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Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Coordenação do curso de Graduação em Ciências Sociais
(Licenciatura)
Gustavo Gomez Caldeira Barbosa
As abordagens referentes ao conceito de “cidadania” nos livros
didáticos de sociologia para o ensino médio.
Niterói
2016
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Coordenação do curso de Graduação em Ciências Sociais
(Licenciatura)
Gustavo Gomez Caldeira Barbosa
As abordagens referentes ao conceito de “cidadania” nos livros
didáticos de sociologia para o ensino médio.
Artigo monográfico apresentado à Coordenação do curso
de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade
Federal Fluminense como requisito para a obtenção de
grau em Licenciatura em Ciências Sociais.
Orientadora: Profª. Drª. Elisabete Cruvello
Niterói
2016
Universidade Federal Fluminense
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Coordenação do curso de Graduação em Ciências Sociais
(Licenciatura)
Gustavo Gomez Caldeira Barbosa
As abordagens referentes ao conceito de “cidadania” nos livros
didáticos de sociologia para o ensino médio.
BANCA EXAMINADORA
....................................................................................
Profa. Dra Elisabete Cristina Cruvello da Silveira
(Orientadora)
Departamento de Sociologia
Universidade Federal Fluminense
...............................................................................
Profa. Ma. Wilma Lucia Rodrigues Pessoa
Departamento de Sociologia
Universidade Federal Fluminense
............................................................................
Profa. Dra. Rosana da Câmara Teixeira
Faculdade de educação (FEUFF)
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2016
RESUMO
O artigo busca compreender as abordagens referentes ao conceito de cidadania,
amplamente enfatizado pelo PCN, em dois livros didático de sociologia para o ensino
médio: “Sociologia para Jovens do Século XII” (OLIVEIRA; COSTA, 2013) e
“Sociologia em Movimento” (SILVA, et all, 2013). Destaca-se a diversidades de
recursos empregados no tratamento da referida questão à luz da transposição didática,
investigando a utilização da linguagem textual e as linhas teóricas mencionadas.
Palavras-chave: livro didático, transposição didática, cidadania, ensino de sociologia,
PCNs
Sumário
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 6
A RELEVÂNCIA DO LIVRO DIDÁTICO NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA ...................... 7
O PNLD DE SOCIOLOGIA .......................................................................................................... 12
A SOCIOLOGIA SEGUNDO OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉIDO
............................................................................................................................................... 14
ANÁLSE DO LIVRO SOCIOLOGIA EM MOVIMENTO ................................................................... 16
ANÁLISE DO LIVRO SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI ............................................... 20
INFERÊNCIAS SOBRE A COMPARAÇÃO ENTRE OS LIVROS ........................................................ 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 24
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 26
6
INTRODUÇÃO
No artigo em questão procuro discutir as abordagens referentes ao conceito de
cidadania nos livros didáticos de sociologia para o ensino médio, uma vez que os
PCN’s1 enfatizam a importância do conhecimento sociológico na construção de um
caráter cidadão. Neste sentido, as questões norteadoras são: Como os livros
selecionados enfocam e respondem os propósitos dos PCNs no que diz respeito à
preparação da cidadania? Como os livros tratam os conteúdos relacionados à cidadania
possibilitando o processo de transposição didática?
Com base na pesquisa realizada, inferiu-se que os PCNs apresentam uma visão
abrangente de cidadania, podendo contemplar: relevância do relativismo; valorização da
diversidade e da tolerância; importância da noção de política e a necessidade de seu
aprofundamento. Essas representações do conceito de cidadania detalham parcialmente
o sentido desse conceito. Por outro lado os capítulos dos livros didáticos analisados
definem teoricamente o conceito de cidadania, sendo que uma das obras espelha com
clareza exemplos do conceito em tela. Além disso, o capítulo do livro que articula teoria
e exemplos empíricos torna-se mais fértil ao processo de transposição didática.
Visando o recorte empírico, foram escolhidas duas obras aprovadas pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2015: Sociologia para Jovens do
Século XXI 2 publicado em 2013, pela Editora Imperial Novo Milênio; Sociologia em
Movimento3 publicado em 2013, pela Editora Moderna. Os capítulos escolhidos sobre a
temática da cidadania foram: Capítulo 7 – “Democracia, cidadania e direitos humanos”
da “Sociologia em Movimento” e Capítulo 13 – “’É de papel ou é pra valer?’ Cidadania
e direitos no mundo e no Brasil contemporâneo” livro “Sociologia para jovens do
Século XXI”. Por um lado, esses capítulos selecionados serviram para ilustrar o
conceito de cidadania nos PCNs, além de analisar o modo como os autores fizeram a
transposição didática do conceito científico para o saber escolar, ou seja: que linguagem
os autores adotaram para estabelecer uma conexão com o leitor do ensino médio ou da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
1 Parâmetros Curriculares Nacionais 2 Autores: Luiz Fernando de Oliveira e Ricardo Cesar Rocha da Costa 3 Autores: Afrânio Silva, Bruno Loureiro, Cássia Miranda, Fátima Ferreira, João Aguiar, Lier Ferreira,
Marcela Serrano, Marcelo Araújo, Marcelo Costa, Martha Nogueira, Otair Oliveira, Paula Menezes,
Raphael Corrêa, Ricardo Ruiz, Rodrigo Pain, Rogério Lima, Tatiana Bukowitz, Thiago Esteves, Vinícius
Pires,
7
As referências teóricas empregadas relacionadas à transposição didática dizem
respeito às contribuições Chevallard, Leite e Almeida. A possibilidade do livro didático
se constituir um instrumento para o processo de transposição, argumentos dos analistas
Meksenkas, Silva, e Dias e Abreu, sustentaram minha discussão. Analisando cada livro
separadamente em um primeiro momento e, comparativamente, em uma segunda etapa,
destaco os diferentes recursos empregados no tratamento da referida questão à luz da
transposição didática, investigando a utilização de linguagem textual, exemplos, e linhas
teóricas.
