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PORQUE ME UFANO DO MEU PAÍSAfonso Celso

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  Porque Me Ufano do Meu PaísAfonso Celso

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Fonte DigitalDigitalização de edição em papel

Laemert & C. Livreiros - Editores, 1908.

© 2002 — Afonso Celso

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ÍNDICEDedicatória

I – Para quem e para que foi composto esteopúsculoII – Primeiro motivo da superioridade doBrasil: a sua grandeza territorialIII – Vantagens unidas à grandeza territorialdo BrasilIV – Outras vantagens da grandeza territorial

do BrasilV – Segundo motivo da superioridade doBrasil: a sua belezaVI – AmazonasVII – A Cachoeira de Paulo AfonsoVIII – A floresta virgemIX – A Baía do Rio de JaneiroX – Mais belezas do BrasilXI – Terceiro motivo da superioridade doBrasil: a sua riquezaXII – Riquezas naturais do BrasilXIII – Mais riquezas do BrasilXIV – Quarto motivo da superioridade do

Brasil: a variedade e amenidade de seu climaXV – Quinto motivo da superioridade doBrasil: ausência de calamidadesXVI – Sexto motivo da superioridade doBrasil: excelência dos elementos queentraram na formação do tipo nacionalXVII – Costumes curiosos dos índios no

BrasilXVIII – Os negrosXIX – Os portugueses

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XX – Não foi de degredados que se povoou oBrasilXXI – O mestiço brasileiroXXII – Sétimo motivo da superioridade doBrasil: nobres predicados do caráter nacionalXXIII – Oitavo motivo da superioridade doBrasil: nunca sofreu humilhações, nunca foivencidoXXIV – Guerras depois da independênciaXXV – A batalha de ItuzaingoXXVI – A guerra do Paraguai

XXVII – Nono motivo da superioridade doBrasil: seu procedimento cavalheiroso e dignopara com os outros povosXXVIII – Décimo motivo da superioridade doBrasil: as glórias a colher neleXXIX – Undécimo motivo da superioridade doBrasil: a sua história

XXX – Os jesuítasXXXI – Serviços dos jesuítas ao BrasilXXXII – Os bandeirantesXXXIII – A República de PalmaresXXXIV – A guerra holandesaXXXV – A retirada, da Laguna

XXXVI – A independência do BrasilXXXVII – Grandes nomes da nossa históriaXXXVIII – D. Pedro IIXXXIX – A escravidão no BrasilXL – Resumo das grandezas do BrasilXLI – Perigos que ameaçam o BrasilXLII – O futuro do Brasil

Nota

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AFFONSO CELSODA ACADEMIA BRASILEIRA

 

PORQUE ME UFANODO MEU PAÍS

RIGHT OR WRONG, MY COUNTRY

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  A MEUS FILHOSAFFONSO CELSO DE OURO PRETO

ECARLOS CELSO DE OURO PRETO

EÀ MEMÓRIA DE MEU FILHO

 JOÃO PAULO DE OURO PRETO

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IPara quem e para que foi composto este opúsculo

 

As páginas que aí vão — escrevi-aspara vós, meus filhos, ao celebrar a nossaPátria o quarto centenário do seudescobrimento. Sorri-me a esperança de queencontrareis nelas prazer e proveito.

Consiste a minha primordial ambiçãoem vos dar exemplos e conselhos que vosfaçam úteis à vossa família, à vossa nação eà vossa espécie, tornando-vos fortes, bons,felizes. Se de meus ensinamentos colherdesalgum fruto, descançarei satisfeito de havercumprido a minha missão.

Entre esses ensinamentos, avulta o do

patriotismo. Quero que consagreis sempreilimitado amor à região onde nascestes,servindo-a com dedicação absoluta,destinando-lhe o melhor da vossainteligência, os primores do vossosentimento, o mais fecundo da vossaatividade — dispostos a quaisquer sacrifíciospor ela, inclusive o da vida.

Embora padeçais por causa da Pátria,cumpre que lhe voteis alto, firme,desinteressado afeto, o qual, longe deesmorecer, — aumente, quandodesconhecido, injustamente aquilatado, ou

ingratamente retribuído, e, jamais, emcircunstância nenhuma, vacile, descreia, ouse entibie.

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Mas cumpre igualmente que não sejaum amor irrefletido e cego, e sim raciocinado,robustecido pela observação, assente emsólidas e convincentes razões.

Não deveis prezar a vossa terra sóporque é vossa terra, o que, aliás, bastaria.Sobejam motivos para que tenhais tambémorgulho da vossa nacionalidade. A naturezanão constitui o seu exclusivo e principaltítulo de vanglória.

Ousa afirmar muita gente que ser

brasileiro importa condição de inferioridade.Ignorância, ou má fé! Ser brasileiro significadistinção e vantagem. Assiste-vos o direito deproclamar, cheios de desvanecimento, avossa origem, sem receio de confrontar oBrasil com os primeiros países do mundo.

Vários existem mais prósperos, maispoderosos, mais brilhantes que o nosso.Nenhum mais digno, mais rico de fundadaspromessas, mais invejável.

Nas linhas que se seguem procureidemonstrar estes assertos. Não as inspiraentusiasmo, mas experiência e estudo. Já me

alonguei da quadra em que o entusiasmodomina. Mais de meio caminho da jornadaestá percorrido. Andei em demoradas viagenspor grande extensão do orbe. Tenho lido emeditado muito, tenho sofrido durasdecepções.

E me sinto amigo do meu país, cada diaem grau superior ao do antecedente. Emnenhum outro, fixaria de bom grado o

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domicílio. Peço que me deitem aqui, somenteaqui, para o sono supremo.

Quereis saber os fundamentos desseculto? A leitura dos argumentos e fatos,

adiante singelamente expostos, vo-lomostrará.

Avigorai, meus filhos, estesargumentos; juntai novos fatos a tais fatos;propagai-os; cultivai, engrandecei o amor peloBrasil.

Que a vossa geração exceda a minha eas precedentes, senão em semelhante amor,ao menos nas ocasiões de o comprovar.Quando disserdes: “Somos brasileiros!”levantai a cabeça, transbordantes de nobreufania. Convencei-vos de que deveisagradecer quotidianamente a Deus o haver

Ele vos outorgado por berço o Brasil.

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IIPrimeiro motivo da superioridade do Brasil: a sua

grandeza territorial 

O Brasil é um dos mais vastos paísesdo globo, o mais vasto da raça latina, o maisvasto do Novo Mundo, à exceção dos EstadosUnidos.

É pouco menor que toda a Europa.

Rivaliza em tamanho com o conjunto

dos outros países da América Meridional.Representa uma décima quinta parte do orbeterráqueo. Só a Rússia, a China e os EstadosUnidos o excedem em extensão. É quatorzevezes maior do que a França, cerca detrezentas vezes maior do que a Bélgica.

A sua circunscrição territorial menosdilatada, Sergipe, sobreleva a Holanda, aDinamarca, a Suíça, o Haiti e Salvador. Cadaum dos municípios em que se subdivide amais ampla, Amazonas, eqüivale a Estados,como Portugal, Bulgária e Grécia.

Pará, Goiás, Mato Grosso ultrapassamqualquer nação européia, salvante a Rússia.

O Brasil é um mundo.

Quer isto dizer que se a população doBrasil igualar a densidade da populaçãobelga, tornar-se-à superior à que se calculaexistir hoje na terra inteira. Basta que essa

densidade seja como a de Portugal, para apopulação ascender a 400 milhões.Ascenderá a um bilhão se a densidade

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emular com a das ilhas Britânicas.

 Já se estima num terço da populaçãolatina do Novo Mundo a atual do Brasil.Ocupa o 13° lugar entre as nações mais

povoadas do globo, só tendo acima de si asdos impérios anglo-índico, chinês, e russo, ada França e colônias, a dos Estados Unidos ecolônias, a da Alemanha e colônias, a do

 Japão, a da Áustria-Hungria, a da Holanda ecolônias, a da Itália e colônias, a do impérioOtomano, e a da Bélgica com o Estado do

Congo.Das nações latinas só distanciam o

Brasil em população a França e a Itália.Quanto à Espanha, a sua populaçãopresentemente, se não é inferior, é igual à doBrasil.

 Tem esta dobrado de trinta em trintaanos. Se continuar assim a progressão (etudo indica que aumentará: a população deS. Paulo triplicou em dez anos), o Brasil nosmeados do século XX sobrepujará em númerode habitantes a França dos nossos dias.

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IIIVantagens unidas à grandeza territorial do Brasil

 

A enorme extensão do Brasil forma umtodo homogêneo, bem situado, servido pormagníficos rios, facilmente acessível.

Comunicam-se entre si, do modo maisnatural, todos os elementos desse conjunto,quer pelo mar, quer pelo interior.

Ocupa ele a parte central docontinente. Acha-se mais perto da Europa eda África que qualquer ponto da Américaespanhola, o que o torna em extremofavorável ao comércio e à navegação.

Oferece mais de mil léguas de costas,com uma infinidade de portos e enseadas,

como que adrede abertos para acolherem osvisitantes.

Constitui tão gigantesco território umresumo da superfície do planeta, exceto asregiões polares.

Descobre-se nele tudo quanto o mundo

possui de melhor. Pode suprir por si só asnecessidades físicas das inumeráveismultidões que o povoarem.

À flora brasileira, maravilhosamenterica, é dado se juntarem todas as flores efrutas do universo. Nenhuma é incompatívelcom a nossa natureza. Não há planta exóticaque, convenientemente tratada, deixe degerminar no Brasil.

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Homens de não importa queprocedência encontram também no Brasil,escolhendo zona, meio adequado paraprosperar.

Negros, brancos, peles-vermelhas,mestiços vivem aqui em abundância e paz.

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IVOutras vantagens da grandeza territorial do Brasil

 

Certo, a simples grandeza territorialnão confere a um país superioridade sobre osmais. Há na África imensas regiões semvalor. O Saara é enorme.

Por outro lado, países pequenosimortalizaram-se pelas suas artes, filosofia,inventos, virtudes. O espírito da Gréciaantiga ainda domina. Portugal avassalou osmares. A Suíça hodierna impõe-se ao respeitoe à admiração gerais.

Mas a tendência dos Estados foisempre, e é, avantajarem-se em território,dilatarem as suas fronteiras. Tal outrora a

ambição da Pérsia, da Macedônia, de Roma,de Cartago. Tal a dos principais povos daEuropa contemporânea, na sua política deexpansão colonial, que tantos atentadoscontra o direito e tantos sacrifícios temcustado.

Quantas guerras de conquista nãoregistra a história?

 Tiram os homens orgulho da grandezaterritorial de sua pátria. O moderno inglês,como o antigo espanhol, enche-se dealtaneria, ao repetir que, nos domínios de suacoroa, o sol não se deita.

Sonham os povos ver a sua bandeiracobrir a maior superfície possível. Nenhum seresigna a sofrer diminuição no seu solo.

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Doado pela Providência, recebeu oBrasil aquilo que outros países, derramandorios de sangue, imensas dificuldades tiveramem alcançar.

À exceção de relativamenteinsignificante zona no sul, não é fruto deconquista seu vastíssimo território, nem seconstituiu aos poucos, trabalhosamente. Éhoje o que foi — geográfica, compacta,solidamente unido. Importa, sem dúvida, essefato um relevante elemento de excelência e

primazia.Somos uma grande nação. Ampla

porção do mundo nos pertence. Formamosum conjunto solidário do qual nadaperdemos, há quatrocentos anos, apesar depoderosos governos terem tentado, por vezes

repetidas, arrancar-lhe pedaços.E a essa vastidão territorial se aliam a

identidade de língua, de costumes, dereligião, de interesses. Nenhum antagonismosepara os grupos componentes da população.Não nutrem eles aspirações antinômicas,nem conhecem tradições hostis. Nada

 justifica o receio de que apareçam motivossérios de dissensão, de modo que o imensotodo se fragmente.

Fornece tudo isto incontestáveismotivos de superioridade.

Somos filhos de um bondoso, sadio,

robusto colosso.Refere a Bíblia que Saul foi proclamado

rei, por ser mais alto que todo o seu povo, do

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O Brasil sobreleva em tamanho quasetodos os países do globo. Quando lhefalecessem outros títulos à precedência (e

esses títulos abundam) bastava-lhe agrandeza física.

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VSegundo motivo da superioridads do Brasil: a sua

beleza 

Não há no mundo país mais belo doque o Brasil. Quantos o visitam atestam eproclamam essa incomparável beleza.

Dentro do enorme perímetro brasileiro,encontra-se tudo o que de pitoresco egrandioso oferece a terra. Ainda mais:

encontra-se, em matéria de panorama, tudo oque ardente imaginação possa fantasiar. E osespetáculos são tão variados quantomagníficos.

Observa João Francisco Lisboa, noJornal de Timon , que os sentimentos

experimentados pelos primeiros exploradoresdo Brasil, ao darem vista das nossas costas,eram de intensa surpresa e admiração.

A tal ponto os maravilhava o aspectopomposo da terra inculta e selvagem, — continua o exímio literato maranhense, — que a todos eles acudia espontâneo o

pensamento de que, sem dúvida, nestaabençoada região estivera outrora situado oparaíso terreal.

 Tal conjectura foi debatida, comincrível gravidade, durante bom número deanos.

Amerigo Vespucci, numa cartapúblicada em 1504, opina que, a haveraquele paraíso, não devia ser longe das

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nossas plagas.

Mais tarde, e por longo tempo,acreditou-se que no Brasil permanecia ofabuloso Eldorado.

No documento mais venerando danossa história colonial, segundo PortoSeguro, a epístola de Pero Vaz de Caminha aEl-Rei D. Manoel, noticiando o descobrimentode Cabral, diz o insigne cronista que a praia émuito formosa, com arvoredo tanto, tamanhoe tão basto e de tantas plumagens que não

pode homem dar conta.Entre o escritores dos tempos coloniais,

o padre jesuíta Simão de Vasconcelos, nasNotícias Curiosas , declara que capitães ecosmógrafos não viram cousa igual nouniverso todo, à perspectiva da nova terra

“que é um espanto da natureza e fazvantagem aos campos elísios, hortos pênseise ilha de Atlanta”.

Rocha Pita, na História da América 

Portuguesa , afirma que do novo mundo é amelhor porção o Brasil — “felicíssimo terreno,em cuja superfície tudo são frutas, em cujocentro tudo são tesouros, em cujasmontanhas e costas tudo são aromas”.

“Em nenhuma outra região, — acrescenta, — se mostra o céu mais sereno,nem madruga mais bela a aurora: o sol emnenhum outro hemisfério tem os raios tão

dourados, nem os reflexos noturnos tãobrilhantes: as estrelas são as mais benignas,e se mostram sempre alegres: os horizontes,

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ou nasça o sol ou se sepulte, estão sempreclaros; as águas, ou se tomem nas fontespelos campos, ou dentro das povoações nosaquedutos são as mais puras... A formosavariedade de suas formas, na desconcertadaproporção dos montes, na conforme desuniãodas praias, compõe uma tão igual harmoniade objetos que não sabem os olhos ondemelhor possam empregar a vista.”

Pondera Claude d’Abbeville que “nadahá de comparável à beleza e delícias desta

terra, bem como à sua fecundidade eabundância em tudo quanto o homem possaimaginar e desejar, assim para ocontentamento e regalo do corpo, em relaçãoa temperatura do ar e a amenidade do sítio,como para a aquisição de riquezas”.

Em 1624, relata Simão Estácio daSilveira que a excelência do Brasil consisteem muitas cousas notórias. “A primeira noameníssimo céu e salubérrimo ar, de quegoza, aonde sempre é verão e sempre está ocampo e arvoredo verde, cargado de infinitadiversidade de frutas, cujos nomes, sabores,

feições, excedem a toda declaração humana.”Mostra João Francisco Lisboa, — de

quem tomamos estes excertos — que Laert,Lery, Pinçon e outros escritores que visitaramo Brasil ainda em tempos pouco posterioresao descobrimento, não têm limites nos

louvores aos dotes naturais do país.Idêntica impressão de agradávelassombro produziu ele nos sábios e viajantes

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contemporâneos que o percorreram, — alguns verdadeiras celebridades universais.Alexandre de Humboldt coloca a majestade ea calma das nossas noites tropicais entre osmaiores gozos proporcionados pelas cenas danatureza; exalta a indizível lindeza dasnossas palmeiras, cujos penachos formam àsvezes uma floresta sobre outra floresta;assegura que a zona vizinha ao equador é aparte da superfície do planeta, onde, emmenor extensão, se despertam mais

numerosas variedades de impressões,ostentando quer a terra quer o céu todos osseus multíplices esplendores.

Inúmeros outros autores celebramenlevados as formosuras do Brasil, rico depaísagens para quaisquer preferências.

Ninguém há que, pisando o nossoterritório, deixe de se encantar pela natureza. Tornou-se proverbial a admiração que elaprovoca.

Vistas dela tiradas se exibem comomodelos nos mais exigentes centrosartísticos.

Sustenta Maurício Lamberg que o céudo Brasil é mais formoso do que o europeu,brilhando aqui a lua e as estrelas como emnenhuma outra região, pois são superiores asnossas condições atmosféricas.

Comprova assim o viajante alemão a

verdade dos poéticos conceitos de GonçalvesDias:

“Nosso céu tem mais estrelas,

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Nossas várzeas tem mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.”

Na realidade, o firmamento austral

encerra mais estrelas de primeira grandezaque o boreal, entre as quais as componentesdo famoso Cruzeiro do Sul.

Impossível seria descreverminuciosamente os primores do Brasil, quetais o poeta não encontrava na Europa, ecuja magnificência impressiona os

estrangeiros mais que os nacionais, porestarem estes habituados a gozá-la.

No meio de muitas maravilhas que, emgrau menor, existem em outras zonas, possuio Brasil, sem êmulas, quatro grandescuriosidades naturais.

São: o Amazonas, a cachoeira de PauloAfonso, a floresta virgem e a baía do Rio de

 Janeiro.

Cada uma bastaria, por si só, anotabilizar um país.

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VIO Amazonas

 

Uma das maravilhas da natureza, omaior rio do mundo! A sua bacia é igual a5/6 da Europa. Uma de suas ilhas, a deMarajó, excede em tamanho a Suíça.

Nem todo ele pertence ao Brasil, mas aparte brasileira é, senão a mais extensa, amais importante, curiosa e rica. Quem quiserconhecer o Amazonas tem de vir ao Brasil.

No Brasil, o mar doce , como lhechamaram os primeiros exploradores, atira-seao Atlântico, rolando rapidamente para estetal quantidade d’água que quem voga noimenso estuário da embocadura, pergunta

(diz um escritor) se o oceano não deve a suaexistência a esse rio e se não passa de umreceptáculo do líquido trazido por ele semcessar.

O rio luta com o oceano; vence-o.Durante largo espaço, impõe-lhe a cor e ogosto das suas águas.

Nem sempre o jugo é tolerado semrevolta. Do embate entre a massa fluvial e amarítima provém, às vezes, o fenômeno, das pororocas , em que a segunda faz a primeiraretroceder. Na linha de encontro das massasopostas, intumesce, levanta-se a grandes

alturas um vagalhão colossal que searremessa, com estrondo estupendo, sobre oleito do rio, derribando e arrastando diante

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de si tudo quanto ouse se lhe antepor. A essevagalhão sucedem outro e outro, igualmentebramantes e destruidores. O estrondo seespalha até considerável distância. Depois,volta o silêncio augusto, o curso normal dascousas. O mar tentou rebelar-se. Ei-loimpotente, subjugado de prompto pelo rio.

Sempre largo e navegável, comenchentes, vazantes, uma espécie de maré,assemelha-se ao mar em muitos lugares.

Nas cheias, desaparecem quase todas

as ilhas que o povoam, inundam-se osterrenos marginais. Não se lhe pode entãofixar limites. Torna-se verdadeiro marinterior, de profundidade extraordinária.

Fértil em incalculáveis riquezas, ofereceo Amazonas indizível variedade de aspectos,

revelando constantemente amplitude, força emajestade infinitas.

Apresenta atrativos inúmeros aoviajante, ao sábio, ao artista, nos seusarquipélagos de verdura; nas florestas dassuas ribas, habitadas algumas por indômitosselvagens; na profusão de seus canais,labirintos, ou galerias de folhagens, comabóbadas de ramas entrelaçadas, sob asquais passam dificilmente, em misteriosapenumbra, as embarcações. E a multidão decanoeiros que o singram, gente bizarra,manobrando com habilidade incomparável o

frágil esquife em passos arriscados, ritmandoo movimento dos remos pela toada depoéticas cantigas?!...

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São-lhe tributários numerososafluentes, vários inexplorados ainda. Abrem-se-lhe aos dois lados, como gigantescosleques de rios, cada qual com a suaindividualidade, as suas ilhas, os seuscanais, as suas selvas, as suaspeculiaridades, notáveis muitos por si sós.

 Tortuosos estes; retilíneos aqueles;série de lagos, terceiros; correndo uns semobstáculos; constituindo-se outros desucessivas escadas de cachoeiras; ora de

marcha vertiginosa, ora lentos, ora decorrenteza apenas perceptível; revelando-seaqui apáticos e indolentes; além, impetuosose tumultuários; desenvolvendo-se de meandroem meandro; formando remoinhosespumejantes, remansos, torrentes;ostentando águas de variegados matizes:brancas, amareladas, cerúleas, negras,transparentes.

A uns o Amazonas acolhe-os propício,absorvendo-os, misturando-se logo com eles.

Recebe relutante outros que sópenosamente se diluem em seu seio. Na

época da enchente, fica tudo incomensurávelplanície líquida.

Procissões de árvores arrancadasdesfilam boiando sobre a correnteza. As queresistem desaparecem, submersas.

Em vindo a vazante, destacam-se das

margens corroídas pedaços de barranco que,ilhas movediças, levando plantas e animais,pássaros trepados nos ramos, reptis

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agarrados aos troncos, seguem flutuando e sederretem aos poucos.

Outras ocasiões, enormes madeiros seentrecruzam, atam-se, amontoam-se ao longo

das ribas, ou engendram gigantescas jangadas que derivam.

Quantas cenas grandiosas e pitorescas!Eis os tapuios amarrando a canoa a umtronco transportado pela água, à guisa derebocador. Dispensam o remo. Se o ventoaumenta e vagas altas ameaçam o lenho

ligeiro, os tripulantes o introduzem numcortejo de ervas que o protege, atenua a forçada correnteza, regulariza os movimentos. E láse vão tranqüilos, independentes, felizes.

No seu percurso de milhares dequilômetros, nunca deixa o Amazonas de ser

prodigiosamente opulento em peixes, — duasvezes mais que o Mediterrâneo. Contam-semilhares de espécies peculiares a ele, muitasdescobertas por Agassiz, as quais mudam deaspecto conforme as paragens. A par dopeixe-boi e do peixe elétrico, miríades decamarões microscópicos, tão saborosos como

os comuns. Pulula a vida ali. Habitam asflorestas das ilhas e margens, florestasformadas de preciosíssimas madeiras,populações inumeráveis de insetos, reptis,mamíferos, maravilhosos pela variedade,originalidade e beleza das formas, brilho e

cor. Centenas de famílias de pássaros,alegram a solidão. Enumeram-se duas vezesmais classes de borboletas do que em toda a

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Europa.

Aí a pátria dos famosos seringais,produtores da borracha, de mil aplicações naindústria, monopólio quase do Brasil.

E, além do Amazonas, fertilizam oBrasil o São Francisco, o Paraná, o

 Tocantins, pouco menos colossais e notáveis,formando inigualável rede fluvial, comcachoeiras esplêndidas, rápidos que sedescem em uma hora e se sobem em quinzedias, inúmeras curiosidades naturais.

O Tocantins abre passagemdenodadamente através largas trincheiras deformidáveis rochedos. O Araguaia que se unea ele passa, num lugar chamado Martírios,estrangulado entre paredes de granitocobertas de esculturas, nas quais julgam os

canoeiros reconhecer imagens do suplício de Jesus.

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VIIA Cachoeira de Paulo Afonso

 

Os americanos do norte têm imensoorgulho da sua Catarata do Niagara, queChateaubriand qualificou — uma colunad’agua do dilúvio.

O Brasil possui maravilha igual, senãosuperior, — a cachoeira de Paulo Afonso.

Encontra-se nesta tudo quanto naquelaencanta, apavora e maravilha.

É a mesma enorme massa líquida, arolar de vertiginosa altura, em fervilhanteprecipício; o mesmo estrondo, repercutindoem prodigiosa distância; a mesma trepidaçãodos arredores, como que a prenunciar um

terremoto; o mesmo abismo continuamentetrovejante, regorgitando de espumas e doqual se elevam nuvens de alvos vapores,cortados de arco-íris permanentes; a mesmaimagem turbilhonante do caos; — produzindotudo a mesma impressão, a princípio confusae aterradora, depois extraordinária,miraculosa, sublime, parecendo menos umespetáculo do que portentosa visão.

Porém Paulo Afonso oferece maisselvagem poesia e maior variedade deaspectos do que o Niagara.

O rio S. Francisco, que a forma, desfila,

antes de chegar a ela, no meio de um dédalode ilhas, ilhotas, recifes, pedras isoladas, desurpreendente efeito pitoresco.

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De súbito, apertada entre colossaismuralhas graníticas, divide-se a torrente,para o salto tremendo, em três gigantescosbraços, — quatro no tempo da cheia, — separados por estranhos grupos de rochedos,enquanto múltiplos jatos copiosos eindependentes, entrechocam-se no ar,projetando em todas as direções, flechasirisadas, flocos argênteos, nevoeirosdiamantinos, poeira úmida.

