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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
ANA PAULA RIBEIRO FERNANDES
GILMARA CATARINE DANTAS COSTA
ENTRELAÇANDO MEMÓRIAS:
A POÉTICA DO TECER NA INSTALAÇÃO ARTÍSTICA
NATAL
2016
ANA PAULA RIBEIRO FERNANDES
GILMARA CATARINE DANTAS COSTA
ENTRELAÇANDO MEMÓRIAS:
A POÉTICA DO TECER NA INSTALAÇÃO ARTÍSTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito para a obtenção do título de
Licenciadas em Artes Visuais.
Orientadora: Profª Drª Laís Guaraldo
NATAL
2016
ANA PAULA RIBEIRO FERNANDES
GILMARA CATARINE DANTAS COSTA
ENTRELAÇANDO MEMÓRIAS:
A POÉTICA DO TECER NA INSTALAÇÃO ARTÍSTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito para a obtenção do título de
Licenciadas em Artes Visuais.
Orientadora: Profª Drª Laís Guaraldo
Natal, ____de junho de 2016.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Orientadora: Profª Drª Laís Guaraldo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal-RN
________________________________________________________________
Examinador (a): Profª Drª Maria Helena Braga e Vaz da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal-RN
_________________________________________________________________
Examinador (a): Prof. Artur Luiz de Souza Maciel
Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da
Paraíba e Universidade Federal de Pernambuco PPGAV- UFPB/UFPE
NATAL
2016
Aos nossos pais. Seus incentivos aos estudos nos
ensinaram que o conhecimento é a maior riqueza
conquistada na vida.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus, pois sem ele nada disso teria sido possível.
Agradecemos também aos nossos familiares (Gilberto, Da Guia, Samara, Lívia, Maxwell,
Paulino, Elineusa, Joseja, Djalma), que com amor e carinho nos ajudaram neste caminho
árduo e longo, nunca deixando de acreditar em nossa capacidade. Sem eles o percurso seria
mais difícil.
Nossos sinceros agradecimentos a nossa orientadora Profª Drª Laís Guaraldo, que
mesmo sem nos conhecer acreditou em nosso trabalho. Obrigada pela força, dedicação,
ensinamentos, paciência e acima de tudo pelo carinho que nos dedicou durante esse longo
processo, marcado por alegrias, realizações e aprendizados, mas também por dificuldades,
superadas com seu auxílio.
Agradecemos aos nossos muitos professores que nos acompanharam no período da
graduação, e que de alguma forma contribuíram para o nosso aprendizado e para a
realização deste trabalho. Em especial ao Prof. Artur Luiz de Souza Maciel, que de certa
forma foi o responsável pelo nosso insight inspirador; à Profª Drª Maria Helena Braga e
Vaz da Costa, pela paciência e compreensão; e ao Prof. Dr. Vicente Vitoriano, por nos
proporcionar nossa primeira experiência com a produção artística na Universidade e dar os
primeiros direcionamentos para nosso projeto de pesquisa.
As mulheres da Associação Comunitária do Bem Estar da Mulher (ASCOBEM),
membros importantes deste trabalho, agradecemos por terem aceitado participar conosco
da construção da instalação, por nos contar suas histórias, por realizar as reproduções de
peças em crochê, elementos indispensáveis em nossa obra, e principalmente por nos
receber sempre com um sorriso no rosto. Sem elas a instalação não teria acontecido.
Os caminhos e escolha que nos trouxeram até aqui foram guiados por conversas e
experiências vivenciadas com nossos colegas de curso. Em especial aos amigos José
Walter, Josivaldo, Júlio, Andreza, Cristiane, Ednalva, Elisama, Estrela, Fabrícia e Valeska,
agradecemos pelos conselhos, paciência e pelo companheirismo durante todo esse
processo.
Muito Obrigada!
RESUMO
Este trabalho consiste em um memorial descritivo do processo de criação de uma
instalação artística, realizada em conjunto com um grupo de mulheres da Associação
Comunitária do Bem Estar da Mulher (ASCOBEM). Teve como objetivo produzir uma
instalação utilizando crochê como recurso para tecer memórias afetivas, pretendendo,
dessa forma, construir uma relação poética entre a atividade do tecer e a memória contida
em peças de enxovais de casamento e nascimento. Para tanto, foram feitas intervenções
com as mulheres da ASCOBEM através de entrevistas estruturadas e semiestruturadas,
fotografias de seus trabalhos e construções, em conjunto, das peças que constituíram a
Instalação. Tendo como base teórica as ideias de Maurice Halbwachs sobre memória
coletiva, Fernanda Junqueira e Elaine Tedesco sobre Instalação, Cecília Salles com o
processo criativo e Fayga Ostrower acerca de composição, fizemos uma relação entre
teoria e prática. Ao evidenciar as idas e vindas durante todo o processo criativo,
percebemos que este é de fundamental importância na produção artística, pois o caráter
dialético entre ideias e testagens faz o artista caminhar na busca das melhores escolhas, em
uma criação e recriação constante.
Palavras-chave: Instalação; memória; enxoval; tecer; processo criativo.
ABSTRACT
This work is a descriptive memorial of one artistic installation’s creative process which has
been made along with a women’s group called the Associação Comunitária do Bem Estar
da Mulher (ASCOBEM). This work aimed a production of an installation using crochê as
resource to weave emotional memories. Our intention here was to construct a poetic
connection between weave activity and memory in trousseaus and layettes. Therefore,
interventions have been made at ASCOBEM by the way of structured and semi-structured
interviews, photographs of their work and construction of pieces that formed the
installation. Based on the theorethical framework of Maurice Halbwachs on collective
memory, Fernanda Junqueira and Elaine Tedesco on installation, Cecília Salles on the
creative process and Fayga Ostrower on composition, we have constructed a relation
between theory and practice. Throughout the creative process, we’ve noticed that this is an
important element within the artistic production, because of the dialectics it involves
between the artist’s ideas and practices and on the making of the best choices for his/hers
constant creation and recreation.
Keywords: Installation; memory; layette; weave; creative process.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Imagem retirada do vídeo “Estudos MMXI” 14
Figura 2: “Tecendo a vida” 18
Figura 3: “Madre Maria” 18
Figura 4: “Vestida de memória” 21
Figura 5 : Jose Rufino, Da série de desenhos Cartas de Areia 23
Figura 6: Sonia Gomes, Memória – 2004 24
Figura 7: Farnese de Andrade, Albertina – 1970 24
Fgura 8 : Sheila Hicks, Zapallar – 1957-1958 25
Figura 9: Norberto Nicola, Agreste – 1987 25
Figura 10: NeSpoon, instalação artística feita de rendas. Grottaglie/Itália 2011 26
Figura 11: Crystal Gregory, Fundation I Crochet incased bricks – 2009 27
Figura 12: Bispo do Rosário, Manto de apresentação 27
Figura 13: Beth Moysés, Gotejando – 2001 28
Figura 14: El Anatsui, sem título – 2008 29
Figura 15: Edith Derdyk, Tramas – 1998 29
Figura 16: Reconstruindo memórias – 2015 35
Figura 17: Jean-François Millet – A aula de tricô – 1869 40
Figura 18: Autor desconhecido – O triunfo da morte Ca (1510-1520) 42
Figura 19: Louise Bourgeois, Maman (1999) 43
Figura 20: Bernardino di Betto, Pinturicchio – Penélope ao tear e os seus
pretendentes (1454 – 1513)
44
Figura 21: Leonilson, “O recruta, o aranha, o Penélope”–1992 45
Figura 22: Coluna Sem Fim. Brancusi, 1934-1938, ferro e zinco 48
Figura 23: Mulher de reclinada. Henry Moore, 1938. Pedra 49
Figura 24: A Fonte. Marcel Duchamp, 1917 52
Figura 25: Tilted Arc. Richard Serra, 1981 53
Figura 26: Hall de entrada da Rodoviária de Natal 55
Figura 27: Fachada da ASCOBEM, 2016 56
Figura 28: Mapa da localização da ASCOBEM 57
Figura 29: Peça original - Elineusa 61
Figura 30: Reprodução - Elineusa 61
Figura 31: Desenho da peça original – Socorro 61
Figura 32: Reprodução – Socorro 61
Figura 33: Peça original 62
Figura 34: Reprodução – Livramento 62
Figura 35: Peça original – Damiana 62
Figura 36: Reprodução Damiana 62
Figura 37: Peça original - Francisca 63
Figura 38: Reprodução – Francisca 63
Figura 39: Peça original – Madalena 63
Figura 40: Reprodução – Madalena 63
Figura 41: Peça original – Cleide 64
Figura 42: Reprodução – Cleide 64
Figura 43: Peça original – Cleide 64
Figura 44: Reprodução – Gilmara 64
Figura 45: Peça original – Alcione 65
Figura 46: Reprodução – Alcione 65
Figura 47: Peça original - Da Guia 65
Figura 48: Reprodução - Da Guia 65
Figura 49: Peça original – Milena 66
Figura 50: Reprodução 1 - Ana Paula 66
Figura 51: Reprodução 2 - Ana Paula 66
Figura 52: Peça original Márcia 67
Figura 53: Reprodução – Márcia 67
Figura 54: Peça original – Selma 68
Figura 55: Peça original – Verônica 68
Figura 56: Projeto na rodoviária, 2015 73
Figura 57: Local do túnel, 2016 74
Figura 58: Projeto instalação túnel I, 2015 74
Figura 59: Projeto instalação túnel II, 2015. 75
Figura 60: Estudo das cores, 2015 76
Figura 61: Testando conexões, 2015 – 2016 77
Figura 62: Testagem I – vazio, 2015 78
Figura 63: Testagem I – visão geral, 2015 78
Figura 64: Estrutura neural 80
Figura 65: Imitando a estrutura neural, 2016 81
Figura 66: Intervindo nas peças, 2016 81
Figura 67: Escolhendo espaço na sala da ASCOBEM, 2016 82
Figura 68: Escrevendo com arame, 2016 84
Figura 69: Instalação “Entrelaçando Memórias”, visão geral, 2016 85
Figura 70: Iluminando, 2016 86
Figura 71: Apresentação oral no curso de Pedagogia, I, 2015 94
Figura 72: Apresentação oral no curso de Pedagogia, II, 2015 94
Figura 73: Algumas participantes da ASCOBEM que trabalharam conosco. 2016 98
Figura 74: Exposição na ASCOBEM 98
Figura 75: Apresentação do resultado do trabalho prático na ASCOBEM 99
Figura 76: Foto de Ana Paula Fernandes. 2016 99
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
1. MOTE GERADOR 14
1.1. O tecer em nossa trajetória 15
1.1.1. Ana Paula Fernandes 16
1.1.2. Gilmara Costa 19
1.2. Trabalhar em conjunto 21
1.3. Referencial artístico 22
2. MEMÓRIA 31
2.1. Relação poética entre a memória e o tecer 38
2.2. Enxoval 39
2.3. Mitologia do tecer 40
3. INSTALAÇÃO 47
3.1.Da escultura à Instalação 49
3.2.A instalação e a escolha do seu espaço:
da Rodoviária de Natal à ASCOBEM 54
4. INÍCIO DOS TRABALHOS 58
4.1. Entrevistas 58
4.2.Reprodução das peças de memória 59
4.3.Diálogos 61
5. PROCESSO CRIATIVO 69
5.1. Composição 70
5.2. Projetando 72
5.3. Primeira testagem 76
5.4.Segunda testagem 79
5.5. Terceira testagem – obra final 83
6. AÇÃO PEDAGÓGICA 92
CONCLUSÃO 100
REFERÊNCIAS 101
APÊNDICE A 105
APÊNDICE B 112
APÊNDICE C 117
ANEXO A 123
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste em um memorial descritivo do processo de criação da
instalação “Entrelaçando Memória”, realizada em conjunto com um grupo de mulheres da
Associação Comunitária do Bem Estar da Mulher (ASCOBEM)1. Pretende-se também
mostrar as possibilidades (como o surgimento de outra obra) e as dificuldades enfrentadas
durante a criação, e a relação poética estabelecida entre o tecer e a memória contida em
peças de enxovais de diferentes mulheres.
Para a concretização deste trabalho tivemos que nos adaptar à complexidade que
demandaria o trabalhar em conjunto, onde a junção de experiências, ideias, influências e
memórias estariam presentes durante todo o processo. Buscamos por meio dessas trocas
de histórias, trabalhar a memória coletiva presente na produção e no uso de peça de
enxovais em crochê, pertencentes a um grupo de mulheres da ASCOBEM.
De início objetivamos a construção de uma instalação, mas durante as idas e vindas
do processo criativo, constatamos o aparecimento de outro trabalho, uma série de
fotografias. Além da produção artística, almejávamos a construção de sentido no emprego
de peças de enxoval como recurso criativo, fazer propensões quanto à escolha do local para
montagem da instalação, relacionar nosso trabalho com a produção contemporânea de
outros artistas e integrar as mulheres da ASCOBEM como co-autoras deste projeto. Para
tanto, foram feitas intervenções com essas mulheres, através de entrevistas estruturadas e
semiestruturadas, fotografias de seus trabalhos e construções, em conjunto, das peças que
constituíram a instalação.
Tendo como base teórica as ideias de Maurice Halbwachs (2006) sobre memória
coletiva, Junqueira (1996), Krauss (1984) e Tedesco (2007) sobre Instalação, Cecília Salles
(1998, 2006) com o processo criativo e Ostrower (1989, 2014) acerca de composição,
fizemos uma relação entre teoria e prática. Ao evidenciar as transformações durante todo o
processo criativo, percebemos que este é de fundamental importância na produção artística,
pois o caráter dialético entre ideias e testagens faz o artista caminhar na busca das
melhores escolhas, em uma criação e recriação constante.
No primeiro capítulo narraremos como surgiu a ideia de trabalhar o tecer e a
memória afetiva, com o uso do crochê; nossas memórias pessoais onde o tecer, a memória
e a arte estão interligados; os referenciais artísticos que guiaram nossas escolhas durante o 1 A ASCOBEM está localizada na Rua Tupaciguará, Nº 200, Conjunto Santarém, Bairro Potengi.
13
processo criativo. No capítulo dois trataremos da teoria acerca da memória coletiva, sua
relação poética com o tecer e sua origem mitológica, além de discussões sobre a prática do
enxoval nas antigas atividades femininas. Já no terceiro capítulo discutiremos, de forma
sucinta, o surgimento da Instalação como categoria artística; e a escolha do espaço como
elemento significativo e constituinte da obra. No quarto capítulo traremos as discussões
suscitadas durante os encontros e entrevistas realizadas com as mulheres da ASCOBEM,
assim como os sentimentos e memórias recolhidos nesse processo. No capítulo cinco
abordaremos o processo que constituiu a elaboração dos trabalhos, fazendo conexões entre
teoria (processo criativo e composição) e prática. Por fim, no capítulo seis faremos uma
exposição de como se deu nossa ação pedagógica, mostrando como nosso trabalho serviu
de referencial, contribuindo na produção artística de um grupo de alunos do curso de
Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
14
1. MOTE GERADOR
“A feitura das peças exige sempre muita
concentração, move muita energia. É como se
o cérebro se compartimentasse em dois, sendo
que uma parte coordena o tecimento e a outra
a livre fruição do pensamento. Eu gosto de
pensar nessa quantidade de pensamento e
ideias que habitam cada ponto tecido”.
(Helen Rödel)
Nosso ponto de partida para a realização deste trabalho e a escolha do tema “tecer e
memória” surgiu depois de assistirmos o documentário “Estudo MMXI” 2, da design de
moda Helen Rödel, que trata do desenvolvimento de uma coleção em crochê (Figura 01).
Figura 01: Imagem retirada do vídeo “Estudos MMXI”.
Fonte: http://www.helenrodel.com.br/films/#aura-mmxi
Nesse documentário a estilista reflete sobre os pensamentos contidos nos fios
entrelaçados. A sensibilidade poética desta artista nos fez despertar para a beleza e o
potencial que essa técnica pode representar para a Arte Contemporânea.
2 Fonte: https://youtu.be/Ktcb4N1Osz4
15
Esse foi o mote gerador do nosso trabalho. E a escolha do crochê como matéria
prima foi essencial, pois consideramos que esse recurso elegido por nós não é apenas uma
matéria desprovida de sentido, mas, sobretudo uma matéria prima de memórias e afetos.
1.1 O tecer em nossa trajetória
O documentário “Estudo MMXI” não foi nossa única influência. À medida que
íamos amadurecendo a ideia fomos resgatando também nossas experiências anteriores,
com essa mesma técnica, em disciplinas passadas. Confirmou-se a ideia de Salles: é
impossível detectar o momento inicial do nascimento de uma produção artística, pois “a
obra não é fruto de uma grande ideia localizada em momentos iniciais do processo, mas
está espalhada pelo percurso”. (SALLES, 2006, p.36).
As nossas ligações afetivas com a técnica do tecer (crochê) se dão desde o início da
adolescência. Contudo, cada uma de nós conta com uma história diferente, onde a
motivação e o valor afetivo são díspares.