O presente artigo estrutura-se em cinco tópicos articulados. No primeiro avalio
as possibilidades de utilização do livro didático enquanto uma ferramenta de auxílio na
prática pedagógica, fazendo uso das teorias elaboradas por diversos autores dedicados
ao assunto, complementando com a introdução ao conceito de transposição didática. No
segundo discorro sobre o PNLD de Sociologia, comentando os critérios utilizados na
avaliação das obras, dentre outros dados apresentados pelo Guia do Livro Didático
(BRASIL, 2014). No terceiro apresento a concepção de cidadania adotada pelo PCN
que sublinha a importância do ensino da sociologia na formação da cidadania do
educando, finalidade amplamente frisada pelo documento. No quarto, examino os
capítulos das obras mencionadas, nas quais procuro compreender comparativamente o
tratamento dado às representações de cidadania dos autores. Por fim, nas considerações
preliminares elaboro uma síntese dos achados da pesquisa, além de tecer reflexões sobre
o processo de transposição didática nos livros de sociologia para o ensino médio e no
PCNs.
A RELEVÂNCIA DO LIVRO DIDÁTICO NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO
PEDAGÓGICA
O emprego do livro didático como ferramenta de mediação na prática
pedagógica suscita, no âmbito acadêmico, questionamentos de diversas ordens, desde o
contexto de produção do material até o momento da sua utilização em sala de aula. São
questões pertinentes, na medida em que evidenciam a realidade sobre a qual se insere
aplicação do mesmo enquanto um recurso de auxílio ao trabalho docente.
Primeiramente, saliento o fato de que a produção de um livro procura atender a
variados requisitos, sendo estes de cunho burocrático, ideológico e didático. Ao citar o
aspecto burocrático, refiro-me à obrigatoriedade de contemplação de tais obras à
8
legislação vigente e às diretrizes educacionais, a LDB4 e o DCNEM5, além das
formalidades imposta pelo edital referente ao programa de difusão desses materiais, o
PNLD. Nas palavras de Dias e Abreu (2005 apud COAN, 2006, p. 109), podemos
entender os livros didáticos como:
produções culturais, resultados concretos de disputas sociais relacionadas
com decisões e ações curriculares. Podemos afirmar [...] que esses materiais
constituem um currículo escrito, o qual nos proporciona um testemunho, uma
fonte documental, bem como um dos melhores roteiros oficiais para a
estrutura institucionalizada da escolarização [...] (p. 08).
Em suma, a adequação da obra às normas de confecção resulta na elaboração de
um produto ideologicamente subordinado aos preceitos e diretrizes curriculares.
Entretanto, na visão de autores como Meksenas (1998 apud COAN, 2006), o
caráter ideológico do livro didático não inviabiliza a sua utilização enquanto um recurso
pedagógico, tendo em visto as diferentes possibilidades de apropriação do conteúdo
transmitido e a forma a ser trabalhada. Para o autor,
num primeiro momento, o livro pode servir à reprodução do capital nos
planos da produção da ideologia. Entretanto, por possuir a peculiaridade de
mediar a transmissão/construção de conhecimentos, pode ser questionado ou
mesmo consumido de forma divergente. Nessa situação, o consumo pode
gerar contra-ideologia. O momento do consumo do livro didático não garante
a reprodução; pode gerar o seu contrário (Meksenas, 1998, p. 56 apud COEN,
2006, p.116 ).
Portanto, Meksenas propõe uma reflexão a respeito do livro didático,
preconizando a importância de uma postura crítica e estimulante por parte do docente
no uso deste recurso, na medida em que ele “veicula conhecimentos voltados para
situações de ensino escolar, seja no nível da reprodução ou do questionamento do social
[...] capaz de propiciar a multiplicidade de usos deste material” (1998, p.56 apud
COAN, 2006, p. 116).
No entanto, além de pensar o livro didático a partir de suas supostas
competências, penso que seja de grande importância considerar os relatos referentes ao
seu uso no cotidiano escolar, na medida em que eles explicitam os diversos cenários aos
quais se encontra inserido.
4 Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
9
Tendo em vista este objetivo, faço uso do artigo6 desenvolvido por Silva (2015),
no qual aborda a questão da utilização do livro didático em sala de aula ao analisar uma
entrevista realizada com dois professores de sociologia, Douglas e Evandro7, atuantes
na rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro. No decorrer do trabalho, o autor
destaca questões pertinentes acerca do tema, trazendo à tona diferentes perspectivas,
tanto dos professores quanto dos alunos.
Ao iniciar a entrevista, Silva (2015) questiona os professores a respeito da forma
como procuram trabalhar o livro didático, obtendo respostas distintas. Diferente de
Evandro, que assume possuir uma relação próxima com o material, Douglas afirma
fazer o uso apenas em situações específicas em razão do livro utilizado não ser o de sua
preferência.
Na resposta do professor Douglas (que afirmou anteriormente ter cinco anos
de magistério) diz usar quando gostaria de passar exercícios, ou como ele
mesmo afirma, “geralmente dentro de alguma atividade”. Afirma que, “como
a escolha é coletiva”, às vezes essa escolha não contempla as suas
expectativas em relação ao objeto livro didático e que, por tais motivos, não
faz uso constante. Observo que, para ele, o uso do livro didático gira em
torno de uma situação específica, mais do que uma obrigação institucional ou de uma obrigação do próprio coletivo de professores de uma instituição.
Mesmos que ele faça parte de um grupo de professores, e que ele mesmo
opine sobre a escolha do “livro tipo ideal”, isso não está implícito o seu uso,
nem por parte do professor, nem tampouco por parte dos alunos (Silva, 2015,
p. 11)
Na fala em questão, atentamos para a possibilidade da ocorrência de uma
situação de caráter inoportuno ao docente. Na medida em que a escolha do livro
didático perpassa pela decisão coletiva dos docentes envolvidos com a matéria na
escola, torna-se real a probabilidade da obra escolhida não atender às expectativas de
um determinado professor, o que pode resultar no constrangimento de sua prática
pedagógica.
