universidade federal do rio grande do norte - ufrn€¦ · matthew lipman, através da perspectiva...
TRANSCRIPT
-
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FELINTO GADÊLHA SEGUNDO
O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE
SUJEITOS AUTÔNOMOS
NATAL / RN
2017
-
2
FELINTO GADÊLHA SEGUNDO
O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE
SUJEITOS AUTÔNOMOS
Apresentação da Dissertação do Programa de
Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requesito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Educação, Estudos
SocioHistóricos e Filosóficos.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Basílio
Novaes Thomaz de Menezes.
NATAL / RN
2017
-
3
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Segundo, Felinto Gadêlha.
O ensino da filosofia para crianças: Matthew Lipman e a perspectiva da
educação emancipatória na formação de sujeitos autônomos/ Felinto Gadêlha
Segundo. - Natal, 2017.
112f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.
1. Ensino da filosofia - Crianças – Dissertação. 2. Educação emancipatória – Dissertação. 3. Formação da autonomia – Dissertação. 4. Formação da crítica.. -
Dissertação. 5. Educação para resistência - Dissertação. I. Menezes, Antônio
Basílio Novaes Thomaz de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título
RN/BS/CCSA CDU 37.016:101-053.2
-
1
FELINTO GADÊLHA SEGUNDO
O ENSINO DA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: MATTHEW LIPMAN E A
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA NA FORMAÇÃO DE
SUJEITOS AUTÔNOMOS
Apresentação da Dissertação do Programa de
Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requesito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação, sob a
orientação do Prof. Dr. Antônio Basílio
Novaes Thomaz de Menezes.
Banca Examinadora:
Orientador/Presidente da Banca:
Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Examinadora Externa:
Profa. Dra. Maria José da Conceição Souza Vidal
UERN- Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
Examinador Interno:
Prof. Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior
UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal, 29 de março de 2017.
-
2
À Marli e a Felinto, pais amados, cujos incentivos,
garra e exemplo de batalhadores na vida me fizeram
caminhar com determinação e amor sem desistir
daquilo que eu acreditava.
À Joailma Virgília, minha amada esposa, pela
generosa paciência e por acreditar em meu potencial,
mais do que eu mesmo, para que este trabalho se
concretizasse.
-
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço principalmente a Deus, por ter me concedido saúde do corpo, paz da alma
e luz para iluminar meus pensamentos e sonhos. Sem a proteção divina não teria sido capaz de
dar um passo sequer, sem a vontade criadora divina sequer eu existiria. Este trabalho é fruto
da confiança de Deus por mim. Deus me confiou esta pós-graduação e a Ele, eu o devolvo
com toda gratidão do mundo.
Aos meus pais Marli e Felinto, que na vida souberam ser meus melhores mestres me
ensinando o caminho da justiça e do bem humano. Agradeço porque sonharam comigo e me
deram força e apoio, fundamental para a conclusão desse curso.
À minha amada esposa Joailma Virgília, que foi meu grande incentivo, quando dizia
que era grata a Deus por ter um esposo que tanto admirava. Durante a pós-graduação me
disseram que eu deveria casar com minha dissertação, porém casei com a maior incentivadora
dessa dissertação, com a maior incentivadora dos meus sonhos, sem ela eu não teria
produzido e concluído com tanto afinco este trabalho.
Aos meus irmãos, Felinto Júnior e Karlyne, que nas conversas e trocas de
experiências me incentivavam com aquele olhar de quem acreditava na minha capacidade, por
me conhecerem tanto, desde criança.
Aos meus sobrinhos Felinto Neto, Karly e Arthur, por serem meus pequenos grandes
incentivadores, quando penso na educação que almeijo para os meus futuros filhos.
Ao meu querido Professor Doutor Basílio, por aprender com ele que o conhecimento
é uma aventura interminável e incansável, que o ócio da filosofia e do filosofar requer
bastante trabalho intelectual e rigorosidade científica, por me ensinar a ter paixão pela
filosofia e pela educação, e por me orientar durante todo o curso de maneira paciente sem
deixar de ser exigente, me conduzindo sempre a uma formação autônoma, consciente e
crítica.
Ao querido e inesquecível Professor Doutor Lucrécio, que desde a graduação me
ensinou que, como professores, devemos ser sempre criativos e responsáveis pelo nosso
próprio crescimento e pelo o do outro, assim também, devemos sempre ouvir os anseios das
crianças e jovens nas salas de aula, de tal maneira, o senhor, professor Lucrécio, me fez
acreditar que eu poderia me tornar um professor inovador, comprometido com as questões
que tocam as dificuldades encontradas no sistema educacional brasileiro. Obrigado por ter se
-
4
tornado um grande amigo, por ter acreditado e se comprometido com minha formação
acadêmica.
Aos colegas de pós-graduação, em especial aos amigos e amigas Gilson, Vagner,
Thayna e Yuma por partilhar as dificuldades, os medos e as ansiedades da vida de pós-
graduando.
Aos amigos, cunhados, cunhadas, sogro, sogra, afilhados, que ao me perceberem
estressado e preocupado, sempre me apoiaram com palavras amigas e incentivadoras, guardo
todos os gestos de carinho, amizade e respeito em meu coração.
A todos os amigos professores(as) do CMEI Maria Dilma/Parnamirim-RN, em
especial a Diretora Raimunda e a Coordenadora pedagógica Verônica, que sempre me
apoiaram em minhas atividades acadêmicas e me compreenderam nos meus diversos
compromissos de pós-graduando.
Aos meus pequenos e grandes alunos, que com carinho e respeito sempre me
impulsionam a dar sempre mais, me fazendo refletir que o que fiz foi pouco, ou quase nada
diante daquilo que sou chamado a ser e a contribuir na sociedade.
À CAPES, pela bolsa concedida.
Grato, a tudo e a todos!
-
5
“Vivemos uma época muito estranha...Classificar,
organizar, calcular, medir, periciar, normalizar. Eis o
grau zero das interrogações contemporâneas, que
não param de se impor em nome de uma
modernidade de fachada que torna suspeita toda
forma de inteligência crítica fundada na análise da
complexidade dos homens e das coisas.”
Elisabeth Roudinesco
-
6
RESUMO
A pesquisa empreendida consiste em analisar como o programa de ensino de filosofia
para crianças do professor Matthew Lipman pode formar crianças e jovens na perspectiva de
uma educação emancipatória que vise à formação do sujeito autônomo. O estudo tem sua
relevância mediante os embates políticos e ideológicos que envolvem as discussões a cerca da
obrigatoriedade, ou não, da disciplina de filosofia nas escolas e de como este ensino de
filosofia pode apresentar-se como alternativa para uma educação significativa que possibilita
o desenvolvimento das habilidades para o pensar autônomo desde a infância. Para tanto,
partimos da hipótese na qual seria possível encontrarmos na metodologia do ensino de
filosofia para crianças aspectos pedagógicos e didáticos dos quais conjecturam com a
proposta de uma educação reflexiva e crítica, que leva a criança e ao jovem a capacidade de
pensar por si mesmos. Para tal análise, levantamos arcabouço teórico conceitual a partir da
crítica que Adorno e Horkheimer faz ao tipo de educação moderna, cuja está atrelada ao
conceito de Indústria Cultural e a civilização moderna racionalista e tecnológica perante a
penetração da realidade social humana. A metodologia de análise bibliográfica nos permitiu
fazer inferências sobre o programa de ensino de filosofia para crianças por intermédio de
análise da obra de Lipman e dos conceitos abstraídos das obras dos frankfurtianos Adorno e
Horkheimer (Dialética do esclarecimento e Educação e emancipação). Esta metodologia de
ensino permite uma análise crítica que auxilia a prática docente, da qual considera a
participação ativa das crianças no processo de ensino e aprendizagem e no desenvolvimento
de habilidades para o pensar, integrantes da formação autônoma, crítica e reflexiva do sujeito,
em vistas de uma educação para a cidadania, ou seja, para emancipação do sujeito que resiste
ao assujeitamento da industria cultural a partir da autoconsciência crítica.
Palavras-chave: Filosofia para crianças. Educação emancipatória. Formação da autonomia e
da crítica. Educação para resistência.
-
7
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze how Professor Matthew Lipman’s
philosophy teaching program for children can educate young people in the perspective of an
emancipatory education that aims at the training of the autonomous subject. This research has
its relevance through the political and ideological conflicts that involve a lot of arguments
around having Philosophy, or not, as a mandatory subject in schools and how about this
teaching of Philosophy can be the new alternative and the new structure that would bring
meaningful savings for our education that allows the development Abilities for autonomous
thinking since childhood. From this part, we already started with the hypothesis that would be
possible to find in the methodology of children´s Philosophy pedagogical and didactic aspects
which conjecture with the proposal of a reflexive and critical education that leads the child
and the young person to develop the ability to think for themselves. For this analysis, we got
the concept of criticism that Adorno and Horkheimer make about the kind of modern
education, that comes together with the concept of Cultural Industry and a modern rationalist
and technological civilization before the entrance of human social reality. The methodology
of bibliographic analysis allowed us to make inferences about the philosophy teaching
program for children through an analysis of Lipman's work and the abstracted concepts of the
works of Frankfurtians Adorno and Horkheimer (Dialectics of Enlightenment and Education
and Emancipation). This teaching methodology allows for critical analysis that supports the
teaching practice, which considers the active participation of the children in the process of
both teaching and learning, as well as the development of thinking skills. This process also
helps with the autonomous, critical or reflexive formation of a subject from the perspective of
a citizenship education. That is to say, the free discussion of this subject may help young
people to resist the cultural pressures that begin with critical self - consciousness.
