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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FELINTO GADÊLHA SEGUNDO O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE SUJEITOS AUTÔNOMOS NATAL / RN 2017

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE EDUCAÇÃO

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

    FELINTO GADÊLHA SEGUNDO

    O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A

    PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE

    SUJEITOS AUTÔNOMOS

    NATAL / RN

    2017

  • 2

    FELINTO GADÊLHA SEGUNDO

    O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A

    PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE

    SUJEITOS AUTÔNOMOS

    Apresentação da Dissertação do Programa de

    Pós-graduação em Educação da

    Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte como requesito parcial para obtenção

    do título de Mestre em Educação.

    Linha de Pesquisa: Educação, Estudos

    SocioHistóricos e Filosóficos.

    Orientador: Prof. Dr. Antônio Basílio

    Novaes Thomaz de Menezes.

    NATAL / RN

    2017

  • 3

    Catalogação da Publicação na Fonte.

    UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

    Segundo, Felinto Gadêlha.

    O ensino da filosofia para crianças: Matthew Lipman e a perspectiva da

    educação emancipatória na formação de sujeitos autônomos/ Felinto Gadêlha

    Segundo. - Natal, 2017.

    112f. : il.

    Orientador: Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes.

    Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande

    do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.

    1. Ensino da filosofia - Crianças – Dissertação. 2. Educação emancipatória – Dissertação. 3. Formação da autonomia – Dissertação. 4. Formação da crítica.. -

    Dissertação. 5. Educação para resistência - Dissertação. I. Menezes, Antônio

    Basílio Novaes Thomaz de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

    III. Título

    RN/BS/CCSA CDU 37.016:101-053.2

  • 1

    FELINTO GADÊLHA SEGUNDO

    O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A

    PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE

    SUJEITOS AUTÔNOMOS

    Apresentação da Dissertação do Programa de

    Pós-graduação em Educação da

    Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte como requesito parcial para obtenção

    do título de Mestre em Educação, sob a

    orientação do Prof. Dr. Antônio Basílio

    Novaes Thomaz de Menezes.

    Banca Examinadora:

    Orientador/Presidente da Banca:

    Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes

    UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Examinadora Externa:

    Profa. Dra. Maria José da Conceição Souza Vidal

    UERN- Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

    Examinador Interno:

    Prof. Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior

    UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Natal, 29 de março de 2017.

  • 2

    À Marli e a Felinto, pais amados, cujos incentivos,

    garra e exemplo de batalhadores na vida me fizeram

    caminhar com determinação e amor sem desistir

    daquilo que eu acreditava.

    À Joailma Virgília, minha amada esposa, pela

    generosa paciência e por acreditar em meu potencial,

    mais do que eu mesmo, para que este trabalho se

    concretizasse.

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço principalmente a Deus, por ter me concedido saúde do corpo, paz da alma

    e luz para iluminar meus pensamentos e sonhos. Sem a proteção divina não teria sido capaz de

    dar um passo sequer, sem a vontade criadora divina sequer eu existiria. Este trabalho é fruto

    da confiança de Deus por mim. Deus me confiou esta pós-graduação e a Ele, eu o devolvo

    com toda gratidão do mundo.

    Aos meus pais Marli e Felinto, que na vida souberam ser meus melhores mestres me

    ensinando o caminho da justiça e do bem humano. Agradeço porque sonharam comigo e me

    deram força e apoio, fundamental para a conclusão desse curso.

    À minha amada esposa Joailma Virgília, que foi meu grande incentivo, quando dizia

    que era grata a Deus por ter um esposo que tanto admirava. Durante a pós-graduação me

    disseram que eu deveria casar com minha dissertação, porém casei com a maior incentivadora

    dessa dissertação, com a maior incentivadora dos meus sonhos, sem ela eu não teria

    produzido e concluído com tanto afinco este trabalho.

    Aos meus irmãos, Felinto Júnior e Karlyne, que nas conversas e trocas de

    experiências me incentivavam com aquele olhar de quem acreditava na minha capacidade, por

    me conhecerem tanto, desde criança.

    Aos meus sobrinhos Felinto Neto, Karly e Arthur, por serem meus pequenos grandes

    incentivadores, quando penso na educação que almeijo para os meus futuros filhos.

    Ao meu querido Professor Doutor Basílio, por aprender com ele que o conhecimento

    é uma aventura interminável e incansável, que o ócio da filosofia e do filosofar requer

    bastante trabalho intelectual e rigorosidade científica, por me ensinar a ter paixão pela

    filosofia e pela educação, e por me orientar durante todo o curso de maneira paciente sem

    deixar de ser exigente, me conduzindo sempre a uma formação autônoma, consciente e

    crítica.

    Ao querido e inesquecível Professor Doutor Lucrécio, que desde a graduação me

    ensinou que, como professores, devemos ser sempre criativos e responsáveis pelo nosso

    próprio crescimento e pelo o do outro, assim também, devemos sempre ouvir os anseios das

    crianças e jovens nas salas de aula, de tal maneira, o senhor, professor Lucrécio, me fez

    acreditar que eu poderia me tornar um professor inovador, comprometido com as questões

    que tocam as dificuldades encontradas no sistema educacional brasileiro. Obrigado por ter se

  • 4

    tornado um grande amigo, por ter acreditado e se comprometido com minha formação

    acadêmica.

    Aos colegas de pós-graduação, em especial aos amigos e amigas Gilson, Vagner,

    Thayna e Yuma por partilhar as dificuldades, os medos e as ansiedades da vida de pós-

    graduando.

    Aos amigos, cunhados, cunhadas, sogro, sogra, afilhados, que ao me perceberem

    estressado e preocupado, sempre me apoiaram com palavras amigas e incentivadoras, guardo

    todos os gestos de carinho, amizade e respeito em meu coração.

    A todos os amigos professores(as) do CMEI Maria Dilma/Parnamirim-RN, em

    especial a Diretora Raimunda e a Coordenadora pedagógica Verônica, que sempre me

    apoiaram em minhas atividades acadêmicas e me compreenderam nos meus diversos

    compromissos de pós-graduando.

    Aos meus pequenos e grandes alunos, que com carinho e respeito sempre me

    impulsionam a dar sempre mais, me fazendo refletir que o que fiz foi pouco, ou quase nada

    diante daquilo que sou chamado a ser e a contribuir na sociedade.

    À CAPES, pela bolsa concedida.

    Grato, a tudo e a todos!

  • 5

    “Vivemos uma época muito estranha...Classificar,

    organizar, calcular, medir, periciar, normalizar. Eis o

    grau zero das interrogações contemporâneas, que

    não param de se impor em nome de uma

    modernidade de fachada que torna suspeita toda

    forma de inteligência crítica fundada na análise da

    complexidade dos homens e das coisas.”

    Elisabeth Roudinesco

  • 6

    RESUMO

    A pesquisa empreendida consiste em analisar como o programa de ensino de filosofia

    para crianças do professor Matthew Lipman pode formar crianças e jovens na perspectiva de

    uma educação emancipatória que vise à formação do sujeito autônomo. O estudo tem sua

    relevância mediante os embates políticos e ideológicos que envolvem as discussões a cerca da

    obrigatoriedade, ou não, da disciplina de filosofia nas escolas e de como este ensino de

    filosofia pode apresentar-se como alternativa para uma educação significativa que possibilita

    o desenvolvimento das habilidades para o pensar autônomo desde a infância. Para tanto,

    partimos da hipótese na qual seria possível encontrarmos na metodologia do ensino de

    filosofia para crianças aspectos pedagógicos e didáticos dos quais conjecturam com a

    proposta de uma educação reflexiva e crítica, que leva a criança e ao jovem a capacidade de

    pensar por si mesmos. Para tal análise, levantamos arcabouço teórico conceitual a partir da

    crítica que Adorno e Horkheimer faz ao tipo de educação moderna, cuja está atrelada ao

    conceito de Indústria Cultural e a civilização moderna racionalista e tecnológica perante a

    penetração da realidade social humana. A metodologia de análise bibliográfica nos permitiu

    fazer inferências sobre o programa de ensino de filosofia para crianças por intermédio de

    análise da obra de Lipman e dos conceitos abstraídos das obras dos frankfurtianos Adorno e

    Horkheimer (Dialética do esclarecimento e Educação e emancipação). Esta metodologia de

    ensino permite uma análise crítica que auxilia a prática docente, da qual considera a

    participação ativa das crianças no processo de ensino e aprendizagem e no desenvolvimento

    de habilidades para o pensar, integrantes da formação autônoma, crítica e reflexiva do sujeito,

    em vistas de uma educação para a cidadania, ou seja, para emancipação do sujeito que resiste

    ao assujeitamento da industria cultural a partir da autoconsciência crítica.

    Palavras-chave: Filosofia para crianças. Educação emancipatória. Formação da autonomia e

    da crítica. Educação para resistência.

  • 7

    ABSTRACT

    The purpose of this study is to analyze how Professor Matthew Lipman’s

    philosophy teaching program for children can educate young people in the perspective of an

    emancipatory education that aims at the training of the autonomous subject. This research has

    its relevance through the political and ideological conflicts that involve a lot of arguments

    around having Philosophy, or not, as a mandatory subject in schools and how about this

    teaching of Philosophy can be the new alternative and the new structure that would bring

    meaningful savings for our education that allows the development Abilities for autonomous

    thinking since childhood. From this part, we already started with the hypothesis that would be

    possible to find in the methodology of children´s Philosophy pedagogical and didactic aspects

    which conjecture with the proposal of a reflexive and critical education that leads the child

    and the young person to develop the ability to think for themselves. For this analysis, we got

    the concept of criticism that Adorno and Horkheimer make about the kind of modern

    education, that comes together with the concept of Cultural Industry and a modern rationalist

    and technological civilization before the entrance of human social reality. The methodology

    of bibliographic analysis allowed us to make inferences about the philosophy teaching

    program for children through an analysis of Lipman's work and the abstracted concepts of the

    works of Frankfurtians Adorno and Horkheimer (Dialectics of Enlightenment and Education

    and Emancipation). This teaching methodology allows for critical analysis that supports the

    teaching practice, which considers the active participation of the children in the process of

    both teaching and learning, as well as the development of thinking skills. This process also

    helps with the autonomous, critical or reflexive formation of a subject from the perspective of

    a citizenship education. That is to say, the free discussion of this subject may help young

    people to resist the cultural pressures that begin with critical self - consciousness.

