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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais e a precarização do trabalho profissional NATAL/RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA

O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:

Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais

e a precarização do trabalho profissional

NATAL/RN

2019

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FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA

O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:

Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais

e a precarização do trabalho profissional

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao departamento de Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

– UFRN, como requisito parcial à aquisição do

título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª Me. Angely Dias da Cunha

NATAL/RN

2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA

Cunha, Fernanda Tássia França da.

O Serviço social na Defensoria Pública: espaço sócio-ocupacional

marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais e a

precarização do trabalho profissional / Fernanda Tássia França da Cunha.

- 2019.

104f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de

Serviço Social. Natal, RN, 2019.

Orientador: Profa. Me. Angely Dias da Cunha.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Defensoria Pública - Monografia.

3. Sociojurídico - Monografia. 4. Precarização do trabalho - Monografia.

I. Cunha, Angely Dias da. II. Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364:34

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

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FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA

O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:

Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais

e a precarização do trabalho profissional

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao departamento de Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

– UFRN, como requisito parcial à aquisição do

título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª Me. Angely Dias da Cunha.

Aprovado em: 25/06/2019

BANCA EXAMINADORA

Profa. Me. Angely Dias da Cunha (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Larisse de Oliveira Rodrigues

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Profa. Dra. Ilka de Lima Sousa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

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Dedico esse trabalho in memorian ao meu

irmão, Wellington de Medeiros, que sempre

ofertou luz as pessoas a sua volta com a sua

alegria contagiante.

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AGRADECIMENTOS

Entrar em uma Universidade Pública nunca foi uma tarefa fácil para a classe

trabalhadora e, permanecer dentro dela nos tempos hodiernos é um desafio maior ainda. A

trajetória feita por mim até aqui não foi por caminhos lineares, de fácil acesso; trilhei descalça

algumas vezes e confesso que me perdi entre um semestre e outro. A jornada foi cansativa,

árdua, mas a vontade de mastigar tamanho conhecimento disponibilizado por uma Universidade

Pública de qualidade, a qual colocava a minha disposição professores, estrutura, e respaldo

teórico de ponta era bem maior e faziam com que eu tivesse estímulo para continuar.

Privilégios existem, mas é algo utópico e de difícil acesso para a classe trabalhadora,

ainda mais se for uma mulher vinda de uma zona periférica da zona norte da capital. Poucos

acreditaram que eu pudesse ultrapassar os muros construídos por essa sociedade de classes entre

a periferia e uma Universidade Pública que é almejo de tantos.

Através do sistema de cotas para estudantes da rede pública pude ingressar no ensino

superior e no primeiro semestre encontrei na graduação tudo que procurava e pra quem eu

queria trabalhar, minha classe.

Crescer em zona periférica é ver diariamente a criminalização dos pobres e a negatória

de direitos. Desde sempre me sentia incomodada com aquilo, apesar de não ter fomento teórico

para compreender os complexos dos rebatimentos das expressões da questão social na

sociedade. Encontrei no curso de Serviço Social uma válvula de escape para os meus anseios e

inquietações, apesar de ser um curso imerso as contradições do capital, compreendi que através

dele poderia tentar construir uma sociedade mais justa e igualitária para aqueles que necessitam,

assegurando e reafirmando direitos a partir das minhas intervenções.

Sendo assim, materializo e condenso nestas linhas meus agradecimentos a cada ser de

luz que trilhou um grande ou pequeno percurso comigo no período da graduação.

A começar pela minha família, que sempre instigou minha criticidade e ofertou meios

para que eu conseguisse realizar esse sonho, em especial minhas mães, Geruza França, Maria

Dalvany e Maria Nazaré;

A mainha, por toda educação, cuidado e amor. Essa conquista é inteiramente da senhora.

Obrigada por todos os ensinamentos, orações e críticas; a senhora sempre me deixou livre para

que eu pudesse escolher o que me fazia bem, e eu sou grata demais por isso. Me mostrou o

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mundo de um jeito não romantizado, mas cheio de esperança. Minha maior fã e o meu maior

amor. Te amo, minha mãe;

Ao meu padrasto/pai, Demóstenes da Costa, por todo cuidado, carinho e investimento

na minha educação. Sei que Deus tem muitos propósitos nas nossas vidas e o senhor foi um

presente enviado por ele.

A madrinha, por toda contribuição dada na minha educação e por ter sido meu alicerce

de vida. Admiro a senhora demais e sou grata por tudo.

A voinha, por ser um exemplo de superação e de caráter. Obrigada pelo amor e cuidado

de mãe, por todas as orações e compreensão. Te amo, voinha.

As minhas primas/irmãs, Daíse, Denise, Micarla e Micharla que despertaram em mim a

vontade de cursar um ensino superior e sempre me debruçar sobre os estudos, tendo em vista

que o único caminho viável de emancipação.

Ao meu irmão Danilo, que sempre me enviou boas energias e se preocupou com a

construção dessa pesquisa.

Ao meu Deus que sempre me amparou dando sustento e ânimo para continuar o

percurso;

Ao meu amor, Pedro Werlang, que foi lampião em noite sem lua, iluminando e

adoçando a minha vida com o seu jeito leve de ser. Obrigada por todo respaldo emocional,

material e moral;

Aos meus amigos (as), os quais são muitos. Deixo aqui minha gratidão por toda atenção

durante esse percurso tão difícil e pelas partilhas de conhecimento.

Aos professores que me proporcionaram o privilégio de poder absorver tanto

conhecimento, o qual, moldou outra Fernanda, modificando a minha forma de enxergar o

mundo e as pessoas. Ainda estou no processo de reconstrução, a qual é diária, mas devo tudo

isso a vocês. Visualizar o mundo e o próximo sem etnocentrismo, preconceito e distinção é uma

dádiva do conhecimento.

Aos (as) Assistentes Sociais do CREAS SUL/ RN, em especial a Verônica Elisa,

Annamaria da Silva Araújo e Antônia Araújo. Obrigada por toda paciência no estágio

obrigatório e pelo rico conhecimento adquirido acerca do SUAS.

Aos (as) Assistentes Sociais, Psicóloga e Defensores Públicos da DPE/RN, em especial

Hildegard Monyk, Naya Rodrigues, Lizane Brito, Adriana Cristina e Adriana Bleuel, as quais

contribuíram imensamente para meu crescimento.

A minha orientadora, Angely Dias da Cunha, que pegou na minha mão e me guiou até

aqui. Estava perdida, sem motivação e ela me apresentou possibilidades. O semestre foi

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apertado, tínhamos pouco tempo, mesmo assim ela aceitou me ajudar a desenvolver esta

pesquisa. Angely, obrigada pela dedicação e paciência. Obrigada pelos ensinamentos e pelo

tempo ofertado a mim. Gratidão por tudo.

Ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

por todo respaldo acadêmico.

Por fim, aproveito o ensejo para afirmar mais uma vez: ELE NÃO!

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Direito contra direito pode vencer a força dos

que se juntam na busca da real

democratização das relações sociais, para a

ultrapassagem da ordem do capital.

Elisabete Borgianni

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RESUMO

A monografia evidencia o Serviço Social inserido no âmbito da Defensoria Pública do Estado

do Rio Grande do Norte apresentando-o imerso as contradições do complexo do Direito e sua

relação com o Estado burguês enquanto aparato legal de dominação, bem como os impactos da

crise do capital e os seus reflexos na precarização do trabalho dos assistentes sociais a partir da

vivência construída com o estágio não obrigatório na instituição no período de 2017 a 2019.

Fundamentamos o trabalho realizando levantamentos bibliográficos e pesquisas de cunho

documental. No primeiro capítulo elucidamos acerca da gênese do Direito a partir da tese

apresentada pelo autor Lukács em sua obra Para uma ontologia do ser social, em que é

evidenciado o Direito enquanto complexo social. Ademais, abordamos, neste tópico, acerca da

formação do sistema judiciário no Brasil e como se deu o processo de acesso à justiça aos mais

pauperizados, dando ênfase na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu as Defensorias

Públicas. No capítulo seguinte apontamos o processo de inserção profissional dos(as)

assistentes sociais no sociojurídico, especificamente na Defensoria Pública, mostrando-a

enquanto espaço socio-ocupacional de atuação do Serviço Social e sua face contraditória no

quesito direito ao acesso à justiça. Por fim, no último capítulo, apresentamos nossa reflexão

acerca da crise do capital e os seus rebatimentos na atuação profissional, bem como os desafios

e possibilidades tendo por embasamento o Projeto Ético-Político da profissão. Em resposta,

identificamos os elementos que caracterizam as contradições e os desafios que circundam o

fazer profissional dos(as) assistentes sociais no sociojurídico, a começar pela ordem societária

vigente e seus rebatimentos com a reestruturação do capital, a qual engendrou e fomenta a

precarização laboral dos assistentes sociais e suscita novas expressões da questão social.

Palavras-chave: Serviço Social. Defensoria Pública do Estado. Sociojurídico. Precarização do

Trabalho.

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ABSTRACT

The monograph highlights Social Services inserted within the Public Defender's Office in the

State of Rio Grande do Norte showing him immersed in the complex contradictions of the law

and your relationship with the bourgeois State while legal apparatus of domination as well as

the impacts the crisis of capital and your reflexes in precarious work of social workers from the

experience built with the non-mandatory internship in the institution during the period between

2017 to 2019. Our work performing bibliographic and research surveys of documentary nature.

In the first chapter we clarify about the genesis of Right from the thesis presented by the author

Lukács in your work For a ontology of social being, in that it is evidenced the right while social

complex. Furthermore, we discuss in this topic, about the training of the judiciary in Brazil and

how the process of access to justice to the poorest, giving more emphasis on the Federal

Constitution of 1988, which established the public defenders. In the next chapter we point the

vocational integration process of the social workers in the socio-legal, specifically in the Public

Defender's Office, showing the socio-occupational space of Social Service and your face

contradictory in question the right to access to justice. Finally, in the last chapter, we present

our thoughts about the crisis of capital and their rebates on professional experience, as well as

the challenges and possibilities with the basement the Ethical-political Project of the profession.

In response, we've identified the elements that characterize the contradictions and challenges

surrounding the making of the professional social workers in the socio-legal, starting with the

corporate order in force and their rebates with the restructuring of capital, which engineered

and fosters precariousness of labour social workers and raises new expressions of social issues.

Keywords: Social Service. The State public defender's Office. Sociojurídico. Precarious work.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Relatório de atendimentos - setor social cível - janeiro a maio de 2019.............70

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Defensoria Pública nos Estados................................................................48

FIGURA 2 - Símbolos de mobilização social em favor da Defensoria Pública no Brasil.......49

FIGURA 3 - Mapa da Defensoria Pública do RN..........................................................67

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LISTA DE SIGLAS

CEAS Centro de Estudos e Ação Social

LEP Lei de Execução Penais

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

CSDP Conselho Superior da Defensoria Pública

ANADEP Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

DPU Defensoria Pública da União

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CRESS Conselho Regional de Serviço Social

DPE Defensoria Pública do Estado

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

2. A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BURGUÊS E SUA

PARTICULARIDADE NO BRASIL .................................................................................... 19

2.1 A GÊNESE DO DIREITO E O ESTADO BURGUÊS ..................................................... 19

2.2 FORMAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO NO BRASIL E O DIREITO DE ACESSO À

JUSTIÇA .................................................................................................................................. 28

2.3. DEFENSORIA PÚBLICA ................................................................................................ 45

2.3.1 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO ................................................................... 47

3. INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO BRASILEIRO

.................................................................................................................................................. 52

3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: um espaço de contradição ......... 52

3.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA DEFENSORIA

PÚBLICA ................................................................................................................................. 62

3.3. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ENQUANTO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL .............. 66

4. CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E O SEU REFLEXO NA

ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA

DO RN ..................................................................................................................................... 72

4.1. A CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E AS CONTRADIÇÕES QUE

PERPASSAM AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA DEFENSORIA PÚBLICA ............... 72

4.2. OS PRINCÍPIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL (PEP) DO

SERVIÇO SOCIAL .................................................................................................................. 85

4.3 OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO

SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA NA ATUAL CONJUNTURA ........ 91

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 98

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 100

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1. INTRODUÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, precisamente em meados dos anos 2000,

surgem novos espaços de atuação profissional do Assistente Social em instituições que

assumem novas funções no quesito defesa de direitos dos indivíduos, como foi o caso da

Defensoria Pública do Estado. Com a inserção do Serviço Social no âmbito da justiça, verificou-

se que

o debate sobre o lócus do jurídico, ganha, no cenário contemporâneo,

gradativamente, relevo na concretização da dimensão técnico-operativa do

Serviço Social na medida em que desenvolve significativa intervenção no

cotidiano das diversas instituições onde atuam assistentes sociais. Esse

movimento tem demandado sua problematização no cerne da representação

da categoria, sobretudo pela interferência no cotidiano profissional dos

espaços sócio-ocupacionais, mas também pela nítida impositividade do

“jurídico” que cerca as demandas inerentes ao sociojurídico (CFESS/CRESS,

2014, p.10).

Apesar da Constituição assegurar assistência gratuita através das Defensorias Públicas

na década de 1980, no Rio Grande do Norte, a Defensoria Pública do Estado foi instituída

formalmente apenas no ano de 2003. O Serviço Social foi implementado tardiamente, apenas

no ano de 2012 com a criação do Setor Social.

Desse modo, a presente monografia é fruto da pesquisa documental e bibliográfica

acerca da inserção e atuação profissional do (a) assistente social no âmbito da Defensoria

Pública do Estado do Rio Grande do Norte, especificamente, no anexo II, Núcleo de

Acompanhamento Processual Cível.

A partir das análises, verificou-se que cabe à Defensoria Pública ofertar assistência

jurídica, em sentido ampliado, independentemente de processo judicial, ou seja, tem por

finalidade assegurar assistência jurídica integral e gratuita a todo aquele no qual sua situação

econômica não lhe permita pagar os custos de um processo e/ou os honorários de advogado,

fazendo a defesa da população historicamente alijada de seus direitos sociais e marginalizadas,

inclusive pelo Sistema de Justiça.

De acordo com o Artigo 1º da Lei de criação, que instituiu a estrutura administrativa da

Defensoria Pública do Estado do RN, Lei Complementar nº 251, de 07 de julho de 2003, esta

trata-se de uma “instituição permanente, função essencial à justiça, incumbindo-lhe a orientação

jurídica e assistência judicial e extrajudicial integral e gratuita aos necessitados, em qualquer

juízo ou instância”.

O trabalho desenvolvido pelos Assistentes Sociais na Defensoria Pública do Estado do

RN, é frente à garantia e defesa dos direitos dos sujeitos que vivem em situação de

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vulnerabilidade social e que não possuem meios de arcar com os honorários advocatícios,

demanda comum nesta instituição. Entretanto, o vínculo empregatício destes profissionais

apresentou-se fragilizado em decorrência da sua contratação que é feita mediante a

terceirização.

Assim, suscitamos este debate e reflexões sobre a atual conjuntura a qual é versada de

ações conservadores e práticas de resistência no exercício do trabalho do assistente social, o

qual se faz urgente, especialmente por estarmos vivenciando intensa precarização e banalização

da formação profissional e das relações e condições de trabalho no interior do processo político-

econômico neoliberal de desmonte e descarte de direitos dos trabalhadores. Desse modo, as

requisições conservadoras nos espaços de trabalho do sociojurídico têm se consolidado e vem

afetando diretamente a atuação profissional.

Destarte, observa-se, mediante ao cenário atual de constantes rebatimentos da crise do

capital, uma interferência na própria elaboração dos instrumentos privativos do Assistente

Social, algo que determina um desafio à efetivação do Projeto Ético Político do Serviço Social,

como também, ao cumprimento do Código de Ética e as resoluções do CFESS.

Com isso, partimos do pressuposto que a atuação do Serviço Social vinha se dando de

forma pontual e pragmática devido às relações de trabalho e as demandas institucionais.

Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar os fatores determinantes que

impactam na atuação do (a) assistente social na Defensoria Pública de Natal, em um contexto

marcado pela crise contemporânea do capitalismo. Para isso, os objetivos específicos foram

apreender as mediações em torno da crise e seus rebatimentos no fazer profissional do Serviço

Social, identificando as principais demandas que perpassam a atuação profissional no anexo II

e elencando os desafios e possibilidades no sociojurídico.

O almejo para construção desta pesquisa deu-se por meio da minha inserção na

qualidade de estagiária na DPE/RN no período de 2017 a 2019. A vivência no sociojurídico

suscitou indagações a respeito da atuação do Serviço Social no anexo II, o qual teve sua inserção

no âmbito da Defensoria recente, no ano de 2012; espaço esse que até então era apenas para os

operadores do Direito.

Durante o processo de construção nos respaldamos, para nos aproximarmos da temática

e para a análise, a pesquisa qualitativa, que envolveu levantamento bibliográfico e documental.

A análise do objeto se deu através da abordagem do materialismo histórico dialético buscando

apreender o objeto em sua totalidade.

Segundo Minayo (2002), haja vista seu caráter qualitativo, não nos baseamos

prioritariamente no critério numérico para garantir sua representatividade, uma vez que iremos

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lidar com o universo dos significados, não preocupando em quantificar a pesquisa, mas, em

compreender e explicar as dinâmicas das relações sociais.

Portanto, esse tipo de pesquisa se caracteriza por investigar o problema no seu espaço

natural, o pesquisador no elemento principal de investigação. Ademais, esta teve uma

abordagem de cunho exploratório, algo que possibilitou uma aproximação entre o objeto

estudado com o intuito de torná-lo mais explícito para poder descrever as características.

Segundo Gil (2007), esse tipo de pesquisa envolve levantamento bibliográfico e

documental. O procedimento técnico utilizado foi o da pesquisa bibliográfica que se deu através

de materiais publicado como livros, artigos, dissertações, teses e legislação vigente referente ao

tema, como também a vivência no campo de estágio.

Sendo assim, para que essa pesquisa tivesse coerência e consistência teórica, utilizamos

um levantamento através de uma revisão bibliográfica, principalmente sobre os conceitos

fundantes desse estudo destacando os autores que têm por estudo esta temática. Após o

levantamento bibliográfico e seleção dos materiais, foram feitas leituras analíticas dos textos

selecionados, como também dos documentos específicos (leis que regem o fazer profissional,

resoluções da Defensoria e afins), a fim de traçar um percurso de análise de modo a

proporcionar uma base teórica para efetuar o diálogo entre o objeto de estudo e problemática

da pesquisa.

Sendo assim, a presente monografia foi organizada em três capítulos. No primeiro

abordamos a gênese do Direito enquanto complexo social a partir da obra do autor Lukács

apresentado seus impactos na formação das sociedades de classes. Ao mesmo tempo nos

propomos a falar, neste tópico, acerca da ascensão do Estado Burguês enquanto aparato legal

de dominação. Ademais, evidenciamos a trajetória de inserção do sistema judiciário no Brasil

e como se deu o processo de construção do acesso à justiça até a criação da Defensoria Pública

com a Constituição de 1988.

No segundo capítulo, almejamos apresentar elementos pertinentes que auxiliassem no

entendimento do objeto desta pesquisa. Para isso, nos remetemos a conjuntura da inserção do

Serviço Social brasileiro no campo sociojurídico, abordando sua trajetória e sua atuação

profissional nesse campo sócio ocupacional em uma perspectiva de análise crítica. Como

também, este inserido no âmbito da Defensoria Pública do Estado do RN, a qual é versada pela

impositividade do jurídico.

No último capítulo apresentamos uma análise acerca da crise contemporânea do

capitalismo e os seus rebatimentos na atuação profissional, assim como no próprio projeto ético

político, compreendendo que o sociojurídico se revela enquanto espaço de atuação para o

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Serviço Social brasileiro, que após o seu redirecionamento ético e político, se dispõe a analisar

a realidade social em uma perspectiva de totalidade submerso as contradições profundas que o

capital o impõe. Pontuaremos, por fim, os desafios que limitam a materialização dos princípios

éticos-políticos e possibilidades para construir estratégias a fim de efetivar ações com qualidade

profissional e política contra os rebatimentos da crise estrutural do capital e contra a banalização

da vida humana.

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2. A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BURGUÊS E SUA

PARTICULARIDADE NO BRASIL

Neste capítulo almejamos elucidar acerca da gênese do Direito a partir da tese

apresentada pelo autor Lukács em sua obra Para uma ontologia do ser social, em que é

evidenciado por ele o Direito enquanto complexo social e seus impactos na formação das

sociedades de classes. Ademais, aproveitamos o ensejo para falar, neste tópico, acerca da

ascensão do Estado Burguês enquanto aparato legal de dominação.

No segundo item abordaremos a trajetória de inserção do sistema judiciário no Brasil e

como se deu o processo de construção de acesso à justiça.

No último iremos dar ênfase na criação da Defensoria Pública do Estado a partir da

Constituição Federal de 1988 e sua instituição.

2.1 A GÊNESE DO DIREITO E O ESTADO BURGUÊS

Na obra Para uma ontologia do ser social o autor húngaro Lukács, ao analisar uma série

de complexos, salienta acerca dos complexos categoriais decisivos do ser social. No decorrer

da análise, o autor apresenta considerações acerca da gênese do direito, este sendo um complexo

social, na sociedade de classes, apresentando-o enquanto regulador jurídico das atividades

sociais e da dominação de classes. O filósofo localiza o direito na reprodução social e, apresenta

o Estado, na sociedade, enquanto aparato legal para sua institucionalização.

Além disso, apresenta este complexo jurídico imerso nas contradições apresentadas pela

sociedade em que se origina para dar respostas aos conflitos sociais engendrados a partir da

divisão social do trabalho. Esse complexo jurídico se legitima enquanto força política das

classes dominantes, partindo do pressuposto da realização do bem comum e da justiça social.

Destarte, o direito enquanto forma ideológica de dominação, se apresenta na sociedade

enquanto um complexo social.

Luckács (2013, p. 229) no capítulo A reprodução inicia suas reflexões acerca da gênese

e função social do direito e pontua o problema a partir de considerações históricas evidenciando

a necessidade social de regular juridicamente as atividades sociais, algo que eclode num estágio

relativamente baixo da divisão social do trabalho devido a simples cooperação para a caça. Os

deveres executados por cada um dos homens singulares envolvidos deveriam ser

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regulamentados da forma mais exata possível, com embasamento no processo concreto de

trabalho e na divisão do trabalho dele resultante (batedores e caçadores na caça), sendo assim,

a regulação consiste em influenciar os participantes de tal maneira que eles,

por sua vez, executam aqueles pores teleológicos que lhes foram atribuídos no

plano geral da cooperação. Como, porém, o que igualmente já sabemos , esses

pores teleológicos necessariamente constituem decisão alternativa, eles

podem, no caso dado, sair bem ou mal, não dar em nada ou resultar até mesmo

no contrário. Por mais que, naquelas condições primitivas, as pessoas

singulares, em situações vitais, tomavam espontaneamente decisões em média

mais parecidas do que posteriormente, por mais que, na igualdade de

interesses que naquele tempo ainda predominava, tenha havido menos razões

objetivas para resoluções contrárias, sem dúvida houve casos de fracasso

individual, contra os quais a comunidade precisou se proteger. Assim, teve que

surgir uma espécie de sistema judicial para a ordem socialmente necessária,

por exemplo, no caso de tais cooperações, muito mais no caso de contendas

armadas; porém, ainda era totalmente supérfluo implementar uma divisão

social do trabalho de tipo próprio para esse fim; os caciques, os caçadores

experientes, guerreiros etc., os anciãos podiam cumprir, entre outras, também

essa função, cujo conteúdo e cuja forma já estavam traçados em conformidade

com a tradição, a partir de experiências reunidas durante longo tempo

(LUKÁCS, 2013, p. 230. Grifos nossos).

A divisão de classes se instaurou a partir da escravidão, e com ela a necessidade de

regulamentação social. Com o intuito de atender as necessidades, foi surgindo gradativamente

o sistema judicial, haja vista que o “meramente transmitido em conformidade com a tradição”

(LUKÁCS, 2013, p. 230) não conseguia responder às necessidades engendradas após a

sociedade de classes.

Desse modo, essas necessidades adquiriram com o tempo, na crescente divisão social

do trabalho, uma figura própria na forma particular de juristas, cuja especialidade era a

“regulação desse complexo de problemas” e concomitantemente ao surgimento da esfera

judicial na vida social, surge um grupo de indivíduos incumbidos socialmente de “impor pela

força as metas desse complexo” (LUKÁCS, 2013, p. 230).

Entretanto, de acordo com o autor, apenas os antagonismos elementares poderiam ser

resolvidos com o uso direto da força; todavia, com a crescente socialização do ser social, vai se

desfazendo essa supremacia da mera força, sem que ela chegue a desaparecer, nas sociedades

de classes. Lukács (2013) esclarece que “reduzir a regulação da ação social ao puro uso da força

bruta forçosamente levaria a uma desagregação da sociedade” e por esse motivo “deve estar em

primeiro plano aquela unidade complexa de força indisfarçada e latentemente velada, revestida

da forma da lei, que adquire seu feitio na esfera jurídica”.

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O autor húngaro salienta que por ter sua gênese a partir da existência da sociedade de

classes, o direito é, por sua essência, um direito de classes. Sendo assim, um sistema que atua

satisfazendo os interesses e ao poder da classe dominante que confirma e fortalece as relações

sociais, em que estabelece regras e impõe o cumprimento das suas prescrições. O direito na

sociedade de classes desenvolve normas que são universais e uniformes para sujeitos desiguais,

algo que perpetua as diferenças sociais e sua intrínseca contradição. Cabe ao Direito, de acordo

com Luckács:

Manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não só

um sistema unitário, mas um sistema capaz de regular na prática o acontecer

social contraditório, tendendo para a sua otimização, capaz de mover-se

elasticamente entre polos antinômicos – por exemplo, entre a pura força e a

persuasão que chega às raias da moralidade –, visando a implementar, no curso

das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que

se modifica de modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais

favoráveis para essa sociedade, que exerçam as influências mais favoráveis

sobre a práxis social (LUKÁCS, 2013, p. 247).

Tal feito de acordo com Lukács (2013), demanda uma técnica de manipulação bem

própria e para isso se faz necessário à sociedade renovar constantemente a produção de

especialistas, quais sejam, advogados, juízes etc. Ademais, evidencia que a relação entre classes

de dada sociedade deve ser compreendida de maneira dialética, como movimento que implica

a existência de variadas classes com interesses diferentes e diversificados.

Em primeiro lugar, muitas sociedades de classes estão diferenciadas em várias

classes com interesses divergentes, e não ocorre com muita frequência que a

classe dominante consiga impor em forma de lei seus interesses particulares

de modo totalmente ilimitado. Para poder dominar condições otimizadas, ela

precisa levar em conta as respectivas circunstâncias externas e internas e, na

instituição da lei, firmar os mais diferentes tipos de compromisso. Está claro

que sua extensão e magnitude exercem influência considerável sobre o

comportamento das classes que deles participam, positiva ou negativamente.