 Transposto o estreito canal, continua o

rio seu curso, oitenta metros abaixo, nofundo da voragem, com violência, rapidez eimpetuosidade indizíveis, despenhando-seainda em pequenas cachoeiras, fumegante,retorcendo-se em vascas desesperadas,espadanando, pulando, borbulhando, comrufos, estouros, brados surdos, formidáveis eininterruptos mugidos.

Não há vivente, que caindo ali nãosucumba. O penhasco em que se acha oobservador parece agitar-se, tremer, prestes afugir com a correnteza. É o verdadeiro infernodas águas de que fala Byron.

O Niagara, cujas quedas são apenasduas, longe está de ostentar assingularidades, os contrastes, e profusão dequadros de Paulo Afonso que se diriamodificar-se e mudar de posição todas ashoras.

E, além de Paulo Afonso, admiram-seno Brasil muitas outras cachoeiras, rivais doNiagara que, tão bastos como as suas ondas,

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atrai visitantes do mundo inteiro.

 Tais, por exemplo, o salto doAvahandava, o de Santa Maria, no Iguaçu, ode Itapura, o de Sete Quedas, ou Guaíra, o de

Pirapora, o do Jequitinhonha, o de Itu, todosassombrosos de majestade, força e beleza.

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VIIIA floresta virgem

 

Nas matas virgens do Brasil, — queocupam espaço igual ao de vastos Estados, — reside um dos espetáculos mais augustos dacriação.

Sobrelevam o oceano em mistério, emdiversidade de panoramas, em excesso devida, em magnificência que, ao mesmotempo, acabrunham a inteligência humana ea arrebatam, acentuando-lhe a idéia dasforças superiores regedoras do planeta.

É a natureza em expansão e liberdademáximas: mares e mares de vegetaçãoprodigiosa, nos quais cada onda representa

um mundo de cousas preciosas e lindas;silêncio imponente, ou antes, profundorumorejo, clamor longínquo, indefinidareunião de harmonias, provocandoreligiosidade e vago terror; cheiros acres ebalsâmicos, em abundantes vagas de aromasque o peito haure com delícia, como sefossem remédio para suas misérias emelancolias.

A princípio, o olhar não distingueformas precisas na selva ingente, porémmassas espessas, esboços de torres,muralhas, trincheiras, abóbadas, pirâmides,

colunas de verdura, formadas de árvoresenormes, troncos aglomerados, lianasentrelaçadas, — plantas em baixo, em cima,

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dos lados, florestas sobre florestas, sucessãointerminável de folhagens.

Depois, pouco a pouco, de surpresa emsurpresa, vislumbra a portentosa variedade

de contornos, dimensões, cores; — configurações brutais ou mimosas,fantásticas ou grotescas, risonhas ouameaçadoras. Balouçam-se penachos,abrem-se leques, arredondam-se umbelas,suspendem-se candelabros, agitam-seflâmulas, dependuram-se guirlandas,

enristam-se lanças, empinam-se mastrosarrogantes, carregados de cordagens egalhardetas.

Eis os jequitibás dominadores, ossoberanos da mata. Eis o pau-rosa, opau-cetim, o pau-violeta. Eis os gigantes

seculares, isolados, sobranceiros, estendendoa ramagem larga sobre as ramagensinferiores, capazes de abrigarem à suasombra milhares de pessoas. Eis o jacarandácognominado pau-santo, de tão belo e útil.Eis a carnaúba que fornece ao cultivadoralimentação, bebida, luz, vestuário e casa.

Eis inúmeras outras espécies de palmeirasesbeltas, hirtas, altíssimas, em cuja fronderoçam as nuvens. Eis os cipós e trepadeirasque ora caem verticais dos galhos altivos, oraos unem por meio de pontes pênseis, ora osamarram uns aos outros, de modo aconfundi-los, ora se lhes enroscam emespirais, ora se distendem como fitasonduladas, ora pendem em festões, ora

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serpenteiam entre as árvores para, guindadosa alturas incríveis, lá em cima, expandir-se eflorescer.

Reparai agora nas orquídeas, de

brilhantes e variegados coloridos, comdesenhos simétricos que parecem traçadospor artista caprichoso em veludo, seda,metais foscos ou polidos. Contemplai oscaules elegantes, as copas versudas, asramarias extravagantemente retorcidas, asplantas delgadas, corpulentas, luzentes, de

grossura e desenvolvimento sem iguais,crivadas de flores a ponto de se lhes nãodescobrir mais um único sitio verde,parecendo imensos ramalhetes de ofuscantesmatizes. Observai as folhas, sagitiformesalgumas; cor de púrpura, cor de fogo; maciase delicadíssimas estas, a pedirem carícias;ásperas, espinhosas, agressivas aquelas;largas ou grotescas terceiras. Admirai miloutras flores, suntuosas ou humildes,resplandecentes, como estrelas, ou emcachos sanguejantes, — pondo manchasazuis, amarelas, roxas, no fundo escuro das

balsas.Não é só no Brasil que pompeiam

florestas virgens. Há-as magníficas na Ásia ena África. Mas a floresta brasileira seassinala por qualidades especiais.

Em primeiro lugar, as suas madeiras

excedem em formosura e duração àsmelhores do mundo. Abundam nela plantasmedicinais e industriais. Inexaurível a sua

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seiva! Não lhe causa diferença inverno ouverão. Jamais se despem as árvores;guardam o mesmo viço, dão flores e frutos emqualquer época do ano. Vergam ainda ao pesoda safra anterior e já rebentam em botões. Oagricultor mal lhe pode vencer a energiainvasora. Derriba-se a mata; breve nasceoutra mais vigorosa na sede da antiga. Pedrasqua em toda parte apenas se revestem demusgo ostentam aqui vigoroso arvoredo. Nãose notam espaços livres; arbustos rasteiros

preenchem os claros. Terra abandonada vê-selogo assaltada pelo mato. Guarnece o chãobasto tapete esmeraldino, pontilhado depequeninas flores. A densidade é estupenda.Avultam as enrediças, os cerradosimpenetráveis. A natureza aqui nunca seesgota ou descansa. Em criação incessante e

infinita, tira da própria morte, dos troncoscaídos, das folhas secas, novos elementos devida. Os lugares mais pobres têm o encantodos velhos parques olvidados.

Não é monótona a selva brasileira.Cada árvore exibe fisionomia própria,

extrema-se da vizinha: circunspectas ougraciosas, leves ou maciças, frágeis ouatléticas. Conforme reflexão de ilustreviajante, as matas brasileiras, únicas tãocompactas que se lhes poderia caminhar porcima, representam a democracia livre dasplantas, democracia cuja existência consiste

na luta incessante pela liberdade, pelo ar epela luz. Preside a essa democracia perfeitaigualdade. Não há família que monopolize

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uma zona com exclusão de outras famílias ougrupos. Espécies as mais diversas medramconjuntamente, fraternizam, enleiam-se. Daívariedade na unidade, múltiplas e diversasmanifestações do belo.

Notabiliza-se ainda a floresta brasileirapela ausência relativa de animais ferozes. Émuito menos perigosa que as da Índia.Habitam-na incalculáveis populações demamíferos, abelhas, formigas, cigarras,colibris, lagartos, papagaios, macacos,

vagalumes, miríades de borboletas com asasde inefável colorido. Em lindas aves é a maisopulenta da terra.

Garridos regatos deslizam por ela,derramando frescor. Cortam-na caudalososrios, tão coalhados de plantas aquáticas que,

apesar de profundos, não são navegáveis.O sol doura simplesmente o cimo das

árvores. Não penetra através as grossascortinas verdes senão de modo crepuscular,produzindo a grave penumbra das catedrais,ou o lusco-fusco das grutas marinhas. Só emespaçadas clareiras avistam-se nesgas de

azul. Em geral, a luz soturna e misteriosaempresta às cousas feições sobrenaturais. Oconjunto é sublime.

 Todos os sentidos ficam aí extasiados.Gozam todos os nossos instintos artísticos.Com efeito, deparam-se-nos na floresta

brasileira primores de arquitetura, deescultura, de música, de pintura, e,sobretudo, de divina poesia.

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IXA Baía do Rio de Janeiro

 

É, ao mesmo tempo, baía, coleção debaías, arquipélago, pequeno marmediterrâneo. Para firmar-lhe a primazia,bastava a sua afortunada situação geográficana parte central da América do Sul, a meiocaminho entre a Europa, a Índia e a Oceania,

 — situação tão favorável à navegação e ao

comércio que fora mister, diz Robert Southey,todo o mundo civilizado se barbarizasse denovo para o Rio de Janeiro deixar de ser umadas mais importantes posições do globo.

A essa grande vantagem da baíafluminense, acrescem a sua vastidão,

segurança, profundidade de ancoradouro,movimento de embarcações, inesgotávelabundância de preciosas espécies de peixes,e, principalmente, a diversidade e formosurados panoramas apresentados por suas ilhas,enseadas, promontórios, montanhas evárzeas marginais, vestidas de riquíssima

vegetação.Há quatro séculos que a visitam

constantemente numerosos viajantes,naturalistas, exploradores, negociantes, e,todos, sem uma voz discordante,proclamam-na magnífica, portentosa, motivo

de orgulho para o país que a possui.Augusto Fausto de Souza, na obra A 

Baía do Rio de Janeiro, sua história e descrição 

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de suas riquezas , coligiu centenas de excertosdas homenagens prestadas por nacionais eestrangeiros a esse “ponto do universo, ondea mão do Criador parece haver-se esmeradoem reunir maior número de belezas,acumulando nele tudo quanto possa encantaros olhos e arrebatar o espírito”.

Entre os nomes que ali figuram,notam-se os de celebridades universais:Bougainville, Jacques Arago, Cook, Dumontd’Urville, Garibaldi, Malte-Brun, Ferdinand

Denis, o príncipe Maximiliano de Neuwied eCarlos Darwin que habitou Botafogo, em1832.

Elevam todos entusiásticos hinos àbaía do Rio de Janeiro, declarando-a uma dasmaravilhas da natureza, superior às mais

famosas, como o golfo napolitano, o Bósforo,as margens do Reno, os lagos da Suíça e daEscócia, as praias do Mediterrâneo.

Exclamam alguns que viram nela amais encantadora paisagem da terra, a quemais enche a alma de deliciosas sensações;confessam-se outros impotentes para

descrever o que experimentaram ante astintas deslumbrantes e as feições doespetáculo presenciado; afirmam outroshaver concebido, não pasmo perantetamanha magnificência, e sim uma exaltaçãoreligiosa, um santo respeito para com a

infinita grandeza do Criador, comparada aonada da criatura humana; testemunhamoutros que aí se reúnem as formas felizes do

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universo, as possíveis combinações dopitoresco, tudo quanto a fantasia dos artistastem sonhado de mágico e sedutor; opinamoutros que marca época numa existência aprimeira entrada nessa baía, que não podeser imaginada por quem não a viu, parecendofabulosa aos meamos que a estão admirando.

É, na realidade, um prodígio de lindeza,quer observada no seu conjunto majestoso,quer em insignificantes particularidades.

Do alto do Corcovado, um dos morros

que a dominam, descortina-se panoramasurpreendente, único.

Avistam-se as duas cidades fronteirasedificadas nas margens, — Rio de Janeiro eNiterói. No centro, graciosa multidão de ilhas,

 — estas isoladas e desertas, aquelas em

grupo e povoadas, meras pedras escalavradasaqui, adiante ressumantes de verdura. Entreas ilhas, centenas de navios; no fundo, emanfiteatro, circundando a enorme bacia, ascolinas cobertas de matas; além — asfortalezas, o mar alto, novas ilhas, situadasfora da barra; horizonte infinito, enfim, a

confinar no firmamento, que coroa tudo,quase sempre guarnecido de sereno epuríssimo azul.

Orla as águas mansas fantásticamistura de altos rochedos, florestas, casas,mastros, templos...

A forma total da baía do Rio de Janeiro, — triângulo de lados irregulares, — representa, em menor escala, a configuração

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geral do Brasil.

Sua disposição, a diafaneidade de suaatmosfera determinam magníficos efeitos deluz, no nascimento e ocaso do sol,

imprevistas e esplêndidas gradações de cores,desde o dourado ofuscante até o azul-ferrete,passando por vivíssimo carmim.

A partir da entrada da barra até os caisdas duas cidades, há uma sucessão deacidentes naturais, dispostos de jeito aformarem formidável e completo sistema de

defesa, organizado pelo Criador.Resguarda a costa, em considerável

extensão, para o norte e sul, compactacortina ou muralha de serranias, fendidaapenas de ligeira abertura, à guisa de umpórtico, em cada lado de cujos umbrais

empinam-se elevados montes, de formasingular, o Pico de Santa Cruz e o Pão deAçúcar. Sem os dois colossais atalaias, ouporteiros, não se perceberia o interstício quedá ingresso. Distinguem-se de longe, servindode guia.

À esquerda da entrada, extraordináriadisposição de montanhas apresenta a figuraexata de um desmedido vulto humano,suspenso sobre as ondas, deitado de costas.Apelidam-no o Gigante de Pedra  ou o Gigante 

que dorme . Descobrem-lhe traços do perfilburbônico.

Na extrema da baía, alça-se a serra dosÓrgãos, assim designada porque os seuspicos lembram os tubos desse instrumento.

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São alguns recortados como rendas, ouesguios como estiletes. Um deles chama-secom justeza — o Garrafão ; outro — a Cabeça 

de Negro . Destaca-se o que aponta o céu, àsemelhança de um dedo. É o Dedo de Deus .

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XMais belezas do Brasil

 

Infindos campos, tapizados de macia efresca relva, suavemente ondulados,constelados de flores selvagens, povoados decodornas e perdizes e aprazíveis em qualquerestação; as pampas do sul, pátria do tufão,no dizer de Alencar, incomensuráveissavanas nuas de face impassível, sem rugas

nem sorrisos, atravessadas por armentos depoldros indômitos e pelo gaúcho, deoriginalidade, bravura e independêncialegendárias; amplas cavernas cheias demistério; elevados picos, facilmenteacessíveis, donde se descortinam

perspectivas soberbas; centenas de angrasrecortadas com esmero artístico; jardinsincomparáveis; flora opulenta; faunainestimável, sobretudo em matéria de aves,notáveis pela delicadeza das formas,suntuosidade das plumagens, doçura docanto e primor da nidificação, — aves que

não emigram de bem que se acham ondenasceram: eis outras belezas do Brasil, dignacada qual de lhe assinalar posto de primaziano mundo.

A beleza é privilégio divino, supremaforça. As cousas verdadeiramente belas

sempre vencem, angariam respeito e estimade todos. Quantas regiões não se salientamapenas pelo seus atrativos de formosura,

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naturais ou produtos da arte, e deles vivem?A Grécia, a Suíça estão nesse caso: exercema soberania da beleza; tiram daí preciosasvantagens, a principal razão de ser.

O Brasil reúne em si as belezasesparsas em toda parte. E são belezas quenão passam, apreciadas em qualquer época,superiores às dos Panteons e Coliseus;sobranceiras às injurias dos séculos e aoscaprichos do gosto, — eternas.

Devem ter ufania os filhos de uma terra

assim dotada. O belo é a fonte essêncial doamor. Amemos apaixonadamente o Brasil,pelas suas lindezas sem par.

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XITerceiro motivo da superioridade do Brasil: a sua

riqueza 

A riqueza do Brasil é proporcional àsua extensão e à sua beleza: extraordinária.

Que é a riqueza? Houve época em quese aquilatava a riqueza de um país pelaquantidade de metais preciosos neleencontrados.

À luz desse critério, torna-seincontestável a precedência de nossa Pátria.Abundam em várias regiões do seu territóriominas de ouro e jazidas diamantinas.

Uma das suas grandes divisõespolíticas chama-se significativamente Minas

Gerais, e há lugares denominados, compropriedade, Ouro Branco, Ouro Preto, OuroFino, Diamantina.

A par do ouro e do diamante, acham-seno Brasil todas as preciosidades minerais.

Dir-se-ia o seu solo um imenso escrínio

de gemas. Com materiais exclusivamentebrasileiros se construiriam maravilhosospalácios e se fabricariam as mais finas ecustosas jóias.

Disse um sábio que Minas Geraisrepresenta um peito de ferro com um coraçãode ouro. Elevam-se ali montanhas daquele

metal.De Minas Gerais extraiu-se, no correr

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de mais de um século, enorme quantidade deouro que encheu o Erário da metrópole,permitindo-lhe ostentoso fausto e a edificaçãode notáveis monumentos, quais o conventode Mafra e o aqueduto de Lisboa.

Em certos pontos, ainda hoje, até apoeira dos caminhos é aurífera.

Deparam-se ao viajante extensas zonasescavadas à procura do ouro, nos temposcoloniais.

Não estão esgotadas. Por meio deprocessos primitivos, pouco se alcançou.

Venham os aparelhos modernos,labore-se cientificamente o terreno, emagníficas remunerações se hão de receber,como já vai sucedendo.

O Brasil deve tornar-se o verdadeiro

El-Dorado que tanto nele buscaram osantigos aventureiros.

É brasileiro um dos maiores diamantesconhecidos, o maior do Novo Mundo, aEstrela do Sul, achado no município daBagagem, Minas Gerais, pedra que muda de

cor, de rósea a branca, conforme a suaexibição à luz.

Muito admirada na exposição de Paris,em 1855, pertence hoje a um príncipeindiano, o Rajá de Baroda.

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XIIRiquezas naturais do Brasil

 

Demonstraram os economistas nãoconstituírem os minerais preciosos a únicanem a principal fonte da riqueza de um país.Entraram a sustentar que a lavoura e aindústria pastoril valem mais que o ouro e osdiamantes, consistindo a verdadeira riquezana abundância dos produtos indispensáveis à

manutenção da vida.Ainda, sob esse novo aspecto, é imensa

a riqueza do Brasil que pode produzir tudoquanto reclamarem as necessidades físicasao homem.

Inúmeras as suas plantas aproveitáveis

na alimentação, na indústria, no comércio,na medicina.

Entre as palmeiras, denominam osíndios algumas — árvores de vida , de tãoúteis, pois fornecem material paraembarcações e vários utensílios, fibras paratecidos, frutos doces e nutritivos, licorrefrigerante e agradável, enquanto as largasfolhas servem para cobrir, em lugar detelhas, as habitações feitas com pranchasdas mesmas árvores. Possuem, de mais, umaespécie de cera, de que se fabricam velaspara a iluminação.

Nas enormes matas brasileiras,quantas resinas e bálsamos de preço,quantas deliciosas árvores frutíferas! As dos

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seringais, indígenas, e as do café, exóticas,mas perfeitamente aclimadas, são genuínostesouros vegetais.

Há a árvore do pão , a árvore do papel , a

árvore da seda , a árvore do leite , cujos frutos,folhas, fibras ou sucos, oferecem aspropriedades e as aplicações das espécies deque lhes proveio o nome.

O milho e a mandioca já eramcultivados pelos índios. O arroz é silvestre emvárias regiões. Prestam-se a qualquer cultura

as terras do Brasil, de fertilidade proverbial.Verdadeira maravilha a uberdade da terraroxa que o calor e a umidade bastam afecundar. As laranjeiras produzem, sem trato.Nalguns pés, em Mato Grosso, as laranjas, jámuito doces, que murcham no galho,

reamadurecem dulcíssimas, — verdadeiraresurreição. O solo compensa larga egenerosamente, — agradece , na frase popularo mais leve cuidado que se lhe consagre. Assementes plantadas adquirem maior forçaprodutiva que alhures. Ao lavrador é fáciltirar das suas terras tudo quanto precise,

exceto sal, de que, aliás se encontram noBrasil grandes jazidas. Quase todas asculturas dão duas colheitas anuais.

Um país assim está em condições de setornar o celeiro do mundo.

Há nele, em climas diversos, vastas

pastagens, fartamente regadas, às quais seadaptam todas as raças de animais úteis. Jáimportante, a indústria pastoril destina-se a

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abastecer a Europa, pois é susceptível dedesenvolvimento extraordinário.

 Tribos selvagens vivem exclusivamenteda caça e da pesca, tão profusas que

permitiram outrora as longínquas expediçõesdos bandeirantes, desprovidos de tudo.

Confia-se à natureza a criação do gado,de que milhões de cabeças povoam oscampos. Consiste o só trabalho doproprietário em reunir, uma ou outra vez, nolugar adequado, os rebanhos para marcar as

crias e apartar as reses vendidas.E as abelhas que compõem delicioso

mel? E as tartarugas de carne saborosa,cujos ovos fornecem manteiga, e cuja cascaserve para o fabrico de objetos de arte,utilização também peculiar a muitos insetos

brasileiros?!Encontra-se no Brasil matéria prima

para quaisquer manufaturas. Durante aguerra do Paraguai, com elementosexclusivamente nossos, construímos empoucos meses, nos arsenais do Rio,excelentes vasos de guerra. Os gigantes dasnossas florestas servem, como nenhunsoutros, para a construção de navios, casas emóveis de luxo. Conquistam as suasmadeiras o primeiro lugar nos concursosinternacionais, subindo a milhares asespécies classificadas, famosas pela beleza e

resistência. Encheria volumes a sua simplesenumeração, de que só ministraria idéia umtratado de botânica.

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Em suma, subsolo, solo, ares, selvas,águas, está tudo no Brasil cheio de vida, evida é riqueza. Não depende ele do resto doglobo. Poderia, se quisesse, erguer, semprejuízo material, em torno das suasfronteiras, a muralha da China.

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XIIIMais riquezas do Brasil

 

Segundo o critério hoje dominante,considera-se nação rica a que possui grandesoma de utilidades. O Brasil possui-as todas.

Recordai a sua extensão territorial, oseu completo sistema hidrográfico, amultiplicidade de seus portos, a sua posiçãogeográfica, tocando em todos os países daAmérica do Sul, à exceção do Chile, (o que otorna o traço de união entre eles), a suaproximidade dos grandes centros, os seustesouros em fosfatos e em águas minerais;considerai que as suas vias de comunicaçãoaumentam diariamente, bem como a sua

atividade comercial e industrial, pelo simplesmovimento da população, movimentoascendente que nunca estacionou e menosretrocedeu; observai que o operário nacional,muito inteligente, apreende com rapidez oensino técnico; que se estabeleceu umacorrente imigratória para a nossa Pátria,

corrente cujo acréscimo depende apenas daboa vontade da administração; que, enquantona Europa a área das terras cultivadas seestreita e esgota, esbarrando a vida emdificuldades sempre agravadas, entre nós sedá o contrário e, a despeito de crises fatais,

iniciam-se culturas novas, dilata-se a zonaprodutora; ponderai tudo isso e reconhecereisque o Brasil oferece imensas vantagens à

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economia geral do gênero humano, erepetireis, com Robert Southey, que só a maisextrema e obstinada prevaricação da parte dogoverno, ou a mais cega e culpávelimpaciência da do povo poderão subverter ainfluência e a prosperidade do Brasil.

Em nosso conceito, nem assim. Aquelesmaus elementos poderão retardar; nuncaimpedir a predestinação do Brasil a grandescousas.

Mas, — objetar-se-á, — apontastes

apenas facilidades naturais, e facilidadesnaturais não são riqueza, sem que o trabalhoas aproveite e valorize.

É exato. As facilidades naturais doBrasil, porém, já estão sendo exploradas ese-lo-ão fatalmente, em grau condigno da sua

importância, sob a pressão inevitável danecessidade e da concorrência. A luta pelavida cada dia se torna mais áspera no velhomundo. O Brasil é imenso repositório derecursos, inexaurível arsenal para osindustriosos, refúgio sem igual aberto aosnecessitados.

As nossas condições econômicas hãode ser breve forçosamente aproveitadas, emvirtude da ação de forças inflexíveis. Acresceque circunstâncias especiais operam noBrasil a distribuição da riqueza conforme asleis naturais do trabalho, o que, numa

sociedade laboriosa, suficientementeesclarecida, onde a liberdade de cada um sejaprotegida contra a fraude e a violência, é o

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ideal, no dizer dos economistas.

Não conhecemos proletariado, nemfortunas colossais que jamais se hão deacumular entre nós, graças aos nossos

hábitos e sistema de sucessão. Nemargentarismo, pior que a tirania, nempauperismo, pior que a escravidão.

Nem cumeadas, nem abismos, nemtransições bruscas, nem, portanto, desesperoembaixo, porque se pode sempre esperaratingir o grau superior, nem desdém soberbo

no alto, porque este se acha mui vizinho dograu inferior, não sendo lícito aos que aí sevêem considerarem-se de espécie diversa dados seus semelhantes menos bem colocados.

No Brasil, com trabalho e honestidade,conquistam-se quaisquer posições.

Encontra-se a mais larga acessibilidade atudo, no meio de condições sociais únicas,sem distinção e divergência de classes, emperfeita comunicação e homogeneidade dapopulação. A esperança constante de umasituação melhor anima a todos, e é esse oeficaz incentivo da indústria humana.

 Temos, pois, o estado mais propício aoprogresso da riqueza pública. No Brasil, otrabalho anda a procura do homem e não ohomem à procura do trabalho.

Ninguém, querendo trabalhar, morreráde fome. Parece país de milionários, tão

largamente se gasta.Por conseguinte, é incontestável a

superioridade econômica do Brasil, material e

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moralmente aquilatada. Tudo nele tende acrescer, a subir. Nenhum perigo sério lheameaça o desenvolvimento, nenhuma chaga ocorrói, como acontece à Europa, sob o receiopermanente de uma guerra, e minada, comotambém os Estados Unidos, pela extremariqueza e pela extrema indigência, fontes deinvejas e desprezos.

No balanço geral do Brasil, figura estaverba compensadora de quaisquerdesfalecimentos: Futuro!

