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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO CURSO DE TURISMO PRISCILLA DE SOUSA NUNES A PERCEPÇÃO DOS BACKPACKERS SOBRE A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA EM SUAS VIAGENS NITERÓI 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO

CURSO DE TURISMO

PRISCILLA DE SOUSA NUNES

A PERCEPÇÃO DOS BACKPACKERS SOBRE A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA

EM SUAS VIAGENS

NITERÓI

2012

PRISCILLA DE SOUSA NUNES

A PERCEPÇÃO DOS BACKPACKERS SOBRE A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA

EM SUAS VIAGENS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Graduação em Turismo da

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial de avaliação para obtenção do

grau de Bacharel em Turismo.

Orientador: Prof. Msc. Bernardo Lazary Cheibub

Niterói

2012

N972 Nunes, Priscilla de Sousa

A percepção dos backpackers sobre a exploração financeira em suas viagens / Priscilla de

Sousa

Nunes -- Niterói: UFF, 2012.

81p.

Monografia ( Graduaçao em Turismo )

Orientador: Bernardo Lazary Cheibub, M.Sc.

1.Viagem 2. Viajantes 3. Backpackers 4. Relações entre

Visitantes e Visitados 4. Exploração Financeira

CDD. 338.4791

A PERCEPÇÃO DOS BACKPACKERS SOBRE A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA

EM SUAS VIAGENS

Por

PRISCILLA DE SOUSA NUNES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Graduação em Turismo da

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial de avaliação para obtenção do

grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

MSC. BERNARDO LAZARY CHEIBUB - ORIENTADOR Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________

MSC. CARLOS ALBERTO LIDIZIA SOARES - CONVIDADO Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________

MSC. EDUARDO ANTÔNIO PACHECO VILELA - DEPARTAMENTO DE TURISMO Universidade Federal Fluminense

Niterói, 05 de junho de 2012.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que com seu infinito amor, desde o ventre da minha

mãe, sonhou comigo. À minha mãe Rosângela Nunes, figura imprescindível na

minha vida; meu referencial de guerreira e vencedora. Ao meu pai Emilson de

Sousa, por ter me ajudado a conquistar meu espaço no mundo através da educação

e, por me apresentar de forma surpreendente o universo mochileiro em um destino

tão surpreendente como a China (experiências únicas que motivaram esse trabalho

de conclusão de curso).

À minha família e parentes, na figura de tantas pessoas que, me fizeram

continuar, mesmo quando tudo parecia contrário: Olga Laus (mãe do coração que

sonhou desde o início comigo), Maercio Ladeira (pai do coração que, com suas

palavras sábias, sempre iluminaram meu caminho), José Nunes (meu avô que,

sempre me ajudou quando mais precisei), Iolina Nunes (minha avó que, com suas

orações, sempre trouxe a proteção divina para o meu caminho, Vicente Moreira

(meu tio, por sempre acreditar em mim e me ajudar em todos os momentos que

precisei). Aos meus tios, tias, primos, primas e irmã: obrigada pela torcida constante

e confiança depositada em mim!

Agradeço também aos grandes educadores que cruzaram meu caminho

durante essa longa caminhada na Universidade Federal Fluminense; educadores

que são muito mais que professores e profissionais... Educadores que são exemplo

e inspiração e grandes amigos: Carlos Alberto Lidizia Soares, Eduardo Vilela, Valéria

Guimarães, Aguinaldo Cesar Fratucci, Erly Maria, Osíris Marques, Marcello Tomé,

Telma Lasmar, Verônica Mayer, Carolina Lescura, Claudia Moraes, Isabella

Sacramento, Ana Paula Spolon, Renato Medeiros e Manoela Valduga.

Ao meu orientador, Bernardo Cheibub, por ter aceitado a tarefa árdua de

orientar uma aluna tão sonhadora como eu! Obrigada por todo o carinho e

dedicação! Ao Marcos Rosauro, pela entrevista que me concedeu e a todos os

mochileiros que me concederam as entrevistas: sem vocês o trabalho não existiria!

Aos meus amigos e amigas que o destino me enviou... Vocês são presentes

de Deus em minha vida! Obrigada pela força, ideias e todo carinho que me

dedicaram durante todo esse tempo! Meu mundo não seria o mesmo sem vocês:

Bárbara Figueiredo, Breno Bersot, Flávia Marques, Letícia Campos, Liara Fonseca,

Noelle Camello, Marcelly Lisboa e Paulo Anastacio... Amo vocês!

Um agradecimento todo especial para os meus mais novos amigos de

Petrópolis! Pelos momentos de descontração e força entre uma página e outra e as

famílias do coração Guerreiro e Fonseca!

Por fim, e não menos importante, o meu agradecimento ao meu companheiro

e amigo João Guerreiro. Obrigada por me acalentar, fazer várias pesquisas e altas

traduções, ficar comigo até altas horas, aturar meus descompassos e por sempre

me dizer que tudo ficaria bem... É não é que ficou mesmo? Obrigada universo!

Dedico a você que faz meu mundo girar e minha estrela brilhar...

“O viajante, essa figura sempre notável cuja primeira virtude é a pequena voz e o grande olhar. O viajante, essa figura cuja segunda virtude é a discreta elegância com que traz o interesse e leva as memórias. O viajante, essa figura cujas virtudes ocasionalmente culminam no desejo de compartilhar...”

Mario Beni

RESUMO

Este trabalho teve como principal objetivo compreender a percepção dos viajantes backpackers sobre as relações comerciais estabelecidas em suas experiências de viagens e os possíveis fatores e situações que os levam a serem explorados financeiramente nestas relações. Para tal compreensão foram realizadas pesquisas bibliográficas e entrevistas em profundidade com mochileiros brasileiros e um agente de mercado especializado no segmento backpacker no estado do Rio de Janeiro. As entrevistas qualitativas semi-estruturadas foram norteadas por três categorias de análise: pré-viagem, viagem e pós-viagem. A pesquisa explicitou os principais agentes da exploração e os principais motivos para a ocorrência de experiências de exploração financeira. A pesquisa também demonstrou que experiências como estas são frequentes e que, inevitavelmente, alteram a percepção final dos viajantes sobre sua experiência no destino. Através da percepção dos principais atores envolvidos nas relações comerciais estabelecidas no destino, o viajante e o mercado, procurou-se encontrar métodos e meios que pudessem minimizar as experiências de exploração financeira. Palavras-chave: Viagem. Viajantes. Backpackers. Relações entre Visitantes e Visitados. Exploração Financeira.

ABSTRACT The main goal of this paper is to comprehend the perception of the backpacker travelers about the comercial relations established in their travel experiences and the possible factors and situations that leads them to be financially exploited in these relations. To comprehend this, bibliographical researches and extensive interviews were made with Brazilian backpackers, and one market agent specialized in the backpacker segment in the Rio de Janeiro state. The semi-structured qualitative interviews were guided by three analysis categories: pre-travel, travel, and post-travel. The reseach explained the main agents of the exploitation and the main reasons for the occurrence of financial exploitation experiences. The research also demonstrated that experiences such as this are frequent and that, inevitably, they alter the final perception of the travelers about its own experiences in the destination. Through the perception of the main actors involved in the comercial relations established on the destination, the traveler and the market, methods and means were tried with the objective of minimizing experiences of financial exploitations. Keywords: Travel, Travelers, Backpackers, Relations between visitors and visited. Financial Exploitation.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Valores dos Backpackers .......................................................... 25

Figura 2 Sistema Psicográfico de Plog ................................................... 31

Figura 3 Posições Psicográficas de Destino ........................................... 34

Figura 4 Grupo de Análise I - Pré Viagem ............................................... 45

Figura 5 Grupo de Análise II - Viagem .................................................... 46

Figura 6 Grupo de Análise III - Pós-Viagem ............................................ 47

Figura 7 Encontro entre Backpackers - Pequim - China ......................... 50

Figura 8 “Kit de Sobrevivência” do Backpacker - Guias Turísticos especializados ...........................................................................

53

Figura 9 Medina - Marrakesh - Marrocos ................................................ 55

Figura 10 Churrasquinho com Chá - Deserto do Saara ............................ 57

Figura 11 Banheiro em acampamento selvagem em Botswana ............... 58

Figura 12 Turistas/Viajantes e Mercado Informal nas principais Pirâmides de Gizé - Egito .........................................................

59

Figura 13 Mercados/Feiras organizadas - Tibet - China ........................... 60

Figura 14 Parada para compra de suprimentos na subida do Monte Sinai - Israel ..............................................................................

61

Figura 15 As mulheres da Muralha da China - Pequim - China ................ 66

Figura 16 Panorama geral das relações de exploração financeira em viagens ......................................................................................

74

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................. 12

2 A BUSCA DA AUTENTICIDADE NAS EXPERIÊNCIAS TURÍSTICAS: DIFERENÇAS PERCEBIDAS ENTRE VIAJANTES E TURISTAS...............................................................

16

3 O CONCEITO MOCHILEIRO: SUA HISTÓRIA, CONCEITUAÇÃO, MERCADO E PERFIL .....................................

22

3.1 ORIGENS DAS VIAGENS DE JOVENS PELO MUNDO E A “IDENTIDADE BACKPACKER”........................................................

22

3.2 O SEGMENTO MOCHILEIRO E SUAS CLASSIFICAÇÕES MERCADOLÓGICAS ......................................................................

30

4 INDISPENSÁVEIS, DESEJÁVEIS E TENSAS: AS POSSÍVEIS RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE VISITANTES E VISITADOS......................................................................................

34

4.1 O CONTATO COM A COMUNIDADE LOCAL: INTERFERÊNCIAS MÚTUAS .........................................................................................

34

4.2 O CONTATO COM OS COMERCIANTES: AS RELAÇÕES COMERCIAIS ESTABELECIDAS ENTRE VISITANTES E VISITADOS ......................................................................................

37

5 RELAÇÕES COMERCIAIS PERCEBIDAS: A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA SOB O OLHAR DO VIAJANTE BACKPACKER E DO MERCADO ................................................................................

42

5.1 PRÉ-VIAGEM .................................................................................. 48 5.2 VIAGEM ........................................................................................... 54 5.3 PÓS-VIAGEM .................................................................................. 67

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 72

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 76

12

1 INTRODUÇÃO

Situações desagradáveis como esta [de exploração financeira] já “estão virando” normais, tanto que a gente já espera passar por elas. Ninguém faz nada pra reverter isso, as autoridades competentes, os viajantes (...). Nem adianta tentar se sentir parte do lugar... Assim que seu dinheiro for desejado além do que ele realmente deveria ser você vai lembrar que não é “dali” e que quem na verdade é bem-vindo não é você, é o seu dinheiro1.

Para Margarita Barreto, desde as origens do turismo de massas na década de

1950 as expectativas em torno do turismo, do ponto de vista cultural, têm estado

centradas na potencialidade do mesmo para promover o intercâmbio cultural entre

visitantes e visitados, o conhecimento do outro, a consciência da alteridade e como

consequência, a paz mundial. (2004)

No entanto, as pesquisas realizadas até o momento não indicam que estes

objetivos de entendimento e aproximação entre as pessoas tenham sido atingidos,

pelo contrário, parecem ocasionalmente indicar que se repetem na prática do

turismo alguns dos antigos problemas que acompanham a história da humanidade

tais como o colonialismo cultural e a xenofobia, e indicam também que,

inevitavelmente as relações interpessoais acabam sendo comercializadas como

bens de consumo (BARRETO, 2004).

Para a autora supracitada é de suma importância evitar lugares comuns, já

que grande parte da literatura existente que estuda os impactos2 ocasionados pelo

turismo “tende a colocar as comunidades locais como vítimas de hordas invasoras”.

Para Barreto (2004), o caminho inverso também ocorre já que, por “muitas vezes os

visitantes são vítimas da população local, que os enxergam apenas como sujeitos

passíveis de exploração.”

Não há pesquisas direcionadas para a percepção do viajante sobre a prática

de exploração financeira e as suas consequências para a experiência final nas suas

viagens. Exatamente por esta ausência de pesquisas sistematizadas que se pode

atribuir como relevante a escolha deste tema.

As pesquisas existentes sobre as relações estabelecidas entre visitantes e

1 Trecho da entrevista realizada neste trabalho de conclusão de curso.

2 Para alguns autores, como Barreto (2004), “interferências”.

13

visitados levaram a autores como Van den Berghe (apud Crick, 1992) a dizer que os

nexos estabelecidos entre turistas e locais representam “uma paródia da relação

humana” e a Buodhiba (apud Crick, 1992), a afirmar que “a hospitalidade não passa

de uma técnica de vendas”:

É uma fraude descrever os anfitriões como seres universalmente amistosos quando na verdade existem abundantes correntes de ressentimento que afloram a todo o momento [...] É uma autêntica imoralidade difundir a ideia de que, por ser turista, alguém pode apagar séculos de desconfiança e isolamento. TURNER; ASH, (apud BARRETO, 2004)

Percebendo então que as relações entre visitantes e visitados não só geram

interferências para a comunidade local, mas também para os visitantes,

principalmente em questões que envolvam relações comerciais, este trabalho de

conclusão de curso visou responder a seguinte pergunta: qual a percepção dos

viajantes em relação a exploração financeira em suas experiências de viagem?

Além disto, buscou-se através deste estudo, encontrar possíveis motivos para

a ocorrência de situações de exploração. Para encontrar tais motivos inúmeros

pressupostos foram mapeados previamente para auxiliar e nortear a pesquisa. Para

justificar a escolha do grupo focal podemos destacar, por exemplo, a hipótese de

que quanto mais o viajante se propusesse a ter uma experiência pautada em

conhecer a localidade e obter um maior envolvimento com a comunidade local,

maiores seriam as chances dele ser explorado financeiramente. Este pressuposto

justificou então a escolha de um tipo específico de viajante, que, diferentemente dos

turistas possuem uma diferenciada forma de estabelecer relações com a localidade

e com os anfitriões para ser o objeto de estudo do presente trabalho: o viajante

backpacker3.

Para Erik Cohen diferentes tipos de turistas/viajantes estabelecem relações

distintas com a comunidade (1972). Este pesquisador constituiu-se no primeiro

estudioso da área a demonstrar que não existe um “viajante genérico”, que é preciso

diferenciar os turistas quanto aos seus comportamentos e motivações em função

das características socioeconômicas e psicossociais (BARRETO, 2004). De acordo

3 Ou mochileiro. Neste trabalho serão utilizadas ambas nomenclaturas.

14

com a literatura vigente, amplamente abordada nos capítulos seguintes, os

mochileiros costumam organizar suas viagens de forma independente, são flexíveis

e buscam opções econômicas, evitando assim o turismo de massa e de luxo.

Hospedam-se em acomodações baratas, costumam barganhar preços quando

possível e utilizam a infraestrutura de serviços local.

Para se compreender os possíveis fatores e situações que levam os viajantes

a serem explorados financeiramente em suas viagens, foram realizadas pesquisas

bibliográficas sobre os diferentes tipos de viajantes, questões pertinentes ao perfil do

backpacker e sobre as possíveis formas de relações estabelecidas entre os

viajantes e a comunidade local.

Para uma maior familiaridade com o objeto de estudo do presente trabalho,

foram realizadas entrevistas semi-estruturadas em profundidade com pessoas que já

viajaram como backpackers e que vivenciaram alguma experiência de exploração

financeira nesta viagem. A pesquisa foi realizada com jovens brasileiros,

primeiramente escolhidos a partir do conhecimento da própria autora sobre viajantes

com o perfil para a entrevista e, os demais foram indicados pelos primeiros

entrevistados. Pretendeu-se também através da percepção dos mesmos sobre as

relações estabelecidas entre o viajante, o local e o mercado, encontrar métodos que

minimizassem as possibilidades de exploração.

O trabalho estrutura-se em seis capítulos. O primeiro tem caráter introdutório,

onde é apresentado o objeto de estudo, os seus objetivos, a sua contextualização, a

metodologia e a questão problema e justificativa. O segundo capítulo refere-se às

principais diferenças entre turistas e viajantes e, entre turismo e viagens. Esse

capítulo também trata do alargamento do campo da antropologia para assuntos

pertinentes ao estudo do turismo e sobre a questão da autenticidade nas

experiências turísticas.

O terceiro capítulo consiste em uma abordagem detalhada do segmento

backpacker. Definições, história, perfis e características foram alguns dos aspectos

retratados. Este capítulo teve o objetivo de fornecer a base teórica necessária para

conhecer com profundidade os entrevistados da pesquisa exploratória. O capítulo

quatro descreve as possíveis relações estabelecidas entre os visitantes, os visitados

e o mercado. E por fim, o capítulo cinco trata dos procedimentos que orientaram a

elaboração do presente estudo e analisa as entrevistas realizadas. A partir da

15

revisão bibliográfica e da análise dados obtidos na pesquisa, no final do trabalho,

são apresentadas algumas considerações.

