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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA E OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO FEDERALISMO PRISCILLA CHRISTIANE NUNES Itajaí (SC), Junho/ 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA E OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO FEDERALISMO

PRISCILLA CHRISTIANE NUNES

Itajaí (SC), Junho/ 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA E OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO FEDERALISMO

PRISCILLA CHRISTIANE NUNES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor Paulo Márcio da Cruz

Itajaí (SC), Junho/ 2006

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AGRADECIMENTO

À Deus, em primeiro lugar, o Grande Realizador de todas as coisas e de Quem emana todo o

Poder e Justiça, por proporcionar-me a conclusão de mais uma etapa da vida que se consuma neste

trabalho.

Ao professor Doutor Paulo Márcio da Cruz que, admirável ser humano e interlocutor interessado

em participar de minhas inquietações, com humildade e sabedoria, compartilhando seu

profundo conhecimento nas Ciências Jurídicas, não poupou esforços na orientação do presente

trabalho.

Aos professores do Curso de Direito da UNIVALI pela propagação do conhecimento, valiosa

amizade e inspiração no amadurecimento pessoal e profissional.

A todos aqueles, amigos, conhecidos e até mesmo desconhecidos que de forma direta ou

indireta, contribuíram para a realização do presente trabalho.

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DEDICATÓRIA

Aos meus queridos pais Márcio e Ivone, anjos vigilantes, que com pulso firme moldaram meu

caráter e incansáveis na ternura vibraram a cada degrau superado.

Aos meus irmãos, familiares e amigos de turma por terem acreditado, a cada passo, de que era

possível.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 14 de Junho de 2006

Priscilla Christiane Nunes Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Priscilla Christiane Nunes, sob o

título A Constituição Européia e os Princípios aplicáveis ao Federalismo, foi

submetida em 14 de junho de 2006 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Professor Dr. Paulo Márcio da Cruz (presidente),

Professora MSc. Andrietta Kretz (examinadora), Professor MSc. Clovis Demarchi

(examinador), e aprovada com a nota 9,8 (nove vírgula oito).

Itajaí (SC), 14 de Junho de 2006

Professor Dr. Paulo Márcio da Cruz Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BCE Banco Central Europeu

CE Comunidade Européia

CECA Comunidade Econômica do Carvão e do Aço

CEE Comunidade Econômica Européia

CEEA / EURATOM Comunidade Européia para a Energia Atômica

CEJURPS Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais

ED. Edição

EUA Estados Unidos da América

EUR Euro

EUROPOL Serviço Europeu de Polícia

EUROJUST Serviço Europeu de Justiça

FEDER Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

P. Página

PE Parlamento Europeu

PESC Política Externa e de Segurança Comum

PIB Produto Interno Bruto

SME Sistema Monetário Europeu

TCE Tratado das Comunidades Européias

TUE Tratado da União Européia

UE União Européia

UEM União Econômica e Monetária

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Constituição

Aristóteles explica a Constituição de um Estado como fim especial, o modo de ser

de cada sociedade. [...] Considerada sua lei fundamental, seria, então, a

organização dos seus elementos essenciais; um sistema de normas jurídicas,

escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o

modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os

limites de sua ação, norma definidora dos direitos fundamentais dos indivíduos1.

Democracia

Em sentido formal ou estrito, democracia é um sistema de organização política

em que a direção geral dos interesses coletivos compete à maioria do povo,

segundo convenções e normas jurídicas que assegurem a participação efetiva

dos cidadãos na formação do governo. É o que se traduz na fórmula clássica:

todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. [...] Em sentido

substancial, sobre ser um sistema de governo temporário e eletivo, democracia é

um ambiente, uma ordem constitucional, que se baseia no reconhecimento e na

garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana2.

Direito

É a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de

convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores3.

Estado

[...] O Estado seria equivalente a qualquer forma de organização política. Como

variável desta concepção foi a de que o ‘Estado’ é sinônimo de toda organização

1 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2-3. 2 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 21 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 277. 3 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p.67.

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política fundada e regulada pelo Direito. Onde haveria Direito, haveria Estado. [...]

Não obstante, é possível assinalar alguns elementos comuns deste conceito,

definindo o Estado como a organização territorial de uma comunidade, dotada de

um poder soberano e de um ordenamento jurídico próprio4.

Federalismo

O Estado federal é uma organização formada sob a base de uma repartição de

competências entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a

União tenha supremacia sobre os Estados-membros e estes sejam entidades

dotadas de autonomia constitucional perante a mesma união5.

Globalização

Processo de integração econômica mundial que acontece com a abertura do

comércio internacional. Significa um avanço do capitalismo, um mecanismo que

busca a redução de custos e o aumento da produtividade na fabricação de

mercadorias. Há dois ingredientes fundamentais para a consolidação desse

fenômeno: a queda de barreiras alfandegárias entre os países e a revolução

tecnológica, em particular no campo da informação (computador, telefone,

televisor e internet). A combinação desses fatores provoca drásticas mudanças no

processo produtivo, liderado por empresas transnacionais, e na forma como são

feitos os investimentos mundiais6.

Mercado Comum

O conceito de mercado comum foi utilizado com base na Teoria da Integração

Econômica de B. Balassa (1994) e compreende um estágio evolutivo

intermediário entre o de união aduaneira (livre circulação do comércio, superada a

zona de livre comércio, além da implementação de uma tarifa externa comum) e o

de zona política e econômica (além de um mercado comum, a adoção de um

sistema monetário comum, uma política externa e de defesa comuns). Um

4 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. Curitiba: Juruá, 2002. p. 40-43. 5 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 166. 6 Disponível em: http://www.portalbrasil.net/economia_glossario.htm. Acesso em 25 abr. 2006.

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mercado comum compreende a instauração de quatro ‘liberdades’: livre circulação

de bens e mercadorias, capitais, serviços e pessoas7.

Organização Internacional

Uma organização internacional é, como o nome diz, uma organização de caráter

internacional. Visa a cooperação, a boa vontade de encontrar conjuntamente,

problemas comuns. A personalidade jurídica está na junção voluntária dos

Estados ou demais entes ou sujeitos de direito internacional. Pode ser de dois

tipos: uma organização intergovernamental, formada pela reunião de estados

soberanos, ou uma organização não-governamental (ONG), formada por

membros da sociedade. Em ambos os casos, há exigências legais para seu

reconhecimento como organização internacional. Ex: ONU, IUCN, Mercosul, UE8.

Princípio

Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais

admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por

motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos

exigidos pelas necessidades de pesquisa e da práxis9.

Soberania

A soberania pode ser definida como poder de autodeterminação. É o poder que

tem uma comunidade nacional alçada em Estado, de dizer aos demais Estados

que é senhora do seu destino político, não admitindo qualquer interferência

exterior nos assuntos de seu exclusivo interesse10.

Supranacionalidade

A origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas

soberanas por parte dos Estados nacionais em benefício de um organismo que,

7 CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da Democracia na formação da

União Européia. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 61. 8 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_internacional. Acesso

em 12 abr. 2006. 9 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito, p. 299. 10 SILVA apud CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 51.

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ao fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera acima das

unidades que o compõem, na qualidade de titular absoluto11.

Tratado

Acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito

Internacional, quer inserido num único instrumento, quer em dois ou mais

instrumentos conexos, e qualquer que seja sua designação específica12.

União Européia

A União Européia é uma comunidade de democracias baseadas no

compartilhamento de valores dos direitos humanos, democracia e economia de

mercado. Por exemplo, a União Européia obteve sucesso ao sustentar o bem-

estar e manter uma Europa pacífica em um continente que foi arrasado duas

vezes durante as duas guerras mundiais no século passado. A União Européia

criou um mercado interno de bens, capital e mão-de-obra eficaz13.

11 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2 ed. Curitiba:

Juruá, 2005. p. 76-77. 12 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. São Paulo: LTr, 2000. p. 84. 13 Disponível em: http://www.ambbrasilia.um.dk/br/menu/InfoDenmark/Dinamarca+na+UE/. Acesso

em 10 abr. 2006.

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SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................XIV

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4

DO FEDERALISMO ........................................................................... 4 1.1 GÊNESE E CONCEITUAÇÃO..........................................................................4 1.1.1 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO ESTADO ..............................................................5 1.1.2 ESTADO FEDERADO..........................................................................................6 1.2 CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS ESTRUTURAIS DO FEDERALISMO .10 1.3 TIPOS DE FEDERALISMO ............................................................................16 1.3.1 FEDERALISMO DUAL .......................................................................................18 1.3.2 FEDERALISMO COOPERATIVO ..........................................................................19 1.3.3 FEDERALISMO COMPETITIVO ...........................................................................20 1.3.4 MODELOS DE FEDERALISMO............................................................................21 1.3.4.1 Federalismo nos Estados Unidos da América .....................................21 1.3.4.2 Modelo Confederal ..................................................................................23 1.4 FEDERALISMO E DEMOCRACIA .................................................................25 1.4.1 ORIGEM HISTÓRICA.........................................................................................25 1.4.2 CONCEITO......................................................................................................26 1.4.3 FEDERALISMO E DEMOCRACIA.........................................................................30

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 32

DA UNIÃO EUROPÉIA E SUA CONSTITUIÇÃO............................. 32 2.1 HISTÓRICO ....................................................................................................32 2.1.1 OS TRATADOS E A FORMAÇÃO DAS COMUNIDADES ...........................................34 2.1.1.1 Tratado de Paris ......................................................................................35 2.1.1.2 Tratados de Roma...................................................................................37 2.1.1.3 Tratado de Fusão ....................................................................................38 2.1.1.4 Ato Único Europeu..................................................................................40 2.1.1.5 Tratado da União Européia - Maastricht................................................41 2.1.1.6 Tratado de Amsterdã ..............................................................................43 2.1.1.7 Conselho Europeu de Nice.....................................................................45 2.1.1.8 Conselho Europeu de Copenhague.......................................................48

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2.2 INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS ..................................................................49 2.2.1 PARLAMENTO EUROPEU .................................................................................51 2.2.2 CONSELHO DA UNIÃO EUROPÉIA .....................................................................52 2.2.3 COMISSÃO EUROPÉIA .....................................................................................54 2.2.4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA ....................................................................................55 2.2.5 TRIBUNAL DE CONTAS ....................................................................................55

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 57

DOS PRINCÍPIOS FEDERATIVOS E A CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA......................................................................................................... 57

3.1 O EURO E A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA...................................................57 3.1.1 BANCO CENTRAL EUROPEU ............................................................................60 3.2 SOBERANIA E SUPRANACIONALIDADE....................................................61 3.3 NATUREZA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL EUROPÉIA..............................67 3.3.1 UMA CONSTITUIÇÃO PARA A EUROPA ..............................................................73 3.3.1.1 Estrutura do Tratado Constitucional .....................................................74

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 80

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 86

ANEXO I ........................................................................................... 89

ANEXO II .......................................................................................... 93

ANEXO III ......................................................................................... 96

ANEXO IV......................................................................................... 99

ANEXO V........................................................................................ 106

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RESUMO

A globalização da economia, dos mercados financeiros, do

comércio e de muitos aspectos da vida em sociedade trouxe conseqüências que

de forma alguma poderiam ficar desconhecidas no mundo jurídico. Com a criação

de um Direito único, o processo histórico de formação da Comunidade Européia

carrega em seu bojo a nova dimensão do paradigma da soberania emanada dos

Estados. Entendendo-se que uma Constituição não se legitima pela mera

positivação do poder, mas por estar em consonância com os valores jurídicos

aceitos pela sociedade é que a União Européia, por meio de seu Tratado

Constitucional, tem buscado legitimidade democrática ao seu processo de

integração, estabelecendo de forma clara os objetivos e valores do ente

comunitário e a determinação da responsabilidade e direitos de cada Estado-

Membro e, conseqüentemente, de seus cidadãos. Seguindo a lógica do

crescimento integracionista, mister se faz analisar os efeitos político-jurídicos da

implementação da Constituição Européia e seus desdobramentos na formação de

um modelo de Estado símile ao Federado na própria União Européia, tendo como

pressupostos aqueles mesmos princípios caracterizadores desta forma de

governo frente à necessidade de harmonizar os interesses nacionais dos países

do Velho Continente àqueles supranacionais.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como finalidade aprofundar os

conhecimentos sobre a Constituição Européia e os Princípios aplicáveis ao

Federalismo.

Tem como objetivo institucional: produzir uma Monografia

para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí

– UNIVALI; geral: analisar, com base, principalmente, na doutrina e legislação

pertinente aos Tratados Europeus a natureza da Constituição Européia, do ponto

de vista jurídico de organização internacional fruto do processo integracionista;

específico: verificar os efeitos político-jurídicos da implementação da Constituição

Européia e seus desdobramentos na formação de um modelo de Estado símile ao

Federado na própria União Européia, tendo como pressupostos aqueles mesmos

princípios caracterizadores desta forma de governo frente à necessidade de

harmonizar os interesses nacionais dos países do Velho Continente àqueles

supranacionais.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando de

apresentar a gênese e os conceitos próprios de Estado como forma visível de

Poder e organização da sociedade, analisando-se as diferentes formas em que

seu aparato burocrático se apresenta, de modo particular aquele Federado, e sua

relação intrínseca com a democracia, sendo dela o produto materializado.

No capítulo 2, faz-se um estudo geral sobre a concepção da

União Européia, ligando a formação de suas comunidades à série de Tratados

firmados entre os países europeus ao longo dos mais de 50 anos de evolução do

processo de integração político e econômico. Analisa-se aqui, também, o

funcionamento da União por meio de suas instituições comunitárias e os órgãos

decisórios.

O capítulo 3, perpassando o fenômeno da integração

econômica que culminou na adoção da moeda única européia, traça uma análise

sobre a natureza jurídico-constitucional da União Européia, confrontando seu

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Tratado Constitucional aos princípios aplicáveis ao Federalismo, levando em

consideração temas como a soberania dos Estados e a supranacionalidade

proveniente do ente comunitário.

O Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados argumentos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o

futuro para a Europa diante da iminência da ratificação de seu Tratado

Constitucional.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

�� Tratando-se o Federalismo de uma forma de Estado que permitiria a união dos Entes Federados e, ou Estados Federados, seria certo dizer que este proporcionaria à União dos Estados Europeus os principais meios para que se desenvolva a Democracia ou um Estado Democrático de Direito, quais seriam: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o desenvolvimento e a igualdade, na promoção da justiça e dos valores supremos da sociedade. Sistematizando em um só texto constitucional os Tratados da Comunidade Européia e da União Européia, poderiam ser aperfeiçoadas as suas instituições para melhor integrar os Estados-Membros e os seus cidadãos;

�� Diante da União Européia, a ratificação e efetivação de uma Constituição comum, em nada poderia vir a ferir a Soberania Nacional de seus Membros, uma vez que esta pretenderia tão somente regular as questões inerentes à própria Comunidade, seus princípios, direitos e garantias fundamentais dos Estados-Membros entre si e com os próprios cidadãos europeus, fonte de onde emana todo o poder e justifica a própria existência do Estado como tal;

��Regulando as questões pertinentes à integração econômica, política, social e cultural, bem como jurídica dos povos europeus, a Constituição para a Europa, simplificando e atualizando, em um só texto, os Tratados da Comunidade Européia estabeleceria, em última instância, a formação de

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3

um modelo perfeito, em teoria, de um Estado Federado, na integralização de seus princípios e ideais.�

Com relação à Metodologia empregada, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso ao final é redigido

com base na lógica Indutiva.�

Nas diversas fases da Pesquisa que se consuma neste

trabalho, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito

Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Visto que a Constituição Européia encontra-se ainda em

fase de ratificação pelos Estados que integram a União, a insuficiência de

entendimentos doutrinários incitou-nos a valer-nos das escassas obras nacionais

que tratam do Direito Comunitário e daquelas internacionais que discorrem sobre

o tema, mas, de forma imprescindível, dos órgãos oficiais e instituições da própria

Comunidade para a realização da presente Monografia.

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4

CAPÍTULO 1

DO FEDERALISMO

1.1 GÊNESE E CONCEITUAÇÃO

Desde a antiguidade, sentiu o homem a necessidade de

socializar-se. Conseqüência da formação do núcleo familiar, necessidade de se

garantir a sobrevivência, ou ainda forma de estabelecer medidas mais eficazes de

segurança contra outros grupos ou indivíduos isolados, o fato é que, em um dado

momento da história, o homem deixou de viver sozinho e passou a viver em

comunidade, confundindo-se o surgimento da sociedade com a própria evolução

da espécie humana.

Ranelletti14 explica que, “onde quer que se observe o

homem, seja qual for a época, [...] o homem sempre é encontrado em estado de

convivência e combinação com os outros, por mais rude e selvagem que possa

ser na sua origem”.

Do surgimento dessas comunidades e “tornando-se os

homens responsáveis não só pela sobrevivência pessoal, mas também pela

resolução dos problemas que permitissem a manutenção e a sobrevivência do

grupo social, [...] trata-se do aparecimento do político15”, a sociedade humana foi

evoluindo na forma de se organizar e lidar com as necessidades grupais. Desta

maneira, quando vários grupos de cidadãos livres, com diferentes línguas,

religiões ou normas culturais escolhem viver sob um quadro organizacional

acordado, esperando um certo grau de autonomia local e as mesmas

oportunidades econômicas e sociais, diz-se que, desta união política, constitui-se

o que se chama de Estado. 14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva,

2005. p. 11. 15 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. atual. São Paulo: Saraiva,

2001. p. 3-4.

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5

1.1.1 Surgimento e evolução do Estado

Entendido como uma forma específica da sociedade política,

o Estado é o resultado de uma longa evolução na maneira de organização do

poder, como bem explica Bastos16, que vai desde a Polis grega, ao Império

Romano e a pluralidade dos centros da Idade Média, até chegar aos dias de hoje

no Estado Moderno, surgido por volta do século XVI.

Dentro deste contexto, fala-se em duas matrizes

conformadoras da realidade política, o Estado-Governo e o Estado-Sociedade.

Um Estado que se equipara ao aparato burocrático que realiza o poder supremo e

aquele que se manifesta no complexo organizativo de quem o próprio poder

estatal aure sua existência, determinando-lhe o sentido, o alcance e as diretrizes.

Ensina Miranda17:

Falar em Estado equivale, portanto, a falar em comunidade e em poder organizado ou, doutro prisma, em organização da comunidade e do poder, equivale a falar em comunidade ao serviço da qual está o poder, em poder conformador da comunidade e em organização que imprime caráter e garantias de perdurabilidade a uma e outro.

Assim como os vários grupos políticos existentes na

antiguidade necessitaram criar uma maneira de se organizarem socialmente,

Cruz18 entende que também a forma de organização territorial do poder dentro

dos Estados dá-se de forma distinta, a saber, entre Estados Centralizados e

Estados Descentralizados politicamente. Como ilustram Araújo e Nunes Junior19,

“as formas de Estado referem-se à projeção do poder dentro da esfera territorial,

tomando como critério a existência, a intensidade e o conteúdo de

descentralização político-administrativa de cada um”.

16 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 5. 17 MIRANDA apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 6. 18 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 213. 19 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional, p. 158.

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6

O Estado Centralizado, como seu próprio nome define, é

caracterizado pela centralização política, no qual existe um único pólo

constitucionalmente capacitado a produzir, com autonomia, normas jurídicas. É o

Estado Unitário, onde há “um único centro de irradiação legislativa a abranger as

relações humanas na área onde atua a soberania estatal20”.

Cabe aqui, no entanto, discutir-se tão somente a forma de

descentralização do Estado, que vem a ser aquela que pressupõe um grau mais

elevado de autonomia política e administrativa.

No entendimento de Cruz21:

Existe descentralização política quando as entidades regionais e locais integradas no Estado não só podem executar, com governo e administração própria, mas também elaborar, elas mesmas, suas próprias leis, com a mesma capacidade normativa e força vinculante das leis estatais centrais.

Desta feita, como lembra Dallari22, a descentralização

política tem sido individualizada como aquela em que se dá a multiplicação de

comandos, onde existe uma multiplicidade de centros de poder, sem relação

hierárquica, do qual o Estado Federado é justamente o caso.

1.1.2 Estado Federado

Do latim foedus, foederis, que significa exatamente pacto,

união, associação, Federação é o nome atribuído à união de diferentes Estados

em torno de uma administração única.

É uma forma de Estado, baseada em um certo modo de

distribuir e exercer o poder político numa sociedade, sobre um determinado

território, que resulta da necessidade de preservar a diversidade de culturas ou da

constatação das origens diferenciadas da história e das tradições políticas dos

20 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional, p. 158. 21 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 222. 22 DALLARI apud CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 222.

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Estados-Membros, em outras palavras, é um “Estado de Estados” como bem o

define Lima23.

Nascido de vontades parciais, do vínculo de partes

autônomas, a forma federativa de Estado consiste essencialmente na

descentralização política.

Para Baracho24, “a idéia federal é apontada nas sociedades

políticas mais antigas”, apesar de o Estado Federal, como conceito ou forma de

organização, no entender de muitos, só tenha surgido com a Constituição

Americana de 1787.

Assim explica Maluf25:

As treze colônias que rejeitaram a dominação britânica em 1776 constituíram-se em outros tantos Estados livres. E sustentando a luta pela sua independência, ante a reação da Inglaterra, uniram-se, em prol da defesa comum, sob a forma contratual da Confederação de Estados, em 1781, visando ao fortalecimento da defesa comum. […] Discutidos amplamente os problemas sociais, jurídicos, econômicos, militares, políticos e diplomáticos, de interesse comum, durante noventa dias, na Convenção de Filadélfia, decidiram os convencionais, sob a presidência de George Washington, transformar a Confederação em uma forma de união mais íntima e definitiva. Enfrentados os problemas comuns à luz da realidade, concertaram-se as soluções que o bom-senso indicava diante das vicissitudes do momento histórico, e, afinal, os resultados da Convenção foram consubstanciados na Constituição Federal de 1787.

De maneira conclusiva, Bastos26 também liga, textualmente,

o surgimento do Estado Federado à união das antigas colônias inglesas na

América do Norte, a saber:

23 LIMA apud MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 165. 24 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense,

1986. p. 11. 25 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 167-168. 26 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 162.

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A idéia moderna de Federação surge em 1787, na Convenção de Philadelphia, onde as treze ex-colônias inglesas resolveram dispor de parcela de suas soberanias, tornando-se autônomas, e constituir um novo Estado, este sim soberano. Assim, a constituição de 1787, que deu surgimento aos Estados Unidos da América, criou também uma nova forma de Estado, o federativo.

Araújo e Nunes Junior27 melhor explicam este acontecimento

descrevendo que o primeiro objetivo dos convencionais era o estabelecimento de

um novo nível de relacionamento entre os Estados, “permitindo uma direção

unificante, sem que com isso ficassem desfiguradas a independência e a

individualidade de cada um deles”.

Desta maneira, o pacto federativo norte-americano implicou

a renúncia da soberania que era própria a cada um dos Estados e “promoveu um

verdadeiro ‘suicídio de Estados’, criando a possibilidade de que, dotados tão

somente de autonomia, pudessem formar um novo e único Estado, o Estado

Federal28”.

