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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MARCELLA RENATA DOS SANTOS FELIPE A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA: O impacto econômico advindo de situações de violência no Estado do Rio Grande do Norte NATAL/RN 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MARCELLA RENATA DOS SANTOS FELIPE

A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA:

O impacto econômico advindo de situações de violência no Estado do Rio Grande do Norte

NATAL/RN

2012

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MARCELLA RENATA DOS SANTOS FELIPE

A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA:

O impacto econômico advindo de situações de violência no Estado do Rio Grande do Norte

Monografia apresentada ao Departamento do

Curso de Serviço Social da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte como requisito para

formação profissional de Serviço Social.

Orientadora: Jussara Keilla Batista do Nascimento,

Msc.

NATAL/RN

2012

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MARCELLA RENATA DOS SANTOS FELIPE

A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA:

O impacto econômico advindo de situações de violência no Estado do Rio Grande do Norte

Monografia apresentada à Banca Examinadora do

Departamento do Curso de Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito para formação profissional de

Serviço Social.

Aprovado em _____/_____/2012.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________

Prof.ª Msc. Jussara Keilla Batista do Nascimento

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Profª. Drª. Maria Dalva Horácio da Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________________________

Assistente Social Raída Aparecida de Oliveira Fonseca

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

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Porque D’Ele, e por Ele, para Ele são todas as coisas. A Ele a

honra, a Ele à Glória, para todo o sempre. Amém!

(Romanos 11:36)

A Ele, mas, quem é Ele? O Único Rei, Senhor e Salvador da

minha vida, o meu Deus Todo Poderoso que me amou primeiro.

O meu Amado Jesus que tem de mim cuidado durante cada

segundo de minha existência. O Maravilhoso Ser que tem me

capacitado em tudo quanto tenho feito. O Meu Pai Zeloso que

tem me preservado e livrado de todo o mal. O Melhor Amigo

que me sonda e me conhece plena e profundamente. O Deus

Forte que age em meu favor. O Consumador da minha Fé.

Dedico este trabalho a Ele.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais queridos e imprescindíveis em minha vida, Marcelo e Ivone. Grandes

incentivadores, amigos, conselheiros e admiráveis em todas as suas respectivas

expressividades de amor, carinho e zelo. Obrigada por todas as orações, lições e confiança

depositada em mim, pois, fizeram-me acreditar que sou capaz, sobretudo, de entender que

posso todas as coisas Naquele que me fortalece. Amo vocês;

Aos meus inseparáveis irmãos Israel e Sarah, meus amigos de vida, parceiros de histórias,

companheiros em todo o tempo. Torcemos um pela vitória do outro. Amamo-nos como a nós

mesmos. Muito grata sou pelo privilégio de tê-los em nosso seio familiar. Amo vocês;

Ao meu amado Guilherme Dumaresq, o presente em forma de gente que tanto almejava, eis

que constantemente está ao meu lado, como amigo presente e meu maior incentivador.

Homem sábio e valoroso. Namorado, noivo, e, em breve, meu futuro e afetuoso marido.

Glórias rendo a Deus pela sua preciosa vida, pois és mais do que pedi ou pensei. Te amo;

Aos meus avós maternos, “Carminha” e “Toinho”, meus espelhos de vida, as matrizes dessa

família tão abençoada. Quão grandiosa dádiva é desfrutar da companhia de vocês

cotidianamente. Muito me inspira a determinação e força da minha preciosa vovó, bem como

a mansidão e pureza de coração do meu vovô. Como eu amo vocês;

Aos meus inesquecíveis avós paternos, Severina (in memorian) e José Felipe (in memorian),

como gostaria que estivessem aqui para me ver concluindo esta etapa da vida! Sinto saudades.

Levo comigo doces recordações dos tempos que passávamos juntos em nossas férias. Para

sempre estarão em meu coração e memória;

A todos os meus tios, tias, primas e primos, em especial, à tia Graça, a tia-mãe de todos os

incontáveis sobrinhos; à tia Alice, a querida, amável e encorajadora acerca da importância dos

estudos desde minha tenra idade. Às primas-irmãs que tanto amo: Gabriela e Rafaela.

Obrigada a todos os familiares, pelo amor verdadeiro e companheirismo. Amo cada um de

vocês;

À sogra e amiga, Nahama Dumaresq de Oliveira, a quem tenho grande afeição. Obrigada por

seus conselhos sempre sábios e sensatos. Agradeço ainda por seu carinho, suas orações e

palavras de fé sobre minha vida;

Aos meus caríssimos cunhados, Marthus Marques e Vanessa Cristina, tão essenciais em nossa

rotina familiar, a vocês reitero meu apreço por suas amizades e presenças contínuas em meu

cotidiano;

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Às amigas de turma: Adriana Elias, Ana Glauce, Erika Patrícia, Jailma de Lima, Josely de

Sena e Wanessa Eliana. Obrigada por toda a amizade sincera. Foram sempre alegres e

especiais todos os momentos que vivenciamos juntas. Aprendi muito com cada uma de vocês.

São, para mim, irmãs por afinidade;

À orientadora acadêmica, Jussara Keilla Batista do Nascimento, por suas valiosíssimas

contribuições que me auxiliaram enormemente nesse momento de indescritível densidade;

Ao Departamento de Serviço Social, por toda a rica equipe integrante, pelo aporte teórico de

todos os professores que lecionaram em minha turma 2008.2, trazendo-nos conhecimento,

reflexão e lições para a vida diária;

Ao Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRN, onde tive a oportunidade de ser

bolsista de apoio técnico por um ano e sete meses, locus de aprendizado profissional e bom

acolhimento. Registro profunda gratidão e amizade aos Prof. Dr. Miguel Eduardo Moreno

Añez, e, ao Prof. Dr. Antônio Sérgio Araújo Fernandes, agradeço a confiança em mim

delegada quanto à execução de atividades fundamentais ao prosseguimento do curso de

especialização em Gestão Pública Municipal;

À supervisora de estágio Raída Aparecida de Oliveira Fonseca, pelo carinho e constante

disponibilidade durante o meu período de desenvolvimento de estágio supervisionado no

Pronto Socorro Clóvis Sarinho. Grata pelas contribuições;

Aos profissionais do Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, todas as assistentes

sociais que me marcaram de maneira positiva, com afetuosidade, e, expuseram o íntimo de

suas práticas profissionais. O chefe do setor de Revisão de Prontuários, Erivaldo, obrigada

pela prontidão em disponibilizar minhas solicitações. A equipe do Núcleo de Vigilância em

Saúde – NUVISA, Ângela e Glauber, pela prestação de informações;

Ao João Evangelista, técnico das estatísticas da Coordenadoria de Planejamento e Controle de

Serviços de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde Pública do RN, por sua presteza e

disposição no fornecimento de dados ansiados por tantos meses.

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“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”.

Bertolt Brecht

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RESUMO

O presente trabalho analisa a relação entre violência e os gastos em saúde pública resultantes

dos serviços de atendimento em saúde, resgata e sistematiza dados estatísticos que revelam a

incidência da violência, a identificação do impacto orçamentário advindo de situações

violentas, e, a verificação de programas estaduais voltados à prevenção, promoção e atenção

aos eventos violentos. Aponta como procedimentos metodológicos adotados pesquisas e

análises documentais, descritas a partir de revisão de literaturas em torno da violência, política

social, saúde pública e Serviço Social, além da coleta de dados e análise documental dos

registros de notificação de violência no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, e,

informações obtidas da Secretaria de Estado de Saúde Pública, referentes aos custos da

violência aferida nos serviços de saúde, ambas com denominador comum o ano de 2011.

Resgata o histórico das primeiras atribuições de violência, bem como as sucessivas

denominações conceituais do termo, além de abordar a amplitude do significado do fenômeno

da violência. Realiza a descrição das diversas expressões violentas. Analisa a forma como a

violência perpassa o setor da saúde pública. Apresenta a discussão do embate na saúde

pública diante da perspectiva de abranger as demandas resultantes de violência. Expõe e

analisa os dados coletados no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel,

demonstradores da realidade estadual, visto que a unidade hospitalar consiste no maior

hospital de urgência e emergência do estado, referência em serviços de atendimento dessa

modalidade. Quantifica a violência no Estado Potiguar, a partir do fornecimento de

informações da Secretaria de Estado de Saúde Pública, realiza a averiguação dos custos

destinados aos serviços de atendimento aos vitimados de violência, bem como a sondagem da

existência de programas voltados para a promoção, prevenção e atenção às situações de

violência. Situa a atuação do Serviço Social no âmbito da saúde, aborda a prática da categoria

profissional no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel frente às situações de

violência. Justifica o exercício da profissão conforme os aparatos legais, a partir da

compreensão do necessário caráter do fazer profissional investigador, mediador e crítico do

Serviço Social. Por fim, constata os expressivos números de registros da violência no

Complexo Hospitalar, por conseguinte, comprova os altos custos na saúde pública resultantes

de situações violentas, verifica a inexistência de programas estaduais voltados para a

prevenção, promoção e atenção às situações de violência. De modo que reitera a necessidade

de maiores investimentos no setor da saúde pública, como um todo, em especial, no

planejamento e execução de programas que visem o enfrentamento da violência, em curto e

longo prazo.

Palavras-chave: Violências. Saúde Coletiva. Rede de atendimento. Notificação.

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ABSTRACT

This paper analyzes the relationship between violence and health expenditures resulting from

public health care services, rescues and systematizes statistical data reveal that the incidence

of violence, the identification of the budgetary impact arising from violent situations, and

checking programs state in terms of prevention, promotion and attention to violent events.

Names as methodological procedures documentary research and analysis, described from a

review of literature surrounding violence, social policy, public health and social services, in

addition to data collection and analysis of documentary records of abuse notification in

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, and information obtained from the State

Department of Public Health, referring to measured costs of violence in health services, both

common denominator with the year 2011. It rescues the history of the first assignments of

violence, and the successive names of conceptual terms, and examine the extent of the

meaning of the phenomenon of violence. Performs the description of the various violent

expressions. Looks at how violence permeates the public health sector. Presents a discussion

of the clash in public health at the prospect of covering the demands resulting from violence.

Presents and analyzes the data collected in the Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo

Gurgel, demonstrating the true state, since the hospital is the largest hospital in the state

emergency care, referral care services in this modality. Quantifies the violence in Rio Grande

do Norte state, from providing information of the State Department of Public Health,

conducts the investigation costs for the services of assistance to victims of violence, as well as

probing the existence of programs for the promotion, prevention and attention to situations of

violence. Situates the work of Social Work in the field of health, discusses the practice of the

profession in Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel in the face of violence.

Justifies the profession as the legal apparatus, from understanding the nature of the need to

make professional investigator, mediator and critic of Social Service. Finally, notes the

significant numbers of records of violence in the Hospital Complex, therefore, proves the high

costs on public health resulting from violent situations, verifies the absence of state programs

aimed at prevention, promotion and attention to situations of violence. So that reiterates the

need for greater investment in public health sector as a whole, especially in planning and

implementing programs aimed at addressing violence in the short and long term.

Keywords: Violence. Public Health. Service network. Notification.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Caracterização das vítimas de violência doméstica, sexual e outras violências por

sexo – Brasil 2008.....................................................................................................................42

Quadro 02 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência

em 23 capitais e Distrito Federal – Brasil 2008, Quanto à Natureza da Violência...................43

Quadro 03 - Atendimentos por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência

em 23 Capitais e Distrito Federal – Brasil 2008, Caracterização do Provável Autor da

Agressão às Vítimas de Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências.............................45

Quadro 04 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência

em 23 Capitais e Distrito Federal – Brasil 2008, Evolução e Encaminhamento das Vítimas de

Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências Por Sexo....................................................46

Quadro 05 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência

em 23 Capitais e Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Identificação por

sexo...........................................................................................................................................48

Quadro 06 - Atendimentos por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência

em 23 capitais e Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Caracterização das

vítimas por sexo........................................................................................................................48

Quadro 07 - Atendimentos por violências em serviços sentinelas de urgência e emergência em

23 capitais e Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Quanto à natureza da

violência....................................................................................................................................49

Quadro 08 - Números e taxas (em 100 mil mulheres) de homicídios femininos, Brasil

1980/2010..................................................................................................................................50

Quadro 09 - Números e taxas (em 100 mil mulheres) de homicídios femininos, Brasil

2000/2010..................................................................................................................................51

Quadro 10 - Total de Atendimentos do Pronto Socorro Clóvis Sarinho, por clínicas, Janeiro a

Dezembro de 2011....................................................................................................................56

Quadro 11 - Notificação de Violência doméstica, sexual e outras violências, Frequência por

faixa etária segundo sexo..........................................................................................................58

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Quadro 12 - Caracterização sociodemográfica das vítimas de violência doméstica, sexual e

outras violências por sexo, notificadas no HMWG de janeiro a dezembro de 2011................59

Quadro 13 - Caracterização da ocorrência e das circunstâncias das vítimas de violência

doméstica, sexual e outras violências por sexo, notificadas no HMWG de janeiro a dezembro

de 2011......................................................................................................................................60

Quadro 14 - Quadro de Óbitos 2011.2 - Notificação Compulsória, Crianças, adolescentes,

mulheres e idosos......................................................................................................................61

Quadro 15 - Números e taxas médias de homicídios (em 100 mil habitantes)/Taxas para

municípios com mais de 10.000 habitantes - Relação dos 20 municípios com maior índice de

homicídios no RN em 2008-2010.............................................................................................64

Quadro 16 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de situações

de violência/Relação dos agravos, de janeiro a dezembro de 2011..........................................65

Quadro 17 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de situações

de violência/Relação dos principais agravos, De janeiro a dezembro de 2011........................67

Quadro 18 - Municípios com mais de 15 mil habitantes/ Maiores taxas de óbitos em acidentes

de trânsito no RN em 2008-2010..............................................................................................68

Quadro 19 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de acidentes

de trânsito/Relação das causas externas, De janeiro a dezembro de 2011................................69

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIH

CAP’s

CEDECA

CFESS

CHMWG

CID

CLAVES

CNS

CRAS

CREAS

CRO

CTQ

DATASUS

DHNET

HMWG

IAP’s

IML

INAMPS

INPS

INSS

LOPS

MS/GM

NAST

NEVUSP

NUVISA

OPAS

PLOGE/RN

PSCS

PIB

RN

SAMU

SEJUC

SESAP

SIM

SINAN

S/N

SUDS

SUS

SVS

Autorização de Internação Hospitalar

Caixas de Aposentadoria e Pensões

Casa Renascer

Conselho Federal de Serviço Social

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde

Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde

Conselho Nacional de Saúde

Centro de Referência de Assistência Social

Centro de Referência Especializado de Assistência Social

Centro de Recuperação dos Operados

Centro de Tratamento de Queimados

Departamento de Informática do SUS

Direitos Humanos na Internet

Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel

Institutos de Aposentadoria e Pensões

Instituto Médico Legal

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

Instituto Nacional da Previdência Social

Instituto Nacional de Seguridade Social

Lei Orgânica da Previdência Social

Ministério da Saúde / Gabinete do Ministro

Núcleo de Assistência à Saúde do Trabalhador

Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo

Núcleo de Vigilância em Saúde / Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo

Gurgel

Organização Pan-Americana de Saúde

Projeto de Lei Orçamentária Anual de Gestão Estadual do Rio Grande do Norte

Pronto Socorro Clóvis Sarinho

Produto Interno Bruto

Rio Grande do Norte

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania

Secretaria de Estado de Saúde Pública

Sistema de Informações de Mortalidade

Sistema de Informações de Agravos de Notificação

Sem número

Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

Sistema Único de Saúde

Sistema de Vigilância em Saúde

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USP

UTI

VIVA

Universidade de São Paulo

Unidade de Terapia Intensiva

Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14

2. O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E A SUA HISTORICIDADE ................................. 19

2.1. A VIOLÊNCIA E SUAS DISTINTAS EXPRESSÕES ................................................ 24

3. A VIOLÊNCIA ENQUANTO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA ........................... 35

3.1. O COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR WALFREDO GURGEL COMO

PRINCIPAL INSTITUIÇÃO DE ATENDIMENTO ÀS SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA

DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE .................................................................. 53

3.2. A SAÚDE PÚBLICA DO RIO GRANDE DO NORTE EM MEIO À VIOLÊNCIA:

DADOS, CUSTOS E PLANEJAMENTO ........................................................................... 63

4. O ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE ENQUANTO

PROFISSIONAL ATUANTE NO CENÁRIO DE SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA.... ... 77

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 86

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo trata da violência na contemporaneidade, delimitada no cenário

norte-rio-grandense, analisando as suas reais implicações sobre a saúde pública do Estado,

com base nas informações coletadas no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel e

Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte.

Desse modo, o objetivo central da pesquisa está relacionado à investigação da

realidade potiguar quanto à incidência da violência e a ressonância desse fenômeno no âmbito

da saúde pública.

A perspectiva norteadora das construções teóricas ao longo do estudo estará sob

fundamentação da influência marxista, partindo do pressuposto da dialética da realidade,

sobretudo, considerando a totalidade de suas determinações.

Para tanto, com vistas a possibilitar uma análise mais global da violência, requer-se

atentar para a amplitude do referido fenômeno quanto a sua abrangência conceitual, tendo em

vista que, popularmente, atribui-se como sendo violência às ações de delinquência e

criminalidade. Essa compreensão está fundamentada em uma visão superficial da

problemática e pressupõe que a segurança pública e a repressão policial seriam os únicos

meios de combate e prevenção, remete diretamente à causalidade da violência (RISTUM;

BASTOS, 2004).

Sendo assim, torna-se fundamental atentar que a violência representa ação de

complexa definição haja vista que abriga multicausalidades impulsionadoras de sua

materialização. Minayo (2009) destaca a importância de distinguirmos a agressividade e

violência, sendo a primeira um instinto natural do ser humano diante de situações de ameaça e

delimitação espacial perante o outro, decorre ainda da necessidade de adaptação, defesa e

proteção, de modo que está circunscrita no processo de constituição da subjetividade humana.

Todavia, a modificação da agressividade para a violência encontra motivações de distintas

ordens sejam elas sociais ou psicossociais associadas às “circunstâncias sociais, o ambiente

cultural, as formas de relações primárias e comunitárias e, também, as idiossincrasias dos

sujeitos” (MINAYO apud NJAINE, 2009:23).

No entanto, salienta-se que “para caracterizar um ato como ‘violento’, devem ser

pressupostas ao menos as seguintes condições: causar dano, usar a força (física ou psíquica),

ser intencional ou contra a livre e espontânea vontade de quem é objeto do dano” (VILELA,

2008:07).

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Nesse sentido, faz-se necessário abordar a amplitude da concepção de violência:

O termo encontra sua expressão concreta no fato de que indivíduos, grupos, classes

e instituições empregam diferentes formas, métodos e meios de coerção e

aniquilamento direto ou indireto (econômico, político, jurídico, militar) contra

outros indivíduos, grupos, classes e instituições, com a finalidade de conquistar ou

reter poder, conquistar ou preservar independência, obter direitos e privilégios

(BILA, 2008:17).

Isto é, a violência conceitua-se como a ação de cunho coercitivo que constrange, coíbe

e agride o outro. Vilela (2008) aponta distintas tipificações da manifestação da violência, são

elas: violência contra criança e adolescente, contra a mulher, contra o idoso, de gênero,

intrafamiliar, física, institucional, moral, patrimonial, psicológica, sexual, negligência, assédio

moral, autoextermínio ou suicídio (VILELA, 2008).

Logo, constitui-se como fenômeno de implicações negativas visto que:

os danos, as lesões, os traumas e as mortes causados por acidentes e violências

correspondem a altos custos emocionais e sociais [...]. Causam prejuízos

econômicos por causa dos dias de ausência do trabalho, pelos danos mentais e

emocionais incalculáveis que provocam nas vítimas e em suas famílias e pelos anos

de produtividade ou de vida perdidos (BRASIL, 2005:10).

De modo que, a manifestação da violência ocasiona transtornos sociais, econômicos,

emocionais e psicológicos para a população vítima de situação violenta. Resulta ainda em

traumas, conflitos e sofrimento para àqueles submetidos às circunstâncias de caráter violento.

A partir da consideração dos impactos gerados pela violência:

Em 1996, resolução da Assembléia Mundial de Saúde declarou a violência como um

problema de Saúde Pública Global, conceituando-a como a utilização da força ou

poder físico de forma intencional, seja por meio de ameaças ou de fato, de uma

pessoa a si mesma ou de outra pessoa contra um grupo ou comunidade que tenha

como consequência uma alta possibilidade de causar danos sociológicos, disfunções,

privações ou morte (BILA, 2008:17).

Diante do espraiamento desse novo entendimento do fenômeno da violência, surge a

real necessidade de atentar para os meios de Atenção, Prevenção e Promoção às Situações de

Violência. A compreensão da violência como problema de saúde pública, individual e

coletiva, contempla os danos ocasionados pela violência a toda a sociedade.

Minayo apud Njaine (2009) discorre sobre um processo que explicita as alterações

registradas na sociedade contemporânea, quanto às mudanças nas taxas de mortalidade e

morbidade da população, denominado de transição epidemiológica. Logo, o referido fator

indica, nos últimos 20 anos, a progressiva substituição de enfermidades infecciosas por

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doenças crônicas e degenerativas, e ainda, a prevalência de agravos provocados por violência

e acidentes (NJAINE, 2009:21).

Com base em documento do Ministério da Saúde, Minayo ressalta a estimativa de que

“3,3% do PIB brasileiro são gastos com os custos diretos da violência, cifra que sobe para

10,5% quando se incluem custos indiretos e transferência de recursos” (BRASIL, 2005:10).

A autora complementa ainda afirmando que “para se ter idéia do significado da cifra dos

custos diretos da violência no País (3,3% do PIB) ela é três vezes maior do que o País investe

em Ciência e Tecnologia” (op.cit.).

Portanto, os dados mencionados explicitam a importância do debate e discussão de tal

problemática na atualidade, destacando que a violência se configura não apenas como fato

isolado de motivação emocional, psicológica ou aleatória, mas, tem intrínseca relação com as

expressões da questão social. Logo, é imprescindível considerar a imersão na sociabilidade

capitalista que consagra o sistema difusor de profundas desigualdades sociais, que impulsiona

as práticas violentas.

Por fim, ressalta-se que dentre os fatores motivacionais que culminaram na abordagem

da temática de violência estão a experiência de estágio curricular desenvolvida no Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, mais especificamente, no Pronto Socorro Dr. Clóvis

Sarinho, Hospital de referência no Estado do Rio Grande do Norte quanto ao atendimento das

demandas de urgência e emergência. Nesta ocasião, foram observadas frequentes demandas

encaminhadas aos serviços de saúde destinados ao atendimento às vítimas de violência,

resultantes desse fenômeno em suas mais variadas expressões. Também representou

motivação acerca do estudo da violência e seus impactos sobre a saúde pública a constatação

dos crescentes números de violência na sociedade natalense, bem como norte-rio-grandense.

Em face da intensificação da violência urbana, nos dias atuais, faz-se necessário

pesquisar a incidência das práticas violentas, os impactos sobre a saúde pública, a verificação

do planejamento e cumprimento de medidas de atenção, promoção e prevenção às situações

de violência no Estado do Rio Grande do Norte.

Por conseguinte, o referido trabalho destaca a sua relevância à medida que busca

debruçar-se sobre o tema que aflige a população, onera a máquina estatal e apresenta

assustadores números cotidianamente, de modo a promover o debate e reflexão diante do

quadro estadual.

Logo, constitui-se como finalidade central da pesquisa a análise da relação entre

violência e os gastos em saúde pública, destinados aos serviços de atendimento às vítimas de

situações violentas do estado potiguar. A fim de alcançar o objetivo traçado buscar-se-á

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resgatar dados estatísticos referentes à incidência da violência, bem como propõe-se

identificar o impacto orçamentário ocasionado pela violência e, ainda, verificar quais os

investimentos do Estado do RN destinados às políticas de Atenção, Promoção e Prevenção às

situações de violência, durante o ano de 2011.

A fim de compreender o quadro acometido pela violência no Estado do Rio Grande do

Norte, serão executadas pesquisas e análises documentais, como ferramentas metodológicas

de execução do trabalho. De modo que o trabalho em questão apresenta-se como um estudo

quanti-qualitativo que analisa e discute ao longo de seu delineamento, dados estatísticos, de

forma a subsidiar os registros da realidade investigada. Consistem em procedimentos

metodológicos a revisão de literaturas, que contemplam as temáticas de violência, em suas

diversas tipologias, políticas públicas e saúde pública, o universo da prática profissional do

Serviço Social, sua inserção e respectiva contribuição nesta área; bem como utilizou-se da

coleta de dados, mediante análise documental dos registros das notificações de violência do

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, no ano de 2011, e dados obtidos na

Secretaria de Estado de Saúde Pública – SESAP/RN, tais como a sondagem dos programas de

Prevenção, Promoção e Atenção às Situações de Violência no RN, serão consideradas como

parâmetro as diretrizes da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e

Violências1, no âmbito estadual.

Ao final, o presente estudo traçará uma reflexão do profissional do Serviço Social

como agente atuante e competente para o exercício em distintos meios de materialização da

violência. Logo, torna-se apto para contribuir ao quadro atual e propor avanços práticos na

pesquisa, especialmente, no próprio enfrentamento e prevenção da violência no Estado do Rio

Grande do Norte.

