo dessa dissertação.

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Agradeço ao Mazinho, meu primo que me deu todas as dicas iniciais, os

telefones de primas que viviam em Juparanã, este falecera no último janeiro, sem ler

nenhuma frase do meu trabalho que tanto contribuiu. À dona Celeste e ao seu Luis

Otávio que me receberam em sua casa, mesmo sem me conhecer, que também me

ajudaram muito dando informações sobre o S.O.S Barão de Juparanã, onde são bem

ativos, além de dona Celeste ter me dado uma agendinha com os principais contatos

daqueles que ela sabia que conheciam mais as histórias.

À dona Anna Leite, primeira e última pessoa com quem eu falei na cidade, à sua

doçura, paciência e carinho, obrigada. Ao seu José Célio, que mesmo não se

interessando pelas histórias de família, me levou na casa de quem mais se interessava,

Seu Luiz Antônio. A este tenho um agradecimento muito especial, pois não se

importava de ficar horas contando as histórias, e aquilo o que visivelmente o dava tanto

prazer hoje já não é mais possível de ser feito. Após uma queda em Valença, ele foi

perdendo os movimentos das pernas e a fala, hoje mal consegue se comunicar, mas

agradeço por ter podido passar algumas tardes maravilhosas em sua companhia e em

companhia de sua lindíssima mãe, dona Iedda. Iedda junto com o filho foram

responsáveis por me fazer viajar no tempo em companhia deles nesses nossos

encontros. A capacidade de dona Iedda de se recordar do passado aos 91 anos é incrível,

e não há como não se emocionar com suas histórias. Obrigada, obrigada! Ao Ivo, que

além de me receber com umas cervejinhas geladas, comida maravilhosa, documentos e

histórias em sua casa em Sant’Anna, ainda me levou pela estrada de Juparanã até o

outro lado da fazenda, me mostrando os locais onde viviam cada um dos parentes, me

mostrando desde a igreja ao bambuzal. Ele, sua esposa Sandra e sobrinha Danielle,

foram maravilhosas companhias, e também pessoas muito importantes para esse

trabalho. Agradeço à Elza, mais uma que me recebeu em sua casa sem ao menos me

conhecer, me confiou seus documentos que ainda estão aqui comigo, me contou sua

história e hoje a tenho como uma grande amiga. Ao seu filho lindo Adriano Pedro, que

tem o dom de encantar as pessoas. Ao Jorge, também interessado nas histórias da

cidade, e com quem conversei muito sobre o Barão de Juparanã. À dona Zezé, tia de

Elza, que também é bisneta do Barão de Juparanã e viveu na fazenda de Santa Mônica.

Zezé é uma das mulheres mais fortes que eu conheci durante esse tempo e sua história

merece ser contada, mas em outro momento, já que está relacionada à força de trabalho

feminino em lugares onde a discriminação era muito forte. Zezé guarda ainda essa força

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na sua personalidade, no seu jeito de falar... É algo emocionante e inexplicável.

Agradeço também a Eloy, por compartilhar sua inteligência, opinião e conhecimento.

Um homem extremamente culto e elegante. Sempre será um prazer reencontrá-lo.

Obrigada por me emprestar suas revistas tão bem guardadas e por conversar comigo

sobre suas lembranças e sobre as histórias de Barão de Juparanã. Agradeço à Candoca,

por nossas conversas e encontros ao acaso, que sempre foram recheados de surpresas

agradáveis, e por pacientemente me expor seu álbum, me dizendo um por um quem

estava ali presente e em que situação. Obrigada também por suas irmãs Márcia e

Clotilde pelo carinho também com que me receberam. Agradeço a todos os moradores

da cidade que me receberam sem que aparentemente se incomodassem com minha

presença.

Não posso deixar de agradecer à Tita, por recuperar os escritos de minha avó -

dona Anny - sobre a família, o que me motivou ainda mais a continuar nesse caminho.

Ao Otto, por ter sido meu melhor amigo, meu revisor atento e apreciador discreto de

minhas letras durante todos esses anos. A toda parentada da dona Anita, amo vocês um

tantão, obrigada por estarem sempre ali no facebook, pra me ajudar com informações e

com mensagens de apoio, sem vocês não teria nada disso. Às minhas irmãzinhas Maria,

Iara, Ana Carol, Sabrina, Moara, Ana Moreira, Alice, Silvia e Marcela, só por existirem

mesmo, o que já é mais do que o suficiente para não desistir de trabalhar.

Finalmente agradeço às pessoas que estiveram mais próximas de mim nesses

últimos meses em que me dediquei exclusivamente à escrita: à Ana Claudia, minha

orientadora e amiga que não deixou que eu desistisse em momento algum. Obrigada

pela confiança. À Lucía, Antônio Rafael, e também à turma toda do Cosmopolíticas

Núcleo de Antropologia pelos debates dos últimos meses, que lógico, me deixaram mais

confusa do que clarearam meus problemas, o que para um antropólogo pode ser uma

coisa muito boa, afinal. À Ana Lúcia Ferraz e ao Laboratório do Filme Etnográfico, e

por último, aos irmãos Sheila Moreira e Alexandre Moreira. A primeira, pois desde o

dia em que me conheceu se ofereceu a me ajudar, ajuda essa irrecusável, já que todas as

prensas foram feitas em sua casa. Obrigada! E ao Alexandre, por estar ao meu lado boa

parte do tempo em que me dediquei à escrita, me dando carinho, força e muito amor.

Vocês todos foram muito importantes.

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SUMÁRIO

Introdução____________________________________________________________15

Etnografia da História_____________________________________________21

Sendo e não Sendo _______________________________________________28

Ouros Negros ___________________________________________________32

Capítulo I - Política e Parentesco em Barão de Juparanã________________________36

Memória e Histórias______________________________________________37

O tempo: dos documentos à interação com os mortos____________________46

Capítulo II - Senhores e Escravos – Os limites entre Hierarquia e Parentesco_______56

Outros Barões: Relações e desfechos_________________________________60

Capítulo III - As Relações de Sangue e outras Histórias________________________75

Laços Sanguíneos________________________________________________79

Terra e Sangue __________________________________________________83

Sangue e Incesto ________________________________________________85

A performance da história: Memória e parentesco ______________________88

O trem: personagem implícito das narrativas___________________________93

Etnografando a história. Etnografando tudo ___________________________95

Conclusão____________________________________________________________97

Referências Bibliográficas______________________________________________104

Anexos: Genealogias

Anexo I - Família da Escrava Manoela Agostina_____________________________105

Anexo II - Família da Escrava Floriana Paulina______________________________107

Anexo III - Família da Escrava Floriana Paulia (Outros Parentes)_______________ 116

12

Anexo IV - Família da Escrava Semiana Florentina__________________________121

Anexo V - Família da Escrava Emília Dorothéia_____________________________122

Anexo VI – Família da Escrava Geralda ___________________________________124

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ÍNDICE DE IMAGENS

Imagem 1: Marquês de Baependi _________________________________________17

Imagem 2: Barão de Juparanã____________________________________________18

Imagem 3: Ponte de Acesso à Barão de Juparanã vindo de Vassouras_____________21

Imagem 4: Mapa da Cidade de Barão de Juparanã desenhado pelo “Seu” Milton Franco

____________________________________________________________________ 27

Imagem 5: Foto da plataforma da Estação de Barão de Juparanã em 1922_________ 31

Imagem 6: Escrava Ambrosina ___________________________________________40

Imagem 7: Vereador Naldo e Governador Pezão aproveitam a ocasião da reforma da

Estação para realizar campanha eleitoral, visto que as eleições de 2014 estavam próxima

____________________________________________________________________ 45

Imagem 8: Casarão da Fazenda de Santa Mônica, hoje Palácio Duque de Caxias – Visão

frontal _______________________________________________________________46

Imagem 9: Casarão da Fazenda de Santa Mônica, hoje Palácio Duque de Caxias – Visão

lateral _______________________________________________________________47

Imagem 10: Livreto comemorativo do centenário da Igreja N.S. do Patrocínio de

1981________________________________________________________________ 48

Imagem 11: Ruinas da Igreja de Sant’Anna, apenas a fachada continua de pé _______49

Imagem 12: Laudy, irmã de Ivo e a santa de Sant’Anna _______________________50

Imagem 13: Trecho de terras de Ivo: rio Paraíba, sua casa e o morro ______________52

Imagem 14: Seleção de café, Fazenda da Cachoeira Grande, Santa Tereza. Vassouras,

RJ__________________________________________________________________ 57

Imagem 15: Interior de uma cozinha com azulejos, Fazennda Cananéia. Vassouras, RJ

____________________________________________________________________ 59

Imagem 16: Localização de Barão de Juparanã entre os municípios de Valença e

Vassouras ___________________________________________________________64

Imagem 17: Fazenda de Guaribu na década de 1930___________________________66

Imagem 18: Vivênca na Fazenda de Guaribú ________________________________68

Imagem 19: Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola _______________71

Imagem 20: Rozina na Fazenda do Bom Retiro (senhora mais idosa de preto)_______72

14

Imagem 21: Fachada do Casarão Monte Scylene______________________________81

Imagem 22: Anna Leite (menor) e irmãos na Fazenda Bicame___________________83

Imagem 23: Mônica e José Leite__________________________________________84

Imagem 24: Anna Mafra e Arthur Marques dos Santos ________________________87

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INTRODUÇÃO

Saindo de casa. A cabeça já vai se projetando naquele espaço, sabendo que o

caminho é longo e nem um pouco fácil. Um ônibus, um trem lotado numa sexta-feira.

Um movimento sutil de corpos que se contorcem em busca da inalcançável posição

confortável. Trocas de pernas, trocas de braços. Janelas que se abrem, portas que não se

fecham mais. O trabalhador do subúrbio voltando para sua casa numa sexta-feira. Meu

caminho ainda será muito, muito longo.

A paisagem vai mudando: menos concreto, mais verde. Estações mais distantes

umas das outras. Vendedores de chocolate de marca são substituídos por aqueles que

vendem bala de coco caramelada, totalmente caseira. Os assuntos vão ficando mais

leves, o trem mais vazio. O peso do metal que nos cerca finalmente chega ao fim, minha

jornada não. Ainda tenho uma serra para cruzar. O ar vai ficando mais fresco, o cheiro

de terra e mato vão entrando pelas narinas espalhando uma sensação de pureza pelo

corpo. Já estamos muito próximos de mais uma transição na paisagem. A mata atlântica

vai ficando menos densa e dando lugar aos morros pelados, alguns com pequenos

arbustos, resquícios de uma vã tentativa de reflorestamento. Mas é terra ruim,

condenada há mais de 100 anos, onde fica claramente visível a influência da importante

economia de outrora naquelas terras hoje pobres, cercadas por pequenas cidades que

ainda guardam na lembrança os tempos de progresso, do café e do trem da linha D.

Pedro II.

Pare em qualquer uma dessas cidades onde hoje se encontram antigas estações

abandonadas e pergunte para qualquer pessoa: todo mundo tem um parente próximo que

era ferroviário. E essa lembrança começa com um orgulho e termina com uma dor

nostálgica. “Um crime”, dizem sobre o fim do meio de transporte que ligava Rio, Minas

e São Paulo por trilhos que hoje são controlados por empresas de logística, levando

metal bruto dos confins do mundo. Eu escolhi parar em uma dessas pequenas “cidades

mortas”, como dizia Monteiro Lobato referindo-se às cidades do Vale do Paraíba na

parte paulista da região. Essa cidadezinha é na realidade um distrito pertencente a

Valença no Estado do Rio de Janeiro, que possui a peculiaridade de ter sido projetada

por um Barão, ao redor da estação, que segundo a narrativa de meus interlocutores,

chegou a ser considerada a mais bela entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Para chegar

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até Juparanã de onde vivo é necessário percorrer o caminho que descrevi, tomando um

ônibus de Niterói/RJ até a Estação Ferroviária Central do Brasil, dali pegar o trem que

vai para Japeri e trocar para um trem menor que leva até a cidade de Paracambi, última

cidade da Baixada Fluminense. Em frente à estação existe um ônibus que em cerca de

uma hora, uma hora e meia chega a Vassouras, passando por Engenheiro Paulo de

Frontin e Mendes. Chegando em Vassouras é necessário tomar o último ônibus que sai

de meia em meia hora até Barão de Juparanã. Esse trajeto é extremamente cansativo,

apesar do campo não ser tão longe. Vi-me, assim, na necessidade de morar durante a

pesquisa de campo no distrito, pois a princípio meu grande interesse estava no

movimento político criado pelos cidadãos chamado: “S.O.S Barão de Juparanã”, que

visava, entre outras coisas, a urgente reforma da estação, que se encontrava naquela

ocasião em estado completamente precário. O interessante é que em minha última

estada na cidade, a reforma estava sendo iniciada, fechando assim um ciclo.

É necessário regressar para os motivos que me fizeram seguir para a localidade e

suas peculiaridades. O vilarejo de Barão de Juparanã, outrora chamado Desengano

Feliz, surgiu de forma planejada ao redor de uma fazenda de café do final do século

XIX, a Fazenda de Santa Mônica, pertencente ao Marquês de Baependi (Manoel

Jacintho Nogueira da Gama) e sua família: a Marquesa de Baependi (Francisca Mônica

Carneiro da Costa e Gama), e seus filhos Brás Carneiro Nogueira da Costa e Gama

(Conde de Baependi), Manoel Jacintho Carneiro Nogueira da Costa e Gama (Barão de

Juparanã) e Francisco Nicolau Carneiro Nogueira da Costa e Gama (Barão de Santa

Mônica).1

1 Fonte: http://www.geneaminas.com.br/genealogia-mineira/descendentes.asp?codpessoa=28803 acessado

em 04.03.2013

17

Imagem 1: Marques de Baependi

Dos filhos do Marquês de Baependi, o Barão de Juparanã foi quem

especialmente se empenhou para concretizar o povoamento da localidade, já que

construiu com seus próprios recursos duas pontes ferroviárias para que fosse aprovada a

modificação do trajeto original da ferrovia D. Pedro II, onde o trajeto feito por bitola

larga se daria por Vassouras. Segundo as pesquisas feitas por um morador local, o

“Seu” Milton Franco:

A estação ferroviária de Desengano teve a sua inauguração no dia 17 de

novembro de 1895, com a presença de sua Majestade Imperial Pedro II e sua

corte. Já a vila de Desengano foi fundada dois meses após a inauguração da

estação a 31 de janeiro de 1866 (FRANCO,2007, p.11)

Segundo Cândida, ou como a chamarei aqui, “Candoca”, ainda há resquícios

das primeiras habitações feitas pelo Barão, do outro lado da linha do trem; casas que,

segundo ela, foram feitas para suas filhas. Segundo o que popularmente é divulgado, o

Barão de Juparanã “morreu viúvo e sem filhos”. Porém, como podemos observar nas

narrativas dos moradores da localidade registradas em uma matéria da TV Rio Sul2 no

ano de 2010, o Barão de Juparanã possuiu cinco escravas que viviam com ele como

2 Matéria sobre o distrito de Barão de Juparanã veiculada pela TV Rio Sul, filiada à Rede Globo no sul do

Estado do Rio de Janeiro em 22.05.2010. Ver http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/5_269106.asp

Acessado em 04.03.2013

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suas “esposas”, já que não manteve nenhum casamento oficial. Dessas escravas

surgiram cinco ramos familiares diferentes, porém com o patriarca em comum, todos

sendo criados como irmãos. Segundo um folheto publicado pela igreja local em 1981,

que teve a ajuda dos moradores na construção da narrativa que lá consta, o Barão deixou

parte de suas terras para seus filhos como herança, aos quais chamava de “meus

protegidos”. (RAMOS, 1981).

Imagem 2: Barão de Juparanã

Em registros feitos a próprio punho por mais uma descendente do Barão, e

também professora de história, podemos observar algo que é extremamente comum nas

narrativas dos moradores da localidade, que é a exacerbação da bondade do Barão de

Juparanã:

Aos 21 dias do mês de maio do ano de 1874, surgia no cenário cafeicultor

brasileiro a ilustre estirpe de Manuel Jacinto Carneiro da Gama, ou melhor, o

Barão de Juparanã. Dotado de diversos títulos, provou ser um homem de

sensibilidade para com o próximo e um empreendedor à frente de seu tempo.

Ter tal título não se igualava aos seus modos tolerantes e brilhante

inteligência. Nem mesmo seu apelido irônico de “Tucano da Paraíba”

subestimava a súmula das suas propriedades ou mesmo a natalidade dos

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sonhos prósperos. O grande aristocrata do entreposto Valença-Vassouras,

viajou para as estrelas no dia 25 de junho de 1876. Seus restos mortais foram

guardados no sepulcro do cemitério de Desengano. Ainda assim, sua

aristocracia rendeu frutos, seus feitos renderam história, seus escravos e

ingênuos renderam dengos quites a seu sangue (Retirado de documento

escrito por Elza, p.01)

De forma doce e poética, Elza (parentesco localizado em Anexo I) vai narrando,

e provavelmente mesclando, histórias ouvidas (como sobre o apelido do Barão “Tucano

do Paraíba”) e outros registros para compor o retrato daquele responsável pela

construção das pontes ferroviárias, como já citadas, da estação (presente muitas vezes

nos escritos locais com letra inicial maiúscula, o que frisa a sua importância para os

moradores), da igreja, e de duas escolas.

Voltando ao S.O.S Barão de Juparanã, podemos agora compreender melhor os

motivos para que a reforma da estação seja a pauta principal do movimento. Segundo

bem observa Eloy, um dos moradores da localidade, o vilarejo foi construído fugindo do

padrão das pequenas cidades (aquele famoso clichê onde vemos uma praça, ao centro a

igreja e casinhas em volta). Em Juparanã, no centro da Praça Duque de Caxias, a

principal da cidade, está localizada a estação, que até então se encontrava abandonada.

Os moradores integrantes do movimento, porém, possuem também outras pautas, que

refletem as suas necessidades mais básicas. Em meus primeiros dias de campo,

participei de uma reunião entre o Conselho de Saúde de Valença e os cidadãos

pertencentes ao movimento, identifiquei as lideranças e percebi o estado de abandono

em que aquelas pessoas se encontravam. Obviamente que a configuração não era mais

tão ruim na minha penúltima visita em agosto de 2014, aproximadamente seis meses

depois, já que as eleições estavam próximas. As pessoas que estavam aguardando

atendimento médico há meses foram finalmente atendidas; a reforma da estação saiu

(um político local deixou faixas cobrando que as obras iniciassem com urgência,

quando o movimento S.O.S já sabia que as obras iriam iniciar); até mesmo uma antena

para celulares foi instalada (sendo o feito assumido por um político e desmentido pelas

pessoas do S.O.S).

Antes de ir viver em Juparanã, entrei em contato com as pessoas do movimento

pela rede social do Facebook explicando que eu estava pesquisando para o mestrado as

histórias e as relações de parentesco que se travam na cidade e que precisaria de um

lugar para ficar. Dentre algumas pessoas que foram prestativas em me ajudar, a que

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mais se empenhou naquele momento foi Dona Celeste, esposa do “Seu” Luis Otávio,

ambos muito ativos no S.O.S. Acabei me hospedando na casa deles por um mês.

Durante esse tempo conversamos muito sobre a política local e como o S.O.S surgiu.

Expliquei meu interesse para eles, tanto no movimento, quanto nos laços de parentesco

que as pessoas possuem, já que muitos dos envolvidos no movimento fazem parte dessa

grande “família”, quanto nas relações políticas que estavam sendo travadas a partir do

S.O.S., eles me falaram da polarização que existe na cidade entre os que apoiam e os

que não apoiam o vereador, e como que mesmo a maioria se dizendo contra, este está há

quase vinte anos no poder, sempre sendo eleito pela população de Juparanã. O casal

também me alertou que o vereador poderia tentar impedir minha pesquisa e, por ele já

ter ameaçado algumas pessoas, resolvi não continuá-la junto ao S.O.S Barão de

Juparanã. Por eu ser uma pessoa de fora, e diante da impossibilidade de deixar claro

para todas as pessoas quais eram minhas intenções ali, achei que a desconfiança de

algumas poderia ser prejudicial naquele momento. Além disso, havia ambicionado em

meu projeto fazer pesquisa nos arquivos da região e o trabalho de campo

especificamente sobre a família, assim, as circunstâncias fizeram com que eu me

dividisse entre os arquivos em Vassouras e os encontros com os membros da família em

Barão de Juparanã. Por isso, resolvi passar a me hospedar, na casa de primas em

Mendes (cidade próxima à Vassouras e Juparanã), que também me auxiliavam na

sistematização dos dados, principalmente da genealogia. Dona Celeste também me

auxiliou imensamente, dando-me uma agenda de contatos de todos os que ela sabia que

eram descendentes do Barão de Juparanã, o que acabou sendo o meu foco central e,

graças a essa agendinha e aos contatos que fui fazendo a partir dela, conheci pessoas

muito especiais como Anna Leite, Candoca, Ivo, Seu Luiz Antônio, Elza e Eloy, ou

seja, pessoas que acabaram sendo responsáveis pela essência desse trabalho.

Barão de Juparanã faz parte da região chamada Vale do Paraíba Fluminense,

sendo o rio Paraíba do Sul o mais importante do Estado do Rio de Janeiro. Cruzei

centenas de vezes esse rio durante o campo, e sempre era uma experiência emocionante

passar pela ponte que dá acesso à cidade, vindo de Vassouras. A paisagem é realmente

incrível: ao fundo a Serra da Concórdia, parque agora administrado pelo INEA

(Instituto Estadual do Ambiente, que possui sede localizada no distrito, uma das

conquistas creditadas ao Movimento S.O.S Barão de Juparanã), e o largo rio de água

barrenta, correndo ligeiro entre as pedras que dão o nome à região bem próxima da

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localidade (Bacia de Pedra). Parte dessa emoção também se dá pela incrível obra

arquitetônica que é a ponte encomendada pelo Barão de Juparanã para fazer cruzar o

trem para seu lado do Paraíba, que apesar dos seus quase 150 anos de uso, por ela ainda

cruzam carros, ônibus e trens diariamente.

Imagem 3: Ponte de Acesso à Barão de Juparanã vindo de Vassouras

Etnografia da História

Como em meu campo procuro compreender o papel das histórias no distrito de

Barão de Juparanã, em Valença/RJ, me vi a princípio na necessidade de acompanhar os

desenvolvimentos teóricos sobre história ou historicidades dentro da antropologia, para

poder chegar ao que me proponho a fazer, o que chamo de “etnografia da história”.

Voltemos então para a forma como Claude Lévi-Strauss divide as maneiras de lidar com

a história em três categorias, como atentam Goldman (1999) e Sztutman (2012):

(...) O primeiro diz respeito à “história dos historiadores” e é baseado na

relação de dependência com os registros escritos. O segundo se refere à

“filosofia da história”, como enraizada na tradição ocidental, que postula um

princípio de causalidade, estabelecendo que o passado, como necessidade,

determina o presente, que se apresenta simplesmente como possível. Por fim,

o terceiro remete à noção de “historicidade” e permite uma crítica aos dois

primeiros sentidos, o que reenvia diretamente à tarefa da antropologia.

(SZTUTMAN, 2012, p. 111)

22

Como parte desse pensamento, que tem a história como sendo fundamental para

o entendimento do mundo, a antropologia também se constitui sob essa preeminência da

história. O evolucionismo social, primeira formulação teórica do pensamento

antropológico, buscava na história uma forma de organizar o conhecimento do mundo.

Lévi-Strauss tem, portanto, como foco de sua crítica tanto em História e Etnologia

(1991), quanto em Raça e História (1976) a teoria epistemológica do evolucionismo,

chegando ao ponto culminante de sua crítica à história nos últimos capítulos de O

Pensamento Selvagem (2012).

Em relativa continuidade com esse pensamento, porém trazendo a

intencionalidade dos sujeitos para a estrutura, Sahlins (1990, 2004 e 2012) traz o

conceito de mitopráxis, mostrando que a dialética não é totalmente estrutural, mas que

as diferentes historicidades são efeitos de diferenças cosmológicas (mesmo que os mitos

estejam em ação). Overing (1995), por sua vez, demostra o quanto o conceito de

historicidade pode acrescentar à filosofia por expor a multiplicidade da metafísica e das

noções de tempo em detrimento da unidade do pensamento racionalista e cientificista

que coloca a natureza mais próxima da verdade, enquanto a própria divisão entre

natureza e cultura é resultado de historicidades (enquanto ontologias e cosmologias)

diferentes.

Toda essa discussão sobre historicidade levanta a questão não apenas sobre o

ponto de vista antropológico da história, mas envolve todo um questionamento a

respeito da própria razão construída pelo ocidente, na qual tanto a história, quanto a

antropologia estão baseadas. Ao perceber historicidades diferentes de povos diferentes,

Lévi-Strauss está levantando um questionamento da ordem da metafísica, já que as

diferentes historicidades são respostas às diferentes ontologias e cosmologias segundo a

compreensão de Joana Overing. Essas diferentes historicidades não são, porém,

sinônimas de incapacidade de compreensão de outra forma de percepção de si e do

mundo, mas revelam um caminho para se repensar a unidade da verdade metafísica

ocidental, trazendo o múltiplo no lugar do “um”. As múltiplas historicidades não

marcam apenas uma diferença, antes essas evocam a simetria da relação entre mundos,

entre formas de percepção, entre interesses diversos e maneiras diversas de se perceber

e lidar com o complexo natureza-cultura, ou como Bruno Latour se refere:

Ora, não existem nem culturas – diferentes ou universais – nem uma

natureza universal. Existem apenas naturezas-culturas, as quais constituem a

23

única base possível para comparações. A partir do momento em que levamos

em conta tanto as práticas de mediação quanto as práticas de purificação,

percebemos que nem bem os modernos separam os humanos dos não-

humanos nem bem os outros superpõem totalmente s signos e as coisas

(LATOUR, 1994, p.102)

O caso que este trabalho analisa se refere a uma cultura que existe em um espaço

ocidental, portanto a historicidade presente nesta localidade faz parte da noção de

história ocidental. Porém, mesmo em sociedades ocidentais existem possibilidades

múltiplas de compreensão e assimilação da história. Segundo Lilia Schwarcz:

“(...) Assim, a autoconsciência histórica faz parte de culturas que

trazem para dentro de si tal movimento progressivo, o que faria da

nossa sociedade, uma “sociedade a favor da história”. Mas o perigo de

apostar nessa visão unitária é caricaturar a nós mesmos. Se outras

sociedades carregam “histórias no plural”, também o Ocidente não é

só (e sempre) um conjunto de sociedades que se pauta pela

cronologia.” (SCHWARCZ, 2005, p. 130)

Possuir os mesmos instrumentos e regras para contar o tempo não significa que

ele é visto da mesma maneira pelas mais diversas sociedades ocidentais. Vale aqui

ressaltar, que quando me propus a realizar uma “etnografia da história”, já na minha

graduação em Ciências Sociais, percebi a possibilidade de olhar para o que as pessoas

se referem quando contam e/ou dizem fazerem parte de uma história. Isto não significa

necessariamente que estou trabalhando no limiar entre as disciplinas históricas e

antropológicas, mas sim, mostrando que mesmo um conceito tão enraizado no

imaginário ocidental pode possuir formas diversas dependendo de como é acionado,

onde e por quem é acionado. Não pretendo neste trabalho entrar nos méritos da história

enquanto disciplina para desconstruí-la, mas demonstrar, a partir do trabalho de campo,

que a abstração denominada “história”, possui objetivos práticos ou políticos variáveis

de acordo com cada grupo. Mesmo sendo o conceito apenas um, ele pode, portanto,

possuir diversos significados. Por esse motivo podemos aqui propor uma etnografia da

história.

.

...

24

A localidade de Valença, antes da crise do ouro em Minas Gerais, era basicamente “uma

exuberante floresta” (Revista Chafariz, 1994, p.31) povoada pelos índios Coroados.