Keywords: Philosophy for children. Emancipatory education. Formation of autonomy and
criticism. Education for resistance.
-
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
2. O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA HISTÓRIA – DA SUA GÊNESE AO
CONTEXTO BRASILEIRO ................................................................................................. 17
3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL ............ 29
3.1 Sobre o conceito de esclarecimento e a autoconsciência na dialética do
esclarecimento para a formação do sujeito autônomo.................................................... 32
3.2 Sobre o conceito de Indústria Cultural na formação do pensamento crítico na
formação do sujeito autônomo .......................................................................................... 39
3.3 A formação de sujeitos autônomos e da educação emancipatória: inferências no
Brasil ..... ...............................................................................................................................44
4. AS INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO NA PROPOSTA DE ENSINO
DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NO MÉTODO DE LIPMAN ................................. 47
4.1 Sócrates e o pensamento da filosofia grega ................................................................ 48
4.2 John Dewey e o pragmatismo norte-americano ........................................................ 50
4.3 Vygotsky e sua teoria histórico-cultural ..................................................................... 56
5. O MÉTODO DE ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS EM MATTHEW
LIPMAN .................................................................................................................................. 62
5.1 O programa curricular de filosofia para crianças em Matthew Lipman ................ 64
5.2 A escola e sala de aula: uma comunidade de investigação ........................................ 69
5.3 As novelas e o pensar filosófico ................................................................................... 74
6. AS CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA
PERSPECTIVA DE UMA PEDAGOGIA QUE FAVOREÇA A FORMAÇÃO DO
-
9
SUJEITO AUTÔNOMO E CRÍTICO, CAPAZ DE RESISTIR À INDÚSTRIA
CULTURAL E SUPERARANDO AS FORMAS DE ASSUJEITAMENTO NA
CONTEMPORANEIDADE .................................................................................................. 82
6.1. A filosofia para crianças formando sujeitos autônomos e críticos .......................... 86
Capítulo 6.1.1 Sobre a importância do professor: ensinando filosofia para crianças na
perspectiva da formação de sujeitos autônomos e críticos ............................................... 94
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 108
Material Didático .............................................................................................................. 111
Citação de internet ........................................................................................................... 112
-
12
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisamos o programa de ensino de filosofia para crianças de
Matthew Lipman, através da perspectiva da educação emancipatória e da formação do sujeito
autônomo.
Trazemos a proposta de análise mediante ao tema do ensino da filosofia para crianças,
pois o mesmo tem sido objeto de estudos na educação, visto sua relevante inserção e embates
políticos no contexto educacional brasileiro. Estes embates perpassam desde a origem do
ensino de filosofia na educação brasileira, cujo, em sua gênese, servia para formar a elite
brasileira, os meninos e jovens que seriam os futuros padres católica, após reformas
educacionais a filosofia entra ora como, um ensino de história de filosofia, ora como um
estudo moral, nunca com uma preocupação de formar o cidadão crítico, na década de 60 o
ensino de filosofia sai da grade curricular, através de reformas educacionais pelo regime
militar, sua volta às escolas passou por bastantes embates políticos com o advento da LDB –
Leis de Diretrizes e Bases Curricular Brasileira, de 1996, porém o ensino de filosofia
consolida-se como disciplina obrigatória para o Ensino Médio, apenas em 2008, sendo
também questionada e retirada sua obrigatoriedade na nova reforma do Ensino Médio em
2016, em fevereiro de 2017 ela é considerada como disciplina de caráter compulsória, no
entanto, nos deixa sua incerteza, tanto em relação a sua permanência, quanto também em
relação aos conteúdos a serem estudados, mediante o panorama da educação nacional.
Levamos em consideração também que o ensino de filosofia para crianças ainda
necessita de bastante apoio e de pesquisas, pois o ensino infantil e fundamental brasileiro, não
leva o ensino de filosofia presente em seu currículo. O que temos é a sua presença em
algumas escolas privadas que as oferecem, numas utilizando o método de Matthew Lipman e
noutras, preocupadas mais com a história da filosofia e a moral, distanciando-se do ideal
democrático da formação de sujeitos críticos em toda sociedade brasileira.
Neste sentido, navegamos na proposta educacional emancipatória, na qual o ensino de
filosofia para crianças possibilite a formação de sujeitos autônomos, deste modo, lançamos a
-
13
seguinte problemática: como o ensino de filosofia para crianças, na perspectiva da proposta de
Matthew Lipman pode contribuir para formação do sujeito autônomo e para uma educação
emancipatória.
Mediante a problemática, podemos elucidar a importância do contexto histórico do
ensino de filosofia no Brasil, pois este ensino é visto historicamente com certa desconfiança
por uma parcela da esfera do poder político, em razão de que a própria essência filosófica é de
ser um ensino que possibilita a formação crítica do cidadão, cuja reivindica ao poder público
o seu direito, ainda mais, a formação filosófica ajuda aos estudantes não permitirem ser
alienados pelas falácias e discursos demagógicos, mas, sim, exercerem sua cidadania com
participação ativa.
Além disso, a própria filosofia abarca um caráter de pensamento filosófico que auxilia
na formação do sujeito autônomo e crítico sobre a realidade social, na perspectiva de pensar
sobre si mesmo e sobre o mundo, convergindo para uma atitude de cidadania capaz de análise
reflexiva sobre toda e qualquer forma de manipulação midiática e mercadológica, na qual se
usam das ferramentas de linguagem e comunicação para incutir na formação da massa uma
cultura de consumismo e individualismo social.
Destarte, consideramos a relevante necessidade da inserção do ensino de filosofia nas
escolas para crianças visto que o movimento deste ensino está inserido no campo da filosofia
da educação, e apresenta com crescente interesse por parte de importantes pesquisadores da
educação brasileira, sendo, portanto, objeto de pesquisa de grande relevância. Assim, o ensino
de filosofia para crianças tem se destacado mediante a busca por métodos de ensino que
estejam em consonância com a educação democrática, sobretudo, referente à formação
humanística de caráter crítico, reflexivo, consciente de si e da realidade, capaz de auxiliar na
formação da cidadania desde a tenra idade. De tal modo defende Teles, (2011):
É papel das instituições educativas, pois, e principalmente da escola, ensinar
nossos educandos a pensar e a refletir. Seu principal objetivo deve ser o de
oferecer a oportunidade para que o novo ser possa se tornar uma consciência
autônoma, frente a si próprio, aos outros, ao mundo em que vive. Aí entra o
papel da filosofia. (p. 12)
Diante desse entendimento emergem indagações sobre a natureza do próprio ensino de
filosofia, quais conteúdos filosóficos devem ser ensinados e sobre quais pressupostos
-
14
epistemológicos e metodológicos fundamentam a prática do ensino da disciplina de filosofia
para crianças e jovens.
É na tentativa de buscar respostas a essas indagações que a dissertação encontra sua
razão de existir, ou seja, trata-se de pesquisar se uma metodologia de ensino de filosofia
(Matthew Lipman) abarca uma prática pedagógica que seja compatível com um ensino de
filosofia que priorize a aprendizagem sólida do sujeito autônomo capaz de exercitar sua
cidadania emancipatória na sociedade.
Para tanto, utilizamos a metodologia de pesquisa bibliográfica, da qual nos permitiu
construirmos um quadro conceitual sobre a ótica da formação de sujeitos autônomos e a
educação emancipatória, dessa forma, elegemos pesquisar à luz da reflexão frankfurtiana,
sobre a exigência de emancipar sujeitos dentro da sociedade democrática, em razão de que
esta perspectiva considera importante a educação política, da formação do sujeito, do cidadão,
que se identifica com a educação para emancipação. “A exigência de emancipação parece ser
evidente numa democracia” (ADORNO, p.169, 1995)
Destacamos que a formação de sujeitos autônomos e a educação emancipatória é
objeto de estudo dos frankfurtianos (Escola de Frankfurt), cuja se denominava assim, por ser
um grupo de pesquisadores do campo social que se situava na Universidade de Frankfurt,
Alemanha, a partir de 1924, sob a direção de Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W.
Adorno (1903-1969). Fazem parte também um conjunto de teóricos, entre eles Walter
Benjamin (1892-1940), Jürgen Habermas (1929), Herbert Marcuse (1898-1979) e Erich
Fromm (1900-1980). Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria
Crítica, que se contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a teoria tradicional
é "neutra" em seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de
sua aplicação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a
análise dos meios de comunicação caracterizados como Indústria Cultural. Consideramos que,
a partir da Teoria Crítica frankfurtiana, será norteado todo o arcabouço de conceitos teóricos
sobre a formação do sujeito autônomo na qual abordaremos como base elementar para a
dissertação, no que diz respeito aos pressupostos de uma educação emancipatória na formação
de sujeitos autônomos, autoconscientes, críticos da sua realidade.