Para tanto, o trabalho citado estará organizado da seguinte maneira, em seu primeiro

capítulo abordará O fenômeno da violência e a sua historicidade, tratando da amplitude do

significado e suas implicações, em seu subtópico seguinte discorrerá acerca da Violência e

suas distintas expressões; o segundo capítulo intitulado de A violência enquanto problema de

saúde pública analisará as formas como a violência perpassa esse setor, situando o embate

presente na saúde pública diante da perspectiva de abranger as demandas resultantes de

violência, bem como discorrerá sobre O Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

como principal instituição de atendimento às situações de violência do Estado do Rio Grande

1 A Portaria MS/GM nº 737, de 16 de maio de 2001, tem como objetivo a redução da morbimortalidade por

acidentes e violências no País, mediante o desenvolvimento de um conjunto de ações articuladas e

sistematizadas.

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do Norte, em que este apresentará os dados coletados na unidade hospitalar, por sua vez, trará

ainda uma discussão a respeito da Saúde Pública do Rio Grande do Norte em meio à

violência: Dados, Custos e Planejamento, de modo que quantifique a violência no Estado, a

partir do fornecimento de dados pela SESAP, além de verificar os custos destinados aos

serviços de atendimento às vítimas de violência, e a existência de programas voltados para a

prevenção e atenção às situações de violência. Por fim, trataremos do Assistente Social nos

serviços de saúde enquanto profissional atuante no cenário de situações de violência,

contemplando a atuação do Serviço Social no Complexo Hospitalar já mencionado, bem

como discutiremos a inserção do assistente social e a sua intervenção profissional diante das

situações de violência. Nas Considerações finais apresentar-se-á uma exposição dos aspectos

centrais do estudo, assim como as apreensões advindas da pesquisa realizada, além de uma

análise crítica e possíveis perspectivas e contribuições para a temática abordada.

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2. O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E A SUA HISTORICIDADE

O capítulo que ora se apresenta delineará ao longo de suas explanações acerca da

violência, a origem e o sentido denotativo de sua nomenclatura, o resgate sociológico das

diversas e distintas concepções do fenômeno, com ênfase à compreensão contemporânea do

conceito fundamentada nos direitos humanos, civis, sociais, políticos, etc., partindo de uma

ótica mais abrangente e totalizante, bem como o presente estudo tratará dos registros de sua

trajetória histórica até a contemporaneidade. Cabe mencionar que pressupõe-se o

entendimento da violência como expressão da questão social.

A etimologia da palavra “Violência provém do latim violentia, que significa

‘veemência’, ‘impetuosidade’, e deriva da raiz latina vis, ‘força’.” (PINHEIRO; ALMEIDA,

2003:14).

Embora o fenômeno da violência se apresente sob as mais distintas expressões, nos

dias atuais, há uma prevalência no imaginário popular das práticas físicas de agressões,

homicídios, conflitos, e a associação da base econômica de manutenção mediante as redes de

tráfico de drogas e desmembramentos. Porém, não é possível desprender-se que o cenário

contemporâneo aponta para uma:

conjuntura de crescente desemprego e exclusão social, cultural e moral de grupos

populacionais inteiros, pari passu com a exacerbação do apelo ao consumo,

fenômeno relacionado à reestruturação produtiva, à exacerbação da acumulação

capitalista e à ausência de ênfase por parte dos governos, na questão social. Não é

desprezível também o embricamento dessas situações macroeconômicas e sociais

com o surgimento de novas subjetividades marcadas pela secularização, pela perda

de valor das hierarquias tradicionais e da autoridade familiar e comunitária

(BRASIL, 2005:17).

Nesse sentido, apreende-se que as precárias condições estruturais e sociais aliadas à

ausência de oportunidades reais e formais de manutenção econômica, em uma sociabilidade

capitalista, iminentemente desigual, colabora para as bases atrativas e sedutoras ao

enveredamento pela criminalidade. Ou seja, o quadro de disparidades sociais permanece

historicamente, embora os índices estatísticos demonstrem o crescimento das riquezas no

Brasil (USP, 2003). Para Krug (2002), as condições sociais nutrem a violência.

De modo que, faz-se necessário analisar as distintas e complexas atribuições

conceituais da violência, que dentre elas estão:

Por violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro

indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo). [...] Além disso, a intervenção

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física, na qual a violência consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir. [...]

Exerce violência quem tortura, fere ou mata; quem, não obstante a resistência,

imobiliza ou manipula o corpo do outro; quem impede materialmente outro de

cumprir determinada ação (STOPPINO apud SUGIZAKI, 2008).

Por conseguinte, torna-se nítido que a concepção de Stoppino (2008) enfatiza apenas a

violência à prática física, desconsiderando as suas distintas manifestações no âmbito

psicológico, cultural, estrutural, institucional, racial, patrimonial, etc. Logo, Michaud (2003)

apresentará mais amplitude em sua conceituação ao incorporar e tratar de categorias mais

abrangentes.

Há violência, quando numa situação de interação, um ou vários atores agem de

forma direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas

em grau variáveis, seja em integridade física, seja em sua integridade moral, em suas

posses ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD apud USP,

2003:03)

Isto é, passa-se a atentar para a subjetividade do impacto oriundo da prática violenta,

bem como percebe que o dano não se restringe ao campo físico, mas, ao psicológico também,

e, mesmo, perpassa pelo âmbito cultural e patrimonial.

Enquanto Zaluar (2003) disserta que a violência remete a uma força.

Essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos

tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É,

portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que

vai caracterizar o ato como violento, percepção que varia cultural e historicamente

(ZALUAR apud USP, 2003:03).

A autora trata de que há um limite tolerável ou acordo social, e, em dado momento em

que este é violado infringe as regras acordadas, dotando a prática de negatividade e, portanto,

de reprovação cultural. Do mesmo modo, Takeuti (2002) atenta que “cada sociedade institui a

sua significação para a violência, passando a fornecer os ‘padrões’ de comportamentos aos

indivíduos que dela fazem parte” (TAKEUTI, 2002:166). Logo, a seguinte concepção reitera

a variabilidade dos limites impostos por cada sociedade aos cidadãos quanto ao que

denomina-se violento, mediante os valores morais, normas culturais, imposição estatal,

dogmas religiosos e mesmo a repetição midiática.

Semelhantemente a Zaluar (2003), Minayo (2009) afirma que os eventos violentos

estão profundamente relacionados aos “conflitos de autoridade, às lutas pelo poder e a

vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens” (MINAYO apud

NJAINE, 2009:14). Suas expressões podem ser aceitas ou rejeitadas pela sociedade, estando

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submetidas às “normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos

legais” (op.cit.). Isto é, perpassa a questão física e psicológica, adentrando às complexidades

dos desejos de posse e questões institucionais.

Em DHNET, Minayo é tomada por referência em uma classificação geral da violência

em: estrutural, sistêmica e doméstica. Logo, compreende-se por violência estrutural, a

“atuação das classes, grupos ou nações econômica ou politicamente dominantes, que se

utilizam de leis e instituições para manter sua situação privilegiada, como se isso fosse um

direito natural” (DHNET, 2012). Essa atribuição abrange as desigualdades sociais, a díspare

distribuição de renda, a exploração da classe trabalhadora, a ausência de condições dignas de

vida, a extrema pobreza e miséria, ou seja, a violação dos direitos humanos. Por sua vez, a

violência sistêmica, refere-se às práticas autoritárias perpetradas até os dias de hoje na

sociedade contemporânea, tais como as condições subumanas as quais são submetidos os

presos, a utilização da tortura, as atividades desempenhadas pelos grupos de extermínio, bem

como a violência policial se enquadra nessa categoria. Por fim, a violência doméstica,

pressupõe o ambiente familiar como gerador dos males à vítima, podendo ser, em potencial,

crianças e/ou adolescentes, mulheres, ou idosos. A natureza do dano varia em sua modalidade,

podendo consistir em agressão física, psicológica, sexual, ou ainda, a negligência e abandono.

Para Pinheiro e Almeida (2003) os elementos constitutivos da violência são: ação,

produção de dano/destruição e intencionalidade. Portanto, violência consiste em: ação

intencional que provoca dano (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003).

Contudo, umas das dificuldades para conceituar a violência “vem do fato dela ser um

fenômeno da ordem do vivido e cujas manifestações provocam ou são provocadas por uma

forte carga emocional de quem a comete, de quem a sofre e de quem a presencia” (BRASIL,

2005:14). De modo que a percepção do fenômeno advinda das vítimas está imbuída das

complexidades da conversão do abstrato à concretude das suas formas de expressão.

Em contrapartida à perspectiva crítica da problemática, Da Matta (1982) afirma que a

violência faz “parte da própria condição humana e da própria vida em sociedade” (DA

MATTA, 1982:25). O autor desmembra a percepção da violência mediante a realização da

Etnografia da Violência, dividida a partir do Discurso Teórico Erudito, em que esta vertente

de pensamento pressupõe o poder, o consumo, o capitalismo, o autoritarismo e o desmando

governamental, de modo que estes fatores refletem a determinação das estruturas na condução

da sociedade, reversível somente através de uma transformação social; por sua vez, há o

Discurso do Senso Comum ou Popular, nesta corrente, a violência está associada à vivência

diária das pessoas quanto às suas experiências e relatos, logo, essa percepção vincula-se,

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essencialmente, à prática física, ao uso da força corporal, bem como a utilização de armas

(brancas ou de fogo) (op. cit.).

Algumas das religiões milenares já ilustravam a ocorrência da violência, a exemplo, o

Cristianismo, em seu livro sagrado – a Bíblia, menciona o registro do primeiro ato violento

humano, no caso, um assassinato fraticida.

Na Antiguidade e Idade Média, as ações denominadas de violentas remetem às

práticas usuais de decepamento, purificação em fogueiras, mortes públicas, e mesmo

escravidão, o subjugamento de um povo por outro. No entanto, a notoriedade teórica em torno

da violência data do século XIX, a partir de sua caracterização como fenômeno social e

configuração como problemática a ser interferida por parte das autoridades públicas, bem

como os consequentes debates nas áreas da Psicologia, Ciências Sociais, História, Medicina,

Direito colaboram para esse fim. Todavia, é no século XX, em 1980, diante da percepção da

amplitude do fenômeno que a discussão acerca da violência ganha contornos mais enfáticos

(HAYECK, 2009).

Takeuti (2002) afirma que nas sociedades antigas e primitivas, a violência estava

circunscrita na própria lógica social, estando profundamente relacionada a uma perspectiva de

manutenção da ordem societária (TAKEUTI, 2002).

Por sua vez, no Brasil, a violência está profundamente arraigada ao passado histórico

da nação, em especial, ao período colonial e agrário. Situa-se durante a escravidão brasileira

as constantes agressões praticadas contra os escravos, internalizadas com naturalidade (Franco

apud Hayeck, 2009). Destaca-se ainda que no Brasil Colônia, a sociedade apresentava

grandes desigualdades, havia a interferência de facções, emboscadas, guerras urbanas e

constantes rivalidades que ocasionavam a tensão social, colaborando para que a população

andasse sob posse de alguma arma, a fim de garantir proteção. Buoro apud Hayeck (2009)

destaca que nesse período, registravam-se ainda quantidade significativa de infanticídios.

Quanto ao período imperial e republicano, são mencionados diversos levantes e a Guerra do

Paraguai, logo que o país adentra na República instaura-se o coronelismo e o banditismo

rural, personificados por jagunços e cangaceiros (op. cit.).

A partir da modernização do país, a incidência da violência em suas variadas

expressões transforma-se em pauta da discussão para estudiosos e ao Aparelho Estatal. (op.

cit.). De modo que, a violência na sociedade brasileira atual aderiu às tendências no sentido de

“internacionalização do crime através de redes e envolvimento de instituições”, “maior

publicização das graves violações de direitos humanos”, “ampliação e diversificação dos

grupos envolvidos com a delinquência e a violência” (USP, 2003:13).

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É interessante perceber que mesmo após a passagem da ditadura militar no Brasil,

diversas práticas violentas, sobretudo, a policial, foram incorporadas à sociedade democrática

(PINHEIRO e ALMEIDA, 2003).

Adorno analisa a incorporação de algumas dessas ações violentas, retratando,

inclusive, que, posteriormente, passam a ganhar legitimidade por parte de instituições

públicas.

Ao longo de mais de cem anos de vida republicana, a violência em suas múltiplas

formas de manifestação permaneceu enraizada como modo costumeiro,

institucionalizado e positivamente valorizado – isto é, moralmente imperativo-, de

solução de conflitos decorrentes das diferenças étnicas, de gênero, de classe, de

propriedade e de riqueza, de poder, de privilégio, de prestígio. Permaneceu

atravessando todo o tecido social, penetrando em seus espaços mais recônditos e se

instalando resolutamente nas instituições sociais e políticas em princípio destinadas

a ofertar segurança e proteção aos cidadãos (ADORNO apud USP, 2003:05).

Na contemporaneidade, a violência “não possui um locus específico” (ODALIA apud

HAYECK, 2009:05). Está presente tanto nas regiões mais abastadas economicamente quanto

naquelas localidades de maior pobreza. Um fato notório resultante da convivência com a

violência trata-se do sentimento de insegurança que perpetra na arquitetura das cidades, visto

que altera os padrões arquitetônicos, de modo a priorizar a segurança e defesa diante da

vulnerabilidade de sua exposição onipresente. (op.cit)

Minayo apud Brasil (2005) aborda que dentre os inúmeros cenários de reprodução da

violência é necessário considerar que “a população incluída pelo crime e excluída do mercado

de trabalho legal, reproduz o que existe de mais autoritário e cruel nas estruturas de poder da

sociedade brasileira”. (BRASIL, 2005:17). Por sua vez, Wieviorka apud Brasil (2005) destaca

que a violência detém feições pós-modernas.

Suas manifestações são múltiplas, mas se tornam particularmente relevantes nas

formas criminais e delinquências. Por isso, mesmo seus tipos mais tradicionais e

seculares, como as agressões e abusos intrafamiliares e comunitários conservam

suas características, mas são subsumidas pelas expressões mais hegemônicas

(BRASIL, 2005:16).

A fim de proporcionar mais clareza às expressões da violência, destaca-se que a

natureza dos atos violentos pode ser física, sexual, psicológica ou relacionada à privação ou

negligência. Nesse sentido, a violência física compreende o ocasionamento de lesões, feridas,

dores ou incapacidade na vítima. Por sua vez, os abusos psicológicos estão relacionados às

agressões verbais, constrangimentos, ameaças, humilhações e rejeições. A violência sexual

abrange os estímulos à vítima ou a utilizá-la para excitação sexual, dentro dessa prática

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também pode haver a violência física e psicológica. Enquanto, a negligência consiste na

omissão de atenção e cuidados àqueles necessitados de zelo. Minayo (2009) menciona ainda

outra modalidade de violência, trata-se do abuso econômico, que ocorre com mais frequência

contra os idosos, decorre da apropriação indevida e não consentida dos seus bens materiais e

financeiros, as estatísticas apontam os familiares como principais agressores (MINAYO apud

NJAINE, 2009).

Minayo apud Brasil (2005) atenta que a percepção da violência como fator negativo

implica determinada positividade à sociedade contemporânea, à medida que entende as

práticas violentas como ações de violação, inadequação e ilegítimas ao cidadão, visto que

pressupõe a consciência dos direitos humanos, bem como da liberdade. Nesse sentido, os

referidos conceitos advêm ao debate à sociedade brasileira com mais ênfase, a partir dos anos

1970 e 1980, mediante os processos de abertura democrática no país e da expansão dos

movimentos sociais (BRASIL, 2005).

Sendo assim, apreende-se, então, que a violência consiste na ação dotada de

intencionalidade que ocasiona dano, de natureza física, psicológica, sexual, patrimonial ou

institucional, à vítima. De modo que, torna-se indispensável considerar fatores

influenciadores, notadamente as condições sociais e estruturais, por vezes, determinantes, que

culminam no exercício da violência de maneira cotidiana. Nesse sentido, ressalta-se a

afinidade teórica com a concepção acerca da violência proposta por Minayo (2005), em que

desmitifica a arraigada associação do fenômeno ao necessário ato danoso ao estado físico ou

emocional e psicológico, à medida que vislumbra outros âmbitos de materialização da

violação ao cidadão, tais como nos aspectos institucional, cultural, social, econômico e

estrutural (op. cit.).

De modo a possibilitar o entendimento a respeito da problemática com maior

profundidade o texto seguinte estará a explorar quantificações da violência no Brasil,

mediante pesquisas bibliográficas e consulta de periódicos, bem como realizará a abordagem

teórica das distintas manifestações do fenômeno.

2.1. A VIOLÊNCIA E SUAS DISTINTAS EXPRESSÕES

Abordar-se-á no tópico em questão a retomada de conceitos em torno da violência, a

explicitação da violência denominada urbana, a partir da percepção do fenômeno enquanto

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expressão da questão social, bem como serão expostos dados quantitativos que reiteram a

necessidade de discussão, problematização, ação e prevenção às situações de violência.

Tratará ainda das tipificações e manifestações contemporâneas da referida problemática.

A terminologia violência urbana implica na ocorrência de ações motivadas pela

intencionalidade de causar dano a outrem, em dado contexto da contemporaneidade,

considerando as multiplicidades de suas expressões, a velocidade da globalização e

respectivas alterações conjunturais impressas à sociedade decorrentes de seus ditames

mutáveis.

Bonamigo (2008), descreve com fidedignidade os acontecimentos denominados de

práticas urbanas, em que:

As violências urbanas dizem respeito a uma série de eventos vinculados à

contemporaneidade, com variadas motivações, contextualizadas em diferentes

espaços, o que conduz à necessidade de abranger, nas investigações sobre este tema,

a diversidade e a multiplicidade que o compõe (BONAMIGO, 2008:205).

Logo, fica explícito que a violência urbana, fenômeno característico das grandes

cidades e centros urbanos, tipificado por furtos, roubos, homicídios, agressões, conflitos no

trânsito, etc. vem acentuando as suas expressões e incidências.

Evidencia ainda a autora os efeitos inerentes da violência, tais como o desregramento

e caos, em um cenário almejado socialmente como estável e regular. Trabalha também com a

hipótese de que: “o discurso de segurança, ao atrair e mobilizar as pessoas e ao legitimar

práticas de vigilância e controle sociais, constitui uma estratégia de acesso e manutenção do

poder de governar um município, um estado, uma nação” (BONAMIGO, 2008:210). É

interessante observar a ótica abrangente e realista proposta a partir da análise supracitada,

tendo em vista que, embora a negatividade incontestável da convivência com a violência, há

quem se beneficie do discurso de seus malefícios. A esse respeito Leal trata que: “sob a lógica

capitalista, a violência tornou-se mercadoria, cuja produção, consumo e comércio gera lucros;

tanto para os que a praticam, quanto para os serviços e programas de enfrentamento adotados”

(LEAL, 2007:31).

Todavia, torna-se indispensável abordar a vinculação, intrínseca relação da agudização

da violência como expressão da questão social. Isto é, a questão social trata-se de uma:

categoria explicativa da totalidade social, da forma como os homens vivenciam a

contradição capital-trabalho. Ela resulta das desigualdades sociais, políticas,

econômicas, culturais, impostas pelo modo de produção. Embora a violência sempre

estivesse presente na história da humanidade, sugerimos que os desdobramentos

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maléficos gerados pelo capitalismo, em sua etapa atual (desemprego estrutural,

assalariamento precário e mal pago, o desmonte dos direitos sociais, instaurando,

com suas consequências), instauram a chamada sociedade da insegurança

(SCHMIDT, 2011: 11067).

Nesse sentido, o autor explicita as causas contemporâneas de aprofundamento e

gravidade da permanência e frequência da violência cotidiana no cenário urbano, estando

diretamente relacionadas ao regimento de uma sociabilidade absolutamente desigual, nos mais

distintos aspectos da vida social. Por sua vez, Leal (2007) aborda outra categoria circunscrita

no processo estrutural da subjetividade da violência, no caso, a exclusão, pois:

Se a exclusão tem sido enfatizada como expressão atual da pobreza e da barbárie,

merecendo atenção especial e urgente, não podemos esquecer que ela não é um

estado social dado, imutável, mas o resultado do modelo de desenvolvimento, de

sequelas de um processo secular e histórico que adquire novos contornos e

expressões no processo da globalização e dos programas neoliberais (LEAL,

2007:31).

Logo, a partir do mencionado, vislumbra-se uma clarificação de categorias como

exclusão, questão social e termos estruturais à manutenção da sociabilidade violenta

contemporânea.

Quanto à representação sociológica da violência, Takeuti (2002) destaca que,

comumente, a sociedade restringe no reconhecimento da denominação do violento, cruel e vil

somente o outro/próximo, desconhecendo, portanto, as ações individuais e próprias de cunho

agressivo e dotadas de intencionalidade. A partir dessa concepção embasa-se a pressuposição

de que somente a ação policial por meio da repressão poderia restaurar a ordem social, e

minimizar os efeitos decorrentes da violência ocasionada pelos outros, alheios aos cidadãos.

Advém ainda dessa perspectiva a atribuição aos jovens como sendo suspeitos sociais,

implicando, necessariamente, em observância e vigilância ao público em questão, tendo em

vista a propensão às delinquências juvenis. Cabe ressaltar que os jovens que representam

periculosidade social são aqueles situados nos baixos níveis de renda familiar, bem como à

baixa ou nenhuma escolaridade. Com isso, a “cultura do medo2” tende a reproduzir os

sentimentos e sensações de vulnerabilidade, sobretudo, de intolerância àqueles “‘possíveis

responsáveis’ pelo caos e desordem social” (TAKEUTI, 2002:172).

A autora mencionada trata na mesma obra, das complexas subjetividades da

ambiguidade situada no medo, desconfiança e insegurança cotidiana no imaginário social, ao

2 O termo “cultura do medo” remete às vulnerabilidades subjetivas e objetivas da sociedade em meio à exposição

ao fenômeno da violência. A referida denominação é utilizada por diversos autores, Takeuti e Pinheiro

pertencem ao grupo que aborda o conceito.

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mesmo tempo em que verifica-se notória atratividade aos documentários e filmes, que

retratam como pano de fundo os casos de violência.

Por sua vez, Pinheiro e Almeida (2003) atentam para a importância iminente de

atenção, planejamento, intervenção, de modo que a “violência urbana subverte e desvirtua a

função das cidades, drena recursos públicos já escassos, ceifa-vidas – especialmente as dos

jovens e dos mais pobres –, dilacera famílias, modificando nossas existências dramaticamente

para pior” (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003:09).

Logo, a violência passa a ser vista como problema mundial, tanto pelo poder público

como pela população, vítima do fenômeno. Uma das consequências da exposição e

convivência à violência está relacionada ao fato que os “cidadãos passam a ser consumidores

de medo” (op. cit.).

Estatísticas ilustram o quão alarmante tem se expandido o fenômeno da violência, em

nível global.

Em 1999, quase 1,7 milhão de pessoas foram intencionalmente mortas por outras

pessoas ou se suicidaram, conforme o Relatório Mundial de Saúde de 2000. Nesse

total, estima-se ter havido 520 mil homicídios por 100 mil habitantes do planeta. Os

homens foram responsáveis por 77% de todos esses homicídios, e seu índice (13,6%

por 100 mil habitantes) representou mais de três vezes o das mulheres (quatro por

100 mil). Os maiores índices se concentraram entre os homens na faixa etária dos 30

aos 44 anos (18,7 homicídios por 100 mil habitantes) (PINHEIRO; ALMEIDA,

2003:17).

Os números apontam para a quantidade mais expressiva de pessoas do gênero

masculino responsáveis pela prática da violência. “Grande proporção dessas vítimas da

violência fatal é de jovens do sexo masculino. Em 2000, estima-se que ocorreram globalmente

199 mil homicídios de jovens; foram 9,2 por 100 mil habitantes. (E quase 10% desses

homicídios se deram no Brasil: 17.797)” (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003:17).

No Brasil, a violência interpessoal está profundamente arraigada na enorme

desigualdade que existe entre as classes dominantes e quase todo o resto da

população. Além da concentração de renda e de riqueza, os recursos de toda ordem,

simbólicos ou de poder, estão igualmente concentrados (PINHEIRO; ALMEIDA,

2003:29).

Quanto à historicidade da violência urbana Wieviorka (2004), destaca os processos de

instauração, agudização e concentração desse fenômeno nos dias atuais.

[...] a história do século 20, aquela das guerras, dos genocídios e de outros massacres

de massa, convida-nos a resistir à imagem de um recuo generalizado da violência no

mundo contemporâneo, pois ela aparece e se estende no seio de inúmeros espaços,

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constituída como um recurso, um meio de alcançar fins, e, ao lado das identidades

culturais e das religiões, acompanha aspirações muitas vezes sem limites

(WIEVIORKA apud BONAMIGO, 2008:207).

Conforme a Organização Mundial da Saúde, no Relatório Mundial sobre Violência e

Saúde (2002), a tipologia da violência considera as características de quem a comete, de modo

que a violência divide-se em três grandes categorias: a) Violência auto-infligida, que

compreende os pensamentos suicidas e tentativas de suicídio, a partir do comportamento

suicida. Há ainda o comportamento auto abusivo, pressupõe a prática da automutilação; b)

Violência interpessoal, dividida em dois grupos: b.1) Violência da família e dos parceiros

íntimos, frequentemente, registra-se dentro de casa, logo, adentram nessa categoria o abuso

infantil, a violência praticada contra o parceiro, mais notadamente, destinada à parceira

mulher, por fim, a violência contra o idoso; b.2) Violência comunitária, verificada fora do

âmbito familiar, entre pessoas sem laços sanguíneos, sendo assim, nesse grupo encontram-se a

violência juvenil, os atos aleatórios de violência, o estupro ou ataque sexual por estranhos e a

violência em grupos institucionais como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos; c)

Violência coletiva, dividida em violência social, política e econômica, supõe a existência de

motivos que a levem a ser cometida por grandes grupos. A violência social materializa-se

mediante crimes de ódio cometidos por grupos organizados, atos terroristas e violência das

multidões; enquanto que, na violência política, incluem-se as guerras e conflitos armados, a

violência do Estado e os atos semelhantes praticados por grupos maiores. Por sua vez, a

violência econômica materializa-se mediante motivação por ganho, lucro ou aquisição

material (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003).