Porém, a idéia de federalismo é bem mais antiga. A atingir

grandes escalas, a forma pela qual o poder é exercido sempre se apresentou

como um problema na organização das comunidades políticas, já que, para que

atinja plena eficácia em toda a extensão de seu território, um governo deve adotar

alguma forma de descentralização.

Até mesmo a Europa, em sua evolução política e no

descortinar de sua história, vislumbrou no modelo federado a maneira de

perpetuar suas características. Desde a Grécia antiga existiam estruturas que se

baseavam em princípios federais.

Ao tratar disto, assim registra Baracho29:

27 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional, p. 159-160. 28 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional, p. 160. 29 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 11.

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A Grécia antiga demonstrou, também, o desejo de uma unidade mais estreita, em razão da intensa solidariedade espiritual, mas, ainda, por condições políticas e econômicas. Esta tendência é apontada através da procura de outras formas de unidade ali experimentadas. Péricles ensaiou criar uma união integrada de todas as cidades gregas.

Passagens como esta se multiplicam em toda a doutrina,

como o demonstra Bastos30, explicando:

Mesmo as Cidades-Estados na Grécia antiga se valeram, ainda que em escala reduzida, desse recurso. Não houve necessidade de exercitá-lo com mais intensidade em razão das exíguas dimensões territoriais dessas organizações políticas. O problema torna-se mais agudo quando surgem na Europa os Estados modernos, resultado da concentração de todo o poder nas mãos do monarca. Essas comunidades abrangiam grandes territórios; daí a necessidade de o poder régio fazer-se representar junto às comunidades locais e regionais através de prepostos. Mas o caráter absoluto do regime impunha limites severos à descentralização.

Contudo, todos estes ensaios de federalismo mostraram-se

instáveis e passageiros. Maluf31 mesmo explica que “os exemplos históricos foram

experiências de descentralização administrativa, não de descentralização política,

que é característica primacial do aparelho federativo”. Assim, a autonomia

administrativa das unidades federadas nada mais é do que implicação lógica da

autonomia política de direito público interno, mesmo porque o modelo federativo

originário da experiência norte-americana de relacionamento entre as vontades

parciais e a vontade central, ao mesclar-se à realidade política, social, econômica

e cultural de cada país, sofreu também alterações.

Conclui Bastos32:

30 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. reform. de acordo com a

Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 250. 31 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 166. 32 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 250.

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Só em 1787, quando os treze Estados confederados americanos se fundiram – se assim podemos dizer – no primeiro Estado federal, é que a descentralização do poder irá verdadeiramente florescer. Isso porque na federação as autonomias regionais são elevadas ao mais alto grau de importância, conferindo-se-lhes amplos poderes. Elas passam a denominar-se Estados, à semelhança do que acontece com a própria organização central da qual fazem parte integrante.

O federalismo é assim considerado, deste modo, como a

fórmula de descentralização política do estado mais difundida atualmente. É a

configuração da distribuição do poder, tomado este em seu significado

constitucional. Como observa por fim Maluf33 ao citar o distinto Prof. Pinto

Ferreira, da Universidade de Recife:

O Estado federal é uma organização formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e os governos estaduais, de sorte que a União tenha supremacia sobre os Estados-membros e estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma união.

1.2 CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS ESTRUTURAIS DO FEDERALISMO

Mesmo que em sua evolução histórica o federalismo tenha

sofrido alterações ao interagir com a realidade política, social, econômica e

cultural dos países, Araújo e Nunes Junior34 referem-se à possibilidade de

elaboração de um quadro de características comuns das diversas Federações,

resultando num modelo básico de Estado Federal. Assim expõem:

O Estado Federal nasce do vínculo de partes autônomas, de vontades parciais. Com essa associação de partes autônomas nascem simultaneamente uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, e diversas entidades representativas das vontades parcelares. Todas essas entidades são dotadas de autonomia e possuem o mesmo patamar hierárquico no bojo da Federação. Essa observação preliminar necessária advertirá que

33 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 166. 34 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito

Constitucional, p. 160-168.

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reside nesse relacionamento entre vontades parciais e vontade central o cerne do Estado Federal. Tanto a manutenção dessa autonomia como o exercício dela serão objeto do acordo federalista, que, ao menos, deve vir vazado nas cláusulas a seguir expostas. [...] repartição constitucional de competências e rendas, [...] possibilidade de auto-organização por uma Constituição própria, [...] rigidez constitucional, [...] indissolubilidade do vínculo, [...] participação da vontade das ordens parciais na elaboração da norma geral, [...] existência de um tribunal constitucional, [...] intervenção federal nos Estados.

Porém, “é curioso notar como certas características

fundamentais da federação não se alteram com o tempo e continuam até hoje a

refletir fielmente as preocupações com que se houveram os constituintes da

Filadélfia35”. Continua o ilustre autor a elucidar o tema explicando que, desta feita,

embora nem todas as federações adotem as mesmas técnicas ou as dosem

segundo suas próprias características, elemento indispensável a toda e qualquer

federação é a técnica de partilha de competências, já citada por Araújo e Nunes

Junior, ou seja, as competências enunciadas e as competências remanescentes.

Como decorrência dessa primeira característica, é natural

que se deva ser assegurado o funcionamento normal dessa partilha de

competências, mesmo porque para que o disposto na Constituição, elemento

objetivo da organização dos Estados, não se torne, na prática, letra morta. Para

tanto, recorreu-se ao fortalecimento de um segundo elemento indispensável a

toda federação, o Poder Judiciário. Neste sentido, continua Bastos36 ao elencar o

rol de características ou de princípios estruturais do federalismo:

[...] De nada adiantaria preocupar-se em repartir as competências entre União e Estados, se não houvesse um órgão em condições de superiormente dirimir os conflitos entre ambos. Daí porque, desde o início, como exemplo, ter o Poder Judiciário americano desfrutado de um grande prestígio na vida nacional.

35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 253. 36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 253-254.

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Depreende-se das duas características enumeradas por

Bastos, uma terceira relativa a toda federação, a necessidade de um Texto

Constitucional como fonte e elemento de estabilidade para a repartição e

manutenção da partilha inicial de competências e onde estejam definidas

instituições como o Poder Judiciário.

Derivada do Poder Constituinte que se caracteriza, de modo

geral, como “a expressão máxima da soberania nacional se concebido como

elemento fundamental para criação do Estado37”, na Constituição estão definidos

os valores e princípios básicos da comunidade política, bem como a divisão ou

repartição dos diversos poderes do Estado.

Lei fundamental, norma das normas, afirma Canotilho38:

É communis opinio da doutrina que a uma lei fundamental pertence determinar vinculativamente as competências dos órgãos de soberania e as formas e processos do exercício do poder. Desde as constituições liberais dos finais do século XVIII e princípios do século XIX, que os documentos constitucionais estabelecem a modelação da estrutura organizatória dos poderes públicos ([...] parte orgânica da constituição).

Ainda tratando das características principais do federalismo,

Schwartz39, professor de Direito da Universidade de Nova York, assim as

enumera:

�� A união de certas entidades políticas autônomas (os Estados) para finalidades comuns;

�� A divisão dos poderes legislativos entre o governo federal e os Estados componentes, divisão regida pelo princípio de que o primeiro é um “Governo de poderes enumerados”, enquanto os últimos são governos de “poderes residuais”;

�� A operação direta, na maior parte, de cada um desses centros de governo, dentro de sua esfera específica, sobre

37 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 57. 38 CANOTILHO apud CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p 80. 39 SCHWARTZ apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 253-254.

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todas as pessoas e propriedades compreendidas nos seus limites territoriais;

�� A provisão de cada centro com o completo aparelhamento de execução da lei, quer por parte do Executivo, quer do Judiciário;

�� A supremacia do governo federal, dentro de sua esfera específica, sobre qualquer ponto discutível, do poder estadual.

Ainda para Schwartz40, a grande influência sobre o

federalismo é exercida pelo “que é o traço mais característico do sistema

americano – a imposição dos princípios do federalismo pelo Judiciário. Um Estado

federal é, necessariamente, um Estado legal par excellence”.

No entanto, para Bastos41, o cerne do Estado federado é a

“divisão de poderes entre o Estado central e os Estados-Membros”.

Segundo o autor42, o princípio federalista está no fato de ser

a Federação “a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder,

preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem”, e assim, elenca

inúmeras características da Federação, sendo, dentre elas, as mais importantes:

�� Uma descentralização político-administrativa constitucionalmente prevista;

�� Uma Constituição rígida que não permita a alteração da repartição de competências por intermédio de legislação ordinária. Se assim fosse possível, estaríamos num Estado unitário, politicamente descentralizado;

�� Existência de um órgão (Senado) que dite a vontade dos membros da Federação;

�� Autonomia financeira, constitucionalmente prevista, para que os entes federados não fiquem na dependência do Poder Central;

40 SCHWARTZ apud CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua

temática atual. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3249. Acesso em 29 set. 2005.

41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 254. 42 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 163.

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�� A existência de um órgão constitucional encarregado do controle da constitucionalidade das leis, para que não haja invasão de competências.

Por sua vez, partindo ainda do modelo norte-americano,

Maluf43 enumera os seguintes princípios norteadores da forma federativa de

Estado:

�� Distribuição do poder de governo em dois planos harmônicos: federal e provincial (ou central e local). O governo federal exerce todos os poderes que expressamente lhe foram reservados na Constituição Federal, poderes esses que dizem respeito às relações internacionais da união ou aos interesses comuns das unidades federadas. Os Estados-Membros exercem todos os poderes que não foram expressa ou implicitamente reservados à União, e que lhes não foram vedados na Constituição Federal. Somente nos casos definidos de poderes concorrentes, prevalece o princípio da superioridade hierárquica do Governo Federal.

�� Sistema judiciarista, consistente na maior amplitude de competência do Poder Judiciário, tendo este, na sua cúpula, um Supremo Tribunal Federal, que é órgão de equilíbrio federativo e de segurança da ordem constitucional.

�� Composição bicameral o Poder legislativo, realizando-se a representação nacional na Câmara dos Deputados e a representação dos Estados-Membros no Senado, sendo esta última representação rigorosamente igualitária.

�� Constância dos princípios fundamentais da Federação e da República, sob as garantias da imutabilidade desses princípios, da rigidez constitucional e do instituto da intervenção federal.

Trazemos ainda o entendimento de Kelsen44 quando explica

cada princípio característico do Federalismo:

O Estado Federal caracteriza-se pelo fato de que o Estado componente possui certa medida de autonomia constitucional, ou

43 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 167. 44 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3 ed.

São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 453-455.

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seja, de que o órgão legislativo de cada Estado componente tem competência em matérias referentes à constituição dessa comunidade, de modo que modificações nas constituições dos Estados componentes podem ser efetuadas por estatutos dos próprios Estados componentes. [...] Porém, a constituição da federação, a “constituição federal” é, simultaneamente, a constituição do Estado federal inteiro. [...] A centralização no Estado federal, ou seja, o fato de que uma porção considerável das normas da ordem jurídica total é válida para a extensão inteira da federação é limitada pelo fato de que o órgão criador de Direito central compõe-se de uma maneira especialmente típica do Estado federal. Ele tem duas casas: os membros de uma são eleitos diretamente por todo o povo do Estado federal; trata-se da chamada Casa dos Representantes, ou Câmara dos Deputados, e também Casa Popular. A segunda câmara é composta de indivíduos escolhidos pelo povo ou pelo órgão legislativo de cada Estado. Eles são considerados representantes desses Estados componentes. Esta segunda câmara tem o nome de Casa dos Estados ou Senado.

Desta última característica apontada por Kelsen deve-se

entender como pressuposto de descentralização dos Estados federados a

composição do Senado, ou seja, permitindo que cada Estado-Membro seja

representado igualmente em número, sem levar em conta a extensão de seu

território ou o número de seus habitantes, é permitido, aos Estados componentes

como tais, de maneira igual tomarem parte do processo central de legislação.

Para este último, ainda, “no Estado federal não apenas a

competência legislativa é dividida entre a federação e os Estados componentes,

mas também a competência judiciária e administrativa45”. Ao seguir adiante em

suas considerações, o autor46 ainda enumera mais uma característica:

Elemento característico de um Estado federal é a cidadania federal, mesmo que cada Estado componente também tenha a sua cidadania de Estado. Se este é o caso, então cada indivíduo é cidadão de um determinado Estado, alem de cidadão da

45 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 456. 46 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 458.

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federação; e devem ser estabelecidas cláusulas que regulamente as relações entre as duas instituições.

Por fim, para análise do federalismo, Maurice Croisat47

relaciona três princípios norteadores de uma federação, a saber:

Segundo o princípio da separação, a constituição da República deve ter normas precisas sobre a repartição de competências legislativas entre os níveis de governo. Em geral, a divisão de competências resulta de dois critérios: o da distinção entre as matérias de interesse nacional e local e das atividades de interesse inter e intra local. Conforme o princípio da autonomia, cada nível de governo é autônomo no seu âmbito de competência. Em conseqüência, um nível de governo não pode exercer sobre o outro nenhum controle hierárquico ou direito de tutela. De acordo com o princípio da participação, os Estados-Membros devem estar representados e participar das decisões federais. Em geral, esta representação se faz pelo bicameralismo federal, em que a segunda câmara representa todos os entes federados, de forma mais ou menos igualitária.

1.3 TIPOS DE FEDERALISMO

Aponta Baracho48 em seus escritos, que “a multiplicidade

dos Estados Federais dificulta uma classificação que pudesse apresentar pontos

comuns que os colocasse dentro de determinada tipologia”. Prélot49 afirma que:

[...] o Estado federal cobre a maior parte do mundo. Nessas diversas latitudes, no seio de antigos e novos Estados, os princípios de autonomia e de participação não procedem de acordo com as mesmas características. Essas experiências federativas engendram grande diversidade de soluções, que demonstram a capacidade de adaptação das fórmulas federativas.

47 CROISAT apud CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua temática

atual. 48 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 147. 49 PRÉLOT apud BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 147.

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Assim, foram criados diversos tipos de federalismo, na

tentativa de exemplificar, de várias formas, as relações entre governo central e

unidades periféricas.

Para Badía50, as proposições federalistas podem classificar-

se doutrinariamente através de duas tendências aparentemente divergentes e

conflitivas:

[...] aquelas que fomentam o federalismo interno, atacando o Estado unitário e favorecendo o desenvolvimento de grupos inferiores; e as que desenvolvem o federalismo a nível internacional, criticam o Estado, principalmente o soberano, em benefício das comunidades mais amplas.

Continua explicando Baracho51 que:

Mostra Duverger que a supremacia do Estado sofre algumas contestações, devido ao desenvolvimento de mecanismos internacionais, que tendem a transformar a era dos Estados em época de Federações. O publicista francês desenvolveu uma teoria, antítese da teoria da soberania do Estado. Esta teoria federalista apresenta diversas formas:

�� O federalismo interno local – Este federalismo tende, em princípio, conferir o máximo de autonomia, no interior do Estado, às comunidades locais mais reduzidas: municípios, departamentos, regiões, províncias. Trata-se do federalismo interno; quando esta autonomia é limitada, fala-se em descentralização. Quando ocorrem verdadeiros Estados autônomos, no interior do Estado nacional, deparamos com o autêntico federalismo.

�� O federalismo corporativo – O federalismo interno pode desenvolver-se no plano econômico e corporativo, por meio da organização autônoma das empresas, profissões, universidades, organizações e associações, etc.

�� O federalismo internacional não afeta a organização interior dos Estados, mas as relações deles entre si. Procura-se

50 BADÍA apud BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 145. 51 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 145.

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agrupar os Estados nacionais em comunidades mais amplas e até em uma só comunidade mundial

Pode-se notar, ainda, um tipo diverso de classificação dado

por Jeanneau52, baseado em vista das funções que o modelo federativo pode

cumprir. O autor apresenta dois modelos. São eles:

�� Aquele utilizado para preservar a unidade onde existia a diversidade. É o “federalismo por associação”. Exemplifica com os Estados Unidos, a Suíça e a Comunidade Européia, que se constituíram dessa maneira;

�� É escolhido para introduzir certa diversidade em um conjunto em que ela não tinha campo para efetivar-se suficientemente. É o “federalismo por dissociação”. Essa experiência é apontada nos antigos impérios coloniais como a União Holanda-Indonésia e Comunidade franco-africana.

Apesar de todos os tipos apresentados, Baracho53 entende

que “toda classificação científica das estruturas federais deve basear-se no

‘vínculo’ que existe entre os Estados-Membros e a Federação”.

É fundamental que se compreenda a dinâmica e que se

identifiquem as variáveis que interferem nesse processo de classificação, em

detrimento da mera descrição de modelos ideais e abstratos.

Usualmente, costuma-se tipificar o Federalismo por meio de

três modelos: o dual, o cooperativo e o competitivo.

1.3.1 Federalismo Dual

Bernard Schwartz54 explica em que consiste a doutrina do

federalismo dualista:

De acordo com ela, tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais tinham destinado a eles uma área de poder rigidamente

52JEANNEAU apud BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 145. 53 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 146. 54 SCHWARTZ apud CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua

temática atual.

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definida. Nesta visão, o equilíbrio apropriado necessário ao funcionamento do sistema federal é assegurado e mantido pela estrita demarcação da autoridade federal e estadual. Os estados e a Nação são concebidos como rivais iguais e, a menos que haja uma delimitação rígida de suas respectivas competências, teme-se que a própria União sofra uma ruptura em decorrência de sua rivalidade. Isto é verdadeiro especialmente no que se refere à expansão da autoridade federal. Os poderes reservados aos estados precisam ser preservados zelosamente para não serem tragados pelo governo de Washington. [...] O governo central é investido de certos governos expressos e toda a autoridade restante é reservada aos estados.

Este tipo de federalismo apareceu nos Estados Unidos até

por volta de 1929 quando foi alterado para o chamado Federalismo Cooperativo,

em razão da política do New Deal, como ficou conhecida a intervenção do Estado

na economia, durante o governo Roosevelt, com o objetivo de superar a

depressão econômica na crise que o país enfrentava.

1.3.2 Federalismo Cooperativo

O federalismo cooperativo ou intergovernamental é aquele

que resulta da realização de acordos entre os governos para a aplicação de

programas e financiamentos conjuntos.

No federalismo cooperativo, há uma alteração dos poderes

de decisão nos níveis de governo em benefício de um mecanismo, complexo e

formalizado, de negociação e acordo intergovernamental.

Assim explica Caffarate55:

Com o federalismo cooperativo há uma alteração no conceito de autonomia, que passa a se medir menos pelas disposições jurídicas e pela defesa das barreiras constitucionais e mais pela capacidade de influência tanto no âmbito das negociações entre todos os entes da federação, como nas comissões freqüentemente consuetudinárias e segundo procedimentos que devem assegurar a igualdade entre os entes representados. Para

55 CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua temática atual.

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um governo federado, a defesa da autonomia passa a depender de sua capacidade de negociação nos âmbitos que considera prioritários. Os atores mais influentes serão aqueles que possuírem a maior variedade de informação e que puderem se comunicar de forma simples com os demais atores.

Ainda suscetível a fases de centralização e

descentralização, este tipo não constitui uma fase definitiva na história do

federalismo, mesmo porque ainda não consegue excluir os conflitos de

competência, as concorrências ou a multiplicação de atividades entre os entes da

federação.

1.3.3 Federalismo Competitivo

Forti56 assim explica:

No modelo competitivo, ao contrário, a cooperação existe só sobre certos temas e, sobre outros, existe a liberdade de competição. Neste modelo, a câmera dos Estados não é expressão dos governos, mas do povo, sobre base de igualdade pelo Estado. Por exemplo, dois representantes por Estado, como nos Estados Unidos da América e Suíça. Não existe uma regra para definir, à priori, sobre quais temas seja melhor cooperar e sobre quais a competição leva a resultados melhores, mas é fato que se assiste a uma substancial competição na economia (e, por isso, também fiscal) e a uma substancial cooperação em todos os outros temas. Ao modelo competitivo se associa um sistema fiscal que é financeiramente essencialmente separado. [...] A política econômica é feita do Estado-Membro em máxima autonomia e o mesmo vale para a política fiscal, o que implica um certo risco de competição desleal. Impostos, preços e salários, também os salários públicos, são diferentes de lugar em lugar. O nivelamento horizontal é feito de pequenos sistemas (como na Suíça), mas principalmente da ação federal, igual para todos57.

56 FORTI, Francesco Paolo. Progetto Italia Federale: modelli di Federalismo e scelte per l’Italia.

Disponível em: http://www.progettoitaliafederale.it/approfondimento1.html. Acesso em 29 set. 2005.

57 Tradução livre. Texto original: “Nel modello competitivo invece la cooperazione avviene solo su certi temi e su altri c'è libertà di competizione. In questo modello la camera degli Stati non è espressione dei governi ma del popolo, su base paritetica per Stato. Ad esempio due rappresentanti per Stato, come un USA e Svizzera. Non esiste una regola per definire a priori su

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1.3.4 Modelos de Federalismo

São inúmeros os autores que procuram apontar os

elementos que definem os Estados federais para, a partir daí, apreciadas as

particularidades e aplicação dos princípios e características do modelo federativo

em cada um deles, delimitar uma tipologia que fosse, no dizer de Baracho58, um

“espelho da realidade do federalismo contemporâneo”.

Tratar-se, a seguir, de algumas particularidades do modelo

federativo nos Estados Unidos da América, forma originária do federalismo

moderno, e do modelo confederal.

1.3.4.1 Federalismo nos Estados Unidos da América

Segundo Baracho59, “com Alexandre Hamilton, aceita-se que

foram os americanos os inventores de um novo tipo de Estado que surgiu no fim

do século XVIII, o Estado federal”.

Depreende-se da análise do federalismo americano, como

dos demais temas do constitucionalismo daquele país, ser a Constituição a última

fonte de seus valores políticos. No entanto, “na elaboração da teoria do

federalismo, as relações entre o governo federal com os Estados membros,

devido o texto constitucional, apresentam dúvidas60”.

Continua o autor61:

Para muitos, a Constituição é ambígua no que toca às relações do Governo Federal com os Estados e dos Estados entre si. Dentro

quali temi sia meglio cooperare e su quali la competizione porti a risultati migliori ma sta di fatto che si assiste ad una sostanziale competizione in economia (e quindi anche fiscale) e ad una sostanziale cooperazione in tutti gli altri temi. Al modello competitivo si associa un sistema fiscale che è a finanze essenzialmente separate. [...]La politica economica è fatta dallo Stato membro in massima autonomia e lo stesso vale per la politica fiscale, il che implica un certo rischio di competizione scorretta. Imposte, prezzi e salari, anche i salari pubblici, sono diversi di luogo in luogo. Il livellamento orizzontale è fatto da piccoli sistemi (come in Svizzera) ma principalmente dalla azione federale, uguale per tutti”.

58 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 149. 59 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 150. 60 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 150. 61 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 151.

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dessa maneira de entendimento, a Suprema Corte transforma-se no árbitro de suas controvérsias. [...] em vários casos a Corte Suprema não tinha lei nem precedentes para decidir sobre qual o melhor caminho ou mesmo justificar o seu posicionamento. Cardozo no caso “New Jersey V. Delaware” mostra como viu-se obrigado a estudar vários documentos antigos e interpretá-los à luz do Common Law, sem encontrar fontes, pelo que ia buscar luzes no Direito Internacional, através de decisões da Corte e os textos de autoridades reconhecidas, sem encontrar qualquer regra de direito positivo aplicável.