Aspis e Gallo, (2009), corroboram para o pensamento de que o ensino de filosofia
pode proporcionar a formação do sujeito autônomo da crítica frankfurtiana:
http://educacao.uol.com.br/biografias/max-horkheimer.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u266.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u266.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u10.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u10.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u391.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u635.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u249.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u249.jhtm
-
15
[...] Nós todos, estamos hoje intensamente a mercê da roda-viva da indústria
cultural, hipnotizados, produzindo e consumindo. Porém, poucas vezes
algum de nós é convidado a pensar sobre o significado das tradições, a
pensar sobre a pertinência dos julgamentos do senso comum, sobre os
critérios, procedimento e razões das ciências, pensar criticamente sobre o
significado de nossas ações e pensamentos. Quem pode promover esse tipo
de pensar sobre o mundo é a filosofia. O ensino de filosofia pode
proporcionar aos jovens uma outra disciplina em seu pensamento. Este
ensino pode apontar para uma outra chave de análise e síntese para a
construção de significado do mundo e de si próprio, além daqueles que já
são oferecidos em nossa educação. Talvez por isso estamos tão convencidos
de que temos de ensinar filosofia na escola. (ASPIS & GALLO, 2009, p.11)
Sendo assim, a dissertação transitará sobre uma análise crítica com o intuito de
verificarmos a possibilidade da imbricação entre o protótipo de ensino de filosofia para
crianças na escola, conforme a metodologia de Matthew Lipman, do ensino de filosofia que
prioriza o pensar sobre si, com o protótipo de educação emancipatória e da formação do
sujeito autônomo dos frankfurtianos Adorno e Horkheimer, que prioriza a educação para a
resistência.
De tal maneira, a estruturação dos capítulos da dissertação ficou delimitada do
seguinte modo:
No capítulo 2 teceremos sobre a história da filosofia desde seu contexto geral até a sua
inserção na educação brasileira, com o propósito de situarmos o campo de pesquisa, ao qual
estamos inseridos.
No capítulo 3 abordaremos, como cerne do referencial de aporte teórico metodológico,
os conceitos apresentados nas obras de Adorno, Horkheimer e seus comentadores, cujo nos
interessa analisar as perspectivas norteadoras da conceitualização e caracterização do sujeito
autônomo e da educação emancipatória, a saber: o esclarecimento, o sujeito autoconsciente e
crítico, a indústria cultural – a formação cultural, as formas de assujeitamento, e a resistência
ao controle social.
Nos capítulos 4 e 5 da dissertação apresentaremos primeiramente a proposta de ensino
de filosofia para crianças no método de Matthew Lipman, mediante suas influências
filosóficas da educação, e posteriormente seu método de ensino de filosofia para crianças – o
programa de filosofia para crianças em Matthew Lipman; a escola e sala de aula como uma
comunidade de investigação; e suas novelas como mediação do pensamento filosófico.
-
16
Analisaremos no capítulo 6 da referida dissertação quais são as possíveis contribuições
no ensino de filosofia para crianças, a partir da proposta pedagógica de Matthew Lipman, na
possibilidade de uma educação emancipatória e a formação de sujeitos autônomos na
contemporaneidade.
Por fim, apresentaremos no capítulo 7 uma síntese que caracteriza toda a dissertação,
fazendo apontamentos mais relevantes às considerações finais.
Pretendemos, no entanto, que esta investigação apresente pontos convergentes e
divergentes entre a proposta de ensino de filosofia para crianças em Matthew Lipman e a
educação emancipatória que forma sujeitos autônomos, a fim de que a obra e o pensamento
lipminiano sejam estudados e aprofundados com rigor critico e analítico.
De tal maneira, esperamos que esta referida pesquisa possa nos trazer novas luzes para
a concepção de ensino de filosofia em nossas escolas, proporcionando a possibilidade de
observarmos em que medida o programa de ensino de filosofia para crianças de Matthew
Lipman se mostra articulado à nova visão de educação, que longe de ser mero acúmulo de
informações gerais devem partir para a significação crítica e filosófica dos conteúdos.
-
17
2. O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA HISTÓRIA – DA SUA GÊNESE AO
CONTEXTO BRASILEIRO
Tomamos como ponto de partida sobre a explanação do nosso objeto de estudo o
próprio percurso do ensino da filosofia dentro das diferentes instituições escolares
constituídas historicamente – desde sua gênese grega, como projeto pedagógico que
influenciou a formação da cultura ocidental, até sua relevância no contexto das origens
educacionais e sua influência no território brasileiro – este ensino de filosofia ao chegar no
Brasil vai se consolidando dentro de embates e tensões de interesses políticos. Portanto
levantaremos, a seguir, as bases históricas, do nosso objeto de estudo.
Apresentamos em destaque o fato de que a cultura ocidental fora construída com o
alicerce da filosofia e pedagogia grega – maneira de pensar e de educar para a vida, que
perpassa e desenvolve toda a história humana do ocidente: sua ciência, sua maneira de
representar as artes, o lazer, o direito, a medicina, a construção de conceitos, a política, entre
tantas outras relações culturais, enfim, tudo isso constitui antropologicamente e
filosoficamente quem é o homem e a mulher de nossa cultura ocidental, como indivíduos
sujeitos de subjetividade e criatividade, que transforma a natureza e domina a tecnologia
moderna. Mediante esta constatação, nos cabe retomarmos brevemente este contexto histórico
que inter-relacionam filosofia, educação, e cultura, como a base constitutiva do homem e da
mulher ocidental. (SEVERINO, 2014)
Primariamente destacamos que a filosofia tem sua origem nos gregos antigos a partir
do século VI a.C, eles a definiram como: o amor a sabedoria. Seu ensino, desde então, se
preocupava em formar o cidadão grego como um sujeito virtuoso, livre, justo, prudente, sábio
em seu agir, que amava o conhecimento e que amava a verdade, Platão discorre bem num dos
seus diálogos sobre o amor ao saber:
[...] o amor é uma espécie de elevador que, no primeiro andar, encontra o
amor físico, no segundo o espiritual, no terceiro, arte e depois, continuando,
a justiça, a ciência e o verdadeiro conhecimento, até chegar ao andar
superior, onde reside o Bem. (DE CRESCENZO, 1986, p.89)
-
18
Importa-nos também recordarmos que aos gregos se devem o esforço da criação
pedagógica, que transparecia mais nitidamente no domínio da filosofia desde os primeiros
físicos da escola de Mileto, e aos Pitagorismos que tornaram instituição a escola filosófica:
O Pitagorismo, enfim, realiza esta ambição pedagógica: a escola filosófica.
Esta, tal como aparece em Metaponte ou em Crotona, não é mais uma
simples hetairia do tipo antigo, ligando mestre e discípulos no âmbito de
relações pessoais; é uma verdadeira escola, que absorve o homem por inteiro
e lhe impõe um estilo de vida; é uma instituição organizada, com sua sede,
suas leis, suas reuniões regulares... [...] Instituição característica, será mais
tarde imitada pela Academia de Platão, pelo Liceu de Aristóteles, pela escola
de Epicuro, e permanecerá como a forma típica da escola filosófica grega1.
(MARROU, 1966, p.82)
Importa-nos ressaltar que a esta educação filosófica os gregos chamam-na de Paidéia:
educação e formação ética de seus cidadãos. Esta educação se desenvolve ao longo da história
da antiga Grécia, sua pedagogia influenciará também, ao decorrer da história ocidental, o
período da história medieval com a chamada Paidéia cristã, que continha a formação moral
cristã como base no estudo da teologia da revelação através da leitura e exegese bíblica e nos
ensinamentos de Jesus. Nos sete primeiros séculos pós Cristo estava em vigor a chamada
Patrística e posteriormente se funda a Escolástica (século IX até ao fim do século XVI),
escolas filosóficas que buscavam unir a fé e a razão, porém é desta segunda a responsável pela
criação das primeiras Universidades. (MARROU, 1966; CAMBI, 1999; JAEGER, 2001)
Destacamos a filosofia como a relevante construtora da instituição universitária, sendo
na Europa o lugar em que o ensino da filosofia finca seu ‘status’ de rainha das ciências, ou
serva da teologia. Mediante o nascimento das Universidades na baixa idade média a filosofia
permanece em lugar de destaque referente à educação que, “inicialmente é estudada na
Faculdade de Artes, como propedêutica ou introdução a qualquer estudo, na maioria dos
casos, a teologia, ao direito, à medicina.” (OBIOLS, 2002, p.27)
No entanto, é na estrutura das diversas variantes da escolástica que ainda hoje alguns
cursos ou disciplinas de teologia e filosofia, comuns a cada uma das distintas carreiras
universitárias, ao lado dos específicos correspondentes, na qual naturalmente ocupam maior
espaço na grade, sobrevivem à estrutura de algumas universidades católicas. (OBIOLS, 2002)
1Sugestão de bibliografia: DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas dos filósofos, I, 34.