Para uma de nós (Gilmara), a introdução no universo do tecer foi marcada por
entrelaçados tímidos, com pontos e peças pequenas. Começando por técnicas de bordado,
como o ponto de cruz e o vagonite, evoluindo mais tarde para o macramê e no início da
adolescência, para o crochê. Sendo esta última transmitida por uma senhora, Socorro
Alencar, que reside próximo a sua casa e que com muita paciência passou seus enlaces e a
sensibilidade que a técnica exige.
Enquanto para Ana Paula, que sempre viu a mãe produzindo peças de enxoval em
crochê, mas que nunca parou para aprender a técnica, simplesmente resolveu um dia fazer
uma saia. De tanto ver a mãe tecendo a linha com uma agulha, já sabia e conhecia os
pontos básicos, só faltava treino para adquirir prática.
Durante a nossa vida acadêmica, percorremos caminhos em paralelo. A relação
afetiva que temos com o crochê e a questão da memória nos possibilitou algumas
experimentações artísticas: uma intervenção urbana, “Tecendo a vida” (2012), que
realizamos juntas no início do curso sob a orientação do Prof. Dr. Vicente Vitoriano, onde
trabalhamos a técnica do crochê e a dicotomia provocada entre a delicadeza da técnica e o
aspecto “rude” do local da intervenção; e a construção de duas assemblages, sob orientação
do Prof. Artur Souza, “Madre Maria” (2014) de autoria de Ana Paula e “Vestida de
memórias” (2014), de Gilmara. Produções individuais, mas que tratavam de um tema em
16
comum, a memória contida em objetos pertencentes à história de cada uma das integrantes
do projeto.
Tendo como base nossos relatos pessoais, pudemos mostrar a relação que cada
componente tem com este trabalho, justificando o seu tecer em conjunto. A soma e o
compartilhamento de nossas reflexões fez desse trabalho um complexus que não finda, que
continua, que está sempre em construção. Não por ser algo complicado de produzir, mas
por demandar um tecer em conjunto, onde as ideias, as experiências, as memórias e os
sentimentos, unidos em rede, formaram uma teia que constituiu nossa instalação como
trabalho artístico. Portanto, produzir uma instalação utilizando o crochê como recurso para
tecer memórias afetivas deu forma a um conteúdo relacionado com vínculos, afetos e
memórias de pessoas queridas, tendo como mote nossas experiências e as do grupo.
1.1.1 Ana Paula Fernandes
“A recordação é uma cadeira de balanço
embalando sozinha.”
(Mário Quintana)
As lembranças são experiências vividas e guardadas na memória. As experiências
da infância, da família, do lar, do seu lugar... Aquelas que são transmitidas de geração em
geração e que ultrapassam o tempo, mas às vezes se perdem nele. Para Benjamin (2012)
somos pobres em experiências porque não existe mais a vontade de narrar e de ouvir.
Acontecimentos traumáticos, como presenciar uma guerra, não estimula a transmissão e
narração dessas lembranças tornando-as pobres. Essa ideia benjaminiana de uma
experiência pobre vem da década de 1930. Mas e hoje? E a pobreza de experiência na
contemporaneidade?
Na minha infância, vivida entre as décadas de 1980 e 1990, as famílias se reuniam
ao redor da mesa para jantar e conversar, os amigos e vizinhos sentavam em frente ao
portão para contar histórias e as crianças brincavam livremente nas ruas. Na minha
concepção e tomando como base essas experiências pessoais, tudo isso se perdeu em uma
era tecnológica, que trouxe o individualismo, a solidão e a pobreza de experiências. Quem
passou a infância naquela época e compartilha dos mesmos sentimentos, reconhece o valor
17
de cada um desses momentos, que muitos jovens das novas gerações não terão a
oportunidade de vivenciar.
Ao rememorar as lembranças do passado é como se, por um momento,
trouxéssemos de volta aquele sentimento que nos tomou em determinadas situações e que
marcaram nossa vida. Percebi isso mais fortemente ao realizar, na Universidade, um
trabalho de arte que representou minhas memórias e a relação afetiva com minha mãe. E
foi com ela que aprendi tecer através do crochê.
Gosto muito da ideia de criar algo a partir de uma linha e uma agulha, por isso, o
que para muitos é visto como artesanato pra mim sempre foi algo a mais. Meu artesanato é
minha arte, ou minha arte é meu artesanato? Os dois se confundem em um. O tecer é uma
ideia transformada em algo concreto e palpável e que depois de acabado desperta em mim
um sentimento de satisfação. Ao pensar em cada ponto como parte de algo maior, como a
manifestação de sentimentos, de desejos, de alegrias, ou até mesmo de tristezas, me faz
saber que cada peça tecida possui uma energia, pois todos esses sentimentos ficam
impregnados junto à linha no momento em que ela é enlaçada. Por isso, produzir uma peça
de crochê para um enxoval ou como constituinte de um trabalho artístico, é levar com ela
aquilo que sinto.
Apesar de ver o crochê não como um simples ato de tecer, a possibilidade de usá-lo
como um recurso na produção de obras artísticas só veio surgir na minha mente quando já
estava na Universidade. Em 2012, vendo em leituras que artistas contemporâneos utilizam
o crochê, fiz um trabalho em conjunto com Gilmara Costa, na disciplina de Fundamentos
da Linguagem Visual. Intitulada de “Tecendo a vida” (Figura 02), a obra consistiu em uma
intervenção na paisagem.
Instalamos em uma cerca localizada no Departamento de Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, uma peça de aproximadamente quatro metros de
comprimento e um de altura, feita com crochê e tecidos coloridos cortados em círculos.
Tendo como referência a artista Crystal Gregory; a ideia era fazer um contraste com a
cerca de metal e o espaço, que era um canteiro de obras. O crochê foi usado para dar uma
noção de teia, de rede.
18
Figura 02: Tecendo a vida
Foto de Ana Paula Fernandes, 2012.
Ao realizar um trabalho na disciplina de Produção Tridimensional II, no ano de
2014, foi possível fazer uma viagem no tempo. A proposta era produzir uma assemblage a
partir de objetos de nossa memória. Com o título de “Madre Maria” (Figura 03), fiz um
relicário, espécie de caixa que serve para guardar objetos de estimação, ou seja, os meus
objetos mais estimados.
Figura 03: “Madre Maria”, 2014.
Foto de Ana Paula Fernandes.
19
O referencial artístico para esse trabalho foi Farnese de Andrade, que costumava
coletar objetos em praias e aterros para a construção de suas assemblages, a maioria delas
em forma de oratório. Andrade usava em suas obras a ideia de afetividade, pois para ele os
objetos tinham características pessoais e biográficas, eram marcados pelo uso. Além disso,
remetiam a um passado que só existe na lembrança, mas que reaparece no presente.
Encontrei muitos outros objetos e me perguntei: por que guardar tanta coisa que
não mais usamos? Sem saber explicar o porquê, depois de um tempo desmontei minha
assemblage, guardei alguns objetos que a formavam e o restante virou lixo. Ao coletar e
selecionar todos os objetos para a produção da assemblage, eu percebi que o tempo que me
separa dessas lembranças é tão grande quanto o espaço que me separa das pessoas que elas
remetem. Então retomando a questão contida acima, formulo outra: será que desmontar
essas memórias para guardá-las novamente foi devido ao medo de perdê-las ou pelo
sentimento que elas suscitaram ao lembrar o meu lugar? Memórias afetivas, lembranças,
experiências, lugar, esses são pontos relevantes que estavam presentes em “Madre Maria”
e que hoje reencontrei em um novo projeto artístico, feito novamente em conjunto com
Gilmara Costa, que também tem suas próprias memórias.
1.1.2 Gilmara Costa
“Avisem-me se eu começar a me tornar eu
mesma demais. É minha tendência. Mas sou
objetiva também. Tanto que consigo tornar o
subjetivo dos fios de aranha em palavras
objetivas.”
(Clarice Lispector)
Não sei quando exatamente fui despertada do “sono da inexistência”, não me refiro
ao sono que antecede o nascimento e nem o de um “encantamento” (transição da infância
para adolescência), onde o acordar vem com um beijo, mas o despertar para vida.
Momento onde o ser humano toma o fuso que guia o fio da sua existência e inicia a
construção das teias que constitui a vida, instante onde descobre o tecer. Entretanto, sinto
como se ele sempre estivesse aqui, como algo que já vem incluso no nascimento de uma
mulher.
20
Nunca tinha parado para pensar o quanto essa técnica tão antiga, que sempre esteve
associada à subsistência humana desde os primórdios das civilizações, tem relação com
minha vida e minhas memórias afetivas. Memórias que muitas vezes remetem a minha
mãe, pois foi a partir da apreciação de cenas cotidianas, onde ela detinha o fuso de sua vida
e tecia sua independência por meio de bordados e rendas, que eu iniciei meu caminho por
essas práticas.
O crochê me foi transmitido por Dona Socorro, uma senhora que mora próximo a
minha casa e que com muita paciência me passou a técnica e a sensibilidade da magia que
é o tecer. Os ensinamentos dela eram regados de conversas e de transmissão de
experiências, era como se a linha que entrelaçávamos estivesse cheias de histórias e
conselhos. Enquanto eu e minha prima Milena tentávamos aprender os laços e pontos que
constituíam a técnica, fomos também entrelaçando vivências e planos futuros para nossas
vidas, assim como tantas outras mulheres que por meio dessa técnica tecem os seus
caminhos.
O ingresso na Universidade simbolizou a abertura de portas e a descoberta de novas
possibilidades para o uso do tecer. A assemblage “Vestida de Memória” (Figura 04),
desenvolvida em 2014, sob a orientação do Prof. Artur Souza para a disciplina de Produção
Tridimensional II, fez referência as minhas memórias de infância e adolescência, e tomou
por base a apropriação de objetos que adquiriram valor de memória e o uso do tecer
(crochê) como conexão dessas lembranças. O crochê funcionou como uma liga para os
objetos, assim como as conexões neurais que “guardam” as memórias, todas interligadas
em nossas mentes. Uma memória sempre leva à outra, como um objeto sempre leva à
lembrança de alguém ou de alguma situação.
21
Figura 04: Vestida de memória, 2014. Foto de: Gilmara Costa
1.2 Trabalhar em conjunto
Durante discussões fomos amadurecendo a ideia de trabalhar a poética do tecer
através da memória contida em peças de enxovais, produzidos por um grupo de mulheres
membros da Associação Comunitária do Bem Estar da Mulher (ASCOBEM). É da própria
natureza de nossa Instalação a multiplicidade de histórias e o compartilhar de experiência
que pressupõem uma complexidade. Então, como trabalhar de forma individual o que
exige coletividade? Essas características inerentes a nossa produção artística justificou
nosso trabalho em dupla.
Os saberes e pensamentos não podem ser vistos de forma compartimentada, pois
seria como se desconsiderássemos as ligações existentes entre cada pensamento e
conhecimento. De acordo com Morin (2002, p. 63), “Pascal já havia dito que todas as
coisas estavam ligadas umas às outras, que era impossível conhecer as partes sem conhecer
o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer as partes”.
Ao tratar de como se desenvolve os diferentes processos de construção de uma obra
de arte, Salles (2006, p.17) defende a criação como uma “rede de conexões” associada ao
22
pensamento, e que “ganha complexidade à medida que novas relações vão sendo
estabelecidas”. Segundo Morin (2002), não estamos acostumados com estruturas
complexas, estimulados por sistemas educacionais que separam as coisas e induzem
indivíduos a pensarem de forma fragmentada. Porém a realidade é constituída de
interações e tecida em conjunto.
Tendo como base a teoria da complexidade e as interações que todo ser humano
está exposto durante a vida, chegamos a uma nova questão: com quem trabalhar?
Pensamos inicialmente em senhoras moradoras de asilos, mas chegamos à conclusão que
seria um grupo muito complicado de trabalhar, principalmente por causa dos problemas de
saúde acarretados pela idade, e até mesmo a burocracia que teríamos que enfrentar para
conseguir autorização dessas instituições e dos familiares dessas idosas. Foi pensado
também em mulheres vítimas de violência doméstica. Mas como iríamos chegar até elas? E
ainda tinha as questões psicológicas e a própria segurança dessas mulheres. Então, esta
opção foi logo descartada. Depois de muitas cogitações chegamos a um grupo pertencente
à ASCOBEM. Equipe composta por mulheres de idades variadas e lugares diferentes, mas
que também compartilham experiências em comum.
Ao trabalhar nossas redes de pensamentos em conjunto, conseguimos formar
estruturas mais complexas na construção da nossa instalação. Complexidade esta que foi
tratada a partir das múltiplas relações de conhecimento, ideias e memórias pertencentes a
nós e as mulheres da ASCOBEM.
1.3 Referencial artístico
Durante as pesquisas e intervenções na ASCOBEM, utilizamos como referencial as
obras de alguns artistas. Essa seleção se baseou na relação que essas obras têm com a
temática que está sendo discutida neste trabalho e serviram como estudo e base para as
escolhas realizadas durante o processo criativo.
Os artistas contemporâneos que serviram como referência para este trabalho, apesar
de usarem técnicas diferentes, tratam o tecer e/ou a memória como ponto de partida para
suas produções artísticas. São eles: José Rufino, Sônia Gomes e Farnese de Andrade, que
trabalham com objetos de memória. Sheila Hicks e Norberto Nicola, que usam a tecelagem
para produzirem suas obras. NeSpoon e Crystal Gregory que mostram o crochê como arte,
levando-o às ruas, fazendo um contraste com o cinza e a rigidez das construções urbanas.
23
Bispo do Rosário, Beth Moysés e El Anatsui, com formas variadas de trabalhar o tecer.
Além de Edith Derdyk, que por meio das linhas, transforma suas inspirações e
pensamentos em arte.
José Rufino, artista paraibano, trabalhou com a temática da memória a partir de
objetos com valor afetivo (Figura 05). Sônia Gomes, artista mineira nascida em 1948, usa
fragmentos de tecidos com significados afetivos por possuírem uma história, e ao serem
transformados em obra de arte levam consigo uma carga de memória (Figura 06). Já
Farnese de Andrade, artista mineiro, coletava objetos em praias e aterros sanitários para a
produção de assemblages (Figura 07), pois acreditava na carga afetiva que eles possuíam,
além de terem características pessoais e biográficas dos antigos donos.
Figura 05: Jose Rufino, Da série de desenhos Cartas de Areia
Fonte: http://www.joserufino.com/site/serie-cartas-de-areia/
24
Figura 06: Sonia Gomes, Memória – 2004
Fonte: http://casavogue.globo.com/MostrasExpos/noticia/2013/06/art-basel-reune-novidades
mundiais.html
Figura 07: Farnese de Andrade, Albertina - 1970
Fonte:http://www.catalogodasartes.com.br/Foto.asp?sPasta=@Obras&Imagem=Andr%E9a%20Martins%20d
a%20Silva/{C83FAF28-2BD0-4844-9BA7-71E670CD76C5}_SoraiaCals_Agosto2012_265.jpg
Sheila Hicks, artista norte americana, produz obras de arte a partir da tecelagem,
trabalha com fibras naturais inspirada nos povos pré-colombianos e na cultura indígena de
alguns países da América do Sul por onde ela passou (Figura 08). E Norberto Nicola,
paulistano, artista de múltiplas facetas e entre elas o tecer, utiliza a técnica em tapeçarias
25
bidimensionais e tridimensionais com o auxilio de fios convencionais e fibras naturais
(Figura 09).
Figura 08: Sheila Hicks, Zapallar – 1957-1958
Fonte: http://mintwiki.pbworks.com/w/page/33119575/Sheila%20Hicks%3A%20Fifty%20Years
Figura 09: Norberto Nicola, Agreste – 1987.
Fonte: https://www.pinterest.com/pin/340725528033588534/
26
NeSpoon, é uma artista polonesa que trabalha com a arte urbana por meio de
técnicas variadas. Contudo, o trabalho que priorizamos foram as intervenções feitas a partir
do crochê (Figura 10), trabalhos que oferecem delicadeza e elegância às casas e prédios
antigos e abandonados, assim como aos espaços urbanos da cidade de Varsóvia. Já Crystal
Gregory, artista norte-americana, também trabalha o crochê no meio urbano, porém
utilizando as antíteses frágil e forte, interiores e exteriores arquitetônicos, feminilidade e
masculinidade, para modificar o espaço urbano e mostrar a presença feminina no meio a
tanto concreto (Figura 11).
Figura 10: NeSpoon, Instalação artística feita de rendas. Fame Festival, Grottaglie / Itália 2011
Fonte: https://www.behance.net/gallery/1967767/Fame-Festival-2011-installation
27
Figura 11: Crystal Gregory, Fundation ICrochet incased bricks - 2009
Fonte: http://womenartsalon.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html
Bispo do Rosário, sergipano, depois de diagnosticado com esquizofrenia-paranóica
e internado em uma clínica psiquiátrica, começou a trabalhar na produção de peças com a
justaposição de objetos e bordados, nos quais desmanchava seu uniforme azul para usar o
fio como material que o ajudava a reorganizar poeticamente sua narrativa interna (Figura
12).
Figura 12: Bispo do Rosário, Manto de apresentação
Fonte: http://carlacarusolivros.blogspot.com.br/
28
A artista paulistana artista Beth Moysés, em especial no vídeo “Gotejando”3 (2001),
simboliza um ritual de transmissão de experiências para a sua filha a partir do desmanchar
e da (re) montagem de um bordado em um vestido de noiva (Figura 13).
