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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA
O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:
Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais
e a precarização do trabalho profissional
NATAL/RN
2019
FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA
O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:
Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais
e a precarização do trabalho profissional
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao departamento de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
– UFRN, como requisito parcial à aquisição do
título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª Me. Angely Dias da Cunha
NATAL/RN
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA
Cunha, Fernanda Tássia França da.
O Serviço social na Defensoria Pública: espaço sócio-ocupacional
marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais e a
precarização do trabalho profissional / Fernanda Tássia França da Cunha.
- 2019.
104f.: il.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de
Serviço Social. Natal, RN, 2019.
Orientador: Profa. Me. Angely Dias da Cunha.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Defensoria Pública - Monografia.
3. Sociojurídico - Monografia. 4. Precarização do trabalho - Monografia.
I. Cunha, Angely Dias da. II. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. III. Título.
RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364:34
Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355
FERNANDA TÁSSIA FRANÇA DA CUNHA
O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA:
Espaço socio-ocupacional marcado pela contradição da viabilização dos direitos sociais
e a precarização do trabalho profissional
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao departamento de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
– UFRN, como requisito parcial à aquisição do
título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª Me. Angely Dias da Cunha.
Aprovado em: 25/06/2019
BANCA EXAMINADORA
Profa. Me. Angely Dias da Cunha (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Larisse de Oliveira Rodrigues
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Profa. Dra. Ilka de Lima Sousa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Dedico esse trabalho in memorian ao meu
irmão, Wellington de Medeiros, que sempre
ofertou luz as pessoas a sua volta com a sua
alegria contagiante.
AGRADECIMENTOS
Entrar em uma Universidade Pública nunca foi uma tarefa fácil para a classe
trabalhadora e, permanecer dentro dela nos tempos hodiernos é um desafio maior ainda. A
trajetória feita por mim até aqui não foi por caminhos lineares, de fácil acesso; trilhei descalça
algumas vezes e confesso que me perdi entre um semestre e outro. A jornada foi cansativa,
árdua, mas a vontade de mastigar tamanho conhecimento disponibilizado por uma Universidade
Pública de qualidade, a qual colocava a minha disposição professores, estrutura, e respaldo
teórico de ponta era bem maior e faziam com que eu tivesse estímulo para continuar.
Privilégios existem, mas é algo utópico e de difícil acesso para a classe trabalhadora,
ainda mais se for uma mulher vinda de uma zona periférica da zona norte da capital. Poucos
acreditaram que eu pudesse ultrapassar os muros construídos por essa sociedade de classes entre
a periferia e uma Universidade Pública que é almejo de tantos.
Através do sistema de cotas para estudantes da rede pública pude ingressar no ensino
superior e no primeiro semestre encontrei na graduação tudo que procurava e pra quem eu
queria trabalhar, minha classe.
Crescer em zona periférica é ver diariamente a criminalização dos pobres e a negatória
de direitos. Desde sempre me sentia incomodada com aquilo, apesar de não ter fomento teórico
para compreender os complexos dos rebatimentos das expressões da questão social na
sociedade. Encontrei no curso de Serviço Social uma válvula de escape para os meus anseios e
inquietações, apesar de ser um curso imerso as contradições do capital, compreendi que através
dele poderia tentar construir uma sociedade mais justa e igualitária para aqueles que necessitam,
assegurando e reafirmando direitos a partir das minhas intervenções.
Sendo assim, materializo e condenso nestas linhas meus agradecimentos a cada ser de
luz que trilhou um grande ou pequeno percurso comigo no período da graduação.
A começar pela minha família, que sempre instigou minha criticidade e ofertou meios
para que eu conseguisse realizar esse sonho, em especial minhas mães, Geruza França, Maria
Dalvany e Maria Nazaré;
A mainha, por toda educação, cuidado e amor. Essa conquista é inteiramente da senhora.
Obrigada por todos os ensinamentos, orações e críticas; a senhora sempre me deixou livre para
que eu pudesse escolher o que me fazia bem, e eu sou grata demais por isso. Me mostrou o
mundo de um jeito não romantizado, mas cheio de esperança. Minha maior fã e o meu maior
amor. Te amo, minha mãe;
Ao meu padrasto/pai, Demóstenes da Costa, por todo cuidado, carinho e investimento
na minha educação. Sei que Deus tem muitos propósitos nas nossas vidas e o senhor foi um
presente enviado por ele.
A madrinha, por toda contribuição dada na minha educação e por ter sido meu alicerce
de vida. Admiro a senhora demais e sou grata por tudo.
A voinha, por ser um exemplo de superação e de caráter. Obrigada pelo amor e cuidado
de mãe, por todas as orações e compreensão. Te amo, voinha.
As minhas primas/irmãs, Daíse, Denise, Micarla e Micharla que despertaram em mim a
vontade de cursar um ensino superior e sempre me debruçar sobre os estudos, tendo em vista
que o único caminho viável de emancipação.
Ao meu irmão Danilo, que sempre me enviou boas energias e se preocupou com a
construção dessa pesquisa.
Ao meu Deus que sempre me amparou dando sustento e ânimo para continuar o
percurso;
Ao meu amor, Pedro Werlang, que foi lampião em noite sem lua, iluminando e
adoçando a minha vida com o seu jeito leve de ser. Obrigada por todo respaldo emocional,
material e moral;
Aos meus amigos (as), os quais são muitos. Deixo aqui minha gratidão por toda atenção
durante esse percurso tão difícil e pelas partilhas de conhecimento.
Aos professores que me proporcionaram o privilégio de poder absorver tanto
conhecimento, o qual, moldou outra Fernanda, modificando a minha forma de enxergar o
mundo e as pessoas. Ainda estou no processo de reconstrução, a qual é diária, mas devo tudo
isso a vocês. Visualizar o mundo e o próximo sem etnocentrismo, preconceito e distinção é uma
dádiva do conhecimento.
Aos (as) Assistentes Sociais do CREAS SUL/ RN, em especial a Verônica Elisa,
Annamaria da Silva Araújo e Antônia Araújo. Obrigada por toda paciência no estágio
obrigatório e pelo rico conhecimento adquirido acerca do SUAS.
Aos (as) Assistentes Sociais, Psicóloga e Defensores Públicos da DPE/RN, em especial
Hildegard Monyk, Naya Rodrigues, Lizane Brito, Adriana Cristina e Adriana Bleuel, as quais
contribuíram imensamente para meu crescimento.
A minha orientadora, Angely Dias da Cunha, que pegou na minha mão e me guiou até
aqui. Estava perdida, sem motivação e ela me apresentou possibilidades. O semestre foi
apertado, tínhamos pouco tempo, mesmo assim ela aceitou me ajudar a desenvolver esta
pesquisa. Angely, obrigada pela dedicação e paciência. Obrigada pelos ensinamentos e pelo
tempo ofertado a mim. Gratidão por tudo.
Ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
por todo respaldo acadêmico.
Por fim, aproveito o ensejo para afirmar mais uma vez: ELE NÃO!
Direito contra direito pode vencer a força dos
que se juntam na busca da real
democratização das relações sociais, para a
ultrapassagem da ordem do capital.
Elisabete Borgianni
RESUMO
A monografia evidencia o Serviço Social inserido no âmbito da Defensoria Pública do Estado
do Rio Grande do Norte apresentando-o imerso as contradições do complexo do Direito e sua
relação com o Estado burguês enquanto aparato legal de dominação, bem como os impactos da
crise do capital e os seus reflexos na precarização do trabalho dos assistentes sociais a partir da
vivência construída com o estágio não obrigatório na instituição no período de 2017 a 2019.
Fundamentamos o trabalho realizando levantamentos bibliográficos e pesquisas de cunho
documental. No primeiro capítulo elucidamos acerca da gênese do Direito a partir da tese
apresentada pelo autor Lukács em sua obra Para uma ontologia do ser social, em que é
evidenciado o Direito enquanto complexo social. Ademais, abordamos, neste tópico, acerca da
formação do sistema judiciário no Brasil e como se deu o processo de acesso à justiça aos mais
pauperizados, dando ênfase na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu as Defensorias
Públicas. No capítulo seguinte apontamos o processo de inserção profissional dos(as)
assistentes sociais no sociojurídico, especificamente na Defensoria Pública, mostrando-a
enquanto espaço socio-ocupacional de atuação do Serviço Social e sua face contraditória no
quesito direito ao acesso à justiça. Por fim, no último capítulo, apresentamos nossa reflexão
acerca da crise do capital e os seus rebatimentos na atuação profissional, bem como os desafios
e possibilidades tendo por embasamento o Projeto Ético-Político da profissão. Em resposta,
identificamos os elementos que caracterizam as contradições e os desafios que circundam o
fazer profissional dos(as) assistentes sociais no sociojurídico, a começar pela ordem societária
vigente e seus rebatimentos com a reestruturação do capital, a qual engendrou e fomenta a
precarização laboral dos assistentes sociais e suscita novas expressões da questão social.
Palavras-chave: Serviço Social. Defensoria Pública do Estado. Sociojurídico. Precarização do
Trabalho.
ABSTRACT
The monograph highlights Social Services inserted within the Public Defender's Office in the
State of Rio Grande do Norte showing him immersed in the complex contradictions of the law
and your relationship with the bourgeois State while legal apparatus of domination as well as
the impacts the crisis of capital and your reflexes in precarious work of social workers from the
experience built with the non-mandatory internship in the institution during the period between
2017 to 2019. Our work performing bibliographic and research surveys of documentary nature.
In the first chapter we clarify about the genesis of Right from the thesis presented by the author
Lukács in your work For a ontology of social being, in that it is evidenced the right while social
complex. Furthermore, we discuss in this topic, about the training of the judiciary in Brazil and
how the process of access to justice to the poorest, giving more emphasis on the Federal
Constitution of 1988, which established the public defenders. In the next chapter we point the
vocational integration process of the social workers in the socio-legal, specifically in the Public
Defender's Office, showing the socio-occupational space of Social Service and your face
contradictory in question the right to access to justice. Finally, in the last chapter, we present
our thoughts about the crisis of capital and their rebates on professional experience, as well as
the challenges and possibilities with the basement the Ethical-political Project of the profession.
In response, we've identified the elements that characterize the contradictions and challenges
surrounding the making of the professional social workers in the socio-legal, starting with the
corporate order in force and their rebates with the restructuring of capital, which engineered
and fosters precariousness of labour social workers and raises new expressions of social issues.
Keywords: Social Service. The State public defender's Office. Sociojurídico. Precarious work.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Relatório de atendimentos - setor social cível - janeiro a maio de 2019.............70
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Defensoria Pública nos Estados................................................................48
FIGURA 2 - Símbolos de mobilização social em favor da Defensoria Pública no Brasil.......49
FIGURA 3 - Mapa da Defensoria Pública do RN..........................................................67
LISTA DE SIGLAS
CEAS Centro de Estudos e Ação Social
LEP Lei de Execução Penais
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
CSDP Conselho Superior da Defensoria Pública
ANADEP Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
DPU Defensoria Pública da União
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
DPE Defensoria Pública do Estado
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
2. A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BURGUÊS E SUA
PARTICULARIDADE NO BRASIL .................................................................................... 19
2.1 A GÊNESE DO DIREITO E O ESTADO BURGUÊS ..................................................... 19
2.2 FORMAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO NO BRASIL E O DIREITO DE ACESSO À
JUSTIÇA .................................................................................................................................. 28
2.3. DEFENSORIA PÚBLICA ................................................................................................ 45
2.3.1 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO ................................................................... 47
3. INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO BRASILEIRO
.................................................................................................................................................. 52
3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: um espaço de contradição ......... 52
3.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA DEFENSORIA
PÚBLICA ................................................................................................................................. 62
3.3. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
ENQUANTO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL .............. 66
4. CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E O SEU REFLEXO NA
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA
DO RN ..................................................................................................................................... 72
4.1. A CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E AS CONTRADIÇÕES QUE
PERPASSAM AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA DEFENSORIA PÚBLICA ............... 72
4.2. OS PRINCÍPIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL (PEP) DO
SERVIÇO SOCIAL .................................................................................................................. 85
4.3 OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO
SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA NA ATUAL CONJUNTURA ........ 91
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 98
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 100
15
1. INTRODUÇÃO
A partir da Constituição Federal de 1988, precisamente em meados dos anos 2000,
surgem novos espaços de atuação profissional do Assistente Social em instituições que
assumem novas funções no quesito defesa de direitos dos indivíduos, como foi o caso da
Defensoria Pública do Estado. Com a inserção do Serviço Social no âmbito da justiça, verificou-
se que
o debate sobre o lócus do jurídico, ganha, no cenário contemporâneo,
gradativamente, relevo na concretização da dimensão técnico-operativa do
Serviço Social na medida em que desenvolve significativa intervenção no
cotidiano das diversas instituições onde atuam assistentes sociais. Esse
movimento tem demandado sua problematização no cerne da representação
da categoria, sobretudo pela interferência no cotidiano profissional dos
espaços sócio-ocupacionais, mas também pela nítida impositividade do
“jurídico” que cerca as demandas inerentes ao sociojurídico (CFESS/CRESS,
2014, p.10).
Apesar da Constituição assegurar assistência gratuita através das Defensorias Públicas
na década de 1980, no Rio Grande do Norte, a Defensoria Pública do Estado foi instituída
formalmente apenas no ano de 2003. O Serviço Social foi implementado tardiamente, apenas
no ano de 2012 com a criação do Setor Social.
Desse modo, a presente monografia é fruto da pesquisa documental e bibliográfica
acerca da inserção e atuação profissional do (a) assistente social no âmbito da Defensoria
Pública do Estado do Rio Grande do Norte, especificamente, no anexo II, Núcleo de
Acompanhamento Processual Cível.
A partir das análises, verificou-se que cabe à Defensoria Pública ofertar assistência
jurídica, em sentido ampliado, independentemente de processo judicial, ou seja, tem por
finalidade assegurar assistência jurídica integral e gratuita a todo aquele no qual sua situação
econômica não lhe permita pagar os custos de um processo e/ou os honorários de advogado,
fazendo a defesa da população historicamente alijada de seus direitos sociais e marginalizadas,
inclusive pelo Sistema de Justiça.
De acordo com o Artigo 1º da Lei de criação, que instituiu a estrutura administrativa da
Defensoria Pública do Estado do RN, Lei Complementar nº 251, de 07 de julho de 2003, esta
trata-se de uma “instituição permanente, função essencial à justiça, incumbindo-lhe a orientação
jurídica e assistência judicial e extrajudicial integral e gratuita aos necessitados, em qualquer
juízo ou instância”.
O trabalho desenvolvido pelos Assistentes Sociais na Defensoria Pública do Estado do
RN, é frente à garantia e defesa dos direitos dos sujeitos que vivem em situação de
16
vulnerabilidade social e que não possuem meios de arcar com os honorários advocatícios,
demanda comum nesta instituição. Entretanto, o vínculo empregatício destes profissionais
apresentou-se fragilizado em decorrência da sua contratação que é feita mediante a
terceirização.
Assim, suscitamos este debate e reflexões sobre a atual conjuntura a qual é versada de
ações conservadores e práticas de resistência no exercício do trabalho do assistente social, o
qual se faz urgente, especialmente por estarmos vivenciando intensa precarização e banalização
da formação profissional e das relações e condições de trabalho no interior do processo político-
econômico neoliberal de desmonte e descarte de direitos dos trabalhadores. Desse modo, as
requisições conservadoras nos espaços de trabalho do sociojurídico têm se consolidado e vem
afetando diretamente a atuação profissional.
Destarte, observa-se, mediante ao cenário atual de constantes rebatimentos da crise do
capital, uma interferência na própria elaboração dos instrumentos privativos do Assistente
Social, algo que determina um desafio à efetivação do Projeto Ético Político do Serviço Social,
como também, ao cumprimento do Código de Ética e as resoluções do CFESS.
Com isso, partimos do pressuposto que a atuação do Serviço Social vinha se dando de
forma pontual e pragmática devido às relações de trabalho e as demandas institucionais.
Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar os fatores determinantes que
impactam na atuação do (a) assistente social na Defensoria Pública de Natal, em um contexto
marcado pela crise contemporânea do capitalismo. Para isso, os objetivos específicos foram
apreender as mediações em torno da crise e seus rebatimentos no fazer profissional do Serviço
Social, identificando as principais demandas que perpassam a atuação profissional no anexo II
e elencando os desafios e possibilidades no sociojurídico.
O almejo para construção desta pesquisa deu-se por meio da minha inserção na
qualidade de estagiária na DPE/RN no período de 2017 a 2019. A vivência no sociojurídico
suscitou indagações a respeito da atuação do Serviço Social no anexo II, o qual teve sua inserção
no âmbito da Defensoria recente, no ano de 2012; espaço esse que até então era apenas para os
operadores do Direito.
Durante o processo de construção nos respaldamos, para nos aproximarmos da temática
e para a análise, a pesquisa qualitativa, que envolveu levantamento bibliográfico e documental.
A análise do objeto se deu através da abordagem do materialismo histórico dialético buscando
apreender o objeto em sua totalidade.
Segundo Minayo (2002), haja vista seu caráter qualitativo, não nos baseamos
prioritariamente no critério numérico para garantir sua representatividade, uma vez que iremos
17
lidar com o universo dos significados, não preocupando em quantificar a pesquisa, mas, em
compreender e explicar as dinâmicas das relações sociais.
Portanto, esse tipo de pesquisa se caracteriza por investigar o problema no seu espaço
natural, o pesquisador no elemento principal de investigação. Ademais, esta teve uma
abordagem de cunho exploratório, algo que possibilitou uma aproximação entre o objeto
estudado com o intuito de torná-lo mais explícito para poder descrever as características.
Segundo Gil (2007), esse tipo de pesquisa envolve levantamento bibliográfico e
documental. O procedimento técnico utilizado foi o da pesquisa bibliográfica que se deu através
de materiais publicado como livros, artigos, dissertações, teses e legislação vigente referente ao
tema, como também a vivência no campo de estágio.
Sendo assim, para que essa pesquisa tivesse coerência e consistência teórica, utilizamos
um levantamento através de uma revisão bibliográfica, principalmente sobre os conceitos
fundantes desse estudo destacando os autores que têm por estudo esta temática. Após o
levantamento bibliográfico e seleção dos materiais, foram feitas leituras analíticas dos textos
selecionados, como também dos documentos específicos (leis que regem o fazer profissional,
resoluções da Defensoria e afins), a fim de traçar um percurso de análise de modo a
proporcionar uma base teórica para efetuar o diálogo entre o objeto de estudo e problemática
da pesquisa.
Sendo assim, a presente monografia foi organizada em três capítulos. No primeiro
abordamos a gênese do Direito enquanto complexo social a partir da obra do autor Lukács
apresentado seus impactos na formação das sociedades de classes. Ao mesmo tempo nos
propomos a falar, neste tópico, acerca da ascensão do Estado Burguês enquanto aparato legal
de dominação. Ademais, evidenciamos a trajetória de inserção do sistema judiciário no Brasil
e como se deu o processo de construção do acesso à justiça até a criação da Defensoria Pública
com a Constituição de 1988.
No segundo capítulo, almejamos apresentar elementos pertinentes que auxiliassem no
entendimento do objeto desta pesquisa. Para isso, nos remetemos a conjuntura da inserção do
Serviço Social brasileiro no campo sociojurídico, abordando sua trajetória e sua atuação
profissional nesse campo sócio ocupacional em uma perspectiva de análise crítica. Como
também, este inserido no âmbito da Defensoria Pública do Estado do RN, a qual é versada pela
impositividade do jurídico.
No último capítulo apresentamos uma análise acerca da crise contemporânea do
capitalismo e os seus rebatimentos na atuação profissional, assim como no próprio projeto ético
político, compreendendo que o sociojurídico se revela enquanto espaço de atuação para o
18
Serviço Social brasileiro, que após o seu redirecionamento ético e político, se dispõe a analisar
a realidade social em uma perspectiva de totalidade submerso as contradições profundas que o
capital o impõe. Pontuaremos, por fim, os desafios que limitam a materialização dos princípios
éticos-políticos e possibilidades para construir estratégias a fim de efetivar ações com qualidade
profissional e política contra os rebatimentos da crise estrutural do capital e contra a banalização
da vida humana.
19
2. A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BURGUÊS E SUA
PARTICULARIDADE NO BRASIL
Neste capítulo almejamos elucidar acerca da gênese do Direito a partir da tese
apresentada pelo autor Lukács em sua obra Para uma ontologia do ser social, em que é
evidenciado por ele o Direito enquanto complexo social e seus impactos na formação das
sociedades de classes. Ademais, aproveitamos o ensejo para falar, neste tópico, acerca da
ascensão do Estado Burguês enquanto aparato legal de dominação.
No segundo item abordaremos a trajetória de inserção do sistema judiciário no Brasil e
como se deu o processo de construção de acesso à justiça.
No último iremos dar ênfase na criação da Defensoria Pública do Estado a partir da
Constituição Federal de 1988 e sua instituição.
2.1 A GÊNESE DO DIREITO E O ESTADO BURGUÊS
Na obra Para uma ontologia do ser social o autor húngaro Lukács, ao analisar uma série
de complexos, salienta acerca dos complexos categoriais decisivos do ser social. No decorrer
da análise, o autor apresenta considerações acerca da gênese do direito, este sendo um complexo
social, na sociedade de classes, apresentando-o enquanto regulador jurídico das atividades
sociais e da dominação de classes. O filósofo localiza o direito na reprodução social e, apresenta
o Estado, na sociedade, enquanto aparato legal para sua institucionalização.
Além disso, apresenta este complexo jurídico imerso nas contradições apresentadas pela
sociedade em que se origina para dar respostas aos conflitos sociais engendrados a partir da
divisão social do trabalho. Esse complexo jurídico se legitima enquanto força política das
classes dominantes, partindo do pressuposto da realização do bem comum e da justiça social.
Destarte, o direito enquanto forma ideológica de dominação, se apresenta na sociedade
enquanto um complexo social.
Luckács (2013, p. 229) no capítulo A reprodução inicia suas reflexões acerca da gênese
e função social do direito e pontua o problema a partir de considerações históricas evidenciando
a necessidade social de regular juridicamente as atividades sociais, algo que eclode num estágio
relativamente baixo da divisão social do trabalho devido a simples cooperação para a caça. Os
deveres executados por cada um dos homens singulares envolvidos deveriam ser
20
regulamentados da forma mais exata possível, com embasamento no processo concreto de
trabalho e na divisão do trabalho dele resultante (batedores e caçadores na caça), sendo assim,
a regulação consiste em influenciar os participantes de tal maneira que eles,
por sua vez, executam aqueles pores teleológicos que lhes foram atribuídos no
plano geral da cooperação. Como, porém, o que igualmente já sabemos , esses
pores teleológicos necessariamente constituem decisão alternativa, eles
podem, no caso dado, sair bem ou mal, não dar em nada ou resultar até mesmo
no contrário. Por mais que, naquelas condições primitivas, as pessoas
singulares, em situações vitais, tomavam espontaneamente decisões em média
mais parecidas do que posteriormente, por mais que, na igualdade de
interesses que naquele tempo ainda predominava, tenha havido menos razões
objetivas para resoluções contrárias, sem dúvida houve casos de fracasso
individual, contra os quais a comunidade precisou se proteger. Assim, teve que
surgir uma espécie de sistema judicial para a ordem socialmente necessária,
por exemplo, no caso de tais cooperações, muito mais no caso de contendas
armadas; porém, ainda era totalmente supérfluo implementar uma divisão
social do trabalho de tipo próprio para esse fim; os caciques, os caçadores
experientes, guerreiros etc., os anciãos podiam cumprir, entre outras, também
essa função, cujo conteúdo e cuja forma já estavam traçados em conformidade
com a tradição, a partir de experiências reunidas durante longo tempo
(LUKÁCS, 2013, p. 230. Grifos nossos).
A divisão de classes se instaurou a partir da escravidão, e com ela a necessidade de
regulamentação social. Com o intuito de atender as necessidades, foi surgindo gradativamente
o sistema judicial, haja vista que o “meramente transmitido em conformidade com a tradição”
(LUKÁCS, 2013, p. 230) não conseguia responder às necessidades engendradas após a
sociedade de classes.
Desse modo, essas necessidades adquiriram com o tempo, na crescente divisão social
do trabalho, uma figura própria na forma particular de juristas, cuja especialidade era a
“regulação desse complexo de problemas” e concomitantemente ao surgimento da esfera
judicial na vida social, surge um grupo de indivíduos incumbidos socialmente de “impor pela
força as metas desse complexo” (LUKÁCS, 2013, p. 230).
Entretanto, de acordo com o autor, apenas os antagonismos elementares poderiam ser
resolvidos com o uso direto da força; todavia, com a crescente socialização do ser social, vai se
desfazendo essa supremacia da mera força, sem que ela chegue a desaparecer, nas sociedades
de classes. Lukács (2013) esclarece que “reduzir a regulação da ação social ao puro uso da força
bruta forçosamente levaria a uma desagregação da sociedade” e por esse motivo “deve estar em
primeiro plano aquela unidade complexa de força indisfarçada e latentemente velada, revestida
da forma da lei, que adquire seu feitio na esfera jurídica”.
21
O autor húngaro salienta que por ter sua gênese a partir da existência da sociedade de
classes, o direito é, por sua essência, um direito de classes. Sendo assim, um sistema que atua
satisfazendo os interesses e ao poder da classe dominante que confirma e fortalece as relações
sociais, em que estabelece regras e impõe o cumprimento das suas prescrições. O direito na
sociedade de classes desenvolve normas que são universais e uniformes para sujeitos desiguais,
algo que perpetua as diferenças sociais e sua intrínseca contradição. Cabe ao Direito, de acordo
com Luckács:
Manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não só
um sistema unitário, mas um sistema capaz de regular na prática o acontecer
social contraditório, tendendo para a sua otimização, capaz de mover-se
elasticamente entre polos antinômicos – por exemplo, entre a pura força e a
persuasão que chega às raias da moralidade –, visando a implementar, no curso
das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que
se modifica de modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais
favoráveis para essa sociedade, que exerçam as influências mais favoráveis
sobre a práxis social (LUKÁCS, 2013, p. 247).
Tal feito de acordo com Lukács (2013), demanda uma técnica de manipulação bem
própria e para isso se faz necessário à sociedade renovar constantemente a produção de
especialistas, quais sejam, advogados, juízes etc. Ademais, evidencia que a relação entre classes
de dada sociedade deve ser compreendida de maneira dialética, como movimento que implica
a existência de variadas classes com interesses diferentes e diversificados.
Em primeiro lugar, muitas sociedades de classes estão diferenciadas em várias
classes com interesses divergentes, e não ocorre com muita frequência que a
classe dominante consiga impor em forma de lei seus interesses particulares
de modo totalmente ilimitado. Para poder dominar condições otimizadas, ela
precisa levar em conta as respectivas circunstâncias externas e internas e, na
instituição da lei, firmar os mais diferentes tipos de compromisso. Está claro
que sua extensão e magnitude exercem influência considerável sobre o
comportamento das classes que deles participam, positiva ou negativamente.