Toda a mata fora devastada, assim como os grupos indígenas foram dizimados, para dar

início ao maior empreendimento econômico da época no Brasil. A grande maioria dos

fazendeiros que ocuparam a região veio de São João Del Rey, de acordo com os relatos

dos moradores e minhas pesquisas nos arquivos. Segundo uma revista extinta de

publicação local, a Revista Chafariz, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, ou Marquês de

Baependi, foi agraciado por D. João VI (a revista não revela a data desta doação), com

uma sesmaria totalmente fora dos padrões, contendo 10.800 alqueires, ou seja, mais de

520km²:

Para se ter uma ideia melhor deste “mundão de terra” basta dizer que a área

seria equivalente a 12 sesmarias de 1 légua em quadra e que se elas fossem

colocadas regularmente lado a lado, representariam um retângulo que

acompanharia o curso do Paraíba do Sul por 79 km e com uma largura de

6,6km (REVISTA CHAFARIZ 1994, p. 32)

Essas terras foram divididas em três grandes fazendas (Santa Mônica, a maior

delas, Sant’Anna e Santa Rosa), e o restante vendido. As fazendas de Santa Mônica e de

Sant’Anna eram administradas pelos irmãos Barão de Santa Mônica e Barão de

Juparanã, enquanto a Fazenda de Santa Rosa, mais próxima de Rio Preto, ficou para o

irmão mais velho, o Visconde de Baependi. A Fazenda de Santa Mônica foi por

diversas vezes local de pouso para o Imperador D. Pedro II, que lá se hospedava quando

precisava visitar a Província de Vassouras. O local também foi escolhido pelo Duque de

Caxias para passar seus últimos dias, já que uma de suas filhas era casada com o Barão

de Santa Mônica, vindo a falecer no dia 7 de maio de 1880. Apenas seis anos depois de

sua morte, a fazenda foi hipotecada, já que a família acumulava uma dívida de 436

contos de réis. Assim como outras fazendas, a Santa Mônica foi tomada pelo Banco do

Brasil, e em 1912 assumida pelo Ministério da Agricultura, sendo hoje administrada

pela EMBRAPA, que lá realiza pesquisas com gado de leite. No período militar foi

iniciada uma reforma, já que o exército pretendia fazer do palacete um museu em

memória ao Duque de Caxias, projeto abandonado no meio do caminho com o fim da

ditadura militar. Porém, neste período, alguns retratos da família do Barão de Juparanã

foram retirados da Igreja e nunca mais devolvidos, causando grande angústia aos

moradores, que perderam a única referência imagética do fundador da localidade. Essas

informações foram praticamente todas retiradas das revistas ou faladas pelos moradores,

25

porém mesmo as revistas consultadas não possuem poucas ou quase nenhuma referência

bibliográfica, o que leva a crer que seu conteúdo fora composto a partir das histórias

contadas pelas pessoas.

A região foi extremamente produtiva no cultivo do café, principalmente entre os

anos de 1850 e 1888. Com o fim da escravidão, a agropecuária passou a ser dominante,

ocupando a maior parte do território do Vale do Paraíba Fluminense até hoje. Ainda em

tempos áureos, faleceu o Barão de Juparanã, com apenas 46 anos, no ano de 1876. Este

permaneceu solteiro em função de uma artimanha de seu irmão, o Visconde de

Baependi, que estava encarregado de pedir a mão de uma senhorita em seu nome. Na

oportunidade de fazer tal pedido, o Visconde alegou que o Barão de Juparanã possuía

um “serralho” na fazenda e pediu que a moça desposasse seu “filho doutor” 3. Portanto,

solteiro e sem herdeiros obrigatórios, como explicita o próprio em seu testamento,

deixou algumas apólices e jóias para irmãos e sobrinhos (apólices prontamente

recusadas pelo Visconde de Baependi), além dos terrenos da igreja de Nossa Senhora do

Patrocínio para um amigo, Francisco de Deus Alves de Azevedo. A inauguração da

igreja só se daria anos após sua morte, em 1881, com “assistência de S.S. M.M.

Imperiais” 4, por coincidência, o dia glorioso para a família do Barão de Juparanã, fora

um dia trágico para o Visconde de Baependi, seu irmão e inimigo, já que um de seus

filhos gerado com uma escrava (Izabel Congo) morreu afogado no rio Paraíba do Sul.

Além deste que faleceu prematuramente, o Visconde de Baependi teve também outra

filha, Anelia Matheus da Costa, também com uma escrava, Maria da Conceição, que

viveu em Desengano até sua morte. Seus filhos provam, que mesmo que o Visconde de

Baependi recriminasse as relações que seu irmão possuía com suas escravas, ele

manteve hábito semelhante.

Como já comentei, a estação é o centro da cidade e das reivindicações dos

moradores, tendo sido construída com os recursos do Barão de Juparanã para que

facilitasse o escoamento de sua produção cafeeira, já que ali transitaria o trem de bitola

larga. Esse feito não se deu de forma harmônica, já que outros barões também estariam

interessados no trajeto da ferrovia. Ainda segundo a pesquisa feita por “Seu” Milton

Franco, e os relatos dos moradores e parentes, a estação foi construída na localidade

após um conflito entre o Barão de Vassouras e o Barão de Juparanã. Segundo Milton

3 FONTE: Testamento do Barão de Juparanã, p.06

4 Idem, p.07

26

Franco, havia um projeto determinado por decreto imperial pelo qual o trem deveria sair

da corte no Rio de Janeiro em direção a Rio das Velhas, em Minas Gerais, passando por

Rodeio (hoje Paulo de Frontin) na serra do Mar; Morro Azul; Palmas; Sacra Família;

Vassouras; Massambará; Paraíba do Sul; Entre Rios (hoje Três Rios), indo até a Serra

da Mantiqueira e finalmente chegando ao Vale do Rio Paraopeba, em Minas Gerais.5

Por sua influência e empenho, o Barão de Juparanã fez com que o trajeto fosse

modificado para que a ferrovia passasse por suas terras, fazendo surgir em volta da

estação o vilarejo chamado Desengano, que hoje leva seu nome. Segundo a narrativa

dos moradores, o nome Desengano Feliz seria por conta da frustração do Barão de

Vassouras, que demonstrando não guardar ressentimentos com o fato, comunicou que a

a parada seguinte, que se daria no município de Vassouras, receberia o nome de

Concórdia. O interessante é que a história é contada mesmo por pessoas que guardam

documentos que a refutam, como no caso do “Seu” Luis Antônio:

Aníbal Magalhães conta que o curioso nome Desengano teria vindo na

verdade de um sítio que existia no local da disputa entre os valencianos

comandados pelo Barão de Juparanã, Manuel Jacintho Nogueira da Gama,

presidente da Câmara de Valença, [que] venceram a disputa com os

Vassourenses, representados pela família Teixeira Leite. O Barão teria

vencido a disputa fazendo a linha passar pelo território de Valença tendo

doado à E.F.F Dom Pedro o terreno para a passagem da linha e a estação.

Para comemorar a vitória, deu o nome de Desengano por causa da decepção

de seus rivais. Por volta de 1920, seu nome foi alterado para Barão de

Juparanã. Anibal Magalhães levanta outra questão: Por que uma estação tão

grande, tendo inclusive uma torre com um relógio teria sido construída num

simples arraial como Desengano? A pergunta não ainda não tem uma

resposta concreta. Hoje o enorme prédio é ocupado pela prefeitura de

Valença (Acervo Luis Antônio Giffoni Ramos, S/d)

Em pesquisas que realizei nos arquivos jurídicos antigos, mantidos pelo IPHAN

de Vassouras, também encontrei um inventário das fazendas de Desengano Feliz e

Sant’Anna (Documento nº 102663652002, inventário da Fazenda Desengano Feliz), que

não seriam originalmente do Barão de Juparanã, porém de dois irmãos que ficaram

órfãos de um Coronel local, sem idade para assumir o patrimônio. Há em uma última

folha, uma intervenção do Barão de Juparanã no caso, e após isso não existem registros,

acredito que o caso fora resolvido em outra instância, porém, seria muita coincidência

que houvesse duas fazendas de nome Sant’Anna e Desengano Feliz na mesma região.

Como nosso interesse não é em contar o que é “real”, mas sim olhar para como essas

5 FRANCO, M. 2007, p.11

27

histórias são construídas, é muito mais interessante que a disputa de dois Barões dessem

nomes à vilarejos e estações como Desengano e Concordia, já que é dessa forma que a

história é contada, não há outra versão para este fato, até essa minha frustrante pesquisa,

e esse documento encontrado junto com outros emprestados por Seu Luis Antônio.

Imagem 4- Mapa da Cidade de Barão de Juparanã desenhado pelo “Seu” Milton Franco

Segundo ainda relatos contidos no testamento, que são como notas de rodapé6, o

vilarejo foi planejado para que ali crescesse um núcleo populacional, sendo o terreno

adjacente à estação dividido em lotes, onde foram construídas algumas edificações. Os

moradores dizem que o próprio Barão de Juparanã convidou alguns fidalgos da Capital

para manterem residência na localidade para veraneio (além de construir casas para suas

filhas, como já comentado. Segundo Luiz Antônio, Evarista7 recebera duas casas). O

Barão construiu ruas largas visando o progresso da região, além da Igreja de Nossa

Senhora do Patrocínio, da qual era devoto. A cidade, portanto, depende até hoje do

6 Não sei dizer em que contexto e nem os motivos, porém, o testamento do Barão de Juparanã foi

publicado e esta seria uma segunda edição. 7 Evarista não está localizada na Genealogia, apesar de ter sido citada por várias vezes durante as

entrevistas. Suponho que tenha algum parentesco, ou seja, a própria Evarestina, que está localizada e

grifada nos anexos II e III em “Filhos do Barão.

28

legado deixado pelo Barão de Juparanã, que é também o grande patriarca da maior parte

da população local, já que este teve com cinco escravas8 24 filhos, aos quais reconheceu

em seu testamento como “seus protegidos”, mais tarde reconhecendo o parentesco em

uma petição anexada ao testamento e escrita pelo próprio punho do Barão,

provavelmente visando diminuir as burocracias da lei para que seus herdeiros tivessem

acesso ao seu legado, já que nesses casos existia uma dificuldade muito grande perante

a justiça para que o trâmite fosse realizado. O Barão relacionava-se simultaneamente

com essas escravas, já que três de seus filhos nasceram em 1857, em 1859 dois, em

1860 dois, em 1861 dois, em 1863 dois, em 1872 dois e os demais nasceram um em

cada ano, até sua morte em 1876.

Além desses 24 filhos reconhecidos em testamento, ele ainda teve Deoclides,

última filha de Geralda, que nasceu após a morte do Barão e a única que não herdou

nenhuma terra da Fazenda de Sant’Anna (desmembrada e dividida entre seus filhos),

mas que cresceu na companhia de sua irmã Guilhermina, segundo relato de sua neta,

Dona Iedda (grifada em anexo V, em bisnetos do barão, localizada como filha de Orris)

Sendo e não sendo: Dificuldades metodológicas e posturas durante o campo

e a escrita

Antes de qualquer coisa, necessito esclarecer algo que estará localizado no

anexo (na genealogia que montei junto com parentes e moradores de Barão de

Juparanã). Eu também faço parte dessa família (ver meu parentesco localizado do

Anexo II), apesar de meus bisavós terem se mudado da fazenda de Sant’Anna há mais

de 70 anos. Alguns de meus tios avós, inclusive minha própria avó, segunda filha do

casal, nasceram no distrito de Desengano e chegaram a passar parte da infância por lá.

Como descrevo em minha monografia intitulada “A Parentada da Dona Anita –

Uma Etnografia da História a partir de imagens de família” (CAMARGO, 2012), escuto

algumas dessas histórias desde a minha infância. Quando chegava para o final de

semana na casa da minha bisavó, ela mesma, sentada na varanda, me narrava algumas

8 Os nomes das escravas preferidas eram Manoela Agostina (genealogia em anexo I), Floriana Paulina

(genealogia em anexo II e III, sendo o II exclusivamente para os descendentes de Arthur e Anita),

Semiana Florentina (genealogia em anexo IV), Emília Dorotheia (genealogia em anexo V) e finalmente,

Geralda, mãe de Deoclídes.

29

de suas histórias vividas nessa fazenda, histórias essas que povoavam meu imaginário

infantil. Foi nessa fazenda que conheceu e foi criada junto com Arthur Marques, seu

primo, que viria a ser seu esposo. Quando este já estava trabalhando na Central do

Brasil e fora transferido para a estação de Afonso Arinos, Anita, minha bisavó, não

aguentou de saudades e foi atrás. O casamento entre parentes era algo muito comum.

Irei narrar alguns casos mais à frente, alguns com desfechos felizes, como neste caso

que envolve Anita e Arthur, porém outros não tão bonitos, como o ocorrido com a

própria mãe de Anita, Dona Berta. Após a morte do casal Anita e Arthur, a minha

família se afastou e um a um foi morrendo os tios de minha mãe. As histórias foram

indo junto com eles, até chegar o momento em que minha memória já não era capaz de

acessar os relatos de minha bisavó, ficando tudo mais ou menos como um sonho

distante.

Meu reencontro com a família e o interesse por essas histórias se deu

coincidentemente junto com minha decisão de virar antropóloga, já que naquela época

estava trabalhando ainda como produtora de moda em assessorias de imprensa. Fui

corajosamente enfrentar meu terceiro vestibular, onde por acaso encontrei um primo,

Otto (filho da prima da minha mãe Anna Luiza). E desse encontro em 2007 até 2012,

tive tempo suficiente para resgatar memórias e construir novos conhecimentos sobre a

família, da qual me reaproximava de vez quando. Seguindo a “tradição” da família, eu e

este primo viramos o que chamávamos de “primorados ou namoridos”.

Somente meu interesse renovado pelas histórias de família não seria suficiente

para me arriscar em terreno tão instável, qual seja, o de escrever sobre algo tão próximo,

já que minhas pretensões e compromissos são fazer um trabalho antropológico. Foi

quando, tentando dar passos mais largos, em um momento decisivo onde eu teria de me

esforçar mais e abandonar meu emprego caso quisesse realmente me tornar cientista

social, entrei em contato com a professora Ana Claudia Cruz da Silva, hoje minha

orientadora, para participar de alguma pesquisa que estivesse desenvolvendo (mesmo eu

tendo acabado de ser reprovada em sua matéria, Antropologia IV). Expliquei meus

problemas de falta de tempo e coisas que não cabem aqui. Assim, fui fazer uma prova

para monitoria de Antropologia I para o curso de História, disciplina que seria

ministrada por Ana Claudia naquele semestre. Durante o curso, entrei em contato com

uma bibliografia cada vez mais interessante que envolvia história e antropologia, suas

intermediações e nós. Conheci assim autores que trabalhavam de uma forma muito

30

criativa e interessante com o tema. Foi durante a leitura de Joana Overing (1995) e de

Olívia Maria da Cunha (2004) que tive a ideia da pesquisa que apresento, já que poderia

resgatar as memórias de parentes a partir da antropologia. Assumi o risco para contar

como as histórias de família são importantes para as pessoas da minha família, desde

aqui pertinho, para minha tia que se emociona ao lembrar-se de fatos vivenciados por

sua mãe, até lá distante, onde a Elza, descendente de outra escrava (Manoela Agostina,

anexo I) se esforça para compreender o porquê de ter tanto primo assim dentro de sua

cidade, mesmo que ela tenha sido adotada e não carregar realmente o “sangue” dos

descendentes do Barão.

E foi pelo sangue que eu entrei no campo. Tudo se passa como se o sangue

possuísse uma agenda telefônica, onde se reconhece aqueles que são os seus e os que

não são, e você se apresenta pelo sangue de quem você carrega: “Sou bisneta de Arthur

e Anita”, e assim te reconhecem, e assim você vira um deles, por mais que uma

pesquisa antropológica traga certa desconfiança, “afinal, o que faz um antropólogo?”

Essa aqui, “parenta-antropóloga”, queria saber das histórias, e estas eles guardam e

estão sempre esperando a oportunidade de apresentar para algum interessado. A

primeira coisa que fazem é achar o álbum de família, mostrar as fotos daqueles que

nesse momento não te dizem nada, mas que lá na frente vão fazer todo o sentido.

Aqueles fantasmas vão ganhando vida a partir dos relatos que vão se misturando, se

refutando e te envolvendo numa trama bem emaranhada. Tão emaranhada quanto as

relações que se dão ali naquela cidadezinha.

Fui para lá, como já disse, com o foco no movimento S.O.S Barão de Juparanã.

Acreditei primeiramente, pelos relatos que acompanhei no grupo do Facebook, que as

pessoas estariam reivindicando, por um lado, uma tradição, sua “cultura” e seus

símbolos, os quais fariam delas “juparanenses”, e que estariam degradados pelo tempo e

descaso dos governantes. Algo que é o que aparece à primeira vista, mas a verdade não

foi isso o que eu vi. Em nenhum momento ouvi a palavra “minha cultura”, ou “nossa

cultura” sair da boca dos meus interlocutores. Por mais que a maioria dos moradores da

localidade seja negra ou descendente de negros, não é pela via racial que operam suas

reivindicações. A reforma da Estação, que virou o símbolo da luta do S.O.S, não tem

apenas em vista nem a preservação pela preservação em si da história do Barão, o

grande benfeitor do distrito, nem apenas a preservação para que atraiam turistas para a

região, como alguns mais progressistas acusam. O que as pessoas querem mesmo é

31

serem tratadas com respeito, que da estação seja feito algo de útil para a população,

como já foi um dia, época lembrada por muitos dos meus interlocutores, já que ali havia

em tempos não tão distantes um banco e uma agência dos Correios. Querem que se

transforme em um centro cultural, pois não há nenhuma opção de entretenimento na

localidade, fora a Praça Duque de Caxias, que recentemente ganhou um parquinho

infantil. Querem também poder dizer que se mobilizaram e conquistaram a reforma da

estação pela luta que travaram, mas sempre há um político para tomar a frente quando

as coisas já estão quase resolvidas.

Imagem 5: Foto da plataforma da Estação de Barão de Juparanã em 1922 (Acervo Luiz Francisco

Moniz Figueira)

Todos ali conhecem a história da cidade, mesmo quem não é “parente”. Todos se

orgulham de alguma forma de sua fundação, da forma como o Barão foi visionário.

Todos dizem o quanto ele era um bom homem, todos sabem quem são os primos, e de

que lado da família são, e as intrigas, os relacionamentos clandestinos. Todos se

reconhecem como parte, mas não se dizem cultura. Não querem se fechar, muito pelo

contrário. Lutam pela ideia de progresso que foi traçada pelo Barão, nos moldes claros

da “civilização”, termo tão em voga nos fins do XIX, e que não teve gás para continuar

após a decadência do café na região. Por conta disso, vou deixar de lado toda a

problematização que poderia fazer sobre a cultura, já que não tratam suas histórias como

algo cultural. Sim eles gostam da história, de contar suas histórias, contadas com tom de

32

orgulho e de segredo, pois não é algo reconhecido pela história que dizem “oficial”, mas

que passa ao seu lado, se mistura com ela em alguns momentos, quando percebemos

que estes buscam fontes e arquivos para que legitimem aquilo o que ouviram e que, por

sua vez, recontam.

Ouros Negros – Café e escravos

O rumo dessa prosa seria outro, caso o café não fosse se tornando um hábito

como nos conta Adelci Silva dos Santos:

(...)Seu horizonte terminava nas mesas das famílias nobres da corte e, em

suas terras [Vassouras], grassavam culturas muito mais destinadas à

alimentação; literalmente, seus produtos destinavam-se ao consumo regular,

muito mais do que a um hábito - tomar pequenas porções de café após as

refeições – que vai exigir de Vassouras e de outras vilas do Vale do Paraíba

um novo posicionamento no que se refere à produção. Assim, as roças de

marmelo e anil, bem como a criação de porcos para a fabricação de

embutidos, vão dar lugar a paralelas e contínuas fileiras e cafeeiros, que cada

vez mais vão reclamar à floresta, solos férteis para expandir suas raízes

(SANTOS, 2012, p.33)

A razão que fez com que os mineiros, sedentos por ouro, que já se encontrava

esgotado em sua região, viessem em direção ao sul do Estado do Rio foi o crescimento

do hábito mundial de se ingerir o café, transformando a planta no dito “ouro negro”. A

região se desenvolveu como a fúria de um furacão. Ainda segundo Santos, cidades com

ares europeus foram erguidas onde antes havia florestas, e o dito progresso pareceu ter

vindo com toda a força (a dos escravos, claro), porém os outros gêneros alimentícios

foram deixados de ser produzidos para dar lugar aos cafezais, causando dependência da

localidade de outras regiões produtoras agrícolas para suprir as necessidades mais

básicas de cereais e carnes, o que encarecia o produto final. Somando-se os desgastes da

terra que a super produção do gênero trouxe, e pelo modo como era cultivado, o

cafeicultor precisou encontrar saídas de forma urgente.

Alguns faziam aumentar a produção pela coerção e castigo, que muitas vezes

levavam à morte de escravos, e assim mantinham-se os lucros intactos. Porém existiam

aqueles que sabiam negociar, como João José Reis (1989) nos narra, e que deixavam

seus escravos manterem suas roças no tempo livre para que vendessem nas feiras, ou

para o próprio senhor o excedente. Havia também pequenas propriedades que

começavam a se favorecer naquele momento, já que não conseguiam concorrer com a

33

produção de café dos grandes barões. Assim, acabavam por escolher produzir artigos de

consumo diário, de primeira necessidade. Mesmo com o plantio feito por alguns

escravos que conseguiam conciliar o tempo de trabalho nos cafezais e em suas próprias

lavouras, e o reforço das pequenas propriedades para complementar os produtos

necessários para a manutenção da fazenda, os custos da produção aumentavam, pois

nada poderia frear o desgaste contínuo do solo. Era de conhecimento técnico que a

produção de café não poderia ser feita em fileiras, porém a preocupação maior do

senhor era a vigilância, principalmente naquela época em que a ameaça de uma fuga

coletiva ou revolta por parte dos escravos era o maior temor dos grandes produtores.

Manuel Tannay era um desses senhores. Imigrante francês, escreveu um manual

de gestão de uma fazenda, cujos fragmentos podem ser encontrados na obra de Stanley

Stein (1985). Tannay justifica a necessidade de um controle rígido, pois em sua

concepção “o escravo negro era, por natureza, o inimigo de todo trabalho regular”

(Tannay,1839 pp. 11-12 apud Stein 1985, p.167). Seguindo ainda Tannay, e tomando-o

como exemplo do tipo de pensamento predominante na época, os escravos africanos

estariam em um nível intermediário entre os macacos e os humanos, e, por isso,

deveriam ser tutelados para o resto de suas vidas, justificando assim os motivos de fazer

com que eles permanecessem em estado de servidão. Mas alguns escravos sabiam bem

como usar essas ideias presentes no paternalismo escravista a seu favor. Em nota, Stein

nos narra uma prática de resistência comum do cotidiano daquela época:

Os escravos manobravam habilmente o paternalismo do fazendeiro a fim de

escapar ou mitigar a punição por desobediências menores. Um escravo podia

evitar uma chicotada fugindo imediatamente depois de cometer um delito,

em direção ao proprietário de uma fazenda da vizinhança. Ao chegar o

escravo solicitaria ao fazendeiro “adotá-lo” (tomar padrinho). Se o

fazendeiro aceitasse, o escravo retornava ao seu amo com um bilhete ou algo

mais que o fazendeiro lhe houvesse dado. Em seguida o escravo seria

aconselhado a não repetir o delito ou saberia as consequências. (STEIN,

1985, p.169)

Apesar de serem tratados de maneira desumana, os escravos participavam de

jogos de negociações com seus senhores, na maioria das vezes de forma decisiva.

Mesmo que houvesse conflitos quando as negociações falhavam, os esforços eram na

maioria das vezes para que a negociação se desse, o que demonstra que escravos e

34

senhores mantinham um espaço para o diálogo. Segundo Regina Faria Arieira (2007),

as relações entre escravos-escravos em Vassouras no século XIX eram estáveis no

sentido de que estes conseguiam constituir famílias. A partir do cruzamento entre as

certidões de casamento, batismo e óbito entre 1823 e 1888, Arieira conseguiu

acompanhar a trajetória de famílias que nasceram e morreram dentro do regime de

escravatura. Para isso, logicamente seria necessário que as relações entre senhores-

escravos também se dessem de maneira estável. Faria percebe uma instituição muito

utilizada na política do paternalismo que é o apadrinhamento. É por esse recurso que se

dão os laços de solidariedade entre libertos e escravos, funcionando mais ou menos

como o descrito por Stein na citação acima. O compadrio era uma forma de diminuir a

violência já embutida inevitavelmente nas relações escravistas, além de ser um

facilitador para as alforrias que se tornavam mais constantes neste período.

Infelizmente, nem tudo se resolvia na conversa, e os castigos e torturas eram

uma constante nos tempos do café naquela região. Segundo Stein, os instrumentos de

tortura eram sofisticados; havia até um chicote chamado “bacalhau”, com a ponta de

arame e movido à água. Em muitos casos os escravos não resistiam, vindo a falecer,

constando nas certidões de óbito como causa da morte “apoplexia fulminante” ou

“congestão cerebral”, os “termos médicos” para morte por tortura. Para evitar tal

castigo, alguns cometiam suicídio, como foi o caso publicado no jornal O Vassourense

do dia 19/02/1889, quase um ano após a abolição da escravatura:

No dia 11 do corrente um escravo do senhor tenente José Florêncio de Melo,

que andava fugido tentou suicidar-se fazendo disparar uma espingarda sobre

o lado esquerdo do peito. Seu estado é grave e a autoridade policial tomou

conhecimento do fato. (O Vassourense, 1889, Acervo IPHAN- Vassouras)

O Jornal publicaria alguns dias depois o falecimento deste escravo??? É dentro

desse contexto, portanto, que se deram alguns casos que irei analisar adiante, no

próximo capítulo incluindo o caso do Barão de Juparanã. Entre os meses de abril e

agosto, estive me dividindo entre os arquivos em Vassouras e o trabalho de campo no

Distrito de Barão de Juparanã. No primeiro capítulo, me atentei para o movimento

político que surgiu a pouco tempo no distrito de Barão de Juparanã, visando

principalmente a reforma da estação de trem já citada. Olho ainda para a circulação de

arquivos entre os parentes e a forma como interagem com os mortos a partir de suas

práticas.

35

No segundo capítulo me debruço nos registros jurídicos guardados no arquivo do

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de Vassouras, relatos

de parentes e ainda nos arquivos pessoais dos descendentes do Barão e de suas cinco

escravas, demonstrando que o caso do Barão de Juparanã está longe de ser uma exceção

no contexto das relações entre senhores e escravos na região. Para isso recorro aos

arquivos de outros barões que viveram solteiros e sem filhos “legítimos” e o desenrolar

de seus inventários, muitas vezes terminando de forma trágica graças a pressões sociais

e moralismos que existiam nas esferas familiares e jurídicas. Aqui também tento pensar

nas relações de parentesco que se deram a partir daí e nas novas relações entre senhores

e escravos, agora senhores mulatos, e escravos que seriam parentes ou considerados

como da família. Percebo, a partir daí, qual a importância da genealogia para essas

pessoas que ainda vivem na região, já que durante o meu trabalho de campo essa era a

principal motivação para que eu obtivesse ajuda, e a melhor maneira que tive para

acessar as histórias.

No terceiro capítulo, me aprofundo finalmente na família do Barão que ainda

reside na região, mostrando a partir das histórias contadas e dos arquivos de família, que

essas relações familiares estão longe de serem estáveis e harmônicas, já que estes 24

irmãos tiveram que dividir uma fazenda, a Fazenda de Sant’Anna. Demonstro a partir

de algo aparentemente abstrato como o sangue (aqui está frisado o aparentemente já que

demonstro que não o é de forma alguma a partir da minha etnografia) pode tomar

diferentes formas, servindo para unir, sendo justificativa para atitudes como por

exemplo o suicídio. Ou mesmo sendo o componente da separação por brigas entre

segmentos da família. Aprofundo-me, ainda, um pouco mais na performance do

narrador, algo que já iniciei na monografia (CAMARGO, 2012), e ainda, já tentando

estabelecer uma conclusão, tento demonstrar como e porque a etnografia da história se

fez necessária no caso que estudo.

36

I - Política e Parentesco em Barão de Juparanã

Nesse primeiro capítulo, busco iniciar minha “etnografia da história” olhando

para as relações políticas que estão relacionadas ao parentesco. Faço aqui o esforço de

abolir do meu vocabulário noções muito enraizadas no fazer diário da antropologia,

chegando o mais próximo do pensamento do dito “outro”, tentando entender esse

“outro” conforme o que é descrito em suas falas, percebendo as nuances de diferenças

que possuem os conceitos, seres e objetos mesmo dentro das sociedades ocidentais,

como a que estudo. O conceito principal do meu trabalho é o de “história”, não por

minha escolha, mas por aparecer constantemente nos discursos dos meus interlocutores.