Figura 13: Beth Moysés, Gotejando – 2001
Fonte: http://performatus.net/o-poder-de-beth-moyses/
El Anatsui artista ganense trabalha com a junção de vários materiais como tampas
de garrafas, latas enferrujadas, chapas de impressão offset, etc, criando painéis de grande
proporção e que parecem maleáveis, com movimento, apesar de serem feitos com pedaços
de metais (Figura 14). Segundo Vidal Jr. (2015), na junção desses objetos variados “o
artista constrói uma nova unidade, delicada, a partir de fragmentos de unidades passadas
que testemunham a inexorável fragilidade da vida”.
3Fonte: http://bethmoyses.com.br/site/?page_id=4171
29
Figura 14: El Anatsui, sem título – 2008
Fonte: http://www.octobergallery.co.uk/artists/anatsui/
Edith Derdyk, artista paulistana tem a linha como referência para seus trabalhos
artísticos, explorando-a no desenho, na costura e nas instalações, onde as linhas são
esticadas no ar (Figura 15).
Figura 15: Edith Derdyk, Tramas – 1998
http://www.edithderdyk.com.br/imagens/quadros/198.JPG
Todos esses artistas mostram, com seus trabalhos, a riqueza de possibilidades que o
tecer traz para a arte, tanto com relação aos materiais quanto às ideias. Dessa forma,
30
contribuíram para o direcionamento da nossa instalação. NeSpoon e Crystal Gregory nos
mostram que é possível uma associação entre crochê e arte. O artista El Anatsui, por
exemplo, que trabalha com sucata, consegue transmitir delicadeza e movimento ao tecer
suas obras com metal, o que nos leva a pensar na possibilidade do uso de outros materiais,
além da linha de algodão. Ao apreciá-las nos parecem verdadeiros tecidos maleáveis. Já os
objetos de memória usados por outros artistas confirmam a existência de uma carga afetiva
nessas peças e que a memória está muito presente nas produções artísticas
contemporâneas. Portanto, tecer memórias afetivas contidas em enxovais de um grupo de
mulheres, através do crochê, é uma ideia que está em consonância com as produções da
Arte Contemporânea.
31
2. MEMÓRIA
“Para localizar uma lembrança não basta um
fio de Ariadne; é preciso desenrolar fios de
meadas diversas, pois ela é um ponto de
encontro de vários caminhos, é um ponto
complexo de convergência dos muitos planos
do nosso passado.”
(Ecléa Bosi)
O presente capítulo tem como objetivo discorrer sobre um dos pontos que regem
este trabalho, a memória coletiva. Serão tratados alguns aspectos teóricos referentes a essa
questão e a relação dessa reflexão com a prática poética, por meio de diálogos e das
experiências recolhidas durante todo o processo de construção da instalação “Entrelaçando
Memórias”. Evidenciaremos também a origem mitológica do tecer, além da produção do
enxoval como elemento histórico presente nas antigas práticas femininas.
Para Chauí (1998) e Vernant (1990) a memória está diretamente relacionada ao
tempo, mas não de forma cronológica, onde a intenção é pontuar os acontecimentos do
passado. O que os autores entendem sobre essa conexão é a busca de um sentimento
interior ligado às experiências de vida. É a rememoração desse tipo de sentimento que
estimulamos para representar memórias afetivas através da arte.
Na visão de Chauí (1998, p. 125) “memória é uma evocação do passado. É a
capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total”. A
autora explica que para alguns estudiosos a memória tem apenas características biológicas,
onde tudo é gravado pelo cérebro. Porém, se fosse somente isso, não existiriam as
lembranças afetivas e o esquecimento. Aspectos biológicos podem explicar a memorização
de componentes objetivos, mas não a de subjetivos ligados ao emocional. Esses
componentes subjetivos são chamados por Bergson (apud CHAUÍ, 1998, p. 129) de
memória pura, “fluxo temporal interior”, onde vem à lembrança fatos significativos de
nossa vida.
Na Grécia arcaica a memória era divinizada, tratada como deusa. Mnemosyne era
mãe das musas e protetora das Artes e da História. A partir do momento em que a
fisionomia ou as características de um ser humano eram registradas e eternizadas em uma
32
pintura ou poesia, por exemplo, a deusa concedia aos mortais a imortalidade. Nesse
sentido, a memória está associada ao tempo. Contudo, “a rememoração não procura situar
os acontecimentos em um quadro temporal, mas atingir o fundo do ser” (VERNANT,
1990, p. 112).
Na concepção de Halbwachs (2006, p.30) a memória mesmo sendo pessoal e
particular está associada a um grupo, “pois nossas lembranças permanecem coletivas e são
lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos
envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós”.
Para Tadie (apud SALLES, 2006, p. 85) “a memória nos permite ter uma identidade
pessoal”, contudo a identidade é construída na relação com o outro. Por isso a memória
individual, que se refere às próprias vivências e experiências de um indivíduo, existe a
partir de uma memória coletiva.
A memória coletiva, propriamente dita, é o trabalho que um determinado grupo
social realiza, articulando e localizando as lembranças em quadros sociais
comuns. O resultado desse trabalho é uma espécie de acervo de lembranças
compartilhadas que são o conteúdo da memória coletiva. (SCHMIDT,
MAHFOUD, 1993, p. 291).
Tendo como base a teoria da memória coletiva escolhemos trabalhar com mulheres
da Associação Comunitária do Bem Estar da Mulher (ASCOBEM), por se tratar de um
grupo com interesses e histórias em comum, mesmo vindo de lugares diferentes. Fazem
trabalhos manuais, onde o entrelaçar de fios está presente e produziram o próprio enxoval
ou de suas amigas. Essas mulheres formam uma equipe com muita afinidade e ao se
encontrarem durante a semana para tecer seus trabalhos, também tecem experiências e,
consequentemente, suas memórias. “Evocando um ontem e projetando-o sobre o amanhã, o
homem dispõe em sua memória de um instrumental para, a tempos vários, integrar
experiências já feitas com novas experiências que pretende fazer” (OSTROWER, 2014, p.
18).
As afinidades e a troca de experiências vividas pela equipe são características
importantes para a formação de um grupo, “item” imprescindível na construção da
memória coletiva, e necessário para a elaboração do conceito de nossa instalação. Visto
que o trabalho trata de uma “teia de memórias” composta por peças de enxovais ricas em
lembranças, que transpassam a vida de todas essas mulheres de alguma forma.
33
Grupos são formados por relações familiares, interesses em comum e até mesmo
por fazer parte de uma determinada sociedade. Refletindo sobre isso Halbwachs (2006,
p.50), disse: “pessoas a quem eu amava, que tinham os mesmo interesses que eu, toda uma
comunidade estreitamente ligada a mim era introduzida sem o saber em determinado
ambiente”. Isso quer dizer que os membros de grupos são inseridos em nossas memórias
mesmo não estando presentes fisicamente.
Esses grupos são necessários para a evocação das memórias. Eles são uma espécie
de confirmação de nossas lembranças, a “garantia” de que elas existiram. Muitas vezes o
quadro formado por nossa memória tem suas concepções influenciadas por testemunhas
(membros do grupo), isso acontece por que absorvemos as informações de terceiros, as
modificando ou até criando falsas memórias. (HALBWACHS, 2006). Contudo, as
testemunhas e provas (fotos e objetos) não são garantia da evocação de uma lembrança,
seria necessário que nos sentíssemos ainda membros do grupo do qual a memória faz parte,
e que ela tenha deixado alguma marca em nossa alma.
Essa discussão tem a intenção de mostrar o quanto somos influenciados pelos
grupos que fazemos parte, e as mulheres da ASCOBEM não são diferente. Elas tiveram
suas vidas cruzadas no momento em que decidiram fazer parte da associação e
compartilharam momentos, como histórias de vidas, interesses parecidos, e vivências
experienciadas em conjunto, formando um grupo.
As peças de enxovais que fazem parte de nossa instalação foram produzidas antes
da formação deste grupo, em ambientes familiares. Mas a partir do momento em que
compartilham suas experiências e reproduzem esses “paninhos”, agora na associação, a
memória dessas peças passaram a fazer parte também do grupo formado pelas mulheres da
ASCOBEM. Por isso a memória do enxoval pode ser considerada a memória coletiva
dessas mulheres, que o entende como parte do ritual para o casamento e o identifica como
um componente do seu passado. “Para evocar o próprio passado, em geral a pessoa precisa
recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora de
si, determinados pela sociedade” (HALBWACHS, 2006, p. 72). Trabalhar a memória
afetiva dessas mulheres é fazer uso do individual como parte da coletiva, pedaços para a
formação de um todo.
Uma de nossas intenções quando escolhermos essa matéria prima (peças de
enxovais) para a construção da instalação era de alcançar a representação do sensível. Em
34
outras palavras, que o trabalho emanasse memórias, que pudesse realmente transmitir todas
as sensações que esses paninhos trazem em seus pontos.
Nem sempre encontramos as lembranças que procuramos, por que temos de
esperar que as circunstâncias, sobre as quais nossa vontade não tem muita
influência, as despertem e as representem para nós. Nada é mais surpreendente
em relação a isso do que o reconhecimento de uma figura ou de um lugar,
quando estes voltam a se encontrar no campo de nossa percepção.
(HALBWACHS, 2006, p.53)
Ver as provas (objetos, testemunhos) de determinados acontecimentos não
garantem a lembrança, é preciso que rememoremos as emoções e sentimentos que nos
acometeram naquele momento. O processo de refazer essas peças de memória para a
elaboração do trabalho artístico propiciou às nossas participantes um momento de
reconstrução desses sentimentos. Muitas delas afirmaram que sentiram novamente as
emoções que circundaram a criação das peças originais. “Assim, circunstâncias novas e por
vezes dissimilares poderiam reavivar um conteúdo anterior, se existirem fatores em
relacionamentos análogos ao da situação original”. (OSTROWER, 2014, p. 19).
Em alguns diálogos pudemos comprovar as emoções sentidas. Foi possível
perceber olhos brilhando e o carinho no tom da voz. Mulheres que abriram seus corações e
suas vidas por meio de paninhos de crochê que retratam suas histórias, em diálogos, como:
“Isso aqui passa tipo um filme na cabeça da gente... É como se voltasse tudo novamente,
como se eu tivesse preparando de novo um sapatinho”. (Francisca Carneiro).
“Que eu arrumei a salinha, preparei aquela banquinha, coloquei aquela toalhinha
em cima, coloquei um jarrinho, ai pra mim aquilo ali foi uma beleza.”. (Figura 16)
(Socorro Alencar).
35
Figura 16: Reconstruindo memórias, 2015.
Foto de Gilmara Costa
Mas o que acontece quando a peça original não mais existe? Como poderiam
evocar a memória? Como já mostrado anteriormente, apenas a presença física de objetos e
testemunhas não é o suficiente, é necessário muito mais que isso. “Sabemos muito bem que
seríamos capazes de evocar esses mesmos objetos e esse mesmo lugar sem revê-los.”
(HALBWACHS, 2006, p.54).
Esse fato aconteceu com uma de nossas participantes, Socorro Alencar. Esta teve
que relembrar a sua peça de enxoval sem a original, devido ao seu extravio pelo tempo.
36
Fez um esforço enorme para reconstrui-la. A princípio foi feito um desenho (Figura 32),
uma espécie de mapa, para só depois começar a tecer (Figura 33).
Enquanto íamos recolhendo os diálogos das mulheres ao final de cada reprodução,
refletíamos também sobre nossas sensações e sentimentos durante o nosso próprio refazer
de peças de memória. Cada uma de nós contava com uma história em particular, e dessa
forma a experimentação seria diferente.
Enquanto uma de nós (Ana Paula) contava com mais de uma peça de memória,
paninhos feitos pela própria mãe para constituir seu enxoval, para a outra (Gilmara Costa),
só existia uma única peça, uma saia produzida por uma tia para constituir o enxoval de
bebê, elemento esse que não trazia nenhuma lembrança, já que a produção fora realizada
por um terceiro e a memória do uso também não existia devido a pouca idade.
É difícil encontrar lembranças que nos levem a um momento em que nossas
sensações eram apenas reflexos dos objetos exteriores, em que não
misturássemos nenhuma das imagens, nenhum dos pensamentos que nos ligavam
a outras pessoas e aos grupos que nos rodeavam. Não nos lembramos de nossa
primeira infância porque nossas impressões não se ligam a nenhuma base
enquanto ainda não nos tornamos um ser social. (HALBWACHS, 2006, p.43).
Contudo, a saia, peça de Gilmara (Figura 41), não é um elemento desprovido de
sentidos, com a reprodução ela ganha significado. Todas as experiências vividas durante
sua reprodução, como angústias, alegrias e até mesmo o discurso das mulheres que
participaram da construção da obra estão presentes agora na memória da peça. Dessa
forma, sua presença passa a ter sentido na Instalação, pois possui uma identidade própria,
reflexo de quem a produziu.
Assim como foi dito no início deste capítulo, nas palavras de Tadie (apud SALLES,
2006), memória e identidade estão interligadas. É a partir da memória que o indivíduo se
constitui como ser social e cultural, pois “o trabalho da memória atua na construção da
identidade do sujeito” (MUXEL, apud CANDAU, 2011, p. 16). Ou seja, sem memória não
há identidade e, consequentemente, sujeito.
A memória, ao mesmo tempo em que nos modela, é também por nós modelada.
Isso resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se
conjugam, se nutrem mutuamente, se apoiam uma na outra para produzir uma
trajetória de vida, uma história, um mito, uma narrativa. (CANDAU, 2011, p. 16)
As narrativas de vida ou autobiografias contam a trajetória do indivíduo narrador e
o permite “transformar a seus próprios olhos a narrativa de si próprio em uma “bela
37
história”, quer dizer, uma vida completa, rica em experiências de toda a natureza. Nesse
sentido, todo aquele que recorda, domestica o passado e, sobretudo, dele se apropria”
(CANDAU, 2011, p. 74).
No ensaio “O Narrador” Benjamin trata do desaparecimento da tradição de narrar e
da função da memória na construção da narrativa, que por sua vez, depende de uma
experiência transmitida oralmente e compartilhada com o outro. Essa oralidade perdida
para Benjamin, ainda não se perdeu entre as mulheres da ASCOBEM que ainda a
vivenciam naturalmente.
Para Benjamin (2012) a narrativa tradicional, ligada à oralidade, é entendida pelo
filósofo como uma forma “artesanal” de comunicação onde a informação corre de geração
em geração. Mas as mudanças na sociedade moderna, como, por exemplo, o
desenvolvimento tecnológico, transformou essa maneira de narrar, abrindo espaço para o
surgimento do romance clássico, e para a solidão do autor e do leitor que não precisam
estar em um grupo para narrar e ouvir histórias. Dessa forma, essas novas narrativas não
favorecem a convivência em grupo e o ouvir o outro.
Se na década de 1930, quando Benjamin escreveu esse ensaio, já existia a
desvalorização da tradição do que era produzido manualmente em favor do
desenvolvimento tecnológico, muito mais agora na contemporaneidade onde a velocidade
com que surgem novas tecnologias é muito maior.
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as
histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou
tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo,
mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do trabalho se
apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente
o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo.
E assim essa rede se desfaz hoje em todas as pontas, depois de ter sido tecida, há
milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual. (BENJAMIN,
2012, p. 221).
Por isso, um grupo de mulheres em uma Associação Comunitária, se reunindo em
torno de suas criações artesanais, para ouvir e falar, rememorando e tecendo suas vivências
enquanto trabalham é, a nosso ver, a recuperação dessa oralidade perdida e mencionada
por Benjamin, pois enquanto tecem seus trabalhos, tecem junto suas experiências de vida.
“Contar uma história não é uma simples repetição, mas um real ato de criação [...]. Falar é
recordar”. (SCHANCK apud CANDAU, 2011, p. 71).
38
Estar presente como espectadoras, ouvintes e produtoras junto às mulheres do
ASCOBEM, nos faz considerá-las como narradoras. Ao representarmos suas memórias
através da construção da instalação, nos tornamos também narradoras, porém de outro
tempo, diferente do de Benjamin. O passado foi retomado através do fio da memória de
cada uma e com esse fio tecemos experiências, porém usando uma narrativa visual, que
apesar de não ser o modelo ideal para Benjamin foi constituída de histórias de uma
coletividade, com pedaços contados por cada uma dessas narradoras. Portanto, essa
narrativa visual foi formada por pedaços de memórias unidas em uma rede de
pensamentos, de lembranças e de experiências representadas por meio de uma instalação
tecida em crochê e posteriormente por uma série de fotografias que recortam trechos dessa
trama.
2.1 Relação poética entre a memória e o tecer
Tecer o crochê é tecer os afetos, as memórias, a vida. Cada ponto é,
metaforicamente, a representação de uma sílaba na formação de nossa história, aquela
contida nos enxovais dessas mulheres. Esses pontos em crochê também contêm um
sentimento que está relacionado ao nosso estado de espírito no momento em que estamos
crochetando. Podemos estar tristes, preocupados ou felizes e essas condições psicológicas
estão simbolicamente impregnadas nesse entrelaçado.
