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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
Eduardo Alves da Silva
INTEGRAÇÃO CONCEPTUAL SOB A ÓTICA DA COGNIÇÃO ECOLÓGICA NOS
JOGOS DE RPG
NATAL 2019
Eduardo Alves da Silva
INTEGRAÇÃO CONCEPTUAL SOB A ÓTICA DA COGNIÇÃO ECOLÓGICA NOS
JOGOS DE RPG
Dissertação apresentada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como parte
das exigências dо Programa dе Pós-
Graduação em Estudos da Linguagem, para
obtenção dо título de mestre.
Orientador: Paulo Henrique Duque
NATAL
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710
Silva, Eduardo Alves da.
Integração conceptual sob a ótica da cognição ecológica nos jogos de RPG / Eduardo Alves da Silva. - Natal, 2019.
118f.: il. color.
Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque.
1. Integração Conceptual - Dissertação. 2. Modelos
Situacionais - Dissertação. 3. Cognição Ecológica - Dissertação.
4. Frame - Dissertação. I. Duque, Paulo Henrique. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'1
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor, que é o meu penhasco e minha fortaleza, quem me liberta é o meu
Deus. Nele me abrigo; meu rochedo, meu escudo e o poder que me salva, minha torre
forte e meu refúgio.
À minha irmã Cida, que morreu acreditando que eu seria capaz. Onde quer que
você esteja, obrigado por estar ao meu lado e confiar em mim o tempo todo.
À minha esposa, que esteve comigo em todos os momentos com a mão no meu
ombro, me incentivando e segurando as minhas lágrimas. Sem você a vida não existe.
Ao meu orientador, Paulo Henrique Duque, por ser, antes de tudo, um ser humano
sensível, empático e dedicado. Obrigado pelas orientações humanizadas e pelo quilate
de profissional que você é. Você é todo coração. É mais que um prazer aprender com
você. É um privilégio.
À professora Ada Lima, pelas contribuições valorosas e cuidado comigo, sempre
que eu a procurava em busca de conhecimento.
Às professoras Janaína Weissheimer e Patrícia Botelho, por terem aceitado
participar da banca de qualificação, contribuindo para o engrandecimento da minha
pesquisa.
À professora Ana Cristina Pelosi pelas grandes contribuições a este estudo e por
sua participação na banca de defesa.
Ao grupo Cognição e Práticas Discursivas, da UFRN, por sermos mais do que uma
equipe. Somos uma família.
Especialmente à minha querida mãe.
RESUMO
Este estudo revisa a teoria da mesclagem conceptual (FAUCONNIER; TURNER, 2002)
e investiga de que maneira as experiências do nosso entorno físico e situacional estão
presentes no fenômeno da integração de conceitos durante a produção de discurso no
jogo de interpretação de papéis (RPG de mesa). Essa revisão pormenoriza aspectos
físicos e motores na construção de sentido. Nesse tipo de jogo, o participante deve fazer
uso de um discurso baseado em simulações (BARSALOU, 1999) para a formação de
sentido. No RPG de mesa, o jogador usa uma complexa rede de integração de conceitos
para a negociação conceptual. Para tanto, usa estratégias para integrar conceitos prévios
com situações novas e criar outros totalmente diversos do que inicialmente pensou. A
pesquisa demonstra como os jogadores de RPG de mesa fazem para integrar um novo
conceito que deve ser criado ad hoc (BARSALOU, 1983) para suprir suas necessidades
de entendimento, entrando não apenas na superfície do texto, mas realizando uma
simulação mental (BARSALOU, 1999). Durante o processo de integração conceptual, o
participante realiza uma imersão simulativa através de modelos situacionais (ZWAAN;
RADVANSKY, 1998) criados especialmente para atender a demanda conceptual exigida
no jogo, passando a entrar “na pele do personagem”. Devido à ressonância motora
(ZWAAN; TAYLOR, 2006) exigida pelo recrutamento cognitivo no processo de integração
conceptual, defendemos que o jogador se vale de estratégias ecológicas para atingir sua
meta (DUQUE, 2015b, 2016, 2017). A pesquisa toma como método o processo
explicativo e empírico-analítico de forma qualitativa no sentido de rever a atual teoria de
Integração conceptual na área de Linguística Cognitiva. No método, realizamos uma
aplicação das situações narradas no jogo dentro de nosso modelo de análise e avaliamos
de que forma os aspectos ecológicos estão presentes na integração conceptual usando
transcrições das falas e observação de vídeo. Os resultados sugerem que os aspectos
físicos e ambientais talvez possam influenciar mais do que se esperava, numa integração
de conceitos do que a mera correlação de análogos e compressões de relações vitais, o
que deixa imanente o caráter ecológico de nossa cognição nesse tipo de fenômeno.
Palavras chave: integração conceptual, modelos situacionais, cognição ecológica,
frame.
ABSTRACT
This master thesis investigates how the experiences of our physical and situational
environment are present in the phenomenon of conceptual integration (FAUCONNIER;
TURNER, 2002) during the production of discourse in the role-playing games (RPG). In
this game, the participant should make use of a discourse based on simulations
(BARSALOU, 1999) for the formation of meaning. In RPG, the player uses a complex
network of concept integration for conceptual negotiation. To do so, the player uses
strategies to integrate previous concepts with new situations and create totally different
ones from what initially thought to suit the game. The research demonstrates how RPG
players absorb a new concept that must be created ad hoc (BARSALOU, 1983) to supply
their understanding needs by entering not only the surface of the text but by performing a
mental simulation (BARSALOU, 1999). During the process, the participant performs a
simulative immersion through situational models (ZWAAN; RADVANSKY, 1998) specially
created to meet the conceptual demand required in the game and entering "on the
character’s skin". Due to the motor resonance (ZWAAN; TAYLOR, 2006) required in
cognitive recruitment during the conceptual integration process, we believe the players
use ecological strategies to achieve their goals (DUQUE, 2015b, 2016, 2017). The
research takes as a method the explicative and empirical-analytical process in a
qualitative way in order to revisit the current theory of conceptual integration in the
Cognitive Linguistics area. The results suggest that the physical and environmental bias
is has greater influence than expected in an integration of concepts than the mere
correlation of analogues and compressions of vital relationships, which immanently shows
the ecological character of our cognition in this type of phenomenon.
Keywords: conceptual integration, situational models, ecological cognition, frame.
SUMÁRIO
1. Capítulo 1.......................................................................................................................
1.1 RPG e redes neurais...............................................................................................
1.2 Objeto e problemática: integração conceptual e narrativas de RPG.......................
1.3 Justificativa: além da mesclagem conceptual..........................................................
1.4 Grounded theory: teoria baseada em dados...........................................................
1.5 Questões de pesquisa: nosso corpo faz parte da formação de sentido?...............
1.6. Objetivos: a cognição ecológica como parte integrante da formação de sentido...
1.6.1 Objetivo geral....................................................................................................
1.6.2 Objetivos específicos......................................................................................
2. Capítulo 2 – A cognição ecológica dentro de um modelo de rede de integrações
conceptuais......................................................................................................................
2.1 Referencial teórico..................................................................................................
2.1.1 Cognição ecológica........................................................................................
2.1.2 Jogos de linguagem........................................................................................
2.1.3 Mesclagem conceptual/Rede de integração conceptual..................................
2.1.4 Mesclagem conceptual....................................................................................
2.1.5 Rede de integração conceptual......................................................................
2.1.6 Modelos situacionais.......................................................................................
2.1.7 Simulação mental............................................................................................
2.1.8 Ressonância motora........................................................................................
2.1.9 Frames, framing e reframing...........................................................................
3. Capítulo 3 – “Role os dados: afinal o que é RPG?”.................................................
3.1 O que é RPG?.........................................................................................................
4. Capítulo 4 – O panorama atual dos estudos de integração conceptual.................
4.1 Estado da arte.........................................................................................................
5. Capítulo 5 – O modus operandi da rede de integração conceptual........................
5.1 Metodologia............................................................................................................
5.1.1 Natureza da pesquisa.....................................................................................
5.1.2 Abordagem metodológica...............................................................................
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5.1.3 Natureza dos objetivos.....................................................................................
5.1.4 Ferramentas analíticas, teorias e conceitos operacionais................................
5.2 Caracterização do corpus.........................................................................................
5.3 Procedimento de análise..........................................................................................
6. Capítulo 6 – A integração conceptual nos roleplaying games.................................
6.1 Análise......................................................................................................................
6.1.1 Ressonância motora: o processo de recrutamento ecológico..........................
6.1.2 O processo da rede de integração conceptual: recrutamento ecológico,
mesclagem, reframing, simulação e modelos situacionais.......................................
7. Capítulo 7 – A participação ecológica efetiva da corporeidade na integração
conceptual........................................................................................................................
7.1.1 Discussão............................................................................................................
7.1.2 Conclusões...........................................................................................................
Referencias.......................................................................................................................
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Diagrama básico da mesclagem conceptual......................................................
Figura 2 – Rede de integração conceptual..........................................................................
Figura 3 – Excerto da análise do corpus.............................................................................
Figura 4 – Descrição verbal / Ação física............................................................................
Figura 5 – Jogador 3 abre um pergaminho.........................................................................
Figura 6 – Expressões corporais.........................................................................................
Figura 7 – Rede de integração conceptual..........................................................................
Figura 8 – Integração conceptual para banho pirata...........................................................
Figura 9 – Kenku................................................................................................................
Figura 10 – Integração conceptual para kenku...................................................................
Figura 11 – Jogador 1 gesticula o andar de um kenku.......................................................
Figura 12 – Tira o pé do chão.............................................................................................
Figura 13 – Conceptualizações sobre animar.....................................................................
Figura 14 – Integração conceptual para animar mortos.....................................................
Figura 15 – Tauntaun, Guerra nas Estrelas........................................................................
Figura 16 – Ato de fumar.....................................................................................................
Figura 17 – Integração conceptual para lâmpada mágica..................................................
Figura 18 – Latas e lâmpada mágica..................................................................................
Figura 19 – Mesclagem Conceptual....................................................................................
Figura 20 – Konoha-senpuu...............................................................................................
Figura 21 – Tatsumaki-senpuukyaku..................................................................................
Figura 22 – Integração conceptual para golpe giratório......................................................
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LISTA DE BLOCOS DE TRANSCRIÇÃO
Bloco A – Pergaminho.......................................................................................................
Bloco B – Ressonância motora..........................................................................................
Bloco C – Trabalhos manuais............................................................................................
Bloco D – Pirataria.............................................................................................................
Bloco E – Integração conceptual sobre rastros.................................................................
Bloco F – Kenku.................................................................................................................
Bloco G – Animar mortos...................................................................................................
Bloco H – Integração Conceptual em Star Wars................................................................
Bloco I – Negociação de sentido........................................................................................
Bloco J – Conceptualização intrasubjetiva.........................................................................
Bloco K – Vestir uma manta...............................................................................................
Bloco L – Integração conceptual em “conversar com corujas”..........................................
Bloco M – Renegociação de sentido..................................................................................
Bloco N – Lâmpada mágica...............................................................................................
Bloco O – Conceptualização e affordances.......................................................................
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GLOSSÁRIO
Affordances: Possibilidades de interação com as coisas ao nosso redor. Diabrete: Homúnculo necromante que acompanha os personagens de RPG. DM: Dungeon Master. Narrador (ou mestre) do RPG no sistema Dungeons & Dragons. Dungeons & Dragons: Sistema de RPG criado por Gary Gygax na década de 1970. Framing/reframing: Fenômenos de enquadramento e reenquadramento cognitivo que os frames sofrem contextualmente. GM: Game Master. Narrador (ou mestre) do jogo de RPG no sistema GURPS. Goblins, ciclopes, draconatos: Espécies de monstros fantásticos de Dungeons & Dragons. Grimório/grimoire: Livro ou tomo de feitiços pertencentes a um mago dentro de um RPG. Gurps: Generic Universal Roleplaying System. Sistema de regras criado por Steve Jackson na década de 1970. Jogo de linguagem: Processo negocial por intermédio da linguagem no qual participantes tomam parte em uma espécie de jogo para a obtenção de sentido. Kenku: Monstro fictício nascido do hibridismo entre homem e corvo de índole malvada, típico do sistema Dungeons & Dragons. Mesclagem conceptual: Ferramenta proposta por Gilles Fauconnier e Mark Turner para estudar o fenômeno de integração conceptual para formação de entidades novas e criativas. NPC: Non Player Character. Jogador não controlável. Faz parte do repositório de personagens controlados pelo GM/DM. Personagem: Herói feito das regras do RPG e registrado numa ficha onde são anotados seus parâmetros de rolagem de dados para obtenção de resultados estatísticos durante uma sessão. Ranger: Estereótipo de personagem de RPG que é versado nas artes da caça, sobrevivência e rastreamento do sistema Dungeons & Dragons. Recrutamento ecológico: Todo processo de recuperação de affordances e experiências sensório motoras com o mundo a nossa volta. Rede de integração conceptual: Modelo proposto por este estudo para explicar de forma mais detalhada como ocorre a integração de conceitos nos RPG. Ressonância motora: Fenômeno observado no ser humano no qual ocorre um recrutamento de redes neurais necessárias para replicar ou executar uma ação física. RPG: Roleplaying Games. Jogo de interpretação de papéis que tem o intuito de simular cenários fantásticos e imaginativos com outros jogadores guiados por um mestre. Simulação: Fenômeno observado na área de psicologia no qual se recriam situações mentais de ações já vividas.
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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO
Neste capítulo, fornecemos uma base resumida do que ocorre nas operações de
criatividade para a formação de entidades conceptuais novas dentro das integrações de
conceitos ocorridas em um RPG (roleplaying games), que é um jogo de representação
de papéis. Iniciamos com uma breve explicação de como funciona o RPG e como as
operações de integração conceptual ocorrem no percurso do jogo. Para tanto, é preciso
entender como conceitos se integram na construção de sentidos completamente novos
e instantâneos para que a estrutura emergente surja dessas situações de representação.
Seguindo, colocamos à mesa nosso objeto de pesquisa, que foram as narrações
do mestre do jogo de RPG para a concretude da integração conceptual. Esse objeto nos
pareceu adequado, pois nesse tipo de atividade lúdica, o envolvimento dos nossos
corpos é bastante acentuada e os jogadores parecem se valer de simulações o tempo
todo para que o RPG flua.
Ainda, neste capítulo, trazemos uma seção de justificativa para o porquê de
desenvolvermos um estudo sobre integração conceptual. Na maioria dos casos, as
pesquisas sobre integração conceptual são aplicações ao modelo básico proposto por
Fauconnier e Turner (2002). Nosso estudo procurou explorar aspectos mais localizados
da integração conceptual, indo além da aplicação ao modelo clássico. Buscou-se
esmiuçar as etapas constitutivas, identificando componentes não previstos pelo modelo
original proposto pelos autores nas operações de formação de sentido: os modelos
situacionais e a simulação.
Finalmente, apresentamos o acesso aos objetivos de nossa pesquisa, que se
direcionam, basicamente, na participação do corpo humano nas operações de formação
de sentido dentro da integração conceptual. Muitas são as críticas feitas aos modelos
básicos de integração conceptual, mapeamento e espaços mentais, propostos por
Fauconnier e Turner (2002). Muitas dessas críticas pairam justamente sobre qual a
participação do corpo na integração de conceitos. Nossos objetivos foram traçados a
partir dessa problematização: em que medida nossos corpos possuem participação
efetiva numa operação de integração conceptual? Partindo dessa mesma inquietude,
propusemos um modelo teórico que desse conta desses questionamentos.
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1.1 RPG e redes neurais
Este estudo nos leva a refletir sobre como o corpo faz parte da nossa capacidade
de compreender o sentido do mundo ao nosso redor. A todo momento estamos diante de
situações que nos levam a integrar conceitos, imaginar cenários contrafactuais1 e criar
entidades conceptuais novas. Quando precisamos compreender o que nosso interlocutor
pretende nos dizer quando nos conta uma história, sempre estamos sendo levados a
imaginar essa cena de forma quase imediata. Essa imaginação nada mais é do que nossa
capacidade de integrar cenas já vividas para que possamos compreender o discurso do
outro. Essa compreensão pode ser explicada por esquemas e frames formados a partir
de nossas redes neurais.
A formação de sentidos, em suas amplas e diversas formas, é dada pela ligação
de processos e redes neurais específicas. Esses processos e redes neurais que se
acionam para formar o sentido estão indelevelmente imbricados a experiências
pragmáticas, sociais, culturais, sensório-motoras e perceptuais. No jogo de
representação de papéis ou roleplaying games (doravante, RPG), o jogador deve fazer
uso de uma complexa rede de integração de conceitos para a formação de sentido. Para
tanto, o jogador usa estratégias para integrar conceitos prévios com situações novas e
criar outros totalmente diversos do que inicialmente pensou.
Os RPG são jogos de representação nos quais os participantes constroem
narrativas imersas num contexto específico, simulando personagens criados para
propósitos lúdicos. O cenário é definido pelo Game Master ou Dungeon Master (em
português, “mestre de jogo”) e as narrativas são tecidas em colaboração com os
jogadores que tomam parte no evento. Partindo de um apanhado de diretrizes
preestabelecidas definidas por um sistema de regras, o mestre de jogo orquestra uma
história onde os jogadores têm o livre arbítrio de interpretar seus personagens da forma
como lhes convier. A representação das peculiaridades subjetivas à personalidade do
personagem interpretado segue as orientações da sua construção por parte do jogador.
1 Fauconnier e Turner (2002) chamam de contrafactuais os cenários hipotéticos utilizados para a conceptualização de uma cena imaginativa, o que leva o indivíduo a criar um espaço mental que será usado para imaginar essa mesma cena. Normalmente, contrafactuais são construídos por construtores de espaços mentais como preposições, conjunções etc.
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Esse complexo jogo não se baseia apenas no que Wittgenstein (1953) chama de jogo de
linguagem, mas, especialmente, baseia-se numa representação verossímil do que seriam
ações ao vivo. Eles devem realmente se sentir na pele de seus personagens para
compreender e jogar o jogo. De tal maneira, é perceptível que a tensão cognitiva é
contínua, exigindo que os jogadores recuperem suas experiências físicas para poderem
se situar no evento lúdico.
Nesse tipo de jogo, o aspecto compartilhado e colaborativo é muito mais
expressivo do que o caráter competitivo. Não há vencedores ou perdedores em um RPG.
Sua premissa parte do princípio de que existe uma situação de colaboração entre os
participantes e não uma meta de competir a fim de vencer uma partida. Muitas situações
de interação linguística estão disponíveis num RPG: diálogos, descrições, interações,
formação de conceitos, teatro, paráfrases, formações discursivas e, acima de tudo,
replicação mental de ações físicas e jogos de linguagem.
Esse aspecto interconectado torna o RPG essencialmente diferente de outros
jogos de tabuleiro, onde não há muito espaço para a interação linguística, pois não limita
o jogador a uma situação de produção predefinida. Nos RPG de mesa, o eixo de interesse
é a interpretação verbal e física. No Live Action RPG, o foco é a representação física tal
como numa peça de teatro e, nos RPG eletrônicos, a essência se baseia na interação
virtual proporcionada por uma interface gráfica.
Parte integrante do estudo sobre o RPG desenvolvido aqui, é importante
mencionar o conceito de cognição ecológica adotado nesta pesquisa. Segundo Duque
(2015b), a cognição ecológica acontece “na interação organismo-ambiente e a maneira
como atribuímos sentidos ao mundo depende sobremaneira dos recursos
biológicos e físicos fornecidos pelo ecossistema do qual fazemos parte” (DUQUE, 2015b,
p.55). Sob o olhar dessa abordagem, pretendemos averiguar como a atuação do corpo,
mente e fatores relacionados ao discurso do RPG podem estar ligados aos aspectos
linguísticos da pessoa, em especial, na formação da conceptualização utilizando o
reframing2e integração conceptual.
2 Segundo Lakoff (2004), os frames são a maneira como o mundo é modelado à nossa volta e é a partir do processo de framing e reframing (o discurso orientando a configuração de frames e modelagem) que a conceptualização é possível.
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Dessa forma, muitos podem ser os aspectos relacionados à produção de frames
por parte do jogador de RPG quando elabora o discurso no momento em que está
inserido no entorno ambiental. Quando o jogador faz uso do discurso fora do padrão
usado pelo grupo social do qual faz parte, ele conceptualiza e perceptualiza de modo
diferente. Esse processo de formação de sentido parte da percepção física e atravessa
o campo da categorização e conceptualização. Tal processo é peculiar, pois o discurso
formado nos RPG é simulado em uma época diferente e sujeito a pressões de ordem
sociocultural próprias.
Considerando a perspectiva de que os jogadores de RPG apresentam um discurso
diferenciado e simulado em relação à linguagem, utilizando estratégias funcionais,
cognitivas, afetivas e sensório-motoras para a realização dos fatos linguísticos, nosso
estudo analisou a formação de sentido nesse cenário através da integração conceptual
sob o olhar da teoria ecológica de cognição e linguagem (DUQUE, 2015b, 2016, 2017).
Os estudos se guiaram, além da cognição ecológica, pelos elementos situacionais e
fenômenos de ressonância motora e simulativos no processo de produção de discurso.
A intenção foi observar se, nos RPG, a integração conceptual emerge para novos
conceitos inventivos e se, de fato, é efetivada considerando os vários aspectos
ambientais como parte inevitavelmente imbricada na formação de sentido por parte do
ser humano e do contexto que o cerca.
A respeito dos aspectos situacionais, simulativos e ressonância motora
mencionados no parágrafo anterior, as noções adotadas foram as de modelos de
situação (ZWAAN; RADVANSKY, 1998), ressonância motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006)
e simulação mental (BARSALOU, 1999). A pormenorização dessas teorias é apresentada
com detalhes em seções posteriores. Em linhas gerais, a noção de modelos situacionais
mostra a perspectiva de que o sentido é encontrado na adoção de um modelo conceptual
apresentado sob demanda e encarnado pelo leitor. Somente através da vivência “na pele”
do personagem é que o leitor se identifica com a cena e é possível obter o substrato de
entendimento. No tocante à simulação, nossos corpos recuperam símbolos perceptuais
de experiências prévias de ordem modal para replicação de ações e, até mesmo, criação
de conceitos novos.
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Cabe um esclarecimento sobre a noção de modalidade adotada em nossa
pesquisa. O entendimento de aspectos modais tem a ver com os muitos modos com os
quais nossa cognição participa da formação de sentido. Falar de aspectos modais é o
mesmo que considerar os sentidos humanos (tato, visão, olfato, paladar e audição) de
forma não instrucional e integrantes da cognição humana. Dessa forma, tudo que é
programaticamente instrucional e predefinido é tido como amodal, pois não tem parte em
nosso processo dinâmico de uso contínuo com o corpo, mente e ambiente.
Finalmente, sobre a definição de ressonância motora, convém apresentar a
perspectiva adotada em nosso estudo. Ressonância motora é um fenômeno físico de
acionamento muscular na produção linguística observada por Zwaan e Taylor (2006) em
seus experimentos e é esta visão que nossa pesquisa adota.
A escolha por essas ferramentas completivas se deu pelo fato de a teoria da
mesclagem conceptual (FAUCONNIER; TURNER, 2002) não cobrir com satisfação e
com modelos falseáveis robustos o aspecto ambiental no processo de integração de
conceitos dentro do nosso recorte dos jogos de RPG. Propomos, então, um modelo
completivo ao proposto pelos autores. A teoria de Fauconnier e Turner é alvo de muita
contestação por não explicar com exatidão como nossas experiências físicas são
relevantes no processo inventivo da integração conceptual, sendo apenas sugerido pelos
autores, mas não colocado à prova.
Justamente devido a essa demanda criada pela teoria mencionada, nosso estudo
nos levou a traçar objetivos relacionados à problemática. A inquietude pairava sobre em
que medida os aspectos físicos e ecológicos participavam da integração de conceitos. A
teoria da mesclagem conceptual não descreve de forma satisfatória o fenômeno por
completo para nossas pretensões de pesquisa. Dessa forma, a assunção seria que os
modelos situacionais, conjuntamente com todo o aparato sensório-motor do ser humano,
seriam elementos indispensáveis na observação da integração conceptual.