16

2 A BUSCA DA AUTENTICIDADE NAS EXPERIÊNCIAS TURÍSTICAS:

DIFERENÇAS PERCEBIDAS ENTRE VIAJANTES E TURISTAS

Á medida que viaja, o viajante se desenraíza, solta, liberta. Pode lançar-se pelos caminhos e pela imaginação, atravessar fronteiras e dissolver barreiras, inventar diferenças e imaginar similaridades. (Octávio Ianni4)

Para Araújo (2005) o estudo do turismo sob o viés antropológico é

relativamente novo. “A atenção direcionada ao estudo do turismo foi pouca e muito

reticente”, já que sempre houve uma restrição a qualquer aproximação entre o

antropólogo e o turista. A autora cita como exemplo deste distanciamento a primeira

frase do livro de Lévi-Straus5, Tristes Trópicos: “odeio as viagens e os exploradores e

eis que me deparo para contar as minhas expedições.” LÉVI-STRAUS (apud

ARAÚJO, 2005)

Para Araújo (2005), “esta avaliação negativa foi confirmada pelo preconceito

de muitos antropólogos que insistiam em considerar o turismo como uma ocupação

frívola, estabelecendo um olhar sob os turistas como intrusos.” No entanto, em

decorrência do alargamento do campo da antropologia nos anos 1970, uma

mudança significativa ocorreu com este pensamento pré-concebido, como podemos

perceber em um trecho da obra de Michel Picard, Anthropology of Tourism:

(...) de um lado, na consideração das influências externas, sejam estatais ou internacionais, sobre o meio social estudado e, de outro, nos próprios antropólogos, que começaram a se preocupar não mais exclusivamente com culturas exóticas, mas igualmente com o que se passava em sua própria sociedade. Picard (apud Araújo, 2005:50)

Realçando ainda mais essa lógica, Araújo (2005) coloca que por um longo

período de tempo a disciplina antropológica pautou-se em oposição à experiência

vivenciada pelo antropólogo e a do turista; oposição esta embebida pela máxima de

que o turista “não viajava à sério” ao passo que o antropólogo seria uma espécie de

4 Octavio Ianni), sociólogo brasileiro, foi um pensador devotado à compreensão das diferenças sociais, das injustiças a elas associadas e dos meios de superá-las.

5 Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908 – Paris, 30 de outubro de 2009), antropólogo, professor e filósofo francês, é considerado fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.

17

“viajante genuíno”. A vivência (ou não) de experiências “genuínas” sempre foi

controversa e discutível, tema este de muitos ensaios e nomenclaturas, como as

categorias diferenciadas do turista e do viajante.

Podemos encontrar um exemplo desta discussão no filme de Bernardo

Bertolucci O Céu que nos protege6 que, baseado no livro autobiográfico de Paul

Bowles7 (1949), apresenta a história de um casal de escritores americanos Port

(John Malkovich) e Kit (Debra Winger), acompanhados de um amigo, Turner

(Campbel Scott), que viajam pela África do Norte, por volta de 1948, logo após a

Segunda Guerra Mundial, período este marcado pelo processo gradativo de

descolonização das colônias européias situadas na Ásia e na África (PEREIRA apud

SOUSA, 2004).

O longa-metragem começa com sua primeira cena lançando um diálogo curto

que, explica muito o posicionamento de cada um dos personagens ao longo do

filme. O diálogo referência desta discussão sobre a diferença entre um turista e um

viajante pode ser conferido no trecho abaixo citado:

Turner: Somos os primeiros turistas desde a guerra. Kit: Somos viajantes, não turistas. Turner: Qual a diferença? Port: O turista pensa em voltar para casa assim que chega. Kit: E o viajante pode nem voltar. (O céu que nos protege, Bertolucci, 1990)

Ao introduzir uma dicotomia entre o viajante e o turista, o filme coloca em

pauta uma discussão que é muito abordada por autores contemporâneos, a exemplo

de Ferrara (apud Sousa, 2004), que trata dessa questão de modo que viagem e

turismo apresentam abordagens bem distintas. Primeiro o termo viagem é definido

como um “o olhar que se desloca”, o qual para Sousa (2004) seria um olhar que

busca algo que vai além do visível. Por sua vez o turismo é entendido como “o olhar

que se concentra”, ou seja, é o olhar (treinado) que já sabe o que deseja

ver/conhecer, onde para a autora, o que diferencia essas duas instâncias são as

motivações que as impulsionam. FERRARA (apud SOUSA, 2004).

Desse modo, o termo viagem é compreendido, sumariamente, como uma 6 Do original, The Sheltering Sky, 1990.

7 Paul Frederic Bowles (Nova Iorque, 30 de Dezembro de 1910 - Tânger, 18 de Novembro de 1999) foi um escritor, compositor e viajante norte-americano.

18

busca do desconhecido que envolve principalmente o prazer da descoberta do

espaço em todas as suas instâncias, sejam elas sociais, culturais e/ou históricas.

Esse espaço (geográfico/cultural = lugar) é denominado por Carlos (apud Sousa,

2004) “como o produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por

relações sociais que se realizam no plano vivenciado, o que garante uma rede de

significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo

a identidade, que o diferencia dos demais.”

Em linhas gerais, o viajante é movido primeiramente por um sentimento de

liberdade, de vontade, do desejo de ir em busca do dessemelhante, onde a

“experiência da viagem permite fremir o ‘eu’ excitado pelos novos panoramas e

[pelos] novos contatos”. (FERRARA apud SOUSA, 2004).

Em contrapartida, temos a figura do turista. Compreendendo o turismo

enquanto uma atividade organizada e institucionalizada, onde o caráter

burocrático/comercial do turismo representa um elemento fundamental para

distingui-lo de viagens sem roteiros pré-estabelecidos, o turista tende a cumprir uma

programação previamente elaborada pelos agenciadores, onde o roteiro é

previamente selecionado de acordo com o desejo e as possibilidades aquisitivas do

interessado. Para Ferrara (apud Sousa, 2004), este perfil se adapta perfeitamente

no papel do turista que busca passivamente apenas o exótico, que “viaja por

curiosidade e ociosidade”, onde a atividade turística visa o preenchimento do tempo

e do espaço como uma alternativa de lazer. Assim, o espaço visitado, sob o signo da

sociedade de consumo, torna-se tão somente um objeto mercantilizado. (FERRARA,

apud SOUSA, 2004).

Ao falar sobre as diferenças entre viajantes e turistas, outra questão

levantada é o nível de “autenticidade” nas experiências turísticas de ambos. Para a

discussão sobre isto, utilizaremos como base o artigo de Silvana Araújo “Artifício e

Autenticidade: o turismo como experiência antropológica”.

Araújo (2005) propõe como base para a discussão do tema, dois autores:

Daniel Boorstin8 e Dean MacCannell9. Para a autora existe uma diferença na

8 Autor do livro “The Image: a guide to pseudo-events in America”.

9 Para fins deste trabalho de conclusão de curso, nos ateremos somente nas considerações trazidas por Boorstin (1992).

19

argumentação entre os autores supracitados. Boorstin vê a viagem como “devedora

da tradição do Grand Tour, elaborando a ideia de “pseudo-eventos”, noção central

da sua argumentação. Deste modo, “a ênfase estaria na viagem como um

procedimento ativo - como a experiência do estar lá - que foi, contudo, substituído

pelo turismo caracterizado como procedimento passivo, sintetizado no ver e ouvir.”

BOORSTIN (apud ARAUJO, 2005).

A autora, sob a luz da obra de Boorstin, ainda avalia que devido ao grande

poder e a tecnologia americana (foco da sua obra), a sociedade teria “criado um

ticket de entrada para a irrealidade”, intermediando assim a relação entre as

pessoas e os fatos da vida, o que, representaria na verdade uma ilusão que tornaria

ainda mais nebulosa a “verdadeira experiência”:

(...) a multiplicação, a melhoria e o barateamento das oportunidades de viagem têm permitido a muitos viajarem a lugares distantes, mas, a experiência de “ir lá” (going there), a experiência de “estar lá” (being there) e o que resulta disso é totalmente diferente. A experiência se tornou diluída, posto que engendrada artificialmente (...) é pré-fabricada. Boorstin (apud Araujo, 2001).

Com um significado já embutido na expressão “estar lá”, ser ativo em alguma

atividade requer esforço e dedicação. A propósito deste esforço desprendido para

realizar uma “viagem autêntica”, Boorstin (apud Araújo, 2005) avaliou

etimologicamente a palavra travel (do inglês, viagem). Ela pode ser associada à

palavra francesa travail, à qual estão associadas os significados trouble (em

português, problema), work (em português, trabalho), torment (em português,

tormenta). Além disso, Boorstin relembra que a origem latina da palavra é trepalium,

um antigo instrumento de tortura.

Ao realizar esta busca etimológica, Boorstin resgatou significados importantes

associados à verdadeira ideia do que seria realizar uma viagem, que, ao contrário

das práticas associadas ao lazer, onde o prazer se estabelece como ponto principal

da prática, confere ao ato de realizar uma viagem uma ação laboriosa, trabalhosa e,

por vezes, também incômoda, como aponta Boorstin (apud Araújo, 2005) no trecho

abaixo:

20

(...) na viagem, portanto, o agente envolvido é um sujeito, uma individualidade experimentando uma determinada trajetória própria, e, nesses termos é absolutamente ativo, movendo-se por seus esforços e por sua vontade, embora sem destacar a oportunidade de se defrontar com algo encantatório...

A partir do século XIX, contudo, começa a se desenhar uma outra figura, a do

turista como sendo aquele que se estabelece como um “pleasure seeker” (do

português, “aquele que procura prazer”) e que vai produzir, no seu extremo, a figura

do mero expectador. Especificamente sobre as aspirações deste “novo” tipo de

viajante, o turista, que foi se desencadeando um processo de transformação das

viagens em turismo; um exemplo deste processo foi a criação dos pacotes de

viagem. Os elementos que anteriormente faziam parte da experiência da viagem

(providências para sua elaboração) foram “embaladas”10 e oferecidas como um

serviço. Esta passagem da viagem para o turismo promoveu, sob a ótica do

sistema de interpretação elaborado por Boorstin, o declínio da experiência da

viagem “ativa” em favor apenas de um usufruto de ações turísticas. (ARAÚJO,

2005).

Especificamente sobre a transformação do sujeito em “espectador da

viagem”, Araújo (2005) afirma que o sentido do elemento “trabalho” embutido na

palavra viagem foi transferido para terceiros, que passam então a se ocupar de todo

o “planejamento”, tomando para si um conjunto de providências para que uma

viagem ocorra. Outros fatores também interferirão no significado original da viagem,

como a facilitação dos transportes e outros serviços criados para facilitar a prática

turística. Estes novos recursos contribuem para aumentar o grau de prazer da

viagem e, ao mesmo tempo, contribuem para reduzir os ricos e desconfortos

característicos de uma viagem; recursos estes que tornam os substantivos que a

palavra viagem trazia em sua origem etimológica (problema, tormenta e trabalho)

perderem seu poder de significação em todo o processo.

O viajante dito como turista é poupado a todo instante de ter contato com os

locais, já que os intermediários estão sempre tentando, conforme aponta Boorstin

(apud ARAÚJO, 2005), “inseri-los na experiência perfeita que se pode ter naquele

pacote adquirido”. O turista poderá, sem sair de casa, ter negociado e definido por

10 Metáfora utilizada por Araújo (2005) para pacote de viagens.

21

terceiros a hospedagem, as refeições, o transporte e, sobretudo, o entretenimento.

Para os autores supracitados, ao se praticar o turismo se almeja eliminar, se

possível totalmente, o índice de perigo e riscos. Já quando se fala em viagem os

problemas associados à escolha fazem parte do preço que se paga para se ter o

título de “cidadão do mundo”. Em linhas gerais, para Boorstin (apud ARAÚJO, 2005);

quando são terceiros que trabalham para atender o viajante-turista, caminha-se no

sentido da dissolução dos riscos. E é justamente esse aspecto que Boorstin

identifica como responsável pela transformação da viagem em turismo.

Outros autores também dialogam sobre diferentes denominações de viagens.

Oliveira (apud Sousa, 2004), por exemplo, afirma que “é importante diferenciar os

termos deslocar-se, viajar e fazer turismo”. Para o autor são três instâncias que se

diferenciam tanto pelas motivações como pelas condições da viagem. Analisando e

mesclando com a visão trazida no filme de Bertolucci, para o autor, fazer turismo é “o

ato de deslocar-se temporariamente de um lugar para outro, sempre com a intenção

de retornar”.

No atual contexto de globalização e mundialização cultural11 torna-se um

grande desafio buscar novas alternativas de viagens que possibilitem o encontro

com o novo, o dessemelhante. Como tão bem recomenda Otávio Ianni (2000: 30),

algo que possibilite desvendar alteridades, no sentido de autoafirmar-se, de fazer

parte de uma “travessia, a despeito de despojar-se, libertar-se e abrir-se, [onde o

viajante procura] reafirma seu modo de ser, observar, sentir, agir, pensar ou

imaginar. No limite, são muitos os viajantes que buscam e rebuscam o seu eu, ou a

sua sombra. Mesmo quando parecem fugir, estão se procurando no diferente, no

desconhecido, no outro”. Essas características parecem ir ao encontro de um tipo de

viajante bem peculiar: o backpacker (mochileiro). É sobre suas origens,

conceituação, perfil e mercado que abordaremos no próximo capítulo.

11 Para Ortiz (1998: 30), a mundialização cultural é “um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais”

22

3 O CONCEITO MOCHILEIRO: SUA HISTÓRIA, CONCEITUAÇÃO, MERCADO E

PERFIL

A necessidade do inusitado, do desconhecido, nos acompanha através dos tempos. Desde os povos nômades, até a conquista do espaço e mesmo séculos antes da introdução do conceito de turismo na cultura ocidental, já buscávamos o novo através de nossas viagens. E foi exatamente esse desejo que herdou o que chamamos de cultura backpacker. Conhecer outras culturas, o meio em que vivemos, nossas raízes, enfim estabelecer o óbvio de ser um cidadão do mundo. Só ou acompanhado, cheio de apetrechos ou apenas com a mochila de companhia, de trem, de carro, bicicleta ou avião e/ou utilizando inúmeros serviços já disponíveis no mundo não são as incógnitas da questão, o “x” nesse caso é a liberdade. (Blog Mochila Brasil12)

De acordo com Carvalho (2009), o turismo jovem vem experimentando um

crescimento acelerado, e vem sendo reconhecido como importante segmento do

mercado global de viagens. Este tipo de turismo pode ser caracterizado como o

turismo praticado por um grupo homogêneo de jovens, com as características

marcadas por período etário, estilo de vida e estado de espírito que desencadeia

uma série de vários outros subsegmentos.

Para muitos autores que serão abordados nas subseções a seguir, o

segmento backpacker compõe um dos sub-segmentos do turismo jovem. Em linhas

bem gerais, de acordo com estudos recentes, este grupo é formado principalmente

por jovens que costumam organizar suas viagens de forma independente, flexível e

econômica. Evitam as estruturas advindas do turismo de massa e de luxo,

hospedam-se em acomodações baratas, costumam barganhar preços, quando

possível e utilizam a infra-estrutura de serviços locais. É sobre sua origem,

conceituação, mercado e perfil que trataremos neste capítulo.

3.1 ORIGENS DAS VIAGENS DE JOVENS PELO MUNDO E A “IDENTIDADE

BACKPACKER”

12 Disponível em: http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/mochileiro.shtml (acessado em 18 de fevereiro de 2012).

23

De acordo com Aoqui (2005), a história de jovens do mundo viajando em

jornadas de autodescoberta pode ser remontada às famosas viagens de Ulisses. A

história de jovens viajando em jornadas de auto descoberta pelo mundo pode ser

traçada desde um passado antigo, como se pode ver pelo estatuto do parlamento

inglês no século XIV:

“Quaisquer estudantes andarilhos sem autorização de seus tutores ou outros andarilhos encontrados sem passes de sua paróquia certificando a legitimidade de sua viagem devem ser presos, chicoteados publicamente e mandados de volta para casa”.

Segundo o autor, uma adaptação da viagem educacional foi o deslocamento

associado ao Grand Tour das classes mais abastadas da Inglaterra entre os séculos

XVII e XVIII, onde o nobre jovem inglês frequentemente saía por um ano ou mais

para viajar pelas estradas e pelo circuito social da Europa, a fim de completar sua

educação. Outra manifestação desse tipo de viagem aconteceu durante o século

XIX, com o aumento do número de comerciantes qualificados que começaram a

viajar por seu país como uma forma de aprendizado. As associações de artesãos de

outras cidades frequentemente recebiam abertamente esses comerciantes

andarilhos com todo o calor da hospitalidade local. Isso era conhecido como o

sistema itinerante inglês (English Tramping System) e era uma prática tão comum

que ocorria em toda a Europa.