https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_IXhttps://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVI
-
19
Vale ressaltar que é a partir dos séculos XVI-XVII, que a filosofia se faz presente
também nos colégios ‘preparatórios’, os quais são precursores da educação secundária, como
podemos ler a seguir:
Na realidade, até fins do século XVI e durante o XVII, ao sistematizar-se os
estudos prévios para ingressar na universidade, são criados os colégios de
cursos preparatórios com distintos nomes em diferente países: ‘escolas de
humanas’ na Inglaterra, ‘colégios’ – privados – e mais tarde ‘liceus’ –
estaduais – em França, ‘ginásios’ na Alemanha e etc. Estes estabelecimentos,
com o tempo, constituir-se-ão nas escolas e colégios ‘secundários’ de nossos
dias. Naquela época, recebiam alunos de quatorze a quinze anos para dar-
lhes uma educação preparatória durante três ou quatro anos. (OBIOLS, 2002,
p.29)
De tal maneira podemos destacar que todo o sistema educacional teve sua gênese na
filosofia e esta permeia até os dias atuais as várias práticas pedagógicas do ensino
Universitário ao Infantil, como construto histórico-social o que põe sempre em destaque a
disciplina de filosofia como a precursora de toda e qualquer pedagogia, como observamos a
seguir:
Deve-se observar, incidentalmente, que o ‘sistema educativo’, do qual com
propriedade podemos falar recentemente, a partir do século XIX, se constitui
‘de cima para baixo’: primeiro nas universidades, em seguida os colégios
preparatórios (secundários), a educação primária se generaliza na segunda
metade do século XIX e posteriormente a 1950 se oficializa a ‘educação
inicial’ para crianças de 4 e 5 anos de idade. (OBIOLS, 2002, p.29)
Ao longo da modernidade a filosofia perde progressivamente o status de serva da
teologia como passando por um momento de recolhimento nas universidades, visto a ser um
período intenso das tendências cientificistas, do nascimento das ciências sociais e por fim do
apogeu do positivismo que apontavam por diminuir sua importância ou por reduzi-la a
epistemologia, porém é no iluminismo que lhe atribui ao seu ensino o papel emancipador com
o intuito de desenvolver nos homens a capacidade de pensar por si mesmos e libertá-los do
terreno de qualquer autoridade, de tal maneira, podemos destacar a seguir:
O iluminismo moderno, em geral, e a tradição republicana francesa, em
particular, deram a ela um papel emancipador, isto é, a possibilidade da
libertação das distintas tutelas, que haviam submetidos os homens. A
Unesco, desde sua fundação, e através de distintos colóquios, enfatizou a
importância do ensino da filosofia como base do ensino das ciências, por seu
papel na formação do cidadão e por constituir o núcleo de formação cultural
e humanística. (OBIOLS, 2002, p.21)
-
20
Percorrendo tal história sobre o lugar e do papel do ensino da filosofia podemos
constatar sua atual importância no contexto educacional na cultura ocidental, como também
sua insistente permanência no âmbito educacional brasileiro.
Sabe-se que a história da educação brasileira se constitui em sua origem pela presença
da escola Jesuítica – Companhia de Jesus (1549-1759) e sua estreita vinculação a política
colonizadora dos portugueses.
A reforma das referentes Constituições da Companhia de Jesus entra em vigor a partir
de 1599, chamada de Ratio Studiorum, nela se continha um Plano de Estudo, concentrando-se
na sua programação os elementos da cultura européia para a formação gratuita para o
sacerdócio (formação de curso de humanidades, curso de filosofia, curso de teologia e por fim
enviava seus aprendizes para concluírem seus estudos na Europa), porém a não adequação do
índio a formação sacerdotal católica influenciou na proposição de um ensino profissional e
agrícola, formação essencial à vida da colônia, como também a instrução catequética.
Entretanto, os filhos dos colonos foram instrumentos de formação aos moldes da Ratio
Studiorum, e de tal maneira, os colégios jesuíticos passam a formar a elite colonial brasileira.
(RIBEIRO, 1991)
Nesta situação o ensino de filosofia se faz presente na formação educacional e cultural
brasileira desde sua origem, porém seu ensino foi em seu início marcado pela escolástica da
filosofia medieval, longe de ser uma filosofia crítica, porém dogmática.
A Companhia de Jesus é atingida e expulsa em 1759, resultado da nova situação
política portuguesa, e das reformas do marquês Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo),
enquanto ministro do monarca (D. José I), a fim de recuperar a economia portuguesa com
bases no fortalecimento da coroa real e da modernização da cultura, assim era necessário tirar
o maior proveito possível da colônia. Para isso, intensifica a fiscalização das atividades aqui
desenvolvidas, essa requer um aparelhamento sofisticado administrativo exigindo um preparo
elementar de recursos humanos, como técnicas de leitura e escrita, surgindo assim à instrução
primária na escola brasileira, o que antes cabia à família, essa educação visava à formação
‘modernizada’ da elite colonial (masculina), atendendo aos novos interesses da camada
dominante. (RIBEIRO, 1991)
-
21
Surge neste período (fase pombalina da escolarização brasileira), o ensino público
propriamente dito, desvinculado a formação da Igreja. Fora criado pelo alvará de 28 de junho
de 1759 o cargo de diretor geral dos estudos, o mesmo determinava a prestação de exames
para professores. O ensino secundário com duração aproximadamente de 9 anos – cursos de
Letras Humanas e de Filosofia e Ciências – passa por uma nova organização, novos métodos
e novos livros. Neste contexto assinalamos que o ensino de filosofia permanecia obrigatório
no ensino secundário, porém, pouca referência nos apresenta sobre seu conteúdo ensinado,
como podemos observar na seguinte citação sobre o ensino da filosofia: “As diretrizes para a
aula de filosofia ficaram para mais tarde e, na verdade, pouca coisa aconteceu. Diante da
ruptura parcial com a tradição, este campo causou muito receio ou muita incerteza em
relação ao novo.” (RIBEIRO, 1991, p. 34)
A falta de consistência da disciplina de filosofia no Brasil, como também todo o
contexto nacional da educação perpassam também pelo período imperial (1822-1829) e pelo
período da república velha (1889-1930) por várias mudanças de regulamentos e decretos, que
resultou em propostas educacionais liberais e positivistas com a intenção de integrar um
processo de mudança da sociedade rural-agrícola para urbano-comercial. Assim, em 8 de
novembro de 1890, Benjamin Constant, enquanto Ministro da Instrução Pública, decretou
uma reforma curricular do ensino primário e secundário, do Distrito Federal, propondo
princípios de liberdade e laicidade do ensino, bem como gratuidade da escola primária, porém
prioriza em seu currículo as ciências, explicitando a influência das idéias do positivismo.
Podemos observar também no decreto n° 11.530 de 18 de março 1915 - Carlos Maximiliano
(Ministro da Justiça) – o utilitarismo do ensino secundário, através da obrigatoriedade de
disciplinas que desfoca o enfoque filosófico para o científico. (GALLO et. al, 2001;
RIBEIRO, 1991)
A Reforma Vaz, com o decreto n.º 16.782-A,de 13 de janeiro de 1925 garantiu no
ensino secundário seis séries, incluindo o eixo de história da filosofia nas duas últimas séries,
seu objetivo era fornecer no ensino secundário uma cultura geral, não vinculada à escolha
profissional. (GALLO et. al , 2001)
A partir da revolução de 1930, surgem novas reformas no campo educacional
marcadas pela criação e implantação do capitalismo industrial brasileiro, ao qual houve
grande expansão do ensino, pressionado pelos segmentos organizados, como o Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova (1932), por exemplo, com sua defesa formal da escola para todos,
-
22
conferindo visibilidade às contradições do nosso processo de escolarização, estimulando o
debate em torno da democratização do acesso à educação brasileira. Em relação a esse
movimento podemos assinalar sua herança no ensino de filosofia nas reformas de Francisco
Campos (1932) e de Gustavo Capanema (1942):
A reforma Campos introduziu novas disciplinas no currículo do ciclo
complementar, como, por exemplo, psicologia, sociologia e história da
filosofia. Já na reforma de Capanema, a filosofia ocupa maior espaço nos
currículos dos cursos clássicos e científicos. Constituía disciplina obrigatória
na 2ª e 3ª séries do curso clássico e na 3ª série do científico. [...] A lógica, a
moral e a sociologia tinham espaço privilegiado nas aulas de filosofia do 3º
ano do curso clássico. Mas, em 1954, a portaria n. 54 reduziu o número de
aulas semanais, estabelecendo um mínimo de duas horas por semana nas
séries do clássico e uma hora apenas, no científico. [...] Na ocasião de sua
promulgação, Capanema enfatizou que esse nível de ensino tinha como
principal preocupação formar nos adolescentes uma cultura geral, com
consciência patriótica e humanística. (GALLO et. al, 2001, p.26 -27)
A reforma Capanema representa um avanço na efetivação do ensino obrigatório de
filosofia no currículo, em contrapartida, com a lei n. 4.024/61, a disciplina de filosofia perde
sua obrigatóriedade – “na medida em que ficou sob a responsabilidade do Conselho Federal
de Educação a indicação, para todos os sistemas de Ensino Médio, as disciplinas
obrigatórias, e os conselhos estaduais de educação a indicação das disciplinas
complementares, podendo a filosofia ficar entre elas” (GALLO et. al, 2001, p.27) – e com
golpe militar de 64 – “torna a disciplina de filosofia optativa, com sua presença na grade
passando a depender da direção do estabelecimento de ensino” (GALLO et. al , 2001, p.28)
– representaram um retrocesso no ensino de filosofia, pois seu ensino perde espaço
conquistado no currículo escolar, constatando a falta de interesse da disciplina de filosofia
num contexto da conjuntura política vigente no Brasil, que tinha o interesse de formar os
cidadãos em vista da economia de industrialização econômica, na qual desinteressava o
ensino de formação humana.