1.2 Objeto e problemática: integração conceptual e narrativas de RPG
O objeto do estudo se situa no processo de conceptualização em narrativas de
RPG, especialmente na integração de conceitos. Este objeto trata essencialmente dos
processos de conceptualização que são produzidos a partir da narração explicitada pelo
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RPG por parte do mestre de jogo e dos jogadores. O narrador cria situações a fim de
conduzir a modelagem de frames através de um tipo especial de integração de conceitos
de escopo duplo ou de espelho (FAUCONNIER; TURNER, 2002)3.
O fenômeno da integração conceptual é o foco e eixo principal da nossa
investigação. Dentro do que os autores Fauconnier e Turner chamam de mesclagem
conceptual, decidimos estudar especificamente os aspectos ecológicos envolvidos no
fenômeno. O uso do termo “integração conceptual” nos permitiu ter uma visão mais clara
do nosso objeto e evitar mal-entendidos. A mesclagem conceptual, conforme examinada
por Fauconnier e Turner, não leva em conta aspectos situacionais, não dedica muita
observação à simulação e não responde com eficácia em que medida os aspectos
ecológicos estão envolvidos no processo. Para fins de maior esclarecimento, decidimos
utilizar o termo “integração conceptual” por se valer da observação mais minuciosa das
etapas situacionais, simulativas e ecológicas. No nosso modo de pensar, o termo
substitutivo (integração conceptual) não entraria em choque nem causaria confusão com
a teoria da mesclagem conceptual. Em outras palavras, nosso estudo analisou, através
de um modelo construído especialmente para essa pesquisa, a integração conceptual
nos RPG. Em nosso modelo (Rede de Integração Conceptual, explicado em detalhes na
seção referencial-teórica), analisamos com mais profundidade os fenômenos de
integração conceptual levando em consideração aspectos ambientais, simulativos e
situacionais para a observação dos resultados. De forma a delimitar nosso objeto,
resolvemos enxergar de perto aspectos ecológicos envolvidos na integração conceptual
no momento da emergência do comportamento linguístico e recortados apenas no
discurso produzido durante um RPG.
Quanto à problemática relacionada à integração conceptual nos RPG, nosso
estudo se concentrou na questão dos aspectos sensório-motores. Durante um jogo de
RPG, participantes são levados a lidar com conceitos diversos acionados pela narrativa
num ambiente fictício e com peculiaridades da época e cenário no qual o jogo acontece.
3Segundo a teoria de Fauconnier e Turner (2002), temos quatro tipos de redes de mesclagem: a) Redes Simplex, onde elementos do frame estruturante projetam valores; b) Redes Espelho, onde todos os inputs compartilham um único frame estrutural; c) Redes Simples, onde os inputs têm frames estruturais diferentes veiculando uma vivência de uma experiência em função da outra como numa metáfora conceptual e d) Redes Duplas, onde os inputs têm frames conflitantes apresentando, na mescla, elementos novos que não estão nas entradas dos inputs.
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Esses conceitos tendem a variar em relação aos frames que são conhecidos pelo
jogador, forçando-o a remodelar seus conceitos para a adaptação da situação contextual
a qual está exposto. Defendemos que, para que todo esse percurso conceptual faça
sentido, o jogador deve se valer de seu entorno situacional e ecológico. Todo o aparato
sensório-motor e suas experiências físicas são rebuscadas em forma de simulação para
a efetivação da integração conceptual. Por se tratar de uma época diferente dos dias
atuais (normalmente a época medieval) e contexto sociocultural igualmente diferente, a
formação dos frames e sua remodelagem será distinta nesses termos. As respostas a
esse problema de variação de modelagem de frames e a constante reintegração
conceptual do sistema dariam conta de como ocorre o processo de conceptualização no
RPG sob o ponto de vista linguístico e ecológico.
1.3 Justificativa: além da mesclagem conceptual
A importância da pesquisa pauta-se na necessidade de rever os paradigmas e
modelos atuais sobre a cognição relacionados à integração conceptual. A área com a
qual essa pesquisa dialoga (RPG e integração conceptual) é pouco explorada tanto em
território nacional quanto fora do Brasil. Especificamente, este estudo propõe revisitar a
teoria atual da mesclagem conceptual pontuada por Fauconnier e Turner (2002),
acrescentando parâmetros não antes levados em profundidade como as noções de
cognição ecológica (DUQUE, 2015b, 2016, 2017), frames (LAKOFF, 2011; FILLMORE,
1977; DUQUE, 2015a, 2017) e modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998), os
quais acreditamos serem de fundamental importância para uma teoria de integração
conceptual.
Sobre a cognição ecológica, podemos dizer que ela se pauta no que o ambiente
oferece em termos de possibilidades cognitivas em relação à nossa mente e corpo. É um
conjunto de muitas vias interconexas entre mente, corpo e ambiente. Essa é uma área
de conexão científica, de pautas interativas que estruturam as possibilidades cognitivas.
É nesse campo (cognição ecológica) que essas pautas emergem de forma a
entendermos melhor a maneira que o ser humano possui de conceptualizar, aprender,
pensar e de construir sentidos para as coisas, especialmente no tocante à linguística. O
estudo da formação de sentidos nesse ponto de vista leva em consideração os fatos
20
linguísticos e os diálogos entre os diferentes seres vivos e contextuais (no caso do RPG)
e se relaciona à forma como processamos nossa cognição no ambiente.
Sobre frames, adotamos o ponto de vista de Duque (2015a, 2017). Segundo o
autor, os frames linguísticos (ou básicos) possuem vários espectros: A dimensão
esquemática, básica, de evento, de roteiro, de domínio específico e sociocultural. Todas
essas dimensões podem ser afetadas quando da formação de frames na narrativa de
RPG, pois nelas se desenvolve uma conjuntura totalmente diversa do discurso de um
falante.
Outro aspecto de importância do tema se dá pela criação de um discurso
contextualizado num ambiente semiótico de outra época e sujeito a peculiaridades
próprias desse cenário hipotético. O participante de um RPG tem que conceptualizar e
reformular os frames para atingir seu objetivo na formação de sentido.
Os interlocutores interagem entre si de forma negociada para a construção de
sentido num contexto específico que leva em consideração tanto aspectos linguísticos
quanto extralinguísticos. Soma-se a isso o fato de que, nos RPG, o jogador precisa fazer
uso (além de seu aparato cerebral e linguístico) de domínios sensório-motores, pois
figurativamente e literalmente precisa estar “na pele” do seu personagem:
A interpretação exige que os participantes entrem no lugar de outra pessoa (figurativamente e às vezes literalmente) - andar e falar como o personagem faria, para enquadrar suas próprias reações e tomar decisões como o personagem faria. É preciso colaborar com os outros para criar um mundo imaginário compartilhado, unido por interações sociais coordenadas (FEIN, 2015, p.6, tradução nossa).4
O RPG baseia-se na premissa de viver as peculiaridades dos personagens e em
construir negociadamente as narrativas do jogo. Em uma partida, a dinâmica desse
postulado segue as seguintes etapas. Primeiramente, juntam-se um narrador e alguns
jogadores. Cada um deles desempenha, no RPG, um papel próprio na construção
negociada das narrativas. Cada descrição de cena, fala de personagens, situações de
batalha e interação são construídas com a participação de todos na partida de RPG. O
4 Roleplay requires participants to step into someone else’s shoes (figuratively and sometimes literally)—to walk and talk as the character would, to bracket one’s own reactions and make decisions as the character would. It requires collaborating with others to create a shared imaginary world, held together by coordinated social interactions.
21
narrador e jogadores criam diversos personagens com características próprias e, para
que o jogo faça sentido, todos devem viver a vida desses personagens. O participante do
jogo deve agir e falar conforme seu personagem agiria no contexto do RPG. Isso leva a
uma afetação nos modos de agir, na linguagem e na forma de pensar do jogador. O
participante deve interpretar as peculiaridades de personalidade de seu personagem e
todos os seus detalhes. Dessa forma, o jogador de RPG acaba por viver dentro da pele
de seu avatar.
Por fim, nossa pesquisa se propõe a responder questões ainda muito suscitadas
pela comunidade científica sobre o aspecto físico-ambiental na construção de sentido
dentro da integração conceptual e de que forma ele se dá online. Ainda, os temas
relacionados a essa área são bastante promissores e apresentam grande potencial por
dialogarem com muitos campos de estudo em linguística, especialmente estudos sobre
framing, simulação e modelos situacionais dentro do fenômeno de integração conceptual.
1.4 Grounded Theory: teoria baseada em dados
Nossa pesquisa se norteia pela construção de um método a partir dos dados
qualitativos. Esse método é conhecido como grounded theory (em tradução livre, teoria
baseada em dados). A teoria baseada em dados consiste na pesquisa que produz
resultados não provenientes de procedimentos estatísticos. Essa metodologia busca
entender a complexidade e variabilidade da ação humana (STRAUSS; CORBIN, 2015).
A teoria baseada em dados admite que o ser humano desempenha funções próprias de
acordo com o significado que se dá frente às interações humanas. Especialmente, esse
modelo de pesquisa se preocupa em buscar a consciência da inter-relação entre
condições, ações e consequências da atividade humana nas interações. O pesquisador
desenvolve uma relação estreita entre os dados, sua análise e a teoria que pretende
desenvolver. É uma metodologia que permite que os resultados façam emergir a
realidade que se pretende buscar baseada na experiência objetiva das relações
humanas. A teoria baseada em dados fornece um entendimento, segundo Strauss e
Corbin (2015), que pode possibilitar a observação do fenômeno que está sendo analisado
com claridade e substância. Sobre isso os autores defendem:
22
Nesse método, a coleta de dados, a análise e a eventual teoria mantêm uma estreita relação entre si. O pesquisador começa com uma área de estudo e permite que a teoria surja a partir dos dados. É mais provável que a teoria derivada dos dados assemelhe-se mais à “realidade” do que uma teoria derivada reunindo uma série de conceitos baseados na experiência ou apenas através de especulações (como se pensa que as coisas devem funcionar). As teorias fundamentadas, por serem extraídas de dados, provavelmente oferecem discernimento, aprimoram o entendimento e fornecem um guia significativo para a ação (STRAUSS; CORBIN, 2015, p. 12, tradução nossa5).
Strauss e Corbin (2015) afirmam, ainda, que todos os procedimentos da teoria
fundamentada nos dados têm o objetivo de desenvolver e relacionar conceitos. Assim,
esta pesquisa tem como cerne não testar a teoria do blending, mas construir uma
ontologia para o entendimento do fenômeno da integração conceptual a partir dos dados
observados durante os estudos, desenvolvendo a teoria a partir da noção de cognição
ecológica.
1.5 Questões de pesquisa: nosso corpo faz parte da formação de sentido?
Primeiramente, buscamos responder como os aspectos ecológicos estão
envolvidos na formação de sentido. Se a integração conceptual realmente se vale do
aparato sensório-motor para a formação do substrato conceptual emergente, quão forte
seria a participação do nosso entorno ambiental na questão?
Em seguida, procuramos responder se os modelos situacionais são realmente
necessários para a formação da estrutura emergente durante o jogo. A etapa
correspondente ao processamento de informações análogas em um espaço genérico
para a construção do conceito integrado e inédito leva ao que Fauconnier e Turner (2002)
chamam de espaço mescla. Nosso questionamento pairou sobre de que forma os
modelos situacionais, de fato, são indispensáveis na formação dessa estrutura
emergente.
5 In this method, data collection, analysis, and eventual theory stand in close relationship to one another. The researcher begins with an area of study and allows the theory to emerge from the data. Theory derived from data is more likely to resemble the “reality” than is theory derived by putting together a series of concepts based on experience or solely through speculation (how one thinks things ought to work). Grounded theories, because they are drawn from data, are likely to offer insight, enhance understanding, and provide a meaningful guide to action.
23
Finalmente, procuramos lançar luz sobre de que forma a proposta de integração
de conceitos sugerida nesta pesquisa atende às demandas exigidas pelo objeto de
estudo (integração conceptual dentro do discurso do RPG). Esta é a questão principal
relacionada a nossa pesquisa. Procuramos avaliar se o acréscimo crítico das etapas de
simulação e modelagem situacional realmente foram determinantes para o entendimento
qualitativo da integração conceptual sob a ótica que propomos.
1.6 Objetivos: a cognição ecológica como parte integrante da formação de sentido.
1.6.1 Objetivo Geral
Verificar como ocorre a integração de conceitos durante o jogo de RPG de mesa
levando em consideração os jogos de linguagem utilizados, o entorno físico e situacional
do indivíduo dentro de uma perspectiva ecológica e os fenômenos de ressonância motora
dos participantes durante as partidas.
1.6.2 Objetivos Específicos
Dentro de um recorte como a integração conceptual, muitos fenômenos podem ser
estudados e de muitas formas. Nosso estudo procurou identificar, como primeiro objetivo
específico, os aspectos ecológicos envolvidos no processo de integração conceptual.
Nossa premissa é que o nosso entorno ambiental é crucial para a formação de sentido.
Dessa forma, como objetivo imediato, procuramos identificar quais aspectos ecológicos
fazem parte de uma integração conceptual e em que momento.
Em seguida, procuramos avaliar como os modelos situacionais estão envolvidos
no processo de integração conceptual. O uso dessa ferramenta teórica não é considerado
no processo de integração conceptual conforme preveem Fauconnier e Turner (2002).
No entanto, para que seu acréscimo fosse qualitativo em nossa pesquisa, foi preciso
avaliar se eles realmente são parte fundamental para compreender o fenômeno.
Finalmente, procuramos avaliar de forma qualitativa a proposta sugerida e de que
forma atende às pretensões de pesquisa. O modelo de rede de integração conceptual
proposto na nossa pesquisa é uma releitura do processo de mesclagem conceptual
24
apresentada por Fauconnier e Turner (2002). Dessa forma, um dos nossos objetivos foi
avaliar a viabilidade do seu funcionamento numa operação de integração conceptual
dentro do RPG de mesa.
25
CAPÍTULO 2 – A COGNIÇÃO ECOLÓGICA DENTRO DE UM MODELO DE REDE DE
INTEGRAÇÕES CONCEPTUAIS.
Neste capítulo, apresentamos as bases ontológicas científicas sobre nossa visão
de integração conceptual num viés ecológico com participação ativa de nossos corpos
para a cognição nas situações de criatividade. Nossa cognição é um sistema
interconectado entre mente, corpo e ambiente para a formação de sentido. Partindo
dessa premissa, nos baseamos numa série de ferramentas analíticas e conceitos que
são indispensáveis para o entendimento do que foi proposto nas linhas seguintes: o
modelo de rede de integração conceptual.
Para que a integração conceptual faça sentido, acreditamos na possibilidade de
que sua estrutura deva ser entendida com a participação dos nossos corpos no processo,
ainda que indiretamente. Para tanto, nós utilizamos as noções de cognição ecológica,
integração conceptual, modelos situacionais, ressonância motora e simulação. Todos
esses conceitos serão explicados nas seções seguintes deste capítulo.
Em poucas palavras, numa situação de integração conceptual não utilizamos
apenas nossa mente para efetivação de construção de uma entidade conceptual nova,
mas também nossos corpos e ambiente imediato. Para que possamos compreender uma
cena narrada no RPG, nosso cérebro busca em nosso repertório de experiências físicas
situações análogas para que a demanda proposta pela integração conceptual faça
sentido. Quando experimentamos situações conceptuais físicas, estamos aptos a
entender uma cena abstrata proposta por uma narração de RPG. Para evidenciarmos
esse fato, construímos um modelo teórico qualitativo que chamamos de modelo de rede
de integração conceptual (MRIC) para podermos compreender como cada etapa ocorre
na integração conceptual. A entidade conceptual nova torna-se possível graças a uma
simulação e modelagem situacional feitas na hora, sob demanda no momento em que
está acontecendo.
26
2.1 Referencial teórico
Nossa ontologia se baseia num modelo qualitativo de mente conexionista de
processamento em paralelo. Segundo McClelland, Rumelhart e Hinton (1992), essa
premissa assume que nosso processamento mental não está afixado em módulos
discretos no cérebro, mas de forma distribuída. Suas bases se norteiam pela explicação
de que nosso cérebro possui uma estrutura interconectada com sinapses imbricadas,
detendo, então, um potencial para agir conjuntamente com nosso corpo para obtenção
do sentido.
A pesquisa é fundamentada também na noção de cognição ecológica (DUQUE,
2015b, 2016, 2017), na teoria de espaços mentais (FAUCONNIER, 1984) e mesclagem
conceptual (FAUCONNIER; TURNER, 2002), nos modelos situacionais (ZWAAN;
RADVANSKY, 1998) e nas noções de simulação (BARSALOU, 1999).
2.1.1 Cognição Ecológica
A cognição ecológica é uma visão radical de cognição corporificada. É uma teoria
que advoga que muitas características da cognição, humanas ou não, são moldadas por
aspectos de todo o corpo em relação ao ambiente. Os recursos dos quais a cognição
dispõe são estruturas de alto nível, como construções mentais, conceitos, categorias e
eles só são possíveis porque o ser humano desenvolve sua racionalidade, pois integra
seu corpo com o ambiente para o desenvolvimento de sua cognição. Esses aspectos
corporais podem incluir o sistema motor, o sistema perceptivo, as interações corporais
com o ambiente e as interpretações sobre o mundo que são incorporadas à estrutura do
organismo. A tese da mente corporificada perpassa outras teorias como o cognitivismo,
computação e o dualismo cartesiano. A versão moderna interconecta várias áreas de
conhecimento como psicologia, linguística, ciência cognitiva, sistemas dinâmicos,
inteligência artificial, robótica, cognição animal e neurobiologia.
A cognição corporificada tem uma história relativamente curta. Suas raízes
intelectuais remontam aos filósofos do início do século XX, Martin Heidegger, Maurice
Merleau-Ponty e John Dewey, que só foram estudados empiricamente nas últimas
décadas. Uma das figuras-chave para estudar empiricamente a mente corporificada é o
27
professor George Lakoff, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Metaphors we live
by, de 1980, foi um divisor de águas no campo de estudos desse tipo de cognição.
Muitos autores discutem sobre diversas visões de base corporificada e também
sobre cognição ecológica (EERLAND et al, 2011; ADAM; GALINKSKY, 2012; LAKOFF;
JOHNSON, 1980, 1999; MILES et al, 2010; WILSON, 2002; ADAMS, 2010; CHEMERO,
2009; SHAPIRO, 2011, ROSCH; VARELA; THOMPSON, 1991; GIBBS, 2007; GIBSON,
1979). Chemero (2009) apresenta uma proposta de que a cognição deve ser descrita em
termos da dinâmica agente-ambiente, em vez de entendida por computação e
representação. Shapiro (2011) defende a noção de corporalidade que a integração
homem-ambiente constitui-se como condição inicial para o desenvolvimento do sistema
cognitivo. Rosch, Varela e Thompson (1991) afirmam que a cognição é baseada nos
aspectos sensório-motores e a ação é guiada pela percepção. Gibbs (2007) defende que
a cognição é o que ocorre quando o corpo envolve o mundo físico e cultural e deve ser
estudada em termos das interações dinâmicas entre as pessoas e o meio ambiente. A
linguagem e o pensamento humanos emergem de padrões recorrentes de atividade
corporificada. Para o autor, não devemos assumir que a cognição seja puramente interna,
simbólica ou computacional. Gibson (1979) defende que o meio ambiente é independente
e que a percepção é direta. Os gibsonianos tratam a percepção numa perspectiva
ecológica, construindo a teoria da percepção por meio da nossa relação com o meio
ambiente.
A abordagem por nós adotada é a visão de Duque (2015b, 2016, 2017). A proposta
do autor se baseia nos autores supracitados ao adaptar a cognição ecológica aos estudos
de linguística cognitiva, com foco na linguagem. Na visão do autor, o ambiente é parte
fundamental da cognição humana, formando um todo interconectado entre mente, corpo
e ambiente. Nossa cognição é fruto de um desenvolvimento entre nosso entorno
situacional que permeia nossos corpos e mentes. É nessa gama de possibilidades que
nosso comportamento linguístico parece emergir juntamente com nossa cognição. Nas
palavras do próprio autor:
Dentro de uma perspectiva em que a cognição se desenvolve na interação organismo-ambiente, a maneira como atribuímos sentidos ao mundo depende sobremaneira dos recursos biológicos e físicos fornecidos pelo ecossistema do qual fazemos parte. Integrados ao ecossistema, gerenciamos inputs, percebemos, reconhecemos e associamos entidades
28
em tempo real e, assim, aliviamos nossas memórias (DUQUE, 2015b, p.55).
Dessa forma, acreditamos que essa perspectiva ecológica proposta pelo autor dá
subsídios às pretensões de nosso estudo, o qual pretende avaliar os aspectos físicos,
mentais e ambientais no processo de integração conceptual. Se o ambiente está
relacionado à nossa capacidade cognitiva e ao comportamento linguístico, uma teoria
que utiliza pressupostos relacionados aos aspectos sensório-motores, nesses termos, é
adequada às nossas pretensões científicas.
A cognição integra corpo, ambiente e mente. A própria cognição humana é parte
indissociável do ambiente físico que nos cerca. Nossa experiência com o mundo
engendra nosso aparato neural para fazer parte de um sistema harmônico que contempla
o físico e o mental.
O sistema cognitivo emerge da atuação do corpo no ambiente, ou seja, com as informações perceptuais obtidas durante a exploração do ambiente, o cérebro coordena a montagem de circuitos percepto-motores de execução de tarefas de complexidade crescente (DUQUE, 2017, p.22).
Segundo a visão adotada pelo autor, o córtex cerebral constitui um elemento de
integração com o ambiente à nossa volta, alimentando, retroalimentando e tornando as
informações disponíveis no entorno situacional num sistema de modelagem e
remodelagem de enquadramentos físicos e socioculturais. Sobre o papel do cérebro na
abordagem ecológica de cognição, o autor afirma:
Quanto ao papel do cérebro dentro da abordagem ecológica de cognição, trata-se de um recurso de resposta rápida que coordena a montagem de dispositivos de tarefas específicas. Circuitos neurais (ou frames) são modelados e remodelados para dar conta da cognição distribuída (por todo o corpo) e estendida (para além do corpo) (DUQUE, 2017, p.23).
Em suma, podemos definir a abordagem ecológica dentro de um espectro mental
e físico concomitantemente. Nosso cérebro trabalha para garantir a cognição se valendo
de aspectos sensório-motores para tanto. Dentro desse sistema entre corpo, mente e
ambiente, nosso cérebro integra estruturas conceptuais sob forma de enquadramento
(frames) com nosso entorno, guiado pelas demandas e peculiaridades intersubjetivas de
cada um e do próprio corpo humano.
29
No tocante ao que definimos aqui como informação linguística e informação
perceptual, adotamos o modelo proposto por Duque (2017). A definição desses termos
faz-se necessária, pois é preciso deixar claro que perspectiva nosso estudo adota no
sentido de evitar mal-entendidos em relação a termos tão amplamente usados na
linguística de um modo geral: informação linguística e informação perceptual.
Quanto à informação perceptual, o significado das ações é a própria dinâmica
dessas ações. Seu entendimento é a própria atuação do homem sobre a ação que ele
executa. O significado de uma ação qualquer é seu próprio ato de culminância e, ao
mesmo tempo, seu significado. Quanto à informação linguística, sua compreensão é
convencional. Os eventos auditivos são “significados convencionais de eventos
linguísticos” (DUQUE, 2017, p.28). No caso específico de nossa pesquisa, os padrões
linguísticos convencionados socioculturalmente são os frames (DUQUE, 2015a, 2017).
Especialmente relacionada ao estudo da produção de discurso por parte dos
participantes de RPG, a abordagem ecológica de linguagem se mostra em consonância
com as pretensões de pesquisa. O RPG é um jogo de negociação de sentido no qual um
participante orienta o discurso e a cognição do outro e vice-versa. Na abordagem
ecológica, “a experiência linguística pode alterar quem somos quando orientamos o outro
(e o outro nos orienta)” (DUQUE, 2015b, p.56). Em outras palavras, é pelo jogo de
linguagem (WITTGENSTEIN, 1953) que a negociação de sentido tem seu output
qualitativo nos RPG.