Minayo (2009) acrescenta à tipificação da violência atribuída pela Organização

Mundial da Saúde em 2002, distintas manifestações do referido fenômeno, enquadradas como

classificações mais específicas do que àquelas discutidas posteriormente em 2012 (estrutural,

sistêmica e doméstica), quais sejam: a violência criminal, associada às agressões direcionadas

às pessoas ou aos seus bens, consiste no foco da prevenção e repressão da segurança pública;

a violência estrutural, corresponde às modalidades e expressões das desigualdades,

fundamentadas sobre a exploração do outro; a violência institucional, vincula-se à reprodução

das estruturas sociais díspares mediante as normas e regras burocráticas e políticas das

instituições; violência interpessoal, localizada nas formas de relação e comunicação, por meio

de constrangimento, preconceito, raiva, vingança , etc., situados nos conflitos; a violência

intrafamiliar, idêntica à violência doméstica, ambas tem o mesmo sentido, divergem apenas

na amplitude do último termo, em que o primeiro não se detém à atribuição dos conflitos

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familiares resultantes das relações sociais, mas perpassa essa noção considerando as

complexidades imbuídas nessas situações de violência, enquadram-se como vítimas nessa

tipologia a mulher, as crianças e os idosos; a violência auto-infligida, compreende os

suicídios e as tentativas, bem como as automutilações; a violência cultural, materializada nas

formas de violência cotidianas, portanto, naturalizadas na cultura de um povo, grupo ou

sociedade, abrange ainda três modalidades: a violência de gênero, que ocorre por meio de

coerção, constrangimento, abuso, dominação e opressão nas relações entre homens e

mulheres; a violência racial, que tem por base a discriminação decorrente da cor da pele, no

Brasil, essa violência une-se à desigualdade social e econômica; por fim, há a violência contra

a pessoa deficiente, registra-se no isolamento, preconceito e desprezo designados às pessoas

deficientes, através da imposição da invisibilidade de suas existências à sociedade (MINAYO

apud NJAINE, 2009).

No entanto, o presente trabalho irá deter-se, mais profundamente, à violência

doméstica ou intrafamiliar direcionada às crianças e adolescentes, mulheres e idosos, tendo

em vista que, esses usuários representam o universo a ser adentrado com mais propriedade,

segundo os dados coletados no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, no Núcleo

de Vigilância em Saúde - NUVISA. Agrega-se ainda o fato que, atualmente, dispomos de

aparatos normativos e internalização nítida da necessária notificação compulsória de situações

de violência ao público mencionado. Leiam-se as seguintes legislações em que destacam a

obrigatoriedade de notificar a violência contra a mulher, advinda da Lei Maria da Penha;

quanto à violência contra a pessoa idosa, no Estatuto do Idoso abordam-se às medidas a serem

tomadas diante de situações de violência; no que se refere à violência contra a criança e o

adolescente, toma-se como amparo o Estatuto da Criança e do Adolescente3.

Logo, torna-se imprescindível atentarmos às explicitações da categoria de violência

registradas ao público infanto-juvenil, às mulheres e às pessoas idosas.

Sendo assim, tomaremos, primeiramente, as práticas violentas verificadas junto às

pessoas mais frágeis e indefesas, nos mais distintos aspectos físico, psicológico e

emocionalmente, tratam-se das crianças e adolescentes, nesse âmbito há total abuso de poder

e da suscetibilidade da vítima.

A violência cometida contra crianças e adolescentes é um fenômeno que se sustenta

na relação autoritária, no abuso de poder do adulto que deveria ser referência

3 A Lei Maria da Penha corresponde à Lei Federal nº 10.778/2003, em que prega a Notificação de Violência

contra a Mulher; o Estatuto do Idoso tem por base à Lei Federal nº 10.741/2003; e, o Estatuto da Criança e do

Adolescente, fundamenta-se na Lei Federal nº 8.069/1990.

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positiva para a constituição identitária da criança, diante da fragilidade e da

dependência emocional infantil. A dinâmica relacional adultocêntrica implanta e

mantém o pacto de silêncio mantido pela família ou pela sociedade. Assim, a visão

autoritária e transgressora estabelece uma relação de poder que dificulta o

desenvolvimento da criança e do adolescente enquanto sujeito de direitos, além de

comprometer e impossibilitar a construção de vínculos afetivos fundamentais no

processo de socialização (CEDECA, 2010:11).

A tipificação da violência acima citada implica em profundas sequelas objetivas e

subjetivas às crianças e adolescentes no processo de sua formação, sendo necessário, pois, a

identificação prévia e reconhecimento imediato de cenários de possíveis maus-tratos ao

público infanto-juvenil, de modo que se verifique a intervenção e encerramento da ação

prejudicial ao desenvolvimento sadio e pleno das vítimas.

Todavia, a categoria violência doméstica ou intrafamiliar registrada nas vítimas de

idade inferior a 18 anos, pode ser configurada de cunho físico, isto é, aquela ação com base na

relação de abuso de poder físico e social do adulto agressor que compreende castigos físicos

cruéis e humilhantes à criança e/ou adolescente. Há, ainda, a violência sexual, no meio

intrafamiliar, relacionada aos jogos e ato sexuais, hétero ou homossexuais, que visam à

estimulação sexual da criança ou adolescente, ou do agressor ou de outra pessoa. Por sua vez,

relata-se também a violência psicológica que está vinculada às marcas deixadas no

psicológico e emocional da vítima infanto-juvenil, resultante de ameaças, xingamentos e

desmerecimentos impetrados pela figura adulta. Autores como Garbarino (1988), Ruiz (1990),

CLAVES4 (1992) em Silva (1997) explicam que a agressão psicológica apresenta forma mais

recorrente a partir da rejeição, isolamento, terror, desprezo, depósito de expectativas irreais

sobre a criança e/ou adolescente, e corrupção por meio do incitamento de atividades

prejudiciais negativas à formação dos mesmos. Registra-se, além das práticas citadas, uma

última denominação, a negligência, que concebe toda forma de abandono, omissão,

descompromisso com o provimento das necessidades reais da criança ou adolescente, exceto

os casos de carência socioeconômica familiar. Faz-se necessário atentar, além do comentado

que, invariavelmente, as vítimas de maus-tratos físicos podem sofrer, paralelamente, de outras

formas de violência, haja vista a pressuposição da violência psicológica decorrente do dano

ocasionado, bem como, possivelmente, aplica-se a situação de negligência. Outra

configuração de violência contra a criança e adolescente trata-se da exploração do trabalho

infanto-juvenil (SILVA, 1997).

4 CLAVES – Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde.

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Os relatos de violência física contra a criança e o adolescente remetem às mais

antigas e distantes épocas, especificamente, mediante a prática dos castigos físicos imputados

aos mais novos. Contudo, a cultura do castigo físico na sociedade brasileira advém do período

da colonização, por meio dos jesuítas, mediante a aplicação de disciplinas físicas e

psicológicas, justificadas pela necessidade de civilizar e educar o povo indígena aqui

encontrado. Sendo assim, progressivamente, a população passou a incorporar essa

metodologia de educação nos ambientes familiares (op.cit.).

Uma das tipologias mais frequentes, violentas e constrangedoras dos danos

praticados contra o público infanto-juvenil denomina-se violência estrutural, nesta

modalidade, registram-se a sonegação, privação e omissão das condições necessárias de

desenvolvimento saudável e digno da criança e do adolescente, materializadas nos números da

pobreza do Brasil, de modo que implicam diretamente nas determinações concretas e abstratas

do crescimento daqueles mencionados, associados à precariedade das condições de habitação

e inserção disforme nas escolas (op.cit.).

Quanto à violência contra a mulher, manifestação histórica e profundamente

internalizada em distintas sociedades, atenta-se que:

A pesquisa “A Mulher Brasileira” apurou que 43% das entrevistadas já foram

vítimas de violência psicológica, física ou sexual. Em relação à escolaridade, 13%

das que sofreram agressão física tinham nível superior. Para aquelas com

escolaridade entre a primeira e a quarta série do ensino fundamental, a porcentagem

era de 26%5 (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003:41).

Isto é, pode-se constatar a quantidade alarmante de vítimas de violência, esse número

cresce, indefinidamente, se considerarmos a subnotificação de ocorrências, tendo em vista que

muitas mulheres não expõem a sua vida privada, e nem a ação de seu parceiro. Cabe destacar

que a violência contra a mulher, também denominada de violência de gênero trata-se da ação

que visa coibir, limitar, cercear, agredir a mulher, de modo a provocar-lhe sofrimento físico,

psicológico, emocional ou sexual.

Shraiber (2002) remete ao princípio dos anos 1970 a maior notoriedade às questões

concernentes da violência contra a mulher, por meio da mobilização popular. Estudos

comprovam maior incidência de agressão às mulheres por parte de pessoas, majoritariamente,

homens, conhecidos, com algum vínculo afetivo, presente ou passado, ou mesmo, àqueles

com vínculo parental com a vítima. Nesse sentido, apenas em 1990 transparece-se a profunda

associação da problemática apresentada com a questão de gênero, bem como a percepção

5 A pesquisa “A Mulher Brasileira” consta em www.mulhergoverno.gov.br

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dessa expressão da violência como problema de saúde pública e ligação com os necessários

direitos humanos (SHRAIBER, 2002).

Giffin apud Deslandes, Gomes, Silva (2000) destaca a profundidade da

internalização das relações de gênero imbuídas no cenário de reprodução da violência contra a

mulher, de modo que:

A família é uma instituição social que organiza as relações sexuais entre gêneros,

exercendo de forma direta um controle social sobre a identidade e sobre o corpo da

mulher. Tal controle pode legitimar direitos dos maridos sobre suas esposas, dando-

lhes prerrogativa de exercerem até mesmo a força física contra elas (DESLANDES;

GOMES; SILVA, 2000:130).

Sendo assim, é possível traçar o papel que a noção de família, nos moldes patriarcais,

apregoa implícita e ao mesmo tempo, nitidamente, às imposições espaciais da mulher na

sociedade, mais especificamente, na esfera familiar. De modo que, o marido ou o parceiro, a

figura do homem tende a absorver a ideia de uma companheira que lhe pertence e deve-lhe

devoção, portanto, tem-se sobre ela total liberdade de ação. Logo, pressupõe-se a estrita e

inquestionável submissão da mulher ao homem, mediante a lógica machista.

Outra face da violência doméstica frequente, nos dias atuais, consiste na violência

contra a pessoa idosa, que pode ser exemplificada mediante maus-tratos físicos ou verbais,

negligência ou abuso contra o idoso.

A violência contra o idoso é uma das faces mais cruéis da questão da violência que

permeia o tecido social e que ganha relevância social por ser esta população a que

mais vem crescendo, nos últimos anos, em termos demográficos e por ser um dos

segmentos populacionais que mais necessitam de cuidados físicos, materiais,

psicossociais, de saúde, de atenção e de respeito (GUIMARÃES, MIRANDA,

MACÊDO, 2007:05).

Logo, a violência contra a pessoa da terceira idade também tem um poder devastador

na pessoa vitimada, bem como alarma a sociedade para essa problemática social cada vez

mais nitidizada, tendo em vista a fragilidade e vulnerabilidade comum ao idoso, devido à

idade avançada e à necessária dependência de um cuidador efetivo.

Para Bitencourt (2007), “as instituições e os sujeitos estão despreparados para lidar

com questões próprias do envelhecimento como condições psicológicas e sociais; o que faz

crescer a violência contra os idosos” (BITENCOURT, 2007:01). A mesma autora atribui

como fatores propiciadores às práticas de cunho violento ao público idoso, “isolamento,

moradia conjunta, empobrecimento da população, dificuldades do cuidador, dependência

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financeira dos membros da família”, isto é, questões associadas à suscetibilidade

circunstancial ou estrutural (op.cit.).

Por sua vez, Florêncio, Ferreira e Sá (2007) analisam, de forma mais abrangente, o

fenômeno da violência atentando o progressivo envelhecimento populacional, variável

conforme o estágio de desenvolvimento econômico dos países, resultantes, especialmente, da

redução da fecundidade, da natalidade e da mortalidade. Destaca também a distinção entre os

países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento quanto ao processo de preparação e

investimento social concernente ao envelhecimento populacional, visto que no primeiro grupo

de países é possível observar a adaptação de suas respectivas sociedades, que remete a longas

datas, no âmbito social, econômico, político e familiar. Por sua vez, neste último grupo, não

se identifica a necessária preparação social a longo prazo, mas, ações imediatistas, de modo

que culminam e corroboram para a prevalência e continuidade de conflitos das mais distintas

motivações no seio do público idoso (FLORÊNCIO; FERREIRA; SÁ, 2007).

Nesse sentido, os autores compreendem acerca das subjetividades implícitas no

processo de reprodução da violência voltada aos idosos:

Sob um ponto de vista mais generalista, as formas de violência contra o idoso advêm

do conflito de interesses entre as gerações jovens e idosas. O fato de o idoso ser

considerado, na sociedade, um sujeito improdutivo, dependente sob vários aspectos

(econômico, familiar, de saúde), e obsoleto, do ponto de vista cultural (aquele que

não acompanha as novas formas de atitude e de visão de mundo), torna-o um ser

marginalizado, excluído dos acontecimentos [...] (FLORÊNCIO; FERREIRA; SÁ,

2007: 02).

De modo que, reitera-se a ausência de uma solidez estrutural na sociedade quanto à

valorização em nossa cultura, da figura do idoso. As iniciativas nitidizadas, nos dias atuais,

são tardias, se consideradas as suas necessidades.

Por fim, Florêncio, Ferreira e Sá (2007), ressaltam que a notoriedade da problemática

abordada está associada à internalização/consciência dos direitos em dada sociedade,

especialmente dos próprios idosos. (FLORÊNCIO; FERREIRA; SÁ, 2007).

Destaca-se também que através da Portaria n.737 MS/GM, de 16 de maio de 2001,

isto é, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências,

passou-se a definir os acidentes à violência, uma vez que na Classificação Internacional das

Doenças (CID)6, a violência e os acidentes aparecem juntos. Logo, atenta-se a um fator

6 A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID – consiste na

sistematização de iniciativa da Organização Mundial da Saúde a fim de “padronizar a codificação de doenças e

outros problemas relacionados à saúde”. Para tanto, dispõe de códigos referentes “à classificação de doenças e de

uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas

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complexo quanto à ocorrência dos acidentes, a intencionalidade, tendo em vista que, embora o

acidente sugira a não premeditação do ato, fatores como negligência e imprudência

caracterizam, por vezes, a autoria da responsabilidade. Cabe mencionar que aqui estão

incluídos também os acidentes de trânsito quanto aos meios reais de seu impedimento.

Portanto, na CID reconhecem-se os acidentes e violências como causas externas, de modo

que, o termo causas externas contempla os homicídios, suicídios e acidentes, de toda a

natureza, todavia, ocorrem com mais frequência, àqueles de transporte e de trânsito

(MINAYO apud NJAINE, 2009). A violência por causas externas refere-se aos homicídios,

suicídios e acidentes de trânsito. O termo agregador da tipificação de violência, “causas

externas”, é também frequentemente denominado de causas violentas.

A partir das exposições acima tratadas, pode-se apreender que a violência manifesta-se

como parte integrante das expressões da questão social, ao passo que a sua agudização, nos

dias atuais, está intimamente vinculada aos pressupostos desiguais quanto à ausência de

efetivas e dignas oportunidades de empregabilidade aos jovens e às classes mais

desfavorecidas, contribuindo, assim, para a reprodução da exploração e violação da equidade

aos cidadãos.

Por conseguinte, depreende-se que a violência tornou-se, na atualidade, um problema

de ressonância universal, à medida que afeta o globo de norte ao sul, de leste ao oeste,

cruzando todos os extremos, logo, faz-se necessário investigar os motivos para os quais se

atribuem a problemática como caso de saúde pública mundial. Para tanto, o capítulo seguinte

abordará com mais propriedade a situação proposta.

para ferimentos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um

código CID 10”. Fonte: www.medicinanet.com.br

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3. A VIOLÊNCIA ENQUANTO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

No presente capítulo serão tematizadas as seguintes questões, tais como o resgate

histórico e configuração da saúde pública no Brasil, bem como a respectiva vinculação entre a

violência e saúde pública, também retomará o conceito de vítima no contexto de imersão no

referido fenômeno, e, ainda, delineará algumas estatísticas embasadoras da magnitude da

problemática.

A fim de relacionar a violência como questão de saúde pública torna-se necessário

abordar o conceito e historicidade da saúde pública do Brasil, de modo a explicitar as

particularidades próprias do país.

Para a compreensão da saúde pública como parte integrante e fundamental da política

social cabe realizar um breve resgate histórico da conjuntura de surgimento da concepção de

saúde pública universal e gratuita para a população brasileira.

Sendo assim, a percepção estatal da necessidade de congregar investimentos na saúde

da população está associada ao período histórico da Primeira República:

A idéia de que população constituía capital humano e a incorporação dos novos

conhecimentos clínicos e epidemiológicos às práticas de proteção da saúde coletiva

levaram os governos republicanos, pela primeira vez na história do país, a elaborar

minuciosos planos de combate às enfermidades que reduziam a vida produtiva, ou

“útil” da população (FILHO, 2002:24).

Todavia, a desigualdade perpassava a noção de investimento na saúde, à medida que

os recursos destinados para melhorias das condições sanitárias eram estrategicamente

direcionados às principais áreas da economia como as cidades e portos (FILHO, 2002).

Em 1923, resultante da Lei Elói Chaves, surgem as Caixas de Aposentadorias e

Pensões – CAP’s, a fim de assegurar aos trabalhadores assistência médica e pensões, fruto de

reivindicações da categoria dos trabalhadores ferroviários, com o passar dos anos outras

profissões foram conquistando o benefício. Cabe ressaltar que as CAP’s eram mantidas pelas

contribuições dos empregados, empregadores e reguladas pelo Estado.

Posteriormente, na década de 1930, ocorre a unificação das CAP’s em IAP’s –

Instituto de Aposentadoria e Pensões, na era Vargas. Nesse contexto, há um processo de

industrialização crescente no Brasil, a necessidade de cuidar da saúde do trabalhador torna-se

mais nítida a fim de se assegurar a capacidade produtiva do trabalhador.

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Nos anos 1960, cria-se a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, com vistas à

promoção da padronização e reorganização dos serviços oferecidos aos trabalhadores. Em

1967, surge o Instituto Nacional da Previdência Social – INPS, advindo da unificação dos

órgãos previdenciários.

Em 1974, há a substituição do INPS para o INAMPS - Instituto Nacional de

Assistência Médica da Previdência Social - propõe-se congregar a Saúde e Previdência juntas.

Entretanto, a conjuntura se configura pela ausência de hospitais, ambulatórios e postos

suficientes para as demandas postas. Nesse sentido, o Estado contrata serviços particulares,

promovendo financiamentos a partir de fundos existentes para grupos privados construírem

hospitais. Os estados e municípios ofereciam os serviços básicos nos postos de saúde,

enquanto os serviços particulares e poucos hospitais do INAMPS ofereciam o atendimento

hospitalar. O acesso consistia de forma restrita às pessoas com carteira assinada. Aos demais

restava às Santas Casas de Misericórdia, Postos Municipais, Estaduais e Hospitais

Universitários.

Desse modo, é possível depreender que os fatores acima citados colaboraram para que

essa modalidade de administração estivesse intimamente ligada à distribuição inadequada dos

recursos financeiros, bem como ao respectivo desperdício e às falhas do sistema público

quanto a sua necessária e esperada eficiência. Entretanto, somente a partir dos anos 1990 que

a saúde retorna ao Ministério da Saúde dissociada da Previdência Social.

A Política de saúde pública no Brasil ganha novos contornos a partir da criação do

Sistema Único de Saúde, em 1988, por meio do advento da Constituição Federal.

O Ministério da Saúde até meados dos anos 1980 norteava as suas ações em um

âmbito restrito à promoção da saúde, à prevenção de doenças (vacinação, por exemplo) e à

assistência médico-hospitalar para poucas doenças, em uma perspectiva de caráter universal.

Por sua vez, ao INAMPS estava delegada a função de prestar atendimento médico somente

àqueles empregados contribuintes da Previdência Social, aos demais cabia apenas aguardar

atendimentos oriundos de serviços filantrópicos.

No entanto, no início da década de 1970, surge no universo acadêmico o Movimento

da Reforma Sanitária com uma perspectiva ampla e inovadora de saúde, concebe-se que o

bem-estar físico abrange melhores condições de vida e de trabalho, partia-se do pressuposto

da necessidade de um Estado democrático de direitos, de modo que as políticas sociais

fossem, de fato, universais, e os direitos sociais fossem efetivados.

Posteriormente, as propostas da Reforma Sanitária fazem ressoar e tomam concretude

nas discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, momento em que surge o

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Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), a ocasião também contribui de forma

a embasar a seção “Da Saúde” da Constituição Federal de 1988, compreendendo a saúde

como “direito de todos e dever do Estado”. Todavia, somente em 1990, mediante a criação da

Lei Orgânica da Saúde, lei nº 8.080, o Sistema Único de Saúde – SUS – foi regulamentado,

sendo norteado pelos princípios da universalidade, equidade e integralidade. Desde então, o

SUS consiste em um sistema de saúde pública expressivo em nível mundial, visto que em seu

seio propõe o acesso universal e igualitário, no limite equânime, à saúde, embora a conjuntura

ao longo dos anos 1990, período de constantes reajustes estruturais resultantes da adoção ao

regime neoliberal, incidiram na redução dos investimentos sociais, no caso a saúde, em razão

do privilégio natural desta perspectiva de sobejar o âmbito econômico (FELIPE, 2011).

Logo, tem se observado nos últimos tempos: a progressiva precarização da rede

pública de saúde por meio da escassez de financiamento, ausência de recursos materiais,

superlotação de pacientes à espera de atendimento, terceirização de funcionários da saúde,

dentre outras situações que se apresentam; nota-se também a formação de convênios do SUS

com unidades hospitalares privadas que recebem usuários do SUS para a realização de

exames, ou cirurgias de alta complexidade com o devido repasse financeiro, em detrimento do

fortalecimento e equipamento das unidades hospitalares exclusivas da rede do SUS.

Não obstante, a intrínseca relação da violência como problema de saúde pública está

associada à magnitude das proporções estatísticas que reiteram a necessidade de atenção

veemente à problemática, por parte das autoridades públicas, em âmbito federal, estadual e

municipal, e, mesmo da sociedade, por meio da busca por alternativas mais pacificadoras, na

minimização dos conflitos que culminam em desfechos trágicos.

Ainda sob a perspectiva da violência como problema de saúde pública, Shraiber

(2002) vincula a relação da violência contra a mulher e as necessárias implicações no âmbito

da saúde biológica da mesma, atentando também à interferência na sua qualidade de vida. Isto

é, a mulher, vítima de práticas violentas, pode apresentar, com maior probabilidade,

problemas crônicos e inflamatórios na região pélvica, doenças sexualmente transmissíveis e

gravidez indesejada (SHRAIBER, 2002).

A Resolução 40/34 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 29 de novembro de

1985 descreve como vítima aquela

Pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, inclusive lesões

físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição

substancial de seus direitos fundamentais, como consequências de ações ou

omissões que violem a legislação penal vigente, [...] incluída a que prescreve o

abuso de poder (MIRANDA; MELLO; DIRK, 2007:08).

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Portanto, a descrição acima mencionada clarifica a terminologia “vítima” tão

recorrentemente utilizada no contexto do fenômeno da violência, dando forma às suas

distintas feições e expressões.

Nesse sentido, as vítimas de violência constituem, em potencial, parcela significativa

dos serviços de atendimento à saúde, seja nas unidades de atenção primária ou nas unidades

de urgência e emergência, em busca de atenção e cuidados de agravos decorrentes da situação

de violência, ou ainda, resultante de doenças psicossomáticas, ocasionadas pela situação de

constrangimento, humilhação e opressão as quais foram submetidas.

Em Brasil (1997), na Proposta Preliminar de Prevenção e Assistência à Violência

Doméstica, pesquisadores que tem como objeto de estudo a relação violência-saúde, afirmam

a violência como sendo um “fenômeno gerado nos processos sociais, levando as pessoas,

grupos, instituições e sociedades a se agredirem mutuamente, a se dominarem, a tomarem à

força a vida, o psiquismo, os bens e/ou o patrimônio alheio” (BRASIL, 1997:08).

Por sua vez, Silva (2002) disserta que a violência em dada sociedade está associada ao

modo como o seu povo tem internalizado as demarcações de poder e a respectiva necessidade

da constante reafirmação de sua detenção (SILVA, 2002).

Quando se fala de violência, necessariamente está se remetendo para a maneira

como a sociedade e a cultura lidam com o poder. E a marca que mais ressalta nas

relações de poder, estabelecidas, em nossa sociedade, é a “naturalização” de seu

abuso (SILVA, 2002:37).

Por conseguinte, na abordagem crítica e reflexiva da violência, em especial, naquela

verificada no âmbito doméstico e notificada obrigatoriamente pelos serviços de atendimento

em saúde, ou seja, as vítimas que compreendem o grupo constituído por crianças e

adolescentes, mulheres e idosos, que sofrem física, sexual ou psicologicamente as marcas

culturais de concepções obsoletas e cruéis, são reflexos de como a sociedade, ou parte dela,

requisitam a imposição do poder sobre o outro.