A vida pode ser entendida como uma linha; tem seu início frágil e solitário, mas à
medida que vai sendo entrelaçada (vivenciada) vai ganhando volume, força e nós. Às vezes
é necessário fazer emendas, assim como quando a nossa vida parece não ter mais solução e
temos que escolher novos caminhos. Outras vezes temos que desmanchar tudo e voltar ao
pondo inicial, isso acontece quando cometemos erros e para continuar temos que começar
tudo novamente. São essas características que fazem da técnica do tecer algo tão
complexo, assim como a nossa existência.
De acordo com Vergne (2011), é da própria natureza da técnica do crochê o
entrelace de fios, a construção de nós e o movimento contínuo e ágil para frente e, às
vezes, para trás, para que no final possamos contemplar o tecido produzido. Todo esse
processo construtivo é facilmente associado a nossa memória, visto que as nossas
lembranças são como “retalhos soltos” que vão sendo interligados à medida que vamos
experimentando novas experiências e elegendo os fatos que valem a pena serem
39
guardados, assim como o entrelaçar de fios durante o tecer. Os nós também aparecem na
memória humana. Seriam os acontecimentos felizes ou traumáticos. As conquistas e as
adversidades enfrentadas e que muitas vezes ficam guardadas no nosso subconsciente,
esperando o momento de serem “acessadas”.
Da mesma forma que nosso emocional está contido na peça no momento em que
ela é tecida, o motivo pelo qual ela é produzida também possui uma carga sentimental,
como as que são realizadas para os enxovais de casamento e nascimento. Peças de crochê
executadas com esse propósito são carregadas de memórias boas, mas também ruins,
dependendo dos acontecimentos no decorrer dos anos de nossa vida. Usar dessas peças e
memórias na produção artística é expurgar nossos sentimentos do passado e de forma
catártica usá-los como matéria-prima de um objeto artístico.
Dessa forma, na instalação produzida com as mulheres da ASCOBEM, o crochê foi
exposto como algo maior, mais importante e valoroso do que muitos pensam ser, ou pelo
menos para nós que o temos presente em nossa vida há muito tempo. Portanto, esse
trabalho também serviu para apresentá-las às possibilidades de tecer memórias afetivas a
partir do crochê e incluí-las como coautoras de um trabalho artístico.
2.2 Enxoval
O enxoval é parte significante neste trabalho, não apenas porque a construção da
instalação utilizará como alicerce as memórias de mulheres contidas nessas peças que
revestem seus lares, mas principalmente pelo forte simbolismo que transpassa cada peça e
o seu tecer.
Durante muito tempo, em algumas culturas, o casamento foi um dos eventos mais
importantes na vida de uma mulher. Desde muito cedo eram ensinados às meninas o
bordado e o tecer, com o intuito que elas produzissem o seu próprio enxoval, que muitas
vezes servia como condição para o casamento. De acordo com Rocha-Coutinho (1994), o
casamento foi, por muitos séculos, a única possibilidade de a mulher mostrar suas
potencialidades, como em uma profissão, já que o mercado de trabalho era apenas para
homens. Permanecer solteira tinha poucos atrativos, e as moças passavam da autoridade do
pai para a autoridade do marido.
Segundo Pinto, Barbosa e Mota (2009), a construção do enxoval pode ser entendida
como um rito de passagem, onde mulheres mais velhas, na grande maioria das vezes
40
pertencentes à família das noivas, transmitem seus valores e saberes, por meio do
entrelaçar dos fios e de experiências compartilhadas em conversas com as mais jovens.
Essa prática também pode ser compreendida como um processo de espera e preparação,
para a realização de duas fases significativas da vida de uma mulher, o casamento e a
maternidade.
Fgura 17 : Jean-François Millet – A aula de tricô - 1869
Fonte :http://marinoie.blogspot.com.br/2011_02_01_archive.html
2.3 Mitologia do tecer
“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o
sol chegando atrás das beiradas da noite. E
logo sentava-se ao tear. Linha clara, para
começar o dia. Delicado traço cor da luz, que
ela ia passando entre os fios estendidos,
enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte”.
(Marina Colasanti)
41
O número de histórias e mitos que fazem referência às fiandeiras e ao ato de tecer é
abundante. Essas personagens são encontradas em diversas civilizações, o que possibilita
uma quantidade considerável de representações, nomes e variações no mito. A nossa
exploração por esse campo tão vasto deteve-se à mitologia grega e romana, e a um conto
contemporâneo, A Moça Tecelã, de Marina Colasanti.
Os momentos de nossa vida, bons ou ruins, que ficam na lembrança são unidos
como uma trama de fios que compõe uma história com começo, meio e fim. A nossa
história. Na mitologia grega esses momentos, das fases da vida, eram manipulados pelas
Moiras (Figura 18), consideradas as “Donas do Destino” dos mortais, pois teciam o futuro
do ser humano, também conhecidas como as três irmãs, Cloto, Láqueses e Átropos. Sua
origem possui duas versões. Na primeira elas eram filhas da Deusa da Noite, Nix com o
Deus Kháos, e para a outra elas eram filhas de Zeus com Têmis. Em Roma, essas
divindades eram conhecidas como as Parcas, que da mesma forma das Moiras também
foram divididas em três, Nona, Décima e Morta.
As Moiras produzem um fio que usam para tecer o curso de nossa vida. Cloto, que
em grego significa fiar, é a que segura o fuso e puxa o fio do destino humano. Segundo
Hesíodo (Apud BEZERRA, 2006), se Cloto escolhe fios de cores suaves para colocar no
seu fuso, o destino será feliz e tranquilo, porém se ela escolher para tecer fios escuros, os
dias serão sombrios e tristes. Láquesis é quem enrola o fio, assim como sorteia quem vai
morrer, do grego “inflexível”, tem como função cortar o fio da vida. De acordo com Silva
(2002), o poder das Moiras sobre o destino era absoluto, visto que nem mesmo os deuses
podiam interferir nas decisões das irmãs, pois o resultado poderia ser desastroso para a
ordem do universo.
42
Figura 18: Autor desconhecido – O triunfo da morte Ca (1510-1520)
Fonte:http://img4.wikia.nocookie.net/__cb20130123031749/olympians/images/8/8f/ThreeFates.jpg
As Parcas, como já mencionado anteriormente, também foram divididas em três.
Contudo, elas são relacionadas diretamente ao nascimento, fato comprovado a partir da
etimologia da própria palavra, que provém do verbo parere, que significa parir, dar à luz.
Nona, a primeira das irmãs era responsável pelo nascimento; Décima, pelo casamento e
Morta, respondia pela morte.
Além desses dois mitos, o ato de tecer e a simbologia do fio estão presentes em
muitas outras histórias e personagens, algumas milenares e outras bem contemporâneas,
como Aracnê, a tecelã que desafiou a deusa Atena; Penélope, personagem de Homero na
Odisséia e A Moça Tecelã, conto de Marina Colasanti.
Aracnê era uma jovem tecelã da Lídia, órfã de mãe que foi criada pelo pai, um hábil
artesão. O mito conta que Aracnê sendo uma tecelã muito vaidosa não aceitava que
atribuíssem o seu talento aos ensinamentos de Atena, deusa da sabedoria e da arte, a ela
também era atribuído o tecer. Aracnê acabou desafiando a deusa Atena a um concurso,
com o intuito de provar que ela era melhor tecelã. A deusa aceita participar da competição,
onde utilizou como tema para a tecelagem a sua vitória sobre Poseidon, disputa que a
transformou em protetora da cidade de Atenas. Já Aracnê, utilizou para sua obra temas
ligado ao erotismo e às metamorfoses dos deuses masculinos. O trabalho ficou tão perfeito
43
que Atena não encontrou nenhum defeito, esse fato alimentou a ira da deusa, que
transformou a jovem tecelã em uma aranha.
Partindo dessa personagem mitológica chegamos ao trabalho de Louise Bourgeois
(Figura 19), “Maman” (1999), escultura de aço representando uma aranha de 10 metros de
altura, como uma maneira de homenagear a própria mãe. Segundo Tardáguila (2011), a
artista associava a mãe a uma aranha, pois assim como a aranha a sua matriarca era tecelã.
Figura 19 : Louise Bourgeois, Maman (1999)
Fonte: http://www.guggenheim-bilbao.es/en/works/maman/
Uma das tecelãs mais conhecidas da mitologia grega é Penélope, filha de Ícaro,
príncipe espartano. Após casar-se com Ulisses, rei de Ítaca, a alegria da jovem durou
pouco mais de um ano, pois Ulisses teve que ir lutar na guerra de Tróia. Segundo Bezerra
(2006), a personagem de Penélope era tida como um exemplo de mulher perfeita para os
gregos, pois se manteve fiel ao esposo durante os vinte anos em que Ulisses permaneceu na
guerra de Tróia. Durante a longa ausência do seu esposo, Penélope foi assediada por mais
de cem nobres, todos interessados na coroa, visto que se a rainha contraísse novo
casamento a coroa pertenceria a seu novo marido e não ao príncipe, filho de Penélope e
Ulisses.
Mesmo sofrendo um enorme assédio dos pretendentes, Penélope conseguiu
controlar a situação e ganhar tempo através do tecer. Ela garantiu aos candidatos que
44
escolheria um marido assim que conseguisse tecer a mortalha para o seu sogro, porém,
como uma mulher fiel e astuta, todas as noites ela puxava o fio e desmanchava o trabalho
realizado durante o dia. Dessa forma ela conseguiu ter “poder” sobre o tempo e manter-se
fiel a Ulisses durante sua longa espera. Quando seu plano não mais serviu, Penélope,
pressionada pelos pretendentes, teve que lançar um desafio para escolher um marido. O
desafio consistia em uma prova de habilidades, que seria realizada com o arco de Ulisses.
Contudo, no dia do desafio Ulisses regressou a sua casa e se vingou de todos os
pretendentes de sua esposa.
Figura 20: Bernardino di Betto, Pinturicchio – Penélope ao tear e os seus pretendentes (1454 – 1513)
Fonte:http://viticodevagamundo.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html
De acordo com Silva (2008), “Penélope é aquela que tece enquanto espera”. Assim
como a mulher que tece o enxoval do filho enquanto espera seu nascimento ou a jovem que
prepara o seu enxoval de casamento na esperança dos dias passarem mais rápidos. São
muitas as relações que essa personagem mitológica tem com as obras de alguns artistas;
entre esses encontramos José Leonilson, cearense nascido no ano de 1957. Leonilson
utilizava vários meios para expressar sua arte, entre eles o desenho, a pintura e o bordado,
sendo este último a sua marca no mundo artístico.
45
O trabalho em questão é “O recruta, o aranha, o Penélope - 1992” (Figura 21).
Bordado sobre feltro costurado em lona, onde é possível identificar a representação de
escadas bordadas em linha preta, assim como palavras e números. O número representado
no trabalho é o 35, idade do artista no momento em que realizou a obra. Entre as palavras
que encontramos no bordado, as que dão nome ao trabalho fazem referência a duas figuras
mitológicas ligadas ao tecer e ao tempo, Penélope e Aracnê. A peça é composta também
por palavras dicotômicas, como: cheio e vazio, crer ou ter, você ou eu.
Segundo Lopes (2013), Leonilson depois que descobriu ser portador do HIV,
dedicou os seus últimos anos de vida à técnica do bordado. O artista aludia à técnica a
figura mitológica de Penélope, personagem que utilizava a tecelagem como forma de adiar
a aceitação da morte de seu marido. Sendo o bordado para Leonilson uma forma de adiar a
sua própria morte.
Figura 21: Leonilson, “O recruta, o aranha, o Penélope”–1992
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/exposicao-no-paco-imperial-3257150
No conto contemporâneo “A Moça Tecelã”, de Marina Colasanti, uma jovem feliz
tece tudo que precisa e, como em uma mágica, o que é tecido por ela se materializa.
Quando se viu solitária, a moça resolveu tecer um marido e assim o fez, porém esse era
ganancioso, e vendo os poderes do tear, resolveu explorar sua esposa, obrigando-a a tecer
tudo o que ele desejava. Percebendo que não era mais feliz, a moça resolveu voltar atrás e
desfez as tramas que havia feito, inclusive as que formaram seu marido. Nessa história, a
personagem tecelã se mostra detentora e manipuladora do próprio destino. Ela tece a vida
46
conforme seus gostos e vontades. E quando se vê insatisfeita faz o caminho inverso,
desmanchando as tramas para recomeçar de uma nova forma. Essa é uma metáfora que
mostra o ato de tecer como a construção da sua própria história.
Por meio das reflexões que este capítulo suscitou conseguimos visualizar a linha
tênue existente entre o tecer, sua origem mitológica, a prática do enxoval e a memória. A
escolha por um recorte extenso, da mitologia grega a um conto contemporâneo, se justifica
pelas relações encontradas entre os temas: a origem da memória através de Mnemosyne; o
tecer associado ao controle do tempo, Penélope; e a “construção” da vida e suas escolhas
guiadas pelo tecer através das Moiras e Parcas. Já o enxoval característica inerente às
práticas femininas é representado pelas três irmãs Parcas, responsáveis pelo nascimento,
casamento e morte, etapas onde o tecer era concebido com imprescindível no cotidiano
feminino. Entendemos que as mulheres da ASCOBEM de alguma forma têm uma relação
com essas personagens mitológicas, pois através do tecer constroem seus caminhos e sua
independência.
47
3. INSTALAÇÃO
Neste capítulo traremos uma breve explanação sobre as transformações na
percepção de escultura e ampliação de seu conceito, o que ela era e no que se transformou
com o decorrer da história. Para, com isso, compreender a origem de uma nova concepção
de arte que começou a se manifestar na primeira metade do século XX e que
posteriormente veio se denominar Instalação. Além disso, também mostraremos porque
decidimos produzir uma instalação, bem como a escolha do espaço que ela faria parte, que
passou da Rodoviária de Natal à ASCOBEM.
Tedesco (2007), em seu artigo “Instalação: campo de relações” trata da poética
contida no espaço no qual a obra de arte é inserida e sua relação com o espectador, pois o
espaço e a obra são um só. Essa poética é chamada pela autora de Instalação. A ideia de
enxergar a obra de arte, o espaço que a envolve e o espectador como um todo, não era
concebida pelo meio artístico até a primeira metade do século XX. Foi a partir da transição
da visão Moderna para a Contemporânea que isso começou a mudar, pois a obra não era
concebida apenas para ser vista, e sim percebida com o corpo, e experimentada pelo
espectador, que passou a fazer parte dela. Essas mudanças fizeram com que algumas
propostas artísticas deixassem de se enquadrar na categoria escultura, mas ainda não eram
denominadas como Instalação.
As esculturas possuíam um local fixo, eram alocadas em um pedestal, e estavam
geralmente relacionadas com um marco histórico. Obras de arte heterogêneas, que eram
trabalhadas através das disposições de peças no espaço, não condiziam com características
inerentes à escultura, mas eram denominadas assim. Krauss, (1984, p. 129) aponta casos
como “corredores estreitos com monitores de TV, grandes fotografias documentando
caminhadas campestres, espelhos dispostos em quadros comuns, linhas provisórias
traçadas no deserto”.
Escultura não é uma categoria universal, mas uma categoria ligada à história. A
categoria escultura assim como qualquer outro tipo de convenção, tem sua
própria lógica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam ser
aplicadas a uma variedade de situações, não estão em si próprias abertas a uma
modificação extensa. Parece que a lógica da escultura é inseparável da lógica do
monumento. Graças a esta lógica, uma escultura é uma representação
comemorativa – se situa em determinado local e fala de forma simbólica sobre o
significado ou uso deste local. [...] As esculturas funcionam portanto em relação
à lógica de sua representação e de seu papel como marco; daí serem
normalmente figurativas e verticais e seus pedestais importantes por fazerem a
48
mediação entre o local onde se situam e o signo que representam. (KRAUSS,
1984, p. 131).
Em seus estudos, Krauss (1984) traçou observações sobre as primeiras concepções
do que hoje chamamos de Instalação, mostrando os caminhos percorridos pela escultura e
sua metamorfose. Ela não chega a denominar as obras de arte como Instalação, mas tem
uma visão crítica sobre as mudanças da categoria escultura que presenciou.
Segundo Krauss (1984), a escultura do período modernista perde seu local fixo, que
passou a ser ampliado (Figura 22). “Ao transformar a base num fetiche, a escultura absorve
o pedestal para si e retira-o do seu lugar; e através da representação dos seus próprios
materiais ou do processo de sua construção, expõe sua própria autonomia”(KRAUSS,
1984, p. 132). A autora exemplifica essa questão através das obras de Brancusi, em uma
delas, “Coluna sem fim” a escultura é a própria base. A partir dessas mudanças, “a base
pode ser definida como essencialmente móvel, marco de um trabalho sem lugar fixo,
integrado em cada fibra da escultura” (KRAUSS, 1984, p. 132).
Figura 22: Coluna Sem Fim. Brancusi, 1934-1938, ferro e zinco.
Fonte: http://www.jmhdezhdez.com/2011/11/columna-sin-fin-brancusi-1938.html
49
Mas como tudo isso começou? Para compreendermos melhor a maneira como a
consciência da participação do espaço na obra já vinha sendo gestada desde o modernismo
é necessário passar pela história da arte e conhecer um pouco da Arte Moderna, onde
mudanças significativas no campo artístico foram iniciadas e a arte caminhou para uma
nova forma de pensar o “fazer artístico”. O termo Instalação surgiu a partir dessas
mudanças, porém, não de imediato.