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XIVQuarto motivo da superioridade do Brasil: a

variedade e amenidade de seu clima 

Em conseqüência de sua enormeextensão, há no Brasil grande variedade detemperaturas, que, entretanto, em parte eestação algumas, atingem graus extremos.Raros os casos de insolação oucongelamento. O inverno não exige entre nós

as precauções e despesas dos outros países.Sem embargo, o clima do Brasil é muitocaluniado pelos que o não conhecem ou têminteresse em o deprimir.

Em três zonas costumam dividir onosso país quanto às condiçõesclimatológicas: a tropical, a subtropical e atemperada.

Na primeira, cujas regiões maisquentes são Pará e Amazonas, não reina ocalor que se imagina, em razão de seacharem junto ao equador. Na mesmalatitude encontram-se lugares de clima

diferente. Pará e Amazonas excedem em tudoas outras regiões tropicais do mundo, quais aÍndia, a Polinésia, parte da África.

A estas afligem-nas secas prolongadasque destroem a vegetação e matam o gado,chuvas torrenciais, terríveis tufões, pestes,

mil enfermidades. Em Nova York e emFiladélfia faz calor mais sufocante que noAmazonas e Pará, onde a uniformidade da

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temperatura, o brilho da atmosfera, aperpétua verdura das florestas, os numerososrios, as fortes brisas vindas do mar, aschuvas brandas e regulares, às vezesquotidianas, e em todos os meses, a ausênciade rijos temporais, modificam o ardor solar,purificam o ar, tornam docemente balsâmicasas noites, não prejudicam a saúde.

Muitos viajantes estrangeirosclassificam o clima do Pará e do Amazonasentre os melhores da terra. Nesses lugares

não causa danos moléstia alguma endêmica.Acusam-nos de produzir impaludismo.

Mas o impaludismo ali não é mais grave oumais comum do que em outros pontos bemreputados. Grassa propriamente nascabeceiras dos rios, florestas pantanosas e

terras baixas, tomando a forma intermitente,não a perniciosa ou tífica. Diminui oudesaparece onde se observe higiene. Notáveisestrangeiros têm percorrido o Amazonas,indenes de qualquer enfermidade. Agassis,um deles, atribui o impaludismo à faltaabsoluta de higiene, ou antes à violação

sistemática de todos os preceitos de higienepelos habitantes. Se não fora a febrepalustre, — afirma outro, — o Amazonasseria o paraíso dos inválidos. O fato é que apopulação aumenta ali, em vez de decrescer,e é talvez a mais venturosa do Brasil.Predisse Humboldt que no Amazonas há deresidir o centro da civilização humana.

Adapta-se facilmente o estrangeiro,

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com alguma higiene, ao clima da zonasubtropical.

No Ceará, onde, aliás, existem pontossalubérrimos, refúgio de tuberculosos,

nota-se o fenômeno das secas periódicas,fatais, de dez em dez anos, à criação e àcultura. Essa calamidade, porém, não éinsuperável. Podem ser evitados os efeitosdas crises dela oriundas, pelos esforços daadministração e pelos recursos da ciência.

Em muitos pontos da zona mais

quente, goza-se graças à altitude, do maissuave clima europeu.

Quanto à parte extratropical, seu climatemperado excede ao da Europa e o dosEstados Unidos.

Fala-se muito em febre amarela que

assola alguns pontos do litoral e do interior.Mas cumpre considerar, nos dizer doscompetentes, que: 1.° A febre amarela não éproduto do nosso solo, porém foi importadade países onde grassou, com violência jamaisvista entre nós, sendo afinal debelada; 2.° Sódevasta porção insignificante do Brasil,nunca chegando a certas alturas; 3.° Mesmonessa porção tem desaparecido, por largoperíodo; 4.° Tudo induz a crer que, commelhoramentos materiais, a par de higienepública e particular, desaparecerátotalmente, voltando o Rio de Janeiro, seu

principal foco, a ser considerado, como já ofoi pela marinha inglesa, estação saudável, — mera questão de tempo e perseverança; 5.° A

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mortalidade da febre amarela é relativamentepequena comparada à de outras moléstiasendêmicas em famosas cidades e capitaisopulentas.

S. Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná,Santa Catarina, Minas Gerais, circunscriçõesterritoriais equivalentes a vastos países,desfrutam no geral delicioso clima. Vivem alios europeus melhor que em suas pátrias. Anatalidade atinge em certos pontosadmiráveis proporções, excedendo de muito

os óbitos. Abundam casos de longevidade. Évulgar o costume patriarcal de reunirem asavós à sua mesa centenas de descendentes.

Cicatrizam mais depressa que noshospitais do velho mundo feridas eamputações, realizando-se curas

maravilhosas. O clima de Minas Geraisressuscitou e dilatou a vida ao sábio PieterWilhelm Lund que vindo tísico de sua pátria,a Dinamarca, morreu na mais avançadaidade em Lagoa Santa, celebrizando-se pelodescobrimento que efetuou do homem fóssilnas grutas calcárias daquele sítio. Mais de

um milhão de estrangeiros de várias raças eprocedências, — russos, alemães, italianos,polacos, sírios, — domiciliaram-se eprosperam nas plagas meridionais do Brasil.

Em suma: é excelente a média do climado Brasil. Nenhuma moléstia lhe é peculiar

ou exclusiva. Nenhum problema sanitário selhe apresenta insolúvel, nem de difícilsolução. A temperatura não incomoda ou

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acabrunha o homem, exigindo-lhe sacrifícios.

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XVQuinto motivo da superioridade do Brasil: ausência

de calamidades 

Imenso como um continente, nãoconhece o Brasil nenhum dos grandesflagelos que, em outras regiões, soemproduzir milhares de vítimas.

Privilegiado da Providência, não registraa sua história uma só dessas terríveis

catástrofes, comuns a quase todos os povos,quer na ordem material, quer na moral.

Não há ciclones, como nos EstadosUnidos, inundações, como na Espanha,fomes e pestes prolongadas, como em tantospontos da Europa e da Ásia.

De terremotos não se aponta notícia,nem vestígio. Vulcões, nem apagados, nemtraços de extintos. Nevoeiros persistentes nãoenvolvem as nossas costas, onde rarosnaufrágios ocorrem. Na considerável extensãodessas costas, não são de recear nemrochedos ocultos, nem correntes traiçoeiras,

nem sorvedouros, nem furacões.Os perigos, estão reduzidos aos

inevitáveis e inerentes à situação humana.

Quase todos os numerosos portosoferecem fácil abrigo.

 Já assinalamos que nas florestas são

relativamente em número insignificante osanimais ferozes. Os que existem raro agridemo caminhante. Limitam-se a defender-se,

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tirando escassas vidas, fazendo estragos depouca monta.

Em suma: oferecendo ao homemcondições de vida sem igual, a natureza

brasileira em nada lhe é hostil ou áspera.Pode o habitante confiar nela, comsegurança. Não o trai, não o surpreende, nãoo amedronta, não o maltrata, não o aflige.Dá-lhe tudo quanto pode dar, mostrando-se-lhe sempre magnânima, meiga, amiga,maternal.

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XVISexto motivo da superioridade do Brasil:

excelência dos elementos que entraram naformação do tipo nacional

 É hoje verdade geralmente aceita que,

para a formação do povo brasileiro,concorreram três elementos: o selvagemamericano, o negro africano e o português.

Do cruzamento das três raças resultou

o mestiço que constitui mais de metade danossa população.

Qualquer daqueles elementos, bemcomo o resultante deles, possui qualidades deque nos devemos ensoberbecer. Nenhumdeles fez mal a humanidade ou a deprecia. Ese não, vejamos.

Na carta em que Pero Vaz de Caminhacomunica a El-Rei D. Manoel odescobrimento de Cabral, narra ele oprimeiro encontro entre a gente civilizada eos aborígenes.

Conforme já acentuou uma voz

eloqüente em ocasião solene (a abertura doCongresso Jurídico Americano, de 1900) asimpressões oriundas desse primeiro encontroforam todas favoráveis aos índios.Mostraram-se bondosos, serviçais,confiantes, sociáveis, no seu amistoso

acolhimento. A um aceno, depõem as armas.Não trepidam alguns em dormir nas nausrecém-vindas e desconhecidas. Recebem

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outros em suas míseras choças osportugueses que se embrenharam pela novaterra. Restituem à mais leve reclamação,objetos subtraídos. Entabolam relaçõespacíficas, sem violência nem fraude. Ajudamos hóspedes a conduzir para o sítio maispróprio a cruz talhada na floresta virgem.Assistem respeitosos à missa e ao sermão deFrei Henrique, imitando os gestos devotos doscristãos. Tratam com humanidade osdegredados deixados nas suas plagas e esses

degredados vivem serenamente, entre eles,formam família, desposando índias. Revelam,numa palavra, nobres e raros predicados.

E sempre sucedeu mais ou menosassim. Revoltaram-se quando se lhesprocurou tirar a independência,submetendo-os à servidão.

Pondo de parte certas tribosnativamente ferozes, o geral dos nossosaborígenes manifestou de ordinário boasdisposições, acessíveis à catequese dosmissionários, jamais refratários à melhoria.Houve os que trucidaram o bispo náufrago D.

Pero Fernandes Sardinha e cerca de 100pessoas de sua comitiva, conservando-se atradição de que, depois desse dia, nenhumaflor ou erva nasceu mais no lugar, — outrorafértil e belo, — da medonha hecatombe. Acrueldade, porém, era exceção.

Praticavam largamente a hospitalidade. Todos os cronistas e historiadores nacionaisnotam-lhes os hábitos hospitaleiros, devidos

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talvez a superstições religiosas. Entre asatribuições do cacique figurava a de acolher eguiar os hóspedes da taba.

No meio dos selvagens ou descendentes

de selvagens brasileiros, sobresaem nãopoucos homens notáveis.

 Tibiriçá, sogro de João Ramalho, muitoauxiliou os jesuítas.

Araribóia ajudou os portugueses arepelirem os franceses do Rio de Janeiro.

De Araribóia narra um historiador queindo visitar o governador Salema, deu-lheeste cadeira e ele se assentou cavalgandouma perna sobre a outra conformecostumava. Advertiu-lhe o governador pormeio do intérprete não ser aquela boacortesia quando falava com representante

d’El-Rei. Não sem cólera e arrogânciarespondeu o índio: “Se tu souberas quãocansadas eu tenho as pernas das guerras emque servi a El-Rei, não estranharas dar-lhesagora este pequeno descanso, mas já que meachas pouco cortesão, eu me vou para aminha aldeia, onde nós não curamos destespontos, e não tornarei mais à tua corte.”

Cunhambebe foi amigo de Anchieta. Opai de Cunhambebe, chefe tamoio,celebrizou-se como almirante de umaesquadrilha de canoas muita vez vitoriosa emcombates com os navios portugueses.

 Jaraguari, conforme narra Southey, foiacusado pelos portugueses, de quem eraaliado, durante a guerra contra os

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holandeses, de haver desertado para estes.Protestou, alegando ter ido buscar entre osinimigos a mulher e os filhos. Incrédulos,metem-no os portugueses 8 anos numcárcere, donde o tiram os holandesesvitoriosos. Vendo-se solto, dirige-se à suatribo e lhe diz: “sangram ainda os sinais dasminhas cadeias; mas é a culpa, não o castigoque infama. Quanto pior me trataram osportugueses tanto maior será o vosso e o meumerecimento conservando-nos fiéis ao serviço

deles, especialmente agora que o inimigo osaperta.” E, de fato, levou aos seuscondenadores forte contingente.

 Jaraguari era tio de Antônio FilipeCamarão, Poti, um dos heróis da epopéiaPernambucana. Tais os serviços de Camarão,que Filipe IV de Espanha concedeu-lhe otítulo de dom, a comenda de Cristo e o postode governador e capitão general de todos osíndios. Pintam-no os contemporâneos afávelcom os seus subordinados, cortês comestranhos, cheio de dignidade com ossuperiores, sempre preocupado de manter

ileso o decoro.Quando Antônio Vieira foi preso no

Pará por um motim triunfante contra os jesuítas, só uma índia que lhe era agradecidaousou levar-lhe alimento ao calabouço,através as sentinelas furiosas. Ameaçaram acoitada de ir queimar-lhe a choça. “Queimem,respondeu; com o fogo cozinharei a comidapara o padre.”

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Assim, sem exageros de fantasia,encontram-se na história dos nossos índiostraços sublimes. E quantas figuras lendárias,como a de Paraguaçu, afilhada de Catarinade Medicis, levada à França por seu esposoDiogo Alvares, o Caramuru, e a de Moema,apaixonada do mesmo, seguindo a nado obarco em que ele ia, até exausta, desaparecernas ondas?!...

O próprio governo da metrópolereconheceu oficialmente a superioridade dos

indígenas brasileiros (alvará de 4 de Abril de1755) determinando que os vassalos do reinona América que casassem com índias, nãoficariam por isso com infâmia alguma, antesse fariam dignos da atenção régia, e quandoalguns filhos ou descendentes dessematrimônio trouxessem requerimentosperante El-Rei, lhe fizessem saber estaqualidade para, em razão dela, atendê-losmais particularmente.

 João Francisco Lisboa faz curiosoparalelo entre os costumes dos selvagensbrasileiros e os dos antigos germanos,

imortalizados por Tácito.

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XVIICostumes curiosos dos índios do Brasil 

Notam-se particularidades muitointeressantes nos costumes das várias tribosde índios ainda existentes no Brasil.

Os coroados , nas bandas do Paraguai,vivem em pequenas comunidades, passamem pirogas a metade da existência.Aproximam-se do tipo caucásico;encontram-se entre eles belos exemplaresvaronis e formosas mulheres.

São nômades os muras , sem noçãoalguma de cultura do solo. Hábeispescadores, mergulhadores insignes,apanham tartarugas a nado, prendendo-as

pelas patas. Fazem inalações de certasplantas, agarrando-se dois a dois einsuflando-se mutuamente os vaporesaromáticos no nariz. Caem às vezesdesmaiados, outras mortos, depois de gritos egestos frenéticos e um fluxo desordenado depalavras loucas. Outras vezes reúnem-se aospares e se açoitam até ao sangue, como osfakirs da Índia.

Os canoeiros do Amazonas falam deuma raça misteriosa de albinos que sóaparecem à noite.

Alguns não conhecem os metais, e para

eles o cão não é um animal doméstico. Trazem os corpos cobertos de pitorescastatuagens. Entretêm outros grande

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familiaridade com os animais, tornando asaldeias verdadeiros jardins de aclimatação.As onças são aí inofensivas. Serpentesgigantescas guardam as cabanas.

Costumam outros fazer devorar oscadáveres por piranhas carnívoras e vorazes.Enterram outros os mortos de pé, a cabeçasaliente, de modo a lhes meterem alimentosna boca.

Distinguem-se os caiapós   pelo seuespírito industrioso, pugnaz, cioso de

liberdade e independência. Andam totalmentenus os apinangés , de elevada estatura,pálpebras oblíquas, figura mongólica. Oscaraiás  observam rigorosamente a fidelidadeconjugal, queimam as adúlteras, não bebemalcoólicos, não mentem. Para obter ordem

nas famílias, fundaram uma instituiçãoespecial, única no mundo: nomeiam ummarido das viúvas, sustentado pelacomunhão, dispensado de todos os trabalhos,guerras e expedições dos outros homens datribo.

Várias hordas servem-se de uma

linguagem simbólica. A justaposição de certosobjetos significa uma narrativa ou umamensagem. Não raro, empregam esse meiopara ameaçar os brancos. Armas plantadasno solo importam declarações de guerra. Onúmero de entalhas praticadas nessas armas

designa os dias em que devem romper ashostilidades.

Entre os bororós , somente pode

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casar-se quem houver morto um jaguar.Celebrizam-se os guatós , hábeis canoeiros,pelos seus ciúmes. Só é licito às mulheresfalarem aos estrangeiros, com os olhosvoltados para o marido. Mostram-se,entretanto, estritos cumpridores das leis dahospitalidade e da fé jurada: nunca traem.Domesticam de tal forma as feras queparecem fasciná-las.

Os guaicurus , exímios cavaleirosroubam mulheres e crianças, combatem à

moda dos beduínos. Reputam-se o primeiropovo do mundo, admitindo apenas relaçõescom estrangeiros para receber deles tributode vassalagem. Conhecem distinções declasses: nobres, plebeus e escravos. Osnobres desposam somente mulheres de suaesfera. Dispõem as tendas conforme aprimazia. À morte de um nobre, efetuam-segrandes solenidades. Colocam-lhe no túmuloo arco, as flexas, a maça, a lança, os ornatosde guerra, e, depois, matam ao lado dele, ocavalo que ele amava.

Os mundurucus , altos, fortes,

musculosos, tez clara, usam tatuagens quevariam segundo os grupos e tribos. Ligam talimportância a essa pintura do corpo que sereúne o conselho de família para assentar noplano, cuja execução dura às vezes dez anos.Os velhos tatuados inspiram profundorespeito aos jovens. Altivos, afidalgados,cumprem rigorosamente a palavra dada.Produzem trabalhos artísticos de penas.

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Mesmo em tempo de paz, têm organizaçãomilitar e recrutamento. Durante as guerras,atacam de dia, ao som do tambor, que lhesregula os movimentos. Usam de umacondecoração o  pariuate-ran , de  pariuate   — inimigo e ran  — cinto. Consiste numa cintade algodão tecido e armada com dentesarrancados a uma cabeça de inimigo. O chefeda tribo concede o uso dessa cinta não só aosvalentes, feridos no campo de batalha, comoa viúvas e filhos de heróis. A cerimônia da

concessão efetua-se com grande aparato,perante a tribo reunida. Seu efeito não émeramente decorativo. Quem merece o pariuate-ran   recebe uma espécie de pensãovitalícia. Os agraciados deixam de trabalhar.Sustenta-os a tribo, a título de recompensapública pelo serviço prestado.

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XVIIIOs negros

 

Os negros africanos, importados noBrasil desde os primeiros tempos dodescobrimento, sempre se mostraram dignosde consideração, pelos seus sentimentosafetivos, resignação estóica, coragem,laboriosidade. Devemos-lhes imensa gratidão.

Foram os mais úteis e desinteressadoscolonizadores da nossa terra que fecundaramcom o seu trabalho. Animavam-nos instintosde independência, como prova a formaçãodos quilombos de Palmares. Sacrificaram-se,entretanto, aos seus senhores, nem semprebenévolos, mas, em todo caso, menos

bárbaros que os de outros países,especialmente os dos Estados Unidos. Asnegras eram geralmente as amas de leite dosfilhos dos brancos, e, obrigadas a abandonara própria prole pela alheia, tratavam estacom devotamento e carinho extraordinários.Nas nossas guerras, os negros bateram-se

como heróis.Contribuíram tantos serviços para que

no Brasil jamais houvesse preconceito de cor. Já nos tempos coloniais, determinava o rei(provisão de 9 de Maio de 1731) que oacidente da cor não constituía obstáculo para

que um homem exercesse o cargo deprocurador da coroa. Por alvará de 12 de Janeiro de 1733, aprovava ter um governador

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alistado, nos corpos de infanteria deordenanças, pardos com brancos, semdistinção, confiando que os primeiros oservissem com o mesmo zelo e fidelidade dossegundos. Nos Estados Unidos, mesmo agora,a desigualdade social entre pretos e brancossubsiste até depois da morte; em certoslugares há cemitérios diferentes para uns eoutros! Durante o reinado de D. Pedro IIvários descendentes de africanos mereceramcondecorações e títulos nobiliárquicos.

Que bela galeria de negros e filhos denegros ilustres a que apresenta o Brasil! Eis

 José Maurício Nunes Garcia, gênio musical,amigo de D. João VI; Marcílio Dias, intrépidomarinheiro que deu seu nome a um dosvasos da nossa armada; André Rebouças que,depois de derribada a monarquia, redentorada sua raça, acompanhou a família imperialbanida, deixando cômodos, posição, parentes,para ir morrer miseravelmente no voluntárioexílio; Luiz Gama, ex-escravo, que se tornaexímio advogado, um dos próceres doabolicionismo; Justiniano da Rocha e

Ferreira de Menezes, inspirados jornalistas; eo legendário Henrique Dias que, dez vezesferido, perdendo uma das mãos na guerracontra os holandeses, exclama que cada umdos cinco dedos restantes batalharia comonova mão por seu Deus e pela sua Pátria!

Henrique Dias recebeu do governoportuguês o título de governador e de mestrede campo.

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Para honrar a sua memória, ordenou acoroa que em várias capitanias seorganizassem corpos de soldados e oficiaistodos pretos, com o nome de regimento dos 

Henriques . Durou essa instituição até depoisda independência.

Em Pernambuco, os regimentos eramdois: o dos velhos e o dos novos Henriques.Nem oficiais nem soldados percebiam soldo.Bastava-lhes a honra de ali servirem.

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XIXOs portugueses

 

A história não regista notícia de umpovo que, com menos recursos, mais fizessedo que o português. Larga é a suacontribuição para o progresso humano, quenunca empeceu. Subjugou o mar tenebroso,dilatou o perímetro aproveitável do planeta; e,sendo um dos mais diminutos e menos

povoados reinos da Europa, formou essecolosso — o Brasil. Dá mostras de injustiça eingratidão o brasileiro que ataca ou deprimePortugal.

Que é que constitui a grandeza de umpovo? Seus serviços à humanidade? Portugal

os prestou, como nenhuma outra nação, comas suas viagens e descobrimentos.

A sua literatura, a sua arte?

Portugal criou o estilo góticomanoelino; possui Camões, uma dassumidades do pensamento universal.

A sua heroicidade, a sua resignação, oseu esforço?

Uma vez única o solo português sofreua conquista de hostes estrangeiras, pois odomínio de Espanha durante 60 anoslegitimou-o o direito de sucessão. Napoleão, odominador da Europa inteira, mandou para

lá suas mais aguerridas tropas e maisfamosos generais. E em Portugal começou odeclínio das vitórias napoleônicas. A família

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real de Bragança não se humilhou — únicano velho mundo com a da Inglaterra — aogrande guerreiro, mas, ao contrário,estorvou-lhe os planos, como ele próprio oreconheceu em Santa Helena. O general

 Junot foi batido e aprisionado em Portugal;Soult e Massena, em toda parte triunfantes,viram-se obrigados a retirar-se diante daindomável bravura e tenacidade lusitanas. Seexércitos franceses invadiram o territórioportuguês, também uma divisão portuguesa

invadiu a França e ocupou cidades francesassob o comando de Wellington.

Onde quer que os portugueses fixemdomicílio, na Ásia, na África, na Oceania, dãobelos exemplos de união, patriotismo, amorao trabalho, filantropia; elevam monumentosà caridade e à instrução. Em parte nenhumaé infecunda a sua passagem.

Desfralda-se altiva, há tantos séculos,a sua bandeira branca e azul! Jamais tevenódoas, a não serem de sangue briosamentevertido. Nunca se abateram os cinco escudosdas suas armas. Honra aos desbravadores do

nosso país!

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XXNão foi de degredados que se povoou o Brasil

 

Depois do que a respeito do assuntoescreveram, entre outros, Porto Seguro e João Francisco Lisboa, só por ignorância oumá fé se afirmará que de malfeitores e da piorgente portuguesa se compuseram osprimeiros núcleos da nossa população.

É inexato que Portugal houvesse emcomeço abandonado ou desprezado o Brasil.Não se assinala diferença sensível entre opovoamento deste e o das outras colôniasportuguesas. Vieram para cá os melhoreselementos da escassa população de que ametrópole dispunha. Os da Índia não se

mostraram muito superiores, antes inferioresquanto ao resultado.

Sem falar em marinheiros náufragosque desde logo se estabeleceram na novaterra, vemos que foram ilustres todos osprimitivos exploradores. O bacharel deCananéia, Diogo Álvares, João Ramalhoformaram família no meio dos selvagens,pouco depois do descobrimento. MartimAfonso de Souza trouxe consigo 400 colonos.As capitanias em que D. João III dividiu opaís couberam a varões eminentes da suacorte: fidalgos, ricos proprietários, militares,

escritores, altos empregados, — recomendáveis todos por importantesserviços. Acompanharam o primeiro

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governador geral, Tomé de Souza, cerca 1500pessoas, das quais 60O homens de armas.

É verdade que Portugal costumavamandar degredados para o Brasil. Mas não

tardaram a aparecer protestos enérgicos, qualem 1546 o do donatário de Pernambuco. Asfamílias das capitanias jamais se misturaramcom esses condenados, apesar de que odegredo não implicava perversidade por partede quem o sofria. Era severíssimo o CódigoPenal em vigor, e aplicava profusamente a

pena de degredo para o Brasil a fatos leves,simples pecados veniais, opiniões,pensamentos. Não desonrava a ninguém talcastigo. E quantos não vieram de todoinocentes!

Admitindo que fossem culpados, força é

reconhecer que a transplantação osregenerou. Onde os grandes crimes dostempos coloniais? Onde a corrupção maisprofunda que a de agora e a de outros países?Onde as crueldades comparáveis àspraticadas no México, no Peru e nos própriosEstados Unidos que, no dizer de Washington,

 jamais ensaiaram para com os aborígenes apolítica da moderação e da doçura?...

Concorreram para o nosso povoamentoas expedições militares, as remessas detropas constantemente feitas paraguarnições, a multidão de colonos que

afluíam das ilhas e do continente, osmagistrados, os funcionários de váriascategorias. Com D. João VI, emigram para o

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Brasil milhares de fidalgos. Quantas famíliasbrasileiras não alegariam nobilíssima estirpe!Portugal não podia fazer mais do que fez,dados os seus recursos e as idéias da época.A capitania de S. Paulo era tão altiva querequereu a El-Rei só lhe mandasse comogovernadores generais ou homens de elevadanobreza.