Retornando ao artigo, destaco uma consideração, realizada pelos dois
professores, acerca da dificuldade em fazer uso do livro didático de forma rotineira em
sala de aula devido à resistência dos próprios alunos em utilizá-lo. Sob a justificativa de
que o seu transporte acarretaria em mais um peso a carregar, o livro de sociologia acaba
sendo preterido determinados momentos.
6 Artigo Monográfico apresentado à Coordenação do Curso de em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do grau em Licenciatura. (2015) 7 Professores provenientes da Escola Técnica Estadual Henrique Lage, situada no município de Niterói-RJ.
10
Douglas afirma: “Eles reclamam muito de que se eles (os alunos) levassem
todos os livros didáticos eles teriam que levar muito peso”. É uma fala
bastante trivial, porém demonstra uma preocupação que é recorrente, tanto
dos professores quanto dos estudantes (mais dos estudantes do que por parte
do corpo docente). Evandro também fala desse problema da obrigatoriedade
do uso e que nesse sentido pode criar mais transtornos do que auxiliá-los.
Segundo ele: “[...] que, aliás, é uma desculpa recorrente, “Há, não trouxe o livro porque eu tinha não sei quantas disciplinas e a bolsa fica pesada” (Silva,
2015, p.12).
Em um momento posterior, Evandro afirma que o valor conferido ao livro está
condicionado ao contexto no qual ele é introduzido. Refere-se, propriamente, ao local
em que o material está a ser utilizado e as quais expectativas o seu uso pretende
satisfazer. Ideia esta que se encontra implícita em seu discurso a respeito da diferença
de relevância atribuída ao livro didático em espaços escolares distintos.
“Quando você está na escola privada e você paga pelo livro, os pais cobram
inclusive dos profissionais da educação que usem o máximo possível que o
livro possa oferecer. [...] No caso da rede pública, falta ao aluno que ele
respeite a existência do livro didático, ele perceber a importância dele, não só
como recurso público que está sendo empregado, mas como algo importante
na formação dele. O livro didático é um apoio que ele tem naquela disciplina
e muitas vezes ele negligência esse uso. Parece que vem no bojo daquela
história de que o que é público não é de ninguém, não bom”. ( Silva, 2015, p.17)
Por fim, ressalto o trecho do artigo em que os professores relatam a suas
experiências com o uso do livro didático enquanto instrumento de mediação
pedagógica. Em seus discursos, é possível perceber o desapontamento com sua
utilização, o que acaba por demandar um maior esforço para suprir os equívocos
didáticos apresentados no material8.
Enquanto Douglas se restringe a caracteriza-lo como “limitado” (SILVA, 2015,
p.14), Evandro é enfático ao apontar as deficiências na exibição de textos claramente
inadequados à compreensão do aluno, o que requer a sua constante participação
enquanto “tradutor” da linguagem sociológica:
“[...] Basicamente no texto do Tomazi, tirando alguns textos complementares,
o texto dele é todo quente. Cada parágrafo tem um conhecimento que precisa
ser destrinchado, para ser trabalhado junto com o aluno. É preciso, muitas
vezes, voltar para trabalhar um conceito prévio, um pré-requisito daquele
texto” (Silva, 2015, p.14)
8 “Sociologia para o Ensino Médio”, de autoria de Dácio Tomazi.
11
Na fala acima fica explicita a imperícia da obra no ato da transposição didática,
na medida em que esta apresenta uma linguagem acentuadamente científica. Segundo
Almeida (2007), ao discutir o conceito da transposição didática à luz de seu teórico mais
proeminente, afirma:
Para Chevallard, portanto, há, sim, diferenças entre aquilo que se elabora nos
espaços puramente científicos e aquilo que é desenvolvido nos ambientes
estritamente educativos. Não se trata de diferenças conceituais, mas de
diferenças “textuais”, pois elas estão no campo semântico e léxico e, por isso,
precisam ser consideradas, porque as transposições as levarão em conta por
demais (Almeida, 2007, p.10)
Em linhas gerais, podemos definir o exercício da transposição didática enquanto
a capacidade de transformação do saber “científico”, elaborado no âmbito acadêmico,
em saber “ensinável”, passível de discernimento pelo aluno. Assim define Yves
Chevallard sobre tal conceito:
“Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a
partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo
apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um
objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição
didática.” (Chevallard, 1991, p.39 apud Leite, 2007, p.43)
Logo, refere-se à adequação do conhecimento científico à realidade escolar.
Processo este que depende da mediação do professor, capacitado pelo conhecimento do
“saber ensinar”, ou de outros materiais que possibilitem esta adaptação, tal como o livro
didático.
A assimilação do saber pelo estudante requer a perícia do docente em aproximar
o conteúdo a ser ensinado da realidade na qual o educando está inserido. Trata-se da
“relação de contradição antigo/novo”, da qual Leite (2007) se propõe a explicar:
Essa contradição antigo/novo a que se refere Chevallard explica-se pela
necessidade de os objetos de ensino remeterem-se àquilo que já é conhecido
pelo aluno, ao mesmo tempo que devem aparecer como novidade – afinal, é o
novo, é o não sabido que justifica a relação didática. Porém, se o aluno não
puder realizar algum tipo de reconhecimento ou identificação com os saberes
que já domina, o estranhamento pode ocorrer em tais proporções que
inviabilize o aprendizado. O objeto de ensino, então, tem o papel de “objeto
transacional entre passado e futuro” (LEITE, 2007, pg 54)
12
Em outras palavras, a transposição exige a contextualização do conteúdo
ensinado, oferecendo ao aluno a “chave de acesso” (ALMEIDA, 2007, pg. 39) à
complexidade do conhecimento.
Desta forma, Almeida (2007) procura sequenciar a seis etapas que compõem o
processo de transposição didática:
[...] primeiro, é imprescindível resgatar o que os alunos já sabem sobre o assunto; segundo, é importante ouvir todo o saber trazido para se fazer uma
síntese dele; terceiro, é preciso que o professor crie uma motivação ou um
“gancho” capaz de unir os comentários àquilo que se pretende introduzir no
ambiente. A quarta etapa já é apresentar o conteúdo proposto. Numa quinta
etapa, é o momento de o professor observar os rostos, buscando indícios de
possíveis não-entendimentos da questão. A sexta etapa tem de ser a “tiração”
de duvidas que impedem a entrada ou o acesso do aluno àquele novo
universo (ALMEIDA, 2007, pg. 35)
Sendo assim, a despeito das potencialidades teóricas atribuídas ao livro didático,
a sua plena utilização enquanto um recurso de auxílio à prática pedagógica demanda a
superação determinados impasses.