Cohen (1973) identifica o período logo após a Segunda Guerra Mundial como

o ponto de partida do turismo “sem destino”, quando os estudantes e outros jovens

da classe média começaram a “pedir carona em sua viagem pelo continente”. À

medida que houve o crescimento das viagens aéreas entre as décadas de 1960 e

1970, com o advento das turbinas a jato, um crescimento similar ocorreu nas

viagens ditas “sem roteiro”, o qual se estendeu da “tradicional” Europa para a Ásia e

a América. (AOQUI, 2005)

Para Mateu (1998), o movimento original dos mochileiros desenvolveu-se nos

anos 50, com os beatniks (pacifistas) e então tornou-se mais global com as trilhas

hippies dos anos 70, especialmente para locais como o Nepal. Para o autor,

inicialmente os mochileiros eram os desiludidos com a sociedade ou marginalizados

24

por ela. Outros autores, como Riley (1988), sustentam que a origem do mochilão13

remonta ao Grand Tour do século XVIII, ou mais precisamente a viagens

equivalentes, só que realizadas pelas classes trabalhadoras da Europa.

O segmento backpacker certamente apresenta uma série de características

que permitem diferenciá-lo dos demais. Cohen (1973) foi um dos primeiros a

caracterizar o mercado de viajantes independentes e jovens, na época conhecidos

como drifters (andarilhos), dividindo-os em viajantes permanentes ou temporários.

Os viajantes permanentes, segundo o autor, seguem um estilo de vida totalmente

voltado a viagens, em geral, permanecendo “na estrada” por muitos anos, enquanto

os temporários apenas viajam por um curto período de tempo e então retornam a

sua vida cotidiana. Essa última definição de viajantes parece mais próxima do

mochileiro atual.

Jarvis (1994), em seu estudo sobre o mercado backpacker na Austrália,

identifica uma série de valores comuns às pessoas que praticam mochilão em

relação ao que consideram importante na vida. Entre os principais valores

destacam-se a importância dada a boas amizades e à alegria de viver. O espírito de

independência e o auto-respeito vieram logo a seguir entre os que tiveram maior

pontuação – num máximo de dez (figura 1):

13 Nome utilizado pelos mochileiros, em seus no círculo de relacionamento, para designar as viagens que realizam.

25

Figura 1 - Valores dos Backpackers Fonte: Elaboração própria a partir de JARVIS (1994)

Moshin e Ryan (2003) atestam que o segmento pode ser caracterizado por

sua heterogeneidade. Segundo Thoms (1999), há diferenças de idade (7% dos

mochileiros internacionais na Austrália têm mais de 45 anos, enquanto esse

percentual chega a 17% entre os mochileiros locais). Uma explicação para isso está

relacionada às facilidades de viajar dentro de seu próprio país – como as viagens no

estilo independente em geral tendem a exigir maior planejamento logístico, além de

um certo grau de resistência física, é natural que com o avançar da idade, mais

viajantes escolham roteiros internos ou próximos à região em que vivem.

Loker (1993) também sugere que o mercado não é homogêneo, identificando

quatro clusters os quais foram denominados “achievers”, “self-developers”,

“social/excitment seekers” e “escapers/relaxers” (respectivamente: “executores”, “em

busca de autodesenvolvimento”, “sociáveis/aventureiros” e “fugitivos/em busca de

relaxamento”). Entre os principais resultados de seu estudo, realizado em 1995,

estão a listagem de características comuns a esses viajantes, tais como a

26

preferência por acomodações econômicas (mas com alto uso de alternativas aos

alojamentos para backpackers); a forte motivação para encontrar outras pessoas,

para manter flexibilidade dos preparativos de viagem e para conhecer as atrações

naturais que são ícones da região visitada.

Segundo a autora, as razões que levam os turistas a escolherem realizar um

mochilão seriam:

• O aspecto econômico;

• A oportunidade de conhecer outras pessoas;

• Conhecer melhor a realidade do país;

• O prolongamento do tempo de viagem;

• A independência;

• A flexibilidade;

• A conveniência/facilidade;

• A experiência prévia como mochileiro e;

• A recomendação de outras pessoas.

Swarbrooker & Horner (2002) citam como características de viagem dos

mochileiros a independência em seus deslocamentos ao invés da aquisição de

pacotes de viagem; o desejo de manter os gastos ao menor nível possível; a

tendência de tentar escapar dos locais turísticos “tradicionais” e a possibilidade de

estender a duração da viagem além do período comum de duas semanas de férias.

Mencionam que esta última característica se deve ao fato de a maioria dos

backpackers serem jovens estudantes, que têm períodos de férias mais longos, ou

por ser uma prática comum em pessoas que tiram um ano de férias para viajar,

geralmente antes ou depois do curso universitário. Portanto, é um estilo de viagem

baseado na idéia de permanecer um longo tempo de férias viajando. De acordo com

esses autores, destinos intercontinentais como o sudeste da Ásia e a América do Sul

são populares para esses viajantes.

Já o estudo de Jarvis (2004), também na Austrália, coincide com as

observações de Hampton (1998) de que a categoria de backpackers não pode,

como comumente acontece, ser definida como composta apenas de estudantes,

uma vez que apresenta uma proporção crescente de profissionais e autônomos.

27

Segundo Murphy (apud Aoqui, 2005) os mochileiros se diferenciam dos

turistas por não serem adeptos dos pacotes turísticos comerciais, viajarem com um

orçamento restrito e, principalmente por irem além dos atrativos turísticos comuns

para experimentar e conhecer outros aspectos do país visitado, principalmente as

pessoas.

Embora os mochileiros tenham sido descritos de muitas formas, Hampton

(1998) registra que esses turistas são geralmente vistos como turistas

independentes porque sobrevivem com menos de US$ 15 por dia, usam transporte

local, carregam todos os seus pertences nas costas, barganham por bens e serviços

enquanto protegem-se de preços excessivos, evitam multidões e descobrem novos

lugares.

Em suas pesquisas, Pearce; Loker (apud Aoqui, 2005) encontraram as

seguintes características para esse distinto grupo de viajantes:

• Gasta pelo menos uma noite de sua viagem em albergues para

mochileiros ou em albergues da juventude;

• Enquanto viajam, expressam uma preferência por estada em

acomodações econômicas;

• Enquanto viajam, seguem uma agenda de viagem flexível e organizada

independentemente;

• Enfatizam a importância do encontro com outros viajantes;

• Preferem longas em vez de curtas férias;

• Enfatizam atividades participativas e informais.

Ravon (apud Aoqui, 2005), em sua pesquisa sobre viagem na juventude,

elabora um panorama mais “fechado” para quem seriam os backpackers da

atualidade:

“... [são] jovens entre 18 e 30 anos, que preferem viajar individualmente e não em grupos. Na maioria dos casos, não organizam a viagem previamente, apenas procuram um modo de ir de país para país... de desaparecer nas partes remotas do país e de não se misturar com as hordas de turistas de pacotes”.

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Apesar de o turista backpacker ter sido definido de várias formas por

acadêmicos, de acordo com suas características principais, cabe aqui ressaltar que

uma definição mais exata do termo deve, necessariamente, ter um conteúdo menos

generalista. Isso porque, embora alguns traços sejam comuns à maioria desses

viajantes, outros representam apenas características de parte dos viajantes.

Utilizando como base o conceito da reflexividade da vida social moderna14

proposto por Giddens (1991), em entrevista com um agente de viagens e guia

especializado no mercado backpacker, também afirmou que todas as definições

para o segmento devem ser questionáveis e variáveis, pois “não tem como rotular

uma pessoa como backpacker e muito menos suas ações e atitudes”:

(...) estamos falando de uma segmentação de mercado, não de pessoas. Não tem como apontar o dedo e dizer “você é backpacker, você não”, nem, muito menos, dizer que toda hora alguém é backpacker, para mim, ser backpacker é um estado de momento: “estou backpacker”(...)

A heterogeneidade do segmento é o que o marca – e, portanto, na tentativa

de definição, esse quesito deve ser levado em consideração. Com isso, parece

inadequado definir um valor médio gasto diariamente, como o fez Hampton (1998),

uma vez que essa variável depende do país, da moeda, do custo de vida e,

sobretudo, do que o próprio viajante considera dentro de seu orçamento. É possível

encontrar desde mochileiros que sobrevivem com alguns dólares (menos de US$ 5),

viajantes adeptos de caronas, noites ao relento e trabalhos temporários, até os que,

embora se preocupem com os gastos financeiros, dão-se ao luxo, ao menos

esporadicamente, de dormir em um hotel de qualidade superior à média para o

segmento ou de fazer uma refeição em um restaurante mais caro, além de gastar

com compras de artesanatos e com atividades esportivas.

14 De acordo com Giddens (1991, p.45) a reflexividade da vida social moderna “consistiria no fato de

que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada

sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter”. Este fenômeno explica

a diversidade das reações dos viajantes e populações receptoras e os feedbacks diferentes em cada

experiência turística.

29

Também não se pode afirmar que os mochileiros fazem, por natureza,

viagens longas e superiores a um mês de duração. Pesquisas indicam que uma

parte representativa desses viajantes está em férias do trabalho, e não por isso

deixam de se enquadrar no segmento (OLIVEIRA apud JARVIS, 2004).

Isso também derruba a tese de que o mochileiro sempre viaja em uma fase

de transição na vida, antes de concluir os estudos e iniciar a vida profissional, por

exemplo, ou após deixar um emprego. É importante perceber que o fator

determinante para definir o segmento não é uma propulsão única de viagem, sua

duração ou a quantia gasta, mas sim traços que indiquem um estilo de viagem

comum a todos os mochileiros. Caso contrário, é provável que se incorra em

definições romantizadas e estereotipadas do segmento.

Também não se pode generalizar que o mochileiro foge completamente das

rotas turísticas “tradicionais”. Aos olhos do guia especializado no segmento no

estado do Rio de Janeiro, “ser um viajante” não quer dizer que o backpacker não

fará o que geralmente “turistas” fazem:

(...) o comportamento do backpacker não é excludente, é de inclusão. Ele faz tudo o que o turista faz, mas, a diferença primordial é a busca diferenciada nessas experiências. (...) Como vir ao Rio e não conhecer o Cristo, o Pão de Açúcar? Impossível! A diferença é que, entre as atividades meramente turísticas, ele vai mesclar com experiências diferenciadas que permitem um maior contato com a localidade e o local (...)

Dessa forma, sob a luz do que já foi dito e, analisando as principais

características apontadas pelos autores e, tentando atribuir características menos

generalistas ao segmento, os backpackers seriam:

Grupos de pessoas de todas as idades (com capacidade física para suportar alguns desconfortos da viagem), que realizam, fundamentalmente, viagens independentes e econômicas – evitam o turismo de luxo, hospedam-se em acomodações baratas, costumam barganhar preços quando possível e utilizam a infra-estrutura de serviços (restaurantes, comunicação, transportes e facilidades) local, o que lhes permite, muitas vezes, um contato mais próximo com a população visitada e o estilo de vida da região. Tratam-se de pessoas que costumam viajar sozinhas ou em pequenos grupos, mas com freqüência superior à média da população, normalmente com uma agenda mais flexível (muitas vezes em itinerários multi-destino), organizada de forma personalizada e aberta a novas experiências (como desbravar regiões menos turísticas), porém sem deixar de conhecer e experimentar os aspectos e lugares considerados tradicionais em uma cultura.

30

3.2 O SEGMENTO MOCHILEIRO E SUAS CLASSIFICAÇÕES

MERCADOLÓGICAS

Para Loker (1993) os mochileiros são freqüentemente abertos a vivenciar o

estilo de vida local, sendo o encontro com as pessoas, uma motivação-chave

(RILEY, 1998). Complementando, Aoqui (2005) relata em seus estudos que o

mercado direcionado para o turista mochileiro é caracterizado por um estilo de

turismo flexível e econômico, com a maioria dos participantes adeptos a viagens

solitárias ou em pequenos grupos.

De acordo com as pesquisas realizadas na Austrália pelos autores Loker-

Murphy; Pearce (1995), de um modo geral, as atividades de recreação dos

mochileiros focam principalmente na natureza (por exemplo, trekking), cultura

(estadas em vilarejos) ou aventura (incluindo rafting em rios e passeios de camelo).

Essas características estão associadas ao fato de os mochileiros viajarem mais que

outros tipos de turistas e principalmente ao fato que, geralmente, ocorre uma

assídua busca de atrações incomuns ou experiências inusitadas pelos mesmos.

(HAIGH, 1995).

De acordo com Riley (1998) outra característica pertinente aos mochileiros, é

a busca pela a rota menos viajada e a busca pelos caminhos mais difíceis. Em sua

pesquisa, o autor descobriu que a decisão de escolher o caminho mais complicado,

para os mochileiros é regada de misticismo e a constante busca de conferir status

em seus “desbravamentos”. Já em relação aos gastos, o orçamento apertado a que

muitos mochileiros se impõem está em boa parte relacionado à longa duração de

suas viagens (GIBBONS e SELVARAJAH apud AOQUI, 2005).

Para Lohmann e Netto (2008), a segmentação de mercado desenvolvida pelo

marketing pode incluir características sócio-demográficas, comportamentais,

motivacionais, psicográficas ou até mesmo uma combinação dessas. Segundo

Kotler (2000), uma das formas mais utilizadas para classificar os turistas está

baseada no aspecto organizacional da viagem, podendo ser em grupo ou

independente. Como os turistas mochileiros não participam de excursões ou pacotes

de viagens e tomam decisões sobre a viagem por conta própria, os mesmos são

classificados como turistas independentes.

A partir de um estudo realizado em 1974, Plog identificou cinco tipos

31

psicográficos de turistas: alocêntricos, quase-alocêntricos, meio-cêntricos, quase-

psicocêntricos e psicocêntricos.

Figura 2 - Sistema Psicográfico de Plog Fonte: Elaboração própria a partir de Plog (1974) Para Lohmann e Netto (2008), os turistas alocêntricos são aqueles que

querem descobrir novos destinos, explorando culturas estrangeiras e com espírito de

aventura. Ruschman (1997) comentou que a palavra “alocêntrico” deriva de allo, que

significa “formas variadas”, explicando assim que são turistas cujos interesses estão

centrados em várias atividades. Os alocêntricos têm uma personalidade extrovertida

e são autoconfiantes. Muitos têm preconceito de serem chamados de turistas, uma

vez que, de certa forma, procuram se integrar com a cultura e povos locais.

(LOHNMANN; NETTO, 2008)

Conforme pesquisas feitas por Solá (1975) sobre os turistas alocêntricos,

podemos destacar as principais características encontradas neste perfil de turista:

• Preferem viajar para regiões ainda não desenvolvidas turisticamente;

• Buscam novas experiências e descobertas;

• A maioria das vezes procura destinos diferentes;

• Buscam desenvolver atividades originais durante sua estada;

• Buscam alojamentos simples e;

• Procuram o máximo de flexibilidade na organização da viagem.

De acordo com Stanley (apud Aoqui, 2005), há uma contraposição entre os

32

turistas alocêntricos e os turistas psicocêntricos. O turista psicocêntrico tende a ser

inibido e pouco aventureiro. Por meio dessa classificação, é possível realizar uma

distribuição das posições psicográficas de destinações, definidos em uma curva

normal em que, do lado psicocêntrico, ficariam destinos como Miami e parques

temáticos; os meio-cêntricos iriam desde as ilhas do Caribe a destinos como

Austrália, Nova Zelândia e Rússia; já os alocêntricos viajariam para áreas não-

desenvolvidas, Nepal, Tibete e África, por exemplo (vide figura 2).

Figura 3 - Posições Psicográficas de Destino Fonte: GOELDNER, RITCHIE e MCINTOSH, 2002, p. 413.

O comportamento do consumidor também apresenta outra forma de

segmentar o mercado turístico. Les Lumdson (apud Aoqui, 2005), propõe uma

subdivisão dos consumidores em cinco categorias distintas: em inovadores,

primeiros adotantes, maioria adiantada, maioria tardia e conservadores. Nesse caso,

em termos de consumo do produto “destino de viagem”, pode-se inserir os

mochileiros na primeira categoria, a de inovadores, já que procuram desbravar áreas

pouco estruturadas para o turismo, em busca de novidades e de aventuras.