Ao ensino fundamental e de segundo grau brasileiro as leis n. 5.692/71 e n. 7.044/82
reforçam o acordo e cooperação financeira da Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional – Mec-Usaid, disso podemos averiguar a ausência da
disciplina de filosofia como optativa no ensino dos cursos de Segundo Grau, em favor da
inclusão de novas disciplinas técnicas no currículo. (GALLO et. al , 2001)
Mediante ao quadro desfavorável da presença da disciplina de filosofia nas escolas
brasileiras surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9.394/96 (LDB) como
-
23
marco para uma nova orientação curricular, esta contempla a reinserção da disciplina de
filosofia no Ensino Médio, porém, de acordo com Gallo, 2001, o escrito traz um trecho vago e
paradoxal, pois nem a define claramente em seus conteúdos nem a torna obrigatória. Como
podemos observar no Art. 36, § 1º da seção IV, capítulo II título IV, a seguir:
Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados
de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre. [...]
domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.17-18)
Muitas disputas políticas e ideológicas foram travadas até a consolidação efetiva deste
ensino previsto em Lei. Muitos interpretavam os conhecimentos filosóficos como temas
transversais, retirando sua importância como cadeira específica na grade curricular, outros
interpretavam sob a crítica do modelo disciplinar da escola e em consequência disso, a
inserção de mais uma disciplina escolar, a filosofia, seria uma medida infeliz, pois iria sujeitá-
la a rituais e tratamentos pedagógicos, contrários ao pensar crítico, ao prazer e a autonomia.
Dessa maneira, a Lei sobre a inserção das disciplinas de filosofia e sociologia permaneceu por
anos em discussão.
Por cerca de três anos tramitou na Câmara e no Senado Federal um projeto
de lei complementar que substituía o citado artigo 36 da LDB, instituindo a
obrigatoriedade das disciplinas filosofia e sociologia nos currículos de
ensino médio. Após aprovação nestas duas instâncias do Poder Legislativo
Federal, o Projeto foi vetado em outubro de 2001, pelo então presidente
Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos que sustentaram o veto foram
basicamente dois, já mencionados: a) a inclusão da disciplina de filosofia e
sociologia implicaria incremento orçamento que seria impossível de ser
arcado pelos estados e municípios; b) não haveria suficientes professores
formados para fazer frente às novas exigências da obrigatoriedade da
disciplina. (FAVERO et. al., 2004, p.260)
O que se percebe claramente é que estas razões não passam de falácias, pois em
primeiro lugar o que está em jogo é o remanejamento da carga curricular, o que não implica
em aumento orçamentário e em segundo, que existe uma grande demanda de pessoas
formadas em filosofia, e que ao mesmo tempo, sua presença na grade do ensino de educação
básica, implicaria no interesse maior das instituições na formação mais adequada destes
profissionais/professores. (FAVERO et. al., 2004)
Diante destes entraves surge em defesa à inserção da filosofia argumentos de cunho
formativo e ideológico na diretiva da formação da cidadania, garantindo “uma introdução
verdadeiramente consistente e sistemática dos jovens, no âmbito da reflexão filosófica”
-
24
(FAVERO et. al., 2004, p.261). O que culmina na audiência pública, em 24 de junho de 2003,
que teve como pauta a volta da filosofia e sociologia ao currículo do ensino médio.
Na referida audiência pública sobre o ensino de filosofia e sociologia o Projeto de Lei
que ali tramitava faz referência à Declaração de Paris pela filosofia, discorrendo sobre a
filosofia e sociologia:
[...] também se percebe a correlação do seu ensino como o avanço do
processo democrático, tornando-se imperativo restaurar um pensamento
crítico em educação. Compreende-se que seja assim, pois não há
propriamente ofício filosófico (nem sociológico, mutatis mutandis) sem
sujeitos democráticos e não há como atuar no campo político e cultural,
consolidar a democracia, quando se perde o direito de pensar, a capacidade
de discernimento, o uso autônomo da razão. Quem pensa opõe resistência.
(BRASIL, 2003, p. 1)
Mediante aos embates em torno da obrigatoriedade da disciplina de filosofia no Ensino
Médio, entra em vigor, em 2 de junho de 2008, a lei n. 11.684, do qual altera o art. 36 da LDB
9.394/96, incluindo a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do
ensino médio, este foi um grande avanço ao ensino de filosofia, porém ela continua com
permanente campo de embates para sua permanência. (FAVERO et. al., 2004)
A discussão do ensino de filosofia continua atual no cenário das reformas propostas
para o Novo Ensino Médio, através do texto da MEDIDA PROVISÓRIA No - 746, DE 22
DE SETEMBRO DE 2016, publicada no Diário Oficial da União, no dia 23 de setembro de
2016, e aprovada na Câmara dos deputados, em 07 de dezembro de 2016. No que tange ao
ensino de filosofia e sociologia, estas dependeriam do que fosse incluído no conteúdo
obrigatório da BNCC- Base Nacional Comum Curricular, portanto, e neste caso as disciplinas
deixariam de ser obrigatórias. No entanto, em 13 de dezembro do mesmo ano, a Câmara dos
deputados apresenta e aprova uma emenda que altera a reforma da proposta do ensino médio e
volta a tornar obrigatória a oferta de conteúdos de filosofia e sociologia nesta etapa de ensino,
porém elas aparecem agora como “estudos e práticas” que devem ser inseridos na BNCC, sem
ser mencionadas como disciplinas específicas. No dia 8 de fevereiro de 2017 o Senado
Brasileiro aprova a Medida Provisória do novo ensino Médio, colocando o ensino de filosofia
como caráter compulsório. (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2017)
-
25
No que refere ao ensino de filosofia no Brasil para crianças, no ensino infantil e
fundamental podemos observar sua inserção em escolas privadas e públicas, por volta de
1995, o que podemos constatar a seguir:
Desde 1985, com a chegada ao Brasil do programa de ‘Filosofia para
Criança’, criado por Mattew Lipman, algumas escolas – em sua maioria
particulares – adotam a filosofia como disciplina em seus currículos do
ensino fundamental. No ensino infantil há experiências sistemáticas com a
filosofia pelo menos desde 1995. Recentemente, alguns poucos municípios,
particularmente na Bahia (Ilhéus, Una, Itabuna) e no Mato Grosso (Cuiabá),
estabelece a obrigatoriedade do ensino de filosofia na rede pública no nível
fundamental ao nível médio (...) De modo geral, no ensino fundamental há
registros de escolas privadas trabalhando com filosofia em quase todos
estados e das públicas em alguns deles (Distrito Federal, Rio de Janeiro,
Mato Grosso, São Paulo, Bahia). Por exemplo, em Itabuna, quarta maior
cidade da Bahia, há filosofia no ensino fundamental, de 5ª à 9ª série, em
todas as escolas do município. (FAVERO et. al., 2004, p.266-267)
Vale à pena ressaltar que “escolas e universidades desenvolvem pesquisas e
metodologias próprias no ensino de filosofia nos níveis infantil e fundamental.” (FAVERO
et. al., 2004, p.267)
No Brasil a educação de filosofia para crianças teve crescente interesse a partir da
década de 80, com o conhecimento, a tradução e a difusão dos materiais e métodos do
Programa de ensino de filosofia para Crianças de Matthew Lipman, realizado por Catherine
Young Silva (1937-1993), mestre em educação em filosofia para crianças na Montclair State
University, Estados Unidos, dirigida por Matthew Lipman. Em 1984, junto com um grupo
que ainda hoje trabalham com o programa divulgou-o dentro das suas próprias instituições de
ensino, a escola de inglês Yázigi, em São Paulo. No mesmo ano mais duas escolas privadas
receberam a experiência de realizar informalmente o programa com o material incompleto.
(WUENSCH, 1998).
Também, no mesmo ano (1984), o grupo que apoiou Catherine realiza a formação de
professores para atuarem em escolas públicas e no ano seguinte cria o CBFC – Centro
Brasileiro de Filosofia para Crianças como entidade civil, que se dedicaria a formação de
professores, tradução e divulgação dos materiais e do programa, conforme podemos observar
em Wuensch, 1998:
Com o apoio de Marcos Antonio Lorieri (que tinha sido professor de
Catherine no curso de Filosofia da PUC-SP), e das professoras de filosofia e
inglês Ana Luiza Falcone e Sylvia Hamburger Mandel, foram feitos contatos
-
26
para realizar a formação de professores e a implantação do trabalho em
diversas escolas públicas da zona leste de São Paulo, o que aconteceu no ano
seguinte. Em janeiro de 1985, este grupo criou o Centro Brasileiro de
Filosofia para Crianças (CBFC)... (p.51-52)
A partir de então, a filosofia para crianças e seu interesse ganha um percurso que pode
ser chamada de movimento de filosofia para crianças no Brasil, donde o grupo que
representava o CBFC formava novas gerações de professores e promovendo ao mesmo tempo
conferências e palestras. Em algumas delas houve a presença do idealizador do programa
Matthew Lipman que esteve no Brasil, em 1985 apresentando o tema “Filosofia para
Crianças, isto é possível?, em 1988 no II Congresso Internacional de Filosofia para Crianças
e do I Seminário Nacional de Filosofia, Desenvolvimento do Raciocínio e Educação: Uma
relação Possível.” (WUENSCH, 1998)
Na década de 90 o movimento de ensino de filosofia para crianças se fortalece, nas
regiões de São Paulo – SP, Florianópolis – SC, Belo Horizonte – BH, Brasília – DF, Curitiba
– PR, Petrópolis – RJ, São Luiz – MA, em especial nas instituições privadas, com crescente
experimentação e criação de novos recursos pedagógicos inteirados com projetos pedagógicos
das próprias instituições. Nas escolas públicas, o programa de ensino de filosofia para
crianças passam pela institucionalização acadêmica através de monitores conduzidos pelo
trabalho de professores acadêmicos como Marcos Louriere em São Paulo, Peter Bütter, em
Mato Grosso e Auri Cunha, em Campinas. (WUENSCH, 1998)
Em 1995 o Instituto de Filosofia e Educação para o Pensar IFEP é fundado com o
objetivo de fornecer a formação de professores difundindo o programa de ensino de filosofia
para crianças de Matthew Lipman. E em 2010 o CBFC encerra suas atividades, conferindo
suas responsabilidades ao IFEP. A seguir podemos observar as atividades realizadas de 1995
a 2009. Dados retirados da página da internet, IFEP, 2016:
Encontro de Professores:
I Encontro de professores – A discussão filosófica na Comunidade de
Investigação (Marcos Antonio Lorieri) – 17/05/97 – 150 professores
II Encontro de professores – O Filosofar como Educação para a Cidadania
(José Auri Cunha) – 28/07/2000 – 250 professores
Palestras:
1. Ann M. Sharp, realizada em 25/08/2001, Colégio Marista Santa Maria,
Curitiba/ PR
Temas: “A filosofia e o desenvolvimento de habilidades e competências de
pensamento”
“A pedagogia da comunidade de investigação e a educação para valores e
cidadania”
-
27
2. Prof. Dr. Marcos Antonio Lorieri, realizada em 23/02/2007, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Tema: “O papel e o valor formativo da filosofia”, ministrada
3. Prof. José Auri Cunha, realizada em 23/02/2007, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Tema: “Práticas Filosóficas na Educação Básica”
Encontros e Congressos de Crianças:
Projeto Filosofia e Cidadania na Escola
- I Encontro Paranaense de Crianças, realizado em 1998, realizado no
Colégio N. Sra. de Lourdes, Curitiba/PR, com 300 participantes. Foco
filosófico: Cidadania e Direitos, slogan: “CIDADANIA: DIREITO DE TER
DIREITOS”. Temas: direito e dever, criança, família, comunidade,
educação, saúde, meio-ambiente / ecologia, trabalho e liberdade.