3.1 Da escultura à Instalação
A arte moderna rompeu com padrões antigos, libertando-se das regras neoclássicas
e buscou novas formas de expressão. “Foram os pintores radicais que fizeram a escultura
moderna deslanchar em suas aventuras no século XX” (GAY, 2009, p. 173). Ao afastar a
pintura da tradição da cópia da natureza, os pintores encaminharam os escultores à rejeição
da mimeses, excluindo a necessidade de copiar o real. Contudo, muitos escultores
modernistas, apesar desta libertação e as possibilidades ilimitadas de criação que surgiram,
mantiveram em seus trabalhos traços e semelhanças com a natureza, como foi o caso de
Henry Moore.
Figura 23: Mulher reclinada. Henry Moore, 1938. Pedra.
Fonte: http://abstrayendo.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html
Considerado por Gay (2009) como o escultor modernista com mais traços
“naturalista” em seus trabalhos, as figuras esculpidas por Moore caminhavam entre o
50
abstrato e o real. Muitas de suas peças de escultura, trabalhadas em pedra ou bronze,
lembravam uma figura humana deitada, porém com particularidades. Seus traços eram
irregulares e muitas vezes o artista deixava um vazio, como se algo tivesse sido retirado
(Figura 23).
Moore já não cultuava as ideias academicistas de culto aos padrões Neoclássicos, e
por isso, é um exemplo de artista que se encontrava na transição da mudança de um
pensamento que perdurou por muito tempo. O público espectador, acostumado com uma
visão totalmente naturalista da arte, recebia a novidade de trabalhos como os de Moore
com estranheza, porém acabava aceitando. “Era como se os espectadores quebrassem a
cabeça para encontrar algum traço que pudesse associar com as suas experiências comuns,
e reagissem com gratidão quando conseguiam montar uma forma conhecida” (GAY, 2009,
p. 175).
Essa pode ter sido uma tentativa de mudança gradual, talvez inconsciente, mas que
serviu de estratégia na conquista do público. Isso porque, na transição da Arte Moderna
para a Contemporânea, houve uma mudança também na forma de produção e consumo.
Cauquelin (2005) explica esse processo e mostra que a Arte era presa a um sistema que
comandava sua presença no mercado consumidor.
Segundo Cauquelin (2005), no final do século XIX houve um recuo da hegemonia
da Academia4 por conta do desenvolvimento industrial. Com isso, surgiu um aumento do
público comprador (classe burguesa) e de pintores que reivindicavam contra o
autoritarismo do Salão de Paris5. A consequência disso foi a descentralização dos Salões
que culminou na abertura de um mercado independente regido pelo sistema crítico-
marchand6, que por sua vez, promovia o artista e sua obra visando o retorno financeiro.
Dessa forma, a arte Moderna rompe com padrões antigos e busca novas formas de
expressão, contudo passou a fazer parte de um sistema linear de produção, distribuição e
consumo, onde os artistas, produtores, se viram amarrados a esse sistema. Posteriormente
esse regime de consumo passa a regime de comunicação e a importância passa a ser do
4 Ir contra a Academia teve relação com a demanda de artistas que cresceu e a falta de suporte e capacidade
para atender esse crescimento. A ideologia continuou a mesma: reconhecimento dos trabalhos, julgamento do
que era bom e busca do retorno financeiro. Porém, surgiu a necessidade de ampliar essa seleção-julgamento-
divulgação para além dos Salões de Paris. Foi quando surgiu a figura do Marchand, dos críticos (seus
auxiliares) e dos compradores, num sistema desenvolvido por particulares, independente do Estado. 5 Salão de Paris foi criado para expor as melhores obras de arte dos membros da Academia francesa.
6 Nesse sistema o Marchand fazia a intermediação entre a obra e o público. A partir da opinião do crítico que
estimulava ou gerava novas opiniões, o artista passava a ser reconhecido, o que facilitava a ação do
Marchand.
51
objeto e o local ao qual ele é inserido, dando-lhe status de arte. Os ready-mades7 de Marcel
Duchamp são um bom exemplo disso.
Os escultores tinham como referência artistas anteriores a eles e não foi diferente
com Duchamp. Ele participou de vários movimentos artísticos até romper com a “prática
estética da pintura” (CAUQUELIN, 2005, p. 92) e é a partir dessa liberdade de criação
citada por Gay (2009) que Duchamp se declara “antiartista”. Para ele a arte deixava de ser
conteúdo (formas, cores, estilos, etc) para ser continente (local de exposição). Ao expor
seus ready-mades, objetos comuns, do cotidiano, não produzidos por ele, mas
industrializados, Duchamp “faz notar que apenas o lugar de exposição torna esses objetos
obras de arte. É ele que dá valor estético de um objeto, por menos estético que seja. É
justamente o continente que concede o peso estético: galeria, salão, museu. Ou ainda
textos, jornais notas” (CAUQUELIN, 2005, p. 93). Trabalhos como os de Duchamp
mostram que:
Os escultores, ao se libertar da mímeses, não hesitavam em aproveitar a nova
liberdade. Depois de 1945, a escultura de vanguarda, com seu enorme raio de
ação, mas nenhum desenvolvimento sistemático visível, continuou a aproveitá-
la. Os escultores começaram a usar fiação elétrica, plástico e fibra de vidro para
fazer peças que acendiam, e criar construções de fios enrolados iluminados por
dentro com tubos de néon, a amontoar caixas de Brillo idênticas e fielmente
pintadas, e a construir corpos mortos de gesso branco, moldados a partir de
pessoas de verdade. (GAY, 2009, p. 179).
A liberdade de criação, tanto nas ideias quanto no uso de materiais variados, levou
os artistas do pós-guerra a novas experimentações. Dessa forma, a arte passou a ser
linguagem e pensamento, está agora na ideia e no processo e não mais no objeto
propriamente dito, pois ele não precisa mais ser esculpido. Um dos trabalhos mais famosos
de Duchamp, “A Fonte” (Figura 24), resume bem essa concepção.
Ao privilegiar o ato do artista, em detrimento muitas vezes do objeto artístico,
Duchamp coloca as questões conceituais filosóficas e críticas, acima das
questões formais. É exatamente nesse ponto crucial que sua influencia na arte
contemporânea se apresenta de forma tão intensa e viva. O processo criativo,
eleva-se então, ao patamar de arte. (SILVA, 2011, p. 2002).
7 Ready-mades, é termo que surgiu a partir das obras de Duchamp, consiste em usar objetos já existentes,
manufaturados, para a criação de arte.
52
Figura 24: A Fonte. Marcel Duchamp, 1917.
Fonte: https://egonturci.wordpress.com/2012/09/10/a-fonte/
A Arte Contemporânea passou a abranger várias linguagens como a dança, a
música, a literatura, etc, dando, assim origem a vários estados de arte atual: arte conceitual,
minimalismo, Land Art, Body Art, etc. Dentro dessa diversidade, artista e obra passaram a
ser um só. Além disso, o espectador e o espaço passam a ser parte constituinte e
fundamental da obra. “Uma obra de arte nunca é uma coisa em si, fora da realidade
humana, ela sempre requer uma interação com o espectador. Descobrimos o significado de
uma obre de arte; mas também lhe doamos um significado” (FISCHER, apud SILVA,
2011, p. 2001).
Segundo Junqueira (1996), o termo Instalação não especifica a qualidade da obra da
mesma forma como o termo escultura o faz, pois os recursos utilizados para produzir uma
instalação são variados, além de abarcar várias formas e características como o
Minimalismo e a Land Art, já citados acima. Contudo, a relação objeto-espaço-espectador
sempre se fará presente em uma instalação, pois sem essa junção a obra não existe. Isso
ocorreu porque o “espaço foi sendo gradualmente “apropriado” pelas experiências
artísticas” (JUNQUEIRA, 1996, p. 568) e ao mesmo tempo em que a obra faz parte do
local onde é “instalada”, o espectador integrante ou que está no mesmo local faz parte da
obra, pois acaba interagindo com ela. Caso seja deslocada de seu espaço inicial para outro,
a obra perde todo seu sentido. Exemplo disso é a obra “Tilted Arc” do artista Richard
Serra.
53
Figura 25: Tilted Arc. Richard Serra, 1981.
Fonte: http://www.imagejournal.org/article/gravity-and-grace/
Segundo Senie (2002), em 1979 uma repartição governamental americana, US
General Services Administration (GSA), encomendou uma escultura à Richard Serra, para
ser instalada na frente dos edifícios que compunham a GSA, para que complementasse e
embelezasse a paisagem da Federal Plaza. Contudo, Serra projetou uma escultura não
convencional, com cerca de 36m de comprimento e 3,70m de altura e que ocupava toda a
frente dos prédios da GSA, pois sua intenção era alterar essa função de embelezamento da
praça e incluir as pessoas que frequentavam ou passavam pelo local no contexto da obra.
Antes da instalação de “Tilted Arc”, em entrevista ao crítico de arte Douglas
Crimp, Serra, questionado sobre a intenção da obra de ser bloquear as vistas dos prédios,
respondeu dizendo: “A intenção é trazer o espectador para dentro da escultura. O
posicionamento da obra transformará o espaço da praça, depois que a peça for instalada, o
espaço será compreendido fundamentalmente como uma função da escultura” (SERRA
apud SENIE, 2002, p. 152).
Instalada em 1981, a obra “Tilted Arc” afetou diretamente o público, provocando
reações negativas por conta dos bloqueios da entrada principal dos edifícios, da visão da
praça e do caminho dos pedestres, etc. Assim surgiu o desejo de retirar a obra do seu
54
espaço. Depois de muitas reclamações e uma batalha judicial a obra foi desinstalada em
1989. Houve uma negociação de reinstalação da obra em outro espaço, porém o artista,
Serra, rejeitou essa possibilidade. ““Tilted Arc” foi concebida para atuar, de modo crítico,
no espaço público ao qual se destinava. Removê-la, recolocá-la em outro contexto,
significaria anular a “situação” que a constituía enquanto obra” (JUNQUEIRA, 1996, p.
560). Por isso, para Serra a remoção da obra seria a sua destruição.
Só devemos chamar “obra” à totalidade resultante da relação entre a coisa
instalada, o espaço constituído por sua instalação e o próprio espectador. Pois
este não se encontra fisicamente fora da obra, a contemplá-la como realidade
virtual. Ao contrário ele a “habita”. Alojado ali, sua visão toma posse da
circunstância imediata da obra. (JUNQUEIRA, 1996, p. 567).
A partir disso podemos perceber que a rejeição do público, em relação à obra de
Richard Serra, era reflexo da relação dos espectadores com a própria obra, a forma como
eles a sentiam no espaço. Por isso, nesse contexto estava presente todo o sentido da
Instalação.
Ter um melhor entendimento sobre o que é Instalação, percebendo a relação
espaço-obra-espectador, que faz com que o artista pense seu trabalho em conjunto com o
local a ser instalado, influenciou na escolha dessa forma de expressão artística para a
execução da nossa prática. Por isso, selecionar o espaço para o nosso trabalho
“Entrelaçando Memórias” foi de grande importância no processo de criação, pois o desafio
que nos interessava era incluir o espaço como camada de sentido da obra.
3.2 A instalação e a escolha do seu espaço: da Rodoviária de Natal à ASCOBEM
Inicialmente, o projeto consistia na elaboração e execução de uma intervenção em
um local com grande circulação de pessoas e que tivesse algum significado para as
participantes do projeto. Durante o processo de elaboração e discussão do trabalho
chegamos à conclusão de que o projeto não se tratava de uma intervenção, mas sim de uma
instalação artística. Pois a relação da obra com o espaço e com o público demandava uma
interação maior, fato que não seria suprido por uma intervenção.
A escolha pelo espaço para realização do projeto veio logo em seguida. Analisando
os dados que recolhemos das participantes, observamos que uma boa parcela não era
natural da cidade de Natal e que por algum motivo tiveram que construir suas vidas aqui. A
55
ideia de utilizar a rodoviária foi instintiva (Figura 26), visto que para nós, este espaço de
passagem tinha um valor significativo e até poético, pois é um ponto de partida e início na
vida de muitas pessoas e que de alguma forma simbolizava a chegada dessas mulheres
nesta cidade.
Figura 26: Hall de entrada da Rodoviária de Natal
Foto de Ana Paula Fernandes, 2015.
Enviamos um documento para a administração da rodoviária solicitando a
utilização do espaço (APÊNDICE A). Nele explicamos o projeto, seus objetivos, o porquê
da escolha do espaço pretendido para a montagem da Instalação e mostramos exemplos de
obras de arte em locais públicos. Contudo, não obtivemos retorno.
No período em que permanecemos esperando o contato da administração da
rodoviária chegamos à conclusão de que o espaço pretendido não seria adequado,
principalmente por causa da desproporção entre o local e as peças selecionadas, que
demandaria trabalhos maiores e em grande quantidade. Além disso, durante o processo de
criação, percebemos que o ambiente não acrescentava o sentido desejado e a participação
pretendida, pois ele é excessivamente impessoal, onde o sujeito não tem nenhuma relação
56
afetiva. E o trabalho tinha uma “voz” mais baixa e delicada que não condizia com um
espaço de passagem.
Dessa forma chegamos à solução de utilizar a Associação Comunitária do Bem
Estar da Mulher (ASCOBEM), visto que as mulheres integrantes do projeto seriam as
pessoas mais interessadas nos resultados depois de nós, e ainda porque seria neste
ambiente onde se passariam as trocas de experiências, elevando-o à categoria de lugar.
“Lugares são a extensão da existência humana, são os seres que dão sentido aos lugares e
neles estão misturados sentimentos, memórias individuais e coletivas” (NOGUEIRA,
2013, p. 85).
A ASCOBEM, localizada na Zona Norte de Natal, foi fundada no ano de 2002,
com o apoio e a colaboração de algumas mulheres da comunidade e que hoje fazem parte
do grupo.
Figura 27: Fachada da ASCOBEM, 2016.
Foto de Gilmara Costa.
57
Figura 28: Mapa da localização da ASCOBEM
Fonte: Google Maps.
Essas modificações presentes no nosso processo criativo são indícios da natureza
instável da criação e da troca com o meio, mas acima de tudo mostra as tendências que
todo artista está exposto. De acordo com Salles (1998, p.109):
As opções pelos recursos criativos podem ser alvo de modificações ao longo do
percurso. Desse modo, fica claro que esses procedimentos não são,
necessariamente, pré-selecionados e determinados pelo artista, mas são, na
maioria dos casos, encontrados durante o percurso.
Como foi visto nas reflexões sobre a Instalação como recurso artístico, o espaço é
parte constituinte da obra. Fornece, portanto, uma camada de sentido a ela. Por isso, a
mudança de opção a favor da ASCOBEM para a instalação de “Entrelaçando Memórias” é
justificável. A sala principal da associação é o espaço onde há os encontros e produções de
trabalhos de artesanato. O ambiente simples, com cômodo pequeno e telhado rústico,
transmite uma sensação de acolhimento e aconchego, que acabam favorecendo as trocas de
experiências, portanto, melhor opção para se tornar matéria constituinte da obra.
A partir disso, o trabalho prático foi iniciado em março de 2015, através da
aproximação com as mulheres da ASCOBEM. Procurando conhecê-las melhor em alguns
encontros e muita conversa, escolhemos as peças de memória que seriam reproduzidas
para compor a instalação.
58
4. INÍCIO DO TRABALHO PRÁTICO
Neste capítulo situaremos e discutiremos a abordagem empregada nos primeiros
encontros com as mulheres da ASCOBEM. Mostraremos entrevistas estruturadas e semi-
estruturadas e os registros fotográficos realizados em alguns de nossos encontros.
Situaremos também o processo de reprodução das peças de memória, recurso utilizado
parava rememoração das lembranças e afetos presentes nessas peças.
Foram realizadas três entrevistas durante toda a execução do trabalho, de março de
2015 a março de 2016. A primeira estruturada, com dez questões fechadas e com perguntas
de ordem geral e bem objetivas. Já a segunda e a terceira entrevistas foram semi-
estruturadas, com um questionário simples, contendo apenas uma pergunta. O entrevistado
poderia falar livremente e nós tínhamos liberdade para adaptar o questionário às
necessidades sentidas.
4.1. Entrevistas
Após a escolha do espaço (ASCOBEM) iniciamos as visitas à associação.
Primeiramente tínhamos que solicitar a participação das integrantes deste grupo em nosso
projeto, explicar os objetivos do trabalho e o que precisaríamos delas (espaço, memórias /
peças de enxovais e mão de obra).
A partir da aceitação delas pudemos voltar várias vezes, só que agora para por em
prática o nosso projeto. Para iniciar os trabalhos precisaríamos conhecer todas as mulheres
que iriam participar, seus nomes, origem, idade, suas histórias com o tecer (com quem e
como aprenderam), os pontos e preferências em relação à técnica do crochê. Com isso
objetivávamos traçar o perfil dessas mulheres e, dessa forma, encontrarmos o caminho até
elas, compreender seus anseios e nos tornar mais próximas, facilitando o diálogo que teria
que existir entre nós. Solicitamos que no primeiro encontro elas levassem alguns de seus
trabalhos em crochê.