Poder-me-ia dizer que foi um conceito apropriado e ressignificado, mas estaria

trabalhando no viés do pluralismo e não da multiplicidade. A história, como tomo aqui,

incorpora talvez algo do âmbito não-humano, pois perpassa por um fluido corporal, o

sangue, que dá a corporificação da família. Este também é capaz de conectar pessoas

vivas a pessoas já falecidas que não se retiram completamente da dinâmica familiar,

mantendo contatos, aparições em sonhos ou em momentos especiais, porém é pelos

objetos que entra em jogo a memória, sejam eles arquivos, fotografias ou relíquias

guardadas.

A história e o parentesco são indissociáveis para os descendentes de Barão de

Juparanã. Para compreender como isso se dá, é necessário primeiramente tomar a

história não como uma disciplina, mas como uma prática, isto é, algo que as pessoas

fazem como parte de sua concepção de mundo.

O trabalho que começou a ser realizado na monografia de conclusão do curso de

Ciências Sociais (CAMARGO, 2012) é um esforço de compreensão do sentido da

história em Barão de Juparanã, defendendo que esta pode possuir outros que não apenas

aquele visto como ocidental (voltado para o progresso, como expresso por Lévi-Strauss

(1991) em Raça e História) mesmo dentro de sociedades ocidentais. Para isso, busquei

fazer uma revisão do papel da história na antropologia focando inicialmente no conceito

de historicidade no sentido dado ao termo por Claude Lévi-Strauss (1991; 2012), e seu

desenvolvimento a partir de Marshall Sahlins (1990; 2004; 2012) e Joana Overing

(1995). Aproveito a aproximação que esta autora faz sobre “sociedades contra a

História”, de Lévi-Strauss e “sociedades contra o Estado”, de Pierre Clastres (como

Marcio Goldman (1999) chama a atenção), para estender essa comparação à crítica que

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Deleuze e Guattari (1997) estabelecem à divisão entre sociedades a favor ou contra o

Estado, ou tudo ou nada, nos termos clastreanos (CLASTRES, 2001). Segundo esses

autores, essa oposição seria apenas de direções diferentes e não existiria de forma tão

extrema, uma decisão sem volta pela “servidão voluntária” (La Boetie apud Deleuze e

Guattari (1997)). Sendo o Estado moderno um espaço múltiplo e não linear, formas

contra e a favor do Estado podem ser encontradas convivendo lado a lado, segundo a

percepção de Deleuze e Guattari. Se estendermos esta crítica ao conceito de “sociedades

contra a história” de Lévi-Strauss, podemos enfim perceber diferentes historicidades

mesmo dentro de sociedades a favor da história.

Memórias e Histórias

Aqui pretendo trabalhar com os dados de campo aprofundando o relativismo

negando-o de antemão, onde natureza e cultura passam de um par binário de oposição

para um termo único talvez “natureza-cultura” como propõe Latour (1994), ou algo

mais radical como talvez o termo “ontologia”. Quando cientistas propõem a não

separação dos termos, começa-se a buscar uma origem para que esse esquema binário

tivesse início, já que a não aceitação das diferentes “ontologias” seria algo não apenas

ocidental, como poderia se localizar o momento de transição, ou quando se começa a ser

construída a oposição entre natureza e cultura dentro do pensamento ocidental. Viveiros

de Castro (2006), portanto, localiza essa transição no pensamento de Descartes.

A intenção, talvez um pouco ousada deste capítulo, é de fazer uma antropologia

heurística e não analítica ou representativa de algo anterior a ela (HENARE,

HOLBRAAD e WASELL, 2007). Levando em conta o que AnneMarie Mol propõe para

uma política ontológica, a política envolveria todos os âmbitos humanos e não-

humanos, inclusive o tempo e a relação entre ele e esses entes. Em meu trabalho de

campo, percebi que a história de família possuía um devir, não estava presa ao passado,

mas era parte do presente e possuía um papel central para ditar as práticas de parentes e

não parentes na localidade de Barão de Juparanã. Porém, em algumas ocasiões, eles

mesmos diferenciavam as histórias que contavam das histórias que diziam serem

“oficiais”. Esses momentos eram geralmente interrupções dentro das narrativas, já que

eu estava ali presente enquanto pesquisadora e parente. Em alguns momentos essas duas

figuras se confrontavam, deixando bem explícito que as pessoas sabiam bem o que

esperar dos “especialistas”, papel em que me coloquei de certa forma, e não queriam

38

passar por mentirosas. Às vezes, elas falavam sem o compromisso de estar diante de

uma pesquisadora. Por mais que estivessem sempre envoltos em seus documentos,

fossem eles registros de nascimento, fotografias ou testamentos, nesses momentos não

estavam preocupados como seriam classificadas pela pesquisadora. Essas histórias

eram, em sua maioria, contadas em tom amistoso, de quem conta um conto ou talvez

um mito. E era esse o mito de origem da cidade e da família de Barão de Juparanã. Na

cidade que recebeu seu nome as pessoas se distinguem de uma forma bem peculiar.

Há aqueles nascidos e criados em Juparanã, mas que não são primos, porém

sabem das histórias da região, da família do Barão de Juparanã, a origem da cidade etc.

Há aqueles que são os primos e entre eles existem aqueles que não se interessam muito

pela história, mas sabem quem são os seus parentes dentro da cidade. Há ainda os que

sabem as histórias, e são estes que acabei buscando por mais vezes, já que eram também

os mais receptivos.

As histórias sobre a origem nunca são contadas com o mesmo ponto de partida.

Umas começam com a vinda da corte para o Brasil, outras com o fim da corrida do ouro

em Minas Gerais, mas todas tomam o mesmo destino que é a fazenda Santa Mônica. As

memórias são, em sua maioria, adquiridas por relatos de parentes que ouviram de seus

parentes ou ex-escravos, porém elas são tão parte da vida dessas pessoas, que elas falam

de seus antepassados como se fossem seus contemporâneos. Essas histórias realmente

vão se misturando em suas memórias, chegando a casos de não saberem mais o que

vivenciaram e o que ouviram. Como me narrou Eloy, um dos meus interlocutores

indicados pelos moradores locais como um daqueles que mais sabiam das histórias, em

um dos nossos encontros em Barão de Juparanã.

Estava eu interessada principalmente nas histórias que as pessoas de Juparanã

vivenciaram quando viviam na fazenda de Sant’Anna. Eloy me pareceu ter frequentado

bastante Sant’Anna e possuía um parentesco longínquo com Laudilina, uma das

herdeiras, bisneta do Barão. Meu interesse naquela ocasião era principalmente sobre a

relação entre os moradores da fazenda e os escravos, se realmente estes haviam

permanecido por lá, como ouvi dizer, e se era verdade que havia uma escrava que

morreu com mais de cem anos naquelas terras. Eloy confirmou a informação e disse ter

conhecido a tal escrava, que se chamava Ambrosina. Após me narrar algumas histórias

sobre ela, ele parou por alguns momentos e logo disse que na verdade não sabia se a

39

havia conhecido mesmo ou se reproduzia a imagem de Ambrosina de tanto ter ouvido

seu pai falar dela.

Ao se debruçar sobre o trabalho de Bergson sobre o tempo, Deleuze (1999

[1966]) nos mostra como a lembrança pura adquire existência psicológica. Para isso,

este diferencia a “invocação da lembrança” da “evocação da imagem”. Segundo ele, a

invocação ainda é da ordem ontológica da memória, da lembrança ainda em estado

virtual. Disso se distingue a revivência, quando nos instalamos no nível em que as

lembranças se encontram e então estas se atualizam, se transformando em imagens-

lembranças que podem ser evocadas. A atualização dessas etapas e níveis é o que

Bergson chama de consciência psicológica. Deleuze chama a atenção para a revolução

bergsoniana, que ao invés de ir da percepção à lembrança, opera-se na direção oposta,

indo do passado ao presente.

Bergson explica sua idéia a partir da imagem de um cone de vértice S, que se

abre para as pontas, onde o vértice seria o presente, e quanto mais se afasta, se abre para

o passado. Mesmo que os níveis mais contraídos e próximos ao vértice S, na imagem do

cone referida por Bergson, eles ainda mantêm uma diferença de natureza com o

presente, Deleuze mostra que para atualizar uma lembrança não é preciso mudar o nível,

se assim fosse não seria possível a operação da memória, já que cada uma delas possui

seu próprio nível e sua individualidade, os quais seriam perdidos. O movimento de

translação é o movimento em que há a atualização da lembrança e de seu nível, havendo

sim uma contração para que se torne imagem no presente, porém isso não quer dizer que

a lembrança passe por níveis intermediários para que se efetue, mas sim passa por

planos de consciência que não devem se confundir com os níveis de passado:

(...) Donde a necessidade de distinguir a contração ontológica intensiva, em

que todos os níveis coexistem virtualmente, contraídos ou distendidos, e a

contração psicológica, translativa, pela qual cada lembrança, em seu nível

(por mais distendido que seja), deve passar para atualizar-se e tornar-se

imagem. (DELEUZE, 1999 [1966], p.51)

Há além desse movimento de translação o movimento de rotação, que

individualiza a lembrança, que durante o movimento de translação não se distingue do

nível em que se encontra. A rotação sobre si mesma tem como objetivo apresentar uma

face útil à lembrança. Na atualização do nível não se forma exatamente uma imagem,

porém é dessa imagem indistinta que as lembranças se distinguem e tornam-se imagens.

40

“A lembrança só pode ser dita atualizada quando se torna uma imagem” (p.52). É a

rotação que a prepara para entrar em circuito. São, portanto, dois movimentos de

atualização psíquica, o de contração e o de expansão. Existem mais dois movimentos, o

movimento dinâmico que seria a atitude corporal que se precisa para o funcionamento

das atualizações psíquicas e ainda o movimento mecânico, o último estágio da

atualização, a transformação do passado em útil ao presente:

O primeiro momento assegura um ponto de encontro do passado com o

presente: literalmente, o passado dirige-se ao presente para encontrar um

ponto de contato (ou de contração) com ele. O segundo momento assegura

uma transposição, uma tradução, uma expansão do passado no presente: as

imagens-lembranças restituem no presente as distinções do passado, pelo

menos as que são úteis. O terceiro momento, a atitude dinâmica do corpo,

assegura a harmonia dos dois momentos precedentes, corrigindo um pelo

outro e levando-os ao seu termo. O quarto momento, o movimento mecânico

do corpo, assegura a utilidade própria do conjunto [69] e seu rendimento no

presente. - Mas, precisamente, essa utilidade e esse rendimento seriam nulos

se não se juntasse aos quatro momentos uma condição que vale para todos.

(DELEUZE, 1999[1966], pp.55- 6)

Assim a lembrança pura é contemporânea ao presente que foi se atualizando em

uma imagem deste presente. Para que ela ganhe utilidade, deve encarnar no presente

atual, no qual ela assume uma função de passado. Sendo a natureza do presente a de não

parar de passar, Deleuze aponta, enfim, o quinto e último aspecto da atualização que é o

deslocamento, “onde o passado só se encarna em função de outro presente, que não

aquele que foi” (p.56).

Imagem 6 – Escrava Ambrosina – fotografia sem data do álbum de Ivo

41

No caso narrado por Eloy, a sua lembrança pura se apresenta como uma

atualização de uma imagem do presente que foi atualizado, por sua vez, por seu pai nos

momentos em que narrava as histórias de Ambrosina, causando certa confusão, já que

este devia repetir diversas vezes as mesmas histórias, mostrando a utilidade que elas

possuem no presente da família. E por que seriam as histórias contadas por uma ex-

escrava tão importantes para esta família de descendentes diretos de um Barão? A

resposta pode estar na narrativa de outro parente que nos mostra como se davam as

relações entre os escravos e os senhores mestiços, filhos do Barão de Juparanã, que

dividiam a fazenda de Sant’Anna. Em uma dessas pequenas fazendas, a Fazenda de

Bom Retiro, vivia Rozina. Em um almoço que organizei na casa de Adaury, o último

filho vivo de Anita e Arthur, Mazinho9, o primeiro narrador indicado pela minha família

nuclear como um desses que conhecem mais profundamente as histórias da família, foi

chamado por mim até a sala para conversarmos sobre as histórias, pois naquela época

(2011) já havia definido que este seria o tema do meu trabalho de campo. Como narrado

em minha monografia de conclusão do curso de Ciências Sociais pela Universidade

Federal Fluminense (CAMARGO, 2012), os outros parentes presentes não chegaram até

a sala onde estávamos eu e Mazinho, já que não queriam atrapalhar minha pesquisa.

Esta foi a minha única entrevista gravada até março de 2015, pois percebi que muitas

coisas deixavam de ser faladas ou eram contadas de forma muito peculiar, já que o

diálogo se travava a princípio com a câmera. Outro motivo seria que gravando as

entrevistas eu deixaria fechada a porta que me fazia ter um contato privilegiado com

essas histórias, que era o fato de eu ser reconhecida como uma parenta. Nesse dia,

portanto, aos poucos os outros parentes foram chegando à sala e a conversa ficou mais

leve e dinâmica, pois eu não sabia muita coisa que contribuísse para a narrativa de

Mazinho. Este, depois de percorrer os caminhos em sua narrativa do ponto que concebe

como a origem da família até os dias de hoje, enquanto aguardava a genealogia da

família que estava sendo impressa, chama a atenção para a forma como os escravos

eram tratados na fazenda da avó de Anita, aqui chamada por ele de “Vó Rozina”. Em

uma determinada ocasião em que Anita ainda era criança, a “escrava” Isabel foi

convocada por sua senhora para decidir se gostaria ou não de ir até a Fazenda ao lado, a

Fazenda do Mato Dentro, já que a dona desta estava necessitando de uma negra para

9 Mazinho é também um dos meus interlocutores mais importantes e de parentesco mais próximo. Ver

parentesco no anexo II, em trinetos do Barão

42

lavar roupa. Em resposta, Isabel deu uma banana para a dona da Fazenda do Mato

Dentro, dizendo que a “sinhá” Rozina não maltratava seus escravos, já a outra tinha esta

fama na região. Mazinho também se refere à lembrança que tinha de Ambrosina:

Mazinho: E morreu uma que eu conheci que foi escrava que as meninas da

tia Candoca conhecem e sabem o nome dela... Ela andava na estrada, no dia

em que ela me viu ela falou assim: “Esse daí é de Cati com Antônio... Você

é filho de Arthur?” “Não, eu sou neto.”

Eu: A Dani também conheceu uma escrava.

Mazinho: É essa que eu tô te falando!

Eu: Ela contava várias histórias também...

Mazinho: Ela tinha um colchão cheio de dinheiro desde o primeiro império.

Aí eu não sei, a gente não sabe o que foi feito daquilo quando ela morreu...

Porque tia Candoca dava comida, tia Laudilina dava comida, tio Ivo dava

comida. Tia Mônica e o pessoal da tia Mônica que é “Serapião Ferreira”

dava comida. Porque ela andava por todas as fazendas. Ela só andava em

terras de quem indiretamente ou inconscientemente ela sabia que era

parente. Eu não lembro o nome dela, mas ela tinha um cabelinho...

Tada: Mas ela tinha algum problema psicológico?

Mazinho: Ela? Lúcida, inteira! Se tivesse alguém doente ela chegava e fazia

as coisas pra você, mas ela tinha a casa dela. Ela conhecia o gado de

Candoca, conhecia o gado de Laudilina, conhecia o gado de não sei quem. E

a gente chamava de tia e tinha de tomar bênção. Tia Candoca tomava bênção

dela. Dani conheceu também.

Mazinho, diferente de Eloy, já se lembra de ter conhecido a Ambrosina. Ela era

uma grande contadora das histórias sobre a Fazenda de Santa Mônica, segundo Dani,

minha tia, também já falecida. Muitas das histórias sobre os bastidores do casarão foram

narradas por ela que, provavelmente, possuía um prestígio grande ainda dentro do

regime escravocrata e depois entre os filhos do Barão, já que tinha a liberdade de

transitar por entre as fazendas e possuía “um colchão cheio de dinheiro desde o primeiro

império”.

Voltando à utilidade dessas histórias para os dias de hoje: por que são

atualizadas e possuem serventia para estas pessoas? Percebo que todos os meus amigos-

parentes-interlocutores conhecem a história majoritária, “oficial” e de Estado. Essas

pessoas estão dando um “grito”, para utilizar uma expressão de Deleuze (2011), dizendo

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“aqui as coisas aconteceram de forma diferente”: aqui nestas terras foram os mulatos

que administraram suas posses com a ajuda de seus ex-escravos e parentes que ficaram

para auxiliar. Segundo Dani, Anita dizia que quando a abolição aconteceu, os escravos

não quiseram ir embora, já que ganhavam sempre presentes no natal, comiam na mesa

com seus senhores e eram tratados como parentes. Isolados em suas terras depois da

crise do café, não havia braço do Estado que chegasse para tomar o controle e, até

mesmo na cidade de Barão de Juparanã, que fora criada por seu patriarca para receber

todo o progresso que sonhava com a estação de trem da Ferrovia Pedro II, a cada dia

esse progresso se afastava um pouco. Com o capital migrando para outras regiões, o que

restou para estes pequenos agricultores e criadores de gado foi o labor da terra e suas

memórias. E o que mais marcou os moradores da cidade foi a capacidade visionária de

seu fundador, projetada com ruas largas prevendo um futuro onde aquele espaço seria

tomado por carros; hoje, por uma ironia do destino, em seus dias de maior movimento,

são os cavalos que povoam Juparanã em procissão pelo dia de São Jorge, o evento que

ainda faz com que o local não seja completamente esquecido nas redondezas.

Atualmente, ao contrário do passado, a maior presença do Estado é reivindicada,

assim como a atenção para as necessidades básicas de um cidadão, como fornecimento

de luz adequado, assistência médica e a instalação de antenas de celulares e internet.

Porém, foi justamente a preservação da memória que inspirou os moradores da cidade,

pois, eles assistiam, sem nada poder fazer, a degradação da estação de trem, esta que já

foi considerada a mais bela da ferrovia Pedro II. A igreja também estava passando por

um processo de abandono, porém os moradores, junto com o padre da localidade, se

reuniram e venderam rifas até conseguirem verba para a sua reforma.

Caso o progresso do século XX acontecesse ali, da forma como foi previsto pelo

Barão de Juparanã, será que suas histórias de família estariam hoje bem mais diluídas, o

peso de seu “sangue” não faria tanto sentido? Se toda essa memória tivesse de dividir

espaço com as preocupações dos grandes centros urbanos, estariam elas fora do circuito

do interesse deles próprios? Não acredito que as memórias e histórias são centrais

apenas por estarem à margem do “desenvolvimento”, porém elas são hoje as armas

centrais de suas lutas. Como Cholango, presidente do Ecuaruari, um movimento político

indígena do Equador, disse em carta ao Papa Bento VXI em 2007: “Nossas chamadas

“crenças” e “símbolos” não desapareceram em 500 anos” (CADENA, 2010, p.335). Por

esse motivo, penso o caso de Juparanã como um movimento de resistência minoritária

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que utiliza de sua memória para chamar a atenção do governo para o que consideram de

importância em suas vidas. Talvez esse movimento minoritário não seja tão visível num

primeiro momento, já que estamos falando de um distrito dentro de uma cidade. Pessoas

que pagam seus impostos, contas de luz, telefone fixo, alguns conseguem até internet.

Dar voz aos problemas dos moradores é uma das funções do S.O.S Barão de Juparanã,

um movimento criado principalmente visando à reforma da estação de trem,

monumento símbolo dos tempos áureos do café, mas que foi perdendo sua função e

brilho até ser completamente abandonada com o desuso do ramal de passageiros da

Ferrovia D. Pedro II. O Estado que lucrava com a fertilidade de suas terras e com os

impostos que cobravam na produção do café não via mais serventia para dar tanta

assistência ao local. Estiveram eles calados, cochichando entre si sobre suas histórias e

seu passado, porém construíram de forma autônoma seu problema e decidiram o que

necessitavam para que esse problema fosse minimamente resolvido. Para compreender,

recorro à noção de dobra desenvolvida por Deleuze, segundo o entendimento de

Henrique Antoun:

Construir um problema é dar as condições de sua expressão, fazer

com que ele fale o que antes jazia calado. Fazer um problema falar é

produzir um acorde para além do terror e da suficiência do acordo,

deixando soar uma dissonância fora da consonância do consenso. A

política do acorde é a inclusão de uma atividade gerando um espaço

livre num território esquecido pela disputa reativa por dominação.

Pois o que faz do nosso mundo o melhor dos mundos, segundo

Deleuze, é que nele a força é capaz de dobrar-se, o novo é capaz de

incluir-se e a harmonia se faz, também, pela dissonância do acorde.

(ANTOUN, 2009, p.4)

O problema construído pelo movimento S.O.S Barão de Juparanã foi em parte

resolvido. Os participantes do movimento tinham seus mecanismos para fazer seus

barulhos (como apareceram na TV em 2012: com a pauta sobre a Cidade dos Primos, já

citada, recorreram ao veículo de comunicação e conseguiram uma nova matéria falando

sobre o abandono da estação). As obras das Estações estavam se iniciando dois meses

antes das eleições para o governo do Estado do Rio de Janeiro, e obviamente, Luiz

Fernando Pezão, candidato em 2014 e atual governador, que possui bastante influência

na região, aproveitou a ocasião para sua autopromoção.

45

As preocupações nessa ocasião eram se as obras iriam continuar em 2015, ano

de vácuo entre as eleições estaduais e municipais. Os membros do movimento não estão

satisfeitos com a resolução do problema e possuem outras pautas em suas

reivindicações, ligadas à saúde, ao abastecimento das necessidades básicas e à

educação. O S.O.S não parou após o início da reforma da estação. Seus militantes não

estão conformados; exercem uma política de “acorde”, e não do consenso ou do acordo.

Pelo pouco que estive presente, é um movimento que possui uma grande participação se

comparado a outros movimentos (mesmo que, para eles, ainda falte a participação da

população), e não possuem uma liderança específica, ou porta-vozes. As pautas são

construídas de forma coletiva e o movimento é autogestionado, encontrando, assim,

espaços para a multiplicidade dentro da política do Um, centralizadora, onde as

diferenças são subjugadas ao poder do Estado e do indivíduo, como é próprio da

maioria desses movimentos. Porém, essa seria apenas a ponta do iceberg: é a partir do

problema que os Juparanenses se tornam visíveis ao Estado, uma forma de contato e

conflito. A memória e a história são o pano de fundo para legitimar essas

reivindicações, possuindo alicerces na relação que possuem com o tempo, a qual

percebo a partir da forma como interagem com objetos e com seres não-humanos.

Imagem 7 – Vereador Naldo e Governador Pezão aproveitam a ocasião da reforma da Estação para

realizar campanha eleitoral, visto que as eleições de 2014 estavam próximas

46

O tempo – dos documentos à interação com mortos

Quando fui para Juparanã, havia acabado de escrever o projeto de pesquisa que

resultaria nesta dissertação. Ainda estava extremamente ativa - talvez hiperativa – e o

tempo realmente era algo que senti pesar. O tempo passava sim, de forma mais lenta e

para “passar o tempo” eu tinha que arrumar o que fazer: eu trabalhava, lia, ajudava na

casa de Dona Celeste. Dormia às 20h, 21h, e acordava umas seis para caminhar, ia até a

Fazenda de Santa Mônica, tirava umas fotografias e retornava pelo mesmo caminho que

havia ido. Precisava dessa rotina, já que meu celular não pegava na cidade, e mesmo

que a casa de Dona Celeste fosse privilegiada pelo acesso à internet, ela passava a maior

parte do tempo desligada, pois o fornecimento de luz na cidade era instável, dando picos

que poderiam queimar o aparelho. Descobri-me uma ‘urbanoide’, algo que não

esperava.

Imagem 8 – Casarão da Fazenda de Santa Mônica, hoje Palácio Duque de Caxias - visão frontal

47

Imagem 9 – Casarão da Fazenda de Santa Mônica, hoje Palácio Duque de Caxias – Visão Lateral

O que aconteceu comigo nesse momento foi uma transição para um novo ritmo,

ao qual estava desacostumada, um ritmo muito mais tranquilo do que aquele que vivi

durante o primeiro ano do mestrado. Fui me adaptando de forma lenta, ou talvez nunca

tenha me adaptado completamente, já que não abandonei minhas rotinas de caminhada e

exercícios antes de qualquer entrevista ou pesquisa em arquivo. Pelo contrário, fui

abandonando naturalmente hábitos como o cigarro e a cerveja e passei a dormir e

acordar cada vez mais cedo.

Os moradores que permaneciam na cidade e não iam trabalhar nas redondezas se

ocupavam de tarefas rotineiras. Celeste, por exemplo, faz artesanato, crochê, ponto cruz,

tricô... Também faz depilação na casa de suas clientes, para tirar um dinheirinho. Seu

marido, Seu Luis Otávio, é transplantado. Recebeu o rim de um doador, e toma

remédios para aumentar a imunidade, sendo aposentado por invalidez. Enquanto estive

por lá ambos passavam o dia na frente da TV, ou Celeste estava atendendo uma cliente,

ou Luis Otávio estava buscando água na bica. Ambos pegaram um pouco o meu hábito

e passaram a caminhar nos finais de semana.

Dona Anna Leite, por sua vez, era muito ativa na Diocese local. Sempre estava

ocupada com algo relacionado à Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio e foi uma das

pessoas mais receptivas que lá conheci. Conhecia muitas histórias de Sant’Anna, já que

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viveu boa parte de sua vida por lá. Zé Célio Monteiro era o corretor de imóveis da

região, porém trabalhava em casa. Recebia os aluguéis em sua confortável varanda, não

gostava de falar sobre as histórias, mas era uma figura de uma prosa boa e divertida,

sempre tinha uma boa conversa para jogar fora com aqueles que cruzavam o seu

caminho. Tinha motivos para não se interessar pelas histórias de família, já que seus

parentes Monteiro se envolveram em uma disputa por terras com a família dos Leite, de

Anna Leite.

Seu Luiz Antônio também era envolvido com a Diocese, seu pai falecido foi

quem escreveu o folheto comemorativo do centenário da Igreja de Nossa Senhora do

Patrocínio em 1981 contando com a ajuda de vários membros da comunidade

eclesiástica que também eram aparentados do Barão. Talvez esse seja o registro mais

importante da localidade, no qual conseguiram reunir seus documentos e memórias para

que fossem contadas um pouco das histórias da Igreja e de seu “benfeitor”, o próprio

Barão de Juparanã. Luíz Antônio vive com a mãe, Dona Iedda Giffoni, neta de

Deoclídes, última filha do Barão. Dona Iedda está com noventa e um anos e sua

memória recente anda um pouco comprometida, porém ainda se lembra de seus tempos

de menina, quando visitava a avó que fora criada junto com a irmã mais velha,

Guilhermina, já que teria sido a única a não receber parte do desmembramento da

fazenda, provavelmente por ter nascido depois da morte do Barão de Juparanã. Na

minha última visita, infelizmente mãe e filho se encontravam bastante enfermos, o que

me deixou profundamente triste.

Imagem 10 – Livreto comemorativo do centenário da Igreja N.S. do Patrocínio de 1981

49

Nos encontros que tive com mãe e filho, percebi que ambos mantinham de

forma bastante consciente suas memórias antigas. Luiz Antônio se apropriava da

memória de sua mãe, mas a mesma sabia bem de suas histórias de juventude, e gostava

de contá-las (às vezes se incomodava um pouco com as interrupções de seu filho e dizia

de forma educada “Fui eu quem viveu, deixe-me contar”). E contava como corria pelos

cafezais, e levava bronca da mãe e da avó. Lembrava de conversas que tivera com ex-

escravas, e quando se lembrava da vida em Sant’Anna, fechava os olhos com gosto, que

dava até para sentir o sabor da época de sua infância. E dizia das festas de Sant’Anna,

onde a parentada toda se reunia em volta da igreja para dançar e comemorar o dia da

Santa. Vinham até os parentes que tinham se mudado para o Rio de Janeiro. Era um

grande evento, todo promovido pelos descendentes do Barão de Juparanã. A data não

foi esquecida não só por Dona Iedda, mas também por Dona Ana Leite, Candoca e por

Ivo, filho de Laudilina, único da família que ainda possui suas terras em Sant’Anna

(Laudilina é irmã de Anita, e está localizada em anexo II e III, em bisnetos do Barão).

Imagem 11 – ruinas da igreja de Sant’Anna apenas a fachada continua de pé.