2.1.2 Jogos de linguagem
A noção de jogos de linguagem utilizada em nossa pesquisa é a de Wittgenstein
(1953). Para o autor, a linguagem e a ação estão em consonância indissociável, apenas
sendo possível serem concebidas em uma alta esfera de interconexão sociocultural. Para
que um jogo de linguagem faça sentido, o homem deve depender de seu entorno
contextual para compreensão de seu significado. Na noção de jogo de linguagem, o termo
deve ser compreendido como “formas de viver”. Cada jogo de linguagem é uma forma de
vida e possui fatores e pressões socioculturais próprias. Todos os jogos têm demandas
30
situacionais próprias, pois são efetivados no momento da vivência dessa vida. Jogar o
jogo de linguagem é viver uma nova vida propiciada pela interface da linguagem.
Sobre jogos de linguagem, o autor nos mostra que eles são uma espécie de
experiência complexa e interconectada com nosso meio situacional. Ações como
descrever uma cena, contar uma história, fingir ser outra pessoa ou interpretar uma peça
de teatro, por exemplo, só podem ser entendidas como partes de um jogo de linguagem
específico. Esses jogos de linguagem são parte integrante de uma experiência holística,
negociada e vivida no momento em que a linguagem está integrada com nosso contexto
e ambiente atuais. Do mesmo modo, nos RPG, os participantes precisam se valer de
jogos de linguagem quando precisam negociar sentido. O tempo todo os jogadores estão
recorrendo aos outros participantes e ao ambiente físico e contextual no qual estão
inseridos. O próprio fundamento do RPG é jogar com a linguagem e “viver” uma outra
vida.
O RPG é mais do que um jogo lúdico, é, antes de mais nada, um exemplo clássico
de jogo de linguagem conforme previa o filósofo austríaco. Wittgenstein acreditava que
jogos não funcionam apenas como ferramentas para descrever a linguagem, mas fazem
parte da prática real dela. Conforme Duque (2016) aponta a respeito dos jogos de
linguagem:
Ao mesmo tempo em que aprende a língua materna, a criança se apropria de um determinado entendimento do mundo, de uma “forma de vida”. Como coexistem infinitas forma de viver, potencialmente dispomos de inúmeros jogos de linguagem e muitas formas de jogá-los. É dessa miríade de jogos de linguagem que um comportamento linguístico distinto parece emergir (DUQUE, 2016. p.154).
2.1.3 Mesclagem conceptual/Rede de integração conceptual
O uso dos termos mesclagem conceptual e rede de integração conceptual será
diferenciado nesta seção para melhor elucidação do aporte teórico utilizado na pesquisa.
Em linhas gerais, a mesclagem conceptual é o mecanismo proposto por Fauconnier e
Turner (2002) e rede de integração conceptual foi o termo por nós utilizado com as
mesmas ferramentas mais a adição de outros enfoques teóricos.
31
2.1.4 Mesclagem conceptual
As noções de mesclagem conceptual foram apresentadas inicialmente por Gilles
Fauconnier e Mark Turner (2002). Na teoria, os autores mostram o que, para eles, é a
chave da cognição e do desenvolvimento humano. A partir da mesclagem conceptual, o
ser humano foi capaz de produzir cultura e de se destacar das outras espécies pela
produção de enunciados e conceitos inéditos.
Para os autores, o mecanismo de mesclagem conceptual é a chave para o mistério
da evolução humana. Em sua visão, a mesclagem conceptual coreografa uma vasta rede
de significado valorativo. Para eles, este mecanismo desempenha um papel decisivo no
pensamento e ações humanas, criando uma diversidade sem limites de manifestações
linguísticas. Apenas através da mesclagem conceptual podemos criar exemplos exóticos
como contrafactuais analógicos, metáforas poéticas e figuras fantásticas frutos de nossa
capacidade imaginativa.
A estrutura de uma máquina tão poderosa como a mesclagem conceptual levaria
o ser humano a criar todo tipo de cultura e evoluir em todas as áreas do conhecimento.
A mesclagem conceptual fundamenta e possibilita toda essa diversidade de realizações humanas, que são responsáveis pelas origens da linguagem, arte, religião, ciência e outras proezas humanas singulares, e que é tão indispensável para o pensamento cotidiano básico quanto para o artístico e habilidades científicas (FAUCONNIER; TURNER, 2002. p.vi, tradução nossa).6
Segundo os autores, a mesclagem conceptual é possível porque o ser humano
dispõe do que eles chamam de “os três ´is´”: Identidade, Integração e Imaginação. Para
Fauconnier e Turner, vemos uma xícara de café porque corpo e cérebro trabalham juntos
para garantir a esse objeto tal status. Para efetivar uma mescla convencional, uma
pessoa precisa muito mais do que simplesmente justapor dois conceitos em uma única
coisa. É necessário que as integremos inventivamente procurando não recorrer
simplesmente a uma operação referencial comum. É preciso inventividade para juntar as
6 Conceptual blending underlies and makes possible all these diverse human accomplishments, that it is responsible for the origins of language, art, religion, science, and other singular human feats, and that it is as indispensable for basic everyday thought as it is for artistic and scientific abilities.
32
duas coisas numa mescla que acaba por ter mais características do que existiam apenas
nos dois objetos.
Para configurar e usar essa mesclagem, precisamos fazer muito mais do que combinar dois análogos, o que já é uma tarefa incrível. De alguma forma, temos que inventar um cenário que se baseia nos dois análogos, mas acaba por conter mais (FAUCONNIER; TURNER, 2002. p.20, tradução nossa)7.
A operação da mescla se efetiva num cenário integrado como unidade,
mesmo que não tenhamos experiências prévias diretas com a coisa que estamos
integrando. A mescla é feita da nossa inventividade sem, necessariamente, ter um
aspecto idêntico a alguma situação vivida anteriormente. O simples fato de
possuirmos alguma experiência que nos parece análoga (até mesmo
intersubjetivamente), já é suficiente para a mescla acontecer desde que atenda às
demandas exigidas.
A mescla não pode ser efetivada sem um mínimo de instrução. Não há
integração de conceitos sem levar em conta o que é relevante para o propósito em
questão. A efetivação de uma mescla pode ter ou não características da realidade,
dependendo da situação que se exige no momento. Elas representam não só estados
mentais na realidade, mas também novos estados mentais, ações e até mesmo novas
realidades fictícias (FAUCONNIER; TURNER, 2002). Ainda são possíveis misturas de
elementos reais com elementos imaginários para criação de substratos totalmente
novos promovidos pela intersubjetivade de cada um. Nosso cérebro analisa os vários
inputs apresentados na situação exigida e seleciona correspondências (ou “matches”)
para poder formar a nova estrutura emergente.
Muitas são as formas da concretude de uma mescla. Se uma situação de
integração de conceitos é apresentada, uma gama de peculiaridades pode ser levada
em consideração para a efetivação da tarefa de misturar conceitos. As variáveis
podem incluir aspectos reais, fictícios, estado de espírito, afetividade, conexões com
o mundo e o entorno ambiental a nossa volta e, até mesmo, o que nos disseram.
7 To set up and use this blend, we need to do much more than match two analogues, which is already an awesome task. Somehow, we have to invent a scenario that draws from the two analogues but ends up containing more.
33
Desse modo, o que vem a ser natural é fruto de ambiguidade e divergência entre os
pontos de vista, uma vez que nossa seleção é altamente intersubjetiva e também
pessoal.
O que conta como uma correspondência "natural" dependerá absolutamente do que está atualmente ativado no cérebro. Algumas dessas ativações vêm de forças do mundo real que nos atingem, outras do que as pessoas dizem para nós, outras de nossos propósitos, outras de estados corporais como cansaço ou excitação, e muitas outras de configurações internas de nossos cérebros adquiridas através da biografia pessoal, cultura e, finalmente, da evolução biológica (FAUCONNIER; TURNER, 2002. p22, tradução nossa)8.
Assim, a correta estrutura conceptual emergente se estrutura dos vários
inputs e se processa nos espaços mentais sob pressão da realidade, de nossas
experiências e no nosso conhecimento de background. Espaços mentais são:
“[...] pequenos pacotes conceituais construídos à medida que pensamos e falamos, para fins de compreensão e ação locais[...] [...] Espaços mentais estão conectados a conhecimentos esquemáticos de longo prazo chamados "frames” (FAUCONNIER; TURNER, 2002, p.40, tradução nossa)9.
O exemplo usado pelos autores é “o lápis vermelho”. Nesse exemplo, somos
levados a realizar uma mesclagem conceptual entre a cor vermelha e um lápis dentro de
um espaço mental. No entanto, uma pessoa pode realizar o trabalho de mescla mental
concebendo um lápis com sua cor externa vermelha ou um lápis de qualquer cor, mas
que escreve e deixa registros com tinta vermelha. A razão para isso é justamente nossa
intersubjetividade, que exerce pressões de várias ordens multimodais, e nossa
experiência prévia influenciada por julgamento de valores para efetivação da mescla.
Uma mescla conceptual vai além de exemplos imediatos como, por exemplo,
“lobisomem”, na qual temos que integrar os frames [HOMEM] e [LOBO] para termos um
8 What counts as a "natural" match will depend absolutely on what is currently activated in the brain. Some of these activations come from real-world forces that impinge upon us, others from what people say to us, others from our purposes, others from bodily states like weariness or arousal, and many others from internal configurations of our brains acquired through personal biography, culture, and, ultimately, from biological evolution. 9 Mental spaces are small conceptual packets constructed as we think and talk, for purposes of local understanding and action[...] […] Mental spaces are connected to long-term schematic knowledge called "frames”.
34
substrato final. Fauconnier e Turner elucidam a complexidade de uma mesclagem
conceptual dando um exemplo mais rico no tocante a diversas informações presentes
numa operação desse tipo. O exemplo dado pelos autores é de um homem que frequenta
uma casa de prostituição legalizada no Japão, na qual é possível pagar para as meninas
se vestirem de colegiais para deleite dos seus clientes, sempre no âmbito da imaginação,
no faz de conta. Não há uma relação sexual entre um homem e uma colegial de fato. O
homem que faz sexo e assedia uma colegial só é possível na mescla.
Situação análoga acontece numa partida de RPG. O jogador deve mesclar
conceitos que ele possui e hipotetizar sobre a cena que o narrador oferece para ele. Se
o jogador precisa matar um dragão com uma espada, isso só vai ser possível na mescla,
onde ele recruta elementos internos guiados por suas crenças e experiências prévias
parecidas para a efetivação da integração conceptual, apenas e tão somente nessa forma
de vida. Se o jogador já viu um filme no qual um homem matava um dragão, ele integra
a cena que experimentou no filme com a situação proposta pelo narrador do jogo para
realizar sua mescla. Se, em contrapartida, o jogador nunca viu um filme sobre o tema,
mas já matou um animal de caça com uma faca, vai usar os elementos que possui junto
com a narração do mestre do jogo e assim por diante.
No entanto, nem todas as informações pertinentes vão entrar em cena na mescla.
No caso do homem com a colegial, não se espera que ela saiba álgebra. Do mesmo
modo, não se espera que o jogador crie em sua mescla um dragão idêntico ao que viu
no filme. Na operação de mesclagem conceptual, o indivíduo seleciona inputs
(informações) escolhidas para a computação em unidades de processamento que atuam
online. Essas unidades de processamentos são os espaços genéricos (FAUCONNIER,
1984). Neles, as informações que o indivíduo julga análogas aos interesses da
mesclagem são processadas para a formação da estrutura emergente contida no
chamado “espaço mescla” (blend).
35
Figura 1 – Diagrama básico da mesclagem conceptual
Fonte: adaptado de FAUCONNIER E TURNER (2002, p.46)
Durante o processo de mesclagem, informações dos diversos inputs se processam
no espaço mental genérico, projetando no espaço mescla (blend) elementos contidos nos
inputs e elementos novos não previstos. Portanto, a mesclagem produz um elemento
com características novas e inventivas. Durante o fenômeno, o indivíduo faz uma série
de compressões de relações vitais de identidade, aproximação da escala humana, de
difusão e de analogia para a formação da mescla.
2.1.5 Rede de Integração Conceptual
O modelo proposto por nosso estudo consiste no que chamamos de rede de
integração conceptual (MRIC). Este modelo é uma releitura do processo de mesclagem
conceptual conforme proposto por Fauconnier e Turner (2002). Tal releitura visa o
enquadramento da problemática que nos propomos estudar: a participação dos aspectos
ecológicos na operação de integração de conceitos.
Nosso modelo se distingue pela adição das etapas de observação do que
acontece antes da seleção de informações dos vários inputs e o processamento para a
formação do substrato final no espaço mescla. É justamente nesses dois espaços de
36
tempo que ocorrem a seleção e recrutamento de estruturas cognitivas relacionadas ao
nosso aparato sensório-motor. Especificamente, ocorre uma espécie de recrutamento de
nossas experiências físicas com o ambiente no início do processo e um uso simulativo-
situacional antes da efetivação do substrato final da integração conceptual. Essas etapas
são o recrutamento ecológico, a simulação (BARSALOU, 1999) e o uso de modelos
situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998).
Figura 2 – Rede de integração conceptual
Fonte: elaborado pelo autor
Com relação ao recrutamento ecológico, todo nosso aparato cognitivo começa e
termina por uma seleção das informações contidas no nosso entorno ambiental, direta
ou indiretamente. Diversos frames estruturam vários inputs de informação a serem
processados no espaço genérico para a formação de uma entidade conceptual inédita.
Há uma recuperação de experiências sensório-motoras (ecológicas) que serão
acionadas antes do início da seleção de informações dos inputs. Entre o processamento
de informações no espaço genérico e o substrato no espaço integrado, o indivíduo utiliza
os modelos situacionais para compreender o jogo de linguagem proposto no RPG. Todo
37
o processo, desde a seleção de experiências físicas prévias até o efetivo uso dos
modelos situacionais, envolve recrutamento motor através de simulação.
Essencialmente, as etapas estudadas em pormenorização são os modelos situacionais
e o processo de simulação, explicados a seguir.
2.1.6 Modelos situacionais
Os modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998) são representações
mentais do estado de situações veiculadas pelo texto mais do que o texto em si descreve.
O aspecto episódico dos modelos situacionais nos exibe um mecanismo que deve levar
em consideração aspectos particulares do evento em questão. Nas palavras dos próprios
autores:
Um roteiro para uma visita a um restaurante considera os atores, adereços, condições de entrada e saída, e sequência de ação normalmente encontrada durante visitas a restaurantes. Em contraste, um modelo situacional de visita a um restaurante seria a representação mental de uma visita a um restaurante específico (ZWAAN; RADVANSKY, 1998, p.162, tradução nossa).10
De tal maneira, para a obtenção de sentido, o leitor deve entrar na pele do
personagem e da situação específica à qual está exposto na hora de sua experiência.
Segundo a teoria, somente através do modelo situacional o leitor é capaz de entender a
dimensão que o texto propõe. Numa situação hipotética de um jogo de RPG no qual, por
exemplo, um personagem deve matar um dragão, esta situação é apenas episódica. Não
haverá um modelo perene para matar aquele dragão específico. A natureza da situação
feita sob demanda é que vai estruturar a visão de mundo do indivíduo. As palavras e
descrição são apenas parte da história.
A visão do modelo situacional prevê que aqueles que compreendem são influenciados pela natureza da situação que é descrita em um texto, em vez de meramente pela estrutura do texto em si. (ZWAAN, 1999, p.15, tradução nossa).11
10 A script for a restaurant visit represents the actors, props, entry and exit conditions, and action sequence typically encountered during restaurant visits. In contrast, a situation model of a restaurant visit would be a mental representation of a specific restaurant visit. 11 The situation-model view predicts that comprehenders are influenced by the nature of the situation that is described in a text, rather than merely by the structure of the text itself.
38
Não é intenção deste estudo formular um histórico do desenvolvimento do que a
comunidade científica chama de modelos mentais (JOHNSON-LAIRD, 1983). O objetivo
desta seção é deixar claro qual visão de modelo mental é utilizada cientificamente nesta
pesquisa: os modelos situacionais. Para nosso recorte, a noção utilizada aqui é a de
Zwaan e Radvansky (1998).
2.1.7 Simulação mental
Falar de simulação mental implica numa série de outros conceitos imbricados com
o fenômeno. Por serem parte integrante do processo de simulação conforme previsto por
Barsalou (1999), é necessário levantar definições como as de categorias ad-hoc
(BARSALOU, 1983) e sistemas de símbolos perceptuais (BARSALOU, 1999).
Barsalou definiu, em vários estudos (1999, 2008, 2009, 2012), o processo de
simulação. Para o autor, simulação é o equivalente ao acionamento de redes neuronais,
de aspectos multimodais e sensório-motores. Quando o indivíduo experimenta situações
físicas de percepção e ação, essa experiência é capturada e esquematizada.
Posteriormente, quando há uma demanda cognitiva mental ou física para replicação
dessa experiência, esses esquemas neurais são recuperados para a execução da nova
situação online. A simulação permite recuperar estados vividos ao longo da vida para
replicá-los mentalmente caso haja necessidade. Desse modo, a simulação coaduna com
a integração conceptual na medida em que é necessária para a operação de
entrelaçamento de conceitos.
Segundo o autor, estados perceptuais surgem nos sistemas sensório-motores.
Esse estado perceptual pode conter dois componentes, sendo eles uma representação
neural inconsciente e uma representação de experiência consciente. A premissa básica
é que informações de ordem sensório-motora são extraídas e armazenadas na memória
de longo prazo para funcionarem como símbolos perceptuais (BARSALOU, 1999). Dessa
forma, a recuperação dessas informações é de ordem modal, sendo elas usadas para
replicação na hora da simulação.
A simulação mental tem como objetivo criar um sistema conceptual. Esse sistema
conceptual é inferencial, permitindo que o sistema cognitivo vá além das informações
perceptuais. Dessa maneira, o substrato final não é uma cópia exata da experiência
39
sensório-motora obtida previamente, mas uma representação modal aproximada e de
sentido apenas da tarefa demandada naquele momento.
Símbolos perceptuais resgatados pelo processo de simulação são dinâmicos e
estão em constante mudança situacional. Sua natureza não é discreta e, como dito, suas
fronteiras são dinâmicas e flexíveis. Caso fossem amodais e rígidas, teríamos uma
filmadora biológica para replicar qualquer experiência exatamente como vivida
anteriormente.
Os diferentes contextos podem distorcer os padrões originais do sistema
perceptual armazenados no processo de simulação. Alguns elementos contextuais e
episódicos podem ativar, em grande ou pequena medida, a recorrência desses padrões
proprioceptivos.
Contextos diferentes podem distorcer as ativações do padrão original, já que conexões de características contextuais enviesam a ativação em direção a algumas características do padrão mais do que outras. Nesses aspectos, um símbolo perceptual é um atrator em uma rede conexionista. Conforme a rede muda ao longo do tempo, o atrator muda. Como o contexto varia, a ativação do atrator covaria. Assim, um símbolo perceptual não é nem rígido nem discreto (BARSALOU,1999, p.585, tradução nossa).12
Para a operação de simulação na captura dos sistemas perceptuais, é relevante
mencionar três tipos de experiências introspectivas. A primeira delas são os estados
representacionais, que podem incluir toda uma entidade ou evento em sua ausência.
Subseguindo, temos as operações cognitivas aqui entendidas como ensaio, elaboração,
procura, recuperação, comparação e transformação, todas a nível intrasubjetivo. Por
último, temos os estados emocionais tais como emoções, humor e características de
predileção e afeição por determinada coisa. Cada uma dessas variáveis pode ser
resgatada para posterior uso num sistema perceptual veiculado pelo processo de
simulação. Cada uma dessas características é amplamente analisável num RPG, pois,
no jogo, os participantes são forçados a entrar num mundo simulativo a todo momento,
sempre guiados por suas próprias experiências, predileções e expectativas na
12 Different contexts may distort activations of the original pattern, as connections from contextual features bias activation toward some features in the pattern more than others. In these respects, a perceptual symbol is an attractor in a connectionist network. As the network changes over time, the attractor changes. As the context varies, activation of the attractor covaries. Thus, a perceptual symbol is neither rigid nor discrete.
40
formulação da operação de integração conceptual. Sobre isso, o autor nos apresenta um
exemplo sobre as características da palavra “quente”:
Durante um evento emocional, a atenção seletiva pode se concentrar em sentimentos emocionais, filtrar as circunstâncias específicas que levam à emoção e armazenar uma representação esquemática dos componentes "quentes" da experiência (BARSALOU, 1999, p.585, tradução nossa).13
Os símbolos perceptuais não estão aleatoriamente dispersos num repositório
abstrato na mente do homem como módulos. Quando a simulação é necessária, esses
símbolos perceptuais vão ser processados mentalmente se inter-relacionando para a
reconstrução da cena exigida. Do mesmo modo, num RPG, os jogadores devem resgatar
símbolos perceptuais para integrar conceitos que o jogo apresenta. Dessa forma, os
jogadores têm à disposição um aparato para construir uma cena completamente
específica e episódica da situação proposta no RPG. Sobre a recuperação de símbolos
perceptuais, Barsalou mostra que:
Os símbolos perceptuais não existem independentemente um do outro na memória de longo prazo. Em vez disso, os símbolos relacionados são organizados em um simulador que permite que o sistema cognitivo construa simulações específicas de uma entidade ou evento em sua ausência (análogo às simulações subjacentes à imagem mental) (BARSALOU, 1999. p.586, tradução nossa).14
O processo simulativo permite que “os símbolos perceptuais extraídos de uma
entidade ou evento sejam integrados em um frame que contém símbolos perceptuais
extraídos de membros já categorizados”15 (BARSALOU, 1999, p.586, tradução nossa).
Dessa maneira, os jogadores de RPG podem resgatar símbolos perceptuais análogos à
situação apresentada sob demanda pelo narrador do jogo e integrá-los na hora.
Um ponto chave do processo de simulação é a recuperação de possibilidades
interacionais com o ambiente. Conforme proposto por Gibson (1979), as affordances são
13 During an emotional event, selective attention could focus on emotional feelings, filtering out the specific circumstances leading to the emotion, and storing a schematic representation of the experience’s “hot” components. 14 Perceptual symbols do not exist independently of one another in long-term memory. Instead, related symbols become organized into a simulator that allows the cognitive system to construct specific simulations of an entity or event in its absence (analogous to the simulations that underlie mental imagery). 15 The perceptual symbols extracted from an entity or event are integrated into a frame that contains perceptual symbols extracted from previous category members.
41
possibilidades de interação entre criatura e ambiente num processo que se dá online e
presencialmente. O que o processo simulativo propõe é que as affordances podem ser
recuperadas, em alguma parte, através de seus símbolos perceptuais e não
reconhecidas mentalmente (GLENBERG, 1997; GLENBERG et al. 1998; NEWTON
1996).
A simulação é completiva. Mesmo sem todos os elementos disponíveis para a
realização da simulação, o sistema cognitivo do ser humano é capaz de preencher as
lacunas existentes com experiências análogas para a completude do processo. Sobre
isso, o autor nos apresenta um exemplo:
Na antecipação perceptiva, o sistema cognitivo usa a experiência passada para simular a atividade futura de uma entidade percebida. Por exemplo, se um objeto viajando ao longo de uma trajetória desaparece, os percebedores antecipam onde ele estaria se ainda estivesse na trajetória (BARSALOU, 1999 p.589, tradução nossa)16.
Da mesma forma, durante a partida de RPG, os participantes devem fazer uso das
mesmas premissas, pois o conceito veiculado pelo narrador do jogo é totalmente
imaginativo. Para a formação efetiva de seu processo simulativo, o participante do jogo
deve usar suas experiências físicas com situações análogas para prever uma cena futura.
Entre simulação e modelagem situacional, o fenômeno observado é o da
ressonância motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006), que ocorre no percurso do processo
simulativo-situacional.
2.1.8 Ressonância motora
Outro fenômeno completamente ligado ao processo de simulação, modelos
situacionais e integração conceptual é a ressonância motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006).
A ressonância motora é a ativação inconsciente de determinados grupos neurais
localizados no córtex cerebral no tocante ao recrutamento de redes que acionam o
processo físico na replicação ou observação de uma ação. O estudo sobre a ressonância
motora durante a integração conceptual é intrínseco à necessidade de observar
16 In perceptual anticipation, the cognitive system uses past experience to simulate a perceived entity’s future activity. For example, if an object traveling along a trajectory disappears, perceivers anticipate where it would be if it were still on the trajectory.
42
claramente a emergência sensório-motora nos nossos corpos na busca pela construção
de sentido.