Em segundo lugar, o interesse de classe nas classes singulares é , na
perspectiva histórica, relativamente unitário, mas em suas realizações
imediatas ele muita vezes apresenta possibilidades divergentes e, mais ainda,
avaliações divergentes por parte das pessoas singulares envolvidas, razão pela
qual, em muitos casos, a reação à legislação e à jurisdição não tem de ser
unitária nem dentro da mesma classe. Isso se refere, em terceiro lugar, não só
as medidas que uma classe dominantes adota contra os oprimidos mas também
à própria classe dominante (LUKÁCS, p. 233).
Desse modo, Lukács (2013) discorre que o direito funciona como uma espécie de
mediação entre o domínio direto e os conflitos entre as diversas classes sociais com seus
interesses divergentes e que é peculiar ao direito se mostrar dissociado dos conflitos sociais,
22
entretanto essa particularidade lhe é inerente em decorrência do seu caráter contraditório. Mais
um vez o autor húngaro realça acerca da temática quando salienta que
É possível perceber já nessa mesma forma, justamente quando a examinamos
de modo puramente formal, uma autêntica contraditoriedade: por um lado,
essa forma é rigorosamente geral, já que sob a mesma categoria sempre
subsumidos de uma só vez e uniformemente todos os casos que podem ser
associados a dado imperativo social. O fato de, em muitos casos, ser preciso
adicionar corretivos diferenciadores não muda nada na essência dessa
estrutura, porque as subdivisões, as coordenações, os aditivos definidores etc.
possuem igualmente a mesma constituição - que subsume tudo sob um item
geral. Por outro outro lado, surge concomitantemente com essa tendência para
a validade universal uma notável- e igualmente contraditória - indiferença
diante da razão pela qual os homens singulares, cujos pores teleológicos uma
prescrição jurídica desde sempre é chamada a influenciar, obedecem ao
imperativo aqui estatuído (problema da legalidade) (LUKÁCS, 2013, p.234).
Diante disso, Castro (2016) argumenta que, o direito tem o objetivo de atingir um
número elevado de pores teleológicos, e isso faz com que os indivíduos assumam determinadas
decisões, ideias e comportamentos dentro do campo da sociabilidade, colocando sobre o mesmo
conjunto de normas as singularidades individuais. E concomitantemente a essa busca de
abranger a totalidade, há um desinteresse dos motivos pelos quais os indivíduos assumem tal
posicionamento teleológico.
Voltando ao tema da historicidade das formas jurídicas, Luckács (2013) relata que na
Idade Média o poder estatal era descentralizado e por esse motivo os indivíduos podiam portar
não só de armas, mas de homens armados, destarte, a imposição de um decreto emanado do
direito estatal por diversas vezes se tornava uma questão de combate aberto entre o poder central
e a resistência contra ele. Entretanto “com a crescente socialização da sociedade o conteúdo do
Direito passa a ser avaliar em casos tais resistências são jurídicas válidas” (LUKÁCS, 2013, p.
235, apud CASTRO, 2016, p. 20).
Logo, ao discorrer acerca da passagem conflituosa da formação feudal para a construção
das bases da sociabilidade capitalista, o autor evidencia que o capitalismo buscou:
implementar uma regulação jurídica universal de todas as atividades
sociais, como também simultaneamente transformou em questão
principal da vida social a superioridade e, desse modo, a autoridade da
regulação central perante todas as demais” (LUKÁCS, 2013, p. 235).
23
Seguindo esse viés, Castro (2016) salienta que o Direito e sua relação complexa com o
Estado se apresenta para a sociedade como uma esfera que tem a finalidade de dominar os
campos da vida social, ainda que de maneira velada, através de uma regulação totalizadora.
Após essa necessária digressão, é conveniente para nossos propósitos ressaltar que o
Estado, tal qual se apresenta na contemporaneidade, de acordo com Mascaro (2013) não foi
uma forma de organização política vista em sociedade anteriores da história como abordado
outrora.
O autor salienta que sua manifestação é estritamente moderna, capitalista.
Em modos de produção anteriores ao capitalismo, não há uma separação
estrutural entre aqueles que dominam economicamente e aqueles que
dominam politicamente: de modo geral, são as mesmas classes, grupos e
indivíduos - os senhores de escravos ou senhores feudais - que controlam tanto
os setores econômicos quanto os políticos de suas sociedades. Se alguém
chamar por Estado o domínio antigo, estará tratando do mando político direto
das classes econômicas exploradoras. No capitalismo, no entanto, abre-se a
separação entre o domínio econômico e o domínio político. O burguês não é
necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, a princípio, como
distintas. Na condensação do domínio econômico e político em uma figura
distinta da do burguês, no capitalismo, identifica-se especificamente os
contornos do fenômeno estatal (MASCARO, 2013, p. 17).
O autor elucida que diferentemente de outras formas de domínio político, o Estado é um
fenômeno especificamente capitalista. Ele se revela enquanto um aparato necessário à
reprodução capitalista, uma vez que assegura a troca das mercadorias e até mesmo a exploração
da força de trabalho sob a forma assalariada. Ademais, respalda-se nas instituições jurídicas
que se consolidam através do seu aparato estatal “o sujeito de direito e a garantia do contrato e
da autonomia da vontade, possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios
exploradores e explorados” (MASCARO, 2013, p. 18).
O advento dos Estados ocorreu com o final da Idade Média e o início da Idade Moderna,
em que contingentes populacionais inteiros, antes espalhados em cidades ou feudos, passam a
dividir o mesmo espaço político estatal capitalista. Nessa transição, muitos espaços se
unificaram ou se reafirmaram como Estados.
Mascaro (2013) salienta que algumas figuras de poder político anteriores a criação do
Estado, em que inclusive podem levar seu nome, foram embriões do que é o Estado
contemporâneo, contudo,
O Estado moderno não pode ser confundido com outras formas de poder da
história nem ser considerado como a única estrutura de dominação política
possível às sociedades. A junção necessária e exclusiva da forma política
24
estatal ao capitalismo não implica que somente este modo de produção tenha
erigido um corpo de administração política. Se o capitalismo tem uma
especificidade na forma política, os modos de produção anteriores,
inespecificamente, também possuíam instituições políticas. Dos velhos
aparelhos políticos à moderna forma de Estado, o processo é de ruptura,
criação e reconfiguração de instituições políticas que se sucedem. É permeada
por esse fluxo que se estabelece a forma política estatal, ímpar comparada às
demais manifestações políticas que lhe antecederam por conta não de suas
instituições, mas do tipo de relação de produção social. (MASCARO, 2013,
p. 54).
O autor destaca que em modos de produção anteriores ao capitalismo, não havia uma
separação estrutural entre aqueles indivíduos que dominavam economicamente e aqueles que
dominavam politicamente, sendo a mesma classe (os senhores de escravos ou feudais) que
controlavam os setores econômicos e políticos daquela sociedade.
Destarte, no capitalismo há o surgimento da separação entre o domínio econômico e
político. Com a circulação mercantil e à posterior estruturação de toda a sociedade acima do
parâmetro de troca, de acordo com Mascaro (2013), aparece o Estado enquanto terceiro em
relação à dinâmica entre capital e trabalho. Este, não surge como um complemento, mas como
peça necessária da reprodução capitalista. Sem o respaldo estatal, o domínio do capital sobre o
trabalho assalariado seria direto, se constituindo enquanto escravidão ou servidão. Dessa
maneira,
A reprodução da exploração da exploração assalariada e mercantil fortalece
necessariamente uma instituição política apartada dos indivíduos. Daí a
dificuldade em se aperceber, à primeira vista, a conexão entre capitalismo e
Estado, na medida em que, sendo um aparato terceiro em relação à exploração,
o Estado não é nenhum burguês específico nem está em sua função imediata.
A sua separação em face de todas as classes e indivíduos constitui a chave da
possibilidade da própria reprodução do capital: o aparato estatal é a garantia
da mercadoria, da propriedade privada e dos vínculos jurídicos de exploração
que jungem o capital e o trabalho (MASCARO, p. 18).
Desse modo, o Estado não surge apenas enquanto um aparato de repressão, mas sim de
constituição social. Mascaro (2013) enfatiza que o caráter terceiro que o Estado apresenta não
é para ser compreendido enquanto um aparato neutro à disposição da burguesia, “para que nele,
ela exerça o poder” (idem, p.19). Salienta que é preciso compreender na dinâmica das próprias
relações capitalistas o motivo de ser estrutural do Estado.
A reprodução do sistema capitalista se estrutura a partir de formas sociais que são
necessárias para constituir o núcleo de sua própria sociabilidade. As sociedades que
encontramos presente no modelo econômico vigente, com divergências entre capital e trabalho,
circundam em volta formas sociais como valor, mercadoria e subjetividade jurídica.
25
É imprescindível evidenciarmos duas formas sociais; a forma política capitalista,
estatal, a qual é o espelho da forma mercantil, quando se constitui se materializa em organismos
estatais e em instituições sociais, tornando-se em aparatos próprios, “por exemplo, ao dizer que
o Estado concentra monopólio da violência, depreende-se, então, a existência de órgãos de
forças armadas” (MASCARO, 2013, p.30) e, a forma jurídica, que constitui os sujeitos de
direito, que de acordo com autor, esta afastou as velhas relações sociais que uniam os indivíduos
através do arbítrio, pelo uso da força ou acaso.
Mascaro (2013) aponta que existe um nexo entre estas duas formas, mas não porque são
equivalentes, e sim porque “remanescem da mesma fonte.” As duas são oriundas do mesmo
processo de derivação, a partir das formas mercantis capitalistas, não podendo agir
separadamente, atuando em sua especificidade e ao mesmo tempo.
O núcleo da forma jurídica reside no complexo que envolve o sujeito de
direito, com seus correlatos do direito subjetivo, do dever e da obrigação -
atrelados, necessariamente, à vontade autônoma e à igualdade formal no
contrato como seus corolários. Por sua vez, o núcleo da forma política
capitalista reside num poder separado dos agentes econômicos diretos, que se
faz presente por meio da reprodução social a partir de um aparato específico,
o Estado, que é o elemento necessário de constituição e garantia da própria
dinâmica da mercadoria e da relação entre capital e trabalho (idem, p. 39).
De acordo com a linha de pensamento do juspositivismo1, compreende-se o Estado e o
direito como ângulos divergentes de um mesmo fenômeno, sendo o contorno jurídico
constituído pelo político. Mascaro (2013) apresenta o Estado a partir desta perspectiva enquanto
instituidor do direito a partir da sua soberania, o qual se respalda num instrumento, a norma
jurídica. Desse modo, “se o direito, para a ciência juspositivista, se reduz à norma jurídica,
então o direito é o Estado” (idem, p.39). Ademais, o mesmo é afirmado no que condiz a via
reversa, uma vez que o Estado enquanto fenômeno de poder diferencia-se dos demais poderes
da sociedade porque se respalda em competências advindas das normas jurídicas. Mascaro
1 De acordo com Vanin (2015) Juspositivismo, positivismo ou positivismo jurídico é uma corrente de filósofos
que utilizam do método empírico (científico) para adequar o direito apenas em seu direito positivo (leis), ou seja,
apenas será trabalhado as questões positivadas. Essas normas positivadas são feitas pelo poder político do Estado,
e assim são aplicadas pelas autoridades efetivamente competentes. O direito positivo é aquele que o Estado impõe
à coletividade, e que deve estar adaptado aos princípios fundamentais do direito natural. Portanto, a norma tem
natureza formal, independem de critérios externos ao direito, como exemplo: moral, ética e política. Definido por
elementos empíricos e mutáveis (fator social), onde a sociedade está em constante mutação. Ao contrário do que
defende a corrente jusnaturalista (jusnaturalismo), a Corrente Juspositivista (juspositivismo) acredita que só pode
existir o direito e consequentemente a justiça através de normas positivadas, ou seja, normas emanadas pelo Estado
com poder coercivo, podemos dizer que são todas as normas escritas, criadas pelos homens por intermédio do
Estado (VANIN, 2015).
26
(2013) aborda que as ações do Estado são sempre atos jurídicos, sendo do direito administrativo
ou das outras ramificações do próprio direito.
Como evidenciado outrora, o núcleo da forma jurídica, o sujeito de direito, não tem sua
gênese a partir do Estado. Seu advento está interligado com as relações de produção capitalistas.
Mascaro (2013) esclarece que, tendo em vista que o Estado e o direito surgem, historicamente,
como “derivas necessárias e específicas do mesmo fenômeno do circuito pleno da forma
mercantil, serão as revoluções liberais burguesas que constituirão o Estado e o direito como
formas acopladas tecnicamente uma à outra” (idem, p.41).
Nos tempos hodiernos o direito e a democracia se apresentam mais que valores liberais
e se configuram como um espaço privilegiado do político. De acordo com Gomes (2013) os
séculos XVII e XIX são marcados pelo crescente almejo da burguesia de modificar o sistema
vigente da época dando espaço para o direito à liberdade, a autonomia e a emancipação do
indivíduo.
Com as revoluções inglesas, em defesa da liberdade e dos direitos naturais, o século
XVII engendra o antagonismo entre o Absolutismo e o Parlamento, conduzido pela burguesia
ascendente: o liberalismo. Desde então, “a lei passou a ser, em toda Europa ocidental, definidora
dos parâmetros de razoabilidade dos limites do exercício do poder” (ibidem, p. 7).
Como anota Teixeira (1995, p.17, apud GOMES, 2013, p. 8) “a modernidade nasce
como um verdadeiro divisor de águas entre épocas distintas na evolução da humanidade” a qual
criou uma maneira específica de sociabilidade fazendo emergir princípios de determinação
social, a autonomia e a autodeterminação do indivíduo.
No tocante a autonomia encontrava-se no seio desse projeto, o desejo de
libertar o homem do despotismo pré-sol do tirano governante. De torná-lo
indivíduo autônomo no espaço público. Nisto consistiu o ideal da autonomia
política, advogado pelos grandes pensadores da filosofia política moderna.
Neste sentido, a tradição moderna proporciona uma estrutura conceitual, em
que a autonomia, entendida como autogoverno, prevaleceu à ascensão da
visão liberal das relações do indivíduo com a sociedade, promovendo a
suposição útil de que, no meio social, cada indivíduo pode corretamente
reivindicar, conduzir suas próprias ações sem interferência do soberano, do
Estado, da igreja ou daqueles que se arroga, ser melhores ou mais sábios.
(GOMES, 2013, p. 8)
Logo, Gomes (2013) salienta que essa autonomia e individualismo passaram a ser
aceitas e os indivíduos passam a ser titular de direitos e não apenas obrigações. Portanto, o
liberalismo se traduziu numa “expressão cabal do triunfo das liberdades individuais e dos
direitos naturais, fato que gerou certa consciência de respeito às leis” (idem, p. 9).
27
Com o advento desta nova forma de sociabilidade tem-se a necessidade de engendrar
uma instância política a fim de preservar a particularidade das ações individuais sem colocar
em risco a viabilidade da vida em sociedade. Hobbes (1998, p. 104, Apud GOMES, 2013, p. 9)
aborda tal concepção a partir do capítulo XIII do Leviatã, em que evidencia que:
[...] as consequências negativas manifestas da situação duradoura de uma luta
entre os homens, deve mostrar que só a submissão, regulada por contrato, de
todos os sujeitos a um poder soberano, pode ser o resultado de uma
ponderação de interesse (idem, p. 9).
Gomes (2013) ressalta que é essencial recordar que o homem, na época evidenciada
por Hobbes, estava inserido em um contexto de uma sociedade mercantil em que ele era o
produtor de mercadorias e só conseguia ver o outro como meio para realizar seus fins. Partindo
dessa premissa, Hobbes, de acordo com Gomes (2013, p.10), apresenta uma hipótese lógica
para tornar a vida em sociedade possível, que seria a “dedução do pacto, como sendo um acordo
plausível e legítimo, que tornaria possível uma vida sociável”.
O filósofo italiano Bobbio (2000, apud GOMES, 2013, p. 26) esclarece em um dos seus
estudos jurídicos que a emergência da doutrina dos direitos (do homem, do cidadão, dos direitos
humanos) é um produto originado da história moderna, engendrada com as revoluções liberais
do século XVIII. Ademais, afirma que o conceito dos direitos dos homens como essência do
jusnaturalismo adquire na hodiernidade uma concretude a partir da Carta de direitos anunciada
pela Organização das Nações Unidas em 1948.
É importante pontuar que outrora outros documentos com a finalidade de assegurar
direitos já haviam sido redigidos, como a Declaração de Direitos Inglesa, elaborada em 1689,
após as guerras civis inglesas; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, redigida
em 1789, após a Revolução Francesa. Com isso, o sistema jurídico desenvolvido no liberalismo
era visto como um sistema fechado em decorrência a sua aplicação, uma vez que só os juízes
poderiam interpretá-lo, sendo conhecido na época por positivismo ou normativismo.
Sendo assim, de acordo com Gomes (2013), a luta engendrada pelo liberalismo em
busca dos direitos à liberdade, apesar de estar interligada a um contexto histórico peculiarmente
específico, onde havia presente uma disputa por hegemonia entre a burguesia e a nobreza, foi
isso que impulsionaram diversas lutas as quais contribuíram para dinamizar o sistema de
direitos.
Após essa discussão, julga-se necessário compreender como ocorreu a formação do
sistema judiciário no Brasil e sua relevância para o alcance do objeto proposto inicialmente
nesta pesquisa. É evidente que direito nasce imbuído na sociedade de classes com a finalidade
28
de regular juridicamente as atividades sociais, se apresentando enquanto uma estrutura
complexa de manutenção do status quo.
Desse modo, se faz necessário evidenciarmos como se deu o trajeto de consolidação do
direito de acesso à justiça através da formação do sistema judiciário no Brasil, o qual foi/é
perpassado por manipulação, fetichismo e contradições. Haja vista que, “apesar da sua
aparência unitária e coesa, os preceitos jurídicos e as leis surgem de compromissos entre classes
e fragmentos de classes, visando amenizar os conflitos oriundos da sociedade de classes e não
solucioná-los” (CASTRO, 2016, p. 26).
Assim, será possível compreender melhor a inserção do (a) Assistente Social no lócus
jurídico, bem como o seu papel em um Estado burguês que serve a interesses do capital e aos
operadores do Direito.
2.2 FORMAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO NO BRASIL E O DIREITO DE ACESSO À
JUSTIÇA
Como abordamos anteriormente, o Direito surge nas sociedades de classes enquanto
regulador jurídico das atividades sociais. Entretanto, antes de darmos início a elucidação acerca
da formação do sistema judiciário no Brasil, é imprescindível enfatizarmos que o Direito e o
jurídico não são sinônimos. De acordo com o CFESS/CRESS (2014), o Direito que se torna
uma lei a ser seguida, é o Direito positivado. Contudo o Direito em si é bem mais amplo do que
as leis, uma vez que, este é o produto das necessidades humanas que se constituem nas relações
sociais; relações dialéticas e contraditórias.
Nessa perspectiva, o Direito que surge para incorporar o jurídico, é constituído através
dos “operadores do direito [que] concorrem pelo monopólio do direito de dizer o direito”
(SHIRAISHI apud CFESS, 2014, p. 11). O jurídico em si, se restringe a analisar apenas os
autos, algo que não aguça sua radicalidade analítica, fazendo com que este se limite “ apenas à
defesa da estrutura do capital e de suas leis de proteção à propriedade privada e ao
permanentemente desenvolvimento da taxa de acumulação” (idem, p.11).
Koshiba (1987) aponta que o Brasil enquanto colônia de exploração exigia a adoção de
várias modalidades de trabalho compulsório, até sua forma limite, o escravismo, a fim de
promover acumulação de capital para a metrópole atendendo os interesses da burguesia
mercantil; a sociedade colonial estava baseada na escravidão. Ao contrário do servo encontrado
29
na sociedade feudal, o escravo nesse modelo de produção era propriedade do senhor de
engenho.
A gênese do sistema judiciário brasileiro teve sua construção em cima desse modelo
escravista, tendo influência direta da administração da Justiça em Portugal. Apresentou seus
primórdios no contexto colonial, tendo a partir do império Português, no período compreendido
entre 1500 e 1822, seus moldes para estruturar o que é hoje o sistema judiciário. Contudo, a
evolução do direito de acesso à justiça como será evidenciada, principalmente para os mais
pauperizados, foi um processo bastante lento, tendo reflexos em nossa contemporaneidade.
Spengler (2013) evidencia que dos primórdios do descobrimento até meados do século
XVIII nada de relevante acontecia no cenário Brasileiro quando o assunto era o direito ao acesso
à justiça. Enquanto os países europeus estavam consolidando o direito de acesso à justiça, o
Brasil não apresentava nenhum progresso. De acordo com Schwartz (2011), compreendia-se
naquele tempo que a administração da justiça era o tributo mais importante do governo,
“possivelmente como projeção da responsabilidade imanente à autoridade real quanto à
distribuição da justiça”.
É inegável que a autoridade das monarquias sobre os territórios naquela época tinha, na
aplicação da lei, por meio de seus representantes, um valioso instrumento de coesão. Vale
ressaltar que entre o final do século XVII e início do século XVIII ocorreu o processo de
mineração, período de alto fluxo de deslocamento de contingente humano para as regiões das
minas, e com essa grande migração demográfica brasileira, o fomento do escravismo. As minas
atraíram ainda mais imigrantes portugueses e com ele o volume do tráfico de africanos; mão de
obra escrava que era destinada ao trabalho nas minas de ouro.
Koshiba (1987) frisa que escravo não era apenas sinônimo de negro africano, sendo
também estendido aos indígenas, que foi de antemão a mão de obra escrava usada pela
colonização portuguesa, haja vista que era mais rentável. A transição do trabalho indígena para
o africano se deu em detrimento ao tráfico negreiro, o qual tornou-se elemento de acumulação
de capitais para a metrópole. Os lucros que eram advindos do comércio com os índios não
chegavam à metrópole por ser pouco, já o tráfico negreiro proporcionou lucros exacerbados e
beneficiava a Coroa.
Contudo, o autor elucida que o trabalho negro não recebia proteção de ninguém. O índio
diferentemente do negro, estava sob uma legislação específica (o estatuto dos índios), que
visava à obra colonizadora, tendo as ordens religiosas ao seu lado. De acordo com Koshiba
(1987) seguindo o direito romano, a lei portuguesa considerava o escravo negro como coisa do
senhor, tornando-o instrumento vivo de trabalho.
30
Partindo desse pressuposto, é imprescindível fazermos um resgate histórico a fim de
elucidarmos como se deu esse processo de formação do sistema judiciário burguês no Brasil a
fim de nos aprofundarmos na discussão.
De acordo com Chaves (2017) em meados do século XVI, no sistema das capitanias, a
carta de doação e o foral da capitania garantiam apenas aos donatários uma gama de direitos e
deveres. Além disso, ofertavam-lhes também, jurisdição civil e criminal, além de autonomia
para organizar a administração local e cobrar tributos. Em momentos que os donatários não
exerciam as funções diretamente, era-lhes permitido nomear um ouvidor; um magistrado
superior, e outros funcionários. Na medida em que contingente populacional crescia, um
segundo ouvidor poderia ser nomeado.
Ao donatário era estendida a garantia à isenção de visitas de qualquer magistrado da
Coroa, mesmo que ele fosse acusado de algum crime, haja vista que a metrópole esperava que
as leis portuguesas fossem aplicadas e obedecidas. Sendo assim, o sistema político
administrativo português instituiu as cartas de doação e os forais como os primeiros vínculos
jurídicos entre a metrópole e a colônia, pois só eles poderiam definir os direitos e os deveres
dos donatários. Nota-se que garantias de direitos eram apenas estendidas aos donatários,
havendo a exclusão da população não europeia, em suma, os escravos.
Desse modo “esse contexto oferecia ao donatário exercício pleno e irrestrito de seus
poderes sobre as vastas terras que recebeu para conduzir a povoação” (IBIDEM, 286). Em
decorrência aos ataques indígenas constantes, e ao próprio desinteresse de alguns donatários o
sistema de capitanias hereditárias tem o seu fracasso, comprometendo a primeira tentativa de
colonização.
Chaves (2017) evidencia que no corrente ano de 1549 instalou-se no país o Governo-
Geral, a fim de substituir e complementar o sistema de Capitanias Hereditárias, sendo nomeado
um governador residente no território brasileiro e representante direto do rei. A ele, além das
atribuições militares e administrativas, era-lhes assegurada ampla competência jurisdicional
cível e criminal.
No entanto, como enfatiza Schwartz (2011):
o acesso à jurisdição era basicamente restrito aos europeus que viviam na
colônia. Para os índios não havia qualquer estatuto de direitos ou mesmo
acesso a qualquer serviço do governo, inclusive à justiça (idem).
Nesse lastro, de acordo com Chaves (2017), é possível observar a eclosão de um
fenômeno na trajetória da organização política do Brasil, em especial a jurídica.
31
uma tensão entre modelos descentralização e a decentralização do exercício
do poder. Em substituição ao modelo de colonização de poder descentralizado,
de que se constituía o regime de capitanias, introduziu-se um elemento de
governo central na colônia (p. 287).
Desse modo o autor destaca que após a implementação a primeira medida imposta
quanto à organização judiciária foi a designação de um ouvidor- geral
posto exercido por um funcionário designado pela metrópole, que exercia a
jurisdição superior de forma delegada pelo governador-geral. Não houve a
instituição imediata de uma nova estrutura judiciária. O ouvidor-geral se
colocava como autoridade acima dos ouvidores locais, os quais, como se viu,
eram designados pelos donatários. Era um modelo, portanto, que não
assegurava, na prática, a administração da justiça de acordo com os interesses
do governo central, consideradas as dimensões do território da colônia, já que
conservava o poder local, com a administração da justiça a cargo dos
prepostos nomeados pelos donatários, tornando o sistema “confuso e às vezes
inoperante de controle exercido pelo rei e pelo donatário” (SHWARTZ, 2011).
Visualiza-se com a criação do governo-geral e consequentemente com a construção
gradativa do sistema jurídico um desequilíbrio na balança do acesso à justiça. Há indagações
acerca para quem e qual classe esse sistema jurídico servia e assegurava direitos. Ao decorrer
da leitura reafirma-se a soberania e autoridade da Coroa Portuguesa em detrimento a população
colonizada e escravizada, uma vez que estes não entravam no grupo dos privilegiados pelo
governo Português.
Não obstante, dando prosseguimento ao processo histórico de construção do sistema
judiciário, em 1557 com a nomeação de Mem de Sá para o posto de governador-geral, com
formação jurídica na Universidade de Coimbra, é que a preocupação com a obediência à lei da
Coroa, através da administração judiciária, será evidenciada.
O governo de Mem de Sá é considerado como um avanço na administração
da justiça, que recebeu grande impulso e desenvolvimento, seja por sua
formação intelectual, seja por sua capacidade administrativa e como
articulador político. Sua aliança com a ordem dos jesuítas foi considerada
importante na proteção da população indígena às incursões dos colonos e na
preservação da lei e da ordem. Esse esforço de centralização, com maior êxito
a partir da gestão de Mem de Sá, trilhava o caminho do maior controle da
colônia pela metrópole, propósito baseado na burocracia – em especial a
judiciária –, e não apenas na forma militar (CHAVES, 2017, p. 288).