    Keywords: Philosophy for children. Emancipatory education. Formation of autonomy and

    criticism. Education for resistance.

  • 8

    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12

    2. O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA HISTÓRIA – DA SUA GÊNESE AO

    CONTEXTO BRASILEIRO ................................................................................................. 17

    3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL ............ 29

    3.1 Sobre o conceito de esclarecimento e a autoconsciência na dialética do

    esclarecimento para a formação do sujeito autônomo.................................................... 32

    3.2 Sobre o conceito de Indústria Cultural na formação do pensamento crítico na

    formação do sujeito autônomo .......................................................................................... 39

    3.3 A formação de sujeitos autônomos e da educação emancipatória: inferências no

    Brasil ..... ...............................................................................................................................44

    4. AS INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO NA PROPOSTA DE ENSINO

    DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NO MÉTODO DE LIPMAN ................................. 47

    4.1 Sócrates e o pensamento da filosofia grega ................................................................ 48

    4.2 John Dewey e o pragmatismo norte-americano ........................................................ 50

    4.3 Vygotsky e sua teoria histórico-cultural ..................................................................... 56

    5. O MÉTODO DE ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS EM MATTHEW

    LIPMAN .................................................................................................................................. 62

    5.1 O programa curricular de filosofia para crianças em Matthew Lipman ................ 64

    5.2 A escola e sala de aula: uma comunidade de investigação ........................................ 69

    5.3 As novelas e o pensar filosófico ................................................................................... 74

    6. AS CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA

    PERSPECTIVA DE UMA PEDAGOGIA QUE FAVOREÇA A FORMAÇÃO DO

  • 9

    SUJEITO AUTÔNOMO E CRÍTICO, CAPAZ DE RESISTIR À INDÚSTRIA

    CULTURAL E SUPERARANDO AS FORMAS DE ASSUJEITAMENTO NA

    CONTEMPORANEIDADE .................................................................................................. 82

    6.1. A filosofia para crianças formando sujeitos autônomos e críticos .......................... 86

    Capítulo 6.1.1 Sobre a importância do professor: ensinando filosofia para crianças na

    perspectiva da formação de sujeitos autônomos e críticos ............................................... 94

    7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99

    REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 108

    Material Didático .............................................................................................................. 111

    Citação de internet ........................................................................................................... 112

  • 12

    1. INTRODUÇÃO

    Neste trabalho, analisamos o programa de ensino de filosofia para crianças de

    Matthew Lipman, através da perspectiva da educação emancipatória e da formação do sujeito

    autônomo.

    Trazemos a proposta de análise mediante ao tema do ensino da filosofia para crianças,

    pois o mesmo tem sido objeto de estudos na educação, visto sua relevante inserção e embates

    políticos no contexto educacional brasileiro. Estes embates perpassam desde a origem do

    ensino de filosofia na educação brasileira, cujo, em sua gênese, servia para formar a elite

    brasileira, os meninos e jovens que seriam os futuros padres católica, após reformas

    educacionais a filosofia entra ora como, um ensino de história de filosofia, ora como um

    estudo moral, nunca com uma preocupação de formar o cidadão crítico, na década de 60 o

    ensino de filosofia sai da grade curricular, através de reformas educacionais pelo regime

    militar, sua volta às escolas passou por bastantes embates políticos com o advento da LDB –

    Leis de Diretrizes e Bases Curricular Brasileira, de 1996, porém o ensino de filosofia

    consolida-se como disciplina obrigatória para o Ensino Médio, apenas em 2008, sendo

    também questionada e retirada sua obrigatoriedade na nova reforma do Ensino Médio em

    2016, em fevereiro de 2017 ela é considerada como disciplina de caráter compulsória, no

    entanto, nos deixa sua incerteza, tanto em relação a sua permanência, quanto também em

    relação aos conteúdos a serem estudados, mediante o panorama da educação nacional.

    Levamos em consideração também que o ensino de filosofia para crianças ainda

    necessita de bastante apoio e de pesquisas, pois o ensino infantil e fundamental brasileiro, não

    leva o ensino de filosofia presente em seu currículo. O que temos é a sua presença em

    algumas escolas privadas que as oferecem, numas utilizando o método de Matthew Lipman e

    noutras, preocupadas mais com a história da filosofia e a moral, distanciando-se do ideal

    democrático da formação de sujeitos críticos em toda sociedade brasileira.

    Neste sentido, navegamos na proposta educacional emancipatória, na qual o ensino de

    filosofia para crianças possibilite a formação de sujeitos autônomos, deste modo, lançamos a

  • 13

    seguinte problemática: como o ensino de filosofia para crianças, na perspectiva da proposta de

    Matthew Lipman pode contribuir para formação do sujeito autônomo e para uma educação

    emancipatória.

    Mediante a problemática, podemos elucidar a importância do contexto histórico do

    ensino de filosofia no Brasil, pois este ensino é visto historicamente com certa desconfiança

    por uma parcela da esfera do poder político, em razão de que a própria essência filosófica é de

    ser um ensino que possibilita a formação crítica do cidadão, cuja reivindica ao poder público

    o seu direito, ainda mais, a formação filosófica ajuda aos estudantes não permitirem ser

    alienados pelas falácias e discursos demagógicos, mas, sim, exercerem sua cidadania com

    participação ativa.

    Além disso, a própria filosofia abarca um caráter de pensamento filosófico que auxilia

    na formação do sujeito autônomo e crítico sobre a realidade social, na perspectiva de pensar

    sobre si mesmo e sobre o mundo, convergindo para uma atitude de cidadania capaz de análise

    reflexiva sobre toda e qualquer forma de manipulação midiática e mercadológica, na qual se

    usam das ferramentas de linguagem e comunicação para incutir na formação da massa uma

    cultura de consumismo e individualismo social.

    Destarte, consideramos a relevante necessidade da inserção do ensino de filosofia nas

    escolas para crianças visto que o movimento deste ensino está inserido no campo da filosofia

    da educação, e apresenta com crescente interesse por parte de importantes pesquisadores da

    educação brasileira, sendo, portanto, objeto de pesquisa de grande relevância. Assim, o ensino

    de filosofia para crianças tem se destacado mediante a busca por métodos de ensino que

    estejam em consonância com a educação democrática, sobretudo, referente à formação

    humanística de caráter crítico, reflexivo, consciente de si e da realidade, capaz de auxiliar na

    formação da cidadania desde a tenra idade. De tal modo defende Teles, (2011):

    É papel das instituições educativas, pois, e principalmente da escola, ensinar

    nossos educandos a pensar e a refletir. Seu principal objetivo deve ser o de

    oferecer a oportunidade para que o novo ser possa se tornar uma consciência

    autônoma, frente a si próprio, aos outros, ao mundo em que vive. Aí entra o

    papel da filosofia. (p. 12)

    Diante desse entendimento emergem indagações sobre a natureza do próprio ensino de

    filosofia, quais conteúdos filosóficos devem ser ensinados e sobre quais pressupostos

  • 14

    epistemológicos e metodológicos fundamentam a prática do ensino da disciplina de filosofia

    para crianças e jovens.

    É na tentativa de buscar respostas a essas indagações que a dissertação encontra sua

    razão de existir, ou seja, trata-se de pesquisar se uma metodologia de ensino de filosofia

    (Matthew Lipman) abarca uma prática pedagógica que seja compatível com um ensino de

    filosofia que priorize a aprendizagem sólida do sujeito autônomo capaz de exercitar sua

    cidadania emancipatória na sociedade.

    Para tanto, utilizamos a metodologia de pesquisa bibliográfica, da qual nos permitiu

    construirmos um quadro conceitual sobre a ótica da formação de sujeitos autônomos e a

    educação emancipatória, dessa forma, elegemos pesquisar à luz da reflexão frankfurtiana,

    sobre a exigência de emancipar sujeitos dentro da sociedade democrática, em razão de que

    esta perspectiva considera importante a educação política, da formação do sujeito, do cidadão,

    que se identifica com a educação para emancipação. “A exigência de emancipação parece ser

    evidente numa democracia” (ADORNO, p.169, 1995)

    Destacamos que a formação de sujeitos autônomos e a educação emancipatória é

    objeto de estudo dos frankfurtianos (Escola de Frankfurt), cuja se denominava assim, por ser

    um grupo de pesquisadores do campo social que se situava na Universidade de Frankfurt,

    Alemanha, a partir de 1924, sob a direção de Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W.

    Adorno (1903-1969). Fazem parte também um conjunto de teóricos, entre eles Walter

    Benjamin (1892-1940), Jürgen Habermas (1929), Herbert Marcuse (1898-1979) e Erich

    Fromm (1900-1980). Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria

    Crítica, que se contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a teoria tradicional

    é "neutra" em seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de

    sua aplicação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a

    análise dos meios de comunicação caracterizados como Indústria Cultural. Consideramos que,

    a partir da Teoria Crítica frankfurtiana, será norteado todo o arcabouço de conceitos teóricos

    sobre a formação do sujeito autônomo na qual abordaremos como base elementar para a

    dissertação, no que diz respeito aos pressupostos de uma educação emancipatória na formação

    de sujeitos autônomos, autoconscientes, críticos da sua realidade.