O primeiro parágrafo da Resolução de Kentucky, redigido

por Thomas Jefferson62, afirma:

Que os diversos Estados que compõem os Estados Unidos da América não estão unidos pelo princípio da submissão limitada a seu governo geral. Apenas por convenção, debaixo do estilo e título de uma Constituição para os Estados Unidos e as suas Emendas à mesma, fixou-se um governo geral com propósitos especiais, delegando a esse governo certos poderes determinados, reservando a cada Estado para si mesmo o resíduo dos direitos para seu próprio governo. Quando o governo central assume poderes não delegados, suas leis carecem de autoridade, são nulas e sem força legal. Cada Estado surge como Estado e como parte integrante.

Apresentando todas as características do federalismo já

elencadas neste presente trabalho, o federalismo nos Estados Unidos tem

passado por inúmeras modificações ao longo dos anos, pelo que se chega “a falar

na possibilidade de se determinar e enumerar quarenta e quatro tipos diversos63”

de federalismo.

Ainda complementa este pensamento Cruz64:

No modelo norte-americano, o Governo Federal executa as leis federais e os tribunais controlam os conflitos acerca desta execução, enquanto os governos estaduais executam as leis dos

62 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 152. 63 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo, p. 160-161. 64 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 227.

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Estados federados, sob a supervisão dos juízes e tribunais estaduais.

1.3.4.2 Modelo Confederal

Manifestação típica do Direito Internacional, a confederação

aparece como uma aliança de Estados, diferente do modelo do Estado federal.

Ensina Cruz65:

O modelo confederal – ou a confederação – mostra-se como um fenômeno diferente do estado politicamente descentralizado, como é o federal ou o regional. [...] é historicamente, aquele que serviu de transição entre a mera aliança de Estados para a criação de uma federação. [...] A confederação se distingue do Estado federal pela atuação dos órgãos confederais, que não atuam como representantes, diretos ou indiretos, dos cidadãos. Os órgãos da confederação são, portanto, reuniões de representantes de cada Estado-Membro.

Kelsen66, por sua vez, define ser a confederação de Estados

“uma união de Estados puramente internacional, equivalente a uma comunidade

organizada”.

Tendo sua estruturação nas mesmas características

formadoras do Estado federado, merece especial atenção no tocante à sua

Constituição.

A Constituição de uma confederação é uma ordem jurídica

que alcança o território de todos os Estados dessa comunidade internacional.

Neste sentido, continua Kelsen67 ao definir a Constituição de

uma confederação e o que dela deriva:

A constituição da comunidade central, que é, ao mesmo tempo, a constituição da comunidade total, a confederação, pode

65 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 228-229. 66 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 454. 67 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 455.

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estabelecer um órgão central competente para decretar normas válidas para todos os Estados da comunidade, isto é, para a extensão inteira da união. Esse órgão pode ser comparado ao órgão legislativo central de um Estado federal. Trata-se, em geral, de um conselho composto de representantes dos Estados-membros; esses representantes são nomeados pelos seus governos. O órgão central vota as suas resoluções, obrigatórias para os membros da união, por unanimidade, cada Estado-membro representado no órgão central tendo o mesmo número de votos. Resoluções obrigatórias por maioria não estão excluídas, mas constituem exceção.

É de se notar que a Constituição de uma confederação, de

regra, não possui qualquer preceito relativo às Constituições particulares dos

Estados-Membros. Porém, não é de se excluir a possibilidade, mesmo remota da

autonomia constitucional de seus membros, ainda que na união puramente

internacional, ser restrita até certo ponto.

Também pode ser estabelecido pela Constituição de uma

confederação, de uma união ou liga, um tribunal e um governo centrais. A

característica precípua deste órgão julgador é a de que este sirva, no entanto,

apenas para dirimir questões advindas das relações entre os Estados-Membros,

sendo que, apenas excepcionalmente, pessoas privadas podem ser admitidas

como reclamantes ou réus.

Kelsen68 explica que “o órgão governante central tem o

caráter de um conselho”.

No caso de o órgão governante tiver de ser diverso daquele

central, continua o mesmo autor69:

Caso deva ser um órgão diferente do órgão legislativo central já mencionado, então não podem estar nele representados todos os Estados, ou, pelo menos, não todos do mesmo modo. Um exemplo é o Conselho da Liga das Nações, no qual apenas as grandes potências são representadas de modo permanente, e, por

68 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 457. 69 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 457.

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determinados períodos de tempo, uma parte dos outros Estados-membros. Para as decisões desse órgão também prevalece a regra da unanimidade.

1.4 FEDERALISMO E DEMOCRACIA

Advinda da palavra grega demos, que significa povo, a

Democracia, governo do povo, é assim definida pelo dicionário Aurélio70 de língua

portuguesa:

Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i.e., dos poderes de decisão e de execução; democratismo.

1.4.1 Origem histórica

As primeiras manifestações concretas do governo

democrático tiveram lugar nas antigas repúblicas gregas e romanas. Maluf71

assevera terem sido estas “experiências as sementes da democracia, que os

filósofos antigos e medievais conservaram vivas até que germinassem

assinalando o advento dos tempos modernos”.

Perfazendo os escritos de Péricles72 encontramos a seguinte

máxima:

Vivemos sob a forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar os outros. Seu nome, como tudo o que depende não de poucos, mas da maioria, é democracia.

Restringidos aos limites da comunidade urbana e com um

número bem pequeno de habitantes, nos Estados helênicos e romanos o tipo de 70 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua

portuguesa, p. 620. 71 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 275. 72 PÉRICLES. Oração fúnebre. Disponível em: http://educaterra.com.br/voltaire/politica/

democracia.htm. Acesso em 29 set. 2005.

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democracia idealizada e praticada foi a forma direta, ou seja, por meio de

assembléias gerais, realizadas periodicamente nas praças públicas, o povo

governava-se a si mesmo.

Analisadas essas particularidades, resta lembrar o que

leciona Bastos73 em seus escritos:

A democracia grega, que se realizava através da participação dos cidadãos diretamente nos negócios do Estado, hoje é, praticamente impossível em virtude do grande numero de pessoas, bem como pelo próprio tamanho do Estado Moderno [...] Realizar reuniões onde todos pudessem participar seria o caos.

Desta feita, Maluf74 explica que “no mundo moderno, porém,

a democracia surgiu sob a forma indireta ou representativa”.

Mantendo o princípio de que todo poder emana do povo e

em seu nome deve ser exercido, transferiu-se o exercício das funções

governamentais aos representantes da soberania popular.

1.4.2 Conceito

Quando a vontade representada na ordem jurídica do

Estado é igual à vontade dos sujeitos, diz-se que, desta liberdade política, nasce

a Democracia.

Kelsen75 ensina:

A liberdade possível dentro da sociedade, e especialmente dentro do Estado, não pode ser a liberdade de qualquer compromisso, pode ser apenas a de um tipo particular de compromisso. [...] um sujeito é politicamente livre na medida em que a sua vontade individual esteja em harmonia com a vontade coletiva (ou geral) expressa na ordem social. [...] A liberdade política, isto é, a liberdade sob a ordem social, é a autodeterminação do indivíduo

73 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 281. 74 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 275. 75 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 408.

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por meio da participação na criação da ordem social. A liberdade política é liberdade, e liberdade é autonomia.

Neste sentido, Rousseau76 formulou a questão cuja resposta

é a Democracia; a saber:

Encontrar uma forma de associação que possa defender e proteger, com toda a força da comunidade, a pessoa e a propriedade de cada associado, e, por meio da qual, cada um, aglutinando-se a todos, possa não obstante, obedecer apenas a si, e permanecer livre como antes. Tal é o problema fundamental para o qual o contrato social fornece a solução. Através do contrato social, o estado natural é substituído por um estado de ordem social.

Maluf77 entende que a idéia de Democracia pode ser

examinada em duplo sentido: formal e substancial, ou seja, um sentido estrito e

outro mais amplo.

Em sentido formal ou estrito, democracia é um sistema de organização política em que a direção geral dos interesses coletivos compete à maioria do povo, segundo convenções e normas jurídicas que assegurem a participação efetiva dos cidadãos na formação do governo. É o que se traduz na fórmula clássica: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. [...] Em sentido substancial, sobre ser um sistema de governo temporário e eletivo, democracia é um ambiente, uma ordem constitucional, que se baseia no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.

O estudioso norte-americano Merrian78, enumerando os

vários postulados essenciais à caracterização do ambiente constitucional,

assevera que a “democracia tem por principal tarefa examinar e difundir as

conquistas da civilização, bem como estabelecer, [...], os meios pelos quais essas

conquistas possam contribuir para uma vida decente no meio social”.

76 ROUSSEAU apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 408. 77 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 277. 78 MERRIAN apud MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 277-278.

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Continua, ainda, o autor79:

São objetivos da Democracia, em suma, eliminar o pauperismo, a insegurança, o desemprego, os mocambos rurais e urbanos; criar oportunidades para a juventude; estabelecer padrões básicos para uma vida decente e, de envolta com essas finalidades, assegurar a preservação dos valores humanos.

Assim, entende-se que a Democracia serve ao Estado como

caminho para atingir sua finalidade que não pode ser diversa daquela da

sociedade civil que o organizou e em função da qual existe.

Escreve Maluf80:

O fim do Estado não consiste simplesmente em realizar a democracia. O Estado tem um fim imediato, que é o de manter a ordem sócio-ético-jurídica; e também um fim mediato, que é o de estabelecer, para todos, indistintamente, condições propícias tendentes à realização dos imperativos naturais da pessoa humana. A grande vocação do Estado, [...], é servir à pessoa humana. O Estado não visa a realizar a democracia apenas para ser democrático, assim como o indivíduo não pode pretender a liberdade apenas para ser livre. A democracia para o Estado, assim como a liberdade para o indivíduo, é um meio e não um fim. Procuram, o Estado e o homem, atingir os seus fins pelo caminho do ideal democrático.

A respeito do princípio democrático elucida Cruz81:

A efetivação do princípio democrático pressupõe que as decisões públicas devem ser adotadas através da participação, direta ou indireta, dos cidadãos, e que, por isto, podem ser também modificadas ou revogadas pela vontade deles. Isto supõe a existência de canais de participação destes cidadãos na adoção de decisões públicas. Mas supõe algo mais: que a mesma organização da comunidade política encontre sua legitimidade e justificação na vontade popular.

79 MERRIAN apud MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 278. 80 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 278. 81 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 159.

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Cruz82 ainda enfatiza a importância da participação popular

ao explicar que a Democracia “supõe a equivalência das vontades e interesses de

todos os membros da comunidade política. Assim a vontade individual aparece

como fator fundamental para toda discussão em torno da Democracia”.

Portanto, a concepção de Democracia lança suas raízes na

própria natureza humana. Unindo-se todos esses conceitos, temos que a

Democracia consiste, segundo conclusão de Maluf83, em um sistema de

organização política no qual:

�� Todo poder emana do povo, sendo exercido em seu nome e no seu interesse;

�� As funções de mando são temporárias e eletivas;

�� A ordem pública baseia-se em uma constituição escrita, respeitando o princípio da tripartição do poder de Estado;

�� É admitido o sistema de pluralidade de partidos políticos, com a garantia de livre crítica;

�� Os direitos fundamentais do homem são reconhecidos e declarados em ato constitucional, proporcionando o Estado os meios e as garantias tendentes a torná-los efetivos;

�� O princípio da igualdade se realiza no plano jurídico, tendo em mira conciliar as desigualdades humanas, especialmente as de ordem econômica;

�� É assegurada a supremacia da lei como expressão da soberania popular;

�� Os atos dos governantes são submetidos permanentemente aos princípios da responsabilidade e do consenso geral como condição de validade.

Para que o Estado seja classificado como democrático [...] é bastante que mantenha os princípios fundamentais acima enumerados.

Verifica-se, portanto, que a democracia está longe de ser um

caminho estático; deve ser dinâmica para poder acompanhar o próprio

82 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional, p. 162. 83 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 279.

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desenvolvimento do mundo e fazer face às novas realidades que se tecem, a

cada passo, na trama da sociedade.

1.4.3 Federalismo e Democracia

Observados os princípios e as características formadoras do

Estado federado e analisado o processo histórico de formação do federalismo,

nota-se que este se tornou, por excelência, a forma de organização do Estado

democrático. Para tanto, basta dizer que hoje, nos Estados Unidos, “há uma firme

convicção de que a descentralização do poder é um instrumento fundamental

para o exercício da democracia84”.

Desta afirmativa se depreende que, quanto mais próximo

estiver o ente dotado de poder de decisão daqueles que lhe estão sujeitos, mais

probabilidade existe de o exercício do poder ser democrático.

Não bastasse, Bastos85 assinala esta questão como sendo o

ponto fundamental para entendermos como se produzirá a efetivação de uma

autêntica democracia, que não se dará “se não houver uma tendência

descentralizadora”.

É o que entende o doutrinador86 quando ensina:

A regra de ouro poderia ser a seguinte: nada será exercido por um poder de nível superior desde que possa ser cumprido pelo inferior. Isso significa dizer que só serão atribuídas ao governo federal e ao estadual aquelas tarefas que não possam ser cumpridas senão a partir de um governo com esse nível de amplitude e generalização. Em outras palavras, o município prefere ao Estado e à União. O Estado, por sua vez, prefere à União.

O que se percebe destas análises é de que a democracia

alcançará mais facilmente seus objetivos e se constituirá num verdadeiro ‘governo

84 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 293. 85 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 293. 86 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 293.

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do povo’ se estiver sendo exercida fora dos alcances de um governo unitário e

centralizado.

Por fim, o supracitado autor87 mesmo destaca que “um poder

central estatizante é inconveniente com uma autêntica federação, que pressupõe

um equilíbrio entre as diversas esferas governamentais”.

Desta forma, como bem ponderou Kelsen88, “quando a

legislação é democrática, o melhor método de garantir a legalidade da execução é

também o democrático”.

87 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 293. 88 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado, p. 428.

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CAPÍTULO 2

DA UNIÃO EUROPÉIA E SUA CONSTITUIÇÃO

2.1 HISTÓRICO

Embora o homem tenha, ao longo dos séculos, regulado

suas relações de poder, nunca cessaram os conflitos entre as nações em busca

de afirmação política e econômica. O início do século XX não foi diferente para a

Europa. Depois de duas Guerras Mundiais – a primeira de 1914 a 1918 e, a

segunda, iniciada em setembro de 1939 e finda apenas em 1945 – o Velho

Continente já não era o mesmo. Era contundente o declínio político e econômico

dos países europeus decorrente dos conflitos e a grande necessidade girava em

torno da procura de mecanismos eficazes capazes de evitar que a Europa

voltasse a ser palco de um outro flagelo de proporções catastróficas e que

permitissem, ao mesmo tempo, a efetiva reconstrução dos países assolados.

A formação do que hoje chamamos de União Européia (UE)

é, pois, fruto de um intrincado e complexo sistema de integração regional.

A idéia ou tentativa de unificação da Europa não é uma

novidade dos últimos 50 anos. Antes de iniciar-se o que desembocou no mais

ousado processo de integração regional até então conhecido “várias tentativas

históricas seculares de criação de uma Europa sob jugo de um só poder religioso

ou político, eclesiástico ou militar89” ocorreram. No entanto, a primeira notícia que

se tem de uma proposta de unificação do continente com caráter eminentemente

pacífico e por vontade dos próprios países europeus deu-se em 1923 por

fundação do Movimento Pan-europeu, quando o conde Coudenhove Kalergi

intencionou criar os Estados Unidos da Europa, embora antes mesmo, em 1795,

Immanuel Kant já tenha proposto uma integração dos Estados europeus,

89 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito. Rio de Janeiro:

Renovar, 2004. p. 87.

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“fundada no estado de paz como um dever imediato, cuja realização estaria

atrelada à assinatura de um contrato entre povos que, entre si, constituiriam uma

liga de paz90”.

Quase uma década após a fundação do Movimento Pan-

europeu, em 1930, por iniciativa do ministro francês e Nobel da paz Aristide

Briand, veio a público o projeto que ficou conhecido como “Memorando sobre a

organização de um sistema de União Federal Européia91”.

Para Silva92, a UE como organização internacional teve sua

origem formal tendo como alicerce, justamente, diversas teses federalistas,

embasadas nesses dois projetos supra citados, como demonstra:

O projeto da Comunidade Européia foi precedido por antecedentes significativos, principalmente no alvorecer do século XX, marcado pelo nascimento de diversas associações e publicações que propagavam teses federalistas. Entre eles ressalta-se o Manifesto Paneuropeu, de 1923, de Richard Coudenhove-Kalergi (1894-1972) e seu projeto de formar uma confederação européia que obteve importante repercussão no meio acadêmico.O movimento de maior envergadura originou-se na França, por meio de seu ministro de Assuntos Exteriores, Aristides Briand, que, em 1929, propôs a criação de uma federação denominada “União Européia”. A proposta foi amadurecida e levada à Sociedade das Nações, em 1930. A idéia era fundar uma federação respaldada na idéia de união, não de unidade. [...] Os intentos, embora tímidos, persistiram e a idéia federalista permaneceu viva e apontada como única maneira de concretizar a paz dentro do mapa europeu.

Outrossim, se faz mister aqui esboçar, então, um panorama

das etapas de formação e consolidação da UE e de seus objetivos para melhor

compreender o contexto e originalidade de seu processo de integração regional e

90 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. p. 34. 91 Disponível em: http://www.historiasiglo20.org/europortug/ante1.htm. Acesso em 02 de mar.

2006. 92 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p 33.

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abalizar sua relevância e a aplicabilidade dos princípios federalistas em sua

natureza política.

2.1.1 Os Tratados e a formação das Comunidades

A Europa teve de enfrentar duas guerras para que se

verificasse toda a expansão do suicídio que a rivalidade nacionalista trouxe ao

continente. A conseqüência clara era a necessidade então de se chegar a uma

forma de relação que reorganizasse o mapa político europeu.

Alguns fatos mostraram a necessidade desta nova

orientação93:

Em primeiro lugar, a consciência dos europeus da sua própria debilidade. A Segunda Guerra Mundial tinha posto um fim definitivo à tradicional hegemonia européia no mundo. As duas novas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética detinham um poder econômico, político e militar muito superior ao do heterogêneo conjunto de estados europeus. Em segundo lugar, a convicção de que se devia evitar, por todos os meios, o retorno a um confronto entre os estados europeus. As duas guerras mundiais tinham começado como "guerras civis européias" e, em ambas as guerras, o nosso continente tinha-se tornado num campo de batalha. Tratava-se, essencialmente, de procurar um acordo entre a França e a Alemanha que fosse visto com bons olhos pelos EUA. A unidade era o caminho para garantir a paz. Em terceiro lugar, o desejo compartilhado por muitos europeus de formar um continente mais livre, justo e próspero em que as relações internacionais se desenvolvessem num ambiente de concórdia.

No entanto, embora as idéias iniciais nascidas nas décadas

de 20 e 30 tenham manifestado o interesse crescente na unificação dos

interesses políticos e econômicos da Europa, os primeiros passos efetivos do

processo de integração se deram apenas por volta de 1948 com a realização do

93 Disponível em: http://www.historiasiglo20.org/europortug/ante2.htm. Acesso em 03 abr. 2006.

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Congresso de Haia (de 8 a 10 de maio daquele ano) que plantou os germes do

que a literatura designa como “Movimento Europeu94”.

Em 1950, a histórica Declaração de 9 de maio ou

Declaração Schuman apresentada pelo ministro de Assuntos Exteriores da

França, Robert Schuman, serviu de base para o surgimento das Comunidades

Européias e cimentar uma proposta pacífica para o continente. Elaborado por

Jean Monnet, o Comissário do Plano de Modernização e equipamento da França,

este documento “observa o assombro do Continente europeu com o saldo das

duas grandes guerras e a vontade de, urgentemente, encontrar uma via

alternativa que livrasse a Europa do flagelo de um terceiro conflito95”.

Silva96 ainda transcreve o texto da Declaração em que

Monnet adverte:

[...] a paz mundial não pode salvaguardar-se sem esforços criadores equiparáveis aos perigos que a ameaçam. A contribuição que uma Europa organizada e viva pode aportar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas. [...] A Europa não se construiu e aconteceu a guerra.

2.1.1.1 Tratado de Paris

Antes das propostas alavancadas por Monnet e Schuman, a

política francesa em relação à produção de aço e carvão (materiais de produção

bélica) era sempre intransigente em relação à Alemanha, visto que esta última

tinha, desde o fim da Primeira Guerra, suas jazidas da região do Ruhr dominadas

pelos franceses que restringiam a produção visando garantir o melhor

desempenho de suas próprias jazidas. Ocorre que, desde a segunda metade da

década de 40 e os movimentos de reconstrução do continente Europeu destruído

94 “O Movimento Europeu foi uma fusão entre vários movimentos como ‘Conseil Français pour

l’Europe unie’, a ‘Ligue Européenne de Coopération Économuque’, as ‘Nouvelles Equipes Internationales’, o ‘Mouvement Socialiste pour lês États Enis d’Europe’”. TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 89.

95 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 34.

96 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 34.

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pela Segunda Grande Guerra, investimentos maciços vinham sendo feitos em

solo alemão, até mesmo pelos EUA, visto que o país apresentava imensa

capacidade de desenvolvimento. Em resumo e em decorrência de todos esses

fatores acima elencados, era de grande valor para o futuro da França a superação

das rivalidades e a consolidação de certas parcerias, principalmente com a

Alemanha.

Deste modo, em 1951 formou-se a Comunidade Econômica

do Carvão e do Aço (CECA) com a assinatura do Tratado de Paris. Para evitar um

novo conflito era necessário chegar a um acordo comum com relação às

matérias-primas fazedoras da guerra e, com a participação dos outros países

europeus interessados, “essa cooperação econômica visava, indiretamente, evitar

o excessivo desenvolvimento do potencial econômico alemão e sua conseqüente

supremacia no continente97”.

Tostes leciona98:

Conhecido como Tratado de Paris, o acordo internacional entre a República Federal da Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo, estabeleceu a criação de um mercado comum de Carvão e Aço. A CECA estabeleceu sua sede em Luxemburgo e entrou em vigor em 25 de julho de 1952 – este considerado o primeiro passo concreto no processo de unificação da Europa Ocidental, já que permitiu lançar as bases da arquitetura comunitária.

Originalmente, a grande inovação que o Tratado de Paris

trouxe consigo foi a disposição de que o órgão executivo da CECA detinha

poderes diversos dos demais órgãos executivos de outras organizações

internacionais, pois encarregava-se tão somente da representação do interesse

da comunidade de Estado, e não daqueles intergovernamentais. De fato, é a idéia

desse “fictício ‘interesse comunitário’ que passará a ser caracterizado, desde o

seu surgimento, como sendo um foco de poder de caráter supranacional que era

97 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 94. 98 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 94-95.

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exercido pela Comissão da CECA, também chamada de ‘Alta Autoridade’ porque

dispunha de amplos poderes como órgão político99”.