- II Encontro Paranaense de Crianças, realizado em 1999, no Colégio
Sagrado Coração, Curitiba/PR, com 500 participantes. Foco filosófico:
Cidadania e Comunicação, Slogan: “VAMOS NOS COMUNICAR... E NO
MUNDO NOS REVELAR”. (Tiago Pavelski, 4ª série, 9a. CIESC Madre
Clélia). Temas: verdade, linguagem, pessoa / subjetividade e cultura, paz e
responsabilidade.
- I Congresso de Filosofia entre Crianças, realizado em 2000, no Colégio
Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presença de 650 pessoas - crianças
e professores. Foco filosófico: Cidadania e cotidiano. Slogan: “PELA
CIDADANIA O MUNDO SE UNE!”. (Luan Haddad Ricardo dos Santos, 4ª
série. 9a. Col. Marista Santa Maria / Curitiba). Temas: A vida do Cidadão –
Trabalho e dignidade; Cidadania e Universo Cultural; Criança; Ecologia;
Educação – Escola; Meio Ambiente; Saúde Pública e Dignidade; Violência;
Comunidade; Direitos e Deveres; Escolhas Família; Ecologia e Meio
Ambiente; Abandono Infantil; Ser Pessoa; Convivência.
- II Congresso de Filosofia entre Crianças, realizado em 2002 no Colégio
Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presença de 700 participantes –
crianças e professores. Foco filosófico: Cidadania e Vida. Slogan: “É do
pensar que vem o viver!”. Nayane Amaral Dutra, 10ª. 4ª Série, Col.
Diocesano Leão XIII, Paranaguá, PR. Temas: sentir, pensar, olhar, criar,
libertar, transformar, planejar, conviver, brincar, salvar, cuidar, respeitar, ser
feliz, ser justo e ser amigo. História trabalhada: DADEDIDODÚVIDA!
Surpresas da Filosofia! (IFEP, 2016)
Podemos destacar que durante estas três décadas o ensino de filosofia para crianças no
Brasil tem levado pesquisadores a estudar a proposta de Matthew Lipman quanto à teoria das
relações entre o que é filosofia e o que se entende por criança e infância, como também as
pesquisas sobre a prática da sala de aula, a aplicabilidade do programa e seus resultados, que
estão ligados diretamente as implicações políticas educacionais influenciando sua aplicação
nas escolas públicas, até sua inserção no Ensino Médio.
Podemos apontar como exemplos de pesquisadores, Kohan & Waksman, (1998),
Wuensch (1998), Gadotti (1999) os quais destacam a filosofia para crianças num contexto de
prática escolar nas perspectivas atuais da educação brasileira, elucidam sobre a reflexão
prática e a ideia da filosofia para crianças na perspectiva de Matthew Lipman. “Como ideia
-
28
filosófica, filosofia para crianças rejeita dogmatismo e preconceitos e nos convida a pensar
valores que esta ideia pressupõe. Como prática filosófica, filosofia para crianças precisa de
uma reflexão teórica que contribua para pensar as funções desta prática, suas consequências
e finalidades.” (p. 11)
Destacamos também Aspis & Gallo, (2009), Teles (2011) que problematiza no
contexto do ensino de filosofia no Brasil, o que ensinar e como ensinar a filosofia para jovens,
na perspectiva da prática do pensamento autônomo, na compreensão crítica da filosofia, de
seus conceitos, métodos, histórias, como também a indissociabilização da filosofia e do
filosofar. (ASPIS & GALLO, 2009, p. 18)
E por fim Severino, 2009, o qual também considera um ensino de filosofia na
perspectiva da experiência histórica que conduz a apreensão e a vivência refletida da própria
condição humana. (SEVERINO, 2009, p. 15)
Consideramos por fim, que o Brasil tem se destacado por pesquisadores, educadores e
professores de filosofia que defendem e refletem o ensino de filosofia no Brasil. Este tem
alcançado gradativamente seu espaço no contexto educacional brasileiro, porém não podemos
deixar de ratificar que a inserção do ensino de filosofia no Brasil se constitui mediante um
percurso histórico de enfrentamentos e de lutas ideológicas e políticas.
A seguir abordaremos o instrumental referencia da referida dissertação, para tomarmos
como base para as análises críticas dos capítulos seguintes.
-
29
3. ANÁLISE INSTRUMENTAL REFERENCIAL: ANÁLISE CONCEITUAL
Objetivamos tecer sobre um grupo de conceitos pertinentes à questão central da
dissertação, em vista da contextualização de uma educação na perspectiva emancipatória, que
lança mão da formação do sujeito autônomo, assim, nos apropriaremos das referidas
conceituações acerca do nosso objeto em estudo, tendo como principais aportes teóricos: o
filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer (1895-1973), e o filósofo, sociólogo, músico,
alemão Theodor W. Adorno (1903-1969).
Sobre Adorno e sua importância para a educação, podemos apontar que suas teorias
podem ser consideradas pontos de partida para a reflexão do sistema educacional hodierno,
visto ser possível de atualizarmos a discussão crítica as perspectivas pedagógicas atuais, de tal
modo, discorre Zuin, et, al (2001):
Para os educadores, o conjunto das pesquisas e reflexões críticas do filósofo
frankfurtiano adquirem a maior relevância. Suas contribuições podem e
devem ser inseridas nas coordenadas do nosso espaço e do nosso tempo.
Essa inserção quando intencionada a atingir as novas gerações deve ser
realizada na teoria educacional e nos pontos pedagógicos do sistema
educacional (p.13).
Cabe aqui ressaltar que o conceito de sujeito autônomo implica outros, o que traz à luz
o pensamento frakfurtiano sobre a educação e sobre a própria realidade vigente da sociedade
globalizada do século XX, disso, podemos nos apropriar de alguns pensamentos em
convergência, com base em uma releitura crítica de suas obras a fim de atualizá-la para a
discussão da realidade educacional e social em nossa contemporaneidade do século XXI.
De tal maneira, nos interessa apresentarmos a perspectiva na qual é possível
elucidarmos o sujeito autônomo passível de ser educado na via da emancipação. No entanto,
lançamos mão da discussão sobre a ótica da Escola de Frankfurt mediante a sua crítica sobre a
formação do sujeito e da sociedade, na qual, Adorno e Horkheimer na obra Dialética do
Esclarecimento a retratam apresentando a civilização moderna racionalista e tecnológica
perante a penetração da realidade social humana, dentro do contexto do capitalismo tardio2.
2Capitalismo tardio – Nos referimos ao termo capitalismo tardio, visto que esta expressão fora usada por autores
que realizavam seus estudos sobre o modelo econômico do capitalismo no século XX. Tendo como precursor
Werner Sombart, o mesmo usou a expressão (Spätkapitalismus) pela primeira vez na sua obra de 1902 Der
-
30
Assim, tomamos como ponto de partida para a abordagem conceitual dessa dissertação
a respectiva obra Dialética do Esclarecimento3(escrita no final da década de 1940) e a obra
Educação e Emancipação, ambas as obras relevantes à nossa discussão, as quais
contextualizam e analisam de maneira crítica, os mecanismos culturais de dominação da
sociedade ocidental através dos aparatos da conceitualização do sujeito autônomo, do
esclarecimento, da Indústria Cultural e da educação emancipatória. Utilizaremos, também
alguns comentadores sobre o ensino de filosofia na perspectiva da formação de sujeitos
autônomos e educação emancipatória, como Ghedin (2009), Horn (2009), Zuin et.al (2001) e
demais comentadores.