50

Imagem 12 – Laudy, irmã de Ivo e a Santa na Igreja de Sant’Anna

Fiquei hospedada dois dias em companhia de Ivo e sua esposa, Sandra. Ambos

são excepcionalmente receptivos e divertidos, sem pudores para conversar sobre

assuntos que são meio que vetados para a maior parte da família, como as relações

incestuosas e os detalhes do conflito entre os Leite e os Monteiro, os primos que se

mataram em brigas de cerca em meados do século XX. Ivo me recebeu com um almoço

e já tinha separado alguns documentos e registros fotográficos (como o que se encontra

acima) para me auxiliar na pesquisa, tudo no mais delicioso clima de outono, com uma

cervejinha gelada e uma comidinha toda feita à base das hortaliças e leguminosas que

cultiva em seu território. A casa em que ele me recebeu havia passado por uma reforma

há pouco tempo. A casa antiga, de sua mãe, na realidade ficava no alto do morro. Ele

me contou que construiu esta casa para receber a família, mas ninguém se interessava

mais em ir para lá, mesmo tendo um clima delicioso, bem calmo e bucólico, e uma

piscina para agradar as crianças. O que fez com que os parentes se afastassem da

51

fazenda foi o acidente ocorrido com Juvenal, seu irmão, que morreu com boa parte de

sua família enquanto atravessava o Rio Paraíba do Sul para chegar ao lado onde fica a

Fazenda de Sant’Anna, vindo de Demétrio Ribeiro. O rio é traiçoeiro e cheio de pedras

(a região próxima é denominada Bacia de Pedra) e a única que se salvou foi a filha

menor, que o pai conseguiu arremessar para perto da margem. A comunidade ajudou a

resgatar os corpos e presenciei Ivo dando um dinheirinho para uma pessoa que havia

localizado o corpo do irmão. Segundo uma pesquisa rápida em um dicionário didático

online de Tupi10

, Paraíba significa rio ruim, ou rio que não presta para a navegação. A

morte da família de Juvenal gerou uma comoção na família e um temor de que a canoa

que servira para atravessar virasse novamente. Pude constatar que realmente a canoa

não é totalmente segura, já que balança bastante até que todos estejam alojados dentro

dela. Antes a travessia era feita a remo. Quando estive lá, a canoa já possuía um motor,

o que dava uma segurança maior. O rio não é muito extenso em largura e estava

bastante baixo para a época, segundo o próprio Ivo. Pude ver muitas pedras, que deviam

ficar invisíveis em épocas de cheia, portanto o conhecimento prévio de cada uma delas

era importante para navegar de uma margem à outra.

Neste primeiro dia, Ivo me contou as histórias de sua família. Berta, sua avó

materna, foi casada com seu sobrinho Mário Mafra sem que soubesse disso. Ivo não

sabe explicar nem de que parte da família Mário era sobrinho de Berta nem como esta

se casou sem esse conhecimento, porém, quando descobriu o feito, já com cinco filhos

desta relação, foi para o alto daquele morro que estava ali na minha frente e ateou fogo

em seu corpo. Sua morte não ocorrera no momento, ficando com boa parte do corpo

queimada por alguns dias. Laudilina, mãe de Ivo, que era um bebê ainda na ocasião,

necessitava do leite da mãe e mamava nesta, mesmo agonizante. Berta não resistiu por

muitos dias e veio a falecer por conta dos ferimentos. Ao olhar para aquela geografia

que circundava a casa de Ivo - o rio, a água que levou o seu irmão e o morro onde o

fogo lambeu sua avó até esta vir a falecer -, podia sentir cada vez mais a força e a dor

das lembranças que aquelas visões podiam trazer, mas Ivo se relacionava com o rio e

com o morro sem temer.

52

Imagem 13: Trecho das terras de Ivo: Rio Paraíba, sua casa (centro) e Morro.

Ivo me mostrou uma árvore genealógica bem parecida com a que foi feita por

Adaury e Cidinha (segundo o relato de Mazinho), feita pela mãe de Anna Leite. Em

uma ocasião, Anna Leite disse que queria me mostrar, mas estava emprestada com Ivo,

que nunca devolvia. Por esse motivo dizia que não gostava de emprestar seus

documentos. Percebi, assim, que os documentos circulam entre os parentes interessados

nos assuntos de família. Luiz Antônio também reclamou que uma parenta de Valença,

Glorinha Nogueira, que estava escrevendo um livro sobre a família, levou alguns

documentos e nunca mais apareceu. Queria que ele fizesse o intermédio para eu falar

com ela, mas este disse que não queria ligar para não parecer que estava cobrando.

Disse que se eu conseguisse falar com ela, que eu tentasse saber alguma coisa desses

documentos e do livro, ou seja, era melhor uma estranha cobrar do que ele. Segundo

Candoca, o livro da Glorinha Nogueira já havia sido publicado pela última notícia que

havia tido. Tentei entrar em contato com ela a partir do telefone de casa e do celular,

porém nunca consegui. Candoca disse que seu irmão Vantuiu era amigo dela, que eu

tentasse por esse intermédio, porém nem mesmo Vantuiu conheci, já que mora fora da

região e não regressa constantemente. Tem outro caso, que é o da Dona Esther que não

quis nem conversar comigo, pois o último “primo” que apareceu levou todos os

documentos dela, e ela diz não saber como recuperar.

53

Os documentos são de grande importância para os descendentes de Barão de

Juparanã: Candoca mantém o álbum de fotografias que pertencia à sua mãe com

bastante zelo. Anna Leite possui uma pastinha onde guarda seus documentos dentro de

saquinhos plásticos; Eloy mantém quase que intactas revistas antigas publicadas em

Valença que contam um pouco da história da fazenda de Santa Mônica e das pessoas

que lá viveram. Ivo guarda ainda as fotografias da época de Sant’Anna. Elza escreveu

do próprio punho as histórias que sabia sobre o Barão de Juparanã para guardar também

dentro de uma pastinha. Os documentos são retirados dos armários onde são

cuidadosamente guardados para ganharem vida ilustrando os acontecimentos que

vivenciaram os antepassados de meus interlocutores. Muitos destes estão aqui comigo,

mesmo eu me oferecendo para copiar e devolver na hora, várias pessoas fizeram questão

de deixar comigo, pois confiaram que eu iria voltar. Os arquivos, portanto, por mais que

possuam um dono, circulam entre todos, são eles a materialidade de um acontecimento

ocorrido em determinado tempo e adquirem função prática fora dos armários, em

circulação.

Cardoso Jr (2005), em sua interpretação sobre a noção de acontecimento de

Deleuze, demonstra dois aspectos importantes: a ligação entre o acontecimento e a

temporalidade, e a “estrutura dupla do acontecimento”. Segundo Deleuze, existem dois

tipos de tempo: o tempo de Cronos, o tempo dos deuses, do eterno presente; e o tempo

do ator, o tempo de Aion, onde o presente se espalha e se torna passado-futuro,

esvaziando-o.

Sendo assim há um duplo no acontecimento, ou seja, parte dele se efetua no

presente, onde encarna em um estado de coisas, enquanto a outra parte nunca pode se

efetuar, por não haver presente que não seja impessoal, este mesmo que ainda se

desdobra em ainda-passado e já-futuro. Isso é a estrutura dupla que Deleuze nomeia de

efetuação e contra efetuação do acontecimento. O acontecimento não é individual nem

coletivo, por ser impessoal. É o que Deleuze chama de “quarta pessoa do

acontecimento” (CARDOSO JR., 2005, p.155), tudo seria singular: nem geral, nem

particular.

A partir dessa reflexão, tomando os documentos guardados pelos parentes como

a materialidade de um acontecimento, podemos pensar nestes também como singulares,

o que explicaria esse duplo entre o apego e o desapego. Eles necessitam que os

documentos sejam vistos e trocados, por serem impessoais, porém essas pessoas atuam

54

como guardiãs de suas histórias e documentos, por isso é necessário que os documentos

voltem ao local de origem para serem guardados novamente e revisitados, emprestados

quando necessário.

Outro fator determinante para compreender a construção do tempo, além da

relação dos descendentes e moradores de Juparanã com seus arquivos e objetos, é a

interação que estes possuem com os parentes mortos, dando-se por meio de sonhos

premonitórios e aparições. Para ilustrar esse caso, utilizo os relatos de Mazinho e Tânia

Lúcia (esta última, ver parentesco em anexo II, em trinetos do Barão) sobre dois casos

que ocorreram com a mesma pessoa: Anny, minha avó. Mazinho me contou que minha

avó havia parido a minha tia Tânia Lúcia, sozinha, com o auxilio de vó Rozina. Tânia

nasceu na madrugada do dia 25 de dezembro. Segundo Mazinho, os outros parentes

tinham ido para a Missa do Galo, deixando Anny para trás, porém ela teve uma visão de

uma senhora de preto, que reconhecera como sua avó. Esta conduziu o parto e

tranquilizou a neta neste momento. Tânia me contou que a mãe sempre recebia auxílio

desta senhora de preto em momentos de dificuldades.

Anny também sabia, a partir de sonhos, quando alguma coisa muito ruim ia

acontecer, geralmente fatos relacionados a doença e morte de pessoas próximas. Tânia

disse que isso acontecia quando esta sonhava com um parente que conviveu durante a

infância. Tânia, que era um pouco cética em relação aos sonhos da mãe, pedia para esta

revelar quando sonhasse para tentar fazer com que a mãe visse que não havia relação

entre os sonhos e os fatos, algo que na verdade Tânia nunca chegou a fazer.

Anna Luiza, filha de Adaury (ver Anexo II, em trinetos do Barão para localizar

parentesco), também se lembra de um sonho, o qual narrou pelo Facebook da seguinte

forma:

Sabe Lê, esse sonho nunca me esqueci, tenho vivo na lembrança depois de

muitos anos, após o falecimento do tio Edu. Sonhei que estava caminhando

em uma ladeira, com o tio Edu caminhando na frente, calado, só fazia sinais

pra eu continuar a segui-lo. O interessante (esquisito) é que ele virava uma

fumaça cinza e logo em seguida se “materializava” de novo. Ele me

conduziu para uma casa que estava tendo uma festa. Era festa da parentada,

pois tinham vários dos nossos, vivos e falecidos, e pessoas estranhas

também. Abracei vó Nita, tia Cici, tio Turrico e o Cacá (só me lembro

desses). Sei que havia outros. Perguntei ansiosa pela tia Naná. Vó Nita me

indicou com a cabeça a lateral da casa, quando olho, vejo tia Naná aparecer

rindo, radiante, linda, num vestido todo estampadinho de flores miúdas (já

estou chorando). Fiquei tão contente de vê-la que acabei acordando, e já sabe

como: chorando de emoção! Eu tinha uma ligação muito intensa com tia

Naná! Como uma mãe!

55

Ouvi muitas vezes essas histórias que aconteciam em encontros de família, onde

estavam presentes os mortos e os vivos interagindo normalmente. No sonho de Anna

Luiza, ela está apreensiva para encontrar aquela que já havia falecido, mas que

considerava como uma mãe, ou seja, a ligação ainda era muito forte. Os sonhos são,

portanto, um plano onde os elos entre entes vivos e mortos são relembrados e

fortalecidos.

Existiam também as assombrações, aparições de fantasmas que na verdade não

estavam ali para avisar de algo, ou auxiliar em momentos difíceis, mas só para assustar

mesmo. Durante a minha visita à Sant’anna, Ivo me mostrou uma árvore onde havia

uma assombração, narrando-me de forma muito rápida uma ocasião em que ele e alguns

primos passaram por ali e a viram. Não quis entrar em detalhes, mas deixou bem claro:

depois que todos os parentes foram pouco a pouco indo embora, até mesmo a

assombração deixou o local.

A religião é outra forma de se relacionar com os parentes já falecidos, mantendo

os costumes e crenças, ou pedindo a bênção para os mais velhos, mesmo que estes

estejam mortos há muito tempo. Um desses costumes é a reza do Angelus, uma forma

de se rezar “ave-marias” em série, o que ocorre em encontros de família às seis horas.

Esse costume de rezar às seis, como foi narrado por Luiz Antônio, remonta desde o

Marquês de Baependi, que rezava junto com seus parentes e escravos na varanda do

casarão. A religião católica, mesmo que os seus dogmas não sejam levados de forma

estrita, é um meio de ligação que permanece forte entre os vivos e os mortos.

56

II - Senhores e Escravos – Os limites entre a hierarquia e o

parentesco

Este segundo capítulo é mais descritivo. Nele, penso os arquivos e as produções

textuais locais à luz dos relatos de meus interlocutores, apropriando-me deles para ver

nos detalhes das narrativas uma sabedoria/poder que distingue uns de outros, ou seja,

aqueles que sabem e os que não sabem contar as histórias. A partir desses dados,

gostaria de poder olhar por trás da fechadura deste grande portal construído ao longo do

século XX, que silenciou a complexidade das relações entre senhores e escravos. A

simplificação da divisão entre os oprimidos e opressores retira qualquer tipo de agência

que poderia existir por parte do escravo, calando sua luta.

Um dos primeiros estudiosos a chegar ao local com interesses no início e fim do

ciclo do café, pensando em olhar para as relações entre a terra, os senhores e os

escravos, foi o americano Stanley Stein (1985), para a redação de sua tese de

doutoramento pela Universidade de Harvard. Este compôs um trabalho memorável

sobre a região, contando com dados, fotografias, entrevistas de descendentes de

senhores e escravos, gravações de pontos de candomblé e de jongos, apesar de seu

interesse estar em uma visão mais ampla das mudanças econômicas do Brasil e as

transformações que trouxeram para a região. Stein fez um verdadeiro trabalho de campo

entre os anos de 1948 e 1949. O livro que se originou deste trabalho, apesar de seus auto

explicáveis compromissos com a verdade, dadas as pretensões científicas que reinavam

nos corredores das escolas de ciências humanas naquela época, ainda pode ser útil para

observar algumas das maneiras como foram sendo construídas as relações entre

senhores e escravos, que são meu foco de interesse aqui.

57

Imagem 14 – Seleção de gãos de café -- Fazenda Cachoeira Grande, Santa Tereza. Vassouras, RJ.

Entre 1948 e 1949 (AEL, Coleção Stanley Stein, foto 179)

Segundo Stein, a sociabilidade infanto-juvenil não fazia muita distinção entre os

senhorezinhos e os jovens escravos, já que ambos não representavam utilidade para os

lucros da fazenda. Mesmo que de forma embrionária, essa distinção obviamente existia,

sendo radicalizada conforme ambos começavam gradativamente a cumprir as funções

que lhes cabiam dentro da estrutura de uma fazenda cafeicultora. O jovem senhor

aprende a controlar, e o escravo a obedecer, em complexos jogos de poder paternalistas

que podemos reconhecer mesmo hoje em dia.

Quando estive na fazenda de Sant’Anna, na parte que restou à família de

Laudilina, Ivo, seu filho, narrou um interessante caso que pode nos demonstrar como

que esses jogos de poder ainda são operados. Ivo e sua esposa Sandra, estavam se

queixando, pois não encontravam mais com facilidade pessoas que quisessem trabalhar

na roça. Do outro lado do rio de onde fica a fazenda de Ivo, existe um pequeno vilarejo

chamado Bacia de Pedra, onde este e sua esposa passam parte da semana. Havia um

bêbado que acabava sempre arrumando alguma confusão no bar deste vilarejo. Em um

lugar pequeno como aquele, uma pessoa que arruma confusão pode um dia não ter sorte

e acabar morto. Vendo aquela situação, Ivo convidou este homem para cuidar de seu

sítio, dando moradia, alimentação e umas cervejas no final de semana. Durante o tempo

que este permaneceu por lá, a relação entre os dois foi se intensificando, e obviamente

alguns conflitos começaram a aparecer. Em uma dessas vezes, Ivo proferiu o famoso

“mas você sabe que eu te amo”, que prontamente foi respondido com “ama nada, você

58

só gosta do meu trabalho”. Ivo esperou a situação contrária acontecer. Um dia foi este

homem quem disse “você sabe que eu te amo”. Ivo respondeu: “ama nada, você só quer

saber do meu dinheiro”. Depois de algum tempo, este homem arrumou uma confusão

com Sandra, e Ivo o levou de volta para o outro lado do rio, onde este permaneceu

pedindo desculpas por certo tempo, porém, mesmo perdoado não voltou a trabalhar em

Sant’Anna. Aqui podemos ver sentimentos como o amor e respeito sendo acessados

para descrever relações de trabalho.

Dona Iedda Giffoni também conheceu tia Branca e tia Landa, duas ex-escravas

que continuavam vivendo na fazenda de Guilhermina, onde sua avó Deoclides vivia, até

a sua época de infante. Elas contavam histórias de quando eram escravas e uma dessas

histórias é narrada por Luiz Antônio que nos mostra um pouco sobre como as relações

entre senhor e escravos eram travadas ainda na fazenda de Santa Mônica. Segundo a tia

Branca, que era escrava de lavoura, numa determinada ocasião em que fazia a colheita

do café, estava em estagio avançado de gravidez quando sofreu um acidente caindo ao

chão e perdendo seu filho, algo que segundo ela muitas mulheres simulavam para que o

filho não nascesse escravo (uma das estratégias praticadas pelas mulheres contra a

condição de escravatura). Mas, segundo Luiz Antonio, tia Branca afirmava que esse

não era o caso. De qualquer forma, o capataz iria levá-la para o tronco, esta implorava

por perdão quando passava por lá à cavalo o Barão de Juparanã, que prometeu à tia

Branca que isso não aconteceria a ela, e se alguém a ameaçasse, este alguém é quem iria

para o tronco. Essa história foi contada para enfatizar a bondade do Barão, algo que já

havia sido falado por RAMOS (1981), autor do folheto da igreja como já citado, que no

caso era o pai de Luiz Antonio e esposo de Iedda, já falecido. Essa bondade, a princípio

pode-se suspeitar, pois naquela época havia um intenso temor quanto a revoltas de

escravos, e as repressões violentas a qualquer tipo de prática de resistência11

deveriam

ser pensadas de forma mais inteligente, além de que dentro do paternalismo essas

práticas e negociações estavam previstas no dia a dia da gestão de uma fazenda, tanto do

lado dos escravos como do lado dos senhores, como demonstrado por João José Reis

(1989), no Capítulo “Fugas, revoltas e quilombos: Os limites da negociação” , onde o

próprio título já diz que são situações limites, porém no dia a dia as negociações eram

constantes. Se pensarmos agora, quem ganhou, foi a tia Branca que recebeu o perdão do

senhor, ou o senhor que mesmo depois de anos de sua morte continuava sendo

11

como podemos interpretar o ato de fazer com que o próprio filho não viesse a vida

59

reverenciado por tia Branca? Veremos que o caso é um pouco mais complicado do que

práticas que se encaixam adequadamente no paternalismo comumente conhecido. Se

tentarmos olhar como se existissem práticas padrões e esses casos que entrei em contato

fossem apenas exceções, não conseguiríamos ver a complexidade que estão embutidas

nessas relações.

O paternalismo presente nas relações entre escravos e senhores ultrapassa as

barreiras temporais e permanecem, portanto, presentes até hoje na gestão de uma

fazenda, por exemplo. Naquela época, porém, até mesmo as crianças e mulheres não

eram vistas como muito melhores do que os escravos, sendo que estas últimas deveriam

ser tuteladas por homens até o fim da vida na maioria das vezes. De certa forma, diz o

autor, havia até mesmo uma independência bem maior da mulher negra em relação à

mulher de “classe” (STEIN, ano 1985, p.187), já que as primeiras realizavam tanto

tarefas “femininas” quanto “masculinas” (na interpretação de Stein), participando das

colheitas, aragem da terra e ainda tinham a liberdade para comprar alforria, enquanto as

mulheres de classe dependiam de seus pais e irmãos, e posteriormente de seus maridos,

somente obtendo certa liberdade em caso de falecimento destes últimos.

Imagem 15 – Interior de uma cozinha com azulejos. Fazenda Cananéia. Vassouras, RJ. Entre 1948

e 1949 (AEL, Coleção Stanley Stein, foto 123)

60

A sociabilidade entre senhores e escravos em fase infanto-juvenil não se dava

apenas entre os homens. Senhores cresciam também na companhia de escravas e se

relacionavam sexualmente com elas de maneira aberta:

As esposas de fazendeiros certamente sabiam das intenções de seus

maridos e filhos em relação às jovens escravas. Um fazendeiro e sua esposa,

segundo um conto satírico, viviam juntos e felizes. O marido, no entanto,

tinha um “instinto inato por beleza, e adquiria escravos e escravas, cavalos,

gado, carneiros e porcos, desde que fossem bonitos”. Sua esposa era

indiferente quanto a escravos homens, cavalos, gado, carneiros e porcos –

bonitos ou feios. Mas se tratando de escravas, ela seguia o preceito de que

“quanto mais feias melhor”. Sempre que algum negociante de escravos

aparecia em sua casa, ela examinava o lote e invariavelmente simpatizava

com as escravas “de beiço grande, desdentadas, de nariz achatado ou

aleijadas”. Ela sabia também que nas fazendas onde havia muitas “escravas

pretas e mulatas, bonitas e bem tratadas, os hóspedes chegavam como uma

praga de gafanhotos. Ela temia que sua fazenda se tornasse uma casa de

hóspedes. Portanto, sempre comprava escravas cujas caras assustassem

criancinhas” (STEIN, 1985, p. 193)

Não havia, portanto, nenhum segredo quanto a essas relações sexuais e

provavelmente os filhos bastardos dos senhores com suas escravas também não eram

escondidos. O que faria, porém, com que os casos desses barões que encontrei fossem,

de certa forma, relevantes é que eles viveram solteiros por toda a vida, não constituindo,

dessa forma, uma família legítima de acordo com os costumes morais da época. Estes

desafiaram os mesmos costumes morais ao deixarem em testamento suas terras para

seus descendentes e, em alguns casos como o do Barão de Juparanã e do Barão do

Tinguá, inclusive assumindo sua paternidade. Os documentos e relatos de algumas

pessoas mostram seu interesse em não deixar que sua morte fosse o fim dos privilégios

com que seus filhos eram tratados.

Outros Barões: Relações e desfechos

Esta talvez seja a parte deste capítulo “menos etnográfica”, se formos pensar na

etnografia clássica, onde olhamos nos olhos dos nossos interlocutores, mas não deixa de

ser uma etnografia, pela forma como me preocupei em abordar estes objetos. Para

compor essa parte do trabalho, lidei com papéis cheios de fungos e bactérias perigosas,

que poderiam a qualquer momento tomar meu corpo, como já havia acontecido com

Sônia, uma das funcionárias do arquivo em que trabalhei durante os meses em que

61

estive na região. Os funcionários do IPHAN e alguns historiadores eram as pessoas com

as quais convivia fisicamente, mas concentrava minhas energias mesmo no que estava

escrito naqueles papéis antigos.

Os arquivos não são mais ou menos importantes que os relatos dos meus

interlocutores. Não são mais verdadeiros, ou mais intrigantes. São talvez mais difíceis

para se relacionar, porém o que eles dizem vai além daquilo que está escrito. Somente o

fato de esses arquivos terem sido mantidos com todo o cuidado, muitos sendo

digitalizados por iniciativa de uma universidade particular, a Severino Sombra, e a

região toda entre Vassouras e Valença terem preservado inúmeras fazendas, hoje

transformadas em museus, é porque há uma consciência histórica relevante para os

habitantes da localidade. Penso como Thiago Niemeyer:

(...) gostaria que o leitor mantivesse em mente que minha proposição de

desconsideração de evidências históricas inegáveis não é epistemológica (o

que me levaria a propor uma espécie completamente inaceitável de niilismo

generalizado), mas, obviamente, metodológica. O que gostaria de propor,

novamente, é que a existência de uma consciência histórica bem definida -

manifesta em trabalhos sobre o sul da Bahia - pode ser um problema de

pesquisa produtivo. (NIEMEYER, 2014, p.09)

Apesar de estar também focada em uma consciência histórica bastante peculiar

de Juparanã e redondezas, acredito ser relevante buscar nos arquivos aquilo que os vivos

não podem mais me fornecer como informação por não conseguir localizar os

descendentes de outros barões, ou por estes não saberem me contar o desenrolar de

algumas histórias. Mesmo que minha preocupação não seja com a veracidade dos fatos,

mas sim com a peculiaridade da centralidade da memória nas relações entre os

Juparanenses e moradores das proximidades, os documentos são úteis para informar não

apenas os fatos que são lembrados, mas aqueles que foram esquecidos, como Lilia

Schwarcz (2004) observa:

Engana-se aquele que pensa que tudo que a memória faz é lembrar.

Os arquivos estão repletos de lembranças, mas também devastados

por silêncios e omissões: assim como é função lembrar, faz parte do

ofício esquecer. (SCHWARCZ, 2004, p.785)

Por essa razão e por uma curiosidade e necessidade antropológica de se saber se

havia outros barões que se relacionaram da mesma forma que o Barão de Juparanã com

suas escravas, me vi trabalhando com documentos antigos por mais tempo do que era

esperado. O que era para ser apenas um comentário ou uma citação a título de

62

comparação, por sua relevância, se tornou parte importante para a composição deste

capítulo. Mesmo que o objeto não seja o convencional (pessoas vivas), a metodologia

aplicada foi a mais etnográfica possível. Tomando como referência Emerson Giumbelli

(2002, p.94), não acredito que por estar fazendo o trabalho etnográfico utilizando não

apenas os meios de contato direto com meus “nativos”, faça de mim menos antropóloga

do que se este trabalho fosse baseado completamente na minha vivência intensiva com

eles.

O trabalho etnográfico e a noção do que é o campo antropológico estão cada vez

mais sendo ampliadas pela complexidade das relações que vivemos hoje. O fazer

antropológico que observa e participa das dinâmicas de grupos sociais não pode se

limitar a olhar apenas nas relações tête-à-tête, encontrando outras formas de se fazer

campo que dependem muito mais da disposição, percepção e criatividade do

antropólogo. Segundo Castro e Cunha, (CASTRO; CUNHA, 2005, p.02) mesmo que

alguns dos mais importantes antropólogos reconhecidos, como Mauss e Lévi-Strauss,

não tenham feito quase nenhum trabalho de campo, esta é a metodologia distintiva da

disciplina. A partir dos anos de 1980, começa-se a utilizar os arquivos, já que esses

informam bastante sobre eles mesmos, e sobre o contexto no qual foram produzidos. Os

arquivos, segundo Olívia Maria da Cunha, não falam, porém sua pretensa marginalidade

no fazer antropológico pode ser reconsiderada se forem utilizados de forma analítica,

sendo o objetivo não aquilo o que estão dizendo, ou seja, o dado histórico, mas “(...) o

fato de os arquivos terem sido constituídos, alimentados e mantidos por pessoas, grupos

sociais ou instituições” (CUNHA, 2004, p. 293). Além de observar a forma como as

pessoas mantêm seus arquivos, também fiz algumas pesquisas em arquivos

institucionais para ilustrar o contexto da região, demonstrando que o caso do Barão de

Juparanã não foi o único da localidade.

Meu objetivo, afinal, é o conceito de história reivindicado no local, que em

muito se assemelha com o descrito por Thiago Niemyer em seu trabalho de campo

sobre a região cacaueira de Ilhéus. Talvez essa comparação seja forte por terem sido

insumos cultivados trazendo grande progresso para ambas as regiões (Sul Fluminense e

Baiano). Niemyer observa:

Quando falei em duas eras, me parece haver uma relação particular

e aparentemente contra-intuitiva com o tempo. O passado distante é

exageradamente distante, ao ponto de as missões jesuíticas, os escravos

negros e as tribos indígenas parecerem situar-se em outro tempo, sem

ligação com o nosso senão em pequenos detalhes, manifestos em ruínas

63

(missionários religiosos), “culinária”, “música” e “sincretismo religioso” (no

caso povos africanos) ou contribuições de tom quase anedótico, como nomes

de rios, montanhas e vales ou o hábito de tomar banho com frequência (caso

dos indígenas). Com relação aos portugueses brancos, a mesma sensação de

distância se faz perceber, dessa vez não pelos pequenos detalhes, mas pelo

‘englobamento’ de todo o resto: a língua, a civilização, tudo de mais

importante e ao mesmo tempo mais naturalizado e estanque. (NIEMEYER,

2014,p.17)

No caso da região por mim estudada, a história, na maior parte das vezes, não

começa com a cidade, e sim com a origem da família e a posterior vinda para a cidade,

mesmo que esta não tenha acontecido de forma muito diferente das outras famílias

produtoras de café da região, que vieram em sua maioria de Minas Gerais. Porém,

observando os relatos, livretos escritos por pessoas locais ou monografias que encontrei

na Universidade Severino Sombra sobre o assunto12

, vemos que se omite

completamente tudo aquilo que ocorreu antes do progresso trazido junto com as

milhares de mudas de café para a região. Como observamos no primeiro capítulo, toda a

noção de história que se tem na localidade está envolta na história da família, com o

progresso da região e sua posterior falência. Alguns dos descendentes legítimos do

Barão de Juparanã, herdeiros da fazenda de Sant’Anna, sobreviveram ao fim do

progresso da região, pois não eram grandes fazendeiros. Talvez essa tenha sido a sorte

de seus 25 filhos mulatos. Sorte essa, que não foi companheira de seu irmão, Barão de

Santa Mônica, já que, atolado em dívidas, teve de entregar a fazenda para o Banco do

Brasil, segundo os meus interlocutores.