Mas, aceitemos a origem humilde danossa gente. Que resulta daí de desairoso? Aocontrário, glória nos advém de havermos

chegado ao que chegamos, partindo de tãobaixo. A Austrália, hoje prospérrima,começou como presídio de criminosos. Oberço de Roma foi um covil de bandidos,capitaneados por um enjeitado que uma lobaamamentara.

Não encontraram esposas osascendentes dos orgulhosos romanos. Tiveram de empregar a fraude e a força paraobtê-las raptando as sabinas.

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XXIO mestiço brasileiro

 

Do cruzamento das três raças, — portuguesa, africana e índia, — originou-se otipo do mestiço brasileiro, chamadomameluco quando provém da união entre obranco e o selvagem, cafuz ou caboré quandose engendra da do selvagem com o negro. Adenominação popular — caboclo  — designa os

primeiros, — cabra  — os segundos.Por sua energia, coragem, espírito de

iniciativa, força de resistência a trabalhos eprivações, ganharam os mamelucos justacelebridade no período colonial.

Apresentam os cafuzes as qualidades

dos mamelucos, a par de seus defeitos, entreos quais avulta o da imprevidência, totaldespreocupação do futuro.

Os mestiços brasileiros contribuíram econtribuem eficazmente para a formação dariqueza pública. Só eles exercem certastarefas. Não se prestam a trabalhos,sedentários, mas são exímios na exploraçãoda indústria pastoril, importante num paíscomo o Brasil, onde abundam os campos.

São mestiços os vaqueiros, notáveispela sobriedade, e desinteresse, gozandosempre de inalterável saúde; são mestiços os

canoeiros e jangadeiros do norte que, sobretoros ligeiros e mal unidos, afrontam ooceano ou as corredeiras de caudalosos rios,

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em longas e arrojadas excursões; sãomestiços os cearenses adaptáveis aos maisrudes climas e aos mais duros labores; sãomestiços os caipiras, independentes e fortes;são mestiços os gaúchos, afeitos à existênciaerrante, vivendo em cima do cavalo,infatigáveis, de força e destreza raras,prontos à aventura, audaciosos e astutos.

A tenacidade, a dedicação, a bravura deque são capazes os mestiços prova-o o fato deCanudos, onde, poucos e mal armados,

fizeram frente a poderoso exército.Muito inteligentes, têm as suas

legendas, as suas cantigas ao som da viola, asua linguagem especial. Deriva dessalinguagem um dos principais elementos paraa estrutura do idioma brasileiro que há de

um dia diferenciar-se do português como estese diferenciou do latim, e que já possuiprosódia, vocabulário e construçõessintáxicas peculiares, perfeitamentedistintas.

O mestiço brasileiro não denotainferioridade alguma física ou inteletual.

É susceptível de quaisquer progressos. Têm produzido grandes homens em todos osramos da atividade social. S. Paulo, lugar emque mais considerável se operou ocruzamento com os índios, marcha navanguarda da nossa civilização.

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XXIISétimo motivo da superioridade do Brasil: nobres

predicados do caráter nacional 

O brasileiro fisicamente não é umdegenerado. Notam-se muitos de estaturaelevada, vigor e agilidade pouco vulgares.Quanto ao seu caráter, ainda os pioresdetratores não lhe podem negar:

 — 1.° Sentimento de independência,

levado até à indisciplina. — 2.° Hospitalidade. No interior, raro

se encontram hospedarias. Quem chega éacolhido, com afabilidade e lhaneza, naprimeira casa a que bata. Os lares de certaordem têm um quarto especial sempre

pronto, chamado o quarto dos hóspedes .Estes demoram-se meses e anos às vezes. Odono da casa não se incomoda. É para elesinal de importância, como o receber cartasnumerosas no correio.

 — 3.° Afeição à ordem, à paz, aomelhoramento.

 — 4.° Paciência e resignação.

 — 5.° Doçura, longanimidade,desinteresse.

 — 6.° Escrúpulo no cumprimento dasobrigações contraídas. Julgar-se-ia desairadoquem, no interior, alegasse prescrição de

dívida. — 7.° Espírito extremo de caridade.

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Elisée Reclus observa que nenhures se achacomo no Brasil tão notável organização deestabelecimentos de solidariedade, mantidospor esmolas, sem intervenção do Governo.Produz resultado o menor apelo, em nomedos que sofrem.

 — 8.° Acessibilidade que degenera, àsvezes, em imitação do estrangeiro.

 — 9.° Tolerância; ausência depreconceitos de raça, religião, cor, posição,decaindo mesmo em promiscuidade. Só há

exemplo de um jornalista estrangeiro expulso.Durante a guerra do Paraguai, um francêspúblicava no Rio de Janeiro um jornalsimpático ao inimigo, caricaturando osnossos generais.

 — 10.° Honradez no desempenho de

funções públicas ou particulares.A estatística dos crimes depõe muito

em favor dos nossos costumes. Viaja-se pelosertão, sem armas, com plena segurança,topando sempre gente simples, honesta,serviçal.

Os homens de Estado costumam deixaro poder mais pobres do que nele entram.Magistrados subalternos, insuficientementeremunerados, sustentam terríveis lutasobscuras, em prol da justiça, contrapotentados locais. Casos de venalidadeenumeram-se raríssimos, geralmente

profligados. A República apoderou-se desurpresa dos arquivos do Império: nadaencontrou, que o pudesse desabonar. Por

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ocasião dessa revolução, senadores ficaramtão pobres que o novo regime lhes ofereceupensões. Ao Imperador que governara 50anos, assegurou a Constituição Republicanameios de subsistência de que ele precisava,mas que não aceitou. Quase todos os homenspoliticos brasileiros legam a miséria às suasfamílias. Qual o que já se locupletasse àcusta do beneficio público?

Argúem ao caráter brasileiro fraquezade sentimento patriótico. É uma inverdade.

Não costumamos alardear patriotismo, mastemo-lo, capaz de altos feitos, como quemmais o tenha, nunca sofremos caladosimposições de quem quer que seja. A lutacontra os holandeses, a da independência, ado Paraguai, a questão do rochedo estéril da

 Trindade que a Inglaterra foi obrigada a nosrestituir, tantos outros fatos significativosdemonstram que a idéia da Pátria congrega einflama os nossos corações. A bandeira doBrasil sabe fazer-se respeitar.

Acusam ainda o caráter brasileiro debaldo de iniciativa, decisão e firmeza.

São antes desvirtudes do que víciosinveterados. A educação os corrigirá.

 Já desapareceu a principal causa dealgumas tendências más do nosso meio; aescravidão. “O povo brasileiro é demasiadoindolente para ser mau” — escreveu alguém.

Sem dúvida a nossa terra ubérrima, asfacilidades da vida dispensam entre nósgrande diligência e esforço. Mas hão de vir

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forçosamente, à proporção que aconcorrência e o conflito pela existência seacirrarem. A nossa proverbial indolência nãonos impediu nem nos impede de termosprogredido e de progredirmos. Somos, adespeito de tudo, tão adiantados como ospaíses de condições análogas às nossas, oumesmo mais do que eles; ocupamos o terceirolugar entre os da raça latina, só contandoacima de nós a França e a Itália.

Dos brasileiros disse Victor Hugo: “Sois

homens de sentimentos elevados; sois umagenerosa nação. Tendes a dupla vantagem deuma terra virgem e de uma raça antiga. Umgrande passado histórico vos liga aocontinente civilizador. Reunis a lua daEuropa ao sol da América.”

Afirmou um filósofo que homemperfeito é aquele em quem as qualidadeslevam pequena vantagem aos defeitos. Nocaráter brasileiro, há saldo considerável afavor das qualidades. Nenhuma falha lhe êpeculiar ou exclusiva. Tem preciosasvirtudes, eminentemente sociais. Não se

mostra refratário a ensinamentos, neminsusceptível de emendas. Revela disposiçõesótimas, fundo excelente. Cultivem-no. Tudoautoriza afirmar resultados tão prodigiososcomo o das sementes plantadas no nossosolo, convenientemente lavrado.

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XXIIIOitavo motivo da superioridade do Brasil: nunca

sofreu humilhações, nunca foi vencido 

O Brasil, — (fato excepcional nos anaishumanos!) — jamais experimentou derrotadefinitiva. Em quatro séculos de história, onúmero de suas vitórias militares superasobremaneira o de seus desastres. Estes,sobre escassos e honrosos, nenhuma

conseqüência aviltante produziram. E nãotardou a desforra. O Brasil nunca cedeu àforça uma polegada do seu território. Desdeos tempos mais remotos, defendeu-se comdignidade contra agressores mais fortes.

Quais as guerras e os combates daquadra colonial?

Logo após o descobrimento, Christovam Jacques, Martim Afonso de Souza, Pero Lopesde Souza, queimam ou aprezam naviosfranceses que traficam ilicitamente nascostas brasileiras. O último tomou um forteconstruído pelos mesmos franceses em

Itamaracá.Em 1526, Aleixo Garcia, com três

companheiros, à frente de um exército deíndios, atravessa o Paraná e o Paraguai,transpõe os Andes, apodera-se de cidadespertencentes às atuais Repúblicas do Peru e

da Bolívia, vai de vitória em vitória até oentão Império dos Incas.

Em 1560, Mem de Sá expele os

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franceses do forte que, na ilha de Serigipe,elevara em 1555, Nicolau Durand deWillegaignon, célebre na Europa por seusfeitos d’armas e por seus escritos, o qualpretendera fundar no Brasil a Françaantártica. Em 1561 e 1562, no EspíritoSanto; em 1567 no Rio de Janeiro; em 1568nesta localidade e em Cabo Frio; em 1576 noúltimo ponto, — é ainda derrotado oestandarte francês.

A anexação de Portugal à Espanha,

atraiu os poderosos inimigos desta contra odesprotegido Brasil. Várias povoações dolitoral suportam ataques e devastações.

Mesmo nesse período, em 1580 e 1581,no Rio de Janeiro, são repelidos naviosfranceses.

Em Sergipe (1578) e na Paraíba (1579,1581 e 1584), são apresados e incendiados oumetidos a pique numerosos navios de igualprocedência, aumentada a última vitória coma tomada de um forte. Em 1583, rechaça-seem Santos a esquadra de Eduardo Fenton,mais tarde um herói. É também rechaçado

Cavendish ne Espírito Santo, em 1592. Aosfranceses no correr de 1595, em Ilhéus, bemcomo em 1596 no forte do Cabedelo, Paraíbado Norte, e em Cabo Frio (1599) sucede omesmo. Ainda nesse ano, Olivier Van Noorttenta em vão entrar no Rio de Janeiro. Em

1604, repulsa a Bahia a esquadra de VanCarden. Em 1623, o comandante Dirck VanRuyter cai prisioneiro de Mem de Sá,

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governador do Rio de Janeiro.

Em 1612, estabeleceram-se osfranceses no Maranhão onde projetavamfundar a França Equinoxial . Expulsaram-nos

em 1615 tropas comandadas pelocavalheiroso brasileiro Jerônimo deAlbuquerque. Em 1616, holandeses aliados aíndios são batidos no Amazonas, ondehaviam construído fortes que se tomaram em1623 e 1625. Em 1629, 1631 e 1632 sãodestroçados os ingleses que tinham invadido

o Guiana brasileira e aí levantado fortalezas.Em 1624, apoderam-se os holandeses

da Bahia, mas os moradores comandados, aprincípio, pelo velho bispo Marcos Teixeira,sitiam os vencedores, e no ano imediato, osobrigam a se renderem. Em 1625, a cidade da

Vitória, inflige duas derrotas aos mesmosholandeses. Em 1630, tomam eles Olinda eRecife, mas os brasileiros, capitaneados peloschefes nacionais Matias de Albuquerque, LuizBarbalho, Vidal de Negreiros, Camarão,Henrique Dias, empreendem, com tenacidadee heroísmo incomparáveis, uma guerra que

durou 24 anos e terminou com o completodesbarato do invasor. Durante essacampanha, os holandeses já desanimados,reduzidos ao Recife, recomeçaram a alcançartriunfos, quando dirigidos pelo brasileiroCalabar que para eles se passara. No periodomais brilhante da sua dominação, sãobatidos em Ilhéus e na Bahia que sofreimpertérrita dois ataques e um sítio de 40

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dias comandado pelo ilustre príncipeMaurício de Nassau. Em 1648, umaexpedição organizada, à custa de donativos,no Rio de Janeiro, pelo fluminense SalvadorCorreia de Sá, apodera-se dos fortes deLoanda, retomando Angola aos holandeses.

Não falemos nas guerras dos paulistascontra os selvagens, uma das quais durouseis anos, reunindo o inimigo, os

 Tupiniquins, um exército de 30.000 homens;nem nas vitórias constantes contra os

espanhóis do sul, alcançadas, de 1630 a1676, pelos mesmos audazes paulistas que seabalançaram até à parte setentrional doParaguai e a cordilheira do Peru.

Em 1697, tropas do Pará derrotaram osfranceses da Guiana que tinham invadido o

território brasileiro.Nas guerras contra os espanhóis por

causa da fundação, em 1680, da colônia doSacramento, na margem esquerda do Prata,registamos, a par de reveses, assinaladasvitórias. Se, em virtude de convençõesdiplomáticas, a colônia passou, por fim a

pertencer à Espanha, o Brasil, emcompensação, como conseqüência daquelasguerras, firmou a conquista do Rio Grande doSul.

Em 1710, a esquadra de Duclerc entrano Rio de Janeiro; mas, desembarcando, é

destroçada a sua gente e o chefe aprisionado,graças, em grande parte, ao heroísmo dosestudantes capitaneados por Bento do

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Amaral Gurgel.

No ano seguinte, vem o famoso Duguay  Trouin vingar aquela afronta. Traz poderosaesquadra — 17 navios, 740 peças, 6.000

homens. O Rio contava então 12.000habitantes, 2.800 homens de guarnição e 174bocas de fogo. Apesar da resistência (só naentrada da barra perderam os franceses 300homens) foi a cidade subjugada e pagouavultado resgate. Três dias depois chegaramde Minas forças suficientes para a desforra,

porém respeitaram o pacto firmado.O povo depôs o governador que

subscreveu a capitulação. Ele e as maisautoridades foram severamente punidos comprisão perpétua, degradação, confisco debens, e declarados infames e traidores, com

seus descendentes masculinos até o 2.° grau.O Rio ainda não era a capital do Brasil;

só alcançou essa categoria 51 anos maistarde, em 1762. Que o fosse. Todas ascapitais da Europa têm sido tomadas peloinimigo. Paris, no reinado de Carlos VI, esteve16 anos sob o jugo dos ingleses. Ocuparam

Paris os aliados em 1814 e 1815, tal como osalemães em 1871. Em 1814 e 1871,capitulou.

De 1754 a 1756, triunfa o Conde deBobadela na campanha do Uruguai,imortalizada pelo poema de José Basílio da

Gama.Durante as guerras da revolução de

1789, deram-se alguns combates nas costas

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do Brasil, tentando baldadamentedesembarcar os franceses.

Em 1801, havendo guerra entrePortugal e Espanha, buscaram os espanhóis

do Paraguai invadir Mato Grosso, mas foramderrotados em Nova Coimbra.

Um corpo de voluntários brasileirosapodera-se das missões espanholas damargem esquerda do Uruguai. Conquista-se alinha do Jaguarão.

Chegando ao Brasil, em 1808, declara opríncipe regente, depois D. João VI, guerra aNapoleão. Tropas brasileiras invadem aGuiana francesa, obrigam o governador deCaiena a capitular. Um oficial brasileiro oconduz preso à Europa. A Guiana só foirestituída à França em 1817, por força do

estipulado no Congresso de Viena.Governou-a alguns anos o magistradobrasileiro João Severiano Maciel da Costa,mais tarde Marquês de Queluz, que, noconceito de escritores franceses, manifestougrande capacidade e probidade na suafecunda administração.

Nas guerras européias contra Napoleão,distinguiram-se brasileiros, quais JoséBonifácio, futuro patriarca da independência,Luiz Paulino Pinto da França, Joaquim JoséLisboa.

 José Bonifácio serviu como major e

tenente-coronel no batalhão formado delentes e estudantes da Universidade deCoimbra. Pinto da França morreu general.

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De 1811 a 1820, brasileiros eportugueses obtiveram constantes eesplêndidas vitórias contra argentinos euruguaianos, tomando duas vezesMontevidéu.

Como resultado, a Banda Orientalincorporou-se ao Brasil em 1821, sob o nomede Estado Cisplatino.

Resumindo: nos tempos coloniais,batemos quase sempre os franceses,expulsamo-los do Rio e do Maranhão,

conquistamos-lhes a Guiana; vencemos osingleses em Santos, no Espírito Santo, noAmazonas; expelimos os holandeses domesmo, Amazonas, do Maranhão, dePernambuco; derrotamos repetidas vezes osespanhóis; triunfamos na Argentina, no

Uruguai, no Paraguai, na Bolívia, no Peru.Brasileiros contribuíram para a queda dogrande guerreiro do século XIX. Até na Áfricacolheram louros as armas brasileiras.

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XXIVGuerras depois da independência

 

Mas, — objetar-se-á, — as glóriasmilitares da fase colonial cabem à metrópoleque subsidiou e dirigiu as guerras dessa fase,

 — e não ao Brasil.

Seja. Não se pode negar o concursopreponderante de Portugal em tais guerras.

Em muitas, porém, os brasileirosbateram-se e triunfaram por si sós,completamente desajudados, como na longacampanha para expulsão dos holandeses.

Independente, empenhou-se o Brasilem cinco guerras: a de 1822, a de 1825, a de1851, e as de 1864 a 1870. Saiu-se em todas

com galhardia. Nunca a sua bandeira searriou diante de outra; jamais seus inimigoscelebraram vitória final.

A primeira, a de 1822, foi a da própriaindependência. Obrigamos as valorosastropas portuguesas a deixarem o território

nacional, a capitularem no Maranhão, Pará eMontevidéu. Batemo-las várias vezes no mare em terra. Perseguimos e apresamos navioslusitanos até próximo ao Tejo.

Em 1825, explodiu na provínciaCiplastina, incorporada, desde 1821,espontaneamente ao Brasil, uma revolução

preparada em Buenos Aires. Os brasileirostinham ali forças diminutas, pois o grossodelas partira para Pernambuco e Ceará, onde

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também rebentara um movimentorevolucionário, prontamente sufocado.Sofremos alguns reveses, por causa dasuperioridade numérica do inimigo. Interveioentão o governo de Buenos Aires declarandoanexada ao seu território a provínciabrasileira. Rebenta a guerra entre essegoverno e o do Brasil, prolongando-se até1828. Nem sempre fomos felizes no correrdela, mas derrotamos os argentinos maisvezes do que eles a nós. Chegamos a lhes

aniquilar a esquadra (batalhas do MonteSantiago, 7 e 8 de Abril de 1827).

Essa guerra era impopular no Brasil.Muito a dificultou o espírito partidário que selevantara contra D. Pedro I e de que resultou,em 1831, a abdicação. Foram os argentinosque solicitaram paz, enviando para issoemissários especiais ao Rio de Janeiro. OBrasil quis recusá-la, mas em virtude deintervenção da Inglaterra, celebrou aconvenção de 28 de Agosto de 1828, em quetanto ele como a Argentina renunciavam àBanda Oriental, erigida em Estado autônomo.

Nas outras guerras, a de 1851 e as de1864 a 1870, entre centenas de magníficasvitórias navais e terrestres, registramosapenas dois ou três insucessos semimportância, logo reparados.

Defendemos a independência do

Uruguai e do Paraguai, ameaçada pelosargentinos; fizemos levantar o cerco deMontevidéu que se prolongou, como o de

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 Tróia, por 10 anos, de 1842 a 1852;asseguramos a vitória das idéias liberais noPrata, a liberdade de navegação nos afluentesdesse rio, alcançando triunfo onde a França ea Inglaterra haviam naufragado; demos termoà sanguinária tirania de Rosas que durante23 anos oprimiu os seus concidadãos, bemcomo à de Aguirre e a de Solano Lopez.

 Tudo isso abnegadamente, semcompensação aos sacrifícios de sangue edinheiro, tratando os vencidos com

extremada generosidade, respeitando-lhes asoberania e a integridade territorial,facultando ao mundo inteiro tirar vantagemdos nossos esforços.

Abundam façanhas legendárias, iguaisàs mais famosas do universo, em todas estas

guerras e nas civis que, infelizmente, temostambém sustentado, e cumpre esquecer.

Numa dessas últimas, começou anotabilizar-se Giuseppe Garibaldi, o futuroglorioso colaborador da unificação italiana, oqual residiu longo tempo no Brasil. Erabrasileira sua primeira esposa, Anita

Garibaldi, em tudo companheira digna doherói.

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XXVA batalha de Ituzaingo

 

Esta batalha, travada a 20 de Fevereirode 1827, entre os argentinos, comandadospelo general Carlos d’Alvear, e os brasileiros,chefiados pelo Marquês de Barbacena, não foiuma vitória para os primeiros, como têmassoalhado escritores mal informados ouinteresseiros em ambos os países. Os

escritores argentinos leva-os a falsearem averdade o exagerado amor próprio. Osbrasileiros são os inimigos de D. Pedro I e damonarquia. Convém-lhes tirar partido dequalquer acidente, no intuito de desabonar asantigas instituições.

Não foi tampouco injusta a guerra emque se deu a batalha. Conforme já vimos, aprovíncia Cisplatina uniu-se livremente aoBrasil. Quatro anos viveu em paz nacomunhão brasileira. De súbito, separa-seviolentamente, por sugestões de Buenos Airesque a invade e a incorpora ao seu território.

 Jurara-se a Constituição que mandavamanter a integridade do Império. A honranacional exigia, por todos os motivos, que seimpedisse a desunião. Tornou-se inevitável odesforço armado. Sob pena de infâmia, nãopodia a nossa bandeira tolerar a dupla

afronta.O exército argentino penetra o solo doBrasil e ocupa excelentes posições.

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Barbacena, com forças muito inferiores,famintas, cansadas de longa marcha, topacom esse exército e aceita combate. Pelejamdurante 11 horas 5.000 brasileiros, naquelascondições, tendo 12 bocas de fogo, contra10.500 inimigos repousados, num terrenoadrede escolhido e armados de 26 canhões.

Os argentinos perderam mais de 1.000homens e os nossos pouco alétn de 200. Jácantávamos vitória. Mas o inimigo, do lugaralto onde estava, avista o comboio dos

transportes e bagagens que vinham naretaguarda do exército brasileiro, a grandedistância. Dispondo de cavalaria superior,destaca forte coluna para atacar o comboioindefeso. Sem dar um tiro, o apreendeu,figurando entre os despojos duas velhasbandeiras inservíveis. Sabendo que perderaas bagagens, quase exaustas as munições,havendo os argentinos incendiado a macegaseca do campo para envolver os brasileirosnum círculo de fogo, resolve Barbacenaretirar-se. Retira-se na melhor ordem,levando todos os seus feridos e toda a sua

artilharia, à exceção de uma peça cujo reparose quebrara e que deixa encravada. Se não seretirasse, permaneceria sem água, semroupa, sem cartuchos, com o inimigo emfrente e uma trincheira de chamas atrás. Oexército argentino não dispersa, nãoaprisiona, não aniquila o brasileiro. Manda

pedir-lhe licença para recolher o cadáver deum coronel. Longe de perseguir os retirantes,retira-se também, primeiro do campo da luta,

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depois do território brasileiro, desistindo decontinuar na invasão que encetara.

Eis a batalha. Constituiu vitória paraos argentinos? Evidentemente não. Foi uma

batalha indecisa. Barbacena acampou ondebem quis. Notável a sua retirada do campoincendiado! Recuou, mas o inimigo nãosustentou as suas posições, também recuou.Os seus pretensos troféus, — as duasbandeiras imprestáveis, — não os tomou emcombate. Barbacena preencheu o fim que se

propunha: repelir a invasão. O invasor, emconseqüência de Ituzaingo, perde as suasvantagens, abandona o território invadido.Logo, considerando os resultados, Ituzaingoeqüivaleu para nós a uma vitória. Osargentinos fugiram; os brasileiros, não:mudaram apenas de lugar no solo da Pátria.

 Tanto isso é verdade que Alvear teve dedefender-se perante seus compatriotas denão haver triunfado; foi demitido docomando, censurado pelo seu Governo,submetido a conselho de guerra.

Releva ponderar que o Parlamento, em

luta com D. Pedro I, negara meios de ação aBarbacena, — além de general, homempolítico com muitos adversários. As paixõesda época tornaram Ituzaingo um instrumentode partido, convertendo a retirada numdesastre que exageraram, deturpando a

realidade. Essa versão faccionária einverídica prevaleceu, em virtude daodiosidade crescente contra D. Pedro I. Quem

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examinar imparcialmente os fatosreconhecerá que Barbacena cumpriu o seudever e não foi derrotado.

A tradição contrária não passa de um

erro repetido. De Ituzaingo não provémdesdouro, mas honra para o Brasil.

A paz celebrada no ano seguinte não sederivou dessa batalha. Como já assinalamos,foram os argentinos que a pediram,mandando ao Rio emissários que a princípioD. Pedro I recusou receber. A última e

estrondosa vitória na guerra, a do MonteSantiago, coubera aos brasileiros. Mas aInglaterra interveio. Sob a pressão dedificuldades internas e das oriundas dasucessão ao trono português, arcando comviolenta oposição que exigia a terminação das

hostilidades, D. Pedro aceitou uma soluçãoconciliatória e altamente política de que já secogitara antes de Ituzaingo. A antigaCisplatina não ficou pertencendo a nenhumdos contendores. Erigiu-se em Estadoautônomo, cuja independência o Brasilnobremente defendeu mais tarde contra a

tirania argentina.