Com a eclosão da crise dinástica em 1580, após um curto período de disputas, as Cortes
de Tomar formalizam o domínio espanhol sobre Portugal e suas colônias. Tendo em vista seu
ordenamento liberal, foi mantida a administração dos costumes e das leis, “criando-se o
32
Conselho de Portugal para aconselhamento do rei e designando-se um vice-rei para governar
Lisboa em nome da Coroa espanhola, o que se sucedeu por sessenta anos” (CHAVES, 2017, p.
289).
O domínio espanhol se debruça sobre a questão judiciária, até mesmo porque
os problemas de morosidade processual já se faziam sentir àquela época nos
órgãos judiciários portugueses, tanto que do tema se ocuparam as Cortes de
Tomar, em que ficou indicada a necessidade de uma reforma judicial que
promovesse mudanças, em especial quanto ao número de desembargadores
(considerado excessivo), à seleção dos magistrados e ao valor dos seus
salários, considerados, então, inadequados para que se “evitasse que os
magistrados caíssem na tentação do suborno” (IBIDEM, p.289).
Apesar do almejo de adotar uma reforma judicial, adotando assim um perfil espanhol
no sistema judiciário português, o acordo selado nas Cortes de Tomar prevaleceu, “de modo
que a reforma que se seguiu no sistema judiciário português abraçou as tradições lusitanas”
(CHAVES, 2017, p. 290) favorecendo a classe burguesa da época e o seu processo de
lucratividade.
Chaves (2017) salienta que houve a necessidade da criação do Tribunal superior no
Brasil, a Relação da Bahia, em decorrência das investigações feitas sobre os magistrados por
todo o território da colônia. Esta foi instituída em 1588, mas seu funcionamento só se deu
apenas em 1609, devido às dificuldades de aglomerar os magistrados letrados, tendo em vista
que não havia magistrados formados na colônia, algo que levou a extinção da Relação em 1626,
sendo refundada apenas em 1652 pela Lei de 12.09.1652, permanecendo sozinha como
instância superior da Colônia até 1751.
Aspecto importante sobre a Relação, no que se refere à organização política e
judiciária, diz respeito à posição que o governador-geral ocupava como
presidente nato do tribunal, podendo ali comparecer quantas vezes desejasse.
De outro lado, competia à Relação proceder a uma correição administrativa
no governo. Essa peculiar composição, prevista no seu regimento, acabava
estabelecendo, pelo menos no campo formal, um recíproco controle.
(IBIDEM, p. 291)
O autor pontua que apesar da correição administrativa realizada pela Relação, a sua
autonomia em si não era efetivada, haja vista as estratégias realizadas pelo presidente do
tribunal, dentre elas a gratificação extraordinária conhecida na época como propina. Além
disso, outro fator que deslegitimizava a atuação dos magistrados eram seus desvios de conduta,
seja pela prevaricação, fruto de várias denúncias à Coroa, seja pela exploração
de negócios particulares pelos juízes. Some-se a isso uma tendência
33
patrimonialista na formação dessa burocracia e das incipientes instituições
políticas, em particular as judiciárias. (IBIDEM, p. 292).
Chaves (2017) esclarece que com a falta de qualificação e experiência necessária para
ocupar os cargos abaixo da magistratura, abre-se espaço para indivíduos sem qualificações para
desenvolver as atividades
Com efeito, nas funções abaixo da magistratura, as centenas de cargos eram,
não raro, ocupadas por pessoas sem a qualificação e a experiências necessárias
para o seu exercício. Muitos deles eram objeto de compra ou apenas
concedidos como forma de recompensa pela Coroa àqueles que lhe prestaram
algum tipo de serviço, inclusive militar. Os cargos nos tabelionatos eram dos
mais valiosos. Ocupados majoritariamente por portugueses, essas designações
funcionavam também como forma de obter a lealdade, com grande eficácia
política. (IBIDEM, p. 292).
Nota-se ao longo da história um sistema jurídico construído, desde sua gênese, para
manutenção do poder imperial burguês, em que não se via uma cogitação de justiça plena e
igualitária para todos; reafirmando o seu domínio de classes com o seu poder coercitivo legal e
manutenção do status quo.
No início do século XIX é suscitado um período histórico, o qual é recheado de
transformações nas estruturas sociais, políticas e econômicas em decorrência da chegada da
Coroa portuguesa, e sua instalação, no Rio de Janeiro, em 1808. O Brasil tornou-se então sede
do Império português, e com o feito, mudanças ocorreram, dentre elas, a criação de diversas
instituições político-administrativas, havendo também o engendramento referente a
organização judiciária
No que se refere à organização judiciária, vários órgãos foram criados, sendo
o de maior relevo a Casa de Suplicação do Brasil (1808), que passou a ser
tribunal mais elevado até então instituído fora de Portugal. De outro lado,
reforçando a estratégia de imposição do poder central da Coroa, aumentou-se
o número de ouvidores e de juízes de fora. (IBIDEM, p. 295).
Chaves (2017) argumenta que o Brasil, como boa parte do império lusitano, teve direito
a participar das Cortes, principalmente da Assembleia convocada para a discussão de uma
Constituição. Referente ao Judiciário, temas acerca da sua organização, o regime de
responsabilidade e a independência foram discutidos. Entretanto, com a insistência portuguesa
no que condiz rebaixar o Brasil precipitou o movimento por sua independência.
Em 1824, já declarada a sua independência, instala-se o Império do Brasil, como forma
e regime de governo amalgamado pela primeira Constituição outorgada (ibidem, p, 297). De
34
acordo com Castro (2016), a conjuntura sócio histórica na qual surgiu a Constituição é
intrínseca ao período da Independência Brasileira que teve um caráter duplo, de um lado
apresentou um elemento puramente revolucionário, e do outro, conservador.
Referente a isso, o autor Fernandes (1981) destaca que,
O elemento revolucionário aparecia nos propósitos de despojar a ordem social,
herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronômicos aos quais fora
moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia
exigidas por uma sociedade nacional. O elemento conservador evidenciava-se
nos propósitos de preservar e fortalecer a todo custo, uma ordem social que
não possuía condições materiais e morais suficientes para engendrar o padrão
de autonomia necessário a construção e o florescimento de uma Nação
(FERNANDES, 1981, p.32)
Sendo assim, a esfera jurídica é imbuída a fim de regulamentar os conflitos existentes
na:
[...] nascente e contraditória nação brasileira, cujos interesses e compromissos
entre classes dominantes irão se transformar em leis em uma Constituição a
la Europa fundamentada em preceitos jurídicos que respondiam aos conflitos
e aos acordos da luta de classes europeia e não necessariamente a realidade
social brasileira (CASTRO, 2016, p. 27).
Fernandes (2014) aponta que a constituição vigente na época se vinculou ao absolutismo
da coroa e a um modelo de sociedade civil que estreitava a monarquia constitucional à vontade
política dos senhores de escravos. Com isso, era possível observar um modernismo importado
e um formalismo jurídico avançado, contudo, um sistema que excluiu os homens pobres e livres
da sociedade civil, dando continuidade à existência e à sobrevivência da escravidão.
Não existe uma consciência constitucionalista, porque não existe uma
sociedade civil que associe o modo de produção capitalista à necessidade
histórica das várias revoluções burguesas (como a revolução nacional, a
transformação estrutural capitalista no campo, a revolução urbana e a
revolução democrática). A nossa modernização política se reduziu à
importação de uma tecnologia estatal de dominação de classe. A
modernização se impunha; de fora, para encadear a produção econômica
interna ao mercado mundial; de dentro, para que as classes dominantes
pudessem associar-se aos estratos mais poderosos da burguesia internacional
contando com freios para limitar o constante desgaste que eles exerciam sobre
a soberania do estado. A democracia converteu-se em um jogo entre os mais
iguais, um sistema de poder deformado, e o constitucionalismo era em si
mesmo uma farsa política, que sequer encobria ideologicamente as cruas
realidades que faziam do estado um feitor de escravos e um castrador da
nação, como se o vinco colonial permanecesse perpetuamente vivo nessa
esfera (FERNANDES, 2014, p. 73. Grifos nossos).
35
Destarte, há a passagem do Brasil colônia para a monarquia constitucional, em que
estabeleceu, a partir da Constituição, a formação originária da nacionalidade brasileira, como
também instituiu a monarquia representativa, a unidade nacional, e a defesa dos direitos
cidadãos e a divisão de poderes. Evidenciam-se as contradições no trato estabelecido entre a
oligarquia agrária brasileira e a burguesia emergente.
Condizente aos direitos, a autora Spengler (2013) evidencia que,
É imprescindível asseverar, todavia, que não obstante estabelecer os direitos
individuais e políticos dos indivíduos, a Constituição do Império possuía 179
artigos e oito capítulos, dos quais 172 artigos e sete capítulos se referiam à
organização dos 10 poderes políticos e tão somente 7 artigos e um capítulo
dispunham sobre as garantias e dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros. Verifica-se, por 12 conseguintes, que apesar de satisfazer a
definição estabelecida no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, a Constituição de 1824 se destinava muito mais a
estabelecer a divisão política e administrativa do Império - assegurando ao
Imperador a posição de “chave de toda a organização política” - do que
garantir direitos aos cidadãos brasileiros. (SPENGLER, 2013, p. 136).
Chaves (2017) enfatiza que a organização política do novo Estado, adotou a divisão
política de quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judicial e Moderador.
A Constituição de 1824 declarou a independência formal do Poder Judicial –
nomenclatura adotada na oportunidade –, bem como a perpetuidade dos juízes
de direito, que somente podem perder o lugar por sentença, ainda que o
Imperador pudesse suspendê-los “por queixas” (art. 151 e seguintes). Quanto
à organização judiciária, previu a criação do Supremo Tribunal de Justiça e de
tribunais da Relação na sede do Império e nas demais Províncias (art. 163).
Além disso, dispôs sobre os juízes de paz, eleitos no tempo e na forma dos
vereadores das Câmaras, com atribuições a serem estabelecidas em lei (art.
162). A Constituição de 1824 fixou composição do Poder Judicial, que seria
integrado por juízes e jurados para decidirem tanto casos cíveis como
criminais, assentando, ainda, que “os jurados [se] pronunciam sobre o fato e
os juízes aplicam a lei”, em nítida inspiração do modelo saxônico (juízes de
fato e de direito) (CHAVES, 2017, p. 298)
A Constituição de 1824 fez uma opção de unidade autoridade judiciária, quando
estabeleceu uma centralização da jurisdição, até mesmo por formar o Império um Estado
unitário (idem, p.300). O autor esclarece que essa inspiração saxônica era muito mais estrutural
haja vista que a ideia da aplicação da lei mais se aproximava com a fórmula encontrada na
Revolução Francesa e, ao mesmo tempo, tinha o caráter contraditório, como tudo que há na
burguesia, haja vista que assegurava a escravidão e a hegemonia dos interesses oligárquicos.
36
É possível analisar que até então o acesso à justiça, da maneira que visualizamos hoje,
não era efetivado no Império Brasileiro. Entre iniciativas ao longo da história com o objetivo
de assegurar o acesso gratuito à justiça aos mais pobres no Brasil, destaca-se o Instituto da
Ordem dos Advogados Brasileiros, que em 1870, de acordo com Weintraub (2000), instituiu a
assistência gratuita. Na ocasião, Nabuco de Araújo, até então presidente do instituto, fomentou
à casa da Justiça para os pobres. De acordo com Da Silva (2010)
Um salto no tempo vai nos fazer passar por variadas e assistemáticas
iniciativas legais que tinham por objetivo garantir aos pobres o acesso à
Justiça, e nos levar ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, no ano
de 1870, ocasião em que Nabuco de Araújo, então Presidente do Instituto, deu
decisivo impulso à causa da Justiça para os Pobres. Criou-se, então, a praxe
de alguns membros do Instituto dar consultas jurídicas às pessoas pobres e
defendê-las em Juízo. Nesse particular, o Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros parece haver-se inspirado na experiência da antiga Atenas, onde,
anualmente, 10 advogados eram nomeados para defender os pobres diante dos
tribunais cíveis e criminais. Esta iniciativa não se mostrou suficiente. Nabuco
de Araújo verberava e, de seu veemente discurso, extraímos este pequeno
trecho: "Se não se pode tudo, faz-se o que é possível. No estado actual da
nossa legislação, e atendendo às despesas que uma demanda custa, pode-se
dizer, sem medo de errar, que a igualdade perante a lei não é não uma palavra
vã. Que importa ter direito, se não é possível mantê-lo? Se um outro pode vir
privar-nos delle? Que importa ter uma reclamação justa, se não podemos
apresentá-la e segui-la por falta de dinheiro? A lei é, pois, para quem tem
dinheiro, para quem pode suportar as despesas das demandas (DA SILVA,
2010).
Segundo Bedin e Spengler (2013) após a proclamação da República, em 15 de
novembro de 1889, houve a promulgação de uma nova Constituição em 1891 que veio a adaptar
o texto constitucional brasileiro ao sistema constitucional norte-americano, somando a este a
tripartição de poderes (Poder Legislativo, Executivo e o Judiciário) como também empregou
independência entre eles.
Durante a vigência da nova constituição, houve avanços na esfera da garantia dos
direitos individuais, haja vista que esta previu a figura do habeas corpus como garantia contra
a violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. “A Seção II, do Título IV, estabelecia
a “Declaração de Direitos” assegurando aos “brasileiros e a estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade”
(art. 72, caput)” (ibidem, 139).
Entretanto, apesar de apresentar uma face democrática, a Constituição de 1891 não
estendeu o direito de acesso à justiça. Evidencia-se o cenário daquela época; um período de
37
recente extinção do regime escravocrata, com uma parte do contingente populacional formado
por indivíduos que não possuíam direitos.
sem embargo de garantir independência ao Poder Judiciário, é importante
destacar que o Brasil da época acabara de extinguir o regime escravocrata, ou
seja, parcela significativa da população se tratava de analfabetos, pobres e sem
nenhuma noção acerca dos seus direitos. Assim, mesmo existindo um Poder
Judiciário independente não se poderia verificar o pleno exercício do direito
de acesso à justiça no período, porquanto a população não gozava de
condições de usufruí-lo. (ibidem, p. 139).
De acordo com o autor Weintraub (2000), com o advento da Constituição de 1934, a
assistência judiciária foi evidenciada no art. 113, n. 32, dando tratamento constitucional para
imputar ao Estado, a prestação da Assistência Judiciária aos necessitados, no contexto dos
Direitos e Garantias Individuais em que “A União e os Estados concederão aos necessitados
assistência judiciária, criando, para esse feito, órgãos especiais e assegurando a isenção de
emolumentos, custas, taxas e selos.” (IBIDEM, 2000, p. 242), abrindo margem para a
efetividade da assistência e denotando-se um avanço no âmbito do direito enquanto direito
social.
A Carta Constitucional fazia referência expressa da melhoria das condições
de trabalho (art. 121, §1º) como a proibição de discriminação por gênero,
idade, sexo nacionalidade ou estado civil, instituindo o salário mínimo e
jornada de trabalho de oito horas, por exemplo. A referida constituição criou
a Justiça do Trabalho (art. 122), a ação popular (art. 113, n.º 38) o mandado
de segurança (art. 113, n.º 33) e a assistência 10 judiciária gratuita (art. 113,
n.º 32) (BEDIN; SPENGLER, p.140, 2013).
O avanço no que se refere ao direito de acesso à justiça na Constituição de 1934, a qual
traz a marca de Getúlio Vargas, até então presidente do Brasil, é visto na gênese à criação da
ação popular, Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral e assistência gratuita, porém, este é
mascarado por contradições que fragmentava as classes dominantes, suas elites e as relações
delas com o restante da nação. A chegada do presidente populista, Getúlio Vargas, ao poder
significou um significativo avanço das forças sociais em favor da industrialização do país, como
também de uma economia interna a fim de expandir as relações capitalistas. Nesse sentido,
Fernandes soma a esta análise quando enfatiza que,
Por isso, ela (Constituição de 1934) registra um saldo histórico, que não se
concretizou porque as classes dominantes e suas elites preferiram defender-se
fora e acima do circuito das revoluções burguesas, recorrendo a uma ditadura
que recompôs a estabilidade política dentro da ordem. Prevalece, então, uma
política de fundar a paz social em concessões entendidas como antecipadas e
38
suficientes elásticas para anular as pressões sociais dos de baixo,
especialmente das classes trabalhadoras, da pequena burguesia e de uma
classe média inquieta com os abalos que sofriam sob as novas tendências de
desenvolvimento capitalista e de alterações do regime de classes sociais. O
Estado Novo monta à perfeição a arquitetura de um modelo eficiente de “paz
burguesa” e, ao mesmo tempo, articula os interesses divergentes dos vários
setores da burguesia. A oligarquia, que os historiadores enterram
prematuramente com a República Velha, é reciclada. A plutocracia emergente,
lastreada no capital estrangeiro, no industrialismo, nos dinamismos em
crescimento moderado do mercado interno, nos desdobramentos financeiros
de todas essas vergônteas do capital, ganha um espaço político unificado e um
ponto de partida para enfrentar as consequências de uma revolução política
que ela se recusou levar avante, das constrições e cicatrizes do regime
ditatorial e da transição para uma nova era, dita “democrática”
(FERNANDES, 2014, p. 74).
Logo, a Revolução dos anos 1930 representou naquela conjuntura um avanço das forças
burguesas com apoio do latifúndio, mostrando o Estado se regulando para satisfazer os
interesses de sua expansão.
Com o advento da Constituição Federal de 1937, que ficou conhecida, de acordo com
Castro (2016), por polaca por adotar grandes partes da Carta da Polônia, abriu brechas para
visualizar que a tendência brasileira, até então, estava em reproduzir em suas Constituições as
leis originárias de outros países, sem olhar para a realidade brasileira que era distinta.
Sendo assim, o complexo do Direito se apresenta não na busca por soluções aos
conflitos sociais em sua origem; a raiz do problema,
[...] mas garantir por meio desses preceitos jurídicos aparentemente universais
uma falsa normalidade e a manutenção da sociabilidade capitalista. Inclusive,
em períodos autocráticos nos quais alguns direitos são restringidos ou
retirados, em nome da manutenção do poder político e ideológico das classes
dominantes. E outros conservados, ainda que somente no papel, como forma
de garantir o mínimo para a classe trabalhadora e dirimir a luta das classes
(CASTRO, 2016, p. 32).
Em meados de 1940, após a segunda Guerra Mundial houve a efervescência de inúmeros
movimentos sociais em busca da redemocratização do país, algo que suscitou a instalação de
uma Assembleia Constituinte em 02 de fevereiro de 1946 a fim de promulgar uma nova
Constituição, sendo concretizada após sete meses, em 18 de setembro de 1946. Esta tinha por
objetivo retornar ao rumo da Constituição de 1934, que fora interrompida pela Constituição de
1937, apresentando assim a democracia liberal com suas conquistas sociais limitadas, como por
exemplo, a garantia de direito à greve, livre associação sindical e liberdade de opinião e de
expressão.
39
No que condiz ao Poder Judiciário, a nova Constituição trouxe consigo a garantia do
poder independente e harmônico com os demais poderes da União, onde ficou preestabelecido
que se caracterizava como crime de responsabilidade atos praticados pelo Presidente da
República que fosse contra a Constituição e, contra o “livre exercício do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados” (II) ou, ainda, contra o
“cumprimento das decisões judiciárias” (VIII). “O texto constitucional, ainda, incorporou a
Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário (art. 94, V), transformando-a em órgão deste” (BEDIN
e SPENGLER, 2013, p. 141).
A Constituição de 1946 apresentou no seu Título IV, a Declaração de Direitos, em que
se faz necessário evidenciar o seu Capítulo II em que consta os Direitos e Garantias individuais.
De acordo com Bedin e Spengler (2013), no ar. 141 da Constituição citada, arrolou ao longo
dos seus parágrafos os direitos individuais os quais merecem destaque como a inviolabilidade
dos direitos à vida, liberdade, segurança individual e à propriedade. Destarte, como evidencia
RULLI JÚNIOR (1998) ficou explícito no §4º do supracitado artigo que:
A universalização da jurisdição ao estabelecer que “A lei não poderá excluir
da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.
Assim, ao indivíduo era permitido levar eventual pretensão ao Poder
Judiciário e por este deveria conhecê-la, inaugurando o princípio da
universalidade da jurisdição de forma expressa nas Constituições brasileiras.
Entretanto, apesar da Constituição apresentar avanços é possível vislumbrar seu lado
contraditório quando se analisa o teor de algumas leis. Fernandes frisa acerca disso:
A Constituição de 1946 exibe uma modernização espantosa, como se as
classes dominantes houvessem absorvido as transformações que o
desenvolvimento capitalista propagara ao regime de classes e ao padrão
capitalista nascente da luta de classes. No entanto, as modificações se
patentearam ao nível de profundidade real, com a implementação da
ilegalidade do Partido Comunista, a revitalização das técnicas estadonovistas
de manipulação dos sindicatos e das frustrações operárias, o recurso ao
populismo como “ópio político do povo”. A Constituição inaugura uma fase
inédita de ritualização das atividades do Parlamento, dos partidos e das
eleições. Uma democracia de fachada mantém-se á tona, sem fazer face às
exigências da situação histórica. As classes dominantes e suas elites se viam
postas contra a parede. A internacionalização da economia se iniciara e tomara
rumos que indicavam como se daria e quais seriam as consequências da
incorporação do Brasil às economias capitalistas centrais e da internalização
crescente do modelo monopolista de desenvolvimento capitalista. O fim da
década de 1950 e o início da década de 1960 denunciavam que através dos
meios tradicionais (do mandonismo, do paternalismo e do clientelismo) só se
poderia compor uma maioria parlamentar conservadora, sem deter as eclosões
40
sociais que atingiam gravidade extrema dentro de aparências democráticas e
do ritualismo eleitoral seria impraticável manter a estabilidade política e o
controle burguês da sociedade civil e do estado (FERNANDES, 2014, p. 75).
Com o Golpe Militar de 1964, o direito de acesso à justiça foi silenciado em todo o país,
haja vista que o regime vigente adotou vários atos com o intuito de inibi-lo.
os Atos Institucionais editados pelo regime que visavam legitimar e legalizar
as ações militares, bem como suspender direitos políticos e civis dos
brasileiros. Dentre os Atos Institucionais ressalta-se o de n.º 4, o qual
convocou o Congresso Nacional para reunir-se, extraordinariamente, visando
discutir, votar e promulgar o Projeto de Constituição de iniciativa do
Presidente da República (BEDIN e SPENGLER, 2013, p. 141).
Elaborada sob a supervisão do Regime Militar, a Constituição de 1967 consolidou o seu
caráter ditatorial se apresentando como a mais repressiva de todas as constituições, uma vez
que deixou de lado os resquícios democráticos presente nas outras Cartas. Esta visava o
fortalecimento e concentração do Poder Executivo e da autoridade do Presidente da República,
como também autorizou a extinção dos partidos políticos. De acordo com Carneiro (2000) nesse
momento é notório, a partir da concessão de demasiados poderes de legislador ao Presidente da
república, em que foi possível a este expedir decretos, a edição do Ato Institucional de nº 5 que
bloqueou o funcionamento da Constituição.
Relativamente à atividade judiciária, o Ato Institucional n. 5 os autores Bedin e Spengler
salientam que:
ficavam suspensas as garantias constitucionais da vitaliciedade,
inamovibilidade e estabilidade (art. 6º). Assim, apesar de não fazer referência
expressa, o conteúdo do art. 6º se dirigia diretamente aos membros do Poder
Judiciário, pois a Constituição de 1967 conferia a garantia da vitaliciedade,
por exemplo, aos juízes (art. 108), aos Ministros do Tribunal Federal de
Recurso (art. 116), do Superior Tribunal Militar (art. 121) e do Tribunal
Superior do Trabalho (art. 133, §1º, “a”). O parágrafo primeiro do art. 6º
estabelecia, ainda, que com a perda da garantia da vitaliciedade o Presidente
da República poderia “mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr
em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo [...],
assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao
tempo de serviço.” (BEDIN e SPENGLER, 2013, p.142)
Assim, dentre outras coisas, a atividade judiciária se mostrava impossibilitada de
realizar suas funções. Visualiza-se nesse período o objetivo de consolidar o modelo mais
avançado do capitalismo no Brasil, a partir da modernização conservadora.
O governo engendrou dificuldades para a população ter acesso ao Poder Judiciário.
41
Denota-se, portanto, que o direito de acesso à justiça sofreu sérias restrições
durante o regime militar, impedindo o seu pleno exercício pelos cidadãos. Ao
indivíduo, então, não era possível exercer o direito de acesso à justiça, o qual
é considerando como o instrumento vital da sociedade democrática, pois o
regime militar expressamente impedia o acesso dos cidadãos ao Poder
Judiciário, notadamente para questionar seus atos ou para garantir direitos
fundamentais. (idem, p. 143)
Castro (2016) ressalta que a ditadura se constituiu devido a um período de exacerbadas
mobilizações e lutas de classes, por esse motivo o complexo do Direito precisou intervir a fim
de manter a supremacia e os interesses da classe dominante.
Dessa forma, conforme Lukács apontou a regulação jurídica não pode recorrer
somente ao uso da força bruta, assim sendo por um lado observou-se a sua
ampla utilização pelo Estado e sua legitimação constitucional e social, mais
uma vez com o aval da religião e da moral que demonizava os manifestantes,
pregava o respeito às autoridades e naturalizava as expressões da questão
social (CASTRO, 2016, p. 34).
Apenas em 1978, com o recuo ameno da ditadura, que ocorreu a edição da Emenda
Constitucional de nº 11, a qual permitiu a revogação dos Atos Institucionais e Complementares
(CARNEIRO, 2000).
É apenas na década de 1980 que o cenário político Brasileiro ver mudanças no quesito
de efetivação de assegurar o direito ao acesso à justiça, como também no que concerne a sua
democratização. Como exemplos desse avanço não tão largo, enfatizam-se as Leis Federais de
n.º 7.019/82, a qual instituiu o procedimento de arrolamento de bens em caso de partilha
amigável; a Lei de n.º 6.938/81 que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e
concede legitimidade ao Ministério Público para pleitear a responsabilidade civil por danos
causados ao meio ambiente; Lei n.º 7.224/84 que instituiu o Juizado de pequenas causas e a Lei
n.º 7.347/85 que Disciplinou a ação civil pública.
Sendo assim, as legislações “demonstram uma alteração no direito positivo brasileiro
visando dar celeridade e desburocratizar a jurisdição” (idem, p. 143). Como salientam os
autores Bedin e Spengler (2013), em decorrência das práticas políticas e jurídicas houve a
universalização da jurisdição. Entretanto, não atingia ainda um número elevado de pessoas, haja
vista que grande parte da população ainda se mantinha distantes da Justiça.
Após o advento da Constituição de 1988, as instituições da justiça se configuraram como
um terreno privilegiado para diagnósticos, debates e proposições de política pública (ANADEP,
2013). É importante destacar que o processo para consolidar a Constituição não foi algo neutro,
42
haja vista que foi marcada por um processo de lutas dos movimentos sociais, como também um
espaço de disputas de interesses.