Foi realizada uma entrevista estruturada (APÊNDICE B), a princípio com oito
participantes, que consistia em perguntas sobre dados pessoais e suas histórias com a
técnica. Além disso, conhecemos alguns trabalhos em crochê de cada uma. Essas peças
foram fotografadas (ANEXO A) com intuito de compreender melhor as características
59
implícitas em seus trabalhos, pois essas peças também traziam indícios culturais e traços de
personalidades.
Essa primeira entrevista nos fez pensar na escolha da rodoviária como espaço para
realizar a instalação, já mencionada no capítulo anterior. Levamos em consideração a
naturalidade das participantes e o fato delas terem, de alguma forma, passado por esse
ambiente, já que é uma das “portas de entrada” da cidade.
Ao término desta etapa solicitamos que no próximo encontro elas levassem uma
peça de enxoval (casamento ou nascimento) em crochê, de autoria delas ou de terceiros.
Foi realizada uma segunda entrevista entre os dias 23 e 27 de abril de 2015, desta vez
semi-estruturada e com onze mulheres. A questão foi direcionada para histórico de cada
peça e as respostas gravadas.
Durante as conversas nos deparamos com histórias interessantes, como: Socorro
Alencar, quando jovem, tecia a própria linha com um fuso; Selma guardou por vinte e
cinco anos o casaquinho e a botinha que pertenceram ao filho, e depois passou para neta;
etc. Enquanto recolhíamos esses dados, percebemos o material significativo em termos de
afeto e registro histórico que tínhamos nas mãos.
Muitas de nossas participantes trazem em seus diálogos marcas de uma época onde
a mulher era apenas para casar e ter filhos, e a produção do próprio enxoval era quase
obrigatória. Além disso, essas peças “guardam” afetos e memórias muito importantes para
elas. As fotografias também foram empregadas nesta etapa, com a intenção de registrar as
memórias afetivas que cada peça representava, e eram por meio delas que o trabalho estava
começando a ganhar forma.
4.2 Reprodução das peças de memória
Tendo como suporte as entrevistas e as fotografias, foi possível recolher as
informações necessárias para a reprodução das peças dos enxovais. Tomamos o cuidado de
nos aproximar o máximo possível do material utilizado por cada mulher na peça original
(linhas de crochê e lã de espessuras diferentes e cores variadas), visto que o valor afetivo
contido nessas peças deveria ser “transmitido”, de alguma forma, para a réplica, e
acreditávamos que a sua aproximação na aparência poderia proporcionar às participantes
sensações pertencentes à memória das peças originais.
60
Após a entrega do material para a realização das cópias, entre os dias 14 e 21 de
setembro de 2015, explicamos o próximo passo do trabalho, que consistia na reprodução
da peça que elas mesmas haviam escolhido. Esta última atividade demandou um tempo
maior, devido o crochê ser uma técnica lenta e a disponibilidade de cada mulher ser
variável.
Este período de espera nos pareceu uma eternidade, principalmente porque
havíamos estipulado prazos. Há o tempo das instituições e o tempo da disponibilidade de
um coletivo para um trabalho sensível – que não segue o mesmo calendário. Contudo, a
espera foi necessária, pois tínhamos que vivenciar o processo criativo, entendendo sua
natureza mutável e os limites internos e externos à obra. Salles (1998) comenta que esses
limites são comuns à natureza criativa e que o artista é incitado a vencer as delimitações
dos fatores externos e que ele mesmo impõe, como a data de entrega.
À medida que cada participante foi terminando suas réplicas fomos recolhendo seus
depoimentos sobre o processo de reprodução das peças de enxoval, mais precisamente as
sensações e sentimentos vivenciados nessa etapa. Tínhamos a necessidade de comprovar o
valor de memória dessas novas peças (réplicas). Essa última entrevista foi ainda mais livre,
realizada entre setembro de 2015 e março de 2016, nossa intenção era recolher discursos
sinceros registrados por meio de gravação, e através de uma única questão (o que a peça e
a reprodução dela despertaram?), nossas participantes tiveram total liberdade para dizer o
que quisessem.
Nessa última etapa sentimos ainda mais forte o valor afetivo que cada peça
continha. Talvez as palavras não fossem suficientes para que elas deixassem suas emoções
transparecerem, mas os olhos não puderam esconder os sentimentos de algumas.
Acabamos tomando consciência da grande responsabilidade que tínhamos em tornar
visível o abstrato.
61
4.3 Diálogos
Figura 29: Peça original - Elineusa Figura 30: Reprodução - Elineusa
Maria Elineusa, 54 anos, casada. Natural de Goianinha/ Rio Grande do Norte.
Histórico da peça: parte de um jogo de cozinha, com aproximadamente 15 anos. Ele foi
repassado à filha, Ana Paula, para compor seu enxoval (Figuras 29).
“Eu me senti assim, como se tivesse lá na nossa casa. Aí me lembrei da época que estava
lá fazendo aquele jogo.” Maria Elineusa.
Figura 31: Desenho da peça original - Socorro Figura 32: Reprodução - Socorro
Maria do Socorro, 70 anos, casada. Natural de Ceará (próximo a Juazeiro).
Histórico da peça: Toalhinha para colocar no centro com cerca de 50 anos (Figura 31).
“Eu tive a sensação assim, porque eu lembrei que foi as primeiras vezes que fui arrumar a
minha casa... Arrumei a minha casa, aquela salinha que pra mim era tão simples, tão
pobre, tão humilde e pra mim foi maravilhoso, que foi logo quando eu casei. Que eu
62
arrumei a salinha, preparei aquela banquinha, coloquei aquela toalhinha em cima,
coloquei um jarrinho, ai pra mim aquilo ali foi uma beleza.” Maria do Socorro.
Figura 33: Peça original Figura 34: Reprodução - Livramento
Maria do Livramento, 68 anos, solteira. Natural do Rio Grande do Norte.
Histórico da peça: Pano de fogão pertencente a um conjunto de cozinha completo feito
pela participante, com média de 6 a 7 anos de existência (Figura 33).
“Quando usei a primeira vez que foi na época do Natal, que arrumando a casa na
expectativa.” Maria do Livramento.
Figura 35: Peça original – Damiana Figura 36: Reprodução - Damiana
Damiana Barbosa, 79 anos, solteira. Natural da Paraíba (Zona Urbana)
Histórico da peça: Colcha de cama produzida pela autora há aproximadamente 8 anos
(Figura 35).
63
Figura 37: Peça original - Francisca Figura 38: Reprodução - Francisca
Francisca Carneiro, 49 anos, casada. Natural de Angicos – RN (Zona urbana)
Histórico da peça: Sapatinho produzido para o enxoval de sua única filha. A escolha pela
cor tinha como base o fato de não saber o sexo do bebê (Figura 37).
“Isso aqui passa tipo um filme na cabeça da gente... É como se voltasse tudo novamente,
como se eu tivesse preparando de novo um sapatinho.” Francisca Carneiro.
Figura 39: Peça original - Madalena Figura 40: Reprodução - Madalena
Madalena, 58 anos, viúva. Natural do Maranhão (Zona rural).
Histórico da peça: Toalha de mesa produzida com a ajuda da tia, que no final presenteou
nossa participante em seu casamento (Figura 39).
“Lembrei da época que era jovem e morava com minha tia. E ela me incentivava a
aprender a fazer as coisas. Que quando me casasse já saberia fazer as coisas e não
precisaria mandar fazer”. Madalena.
64
Figura 41: Peça original - Cleide Figura 42: Reprodução - Cleide
Cleide Dantas, 45 anos, divorciada. Natural da Paraíba – Zona Rural.
Histórico da peça: Saia pertencente a um conjuntinho para bebê (saia, blusa, meia e
calcinha), feito para presentear a sobrinha, Gilmara (Figura 41).
“Lembrei de você, parecia uma bonequinha.” 8 Cleide Dantas.
Figura 43: Peça original - Cleide Figura 44: Reprodução - Gilmara
Gilmara Costa, 25 anos, solteira. Natural de Natal – RN.
Histórico da peça: Saia pertencente à Gilmara. Foi produzida pela tia quando aprendeu a
fazer crochê. A peça original ainda se encontra guardada, mesmo estando velha e rasgada
(Figura 43).
“Além das memórias do tecimento e do uso, nosso trabalho abrangia também as
lembranças presentes no processo de reprodução das peças, que, no meu caso, apenas este
último teve importância, visto que não tenho lembrança do uso e nem de sua construção. A
8 Entrevista realizada por Gilmara
65
reconstrução da saia foi “cercada” pela apreensão e ansiedade do Trabalho de
Conclusão de Curso, experiências vivenciadas durante a construção e momentos divididos
com as mulheres da associação”. Gilmara Costa.
Figura 45: Peça original - Alcione Figura 46: Reprodução - Alcione
Alcione, 54 anos, casada. Natural de Pernambuco (Zona Urbana).
Histórico da peça: Manta e almofadas para sofá produzidas para a casa da autora (Figura
45).
“Ela inclusive me deixou uma recordação, porque veio uma amiga de Maceió que eu amo
de paixão, se apaixonou por ela, tirou o molde dela. E ai a gente tirou foto até com ela...
Eu amo demais essa minha amiga e a manta lembra ela.” Alcione.
Figura 47: Peça original – Da Guia Figura 48: Reprodução – Da Guia
Maria da Guia9, 52 anos, casada. Natural da Paraíba (Zona Rural).
9 Mãe de Gilmara
66
Histórico da peça: Reprodução realizada pela participante a partir de um pano de bujão
que fez parte de seu enxoval de casamento (Figura 47).
“Paguei à esposa do meu tio avô para fazer meu enxoval de casamento, momento em que
estava contando os dias para casar. Anos depois aprendi a fazer crochê e copiei a peça”.
Maria Da Guia.
Figura 49: Peça original - Milena
Milena Dantas, 29 anos, divorciada. Natural da Paraíba (Zona Rural).
Histórico da peça: Bico produzido para ornamentar um conjunto de toalha do enxoval da
participante que nunca foi concluído. Ela nos doou a peça original para compor nosso
trabalho (Figura 49).
Figura 50: Reprodução1 – Ana Paula Figura 51: Reprodução 2 – Ana Paula
67
Ana Paula Fernandes, 31 anos, solteira. Natural do Rio de Janeiro.
Histórico da peça: Reprodução1, saia feita durante a adolescência. Primeira peça em
crochê produzida depois de aprender a técnica (Figura 50). Reprodução 2, parte da colcha
de cama produzida pela mãe (Maria Elineusa) para enxoval da filha (Ana Paula) (Figura
51).
“Reproduzir a saia, que foi minha primeira peça tecida em crochê, remeteu à minha
adolescência e visitas à casa da minha avó (uma parte da saia foi produzida lá). A
lembrança trouxe com ela a saudade de um tempo que não volta mais. Já a peça da colcha
me fez lembrar o tempo em que vivia com minha mãe. Senti saudade”. Ana Paula
Fernandes.
Figura 52: Peça original - Márcia Figura 53: Reprodução - Márcia
Márcia Fagundes, 62 anos, viúva. Natural de Natal - RN
Histórico da peça: Colcha de cama produzida pela autora para o seu enxoval (Figura 52).
“Lembro quando eu era solteira que chegava do trabalho, tomava um banho, jantava. Eu
fazia de noite sentada na sala e assistia à novela fazendo crochê, assim eu fiz a colcha
todinha. Veio na mente tudinho lá na minha casa onde morei, veio tudo no meu
pensamento.” Márcia Fagundes.
68
Figura 54: Peça original – Selma
Maria Selma, 55 anos, casada, Natural de Macaíba - RN
Histórico da peça: Botinha feita para o filho. Peça guardada por 25 anos e que agora será
utilizado pela neta. Peça retirada da instalação (Figura 54).
Figura 55: Peça original – Verônica
Verônica Torres, 65 anos, casada, Natural de Caiçara do Norte – RN
Histórico da peça: pano de enceradeira pertencente a um conjunto de cozinha
produzido para compor seu enxoval (Figura 55). Peça retirada da Instalação.
69
5. PROCESSO CRIATIVO
“Criar é tão difícil ou tão fácil como viver. E é
do mesmo modo necessário.”
(Fayga Ostrower)
O presente capítulo traz reflexões acerca de todo o processo que abarcou a criação e
execução de nossa instalação, assim como as reflexões e análises quanto a composição dos
elementos visuais, pontos fundamentais para compreensão e exposição da obra. As
questões teóricas que guiaram nossas observações também serão discutidas.
O trabalho de um artista não consiste apenas em realizar desenhos, pinturas,
esculturas ou qualquer tipo de produção artística sem pesquisas, buscas ou testes. É
necessário que o pesquisador – artista no processo de maturação que toda obra exige,
identifique e transforme suas influências, para isso são necessários testes. “O percurso
criador mostra-se como um itinerário recursivo de tentativas, sob o comando de um projeto
de natureza estética e ética, também inserido na cadeia da continuidade e, portanto, sempre
inacabado”. (SALLES, 1998, p.28).
As tentativas sucessivas durante o processo criativo garantem ao trabalho artístico
sua característica mutável e a tendência ao inacabado, pois as influências impregnadas no
subconsciente dos artistas estão sempre possibilitando novas ideias e soluções visuais, por
isso o ato criador é uma metamorfose contínua. Se o processo criativo é o levantamento de
hipóteses e experimentações destas, então há várias possibilidades de construção da obra,
ou seja, “possíveis obras” em um constante processo de criação onde cada hipótese é uma
nova versão.
Durante o processo criativo da instalação “Entrelaçando Memórias” constatamos
sua natureza instável e percebemos, na prática, as questões levantadas por Salles. Entre
várias tentativas de materializar nossas ideias observamos que a cada escolha a obra
ganhava uma nova configuração, pois o projeto do artista não é algo definitivo e acabado.
A partir do processo de criação da obra de arte, com todos os medos, dúvidas e tentativas
do artista o projeto se revela e se transforma na obra final.
O processo criativo que abrangeu a construção desta instalação passou por várias
mudanças, desde a escolha do lugar, formato e soluções visuais, características inerentes à
70
toda obra de arte. Era indispensável que passássemos por essas etapas, pois elas nos
proporcionaram uma maior consciência artística e o amadurecimento do trabalho.
Segundo Salles (1998, p.13), “um artefato artístico surge ao longo de um processo
complexo de apropriações, transformações e ajustes”. Esse processo pode ser comparado
com uma rede de conexões, visto que o artista não está isolado do mundo, e por esse
motivo é passível de influências, tornando o processo criativo flexível e mutável. À medida
que vão sendo estabelecidas novas relações com o meio, desde memórias, ideias,
pensamentos, textos, imagens e influências artísticas, familiares e de amigos, a obra vai
ganhando também novas formas e configurações. Justifica-se, assim, a sua natureza
instável, ou seja, as suas modificações ao longo de todo o processo de construção, onde
cada tentativa traz vestígios de diversas tendências.
O processo de criação é o lento clarear da tendência que, por sua vagueza, está
aberta a alterações. O final pode ser que nada tenha a ver com a “maquete
inicial”, pois o plano não tem nada da experiência que se adquire na medida em
que vai se escrevendo a história. (CASARES Apud SALLES, 1998, p. 31).
Essas características foram percebidas à medida que fomos vivenciando todas as
etapas do processo criativo, desde a ideia inicial com todas as suas influências e
tendências, até todas as modificações causadas pelo acaso ou aquelas escolhidas ao longo
das testagens e observações de terceiros. Todas as nossas escolhas foram motivadas por
influências percebidas, conscientes, ou ainda por influências “camufladas”, vestígios de
amigos, textos e até trabalhos realizados anteriormente por nós mesmas e que acabaram
ficando no nosso subconsciente.
5.1 Composição
Quando iniciamos os estudos para concretizar o que ainda estava apenas em nossas
mentes, não tínhamos dimensão do tamanho da obra, e muito menos de como fazer para
que diferentes peças de crochê (formatos, texturas, tamanhos e cores) ganhassem unidade
em uma instalação artística. Sabíamos apenas que a composição seria elemento
indispensável para a geração de sentido, e que apenas dispor esses objetos de memória
aleatoriamente não garantiria status de obra de arte.
As linhas, formas, cores e texturas têm o potencial de dar significado e concretude à
obra. Um trabalho onde a composição foi feita de qualquer forma pode comprometer a
71
apreensão de sentido e até mesmo o interesse dos espectadores. Segundo Ostrower (1984),
linguagem visual é um critério básico da expressão e da qualidade artística, sem isso a obra
não se sustenta como arte. Porém, na maioria das vezes a consciência sobre o “emprego
correto” desses elementos visuais está no subconsciente, adquirida em sua grande maioria
por meio de experiências anteriores. O artista no momento da criação não está preocupado
em determinar o local exato de cada elemento da linguagem visual, mas à medida que vai
colocando em prática ele torna visível o seu entendimento.
Ao se explicarem os princípios teóricos da arte, há sempre o perigo de ficarmos
com a impressão de que o artista, quando cria, está apenas preocupado em
formular ótimas soluções para noções abstratas. Isso seria um grande mal-
entendido. Lembramos que as forma de expressão resultam de processos de
elaboração intuitiva de vivências, processos estes muitas vezes desconhecidos
pela consciência da pessoa. Até se poderia dizer que a forma expressiva não é
procurada e sim encontrada. Somente depois de encontrá-la, o artista vem a saber
o que de fato procurou. (OSTROWER, 1984, p.271).