33

Outra forma de classificar o mercado é pelo grau de institucionalização e suas

interferências nos destinos turísticos, proposta por Cohen (1973), os mochileiros

pertenceriam aos denominados turistas exploradores, e até mesmo em alguns

casos, como turistas errantes, ou seja, pessoas que viajam sem propósito e por

impulso e que tendem a passar como pertencentes à comunidade local. Nessa

segmentação, os turistas exploradores seriam os viajantes que geralmente se

hospedam em albergues da juventude ou em campings na companhia dos amigos,

que tendem a se relacionar com as pessoas nativas de classes socioeconômicas

menos favorecidas, que utilizam meio de transportes coletivos ferroviários e

rodoviários, e que, em sua maioria, são jovens. (AOQUI, 2005)

34

4 INDISPENSÁVEIS, DESEJÁVEIS E TENSAS: AS POSSÍVEIS RELAÇÕES

ESTABELECIDAS ENTRE VISITANTES E VISITADOS

Somos apaixonados por lugares novos, pessoas novas, culturas diferentes. Queremos ver de perto, sentir na pele, provar o sabor do mundo. [...] Nos interessaram os mais diversos destinos. Cada pedaço de chão em que já estivemos serviu para aguçar a vontade de entender melhor, conhecer mais profundamente, ampliar cada experiência. Não temos certeza do que iremos encontrar, mas sabemos o que estamos buscando; que as viagens permaneçam conosco por toda a nossa vida. (Blog “Mochilando pelo Mundo”15)

Molina (1994) ressalta a importância da comunicação entre os homens que

viajam ou, até mesmo, o contato direto com a natureza e a cultura do lugar visitado.

Essa experiência permite ao homem contemporâneo uma alternativa de se

contemplar/ter outra realidade. No entanto, para Krippendorf (2001), o deslocamento

de indivíduos com a finalidade de fugir do seu cotidiano em busca do “novo” traz

implicações para a comunidade local, especialmente no que se refere às

interferências negativas geradas pelo turismo como as ambientais, culturais,

psicológicas e sociais. Mas, quais seriam as interferências negativas para o

visitante? O objetivo principal deste capítulo baseia-se em não cair no estereótipo –

muito difundido em alguns âmbitos acadêmicos – da visão das populações visitadas

como vítimas e dos turistas, como algozes. (BARRETO, 2004)

4.1 O CONTATO COM A COMUNIDADE LOCAL: INTERFERÊNCIAS MÚTUAS

De acordo com Kadt (apud Barreto, 2004), para fins de análise, os encontros

entre visitantes e população local podem ser categorizados em três situações:

quando os visitantes compram bens ou serviços, quando visitantes e residentes

compartem espaços ou quando os visitantes se dirigem expressamente aos

residentes a procura de informações.

De acordo com Oliveira (2007), muitos mochileiros ao chegarem ao destino,

preferem conhecer os lugares andando pelas ruas, utilizando os meios de transporte

15 Disponível em http://mochilandopelomundo.wordpress.com (acessado em: fevereiro de 2012)

35

públicos, entrando nos comércios locais, restaurantes e supermercados comuns aos

cidadãos locais, sempre com o intuito de vivenciar realmente os costumes da

comunidade local e, quando possível , interagir com as pessoas nativas. Atitudes

como esta, são inversas ao turismo elitizado, ou aqueles adquiridos de forma

fechada através de pacotes turísticos. Geralmente, nestes casos, o turista pouco sai

do seu hotel ou resort, pois há uma variedade de atividades para serem

desenvolvidas no próprio local. Quando saem do hotel, conhecem a cidade através

do ônibus que faz o city tour. Essa é apenas uma forma de ilustrar que na maioria

das vezes esses turistas não buscam manter contato com as pessoas locais e

interagem com elas da forma mais superficial possível. (CARVALHO, 2009)

Para Gursoy; Jurowski; Uysal (apud Barreto, 2004) na atualidade parece não

haver discussão quanto ao fato de que a relação entre visitantes e visitados

apresenta graus de conflito bem variados. Por vezes, interferências para o visitado,

e em outras, para o visitante. Dentre as mais frequentes, podemos destacar:

• A visão distorcida que a população local pode ter dos estrangeiros em

decorrência de experiências anteriores não-positivas com forasteiros não-

turistas;

• Preconceitos;

• A rapidez com que acontece o fenômeno de turistificação16 nos destinos;

• A percepção que a população tem dos benefícios econômicos e sociais

advindos do turismo e, por este motivo, por vezes, tiram vantagem dos

visitantes;

• Os custos sociais;

• Os custos ambientais;

• Competição por recursos naturais na localidade;

• Uso de instalações e infraestrutura local;

• Grau da distância social e econômica entre visitantes e visitados.

16 O processo de turistificação ocorre quando um espaço é apropriado pelo turismo, fazendo com que haja um direcionamento das atividades para o atendimento dos que vem de fora, alterando a configuração em função de interesses mercadológicos. (ISSA; DENCKER, 2006)

36

Outra variação de conflito entre visitantes e visitados ocorre quando os

visitados estão em diferentes estágios de acesso à tecnologia e a outros padrões da

civilização ocidental (BARRETO, 2004). Os viajantes esperam encontrar “o

primitivo”, o “bom selvagem” não “contaminado” pela civilização urbana.

Paradoxalmente os visitados, quanto mais pobres, mais depositam no turismo suas

expectativas de progresso, de integração ao processo civilizatório e a economia de

mercado.

Existe também a incidência de interferências quando os visitantes não se

preocupam com os costumes locais, como aponta Noronha (1999). O autor sugere

que alguns viajantes, até mesmo mochileiros, simplesmente não se preocupam com

costumes locais e que possuem um comportamento inaceitável, mostrando descaso

com as normas sociais. Ao se considerarem livres dos comprometimentos e das

restrições sociais, podem apresentar um comportamento culturalmente e

socialmente desapropriado.

Para Carvalho (2009) isso parece ser um problema particularmente em

guetos ou enclaves de mochileiros, ou seja, lugares onde se congregam vários

viajantes para usufruir de confortos domésticos e a companhia de turistas com

pensamentos parecidos. Tais lugares podem ser encontrados em Kathmandu 17,

Bancóc18 e Pushkar19, pontos maiores de referência na grande rota pela Ásia.

Sorensen (apud Carvalho, 2009) cita o exemplo de Bancoc, na Tailândia, onde o

famoso enclave de mochileiros, a Khaosan Road, como é conhecido, tornou-se um

mundo à parte, uma região desvinculada das características da cidade e da

população local. Lá, esses viajantes “reinam absolutos”. Serviços como

hospedagem, restaurantes e salões de beleza, e comércios, como farmácias, lojas

de CDs e de roupas, são exclusivamente voltados aos turistas e com pequena

participação dos tailandeses.

17 O Kathmandu fica localizado no Nepal. O vale de Kathmandu foi declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco em 1979 é o principal ponto turístico do Nepal.

18 Bancóc é a capital, bem como a maior e mais importante cidade da Tailândia.

19 Pushkar é uma cidade no distrito de Ajmer, no estado indiano de Rajasthan. Ele é um dos cinco dhams sagrados (local de peregrinação) para os hindus devotos. É um cidade que tem sido destino popular para turistas estrangeiros.

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Por outro lado, percebe-se que a grande maioria dos mochileiros, são

possuidores de um espírito aventureiro e busca novos desafios. Na maioria das

vezes ele é um viajante idealista, político e socialmente correto, porque busca

conhecer de fato o lugar, a cultura, respeita o meio ambiente e consome coisas do

lugar, aceita a hospedagem rústica sem mudar os hábitos do morador e incentiva as

manifestações culturais locais (GIARETTA, 2003).

No entanto, há de se lembrar que os visitantes também geram fatores

positivos para a comunidade receptora. Wilson (1997) e Hampton (1998) enumeram

estas vantagens deste tipo de turismo econômico, incluindo maiores oportunidades

de emprego, distribuição dos benefícios econômicos para a comunidade local,

manutenção dos proprietários locais e dos equipamentos turísticos.

Cohen (apud Barreto, 2004) caracteriza os encontros entre visitantes e

visitados como “essencialmente transitórios, assimétricos e sem repetição, [onde] os

participantes procuram gratificação imediata em lugar de continuidade”. Acrescenta

que essa efemeridade das relações é a que propicia a exploração, o engano, a

hostilidade e a desonestidade; fatores estes presentes na relação entre turistas e

população local justamente porque nenhuma das partes envolvidas se sente

comprometida com as conseqüências das suas ações.

Muito se fala das interferências dos turistas para a comunidade local, no

entanto, ainda não se estudou o caminho inverso. Até que ponto as relações entre a

comunidade local para com o visitante se estabelece de forma positiva?

4.2 O CONTATO COM OS COMERCIANTES: AS RELAÇÕES COMERCIAIS

ESTABELECIDAS ENTRE VISITANTES E VISITADOS

O segmento dos mochileiros está cada vez mais atuante no cenário mundial e

é um forte aliado para trocas sem precedentes entre visitantes e visitados, uma vez

que o perfil do viajante permite este intercâmbio. No entanto, para Barreto (2004), o

turismo em sentido amplo representa um fenômeno social; em sentido restrito

representa somente uma fonte de significação para os núcleos receptores, é um

negócio e por isso é conduzido pela lógica da sociedade capitalista: a produtividade

e a lucratividade. Mas até que ponto os habitantes que se beneficiam

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economicamente com a presença dos visitantes estão somente interessados em

recebê-los e não necessariamente interessados no seu dinheiro? (BARRETO, 2004)

Retomando Kadt (apud Barreto, 2004) e, focando na primeira forma de

encontro entre visitantes e população local - compra de bens ou serviços - é preciso

antes de qualquer coisa, levar em consideração que o turismo é um ato praticado

por pessoas que realizam uma atividade específica de lazer, fora das suas

respectivas cidades e se utilizam, para atingir seus objetivos, de equipamentos e

serviços, cuja prestação constitui um negócio.

Essa comunidade empresarial que negocia serviços turísticos estabelece com

os turistas, relações de mercado dentro da lógica capitalista. O turista é um

consumidor e os membros da comunidade empresarial são vendedores de serviços

e/ou produtos. A relação entre estes (turistas e partes interessadas em vender

serviços aos turistas) foi chamada por Nash (apud Barreto, 2004) de “transação

complexa”, o que define muito bem estes encontros.

Apesar de o mochileiro ser qualificado como um turista econômico, buscando

em suas escolhas minimizar os seus gastos, em suas pesquisas na Austrália com

mochileiros, Jarvis (1994) aponta que, embora a média de gastos por noite dos

mochileiros seja de apenas US$ 10 a US$ 15 em acomodação, muitos não

pensariam duas vezes para esbanjar US$ 120 por um vôo sobre os Bungle

Bungles20 ou US$ 200 em um safári pelo Kakadu21 ou ainda US$ 400 em um curso

de mergulho em Cairns22.

Apesar de o viajante mochileiro possuir como um dos seus ideais de viagem a

20 Os Bungle Bungles ficam no nordeste da Austrália Ocidental. São faixas de pedra arredondadas e coloridas alternadamente em laranja e preto. Esta faixa de pedras é localizada no Parque Nacional de Purnululu e, em 2003, foram declaradas Patrimônio Mundial da Humanidade. Os vôos na área são muito comuns e procurados pelos visitantes.

21 O Parque Nacional Kakadu é um parque nacional australiano localizado no Território do Norte. Foi estabelecido em 1981 e cobre uma área de 19.804 km². A sua gestão é conjuntamente feita pelo governo australiano e pelos aborígenes da área. O parque é reconhecido pela UNESCO como um patrimônio mundial, devido às gravuras rupestres aborígenes e ao ecossistema com rica biodiversidade.

22 Cairns é uma cidade australiana que se localiza no estado de Queensland. Esta cidade é o ponto de entrada para a Grande Barreira de Corais. Cairns e a Grande Barreira de Corais representam alguns dos melhores e mais exóticos mergulhos do mundo. As profundidades variam entre os 6 e os 1000 metros de profundidade, abrangendo mergulhadores de vários níveis de mergulho.

39

não-intermediação como já abordado anteriormente, em algumas situações, mesmo

planejando seu roteiro, este tipo de viajante recorrerá às estruturas advindas do

turismo de massa. Nestas relações, principalmente as comerciais, incidentes críticos

como exploração financeira dos visitados pode ocorrer.

Uma dificuldade encontrada neste trabalho foi encontrar fontes que

abordassem o caminho inverso: as interferências causadas aos visitantes pelos

anfitriões e, principalmente, estudos e questões específicas (como sua

conceituação, os possíveis “agentes da exploração”, possíveis razões para a

incidência e possíveis formas de prevenção) sobre situações de exploração

financeira direcionadas aos viajantes. No entanto, com algumas experiências in loco

e principalmente relatos de outros viajantes, a autora do presente trabalho pode

constatar previamente alguns possíveis agentes da exploração e um deles seria o

mercado informal.

De acordo com Urry (2001), turismo é uma atividade de lazer que pressupõe

o seu oposto, isto é, um trabalho regulamentado e organizado. No entanto, nem

sempre isto ocorre. Segundo Giddens (1996), a categoria informal se torna uma

nova característica da sociedade moderna, já não devendo ser considerada como

"sobra" da modernidade: o setor informal constituiu (na década de 90) entre 60% e

80% do emprego urbano nos países periféricos, transformando-se, assim, na regra e

não na exceção.

De acordo com Oliveira e Oliveira (2005), “sem dúvida, parcelas

consideráveis de setores médios da sociedade também têm incorporado a estratégia

da informalidade como meio de trabalho, mas também é inquestionável a

associação entre pobreza e informalidade nos países periféricos.”

Segundo Oliveira (2000), muitos mochileiros ao chegarem ao destino

preferem conhecer os lugares andando pelas ruas, utilizando os meios de transporte

públicos, entrando em lojas comerciais, restaurantes e supermercados comuns aos

cidadãos locais, ou seja, nas rotinas de um backpacker, é muito fácil encontrar os

vestígios do trabalho informal, que sempre desempenhou um importante papel na

economia e na sobrevivência da sua população mais pobre.

Memórias de backpackers em sites de relacionamento, blogs, mostram

claramente a profusão de mercadores e comerciantes que oferecem os mais

variados tipos de serviços: cantorias e entoações, shows e encenações, passeios de

40

camelo e tuc-tuc23, souvenirs, relógios e bolsas falsificadas, cadeiras e sombreiros,

tatuagens de henna, tererê24, massagens, dentre outros típicos produtos e serviços

da região visitada, que são verdadeiros chamarizes para o consumo. Mas, o que

poderia ser considerado relações de mercado “saudáveis”? Para tal, se faz

necessário conceituar o que o presente trabalho entende por exploração financeira.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis25, a palavra

exploração vem do latim exploratione e possui os seguintes significados:

1 Ato ou efeito de explorar. (...). 5 Tentativa ou ato de tirar utilidade de alguma coisa; aproveitamento, utilização (...) 7 Abuso da boa-fé, da ignorância ou da especial situação de alguém, para auferir interesse ilícito [...] (Dicionário online Michaelis, 2012)

Se conceituarmos a palavra finanças, teremos significados como “o estado

financeiro de um particular” ou “o dinheiro de que se dispõe. (Dicionário online

Michaelis, 2012). Utilizando estas definições, podemos então dizer que, para os fins

dos objetivos de análise deste trabalho que exploração financeira seria o abuso da

boa-fé, da ignorância ou da especial situação de alguém, para auferir interesse

ilícito em relação ao dinheiro (recursos financeiros) que o alguém em questão,

dispõe.26

O perfil do viajante pertencente ao grupo de foco deste trabalho, o mochileiro,

anseia por experiências únicas, novas culturas, pessoas. Para Carvalho (2009), os

backpackers valorizam a troca de experiências com a comunidade local, o que gera

uma maior conscientização e respeito com hábitos e culturas diferentes. Esse é um

interesse advindo do próprio “ser mochileiro”. O pressuposto deste trabalho de

conclusão de curso é que, situações de exploração geram experiências negativas

não só para o viajante, mas também uma imagem negativa para o destino. O relato

obtido pelos mochileiros no blog “Mochilando pelo mundo” esclarece o que uma

experiência de exploração pode gerar em um viajante:

23 Taxi motorizado que representa uma espécie de moto coberta que carrega duas ou mais pessoas.

24 Adereços são fixados temporariamente em uma mecha de cabelo.

25 Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues

26 Conceito criado pela autora.

41

“A Medina é o lar de muita gente e compreende vários bairros. Onde há maior concentração de turistas, torna-se uma gigantesca feira com pequenas lojas ocupando cada espaço disponível. Isso seria ótimo, não fosse a legião de vendedores, pseudo-guias e toda sorte de aproveitadores molestando insistentemente a todos que passam. Cobram por informações que você não pediu ou por produtos que não queria comprar, pressionando e coagindo pra conseguir algum dinheiro. É exageradamente hostil e desconfortável. Por sinal, uma das cenas mais comuns e que se tornaram mais irritantes é o que apelidamos de “bingo dos países”. Não é possível dar 5 passos sem que alguém tente adivinhar de onde você veio: “Espanha?”, “Itália?”, “Inglaterra?”, “Where are you from?”. Partindo da premissa, cujo embasamento lógico é indecifrável, de que caso consigam acertar onde você nasceu, você terá que parar pra ver o que querem oferecer, mesmo que isso seja apenas apontar na direção que você já ia e lhe cobrar por isso. Pode parecer intolerância nossa, mas é absurda a freqüência e animosidade com que isso pode ser feito”. (Blog Mochilando pelo Mundo27)

O que faz um viajante gostar ou não de uma experiência depende da sua

percepção sobre aquele lugar. Viajar é uma jornada de característica única e

diferente pra cada pessoa. Difícil dizer o que leva uma pessoa a gostar ou não de

algum lugar, pois isso depende das experiências vividas, impressões e

acontecimentos específicos que se misturam na memória do viajante, construindo

uma imagem. E é exatamente este o objetivo deste trabalho de conclusão de curso:

compreender as percepções do turista mochileiro em relação à exploração financeira

em suas experiências de viagem.