Em segundo lugar, o interesse de classe nas classes singulares é , na

perspectiva histórica, relativamente unitário, mas em suas realizações

imediatas ele muita vezes apresenta possibilidades divergentes e, mais ainda,

avaliações divergentes por parte das pessoas singulares envolvidas, razão pela

qual, em muitos casos, a reação à legislação e à jurisdição não tem de ser

unitária nem dentro da mesma classe. Isso se refere, em terceiro lugar, não só

as medidas que uma classe dominantes adota contra os oprimidos mas também

à própria classe dominante (LUKÁCS, p. 233).

Desse modo, Lukács (2013) discorre que o direito funciona como uma espécie de

mediação entre o domínio direto e os conflitos entre as diversas classes sociais com seus

interesses divergentes e que é peculiar ao direito se mostrar dissociado dos conflitos sociais,

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entretanto essa particularidade lhe é inerente em decorrência do seu caráter contraditório. Mais

um vez o autor húngaro realça acerca da temática quando salienta que

É possível perceber já nessa mesma forma, justamente quando a examinamos

de modo puramente formal, uma autêntica contraditoriedade: por um lado,

essa forma é rigorosamente geral, já que sob a mesma categoria sempre

subsumidos de uma só vez e uniformemente todos os casos que podem ser

associados a dado imperativo social. O fato de, em muitos casos, ser preciso

adicionar corretivos diferenciadores não muda nada na essência dessa

estrutura, porque as subdivisões, as coordenações, os aditivos definidores etc.

possuem igualmente a mesma constituição - que subsume tudo sob um item

geral. Por outro outro lado, surge concomitantemente com essa tendência para

a validade universal uma notável- e igualmente contraditória - indiferença

diante da razão pela qual os homens singulares, cujos pores teleológicos uma

prescrição jurídica desde sempre é chamada a influenciar, obedecem ao

imperativo aqui estatuído (problema da legalidade) (LUKÁCS, 2013, p.234).

Diante disso, Castro (2016) argumenta que, o direito tem o objetivo de atingir um

número elevado de pores teleológicos, e isso faz com que os indivíduos assumam determinadas

decisões, ideias e comportamentos dentro do campo da sociabilidade, colocando sobre o mesmo

conjunto de normas as singularidades individuais. E concomitantemente a essa busca de

abranger a totalidade, há um desinteresse dos motivos pelos quais os indivíduos assumem tal

posicionamento teleológico.

Voltando ao tema da historicidade das formas jurídicas, Luckács (2013) relata que na

Idade Média o poder estatal era descentralizado e por esse motivo os indivíduos podiam portar

não só de armas, mas de homens armados, destarte, a imposição de um decreto emanado do

direito estatal por diversas vezes se tornava uma questão de combate aberto entre o poder central

e a resistência contra ele. Entretanto “com a crescente socialização da sociedade o conteúdo do

Direito passa a ser avaliar em casos tais resistências são jurídicas válidas” (LUKÁCS, 2013, p.

235, apud CASTRO, 2016, p. 20).

Logo, ao discorrer acerca da passagem conflituosa da formação feudal para a construção

das bases da sociabilidade capitalista, o autor evidencia que o capitalismo buscou:

implementar uma regulação jurídica universal de todas as atividades

sociais, como também simultaneamente transformou em questão

principal da vida social a superioridade e, desse modo, a autoridade da

regulação central perante todas as demais” (LUKÁCS, 2013, p. 235).

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Seguindo esse viés, Castro (2016) salienta que o Direito e sua relação complexa com o

Estado se apresenta para a sociedade como uma esfera que tem a finalidade de dominar os

campos da vida social, ainda que de maneira velada, através de uma regulação totalizadora.

Após essa necessária digressão, é conveniente para nossos propósitos ressaltar que o

Estado, tal qual se apresenta na contemporaneidade, de acordo com Mascaro (2013) não foi

uma forma de organização política vista em sociedade anteriores da história como abordado

outrora.

O autor salienta que sua manifestação é estritamente moderna, capitalista.

Em modos de produção anteriores ao capitalismo, não há uma separação

estrutural entre aqueles que dominam economicamente e aqueles que

dominam politicamente: de modo geral, são as mesmas classes, grupos e

indivíduos - os senhores de escravos ou senhores feudais - que controlam tanto

os setores econômicos quanto os políticos de suas sociedades. Se alguém

chamar por Estado o domínio antigo, estará tratando do mando político direto

das classes econômicas exploradoras. No capitalismo, no entanto, abre-se a

separação entre o domínio econômico e o domínio político. O burguês não é

necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, a princípio, como

distintas. Na condensação do domínio econômico e político em uma figura

distinta da do burguês, no capitalismo, identifica-se especificamente os

contornos do fenômeno estatal (MASCARO, 2013, p. 17).

O autor elucida que diferentemente de outras formas de domínio político, o Estado é um

fenômeno especificamente capitalista. Ele se revela enquanto um aparato necessário à

reprodução capitalista, uma vez que assegura a troca das mercadorias e até mesmo a exploração

da força de trabalho sob a forma assalariada. Ademais, respalda-se nas instituições jurídicas

que se consolidam através do seu aparato estatal “o sujeito de direito e a garantia do contrato e

da autonomia da vontade, possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios

exploradores e explorados” (MASCARO, 2013, p. 18).

O advento dos Estados ocorreu com o final da Idade Média e o início da Idade Moderna,

em que contingentes populacionais inteiros, antes espalhados em cidades ou feudos, passam a

dividir o mesmo espaço político estatal capitalista. Nessa transição, muitos espaços se

unificaram ou se reafirmaram como Estados.

Mascaro (2013) salienta que algumas figuras de poder político anteriores a criação do

Estado, em que inclusive podem levar seu nome, foram embriões do que é o Estado

contemporâneo, contudo,

O Estado moderno não pode ser confundido com outras formas de poder da

história nem ser considerado como a única estrutura de dominação política

possível às sociedades. A junção necessária e exclusiva da forma política

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estatal ao capitalismo não implica que somente este modo de produção tenha

erigido um corpo de administração política. Se o capitalismo tem uma

especificidade na forma política, os modos de produção anteriores,

inespecificamente, também possuíam instituições políticas. Dos velhos

aparelhos políticos à moderna forma de Estado, o processo é de ruptura,

criação e reconfiguração de instituições políticas que se sucedem. É permeada

por esse fluxo que se estabelece a forma política estatal, ímpar comparada às

demais manifestações políticas que lhe antecederam por conta não de suas

instituições, mas do tipo de relação de produção social. (MASCARO, 2013,

p. 54).

O autor destaca que em modos de produção anteriores ao capitalismo, não havia uma

separação estrutural entre aqueles indivíduos que dominavam economicamente e aqueles que

dominavam politicamente, sendo a mesma classe (os senhores de escravos ou feudais) que

controlavam os setores econômicos e políticos daquela sociedade.

Destarte, no capitalismo há o surgimento da separação entre o domínio econômico e

político. Com a circulação mercantil e à posterior estruturação de toda a sociedade acima do

parâmetro de troca, de acordo com Mascaro (2013), aparece o Estado enquanto terceiro em

relação à dinâmica entre capital e trabalho. Este, não surge como um complemento, mas como

peça necessária da reprodução capitalista. Sem o respaldo estatal, o domínio do capital sobre o

trabalho assalariado seria direto, se constituindo enquanto escravidão ou servidão. Dessa

maneira,

A reprodução da exploração da exploração assalariada e mercantil fortalece

necessariamente uma instituição política apartada dos indivíduos. Daí a

dificuldade em se aperceber, à primeira vista, a conexão entre capitalismo e

Estado, na medida em que, sendo um aparato terceiro em relação à exploração,

o Estado não é nenhum burguês específico nem está em sua função imediata.

A sua separação em face de todas as classes e indivíduos constitui a chave da

possibilidade da própria reprodução do capital: o aparato estatal é a garantia

da mercadoria, da propriedade privada e dos vínculos jurídicos de exploração

que jungem o capital e o trabalho (MASCARO, p. 18).

Desse modo, o Estado não surge apenas enquanto um aparato de repressão, mas sim de

constituição social. Mascaro (2013) enfatiza que o caráter terceiro que o Estado apresenta não

é para ser compreendido enquanto um aparato neutro à disposição da burguesia, “para que nele,

ela exerça o poder” (idem, p.19). Salienta que é preciso compreender na dinâmica das próprias

relações capitalistas o motivo de ser estrutural do Estado.

A reprodução do sistema capitalista se estrutura a partir de formas sociais que são

necessárias para constituir o núcleo de sua própria sociabilidade. As sociedades que

encontramos presente no modelo econômico vigente, com divergências entre capital e trabalho,

circundam em volta formas sociais como valor, mercadoria e subjetividade jurídica.

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É imprescindível evidenciarmos duas formas sociais; a forma política capitalista,

estatal, a qual é o espelho da forma mercantil, quando se constitui se materializa em organismos

estatais e em instituições sociais, tornando-se em aparatos próprios, “por exemplo, ao dizer que

o Estado concentra monopólio da violência, depreende-se, então, a existência de órgãos de

forças armadas” (MASCARO, 2013, p.30) e, a forma jurídica, que constitui os sujeitos de

direito, que de acordo com autor, esta afastou as velhas relações sociais que uniam os indivíduos

através do arbítrio, pelo uso da força ou acaso.

Mascaro (2013) aponta que existe um nexo entre estas duas formas, mas não porque são

equivalentes, e sim porque “remanescem da mesma fonte.” As duas são oriundas do mesmo

processo de derivação, a partir das formas mercantis capitalistas, não podendo agir

separadamente, atuando em sua especificidade e ao mesmo tempo.

O núcleo da forma jurídica reside no complexo que envolve o sujeito de

direito, com seus correlatos do direito subjetivo, do dever e da obrigação -

atrelados, necessariamente, à vontade autônoma e à igualdade formal no

contrato como seus corolários. Por sua vez, o núcleo da forma política

capitalista reside num poder separado dos agentes econômicos diretos, que se

faz presente por meio da reprodução social a partir de um aparato específico,

o Estado, que é o elemento necessário de constituição e garantia da própria

dinâmica da mercadoria e da relação entre capital e trabalho (idem, p. 39).

De acordo com a linha de pensamento do juspositivismo1, compreende-se o Estado e o

direito como ângulos divergentes de um mesmo fenômeno, sendo o contorno jurídico

constituído pelo político. Mascaro (2013) apresenta o Estado a partir desta perspectiva enquanto

instituidor do direito a partir da sua soberania, o qual se respalda num instrumento, a norma

jurídica. Desse modo, “se o direito, para a ciência juspositivista, se reduz à norma jurídica,

então o direito é o Estado” (idem, p.39). Ademais, o mesmo é afirmado no que condiz a via

reversa, uma vez que o Estado enquanto fenômeno de poder diferencia-se dos demais poderes

da sociedade porque se respalda em competências advindas das normas jurídicas. Mascaro

1 De acordo com Vanin (2015) Juspositivismo, positivismo ou positivismo jurídico é uma corrente de filósofos

que utilizam do método empírico (científico) para adequar o direito apenas em seu direito positivo (leis), ou seja,

apenas será trabalhado as questões positivadas. Essas normas positivadas são feitas pelo poder político do Estado,

e assim são aplicadas pelas autoridades efetivamente competentes. O direito positivo é aquele que o Estado impõe

à coletividade, e que deve estar adaptado aos princípios fundamentais do direito natural. Portanto, a norma tem

natureza formal, independem de critérios externos ao direito, como exemplo: moral, ética e política. Definido por

elementos empíricos e mutáveis (fator social), onde a sociedade está em constante mutação. Ao contrário do que

defende a corrente jusnaturalista (jusnaturalismo), a Corrente Juspositivista (juspositivismo) acredita que só pode

existir o direito e consequentemente a justiça através de normas positivadas, ou seja, normas emanadas pelo Estado

com poder coercivo, podemos dizer que são todas as normas escritas, criadas pelos homens por intermédio do

Estado (VANIN, 2015).

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(2013) aborda que as ações do Estado são sempre atos jurídicos, sendo do direito administrativo

ou das outras ramificações do próprio direito.

Como evidenciado outrora, o núcleo da forma jurídica, o sujeito de direito, não tem sua

gênese a partir do Estado. Seu advento está interligado com as relações de produção capitalistas.

Mascaro (2013) esclarece que, tendo em vista que o Estado e o direito surgem, historicamente,

como “derivas necessárias e específicas do mesmo fenômeno do circuito pleno da forma

mercantil, serão as revoluções liberais burguesas que constituirão o Estado e o direito como

formas acopladas tecnicamente uma à outra” (idem, p.41).

Nos tempos hodiernos o direito e a democracia se apresentam mais que valores liberais

e se configuram como um espaço privilegiado do político. De acordo com Gomes (2013) os

séculos XVII e XIX são marcados pelo crescente almejo da burguesia de modificar o sistema

vigente da época dando espaço para o direito à liberdade, a autonomia e a emancipação do

indivíduo.

Com as revoluções inglesas, em defesa da liberdade e dos direitos naturais, o século

XVII engendra o antagonismo entre o Absolutismo e o Parlamento, conduzido pela burguesia

ascendente: o liberalismo. Desde então, “a lei passou a ser, em toda Europa ocidental, definidora

dos parâmetros de razoabilidade dos limites do exercício do poder” (ibidem, p. 7).

Como anota Teixeira (1995, p.17, apud GOMES, 2013, p. 8) “a modernidade nasce

como um verdadeiro divisor de águas entre épocas distintas na evolução da humanidade” a qual

criou uma maneira específica de sociabilidade fazendo emergir princípios de determinação

social, a autonomia e a autodeterminação do indivíduo.

No tocante a autonomia encontrava-se no seio desse projeto, o desejo de

libertar o homem do despotismo pré-sol do tirano governante. De torná-lo

indivíduo autônomo no espaço público. Nisto consistiu o ideal da autonomia

política, advogado pelos grandes pensadores da filosofia política moderna.

Neste sentido, a tradição moderna proporciona uma estrutura conceitual, em

que a autonomia, entendida como autogoverno, prevaleceu à ascensão da

visão liberal das relações do indivíduo com a sociedade, promovendo a

suposição útil de que, no meio social, cada indivíduo pode corretamente

reivindicar, conduzir suas próprias ações sem interferência do soberano, do

Estado, da igreja ou daqueles que se arroga, ser melhores ou mais sábios.

(GOMES, 2013, p. 8)

Logo, Gomes (2013) salienta que essa autonomia e individualismo passaram a ser

aceitas e os indivíduos passam a ser titular de direitos e não apenas obrigações. Portanto, o

liberalismo se traduziu numa “expressão cabal do triunfo das liberdades individuais e dos

direitos naturais, fato que gerou certa consciência de respeito às leis” (idem, p. 9).

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Com o advento desta nova forma de sociabilidade tem-se a necessidade de engendrar

uma instância política a fim de preservar a particularidade das ações individuais sem colocar

em risco a viabilidade da vida em sociedade. Hobbes (1998, p. 104, Apud GOMES, 2013, p. 9)

aborda tal concepção a partir do capítulo XIII do Leviatã, em que evidencia que:

[...] as consequências negativas manifestas da situação duradoura de uma luta

entre os homens, deve mostrar que só a submissão, regulada por contrato, de

todos os sujeitos a um poder soberano, pode ser o resultado de uma

ponderação de interesse (idem, p. 9).

Gomes (2013) ressalta que é essencial recordar que o homem, na época evidenciada

por Hobbes, estava inserido em um contexto de uma sociedade mercantil em que ele era o

produtor de mercadorias e só conseguia ver o outro como meio para realizar seus fins. Partindo

dessa premissa, Hobbes, de acordo com Gomes (2013, p.10), apresenta uma hipótese lógica

para tornar a vida em sociedade possível, que seria a “dedução do pacto, como sendo um acordo

plausível e legítimo, que tornaria possível uma vida sociável”.

O filósofo italiano Bobbio (2000, apud GOMES, 2013, p. 26) esclarece em um dos seus

estudos jurídicos que a emergência da doutrina dos direitos (do homem, do cidadão, dos direitos

humanos) é um produto originado da história moderna, engendrada com as revoluções liberais

do século XVIII. Ademais, afirma que o conceito dos direitos dos homens como essência do

jusnaturalismo adquire na hodiernidade uma concretude a partir da Carta de direitos anunciada

pela Organização das Nações Unidas em 1948.

É importante pontuar que outrora outros documentos com a finalidade de assegurar

direitos já haviam sido redigidos, como a Declaração de Direitos Inglesa, elaborada em 1689,

após as guerras civis inglesas; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, redigida

em 1789, após a Revolução Francesa. Com isso, o sistema jurídico desenvolvido no liberalismo

era visto como um sistema fechado em decorrência a sua aplicação, uma vez que só os juízes

poderiam interpretá-lo, sendo conhecido na época por positivismo ou normativismo.

Sendo assim, de acordo com Gomes (2013), a luta engendrada pelo liberalismo em

busca dos direitos à liberdade, apesar de estar interligada a um contexto histórico peculiarmente

específico, onde havia presente uma disputa por hegemonia entre a burguesia e a nobreza, foi

isso que impulsionaram diversas lutas as quais contribuíram para dinamizar o sistema de

direitos.

Após essa discussão, julga-se necessário compreender como ocorreu a formação do

sistema judiciário no Brasil e sua relevância para o alcance do objeto proposto inicialmente

nesta pesquisa. É evidente que direito nasce imbuído na sociedade de classes com a finalidade

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de regular juridicamente as atividades sociais, se apresentando enquanto uma estrutura

complexa de manutenção do status quo.

Desse modo, se faz necessário evidenciarmos como se deu o trajeto de consolidação do

direito de acesso à justiça através da formação do sistema judiciário no Brasil, o qual foi/é

perpassado por manipulação, fetichismo e contradições. Haja vista que, “apesar da sua

aparência unitária e coesa, os preceitos jurídicos e as leis surgem de compromissos entre classes

e fragmentos de classes, visando amenizar os conflitos oriundos da sociedade de classes e não

solucioná-los” (CASTRO, 2016, p. 26).

Assim, será possível compreender melhor a inserção do (a) Assistente Social no lócus

jurídico, bem como o seu papel em um Estado burguês que serve a interesses do capital e aos

operadores do Direito.

2.2 FORMAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO NO BRASIL E O DIREITO DE ACESSO À

JUSTIÇA

Como abordamos anteriormente, o Direito surge nas sociedades de classes enquanto

regulador jurídico das atividades sociais. Entretanto, antes de darmos início a elucidação acerca

da formação do sistema judiciário no Brasil, é imprescindível enfatizarmos que o Direito e o

jurídico não são sinônimos. De acordo com o CFESS/CRESS (2014), o Direito que se torna

uma lei a ser seguida, é o Direito positivado. Contudo o Direito em si é bem mais amplo do que

as leis, uma vez que, este é o produto das necessidades humanas que se constituem nas relações

sociais; relações dialéticas e contraditórias.

Nessa perspectiva, o Direito que surge para incorporar o jurídico, é constituído através

dos “operadores do direito [que] concorrem pelo monopólio do direito de dizer o direito”

(SHIRAISHI apud CFESS, 2014, p. 11). O jurídico em si, se restringe a analisar apenas os

autos, algo que não aguça sua radicalidade analítica, fazendo com que este se limite “ apenas à

defesa da estrutura do capital e de suas leis de proteção à propriedade privada e ao

permanentemente desenvolvimento da taxa de acumulação” (idem, p.11).

Koshiba (1987) aponta que o Brasil enquanto colônia de exploração exigia a adoção de

várias modalidades de trabalho compulsório, até sua forma limite, o escravismo, a fim de

promover acumulação de capital para a metrópole atendendo os interesses da burguesia

mercantil; a sociedade colonial estava baseada na escravidão. Ao contrário do servo encontrado

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na sociedade feudal, o escravo nesse modelo de produção era propriedade do senhor de

engenho.

A gênese do sistema judiciário brasileiro teve sua construção em cima desse modelo

escravista, tendo influência direta da administração da Justiça em Portugal. Apresentou seus

primórdios no contexto colonial, tendo a partir do império Português, no período compreendido

entre 1500 e 1822, seus moldes para estruturar o que é hoje o sistema judiciário. Contudo, a

evolução do direito de acesso à justiça como será evidenciada, principalmente para os mais

pauperizados, foi um processo bastante lento, tendo reflexos em nossa contemporaneidade.

Spengler (2013) evidencia que dos primórdios do descobrimento até meados do século

XVIII nada de relevante acontecia no cenário Brasileiro quando o assunto era o direito ao acesso

à justiça. Enquanto os países europeus estavam consolidando o direito de acesso à justiça, o

Brasil não apresentava nenhum progresso. De acordo com Schwartz (2011), compreendia-se

naquele tempo que a administração da justiça era o tributo mais importante do governo,

“possivelmente como projeção da responsabilidade imanente à autoridade real quanto à

distribuição da justiça”.

É inegável que a autoridade das monarquias sobre os territórios naquela época tinha, na

aplicação da lei, por meio de seus representantes, um valioso instrumento de coesão. Vale

ressaltar que entre o final do século XVII e início do século XVIII ocorreu o processo de

mineração, período de alto fluxo de deslocamento de contingente humano para as regiões das

minas, e com essa grande migração demográfica brasileira, o fomento do escravismo. As minas

atraíram ainda mais imigrantes portugueses e com ele o volume do tráfico de africanos; mão de

obra escrava que era destinada ao trabalho nas minas de ouro.

Koshiba (1987) frisa que escravo não era apenas sinônimo de negro africano, sendo

também estendido aos indígenas, que foi de antemão a mão de obra escrava usada pela

colonização portuguesa, haja vista que era mais rentável. A transição do trabalho indígena para

o africano se deu em detrimento ao tráfico negreiro, o qual tornou-se elemento de acumulação

de capitais para a metrópole. Os lucros que eram advindos do comércio com os índios não

chegavam à metrópole por ser pouco, já o tráfico negreiro proporcionou lucros exacerbados e

beneficiava a Coroa.

Contudo, o autor elucida que o trabalho negro não recebia proteção de ninguém. O índio

diferentemente do negro, estava sob uma legislação específica (o estatuto dos índios), que

visava à obra colonizadora, tendo as ordens religiosas ao seu lado. De acordo com Koshiba

(1987) seguindo o direito romano, a lei portuguesa considerava o escravo negro como coisa do

senhor, tornando-o instrumento vivo de trabalho.

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Partindo desse pressuposto, é imprescindível fazermos um resgate histórico a fim de

elucidarmos como se deu esse processo de formação do sistema judiciário burguês no Brasil a

fim de nos aprofundarmos na discussão.

De acordo com Chaves (2017) em meados do século XVI, no sistema das capitanias, a

carta de doação e o foral da capitania garantiam apenas aos donatários uma gama de direitos e

deveres. Além disso, ofertavam-lhes também, jurisdição civil e criminal, além de autonomia

para organizar a administração local e cobrar tributos. Em momentos que os donatários não

exerciam as funções diretamente, era-lhes permitido nomear um ouvidor; um magistrado

superior, e outros funcionários. Na medida em que contingente populacional crescia, um

segundo ouvidor poderia ser nomeado.

Ao donatário era estendida a garantia à isenção de visitas de qualquer magistrado da

Coroa, mesmo que ele fosse acusado de algum crime, haja vista que a metrópole esperava que

as leis portuguesas fossem aplicadas e obedecidas. Sendo assim, o sistema político

administrativo português instituiu as cartas de doação e os forais como os primeiros vínculos

jurídicos entre a metrópole e a colônia, pois só eles poderiam definir os direitos e os deveres

dos donatários. Nota-se que garantias de direitos eram apenas estendidas aos donatários,

havendo a exclusão da população não europeia, em suma, os escravos.

Desse modo “esse contexto oferecia ao donatário exercício pleno e irrestrito de seus

poderes sobre as vastas terras que recebeu para conduzir a povoação” (IBIDEM, 286). Em

decorrência aos ataques indígenas constantes, e ao próprio desinteresse de alguns donatários o

sistema de capitanias hereditárias tem o seu fracasso, comprometendo a primeira tentativa de

colonização.

Chaves (2017) evidencia que no corrente ano de 1549 instalou-se no país o Governo-

Geral, a fim de substituir e complementar o sistema de Capitanias Hereditárias, sendo nomeado

um governador residente no território brasileiro e representante direto do rei. A ele, além das

atribuições militares e administrativas, era-lhes assegurada ampla competência jurisdicional

cível e criminal.

No entanto, como enfatiza Schwartz (2011):

o acesso à jurisdição era basicamente restrito aos europeus que viviam na

colônia. Para os índios não havia qualquer estatuto de direitos ou mesmo

acesso a qualquer serviço do governo, inclusive à justiça (idem).

Nesse lastro, de acordo com Chaves (2017), é possível observar a eclosão de um

fenômeno na trajetória da organização política do Brasil, em especial a jurídica.

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uma tensão entre modelos descentralização e a decentralização do exercício

do poder. Em substituição ao modelo de colonização de poder descentralizado,

de que se constituía o regime de capitanias, introduziu-se um elemento de

governo central na colônia (p. 287).

Desse modo o autor destaca que após a implementação a primeira medida imposta

quanto à organização judiciária foi a designação de um ouvidor- geral

posto exercido por um funcionário designado pela metrópole, que exercia a

jurisdição superior de forma delegada pelo governador-geral. Não houve a

instituição imediata de uma nova estrutura judiciária. O ouvidor-geral se

colocava como autoridade acima dos ouvidores locais, os quais, como se viu,

eram designados pelos donatários. Era um modelo, portanto, que não

assegurava, na prática, a administração da justiça de acordo com os interesses

do governo central, consideradas as dimensões do território da colônia, já que

conservava o poder local, com a administração da justiça a cargo dos

prepostos nomeados pelos donatários, tornando o sistema “confuso e às vezes

inoperante de controle exercido pelo rei e pelo donatário” (SHWARTZ, 2011).

Visualiza-se com a criação do governo-geral e consequentemente com a construção

gradativa do sistema jurídico um desequilíbrio na balança do acesso à justiça. Há indagações

acerca para quem e qual classe esse sistema jurídico servia e assegurava direitos. Ao decorrer

da leitura reafirma-se a soberania e autoridade da Coroa Portuguesa em detrimento a população

colonizada e escravizada, uma vez que estes não entravam no grupo dos privilegiados pelo

governo Português.

Não obstante, dando prosseguimento ao processo histórico de construção do sistema

judiciário, em 1557 com a nomeação de Mem de Sá para o posto de governador-geral, com

formação jurídica na Universidade de Coimbra, é que a preocupação com a obediência à lei da

Coroa, através da administração judiciária, será evidenciada.

O governo de Mem de Sá é considerado como um avanço na administração

da justiça, que recebeu grande impulso e desenvolvimento, seja por sua

formação intelectual, seja por sua capacidade administrativa e como

articulador político. Sua aliança com a ordem dos jesuítas foi considerada

importante na proteção da população indígena às incursões dos colonos e na

preservação da lei e da ordem. Esse esforço de centralização, com maior êxito

a partir da gestão de Mem de Sá, trilhava o caminho do maior controle da

colônia pela metrópole, propósito baseado na burocracia – em especial a

judiciária –, e não apenas na forma militar (CHAVES, 2017, p. 288).