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XXVIA guerra do Paraguai

 

Há hoje um grupo que declara injusta aguerra do Paraguai, e acusa o Brasil, se nãode a ter provocado, ao menos de a não tersabido evitar.

Não se baseia na verdade histórica estaopinião.

O Brasil sempre se mostrou amigo doParaguai. Ameaçada a sua independência porD. João Manoel Rosas, deveu a salvação aosesforços do Brasil, como outros povos e elepróprio o confessaram. Em 1851, obrigou-sesolenemente a colaborar com o Brasil na lutacontra Rosas. Faltou ao prometido, mas

recolheu benefícios da campanha: a aberturados afluentes do Rio da Prata. Entretanto,contra estipulações formais, conservoufechado o Alto Paraná, seqüestrando assimMato Grosso do litoral Brasileiro. Por duasvezes, a moderação do Brasil arredou umaguerra necessária, por tentar o Paraguaiimpedir as comunicações fluviais com aquelaprovíncia.

Governado despoticamente, sob o nomede república, habituado pelos jesuítas àobediência passiva e à completa sujeição,começou a armar-se. Os seus três chefes

absolutos, Doutor Francia, Carlos Lopez eSolano Lopez (este último assumira o podersimplesmente em virtude de uma cláusula do

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testamento de seu pai e antecessor) — concentraram todo o empenho em militarizaro país, no intuito de aumentar-lhe oterritório, à custa dos argentinos. SolanoLopez pensava em fazer-se aclamarimperador, após as vitórias: encontraram-seem Assunção modelos da coroa e do tronoque encomendara da Europa.

Longe de exigir explicações dosexagerados armamentos do Paraguaiprestou-se, na maior boa fé, o Brasil a

fornecer-lhe oficiais superiores que, no tempode Carlos Lopez, lhe instruíram o exército eauxiliaram a construção de fortificações.

Em 1864, julgando-se assaz forte,Solano Lopez, sob pretexto de que a suamediação fora recusada no conflito do Brasil

com o Uruguai, apresa um navio brasileiro;aprisiona um presidente de província, que iaa bordo, bem como parte da guarnição;invade Mato Grosso. Era audaz violação detodas as regras internacionais, afrontosoatentado contra a segurança, autonomia ehonra do Brasil.

Daí a guerra, encetada por Lopez, —:um monstro que mandou trucidar, semmotivo, depois de horríveis torturas, seusmais ilustres compatriotas e próximosparentes, assim como centenas deestrangeiros.

Podia o Brasil eximir-se ao desafio,deixar de repelir pelas armas tamanhosultrajes?

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A República Oriental se ofereceuespontaneamente para colaborar com oImpério na campanha travada por causadela. A Argentina, da qual Lopez tambémtomara violentamente navios e invadira oterritório, adere à aliança já formada com oUruguai. O Brasil não solicitou essa novaaliança, como não solicitara a primeira.Determinou-as a marcha dosacontecimentos. Não precisava do concursodas duas repúblicas, mas aceitou-o, entre

outros motivos, para tornar patente que,monarquia, não ia guerrear as pseudoinstituições republicanas do Paraguai.Demais, o peso da luta recaiu quase queexclusivamente sobre o Brasil. O pequenoUruguai, sempre receoso de revoltas internas,diminuto número de praças empregou nas

operações longíquas. A Argentina possuíanaquela época menos talvez de dois milhõesde habitantes. Data sua prosperidade domuito dinheiro que nela se gastou durante acampanha. Vários governadores nãocoadjuvaram o governo central; províncias

inteiras não lhe deram um só soldado. Parareprimir essas resistências e rebeliões,grande parte do exército argentino retirou-se,depois de Curupaity. Foram tropas brasileirasque primeiro pisaram o solo inimigo.Venceram sozinhas em lances decisivos,quais Riachuelo, passagem de Humaitá e

Aquidaban.Lopez iniciou as hostilidades em

condições muito superiores às de seus

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adversários.

Dispunha de 80.000 homensdisciplinados e 39 navios de guerra. O Brasiltinha apenas 15.000 homens e deficiente

esquadra. Mas o sentimento nacional vibrou.Chegamos a ter em armas 70.000

homens e poderosa marinha. Em algunsmeses, sem recorrer à indústria estrangeira,construíram os arsenais do Rio de Janeiroseis couraçados. Perdemos 30.000 vidas,gastamos Rs.600.000:000$, combatemos 5

anos, mas mantivemos ilesa a dignidade daPátria.

A campanha foi longa e dificílima,porque o Paraguai era um país ignoto,inacessível, pantanoso, e no qual não existiaum mapa ou informação segura. Os nossos

generais não conheciam o terreno em quepisavam, obrigados a reconhecimentosconstantes, marchando distâncias imensasàs apalpadelas, a milhares de léguas do seugoverno, construindo caminhos no meio deflorestas inundadas, e estradas de ferro porentre pauis, arcando com embaraços

extraordinários para os fornecimentos dastropas. Debateram-se contra a coragemfrenética do inimigo fanatizado, contraterríveis epidemias, como a do cólera-morbo,e os mil tremendos obstáculos da naturezahostil.

E triunfaram sempre, com heroísmo etenacidade incomparáveis, até alcançar aderrota completa do agressor! Batalhas houve

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em que metade do efetivo das forçasdesapareceu. Proporções guardadas, rarasguerras se apontam tão sanguinolentas.

A campanha da Inglaterra contra o

 Transvaal põe em relevo a glória do Brasil nado Paraguai. O Brasil não possuía osrecursos da Grã Bretanha. O Transvaal,aberto à civilização, não se compara, senãona bravura, ao Paraguai, cuja populaçãonaquela quadra (1.500.000 almas) excedia àatual da valente república sul africana. As

forças navais e terrestres paraguaiassobrepujavam em número às dos boers emanobravam em terreno mais propicio àdefesa do que as destes.

O Brasil, diz o norte-americanoAgassiz, atacou no Paraguai uma organização

tirânica, meio militar, meio clerical quedesonrava o nome de república; foi ali, comabsoluto desinteresse, o porta-voz dacivilização.

De fato, vencedor, após ingentessacrifícios, satisfeito com a desafronta deseus brios, contentou-se o Brasil com os

limites que já tinha desde o século XVIII;restituiu as propriedades e valoresapreendidos; concorreu decisivamente para aabolição do cativeiro no país que ocupava;

 jamais cobrou contribuição de guerra, nemsequer indenizações devidas a brasileiros

espoliados; manteve forças em Assunção,efetuada a paz, para sustentarem aautoridade do governo proclamado;

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constituiu-se garante da independência esoberania do Paraguai. Fez mais: — monarquia, mandou um dos seus melhoresestadistas, Paranhos, depois Visconde do RioBranco, organizar o país sob a formarepúblicana, organização que o Paraguai atéentão nunca tivera.

Onde, nos fastos humanos, maiorgalhardia na luta e maior magnanimidade navitória?!

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XXVIINono motivo da superioridade do Brasil: seu

procedimento cavalheiroso e digno para com osoutros povos

 O Brasil jamais provocou, jamais

agrediu, jamais lesou, jamais humilhououtras nações. Revelou sempre para comtodas a mais perfeita dignidade, a par de rarae elevada abnegação. Acusam-no de haver

intervindo ilicitamente na política do Rio daPrata. Não há tal. Fez ali ingentes sacrifíciosde homens e dinheiro. Qual o lucro ou acompensação que disso procurou tirar?

Defendeu a independência do Uruguaie do Paraguai. Salvou os mesmos Uruguai eParaguai, bem como a Argentina, de três

tiranias. Nunca impôs vontade arbitrária aosvencidos e fracos. Como ficou dito, nemsequer exigiu o pagamento do que se lhedevia.

Se interveio mais de uma vez nosnegócios da República Oriental, foi por

solicitação formal desta, ou parasalvaguardar sagrados direitos e interessesde brasileiros oprimidos. Um presidentedessa República, Giró, e homens eminentesdo partido blanco , inimigo do Brasil,refugiaram-se de uma feita na legação e nosnavios brasileiros.

Em 1854, o governo oriental e ainda osblancos   impetraram a presença de forças

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imperiais no país, como único meio de sefirmarem a estabilidade das instituiçõesrepublicanas, as garantias sociais e políticas,evitando-se a anarquia.

Quatro mil soldados brasileirospermanecem dois anos em Montevidéu, semque as autoridades da República lhespagassem as despesas, conforme haviampactuado. Durante os dois anos, a divisãobrasileira só deu exemplos de disciplina emoralidade. Ao retirar-se ela, o governo

oriental agradeceu calorosamente, o serviçodo Brasil, proclamando-lhe o desinteresse edizendo que cada habitante daria testemunhodo nobre proceder do exército de ocupação,no que não faria mais do que pagar umtributo de inegável justiça e merecidaadmiração às suas relevantes virtudes.

Novamente, em 1857, o governo doUruguai requereu a intervenção do Brasil.Recusou-se aí o Império, mas, auxiliou oexausto tesouro oriental, emprestando-lheavultadas quantias que até hoje não foramrestituídas, sem que o credor em tempo

algum constrangesse o devedor remisso. Estealiás, em repetidas ocasiões, confessou anossa generosidade.

A despeito de tudo isso, em 1864,cidadãos brasileiros domiciliados no Uruguaisofriam roubos, sequestros, atentados,

perseguições de todo gênero, sem que aautoridade os protegesse ou antes,acobertando o governo republicano as

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atrocidades. O Brasil reclamou,moderadamente a princípio, dirigindo apelosamigáveis à razão e aos sentimentosequitativos do governo de Aguirre. Em vão.Excitou-se então o sentimento nacionalbrasileiro que não sofre impassível omenoscabo de seus brios. O Brasil,prescindindo de questões pecuniárias,empregou mais energia nas reclamações.Protelou, quanto possível, o rompimento dashostilidades. Ainda em vão.

Usou de represálias. Respondeu ogoverno oriental queimando em praça públicaos autógrafos dos tratados existentesconosco, insultando a nossa bandeira,arrastando-a pelas ruas de Montevidéu (1).Seguiu-se a guerra, como não podia deixar deseguir-se, em que triunfamos, como decostume. Terminou por um convêniohonroso, arguido, na época, decondescendente em extremo para com a partevencida, a qual tratamos com a habituallonganimidade.

O pensamento constante do Brasil, nas

suas relações com as repúblicas do sul,exprimiu-o o Imperador na fala do trono de1851, dizendo: “Por maior que seja o meudesejo de manter a paz, não deixarei de daraos meus súditos a proteção que lhes devo,nem serei indiferente a acontecimentos quepossam prejudicar a segurança etranqüilidade futura do Império, tendo sempre 

 por um dever respeitar a independência, as 

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instituições e a integridade dos Estados 

vizinhos, e nunca me envolver de modo algum 

em seus negócios internos .”

E assim tem sido.

Ao mesmo tempo que se manifestavacheio de cordura no tocante aos pequenospovos, portou-se sempre o Brasil comsuprema hombridade e energia ante asimposições dos fortes.

Em 1862, porque não atendera o nossogoverno a descabidas reclamações inglesas,ordenou o ministro britânico no Rio de

 Janeiro, Christie, que a esquadra da suanação apresasse navios mercantes brasileirosnas águas territoriais do Império. Respondeuo Brasil a essa ofensa contra a suasoberania, expedindo passaporte ao insolente

diplomata e rompendo as relações com aInglaterra. A questão foi submetida aarbitramento do rei dos Belgas, tio da rainhaVictoria, o qual decidiu favoravelmente aoBrasil. As relações só se reataram em 1865,por mediação oficiosa de Portugal. O ato deChristie mereceu censuras da opinião pública

inglesa. Vozes, como as de Cobden, Bright,Lord Brougham, Lord Salísbury, então LordCecil, ergueram-se no parlamento deWestminster, em nossa defesa. Duas vezesrecorremos ao mercado de Londres elevantamos empréstimos, no correr do

conflito internacional.Partiu da Inglaterra a iniciativa dareconciliação. Revestiram-se de fina gentileza

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a ocasião e a forma em que o efetuou. OImperador achava-se em Uruguaiana, que asarmas brasileiras retomaram aos paraguaiosinvasores do Rio Grande do Sul. Oembaixador inglês lá foi, fazendo longa epenosa viagem. Recebeu-o D. Pedro II em suabarraca de campanha. Eis o significativodiscurso ali proferido por Mr. Thornton, a 23de Setembro de 1865:

“Senhor, tenho a honra de depositarnas mãos de V.M.I. a carta pela qual S.M. a

Rainha se dignou de acreditar-me como seuenviado em missão especial junto de V.M.I. esuplico a V.M.I. se digne de acolher com asua reconhecida benevolência as segurançasde sincera amizade e as expressões qui fuiencarregado de transmitir por S.M. a Rainhae pelo meu governo. Estou incumbido deexprimir a V.M.I. o pesar com que S.M. aRainha viu as circunstâncias queacompanharam a suspensão de relações deamizade entre as cortes do Brasil e da GrãBretanha, e de declarar que o governo deS.M. nega, da maneira mais solene, qualquer

intenção de ofender a dignidade do Impériodo Brasil; e que S.M. aceita completamente esem reserva a decisão de S.M. o rei dosBelgas; e será feliz em nomear um ministropara o Brasil logo que V.M.I. estiver prontopara renovar as relações diplomáticas. Creioter fielmente interpretado os sentimentos de

S M. e do seu governo, e estou convencido deque V.M.I. terá a bondade de aceitá-los com omesmo espírito de conciliação que os ditou.”

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O Imperador respondeu nobremente:

“Vejo com satisfação renovadas asrelações diplomáticas entre o governo doBrasil e o da Grã Bretanha. A circunstância

de tão feliz acontecimento se realizar onde oBrasil e seus leais e valentes Aliados acabamde mostrar que sabem unir a moderação àdefesa do direito, aumenta o meu prazer, eprova que a política do Brasil continua a serinspirada pelo espírito de harmonia justa edigna com todas as otras nações.”

Outro fato característico:Em 1866, a Espanha, declarando

guerra ao Chile, manda bombardear pelaesquadra do almirante Nunes o portoindefeso de Valparaizo.

Difícil era a situação interna e a

externa do Brasil, no período mais árduo dacampanha com o Paraguai, ameaçado decomplicações internacionais. Sem embargo,não trepidou o governo brasileiro em lavrarenérgico protesto contra aquelebombardeamento. Monarquia, colocou-se oBrasil ao lado da república do Chile contra a,para eles, poderosa monarquia espanhola.

A nota em que esse protesto foinotificado ao governo espanhol é um modelode insigne bizarria.

Ainda outro exemplo de alto civismo:

Em 1895, a Inglaterra apodera-se deum rochedo estéril — a ilha da Trindade, — pertencente ao Brasil. Levanta-se este

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reivindicando com tal energia o seu direito,que o insignificante ponto usurpado nos foirestituído, arriando-se ali, diante do nosso, oaltivo pavilhão de Albion.

O Brasil nunca vendeu uma parcela doseu território, como a França praticou com aLuisiânia, a Rússia com Alasca e a Espanhacom as Carolinas. Sempre vencedor nospleitos submetidos a arbitramento, como nocaso de 1862 com a Inglaterra, no de Missõescom a Argentina, e no do Amapá com a

França, viu seu soberano, o Sr. D. Pedro II,três vezes ser nomeado membro deimportantes tribunais arbitrais: os deGenebra, Washington e Santiago do Chile.

No correr dos cinco anos que durou asua aliança com a Argentina e o Uruguai,

contra o despotismo de Solano Lopez, jamaissuscitou-se entre os três exércitos e os trêsgovernos, de regime tão diferente, o menoratrito. Reinou sem interrupção perfeitacordialidade.

O procedimento que observa em tudoum homem de bem, — eis a norma imudável

do Brasil nas relações internacionais.A constituição vigente, consignando

princípios a que sempre obedecemos, estatuique o Brasil em caso algum se empenhará emguerra de conquista, direta ou indiretamente,por si ou em aliança com outra nação. Só

fará guerra se não tiver lugar o recurso doarbitramento.

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XXVIIIDécimo motivo da superioridade do Brasil: as

glórias a colher nele 

A quem se dedicar ao estudo dascousas brasileiras não hão de faltar honrasnem satisfações. O Brasil oferece um campode investigações superior ao de outros países.Basta dizer que até a ciência da suatopografia apresenta ainda grandes lacunas.

O interior jaz inexplorado. Imensas, belas eriquíssimas regiões esperam os seusLivingstone e Stanleys. O Xingu,desconhecido até 1884, é assinalado, após aviagem de Karl von Steinen, como tendo sidoo centro de dispersão de uma das grandesraças americanas que foram até os Andes,Guiana, Venezuela e Antilhas.

Há quem afirme a origem mongólicados índios do Brasil. Donde vieram? Quandoe como efetuaram a migração? Comunicou-seoutrora o Novo Mundo com o asiático? Serãoos egípcios, como querem outros, os

ascendentes dos nossos tupis?A verdade é que a procedência dos

selvagens brasileiros constitui problemaainda não resolvido. Abandonou-se a hipótesede que formavam uma só raça, com umalíngua geral — o tupi-guarani, — únicaregularmente estudada. Vão-se descobrindovárias raças absolutamente distintas entre si.

O naturalista dinamarquês Peter

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Wilhelm Lund descobriu centenas de espéciespré-históricas no vale do Rio das Velhas ecavernas da Lagoa Santa afirmando aexistência do homem no Brasil, em época naqual não se supunha tivesse vivido o gênerohumano em qualquer outro ponto.

Do homem fóssil brasileiro, descendem — dizem — os atuais Botocudos.

Os sambaquis , — montículos artificiaisabundantes no litoral do sul do Brasil,construídos de conchas e cascas de ostras, — 

atestam a existência do homem em nossasplagas, muito antes dos tempos históricos.

Os restos daí exumados provam queesse homem usava instrumentosrudimentares de pedra lascada, conhecia ofogo com que cozinhava, e certas indústrias

primitivas.Representam os sambaquis    enorme

soma de trabalho. Árvores seculares inseriamneles as suas raízes. Deles se extrai excelentecal com que há trezentos anos se edificamcidades.

E a lenda de ter estado S. Tomé noBrasil, havendo ensinado o uso da mandioca?

E certos índios mostrarem, antes dosmissionários, noções da doutrina cristã quealegavam lhes ter sido pregada desde muitasluas? E as suas artes? E as suas instituiçõessemelhantes às germânicas? E os seus

dialetos? E o seu número outrora e hoje? E osobjetos cerâmicos achados na ilha de Marajó?

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Um naturalista levou 11 anosestudando os insetos do Amazonas. A nossafauna e a nossa flora apresentampeculiaridades ainda inexplicadas. Assimvárias espécies dão em certos pontos e emoutros não, quando, entretanto, as indiçõesclimatológicas, são idênticas. Daí se infere dizum escritor, que há modificações da naturezaque escapam à nossa observação e meios deanálise, mas bastante ativas para influíremsilenciosamente sobre a organização das

plantas e dos animais, de modo a isolá-losem determinadas regiões, não lhespermitindo a procriação fora de fixos limites.

Quantas interessantes questõesetnográficas, antropológicas, geológicas,filológicas, históricas, botânicas, zoológicas,dignas de absorverem os doutos, capazes deconferirem a quem as estudar a mais puraimortalidade.

Que vasta e convidativa seara deglórias!

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XXIXUndécimo motivo da superioridade do Brasil: a sua

história 

Se não abundam feitos extraordináriosna história pátria, também não os hádeprimentes ou vergonhosos.

Raras e pouco duradouras tiraniastemos suportado.

A conquista portuguesa não se

caracteriza pelas violências da espanhola,acrescendo que Cabral topou apenas combroncos selvagens, enquanto Cortez e Pizarroencontraram civilizações adiantadas noMéxico e no Peru, e totalmente asdestruíram.

O nosso regime colonial foi mais suaveque o de quase todos os povos americanos.

Não nos desonram as leis entãodominantes, muitas em vigor até agora.

Inspiravam-se nas melhores idéias daépoca. Acusá-las de não consignarem os

modernos princípios de liberdade e progressoeqüivale a malsinar o governo de então pornão ter instituído na colônia estradas de ferroe telégrafos, inventados mais de 300 anosapós o descobrimento.

Essas leis não as imaginaram adredeos portugueses. Colheram-nas na tradição e

na prática das nações mais avançadas,adaptando-as ao meio em que iam seraplicadas. Outros povos as copiaram dos

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portugueses, exagerando-lhes o rigor.Portugal não tinha uma legislação para si,diferente da que impunha ao Brasil colonial,onde aliás a população se constituía deportugueses e descendentes de portugueses.Ao contrário, dir-se-ia que no Brasil ,imperava regime mais tolerável que o dametrópole.

Com a divisão em capitanias (1530 a1535), a cujos donatários transferiu a coroa amor parte dos seus direitos majestáticos,

tornou-se o Brasil quase independente.Mostra Oliveira Martins que nesta primeiraconstituição da América portuguesa, umapolítica de sensata liberdade isentava aagricultura, a indústria e o comércio derestrições vexatórias, franqueando a colôniaaos estrangeiros, mediante o pagamento deleves direitos diferenciais. Os impostos erammoderados , poucos os artigos estancados.Era livre a translação dos indivíduos de umaspara as outras capitanias, e de qualquerdelas para o estrangeiro.

Em seguida, no sistema dos governos

gerais, que durou desde 1548 até àindependência, cada funcionário importanterecebeu um regimento marcando-lhe asatribuições. O Brasil se organizou assim,observa Porto Seguro, maisconstitucionalmente que o próprio Portugal.

Nunca dominou entre nós naqueleperíodo o arbítrio sem limites. A ação daautoridade tinha peias e contrapesos. Abusos

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se praticaram, como ainda hoje em toda partese praticam. Mas qual o governador oucapitão-mor cujo nome ficasse, comosinônimo de sanguinário ou prevaricador,amaldiçoado pela memória pública? Onde onosso Rosas ou Solano Lopez?

Os governadores eram obrigados a darconta a El-Rei, em todas as ocasiõespossíveis, de quaisquer sucessos ocorridos;não podiam demorar-se na colônia depois deconcluído o seu tempo, três anos, nem levar a

ela seus filhos, ou consentir que eles cáviessem; não lhes era lícito mandar presentesaos membros do Conselho Ultramarino,tribunal encarregado dos negócios coloniais,nem comerciar de qualquer forma, nempermitir que os subordinados lhesmandassem tirar o retrato, nem fazer prisõespor mais de oito dias, sem sujeitar logo ospresos ao poder judiciário, nem entender dequalquer forma, nas cousas da justiça. Nofim de cada administração, abriam-seresidências , isto é, devassas sobre todos osatos do ex-governador. Nessas devassas

depunham os seus administrados da véspera,às vezes mais de 100 pessoas.

No regime colonial brasileiro, três fatossobressaem que muito o enobrecem: aindependência atribuída pelas leis ao poder

 judiciário e de que realmente ele gozava; aautonomia do elemento municipal; aausência de preconceitos de raça, cor ouseita.

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Os magistrados, no exercício de seuscargos, não davam contas a ninguém. Podiamprender qualquer autoridade que se lhesatrevesse, emprazar os governadores ecapitães-mores para comparecerem nascortes, à simples tentativa de semelhanteatentado. No Maranhão, foi suspenso pelaadministração de Lisboa o governador Manoelde Rolim e Moura que, por seu próprioarbítrio, suspendera o ouvidor.

Quanto ao elemento popular, desde

1531, nas duas vilas fundadas por MartimAfonso de Souza, houve simulacros deCâmaras Municipais. Com o correr do tempo,adquiriram essas câmaras considerávelexpansão e autoridade política, podendo aténomear e suspender governadores, aos quaisdavam posse. Exerciam vasta jurisdição porsi sós nos casos de pequena importância. Nosmais graves, convocavam as chamadasJuntas Gerais , compostas dos principaisempregados e das pessoas mais idôneas,

 juntas em que se decidia à pluralidade devotos. Provinham tais faculdades mais de

direito costumeiro que de direito escrito.Um caso, entre muitos, prova a força

das antigas municipalidades: A ilha deItaparica foi por Tomé de Souza doada a D.Violante de Tavora, mãe do conde daCastanheira, então influente ministro dacoroa. Mas nem a agraciada, nem seusherdeiros se aproveitaram da doação, apesarda outorga pelo soberano de um foral e de

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muitas confirmações régias, por se haversempre oposto ao ato de posse a Câmara daBahia, alegando uma cláusula do regimentodo governador, em virtude da qual só poderiadar de sesmaria a terra que o beneficiadoviesse colonizar, obrigando-se a ir nela viverdentro de três anos, o que não se realizoucom D. Violante e seus herdeiros.

Várias câmaras representavam contraos governadores, como a da Bahia contra D.Duarte da Costa e a do Rio de Janeiro contra

Salvador Corrêa, cujo procedimento El-Reiestranhou. Outras enviavam seusprocuradores a Lisboa, servindo-se emmensagens ao monarca da mais enérgicalinguagem.

Mesmo no distrito aurífero e

diamantino, colônia na colônia, seqüestradodo resto do mundo, costumavam osgovernadores convocar os procuradores dascâmaras e pessoas da nobreza para pôr emexecução certas medidas, entrando emacordo com eles, fazendo ajustes e eontratosrelativos à cobrança de impostos.

No tocante à ausência de preconceitos,vimos os primeiros colonos, o bacharelDuarte Peres, João Ramalho e Caramuru,desposando índias, e o governo promovendoas alianças com mestiços, protegendo-os,distinguindo-os. A inquisição não medrou

entre nós. Nunca travamos lutas ouexercemos perseguições religiosas. O podereclesiástico gozava de tais garantias que um

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bispo do Maranhão, D. Theodoro doSacramento, lançou excomunhão contraEl-Rei.