É notória a relevância da Constituição uma vez que vemos presente nesta o direito de
acesso à justiça no decorrer dos seus artigos. Dentre eles, se faz necessário destacar a:
consagração do princípio da igualdade material (art. 3º); alargamento do
conceito de assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), compreendendo
também o direito à informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial;
previsão de criação dos juizados especiais para julgamento e execução de
causas cível de menor complexidade e penais de menor potencial ofensivo
(art. 98, I); previsão de uma justiça de paz (art. 98, II); tratamento
constitucional da ação civil pública para defesa dos direitos difusos e coletivos
(art. 129, III); novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos
(arts. 5º, LXX, LXXI) e legitimidade aos sindicatos (art. 8º, III) e sociedades
associativas (art. 5ª, XXI) defenderem direitos coletivos e individuais;
reestruturação e fortalecimento do Ministério Público (arts. 127 e 129); e
elevação da Defensoria Pública como instituição fundamental à função
jurisdicional (art. 134) (CARNEIRO, 2000, apud BEDIN e SPENGLER,
2013, p.144).
Contudo, vislumbra-se, a partir de Castro (2016), que apesar de suposto avanço na
garantia de direitos, a Constituição dita cidadã buscou como as outras conciliar todas as
contradições resultantes do intenso conflito da luta de classes, “o que explicita a capacidade do
Direito em manipular um turbilhão de contradições e criar um sistema único, mas capaz de
regular na prática o acontecer social contraditório” (Castro, 2016, p. 36).
Com a abertura democrática o país passa a ter o almejo de construção de um “padrão
público universal de proteção social, o neoliberalismo, coloca um quadro de grande
complexidade aridez e hostilidade para a implementação dos direitos sociais” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 156).
Em detrimento a uma construção tardia e totalmente dependente, fruto do capitalismo
periférico instaurado no Brasil, proporcionou ao país “a constituição de uma cultura
sociopolítica dominante antidemocrática nas suas formas mais variadas, da pura e simples
autocracia a regimes de participação restrita” (NETTO, 2015, p.18). Sendo assim, o que se põe
no Brasil “não é apenas o reconhecimento legal-positivo dos direitos, mas a luta para efetivá-
los, ou seja, a passagem do formal para o real, em outras palavras do âmbito jurídico-formal
para sua realização” (GUERRA, 2009, p.45).
O discurso do Direito se insere nas formas de regulação social, através do controle
utilizado pelas instituições e até mesmo práticas profissionais em tempos de ajustes em
detrimento ao neoliberalismo. Contudo, não podemos deixar de enfatizar que a promulgação da
43
Constituição cidadã representou para o jurídico a promessa de afirmação e extensão dos direitos
sociais no país, uma vez que, esta estabeleceu a assistência jurídica integral e gratuita como
direito do cidadão; desde que seja hipossuficiente, e dever do Estado, com a instituição da
Defensoria Pública.
Discutir o acesso à justiça integral é fundamental no contexto da Defensoria Pública,
sendo uma lacuna de importância, principalmente em um país onde a expressão da questão
social é visível, como também a desigualdade social na participação das decisões da esfera da
própria vida, algo que reflete até mesmo na forma como os indivíduos se relacionam com a lei.
Carvalho (2002) partindo desse pressuposto evidencia uma análise acerca das classes e
o acesso à justiça, classificando os indivíduos considerados de primeira classe aqueles se
encontram a princípio acima da lei, como consta a seguir:
Há os de primeira classe, os privilegiados, os “doutores”, que estão acima da
lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e
do prestígio social. Os “doutores” são invariavelmente brancos, ricos, bem-
vestidos, com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes
proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos
funcionários. Frequentemente mantêm vínculos importantes nos negócios, no
governo, no próprio Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione
em seu benefício. [...] para eles, as leis ou não existem ou podem ser dobradas
(Carvalho, 2002, p. 215-217).
Do outro lado, a autora apresenta a segunda classe composta por cidadãos simples,
apontando ao decorrer da análise a classe da grande massa que está a sujeita aos rigores e
benefícios das leis:
Ao lado dessa elite, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de
segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe
média modesta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho
assinada, os pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e
rurais. Podem ser brancos, pardos ou negros, têm educação completa e o
segundo grau, em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre têm noção exata
dos seus direitos, e quando a têm carecem dos meios necessários para os fazer
valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes, e os recursos para
custear demandas judiciais. Frequentemente, ficam à mercê da polícia e outros
agentes da lei que definem na prática que direitos serão ou não respeitados.
[...] para eles, existem os códigos civil e penal, mas aplicado de maneira
parcial e incerta. (idem)
E por último, de acordo com Carvalho (2002), há os sujeitos de terceira classe, aqueles
que frequentemente vemos em notícias, principalmente as policiais, de maneira completamente
44
distorcida, haja vista a manipulação midiática e o seu preconceito com classe pauperizada.
Esses são os sujeitos subsumidos a seguir a lei ao pé da letra.
finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe.
É a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e
rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros,
camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase invariavelmente pardos
ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. Esses
“elementos” são parte da comunidade política nacional apenas nominalmente.
Na prática, ignoram seus direitos civis ou os têm sistematicamente
desrespeitado por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia. Não se sentem
protegidos pela sociedade e pelas leis. Receiam o contato com agentes da lei,
pois a experiência lhes ensinou que ele quase sempre resulta em prejuízo
próprio. Alguns optam abertamente pelo desafio à lei e pela criminalidade.
Para eles vale apenas o Código Penal (idem).
É essa terceira classe, os marginalizados pelo sistema, os elementos para o poder
coercitivo, o público alvo da Defensoria Pública. Essa parcela da população que está imersa nas
expressões da questão social 2busca no judiciário, através do respaldo da Defensoria, uma fenda
a fim de ter suas necessidades judiciais atendidas e consequentemente resolvidas.
Entretanto, na atual conjuntura social, política e até mesmo econômica do país, de
acordo com Barros (2018), esse contexto supracitado está distante de ser ficção ou apenas
reflexão de processo histórico já superado. A autora afirma que em tempos de defesa do óbvio,
compreender o espaço de atuação nesse espaço, na especificidade da assistência judiciária, é
dever constante do assistente social, sempre levando em conta o contexto de conservadorismo
para tomada de soluções frente às situações que emergem no percurso trilhado pelo Serviço
Social dentro do campo sociojurídico3.
Com isso, levando em conta de como os complexos do Direito são aplicados na
sociedade de classes, cabe evidenciarmos como se dá seu movimento de contradição e
2 “A questão social é indissociável da sociedade capitalista e envolve uma arena de lutas políticas e culturais contra
as desigualdades socialmente produzidas. Suas expressões condensam múltiplas desigualdades mediadas por
disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais, relações com o meio ambiente e formações
regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. Dispondo
de uma dimensão estrutural - enraizada na produção social contraposta a apropriação privada do trabalho, a
‘questão social’ atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania” (IAMAMOTO,
2010, p. 16, apud Cardoso, Eik e Castro, 2015, p. 57-58). 3 O termo “sociojurídico” é relativamente recente na história do Serviço Social brasileiro. Ele surge, segundo
Borgianni (2004), a partir da iniciativa da Editora Cortez de publicar uma edição da Revista Serviço Social &
Sociedade nº 67, de 2001, com artigos que versassem sobre a inserção profissional no Poder Judiciário e o Sistema
Penitenciário. [...] Coincidentemente, a Comissão Organizadora do X CBAS, realizado em 2001, no Rio de
Janeiro, programou a realização de um painel para a apresentação de trabalhos de profissionais que abordassem
essas mesmas questões. O termo usado para nominar o painel foi “sociojurídico” (CFESS-CRESS, 2009).
45
manutenção do status quo no âmbito da Defensoria Pública do Estado e nas relações de trabalho
dos profissionais, em especial os(as) Assistentes Sociais a partir da Carta Magna de 1998.
2.3. DEFENSORIA PÚBLICA
Seguindo com as reflexões acerca dos complexos do Direito e sua relação com o Estado,
buscaremos elucidar como se deu a criação da Defensoria Pública a partir da Constituição de
1988 e sua consolidação tardia nos Estados brasileiros.
Com isso, frisa-se a gênese da Defensoria Pública no ordenamento jurídico brasileiro
está interligada diretamente ao processo histórico do modelo de assistência judiciária gratuita
prestada pelo Estado aos mais necessitados. Ao longo da história brasileira, existiram previsões
legais que garantiam o direito de acesso à assistência jurídica gratuita para a população, tanto
em casos penais como em casos civis. Os primeiros indícios de desenvolvimento da assistência
judiciária no Brasil se deram a partir das Ordenações Filipinas, que passou a vigorar no Brasil
no início do século XVII e se estendeu até finais de 1916, por força da Lei de 2º de outubro de
1823.
A partir da Independência do Brasil, em 1822, os textos usados no embasamento jurídico
da assistência judiciária das Ordenações Filipinas, foram sendo revogados aos poucos, mas
sendo substituídos por textos que de certa forma manteve resquícios do antigo e suas
influências. De acordo com Weintraub (2000), embasando-se nas Ordenações Filipinas, no
Livro III, Título 84, § 10, da Lei de 1823, é verificada a primeira manifestação de assistência
judiciária sendo estendida aos mais pobres.
Em sendo o aggravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem raiz, nem
por onde pagua o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela
alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos
réis, contanto que tire tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar
o aggravo. ( ORDENAÇÕES FILIPINAS, apud WEINTRAUB, 2000).
Estas traziam algumas disposições acerca do direito de pessoas pauperizadas a terem o
patrocínio de um advogado. As ordenações se embasaram “no princípio da igualdade material
que determinava que ao juiz era incumbido escolher o advogado para patrocinar o indivíduo
que não tivesse condições de contratá-lo.” (Carneiro, 2000, p.35).
Denota-se, portanto, que o princípio da gratuidade de serviços jurídicos estendidos aos
mais pobres foi algo originado nas Ordenações Filipinas, em que garantiu o amparo legal aos
necessitados. Entretanto, não era algo mantido como um direito, e sim como uma benesse cristã.
46
Relativamente às Defensorias Públicas, a Constituição de 1988 garantiu a população um
instrumento de garantia de acesso a assistência jurídica integral e a gratuita como direito do
cidadão e dever do Estado. Sendo esta uma:
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e
a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados (art. 134,caput).
De acordo com o artigo 5º, inc. LXXIV, da Constituição, o Estado deve garantir
assistência jurídica integral e gratuita àqueles indivíduos que comprovarem de algum modo
hipossuficiência financeira.
Segundo Mattos,
A partir de então, a assistência passa de judiciária - por não mais abranger
exclusivamente os atos processuais - para assistência jurídica assegurada por
um Estado Democrático de Direito fundado, entre outros no princípio da
igualdade e do amplo acesso à justiça. [...] Ao mencionar os termos “integral
e gratuita” o constituinte ampliou significativamente a abrangência do amparo
aos hipossuficientes, no sentido de agregar ao benefício outras condições além
de simplesmente o ingresso no judiciário. Ou seja: apresenta também a
possibilidade de o cidadão carente ter ao seu dispor a assessoria extrajudicial.
Essa percepção é reforçada pelo termo “integral”, que propicia ao cidadão que
faça jus a assistência, a utilização de todos os meios jurídicos possíveis, antes,
durante e depois do processo, inclusive administrativa ou extrajudicialmente
quando for o caso (MATTOS, 2011, p. 94).
A comprovação de hipossuficiência financeira pelo assistido se dá através da
documentação comprobatória de renda, como carteira de trabalho e despesas mensais da
residência. Se o assistido for autônomo é solicitado comprovantes das movimentações
bancárias e extratos do cartão de crédito, se utilizar.
Desse modo, a Defensoria Pública surge com a finalidade social de ofertar serviços
jurídicos de orientação, assistência judicial e extrajudicial, integrais e gratuitas, a indivíduos
que estejam vivenciando situação de vulnerabilidade social e não possuam condições de
contratar serviços advocatícios. É uma instituição estadual, não vinculada ao governo, tendo
sua autonomia prevista pela Constituição Federal.
Ademais, esta é dividida em duas modalidades, a Defensoria Pública Estadual, que atua
em todos os degraus e instâncias perante a Justiça Comum Estadual e, a Defensoria Pública da
União, cujo leque de atuação, de acordo com Castro (2016), se dá junto aos juízos federais
comuns no âmbito judicial, “além de operar perante a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral,
47
a Justiça Militar, bem como nos Tribunais Superiores e nas instâncias administrativas da União”
(idem, p. 40).
Ambas, no entanto, são responsáveis – cada qual dentro de seu âmbito jurídico
– pela prestação integral e gratuita de assistência jurídica, judicial e
extrajudicial ao cidadão socialmente vulnerável ou hipossuficiente (BRASIL,
MAPA DPE, 2015, p. 18).
Sendo assim, elenca-se o espaço da defensoria pública como de viabilização de direitos,
mas também como lócus de disputa e defesa da propriedade privada. Buscando aprofundar esses
elementos contraditórios seguidamente aprofundaremos o debate em torno da particularidade
da defensoria do Estado.
2.3.1 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
A Defensoria Pública do Estado é uma instituição permanente destinada à função social
de ofertar serviços jurídicos de orientação, assistência judicial e extrajudicial, integrais e
gratuitas, a todos os cidadãos que comprovarem insuficiência de recursos ou que comprovarem
sua vulnerabilidade financeira para a contratação de serviços advocatícios., como consta no art.
5º da Constituição Federal. Compõe o sistema de justiça juntamente com o Poder Judiciário e
o Ministério Público, instituições distintas e autônomas entre si (Barros, 2015) A Constituição
Federal de 1988 a prevê como órgão de função essencial à Justiça.
De acordo com Barros (2018) a construção das Defensorias Públicas estaduais no Brasil
não aconteceu de maneira uniforme e simultânea. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro no
que condiz a consolidação da primeira Defensoria Pública, instituída antes mesmo à
Constituição Federal, no ano de 1954, quando a Lei de n. 2.188/1954 concebeu os primeiros
cargos direcionados aos denominados Defensores Públicos, então vinculados à Procuradoria-
Geral de Justiça, na cidade do Rio de Janeiro. A última instituição da Defensoria Pública foi no
estado de Santa Catarina, no ano de 2012, a partir da Lei Complementar de n. 575/2012 (idem,
p.20).
A história da criação das Defensorias Públicas Estaduais sinaliza uma
profunda diferença entre os estados, na medida em que algumas Defensorias
já haviam sido criadas antes mesmo da Constituição de 1988 – a mais antiga
delas é a do Rio de Janeiro, que data de 1954 – enquanto outras conquistaram
sua institucionalização muito mais recentemente, já nas décadas de 2000 em
diante – a mais recente é de Santa Catarina, institucionalizada em 2012. O
estado do Amapá é o único a não ter uma Defensoria Pública considerada
48
completamente institucionalizada, por prescindir de concurso público para
nomeação de seus defensores (BRASIL, MAPA DPE, 2015, p. 18).
Conforme o Mapa da Defensoria de 2013, é possível observar os obstáculos enfrentados
para a implantação de Defensorias Públicas nos estados brasileiros, uma vez que, após a
promulgação da Constituição de 1988 as Defensorias só começaram a ser instituídas a partir
dos anos 2000. A figura 1 apresenta que, “embora em 2001 e 2012 os estados do Paraná e de
Santa Catarina tenham criado as Defensorias Públicas que faltavam no país, tais órgãos ainda
não foram efetivamente implantados nesses estados, assim como Goiás e no Amapá” (IPEA,
2013).
FIGURA 1 - DEFENSORIA PÚBLICA NOS ESTADOS
Fonte: IPEA, 2013
Destarte, observamos que mesmo com as previsões legais, a criação e instituição de
Defensorias Públicas foram de certa forma um processo lento. Antes de 1990, de acordo com
IPEA (2013) havia Defensorias em apenas sete estados brasileiros, havendo o crescimento de
modo substancial a partir dos anos 1990, quando ocorre a implementação em mais dez estados
e outros oito criam as suas defensorias a partir dos anos 2000. O Estado de São Paulo apresentou
na época exemplos de obstáculos na concretização institucional das Defensorias, uma vez que:
49
Por quase duas décadas após a promulgação da Constituição e a expressa
previsão de que a Defensoria Pública seria a responsável pela “orientação
jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,
LXXIV” (art. 134), São Paulo manteve uma estrutura controversa para a
provisão de tais serviços legais, a qual era baseada em advogados públicos
designados para atuar em uma unidade específica da Procuradoria-Geral do
Estado – a “Procuradoria de Assistência Judiciária” (PAJ) com o suplemento
de advogados trabalhando no âmbito de convênios celebrados entre o Estado
e a OAB/SP (IPEA, 2013, p. 15).
A crítica contra essa estrutura era intensa e partia de diversas direções, fazendo com que
catalisasse numa ampla mobilização social, eclodindo o Movimento pela Defensoria Pública
no ano de 2002, o qual envolveu 440 instituições que deram início à organização de petições e
manifestações públicas. Essa mobilização social foi a propulsão para implementar logo após a
Defensoria Pública no estado de São Paulo, como também, semente de continuidade nas
reivindicações nos outros estados onde não havia Defensorias Públicas.
A lógica de mobilização social que marcou a implantação da Defensoria
Pública em São Paulo se disseminou pelo país, con "gurando, assim, uma
consciência social sobre o direito de acesso à justiça para todos: nos estados
nos quais não havia Defensoria Pública, os movimentos sociais, sindicatos e
grupos da sociedade civil passaram a se organizar para exercer pressão contra
os governos, reclamando essa implantação. E – talvez mais importante – esses
movimentos e grupos acompanharam diretamente e, em alguns casos,
participaram ativamente da redação dos projetos de lei que estavam sendo
apresentados nas assembleias legislativas estaduais a "m de criar as
Defensorias; além de colaborarem continuamente com as lideranças e
membros das Defensorias, uma vez que vieram a ser implantadas. (IPEA,
2013, p. 15)
FIGURA 2 - SÍMBOLOS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA NO
BRASIL
Fonte: IPEA, 2013
Artes dos Movimentos pela Defensoria Pública de São Paulo (2002), com o slogan
“Defensoria Pública: para quem é carente de justiça”; no Paraná (2010), com o slogan
50
“Defensoria Já”; e em Santa Catarina (2012), com o slogan “Defensoria Pública: um direito
sonegado”. Com as mobilizações surge a possibilidade de a lei ser colocada em prática após
anos de sua promulgação.
Na contemporaneidade, conforme o IV Diagnóstico da Defensoria Pública (2015)
apesar dos avanços, ainda, tendo em vista que os resultados obtidos se mostram desigualmente
distribuídos ao longo do país. Sendo assim, a Defensoria Pública necessita de fortalecimento
para dar continuidade a proteção dos direitos dos mais necessitados.
Contudo, apesar dos avanços que circunda o direito de acesso à justiça para os mais
pauperizados, muitos obstáculos são construídos no caminho para que esse direito seja
efetivado em sua integralidade e abarque realmente todos aqueles que necessitam. O complexo
do Direito e a lógica do capital ainda entrelaçam a efetivação, se mostrando para a sociedade
com sua face contraditória quando visualizamos a demora no trâmite que reveste os autos no
Poder Judiciário, na terceirização de profissionais e deficiência na contratação de profissionais
de outras áreas, a falta de informação que abarque o todo, como também a falta de compreensão
do próprio público alvo acerca dos direitos assegurados.
Referente ao público alvo que a Defensoria pública atende, estes são os usuários que as
expressões da questão social têm seus rebatimentos. Temos desde o acolhimento institucional
de crianças à judicialização da guarda de menores, interdições, pensões alimentícias e afins. Os
usuários precisam se enquadrar no perfil socioeconômico exigido pela DPE comprovando sua
insuficiência financeira de arcar com os honorários advocatícios.
Diante disso, analisa-se o acesso ao direito como algo contraditório, tendo em vista que
a constituição desse direito burguês acontece por meio da garantia da propriedade, logo, esse
direito não ultrapassa a desigualdade social e a viabilização do acesso só ocorre por meio de
medidas paliativas. Assim, constitucionalmente a Defensoria Pública é entendida como um
espaço de garantia de acesso ao direito, mas na prática esse elemento encontra alguns desafios
porque a viabilização do direito só é permitida se não ameaçar a propriedade privada.
Afirmar em lei o direito de acesso à justiça não é suficiente quando ela paira apenas na
teoria e não chega até quem precisa. Na realidade, acaba sendo uma retirada de direitos, quando
não se veicula a informação a fim de conscientizar os indivíduos acerca da existência de
aparatos legais que iria possibilitar sua defesa de forma integral e gratuita. Nega-se o direito
quando a justiça não engloba de antemão a democratização do conhecimento.
É nesse cenário contraditório que surge o sociojurídico com a inserção do Serviço Social
no âmbito da Justiça, quando “em tempos de contínua defesa do óbvio, compreender o espaço
51
de atuação na chamada área sociojurídica, [...] é dever constante do profissional assistente
social” (BARROS, 2018, p. 30).
É nesse momento de não viabilização de direitos que o Serviço Social entra em cena,
assegurando com sua intervenções o que está garantindo em lei. Entretanto, compreendendo
que o direito por ter sua gênese na sociedade de classes é, em sua essência, um direito de classes,
um complexo social de regulamentação jurídica, o qual serve a classe dominante enquanto
aparato coercitivo, cabe a profissão resistir e interferir buscando a não criminalização e
judicialização da pobreza em detrimento a manutenção do status quo.
Portanto, ainda enfatizando os complexos do Direito, o Estado burguês enquanto
aparato legal coercitivo de dominação cabe agora elucidar a inserção do Serviço Social no
âmbito sociojurídico brasileiro, especificamente na Defensoria Pública.
52
3. INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO BRASILEIRO
Neste capítulo almejamos apresentar elementos pertinentes que auxiliam ao
entendimento do objeto desta pesquisa. Para isso, nos remetemos a conjuntura da inserção do
Serviço Social brasileiro no campo sociojurídico, abordando sua trajetória e sua atuação
profissional nesse campo sócio ocupacional em uma perspectiva de análise crítica. O
sociojurídico se revela enquanto espaço de atuação o Serviço Social brasileiro, que após o seu
redirecionamento ético e político, se dispõe a analisar a realidade social em uma perspectiva de
totalidade submerso as contradições profundas que o capital o impõe.
3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: um espaço de contradição
O Brasil no decorrer da década de 1930 passou por um processo histórico de
modificações políticas, econômicas e sociais que fomentou o crescimento da desigualdade
social. Em resposta a essa realidade, registrou-se a eclosão e a intensificação de movimentos
sociais por melhores condições de trabalho e pela consolidação de direitos básicos. Diante de
tal conjuntura, surge o Serviço Social com o propósito de enfrentar e regular a questão social,
sendo impulsionado pelo Estado, Igreja Católica e empresariado, que objetivavam pacificar o
proletariado de forma assistencialista, ofertando benefícios na busca de evitar possíveis
conflitos.
De acordo com Iamamoto e Carvalho (2014), a profissão surge como um departamento
especializado da Ação Social. Em 1932 é criado o Centro de Estudos e Ação Social de São
Paulo (CEAS), que tinha por finalidade oferecer um Curso Intensivo de Formação Social para
Moças visando, ao final do curso, atender o bem-estar da sociedade. O CEAS era mantido com
mensalidades das sócias e objetivava difundir a doutrina e ação social da Igreja.
Visto isso, o Serviço Social surge imbuído com a ideologia da classe dominante, como
um setor especializado da Ação Social da Igreja Católica, atuando no mascaramento de suas
contradições na perspectiva de desenvolver estratégias de intervenção com o objetivo de
amenizar os conflitos de classe, respaldando-se em ações assistenciais embrionárias por parte
do Estado.
Barros (2018) salienta que na mesma década o CEAS enviou alguns dos seus membros
para realizar cursos de Serviço Social na Bélgica. Somando a experiência e as contribuições de
profissionais formados em Paris, foi inaugurada a primeira escola de Serviço Social no Brasil
53
em 1936, utilizando como embasamento teórico as ideias belgas e francesas. Devido a forte
influência da Igreja Católica, o Serviço Social se resumia a caridade com base no
conservadorismo, tendo suas ações embasadas no julgamento moral objetivando amenizar
conflitos ou reivindicações da classe trabalhadora; que colocaria em risco a hegemonia do
Estado e da classe dominante.
É importante frisar que o Serviço Social não tomará por base os moldes coercitivos do
Estado para controlar o proletariado, mas sim, a ampla ação social que a Igreja Católica
desenvolveu tendo por objetivo recristianizar a sociedade, com ações caritativas e
assistencialistas.
Na década de 1940 o Serviço Social se aproxima do modelo norte-americano que tinha
por objetivo, de acordo com Barros (2018), buscar maior sistematização teórica e técnica o que
proporcionou a “consolidação de novas formas de abordagem metodológica e o questionamento
da teoria conservadora que, até então, embasava a profissão” (idem, p. 62). Nesse mesmo
período eclodiram diversas mudanças econômicas no país, como também trabalhadores
pressionando o Estado por demandas de bens e serviços.
Visando conter a efervescência de possíveis conflitos, o Estado criara instituições
assistencialistas, leis trabalhistas e sindicais, assumindo sua posição enquanto regulador e fiador
das relações sociais. Nesse movimento contraditório, fomentou sua relação com a classe
burguesa viabilizando a acumulação capitalista e do outro lado atendeu as necessidades sociais
do proletariado.
As instituições assistenciais abriram espaço para o Serviço Social emergente,
constituindo postos de atuação e ampliando as possibilidades de intervenção profissional, algo
que possibilitou ir além de ação social de cunho católico. Ademais, colocou o Serviço Social
enquanto agente executor das políticas sociais do Estado.
No decorrer da história, o Serviço Social foi constituindo seu amadurecimento
profissional com o rompimento das práticas conservadoras, uma vez que passou a ampliar, rever
e reorganizar suas ações a partir de embasamento teórico e fundamentação metodológica
possibilitando novos espaços de atuação.
De acordo com Netto (2015) durante o período da Ditadura Militar ocorreu a
efervescência de uma série de movimentos sociais que foram às ruas em busca da
democratização do país. Esse período de mudanças possibilitou ao Serviço Social, por meio do
Movimento de Reconceituação, ocorrido a partir dos anos 1960, o rompimento com os ideários
conservadores da profissão, especialmente em razão ao novo cenário social da época, que
solicitava diferentes respostas profissionais, eclodindo mudanças em diferentes áreas como no
54
campo de ensino, da própria pesquisa e da regulamentação da profissão, como também da
organização política dos assistentes sociais.
Barros (2018) enfatiza que acerca das modificações que ocorreram na profissão é
importante frisar dentre os novos referencias teóricos que foram incorporados ao exercício
profissional, a teoria marxiana, utilizada por alguns profissionais para a compreensão da
realidade, da própria história de luta de classes desde a sua gênese e, a desigualdade social
suscitada pelo sistema capitalista. Sendo esse novo aporte teórico fundante de novas
possibilidades de inovação profissional e atuação. Ademais, o Serviço Social a partir de sua
incorporação assume o compromisso com a classe trabalhadora e suas lutas por emancipação e
garantia de direitos.