Ao longo do texto, pontuei diversos fatores comprometedores ao material.
Dentre eles, cito o seu condicionamento político-ideológico, a sua baixa receptividade
pelo discente a possibilidade de sua inépcia ao não contemplar os interesses do
professor.
É, sobretudo, importante ressaltar que a elucidação de tais aspectos nos permite,
também, avaliar as possibilidades atinentes ao livro no processo de transposição
didático do ensino sociológico.
O PNLD DE SOCIOLOGIA
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como função a
distribuição das coleções de livros didáticos aos alunos do ensino básico. Uma política
educacional, atualmente sob a responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), voltada ao subsídio da produção e fornecimento de materiais
didáticos para as escolas públicas do país.
Executado em ciclos trienais alternados, o PNLD, atualmente, contempla grande
parte das disciplinas curriculares do ensino médio, incluindo a Sociologia, incorporada
ao programa no ano de 2012. A seleção das obras pelo PNLD deve respeitar uma série
13
de procedimentos, desde a publicação do edital de inscrição dos livros, posteriormente
avaliados segundo critérios gerais e específicos a cada disciplina, até a divulgação do
Guia do Livro Didático, destinado à apresentação dos materiais didáticos aprovados.
No PNLD 2015, edição na qual participaram as duas obras examinadas no
presente artigo, foram determinado os seguintes critérios de avaliação: (1) Critérios de
legislação; (2) Critérios teóricos conceituais; (3) Critérios didático-pedagógicos; (4)
Critérios de avaliação de imagens; (5) Critérios de editoração e aspectos visuais; (6)
Manual do Professor (BRASIL, 2014).
Uma questão a ser destacada refere-se à composição da equipe avaliadora,
formada, majoritariamente, por acadêmicos dedicados ao estudo da prática de ensino e
metodologia, junto a uma parcela de professores de sociologia atuantes no ensino
básico. Ressalto, também, o respeito à pluralidade regional na organização da equipe, na
medida em que se buscou a constituição de um grupo formado por profissionais
oriundos de diversas áreas do país.
Outro critério importante para a escolha foi a regionalidade, sendo assim,
buscou-se compor uma equipe representativa das diversas regiões do Brasil,
assegurando uma variedade de olhares sobre o livro didático, tendo em vista a diversidade sócio cultural da escola nessas diversas regiões do país.
(BRASIL, 2014, pag.8)
Na edição em questão, a Sociologia completou a sua segunda participação no
programa, avançando em seu processo de consolidação enquanto disciplina. Com base
nas informações contidas no Guia do Livro Didático (BRASIL, 2014), constata-se um
significativo aumento de obras aprovadas em comparação à edição anterior do PNLD,
em 2012, com o aumento de dois para seis livros selecionados.
Dentre os autores, encontram-se docentes provenientes dos dois níveis de
ensino, superior e médio, um aspecto celebrado na medida em que procuram encorajar a
participação de profissionais envolvidos diretamente com o ensino sociológico a nível
escolar: “Ressaltamos, também, que é fundamental o surgimento dos professores de
ensino médio como autores. São profissionais diretamente envolvidos com o ensino de
sociologia e conhecem as propostas pedagógicas através das experiências práticas.”
(BRASIL, 2014, pg.11)
O documento, entretanto, faz ressalvas com relação à existência de desafios a
serem enfrentados na produção dos materiais didáticos, tal como a dificuldade de
14
mediação na transposição do conhecimento científico para o ambiente escolar,
submetendo-se ao risco de simplificação de teorias e conceitos.
Contudo, cumpre apontar os desafios que ainda persistem, sobretudo se
considerarmos que a Sociologia ainda se encontra em fase de consolidação
como disciplina escolar [...] Um desses obstáculos refere-se à simplificação
de teorias e conceitos. Sabemos que é uma meta em todos os níveis de ensino conseguir explicar conceitos complexos de forma compreensível, sem trair
seu significado profundo. É um desafio da comunicação científica e da
disseminação da ciência para públicos leigos. (BRASIL, 2014, pg.12)
Por fim, é destacada a responsabilidade sobre a produção de um conteúdo
interdisciplinar, capaz de contemplar igualmente a Antropologia e a Ciência Política, as
outras vertentes das Ciências Sociais. Logo, a estruturação do conteúdo no livro
didático deve ser exposta planejadamente, apresentando as temáticas referentes às
Ciências Sociais de forma equânime.
A SOCIOLOGIA SEGUNDO OS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS PARA O ENSINO MÉIDO
A instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio (em
1999, deu prosseguimento ao movimento de reformas no sistema educacional brasileiro,
que teve início em 1996 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN)9.
Elaborados pelo Ministério da Educação, os PCN’s pretendiam difundir
diretrizes na intenção de propiciar a formação de uma matriz curricular básica a cada
disciplina do Ensino Médio. Embora sua adoção não seja obrigatória, em razão de não
possuir “força de lei”, as orientações publicadas respaldaram a produção de materiais
didáticos, tal como observa Nascimento (2006, pg.10), o que revela o seu nível de
influência no âmbito educacional.
Na parte IV do documento, “Ciências Humanas e suas tecnologias”, são
apresentados os conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Política, referentes à área
das Ciências Sociais. O texto encontra-se dividido em três segmentos: Por que ensinar
9 Lei 9.394/96
15
Ciências Sociais; O que e como ensinar em Ciências Sociais; Competências e
habilidades a serem desenvolvidas em Sociologia, Antropologia e Política.