Nosso objetivo, nesta fase da dissertação é realizar uma releitura contemporânea sobre
o sujeito autônomo, formação cultural e educação emancipatória. Mediante essa releitura
analisaremos a teoria frankfurtiana na ótica de uma contextualização no âmbito da filosofia da
educação, dessa forma teremos arcabouço teórico para a análise crítica da concepção de uma
educação de filosofia para crianças na perspectiva da formação de sujeitos autônomos, que
possibilita a auto-reflexão e a reflexão referente à sociedade capitalista de consumo e de
controle, a partir de uma educação emancipatória, que seja autêntica, na qual favoreça a
capacidade da razão crítica dos sujeitos da sociedade.
Ressaltamos a partir de então que Adorno lança mão da tradição intelectual Alemã em
que o entendimento sobre a formação de sujeitos autônomos, a educação emancipatória tem
suas raízes no conceito de esclarecimento em Kant, para o filósofo o esclarecimento é a saída
do homem de sua auto-inculpável menoridade, quando sua causa não é a falta de
entendimento, mas a falta de decisão e coragem de servir-se do entendimento sem a
orientação de outrem: “Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema
do esclarecimento”(KANT, 2005. p. 63-64), para discutir a educação emancipatória e
formação do sujeito autônomo, a partir da reflexão da Cultura Industrial.
Moderne Kapitalismus, na qual distinguia três fases do capitalismo: o capitalismo primitivo, o auge do
capitalismo e o capitalismo tardio. Entre o final dos anos de 1930 e 1940 (pós crise de 1929) a expressão passou
a ser usada pelos socialistas europeus, quando muitos acreditavam que o capitalismo estava condenado. Nos anos
1960, a expressão voltou a ser usada - principalmente na Alemanha e na Áustria, pelos marxistas ocidentais
ligados à tradição da escola de Frankfurt e do austromarxismo - para descrever a sociedade contemporânea.
3 Ver em Dicionário de Obras Filosóficas, DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO, HUISMAN, Denis;
BENEDETTI, Ivone Castilho (2000).
https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialistahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1960https://pt.wikipedia.org/wiki/Anos_1960https://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanhahttps://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81ustriahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Marxismo_ocidentalhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Frankfurthttps://pt.wikipedia.org/wiki/Austromarxismohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade
-
31
A reflexão adorniana traz à tona a discussão da emancipação como um problema
educacional – político em âmbito mundial, que perpassa desde o sistema educacional das
crianças na União Soviética, como também na América, assim, podemos observar em Adorno
(1995) no debate na Rádio de Hessen, em Frankfut, transmitido em 13 de agosto de 1969 de
Adorno com Becker:
Na União Soviética, por exemplo,... num país que há muito tempo realizou a
transformação das relações de produção mudou extraordinariamente pouco
em termos de não educar as crianças para a emancipação e que nessas
escolas persista dominando um estilo totalmente autoritário de educar.
[...] Problema da emancipação não é unicamente alemão, mas internacional.
E podemos acrescentar, um problema que ultrapassa em muito os limites dos
sistemas políticos. Nos Estados Unidos, efetivamente, duas exigências
diferentes se chocam diretamente: de um lado, o vigoroso individualismo,
que não admite preceitos, e de outro lado a ideia da adaptação assumida do
darwinismo, (...), o ajustamento. (ADORNO, 1995, p. 174-175)
Dessa maneira, partindo do panorama educacional internacional Adorno pensa a
educação escolar através da educação política na qual a emancipação do sujeito vise à
promoção da superação dos obstáculos sociais por meio de uma educação emancipatória,
resistindo à cultura industrial, ao capitalismo. Assim ressaltamos que: “A única concretização
efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção
orientem toda sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e
para a resistência.” (ADORNO, 1995, p. 183)
Do pensamento Adorniano, podemos inferir os seguintes aspectos:
1. A autonomia: É fazer uso do próprio entendimento para pensar a realidade social.
Deve ser autoconsciente, crítico, resistente ao assujeitamento do modelo de
Indústria Cultural, do capitalismo;
2. Educação emancipatória: É uma educação política. Deve ser crítica da realidade
social vigente. Se difunde com mais qualidade na sociedade democrática.
3. Indústria Cultural: É toda e qualquer forma midiática que o mercado usa para
formar uma cultura de massa consumista e acrítica, amparando-se na racionalidade
moderna e na tecnologia com status de saber científico e irrefutável.
Nos subcapítulos a seguir trataremos de resgatar e aprofundar o conceito de sujeito
autônomo a partir de uma releitura da obra e dos comentadores de Adorno e Horkheimer, no
entanto, vale à pena ressaltar, que o gênero de ensaios é de caráter das próprias obras dos
-
32
frankfurtianos, portanto, devem ser estudados de uma forma sistemática e explicativa, visto
que os conceitos estudados não são dados de forma direta, como conceitos fechados, mas
elucidados através de uma discussão crítica e filosófica que requer um minucioso trabalho de
análise, pois suas definições e conceitos são fruto de uma construção de pensamentos, dentro
do campo de tensões, tal como a realidade se apresenta, visto assim tal resultado da análise
conceitual da obra frankfurtiana podem ser compreendidas na seguinte afirmação, segundo
Seligmann-Silva, (2010):
Seu resultado é a construção não de conceitos fechados, mas sim,
novamente, de campos de força marcados pela tensão. A verdade é pensada,
desse modo, a partir do transitório, e não de uma suposta eternidade (p. 84).
Para tanto, a fim de encontrarmos luzes à questão problema, a seguir, discutiremos
com maior rigor sobre os conceitos de esclarecimento, autoconsciência, indústria cultural e
pensamento crítico na formação do sujeito autônomo e da educação de emancipação,
relacionando-os com a problemática do ensino de filosofia para crianças, no entanto os
trataremos como um campo político da educação marcada por forças de tensão. De tal modo,
pensaremos os conceitos conforme o modelo frankfurtiano, discutiremos a educação e o
ensino de filosofia para crianças na perspectiva de excluir conceitos fechados, e ampliando
sempre a reflexão e a construção de um objeto de pesquisa que se dá sempre pelo processo
problematizador e crítico.
3.1 Sobre o conceito de esclarecimento e a autoconsciência na dialética do
esclarecimento para a formação do sujeito autônomo
O que os homens querem saber da natureza é como empregá-la para dominar
completamente a ela e aos homens. Nada mais importa. Sem a menor
consideração consigo mesmo, o esclarecimento eliminou com seu cautério o
último resto de sua própria autoconsciência. (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 20)
O conceito de esclarecimento, proposto por Adorno e Horkheimer, se configura a
partir da crítica que os mesmos fazem ao progresso tecnicista da modernidade na perspectiva
da sociedade capitalista, na qual, define o homem, no apogeu do esclarecimento positivista,
como aquele que domina a natureza. No entanto, a crítica aponta que este homem moderno,
detentor do esclarecimento ou conhecimento técnico, acredita ter alcançado a tão sonhada e
-
33
prometida liberdade – dos medos, tanto da natureza interna, como externa – entretanto, não
percebe o homem, a sua própria acomodação a perene reprodução da necessidade.
O que está em questão referente à crítica ao esclarecimento é o fato de que o domínio
que o homem tem sobre a natureza é marcado também pela sua própria incapacidade de se
pensar sobre o que configura o próprio esclarecimento, no qual, se reveste de liberdade, mas
que na verdade, aprisiona o próprio homem nas estruturas da aparelhagem econômica do
capitalismo, tornando-o um mero reprodutor da burguesia em suas relações de produção.
Portanto, segundo a teoria crítica, o homem moderno, tido como detentor do esclarecimento,
perde a capacidade de autocrítica pela mesma razão que lhe falta autoconsciência da realidade
ao qual está inserido. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985)
De certo, constatamos no homem, sujeito do esclarecimento modernista, a ausência da
autoconsciência ao próprio esclarecimento – fruto de sua própria busca desenfreada pela
liberdade humana, das potências míticas da natureza, de tal forma que fora construída na
modernidade uma relação intrínseca entre poder e conhecimento referente à racionalização
filosófica e científica, fruto da operacionalização da razão. É nessa perspectiva, que o
conceito de esclarecimento aparece, como podemos esclarecer em Adorno e Horkheimer
(1947), apresentado por Zuin et. al., 2001:
O esclarecimento é um termo traduzido do alemão (Aufklärung) para o
português, pelo tradudor Guido Antônio de Almeida, sua opção se justifica
na seguinte exposição: O termo esclarecimento (Aufklärung) é mais coerente
do que o Iluminismo porque não fica restrito a um período histórico tal como
o do ‘século das luzes’, esclarecimento diz respeito ao longo período de
racionalização – espelhado na filosofia e na ciência – em que os homens
tentam se libertar das potências míticas da natureza, mas acabam submetidos
a condições sociais que exigem a regressão das suas próprias capacidades.