Conceitos como movimento visual, contraste, semelhança, tensão espacial e ritmo
não estavam presentes de forma consciente em nossos vários projetos (desenhos) para
construção da Instalação. Apenas tínhamos em mente o formato que pretendíamos alcançar
e a sequência de cores e tonalidades que iriam ajudar na harmonia da obra.
Foi apenas ao término da instalação que tomamos consciência da presença desses
elementos visuais. Enxergamos o potencial das peças e a função que cada uma tinha na
composição final, assim como o movimento visual que as linhas diagonais
proporcionavam. Para Ostrower (1984, p.44), “o artista só pode julgar seu trabalho, avaliar
determinadas soluções, optar por alterá-las ou não, diante de fatos físicos. Quer dizer, ele
precisa fazer antes de julgar. Ou, o que vem a ser a mesma coisa, o artista julga enquanto
faz”. Este fato se confirma pelos vários desenhos e as duas testagens realizadas antes da
montagem final, que tinham por objetivo encontrar a melhor solução visual para a
instalação. Claro que não encontramos o caminho perfeito para a obra, mas em cada etapa
fomos desvendando problemas que nem tínhamos conhecimento de sua existência.
A partir das reflexões teóricas sobre processo criativo e composição, iniciaremos
agora a descrição de nossa prática, que abarca desde a escolha pelo espaço, projeções de
configuração da obra, testagens e o resultado destas.
72
5.2 Projetando
Como já mencionado em capítulo anterior a escolha do lugar era imprescindível,
pois é da natureza da Instalação sua relação de sentido com o espaço. O formato da obra
seria guiado pelas dimensões e características do local escolhido. De início foi pensado na
Rodoviária de Natal (Capítulo 3), dessa forma projetaríamos em função deste espaço.
Idealizada a localidade para a montagem da instalação, fomos a campo (Rodoviária
nova). A visita tinha o intuito de escolher o lugar exato e adequado para instalar o nosso
projeto. Logo que entramos nos deparamos com o local que consideramos “perfeito” para a
montagem da instalação. Um saguão na entrada da rodoviária com aproximadamente dez
metros de comprimento e três de largura, onde ao longo de suas vigas percebemos uns
ganchos que facilitariam nosso trabalho.
Partindo dessas informações preliminares foi realizado o primeiro desenho do
projeto, tomando por base o espaço escolhido na rodoviária. Este foi um passo importante,
visto que até aquele momento não passava de uma ideia sem formato e que agora era mais
concreta, mesmo que ainda não tivéssemos a dimensão das nossas peças (quantidade e
tamanhos), e nem a liberação para utilização do local escolhido.
O formato idealizado consistia em uma espécie de rede, onde cada peça de memória
seria ligada umas às outras por meio de linhas em direções variadas. Essas “linhas” teriam
uma função fundamental, pois além de unirem e darem consistência à instalação, elas
também ajudariam na compreensão do simbolismo que a obra representa. A memória
coletiva das peças de enxovais das mulheres seria representada pelas conexões (linhas),
que retratariam as ligações existentes entre as lembranças de cada participante, já que
consideramos que essas memórias também fazem parte do grupo ASCOBEM.
73
Figura 56: Projeto na rodoviária, 2015.
Foto e desenho de Ana Paula Fernandes.
Após a longa espera pelo retorno da diretoria da Rodoviária às nossas solicitações,
e as reflexões que surgiram neste período, chegamos à conclusão de que o espaço da
própria associação empregaria muito mais sentido à instalação.
A mudança do local de montagem da obra acarretou em novas preocupações. A
estrutura da instalação (Figura 56) deveria se adequar ao novo ambiente. Foram feitos
alguns desenhos com a intenção de encontrar uma solução para “compor” a obra. Levamos
em consideração os variados tamanhos, formas e cores que nosso recurso criativo
(material) nos proporcionava, visto que agora já tínhamos essas informações.
Consideramos que seria interessante o formato de túnel, que ficaria disposto entre a
porta de entrada e a copa da ASCOBEM. Acreditávamos que esta localização
proporcionaria uma maior interação entre as mulheres e a obra, pois elas poderiam explorar
o trabalho à medida que entrassem na sala. As peças de memória seriam novamente
interligadas pelas conexões e o túnel seria formado com a ajuda de dois arames presos
entre as portas (Figuras 58 e 59).
74
Figura 57: Local do túnel, 2016.
Foto de Gilmara Costa.
Figura 58: Projeto Instalação túnel I, 2015.
Desenho de Ana Paula Fernandes
75
Figura 59: Projeto instalação túnel II, 2015.
Desenho de Gilmara Costa.
Esses desenhos não davam conta da quantidade de informações, dúvidas e soluções
que teríamos que encontrar para cada peça de enxoval. Tínhamos uma média de 16 peças
com tamanhos, formatos, texturas e cores diferentes. Este foi um dos nossos grandes
desafios.
Como fora mencionado no início deste capítulo, não tínhamos noção de como seria
realizada a disposição (composição) das peças e as conexões que abrangeriam a instalação.
Optamos por dividir o recurso criativo (enxovais em crochê) por cores, sendo estas
organizadas da mais clara para a mais escura (branco, bege, amarelo, salmão, caramelo,
marrom, vermelho, verde e preto). Para ajudar a organizar nossas ideias montamos um
esquema (Figura 60).
A peça amarela, botinha de bebê (figura 54) e a verde, pano de enceradeira, (figura
55) foram retiradas da instalação. A primeira porque a participante desistiu, e a segunda
porque a consideramos um “entrave” na obra, pois a cor e o formato destoavam muito do
restante das peças. Essa também é uma característica importante do processo criativo, as
escolhas. Segundo (SALLES, 1998, p.33);
Muitos artistas descrevem a criação como um percurso do caos ou cosmos. Um
acúmulo de ideias, planos e possibilidades que vão sendo selecionados e
combinados. As combinações são, por sua vez, testadas a assim opções são feitas
76
e um objeto com organização própria vai surgindo. O objeto artístico é
construído desse anseio por uma forma de organização.
Figura 60: Estudo das cores, 2015.
Desenho de Gilmara costa e Ana Paula Fernandes
5.3 Primeira testagem
Conforme íamos pesquisando e projetando a instalação fomos compreendendo que
o processo criativo é lento e cheio de surpresas. Até o artista mais experiente passa por
essa longa etapa, ninguém tem todas as respostas. Toda criação é “regada” por tendências,
no entanto, quando começamos a colocar em prática essas propensões constatamos que a
ideia inicial não resolvia todos os problemas.
As testagens são responsáveis pela resolução de muitos questionamentos, mas
principalmente pela tentativa de encontrar a melhor forma para o artista. Não existe a
garantia de que, a cada teste, as soluções serão melhores, mas à medida que o artista faz
suas escolhas, a obra vai ganhando várias configurações durante todo o processo, até
chegar ao formato final.
O crescimento e as transformações que vão dando materialidade ao artefato, que
passa a existir, não ocorrem em segundos mágicos, mas ao longo de um percurso
de maturação. O tempo do trabalho é o grande sintetizador do processo criador.
A concretização de tendência se dá exatamente ao longo desse processo
permanente de maturação. (SALLES, 1998, p.32).
77
Por sua própria natureza o nosso trabalho é formado por conexões, primeiro porque
era necessário um meio para interligar as peças de enxovais, e segundo, estávamos
trabalhando com lembranças, e a estrutura responsável pela memória funciona por meio de
conexões neurais. Decidimos então nos aproximar do formato de neurônios, estrutura
responsável por armazenar nossa memória, porém, não seguimos esse formato ao “pé da
letra”.
Tendo por base essa decisão, começamos a fazer pequenas interferências nas
conexões (linhas) para que ficassem mais parecidas com as conexões neurais, e para que a
estrutura da Instalação não ficasse tão vazia. Testamos três formas diferentes de
interferências, sendo a de número 3 (Figura 61) escolhida para a obra final.
Figura 61: Testando conexões, 2015 – 2016.
Foto de Gilmara Costa.
A primeira testagem foi realizada na sala de estar da casa de Ana Paula em 03 de
outubro de 2015, essa montagem tinha o intuito de nos fazer ver o que ainda era abstrato
(Figuras 62 e 63). Foi necessário um dia todo para montarmos as conexões entre as peças
que já tínhamos. Nesse primeiro teste acabamos não seguindo a ideia de túnel, era algo
mais intuitivo, como se as peças “falassem” o lugar para elas. A composição desta
testagem seguiu a divisão das peças por cores.
78
Figura 62: Testagem I – vazio, 2015. Foto de Ana Paula Fernandes.
Figura 63: Testagem I – visão geral, 2015. Foto de Gilmara Costa.
79
Foi utilizada como base para a instalação uma peça original que pertencia ao
enxoval de uma das participantes, Verônica, um pano de enceradeira, e a partir dela as
conexões foram montadas entre as peças. Era como se as peças de memória saíssem de
dentro da peça maior.
Ao término da primeira montagem percebemos que não existia unidade entre as
peças, pois não formavam um conjunto, era como se elas estivessem apenas estendidas, e
não lembravam em nada as estruturas neurais. O número de conexões era pequeno e as
linhas, em sua grande maioria, diagonais, não passavam a ideia de ligação que deveria
existir entre as peças, e o movimento visual proporcionado pelas conexões era quebrado
pelos obstáculos visuais formados pelas peças de enxovais.
A peça da enceradeira, com formato cilíndrico e cor verde, era muito distinta das
outras, já o restante das peças eram quase todas circulares, destacando a semelhança
formal10
entre elas, variando no tamanho e cores. O contraste ocasionado pelo pano da
enceradeira causava uma tensão espacial e um peso muito grande na primeira testagem da
Instalação e isso provocou a “divisão” visual do trabalho em dois: em um tínhamos o pano
da enceradeira, trazido ao primeiro plano, e no outro campo de observação tínhamos as
outras peças, agrupadas pelas semelhanças e transformadas em fundo. “Na percepção, as
semelhanças passam a constituir um “fundo” (menos diferenciado), ao passo que os
contrastes (mais diferenciados) denotam “figura”” (OSTROWER, 1984, p.257). Isso
significa que, dentro dessa teoria, o pano de enceradeira ganhava mais destaque e
importância em relação aos outros e essa não era a intenção.
5.4 Segunda testagem
O ato criador também pode estar ligado a um desprazer, gerado por problemas que
ocorrem ao longo do processo, como: bloqueio criativo, pressão com os prazos estipulados,
opiniões externas, etc. Mas também há momentos de prazer e encantamento, a satisfação
de ter dado certo, boas escolhas e a concretização de obra. “A obra vai, assim, se
desenvolvendo nesse ambiente emocionalmente tensivo, em meio a prazeres e desprazeres,
flexibilidade e resistência”. (SALLES, 1998, P.86).
10
Semelhança formal é um termo utilizado por Fayga Ostrower para nomear formas parecidas em uma
composição.
80
Com o resultado decepcionante da primeira testagem interrompemos o fluxo de
ideias por um tempo. Era como se o medo de outro resultado negativo nos impedisse de
dar continuidade ao caminho constante e “infindável” que é o processo criativo. Tínhamos
consciência que a realização de uma nova montagem não nos garantiria encontrar soluções
visuais para os problemas enfrentados na testagem anterior.
Preferimos falar da experimentação como movimento e não como evolução, não
há segurança, por parte do criador, de que a obra em construção esteja
caminhando de uma forma pior para outra melhor. A melhoria não é uma
certeza. Nas idas e vindas do processo, assistimos a muitas recuperações de
formas negativas. Essas permanentes adequações – cortes, substituições, adições
e deslocamentos -, que geram construção, não seguem um processo linear.
(SALLES, 1998, p.153).
Passada a tensão por não ter obtido o resultado almejado, voltamos a pensar em
uma nova testagem, assim como em novas soluções para os obstáculos que encontramos.
Para isso realizamos um novo desenho (Figura 65), onde as peças de enxovais se
aproximavam ainda mais do formato dos neurônios. Acreditávamos que ao adotar essa
configuração facilitaria a composição e a compreensão da Instalação.
Figura 64: Estrutura neural.
Fonte: http://www.infoescola.com/biologia/tecido-nervoso/
81
Figura 65: Imitando a estrutura neural, 2016.
Desenhos de Ana Paula Fernandes e Gilmara Costa
Por meio dessa nova configuração começamos a realizar pequenas intervenções nas
peças de enxoval (Figura 66), cada paninho ganhou uma espécie de calda, conexão de
número 3 (Figura 61). Além disso, todas as peças foram circundadas por correntes em
crochê com a intenção de ajudar na disposição das conexões que deveriam sair de todas as
extremidades da peça.
Figura 66: Intervindo nas peças, 2016.
Foto de Ana Paula Fernandes
82
Ao término das intervenções realizadas em cada peça, voltamos a pensar em como
iríamos dispor os objetos de memórias, peças de enxoval, e qual seria o lugar mais
adequado na associação. A disposição do recurso criativo continuou guiada pelas
semelhanças das cores, da mais clara para a mais escura, já a escolha pelo local exigiu mais
reflexão. O ambiente deveria proporcionar uma visão ampla, possibilitando a interação das
mulheres com a obra; ser um lugar central, como pé direito baixo e longe de janelas e
portas. Pensando assim, escolhemos um canto de parede da sala principal do prédio (Figura
67), pois nos proporcionava facilidades para a montagem.
Com a escolha do local, a instalação começou a ganhar forma novamente. Dessa
vez decidimos começar pela parte superior, onde as conexões que sustentariam as
primeiras peças seriam fixadas nas ripas e caibros do telhado e só depois seriam ligadas a
outros paninhos e à parede por meio de vários pregos. À medida que fomos interligando
outras peças e colocando novas conexões a instalação foi se aproximando do chão. A
intenção era que o formato geral da obra se aproximasse de um triângulo retângulo.
Figura 67: Escolhendo espaço na sala da ASCOBEM, 2016.
Foto de Gilmara Costa
83
Essa segunda testagem demandou muito tempo, cerca de um mês (entre novembro
e dezembro de 2015). Primeiro porque não podíamos estar presentes todos os dias em que
a associação estava aberta, e depois porque o horário de funcionamento da instituição era
curto, o que nos reservava pouco tempo para a execução da montagem. Após várias visitas
à ASCOBEM a instalação começou a ganhar forma, contudo, não conseguimos concluir
sua montagem. Tivemos que desmontar o que já havíamos realizado, por motivo de um
evento que fora realizado no local.
A desmontagem repentina da instalação sem o seu término não nos desanimou, pois
a sua montagem nos garantiu outra visão da obra. A nova configuração (formato de
neurônio, um número maior de conexões e sua disposição no espaço) mostrou avanços nas
soluções visuais empregadas nessa testagem, o que nos motivou.
5.5 Terceira testagem – Obra final
O retorno das atividades na ASCOBEM foi marcado por um longo tempo de
espera, tivemos que aguardar as férias de fim de ano e o carnaval para darmos início a uma
nova testagem. Esse período, de fevereiro a março de 2016, serviu para o amadurecimento
de ideias e de soluções que a instalação ainda demandaria.
Ao término das duas últimas testagens, foi percebido que o problema não estava
apenas nas soluções visuais que teríamos que encontrar para as variadas peças de enxovais
e suas conexões, havia também a questão poética, que demandaria a transmissão de
sentimento, sensações e memórias que aqueles paninhos traziam em cada ponto que os
constituíam. Esses sentimentos eram de fácil compreensão para as integrantes do trabalho,
já que nele estão representados momentos de suas vidas. Mas como seriam transmitidos
para outras pessoas?
Depois de algumas discussões chegamos à conclusão que a inserção de palavras e
pequenas frases recolhidas da terceira entrevista, sentimentos e memórias referentes à
reprodução das peças de enxoval, poderiam ser a solução para essa questão. Contudo, este
novo elemento também requereria testes. Para Salles, (1998, p.142); no momento da
construção da instalação, hipóteses de naturezas diversas são levantadas e vão sendo postas
à prova. São feitas seleções e opções que geram alterações e que, por sua vez, concretizam-
se em novas formas.
84
A grande questão agora seria como expor essas palavras, pois não poderíamos
simplesmente escrever num papel e “pendurar”. Pensamos inicialmente em utilizar a
própria linha das peças para “escrever”, mas como fazer para que ganhassem consistência e
onde ficariam? Fizemos um teste com a linha e empregamos cola em sua extensão para que
as palavras não desmanchassem, porém, não foi o suficiente, pois o material utilizado
continuou inconstante. Em seguida foi pensado em outro material maleável, mas que
garantiria consistência às palavras, arame (Figura 68). Os testes com esse novo material
foram bem sucedidos, o arame permitia a moldagem das letras, formando palavras e frases
como: “Saudade”, “Voltando pra casa”, “Arrumei”, “Na expectativa do natal”, “Um
sapatinho”. Todas retiradas dos discursos de nossas participantes.
Figura 68: Escrevendo com arame, 2016.