No primeiro segmento, “Por que ensinar Ciências Sociais”, é colocado, enquanto
objetivo, “introduzir o aluno nas principais questões conceituas e metodológicas das
disciplinas de Sociologia, Antropologia e Política” (BRASIL, 1999, p.36). Questões
essas que se originaram das transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas
durante os séculos XVIII e XIX, e que fundamentaram o surgimento da Sociologia
enquanto disciplina acadêmica.
Posteriormente, é comentada a eminência dos autores Karl Marx, Max Weber e
Emile Durkheim, citados como “os três grandes paradigmas fundantes do campo de
conhecimento sociológico” (BRASIL, 1999, p. 36), considerando suas reflexões acerca
das questões sociais e os parâmetros teóricos e metodológicos concebidos pelos
mesmos. Desta forma, é preconizada a leitura dos clássicos na tentativa de:
[...] promover uma reflexão em torno da permanência dessas questões até
hoje, inclusive avaliando a operacionalidade dos conceitos e categorias
utilizados por cada um desses autores, no que se refere à compreensão da
complexidade do mundo atual.(BRASIL, 1999, p.36)
O documento passa, então, a frisar a importância do ensino sociológico na
problematização dos fenômenos sociais, o que nos possibilita entender as indagações
referentes à relação entre o indivíduo e sociedade e os seus desdobramentos, tais como
as questões relacionadas à manutenção e transformação da ordem social (BRASIL,
1999, p.36).
Na passagem seguinte é feita uma alusão à LDBEN (1996), aonde se define,
enquanto finalidade da educação no ensino médio, a “preparação para a cidadania”,
processo no qual os ensinamentos sociológicos exercem um importante papel, segundo
o PCN:
Assim, pela via do conhecimento sociológico sistematizado, o educando
poderá construir uma postura mais reflexiva e crítica diante da complexidade
do mundo moderno. Ao compreender melhor a dinâmica da sociedade em
que vive, poderá perceber-se como elemento ativo, dotado de força política e
capacidade de transformar e, até mesmo, viabilizar, através do exercício
pleno de sua cidadania, mudanças estruturais que apontem para um modelo
de sociedade mais justo e solidário (BRASIL, 1999, p.37)
16
No segundo segmento, “O que e como ensinar em Ciências Sociais”, são
apresentados alguns conceitos considerados fundamentais para o ensino da Sociologia
no Ensino Médio.
Dentre os diversos ressaltados, destaco o conceito de “diversidade”, com o qual
se sugere trabalhar a ideia de tolerância e relativização, noções consideradas “caminhos
de construção e consolidação da cidadania plena” (BRASIL, 1999, p.40).
Mais a frente é comentada a importância do debate acerca da noção de política e
a necessidade de seu aprofundamento, na medida em que a sua suplantação “seria
contrariar a lógica da cidadania, que supõe a participação nos diversos espaços da
sociedade” (BRASIL, 1999 p.41).
Ainda contemplando a temática da política, é salienta-se a relevância do estudo
atinente aos movimentos sociais e a sua relação com a construção da ideia de cidadania:
Cabe ressaltar a importância dos movimentos sociais no processo
deconstrução da cidadania, em função do seu papel, cada vez mais
expressivo, de interlocução com o poder público, desde o movimento
operário até os chamados “novos movimentos sociais” (ecológico, pacifista,
feminista etc) (BRASI, 1999. p.42).
No terceiro, e último, segmento, intitulado “Competências e habilidades a serem
desenvolvidas em Sociologia, Antropologia e Política”, são apresentadas aptidões a
serem desenvolvidas pelo aluno no processo de aprendizagem do ensino sociológico.
Na seção “Contextualização sócio-cultural” é enfatiza a importância da
viabilização da cidadania plena.
Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da
cidadania plena, no contexto do Estado de Direito, atuando para que haja,
efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e
o cidadão e também entre os diferentes grupos (BRASIL, 1999, p.43)
ANÁLSE DO LIVRO SOCIOLOGIA EM MOVIMENTO
A obra “Sociologia em Movimento” se divide em seis unidades, cada qual
relativa a uma temática sociológica. As unidades, por sua vez, dividem-se em dois, ou
mais, capítulos, procurando abordar os temas em questão a partir de diferentes
perspectivas.
17
A introdução dos capítulos é precedida pela apresentação de uma finalidade
pedagógica a ser cumprida, seguida pela exposição de uma “questão motivadora”, na
qual se pretende induzir o leitor à reflexão do conteúdo a ser trabalhado.
O conceito de cidadania é abordado categoricamente na terceira unidade,
intitulada “Relações de poder e movimentos sociais: a luta pelos direitos na sociedade
contemporânea”, na qual se inserem os seguintes capítulos: Capítulo 6- Poder, Política e
Estado; Capítulo 7- Democracia, cidadania e diretos humanos; Capítulo 8- Movimentos
Sociais.
Entretanto, ainda que a ideia de cidadania permeie toda a unidade, procuro
enfatizar a presente pesquisa no segmento do sétimo capítulo, na medida em que é nesta
parte aonde se realiza propriamente a análise acerca do referido conceito.
Intitulado “Democracia, cidadania e direitos humanos”, o capítulo define,
enquanto finalidade, propiciar o aluno à capacidade de “identificar de que forma o
desenvolvimento da democracia influenciou as mudanças na concepção de cidadania e
na institucionalização dos direitos humanos” (SILVA et all, 2013, p.165). Propósito este
que não se realiza, na medida em que o livro se dedica, majoritariamente, a discorrer
sobre as transformações da teoria democrática no decorrer da história, relegando a
análise da concepção de cidadania às partes finais.
Quando finalmente se lança a discutir a questão da cidadania, o autor, de início,
faz uso do sociólogo inglês Thomas Humphrey Marshall para discorrer sobre os direitos
do cidadão, explicando a concepção dos direitos civis, políticos e sociais.
Defini-se o direito civil enquanto: “garantia das liberdades individuais, tais como
a possibilidade de pensar e se expressar de maneira autônoma [...], garantia do ir e vir e
acesso à propriedade privada.” (SILVA et all, 2013, p. 176).