Concluído para um período de cinqüenta anos, em virtude

de ter entrado em vigor em 23 de julho de 1952, chegou ao seu termo em 23 de

julho de 2002, tendo sido alvo de diversas modificações relativas a disposições

financeiras e decorrentes dos tratados de adesão.

2.1.1.2 Tratados de Roma

Com o CECA, “concretizou-se a primeira grande realização

da Europa supranacional. Pela primeira vez, os seis Estados-Membros desta

organização renunciam, num domínio restrito é certo, a uma parte da sua

soberania em prol da Comunidade100”.

Seis anos depois, em 25 de março de 1957, o mesmo

objetivo descortinou a assinatura dos Tratados de Roma que criaram a

Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia para a

Energia Atômica (CEEA ou EURATOM). Por meio destes tratados, os Estados

Membros decidiram suprimir os obstáculos comerciais que os separavam e

constituir um “mercado comum101” mais alargado e abrangendo uma vasta gama

de bens e serviços. É de se notar que, em 1 de Julho de 1968, os direitos

aduaneiros entre esses seis países foram totalmente suprimidos, estabelecendo-

se políticas comuns, principalmente no que tange ao comércio e à agricultura.

Adotado nos mesmos moldes do tratado anterior, também os

Tratados de Roma instituíram um Conselho de Ministros, uma Assembléia e um

99 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 95. 100 Disponível em: http://www.europa.eu.int/scadplus/treaties/eec_pt.htm. Acesso em 25 mar.

2006. 101 “O conceito de mercado comum foi utilizado com base na Teoria da Integração Econômica de

B. Balassa (1994) e compreende um estágio evolutivo intermediário entre o de união aduaneira (livre circulação do comércio, superada a zona de livre comércio, além da implementação de uma tarifa externa comum) e o de zona política e econômica (além de um mercado comum, a adoção de um sistema monetário comum, uma política externa e de defesa comuns). Um mercado comum compreende a instauração de quatro ‘liberdades’: livre circulação de bens e mercadorias, capitais, serviços e pessoas”. CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da Democracia na formação da União Européia, p. 61.

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Tribunal de Justiça, sendo que estes dois últimos eram os mesmos para os três

tratados – CECA, CEE e EURATOM.

Importante ressaltar, como elucida Cunha102 que:

[...] o CEE estendeu o CECA para além da produção de carvão e aço, abrangendo a liberdade de circulação de quaisquer mercadorias, bens, serviços, capitais e pessoas. Essa ampliação impossibilitou a manutenção de uma série de restrições impostas ora por Governos, mediante barreiras tarifárias ou não-tarifárias, ora por agentes econômicos privados, mediante práticas restritas da liberdade comercial e abuso de poder econômico.

2.1.1.3 Tratado de Fusão

Nesta ocasião já se vislumbrava a base de sustentação que

permite a execução da autonomia política e jurídica que a UE exerce atualmente.

Isto porque a diferença de poderes entre os órgãos

executivos das três comunidades foi superada pelo Tratado de Fusão dos Órgãos

Executivos, assinado em Bruxelas em 8 de Abril de 1965 e em vigor desde 1 de

Julho de 1967, que instituiu uma Comissão e um Conselho únicos das três

Comunidades Européias então existentes, unificando os executivos das mesmas.

Tostes103 explica que “desde esse período, essas três

organizações internacionais já começam a ser chamadas conjuntamente de

Comunidades Européias”, já que a unificação dos órgãos executivos trouxe

consigo um reforço ao fictício interesse comunitário.

Foi nesta ocasião que se deu a primeira expansão da

Comunidade Européia104:

O sucesso obtido pelos Seis levou a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido a decidirem juntar-se às Comunidades. Este primeiro

102 CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da Democracia na formação da

União Européia, p. 78. 103 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 98. 104 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index2_pt.htm. Acesso em 03 abr.

2006.

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alargamento, de seis para nove membros, teve lugar em 1973 e foi acompanhado por um aprofundamento das competências das Comunidades e pela introdução de novas políticas nos domínios social, regional e ambiental. Para executar a política regional, foi criado, em 1975, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

Fica evidenciado assim que, desde o limiar da década de 70,

era necessário, na visão daqueles que compunham a Comunidade Européia,

fazer convergir as suas economias e criar, para esse fim, uma união monetária.

É relato histórico dos próprios países envolvidos no

processo de integração europeu que, “quase na mesma altura, os Estados Unidos

decidiram suspender a convertibilidade do dólar em ouro, o que deu início a um

período de grande instabilidade nos mercados monetários mundiais, crise que se

agravou com os choques petrolíferos de 1973 e 1979105”.

Este fato fez com que, em 1975, a Europa se visse obrigada

a criar o Fundo Regional Europeu com a finalidade de apoiar o desenvolvimento

das regiões atrasadas dentro da comunidade por meio da adoção de políticas de

maior rigor com relação às taxas de câmbio e a criação de um novo padrão

financeiro dentro da própria Comunidade com a instituição do Sistema Monetário

Europeu (SME), em 1979.

No início dos anos 80 ocorreu o segundo alargamento da

Comunidade Européia com a adesão da Grécia em 1981 e, em 1986, de Espanha

e Portugal. A entrada desses novos países deu maior urgência à introdução de

programas estruturais destinados a reduzir as disparidades de desenvolvimento

econômico entre os, agora, doze Estados-Membros.

Não obstante todas essas tentativas de estabilização política

e econômica, a Europa se encontrava distante de seus objetivos iniciais.

105 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index2_pt.htm. Acesso em 03 abr.

2006.

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Leciona Tostes106:

Mesmo com todo esse aparente avanço, em meados dos anos 80, a situação geral da CE não era boa, os objetivos dos Tratados de Roma ainda se viam longe de ser realizados. O processo de unificação nesse período foi tomado por uma onda de “europessimismo”, alimentada ainda pelos efeitos da crise econômica que atingia os próprios Estados Unidos.

2.1.1.4 Ato Único Europeu

Desde a assinatura do tratado que instituiu a CECA, a

Europa vivia uma espécie de crise, assim como todo o mundo ocidental. Isso só

começou a ser superado a partir da chamada primeira reforma e a de maior

envergadura dos Tratados de Roma. “Em uma Conferência Internacional em

junho de 1985, foi apresentado o esboço de um Tratado que ficou conhecido

como Ato Único Europeu. Esse Tratado foi assinado pelos doze Estados-

membros da CE107”. Assinado em Luxemburgo em fevereiro de 1986 entrou em

vigor em 1 de Julho de 1987 após a ratificação de todos os Estados-Membros,

tendo estabelecido as adaptações necessárias para realizar o Mercado Interno.

Por muitos considerado como um Tratado adicional àqueles

de Roma, continha de fato emendas e adições aos seus predecessores,

reforçando a criação de também uma união política para a Europa. Silva108

elucida que seu “mérito foi a concretização de mudanças necessárias aos

tratados anteriores, fortalecendo as instituições e servindo de impulso às políticas

fundamentais para a estruturação do mercado único”.

106 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 103. 107 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 101-110. 108 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 35.

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2.1.1.5 Tratado da União Européia - Maastricht

Se a assinatura do Ato Único Europeu deu início à primeira

reforma, “a fase de Maastricht ficou conhecida como sendo o momento da

segunda grande revisão dos Tratados de Roma109”.

Também conhecido como Tratado da União Européia e

assinado na cidade holandesa de Maastricht em 7 de fevereiro de 1992, mas só

entrando em vigor no dia 1 de novembro do ano seguinte, este tratado alterou a

designação da Comunidade Econômica Européia para tão somente Comunidade

Européia.

Introduzindo novas formas de colaboração entre o comando

dos Estados-Membros particularmente em áreas como a defesa e o domínio da

justiça e assuntos internos, e estabelecendo objetivos comuns como: a união

monetária até 1999, a cidadania européia, novas políticas comuns – incluindo

uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC) – e mecanismos de

segurança interna, acabou por criar a União Européia.

Preleciona Tostes110 que:

[...] Foi quando chefes de governo reunidos em sessão do Conselho Europeu111, celebrada na cidade holandesa de Maastricht, discutiram um projeto de Tratado para a UE, que tinha o objetivo claro de dar um passo significativo no processo de aprofundamento e ampliação da integração. A este encontro seguiram-se negociações até ser concluído e assinado em 7 de fevereiro de 1992 o Tratado da União Européia (TCE) ou Tratado de Maastricht ou simplesmente, como ficou conhecido o acordo, Maastricht. Os avanços de Maastricht na direção da unificação política marcaram tal documento como sendo o mais popular da integração.

109 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 111. 110 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 111. 111 “Reunião de cúpula de Chefes de Estado e de Governo europeus que ocorre pelo menos duas

vezes por ano para definir diretrizes políticas comuns para seus membros”. TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 111.

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Foram considerados ainda como avanços alcançados no

processo de integração europeu à partir de Maastricht, ainda segundo Tostes112,

principalmente:

�� A instituição do procedimento de co-decisão legislativa (procedimento em que o Parlamento Europeu (PE) tem poder de veto, o que tem sido apontado na literatura como sendo um aumento de poder de interferência do PE no processo legislativo);

�� A instituição do conceito de cidadania européia113;

�� A introdução da figura do Defensor Público, nomeado pelo PE (de 5 em 5 anos), encarregado de receber e tramitar as reclamações dos cidadãos relativas a casos de má gestão das instituições e dos órgãos comunitários;

�� A criação do Comitê das Regiões (órgão de caráter meramente consultivo), que visa aumentar a influência das autoridades regionais e locais sobre as decisões da UE;

�� A criação do Provedor de Justiça, órgão encarregado de receber e investigar as queixas dos cidadãos europeus relativas à má administração comunitária;

�� E a criação de um modelo único para a regulação de direitos sociais.

Como se percebe, foi de fato o Tratado de Maastricht o

grande responsável pelo fortalecimento da união política porque, outro que

instituir órgãos auxiliares e consultivos para interagirem com as demais

instituições comunitárias, estabeleceu critérios de valores e metas comuns de

desenvolvimento indispensáveis ao incremento da união monetária.

Porém, muitas críticas foram apontadas quanto aos critérios

estabelecidos pelo Tratado com relação aos valores para a participação da união

112 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 111-112. 113 “Esta ‘nova cidadania’ visa reconhecer, principalmente, quatro direitos específicos: i) a

liberdade de circulação e de permanência em todo o território da União; ii) o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais e nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-membro de residência; iii) a proteção, por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-membro, diante de um terceiro país onde não houver representação diplomática do país de origem do cidadão; iv) o direito de petição e de recurso ao Provedor de Justiça Europeu”. TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 112.

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monetária. Estes, chamados de cinco critérios de convergência, são os números

que cada Estado Membro deve alcançar para ingressar na zona do Euro.

A literatura114 os aponta como:

�� Dívida externa de no máximo 60% do PIB;

�� Déficit público de no máximo 3% do PIB;

�� Inflação que não pode exceder em mais de 1,5% àquela verificada nos três Estados-membros com melhores resultados de estabilidade nos preços;

�� E taxa de juros nominal média que não exceda a 2% da verificada nos três Estados-membros com melhores resultados de estabilidade nos preços.

Mesmo com todas as críticas apontadas e a crise de

legitimidade enfrentada pela União Européia quando da ratificação do tratado por

parte de alguns países como a Dinamarca, que precisou de dois referendos para

aprovar e aderir a Maastricht, é inegável que seu papel tenha sido de relevante

importância para o amadurecimento do processo de integração do continente.

2.1.1.6 Tratado de Amsterdã

Seguinte à fase de Maastricht e fruto desta nova dinâmica

européia de evolução geopolítica do continente, em 1 de janeiro de 1995, Áustria,

Finlândia e Suécia passaram a integrar a União, que passa a contar agora com 15

Estados-Membros.

Neste mesmo ano são iniciados os planejamentos de

reforma de Maastricht e é aberta em março de 1996 a Conferência

Intergovernamental na cidade de Turim, Itália. Os trabalhos desta conferência que

contou com reuniões periódicas entre os ministros de negócios estrangeiros de

cada Estado-Membro buscando uma melhoria, ainda que modesta das resoluções

de Maastricht, só foram concluídos no Conselho Europeu de Amsterdã, realizado

em 16 e 17 de junho de 1997.

114 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 113.

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Configurou-se aqui, como chama Silva115, ”o desenho da

arquitetura européia116 visualizada nos três pilares sobre os quais se encontra

alicerçada a União Européia”.

Essas três colunas são, na visão de Silva117:

�� Colaboração em matéria de política exterior e de segurança comum;

�� Cooperação no âmbito judicial e policial em matéria penal; e, por fim,

�� As Comunidades.

É claro que não apenas redefiniram-se as bases

sustentadoras da União nesta fase. Este novo Tratado trouxe ainda algumas

mudanças que também são enumeradas e assim explicadas por Tostes118:

O Tratado de Amsterdã foi assinado pelos representantes dos Estados-Membros em 2 de outubro de 1997 e não trouxe mudanças fundamentais no processo de unificação. A inovação mais substancial para a rotina dos cidadãos europeus ou visitantes foi a liberação do controle de passaportes nas fronteiras dos países da União.

Ainda em Amsterdã discutiu-se o processo de expansão da

União Européia, mas, como continua Tostes119, “possivelmente a mais importante

novidade foi a criação da cláusula de suspensão, disposta no artigo 7° do Tratado

da União Européia”.

115 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 35. 116 “Convencionou-se denominar arquitetura européia ao conjunto das organizações, instituições,

tratados e relações consuetudinárias em torno do que se articula o espaço europeu, com fins de tratar, harmonicamente, as questões de interesse comum”. SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 35.

117 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 35.

118 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 120. 119 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 120.

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Assim dispõe o item número 1 do artigo 7° do TUE120:

Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após parecer favorável do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave de algum dos princípios enunciados no nº 1 do artigo 6º por parte de um Estado-Membro e dirigir-lhe recomendações apropriadas. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-membro em questão e pode, deliberando segundo o mesmo processo, pedir a personalidades independentes que lhe apresentem num prazo razoável um relatório sobre a situação nesse Estado-membro.

Portanto, o artigo diz que se houver qualquer violação grave

a qualquer um dos princípios da União que estão consagrados no artigo 7° do

próprio tratado, quais sejam, liberdade, democracia, respeito pelos direitos do

homem e pelas liberdades fundamentais e, ainda, pelo Estado de Direito, por

parte de qualquer um dos Estados-Membros, a União Européia mesma pode

decidir por suspender algum dos direitos deste Estado infrator, ainda que isso não

acarrete em prejuízo de suas obrigações.

A mesma autora121, continuando a análise acerca das

mudanças trazidas pelo Tratado de Amsterdã explica que, outra reforma, “foi a

simplificação do procedimento de co-decisão e, principalmente, a extensão

drástica do seu campo de atuação, com o aumento do elenco de matérias a

serem decididas por esse procedimento” que, por conseqüência, acaba por

diminuir a importância e a própria abrangência do procedimento de cooperação.

2.1.1.7 Conselho Europeu de Nice

O passo seguinte da cúpula européia para reforma e

contínua construção do processo de unificação do Velho Continente deu-se em

26 de fevereiro de 2001 com a assinatura do Tratado de Nice.

120 Disponível em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/Nice/tuei.htm. Acesso em 10 abr. 2006. 121 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 121.

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O principal objetivo do Conselho de Nice foi o de realizar a

prometida revisão do Tratado da União Européia, assinado em Roma, que, até

então, não havia ocorrido de fato nem encontrado eco nas respostas advindas

dos tratados anteriores.

De fato, permaneciam ainda sérias questões a serem

resolvidas que abarcavam desde o processo de tomada de decisões pelo

Conselho da UE e a conseqüente redistribuição de votos no Conselho e o número

de seus membros que esta mudança traria, até o alargamento da União, com a

pretensão dos países do Leste Europeu em entrar no processo.

Deste Tratado sobrevêm algumas novidades que

incrementaram a marcha européia de integração econômica e unificação política.

Algumas delas são122:

�� Introduzir a exigência de maioria absoluta nas votações do Conselho para todos ou alguns dos assuntos dos 10 artigos relacionados com as políticas comunitárias;

�� O que anteriormente era denominado de Diário Oficial das Comunidades Européias passa a ser Diário Oficial da União Européia;

�� Em relação ao lugar da reunião do Conselho, a partir de 2002 as reuniões anuais do Conselho Europeu, e como terá de haver pelo menos uma por ano, será em Bruxelas. Quando a União for de 18 membros, todas as reuniões do Conselho Europeu serão celebradas em Bruxelas;

�� No que respeita à Comissão, o Tratado introduz uma modificação no procedimento de nomeação do Presidente e dos Comissários, com a presença da regra da maioria absoluta no seio do Conselho em lugar da unanimidade para a adoção de decisões neste procedimento;

�� Junto a isto, os poderes do Presidente da Comissão são reforçados, quem exerce as funções de organização interna do Colégio, assina responsabilidades, nomeia os

122 Disponível em: http://www.dip-badajoz.es/eurolocal/pttxt/eu/actual/niza.htm. Acesso em 11 abr.

2006.

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Vice-presidentes e tem autoridade de destituir os Comissários;

�� A nomeação do Secretário Geral e do Secretário Geral Adjunto do Conselho passa a ser por maioria absoluta em vez de ser por unanimidade;

�� Estabelece-se um novo limite ao número de membros do Parlamento, que não excederá os 732;

�� Para estabelecer o estatuto e as condições gerais do exercício das funções parlamentares é necessário o consentimento prévio da Comissão e a aprovação do conselho por maioria absoluta, se bem que a unanimidade manter-se-á para todo o regulamento ou condição relativa ao regime fiscal dos membros atuais ou antigos;

�� Quanto ao Tribunal de Justiça as modificações que se produzem com respeito ao estabelecido pelo Tratado CEE se referem ao Tribunal de Primeira Instância, aos Advogados Gerais e à composição tanto do Tribunal de Justiça como de Primeira Instância com vistas à próxima ampliação da EU;

�� O Anexo V do Tratado contém o Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal de Justiça em que figuram o Estatuto de Juízes e Advogados Gerais, seus procedimentos e sua organização;

�� O Tribunal de Contas passa a estar formado por um nacional de cada Estado Membro em lugar de 15 membros como era antes, com o que prepara a instituição para a sua futura ampliação;

�� Os seus membros também passam a ser nomeados por maioria absoluta e prévia consulta ao Parlamento;

�� O regulamento deste tribunal necessitará da aprovação do Conselho por maioria absoluta.

Ainda dentro desta perspectiva, o Tratado ao mesmo tempo

altera a composição do Comitê Econômico e Social, estipula que a nomeação de

seus membros será proposta pelos próprios Estados-Membros e ainda

estabelece, em sua Ata Final, uma Declaração relativa à ampliação da UE em

que, no caso de 27 membros, devem figurar tanto os votos de cada país no

Parlamento, como a ponderação de votos no Conselho.

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Não obstante o elenco de avanços trazidos pelo Tratado de

Nice atribui-se a ele como grande trunfo a assinatura de uma Carta de Direitos

Humanos para os Estados-Membros da UE. Contudo, como a maioria dos

documentos que versam sobre a matéria, este não trouxe nenhum avanço

significativo na proteção dos direitos fundamentais, não trazendo em seu bojo

nenhum dispositivo coercitivo e apresentando-se ainda menos avançada do que a

Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950.

2.1.1.8 Conselho Europeu de Copenhague

Fundadas “no reconhecimento mútuo da importância

histórica que representa o fim da divisão do continente europeu123”, marcando

significativamente sua distribuição política e seus cidadãos, essas cinco décadas

de evolução do processo de construção da UE só foi possível com a paulatina

adesão dos diversos atores que compõem o cenário europeu ampliando o espaço

de integração das Comunidades.

Reunido em Copenhague aos 13 de Dezembro de 2002, o

Conselho Europeu aceitou a adesão de dez novos países à União Européia em 1

de Maio de 2004.

Esta decisão foi tão importante que o próprio Conselho124

chegou a dizer:

Ao tomar esta decisão, a União Européia não está apenas a aumentar a superfície do seu território e a sua população. Está a pôr termo à divisão do nosso continente – à “cortina de ferro” que desde 1945 separou o mundo livre do mundo comunista. Por isso, este quinto alargamento da UE tem uma enorme dimensão política e moral.

No total, a União Européia hoje é composta por cerca de 454

milhões de cidadãos distribuídos em 25 Estados-Membros que são: Alemanha,

123 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 36. 124 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index3_pt.htm. Acesso em 12 abr.

2006.

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Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia,

Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo,

Malta, Países Baixos (Holanda), Polônia, Portugal, Reino Unido, República

Tcheca e Suécia.

Este contingente pode alargar-se ainda mais em 2007, ano

previsto pelo Conselho para a adesão de Bulgária e Romênia, restando ainda as

negociações com Croácia e Turquia.

Porém, é importante ressaltar que, ao mencionar-se a

Turquia, situada no extremo do continente europeu, como possível candidata à

União, é suscitado o tema de até onde traçar as últimas fronteiras da UE. “São

questões deste tipo que permitem abrir o debate sobre o que significa ser

europeu, qual é a finalidade da integração européia e quais são os interesses da

UE na cena mundial125”, mas que, no caso da presente monografia, não trazem

aplicação imediata de valor ou necessidade atual de análise.

2.2 INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS

Neste complexo sistema organizacional, tanto o processo de

tomada de decisões em geral, quanto aquele de co-decisão em particular,

envolvem as três principais instituições que compõem a União Européia.

Criados a partir dos Tratados que formaram a própria

Comunidade, são eles: o Parlamento Europeu, que representa os cidadãos da

UE; o Conselho da União Européia, representante dos Estados-Membros; e a

Comissão Européia, que deve velar pelos interesses comuns de toda a União.

Este triângulo institucional está na origem das políticas e da

legislação (diretivas, regulamentos e decisões) que se aplicam em toda a UE. “Em

princípio, é a Comissão que propõe a legislação da UE, mas são o Parlamento e

o Conselho que a adotam126”.

125 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index3_pt.htm. Acesso em 12 abr.

2006. 126 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/index_pt.htm. Acesso em 12 abr. 2006.

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É claro que para garantia e efetividade das ações tomadas

pelas três instituições acima, duas outras exercem um papel essencial: o Tribunal

de Justiça, que assegura o cumprimento da legislação européia, e o Tribunal de

Contas, responsável por fiscalizar o financiamento das atividades da UE.

No entanto: além das suas instituições, a UE tem diversos

órgãos que desempenham missões específicas127:

�� O Provedor de Justiça Europeu, que tem a função de proteger os cidadãos e as empresas da UE contra a má administração;

�� A Autoridade Européia para a proteção de dados, que visa garantir que o tratamento de dados pessoais por parte das instituições e órgãos da UE respeite o direito das pessoas à vida privada;

�� Banco Central Europeu, que é responsável pela política monetária européia;

�� Banco Europeu de Investimento, que financia projetos de investimento da UE;

�� O Fundo Europeu de Investimento, que oferece garantias e uma participação ao capital de risco para ajudar as pequenas e médias empresas;

�� Comitê Econômico e Social Europeu (órgão consultivo), que representa a sociedade civil e ambos os parceiros sociais da vida empresarial (empregadores e trabalhadores);

�� Comitê das Regiões (órgão consultivo), que representa as autoridades regionais e locais;

�� Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias (órgão inter-institucional), que publica, imprime e distribui informação sobre a UE e as suas atividades;

�� Serviço de Seleção do Pessoal das Comunidades Européias (órgão inter-institucional), que recruta pessoal para as instituições e os outros órgãos da EU;

�� 16 agências especializadas ("agências comunitárias"), que se ocupam de tarefas técnicas, científicas ou de gestão no

127 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/index_pt.htm. Acesso em 12 abr. 2006.