A inserção do Serviço Social no sistema jurídico tem sua gênese no Brasil com o próprio
advento da profissão, quando a influência norte-americana suscitou um caráter positivista e de
neutralidade científica, em que se tinha a ideia de uma atuação a partir do ajustamento e ajuda
psicossocial, desenvolvendo o Serviço Social de Caso, Grupo e de Comunidade; esse processo
marcou a inserção da profissão no judiciário. Iamamoto e Carvalho (2014) evidenciam que, um
dos primeiros espaços laborais do assistente social na esfera pública foi o Juizado de Menores
do Rio de Janeiro, até então capital da república. Com o crescente agravamento da questão
social relacionado à “infância pobre”, à “infância delinquente”, o serviço social é acionado e
imbuído de conter as mazelas aparentes no espaço urbano, sendo incorporado a essa instituição
como forma de controle, algo almejado pelo Estado.
Tendo motivações parecidas, houve também a inserção de assistentes sociais em
diversas funções, como “ações de comissariado de menores, de fiscalização do trabalho infantil,
entre outras frentes que se relacionavam, intrinsecamente com o universo jurídico” (CFESS,
2014) ocorrendo tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo, ainda nas protoformas da
profissão, suscitando a aprovação do Código de Menores em 1927.
Com a elaboração do novo Código de Menores, em 1979, como também do Estatuto da
Criança e do Adolescente, em 1990, fez eclodir uma ampla expansão dos espaços de atuação
dos assistentes sociais. De acordo com Fávero (2003, apud CFESS, 2014, p. 13) a elaboração
do novo Código e do Estatuto engendrou a expansão da atuação profissional levando a profissão
a uma sistematização acerca das práticas desenvolvidas nas instituições que estabeleciam algum
tipo de relação direta com o sistema jurídico. Não obstante, a aprovação da Lei de Execuções
Penais (LEP) em 1984 também suscitou, no Serviço Social, a desenvolver produções sobre a
inserção profissional no sistema penitenciário.
55
Nesse sentido, a atuação do assistente social nesses espaços deveria estar configurada
de acordo com caráter disciplinar, o qual estava propondo determinado reajustamento social.
Além disso, ele assumia diversos papéis, como: pesquisador social, plantonista em certos
serviços, oferecia orientação técnica de obras sociais, estatística e Fichário Central de
Assistidos. Foram através desses serviços e ações que o Serviço Social se consolidou na área
sociojurídica, visto que apresentou capacidade de responder a demandas neste espaço
(OLIVEIRA; VIEIRA, 2015).
Em decorrência desse debruçamento profissional sobre as práticas desenvolvidas nessa
área, o Serviço Social com o tempo foi construindo, solidificando e ampliando a atuação através
da sua inserção em outros espaços, como “tribunais, ministérios públicos, nas instituições de
cumprimento de medidas socioeducativas, nas defensorias públicas, nas instituições de
acolhimento institucional, entre outras” (idem, 2014, p. 13).
Na contemporaneidade, precisamente a partir da promulgação da Constituição Federal
de 1988, abrem-se outros espaços de atuação profissional em novas instituições que tem por
objetivo assegurar direitos coletivos ou individuais, como o Ministério Público e a Defensoria
Pública; quando se dispõe a analisar as demandas sociais em uma perspectiva de totalidade,
colocando a partícula social para a intervenção dos especialistas do Direito.
Ademais, a constituição apresentou avanços significativos para o Serviço Social, haja
vista que ocorreu a inclusão da Assistência Social no âmbito da Seguridade Social, a qual foi
regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), alguns anos depois,
precisamente em 1993, como política social pública e de responsabilidade estatal.
A inserção do Serviço Social na Defensoria Pública do Estado é visto como forma de
viabilizar e garantir os direitos para os indivíduos que buscam nesse órgão respaldo jurídicos
em contraposição à violação dos seus direitos. Somente a garantia dos mais diversos direitos
evidenciados na Constituição de 1988 não é suficiente se na prática os sujeitos, os cidadãos
comuns, não podem se respaldarem através deles, haja vista a falta de conhecimento. Desse
modo, partindo acerca desse pressuposto, KOSMANN (2006, p. 75) salienta que “de um modo
ético e crítico, o assistente social deve buscar viabilizar respostas que incluam o usuário dos
mais serviços sociais judiciários na esfera dos direitos e no pleno exercício de sua cidadania”.
É através da inserção da profissão no campo sociojurídico4, aqui sendo discutido o
espaço da Defensoria Pública, que teremos em sua totalidade, a efetivação dos direitos sociais
4 O termo campo sócio-jurídico é utilizado para definir o conjunto de áreas de atuação em que as atuações do
Serviço Social se articulam a ações de natureza jurídica, como sistema Judiciário, os sistemas Penitenciário e
Prisional, o sistema de Segurança, o Ministério Público, [as Defensorias Públicas], os sistemas de Proteção e
56
para além do jurídico, uma vez que os indivíduos trazem consigo na hora dos atendimentos
demandas que perpassam o jurídico, atingindo várias esferas da sua vida. Cabe ao Serviço
Social, através do primeiro contato, identificar e fazer o devido atendimento e
encaminhamentos se necessário.
Iamamoto (2009) aponta que os (as) assistentes sociais são responsáveis por realizar:
assessorias, consultorias e supervisão técnica; contribuem na formulação,
gestão e avaliação de políticas, programas e projetos sociais; atuam na
instrução de processos sociais, sentenças e decisões, especialmente no campo
sociojurídico; realizam estudos socioeconômicos e orientação social a
indivíduos, grupos e famílias, predominantemente das classes subalternas;
impulsionam a mobilização social desses segmentos e realizam práticas
educativas; formulam e desenvolvem projetos de pesquisa e de atuação
técnica, além de exercem funções de magistério, direção e supervisão
acadêmica (p. 6).
Assim, esses profissionais trabalham numa perspectiva socioeducativa, visando a
prestação de serviços sociais, ao passo que busca a garantia do acesso aos direitos sociais. Além
disso, buscam meios de exercê-los, contribuindo para que as necessidades e os interesses dos
sujeitos adquiram visibilidade e possam ser reconhecidos, estimulando sua organização e
participação em múltiplas áreas, reforçando a perspectiva do controle social. Conforme a
atuação da categoria segue essas premissas, acaba reafirmando o compromisso pré-existente
com os direitos e interesses dos usuários, principalmente, da classe trabalhadora (IAMAMOTO,
2009).
Entretanto, visualizamos o desafio imposto ao Serviço Social de tornar os direitos
sociais efetivos, em detrimento de um sistema judicial que impõe dificuldades na hora de
assegurá-los, uma vez que o “jurídico configura-se como a esfera de resolução dos conflitos
pela impositividade do Estado” (BORGIANNI, 2013, p. 434) mesmo que estes estejam
garantidos por meio de uma Constituição que se diz cidadã. Desse modo, é cobrado à profissão
respostas diante de tal contexto.
acolhimento e as organizações que executam medidas socioeducativas, conforme previstas no Estatuto da Criança
e do Adolescente, dentre outros. O termo sociojurídico passou a ser mais conhecido no meio profissional dos
Assistentes Sociais, especialmente a partir da sua escolha como tema da Revista Serviço Social e Sociedade nº 67
[Cortez, Editora], bem como de uma das sessões temáticas do Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais;2004
(X CBAS) e, ainda, do Encontro Nacional Sócio-jurídico, que ocorreu em Curitiba, em 2004, em que foi discutido
o sistema de defesa de direitos nas áreas do Judiciário e do Penitenciário. Nesse encontro, os participantes
aprovaram, dentro da agenda política, que o conjunto CFESS; CRESS consolidasse a terminologia “campo de
prática sócio-jurídica” (FÁVERO, 2005, p, 2).
57
A partir do que aponta Iamamoto (2001, p. 48), o Serviço Social possui um papel
particular quando o assunto é acerca da intervenção no âmbito da questão social, não se
limitando a uma ação messiânica diante da crise do capital e seus reflexos na sociedade, fazendo
resgate do seu histórico e se reduzindo a uma prática assistencialista, através de uma
legitimação ou da compensação das desigualdades econômicas, atendendo assim às demandas
expressas pelo sistema emergente.
Devemos, nesse momento, considerar que a questão social se constitui como eixo
ordenador do currículo, ou seja, a atuação e a formação profissional dos(as) assistentes sociais
é pautada na própria questão social e em suas expressões (BEHRING; SANTOS, 2009).
O que se põe como desafio diante do Serviço Social e consequente a atuação profissional
se vincula à tensão engendrada a partir das mudanças contemporâneas, porque ao se inserir
“num Projeto ético-político engajado, num projeto nacional e popular, ele sofrerá avanços e
recuos diante dos movimentos sociais e do Estado” (idem). Afirmando isto, Forti pontua que:
Os compromissos assumidos pelo Serviço Social brasileiro não endossam,
tampouco “absolutizam”, a lógica instituída pelo capital. Essa profissão que
inicialmente caracterizou-se pela prática moralizante e pelo privilégio, por
longo período de tempo, do controle e do “papel educativo” favorável ao
mundo capitalista, tem atualmente - salvaguardada a heterogeneidade
profissional - o seu histórico conservadorismo e/ou neoconservadorismo
defrontando com um projeto profissional, tido como hegemônico, engendrado
em bases progressistas (internas e externas ao Serviço Social). Esses
compromissos representam um projeto profissional, denominado Projeto
Ético-Político do Serviço Social que [...] tenciona contribuir para legitimar
valores que apontem para a necessidade de desenvolvimento da generalidade
humana, em vez de privilegiarem o corporativismo, os interesses apenas
particulares de grupos sociais ou indivíduos. Não fortalece, desse modo, a
propalada ideia de dissociação entre o particular- individual e o social-
genérico, ou seja, não contribui para fomentar “particularismo” que,
predominando sobre a perspectiva de interesses genérico-coletivos, criem
obstáculos ao desenvolvimento dos próprios indivíduos e da sociedade
(FORTI, 2009, p. 24-25).
Nos tempos hodiernos, observamos que quanto mais alteia as violações dos direitos
humanos mais se amplia a barbárie, tal fator respinga nas profissões que atuam diretamente
com os contingentes populacionais que são afetados pelas expressões desse processo.
Sendo assim, o próprio assistente social enquanto trabalhador assalariado e profissional
que atende as diversas expressões da questão social é duplamente afetado por esse processo de
barbárie. Nos atendimentos realizados pelo Serviço Social dentro da Defensoria Pública não é
diferente, haja vista que os profissionais desenvolvem maneiras de intervenção dentro de um
58
sistema repleto de contradições, começando a partir da triagem realizada no início do
atendimento com os assistidos.
Cabe aos assistentes sociais compreender a complexidade daquela expressão da questão
social trazida pelo sujeito, imbuída de violações de direitos que na maioria das vezes é
engendrada a partir das situações estruturais e conjunturais as quais ele está imerso, exigindo
do profissional uma visão crítica acerca do problema evidenciado como também resposta
imediata, sempre se atentando ao seu processo de trabalho.
Behring e Santos (2009) fazem uma análise pertinente sobre o processo de trabalho
dos(as) assistentes sociais face à questão social, posto que:
o sentido da atividade profissional na contemporaneidade, que se altera na
medida em que muda o padrão de acumulação e, consequentemente, de
regulação social, com impactos na configuração da questão social e suas
formas de enfrentamento pelas classes e pelo Estado, este último a partir de
sua direção de classe (p. 3).
Acerca disso, Fávero expõe que:
os assistentes sociais têm como objeto as expressões da questão social e que
essas expressões expõe violações de direitos, geralmente provocadas por
situações estruturais e conjunturais, exige de nós a análise crítica sobre as
dimensões que constituem esse processo de trabalho. Isto significa pesquisar
a respeito do objeto sobre o qual a ação acontece, os meios de trabalho que
são os instrumentos, os recursos materiais e em especial os recursos
intelectuais, o conhecimento da realidade social, seus movimentos,
correlações de forças e possibilidades, com vistas a uma clareza sobre a
finalidade do trabalho (FÁVERO, 2012, p. 132).
Sendo assim, tendo em vista que progressivamente o acesso à justiça vem sendo
ampliado de certo modo, até por uma exigência constitucional, através da assistência jurídica
vemos um aumento da inserção do profissional do Serviço Social no campo sociojurídico. De
acordo com autor, esses espaços socio-ocupacionais ocupados pelo Assistente Social permite
uma interpretação da demanda de uma forma mais crítica e social, dando oportunidade para
uma leitura da realidade em sua totalidade, não apenas no teor jurídico, abarcando o todo.
Ela possibilita a interpretação da demanda do ponto de vista social,
oportunizando, assim, a leitura e análise da realidade e o planejamento e
encaminhamento de ações na Perspectiva de Concretização de Direitos com
base na situação, de fato, vivida pelos sujeitos individuais ou coletivos e em
seus direitos de acessarem a justiça. Por trabalhar em consonância com a
garantia de direitos, o assistente social está habilitado a lidar com uma
59
diversidade de situações, expressas por pessoas que vivem em condições,
muita vezes, de apartação social, que passam por experiências permeadas por
violência social e interpessoal, com vínculos sociais e familiares rompidos ou
esgarçados. Exemplo disso é o sofrimento social provocado por essas rupturas
e pela humilhação da ausência de acesso a direitos. Nesse contexto, a
possibilidade de ser ouvido, de ser atendido por um profissional que vai
procurar efetivar reflexões e informações sobre direitos e que pode criar um
espaço facilitador de diálogo, de compreensão e de reflexão crítica a respeito
dos problemas e dilemas que vivenciam, pontual ou cronicamente, pode ser
uma maneira mais ágil e viável na direção do acesso à justiça (idem).
Desse modo, no campo sociojurídico a atuação do assistente social está interligada com
a viabilização e garantia dos direitos dos assistidos, construindo uma ponte entre eles e o direito
de acesso à justiça. Em consonância com a tese de garantia de direitos, vemos presente no
desenvolver do direito de acesso à justiça a como também, nos serviços prestados pela
Defensoria Pública, a contradição presente no sistema jurídico que o circunda, uma vez que
vemos a judicialização da questão social, que nada mais é que, “a transferência para o Poder
Judiciário, da responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social, na perspectiva
de efetivação dos direitos humanos” (AGUINSKY e ALENCASTRO, 2006, p. 22).
Barros (2018) apresenta duas faces da judicialização que devem ser discutidas, que
seriam: a judicialização das políticas sociais com o intuito de maior alcance democrático de
direitos e a outra, que se trata da judicialização como retirada da esfera pública à participação
democrática. A autora enfatiza também no debate suscitado um aspecto que perpassa as relações
sociais brasileiras e até mesmo a questão social, que seria a criminalização dos pobres.
Sendo, assim
De um lado, tem-se um judiciário que é mais acessado para garantir os direitos
e, de outro, uma gestão política que continua a destituir direitos, a criminalizar
os pobres. Compreender qualquer questão sem o elemento da contradição,
falar de judicialização sem apontar também o aspecto perverso que é a
criminalização da vida de determinados sujeitos, é furtar-se do elemento de
análise que considera a história como movimento concreto da realidade
(BARROS, 2018, p. 52).
Nesse aspecto, observamos que, a população mais pauperizada é vista como uma classe
perigosa e até mesmo causadora de suas mazelas sociais, tendo a necessidade de serem contidas
com um poder coercitivo ou jurídico com o intuito de manter a ordem estabelecida por uma
classe dominante que se tornam decisores de suas vidas, resultando numa “ reedição perversa
do ideário que constituirá as bases de legitimação de determinadas políticas de controle social
das classes subalternas” (OLIVEIRA, 2010, p. 101). A pobreza, no decurso do tempo,
permanece sob a mira do extermínio, culpabilizada enquanto fomentadora da criminalidade.
60
Barros (2018) apresenta como exemplo o enfrentamento diário dos assistentes sociais
no campo sociojurídico, especificamente na Defensoria Pública, frente ao encarceramento e o
acolhimento institucional de crianças e adolescentes que se mostram como duas expressões da
questão social evidenciando esse movimento de criminalização dos pobres que “delegam à
invisibilidade a vida dos sujeitos alvos de políticas que ainda punem mais do que garantem
proteção social no judiciário” ( p. 53).
Sendo assim, a judicialização é campo fértil de intervenção e construção do trabalho do
assistente social, uma vez que há o elemento da contradição, sendo um espaço de disputas de
interesses distintos.
Diante desse contexto abordado é fundamental evidenciar que:
[...] não se trata de negar a importância ao acesso à justiça em seu sentido
estrito. Entretanto, importa reconhecer que esta via não poderá dar conta,
sozinha, do enfrentamento à questão social, que é histórica e estrutural,
demandando um movimento maior que possui, junto à esfera pública, seu
palco privilegiado de disputa. Desta forma, há que se empreender uma práxis
de acesso à justiça em seu sentido amplo, sem análise reducionista e ingênua
de que a justiça será outorgada pelo Estado, como ator neutro e comprometido
com o bem comum. Este compromisso pertence à sociedade, ou à sua maioria.
E os assistentes sociais que realizam seu processo de trabalho junto ao Poder
Judiciário, além de leitura atenta desta realidade, são desafiados a contribuir
com o que, da esfera pública, é abstraído nas formas de operar e de responder
às práticas jurídicas convencionais (AGUINSKY e ALENCASTRO, 2006, p.
25).
Em suma, em consonância com a responsabilização da sociedade civil, atrelada a luta
pela efetivação do acesso à justiça vemos a Defensoria Pública enquanto órgão de garantia de
direitos, dentro das contradições existentes na ordem vigente. Não podemos esquecer que é
acerca da judicialização que os profissionais do Serviço Social desenvolvem instrumentos e
constroem suas práticas interventivas com o intuito de assegurar direitos e ampliar ainda mais
o direito de acesso à justiça.
De acordo com Guerra (2000), a instrumentalidade no exercício profissional refere-se
não ao conjunto de instrumentos e técnicas, mas sim a uma determinada capacidade constitutiva
da profissão que vem sendo reconstruída no processo socio-histórico, que tem por finalidade
objetivar sua intencionalidade em respostas profissionais. É através dessa capacidade,
construída no exercício profissional, que os assistentes sociais podem modificar, transformar,
a realidade.
61
Destarte,
Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que
demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os
instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumento
para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando
instrumentalidade às suas ações. Na medida em que os profissionais utilizam,
criam, adéquam às condições existentes, transformando-as em
meios/instrumentos para a objetivação das intencionalidades, suas ações são
portadoras de instrumentalidade. Deste modo, a instrumentalidade é tanto
condição necessária do todo trabalho social quanto categoria constitutiva, um
modo de ser, de todo trabalho (GUERRA, 2000, p.2).
A autora evidencia que a instrumentalidade se mostra enquanto condição de
reconhecimento social da profissão, sendo uma propriedade que possibilita o entendimento das
demandas e o alcance dos objetivos através da objetivação das intencionalidades profissionais.
Compreende-se que toda práxis social é munida de instrumentalidade, destarte, o trabalho,
enquanto movimento de transformar a natureza a fim de alcançar suas finalidades, também
possui uma instrumentalidade, esta, tem a capacidade de articular as dimensões (técnico-
operativa, teórico-metodológica e ético-política) e convertê-las em respostas profissionais, em
estratégias políticas e em instrumentos técnico-operativos.
Como todos os profissionais têm seus instrumentos de trabalho, e situando o assistente
social enquanto trabalhador assalariado inserido na divisão social e técnica do trabalho, este
necessita de fundamentação teórica, metodológica, técnica e ético-política para intervir na
realidade de cada sujeito que chega como demanda, no caso, na Defensoria Pública.
Os instrumentos técnico-operativos são a soma de instrumentos e técnicas que
possibilita a operacionalização da ação profissional. Desse modo, o uso desses instrumentos é
visto enquanto estratégia para a atuação e intervenção, uma vez que abrange não só o âmbito
das técnicas, mas do conhecimento e habilidades. Como prática profissional, o profissional deve
coordenar e executar programas de enfrentamento às expressões da questão social, respaldando-
se através dos instrumentos técnicos operativos, quais sejam: conversas informais, observação,
folha de produção diária, visita domiciliares, acompanhamento social, entrevistas, relatórios,
encaminhamentos, fichas de cadastro e afins.
O Serviço Social inserido no âmbito da Defensoria Pública é algo recente e ainda em
construção, tendo o assistente social, como outrora já evidenciado, enquanto sujeito que
intervém nas múltiplas formas da questão social que se apresentam à instituição. A ampliação
desse espaço de atuação é fruto da emergência de demandas por uma articulação
interinstitucional, para além disso, uma articulação multiprofissional, a qual seja capaz de
62
mediar e responder às demandas que envolvem o Judiciário nos casos de medidas
socioeducativas, mediação de conflitos e violação de direitos.
Fávero (2005, p. 51) salienta que, nos tempos hodiernos o Serviço Social atua em várias
frentes e suas atribuições não se limitam apenas a situações relacionadas com medidas judiciais,
uma vez que este atua de acordo com os princípios norteadores da profissão, ou tentam, uma
vez que não podemos deixar de mencionar as dificuldades de atuação desses profissionais em
um ambiente que a hierarquia institucional do direito tenta se sobrepor acima de todos os
saberes, entre eles, o saber do próprio Serviço Social.
Sendo assim, reconhecendo que o Serviço Social é uma profissão que teve seu advento
no berço da contradição do sistema vigente, o campo sociojurídico apesar de trazer uma costura
diferente, com um novo bordado de contradições e expressões da questão social, não se torna
um campo tão inusitado para desenvolver uma intervenção profissional, haja vista o histórico
da profissão.
Diante disso, por mais que tenha ocorrido uma ampliação do espaço sócio ocupacional
do (a) assistente social no sociojurídico, especialmente, na Defensoria Pública, contudo, é um
processo de expansão caracterizado e camuflado pela precarização do processo de trabalho.
Logo, os vínculos de trabalho são frágeis e o perfil profissional exigido é o polivalente,
pragmático, pontual e imediatista. Perfil esse em concordância com as transformações
societárias e o processo de reestruturação produtiva que impactos no mundo do trabalho
(ANTUNES, 2003). É sobre essa problemática que o próximo capítulo versará.
3.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NA DEFENSORIA
PÚBLICA
Entendendo o papel da Defensoria Pública na garantia e defesa dos direitos de milhares
de pessoas pauperizadas e afetadas pelas diversas faces da questão social presentes em nossa
contemporaneidade, a atuação do Assistente Social dentro do âmbito sociojurídico é
imprescindível, uma vez que diante de tal contexto de responsabilização criminal dos sujeitos,
esse profissional pode fortalecer a justiciabilidade dos direitos sociais. Contudo, é importante
frisar que, apesar dos avanços com a instituição da Defensoria Pública, isso não se torna
suficiente para modificar a realidade dos indivíduos que são afetados pelas diversas expressões
da questão social, haja vista que estamos inseridos numa sociabilidade burguesa, de caráter
puramente violador.
63
Desse modo, sempre haverá violações de direitos dentro desse sistema versado de
contradições, haja vista que é intrínseco a ele. Destarte, a Defensoria se caracteriza enquanto
um instrumento importante do direito ao acesso à justiça, mas não suficiente para solucionar as
mazelas sociais que estão imbuídas no próprio sistema judiciário.
Acerca da inserção e atuação do assistente social no sociojurídico, a autora Raichelis
(2010, p. 12) apresenta algumas elucidações ao evidenciar as principais expressões da questão
social que chegam ao fazer profissional:
O assistente social é um dos mediadores do Estado na intervenção dos
conflitos que ocorrem no espaço privado, particularmente nos âmbitos
doméstico e familiar, atuando prioritariamente nas Varas da Infância,
Juventude e Família, nas dramáticas manifestações da questão social,
expressas pela violência contra a mulher, a infância e a juventude, as situações
de abandono e negligência familiar, o abuso sexual, a prostituição, a
criminalidade infanto-juvenil.
Para realizar o trabalho nesse espaço, os assistentes sociais, de acordo com Barison
(2008, apud Barros 2015, p. 66) precisa assumir uma postura investigativa, desenvolvendo
pesquisa a fim de desvelar a realidade dos sujeitos, contribuindo assim para as decisões
judiciais, assegurando os direitos dos indivíduos e sociedade.
Ademais, deve estar sempre renovando seu aparato teórico, aprimorando seus
conhecimentos e articulando com a rede de serviços, sempre estando comprometido com o
projeto ético-político e valorizando o trabalho interdisciplinar. O assistente social trabalha com
as diversas expressões da questão social, caracterizadas nesse espaço laboral pelos conflitos
que envolvem a dinâmica familiar, em sua maioria das vezes, sendo de suma importância à
orientação e avaliação social em ações para a garantia de direitos.
Atuação dos profissionais do Serviço Social é pautada no que dispõe o código de ética
da profissão de 1993, respeitando os indivíduos e atuando no processo de transferência de
direitos, bem como se valendo do disposto na lei de regulamentação da profissão (Lei nº
8.662/93) que em seu Art. 4º estabelece ser competências do assistente social dentre outros os
postos destacados a seguir:
I. Elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos
da administração pública, direta e indireta, empresas, entidades e organizações
populares. II.elaborar, coordenar executar e avaliar planos, programas e projetos que
sejam do âmbito de Serviço Social com participação da sociedade civil; III. encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos,
grupos e á população.
64
IV - (Vetado); 45 Lei n º 8.662 V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de
identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de
seus direitos; VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a
análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta
e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias
relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada
às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e
sociais da coletividade; X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de
Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios
e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta,
empresas privadas e outras entidades (BRASIL, 2012, p.44).
Ainda no aspecto de competências e atribuições, evidencia-se no art. 5º do referido
Código de ética que, constituem-se como atribuições privativas dos/as assistentes sociais:
I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas,
planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de
Serviço Social; III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social; IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e
pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como
pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e
adquiridos em curso de formação regular; VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço
Social; VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de
graduação e pós-graduação; VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa
em Serviço Social; 47 Lei n º 8.662 IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões
julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais,
ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social; X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados
sobre assuntos de Serviço Social; XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e
Regionais; XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou
privadas; XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira
em órgãos e entidades representativas da categoria profissional. (BRASIL,
2012, p.47)
65
Segundo Chauri (2008, p. 128, apud Barros, 2015, p. 67), conflitos engendrados no seio
familiar levam os sujeitos a buscarem a justiça a fim de solucionar seus problemas que abarcam
o âmbito privado. Diversos direitos assegurados por lei não são aplicados devidamente na vida
das pessoas que, acabam buscando a via judicial no intuito de efetivação desses direitos.
O acesso à justiça apresenta duas finalidades básicas: a primeira é que os
sujeitos podem reivindicar seus direitos e buscar a solução de seus problemas
sob o patrocínio e a proteção do Estado, e, portanto, o sistema jurídico deve
produzir resultados que sejam individual e socialmente justos; e a segunda
corresponde ao fim último do sistema jurídico no Estado Democrático de
Direito, que é o de garantir o acesso à justiça igualmente a todos.
Na Defensoria Pública do Estado, o Serviço Social tem como principal foco de atuação
o atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social que sofrem diretamente
as consequências da desigualdade social e buscam a instituição no intuito de receberem
orientações jurídicas, evitando até mesmo a judicialização desnecessária de alguma ação,
contribuindo para o desvelamento das diferentes expressões da questão social.