Já vimos que o caso do Barão de Juparanã não é um que extrapola a realidade e

o contexto das relações entre senhores e escravos nas Fazendas de Café. Sendo essas

relações bastante comuns, o incomum seria a disposição do Barão de Juparanã em fazer

de seus filhos com negras senhores independentes com suas próprias terras. A pesquisa

nos arquivos objetivou primeiramente identificar os outros casos semelhantes entre

Barões que tivessem tanto ou mais prestígio do que o Barão de Juparanã.

Para ter acesso a esses dados, me vi na necessidade de mergulhar nos arquivos

da cidade de Vassouras, já que o arquivo público da cidade de Valença, infelizmente,

fora tomado por um incêndio antes do início de minhas pesquisas. De certa forma, os

12

Ascensão e queda da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba na segunda metade do século XIX: O caso da

trajetória dos barões do café no município de Vassouras entre os anos de 1850 e 1900. Lima, Wayne dos

Santos. TCC 37/99H; Famílias e redes de socibilidade em valença: Um estudo de caso (província do rio

de janeiro 1823-1888). Arieira, Regina Faria. Vassouras. 2007; Nossa Senhora do Patrocínio de Juparanã:

A fé que vem pelo mar (histórias de Juparanã), Franscisco, Maria da Penha A.S. 2009, TCC 2030 FRA

NOS 2009; entre outras.

64

citadinos de Juparanã se relacionam mais com a cidade de Vassouras do que com a de

Valença, pois o centro desta se encontra mais próximo ao distrito do que o centro da

cidade à qual pertence (ver figura abaixo). Para o tipo de pesquisa que queria fazer, não

fazia tanta diferença se os dados fossem coletados em Vassouras ou Valença.

Imagem 16 : Mapa político localização de Barão de Juparanã entre os municípios de Valença e

Vassouras

Pesquisando nos arquivos entre 1850 e 1890, no acervo do IPHAN (Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de Vassouras, entrei em contato com os

testamentos de dois dos Barões sobre os quais irei me aprofundar mais à frente. O Barão

de Guaribú, Cláudio Gomes Ribeiro d’Avelar, e o Barão do Tinguá, Pedro Correa e

Castro, ambos grandes proprietários de fazendas cafeicultoras na província de

Vassouras, que correspondem hoje ao seu território, de Paty do Alferes (fazendas do

Barão de Guaribú) e de Engenheiro Paulo de Frontin (Sacra Família do Tinguá). Depois

de algum tempo debruçada nesses arquivos, percebi que ambos haviam morrido

solteiros e sem filhos legítimos, da mesma forma que o Barão de Juparanã, e também

deixaram terras para filhos que tiveram com escravas.

65

Apenas o testamento, porém, não garantia que os beneficiários recebessem o que

lhes era designado. Sendo esta atitude oposta ao moralismo da época, justiça e família

se colocavam como obstáculos para que se atrasasse ao máximo ou mesmo impedisse o

recebimento da herança. Por mais que no caso do Barão de Juparanã as terras tenham

sido de fato herdadas por seus filhos, os seus descendentes narram que o Barão de Santa

Mônica, irmão e sócio do Barão de Juparanã, queimou documentos atrás do casarão

após a morte de seu irmão, com medo de que esses tivessem direito a mais do que o que

estava registrado no testamento, pois antes de morrer, e após a feitura do testamento13

, o

Barão de Juparanã reconheceu em outro documento seus 24 filhos com as cinco

escravas como legítimos em carta assinada.

Quando entrei em contato com este documento, cuja cópia estava em posse de

Anna Leite, inicialmente questionei se havia a necessidade de assumir a paternidade dos

meninos que chamava no testamento de “meus protegidos”, já que o testamento era bem

claro quanto aos herdeiros, e a forma como se daria a partilha. Não era o suficiente, e

para saber disso precisei “viver” o drama dos filhos do Barão de Guaribú. O caso do

Barão de Guaribú, a notória demora do inventário e o suicídio do seu filho mais velho

eram de conhecimento público, já que fora publicado em um importante jornal da então

Capital Federal, o Rio de Janeiro, e provavelmente o próprio Barão de Juparanã estava a

par dos acontecimentos14

. Acompanhei passo a passo, do testamento ao inventário que

durou mais de 30 anos, cada tentativa de se conseguir as terras prometidas pelo pai aos

4 filhos de Maria das Antas.

Os registros se iniciam em 1863, quando Cláudio Gomes Ribeiro d’Avellar, que

possuía as Fazendas de Guaribú, Fazenda das Antas, Fazenda Boa União, Fazenda

Encantos e Guaribú Velho estava para falecer. Por mais que recebesse o título de Barão

de Guaribú (sua fazenda mais antiga, herdada do pai Luis Gomes Ribeiro), a fazenda

mais produtiva era a Fazenda das Antas. Deixou em testamento seus bens, que

13

O seu testamento foi publicado posteriormente, em uma versão comentada que contava um pouco do

desenrolar das histórias. A cópia desta publicação estava em posse de Anna Leite, porém foi cedida por

Glória Nogueira, a pessoa a qual os moradores de Juparanã diziam ter escrito ou estar escrevendo um

livro sobre o Barão, já que esta também seria uma das descendentes. Glorinha vive no centro de Valença

e o contato que tentei fazer com ela nunca foi bem sucedido. De qualquer forma, a informação de que o

Barão teria reconhecido seus 22 filhos em um documento posterior ao testamento, onde foi anexado, está

em um comentário nesta cópia do testamento. Não há registro de quem seja o comentador. 14

O suicídio de Manuel Avellar ocorreu em 22/08/1872, segundo Arthur, descendente direto do Visconde

da Parahyba, irmão do falecido Barão de Guaribú, ou seja, quatro anos antes da morte do Barão de

Juparanã.

66

correspondiam a todas as suas terras, benfeitorias, escravatura, safra, gado e qualquer

outra coisa que pudesse estar sobre seu território.

O Barão de Guaribú deixou as terras com apelo mais sentimental (por terem

pertencido ao pai) para seus irmãos e sobrinhos, porém deixou aos seus filhos não

legítimos as fazendas mais produtivas:

Deixo ao meu afilhado Manuel Gomes Ribeiro Avellar – Estudante, filho de

Maria das antas, e seus dois irmãos Luiz, João, nascidos todos de ventre

livre, as minhas fazendas das Antas, Boa União e Encantos, com todas as

suas benfeitorias, terras e escravos que nelas existirem (...) (p.03)

Imagem 17 - Fazenda de Guaribú na década de 1930

Segundo ainda o testamento, os filhos de Maria das Antas deveriam tomar de

volta os escravos que estavam emprestados na Fazenda de Guaribú, já que faziam parte

do legado dos meninos, mais cento e vinte escravos que seriam escolhidos por Manuel,

o filho mais velho do Barão. Seus descendentes ainda não haviam tomado posse por

serem menores e pelo fato de o Barão de Guaribú ter deixado algumas dívidas que

deveriam ser quitadas pelo inventariante (no caso o seu irmão, Visconde da Parahyba)

no prazo de um ano. O Barão de Guaribú deixou ainda a Maria das Antas, mãe de seus

filhos, a quantia anual de quatrocentos mil réis, que cessaria logo que os meninos

tomassem conta de seus legados, porque daí em diante seus filhos a sustentariam:

67

(...) e, além disto, (...) quero que ela seja sustentada pela Fazenda das Antas

e que lhe não falte nada o necessário à vida enquanto ali morar, até que seus

filhos tomem conta de seus legados. (...) Deixa ainda a mobilia da fazenda

Guaribú para os meninos (p.06)

Fiz uma busca pelo site de pesquisas Google e pelas redes sociais para tentar

encontrar os descendentes dos filhos do Barão de Guaribú. Sem sucesso nessa

empreitada, encontrei Arthur Carlos Peralta, o descendente dos últimos inventariantes

dos bens do Barão de Guaribú. O inventário que iniciou em 1863 foi ter seu último

documento anexado em 1897, quase na virada do século XIX para o século XX, mais de

trinta anos depois. Segundo Arthur, o filho mais velho do Barão morto mantinha uma

boa relação com o primeiro inventariante, porém as dívidas corriam e a justiça também

agia para que os débitos nunca cessassem. Arthur me contou que Miguel cometeu

suicídio aos 30 anos. Este já era viúvo, e vivia na Fazenda de Guaribú, sob a proteção

dos irmãos de seu pai. Segundo o que consta no inventário, este teria se matado por

conta das dívidas em que estava afundado já que não podia tomar posse da fazenda que

era legitimamente sua.

O suicídio de Miguel tornou os longos anos de inventário ainda mais dramáticos.

No ano de 1897, os irmãos João e Virgínia entraram com um processo contra o irmão

Luis, já que este tomou posse da Fazenda das Antas após a morte do primo, João Gomes

Avellar, e não estava prestando contas dos lucros aos irmãos mais novos. Foram

descobrir que este já estava vivendo na capital. Parte do inventário foi perdido, mas

Arthur revela que ao longo do tempo, muitos dos bens foram sendo vendidos para que

fossem satisfeitos credores e os pagamentos dos impostos que foram sendo acumulados

a níveis praticamente impagáveis.

Encontrei Arthur a partir do blog que mantém sobre as histórias de sua família.

Esse se diz um interessado, apenas um pesquisador autônomo, nada diferente daqueles

descendentes do Barão de Juparanã que cruzei durante meu campo. Arthur recolhe

registros, digitaliza e inclui em seu blog. Este também utiliza o espaço virtual para

relatar muitos casos ouvidos por seus parentes. Arthur me contou sobre sua ascendência

e de quem ouvia as histórias que reproduz, sendo ele tataraneto do Visconde da

Parahyba. O filho do Visconde da Parahyba, João Gomes Ribeiro de Avellar, foi

também o último inventariante. Este era conhecido pelo seu apelido, Jaco. Segundo

Arthur, Jaco fora um dos maiores comissários de café do Rio e um dos fundadores da

Cia. Docas de Santos. Este foi por fim o herdeiro das fazendas do Guaribú e do Guaribú

68

Velho, por parte do tio e também herdeiro de parte da fazenda Boa Vista em Paraíba do

Sul. Arthur conta que João morreu de febre tifoide em 1891, mal que levou também sua

esposa Ermenciana, dois meses depois. A filha de Jaco, e trisavó de Arthur, Leocádia

Calvet Avellar herdou, assim, a fazenda de Guaribú, vivendo mais de 90 anos. Dona

Herundina era, finalmente, a bisavó de Arthur e filha de Leocádia. Esta seria a

responsável por lhe contar as histórias dos velhos tempos da fazenda, onde este passou

muitos verões antes do casarão virar ruínas. A fazenda, porém, ainda pertence aos seus

parentes. Em um documento jurídico posterior, datado do início do século XX, podemos

ver João, o filho do Barão, como proprietário da Fazenda das Antas em conflito com um

dos arrendatários. Antes ou após essa data, não há mais nenhum documento que faça

referência a João, Luis ou Virgínia.

Imagem 18 - foto extraída do blog de Peralta, mostrando a vivência de seus parentes na Fazenda de

Guaribú

Outro Barão que teve filhos com uma escrava e que lhes deixou terras foi Pedro

Corrêa e Castro, o Barão do Tinguá. Este também permaneceu solteiro e teve seis filhos

com Laura do Congo, falecendo no ano de 1874. Segundo consta em seu testamento,

seus filhos viveram em sua companhia, sendo “educados com zelo e na doutrina cristã”.

Os inventariantes, segundo Stein (1985), eram homens livres casados com filhas de suas

ex-escravas. O Barão do Tinguá não só deixou em documento assinado em 1965 (nove

anos antes de sua morte) suas terras para seus filhos, como os reconheceu enquanto

legítimos perante o Imperador e a Deus, já que queria a salvação de sua alma.

69

Se esta era realmente a principal motivação de os ter assumido, nunca iremos

saber, porém, é notório que o reconhecimento dos filhos com escravas enquanto

legítimos serviu para diminuir os trâmites burocráticos nas transações de bens do

inventário. Mesmo que o interesse fosse somente o mesmo que o Barão de Guaribú

descreve em seu testamento, “evitar que seus “afilhados” vivessem na penúria”, O

Barão de Juparanã e o do Tinguá tiveram mais eficácia em suas pretensões, já que

vislumbraram assumir os filhos antes de sua morte, o que o Barão de Guaribú não fez.

Podemos ver que as relações sexuais entre senhores e escravas, mesmo com todos os

esforços e impedimentos morais impostos pela ideia de família então vigente e da

Justiça, poderiam ser capazes de transformar o status de suas concubinas a partir do

reconhecimento da legitimidade de seus filhos, passando a ser senhores de suas

próprias terras. Em sua pesquisa nos arquivos, Stein também encontrou o seguinte caso,

o qual reflete a grande influência política que as relações sexuais entre senhores e

escravas podem trazer. Trata-se de uma ação de divórcio movida pela Sra. Luiza Maria

de Carvalho contra João de Souza Vieira, após 23 anos de matrimônio:

Entregue a uma vida dissoluta, seu marido teve amásias o tempo todo e

gastava grandes somas com elas. Cerca de 10 anos atrás (1843) ele adquiriu

a liberdade da mulata escura Rosa e de seu irmão e, tornando-a sua amásia,

alimentava-a, dava-lhe roupas e construiu-lhe uma casa, onde passava quatro

meses seguidos... Muitas vezes a esposa se sentiu desgostosa e envergonhada

por tê-lo encontrado na cama dos dois com sua própria escrava... Incapaz de

tolerar suas exigências e insultos, ela primeiro tentou fugir para a residência

da mãe e depois para casas de parentes. (Luiza Maria de Carvalho vs. João

de Souza Vieira. APV, 1853 apud STEIN, 1985, p.194).

O que ocorre após isso é que o esposo de Luiza se envolve com outra escrava à

qual deu uma casa e até mesmo contratou uma empregada, sendo o limite tolerado por

Luiza. Mas o que a fez entrar com o pedido do divórcio foi ele ter levado a “amásia” em

uma missa, desmoralizando-a na frente de todos, sendo por fim, o divórcio concedido

pela igreja.

João José Reis e Eduardo Silva (1989) trabalham com o escravo enquanto um

agente político, o que também vislumbro dentro da perspectiva analisada. Não tento

perder de vista os abusos de poder e agressões que estão embutidas nas relações sexuais

entre senhores e escravos, mas é possível perceber que antes de serem apenas vítimas,

algumas mulheres escravas conquistaram ganhos como alforria, moradia, presentes e

uma vida confortável a partir da satisfação dos desejos sexuais de seus senhores.

70

Podemos ver neste tipo de relação um espaço de negociação. Aos homens escravos,

grande maioria nas fazendas agrícolas, havia uma possibilidade maior de negociação da

escravidão a partir das ameaças de fuga e insurreições, ameaças que vinham de fora

para dentro. Já as mulheres, mesmo sendo minoria, possuíam maior entrada na vivência

do interior da casa grande, e por isso podiam negociar sua liberdade de dentro para fora:

(...) é preciso ter em conta, primeiro, que as mulheres escravas eram

minoria mesmo, em termos gerais. Acresce a posição específica que

ocupavam no tocante à possibilidade de negociação dentro do sistema,

seja pelo uso do sexo e da inteligência, como “chicas da silva”, seja pelas

prendas culinárias, como “baianas de acarajé”, “quitandeiras” etc..., seja

ainda através da ascendência religiosa ou afetiva, como as mães de santo,

mães-pretas e amas-de-leite. Por último, devemos ter em conta, no

relacionamento escravo-escravo, a maior responsabilidade que assumem

as mulheres. (REIS e SILVA, 1989, p.76)

Segundo a perspectiva dos autores, as mulheres possuíam uma função de grande

importância, pois eram os elos de conexão entre escravos e senhores, além de

assumirem a posição de negociação nas relações entre os próprios escravos, que

estavam longe de serem harmônicas. Mesmo que essa postura fosse privilegiada, elas

também articulavam revoltas junto com os escravos de lavoura, sendo a história mais

famosa da região a da escrava Mariana Criola, costureira que vivia dentro da Casa

Grande, e que junto com Manuel Congo liderou as revoltas das fazendas da Manilha e

Freguesia, pertencentes ao Capitão-Mor Manoel Francisco Xavier, um grande tirano que

maltratava em demasia seus escravos.15

Hoje um centro de assessoria juridica popular

do Estado do Rio de Janeiro carrega seu nome, em homenagem a seus feitos

15

Mulheres Fluminenses do Vale do Paraíba: História de luta e conquista de cidadania feminina. CEDIM

– Conselho Estadual dos Direitos da Mulher. Governo do Estado do RJ. 2001

71

Imagem 19 - Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola

Segundo Reis e Silva, eram em momentos de crise, quando a casa estivesse

desarrumada, que as insurreições aconteciam, e foi justamente com o assassinato de um

escravo açougueiro, à base de tortura, que estes se rebelaram. Seriam as revoltas a

quebra de um “padrão”, seguindo a forma como pensam os autores. As fugas, revoltas e

quilombos seriam os limites da negociação, sendo que o que reinariam seriam essas

negociações cotidianas mais bem sucedidas ou mais “acomodadas”, porém não isentas

de inquietude, como as figuras do pai-joão, das mães-pretas ou chicas da silva. As fugas

eram feitas em sua maioria por homens entre 20 e 29 anos, porém

é preciso tem em conta, primeiro, que as mulheres escravas eram minoria

mesmo, em termos gerais. “Acresce a posição específica que ocupavam no

tocante à possibilidade de negociação dentro do sistema, seja pelo uso do

sexo e da inteligência, como “chicas da silva”, seja pelas prendas culinárias,

como baianas de acarajé”, “quetandeiras” etc..., seja ainda através da

ascendência religiosa ou afetiva, como as mães de santo, mães-pretas e

amas-de-leite. Por último, devemos ter em conta, no relacionamento escravo

escravo, a maior responsabilidade quem assumem as mulheres (REIS e

SILVA, 1989, p.76)

Não há relatos sobre o “espírito” de revolta de Emília, Manoela, Geralda,

Floriana e Seminana, as cinco escravas às quais, segundo meus interlocutores, o Barão

de Juparanã tratava como esposa, levava para passear de carruagem e vestia como

fidalgas. No entanto, a nota de número onze do testamento contém uma descrição

vulgar destas mulheres, que mostram em exagero um pouco de suas personalidades:

72

As mães desta rapaziada afidalgada e que pertenciam ao serralho eram: 1ª

Manoela, creoula retina, bonitona e que teve 4 filhos de nome – Jorgiano,

Manoel, Braziliano e Manoelita, mora com seu genro Jorge Vieira; 2ª

Floriana, bem fula que teve 10 filhos de nomes – Rozina, Florida, Joviano,

Modestino, Jacinttho, Elisiano, Florenciana, Evarestina, Isidro e Alfredo; - 3ª

Semiana, Creoula fallecida depois de liberta e que teve 3 filhos de nomes –

Benício, Dario, Braseliza – 4ª Emília, Creoula meio fula, que teve 5 filhos de

nomes – Emiliana, Daniel, Sara, Maria e Theresinana; - 5ª Geralda, ligeira e

espevitada, creoula de vida folgada, dançadeira e que teve 2 filhos;

Guilhermina e Alvaro. Esta mora no Ypiranga, Floriana com seu genro

Belchior e Emilia com seu filho Daniel. (p.12)

Segundo algumas falas, o Barão mantinha com suas filhas que tinha com

escravas os mesmos costumes que um Barão teria com suas filhas, que era casá-las com

homens nobres de sua época. Belchior, genro de Floriana citado no testamento, fora o

alfaiate do Imperador D. Pedro II e era casado com Rozina (segundo Mazinho). Esta

vivia na fazenda do Bom Retiro, onde até hoje Ivo mantém a parte de sua mãe, neta de

Rosina.

Imagem 20: Rozina na Fazenda do Bom Retiro (senhora mais idosa toda de preto).

O que percebo ao analisar essa foto (também pela minha vivência com minha

família materna e durante o meu trabalho de campo) é a força das mulheres. Não há

traços de submissão em suas faces e estas ocupam a posição central da fotografia, sendo

que os homens estão de pé (até mesmo as crianças do sexo masculino) e em posição

73

marginal. Por mais que na nota do testamento vemos sempre a referência às mulheres,

citando sob a proteção de qual homem elas se encontram, e apesar da preocupação do

Barão de Juparanã em deixar suas filhas em mãos de homens distintos, há uma força

nesta imagem, nas mulheres com quem convivi nesses seis meses e – por que não? - em

minhas tias e primas mais próximas que não dependem ou dependiam do apoio ou da

sombra de nenhum homem. Como que durante um período tão marcado pelo

paternalismo, as mulheres pintadas inúmeras vezes como submissas adquirem tal

fisionomia de poder de dureza, poucas esboçando um fraco sorriso, todas responsáveis

pela administração de uma fazenda?

Segundo Candoca16

, Rozina era responsável pela maior produção de café

daquela região, mesmo depois da crise. Sua influência era tanta que fizera passar um

trem sobre sua propriedade para escoar a produção para os grandes centros urbanos

(“herdando” do pai, o dom de convencer as pessoas à fazer passar um trem por suas

terras, talvez). Ela e sua família, composta por essas mulheres de aparência forte, e seus

ex-escravos que “comiam na mesa” em sua companhia, conseguiram manter certo

prestigio mesmo após o declínio da produção cafeeira. A força dessas mulheres ainda

sobrevive em muitos discursos e posturas que encontrei em suas descendentes, a não

submissão está presente em algumas das poucas histórias que se referem às esposas do

Barão.

Segundo Janete Lazera, o primeiro filho de Floriana nascera negro. Este fora

renegado por sua avó, a Marquesa de Baependi, que só quis conhecer a criança durante

o batizado algum tempo depois. A segunda criança, por sua vez, nascera de cor clara, e

por esse fato a motivação da Marquesa fora diferente, querendo logo conhecer o bebê,

porém sua mãe negou o acesso ao filho, dizendo que ela o conheceria no dia do

batizado, da mesma forma como havia ocorrido com a primeira criança. Ao que parece

a vontade da mãe prevaleceu. O que faz com que essa história ainda seja contada é

justamente a postura não submissa que essas mulheres possuíam, o que, mesmo que

descrito de forma um tanto vulgar, já deixa clara a citação no testamento.

Após esses momentos na fazenda de Santa Mônica, vamos já para a vida em

Sant’Anna, mais especificamente na fazenda de Rozina, onde a produção de alimentos e

de grãos do café era feita por seus parentes e boa parte de seus ex-escravos. Me recordo

16

Esta Candoca que é minha interlocutora é neta da Candoca (Cândida) que aparece nos anexos II e III.

74

de ouvir de Dona Anita, umas das crianças que aparecem nessa imagem, que os

escravos não quiseram partir quando houve a abolição da escravatura, já que eram bem

vestidos, bem alimentados e ainda comiam com seus senhores na mesa, demonstrando o

que pode ser uma novidade que é uma maior horizontalização das relações entre

senhores e escravos. As crianças deviam tomar benção dos mais velhos sejam eles

vindos da escravidão ou tendo relações sanguíneas, o que de certa forma se confunde

no relato de Mazinho, que já não sabia quem era parente e quem não era, pois a benção

deveria ser tomada de todos. Este ainda diz a partir da sua própria experiência, que

mesmo seus tios mais velhos também tomavam benção da ex-escrava que conheceu nas

terras de Sant’Anna, a Ambrosina que já conhecemos mais acima. O que poderia chegar

mais próximo dessas relações estaria exposto no artigo de Ana Maria Rios e Hebe

Mattos:

Tratava-se, sem dúvida, de uma situação de mercado, porém que se

organizava com base no trabalho familiar em uma ética camponesa,

elementos que forneciam os parâmetros das relações de parceiria nas

fazendas locais (“o fazendeiro dividiu tudo”). (RIOS e MATTOS, 2006,

p.65)

Ou ainda:

Relações de trabalho tão complexas e com tantas variáveis, que iam

muito além de meros contratos de prestação de serviços, deviam, pela

própria natureza, continuar como entendimentos interpessoais. Qualquer

intervenção do poder público reduzia a margem de manobra garantida pela

fluidez dos contratos “de boca” e pelos inúmeros aspectos relativos à parte

não-monetária destes (RIOS e MATTOS, 2006, p.75)

Aqui nessas relações expostas por Rios e Mattos, porém, ainda há uma

verticalização mais intença do que nos caso estudado. Acredito que a tendência a essa

horizontalização se dava desde as relações construídas muito antes da abolição da

escravatura, sob o título de paternalismo inicialmente, porém se tornando relações de

parentesco de acordo com que os filhos do Barão de Juparanã iam nascendo, talvez até

modificando toda a dinâmica das relações entre senhores e escravos na fazenda de Santa

Mônica, se levarmos em conta os relatos de Iedda sobre tia Landa e tia Branca

75

III – As Relações de Sangue e Outras Histórias

Aqui neste capítulo, vamos olhar diretamente para essas histórias: o que contam,

o que pretendem afirmar, tornar público e o que negam, velam, e escondem para assim

obter algo como um “retrato de família”, baseado na minha convivência dos últimos

meses. Capturo essa imagem em três etapas distintas visando demonstrar o que pretendi

desde o princípio ao fazer uma etnografia da história. Primeiramente, foco na

importância que essas histórias tomam na localidade de Barão de Juparanã. Como

firmam as relações de parentesco através das relações de sangue que aparecem tanto

nas narrativas, assim como na feitura da genealogia, um dos motivos mais centrais para

que minhas visitas ocorressem e que enorme resultado se encontra em anexo. Em um

segundo momento aponto para a performance dos narradores, figuras de muita

importância para que essas histórias continuem sendo circuladas entre os parentes, e que

não se percam com a passagem do tempo. Assim a imagem vai ganhando uma

determinada forma e um conteúdo baseado na minha própria relação com os meus

interlocutores. Na terceira parte desse capítulo, irei fazer uma análise mais geral da

função dessas histórias, já pretendendo chegar a uma conclusão, fechando parcialmente

o que pretendi ao estabelecer esta etnografia da história.

Acredito eu, que as histórias contidas neste trabalho poderiam ser redefinidas e

recontadas de milhares de formas diferentes, já que podem também ser reagrupadas por

temáticas infinitas. A forma como foi concebida é uma escolha, e por esse motivo

talvez, a ordenação e a temática pelas quais foram separadas e contadas, também seja

uma maneira de se construir um “mito”, a arte de se construir uma narrativa a partir de

várias narrativas. Os mitos, analisados por Lévi-Strauss na sua abertura das Mitologias

em o “Cru e Cozido” (2014 [1964]), onde utiliza seu material etnográfico sobre mitos e

parentescos de forma comparada ao que ocorre à música, sendo na opinião de Mauro de

Almeida (1999), o primeiro exemplo de Bricoloeur na antropologia (p.09). Lévi-Strauss

se refere aos estudos do mito como um problema metodológico, já que não se enquadra

ao princípio cartesiano, pois ao se decompor não há nenhuma unidade que possa ser

atingida ao final.