27 Acessível em http://mochilandopelomundo.wordpress.com/2011/03/21/pra-la-de-marrakech/ (acessado em 19 de fevereiro de 2012)

42

5 RELAÇÕES COMERCIAIS PERCEBIDAS: A EXPLORAÇÃO FINANCEIRA SOB

O OLHAR DO VIAJANTE BACKPACKER E DO MERCADO

“Existem coisas que adoramos fazer a cada novo destino. Por exemplo, aprender um pouco da língua, nem que seja “olá”, “obrigado” e “tchau”. Nessa brincadeira, foram 19 formas diferentes de falar essas 3 palavrinhas. Também gostamos de devorar o Lonely Planet da próxima parada, além de pesquisar na Internet e contar com as dicas de outros mochileiros que cruzam nosso caminho (...) Por outro lado, têm aquelas coisas chatas que não gostamos, como o assédio de vendedores, guias, pilotos de táxi, barco, tuc-tuc, camelo ou seja lá o que for. Na realidade, recebe a nossa desconfiança qualquer um que se aproxime de uma forma excessivamente simpática oferecendo ajuda sem que a gente sequer pareça ter algum problema. Que nos perdoem os poucos que fazem isso de forma bem intencionada, é que se aprende rápido que em qualquer lugar do mundo existem picaretas tentando separar os estrangeiros de seu dinheiro...” (Blog “Mochilando pelo Mundo”)28

Este capítulo tem o objetivo de descrever os procedimentos que orientaram a

elaboração do presente estudo assim como relatar as informações obtidas nas

entrevistas realizadas com jovens que já tiveram oportunidade de viajar como

backpackers e que vivenciaram alguma experiência de exploração financeira em

suas viagens. Devido à complexidade e a importância do assunto e, sobretudo, a

ausência de estudos prévios relacionados ao tema, este trabalho foi subdividido em

duas partes complementares entre si.

A primeira parte consistiu em uma pesquisa bibliográfica onde se buscou

“conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre

determinado assunto, tema ou problema” (CERVO; BERVIAN, 1983, p.55) e a

segunda parte consistiu em uma pesquisa exploratória, de caráter qualitativo, com o

objetivo de proporcionar maior familiaridade com o fenômeno investigado, tornando-

o mais explícito (DENCKER, 2001).

Por meio de levantamento bibliográfico, foi realizado um resgate da literatura

existente sobre o assunto, incluindo livros, teses e dissertações, artigos, matérias

em imprensa escrita, filmes, conteúdos de websites e periódicos de instituições

ligadas ao turismo. A maioria das referências bibliográficas, tendo em vista a falta de

estudos sobre o tema proposto no Brasil, veio de pesquisas realizadas em outros

28 Fonte: http://mochilandopelomundo.wordpress.com/2011/12/13/300-dias-na-estrada/ (Acessado em 8 de fevereiro de 2012)

43

países, sobretudo na Austrália.

A pesquisa bibliográfica tornou possível o conhecimento aprofundado sobre a

antropologia do turismo, conceitos pertinentes aos diferentes tipos de viajantes e

segmentos do turismo, sobretudo sobre o tema backpacker. Além disso, são

abordados aspectos que possibilitam determinar o perfil desse segmento de

viajantes, sob a luz da antropologia e estudos dirigidos sobre o mesmo. No entanto,

no quesito exploração financeira a busca foi incessante e sem resultados. Fez-se

então necessário o uso de diversos caminhos para obtenção de conteúdo relevante

sobre o mesmo.

Por se tratar de um estudo de natureza exploratória, foi escolhido o método

de entrevistas em profundidade que permite o aprofundamento das questões e

percepções do entrevistado sobre determinado assunto ou problema. Segundo

Mattar (apud DENCKER, 2001), “amostra é qualquer parte de uma população e

amostragem é o processo de colher amostras de uma população”. A amostragem foi

definida como não probabilística por conveniência, já que a seleção dos elementos

da população que compuseram a amostra foi realizada a critério do pesquisador.

A amostra da pesquisa foi constituída por 14 viajantes com idades entre 18 e

32 anos que já tiveram a oportunidade de viajar como backpackers para um destino

ou mais nos últimos cinco anos e, principalmente, que tenha vivenciado algum tipo

de exploração financeira neste destino. Os entrevistados de ambos os sexos foram

selecionados através da rede de relacionamento da autora e, por indicação de

outros viajantes através dos primeiros selecionados. Todos os entrevistados eram

brasileiros e residentes no Brasil.

As entrevistas foram realizadas no período de 03 de abril de 2012 a 16 de

abril de 2012, doze delas pessoalmente e duas por skype29 e duraram em média 50

minutos. Estas foram gravadas e transcritas para possibilitar futuras consultas. De

acordo com o grau de estruturação, as entrevistas se classificavam como semi-

estruturadas para que permitisse uma maior liberdade ao pesquisador. Foi

informado aos entrevistados que o objetivo da pesquisa era compreender os

29 Software de troca de mensagens instantâneas pela internet, tendo como carro chefe seu sistema

voip (voz sobre ip), ou seja, sistema que possibilita utilizar a voz para conversar pela internet.

44

possíveis fatores e situações que levam um viajante a ser explorado em suas

experiências de viagem.

Depois de perguntas genéricas sobre a viagem, ao final da entrevista foi

pedido aos entrevistados que narrassem um incidente crítico vivido durante a

viagem, no caso desta pesquisa, sobre a experiência de exploração financeira

vivenciada. Este procedimento trata-se essencialmente de um meio que permite

obter fatos importantes relacionados ao comportamento do indivíduo. (FLANAGAN,

1973).

Segundo Dencker (2001): “A entrevista é uma comunicação verbal entre duas

ou mais pessoas, com grau de estruturação previamente definido, cuja finalidade é a

obtenção de informações de pesquisa.” Para direcionar as entrevistas, foi formulado

um roteiro (vide anexo A).

Inicialmente, foram previstas somente as entrevistas com os mochileiros, no

entanto, durante estas entrevistas, constatou-se a necessidade de ouvir o que os

agentes de mercado tinham a dizer sobre práticas de exploração narradas pelos

backpackers. A justificativa para tal inclusão se dá pela importância de tentar

descobrir meios que poderiam dificultar a ação dos exploradores financeiros e,

principalmente, para buscar possíveis justificativas para algumas práticas

mencionadas pelos entrevistados. Para nortear tal entrevista, outro roteiro de

entrevista foi elaborado (vide anexo B).

O roteiro da entrevista foi desenvolvido a partir de grupos de análises pré-

estabelecidos, de acordo com os pressupostos da pesquisa. Para a criação destes

grupos de análises, a autora do presente trabalho foi a campo em setembro de 2011

e, ao ter vivenciado uma experiência de exploração e por ter estado em contato com

outros viajantes que também tinham passado pela mesma experiência, começou

então a designar algumas variáveis básicas para análise do conteúdo adquirido com

as entrevistas. Em linhas gerais, além da obtenção de dados básicos como sexo,

idade, escolaridade e renda, foram criados três grupos de análise: Pré-viagem,

Viagem e Pós-viagem.

No grupo de análise um, PRÉ-VIAGEM, vide figura 4, a variável motivações

busca compreender os fatores que levaram o viajante a escolher aquele

determinado destino para conhecer. A variável organização da viagem foi criada

para saber se houve intermediação (organizada por agências de turismo) ou se toda

45

a viagem foi organizada pelo próprio viajante, esta variável também procurava

entender quais eram os fatores relevantes e decisivos para a escolha do viajante.

A variável acompanhantes na viagem foi utilizada para saber com quantas

pessoas o entrevistado viajou ou se, durante a viagem e em experiências de

exploração financeira estavam acompanhados, já a variável informações pré-

embarque buscou sondar quais os meios mais utilizados pelos mochileiros e quais

eram os tipos de informações mais procuradas pelos backpackers antes de viajar.

Neste mesmo grupo de análise, através da variável expectativas antes do

embarque, buscou-se fazer um retrospecto de quais eram as maiores expectativas

dos viajantes antes de embarcar rumo ao destino.

Figura 4 - Grupo de Análise I - Pré Viagem Fonte: Elaboração própria (2012)

Já no grupo de análise dois, VIAGEM, como demonstrado na figura 5, na

variável infraestrutura do destino buscou-se compreender as características do

destino, bem como sua preparação para receber o visitante. A variável nível de

informação buscou mapear se as informações obtidas anteriormente auxiliaram na

viagem, bem como se na localidade tinha meios de se obter informações fidedignas.

A variável relações com a comunidade local buscou compreender como o

viajante achava que a comunidade local o via, bem como, as relações que o viajante

conseguiu estabelecer e sua percepção sobre estas relações. A quarta variável, as

relações comerciais percebidas e estabelecidas, corresponde à questão central

deste trabalho. Analisando-a pretende-se compreender a percepção sobre a

46

experiência de exploração financeira vivenciada pelo viajante.

Figura 5 - Grupo de Análise II - Viagem Fonte: Elaboração própria (2012)

Já o grupo de análise três, PÓS-VIAGEM, (vide figura 6), visa compreender o

que a experiência de exploração financeira impactou na experiência geral da

viagem, através da variável alteração nas expectativas iniciais. Através da

variável opinião sobre a intermediação, foi mapeado se, para os entrevistados,

haveria alguma diferença em suas experiências de exploração financeira se eles

estivessem viajando com a ajuda de agências de turismo. Questões como retorno e

recomendação, também foram colocados em pauta. Como, um dos objetivos

específicos deste trabalho era também encontrar meios que diminuíssem a

ocorrência de eventos como este, também foi perguntado o que poderia ser feito

para minimizar situações de exploração financeira, através da variável proposições

de mudança.

47

Figura 6 - Grupo de Análise III - Pós-Viagem Fonte: Elaboração própria (2012) A autora confiou nesta forma de divisão, pois, seria um meio de ativar no

entrevistado mecanismos que o fizessem recuperar maiores detalhes da sua viagem

e, principalmente, da experiência de exploração financeira vivenciada. Além de

conseguir maiores detalhes da experiência, foi a forma encontrada de analisar cada

um dos componentes por estudos já realizados e bibliografia já existente por cada

variável percebida.

Assim, tornou-se a motivação principal do presente trabalho de conclusão de

curso investigar a percepção do viajante backpacker sobre as experiências de

exploração financeira em suas viagens, realizando inicialmente um profundo

levantamento de referências bibliográficas nacionais e internacionais, de modo a

formatar uma base teórica para o estudo, para então, por meio de pesquisas de

natureza qualitativa, compreender a percepção do mochileiro em situações de

exploração financeira e encontrar possíveis formas de minimizar experiências como

estas.

Segue abaixo os principais trechos dos entrevistados, contextualizado e

divididos pela variáveis supracitadas.

48

5.1 PRÉ-VIAGEM

A entrevista iniciou com perguntas básicas sobre o viajante: idade, renda,

escolaridade. Todos tinham no mínimo o ensino superior completo e renda familiar

superior mínima de seis salários mínimos. Todos, exceto um dos entrevistados,

falaram sobre suas experiências em destinos situados em países em

desenvolvimento30 como: Laos, Tailândia, China, Camboja, Bostwana, Índia, Nepal,

Namíbia, Argentina, Brasil, Israel, Malásia, Jordânia, Marrocos, Egito e Peru31.

A maioria dos entrevistados organizou sua própria viagem, com exceção de

um deles, que em dois dos seus destinos em um mochilão que realizou em 2012,

resolveu optar pela utilização dos serviços de uma agência de receptivo:

Eu sempre organizo minhas viagens, mas, como já tinha ouvido falar que as coisas não estavam muito boas no meu próximo destino, [Israel], principalmente pelos problemas na Faixa de Gaza, resolvi contar com os serviços de uma agência de receptivo local (...). Chegando lá, resolvi fechar Egito também, porque já tinha ouvido outros backpackers falando que a exploração “rolava solto” lá (...). Resolvi abrir mão da minha liberdade em nome da minha segurança.

Os entrevistados que escolheram organizar sua própria viagem apontaram

como principal motivação para escolha deste tipo de organização a flexibilidade de

horários, liberdade de percurso e a tentativa de ter os custos reduzidos:

Escolhi planejar minha viagem principalmente porque tínhamos um orçamento reduzido. Apesar de ser mais trabalhoso, temos o “poder” em nossas mãos. Decidimos onde realmente queremos ir e não precisamos acordar na hora que o guia me diz pra acordar... Meu horário sou eu que faço e não há nada melhor do que isso!

30 Kofi Annan, antigo Secretário-Geral das Nações Unidas, definiu que "um país desenvolvido é aquele que permite que todos os cidadãos desfrutem de uma vida livre e saudável em um ambiente seguro." No entanto, de acordo com a Divisão Estatística das Nações Unidas, não há nenhuma convenção estabelecida para a designação de países ou áreas "desenvolvidas" e/ou "em desenvolvimento" no sistema das Nações Unidas. Disponível em http://unstats.un.org/unsd/methods/m49/m49regin.htm#ftnc. (acesso em 26 de abril de 2012).

31 É importante frisar que, nove dos entrevistados fizeram viagens multi-destinos e dois deles, fizeram uma viagem de “volta ao mundo”.

49

É interessante ressaltar que para muitos dos backpackers que falam em

“orçamento reduzido” não quer dizer, necessariamente, que planejam uma “viagem

econômica”. Quando questionados sobre o orçamento da viagem, os mochileiros

entrevistados afirmaram que a necessidade de economizar existia durante o

planejamento para poderem ampliar o tempo e o itinerário das suas viagens.

Todos os entrevistados concordaram que organizar uma viagem por conta

própria, sem itinerário definido antes de sair do país de origem, era uma opção mais

cara e por isso que suas escolhas durante as viagens eram pautadas na economia.

No entanto, quando sobravam recursos, os mesmo não hesitavam em escolher

opções mais confortáveis e/ou mais caras:

É meio que uma regra de todos os mochileiros economizar até o último centavo durante a viagem para quando chegar no final ainda ter uma grana reserva para fazer coisas mais caras, mas que são oportunidades únicas. Foi assim que fiz meu bungee jump na África do Sul, que é considerado o maior do mundo (...) Valeu cada centavo que economizei durante toda a viagem e cada rande32 que gastei por lá (...). Depois de todo o stress no Marrocos resolvi tirar dois dias de folga em Roma. A gente tinha uma escala por lá e resolvemos estender as 12 horas por lá para dois dias para comer bastante pizza e gellato (...). Não estava nos nossos planos, mas, depois de tanta coisa ruim, nos demos ao luxo de voltar a Europa (...)...

Para Aoqui (2005), os backpackers geralmente costumam viajar sozinhos ou

em pequenos grupos. Quando optam em ir acompanhados, geralmente decidem

viajar com pessoas que possuem afinidade ou, quando embarcam sozinhos,

encontram com outros viajantes com as mesmas aspirações. Este apontamento

apareceu claramente nas entrevistas. Doze dos entrevistados viajaram com amigos

ou familiares e outros dois viajaram sozinhos, estabelecendo este tipo de interação,

o encontro com outros mochileiros:

(...) é quase que uma rotina na nossa vida: sair sozinho, só com a mochila nas costas e tombar com outros iguais a gente [vide figura 7] (...). É uma oportunidade única, sabe? Aprendemos muito mais quando nos permitimos sair da “zona de conforto da nossa língua”, de pessoas que conhecem nossas manias (...). Quando vamos pra estrada sozinhos aprendemos mais.

32

Moeda da África do Sul.

50

Figura 7 - Encontro entre Backpackers - Pequim - China Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

Para Barreto (2004), “não havendo verdadeiros contatos, não há intercâmbio

cultural, mas reforço de preconceitos”, e, contatos verdadeiros com “o outro” parece

não ser um problema para um viajante backpacker. Quando os entrevistados foram

questionados sobre a principal motivação para a escolha de seus destinos, todos,

sem exceção, citaram pelo menos uma vez estas duas palavras-chave: conhecer

pessoas e ampliar os horizontes:

O que mais me fascina quando decido fazer uma nova viagem são as experiências incomuns que eu poderia viver naquele destino (...). O que me fez escolher a China foi exatamente isso: “bater de frente” com o novo, encontrar pessoas, mudar meus conceitos (...), construir meus caminhos.