A área de atuação dos assistentes sociais é vasta dentro da instituição, envolvendo
questões acerca de saúde mental; violência doméstica; interdições; conflitos familiares; guarda
de menores; acolhimento institucional; requisições de medicações; investigação de paternidade;
pensão alimentícia; partilha de bens; divórcio consensual ou litigioso; dissolução e
reconhecimento de união estável; alvará judicial; facilitação de acordos extrajudiciais;
utilizando também da articulação e encaminhamentos a rede de serviços, buscando a
integralidade dos atendimentos. Essas demandas, como já evidenciado outrora por Barros
(2018), chegam ao cotidiano do profissional carregadas de violações de direitos advindas das
contradições presentes na relação capital/trabalho que constitui o modelo do sistema
econômico/social vigente.
Além disso, muitas demandas sociais que chegam silenciadas no ato de busca por
orientações jurídicas pelo assistido, são decifradas pelo assistente social que utiliza do seu
conhecimento técnico e teórico para buscar meios para resolver a situação apresentada. Por isso
é relevante identificar os aspectos ocultos, tanto na hora da triagem como nos processos
judiciais. Desse modo, como afirma Barison apud Barros, (2015), a uma necessidade de análise
técnica do assistente social, procurando sempre compreender e decifrar as expressões da
questão social que são vivenciadas pelas famílias e indivíduos, expressões essas que interferem
diretamente na organização e dinâmica do grupo familiar, o que engendra violações de direitos.
66
A rotina do Serviço Social na Defensoria Pública, de acordo Barros (2018), inclui os
atendimentos técnicos especializados ao público no momento da triagem, que consiste
basicamente no acolhimento; escuta qualificada; orientações; encaminhamentos; suporte
técnico aos defensores os quais os assistentes sociais se reportam acerca dos assistidos,
aplicação de instrumentais técnicos e específicos do Serviço Social; elaboração de declarações;
interpretação de documentos; visitas domiciliares e institucionais; participação e elaboração de
eventos, dentre outros intervenções.
Nas atividades desenvolvidas ainda estão à produção de relatórios acerca dos
atendimentos, registro diário dos atendimentos realizados, acompanhamentos processuais,
abertura, acompanhamento e encerramento de procedimentos do Serviço Social.
Desse modo, o próximo item versará acerca da atuação profissional no âmbito da
Defensoria Pública do Estado do RN.
3.3. A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
ENQUANTO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL
A estrutura administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte foi
instituída mediante a Lei Complementar Estadual de número 251, datada de 07 de julho de
2003, tendo por base a Lei Complementar Federal de número 80, de 1994, que criou a
Defensoria Pública da União e consolidou normais gerais para a sua criação nos estados
brasileiros.
O órgão dispõe de funções, as quais o artº 3 da lei complementar evidencia, quais sejam:
Art. 3º São funções institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre
outras que lhes sejam correlatas: I - promover, extrajudicialmente, a
conciliação entre as partes em conflito de interesses; II - patrocinar ação penal
privada e a subsidiária da pública; III - patrocinar defesa em ação penal; IV -
patrocinar ação civil; V - patrocinar defesa em ação civil e reconvir; VI - atuar
como Curador Especial de necessitados, nos casos previstos em lei; VII -
exercer a defesa da criança e do adolescente, nos casos previstos em Lei; VIII
- atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar
à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias
individuais; IX - assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com
recursos e meios a ela inerentes; X - atuar junto aos Juizados Especiais Cíveis
e Criminais; XI - patrocinar os direitos e interesses do consumidor necessitado
lesado; XII - promover, junto aos cartórios competentes, o assentamento de
registro civil de nascimento e óbito de necessitados. (BRASIL, 2003)
67
Apesar de ser uma Instituição Estadual, a Defensoria Pública não está vinculada ao
Governo, tendo sua autonomia prevista na Constituição Federal, algo que de certo modo
assegura os Defensores Públicos a efetivarem sua atuação frente às causas processuais
apresentadas pelos assistidos sem qualquer tipo de constrangimento.
Desse modo, o Defensor possui independência na sua atuação profissional, cabendo-lhe
decidir livremente acerca de cada caso que venha atuar, de acordo com a Lei. É importante
salientar que atualmente no Estado do Rio Grande do Norte existem 64 Defensores Públicos
em atuação, sendo que a administração superior da instituição é conduzida pelo Defensor
Público-Geral. No anexo II, objetivo principal desta pesquisa, atuam hodiernamente 14
defensores distribuídos entre as áreas cíveis, família, Infância e Juventude e criminal.
Antes da promulgação da Constituição de 1988 incumbir a Defensoria Pública enquanto
órgão destinado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos, a sua trajetória até a presente data foi marcada por lutas sociais em
defesa do direito de acesso à justiça.
De acordo com registros institucionais5, em meados de 1987 a Procuradoria Geral do
Estado do RN, especificamente na Procuradoria de Assistência Jurídica, ofertava serviços
jurídicos a comunidade de forma gratuita prestados pelos primeiros defensores públicos,
quando a instituição nem existia; o primeiro concurso para a função ocorreu em 1986 para
atuarem na área cível e criminal. Estes trabalhavam com assistentes jurídicos e eram
responsáveis por realizarem o atendimento a toda população, fazer acompanhamento processual
e participar de júris no Estado. Essa prática se estendeu por 16 anos até a criação oficial da
Defensoria Pública do Estado (DPE-RN).
No ano de 2000, os Estados do Rio Grande do Norte e Alagoas eram os únicos do
Nordeste que ainda não tinham a estrutura da Defensoria Pública. Engajado com a luta pelo
acesso à justiça gratuita e eficiente, o procurador Valério Djalma Cavalcanti Marinho e também
chefe da Procuradoria de Assistência Jurídica, efetivou entre tantos feitos, o envio à Assembleia
Legislativa do Estado o Projeto de Lei que criara, outrora, a Defensoria Pública do Estado do
RN. Nessa trajetória, se passaram quatro anos até a aprovação do PL no legislativo estadual e
a sanção do Governo. Nesse espaço de tempo, houve a criação do projeto que definia a atuação
da Defensoria Pública e sua estrutura organizacional.
5 Informações colhidas a partir da leitura efetuada na Edição Especial de 15 anos da Defensoria, Revista da
Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, agosto de 2018, Ano 2, Edição 2.
68
Hodiernamente, o Rio Grande do Norte possui 13 (treze) núcleos sede espalhados por
todo o estado, quais sejam, Núcleo de Assú, Núcleo de Caicó, Núcleo de Ceará-mirim,Núcleo
de Currais Novos, Núcleo de Macaíba, Núcleo de Mossoró, Núcleo de Natal, Núcleo de Nísia
Floresta, Núcleo de Nova Cruz, Núcleo de Parnamirim, Núcleo de Pau dos Ferros, Núcleo de
Santa Cruz, Núcleo de São Gonçalo do Amarante, responsáveis por atender as demandas
jurídicas da população.
FIGURA 3 - MAPA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO RN
Fonte: site da Defensoria Pública do Estado do RN
A Defensoria Pública atua em qualquer espécie de caso, desde que seja do âmbito da
Justiça Estadual. Cabe destacar algumas áreas de atuação, como a Cível que envolve o Direito
Civil; de Família e Sucessões; do Consumidor; Urbanístico; Ambiental; à Saúde; a Tutela
Coletiva, Criminal, Infância e Juventude e Execução Criminal.
O Núcleo Especializado de Acompanhamento Processual Cível foi regulamentado a
partir da resolução estadual de nº 87/2014 formulada pelo Conselho Superior da Defensoria
Pública -CSDP, sendo coordenado por um defensor público da área cível. Suas atribuições estão
na realização da: 1) Assistência Jurídica para o exercício do contraditório (contestação,
justificativa e defesas cíveis); 2) Orientação do andamento processual e diligências; 3)
Acompanhamento de audiências; 4) Interposição de recursos; 5) Prestar informações a outros
órgãos sobre casos que exista atuação dos defensores do núcleo.
69
Ainda de acordo com a resolução 87/2014, a quantidade de atendimentos deve ser de
10 (dez) atendimentos por defensoria; tendo em vista que cada defensor é responsável por uma
e 5 (cinco) defesas por semana por defensoria. Esse número somente poderá ser ampliado ou
reduzido por determinação do CSDP.
Conforme o Mapa da Defensoria (2013), realizado pela Associação Nacional dos
Defensores Públicos (ANADEP) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “o
critério de renda e o limite de três salários-mínimos têm sido os parâmetros utilizados pelo
Ministério da Justiça e pelo PNUD nas edições do Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil,
por serem de fácil aferição com base nos dados no IBGE”.
Referente à Defensoria Pública do RN, a partir da resolução estadual de nº 014/2010
CSDP, para o assistido ser considerado hipossuficiente deverá passar pela triagem do “Perfil
Socioeconômico” que se trata da declaração de hipossuficiência elaborada com a juntada de
dados acerca da entidade familiar do assistido, sua renda e patrimônio. A recusa do atendimento
é atribuição institucional do defensor público, apesar do atendimento ser feito pelo Serviço
Social.
De acordo com o artigo 4º da Lei Complementar Estadual de nº 251/2013, são
considerados hipossuficientes os indivíduos que:
para os fins desta Lei, aquele cuja insuficiência de recursos não lhe permita
arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo
do sustento próprio e de sua família, especialmente nos seguintes casos: I -
tenha renda pessoal mensal inferior a dois salários mínimos; II - pertença à
entidade familiar cuja média de renda “per capita” ou mensal não ultrapasse a
metade do valor referido no inciso anterior (BRASIL, 2013, p. 2).
O defensor indefere a assistência gratuita se houver recusa do assistido em apresentar
documentos comprobatórios possuindo vínculo empregatício; se este se negar a assinar a
declaração de hipossuficiência ou a responder as perguntas que estruturam o perfil
socioeconômico e, se for verificado indícios de que a renda declarada não corresponde ao
padrão de vida ou ao patrimônio.
No que condiz às demandas, no primeiro semestre do ano de 2019, o Núcleo de
Acompanhamento Processual Cível, Anexo II, de acordo com o Relatório de Atendimento
produzido pelo Setor Social, atendeu as seguintes demandas:
70
QUADRO 1. RELATÓRIO DE ATENDIMENTOS - SETOR SOCIAL CÍVEL - JANEIRO A
MAIO DE 2019
ATENDIMENTO QUANTIFICAÇÃO
ORIENTAÇÃO INICIAL 1.511
ACOMPANHAMENTO PROCESSUAL 1.631
DEFESA 399
DILIGÊNCIAS ENTREGUES AO SETOR SOCIAL 1.447
Fonte: Dados coletados a partir da pesquisa documental na DPE.
Conforme destaca o quadro, a maior demanda do Setor Social é o acompanhamento
processual cível, que é realizada por uma equipe composta por três profissionais e seis
estagiárias. Observa-se um não cumprimento das exigências previstas nas legislações e
resoluções da categoria profissional que tem por embasamento o Projeto Ético-Político da
profissão tendo em vista a falta de criticidade e totalidade nos atendimentos devido a demanda
crescente. Visualiza-se ademais, desvio de funções na realização de diligências que vão além
de envio de ofícios, se estendo a entrega nos correios de correspondências e agendar audiências
para os Defensores, além de tirar xerox ou digitalizar mensalmente suas planilhas de audiências.
As defesas realizadas exigem dos profissionais do Serviço Social um entendimento
acerca do jurídico, seus termos, a fim de narrar os fatos para fazer a defesa do assistido. Perde-
se nos atendimentos a escuta e o acolhimento, haja a vista a alta demanda e as solicitações
superficiais dos Defensores acerca da vida daquele sujeito, como também a ausência de
qualificação profissional que não estiga a criticidade em cada atendimento.
As orientações são a porta de entrada. Com a lógica de quantificar os atendimentos e
até mesmo cronometrar cada orientação, perde-se o viés social do setor, atendendo apenas a
demanda jurídica, deixando de fazer as devidas intervenções e encaminhamentos para a rede
socioassistencial, se resumindo enquanto técnicos administrativos do direito.
Destarte, o que se vislumbra no espaço de trabalho do setor social é a sobrecarga de
trabalho, tanto por falta de recursos humanos como também pelo desvio de função, em que os
profissionais de Serviço Social são requisitados a realizar tarefas que não competem a sua
atribuição, a saber: serviços administrativos, atuando enquanto “secretários” dos Defensores
Públicos, realizando agendamentos de audiências, emitindo suas pautas, além de digitalizar
documentos diversos.
71
O posicionamento dos profissionais do Setor Social frente as demandas puramente
administrativas é inerte, tendo em vista a não produção de nenhum instrumental que venha
interferir no cenário atual de precarização. Ademais, há falta de reconhecimento enquanto
classe trabalhadora, algo que engessa e fragmenta ainda mais as relações de trabalho dentro da
instituição. Não há o uso das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-
operativa de maneira indissociável em detrimento a dinâmica do espaço laboral e a falta de
criticidade por parte dos profissionais.
Somando-se a ausência de uma atuação profissional balizada com o Projeto Ético-
Político, observa-se também, o vínculo empregatício fragilizado em decorrência da lógica do
capital, que fragmenta as relações sociais e o trabalho, afetando diretamente a atuação
profissional e os resultados de possíveis tentativas de intervenção. Tais questões se apresentam
como atenuantes da falta de efetividade do trabalho do Assistente Social na DPE/RN.
Assim, a intencionalidade dos assistentes sociais passa a ser mediada pela própria lógica
da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão nos espaços, se submetendo a
papéis que são alocados por organismos ou instâncias próprios da ordem burguesa no estágio
monopolista, que tem imbuído em si a lógica do mercado. “ Assim, o assistente social adquire
a condição de trabalhador assalariado com todos os condicionamentos que disso decorre”
(GUERRA, 2010, p.10).
Desse modo, o que podemos visualizar a partir da quantificação das demandas
apresentadas, como também, da própria divisão das demandas, é a sobrecarga de trabalho
direcionada ao assistente social. A ele é delegado pelos Defensores Públicos a tarefa de atender
as demandas de maneira superficial e rápida, compreender o juridiquês do Direito na elaboração
das declarações que servirão como respaldo para a construção das impugnações. Vemos no
fazer profissional dos assistentes socias do Anexo II, o desvio de função e a não valorização do
próprio Serviço Social. Perde-se de vista o viés crítico do profissional quando este atende
apenas as solicitações engessadas dos Defensores sem a tentativa de investigar a fundo as
demandas jurídicas que chegam revestidas pelas expressões da questão social. Isso se dá em
detrimento ao vínculo fragilizado do profissional e as correlações de forças presentes na
instituição, algo que será evidenciado a fundo no próximo capítulo apresentando a crise do
capitalismo e os seus reflexos na atuação profissional, que resulta na modificação do mundo do
trabalho.
Iremos esmiuçar os serviços desenvolvidos na Defensoria Pública do Estado do RN,
Anexo II, enfatizando o espaço laboral precarizado e perpassado pela impositividade do Direito,
reafirmando mais uma vez que o Direito é um complexo burguês.
72
4. CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E O SEU REFLEXO NA
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA
DO RN
Neste capítulo, no primeiro item, iremos fazer uma breve elucidação acerca da crise
contemporânea do capitalismo e evidenciar seus rebatimentos na atuação profissional, como
também, esmiuçar os serviços desenvolvidos no Setor Social da Defensoria Pública e o processo
de flexibilização do trabalho. No segundo item evidenciamos o Projeto Ético Político da
profissão dando embasamento para discorrer o terceiro item, que disserta acerca dos desafios
e as possibilidades da atuação profissional no sociojurídico.
4.1. A CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO E AS CONTRADIÇÕES QUE
PERPASSAM AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA DEFENSORIA PÚBLICA
Os anos que antecederam a década de 1970, período de reconstrução do segundo pós-
guerra, foram marcados pelo modelo de produção fordista-keynesiano nos países centrais
caracterizado por uma fase de expansão do capitalismo. Era possível visualizar nessa época
demasiado crescimento de empregos, salários, como também forte intervenção Estatal,
concentração e expansão de capitais, além do aumento na produção laboral e produção de
mercadorias em detrimento aos avanços tecnológicos presentes na época.
Esse modelo econômico, de acordo com Mota (2009), teve como um dos principais
pilares de sustentação institucional o Welfare State ou Estado de bem-estar social, o qual
posicionou o Estado enquanto agente da promoção social e organizador da economia, como
também, integrou a sua dinâmica econômica assuntos relacionados às demandas do proletariado
no quesito melhorias nas condições de vida e trabalho.
Referente às demandas, estas tiveram sua incorporação através de
alocação de fundos públicos na constituição de políticas econômicas e sociais,
o que favoreceu a ampliação do consumo por parte dos trabalhadores: ao
tempo em que desmercantilizava o atendimento de algumas das necessidades
sociais através de salários indiretos, via políticas sociais públicas, a ação
estatal permitia a liberação de salários reais e o consequente aumento da
demanda por consumo de mercadorias, criando as condições para o
surgimento da produção e do consumo em massa, típicos do regime fordista
de produção (MOTA, 2009, p.6).
73
Entretanto, a autora evidencia que, enquanto os países centrais garantiam a reprodução
do econômico com desenvolvimento social, os países que não conseguiram se desenvolver,
conhecidos como a periferia mundial, visualizavam a defesa do desenvolvimentismo como
meio de se integrar à ordem econômica mundial.
Em meados da década de 1970 ocorre o declínio do modelo econômico que até então
estava vigente instaurado por uma crise estrutural do capital por não conseguir conter mais uma
crise mundial proveniente da diminuição da produção industrial, pelo endividamento do setor
público e pela intensificação do desemprego estrutural. A crise teve início nos EUA, o centro
da economia capitalista, e se alastrou mundialmente nas décadas de 1980 e 1990.
Em detrimento ao aumento dos custos de produção e a retração do mercado, o capital
buscou reduzir seus custos através da contratação de mão-de-obra barata e sindicalmente menos
organizada, bem como matérias-primas mais acessíveis que poderiam ser encontradas no
Terceiro Mundo. Esse processo está articulado à ascensão do neoliberalismo, conseqüência da
crise do Estado de Bem Estar Social.
A partir da crise estrutural do capital ocorre um processo de reestruturação capitalista
que atinge as mais diversas instâncias do ser social (ALVES, 2007, p. 155). Temos a partir da
mundialização do capital, isto é, no decorrer da década de 1980, o advento de outro modelo de
produção, o Toyotismo, que surge através da indústria automotiva japonesa que em busca de
sair da retração econômica mundial e “ visando a recuperação do seu ciclo de expansão e, ao
mesmo tempo, recompor seu projeto de dominação societal” (ANTUNES, 2008, p. 43)
somando-se ao modelo fordista, sendo o Toyotista hegemônico.
Behring (2003) evidencia que esse momento de redesenho do capital em busca do
diferencial de produtividade do trabalho como fonte de superlucros abriu espaços para a
mundialização do capital combinada com o processo de financeirização e ajuste neoliberal,
principalmente quando apresenta nessa fase um novo perfil das políticas econômicas e
industriais engendradas pelos Estados nacionais, como também o novo padrão suscitado da
relação Estado e sociedade civil.
Esse processo de reestruturação, de acordo com Alves (2007, p. 156) é tão somente
“mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e
de manipulação do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo” e, da necessidade
de ter controle sobre as lutas sociais oriundas do trabalho que se iniciou a partir do processo de
reorganização das suas formas de dominação social.
74
Antunes (2008) evidencia isso apontando alguns fatores,
Opondo-se ao contra-poder que emergia das lutas sociais, o capital iniciou um
processo de reorganização das suas formas de dominação societal, não só
procurando reorganizar em termos capitalistas o processo produtivo, mas
procurando gestar um projeto de recuperação da hegemonia nas mais diversas
esferas da sociabilidade. O fez, por exemplo, no plano ideológico, através do
culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao
individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação
coletiva e social (BIHR, 1998, apud ANTUNES, 2008, p. 43).
O Toyotismo se constituiu enquanto um sistema baseado na produção fluida, flexível e
difusa, que como elucida Alves (2007) respaldando-se em Bihr:
A produção fluida implica a adoção de dispositivos organizacionais como, por
exemplo, o just-in-time/kanban ou o kaizen, que pressupõem, por outro lado,
como nexo essencial, a fluidez subjetiva da força de trabalho, isto é,
envolvimento pró-ativo do operário ou empregado (como salientamos, o nexo
essencial do toyotismo é a “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital).
Além disso, o novo empreendimento capitalista implica a produção flexível
em seus múltiplos aspectos, seja através da contratação salarial, do perfil
profissional ou das novas máquinas de base microeletrônica e informacional;
e a produção difusa significa a adoção ampliada da terceirização e das redes
de subcontratação (BIHR, 1998, apud ALVES, 2007, p. 158-159).
Tornando-se um modelo de produção adequado para o momento que se encontrava o
capitalismo, sob a mundialização do capital, apresentando novas tecnologias microeletrônicas
na produção, as quais, exigiam do proletariado um novo envolvimento com as atividades
laborais desenvolvidas, portanto, há o engendramento de uma nova subordinação formal-
intelectual do trabalho ao capital. Observamos aqui, não apenas uma profunda crise estrutural
do capital, mas uma transformação do mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na
própria estrutura produtiva e nas formas de representação sindical e até mesmo política.
Nesses novos processos de trabalho surgem uma flexibilização da produção por novos
padrões de busca de produtividade.
O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista
dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas
transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que
diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são
flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para
adequar-se a sua nova fase. Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores
são substituídos e eliminados do mundo da produção. Diminui-se ou
mescla-se, dependendo da intensidade, o despotismo taylorista, pela
75
participação dentro da ordem e do universo da empresa, pelo envolvimento
manipulatório, próprio da sociabilidade moldada contemporaneamente pelo
sistema produtor de mercadorias (ANTUNES, 2015, p. 34).
O Toyotismo se mostra enquanto uma ofensiva ideológica e material do capital na
produção, sendo um dispositivo organizacional que se desenvolve com a finalidade de
[...] buscar debilitar (e anular) ou “negar’, o caráter antagônico do trabalho
vivo no seio da produção do capital. Por isso, a construção do toyotismo é
resultado sócio-histórico de um processo de intensa luta de classes, onde
ocorreram importantes derrotas operárias, que tornaram possível a introdução
de uma nova organização social da produção (ALVES, 2007, p. 161).
Desse modo, elucida que esse modelo de produção se mostra enquanto um sistema que
se vincula às derrotas da classe operária e a neutralização do seu “intelectual orgânico” no plano
produtivo. A dinâmica presente na crise-restauração permeia as relações sociais e implica no
redirecionamento da intervenção do Estado, que por sua vez modifica seus mecanismos de
regulação da produção material e da gestão da força de trabalho, renovando suas intervenções
nos sistemas de proteção social, legislação trabalhista e sindical, entre outras.
Desse modo, Mota (2009) salienta que,
Nesse contexto, se redefinem as relações entre Estado, sociedade e mercado,
determinando medidas de ajustes econômicos e de reformas e contra‐reformas sociais, que continuem garantindo a acumulação capitalista, em
conformidade
com as particularidades de cada formação social (MOTA, 2009, p. 5).
Behring (2003) complementa quando evidencia que
A restruturação produtiva vem sendo conduzida em combinação com o ajuste
neoliberal, o qual implica a desregulamentação de direitos, no corte dos gastos sociais,
em deixar milhões de pessoas à sua própria sorte e “mérito” individuais – elemento que
também desconstrói as identidades, jogando os indivíduos numa aleatória e violenta luta
pela sobrevivência. Assinala-se, então, que o caráter da organização do trabalho na
revolução tecnológica em curso é desagregador da solidariedade de classe e regressivo
(BEHRING, 2003, p. 37. Grifos da autora).
Antunes (2015) contextualiza acerca dessas mudanças no mundo do trabalho,
salientando que estas foram tão intensas, que o proletariado enquanto “classe-que-vive-do-
trabalho”, foi a quem mais sentiu os estilhaços, sofrendo a mais aguda crise deste século uma
vez que não atingiu apenas a sua materialidade, mas teve intensa repercussão na sua
subjetividade, afetando a sua forma de ser, uma vez que estes foram “afetados pelas condições
do mercado de trabalho, com o aumento do desemprego, as perdas salariais, o crescimento do
76
exército industrial de reserva e o enfraquecimento das suas lutas e capacidade organizativa”
(MOTA, 2009, p. 4).
Essa realidade se expressa no contexto brasileiro e tem consequências para o Serviço
Social e a categoria trabalho. É importante enfatizar que a discussão sobre os rebatimentos da
reestruturação produtiva no trabalho do Serviço Social se deu a partir das intensas
transformações políticas, econômicas e sociais, uma vez que houve a fragmentação da classe
trabalhadora a partir desse processo de acumulação flexível.
No Brasil, a reestruturação do capital mundializado se intensificou nas últimas décadas
do século XX com a introdução de novas formas de gestão, organização da produção e do
trabalho provocando mudanças profundas nas relações sociais e interferindo no trabalho
profissional de diversas categorias, principalmente na intervenção dos profissionais do Serviço
Social. É visto a supressão de direitos sociais garantidos em lei, como também o
escancaramento das portas dos mercados nacionais ao capital especulativo; privatizações
exacerbadas das máquinas públicas e de atividades que até então eram atribuições estatal, como
as políticas sociais e públicas. Neste recorte temporal, observa-se uma deterioração do país,
tendo rebatimento direto nas classes subalternas que tiveram seus direitos e condições de
trabalho suprimidos (KOIKE, 2009, p. 3).
Redefine‐ se o ciclo das mercadorias, instala‐ se o predomínio do
capital financeiro, o Estado é suplantado pelo mercado nas funções de
regulação da vida social. O trabalho, reestruturado e tecnificado torna‐ se
mais homogêneo e indiferenciado. A racionalidade tecnológica e
organizacional imposta aprofunda a supremacia do trabalho morto,
depreciando a força viva de trabalho. Esse se torna mais simplificado, flexível
e com maior autonomia (idem, p.3).
De acordo com Behring (2003) o processo de contrarreforma foi engendrado em
decorrência aos perigos efeitos oferecidos pelo Estado de bem-estar social, o qual
disponibilizava a promoção de uma política expansiva e anticíclica, a garantia de serviços
públicos, a realização de algumas redistribuições de renda através das prestações sociais em
forma de direitos, tais feitos deram suporte a um período de avanços em empregos e consumo,
entre outros feitos. O neoliberalismo visualizando os riscos, em especial nos impulsos dos
movimentos sociais, responde com a, de acordo com Montes (1996):
“retirada do Estado como agente econômico, dissolução do coletivo e do
público em nome da liberdade econômica e do individualismo, corte dos
benefícios sociais, degradação dos serviços públicos, desregulamentação do
mercado de trabalho, desaparição de direitos históricos dos trabalhadores; esses
são os componentes regressivos das posições neoliberais no campo social, que
77
alguns se atrevem a propugnar como traços da pós-modernidade” (MONTES,
1996, p.38, apud BEHRING, 2003, p. 58).
Em decorrência a este período de contrarreforma do Estado, vislumbra-se mudanças
significativas nos espaços ocupacionais de atuação dos(as) Assistentes Sociais e
consequentemente o suscitamento de novas manifestações e configurações da questão social.
O Serviço Social enquanto profissão historicamente inserida na divisão social e técnica
do trabalho, se afirma enquanto trabalhador assalariado, haja vista a sua relação de compra e
venda de sua força de trabalho, colocando-o no seio da precarização e flexibilização trabalhista.
O processo de flexibilização trabalhista e dos direitos são elementos centrais da nova
morfologia do trabalho (ANTUNES, 2010) nesse contexto de reestruturação produtiva e das
políticas neoliberais.