A meu ver, uma explicação limitada, em razão de não exemplificar, em uma
linguagem mais acessível, o entendimento acerca deste conceito. Afinal, a ideia de
liberdade individual se traduz em diversas garantias, tais como o direito à liberdade de
crença, à opção sexual, à igualdade jurídica e outros direitos mais.
Durante elucidação da noção de direitos políticos incorre-se no mesmo erro, na
medida em que se procura limitar a explicação a respeito do que seja “participação
política”, além de ser feito o uso de uma linguagem inadequada ao tipo de leitor para o
qual o presente material se destina:
O segundo estágio refere-se aos direitos políticos, entendidos na forma de
possibilidade de participação da sociedade civil nas diversas relações de
18
poder presentes em uma sociedade, em especial a possibilidade de escolha de
representantes ou de se candidatar a qualquer tipo de cargo, assim como de se
manifestar em relação a possíveis transformações a serem realizadas. (SILVA
et all, 2013, p.176)
No comentário sobre os direitos sociais, a contextualização é feita
adequadamente, no uso de uma linguagem condizente ao propósito do livro.
Por fim, o terceiro estágio corresponde aos direitos sociais visto como
essenciais para a construção de uma vida digna a partir e padrões de bem-
estar socialmente estabelecidos, como educação, saúde, lazer e moradia.
Esses direitos surgem em decorrência das reivindicações de diversos grupos
pelo aumento da qualidade de vida. É o momento em que os cidadãos lutam
por melhorias no sistema educacional e de saúde pública, pela criação de
áreas de lazer, pela seguridade social etc. (SILVA et all, 2013, p.176-177)
Ainda recorrendo a Marshall, o autor se designa a explicar o atual entendimento
do que seja ser um cidadão: “é aquele que exerce seus direitos civis, políticos e sociais
de forma efetiva” (SILVA et all, 2013, p 177). Em suma, uma definição rasa e
comprometida, haja vista os equívocos cometidos anteriormente, ao trabalhar a
concepção dos direitos de cidadania.
No entanto, é válida a ressalva referente à noção da variabilidade do conceito de
cidadania, explicando-o enquanto uma ideia que se encontra em constante
transformação ao longo do tempo: “Percebe-se que o conceito de cidadania está em
permanente construção, pois a humanidade está sempre em luta por mais direitos, maior
liberdade e melhores garantias individuais e coletivas” (SILVA et all, 2013, p.177).
Ao prosseguir no capítulo, discute-se a questão dos direitos humano a partir da
reprodução parcial do documento de Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), aludindo ao seu contexto de criação e aos propósitos a serem alcançados com a
sua confecção. Os direitos humanos são definidos enquanto
[...] valores universais e inegociáveis, que visam o respeito mútuo em
detrimento dos privilégios restritos a determinados grupos, por isso não
devem ser pensados como benefícios particulares ou privilégios de grupos
elitizados [...] Uma das características básicas dos direitos humanos é o fato
de estabelecerem que a injustiça e a desigualdade são intoleráveis (SILVA et
all 2013, p.178)
O autor afirma que as conquistas relacionadas aos direitos humanos, e a
ampliação da concepção de cidadania, resultam dos processos históricos de luta, a partir
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de mobilizações populares direcionadas às variadas demandas, incluindo as
reivindicações oriundas de grupos minoritários:
Assim, as lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos e
abriram espaços de revindicação para a criação de direitos sociais, os direitos
das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, jovens,
crianças, índios – e o direito à segurança planetária, simbolizado pelas lutas ecológicas e contra as armas nucleares (SILVA et all, 2013, p.178)
Ao final do capítulo, o autor discorre sobre a questão da cidadania no país,
fazendo menção a dois notórios intelectuais brasileiros, respaldados por suas grandes
contribuições no debate sobre o tema. Primeiramente, são trabalhadas as ideias de José
Murilo de Carvalho, no qual se veicula a ideia de “estadania”:
[...] o historiador José Murilo de Carvalho desenvolveu a teoria de que
vivemos uma estadania, pois muitos de nossos direitos seriam resultantes de
uma “concessão” relativa do Estado, feita de “cima para baixo”, a uma
população muitas vezes desinteressada da “coisa pública”. Desta forma, os
direitos costumam ser vistos como concessões ou benefícios oferecidos pelos
grupos dominantes ao restante da população (SILVA et all, 2013, p, 179).
Posteriormente, busca-se discutir a noção de “cidadania regulada”, utilizada por
Wanderley Guilherme dos Santos, na qual são analisados os propósitos do Estado na
conferência de direitos à sociedade:
Já o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos utiliza o conceito de
“cidadania regulada” para identificar a concessão dos direitos por parte do
Estado como forma de mediar possíveis conflitos entre classes. Nesse caso, o Estado controlaria os grupos sociais a partir de práticas regulatórias, variando
entre aumento de participação (proporção de indivíduos que possuem acesso
aos direitos) e redução da liberalização (capacidade das instituições sociais de
garantir a consolidação dos direitos) (SILVA et all, 2013, p.180)
Na iminência da conclusão, discute-se a diferença entre “cidadania formal” e
“cidadania real” no Brasil. Conceitua-se “cidadania real” “enquanto aquela presente nas
leis, que é imprescindível para a liberdade e para as garantias individuais [...] ou seja,
garante a igualdade de todos perante a lei’ (SILVA, et all, 2013, pg. 180). Em relação à
“cidadania formal”, o autor diz ser “ aquela que do dia a dia [...], que não existe
igualdade entre os seres humanas e o que prevalece é a desigualdade em todos as
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dimensões da sociedade” (SILVA, et all, 2013, pg. 180). Uma comparação pertinente,
na media em que se procura discutir o contexto no país.
Em caráter suplementar, nas últimas páginas do capítulo, é apresentado um
trecho do livro “Cidadania no Brasil: o longo caminho” (2002), de autoria do autor José
Murilo de Carvalho. Intitulado “Cidadania no Brasil”, o texto comenta os problemas
sociais vivenciados pela classe pobre do país, traduzidos na ausência de diversos
direitos. Em outra página, são reproduzidos fragmentos de textos legislativos, tal como
a constituição, referentes a trechos que discorrem sobre direitos do cidadão.