O fenômeno da ressonância motora vem sendo estudado por vários autores
(GREENWALD, 1970; JAMES, 1890; JEANNEROD, 1994; PRINZ, 1997). Interessa, aqui,
deixar elucidado qual visão nosso estudo toma como base, que é, justamente, a visão de
Zwaan e Taylor (2006) sobre o assunto. Seu recorte visa o estudo a partir do
processamento linguístico, ponto basilar para a integração conceptual. Em sua visão, “a
ressonância motora é modulada pela entrada linguística e é um fenômeno bastante
imediato e localizado”17 (ZWAAN; TAYLOR, 2006, p.01, tradução nossa). Isso se deve a
um tipo especial de neurônios que possuímos chamados de neurônios espelho.
Para Gallese e sua equipe (2009), neurônios espelho são uma classe de neurônios
responsáveis pela nossa capacidade de simular e realizar ações físicas. São esses
neurônios pré-motores que permitem que, por exemplo, um macaco possa pegar um
amendoim ou simular a captura desse amendoim antes de realizar essa ação. Devido a
essa capacidade neuronal, temos a habilidade de simular diversas ações físicas para sua
concretude no entorno ambiental. Segundo a teoria, os mesmos neurônios que se ativam
quando se faz uma ação são os mesmos que se ativam quando se precisa simular
mentalmente essa ação.
Neurônios espelho são neurônios pré-motores que disparam quando uma ação é executada e quando é observada sendo executada por outra pessoa. (GALLESE, FADIGA, FOGASSI e RIZZOLATTI, 1996; RIZZOLATTI, FADIGA, GALLESE e FOGASSI, 1996). Neurônios com propriedades semelhantes também foram descobertos em um setor do córtex parietal posterior (FOGASSI et al., 2005; GALLESE, FOGASSI, FADIGA e RIZZOLATTI, 2002). O mesmo neurônio motor que dispara quando o macaco agarra um amendoim também é ativado quando o macaco observa outro indivíduo executando a mesma ação (GALLESE, 2009, p. 520, tradução nossa).18
17 Motor resonance is modulated by the linguistic input and is a rather immediate and localized phenomenon. 18 Mirror neurons are premotor neurons that fire both when an action is executed and when it is observed being performed by someone else. (Gallese, Fadiga, Fogassi, & Rizzolatti, 1996; Rizzolatti, Fadiga, Gallese, & Fogassi, 1996). Neurons with similar properties were also discovered in a sector of the posterior parietal cortex (Fogassi et al., 2005; Gallese, Fogassi, Fadiga, & Rizzolatti, 2002). The same motor neuron that fires when the monkey grasps a peanut is also activated when the monkey observes another individual performing the same action.
43
Os estudos sobre neurônios espelho nos dão uma base ontológica de
entendimento sobre o fenômeno da ressonância motora. A explicação para essa
capacidade natural de simulação deve-se a esses neurônios, que permitem o indivíduo
realizar ações físicas e também imaginar contrafactuais analógicos para o entendimento
de uma situação. Os estudos de Zwaan e Taylor (2006) limitam-se à observação do
fenômeno, mas sua explicação neurobiológica se dá através dos neurônios espelhos.
Partindo do princípio de que existe uma espécie de ressonância motora no
processamento linguístico, podemos identificar pistas que nossa cognição é corporificada
dentro do ambiente lúdico dos RPG. Acreditamos que uma pormenorização das sinapses
neuronais dos neurônios espelho dentro dessa área se distanciaria de nossa intenção,
que é apenas a participação do corpo nas operações de integração conceptual.
Zwaan e Taylor (2006) perceberam evidências para o fenômeno da ressonância
motora através de uma sorte de experimentos. Os resultados apontaram que o mesmo
caminho neural de recrutamento motor é acionado da mesma forma tanto quando as
pessoas realizam ações físicas como quanto apenas as observam (ZWAAN; TAYLOR,
2006).
Não apenas essa ressonância motora pode ser percebida pela observação de
ações, mas também pela audição de itens lexicais. O ato de ouvir uma sentença como
parte do processo simulativo promove o recrutamento de grupos neurais responsáveis
pela própria ação física em si.
A ideia é que as pessoas entendam descrições linguísticas de ações simulando mentalmente essas ações, assim como as pessoas entendem ações diretamente observadas por outros através de simulação mental. Nesta visão, a compreensão da linguagem pode ser conceituada como a simulação mental induzida por linguagem das ações descritas (ZWAAN; TAYLOR, 2006, p.02, tradução nossa).19
Como o RPG é essencialmente linguístico, a observância da ressonância motora
dá pistas que os aspectos sensório-motores teriam parte expressiva no processamento
linguístico, em especial na integração conceptual. Num RPG, a narração e negociação
19 The idea is that people understand linguistic descriptions of actions by mentally simulating these actions, just like people understand directly observed actions by others through mental simulation. On this view, language understanding can be conceptualized as the language-induced mental simulation of the described actions.
44
dela com os outros participantes do jogo expõem um volume expressivo de linguagem
para a observação do fenômeno de ressonância motora.
2.1.9 Frames, framing e reframing
A noção utilizada em nossa pesquisa a respeito de Frames é a visão de Duque
(2015a, 2017). Na perspectiva do autor, frames são “mecanismos cognitivos através dos
quais organizamos pensamentos, ideias e visões de mundo” (DUQUE, 2015a, p.26).
Embora haja muita literatura sobre frames (MINSKY, 1974; FILLMORE, 1976; LAKOFF,
2008; FISHER, 1997 etc), nosso enfoque será na visão de Duque (2015a, 2017), por
possuir uma perspectiva mais ecológica do assunto e por uma pormenorização de suas
definições. O autor categoriza os frames em: frames linguísticos e frames interacionais.
O frame linguístico consiste em enquadramentos relacionados a palavras. A
conceptualização de cada item lexical só é possível quando inserida dentro da dimensão
contextual à qual cada palavra pertence. Nas palavras do autor:
Frames linguísticos não só refletem os padrões cognitivos de distribuição social na distribuição do material linguístico. Eles também podem conter implicações abertas aos cenários interacionais em que os itens linguísticos são usados. (DUQUE, 2017.p.30).
O frame linguístico (DUQUE, 2017) possui seis dimensões: dimensão esquemática
(esquemas imagéticos de experiências perceptuais e motoras), dimensão conceptual
básica (indexados por itens lexicais), dimensão do evento (ações que constituem uma
cena), dimensão do roteiro (eventos estruturados cronologicamente), dimensão do
domínio específico (conhecidos por um grupo em particular) e dimensão sociocultural
(modelados por princípios morais, comportamentos e expectativas sociais). Vale lembrar,
no entanto, que as categorias não são discretas e que muitas dimensões podem estar
presentes num frame, inclusive nas partidas de RPG.
O frame interacional está relacionado a uma situação específica de
contrafactualidade entre os interlocutores. Esse tipo de frame inclui o conhecimento do
falante ou escritor e suas rotinas num evento de fala. Além disso, também inclui
conhecimentos de categorias discursivas tais como narrações de RPG, descrição de
cenários fantásticos ou ações específicas de evento dentro do jogo. “Frames
45
interacionais orientam a nossa conduta e as nossas expectativas no discurso” (DUQUE,
2017, p.38). Normalmente o espaço integrado da integração conceptual, por ser
orientado pelas expectativas do grupo, resulta num frame interacional.
Sobre framing e reframing, entenda-se aqui a visão de Lakoff (1987;2004;2008) e
Goffman (1974). O processo de framing é o modo que o indivíduo organiza seu
pensamento de forma a se enquadrar na situação em questão. “Framing diz respeito ao
pensamento e como você conceptualiza uma situação20” (LAKOFF, 2008, p.255
Tradução Nossa). Framing refere-se à construção de uma comunicação e à forma de
sinalizar, ao ouvinte ou observador, como interpretar e classificar novas informações.
Extremamente próximo à noção de framing, temos o conceito de reframing. No
reframing há um reenquadramento do frame estável, promovendo uma nova visão de
interpretação. “Reframing é mudar a maneira a qual o público vê o mundo”21 (LAKOFF,
2004, p.xv, tradução nossa). No RPG, a todo momento, estamos selecionando frames
estáveis, construindo e reconstruindo seu sentido através de framing e reframing.
20 Framing is about thought, about how you conceptualize a situation. 21 Reframing is changing the way the public sees the world.
46
CAPÍTULO 3 – “ROLE OS DADOS: AFINAL O QUE É RPG?”
Neste capítulo, explicamos o teor lúdico dos jogos de representação de papéis
(RPG). Para tanto, pormenorizamos um apanhado geral do que é, de fato, RPG e como
ele funciona. Como esse recorte nos interessa dentro de uma pesquisa científica
linguística para a observação da participação ecológica no processo de integração
conceptual?
Nas próximas linhas, explicamos as mecânicas dos RPG e quais deles foram
escolhidos para nosso estudo. Existem, pelo menos, três modalidades de RPG hoje em
dia de forma popular: o RPG de mesa, o RPG eletrônico e o RPG live Action. O RPG
eletrônico foca sua completude dentro de uma interface digital veiculada por jogos de
computador ou de videogame. O RPG live action tem como objetivo colocar o jogador
numa espécie de atividade teatral preestabelecida entre o narrador e os jogadores e o
RPG de mesa tem seu foco na narração e na coparticipação de todos os presentes para
o entendimento negociado.
Nossa escolha se deu pelo RPG de mesa por conter elementos ricos no tocante
ao estudo da integração conceptual: simulação, narração e imaginação de contrafactuais.
Dentro dessa modalidade de RPG, os jogadores participam verbalmente de forma
acentuada com o mestre do jogo de forma a negociarem o sentido. Não apenas essas
situações estão presentes numa partida. Nessa modalidade de RPG de mesa, é possível
enxergar muitas situações que vão além da formação de meras sentenças verbais ou
atuação abstrata de peças de teatro. O que há é um equilíbrio entre narração verbal,
imaginação e atuações físicas num todo interconectado para a formação de sentido.
Nas próximas linhas, apresentamos as bases do RPG, desde sua invenção até
sua aplicação prática numa mesa de jogo e de que forma essa atividade lúdica é
interessante para o estudo do fenômeno da integração conceptual. Identificamos também
de que forma a participação do conjunto corpo-ambiente-mente se orquestra para que a
imaginação tome substância para a emergência de entidades conceptuais novas dentro
dos RPG GURPS e Dungeons & Dragons.
47
3.1 O que é RPG?
Roleplaying Game ou RPG, significam em português “Jogo de Representação”. A
atividade foi iniciada na década de 1970 e seu intuito era a representação de papéis. Não
há consenso sobre quem realmente criou o RPG. No entanto, a comunidade de jogadores
credita esse esforço a Gary Gygax, um norte-americano que costumava jogar seus jogos
de tabuleiro com miniaturas. Gary Gygax começou a sentir a necessidade de um enxerto
qualitativo nas suas sessões. Ele acreditava que adicionando elementos literários,
linguísticos e performáticos, deixaria o jogo mais interessante e, dessa forma, surgiu o
RPG que se conhece hoje.
A febre dos jogos de representação de papéis teve seu auge no fim da década de
1970 até o fim dos anos 80, espalhando-se pelo mundo todo através do sistema de regras
mais conhecido de Gary Gygax: O Dungeons & Dragons. Apenas esse sistema foi
responsável pelo número de milhões de jogadores pelo mundo e centenas de livros
publicados. Embora tendo imenso sucesso, o RPG teve pouca disseminação no Brasil
em comparação à sua terra natal, os Estados Unidos. Destarte, é incomum as pessoas
saberem o que é o jogo ou terem tomado conhecimento de seus pormenores. Esta é a
razão pela qual achamos conveniente trazer uma seção para explicação pormenorizada
desse tipo de jogo.
Uma sessão de RPG possui muitos passos complexos para sua dinâmica.
Diferentemente de outros jogos de entretenimento, o RPG possui estratégias
completamente únicas para sua execução. Primeiramente, o grupo que vai jogar uma
sessão tem que ter à sua disposição um sistema de regras para veicular o jogo e a
construção dos personagens. Posteriormente, o mestre do Jogo (Dungeon Master no
sistema Dungeons & Dragons e Game Master no sistema GURPS) arquiteta um enredo
situado num cenário hipotético. Este cenário, normalmente, é de um momento diferente
da nossa época real e atual, quase sempre na era medieval. Depois que os jogadores e
o mestre do jogo sabem qual o teor da história e ambientação, bem como todos os
detalhes desse cenário hipotético, é possível fazer a construção das fichas de
personagem.
Os jogadores constroem um personagem fictício e atribuem a ele parâmetros
interpretativos, colocando-os numa ficha de papel. Depois que sabem do enredo da
48
história e como seus personagens devem agir, o jogo se inicia com a narração interativa
do mestre do jogo. Depois que o GM ou DM introduz os personagens no cenário
fantástico no qual os jogadores tomam parte, é hora de interagir negociadamente com os
outros e com o próprio mestre do jogo, rolando dados estatisticamente para prever
situações de disputa numa cena particular.
Cada um deve interpretar e representar seu personagem de acordo com suas
características, não podendo tomar atitudes e usar linguajar do jogador que o controla. O
personagem deve agir e falar como outra pessoa e seguir seus próprios princípios e
peculiaridades. Quando o jogo começa, o jogador não pode mais ser ele mesmo, mas o
personagem que ele criou e deve agir e pensar conforme ele agiria se lá estivesse, tal
qual um ator num filme ou numa peça de teatro.
Existem três tipos de RPG. No RPG de mesa, o qual flui apenas ao redor de uma
távola, os jogadores devem representar seus personagens sem a necessidade de
levantar de suas cadeiras. Nesse RPG, não há um cenário real tal como aconteceria
numa produção de um filme. Todo o trabalho de cenário e imagética é determinado pela
introspecção de cada jogador, que deve trabalhar cognitiva e criativamente para imaginar
os elementos, personagens e situações dentro do jogo. Essa forma inventiva de jogo de
linguagem é negociada com o restante dos jogadores e com o próprio mestre do jogo.
O RPG live action segue a mesma premissa, só que exige dos jogadores produção
artística e teatral para isso. Os jogadores devem usar fantasias e jogarem em pé como
se estivessem numa peça de teatro. O mestre do jogo exerce os mesmos papéis de um
RPG tradicional, mas, nessa modalidade, o trabalho é mais teatral do que apenas
imaginativo. Exige-se muito mais logística do que num RPG de mesa.
O terceiro, e mais recente dos RPG, é o eletrônico. Inicialmente, essa modalidade
não tinha esse nome, mas, com o passar do tempo, foi sendo enquadrada como RPG.
No RPG eletrônico, a essência se assemelha à de um jogo de videogame comum.
Entretanto, o jogador deve construir um personagem eletrônico e tomar parte na narrativa
apenas proposta pelos programadores. É possível jogar RPG eletrônico sozinho ou
online na internet, mas pouco do caráter interpretativo das outras modalidades de jogos
de representação permanece nesse tipo de jogo. Sua nomenclatura se deve muito mais
ao jeito como o jogo eletrônico se desenrola do que aos elementos imaginativos de um
49
RPG de mesa ou live action. A liberdade linguística, interpretativa e imaginativa nessa
modalidade é muito menor do que num RPG de mesa. Quase sempre sua imagética é
determinada algoritmicamente por programação pré-definida, deixando pouco espaço
para o trabalho de integração conceptual o qual essa pesquisa se propõe estudar.
Nossa pesquisa utiliza o RPG mais popular e, em consenso entre os jogadores,
mais rico no tocante a fenômenos linguísticos e cognitivos: O RPG de mesa. Uma sessão
de RPG típica gira em torno do mestre narrando as situações enquanto os jogadores
devem agir em colaboração linguística e cognitiva para avançar no jogo. Não há
perdedores ou ganhadores num RPG. Nossa concepção de “jogo” quase
necessariamente inclui que deve haver ganhadores e perdedores sob pena de não ser
caracterizado como tal. No entanto, conforme previu Wittgenstein (1953), não há uma
linha limítrofe entre o que é um jogo e o que não é. Enquanto alguns podem pensar que,
num jogo, é necessário que haja pelo menos duas pessoas, encalhamos, por exemplo,
no jogo de paciência, que se joga sozinho, ou ainda no termo “jogo de panelas”, no qual
não há nenhum elemento aleatório ou competitivo em enquadramento. Da mesma forma
ocorre num jogo de RPG: não há vencedores nem perdedores e toda sua dinâmica
parece ser totalmente a de um jogo normal.
Para melhor entendermos como funciona uma partida de RPG, vejamos uma
situação hipotética explicada a seguir. O mestre do jogo afirma que, por exemplo, os
jogadores estão no mundo fictício de Azures. Neste mundo, existem três sóis e está
havendo uma guerra civil entre os Orcs e Elfos (criaturas fantásticas) pela supremacia
sobre a terra. É dito que os jogadores têm a missão de acabar com essa guerra e trazer
paz ao mundo. Cada jogador criou um personagem diferente de sua própria
personalidade e eles devem agir de acordo com os parâmetros de sua ficha de papel.
Se, por exemplo, o jogador fictício Mike criou seu personagem para poder interagir na
guerra, ele deve fazê-lo de acordo com os parâmetros que ele definiu na construção do
personagem. Suponhamos que Mike tenha feito um personagem que se chama Kirah,
uma mulher. Ele definiu que Kirah tem temperamento agressivo e é mal-humorada. Kirah
também tem um sonho de se tornar rainha de Azures, mas hoje é apenas uma pobre
camponesa sem dinheiro nenhum. Mike é oposto de sua personagem: é calmo e
ponderado, de fala pacata. Quando Mike está no jogo, ele deve mudar até a entonação
50
de sua voz para parecer mais feminino, agir intempestivamente e ser grosseiro na hora
de falar, pois só assim estará interpretando Kirah da maneira certa. Nem mesmo seu
vocabulário contemporâneo Mike pode usar, pois, na época medieval, não se falava
gírias e maneirismos que temos hoje em dia. Mike deve assimilar a narração do mestre
e de seus amigos ao redor da mesa de jogo para poder mesclar conceitos. O que ele
ouve é o necessário para poder imaginar como seria a situação se assim fosse na época
medieval que foi proposta pelo mestre do jogo. O substrato final da produção linguística
nessa miríade imaginativa e performática é que nos interessa para o estudo dos fatos
linguísticos dentro da integração conceptual.
51
CAPÍTULO 4 – O PANORAMA ATUAL DOS ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO
CONCEPTUAL
O cenário atual dos estudos sobre integração conceptual tem uma perspectiva de
vasto horizonte exploratório. Seu estudo pode englobar diversas áreas como os espaços
mentais, o mapeamento mental e a própria integração conceptual. A teoria sobre
integração conceptual proposta por Fauconnier e Turner no livro The Way We Think, de
2002, foi um pináculo que passou por muitas etapas e pesquisas até sua concretude. No
entanto, pouco ou quase nada foi atualizado posteriormente.
Os estudos perpassaram pelos livros Mental Spaces, de 1984 e Mappings in
Thought and Language, de 1997, constituindo um trabalho continuado para a culminância
do que Gilles Fauconnier e Mark Turner chamaram de integração conceptual. No entanto,
embora devidamente embasada e fundamentada em estudos ao longo das décadas,
suas teorias sobre o assunto são alvo de muita contestação e criticismo. A maior parte
dessas críticas se fundamentavam nas seguintes contestações: o quanto de físico
realmente existe numa operação de integração conceptual e como garantir que, de fato,
há integração de conceitos e não apenas uma mera referenciação de informações já
conhecidas pela pessoa.
Neste capítulo, recuperamos esse panorama crítico e levantamos diversos autores
que tratam direta ou indiretamente sobre o assunto. Não apenas apresentamos um
debate sobre integração conceptual, mas também tratamos de autores que abordam as
temáticas envolvidas em nossa pesquisa como modelos mentais, simulação, simbologia
perceptual, ressonância motora, cognição corporificada e o próprio RPG. Finalmente,
mencionamos alguns trabalhos realizados dentro do âmbito nacional tanto sobre
integração conceptual quanto sobre jogos de RPG de modo geral.
52
4.1 Estado da arte
A linguística cognitiva surgiu no século XX, opondo-se ao gerativismo no início dos
anos 1980. À linguística cognitiva interessam as relações entre sintática e semântica, na
sua relação de forma e significado, e como o mundo à nossa volta está imbricado com
nossa cognição e faculdades linguísticas. A linguística cognitiva se opõe a um modelo
matemático e instrucional de língua conforme prevê a teoria gerativa inaugurada por
Noam Chomsky. Não compartilha da premissa da modularidade da mente e da pobreza
de estímulos. Na linguística cognitiva, o cerne é a interdisciplinaridade e aspecto contínuo
do fenômeno linguístico numa relação plurifacetada entre mente, cérebro, cognição e
linguagem. Nomes importantes para a linguística cognitiva incluem George Lakoff,
Ronald Langacker, Leonard Talmy, Charles Fillmore e Gilles Fauconnier.
Em relação à linguística cognitiva de modo geral, desde o início dos anos 2000
congressos e simpósios são promovidos pela ANPOLL e pelo grupo Cognição e Práticas
Discursivas da UFRN. Também temos os grupos GELP-COLIN, COMETA e Linguagem
e Cognição da UFSC/UNISC, sob a coordenação de Ana Cristina Pelosi, o grupo ELINC
da PUC Minas, sob a coordenação de Arabie Bezri Hermont, o grupo GEPELIC da
UNESP, sob a coordenação de Antônio Suarez Abreu, dentre outros.
Quanto à área de integração conceptual, pela própria razão de ser uma teoria
relativamente nova e com poucas atualizações, estudos científicos sobre ela podem ser
bastante explorados e proveitosos. Quase toda literatura nesse campo está em língua
inglesa e, no cenário nacional, a produção é modesta, não por falta de esforços, mas por
ser uma área de estudos recente no contexto geral. Nomes pioneiros no cenário nacional
incluem Lilian Ferrari, Margarida Salomão e Paulo Henrique Duque. Na teoria sobre
mesclagem conceptual, levantamos Fauconnier e Turner (2002) com o livro The Way We
Think como obra principal. Ainda relacionados ao tema, temos Aleksander Gomola com
o livro Conceptual Blending in Early Christian Discourse (2018), em que estudou o
fenômeno da mesclagem conceptual no discurso cristão antigo. Há ainda, Michael Booth
com seu livro Shakespeare and Conceptual Blending: Cognition, Creativity, Criticism
(2017), em que se dedicou ao fenômeno da mesclagem conceptual na obra de
Shakespeare. Danae Stefanou (2018) estudou as limitações da mesclagem conceptual
53
aplicadas à música e Yuliya Asmolovskaya (2010) aplicou-se no estudo do fenômeno em
piadas.
Sobre a noção de cognição ecológica, temos a visão de Paulo Henrique Duque
(2015b, 2016, 2017) e trabalhos de Liane Gabora, Eleanor Rosch e Diederik Aerts sobre
teoria ecológica de conceitos (2013). Ainda podemos ver trabalhos de Gibson (1979),
Bingham (1995), Shapiro (2011) e Golonka e Wilson (2012) sobre a noção de ecologia
cognitiva. Autores como Lakoff e Johnson (1999), que acreditam que o pensamento é
corporificado pelo fato de as atividades cognitivas serem indissociáveis do corpo e do
ambiente, são nomes que também se relacionam com o tema. Jensen e Greve (2019)
também pesquisaram sobre este campo de estudos linguísticos, especialmente
evidenciando a necessidade de se repensar a linguística cognitiva dentro de um prisma
de cognição ecológica.
Relacionados à área com a qual esta pesquisa dialoga, também encontramos
autores como Narayanan e Lakoff (2010), que postulam que o sentido é estruturado por
narrativas através de emulação e que essas narrativas compartilham estruturas das
motivações humanas, desejos, emoções, ações, eventos e desdobramentos.
Shapiro (2011) apresenta a visão de que a interconexão entre a pessoa e o
ambiente no qual ela está inserida se configura como o ponto de partida para o
desenvolvimento cognitivo. No seu ponto de vista, o corpo (que é orientado pela
percepção em todos os aspectos) executa tarefas ímpares que são totalmente guiadas
por intencionalidade. Para Wilson e Golonka (2013), o ato de falar é um evento
plurifacetado e que está conectado com um aspecto específico para cada evento de fala.
Kirsh (2010) realiza um trabalho interessante mostrando pistas de como o
pensamento é corporificado. Em seu trabalho, o autor analisou como dançarinos do grupo
britânico Random Dancers remontam a vários movimentos complexos de balé a partir de
marcações gestuais usadas para relembrarem suas performances inteiras.