Com a eclosão da crise dinástica em 1580, após um curto período de disputas, as Cortes

de Tomar formalizam o domínio espanhol sobre Portugal e suas colônias. Tendo em vista seu

ordenamento liberal, foi mantida a administração dos costumes e das leis, “criando-se o

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Conselho de Portugal para aconselhamento do rei e designando-se um vice-rei para governar

Lisboa em nome da Coroa espanhola, o que se sucedeu por sessenta anos” (CHAVES, 2017, p.

289).

O domínio espanhol se debruça sobre a questão judiciária, até mesmo porque

os problemas de morosidade processual já se faziam sentir àquela época nos

órgãos judiciários portugueses, tanto que do tema se ocuparam as Cortes de

Tomar, em que ficou indicada a necessidade de uma reforma judicial que

promovesse mudanças, em especial quanto ao número de desembargadores

(considerado excessivo), à seleção dos magistrados e ao valor dos seus

salários, considerados, então, inadequados para que se “evitasse que os

magistrados caíssem na tentação do suborno” (IBIDEM, p.289).

Apesar do almejo de adotar uma reforma judicial, adotando assim um perfil espanhol

no sistema judiciário português, o acordo selado nas Cortes de Tomar prevaleceu, “de modo

que a reforma que se seguiu no sistema judiciário português abraçou as tradições lusitanas”

(CHAVES, 2017, p. 290) favorecendo a classe burguesa da época e o seu processo de

lucratividade.

Chaves (2017) salienta que houve a necessidade da criação do Tribunal superior no

Brasil, a Relação da Bahia, em decorrência das investigações feitas sobre os magistrados por

todo o território da colônia. Esta foi instituída em 1588, mas seu funcionamento só se deu

apenas em 1609, devido às dificuldades de aglomerar os magistrados letrados, tendo em vista

que não havia magistrados formados na colônia, algo que levou a extinção da Relação em 1626,

sendo refundada apenas em 1652 pela Lei de 12.09.1652, permanecendo sozinha como

instância superior da Colônia até 1751.

Aspecto importante sobre a Relação, no que se refere à organização política e

judiciária, diz respeito à posição que o governador-geral ocupava como

presidente nato do tribunal, podendo ali comparecer quantas vezes desejasse.

De outro lado, competia à Relação proceder a uma correição administrativa

no governo. Essa peculiar composição, prevista no seu regimento, acabava

estabelecendo, pelo menos no campo formal, um recíproco controle.

(IBIDEM, p. 291)

O autor pontua que apesar da correição administrativa realizada pela Relação, a sua

autonomia em si não era efetivada, haja vista as estratégias realizadas pelo presidente do

tribunal, dentre elas a gratificação extraordinária conhecida na época como propina. Além

disso, outro fator que deslegitimizava a atuação dos magistrados eram seus desvios de conduta,

seja pela prevaricação, fruto de várias denúncias à Coroa, seja pela exploração

de negócios particulares pelos juízes. Some-se a isso uma tendência

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patrimonialista na formação dessa burocracia e das incipientes instituições

políticas, em particular as judiciárias. (IBIDEM, p. 292).

Chaves (2017) esclarece que com a falta de qualificação e experiência necessária para

ocupar os cargos abaixo da magistratura, abre-se espaço para indivíduos sem qualificações para

desenvolver as atividades

Com efeito, nas funções abaixo da magistratura, as centenas de cargos eram,

não raro, ocupadas por pessoas sem a qualificação e a experiências necessárias

para o seu exercício. Muitos deles eram objeto de compra ou apenas

concedidos como forma de recompensa pela Coroa àqueles que lhe prestaram

algum tipo de serviço, inclusive militar. Os cargos nos tabelionatos eram dos

mais valiosos. Ocupados majoritariamente por portugueses, essas designações

funcionavam também como forma de obter a lealdade, com grande eficácia

política. (IBIDEM, p. 292).

Nota-se ao longo da história um sistema jurídico construído, desde sua gênese, para

manutenção do poder imperial burguês, em que não se via uma cogitação de justiça plena e

igualitária para todos; reafirmando o seu domínio de classes com o seu poder coercitivo legal e

manutenção do status quo.

No início do século XIX é suscitado um período histórico, o qual é recheado de

transformações nas estruturas sociais, políticas e econômicas em decorrência da chegada da

Coroa portuguesa, e sua instalação, no Rio de Janeiro, em 1808. O Brasil tornou-se então sede

do Império português, e com o feito, mudanças ocorreram, dentre elas, a criação de diversas

instituições político-administrativas, havendo também o engendramento referente a

organização judiciária

No que se refere à organização judiciária, vários órgãos foram criados, sendo

o de maior relevo a Casa de Suplicação do Brasil (1808), que passou a ser

tribunal mais elevado até então instituído fora de Portugal. De outro lado,

reforçando a estratégia de imposição do poder central da Coroa, aumentou-se

o número de ouvidores e de juízes de fora. (IBIDEM, p. 295).

Chaves (2017) argumenta que o Brasil, como boa parte do império lusitano, teve direito

a participar das Cortes, principalmente da Assembleia convocada para a discussão de uma

Constituição. Referente ao Judiciário, temas acerca da sua organização, o regime de

responsabilidade e a independência foram discutidos. Entretanto, com a insistência portuguesa

no que condiz rebaixar o Brasil precipitou o movimento por sua independência.

Em 1824, já declarada a sua independência, instala-se o Império do Brasil, como forma

e regime de governo amalgamado pela primeira Constituição outorgada (ibidem, p, 297). De

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acordo com Castro (2016), a conjuntura sócio histórica na qual surgiu a Constituição é

intrínseca ao período da Independência Brasileira que teve um caráter duplo, de um lado

apresentou um elemento puramente revolucionário, e do outro, conservador.

Referente a isso, o autor Fernandes (1981) destaca que,

O elemento revolucionário aparecia nos propósitos de despojar a ordem social,

herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronômicos aos quais fora

moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia

exigidas por uma sociedade nacional. O elemento conservador evidenciava-se

nos propósitos de preservar e fortalecer a todo custo, uma ordem social que

não possuía condições materiais e morais suficientes para engendrar o padrão

de autonomia necessário a construção e o florescimento de uma Nação

(FERNANDES, 1981, p.32)

Sendo assim, a esfera jurídica é imbuída a fim de regulamentar os conflitos existentes

na:

[...] nascente e contraditória nação brasileira, cujos interesses e compromissos

entre classes dominantes irão se transformar em leis em uma Constituição a

la Europa fundamentada em preceitos jurídicos que respondiam aos conflitos

e aos acordos da luta de classes europeia e não necessariamente a realidade

social brasileira (CASTRO, 2016, p. 27).

Fernandes (2014) aponta que a constituição vigente na época se vinculou ao absolutismo

da coroa e a um modelo de sociedade civil que estreitava a monarquia constitucional à vontade

política dos senhores de escravos. Com isso, era possível observar um modernismo importado

e um formalismo jurídico avançado, contudo, um sistema que excluiu os homens pobres e livres

da sociedade civil, dando continuidade à existência e à sobrevivência da escravidão.

Não existe uma consciência constitucionalista, porque não existe uma

sociedade civil que associe o modo de produção capitalista à necessidade

histórica das várias revoluções burguesas (como a revolução nacional, a

transformação estrutural capitalista no campo, a revolução urbana e a

revolução democrática). A nossa modernização política se reduziu à

importação de uma tecnologia estatal de dominação de classe. A

modernização se impunha; de fora, para encadear a produção econômica

interna ao mercado mundial; de dentro, para que as classes dominantes

pudessem associar-se aos estratos mais poderosos da burguesia internacional

contando com freios para limitar o constante desgaste que eles exerciam sobre

a soberania do estado. A democracia converteu-se em um jogo entre os mais

iguais, um sistema de poder deformado, e o constitucionalismo era em si

mesmo uma farsa política, que sequer encobria ideologicamente as cruas

realidades que faziam do estado um feitor de escravos e um castrador da

nação, como se o vinco colonial permanecesse perpetuamente vivo nessa

esfera (FERNANDES, 2014, p. 73. Grifos nossos).

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Destarte, há a passagem do Brasil colônia para a monarquia constitucional, em que

estabeleceu, a partir da Constituição, a formação originária da nacionalidade brasileira, como

também instituiu a monarquia representativa, a unidade nacional, e a defesa dos direitos

cidadãos e a divisão de poderes. Evidenciam-se as contradições no trato estabelecido entre a

oligarquia agrária brasileira e a burguesia emergente.

Condizente aos direitos, a autora Spengler (2013) evidencia que,

É imprescindível asseverar, todavia, que não obstante estabelecer os direitos

individuais e políticos dos indivíduos, a Constituição do Império possuía 179

artigos e oito capítulos, dos quais 172 artigos e sete capítulos se referiam à

organização dos 10 poderes políticos e tão somente 7 artigos e um capítulo

dispunham sobre as garantias e dos direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros. Verifica-se, por 12 conseguintes, que apesar de satisfazer a

definição estabelecida no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, a Constituição de 1824 se destinava muito mais a

estabelecer a divisão política e administrativa do Império - assegurando ao

Imperador a posição de “chave de toda a organização política” - do que

garantir direitos aos cidadãos brasileiros. (SPENGLER, 2013, p. 136).

Chaves (2017) enfatiza que a organização política do novo Estado, adotou a divisão

política de quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judicial e Moderador.

A Constituição de 1824 declarou a independência formal do Poder Judicial –

nomenclatura adotada na oportunidade –, bem como a perpetuidade dos juízes

de direito, que somente podem perder o lugar por sentença, ainda que o

Imperador pudesse suspendê-los “por queixas” (art. 151 e seguintes). Quanto

à organização judiciária, previu a criação do Supremo Tribunal de Justiça e de

tribunais da Relação na sede do Império e nas demais Províncias (art. 163).

Além disso, dispôs sobre os juízes de paz, eleitos no tempo e na forma dos

vereadores das Câmaras, com atribuições a serem estabelecidas em lei (art.

162). A Constituição de 1824 fixou composição do Poder Judicial, que seria

integrado por juízes e jurados para decidirem tanto casos cíveis como

criminais, assentando, ainda, que “os jurados [se] pronunciam sobre o fato e

os juízes aplicam a lei”, em nítida inspiração do modelo saxônico (juízes de

fato e de direito) (CHAVES, 2017, p. 298)

A Constituição de 1824 fez uma opção de unidade autoridade judiciária, quando

estabeleceu uma centralização da jurisdição, até mesmo por formar o Império um Estado

unitário (idem, p.300). O autor esclarece que essa inspiração saxônica era muito mais estrutural

haja vista que a ideia da aplicação da lei mais se aproximava com a fórmula encontrada na

Revolução Francesa e, ao mesmo tempo, tinha o caráter contraditório, como tudo que há na

burguesia, haja vista que assegurava a escravidão e a hegemonia dos interesses oligárquicos.

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É possível analisar que até então o acesso à justiça, da maneira que visualizamos hoje,

não era efetivado no Império Brasileiro. Entre iniciativas ao longo da história com o objetivo

de assegurar o acesso gratuito à justiça aos mais pobres no Brasil, destaca-se o Instituto da

Ordem dos Advogados Brasileiros, que em 1870, de acordo com Weintraub (2000), instituiu a

assistência gratuita. Na ocasião, Nabuco de Araújo, até então presidente do instituto, fomentou

à casa da Justiça para os pobres. De acordo com Da Silva (2010)

Um salto no tempo vai nos fazer passar por variadas e assistemáticas

iniciativas legais que tinham por objetivo garantir aos pobres o acesso à

Justiça, e nos levar ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, no ano

de 1870, ocasião em que Nabuco de Araújo, então Presidente do Instituto, deu

decisivo impulso à causa da Justiça para os Pobres. Criou-se, então, a praxe

de alguns membros do Instituto dar consultas jurídicas às pessoas pobres e

defendê-las em Juízo. Nesse particular, o Instituto da Ordem dos Advogados

Brasileiros parece haver-se inspirado na experiência da antiga Atenas, onde,

anualmente, 10 advogados eram nomeados para defender os pobres diante dos

tribunais cíveis e criminais. Esta iniciativa não se mostrou suficiente. Nabuco

de Araújo verberava e, de seu veemente discurso, extraímos este pequeno

trecho: "Se não se pode tudo, faz-se o que é possível. No estado actual da

nossa legislação, e atendendo às despesas que uma demanda custa, pode-se

dizer, sem medo de errar, que a igualdade perante a lei não é não uma palavra

vã. Que importa ter direito, se não é possível mantê-lo? Se um outro pode vir

privar-nos delle? Que importa ter uma reclamação justa, se não podemos

apresentá-la e segui-la por falta de dinheiro? A lei é, pois, para quem tem

dinheiro, para quem pode suportar as despesas das demandas (DA SILVA,

2010).

Segundo Bedin e Spengler (2013) após a proclamação da República, em 15 de

novembro de 1889, houve a promulgação de uma nova Constituição em 1891 que veio a adaptar

o texto constitucional brasileiro ao sistema constitucional norte-americano, somando a este a

tripartição de poderes (Poder Legislativo, Executivo e o Judiciário) como também empregou

independência entre eles.

Durante a vigência da nova constituição, houve avanços na esfera da garantia dos

direitos individuais, haja vista que esta previu a figura do habeas corpus como garantia contra

a violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. “A Seção II, do Título IV, estabelecia

a “Declaração de Direitos” assegurando aos “brasileiros e a estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade”

(art. 72, caput)” (ibidem, 139).

Entretanto, apesar de apresentar uma face democrática, a Constituição de 1891 não

estendeu o direito de acesso à justiça. Evidencia-se o cenário daquela época; um período de

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recente extinção do regime escravocrata, com uma parte do contingente populacional formado

por indivíduos que não possuíam direitos.

sem embargo de garantir independência ao Poder Judiciário, é importante

destacar que o Brasil da época acabara de extinguir o regime escravocrata, ou

seja, parcela significativa da população se tratava de analfabetos, pobres e sem

nenhuma noção acerca dos seus direitos. Assim, mesmo existindo um Poder

Judiciário independente não se poderia verificar o pleno exercício do direito

de acesso à justiça no período, porquanto a população não gozava de

condições de usufruí-lo. (ibidem, p. 139).

De acordo com o autor Weintraub (2000), com o advento da Constituição de 1934, a

assistência judiciária foi evidenciada no art. 113, n. 32, dando tratamento constitucional para

imputar ao Estado, a prestação da Assistência Judiciária aos necessitados, no contexto dos

Direitos e Garantias Individuais em que “A União e os Estados concederão aos necessitados

assistência judiciária, criando, para esse feito, órgãos especiais e assegurando a isenção de

emolumentos, custas, taxas e selos.” (IBIDEM, 2000, p. 242), abrindo margem para a

efetividade da assistência e denotando-se um avanço no âmbito do direito enquanto direito

social.

A Carta Constitucional fazia referência expressa da melhoria das condições

de trabalho (art. 121, §1º) como a proibição de discriminação por gênero,

idade, sexo nacionalidade ou estado civil, instituindo o salário mínimo e

jornada de trabalho de oito horas, por exemplo. A referida constituição criou

a Justiça do Trabalho (art. 122), a ação popular (art. 113, n.º 38) o mandado

de segurança (art. 113, n.º 33) e a assistência 10 judiciária gratuita (art. 113,

n.º 32) (BEDIN; SPENGLER, p.140, 2013).

O avanço no que se refere ao direito de acesso à justiça na Constituição de 1934, a qual

traz a marca de Getúlio Vargas, até então presidente do Brasil, é visto na gênese à criação da

ação popular, Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral e assistência gratuita, porém, este é

mascarado por contradições que fragmentava as classes dominantes, suas elites e as relações

delas com o restante da nação. A chegada do presidente populista, Getúlio Vargas, ao poder

significou um significativo avanço das forças sociais em favor da industrialização do país, como

também de uma economia interna a fim de expandir as relações capitalistas. Nesse sentido,

Fernandes soma a esta análise quando enfatiza que,

Por isso, ela (Constituição de 1934) registra um saldo histórico, que não se

concretizou porque as classes dominantes e suas elites preferiram defender-se

fora e acima do circuito das revoluções burguesas, recorrendo a uma ditadura

que recompôs a estabilidade política dentro da ordem. Prevalece, então, uma

política de fundar a paz social em concessões entendidas como antecipadas e

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suficientes elásticas para anular as pressões sociais dos de baixo,

especialmente das classes trabalhadoras, da pequena burguesia e de uma

classe média inquieta com os abalos que sofriam sob as novas tendências de

desenvolvimento capitalista e de alterações do regime de classes sociais. O

Estado Novo monta à perfeição a arquitetura de um modelo eficiente de “paz

burguesa” e, ao mesmo tempo, articula os interesses divergentes dos vários

setores da burguesia. A oligarquia, que os historiadores enterram

prematuramente com a República Velha, é reciclada. A plutocracia emergente,

lastreada no capital estrangeiro, no industrialismo, nos dinamismos em

crescimento moderado do mercado interno, nos desdobramentos financeiros

de todas essas vergônteas do capital, ganha um espaço político unificado e um

ponto de partida para enfrentar as consequências de uma revolução política

que ela se recusou levar avante, das constrições e cicatrizes do regime

ditatorial e da transição para uma nova era, dita “democrática”

(FERNANDES, 2014, p. 74).

Logo, a Revolução dos anos 1930 representou naquela conjuntura um avanço das forças

burguesas com apoio do latifúndio, mostrando o Estado se regulando para satisfazer os

interesses de sua expansão.

Com o advento da Constituição Federal de 1937, que ficou conhecida, de acordo com

Castro (2016), por polaca por adotar grandes partes da Carta da Polônia, abriu brechas para

visualizar que a tendência brasileira, até então, estava em reproduzir em suas Constituições as

leis originárias de outros países, sem olhar para a realidade brasileira que era distinta.

Sendo assim, o complexo do Direito se apresenta não na busca por soluções aos

conflitos sociais em sua origem; a raiz do problema,

[...] mas garantir por meio desses preceitos jurídicos aparentemente universais

uma falsa normalidade e a manutenção da sociabilidade capitalista. Inclusive,

em períodos autocráticos nos quais alguns direitos são restringidos ou

retirados, em nome da manutenção do poder político e ideológico das classes

dominantes. E outros conservados, ainda que somente no papel, como forma

de garantir o mínimo para a classe trabalhadora e dirimir a luta das classes

(CASTRO, 2016, p. 32).

Em meados de 1940, após a segunda Guerra Mundial houve a efervescência de inúmeros

movimentos sociais em busca da redemocratização do país, algo que suscitou a instalação de

uma Assembleia Constituinte em 02 de fevereiro de 1946 a fim de promulgar uma nova

Constituição, sendo concretizada após sete meses, em 18 de setembro de 1946. Esta tinha por

objetivo retornar ao rumo da Constituição de 1934, que fora interrompida pela Constituição de

1937, apresentando assim a democracia liberal com suas conquistas sociais limitadas, como por

exemplo, a garantia de direito à greve, livre associação sindical e liberdade de opinião e de

expressão.

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No que condiz ao Poder Judiciário, a nova Constituição trouxe consigo a garantia do

poder independente e harmônico com os demais poderes da União, onde ficou preestabelecido

que se caracterizava como crime de responsabilidade atos praticados pelo Presidente da

República que fosse contra a Constituição e, contra o “livre exercício do Poder Legislativo, do

Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados” (II) ou, ainda, contra o

“cumprimento das decisões judiciárias” (VIII). “O texto constitucional, ainda, incorporou a

Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário (art. 94, V), transformando-a em órgão deste” (BEDIN

e SPENGLER, 2013, p. 141).

A Constituição de 1946 apresentou no seu Título IV, a Declaração de Direitos, em que

se faz necessário evidenciar o seu Capítulo II em que consta os Direitos e Garantias individuais.

De acordo com Bedin e Spengler (2013), no ar. 141 da Constituição citada, arrolou ao longo

dos seus parágrafos os direitos individuais os quais merecem destaque como a inviolabilidade

dos direitos à vida, liberdade, segurança individual e à propriedade. Destarte, como evidencia

RULLI JÚNIOR (1998) ficou explícito no §4º do supracitado artigo que:

A universalização da jurisdição ao estabelecer que “A lei não poderá excluir

da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.

Assim, ao indivíduo era permitido levar eventual pretensão ao Poder

Judiciário e por este deveria conhecê-la, inaugurando o princípio da

universalidade da jurisdição de forma expressa nas Constituições brasileiras.

Entretanto, apesar da Constituição apresentar avanços é possível vislumbrar seu lado

contraditório quando se analisa o teor de algumas leis. Fernandes frisa acerca disso:

A Constituição de 1946 exibe uma modernização espantosa, como se as

classes dominantes houvessem absorvido as transformações que o

desenvolvimento capitalista propagara ao regime de classes e ao padrão

capitalista nascente da luta de classes. No entanto, as modificações se

patentearam ao nível de profundidade real, com a implementação da

ilegalidade do Partido Comunista, a revitalização das técnicas estadonovistas

de manipulação dos sindicatos e das frustrações operárias, o recurso ao

populismo como “ópio político do povo”. A Constituição inaugura uma fase

inédita de ritualização das atividades do Parlamento, dos partidos e das

eleições. Uma democracia de fachada mantém-se á tona, sem fazer face às

exigências da situação histórica. As classes dominantes e suas elites se viam

postas contra a parede. A internacionalização da economia se iniciara e tomara

rumos que indicavam como se daria e quais seriam as consequências da

incorporação do Brasil às economias capitalistas centrais e da internalização

crescente do modelo monopolista de desenvolvimento capitalista. O fim da

década de 1950 e o início da década de 1960 denunciavam que através dos

meios tradicionais (do mandonismo, do paternalismo e do clientelismo) só se

poderia compor uma maioria parlamentar conservadora, sem deter as eclosões

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sociais que atingiam gravidade extrema dentro de aparências democráticas e

do ritualismo eleitoral seria impraticável manter a estabilidade política e o

controle burguês da sociedade civil e do estado (FERNANDES, 2014, p. 75).

Com o Golpe Militar de 1964, o direito de acesso à justiça foi silenciado em todo o país,

haja vista que o regime vigente adotou vários atos com o intuito de inibi-lo.

os Atos Institucionais editados pelo regime que visavam legitimar e legalizar

as ações militares, bem como suspender direitos políticos e civis dos

brasileiros. Dentre os Atos Institucionais ressalta-se o de n.º 4, o qual

convocou o Congresso Nacional para reunir-se, extraordinariamente, visando

discutir, votar e promulgar o Projeto de Constituição de iniciativa do

Presidente da República (BEDIN e SPENGLER, 2013, p. 141).

Elaborada sob a supervisão do Regime Militar, a Constituição de 1967 consolidou o seu

caráter ditatorial se apresentando como a mais repressiva de todas as constituições, uma vez

que deixou de lado os resquícios democráticos presente nas outras Cartas. Esta visava o

fortalecimento e concentração do Poder Executivo e da autoridade do Presidente da República,

como também autorizou a extinção dos partidos políticos. De acordo com Carneiro (2000) nesse

momento é notório, a partir da concessão de demasiados poderes de legislador ao Presidente da

república, em que foi possível a este expedir decretos, a edição do Ato Institucional de nº 5 que

bloqueou o funcionamento da Constituição.

Relativamente à atividade judiciária, o Ato Institucional n. 5 os autores Bedin e Spengler

salientam que:

ficavam suspensas as garantias constitucionais da vitaliciedade,

inamovibilidade e estabilidade (art. 6º). Assim, apesar de não fazer referência

expressa, o conteúdo do art. 6º se dirigia diretamente aos membros do Poder

Judiciário, pois a Constituição de 1967 conferia a garantia da vitaliciedade,

por exemplo, aos juízes (art. 108), aos Ministros do Tribunal Federal de

Recurso (art. 116), do Superior Tribunal Militar (art. 121) e do Tribunal

Superior do Trabalho (art. 133, §1º, “a”). O parágrafo primeiro do art. 6º

estabelecia, ainda, que com a perda da garantia da vitaliciedade o Presidente

da República poderia “mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr

em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo [...],

assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao

tempo de serviço.” (BEDIN e SPENGLER, 2013, p.142)

Assim, dentre outras coisas, a atividade judiciária se mostrava impossibilitada de

realizar suas funções. Visualiza-se nesse período o objetivo de consolidar o modelo mais

avançado do capitalismo no Brasil, a partir da modernização conservadora.

O governo engendrou dificuldades para a população ter acesso ao Poder Judiciário.

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Denota-se, portanto, que o direito de acesso à justiça sofreu sérias restrições

durante o regime militar, impedindo o seu pleno exercício pelos cidadãos. Ao

indivíduo, então, não era possível exercer o direito de acesso à justiça, o qual

é considerando como o instrumento vital da sociedade democrática, pois o

regime militar expressamente impedia o acesso dos cidadãos ao Poder

Judiciário, notadamente para questionar seus atos ou para garantir direitos

fundamentais. (idem, p. 143)

Castro (2016) ressalta que a ditadura se constituiu devido a um período de exacerbadas

mobilizações e lutas de classes, por esse motivo o complexo do Direito precisou intervir a fim

de manter a supremacia e os interesses da classe dominante.

Dessa forma, conforme Lukács apontou a regulação jurídica não pode recorrer

somente ao uso da força bruta, assim sendo por um lado observou-se a sua

ampla utilização pelo Estado e sua legitimação constitucional e social, mais

uma vez com o aval da religião e da moral que demonizava os manifestantes,

pregava o respeito às autoridades e naturalizava as expressões da questão

social (CASTRO, 2016, p. 34).

Apenas em 1978, com o recuo ameno da ditadura, que ocorreu a edição da Emenda

Constitucional de nº 11, a qual permitiu a revogação dos Atos Institucionais e Complementares

(CARNEIRO, 2000).

É apenas na década de 1980 que o cenário político Brasileiro ver mudanças no quesito

de efetivação de assegurar o direito ao acesso à justiça, como também no que concerne a sua

democratização. Como exemplos desse avanço não tão largo, enfatizam-se as Leis Federais de

n.º 7.019/82, a qual instituiu o procedimento de arrolamento de bens em caso de partilha

amigável; a Lei de n.º 6.938/81 que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e

concede legitimidade ao Ministério Público para pleitear a responsabilidade civil por danos

causados ao meio ambiente; Lei n.º 7.224/84 que instituiu o Juizado de pequenas causas e a Lei

n.º 7.347/85 que Disciplinou a ação civil pública.

Sendo assim, as legislações “demonstram uma alteração no direito positivo brasileiro

visando dar celeridade e desburocratizar a jurisdição” (idem, p. 143). Como salientam os

autores Bedin e Spengler (2013), em decorrência das práticas políticas e jurídicas houve a

universalização da jurisdição. Entretanto, não atingia ainda um número elevado de pessoas, haja

vista que grande parte da população ainda se mantinha distantes da Justiça.

Após o advento da Constituição de 1988, as instituições da justiça se configuraram como

um terreno privilegiado para diagnósticos, debates e proposições de política pública (ANADEP,

2013). É importante destacar que o processo para consolidar a Constituição não foi algo neutro,

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haja vista que foi marcada por um processo de lutas dos movimentos sociais, como também um

espaço de disputas de interesses.