Moshin e Ryan (2003) exploram as principais motivações do backpacker de

duas formas: são analisadas em relação aos “fatores de pressão” (push factors), ou

seja, em referência as necessidades pessoais de viajar, e em relação aos “fatores

que atraem” (pull factors), os quais representam as atrações locais. Em se tratando

das motivações pessoais, para os autores, verificou-se o seguinte ranking de

51

importância:

• Aumentar os conhecimentos sobre o mundo;

• Fazer novos amigos;

• Preferência pelo estilo de vida de viajante;

• Autoteste;

• Conselho de amigos e parentes;

• Um longo desejo de visitar especificamente o território;

• Confusão sobre planos futuros;

• Finalizar os comprometimentos com os estudos;

• Finalizar os comprometimentos com o trabalho;

• Adiar compromissos presentes;

• Busca por emprego;

• Busca pelo parceiro ideal.

Ainda de acordo com Moshin e Ryan (2003), a motivação para viajar varia

conforme a situação que gerou a decisão de viagem. Para os autores, distinguem-se

entre si os backpackers proativos, ou seja, aqueles que criam a oportunidade de

viagem (por exemplo, ao deixar seu emprego, estudos) dos reativos, quando a

oportunidade para viajar acontece sem sua intervenção (como ao terminar os

estudos ou tirar férias do trabalho). Em ambos os casos, o desejo de viajar é latente,

mas é natural que, no primeiro caso, o desejo de viajar seja mais forte do que no

segundo exemplo. Isso faz com que haja dois tipos de mochileiros: os que viajam

como um “rito de passagem” entre estágios diferentes da vida e os que tiram férias

do emprego e que simplesmente utilizam as acomodações econômicas e os

mesmos padrões de transporte dos anteriores.

Tais possíveis motivações também estiveram presentes no discurso dos

viajantes durante as entrevistas. Para alguns deles, “mochilar33” foi uma forma

encontrada de amadurecer; uma espécie de “rito de passagem”, onde a ordem é

lidar com os desafios e contar com a “sorte”:

33 Neologismo criado com um intuito de se referir ao ato de praticar/fazer um mochilão.

52

Foi muito “louco” quando decidi fazer uma volta ao mundo (...) Tinha emprego garantido, tava cursando minha pós, tinha meu carro, “apê”(...) Mas sentia que não era bem aquilo, que “tava” faltando alguma coisa” (...) Resolvi vender meu carro e ir. Queria “tombar” com as pessoas de lá, aprender outros idiomas, queria ver o mundo, “cara”! (...) Voltar não era minha preocupação. Eu só queria ir! Só sabia que ia chegar por Lisboa, e o depois viria... E sabe? Veio da melhor forma possível (...). Aprendi muito com as diferenças, a comida (...) Vi a beleza no caos todos os dias (...) Voltei uma outra pessoa! Posso dizer que existe um “eu-antes” e um “eu-depois” desta viagem.

Assim como Moshin e Ryan (2003) também elucidam em suas pesquisas, nas

entrevistas o fator motivador “busca pelo parceiro ideal” também surgiu como

consequência de viagens como estas:

(...) quando começamos, éramos quatro casais, dois amigos que vieram juntos, um homem que viajava sozinho, oito mulheres por conta própria e os três homens da equipe. Com tantas noites em torno da fogueira e uma ou outra em algum bar dos campings em que passamos, a essa altura já havia três novos casais... Cupido andava solto naqueles dias!

Quando foram questionados sobre a obtenção ou não de informações no pré-

embarque, foi consensual que, quando o destino era desconhecido, a busca de

informações prévias sobre o destino aconteceu. Em relação aos tipos de fontes de

informação utilizadas por viajantes, Gitelson e Crompton (1983) desenvolveram

cinco categorias para cobrir todas as fontes consultadas pelos diferentes tipos de

viajantes: amigos e parentes, literatura específica sobre o destino, consultores de

viagem, mídia impressa e de imagem.

Os principais meios citados pelos entrevistados foram amigos e parentes,

guias turísticos especializados como Lonely Planet34 e a Internet, especialmente

blogs de viajantes como o “Trip Advisor”35 e “mochileiros.com36”. Muitos citaram que

a busca por saber mais sobre a cultura local e procurar por experiências de outros

viajantes seriam procedimentos indispensáveis para um viajante que se propõe

conhecer em profundidade um destino:

34 A Lonely Planet é uma das maiores editoras de guias de viagem do mundo. Foi esta editora que publicou o Let's Go Travel Guides, que foi a primeira série de livros de viagem destinados a mochileiros e outros viajantes procurando gastar pouco.

35 Disponível em: http://www.tripadvisor.com.br (acesso em 27 de abril, 2012)

36 Disponível em: http://mochileiros.com (acesso em 27 de abril, 2012)

53

(...) buscar informação é um dever da gente e isso é uma característica bem forte do viajante independente. Ajuda muito entender a região que queremos visitar (...). Ouvir quem já foi também é legal. Vários conhecidos me ajudaram com dicas (...). Também usei muito a internet (...). O guia Lonely Planet [vide figura 8] me salvou muitas vezes (...). Muita informação que soube foi uma “mão na roda” em muitas situações na minha viagem.

Figura 8 - “Kit de Sobrevivência” do Backpacker - Guias Turísticos especializados Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2008) Em relação ao quesito expectativa dos viajantes com os seus destinos, todos

apresentaram expectativas muito altas. Zeithaml, Berry e Parasuraman (1993:92),

verificam que as expectativas têm várias formas: “há expectativas como

prognósticos, expectativas como ideais, expectativas baseadas em experiências,

expectativas com tolerâncias mínimas, expectativas de merecimento, expectativas

comparativas”, dentre outras.

Baseado nesses tipos de expectativas, esses autores concluíram que os

consumidores avaliam o desempenho de serviços utilizando dois padrões: o nível de

serviço desejado por eles, que poderia ser chamado de serviço máximo aceitável e o

nível de serviço adequado, que poderia ser chamado de serviço mínimo aceitável.

Entre esses dois níveis, verifica-se a presença de uma “zona de tolerância”,

que não é perfeita, mas aceitável em determinadas circunstâncias. Essa zona de

tolerância é variável entre consumidores e flutuante de acordo com as compras dos

54

consumidores. Como, geralmente, este tipo de viajante tem inúmeras experiências,

e, também dotados de expectativas muito altas, desgostos e comparações parecem

inevitáveis:

Quando escolhi conhecer o Marrocos esperava encontrar um lugar com grande diferença cultural e belas paisagens (...). Tinha isso tudo, tinha, mas a experiência foi completamente diferente que imaginava. Era um ambiente hostil, sujo, não havia beleza naquele caos (...). Também tive uma experiência como esta no Nepal, que mesmo não sendo boa também, nem se compara ao Marrocos (...). com poucos turistas e muita gente que vive do turismo por lá, dá-lhe molestação dos “caça-clientes nas ruas”. Mas, diferente do Marrocos, dá pra levar o assédio numa boa.

Ficou bem claro nas entrevistas que, quando o viajante entrevistado era mais

experiente em viajar, as expectativas eram bem menores ou, simplesmente, não

existiam:

Essa é uma pergunta que sempre me fazem quando eu decido fazer mais uma viagem “maluca”, aos olhos dos outros (...). Tenho trinta e dois anos, desde os quinze aprendi a viajar e desde então, não parei mais. Aprendi uma coisa muito importante durante esses anos de estrada: quem cria expectativa não se surpreende, por isso nem penso nelas, por mais que minha mente planeje, e maquine tudo o tempo, eu tento cortar ao máximo cada uma delas (...) elas não podem prevalecer sobre meu resultado final.

5.2 VIAGEM

Para Aoqui (2005), o segmento backpacker organiza seus roteiros de forma

mais flexível (muitas vezes em itinerários com destinos múltiplos) e são abertos a

novas experiências, como desbravar regiões menos turísticas. Confirmando a

definição do autor supracitado, a maioria das experiências abordadas pelos

entrevistados aconteceram em rotas “menos turísticas” e em países em

desenvolvimento. Geralmente, países como estes não possuem nem ao menos

estrutura básica satisfatória para seus moradores, como água, luz, saneamento

básico e internet, quanto mais uma estrutura turística bem planejada.

Como um dos pressupostos apontava que um dos fatores preponderantes

para uma maior incidência de experiências de exploração era a ausência de uma

estrutura turística bem organizada, - que de certa forma ocasionariam ausência de

55

uma rede de informações - quesitos como a existência de sinalização turística,

centro de informações ao visitante, agências de receptivo e fornecimento de mapas

e guias turísticos foram avaliados pelos entrevistados.

Sem nenhuma exceção, todos os entrevistados indicaram que não havia

sinalização turística, centro de informações turísticas na localidade e muito menos o

fornecimento de mapas e guias com informações e que, exatamente por isso “as

pessoas que trabalham com o turismo tentavam se aproveitar deles37”:

(...) a Medina é enorme [vide figura 9]. Se você imagina que com um bom mapa e um GPS não irá se perder é porque ainda não esteve lá (risos). Imagine infinitas ruelas e becos escuros e milhares atrações escondidas e sem praticamente nenhuma sinalização que possa te ajudar Quem não recorre aos inúmeros “guias” fantasiados de “amigos” você não consegue voltar pro albergue.

Figura 9 - Medina - Marrakesh - Marrocos Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

As entrevistas também apontaram que grande parte dos viajantes utilizava

guias turísticos adquiridos antes de chegar ao destino e a ajuda de outros

mochileiros para chegar aos pontos de interesse turístico. Também elucidaram a

37 Trecho da entrevista.

56

existência de agências de receptivo por toda a parte, até mesmo dentro dos

albergues que se hospedavam, e a presença massiva de “falsos guias” nas ruas

oferecendo serviços de guiamento:

(...) foi muito complicado achar placas com informações dos pontos turísticos. “Sobrevivemos” por lá porque tínhamos comprado um guia antes de sair do Brasil, e vou te dizer que, mesmo com ele foi difícil demais chegar nos lugares que queríamos. Quando precisávamos de ajuda, geralmente, recorríamos ao pessoal do hostel que a gente “tava” ou até mesmo, com outros mochileiros. Apesar de estarmos muito bem localizados, era difícil demais achar alguns pontos que queríamos conhecer (...). tivemos que contratar o serviço de uma agência de receptivo lá do albergue que estávamos. Não que fosse difícil encontrar outras opções. Era só cruzar a rua que vinha 20 ao seu redor com folders em inglês, francês, espanhol, alemão tentando te levar até o céu se você pagasse.

Quando foram questionados se as informações obtidas previamente ajudaram

em alguma situação na viagem, alguns deles notificaram, principalmente, situações

pertinentes a questões culturais e idiomáticas.

Saber falar um “não”, “sim”, “obrigada”, “quanto custa” foi essencial em muitos momentos (...). Saber sobre os costumes da Índia me ajudou muito (...). Não me assustei com o trânsito caótico por conta das inúmeras vacas que cismavam em deitar no meio da rua (...). Outra boa também foi saber que por lá a mão esquerda é considerada impura porque é utilizada para a higiene pessoal, essa foi a mais difícil, sou canhoto, poxa! (risos).

No entanto, mesmo sem ter perguntado se as informações obtidas

anteriormente ajudaram em alguma situação que envolvia a ação dos exploradores

financeiros, as mesmas surgiram com naturalidade:

(...) “Tava procurando informação sobre a China na internet e lá no “tripadvisor” vi um depoimento de um mochileiro que tinha sido passado pra trás em um golpe muito comum em Pequim: “tipo”, você tá andando e, do nada, chegam jovens bem apessoados e perguntam de onde você é, falam que querem treinar o inglês, e aí, te convidam para um “ritual bem tradicional deles” [fazendo aspas com as mãos], a tal da cerimônia do chá. Você, todo ingênuo, vai e, acaba “bancando” tudo, porque eles foram ao banheiro, ou foram atender uma ligação e, nunca mais voltaram! Quando uma situação parecida aconteceu comigo por lá, automaticamente me lembrei do depoimento e não cai na deles (...). somos presas muito fáceis, já que queremos a todo instante conhecer pessoas novas.

57

Smith (apud Barreto, 2004) aborda em seus estudos que, o tipo de contato

com a comunidade, depende do tipo de turistas que estabelecem essas relações.

Aqueles chamados pela autora de “turistas de elite” ou “alternativos” (neste caso,

podemos incluir os backpackers), gostam de abrir seus próprios caminhos para

conhecerem melhor a comunidade que se propuseram a visitar, já os “turistas de

massa” que viajam dentro da sua “bolha turística”38 não têm oportunidade de

aprender muito sobre a vida e hábitos da localidade visitada.

Todos os entrevistados apontaram como principal motivação da viagem a

interação com pessoas e costumes diferentes. Para Carvalho (2009) os backpackers

valorizam a troca de experiências com a comunidade local e com outros viajantes, e

isso gera um maior entendimento, conscientização e respeito aos hábitos e culturas:

Em nossas andanças pelo Egito, fizemos amizade com Mohamed (...). Sempre sorridente, nos levou pra um passeio de tuc-tuc pelas terras da sua família. Lá rolava um churrasquinho com chá [vide figura 10], bebida muito tradicional entre eles, seria como a cerveja pro brasileiro(...) Era sexta-feira, dia de folga, é, não! Não é no mundo inteiro que os finais de semana são aos sábados e domingos! (...) O visual é bonito, mas sendo bem sincero, não chega a ser especialmente marcante. O que surpreende é que aquilo exista no meio do Saara, as pessoas e todo aquele ritual (...).

Figura 10 - Churrasquinho com Chá - Deserto do Saara Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

38

Metáfora usada pela autora (Smith apud Barreto, 2004) para definir o pacote turístico com tudo estruturado.

58

Para os entrevistados, a escolha de ter contato com a comunidade local - em

muitos aspectos - é uma experiência única, mas não é sinônimo de conforto e

segurança, fato este já elucidado por Boorstin (apud Araújo, 2005), que uma “viagem

autêntica” traz consigo o real significado da palavra travel (problema, trabalho e

tormenta).

Várias experiências ditas como “únicas” e “inesquecíveis” foram experiências

que envolveram riscos de vida, como a presença de animais peçonhentos em

acampamentos dentro de uma tribo africana ou atividades de aventura extrema

(bungee jump, vôo livre, queda livre), banheiros ao céu aberto [vide figura 11] e

comida escassa. Para os entrevistados, “é um preço que se paga”:

Como era um acampamento selvagem, não havia cerca que nos separasse dos animais. Ouvíamos os hipopótamos, que podem ser mais perigosos do que qualquer outro animal África quando ameaçados e durante a noite vimos os rastros das black mambas, cobras super venenosas de lá [Bostswana] (...). Um pouco assustador ir ao “banheiro” [vide figura 11] sozinho pela noite (...).

Figura 11 - Banheiro em acampamento selvagem em Botswana Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

59

Depois das narrações obtidas sobre as experiências dos viajantes com a

comunidade local, a entrevista direcionou-se para as relações percebidas entre os

viajantes e o mercado. O pressuposto de que as experiências de exploração seriam

mais frequentes quando houvesse a presença do mercado informal foi confirmada

durante as entrevistas. Os entrevistados alegaram que as ações dos ambulantes

eram “invasivas” e que, a presença deles gerava muito incômodo nas experiências

com a localidade:

Nas pirâmides [vide figura 12], em qualquer lugar que parávamos, vinham 50 milhões de camelôs querendo nos vender bugigangas, sempre tudo por "one dollar". Se a gente quisesse tirar foto com eles, vestidos tipicamente, era "one dollar", pra ir ao banheiro que não tinha papel higiênico, sem descarga e tudo sujo foi cobrado “one dollar” Se você pensasse em olhar de longe o que eles tinham pra vender, já era! Eles tentavam negociar a qualquer preço. Juntavam cinco a sua volta, com cordão, marcador de páginas, canetas (...). Chega ao cúmulo deles aprenderem algumas palavras-chave para conversar com a gente e poder negociar o preço ou até mesmo dizendo que é um “regalo” só para você pegar.

Figura 12 - Turistas/Viajantes e Mercado Informal nas principais Pirâmides de Gizé - Egito Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2012)

Os entrevistados também apontaram a presença dos mercados abertos como

60

uma opção mais organizada e segura para as compras, já que eles se aproximavam

quando queriam e, principalmente, porque tinha preço nas mercadorias:

A presença do mercado informal no Tibet era em todo o canto, cheios de “lábia” pra cima da gente. A presença deles deixava o local sujo, bagunçado (...). Tinha também aqueles mercadões [vide figura 13] que até eram “organizados na sua desorganização”. Me sentia mais segura em comprar lá porque tinha preços nas coisas (...).