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âmbito dos domínios de atuação "comunitários" (o "primeiro pilar" da União Européia);

�� Instituto Europeu de Estudos de Segurança e o Centro de Satélite da União Européia, que se ocupam de tarefas específicas relativas à Política Externa e de Segurança Comum (o "segundo pilar" da União Européia);

�� Europol e a Eurojust, que contribuem para coordenar a cooperação policial e judicial em matéria penal (o "terceiro pilar" da União Européia).

2.2.1 Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu encontra-se enunciado nos artigos

189 a 201128 do Tratado da Comunidade Européia.

As origens do Parlamento Europeu remontam às décadas de

1950-1960, advindo “da Assembléia comum da CECA, das Assembléias da CEE

e da CEEA, que foram unificadas desde a época da Convenção de Roma, em

1957129”.

As sessões plenárias para todos os deputados são mensais

e se realizam em Estrasburgo, na França, constituindo-se, assim, esta como sede

principal do Parlamento. As reuniões das Comissões parlamentares e quaisquer

outras sessões plenárias aditivas realizam-se em Bruxelas, na Bélgica, enquanto

que em Luxemburgo estão sediados os serviços administrativos, ou seja, o

Secretariado-Geral.

As eleições para o Parlamento ou Eleições Européias, como

designadas em Portugal, realizam-se a cada cinco anos (a última ocorreu em

2004), por sufrágio universal direto, desde 1979, exprimindo, portanto, “a vontade

democrática dos 380 milhões de cidadãos da União e representando os seus

128 Constantes do Anexo I. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-

lex/pt/treaties/selected/livre247.html. Acesso em 12 abr. 2006. 129 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 73.

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interesses nas discussões com as outras instituições da UE130”, sendo composto

atualmente por 626 deputados.

Silva131 atenta ao fato de que, embora represente os

cidadãos, o Parlamento Europeu “exerce limitadamente as funções de um

verdadeiro Parlamento, tal como se tem notícia nos sistemas democráticos dos

Estados contemporâneos”, suas principais funções132 são:

�� Partilha com o Conselho o poder legislativo. O fato de ser um órgão diretamente eleito garante a legitimidade democrática da legislação européia;

�� Exerce um controlo democrático de todas as instituições da UE, especialmente da Comissão. Tem poderes para aprovar ou rejeitar as nomeações dos membros da Comissão, e tem o direito de adotar uma moção de censura da Comissão;

�� Partilha com o Conselho a autoridade sobre o orçamento da UE, o que significa que pode influenciar as despesas da UE. No final do processo orçamental, incumbe-lhe adotar ou rejeitar a totalidade do orçamento.

2.2.2 Conselho da União Européia

O Conselho da União Européia é o principal órgão de

tomada de decisões da União Européia. Da mesma forma que o Parlamento

Europeu, foi instituído pelos tratados de fundação da década de 1950-1960 e

representa os Estados-Membros.

Com sede em Bruxelas, encontra amparo legal nos artigos

202 a 210133 do TCE.

130 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/parliament/index_pt.htm. Acesso em 12 abr.

2006. 131 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 74. 132 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/parliament/index_pt.htm. Acesso em 12 abr.

2006. 133 Elencados no Anexo II. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-

lex/pt/treaties/selected/livre248.html. Acesso em 12 abr. 2006.

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Também chamado de Conselho de Ministros, é formado

pelos 25 ministros dos Estados-Membros da pasta específica de que se trate em

cada reunião da instituição, tais como: agricultura, indústria, pesca, economia,

cultura e etc., e cada um deles tem poderes para vincular seu governo nas

decisões tomadas.

Sua presidência é rotativa entre os Estados-Membros,

alternando-se sempre um país grande e um pequeno, variando a cada seis

meses, onde, no início do exercício de cada presidência do Conselho, apresenta-

se um programa para a sua gestão. Durante este ano de 2006, até a primeira

metade a presidência será exercida pela Áustria, sendo que, da segunda metade

do ano em diante, a presidência passará para a responsabilidade da Finlândia.

Tostes134 explica ainda que, a presidência do Conselho

equivale à presidência da UE, mas trata-se de uma presidência nominal, sem

poderes governamentais independentes dos demais membros do Conselho.

Desta forma, o Conselho se caracteriza como a autoridade

máxima da UE e “é competente para celebrar acordos entre a Comunidade ou

terceiros países ou organizações internacionais. É ele ainda o responsável pela

designação dos membros do Tribunal de Contas, do Comitê Econômico e do

Comitê das Regiões135”.

Houve uma expressiva mudança no número de votos de

cada país dentro do Conselho, alterando significativamente o artigo 205 do TCE,

além do que a votação agora, à partir de 2004, dá-se por maioria qualificada.

O número de votos136, incluindo os novos Estados-Membros,

em detrimento ao que estipula o artigo 205137 do TCE passa a ser o seguinte:

134 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 176. 135 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 76. 136 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/council/index_pt.htm#presidency. Acesso

em 12 abr. 2006. 137 Artigo 205o - 1. Salvo disposição em contrário do presente Tratado, as deliberações do

Conselho são tomadas por maioria dos seus membros. 2. Relativamente às deliberações do

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�� Alemanha, França, Itália e Reino Unido – 29

�� Espanha e Polônia – 27

�� Países Baixos – 13

�� Bélgica, Grécia, Hungria, República Tcheca e Portugal – 12

�� Áustria e Suécia – 10

�� Dinamarca, Irlanda, Finlândia, Lituânia e Eslováquia – 7

�� Chipre, Estônia, Letônia, Luxemburgo e Eslovênia – 4

�� Malta - 3

2.2.3 Comissão Européia

Órgão Executivo da União Européia, ou “motor da

integração138”, pois é a instituição garantidora da dinâmica integracionista, com

sede na Bélgica, em Bruxelas, a Comissão é composta por um Presidente e 25

Comissários representando todos os países que integram a União.

Está abrigada pelos artigos 211 a 219139 do TCE e exerce

quatro principais funções140:

�� Apresentar propostas legislativas ao Parlamento e ao Conselho;

�� Gerir e executar as políticas e o orçamento da UE;

�� Garantir a aplicação do direito comunitário (em conjunto com o Tribunal de Justiça);

Conselho que exijam maioria qualificada, atribui-se aos votos dos seus membros a seguinte ponderação: Bélgica – 5, Dinamarca – 3, Alemanha – 10, Grécia – 5, Espanha – 8, França – 10, Irlanda – 3, Itália – 10, Luxemburgo – 2, Países Baixos – 5, Áustria – 4, Portugal – 5, Finlândia – 3, Suécia – 4 e Reino Unido – 10. As deliberações são tomadas se obtiverem pelo menos: sessenta e dois votos, sempre que, por força do presente Tratado, devam ser tomadas sob proposta da Comissão; sessenta e dois votos que exprimam a votação favorável de, pelo menos, dez membros nos restantes casos. 3. As abstenções dos membros presentes ou representados não impedem que sejam tomadas as deliberações do Conselho que exijam unanimidade. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-lex/pt/treaties/selected/livre248.html. Acesso em 12 abr. 2006.

138 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 81.

139 Elencados no Anexo III. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-lex/pt/treaties/selected/livre249.html. Acesso em 12 abr. 2006.

140 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/comm/index_pt.htm. Acesso em 12 abr. 2006.

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�� Representar a União Européia ao nível internacional incumbindo-lhe, por exemplo, negociar acordos entre a UE e países terceiros.

Empossada em novembro de 2004 para um mandato que se

estenderá até o ano de 2009, a atual Comissão é presidida por José Manuel

Durão Barroso e integrada por um Comissário de cada um dos Estados-Membros

da União Européia.

2.2.4 Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias,

freqüentemente designado apenas como o Tribunal, foi criado em 1952 pelo

Tratado de Paris.

Vislumbrado nos artigos 220 a 245141 do TCE, é o órgão de

natureza jurisdicional, formado por 20 juizes incumbidos de aplicar o direito

comunitário e esclarecer as questões sobre a aplicação do mesmo existentes

entre os Estados-Membros da UE, as instituições comunitárias ou mesmo entre

particulares. Assim, o Tribunal detém o monopólio da interpretação final do direito

comunitário.

O Tribunal tem a missão de pronunciar-se sobre os

processos que são submetidos à sua apreciação, dos quais os mais comuns são:

�� Processo de reenvio prejudicial;

�� Ação por incumprimento;

�� Recurso de anulação;

�� Ação por omissão.

2.2.5 Tribunal de Contas

Instituição fiscalizadora da execução do orçamento da União

Européia, o Tribunal de Contas é o órgão responsável por encaminhar,

anualmente, ao Parlamento, um informe sobre as contas do exercício encerrado,

podendo, ainda, apresentar informes específicos sobre assuntos pontuais. 141 Elencados no Anexo IV. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-

lex/pt/treaties/selected/livre250.html. Acesso em 12 abr. 2006.

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Assim, criado em 1977 e disposto nos preceitos dos artigos

246 a 248142 do TCE, é o Tribunal de Contas quem controla a totalidade das

receitas e despesas da União e verifica se o orçamento foi bem gerido.

É composto por quinze membros, um de cada Estado-

Membro da UE, escolhidos pelo Conselho de Ministros por um período renovável

de seis anos, sendo que seus membros é que designam seu presidente que

exerce o cargo por um período de três anos.

A fiscalização143 é operada da seguinte forma:

O trabalho de fiscalização do Tribunal é feito com base em documentos provenientes de qualquer organismo que efetue a gestão de receitas ou despesas em nome da UE. Se necessário, os auditores procedem a controles nas instalações desses organismos. Os resultados das auditorias são apresentados por escrito sob a forma de relatórios que chamam a atenção da Comissão e dos -Estados-Membros para eventuais problemas.

142 Dispostos no Anexo V. Disponível em: http://europa.eu.int/eur-

lex/pt/treaties/selected/livre251.html. Acesso em 12 abr. 2006. 143 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/court-auditors/index_pt.htm. Acesso em 12

abr. 2006.

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CAPÍTULO 3

DOS PRINCÍPIOS FEDERATIVOS E A CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA

3.1 O EURO E A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

O Tratado de Roma, assinado em 1957, além de criar a CEE

e a CEEA, estabeleceu também o mercado comum europeu, com o objetivo de,

primordialmente, assegurar o progresso econômico e contribuir cada vez mais

para a união entre os Estados europeus.

Compreendido como um “estágio evolutivo intermediário

entre o de união aduaneira e o de zona política e econômica144”, o assim definido

mercado comum compreende a livre circulação de bens e mercadorias, de

capitais, serviços e pessoas.

Para que se chegasse à integração econômica em que

atualmente vive a União Européia, o Tratado que instituiu a Comunidade Européia

estabeleceu o processo de realização da União Econômica e Monetária (UEM),

introduzida em 1986 pelo Ato Único Europeu e consolidada mais tarde com o

Tratado da União Européia, ambos grandes colaboradores na fixação das bases

do EURO – moeda única européia.

No entanto, o pensamento de unificação monetária é bem

mais antigo e encontra voz já nos idos de 1970 enquanto a Europa lançava ainda

as bases de seu processo de integração, como vemos145:

Já em 1970, o relatório Werner – do nome do então Primeiro-Ministro luxemburguês – propunha uma convergência entre as economias e as moedas dos seis países da CEE. Mas foi preciso

144 CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da Democracia na formação da

União Européia, p. 61. 145 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index7_pt.htm. Acesso em 15 abr.

2006.

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esperar até 1979 para concretizar o primeiro passo neste sentido, com a criação do Sistema Monetário Europeu (SME). O objetivo do SME era reduzir as variações das taxas de câmbio entre as moedas dos Estados Membros, para o que foram fixadas margens de flutuação entre os 2,25% e os 6%. Porém, os mecanismos do sistema foram enfraquecidos por uma série de crises causadas pela instabilidade do dólar e pela fraqueza de certas moedas, que se tornaram presa de especuladores, especialmente em períodos de tensão internacional. A consciência da necessidade de uma zona de estabilidade monetária foi crescendo à medida que se ia realizando o mercado interno.

Logo depois, a assinatura do Ato Único Europeu, em

fevereiro de 1986, implicou na convergência lógica entre as economias dos

países envolvidos no processo integracionista e na necessidade de se limitar as

flutuações das taxas de câmbio entre suas moedas, afinal, a desvalorização de

uma delas ocasionaria uma vantagem injusta e geraria distorções com relação à

concorrência.

Seguindo o processo evolutivo da instituição de uma moeda

e política financeira únicas para os Estados-Membros, em junho de 1989, no

Conselho Europeu de Madrid, o então presidente da Comissão, Jacques Delors,

apresentou um plano por etapas que deveria conduzir à União Econômica e

Monetária (UEM).

A realização da UEM foi estabelecida em três fases146:

�� A Primeira Fase da UEM teve início em Julho de 1990 e terminou em 31 de Dezembro de 1993. Caracterizou-se, sobretudo, pela eliminação de todas as barreiras internas à livre circulação de capitais dentro da União Européia.

�� A Segunda Fase da UEM começou no dia 1 de Janeiro de 1994 e, entre outros aspectos, caracterizou-se pelo estabelecimento do Instituto Monetário Europeu (o antecessor do Banco Central Europeu), a proibição do financiamento do sector público pelos bancos centrais nacionais e do seu acesso privilegiado às instituições

146 Disponível em: http://www.euro.ecb.int/pt/what.html. Acesso em 15 abr. 2006.

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financeiras, bem como pelo estabelecimento da obrigação de evitar déficits excessivos.

�� A Terceira Fase teve início no dia 1 de Janeiro de 1999, com a transferência da competência monetária para o Eurosistema e com a introdução do euro.

A UEM implicou na introdução de uma moeda européia

única gerida também por uma única instituição, o Banco Central Europeu. Assim,

para que pessoas, bens, serviços e capitais pudessem circular livremente, o êxito

do EURO foi de relevante importância, constituindo-se na maior transição

monetária de que se tem notícia.

É claro que esta transição não se deu de um dia para o

outro; foi necessário algum tempo para que os Estados-Membros abolissem as

barreiras ao comércio entre si; entre a assinatura do Tratado de Maastricht em

Fevereiro de 1992, que consagrou o princípio de uma moeda única européia, até

à entrada em circulação das moedas e notas de EURO em doze países da União

passaram-se dez anos.

Dos quinze Estados-Membros que até então formavam a

UE, foram doze os que adotaram o EURO como moeda única. São eles: Bélgica,

Alemanha, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos,

Áustria, Portugal e Finlândia, e juntos formam a assim chamada Zona do EURO.

Inspirado na letra épsilon, do alfabeto grego, o símbolo

gráfico do EURO – � – faz alusão também à primeira letra da palavra Europa e as

duas linhas paralelas querem sinalizar a estabilidade da moeda. Sua abreviatura

oficial é EUR. A introdução do EURO fez a União Européia avançar de maneira

considerável rumo à união econômica. A nova moeda veio substituir aquelas que,

para muitos países, constituíam símbolos centenários e verdadeiros instrumentos

de soberania nacional.

Em 1997, o Conselho Europeu reunido em Amsterdã adotou

duas importantes resoluções para a evolução do processo de integração

econômica:

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�� A primeira, conhecida pela designação de “pacto de estabilidade e crescimento”, compromete os Estados Membros a manterem a sua disciplina orçamental. Todos serão objeto de uma vigilância multilateral e não lhes serão permitidos déficits excessivos;

�� A segunda resolução é relativa ao crescimento. Afirma que os Estados Membros e a Comissão estão firmemente empenhados em garantir que o emprego permaneça no primeiro plano das preocupações políticas da União.

3.1.1 Banco Central Europeu

Para que se assegurasse a estabilidade da moeda única, em

1998 “foi criado o Banco Central Europeu (BCE), independente, sediado em

Frankfurt, ao qual foi atribuída a responsabilidade de fixar as taxas de juro para

manter o valor do EURO147”, bem como de manter a estabilidade dos preços na

zona do EURO, preservando assim o poder de compra da nova moeda.

“Tal significa manter a inflação sob controle estrito, ou seja,

assegurar que o aumento anual dos preços no consumidor seja inferior a 2%.

Para que isto efetivamente aconteça, o BCE atua de duas maneiras148”:

�� Em primeiro lugar, controla a massa monetária. Se esta for excessiva em relação à oferta de bens e serviços, há o risco de inflação;

�� Em segundo lugar, acompanha a evolução dos preços e avalia os riscos que estes representam para a estabilidade dos preços na zona EURO.

Provavelmente, a atividade mais conhecida do Banco

reserva-se à fixação das taxas de juro para toda a zona do EURO, como forma de

controle da massa monetária.

Para bem desenvolver e executar suas atividades, o BCE

possui alguns órgãos de decisão que, aliados aos Bancos Nacionais de cada

Estado, ainda que de forma independente, regula a política monetária da União.

147 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index7_pt.htm. Acesso em 16 abr.

2006. 148 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/ecb/index_pt.htm. Acesso em 16 abr. 2006.

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O primeiro órgão compõe a Comissão Executiva, nomeada

por um período não renovável de oito anos, constituída do Presidente pelo BCE,

pelo Vice-Presidente e mais quatro vogais nomeados, de comum acordo, pelos

países que formam a zona do EURO.

É a Comissão Executiva a responsável pela execução da

política monetária, pela emissão das instruções aos bancos centrais de cada

nação e pela administração das atividades correntes do Banco.

Órgão máximo do Banco é o Conselho do BCE. Composto

pelos seis membros da Comissão Executiva e também pelos governadores dos

doze bancos centrais dos Estados da zona do EURO, é presidido pelo Presidente

do BCE.

Sua missão principal é a "definição da política monetária da

zona EURO, em especial a fixação das taxas de juro a que os bancos comerciais

podem obter dinheiro junto do Banco Central149”.

Por fim, o último órgão de decisão a compor o BCE é o seu

Conselho Geral. É formado pelo Presidente e Vice-Presidente do BCE e por todos

os governadores dos bancos centrais nacionais dos 25 Estados-Membros da UE.

Participa dos trabalhos de consulta e coordenação do BCE e é um dos

responsáveis pela preparação dos Estados no alargamento da zona do EURO.

3.2 SOBERANIA E SUPRANACIONALIDADE

Os autores do Tratado de Roma150 atribuíram à Comunidade

Econômica Européia a missão de:

Através da criação de um mercado comum e da progressiva aproximação das políticas econômicas dos Estados-Membros, promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso das atividades econômicas, um crescimento contínuo e

149 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/ecb/index_pt.htm. Acesso em 16 abr. 2006. 150 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index5_pt.htm. Acesso em 16 abr.

2006.

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equilibrado, uma maior estabilidade, o aumento acelerado do nível de vida e relações mais estreitas entre os seus Estados-Membros.

Assim, a União Européia desdobra-se na idéia de uma

família de países democráticos europeus, compelidos num projeto comum de paz

e prosperidade. Não se trata, porém, de um novo e único Estado que pretende

substituir Estados já existentes, os 25 que compõem a UE, nem se restringe a ser

apenas uma organização de cooperação internacional, mas sim de uma resposta

efetiva aos dilemas globais e suas conseqüências.

Segundo Stelzer151, “o significado do termo supranacional152

expressa um poder de mando superior aos Estados, resultado da transferência de

soberania operada pelas unidades estatais em benefício da organização

comunitária, [...] tendo em vista os anseios integracionistas”.

Stelzer153 assim define a origem da supranacionalidade:

A origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas soberanas por parte dos Estados nacionais em benefício de um organismo que, ao fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera acima das unidades que o compõem, na qualidade de titular absoluto.

Com esta idéia, Salcedo154 define a ordem supranacional a

partir das seguintes características:

�� Independência frente aos Estados-Membros;

�� Transferência de competências; e

�� Relações diretas entre os órgãos da Comunidade e dos particulares.

151 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2 ed.

Curitiba: Juruá, 2005. p. 75. 152 “Do ponto de vista etimológico, alguns preferem a denominação sobre-estatal ou supra-estatal,

vez que traz imanente uma conceituação mais precisa do próprio fenômeno”. STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 75.

153 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 76-77. 154 SALCEDO apud STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou

realidade?, p. 76.

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Por sua vez, Buhigues155 destaca como elementos que

definem a supranacionalidade:

�� Atribuição de competências exclusivas dos Estados-Membros à organização;

�� Existência de órgãos independentes dos Estados;

�� Adoção de decisões por maioria;

�� Decisões juridicamente obrigatórias para os destinatários; e

�� Decisões direta e imediatamente executórias para seus destinatários.

Com a criação de instituições comuns, às quais os Estados-

Membros delegam parte da sua soberania na busca de decisões comuns e

satisfatórias a questões específicas também de interesse coletivo, criou-se algo

único na organização jurídica, política e econômica do cenário mundial.

O pacto de fundação da UE foi estabelecido entre nações

soberanas, que se decidiram a partilhar um destino comum e a exercer em

conjunto uma parte crescente da sua soberania.

Nos termos dos tratados que deram origem à União

Européia, os Estados-Membros da União transmitem parte de sua soberania

nacional a instituições comuns que representam tanto os interesses nacionais

quanto os comunitários.

Assim, “os tratados constituem o chamado direito primário,

que está na origem de um vasto corpo de direito derivado, que tem incidência

direta na vida quotidiana dos cidadãos europeus156”.

No entanto, o modelo da UE não segue àquele clássico das

organizações do tipo, já que aqui não se estabeleceu uma relação de equilíbrio

entre os integrantes, baseada na coordenação de soberanias. Isto porque a

155 BUHIGUES apud STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou

realidade?, p. 76. 156 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index4_pt.htm. Acesso em 16 abr.

2006.

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limitação de soberania não se verifica em todas as matérias, mas precisamente

na consecução dos objetivos de integração anteriormente estabelecidos.

Nesse sentido, explica Stelzer157:

[...] fala-se em transferência de parcelas soberanas, e não da soberania em toda sua essência, pois não fosse assim, a existência do próprio Estado integrante estaria condenada ao desaparecimento. Ao contrário das organizações internacionais, é preciso ressaltar que não se trata de mera delegação relativa a tarefas técnicas, mas de transferência efetiva para a UE, relativamente a atividades que dizem respeito à própria vida dos Estados com grande área de manobra para alcançar os objetivos propostos.

Nota-se que a abrangência desse fim, como demonstra em

outra parte Stelzer158, condiciona-se a um “ordenamento jurídico hierarquicamente

superior aos ordenamentos nacionais e, caso necessário, com sacrifício das

normas domésticas, sem o que, tornar-se-ia inviável a almejada integração”.

Ocorre que, seguindo este pensamento e sobrepondo-se à

idéia de coordenação de soberanias, característica do Direito Internacional

Público, corre-se o risco de fracionar ou acarretar limitações à própria democracia

como conhecida na Europa, já que o caso de supranacionalidade da UE,

“demonstra-se como soberanias organizadas sob o manto de uma autoridade

superposta, onde ocorre uma verdadeira subordinação de soberanias ao

organismo criado159”.