Condizente a isto, Raichelis aborda que,
Afirmar que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e
técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo, e
identificar o seu sujeito vivo como trabalhador assalariado, implica
problematizar como se dá a relação de compra e venda dessa força de trabalho
a empregadores diversos, como o Estado, as organizações privadas
empresariais, não governamentais ou patronais. Trata-se de uma interpretação
da profissão que pretende desvendar suas particularidades como parte do
trabalho coletivo, uma vez que o trabalho não é a ação isolada de um
indivíduo, mas é sempre atividade coletiva de caráter eminentemente social
(RAICHELIS, 2011, p. 423).
De acordo com Iamamoto (2012) é nesse contexto de contrarreforma do Estado e suas
marcantes alterações que o(a) Assistente Social tem sua inserção no mercado de trabalho
modificada e consequentemente suas demandas, processos e condições laborais.
É nesse contexto que altera a demanda de trabalho do As, modifica o mercado
de trabalho, altera os processos de trabalho e as condições em que se realizam,
nos quais os assistentes sociais ingressam enquanto profissionais assalariados.
As relações de trabalho tendem a ser desregulamentadas e flexibilizadas.
Verifica-se uma ampla retração dos recursos institucionais para acionar a
defesa dos direitos e dos rateios de acessá-los. Enfim, tem-se um
redimensionamento das condições do nosso exercício profissional, porque ele
se efetiva pela mediação das condições do assalariamento. (IAMAMOTO,
2012, p. 40).
Nesse contexto em que o capitalismo se redesenha buscando saídas com o almejo por
reduções de custos e ampliações das taxas de lucratividade faz com que ocorra a terceirização
dos serviços e consequentemente o engendramento de novas exigências às práticas
78
profissionais, aos processos de formação e organização, fomentando um quadro profissional de
trabalhadores polivalentes, tanto na esfera privada quanto na governamental.
Destarte,
O mercado passa a requerer um trabalhador polivalente, com novas
características técnicas e sócio intelectivas, capaz de atuar em diferentes
funções ou postos de trabalho. Os conceitos de profissão e formação
específica, especializada, tendem a perder funcionalidade e desaparecer. O
trabalhador, além da escassez de emprego, vai enfrentar a obsolescência do
seu saber e a perda de organicidade da sociabilidade produzida no
fordismo/keynesianismo (KUENZER, 2006, apud KOIKE, 2009, p. 4).
É possível verificar com a reestruturação o enxugamento dos postos de trabalho e a
precarização das condições laborais. Nesses termos, vemos a contratação de agentes
profissionais que ingressam no mercado de trabalho como proprietários da sua força de trabalho
especializada, adquiridas a partir de uma formação universitária que o legitima enquanto
trabalhador, dotado de qualificação específica para exercer uma atividade laboral complexa em
termos da divisão social do trabalho. Ademais, além das transformações do âmbito laboral,
tentam moldar um novo trabalhador, apto para viver, pensar e atuar de acordo com o novo
padrão societário, com a finalidade de consolidar a sociabilidade do capitalismo redesenhado.
O capitalismo reatualizado solicita dos profissionais, de acordo com Koike (2009),
[...] perfis socioprofissionais que imprimam novos atributos, idéias e
valores à força de trabalho. Prevalecem atributos comportamentais que
se exprimem na conduta individual, com ênfase na criatividade, no
empreendedorismo, adaptabilidade e capacidade de trabalhar sob tensão ou
crise. Critérios preferenciais de aferição da empregabilidade e da
performance profissional que devem ser adquiridos individualmente como
autoinvestimento e aferidos por mecanismos de controle de qualidade como
os exames de proficiência (idem, p.4).
Entretanto, sua força de trabalho só poderá entrar em ação a partir de meios e
instrumentos de trabalho que, não sendo de propriedade do(a) assistente social, devem ser
fornecidos e colocados à sua disposição pelo empregador da instituição contratante, quais
sejam: recursos materiais, humanos, financeiros, serviços, projetos e de um conjunto de outras
atribuições e competências e afins (RAICHELIS, 2011, p. 425), assim, “a condição assalariada
do exercício profissional pressupõe a mediação do próprio mercado de trabalho”. Ademais,
“normas contratuais condicionam o conteúdo e estabelecem limites e possibilidades às
condições de realização da ação profissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 218-219).
79
Referente ao Anexo II, cabe agora elucidar acerca deste enquanto o Núcleo de
Acompanhamento Processual Cível evidenciando o Setor Social, porta de entrada do órgão e
setor de atuação do Assistente Social.
Núcleo de Acompanhamento Processual Cível
Na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, o Serviço Social se estrutura
a partir da contratação de uma mão de obra terceirizada6, qualificada, que atua diretamente no
Setor Social a partir de um Regimento Interno. O processo de inserção e atuação do Setor Social
na Defensoria encontrou alguns desafios para a sua consolidação, haja vista a ausência de um
parâmetro institucional de abrangência nacional que referenciasse a atuação dos assistentes
sociais no Órgão. Nesse sentido, alguns núcleos, como o anexo II, estabeleceram suas
competências através de Regimentos Internos, Resoluções, ou o próprio plano de trabalho
profissional.
O setor de Serviço Social da Defensoria Pública do Estado do RN, núcleo de
acompanhamento processual cível, teve sua institucionalização no ano de 2012 e é composto
por duas assistentes sociais, uma psicóloga e seis estagiárias; três de serviço social, duas de
direito e uma de psicologia, as quais atuam com o objetivo de humanizar o atendimento prestado
aos assistidos, realizando encaminhamentos, orientando os cidadãos quanto à busca por seus
direitos, como também aqueles que buscam orientações acerca das ações judiciais em
tramitação no Fórum Desembargador Miguel Seabra e, assessorando outros profissionais da
instituição, especialmente os Defensores Públicos.
No que condiz o atendimento humanizado, o assistente social contribui no fomento
deste quando auxilia os assistidos na busca por alternativas para resolver seus conflitos de uma
maneira mais abrangente, levando em consideração sua totalidade. Desse modo, observa-se que
6 De acordo com Druck (2016) a precarização do trabalho se manifesta na realidade da seguinte forma: as formas
de mercantilização da força de trabalho (o mercado de trabalho); 2) os padrões de gestão e organização do trabalho;
3) as condições de (in)segurança e saúde no trabalho; 4) o isolamento e a perda de enraizamento e de vínculos
resultantes da descartabilidade, da desvalorização e da discriminação, afetando decisivamente a solidariedade de
classe; 5) o enfraquecimento da organização sindical e das formas de luta e representação dos trabalhadores; e, por
fim, 6) a ‘crise’ do direito do trabalho motivada pela ofensiva patronal, que questiona a sua tradição e existência,
expressa hoje nos ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a exemplo das 101 propostas de
modernização trabalhista formuladas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ou do projeto de lei nº 4.330,
proposto e defendido pelo empresariado, que libera a terceirização sem limites. A terceirização é um fenômeno
que incorpora e sintetiza essas seis dimensões da precarização social do trabalho no país, pois
invariavelmente ela coincide com posições mais precárias de inserção no mercado de trabalho; apresenta as piores
condições de trabalho e salariais, e os mais altos índices de acidentes de trabalho; contribui decisivamente para
aumentar a heterogeneidade e a fragmentação da classe trabalhadora e para a pulverização dos sindicatos; e está
no centro da disputa do patronato com o Estado regulador, que busca anular a ação das instituições do direito do
trabalho e do seu papel protetivo dos trabalhadores na relação capital-trabalho (idem, 2016, p. 16-17).
80
os trabalhos técnicos realizados devem estar baseados em premissas éticas e
precisam considerar a complexidade da vida desses indivíduos, respeitando-
os como sujeitos de direitos, não reduzindo-os a uma mera medida jurídica,
colaborando, desta forma, para o reencontro de sua dignidade e de sua
cidadania (CHUARI, 2008, p. 139, apud BARROS, 2015, p.71).
Os profissionais do Serviço Social se deparam nos atendimentos com demandas que se
apresentam de maneira individualizada, como os conflitos entre as partes, com litígios, cabendo
ao judiciário, aplicar as leis existentes no sistema estabelecendo as punições cabíveis e
encaminhando soluções para as situações de conflitos.
Nesse momento, os assistentes sociais estão frente ao primeiro desafio de sua atuação,
que é superar a aparência superficial dos fenômenos com os quais se deparam, a qual é dada
primeiramente apenas como uma demanda jurídica, cabendo ao profissional analisar que esta
também está imbuída de conteúdos de cunho social e político, tendo a necessidade de uma
resolutividade que abarque sua totalidade.
Com isso, a partir do seu conhecimento técnico e resolutivo acerca das expressões da
questão social, o(a) assistente social consegue identificar as demandas de essas cunho social
(vulnerabilidade social, violações no acesso ao direito, habitação, desemprego e afins) e
desenvolver ações a fim de resolvê-las a partir das suas intervenções e articulações com os
serviços necessários sem culpabilizar e criminalizar os assistidos.
Setor Social Cível
A DPE/RN, núcleo de acompanhamento cível, anexo II, atua no atendimento de três
(03) tipos de demandas específicas: atendimento/orientação/triagem; defesa e resolução de
diligências.
A porta de entrada do núcleo é o Setor Social, o qual de antemão faz o atendimento e
orientação da demanda que chega trazida pelos(as) usuários(as) até a DPE/RN em busca do
acolhimento jurídico. A orientação, na maior parte dos casos, é o primeiro contato em que o
assistido tem com o acesso à assistência jurídica gratuita.
Nesse momento, o(a) usuário(a) tem a oportunidade de elucidar sua atual situação e
apresentar suas indagações, como também esclarecer dúvidas; fazer o acompanhamento
processual do seu processo através do sistema PJE (caso haja) e ser orientado acerca de seus
encaminhamentos, se for necessário. Se o(a) usuário(a) tiver uma ação já em trâmite mas não
81
está habilitado pela defensoria e queira ser habilitado(a), é feita as orientações cabíveis para
verificar se ele(a) se encaixa no perfil socioeconômico.
Referente ao perfil socioeconômico, o IPEA (2013) evidencia que,
Embora não seja o único indicador de vulnerabilidade social (e legal), o
critério de renda e o limite de três salários-mínimos têm sido os parâmetros
utilizados pelo Ministério da Justiça e pelo PNUD nas edições do Diagnóstico
da Defensoria Pública no Brasil, por serem de fácil aferição com base nos
dados no IBGE. Por isso, a adoção desse corte facilita a comparação e o
diálogo com estudos precedentes. Todavia, deve-se ressaltar que não há
legislação que estabeleça qualquer limite remuneratório, assegurando que
pessoas com renda maior possam utilizar os serviços da Defensoria Pública,
sempre que verificada a necessidade.( p. 36).
Contudo, a DPE/RN atende usuários que auferem, se residirem sozinhos, até dois
salários mínimos. Constituindo núcleo familiar, até um salário mínimo por renda per capita. O
perfil socioeconômico é realizado de forma a verificar se o indivíduo preenche os requisitos
que garantem o acesso a assistência jurídica gratuita, mediante comprovação comprobatória. Se
a renda ultrapassar o limite estipulado pela Defensoria Pública, cabe ao Defensor responsável
pela vara a qual o processo está em trâmite, negar ou não a habilitação do usuário(a).
De acordo com o artigo 4º da Lei Complementar nº 251/2003 do Estado do RN,
considera-se necessitado aquele indivíduo que apresente insuficiência de recursos de tal forma
que não permita-o arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo
de prover o sustento próprio e da sua família, especialmente nos seguintes casos:
I - tenha renda pessoal mensal inferior a dois salários mínimos; II - pertença à entidade familiar cuja média de renda “per capita” ou mensal
não ultrapasse a metade do valor referido no inciso anterior.
Nos casos dos(as) usuários(as) da grande Natal que chegam no Núcleo de
Acompanhamento Processual e almejam dar entrada em propositura de ação judicial, é
verificado o perfil socioeconômico e local onde este reside para encaminhá-lo para o núcleo
responsável, podendo ser a Defensoria Pública do município de Parnamirim; São Gonçalo do
Amarante ou para o 1º atendimento; o encaminhamento ocorrerá de acordo com a localização
de moradia deste usuário(a).
Para a realização do atendimento é necessário realizar o acolhimento; que não é
qualificado em detrimento a alta demanda, para compreender a demanda do usuário. Contudo,
82
antes de realizar tal procedimento, é solicitado pela instituição descrever o atendimento no
programa UNUgestor a fim de quantificar os atendimentos, como também armazenar
informações dos usuários.
Entretanto, tal prática é visualizada criticamente devido ao vínculo empregatício
fragilizado e as correlações de forças em detrimento a hierarquia existente no recinto laboral,
ocasionado pela terceirização e consequentemente subordinação. Os(as) profissionais são
cobrados(as) a quantificar os atendimentos a fim de cumprir uma lógica produtivista do sistema
capitalista, em que devido a isso, em muitas ocasiões, dificulta a realização de um atendimento
mais minucioso e qualificado, como de acordo com o projeto profissional da profissão.
Do outro lado, é visto como uma forma de facilitar os próximos atendimentos daquele
usuário(a), caso ele retorne, armazendo suas informações. Mas o que predomina é a
quantificação com a finalidade de produção de relatórios no final do semestre.
As principais demandas apresentadas no eixo da orientação vão desde
acompanhamento processual (quando o usuário(a) já está habilitado(a) ) até realizações de
declarações para atualização de endereço e justificativas que são solicitadas através de
despachos emitidos no processo pelo Juiz responsável. As declarações são produzidas de acordo
com o que o Juiz solicita concomitante ao relato do usuário(a).
Referente a Defesa, este atendimento consiste em apresentar a impugnação do
assistido(a) acerca dos fatos apresentados no processo pela outra parte através de uma
declaração. O réu poderá negar através deste a ocorrência dos fatos ou, confirmando-os, negar
as consequências jurídicas afirmadas pela parte autora da petição inicial. A impugnação é uma
modalidade de resposta por meio da qual o réu contesta o pedido do autor ou apenas tenta
desvincular para opor ao autor alegações que possam invalidar a relação processual.
Ademais, nesse setor também ocorre a entrada na propositura de Execução de
prestação alimentícia e o seu cumprimento. Esse atendimento também demanda a produção
do perfil socioeconômico, o qual é elaborado e armazenado no programa UNUgestor. Apesar
da realização de montagem da Defesa Processual ser atribuição privativa do profissional
formado em Direito, a equipe do Setor Social, que é composta por assistentes sociais e
psicóloga, realiza a produção da Defesa do usuário.
O setor de diligências é responsável por buscar e apresentar resolutividade as
diligências apresentadas pelos Defensores. Essas diligências são engendradas a partir de
despachos emitidos pelo Juiz ou mediante necessidade do próprio Defensor. As diligências mais
frequentes são: Cadastro de audiências dos defensores no programa UNUgestor; digitalizar
desarquivamentos para fins de cumprimento de sentença ou execução; enviar ofícios para
83
cartórios; fazer postagem desses ofícios diretamente nos Correios; solicitar documentação
comprobatória que está faltando e deve ser acrescida aos autos ao assistido(a); atualização de
endereços, avisar acerca da sentença se foi procedente ao não, para isso entra-se em contato
através de ligações, se não obtiver êxito, envia-se telegrama; como também, digitalizar
documentos solicitados pelos Defensores ou tirar xerox. Como a Defesa, o eixo da Diligência
também não pertence às competências e atribuições profissionais do(a) Assistente Social, uma
vez que a diligência muitas vezes é um ato preparatório de uma investigação.
É possível visualizar os impactos da reestruturação produtiva desse capital de
acumulação flexível nas relações e condições de trabalho do assistente social, enquanto
trabalhador assalariado, no âmbito da Defensoria Pública, a partir do fomento do tecnicismo
em decorrência da demanda alta de atendimentos para uma equipe profissional pequena,
composta por três profissionais, haja vista a cobrança por um atendimento quantitativo da
instituição. Ademais, a ausência de autonomia profissional em detrimento as disputas de
interesses presente no âmbito do sociojurídico, é vista quando a hierarquia institucional do
direito se sobrepõe acima dos outros saberes, entre eles, o saber do Serviço Social.
Além disso, observamos a fragilidade na própria contratação desses profissionais que
é por meio da terceirização.
Mota (2014), disserta acerca das mazelas das terceirizações quando salienta que,
No campo do Serviço Social, as terceirizações, o trabalho por projeto, a
contratação por horas de trabalho etc. podem contribuir para a
desprofissionalização sob o signo da multifuncionalidade e da
multidisciplinaridade, criando verdadeiras subespecializações profissionais,
diante das quais o saber-fazer constitui a antítese do trabalho intelectual e a
negação das diretrizes curriculares do curso de Serviço Social. Sem dúvidas,
esses processos são favorecidos pela expansão do exército de reserva
profissional.
É importante enfatizar ainda o redirecionamento das demandas institucionais para os
estagiários, que, por falta de profissionais no quadro profissional, acabam por absorver as
demandas da instituição e fazendo o papel do assistente social. Verifica-se com essas práticas
um caráter reducionista uma vez que o estudante é utilizado como força de trabalho, se
configurando enquanto um exercício ilegal da profissão, algo que modifica a dimensão
educativa imbuída no processo do estágio em detrimento a lógica capitalista. O estágio
supervisionado curricular não obrigatório, o qual está balizado pela Lei 11.788/2008, se
84
configura no curso de Serviço Social enquanto atividade complementar, de caráter opcional,
com a finalidade de capacitação para o exercício profissional.
Nessa perspectiva, compreende-se que a inserção do Assistente Social; força de trabalho
assalariado, no mercado de trabalho, seja ele no âmbito público ou privado, tem suas relações
de trabalho regulamentadas por um contrato, em que se estabelecem as condições que o trabalho
será desenvolvido, a jornada laborativa, salário e, até mesmo, suas atribuições dentro da
empresa.
Com a reestruturação do capital tem-se a necessidade entre tantas modificações com a
finalidade de enfrentamento de uma crise sistêmica, as transformações no processo de trabalho,
sendo uma exigência do próprio ordenamento das fases desse processo de produção a fim de
realizar e assegurar a mais-valia e sua reprodução. Essas transformações são inerentes a este
processo de reestruturação produtiva das empresas e da intensificação e desregulamentação do
trabalho, algo que dinamiza a perda de direitos e conquistas sociais.
Isso acontece em decorrência a contra reforma de um Estado neoliberal que fomenta a
privatização e prioriza a redução da responsabilidade pública no que condiz necessidades
sociais da grande maioria, abrindo espaços para a mercantilização e o desmonte de direitos
sociais.
De acordo com Fávero (2018), o sociojurídico enquanto espaço sócio- ocupacional dos
assistentes sociais se torna um âmbito propício para o avanço de requisições conservadoras, em
decorrência dos privilégios institucionais que ofertam poder de controle de disciplinamento de
conflitos individuais e sociais através do Estado Burguês, que o legitima, sobretudo na atual
conjuntura “em que a intolerância e a indiferença aos desejos, necessidades humano-sociais e
direitos do outro (pessoas, profissões, instituições, classes sociais) revelam faces extremas,
permeadas de barbárie” (idem, p. 52).
É notável que os processos de reestruturação produtiva atingem diretamente o mercado
de trabalho do assistente social, uma vez que há uma redução de postos governamentais e sua
transferência para os municípios em virtude da descentralização do serviço público. Dessa
forma, há um aumento das subcontratações desses profissionais por meio de empresas de
serviços, direcionando-o para o exercício profissional privado. A ação indireta do Estado na
produção dos serviços públicos e a terceirização dos assistentes sociais é algo recorrente em
nossa contemporaneidade.
É visto nesse cenário atual a criminalização dos pobres e a judicialização de expressões
da questão social que aumentam e acabam dinamizando as práticas de resistência na direção
da afirmação e defesa dos direitos humanos. Sendo assim, vemos a importância no fomento dos
85
debates e reflexões sobre essas requisições conservadoras e práticas de resistência no exercício
do trabalho do assistente social, ainda mais em tempos de intensa precarização e banalização
da formação profissional, como também desmonte dos direitos dos trabalhadores. Essas
requisições conservadoras nos espaços de trabalho do sociojurídico vem se afirmando através
de disposições legislativas e de projetos de lei que retrocedem os direitos conquistados com a
Constituição Federal de 1988.
Conclui-se destacando que a prática profissional exige um profissional qualificado, que
reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que pensar, analisar, pesquisar
e decifrar a realidade, afinal este é um profissional que é chamado para atuar na relação
antagônica e conflituosa entre capital e trabalho, sendo visualizado nas relações sociais um
agravamento das expressões da questão social que necessita de medidas de enfrentamento,
pautado em ética profissional e abandonando qualquer tipo de assistencialismo e filantropia,
afinal para realizar ações caritativas não é necessário curso superior.
Para tanto, compreendendo que o debate deve ser ainda fomentado, viu-se a necessidade
de dissertamos acerca dos princípios do projeto ético-político profissional a fim de ter coesão e
profundidade na pesquisa a partir dessa baliza profissional de cunho político da profissão.
4.2. OS PRINCÍPIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL (PEP) DO
SERVIÇO SOCIAL
Não devemos silenciar ou amenizar a reestruturação dos mecanismos de acumulação
do capital que fornecem um campo fértil para transformações societárias e consequentemente
impulsionam novas manifestações da questão social, refletindo diretamente no fazer
profissional no campo do sociojurídico. Desta forma, é solicitado ao profissional do Serviço
Social constante movimento teórico, primando sempre por uma intervenção que tenha por
embasamento o projeto ético-político da profissão, sendo sua práxis construída por capacidades
e competências que determinem seu processo de trabalho. Ademais, estes não devem esquecer
de alinhar as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, colocando-as
em práticas de um modo indissociável em sua atuação profissional.
O projeto ético-político da profissão teve sua construção iniciada a partir da transição
da década de 1970 a 1980, período marcado no desenvolvimento do Serviço Social brasileiro
quando este atua no enfrentamento do conservadorismo profissional. É neste processo de luta
e criticidade ao cenário da época que a profissão encontra bases para fundamentar um novo
projeto profissional; o projeto ético-político.
86
É claro que a denúncia do conservadorismo do Serviço Social não surgiu
repentinamente – na verdade, desde a segunda metade dos anos sessenta
(quando o Movimento de Reconceituação, que fez estremecer o Serviço Social
na América Latina, deu seus primeiros passos), aquele conservadorismo já era
objeto de problematização. O trânsito dos anos setenta aos oitenta, porém,
situou esta problematização num nível diferente na escala em que coincidiu
com a crise da ditadura brasileira, exercida, desde 1º de abril de 1964, por uma
tecnoburocracia civil sob tutela militar a serviço do grande capital (NETTO,
1999, p. 9).
A ação humana em si é orientada para cumprir objetivos, sendo essa ação individual ou
coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, sempre atuando teleologicamente para
obter seus fins. Esse movimento faz resultar um projeto, que de acordo com Netto (1999), é
exatamente a antecipação ideal da finalidade que se pretende alcançar. Aqui, iremos nos
debruçar exclusivamente a um tipo de projeto coletivo, que o autor designa enquanto projetos
societários.
Netto (1999) elucida que os projetos societários são projetos que apresentam uma
imagem da sociedade a ser moldada e se traduzem enquanto projetos coletivos. Em nossa
sociedade, se traduzem simultaneamente em projetos de classes, “ainda que refratem mais ou
menos fortemente determinações de outra natureza (culturais, de gênero, étnicas etc.)” (idem.
p.2). Com isso, Teixeira e Braz enfatizam que “os projetos societários estão presentes na
dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive em nosso projeto ético-político” (2009,p. 5).
Nos projetos societários tem-se uma dimensão política que envolve relações de poder.
Tendo em seu núcleo a estigma da classe social cujo interesses sociais respondem, os projetos
societários formam estruturas flexíveis que transformam-se de acordo com as conjunturas
políticas e históricas, se adaptando sempre às novas demandas. Desse modo, “num contexto
ditatorial, a vontade política da classe social que exerce o poder político vale-se, para a
implementação do seu projeto societário, de mecanismos e dispositivos especialmente
coercitivos e repressivos” (Netto, 1999. p. 3).
Ademais, o processo histórico também apresentou que, no sistema de produção vigente,
em detrimento a razões econômico-sociais e culturais, mesmo num estágio de democracia, os
projetos societários que atuam em favor aos interesses das classes subalternas, sempre dispõem
de fatores menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes que detêm os meios de
produção e são politicamente dominantes.
De acordo com o autor, os projetos profissionais, que abarca inclusive o projeto ético-
político do Serviço Social, se mostram enquanto a auto-imagem de uma profissão, uma vez que,
87
elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos
e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu
exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem
as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões
e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a
que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (NETTO, 1999, p. 4).
Os seguintes projetos são formulados por um sujeito coletivo profissional, que não inclui
apenas os profissionais “de campo” ou “da prática”, mas devendo ser pensado como o conjunto
dos membros que darão a efetividade à profissão. O autor salienta que é a partir dessa
organização que envolve profissionais, as instituições que os formam, estudantes da área,
professores, os pesquisadores e até mesmo os organismos corporativos, que um corpo
profissional consegue construir o seu projeto.
Quando discutimos tal organização envolto ao Serviço Social no Brasil, compreende-se
o sistema CFESS/CRESS, a ABEPSS, a ENESSO e, os sindicatos como também as outras
associações de assistentes sociais. Ademais, Netto evidencia que a partir da experiência sócio-
profissional comprovou-se que para um projeto profissional ter solidez na sociedade é
necessário que a profissão em si tenha em sua base um corpo profissional consolidado e
organizado.
Toda prática profissional, numa sociedade de classes, é versada por uma dimensão
política, logo, subentende-se que o projeto profissional é também um projeto político.
Esse projeto profissional por sua vez conecta‐ se a um determinado
projeto societário cujo eixo central vincula‐ se aos rumos da sociedade
como um todo – é a disputa entre projetos societários que determina,
em última instância, a transformação ou a perpetuação de uma dada ordem
social (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 5).
Os projetos societários podem ser de cunho transformadores ou conservadores. Entre os
transformadores, existem algumas posições que visam estratégias a fim de obter transformações
sociais no meio que é desenvolvido. O projeto ético-político do Serviço Social brasileiro está
vinculado a um projeto de transformação da sociedade, tendo essa vinculação exigida pela
dimensão política da intervenção profissional. A atuação do assistente social é desenvolvida
numa maré recheada de contradições, algo que acaba por direcionar as ações profissionais,
favorecendo a um ou outro projeto societário.
As demandas que chegam até esses profissionais se apresentam versadas por um caráter
mistificador, uma vez que nem sempre transparecem seus reais determinantes e as questões
sociais que estão envoltas. Desse modo, essas demandas devem ser processadas teoricamente.
88
Por diversas vezes, tendo consciência ou não, os profissionais desenvolvem intervenções no
seu cotidiano profissional favorecendo interesses sociais mesclados de contradição, algo que
fomenta interesses distintos.
O sujeito coletivo que constrói o projeto profissional é um indivíduo heterogêneo, tendo
sua origem, expectativas sociais, condições intelectuais, ideologias e afins distintas. A categoria
profissional é composta por seres diferentes, algo que possibilita uma unidade não-homogênea,
com projetos individuais e societários diversos, configurando um espaço plural propício ao
surgimento de projetos distintos. Sendo assim, a categoria profissional se mostra enquanto um
campo composto por tensões e de lutas, não suprimindo as contradições apesar da consolidação
de um projeto profissional.