Figura 13 - Mercados/Feiras organizadas - Tibet - China Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

Quando os entrevistados foram indagados sobre o que eles sentiram no

momento em que foram explorados financeiramente, os mesmos utilizaram adjetivos

como “raiva”, “medo”, “insatisfação”, “frustração”, “desconforto”, “aborrecimento”,

“revolta” e “indignação” para expressar o ocorrido. Ao serem indagados sobre a

experiência de exploração e o que ela causou, simplesmente falavam adjetivos

soltos e nada mais; não conseguiam articular o pensamento já que causava muito

desconforto para os entrevistados relembrar situações de stress como estas. No

entanto, foi possível perceber que, quando os mesmo já tinham ouvido falar que

situações como estas poderiam ocorrer, os “sentimentos” foram amenizados e não

61

foi atribuída muita importância ao ocorrido:

Como eu já tinha uma expectativa de que isso poderia acontecer, o sentimento não foi tão forte, foi algo esperado. Como não tinha opção, simplesmente aceitei, afinal, quem não precisa de água? E onde eu conseguiria outro lugar [vide figura 14] para matar minha sede subindo o Monte Sinai, umas três horas da manhã? Tive que pagar o equivalente a dez dólares pela garrafa. Não poderia passar sede!

Figura 14 - Parada para compra de suprimentos na subida do Monte Sinai - Israel Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

Além de falarem mais sobre o ocorrido, teceram algumas conclusões sobre as

conseqüências para o destino:

Tinham me alertado exatamente sobre isso, que os comerciantes se aproveitam das nossas necessidades básicas (...). O que eles não percebem é que isso gera uma imagem negativa do lugar. Sempre que me lembrar de lá, me virá na mente o que aconteceu não só comigo, mas com todo o grupo que estava por lá.

O mercado informal como um dos principais meios dos viajantes serem

explorados em suas experiências de viagens surgiu com muita freqüência nas

entrevistas, no entanto, muitas foram as situações narradas pelos entrevistados

62

envolvendo o mercado formal como fontes de exploração. Oito dos entrevistados

apontaram como meio de exploração os guias de turismo, informais e formais. Os

mesmos citaram que, muitas vezes recorriam ao serviço deles porque “era difícil

encontrar alguns lugares por conta própria”. Eles citaram como um meio de

exploração a técnica muito comum no trade de “parada para compras”, que induz ao

consumo e nem sempre representam o melhor lugar, principalmente no quesito

“preço”.

Práticas como “gorjetas obrigatórias” também surgiram em três entrevistas.

Quatro deles também teceram comentários a respeito do comissionamento dos

guias por determinadas lojas:

Mas o que mais me assustou, é que fomos muito explorados em Buenos Aires pelos guias (...). eles davam a entender que ajudariam mais se a gente desse gorjeta pra eles (...). Eles diziam que iam nos levar nos lugares mais baratos de lá pra gente fazer compras, mas, sei lá, sentia que tinha alguma coisa de errado porque o preço tava muito parecido com o do Brasil e nossa moeda é muito mais forte que a deles(...). Percebemos também que, sempre que a gente saía de alguma loja, eles demoravam muito pra entrar na van de novo e, aí, começamos a ficar de olho neles (...). Percebemos que nas últimas lojas que eles passavam no caixa antes de ir, ou, sempre ganhavam presentes quando a gente comprava alguma coisa (...)

Após situações como estas narradas pelos backpackers¸ um agente de

viagens e guia de turismo especializado no segmento backpacker no estado do Rio

de Janeiro também foi entrevistado. Ao ser indagado sobre uma prática bastante

citada nas entrevistas, “o comissionamento dos guias”, o entrevistado apresentou a

seguinte resposta:

Isso realmente existe, são as relações de mercado, como em diversos outros segmentos no turismo, existe essa relação forte de comissionamento no nosso ramo. Quando você vende um produto existe uma coisa que a gente até brinca: “quem é o dono do gringo?” Ah, é o Copacabana Palace? Então “o Copa” vai assumir o risco de oferecer aquele turista para fazer um passeio com você, mas, se ele não gostar do passeio, ele vai reclamar lá no hotel, porque é lá que ele tá comprando. Então, se ele compra no hotel e o hotel assume riscos, faz todo o sentido ele ganhar comissionamento, porque ele tá tendo o trabalho de fazer essa ligação (...). Se o turista compra comigo direto, o turista tá assumindo esse risco (...). Da mesma forma acontece se eu levar ele numa loja de sorvetes e tem uma do lado da outra, porque eu levaria naquela que o dono nem me dá um sorvete de graça? (...) Não sei se isto deve ser visto como uma prática certa ou errada, bonita ou feia, foi somente uma forma que a outra loja encontrou de atrair mais turistas pra sua loja (...).

63

Ainda complementa:

O que acontece também, seguindo a lógica do mercado, é que, o outro que nem pensava em me dar um sorvete de graça, vendo que o do lado me dava, resolveu então me dar uma caixa de sorvete. (...). Aí que deve entrar a ética do profissional. De onde vai sair o dinheiro da minha caixa de sorvete? Do bolso do turista? Isso é um ciclo vicioso (...). O profissional deve buscar oferecer a melhor opção para seu cliente, tentando não encher os olhos com as possibilidades de ganhos que ele terá nas transações.

Doze dos quatorze entrevistados apontaram os taxistas como fonte de

exploração financeira, seja por práticas de não utilização do taxímetro, cobrança de

taxas extras abusivas para bagagens, preços fixos e, principalmente, pela

desonestidade de combinar um preço na origem e cobrar mais no destino final:

Mas o mais chato da viagem foram os taxistas, que exploraram “legal” a gente. Sem a gente perceber, um taxista fez uma corrida sem taxímetro e só deu o preço pra gente quando chegamos ao nosso destino final (...) Ele se aproveitou que estava de madrugada e que não tínhamos outra forma de chegar com segurança no albergue em Cuzco (...). Pagamos o equivalente a cinco vezes mais.

Ainda à respeito as praticas apontadas pelos entrevistados em relação aos

taxistas, foi notificado por dois entrevistados a cobrança de taxas e valores

diferentes de acordo com a nacionalidade do passageiro:

Nossa última parada do mochilão pela América do Sul foi no Rio (...) Me lembro que minha amiga européia fez sinal pro taxista e, com o péssimo português dela, perguntou uma média de preço de uma corrida de Ipanema até Copacabana. O “malandro” do taxista queria cobrar oitenta reais. Não acreditei! Parei de tirar foto, me aproximei e, imitando o sotaque do Rio perguntei ''e para quem é morador, meu irmão?". Senti que ele gelou, logo-logo diminuiu o preço e se desculpou dizendo: “poxa cara, pensei que vocês eram ‘gringo’, desculpa aí, ‘vintinho’ resolve?”.

Foi apontado em duas entrevistas situações de exploração em restaurantes

tradicionais nos destinos visitados:

64

Quando a gente tava em Gramado, fomos num daqueles cafés coloniais que tem buffet e bebida liberadas, ficamos comendo e tomando vinho a noite inteira (...) Quando pedimos conta, ao invés da gente pagar trinta reais, que era o valor do buffet que pensávamos que era completo, o garçom estava nos cobrando o vinho à parte (...). Vendo a confusão, um casal que estava sentado do nosso lado me chamou e disse que tudo era incluso sim, inclusive o vinho, e que ele estava tentando nos “passar a perna” porque éramos turistas (...). Em uma visita ao Chile, pedi ao garçom que ele me servisse o vinho e a comida que ele comia no dia-a-dia dele. O resultado? O prato e o vinho mais caro da carta.

Foi apontado também em uma entrevista, situações de coação39 dentro de

aeroportos:

Chegando no nosso primeiro destino [Egito], minha amiga foi ao banheiro, dentro do aeroporto, por sinal maravilhoso, tinha uma funcionária do aeroporto, super solícita lá dentro, que abriu a porta, a torneira, secou a mão dela (...) e na hora dela sair, ela simplesmente ficou na frente da porta, esticou a mão e disse: "one dollar" (...).Ela teve que pagar pra sair.

A precificação diferenciada para o visitante/turista em relação aos preços

destinados para a comunidade local foi uma prática citada por todos durante as

entrevistas. No entanto, isso não era o que mais incomodava a estes viajantes;

muito pelo contrário, aos olhos deles era justo que os preços fossem menores para

os moradores, afinal, ele “não está ali à passeio e merecem sim, pagar menos”. O

agente de turismo e guia entrevistado também comentou sobre experiências como

estas:

(...) quando eu chego na lojinha pra comprar bebida a água é um real, mas, se chegaram os “gringos”, a água vira três reais. É claro que tem isso. Alguns não percebem, outros percebem e não ligam. Eu por exemplo não ligo de pagar mais. Acho que é uma forma de contribuir ainda mais com a comunidade (...).Se a gente for analisar bem, se não for um real pro morador, ele não compra. O preço tem que ser de acordo com a realidade local. Se formos analisar pelo outro lado, o turista seria então explorador, porque, ele está indo naquele lugar comprar por um enquanto, na sua zona de permanência, custa três (...). Dependendo do enfoque que se dá aos fatos e de como você se sente é que pode ser considerado exploração ou não.

39 Constrangimento eficiente exercido sobre uma pessoa de maneira direta ou indireta, com o escopo de lhe impedir a livre manifestação da vontade. A coação pode ser física ou moral. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues

65

No entanto, o que mais incomodava aos viajantes era “quando [os agentes de

mercado] agiam de má fé” com eles, não estabelecendo preços fixos para os

produtos e serviços, dando a entender que o “o preço era dado de acordo com cada

viajante” e, principalmente, quando os valores acordados anteriormente ao serviço

não eram cumpridos e a criação abusiva de taxas extras:

A todo o momento os preços para os turistas eram muito mais altos (3, 4 vezes o valor para locais). Além disso, os preços acordados na negociação não eram os mesmos depois do serviço consumido. Sem contar as taxas que eles inventavam a todo o momento (...). pra mim, era só outra forma de ganhar em cima da gente. Isso acontecia desde a compra de água até uma propina pra a mochila no porta malas do ônibus “chegasse bem” ao destino. (...) chegando no principal monastério do Tibet, o Potala Palace, eles falaram que, para entrar na segunda parte do prédio, tínhamos que pagar uma taxa extra. E o pior: se não pagássemos, não conseguiríamos sair, porque a saída era por lá. Nos sentimos muito enganados. Porque não nos avisaram antes?

No discurso dos entrevistados foi percebido que durante muitas situações os

mesmos confundiram situações típicas de exploração com questões pertinentes a

diferenças culturais. Para muitas culturas barganhar é parte do processo de compra

e venda e, se um dos objetivos do viajante é se inserir na cultura local, aceitar

práticas como estas faz parte do processo de conhecimento “do outro”:

(...) Acho que eles pensam que somos bobos (...). Onde já se viu um colar custar 800 dirham40 no início da negociação e no final, ficar por 60 dirhan? Só porque somos turistas eles aumentam o preço descaradamente. Isso não é só no Marrocos não, aconteceu em muitos lugares, principalmente na Ásia e América do Sul (...).

Foi notório durante a realização das entrevistas que os viajantes tenderam a

generalizar suas experiências negativas com os agentes de mercado, com a

comunidade local:

40 Moeda do Marroquina.

66

Quando as pessoas me abordavam na rua da forma mais gentil do mundo, eu não estranhava, mas... Eu desconfiava sim! Sempre achava que tinha alguma segunda intenção em jogo. Eu sobrevivi por lá seguindo duas regras básicas: sendo firme e, sempre, mantendo o bom humor. Um “shukran” (obrigado) com um sorriso sempre era mais eficaz do que a minha impaciência. Eu também tive que deixar minha ingenuidade de lado. Eles não querem “apenas” praticar o inglês com a gente. Eles querem é ganhar em cima da gente (...)

Os entrevistados apontaram que uma prática muito comum para tirar

vantagem dos viajantes é a da “exploração da nossa consciência”:

Quando chegamos na Muralha da China, tinha “ locais” para nos recepcionar [vide figura 15] (...) As que nos recepcionou era muito simpática, falava quase todos os idiomas, nos contou historias sobre o local, sobre sua vida, rotina (... ). Era tudo que queríamos: contato, cultura (...). Ela era tão solicita! Ela nos ajudava a subir, a encarar as partes difíceis do percurso. Teve uma hora que não consegui mais subir e, ela até me arrumou um espaço para sentar.(...). Quando dissemos que queríamos voltar a base, ela começou a tirar um monte de coisas da mochila, dizendo que elas sobreviviam daquilo, que tinham filhos para criar, e que a gente tinha que comprar para ajudar ela. (...). Nisso, ela nos ofereceu só coisas caras: uma blusa de sessenta dólares um livro com fotos de cem dólares (...). Falei que, infelizmente, não podíamos comprar, mas que, para ajudá-la, podíamos levar a blusa, mas, que só tínhamos quarenta dólares! Ela começou a falar que não queríamos ajudar e, que por isso, tínhamos que nos virar para voltar para a base sozinhos, que ela tinha mais o que fazer (...).

Figura 15 - As mulheres da Muralha da China - Pequim - China Fonte: Arquivo pessoal do entrevistado (2011)

67

Nas entrevistas também percebemos que, o brasileiro também é explorado

em seu próprio país. Um dos entrevistados chegou a dizer que “o turistômetro41 dos

vendedores é o sotaque diferente e as inúmeras fotos nos lugares que parecem

comuns aos olhos deles”:

Fomos ao Pelourinho e em seguida ao Elevador Lacerda e tinha muita presença do comércio informal, oferecendo souvenires e lembrancinhas durante todo o tempo e com certa insistência, pois perceberam que éramos turistas. Tentamos barganhar e conseguimos comprar dois cordões, ditos de prata peruana, por R$30,00. Achamos que tínhamos feito bom negócio, afinal cada cordão nos foi oferecido a R$20,00, porém nos surpreendemos ao descer e ver os mesmos cordões sendo vendidos no Mercado Modelo a três unidades por R$10,00 (...).

Logo após a narração da situação (ou situações) de exploração que

vivenciaram, foi perguntado aos backpackers como eles achavam que o mercado os

via. Pronunciamentos como "notas de dinheiro andando pelo destino”, “uma forma

deles ganharem mais dinheiro”, “máquinas caça-níqueis”, “fonte de dinheiro fácil” e

“tolos” foram obtidos na entrevista.

Assim como aborda Barreto (2004), os habitantes dos lugares turísticos se

beneficiam economicamente com a presença dos turistas, não estão precisamente

interessados em receber os turistas como hóspedes e a realizar com eles trocas

culturais, mas sim, em receber o dinheiro trazido pelos turistas:

O mercado, as pessoas, todos nos vêem como uma oportunidade bem lucrativa. A nossa presença gera neles uma excitação incrível! Uma oportunidade de enriquecer (...). Às vezes, é tão perceptível que, a sensação de ser usado é quase que constante. Chegou um momento que não conseguia nem mais acreditar que eu poderia conseguir uma relação diferente da comercial. Não foi só uma sensação pessoal. Quando conversávamos sobre isso nos albergues, parecia ser de consenso geral essa atmosfera de interesse não pela nossa cultura, mas pelo nosso poder de compra, nosso dinheiro (...).

5.3 PÓS-VIAGEM

Retomando o pensamento de que os serviços de agências de viagens visam 41 Neologismo criado com o objetivo de representar um “medidor de turistas”.

68

eliminar quase que completamente os riscos de uma viagem, os entrevistados foram

perguntados se a intermediação poderia minimizar as chances de exploração

financeira. As respostas foram bem divididas. Parte dos entrevistados não sabia se

organizar suas viagens com ajuda de agência de turismo diminuiria os riscos. A

metade dos entrevistados afirmou que os riscos poderiam diminuir, mas que ao optar

pela intermediação haveria consequências para a experiência final:

Já viajei muito por agência... A diferença de ir por conta própria é que, pela agência, você se sente mais seguro, sem dúvidas! Parece que você fica dentro de um pacote, protegido, sabe? Por outro lado, esse pacote te impede de conhecer a realidade daquele lugar... Ou seja, diminui muito o risco sim... Mas, não impede.

A outra parte dos entrevistados, no entanto, disse que não acreditava que a

intermediação poderia ajudar a diminuir a incidência de experiências de exploração

financeira aos visitantes, pelo contrário, para eles “a intermediação é outra forma de

ser explorado, só que de uma forma mais formal”:

Não mesmo! Pensei que, acompanhada do guia as chances de ser explorada reduziriam, mas, além de ser explorada pelos ambulantes, o guia só me levava em locais para almoço e compras quando eles recebiam comissão (...). Não me importaria se, esses lugares fossem realmente a melhor opção pra mim, mas eram extremamente caros e sem qualidade nenhuma. Então, não acho que intermediação iniba a ação dos exploradores, de uma forma ou de outra, o turista sempre será explorado, exceto se o turista conhecer alguém de confiança que more no local. Sinceramente não. Já viajei com agências e nunca fui informada desse tipo de ocorrências. Acho que, na verdade, a forma de exploração muda. Quem viaja de forma independente tem mais chance de ser explorado porque interage mais com a população local. Ir por meio de uma agência você paga a agência, é direcionado para lugares que eles querem que você vá, é explorado por lá e ainda é explorado nas suas compras pessoais (...). Não tem jeito.