    Aspis e Gallo, (2009), corroboram para o pensamento de que o ensino de filosofia

    pode proporcionar a formação do sujeito autônomo da crítica frankfurtiana:

    http://educacao.uol.com.br/biografias/max-horkheimer.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u266.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u266.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u10.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u10.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u391.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u635.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u249.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u249.jhtm

  • 15

    [...] Nós todos, estamos hoje intensamente a mercê da roda-viva da indústria

    cultural, hipnotizados, produzindo e consumindo. Porém, poucas vezes

    algum de nós é convidado a pensar sobre o significado das tradições, a

    pensar sobre a pertinência dos julgamentos do senso comum, sobre os

    critérios, procedimento e razões das ciências, pensar criticamente sobre o

    significado de nossas ações e pensamentos. Quem pode promover esse tipo

    de pensar sobre o mundo é a filosofia. O ensino de filosofia pode

    proporcionar aos jovens uma outra disciplina em seu pensamento. Este

    ensino pode apontar para uma outra chave de análise e síntese para a

    construção de significado do mundo e de si próprio, além daqueles que já

    são oferecidos em nossa educação. Talvez por isso estamos tão convencidos

    de que temos de ensinar filosofia na escola. (ASPIS & GALLO, 2009, p.11)

    Sendo assim, a dissertação transitará sobre uma análise crítica com o intuito de

    verificarmos a possibilidade da imbricação entre o protótipo de ensino de filosofia para

    crianças na escola, conforme a metodologia de Matthew Lipman, do ensino de filosofia que

    prioriza o pensar sobre si, com o protótipo de educação emancipatória e da formação do

    sujeito autônomo dos frankfurtianos Adorno e Horkheimer, que prioriza a educação para a

    resistência.

    De tal maneira, a estruturação dos capítulos da dissertação ficou delimitada do

    seguinte modo:

    No capítulo 2 teceremos sobre a história da filosofia desde seu contexto geral até a sua

    inserção na educação brasileira, com o propósito de situarmos o campo de pesquisa, ao qual

    estamos inseridos.

    No capítulo 3 abordaremos, como cerne do referencial de aporte teórico metodológico,

    os conceitos apresentados nas obras de Adorno, Horkheimer e seus comentadores, cujo nos

    interessa analisar as perspectivas norteadoras da conceitualização e caracterização do sujeito

    autônomo e da educação emancipatória, a saber: o esclarecimento, o sujeito autoconsciente e

    crítico, a indústria cultural – a formação cultural, as formas de assujeitamento, e a resistência

    ao controle social.

    Nos capítulos 4 e 5 da dissertação apresentaremos primeiramente a proposta de ensino

    de filosofia para crianças no método de Matthew Lipman, mediante suas influências

    filosóficas da educação, e posteriormente seu método de ensino de filosofia para crianças – o

    programa de filosofia para crianças em Matthew Lipman; a escola e sala de aula como uma

    comunidade de investigação; e suas novelas como mediação do pensamento filosófico.

  • 16

    Analisaremos no capítulo 6 da referida dissertação quais são as possíveis contribuições

    no ensino de filosofia para crianças, a partir da proposta pedagógica de Matthew Lipman, na

    possibilidade de uma educação emancipatória e a formação de sujeitos autônomos na

    contemporaneidade.

    Por fim, apresentaremos no capítulo 7 uma síntese que caracteriza toda a dissertação,

    fazendo apontamentos mais relevantes às considerações finais.

    Pretendemos, no entanto, que esta investigação apresente pontos convergentes e

    divergentes entre a proposta de ensino de filosofia para crianças em Matthew Lipman e a

    educação emancipatória que forma sujeitos autônomos, a fim de que a obra e o pensamento

    lipminiano sejam estudados e aprofundados com rigor critico e analítico.

    De tal maneira, esperamos que esta referida pesquisa possa nos trazer novas luzes para

    a concepção de ensino de filosofia em nossas escolas, proporcionando a possibilidade de

    observarmos em que medida o programa de ensino de filosofia para crianças de Matthew

    Lipman se mostra articulado à nova visão de educação, que longe de ser mero acúmulo de

    informações gerais devem partir para a significação crítica e filosófica dos conteúdos.

  • 17

    2. O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA HISTÓRIA – DA SUA GÊNESE AO

    CONTEXTO BRASILEIRO

    Tomamos como ponto de partida sobre a explanação do nosso objeto de estudo o

    próprio percurso do ensino da filosofia dentro das diferentes instituições escolares

    constituídas historicamente – desde sua gênese grega, como projeto pedagógico que

    influenciou a formação da cultura ocidental, até sua relevância no contexto das origens

    educacionais e sua influência no território brasileiro – este ensino de filosofia ao chegar no

    Brasil vai se consolidando dentro de embates e tensões de interesses políticos. Portanto

    levantaremos, a seguir, as bases históricas, do nosso objeto de estudo.

    Apresentamos em destaque o fato de que a cultura ocidental fora construída com o

    alicerce da filosofia e pedagogia grega – maneira de pensar e de educar para a vida, que

    perpassa e desenvolve toda a história humana do ocidente: sua ciência, sua maneira de

    representar as artes, o lazer, o direito, a medicina, a construção de conceitos, a política, entre

    tantas outras relações culturais, enfim, tudo isso constitui antropologicamente e

    filosoficamente quem é o homem e a mulher de nossa cultura ocidental, como indivíduos

    sujeitos de subjetividade e criatividade, que transforma a natureza e domina a tecnologia

    moderna. Mediante esta constatação, nos cabe retomarmos brevemente este contexto histórico

    que inter-relacionam filosofia, educação, e cultura, como a base constitutiva do homem e da

    mulher ocidental. (SEVERINO, 2014)

    Primariamente destacamos que a filosofia tem sua origem nos gregos antigos a partir

    do século VI a.C, eles a definiram como: o amor a sabedoria. Seu ensino, desde então, se

    preocupava em formar o cidadão grego como um sujeito virtuoso, livre, justo, prudente, sábio

    em seu agir, que amava o conhecimento e que amava a verdade, Platão discorre bem num dos

    seus diálogos sobre o amor ao saber:

    [...] o amor é uma espécie de elevador que, no primeiro andar, encontra o

    amor físico, no segundo o espiritual, no terceiro, arte e depois, continuando,

    a justiça, a ciência e o verdadeiro conhecimento, até chegar ao andar

    superior, onde reside o Bem. (DE CRESCENZO, 1986, p.89)

  • 18

    Importa-nos também recordarmos que aos gregos se devem o esforço da criação

    pedagógica, que transparecia mais nitidamente no domínio da filosofia desde os primeiros

    físicos da escola de Mileto, e aos Pitagorismos que tornaram instituição a escola filosófica:

    O Pitagorismo, enfim, realiza esta ambição pedagógica: a escola filosófica.

    Esta, tal como aparece em Metaponte ou em Crotona, não é mais uma

    simples hetairia do tipo antigo, ligando mestre e discípulos no âmbito de

    relações pessoais; é uma verdadeira escola, que absorve o homem por inteiro

    e lhe impõe um estilo de vida; é uma instituição organizada, com sua sede,

    suas leis, suas reuniões regulares... [...] Instituição característica, será mais

    tarde imitada pela Academia de Platão, pelo Liceu de Aristóteles, pela escola

    de Epicuro, e permanecerá como a forma típica da escola filosófica grega1.

    (MARROU, 1966, p.82)

    Importa-nos ressaltar que a esta educação filosófica os gregos chamam-na de Paidéia:

    educação e formação ética de seus cidadãos. Esta educação se desenvolve ao longo da história

    da antiga Grécia, sua pedagogia influenciará também, ao decorrer da história ocidental, o

    período da história medieval com a chamada Paidéia cristã, que continha a formação moral

    cristã como base no estudo da teologia da revelação através da leitura e exegese bíblica e nos

    ensinamentos de Jesus. Nos sete primeiros séculos pós Cristo estava em vigor a chamada

    Patrística e posteriormente se funda a Escolástica (século IX até ao fim do século XVI),

    escolas filosóficas que buscavam unir a fé e a razão, porém é desta segunda a responsável pela

    criação das primeiras Universidades. (MARROU, 1966; CAMBI, 1999; JAEGER, 2001)

    Destacamos a filosofia como a relevante construtora da instituição universitária, sendo

    na Europa o lugar em que o ensino da filosofia finca seu ‘status’ de rainha das ciências, ou

    serva da teologia. Mediante o nascimento das Universidades na baixa idade média a filosofia

    permanece em lugar de destaque referente à educação que, “inicialmente é estudada na

    Faculdade de Artes, como propedêutica ou introdução a qualquer estudo, na maioria dos

    casos, a teologia, ao direito, à medicina.” (OBIOLS, 2002, p.27)

    No entanto, é na estrutura das diversas variantes da escolástica que ainda hoje alguns

    cursos ou disciplinas de teologia e filosofia, comuns a cada uma das distintas carreiras

    universitárias, ao lado dos específicos correspondentes, na qual naturalmente ocupam maior

    espaço na grade, sobrevivem à estrutura de algumas universidades católicas. (OBIOLS, 2002)

    1Sugestão de bibliografia: DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos filósofos, I, 34.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_IXhttps://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVI

  • 19

    Vale ressaltar que é a partir dos séculos XVI-XVII, que a filosofia se faz presente

    também nos colégios ‘preparatórios’, os quais são precursores da educação secundária, como

    podemos ler a seguir:

    Na realidade, até fins do século XVI e durante o XVII, ao sistematizar-se os

    estudos prévios para ingressar na universidade, são criados os colégios de

    cursos preparatórios com distintos nomes em diferente países: ‘escolas de

    humanas’ na Inglaterra, ‘colégios’ – privados – e mais tarde ‘liceus’ –

    estaduais – em França, ‘ginásios’ na Alemanha e etc. Estes estabelecimentos,

    com o tempo, constituir-se-ão nas escolas e colégios ‘secundários’ de nossos

    dias. Naquela época, recebiam alunos de quatorze a quinze anos para dar-

    lhes uma educação preparatória durante três ou quatro anos. (OBIOLS, 2002,

    p.29)