Ainda relacionado à área, Goffman (1974) afirma que o ser humano não pode
formar sentido de forma definitiva face às complexidades do mundo. Dependemos da
formação de frames específicos para categorizar, dirimir e interpretar as experiências. A
informação linguística leva a pessoa a engendrar sentidos e lançar mão de visões de
mundo próprias, num contexto próprio.
54
A informação linguística, por ser uma convenção, é afetada no discurso do RPG,
pois se situa numa época específica e num cenário especifico com convenções
diferentes. Dessa forma, nos RPG o discurso é materializado de forma única por estar
inserido num contexto próprio e, portanto, tem eventos de fala e informações linguísticas
particulares.
Ainda ligado a esses temas, Tomasello (2008) mostra a importância da habilidade
da atenção compartilhada e seus desdobramentos no ato da cognição social.
Sobre jogos e RPG, Elizabeth Fein (2015) notou muitas habilidades e
características na formação de sentido quando jogadores imergem no RPG. Entre elas,
a comunicação em perspectiva, aspectos não verbais e verbais, padrões discursivos e,
especialmente, o compartilhamento de atenção e abstrações mentais. Fein verificou que,
durante a partida de RPG, o participante toma para si estratégias sociodiscursivas e
sensório-motoras para a construção do seu discurso, levando em consideração aspectos
ambientais. Adams (2013), Ang, Mahmood e Zaphiris (2007) também fizeram estudos
diversos relacionados aos RPG, incluindo tanto aspectos discursivos quanto cognitivos
ligados à atividade lúdica desse tipo de jogo. Rodrigues (2018), estudou as narrações
dos RPG levando em consideração os elementos que lhes dão suporte como os modelos
situacionais, plots, motifs, frames e esquemas-X.
Finalmente, os trabalhos realizados na área de simulação e ressonância motora
mais expressivos são os que contam com as noções propostas por Barsalou (1999) e os
modelos situacionais conforme pontuados por Zwaan e Radvansky (1998).
No Brasil, alguns trabalhos se dedicaram ao estudo do fenômeno da integração
conceptual. Entre eles, podemos mencionar Angelina Aparecida de Pina (2006), que se
dedicou ao papel da mesclagem conceptual na construção do significado do angulador
“um tipo de”. Elyssa Soares Marinho e Lilian Ferrari (2016) dedicaram-se a identificar e
analisar os elementos linguísticos que ativam o efeito cômico e constroem cognitivamente
o significado em piadas curtas a partir da teoria da mesclagem conceptual. Sandra
Bernardo (2011) aplicou-se à mesclagem conceptual em análise de cartuns e Dieysa
Kanyela Fossile (2009) direcionou-se também à análise desse tipo de fenômeno. Ainda,
Jan Edson Rodrigues Leite e Marinésio Gonçalves (2013) pesquisaram sobre mesclagem
conceptual e inferência em portadores da Doença de Alzheimer na área de linguística
55
aplicada. Jan Edson Rodrigues Leite, Mábia Nunes Toscano e Andréa de Oliveira Gomes
Martins (2013) se empenharam no estudo do tema em narrativas sociolinguísticas.
Quase todos os trabalhos no Brasil sobre o tema estão mais ligados à aplicação
da teoria em exemplos. A análise de exemplos nesses estudos constitui uma parte muito
maior do que os estudos do fenômeno propriamente dito. Nenhum deles se aplica a
explicar de que forma ele ocorre nem analisa a pormenorização de suas etapas. No
Brasil, não há nenhum livro dedicado totalmente ao tema. No geral, possuem, quando
muito, alguns capítulos em livros e artigos publicados. Do mesmo modo, no restante do
mundo também não há um repositório muito grande de pesquisas sobre o tema se
comparadas a outros campos da linguística, o que torna o trabalho de estudo nessa área
justificável.
A teoria dos espaços mentais (FAUCONNIER, 1984) e da mesclagem conceptual
(FAUCONNIER; TURNER, 2002) sofrem muitas críticas da comunidade científica pela
falta de material empírico e histórico que comprove os postulados propostos pelos
autores. A parte maior da crítica feita pela comunidade científica é pautada sobre o
caráter de “torre de marfim” dos exemplos apresentados pelos autores. São exemplos
fáceis de se imaginar e perfeitamente cabíveis para a maioria das pessoas. De maneira
geral, a comunidade científica explora dois grandes pontos na teoria: quais processos
durante a mesclagem são realmente feitos online e de que forma são feitos e, ainda,
como garantir em que medida os processos são realizados através de faculdades
mentais pouco tendo a ver com aspectos sensório-motores. Destarte, a preocupação
desta pesquisa paira não só sobre essas dúvidas, mas em muitas outras que surgiram
no andamento dos trabalhos.
Relacionado à área de linguística e RPG, levantamos um estudo de caráter
cientifico e não inserido em lazer ou entretenimento. “The Creation of Narrative in
Tabletop Role-Playing Games”, por Jennifer Grounling Cover (2010), trata de forma
interdisciplinar a narrativa nos RPG sob forma de análise do discurso. Este trabalho não
trata diretamente sobre mesclagem conceptual ou outros mecanismos de analise mental,
mas provê um apanhado interessante sobre a análise da produção linguística de
jogadores de RPG.
56
CAPÍTULO 5 – O MODUS OPERANDI DA REDE DE INTEGRAÇÃO CONCEPTUAL
Neste capítulo, apresentamos de que forma a pesquisa sobre integração
conceptual dentro do universo dos jogos de RPG toma forma para a observação da
participação ecológica dentro da formação de sentido. Tentamos demonstrar, de forma
clara e objetiva, os passos seguidos para a concretude da pesquisa para que seja
possível uma contestação falseável de suas premissas, procedimentos e conclusões.
No percurso do capítulo cinco, busca-se entender de que forma a ontologia
qualitativa de pesquisa se coaduna com as pretensões dos estudos propostos de forma
a deixar claro que as operações de integração conceptual andam em consonância com
nossa capacidade cognitiva de relacionamento com o ambiente ecológico imediato.
Defendemos que a formação de sentido parece se formar com a participação de nossos
corpos e mentes no processo, sendo difícil chegar a um entendimento do que é a
integração conceptual sem o envolvimento sensório-motor.
Nas próximas linhas, também apresentamos a natureza de nossos objetivos e
elencamos um rol de ferramentas analíticas, teorias e conceitos operacionais utilizados
no percurso da pesquisa para que seja possível um entendimento substancial do que
propomos. Da mesma forma, detalhamos a seleção do corpus e de que forma ele se
adequa ao estudo da integração conceptual.
Finalmente, apresentamos uma breve introdução sobre o próprio modelo de rede
de integração conceptual (MRIC) e pormenores de cada sistema de RPG utilizados nesta
parte da pesquisa. Basicamente, escolhemos os dois sistemas mais populares entre os
jogadores de RPG de mesa hoje em dia: o GURPS e o Dungeons & Dragons. Da mesma
forma, explicamos como foram coletados os dados e de que maneira foram veiculados
publicamente na rede mundial de computadores através da plataforma digital de vídeos
do youtube.com. Acreditamos que o passo-a-passo apresentado possa levar a uma
compreensão satisfatória de como a pesquisa transcorreu e de que forma utilizamos as
ferramentas para compreender o complexo fenômeno da integração conceptual com a
participação do corpo humano no processo.
57
5.1 Metodologia
Nesta seção, procuramos expor, de forma clara e concisa, os métodos utilizados
em nossa pesquisa qualitativa a respeito da coleta dos dados e procedimentos. A
estrutura foi dividida em subtópicos com explicações pormenorizadas para esclarecer o
que realizamos na pesquisa.
5.1.1 Natureza da pesquisa
Quanto à sua natureza, a pesquisa é do tipo básica e segue a visão de Casell e
Symon (1994), na qual o pesquisador, com o avanço da pesquisa, altera sua intervenção
em resposta à natureza mutante do contexto. Quanto aos procedimentos técnicos,
utilizou levantamento bibliográfico (de autores relacionados à área de cognição e
linguística), dinâmica observacional (observa e mede o objeto de estudo) e análises de
transcrições de fala sob um enfoque crítico e de realismo direto (MASSUKADO, 2008).
Nessa perspectiva, a pesquisa qualitativa se vale de observação participante, observação
in situ e métodos diversos para obtenção de dados.
5.1.2 Abordagem metodológica
Quanto à abordagem metodológica, a pesquisa é do tipo qualitativa, pois se limita
ao estudo dos fenômenos linguístico-cognitivos e seus fundamentos no percurso do
trabalho, dando ênfase em qualidades das entidades, processos e significados no RPG
conforme a visão de Denzin e Lincoln (2006). Pela dinâmica situacional dos RPG, nossa
pesquisa também se apoia na visão qualitativa de Silverman (2000), na qual o método
qualitativo pode sustentar maior aprofundamento de um fenômeno, no caso, a integração
conceptual. Ainda, tem natureza interpretativa por parte do pesquisador-participante
(CRESWELL, 2003). Usa também múltiplas visões empíricas, observativas,
introspectivas e comportamentais guiadas pelo livro Methods in Cognitive Linguistics
(GONZALEZ-MARQUEZ et al, 2007). O livro em questão promove um apanhado
qualitativo e procedimental para análises de observação e análise de vídeo,
especialmente para linguística cognitiva. Dentre os possíveis conteúdos mentais
passíveis de análise, destacam-se as crenças, as imagens mentais, memórias (sejam
58
visuais, auditivas, olfativas, sonoras, tácteis), as intenções, as emoções e o conteúdo do
pensamento em geral (conceitos, raciocínios, associações de ideias). Essas
características podem ser observadas regularmente nos RPG.
5.1.3 Natureza dos objetivos
Quanto aos objetivos, são exploratórios (GIL, 1991) no sentido de verificar fatos de
uma área pouco explorada (cognição ecológica, framing e integração conceptual) e
descritivos (GIL, 2008) por explicitarem características pertinentes à formação de frames
e integração de conceitos.
Quanto às técnicas de obtenção de dados, a pesquisa utilizou coleta das
características da formação de frames em jogadores de RPG e de que forma são
construídos para efetivação do sentido sob forma de grounded theory (fundamentada em
dados). Os dados foram capturados do canal público do YouTube.com “Grunge Games”
para a observação da integração conceptual relacionada ao aspecto ecológico. A
recolecção desses dados multimodais se deu por observação, ordenação, classificação
e análise de excertos multimidia de áudio, vídeo e transcrições de glosas de fala.
5.1.4 Ferramentas analíticas, teorias e conceitos operacionais
Nossa pesquisa utilizou as noções de frame (DUQUE 2015a; 2017), framing e
reframing (LAKOFF, 2004), esquemas, espaços mentais (TURNER, 1984), modelos
cognitivos, simulação e símbolos perceptuais (BARSALOU, 1999), cognição ecológica
(DUQUE, 2015b, 2016, 2017), modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998) e
integração conceptual (FAUCONNIER; TURNER, 2002).
5.2 Caracterização do corpus
O corpus para o estudo do objeto de pesquisa constituiu-se de narrações
construídas pelo mestre de RPG em vídeo e viabilizadas pelos sistemas de regras
GURPS e Dungeons & Dragons, utilizando três ou quatro participantes.
Embora existam muitas modalidades de RPG (RPG de mesa, Live Action RPG e
RPG eletrônico) e muitos sistemas de regras, estudamos dois sistemas conhecidos como
59
GURPS22 e Dungeons & Dragons23 por sua liberdade interpretativa e disponibilidade de
muitos cenários de jogo e simulação. A escolha pelos sistemas de regras mencionados
também se deu pelo fato de que, em GURPS, o sistema de regras influi pouco no
desenrolar da narrativa e é possível uma interação verbal muito maior em relação aos
outros sistemas de RPG. Por outro lado, a escolha do sistema Dungeons & Dragons se
deu por ele possuir uma dinâmica de construção de personagem e parâmetros
interpretativos bem diferentes do GURPS, o que, em nossa visão, tornaria a pesquisa
empiricamente mais confiável do que se tivesse apenas uma fonte de estudo para
contestação falseável. Dessa forma, veiculamos o estudo a mais de um único sistema de
regras para que as próprias mecânicas dos jogos não interferissem nos resultados. De
tal maneira, o estudo provou ser mais qualitativo do que trabalhando em apenas um
sistema.
Sobre a escolha desses dois tipos de sistema de RPG, podemos dizer que o
GURPS é mais interpretativo e o Dungeons & Dragons é mais ligado a arquétipos de
personagem. Trabalhando com o GURPS podemos ver mais liberdade do jogador no
tocante a se expressar livremente sem necessariamente estar ligado a um arquétipo fixo
de personagem. No GURPS, a liberdade para inventar peculiaridades pessoais é mais
aberta. Nesse sistema, o jogador pode retirar de sua própria imaginação uma série de
peculiaridades e anotá-las em sua ficha de papel. Dessa forma, a construção de seu
avatar se torna mais flexível do que em Dungeons & Dragons.
Já no sistema Dungeons & Dragons, a seleção de cada personagem está limitada
a determinados arquétipos preestabelecidos em seu livro básico de regras. Embora
também possua certa maleabilidade para ajustes finos nos arquétipos de personagem,
no final, o jogador deve sempre se adequar a um perfil de classe de personagem. Por
exemplo, um anão quase sempre tem personalidade forte, vive sob as montanhas e
segue uma linha mais ligada ao combate e à guerra. Embora seja possível, por exemplo,
22 GURPS: Generic Universal Roleplaying System. É um sistema de jogos de interpretação que prima pela interação verbal e interpretação de papéis. 23 Dungeons & Dragons: Um sistema similar ao GURPS só que com parâmetros de regras e interpretativos diferentes.
60
construir um anão erudito ou ladrão, seus moldes são mais rígidos do que em GURPS,
que é mais maleável nesse sentido.
Os dados foram coletados de sessões de duas horas em média. Cada excerto em
vídeo foi retirado do canal público do YouTube.com, “Grunge Games”. O canal referido
tem um escopo relacionado com jogos de videogame e RPG de mesa de modo geral. Os
participantes jogavam dois cenários em dois jogos e em dias diferentes. Um deles no
cenário da pirataria na América Central no século XVIII, veiculado pelo sistema GURPS
e o outro, no cenário fictício medieval de Greyhawk do sistema Dungeons & Dragons.
5.3 Procedimento de análise
Primeiramente, os vídeos foram observados online diretamente da transmissão da
plataforma eletrônica de vídeos “youtube.com” e, sem seguida, foram feitas transcrições
das partes que chamaram a atenção para o recorte da pesquisa. Posteriormente, essas
transcrições foram colocadas em registro e formatadas para inserção no nosso estudo.
Do momento da observação do corpus, foram captados os momentos mais relevantes
para a pesquisa e colocados juntamente com a análise. Como exemplo, quando dentro
de um momento cronológico da sessão, algum participante (narrador ou jogador)
precisava imaginar uma cena contrafactual, este momento era capturado para análise.
Se, por exemplo, a situação era a conceptualização de um dragão, o participante agia
negociadamente falando e gesticulando com os outros para chegar a um entendimento
satisfatório. A partir daí, selecionava-se o trecho observado em vídeo, transcrevia-se a
fala dos participantes e observavam-se suas expressões físicas (corporais e faciais),
como também suas sentenças construídas em colaboração. Em outras palavras, cada
situação que deu pistas sobre a participação de aspectos sensório-motores e linguísticos
no processo de integração conceptual foi selecionada para posterior análise.
Cada situação analisada nesta pesquisa conta com informações descritivas para
facilitar o acesso de identificação. As informações foram colocadas de forma explicativa
evidenciando o momento cronológico quando se passa a cena no jogo (com minutos e
segundos), o título da sessão, o sistema de regras utilizado, o nome dos participantes e
a própria transcrição dos diálogos, conforme a figura 3. A fonte da transcrição do corpus
foi alterada, para facilitação visual, para typewriter corpo 11. Por questões científicas,
61
identificamos os participantes da seguinte forma: DM (Dungeon Master) quando se tratar
do narrador do jogo Dungeons & Dragons e GM (Game Master) quando se tratar do
narrador do jogo GURPS. Para os demais indivíduos, utilizamos a nomenclatura
“jogador”, acompanhada de um número arábico para os participantes do RPG (1, 2, 3 e
4). Ao tratarmos de blocos narrativos, usamos a nomenclatura de identificação “bloco”
seguida por letras em ordem alfabética. O narrador (DM ou GM) existente em cada uma
das sessões de RPG foi um papel desempenhado pelo pesquisador, como forma de
compreender de maneira mais ampliada como cada fenômeno diferiria de sua
interpretação introspectiva sobre determinada situação. Assim, os resultados não se
limitariam apenas à observação ocular dos fenômenos de integração conceptual e
ressonância motora. Dessa forma, foi possível considerar também as impressões do
pesquisador, o que garantiu mais amplitude na compreensão dos fenômenos aqui
estudados.
Figura 3 – Excerto da análise do corpus
Fonte: elaborado pelo autor
Para melhor exemplificar, considere o recorte a seguir (figura 3). No caso da
sessão intitulada “O Minotauro de Lum”, teríamos o jogador 1 (Gnoplex, o homem-
dragão), o jogador 2 (Flores, a ladra), o jogador 3 (Rigel, o ranger) e o jogador 4 (Ashura,
o monge). Quando das análises dos jogos de GURPS, chamamos os participantes de
jogador 1, jogador 2 e jogador 3 apenas. O motivo para essa decisão se deveu ao fato
62
de que suas classes de representação de papéis são iguais no RPG de pirataria (todos
são piratas e não classes diferentes que possuem características distintas).
Também fizemos distinção do que é reprodução de discurso e do que são
comentários da pesquisa. Para o caso apenas da replicação do discurso verbal citado
pelos jogadores de RPG, colocamos a transcrição em letras minúsculas com formatação
padrão. No caso de descrições de ações e ressonância motora por parte dos jogadores,
colocamos o comentário em caixa alta para caracterizar um movimento físico conforme
exposto na figura 4.
Figura 4 – Descrição verbal / Ação física
Fonte: elaborado pelo autor
Transcrição Verbal
AÇÃO FÍSICA NÃO VERBAL
63
CAPÍTULO 6 – A INTEGRAÇÃO CONCEPTUAL NOS ROLEPLAYING GAMES
Os jogos de RPG constituem uma atividade lúdica bastante complexa com
acentuado montante de processos mentais, físicos e imaginativos que perpassam não
apenas o processamento linguístico, mas também a própria cognição dentro da
integração conceptual.
Neste capítulo, apresentamos a análise pormenorizada de diversas situações que
vão além da estrutura imediata da frase. Para que a situação de integração conceptual
proposta pelo jogo faça sentido, os jogadores precisam tomar parte numa série de
movimentos cognitivos para satisfazer suas demandas conceptuais na narração do RPG.
Os jogadores se inserem num cenário hipotético narrado pelo mestre do jogo para
adequar suas expectativas aos parâmetros interpretativos das peculiaridades individuais
de seus personagens. Desse ponto em diante, os jogadores relembram experiências
análogas já vividas e integram a situação proposta pelo jogo para formarem um conceito
totalmente novo que não foi previsto por eles. Essa formação se dá de uma forma que
essa nova entidade criativa não é exatamente o que eles experimentaram anteriormente
nem o que, de fato, é a situação real. Dessa maneira, os participantes acabam formando
estruturas emergentes próprias negociadas intersubjetivamente.
Nesta seção, também verificamos como a rede de integração conceptual (MRIC)
é utilizada para observar a participação do corpo, mente e ambiente na formação da
integração conceptual. A partir dos exemplos extraídos do corpus, é possível ter pistas
dos diversos fenômenos ligados aos aspectos sensório-motores do ser humano como a
ressonância motora, a simulação e a modelagem situacional. Nas situações
apresentadas, observamos integrações conceptuais que possuem vários frames
estruturais e possuem muitas fontes de informação. Inclusive, algumas delas até mesmo
se valiam de padrões auditivos e táteis para a formação de sentido por parte dos
jogadores. Muitas vezes, foi possível perceber que os jogadores recorreram a
experiências vividas em algum momento para a formação da estrutura situacional que se
apresentava na partida. Essas situações episódicas somente faziam sentido dentro do
RPG e depois se desmontavam para que o jogo prosseguisse.
64
6.1 Análise
A sequência das sessões de jogo foi alocada aqui de forma que se perceba como
os fenômenos físicos, estruturais e contextuais são gradativos durante a observação dos
fatos linguísticos. Como é natural dos RPG, o jogador vai gradativamente entrando na
pele de seu personagem até que alcance um estado bastante compenetrado de situação
simulativa.
6.1.1 Ressonância motora: o processo de recrutamento ecológico
A ressonância motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006) é um fenômeno que ocorre em
nível cerebral onde os substratos neurais são recrutados quando o indivíduo observa
outros fazendo ações físicas ou ouve sentenças verbais. Quando fazemos uma ação e
nos preparamos para ela, nosso corpo recruta comandos e redes neurais para a
execução dessa tarefa, acionando (quando necessário) todos os músculos para a
execução do ato físico. A ressonância motora ocorre justamente quando observamos
alguém realizando uma ação. Os mesmos recrutamentos neurais são acionados como
se estivéssemos fazendo, nós mesmos, essa ação. Uma gama de outros autores também
observou o mesmo fenômeno em diversos estudos (GREENWALD, 1970; JAMES, 1980;
JEANNEROD, 1994 e PRINZ, 1997). A observância da ressonância motora está
diretamente ligada a uma das questões de pesquisa, que é justamente a participação do
aspecto físico (ecológico) na formação de sentido dentro do RPG.
Durante a sessão intitulada “O Minotauro de Lum”, podemos observar uma sorte
de recrutamentos musculares e motores quando os jogadores devem repetir as ações
narradas e propostas pelo mestre do jogo. O intuito é seguirem imersos no contexto
lúdico. No excerto do bloco A, o DM propõe ao jogador 3, cujo nome fictício é Rigel, uma
cena na qual ele está dentro do lar dos anões da montanha e recebe uma espécie de
carta.
65
Bloco A - Pergaminho
Fonte: elaborado pelo autor
Na situação descrita na cena 1 (bloco A), o jogador 3 recebe um pergaminho
contendo informações de seus amigos que se encontram em outro lugar, passando
dados de que acharam um “dragão verde”. Na situação, o jogador 3 se coloca na pele de
seu personagem e recebe o pergaminho, abrindo o papel para ler a informação que há
dentro dele. Na verdade, na cena do jogo não há papel algum e nenhum elemento físico
que evidencie que o jogador está recebendo do DM algo em forma de pergaminho. Ele
mesmo, simulativamente, abre um pergaminho imaginário e esbraveja o enunciado “Com
mil demônios!” Suas ações físicas, mesmo sentado, sugerem que ele manipula um objeto
que não está presente na realidade. Para tanto, ele recruta todo um aparato motor
necessário para abrir a carta. É importante lembrar que nem o DM nem outro participante
solicitou ao jogador 3 que fizesse esta ação física. Seu movimento foi proposital e
deliberado, partindo dele mesmo a iniciativa.
Figura 5 – Jogador 3 abre um pergaminho
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
66
Bloco B – Ressonância motora
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
Da mesma maneira, no bloco B, observamos uma série de movimentos sugerindo
uma espécie de ressonância ocorrendo nas narrações entre o DM e o jogador 3 (Rigel).
Seus movimentos espontâneos, quando da situação de ter que realizar determinadas
ações, parecem recrutar seus músculos e atividade física para compreensão e
conceptualização da cena proposta pelo DM. Durante o percurso das cenas de 2 a 5
(bloco B), é possível observar movimentos físicos, desde o simples mexer dos braços até
movimentos com o corpo todo e expressões faciais de dor, aflição e surpresa ou até
mesmo, ativação de esquemas imagéticos básicos (LAKOFF, 1987)24 como
24 Esquemas imagéticos são estruturas abstratas e cinestésicas vindas de experiências físicas com o ambiente. Os esquemas imagéticos podem incluir parte/todo, ligação, centro/periferia, cima/baixo, frente/trás, contêiner etc.
67
[CONTÊINER], por exemplo. A ativação desses esquemas básicos é evidente quando os
jogadores remetem a movimentos retilíneos ou circulares com as mãos, ou quando
realizam movimentos de depósito quando se referem a algo dentro de um contêiner.