Na análise do fenômeno da violência e seus rebatimentos, torna-se necessária à

abordagem de alguns conceitos, tais como a morbimortalidade. De acordo com a Política

Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência, a terminologia

morbimortalidade implica em “ocorrências acidentais e violentas que matam ou geram

agravos à saúde e que demandam atendimento nos serviços de saúde”, compreende também

aquelas circunstâncias que perpassam a ocorrência do referido setor (BRASIL, 2002:08).

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Logo, está associada aos efeitos em uma sociedade decorrentes de situações de doenças e

óbitos.

Quantificando a violência, o documento que descreve a Política acima mencionada

registra que:

Na década de 80, as mortes por acidentes e violências passaram a responder pela

segunda causa de óbitos no quadro de mortalidade geral, ensejando a discussão de

que se tratava de um dos mais graves problemas de saúde pública a ser enfrentado.

A partir de então, essas mortes representam cerca de 15% dos óbitos registrados no

País, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório. Em 1996 e 1997, os

acidentes e as violências foram responsáveis por, aproximadamente, 120 mil óbitos

anuais (BRASIL, 2002:10).

Cabe mencionar que a informação acima mencionada explicita o período de maior

notoriedade de óbitos, refletindo na expressividade numérica das situações apontadas,

resultantes de violência e acidentes, nos anos 1980 e 1990, no Brasil.

Por sua vez, faz-se necessário mensurar o impacto orçamentário aos cofres públicos

decorrentes das condições de violência, à medida que a Portaria nº 737, do Ministério da

Saúde, em 16 de maio de 2001 descreve que

O impacto econômico dos acidentes e das violências no Brasil pode ser medido

diretamente por meio dos gastos hospitalares com internação, inclusive em unidades

de terapia intensiva, e dias de permanência geral. Em 1997, o total desses gastos

correspondeu a R$ 232.376.612,16, valor que representou, aproximadamente, 8%

dos dispêndios com internações por todas as causas (IUNES apud BRASIL,

2002:10).

Logo, entende-se que a delimitação dos custos ocasionados por situações de

violência podem ser quantificados através da verificação dos gastos hospitalares, mediante os

registros de atendimento e internação nos serviços de saúde aos vitimados física, psicológica e

sexualmente. Para tanto, a questão orçamentária e dos custos advindos do enfrentamento da

violência, no âmbito nacional e local, serão tratados com maior propriedade posteriormente,

na temática intitulada de A Saúde Pública do Rio Grande do Norte em meio à violência:

Dados, Custos e Planejamento.

Analisando as informações relacionadas à violência, referentes ao ano de 2011,

Wailsefisz (2011) menciona, por meio da abordagem dos dados do Sistema de Informações de

Mortalidade7, as estatísticas nacionais dos últimos 30 anos (de 1980-2010), de modo que

7 O Sistema de Informações de Mortalidade – SIM – foi criado pelo DATASUS a fim de sistematizar os dados,

de forma regular, sobre mortalidade no Brasil, por meio da coleta de informações resultantes dos serviços de

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atenta para o aumento do número de homicídios em 259%, no referido período, colaborando

para uma média de 4,4% ao ano. O mesmo autor destaca que nas últimas três décadas, o

número de vítimas superou um milhão de pessoas acometidas por homicídio (WAILSEFISZ,

2011).

Nesse sentido, diante dos índices e experiências cotidianas de violência, Adorno

(2002) ressalta a presença do sentimento de vulnerabilidade e insegurança que circunda a

sociedade contemporânea, de modo que vem se acentuando desde os anos 1970, através da

espreita do medo diante de qualquer exposição pública, a aversão ao estranho, nesse caso,

existem agravantes como a estigmatização de alguns grupos, tais como pobres. negros e

jovens (ADORNO, 2002).

Cabe mencionar que somada à sensação de instabilidade e inquietude, nos dias

atuais, no que se refere à falta de segurança cotidiana na realidade e imaginário popular

quanto à tensão da violência concreta, também se registram as ditas violências não

intencionais categorizadas como sendo “acidentes de transporte, traumatismos acidentais,

quedas, envenenamentos, explosões, queimaduras, mordidas, golpes, afogamento e exposição

à corrente elétrica em decorrência da ação de outrem ou não” (NEVUSP, 1998:74). Nesse

sentido, Iunes apud Brasil (2002), atenta que as “hospitalizações por lesões e envenenamento

representam um gasto/dia cerca de 60% superior à média geral das internações” (IUNES apud

BRASIL, 2002:10). Logo, os registros das violências não intencionais situam-nas dentro da

categoria em que estão classificadas, concebendo-as em suas distintas tipologias.

Explicita-se, portanto, que por acidente, compreende-se o “evento não intencional e

evitável, causador de lesões físicas e/ou emocionais no âmbito doméstico ou nos outros

ambientes sociais, como o do trabalho, do trânsito, da escola, de esportes e o de lazer”

(BRASIL, 2002:08). Por conseguinte, os acidentes, atualmente, são interpretados a partir da

concepção de situações previsíveis e, consequentemente, preveníveis.

A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade (2002) disserta acerca da

centralização espacial dos acidentes e violências nos cenários urbanos, cuja concentração

estima-se em 75% das estatísticas de mortes ocasionadas por razões violentas. Embora os

índices apontem a prevalência de eventos violentos nas áreas urbanizadas, a convivência com

a violência também perpassa o cotidiano das localidades rurais. Todavia, as questões

explicativas da origem dessas ocorrências possuem incertas comprovações, devido aos

atendimento à saúde. A obtenção desses dados tem como finalidade subsidiar as diversas esferas de gestão da

saúde pública, visando o planejamento e respectiva avaliação das ações e programas do setor.

Por sua vez, o DATASUS corresponde ao sistema informatizado das atividades do Sistema Único de Saúde,

objetivando a descentralização das atividades de saúde e viabilização do Controle Social.

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escassos estudos voltados para a referida finalidade, bem como as questões associadas às suas

manifestações são distintas e igualmente pouco aprofundadas. Contudo, sobressaem algumas

motivações nos registros de violência nas áreas rurais, relacionadas abaixo:

Nelas são geradas mortes em conflito pela terra, em áreas de garimpo, na rota do

narcotráfico, ao lado do aliciamento e da exploração de crianças e adolescentes para

a prostituição8 e o trabalho escravo. São também consideráveis as vítimas de

intoxicações por agrotóxicos e de envenenamentos por animais peçonhentos

(BRASIL, 2002:09).

Sendo assim, apreende-se que, no âmbito rural o fenômeno da violência também se

manifesta, e, paulatinamente, de maneira mais expressiva, por distintas causas, sejam elas

vinculadas à questão agrária, trabalhista ou decorrente de conflitos de outras naturezas.

Ainda à luz dos dados da Política de Redução da Morbimortalidade (2002),

menciona-se a identificação dos grupos populacionais mais afetados por situações de

violência, e situam-se também as circunstâncias de vulnerabilidade, de modo que os homens

representam o segmento mais suscetível aos eventos violentos que culminam em óbitos. Por

sua vez, a violência direcionada ao público composto por mulheres, crianças, adolescentes e

idosos, mais dificilmente resulta em óbito, no entanto, interfere, diretamente, no perfil de

morbidade do grupo supracitado, isto é, ocasiona danos físico-biológicos e sequelas

psicológico-emocionais à saúde das vítimas. Geram-se, consequentemente, demandas de

serviços ao setor da saúde (BRASIL, 2002).

Informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes9 (VIVA) do

Governo Federal, em Brasil (2010), reiteram e descrevem dados imprescindíveis no processo

de conversão dos números e estatísticas em pessoas, através da delimitação da identidade da

vítima, circunstância do evento, dentre outros dados relevantes (BRASIL, 2010).

8 A terminologia “prostituição” referindo-se às crianças e/ou adolescentes possui sentido denotativo inadequado,

visto que implica o poder de decisão da vítima e respectivo consentimento, de modo que não contempla as reais

condições impostas ao público infanto-juvenil. Para tanto, utiliza-se, então, a denominação exploração sexual

comercial de crianças e/ou adolescentes. Pressupondo-se o estado de vulnerabilidade inerente à faixa etária do

grupo, bem como a sua condição de ausência de consciência plena de seus atos, conforme o Estatuto da Criança

e do Adolescente trata, além do próprio Código Civil. Nesse caso, considera-se,

especialmente, a ação do adulto aliciador, emancipado e nitidamente convicto das implicações de suas atitudes

de imposição e submissão das vítimas. Logo, concorda-se com a premissa que “crianças e adolescentes são

explorados sexualmente porque são induzidos a essa prática, seja por situação de pobreza, abuso sexual familiar

ou estímulo ao consumo”. Fonte: www.redeandibrasil.org.br 9 O Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes – VIVA – consiste em uma materialização da iniciativa do

Governo Federal em busca do monitoramento, sondagem e planejamento quanto ao enfrentamento das causas

externas epidemiológicas, as violências e os acidentes, tendo como pano de fundo o Sistema Único de Saúde. O

referido sistema deu início ao processo de coleta de dados nos anos de 2006 e 2007, uma vez que visa à pesquisa

de dois anos consecutivos a fim de comprovar as constâncias e alternâncias das estatísticas apreendidas.

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42

Cabe destacar que a abordagem do Sistema VIVA terá como base o período de 2008-

2009. Tendo em vista que a coleta de dados dos anos 2010 e 2011 ainda não foram concluídas

e divulgadas pelo Ministério da Saúde, o presente estudo irá utilizar-se das informações

disponíveis referentes aos anos anteriores.

O quadro abaixo apresenta a caracterização das vítimas de violência doméstica,

sexual e outras violências, em âmbito nacional, descriminando-a por sexo dos vitimados,

situada no ano de 2008. Estabelece o perfil do demandante de atendimento em saúde mediante

faixa etária, cor, escolaridade e situação conjugal.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

CARACTERÍSTICAS Masculino

(n=2.530)

Feminino

(n=6.236)

Total

(n=8.766)

N % N % N %

FAIXA ETÁRIA

0 a 9 763 30,2 1312 21,0 2075 23,7

10 a 14 304 12,0 1027 16,5 1331 15,2

15 a 19 287 11,3 771 12,4 1058 12,1

20 a 29 424 16,8 1243 19,9 1667 19,0

30 a 39 281 11,1 864 13,9 1145 13,1

40 a 49 176 7,0 486 7,8 662 7,6

50 a 59 97 3,8 220 3,5 317 3,6

60 e + 182 7,2 269 4,3 451 5,1

Sem informação 16 0,6 44 0,7 60 0,7

RAÇA/COR

Branca 1098 43,4 2928 47,0 4026 45,9

Preta 182 7,2 509 8,2 691 7,9

Amarela 16 0,6 39 0,6 55 0,6

Parda 880 34,8 2252 36,1 3132 35,7

Indígena 27 1,1 22 0,4 49 0,6

Sem informação 327 12,9 486 7,8 813 9,3

ESCOLARIDADE/ANOS DE ESTUDO

0 a 4 604 23,9 1233 19,8 1837 21,0

5 a 8 520 20,6 1627 26,1 2147 24,5

9 a 11 390 15,4 1015 16,3 1405 16,0

12 e + 149 5,9 755 12,1 904 10,3

Sem informação 867 34,3 1606 25,8 2473 28,2

SITUAÇÃO CONJUGAL

Solteiro (a) 999 39,5 2415 38,7 3414 38,9

Casado/união

consensual

395 15,6 1598 25,6 1993 22,7

Viúvo (a) 46 1,8 161 2,6 207 2,4

Separado (a) 97 3,8 287 4,6 384 4,4

Não se aplica* 678 26,8 1177 18,9 1855 21,2

Sem informação 315 12,5 598 9,6 913 10,4

Quadro 01 - Caracterização das vítimas de violência doméstica, sexual e outras violências por sexo – Brasil 2008

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

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* Quando a vítima era pessoa com idade inferior a seis anos ou portadora de deficiência mental grave.

Diante da exposição dos dados acima, quanto à caracterização da vítima, obtém-se

que a faixa etária mais representativa do sexo masculino localiza-se entre os anos 0 a 9 anos

(30,2%), 20 a 29 anos (16,8%) e 10 a 14 anos (12%). As cores da pele predominantes dos

homens vitimados foram brancos (43,4) e pardos (34,8). Os anos de estudo dessas vítimas

foram mais indicativos entre 0 a 4 anos (23,9%), acompanhados de período de estudo entre 5

a 8 (20,6%). Enquanto a situação conjugal prevalente dos homens foram solteiro (39,5%) e

casado/união estável (15,6%).

Quanto à interpretação dos dados visualizados entre pessoas do sexo masculino,

atenta-se que em um primeiro momento, há violência mais nítida entre crianças, seguida da

fase transitória entre a juventude e a fase adulta, e, demonstra novamente a suscetibilidade de

envolvimento de adolescentes em situações de violência. Na questão racial, obtêm-se mais

brancos e pardos vitimados. No que se refere ao período de escolarização, apresentam poucos

anos de estudo. De modo que a situação conjugal mais expressiva foram solteiros e

casados/união estável.

Destaca-se, inicialmente, a notória distinção e notificação da violência contra a

mulher, mais nitidizada diante dos números totais, mediante 6.236 casos de vítimas do sexo

feminino, enquanto os homens registraram apenas 2.530 casos.

Nas vítimas mulheres, verificou-se também vulnerabilidade na fase infantil, entre 0 a

9 anos (21%), seguidas de 20 a 29 anos (19,9%) e daquelas entre 10 a 14 anos (16,5%). A cor

da pele mais identificada situou-se entre brancas (47%) e pardas (36,1%). Quanto aos anos de

estudo, foram mais nítidos aqueles entre 5 a 8 anos de estudo (26,1%), e entre 0 a 4 anos de

escolaridade (19,6%). Por sua vez, a situação conjugal mais representativa localizou-se em

solteiras (38,7%) e casadas/união estável (25,6%).

Sendo assim, semelhantemente às situações dos homens, as mulheres também

apresentaram vulnerabilidade aos eventos violentos na infância, juventude e fase adulta, e

adolescência. São, em sua maioria, autointituladas brancas e pardas. Apresentam mais anos de

estudo se comparado aos homens vitimados. E, também situam-se entre as mulheres solteiras

e casadas/união estável.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 E 2009

CARACTERÍSTICAS Masculino

(n=2.530)

Feminino

(n=6.236)

Total

(n=8.766)

N % N % N %

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LOCAL DE OCORRÊNCIA

Residência 1127 44,5 3909 62,7 5036 57,4

Habitação Coletiva 12 0,5 28 0,4 40 0,5

Escola 507 20,0 685 11,0 1192 13,6

Local de prática

esportiva

30 1,2 60 1,0 90 1,0

Bar ou similar 47 1,9 51 0,8 98 1,1

Via pública 6 0,2 21 0,3 27 0,3

Comércio/serviços 177 7,0 162 2,6 339 3,9

Indústria/construção 07 0,3 02 0,0 09 0,1

Outro 08 0,3 09 0,1 17 0,2

Sem informação 609 24,1 1309 21,0 1918 21,9

VIOLÊNCIA DE REPETIÇÃO

Sim 666 26,3 2477 39,7 3143 35,9

LESÃO AUTOPROVOCADA

Sim 308 12,2 558 8,9 866 9,9

TIPO DE VIOLÊNCIA

Física 1648 65,1 3240 52,0 4888 55,8

Psicológica/moral 527 20,8 3087 49,5 3614 41,2

Negligência/abandono 496 19,6 694 11,1 1190 13,6

Sexual 351 13,9 2429 39,0 2780 31,7

Tráfico de seres

humanos

09 0,4 20 0,3 29 0,3

Financeira 55 2,2 135 2,2 190 2,2

Tortura 24 0,9 101 1,6 125 1,4

Trabalho infantil 10 0,4 12 0,2 22 0,3

Patrimonial 02 0,1 24 0,4 26 0,3

Quadro 02 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência em 23 capitais e

Distrito Federal – Brasil 2008, Quanto à Natureza da Violência

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

O segundo quadro descreve a natureza da violência, identificando o local de

ocorrência, a tipologia do evento violento, se a situação tem antecedentes de repetição e a

proporção de circunstâncias violentas provocadas pelas vítimas.

Desse modo, demonstra-se que os locais de ocorrência mais apontados foram a

residência e a escola, tanto para os homens quanto para as mulheres. Respectivamente em

44,5% e 20% às vítimas do sexo masculino, e, 62,7% e 11% às vítimas do sexo feminino.

Quanto à incidência de violência de repetição, os homens apresentaram 26,3% das estatísticas,

enquanto as mulheres registraram 39,7% dos índices. Os dados registram ainda a proporção

de lesões autoprovocadas, sendo maiores nos homens em 12,2% e menores nas mulheres com

8,9%. Quanto às tipologias de violência mais frequentes verificaram-se, nos homens, as

expressões físicas em 65,1%, seguidas de agressão psicológica em 20,8%, e, de

negligência/abandono com 19,6%. Nas mulheres, identificaram-se a predominância da

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violência física, em 52%, as lesões psicológicas em 49,5%, seguidas das agressões sexuais,

em 39%.

Logo, conclui-se que as localidades de materialização da violência mais citadas,

comuns aos homens e às mulheres, foram as residências e as escolas, a menção ao lar resulta

das agressões domésticas no público infanto-juvenil e nas vítimas do sexo feminino, enquanto

a referência ao âmbito escolar está relacionada aos conflitos que culminam em agressões de

jovens por jovens. Por sua vez, o quadro de agressões revelou que, em alguns casos, não foi a

primeira violência a que foram submetidas às vítimas, de modo que as mulheres apresentaram

maiores índices de violência de repetição. Também apurou-se a proporção de violências

ocasionadas pelas próprias vítimas, sendo mais representativas nos homens. Quanto à

natureza da violência, constatou-se que a violência física foi mais presente nos dois universos

feminino e masculino, bem como a agressão psicológica foi comum aos homens e às

mulheres, a distinção registrou-se entre a negligência/abandono mais expressiva nas vítimas

homens, tipologia interpretada nessa categoria como advinda da violência dirigida à pessoa

idosa, enquanto as mulheres relataram a agressão de cunho sexual como sendo a terceira

classificação mais nitidizada.

Faz-se necessário destacar que os números acima abordados representam indicadores

de violência de gênero, à medida que se registra proporção maior de mulheres vitimadas se

comparadas aos homens, bem como atenta-se à verificação da residência como principal locus

de materialização da violência contra a mulher, assim, reiteram a premissa da cotidianidade e

respectiva naturalização desses eventos.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

CARACTERÍSTICAS

Masculino

(n=2.530)

Feminino

(n=6.236)

Total

(n=8.766)

N % N N % N

SEXO DO PROVÁVEL AUTOR DA AGRESSÃO

Masculino 1431 56,6 4385 70,3 5816 66,3

Feminino 401 15,8 1040 16,7 1441 16,4

Ambos os sexos 199 7,9 256 4,1 455 5,2

Sem informação 499 19,7 555 8,9 1054 12,0

RELAÇÃO COM A VÍTIMA

Pai 249 9,8 477 7,6 726 8,3

Mãe 345 13,6 410 6,6 755 8,6

Padrasto 63 2,5 280 4,5 343 3,9

Madrasta 09 0,4 22 0,4 31 0,4

Cônjuge 75 3,0 1165 18,7 1240 14,1

Ex-cônjuge 17 0,7 375 6,0 392 4,5

Namorado (a) 12 0,5 152 2,4 164 1,9

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Ex-namorado (a) 13 0,5 122 2,0 135 1,5

Amigos 396 15,7 829 13,3 1225 14,0

Desconhecido 404 16,0 841 13,5 1245 14,2

Cuidador (a) 32 1,3 58 0,9 90 1,0

Patrão 25 1,0 55 0,9 80 0,9

Pessoa com relação

institucional

20 0,8 44 0,7 64 0,7

Outros 576 22,8 1281 20,5 1857 21,2

Quadro 03 - Atendimentos por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência em 23 Capitais e

Distrito Federal – Brasil 2008, Caracterização do Provável Autor da Agressão às Vítimas de Violência

Doméstica, Sexual e Outras Violências

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

Por sua vez, o Quadro 03, traça a identificação do provável autor da agressão, quanto

ao sexo e possível vinculação com a vítima. De modo que coincide a pessoa do agressor como

pertencente ao sexo masculino, tanto nas vítimas homens quanto nas mulheres, mais

especificamente, sendo 56,6% e 70,3%, respectivamente. Quanto à relação do agressor com a

vítima, apontam-se nas violências ocasionadas ao homem, os desconhecidos (16%) e amigos

(15,7%). As agressões dirigidas às mulheres são mais representativas quando desempenhadas

por cônjuges (18,7%) e desconhecidos (13,5%).

Logo, compreende-se o consenso que os agressores em ambos os casos, são,

geralmente, do sexo masculino. Ainda na identificação da proximidade do agressor para com

a vítima, constatou-se que os homens foram oprimidos, em sua maioria, por pessoas

desconhecidas, enquanto as mulheres registraram serem agredidas por seus

cônjuges/companheiros de forma mais expressiva.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

CARACTERÍSTICAS

Masculino

(n=2.530)

Feminino

(n=6.236)

Total

(n=8.766)

N % N N % N

EVOLUÇÃO DO CASO

Alta 708 28,0 1573 25,2 2281 26,0

Encaminhamento

ambulatorial

553 21,9 2157 34,6 2710 10,9

Encaminhamento

hospitalar

562 22,2 575 9,2 1137 13,0

Evasão/fuga 133 5,3 117 1,9 250 2,9

Óbito 89 3,5 28 0,4 117 1,3

Sem informação 485 19,2 1786 28,6 2271 25,9

ENCAMINHAMENTO PARA OUTROS SETORES

Conselho Tutelar 757 29,9 1923 30,8 2680 30,6

Vara da Infância e da

Juventude

63 2,5 167 2,7 230 2,6

Casa Abrigo 30 1,2 76 1,2 106 1,2

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47

Programa Sentinela 88 3,5 529 8,5 617 7,0

Delegacia Especializada

da Mulher

75 3,0 1595 25,6 1670 19,1

Delegacia de Proteção

da Criança e do

Adolescente

146 5,8 461 7,4 607 6,9

Outras Delegacias 505 20,0 535 8,6 1040 11,9

Ministério Público 36 1,4 114 1,8 150 1,7

Centro de Referência

da Mulher

11 0,4 557 8,9 568 6,5

CREAS/CRAS 37 1,5 180 2,9 217 2,5

IML 192 7,6 1170 18,8 1362 15,5

Quadro 04 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência em 23 Capitais e

Distrito Federal – Brasil 2008, Evolução e Encaminhamento das Vítimas de Violência Doméstica, Sexual e

Outras Violências Por Sexo

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

Também foram apuradas informações acerca da evolução e encaminhamento das

vítimas de violência nos serviços de atendimento em saúde. De modo que verificou-se que os

homens, em maior expressividade, na evolução de seus quadros de saúde adquirem a alta

(28%), em seguida, há aqueles que recebem encaminhamento hospitalar (22,2%). As

mulheres apresentam, sobretudo, evolução para encaminhamentos ambulatoriais (34,6%),

seguidas de alta hospitalar (25,2%).

Quanto ao encaminhamento para outros setores, a partir da interlocução da rede de

atendimento ao usuário conforme as suas demandas, as vítimas do sexo masculino destacam-

se mediante o encaminhamento ao Conselho Tutelar (29,9) e outras Delegacias (20%). Por

sua vez, as vítimas do sexo feminino também apresentam relevância nos encaminhamentos ao

Conselho Tutelar (30,8%) e às Delegacias Especializadas da Mulher (25,6%).

Nesse sentido, apreende-se que a evolução dos quadros de homens vitimados,

majoritariamente, culminam em alta hospitalar, enquanto as mulheres ainda são encaminhadas

a algum atendimento ambulatorial, o que pressupõe um cenário de maior vulnerabilidade do

quadro de saúde apresentado. No que se referem aos encaminhamentos pós-atendimento tanto

os homens quanto as mulheres, foram encaminhados com maior frequência ao Conselho

Tutelar e as Delegacias, para registro da ocorrência.

Para tanto, no ano base 2009 do Sistema VIVA, os registros quanto ao sexo mais

vulnerável às situações de violência inverteram-se, visto que os usuários do sexo masculino

prevaleceram nas estatísticas, convergem em 71,1% das violências. Enquanto as mulheres

representam 28,7% dos números expostos abaixo.

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VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

SEXO VIOLÊNCIAS

N %

Masculino 2915 71,1

Feminino 1097 28,7

Sem informação 06 0,2

Quadro 05 - Atendimentos Por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência em 23 Capitais e

Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Identificação por sexo

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

Por sua vez, acrescenta-se ainda que as faixas etárias mais representativas do sexo

masculino são de homens adultos entre 20 e 29 anos que somam 36,5%, por sua vez, aqueles

entre 30 e 39 anos situaram 20,6% dos números. Quanto às mulheres, coincidem com os

homens a mesma faixa etária mais significativa de 20 a 29 anos em 30,7% do estimado, ao

passo que aquelas entre 10 a 19 localizam-se em 20,6%, seguidas da faixa etária entre 30 e

39 anos com 20,5%. O quadro abaixo ilustra os dados mencionados.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

CARACTERÍSTICAS Masculino

(n=2.915)

Feminino

(n=1.097)

Total

(n=4.012)

n % N % N %

FAIXA ETÁRIA

0 a 9 144 5,5 87 7,7 231 6,1

10 a 14 111 3,6 76 6,8 187 4,5

15 a 19 415 14,3 163 13,8 578 14,2

20 a 29 1078 36,5 345 30,7 1423 34,8

30 a 39 607 20,6 229 20,5 836 20,6

40 a 49 312 10,8 118 11,8 430 11,1

50 a 59 143 5,2 49 5,5 192 5,3

60 e + 69 2,4 26 2,9 95 2,5

Sem informação 36 1,2 4 0,3 40 1,0

Quadro 06 - Atendimentos por Violências em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência em 23 capitais e

Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Caracterização das vítimas por sexo

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

O Ministério da Saúde destaca no referido documento, em referência ao ano de 2009,

o atendimento das vítimas em serviços de saúde, nestes sobressaem às entradas no setor por

motivação de agressão/maus-tratos em 91,8%, para os homens vitimados, e, em 84% para as

mulheres vitimadas, conforme explicitado no Quadro 07. De modo que as agressões de

aspecto físico prevaleceram em 97,9% nas vítimas do sexo masculino, e, em 94,1%, nas

vítimas do sexo feminino. Faz-se necessário ressaltar que em relação à violência registrada

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aos homens, a caracterização do agressor o indica como desconhecido à vítima, chegando a

44,3%. Por sua vez, as mulheres foram agredidas em predominância por companheiros ou ex-

companheiros em 34,3%. Importa mencionar também que tanto para os homens quanto para

as mulheres, obtiveram a semelhança no fato de o agressor pertencer ao sexo masculino, isto

é, 80,8% das estimativas nos homens vitimados, e 69,7% dos agressores das mulheres.