É notória a relevância da Constituição uma vez que vemos presente nesta o direito de

acesso à justiça no decorrer dos seus artigos. Dentre eles, se faz necessário destacar a:

consagração do princípio da igualdade material (art. 3º); alargamento do

conceito de assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), compreendendo

também o direito à informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial;

previsão de criação dos juizados especiais para julgamento e execução de

causas cível de menor complexidade e penais de menor potencial ofensivo

(art. 98, I); previsão de uma justiça de paz (art. 98, II); tratamento

constitucional da ação civil pública para defesa dos direitos difusos e coletivos

(art. 129, III); novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos

(arts. 5º, LXX, LXXI) e legitimidade aos sindicatos (art. 8º, III) e sociedades

associativas (art. 5ª, XXI) defenderem direitos coletivos e individuais;

reestruturação e fortalecimento do Ministério Público (arts. 127 e 129); e

elevação da Defensoria Pública como instituição fundamental à função

jurisdicional (art. 134) (CARNEIRO, 2000, apud BEDIN e SPENGLER,

2013, p.144).

Contudo, vislumbra-se, a partir de Castro (2016), que apesar de suposto avanço na

garantia de direitos, a Constituição dita cidadã buscou como as outras conciliar todas as

contradições resultantes do intenso conflito da luta de classes, “o que explicita a capacidade do

Direito em manipular um turbilhão de contradições e criar um sistema único, mas capaz de

regular na prática o acontecer social contraditório” (Castro, 2016, p. 36).

Com a abertura democrática o país passa a ter o almejo de construção de um “padrão

público universal de proteção social, o neoliberalismo, coloca um quadro de grande

complexidade aridez e hostilidade para a implementação dos direitos sociais” (BEHRING;

BOSCHETTI, 2011, p. 156).

Em detrimento a uma construção tardia e totalmente dependente, fruto do capitalismo

periférico instaurado no Brasil, proporcionou ao país “a constituição de uma cultura

sociopolítica dominante antidemocrática nas suas formas mais variadas, da pura e simples

autocracia a regimes de participação restrita” (NETTO, 2015, p.18). Sendo assim, o que se põe

no Brasil “não é apenas o reconhecimento legal-positivo dos direitos, mas a luta para efetivá-

los, ou seja, a passagem do formal para o real, em outras palavras do âmbito jurídico-formal

para sua realização” (GUERRA, 2009, p.45).

O discurso do Direito se insere nas formas de regulação social, através do controle

utilizado pelas instituições e até mesmo práticas profissionais em tempos de ajustes em

detrimento ao neoliberalismo. Contudo, não podemos deixar de enfatizar que a promulgação da

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Constituição cidadã representou para o jurídico a promessa de afirmação e extensão dos direitos

sociais no país, uma vez que, esta estabeleceu a assistência jurídica integral e gratuita como

direito do cidadão; desde que seja hipossuficiente, e dever do Estado, com a instituição da

Defensoria Pública.

Discutir o acesso à justiça integral é fundamental no contexto da Defensoria Pública,

sendo uma lacuna de importância, principalmente em um país onde a expressão da questão

social é visível, como também a desigualdade social na participação das decisões da esfera da

própria vida, algo que reflete até mesmo na forma como os indivíduos se relacionam com a lei.

Carvalho (2002) partindo desse pressuposto evidencia uma análise acerca das classes e

o acesso à justiça, classificando os indivíduos considerados de primeira classe aqueles se

encontram a princípio acima da lei, como consta a seguir:

Há os de primeira classe, os privilegiados, os “doutores”, que estão acima da

lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e

do prestígio social. Os “doutores” são invariavelmente brancos, ricos, bem-

vestidos, com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes

proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos

funcionários. Frequentemente mantêm vínculos importantes nos negócios, no

governo, no próprio Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione

em seu benefício. [...] para eles, as leis ou não existem ou podem ser dobradas

(Carvalho, 2002, p. 215-217).

Do outro lado, a autora apresenta a segunda classe composta por cidadãos simples,

apontando ao decorrer da análise a classe da grande massa que está a sujeita aos rigores e

benefícios das leis:

Ao lado dessa elite, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de

segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe

média modesta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho

assinada, os pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e

rurais. Podem ser brancos, pardos ou negros, têm educação completa e o

segundo grau, em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre têm noção exata

dos seus direitos, e quando a têm carecem dos meios necessários para os fazer

valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes, e os recursos para

custear demandas judiciais. Frequentemente, ficam à mercê da polícia e outros

agentes da lei que definem na prática que direitos serão ou não respeitados.

[...] para eles, existem os códigos civil e penal, mas aplicado de maneira

parcial e incerta. (idem)

E por último, de acordo com Carvalho (2002), há os sujeitos de terceira classe, aqueles

que frequentemente vemos em notícias, principalmente as policiais, de maneira completamente

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distorcida, haja vista a manipulação midiática e o seu preconceito com classe pauperizada.

Esses são os sujeitos subsumidos a seguir a lei ao pé da letra.

finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe.

É a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e

rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros,

camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase invariavelmente pardos

ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. Esses

“elementos” são parte da comunidade política nacional apenas nominalmente.

Na prática, ignoram seus direitos civis ou os têm sistematicamente

desrespeitado por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia. Não se sentem

protegidos pela sociedade e pelas leis. Receiam o contato com agentes da lei,

pois a experiência lhes ensinou que ele quase sempre resulta em prejuízo

próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio à lei e pela criminalidade.

Para eles vale apenas o Código Penal (idem).

É essa terceira classe, os marginalizados pelo sistema, os elementos para o poder

coercitivo, o público alvo da Defensoria Pública. Essa parcela da população que está imersa nas

expressões da questão social 2busca no judiciário, através do respaldo da Defensoria, uma fenda

a fim de ter suas necessidades judiciais atendidas e consequentemente resolvidas.

Entretanto, na atual conjuntura social, política e até mesmo econômica do país, de

acordo com Barros (2018), esse contexto supracitado está distante de ser ficção ou apenas

reflexão de processo histórico já superado. A autora afirma que em tempos de defesa do óbvio,

compreender o espaço de atuação nesse espaço, na especificidade da assistência judiciária, é

dever constante do assistente social, sempre levando em conta o contexto de conservadorismo

para tomada de soluções frente às situações que emergem no percurso trilhado pelo Serviço

Social dentro do campo sociojurídico3.

Com isso, levando em conta de como os complexos do Direito são aplicados na

sociedade de classes, cabe evidenciarmos como se dá seu movimento de contradição e

2 “A questão social é indissociável da sociedade capitalista e envolve uma arena de lutas políticas e culturais contra

as desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam múltiplas desigualdades mediadas por

disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais, relações com o meio ambiente e formações

regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo

de uma dimensão estrutural - enraizada na produção social contraposta a apropriação privada do trabalho, a

‘questão social’ atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania” (IAMAMOTO,

2010, p. 16, apud Cardoso, Eik e Castro, 2015, p. 57-58). 3 O termo “sociojurídico” é relativamente recente na história do Serviço Social brasileiro. Ele surge, segundo

Borgianni (2004), a partir da iniciativa da Editora Cortez de publicar uma edição da Revista Serviço Social &

Sociedade nº 67, de 2001, com artigos que versassem sobre a inserção profissional no Poder Judiciário e o Sistema

Penitenciário. [...] Coincidentemente, a Comissão Organizadora do X CBAS, realizado em 2001, no Rio de

Janeiro, programou a realização de um painel para a apresentação de trabalhos de profissionais que abordassem

essas mesmas questões. O termo usado para nominar o painel foi “sociojurídico” (CFESS-CRESS, 2009).

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manutenção do status quo no âmbito da Defensoria Pública do Estado e nas relações de trabalho

dos profissionais, em especial os(as) Assistentes Sociais a partir da Carta Magna de 1998.

2.3. DEFENSORIA PÚBLICA

Seguindo com as reflexões acerca dos complexos do Direito e sua relação com o Estado,

buscaremos elucidar como se deu a criação da Defensoria Pública a partir da Constituição de

1988 e sua consolidação tardia nos Estados brasileiros.

Com isso, frisa-se a gênese da Defensoria Pública no ordenamento jurídico brasileiro

está interligada diretamente ao processo histórico do modelo de assistência judiciária gratuita

prestada pelo Estado aos mais necessitados. Ao longo da história brasileira, existiram previsões

legais que garantiam o direito de acesso à assistência jurídica gratuita para a população, tanto

em casos penais como em casos civis. Os primeiros indícios de desenvolvimento da assistência

judiciária no Brasil se deram a partir das Ordenações Filipinas, que passou a vigorar no Brasil

no início do século XVII e se estendeu até finais de 1916, por força da Lei de 2º de outubro de

1823.

A partir da Independência do Brasil, em 1822, os textos usados no embasamento jurídico

da assistência judiciária das Ordenações Filipinas, foram sendo revogados aos poucos, mas

sendo substituídos por textos que de certa forma manteve resquícios do antigo e suas

influências. De acordo com Weintraub (2000), embasando-se nas Ordenações Filipinas, no

Livro III, Título 84, § 10, da Lei de 1823, é verificada a primeira manifestação de assistência

judiciária sendo estendida aos mais pobres.

Em sendo o aggravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem raiz, nem

por onde pagua o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela

alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos

réis, contanto que tire tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar

o aggravo. ( ORDENAÇÕES FILIPINAS, apud WEINTRAUB, 2000).

Estas traziam algumas disposições acerca do direito de pessoas pauperizadas a terem o

patrocínio de um advogado. As ordenações se embasaram “no princípio da igualdade material

que determinava que ao juiz era incumbido escolher o advogado para patrocinar o indivíduo

que não tivesse condições de contratá-lo.” (Carneiro, 2000, p.35).

Denota-se, portanto, que o princípio da gratuidade de serviços jurídicos estendidos aos

mais pobres foi algo originado nas Ordenações Filipinas, em que garantiu o amparo legal aos

necessitados. Entretanto, não era algo mantido como um direito, e sim como uma benesse cristã.

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Relativamente às Defensorias Públicas, a Constituição de 1988 garantiu a população um

instrumento de garantia de acesso a assistência jurídica integral e a gratuita como direito do

cidadão e dever do Estado. Sendo esta uma:

instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,

fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e

a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e

coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados (art. 134,caput).

De acordo com o artigo 5º, inc. LXXIV, da Constituição, o Estado deve garantir

assistência jurídica integral e gratuita àqueles indivíduos que comprovarem de algum modo

hipossuficiência financeira.

Segundo Mattos,

A partir de então, a assistência passa de judiciária - por não mais abranger

exclusivamente os atos processuais - para assistência jurídica assegurada por

um Estado Democrático de Direito fundado, entre outros no princípio da

igualdade e do amplo acesso à justiça. [...] Ao mencionar os termos “integral

e gratuita” o constituinte ampliou significativamente a abrangência do amparo

aos hipossuficientes, no sentido de agregar ao benefício outras condições além

de simplesmente o ingresso no judiciário. Ou seja: apresenta também a

possibilidade de o cidadão carente ter ao seu dispor a assessoria extrajudicial.

Essa percepção é reforçada pelo termo “integral”, que propicia ao cidadão que

faça jus a assistência, a utilização de todos os meios jurídicos possíveis, antes,

durante e depois do processo, inclusive administrativa ou extrajudicialmente

quando for o caso (MATTOS, 2011, p. 94).

A comprovação de hipossuficiência financeira pelo assistido se dá através da

documentação comprobatória de renda, como carteira de trabalho e despesas mensais da

residência. Se o assistido for autônomo é solicitado comprovantes das movimentações

bancárias e extratos do cartão de crédito, se utilizar.

Desse modo, a Defensoria Pública surge com a finalidade social de ofertar serviços

jurídicos de orientação, assistência judicial e extrajudicial, integrais e gratuitas, a indivíduos

que estejam vivenciando situação de vulnerabilidade social e não possuam condições de

contratar serviços advocatícios. É uma instituição estadual, não vinculada ao governo, tendo

sua autonomia prevista pela Constituição Federal.

Ademais, esta é dividida em duas modalidades, a Defensoria Pública Estadual, que atua

em todos os degraus e instâncias perante a Justiça Comum Estadual e, a Defensoria Pública da

União, cujo leque de atuação, de acordo com Castro (2016), se dá junto aos juízos federais

comuns no âmbito judicial, “além de operar perante a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral,

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a Justiça Militar, bem como nos Tribunais Superiores e nas instâncias administrativas da União”

(idem, p. 40).

Ambas, no entanto, são responsáveis – cada qual dentro de seu âmbito jurídico

– pela prestação integral e gratuita de assistência jurídica, judicial e

extrajudicial ao cidadão socialmente vulnerável ou hipossuficiente (BRASIL,

MAPA DPE, 2015, p. 18).

Sendo assim, elenca-se o espaço da defensoria pública como de viabilização de direitos,

mas também como lócus de disputa e defesa da propriedade privada. Buscando aprofundar esses

elementos contraditórios seguidamente aprofundaremos o debate em torno da particularidade

da defensoria do Estado.

2.3.1 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO

A Defensoria Pública do Estado é uma instituição permanente destinada à função social

de ofertar serviços jurídicos de orientação, assistência judicial e extrajudicial, integrais e

gratuitas, a todos os cidadãos que comprovarem insuficiência de recursos ou que comprovarem

sua vulnerabilidade financeira para a contratação de serviços advocatícios., como consta no art.

5º da Constituição Federal. Compõe o sistema de justiça juntamente com o Poder Judiciário e

o Ministério Público, instituições distintas e autônomas entre si (Barros, 2015) A Constituição

Federal de 1988 a prevê como órgão de função essencial à Justiça.

De acordo com Barros (2018) a construção das Defensorias Públicas estaduais no Brasil

não aconteceu de maneira uniforme e simultânea. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro no

que condiz a consolidação da primeira Defensoria Pública, instituída antes mesmo à

Constituição Federal, no ano de 1954, quando a Lei de n. 2.188/1954 concebeu os primeiros

cargos direcionados aos denominados Defensores Públicos, então vinculados à Procuradoria-

Geral de Justiça, na cidade do Rio de Janeiro. A última instituição da Defensoria Pública foi no

estado de Santa Catarina, no ano de 2012, a partir da Lei Complementar de n. 575/2012 (idem,

p.20).

A história da criação das Defensorias Públicas Estaduais sinaliza uma

profunda diferença entre os estados, na medida em que algumas Defensorias

já haviam sido criadas antes mesmo da Constituição de 1988 – a mais antiga

delas é a do Rio de Janeiro, que data de 1954 – enquanto outras conquistaram

sua institucionalização muito mais recentemente, já nas décadas de 2000 em

diante – a mais recente é de Santa Catarina, institucionalizada em 2012. O

estado do Amapá é o único a não ter uma Defensoria Pública considerada

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completamente institucionalizada, por prescindir de concurso público para

nomeação de seus defensores (BRASIL, MAPA DPE, 2015, p. 18).

Conforme o Mapa da Defensoria de 2013, é possível observar os obstáculos enfrentados

para a implantação de Defensorias Públicas nos estados brasileiros, uma vez que, após a

promulgação da Constituição de 1988 as Defensorias só começaram a ser instituídas a partir

dos anos 2000. A figura 1 apresenta que, “embora em 2001 e 2012 os estados do Paraná e de

Santa Catarina tenham criado as Defensorias Públicas que faltavam no país, tais órgãos ainda

não foram efetivamente implantados nesses estados, assim como Goiás e no Amapá” (IPEA,

2013).

FIGURA 1 - DEFENSORIA PÚBLICA NOS ESTADOS

Fonte: IPEA, 2013

Destarte, observamos que mesmo com as previsões legais, a criação e instituição de

Defensorias Públicas foram de certa forma um processo lento. Antes de 1990, de acordo com

IPEA (2013) havia Defensorias em apenas sete estados brasileiros, havendo o crescimento de

modo substancial a partir dos anos 1990, quando ocorre a implementação em mais dez estados

e outros oito criam as suas defensorias a partir dos anos 2000. O Estado de São Paulo apresentou

na época exemplos de obstáculos na concretização institucional das Defensorias, uma vez que:

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Por quase duas décadas após a promulgação da Constituição e a expressa

previsão de que a Defensoria Pública seria a responsável pela “orientação

jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,

LXXIV” (art. 134), São Paulo manteve uma estrutura controversa para a

provisão de tais serviços legais, a qual era baseada em advogados públicos

designados para atuar em uma unidade específica da Procuradoria-Geral do

Estado – a “Procuradoria de Assistência Judiciária” (PAJ) com o suplemento

de advogados trabalhando no âmbito de convênios celebrados entre o Estado

e a OAB/SP (IPEA, 2013, p. 15).

A crítica contra essa estrutura era intensa e partia de diversas direções, fazendo com que

catalisasse numa ampla mobilização social, eclodindo o Movimento pela Defensoria Pública

no ano de 2002, o qual envolveu 440 instituições que deram início à organização de petições e

manifestações públicas. Essa mobilização social foi a propulsão para implementar logo após a

Defensoria Pública no estado de São Paulo, como também, semente de continuidade nas

reivindicações nos outros estados onde não havia Defensorias Públicas.

A lógica de mobilização social que marcou a implantação da Defensoria

Pública em São Paulo se disseminou pelo país, con "gurando, assim, uma

consciência social sobre o direito de acesso à justiça para todos: nos estados

nos quais não havia Defensoria Pública, os movimentos sociais, sindicatos e

grupos da sociedade civil passaram a se organizar para exercer pressão contra

os governos, reclamando essa implantação. E – talvez mais importante – esses

movimentos e grupos acompanharam diretamente e, em alguns casos,

participaram ativamente da redação dos projetos de lei que estavam sendo

apresentados nas assembleias legislativas estaduais a "m de criar as

Defensorias; além de colaborarem continuamente com as lideranças e

membros das Defensorias, uma vez que vieram a ser implantadas. (IPEA,

2013, p. 15)

FIGURA 2 - SÍMBOLOS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA NO

BRASIL

Fonte: IPEA, 2013

Artes dos Movimentos pela Defensoria Pública de São Paulo (2002), com o slogan

“Defensoria Pública: para quem é carente de justiça”; no Paraná (2010), com o slogan

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“Defensoria Já”; e em Santa Catarina (2012), com o slogan “Defensoria Pública: um direito

sonegado”. Com as mobilizações surge a possibilidade de a lei ser colocada em prática após

anos de sua promulgação.

Na contemporaneidade, conforme o IV Diagnóstico da Defensoria Pública (2015)

apesar dos avanços, ainda, tendo em vista que os resultados obtidos se mostram desigualmente

distribuídos ao longo do país. Sendo assim, a Defensoria Pública necessita de fortalecimento

para dar continuidade a proteção dos direitos dos mais necessitados.

Contudo, apesar dos avanços que circunda o direito de acesso à justiça para os mais

pauperizados, muitos obstáculos são construídos no caminho para que esse direito seja

efetivado em sua integralidade e abarque realmente todos aqueles que necessitam. O complexo

do Direito e a lógica do capital ainda entrelaçam a efetivação, se mostrando para a sociedade

com sua face contraditória quando visualizamos a demora no trâmite que reveste os autos no

Poder Judiciário, na terceirização de profissionais e deficiência na contratação de profissionais

de outras áreas, a falta de informação que abarque o todo, como também a falta de compreensão

do próprio público alvo acerca dos direitos assegurados.

Referente ao público alvo que a Defensoria pública atende, estes são os usuários que as

expressões da questão social têm seus rebatimentos. Temos desde o acolhimento institucional

de crianças à judicialização da guarda de menores, interdições, pensões alimentícias e afins. Os

usuários precisam se enquadrar no perfil socioeconômico exigido pela DPE comprovando sua

insuficiência financeira de arcar com os honorários advocatícios.

Diante disso, analisa-se o acesso ao direito como algo contraditório, tendo em vista que

a constituição desse direito burguês acontece por meio da garantia da propriedade, logo, esse

direito não ultrapassa a desigualdade social e a viabilização do acesso só ocorre por meio de

medidas paliativas. Assim, constitucionalmente a Defensoria Pública é entendida como um

espaço de garantia de acesso ao direito, mas na prática esse elemento encontra alguns desafios

porque a viabilização do direito só é permitida se não ameaçar a propriedade privada.

Afirmar em lei o direito de acesso à justiça não é suficiente quando ela paira apenas na

teoria e não chega até quem precisa. Na realidade, acaba sendo uma retirada de direitos, quando

não se veicula a informação a fim de conscientizar os indivíduos acerca da existência de

aparatos legais que iria possibilitar sua defesa de forma integral e gratuita. Nega-se o direito

quando a justiça não engloba de antemão a democratização do conhecimento.

É nesse cenário contraditório que surge o sociojurídico com a inserção do Serviço Social

no âmbito da Justiça, quando “em tempos de contínua defesa do óbvio, compreender o espaço

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de atuação na chamada área sociojurídica, [...] é dever constante do profissional assistente

social” (BARROS, 2018, p. 30).

É nesse momento de não viabilização de direitos que o Serviço Social entra em cena,

assegurando com sua intervenções o que está garantindo em lei. Entretanto, compreendendo

que o direito por ter sua gênese na sociedade de classes é, em sua essência, um direito de classes,

um complexo social de regulamentação jurídica, o qual serve a classe dominante enquanto

aparato coercitivo, cabe a profissão resistir e interferir buscando a não criminalização e

judicialização da pobreza em detrimento a manutenção do status quo.

Portanto, ainda enfatizando os complexos do Direito, o Estado burguês enquanto

aparato legal coercitivo de dominação cabe agora elucidar a inserção do Serviço Social no

âmbito sociojurídico brasileiro, especificamente na Defensoria Pública.

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3. INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO BRASILEIRO

Neste capítulo almejamos apresentar elementos pertinentes que auxiliam ao

entendimento do objeto desta pesquisa. Para isso, nos remetemos a conjuntura da inserção do

Serviço Social brasileiro no campo sociojurídico, abordando sua trajetória e sua atuação

profissional nesse campo sócio ocupacional em uma perspectiva de análise crítica. O

sociojurídico se revela enquanto espaço de atuação o Serviço Social brasileiro, que após o seu

redirecionamento ético e político, se dispõe a analisar a realidade social em uma perspectiva de

totalidade submerso as contradições profundas que o capital o impõe.

3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: um espaço de contradição

O Brasil no decorrer da década de 1930 passou por um processo histórico de

modificações políticas, econômicas e sociais que fomentou o crescimento da desigualdade

social. Em resposta a essa realidade, registrou-se a eclosão e a intensificação de movimentos

sociais por melhores condições de trabalho e pela consolidação de direitos básicos. Diante de

tal conjuntura, surge o Serviço Social com o propósito de enfrentar e regular a questão social,

sendo impulsionado pelo Estado, Igreja Católica e empresariado, que objetivavam pacificar o

proletariado de forma assistencialista, ofertando benefícios na busca de evitar possíveis

conflitos.

De acordo com Iamamoto e Carvalho (2014), a profissão surge como um departamento

especializado da Ação Social. Em 1932 é criado o Centro de Estudos e Ação Social de São

Paulo (CEAS), que tinha por finalidade oferecer um Curso Intensivo de Formação Social para

Moças visando, ao final do curso, atender o bem-estar da sociedade. O CEAS era mantido com

mensalidades das sócias e objetivava difundir a doutrina e ação social da Igreja.

Visto isso, o Serviço Social surge imbuído com a ideologia da classe dominante, como

um setor especializado da Ação Social da Igreja Católica, atuando no mascaramento de suas

contradições na perspectiva de desenvolver estratégias de intervenção com o objetivo de

amenizar os conflitos de classe, respaldando-se em ações assistenciais embrionárias por parte

do Estado.

Barros (2018) salienta que na mesma década o CEAS enviou alguns dos seus membros

para realizar cursos de Serviço Social na Bélgica. Somando a experiência e as contribuições de

profissionais formados em Paris, foi inaugurada a primeira escola de Serviço Social no Brasil

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em 1936, utilizando como embasamento teórico as ideias belgas e francesas. Devido a forte

influência da Igreja Católica, o Serviço Social se resumia a caridade com base no

conservadorismo, tendo suas ações embasadas no julgamento moral objetivando amenizar

conflitos ou reivindicações da classe trabalhadora; que colocaria em risco a hegemonia do

Estado e da classe dominante.

É importante frisar que o Serviço Social não tomará por base os moldes coercitivos do

Estado para controlar o proletariado, mas sim, a ampla ação social que a Igreja Católica

desenvolveu tendo por objetivo recristianizar a sociedade, com ações caritativas e

assistencialistas.

Na década de 1940 o Serviço Social se aproxima do modelo norte-americano que tinha

por objetivo, de acordo com Barros (2018), buscar maior sistematização teórica e técnica o que

proporcionou a “consolidação de novas formas de abordagem metodológica e o questionamento

da teoria conservadora que, até então, embasava a profissão” (idem, p. 62). Nesse mesmo

período eclodiram diversas mudanças econômicas no país, como também trabalhadores

pressionando o Estado por demandas de bens e serviços.

Visando conter a efervescência de possíveis conflitos, o Estado criara instituições

assistencialistas, leis trabalhistas e sindicais, assumindo sua posição enquanto regulador e fiador

das relações sociais. Nesse movimento contraditório, fomentou sua relação com a classe

burguesa viabilizando a acumulação capitalista e do outro lado atendeu as necessidades sociais

do proletariado.

As instituições assistenciais abriram espaço para o Serviço Social emergente,

constituindo postos de atuação e ampliando as possibilidades de intervenção profissional, algo

que possibilitou ir além de ação social de cunho católico. Ademais, colocou o Serviço Social

enquanto agente executor das políticas sociais do Estado.

No decorrer da história, o Serviço Social foi constituindo seu amadurecimento

profissional com o rompimento das práticas conservadoras, uma vez que passou a ampliar, rever

e reorganizar suas ações a partir de embasamento teórico e fundamentação metodológica

possibilitando novos espaços de atuação.

De acordo com Netto (2015) durante o período da Ditadura Militar ocorreu a

efervescência de uma série de movimentos sociais que foram às ruas em busca da

democratização do país. Esse período de mudanças possibilitou ao Serviço Social, por meio do

Movimento de Reconceituação, ocorrido a partir dos anos 1960, o rompimento com os ideários

conservadores da profissão, especialmente em razão ao novo cenário social da época, que

solicitava diferentes respostas profissionais, eclodindo mudanças em diferentes áreas como no

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campo de ensino, da própria pesquisa e da regulamentação da profissão, como também da

organização política dos assistentes sociais.

Barros (2018) enfatiza que acerca das modificações que ocorreram na profissão é

importante frisar dentre os novos referencias teóricos que foram incorporados ao exercício

profissional, a teoria marxiana, utilizada por alguns profissionais para a compreensão da

realidade, da própria história de luta de classes desde a sua gênese e, a desigualdade social

suscitada pelo sistema capitalista. Sendo esse novo aporte teórico fundante de novas

possibilidades de inovação profissional e atuação. Ademais, o Serviço Social a partir de sua

incorporação assume o compromisso com a classe trabalhadora e suas lutas por emancipação e

garantia de direitos.