Figura 6 – Expressões corporais
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
O movimento de ressonância motora é um fenômeno caracterizado pela
observação direta da ação física que se deseja replicar. Do mesmo modo, é possível
[cena 2 - cegueira] [cena 3 - robe]
[cena 4 - bolsa]
[cena 5 - tobogã]
68
acioná-lo apenas a partir da narração proposta pelo RPG. Na verdade, o fenômeno pode
ser observado também no processamento linguístico. Não só a observação direta da
ação física ressoa motoramente, mas o simples ouvir de uma palavra dentro de um
contexto específico também promove a ressonância motora involuntária. O
processamento linguístico induz à simulação mental de ações propostas pela palavra.
As teorias da observação da ação foram estendidas não apenas para o domínio da compreensão da ação, mas também para o domínio da compreensão linguística (por exemplo, Gallese e Lakoff, 2005; Glenberg e Kaschak, 2002; MacWhinney, 2005; Rizzolatti e Arbib, 1998). A ideia é que as pessoas entendam descrições linguísticas de ações simulando mentalmente essas ações, assim como as pessoas entendem ações diretamente observadas por outros através de simulação mental. Nesta visão, a compreensão da linguagem pode ser conceptualizada como a simulação mental induzida por linguagem das ações descritas (ver também Barsalou, 1999) (ZWAAN, 2006, p.02, tradução nossa).25
Um exemplo evidente de ressonância motora é observado num excerto retirado
de parte da sessão “A pirâmide de Gelo parte 4” (Bloco C, cena 6), na qual o DM diz
apenas que cada um está fazendo um trabalho físico. Na cena, os personagens estão
trabalhando para fazer uma jangada de troncos de árvores. O DM não deixa claro quais
tarefas cada um vai fazer e de que forma. Cada um, negociadamente, traz para si uma
tarefa sem instruções diretas do mestre do jogo. O que se vê é que cada participante
toma para si uma série de ações físicas simuladas sem proferir nenhuma palavra. Para
a obtenção do sentido particular, cada jogador interpreta uma ação física sem a
necessidade de complementação linguística, deixando essa tarefa em maior parte por
conta de simulações mentais, revelando ressonância motora.
25 Theories of action observation have been extended not only to the domain of action understanding but also to the domain of language understanding (e.g., Gallese & Lakoff, 2005; Glenberg & Kaschak, 2002; MacWhinney, 2005; Rizzolatti & Arbib, 1998). The idea is that people understand linguistic descriptions of actions by mentally simulating these actions, just like people understand directly observed actions by others through mental simulation. On this view, language understanding can be conceptualized as the language-induced mental simulation of the described actions (see also Barsalou, 1999).
69
Bloco C – Trabalhos manuais
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
6.1.2 O processo da rede de integração conceptual: recrutamento ecológico,
mesclagem, reframing, simulação e modelos situacionais.
Fauconnier e Turner (2002), em sua clássica frase, afirmam que a linguagem
visível é apenas a ponta do iceberg (FAUCONNIER; TURNER, 2002). Isso dá margem
para entendermos que a mente humana é muito mais complexa para a operação de
integração conceptual do que se imagina. O significado não é dado, mas construído à
medida que precisamos viver na mescla. Nossa habilidade abstrata de conceptualizar as
coisas é resultado de complicadas e involuntárias manobras mentais de produção de
sentido. Nossa mente é uma máquina de integração conceptual sob a forma de um
complexo sistema que inclui corpo, mente e ambiente. A possibilidade cognitiva do
indivíduo para, a todo momento, refazer o sentido das coisas é guiada por princípios.
Esses princípios são controlados por nosso entorno situacional (físico, mental e
sociocultural).
Empregamos, em vez de mesclagem conceptual, o termo “integração conceptual”
por acreditar num fenômeno mais amplo de mistura de conceitos. O próprio termo
“mesclagem” nos guia para um fenômeno muito rígido dentro do qual duas coisas estão
necessariamente amalgamadas, meio a meio, num substrato. O que percebemos é que
o fenômeno traz não apenas a relação de análogos e compressão de relações vitais, mas
uma série de outros elementos de ordem física e situacional. O que propomos são etapas
não descritas/previstas pelos autores em seu estudo sobre o tema: os modelos
situacionais. Ao modelo que propomos aqui, demos o nome de “rede de integração
conceptual”.
70
Figura 7 – Rede de integração conceptual
Fonte: elaborado pelo autor
Partimos do princípio de que o processamento linguístico está inevitavelmente
ligado a nosso entorno situacional. Acreditamos num recrutamento ecológico. Em outras
palavras, para a produção e compreensão linguística, o indivíduo tem que recorrer às
suas experiências com o ambiente de forma direta e de forma indireta. Na noção
ecológica de linguagem, o aspecto físico e ambiental é fundamental para nossa cognição.
De acordo com Duque:
O sistema cognitivo emerge da atuação do corpo no ambiente, ou seja, com as informações perceptuais obtidas durante a exploração do ambiente, o cérebro coordena a montagem de circuitos percepto-motores de execução de tarefas de complexidade crescente (DUQUE, 2017, p.22).
Do mesmo modo, o modelo proposto aqui se baseia nessa premissa. O modelo
de rede de integração conceptual parte dessa mesma base: antes de mais nada, nossas
experiências com o ambiente é que guiam nossa cognição.
71
Frames (linguísticos ou interacionais) fornecem inputs para a formação da
integração conceptual, os quais são processados e retroalimetados no espaço genérico.
Depois do processamento de análogos, compressão e descompressão de relações vitais,
o indivíduo deve fazer uso de modelos situacionais que vão resolver sua demanda
cognitiva imediata. Daí, então, podemos ter uma situação simulativa para a emergência
do conceito novo que foi criado. Em nossa visão, apenas a mesclagem conceptual,
conforme preveem Fauconnier e Turner (2002), parece não dar conta satisfatoriamente
do processo inteiro, especialmente na sua relação com a noção de cognição ecológica
da linguagem. As críticas ao modelo pairam justamente em pontos pouco explorados e
explicados pelos autores: o aspecto físico-ecológico no processo. Portanto, o modelo
apresentado como ferramenta de análise proposto aqui tem o intuito de elucidar o
processo de integração de conceitos de forma mais clara e não substitutiva.
No excerto a seguir (bloco D, cena 7), o mestre do jogo (GM) narra uma situação
hipotética veiculada pelo sistema de regras GURPS no cenário da pirataria do século
XVIII. No exemplo, o GM pede para que os jogadores se insiram no cenário de maneira
que eles se encontrem numa situação na qual devem tomar um banho. Aqui, o dilema de
integração conceptual induz os jogadores a imbricarem seus conceitos para a
emergência de um substrato conceptual totalmente novo.
Bloco D – Pirataria
72
Fonte: elaborado pelo autor
Nessa situação, podemos observar o início do processo de integração conceptual
para a formação de sentido. O GM pede aos jogadores que descrevam como é o banho
para o contexto da época da pirataria.
Num movimento cognitivo inicial, o GM propõe a situação que é recebida por três
jogadores que têm seu conceito sobre banho num estado sem perturbações. Nesta fase,
o conceito de banho se ancora em frames de experiências prévias, normalmente
baseadas em situações recentes. Esse acionamento se dá por ativação linguística de
uma palavra. O evento é definido pela cultura na qual um indivíduo vive. O frame orienta
os jogadores acerca do procedimento de como um banho funciona em termos
cronologicamente atuais. Liga-se, geralmente, um chuveiro, pega-se o sabonete e
enxaguantes e faz-se o asseio para posterior secagem com uma toalha. No entanto, os
jogadores devem imaginar como seria se vivessem na época da pirataria do século XVIII
ou como, na visão deles, um pirata tomaria banho.
Posteriormente a essa posição inicial, o jogador precisa romper com o estado de
base sem perturbações de seu conceito sobre banho, pois necessita que sua visão se
adeque ao que seria o equivalente no século XVIII no cenário de pirataria. Nesse
momento, ocorre uma conceptualização secundária, um reframing (LAKOFF, 2004). Logo
o conceito entra em estado de perturbação, pois sofre influência de ordem contextual
(esse é o contexto ativado pelo frame [PIRATARIA])
Neste input, um novo frame entra em cena estruturando os elementos da memória
do jogador de informações que eles possuem sobre pirataria. Esse frame pode conter
poucas informações sobre o que realmente seria um banho naquela época, mas está
carregado de outras informações sobre valores, cultura e outros elementos abstratos. O
que estrutura esses novos elementos do frame é a experiência dos jogadores com coisas
próximas ao que eles julgam serem pertencentes ao contexto de pirataria. Normalmente,
73
essas informações vêm de leituras, de filmes e do próprio contexto que o GM dá sobre o
background da história, formando, assim, outros frames.
No momento em que há essa ruptura contextual entre o frame de input 1 [BANHO
MODERNO], o frame de input 2 [BANHO PIRATA] e os outros frames que estruturam suas
experiências prévias e análogas à situação, o sistema sai do estado inicial. A partir daí é
que se procede ao modelo situacional inserido no espaço genérico para a formação da
integração conceptual. A ruptura ocorre porque a linguagem é um sistema adaptativo
complexo (DUQUE, 2016), ou seja, está sempre em mudança. O sistema linguístico está
sempre iniciando, desconstruindo e reiniciando todo o processo para se adaptar à
dinâmica dos próprios fatos da língua.
Em termos de mesclagem conceptual conforme pensavam Fauconnier e Turner
(2002), temos uma rede de espelho sendo estruturada por um único frame [BANHO]. O
que poderia parecer uma rede simplex (FAUCONNIER; TURNER, 2002) de dois frames
estruturais diferentes ocorre imediatamente quando o frame se torna tão complexo que
deixa de ser apenas [BANHO] para tornar-se [BANHO MODERNO] e [BANHO PIRATA]. O
processo manipulativo, conforme prevê Lakoff (2004), ocorre pelo reframing, no qual um
frame é manipulado de tal forma que passa a se transformar em outro totalmente novo.
O próximo estágio configura-se numa simulação mental (BARSALOU, 1999) de
como seria um banho com os elementos que o jogador reuniu dos inputs para atender
sua demanda conceptual. Nesse momento, observamos que os jogadores quase sempre
fazem movimentos ativando esquemas imagéticos básicos de dentro-fora, movimentos
circulares e caminho-meta quando estão negociando sentido. Aqui, vemos claramente
uma situação de ressonância motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006), pois seus movimentos
são involuntários. Quanto mais o jogador deve se sentir na cena, mais ele simula e
recupera affordances26 para sua conceptualização. É necessário frisar aqui que o
reconhecimento de affordances é físico.
A atuação no ambiente se dá em tempo real e é controlada por informações perceptuais fornecidas pela percepção direta. Registrados
26 Para Gibson (1986; 1976), Affordances são as possibilidades de interação do indivíduo às coisas do ambiente tais como as formas de ancoragem (composição de superfícies, tamanho, formato, textura, peso etc.) e as informações perceptuais disponíveis ao organismo.
74
na memória, eventos completos podem ser recuperados por pistas perceptuais fornecidas pelo ambiente (DUQUE, 2016, p.168).
Figura 8 – Integração conceptual para banho pirata
Fonte: elaborado pelo autor
O que ocorre é que o indivíduo relembra as possibilidades de interação que ele
possui de um objeto análogo ao que se exige na cena do jogo para fazer algo aproximado.
Sobre isso, Glenberg e Robertson (2000) nos dão bastante pistas e evidências de que
essas affordances, que vieram de simulações sensório-motoras, são essenciais no
processamento semântico. Ainda, conforme prevê Barsalou (1999), “simulações
capturam affordances da percepção e ação, conseguindo sentido sobre situações físicas
em sua ausência” (BARSALOU,1999, p.588, tradução nossa)27.
Isso nos fornece pistas de que o aspecto ambiental é um fator essencial para a
formação do sentido na tarefa de integração de conceitos a partir da cena do banho.
27 Simulations capture affordances from perception and action, successful reasoning about physical situations can proceed in their absence.
75
Como o ambiente online do jogo não prevê banheiras e, obviamente, um cenário
medieval de pirataria, o jogador recorreu a suas experiências prévias para atingir seu
conceito integrado. O que se vê aqui é que o reconhecimento de affordances não é
possível por não haver, de fato, um ambiente real de pirataria. O que na verdade existe
é uma simulação direta obtida com suas experiências análogas com banho, banheiras e
bacias. Os jogadores selecionaram inputs que eles julgaram importantes e, devido a isso,
conseguiram ter seu banho medieval. Sua conceptualização é amplamente intersubjetiva
e, incrivelmente, aceita por todos e pelo mestre do jogo, que dá continuidade à sessão
de RPG. A menos que algum elemento físico na mesa de jogo seja exatamente igual ao
que seria no cenário hipotético, a recuperação de affordances é indireta. A aceitação é
possível mesmo cada participante possuindo uma visão de mundo e experiências
bastante distintas. A negociação é básica. O GM leva o jogador a ele mesmo criar seu
mundo. Não necessariamente a cena deve ser idêntica para todos no jogo. O que se
evidencia no RPG é que, embora o básico é que seja compartilhado, a maior parte do
universo é criado dentro da mente individual de cada um. O aspecto ecológico é levado
em consideração de forma primordial e é amplamente necessário nesse jogo de
linguagem. O resgate das experiências através de simulação é parte fundamental da
integração conceptual. Seria um erro dizer que os aspectos ambientais são irrelevantes
no jogo, pois, sem eles, o jogador teria dificuldade de integrar conceitos na busca da
formação de sentido. O andamento das ações do jogador só pode continuar se ele
conseguir satisfazer sua demanda para a criação desse novo conceito. Só depois de o
novo conceito se acomodar a suas expectativas é que suas ações posteriores podem
seguir normalmente.
A partir daí, no próximo estágio, o jogador cria um modelo situacional (ZWAAN;
RADVANSKY, 1998). O jogador é levado ao uso de estratégias de situação, pois deve
viver na pele do seu personagem para que a integração conceptual faça sentido.
Segundo Zwaan e Radvansky (1998), um modelo situacional é uma representação
informática de uma cena específica feita sob demanda, de forma online. Diferentemente
de uma representação esquemática estereotípica, o modelo situacional age no aqui e no
agora. O exemplo dado pelos autores em seu estudo é sobre restaurantes. Enquanto o
esquema se referiria a restaurantes de modo geral, o modelo situacional agiria como
76
representações de uma situação específica, num restaurante específico, com
personagens, anseios e expectativas específicas.
Só depois que o modelo situacional resolve a demanda cognitiva para o conceito
de banho, é que temos uma estrutura emergente de “banho na época da pirataria”. Essa
conceptualização é apenas do jogador, embora tenha sido negociada com os demais
participantes.
A adoção da etapa de modelagem situacional é indispensável na operação de
integração conceptual no RPG, pois, numa mescla convencional (FAUCONNIER;
TURNER, 2002), não temos a descrição detalhada do momento da seleção de inputs e
compressão de relações vitais até o surgimento da estrutura emergente. Já na simulação
feita a partir de um modelo situacional, o que temos é uma estrutura que somente vai
atender àquela demanda realizada no momento do jogo e não vai se consolidar na
memória do jogador. Isso ocorre pois ele sabe que o conceito que criou não serve para
sua vida, apenas para resolver a demanda do jogo. Caso o modelo mental situacional se
esquematize, sua estrutura se transforma num esquema próprio, um modelo cognitivo
idealizado. A chave para a formação complexa desse fenômeno é a recorrência de
nossas experiências ecológicas conforme explicadas a seguir.
Na perspectiva de cognição ecológica aqui pesquisada, durante a ativação dos
conceitos, os jogadores recorrem fisicamente a esquemas imagéticos de movimento com
as mãos, pois a simulação mental recruta ressonância motora. A criação de esquemas
imagéticos decorre das experiências ecológicas obtidas ao longo da vida. Do mesmo
modo, os excertos a seguir nos mostram o processo de formação de sentido sob o ponto
de vista do modelo proposto aqui. Embora o processo de formação de sentido através
dessa rede possa parecer algorítmico e sequencial, tudo ocorre numa fração de segundo
na mente do jogador. Não é algo hierárquico e instrucional. Seu processo ocorre
concomitantemente com as outras etapas e de uma forma não-linear (de forma paralela
e incremental). Sua efetivação ocorre em várias direções e, a todo momento, o sistema
de integração de conceitos se estabiliza e se rompe conforme novas situações surgem
na narrativa. O preceito entendido aqui entra em consonância com o que Edelman e
Tononi chamam de processo de reentrada (EDELMAN; TONONI, 2008). Nesse processo,
as redes neurais de nosso córtex possuem múltiplas direções e não uma forma
77
esquemática fixa, podendo chegar ao resultado por vários caminhos diferentes. É um
entendimento de esquematização e não de esquemas. Dessa forma, o processo parece
estar sempre à beira do caos como numa forma de entropia, na qual as forças
situacionais estruturam e desestruturam todo o sistema para a formação conceptual. No
excerto a seguir (bloco E, cena 8), ocorre uma integração de conceitos sobre uma cena
na qual o personagem Rigel deve interagir com rastros deixados no chão.
Bloco E – Integração conceptual sobre “rastros”
Fonte: elaborado pelo autor
Aqui, o jogador 3 (Rigel) precisa integrar os conceitos de como seria investigar os
rastros deixados por orcs (criaturas monstruosas) com o símbolo perceptual
(BARSALOU, 1999) de rastreamento que ele trouxe consigo de suas experiências
prévias. Sua tarefa é integrar conceitos de forma análoga ao que seria se estivesse dentro
do mundo imaginado pelo DM. Para tanto, o jogador 3 faz uma série de movimentos
sucintos com seu corpo, mostrando que ele está de acordo com a narração explicitada
pelo DM. Ele faz movimentos, inclina seu corpo, imita um ato de cuspir e uma ação como
se estivesse andando abaixado. Todos esses movimentos sugerem a ressonância
motora conforme preveem Swaan e Taylor (2006).
Para que toda essa cena se acomode de forma negociada no jogo de linguagem
que o RPG propõe, o jogador 3 precisou integrar as situações de rastreamento de várias
formas na busca pela formação de sentido. Não apenas recrutando suas experiências
78
sensório-motoras e ecológicas com processos análogos ao que ele considera similar ao
ato de rastrear, mas mudando a todo tempo seus frames. O jogador 3 tem um frame
sobre o que seria o ato de rastrear um animal de caça com informações pertinentes a
essa atividade, soma o que para ele seria mais parecido no contexto da época medieval
e forma seu conceito. Obviamente, para que esse outro frame criado a partir de uma
remodelagem (reframing) do frame [RASTREAMENTO DE ANIMAIS] faça sentido, o jogador
3 soma elementos que lhe parecem justos no cenário medieval como o não uso de
ferramentas para a tarefa. O jogador 3 apenas usa sua forma rudimentar de agachar e
olhar para as marcas do chão tomando apenas o fictício treinamento veiculado pelo
background do seu personagem na criação de sua ficha. No caso específico de Rigel, ele
é um Ranger, que, nos moldes do sistema de regras Dungeons & Dragons, é uma classe
de personagem naturalmente caçadora e rastreadora. Seu personagem foi criado na
floresta e vive longe da civilização.
No processo de reframing, o jogador 3 e o DM se utilizam negociadamente de um
movimento conectado de referências quando fazem uso das informações contidas numa
cena específica do filme de 2003 “O Senhor dos Anéis”, do cineasta Peter Jackson.
Nessa cena, o personagem Aragorn, do referido filme (que também é um ranger), deve
rastrear seus inimigos, agachado no chão, usando apenas seu treinamento e intuição de
patrulheiro. As mesmas frases utilizadas no filme, como “uma mulher estava junto”, “foi
levada até as pedras da praia”, replicam de forma semelhante como o personagem agiria
naquela situação. A cena e a possibilidade de lembrar simulativamente o que ocorreu no
filme guiam ilustrativamente o jogador 3 a enriquecer seu frame sobre rastreamento e
caça de forma valorativa. Seu frame se enche de inputs que vão ser utilizados em seu
processo de integração conceptual. Não apenas a instrução de como o ato de
rastreamento deve ocorrer é levantada, mas até mesmo detalhes do cenário e
indumentária vestida pelo personagem Aragorn são recrutadas. Como informações
análogas às do personagem Rigel do jogador 3, disporíamos até mesmo de sua maneira
de se vestir. Essa manipulação de informações torna não só o reframing possível, mas
toda sua integração conceptual. O que difere de uma simples mescla conceptual é que o
jogador 3 precisou utilizar um modelo situacional totalmente novo para a situação
complexa de uma variedade de informações veiculadas pela cena no jogo. Informações
79
de um frame que sofreu reframing são modeladas até que se tenham dois frames em
forma de rede de espelho (FAUCONNIER; TURNER, 2002). Essas informações sensório-
motoras e valorativas pareceram análogas para o jogador 3. Essa situação relativa à cena
narrada pelo DM é construída para a resolução de uma demanda feita online. O modelo
situacional resolveria apenas aquela situação peculiar específica e logo se desmontaria
para que o jogo fluísse normalmente.
Passamos agora para uma situação semelhante, na qual os personagens têm que
fazer a integração conceptual de um Kenku (figura 9). Na visão de Gary Gygax, criador
do Dungeons & Dragons, um Kenku é uma espécie de homem-corvo maligno que ataca
à noite.
Figura 9 - Kenku
Fonte: Google Imagens
Bloco F – Kenku
80
Fonte: elaborado pelo autor
Do mesmo modo como na conceptualização do ato do rastreamento da cena 8
(Bloco E), os jogadores devem fazer uso da rede de integração de conceitos para chegar
a satisfazer sua demanda cognitiva na busca do amálgama conceptual. O DM propõe na
cena 9 (Bloco F), diferentemente do exemplo dado do ato de rastrear, algo totalmente
novo: um homem corvo. Rastrear por si só não constitui um conceito totalmente novo,
apenas uma reformulação de um conceito existente. No entanto, no caso dos Kenkus,
não há previsão de algo assim em nossa realidade. Um homem-corvo não existe se não
dentro da integração conceptual.
O DM propõe a situação, mas precisa da ajuda dos jogadores para chegar a um
sentido negociado com os demais participantes. No processo de busca pelo sentido,
todos participam recrutando em cena elementos que parecem análogos aos buscados
na conceptualização do Kenkus. Cada um dá sua visão de como seriam Kenkus conforme
suas experiências ecológicas sobre a situação. Em seguida, apresentamos evidências
de que o processo é feito sob demanda. O aspecto ecológico (físico) e sensório motor
tem parte na questão em grande medida.
Se considerarmos apenas um exemplo como o do monge budista, conforme
proposto por Fauconnier e Turner (2002), teríamos dificuldade de identificar o processo.
No célebre exemplo dos autores, é pedido que se imagine um enigma. Um monge inicia
sua trajetória até o pico de um monte no início do dia e, mais tarde, ele deve fazer a
jornada de volta. Em que momento eles se encontram? Seria impossível pensar nisso
em termos lógicos, pois não existem dois monges. Apenas dentro da mescla a resposta
81
para o enigma tem sua resolução. Porém, os aspectos ecológicos não podem ser
observados da mera resolução do enigma.
No caso específico dos Kenkus, os jogadores precisam fazer uma integração
conceptual da mesma forma, mas a observação física presencial dos participantes pode
nos dar boas pistas do aspecto sensório-motor na questão. Ao falarem e tentarem
responder o que é um Kenku, os jogadores fazem uso de referências físicas de suas
experiências com coisas análogas a um corvo na busca pelo sentido. É possível observar
isso de uma gama de maneiras e elas são altamente multimodais, realizadas na hora da
narração. Quando o jogador 3 faz uso de aparatos gestuais para compor sua operação
de integração conceptual, ele os está retirando de suas experiências sensório-motoras
vividas em algum momento da vida. A prova disso vem de sua questão “homens corvo,
né?”, ou ainda do jogador 1 quando faz uso de onomatopeias imitando o som de uma
galinha cacarejando. De forma semelhante, o jogador 1 simula e transparece com gestos
de suas mãos o andar de um passarinho pulando com as duas pernas para se mover
(figura 11). A integração conceptual de cada jogador é claramente diferente. Enquanto o
jogador 3 define seu Kenku como uma figura muito mais parecida com um homem, pois
tem dedos manipuladores nas mãos, o jogador 1 imagina seu Kenku muito mais parecido
com um pássaro, pois anda pulando pouco a pouco conforme um pardal faria. Nesse
exemplo, temos também as compressões de relações vitais de valores e da tentativa de
atingir a escala humana no sentido de fundi-los num só homem, só que um mais humano
e outro mais animalesco.