Acrescentai que no regime colonial a

regra foi ordem, paz, raras guerras civis,progresso contínuo, sem vicissitudesrevolucionárias e retrocessos violentos; que,abolido esse regime, continuamos amigos damãe pátria; que as nossas crônicas estãocheias de episódios comoventes, trágicos eheróicos, lendas poéticas, questões curiosas,

prendendo-se à nossa história todos os fatosnotáveis ocorridos no Ocidente desde 1500,quais a Renascença, a Reforma Luterana, oprestígio e a decadência da Companhia de

 Jesus, a grandeza e o declínio da Espanha, asupremacia da Holanda e da Inglaterra nosmares, as guerras de sucessão, a revoluçãofrancesa, Napoleão; que conhecemos complenitude certas liberdades quando nassociedades mais cultas elas ainda sofriamrestrições; — e confessareis que o nossopassado, longe de nos humilhar ouentristecer, ministra-nos altos títulos de

ufania.A nossa história não é pálida e

fastidiosa, como alguns afírmam. Cincopontos dela, pelo menos, merecem celebraçãoépica, pois são gloriosos como os maisgloriosos da humanidade. Esses pontos são

 — os jesuítas; os bandeirantes; a guerraholandesa; a guerra dos Palmares; a retiradada Laguna.

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XXXOs jesuítas

 

Durante os 210 anos em que estiveramno Brasil colonial (de 1549 a 1759)praticaram os jesuítas grandes feitos,apresentaram figuras imortais.

Com Tomé de Souza, o primeirogovernador geral, veio Manoel da Nóbrega, defamília fidalga, bacharel em cânones, depoisde brilhantes estudos em Salamanca eCoimbra. Espírito organizador, funda naBahia uma escola, onde os filhos dosaborígenes começam a aprender. Auxiliaeficazmente a honesta e fecundaadministração de Tomé de Souza. Contribui

para a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro. Viaja tanto que os índios o chamamde padre voador . Sua atividade, seus serviços,sua virtude excedem qualquer elogio.

Ao mesmo tempo, vem AspilcuetaNavarro que aprende por si só o idioma dosíndios, prepara um catecismo em língua tupi,traslada para essa língua as orações católicase nela prega o Evangelho aos selvagens.

Vem depois José de Anchieta, otaumaturgo, o santo do Brasil. Anchieta vaipara Piratininga como mestre-escola. Passa aímisérias sem nome, fome, frio, falta de

roupa, morando numa pequena barraca,onde funcionavam as aulas, e que era, a umtempo, enfermaria, dormitório, refeitório,

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cozinha, despensa. Ensinava latim e aprendiatupi, de que compôs o vocabulário e aprimeira gramática. Trabalhava dia e noite,escrevendo as lições para cada aluno, poisnão havia livro. Escrevia hinos, baladas,interrogatórios para confissões, resumosdialogados da fé cristã e autos teatrais que osíndios representavam ou viam representar,em palcos por ele improvisados. Exerciafunções de médico, barbeiro, fazedor dealpercatas, cujos cordões serviam também de

disciplinas. Poeta, elaborou um poema sobrea vida da Virgem Maria, na esperança demanter a própria pureza, fixo o pensamentona mais pura das mulheres. Sem papel, penae tinta, metrificava os versos, passeando.

 Traçava-os em seguida na areia e os confiavaà memória.

Segundo o testemunho de muitoscontemporâneos, dominava os elementos,curava moléstias, adivinhava os pensamentose os segredos do coração. Ressuscitavamortos afim de os batizar. Para resguardá-lodo sol, as aves, com as asas abertas,

formavam-lhe um docel sobre a cabeça. Nasredes se lhe vinham meter os peixes, quandodeles carecia. Feras o acompanhavam,servindo de escolta.

Enquanto, olhos no céu, trabalhavamentalmente o seu poema sobre Maria, umpequeno pássaro ora o rodeava e festejavacom brando vôo, ora lhe pousava caricioso nafronte, nos ombros, nas mãos. Mostrava-se

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sempre humilde, dizendo-se vil pecadorignorante! Os tamoios o denominavam — Grão Pajé  dos cristãos. Atribuíam-lhe o podersobrenatural de suspender os braçosarmados. De Anchieta afirmou um prelado: aCompanhia de Jesus é um anel de ouro, ele apedra preciosa desse anel.

Outro jesuíta lendário, João deAlmeida, levava a mortificar a carne,perseguindo o corpo como um inimigo.Considerava as disciplinas a armadura com

que o soldado de Cristo se veste para asbatalhas contra o demônio. Punha seixos nossapatos, quando andava, para molestar ospés. Nunca enxotou as moscas e mosquitosque o assaltavam. Chegou a 82 anos de umavida sem mácula. Começou a definharquando lhe tiraram os suplícios e azorragues.

Extraordinária a sua popularidade!Durante a moléstia que o levou, o povo afluiuao convento para ver como morria um santo.Queriam à força trechos de seus escritos,pedaços de suas roupas, restos de seuscilícios, qualquer cousa em que houvesse

tocado.Aplicavam objetos ao corpo do

moribundo, a fim de os tornar milagrosos.

Os médicos o sangraram: lenços comgotas de seu sangue foram disputados comardor.

Quando os sinos anunciaram a suamorte, foi uma calamidade pública, umainvasão desesperada em seu modesto

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aposento. Governador, bispo, magistrados,nobreza, milícias, tudo correu para o serviçofúnebre. Outras pessoas mortas no mesmodia dificilmente tiveram quem as enterrasse.Milhares de indivíduos beijaram o cadáverexposto. Forte guarda impediu que lhearrebatassem os vestidos. Muita genteafirmou que ele abrira os olhos, depois demorto, e exalava suavíssimo aroma.

A despeito de mil precauções,tiraram-lhe retalhos do hábito e do féretro,

bem como as flores que o cobriam.Sepultaram-no, com todas as cautelas. Diasdepois apareceu desenterrado com as vestese os cabelos cortados. Essas relíquias foramguardadas por muito tempo, comopreciosidades, invocando-se o nome de Joãode Almeida, qual o de um grande santo.

E o vulto gigantesco de Antônio Vieira?!Dotado de magníficos talentos, um dosmaiores escritores da literatura portuguesa,orador extraordinário que chegou a invectivardo púlpito, em arroubos de sublimeeloqüência, não já os poderosos da terra, mas

a própria Divindade, inspirador de reis,embaixador, professor, estadista de largasvistas, adiantadíssimo para a sua época,poliglota, amigo e advogado dos selvagens,Antônio Vieira é uma glória do Brasil, pois noBrasil se educou e passou a mor parte daextensa e proveitosa existência.

A par daqueles estupendos dotes deinteligência, ostentava raras qualidades

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morais. Esmoler, abnegado, sempre rijo noscostumes, infenso aos excessos da Inquisiçãoque o persegue, recusa os cargos e distinções.Seu desejo consistia em viver no meio dosíndios, de que submeteu tribos ferozes, efundar igrejas no sertão. Seus sermões, nãoraro vibrantes panfletos, transformavam opúlpito em órgão da opinião pública,verberando os abusos dos governantes.

Nem lhe faltou a ingratidão e ainjustiça. Sofreu os furores de sublevações

populares; foi preso; quase morreu a fome,revelando nesses transes grande coragem eresignação.

Na história dos jesuítas do Brasil,figuram numerosos mártires. Em 1571, oprovincial Inácio de Azevedo e mais 67

companheiros pereceram em viagem para aBahia, trucidados por piratas huguenotes.Refere Southey a legenda de que, mortoAzevedo, não puderam os heregesarrancar-lhe das mãos um retrato da Virgem,cópia do feito por S. Lucas. Arrojado ao mar,o cadáver estendeu os braços, colocando-os

na postura de um crucificado. Içaram ospiratas o corpo a bordo, amarraram-lhe osmembros, tirando-os à força daquela atitude,e tornaram a arremessá-lo à água. Então,ergueu-se ele direito sobre as ondas,estendeu de novo os braços da mesma forma,segurando a pintura, à guisa de estandarte, eassim continuou até que a esquadra hereje seperdeu no horizonte. Pouco depois, passando

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um navio católico pelo lugar do martírio,subiu o corpo do seio das vagas na mesmaatitude, depositou o retrato a bordo e volveu amergulhar-se. A imagem, com osensangüentados dedos de Azevedo nelaimpressos, foi exposta na Bahia à veneraçãodos fiéis.

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XXXIServiços dos jesuítas ao Brasil

 

Nem os mais ferrenhos adversários dos jesuítas poderão negar que eles no Brasilprestaram, quando menos, estes serviços:conversão dos índios, de quem foram sempreadvogados; educação da mocidade;construção de grandes edifícios — igrejas,palácios, conventos — que passaram a ser

importantes próprios nacionais.Quanto aos índios, lutaram contra as

suas crendices e os seus vícios, combaterama poligamia, a embriaguez, a antropofagia,chegando a arrebatar prisioneiros, prestes aserem devorados, no meio do furor da horda

estupefacta. Desprendidos dos laços da terra,não só não temiam o martírio como oambicionavam. Arriscavam a vida todos osdias, sem o mínimo interesse. Comperseverança, coragem e fé inabaláveis,debelavam os piores obstáculos.

Começaram angariando a afeição dospequenos selvagens. Aprendem deles algumaspalavras do seu idioma. Utilizam-nos comointérpretes. Captam as boas graças dos pais,visitando-lhes e curando-lhes os enfermos.

Quantas prevenções a destruir! Sãoconsiderados como espíritos malignos,

portadores da peste. Acreditam os índios queo batismo produz epidemias. Usam osmissionários então de mil engenhosos

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estratagemas para lhes vencer a relutância.Batisam com água de que embebem os lençose as mangas. Servem-se da música paraproduzir impressão. Organizam procissões,em cuja frente cantam, como meninos decoro, pequenos índios. Os outros achegam-seatraídos e, a pouco e pouco, dominados,começam a tomar parte no cântico.

Põem em solfa o catecismo, o credo, asorações principais e, conseguem, assim, queos selvagens as repitam cantando, e as

conservem de cor. Combatem além disso, asdeturpações cristãs que se estabelecem emalgumas tribos e, sobretudo, a má vontadedos habitantes, cujos abusos profligam econtra cuja ganância defendem os naturaisdo país. A sua campanha é semelhante à querecentemente os abolicionistas travaramcontra os escravocratas, com a diferença deque os jesuítas corriam maiores riscos,sofreram muito mais, sendo vítimas derevoltantes injustiças, e, afinal, expulsos.

Exprobrava o padre Leonardo Nunes adureza de um senhor. Este irritado levanta

um pau para lhe bater. O padre ajoelha-se afim de receber o golpe, mas continua aexprobração. O senhor fugiu envergonhado.

Os jesuítas eram o elemento moral daprimitiva sociedade brasileira, cujoscostumes buscaram elevar, não transigindo

com os potentados. As primeiras escolashavidas no Brasil construiram-nas edirigiram-nas eles. Edificaram a primeira

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igreja, eles próprios amassando o barro,cortando as madeiras, executando todo otrabalho material.

Celebraram o sacrifício divino muita

vez em capelas improvisadas, cobertas defolhas de palmeira. Ensinavam em humildeschoças, ou ao ar livre.

Nas guerras revelavam alta bravura.Nóbrega auxiliou os soldados que expeliramos franceses do Rio de Janeiro. Animava-osnos combates, colocando-se-lhes na frente,

empunhando um crucifixo. Ele e Anchietasalvam Piratininga do assalto dos tamoiosconfederados. Eram 20.000 índios armados,furiosos, prontos a invadir e destruir anascente povoação. Os dois jesuítas partemsozinhos para negociar a paz. Ficam como

reféns no seio do exército selvagem.Anchieta fala-lhes no idioma deles. Eles

mais de uma vez querem trucidar os doisaudazes missionários. Mas cedem àeloqüência, à força moral de ambos, cujasantidade os assombra.

A par deste, quantos outros exemplosde heroísmo obscuro, de sacrifício mudo, detrabalho sem prêmio, de desconhecidadedicação! Nóbrega, por meio de suas viagense pelas dos padres que dissemina por todo oterritório do Brasil, estabelece troca denotícias, relações e comunicações entre as

capitanias isoladas.Durante uma epidemia de bexigas que

assolou o litoral do Brasil em 1665, mostram

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inexcedível caridade. E nunca manifestaramambição de mando ou fortuna, nunca fizerammal. Qual o criminoso entre eles?

Estudaram a nossa terra com

inteligência e amor. Muitos de seusmanuscritos perderam-se nos motins de queforam vítimas e na ocasião da expulsão. Osescritos que restam constituem preciosafonte para o conhecimento do nosso passado.Organizaram cartas e roteiros, investigaramos dialetos e hábitos de nossos indígenas,

descobriram e apregoaram as riquezas ebelezas do nosso país.

Foram incontestavelmente grandesamigos nossos. Mal de nós se lhes nãotributássemos respeito e gratidão.

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XXXIIOs bandeirantes

 

Há poesia e grandeza imensas,indomável energia, tenacidade incomparável,nesses bandos de aventureiros, que, semitinerário, sem bússola, sem abrigo,guiando-se pelo curso dos rios, pelas altasmontanhas ou à lei do acaso, alimentando-sedos produtos da caça e da pesca, dormindo

ao relento, navegando em jangadas,transpondo cachoeiras, pauis, abismos,florestas ínvias, sítios quase inacessíveis,arrostando feras, reptis, selvagensantropófagos, astutos e vingativos, debelandoperigos mil vezes mais formidáveis que os do

oceano desconhecido, através febres,naufrágios, desastres, ferimentos, guerras,sacrifícios constantes, lá se iam à conquistado remoto sertão misterioso!

Não os detém ou amedrontam barreirase contratempos: chuvas, secas, frios. Se nadaencontravam para comer, roiam raízes que,

não raro, tóxicas, os matavam no meio desofrimentos atrozes. Disputavam o terrenopalmo a palmo. Mascavam ervas, sugavam osangue de animais mortos, quando a águafaltava. Não paravam para tratar dosenfermos ou feridos. Os que não podiam

seguir ficavam abandonados nas matas.Expedições inteiras, compostas de centenasde pessoas, partem e não voltam:

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desaparecem, sem deixar o mínimo vestígio.A partida efetua-se sempre sem esperança deregresso. Impossível para os que partemmandar noticias aos parentes e amigos queos não acompanham.

Uma ou outra vez acampam; semeiamcereais; fazem a colheita, e proseguem naáspera jornada, sem destino certo. É umacidade que viaja, observa um escritor:homens, mulheres, crianças, animaisdomésticos, formando uma comunhão

errática, segregada do resto do mundo,passando meses e anos nas selvas,totalmente livre, — comunhão, onde não seobserva lei alguma escrita, afeita àresignação e sobriedade extremas, descuidosae imprevidente; que não conta o tempo ouperde a noção dele; que às vezes adota oscostumes e as crenças dos índios, e em cujoseio ocorrem tragédias obscuras e horríveis.

E, obstinados, sem desanimar anteinúmeras catástrofes, percorrem o interior doBrasil, durante um século inteiro,descortinam regiões enormes, realizam

excursões difíceis ainda hoje, com todos osrecursos da civilização, fazem ver a face dosbrancos onde ela jamais aparecera e nuncamais apareceu. Atravessam o continente,chegam aos Andes, ao norte do Paraguai, àscordilheiras do Peru, quebrandoextraordinárias resistências, reduzindo osindígenas à escravidão, expulsando osespanhóis do território português,

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sustentando longas e sanguinolentascampanhas, descobrindo o ouro e osdiamantes.

Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, o

oeste de S. Paulo foram explorados, semintervenção do governo, graças à audaziniciativa deles.

Quantos úteis roteiros nãoorganizaram! A quantos lugares, montes,rios, não deram nome! Que de formosaslendas, provenientes das suas façanhas, não

ataviam a imaginação popular!Os bandeirantes — eis a nota galharda

e rubra dos nossos anais.

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XXXIIIA República de Palmares

 

Há mais de dois séculos, em plenoBrasil colonial, existiu, durante cerca de 60anos, uma comunhão de homens livres,regularmente organizada, com perto de100.000 habitantes, — (maior população quea das antigas repúblicas gregas), — fortes,enérgicos, dedicados a trabalhos agrícolas.

Era constituída por negros fugidos aocativeiro e homens de cor foragidos da

 justiça.

Achava-se situada na parte superior dorio São Francisco, no atual Estado deAlagoas. Chamava-se Palmares , por causa de

extenso palmeiral que em seu territórioflorescia.

Formavam-na várias aldeiasconfederadas, denominadas mocambos   comuma capital de talvez 6.000 moradores,defendida por meio de dupla cerca de paus apique e numerosos baluartes.

O recinto, assim fortificado, abrangialarga extensão, e só tinha três portas.Atravessavam-no rios piscosos. Erguia-sedentro dele o palácio do chefe Zambi   — palavra sinônima, num dialeto africano, dedivindade. Sobrelevava ao palácio altíssima e

escarpada rocha, servindo de torre de vigia,pois de seu cimo se avistava muito longe.

Esse asilo de desgraçados, engendrado

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como Roma, e cujos primeiros cidadãostiveram de suprir a falta de mulheresroubando-as aos vizinhos, à imitação dosprimitivos romanos, tornou-se com o tempoformidável pelo número e pela disciplina.Grandemente trabalhadores cultivavam asterras férteis e abundantes de caça.Celebravam as colheitas com estrepitosasfestas.

Mantinham celeiros para os casos deguerra e carestia. Não precisavam do resto do

mundo, tirando do seu próprio território tudoaquilo de que careciam. Faziam, porém, àsvezes, correrias nos territórioscircunvizinhos, respeitando os portuguesesque com eles traficavam e lhes forneciamarmas e munições.

A história dessa gente foi sucintamentetraçada por aqueles que a exterminaram. Tributam estes, entretanto, homenagem derespeito à coragem com que defendeu a suaindependência e às nobres qualidades querevelou.

O chefe — Zambi — era eletivo e

vitalício, escolhido pelo seu espírito de justiçae pela sua bravura. Vivia no palácio, cercadodos próceres da população. Só se lhe falavacom o joelho em terra. Obedeciam-lhecegamente. Nunca uma conspiração, revoltaou luta para empolgar o poder. Assistia ao

Zambi um conselho de homens experientes.Intenso sentimento religioso dominavaem Palmares , mas de uma religião especial,

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misto de práticas cristãs e idolatria africana.Adoravam o símbolo da cruz. Tinham oficiaise magistrados. Puniam com a morte — oroubo, o adultério, o assassinio; aplicavamigual pena aos que, havendo se unido a eles,tentavam fugir. Todas as tardes procedia-se àchamada para verificar quem faltava. Muitoexperimentados em exercícios de guerra,reinava entre eles perfeita igualdade social,apesar da hierarquia militar bem ordenada.

O governo da metrópole empregou

reiterados esforços para destruir Palmares .Expediu a respeito numerosas ordens,promulgou diferentes leis que não foramcumpridas.

Agredidos, por vezes, retaliaram osnegros, assolando as povoações próximas. De

1675 a 1678, repeliram 25 investidas.Atacaram-nos, sem resultado os holandeses eo vencedor de Guararapes, Francisco Barretode Menezes. O governador D. Pedro deAlmeida celebrou um tratado com o ZambiGangasuma, reconhecendo-lhes eassegurando-lhes a independência.

Durou alguns anos a paz. Mas ogovernador Caetano de Mello resolveu acabarcom eles. Não confiando nos recursos da suacapitania, solicitou o auxílio dos paulistas,famosos pela intrepidez.

Domingos Jorge Velho, comandando

um troço de paulistas, supôs fácil a empresade desbaratar os pretos mal armados.Procura cercá-los. Fazem eles uma sortida,

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destroçam os atacantes, obrigam-nos àretirada. Reforços, enviados de vários pontos,engrossam o exército de Domingos JorgeVelho. Os negros preparam-se paradesesperada resistência. Destroem osmocambos   afastados e tudo quanto podiaservir de alimentação aos brancos;concentram-se na capital.

Os paulistas assaltam-na com fúria;buscam escalar a estacada defensiva. Sãorechaçados, com consideráveis perdas, por

meio de pedras, água a ferver, fogo. Por fim,escasseiam as munições e os alimentos aosnegros, desprovidos de armas de arremesso.

 Também os paulistas exaustos ficamreduzidos a meia ração. Sofre-se atrozmentenos dois campos tenazes e heróicos.

Chegam novos reforços e artilheria aospaulistas. Operam estes frenética investida;forçam uma das portas; invadem a capital dePalmares.

Então, o Zambi e os seus principaissequazes, preferindo a morte à servidão,sobem ao cume da alcantilada rocha que

sobrepujava o povoado, e, com resoluçãoestóica, precipitam-se no vácuo...

Indiscritível a alegria dos vencedores!Procissões de regozijo percorrem as ruas deOlinda. Das janelas do governador atira-sedinheiro ao povo. São escravizados os poucos

sobreviventes dos vencidos. Separam-se asmães dos filhos, os maridos das esposas. Aidaqueles que inspiram a desconfiança de

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nutrirem idéias de desforra! O menos que selhes faz é os exilarem para pontos remotos.

E da valente república de Palmares nãopermanece senão vaga reminiscência,

bastante, contudo, para que um poetainspirado a transforme em magnífica epopéia.

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XXXIVA guerra holandesa

 

Oliveira Martins chama a guerraholandesa — nova Ilíada. Mas a guerra de Tróia, celebrada nesta epopéia por Homero,durou dez anos. Prolongou-se por 30 a que oBrasil sustentou contra o neerlandês invasor.E, segundo D. Francisco Manoel de Mello,não há exemplo, nos arquivos da lembrança

humana, de outra luta travada em análogascondições e com semelhante felicidadeconseguida, — luta que por si só nobilitaria ahistória de um povo.

Na realidade, a guerra holandesamostra quanto podem a perseverança e o

heroismo.Desde o primeiro ataque à Bahia, em

1624, registam-se feitos extraordinários,como o do bispo octogenário D. Marcos

 Teixeira, doutor em cânones, coberto deserviços prestados em Évora, Coimbra eLisboa, o qual troca o báculo pela espada,comanda a resistência, trabalha em pessoanas fortificações, morre de fadiga, depois deter dirigido seis meses feliz campanha contraos agressores.

De 1630 a 1654, desajudados, semrecursos, tendo adversos a si todos os

elementos, desobedecendo ao seu rei paramelhor o servir, sustentam os brasileiroscontra forças superiores e aguerridas,

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entretidas por poderosa e rica nacionalidade,tenaz e implacável peleja, mais audaz ecorajosa que a dos convencionais francesescontra a Europa coligada.

O brasileiro Matias de Albuquerque,batido em começo, não desanima, e traça oplano cuja execução, após vinte anos decontrariedades, assegura a vitória final.

Não consente em mitigação alguma, nacontenda; quer a guerra com todo o seu rigor,não dando nem pedindo quartel. Ser ferido

em combate é o mesmo que ser morto.Confinados no Recife, já pensam os

holandeses em abandonar o Brasil, quandopara eles se bandeia o niameluco Calabar.Guiados por esse brasileiro, alcançamgrandes vantagens. Matias de Albuquerque

resolve retirar-se, e a população brasileira oacompanha, emigrando em massa. É umapagina trágica esse êxodo em que os fugitivos,famílias inteiras, veem-se constantementeacossados pelo inimigo e por moléstias,famintos, sequiosos, perdidos no sertãobravio, caindo aos centos. Nascem crianças

nos matos até então intransitados. Leva cadahomem numa das mãos o mosquete, noutraas parcas provisões. Arrastam-se os velhos eos débeis. E abrem caminho centenas deléguas, para evitar a dominação estrangeira.

De nada valeu aos holandeses a

administração inteligente de Maurício deNassau, que, em oito anos de governo,mostrou tolerância e justiça, instituiu certas

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liberdades, reuniu no Recife a primeiraassembléia legislativa da América do Sul,edificou palácios, manifestou-se amigo doBrasil. Eram estrangeiros e hereges. Foramexpulsos; apagaram-se-lhes os vestígios.

Quantos episódios legendários! Numforte do Rio Formoso, 20 brasileiros opõem-seà arremetida de 500 holandeses. Entramestes, afinal; mas encontram 19 cadáveres.Ferido, escapara a nado o último dosdefensores.

O brasileiro Luiz Barbalho, à frente de1300 homens atravessa 400 léguas doterritório ocupado pelo inimigo, conquistandopassagem à ponta de espada, batalhandotodos os dias.

D. Maria de Souza perdera dois filhos e

um genro em combate. Ao perder terceirofilho, chama dois que lhe restavam, um de 14e outro de 13 anos, anuncia-lhes a morte doirmão, entrega-lhes armas e manda-ospelejar, mostrando-se eles dignos de tal mãe.

Muito se notabilizaram as mulheresnesta guerra. D. Clara, esposa de Camarão,batia-se a cavalo, ao lado do intemeratomarido. Em Tejecupapo, senhoras e donzelasarmadas de espingardas e lanças, repeliramnuma trincheira as forças do almiranteLichthardt.

Numa capitulação, admite-se que os

padres saiam de pistola à cinta, comosoldados.

Os holandeses confessaram que

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combatiam um povo valoroso e ágil. Durantea guerra, mandou o governador do Maranhãoexplorar o Amazonas até Quito.