A inserção do Serviço Social no sistema jurídico tem sua gênese no Brasil com o próprio

advento da profissão, quando a influência norte-americana suscitou um caráter positivista e de

neutralidade científica, em que se tinha a ideia de uma atuação a partir do ajustamento e ajuda

psicossocial, desenvolvendo o Serviço Social de Caso, Grupo e de Comunidade; esse processo

marcou a inserção da profissão no judiciário. Iamamoto e Carvalho (2014) evidenciam que, um

dos primeiros espaços laborais do assistente social na esfera pública foi o Juizado de Menores

do Rio de Janeiro, até então capital da república. Com o crescente agravamento da questão

social relacionado à “infância pobre”, à “infância delinquente”, o serviço social é acionado e

imbuído de conter as mazelas aparentes no espaço urbano, sendo incorporado a essa instituição

como forma de controle, algo almejado pelo Estado.

Tendo motivações parecidas, houve também a inserção de assistentes sociais em

diversas funções, como “ações de comissariado de menores, de fiscalização do trabalho infantil,

entre outras frentes que se relacionavam, intrinsecamente com o universo jurídico” (CFESS,

2014) ocorrendo tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo, ainda nas protoformas da

profissão, suscitando a aprovação do Código de Menores em 1927.

Com a elaboração do novo Código de Menores, em 1979, como também do Estatuto da

Criança e do Adolescente, em 1990, fez eclodir uma ampla expansão dos espaços de atuação

dos assistentes sociais. De acordo com Fávero (2003, apud CFESS, 2014, p. 13) a elaboração

do novo Código e do Estatuto engendrou a expansão da atuação profissional levando a profissão

a uma sistematização acerca das práticas desenvolvidas nas instituições que estabeleciam algum

tipo de relação direta com o sistema jurídico. Não obstante, a aprovação da Lei de Execuções

Penais (LEP) em 1984 também suscitou, no Serviço Social, a desenvolver produções sobre a

inserção profissional no sistema penitenciário.

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Nesse sentido, a atuação do assistente social nesses espaços deveria estar configurada

de acordo com caráter disciplinar, o qual estava propondo determinado reajustamento social.

Além disso, ele assumia diversos papéis, como: pesquisador social, plantonista em certos

serviços, oferecia orientação técnica de obras sociais, estatística e Fichário Central de

Assistidos. Foram através desses serviços e ações que o Serviço Social se consolidou na área

sociojurídica, visto que apresentou capacidade de responder a demandas neste espaço

(OLIVEIRA; VIEIRA, 2015).

Em decorrência desse debruçamento profissional sobre as práticas desenvolvidas nessa

área, o Serviço Social com o tempo foi construindo, solidificando e ampliando a atuação através

da sua inserção em outros espaços, como “tribunais, ministérios públicos, nas instituições de

cumprimento de medidas socioeducativas, nas defensorias públicas, nas instituições de

acolhimento institucional, entre outras” (idem, 2014, p. 13).

Na contemporaneidade, precisamente a partir da promulgação da Constituição Federal

de 1988, abrem-se outros espaços de atuação profissional em novas instituições que tem por

objetivo assegurar direitos coletivos ou individuais, como o Ministério Público e a Defensoria

Pública; quando se dispõe a analisar as demandas sociais em uma perspectiva de totalidade,

colocando a partícula social para a intervenção dos especialistas do Direito.

Ademais, a constituição apresentou avanços significativos para o Serviço Social, haja

vista que ocorreu a inclusão da Assistência Social no âmbito da Seguridade Social, a qual foi

regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), alguns anos depois,

precisamente em 1993, como política social pública e de responsabilidade estatal.

A inserção do Serviço Social na Defensoria Pública do Estado é visto como forma de

viabilizar e garantir os direitos para os indivíduos que buscam nesse órgão respaldo jurídicos

em contraposição à violação dos seus direitos. Somente a garantia dos mais diversos direitos

evidenciados na Constituição de 1988 não é suficiente se na prática os sujeitos, os cidadãos

comuns, não podem se respaldarem através deles, haja vista a falta de conhecimento. Desse

modo, partindo acerca desse pressuposto, KOSMANN (2006, p. 75) salienta que “de um modo

ético e crítico, o assistente social deve buscar viabilizar respostas que incluam o usuário dos

mais serviços sociais judiciários na esfera dos direitos e no pleno exercício de sua cidadania”.

É através da inserção da profissão no campo sociojurídico4, aqui sendo discutido o

espaço da Defensoria Pública, que teremos em sua totalidade, a efetivação dos direitos sociais

4 O termo campo sócio-jurídico é utilizado para definir o conjunto de áreas de atuação em que as atuações do

Serviço Social se articulam a ações de natureza jurídica, como sistema Judiciário, os sistemas Penitenciário e

Prisional, o sistema de Segurança, o Ministério Público, [as Defensorias Públicas], os sistemas de Proteção e

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para além do jurídico, uma vez que os indivíduos trazem consigo na hora dos atendimentos

demandas que perpassam o jurídico, atingindo várias esferas da sua vida. Cabe ao Serviço

Social, através do primeiro contato, identificar e fazer o devido atendimento e

encaminhamentos se necessário.

Iamamoto (2009) aponta que os (as) assistentes sociais são responsáveis por realizar:

assessorias, consultorias e supervisão técnica; contribuem na formulação,

gestão e avaliação de políticas, programas e projetos sociais; atuam na

instrução de processos sociais, sentenças e decisões, especialmente no campo

sociojurídico; realizam estudos socioeconômicos e orientação social a

indivíduos, grupos e famílias, predominantemente das classes subalternas;

impulsionam a mobilização social desses segmentos e realizam práticas

educativas; formulam e desenvolvem projetos de pesquisa e de atuação

técnica, além de exercem funções de magistério, direção e supervisão

acadêmica (p. 6).

Assim, esses profissionais trabalham numa perspectiva socioeducativa, visando a

prestação de serviços sociais, ao passo que busca a garantia do acesso aos direitos sociais. Além

disso, buscam meios de exercê-los, contribuindo para que as necessidades e os interesses dos

sujeitos adquiram visibilidade e possam ser reconhecidos, estimulando sua organização e

participação em múltiplas áreas, reforçando a perspectiva do controle social. Conforme a

atuação da categoria segue essas premissas, acaba reafirmando o compromisso pré-existente

com os direitos e interesses dos usuários, principalmente, da classe trabalhadora (IAMAMOTO,

2009).

Entretanto, visualizamos o desafio imposto ao Serviço Social de tornar os direitos

sociais efetivos, em detrimento de um sistema judicial que impõe dificuldades na hora de

assegurá-los, uma vez que o “jurídico configura-se como a esfera de resolução dos conflitos

pela impositividade do Estado” (BORGIANNI, 2013, p. 434) mesmo que estes estejam

garantidos por meio de uma Constituição que se diz cidadã. Desse modo, é cobrado à profissão

respostas diante de tal contexto.

acolhimento e as organizações que executam medidas socioeducativas, conforme previstas no Estatuto da Criança

e do Adolescente, dentre outros. O termo sociojurídico passou a ser mais conhecido no meio profissional dos

Assistentes Sociais, especialmente a partir da sua escolha como tema da Revista Serviço Social e Sociedade nº 67

[Cortez, Editora], bem como de uma das sessões temáticas do Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais;2004

(X CBAS) e, ainda, do Encontro Nacional Sócio-jurídico, que ocorreu em Curitiba, em 2004, em que foi discutido

o sistema de defesa de direitos nas áreas do Judiciário e do Penitenciário. Nesse encontro, os participantes

aprovaram, dentro da agenda política, que o conjunto CFESS; CRESS consolidasse a terminologia “campo de

prática sócio-jurídica” (FÁVERO, 2005, p, 2).

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A partir do que aponta Iamamoto (2001, p. 48), o Serviço Social possui um papel

particular quando o assunto é acerca da intervenção no âmbito da questão social, não se

limitando a uma ação messiânica diante da crise do capital e seus reflexos na sociedade, fazendo

resgate do seu histórico e se reduzindo a uma prática assistencialista, através de uma

legitimação ou da compensação das desigualdades econômicas, atendendo assim às demandas

expressas pelo sistema emergente.

Devemos, nesse momento, considerar que a questão social se constitui como eixo

ordenador do currículo, ou seja, a atuação e a formação profissional dos(as) assistentes sociais

é pautada na própria questão social e em suas expressões (BEHRING; SANTOS, 2009).

O que se põe como desafio diante do Serviço Social e consequente a atuação profissional

se vincula à tensão engendrada a partir das mudanças contemporâneas, porque ao se inserir

“num Projeto ético-político engajado, num projeto nacional e popular, ele sofrerá avanços e

recuos diante dos movimentos sociais e do Estado” (idem). Afirmando isto, Forti pontua que:

Os compromissos assumidos pelo Serviço Social brasileiro não endossam,

tampouco “absolutizam”, a lógica instituída pelo capital. Essa profissão que

inicialmente caracterizou-se pela prática moralizante e pelo privilégio, por

longo período de tempo, do controle e do “papel educativo” favorável ao

mundo capitalista, tem atualmente - salvaguardada a heterogeneidade

profissional - o seu histórico conservadorismo e/ou neoconservadorismo

defrontando com um projeto profissional, tido como hegemônico, engendrado

em bases progressistas (internas e externas ao Serviço Social). Esses

compromissos representam um projeto profissional, denominado Projeto

Ético-Político do Serviço Social que [...] tenciona contribuir para legitimar

valores que apontem para a necessidade de desenvolvimento da generalidade

humana, em vez de privilegiarem o corporativismo, os interesses apenas

particulares de grupos sociais ou indivíduos. Não fortalece, desse modo, a

propalada ideia de dissociação entre o particular- individual e o social-

genérico, ou seja, não contribui para fomentar “particularismo” que,

predominando sobre a perspectiva de interesses genérico-coletivos, criem

obstáculos ao desenvolvimento dos próprios indivíduos e da sociedade

(FORTI, 2009, p. 24-25).

Nos tempos hodiernos, observamos que quanto mais alteia as violações dos direitos

humanos mais se amplia a barbárie, tal fator respinga nas profissões que atuam diretamente

com os contingentes populacionais que são afetados pelas expressões desse processo.

Sendo assim, o próprio assistente social enquanto trabalhador assalariado e profissional

que atende as diversas expressões da questão social é duplamente afetado por esse processo de

barbárie. Nos atendimentos realizados pelo Serviço Social dentro da Defensoria Pública não é

diferente, haja vista que os profissionais desenvolvem maneiras de intervenção dentro de um

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sistema repleto de contradições, começando a partir da triagem realizada no início do

atendimento com os assistidos.

Cabe aos assistentes sociais compreender a complexidade daquela expressão da questão

social trazida pelo sujeito, imbuída de violações de direitos que na maioria das vezes é

engendrada a partir das situações estruturais e conjunturais as quais ele está imerso, exigindo

do profissional uma visão crítica acerca do problema evidenciado como também resposta

imediata, sempre se atentando ao seu processo de trabalho.

Behring e Santos (2009) fazem uma análise pertinente sobre o processo de trabalho

dos(as) assistentes sociais face à questão social, posto que:

o sentido da atividade profissional na contemporaneidade, que se altera na

medida em que muda o padrão de acumulação e, consequentemente, de

regulação social, com impactos na configuração da questão social e suas

formas de enfrentamento pelas classes e pelo Estado, este último a partir de

sua direção de classe (p. 3).

Acerca disso, Fávero expõe que:

os assistentes sociais têm como objeto as expressões da questão social e que

essas expressões expõe violações de direitos, geralmente provocadas por

situações estruturais e conjunturais, exige de nós a análise crítica sobre as

dimensões que constituem esse processo de trabalho. Isto significa pesquisar

a respeito do objeto sobre o qual a ação acontece, os meios de trabalho que

são os instrumentos, os recursos materiais e em especial os recursos

intelectuais, o conhecimento da realidade social, seus movimentos,

correlações de forças e possibilidades, com vistas a uma clareza sobre a

finalidade do trabalho (FÁVERO, 2012, p. 132).

Sendo assim, tendo em vista que progressivamente o acesso à justiça vem sendo

ampliado de certo modo, até por uma exigência constitucional, através da assistência jurídica

vemos um aumento da inserção do profissional do Serviço Social no campo sociojurídico. De

acordo com autor, esses espaços socio-ocupacionais ocupados pelo Assistente Social permite

uma interpretação da demanda de uma forma mais crítica e social, dando oportunidade para

uma leitura da realidade em sua totalidade, não apenas no teor jurídico, abarcando o todo.

Ela possibilita a interpretação da demanda do ponto de vista social,

oportunizando, assim, a leitura e análise da realidade e o planejamento e

encaminhamento de ações na Perspectiva de Concretização de Direitos com

base na situação, de fato, vivida pelos sujeitos individuais ou coletivos e em

seus direitos de acessarem a justiça. Por trabalhar em consonância com a

garantia de direitos, o assistente social está habilitado a lidar com uma

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diversidade de situações, expressas por pessoas que vivem em condições,

muita vezes, de apartação social, que passam por experiências permeadas por

violência social e interpessoal, com vínculos sociais e familiares rompidos ou

esgarçados. Exemplo disso é o sofrimento social provocado por essas rupturas

e pela humilhação da ausência de acesso a direitos. Nesse contexto, a

possibilidade de ser ouvido, de ser atendido por um profissional que vai

procurar efetivar reflexões e informações sobre direitos e que pode criar um

espaço facilitador de diálogo, de compreensão e de reflexão crítica a respeito

dos problemas e dilemas que vivenciam, pontual ou cronicamente, pode ser

uma maneira mais ágil e viável na direção do acesso à justiça (idem).

Desse modo, no campo sociojurídico a atuação do assistente social está interligada com

a viabilização e garantia dos direitos dos assistidos, construindo uma ponte entre eles e o direito

de acesso à justiça. Em consonância com a tese de garantia de direitos, vemos presente no

desenvolver do direito de acesso à justiça a como também, nos serviços prestados pela

Defensoria Pública, a contradição presente no sistema jurídico que o circunda, uma vez que

vemos a judicialização da questão social, que nada mais é que, “a transferência para o Poder

Judiciário, da responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social, na perspectiva

de efetivação dos direitos humanos” (AGUINSKY e ALENCASTRO, 2006, p. 22).

Barros (2018) apresenta duas faces da judicialização que devem ser discutidas, que

seriam: a judicialização das políticas sociais com o intuito de maior alcance democrático de

direitos e a outra, que se trata da judicialização como retirada da esfera pública à participação

democrática. A autora enfatiza também no debate suscitado um aspecto que perpassa as relações

sociais brasileiras e até mesmo a questão social, que seria a criminalização dos pobres.

Sendo, assim

De um lado, tem-se um judiciário que é mais acessado para garantir os direitos

e, de outro, uma gestão política que continua a destituir direitos, a criminalizar

os pobres. Compreender qualquer questão sem o elemento da contradição,

falar de judicialização sem apontar também o aspecto perverso que é a

criminalização da vida de determinados sujeitos, é furtar-se do elemento de

análise que considera a história como movimento concreto da realidade

(BARROS, 2018, p. 52).

Nesse aspecto, observamos que, a população mais pauperizada é vista como uma classe

perigosa e até mesmo causadora de suas mazelas sociais, tendo a necessidade de serem contidas

com um poder coercitivo ou jurídico com o intuito de manter a ordem estabelecida por uma

classe dominante que se tornam decisores de suas vidas, resultando numa “ reedição perversa

do ideário que constituirá as bases de legitimação de determinadas políticas de controle social

das classes subalternas” (OLIVEIRA, 2010, p. 101). A pobreza, no decurso do tempo,

permanece sob a mira do extermínio, culpabilizada enquanto fomentadora da criminalidade.

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Barros (2018) apresenta como exemplo o enfrentamento diário dos assistentes sociais

no campo sociojurídico, especificamente na Defensoria Pública, frente ao encarceramento e o

acolhimento institucional de crianças e adolescentes que se mostram como duas expressões da

questão social evidenciando esse movimento de criminalização dos pobres que “delegam à

invisibilidade a vida dos sujeitos alvos de políticas que ainda punem mais do que garantem

proteção social no judiciário” ( p. 53).

Sendo assim, a judicialização é campo fértil de intervenção e construção do trabalho do

assistente social, uma vez que há o elemento da contradição, sendo um espaço de disputas de

interesses distintos.

Diante desse contexto abordado é fundamental evidenciar que:

[...] não se trata de negar a importância ao acesso à justiça em seu sentido

estrito. Entretanto, importa reconhecer que esta via não poderá dar conta,

sozinha, do enfrentamento à questão social, que é histórica e estrutural,

demandando um movimento maior que possui, junto à esfera pública, seu

palco privilegiado de disputa. Desta forma, há que se empreender uma práxis

de acesso à justiça em seu sentido amplo, sem análise reducionista e ingênua

de que a justiça será outorgada pelo Estado, como ator neutro e comprometido

com o bem comum. Este compromisso pertence à sociedade, ou à sua maioria.

E os assistentes sociais que realizam seu processo de trabalho junto ao Poder

Judiciário, além de leitura atenta desta realidade, são desafiados a contribuir

com o que, da esfera pública, é abstraído nas formas de operar e de responder

às práticas jurídicas convencionais (AGUINSKY e ALENCASTRO, 2006, p.

25).

Em suma, em consonância com a responsabilização da sociedade civil, atrelada a luta

pela efetivação do acesso à justiça vemos a Defensoria Pública enquanto órgão de garantia de

direitos, dentro das contradições existentes na ordem vigente. Não podemos esquecer que é

acerca da judicialização que os profissionais do Serviço Social desenvolvem instrumentos e

constroem suas práticas interventivas com o intuito de assegurar direitos e ampliar ainda mais

o direito de acesso à justiça.

De acordo com Guerra (2000), a instrumentalidade no exercício profissional refere-se

não ao conjunto de instrumentos e técnicas, mas sim a uma determinada capacidade constitutiva

da profissão que vem sendo reconstruída no processo socio-histórico, que tem por finalidade

objetivar sua intencionalidade em respostas profissionais. É através dessa capacidade,

construída no exercício profissional, que os assistentes sociais podem modificar, transformar,

a realidade.

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Destarte,

Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que

demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os

instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumento

para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando

instrumentalidade às suas ações. Na medida em que os profissionais utilizam,

criam, adéquam às condições existentes, transformando-as em

meios/instrumentos para a objetivação das intencionalidades, suas ações são

portadoras de instrumentalidade. Deste modo, a instrumentalidade é tanto

condição necessária do todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um

modo de ser, de todo trabalho (GUERRA, 2000, p.2).

A autora evidencia que a instrumentalidade se mostra enquanto condição de

reconhecimento social da profissão, sendo uma propriedade que possibilita o entendimento das

demandas e o alcance dos objetivos através da objetivação das intencionalidades profissionais.

Compreende-se que toda práxis social é munida de instrumentalidade, destarte, o trabalho,

enquanto movimento de transformar a natureza a fim de alcançar suas finalidades, também

possui uma instrumentalidade, esta, tem a capacidade de articular as dimensões (técnico-

operativa, teórico-metodológica e ético-política) e convertê-las em respostas profissionais, em

estratégias políticas e em instrumentos técnico-operativos.

Como todos os profissionais têm seus instrumentos de trabalho, e situando o assistente

social enquanto trabalhador assalariado inserido na divisão social e técnica do trabalho, este

necessita de fundamentação teórica, metodológica, técnica e ético-política para intervir na

realidade de cada sujeito que chega como demanda, no caso, na Defensoria Pública.

Os instrumentos técnico-operativos são a soma de instrumentos e técnicas que

possibilita a operacionalização da ação profissional. Desse modo, o uso desses instrumentos é

visto enquanto estratégia para a atuação e intervenção, uma vez que abrange não só o âmbito

das técnicas, mas do conhecimento e habilidades. Como prática profissional, o profissional deve

coordenar e executar programas de enfrentamento às expressões da questão social, respaldando-

se através dos instrumentos técnicos operativos, quais sejam: conversas informais, observação,

folha de produção diária, visita domiciliares, acompanhamento social, entrevistas, relatórios,

encaminhamentos, fichas de cadastro e afins.

O Serviço Social inserido no âmbito da Defensoria Pública é algo recente e ainda em

construção, tendo o assistente social, como outrora já evidenciado, enquanto sujeito que

intervém nas múltiplas formas da questão social que se apresentam à instituição. A ampliação

desse espaço de atuação é fruto da emergência de demandas por uma articulação

interinstitucional, para além disso, uma articulação multiprofissional, a qual seja capaz de

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mediar e responder às demandas que envolvem o Judiciário nos casos de medidas

socioeducativas, mediação de conflitos e violação de direitos.

Fávero (2005, p. 51) salienta que, nos tempos hodiernos o Serviço Social atua em várias

frentes e suas atribuições não se limitam apenas a situações relacionadas com medidas judiciais,

uma vez que este atua de acordo com os princípios norteadores da profissão, ou tentam, uma

vez que não podemos deixar de mencionar as dificuldades de atuação desses profissionais em

um ambiente que a hierarquia institucional do direito tenta se sobrepor acima de todos os

saberes, entre eles, o saber do próprio Serviço Social.

Sendo assim, reconhecendo que o Serviço Social é uma profissão que teve seu advento

no berço da contradição do sistema vigente, o campo sociojurídico apesar de trazer uma costura

diferente, com um novo bordado de contradições e expressões da questão social, não se torna

um campo tão inusitado para desenvolver uma intervenção profissional, haja vista o histórico

da profissão.

Diante disso, por mais que tenha ocorrido uma ampliação do espaço sócio ocupacional

do (a) assistente social no sociojurídico, especialmente, na Defensoria Pública, contudo, é um

processo de expansão caracterizado e camuflado pela precarização do processo de trabalho.

Logo, os vínculos de trabalho são frágeis e o perfil profissional exigido é o polivalente,

pragmático, pontual e imediatista. Perfil esse em concordância com as transformações

societárias e o processo de reestruturação produtiva que impactos no mundo do trabalho

(ANTUNES, 2003). É sobre essa problemática que o próximo capítulo versará.

3.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA DEFENSORIA

PÚBLICA

Entendendo o papel da Defensoria Pública na garantia e defesa dos direitos de milhares

de pessoas pauperizadas e afetadas pelas diversas faces da questão social presentes em nossa

contemporaneidade, a atuação do Assistente Social dentro do âmbito sociojurídico é

imprescindível, uma vez que diante de tal contexto de responsabilização criminal dos sujeitos,

esse profissional pode fortalecer a justiciabilidade dos direitos sociais. Contudo, é importante

frisar que, apesar dos avanços com a instituição da Defensoria Pública, isso não se torna

suficiente para modificar a realidade dos indivíduos que são afetados pelas diversas expressões

da questão social, haja vista que estamos inseridos numa sociabilidade burguesa, de caráter

puramente violador.

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Desse modo, sempre haverá violações de direitos dentro desse sistema versado de

contradições, haja vista que é intrínseco a ele. Destarte, a Defensoria se caracteriza enquanto

um instrumento importante do direito ao acesso à justiça, mas não suficiente para solucionar as

mazelas sociais que estão imbuídas no próprio sistema judiciário.

Acerca da inserção e atuação do assistente social no sociojurídico, a autora Raichelis

(2010, p. 12) apresenta algumas elucidações ao evidenciar as principais expressões da questão

social que chegam ao fazer profissional:

O assistente social é um dos mediadores do Estado na intervenção dos

conflitos que ocorrem no espaço privado, particularmente nos âmbitos

doméstico e familiar, atuando prioritariamente nas Varas da Infância,

Juventude e Família, nas dramáticas manifestações da questão social,

expressas pela violência contra a mulher, a infância e a juventude, as situações

de abandono e negligência familiar, o abuso sexual, a prostituição, a

criminalidade infanto-juvenil.

Para realizar o trabalho nesse espaço, os assistentes sociais, de acordo com Barison

(2008, apud Barros 2015, p. 66) precisa assumir uma postura investigativa, desenvolvendo

pesquisa a fim de desvelar a realidade dos sujeitos, contribuindo assim para as decisões

judiciais, assegurando os direitos dos indivíduos e sociedade.

Ademais, deve estar sempre renovando seu aparato teórico, aprimorando seus

conhecimentos e articulando com a rede de serviços, sempre estando comprometido com o

projeto ético-político e valorizando o trabalho interdisciplinar. O assistente social trabalha com

as diversas expressões da questão social, caracterizadas nesse espaço laboral pelos conflitos

que envolvem a dinâmica familiar, em sua maioria das vezes, sendo de suma importância à

orientação e avaliação social em ações para a garantia de direitos.

Atuação dos profissionais do Serviço Social é pautada no que dispõe o código de ética

da profissão de 1993, respeitando os indivíduos e atuando no processo de transferência de

direitos, bem como se valendo do disposto na lei de regulamentação da profissão (Lei nº

8.662/93) que em seu Art. 4º estabelece ser competências do assistente social dentre outros os

postos destacados a seguir:

I. Elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos

da administração pública, direta e indireta, empresas, entidades e organizações

populares. II.elaborar, coordenar executar e avaliar planos, programas e projetos que

sejam do âmbito de Serviço Social com participação da sociedade civil; III. encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos,

grupos e á população.

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IV - (Vetado); 45 Lei n º 8.662 V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de

identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de

seus direitos; VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a

análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta

e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias

relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada

às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e

sociais da coletividade; X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de

Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios

e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta,

empresas privadas e outras entidades (BRASIL, 2012, p.44).

Ainda no aspecto de competências e atribuições, evidencia-se no art. 5º do referido

Código de ética que, constituem-se como atribuições privativas dos/as assistentes sociais:

I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas,

planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de

Serviço Social; III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e

indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e

pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como

pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e

adquiridos em curso de formação regular; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço

Social; VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de

graduação e pós-graduação; VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa

em Serviço Social; 47 Lei n º 8.662 IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões

julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais,

ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados

sobre assuntos de Serviço Social; XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e

Regionais; XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou

privadas; XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira

em órgãos e entidades representativas da categoria profissional. (BRASIL,

2012, p.47)

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65

Segundo Chauri (2008, p. 128, apud Barros, 2015, p. 67), conflitos engendrados no seio

familiar levam os sujeitos a buscarem a justiça a fim de solucionar seus problemas que abarcam

o âmbito privado. Diversos direitos assegurados por lei não são aplicados devidamente na vida

das pessoas que, acabam buscando a via judicial no intuito de efetivação desses direitos.

O acesso à justiça apresenta duas finalidades básicas: a primeira é que os

sujeitos podem reivindicar seus direitos e buscar a solução de seus problemas

sob o patrocínio e a proteção do Estado, e, portanto, o sistema jurídico deve

produzir resultados que sejam individual e socialmente justos; e a segunda

corresponde ao fim último do sistema jurídico no Estado Democrático de

Direito, que é o de garantir o acesso à justiça igualmente a todos.

Na Defensoria Pública do Estado, o Serviço Social tem como principal foco de atuação

o atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social que sofrem diretamente

as consequências da desigualdade social e buscam a instituição no intuito de receberem

orientações jurídicas, evitando até mesmo a judicialização desnecessária de alguma ação,

contribuindo para o desvelamento das diferentes expressões da questão social.