Cada jogador deve usar um modelo situacional próprio, alimentado por suas
experiências ecológicas e seus frames de corvos, pássaros genéricos, homens e
monstros para a formação de sentido. Enquanto o jogador 1 valeu-se de uma integração
conceptual muito mais voltada para o pássaro, o jogador 3 tem sua estrutura emergente
mais parecida com um homem. A compressão de relações vitais também é intersubjetiva.
O que chama a atenção é que todos recorreram a um padrão de experiências muito mais
próximas de nossa realidade cotidiana como os pardais do que com corvos. Isso sugere
que a conceptualização integrada é parte final de um processo que se iniciou com nossas
experiências físicas com o ambiente. Os jogadores, na verdade, não têm ideia de como
um corvo (ou homem-corvo) se locomoveria, mas, no resultado de sua integração
82
conceptual, eles veem que ele se parece com um passarinho comum, que é muito mais
frequente no Brasil em nossas experiências com o ambiente do que corvos.
Figura 10 – Integração conceptual para Kenku
Fonte: elaborado pelo autor
Figura 11 – Jogador 1 gesticula o andar de um Kenku
Fonte: Canal Grunge Games do youtube.com
83
No exemplo a seguir (Bloco G, cena 10), os jogadores têm um dilema para a
integração conceptual: decidir o que a magia “animar mortos” pode significar. Assim como
nas outras situações, os jogadores precisam fazer uso de modelos situacionais,
simulação e recorrer a suas experiências ecológicas para a formação de sentido. Dessa
vez, o substrato final é amplamente diferente para cada jogador conforme vemos a seguir.
Bloco G – Animar mortos
Fonte: Elaborado pelo autor
Ao se depararem numa situação na qual acham um livro com magias
necromânticas, os jogadores, mesmo sem instrução do DM, exteriorizam seu modo de
conceptualização. O jogador 3 sugere que a magia “animar mortos” seja, em parte,
animar no sentido de trazer alegria e festividade para os mortos. Imediatamente, ele
84
levanta um bordão usado pelos animadores de festas e micaretas da música baiana: “tira
o pé do chão, galera!”
Figura 12 – Tira o pé do chão
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
Embora o jogador saiba que “animar mortos” seja uma magia de ressuscitar os
mortos, trazendo-lhes de volta à vida, parte de sua conceptualização inicial acabou por
se tornar evidente. Ele viu que, na dimensão de evento de seu frame de animação, o
input de estar numa festa passando alegria aos foliões não participará do substrato final
de sua operação de integração conceptual embora entre em processamento no espaço
genérico. O movimento de trazer alegria numa festa não fará parte de sua integração de
conceitos, mesmo assim ele a usou. De alguma forma, a mera menção à palavra “animar”
já traz automaticamente consigo uma série de ativações linguísticas e redes neurais. É o
mesmo que pedir para não se pensar num elefante, mas acabarmos por fazê-lo
(LAKOFF, 2004). Somente depois de somar suas informações com outros frames
participantes no processo de integração conceptual é que o jogador terá sua demanda
cognitiva saciada para a situação episódica de “animar mortos”.
O jogador 2 exterioriza o que imediatamente veio à sua cabeça quando da ativação
da pista linguística “animar mortos”, e remete à famosa coreografia da música do cantor
e bailarino americano Michael Jackson, Thriller. No videoclipe da música em questão,
Michael Jackson usa sua dança para enfeitiçar os zumbis do filme, trazendo-lhes vida
dessa forma. Da mesma maneira que o jogador 3, o jogador 2 não seleciona todos os
inputs existentes na música para sua conceptualização final, apenas as partes de trazer
85
mortos à vida. O jogador 1, por sua vez, complementa o tom cômico da situação
sugerindo que “animar mortos” poderia ser a transformação dos mortos em desenhos
animados. Como a pista linguística “animar” pode também se referir a animar desenhos,
o jogador 1 complementa a conceptualização exaurindo as possibilidades do verbo
“animar” para a cena em questão. O DM concorda com os jogadores cedendo ao cômico
no final da cena.
Figura 13 – Conceptualizações sobre “animar”
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
Apesar do teor cômico da cena, todos os jogadores sabem que a magia “animar
mortos” significa “trazer mortos de volta à vida”, sem mais subjetividade envolvida. Isso
porque, dentro do RPG, todos os jogadores devem saber que a mencionada mágica está
relacionada com o assunto. Faz parte dos pré-requisitos do jogo. O que sinaliza essa
hipótese é o que o jogador 2 exclama: “você podia pedir pra ele dar alguns poderes
necromânticos!” Esse fato nos leva a inferir que ele sabia do teor contextualizado das
mágicas necromantes e que divertir-se numa festa ou dançar conforme Michael Jackson
faria, não fazem parte do cenário medieval. O aspecto ecológico e sensório-motor tem
conexão constante com a questão, sempre evidenciada por seus gestos motores.
86
Figura 14 – Integração conceptual para animar mortos
Fonte: elaborado pelo autor
Em todas as situações, os jogadores remetem e exteriorizam ressonância motora
quando levantam os braços como se estivessem numa festa ou coreografam a dança de
Michael Jackson. A demonstração física não se fazia necessária na situação
apresentada, porém os jogadores a exteriorizaram mesmo assim. Todo esse processo
de busca por referências reformula, adapta, reestrutura e cria frames novos a partir do
reframing (LAKOFF, 2004). Os jogadores partem de suas experiências culturais e
ecológicas para o reframing ou nenhuma conceptualização seria possível no RPG.
Selecionando apenas os inputs necessários, os jogadores e DM conseguem ter em seu
substrato final o que significa a situação apresentada naquela hora e toda essa resolução
é episódica, online e feita sob demanda situacional. A todo momento, o processo de
integração conceptual remodela frames existentes para a formação do produto final e, de
forma recorrente, é preciso recrutamento sensório-motor para a formação de sentido.
Não é apenas referencial, discreta e meramente amodal.
87
Sobre isso, as referências a outras mídias feitas durante a integração conceptual
não provieram apenas da recolecção informativa sem a participação de nossas
experiências físicas no processo. Não é possível, para a integração conceptual, nos
utilizarmos apenas de episódios observados e não vivenciados. Tal possibilidade não
seria plausível, pois mesmo se não tivermos experimentado exatamente a mesma
situação, trazemos à tona experiências análogas que são recrutadas apenas
situacionalmente para resolver o problema cognitivo proposto. Sobre a falta de peças de
informação ausentes num processo de simulação, Barsalou (1999) elucida com um
exemplo sobre carros:
Considere o processo de armazenagem de símbolos perceptuais enquanto observamos um carro. Na hora em que alguém observa o carro de lado, a atenção seletiva foca em vários aspectos do corpo do carro tais como a lataria, rodas, portas e janelas. Como a atenção seletiva foca nesses aspectos, as memórias resultantes são integradas espacialmente, talvez usando um frame referencial centrado num objeto. Do mesmo modo, quando o percebedor se move para a traseira, para o outro lado e para a frente, os registros perceptuais armazenados tornam-se integrados nesse sistema espacialmente organizado. No momento em que o percebedor olha embaixo do capô, observa o porta-malas e entra no assento de passageiro, mais registros vão sendo integrados. Como resultado desses registros organizados perceptualmente, os percebedores podem mais tarde simular o carro em sua total ausência. Eles podem antecipar como o carro pareceria do seu lado se eles se movessem ao redor do carro na mesma direção que antes; ou eles poderiam antecipar como o carro pareceria a partir da frente se eles fossem ao redor do carro na direção oposta. Isso é devido eles terem integrado informação perceptual extraída previamente em um sistema organizado, eles podem simular coerentemente as experiências com o objeto. (BARSALOU, 1999, p.586, tradução nossa)28
28 Consider the process of storing perceptual symbols while viewing a particular car. As one looks at the car from the side, selective attention focuses on various aspects of its body, such as wheels, doors, and windows. As selective attention focuses on these aspects, the resulting memories are integrated spatially, perhaps using an object centered reference frame. Similarly, as the perceiver moves to the rear of the car, to the other side, and to the front, stored perceptual records likewise become integrated into this spatially organized system. As the perceiver looks under the hood, peers into the trunk, and climbs inside the passenger area, further records become integrated. As a result of organizing perceptual records spatially, perceivers can later simulate the car in its absence. They can anticipate how the car would look from its side if they were to move around the car in the same direction as before; or they can anticipate how the car would look from the front if they were to go around the car in the opposite direction. Because they have integrated the perceptual information extracted earlier into an organized system, they can later simulate coherent experiences of the object.
88
E mesmo que estivéssemos numa situação ideal, sem nenhuma experiência
parecida, o processo ainda seria possível, pois teríamos algum episódio particular que
supriria essa necessidade análoga. É plausível a possibilidade de existir ressonância
motora e recrutamento físico nas nossas integrações mentais. No próximo exemplo
(Bloco H, cena 11), apresentamos uma situação na qual o jogador mostra que retirou
apenas de um filme seu movimento de integração de conceitos.
Bloco H – Integração Conceptual em Star Wars
Fonte: elaborado pelo autor
Tauntaun é um animal de montaria usado no filme Guerra nas Estrelas (Star Wars),
do cineasta americano George Lucas. É uma figura fictícia a qual o personagem principal
do filme usa como meio de transporte. O jogador 1 utiliza-se do frame sobre o filme em
questão para compor sua integração no final do processo. Esse movimento nos evidencia
como e de que forma os aspectos ecológicos teriam mesmo parte no modelo proposto
neste estudo e se realmente são indispensáveis na formação de sentido. De fato, o
jogador 1 não esteve no planeta imaginário de Guerra nas Estrelas, tampouco cavalgou
um animal que só existe na mitologia desse filme. No entanto, o jogador se valeu de suas
experiências análogas a andar numa montaria para compor sua operação de integração
conceptual. Apenas sugerir que o jogador fez uso dessas experiências coletadas ao
longo da vida nos suscitaria uma contestação: e se o jogador nunca teve qualquer
experiência de montaria? Ainda que fosse este o caso, como já dito anteriormente, a
mera observação de um fenômeno nos recruta todo o grupo neural responsável pela
89
replicação da tarefa. Mesmo assim, poderíamos insistir: “e se o jogador apenas tivesse
ouvido falar sobre, e não visto, a cena?” Como o jogador deixou claro que viu o filme,
essa não seria uma dúvida aceitável. Porém, vamos tomar isso como verdade apenas
para uma questão didática. Se esse fosse o caso, como já dito nos estudos de Gallese e
Lakoff (2005); Glenberg e Kaschak (2002); MacWhinney (2005); Rizzolatti e Arbib (1998)
e Zwaan e Radvansky (1998), apenas o processamento linguístico já seria suficiente para
iniciar uma simulação mental para a obtenção de sentido. Peças de experiências
ecológicas seriam usadas para suprir a suposta falta de expertise em montaria de animais
para serem processadas no espaço genérico e seriam irrompidas no substrato final de
sua operação de integração conceptual. Somam-se a isso os movimentos que o jogador
1 faz com as mãos simulando uma montaria e as onomatopeias proferidas pelo jogador
3 na busca pelo sentido.
Figura 15 – Tauntaun, Guerra nas Estrelas
Fonte: Google Imagens
Sendo o RPG um jogo de conceptualização negocial, como garantir que o conceito
proposto pelo jogo não é idêntico ao pensado pelos demais jogadores, uma vez que o
jogo só continua com o acordo conceptual de todos? Na verdade, apenas uma parte
pouco substancial do entendimento é negocial. Cada jogador tem sua própria visão
conceptual do ambiente, conforme os exemplos a seguir demonstram (Blocos I e J, cenas
12, 13 e 14).
90
Bloco I – Negociação de sentido
Fonte: Elaborado pelo autor
O DM propõe que os jogadores estão vendo uma multidão de bárbaros
esbravejando em forma de grito de vitória, sem mais informações sobre o fato. Nesse
momento, intervindo na narração, o jogador 1 completa a fala dizendo seu próprio nome,
imitando o que seria a multidão gritando por ele. Embora o DM e os demais jogadores
saibam que eles salvaram toda a vila dos bárbaros de um destino cruel, não foi dito que
seus gritos eram para o personagem Gnoplex (jogador 1). Esse substrato final de
integração conceptual é amplamente particular do jogador 1. Nenhum dos outros
jogadores contesta a interpretação do jogador 1 e o jogo segue normalmente. Isso se dá
porque cada integração conceptual é própria, pois é guiada por nossas peculiaridades,
expectativas, julgamento de valores, intencionalidade e vivências intrasubjetivas. O
mesmo ocorre nos excertos seguintes (bloco J, cenas 13 e 14).
Bloco J – Conceptualização intrasubjetiva
Fonte: elaborado pelo autor
91
Nenhuma palavra é dita tanto por parte do DM quanto por parte do jogador 3 na
integração conceptual do ato de fumar. Eles sabem que devem se valer do que sua mente
define como um ambiente medieval e procuram agir como se lá estivessem. Não é
requerido que o jogador 3 fume um cigarro imaginário, mas ele o faz. O jogador 3 encena
que enrola o que seria um papel de fumo, acende e fuma teatralmente. Logo depois,
conversa como se estivesse com a boca obstruída pelo cigarro. Toda a cena deve ser
integrada com o contexto medieval do jogo e suas experiências prévias e modernas com
o assunto para ele chegar numa integração conceptual que, ao seu modo, seria
adequada. Novamente, para o processo, o jogador 3 recolheu em suas memórias e
experiências vividas com o ato de fumar informações que julga importantes. Ele as
adaptou para que se encaixassem na sua visão de como seria a mesma coisa na época
medieval que o jogo propõe. O jogador seleciona inputs necessários, e que julga
relevantes, e chega a um substrato final. Sabendo que cigarros de filtro e isqueiros são
artifícios modernos, o jogador 3 exclui essas informações de seu frame do ato de fumar.
De outro lado, ele seleciona inputs de todo o contexto medieval onde não haveriam essas
ferramentas modernas e, em sua conceptualização, surge uma maneira rudimentar de
acender e confeccionar um cigarro. O jogador 3 não sabe como seria essa ação no
contexto do jogo pois, de fato, toda a ambientação é fictícia. Em seu espaço final de
integração conceptual, apenas sobrou o que para si era o adequado. O jogador 3 forma
um ato de fumar que nem é como se faz em nosso mundo e também não é um ato de
fumar moderno. Em seu espaço integrado final surge uma situação totalmente nova que
só é possível na vida dentro da integração conceptual.
Figura 16 – Ato de fumar
Fonte: canal Grunge Games do youtube.com
92
No caso da conceptualização dos troncos de árvores (cena 14, bloco J), fica claro
que esse processo é, como dito, amplamente intrasubjetivo e pessoal. A simulação
mental imaginada pelo jogador 4 é que os troncos de árvore do lugar no qual os
personagens se reúnem para fazer uma jangada são pequenos o suficiente para agregá-
los conjuntamente. O jogador 3, por sua vez, deixa claro que, em seu processo de
integração conceptual, os troncos das árvores são bem grandes e grossos, não havendo
necessidade de amarrá-los uns aos outros. Em sua conceptualização, uma árvore grande
o suficiente poderia abarcar todos os personagens da cena dentro de uma jangada feita
de um único tronco.
A garantia de que nossas experiências sensório-motoras são condições
indispensáveis para a formação de sentido no processamento linguístico da integração é
um dos pontos defendidos nesse estudo. Essa garantia pode ser tomada como
verdadeira, mesmo não podendo ter acesso às memórias dos jogadores. No caso do
excerto do bloco K (cena 15), o jogador 4 pede uma manta para se aquecer do frio. O
DM lhe fornece uma manta imaginária, mas o jogador conceptualiza que o objeto é, na
verdade, um robe que possui cobertura para a cabeça. Essa interpretação é totalmente
particular do jogador 4. Sua escolha, evidenciada pelo seu movimento de vestir a manta
como cobertura para o rosto, só demonstra que os inputs selecionados por ele vieram de
suas próprias experiências com agasalhos.
Bloco K – Vestir uma manta
Fonte: elaborado pelo autor
No próximo recorte do corpus (Bloco L, cena 16), o jogador 1 faz um uso muito
mais ecológico em sua maneira de conceptualizar a situação do que meramente mental.
Na cena, é dito que seu personagem Gnoplex tem a habilidade de conversar com animais
(o que já seria um fenômeno riquíssimo em estudo de integração conceptual), e ele deve
dialogar com uma coruja.
93
Bloco L – Integração conceptual em “conversar com corujas”
Fonte: elaborado pelo autor
Não é mencionado de que forma o personagem Gnoplex (jogador 1) deve
conversar com animais. Toda essa informação fica por conta da imaginação do jogador
1. Numa gama de possibilidades, a conversa poderia ser mental, telepática, verbal, numa
língua desconhecida ou escrita. No entanto, o jogador 1, formando uma estrutura
complexa de conversação com um animal, decide deixar claro para o DM que ele
conversa com a coruja com seu próprio som, o piado da ave. Em termos práticos, o
jogador 1 sabe que tem que fazer as perguntas certas ao DM para receber a resposta
que precisa, uma vez que quem controla a coruja é o próprio DM. Entretanto, o jogador
1 deixa claro que sua primeira escolha foi imitar com padrões auditivos o piado da coruja
da maneira que ele acha que seria e de acordo com suas experiências ambientais vividas
até ali. Depois que a situação não rende frutos na língua negociada no jogo (o piado), ele
finalmente pergunta de forma indireta para o DM, para poder traduzir sua conversa dentro
de sua própria integração conceptual.
No exemplo seguinte (bloco M, cena 17), vemos a resposta para uma questão
pertinente neste estudo e válida para trazer à tona em discussão. O ponto seria a
influência do DM na conceptualização que faz e incute na mente dos jogadores, uma
espécie de renegociação de sentido. Procuramos elucidar esse ponto com o exemplo a
seguir.
94
Bloco M – Renegociação de sentido
Fonte: elaborado pelo autor
Na cena 17, o personagem Rigel, o ranger (jogador 3), quer pescar, pois está com
fome. Ele prefere não caçar animais da terra para não deixar sangue perto de seu
acampamento e acabar atraindo monstros e feras para o local. É preciso lembrar que o
personagem Rigel é um ranger que é versado em todos os assuntos da floresta, o que
lhe garantiria facilidade na tarefa de caçar para todo seu grupo. Assim, a primeira ação
do jogador 3 é dizer que vai pescar, acabando por deixar transparecer seu movimento de
arremessar uma vara de pescar. Só esta ação já garantiria a existência de uma
ressonância motora, porém o que se passa adiante responderia a renegociação de
sentido.
O DM corrige o jogador 3 lembrando a ele que Rigel é um ranger e, assim, versado
em técnicas muito mais avançadas, intuitivas e fantásticas de pegar um peixe. O DM lhe
fala que seu ranger pode pegar peixes com suas próprias mãos devido à sua mestria nos
assuntos de caça. Finalizando, o jogador 3 refaz suas ações e, em seus movimentos
físicos com os membros, começa a representar como se estivesse pegando peixes com
as próprias mãos.
É preciso deixar claro que, no jogo de linguagem realizado na sessão de RPG, o
mestre do jogo “guia” a reconceptualização, mas não a manipula. O mero acionamento
motor por parte do jogador 3 na hora em que lança uma vara de pescar imaginária não
foi induzido por parte do DM. Apenas na readequação da cena o DM lhe diz que seu
personagem pode ter o talento de formas muito mais inventivas de pescar, pois seu
treinamento permitiria isso. O resgate de suas experiências com varas de pescar foi
involuntário no início da cena. O DM não pediu para que ele fingisse que estava com uma
vara de pescar. Esse movimento é fruto da livre iniciativa que o jogador 3 possui quando
95
está realizando sua operação de integração conceptual. O DM guia sua nova
interpretação para pescar de outras maneiras, mas o modo como ele recorre fisicamente
a elas é totalmente particular.
No próximo fragmento (Bloco N, cena 18), o narrador do jogo explicita que a
lâmpada mágica que o personagem Gnoplex (jogador 1) carrega está tremendo em sua
cintura, como se algum fenômeno involuntário sobrenatural estivesse acontecendo.
Imediatamente, os outros jogadores recorrem a uma série de movimentos de busca por
inputs informativos para a negociação do sentido. Quando, para o DM, a lâmpada mágica
é feita de metal maciço, para os outros jogadores a busca pelos inputs é mais imediata.
Eles associam esse fato a objetos mais próximos de sua realidade como seres humanos.
Os jogadores 3 e 4 começam seu movimento cognitivo associando a lâmpada a uma lata
de óleo de cozinha, pois a reverberação do barulho que a lata faria os faz lembrar de
suas experiências auditivas mais próximas. No caso em específico, uma lata de óleo seca
fazendo um barulho oco. Para tanto, trazem suas experiências com a marca de óleo de
cozinha Soya e da lata de leite condensado Moça. Embora ambos saibam que se trata
de uma lâmpada mágica, para eles, a primeira coisa vinda de suas experiências foi a
vivência com esse tipo de lata. Essa experiência é muito mais próxima de suas realidades
do que outros tipos de lata.
96
Figura 17 – integração conceptual para lâmpada mágica
Fonte: elaborado pelo autor
Obviamente, esses inputs estão em processamento na rede de integração de
conceitos, mas dificilmente participarão da emergência no espaço integrado ou de seus
modelos situacionais. De todo modo, fica claro aqui a recorrência a padrões multimodais
para o início da integração conceptual. A característica mais saliente das latas de óleo e
leite condensado imaginadas pelos jogadores 3 e 4 é o aspecto físico de seus padrões
sonoros, não seu conteúdo ou forma.
97
Bloco N – Lâmpada mágica
Fonte: Elaborado pelo autor
Figura 18 – Latas e lâmpada mágica
Fonte: Google Imagens
Neste último exemplo (bloco O, cena 19), vemos um compilado dos fenômenos
aqui estudados. Movimentos de reframing, referências, ressonância motora e integração
conceptual são vistos na situação. Na cena, o DM descreve um local onde os
personagens Ashura (jogador 4) e Rigel (jogador 3) estão lutando. No local, os jogadores
precisam de informações para compor suas ações e também se adequarem ao jogo de
linguagem proposto pelo RPG.
Bloco O – Conceptualização e affordances
98
Fonte: Elaborado pelo autor
Muito dos mal-entendidos ao se estudar o fenômeno da mesclagem, conforme
previsto por Fauconnier e Turner (2002), vem da sua concepção. A imagem de
mesclagem vista em sua forma clássica nos dá uma ideia muito superficial do fenômeno,
levando-nos a uma interpretação equivocada.
Figura 19 – Mesclagem Conceptual
Fonte: adaptado de FAUCONNIER E TURNER (2002, p.46)
A mesclagem conceptual (FAUCONNIER; TURNER, 2002) pode ocorrer a partir
de vários frames estruturais com vários inputs diferentes. A assunção de que o fenômeno
ocorre em apenas duas frentes pode ser um erro comum. Embora seja algo possível e
frequente, a integração de conceitos oriundos de duas fontes de inputs é apenas parte
da história. Outro equívoco é imaginar apenas situações clássicas como, por exemplo, “o
monge budista”, na qual temos uma estrutura nova e imagética. O espaço mescla
também dá origem a situações físicas de integração conceptual. A própria ação nova feita
situacionalmente e veiculada em forma de simulação mental também é uma forma de
integração conceptual. Se o indivíduo vive na mescla, suas ações físicas também vivem.
99
Como já dito, o reconhecimento de affordances é físico e online. Não há
affordances mentais. O que há é uma recuperação dessas possibilidades de interação
resgatadas a partir de simulação mental por símbolos perceptuais (BARSALOU, 1999).
Um exemplo claro do exposto é visto no Bloco O, cena 19.
O jogador 4 pede explicações ao DM sobre o tamanho da gruta na qual seu
personagem Ashura está lutando. Imediatamente, o DM responde que o lugar é do
tamanho do quintal da casa na qual a sessão se passa no mundo real. O jogador 4
observa seu redor, reconhece as possibilidades físicas que o espaço lhe promove e usa
essas affordances para simular mentalmente o que seu personagem faria. Aqui, temos
uma integração de affordances em tempo real e recuperação de possibilidades que o
jogador vivenciou até o momento para a obtenção de sentido.