157 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 77. 158 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 78. 159 “O princípio da supranacionalidade caracteriza uma ordem de soberanias normativamente

subordinadas; não volta a criar um poder originário, embora seja limitada a certas funções, ao nível do continente”. HÉRAUD apud STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 78.

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Conforma-se a esta idéia a conceituação de

Chryssochoou160 sobre o “consórcio confederativo” formado pela União Européia

quando ensina:

A União Européia desdobra-se numa relação simbiótica entre instituições supranacionais e Estados-membros, que pode ser traduzida como mútua dependência. Em decorrência, nenhuma decisão pode ser tomada, nem qualquer ação comum deflagrada sem que essas duas partes estejam de acordo, sopesadas as idéias de supranacionalidade compartilhada e de equilíbrio de custos e benefícios para o conjunto das partes. Longe de significar uma ordem hierárquica superior, a União Européia impõe-se como uma dinâmica entre governos.

No entanto, ainda que aja como organismo potencializador

das soberanias dos Estados-Membros, para boa parte da doutrina revela-se,

neste processo, um profundo déficit democrático. A UE congrega e administra a

vida de quase meio bilhão de seres humanos que, mesmo sendo os responsáveis

diretos pela eleição dos governantes de seus países – que são aqueles que mais

tarde presidirão as decisões nos órgãos administrativos e de cunho decisório da

União –, ainda assim não têm participação efetiva neste processo, acarretando

uma possível crise de legitimidade, isto porque, neste caso particular, se propõe

uma alternativa de menor escala democrática.

Evidencia-se aqui que as instituições comunitárias detêm tão

somente uma legitimidade parcial e indireta, já que a autorização política para o

governo europeu não advém diretamente do povo europeu. Explica Cunha161:

O Tratado da UE é simplesmente um Tratado entre Estados soberanos sob a égide do direito internacional. Os representantes dos Estados-Membros no Conselho são teoricamente responsáveis perante seus Parlamentos Nacionais e somente de forma indireta prestam contas aos seus eleitores. Essa soberania contratada revela a especificidade da política externa e da

160 CHRYSSOCHOOU apud CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da

Democracia na formação da União Européia, p. 123. 161 CUNHA, Alessandra Marchioni Pereira da. As limitações da Democracia na formação da

União Européia, p. 136.

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diplomacia negocial e não requer nenhum envolvimento direto dos cidadãos.

A única forma prevista de participação direta e consensual,

além do referendo, estabelecido por Maastricht, apresenta-se na eleição para o

Parlamento europeu, cuja representação ainda é largamente questionada pelos

doutrinadores e cientistas políticos.

Do ponto de vista político, o surgimento da União Européia

obedeceu a dois objetivos capitais: a busca da paz, em decorrência dos flagelos e

horrores vivenciados na Segunda Guerra Mundial, e uma resposta ao movimento

de globalização econômica que se esboçava no panorama mundial, onde o

próprio conceito de soberania se tornou uma realidade relativa.

Esses dois fatores devem ser levados em conta neste

estudo, pois como elucida Stelzer162, a supranacionalidade nunca pode ser

tratada como fato isolado. Assim explica:

A supranacionalidade nunca pode ser tratada como categoria em si, distanciada dos fatores políticos, porque, desses fatores – localizados na base da UE – é que se depreende a supremacia da ordem jurídica comunitária. Em sua origem, encontra-se uma vontade e uma finalidade de caráter político ligadas à primazia do direito comunitário e, as únicas soluções adequadas para desvendar esta categoria, são as que permitem deduzir conseqüências dessa originalidade para justificar a primazia.

O fenômeno da globalização econômica está profundamente

ligado às bases da integração européia, já que a emergência da

supranacionalidade é uma resposta mais do que eficaz às aspirações dos

Estados frente às suas debilidades no palco internacional e ao enfraquecimento

das soberanias nacionais.

A idéia de uma sociedade global substituindo as sociedades

nacionais implicou numa “profunda readaptação de valores e conceitos, afetando

questões culturais e financeiras, passando pela vertente jurídica, política e

162 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 80.

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sociológica [...] além de proporcionar o surgimento de novas categorias históricas

como a da supranacionalidade”, como aponta Stelzer163, desembocando na União

Européia, no caso do Velho Continente.

O efeito lógico derivado, portanto, desta transferência de

soberania por parte dos Estados-Membros, sem a efetiva perda de seu caráter

nacional, se dá não apenas na integração política e econômica, mas também

comporta uma integração jurídica, capaz de estabelecer parâmetros reguladores

entre os países, bem como entre as instituições e pessoas, sejam elas físicas ou

jurídicas.

3.3 NATUREZA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL EUROPÉIA

Passado mais de meio século desde o início da integração,

a história do continente e a mentalidade dos europeus foi profundamente

marcada. Aquilo que séculos de guerras e derramamento de sangue não foi

capaz de atingir foi conseguido pelo Direito em pouco mais de 50 anos,

ultrapassando antagonismos e derrubando barreiras. Estados e governantes

conscientizaram-se de que, independente de sua bandeira política, a era da

soberania absoluta e defendida a qualquer preço acabou e que tão somente a

união de esforços e a visão de “um destino doravante partilhado permitirão às

suas velhas nações continuar na senda do progresso econômico e social e

manter a sua influência no mundo164”.

Desta feita, a integração dos países europeus aparece como

a resposta mais apropriada aos desafios do mundo globalizado. “Acima de tudo,

ela constitui a melhor ‘apólice de seguro’ possível para um futuro em liberdade e

em paz165”.

163 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 93. 164 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index2_pt.htm. Acesso em 10 abr.

2006. 165 Disponível em: http://www.europa.eu.int/abc/12lessons/index2_pt.htm. Acesso em 10 abr.

2006.

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Para conceituação do que vem a ser a União Européia, o

Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca166 exprime:

A União Européia é uma comunidade de democracias baseadas no compartilhamento de valores dos direitos humanos, democracia e economia de mercado. Por exemplo, a União Européia obteve sucesso ao sustentar o bem-estar e manter uma Europa pacífica em um continente que foi arrasado duas vezes durante as duas guerras mundiais no século passado. A União Européia criou um mercado interno de bens, capital e mão-de-obra eficaz.

Ocorre que a busca por definir a natureza jurídica da

Comunidade Européia é tema suscitado em constantes debates desde a

assinatura que deu origem ao CECA em 1951 e dos Tratados de Roma nos idos

de 1957. Não foi possível, até o presente momento, enquadrar a União, aqui

sempre fazendo referência à União Européia, nas categorias jurídicas conhecidas,

tais como federação, confederação e, inclusive, como bem demonstra Silva167,

organização internacional, “ainda que se perceba algumas aproximações aos dois

primeiros modelos, permanece, por demasia, embrionário e, portanto, inadequado

assemelhá-la e classificá-la dentro destas formas”.

Continua Silva168 explicando que é inegável a “vocação

federal” e a influência deste modelo no fenômeno integracionista:

[...] Já na década de 1950 a elaboração dos Tratados das Comunidades revelava o sustento ideológico dos seus autores, filhos da guerra, apoiados nas teses federalistas de Kant. A “vocação federal”, inclusive, aparecia explicitamente redigida no artigo 11 do projeto do TUE, mas as divergências terminológicas, principalmente por parte do Reino Unido, derrubaram essa expressão do texto final do Tratado. Por esse motivo Araceli

166 Disponível em: http://www.ambbrasilia.um.dk/br/menu/InfoDenmark/Dinamarca+na+UE/.

Acesso em 10 abr. 2006. 167 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 39. 168 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 39.

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Mangas Martín considera que a “substância da qual se nutre esse Tratado é federal – uma sorte de ‘federalismo internacional’”.

Neste mesmo sentido, não raros são aqueles que encontram

no campo federal o esteio para resolver as dificuldades surgidas do processo

integracionista ainda em desenvolvimento, chegando até a assinalar este modelo

como termo último da União Européia.

A verdade é que, como bem leciona Silva169, vários aspectos

deixam a entender a incontestável influência do modelo federal no processo

comunitário, sobretudo no que alude às formas de repartição de competências

entre o sistema estatal e o eixo comunitário.

Tostes170 assim explica:

Os órgãos de poder que sustentam a burocracia da UE não têm correlato na história, pois sua estrutura governamental se constitui a partir de “instituições comunitárias”. [...] A estrutura política da UE se resume na distribuição de competências entre estes “quatro órgãos de natureza política, cujas funções não correspondem à concepção clássica da divisão de poderes”. Na verdade, a UE ainda é um modelo institucional difícil de ser compreendido ou classificado.

Os quatro órgãos referidos acima são as principais

instituições européias, quais sejam: o Parlamento Europeu, o Conselho de

Ministros, a Comissão da Comunidade Européia e o Tribunal de Justiça.

“Até o momento, nem teorias de direito internacional público

nem de direito internacional privado, conseguiram decifrar o caráter sui generis da

UE171”. O que não se pode olvidar é que todo este implexo integracionista é

resultado das decisões dos Estados que buscam, pela via da união de esforços,

soluções comuns às necessidades surgidas da demanda político-econômica

mundial. 169 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 40. 170 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 134-135. 171 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 135.

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Tostes172, além disso, atenta ao fato de que, em particular

no caso da UE, muitas articulações políticas e econômicas só se fizeram

realidade depois que os Estados-Membros abriram mão de parte de sua

soberania. Assim ilustra:

[...] muitas articulações políticas e econômicas foram viabilizadas a partir de cessões voluntárias de soberania por parte dos Estados-membros. Este processo de transferência de competências e de poderes dos governos produziu um “déficit involuntário” de controle democrático por parte, não só dos cidadãos, mas também dos Estados-membros em relação à “comunidade de Estados” que se instituiu.

Conseqüentemente, não é de se estranhar que o fenômeno

da integração européia se aproxime tanto das idéias ou princípios

caracterizadores do federalismo.

No entanto, muitos autores, inclusive aqueles que defendem

as raízes federalistas da integração, fazem notar que esta característica ainda é

insuficiente para definir a natureza jurídica da UE.

Neste sentido, esclarece Silva173:

De modo algum oferece, pelo menos no momento, suporte conceitual suficiente para desvincular definitivamente o fenômeno comunitário do Direito Internacional Público e inseri-lo nas incertas categorias próprias do federalismo. A natureza jusinternacionalista dos tratados constitutivos e de seu procedimento de reforma apresentam-se apenas como alguns exemplos que permitem constatar essa afirmação [...]. Ademais, se o próprio legislador absteve-se de conferir à Comunidade uma natureza federal, parece um tanto exagerado que a doutrina lhe atribua esta qualidade.

Da mesma maneira, boa parte da doutrina engrossa este

coro e também considera inadmissível comparar a União Européia a uma

172 TOSTES, Ana Paula B. União Européia – o poder político do direito, p. 135-136. 173 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e

procedimentos, p. 40.

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confederação, isto porque “a transferência de competência internacional para

esse ente supranacional não acontece com a mesma precisão e clareza como

nos entes confederados174” e também porque, dotada de personalidade jurídica

de Direito Internacional Público, a Comunidade Européia forma algo muito mais

complexo do que a simples união de Estados, levando à idéia de que Federação

e Confederação seriam conceitos “restritos para abarcar o fenômeno europeu175”.

É por isso que a doutrina quer levar à crença de que a

natureza da integração dos países europeus desemboca no universo das

organizações internacionais176.

Silva177 assim explica:

As organizações internacionais como sujeitos de direito comportam um fenômeno recente na história das relações internacionais, tendo se intensificado após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo com o advento dos processos globalizantes, dos movimentos integracionistas e seus efeitos multiplicadores que impulsionaram a formação dessas novas entidades, passando a se configurar, na atualidade, numa ordem próxima a 350 unidades no sistema internacional.

Depreende-se dos ensinamentos acima que a União

Européia não pode ser tida como uma federação como, por exemplo, os Estados

Unidos da América, nem é tão somente uma mera organização de cooperação

entre governos como as Nações Unidas. Ao contrário, ela possui, de fato, um

caráter único, visto que os países que a integram, seus Estados-Membros, 174 BALLARINO apud SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes,

princípios e procedimentos, p. 40. 175 BALLARINO apud SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes,

princípios e procedimentos, p. 41. 176 “Uma organização internacional é, como o nome diz, uma organização de caráter internacional.

Visa a cooperação, a boa vontade de encontrar conjuntamente, problemas comuns. A personalidade jurídica está na junção voluntária dos Estados ou demais entes ou sujeitos de direito internacional. Pode ser de dois tipos: uma organização intergovernamental, formada pela reunião de estados soberanos, ou uma organização não-governamental (ONG), formada por membros da sociedade. Em ambos os casos, há exigências legais para seu reconhecimento como organização internacional. Ex: ONU, IUCN, Mercosul, UE.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_internacional. Acesso em 12 abr. 2006.

177 SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Européia: fontes, princípios e procedimentos, p. 41.

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coligaram as suas soberanias em algumas áreas para auferirem força e influência

no mundo globalizado que, por si só, poderiam obter isoladamente.

Como já visto anteriormente, “congregação de soberanias

significa, na prática, que os Estados membros delegam alguns dos seus poderes

em instituições comuns que criaram, de modo a assegurar que os assuntos de

interesse comum possam ser decididos democraticamente ao nível europeu178”.

A grande questão a ser analisada então é a de que não

pode ser dado à União Européia um enquadramento, na gama de referência das

categorias clássicas do Direito, pertinente à sua natureza jurídica.

O processo evolutivo da integração político-econômica

vivenciada pela Europa possui características notadamente federais, mas por

tratar-se de uma coalizão de Estados reunidos por meio de Tratados

internacionais onde, por disposição destes mesmos documentos cedem parcelas

de suas soberanias nacionais ao ente criado, qual seja, a própria União Européia,

transborda os próprios padrões tradicionais do binômio jurídico estatal versus

internacional.

Seguindo este raciocínio, Stelzer179 aqui propõe “uma nova

categoria jurídica: o direito supranacional”.

Del Pozo180, ao refletir sobre a construção ímpar do edifício

comunitário, entende que:

[...] constitui uma forma de organização supranacional, apresentando como elemento caracterizador o de ser uma comunidade de Direito, [...] diferenciando-se, assim, de qualquer outro tipo de estrutura conhecida, das quais toma alguns elementos, mas nunca todos de nenhuma das existentes, sendo que, precisamente este fato, põe de relevo a singularidade da sua natureza jurídica.

178 Disponível em: http://www.europa.eu.int/institutions/index_pt.htm. Acesso em 17 abr. 2006. 179 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 115. 180 DEL POZO apud STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou

realidade?, p. 115.

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3.3.1 Uma Constituição para a Europa

E é por essa razão que o Conselho Europeu, em dezembro

de 2001, criou uma nova Convenção formada por um total de 105 políticos dos

Estados-Membros e também dos países candidatos à União, com o objetivo de

elaborar um novo Tratado, bem mais simplificado e em substituição a todos os

outros acumulados nos últimos 50 anos, excetuando-se o EURATOM, onde

fossem determinados claramente os objetivos da União Européia, bem como

determinar quais as responsabilidades de cada um dentro da construção

comunitária.

Concluído em 18 de junho de 2004, na cidade de Bruxelas,

ao documento elaborado pela Convenção chamou-se de Constituição para a UE.

Como forma de garantir sua legitimidade, para que entre em vigor, o documento

deste novo Tratado deverá ser ratificado por todos os 25 Estados-Membros.

Destaca-se, desde já que, apesar de a grande maioria dos Estados já o terem

ratificado, França e Holanda rejeitaram o documento, em referendos realizados

em 2005.

Como já mencionado acima, os objetivos primordiais do

projeto de Constituição como reforma fundamental da Comunidade Européia são,

sobretudo, “simplificar as séries de sobreposições de Tratados e protocolos que

providenciam atualmente a constituição legal da Europa, e melhorar o

funcionamento da União após a entrada de 10 novos países da Europa de Leste,

[...] a 1 de maio de 2004181”.

Se comparada com as outras Constituições existentes, esta

européia é bem extensa, com 265 páginas e pouco mais de 60.000 palavras; a

Constituição Norte-Americana, por exemplo, possui 4.600 palavras. No entanto, é

consideravelmente mais curta que os incontáveis tratados hoje existentes para a

União Européia.

181 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_Europeia. Acesso em

17 abr. 2006.

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É claro que a simplificação dos Tratados ocasionará uma

maior transparência no processo decisório comunitário, pois implicará numa

diminuição considerada da máquina burocrática, além do que, para os cidadãos

europeus em geral, revelará explicitamente as funções, competências e

responsabilidades de cada Estado-Membro dentro do processo, além do que

deixa absolutamente clara a dupla legitimidade da integração européia, quais

sejam, a da vontade diretamente expressa pelos povos do continente e a

legitimidade dos governos nacionais.

3.3.1.1 Estrutura do Tratado Constitucional

O Tratado constitucional da União Européia encontra-se

dividido em quatro partes principais e equânimes hierarquicamente. Seu

Preâmbulo recorda a história, a herança e o legado da Europa e, sobretudo, o

desejo de ultrapassar suas divisões, como bem evidencia este trecho extraído do

Tratado182:

[...] INSPIRANDO-SE no patrimônio cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de Direito, CONVENCIDOS de que a Europa, agora reunida após dolorosas experiências, tenciona progredir na via da civilização, do progresso e da prosperidade a bem de todos os seus habitantes, incluindo os mais frágeis e os mais desprotegidos, quer continuar a ser um continente aberto à cultura, ao saber e ao progresso social, e deseja aprofundar o caráter democrático e transparente da sua vida pública e atuar em prol da paz, da justiça e da solidariedade no mundo, PERSUADIDOS de que os povos da Europa, continuando embora orgulhosos da respectiva identidade e história nacional, estão decididos a ultrapassar as antigas discórdias e, unidos por laços cada vez mais estreitos, a forjar o seu destino comum, [...].

Retoma assim o Preâmbulo, em grande parte, os assuntos

discorridos nos preâmbulos dos Tratados anteriores, introduzindo também novos

182 Disponível em: http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/site/pt/oj/2004/c_310/c_31020041

216pt00030010.pdf. Acesso em 17 abr. 2006.

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temas, como o humanismo, a importância da razão e a identidade nacional dos

povos.

A Parte I, compreendida dos artigos 1° ao 60° do Tratado,

consagra os princípios, objetivos e disposições institucionais que dirigem a nova

União Européia. São nove os títulos que a compõem183:

�� Definições e objetivos da União;

�� Direitos fundamentais e cidadania da União;

�� Competências da União;

�� Instituições e órgãos da União;

�� Exercício das competências da União;

�� Vida democrática da União;

�� Finanças da União;

�� A União e os Estados vizinhos;

�� Qualidade de membro da União.

Igualmente precedida de um Preâmbulo, a Parte II exalta a

dignidade do ser humano, e os valores da liberdade, da igualdade e da

solidariedade, consagrando a Carta dos Direitos Fundamentais da União.

Estabelecida dos artigos 61 à 114 da Carta Constitucional,

aquela que garante os direitos fundamentais encontra-se também dividida em

temas, sendo eles184:

�� Dignidade;

�� Liberdades;

�� Igualdade;

�� Solidariedade;

�� Cidadania;

�� Justiça;

183 Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 17 abr.

2006. 184 Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 17 abr.

2006.

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�� Disposições gerais.

A Parte III da Constituição integra os artigos 115 ao 436 e,

diferentemente das anteriores não possui nenhum Preâmbulo ou texto

introdutório. Destarte, contém as disposições relativas às políticas e ao

funcionamento geral da UE. Aqui se estabelecem as políticas internas e externas,

como o mercado interno, a União Econômica e Monetária, o espaço de liberdade,

segurança e justiça, bem como a política externa e de segurança comum.

É também esta Parte dividida em sete temas centrais185:

�� Disposições de aplicação geral;

�� Não discriminação e cidadania;

�� Políticas e ações internas;

�� Associação dos países e territórios ultramarinos;

�� Ação externa da União;

�� Funcionamento da União;

�� Disposições comuns.

A última Parte é aquela que reúne as disposições gerais e

finais do Tratado Constitucional, estabelecendo sua entrada em vigor, seu

processo de revisão e a revogação dos demais tratados anteriores.

Nesta Parte IV foram, objetivamente dispostos, dos artigos

437 à 448186:

�� Protocolo relativo ao papel dos parlamentos nacionais na União Européia;

�� Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade;

�� Protocolo relativo ao EUROGRUPO;

�� Protocolo que altera o Tratado EURATOM;

185 Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 17 abr.

2006. 186 Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 17 abr.

2006.

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�� Protocolo relativo às disposições transitórias respeitantes às instituições e órgãos da União;

�� Foram ainda anexadas numerosas declarações à ata final da CIG.

Assim, se elenca nomeadamente da Constituição aprovada

pelos líderes da União Européia em 2004 as seguintes alterações à estrutura

atual da mesma, a eleição do Presidente do Conselho Europeu, por maioria

qualificada, para um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez, bem como

a eleição do Presidente da Comissão por maioria simples dos membros do

Parlamento Europeu, sob proposta do Conselho Europeu, tendo em conta os

resultados das eleições para o Parlamento. Há, ainda, a qualificação de um

Ministro dos Negócios Estrangeiros da União, que seja, ao mesmo tempo, Vice-

Presidente da Comissão e membro do Conselho Europeu. Outro ponto importante

estabelecido na Carta Européia foi a expansão a mais domínios da decisão por

maioria qualificada no Conselho e o reforço dos poderes legislativos e

orçamentais do Parlamento Europeu, por uma definição mais clara da repartição

de competências entre a União, como ente supranacional, e os seus Estados-

Membros.

Uma vitória da democracia foi a incorporação da Carta dos

Direitos Fundamentais no corpo do Tratado. Os princípios de direito consagrados

pela UE desde a década de 50 e por todas as Constituições Nacionais dos

Estados-Membros foram reafirmados e atribui-se à União personalidade jurídica.

Como bem ensina Stelzer187, “com a transferência de

soberania autorizada sob a égide de um Estado de Direito, o caráter

supranacional emergiu legítimo e natural”.

Possibilitou-se desta forma, à União Européia, desempenhar

seu papel de maneira suprema em detrimento das pretensões volitivas individuais

de cada nação sem ferir, apesar disso, “qualquer sentimento democrático, haja

vista que o processo de inserção na organização operou-se consoante a letra

187 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 143.

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constitucional e a aprovação derradeira pelos cidadãos restou consagrada, ao

final, nas consultas populares188”.

A última etapa a ser vencida para que se conclua o processo

de reformas institucionais da União Européia iniciadas com o Tratado de Nice é a

ratificação da Constituição pelos Estados-Membros.

Inicialmente previsto com duração de dois anos, é

necessário que a Constituição passe por um processo de ratificação por parte dos

Estados-Membros assim como ocorreu com os tratados anteriores, isto quer por

via parlamentar, quer por referendo popular, para sua entrada em vigor, marcada

para o dia 1 de Novembro deste ano de 2006.