Os temas se desdobram ao infinito. Quando acreditamos tê-

losdesembaraçado e isolado uns dos outros, verificamos que, na verdade,

76

eles se reagrupam, atraídos por afinidades imprevistas. (LÉVI-STRAUSS,

2004[1964] p.24)

De uma forma surpreendentemente sensível, Lévi-Strauss faz a já citada

comparação entre os mitos e a música que vale a reprodução na íntegra:

“A emoção musical provém precisamente do fato de que a cada

instante o compositor retira ou acrescenta mais ou menos do que prevê

o ouvinte, na crença de um projeto que é capaz de adivinhar, mas que

realmente é incapaz de desvendar devido à sua sujeição a uma dupla

periodicidade: a de sua caixa torácica, que está ligada à natureza

individual, e a da escala, ligada à sua educação. Se o compositor retira

mais, experimentamos uma deliciosa sensação de queda; sentimo-nos

arrancados de um ponto estável do solfejo e lançados no vazio, mas

somente porque o ponto de apoio que nos é oferecido não se encontra

no local previsto. Quando o compositor tira menos, ocorre o contrário:

obriga-nos a uma ginástica mais hábil do que a nossa. Ora somos

movidos, ora obrigados a nos mover, e sempre além daquilo que, sós,

nos sentiríamos capazes de realizar. O prazer estético é feito dessa

infinidade de enlevos e tréguas, esperas inúteis e esperas

recompensadas além do esperado, resultado dos desafios trazidos pela

obra e da sensação contraditória que provoca, de que as provas às

quais nos submete são insuperáveis, quando ela se prepara para nos

fornecer meios maravilhosamente imprevistos que permitirão vencê-

las. (36) (...) O desígnio do compositor se atualiza, como o do mito,

através do ouvinte e por ele. Em ambos os casos, observa-se, com

efeito, a mesma inversão da relação entre o emissor e o receptor, pois

é, afinal, o segundo que vê significado pela mensagem do primeiro: a

música se vive em mim, eu me ouço através dela. O mito e a obra

musical aparecem, assim, como regentes de orquestra cujos ouvintes

são os silenciosos executores (LÉVI-STRAUSS, 2004 [1964], p.37)

Lévi-Strauss, ainda frisa a não autoria dos mitos já que apenas existem

encarnados na “tradição”. Talvez eu substituísse esse termo por algo mais dinâmico

como “subjetividades”. Daí para frente, Lévi-Strauss faz uma diferenciação entre uma

pintura e a música, já que em sua opinião esta última estaria mais próxima da estrutura,

pois não operaria por tantos intermédios quanto a primeira. Além da “composição” dos

mitos a partir das histórias contadas, percebo meu trabalho como também uma “pintura”

de imagens: as imagens daquilo que é essa família.

Colocando todas as críticas à harmonia e à unidade que supostamente existiria

em uma família (que veremos mais à frente não serem nem meramente palpáveis),

77

acabei por olhar de tantos ângulos para pessoas, fotografias, registros e histórias, que

seria capaz de, por meio daquilo que foi capturado, ilustrar paisagens e retratos em

combinações talvez tão infinitas quanto aquelas que Lévi-Strauss comporia pelo

intermédio dos mitos. Para que não me estenda muito numa filosofia densa sobre o

assunto, cito apenas um pequeno trecho de Diferença e Repetição (1968), quando

Deleuze, referindo-se à história da filosofia, utilizou de um artifício imagético para

demonstrar as distorções inescapáveis quando estamos nos referindo, no caso de

Deleuze, à leitura de um filósofo:

Seria preciso que a resenha em História da Filosofia atuasse como um

verdadeiro duplo e que comportasse a modificação máxima própria do

duplo. (imagina-se um Hegel filosoficamente barbudo, um Marx

filosoficamente careca, do mesmo modo que uma Gioconda bigoduda). Seria

preciso expor um livro real da Filosofia passada como se se tratasse de um

livro imaginário e fingido. (DELEUZE, 1968, p.10)

A deformação da imagem do autor é o fazer do pensador, o seu ato de violência.

Aqui também pratico uma deformação. Ao colecionar histórias, como fazia Malinowski

com as magias nas ilhas Trobriandesas (1978), acabo por construir um retrato de família

feito por meio de uma colagem, um simulacro do real, imaginário, e fingido, e apenas

assim, o mais verdadeiro.

...

Olivia Maria da Cunha, nos dá uma dica metodológica de como abordar temas

que atravessam uma certa experiência em determinado local, em sua introdução à

Coletânea “Outras Ilhas”, ao falar do caso cubano.

(...) Um modo de descrever coisas, forças, pessoas e contingências que

gravitam numa certa experiência. Pareceu-me oportuno tomá-la como uma

espécie de vinheta que atravessa as várias maneiras de falar sobre Cuba,

acionando noções, imagens, conceitos relacionados a categoria de tempo e

espaço (CUNHA, 2010, p.18)

O ponto de bifurcação entre as categorias tempo e espaço que mais esteve

aparente em meu trabalho de campo foram as relações de sangue. Por esse motivo,

enfim, me volto principalmente a essas relações, contando de forma curta todas as

histórias que apareceram explicitamente relacionadas aos laços sanguíneos, sejam as em

78

que o sangue se fez maior do que a moral determinada da época; ou quando estas

relações trouxeram desentendimentos, quando esteve relacionado com disputas por

territórios; ou ainda trazendo sofrimento quando relacionado ao incesto e finalmente os

problemas genéticos e espirituais, doenças relacionadas aos casamentos entre primos e

maldições que acompanham a família pelo mesmo motivo.

Nessa última parte, modifico um pouco a forma como venho escrevendo,

nomeando as pessoas que contaram as histórias. Como pretendo dar conta do “retrato

da família” na paisagem de Barão de Juparanã, tendo em mente que todas as histórias

são singulares, não individuais, pertencendo de certa forma a todos, e também por ser

essa parte do trabalho a mais delicada e polêmica, substituirei os nomes pessoais pelo

artigo impessoal, da mesma forma como meus interlocutores se referiam na maioria das

vezes: “dizem...”, “certa vez ouvi...”, “me contaram...”. Assim preservo meus amigos,

ao mesmo tempo em que revelo aquilo o que de mais interessante possuem as histórias

de família: o segredo. Mais uma vez Lévi-Strauss nos conta como um etnógrafo se

espantou quando percebeu que na América do Sul, cada narrador conta as histórias de

um modo diverso, até mesmo para os detalhes mais importantes, porém os critérios de

validade não se prendem somente aos elementos da história:

Perseguidos isoladamente (os fatos), cada um deles seria intangível.

Mas ao menos alguns deles adquirem consistência, pelo fato de

poderem integrar-se numa série cujos termos recebem mais ou menos

credibilidade, dependendo da sua coerência global (LÉVI-STRAUSS,

2004 [1964], p.32)

Mesmo que aqui nesta parte do capítulo perdemos um pouco os detalhes dos

contextos, das contradições e das formas das narrativas, narro histórias que não foram

contadas apenas por uma pessoa, portanto, se encontram integradas ao “retrato da

família”. Seriam os pequenos detalhes que causam curiosidade e prazer aos que contam

e aos que escutam, ligando-as diretamente ao parentesco.

O parentesco, segundo Peter Gow (1997), é, um sistema de subjetividades. Peter

Gow, ao analisar o sistema de parentesco dos Piro da Amazônia peruana, os conecta

diretamente com as narrativas das histórias, onde os velhos são a fonte dessas, já que

conviveram com pessoas mais próximas no tempo dos tsrunni, que seriam as pessoas de

antigamente, do tempo mítico, e quando os mais velhos são questionados sobre, dizem

que nunca os viram, e só os conhecem por aquilo o que foi narrado por seus

antepassados, sendo seres que apenas existem no discurso dos velhos ou, “mensagens

79

que chegam de lugar nenhum” (p.45). Podemos ver algumas semelhanças sobre aqueles

que são os narradores no meu campo, como a proximidade maior no tempo com aquelas

pessoas de “antigamente”.

Voltamos mais uma vez ao que nos referimos no primeiro capítulo quando

citamos AnneMarie Mol (1999), ao falarmos das diferenças entre as realidades plurais

ou múltiplas. As realidades múltiplas não são acionadas por uma perspectiva

construtivista, mas sim intervencionista e performática, mesmo que não tanto

observada. Ela não é uma única coisa enquanto os olhos são diversos (o que estaria

conforme a perspectiva do pluralismo), mas a sua “realidade” é manipulada por

instrumentos e práticas diversas, e nesta manipulação o próprio objeto varia, porém

essas variações não são vistas como atributos do objeto, onde estaria escondida uma

essência, mas sim, o que Mol chama de versões do objeto que as práticas e os

instrumentos ajudam a performar. No seu exemplo Mol demonstra o quanto a resposta

ao “o que é a anemia?” não é algo estável ou único. Aqui eu analiso “o que é o

sangue?”, e mesmo dentro do contexto de uma família, onde seria mais fácil estabilizar

essa resposta, o que conseguimos é ver sua performance. Segue, portanto, algumas das

versões do que é o Sangue para os descendentes do Barão de Juparanã.

Laços Sanguíneos

Quase todas as histórias que se seguem nessa parte, pensei inúmeras vezes em

não contar, pois, tive um pouco de receio quanto aquilo o que tanto os antropólogos

quanto os “nativos” poderiam pensar, já que são histórias privadas, e por mais que não

pareçam, são despretensiosas, contadas muitas vezes em tons de humor e cumplicidade.

Vou, portanto, começar esse relato pelo mais polêmico: segundo algumas narrativas, o

Barão de Juparanã, seria na verdade um filho bastardo do Imperador do Brasil D. Pedro

II. Os relatos são ouvidos, geração após geração até os dias de hoje.

Antes que o Barão se relacionasse com suas escravas, outros escravos

trabalhavam em sua residência e provavelmente viam e comentavam o transitar de

nobres da corte no imenso casarão, sendo o Marquês de Baependi um reverenciado

fidalgo, que ocupava o cargo que hoje seria como o do Ministro da Fazenda, e

responsável pelas Relações Internacionais. A casa hoje abandonada, muitas vezes

hospedou a realeza, quando o Imperador tinha compromissos políticos na região. O que

faz correr ainda nos dias atuais esse boato da traição da Marquesa de Baependi é o fato

80

de que esta engravidou quando seu marido estava viajando para fora do país, na mesma

época em que teria recebido o Imperador em sua residência. Alguns conseguem

identificar traços físicos no Barão de Juparanã e em Dom Pedro II, o que comprovaria a

história, porém essas especulações não passam dos portões das casas daqueles que as

contam, não havendo nenhuma reivindicação jurídica ou algo que o valha. Apenas se

divertem imaginando o quão irônico seria possuírem tanto o sangue azul da realeza

europeia, quanto o sangue dos escravos da diáspora africana.

Daremos um salto dos “pulos de cerca” da Marquesa de Baependi para a fase

adulta e viril do Barão de Juparanã. Como já foi narrado na introdução deste trabalho, o

Barão possuía o que seu irmão mais velho, o Visconde de Baependi, chamava de um

“serralho” ou harém, onde mantinha simultaneamente relações com cinco escravas já

citadas: Manoela Agostina (genealogia em anexo I), Floriana Paulina (genealogia em

anexo II e III, sendo o II exclusivamente para os descendentes de Arthur e Anita),

Semiana Florentina (genealogia em anexo IV), Emília Dorotheia (genealogia em anexo

V) e finalmente, Geralda (anexo VI).

Suas mulheres e filhos eram tratados com privilégios até hoje lembrados com

orgulho pelos seus descendentes, onde, contrariando os valores da época, vestia as

“esposas” negras como mandava a moda e as levava para passear de carruagem. Seus

filhos também possuíam status elevado, sendo chamados por este de “meus protegidos”,

futuramente reconhecidos em testamento, herdariam uma fazenda inteira, e talvez mais

algumas coisas às quais seus descendentes nunca tomarão conhecimento, já que

segundo o que é transmitido oralmente, o Barão de Santa Mônica fez uma grande

fogueira, queimando alguns arquivos imediatamente após a morte de seu irmão.

Ainda sobre a forma de como se davam as relações dentro do casarão de Santa

Mônica, contra a vontade da nora, a Marquesa de Baependi mantinha relações afetuosas

com suas netas, chamando-as pra tomarem chá dentro do casarão por inúmeras vezes,

quando sempre as presenteavam. Incomodada com a situação, a esposa do Barão de

Santa Mônica, convenceu seu esposo e irmão do Barão de Juparanã a construir o Monte

Scylene, onde viveram por um tempo, sendo mais tarde presenteado como casa de

veraneio à Princesa Isabel e ao Conde d’Eu.

81

Imagem 21: Fachada do Casarão de Monte Scylene

O sangue é reconhecido pelas aparências físicas, como já foi narrado, por

exemplo, no caso do Barão de Juparanã e o Imperador D. Pedro II. Alguns familiares

possuem maior semelhança com os antepassados, e acabam servindo como elo entre os

vivos e os mortos, como é o caso do Itão, que se parece muito Barão de Juparanã, outras

pessoas que parecem com o Barão são Eloísa e Calhau, filhas de Enedina (Enedina

localizada em Anexo III, em netos do Barão). Ou como me descreveram que “até a

quarta geração ainda se deu traços de semelhanças na família”. A maior parte da cidade

reconhece as aparências físicas dos senhores pelos quadros da família dos fidalgos que

ficavam na igreja. Foi um padre chamado Aquiles que os retirou da parede, sem medir a

importância daquelas imagens para os citadinos. A partir dessas imagens se constatava

que, por exemplo, Visconde de Baependi, irmão e inimigo do Barão de Juparanã se

assemelhava ao “Seu” Luiz Antonio, um dos meus interlocutores mais importantes,

enquanto o Marquês de Baependi se parecia com Menotti, seu tio. Em outro lado da

família é dito que o mesmo Marquês de Baependi é semelhante a Adaury, filho do

relacionamento entre Anita e Arthur, ambos descendentes de Florencia (Anexo II

exclusivo para o relacionamento entre os dois)17

. E a semelhança sobra até para mim,

que segundo o mesmo Adaury, sou parecida com um ramo da família de sobrenome

17

O anexo dois está muito mais completo pois foi um esforço de uma prima, Tada, em completar com

dados corretos a sua parte de sua família no documento, pegando informações através do grupo “A

parentada da Dona Anita no Facebook”

82

Giffoni. Esses milhões de nomes e referências são mais para ilustrar, apesar de serem

reais e estarem presentes em uma genealogia em anexo. Sei o quanto é difícil

acompanhar toda essa gente e evitemos maiores confusões, porém é importante frisar

que essas semelhanças físicas e até mesmo gestuais são atribuídas à relação “mais

forte” que é a relação genética:

Mazinho - Tio Adaury é a cara do vô Mário, vó (Anita) sempre disse, que é

o pai dela. Mario Mafra. E tia Nely, era a cara da mãe dela, vó Berta. Tia

Anny sempre foi a cara do vô (Arthur).

Eu - eu me lembro de mim pequenininha olhando o quadro do vô Arthur e

perguntando: ‘vó (Anny), porque você tá de terno?”

Mazinho - É, sempre foi. E eu já pareço com o pai (Amaury), e o pai parecia

com a vó Anita. Só que ela não usava esses óculos forte que a gente usa.

Otto - Mas é engraçado que todos têm o mesmo olhar, assim... É o Aloy, e

meu avô (Adaury) também tem. Agora que está ficando mais velho está mais

evidente

Mazinho - É, eles olham igual a vó (Anita) assim. (faz com o olho). E eu

achei engraçado, que eu vi em Barra semana passada, Cristina da tia Anely,

curvada andando com a mão pra trás igual a vó. Ela não estava forçando

situação, ela estava andando curvada igual a vó anda curvada com a mão pra

trás, a vó andava assim, o pai andava assim...

Anna Luiza - Genética...

Mazinho - É, a gente não pode fugir dela.

O sangue, como foi falado de forma rápida na introdução, foi também a minha

porta de entrada no campo. A genealogia que está em anexo, serviu para que eu pudesse

me encontrar dentro dela, em um primeiro momento, e em seguida me identificar para

as pessoas. Essa estratégia foi bastante útil, pois fui considerada como prima, na “cidade

dos primos”, o que me colocava em uma posição privilegiada se compararmos a outros

pesquisadores (na minha última visita, uma das minhas interlocutoras me contou que

havia outra pessoa estudando o local uma semana antes de meu retorno em março de

2015, acho que historiadora da UERJ). O sangue, porém, pode ser apenas uma metáfora,

já que Elza não possui realmente a descendência do Barão de Juparanã, mas é tão ou

mais interessada nos assuntos de família quanto os outros, pois desde criança se

questiona como pode ter tanto primo numa cidade só.

83

Terra e Sangue

Acredito que na mesma proporção em que o tópico anterior é polêmico, este é

delicado. Aqui iremos tratar de parentes que se envolveram em disputas por terras

herdadas do Barão de Juparanã, mas que não conseguiram resolver de forma harmônica,

o que levou à morte de pessoas em ambos os lados. Essas brigas aconteceram mais ou

menos na metade do século XX entre os Leite e os Monteiro (indicados nos anexos II e

III, em netos e bisnetos do Barão, os Leite de Mônica e os Monteiro de Ana). Das

Fazendas que foram herdadas, alguns irmãos foram vendendo para outros e acabaram

restando apenas algumas, como a do Bom Retiro de Rozina, Retiro Ribeirão de Berta,

Bocaina de Candoca (a avó da Candoca, minha interlocutora), Bicame de Mônica.

Existia ainda em Sant’Anna de baixo a Fazenda das Cruzes.

Imagem 22: Anna Leite e irmãos na Fazenda Bicame

Os Monteiro são sempre narrados como sendo pessoas de má índole. Em dado

momento, Álvaro Monteiro comprara as terras de Evarista, uma das herdeiras, porém,

existia uma gleba no meio das terras que comprou. Para expulsar o dono desta gleba, ele

colocou fogo nos bezerros, deixando o pobre dono apavorado, fazendo com que saísse

de sua propriedade finalmente. Para mostrar ainda a propagada maldade intrínseca

84

àquele ramo da família, são narradas histórias em que João Monteiro era responsável

pela fabricação de bombas caseiras as quais jogava sem nenhum pudor nas pessoas

dentro do Barracão, no meio da festa de Sant’Anna, considerada a maior festa da região

na época.

Porém, a briga em questão que queremos narrar se dá por conta de uma dessas

compras de terras dos Monteiro, que acabava fazendo fronteira com a fazenda Bicame,

dos Leite. Uma das discussões por terra se deu na cerca, onde os primos se encontravam

armados. A primeira morte foi cometida por Isaura, do lado dos Monteiro, assassinando

José Leite, filho de Albertina (de descendência da Escrava Geralda), esposo de Mônica

Leite Sarapião e pai de Anna Leite. Isaura teve sua morte encomendada, e Bené, o

barqueiro que atravessava as pessoas para o lado do Rio onde as fazendas ficavam,

acabou apanhando muito por ter atravessado o assassino. Depois disso, Mônica mata

Álvaro Monteiro, porém seu filho Ruy assume a culpa e acaba preso. Quando Ruy é

solto, a família inteira vai até Aparecida do Norte para agradecer, porém, parece que a

mãe vendeu tudo o que possuía para soltar o filho, já que sentia remorso de vê-lo na

cadeia pelo crime que havia cometido.

Imagem 23 – Mônica e José Leite

85

Sangue e incesto: Doenças e Maldições

Segundo o que ouvi (e vivi de certa forma), o casamento entre primos era algo

muito comum até a pouco tempo atrás. A convivência por conta de uma família extensa

onde todos são criados juntos era o empurrãozinho a mais para que os casamentos

acontecessem. Anna Mafra, por exemplo, se casou com o primo de sua mãe Arthur

Marques dos Santos, que fora criado na mesma fazenda que ela. O casamento não fora

recriminado, porém, trouxe alguns maus agouros, como a morte prematura da primeira

filha do matrimônio, Alfredina, que falecera aos seis meses de idade de coqueluche,

sendo considerada pelos irmãos como um anjo que cumpriu sua missão e tomava conta

deles lá de cima. Nenhum conheceu a irmã em vida, mas esperavam conhecê-la após a

morte. Mazinho conta um pouco sobre esses relacionamentos entre primos:

E a tia Laudilina... tia Laudilina casa com tio Juvenal, que é irmã de vó

(Anita). Tio Juvenal é irmão de tio Vantuiu que casa com tia Candoca, que é

prima legítima de vó (Anita). Ela é filha de tia Bené com tio Ceção. Tia

Candoca tem um filho Ferreira que casa com tia Tereza que é filha de tia

Laudilina, os avôs são irmãos. Aí na geração do meu pai e da sua avó é que

parou de casar parente. Mas lá em Belford Roxo, o pessoal da tia Isaurinha

casou também com o pessoal de tio Brexó, que é o irmão da vó (Anita). Mas

eu não sei por que eu não os conheço.

A nossa bisavó (Florenciana, de apelido Cati), era uma pessoa muito

correta. Ela teve um irmão de vô Arthur, chamava tio Alfredo, ela teve com

Brás Giffoni... Um filho do próprio cunhado! Vó Cati, sua bisavó, mãe de vô

Arthur, teve um filho com o próprio cunhado, Brás Giffoni, que era casado

com uma das suas irmãs. Essa é a familia, “a cachorrada é velha.” A vó dizia

isso!

Na verdade Brás se relacionou com três filhas do Barão, (Florenciana (Cati)

localizada em anexo II e III; Braselisa localizada em anexo IV, e Deoclídes, localizada

em anexo IV), sendo também avô da dona Ieda Giffoni, uma de minhas interlocutoras,

pois seu último casamento foi com sua vó Quide (Deoclides).

Outro fator que faz com que o incesto seja visto como algo que traz má sorte é o

fato de considerarem certas doenças como genéticas no caso de relacionamento entre

parentes muito próximos. Grande parte dos filhos de Anita e Arthur, por exemplo, e, por

sua vez, seus filhos que já vieram a óbito, faleceram de câncer, o que leva a crer na

possibilidade de se relacionar o casamento à doença. Outras doenças que os familiares

julgam ser devido aos relacionamentos incestuosos é a “loucura”, seja esquizofrenia,

psicose, depressão, bipolaridade. Essas doenças muito frequentes dentro da família

86

podem levar ao suicídio e o suicídio por sua vez é, segundo relatos, mais uma maldição

que ficaria presente durante três gerações, Mazinho mais uma vez fala sobre esse

problema que também era um problema que o acompanhava, já que sofria de depressão:

Mazinho - Ah e uma coisa que marcou muito a família, marcou demais, não

são os surtos psicóticos e as doenças psíquicas só não, mas a quantidade de

câncer que tem na família, isso foi um negócio que marcou muito, me judia

muito.

Eu - Agora né, com a Katia. (uma parente que havia morrido há pouco

tempo)

Mazinho - Ah tá... Esse problema eu vivo 24hs por causa da depressão. A

médica me explicou que é por causa dessa consanguinidade, então é por isso

que existe esse processo depressivo. Temos vários parentes que cometem

suicídio, tanto que aqui em casa a gente tem dois né, o Vô e a tia Cici. O

mais engraçado de todos é o tio Joaquim, ele foi se matar no cemitério e eles

o enterraram lá mesmo.

Tada - Mas pra você ver como isso está no sangue, é caso da Verena, era

uma pessoa que não tinha contato com a família Marques dos Santos, mas no

entanto o sangue falou mais alto. (Verena seria uma sobrinha de Tada, de um

relacionamento extraconjugal de seu pai, que cometeu um suicídio)

Mazinho - O sangue falou mais alto. Tinha esquecido da Verena. É são três

casos na família da vó Anita. (Berta – sua mãe; Arthur - marido e Cici -

filha)

Otto - Só pela raiz nossa do lado de cá?

Mazinho - Da tia Cidinha, dois ou três lá se suicidaram! O Olivier... E eu não

lembro o nome dos outros. Eu guardo o Olivier, porque a mamãe se dava

demais com o Olivier. E ela falava muito dele...

Além da depressão que sofria, Mazinho falecera em janeiro de 2015 de um

câncer no intestino recém descoberto. O fato foi muito doloroso para mim, já que além

de primo da minha mãe, ele sempre esteve disposto a ajudar na minha pesquisa, me

indicando pessoas para conversar, muitas vezes pegando no telefone para ligar e marcar

de ir comigo à casa de algum parente (coisa que não fizemos juntos). Ele realmente

sabia de muitas histórias, tive a sorte de ter gravado nossa entrevista em vídeo. No dia

não entendia quem eram aquelas pessoas todas às quais ele se referia, mas conforme

minha pesquisa ia avançando, me familiarizava cada vez mais com a genealogia, pois

conversava com os seus descendentes, via os rostos de seus parentes em fotos e ouvia

um pouco mais de suas histórias, o que me fez criar cada vez mais intimidade tanto com

os vivos quanto com os mortos. Candoca (neta da “tia Candoca”, em anexo II e III)

infelizmente não permitiu a gravação de um vídeo, e eu me perco no meio de tantas

informações (mesmo fazendo anotações), mas ao me mostrar seu álbum muitas histórias

87

surgiram, entre elas diversas narrando casos de loucura e de suicídios também do seu

lado da família, o que atribuía da mesma forma aos relacionamentos incestuosos.

Imagem 24: Anna Mafra e Arthur Marques dos Santos

Incesto e suicídio também estão relacionados dentro de um caso já comentado

anteriormente. O relacionamento entre Berta e Mário dos Santos Mafra era incestuoso,

sem que o casal soubesse (anexo II). O drama já fora narrado, que termina com o

suicídio de Berta ateando fogo no seu próprio corpo ao descobrir que mantinha relações

com seu sobrinho. Seus filhos foram criados por sua tia Jacintha (“Tota”, casada com

Alfredo, irmão de Arthur, que viria a ser esposo de Anita) e na companhia da avó

Rozina na fazenda do Bom Retiro. Dizem que Anita viu sua mãe se matando e

coincidentemente a tragédia acabou por se repetir ao seu marido, que anos depois, em

um surto de loucura, jogou álcool na cabeça e acendeu um cigarro, morrendo logo em

seguida. A maldição do suicídio iria mais uma vez estar presente na vida de Anita,

quando sua filha mais nova se jogou na frente do trem que passa próximo à casa que

ainda recebe os familiares nos encontros de finais de semana. Uma maldição. Três

gerações.

88

A Performance da História: Memória e parentesco

“Um homem conta suas histórias tantas vezes que se

mistura a elas e elas sobrevivem a ele”

Peixe Grande (Tim Burton)

Nessa parte do capítulo, retorno a um tema iniciado de forma embrionária na

monografia, mas que aqui se faz necessário ser aprofundado, que é o caso dos

narradores. Todas as pessoas com quem conversei aceitaram falar, pois realmente

possuíam algo para dizer. Essas pessoas ouviram histórias sobre sua família ou sobre

sua cidade, por isso possuíam de certa forma o hábito de contá-las, que como

observado na monografia (CAMARGO, 2012), havia uma certa “hereditariedade” entre

os que eram considerados os mais entendidos, o que deixava claro que mesmo que essas

histórias fossem contadas em muitos encontros de família, elas se repetiriam de forma

mais constante dentro da família nuclear, ficando ainda mais fortes entre as pessoas que

ainda vivem em Barão de Juparanã e suas redondezas (no caso dos moradores da

cidade, sendo parentes ou não, estes possuem bastante conhecimento sobre as histórias).

Como pudemos observar pelas citações feitas do meu encontro com Mazinho,

durante um almoço em Mendes, cidade onde moram ainda alguns dos descendentes de

Anita e Arthur, as histórias ganham mais brilho e vão se desenvolvendo de acordo com

a participação dos outros parentes. Os narradores não são solitários, necessitando dessa

interação para que as recordações cheguem, como Ecléa Bosi expõe:

As lembranças do grupo doméstico persistem matizadas em

cada um dos seus membros e constituem uma memória ao mesmo

tempo una e diferenciada. Trocando opiniões, dialogando sobre tudo,

suas lembranças guardam vínculos difíceis de separar. (BOSI, 1994,

p.423)

Nesse meu primeiro encontro com as histórias de família, já visando minha

pesquisa que aqui está apresentada, percebi que muito deveria ainda aprender sobre

estes familiares, nunca havia ouvido falar de nenhum, não sabia porque eram

importantes, e a enxurrada de informações muitas vezes me parecia sem sentido.

Conforme fui conversando com outros parentes, fui percebendo que eu poderia começar

89

a contribuir com as narrativas, de acordo com aquilo que já havia escutado. Assim fui

tirando dúvidas sobre quem eram aquelas pessoas, que estavam nomeadas na

genealogia, mas que possuíam suas próprias histórias. Fui portanto fazendo a minha

etnografia da história, mas ao mesmo tempo construindo de forma conjunta com meus

interlocutores uma memória de família.

“A memória “gira” em torno da relação passado-presente, e envolve um

processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências

relembradas”, em função dos relatos públicos sobre o passado. Que

memórias escolhemos para recordar ou relatar (e portanto, relembrar), e

como damos sentido a elas são coisas que mudam com o passar do tempo.

(THOMPSON, ANO, p.57)

Talvez essa memória não mude apenas com o passar do tempo, mas com aquilo

o que se quer acessar, ou seja, com o estímulo que impulsiona essa memória a se

relacionar com o momento. O que faz com que ela se atualize, e essa atualização já é

uma mudança. Eu aqui posso ter sido um dos agentes, pela minha curiosidade e

interesses antropológicos. Talvez tenha sido apenas um estopim para que as histórias

viessem mais uma vez à tona.