    De tal maneira podemos destacar que todo o sistema educacional teve sua gênese na

    filosofia e esta permeia até os dias atuais as várias práticas pedagógicas do ensino

    Universitário ao Infantil, como construto histórico-social o que põe sempre em destaque a

    disciplina de filosofia como a precursora de toda e qualquer pedagogia, como observamos a

    seguir:

    Deve-se observar, incidentalmente, que o ‘sistema educativo’, do qual com

    propriedade podemos falar recentemente, a partir do século XIX, se constitui

    ‘de cima para baixo’: primeiro nas universidades, em seguida os colégios

    preparatórios (secundários), a educação primária se generaliza na segunda

    metade do século XIX e posteriormente a 1950 se oficializa a ‘educação

    inicial’ para crianças de 4 e 5 anos de idade. (OBIOLS, 2002, p.29)

    Ao longo da modernidade a filosofia perde progressivamente o status de serva da

    teologia como passando por um momento de recolhimento nas universidades, visto a ser um

    período intenso das tendências cientificistas, do nascimento das ciências sociais e por fim do

    apogeu do positivismo que apontavam por diminuir sua importância ou por reduzi-la a

    epistemologia, porém é no iluminismo que lhe atribui ao seu ensino o papel emancipador com

    o intuito de desenvolver nos homens a capacidade de pensar por si mesmos e libertá-los do

    terreno de qualquer autoridade, de tal maneira, podemos destacar a seguir:

    O iluminismo moderno, em geral, e a tradição republicana francesa, em

    particular, deram a ela um papel emancipador, isto é, a possibilidade da

    libertação das distintas tutelas, que haviam submetidos os homens. A

    Unesco, desde sua fundação, e através de distintos colóquios, enfatizou a

    importância do ensino da filosofia como base do ensino das ciências, por seu

    papel na formação do cidadão e por constituir o núcleo de formação cultural

    e humanística. (OBIOLS, 2002, p.21)

  • 20

    Percorrendo tal história sobre o lugar e do papel do ensino da filosofia podemos

    constatar sua atual importância no contexto educacional na cultura ocidental, como também

    sua insistente permanência no âmbito educacional brasileiro.

    Sabe-se que a história da educação brasileira se constitui em sua origem pela presença

    da escola Jesuítica – Companhia de Jesus (1549-1759) e sua estreita vinculação a política

    colonizadora dos portugueses.

    A reforma das referentes Constituições da Companhia de Jesus entra em vigor a partir

    de 1599, chamada de Ratio Studiorum, nela se continha um Plano de Estudo, concentrando-se

    na sua programação os elementos da cultura européia para a formação gratuita para o

    sacerdócio (formação de curso de humanidades, curso de filosofia, curso de teologia e por fim

    enviava seus aprendizes para concluírem seus estudos na Europa), porém a não adequação do

    índio a formação sacerdotal católica influenciou na proposição de um ensino profissional e

    agrícola, formação essencial à vida da colônia, como também a instrução catequética.

    Entretanto, os filhos dos colonos foram instrumentos de formação aos moldes da Ratio

    Studiorum, e de tal maneira, os colégios jesuíticos passam a formar a elite colonial brasileira.

    (RIBEIRO, 1991)

    Nesta situação o ensino de filosofia se faz presente na formação educacional e cultural

    brasileira desde sua origem, porém seu ensino foi em seu início marcado pela escolástica da

    filosofia medieval, longe de ser uma filosofia crítica, porém dogmática.

    A Companhia de Jesus é atingida e expulsa em 1759, resultado da nova situação

    política portuguesa, e das reformas do marquês Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo),

    enquanto ministro do monarca (D. José I), a fim de recuperar a economia portuguesa com

    bases no fortalecimento da coroa real e da modernização da cultura, assim era necessário tirar

    o maior proveito possível da colônia. Para isso, intensifica a fiscalização das atividades aqui

    desenvolvidas, essa requer um aparelhamento sofisticado administrativo exigindo um preparo

    elementar de recursos humanos, como técnicas de leitura e escrita, surgindo assim à instrução

    primária na escola brasileira, o que antes cabia à família, essa educação visava à formação

    ‘modernizada’ da elite colonial (masculina), atendendo aos novos interesses da camada

    dominante. (RIBEIRO, 1991)

  • 21

    Surge neste período (fase pombalina da escolarização brasileira), o ensino público

    propriamente dito, desvinculado a formação da Igreja. Fora criado pelo alvará de 28 de junho

    de 1759 o cargo de diretor geral dos estudos, o mesmo determinava a prestação de exames

    para professores. O ensino secundário com duração aproximadamente de 9 anos – cursos de

    Letras Humanas e de Filosofia e Ciências – passa por uma nova organização, novos métodos

    e novos livros. Neste contexto assinalamos que o ensino de filosofia permanecia obrigatório

    no ensino secundário, porém, pouca referência nos apresenta sobre seu conteúdo ensinado,

    como podemos observar na seguinte citação sobre o ensino da filosofia: “As diretrizes para a

    aula de filosofia ficaram para mais tarde e, na verdade, pouca coisa aconteceu. Diante da

    ruptura parcial com a tradição, este campo causou muito receio ou muita incerteza em

    relação ao novo.” (RIBEIRO, 1991, p. 34)

    A falta de consistência da disciplina de filosofia no Brasil, como também todo o

    contexto nacional da educação perpassam também pelo período imperial (1822-1829) e pelo

    período da república velha (1889-1930) por várias mudanças de regulamentos e decretos, que

    resultou em propostas educacionais liberais e positivistas com a intenção de integrar um

    processo de mudança da sociedade rural-agrícola para urbano-comercial. Assim, em 8 de

    novembro de 1890, Benjamin Constant, enquanto Ministro da Instrução Pública, decretou

    uma reforma curricular do ensino primário e secundário, do Distrito Federal, propondo

    princípios de liberdade e laicidade do ensino, bem como gratuidade da escola primária, porém

    prioriza em seu currículo as ciências, explicitando a influência das idéias do positivismo.

    Podemos observar também no decreto n° 11.530 de 18 de março 1915 - Carlos Maximiliano

    (Ministro da Justiça) – o utilitarismo do ensino secundário, através da obrigatoriedade de

    disciplinas que desfoca o enfoque filosófico para o científico. (GALLO et. al, 2001;

    RIBEIRO, 1991)

    A Reforma Vaz, com o decreto n.º 16.782-A,de 13 de janeiro de 1925 garantiu no

    ensino secundário seis séries, incluindo o eixo de história da filosofia nas duas últimas séries,

    seu objetivo era fornecer no ensino secundário uma cultura geral, não vinculada à escolha

    profissional. (GALLO et. al , 2001)

    A partir da revolução de 1930, surgem novas reformas no campo educacional

    marcadas pela criação e implantação do capitalismo industrial brasileiro, ao qual houve

    grande expansão do ensino, pressionado pelos segmentos organizados, como o Manifesto dos

    Pioneiros da Escola Nova (1932), por exemplo, com sua defesa formal da escola para todos,

  • 22

    conferindo visibilidade às contradições do nosso processo de escolarização, estimulando o

    debate em torno da democratização do acesso à educação brasileira. Em relação a esse

    movimento podemos assinalar sua herança no ensino de filosofia nas reformas de Francisco

    Campos (1932) e de Gustavo Capanema (1942):

    A reforma Campos introduziu novas disciplinas no currículo do ciclo

    complementar, como, por exemplo, psicologia, sociologia e história da

    filosofia. Já na reforma de Capanema, a filosofia ocupa maior espaço nos

    currículos dos cursos clássicos e científicos. Constituía disciplina obrigatória

    na 2ª e 3ª séries do curso clássico e na 3ª série do científico. [...] A lógica, a

    moral e a sociologia tinham espaço privilegiado nas aulas de filosofia do 3º

    ano do curso clássico. Mas, em 1954, a portaria n. 54 reduziu o número de

    aulas semanais, estabelecendo um mínimo de duas horas por semana nas

    séries do clássico e uma hora apenas, no científico. [...] Na ocasião de sua

    promulgação, Capanema enfatizou que esse nível de ensino tinha como

    principal preocupação formar nos adolescentes uma cultura geral, com

    consciência patriótica e humanística. (GALLO et. al, 2001, p.26 -27)

    A reforma Capanema representa um avanço na efetivação do ensino obrigatório de

    filosofia no currículo, em contrapartida, com a lei n. 4.024/61, a disciplina de filosofia perde

    sua obrigatóriedade – “na medida em que ficou sob a responsabilidade do Conselho Federal

    de Educação a indicação, para todos os sistemas de Ensino Médio, as disciplinas

    obrigatórias, e os conselhos estaduais de educação a indicação das disciplinas

    complementares, podendo a filosofia ficar entre elas” (GALLO et. al, 2001, p.27) – e com

    golpe militar de 64 – “torna a disciplina de filosofia optativa, com sua presença na grade

    passando a depender da direção do estabelecimento de ensino” (GALLO et. al , 2001, p.28)

    – representaram um retrocesso no ensino de filosofia, pois seu ensino perde espaço

    conquistado no currículo escolar, constatando a falta de interesse da disciplina de filosofia

    num contexto da conjuntura política vigente no Brasil, que tinha o interesse de formar os

    cidadãos em vista da economia de industrialização econômica, na qual desinteressava o

    ensino de formação humana.