Distingue-se também quanto ao local de ocorrência, os homens apontaram a via pública como

espaço de materialização da agressão, em 47,9%, enquanto as mulheres coincidem com o

indicativo em 2008, quanto ao espaço mais propício de reprodução da violência como sendo a

residência, em 56%.

VIVA: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009

CARACTERÍSTICAS Masculino

(n=2.915)

Feminino

(n=1.097)

Total

(n=4.012)

N % N % N %

LOCAL DE OCORRÊNCIA

Residência 711 24,7 605 56,0 1316 33,7

Habitação Coletiva 33 1,1 5 0,6 38 1,0

Escola 71 2,4 41 3,8 112 2,8

Local de prática

esportiva

62 2,0 05 0,5 67 1,6

Bar ou similar 369 12,1 85 6,9 454 10,6

Via pública 1396 47,9 283 25,4 1679 41,4

Comércio/serviços 99 3,7 27 2,4 126 3,4

Indústria/construção 08 0,2 01 0,2 09 0,2

Outro 102 3,2 25 2,2 127 2,9

Sem informação 64 2,6 20 2,0 84 2,4

TIPO DE VIOLÊNCIA

Lesão autoprovocada 195 6,5 163 15,9 358 9,1

Agressão/maus-tratos 2668 91,8 927 84,0 3595 89,5

Intervenção por

agente legal

52 1,7 07 0,2 59 1,4

NATUREZA DA AGRESSÃO

Física 2509 97,9 837 94,1 3346 94,1

Sexual 09 0,3 48 5,7 57 1,8

Negligência/abandono 61 2,6 30 3,5 91 2,8

Psicológica 564 20,3 329 36,2 893 24,6

PROVÁVEL AUTOR DA AGRESSÃO

Pai ou mãe 55 2,1 48 5,4 103 3,0

Companheiro(a)/ ex 146 5,7 301 34,3 447 13,5

Outro familiar 208 8,5 103 11,9 311 9,4

Amigo/conhecido 796 31,1 224 26,0 1020 29,7

Agente legal público 97 3,8 18 2,4 115 3,4

Desconhecido 1116 44,3 178 18,1 1294 37,2

Sem informação 111 4,6 16 1,9 127 3,9

SEXO DO PROVÁVEL AUTOR DA AGRESSÃO

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Masculino 2047 80,8 618 69,7 2665 77,7

Feminino 221 9,1 208 23,5 429 13,1

Ambos os sexos 65 2,8 27 3,2 92 2,9

Sem informação 187 7,3 33 3,7 220 6,3

Quadro 07 - Atendimentos por violências em serviços sentinelas de urgência e emergência em 23 capitais e

Distrito Federal – Brasil, setembro a novembro de 2009, Quanto à natureza da violência

Fonte: Vigilância de Violência e Acidentes, 2008 e 2009.

Em síntese, percebe-se que em 2008 as vítimas com maior representatividade

numérica foram as mulheres, enquanto que em 2009, os homens prevaleceram nas estatísticas.

As faixas etárias com maior notoriedade situaram-se entre 20 e 29 anos, seguidas de 30 a 39

anos, comuns às vítimas do sexo feminino e masculino. Os locais de ocorrência mais

registrados foram residência e escola, em 2008. No entanto, em 2009, a via pública foi

inserida como meio em potencial de ocorrência de violências, para os homens. Quanto às

mulheres, a residência permaneceu como localidade principal do registro de eventos

violentos. Também apresentaram ponto em comum nos dois anos referidos, às vítimas do

sexo feminino e masculino a materialização da violência mediante a sua expressão física.

Todavia, requer mencionar que os dados apresentados não apresentam a fidedignidade

da realidade, compreendendo que a mesma é dinâmica e abrangente. Sobretudo, há, ainda, os

casos de violência não identificados pela equipe multidisciplinar de saúde, bem como aquelas

situações de violência não registradas e devidamente denunciadas em suas instâncias legais,

além daqueles casos que não chegam à rede de saúde, permanecendo restrito ao ambiente

perpetrador de danos à saúde física, psicológica e biológica do ser humano.

O Mapa da Violência 2012 traz notoriedade à problemática da violência contra a

mulher, à medida que ressalta o aumento dos índices de óbito entre o sexo feminino,

decorrentes de ações violentas. Wailsefisz (2011) informa que, nos últimos 30 anos, a partir

de 1980, no Brasil, notificaram-se o assassinato de mais de 91 mil mulheres, somente nos

últimos dez anos foram 43,5 mil. Os dados citados correspondem, então, a um aumento de

217,6% nas estatísticas de mulheres vitimadas de violência que culminaram em óbito

(WAILSEFISZ, 2011).

O quadro abaixo ilustra os índices que comprovam as informações citadas.

ANO NS. TAXAS ANO NS. TAXAS

1980 1.353 2,3 1997 3.587 4,4

1981 1.487 2,4 1998 3.503 4,3

1982 1.497 2,4 1999 3.536 4,3

1983 1.700 2,7 2000 3.743 4,3

1984 1.736 2,7 2001 3.851 4,4

1985 1.766 2,7 2002 3.867 4,4

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1986 1.799 2,7 2003 3.937 4,4

1987 1.935 2,8 2004 3.830 4,2

1988 2.025 2,9 2005 3.884 4,2

1989 2.344 3,3 2006 4.022 4,2

1990 2.585 3,5 2007 3.772 3,9

1991 2.727 3,7 2008 4.023 4,2

1992 2.399 3,2 2009 4.260 4,4

1993 2.622 3,4 2010 4.297 4,4

1994 2.838 3,6 1980/2010 91.932

1995 3.325 4,2 2000/2010 43.486

1996 3.682 4,6 Δ% 1980/2010 217,6

Quadro 08 - Números e taxas (em 100 mil mulheres) de homicídios femininos, Brasil 1980/2010

Fonte: Mapa da Violência 2012: Homicídios de Mulheres/SIM/SVS/MS

A faixa etária mais incidente de vitimização das mulheres situa-se entre os 20 aos 29

anos, com significância também na faixa vizinha dos 30 aos 39 anos, conforme quadro

abaixo. Delimitou-se, também, no estudo em questão, a figura do agressor mais comum

nessas situações, reitera-se a pessoa do cônjuge ou ex-cônjuge, respectivamente em 27,1% e

8,3%. De modo que também enquadram-se os namorados, em 4.5%, e ex-namorados, 2,6%.

As práticas violentas são efetuadas também, além daqueles autores já citados, por

amigos/conhecidos em 16,2% e por desconhecidos 13,8%. Cabe relatar ainda que 68,8% dos

atendimentos realizados às mulheres, vítimas de violência, as agressões foram instauradas em

suas próprias residências (BRASIL, 2010).

FAIXA ETÁRIA

NÚMERO TAXAS

2000 2010 2000 2010

Menor 01 ano 37 35 2,3 2,6

01 a 04 anos 40 52 0,6 1,0

05 a 09 anos 46 48 0,6 0,7

10 a 14 anos 156 131 1,8 1,6

15 a 19 anos 592 556 6,6 6,6

20 a 29 anos 1051 1331 6,9 7,7

30 a 39 anos 843 947 6,5 6,3

40 a 49 anos 506 597 5,1 4,7

50 a 59 anos 198 260 3,0 2,7

60 a 69 anos 91 130 2,1 2,1

70 a 79 anos 70 82 2,8 2,3

80 anos e mais 36 57 3,3 3,2

Ignorado 77 71 - -

TOTAL 3.743 4.297 4,3 4,4

Quadro 09 - Números e taxas (em 100 mil mulheres) de homicídios femininos, Brasil 2000/2010

Fonte: Mapa da Violência 2012: Homicídios de Mulheres/SIM/SVS/MS

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Dados obtidos pelo SINAN10

, referentes ao ano de 2011, apontam que no país

registraram-se 73.633 atendimentos vinculados à violência doméstica, sexual e/ou outras

violências. Distribuídos da seguinte forma, 48.152 (65,4%) correspondem às vítimas

mulheres, enquanto os homens representam 25.481 (34,6%) dos atendimentos realizados por

motivações violentas (WAILSEFISZ, 2011). A seguinte informação apresenta a alarmante

problemática em torno da violência doméstica, tendo como principal vítima a mulher. Nesse

sentido,

Tem que ser considerado que os quantitativos registrados pelo SINAN representam

só a ponta do iceberg das violências cotidianas que efetivamente acontecem: as que

demandam atendimento do SUS e que, paralelamente, declaram abertamente o

agressor. Por baixo dessa ponta visível, um enorme número de violências cotidianas

nunca chega à luz pública (WAILSEFISZ, 2011:13).

Logo, a referência supracitada traz a reflexão de quão desconhecida e dramática é a

realidade efetiva da violência na sociedade brasileira, especialmente no que concerne à

materialização da violência contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos, tendo em vista

que essa dimensão assume características domésticas e geralmente motivadas por familiares.

Considera-se ainda a dificuldade na identificação e respectiva denúncia ao agressor, em casos

de vinculação afetiva da vítima com o causador do dano.

Sendo assim, diante das exposições aqui clarificadas compreende-se que a violência,

na concepção da sociedade atual, classifica-se como sendo um fenômeno de ampla magnitude

que, por sua vez, interfere direta e indiretamente na saúde pública da população em que se

manifesta. Logo, deve ser tratada como problema de saúde pública, tendo em vista a

interferência objetiva e subjetiva na vida daqueles vitimados por suas distintas tipificações.

Para tanto, resgatar-se-á que a percepção da violência como situação de

responsabilidade da pauta da saúde pública, advém ainda do pressuposto da compreensão

abrangente e inovadora de saúde, resultante da Constituição Federal de 1988, quando concebe

que a saúde está intrinsecamente relacionada às condições de vida da população. A Lei

Orgânica da Saúde, nº 8.080, descreve mais especificamente a amplitude do conceito de

saúde, associando-a aos fatores determinantes e condicionantes, como a “alimentação,

10

O SINAN consiste no Sistema de Informações de Agravos de Notificação. Mantêm-se mediante a inserção de

dados referentes às notificações e respectivas investigações das doenças e agravos constantes na Lista Nacional

de Doenças de Notificação Compulsória, Portaria GM/MS nº 2.325, de 08 de dezembro de 2003. O sistema

mencionado permite a “identificação da realidade epidemiológica de determinada área geográfica”. Fonte: Portal

da Saúde.

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53

moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer,

acesso aos bens e serviços essenciais [...]” (BRASIL, 1990:01).

Logo, remete-se ao proposto em 1988, reconhecendo a saúde como “direito de todos e

dever do Estado”, cabendo à esfera estatal a “redução do risco de doença e de outros agravos

e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação” (BRASIL, 2005:131).

Por conseguinte, considerando que a violência consiste em danos reais às vítimas, nos

aspectos emocional, psicológico e físico, consequentemente, enquadra-se como risco à saúde

coletiva. Portanto, a violência adentra no universo da saúde pública mediante a inserção como

fenômeno prejudicial e maléfico à saúde.

Após a observância das estatísticas nacionais, reiteram-se os índices alarmantes de

eventos violentos, com destaque aos homens como maiores vítimas fatais, por sua vez,

também são aqueles do sexo masculino os principais agressores tanto aos vitimados homens

quanto para as mulheres. Por conseguinte, faz-se necessário adentrar na realidade do nosso

estado, no caso, o Rio Grande do Norte, de maneira a averiguar a situação estadual quanto a

sua respectiva vivência diante do fenômeno da violência. Logo, no capítulo subsequente serão

abordadas informações de subsídio ao conhecimento do cenário potiguar frente aos eventos

violentos.

3.1. O COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR WALFREDO GURGEL COMO

PRINCIPAL INSTITUIÇÃO DE ATENDIMENTO ÀS SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

A fim de retratar e mensurar o contexto norte-rio-grandense em meio à violência

quanto às mais diversas localidades e população vitimada no estado, o tópico em questão

pretende abordar, a princípio, o cenário institucional do Complexo Hospitalar fornecedor de

dados imprescindíveis para compreensão da realidade estadual, bem como serão tratadas as

informações/estatísticas relativas à violência, além de dissertar acerca das tipificações

violentas expostas.

A instituição locus da vivência profissional da autora do presente trabalho consistiu no

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, mais especificamente, o Pronto Socorro

Dr. Clóvis Sarinho. A experiência obtida na referida unidade hospitalar esteve relacionada ao

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54

desenvolvimento do estágio supervisionado de Serviço Social, parte integrante da disciplina

de Estágio Supervisionado I e II. Logo, foram dois semestres de convivência com a rotina

institucional do Hospital, período fundamental para a apreensão dos conhecimentos da prática

profissional, e percepção das singularidades intrínsecas à realidade constantemente mutável.

Nesse sentido, as considerações expressas a seguir tem por base a sistematização das

observações e informações colhidas na ocasião do Estágio ali realizado.

Inicialmente denominado de Hospital Geral e Pronto Socorro de Natal, o Hospital

Monsenhor Walfredo Gurgel foi inaugurado em 14 de março de 1971, somente em 31 de

março de 1973 deu início às suas atividades e a partir de então recebeu a sua nomenclatura

definitiva.

Em 08 de fevereiro de 2001, o Pronto Socorro Dr. Clóvis Sarinho foi inaugurado

passando a integrar o Complexo Hospitalar do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel11

.

O Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel12

tem como especialidade o

atendimento das demandas de urgência e emergência. O HMWG/PSCS está vinculado à

Secretaria Estadual de Saúde Pública do RN - SESAP. Sendo um Hospital da rede pública é

norteado pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde, o SUS.

O Hospital tem como missão: “Promover a dignidade da pessoa humana, preservando-

lhe e resgatando-lhe a saúde, oferecendo-lhe atendimento de boa qualidade, universal e

igualitário, nas áreas do trauma e emergência” (COMPLEXO HOSPITALAR MONSENHOR

WALFREDO GURGEL, 2012).

Sendo assim, o Complexo Hospitalar visa à prestação de serviços de assistência

médico-hospitalar nas mais diversas especialidades em regime de emergência, ambulatório e

internação. Procura acolher, dar atendimento médico-hospitalar sem seleção, de maneira

permanente, a toda pessoa que se apresenta em situação de emergência.

O Complexo Hospitalar Walfredo Gurgel está inserido na Política de saúde pública do

país, em nível estadual, à medida que contempla os preceitos institucionalizados pelo SUS

como universalidade e integralidade. O atendimento oferecido está vinculado aos

procedimentos circunscritos na rede de alta complexidade resultante das demandas de

urgência e emergência, sobretudo, na especialização em trauma, cardiologia, ortopedia, etc.

Nesse sentido, o HMWG/PSCS é referência no atendimento de urgência e emergência no

11 O HMWG/PSCS está localizado na cidade do Natal, na Av. Senador Salgado Filho, S/N, no bairro do Tirol.

CEP: 59015-380. Rio Grande do Norte. 12

As informações disponíveis para contato com o Hospital Walfredo Gurgel efetuam-se mediante os telefones

(84) 3232.7530/3232.7532, e, ainda há o endereço eletrônico [email protected].

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55

estado do Rio Grande do Norte, recebendo pacientes da capital, bem como de diversos

municípios da região.

Por sua vez, cabe mencionar que a conjuntura nacional do período de surgimento do

Hospital Walfredo Gurgel é contemporânea à gestão da saúde pelo INPS – Instituto Nacional

de Previdência Social, em transição para o INAMPS – Instituto Nacional de Assistência

Médica e Previdência Social.

No Walfredo Gurgel, a cada mês, são feitos cerca de 600 procedimentos cirúrgicos,

entre cirurgias e reduções ortopédicas. Os principais procedimentos realizados são: ortopedia,

clínica médica, pediatria, cirurgia geral, UTI, cirurgia buco-maxilo-facial, anestesia, análises

clínicas, fisioterapia, fonoaudiologia, oftalmologia e otorrinolaringologia.

O HMWG dispõe de uma equipe de 1.800 funcionários, dos quais cerca de 200 são de

empresas terceirizadas. A equipe de plantão permanente é composta por 30 médicos em cada

turno, além de enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistente social, nutricionista,

fisioterapeuta, psicólogo, dentre outros profissionais disponíveis.

O Pronto Socorro Dr. Clóvis Sarinho também é reconhecido em razão do atendimento

prestado em emergência no estado. Os procedimentos mais comumente realizados são em

clínica médica, ortopedia, cirurgia geral e neurocirurgia. A equipe do Pronto Socorro é

composta por 25 médicos em regime de plantão permanente: clínicos, pediatras, cirurgiões,

intensivistas, anestesistas, neurocirurgiões, além de cirurgião vascular e plástico. O Clóvis

Sarinho funciona ainda com assistentes sociais permanentes, em escala de plantão, recepção

informatizada para admissão de pacientes, posto da Polícia Militar, Posso Ajudar e Serviço de

Triagem.

O HMWG/PSCS tem capacidade física para 264 leitos, sendo 202 vagas destinadas

aos andares do Walfredo Gurgel, enquanto as 62 vagas restantes pertencem ao Pronto Socorro

do Clóvis Sarinho. O espaço físico do Complexo Hospitalar Walfredo Gurgel é dividido da

seguinte forma: no subsolo encontram-se a Recepção Administrativa, o NAST – Núcleo de

Assistência à Saúde do Trabalhador e Junta Médica; no térreo localizam-se a Recepção

(visitantes e funcionários), Setor Administrativo, Unidades Clínicas I e II, UTI’s, Politrauma,

CRO, Reanimação e Observação Pediátrica do PSCS; no 1º andar estão o CTQ e a UTI

Cardiológica; no 2º andar ficam os setores Neurológico, Neurocirúrgico e ocasionalmente, a

Clínica Médica; no 3º andar conta com o setor Vascular, Cardiologia, Pediatria e Clínica

Médica; enquanto o 4º andar recebe as demandas do setor Ortopédico, Cirúrgico e Clínica

Médica; por fim, no 5º andar são atendidos os pacientes das especialidades em Hematologia,

Cardiologia e Nefrologia.

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56

O Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel possui uma média de

atendimento mensal bastante expressiva, situada em 7.198 atendimentos por mês, o

correspondente a 232 atendimentos diários. Reiterando, assim, a atribuição de hospital de

referência do estado.

O perfil dos usuários atendidos pelo Hospital são, em sua maioria, pessoas de baixa

renda, pouca escolaridade, homens e mulheres, crianças, adolescentes, jovens, adultos e

idosos, de distintas profissões, oriundos tanto da zona rural quanto da urbana, da capital e

interior do Estado (FELIPE, 2011). Cabe mencionar que o Complexo Hospitalar também

abarca os demandantes de serviços de saúde advindos de acidentes de trânsito, mesmo aqueles

dotados de planos de saúde, tendo em vista que as unidades hospitalares particulares de Natal

não possuem infraestrutura de pronto-atendimento às vítimas desses eventos, em

circunstâncias de quadros mais graves. Logo, são socorridas pela SAMU13

– Serviço de

Atendimento Móvel de Urgência – e encaminhadas ao Clóvis Sarinho, o Pronto Socorro do

Complexo Hospitalar, e lá permanecem até a estabilização de seu diagnóstico.

O quadro abaixo ilustra quantitativamente a média mensal dos atendimentos

realizados pelo Pronto Socorro Dr. Clóvis Sarinho durante o ano de 2011, de janeiro até

dezembro.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

PROCEDIMENTOS MÉDIA/MÊS

Clínica Médica 23.113

Pediatria 2.813

Ortopedia 16.140

Clínica Cirúrgica 18.650

Buco maxilo facial 2.876

Cirurgia Vascular 743

Otorrino 5.581

Endoscopia 633

Neurocirurgia 3.115

Neurologia 56

Hematologia 27

Curativo de Queimados 1.522

Oftalmologia 9.143

Nefrologia 93

Urologia 335

Cirurgia pediátrica 82

13

A SAMU consiste em unidade de atendimento pré-hospitalar do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.

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57

Pneumologia 10

Cardiologia 18

Cirurgia torácica 65

Queimados 327

Cirurgia Plástica 1.022

Endoscopia rígida 05

Cirurgia de Pescoço e Cabeça 03

Total 86.372

MÉDIA DE ATENDIMENTO MENSAL: 7.198

Quadro 10 - Total de Atendimentos do Pronto Socorro Clóvis Sarinho, por clínicas, Janeiro a Dezembro de

2011

Fonte: SAME – Serviços de Arquivos Médicos e Estatística – C.H.M.W.G

Os dados acima expostos demonstram a diversidade de procedimentos realizados no

Pronto Socorro Clóvis Sarinho, desvelando as distintas demandas encaminhadas ao Hospital

cotidianamente.

O Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel consiste em uma unidade

hospitalar da rede pública voltada para o atendimento universal às demandas de urgência e

emergência. Portanto, a instituição hospitalar atende, indistintamente, usuários do SUS ou

usuários de Plano de Saúde que, porventura, foram encaminhados até lá em razão do

atendimento de referência estadual em emergência e urgência, especialmente aqueles vítimas

de acidentes de trânsito.

Entretanto, é comum a todas as regiões do país, em uma ressonância nacional, e o

HMWG/PSCS não está isento das dificuldades físicas, estruturais e organizacionais

resultantes dos reduzidos investimentos públicas na política de saúde, tanto nos repasses da

esfera federal quanto no âmbito estadual, bem como no poder municipal. Essas questões são

agravadas também devido à ausência de estrutura e eficiência dos distritos municipais no

atendimento básico à saúde, implicando na expansão das demandas cotidianas ao Complexo

Hospitalar.

A hipertrofia dos grandes hospitais, mais especificamente do Complexo Hospitalar

Monsenhor Walfredo Gurgel resulta de problemas de saúde que deveriam ser atendidos pelos

Postos de Saúde, mas estes, por sua vez, apresentam funcionamento inadequado às suas

propostas legais, em razão da submissão ao sucateamento dos serviços públicos e falta de

conhecimento da população.

Ressalta-se ainda a ausência de um atendimento digno aos usuários visto a longa

espera de vagas nos corredores em macas ou cadeiras, ferindo os princípios do SUS. Os

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pacientes são atendidos, contudo, não recebem o atendimento sequer próximo do ideal, e o

processo de hospitalização também é deficitário.

Todavia, deve-se registrar que a equipe multiprofissional que constitui o pessoal

responsável pelo atendimento dos demandantes de serviços de saúde, são profissionais

reconhecidos por experiência na área de urgência e emergência do estado, embora ainda seja

possível identificar a ausência de capacitação técnica, por parte de alguns profissionais de

determinadas categorias, para lidar com os usuários diante de suas necessidades singulares.

Cabe destacar a necessidade do respeito, primordial, aos direitos dos usuários da saúde

garantidos constitucionalmente.

Adentrando o universo das quantificações da violência no estado, considerando que o

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel atende as demandas da cidade de Natal,

bem como parte significativa dos encaminhamentos realizados pelos municípios

circunvizinhos, tendo em vista que o Hospital, integrante do nível de alta complexidade

previsto no SUS, dispõe de atendimento qualificado às situações mais graves, especificamente

de urgência e emergência, sendo estes quadros de saúde comuns ao vitimados de violência

decorrentes dos traumas os quais foram submetidos, destaca-se esse contexto de inserção nos

serviços de atendimento à saúde, como fonte em potencial de verificação da violência

notificada.

No entanto, no Hospital em questão foram repassados apenas os dados de 2011,

quanto à notificação compulsória, isto é, àquelas relacionadas ao público constituído por

criança e adolescente, idosos e mulheres, tendo em vista a obrigatoriedade da informação por

parte daqueles profissionais que realizam o atendimento às pessoas mencionadas, em face das

legislações específicas de cada segmento mencionado em que requerem, necessariamente, o

encaminhamento formal à instituição responsável pela garantia dos direitos sociais desses

grupos.

Contudo, faz-se necessário ressaltar o volume expressivo de atendimentos cotidianos

realizados no Complexo Hospitalar, considerando a quantidade mínima de profissionais

disponíveis para a finalidade específica de notificação de violência, de maneira que inviabiliza

a notificação efetiva e real de todos os casos ali encaminhados por situações violentas. Nesse

caso, trabalha-se com a hipótese da subnotificação das informações aqui expostas.