Sem exceção, quando os entrevistados foram perguntados se as expectativas

iniciais tinham sido atingidas, todos (exceto os que não as tinham), disseram que

suas expectativas iniciais sobre o destino e a experiência não foram atendidas:

69

Acho que, quando planejamos uma viagem ninguém espera vivenciar uma experiência ruim, que te cause medo, que te faz sentir incapaz ou até mesmo um injusto por ter o que outros não têm (...). Sempre que a gente era explorado financeiramente durante os treze meses de estrada, a gente lembrava que não pertencia àquele lugar, que, querendo ou não, éramos intrusos (...). A gente era turista, ninguém ia mudar isso, nem mesmo a nossa vontade de se sentir parte daquilo tudo.

Vogt (1976) argumenta que os mochileiros alteram suas percepções de

dificuldades de negativas para positivas na forma de desafios. O que para a maioria

dos turistas aparenta ser um problema, nada mais é do que um método de

“autoteste” para o viajante backpacker. Situações como ficar perdido, ser assediado

por vendedores, ser furtado, não saber como voltar para casa ou ter que lidar a todo

o momento com situações desconfortáveis e diferentes de sua realidade cultural,

apesar de incômodas, foram vistas pela grande maioria dos entrevistados como

proveitosas na medida em que contribuem para o amadurecimento e crescimento

pessoal:

Antes de chegarmos na Índia, já tinham nos falado muito sobre como era visitar o País. Honestamente, na maioria das vezes, tocaram o terror! Sem querer criar ilusões, de fato não é fácil. Existe muito assédio, risco de furtos, pouca higiene (...). Mas, também não é nada de outro mundo. Tomando cuidado, usando purificadores nas águas que bebemos, prestando atenção às situações mais arriscadas e sabendo ignorar quem estava lá apenas pra nos importunar, saímos ilesos e felizes. Nenhum contratempo sério de ordem estomacal ou policial e muitas belezas e experiência que só são possíveis de se viver por lá. No final, foi bem mais simples do que nos tinham feito pensar que seria. E garantimos a qualquer alma “não pequena”, que é uma visita muito gratificante!

Quando os entrevistados foram questionados sobre se retornariam ao destino

e se recomendariam, a maioria dos entrevistados disse que não retornaria e, que só

recomendaria deixando bem claro tudo o que vivenciou no destino:

Recomendaria, porém frisaria o fato do comércio informal tentar se aproveitar dos turistas e indicaria lugares mais seguros para se consumir. Não tenho vontade de retornar a Salvador.

Os pesquisadores Gitelson e Crompton (1983) identificaram em suas

pesquisas sobre fontes de informação que 72% de todos os respondentes utilizaram

amigos como fonte principal de informação. Já Perry e Hamm (apud Murray, 1991)

70

mostram que, quanto maior o risco percebido, maior a importância da influência

pessoal. A questão principal é: até que ponto narrar experiências negativas (como as

exploração financeira) a um viajante potencial pode atrapalhar em seu processo de

decisão?

Existem muitos tipos de viajantes e cada um caminha para um processo

diferente. Vários estudos no campo do marketing vêm mostrando que o marketing

boca a boca é a fonte de informação mais importante para reduzir o risco no

processo de decisão e tem maior impacto nos consumidores do que comunicações

de massa, devido ao fato que as oportunidades de feedback existem nas interações

existentes entre quem já vivenciou e quem quer vivenciar:

Quando relembro das situações negativas, até mesmo, para me proteger, diria que não retornaria! Mas, a China guarda tanta beleza e diversidade, que, mesmo com tantas experiências que me trouxeram sensações ruins, eu voltaria sim! Em relação as minhas expectativas, meu conceito sobre a China mudou muito, sei também que, a magia do meu discurso sobre ela também mudou. Acho que, quando eu recomendasse a China, eu falaria muito mais sobre os pontos negativos do que dos positivos... Foi assim com as pessoas que me falaram da China; elas exaltavam mais o que poderia dar errado do que o que deu certo... Quem não tiver muito certo de querer visitar a China, acho que seria “infectado” pelas minhas experiências negativas.

Outra questão levantada pelos viajantes foi em relação a imagem do local e

da população local por conta das experiências de exploração financeira:

Seria fácil dizer que o Marrocos deixa sentimentos confusos. Mas, não é bem assim. Nossos sentimentos são claros. O País tem paisagens absolutamente extraordinárias, Medinas incríveis e uma grande riqueza cultural. Contudo, recebem muito mal os estrangeiros e deixam que um bando de pessoas desonestas comprometa a imagem de todo um povo. O turista é visto como alguém de quem se deve tirar alguma coisa. Portanto, recomendamos o destino para pessoas dispostas a pagar esse preço por suas belezas. Ou, talvez, para quem pense em usar algum tipo de excursão já com tudo organizado. É provável que assim funcione bem. Para viajantes independentes, o País deixa de fato boas recordações, porém é também um alívio embarcar pra ir embora.

Quando foram perguntados sobre quais poderiam ser os meios para coibir a

ação dos exploradores informais, a presença da polícia foi citada como uma possível

solução:

71

Passamos duas noites no Marrocos. Em Marrakesh têm turistas por todos os lados e muita gente tentando se aproveitar deles. Já em Se Fès, a “encheção de saco” é menos irritante. São menos insistentes e certos golpes como os falsos guias são coibidos pela polícia.

Os viajantes também apontaram como uma solução para coibir a exploração

financeira por agentes formais, pesquisa prévias de experiências de outros viajantes

com aquela empresa.

Passamos nosso último dia no Marrocos a caminho de Casablanca. (...).Sabe-se lá por qual razão, fomos ingênuos o bastante para acreditar no vendedor que nos garantiu que seria um ônibus novo. Não era. Nem ia direto. Pelo contrário, parava em praticamente qualquer esquina pra pegar ou deixar passageiros. Só não parava pra que a gente pudesse ir ao banheiro. A única oportunidade de comer era a multidão de vendedores de biscoitos a bananas que invadia o ônibus a cada parada (...). Foram oito horas em uma viagem que poderia ter durado a metade disso.

No entanto, a solução mais citada por todos foi o aumento da fiscalização

pelos órgãos competentes do turismo tanto para o mercado informal quanto para o

mercado formal.

72

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seems like everybody's got a price/I wonder how they sleep at night/When the sale comes first/And the truth comes second/Just stop for a minute and smile... (Música: Price Tag - Jessie J) 42

Ao longo da discussão dos resultados no capítulo cinco, algumas

considerações sobre a percepção dos viajantes backpackers em relação às

experiências de exploração financeira em suas viagens, os possíveis “agentes da

exploração” e os fatores/situações que levam estes viajantes a serem explorados

financeiramente já foram apresentadas.

No entanto, estas considerações finais não se configuram como um “resumo”

ou uma “repetição” dos principais assuntos do presente trabalho, e sim como uma

oportunidade de “retomar” pontos especiais do trabalho, apontando caminhos e

sugestões referentes às percepções compreendidas durante as entrevistas

analisadas sob a luz da literatura vigente. As propostas não pretendem incorporar o

sentido restrito de uma “cartilha”, muito pelo contrário, elas objetivam assinalar ideias

e diferentes maneiras de se pensar as relações entre visitantes, visitados e os

agentes de mercado – que certamente podem gerar reflexões para próximos

estudos sobre o tema.

O turismo é uma atividade realizada pelos homens em sociedade. Como tal,

tem um importante grau de imprevisibilidade, portanto não podemos generalizar as

relações entre visitantes e visitados nem predizer como elas serão em determinado

momento e lugar. No entanto, durante as entrevistas, muitas situações se repetiram,

em lugares e períodos diferentes, com a mesma dinâmica, ocorrência esta que gera

um alerta para os destinos e comunidade acadêmica. Como foi apontado pelos

entrevistados, situações de exploração financeira acontecem com frequência e são

esperadas pelos viajantes, como se fizessem “parte da experiência total.”

Barreto (2004) aponta que visitantes e população local tem diversos graus de

empatia, dentro de um leque que vai da simpatia até a hostilidade, passando pela

“cordialidade profissionalmente trabalhada”. A tendência parece ser que os

42 Tradução: Parece que todo mundo tem um preço/Eu me pergunto como eles dormem durante a noite/Quando a venda vem em primeiro lugar/E a verdade vem em segundo lugar/Apenas pare por um minuto e /Sorria...

73

relacionamentos entre visitantes e visitados sejam cada vez mais profissionais na

medida em que os serviços turísticos e os próprios moradores se profissionalizam.

Durante as entrevistas realizadas, os viajantes apontaram durante muitos momentos

exatamente isso: que os moradores dos núcleos receptores não se comportam

como anfitriões, “que sua receptividade é profissional” e que “raros são os

momentos que se sentem convidados”. Desta forma, prevalece o fato de que,

“mesmo buscando uma proximidade com a localidade e seus moradores, do ponto

de vista social e cultural, os visitantes sempre serão forasteiros e seu

relacionamento com as populações receptoras sempre será a partir desta condição”.

(BARRETO, 2004)

A literatura existente aponta que o turismo, em sentido amplo, é um fenômeno

social. Mas, em sentido restrito, na perspectiva dos núcleos receptores, é um

negócio. Um negócio que vende algo diferente - prazer, lazer, experiências - mas

que está conduzido pela lógica da sociedade capitalista: a produtividade e a

lucratividade. O grande paradoxo do turismo é que esta atividade coloca em contato

pessoas que não enxergam a si mesmas como pessoas, mas como portadores de

uma função precisa e determinada: uns trazem dinheiro com o qual compram os

serviços do outro. Essa lógica de funcionalidade foi diversas vezes elucidada pelos

entrevistados.

A compreensão da percepção dos viajantes sobre as situações de exploração

financeira vivenciadas permitiu a construção de um panorama geral das relações

comerciais que envolvem experiências de exploração (vide figura 16):

74

Figura 16 - Panorama geral das relações de exploração financeira em viagens Fonte: Elaboração própria (2012)

As entrevistas apontaram que os principais agentes da exploração

financeira pertenciam não somente ao mercado informal - como os vendedores

ambulantes - mas principalmente ao mercado formal de turismo: guias credenciados,

agentes de viagens, taxistas e restaurantes. Além dos casos de exploração

financeira realizadas pelos principais atores com quem realizam somente trocas

comerciais, os entrevistados também destacaram a prática, nomeadas por eles de

“exploração da consciência”, realizada pela comunidade local, utilizando como

PRINCIPAIS "AGENTES DE EXPLORAÇÃO

FINANCEIRA" DOS VIAJANTES

•Mercado informal (vendedores ambulantes)

•Agências de Turismo de Receptivo•Guias de Turismo• Restaurantes•Taxistas•Pedintes/Moradores de Rua

PRINCIPAIS MOTIVOS PARA A OCORRÊNCIA DE

EXPLORAÇÃO

• Diferenças econômicas exarcebadas• Ausência de informações antes do embarque

• Má fé dos comerciantes• Interpretações equivocadas sobre diferenças culturais que geram a sensação de exploração financeira (ex.: barganhas)

PRINCIPAIS FORMAS DE EVITAR

PRÁTICAS DE EXPLORAÇÃO FINANCEIRA

•Obter informações antes do embarque•Trocar informações com outros viajantes•Acessar blogs e sites para saber previamente experiências de outros viajantes que estiveram no destino que deseja conhecer

•Fiscalização

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artifício para a mesma a pobreza e as diferenças sociais.

As entrevistas também apontaram que os principais motivos para a ocorrência

de práticas de exploração financeira são as diferenças econômicas exarcebadas, a

ausência de informações antes do embarque (já que muitos atribuíram à pesquisa

prévia uma forma de “sair ileso” de algumas situações que já ocorreram com outros

viajantes) e a “má fé” dos agentes de mercado e residentes, embebidos pela

máxima de que “turistas/visitantes têm muito dinheiro”.

As entrevistas também apontaram algumas medidas para evitar as práticas

de exploração financeira, como obter informações antes do embarque (evitaria, por

exemplo, o equívoco de alguns viajantes acharem que práticas culturais como a

“barganha” é uma forma de exploração financeira) e a troca de informações com

outros viajantes. Os entrevistados também indicaram a internet como um meio de

informação muito eficaz para se ter acesso a experiências de viajantes através de

relatos em blogs e sites. Estas são ações e posturas que os viajantes podem tomar,

no entanto, outra solução apontada foi o aumento da fiscalização pelos órgãos

competentes.

No entanto, as práticas elucidadas pelos entrevistados para evitar a

exploração financeira representam a meu ver apenas medidas paliativas que

parecem resolver o problema apenas de uma forma imediatista e não em sua origem

de fato. Sugeriria como uma solução eficaz uma política de estruturação e incentivo

ao turismo receptivo, baseada na educação turística. Medidas como estas seriam

capazes de envolver e educar a comunidade local e assim minimizar as práticas de

exploração financeira aos visitantes. A pergunta que este trabalho deixa para

pesquisas futuras é: até quando os destinos negligenciarão práticas como estas?

Apesar das poucas pesquisas sistematizadas a respeito, seria enriquecedor

para a discussão do tema, estudos direcionados para o impacto destas práticas

sobre os destinos visto que, a imagem de cada localidade se faz pelo olhar e

percepção do visitante.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

Apêndice A - Formulário de Direcionamento de Entrevista - Mochileiro

• Nome, idade, escolaridade e destino.

• Porque escolheu fazer um mochilão para este destino?

• Você viajou com alguém? Quem?

• Você buscou informações antes de viajar? Qual(is) meio(s) você utilizou?

• Quando escolheu este destino, o que você esperava dele?

• Existia sinalização turística clara dos pontos de interesse turístico?

• Havia algum lugar que cedia informações turísticas?

• Você encontrava com facilidade mapas ou guias turísticos?

• Existia serviço de agenciamento (agências de turismo) oferecendo passeios e

pacotes no albergue que estava hospedado?

• Você percebeu a presença do mercado informal (vendedores ambulantes,

camelôs, profissionais de turismo amadores, dentre outros)?

• Antes de viajar alguém lhe alertou, ou você leu em algum lugar, sobre a

possibilidade de eventos como este (exploração dos turistas) acontecerem?

Saber desta possibilidade te ajudou? Se sim, cite algum exemplo.

• Você sofreu algum tipo de exploração financeira em sua viagem? Se sim,

conte-me como foi. Se não, estava com alguém que sofreu? Como foi sua

reação e atitude?

• Qual foi a sua percepção do momento em que ocorreu a exploração

financeira? (Como você se sentiu?)

• Após uma experiência como esta como você acha que os agentes de

mercado vêem os visitantes?

• Você acredita que, o modo de como você organiza a viagem influencia na

ocorrência (ou não) de eventos de exploração financeira dos turistas? Em

linhas gerais, você acredita que ser intermediado por uma agência de turismo

aumenta ou diminue o risco de ser explorado financeiramente? Justifique.

• Relembrando suas expectativas iniciais em relação a sua viagem, o que uma

experiência como esta (de exploração financeira) trouxe para sua experiência

final? Você recomendaria o local? Você retornaria? Justifique.

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• O que você acha que poderia ser feito para que situações como estas não

ocorram?

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Apêndice B - Formulário de Direcionamento de Entrevista - Agente de mercado especializado no segmento backpacker

• Nome, idade e escolaridade;

• Há quanto tempo trabalha com turismo?

• O que te motivou a trabalhar com o segmento backpacker?

• Poderia me dizer as principais características do seu público-alvo?

• Quais serviços a sua empresa oferece a estes viajantes?

• Descreva as suas atividades com estes grupos.

• Geralmente, o estilo backpacker de viajar tente a “fugir” da intermediação.

Como você poderia explicar esta procura?

• Como você descreveria, em linhas gerais, a interação entre os visitantes e

a comunidade local?

• Como você acha que a comunidade local vê os viajantes?

• Você já presenciou alguma situação de exploração financeira ao visitante?

Como foi? Você interferiu?

• Como você acha que a intermediação pode ajudar na prevenção de

experiências como estas?

• Em entrevistas anteriores com backpackers, os mesmos apontaram como

um dos “exploradores” os guias de turismo, que, através do sistema de

comissionamento em determinados pontos de interesse turístico,

direcionam os viajantes nem sempre para o melhor local de compras.

Teria como nos explicar estas transações comerciais? Como você acha

que poderíamos encontrar um equilíbrio que não desfavorecesse nem ao

mercado e nem ao viajante?