    Ao ensino fundamental e de segundo grau brasileiro as leis n. 5.692/71 e n. 7.044/82

    reforçam o acordo e cooperação financeira da Agência Norte-Americana para o

    Desenvolvimento Internacional – Mec-Usaid, disso podemos averiguar a ausência da

    disciplina de filosofia como optativa no ensino dos cursos de Segundo Grau, em favor da

    inclusão de novas disciplinas técnicas no currículo. (GALLO et. al , 2001)

    Mediante ao quadro desfavorável da presença da disciplina de filosofia nas escolas

    brasileiras surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9.394/96 (LDB) como

  • 23

    marco para uma nova orientação curricular, esta contempla a reinserção da disciplina de

    filosofia no Ensino Médio, porém, de acordo com Gallo, 2001, o escrito traz um trecho vago e

    paradoxal, pois nem a define claramente em seus conteúdos nem a torna obrigatória. Como

    podemos observar no Art. 36, § 1º da seção IV, capítulo II título IV, a seguir:

    Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados

    de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre. [...]

    domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao

    exercício da cidadania. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.17-18)

    Muitas disputas políticas e ideológicas foram travadas até a consolidação efetiva deste

    ensino previsto em Lei. Muitos interpretavam os conhecimentos filosóficos como temas

    transversais, retirando sua importância como cadeira específica na grade curricular, outros

    interpretavam sob a crítica do modelo disciplinar da escola e em consequência disso, a

    inserção de mais uma disciplina escolar, a filosofia, seria uma medida infeliz, pois iria sujeitá-

    la a rituais e tratamentos pedagógicos, contrários ao pensar crítico, ao prazer e a autonomia.

    Dessa maneira, a Lei sobre a inserção das disciplinas de filosofia e sociologia permaneceu por

    anos em discussão.

    Por cerca de três anos tramitou na Câmara e no Senado Federal um projeto

    de lei complementar que substituía o citado artigo 36 da LDB, instituindo a

    obrigatoriedade das disciplinas filosofia e sociologia nos currículos de

    ensino médio. Após aprovação nestas duas instâncias do Poder Legislativo

    Federal, o Projeto foi vetado em outubro de 2001, pelo então presidente

    Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos que sustentaram o veto foram

    basicamente dois, já mencionados: a) a inclusão da disciplina de filosofia e

    sociologia implicaria incremento orçamento que seria impossível de ser

    arcado pelos estados e municípios; b) não haveria suficientes professores

    formados para fazer frente às novas exigências da obrigatoriedade da

    disciplina. (FAVERO et. al., 2004, p.260)

    O que se percebe claramente é que estas razões não passam de falácias, pois em

    primeiro lugar o que está em jogo é o remanejamento da carga curricular, o que não implica

    em aumento orçamentário e em segundo, que existe uma grande demanda de pessoas

    formadas em filosofia, e que ao mesmo tempo, sua presença na grade do ensino de educação

    básica, implicaria no interesse maior das instituições na formação mais adequada destes

    profissionais/professores. (FAVERO et. al., 2004)

    Diante destes entraves surge em defesa à inserção da filosofia argumentos de cunho

    formativo e ideológico na diretiva da formação da cidadania, garantindo “uma introdução

    verdadeiramente consistente e sistemática dos jovens, no âmbito da reflexão filosófica”

  • 24

    (FAVERO et. al., 2004, p.261). O que culmina na audiência pública, em 24 de junho de 2003,

    que teve como pauta a volta da filosofia e sociologia ao currículo do ensino médio.

    Na referida audiência pública sobre o ensino de filosofia e sociologia o Projeto de Lei

    que ali tramitava faz referência à Declaração de Paris pela filosofia, discorrendo sobre a

    filosofia e sociologia:

    [...] também se percebe a correlação do seu ensino como o avanço do

    processo democrático, tornando-se imperativo restaurar um pensamento

    crítico em educação. Compreende-se que seja assim, pois não há

    propriamente ofício filosófico (nem sociológico, mutatis mutandis) sem

    sujeitos democráticos e não há como atuar no campo político e cultural,

    consolidar a democracia, quando se perde o direito de pensar, a capacidade

    de discernimento, o uso autônomo da razão. Quem pensa opõe resistência.

    (BRASIL, 2003, p. 1)

    Mediante aos embates em torno da obrigatoriedade da disciplina de filosofia no Ensino

    Médio, entra em vigor, em 2 de junho de 2008, a lei n. 11.684, do qual altera o art. 36 da LDB

    9.394/96, incluindo a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do

    ensino médio, este foi um grande avanço ao ensino de filosofia, porém ela continua com

    permanente campo de embates para sua permanência. (FAVERO et. al., 2004)

    A discussão do ensino de filosofia continua atual no cenário das reformas propostas

    para o Novo Ensino Médio, através do texto da MEDIDA PROVISÓRIA No - 746, DE 22

    DE SETEMBRO DE 2016, publicada no Diário Oficial da União, no dia 23 de setembro de

    2016, e aprovada na Câmara dos deputados, em 07 de dezembro de 2016. No que tange ao

    ensino de filosofia e sociologia, estas dependeriam do que fosse incluído no conteúdo

    obrigatório da BNCC- Base Nacional Comum Curricular, portanto, e neste caso as disciplinas

    deixariam de ser obrigatórias. No entanto, em 13 de dezembro do mesmo ano, a Câmara dos

    deputados apresenta e aprova uma emenda que altera a reforma da proposta do ensino médio e

    volta a tornar obrigatória a oferta de conteúdos de filosofia e sociologia nesta etapa de ensino,

    porém elas aparecem agora como “estudos e práticas” que devem ser inseridos na BNCC, sem

    ser mencionadas como disciplinas específicas. No dia 8 de fevereiro de 2017 o Senado

    Brasileiro aprova a Medida Provisória do novo ensino Médio, colocando o ensino de filosofia

    como caráter compulsório. (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2017)

  • 25

    No que refere ao ensino de filosofia no Brasil para crianças, no ensino infantil e

    fundamental podemos observar sua inserção em escolas privadas e públicas, por volta de

    1995, o que podemos constatar a seguir:

    Desde 1985, com a chegada ao Brasil do programa de ‘Filosofia para

    Criança’, criado por Mattew Lipman, algumas escolas – em sua maioria

    particulares – adotam a filosofia como disciplina em seus currículos do

    ensino fundamental. No ensino infantil há experiências sistemáticas com a

    filosofia pelo menos desde 1995. Recentemente, alguns poucos municípios,

    particularmente na Bahia (Ilhéus, Una, Itabuna) e no Mato Grosso (Cuiabá),

    estabelece a obrigatoriedade do ensino de filosofia na rede pública no nível

    fundamental ao nível médio (...) De modo geral, no ensino fundamental há

    registros de escolas privadas trabalhando com filosofia em quase todos

    estados e das públicas em alguns deles (Distrito Federal, Rio de Janeiro,

    Mato Grosso, São Paulo, Bahia). Por exemplo, em Itabuna, quarta maior

    cidade da Bahia, há filosofia no ensino fundamental, de 5ª à 9ª série, em

    todas as escolas do município. (FAVERO et. al., 2004, p.266-267)

    Vale à pena ressaltar que “escolas e universidades desenvolvem pesquisas e

    metodologias próprias no ensino de filosofia nos níveis infantil e fundamental.” (FAVERO

    et. al., 2004, p.267)

    No Brasil a educação de filosofia para crianças teve crescente interesse a partir da

    década de 80, com o conhecimento, a tradução e a difusão dos materiais e métodos do

    Programa de ensino de filosofia para Crianças de Matthew Lipman, realizado por Catherine

    Young Silva (1937-1993), mestre em educação em filosofia para crianças na Montclair State

    University, Estados Unidos, dirigida por Matthew Lipman. Em 1984, junto com um grupo

    que ainda hoje trabalham com o programa divulgou-o dentro das suas próprias instituições de

    ensino, a escola de inglês Yázigi, em São Paulo. No mesmo ano mais duas escolas privadas

    receberam a experiência de realizar informalmente o programa com o material incompleto.

    (WUENSCH, 1998).

    Também, no mesmo ano (1984), o grupo que apoiou Catherine realiza a formação de

    professores para atuarem em escolas públicas e no ano seguinte cria o CBFC – Centro

    Brasileiro de Filosofia para Crianças como entidade civil, que se dedicaria a formação de

    professores, tradução e divulgação dos materiais e do programa, conforme podemos observar

    em Wuensch, 1998:

    Com o apoio de Marcos Antonio Lorieri (que tinha sido professor de

    Catherine no curso de Filosofia da PUC-SP), e das professoras de filosofia e

    inglês Ana Luiza Falcone e Sylvia Hamburger Mandel, foram feitos contatos

  • 26

    para realizar a formação de professores e a implantação do trabalho em

    diversas escolas públicas da zona leste de São Paulo, o que aconteceu no ano

    seguinte. Em janeiro de 1985, este grupo criou o Centro Brasileiro de

    Filosofia para Crianças (CBFC)... (p.51-52)

    A partir de então, a filosofia para crianças e seu interesse ganha um percurso que pode

    ser chamada de movimento de filosofia para crianças no Brasil, donde o grupo que

    representava o CBFC formava novas gerações de professores e promovendo ao mesmo tempo

    conferências e palestras. Em algumas delas houve a presença do idealizador do programa

    Matthew Lipman que esteve no Brasil, em 1985 apresentando o tema “Filosofia para

    Crianças, isto é possível?, em 1988 no II Congresso Internacional de Filosofia para Crianças

    e do I Seminário Nacional de Filosofia, Desenvolvimento do Raciocínio e Educação: Uma

    relação Possível.” (WUENSCH, 1998)

    Na década de 90 o movimento de ensino de filosofia para crianças se fortalece, nas

    regiões de São Paulo – SP, Florianópolis – SC, Belo Horizonte – BH, Brasília – DF, Curitiba