Logo, o quadro abaixo delimita as notificações obrigatórias efetuadas na unidade

hospitalar no ano de 2011, direcionadas ao público infanto-juvenil, idoso e feminino.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

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Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Sexo <1 ano 1-4 5-9 10-19 20-39 40-59 60 + Total

Masculino 02 05 04 100 03 01 16 131

Feminino 00 03 01 34 88 40 03 169

Total 02 08 05 134 91 41 19 300

Quadro 11 - Notificação de Violência doméstica, sexual e outras violências, Frequência por faixa etária segundo

sexo

Fonte: Comissão de Revisão de Óbitos/NUVISA – Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Nesse sentido, o quadro acima explicita a expressividade da violência contra as

mulheres com idade entre 20 e 39 anos, seguidas daquelas com 40 a 59 anos, e ainda

apresenta relevância às jovens entre 10 e 19 anos, vítimas de ocasiões violentas.

Compreendendo os dados que se apresentam, apreende-se que as vítimas de sexo feminino, na

transição da fase jovem para a adulta, apresentaram maiores riscos de agressão, normalmente,

resultantes da convivência e vinculação afetiva com o vitimador.

Por sua vez, os homens sofreram mais violência na faixa etária de 10 a 19 anos, bem

como os idosos aqueles a partir de 60 anos, também apresentaram maior vulnerabilidade.

Entende-se, portanto, que os adolescentes constituem o grupo mais vulnerável, por idade, às

circunstâncias violentas, cabe mencionar o envolvimento em conflitos próprios da juventude,

e, mesmo, a contribuição das substâncias químicas como drogas e álcool para o afloramento

da impulsividade intrínseca da faixa etária. Quanto ao segundo grupo etário mais significativo

em notificação, os idosos, geralmente, dependentes física e emocionalmente de um cuidador,

em sua maioria, um familiar, que abusa de suas condições biológicas de suscetibilidades, bem

como apropria-se de seus rendimentos mensais e os negligencia no cumprimento de seus

cuidados básicos, em saúde, higiene e afeto.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

CARACTERÍSTICAS FEMININO MASCULINO TOTAL

Quantidade % Quantidade % Quantidade %

FAIXA ETÁRIA

<1 0 0,0 2 1,3 2 0,6

1-4 3 1,7 5 3,8 8 2,6

5-9 1 0,5 4 3,0 5 1,6

10-14 10 5,9 24 18,3 34 11,3

15-19 24 14,2 76 58,0 100 33,3

20-29 41 24,2 3 2,2 44 14,6

30 + 90 53,2 17 12,9 107 35,6

SUBTOTAL 169 100,0 131 100,0 300 100,0

PROCEDÊNCIA

Natal 115 68,4 94 71,7 209 69,9

Grande Natal* 21 21,5 16 12,2 37 12,3

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Outros municípios 32 19,0 21 16,0 53 17,7

SUBTOTAL 168 100,0 131 100,0 299 100,0

ESCOLARIDADE

Não alfabetizado 4 2,3 3 2,2 7 2,3

1ª a 4ª série incompleta 20 11,8 9 6,8 29 9,6

4ª série completa 7 4,1 9 6,8 16 5,3

5ª a 8ª série incompleta 47 27,8 48 36,6 95 31,6

Ensino fundamental completo 6 5,3 7 5,3 13 4,3

Ensino médio incompleto 11 6,1 8 6,1 19 6,3

Ensino médio completo 25 14,7 4 3,0 29 9,6

Educação superior incompleta 3 1,7 0 0,0 3 1,0

Educação superior completa 1 0,5 0 0,0 1 0,3

Ignorado 42 24,8 33 25,1 75 25,0

Não se aplica 3 1,7 10 7,6 13 4,3

SUBTOTAL 169 100,0 131 100,0 300 100,0

Quadro 12 - Caracterização sociodemográfica das vítimas de violência doméstica, sexual e outras violências por

sexo, notificadas no HMWG de janeiro a dezembro de 2011

Fonte: Núcleo de Vigilância em Saúde – NUVISA – Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

*01 caso da Paraíba

Ainda com base em informações cedidas pelo Núcleo de Vigilância em Saúde do

Complexo Hospitalar (NUVISA), foram obtidos os seguintes dados epidemiológicos sobre

violência doméstica, sexual e outras violências: as faixas etárias predominantes das mulheres

vitimadas de violência encaminhadas ao Hospital foram a partir de 30 anos, com 53,2%, entre

20 e 29 anos, com 24,2% e entre 15 e 19 anos situando-as com 14,2%. As representantes do

sexo feminino registravam como procedência a capital, Natal, com 68,4%, seguida da Grande

Natal, com 21,5%, e àquelas oriundas de outros municípios somavam 19%. Quanto ao grau de

escolaridade foi mais expressivo o percentual daquelas entre o 5º e o 8º ano incompleto, com

27,8%, por outro lado, obtiveram significância a amostragem de 14,7% daquelas com ensino

médio completo.

Quanto aos homens, estes apresentaram maior vulnerabilidade na faixa etária de 15 a

19 anos, com 58%, seguidos daqueles entre 10 a 14 anos, com 18,3%, destacam-se ainda

aqueles maiores de 30 anos, com 12,9%. No que se refere ao local de procedência, em sua

maioria, isto é, 71,7% das pessoas do sexo masculino pertenciam a Natal, 16% residiam em

outros municípios, enquanto que 12,2% eram oriundos da Grande Natal. No quesito

escolaridade, destacaram-se os homens com 36,6%, que situavam-se entre o 5º e o 8º ano

incompleto, seguidos daqueles com o 4º ano completo, com 6,8%.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

CARACTERÍSTICAS

FEMININO MASCULINO TOTAL

Quantidade % Quantidade Quantidade % Quantidade

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LOCAL DE OCORRÊNCIA

Residência 74 44,8 20 15,5 94 31,9

Habitação Coletiva 02 1,2 0 0,0 02 0,6

Escola 03 1,8 07 5,4 10 3,4

Local de prática

esportiva

0 0,0 04 3,1 04 1,3

Bar ou similar 17 10,3 03 2,3 20 6,8

Comércios/Serviços 03 1,8 03 2,3 06 2,0

Via Pública 61 36,9 89 68,9 150 51,0

Ignorado 04 2,4 02 1,5 06 2,0

Outros 05 3,0 03 2,3 08 2,7

SUBTOTAL 169 100,0 131 100,0 300 100,0

Quadro 13 - Caracterização da ocorrência e das circunstâncias das vítimas de violência doméstica, sexual e

outras violências por sexo, notificadas no HMWG de janeiro a dezembro de 2011

Fonte: Núcleo de Vigilância em Saúde – NUVISA – Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Acerca do local de ocorrência, os índices apontaram para a residência das vítimas

mulheres o espaço mais propício de registro de eventos violentos, em 44,8%, por sua vez, a

via pública representa o palco de 36,9% das agressões cometidas. Os principais locais de

ocorrências às situações de violência, tendo o homem como vítima, concentraram-se em via

pública, com 68,9%, por fim, a residência representou 15,5% das localidades de registro de

violência.

Também apurou-se no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, um quadro

dos óbitos decorrentes de situações de violência. Entretanto, os dados restringem-se ao

público infanto-juvenil, feminino e idoso, no segundo semestre de 2011, tendo em vista que

somente a partir deste período o hospital iniciou o processo de controle dos óbitos internos

advindos da causalidade de violência, resultantes da iniciativa do Núcleo de Vigilância em

Saúde do Complexo Hospitalar, bem como das diretrizes da Secretaria Estadual de Saúde

Pública e Ministério da Saúde.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

Sexo Idade Diagnóstico Óbito

Masculino 07 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 18 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 26 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 74 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 35 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 64 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 17 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 96 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 70 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

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Feminino 14 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 35 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 60 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 89 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 13 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 30 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 71 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 70 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 87 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 13 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Masculino 60 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 56 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

Feminino 56 Causas Externas de Morbidade e Mortalidade 01

TOTAL

11 óbitos do sexo feminino 11 óbitos do sexo masculino

22 óbitos

Quadro 14 - Quadro de Óbitos 2011.2 - Notificação Compulsória, Crianças, adolescentes, mulheres e idosos

Fonte: Comissão de Revisão de Óbitos/NUVISA – Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel

O quadro acima demonstra a equivalência entre os óbitos advindos de eventos

violentos tanto para homens quanto para mulheres, sendo 11 para cada sexo. Ressaltando-se

também 05 mortes de crianças e adolescentes resultantes de agressão física, expressão mais

concreta da violência. Enquanto que foram de número 10, os idosos vítimas fatais de situação

de violência, retratando também o auge da face mais cruel desse fenômeno.

Retoma-se, por conseguinte, a discussão acerca da posição atribuída ao setor saúde

frente aos registros de violência, cotidianos de sua rotina institucional.

A violência pelo número de vítimas e as sequelas orgânicas e emocionais que

produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde

pública em muitos países [...] O setor saúde constitui a encruzilhada para onde

convergem todos os corolários da violência, pela pressão que exercem em suas

vítimas, sobre os serviços de urgência, atenção especializada, reabilitação física,

psicológica e de assistência social (OPAS apud MINAYO; SOUZA, 1999:11).

Isto é, remete-se à saúde como setor contributivo em potencial, no processo de

identificação, intervenção e prevenção da violência, dadas as suas condições inerentes de

convivência com o problema.

Nesse sentido, apreende-se que a violência notificada e conhecida da realidade

institucional do Complexo Hospitalar Walfredo Gurgel apresenta diversidade de ocorrências.

Apontam-se, especialmente, aquelas registradas no público infanto-juvenil, feminino e idoso,

devido à notificação compulsória do referido grupo. De modo que a faixa etária mais

representativa dos homens está circunscrita na fase da adolescência, já as mulheres

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apresentam notoriedade na transição da juventude à fase adulta. Destacam-se a residência e a

via pública como locais mais vulneráveis de reprodução da violência.

Logo, é possível perceber que os dados analisados refletem a violência, de âmbito

nacional, contemplando às variações comuns às distintas regiões, porém, convergem enquanto

expressão da questão social, à medida que representam a materialização das desigualdades

sejam elas social ou mesmo de força física. Sendo assim, “não há como se abordar a questão

da violência fora da sociedade que lhe provê contexto e inteligibilidade, já que ela se alimenta

dos fatos sociais, econômicos, políticos e culturais que se estabelecem nas macro e

microestruturas sociais” (MINAYO apud GALHEIGO, 2008:183).

Portanto, faz-se imprescindível a sondagem da conjuntura potiguar diante dos

quadros de violência que se apresentam no cotidiano da sociedade, bem como a verificação da

estrutura disponibilizada pelo estado norte-rio-grandense na perspectiva de enfrentamento,

atenção e prevenção aos eventos violentos, danosos à saúde de seus habitantes.

O tópico seguinte abordará a Secretaria de Estado de Saúde Pública do RN a fim de

analisar os dados estaduais e respectiva quantificação, bem como delimitará os custos

advindos de situações de violência, e investigará a perspectiva e planejamento do setor no que

se refere às medidas adotadas com vistas à minimização do fenômeno.

3.2. A SAÚDE PÚBLICA DO RIO GRANDE DO NORTE EM MEIO À VIOLÊNCIA:

DADOS, CUSTOS E PLANEJAMENTO

O presente tópico contemplará informações referentes às estatísticas mais notórias de

violência do estado potiguar, bem como mencionará os índices de acidentes de trânsito no

local, uma vez que o mesmo adentra como causa externa, em agravo de cunho violento à

saúde dos habitantes do RN. Ilustrará as quantificações referidas mediante a aferição dos

custos ocasionados aos cofres públicos, mais especificamente, ao setor de saúde pública do

estado decorrentes de circunstâncias violentas. Abordará ainda a percepção do setor

mencionado quanto às iniciativas planejadas e àquelas mais iminentes diante do cenário que

ora se apresenta. Por fim, analisará o orçamento previsto de 2011, em Assembleia Legislativa

para o estado do Rio Grande do Norte.

Resgata-se, nesse sentido, mais uma vez, a inserção da saúde em meio à discussão da

violência. Minayo e Souza (1999) justificam a localização do setor da saúde pública diante do

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debate em torno da problemática mediante a consideração de “a tradição e a credibilidade do

setor nas intervenções preventivas e promocionais no nível dos grupos populacionais e na

atenção às vítimas” (MINAYO; SOUZA, 1999:12).

Reitera-se, portanto, a consideração da violência como problema social e histórico. A

violência consiste em assunto comum à realidade da saúde pública diante de sua convivência

rotineira com a questão, Minayo e Souza (1999) apresentam mais duas motivações para

ingressar na pauta de discussões e intervenção do setor saúde, que sejam

O primeiro, porque, dentro do conceito ampliado de saúde, tudo o que significa

agravo e ameaça à vida, às condições de trabalho, às relações interpessoais, e à

qualidade da existência, faz parte do universo da saúde pública. Em segundo lugar, a

violência, num sentido mais restrito, afeta a saúde e frequentemente produz a morte

(MINAYO; SOUZA, 1999:11).

Logo, a saúde enfrenta a árdua missão de prestar assistência curativa aos demandantes

de serviços de atendimento, bem como perpetrar no eixo da discussão teórica contribuindo

mediante as suas vivências profissionais e institucionais e colaborando em uma perspectiva de

benefícios coletivos à população.

De modo que, partiremos da análise da realidade estadual, no texto em questão, por

meio do defronte ao quadro dos 20 municípios do Rio Grande do Norte com maiores índices

de homicídios.

Ministério da Saúde

Sistema de Informações de Mortalidade

Município UF População

média

Homicídios Taxa

Média

Posição

2008 2009 2010 Nacional Estadual

Caraúbas RN 19.955 15 12 14 68,5 59 1

Umarizal RN 10.799 1 9 7 52,5 138 2

Extremoz RN 23.521 13 20 3 51,0 146 3

Mossoró RN 250.730 126 118 137 50,7 153 4

Açu RN 53.026 24 24 22 44,0 226 5

Patu RN 11.799 3 6 4 36,7 376 6

São Gonçalo do

Amarante

RN 83.722 31 36 25 36,6 378 7

Lajes RN 10.559 8 2 1 34,7 429 8

Vera Cruz RN 10.686 1 7 3 34,3 441 9

Natal RN 800.902 248 307 260 33,9 453 10

Santo Antônio RN 22.061 6 6 9 31,7 500 11

Macaíba RN 67.414 26 21 17 31,6 502 12

Baraúna RN 24.021 7 9 1 23,6 807 13

Alexandria RN 13.817 2 1 6 21,7 910 14

Parnamirim RN 190.638 49 33 38 21,0 953 15

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Santa Cruz RN 35.283 7 3 12 20,8 965 16

Pendências RN 13.163 1 3 4 20,3 997 17

Nísia Floresta RN 23.720 5 5 4 19,7 1037 18

Montanhas RN 12.088 2 2 3 19,3 1062 19

Jardim de

Piranhas

RN 13.823 3 3 2 19,3 1063 20

Quadro 15 - Números e taxas médias de homicídios (em 100 mil habitantes)/Taxas para municípios com mais de

10.000 habitantes - Relação dos 20 municípios com maior índice de homicídios no RN em 2008-2010

Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade 2008-2010.

A partir dos dados explicitados, pelo Ministério da Saúde, por meio do Sistema de

Informações de Mortalidade, obteve-se que os municípios potiguares com mais incidência de

homicídios são Caraúbas, Umarizal, Extremoz, Mossoró e Açu, se consideradas a proporção

entre habitantes e o número de mortes registradas.

Todavia, Natal, a capital do estado do Rio Grande do Norte, apresenta maior

expressividade em números de homicídios, entretanto, ocupa somente a décima (10ª) posição

estadual, tendo em vista que deve-se, necessariamente, avaliar a média da população da

localidade em questão.

O ápice da violência, a sua expressão mais brutal, que consiste na vitimização fatal de

pessoa, dotada de subjetividades, inserida em quaisquer que sejam círculos sociais, e, ainda,

dotada constitucionalmente do direito à vida, a tem interrompida por razões fortuitas, alheias à

justificação da ausência permanente de uma vítima arrancada de seu seio de outrora

confortabilidade, conforme a especificidade de sua história singular. De modo que, a violência

que culmina em vítimas fatais ocasiona danos irreparáveis à sociedade, leiam-se familiares,

amigos e demais habitantes que cultivam o sentimento de insegurança dada a observação da

dinâmica social.

A fim de quantificar os custos públicos advindos de situações de violência no estado

do RN, aferidos mediante Autorização de Internação Hospitalar14

(AIH), propõe-se a análise

do Quadro 16.

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Código na

CID10

Agravo Frequência Custos

X93A Agressão por meio de disparo de arma de fogo de mão 452 R$ 715.228,3

Y04 Agressão por meio de força corporal 411 R$ 459.208,6

X93.9

Agressão por meio de disparo de arma de fogo de mão -

local não especificado 275 R$ 458.282,00

Y04.9 Agressão por meio de força corporal - local não especificado 406 R$ 454.616,6

X99 Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante 261 R$ 346.468,4

X99.9 Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante - local 243 R$ 328.063,2

14

A Autorização de Internação Hospitalar, AIH, consiste em “documento obrigatório nas internações realizadas

pelo SUS” (GRUPO TÉCNICO DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES E VIOLÊNCIAS, 2006:554).

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não especificado

X95

Agressão por meio de disparo de outra arma de fogo ou de

arma não especificada 188 R$ 310.722,2

X95.9

Agressão por meio de disparo de outra arma de fogo ou de

arma não especificada - local não especificado 183 R$ 302.638,9

X93.4

Agressão por meio de disparo de arma de fogo de mão - rua

e estrada 177 R$ 256.946,3

Y08 Agressão por outros meios especificados 247 R$ 134.582,1

Y08.9

Agressão por outros meios especificados - local não

especificado 192 R$ 102.382,4

X94

Agressão por meio de disparo de espingarda, carabina ou

arma de fogo de maior calibre 28 R$ 41.236,00

Y08.3

Agressão por outros meios especificados - área para a

prática de esportes e atletismo 46 R$ 24.701,27

X94.3

Agressão por meio de disparo de espingarda, carabina ou

arma de fogo de maior calibre - área para a prática de

esportes e atletismo 09 R$ 18.342,12

X94.9

Agressão por meio de disparo de espingarda, carabina ou

arma de fogo de maior calibre - local não especificado 15 R$ 17.018,97

Y00 Agressão por meio de um objeto contundente 16 R$ 9.964,23

Y00.0 Agressão por meio de um objeto contundente - residência 13 R$ 8.445,72

X90

Agressão por meio de produtos químicos e substâncias

nocivas não especificados 01 R$ 6.927,84

X90.8

Agressão por meio de produtos químicos e substâncias

nocivas não especificados - outros locais especificados 01 R$ 6.927,84

X99.0

Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante -

residência 06 R$ 6.227,35

Y08.4 Agressão por outros meios especificados - rua e estrada 06 R$ 4.954,72

X95.0

Agressão por meio de disparo de outra arma de fogo ou de

arma não especificada - residência 02 R$ 4.052,77

X99.3

Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante - área

para a prática de esportes e atletismo 02 R$ 4.025,41

X99.5

Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante - áreas

de comércio e de serviços 02 R$ 3.597,82

X99.8

Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante - outros

locais especificados 07 R$ 3.525,16

X94.1

Agressão por meio de disparo de espingarda, carabina ou

arma de fogo de maior calibre - habitação coletiva 02 R$ 3.473,64

X95.4

Agressão por meio de disparo de outra arma de fogo ou de

arma não especificada - rua e estrada 01 R$ 2.818,31

X94.6

Agressão por meio de disparo de espingarda, carabina ou

arma de fogo de maior calibre - áreas industriais e em

construção 02 R$ 2.401,27

Y08.8

Agressão por outros meios especificados - outros locais

especificados 02 R$ 2.389,33

Y04.4 Agressão por meio de força corporal - rua e estrada 02 R$ 2.353,93

Y04.8

Agressão por meio de força corporal - outros locais

especificados 03 R$ 2.238,02

Y09 Agressão por meios não especificados 03 R$ 2.042,98

Y09.9

Agressão por meios não especificados - local não

especificado 03 R$ 2.042,98

Y00.9

Agressão por meio de um objeto contundente - local não

especificado 03 R$ 1.518,51

X95.5

Agressão por meio de disparo de outra arma de fogo ou de

arma não especificada - áreas de comércio e de serviços 02 R$ 1.212,17

X97 Agressão por meio de fumaça, fogo e chamas 01 R$ 1.040,75

X97.9

Agressão por meio de fumaça, fogo e chamas - local não

especificado 01 R$ 1.040,75

X99.4 Agressão por meio de objeto cortante ou penetrante - rua e 01 R$ 1.029,44

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67

estrada

X96 Agressão por meio de material explosivo 01 R$ 741,69

X96.9

Agressão por meio de material explosivo - local não

especificado 01 R$ 741,69

X89

Agressão por meio de outros produtos químicos e

substâncias nocivas especificados 01 R$ 641,00

X89.9

Agressão por meio de outros produtos químicos e

substâncias nocivas especificados - local não especificado 01 R$ 641,00

Y05 Agressão sexual por meio de força física 01 R$ 405,32

Y05.9

Agressão sexual por meio de força física - local não

especificado 01 R$ 405,32

Y01 Agressão por meio de projeção de um lugar elevado 01 R$ 338,03

Y01.0

Agressão por meio de projeção de um lugar elevado -

residência 01 R$ 338,03

Y08.0 Agressão por outros meios especificados - residência 01 R$ 154,44

TOTAL R$2.029.547,38

Quadro 16 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de situações de violência/

Relação dos agravos, de janeiro a dezembro de 2011

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde Pública / Coordenadoria de Planejamento e Controle de Serviços de Saúde/

Subcoordenadoria de Desenvolvimento e Acompanhamento de Programas de Saúde.

O quadro acima detalha o cenário de frequência e custos advindos somente da

modalidade violenta denominada agressão.

Apreende-se, portanto, que os maiores gastos são resultantes de agressões por armas

de fogo, com R$ 715.228,30 (setecentos e quinze mil, duzentos e vinte e oito reais e trinta

centavos), seguidos de agressão por meio de força corporal, com R$ 459.208,60 (quatrocentos

e cinquenta e nove mil, duzentos e oito reais e sessenta centavos).

Nesse sentido, destaca-se que os gastos resultantes da violência são nitidizados

mediante a aferição dos custos com “pessoal, viatura, reposição da frota, medicamentos,

materiais e instrumentos utilizados pelas equipes de resgate, além das despesas

administrativas do sistema.” (NEVUSP, 1998:76) Ou seja, a medição do impacto

orçamentário ao setor de saúde faz-se necessária, tendo em vista que quantificar os elementos

relacionados à violência, colabora para o planejamento público no que se refere à atenção,

promoção e prevenção às situações de cunho violento.

Todavia, a análise mais aprofundada acerca desses outros elementos capazes de

identificar os custos reais da violência na saúde pública do estado do Rio Grande do Norte

requereria um espaço de tempo muito maior a fim de coletar os dados necessários.

Contudo, a partir dos dados expostos é possível dimensionar o quadro potiguar diante

da exposição à violência.

O quadro 17 ilustra o quadro geral dos gastos resultantes das principais internações

decorrentes de eventos violentos e o custo total advindo das violências supracitadas.

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68

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Agravo Frequência Custos

Quedas 5.821 R$ 6.979.055

Acidentes de transporte 3.205 R$ 3.538.765

Agressões 1.612 R$ 2.029.547

Demais causas externas 1.923 R$ 1.693.021

Intoxicações 33 R$ 51.225,46

Lesões autoprovocadas intencionalmente 21 R$ 19.934,96

Total 12.615 R$ 14.311.549,00

Quadro 17 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de situações de violência/

Relação dos principais agravos, De janeiro a dezembro de 2011

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde Pública / Coordenadoria de Planejamento e Controle de Serviços de Saúde/

Subcoordenadoria de Desenvolvimento e Acompanhamento de Programas de Saúde.

Por conseguinte, observa-se o gasto total estadual, descriminado pelos principais

agravos geradores de demandas, em R$ 14.311.549,00 (quatorze milhões, trezentos e onze

mil, quinhentos e quarenta e nove reais). Notadamente, na categoria de violência classificam-

se, em especial, as agressões, somando R$ 2.029.547,00 (dois milhões, vinte e nove mil,

quinhentos e quarenta e sete reais).

Por sua vez, os agravos externos contemplam os acidentes, categoria em que adentram

os acidentes de trânsito. Para tanto, o presente estudo procurou também quantificar os índices

de acidente, bem como os seus custos a fim de compará-los, posteriormente, com aqueles

obtidos de violência.

Dessa forma, o Quadro 18 demonstra as maiores taxas de óbitos em acidentes de

trânsito no estado. Considerando que os acidentes de trânsito integram às causas externas, de

cunho violento, faz-se relevante situar o cenário norte-rio-grandense diante de tal agravo.

Ministério da Saúde

Sistema de Informações de Mortalidade

Município UF Frota População

2010

Óbitos 2010 Posto

Total Automotivos Número Taxas

Pau dos Ferros RN 11.902 3.020 27.745 16 57,7 81

Mossoró RN 91.543 34.201 259.815 140 53,9 102

Jucurutu RN 3.247 602 17.692 6 33,9 405

Macau RN 4.627 1.315 28.954 9 31,1 498

Currais Novos RN 12.217 4.263 42.652 12 28,1 605

Açu RN 11.979 3.625 53.227 14 26,3 676

Apodi RN 7.338 1.408 34.763 9 25,9 690

Baraúna RN 3.061 778 24.182 6 24,8 739

Canguaretama RN 3.840 1.373 30.916 7 22,6 863

São José de

Mipibu RN 5.689 2.509 39.776 9 22,6 867

Santo Antônio RN 3.434 1.243 22.216 5 22,5 873

Santa Cruz RN 7.991 2.264 35.797 8 22,3 879

Caraúbas RN 3.954 920 19.576 4 20,4 982

Areia Branca RN 4.669 1.580 25.315 5 19,8 1.019

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69

Monte Alegre RN 2.300 881 20.685 4 19,3 1.043

Touros RN 3.234 841 31.089 6 19,3 1.045

São Miguel RN 4.367 867 22.157 4 18,1 1.117

Goianinha RN 3.114 1.333 22.481 4 17,8 1.131

Caicó RN 24.583 8.184 62.709 10 15,9 1.245

Natal RN 279.301 171.467 803.739 110 13,7 1.369

Quadro 18 - Municípios com mais de 15 mil habitantes/ Maiores taxas de óbitos em acidentes de trânsito no RN

em 2008-2010

Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade 2010.