Na batalha de Tabocas, aparece,

distribuindo cartuchos, formosíssima mulher,trajando de branco e azul, trazendo nosbraços um menino e junto a si um ancião.Acreditam os soldados que era NossaSenhora, cujo nome invocavam no meio doconflito, cantando a Salve Rainha, e SantoAntônio, de que os calvinistas haviam

profanado uma capela.Portugal chegou a querer ceder

Pernambuco à Holanda. Mas os brasileiros,fazendo mais do que aquele reino e o deEspanha, não o consentiram, e desafogaramo seu território, na frase de Antônio Vieira,

restituindo a El-Rei 3 cidades, 8 vilas, 14fortalezas, 4 capitanias e trezentas léguas decostas tomadas ao invasor.

Na guerra holandesa, observa OliveiraLima, reúnem-se harmonicamente todos oselementos que formam o brasileiro. É oportuguês, representado por João Fernandes

Vieira que manda incendiar os canaviais desua propriedade para tirar recursos aoinimigo e a quem o papa Leão X confere otítulo de restaurador do catolicismo naAmérica, — João Fernandes Vieira, cabeça darevolta, tipo do colono laborioso e rijo; é o

índio Camarão, simbolicamente desaparecidoantes do triunfo final: é o negro HenriqueDias, dez vezes ferido, prestativo, incansável,

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paciente e denodado; é o brasileiro AndréVidal de Negreiros, representando o produtoda integração desses três elementos, — generoso, desprendido e altivo.

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XXXVA retirada da Laguna

 

Um dos feitos mais gloriosos da históriauniversal é a retirada através da Ásia Menor,quatro séculos antes de Cristo, de dez milgregos que tinham ido combater a favor deCiro, o jovem.

Vendo-se sem recursos em paísestrangeiro, à grande distância da sua pátria,rodeados de inimigos que lhes assassinamtraiçoeiramente os generais, prestes estavama render-se, quando lhes assume o comandoo moço Xenofonte e lhes dirige a viagem de600 léguas, em 122 dias, por países bárbarose desconhecidos, superando os mil

obstáculos acumulados pela perfídia degentes adversas, pelas intempéries derigorosos climas e pela natureza aspérrima.

Graças à coragem, prudência esabedoria dos chefes, bem como àperseverança e disciplina dos soldados,atravessam vales, montanhas, rios; vencemtraições, assaltos, falta de víveres, discórdias,toda sorte de perigos; chegam enfim asalvamento.

E Xenofonte se imortaliza escrevendoos episódios do cometimento em que foraparte importante. A nossa história regista

sucesso análogo, em que as tropas brasileirasmostraram constância e heroísmo, iguais,senão superiores, aos dos gregos,

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sustentando luta mais terrível, passando pormaiores riscos, arrostando piores provações.

Nem nos faltou quem, como Xenofonte,tendo sido um dos atores do drama, o

descrevesse depois num livro admirável.Alfredo de Escragnolle Taunay, mais

tarde Visconde de Taunay, foi um dos oficiaisda expedição que, em 1865, ao começar aguerra do Paraguai, operou no sul de MatoGrosso, havendo sido obrigada a retirar-se deLaguna, naquele país, até o rio Aquidauana,

no território nacional. Narrou Escragnolle Taunay as peripécias do fato num trabalhoque a crítica nacional e européiaproclamaram rival do de Xenofonte.

O corpo de exército, incumbido deinvadir o norte do Paraguai, caminhou 320

léguas e gastou dois anos antes de atingir oseu ponto de destino, perdendo um terço dopessoal em várias e terríveis epidemias, umadas quais vitimou o primeiro comandante.

Com víveres insufícientes, falta demeios de transporte, dispondo de poucasmunições, sem animais de montaria, semesperar reforços, sem conhecer a região ondemanobrava, cumpre a ordem de penetrar noterritório inimigo, julgando assim auxiliar aexecução do plano geral da campanha.

É uma pequena coluna, desprovida decavalos, perdida em vastos espaços desertos.

Entretanto, toma uma fortaleza, rechaça emvários recontros o adversário.

Resolve, porém, empreender a retirada

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 — essa dificil operação de guerra, executadapor quem não mais nutre esperança ouentusiasmo, e, arrependido, experimenta asconseqüências de uma falta cometida.

Em 35 dias, percorrem os retirantes 39léguas, constantemente perseguidos de todosos lados pela poderosa e audaz cavalariacontrária, combatendo todas as horas,assaltados desde que paravam, constrangidosa se privar das bagagens, ficando só com aroupa que vestiam.

Marcham em terrenos alagados, oucobertos de altas e duras ervas que é precisocortar a facão, e, deitadas em terra,dilaceram os pés.

Os paraguaios continuamente lançamfogo a essas ervas, convertendo a planície

numa fornalha, envolvendo os brasileirosnum círculo de chamas. Alimentando-se devegetais putrefactos, curtindo o suplício dafome e o da sede, sufocados e cegos pelafumaça, lambidos por línguas de fogo,exacerbado pelo vento, recebendo constantesdescargas, desalojando o inimigo de qualquer

fonte que se lhes depare, proseguemimpávidos. Morrem asfixiados ou emconseqüências de queimaduras. Ora osabrasa um sol implacável, ora os inundamchuvas torrenciais e geladas, agravando olodaçal do caminho, erriçado agora de

taquaras duras e cortantes como espadas eque, pegando fogo, detonavam como tiros deartilheria.

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Proseguem, no meio de tal inversão deestações e tamanha desordem dos elementosque a natureza parecia revoltada contra eles,

 — sem ar respirável, acabrunhados, presasquase de sombrio desespero. Como se já nãobastassem tantos males e desastres, eis quese manifesta entre eles tremenda epidemia decholera-morbus .

O flagelo faz numerosas vítimas. Nãohá remédios para centenas de enfermos quedeliram e se estorcem sob os raios

coruscantes do sol, ou açoitados de chuvasdiluviais. Muitos enlouquecem. Um sesuicida.

 Torna-se tão angustiosa a situação queos chefes deliberam abandonar no mato osenfermos, a fim de que os ainda não

contaminados pudessem ir por diante.Executa-se a terrível ordem. Os soldados sãoslargam os doentes, — companheiros,parentes, amigos. Resignam-se estes com odesprendimento da vida próprio do brasileiro.Formulam apenas um pedido: que se lhesdeixe um pouco d’água! São 130 os

condenados inocentes assim desamparados,sob a simples proteção de um apelo, por meiode pequeno cartaz, à generosidade dosparaguaios: graça para os coléricos!

Concluído o lúgubre holocausto, põe-seem marcha a coluna, sem volver a cabeça.

Apenas se afasta, ouvem-se atrás tiros,clamores. Alguns vultos levantam-se, correm,caem. É o inimigo que ataca os moribundos.

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A coluna instintivamente retarda o passo.Ninguém a alcança. Só um dos coléricosescapou milagrosamente e, mais tarde,depois de sofrimentos indizíveis, reuniu-seaos retirantes. Pouparam-no os paraguaiosem vista do seu grau de prostração. “Não sefere um cadáver” disseram.

Morrem de cólera em quarenta e oitohoras dois guias, o imediato do comandante eo próprio comandante, mostrando este calmae coragem estupendas.

A coluna está extenuada, reduzida amenos de metade da gente com que invadiu oParaguai, sem contar entre os mortosmulheres, crianças, mercadores, empregadosde serviço. Passa por todas as misérias porque o homem pode passar, sem sucumbir.

Comanda-a um capitão. Mas chega emboa ordem ao lugar determinado. Não deixouprisioneiros. Conserva os seus estandartes ecanhões. Patenteia qual a força de resistênciada alma brasileira e de quanto é capaz, em odever lhe exigindo sacrifícios.

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XXXVIA independência do Brasil

 

O Brasil deixou de depender dametrópole em começo de 1808, quando acorte portuguesa se mudou para o Rio de

 Janeiro, elevado a capital da monarquia. Opríncipe regente D. João o proclamou nomanifesto explicativo da mudança, dizendoerguer a voz no seio do novo império que

viera fundar. Em 1822, apenas se deu aseparação de Portugal.

Por conseguinte, foi o Brasil o primeiropaís da América latina que adquiriuautonomia.

Só no correr de 1809, pronunciou-se

em Quito o movimento inicial da libertaçãodas colônias espanholas, movimento logosufocado.

 Já vimos que na primitiva organizaçãodo Brasil, o regime das capitanias, a coroaportuguesa conservou sobre elas meroprotetorado, com poderes restritos. Nosistema seguinte, que prevaleceu até àrevolução portuguesa de 1820, o dos governosgerais, havia verdadeira constituição, pois osregimentos das autoridades lhesprestabeleciam as atribuições e os deveres.

Desde a mais remota época, manifestou

o nosso povo espírito de isenção e dignidade.Não se humilhava aos depositários do poder.Quando os governadores abusavam, não

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tardavam protestos. Mais de umamunicipalidade enviou procuradores a Lisboadefender seus direitos e formularreclamações. Assim, o distrito de Campos deGoitacazes que em 1720 se revoltou contra osseus donatários. Usavam esses procuradoresda mais altiva linguagem para com El-Rei.

 João Francisco Lisboa cita a representaçãoque o da Câmara do Maranhão, ManoelGonçalves Aranha, redigiu em 1677, comomodelo de respeitosa hombridade. A Câmara

do Rio de Janeiro obteve que El-Reiestranhasse o procedimento do governadorSalvador Corrêa, contra o qual representara.O povo depôs mais de um governador. O dePernambuco, Jerônimo de MendonçaFurtado, foi preso pela gente de Olinda numaprocissão e remetido para Lisboa.

Em 1641, os paulistas quiseramproclamar Amador Bueno seu rei. Em 1711, opernambucano Bernardo Vieira de Mello; em1720 o mineiro Felipe dos Santos; em 1789,novamente mineiros, entre os quais

 Tiradentes, que expiou no patíbulo seu

sublime sonho, pensam na independência daPátria, muito antes que em outros pontos daAmérica tal idéia se manifestasse. Em 1817,proclama-se a república de Pernambuco. Osherdeiros dos donatários de Pernambucohaviam, no rigor do domínio colonial,intentado um processo à coroa que se viu

coagida a transigir. Durante o reinado de D.Pedro I, o eleitorado mineiro derrotou oministro José Antônio da Silva Maia, por

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quem, ao que se dizia, cabalava em pessoa oImperador. Sob o Sr. D. Pedro II, igualdemonstração de liberdade eleitoral ocorreucom 6 ministros de Estado que, em váriospleitos, foram repudiados nas urnas, os Srs.Pedro Luiz, Homem de Mello, Bento de Paulae Souza, André Fleury, Mata Machado eNascimento Portela.

Mas não faltam escritores poucoescrupulosos que timbram em achincalhar onosso passado, principalmente o modo como

se operou a separação de Portugal, em 1822.Basta recordar alguns fatos para

mostrar que nada se praticou então dedesairoso para nós, mas, ao contrário,sucedeu muita cousa digna de admiração.

Ao embarcar para a Europa, em Abril

de 1821, confia D. João VI ao príncipe D.Pedro a administração e governo supremo eprovisório do reino do Brasil. A 23 de Maio domesmo ano, decreta D. Pedro a liberdade deimprensa, antecipando, por esta e outrasmedidas, o regime constitucional. A 9 de

 Janeiro de 1822, declara permanecer no

Brasil, em desobediência formal à imposiçãodas cortes portuguesas. A força armada dePortugal, existente no Rio, busca prender D.Pedro e embarcá-lo à força. É D. Pedro quem,empregando máxima energia, disposto à lutamaterial, constrange a divisão lusitana a

render-se e a embarcar. A 16 de Fevereiro,convoca para se reunir no Rio um conselhode procuradores gerais de todas as províncias

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brasileiras. A 21 do mesmo mês, proibe aexecução no Brasil, sem a sua sanção, deordens e leis daquelas cortes. A 3 de Junho,convoca uma assembléia legislativa econstituinte incumbida de organizar aconstituição pela qual devesse reger-se ocontinente brasileiro. Finalmente, a 7 deSetembro, nas margens do Ipiranga,proclama a inteira separação da antigametrópole. A separação foi, pois, o resultadode longa série de grandes atos, denotadores

de energia, perseverança e civismo nadavulgares.

Não se ultimou essa separação semluta e derramamento de sangue. O Brasilarmou-se, formou exército e esquadra,contratou oficiais estrangeiros quaisCochrane, Mariath, Norton, Taylor, Greenfelde Labatut. Feriram-se combates em terra e nomar. D. João VI envia emissários a D. Pedroque recusa recebê-los e os obriga aregressarem, devolvendo as cartas do pai.Portugal solicita a mediação inglesa, nointuito de terminar-se a guerra. Graças a

essa mediação, celebra-se a convenção de 29de Agosto de 1825, em virtude da qualPortugal reconhece a independência doBrasil. Fizeram-se concessões mútuas naconvenção, cedendo o Brasil à vantagem deser reconhecido por Portugal, a fim de que asmais nações da Europa também o

reconhecessem. A prova de que o tratado nãonos era infenso está na indignação públicaque levantou em Portugal, obtendo a custo o

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gabinete inglês a ratificação.

Como o Brasil se obrigara a pagar doismilhões de libras esterlinas, ou melhor,assumira a responsabilidade de um

empréstimo dessa quantia, contraido porPortugal em Londres, acoimaram algunsoposicionistas o tratado de carta de alforria,afirmando que compramos a nossaindependência. Excessos de linguageminjustos e injustificados!

Proveio aquele compromisso de um

ajuste de contas, tendo por fim extinguirreclamações de parte a parte. Representou ovalor de palácios e outras propriedadesparticulares de D. João VI no Brasil. Com aseparação, apoderara-se este de parte dopatrimônio até então comum. Ficaram,

demais, pertencendo ao Brasil, mediante aobrigação referida, mercadorias seqüestradas,embarcações surtas nos portos, prédiosrústicos e urbanos, navios apresados em altomar, numerosos vasos de guerra. Acontinuação da campanha teria custadomais. Porém, objetar-se-á, poderia o Brasil

vencer afinal e nada pagar.É exato. Honra lhe seja, entretanto, ter

preferido, no começo de sua existêncianacional, não fazer questão de dinheiro,praticando para com a velha mãe pátriaempobrecida e fraca um ato de honestidade

ou cavalheirismo.

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XXXVIIGrandes nomes da nossa história

 

Fulguram na história brasileira nomesnotáveis, e belos exemplos de civismo,desinteresse, coragem, honestidade. A muitosainda não se tributou a devida justiça.

Pouco se fala, por exemplo, em PeroLopes de Souza, navegador e cronista, doqual dizia a Martim Afonso de Souza o Condeda Castanheira, ministro d’El-Rei: “vossoirmão está feito um homem muito honrado, eoutra vez vos afirmo muito honrado.”

Entre os governadores gerais, foramnão raros homens superiores, a começar peloprimeiro, Tomé de Souza, de quem também o

Conde da Castanheira afirmava — que lhe iaachando cada vez mais qualidades boas,tendo sobre todas a de ser sisudo.

Mem de Sá, íntegro e bom; Manoel Telles Barreto de Menezes, eméritoadministrador; Matias de Albuquerque, eAndré Vidal de Negreiros, heróis da guerraholandesa; Gomes Freire de Andrade, queadministrou o sul do Brasil 30 anos,imortalizado no poema Uruguai ; o Marquês deLavradio, o Conde da Cunha, o Conde deAzambuja, Luiz de Vasconcellos e outrosdeixaram nobres traços na gestão dos

negócios públicos. Manoel Bequimão e Tiradentes equiparam-se às mais purasvítimas das idéias generosas. Alexandre de

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Gusmão, estadista e diplomata, merecedor daconfiança de D. João V; José da Silva Lisboa,Visconde de Cairu, escritor, erudito,inspirador da abertura dos portos brasileirosa todas as nações; Hipólito José da Costaque, exilado em Londres, redigia magnífico

 jornal sobre cousas da Pátria, advogandoadiantadas idéias; Evaristo Ferreira da Veiga,modesto livreiro, jornalista, promotor de umarevolução, de que, pessoalmente, nenhumproveito colheu; Diogo Antônio Feijó, o padre

enérgico e patriota; José Bonifácio deAndrada e Silva, sábio, poeta, homem deEstado, com duas vidas, igualmente ilustres,

 — uma em Portugal, onde descobre novasespécies minerais, dirige a construção deobras públicas, exerce altos cargos deinstrucão, política e magistratura, combate

contra os soldados de Napoleão, — outra noBrasil, onde contribui eficazmente para aseparação e organiza o Império nascente; oDuque de Caxias, o general calmo e refletido,nunca derrotado, vencedor de quatrorevoluções e duas guerras externas; Mariz e

Barros, estóico qual Mucio Scœvola, ante osofrimento e a morte; Porto Alegre, aencarnação da valentia elegante e criteriosa ;Osório o tipo do general impetuoso e bravo,são individualidades que honram qualquernação, concretizam o que de mais alto temproduzido a humanidade.

Em todos os ramos da atividade social,figuram distintamente brasileiros. Na poesia,eis Gregório de Matos, o grande satírico; eis

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 José Basílio da Gama, o ilustre épico, amigode Pombal, um dos poucos que guardamfidelidade a este estadista na desgraça; eisGonçalves Dias, o sublime lírico; eisFagundes Varela; eis Castro Alves, e tantosmais. Na história, João Francisco Lisboa aliaa erudição de Taine ao estilo de Tácito. Nafilosofia e na critica, Tobias Barreto; nodireito, Teixeira de Freitas derramam clarõesgeniais. Na música, temos José MaurícioNunes Garcia, o padre mestiço, tão

merecidamente distinguido por D. João VI;temos Carlos Gomes, inspirado compositor,de nomeada universal. Na ciência, o botânicoConceição Veloso, o naturalista AlexandreRodrigues Ferreira, o cirurgião ManoelFeliciano.

O brasileiro José de Lacerda atravessaa África em 1798. Pertence a um brasileiro odescobrimento da navegação aérea. Naverdade, os aparelhos aerostáticos foraminventados pelo santista Bartolomeu deGusmão, irmão do célebre Alexandre deGusmão. Atestam documentos irrecusáveis

que Bartolomeu experimentou seu inventoem Lisboa, no ano de 1709, 74 anos antes defazerem iguais experiências em França osirmãos Mongolfier (1783). A estes, entretanto,costuma-se atribuir a prioridade. Na petiçãoendereçada por Bartolomeu naquela data aEl-Rei, declara ele ter engendrado um

instrumento para andar sobre o ar e sobre aterra, com o qual se poderia ir até os pólos ealcançar grandes vantagens na arte da

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guerra, — como correspondência, e saídas depraças sitiadas. Assim, há cerca de 200 anos,concebeu Bartolomeu a idéia da tentativa queo capitão Andrée quis realizar relativamenteao pólo do norte, bem como a do serviçoaerostático na arte militar. Grambetta, em1870, retirou-se, num balão, de Parisassediado pelos alemães. O mineiro SantosDumont descobre a dirigibilidade dos balões.

Entre os grandes vultos do Brasil,cumpre mencionar D. Pedro I, que nascido

em Portugal, para aqui veio aos nove anos,aqui se educou e formou o caráter, aquipassou 23 anos da sua breve existência.Quaisquer que hajam sido seus erros, não sepode negar a muita glória dessa existênciafecunda. Possuía ele altas qualidades:cavalheirismo, coragem, franqueza, atividade.

 José Bonifácio a quem banira, tornou-se,depois de 1831, chefe do partido restaurador.Devemos imenso a José Bonifácio e a MartimFrancisco na separação definitiva dePortugal. Mas foi antes de chamar ao poderos Andradas que D. Pedro praticou atos

decisivos, quais desobedecer categoricamenteàs ordens das Cortes de Lisboa e obrigar aembarcarem para Europa as tropasportuguesas que pensaram em promover aexecução de tais ordens. A 7 de Setembro, noIpiranga, José Bonifácio não estava ao ladode D. Pedro.

No dia da abdicação, 7 de Abril de1831, aconselha aos soldados fiéis que se

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reúnam aos companheiros revoltados,declarando não desejar o sacrifício de pessoaalguma. “Tudo para o povo, nada pelo povo”

 — era a sua máxima. Se alguém sehumilhava diante dele, exclamava: “Trata-mecomo homem!”

Abdicando, entrega seus filhosmenores, sem mãe, ao povo triunfante narevolução, tamanha confiança depositava nocaráter desse povo. Nomeia tutor deles JoséBonifácio, adversário da véspera. Despede-se

dos amigos, pedindo-lhes perdão das ofensasque porventura lhes irrogara. Quais, afinal,seus graves crimes contra o progresso e acivilização do Brasil? Se faltas cometeu,prestou serviços que as resgatam.

Na Europa, manifesta heroísmo

extraordinário durante a campanha contra D.Miguel. “Eu o vi com estes olhos, refereAntônio Feliciano de Castilho, comer um pãonegro entre os soldados, jazer na terra nua,agarrar no alvião para ensinar a construiruma trincheira; vi ser preciso para o fazerretirar de um ponto onde as balas choviam

um general intimar-lhe ordem de prisão, emnome da rainha. Estava no hospital, vi-oentre os feridos, atando-lhes as ligaduras, econsolando-os; no arsenal, ele encartuchavaa pólvora; nas baterias, amestrava osartilheiros; depois da vitória, distribuía porsuas mãos as distinções.”

Ao morrer, mandou chamar umsoldado raso que pertencesse ao batalhão que

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fizera o cerco do Porto. Abraça-o, rogando quetransmitisse o abraço aos camaradas. Osoldado durante longo tempo sofre ataques denervos, pela comoção que experimentara.

D. Pedro expirou aos 36 anosincompletos, tendo fundado um esperançosoimpério, libertado um antigo reino,renunciado duas coroas, servido duasPátrias, deixando fama imortal na Europa ena América.

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XXXVIIID. Pedro II

 

Eis o grande vulto da históriabrasileira. É motivo de desvanecimento paraespíritos refletidos o ter nascido no meiosocial que o produziu. Já começam a lherender justiça os próprios que o depuseramdo trono e o baniram. Consideram-no, pelomenos, um bom, um desinteressado, um

amigo da Pátria. Época virá, não mui remota,em que unanimemente se lhe reconhecerá abenemerência, proclamando-o a nação inteirao mais eminente dos brasileiros, o mais nobredos americanos (sem excetuar Washington eBolívar), umas das figuras mais simpáticas e

venerandas da história universal.Como se presta a belo poema a suaalta, pura e profícua existência! Quantoscuriosos ou elevados episódios; digno cadaqual de imortalizar uma memória!

Vede-o aos cinco anos, orfão de mãe,sem um próximo parente de maior idade quepor ele velasse, entregue por seu pai aosazares de uma revolução vitoriosa. Ei-lo oImperador menino, trepado numa cadeira,delirantemente aclamado pelos grandesfuncionários, pela tropa, pela multidão...

Efetua-se no Brasil a primeira

experiência dos governos eletivos. Umdecênio de lutas, indisciplina, perturbações,anarquia. Transforma-se a Regência de

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provisória em definitiva, promove a reformada Constituição, passa a ser constituída, emvez de três membros, de um regente único,eleito por todo o Brasil. Em vão! A despeito daenergia de Feijó e da capacidade de AraújoLima, não se dissolveu o país, porque opequenino Imperador era o símbolo eficaz daunião. Sua frágil existência, no dizer de SaintHilaire, opunha barreira às ambiçõesseparatistas.

Educava-se ele de modo completo,

revelando extraordinária precocidade, dotadode eminentes faculdades de sentimento erazão, grave, aplicado, desejoso de tudoaprender, — desejo que manteve sempreardente até os últimos dias da vida.

 Tais qualidades, tamanhas esperanças

despertaram no Parlamento que, no intuitode debelar os males públicos, julgaram deveradiantar de três anos a data de suamaioridade política, confiando-lhe desde logoa suprema direção nacional.

Contava D. Pedro 15 anos. Comdecisão e coragem, aceitou a tremenda

responsabilidade que se lhe oferecia, eencetou esse reinado de progresso, liberdadee justiça, cuja recordação enche dereconhecimento todo verdadeiro coraçãopatriota, pois, durante ele, o Brasil exerceuincontestada hegemonia na América do Sul.

Do balanço do seu meio século deadministração resulta enorme saldo debenefícios.

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Reprimiu o caudilhismo no Brasil e noPrata, garantiu 40 anos de paz interna,sufocou cinco revoluções, — em S. Paulo,Minas, Maranhão, Rio Grande do Sul ePernambuco, — sustentou três gloriosasguerras externas, destruindo três tiranias, — a de Rosas, a de Aguirre e a de Lopez;assegurou a independência do Uruguai e doParaguai; contribuiu decisivamente para alibertação de dois milhões de escravos.

À vitória sobre as revoluções seguiu-se

sempre ampla e generosa anistia. Na guerracontra Rosas, triunfou o Brasil onde a Françae a Inglaterra haviam naufragado. Nuncaaproveitou suas vantagens para oprimirvizinhos mais fracos. O Imperador era aliadode todos os espíritos liberais do Prata. Nadaimpôs ao Paraguai, depois de tê-lo vencidocom ingente sacrifício. Organizou ali ogoverno republicano que, sob o despotismo deFrancia, Lopez I e Lopez II, era até entãodesconhecido dos paraguaios, edeterminou-lhes a abolição do cativeiro. Trêsvezes serviu de árbitro em questões

internacionais de grande monta, entrepoderosas nacionalidades. Defendeu, comextrema energia, a dignidade do Brasil contranações fortes, como a Inglaterra, vendo-seesta obrigada a nos dar satisfação cabal.

Basta comparar o Brasil de 1840 — (5milhões de habitantes, dos quais 2 milhõesde escravos, 16 mil contos de renda, 50 milcontos de produção total, sem estradas de

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ferro, — com o Brasil de 1889, — 14 milhõesde homens livres, 153 mil contos de renda,cerca de 500 mil contos de produção, mais denove mil quilômetros de vias férreas emtráfego) — para verificar a imensaprosperidade alcançada sob as vistas de D.Pedro.