    – PR, Petrópolis – RJ, São Luiz – MA, em especial nas instituições privadas, com crescente

    experimentação e criação de novos recursos pedagógicos inteirados com projetos pedagógicos

    das próprias instituições. Nas escolas públicas, o programa de ensino de filosofia para

    crianças passam pela institucionalização acadêmica através de monitores conduzidos pelo

    trabalho de professores acadêmicos como Marcos Louriere em São Paulo, Peter Bütter, em

    Mato Grosso e Auri Cunha, em Campinas. (WUENSCH, 1998)

    Em 1995 o Instituto de Filosofia e Educação para o Pensar IFEP é fundado com o

    objetivo de fornecer a formação de professores difundindo o programa de ensino de filosofia

    para crianças de Matthew Lipman. E em 2010 o CBFC encerra suas atividades, conferindo

    suas responsabilidades ao IFEP. A seguir podemos observar as atividades realizadas de 1995

    a 2009. Dados retirados da página da internet, IFEP, 2016:

    Encontro de Professores:

    I Encontro de professores – A discussão filosófica na Comunidade de

    Investigação (Marcos Antonio Lorieri) – 17/05/97 – 150 professores

    II Encontro de professores – O Filosofar como Educação para a Cidadania

    (José Auri Cunha) – 28/07/2000 – 250 professores

    Palestras:

    1. Ann M. Sharp, realizada em 25/08/2001, Colégio Marista Santa Maria,

    Curitiba/ PR

    Temas: “A filosofia e o desenvolvimento de habilidades e competências de

    pensamento”

    “A pedagogia da comunidade de investigação e a educação para valores e

    cidadania”

  • 27

    2. Prof. Dr. Marcos Antonio Lorieri, realizada em 23/02/2007, Universidade

    Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR

    Tema: “O papel e o valor formativo da filosofia”, ministrada

    3. Prof. José Auri Cunha, realizada em 23/02/2007, Universidade

    Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR

    Tema: “Práticas Filosóficas na Educação Básica”

    Encontros e Congressos de Crianças:

    Projeto Filosofia e Cidadania na Escola

    - I Encontro Paranaense de Crianças, realizado em 1998, realizado no

    Colégio N. Sra. de Lourdes, Curitiba/PR, com 300 participantes. Foco

    filosófico: Cidadania e Direitos, slogan: “CIDADANIA: DIREITO DE TER

    DIREITOS”. Temas: direito e dever, criança, família, comunidade,

    educação, saúde, meio-ambiente / ecologia, trabalho e liberdade.

    - II Encontro Paranaense de Crianças, realizado em 1999, no Colégio

    Sagrado Coração, Curitiba/PR, com 500 participantes. Foco filosófico:

    Cidadania e Comunicação, Slogan: “VAMOS NOS COMUNICAR... E NO

    MUNDO NOS REVELAR”. (Tiago Pavelski, 4ª série, 9a. CIESC Madre

    Clélia). Temas: verdade, linguagem, pessoa / subjetividade e cultura, paz e

    responsabilidade.

    - I Congresso de Filosofia entre Crianças, realizado em 2000, no Colégio

    Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presença de 650 pessoas - crianças

    e professores. Foco filosófico: Cidadania e cotidiano. Slogan: “PELA

    CIDADANIA O MUNDO SE UNE!”. (Luan Haddad Ricardo dos Santos, 4ª

    série. 9a. Col. Marista Santa Maria / Curitiba). Temas: A vida do Cidadão –

    Trabalho e dignidade; Cidadania e Universo Cultural; Criança; Ecologia;

    Educação – Escola; Meio Ambiente; Saúde Pública e Dignidade; Violência;

    Comunidade; Direitos e Deveres; Escolhas Família; Ecologia e Meio

    Ambiente; Abandono Infantil; Ser Pessoa; Convivência.

    - II Congresso de Filosofia entre Crianças, realizado em 2002 no Colégio

    Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presença de 700 participantes –

    crianças e professores. Foco filosófico: Cidadania e Vida. Slogan: “É do

    pensar que vem o viver!”. Nayane Amaral Dutra, 10ª. 4ª Série, Col.

    Diocesano Leão XIII, Paranaguá, PR. Temas: sentir, pensar, olhar, criar,

    libertar, transformar, planejar, conviver, brincar, salvar, cuidar, respeitar, ser

    feliz, ser justo e ser amigo. História trabalhada: DADEDIDODÚVIDA!

    Surpresas da Filosofia! (IFEP, 2016)

    Podemos destacar que durante estas três décadas o ensino de filosofia para crianças no

    Brasil tem levado pesquisadores a estudar a proposta de Matthew Lipman quanto à teoria das

    relações entre o que é filosofia e o que se entende por criança e infância, como também as

    pesquisas sobre a prática da sala de aula, a aplicabilidade do programa e seus resultados, que

    estão ligados diretamente as implicações políticas educacionais influenciando sua aplicação

    nas escolas públicas, até sua inserção no Ensino Médio.

    Podemos apontar como exemplos de pesquisadores, Kohan & Waksman, (1998),

    Wuensch (1998), Gadotti (1999) os quais destacam a filosofia para crianças num contexto de

    prática escolar nas perspectivas atuais da educação brasileira, elucidam sobre a reflexão

    prática e a ideia da filosofia para crianças na perspectiva de Matthew Lipman. “Como ideia

  • 28

    filosófica, filosofia para crianças rejeita dogmatismo e preconceitos e nos convida a pensar

    valores que esta ideia pressupõe. Como prática filosófica, filosofia para crianças precisa de

    uma reflexão teórica que contribua para pensar as funções desta prática, suas consequências

    e finalidades.” (p. 11)

    Destacamos também Aspis & Gallo, (2009), Teles (2011) que problematiza no

    contexto do ensino de filosofia no Brasil, o que ensinar e como ensinar a filosofia para jovens,

    na perspectiva da prática do pensamento autônomo, na compreensão crítica da filosofia, de

    seus conceitos, métodos, histórias, como também a indissociabilização da filosofia e do

    filosofar. (ASPIS & GALLO, 2009, p. 18)

    E por fim Severino, 2009, o qual também considera um ensino de filosofia na

    perspectiva da experiência histórica que conduz a apreensão e a vivência refletida da própria

    condição humana. (SEVERINO, 2009, p. 15)

    Consideramos por fim, que o Brasil tem se destacado por pesquisadores, educadores e

    professores de filosofia que defendem e refletem o ensino de filosofia no Brasil. Este tem

    alcançado gradativamente seu espaço no contexto educacional brasileiro, porém não podemos

    deixar de ratificar que a inserção do ensino de filosofia no Brasil se constitui mediante um

    percurso histórico de enfrentamentos e de lutas ideológicas e políticas.

    A seguir abordaremos o instrumental referencia da referida dissertação, para tomarmos

    como base para as análises críticas dos capítulos seguintes.

  • 29

    3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL

    Objetivamos tecer sobre um grupo de conceitos pertinentes à questão central da

    dissertação, em vista da contextualização de uma educação na perspectiva emancipatória, que

    lança mão da formação do sujeito autônomo, assim, nos apropriaremos das referidas

    conceituações acerca do nosso objeto em estudo, tendo como principais aportes teóricos: o

    filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer (1895-1973), e o filósofo, sociólogo, músico,

    alemão Theodor W. Adorno (1903-1969).

    Sobre Adorno e sua importância para a educação, podemos apontar que suas teorias

    podem ser consideradas pontos de partida para a reflexão do sistema educacional hodierno,

    visto ser possível de atualizarmos a discussão crítica as perspectivas pedagógicas atuais, de tal

    modo, discorre Zuin, et, al (2001):

    Para os educadores, o conjunto das pesquisas e reflexões críticas do filósofo

    frankfurtiano adquirem a maior relevância. Suas contribuições podem e

    devem ser inseridas nas coordenadas do nosso espaço e do nosso tempo.

    Essa inserção quando intencionada a atingir as novas gerações deve ser

    realizada na teoria educacional e nos pontos pedagógicos do sistema

    educacional (p.13).

    Cabe aqui ressaltar que o conceito de sujeito autônomo implica outros, o que traz à luz

    o pensamento frakfurtiano sobre a educação e sobre a própria realidade vigente da sociedade

    globalizada do século XX, disso, podemos nos apropriar de alguns pensamentos em

    convergência, com base em uma releitura crítica de suas obras a fim de atualizá-la para a

    discussão da realidade educacional e social em nossa contemporaneidade do século XXI.

    De tal maneira, nos interessa apresentarmos a perspectiva na qual é possível

    elucidarmos o sujeito autônomo passível de ser educado na via da emancipação. No entanto,

    lançamos mão da discussão sobre a ótica da Escola de Frankfurt mediante a sua crítica sobre a

    formação do sujeito e da sociedade, na qual, Adorno e Horkheimer na obra Dialética do

    Esclarecimento a retratam apresentando a civilização moderna racionalista e tecnológica

    perante a penetração da realidade social humana, dentro do contexto do capitalismo tardio2.

    2Capitalismo tardio – Nos referimos ao termo capitalismo tardio, visto que esta expressão fora usada por autores

    que realizavam seus estudos sobre o modelo econômico do capitalismo no século XX. Tendo como precursor

    Werner Sombart, o mesmo usou a expressão (Spätkapitalismus) pela primeira vez na sua obra de 1902 Der

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    Assim, tomamos como ponto de partida para a abordagem conceitual dessa dissertação

    a respectiva obra Dialética do Esclarecimento3(escrita no final da década de 1940) e a obra

    Educação e Emancipação, ambas as obras relevantes à nossa discussão, as quais

    contextualizam e analisam de maneira crítica, os mecanismos culturais de dominação da

    sociedade ocidental através dos aparatos da conceitualização do sujeito autônomo, do

    esclarecimento, da Indústria Cultural e da educação emancipatória. Utilizaremos, também

    alguns comentadores sobre o ensino de filosofia na perspectiva da formação de sujeitos

    autônomos e educação emancipatória, como Ghedin (2009), Horn (2009), Zuin et.al (2001) e

    demais comentadores.