Nesse sentido, figuram na relação dos municípios do Rio Grande do Norte com mais

acidentes de trânsito que resultam em vítimas fatais, Pau dos Ferros, Mossoró, Jucurutu,

Macau e Currais Novos. Respeitando a já mencionada proporção entre habitantes e óbitos

decorrentes do agravo.

É interessante atentar novamente que Natal não ocupa os primeiros lugares do quadro,

mesmo sendo o segundo município com o maior número de óbitos, 110, somente atrás de

Mossoró, com 140 mortes. Todavia, deve-se ao fato do expressivo número de habitantes em

relação ao quantitativo de óbitos, o que incide na redução de sua taxa estadual.

Situando os acidentes principais provocadores de vítimas fatais, destacam-se aqueles

resultantes de motos. Tendo em vista a significativa proporção de habitantes, no interior do

estado, que se utilizam desse transporte como único e principal meio de locomoção. Aliado ao

fato da não utilização do capacete, muitas vezes, atribuem-se o acidente à “imprudência”. No

entanto, ressalta-se a ausência de efetiva e rigorosa fiscalização nas estradas e BR’s com

vistas a impossibilitar a locomoção de motoristas sem o devido equipamento de segurança.

Destacam-se ainda como fatores contributivos à reincidência dessas modalidades de

acidentes, a má iluminação, curvas sinuosas, pistas irregulares, e impossibilidade de

visualização de determinada área mediante algum empecilho incrustado nas estradas desses

principais trajetos. Além da inexistência, em muitos desses caminhos, dos espaços

delimitados ao trânsito livre dos motociclistas, há de se considerar também o desrespeito dos

motoristas de carros àqueles de motos, e mesmo o próprio comportamento dos condutores de

moto em opção por manobras perigosas e arriscadas. Por fim, ressalta-se a total insegurança e

vulnerabilidade no que se refere à integridade física dos condutores de motos e respectivos

passageiros, tendo em vista à exposição dos mesmos aos possíveis eventos como quedas e

acidentes.

Para tanto, apurou-se a relação de gastos, de AIH, Autorização de Internação

Hospitalar, oriundos de acidentes de trânsito, causas externas em 2011, no RN.

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70

Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte

Código na

CID10

Agravo Frequênci

a

Custos

V29

Motociclista traumatizado em outros acidentes de transporte e

em acidentes de transporte não especificados

1172

R$ 1.244.076,82

V29.3

Motociclista traumatizado em um acidente não especificado,

não-de-trânsito

559

R$ 615.409,54

V29.9

Motociclista traumatizado em um acidente de trânsito não

especificado

531

R$ 596.318,08

V23

"Motociclista traumatizado em colisão com um automóvel ,

""pick up"" ou caminhonete"

522

R$ 566.066,75

V23.4

"Motociclista traumatizado em colisão com um automóvel ,

""pick up"" ou caminhonete - condutor traumatizado em um

acidente de trânsito"

466

R$ 505.550,92

V20

Motociclista traumatizado em colisão com um pedestre ou um

animal

392

R$ 410.289,41

V20.9

Motociclista traumatizado em colisão com um pedestre ou um

animal - motociclista não especificado traumatizado em um

acidente de trânsito

390

R$ 407.678,35

V89

Acidente com um veículo a motor ou não-motorizado, tipo(s)

de veículo(s) não especificado(s)

217

R$ 260.812,66

V99

Acidente de transporte não especificado

166

R$ 248.670,85

V89.9

Pessoa traumatizada em um acidente com um veículo não

especificado

155

R$ 201.964,39

V03

"Pedestre traumatizado em colisão com um automóvel ,

""pick up"" ou caminhonete"

98

R$ 150.460,11

V09

Pedestre traumatizado em outros acidentes de transporte e em

acidentes de transporte não especificados

166

R$ 150.417,29

V03.1

"Pedestre traumatizado em colisão com um automóvel ,

""pick up"" ou caminhonete - acidente de trânsito"

97

R$ 150.074,85

V09.9

Pedestre traumatizado em um acidente de transporte não

especificado

133

R$ 136.693,18

V49

Ocupante de um automóvel traumatizado em outro acidentes

de transporte e em acidentes de transporte não especificados

65

R$ 95.895,64

V49.9

Ocupante de um automóvel , traumatizado em um acidente de

trânsito não especificado

64

R$ 95.653,54

V01

Pedestre traumatizado em colisão com um veículo a pedal 67

R$ 88.995,52

V28

Motociclista traumatizado em um acidente de transporte sem

colisão

151

R$ 82.621,15

V23.5

"Motociclista traumatizado em colisão com um automóvel ,

""pick up"" ou caminhonete - passageiro traumatizado em um

54

R$ 59.533,65

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ... · A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA: ... RESUMO O presente trabalho analisa a relação entre

71

acidente de trânsito"

V89.2

Pessoa traumatizada em um acidente de trânsito com um

veículo a motor não especificado

59

R$ 56.767,28

TOTAL 3205

R$ 3.538.765

Quadro 19 - Custos com Autorização de Internação Hospitalar no RN advindos de acidentes de trânsito/

Relação das causas externas, De janeiro a dezembro de 2011

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde Pública / Coordenadoria de Planejamento e Controle de Serviços de Saúde/

Subcoordenadoria de Desenvolvimento e Acompanhamento de Programas de Saúde.

O quadro 19 consiste na explicitação da relação de agravos atribuídos aos acidentes de

trânsito.

Nesse sentido, ratifica-se a representatividade dos acidentes envolvendo motos no Rio

Grande do Norte, de modo que figuram os sete (07) primeiros acidentes mais onerosos ao

estado potiguar.

Informações constantes no Portal da Saúde (2012) reiteram o exponencial crescimento

do número de atendimentos em saúde aos motociclistas no território potiguar, decorrentes de

acidentes de trânsito. Por conseguinte, os registros federais apontam o aumento de 157% dos

números de internações, no Sistema Único de Saúde, referentes ao período de 2008 a 2011.

Isto é, implica, necessariamente, no aumento substancial dos custos em saúde pública

resultantes dos serviços de atendimento, de forma que, em 2008 atribuíram-se custos de R$

904.000,000 (novecentos e quatro mil reais), enquanto em 2011 totalizaram-se R$

2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais) em gastos dessa natureza (PORTAL DA

SAÚDE, 2012).

Desse modo, surge a necessidade de comparar os gastos de acidentes de trânsito com

aqueles de violência, uma vez que os mesmos representam custos significativos ao setor

público, sobretudo, subtraem vidas da sociedade norte-rio-grandense.

Sendo assim, constatou-se que, com base na notificação realizada nos setores de saúde

pública em 2011, registrou-se maior frequência e maiores gastos ocasionados por acidentes de

trânsito de número de 3.205, e custo de R$ 3.538.765,00. Todavia, os dados quantitativos

atribuídos à violência, de frequência de 1.612 casos e custo de R$ 2.029.547,00, revelam o

quão subnotificada e mascarada é a violência. Tendo em vista que, há toda uma subjetividade

em torno da denúncia a ser encaminhada às autoridades competentes por parte das vítimas, o

medo de retaliação, a dependência econômica e emocional, dentre outros fatores. Em

contrapartida, não há nenhum impedimento no campo subjetivo de uma vítima anunciar o

envolvimento em um acidente de trânsito no serviço de atendimento à saúde, por mais que

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72

sejam consideradas circunstâncias adversas, apresenta-se o denominador comum de acidente,

flexibilizando-se, assim, as relações entre as partes envolvidas. Ao contrário, a atribuição

violenta à motivação de ingresso em unidade hospitalar pressupõe distintos fatores, tais como

opressão, submissão, constrangimento, conflitos emocionais, exposição aos questionamentos

alheios, tristeza, raiva, sentimento de impotência, temor, dentre outras razões que dificultam a

nitidização da realidade.

Por sua vez, retoma-se que o quantitativo de R$ 14.311.549,00, refere-se aos gastos

advindos de agravos externos de cunho violento em contexto estadual, contemplando as

quedas, acidentes de trânsito, agressões, demais causas externas, intoxicações e lesões

autoprovocadas intencionalmente.

Cabe mencionar que na avaliação dos custos ocasionados pela violência, além da

verificação das Autorizações de Internação Hospitalar, há também os gastos econômicos

advindos da perda de vida produtiva por morte, incapacidade ou prisão, clarificados em

benefícios previdenciários como aposentadoria e pensões.

Do ponto de vista conceitual, o custo econômico de uma doença ou agravo pode ser

classificado em diretos e os indiretos. Os primeiros dizem respeito aos gastos com a

atenção médica, propriamente dita, que incluem tratamento, exames

complementares, internações e reabilitação. A esses podem ser somados os gastos

do paciente com transporte para a realização do tratamento e dieta especial, entre

outros (se houver necessidade de acompanhante nas consultas e tratamentos, esses

gastos se tornam ainda maiores). Os custos indiretos referem-se à perda de dias de

trabalho, menor produtividade gerada por limitações físicas e/ou psicológicas e os

danos materiais que porventura, ocorram, entre outros (GRUPO TÉCNICO DE

PREVENÇÃO DE ACIDENTES E VIOLÊNCIAS, 2006:553).

Portanto, atenta-se à abrangência da percepção quanto ao ônus gerado à sociedade, em

especial, ao setor econômico, diante das ocorrências violentas.

Quanto à verificação de programas estaduais que visem, especificamente, à atenção,

prevenção e promoção à saúde diante de situações de violência no Rio Grande do Norte,

constatou-se a inexistência dessas finalidades previamente traçadas e estabelecidas no

planejamento estadual. Observou-se que, os Núcleos de Violência pertencentes à rede

institucional da Secretaria de Estado de Saúde Pública são, demasiadamente, precoces e

recentes no que se refere a um planejamento mais estruturado e alinhado às demandas

legítimas da população potiguar. Tendo em vista que, com base em visita institucional,

observaram-se objetivos restritos à implantação da Ficha de Notificação/Investigação

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73

Individual de Violência de Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências15

em todas as

unidades de saúde dos municípios do estado. Isto é, de fato, o desígnio inquirido apresenta

relevância na perspectiva de identificação dos quadros de violência apresentados, conforme

proposto na Política Nacional de Redução da Morbimortalidade. No entanto, requer-se

avançar no planejamento de programas de enfrentamento, segundo o disposto na mesma

política em que menciona “promover a elaboração e ou adequação dos planos, programas,

projetos e atividades” (BRASIL, 2002:43).

Logo, clarifica-se o quadro atual de vulnerabilidade o qual a sociedade contemporânea

norte-rio-grandense está exposta. Sobretudo, nitidiza a necessidade veemente de políticas,

programas e projetos no estado, a fim de atuar junto à população nas medidas de promoção à

saúde, prevenção e atenção às situações de violência. Em especial, também se menciona a

importância de uma gestão estadual e municipal, mais humanizada, concomitante às

demandas populacionais, aos anseios coletivos, desvinculada da sociabilidade capitalista

iminentemente desigual.

Não obstante, o presente estudo buscou abarcar a perspectiva de planejamento do

estado, com base no Projeto de Lei Orçamentária Anual da Gestão Estadual do RN – PLOGE

– direcionado ao exercício financeiro de 2011, foi possível conferir a expectativa dos recursos

financeiros para o ano base dos estudos aqui centrados. O referido projeto apresentou como

finalidade a estimativa da receita e fixação das despesas do Estado do Rio Grande do Norte

em 2011 (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE,

2010).

O documento mencionado consiste em projeto submetido à aprovação da Assembleia

Legislativa, no que concerne à delimitação das diretrizes orçamentárias do estado potiguar,

posto em discussão em 2010, visando à execução orçamentária de 2011. As propostas de

orçamento são oriundas do Plano Plurianual 2008-2011, em que este contempla a descrição da

receita dos órgãos integrantes da estrutura organizacional do Estado.

A partir da análise do respectivo projeto orçamentário, examinou-se a previsão de

fixação de despesa destinada à Secretaria de Estado de Saúde Pública em R$

1.248.227.000,00 (um bilhão, duzentos e quarenta e oito milhões, duzentos e vinte e sete mil

reais), distribuídos da seguinte maneira, R$ 745.727.000,00 (setecentos e quarenta e cinco

milhões, setecentos e vinte e sete mil reais) oriundos dos Recursos do Tesouro, enquanto R$

15

A ficha de notificação de violência consiste em documento, proposto pelo Ministério da Saúde, mais

especificamente, operacionalizado pelo SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), que visa o

monitoramento e detalhamento das ações violentas a fim de quantificá-las em âmbito nacional, de modo a

subsidiar futuras políticas de enfrentamento à violência.

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74

502.500.00,00 (quinhentos e dois milhões e quinhentos mil reais) advém de Recursos de

Outras Fontes.

Destaca-se ainda que a SESAP consiste na Secretaria que apresentou mais demanda de

recursos do Estado do Rio Grande do Norte, seguida pela Secretaria de Estado de Educação e

Cultura, com R$ 1.242.903.000,00 (um bilhão, duzentos e quarenta e dois milhões,

novecentos e três mil reais).

Em face do exposto, descriminaram-se os gastos do setor da saúde do seguinte modo,

R$ 576.427.000,00 (quinhentos e setenta e seis milhões, quatrocentos e vinte e sete mil reais)

reservados aos pagamentos de pessoal e encargos sociais; enquanto R$ 606.750.000,00

(seiscentos e seis milhões, setecentos e cinquenta mil reais) destinaram-se às outras despesas

correntes. Por fim, atribuíram-se R$ 65.050.000,00 (sessenta e cinco milhões, cinquenta mil

reais) aos investimentos/despesas de capital.

Cabe situar o quantitativo concernente aos custos dos serviços de atendimento em

saúde resultantes de situações de violência, R$ 14.311.549,00, em relação ao montante

destinado ao setor da saúde pública, R$ 1.248.227.000,00, de modo que o primeiro valor

representa 1,14% do total destinado à saúde. Porém, se considerarmos que do valor global,

acima mencionado, reservado à saúde pública do RN, apenas R$ 606.750.000,00, destinam-se

às despesas dessa natureza, concebe-se que o valor advindo de eventos violentos (R$

14.311.549,00), gerados por AIH, representam 2,36% do orçamento.

Entretanto, no projeto de lei orçamentária de 2011, não contempla-se a descrição da

previsão de gastos relativos às situações de violência, apenas a referência às

Ações de promoção quanto ao atendimento de mulheres e políticas públicas voltadas

para a população feminina no enfrentamento à violência, erradicação de

preconceitos e estereótipos, além de instituir mecanismos de combate à

discriminação, desigualdade e na garantia dos direitos e preservação da dignidade

humana (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

NORTE, 2010:159).

Os objetivos supracitados, no entanto, não estão vinculados à Secretaria de Saúde,

mas, à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – SEJUC, no quesito compatibilização

do orçamento. Para tanto, as ações pressupostas compreendem a “realização de estudo e

pesquisa sobre a situação feminina no RN”, com orçamento de R$ 18.000,00;

“conscientização e prevenção dos direitos e da defesa da Mulher no RN”, destinam-se a esta

finalidade R$ 134.000,00; e, a “operacionalização de Casa de Abrigo e Centro de Referência

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75

da Mulher”, com o menor orçamento de R$ 4.000,00 (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, 2010:159).

Nesse sentido, cabe adentrar na temática ora exposta, tendo em vista a necessidade de

avaliar o planejamento estadual quanto às medidas previstas de enfrentamento e prevenção de

situações de violência no Rio Grande do Norte diante da realidade investigada. Por

conseguinte, atenta-se que o planejamento orçamentário estadual para o ano de 2011, atende,

ao menos constitucionalmente, o previsto em lei de, no mínimo 12% da arrecadação de

impostos próprios do estado para investimento no setor saúde, fixado no ano-base em 14,16%.

Todavia, salienta-se que o estipulado ainda configura-se como aquém das necessidades

veementes do RN.

Não obstante, atenta-se aos custos sociais advindos de situações de violência, descritos

mediante a perda irreparável, mais especificamente, o óbito da vítima; a perda da capacidade

produtiva, advinda de alguma sequela física, mental ou emocional da pessoa vitimada; de

forma que, tais cenários constituem demandas de atendimento/encaminhamento para outros

setores, para além da saúde pública, sendo mais notória a participação da assistência social na

atuação frente às necessidades dos usuários, daquelas mais complexas e abstratas às

concretas, tais como a providenciação de cadeiras de rodas, fraldas, serviços de proteção

pessoal, dentre outros.

Por sua vez, considerando que a violência figura como problema de saúde pública,

interessa situar o quadro real da saúde pública do estado do Rio Grande do Norte. Atualmente,

depara-se a um cenário cruel e escasso de investimentos, bem como defronta-se ao limitado

repasse de recursos financeiros, tanto na saúde pública municipal, na capital de Natal,

sobretudo, na saúde estadual. De maneira uníssona, o setor da saúde em ambas as esferas

padece devido à má administração de gestores, assim como sofre nitidamente diante do

histórico de dívidas registrados nesse meio.

Conforme reportagem, de 03 de junho de 2012, no jornal Diário de Natal, a

representante do Ministério Público Estadual da Saúde, Iara Pinheiro, descreve o contexto da

saúde pública do Rio Grande do Norte, ilustrada por

Desabastecimento em hospitais de referência, pacientes morrendo em escala

crescente por falta de leitos em UTI, déficit nos repasses orçamentários, gestão da

saúde pública permeada por tráfico de influência, profissionais em greve e decisões

judiciais descumpridas (DIÁRIO DE NATAL, 2012).

Segundo a 47ª Promotora de Saúde, trata-se de um retrato caótico do setor, contudo,

ressalva que a denominação “crise” não parece adequada à história da saúde do RN, tendo em

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vista que a terminologia pressupõe estado anterior de normalidade/regularidade da situação,

fato não comprovado na retrospectiva estadual. No entanto, é incontestável a conjuntura atual

da saúde potiguar repleta de ausências, limitações, impasses e tensões nos mais diversos

aspectos, sejam de infraestrutura, financeiro e carência de recursos. Iara Pinheiro menciona

um levantamento realizado pelo Ministério Público no ano vigente que verificou 201 mortes,

no período de 40 dias, no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel, das quais 40

desse número foram motivadas por ausência de leitos de UTI’s (op.cit.).

Por conseguinte, reitera-se a necessidade latente de congregar investimentos na saúde

pública proporcionais às demandas específicas de cada localidade, de forma descentralizada;

constitui-se como fundamental também a definição de prioridades das gestões federal,

estadual e municipal, partindo-se do pressuposto de que a saúde requer ser um direito legítimo

e qualitativo a todos os cidadãos, e não precário, meramente fornecido como qualquer

produto; destaca-se ainda a importância da efetividade do atendimento primário de saúde por

parte dos municípios a fim de prover os imperativos de sua população, não dependendo única

e exclusivamente das cidades circunvizinhas, de modo a facilitar o desafogamento dos

grandes hospitais.

Isto é, apreende-se que o Estado investe precariamente em atenção à saúde, no que se

refere ao atendimento hospitalar, aliado à ausência de investimentos concretos em políticas

básicas de saúde ou/e prevenção à violência. Desconsiderando, sobretudo, os altos gastos

públicos com saúde e previdência social, além das perdas de saúde e vida dos cidadãos.

Em síntese, retoma-se a significância da violência, na conjuntura norte-rio-grandense,

em termos de danos populacionais e custos públicos advindos da problemática, aliada à

expressividade dos acidentes de trânsito na região. De modo que exige-se o debruçamento

sobre a necessidade do proporcionamento das condições legítimas de promoção, prevenção e

atenção à violência, visando sanar as perdas advindas da convivência com a referida

problemática. Apreende-se ainda a importância da elaboração de um orçamento em

alinhamento aos anseios mais prementes da população, e a ruptura com o modelo de gestão

atual da saúde pública do estado, desvinculando-se das mazelas históricas e individualistas.

Faz-se salutar situar a intervenção do profissional do Serviço Social diante do cenário

potiguar de vivência de agravos à saúde de sua população, logo, o próximo capítulo se

prestará a essa finalidade, a fim de explicitar a intervenção da categoria profissional.

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4. O ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE ENQUANTO

PROFISSIONAL ATUANTE NO CENÁRIO DE SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA

A partir do pressuposto que o Serviço Social configura-se como profissão genérica,

capacitada a atuar nas mais distintas áreas sociocupacionais, revela-se como fundamental

apontar a inserção da categoria profissional no cenário da saúde pública, além de indicar a sua

prática interventiva na instituição referência de saúde do Rio Grande do Norte, o Complexo

Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel. Justificar-se-á ainda a atuação do Serviço Social

diante das suspeitas e constatações de situações de violência.

Ao fim da década de 1990, o Conselho Nacional de Saúde - CNS, através da resolução

nº 218/1997, reconheceu o assistente social como um dos treze profissionais de saúde de nível

superior - junto com o biólogo, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos,

fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos,

psicólogos e terapeutas ocupacionais, em seguida, o Serviço Social é regulamentado na saúde

através da resolução nº 338/1999 do Conselho Federal de Serviço Social - CFESS,

confirmando o assistente social como profissional de saúde, pautado na resolução de 1997 e

com notório respaldo sob o novo conceito de saúde inaugurado pela Constituição de 1988.

O reconhecimento do Serviço Social como profissão apta a atuar no âmbito da saúde

está amparado na própria formação do assistente social e em seu compromisso ético-político

expresso no Código de Ética da Profissão de 1993, o qual expõe como um de seus princípios

o “posicionamento em favor da eqüidade e justiça social que assegure universalidade de

acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão

democrática” (CFESS, 1993:01). Vale salientar que a política pública de saúde é o setor que

no desenvolver da história mais absorve os profissionais de Serviço Social.

Os Parâmetros de Atuação dos Assistentes Sociais na Saúde, documento produzido

pelo Conselho Federal de Serviço Social norteador da prática profissional no referido campo

sociocupacional, menciona a inserção e respaldo legal do assistente social diante de situações

violentas à medida que propõe a participação do profissional, junto à equipe multidisciplinar

na colaboração de ações socioeducativas; na identificação do quadro de violência, a

responsabilidade pela notificação cabe aos diversos profissionais, não consiste em atribuição

privativa do profissional, porém, espera-se do assistente social o desenvolvimento de “uma

abordagem socioeducativa com a família, socializar as informações em relação aos recursos e

viabilizar os encaminhamentos necessários” (CFESS, 2009:27).

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Destaca-se que os Parâmetros subsidiam a prática profissional à medida que

contemplam e categorizam a atuação profissional do Serviço Social em: ações assistenciais;

ações em equipe; ações socioeducativas; ações de mobilização, participação e controle social;

ações de investigação, planejamento e gestão; ações de assessoria, qualificação e formação

profissional, variando conforme a demanda proposta (CFESS, 2009).

Compreendem-se por ações assistenciais:

Prestar orientações (individuais e coletivas) e/ou encaminhamentos quanto aos

direitos sociais da população usuária, no sentido de democratizar as informações;

Identificar a situação socioeconômica (habitacional, trabalhista, previdenciária) e

familiar dos usuários com vistas a construção do perfil socioeconômico para

possibilitar a formulação de estratégias de intervenção;

Realizar abordagem individual e/ou grupal, tendo como objetivo trabalhar os

determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes;

Criar mecanismos e rotinas de ação que facilitem e possibilitem o acesso dos

usuários aos serviços, bem como a garantia de direitos na esfera da seguridade

social;

Realizar visitas domiciliares quando avaliada a necessidade pelo profissional do

Serviço Social, procurando não invadir a privacidade dos usuários e esclarecendo os

objetivos das mesmas;

Realizar visitas institucionais com objetivo de conhecer e mobilizar a rede de

serviços no processo de viabilização dos direitos sociais;

Trabalhar com as famílias no sentido de fortalecer seus vínculos, na perspectiva de

torná-las sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção e recuperação da

saúde;

Criar protocolos e rotina de ação que possibilite a organização, normatização e

sistematização do cotidiano do trabalho profissional;

Registrar os atendimentos sociais no prontuário único com objetivo de formular

estratégias de intervenção profissional e subsidiar a equipe de saúde quanto as

informações sociais dos usuários, resguardadas as informações sigilosas que devem

ser registradas no prontuário social (CFESS, 2009:22-23).

É possível identificar diversas das atividades mencionadas na rotina institucional do

Serviço Social no CHMWG, tais como a prestação de orientação; a identificação da situação

socioeconômica; realização da abordagem individual e grupal; o encaminhamento dos

usuários no âmbito da seguridade social; a articulação com as famílias visando o

protagonismo dos mesmos no cenário de promoção, prevenção e recuperação da saúde; a

criação de protocolos que culminem na sistematização do exercício profissional; bem como o

registro dos atendimentos realizados no prontuário do usuário, com vistas ao subsídio da

atuação de equipe multidisciplinar.