A área de atuação dos assistentes sociais é vasta dentro da instituição, envolvendo

questões acerca de saúde mental; violência doméstica; interdições; conflitos familiares; guarda

de menores; acolhimento institucional; requisições de medicações; investigação de paternidade;

pensão alimentícia; partilha de bens; divórcio consensual ou litigioso; dissolução e

reconhecimento de união estável; alvará judicial; facilitação de acordos extrajudiciais;

utilizando também da articulação e encaminhamentos a rede de serviços, buscando a

integralidade dos atendimentos. Essas demandas, como já evidenciado outrora por Barros

(2018), chegam ao cotidiano do profissional carregadas de violações de direitos advindas das

contradições presentes na relação capital/trabalho que constitui o modelo do sistema

econômico/social vigente.

Além disso, muitas demandas sociais que chegam silenciadas no ato de busca por

orientações jurídicas pelo assistido, são decifradas pelo assistente social que utiliza do seu

conhecimento técnico e teórico para buscar meios para resolver a situação apresentada. Por isso

é relevante identificar os aspectos ocultos, tanto na hora da triagem como nos processos

judiciais. Desse modo, como afirma Barison apud Barros, (2015), a uma necessidade de análise

técnica do assistente social, procurando sempre compreender e decifrar as expressões da

questão social que são vivenciadas pelas famílias e indivíduos, expressões essas que interferem

diretamente na organização e dinâmica do grupo familiar, o que engendra violações de direitos.

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A rotina do Serviço Social na Defensoria Pública, de acordo Barros (2018), inclui os

atendimentos técnicos especializados ao público no momento da triagem, que consiste

basicamente no acolhimento; escuta qualificada; orientações; encaminhamentos; suporte

técnico aos defensores os quais os assistentes sociais se reportam acerca dos assistidos,

aplicação de instrumentais técnicos e específicos do Serviço Social; elaboração de declarações;

interpretação de documentos; visitas domiciliares e institucionais; participação e elaboração de

eventos, dentre outros intervenções.

Nas atividades desenvolvidas ainda estão à produção de relatórios acerca dos

atendimentos, registro diário dos atendimentos realizados, acompanhamentos processuais,

abertura, acompanhamento e encerramento de procedimentos do Serviço Social.

Desse modo, o próximo item versará acerca da atuação profissional no âmbito da

Defensoria Pública do Estado do RN.

3.3. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ENQUANTO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL

A estrutura administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte foi

instituída mediante a Lei Complementar Estadual de número 251, datada de 07 de julho de

2003, tendo por base a Lei Complementar Federal de número 80, de 1994, que criou a

Defensoria Pública da União e consolidou normais gerais para a sua criação nos estados

brasileiros.

O órgão dispõe de funções, as quais o artº 3 da lei complementar evidencia, quais sejam:

Art. 3º São funções institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre

outras que lhes sejam correlatas: I - promover, extrajudicialmente, a

conciliação entre as partes em conflito de interesses; II - patrocinar ação penal

privada e a subsidiária da pública; III - patrocinar defesa em ação penal; IV -

patrocinar ação civil; V - patrocinar defesa em ação civil e reconvir; VI - atuar

como Curador Especial de necessitados, nos casos previstos em lei; VII -

exercer a defesa da criança e do adolescente, nos casos previstos em Lei; VIII

- atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar

à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias

individuais; IX - assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com

recursos e meios a ela inerentes; X - atuar junto aos Juizados Especiais Cíveis

e Criminais; XI - patrocinar os direitos e interesses do consumidor necessitado

lesado; XII - promover, junto aos cartórios competentes, o assentamento de

registro civil de nascimento e óbito de necessitados. (BRASIL, 2003)

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Apesar de ser uma Instituição Estadual, a Defensoria Pública não está vinculada ao

Governo, tendo sua autonomia prevista na Constituição Federal, algo que de certo modo

assegura os Defensores Públicos a efetivarem sua atuação frente às causas processuais

apresentadas pelos assistidos sem qualquer tipo de constrangimento.

Desse modo, o Defensor possui independência na sua atuação profissional, cabendo-lhe

decidir livremente acerca de cada caso que venha atuar, de acordo com a Lei. É importante

salientar que atualmente no Estado do Rio Grande do Norte existem 64 Defensores Públicos

em atuação, sendo que a administração superior da instituição é conduzida pelo Defensor

Público-Geral. No anexo II, objetivo principal desta pesquisa, atuam hodiernamente 14

defensores distribuídos entre as áreas cíveis, família, Infância e Juventude e criminal.

Antes da promulgação da Constituição de 1988 incumbir a Defensoria Pública enquanto

órgão destinado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos, a sua trajetória até a presente data foi marcada por lutas sociais em

defesa do direito de acesso à justiça.

De acordo com registros institucionais5, em meados de 1987 a Procuradoria Geral do

Estado do RN, especificamente na Procuradoria de Assistência Jurídica, ofertava serviços

jurídicos a comunidade de forma gratuita prestados pelos primeiros defensores públicos,

quando a instituição nem existia; o primeiro concurso para a função ocorreu em 1986 para

atuarem na área cível e criminal. Estes trabalhavam com assistentes jurídicos e eram

responsáveis por realizarem o atendimento a toda população, fazer acompanhamento processual

e participar de júris no Estado. Essa prática se estendeu por 16 anos até a criação oficial da

Defensoria Pública do Estado (DPE-RN).

No ano de 2000, os Estados do Rio Grande do Norte e Alagoas eram os únicos do

Nordeste que ainda não tinham a estrutura da Defensoria Pública. Engajado com a luta pelo

acesso à justiça gratuita e eficiente, o procurador Valério Djalma Cavalcanti Marinho e também

chefe da Procuradoria de Assistência Jurídica, efetivou entre tantos feitos, o envio à Assembleia

Legislativa do Estado o Projeto de Lei que criara, outrora, a Defensoria Pública do Estado do

RN. Nessa trajetória, se passaram quatro anos até a aprovação do PL no legislativo estadual e

a sanção do Governo. Nesse espaço de tempo, houve a criação do projeto que definia a atuação

da Defensoria Pública e sua estrutura organizacional.

5 Informações colhidas a partir da leitura efetuada na Edição Especial de 15 anos da Defensoria, Revista da

Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, agosto de 2018, Ano 2, Edição 2.

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Hodiernamente, o Rio Grande do Norte possui 13 (treze) núcleos sede espalhados por

todo o estado, quais sejam, Núcleo de Assú, Núcleo de Caicó, Núcleo de Ceará-mirim,Núcleo

de Currais Novos, Núcleo de Macaíba, Núcleo de Mossoró, Núcleo de Natal, Núcleo de Nísia

Floresta, Núcleo de Nova Cruz, Núcleo de Parnamirim, Núcleo de Pau dos Ferros, Núcleo de

Santa Cruz, Núcleo de São Gonçalo do Amarante, responsáveis por atender as demandas

jurídicas da população.

FIGURA 3 - MAPA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO RN

Fonte: site da Defensoria Pública do Estado do RN

A Defensoria Pública atua em qualquer espécie de caso, desde que seja do âmbito da

Justiça Estadual. Cabe destacar algumas áreas de atuação, como a Cível que envolve o Direito

Civil; de Família e Sucessões; do Consumidor; Urbanístico; Ambiental; à Saúde; a Tutela

Coletiva, Criminal, Infância e Juventude e Execução Criminal.

O Núcleo Especializado de Acompanhamento Processual Cível foi regulamentado a

partir da resolução estadual de nº 87/2014 formulada pelo Conselho Superior da Defensoria

Pública -CSDP, sendo coordenado por um defensor público da área cível. Suas atribuições estão

na realização da: 1) Assistência Jurídica para o exercício do contraditório (contestação,

justificativa e defesas cíveis); 2) Orientação do andamento processual e diligências; 3)

Acompanhamento de audiências; 4) Interposição de recursos; 5) Prestar informações a outros

órgãos sobre casos que exista atuação dos defensores do núcleo.

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Ainda de acordo com a resolução 87/2014, a quantidade de atendimentos deve ser de

10 (dez) atendimentos por defensoria; tendo em vista que cada defensor é responsável por uma

e 5 (cinco) defesas por semana por defensoria. Esse número somente poderá ser ampliado ou

reduzido por determinação do CSDP.

Conforme o Mapa da Defensoria (2013), realizado pela Associação Nacional dos

Defensores Públicos (ANADEP) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “o

critério de renda e o limite de três salários-mínimos têm sido os parâmetros utilizados pelo

Ministério da Justiça e pelo PNUD nas edições do Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil,

por serem de fácil aferição com base nos dados no IBGE”.

Referente à Defensoria Pública do RN, a partir da resolução estadual de nº 014/2010

CSDP, para o assistido ser considerado hipossuficiente deverá passar pela triagem do “Perfil

Socioeconômico” que se trata da declaração de hipossuficiência elaborada com a juntada de

dados acerca da entidade familiar do assistido, sua renda e patrimônio. A recusa do atendimento

é atribuição institucional do defensor público, apesar do atendimento ser feito pelo Serviço

Social.

De acordo com o artigo 4º da Lei Complementar Estadual de nº 251/2013, são

considerados hipossuficientes os indivíduos que:

para os fins desta Lei, aquele cuja insuficiência de recursos não lhe permita

arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo

do sustento próprio e de sua família, especialmente nos seguintes casos: I -

tenha renda pessoal mensal inferior a dois salários mínimos; II - pertença à

entidade familiar cuja média de renda “per capita” ou mensal não ultrapasse a

metade do valor referido no inciso anterior (BRASIL, 2013, p. 2).

O defensor indefere a assistência gratuita se houver recusa do assistido em apresentar

documentos comprobatórios possuindo vínculo empregatício; se este se negar a assinar a

declaração de hipossuficiência ou a responder as perguntas que estruturam o perfil

socioeconômico e, se for verificado indícios de que a renda declarada não corresponde ao

padrão de vida ou ao patrimônio.

No que condiz às demandas, no primeiro semestre do ano de 2019, o Núcleo de

Acompanhamento Processual Cível, Anexo II, de acordo com o Relatório de Atendimento

produzido pelo Setor Social, atendeu as seguintes demandas:

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QUADRO 1. RELATÓRIO DE ATENDIMENTOS - SETOR SOCIAL CÍVEL - JANEIRO A

MAIO DE 2019

ATENDIMENTO QUANTIFICAÇÃO

ORIENTAÇÃO INICIAL 1.511

ACOMPANHAMENTO PROCESSUAL 1.631

DEFESA 399

DILIGÊNCIAS ENTREGUES AO SETOR SOCIAL 1.447

Fonte: Dados coletados a partir da pesquisa documental na DPE.

Conforme destaca o quadro, a maior demanda do Setor Social é o acompanhamento

processual cível, que é realizada por uma equipe composta por três profissionais e seis

estagiárias. Observa-se um não cumprimento das exigências previstas nas legislações e

resoluções da categoria profissional que tem por embasamento o Projeto Ético-Político da

profissão tendo em vista a falta de criticidade e totalidade nos atendimentos devido a demanda

crescente. Visualiza-se ademais, desvio de funções na realização de diligências que vão além

de envio de ofícios, se estendo a entrega nos correios de correspondências e agendar audiências

para os Defensores, além de tirar xerox ou digitalizar mensalmente suas planilhas de audiências.

As defesas realizadas exigem dos profissionais do Serviço Social um entendimento

acerca do jurídico, seus termos, a fim de narrar os fatos para fazer a defesa do assistido. Perde-

se nos atendimentos a escuta e o acolhimento, haja a vista a alta demanda e as solicitações

superficiais dos Defensores acerca da vida daquele sujeito, como também a ausência de

qualificação profissional que não estiga a criticidade em cada atendimento.

As orientações são a porta de entrada. Com a lógica de quantificar os atendimentos e

até mesmo cronometrar cada orientação, perde-se o viés social do setor, atendendo apenas a

demanda jurídica, deixando de fazer as devidas intervenções e encaminhamentos para a rede

socioassistencial, se resumindo enquanto técnicos administrativos do direito.

Destarte, o que se vislumbra no espaço de trabalho do setor social é a sobrecarga de

trabalho, tanto por falta de recursos humanos como também pelo desvio de função, em que os

profissionais de Serviço Social são requisitados a realizar tarefas que não competem a sua

atribuição, a saber: serviços administrativos, atuando enquanto “secretários” dos Defensores

Públicos, realizando agendamentos de audiências, emitindo suas pautas, além de digitalizar

documentos diversos.

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O posicionamento dos profissionais do Setor Social frente as demandas puramente

administrativas é inerte, tendo em vista a não produção de nenhum instrumental que venha

interferir no cenário atual de precarização. Ademais, há falta de reconhecimento enquanto

classe trabalhadora, algo que engessa e fragmenta ainda mais as relações de trabalho dentro da

instituição. Não há o uso das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-

operativa de maneira indissociável em detrimento a dinâmica do espaço laboral e a falta de

criticidade por parte dos profissionais.

Somando-se a ausência de uma atuação profissional balizada com o Projeto Ético-

Político, observa-se também, o vínculo empregatício fragilizado em decorrência da lógica do

capital, que fragmenta as relações sociais e o trabalho, afetando diretamente a atuação

profissional e os resultados de possíveis tentativas de intervenção. Tais questões se apresentam

como atenuantes da falta de efetividade do trabalho do Assistente Social na DPE/RN.

Assim, a intencionalidade dos assistentes sociais passa a ser mediada pela própria lógica

da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão nos espaços, se submetendo a

papéis que são alocados por organismos ou instâncias próprios da ordem burguesa no estágio

monopolista, que tem imbuído em si a lógica do mercado. “ Assim, o assistente social adquire

a condição de trabalhador assalariado com todos os condicionamentos que disso decorre”

(GUERRA, 2010, p.10).

Desse modo, o que podemos visualizar a partir da quantificação das demandas

apresentadas, como também, da própria divisão das demandas, é a sobrecarga de trabalho

direcionada ao assistente social. A ele é delegado pelos Defensores Públicos a tarefa de atender

as demandas de maneira superficial e rápida, compreender o juridiquês do Direito na elaboração

das declarações que servirão como respaldo para a construção das impugnações. Vemos no

fazer profissional dos assistentes socias do Anexo II, o desvio de função e a não valorização do

próprio Serviço Social. Perde-se de vista o viés crítico do profissional quando este atende

apenas as solicitações engessadas dos Defensores sem a tentativa de investigar a fundo as

demandas jurídicas que chegam revestidas pelas expressões da questão social. Isso se dá em

detrimento ao vínculo fragilizado do profissional e as correlações de forças presentes na

instituição, algo que será evidenciado a fundo no próximo capítulo apresentando a crise do

capitalismo e os seus reflexos na atuação profissional, que resulta na modificação do mundo do

trabalho.

Iremos esmiuçar os serviços desenvolvidos na Defensoria Pública do Estado do RN,

Anexo II, enfatizando o espaço laboral precarizado e perpassado pela impositividade do Direito,

reafirmando mais uma vez que o Direito é um complexo burguês.

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4. CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E O SEU REFLEXO NA

ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA

DO RN

Neste capítulo, no primeiro item, iremos fazer uma breve elucidação acerca da crise

contemporânea do capitalismo e evidenciar seus rebatimentos na atuação profissional, como

também, esmiuçar os serviços desenvolvidos no Setor Social da Defensoria Pública e o processo

de flexibilização do trabalho. No segundo item evidenciamos o Projeto Ético Político da

profissão dando embasamento para discorrer o terceiro item, que disserta acerca dos desafios

e as possibilidades da atuação profissional no sociojurídico.

4.1. A CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E AS CONTRADIÇÕES QUE

PERPASSAM AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA DEFENSORIA PÚBLICA

Os anos que antecederam a década de 1970, período de reconstrução do segundo pós-

guerra, foram marcados pelo modelo de produção fordista-keynesiano nos países centrais

caracterizado por uma fase de expansão do capitalismo. Era possível visualizar nessa época

demasiado crescimento de empregos, salários, como também forte intervenção Estatal,

concentração e expansão de capitais, além do aumento na produção laboral e produção de

mercadorias em detrimento aos avanços tecnológicos presentes na época.

Esse modelo econômico, de acordo com Mota (2009), teve como um dos principais

pilares de sustentação institucional o Welfare State ou Estado de bem-estar social, o qual

posicionou o Estado enquanto agente da promoção social e organizador da economia, como

também, integrou a sua dinâmica econômica assuntos relacionados às demandas do proletariado

no quesito melhorias nas condições de vida e trabalho.

Referente às demandas, estas tiveram sua incorporação através de

alocação de fundos públicos na constituição de políticas econômicas e sociais,

o que favoreceu a ampliação do consumo por parte dos trabalhadores: ao

tempo em que desmercantilizava o atendimento de algumas das necessidades

sociais através de salários indiretos, via políticas sociais públicas, a ação

estatal permitia a liberação de salários reais e o consequente aumento da

demanda por consumo de mercadorias, criando as condições para o

surgimento da produção e do consumo em massa, típicos do regime fordista

de produção (MOTA, 2009, p.6).

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Entretanto, a autora evidencia que, enquanto os países centrais garantiam a reprodução

do econômico com desenvolvimento social, os países que não conseguiram se desenvolver,

conhecidos como a periferia mundial, visualizavam a defesa do desenvolvimentismo como

meio de se integrar à ordem econômica mundial.

Em meados da década de 1970 ocorre o declínio do modelo econômico que até então

estava vigente instaurado por uma crise estrutural do capital por não conseguir conter mais uma

crise mundial proveniente da diminuição da produção industrial, pelo endividamento do setor

público e pela intensificação do desemprego estrutural. A crise teve início nos EUA, o centro

da economia capitalista, e se alastrou mundialmente nas décadas de 1980 e 1990.

Em detrimento ao aumento dos custos de produção e a retração do mercado, o capital

buscou reduzir seus custos através da contratação de mão-de-obra barata e sindicalmente menos

organizada, bem como matérias-primas mais acessíveis que poderiam ser encontradas no

Terceiro Mundo. Esse processo está articulado à ascensão do neoliberalismo, conseqüência da

crise do Estado de Bem Estar Social.

A partir da crise estrutural do capital ocorre um processo de reestruturação capitalista

que atinge as mais diversas instâncias do ser social (ALVES, 2007, p. 155). Temos a partir da

mundialização do capital, isto é, no decorrer da década de 1980, o advento de outro modelo de

produção, o Toyotismo, que surge através da indústria automotiva japonesa que em busca de

sair da retração econômica mundial e “ visando a recuperação do seu ciclo de expansão e, ao

mesmo tempo, recompor seu projeto de dominação societal” (ANTUNES, 2008, p. 43)

somando-se ao modelo fordista, sendo o Toyotista hegemônico.

Behring (2003) evidencia que esse momento de redesenho do capital em busca do

diferencial de produtividade do trabalho como fonte de superlucros abriu espaços para a

mundialização do capital combinada com o processo de financeirização e ajuste neoliberal,

principalmente quando apresenta nessa fase um novo perfil das políticas econômicas e

industriais engendradas pelos Estados nacionais, como também o novo padrão suscitado da

relação Estado e sociedade civil.

Esse processo de reestruturação, de acordo com Alves (2007, p. 156) é tão somente

“mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e

de manipulação do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo” e, da necessidade

de ter controle sobre as lutas sociais oriundas do trabalho que se iniciou a partir do processo de

reorganização das suas formas de dominação social.

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Antunes (2008) evidencia isso apontando alguns fatores,

Opondo-se ao contra-poder que emergia das lutas sociais, o capital iniciou um

processo de reorganização das suas formas de dominação societal, não só

procurando reorganizar em termos capitalistas o processo produtivo, mas

procurando gestar um projeto de recuperação da hegemonia nas mais diversas

esferas da sociabilidade. O fez, por exemplo, no plano ideológico, através do

culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao

individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação

coletiva e social (BIHR, 1998, apud ANTUNES, 2008, p. 43).

O Toyotismo se constituiu enquanto um sistema baseado na produção fluida, flexível e

difusa, que como elucida Alves (2007) respaldando-se em Bihr:

A produção fluida implica a adoção de dispositivos organizacionais como, por

exemplo, o just-in-time/kanban ou o kaizen, que pressupõem, por outro lado,

como nexo essencial, a fluidez subjetiva da força de trabalho, isto é,

envolvimento pró-ativo do operário ou empregado (como salientamos, o nexo

essencial do toyotismo é a “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital).

Além disso, o novo empreendimento capitalista implica a produção flexível

em seus múltiplos aspectos, seja através da contratação salarial, do perfil

profissional ou das novas máquinas de base microeletrônica e informacional;

e a produção difusa significa a adoção ampliada da terceirização e das redes

de subcontratação (BIHR, 1998, apud ALVES, 2007, p. 158-159).

Tornando-se um modelo de produção adequado para o momento que se encontrava o

capitalismo, sob a mundialização do capital, apresentando novas tecnologias microeletrônicas

na produção, as quais, exigiam do proletariado um novo envolvimento com as atividades

laborais desenvolvidas, portanto, há o engendramento de uma nova subordinação formal-

intelectual do trabalho ao capital. Observamos aqui, não apenas uma profunda crise estrutural

do capital, mas uma transformação do mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na

própria estrutura produtiva e nas formas de representação sindical e até mesmo política.

Nesses novos processos de trabalho surgem uma flexibilização da produção por novos

padrões de busca de produtividade.

O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista

dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas

transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que

diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são

flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para

adequar-se a sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores

são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou

mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela

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participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento

manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo

sistema produtor de mercadorias (ANTUNES, 2015, p. 34).

O Toyotismo se mostra enquanto uma ofensiva ideológica e material do capital na

produção, sendo um dispositivo organizacional que se desenvolve com a finalidade de

[...] buscar debilitar (e anular) ou “negar’, o caráter antagônico do trabalho

vivo no seio da produção do capital. Por isso, a construção do toyotismo é

resultado sócio-histórico de um processo de intensa luta de classes, onde

ocorreram importantes derrotas operárias, que tornaram possível a introdução

de uma nova organização social da produção (ALVES, 2007, p. 161).

Desse modo, elucida que esse modelo de produção se mostra enquanto um sistema que

se vincula às derrotas da classe operária e a neutralização do seu “intelectual orgânico” no plano

produtivo. A dinâmica presente na crise-restauração permeia as relações sociais e implica no

redirecionamento da intervenção do Estado, que por sua vez modifica seus mecanismos de

regulação da produção material e da gestão da força de trabalho, renovando suas intervenções

nos sistemas de proteção social, legislação trabalhista e sindical, entre outras.

Desse modo, Mota (2009) salienta que,

Nesse contexto, se redefinem as relações entre Estado, sociedade e mercado,

determinando medidas de ajustes econômicos e de reformas e contra‐reformas sociais, que continuem garantindo a acumulação capitalista, em

conformidade

com as particularidades de cada formação social (MOTA, 2009, p. 5).

Behring (2003) complementa quando evidencia que

A restruturação produtiva vem sendo conduzida em combinação com o ajuste

neoliberal, o qual implica a desregulamentação de direitos, no corte dos gastos sociais,

em deixar milhões de pessoas à sua própria sorte e “mérito” individuais – elemento que

também desconstrói as identidades, jogando os indivíduos numa aleatória e violenta luta

pela sobrevivência. Assinala-se, então, que o caráter da organização do trabalho na

revolução tecnológica em curso é desagregador da solidariedade de classe e regressivo

(BEHRING, 2003, p. 37. Grifos da autora).

Antunes (2015) contextualiza acerca dessas mudanças no mundo do trabalho,

salientando que estas foram tão intensas, que o proletariado enquanto “classe-que-vive-do-

trabalho”, foi a quem mais sentiu os estilhaços, sofrendo a mais aguda crise deste século uma

vez que não atingiu apenas a sua materialidade, mas teve intensa repercussão na sua

subjetividade, afetando a sua forma de ser, uma vez que estes foram “afetados pelas condições

do mercado de trabalho, com o aumento do desemprego, as perdas salariais, o crescimento do

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exército industrial de reserva e o enfraquecimento das suas lutas e capacidade organizativa”

(MOTA, 2009, p. 4).

Essa realidade se expressa no contexto brasileiro e tem consequências para o Serviço

Social e a categoria trabalho. É importante enfatizar que a discussão sobre os rebatimentos da

reestruturação produtiva no trabalho do Serviço Social se deu a partir das intensas

transformações políticas, econômicas e sociais, uma vez que houve a fragmentação da classe

trabalhadora a partir desse processo de acumulação flexível.

No Brasil, a reestruturação do capital mundializado se intensificou nas últimas décadas

do século XX com a introdução de novas formas de gestão, organização da produção e do

trabalho provocando mudanças profundas nas relações sociais e interferindo no trabalho

profissional de diversas categorias, principalmente na intervenção dos profissionais do Serviço

Social. É visto a supressão de direitos sociais garantidos em lei, como também o

escancaramento das portas dos mercados nacionais ao capital especulativo; privatizações

exacerbadas das máquinas públicas e de atividades que até então eram atribuições estatal, como

as políticas sociais e públicas. Neste recorte temporal, observa-se uma deterioração do país,

tendo rebatimento direto nas classes subalternas que tiveram seus direitos e condições de

trabalho suprimidos (KOIKE, 2009, p. 3).

Redefine‐ se o ciclo das mercadorias, instala‐ se o predomínio do

capital financeiro, o Estado é suplantado pelo mercado nas funções de

regulação da vida social. O trabalho, reestruturado e tecnificado torna‐ se

mais homogêneo e indiferenciado. A racionalidade tecnológica e

organizacional imposta aprofunda a supremacia do trabalho morto,

depreciando a força viva de trabalho. Esse se torna mais simplificado, flexível

e com maior autonomia (idem, p.3).

De acordo com Behring (2003) o processo de contrarreforma foi engendrado em

decorrência aos perigos efeitos oferecidos pelo Estado de bem-estar social, o qual

disponibilizava a promoção de uma política expansiva e anticíclica, a garantia de serviços

públicos, a realização de algumas redistribuições de renda através das prestações sociais em

forma de direitos, tais feitos deram suporte a um período de avanços em empregos e consumo,

entre outros feitos. O neoliberalismo visualizando os riscos, em especial nos impulsos dos

movimentos sociais, responde com a, de acordo com Montes (1996):

“retirada do Estado como agente econômico, dissolução do coletivo e do

público em nome da liberdade econômica e do individualismo, corte dos

benefícios sociais, degradação dos serviços públicos, desregulamentação do

mercado de trabalho, desaparição de direitos históricos dos trabalhadores; esses

são os componentes regressivos das posições neoliberais no campo social, que

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alguns se atrevem a propugnar como traços da pós-modernidade” (MONTES,

1996, p.38, apud BEHRING, 2003, p. 58).

Em decorrência a este período de contrarreforma do Estado, vislumbra-se mudanças

significativas nos espaços ocupacionais de atuação dos(as) Assistentes Sociais e

consequentemente o suscitamento de novas manifestações e configurações da questão social.

O Serviço Social enquanto profissão historicamente inserida na divisão social e técnica

do trabalho, se afirma enquanto trabalhador assalariado, haja vista a sua relação de compra e

venda de sua força de trabalho, colocando-o no seio da precarização e flexibilização trabalhista.

O processo de flexibilização trabalhista e dos direitos são elementos centrais da nova

morfologia do trabalho (ANTUNES, 2010) nesse contexto de reestruturação produtiva e das

políticas neoliberais.