    Nosso objetivo, nesta fase da dissertação é realizar uma releitura contemporânea sobre

    o sujeito autônomo, formação cultural e educação emancipatória. Mediante essa releitura

    analisaremos a teoria frankfurtiana na ótica de uma contextualização no âmbito da filosofia da

    educação, dessa forma teremos arcabouço teórico para a análise crítica da concepção de uma

    educação de filosofia para crianças na perspectiva da formação de sujeitos autônomos, que

    possibilita a auto-reflexão e a reflexão referente à sociedade capitalista de consumo e de

    controle, a partir de uma educação emancipatória, que seja autêntica, na qual favoreça a

    capacidade da razão crítica dos sujeitos da sociedade.

    Ressaltamos a partir de então que Adorno lança mão da tradição intelectual Alemã em

    que o entendimento sobre a formação de sujeitos autônomos, a educação emancipatória tem

    suas raízes no conceito de esclarecimento em Kant, para o filósofo o esclarecimento é a saída

    do homem de sua auto-inculpável menoridade, quando sua causa não é a falta de

    entendimento, mas a falta de decisão e coragem de servir-se do entendimento sem a

    orientação de outrem: “Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema

    do esclarecimento”(KANT, 2005. p. 63-64), para discutir a educação emancipatória e

    formação do sujeito autônomo, a partir da reflexão da Cultura Industrial.

    Moderne Kapitalismus, na qual distinguia três fases do capitalismo: o capitalismo primitivo, o auge do

    capitalismo e o capitalismo tardio. Entre o final dos anos de 1930 e 1940 (pós crise de 1929) a expressão passou

    a ser usada pelos socialistas europeus, quando muitos acreditavam que o capitalismo estava condenado. Nos anos

    1960, a expressão voltou a ser usada - principalmente na Alemanha e na Áustria, pelos marxistas ocidentais

    ligados à tradição da escola de Frankfurt e do austromarxismo - para descrever a sociedade contemporânea.

    3 Ver em Dicionário de Obras Filosóficas, DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO, HUISMAN, Denis;

    BENEDETTI, Ivone Castilho (2000).

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialistahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1960https://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1960https://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanhahttps://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81ustriahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Marxismo_ocidentalhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Frankfurthttps://pt.wikipedia.org/wiki/Austromarxismohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade

  • 31

    A reflexão adorniana traz à tona a discussão da emancipação como um problema

    educacional – político em âmbito mundial, que perpassa desde o sistema educacional das

    crianças na União Soviética, como também na América, assim, podemos observar em Adorno

    (1995) no debate na Rádio de Hessen, em Frankfut, transmitido em 13 de agosto de 1969 de

    Adorno com Becker:

    Na União Soviética, por exemplo,... num país que há muito tempo realizou a

    transformação das relações de produção mudou extraordinariamente pouco

    em termos de não educar as crianças para a emancipação e que nessas

    escolas persista dominando um estilo totalmente autoritário de educar.

    [...] Problema da emancipação não é unicamente alemão, mas internacional.

    E podemos acrescentar, um problema que ultrapassa em muito os limites dos

    sistemas políticos. Nos Estados Unidos, efetivamente, duas exigências

    diferentes se chocam diretamente: de um lado, o vigoroso individualismo,

    que não admite preceitos, e de outro lado a ideia da adaptação assumida do

    darwinismo, (...), o ajustamento. (ADORNO, 1995, p. 174-175)

    Dessa maneira, partindo do panorama educacional internacional Adorno pensa a

    educação escolar através da educação política na qual a emancipação do sujeito vise à

    promoção da superação dos obstáculos sociais por meio de uma educação emancipatória,

    resistindo à cultura industrial, ao capitalismo. Assim ressaltamos que: “A única concretização

    efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção

    orientem toda sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e

    para a resistência.” (ADORNO, 1995, p. 183)

    Do pensamento Adorniano, podemos inferir os seguintes aspectos:

    1. A autonomia: É fazer uso do próprio entendimento para pensar a realidade social.

    Deve ser autoconsciente, crítico, resistente ao assujeitamento do modelo de

    Indústria Cultural, do capitalismo;

    2. Educação emancipatória: É uma educação política. Deve ser crítica da realidade

    social vigente. Se difunde com mais qualidade na sociedade democrática.

    3. Indústria Cultural: É toda e qualquer forma midiática que o mercado usa para

    formar uma cultura de massa consumista e acrítica, amparando-se na racionalidade

    moderna e na tecnologia com status de saber científico e irrefutável.

    Nos subcapítulos a seguir trataremos de resgatar e aprofundar o conceito de sujeito

    autônomo a partir de uma releitura da obra e dos comentadores de Adorno e Horkheimer, no

    entanto, vale à pena ressaltar, que o gênero de ensaios é de caráter das próprias obras dos

  • 32

    frankfurtianos, portanto, devem ser estudados de uma forma sistemática e explicativa, visto

    que os conceitos estudados não são dados de forma direta, como conceitos fechados, mas

    elucidados através de uma discussão crítica e filosófica que requer um minucioso trabalho de

    análise, pois suas definições e conceitos são fruto de uma construção de pensamentos, dentro

    do campo de tensões, tal como a realidade se apresenta, visto assim tal resultado da análise

    conceitual da obra frankfurtiana podem ser compreendidas na seguinte afirmação, segundo

    Seligmann-Silva, (2010):

    Seu resultado é a construção não de conceitos fechados, mas sim,

    novamente, de campos de força marcados pela tensão. A verdade é pensada,

    desse modo, a partir do transitório, e não de uma suposta eternidade (p. 84).

    Para tanto, a fim de encontrarmos luzes à questão problema, a seguir, discutiremos

    com maior rigor sobre os conceitos de esclarecimento, autoconsciência, indústria cultural e

    pensamento crítico na formação do sujeito autônomo e da educação de emancipação,

    relacionando-os com a problemática do ensino de filosofia para crianças, no entanto os

    trataremos como um campo político da educação marcada por forças de tensão. De tal modo,

    pensaremos os conceitos conforme o modelo frankfurtiano, discutiremos a educação e o

    ensino de filosofia para crianças na perspectiva de excluir conceitos fechados, e ampliando

    sempre a reflexão e a construção de um objeto de pesquisa que se dá sempre pelo processo

    problematizador e crítico.

    3.1 Sobre o conceito de esclarecimento e a autoconsciência na dialética do

    esclarecimento para a formação do sujeito autônomo

    O que os homens querem saber da natureza é como empregá-la para dominar

    completamente a ela e aos homens. Nada mais importa. Sem a menor

    consideração consigo mesmo, o esclarecimento eliminou com seu cautério o

    último resto de sua própria autoconsciência. (ADORNO; HORKHEIMER,

    1985, p. 20)

    O conceito de esclarecimento, proposto por Adorno e Horkheimer, se configura a

    partir da crítica que os mesmos fazem ao progresso tecnicista da modernidade na perspectiva

    da sociedade capitalista, na qual, define o homem, no apogeu do esclarecimento positivista,

    como aquele que domina a natureza. No entanto, a crítica aponta que este homem moderno,

    detentor do esclarecimento ou conhecimento técnico, acredita ter alcançado a tão sonhada e

  • 33

    prometida liberdade – dos medos, tanto da natureza interna, como externa – entretanto, não

    percebe o homem, a sua própria acomodação a perene reprodução da necessidade.

    O que está em questão referente à crítica ao esclarecimento é o fato de que o domínio

    que o homem tem sobre a natureza é marcado também pela sua própria incapacidade de se

    pensar sobre o que configura o próprio esclarecimento, no qual, se reveste de liberdade, mas

    que na verdade, aprisiona o próprio homem nas estruturas da aparelhagem econômica do

    capitalismo, tornando-o um mero reprodutor da burguesia em suas relações de produção.

    Portanto, segundo a teoria crítica, o homem moderno, tido como detentor do esclarecimento,

    perde a capacidade de autocrítica pela mesma razão que lhe falta autoconsciência da realidade

    ao qual está inserido. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985)

    De certo, constatamos no homem, sujeito do esclarecimento modernista, a ausência da

    autoconsciência ao próprio esclarecimento – fruto de sua própria busca desenfreada pela

    liberdade humana, das potências míticas da natureza, de tal forma que fora construída na

    modernidade uma relação intrínseca entre poder e conhecimento referente à racionalização

    filosófica e científica, fruto da operacionalização da razão. É nessa perspectiva, que o

    conceito de esclarecimento aparece, como podemos esclarecer em Adorno e Horkheimer

    (1947), apresentado por Zuin et. al., 2001:

    O esclarecimento é um termo traduzido do alemão (Aufklärung) para o

    português, pelo tradudor Guido Antônio de Almeida, sua opção se justifica

    na seguinte exposição: O termo esclarecimento (Aufklärung) é mais coerente

    do que o Iluminismo porque não fica restrito a um período histórico tal como

    o do ‘século das luzes’, esclarecimento diz respeito ao longo período de

    racionalização – espelhado na filosofia e na ciência – em que os homens

    tentam se libertar das potências míticas da natureza, mas acabam submetidos

    a condições sociais que exigem a regressão das suas próprias capacidades.