Realizando uma série de movimentos com seu próprio corpo e mãos, o jogador 4
evidencia uma ressonância motora no momento em que realiza uma simulação mental
de seu personagem, agindo fisicamente. Na seleção dos inputs dos frames que orientam
a formação da sua integração conceptual, o jogador 4 promove uma série de buscas por
referências de muitas ordens multimodais para obtenção de compreensão da cena. Aqui,
a formação da integração conta com uma gama de inputs de frames diferentes. Apenas
para essa conceptualização integrada, que dura apenas uma fração de segundo, ficam
evidentes as várias fontes de informação.
Além de seu recrutamento ecológico e sensório-motor para o início de sua
simulação, o jogador 4 retira referências de um espaço mental referente ao frame
[KONOHA-SENPUU], que é um golpe de artes marciais visto na animação japonesa
“Naruto”, de Masashi Kishimoto (figura 20). No desenho animado em questão, há um
personagem que se utiliza de um golpe giratório com as pernas para atingir seus
oponentes. Em tradução livre, Konoha-Senpuu significa “Furacão da Vila da Folha”. Esse
golpe fez parte de sua conceptualização como fonte de inputs para obtenção de sentido.
100
Figura 20 – Konoha-Senpuu
Fonte: Google Imagens
De uma outra frente, o jogador 4 junta suas experiências físicas com o assunto e
compõe sua integração conceptual. Outra fonte de inputs para a formação de sentido é
obtida quando o jogador 3 adiciona informações a serem compartilhadas com todos os
demais na cena, incluindo o DM. O jogador 3 profere a frase “tatsumaki-senpuukyaku”
(golpe do furação, em tradução livre), que é uma outra referência a golpes giratórios. A
frase em questão vem do jogo eletrônico Street Fighter 2 de 1991, no qual os
personagens Ryu e Ken proferem um golpe giratório com as pernas (figura 21).
Figura 21 – tatsumaki-senpuukyaku
Fonte: google imagens
101
A formação da integração conceptual por parte do jogador 4, dos demais jogadores
e do DM depende desses inputs para a formação de sentido. Cada participante do jogo
de RPG possui, além desses inputs veiculados pelas informações das quais falaram os
jogadores 3 e 4, suas próprias fontes de dados e seus próprios frames estruturais (filmes,
obras de ficção, experiências com chutar objetos, artes marciais etc). Como o sentido é
negociado, cada participante seleciona os inputs que acha mais relevantes para a
formação de sua integração conceptual, deixando de fora inputs que não sejam
relevantes ou conhecidos. Não é requerido que os participantes tenham assistido o
desenho japonês Naruto ou jogado o jogo eletrônico Street Fighter 2. Se fosse esse o
caso, cada participante excluiria de seu processamento no espaço mental genérico essas
informações desconhecidas e preencheria com outros inputs de outras fontes. No caso
específico estudado, nenhum participante contestou as informações referentes ao
desenho japonês ou ao jogo eletrônico, o que torna evidente que todos no recinto sabiam
do que se tratavam as referências e, portanto, participariam da formação da integração
conceptual coletiva. No caso de ninguém conhecer a proveniência dessas referências
feitas por parte dos jogadores 3 e 4, a negociação e jogo de linguagem se interromperiam
de maneira que o jogo não iria fluir. Caso alguma conceptualização, de alguma forma,
tivesse elementos insuficientes para a negociação de sentido, novos jogos de linguagem
teriam que entrar em cena. Com essas novas informações, o sistema iria se
desestabilizando e se reordenando em um novo jogo de linguagem até que se obtivesse
satisfação cognitiva geral. Novas referências, pistas linguísticas e descrições teriam de
ser feitas para que o sentido fosse alcançado de forma satisfatória para todos no jogo.
O mesmo ocorre em uma operação de integração conceptual individual. Caso os
inputs sejam insuficientes para a obtenção da estrutura emergente ou não haja relações
vitais suficientes, não ocorre integração de conceitos. A nova estrutura emergente precisa
somar inputs de mais de uma fonte para que a integração faça sentido. De outro modo,
estaríamos apenas numa mera manobra de referenciação a fim de buscar um conceito
já existente e não necessariamente novo.
No exemplo estudado da cena 19, é possível notar todos os fenômenos
pertencentes ao modelo que nossa pesquisa pretendeu mostrar. O primeiro
entendimento proposto por este estudo é que existe uma sorte de recrutamento motor
102
baseado em nossas experiências intersubjetivas com o conceito para a obtenção de
sentido. O jogador 4 move seu corpo e mãos quando precisa simular a ação que pretende
replicar mentalmente. Posteriormente, todos os outros participantes contribuem
estruturando a integração conceptual sob várias ordens multimodais, tanto em obras de
ficção quanto em suas próprias experiências físicas com o assunto tratado na cena. No
momento em que as referências surgem, acaba sendo percebido uma ressonância
motora, pois os participantes, quando de sua observação no vídeo, esboçam movimentos
para a obtenção de sentido. E, neste exemplo específico, um fenômeno peculiar ocorre.
O jogador 4 procura a disponibilidade de affordances no ambiente fora do jogo para
aplicá-las dentro do jogo. Ele soma suas experiências somáticas com o assunto para a
realização da integração conceptual dentro do RPG. Para a obtenção de sentido, vemos
que os aspectos sensório-motores e ecológicos são parte integrante e fundamental na
obtenção da integração conceptual nesse tipo de jogo.
Em relação ao o aspecto episódico e online, a cena de luta na gruta parece
evidenciar o uso de modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Quando os
participantes operam a formação da integração conceptual, somam informações de
muitas frentes multimodais como frames relacionados a desenhos japoneses, jogos
eletrônicos, experiências proprioceptivas e muitas outras fontes. No entanto, todo o
processo só faz sentido se levado em conta o modelo situacional feito apenas para
resolver localmente a situação de conceptualização do golpe giratório do personagem
Ashura (jogador 4). Dificilmente recorreríamos às mesmas informações sobre desenhos
japoneses e jogos eletrônicos se tivéssemos que resolver uma outra conceptualização
sobre outro assunto relacionado a golpes giratórios ou lutas em geral. O que é claro é
que toda a estrutura é montada apenas para resolver uma demanda cognitiva centrada
no aqui e no agora, online e situacionalmente.
103
Figura 22 – Integração conceptual para golpe giratório
Fonte: elaborado pelo autor
104
CAPÍTULO 7 – A PARTICIPAÇÃO ECOLÓGICA EFETIVA DA CORPOREIDADE NA
INTEGRAÇÃO CONCEPTUAL
No percurso deste último capítulo, trazemos de volta as questões iniciais desta
pesquisa e o que, de fato, pode se observar sobre aspectos ecológicos dentro de uma
operação de integração conceptual nos jogos de RPG. A nossa cognição é um aparato
tão interconectado assim de forma que o surgimento de uma entidade conceptual nova
apenas seja possível com nossa participação física efetiva no processo?
Iniciamos esta demanda filosófica com uma parte inicial distribuída numa seção
de discussão que trata de impressões sobre a participação do nosso aparato sensório-
motor, fornecendo subsídios que podem dar pistas a respeito da forma como criamos
entidades integradas. Da mesma forma, também discutimos a validade dos acréscimos
das ferramentas de simulação, modelagem situacional e ressonância motora nesta
pesquisa propostas para a compreensão do fenômeno da integração conceptual.
Finalmente, no fim da discussão, trazemos resultados não previstos que puderam ser
observados e reverberações que a pesquisa pode ressoar em outras áreas do
conhecimento como inteligência artificial, por exemplo.
Na segunda parte deste capítulo, trazemos o que, efetivamente, pode ser
observado na integração conceptual nos jogos de RPG de mesa. Concluímos a pesquisa
mostrando algumas pistas que uma operação de integração conceptual vai além do mero
processamento linguístico pois, com efeito, a capacidade de linguagem não pode ser
considerada como modular, mas como parte integrante de uma cognição distribuída pelo
corpo e além dele. Concluímos que a participação da nossa corporeidade para a
criatividade da integração conceptual se estende de maneira conexionista com o
ambiente ecológico imediato de forma que o ser humano depende de sua relação com o
entorno situacional para a construção de sentido.
105
7.1.1 DISCUSSÃO
É possível observar que nosso entorno ambiental é parte integrante e não um
mecanismo completivo da cognição. Nosso aparato sensório-motor nos dá subsídios não
apenas para construir novos enunciados e formular conceitos de forma recuperada, mas
também situacionalmente a partir de demandas que surgem online. Acreditar que as
operações de simulação e recuperação de cenas vividas ao longo da vida são de ordem
abstrata e independente do corpo, é uma assunção errônea e pouco profunda. Segundo
Duque (2017), nosso aparato cognitivo se vale de uma “cognição distribuída (por todo o
corpo) e estendida (para além do corpo)” (DUQUE, 2017, p.23). De tal maneira, como
visto nas análises do corpus, podemos ver que, a todo momento, os participantes se
valem de ações físicas e movimentos involuntários quando estão conceptualizando ou
recuperando cenas de um passado vivido através de simulação.
Sobre o fato de a cognição ser corporificada e ecológica, os exemplos da análise
nos mostram que os fenômenos de ressonância motora e recrutamento ecológico são
realizados a todo momento por parte dos jogadores de RPG. Em algumas situações, os
jogadores apenas ativavam esquemas imagéticos mais básicos. Em outros momentos, a
ressonância motora parecia mais evidente com movimentos complexos com o corpo,
membros e até expressões faciais.
O acionamento neural para replicação de movimentos foi analisado por inúmeros
experimentos conduzidos por Zwaan e Taylor (2006). O fenômeno foi observado aqui
neste estudo e, de acordo com seus pressupostos e resultados, a evidência da
ressonância motora parece ser clara quando os jogadores de RPG precisam formular
conceitos desde os mais simples até os mais complexos.
Com relação à aplicação dos modelos situacionais conforme pensados por Zwaan
e Radvansky (1998), seu uso parece adequado. Modelos situacionais são
“representações mentais de pessoas, locais, eventos e ações descritas em um texto”
(ZWAAN, 1999, p.15, tradução nossa)29. Dentro do RPG, essas palavras fazem todo
sentido. O próprio RPG parece ser imerso em um modelo situacional para seu
funcionamento. Mais do que o mero conteúdo que as palavras podem sugerir, os modelos
29 Situation models are mental representations of the people, objects, locations, events, and actions described in a text.
106
situacionais descrevem uma situação específica, num contexto específico para obtenção
de sentido através da imersão do indivíduo na cena. Isso nos deixa conscientes do
processo de esquematicidade, pois suas informações são construídas no aqui e no
agora, através das expectativas intersubjetivas de cada um. Os modelos situacionais
constituem informações que vão além da mera busca de inputs promovida pelo texto. É,
de certo modo, uma mesclagem de informações explicitadas no texto e suas inferências
(ZWAAN, 1999).
Segundo os autores, os modelos situacionais são necessários para integrar
informações, para explicar similaridades na compreensão de performance através de
modalidades, para relacionar o domínio da experiência na compreensão, entre outros.
Nos nossos resultados, vemos que o uso de modelos situacionais é indispensável no
recorte do RPG para a compreensão do substrato da integração conceptual. Apenas
estando na pele do personagem do jogo e resolvendo as questões específicas
relacionadas às demandas cognitivas do RPG, podemos dar conta da complexidade da
formação de sentido na integração conceptual nesse tipo de jogo. A própria estrutura
situacional do RPG corrobora com os pressupostos dos modelos situacionais, os quais
advogam que informações podem vir sob a forma de entidades (protagonistas e objetos)
e suas propriedades (atributos físicos e mentais) (ZWAAN, 1999).
No estudo dos fatos linguísticos observados durante uma sessão de RPG, os
participantes fazem uso de todo esse aparato multimodal para compor seu modelo
situacional. Eles utilizam desde os objetos físicos presentes na mesa de jogo, passando
pelas características peculiares de parâmetro de interpretação de seus personagens, até
suas próprias expectativas na hora de conceptualizar a operação de integração
conceptual.
Com relação à ressonância motora e à simulação encontradas durante as sessões
de RPG, podemos dizer que elas ocorrem conforme observadas por Barsalou (1999) e
Zwaan e Taylor (2006). O processamento linguístico e a simulação mental ativam grupos
neurais responsáveis pelos mesmos recrutamentos motores observados quando da
realização física de uma ação. No momento em que os jogadores de RPG precisam juntar
conceitos para a formação da integração conceptual, eles se valem não apenas das
pistas linguísticas veiculadas pelo narrador do jogo, mas também de suas próprias
107
simulações quando estão resgatando ações já vividas. Essa recolecção de experiências
promovida pelo processo de simulação é obtida graças aos modelos situacionais na
formação da integração conceptual.
No uso efetivo do modelo de rede de integração conceptual proposto aqui, o
recrutamento ecológico é o sustentáculo da integração de conceitos. Para que se forme
sentido no espaço integrado final, é preciso que, a todo momento, o sistema de
integração conceptual se valha do físico para a obtenção de sentido, desde o
reconhecimento e a recuperação de affordances até a simulação de ações físicas e
experiências sensório-motoras vividas no repertório do indivíduo. Sem o aspecto corporal
da cognição, a operação de integração conceptual não faria sentido e nem mesmo
chegaria a ocorrer. O modelo de rede de integração conceptual proposto por nossa
pesquisa permite, no mínimo, o entendimento do nosso entorno ambiental na cognição e
de seu processamento online no RPG.
No corpus analisado, os jogadores gesticulam em grande ou em pequena medida
quando estão fazendo suas operações de construção de sentido em suas integrações
conceptuais. Partem de suas experiências mais próximas às que o narrador do jogo
propõe, somam às expectativas do que seria a mesma ação no contexto fantasioso do
jogo e operam suas integrações conceptuais de forma intersubjetiva. No modelo proposto
por nossa pesquisa, a adição das etapas simulativas e situacionais parece atender às
demandas de como o aspecto cognitivo ecológico tem parte na formação de sentido. Se
excluíssemos as etapas simulativas, estaríamos deixando de fora o recrutamento
neuronal necessário para recuperar as ações sensório-motoras experimentadas durante
a vida para a compreensão do discurso. Se assim fosse, os jogadores não apresentariam
nível algum de ressonância motora e, de acordo com os resultados, nem mesmo seriam
capazes de realizar um entrelaçamento de conceitos.
As menções de referências a outros universos ficcionais ajudaram na seleção de
inputs necessários para a obtenção da integração conceptual, porém não são
estritamente necessárias no processo de reframing. O que de fato é indispensável é a
assunção de que, para integrar conceitos, o indivíduo recorre a padrões motores para
construção de sentido. Embora essas referências obtidas na etapa de seleção dos inputs
108
seja algo completivo, elas também ajudam no processo de simulação, facilitando o
processo situacional proposto pelo RPG.
Os resultados não previstos no curso da análise pautam-se essencialmente no
fato de os jogadores fazerem gestos que remetem a esquemas imagéticos e metáforas
quando precisam integrar conceitos. Especificamente na etapa de simulação mental e do
uso dos modelos situacionais, isso se torna evidente. Embora a ressonância motora não
seja completamente clara nesses casos, viu-se que em muitas situações os jogadores
remetem a esquemas imagéticos básicos dentre outros mecanismos rudimentares. Isso
acabou por reforçar a hipótese de que a cognição é corpórea e remetente a estruturas
básicas de nossos padrões proprioceptivos.
Quando os jogadores precisavam realizar movimentos de integração conceptual,
eles tiveram que recorrer a experiências ecológicas prévias para poderem chegar ao
conceito negociado. O fato remonta à necessidade de, quase sempre, os jogadores
precisarem recorrer a seus corpos para explicar a situação proposta no jogo, fosse com
as mãos, expressões faciais ou com movimentos do próprio corpo. Tal parte não era
necessária nem requerida pelo narrador do jogo. No entanto, esse fenômeno foi muito
frequente e acabou por ratificar a ideia de que, para a integração conceptual, o aspecto
físico é importante na construção de sentido.
O fato de o movimento do corpo e membros dos jogadores ser evidente na etapa
de simulação mental e integração conceptual, evidencia que há uma ressonância motora
de alto nível (ZWAAN; TAYLOR, 2006) no processo. Tal fato entra em consonância com
o fato de que o recrutamento ecológico é a base da produção linguística. Observou-se
que as etapas previstas no processo de mesclagem, conforme previstas por Fauconnier
e Turner (2002), não deram conta da complexidade da integração conceptual. Isso
justificou a opção deste estudo pelo uso das ferramentas de modelos situacionais e
simulação mental para o melhor entendimento do fenômeno.
É preciso deixar claro que o modelo proposto por Fauconnier e Turner é uma
ferramenta eficaz de compreensão do processo de integração de conceitos e não é
intenção desse estudo inutilizá-la. O uso de etapas de simulação mental e modelos
situacionais nesta pesquisa foi de fundamental importância para a compreensão do
fenômeno de integração conceptual de forma mais ampla, pois, na teoria clássica, alguns
109
pontos ainda são alvo de contestação e criticismo. As críticas pairam sobre pontos de
como e em que medida o aspecto ecológico tem parte na questão e de que forma os
fenômenos de mesclagem são feitos online e não apenas uma série de referenciações
semânticas.
Com o uso dos símbolos perceptuais (BARSALOU, 1999) e dos pressupostos dos
modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998), podemos ver que parte da crítica
ao modelo pode ser respondida. Se não há clareza sobre em que medida os elementos
são estruturados online, podemos ver que o fato de usar modelos situacionais resolveria
parte da questão, pois o próprio fundamento dessa teoria nos remete a padrões feitos
sob demanda. Apenas estando no lugar do personagem, a operação de formação de
sentido tem um substrato final. Os resultados mostram que, para uma operação de
integração conceptual, a conceptualização é feita na hora. Os próprios modelos
situacionais são ferramentas usadas para isso. É preciso deixar claro que os modelos
situacionais não são modelos esquemáticos para serem recuperados quando da
ocorrência de uma operação de integração conceptual. Se um modelo situacional se
convencionaliza repetidas vezes, aí sim, temos um esquema replicável. Nossa visão é
de um processo de constante esquematização, não de modelos esquemáticos rígidos
armazenados num repositório mental no cérebro humano. No RPG, os modelos
situacionais surgem e desaparecem a todo momento, uma vez que cada situação é única.
É preciso sempre encarnar o personagem, pois o próprio fundamento do RPG parte da
premissa de viver a vida contrafactual do herói.
O modelo de rede de integração conceptual proposto evidenciou que apenas
através de simulação mental e modelado situacionalmente é que o substrato final da
operação parece fazer sentido. A observância dos resíduos de ressonância motora e o
ato de remeter a esquemas imagéticos parecem sugerir a evidência da questão da
participação ecológica no processo de integração conceptual. Se, nos exemplos
clássicos, não era possível ter acesso a esse substrato, a observação do jogo de RPG
através da rede de integração conceptual deu pistas sobre a observância do aspecto
ecológico na formação de sentido, especialmente nas operações de integração de
conceitos.
110
Como parte de discussões sobre os resultados, acreditamos que as direções
apresentadas no nosso estudo podem ser aplicadas em outras áreas. Verificamos ser
possível aplicar as informações em estudos sobre ressonância motora de forma a
entendê-la como não meramente um fenômeno de observância física, mas de audição
de itens lexicais (palavras, frases, textos etc).
Ainda, defendemos que os exemplos aqui apresentados podem contribuir para um
entendimento mais amplo da integração conceptual. Acreditamos que a replicação do
modelo aqui apresentado, pode ajudar na elucidação de uma maneira mais completa do
que é, de fato, a integração conceptual.
Os resultados apontam, ainda, que o levantamento científico utilizado aqui pode
ser usado na área de computação, em inteligência artificial e no tocante ao surgimento
de entidades conceptuais inéditas partindo da integração conceptual. Uma vez que a
visão adotada no nosso estudo prima pela base ecológica, sua aplicação nas teorias do
mesmo escopo parece ser útil nesse sentido. O panorama atual dos estudos sobre
inteligência artificial procura se direcionar na adoção de corpos para os robôs e
experiências somáticas para os modelos computacionais de inteligência artificial
(STEELS, 2012).
Ainda restam diversos pontos a serem explorados que podem ser alvo de estudos
futuros. Questões como as estáveis definições de contexto não foram totalmente
exploradas nesse estudo. O contexto real dos jogadores de RPG, o contexto fictício do
jogo, o contexto resgatado por experiências sensório-motoras e o contexto pré-
selecionado dos inputs dos frames estruturais dos jogadores não foram minuciosamente
explorados. Esses fatos suscitam uma possibilidade de pesquisa para responder de que
forma os contextos, de forma geral, influenciam na formação de sentido. Como a
preocupação principal desse estudo era a formação da operação de integração
conceptual, e não os contextos e esquemas a esse fenômeno relacionados, fica a
possibilidade para estudos futuros.
7.1.2 CONCLUSÕES
O que se verificou é que nas partidas e narrações de RPG existe uma ressonância
motora (ZWAAN; TAYLOR, 2006) acentuada durante a integração de conceitos feita
111
pelos jogadores. Esse aspecto evidencia as pretensões iniciais da pesquisa, segundo as
quais a pessoa precisa e está inevitavelmente ligada a seu entorno biopsicossocial para
produção de sentido. Essa produção de sentido é obtida na operação de integração
conceptual, fazendo-se uso de faculdades cognitivas e linguísticas, sempre online e
situacionalmente. Apenas o mecanismo proposto por Fauconnier e Turner (2002) a
respeito de mesclagem conceptual não descreve totalmente o processo em sua
complexidade dentro de nosso recorte.
O modelo de análise de rede de integração conceptual apresentado neste estudo
propõe, basicamente, acréscimos ao modelo de Fauconnier e Turner sobre mesclagem
conceptual (2002). A estrutura atual de mesclagem conceptual não responde a uma série
de críticas feitas sobre a teoria. Essas críticas apontam para de que forma os aspectos
físicos e sensório-motores têm parte na questão da integração de conceitos e, ainda,
caso ocorram, de que forma são feitos realmente online.
Nosso modelo de rede de integração conceptual se foca em magnificar partes da
operação de mesclagem que poderiam resolver a questão do processamento online e a
forma com a qual os aspectos ecológicos têm parte no fenômeno. Este modelo proposto
em nossa pesquisa não tem pretensão de substituir o inaugurado no livro “the way we
think” (FAUCONNIER; TURNER, 2002). A intenção é apenas permitir que se observe
mais de perto fenômenos que estão presentes na integração conceptual, mas não foram
completamente investigados. Acreditamos que a observância dessas etapas, segundo
nossas conclusões, pode ser sugerida com os acréscimos propostos neste estudo.
Basicamente, do momento de seleção de inputs por parte do formador de
conceitos, surgem etapas críticas para a formação de sentido. Entre o processamento de
análogos no espaço genérico e a emergência no espaço integrado, existe o uso dos
modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998) e a etapa de simulação
(BARSALOU, 1999) para recuperação de informações sensório-motoras. Essa
recuperação existe no sentido de compreender o processo de buscar a unidade,
comprimir relações vitais e atingir a escala humana por analogia ou desanalogia. Não é
o fenômeno e suas etapas que estão em contestação, mas de que forma o aspecto físico
está envolvido nisso.
112
Nosso resultado ratifica o pensamento inicial do estudo levantado como ponto de
partida, segundo o qual o aspecto ecológico é essencial para a formação de sentido. Para
fins de detalhamento e rapidez de acesso aos objetivos propostos, os recuperamo-los a
seguir. Buscamos entender de que forma os aspectos ecológicos estão envolvidos na
formação de sentido. Do mesmo modo, procuramos verificar se os modelos situacionais
são realmente necessários para a formação da estrutura emergente e, finalmente, como
o modelo de rede de integração conceptual atende às demandas da pesquisa sobre
processamento online e aspectos ecológicos. A relação corpo-mente-ambiente está
presente nas operações de linguagem no RPG de forma constante e os modelos
situacionais parecem se fazerem necessários quando os jogadores precisam integrar
conceitos dentro da partida. Dentro do recorte do RPG, essas etapas indicam que a
adequação das proposições conceptuais propostas pelo narrador faz sentido ao se lançar
mão das nossas experiências corporais de forma situada no jogo. Com relação ao modelo
de rede de integração conceptual, sua utilização parece atender às expectativas de
análise do fenômeno da integração conceptual, pois, a partir dele, tornou-se possível em
nossa pesquisa observar mais de perto esses aspectos situacionais e ecológicos no
processo de integração conceptual nos RPG.
113
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