Em junho de 2005 o Conselho Europeu determinou que,

apesar dos resultados negativos dos referendos realizados na França e Holanda,

o processo de ratificação continuaria, fixando para ainda no primeiro semestre do

ano de 2006, uma cláusula de consulta prévia "a fim proceder a uma apreciação

global dos debates nacionais e decidir como prosseguir este processo189".

Ao longo desses mais de 50 anos de existência o processo

de integração europeu sempre foi considerado original e único não apenas do

ponto de vista político e econômico, mas também no que diz respeito ao Direito,

haja vista que, ainda hoje, não encontra, a dinâmica européia, eco nos modelos

legislativos existentes e aplicados no panorama mundial.

Deste modo, a grande novidade trazida pela União dos

Estados Europeus não está nos objetivos econômicos e políticos das nações

integrantes, o que por si só já bastariam para exaltar o mérito deste processo de

integração, mas está sim na primorosa revolução jurídica trazida pelo direito

nascido das Comunidades, “esculpida nas técnicas aplicadas e no relacionamento

existente entro o Direito Comunitário e os direitos internos190”, demonstrando,

188 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 143. 189 Disponível em: http://europa.eu.int/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 17 abr.

2006. 190 STELZER, Joana. União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?, p. 144.

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como prevê o próprio lema comunitário, que a Europa está toda ela “Unida na

Diversidade191”.

191 “Unida na diversidade é o lema da União Européia. Começou a ser usado por volta do ano

2000 e foi pela primeira vez objeto de referência oficial no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, assinado em 2004. O artigo I-8º refere quais são os símbolos da UE. Este lema significa que na UE os europeus estão unidos, trabalhando em conjunto pela paz e pela prosperidade, e que o fato de existirem diferentes culturas, tradições e línguas na Europa é algo de positivo para o continente”. Disponível em: http://europa.eu.int/abc/symbols/motto/index_pt.htm. Acesso em 17 abr. 2006.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia buscou aprofundar os conhecimentos

sobre a Constituição Européia e os Princípios aplicáveis ao Federalismo.

É grande a relevância que a matéria apresenta, por ter em

destaque a estrutura política de uma das mais notáveis organizações

internacionais de integração econômica existente no cenário mundial.

Para que se pudessem estudar os vários temas suscitados,

foram levantadas algumas hipóteses, quais sejam:

�� Tratando-se o Federalismo de uma forma de Estado que permitiria a união dos Entes Federados e, ou Estados Federados, seria certo dizer que este proporcionaria à União dos Estados Europeus os principais meios para que se desenvolva a Democracia ou um Estado Democrático de Direito, quais seriam: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o desenvolvimento e a igualdade, na promoção da justiça e dos valores supremos da sociedade. Sistematizando em um só texto constitucional os Tratados da Comunidade Européia e da União Européia, poderiam ser aperfeiçoadas as suas instituições para melhor integrar os Estados-Membros e os seus cidadãos;

�� Diante da União Européia, a ratificação e efetivação de uma Constituição comum, em nada poderia vir a ferir a Soberania Nacional de seus Membros, uma vez que esta pretenderia tão somente regular as questões inerentes à própria Comunidade, seus princípios, direitos e garantias fundamentais dos Estados-Membros entre si e com os próprios cidadãos europeus, fonte de onde emana todo o poder e justifica a própria existência do Estado como tal;

�� Regulando as questões pertinentes à integração econômica, política, social e cultural, bem como jurídica dos povos europeus, a Constituição para a Europa, simplificando e atualizando, em um só texto, os Tratados da Comunidade Européia estabeleceria, em última instância, a formação de

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um modelo perfeito, em teoria, de um Estado Federado, na integralização de seus princípios e ideais.

Com a criação de um Direito próprio, abarcado pelo

processo histórico de formação da Comunidade Européia constatou-se que,

decisivamente, foi redimensionado o paradigma da soberania estatal no contexto

comunitário pela divisão de competências entre os Estados-Membros e as

instituições comunitárias. Daí, a necessidade da criação de uma Constituição que

estipulasse de forma clara os objetivos e valores do ente comunitário,

determinando a responsabilidade e direitos de cada Estado e, conseqüentemente,

seus cidadãos.

O assunto ora estudado apresenta-se também como uma

novidade, pois mesmo que o processo de integração caminhe a passos largos há

mais de meio século, apenas recentemente o estudo da nova Europa começou a

se tornar prioritário para a compreensão do fenômeno da globalização econômica

e das próprias bases do Estado Democrático de Direito.

Contemporaneamente, a Constituição Européia representa

um marco jurídico importante ao procurar regulamentar as complexas relações

entre os Estados-Membros da União em uma perspectiva supranacional e

globalizante, não deixando dúvidas, portanto, de que sua implementação

caracteriza uma mudança de paradigmas na atuação estatal, com a superação do

modelo do Estado-nacional e as necessárias conseqüências jurídicas daí

advindas.

E foi justamente a partir deste cenário que se buscou

responder aos questionamentos anteriormente provocados para o

desenvolvimento deste trabalho.

Perpassando a evolução histórica do Estado e as formas de

regular a relação de poder entre os homens, se buscou estabelecer os conceitos

de Federalismo, estabelecendo suas características e princípios.

Frente a esta abordagem, e em resposta à primeira

hipótese, viu-se que esta foi confirmada, pois verificou-se ser a Constituição

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Européia de relevante importância para o desenvolvimento da democracia no

Velho Continente, uma vez que procura não apenas reunir os Tratados

anteriormente firmados entre os Estados-Membros, mas dar uma nova roupagem

à União estabelecendo a maneira de participação de cada Membro na arquitetura

política, seus direitos e responsabilidades, e as formas de participação do cidadão

individual no processo de escolha de seus representantes nas diversas

instituições, na defesa de seus direitos fundamentais e nas responsabilidades

surgidas do seu exercício de cidadania.

No que se refere à segunda hipótese, esta também restou

confirmada, pois a União Européia desdobra-se na idéia de uma família de países

democráticos europeus, compelidos num projeto comum de paz e prosperidade.

Não se trata, porém, de um novo e único Estado que pretende substituir Estados

já existentes, os 25 que compõem a UE, nem se restringe a ser apenas uma

organização de cooperação internacional, mas sim de uma resposta efetiva aos

dilemas globais e suas conseqüências.

Entendendo-se que uma Constituição não se legitima pela

mera positivação do poder, mas por estar em consonância com os valores

jurídicos aceitos pela sociedade é que a União Européia, por meio do Tratado

Constitucional, tem buscado conceder legitimidade democrática ao seu processo

de integração.

A globalização da economia, dos mercados financeiros, do

comércio e de muitos aspectos da vida em sociedade trouxe conseqüências que

de forma alguma poderiam ficar desconhecidas no mundo jurídico.

Igualmente, pela presente monografia, pode-se vislumbrar

que a União Européia, representando a entidade política supranacional formada

pelos Estados que a compõe, marca a superação do modelo dos Estados-

nacionais organizados em ordenamentos econômicos, políticos, sociais e jurídicos

fechados e autônomos.

De tal modo, na medida em que impõe um novo modelo

jurídico de articulação de cidadãos e de Estados, a Constituição para a Europa

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busca a definitiva implementação da União Européia pela reforma e uniformização

de seus Tratados constitutivos, alcançando assim a totalidade de sua integração

econômica e política.

Assim, a terceira hipótese viu-se confirmada pois, uma vez

redimensionado o paradigma da soberania estatal no contexto comunitário pela

divisão de competências entre os Estados-Membros e as instituições

comunitárias, o que justifica a necessidade da criação de uma Constituição que

estipulasse de forma clara os objetivos e valores do ente comunitário,

determinando a responsabilidade e direitos de cada Estado e, conseqüentemente,

seus cidadãos.

Constatou-se ser, portanto, inegável a característica federal

da União Européia pois, por meio de sua Constituição, adquire personalidade

jurídica, passando-se a aplicar os mesmos instrumentos legislativos e métodos de

tomada de decisão a todas as políticas da União. Outro fato marcante é a Carta

dos Direitos Fundamentais e o direito de iniciativa popular que trazem uma nova

dimensão ao exercício da cidadania européia, contribuindo para o preenchimento

de grande parte das lacunas democráticas de seu funcionamento.

Soluções institucionais foram encontradas, como aquelas

que prevêem a figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como a

escolha de um Presidente do Conselho Europeu permanente, com um mandato

renovável em cada dois anos e meio.

Não obstante, existem ainda muitos que criticam a formação

atual da União Européia e seu desenvolvimento; note-se que França e Holanda,

por referendo, rejeitaram o texto da Constituição.

A este respeito, reunidos em 28 de maio deste ano na

cidade de Viena, os chanceleres europeus decidiram prolongar até junho de 2007

o período de ratificação do Tratado Constitucional para a Europa.

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Ursula Plasssnik192, ministra austríaca das relações

exteriores, ao comentar a crise que se iniciou em junho de 2005 após a rejeição

dos franceses e holandeses ao texto constitucional, advertiu: “o céu está

clareando. As nuvens tempestuosas do ano passado estão se dissipando

lentamente e acredito que conseguimos empurrar para frente os debates”.

Não obstante, vozes mais acirradas cuidam de desfazer o

mito europeu atacando, por exemplo, a afirmação de que a globalização

econômica seria um dos principais fatores que desencadearam o processo

integracionista.

Continuam defendendo que, curiosamente, são apenas os

Estados europeus aqueles a sentir necessidade de delegar poderes e funções a

uma entidade supranacional, em detrimento do conceito de Estado-nação

ocasionado pela lenta derrocada do sistema federal. Questionam a legitimidade

das instituições européias e ainda lutam por desmentir o progresso econômico do

Continente, gerado principalmente depois da criação do EURO, evidenciando que

o crescimento tem justamente efeito contrário, retrógrado, resultante do autismo

dos dirigentes políticos que não atendem à especificidade das economias

nacionais.

Preponderam, por fim, em fazer notar que o Estado-nação

não está ultrapassado e, antes, é fonte motora de mudança mundial, e que este

recurso de via única adotado pela União Européia é, ela sim, redutora do

processo de construção econômico e social.

Ao contrário e, segundo análise do que se pode extrair de

todo este trabalho acadêmico, cujo assunto não se pretendeu esgotar e que

merece, outrossim, continuação à pesquisa aqui principiada, verificou-se a

tendência federal da União Européia levantada no início destes estudos, dado o

estabelecimento de sua natureza política pelo texto constitucional.

192 UE congela por um ano o projeto de Constituição. Disponível em: www.terra.com.br.

Acesso em 28 maio 2006.

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Ainda que esta Constituição não dure os 50 anos que

Giscard d’Éstaing193 prenunciava194, constitui-se ela, certamente, no melhor

compromisso possível efetuado entre os Estados-Membros e, necessário, para a

garantia de uma Europa unida, ainda que na diversidade.

193 Valéry Marie René Giscard d'Estaing (Koblenz, 2 de Fevereiro de 1926), é um político

francês de centro-direita, que exerceu o cargo de Presidente da República Francesa de 1974 a 1981. Entre 2002 e 2003 foi presidente da Convenção para o Futuro da Europa, que redigiu um projecto de Constituição Europeia aprovado em 2004 pelos chefes de Estado e de Governo dos membros da União Europeia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Giscard_D'Estaing. Acesso em: 30 abr. 2006.

194 Disponível em: http://european-convention.eu.int/docs/Treaty/Rome_PT.pdf. Acesso em: 30 abr. 2006.

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CAFFARATE, Viviane Machado. Federalismo: uma análise sobre sua temática

atual. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3249.

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ANEXO I

Artigo 189o - O Parlamento Europeu, composto por

representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade, exerce os

poderes que lhe são atribuídos pelo presente Tratado.

O número de deputados do Parlamento Europeu não será

superior a setecentos.

Artigo 190o - 1. Os representantes ao Parlamento Europeu,

dos povos dos Estados reunidos na Comunidade, são eleitos por sufrágio

universal direto. 2. O número de representantes eleitos em cada Estado-Membro

é fixado da seguinte forma: Bélgica – 25, Dinamarca – 16, Alemanha – 99, Grécia

– 25, Espanha – 64, França – 87, Irlanda – 15, Itália – 87, Luxemburgo – 6,

Países Baixos – 31, Portugal – 25, Finlândia – 16, Suécia – 22 e Reino Unido –

87.

Em caso de alteração ao presente número, o número de

representantes eleitos em cada Estado-Membro deve assegurar a representação

adequada dos povos dos Estados reunidos na Comunidade. 3. Os representantes

são eleitos por um período de cinco anos. 4. O Parlamento Europeu elaborará um

projeto destinado a permitir a eleição por sufrágio universal direto, segundo um

processo uniforme em todos os Estados-Membros ou baseado em princípios

comuns a todos os Estados-Membros. O Conselho, deliberando por unanimidade,

após parecer favorável do Parlamento Europeu, que se pronuncia por maioria dos

membros que o compõem, aprova as disposições cuja adoção recomendará aos

Estados-Membros, nos termos das respectivas normas constitucionais. 5. O

Parlamento Europeu estabelecerá o estatuto e as condições gerais de exercício

das funções dos seus membros, após parecer da Comissão e mediante

aprovação do Conselho, deliberando por unanimidade.

Artigo 191o - Os partidos políticos ao nível europeu

desempenham um importante papel como fator de integração na União.

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Contribuem para a criação de uma consciência européia e para a expressão da

vontade política dos cidadãos da União.

Artigo 192o - Na medida em que o presente Tratado o prevê,

o Parlamento Europeu participa no processo conducente à adoção dos atos

comunitários, exercendo as suas atribuições no âmbito dos procedimentos

definidos nos artigos 251o e 252o e emitindo pareceres favoráveis ou formulando

pareceres consultivos. O Parlamento Europeu pode, por maioria dos seus

membros, solicitar à Comissão que submeta à sua apreciação todas as propostas

adequadas sobre as questões que se lhe afigure requererem a elaboração de

atos comunitários para efeitos de aplicação do presente Tratado.

Artigo 193o - No exercício das suas atribuições, o

Parlamento Europeu pode, a pedido de um quarto dos seus membros, constituir

uma comissão de inquérito temporária para analisar, sem prejuízo das atribuições

conferidas pelo presente Tratado a outras instituições ou órgãos, alegações de

infração ou de má administração na aplicação do direito comunitário, exceto se os

fatos alegados estiverem em instância numa jurisdição, e enquanto o processo

jurisdicional não se encontrar concluído. A Comissão de inquérito temporária

extingue-se com a apresentação do seu relatório. As formas de exercício do

direito de inquérito são determinadas de comum acordo pelo Parlamento

Europeu, pelo Conselho e pela Comissão.

Artigo 194o - Qualquer cidadão da União, bem como

qualquer outra pessoa singular ou coletiva com residência ou sede estatutária

num Estado-Membro, tem o direito de apresentar, a título individual ou em

associação com outros cidadãos ou pessoas, petições ao Parlamento Europeu

sobre qualquer questão que se integre nos domínios de atividade da Comunidade

e lhe diga diretamente respeito.

Artigo 195o - 1. O Parlamento Europeu nomeará um

Provedor de Justiça, com poderes para receber queixas apresentadas por

qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa singular ou coletiva com

residência ou sede estatutária num Estado-Membro e respeitantes a casos de má

administração na atuação das instituições ou organismos comunitários, com

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exceção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância no exercício

das respectivas funções jurisdicionais.

De acordo com a sua missão, o Provedor de Justiça

procederá aos inquéritos que considere justificados, quer por sua própria iniciativa

quer com base nas queixas que lhe tenham sido apresentadas, diretamente ou

por intermédio de um membro do Parlamento Europeu, salvo se os fatos

invocados forem ou tiverem sido objeto de processo jurisdicional. Sempre que o

Provedor de Justiça constate uma situação de má administração, apresentará o

assunto à instituição em causa, que dispõe de um prazo de três meses para lhe

apresentar a sua posição. O Provedor de Justiça enviará seguidamente um

relatório ao Parlamento Europeu e àquela instituição. A pessoa que apresentou a

queixa será informada do resultado dos inquéritos. O Provedor de Justiça

apresentará anualmente ao Parlamento um relatório sobre os resultados dos

inquéritos que tenha efetuado. 2. O Provedor de Justiça é nomeado após cada

eleição do Parlamento Europeu, pelo período da legislatura. Pode ser

reconduzido nas suas funções. A pedido do Parlamento Europeu, o Tribunal de

Justiça pode demitir o Provedor de Justiça, se este deixar de preencher os

requisitos necessários ao exercício das suas funções ou tiver cometido falta

grave. 3. O Provedor de Justiça exercerá as suas funções com total

independência. No cumprimento dos seus deveres, não solicitará nem aceitará

instruções de qualquer organismo. Enquanto durarem as suas funções, o

Provedor de Justiça não pode exercer qualquer outra atividade profissional,

remunerada ou não.

4. O Parlamento Europeu estabelecerá o estatuto e as

condições gerais de exercício das funções do Provedor de Justiça, após parecer

da Comissão e com aprovação do Conselho, deliberando por maioria qualificada.

Artigo 196o - O Parlamento Europeu realiza uma sessão

anual, reunindo-se por direito próprio na segunda terça-feira de Março. O

Parlamento Europeu pode reunir-se em sessão extraordinária, a pedido da

maioria dos seus membros, do Conselho ou da Comissão.

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Artigo 197o - O Parlamento Europeu designa, de entre os

seus membros, o Presidente e a Mesa. Os membros da Comissão podem assistir

a todas as reuniões e serão ouvidos em nome dela quando assim o solicitarem. A

Comissão responderá, oralmente ou por escrito, às questões que lhe forem

colocadas pelo Parlamento Europeu ou pelos seus membros. O Conselho será

ouvido pelo Parlamento Europeu nas condições por ele estabelecidas no seu

regulamento interno.

Artigo 198o - Salvo disposição em contrário do presente

Tratado, o Parlamento Europeu delibera por maioria absoluta dos votos

expressos. O regulamento interno fixará o quorum.

Artigo 199o - O Parlamento Europeu estabelecerá o seu

regulamento interno por maioria dos membros que o compõem. As atas do

Parlamento Europeu serão publicadas nas condições previstas no regulamento.

Artigo 200o - O Parlamento Europeu discutirá em sessão

pública o relatório geral anual que lhe é submetido pela Comissão.

Artigo 201o - Quando uma moção de censura sobre as

atividades da Comissão for submetida à apreciação pelo Parlamento Europeu,

este só pode pronunciar-se sobre ela por votação pública e depois de decorridos

pelo menos três dias sobre o depósito da referida moção. Se a moção de censura

for adotada por maioria de dois terços dos votos expressos que representem a

maioria dos membros que compõem o Parlamento Europeu, os membros da

Comissão devem abandonar coletivamente as suas funções. Continuarão, porém,

a gerir os assuntos correntes até à sua substituição, nos termos do artigo 214o.

Neste caso, o mandato dos membros da Comissão designados para os substituir

expira na data em que expiraria o mandato dos membros da Comissão obrigados

a abandonar funções coletivamente.

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ANEXO II

Artigo 202o - Tendo em vista garantir a realização dos

objetivos enunciados no presente Tratado e nas condições nele previstas, o

Conselho: assegura a coordenação das políticas econômicas gerais dos Estados-

Membros; dispõe de poder de decisão; atribui à Comissão, nos atos que adota, as

competências de execução das normas que estabelece. O Conselho pode

submeter o exercício dessas competências a certas modalidades. O Conselho

pode igualmente reservar-se, em casos específicos, o direito de exercer

diretamente competências de execução. As modalidades acima referidas devem

corresponder aos princípios e normas que o Conselho, deliberando por

unanimidade, sob proposta da Comissão e após parecer do Parlamento Europeu,

tenha estabelecido previamente.

Artigo 203o - O Conselho é composto por um representante

de cada Estado-Membro a nível ministerial, com poderes para vincular o governo

desse Estado-Membro. A Presidência é exercida sucessivamente por cada

Estado-Membro no Conselho, durante um período de seis meses, pela ordem

decidida pelo Conselho, deliberando por unanimidade.

Artigo 204o - O Conselho reúne-se por convocação do seu

Presidente, por iniciativa deste, de um dos seus membros ou da Comissão.

Artigo 205o - 1. Salvo disposição em contrário do presente

Tratado, as deliberações do Conselho são tomadas por maioria dos seus

membros. 2. Relativamente às deliberações do Conselho que exijam maioria

qualificada, atribui-se aos votos dos seus membros a seguinte ponderação:

Bélgica – 5, Dinamarca – 3, Alemanha – 10, Grécia – 5, Espanha – 8, França –

10, Irlanda – 3, Itália – 10, Luxemburgo – 2, Países Baixos – 5, Áustria – 4,

Portugal – 5, Finlândia – 3, Suécia – 4 e Reino Unido – 10. As deliberações são

tomadas se obtiverem pelo menos: sessenta e dois votos, sempre que, por força

do presente Tratado, devam ser tomadas sob proposta da Comissão; sessenta e

dois votos que exprimam a votação favorável de, pelo menos, dez membros nos

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restantes casos. 3. As abstenções dos membros presentes ou representados não

impedem que sejam tomadas as deliberações do Conselho que exijam

unanimidade.

Artigo 206o - Em caso de votação, cada membro do

Conselho só pode representar, por delegação, um dos outros membros.

Artigo 207o - 1. Um Comitê, composto pelos representantes

permanentes dos Estados-Membros, prepara os trabalhos do Conselho e exerce

os mandatos que este lhe confia. O Comitê pode adotar decisões de natureza

processual nos casos previstos no regulamento interno do Conselho. 2. O

Conselho é assistido por um Secretariado-Geral, colocado na dependência de um

Secretário-Geral, Alto-Representante para a Política Externa e de Segurança

Comum, que será coadjuvado por um Secretário-Geral Adjunto responsável pela

gestão do Secretariado-Geral. O Secretário-Geral e o Secretário-Geral Adjunto

são nomeados pelo Conselho, deliberando por unanimidade. O Conselho decide

sobre a organização do Secretariado-Geral. 3. O Conselho aprova o seu

regulamento interno. Para efeitos de aplicação do no 3 do artigo 255o, o Conselho

estabelecerá no seu regulamento interno as condições de acesso por parte do

público aos documentos do Conselho. Para efeitos do presente número, o

Conselho determinará os casos em que se deve considerar que atua no exercício

dos seus poderes legislativos, a fim de possibilitar um maior acesso aos

documentos nesses casos, preservando simultaneamente a eficácia do seu

processo decisório. De qualquer modo, sempre que o Conselho atue no exercício

de poderes legislativos, os resultados das votações e as declarações de voto,

bem como as declarações exaradas em ata, serão tornados públicos.

Artigo 208o - O Conselho pode solicitar à Comissão que

proceda a todos os estudos que ele considere oportunos para realização dos

objetivos comuns e que lhe submeta todas as propostas adequadas.

Artigo 209o - O Conselho estabelecerá, após parecer da

Comissão, os estatutos dos comitês previstos no presente Tratado.

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Artigo 210o - O Conselho, deliberando por maioria

qualificada, fixa os vencimentos, subsídios, abonos e pensões do Presidente e

dos membros da Comissão, e ainda do Presidente, dos juízes, dos advogados-

gerais e do Escrivão do Tribunal de Justiça. O Conselho fixa, igualmente por

maioria qualificada, todos os subsídios e abonos que substituam a remuneração.