    (p.46)

    Faz aqui presente o conceito de esclarecimento no qual leva em consideração um saber

    com especificidade, ele é, portanto, um saber prático referente à produção técnica e a

    cientificidade. A ausência de autoconsciência aponta a ingenuidade do esclarecimento que

    visava o pensamento da funcionalidade da ciência como aquela única que promoveria auxílio

    para a vida prática humana. Esta visão põe à margem o conhecimento metafísico, filosófico,

    em favor do conhecimento operacional, dito por eficaz, conforme podemos constatar em

    Adorno e Horkheimer (1985),

  • 34

    [...] o que importa não é aquela satisfação que, para os homens, se chamava

    ‘verdade’, mas a ‘operation’, o procedimento eficaz. Pois não é nos

    ‘discursos plausíveis’, capazes de proporcionar deleites, de inspirar respeito

    ou de impressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquer argumentos

    verossímeis, mas em obrar e trabalhar e nas descobertas de particularidades

    antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida, que reside o

    verdadeiro objetivo e função da ciência. (p.20)

    Nesse sentido, Zuin et. al., 2001, aponta também esta mesma ingenuidade de

    pensamento, de que o verdadeiro conhecimento era possuidor do caráter de sistema dedutivo

    único, lógico formal, e que este seria capaz de solucionar todos os problemas oriundos das

    relações sociais. Esta visão objetivava abalar os fundamentos de explicações provenientes de

    mitos substituindo pelo saber, chamando a filosofia antiga de estéril por se distanciar do

    empirismo de Bacon, cujo leva critérios da utilidade e da calculabilidade tecnológica,

    conforme expõe a seguir:

    Os critérios definidores da essência do conhecimento seriam a utilidade e a

    calculabilidade. Não é por acaso que os frankfurtianos citam Bacon como

    um dos primeiros grandes entusiastas e defensores de um saber que se

    afastasse da ‘estéril filosofia aristotélica e se aproximasse de uma

    perspectiva de aplicação empírica. É verdade que Bacon era consciente da

    relevância de Aristóteles para a construção da filosofia ocidental. Porém

    criticava seus conceitos, pois, se eram bons parar gerar controvérsias, por

    outro lado não acrescentava nada de útil na vida dos homens. (ZUIN, 2001,

    p.46-47)

    De acordo com Zuin et. al., 2001, a crítica ao esclarecimento – apresentada por

    Adorno e Horkheimer (1947) – em relação a ingenuidade da libertação da irracionalidade

    mítica, é posta em questão na seguinte indagação:

    [...] será que realmente a nossa subjetividade instrumentalizada permite fazer

    com que as necessidades básicas sejam suprimidas, em prol de uma

    verdadeira e democrática apropriação coletiva? Será que esse tipo de saber

    esclarecido consegue finalmente superar a irracionalidade mítica? (ZUIN,

    2001, p.48)

    Para analisarmos a crítica ao esclarecimento em Adorno e Horkheimer (1947), é

    importante ressaltar que, para os filósofos supracitados, o espírito esclarecido estava no

    pensamento do homem desde a aurora da humanidade nos mitos, pois eles relatavam,

    denominavam, diziam a origem, buscavam explicações do desconhecido, repetiam práticas

    sociais e de ritos, permitia o controle das etapas e pertenciam a um vínculo direto com a

    submissão às divindades pelas representações sociais hierarquizadas dos sacerdotes. No

    entanto, o esclarecimento possui características em comum com o mito, como a repetição de

  • 35

    significado e o controle repetido, porém, o espírito esclarecido se encontra na razão calculista,

    confirmada pela divisão social do trabalho, como o espírito da:

    repetição do significado e do controle obtido através dos mitos narrados,

    agora regidos por uma sociedade regida pelo princípio do equivalente, onde

    o cálculo matemático espraia-se de tal forma que alcança o status de espírito

    absoluto. A própria verdade se transforma em sinônimo de lógica

    matemática. (ZUIN et. al., 2001, p.48)

    Sobre a crítica ao positivismo, conforme apresentamos anteriormente, está o fato de

    que, para os positivistas, o esclarecimento da razão calculista poderia libertar o homem do

    pensamento mitológico, entretanto, a crítica aparece no sentido de que o esclarecimento

    mitológico, vinculado ao medo e submissão, passa na modernidade a ser esclarecimento

    conformado ao ideal burguês de um ‘eu’ natural sublimado num sujeito transcendental ou

    lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação. (ADORNO &

    HORKHEIMER, 1985, p.41). Esse ‘eu’ considera antes de tudo a relação racional à

    autoconservação que é assegurada pela lógica da divisão burguesa, que força a auto-

    alienação dos indivíduos, que tem que se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem

    técnica. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41).

    Portanto, a crítica ao esclarecimento moderno toma por fundamento o fato de que o

    trabalho social de todo indivíduo está mediatizado pelo princípio do ‘eu’ na economia

    burguesa (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41). Visto assim, a crítica indica que a

    humanidade levada pelo pensamento esclarecido moderno, pensa estar livre do esclarecimento

    mitológico, porém permanecem agora voláteis às regras sociais do processo técnico.

    O processo técnico, no qual o sujeito se coisificou após sua eliminação da

    consciência, está livre da plurivocidade do pensamento mítico bem como de

    toda significação em geral, porque a própria razão se tornou um mero

    adminículo da aparelhagem econômica que engloba tudo. (ADORNO &

    HORKHEIMER, 1985, p. 41-42)

    Podemos reiterar a crítica ao esclarecimento a partir da crítica central à lógica da

    economia burguesa que em nome do progresso, esfacela a capacidade crítica na sociedade de

    consumo, conduzindo a humanidade à barbárie, esse tipo de esclarecimento não consegue dar

    uma resposta eficaz a devastação ambiental e a própria barbárie social, pois os indivíduos

    enquanto consumidores, capitalistas, se afastam do controle de suas potencialidades.

  • 36

    Dessa forma as soluções dadas pelo esclarecimento moderno aos problemas das

    relações sociais não correspondem com os anseios humanos na prática social, basta observar

    que, mesmo hoje em dia, homens e mulheres fazem guerra, morrem de fome, e que a

    natureza, humana e ambiental, ainda é tão devastada. Explica Souza, 2011, comentando

    Adorno e Hokheimer (1947) sobre o conceito de esclarecimento:

    [...] o conceito de esclarecimento passa a ser pensado em todo o seu

    conteúdo autodestrutivo, caracterizado tanto pela ausência de uma reflexão

    crítica acerca de si mesmo quanto por esconder o fato de que,

    paradoxalmente, o progresso social viria significando uma crescente

    naturalização (reificação) dos homens. Em outros termos, o crescente

    domínio técnico e o proeminente controle humano sobre a natureza, ao invés

    de produzirem um mundo mais justo, acentuariam o nível de desigualdade

    social. Pior ainda – mas, segundo a lógica de mercado, de forma

    complementar -, o aumento da capacidade de consumo e a melhoria da

    qualidade de vida da população em termos de bens materiais equivaleria à

    venda da sua capacidade crítica. Assim, a fortuna material exigiria em

    contrapartida um preço bastante alto: a derrocada do espírito. (p. 470)

    Nessa perspectiva adorniana do esclarecimento, podemos levar em consideração que o

    modelo de educação longe de levar o sujeito à formação da autoconsciência, de como a

    sociedade moderna ‘esclarecida’, longe da libertação almejada, permanece na barbárie da

    auto-suficiência técnica e manipula as relações sociais para o consumo, reproduz no modelo

    da própria escola, o enaltecimento das ciências, impedindo às crianças a livre imaginação, a

    problematização, o levantamento de hipóteses, com um modelo de educação que reproduz a

    informação de resultados científicos considerados verdadeiros.

    Facilmente verificamos esse modelo de educação quando uma criança aprende alguma

    fórmula matemática, ou deve decorar nomes e datas de homens e mulheres na história, porém

    sem saber para quê ou o porquê se deve usar o tempo com esse estudo. Quais significados e

    expectativas uma criança encontra na escola, em relação ao aprendizado?

    Matthew Lipman, 2014, expõe sobre os significados e expectativas encontradas nas

    crianças e seus pais em relação às escolas: as crianças geralmente alegam que as aulas não são

    relevantes, interessantes ou significativas, os pais sempre mais concisos falam que as escolas

    servem para fazer com que as crianças aprendam. Mas se o processo educacional fosse

    revelante, interessante e significativo para as crianças, na prática não seria necessário fazê-las

    aprender algo. Dessa maneira Lipman, 2014, argumenta sobre o quanto o ensino não

    consegue favorecer o sujeito na formação autoconsciente:

  • 37

    [...] Em geral somos levados a pensar que o que precisamos aprender são os

    fundamentos da civilização ocidental. Não fica muito claro que a educação

    deveria, de fato, se limitar a introduzir as crianças nas tradições culturais da

    sua sociedade, embora seja difícil mostrar que deveria ser ainda menos que

    tal introdução. As crianças não se encontram em posição de julgar a

    importância que a transmissão cultural tem para a sua sociedade; elas só

    podem avaliar o significado concreto que tal transmissão tem para elas. As

    crianças podem não ficar muito entusiasmadas com os aspectos da

    civilização ocidental, ou de qualquer outra, os quais muitas pessoas já

    falecidas, ou algumas vivas, respeitam muito. Raramente estão bastante

    interessadas ou suficientemente críticas para perguntar por que

    reverenciamos um grande número de pessoas do passado, enquanto as

    mesmas realizações, nos dias de hoje, seriam consideradas o cúmulo da

    barbárie. As crianças acreditam em nossas palavras e tem pouca

    autoconfiança para questionar se não estaríamos equivocados. Quando

    protestam (mais através do que não conseguem fazer do que pelo que fazem

    ou dizem), alegando não serem capazes de ver o que isso tudo significa, nós

    as tranqüilizamos dizendo que com o tempo elas entenderão, e que deve

    confiar nisso. (LIPMAN, 2014, p.23)

    No modelo atual da educação, a educação para a via da autonomia, ou seja, da

    autoconsciência pode nos levar a caminhos para pensarmos num novo modelo de educação

    em que a própria instituição escolar pode ser levada em consideração como objeto de análise

    pelos próprios personagens da escola; funcionários, professores e principalmente os alunos.

    As crianças não podem esperar ficarem adultas para serem críticas da realidade, porque

    depois de adultas elas apenas serão resultados da sua formação, ou formatação social,

    esta