Por sua vez, as ações em equipe, concebem o esclarecimento prévio das atribuições e

competências da equipe multiprofissional, com vistas à delimitação das especificidades e

propriedades de cada profissão representada; mediante a qualificação da equipe técnica-

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administrativa hospitalar capacitá-los quanto às situações de alta e óbito; participação dos

debates em torno do modelo assistencial de saúde, de maneira propositiva, colaborando na

construção de normas e ofertas de atendimento, representando legitimamente os interesses da

população usuária; assegurar a inserção do Serviço Social no processo de admissão,

internação e alta hospitalar; participação junto aos profissionais como médicos e psicólogos

durante o anúncio de situação de óbito, visando o esclarecimento dos encaminhamentos

necessários dadas as circunstâncias; participação em programas socioeducativos voltados para

a saúde dos distintos públicos usuários, como mulher, criança e adolescente, idoso, e, ainda,

nas discussões referentes às doenças sexualmente transmissíveis, bem como às situações de

violência; planejamento e execução de finalidades que garantam a saúde enquanto direito

universal; participação de projetos ligados à humanização no setor saúde, embasados nos

preceitos da Reforma Sanitária; realização de notificação uma vez verificada a situação e/ou

suspeita de violência, além das providências cabíveis (CFESS, 2009).

Apontam-se, pois, como ações em equipe percebidas no âmbito da unidade hospitalar

Walfredo Gurgel, durante o período de desenvolvimento do estágio supervisionado em

Serviço Social, a participação da categoria no processo de admissão, internação e alta

hospitalar; participação em projetos voltados à saúde do público usuário e realização de

notificação de violências. Quanto à temática em torno do óbito destaca-se que ainda atribui-

se, institucionalmente, ao Serviço Social a designação da notícia da perda do usuário aos seus

entes familiares, questão essa, que requer mobilização profissional a fim de garantir a

efetividade da atuação multidisciplinar nessas ocasiões.

Quanto às ações socioeducativas, o CFESS elenca atividades relacionadas à: criação

de grupos socioeducativos junto aos usuários cujas temáticas versem sobre direitos sociais e

princípios do SUS; articulação/mobilização com a comunidade, haja vista a necessidade de

informações da rede de atendimento e respectivos direitos desse público; realização de

debates e oficinas nas proximidades da unidade hospitalar; participação de campanhas

preventivas; ações coletivas de cunho informativo que visem à orientação quanto às rotinas e

funcionamentos do Hospital; desenvolvimento de atividades socioinformativas com o público

das salas de espera; elaboração e/ou divulgação de materiais informativos; mobilização dos

usuários na perspectiva de controle democrático dos serviços prestados; realização de

atividades grupais com temáticas de interesse do público usuário (CFESS, 2009).

No Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel identificaram-se as seguintes

ações socioeducativas, grupos de discussão acerca de direitos sociais, princípios do SUS,

informações da rede de atendimento, esclarecimentos concernentes à rotina institucional, bem

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como direitos e deveres dos pacientes e acompanhantes, além de outras temáticas afins;

debates e oficinas, em especial, nas ocasiões interventivas dos estágios supervisionados.

Às ações de mobilização, participação e controle social atribuem-se à: socialização de

informações e mobilização na perspectiva de luta por avanços concretos e ganhos sociais aos

usuários; mobilização usuária quanto à importância de participação em conselhos, fóruns e

conferências relacionadas aos embates da saúde pública; viabilização da impressão dos

usuários quanto ao atendimento e estruturas a eles disponibilizadas, e, posterior, divulgação

de resultados às autoridades institucionais; participação nas ouvidorias institucionais;

participação e colaboração profissional nos conselhos de saúde; participação dos usuários e

movimentos sociais no processo de construção e avaliação do orçamento da saúde pública;

participação e organização de conferências de saúde, em seus distintos âmbitos de realização;

informar aos usuários e trabalhadores da saúde os locais, datas e horários das reuniões dos

conselhos de políticas; estímulo à participação dos usuários e trabalhadores da saúde nos

movimentos sociais (CFESS, 2009).

No cenário institucional, observa-se articulação informativa com os usuários sob a

perspectiva de protagonismo dos mesmos; participação e organização em conferências e

conselhos de saúde; informação dos usuários quanto às ocorrências de eventos concernentes à

saúde, com vistas à participação e mobilização. Entretanto, verificaram-se escassa informação

enfática quanto à participação usuária em conselhos e eventos afins da saúde pública; restrita

averiguação da percepção dos usuários quanto à estrutura hospitalar; ausência de ouvidoria

institucional; sobretudo, inexistente participação na elaboração e avaliação do orçamento

público destinado à saúde. Cabe ressaltar que neste último item referente à participação e

colaboração no orçamento público provoca o ativismo do sujeito, capacita-o em

conhecimento de sua realidade municipal, estadual e/ou federal, em especial, culmina na

incidência política e respectivo protagonismo, essencial à luta por condições melhores à

população.

O documento-base de atuação do Serviço Social na saúde menciona, ainda, as ações

de investigação, planejamento e gestão, como necessárias à inserção da categoria profissional,

tendo em vista às ações de: planejamento de ações que contemplem a atuação do assistente

social; interferência no planejamento institucional, a fim de assegurar a participação de

usuários e trabalhadores da saúde; participação da gestão das unidades de saúde de forma

horizontal; arquivamento dos estudos das expressões da questão social cotidianas no exercício

profissional; registro das ações realizadas mediante relatórios sistematizadores da prática

profissional, com vistas a subsidiar os planos de ação; participação nas Comissões e Comitês

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Temáticos; realização de estudos e pesquisas quanto aos determinantes sociais da saúde;

realização de pesquisas que contemplem os recursos institucionais necessários e aqueles

disponíveis, visando o estabelecimento, avaliação de prioridades e revisão de recursos;

realização de estudos da política social local, regional, estadual e nacional; disponibilizar

subsídios teóricos e práticos quanto à reformulação das políticas públicas; participação da

equipe de auditoria, controle e avaliação (CFESS, 2009).

As ações acima citadas configuram-se em atividades menos frequentes do cotidiano do

assistente social no CHMWG, tendo em vista que pressupõe a inserção da categoria nas

esferas de gestão e planejamento.

Por fim, situam-se as ações de assessoria, qualificação e formação profissional,

vinculadas à prestação de assessoria aos conselhos; assessoria aos assistentes sociais, visando

o aperfeiçoamento profissional; organização e coordenação de seminários voltados para o

debate e formulação de estratégias; supervisão de estagiários de serviço social; participação

de cursos, congressos e seminários, objetivando a troca de experiências e informações;

assessoria de entidades e movimentos sociais, na perspectiva de uma saúde pública de

qualidade (CFESS, 2009).

Para tanto, na maior instituição hospitalar do Rio Grande do Norte, aponta-se a

identificação de atividades de assessoria, qualificação e formação profissional, tais como a

organização e coordenação de eventos voltados para o debate da saúde do estado; supervisão

de estagiários e participação em eventos que propiciam conhecimento e permuta de saberes.

No entanto, ressalta-se que a intervenção/atuação profissional do assistente social está

estritamente vinculada à instituição empregadora, tendo em vista que a mesma fornece as

condições necessárias de materialização da prática profissional, bem como a mesma também é

a responsável pelas limitações impostas à atuação da profissão.

A inserção do Serviço Social nos diversos processos de trabalho, encontra-se

profunda e particularmente enraizado na forma como a sociedade brasileira e os

estabelecimentos empregadores do Serviço Social recortam e fragmentam as

próprias necessidades do ser social e a partir desse processo como organizam seus

objetivos institucionais que se voltam à intervenção sobre essas necessidades

(COSTA, 2007: 306).

Costa (2007) atribui e reitera o papel das instituições empregadoras na efetivação da

prática do Serviço Social, diante da intrínseca e tênue submissão aos objetivos institucionais

que refletem a percepção que esses estabelecimentos possuem acerca do usuário (op. cit.).

Dada à definição e exposição desse conceito institucional, os assistentes sociais se planejam

quanto à materialização da prática profissional em torno dos benefícios sociais aos usuários.

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Semelhantemente, identifica-se tal dinâmica no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo

Gurgel, na atuação das assistentes sociais.

Por sua vez, no Complexo Hospitalar, instituição que serviu de subsídio teórico e

prático na coleta de dados do presente trabalho, em seu atual quadro da equipe de assistentes

sociais constam 32 assistentes sociais fixas, distribuídas entre o Walfredo Gurgel e o Pronto

Socorro, mantidas em 12 escalas de 12 horas por mês, cotidianamente das 07h às 19h. Cabe

destacar que o Hospital dispõe de assistentes sociais 24 horas, tendo em vista o regime de

plantão das profissionais.

A escala de distribuição diária das assistentes sociais do PSCS está disposta do

seguinte modo: uma profissional responsável pelas unidades das UTI’s - Unidade de

Tratamento Intensivo - e CRO – Centro de Recuperação de Operados; duas assistentes sociais

disponíveis na sala do Serviço Social para o atendimento ao público, em especial,

acompanhantes; uma profissional atendendo às demandas oriundas do Setor de Politrauma, e,

por fim, uma assistente social supervisionando as Unidades de Atendimento Clínico I e II,

totalizando cinco (05) assistentes sociais por regime de plantão, no Clóvis Sarinho.

O PSCS comumente é denominado de porta de entrada do Hospital Walfredo Gurgel,

isto é, todas as demandas que chegam até o Hospital passam, primeiramente, pelo Clóvis

Sarinho.

Por sua vez, o Serviço Social tem um papel primordial nas orientações destinadas aos

familiares/acompanhantes do usuário visto que estes são instruídos pela Recepção do Hospital

a procurar o setor, especialmente, nos casos de internamento do paciente.

Rotineiramente, no plantão, o usuário é recebido, ouvido, orientado e encaminhado. A

procura pelo setor surge por necessidade de orientações diversas (previdência, solicitação de

documentação, realização de exames, notificação de violência, óbito), encaminhamentos

externos (INSS, Defensoria Pública, unidades de saúde, recursos assistenciais),

encaminhamentos internos, esclarecimentos, informações e providências.

Em conformidade com a Lei 8.662/93, normativa nacional de Regulamentação da

Profissão do Serviço Social, em seu artigo 4º, inciso III, consiste em competência profissional

do assistente social, “encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos

e à população”, bem como no artigo 4º, inciso VI, compreende “planejar, organizar e

administrar benefícios e serviços sociais” (BRASIL, 1993:01). Nesse sentido, a atuação do

profissional do Serviço Social está no Pronto Socorro Dr. Clóvis Sarinho em alinhamento a

uma perspectiva de garantia da defesa dos direitos dos usuários.

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Conforme a Proposta de Trabalho do Serviço Social (2010) compreende-se que “o

Serviço Social integra o processo de trabalho coletivo, prestando assistência às demandas dos

usuários, família e a rede de relações sociais” (DIVISÃO DE SERVIÇO SOCIAL, 2010:02).

Sendo assim, apreende-se que as demandas postas são reflexos das expressões da questão

social que se manifestam no cotidiano da sociedade, como um todo, e, em especial, na saúde.

De modo que, o Assistente Social como profissional de saúde, efetiva o atendimento a todas

as demandas facilitando o acesso aos serviços e contribuindo para a resolutividade das

necessidades dos usuários.

Para uma atuação diferenciada e dotada de uma perspectiva de entendimento da

totalidade da realidade Laurell apud Costa (2007) afirma que faz-se necessário compreender

“a saúde como uma política social pública que se materializa como um serviço cujo conteúdo,

finalidade e processos de trabalho, merecem conceituações de natureza teórica e histórica”

(COSTA, 2007:308). Por conseguinte, é imprescindível que a categoria dos assistentes sociais

reflitam em torno do processo de trabalho em saúde, de modo a captarmos as distintas

dimensões da prática social em questão.

Segundo Ferreira (2005), a demanda reprimida se configura pela população que

extrapola a capacidade de atendimento das instituições de saúde. Ou seja, a demanda maior

que a oferta dos serviços como consequência da escassez dos recursos e do sucateamento dos

serviços públicos de saúde. Esta demanda gera desafios para o profissional de Serviço Social

no que se refere à garantia dos direitos sociais, visto que essa parcela significativa

demandante dos serviços de saúde carrega consigo histórico de negação de direitos, e no

momento em que chegam até o Hospital não veem seus direitos respeitados, sequer encontram

espaço físico ao menos confortável que lhe resguarde a privacidade, localizam-se nos

corredores do Hospital em meio à ausência de diversos e necessários materiais (FERREIRA,

2005).

À superlotação do Walfredo Gurgel/ Clóvis Sarinho se atribui à ineficácia das redes

municipais de atendimento à saúde, postos de saúde da capital e interior do estado, bem como

se destaca a desinformação da população quanto à hierarquização das redes de saúde pública.

Sobretudo, em uma percepção mais global, identifica-se a progressiva desresponsabilização

do Estado nas questões concernentes à saúde pública, paulatinamente, implantando a

terceirização/privatização do setor, reduzindo os investimentos na saúde diante do aumento

descomunal do adoecimento da população, resultante de suas condições de vida.

Portanto, o assistente social inserido no processo de trabalho em saúde, enquanto

profissional buscará interligar os níveis do Sistema Único de Saúde - SUS - com as demais

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políticas sociais, contudo, o principal foco de seu trabalho na saúde é garantir a integralidade

e intersetorialidade das ações, no sentido de garantia dos direitos dos cidadãos. É através da

relação de dever mantenedor do Estado, mais especificamente, a Secretaria de Saúde Pública

do Rio Grande do Norte – SESAP/RN, enquanto instância gestora da saúde pública do estado,

e do direito universal da população ao acesso à saúde que a atuação dos assistentes sociais

tem se consolidado como uma “prática” necessária para a promoção e atenção à saúde.

Retoma-se, ainda, acerca da atuação do assistente social no Complexo Hospitalar, e,

em geral, nos demais serviços de atendimento à saúde, cabe pontuar a necessidade da reflexão

profissional, quanto à avaliação de que modo tem se efetivado a prática da profissão, de que

maneira tem se atendido às demandas dos usuários, como é possível qualificar e capacitar o

exercício profissional a fim de culminar em um atendimento isento de limitações teóricas e

práticas.

É imprescindível que o trato dos profissionais da saúde destinados aos usuários ocorra

de forma humanizada, de maneira efetivamente internalizada, uma vez que àqueles que lidam

diariamente com pessoas que carregam consigo históricos de privações ao longo da vida,

precisam, necessariamente, considerar a historicidade de cada um, de modo que a

sensibilidade seja uma ferramenta constante e real nas relações do âmbito hospitalar.

O projeto ético-político norteador da profissão é constituído pelos seguintes

documentos: o Código de Ética Profissional de 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão

nº 8.662/1993 e as novas diretrizes curriculares. Esse conjunto normativo e orientador tem

como proposta a emancipação humana, a destituição de qualquer forma de exploração, o

comprometimento com uma nova sociabilidade mais justa e equânime, defendendo

permanentemente a efetivação dos direitos sociais conquistados e previstos em lei. Destaca-se

o reconhecimento da necessidade de uma atuação crítica, propositiva e em alinhamento ao

projeto profissional, constantemente atualizada visto à dinamicidade da realidade.

Nesse sentido, compreende-se que a inserção do Serviço Social no âmbito da saúde

está relacionada ao caráter mediador e articulador da profissão, alicerçado na perspectiva de

garantia dos direitos básicos dos usuários. Mesmo diante de cenários, por vezes, limitadores,

busca-se assegurar a efetivação de direitos sociais e constitucionais, a fim de promover a

melhoria das condições de vida da população.

No que se refere ao contexto das situações de violência, faz-se imprescindível a

intervenção do assistente social nessas ocasiões, com vistas a explicitar os procedimentos

rotineiros a serem providenciados nessas circunstâncias, bem como procura-se promover a

conscientização do usuário e acompanhantes, sejam eles familiares e/ou amigos, quanto à

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importância da desvinculação à práticas violentas, especialmente, na concepção do que é

violento, para que a partir daí possam se organizar e lutar pelos seus direitos enquanto sujeitos

ativos. Sobretudo, destaca-se a participação profissional diante da necessária articulação com

a rede de atendimento ao usuário, e respectivos encaminhamentos junto às instituições

competentes de proteção pessoal aos distintos públicos, quanto ao infanto-juvenil, cabem ao

SOS Criança e Adolescente e/ou Conselho Tutelar; ao público idoso, à Promotoria do Idoso; e

ao público feminino, às Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres - DEAM’s.

Outrossim, quanto ao desenvolvimento da prática profissional do Serviço Social diante

da convivência com situações de violência, atribui-se à categoria um desempenho de

afinidade às demandas dos usuários, principiadas pela identificação do evento violento,

mediante escuta qualificada; a interlocução com paciente e familiares no processo de

recuperação e preservação da saúde do paciente, além da articulação com a rede de

atendimento aos usuários conforme às demandas, por fim, orientando-os no que se refere à

denúncia do ato e ruptura com as reproduções violentas cotidianas.

A fim de sintetizar as discussões aqui apresentadas, o próximo capítulo prestará às

apreensões finais diante das exposições abordadas acerca da violência, saúde pública, custos

da violência e Serviço Social.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com vistas à compreensão das apresentações e análises aqui realizadas, se delineará

uma descrição crítica das abordagens demonstradas em estudo.

Para tanto, há de se conceber que a violência apresentada como ato de agregação

negativa e danosa à sociedade, não advém naturalmente, ou integra o intrínseco do ser

humano, logo, não há como combatê-la. Ao contrário, suas manifestações mais frequentes

estão associadas às profundas desigualdades sociais, econômicas, políticas, habitacionais,

escolares, dentre outras. Isto é, a violência situa-se enquanto expressão da questão social,

como mazela agudizada em razão das disparidades brutais de oportunidades dignas, localiza-

se como ressonância dos históricos de privações, do obscurantismo da mente por meio da

ausência de clarificação da realidade e respectiva consciência.

À violência refere-se como problemática que desemboca no setor da saúde, entretanto,

advém de causas estruturais. Isto é, reflete-se como meio de publicização e indignação das

condições a que foram expostas quantidade significativa da população, vivendo em

circunstâncias trôpegas, de verdadeira sobrevivência. Atribui-se como fatores

impulsionadores, de forma direta ou indireta, às práticas violentas, a banalização da vida do

ser humano, à medida que as pessoas não são vistas com respeito e dignidade pelo poder

público, no que se refere à desconsideração do provimento das condições necessárias de

vivência, e demais membros da sociedade, como reflexo da individualidade, fruto

indispensável da sociedade capitalista.

Isto é, a violência contra as mulheres representa consequência da inadaptação da

sociabilidade contemporânea às novas configurações familiares, ao espaço conquistado pelas

mulheres nos dias atuais, está associada ainda ao machismo obsoleto que persiste em resistir

nos dias de hoje, à submissão incontestável e irracional da mulher ao homem.

Por sua vez, a violência contra o idoso materializa-se mediante a desvalorização da

figura da pessoa mais velha, em uma sociedade que está imbuída do consumismo desenfreado

e da intensa substituição do velho pelo novo. Assim como a precarização da vida dos usuários

é refletida pelas condições desumanas e de miserabilidade. Destaca-se também o despreparo

popular no que está relacionado aos cuidados necessários no processo de envelhecimento.

A violência contra a criança e o adolescente constitui-se como problema grave quanto

à ineficácia da preservação da figura infanto-juvenil, por parte dos responsáveis legais e

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mesmo os agentes públicos, tendo em vista à negação de estruturas adequadas ao crescimento

saudável dos jovens, que, necessariamente, inspiram cuidados específicos.

Enquadrados na categoria de causas externas, os acidentes de trânsitos são agravos que

são representativos no cotidiano hospitalar e estadual. Aflige contingente significativo de

pessoas mediante a sua vulnerabilidade.

Para tanto, os custos decorrentes de situações de violência representam parte

considerável do orçamento destinado à saúde pública, ampliam-se descomunalmente caso

considerados os gastos com pessoal (médicos especialistas – ortopedistas, cirurgiões plásticos,

fisioterapeutas, nutricionistas), transporte, dentre outros.

A importância do trabalho ora apresentado reitera-se mediante o apontamento dos

serviços de atendimento em saúde que mais demandam recursos públicos, além de indicar a

significância estatística de dadas causas de internamentos oriundos de causas violentas, de

modo a subsidiar o planejamento quanto à definição de prioridades no processo de atenção,

promoção e prevenção às situações de violência.

A partir das discussões expostas podemos compreender que os agravos apresentados

pela população usuária são decorrentes das situações de vida. O processo saúde-doença é

determinado socialmente e reforçado pelo conceito de saúde. De modo que, a ação

profissional do Serviço Social consiste no acompanhamento social dos usuários durante o

tratamento da saúde.

Em face à falta de recursos e qualidade do serviço reduzido torna-se um desafio

profissional a garantia dos direitos dos usuários, tendo em vista a demanda reprimida

caracterizada pela demanda maior que a oferta de serviços, espaço físico e materiais. As quais

o estado mostra-se incapaz de atendê-las plenamente.

Não obstante, mesmo reconhecendo e reiterando a problemática da violência enquanto

problema de saúde pública, faz-se necessário atentar o fenômeno para além da saúde,

perpassando outros setores e outras políticas públicas, compreendendo, portanto, a

fundamentalidade da articulação com a assistência social, educação, dentre outras políticas, a

fim de promover participação e contribuição dos demais segmentos.

Por sua vez, apreende-se a ênfase na contemporaneidade à assistência médica curativa,

em detrimento da atenção à saúde em longo prazo, nos mais diversos níveis. Portanto,

consiste em preocupação a concentração dos recursos em saúde no âmbito emergencial,

restritos à atenção imediata. Sugere-se, pois, a continuidade da atenção à saúde, sobretudo, o

resgate teórico e prático dos preceitos da Reforma Sanitária.

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Configura-se ainda como importante, o questionamento do cenário atual da saúde

pública, o status vigente de sobrevivência em meio às precárias e escassas condições.

Conclui-se a necessidade de reavaliação urgente das atuais formas de prestação de

atendimento à população potiguar, de forma a romper com a prestação de serviços

descompromissados com a qualidade imprescindível concernente aos serviços de saúde.

Cabe situar também, no que se refere ao orçamento público destinado à saúde, que a

sua previsão, planejamento e execução localizam-se às margens das necessidades

populacionais, dado o quadro atual e calamitoso do estado do Rio Grande do Norte. Propõe-

se, pois, que a gestão estadual analise a validade do repasse de recursos às instituições de

saúde privadas que, de fato, atendem quantidade ínfima de usuários do Sistema Único de

Saúde em suas respectivas unidades. Logo, considera-se o investimento da saúde pública

estadual precário, agudizado pela delimitação orçamentária às instituições de saúde

particulares que, inevitavelmente, visam o lucro, desvinculando-se da concepção da saúde

como sendo gratuita e universal.

O profissional do Serviço Social que exerce atividades na área da saúde precisa estar

atento à necessidade de qualificar suas ações no sentido de mobilizar e impulsionar novas

maneiras de realizar a prática profissional. O Serviço Social na saúde trabalha com a

referência de saúde enquanto direito universal. Nesse sentido, o assistente social da saúde

deve executar suas atividades no sentido de orientar indivíduos e grupos de diferentes

segmentos sociais, bem como atuar no atendimento e na defesa de seus direitos; planejar,

organizar e administrar benefícios e serviços sociais inerentes à saúde. Os profissionais do

serviço social que atuam na saúde, como os demais trabalhadores, estão diariamente expostos

a desafios profissionais que precisam ser encarados e trabalhados de maneira a garantir o bom

desempenho de suas competências, bem como o direito do usuário.

Assim, aos assistentes sociais que visam romper com práticas conservadoras, não cabe

reproduzir o processo de trabalho capitalista, alienante. Há que, historicamente, buscar

romper, através do trabalho e das relações sociais, com as formas capitalistas de pensar e agir

para empreender ações que, além de possibilitar acesso aos bens e serviços, resulte num

processo educativo; resulte num bem e não em um produto a ser consumido. Uma ação

consciente, que exige a capacidade de antecipar, de projetar; capacidade que não está dada,

mas é algo a construir, a alcançar.

No processo de rompimento com práticas conservadoras e alienantes no espaço da

saúde, cabe ao assistente social uma postura crítica e centrada mediante os desafios e

obstáculos existentes no ambiente de atuação profissional.

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Por conseguinte, o Serviço Social como categoria profissional atuante na mediação das

situações de violência, caracteriza-se por intervenção qualificada amparada por orientações,

acompanhamentos e encaminhamentos. Desse modo, reitera-se a importância de uma

notificação social nas instituições de atendimento, isto é, registros que contemplem

informações subsidiadoras de intervenções profissionais, explicitando dados como o local da

ocorrência, as razões/motivações do dano, a incidência/repetição, a caracterização do perfil

das vítimas e agressores, dentre outras. A utilização do instrumento metodológico

mencionado contribui consistentemente na sistematização de informações úteis para futuras

políticas públicas e estudos. Para tanto, requer-se maiores oportunidades de participação

profissional, em especial, no que concerne à qualificação técnica de forma a incidir

diretamente em atendimento apropriado e, consequentemente abordagem vigilante/atenta.

Finalmente, aponta-se o reconhecimento da necessidade de priorização de ações de

enfrentamento às situações de violência no estado do Rio Grande do Norte, de abrangência

nas políticas de prevenção, promoção e atenção, além da fundamentalidade de estudo

aprofundado das demandas estaduais mais explícitas e urgentes, por município, a fim de que

essas possam ser permeadas por planejamento. Por sua vez, no âmbito das unidades

hospitalares, pressupõe-se a importância da ampliação da notificação de agravos ocasionados

por causas violentas, de modo que os profissionais compreendam a necessidade do estado

permanente de alerta para identificação de quadros suspeitos de violência.

Nos dias da contemporaneidade, faz-se imprescindível à atenção aos problemas

incidentes na população, no caso, a violência, caracterizada por atos carregados de denotação

repulsiva e marcante na sociedade. Requer-se, por fim, que a interpretação da questão seja

efetuada por perspectiva abrangente e totalizadora da realidade, visando o enfrentamento

eficaz em sua plenitude, a fim de sanar as inquietudes advindas da violência.

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