Condizente a isto, Raichelis aborda que,

Afirmar que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e

técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo, e

identificar o seu sujeito vivo como trabalhador assalariado, implica

problematizar como se dá a relação de compra e venda dessa força de trabalho

a empregadores diversos, como o Estado, as organizações privadas

empresariais, não governamentais ou patronais. Trata-se de uma interpretação

da profissão que pretende desvendar suas particularidades como parte do

trabalho coletivo, uma vez que o trabalho não é a ação isolada de um

indivíduo, mas é sempre atividade coletiva de caráter eminentemente social

(RAICHELIS, 2011, p. 423).

De acordo com Iamamoto (2012) é nesse contexto de contrarreforma do Estado e suas

marcantes alterações que o(a) Assistente Social tem sua inserção no mercado de trabalho

modificada e consequentemente suas demandas, processos e condições laborais.

É nesse contexto que altera a demanda de trabalho do As, modifica o mercado

de trabalho, altera os processos de trabalho e as condições em que se realizam,

nos quais os assistentes sociais ingressam enquanto profissionais assalariados.

As relações de trabalho tendem a ser desregulamentadas e flexibilizadas.

Verifica-se uma ampla retração dos recursos institucionais para acionar a

defesa dos direitos e dos rateios de acessá-los. Enfim, tem-se um

redimensionamento das condições do nosso exercício profissional, porque ele

se efetiva pela mediação das condições do assalariamento. (IAMAMOTO,

2012, p. 40).

Nesse contexto em que o capitalismo se redesenha buscando saídas com o almejo por

reduções de custos e ampliações das taxas de lucratividade faz com que ocorra a terceirização

dos serviços e consequentemente o engendramento de novas exigências às práticas

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profissionais, aos processos de formação e organização, fomentando um quadro profissional de

trabalhadores polivalentes, tanto na esfera privada quanto na governamental.

Destarte,

O mercado passa a requerer um trabalhador polivalente, com novas

características técnicas e sócio intelectivas, capaz de atuar em diferentes

funções ou postos de trabalho. Os conceitos de profissão e formação

específica, especializada, tendem a perder funcionalidade e desaparecer. O

trabalhador, além da escassez de emprego, vai enfrentar a obsolescência do

seu saber e a perda de organicidade da sociabilidade produzida no

fordismo/keynesianismo (KUENZER, 2006, apud KOIKE, 2009, p. 4).

É possível verificar com a reestruturação o enxugamento dos postos de trabalho e a

precarização das condições laborais. Nesses termos, vemos a contratação de agentes

profissionais que ingressam no mercado de trabalho como proprietários da sua força de trabalho

especializada, adquiridas a partir de uma formação universitária que o legitima enquanto

trabalhador, dotado de qualificação específica para exercer uma atividade laboral complexa em

termos da divisão social do trabalho. Ademais, além das transformações do âmbito laboral,

tentam moldar um novo trabalhador, apto para viver, pensar e atuar de acordo com o novo

padrão societário, com a finalidade de consolidar a sociabilidade do capitalismo redesenhado.

O capitalismo reatualizado solicita dos profissionais, de acordo com Koike (2009),

[...] perfis socioprofissionais que imprimam novos atributos, idéias e

valores à força de trabalho. Prevalecem atributos comportamentais que

se exprimem na conduta individual, com ênfase na criatividade, no

empreendedorismo, adaptabilidade e capacidade de trabalhar sob tensão ou

crise. Critérios preferenciais de aferição da empregabilidade e da

performance profissional que devem ser adquiridos individualmente como

autoinvestimento e aferidos por mecanismos de controle de qualidade como

os exames de proficiência (idem, p.4).

Entretanto, sua força de trabalho só poderá entrar em ação a partir de meios e

instrumentos de trabalho que, não sendo de propriedade do(a) assistente social, devem ser

fornecidos e colocados à sua disposição pelo empregador da instituição contratante, quais

sejam: recursos materiais, humanos, financeiros, serviços, projetos e de um conjunto de outras

atribuições e competências e afins (RAICHELIS, 2011, p. 425), assim, “a condição assalariada

do exercício profissional pressupõe a mediação do próprio mercado de trabalho”. Ademais,

“normas contratuais condicionam o conteúdo e estabelecem limites e possibilidades às

condições de realização da ação profissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 218-219).

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Referente ao Anexo II, cabe agora elucidar acerca deste enquanto o Núcleo de

Acompanhamento Processual Cível evidenciando o Setor Social, porta de entrada do órgão e

setor de atuação do Assistente Social.

Núcleo de Acompanhamento Processual Cível

Na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, o Serviço Social se estrutura

a partir da contratação de uma mão de obra terceirizada6, qualificada, que atua diretamente no

Setor Social a partir de um Regimento Interno. O processo de inserção e atuação do Setor Social

na Defensoria encontrou alguns desafios para a sua consolidação, haja vista a ausência de um

parâmetro institucional de abrangência nacional que referenciasse a atuação dos assistentes

sociais no Órgão. Nesse sentido, alguns núcleos, como o anexo II, estabeleceram suas

competências através de Regimentos Internos, Resoluções, ou o próprio plano de trabalho

profissional.

O setor de Serviço Social da Defensoria Pública do Estado do RN, núcleo de

acompanhamento processual cível, teve sua institucionalização no ano de 2012 e é composto

por duas assistentes sociais, uma psicóloga e seis estagiárias; três de serviço social, duas de

direito e uma de psicologia, as quais atuam com o objetivo de humanizar o atendimento prestado

aos assistidos, realizando encaminhamentos, orientando os cidadãos quanto à busca por seus

direitos, como também aqueles que buscam orientações acerca das ações judiciais em

tramitação no Fórum Desembargador Miguel Seabra e, assessorando outros profissionais da

instituição, especialmente os Defensores Públicos.

No que condiz o atendimento humanizado, o assistente social contribui no fomento

deste quando auxilia os assistidos na busca por alternativas para resolver seus conflitos de uma

maneira mais abrangente, levando em consideração sua totalidade. Desse modo, observa-se que

6 De acordo com Druck (2016) a precarização do trabalho se manifesta na realidade da seguinte forma: as formas

de mercantilização da força de trabalho (o mercado de trabalho); 2) os padrões de gestão e organização do trabalho;

3) as condições de (in)segurança e saúde no trabalho; 4) o isolamento e a perda de enraizamento e de vínculos

resultantes da descartabilidade, da desvalorização e da discriminação, afetando decisivamente a solidariedade de

classe; 5) o enfraquecimento da organização sindical e das formas de luta e representação dos trabalhadores; e, por

fim, 6) a ‘crise’ do direito do trabalho motivada pela ofensiva patronal, que questiona a sua tradição e existência,

expressa hoje nos ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a exemplo das 101 propostas de

modernização trabalhista formuladas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ou do projeto de lei nº 4.330,

proposto e defendido pelo empresariado, que libera a terceirização sem limites. A terceirização é um fenômeno

que incorpora e sintetiza essas seis dimensões da precarização social do trabalho no país, pois

invariavelmente ela coincide com posições mais precárias de inserção no mercado de trabalho; apresenta as piores

condições de trabalho e salariais, e os mais altos índices de acidentes de trabalho; contribui decisivamente para

aumentar a heterogeneidade e a fragmentação da classe trabalhadora e para a pulverização dos sindicatos; e está

no centro da disputa do patronato com o Estado regulador, que busca anular a ação das instituições do direito do

trabalho e do seu papel protetivo dos trabalhadores na relação capital-trabalho (idem, 2016, p. 16-17).

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os trabalhos técnicos realizados devem estar baseados em premissas éticas e

precisam considerar a complexidade da vida desses indivíduos, respeitando-

os como sujeitos de direitos, não reduzindo-os a uma mera medida jurídica,

colaborando, desta forma, para o reencontro de sua dignidade e de sua

cidadania (CHUARI, 2008, p. 139, apud BARROS, 2015, p.71).

Os profissionais do Serviço Social se deparam nos atendimentos com demandas que se

apresentam de maneira individualizada, como os conflitos entre as partes, com litígios, cabendo

ao judiciário, aplicar as leis existentes no sistema estabelecendo as punições cabíveis e

encaminhando soluções para as situações de conflitos.

Nesse momento, os assistentes sociais estão frente ao primeiro desafio de sua atuação,

que é superar a aparência superficial dos fenômenos com os quais se deparam, a qual é dada

primeiramente apenas como uma demanda jurídica, cabendo ao profissional analisar que esta

também está imbuída de conteúdos de cunho social e político, tendo a necessidade de uma

resolutividade que abarque sua totalidade.

Com isso, a partir do seu conhecimento técnico e resolutivo acerca das expressões da

questão social, o(a) assistente social consegue identificar as demandas de essas cunho social

(vulnerabilidade social, violações no acesso ao direito, habitação, desemprego e afins) e

desenvolver ações a fim de resolvê-las a partir das suas intervenções e articulações com os

serviços necessários sem culpabilizar e criminalizar os assistidos.

Setor Social Cível

A DPE/RN, núcleo de acompanhamento cível, anexo II, atua no atendimento de três

(03) tipos de demandas específicas: atendimento/orientação/triagem; defesa e resolução de

diligências.

A porta de entrada do núcleo é o Setor Social, o qual de antemão faz o atendimento e

orientação da demanda que chega trazida pelos(as) usuários(as) até a DPE/RN em busca do

acolhimento jurídico. A orientação, na maior parte dos casos, é o primeiro contato em que o

assistido tem com o acesso à assistência jurídica gratuita.

Nesse momento, o(a) usuário(a) tem a oportunidade de elucidar sua atual situação e

apresentar suas indagações, como também esclarecer dúvidas; fazer o acompanhamento

processual do seu processo através do sistema PJE (caso haja) e ser orientado acerca de seus

encaminhamentos, se for necessário. Se o(a) usuário(a) tiver uma ação já em trâmite mas não

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está habilitado pela defensoria e queira ser habilitado(a), é feita as orientações cabíveis para

verificar se ele(a) se encaixa no perfil socioeconômico.

Referente ao perfil socioeconômico, o IPEA (2013) evidencia que,

Embora não seja o único indicador de vulnerabilidade social (e legal), o

critério de renda e o limite de três salários-mínimos têm sido os parâmetros

utilizados pelo Ministério da Justiça e pelo PNUD nas edições do Diagnóstico

da Defensoria Pública no Brasil, por serem de fácil aferição com base nos

dados no IBGE. Por isso, a adoção desse corte facilita a comparação e o

diálogo com estudos precedentes. Todavia, deve-se ressaltar que não há

legislação que estabeleça qualquer limite remuneratório, assegurando que

pessoas com renda maior possam utilizar os serviços da Defensoria Pública,

sempre que verificada a necessidade.( p. 36).

Contudo, a DPE/RN atende usuários que auferem, se residirem sozinhos, até dois

salários mínimos. Constituindo núcleo familiar, até um salário mínimo por renda per capita. O

perfil socioeconômico é realizado de forma a verificar se o indivíduo preenche os requisitos

que garantem o acesso a assistência jurídica gratuita, mediante comprovação comprobatória. Se

a renda ultrapassar o limite estipulado pela Defensoria Pública, cabe ao Defensor responsável

pela vara a qual o processo está em trâmite, negar ou não a habilitação do usuário(a).

De acordo com o artigo 4º da Lei Complementar nº 251/2003 do Estado do RN,

considera-se necessitado aquele indivíduo que apresente insuficiência de recursos de tal forma

que não permita-o arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo

de prover o sustento próprio e da sua família, especialmente nos seguintes casos:

I - tenha renda pessoal mensal inferior a dois salários mínimos; II - pertença à entidade familiar cuja média de renda “per capita” ou mensal

não ultrapasse a metade do valor referido no inciso anterior.

Nos casos dos(as) usuários(as) da grande Natal que chegam no Núcleo de

Acompanhamento Processual e almejam dar entrada em propositura de ação judicial, é

verificado o perfil socioeconômico e local onde este reside para encaminhá-lo para o núcleo

responsável, podendo ser a Defensoria Pública do município de Parnamirim; São Gonçalo do

Amarante ou para o 1º atendimento; o encaminhamento ocorrerá de acordo com a localização

de moradia deste usuário(a).

Para a realização do atendimento é necessário realizar o acolhimento; que não é

qualificado em detrimento a alta demanda, para compreender a demanda do usuário. Contudo,

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antes de realizar tal procedimento, é solicitado pela instituição descrever o atendimento no

programa UNUgestor a fim de quantificar os atendimentos, como também armazenar

informações dos usuários.

Entretanto, tal prática é visualizada criticamente devido ao vínculo empregatício

fragilizado e as correlações de forças em detrimento a hierarquia existente no recinto laboral,

ocasionado pela terceirização e consequentemente subordinação. Os(as) profissionais são

cobrados(as) a quantificar os atendimentos a fim de cumprir uma lógica produtivista do sistema

capitalista, em que devido a isso, em muitas ocasiões, dificulta a realização de um atendimento

mais minucioso e qualificado, como de acordo com o projeto profissional da profissão.

Do outro lado, é visto como uma forma de facilitar os próximos atendimentos daquele

usuário(a), caso ele retorne, armazendo suas informações. Mas o que predomina é a

quantificação com a finalidade de produção de relatórios no final do semestre.

As principais demandas apresentadas no eixo da orientação vão desde

acompanhamento processual (quando o usuário(a) já está habilitado(a) ) até realizações de

declarações para atualização de endereço e justificativas que são solicitadas através de

despachos emitidos no processo pelo Juiz responsável. As declarações são produzidas de acordo

com o que o Juiz solicita concomitante ao relato do usuário(a).

Referente a Defesa, este atendimento consiste em apresentar a impugnação do

assistido(a) acerca dos fatos apresentados no processo pela outra parte através de uma

declaração. O réu poderá negar através deste a ocorrência dos fatos ou, confirmando-os, negar

as consequências jurídicas afirmadas pela parte autora da petição inicial. A impugnação é uma

modalidade de resposta por meio da qual o réu contesta o pedido do autor ou apenas tenta

desvincular para opor ao autor alegações que possam invalidar a relação processual.

Ademais, nesse setor também ocorre a entrada na propositura de Execução de

prestação alimentícia e o seu cumprimento. Esse atendimento também demanda a produção

do perfil socioeconômico, o qual é elaborado e armazenado no programa UNUgestor. Apesar

da realização de montagem da Defesa Processual ser atribuição privativa do profissional

formado em Direito, a equipe do Setor Social, que é composta por assistentes sociais e

psicóloga, realiza a produção da Defesa do usuário.

O setor de diligências é responsável por buscar e apresentar resolutividade as

diligências apresentadas pelos Defensores. Essas diligências são engendradas a partir de

despachos emitidos pelo Juiz ou mediante necessidade do próprio Defensor. As diligências mais

frequentes são: Cadastro de audiências dos defensores no programa UNUgestor; digitalizar

desarquivamentos para fins de cumprimento de sentença ou execução; enviar ofícios para

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cartórios; fazer postagem desses ofícios diretamente nos Correios; solicitar documentação

comprobatória que está faltando e deve ser acrescida aos autos ao assistido(a); atualização de

endereços, avisar acerca da sentença se foi procedente ao não, para isso entra-se em contato

através de ligações, se não obtiver êxito, envia-se telegrama; como também, digitalizar

documentos solicitados pelos Defensores ou tirar xerox. Como a Defesa, o eixo da Diligência

também não pertence às competências e atribuições profissionais do(a) Assistente Social, uma

vez que a diligência muitas vezes é um ato preparatório de uma investigação.

É possível visualizar os impactos da reestruturação produtiva desse capital de

acumulação flexível nas relações e condições de trabalho do assistente social, enquanto

trabalhador assalariado, no âmbito da Defensoria Pública, a partir do fomento do tecnicismo

em decorrência da demanda alta de atendimentos para uma equipe profissional pequena,

composta por três profissionais, haja vista a cobrança por um atendimento quantitativo da

instituição. Ademais, a ausência de autonomia profissional em detrimento as disputas de

interesses presente no âmbito do sociojurídico, é vista quando a hierarquia institucional do

direito se sobrepõe acima dos outros saberes, entre eles, o saber do Serviço Social.

Além disso, observamos a fragilidade na própria contratação desses profissionais que

é por meio da terceirização.

Mota (2014), disserta acerca das mazelas das terceirizações quando salienta que,

No campo do Serviço Social, as terceirizações, o trabalho por projeto, a

contratação por horas de trabalho etc. podem contribuir para a

desprofissionalização sob o signo da multifuncionalidade e da

multidisciplinaridade, criando verdadeiras subespecializações profissionais,

diante das quais o saber-fazer constitui a antítese do trabalho intelectual e a

negação das diretrizes curriculares do curso de Serviço Social. Sem dúvidas,

esses processos são favorecidos pela expansão do exército de reserva

profissional.

É importante enfatizar ainda o redirecionamento das demandas institucionais para os

estagiários, que, por falta de profissionais no quadro profissional, acabam por absorver as

demandas da instituição e fazendo o papel do assistente social. Verifica-se com essas práticas

um caráter reducionista uma vez que o estudante é utilizado como força de trabalho, se

configurando enquanto um exercício ilegal da profissão, algo que modifica a dimensão

educativa imbuída no processo do estágio em detrimento a lógica capitalista. O estágio

supervisionado curricular não obrigatório, o qual está balizado pela Lei 11.788/2008, se

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configura no curso de Serviço Social enquanto atividade complementar, de caráter opcional,

com a finalidade de capacitação para o exercício profissional.

Nessa perspectiva, compreende-se que a inserção do Assistente Social; força de trabalho

assalariado, no mercado de trabalho, seja ele no âmbito público ou privado, tem suas relações

de trabalho regulamentadas por um contrato, em que se estabelecem as condições que o trabalho

será desenvolvido, a jornada laborativa, salário e, até mesmo, suas atribuições dentro da

empresa.

Com a reestruturação do capital tem-se a necessidade entre tantas modificações com a

finalidade de enfrentamento de uma crise sistêmica, as transformações no processo de trabalho,

sendo uma exigência do próprio ordenamento das fases desse processo de produção a fim de

realizar e assegurar a mais-valia e sua reprodução. Essas transformações são inerentes a este

processo de reestruturação produtiva das empresas e da intensificação e desregulamentação do

trabalho, algo que dinamiza a perda de direitos e conquistas sociais.

Isso acontece em decorrência a contra reforma de um Estado neoliberal que fomenta a

privatização e prioriza a redução da responsabilidade pública no que condiz necessidades

sociais da grande maioria, abrindo espaços para a mercantilização e o desmonte de direitos

sociais.

De acordo com Fávero (2018), o sociojurídico enquanto espaço sócio- ocupacional dos

assistentes sociais se torna um âmbito propício para o avanço de requisições conservadoras, em

decorrência dos privilégios institucionais que ofertam poder de controle de disciplinamento de

conflitos individuais e sociais através do Estado Burguês, que o legitima, sobretudo na atual

conjuntura “em que a intolerância e a indiferença aos desejos, necessidades humano-sociais e

direitos do outro (pessoas, profissões, instituições, classes sociais) revelam faces extremas,

permeadas de barbárie” (idem, p. 52).

É notável que os processos de reestruturação produtiva atingem diretamente o mercado

de trabalho do assistente social, uma vez que há uma redução de postos governamentais e sua

transferência para os municípios em virtude da descentralização do serviço público. Dessa

forma, há um aumento das subcontratações desses profissionais por meio de empresas de

serviços, direcionando-o para o exercício profissional privado. A ação indireta do Estado na

produção dos serviços públicos e a terceirização dos assistentes sociais é algo recorrente em

nossa contemporaneidade.

É visto nesse cenário atual a criminalização dos pobres e a judicialização de expressões

da questão social que aumentam e acabam dinamizando as práticas de resistência na direção

da afirmação e defesa dos direitos humanos. Sendo assim, vemos a importância no fomento dos

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debates e reflexões sobre essas requisições conservadoras e práticas de resistência no exercício

do trabalho do assistente social, ainda mais em tempos de intensa precarização e banalização

da formação profissional, como também desmonte dos direitos dos trabalhadores. Essas

requisições conservadoras nos espaços de trabalho do sociojurídico vem se afirmando através

de disposições legislativas e de projetos de lei que retrocedem os direitos conquistados com a

Constituição Federal de 1988.

Conclui-se destacando que a prática profissional exige um profissional qualificado, que

reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que pensar, analisar, pesquisar

e decifrar a realidade, afinal este é um profissional que é chamado para atuar na relação

antagônica e conflituosa entre capital e trabalho, sendo visualizado nas relações sociais um

agravamento das expressões da questão social que necessita de medidas de enfrentamento,

pautado em ética profissional e abandonando qualquer tipo de assistencialismo e filantropia,

afinal para realizar ações caritativas não é necessário curso superior.

Para tanto, compreendendo que o debate deve ser ainda fomentado, viu-se a necessidade

de dissertamos acerca dos princípios do projeto ético-político profissional a fim de ter coesão e

profundidade na pesquisa a partir dessa baliza profissional de cunho político da profissão.

4.2. OS PRINCÍPIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL (PEP) DO

SERVIÇO SOCIAL

Não devemos silenciar ou amenizar a reestruturação dos mecanismos de acumulação

do capital que fornecem um campo fértil para transformações societárias e consequentemente

impulsionam novas manifestações da questão social, refletindo diretamente no fazer

profissional no campo do sociojurídico. Desta forma, é solicitado ao profissional do Serviço

Social constante movimento teórico, primando sempre por uma intervenção que tenha por

embasamento o projeto ético-político da profissão, sendo sua práxis construída por capacidades

e competências que determinem seu processo de trabalho. Ademais, estes não devem esquecer

de alinhar as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, colocando-as

em práticas de um modo indissociável em sua atuação profissional.

O projeto ético-político da profissão teve sua construção iniciada a partir da transição

da década de 1970 a 1980, período marcado no desenvolvimento do Serviço Social brasileiro

quando este atua no enfrentamento do conservadorismo profissional. É neste processo de luta

e criticidade ao cenário da época que a profissão encontra bases para fundamentar um novo

projeto profissional; o projeto ético-político.

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É claro que a denúncia do conservadorismo do Serviço Social não surgiu

repentinamente – na verdade, desde a segunda metade dos anos sessenta

(quando o Movimento de Reconceituação, que fez estremecer o Serviço Social

na América Latina, deu seus primeiros passos), aquele conservadorismo já era

objeto de problematização. O trânsito dos anos setenta aos oitenta, porém,

situou esta problematização num nível diferente na escala em que coincidiu

com a crise da ditadura brasileira, exercida, desde 1º de abril de 1964, por uma

tecnoburocracia civil sob tutela militar a serviço do grande capital (NETTO,

1999, p. 9).

A ação humana em si é orientada para cumprir objetivos, sendo essa ação individual ou

coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, sempre atuando teleologicamente para

obter seus fins. Esse movimento faz resultar um projeto, que de acordo com Netto (1999), é

exatamente a antecipação ideal da finalidade que se pretende alcançar. Aqui, iremos nos

debruçar exclusivamente a um tipo de projeto coletivo, que o autor designa enquanto projetos

societários.

Netto (1999) elucida que os projetos societários são projetos que apresentam uma

imagem da sociedade a ser moldada e se traduzem enquanto projetos coletivos. Em nossa

sociedade, se traduzem simultaneamente em projetos de classes, “ainda que refratem mais ou

menos fortemente determinações de outra natureza (culturais, de gênero, étnicas etc.)” (idem.

p.2). Com isso, Teixeira e Braz enfatizam que “os projetos societários estão presentes na

dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive em nosso projeto ético-político” (2009,p. 5).

Nos projetos societários tem-se uma dimensão política que envolve relações de poder.

Tendo em seu núcleo a estigma da classe social cujo interesses sociais respondem, os projetos

societários formam estruturas flexíveis que transformam-se de acordo com as conjunturas

políticas e históricas, se adaptando sempre às novas demandas. Desse modo, “num contexto

ditatorial, a vontade política da classe social que exerce o poder político vale-se, para a

implementação do seu projeto societário, de mecanismos e dispositivos especialmente

coercitivos e repressivos” (Netto, 1999. p. 3).

Ademais, o processo histórico também apresentou que, no sistema de produção vigente,

em detrimento a razões econômico-sociais e culturais, mesmo num estágio de democracia, os

projetos societários que atuam em favor aos interesses das classes subalternas, sempre dispõem

de fatores menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes que detêm os meios de

produção e são politicamente dominantes.

De acordo com o autor, os projetos profissionais, que abarca inclusive o projeto ético-

político do Serviço Social, se mostram enquanto a auto-imagem de uma profissão, uma vez que,

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elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos

e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu

exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem

as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões

e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a

que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (NETTO, 1999, p. 4).

Os seguintes projetos são formulados por um sujeito coletivo profissional, que não inclui

apenas os profissionais “de campo” ou “da prática”, mas devendo ser pensado como o conjunto

dos membros que darão a efetividade à profissão. O autor salienta que é a partir dessa

organização que envolve profissionais, as instituições que os formam, estudantes da área,

professores, os pesquisadores e até mesmo os organismos corporativos, que um corpo

profissional consegue construir o seu projeto.

Quando discutimos tal organização envolto ao Serviço Social no Brasil, compreende-se

o sistema CFESS/CRESS, a ABEPSS, a ENESSO e, os sindicatos como também as outras

associações de assistentes sociais. Ademais, Netto evidencia que a partir da experiência sócio-

profissional comprovou-se que para um projeto profissional ter solidez na sociedade é

necessário que a profissão em si tenha em sua base um corpo profissional consolidado e

organizado.

Toda prática profissional, numa sociedade de classes, é versada por uma dimensão

política, logo, subentende-se que o projeto profissional é também um projeto político.

Esse projeto profissional por sua vez conecta‐ se a um determinado

projeto societário cujo eixo central vincula‐ se aos rumos da sociedade

como um todo – é a disputa entre projetos societários que determina,

em última instância, a transformação ou a perpetuação de uma dada ordem

social (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 5).

Os projetos societários podem ser de cunho transformadores ou conservadores. Entre os

transformadores, existem algumas posições que visam estratégias a fim de obter transformações

sociais no meio que é desenvolvido. O projeto ético-político do Serviço Social brasileiro está

vinculado a um projeto de transformação da sociedade, tendo essa vinculação exigida pela

dimensão política da intervenção profissional. A atuação do assistente social é desenvolvida

numa maré recheada de contradições, algo que acaba por direcionar as ações profissionais,

favorecendo a um ou outro projeto societário.

As demandas que chegam até esses profissionais se apresentam versadas por um caráter

mistificador, uma vez que nem sempre transparecem seus reais determinantes e as questões

sociais que estão envoltas. Desse modo, essas demandas devem ser processadas teoricamente.

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Por diversas vezes, tendo consciência ou não, os profissionais desenvolvem intervenções no

seu cotidiano profissional favorecendo interesses sociais mesclados de contradição, algo que

fomenta interesses distintos.

O sujeito coletivo que constrói o projeto profissional é um indivíduo heterogêneo, tendo

sua origem, expectativas sociais, condições intelectuais, ideologias e afins distintas. A categoria

profissional é composta por seres diferentes, algo que possibilita uma unidade não-homogênea,

com projetos individuais e societários diversos, configurando um espaço plural propício ao

surgimento de projetos distintos. Sendo assim, a categoria profissional se mostra enquanto um

campo composto por tensões e de lutas, não suprimindo as contradições apesar da consolidação

de um projeto profissional.