Presidiu ele à inauguração das nossasprimeiras estradas de ferro, linhas de vaporese telegráficas, principais obras públicas; àintrodução em massa de colonos

estrangeiros; ao desenvolvimento dainstrução pública; à expansão do nossocrédito, cotado, nos últimos anos damonarquia, acima do dos mais influentesEstados. Lavoura, comércio, indústria, tudomedrou.

Escravo da lei, procurou conciliar ospartidos, apaziguar as paixões, acatar aliberdade, secundar o progresso.

Carlos Ribeyrolles, amigo de VitorHugo, exilado da França por Napoleão III,escreveu que no Brasil não se conheciamprocessos políticos, nem prisioneiros de

Estado, nem restrições à imprensa, nemconspirações, gozando-se de absolutaindependência espiritual, graças a D. Pedro,cuja majestade consistia, não nas suasprerrogativas, mas no seu caráter pessoal.

Numerosos viajantes estrangeiros

vindos ao Brasil, tributam iguais encômios aoImperador.

Nenhum soberano jamais obteve tanta

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consideração e popularidade na Europa e nosEstados Unidos.

Glorificaram-no Goblet, Schœlcher, Jules Simon, Longfellow, Agassiz, Dumas,

Mistral, Camillo Castelo Branco, CésarCantú, Lesseps, Pasteur, em cujo Instituto deParis figura o busto dele. AlexandreHerculano, independente até à selvageria,tece-lhe louvores. Darwin declara que todosos sábios lhe devem o maior respeito.Lamartine coloca-o acima do grande

Frederico. Mitre chama-lhe chefe de umademocracia coroada. Victor Hugo proclama-oneto de Marco Aurélio, Gladstone aponta-ocomo modelo dos reis — benção e exemplo dasua raça.

Amigo de todos os homens notáveis de

seu tempo adivinhou o gênio de Wagner aquem, em 1857, pediu uma ópera para sercantada no Rio de Janeiro.

Membro do Instituto de França e detodas as grandes sociedades científicas eliterárias do mundo, protetor das ciências,das letras e das artes, auxiliou Pedro

Américo, Vitor Meireles, Carlos Gomes,Almeida Júnior, Varnhagen, Gonçalves Dias,Macedo, Porto Alegre, Magalhães, cujaConfederação dos Tamoios   foi luxuosamenteeditada, à custa dele. Quantos estudantespobres educou, quantos artistas favoreceu!

Considerai o seu civismo, a suaatividade indefessa, no correr da campanhado Paraguai, para as despesas da qual cedeu

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a quarta parte da sua dotação, o seu zeloextremo no exercício dos deveres públicos eprivados, a sua benevolência, a suaprobidade, a sua tolerância, a sua filantropia,a sua encantadora brandura, a suasimplicidade espartana, — ele ligado aosBourbons, aos Habsburgos, às mais nobres ealtivas famílias do universo!

Achava-se moribundo em Milão,sacramentado, ungido, quando lhecomunicam a votação da lei de 13 de Maio de

1888 que declarou extinta a escravidão noBrasil. Derramou lágrimas de alegria,murmurando: “Grande povo! Grande povo!” Ea comoção jubilosa lhe soergueu as forças,operou um milagre, podendo mais do que oscuidados e os medicamentos.

Naquela cidade, em Paris, em Baden-Baden, Bruxelas, Marselha, Florença,Nápoles, — onde quer que ele se encontrasse,

 — recebia significativas homenagens dapopulação, elevando-se assim o nome doBrasil. Alto, imponente, cheio de distinçãonatural, provocava aclamações. Em Canes,

depois de destronado, os Felibres de Provence lhe dedicaram pitoresca festa e o elegeramseu sócio, apelidando-o o rei dos imperadores .

Como se preocupava com a instruçãopública, animando-a quanto em si cabia,assistindo infatigável a exames, concursos,

distribuição de prêmios! “Se eu não foraImperador, quisera ser mestre de escola”,costumava exclamar. “Nada conheço de tão

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nobre acrescentava, — como dirigir jovensinteligências, preparar os homens do futuro.”Quiseram erigir-lhe um palácio, condigno dasua posição. Exigiu que o dinheiro destinadoà construção se aplicasse à de escolas. Findaa guerra do Paraguai, a Municipalidade e opovo do Rio projetaram elevar-lhe umaestátua. Recusou peremptoriamente,determinando que à avultada quantiarecolhida por subscrição se desse o destinoda do palácio. “Será a melhor maneira de

perpetuar, — escreveu então, — a confiançaque tive no patriotismo dos brasileiros.”

 Jamais usou do veto constitucional, jamais embaraçou uma reforma, jamaisconsentiu num exílio, ou numa execuçãocapital, quando provocada a sua intervenção,

 jamais alimentou sentimentos de ódio,prevenção, vingança ou perseguição contraquem quer que fosse, jamais conheceuinimigos. Os revolucionários da vésperaocupavam os mais elevados cargos políticosno dia seguinte.

Funcionário perfeito, esposo e pai

exemplar acolhia cada manhã quantos oprocuravam, atencioso e paternal para comtodos. Recebia desse modo, dizia, a suafamília brasileira. Como Péricles, nunca fezcidadão algum tomar luto. Homem de bem naextensão da palavra, muita vez contrariouimportantes interesses, sem que ninguémousasse lhe atribuir equívocas intenções.

Os livros, eis seus maiores amigos.

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Baldo de recursos, no exílio, quase em estadode pobreza, legou ao Instituto Histórico, quefundara, ao Museu e à Biblioteca Nacional amagnífica livraria de 60.000 volumes quecuidadosamente ajuntara, bem como as suascoleções numismáticas e mineralógicas, semestimativa possível.

Não permitiu que lhe acrescentassem àlista civil, quando o Parlamento, atendendo àdepreciação da moeda, aumentou osvencimentos de todos os funcionários.

A mor parte da sua dotação,dispendia-a em obras de caridade. De umafeita, tomou emprestados 60 contos de réispara libertar anonimamente um lote deescravos. Muitos desses infelizes forameducados a expensas suas.

Bem merece o qualificativo deMagnânimo, que lhe conferiu a AcademiaFrancesa, quem apresenta, sem um deslize,predicados quais os que palidamenterecordamos.

Apeado do trono, banido da Pátria,ninguém acusou, não lavrou um protesto,não formulou uma queixa, no meio detamanhas ingratidões e iniquidades. Nodesterro, a sua grandeza e hombridadeatingem grau incomparável. Sempre pronto aservir o Brasil, ofereceu-se, quando se agitoua questão do Oiapoque, a auxiliar com

informações o ministro da repúblicabrasileira em Paris. Propalando-se que osábio Koch havia descoberto em Berlim o

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preventivo contra a tuberculose, adquiriu eleimediatamente boa porção do medicamentopara remetê-lo à Santa Casa do Rio de

 Janeiro. Caindo paupérrimo do trono, ospróprios vencedores da revolução que oderribara prestaram-lhe a homenagem de lhepôr à disposição forte quantia para o seusustento, o que ele nobremente rejeitou. AConstituição republicana de 1891assegurou-lhe uma pensão enquanto elevivesse, da qual também se não serviu.

Uma apoteose a sua morte, ocorrida emmodesto hotel de Paris! Colocaram um poucode terra do Brasil, guardada adrede para essefim por ordem sua, debaixo de sua cabeça, nocaixão. Prestou-lhe honras soberanas aRepública Francesa. De toda parte acorreramrepresentantes de reis e imperadores arender-lhe o preito supremo. A imprensauniversal cobriu-se de luto, sentimentocompartido pela massa popular. O tremfúnebre que transportou o seu cadáver aLisboa, atravessou a Espanha e Portugal,entre unânimes e grandiosas demonstrações

de pesar e veneração.E lá descansa em S. Vicente de Fora,

longe do Brasil que tanto amou, tanto serviu,tanto exalçou.

Mas há de voltar; há de tornar-selegendária a sua memória imortal. Há de

voltar triunfalmente, sim, para jazer ao ladodos seus queridos compatriotas, do mesmomodo que de Santa Helena volveram as

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cinzas de Napoleão, a fim de repousarem nosInválidos, como ele pedira, junto das de seusbravos.

E a história reconhecerá que a glória do

Imperador brasileiro é mais alta e mais puraque a do sanguinário Imperador francês,aniquilado em Waterloo.

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XXXIXA escravidão no Brasil

 

Se é exato que o Brasil se demorou emabolir a escravidão, não menos certo é queem parte alguma a questão foi solvida demodo mais inteligente e honroso.

Não nos deve envergonhar o fato dehavermos mantido a maldita instituição.Quase todos os povos o praticaram. Teólogose doutores da Igreja sustentaram a sualegitimidade. Ao começar este século, admitiaainda a Inglaterra o tráfico dos negros, com oqual enriqueceu e cuja supressão dificilmenteconseguiu. Em França, só em 1848extinguiu-se a escravidão nas colônias. Nos

Estados Unidos, o ilustre Washington eraescravagista. A abolição custou ali tremendaguerra civil, durante cerca de cinco anos, de1860 a 1865. Nunca possuíram os brasileirosum Código Negro, como os ingleses, francesese americanos do norte. Restringiam estesúltimos em certos Estados o direito de

libertar; noutros, de todo a lei o impedia.Depois de liberto, era o ex-escravo obrigado asair do lugar onde vivera, sob pena de ser denovo escravizado. Cometiam os senhoresrevoltantes crueldades que HenriquetaBeecher Stowe descreveu no seu famoso

romance A Cabana do pai Thomas . Proibiamalguns que os homens de cor, mesmo livres,aprendessem a ler e a escrever. Até hoje,

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lutam os americanos do norte com oproblema negro. Os homens de cor formamali classe segregada e opressa, sem asregalias sociais dos demais cidadãos. Não hácasamentos entre pessoas de cor diferente. Apele escura é uma depreciação, um estigma,um motivo de aversão por parte dos brancos.Os pretos veem-se excluídos dos lugarespúblicos. Como já assinalamos, têm atéigrejas e cemitérios à parte.

No Brasil representavam os escravos a

quarta parte da população, eram os únicostrabalhadores agrícolas e residia naagricultura a fonte primordial da riquezapública. Mais árdua do que alhures,tornava-se, pois, a decisão da matéria queenvolvia interesses vitais.

Desde o século XVIII, entretanto, vozesgenerosas protestaram, em nome da moral edo direito, contra o cativeiro. O Brasil não oamou ou defendeu; apenas o tolerava.Condenava-se universalmente entre nós apropriedade servil. Os denominadosescravocratas jamais se opuseram

radicalmente à libertação; queriam só que elase efetuasse em prazo longo, e mediante umaindenização, destinada à reorganização doserviço agrícola. Nunca pegaram em armaspara preservar o triste regime, herdado dosantepassados. Raros os senhores cruéis. Nogeral, tratavam os negros como cristãos, nãolhes recusando os consolos da religião,permitindo que fundassem irmandades só

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deles: S. Benedito e Nossa Senhora doRosário.

Mitigavam a sorte desses infelizes acaridade, a filantropia e belos costumes da

população, quais o apadrinhamento, asalforrias na pia.

Com alforrias se comemorava qualquerfato importante, ou festa de família. Oslibertos adotavam, não raro, o sobrenome dosantigos senhores. Cargos e posições lhesficavam acessíveis, sem separação social.

A emancipação se operouprogressivamente, para que a produçãonacional não sofresse. A profunda reformarealizou-se de modo pacífico. Em 1831, a leiproibiu o tráfico de africanos; em 1871,proclamou livres os filhos de mulher escrava;

em 1885, considerou também livre os cativossexagenários; em 1888, declarou extinta aescravidão no Brasil. Procedeu com sabedoriao legislador, cerceando por todos os lados ainstituição, melhorando a pouco e pouco asituação das vítimas, proibindo oapartamento das famílias, promovendo e

facilitando a iniciativa emancipadora,cogitando da educação dos ingênuos,evitando abalos e atritos nocivos ao bempúblico.

 Todavia, não se chegou sem luta,comoção e perigo, à vitória final. Houve, em

começo, agitação e oposição violenta porparte dos interessados. Arcou com inúmerose sérios obstáculos a brilhante propaganda

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abolicionista em que tantos nomes seilustraram na imprensa, na tribuna, nasassociações libertadoras. Em virtude dessapropaganda, entraram os senhores amanumitir os próprios escravos. Amazonas eCeará se emancipam, no meio desolenizações magníficas. Acelera-se omovimento. Dão-se libertações em massa. Osescravos vão abandonando então asfazendas, enquanto a polícia e o exércitorecusam-se a persegui-los. À força que

porventura lhes embargava o passo, diziam:“atirai sobre nós; não nos defenderemos;desejamos apenas trabalhar, como homenslivres!” Insurgidos, conservam calma e dignaatitude. Grupos numerosos e fortesatravessam silenciosos cidades e vilas, sem omenor abuso, indo procurar os abolicionistas

ou os lavradores que já haviam inaugurado aliberdade em suas terras.

Cerca de dois milhões de cativosemancipam-se em 17 anos, mais de 100 milpor ano. O parlamento discutiu e votou em 5dias o projeto de lei oferecido pelo governo,

declarando extinta a escravidão no Brasil,sendo ouvidos sem desrespeito, apesar daimpaciência geral, os oradores contrários quese manifestaram com máxima isenção.Seguiram-se demonstrações de aplauso eregozijo públicos quais não se tinham vistoainda e nunca mais se viram. A data da

sanção da lei, — 13 de Maio, — foiconsiderada desde logo pelo entusiasmopopular como de festa nacional.

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 Todo o mundo civilizado celebrou omodo como o Brasil superara a terrível crise.Em honra da nossa Pátria, percorreu BuenosAires imponente procissão cívica, dirigidapelos dois preclaros ex-presidentes daRepública — Mitre e Sarmiento. Em Paris, assumidades das letras e da política aclamaramo Brasil. À princesa D. Isabel, que em prol daabolição arriscara o seu trono, signatária dalei, concedeu o Papa Leão XIII a supremadistinção da Rosa de Ouro . Se os poderes

competentes não precipitassem a abolição,ela em breve se completaria pelo consensodos senhores. A lei não extinguiu, masdeclarou extinta a escravidão no Brasil.

Ultimado o triunfo, incorporaram-se osex-escravos à população, em perfeito pé deigualdade. A eles mesmos e a seusdescendentes desvendaram-se os vastoshorizontes abertos a todos os habitantes doBrasil. Muitos permaneceram nas antigasfazendas, continuando a trabalhar, semressentimentos recíprocos, ao lado dos seusex-donos.

Em que ponto do globo, em que páginada história se regista uma revolução social,econômica e política desta magnitude ealcance executada de maneira tão nobre?

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XLResumo das grandezas do Brasil

 

Ficou demonstrado que: — O Brasil constitui um dos mais

vastos países da terra, capaz de conter toda apopulação nela existente;

 — Reúne imensas vantagens a essagrandeza territorial, quais a situação

geográfica, a homogeneidade material emoral, o progresso constante;

 — É belíssimo — encerrandomaravilhas sem êmulas no universo, como oAmazonas, a cachoeira de Paulo Afonso, afloresta virgem, a baía do Rio de Janeiro;

 — Possui riquezas incalculáveis, — 

tudo quanto de precioso se encontra noglobo;

 — Goza de perpétua primavera, sem jamais conhecer temperaturas extremas;

 — Não sofre as calamidades quecostumam afligir a humanidade: — vulcões,

terremotos, ciclones, inundações, abundânciade animais ferozes;

 — Resulta a sua população da fusão detrês dignas e valorosas raças;

 — Bom, pacífico, ordeiro, serviçal,sensível, sem preconceitos, não deturpa o

caráter desse povo nenhum vício que lhe sejapeculiar, ou defeito insusceptível de correção;

 — Nunca sofreu humilhações, nunca

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fez mal, nunca perdeu uma polegada do seusolo, nunca foi vencido, antes tem vencidopoderosas nações;

 — Sempre procedeu honesta e

cavalheirosamente para com os outros povos,livrando, com absoluta abnegação, de odiosastiranias seus vizinhos mais fracos;

 — Cheio de curiosidades naturais,depara elevadas glórias a quem o estudar eamar;

 — Na sua história, relacionada com osmais notáveis acontecimentos da espéciehumana, escasseiam guerras civis e efusõesde sangue, sobejando feitos heróicos,formosas legendas, preclaras figuras,luminosos exemplos;

 — Primeiro país autônomo da América

latina, segundo do Novo Mundo, sempremanifestou espírito de independência,desfrutou liberdades desconhecidas emoutras nações, mostrou-se apto para todas asmelhorias, produziu representantes distintosem qualquer ramo da atividade social,resolveu com calma e sensatez, à luz dodireito, a mor parte das suas questões,acolheu carinhosamente quem quer que oprocurasse, aumentou sem cessar.

Nestas condições, o Brasil é um paísprivilegiado, reunindo elementos que lheconferem primazia sobre todos os mais.

Importa ingratidão para com a Providênciainvejar outras nações, não nutrir a ufania deter nascido brasileiro. Foi belo o quinhão que

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nos coube. Outros povos apenas seavantajam ao nosso naquilo que a idadesecular lhes conquistou. O Brasil poderátornar-se o que eles são. Eles nunca serão oque é o Brasil.

Qual o que em absoluto nos excede?Nenhum, dadas as nossas circunstâncias,faria mais do que fizemos.

Quando nos lançarem em rosto asgrandezas alheias, consideremos as suasmisérias. Tem eles primores d’arte? Nós

possuímos portentos naturais, sem dúvidamelhores. Apresentam cultura mais fina? Láchegaremos, pois para isso nos sobracapacidade. Pompeiam luxos esplêndidos?Oferecemos incomparáveis suavidades deexistência. Vangloriam-se de rutilante

passado? Aguarda-nos deslumbrante porvir.Patenteiam maior força armada? Vivemosmais tranqüilos, mais fraternalmente.

A Inglaterra com a sua formidávelexpansão; a Itália com os seus monumentos;a França com os seus artistas; a Alemanhacom a sua ciência, não nos acabrunham,

mas despertam nobre emulação. Nada dissonos é inacessível. Exibimos títulosequivalentes para merecer o respeito, aestima e a admiração universais.

O brasileiro, em última análise, passadias mais felizes que o alemão, o francês, o

inglês, dias mais tranqüilos, mais risonhos,mais esperançosos.

Há, pois, em ser brasileiro o gozo de

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um beneficio, uma vantagem, umasuperioridade.

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XLIPerigos que ameaçam o Brasil

 

Nenhum problema insolúvel, nenhumperigo inevitável ameaça o desenvolvimentodo Brasil. Não vive ele, como os países deEuropa, sob a pressão de questões irritantese conflitos iminentes com os vizinhos. Apenasduas apreensões assaltam o espírito de quemmedita sobre os seus destinos, se continuar a

ter maus governos e instituiçõesincompatíveis com a sua índole. São essasapreensões: — separação do territórionacional em vários Estados; intervenção nosseus negócios de alguma potênciaestrangeira.

Mas, quanto à primeira, não há por orasintomas alarmantes. A tendência daevolução humana é para as grandesaglomerações. Após lutas e embaraçosingentes, a Inglaterra chamou a si a Escóciae a Irlanda; uniram-se a Espanha, a Itália, aAlemanha. E lá chocavam-se correntes

opostas, tradições hostis, mil elementosheterogêneos. No Brasil, não háantagonismos entre as partes que ocompõem. Cimenta-as, ao contrário, fortesolidariedade. O Brasil é perfeitamentehomogêneo, material e moralmente, pelo lado

social e pelo lado etnico, pois nele se cruzame se fundem todas as raças. Lucraremos, semexceção, em permanecer um vasto conjunto

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intimamente ligado e compacto. Exigem-no,impõem-no poderosos interesses. Aindaquando, por desgraça geral, antipatriótica ecega política determinasse a cisão, ela seriaforçosamente passageira.

Erguer-se-ia incontinenti um valentepartido com a bandeira da junção e, em breveprazo, triunfaria, como triunfou em outrasregiões de vínculos menos sólidos. Aunificação se realizaria em nome de umpassado quatro vezes secular.

Quanto à intervenção estrangeira, nãoestamos livres, — é exato, — de sofrer asconseqüências do desarrazoado movimentode expansão que levou a França aMadagascar, os Estados Unidos às Filipinas,e vai retalhando o Império Chinês. Seria

ingenuidade contarmos com auxílio alheio oucom o prestígio do nosso direito. Vede osacrifício do Transvaal. Não dispomos nempoderíamos dispor de meios materiaiscapazes de rechaçarem as naçõesmilitarizadas e conquistadoras. O recursoconsiste na prudência e elevação do nosso

procedimento. Não forneçamos pretextos eocasiões. Adquiramos a força moral quesustenta a pequena Suíça independente ealtiva no meio de avassaladores vizinhos. Adignidade e a honra inspiram respeitoinstintivo. Prestes se achava Paris a serdevastado pelas hordas de Átila, o flagelo deDeus. E foram contidos os hunos ferozes, nãopelas armas, mas por Santa Genoveva, uma

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simples pastora. Também a eloqüência e amajestade de S. Leão evitaram a Roma oassalto dos bárbaros. Já gozamos de créditoinexcedível. É recuperá-lo.

Poderemos resistir, além disso. Quem já expulsou os franceses do Rio de Janeiro edo Maranhão, quem combateu trinta anos eafinal venceu os holandeses, lutarávantajosamente, se quiser, contra qualquerinvasor. Não perderemos com facilidade umaautonomia de cem anos, opulenta de

recordações liberais, passemos, embora, portremendas crises, semelhantes à daAlemanha, após Iena, à da França, emseguida a Sedan, crises inerentes à condiçãohumana e não sem vantagens, porquantoensinam e virilizam. Tenhamos patriotismo,eis em última análise o preservativo, eis oremédio.

Superior às coações da força — dizRenan, — o que une e constitui as nações é osentimento do passado, a posse em comumde um rico legado de tradições, o desejo deviver juntos e a incessante vontade de manter

e continuar a fazer valer indivisa a herançarecebida.

Depende simplesmente dos brasileirosunir e constituir assim o Brasil.

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XLIIO futuro do Brasil

 

Com os elementos congregados em si,pode o Brasil, como nenhum outro país,caminhar desassombrado, o olhar alto, opasso firme. Desempenhará nos negócioshumanos papel proporcional ao lugar queocupa no Globo. Como José Bonifáciodeclarava em 1789, perante a Academia Real

de Lisboa, está preparado para novo assentode ciências, para foco de nova civilização.

É verdade que a grandeza não deriva dasimples posse de dons valiosos, mas do seusábio aproveitamento. Porque, porém,deixaremos de pôr em ação os nossos

prodigiosos recursos? Quando não oquiséssemos, seríamos forçados a isso pelaordem natural das cousas, à lei infalível dodesenvolvimento das forças e dasnecessidades. Viveremos, cresceremos,prosperaremos. A educação, oaperfeiçoamento, hão de vir. Somos ainda

uma aurora. Chegaremos necessariamente aobrilho e ao calor do meio dia. Ao terminar oséculo XIX, já constituímos a 2a. potência doNovo Mundo, a 1a. da América do Sul, a 1a.em extensão e a 3a. em população da raçalatina. Seremos a 2a. ou a 1a. do orbe,

quando a hegemonia se deslocar da Europapara a América, o que fatalmente sucederá.Encarnaremos então as qualidades,

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guardaremos as tradições, representaremosos serviços dos latinos no trabalho universal.Se tais qualidades, tradições e serviços sãoeminentes (e quem ousará negá-lo?) eminenteserá a nossa missão. Não temos o direito dedesanimar nunca. Assiste-nos o dever deconfiar sempre. Desanimar no Brasil equivalea uma injustiça, a uma ingratidão; é umcrime. Cumpre que a esperança se torneentre nós, não uma virtude, mas estritaobrigação cívica.

Desanimar, porque? quando nada nosfalta que não possamos conseguir?Penosíssima embora a situação atual, éincomparavelmente mais auspiciosa que a daGrécia, a da Itália, a de Portugal, a da Françamesmo.

Quão menos grave que a dos Estadoseuropeus! Neste, a população emigra; naqueledecresce cada dia. Vive condenada em todosa não largar as armas, minada pela miséria,dividida por ódios implacáveis, explorada peloargentarismo, ameaçada pelos anarquistas.Apesar de tudo, lá não desanimam. Havemos

nós de desanimar?!Não! Compenetremo-nos das nossas

responsabilidades, ufanemo-nos do quesomos, mostremo-nos dignos de tamanhasvantagens e benefícios, façamos, em suma, onosso dever.

Confiemos. Há uma lógica imanente: detantas premissas de grandeza só sairágrandiosa conclusão. Confiemos em nós

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próprios, confiemos no porvir, confiemos,sobretudo, em Deus que não nos outorgariadádivas tão preciosas para que asdesperdiçássemos esterilmente. Deus nãonos abandonará. Se aquinhoou o Brasil demodo especialmente magnânimo, é porquelhe reserva alevantados destinos.

 

Vila Petiote.Petrópolis, 8 de Setembro de 1900.

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Nota 

Os principais fatos e observações

componentes deste opúsculo, colheu-os oautor nos livros de Elisée Reclus, Southey,Porto Seguro, Wappœus, João FranciscoLisboa, Barão do Bio Branco, João Ribeiro ede outros que escreveram sobre o Brasil. Nemsempre foram citados nomes e obras, comindicações precisas, por se tratar de ligeirotrabalho de vulgarização.

 _______________ Nota 

(1) Vide — Visconde de Ouro Preto — Marinha de outrora — 1° capitulo.

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