ANÁLISE DO LIVRO SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI
O livro “Sociologia para Jovens do Século XXI” divide-se em três unidades,
dispondo, cada uma delas, a incumbência de abranger determinadas temáticas da
Sociologia através dos capítulos apresentados.
Considerando o objetivo do presente artigo, pretendo direcionar minha atenção
para a Unidade 2, “Trabalho, Política e Sociedade”, na qual se insere o capítulo 13,
intitulado “ 'É de papel ou é pra valer?' - Cidadania e direitos no mundo e no Brasil
contemporâneo”, aonde o autor se designa a trabalhar, especificamente, a temática da
cidadania, e os seus conceitos, à luz dos teóricos das Ciências Sociais.
O capitulo se inicia com a definição prévia do conceito de “cidadão”: “aquele
que está no gozo dos direitos civis e políticos de um estado” (OLIVEIRA e COSTA,
2013, p.194). Tendo em vista tal definição, o autor se dispõe a discorrer sobre a história
da cidadania, situando a origem do referido conceito na Grécia antiga, na qual
“cidadão” era o indivíduo contemplado pelo direito de cuidar de sua cidade-estado.
Desta forma, abre-se espaço para explicar o significado da posse de direitos nos
dias atuais:
Ter direitos significa ter a capacidade e autonomia para usufruir determinados benefícios legais garantidos pelo estado aos seus habitantes.
Exemplos? Ser possuir de documentos, tais como certidão de nascimento,
carteira de identidade, titulo de eleitor e carteira de motorista...(OLIVEIRA e
COSTA, 2013, P.195)
21
É, então, discutida a noção de “cidadania plena”, aonde se procura, mais uma
vez, contextualizar a explicação a partir de conhecimentos previamente adquiridos pelo
leitor:
A certidao de nascimento é um direito adquirido logo ao nascer […] A
carteira de motorista, porém somente pode ser obtida aos dezoitos anos. É
nesta idade que o indivíduo começa a adquirir o que chamamos de cidadania
plena, ou seja, a capacidade legal de responder pelos seus próprios atos diante das autoridades públicas (OLIVEIRA e COSTA, 2013, p.195)
No prosseguimento do capítulo, é retomada a análise histórica sobre o conceito
de cidadania, alcançando o período moderno, no qual se deflagra a Revolução Francesa.
Aborda-se o contexto político existente, o sucumbimento do Antigo Regime e a
ascensão da sociedade liberal, referenciada pela ideia de expansão dos direitos de
cidadania a todos os indivíduos. Passa-se a discutir a questão do direito à propriedade
privada e a formação de uma sociedade assentada na ideia de igualdade jurídica,
referindo-se ao momento de elaboração da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), além de mencionar a presença dos filósofos iluministas
no debate, como John Locke, Rosseau, Montesquieau e Tocqueville.
Entretanto, o autor faz ressalvas com relação às verdadeiras
transformações resultantes da Revolução Francesa, aludindo ao processo de
empoderamento da burguesia e às modificações das relações de classe, culminando no
surgimento do capitalismo.
O que é que não estava sendo dito, infelizmente? Que a Revolução não era de
todos, mas sim que se tratava de uma revolução burguesa, na qual uma classe
social em ascensão […] já começava a adquirir também o poder político,
passando a governar a Nação francesa e, em consequência, ter mais direitos
que o restante do povo trabalhador... (OLIVEIRA e COSTA, 2013, pg.196)
Na seção seguinte, é discutida a teoria dos direitos, fazendo uso dos preceitos
elaborados por Thomas H. Marshall. Embasado no contexto de vigência do Estado de
Bem estar Social, na segunda metade do século XX, o pensador considera a Inglaterra
como exemplo, analisando o processo de ampliação da cidadania no país, resultado do
desenvolvimento do capitalista.
Primeiro, no século XVIII, teriam se constituído os direitos civis, revacinados
à liberdade individual e às relações de trabalho. Depois, no século XIX, a
cidadania passou a compreender os direitos políticos, ou seja, os
trabalhadores passaram a ter o direito de participar no exercício do poder
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político. […] no século XX, o Estado de Bem-estar inglês significou a
conquista dos direitos sociais, com os quais todos passam a ter acesso à
distribuição da riqueza produzida no país, através da elaboração de políticas
sociaias universais (OLIVEIRA e COSTA, 2013, pg 198)
Em contraposição às ideais de Marshall, é apresentada a Teoria das Gerações
dos Direitos Fundamentais, defendida por diversos intelectuais durante o século XXI,
tal como o renomado jurista Paulo Bonavides. Ao fazer a referida menção, o livro
destaca o debate teórico acerca do tema, ressaltando a diversificada produção acadêmica
referente à questão dos direitos e da cidadania.
Ao se inserir na discussão, o autor direciona críticas às ideias de Thomas
Marshall, questionando a prevalência do Estado de Bem estar Social, afirmando se tratar
apenas de uma situação conjuntural, em alusão ao surgimento do neoliberalismo
posteriormente. Acusa, também, os países centrais de assentarem sua pujança social e
econômica na exploração das nações do terceiro mundo. Faz uso das ideias de Karl
Marx ao questionar prevalência da cidadania no sistema capitalista, fundamentado na
lógica da exploração.
Karl Marx e Friederich Engles […] mostraram […] que o capitalismo era um
sistema baseado numa injustiça estrutural, já que ele era movido por uma
brutal exploração de obra dos trabalhadores. […], portando uma verdadeira
cidadania somente seria possível se o proletariado superasse o capitalismo,
atráves da revolução socialista. Mais adiante, no comunismo, o pleno exercício da cidadania seria estendido a todos os seres humanos (OLIVEIRA
e COSTA, 2013, pg 199).
Na segunda metade do capítulo, é trabalhada, especificamente, a questão da
cidadania na sociedade brasileira, observando a sua trajetória, desde o período de
independência até os dias atuais.