Por isso, deve-se compreender que o pluralismo está imbricado na consolidação desse

projeto político, fazendo parte do seu corpo e deve ser respeitado. Entretanto, a consciência de

tal fato não poderá abrir brechas para uma prática imbuída com uma tolerância liberal. Ao

contrário, devemos utilizar o terreno fértil do pluralismo para um verdadeiro debate de ideias

(NETTO, 1999).

Os(as) assistentes sociais buscam imprimir uma determinada direção social, com a

finalidade de atender os múltiplos interesses sociais da sociedade, sendo eles de cunho político,

ideológico, econômico e afins. Nesse processo, vai se afirmando valores, diretrizes

profissionais, que ao assumirem dimensões coletivas, passam a representar uma parcela

significativa da profissão, absorvendo a condição de projeto profissional. Essa identidade

coletiva que o projeto profissional engendra, eclode em meios as contradições de classes que

determinam o próprio Serviço Social. Desse modo, ele só pode ser pensado a partir de algo

maior, como o projeto societário (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 4).

Netto (1999) explicita que o projeto ético-político da profissão tem o compromisso com,

[...] o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida

historicamente, como possibilidade de escolha entre alternativas concretas;

daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos

indivíduos sociais. Conseqüentemente, este projeto profissional se vincula a

um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem

exploração/dominação de classe, etnia e gênero (NETTO, 1999, p. 15).

O projeto articula os seguintes elementos constitutivos, quais sejam: “uma imagem ideal

da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos

teóricos, saberes interventivos, normas, práticas, etc” (idem, p.7). Esta articulação é complexa

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e necessita de aprofundamento , exigindo recursos político-organizativos, processos de debate

e elaboração, como também investigações teórico-práticas e formas de intervenção.

Teixeira e Braz (2009) elucidam que esses elementos constitutivos têm em sua base os

componentes que lhe dão materialidade e são construídos pelos assistentes sociais, sendo elas;

a produção de conhecimentos no interior do Serviço Social, onde se apresenta os processos

reflexivos do fazer profissional; as instâncias político-organizativas da profissão, que envolve

a construção coletivas de conhecimentos a partir das entidades como o conjunto

CFESS/CRESS, a ABEPSS, ENESSO, além do movimento estudantil e afins; e por fim, a

dimensão jurídico-política da profissão, onde temos a junção legal e institucional da profissão,

aglomerando leis, resoluções, documentos e textos políticos.

De acordo com os autores, há nessa dimensão duas esferas distintas, quais sejam: um

aparato jurídico-político estritamente profissional, em que existe determinados componentes

construídos e legitimados pela profissão, tais como: o Código de Ética Profissional, a Lei de

Regulamentação da Profissão (Lei 86662/93) e as Diretrizes Curriculares; e, um aparato

jurídico mais abrangente, enfatizando o conjunto de leis (a legislação social) presente na

Constituição de 1988, como também a LOS, LOAS e no ECA. É a partir desses componentes

que se materializam os elementos constitutivos do projeto ético-político da profissão.

Na atualidade com o engendramento de novas instituições que atuam na defesa de

direitos difusos e coletivos, como a Defensoria Pública, abriu-se novos lugares de atuação para

o Serviço Social. Os debates que cercam o lócus do jurídico, ganha, nos tempos hodiernos,

solidez na concretização da dimensões do Serviço Social na medida em que se efetua

significativa intervenção no cotidiano das instituições onde atuam os Assistentes Sociais. Esse

processo tem demandado sua problematização no cerne da representação da categoria, uma vez

que vem ocorrendo interferência no cotidiano profissional dos espaços sócio-ocupacionais, mas

também pela expressa impositividade do “jurídico” que circunda as demandas que são inerentes

ao sociojuridico. (CFESS/CRESS,2014).

Esse movimento interfere também na própria elaboração de instrumentais privativos da

ação profissional.

[...] Tal faticidade permite, ainda, uma singular interferência na elaboração

dos instrumentos privativos da ação profissional, determinando também, um

desafio à efetivação do Projeto Ético Político do Serviço Social, ao

cumprimento de seu Código de Ética e às resoluções do CFESS, destacando-

se a Resolução 493/2006 (que versa sobre as condições éticas e técnicas do

exercício profissional) (CFESS/CRESS, 2014, p. 10)

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Os tempos hodiernos se apresentam enquanto momento para dar continuidade ao

processo de consolidação do projeto ético-político, mas também se mostra imbuído de ameaças,

haja vista o cenário revestido por políticas neoliberais que perpassam o seio da categoria

profissional. Entretanto, não é apenas o meio que prejudica a atuação profissional, mas o

próprio modo fatalista de pensar que não há soluções para superação da ordem do capital.

Como já explanado anteriormente, a ofensiva do capital, a partir da reestruturação

produtiva, fomentou a precarização do trabalho e o desemprego estrutural, respingando

negativamente tanto na atuação do Serviço Social, como nos usuários das políticas. Tal

processo ocorreu fortemente no Brasil em meados dos anos 1990, exatamente na década de

consolidação do projeto ético-político.

De acordo com Teixeira e Braz (2009), esse processo se deu por duas razões:

primeiro, o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, que se abriu

na virada do as anos 1970 para os anos 1980, teve prosseguimento nos meios

profissionais - recorde-se que a profissão consolida seus avanços teóricos (a

produção de conhecimentos), intensifica sua organização política (tocada pelo

conjunto CFESS/CRESS e pela ABEPSS) e a reformula e atualiza seus

estatutos legais (a dimensão jurídico- política da profissão expressa na nova

Lei de Regulamentação Profissional e no novo Código de ética, ambos de

1993); segundo, porque foi justamente na virada da década de 1980 para a de

1990 que os movimentos sociais das classes trabalhadoras brasileiras, ainda

que resistindo à ofensiva do capital e valendo-se dos avanços da década

anterior, conseguiram galgar níveis de organização e de mobilização que

envolveram amplos segmentos da sociedade, inclusive os assistentes sociais

(idem, p. 15-16).

A perspectiva ético-política adotada então pelo Serviço Social passou a apontar para a

construção de uma nova sociabilidade, diferente ao modo de produção e reprodução capitalista,

sendo pautada fundamentalmente na justiça social, na liberdade e na emancipação humana.

Com isso, as diretrizes norteadores do projeto ético-político, de acordo com Iamamoto (2000),

se desdobram no Código de ética Profissional de 1993, na Lei que regulamenta a profissão de

Serviço Social e nas Diretrizes Curriculares.

Nota-se que os três pilares que fundamentam o PEPSS demanda dos profissionais uma

prática competente e ética, visando a conscientização das massas. Constitui-se então, um

profissional consciente da importância da prática informativa, questionadora e argumentativa,

que trabalha na perspectiva de intervir na realidade dos indivíduos.

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Guerra (2007) alerta que a ausência de um projeto profissional crítico que almeja

quebrar seus vínculos com as práticas profissionais de caráter tradicionalista, limita as

possibilidades de diferenciação entre o próprio exercício profissional e as práticas filantrópicas.

Mediante o que foi evidenciado, ressalta-se que a finalidade do projeto ético-político se

traduz numa formação que seja alicerçada numa teoria social crítica, rompendo com a

identidade conservadora e com a ideia da neutralidade. O projeto molda uma nova atuação

profissional pautada em construir uma nova sociabilidade, sem que haja discriminação de

qualquer espécie; um profissional comprometido com os valores humanos, assegurando e

reafirmando seus direitos a partir de uma intervenção profissional de qualidade, respaldada

pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.

Logo, torna-se significativo apresentar os desafios de execução desse projeto ético-

político, como também as possibilidades de atuação no espaço da Defensoria Pública na atual

conjuntura de sucateamentos dos direitos sociais e de uma prática profissional fragmentada

devido ao vínculo trabalhista fragilizado.

4.3 OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO

SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA NA ATUAL CONJUNTURA

É sabido que o Serviço Social está imerso em meio às relações contraditórias e

conflituosas entre o Estado e a sociedade civil, das quais surgem os limites, desafios e as

possibilidades de atuação profissional, a partir dos atendimentos individuais e o trabalho

coletivo realizado. Com a criação e expansão das instituições sociais surgem os mais variados

espaços de atuação do assistente social, momento do qual o Serviço Social passa a emergir

enquanto profissão tendo como objetivo central intervir no enfrentamento da questão social e

suas expressões.

O Estado e suas instituições que constroem o Poder Judiciário, o Poder Executivo e o

Legislativo, como já evidenciado, passam a ter um papel decisivo na regulação das relações

sociais antagônicas que são inerentes ao modo de produção capitalista.

Somado a isto, Iamamoto (2007) ressalta que:

É então, nesse complexo de determinações, em cujo centro opera a mediação

do Estado capturado pelo capitalismo monopolista, que se localiza a gênese e

o significado do Serviço Social como uma profissão que — inscrita na divisão

social e técnica do trabalho, e tendo como "matéria-prima" as expressões da

questão social —, se integra "ao processo de criação das condições

indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho e à extração da

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mais-valia", embora não participe diretamente da produção de mercadorias e

do valor (Iamamoto, 2007, p. 256).

A profissão construiu ao longo dos anos um projeto profissional que a coloca em uma

perspectiva de resistência à exploração do capital, o qual tem potencial teórico para capacitar o

corpo profissional para desempenhar intervenções qualificadas nos diversos campos de atuação,

possibilitando que haja a articulação com os demais serviços, na busca de assegurar os direitos

como também na construção de outra ordem societária.

O projeto ético-político dá embasamento para um exercício profissional ético a partir

das suas referências técnicas, teóricas e políticas, o qual está permeado por uma fundamentação

crítica, embasado na perspectiva ontológica de análise da realidade social dos indivíduos,

compreendendo que a burguesia engendra limites intransponíveis para se alcançar a verdadeira

emancipação dos ser social.

Contudo, existe na estrutura desse projeto profissional o reconhecimento de que as lutas

suscitadas ao longo dos anos reivindicando direitos e a democratização das formas de exercício

do poder político têm “considerável potencial para a resistência à barbarização imposta pelo

capitalismo em sua fase atual, bem como podem contribuir para o avanço de propostas coletivas

que busquem uma nova organização societária” (BORGIANNI, 2013, p. 430).

A reestruturação produtiva do capital provocou mudanças qualitativas na organização,

gestão da força de trabalho e nas relações de classes, interferindo diretamente na atuação

profissional dos assistentes sociais. Nesse período de intensas transformações societárias,

podemos visualizar seus impactos no Serviço Social com a precarização do trabalho.

A aprovação da Constituição Federal de 1988 coincidiu com o início da implantação

das políticas neoliberais, para a qual a expansão da terceirização é um marco importante: os

programas de privatização de empresas e de serviços públicos criados nos anos 1990 e a reforma

do Estado iniciada em 1995, com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado.

Conforme Iamamoto (2007, p. 214), a condição assalariada que se insere o profissional

do Serviço Social no efetivo exercício, mediada pelas demandas e requisições do mercado

trabalho, aglomera tensões entre o direcionamento ético-político que a profissão pretende

imprimir no seu espaço laboral e as determinações do trabalho abstrato, intrínseca ao trabalho

capitalista. A condição de trabalho assalariado pressupõe a mediação do mercado de trabalho,

sendo assim, as exigências suscitadas pelos empregadores materializam demandas, estabelecem

funções e atribuições, como também aplicam regulamentações específicas daquele recinto

laboral a serem executadas.

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Ademais, normas contratuais condicionam o conteúdo e estabelecem limites e as

possibilidades às condições de realização da atuação profissional. Sendo assim, o espaço de

trabalho se configura num campo versado de tensões que exige desses profissionais profundas

investigações a fim de apreender o significado das determinações do trabalho alienado na

particularidade do Serviço Social.

Ceolin (2014) ressalta que as manifestações de precarização do trabalho são convertidas

em objeto de intervenção profissional e consequentemente em condições de trabalho do

assistente social, enquanto trabalhador assalariado, se resumindo em expressões da condição de

precariedade do trabalho em tempos de crise estrutural do capital.

Borgianni (2013) salienta que o Serviço Social por estar inserido e por ser fruto das

relações entre o capital e o trabalho e, participar auxiliando o Estado e a sociedade a dar

respostas aos antagonismos de classes, a profissão adquire consequentemente um caráter

contraditório.

Como as classes sociais só existem em relação, pela mútua mediação entre

elas, a atuação do assistente social é necessariamente polarizada pelos

interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma

posição dominante. Reproduz, também, pela mesma atividade, interesses

contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital

como as do trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo, pela mediação de

seu posto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como,

ao mesmo tempo e pela mesma atividade, de respostas a necessidades de

sobrevivência da classe trabalhadora e de reprodução dos antagonismos desses

interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel da

história. A partir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia

profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho, mas

não se pode excluí-los do contexto da prática profissional, visto que as classes

só existem inter-relacionadas. É isso inclusive que viabiliza a possibilidade do

profissional colocar-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras.

(IAMAMOTO e CARVALHO, 2014, p. 75).

A afirmação aqui abordada acerca do caráter contraditório do exercício profissional se

traduz enquanto a contribuição de maior a compreensão dos reais desafios que estão diante dos

profissionais em suas práticas cotidianas, uma vez que, a atuação profissional pode tanto

favorecer os interesses do capital quanto ao trabalho, “pode reforçar iniciativas conservadoras,

porque coladas à imediaticidade das relações alienadas, ou buscar resistir e romper com as

formas autoritárias, desumanizadas e antidemocráticas que brotam continuamente do solo

burguês” (BORGIANNI, 2013, p. 433). Vemos a partir disso, a importância de uma ação

profissional embasada por um projeto profissional coletivo.

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Os desafios que circundam a atuação profissional dos(as) assistentes sociais no âmbito

da Defensoria Pública se traduzem, a começar, pelo vínculo trabalhista fragilizado dos(as)

profissionais. A contratação é feita mediante a terceirização dos serviços, precarizando o fazer

profissional do Serviço Social na instituição uma vez que visualiza-se o engessamento da sua

atuação. Tal feito ocorre sob a justificativa de redução de gastos com a contratação da força de

trabalho qualificada, se caracterizando enquanto forma de dominação da empresa na medida

que cria uma divisão entre os trabalhadores, diferenciando-os entre os efetivos e os

terceirizados, tendo em vista que estes podem se submeter a qualquer condição de atividade

laboral.

Druck (2013) ressalta que a terceirização se caracteriza enquanto a principal forma de

flexibilização e precarização do trabalho, assumindo novos contornos em detrimento dos

processos históricos marcados por distintos padrões de desenvolvimento e pelas lutas e avanços

dos trabalhadores. A partir da mundialização do capital a precarização do trabalho tornou-se

um fenômeno central se generalizando por toda parte com o viés de domínio econômico,

político e cultural.

Destarte,

O conteúdo dessa (nova) precarização é dado pela condição de instabilidade,

insegurança, fragmentação dos coletivos de trabalhadores e brutal

concorrência entre eles. Uma precarização que atinge a todos

indiscriminadamente e cujas formas de manifestação diferem em grau e

intensidade, mas tem como unidade o sentido de ser ou estar precário numa

condição não mais provisória, mas permanente (DRUCK, 2013, p. 56).

Os novos contornos suscitam o enfraquecimento e degradação da resistência

profissional, reforçando a ideia de uma inexorabilidade da fatalidade econômica. Concomitante

a isso, surgem novos sujeitos e formas de enfrentamento dessa precarização social. A autora

enfatiza que a precarização do trabalho esteve fortemente presente desde a transição do trabalho

escravo para o trabalho assalariado, hoje, é evidenciado um novo cenário e uma nova

precarização social do trabalho no Brasil. Dessa forma, a terceirização dos serviços públicos

tornou-se um mecanismo que opera “a cisão entre o serviço e o direito, pois o que preside o

trabalho não é a lógica pública, obscurecendo-se a responsabilidade do Estado perante seus

cidadãos, comprimindo ainda mais as possibilidades de inscrever as ações públicas no campo

do direito” (Raichelis, 2010, p. 9).

Outro ponto que se mostra enquanto desafio é a estrutura física do órgão que não

disponibiliza um espaço específico para a atuação do Serviço Social, rompendo com o sigilo

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profissional, tendo em vista que o acolhimento é feito em guichês dentro de um único

compartimento.

O quadro de profissionais reduzido em consonância a uma demanda alta de

atendimentos, de acordo com os relatórios mensais, é outro ponto a ser ressaltado porque

dificulta realizar um atendimento completo, um acolhimento e escuta qualificada.

Ademais, observou uma ausência de uma prática profissional arraigada por criticidade,

aprofundamento e análise da totalidade, com o uso indissociável das dimensões teórico-

metodológico, ético-política, técnico-operativa a fim de compreender que o espaço sócio

ocupacional é recheado de contradições que perpassam o Direito. O que verificou-se foi uma

atuação técnica diante das expressões da questão social atendendo exclusivamente as demandas

jurídicas e administrativas.

Com isso, perdendo de vista, nesse cotidiano que tende a reiterar a aparência reificada

da processualidade societária, as contradições presentes na área sociojurídica, que surgem e se

renovam reiteradamente a partir das relações tensas entre as determinações próprias da

sociedade e o buscar da “justiça” (BORGIANNI, 2013, p. 435).

Todo esse processo fragilizado de atuação profissional, com a ausência de criticidade,

engendra tanto práticas conservadoras e engessadas, como também o exercício ilegal da

profissão a partir dos estagiários, que absorvem para si demandas e atribuições que são

competência (ou não) do Assistente Social.

A Política Nacional de Estágio (PNE) da ABEPSS elucida que esse caráter reducionista,

impulsionado pela lógica capitalista, utiliza o estudante como força de trabalho desfigurando a

dimensão educativa da atividade. Com isso, tal prática rebate diretamente no processo de

formação profissional e engendra novos e constantes desafios para a categoria. Dessa forma, o

estágio supervisionado se constitui “num desses desafios e requer um esforço coletivo dos seus

sujeitos para que, quer obrigatório ou não-obrigatório, seja efetivamente um espaço de

formação profissional, uma arena permanente de construção de novos saberes” (idem, p. 18).

Além disso, alargando o debate, o desafio nesse espaço de atuação se apresenta também

com a crescente criminalização da pobreza e a judicialização das expressões da questão social.

Tais determinações se materializam quando o profissional assume para si demandas e práticas

institucionais sem questioná-las, apenas reproduzindo respostas fiscalizadoras dos

comportamentos, e criminalizadora dos sujeitos que são alvos de ações judiciais, passando a

não se ver, eles mesmos, enquanto trabalhadores. De acordo com Borgianni (2013, p. 437) a

armadilha imposta ao Serviço Social está presente no fato do assistente social ir se tornando

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prisioneiro do possibilismo mais ordinário, uma vez que é guiado pela premissa de que “se só

é possível fazer isso, então vamos fazer”.

Assim, a justiça ou o universo jurídico atuarão sempre no sentido de restituir a ordem

das coisas, uma ordem produtora e reprodutora de desigualdades. Desse modo, “tendo em vista

que o exercício profissional ocorre no seio do Estado burguês, as políticas sociais são

desenhadas para viabilizar direitos de modo a manter o status quo” (LACERDA, 2014, p. 25)

cabe aos profissionais, comprometidos com os valores éticos e políticos da profissão, balizados

por um projeto ético-político, atuarem no sentido da resistência e oposição, utilizando

mediações a fim de modificar a ordem das coisas.

Nessa direção, visualiza-se enquanto possibilidades o enfrentamento das questões de

ordem ética e política com coerência e respaldo teórico, alinhados a democracia e a justiça

social. Diantes das diversas expressões concretas da questão social que se manifestam

cotidianamente na atuação profissional dos assistentes sociais, compreende-se que este não

pode intervir isoladamente, mas a partir de uma ação profissional coletiva. Mas cabe a ele,

assumir a dimensão investigativa da profissão, analisando as demandas em sua totalidade.

Ademais, diante da complexidade das experiências de vida dos assistidos a intervenção

profissional competente deve abarcar as dimensões teórico-metodológica, ético-política e

técnica, a fim de contribuir na viabilização dos direitos. Isso exige que os profissionais não

atuem de maneira ingênua diante das mazelas da questão social, tampouco messiânico ou

fatalista frente a barbárie vivida pelos sujeitos e suas condições precárias de trabalho.

O enfrentamento das requisições conservadores no espaço do sociojurídico deve ser

alicerçada a partir de princípios que sejam compromissados com a defesa intransigente dos

direitos humanos (numa perspectiva emancipatória) exigindo do assistente social ir além dos

ritos processuais, somando ao seu fazer profissional ações interdisciplinares e em rede e ações

coletivas no campo da luta política, como também construir uma ponte entre a instituição e o

usuário a fim de fortalecer a participação social.

Fávero (2018) aponta que mais do que nunca se faz necessário tecer estratégias para não

se deixar levantar apenas a bandeira, mas efetivar ações com qualidade profissional e política

contra os rebatimentos da crise estrutural do capital e contra a banalização da vida humana.

Frisa-se também como possibilidades o importante fortalecimento dos espaços de pesquisas

científicas na academia e sua junção entre os diversos segmentos da categoria profissional

inseridos no mercado de trabalho, a fim de romper com o isolamento acadêmico.

Destarte, Mota (2014) salienta que

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É preciso apanhar criticamente a imediaticidade dos fenômenos, identificando

as determinações subjacentes às demandas, desconstruindo-as e promovendo

a produção de conhecimentos e de referências que balizem a intervenção

profissional. Só com o fortalecimento da articulação entre o espaço acadêmico

e o profissional, preservando os limites e possibilidades de ambos, é que os

problemas cotidianos vividos pelos profissionais nas instituições podem

redundar em ricas temáticas de investigação e pesquisa e retornar à formação

e ao exercício profissionais, superando o cotidiano caótico e reificado dos

espaços ocupacionais. Essa é uma condição ineliminável e que põe em relevo

a necessidade de articular atividades técnicas com a sólida formação teórica

(idem, 2014, p. 703).

Sendo assim, impõem-se aos assistentes sociais a problematização da judicialização das

expressões da questão social, como também a superação da aparência dos fenômenos como

apenas meras demandas jurídicas, incorporando à sua resolutividade o caráter político e social

na dimensão da atuação profissional, compreendendo que o sociojurídico é um campo

contraditório mas fecundo de possibilidades.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia se propôs a analisar os fatores determinantes que impactam na

atuação do(a) assistente social na Defensoria Pública de Natal, um espaço caracterizado pela

defesa de direitos, em um contexto marcado pela crise contemporânea do capitalismo. Como

também, compreender seus rebatimentos ao mundo trabalhista com a consequente precarização

das condições e relações de trabalho que perpassam o cotidiano da intervenção profissional.

As indagações que deram passo inicial para construção desta pesquisa se deu através da

minha inserção na qualidade de estagiária do Setor Social Cível da DPE/RN, anexo II, no

período compreendido entre 2017 a 2019.

Para cumprir o objetivo geral evidenciamos que a partir da crise estrutural do capital

engendrou-se um processo de reestruturação capitalista que atingiu as mais diversas instâncias

do ser social. Esse processo de reestruturação configurou-se tão somente enquanto um elemento

compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e de manipulação do

trabalho vivo que teve sua gênese com o fordismo-taylorismo e, da necessidade expressa de ter

controle sobre as lutas sociais oriundas do trabalho que se iniciou a partir do processo de

reorganização das suas formas de dominação social.

Tendo por fundamento o neoliberalismo, esta reestruturação se caracterizou enquanto

uma ofensiva ao mundo do trabalho, precarizando as relações laborais e intervenções dos

profissionais.

Concomitante a isso, nota-se o rebatimento desta crise materializada na precarização do

trabalho na Defensoria Pública do Estado do RN, Anexo II, a começar pela equipe profissional,

que conta com poucos profissionais para atender uma demanda que se faz crescente,

sobrecarregando tanto a equipe como também os estagiários que absorvem as atribuições para

si. Além do vínculo trabalhista fragilizado, com a ausência de concursos públicos para a área.

Os desafios são visualizados na tentativa de materializar os princípios evidenciados no

Código Ética, a fim de prestar um atendimento em sua totalidade e assegurando direitos, sem a

criminalização do sujeito ou enxergar apenas uma partícula da expressão social, com o objetivo

de ir além da imediaticidade.

Nesse sentido, apesar da Defensoria Pública ser a materialização do acesso à justiça

assegurada pela Constituição de 1988 aos pauperizados, não podemos ocultar a precarização da

atuação dos profissionais do Serviço Social dentro da instituição, que trabalham em desvio de

função e não possuem condições materiais para garantir o sigilo profissional e um atendimento

contínuo ao assistido.

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O jurídico se apresenta na sociedade imerso nas contradições apresentadas pela

sociedade, se originando para dar respostas aos conflitos sociais engendrados a partir da divisão

social do trabalho. Esse complexo jurídico se legitima enquanto força política das classes

dominantes, partindo do pressuposto da realização do bem comum e da justiça social. Destarte,

o direito enquanto forma ideológica de dominação, se apresenta na sociedade enquanto um

complexo social e a Defensoria Pública está imersa também nesse processo de contradição e

dominação.

As relações dentro dos espaços que abarcam o jurídico e consequentemente o

sociojurídico se mostram com condutas autoritárias frente aos outros profissionais, se

configurando enquanto uma hierarquia institucional do direito que tenta se sobrepor acima de

todos os saberes, entre eles, o saber do próprio Serviço Social. Um espaço que deveria ser

democrático se apresenta na contemporaneidade, devido às relações frágeis de trabalho,

enquanto violador de direitos dos próprios trabalhadores da instituição com seu viés

conservador e que apresenta no seu corpo a judicialização da pobreza, traços já conhecidos do

Direito e do sistema de produção vigente, o capitalismo.

As possibilidades que visualizamos é exatamente a qualificação profissional e a

efetivação de concursos públicos, como também uma atuação pautada por um direcionamento

ético, que não naturalize as demandas recheadas pelas expressões da questão social, associada

às dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa de maneira indissociável,

a fim de fundamentar suas intervenções e apresentar aos Defensores práticas embasadas de

criticidade.

Apesar dos limites construídos frente a atuação profissional, devemos considerar o

âmbito jurídico enquanto espaço fecundo para intervenções do Serviço Social com a finalidade

de assegurar direitos e desmistificar as expressões da questão social que chegam mascaradas

apenas como demandas jurídicas, cabendo ao assistente social, esmiuçá-las e intervir na

realidade em sua totalidade, sem discriminar quem é autor ou réu, e sim sujeitos passíveis de

direitos.

O estudo proporcionou um rico debate acerca da constituição do sistema judiciário e

consequentemente a inserção e atuação do Serviço Social nos espaços, agora, denominados

como sociojurídicos.

Ressalta-se a importância da continuação da pauta levantada ao decorrer da pesquisa,

tendo em vista que esse ainda se constitui enquanto um assunto e espaço novo dentro do Serviço

Social, com poucos materiais elaborados, permitindo assim abarcar toda complexidade que

envolve o sistema jurídico e a atuação do Serviço Social.

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