(p.46)
Faz aqui presente o conceito de esclarecimento no qual leva em consideração um saber
com especificidade, ele é, portanto, um saber prático referente à produção técnica e a
cientificidade. A ausência de autoconsciência aponta a ingenuidade do esclarecimento que
visava o pensamento da funcionalidade da ciência como aquela única que promoveria auxílio
para a vida prática humana. Esta visão põe à margem o conhecimento metafísico, filosófico,
em favor do conhecimento operacional, dito por eficaz, conforme podemos constatar em
Adorno e Horkheimer (1985),
-
34
[...] o que importa não é aquela satisfação que, para os homens, se chamava
‘verdade’, mas a ‘operation’, o procedimento eficaz. Pois não é nos
‘discursos plausíveis’, capazes de proporcionar deleites, de inspirar respeito
ou de impressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquer argumentos
verossímeis, mas em obrar e trabalhar e nas descobertas de particularidades
antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida, que reside o
verdadeiro objetivo e função da ciência. (p.20)
Nesse sentido, Zuin et. al., 2001, aponta também esta mesma ingenuidade de
pensamento, de que o verdadeiro conhecimento era possuidor do caráter de sistema dedutivo
único, lógico formal, e que este seria capaz de solucionar todos os problemas oriundos das
relações sociais. Esta visão objetivava abalar os fundamentos de explicações provenientes de
mitos substituindo pelo saber, chamando a filosofia antiga de estéril por se distanciar do
empirismo de Bacon, cujo leva critérios da utilidade e da calculabilidade tecnológica,
conforme expõe a seguir:
Os critérios definidores da essência do conhecimento seriam a utilidade e a
calculabilidade. Não é por acaso que os frankfurtianos citam Bacon como
um dos primeiros grandes entusiastas e defensores de um saber que se
afastasse da ‘estéril filosofia aristotélica e se aproximasse de uma
perspectiva de aplicação empírica. É verdade que Bacon era consciente da
relevância de Aristóteles para a construção da filosofia ocidental. Porém
criticava seus conceitos, pois, se eram bons parar gerar controvérsias, por
outro lado não acrescentava nada de útil na vida dos homens. (ZUIN, 2001,
p.46-47)
De acordo com Zuin et. al., 2001, a crítica ao esclarecimento – apresentada por
Adorno e Horkheimer (1947) – em relação a ingenuidade da libertação da irracionalidade
mítica, é posta em questão na seguinte indagação:
[...] será que realmente a nossa subjetividade instrumentalizada permite fazer
com que as necessidades básicas sejam suprimidas, em prol de uma
verdadeira e democrática apropriação coletiva? Será que esse tipo de saber
esclarecido consegue finalmente superar a irracionalidade mítica? (ZUIN,
2001, p.48)
Para analisarmos a crítica ao esclarecimento em Adorno e Horkheimer (1947), é
importante ressaltar que, para os filósofos supracitados, o espírito esclarecido estava no
pensamento do homem desde a aurora da humanidade nos mitos, pois eles relatavam,
denominavam, diziam a origem, buscavam explicações do desconhecido, repetiam práticas
sociais e de ritos, permitia o controle das etapas e pertenciam a um vínculo direto com a
submissão às divindades pelas representações sociais hierarquizadas dos sacerdotes. No
entanto, o esclarecimento possui características em comum com o mito, como a repetição de
-
35
significado e o controle repetido, porém, o espírito esclarecido se encontra na razão calculista,
confirmada pela divisão social do trabalho, como o espírito da:
repetição do significado e do controle obtido através dos mitos narrados,
agora regidos por uma sociedade regida pelo princípio do equivalente, onde
o cálculo matemático espraia-se de tal forma que alcança o status de espírito
absoluto. A própria verdade se transforma em sinônimo de lógica
matemática. (ZUIN et. al., 2001, p.48)
Sobre a crítica ao positivismo, conforme apresentamos anteriormente, está o fato de
que, para os positivistas, o esclarecimento da razão calculista poderia libertar o homem do
pensamento mitológico, entretanto, a crítica aparece no sentido de que o esclarecimento
mitológico, vinculado ao medo e submissão, passa na modernidade a ser esclarecimento
conformado ao ideal burguês de um ‘eu’ natural sublimado num sujeito transcendental ou
lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p.41). Esse ‘eu’ considera antes de tudo a relação racional à
autoconservação que é assegurada pela lógica da divisão burguesa, que força a auto-
alienação dos indivíduos, que tem que se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem
técnica. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41).
Portanto, a crítica ao esclarecimento moderno toma por fundamento o fato de que o
trabalho social de todo indivíduo está mediatizado pelo princípio do ‘eu’ na economia
burguesa (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.41). Visto assim, a crítica indica que a
humanidade levada pelo pensamento esclarecido moderno, pensa estar livre do esclarecimento
mitológico, porém permanecem agora voláteis às regras sociais do processo técnico.
O processo técnico, no qual o sujeito se coisificou após sua eliminação da
consciência, está livre da plurivocidade do pensamento mítico bem como de
toda significação em geral, porque a própria razão se tornou um mero
adminículo da aparelhagem econômica que engloba tudo. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 41-42)
Podemos reiterar a crítica ao esclarecimento a partir da crítica central à lógica da
economia burguesa que em nome do progresso, esfacela a capacidade crítica na sociedade de
consumo, conduzindo a humanidade à barbárie, esse tipo de esclarecimento não consegue dar
uma resposta eficaz a devastação ambiental e a própria barbárie social, pois os indivíduos
enquanto consumidores, capitalistas, se afastam do controle de suas potencialidades.
-
36
Dessa forma as soluções dadas pelo esclarecimento moderno aos problemas das
relações sociais não correspondem com os anseios humanos na prática social, basta observar
que, mesmo hoje em dia, homens e mulheres fazem guerra, morrem de fome, e que a
natureza, humana e ambiental, ainda é tão devastada. Explica Souza, 2011, comentando
Adorno e Hokheimer (1947) sobre o conceito de esclarecimento:
[...] o conceito de esclarecimento passa a ser pensado em todo o seu
conteúdo autodestrutivo, caracterizado tanto pela ausência de uma reflexão
crítica acerca de si mesmo quanto por esconder o fato de que,
paradoxalmente, o progresso social viria significando uma crescente
naturalização (reificação) dos homens. Em outros termos, o crescente
domínio técnico e o proeminente controle humano sobre a natureza, ao invés
de produzirem um mundo mais justo, acentuariam o nível de desigualdade
social. Pior ainda – mas, segundo a lógica de mercado, de forma
complementar -, o aumento da capacidade de consumo e a melhoria da
qualidade de vida da população em termos de bens materiais equivaleria à
venda da sua capacidade crítica. Assim, a fortuna material exigiria em
contrapartida um preço bastante alto: a derrocada do espírito. (p. 470)
Nessa perspectiva adorniana do esclarecimento, podemos levar em consideração que o
modelo de educação longe de levar o sujeito à formação da autoconsciência, de como a
sociedade moderna ‘esclarecida’, longe da libertação almejada, permanece na barbárie da
auto-suficiência técnica e manipula as relações sociais para o consumo, reproduz no modelo
da própria escola, o enaltecimento das ciências, impedindo às crianças a livre imaginação, a
problematização, o levantamento de hipóteses, com um modelo de educação que reproduz a
informação de resultados científicos considerados verdadeiros.
Facilmente verificamos esse modelo de educação quando uma criança aprende alguma
fórmula matemática, ou deve decorar nomes e datas de homens e mulheres na história, porém
sem saber para quê ou o porquê se deve usar o tempo com esse estudo. Quais significados e
expectativas uma criança encontra na escola, em relação ao aprendizado?
Matthew Lipman, 2014, expõe sobre os significados e expectativas encontradas nas
crianças e seus pais em relação às escolas: as crianças geralmente alegam que as aulas não são
relevantes, interessantes ou significativas, os pais sempre mais concisos falam que as escolas
servem para fazer com que as crianças aprendam. Mas se o processo educacional fosse
revelante, interessante e significativo para as crianças, na prática não seria necessário fazê-las
aprender algo. Dessa maneira Lipman, 2014, argumenta sobre o quanto o ensino não
consegue favorecer o sujeito na formação autoconsciente:
-
37
[...] Em geral somos levados a pensar que o que precisamos aprender são os
fundamentos da civilização ocidental. Não fica muito claro que a educação
deveria, de fato, se limitar a introduzir as crianças nas tradições culturais da
sua sociedade, embora seja difícil mostrar que deveria ser ainda menos que
tal introdução. As crianças não se encontram em posição de julgar a
importância que a transmissão cultural tem para a sua sociedade; elas só
podem avaliar o significado concreto que tal transmissão tem para elas. As
crianças podem não ficar muito entusiasmadas com os aspectos da
civilização ocidental, ou de qualquer outra, os quais muitas pessoas já
falecidas, ou algumas vivas, respeitam muito. Raramente estão bastante
interessadas ou suficientemente críticas para perguntar por que
reverenciamos um grande número de pessoas do passado, enquanto as
mesmas realizações, nos dias de hoje, seriam consideradas o cúmulo da
barbárie. As crianças acreditam em nossas palavras e tem pouca
autoconfiança para questionar se não estaríamos equivocados. Quando
protestam (mais através do que não conseguem fazer do que pelo que fazem
ou dizem), alegando não serem capazes de ver o que isso tudo significa, nós
as tranqüilizamos dizendo que com o tempo elas entenderão, e que deve
confiar nisso. (LIPMAN, 2014, p.23)
No modelo atual da educação, a educação para a via da autonomia, ou seja, da
autoconsciência pode nos levar a caminhos para pensarmos num novo modelo de educação
em que a própria instituição escolar pode ser levada em consideração como objeto de análise
pelos próprios personagens da escola; funcionários, professores e principalmente os alunos.
As crianças não podem esperar ficarem adultas para serem críticas da realidade, porque
depois de adultas elas apenas serão resultados da sua formação, ou formatação social,
esta