De início, o autor ressalta a inobservância da noção de cidadania durante pouco
mais de um século no Brasil, enfatizando o período da escravidão como momento
emblemático da ausência deste princípio. Procura desconstruir a ideia de mudança no
panorama social brasileiro com a introdução da República, destacando o poderio
político dos coronéis como um entrave à participação popular.
Apenas na Era Vargas (1930- 1945) passam a serem observados os primeiros
sinais de avanço da cidadania no país com a introdução de alguns direitos sociais, como
a aprovação da legislação trabalhista. Entretanto, o autor destaca as algumas
peculariadades atinentes à inserção de tais direitos no período, citando o notório
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cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, formulador do conceito de
“cidadania regulada”.
O cientista social Wanderley Guilherme dos Santos (1979) formulou o termo
cidadania regulada para se referir a esse período: somente tinham acesso aos
direitos sociais os trabalhadores urbanos vinculados a categorias
reconhecidas pelo Estado que controlava sindicatos, nomeando suas direções e garantido-lhe a sobrevivência econômica através de impostos obrigatórios.(
OLIVEIRA e COSTA, 2013, pg. 201)
Mais a frente, é ressaltada o processo de reconstituição da República em 1946,
no qual o Brasil entraria em um período democrático, sob a vigência constitucional
garantidora dos direitos políticos e civis, além dos já conquistados direitos sociais. Uma
fase que se estenderia por quase duas décadas, até a instauração do regime militar
(1964- 1985), momento marcado pela violação dos direitos do cidadão.
O autor enfatiza o processo de reabertura política durante a década de 80,
destacando a importância dos comícios realizados nas grandes cidades brasileiras: “Em
1984, comícios com mais de milhão de pessoas, como foi o caso do Rio de Janeiro e
São Paulo, exigiram o retorno das eleições diretas para a presidência da República. Foi
o movimento que ficou conhecido como ‘Diretas Já’” (OLIVEIRA e COSTA, 2013, pg.
203).
Por fim, é comentada a inserção do neoliberalismo no Brasil a partir da década
de 90, momento no qual se assiste a contração dos direitos sociais no país por meio da
flexibilização das leis trabalhistas e redução dos investimenos públicos, que se refletem
na precarização de setores essenciais ao cidadão, tal como a saúde e educação.
No posfácio do capítulo é reproduzido o artigo “A Difícil Arte de Cidadão”, de
autoria de Antonio Castro Alves, no qual se discute a concepção de subjetividade nos
dias atuais e a forma como tal ideia afeta a prática efetiva da cidadania no espaço
público.
INFERÊNCIAS SOBRE A COMPARAÇÃO ENTRE OS LIVROS
Portanto, a partir das análises realizadas, percebemos diferentes formas de
abordagem acerca da noção de cidadania.
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Na obra “Sociologia do Século XXI” (2013), a ideia é trabalhada através de sua
análise histórica. Nesta perspectiva, o autor discute o conceito desde sua origem, na
antiguidade, perpassando pelo período moderno, chegando ao atual momento, sobre a
eminência do neoliberalismo.
De forma oportuna, ao discutir a trajetória histórica da cidadania, são inseridas a
contribuições teóricas de diversos autores acerca do tema, tais como as ideias de Karl
Marx, Thomas Marshall e Wanderley Guilherme dos Santos.
Ao longo de todo o capítulo é percebida a preocupação em apropriar as
informações transmitidas ao entendimento do leitor, fazendo uso de uma linguagem
adequada, sendo estes preceitos fundamentais no exercício da transposição didática.
Em suma, um tratamento abrangente e objetivo acerca do conceito de
“cidadania”, contextualizado em questões nacionais e globais.
No livro “Sociologia em Movimento” (2013), é constatado alguns equívocos no
tratamento do referido conceito.
O capítulo destinado a tal tarefa abrange a discussão teórica de forma
inadequada, privilegiando um amplo debate referente à temática da democracia, no qual
o conceito de cidadania é citado em poucos momentos, sem uma definição clara acerca
de sua acepção.
No momento em que se dispõe a abordar diretamente a ideia de cidadania, o
autor se limita a defini-la de forma básica, sem citar as conjunturas históricas que
fundamentaram o seu significado. Além disso, o vocabulário utilizado não contempla
os requisitos da transposição didática, comprometendo o entendimento da informação
transmitida.
É válido, no entanto, ressaltar a menção a autores como Wanderley Guilherme
dos Santos e José Murilo de Carvalho no debate sobre tema. Outro aspecto positivo
reside na apresentação dos textos suplementares, ao final do capítulo, nos quais é
analisada a ideia de cidadania a partir de trechos da legislação brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, a presente pesquisa procurou responder objetivamente ao
questionamento referente à capacidade do livro didático de sociologia em contemplar a
temática da cidadania, amplamente aludida pelo PCN, priorizando a análise sobre
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processo da transposição didática durante a transmissão do conteúdo. Em caráter
complementar, o artigo possibilitou compreender as potencialidades do livro didático na
mediação da prática pedagógica.
De antemão, a partir da contribuição de autores como Mekesenas, Silva, Dias e
Abreu, foi possível esclarecer sobre os impasses a serem enfrentados na utilização do
material em sala de aula, principalmente com relação à objeção do próprio aluno em
fazer uso do mesmo. Questões essas que demandarão do docente a competência no
aproveitamento do referido recurso.
No que concerne ao PCN, o foco da análise esteve direcionado a sua proposição
a respeito da importância do ensino sociológico na preparação da cidadania. Segundo o
documento, a constituição do caráter cidadão perpassaria, fundamentalmente, pelo
aprofundamento do discente em concepções relativas à questão política, conciliando o
estudo com o entendimento referente às noções de relativismo e diversidade.
Por outro lado, a partir da análise das obras selecionadas, ressaltamos a
priorização das questões políticas na abordagem relativa ao conceito de cidadania.
Abordagens distintas, na medida em que uma das obras, “Sociologia para Jovens do
Século XXI”, realiza precisamente a transposição didática durante a transmissão do
conteúdo, o que não ocorre no outro livro, “Sociologia em Movimento”, no qual são
observadas algumas limitações.
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