“(...) Ver imagens e ouvir vozes de um tempo distante, e a partir delas

produzir narrativas, memórias sobre fatos, pessoas, coisas, situações e

lugares próximos. O caráter relativo das noções de tempo e distância

não é meramente retórico. (...)”. (CUNHA, 2005, p.8)

Observei por meio desse “acesso à memória”, muitas vezes as pessoas voltarem

no tempo, seus semblantes se modificarem, e reviver os bons tempos de infância.

Adaury se emociona ao lembrar-se de quando chegou pela primeira vez à casa que

passaria boa parte de sua infância com seus irmãos (todos já falecidos), se lembra das

brincadeiras de moleque, e lá está o moleque novamente. Dona Iedda, por sua vez, ao

lembrar-se de suas estripulias na fazenda de Guilhermina, uma das filhas do Barão e

onde sua avó vivia, me pareceu ter uma visão daquele momento. E eu mesma pude

reconhecer naquela senhora de 91 anos, a menina de pés descalços que corria entre os

cafezais, ao som dos gritos de reprovação de sua avó. Anna Leite, mais discreta, me

mostra suas fotografias de infância na fazenda Bicame, e com um sorriso de canto de

boca e em silêncio, fita o retrato como se ali estivesse mais uma vez com seus irmãos,

mãe e pai: “Ah, a fazenda de papai”. Segue abaixo o relato emocionado de Adaury:

Quando eu vim para cá, chegamos a Mendes dia dois de fevereiro de 1942 às

7h40 da manhã. Até isso eu lembro! Desembarcamos e a casa que íamos

90

morar era em uma subida. Subimos. Papai ficou em Afonso Arinos. Só veio

mamãe e os filhos Anny, Aloy, Amaury, eu (Adaury), Annely, Aurely,

Dinho, Turrico, Naná. Agora não sei se Cici e o Edu nasceram aqui... Mas

subimos a ladeira e chegamos à casa. A casa estava abandonada há um

punhado de anos. Era suja, esquisita, mas era um casarão. A princípio feia,

mas depois maravilhosa, pois foi ali que eu me conheci como gente.

Muitas vezes as narrativas fluíam durante um tempo bem considerável sem o

auxílio de nenhum documento, porém, em um dado momento era necessário acessar

aqueles papéis e fotografias que poupariam os esforços da memória a qual seria

facilitada pela visualização (CUNHA, 2005, p.22). Ao retornar agora no início de março

de 2015 a Juparanã, da dissertação resolvi fazer entrevistas com algumas pessoas

filmando-as. Uma delas foi a Dona Anna Leite. Ela quis ficar de pé em sua varanda.

Encarava o lado esquerdo do céu, não sei se por timidez, ou se por estar se esforçando

ao máximo para acessar suas memórias:

Anna - O Barão de Juparanã é o Manuel Jacintho Nogueira da Gama, e ele

não era casado, mas tinha cinco mulheres. Essas mulheres eram todas

descendentes de escravas e aí vem os filhos que eu não vou falar porque não

sei, são muitos... Eu sou tataraneta.

Eu – Mas a Mônica, sua mãe, era filha de quem?

Anna – Da Florência. Florência era neta, minha mãe bisneta e eu sou

tataraneta.

Eu – E a Florência era filha da...?

Anna – Se eu não olhar no papel eu não vou lembrar, mas se eu olhar no

papel posso falar tudo... Eu já esqueci tudo, tá vendo? Não dá pra eu

guardar...

O documento é na maioria das vezes necessário para fazer com que as pessoas se

recordem. Muitas delas já possuem certa idade, o que não permite mais a facilidade das

idas e vindas na memória. Contudo, ainda estão lá os detalhes mais deliciosos em suas

narrativas. O documento é um mero suporte, ou o “meio de transporte” capaz de levar

essas pessoas para o passado, porém uma vez que lá se encontram, a lembrança aparece

de forma leve, os parentes falecidos tomam vida novamente, as festas ganham cores,

danças, prendas...

O valor do documento reside em que se mantenha intacto na sua

suposta capacidade de nos deslocar para o passado. Para tanto, quase

sempre, serve de atestado, prova material de que o tempo, pelo menos

naquele objeto, foi preservado. Em diversos encontros aprendi ser

91

possivel “ver” outras coisas: o tempo que permanece transformado.

(CUNHA, 2005, p.25)

O curioso é a transformação lenta que foi se operando em minha própria pessoa.

Eu, que não me via capaz de pronunciar um nome corretamente, já estava

completamente familiarizada com as histórias. Preferi a princípio, como já revelei, não

fazer gravações para que os meus interlocutores se sentissem o mais à vontade possível;

essa escolha foi bastante refletida, mas muito mais trabalhosa. Não possuía em meu

poder nenhum dispositivo tecnológico que me fizesse retornar às cenas que vivenciei, o

que me fez, certamente, não poder recuperar muitas histórias interessantes. Percebi que

quanto menos preocupada com isso eu ficasse, mais as histórias ficavam claras para

mim, e agora, ao me deparar com uma citação de Benjamim, em seu texto o “O

Narrador”, pude compreender melhor o que se operava. Estava eu, por uma escolha

metodológica, me tornando também uma narradora.

“Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais

profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do

trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que

adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede

em que está guardado o dom narrativo. (BENJAMIM, p.05)

Por transitar de um lado a outro, também colocava em contato informações que

uns apenas tinham em partes, ou não sabiam, enquanto outros podiam acrescentar ainda

mais. Realmente estava me tornando uma conhecedora das histórias. Infelizmente o

tempo curto de um trabalho de campo para a dissertação de mestrado, não foi o

suficiente para vivenciar momentos espontâneos (no período em que fiquei trabalhando,

marcava entrevistas), onde as histórias surgem em encontros de família. Tenho

registrado em minha monografia (CAMARGO 2012), uma ocasião em que Aloy, um

dos filhos de Anita e Arthur, já falecido, inicia uma conversa que vai culminar na

narrativa de algumas histórias. Reproduzo aqui um trecho:

Era a comemoração do aniversário de dois membros da família:

Adaury, um dos filhos de Arthur e Anita, e Betão, marido de Katia. A festa

acontecia do lado de fora da casa, em volta da piscina, em um churrasco

animado, enquanto dentro da casa algumas pessoas permaneciam assistindo

a um jogo de futebol. Sentado à mesa na antessala se encontrava Aloy, um

pouco deslocado, solitário e pensativo. Foi quando fui falar com ele que,

emocionado, começou a falar de minha mãe e de minha avó. A partir daí,

muitas histórias foram lembradas da infância deles, ou de quando minha avó

foi estudar no Rio. Histórias sobre o Barão de Juparanã e Duque de Caxias

(já que, segundo Aloy, foi seu avô - pai de seu pai - quem cuidou de Duque

92

de Caxias quando senil viveu com a filha na Fazenda Santa Mônica), se

misturavam com as histórias de sua vida e de sua carreira profissional como

enfermeiro. Histórias sobre a linha do trem, esta mesma que passa na frente

da casa em que estávamos, já que seu pai foi chefe da estação velha de

Mendes. Aos poucos outras pessoas chegavam perto para participar da

conversa. A festa continuava acontecendo do lado de fora com música alta,

crianças na piscina e conversas informais, enquanto do lado de dentro se

ouviam as histórias, narradas num tom de voz baixo e tranquilo.

(CAMARGO, 2012, p.23)

O grande evento de Sant’Anna, o maior encontro de toda a família acontecia

durante a festa na igreja que ficava entre as fazendas dos primos. Como já mostrado

anteriormente, o terreno da igreja fora comprado (alguns dizem que ainda pertence à

diocese, mas não há como comprovar), e como não se interessaram pela igreja,

deixaram que virasse ruina, restando hoje apenas a fachada. Anna Leite nos conta sua

versão de como era a festa de Sant’Anna:

Mamãe e o papai faziam muitas festas lá. Festas “beleza”. Era num

morrinho, a subida toda cercada ao lado por palmeiras que estão lá até hoje,

e o papai e a mamãe faziam as festas todo ano no dia de Sant’Anna. Se não

caísse o dia 26 (de julho) num sábado ou domingo, procuravam marcar

numa data mais próxima. Era muita gente mesmo. Era assim: Um ônibus

para os músicos, um ônibus para os cantores e um ônibus pro “povão”. A

iluminação era feita com bambu gigante, são bambus mais grossos, então

colocava querosene e fazia a parte de cima. O morro era todo iluminado com

esse tipo de lampião - tipo tocha, né? Era muito bacana... Tinha o leilão! O

tipo de cobertura era igual de circo, com um tablado no centro, onde no meio

tinha uma mesa onde o pessoal colocava as prendas, e as pessoas dançavam

em volta.

A maioria era parentada, porque as tias, que eram tias da mamãe, moravam

todas nas redondezas. Então tem a casa da tia Singelo, da tia Sinhana, da tia

Evarista... E tinha uma casa também do lado, do outro lado da Maria

Singelo, que eram quartos, não eram alugados e cada parente que vinha de

fora ficava num daqueles quartos onde antigamente se colocavam aquelas

esteiras.

A mesma pessoa que necessitava dos documentos para poder acessar a memória,

faz uma descrição primorosa de como era a vivência das festas de Sant’Anna, se

recordou dos nomes das tias, do tablado, das prendas e das danças, fazendo com que sua

narrativa transparecesse todos os detalhes desses dias festivos.

93

O trem: Personagem Implícito das Narrativas

Um personagem que a todo o momento é referido nesse trabalho, é o “trem”. É

por conta de seu trajeto desviado por influência do Barão de Juparanã na corte, que a

cidade onde fui estudar foi criada. É o motivo da mobilização da população da cidade

em torno da reforma da Estação que já fora considerada a mais bela entre o Rio de

Janeiro e Minas Gerais, criando assim o S.O.S Barão de Juparanã. Os habitantes das

cidades do vale do Paraíba fluminense cruzam seus trilhos a todo o momento. Duas

pontes ferroviárias cortam o distrito de Juparanã, anunciando o seu início e seu fim.

Muitos moradores do entorno da malha ainda trabalham para empresas de logística

ferroviária, porém, vários se sentem saudosos do tempo em que a linha D. Pedro II

ainda circulava pela região. Esta fazia transporte de passageiros e seu cancelamento é

visto como um crime, segundo Dona Iedda Giffoni. Muitos dos descendentes do Barão

e moradores do distrito eram empregados pela Central do Brasil, inclusive como já foi

citado, Arthur Marques dos Santos, que fora chefe de diversas estações e seu meio

irmão e tio de dona Ieda, Alfredo Giffoni. Segundo a narrativa de Iedda e seu filho Luiz

Antônio, este possuía muito “cartaz” na Central do Brasil, por suas habilidades em

construir pontes. Mesmo que não fosse engenheiro, era sempre consultado desde que

em uma ocasião, lá para os lados de Minas Gerais, uma ponte fora projetada por um

engenheiro. Ao ver o projeto, Alfredo reprovou, dizendo que se ela fosse construída

daquela forma, iria abaixo. Sem dar ouvidos ao funcionário hierarquicamente menos

entendido do que o engenheiro, a empresa mandou construir a ponte. Algum tempo

depois, como previsto pelo tio de Iedda, a ponte caíra dentro do Rio, causando um

enorme acidente de trem. Para que fosse reconstruída chamaram, portanto, Alfredo.

Segundo Luis Antônio, a ponte se encontra até hoje no mesmo lugar e recebe o nome de

Alfredo Giffoni em homenagem àquele que a projetou com sucesso.

Mazinho narra a importância de serem preservadas as malhas ferroviárias, já que em sua

opinião:

o Brasil foi industrializado e desenvolvido à margem da ferrovia. O Governo

novo que não vê isso. Deixa ao léu. Tem até pedaços aí como no caso de

Angra que não é usado, o pedaço de Miguel Pereira... Se houver aqui na

nossa malha, nessa região algum acidente, o Rio, os portos do Rio vai ficar

acabado, por quê? Porque eles não conservaram a malha de Miguel Pereira.

E Por que que existia a Malha de Miguel Pereira?

94

Isso é história de vô Arthur: A malha de Vassouras, quando caiu um túnel

durante a Guerra aqui, na nossa serra, o Rio foi todo abastecido passando

por Vassouras, até chegar em Japeri, ali em Barão de Vassouras, fazia a

transposição. Trocava da bitola larga pra bitola estreita. Levava até Japeri e

passava de novo pra bitola larga, pra chegar pra abastecer o Rio. Tanto que

no Rio nunca ficou sem nada: leite, verdura, carne, tudo que vinha de Minas,

do interior de Minas foi. Onde? Pela malha de Vassoura. É a finalidade da

malha de Miguel Pereira, pois que ela chega à Paraíba do Sul na bitola larga.

O vô sempre me ensinou isso, eu tinha 12 anos quando o vô morreu, e ele

contava essas histórias pra a gente, quando ele contava era assim também,

enfiava a gente assim também, (cruzando as pernas) enfiava aqui e contava,

e o pai do lado confirmando e aprendendo também. Se houver algum

problema, desvia o trem lá em Paraíba do Sul, ele passa por Miguel Pereira,

e sai lá em Japeri, sai no porto de Itaguaí. E isso não tá sendo feito. Isso meu

avô me contou eu tinha 12 anos, eu vou fazer 56. Eu sempre ouvi dizer, que

a gente pegava o trem em Mendes e ia até o sertão. E onde começa o sertão?

Montes Claros em Minas, que é a capital do norte de Minas. O vô sempre

falou isso, e o pai, que é ex-ferroviário sempre falou isso. Tanto que não tem

mais trem pra lá. Você pegava o trem em São Paulo, você ia à Bolívia. Meu

avô me contou isso, meu pai, tudo isso eles contaram

Não é apenas por a uma motivação econômica, porém, que Mazinho reconhece a

necessidade do resgate das malhas ferroviárias brasileiras, mas sim às suas memórias do

tempo em que estudava em Barra do Piraí, e puderam ter uma boa educação por conta

do trem, enumerando vários dentistas e médicos locais que se formaram indo estudar de

trem.

O trem faz parte tanto da paisagem física desses lugares no vale do Paraíba,

quanto da paisagem sonora. Todo o ar bucólico e tranquilo se desestabilizam com a

passagem do trem. Seu apito nos faz recordar do tempo do progresso, do movimento

que trazia novidades e pessoas, que levavam sonhos para lugares distantes, mas logo

esse trem passa, não levando nada e nem deixando coisa alguma, apenas a esperança de

que um dia todas essas estações abandonadas, que cruzam caminhos tão distantes,

ganhem novamente serventia, como nossos amigos de Juparanã conseguiram

reinventando sua função e transformando em necessária para a população.

95

Etnografando a história, etnografando tudo

Quando me propus a realizar uma etnografia da história18

, tinha em mente ter a

história como tema central, porém, abordá-la de forma genuinamente antropológica,

realizando o trabalho de campo, o ampliando em termos metodológicos: realizei o

trabalho de campo clássico nos moldes malinowskianos, permanecendo durante o

período de seis meses entre Barão de Juparanã e redondezas batendo de porta em porta

para conversar com as pessoas; aproveitava esses momentos para coletar os mais

diversos arquivos de família, como fotos, anotações, genealogias, fotografias, certidões,

até mesmo artigos e revistas; habitei um ambiente que não seria o “meu” enquanto

antropóloga, e quase me perdi por isso. Convivi com os arquivos que são atraentes e

deliciosos de serem trabalhados. O passado falado é tão gostoso quanto o escrito, e o

que apreendi foi a imagem do pensamento daquela época (1850 à 1888, período

pesquisado), naquele local. Ao ter em mente todos os dias em que convivi com aqueles

papéis, abordá-los de forma antropológica, nos termos definidos por Olívia Maria da

Cunha (2005), acredito ter não só conseguido encontrar outros casos de nobres Barões

do café que se envolveram de forma intensa com escravas a ponto de deixarem toda sua

herança para elas e seus filhos, como pude “vivenciar” todo o preconceito da justiça e

das famílias, que chegou no ponto culminante do suicídio do primogênito do Barão de

Garibú. Ainda tendo em mente etnografar a história, olhei, mesmo que por pouco

tempo, para a forma como ela foi apropriada pela luta do movimento S.O.S Barão de

Juparanã, visando primeiramente de forma urgente a reforma da estação – símbolo da

história da cidade -, mas que hoje estão envolvidos em dezenas de pautas para a

melhoria do bem-estar das pessoas que lá vivem de uma forma geral. Observando essa

breve revisão do trabalho realizado, podemos perceber que a etnografia da história é

uma etnografia, pura e simples. O complemento “da história” possui apenas uma função

de recorte temático, antropológico e bibliográfico. Seria talvez mais fácil trabalhar com

o “parentesco”, utilizando uma temática já estabilizada, estudada desde os primórdios

das ciências sociais, ou talvez se estudasse apenas a política que está envolvida nas

relações que presenciei ou “ouvi falar”. Seria um trabalho primoroso e pretendo me

dedicar a esse campo em breve. Mas lancei-me no desafio de trabalhar com a história,

disciplina que já foi a minha escolha acadêmica durante dois anos, dos 17 aos 19 (há 14 18

Termo elaborado em conjunto com a minha Orientadora, a Profª Ana Cláudia Cruz da Silva. A

principio, chamei de ‘antropologia da história’, termo utilizado também por outros autores, notadamente

Schwarcz. A ideia de fazer uma ‘etnografia da história’, como sugerido por minha orientadora, adequa-se

melhor à proposta de perceber a história em uso pelos agentes sociais.

96

anos). Não voltei para a história por um saudosismo pueril, até mesmo porque meus

objetivos no curso de história não eram mexer nesses assuntos de família. Voltei-me

sim, para a possibilidade de que em sua relação com a antropologia eu pudesse

compreender melhor as práticas vivenciadas no campo que escolhi, suas razões e

objetivos. Sem centralizar o tema da história (mesmo que sempre o problematizando e o

questionando) esse trabalho seria outro. Se colocasse a história como apenas mais um

tema, e não o central nesta etnografia seria como renunciar àquilo o que estavam meus

interlocutores sempre repetindo. E não, não fui eu quem os induziu a isso. Antes mesmo

que eu fosse parar em Juparanã, o movimento S.O.S já estava falando de “história” em

suas reivindicações, movimento este formado tanto por parentes, quanto por não

parentes (talvez esses últimos até sejam a maioria).

97

CONCLUSÃO

Confesso que estou chegando ao fim desse trabalho com uma leve sensação de

que poderia abordar mais assuntos, porém, com o tempo curto que é imposto ao

mestrado, o trabalho não se faz suficiente para encontrar todas as possibilidades de

desdobramentos aqui dentro. Finalizo deixando essa conclusão ainda em aberto, mas

em um nível mais bem elaborado do que deixei na minha monografia em 2012

(CAMARGO, 2012). Em 2012 olhei principalmente para as narrativas a partir do

“narrador”, e das histórias que eram lembradas pelo compartilhamento de fotografias

antigas em um grupo do Facebook, “A Parentada da Dona Anita”. Aqui ampliei o olhar

e amplifiquei as histórias, buscando pela etnografia reconhecer suas utilidades práticas

nos dias de hoje para os moradores do distrito e para os descendentes do Barão de

Juparanã. Tentei me remeter a tudo, desde a paisagem ao movimento político, passando

pela circulação dos arquivos, pelos segredos que desarmonizam o tão esperado

equilíbrio de uma “família”. Esta foi também uma dissertação recheada de imagens,

pois ainda percebo que elas são recursos muito utilizados para que meus interlocutores

acessem suas lembranças e suas histórias. Vivenciei momentos únicos que tentei passar

aqui descrevendo os momentos da forma mais minusciosa possível, para que também

fossem apreendidos pelo leitor da mesma forma que o foram por mim.

Acredito ter conseguido demonstrar ao que me referia, sobre o que é fazer uma

etnografia da história, ao mesmo tempo em que realizei essa etnografia proposta durante

toda a escrita, mas para que não fique nenhum ponto desamarrado, talvez seja

necessário voltar a alguns deles. Ao tratar da história não visei em momento algum

atingir algo mais verdadeiro. A realidade não é o que mais se aproxima da natureza, a

realidade é o que é realmente construído - pois até a natureza é uma construção - , que

possui efeitos sobre as ações práticas. As práticas cotidianas, portanto, possuem uma

metafísica específica. Sendo assim, parece que voltamos ao que Lévi-Strauss coloca de

que simbolismos e práticas não são separáveis. Joana Overing (1995) acrescenta que

não podemos julgar mundos valorativos de um ponto de vista objetivo específico, já que

são diferenças incompatíveis de intenções diferentes pertencentes a histórias diferentes,

portanto os padrões de julgamentos devem ser também diferentes. Em Juparanã

podemos observar diversas intenções dentro de uma mesma perspectiva da história. Ou

98

seja, não há, nem mesmo em um espaço delimitado e num “grupo” de referência, uma

unidade dos sentidos de história.

O mais visível e o que talvez estrapole as relações entre familiares e moradores

de Juparanã, são as reivindicações pela reforma da estação abandonada. É aqui que

vemos um impulso para que o outro, que aqui é o Estado, compreenda a importância da

presença do edifício para os moradores, de forma quase que constituitiva. Muitas

pessoas do movimento se referiam ao desabamento iminente, que seria causado pelo

abandono, ao “fim de Juparanã”. Era uma questão de vida ou morte. O que podemos

deixar em aberto para as pesquisas que serão continuadas no doutorado, é: Será que o

grito que o movimento lançou, foi realmente escutado? Ao que pude perceber, já

acompanhando as eleições de 2014, houve uma utilização das pautas do movimento

S.O.S Barão de Juparanã para fins eleitorais, como foi demonstrado no folheto político

que unia o vereador local, Naldo, e o candidato na época e atual governador Luiz

Fernando Pezão. As obras se iniciaram dois meses antes das eleições. Ao retornar agora

em março de 2015, os moradores disseram que as obras estão andando lentamente, mas

a justificativa dada pelo governo seria de que os materiais e a forma como se deve

restaurar devem seguir o projeto original. Essa justificativa deu conta dos anseios dos

juparanenses. Ainda teremos muito tempo até que a estação seja inaugurada, tempo

suficiente para ouvir outras histórias, conhecer mais “primos” (tem um lado inteiro da

cidade ainda para explorar), acompanhar outras eleições... A próxima será em 2016, e

esta é muito importante de ser vista, pois segundo alguns dos fundadores do S.O.S

Barão de Juparanã, o movimento foi criado por conta do abandono a que o vereador

eleito pelo distrito mantinha a população local. Resolveram eles mesmos atuar em prol

de suas necessidades. Algumas pessoas porém, não compreendem como que ele

consegue sempre se reeleger com o voto do distrito, já que boa parte da população se

diz indignada.

Por mais que esses assuntos se encontrem pendentes, e deverão ser trabalhados

em mais profundidade no doutorado, sinto que mesmo com o curto tempo disponível

para fazer esse trabalho etnográfico, dei conta desse “retrato de família”, mostrando as

dinâmicas das relações dos descendentes do Barão de Juparanã desde os tempos em que

receberam as heranças de seu pai falecido até os dias atuais. As histórias são como

mitos, assim como mitos são como histórias, não há como fazer diferença entre ambos.

Para Levi-Strauss:

99

Mitos se reencontram como partículas agregadas em nebulosas num céu

estrelado. Só vemos aquelas poeiras míticas de nossa vizinhanca, e devemos

nos contentar em entender tendências que operam localmente, infletindo o

espaço mítico, e apontando para o fato de que ele talvez seja afinal visível

como um todo apenas para um observador virtual situado num ponto no

infinito. A análise de mitos e necessariamente local. (LÈVI-STRAUSS, 2014

[1964], p.30)

Olhei para as histórias (ou mitos) da origem dessa localidade, do pai generoso e

bom senhor de escravos; para esse caso que não se faz contraditório na localidade, nem

entre os parentes, de um homem religioso que possuia um “harém” de escravas, mas que

sempre é perdoado pelos folhetos comemorativos dos aniversários da igreja de Nossa

Senhora do Patrocínio, já que “nenhum homem é perfeito”, e também por ele ter sido o

“nobre idealizador da igreja” (RAMOS, 1981), não poupando nem dinheiro e nem

esforços para que ela fosse construída, sendo inaugurada, porém, somente após sua

morte. Além disso, foi desses relacionamentos que se originaram essas pessoas que

contam hoje suas histórias, fazendo de forma muito consciente uma exaltação dos casos

que ouviram e viveram desde então, como algo peculiar dentro do contexto das

relações, tanto entre senhores e escravos, quanto das relações entre a própria famíla.

Podemos finalizar esse trabalho com a citação de Heredina (apud Olivia Maria de

Cunha), que se adequa a uma das versões da história, talvez a mais política, concebida

pelos juparanenses e descendentes do Barão de Juparanã:

A História é uma arma na mente da comunidade, um elo com a

dimensão mais ampla e importante da pátria, uma ação das pessoas sobre o

tempo: tomar posse da memória de seus próprios fatos para guiar-se e

utilizar valores superiores diante do presente e encontrar o rumo do futuro”.

(Apud CUNHA, 2010,nota da introdução de numero 11 p. 25)

100

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Testamento do Barão de Guaribu - Ano do Documento: 1863 - DOC 102663962028 -

Fundo/Convênio TJERJ – Vassouras

Testamento do Barão do Tinguá (Pedro Correa e Castro). Testamenteiro: Antonio

Agrícola Fontes - Ano do documento: 1865 - Documento 102663962038 -

Fundo/Convênio TJERJ – Vassouras

Parte do inventário do Barão de Guaribú – de 1863 à 1895 - Documento

103664154001 - Fundo/Convênio TJERJ – Vassouras

Arquivos Pessoais Consultados

Testamento do Barão de Juparanã e Escriptura de Hypotheca do Barão de Santa

Mônica. Typ. De Sant Rosa. Freguezia de Santa Thereza. 1885. Segunda Edição

Genealogia feita por Mônica Leite, de posse de Anna Leite

Certidões e registros de casamento cedidos por Anna Leite

Árvore feita por Mônica Leite, de posse de Ivo

Genealogia feita por Amaury e Cidinha

104

Anotações feitas por Elza sobre o Barão de Juparanã e outros notáveis de Valença

Anotações feitas por Anny Marques sobre a família

Documentos sobre o Andamento das obras da Estação cedido por Luiz Antônio

Álbum de fotografias de Candoca

Álbum de fotografias de Ivo

Álbum de Fotografias de Anna Leite

Álbum de Fotografias de Maria José

Álbum de Fotografias de Adaury

Álbum de Fotografias de Anny

105

ANEXOS: GENEALOGIAS

ANEXO I: FAMÍLIA DA ESCRAVA MANOELA AGOSTINA

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

MANOELA AGOSTINA

FILHOS DO

BARÃO

1) JORGIANO - (30/09/1849 CASADO EM 07/10/1875 COM IDALINA DE SOUZA

2) MANOEL JACINTHO - (21/07/1853 CASADO EM 07/02/1867 COM JOSEPHINA MARIA DA CONCEIÇÃO

3) BRASILIANO - (13/8/1860) CASADO COM JOSINA ISABEL

4) MANOELITA - (27/07/1861) CASADA EM 08/08/1882 COM JORGE VIEIRA

4) a -BERNARDINO CECILIANO

b- ZINHO

106

NETOS DO

BARÃO

c- CENAZALDA

d –TANCREDO

BISNETOS DO

BARÃO

4.A - ISIS BARBARA (LOCA)

TRINETOS DO

BARÃO

(FILHOS DE

ISIS)

1 – CONCEIÇÃO NOGUEIRA VIEIRA

2 – ANA NOGUEIRA VIERA

3 – MARIA DE LOURDES NOGUEIRA VIEIRA

4 – FRANCISCA NOGUEIRA VIEIRA

5 – ÁLVARO NOGUEIRA VIEIRA

TETRANETOS

DO BARÃO

1.A – EMÍLIA

1.B – JOSÉ CORREIA

1.C – IGNÁCIA

1.D – MARIA JOSÉ (DONA ZEZÉ COM QUEM CONVERSEI)

3.A - SOLANGE

PENTANETOS

DO BARÃO

(FILHA DE

IGNÁCIA)

1 – ELZA

EXANÉTOS DO

BARÃO (FILHO

DE ELZA)

1 – ADRIANO PEDRO

107

ANEXO II: FAMÍLIA DA ESCRAVA FLORIANA PAULINA

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

FLORIANA PAULINA

FILHOS DO

BARÃO

1- ROZINA JACINTHA DOS SANTOS (*27/10/1850) CASADA EM 21/04/1868 COM BELCHIOR MARIANO SANTOS.

2- FLORIDA (*21/11/1852) CASADA EM 04/05/1868 COM JOSÉ LUIS DE BRITO.