Por isso, deve-se compreender que o pluralismo está imbricado na consolidação desse
projeto político, fazendo parte do seu corpo e deve ser respeitado. Entretanto, a consciência de
tal fato não poderá abrir brechas para uma prática imbuída com uma tolerância liberal. Ao
contrário, devemos utilizar o terreno fértil do pluralismo para um verdadeiro debate de ideias
(NETTO, 1999).
Os(as) assistentes sociais buscam imprimir uma determinada direção social, com a
finalidade de atender os múltiplos interesses sociais da sociedade, sendo eles de cunho político,
ideológico, econômico e afins. Nesse processo, vai se afirmando valores, diretrizes
profissionais, que ao assumirem dimensões coletivas, passam a representar uma parcela
significativa da profissão, absorvendo a condição de projeto profissional. Essa identidade
coletiva que o projeto profissional engendra, eclode em meios as contradições de classes que
determinam o próprio Serviço Social. Desse modo, ele só pode ser pensado a partir de algo
maior, como o projeto societário (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 4).
Netto (1999) explicita que o projeto ético-político da profissão tem o compromisso com,
[...] o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida
historicamente, como possibilidade de escolha entre alternativas concretas;
daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos sociais. Conseqüentemente, este projeto profissional se vincula a
um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem
exploração/dominação de classe, etnia e gênero (NETTO, 1999, p. 15).
O projeto articula os seguintes elementos constitutivos, quais sejam: “uma imagem ideal
da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos
teóricos, saberes interventivos, normas, práticas, etc” (idem, p.7). Esta articulação é complexa
89
e necessita de aprofundamento , exigindo recursos político-organizativos, processos de debate
e elaboração, como também investigações teórico-práticas e formas de intervenção.
Teixeira e Braz (2009) elucidam que esses elementos constitutivos têm em sua base os
componentes que lhe dão materialidade e são construídos pelos assistentes sociais, sendo elas;
a produção de conhecimentos no interior do Serviço Social, onde se apresenta os processos
reflexivos do fazer profissional; as instâncias político-organizativas da profissão, que envolve
a construção coletivas de conhecimentos a partir das entidades como o conjunto
CFESS/CRESS, a ABEPSS, ENESSO, além do movimento estudantil e afins; e por fim, a
dimensão jurídico-política da profissão, onde temos a junção legal e institucional da profissão,
aglomerando leis, resoluções, documentos e textos políticos.
De acordo com os autores, há nessa dimensão duas esferas distintas, quais sejam: um
aparato jurídico-político estritamente profissional, em que existe determinados componentes
construídos e legitimados pela profissão, tais como: o Código de Ética Profissional, a Lei de
Regulamentação da Profissão (Lei 86662/93) e as Diretrizes Curriculares; e, um aparato
jurídico mais abrangente, enfatizando o conjunto de leis (a legislação social) presente na
Constituição de 1988, como também a LOS, LOAS e no ECA. É a partir desses componentes
que se materializam os elementos constitutivos do projeto ético-político da profissão.
Na atualidade com o engendramento de novas instituições que atuam na defesa de
direitos difusos e coletivos, como a Defensoria Pública, abriu-se novos lugares de atuação para
o Serviço Social. Os debates que cercam o lócus do jurídico, ganha, nos tempos hodiernos,
solidez na concretização da dimensões do Serviço Social na medida em que se efetua
significativa intervenção no cotidiano das instituições onde atuam os Assistentes Sociais. Esse
processo tem demandado sua problematização no cerne da representação da categoria, uma vez
que vem ocorrendo interferência no cotidiano profissional dos espaços sócio-ocupacionais, mas
também pela expressa impositividade do “jurídico” que circunda as demandas que são inerentes
ao sociojuridico. (CFESS/CRESS,2014).
Esse movimento interfere também na própria elaboração de instrumentais privativos da
ação profissional.
[...] Tal faticidade permite, ainda, uma singular interferência na elaboração
dos instrumentos privativos da ação profissional, determinando também, um
desafio à efetivação do Projeto Ético Político do Serviço Social, ao
cumprimento de seu Código de Ética e às resoluções do CFESS, destacando-
se a Resolução 493/2006 (que versa sobre as condições éticas e técnicas do
exercício profissional) (CFESS/CRESS, 2014, p. 10)
90
Os tempos hodiernos se apresentam enquanto momento para dar continuidade ao
processo de consolidação do projeto ético-político, mas também se mostra imbuído de ameaças,
haja vista o cenário revestido por políticas neoliberais que perpassam o seio da categoria
profissional. Entretanto, não é apenas o meio que prejudica a atuação profissional, mas o
próprio modo fatalista de pensar que não há soluções para superação da ordem do capital.
Como já explanado anteriormente, a ofensiva do capital, a partir da reestruturação
produtiva, fomentou a precarização do trabalho e o desemprego estrutural, respingando
negativamente tanto na atuação do Serviço Social, como nos usuários das políticas. Tal
processo ocorreu fortemente no Brasil em meados dos anos 1990, exatamente na década de
consolidação do projeto ético-político.
De acordo com Teixeira e Braz (2009), esse processo se deu por duas razões:
primeiro, o processo de renovação do Serviço Social brasileiro, que se abriu
na virada do as anos 1970 para os anos 1980, teve prosseguimento nos meios
profissionais - recorde-se que a profissão consolida seus avanços teóricos (a
produção de conhecimentos), intensifica sua organização política (tocada pelo
conjunto CFESS/CRESS e pela ABEPSS) e a reformula e atualiza seus
estatutos legais (a dimensão jurídico- política da profissão expressa na nova
Lei de Regulamentação Profissional e no novo Código de ética, ambos de
1993); segundo, porque foi justamente na virada da década de 1980 para a de
1990 que os movimentos sociais das classes trabalhadoras brasileiras, ainda
que resistindo à ofensiva do capital e valendo-se dos avanços da década
anterior, conseguiram galgar níveis de organização e de mobilização que
envolveram amplos segmentos da sociedade, inclusive os assistentes sociais
(idem, p. 15-16).
A perspectiva ético-política adotada então pelo Serviço Social passou a apontar para a
construção de uma nova sociabilidade, diferente ao modo de produção e reprodução capitalista,
sendo pautada fundamentalmente na justiça social, na liberdade e na emancipação humana.
Com isso, as diretrizes norteadores do projeto ético-político, de acordo com Iamamoto (2000),
se desdobram no Código de ética Profissional de 1993, na Lei que regulamenta a profissão de
Serviço Social e nas Diretrizes Curriculares.
Nota-se que os três pilares que fundamentam o PEPSS demanda dos profissionais uma
prática competente e ética, visando a conscientização das massas. Constitui-se então, um
profissional consciente da importância da prática informativa, questionadora e argumentativa,
que trabalha na perspectiva de intervir na realidade dos indivíduos.
91
Guerra (2007) alerta que a ausência de um projeto profissional crítico que almeja
quebrar seus vínculos com as práticas profissionais de caráter tradicionalista, limita as
possibilidades de diferenciação entre o próprio exercício profissional e as práticas filantrópicas.
Mediante o que foi evidenciado, ressalta-se que a finalidade do projeto ético-político se
traduz numa formação que seja alicerçada numa teoria social crítica, rompendo com a
identidade conservadora e com a ideia da neutralidade. O projeto molda uma nova atuação
profissional pautada em construir uma nova sociabilidade, sem que haja discriminação de
qualquer espécie; um profissional comprometido com os valores humanos, assegurando e
reafirmando seus direitos a partir de uma intervenção profissional de qualidade, respaldada
pelas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
Logo, torna-se significativo apresentar os desafios de execução desse projeto ético-
político, como também as possibilidades de atuação no espaço da Defensoria Pública na atual
conjuntura de sucateamentos dos direitos sociais e de uma prática profissional fragmentada
devido ao vínculo trabalhista fragilizado.
4.3 OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO
SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA NA ATUAL CONJUNTURA
É sabido que o Serviço Social está imerso em meio às relações contraditórias e
conflituosas entre o Estado e a sociedade civil, das quais surgem os limites, desafios e as
possibilidades de atuação profissional, a partir dos atendimentos individuais e o trabalho
coletivo realizado. Com a criação e expansão das instituições sociais surgem os mais variados
espaços de atuação do assistente social, momento do qual o Serviço Social passa a emergir
enquanto profissão tendo como objetivo central intervir no enfrentamento da questão social e
suas expressões.
O Estado e suas instituições que constroem o Poder Judiciário, o Poder Executivo e o
Legislativo, como já evidenciado, passam a ter um papel decisivo na regulação das relações
sociais antagônicas que são inerentes ao modo de produção capitalista.
Somado a isto, Iamamoto (2007) ressalta que:
É então, nesse complexo de determinações, em cujo centro opera a mediação
do Estado capturado pelo capitalismo monopolista, que se localiza a gênese e
o significado do Serviço Social como uma profissão que — inscrita na divisão
social e técnica do trabalho, e tendo como "matéria-prima" as expressões da
questão social —, se integra "ao processo de criação das condições
indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho e à extração da
92
mais-valia", embora não participe diretamente da produção de mercadorias e
do valor (Iamamoto, 2007, p. 256).
A profissão construiu ao longo dos anos um projeto profissional que a coloca em uma
perspectiva de resistência à exploração do capital, o qual tem potencial teórico para capacitar o
corpo profissional para desempenhar intervenções qualificadas nos diversos campos de atuação,
possibilitando que haja a articulação com os demais serviços, na busca de assegurar os direitos
como também na construção de outra ordem societária.
O projeto ético-político dá embasamento para um exercício profissional ético a partir
das suas referências técnicas, teóricas e políticas, o qual está permeado por uma fundamentação
crítica, embasado na perspectiva ontológica de análise da realidade social dos indivíduos,
compreendendo que a burguesia engendra limites intransponíveis para se alcançar a verdadeira
emancipação dos ser social.
Contudo, existe na estrutura desse projeto profissional o reconhecimento de que as lutas
suscitadas ao longo dos anos reivindicando direitos e a democratização das formas de exercício
do poder político têm “considerável potencial para a resistência à barbarização imposta pelo
capitalismo em sua fase atual, bem como podem contribuir para o avanço de propostas coletivas
que busquem uma nova organização societária” (BORGIANNI, 2013, p. 430).
A reestruturação produtiva do capital provocou mudanças qualitativas na organização,
gestão da força de trabalho e nas relações de classes, interferindo diretamente na atuação
profissional dos assistentes sociais. Nesse período de intensas transformações societárias,
podemos visualizar seus impactos no Serviço Social com a precarização do trabalho.
A aprovação da Constituição Federal de 1988 coincidiu com o início da implantação
das políticas neoliberais, para a qual a expansão da terceirização é um marco importante: os
programas de privatização de empresas e de serviços públicos criados nos anos 1990 e a reforma
do Estado iniciada em 1995, com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado.
Conforme Iamamoto (2007, p. 214), a condição assalariada que se insere o profissional
do Serviço Social no efetivo exercício, mediada pelas demandas e requisições do mercado
trabalho, aglomera tensões entre o direcionamento ético-político que a profissão pretende
imprimir no seu espaço laboral e as determinações do trabalho abstrato, intrínseca ao trabalho
capitalista. A condição de trabalho assalariado pressupõe a mediação do mercado de trabalho,
sendo assim, as exigências suscitadas pelos empregadores materializam demandas, estabelecem
funções e atribuições, como também aplicam regulamentações específicas daquele recinto
laboral a serem executadas.
93
Ademais, normas contratuais condicionam o conteúdo e estabelecem limites e as
possibilidades às condições de realização da atuação profissional. Sendo assim, o espaço de
trabalho se configura num campo versado de tensões que exige desses profissionais profundas
investigações a fim de apreender o significado das determinações do trabalho alienado na
particularidade do Serviço Social.
Ceolin (2014) ressalta que as manifestações de precarização do trabalho são convertidas
em objeto de intervenção profissional e consequentemente em condições de trabalho do
assistente social, enquanto trabalhador assalariado, se resumindo em expressões da condição de
precariedade do trabalho em tempos de crise estrutural do capital.
Borgianni (2013) salienta que o Serviço Social por estar inserido e por ser fruto das
relações entre o capital e o trabalho e, participar auxiliando o Estado e a sociedade a dar
respostas aos antagonismos de classes, a profissão adquire consequentemente um caráter
contraditório.
Como as classes sociais só existem em relação, pela mútua mediação entre
elas, a atuação do assistente social é necessariamente polarizada pelos
interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma
posição dominante. Reproduz, também, pela mesma atividade, interesses
contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital
como as do trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo, pela mediação de
seu posto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como,
ao mesmo tempo e pela mesma atividade, de respostas a necessidades de
sobrevivência da classe trabalhadora e de reprodução dos antagonismos desses
interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel da
história. A partir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia
profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho, mas
não se pode excluí-los do contexto da prática profissional, visto que as classes
só existem inter-relacionadas. É isso inclusive que viabiliza a possibilidade do
profissional colocar-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras.
(IAMAMOTO e CARVALHO, 2014, p. 75).
A afirmação aqui abordada acerca do caráter contraditório do exercício profissional se
traduz enquanto a contribuição de maior a compreensão dos reais desafios que estão diante dos
profissionais em suas práticas cotidianas, uma vez que, a atuação profissional pode tanto
favorecer os interesses do capital quanto ao trabalho, “pode reforçar iniciativas conservadoras,
porque coladas à imediaticidade das relações alienadas, ou buscar resistir e romper com as
formas autoritárias, desumanizadas e antidemocráticas que brotam continuamente do solo
burguês” (BORGIANNI, 2013, p. 433). Vemos a partir disso, a importância de uma ação
profissional embasada por um projeto profissional coletivo.
94
Os desafios que circundam a atuação profissional dos(as) assistentes sociais no âmbito
da Defensoria Pública se traduzem, a começar, pelo vínculo trabalhista fragilizado dos(as)
profissionais. A contratação é feita mediante a terceirização dos serviços, precarizando o fazer
profissional do Serviço Social na instituição uma vez que visualiza-se o engessamento da sua
atuação. Tal feito ocorre sob a justificativa de redução de gastos com a contratação da força de
trabalho qualificada, se caracterizando enquanto forma de dominação da empresa na medida
que cria uma divisão entre os trabalhadores, diferenciando-os entre os efetivos e os
terceirizados, tendo em vista que estes podem se submeter a qualquer condição de atividade
laboral.
Druck (2013) ressalta que a terceirização se caracteriza enquanto a principal forma de
flexibilização e precarização do trabalho, assumindo novos contornos em detrimento dos
processos históricos marcados por distintos padrões de desenvolvimento e pelas lutas e avanços
dos trabalhadores. A partir da mundialização do capital a precarização do trabalho tornou-se
um fenômeno central se generalizando por toda parte com o viés de domínio econômico,
político e cultural.
Destarte,
O conteúdo dessa (nova) precarização é dado pela condição de instabilidade,
insegurança, fragmentação dos coletivos de trabalhadores e brutal
concorrência entre eles. Uma precarização que atinge a todos
indiscriminadamente e cujas formas de manifestação diferem em grau e
intensidade, mas tem como unidade o sentido de ser ou estar precário numa
condição não mais provisória, mas permanente (DRUCK, 2013, p. 56).
Os novos contornos suscitam o enfraquecimento e degradação da resistência
profissional, reforçando a ideia de uma inexorabilidade da fatalidade econômica. Concomitante
a isso, surgem novos sujeitos e formas de enfrentamento dessa precarização social. A autora
enfatiza que a precarização do trabalho esteve fortemente presente desde a transição do trabalho
escravo para o trabalho assalariado, hoje, é evidenciado um novo cenário e uma nova
precarização social do trabalho no Brasil. Dessa forma, a terceirização dos serviços públicos
tornou-se um mecanismo que opera “a cisão entre o serviço e o direito, pois o que preside o
trabalho não é a lógica pública, obscurecendo-se a responsabilidade do Estado perante seus
cidadãos, comprimindo ainda mais as possibilidades de inscrever as ações públicas no campo
do direito” (Raichelis, 2010, p. 9).
Outro ponto que se mostra enquanto desafio é a estrutura física do órgão que não
disponibiliza um espaço específico para a atuação do Serviço Social, rompendo com o sigilo
95
profissional, tendo em vista que o acolhimento é feito em guichês dentro de um único
compartimento.
O quadro de profissionais reduzido em consonância a uma demanda alta de
atendimentos, de acordo com os relatórios mensais, é outro ponto a ser ressaltado porque
dificulta realizar um atendimento completo, um acolhimento e escuta qualificada.
Ademais, observou uma ausência de uma prática profissional arraigada por criticidade,
aprofundamento e análise da totalidade, com o uso indissociável das dimensões teórico-
metodológico, ético-política, técnico-operativa a fim de compreender que o espaço sócio
ocupacional é recheado de contradições que perpassam o Direito. O que verificou-se foi uma
atuação técnica diante das expressões da questão social atendendo exclusivamente as demandas
jurídicas e administrativas.
Com isso, perdendo de vista, nesse cotidiano que tende a reiterar a aparência reificada
da processualidade societária, as contradições presentes na área sociojurídica, que surgem e se
renovam reiteradamente a partir das relações tensas entre as determinações próprias da
sociedade e o buscar da “justiça” (BORGIANNI, 2013, p. 435).
Todo esse processo fragilizado de atuação profissional, com a ausência de criticidade,
engendra tanto práticas conservadoras e engessadas, como também o exercício ilegal da
profissão a partir dos estagiários, que absorvem para si demandas e atribuições que são
competência (ou não) do Assistente Social.
A Política Nacional de Estágio (PNE) da ABEPSS elucida que esse caráter reducionista,
impulsionado pela lógica capitalista, utiliza o estudante como força de trabalho desfigurando a
dimensão educativa da atividade. Com isso, tal prática rebate diretamente no processo de
formação profissional e engendra novos e constantes desafios para a categoria. Dessa forma, o
estágio supervisionado se constitui “num desses desafios e requer um esforço coletivo dos seus
sujeitos para que, quer obrigatório ou não-obrigatório, seja efetivamente um espaço de
formação profissional, uma arena permanente de construção de novos saberes” (idem, p. 18).
Além disso, alargando o debate, o desafio nesse espaço de atuação se apresenta também
com a crescente criminalização da pobreza e a judicialização das expressões da questão social.
Tais determinações se materializam quando o profissional assume para si demandas e práticas
institucionais sem questioná-las, apenas reproduzindo respostas fiscalizadoras dos
comportamentos, e criminalizadora dos sujeitos que são alvos de ações judiciais, passando a
não se ver, eles mesmos, enquanto trabalhadores. De acordo com Borgianni (2013, p. 437) a
armadilha imposta ao Serviço Social está presente no fato do assistente social ir se tornando
96
prisioneiro do possibilismo mais ordinário, uma vez que é guiado pela premissa de que “se só
é possível fazer isso, então vamos fazer”.
Assim, a justiça ou o universo jurídico atuarão sempre no sentido de restituir a ordem
das coisas, uma ordem produtora e reprodutora de desigualdades. Desse modo, “tendo em vista
que o exercício profissional ocorre no seio do Estado burguês, as políticas sociais são
desenhadas para viabilizar direitos de modo a manter o status quo” (LACERDA, 2014, p. 25)
cabe aos profissionais, comprometidos com os valores éticos e políticos da profissão, balizados
por um projeto ético-político, atuarem no sentido da resistência e oposição, utilizando
mediações a fim de modificar a ordem das coisas.
Nessa direção, visualiza-se enquanto possibilidades o enfrentamento das questões de
ordem ética e política com coerência e respaldo teórico, alinhados a democracia e a justiça
social. Diantes das diversas expressões concretas da questão social que se manifestam
cotidianamente na atuação profissional dos assistentes sociais, compreende-se que este não
pode intervir isoladamente, mas a partir de uma ação profissional coletiva. Mas cabe a ele,
assumir a dimensão investigativa da profissão, analisando as demandas em sua totalidade.
Ademais, diante da complexidade das experiências de vida dos assistidos a intervenção
profissional competente deve abarcar as dimensões teórico-metodológica, ético-política e
técnica, a fim de contribuir na viabilização dos direitos. Isso exige que os profissionais não
atuem de maneira ingênua diante das mazelas da questão social, tampouco messiânico ou
fatalista frente a barbárie vivida pelos sujeitos e suas condições precárias de trabalho.
O enfrentamento das requisições conservadores no espaço do sociojurídico deve ser
alicerçada a partir de princípios que sejam compromissados com a defesa intransigente dos
direitos humanos (numa perspectiva emancipatória) exigindo do assistente social ir além dos
ritos processuais, somando ao seu fazer profissional ações interdisciplinares e em rede e ações
coletivas no campo da luta política, como também construir uma ponte entre a instituição e o
usuário a fim de fortalecer a participação social.
Fávero (2018) aponta que mais do que nunca se faz necessário tecer estratégias para não
se deixar levantar apenas a bandeira, mas efetivar ações com qualidade profissional e política
contra os rebatimentos da crise estrutural do capital e contra a banalização da vida humana.
Frisa-se também como possibilidades o importante fortalecimento dos espaços de pesquisas
científicas na academia e sua junção entre os diversos segmentos da categoria profissional
inseridos no mercado de trabalho, a fim de romper com o isolamento acadêmico.
Destarte, Mota (2014) salienta que
97
É preciso apanhar criticamente a imediaticidade dos fenômenos, identificando
as determinações subjacentes às demandas, desconstruindo-as e promovendo
a produção de conhecimentos e de referências que balizem a intervenção
profissional. Só com o fortalecimento da articulação entre o espaço acadêmico
e o profissional, preservando os limites e possibilidades de ambos, é que os
problemas cotidianos vividos pelos profissionais nas instituições podem
redundar em ricas temáticas de investigação e pesquisa e retornar à formação
e ao exercício profissionais, superando o cotidiano caótico e reificado dos
espaços ocupacionais. Essa é uma condição ineliminável e que põe em relevo
a necessidade de articular atividades técnicas com a sólida formação teórica
(idem, 2014, p. 703).
Sendo assim, impõem-se aos assistentes sociais a problematização da judicialização das
expressões da questão social, como também a superação da aparência dos fenômenos como
apenas meras demandas jurídicas, incorporando à sua resolutividade o caráter político e social
na dimensão da atuação profissional, compreendendo que o sociojurídico é um campo
contraditório mas fecundo de possibilidades.
98
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia se propôs a analisar os fatores determinantes que impactam na
atuação do(a) assistente social na Defensoria Pública de Natal, um espaço caracterizado pela
defesa de direitos, em um contexto marcado pela crise contemporânea do capitalismo. Como
também, compreender seus rebatimentos ao mundo trabalhista com a consequente precarização
das condições e relações de trabalho que perpassam o cotidiano da intervenção profissional.
As indagações que deram passo inicial para construção desta pesquisa se deu através da
minha inserção na qualidade de estagiária do Setor Social Cível da DPE/RN, anexo II, no
período compreendido entre 2017 a 2019.
Para cumprir o objetivo geral evidenciamos que a partir da crise estrutural do capital
engendrou-se um processo de reestruturação capitalista que atingiu as mais diversas instâncias
do ser social. Esse processo de reestruturação configurou-se tão somente enquanto um elemento
compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e de manipulação do
trabalho vivo que teve sua gênese com o fordismo-taylorismo e, da necessidade expressa de ter
controle sobre as lutas sociais oriundas do trabalho que se iniciou a partir do processo de
reorganização das suas formas de dominação social.
Tendo por fundamento o neoliberalismo, esta reestruturação se caracterizou enquanto
uma ofensiva ao mundo do trabalho, precarizando as relações laborais e intervenções dos
profissionais.
Concomitante a isso, nota-se o rebatimento desta crise materializada na precarização do
trabalho na Defensoria Pública do Estado do RN, Anexo II, a começar pela equipe profissional,
que conta com poucos profissionais para atender uma demanda que se faz crescente,
sobrecarregando tanto a equipe como também os estagiários que absorvem as atribuições para
si. Além do vínculo trabalhista fragilizado, com a ausência de concursos públicos para a área.
Os desafios são visualizados na tentativa de materializar os princípios evidenciados no
Código Ética, a fim de prestar um atendimento em sua totalidade e assegurando direitos, sem a
criminalização do sujeito ou enxergar apenas uma partícula da expressão social, com o objetivo
de ir além da imediaticidade.
Nesse sentido, apesar da Defensoria Pública ser a materialização do acesso à justiça
assegurada pela Constituição de 1988 aos pauperizados, não podemos ocultar a precarização da
atuação dos profissionais do Serviço Social dentro da instituição, que trabalham em desvio de
função e não possuem condições materiais para garantir o sigilo profissional e um atendimento
contínuo ao assistido.
99
O jurídico se apresenta na sociedade imerso nas contradições apresentadas pela
sociedade, se originando para dar respostas aos conflitos sociais engendrados a partir da divisão
social do trabalho. Esse complexo jurídico se legitima enquanto força política das classes
dominantes, partindo do pressuposto da realização do bem comum e da justiça social. Destarte,
o direito enquanto forma ideológica de dominação, se apresenta na sociedade enquanto um
complexo social e a Defensoria Pública está imersa também nesse processo de contradição e
dominação.
As relações dentro dos espaços que abarcam o jurídico e consequentemente o
sociojurídico se mostram com condutas autoritárias frente aos outros profissionais, se
configurando enquanto uma hierarquia institucional do direito que tenta se sobrepor acima de
todos os saberes, entre eles, o saber do próprio Serviço Social. Um espaço que deveria ser
democrático se apresenta na contemporaneidade, devido às relações frágeis de trabalho,
enquanto violador de direitos dos próprios trabalhadores da instituição com seu viés
conservador e que apresenta no seu corpo a judicialização da pobreza, traços já conhecidos do
Direito e do sistema de produção vigente, o capitalismo.
As possibilidades que visualizamos é exatamente a qualificação profissional e a
efetivação de concursos públicos, como também uma atuação pautada por um direcionamento
ético, que não naturalize as demandas recheadas pelas expressões da questão social, associada
às dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa de maneira indissociável,
a fim de fundamentar suas intervenções e apresentar aos Defensores práticas embasadas de
criticidade.
Apesar dos limites construídos frente a atuação profissional, devemos considerar o
âmbito jurídico enquanto espaço fecundo para intervenções do Serviço Social com a finalidade
de assegurar direitos e desmistificar as expressões da questão social que chegam mascaradas
apenas como demandas jurídicas, cabendo ao assistente social, esmiuçá-las e intervir na
realidade em sua totalidade, sem discriminar quem é autor ou réu, e sim sujeitos passíveis de
direitos.
O estudo proporcionou um rico debate acerca da constituição do sistema judiciário e
consequentemente a inserção e atuação do Serviço Social nos espaços, agora, denominados
como sociojurídicos.
Ressalta-se a importância da continuação da pauta levantada ao decorrer da pesquisa,
tendo em vista que esse ainda se constitui enquanto um assunto e espaço novo dentro do Serviço
Social, com poucos materiais elaborados, permitindo assim abarcar toda complexidade que
envolve o sistema jurídico e a atuação do Serviço Social.
100
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