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ANEXO III

Artigo 211o - A fim de garantir o funcionamento e o

desenvolvimento do mercado comum, a Comissão: vela pela aplicação das

disposições do presente Tratado bem como das medidas tomadas pelas

instituições, por força deste; formula recomendações ou pareceres sobre as

matérias que são objeto do presente Tratado, quando este o preveja

expressamente ou quando tal seja por ela considerado necessário; dispõe de

poder de decisão próprio, participando na formação dos atos do Conselho e do

Parlamento Europeu, nas condições previstas no presente Tratado; exerce a

competência que o Conselho lhe atribua para a execução das regras por ele

estabelecidas.

Artigo 212o - A Comissão publicará anualmente, pelo menos

um mês antes da abertura da sessão do Parlamento Europeu, um relatório geral

sobre as atividades da Comunidade.

Artigo 213o - 1. A Comissão é composta por vinte membros,

escolhidos em função da sua competência geral e que ofereçam todas as

garantias de independência. O número de membros da Comissão pode ser

modificado pelo Conselho, deliberando por unanimidade. Só nacionais dos

Estados-Membros podem ser membros da Comissão. A Comissão deve ter, pelo

menos, um nacional de cada Estado-Membro, mas o número de membros com a

nacionalidade de um mesmo Estado não pode ser superior a dois. 2. Os membros

da Comissão exercerão as suas funções com total independência, no interesse

geral da Comunidade. No cumprimento dos seus deveres, não solicitarão nem

aceitarão instruções de nenhum governo ou qualquer outra entidade. Os

membros da Comissão abster-se-ão de praticar qualquer ato incompatível com a

natureza das suas funções. Os Estados-Membros comprometem-se a respeitar

este princípio e a não procurar influenciar os membros da Comissão no exercício

das suas funções. Enquanto durarem as suas funções, os membros da Comissão

não podem exercer qualquer outra atividade profissional, remunerada ou não.

Além disso, assumirão, no momento da posse, o compromisso solene de

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respeitar, durante o exercício das suas funções e após a cessação destas, os

deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os de honestidade e discrição,

relativamente à aceitação, após aquela cessação, de determinadas funções ou

benefícios. Se estes deveres não forem respeitados, pode o Tribunal de Justiça, a

pedido do Conselho ou da Comissão, conforme o caso, ordenar a demissão

compulsiva do membro em causa, nos termos do artigo 216o, ou a perda do seu

direito a pensão ou de quaisquer outros benefícios que a substituam.

Artigo 214o - 1. Os membros da Comissão são nomeados

segundo o procedimento previsto no no 2, por um período de cinco anos, sem

prejuízo da eventual aplicação do disposto no artigo 201o podem ser

reconduzidos nas suas funções. 2. Os governos dos Estados-Membros designam,

de comum acordo, a personalidade que tencionam nomear Presidente da

Comissão; essa designação será aprovada pelo Parlamento Europeu. Os

governos dos Estados-Membros designam, de comum acordo com o Presidente

designado, as outras personalidades que tencionam nomear membros da

Comissão. O Presidente e os demais membros da Comissão assim designados

são colegialmente sujeitos a um voto de aprovação do Parlamento Europeu. Após

a aprovação do Parlamento Europeu, o Presidente e os demais membros da

Comissão são nomeados, de comum acordo, pelos governos dos Estados-

Membros.

Artigo 215o - Para além das substituições normais e dos

casos de morte, as funções de membro da Comissão cessam individualmente por

demissão voluntária ou compulsiva. O membro em causa será substituído por um

novo membro, nomeado de comum acordo pelos governos dos Estados-

Membros, pelo tempo que faltar para o termo do período de exercício das suas

funções. O Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir pela não

substituição durante esse período. Em caso de demissão ou morte, o Presidente

é substituído pelo tempo que faltar para o termo do período de exercício das suas

funções. É aplicável à substituição do Presidente o procedimento previsto no no 2

do artigo 214o Exceto no caso de demissão compulsiva previsto no artigo 216o, os

membros da Comissão permanecem em funções até serem substituídos.

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Artigo 216o - Qualquer membro da Comissão que deixe de

preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou tenha

cometido falta grave pode ser demitido pelo Tribunal de Justiça, a pedido do

Conselho ou da Comissão.

Artigo 217o - A Comissão pode nomear, de entre os seus

membros, um ou dois vice-presidentes.

Artigo 218o - 1. O Conselho e a Comissão procederão a

consultas recíprocas, organizando, de comum acordo, as modalidades da sua

colaboração. 2. A Comissão estabelece o seu regulamento interno, de forma a

garantir o seu próprio funcionamento e o dos seus serviços, nas condições

previstas no presente Tratado. A Comissão assegura a publicação desse

regulamento interno.

Artigo 219o - A Comissão atuará sob a orientação política do

seu Presidente. As deliberações da Comissão são tomadas por maioria do

número de membros previsto no artigo 213o A Comissão só pode reunir-se

validamente se estiver presente o número de membros fixado no seu regulamento

interno.

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ANEXO IV

Artigo 220o - O Tribunal de Justiça garante o respeito do

direito na interpretação e aplicação do presente Tratado.

Artigo 221o - O Tribunal de Justiça é composto por quinze

juízes. O Tribunal de Justiça reúne-se em sessão plenária. Pode, no entanto, criar

secções, cada uma delas constituída por três, cinco ou sete juízes, quer para

procederem a certas diligências de instrução quer para julgarem certas categorias

de causas, de acordo com regras estabelecidas para o efeito. O Tribunal de

Justiça reúne-se em sessão plenária sempre que um Estado-Membro ou uma

instituição da Comunidade que seja parte na instância o solicitar. Se o Tribunal de

Justiça lho solicitar, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode aumentar o

número de juízes e proceder às necessárias adaptações do segundo e terceiro

parágrafos do presente artigo e do segundo parágrafo do artigo 223o.

Artigo 222o - O Tribunal de Justiça é assistido por oito

advogados-gerais. Contudo, a partir de 1 de Janeiro de 1995, até 6 de Outubro de

2000, será nomeado um nono advogado-geral. Ao advogado-geral cabe

apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões

fundamentadas sobre as causas submetidas ao Tribunal de Justiça, para assistir

este último no desempenho das suas atribuições, tal como vêm definidas no

artigo 220o Se o Tribunal de Justiça lho solicitar, o Conselho, deliberando por

unanimidade, pode aumentar o número de advogados-gerais e proceder às

necessárias adaptações do terceiro parágrafo do artigo 223o

Artigo 223o - Os juízes e os advogados-gerais, escolhidos de

entre personalidades que ofereçam todas as garantias de independência e

reúnam as condições exigidas, nos respectivos países, para o exercício das mais

altas funções jurisdicionais, ou que sejam jurisconsultos de reconhecida

competência, são nomeados, de comum acordo, pelos governos dos Estados-

Membros, por um período de seis anos. De três em três anos proceder-se-á a

uma substituição parcial dos juízes, a qual incidirá alternadamente em oito e sete

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juízes. De três em três anos proceder-se-á a uma substituição parcial dos

advogados-gerais, a qual incidirá de cada vez em quatro advogados-gerais. Os

juizes e os advogados-gerais cessantes podem ser nomeados de novo. Os juizes

designam de entre si, por um período de três anos, o Presidente do Tribunal de

Justiça, que pode ser reeleito.

Artigo 224o - O Tribunal de Justiça nomeia o seu escrivão e

estabelece o respectivo estatuto.

Artigo 225o - 1. É associada ao Tribunal de Justiça uma

jurisdição encarregada de conhecer em primeira instância, sem prejuízo de

recurso para o Tribunal de Justiça limitado às questões de direito e nas condições

estabelecidas pelo respectivo Estatuto, de certas categorias de ações

determinadas nas condições definidas no no 2. O Tribunal de Primeira Instância

não tem competência para conhecer das questões prejudiciais submetidas nos

termos do artigo 234o 2. A pedido do Tribunal de Justiça e após consulta do

Parlamento Europeu e da Comissão, o Conselho, deliberando por unanimidade,

determina as categorias de ações a que se refere o n.o 1 e a composição do

Tribunal de Primeira Instância e adota as necessárias adaptações e disposições

complementares ao Estatuto do Tribunal de Justiça. Salvo decisão em contrário

do Conselho, são aplicáveis ao Tribunal de Primeira Instância as disposições do

presente Tratado relativas ao Tribunal de Justiça, e nomeadamente as

disposições do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça. 3. Os

membros do Tribunal de Primeira Instância serão escolhidos de entre pessoas

que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade

requerida para o exercício de funções jurisdicionais; são nomeados de comum

acordo, por seis anos, pelos governos dos Estados-Membros. De três em três

anos proceder-se-á a uma substituição parcial. Os membros cessantes podem ser

nomeados de novo. 4. O Tribunal de Primeira Instância estabelece o respectivo

regulamento processual de comum acordo com o Tribunal de Justiça. Esse

regulamento será submetido à aprovação unânime do Conselho.

Artigo 226o - Se a Comissão considerar que um Estado-

Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do

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presente Tratado, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter

dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o

Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo

fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça.

Artigo 227o - Qualquer Estado-Membro pode recorrer ao

Tribunal de Justiça, se considerar que outro Estado-Membro não cumpriu

qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do presente Tratado. Antes

de qualquer Estado-Membro introduzir recurso contra outro Estado-Membro, com

fundamento em pretenso incumprimento das obrigações que a este incumbem por

força do presente Tratado, deve submeter o assunto à apreciação da Comissão.

A Comissão formulará um parecer fundamentado, depois de os Estados

interessados terem tido oportunidade de apresentar, em processo contraditório,

as suas observações escritas e orais. Se a Comissão não tiver formulado parecer

no prazo de três meses a contar da data do pedido, a falta de parecer não impede

o recurso ao Tribunal de Justiça.

Artigo 228o - 1. Se o Tribunal de Justiça declarar verificado

que um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem

por força do presente Tratado, esse Estado deve tomar as medidas necessárias à

execução do acórdão do Tribunal de Justiça. 2. Se a Comissão considerar que o

Estado-Membro em causa não tomou as referidas medidas, e após ter dado a

esse Estado a possibilidade de apresentar as suas observações, formulará um

parecer fundamentado especificando os pontos em que o Estado-Membro não

executou o acórdão do Tribunal de Justiça. Se o referido Estado-Membro não

tomar as medidas necessárias para a execução do acórdão do Tribunal de Justiça

dentro do prazo fixado pela Comissão, esta pode submeter o caso ao Tribunal de

Justiça. Ao fazê-lo, indicará o montante da quantia fixa ou progressiva

correspondente à sanção pecuniária, a pagar pelo Estado-Membro, que

considerar adequada às circunstâncias. Se o Tribunal de Justiça declarar

verificado que o Estado-Membro em causa não deu cumprimento ao seu acórdão,

pode condená-lo ao pagamento de uma quantia fixa ou progressiva

correspondente a uma sanção pecuniária. Este procedimento não prejudica o

disposto no artigo 227o

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Artigo 229o - No que respeita às sanções neles previstas, os

regulamentos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, e

pelo Conselho, por força das disposições do presente Tratado, podem atribuir

plena jurisdição ao Tribunal de Justiça.

Artigo 230o - O Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos

atos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos atos

do Conselho, da Comissão e do BCE, que não sejam recomendações ou

pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos

jurídicos em relação a terceiros. Para o efeito, o Tribunal de Justiça é competente

para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de

formalidades essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma

jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um

Estado-Membro, pelo Conselho ou pela Comissão. O Tribunal de Justiça é

competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo

Parlamento Europeu, pelo Tribunal de Contas e pelo Banco Central Europeu com

o objetivo de salvaguardar as respectivas prerrogativas. Qualquer pessoa singular

ou coletiva pode interpor, nas mesmas condições, recurso das decisões de que

seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de

regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam direta e

individualmente respeito. Os recursos previstos no presente artigo devem ser

interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do

ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o

recorrente tenha tomado conhecimento do ato.

Artigo 231o - Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de

Justiça anulará o ato impugnado. Todavia, no que respeita aos regulamentos, o

Tribunal de Justiça indicará, quando o considerar necessário, quais os efeitos do

regulamento anulado que se devem considerar subsistentes.

Artigo 232o - Se, em violação do presente Tratado, o

Parlamento Europeu, o Conselho ou a Comissão se abstiverem de pronunciarem-

se, os Estados-Membros e as outras instituições da Comunidade podem recorrer

ao Tribunal de Justiça para que declare verificada essa violação. Este recurso só

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é admissível se a instituição em causa tiver sido previamente convidada a agir.

Se, decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a instituição

não tiver tomado posição, o recurso pode ser introduzido dentro de novo prazo de

dois meses. Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao Tribunal de

Justiça, nos termos dos parágrafos anteriores, para acusar uma das instituições

da Comunidade de não lhe ter dirigido um ato que não seja recomendação ou

parecer. O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas condições, para

conhecer dos recursos interpostos pelo BCE no domínio das suas atribuições ou

das ações contra este intentadas.

Artigo 233o - A instituição ou as instituições de que emane o

ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária ao presente

Tratado, devem tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do

Tribunal de Justiça. Esta obrigação não prejudica aquela que decorre da

aplicação do segundo parágrafo do artigo 288o O presente artigo aplica-se

igualmente ao BCE.

Artigo 234o - O Tribunal de Justiça é competente para

decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação do presente Tratado. b) Sobre

a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições da Comunidade

e pelo BCE. c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por

ato do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam. Sempre que uma

questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um

dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre

essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça

que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja

suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas

decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno,

esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.

Artigo 235o - O Tribunal de Justiça é competente para

conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo

parágrafo do artigo 288o

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Artigo 236o - O Tribunal de Justiça é competente para decidir

sobre todo e qualquer litígio entre a Comunidade e os seus agentes, dentro dos

limites e condições estabelecidas no estatuto ou decorrentes do regime que a

estes é aplicável.

Artigo 237o - Nos limites a seguir indicados, o Tribunal de

Justiça é competente para conhecer dos litígios respeitantes: a) À execução das

obrigações dos Estados-Membros, decorrentes dos Estatutos do Banco Europeu

de Investimento. O Conselho de Administração do Banco dispõe, para o efeito,

dos poderes atribuídos à Comissão no artigo 226o b) Às deliberações do Conselho

de Governadores do Banco Europeu de Investimento. Qualquer Estado-Membro,

a Comissão e o Conselho de Administração do Banco podem interpor recurso

nesta matéria, nos termos do artigo 230o c) Às deliberações do Conselho de

Administração do Banco Europeu de Investimento. Os recursos destas

deliberações só podem ser interpostos, nos termos do artigo 230o, pelos Estados-

Membros ou pela Comissão e apenas por violação das formalidades previstas nos

nos 2 e 5 a 7, inclusive, do artigo 21o dos Estatutos do Banco. d) À execução das

obrigações resultantes do Tratado e dos Estatutos do SEBC pelos bancos

centrais nacionais. O Conselho do BCE disporá, neste contexto, em relação aos

bancos centrais nacionais, dos poderes atribuídos à Comissão no artigo 226o em

relação aos Estados-Membros. Se o Tribunal de Justiça declarar verificado que

um banco central nacional não cumpriu qualquer das obrigações que lhe

incumbem por força do presente Tratado, esse banco central deve tomar as

medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

Artigo 238o - O Tribunal de Justiça é competente para decidir

com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito

público ou de direito privado, celebrado pela Comunidade ou por sua conta.

Artigo 239o - O Tribunal de Justiça é competente para decidir

sobre qualquer diferendo entre os Estados-Membros, relacionado com o objeto do

presente Tratado, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso.

Artigo 240o - Sem prejuízo da competência atribuída ao

Tribunal de Justiça pelo presente Tratado, os litígios em que a Comunidade seja

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parte não ficam, por este motivo, subtraídos à competência dos órgãos

jurisdicionais nacionais.

Artigo 241o - Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no

quinto parágrafo do artigo 230o, qualquer parte pode, em caso de litígio que

ponha em causa um regulamento adotado em conjunto pelo Parlamento Europeu

e pelo Conselho ou um regulamento do Conselho, da Comissão ou do BCE,

recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 230o para argüir, no

Tribunal de Justiça, a inaplicabilidade desse regulamento.

Artigo 242o - Os recursos perante o Tribunal de Justiça não

têm efeito suspensivo. Todavia, o Tribunal de Justiça pode ordenar a suspensão

da execução do ato impugnado, se considerar que as circunstâncias o exigem.

Artigo 243o - O Tribunal de Justiça, nas causas submetidas à

sua apreciação, pode ordenar as medidas provisórias necessárias.

Artigo 244o - Os acórdãos do Tribunal de Justiça têm força

executiva, nos termos do artigo 256o

Artigo 245o - O Estatuto do Tribunal de Justiça é fixado em

Protocolo separado. O Conselho, deliberando por unanimidade, a pedido do

Tribunal de Justiça e após consulta da Comissão e do Parlamento Europeu, pode

alterar as disposições do título III do Estatuto. O Tribunal de Justiça estabelecerá

o seu regulamento processual. Este será submetido à aprovação, por

unanimidade, do Conselho.

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ANEXO V

Artigo 246o - A fiscalização das contas é efetuada pelo

Tribunal de Contas.

Artigo 247o - 1. O Tribunal de Contas é composto por quinze

membros. 2. Os membros do Tribunal de Contas serão escolhidos de entre

personalidades que pertençam ou tenham pertencido, nos respectivos países, a

instituições de fiscalização externa ou que possuam uma qualificação especial

para essa função. Devem oferecer todas as garantias de independência. 3. Os

membros do Tribunal de Contas são nomeados por um período de seis anos, pelo

Conselho, deliberando por unanimidade, após consulta do Parlamento Europeu.

Os membros do Tribunal de Contas podem ser nomeados de novo. Os membros

do Tribunal de Contas designam de entre si, por um período de três anos, o

Presidente do Tribunal de Contas, que pode ser reeleito. 4. Os membros do

Tribunal de Contas exercerão as suas funções com total independência, no

interesse geral da Comunidade. No cumprimento dos seus deveres, não

solicitarão nem aceitarão instruções de nenhum governo ou qualquer entidade e

abster-se-ão de praticar qualquer ato incompatível com a natureza das suas

funções. 5. Enquanto durarem as suas funções, os membros do Tribunal de

Contas não podem exercer qualquer outra atividade profissional, remunerada ou

não. Além disso, assumirão, no momento da posse, o compromisso solene de

respeitar, durante o exercício das suas funções e após a cessação destas, os

deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os de honestidade e discrição,

relativamente à aceitação, após aquela cessação, de determinadas funções ou

benefícios. 6. Para além das substituições normais e dos casos de morte, as

funções dos membros do Tribunal de Contas cessam individualmente por

demissão voluntária ou compulsiva declarada pelo Tribunal de Justiça, nos termos

do no 7. O membro em causa será substituído pelo tempo que faltar para o termo

do período de exercício das suas funções. Salvo no caso de demissão

compulsiva, os membros do Tribunal de Contas permanecem em funções até

serem substituídos. 7. Os membros do Tribunal de Contas só podem ser

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afastados das suas funções, ou privados do direito a pensão ou de quaisquer

outros benefícios que a substituam, se o Tribunal de Justiça declarar verificado, a

pedido do Tribunal de Contas, que deixaram de corresponder às condições

exigidas ou de cumprir os deveres decorrentes do cargo. 8. O Conselho,

deliberando por maioria qualificada, fixa as condições de emprego,

designadamente os vencimentos, subsídios, abonos e pensões do Presidente e

dos membros do Tribunal de Contas. O Conselho fixa, igualmente por maioria

qualificada, todos os subsídios e abonos que substituam a remuneração. 9. As

disposições do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades

Européias aplicáveis aos juizes do Tribunal de Justiça são igualmente aplicáveis

aos membros do Tribunal de Contas.

Artigo 248o - 1. O Tribunal de Contas examina as contas da

totalidade das receitas e despesas da Comunidade. O Tribunal de Contas

examina igualmente as contas da totalidade das receitas e despesas de qualquer

organismo criado pela Comunidade, na medida em que o respectivo ato

constitutivo não exclua esse exame. O Tribunal de Contas envia ao Parlamento

Europeu e ao Conselho uma declaração sobre a fiabilidade das contas e a

regularidade e legalidade das operações a que elas se referem, que será

publicada no Jornal Oficial das Comunidades Européias. 2. O Tribunal de Contas

examina a legalidade e a regularidade das receitas e despesas e garante a boa

gestão financeira. Ao fazê-lo, assinalará, em especial, quaisquer irregularidades.

A fiscalização das receitas efetua-se com base na verificação dos créditos e dos

pagamentos feitos à Comunidade. A fiscalização das despesas efetua-se com

base nas autorizações e nos pagamentos. Estas fiscalizações podem ser

efetuadas antes do encerramento das contas do exercício orçamental em causa.

3. A fiscalização é feita com base em documentos e, se necessário, nas próprias

instalações das outras instituições da Comunidade, nas instalações de qualquer

organismo que efetue a gestão de receitas ou despesas em nome da

Comunidade, e nos Estados-Membros, inclusivamente nas instalações de

qualquer pessoa singular ou coletiva beneficiária de pagamentos provenientes do

orçamento. A fiscalização nos Estados-Membros é feita em colaboração com as

instituições de fiscalização nacionais ou, se estas para isso não tiverem

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competência, com os serviços nacionais competentes. O Tribunal de Contas e as

instituições de fiscalização nacionais dos Estados-Membros cooperarão num

espírito de confiança, mantendo embora a respectiva independência. Estas

instituições ou serviços darão a conhecer ao Tribunal de Contas a sua intenção

de participar na fiscalização. Todos os documentos ou informações necessários

ao desempenho das funções do Tribunal de Contas ser-lhe-ão comunicados, a

seu pedido, pelas outras instituições da Comunidade, pelos organismos que

efetuem a gestão de receitas ou despesas em nome da Comunidade, pelas

pessoas singulares ou coletivas beneficiárias de pagamentos provenientes do

orçamento e pelas instituições de fiscalização nacionais ou, se estas não tiverem

competência para o efeito, pelos serviços nacionais competentes. No que respeita

à atividade de gestão de despesas e receitas comunitárias exercida pelo Banco

Europeu de Investimento, o direito de acesso do Tribunal às informações detidas

pelo Banco será regido por um acordo celebrado entre o Tribunal, o Banco e a

Comissão. Na ausência de um acordo, o Tribunal terá, contudo, acesso às

informações necessárias para efetuar a fiscalização das despesas e receitas

comunitárias geridas pelo Banco. 4. O Tribunal de Contas elabora um relatório

anual após o encerramento de cada exercício. Este relatório é transmitido às

outras instituições da Comunidade e publicado no Jornal Oficial das Comunidades

Européias, acompanhado das respostas das referidas instituições às observações

do Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas pode ainda apresentar, em qualquer

momento, observações, nomeadamente sob a forma de relatórios especiais,

sobre determinadas questões e formular pareceres a pedido de uma das outras

instituições da Comunidade. O Tribunal de Contas adota os relatórios anuais, os

relatórios especiais ou os pareceres, por maioria dos membros que o compõem.

O Tribunal de Contas assiste o Parlamento Europeu e o Conselho no exercício da

respectiva função de controlo da execução do orçamento.