3- JOVIANO (*10/03/1855)

4- MODESTINO (*02/04/1857)

5- JACINTHO (*23/07/1859) CASADO EM 23/07/1826 COM MARIA MADALENA SOUTO.

6- ELIZIANO (* 16/08/1861)

7- FLORENCIANA (CATI) (*13/11/1863) CASADA COM FELIPE ALVES BAPTISTA.

8- EVARESTINA (*25/10/1866) CASADA EM 05/0/1886 COM FELIX JOSÉ DE ARAUJO.

9- ISIDRO (*09/05/1869)

10- ALFREDO (*09/04/1872)

1- a) MARIA JOSEFA DOS SANTOS SINGELO - b) ANA MONTEIRO (CASADA COM MIGUEL MONTEIRO) – c) BERTA

108

NETOS DO

BARÃO

MAFRA (CASADA COM MARIO MAFRA) - d) HOLANDINO – e) FLORENCIA ROZÁRIO DOS SANTOS (CASADA

COM CARLOS JOSÉ SERAPIÃO) – f) MARIANA (CASADA COM MARTINHO) – g) VASELINA (CASADA COM

OLIMPIO) – h) NORMANDINA (DINOCA - CASADA COM CAMILO JOSÉ DE ARAUJO) – i) JOAQUIM MARIANO (*

06/08/1888) – j) JOSÉ MARIANO – l) JACINTA (TOTA - CASADA COM ALFREDO GIFONI)

2- ??????????

3- ??????????

4- ??????????

5- ???????????

6- ???????????

7- a) ALFREDO GIFONI (CASADO COM JACINTA) – b) CINIRA – c) ARTHUR MARQUES DOS SANTOS – * 20/01/1903

+ 30/03/1968 (CASADO COM ANNA MAFRA MARQUES)

8- CAMILO JOSÉ DE ARAUJO (CASADO COM NORMANDINA)

9- ??????????

10- ??????????

BISNETOS

(ARTHUR) E

TRINETOS

(ANNA) DO

BARÃO

1C com 7C) DE ANNA E ARTHUR :

1) ALFREDINA MARQUES DOS SANTOS

2) ANNY MARQUES DE AQUINO - * 16/01/1927 + 21/3/1999

ILDEFONSO JORGE DE AQUINO E SILVA - * 19/03/1925

3) ALOY MARQUES DOS SANTOS - * 02/09/1928 + 12/02/2012

INESIA DINIZ MARQUES DOS SANTOS - * 16/03/1934 + 07/12/2004

4) AMAURY MARQUES DOS SANTOS - * 13/04/1930 + 25/04/2007

NEUSA DA SILVA MARQUES DOS SANTOS - * 25/05/1934 + 23/02/2011

5) ADAURY MARQUES DOS SANTOS – 13/07/1932

WILMA PERES MARQUES DOS SANTOS – * 17/08/1932 + 17/06/2013

6) ANNELY MARQUES DA SILVA - * 09/05/1934 + 27/12/2005

CARLOS ROCHA DA SILVA – * 31/12/1928 + 01/05/1985

7) AURELY MARQUES DOS SANTOS - * 11/02/1936 +24/05/2003

NELCY MARIA CORRÊA MARQUES DOS SANTOS – 22/07/1939

8) AURY MARQUES DOS SANTOS - * 17/04/1938 + 11/04/2001

INA MARIA ALMEIDA DOS SANTOS – 17/03/1941

109

BISNETOS

(ARTHUR) E

TRINETOS

(ANNA) DO

BARÃO

9) ANNALY MARQUES PERES – * 29/07/1939 + 13/01/1982

WALDIR COSTA PERES – * 21/08/1931 + 10/06/1993

10) ANTONNY MARQUES DOS SANTOS - * 1º/04/1941 + 27/09/1973

JEANETH CHEDID MARQUES DOS SANTOS – 06/05/1942

11) ANNACY MARQUES MULINÁRIO – * 30/04/1943 + 17/06/1991

12) ALCY MARQUES DOS SANTOS - * 22/07/1944 + 13/10/2012

TRINETOS

(ARTHUR) E

TETRANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

2a) ILDANY CECÍLIA MARQUES DE AQUINO - * 30/09/1947 + 29/07/2006

b) JOSÉ CARLOS MARQUES DE AQUINO- * 09/10/1950 + 12/11/1996

ELISABETH LIMA TEIXEIRA MARQUES - 06/07/1953

c) MARIA DE LOURDES MARQUES CAMARGO- 16/07/1953

ALOISIO ASSUMÇÃO CAMARGO – 29/11/1953

d) TANIA LUCIA MARQUES DE AQUINO – 25/12/1955

3a) KATIA REGINA MARQUES DOS SANTOS – * 06/04/1955 + 03/06/2012

HUMBERTO LUIZ DA CONCEIÇÃO – 10/07/1953

b) ALAIN JESUS D. MARQUES DOS SANTOS - * 23/02/1963 + 14/09/2009

MARCIA V. DE C. RODRIGUES DOS SANTOS – * 06/09/1961 + 16/05/1999

c) ALAINE MARIA DINIZ MARQUES DOS SANTOS – 02/09/1965

FERNANDO CÉSAR SÁ GUELPELI – 18/05/1965

d) ALLAN JOSÉ DINIZ MARQUES DOS SANTOS - 05/01/1967

MARCIA PAULA GOMES DE SOUZA MARQUES DOS SANTOS – 20/06/1971

4a) OSMAR MARQUES DOS SANTOS – 11/09/1956 (MAZINHO, um dos meus interlocutores mais citados)

b) MARIA ANNITA MARQUES DOS SANTOS- 08/06/1963

5a) ARTHUR MARQUES DOS SANTOS – 14/11/1958

SIDNEIA A. MARQUES DOS SANTOS – 30/11/1956

b) CLAUDIA VALERIA MARQUES DOS SANTOS – 07/06/1960 (TADA) responsavel por esse documento

110

TRINETOS

(ARTHUR) E

TETRANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

c) ANNA LUIZA MARQUES DOS SANTOS NEVES – 02/01/1962 – Narra história do sonho

RENY SEBASTIÃO NEVES – 02/07/1954

6a) CHRISTINA MARIA MARQUES DA SILVA – 21/04/1955

IVANI BRITO DE SOUZA – 10/02/1961

b) CARLA MARIA MARQUES DA SILVA LEAL – 20/05/1957

JOÃO LUIZ LEAL – 04/06/1961

c) CARLOS ARTHUR MARQUES DA SILVA – 01/05/1959

MARIA APARECIDA REIS DA SILVA – 02/09/1957

d) CLAUDIA MARIA MARQUES DA SILVA – 21/03/1964

SERGIO ANTÔNIO COSTA DE CASTRO – 15-06/1962

e) CARLOS LUIZ MARQUES DA SILVA – 06/07/1973

VANESSA RODRIGUES LOPES – 20/07/1980

7a) CRISANTA MARIA CORRÊA MARQUES CASANOVA – 21/06/1960

LUIS PAULO MELLO CASANOVA – 08/07/1955

9a) CLAUDIO LUIZ MARQUES PERES – 08/02/1958

CELIA REGINA MOREIRA PERES – 08/11/1959

b) ANNA MARIA MARQUES PERES DE ALMEIDA – 06/05/1959

PEDRO BITENCOURT DE ALMEIDA – 10/12/1953

c) MIRIAN ELIANE HEGI PERES – 05/12/1960

d) PAULA MARIA MARQUES PERES – 21/12/1962

DOMINGOS SAVIO DA CONCEIÇÃO – 13/02/1952

e) LUCIA HELENA PERES NOGUEIRA – 26/11/1963

CARLOS HENRIQUE NOGUEIRA – 31/05/1960

f) PAULO ROBERTO MARQUES PERES -12/10/1974

10a) CASSIA MARQUES DOS SANTOS – 05/01/1966

MARCELO STRAZZERRI – 09/02/1963

111

TRINETOS

(ARTHUR) E

TETRANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

11a) MARCELO MARCIO MARQUES MULINARIO - * 18/05/1962 + 19/09/2005

NICEIA APARECIDA SILVA MULINÁRIO – 04/05/1966)

b) AIRTON JOSE MARQUES MULINARIO – 29/03/1963

MARIA HELENA RODRIGUES MEIRELES MULINÁRIO – 07/10/1967

c) EDUARDO MARQUES MULINARIO – 13/02/196

ALESSANDRA SILVA E SOUZA –

(FILHOS DE RAFAEL MULINÁRIO)

d) ANNA PAULA MARQUES DOS SANTOS - 13/09/1978

(FILHA DE JOSÉ PAULO DA SILVA)

DEIVIS DE MORAES CARVALHO - 04/10/1975

12a) GUILHERME XAVIER MARQUES DOS SANTOS – 30/11/1975

(FILHO DE MARIA DA PENHA XAVIER DA SILVA)

ANDRÉIA MACHADO – 21/11/1987

b) CAMILA LOPES DOS SANTOS – 31/10/1971

(FILHA DE NÉSIA LOPES)

TETRANETOS

(ARTHUR) E

PENTANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

2c) a) RAQUEL MARQUES CAMARGO- 11/06/1981

b) LETICIA MARQUES CAMARGO – 03/12/1983

c) GABRIEL MARQUES CAMARGO – 19/11/1986

d) LUIZ ANTONIO MARQUES CAMARGO - 05/04/1992

2d) a) MARIA MARQUES NOGUEIRA- 07/05/1984

(FILHA DE HELIO VILELA NOGUEIRA)

d) IARA MARQUES NOGUEIRA- 1º/10/1992

(FILHA DE HELIO VILELA NOGUEIRA)

3a) a) HUMBERTO MARQUES DA CONCEIÇÃO – 14/05/1977

b) TATIANA MARQUES DA CONCEIÇÃO LOPES – 25/06/1979

ANDERSON ALVES PEREIRA LOPES – 22/01/1975

c) NAJARA MARQUES DA CONCEIÇÃO – 03/08/1983

3b) a) MARCELA DE C. RODRIGUES MARQUES DOS SANTOS – 30/10/1987

112

TETRANETOS

(ARTHUR) E

PENTANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

LEONARDO DA SILVA -

3d) a) RÔMULO GOMES DE SOUZA MARQUES DOS SANTOS – 17/11/1992

b) ACAUAN GOMES DE SOUZA MARQUES DOS SANTOS – 20/02/1997

c) ANANDA GOMES DE SOUZA MARQUES DOS SANTOS – 18/04/1999

5a) a) JULIA ANIBOLETE MARQUES HILLE- 04/12/1982

RAPHAEL DE CERQUEIRA HILLE – 18/04/1983

b) ARTHUR ANIBOLETE MARQUES DOS SANTOS – 10/05/1989

CAROLINA BINDES DO CARMO PEREIRA – 05/05/1989

5c) a) OTTO MARQUES DOS SANTOS NEVES – 06/08/1988

b) OTAVIO MARQUES DOS SANTOS NEVES – 13/04/1993

6a) a) MAIARA CHRISTINA MARQUES DA SILVA SOUZA – 10/11/1988

b) MAÍRA CHRISTINA MARQUES DA SILVA SOUZA – 14/12/1992

6b) MATHEUS MARQUES DA SILVA LEAL – 20/09/1990

6c) a) CARLOS AUGUSTO REIS DA SILVA -19/05/1981

EDNA CLEIDE DE SOUZA PAULINO – 09/11/1976

b) CARLOS ANDRÉ REIS DA SILVA – 04/01/1986

6d) a) NATHAN MARQUES DA SILVA OLIVEIRA – 30/12/1985

(FILHO DE JORGE PAULO DE OLIVEIRA)

b) PEDRO CARLOS MARQUES DA SILVA COSTA DE CASTRO – 02/02/1999

7a) a) LÍVIA MARQUES CASANOVA – 09/05/1989

b) JAMILE MARQUES CASANOVA – 14/03/1994

9a) a) FERNANDA MOREIRA PERES – 06/12/1988

(MAURICIO DONIZETI CONCEIÇÃO – 15/10/1964)

b) MARIANA MOREIRA PERES – 27/02/1983

(LUCIANO JOSÉ PORTO MENDES)

9b) a) FLAVIO PERES DE ALMEIDA – 06/02/1981

113

TETRANETOS

(ARTHUR) E

PENTANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

b) MARCIO PERES DE ALMEIDA – 23/01/1984

9c) a) RICARDO THOMAS PERES HEGI -18/12/1986

b) PRISCILLA PERES HEGI - 22/07/1989

c) PAULA MARIA PERES HEGI – 16/07/1991 (FILHOS DE THOMÁS HEGI)

9d) ALINE MARQUES PERES DA CONCEIÇÃO – 30/03/1988

9e) a) ANNA CAROLINA PERES NOGUEIRA – 20/11/1986

FÁBIO ROBERTO DAS NEVES – 02/01/1972

b) CARLOS VITOR PERES NOGUEIRA – 08/04/1988

c) MARCUS VINICIUS PERES NOGUEIRA – 21/05/1991

10a) a) NATALIA MARQUES STRAZZERRI – 22/03/1989

b) GABRIELA STRAZZERRI – 03/03/2009

c) FELIPE STRAZZERRI – 21/10/2011

11a) a) CAROLINA SILVA MARQUES DE LIMA – 12/02/1987

EDUARDO PAIVA DE LIMA – 11/05/1987

b) GABRIELA QUEIROZ RAMALHO MARQUES - 28/06/1994

(FILHA DE ROSANI ELENA QUEIROZ RAMALHO)

c) FERNANDO MORAES MARQUES – 04/08/2002

(FILHO DE ESTÉR MORAES)

11b) a) RAFAELLE RODRIGUES MEIRELES MULINÁRIO – 13/04/1987

b) ISABELLE RODRIGUES MEIRELES MULINÁRIO – 04/03/1995

11c) a) DIMITRI

b) GABRIEL SILVA SOUZA MARQUES - 29/04/2008

c) LETICIA SILVA SOUZA MARQUES - 23/05/2011

11d) BERNARDO MARQUES CARVALHO - 28/04/2011

114

PENTANETOS

(ARTHUR) E

HEXANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

PENTANETOS

(ARTHUR) E

HEXANETOS

(ANNA) DO

BARÃO

2ca) RAQUEL: a) CLARA MARQUES CAMARGO CORRÊA – 29/10/2003

(FILHA DE FLAVIO QUINTO CORRÊA)

b) SARAH MARQUES CAMARGO MANNARINO – 07/01/2010

(FILHA DE MARCELLO VERRESCHI MANNARINO)

3aa) BETINHO: a) MARIANA BOTELHO MARQUES DA CONCEIÇÃO – 29/11/1998

(FILHA DE ANA BOTELHO)

b) HUMBERTO MATHEUS B. MARQUES DA CONCEIÇÃO – 28/06/2002

(FILHO DE ANA BOTELHO)

3ab)TATIANA: a) ARTHUR MARQUES DA CONCEIÇÃO LOPES – 19/06/2002

b) ÁGATHA MARQUES DA CONCEIÇÃO LOPES – 11/08/2009

3ac) NAJARA: a) ANTHONY M. MARQUES DA C. DE OLIVEIRA – 09/02/2012

(FILHO DE ADEILTON MARCELOS DE OLIVEIRA)

3ba) MARCELA: a) CASSIO HENRIQUE DE C. MARQUES DA SILVA – 04/07/2009

5aa) JULIA: a) ANNE MARQUES HILLE – 18/01/2013

6ca) C. AUGUSTO: a) STELLA MARQUES DE SOUZA REIS – 24/05/2011

115

9ab) MARIANA: a) ANNA CLARA PERES PORTO MENDES – 11/04/2006

b) GUILHERME PERES PORTO MENDES – 29/08/2008

c) ALICE PERES PORTO MENDES – 28/03/2014

9ea) A. CAROLINA: a) ANNA LUISA NOGUEIRA DAS NEVES – 22/08/201

9eb) C. VITOR:

11aa) CAROLINA: a) MATHEUS MARQUES DE LIMA – 16/06/2008

b) MELISSA MARQUES DE LIMA – 02/05/2013

116

ANEXO III: FAMÍLIA DA ESCRAVA FLORIANA PAULINA (OUTROS PARENTES)

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

FLORIANA PAULINA

FILHOS DO

BARÃO

1- ROZINA JACINTHA DOS SANTOS (*27/10/1850) CASADA COM BELCHIOR MARIANO SANTOS

2- FLORIDA (*21/11/1852)

3- JOVIANO (*10/03/1855)

4- MODESTINO (*02/04/1857)

5- JACINTHO (*23/07/1859)

6- ELIZIANO (* 16/08/1861)

7- FLORENCIANA (CATI) (*13/11/1863)

8- EVARESTINA (*25/10/1866)

9- ISIDRO (*09/05/1869)

10- ALFREDO (*09/04/1872)

1- a) MARIA JOSEFA DOS SANTOS SINGELO - b) ANA FLORIANA DOS SANTOS MONTEIRO (* 1872) (CASADA COM

117

NETOS DO

BARÃO

MIGUEL MONTEIRO) – c) BERTA MAFRA (CASADA COM MARIO MAFRA) - d) HOLANDINO – e) FLORENCIA

ROZÁRIO DOS SANTOS (CASADA COM CARLOS JOSÉ SERAPIÃO) – f) MARIANA (CASADA COM MARTINHO) – g)

VASELINA (CASADA COM OLIMPIO) – h) NORMANDINA (DINOCA - CASADA COM CAMILO JOSÉ DE ARAUJO) – i)

JOAQUIM MARIANO (* 06/08/1888) – j) JOSÉ MARIANO – l) JACINTA (TOTA - CASADA COM ALFREDO GIFONI)

2- ??????????

3- ??????????

4- ??????????

5- ???????????

6- ???????????

7- a) ALFREDO GIFONI (CASADO COM JACINTA - TOTA) – b) CINIRA – c) ARTHUR MARQUES DOS SANTOS – *

20/01/1903 + 30/03/1968 (CASADO COM ANNA MAFRA MARQUES)

8- CAMILO JOSÉ DE ARAUJO (CASADO COM NORMANDINA)

9- ??????????

10- ??????????

BISNETOS DO

BARÃO

1a) FILHO DE MARIA SINGELO CASADA COM ANTONIO SINGELO; a) CLARIMUNDO CONCEIÇÃO (CESSÃO)

1b) FILHOS DE ANA MONTEIRO (TIA SINHANA) CASADA COM MIGUEL MONTEIRO: ÁLVARO – OSWALDO –

MIGUEL – NELSON – ISALTINO – ARI – JAIME – JOÃO – NAIR – JOAQUIM – JOSÉ - FLORISBELA

1c) FILHOS DE BERTA MAFRA CASADA COM MÁRIO MAFRA: ANNA MAFRA MARQUES - * 08/03/1906 +

19/05/1996 – EDMUNDO - LAUDILINA – BELQUIOR

1d) ?

1e) FILHOS DE FLORÊNCIA CASADA COM CARLOS SERAPIÃO: a- MÔNICA SERAPIÃO DA SILVA (QUICA) - b)

CANDIDA SERAPIÃO DA SILVA (CANDOCA) – c) BENEDITA SERAPIÃO DOS SANTOS – d) ANTÔNIO JOSÉ

SERAPIÃO

OBS: ANTÔNIO JOSÉ SERAPIÃO E FAMÍLIA SÃO DESAPARECIDOS.

1f) FILHOS DE MARIANA COM MARTINHO: JUVANDIR (VANDI) – JOANA – ELISON – CLEIDE

118

BISNETOS DO

BARÃO

1g) FILHOS DE VASELINA COM OLIMPIO: BELCHIOR – OLIMPIO – CELSO – JOSÉ- REGINA – IDUINA – CARMEM –

ERMÍNIA – DIVA

1h) ?

1i) a) FILHA DE JOAQUIM MARIANO COM CECÍLIA NEVES DOS SANTOS: ANTONIETTA DOS SANTOS LAZÉRA

(SANTA); FILHOS DE JOAQUIM MARIANO CASADO COM ? (2º CASAMENTO) - JOEL – BELCHIOR – TEREZINHA

1j) FILHOS DE JOSÉ MARIANO CASADO COM ANGELINA: CIDINHA – BRAZILICA – ARGEMIRO – OLIVIER –

NELSON – LINCOLN – GERALDO;

1l) FILHOS DE JACINTA CASADA COM ALFREDO GIFFONI: BRÁS (CASADO COM A MARINETE) – ZECA –

HOLANDINO (CASADO COM REGINA) – ALFREDO (DOCA) - LOURDES – LUSA (DEDÊ) (CASADA COM WALTER) –

ROSINA (CASADA COM SERGIO) – NICEA (CICI) (CASADA COM QUINTAS) - THEREZINHA

2- ?????????

3- ?????????

4- ?????????

5- ?????????

6- ????????

7c) FILHOS DE ARTHUR MARQUES DOS SANTOS E ANNA MAFRA MARQUES

8) ?????????

119

9) ?????????

10) ?????????

TRINETOS DO

BARÃO

1ea) FILHOS DE MÔNICA SERAPIÃO DA SILVA CASADA COM JOSÉ LEITE DA SILVA (FAMILIA DA ESCRAVA

GERALDA): a) RUY PEDRO LEITE DA SILVA b) RUTH MARIA LEITE DA SILVA–c) REGINA THEREZA LEITE DA

SILVA d) ANNA LEITE DA SILVA FILHOS: CARLOS EDUARDO – LUIS CARLOS – CARLOS HENRIQUE –

CARLOS RENATO e) MANOEL LEITE DA SILVA - f) ROMILDA APARECIDA LEITE DA SILVA - g) ROMERO JOSÉ

LEITE DA SILVA – h) ROSELY LEITE DA SILVA

1eb) FILHOS DE CANDIDA SERAPIÃO DA SILVA (CANDOCA) COM WANDUIL FERREIRA: - JOSÉ MARIA

FERREIRA – ANNA FERREIRA – ALAYR FERREIRA – DEUCY FERREIRA – MARIA APARECIDA FERREIRA (CIDA) E

SEBASTIÃO FERREIRA (GÊMEOS) – MARIA DE LOURDES FERREIRA (LOURIDINHA)

OBS; WANDUIL FERREIRA ERA IRMÃO DE JUVENAL FERREIRA QUE ERA CASADO COM LAUDELINA, IRMÃ DE

ANNA MAFRA.

1ec) FILHOS DE BENEDITA SERAPIÃO DOS SANTOS COM JOSÉ DOS SANTOS: GLORIA MARIA DOS SANTOS –

RICARDO SÉRGIO DOS SANTOS

1ed) FILHOS DE ANTÔNIO JOSÉ SERAPIÃO (TEGO) COM WALDINA GARRIDO SERAPIÃO: CARLOS JOSÉ

SERAPIÃO – JORGE JOSÉ SERAPIÃO – ZILÁ SERAPIÃO

1ia) ANTONIETTA DOS SANTOS LAZÉRA - * 01/11/1923 + 02/01/1968

DAVID MIRANDA CASTRO LAZÉRA – * 19/05/1924 + 09/05/2007

a) MARCIA DOS SANTOS LAZERA -

FILHOS: a) LEONARDO DOS SANTOS LAZERA URGABIETA -

(FILHO DE FERNANDO URGABIETA)

b) BRUNA DOS SANTOS LAZÉRA WANKE -

(FILHA DE BODO WANKE)

120

TRINETOS DO

BARÃO

b) ELIANE DOS SANTOS LAZERA -

FILHOS: a) JULIANA LAZERA CARDOSO -

b) FELIPE LAZERA CARDOSO -

c) PEDRO LAZERA CARDOSO -

(FILHOS DE ALEXANDRE CARDOSO)

c) VICTOR DOS SANTOS LAZERA -

FILHOS: a) RAFAEL NEVES LAZÉRA -

b) LÍVIA NEVES LAZÉRA -

(FILHOS DE FÁTIMA NEVES LAZÉRA)

d) JANETE DOS SANTOS LAZERA -

FILHOS; a) DIANA LAZÉRA ROEDEL -

b) RICARDO LAZÉRA ROEDEL -

(FILHOS DE SÉRGIO MARQUES ROEDEL)

e) PAULO DOS SANTOS LAZERA -

FILHOS: a) CAROLINA TORRUBIA LAZÉRA -

b) RENATA TORRUBIA LAZÉRA -

c) VANESSA TORRUBIA LAZÉRA -

d) GUSTAVO TORRUBIA LAZÉRA -

e) EDUARDO TORRUBIA LAZÉRA -

(FILHOS DE ELIANE TORRUBIA)

f) GISELE PEREIRA LAZÉRA -

(FILHA DE MARIA DE LOURDES PEREIRA LAZÉRA)

ea) DAVI TORRIBIA LAZÉRA ROCHA DE AZEVEDO -

(FILHO DE LUIS RICARDO ROCHA DE AZEVEDO)

121

ANEXO IV: FAMÍLIA DA ESCRAVA SEMIANA FLORENTINA

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

SEMIANA FLORENTINA

FILHOS DO

BARÃO

1) BENICIO – 19/01/1857 CASADO COM MARIA JOSÉ SERAPIÃO

2) DARIO – 22/12/1860

3) BRASELIZA – 23/01/1864 CASADA COM BRÁS GIFFONI (uma de suas três esposas irmãs)

NETOS DO

BARÃO

3) ENEDINA VICENTE

ONDINA

ANGELINA

MENOTI

122

ANEXO V: FAMÍLIA DA ESCRAVA EMÍLIA DOROTHEIA

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

EMÍLIA DOROTHEIA

FILHOS DO

BARÃO

1) EMILIANA – 23/03/1857 CASADA EM 06/06/1872 COM CHRISPINIANO JOAQUIM DA COSTA

2) DANIEL – 14/02/1859 CASADO EM 21/11/1881 COMMARIA JOSÉ SERAPIÃO *

3) SARA – 29/04/1861 CASADA EM 22/08/1876 COM JOSÉ MANOEL CORDEIRO DE SOUZA

4) MARIA – 27/08/1867

5) THERESIANA – 09/03/1872

6) CIPRIANO

NETOS DO

1)AMELIA

IDALINA

ERNESTINO

AURÉLIO

123

BARÃO

NETOS DO

BARÃO

2) DOCA

LULU

CAMILA

OSCAR

PEQUETITA

3) CIPRIANO

SEBASTIÃO

VALERIANO

RAUL

IRINEU

JACINTHO

MATILDE

CECÍLIA

LUIZA

TEREZA

O NOME DAS ESCRAVAS E FILHOS DAS MESMAS, FORAM TIRADOS DO TESTAMENTO DO BARÃO DE JUPARANÃ.

124

ANEXO VI: FAMÍLIA DA ESCRAVA GERALDA

DESCENDÊNCIA DE

MANOEL JACINTO CARNEIRO NOGUEIRA DA GAMA

(BARÃO DE JUPARANÃ)

FILHO DE: MARQUES DE BAEPENDI MANOEL JACINTO NOGUEIRA DA GAMA (* 08/09 1765 + 15/02/1847)

E DA MARQUESA FRANCISCA MONICA CARNEIRO DA COSTA DA GAMA (* 1795 + 1869)

IRMÃO DE: BRÁS CARNEITRO DA COSTA E GAMA (VISCONDE DE BAEPENDI)

FRANCISCO NICOLAU CARNEIRO NOGUEIRA DA COSTA E GAMA (BARÃO DE SANTA MÔNICA)

NASCIMENTO: 04/04/1830

MORTE: 25/06/1876

ESCRAVAS

PREFERIDAS

DO BARÃO

GERALDA

FILHOS DO

BARÃO

1) GUILHERMINA – 06/07/1858 CASADA COM JOSÉ LEITE DE OLIVEIRA

2) ALVARO – 02/10/1858 CASADO COM FRANCISCA MARIA

3) DEOCLIDES GERALDA – 26/08/1876 CASADA EM 19/01/1892 COM BRÁS GIFFONI

NETOS DO

BARÃO

1) ALGEMIRO

CILOCA

SEBASTIÃO

ANITA

JOSÉ SILVA LEITE (PAI DE ANNA LEITE)

125

2) JOVELINA

CLOTILDE

FULGÊNCIO

ALVINHO

MANOEL

3) a - NILO

b- ORRIS

c- MENOTI

d – GALILEU

BISNETOS DO

BARÃO (FILHA

DE ORRIS)

1 – IEDDA GIFFONI (CASADA DO DEOCLER RAMOS)

TRINETOS DO

BARÃO (FILHO

DE IEDDA)

1 – LUIZ ANTÔNO RAMOS

O NOME DAS ESCRAVAS E FILHOS DAS MESMAS, FORAM TIRADOS DO TESTAMENTO DO BARÃO DE JUPARANÃ.