Foto de Ana Paula Fernandes
Durante a terceira testagem continuamos a seguir o formato idealizado na última
montagem, mesmo tendo consciência que não iríamos alcançá-lo por completo, pois a cada
nova testagem novas decisões são tomadas mesmo que pequenas, influenciando no
resultado final. As peças continuaram sendo dispostas levando em consideração as cores,
onde as mais claras se encontravam na parte superior da instalação, e as mais escuras na
parte inferior. O formato de neurônio nas peças também permaneceu sendo empregado
(Figura 69).
85
A disposição das peças mais escuras na parte inferior da instalação aumentou ainda
mais a sensação de peso visual nesta região. Lembrando que normalmente a parte inferior
de obras de arte já tem essa característica, mas a tensão espacial provocada pelas peças
escuras (vermelho e preto) aumenta ainda mais essa percepção, dando a essas peças a
“função” de base da obra.
Figura 69: Instalação “Entrelaçando Memórias”, visão geral, 2016.
Foto de Ana Paula Fernandes
No decorrer das testagens e conforme os registros fotográficos começaram a ser
feitos percebemos o potencial poético que aquelas imagens demandavam. Optamos então
por agregar mais duas matérias (luz e sombra), elementos já experimentados em outro
trabalho (“Tecendo a Vida”) de forma “tímida”, mas que de alguma forma marcou nossas
memórias (Figura 70). Salles (1998) chama de matéria tudo aquilo que é utilizado para
compor uma obra, ela está ligada a tendências do processo, ou seja, direciona o
86
desenvolvimento da obra. A matéria pode ser qualquer tipo de objeto ou material já
existente. Em nossa concepção o uso de luz e sombra, apesar de não ser algo palpável, são
matérias e fazem parte da obra. A obra é a junção de todas essas matérias. “No elo
estabelecido entre o uso da matéria e a tendência do projeto de um artista, pode-se
perceber, muitas vezes, que uma matéria é eleita em meio à complexidade de uma
manifestação artística.” (SALLES, 1998, p.67).
A utilização deste novo elemento despertou a curiosidade e o interesse de algumas
de nossas participantes, que até aquele momento não haviam se pronunciado sobre a
instalação realizada em seu espaço. Era para muitas delas uma espécie de teia de aranha. A
beleza estética proporcionada pelas sombras dos paninhos de crochê era tanta que
recebíamos muitas ideias delas sobre quais seriam as melhores para fotografar, frases
como: olha essa sombra é bonita; fotografem as sombras no geral; aquela é linda. Houve
até uma das mulheres, Madalena, que tomou a iniciativa de nos ajudar no processo de
iluminação para formar as sombras.
Figura 70: Iluminando, 2016.
Foto de Ana Paula Fernandes
Ao término da montagem das conexões e peças de crochê / memória, constatamos
que aquela instalação não era o nosso único trabalho e que as imagens fotografadas não
87
eram apenas registros daquele processo. Era algo mais, um novo “produto”, pois para sua
realização tivemos que demandar mais tempo, dedicação e experimentações com diferentes
lanternas, horários do dia e ângulos que possibilitaram uma nova visão daqueles objetos de
memórias, agora representados também por sombras. Para nós, esse elemento abstrato
(sombra) tinha uma relação direta com as lembranças destas mulheres, visto que a memória
existe apenas em nossas mentes e aconteceram em outro tempo, o que a torna impalpável,
assim como as sombras.
Este novo produto nos fez perceber a natureza instável e “infindável” da obra de
arte. Ela pôde se tornar várias outras, guiada apenas pela insatisfação do artista com o
resultado obtido, escolhas e descobertas de matérias (luz e sombra) diferentes, e por novas
necessidades encontradas durante o processo criativo. Foi essa dinamicidade defendida por
Salles (1998, p.78) que nos garantiu um novo trabalho.
O inacabado tem um valor dinâmico, na medida em que gera esse processo
aproximativo na construção de uma obra especifica e gera outras obras em uma
cadeia infinita. O artista dedica-se à construção de um objeto que, para ser
entregue ao público, precisa ter feições que lhe agradem, mas que se revela
sempre incompleto. O objeto “acabado” pertence, portanto, a um processo
inacabado.
Com isso, produzimos uma série de fotografias onde os sentimentos e memórias
são representadas por meio das conexões entre peças de enxovais (conexões neurais), além
de luz e sombra, elementos que transferem, para o trabalho artístico, a sensação de algo
encoberto, passado, imensurável. Esses elementos compositivos foram essenciais para a
construção de sentido da segunda obra (APÊNDICE C), pois mesmo quando descrevemos
nossas lembranças com detalhes não conseguimos passar os sentimentos vividos ali, pois o
abstrato não pode ser dito com palavras.
Para realizarmos a exposição das fotografias precisaríamos também refletir sobre a
disposição das imagens e realizar testagens, pois os elementos visuais presentes em cada
imagem poderiam ajudar ou interferir na sua compreensão, ou seja, a forma como as
imagens são expostas é elemento indispensável nessa etapa, é como se criássemos uma
nova composição.
Decidimos dividir as imagens selecionadas em três pranchas diferentes. Essa
organização foi guiada pelas semelhanças (formas, linhas e cores) encontrada entre os
conjuntos. Os contrastes observados em uma imagem podem ser considerados como
semelhança formal, dependendo do contexto que se encontra. Para Ostrower (1984, p.256),
88
“os contrastes se tornam “menores” ou maiores sempre em relação aos outros e em relação
ao contexto em que se encontram.” Observando separadamente a imagem 6 da prancha 1,
por exemplo, é possível perceber a tensão causada pelo elemento no canto superior direito,
como se a imagem se dividisse e ocasionasse uma quebra no movimento visual. Contudo,
quando colocado em conjunto com as outras 5 imagens, o contraste passa a proporcionar
ritmo, pois a presença deste mesmo elemento na outras imagens é caracterizado como
semelhança o que dá uma continuidade ao movimento. Segundo Arnheim (1998, p.70):
“Qualquer aspecto daquilo que se percebe – forma, claridade, cor, localização
espacial, movimento etc. – pode causar agrupamento por semelhança. Um
princípio geral que se deve ter em mente é que, embora todas as coisas sejam
diferentes em alguns aspectos e semelhanças em outro, as comparações só têm
sentido quando provêm de uma base comum.”
Outro ponto procurado no agrupamento das imagens por conjunto foi a noção de
movimento visual, proporcionado pelas linhas diagonais, e a continuidade11
que essas
características possibilitavam quando empregadas em conjunto. Por exemplo, as imagens
que formam os conjuntos 3 – 4 e 5 – 7 da prancha 2, possibilitam essa noção de
continuidade por meio de duas linhas que se encontram, de alguma forma, na imagem ao
lado.
Depois das reflexões proporcionadas pela teoria sobre processo criativo defendida
por Salles, e por nossas próprias experiências vivenciadas ao longo das produções desse
trabalho, constatamos que a produção de uma obra de arte transita em uma constante
transmutação. As diversas testagens trazem novas possibilidades de criação. Por isso, ao
terminar a montagem de “Entrelaçando Memórias”, sentimos a necessidade de dar
continuidade à criação por meio de fotografias. Os resultados foram dois trabalhos
artísticos com linguagens distintas, uma instalação (tridimensional) e uma série de
fotografias (bidimensional), porém ambos representativos das memórias afetivas de um
grupo.
11 Lei da Gestalt presente na percepção visual que explica a tendência humana de conectar formas parecidas.
92
6. AÇÃO PEDAGÓGICA
Com o título Entrelaçando memórias: a poética do tecer na instalação artística,
nossa ação pedagógica se deu em duas aulas expositivas sobre o tema “memória e arte”
(Figuras 71 e 72), ministradas a duas turmas do curso de Pedagogia, 1º período da tarde e
2º período da noite, do semestre 2015.2, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
durante o Projeto Exposição MEMORARTE.
O Projeto foi desenvolvido por professores do curso de Pedagogia, associados ao
grupo PIBID Artes Visuais. Consistiu na integração de quatro componentes curriculares
(Educação e Linguagem; Fundamentos Históricos-Filosóficos da Educação; Fundamentos
Psicológicos da Educação; Práticas Pedagógicas Integradas), com o objetivo inicial de
produzir um memorial descritivo dos momentos mais significativos de toda a trajetória
escolar de cada aluno, levando-os à reflexão sobre o fazer pedagógico de seus antigos
professores. Os métodos utilizados pelos docentes podem ser internalizados pelos alunos,
que de forma inconsciente acabam tomando-os como modelo para suas futuras práticas
docentes, caso sejam professores no futuro.
Uma das docentes participante do projeto, Profª. Renata, conhecendo o trabalho de
Laís Guaraldo (coordenadora do PIBID Artes Visuais) sobre cadernos de processo artístico
(diários gráficos), teve a ideia de associar a arte à produção dos memoriais, enriquecendo-
os. Dessa forma, o memorial descritivo de cada aluno foi usado para ajudar na produção de
uma obra de arte coletiva.
Inicialmente, ocorreu uma aula ministrada pela professora Laís Guaraldo, sobre
cadernos de processo artístico. Os exemplos de vários cadernos de artistas nacionais e
estrangeiros deixou claro que a criação não surge de forma aleatória, mas sim a partir de
estudos, experimentos, escolhas, vivências, etc. Esses cadernos descortinam o curso
criativo dos artistas e, ao mesmo tempo, servem para guardar as memórias desse processo.
Essa aula também serviu para mostrar aos alunos do curso de Pedagogia que a criação
artística não se resume apenas ao desenho e à pintura, mas que existe uma gama de
possibilidades e usos de diversos materiais que podem compor uma obra de arte na
representação das memórias. Foi assim que nosso trabalho de conclusão de curso serviu
como um dos referenciais para o que o grupo iria produzir. Fomos convidadas a expor
nosso projeto de trabalho e processo criativo, propondo outras possibilidades de trabalhar a
memória na arte.
93
Ministramos uma aula para duas turmas. Por meio de slides, explicamos nossos
objetivos, como surgiu a ideia, o porquê trabalhar com memória e o nosso processo
criativo até aquele momento. Também trouxemos o referencial artístico que nos auxiliou, e
que acabou sendo mais uma forma de apresentar outras possibilidades de produção
artísticas com o tema memória para as turmas. Finalmente, mostramos a forma como
trabalhamos a memória. Como estávamos no início de nossa prática, só foi possível expor
aos alunos o início da montagem de nossa instalação, ou seja, a primeira testagem que não
foi definitiva. O projeto do artista não é algo definitivo e acabado. É a partir do processo de
criação da obra de arte, com todos os medos dúvidas e tentativas do artista, que o projeto
se revela e se transforma na obra final.
Os processos criativos são processos construtivos globais. Envolvem a
personalidade toda, o modo de a pessoa diferenciar-se dentro de si, de ordenar e
relacionar-se em si e de relacionar-se com os outros. Criar é tanto estruturar
quanto comunicar-se, é integrar significados e é transmiti-los. Ao criar,
procuramos atingir uma realidade mais profunda do conhecimento das coisas.
Ganhamos concomitantemente um sentimento de estruturação interior maior;
sentimos que nos estamos desenvolvendo em algo de essencial para o nosso ser.
Daí se torna tão importante, para o artista ou para qualquer pessoa sensível, saber
do trabalho de outros, ter contato com seres criativos, não no sentido de uma
rivalidade, mas no sentido de um crescimento interior que também em nós se
realiza quando podemos acompanhar a realização de outro ser humano.
(OSTROWER, 2014, p142)
A fala de Fayga Ostrower resume nosso sentimento. Ao poder compartilhar nossas
ideias, contribuímos com o outro tanto na inspiração plástica quanto no trabalhar em
grupo. Não é fácil criar coletivamente, pois requer troca e aceitação. Assim, podemos dizer
que o processo criativo é de caráter dialético, pois ao elaborar e definir as ideias, novas
alternativas surgem, incorporando alguns pontos ou suprimindo outros, sempre na busca de
uma maior clareza e harmonia das escolhas. E essa dialética não ocorre apenas em relação
com a matéria utilizada na obra de arte, mas também na relação com o outro – que cria em
conjunto conosco.
O grupo “PIBID Artes Visuais” acompanhou o Projeto Exposição MEMORARTE
por cerca de dois meses, dando todo suporte aos alunos e orientando-os. Cada um produziu
uma obra de arte, usando os mais diversos meios e materiais para representar suas
memórias escolares. Posteriormente essas obras foram conectadas e se tornaram uma
instalação em forma de rede, uma teia de conexões e memórias que foi instalada e exposta
no Centro de Educação da UFRN.
94
Figura 71: Apresentação oral no curso de Pedagogia, I, 2015.
Foto de Estrela Santos.
Figura 72: Apresentação oral no curso de Pedagogia, II, 2015.
Foto de Estrela Santos.
97
Depois de realizada essa prática pedagógica com os alunos do curso de Pedagogia
da UFRN, demos continuidade à montagem da instalação na Associação Comunitária do
Bem Estar da Mulher. Em 09 de maio de 2016, dia em que as participantes da associação
comemoraram o Dia das Mães, fizemos um último encontro com elas para levar o
resultado do nosso trabalho, uma espécie de feedback (Figuras 73, 74, 75 e 76). Então,
montamos uma exposição fotográfica, resultado final da nossa obra de instalação se
98
transformou em material gráfico. Além de apresentar as fotos, fizemos uma síntese do que
foi o trabalho, mostrando como foi trabalhar memória com elas e a grande contribuição
que nos deram.
Figura 73: Algumas participantes da ASCOBEM que trabalharam conosco. 2016.
Foto de Ana Paula Fernandes.
Figura 74: Exposição na ASCOBEM. Foto de Ana Paula Fernandes. 2016.
99
Figura 75: Apresentação do resultado do trabalho prático na ASCOBEM.
Foto de Ana Paula Fernandes. 2016.
Figura 76: Foto de Ana Paula Fernandes. 2016.
100
CONCLUSÃO
As interações vivenciadas durante todo o processo de elaboração da obra foram
essenciais para a formação de uma “rede de conexões”, com as memórias e experiências,
compartilhadas com as mulheres da ASCOBEM, mostrando que a complexidade do
trabalhar em conjunto enriquece a obra, pois a realidade é construída de interações com o
outro.
Por meio das reflexões que este trabalho suscitou, conseguimos perceber a linha
tênue existente entre o tecer, a mitologia, a prática do enxoval e a memória, pontos
significativos para a construção da nossa obra. A partir dos estudos que nos direcionaram à
origem mitológica da memória através de Mnemosyne; o tecer associado ao controle do
tempo, da “construção” da vida e suas escolhas, vivenciado por Penélope; e a prática do
enxoval como característica inerente às antigas práticas femininas, entendemos que as
mulheres da ASCOBEM, de alguma forma, têm uma relação com essas personagens
mitológicas, pois através do tecer constroem seus caminhos e sua independência.
Já as memórias afetivas dessas mulheres, contidas em peças de crochê produzidas
por elas, apesar de serem pessoais e únicas, podem ser representativas de um coletivo,
agregando sentido à obra. E outro ponto de adição de sentido é o espaço de sua instalação.
Como foi visto nas reflexões sobre a Instalação como recurso artístico, o espaço é parte
constituinte da obra. A sala principal da ASCOBEM transmite uma sensação de
acolhimento e aconchego, que acabam favorecendo as trocas de experiências, portanto,
melhor opção para se tornar matéria constituinte da obra.
Depois das reflexões proporcionadas pela teoria sobre processo criativo defendido
por Cecília Salles, e por nossas próprias experiências vivenciadas ao longo das produções
desse trabalho, concluímos que a construção de uma obra de arte transita em uma constante
transmutação. As diversas testagens trazem novas possibilidades de criação. Por isso, ao
terminar a montagem de “Entrelaçando Memórias”, sentimos a necessidade de dar
continuidade à criação por meio de fotografias. Os resultados foram dois trabalhos
artísticos com linguagens distintas, uma Instalação (tridimensional) e uma série de
fotografias (bidimensional), porém ambos representativos das memórias de um grupo.
Concluímos que as redes tecidas ao longo do processo de construção, dessas duas
obras, são longas e repletas de conexões, que transformaram o nosso trabalho em uma rede
conexa de memórias afetivas.
101
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Acesso em: 05 maio 2015.
105
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
ENTRELAÇANDO MEMÓRIAS
– Projeto de instalação artística –
Proposta apresentada ao gestor do
Terminal Rodoviário Severino Tomaz da Silveira
Por
Ana Paula Ribeiro Fernandes
Gilmara Catarine Dantas Costa
Agosto de 2015
106
ENTRELAÇANDO MEMÓRIAS
– Proposta de instalação artística –
Somos alunas concluintes do curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vimos por meio desse projeto, solicitar
autorização para a utilização de um espaço da rodoviária, para montar uma obra de arte
temporária relacionada ao nosso trabalho de conclusão de curso.
Pretendemos realizar uma instalação artística utilizando retalhos de crochê como
matéria prima, produzidos por nós e diferentes mulheres da Associação Comunitária do
Bem Estar da Mulher (ASCOBEM). Pretende-se construir uma relação poética entre a
atividade do tecer e a memória contida em peças de enxovais.
O trabalho aqui proposto será uma instalação. Nesse tipo de proposta o espaço e a obra
são um só. Isso significa que a nossa escolha pela rodoviária a inclui como parte da obra,
sem o espaço a obra não existe. Os dois se relacionam, fazendo do espaço parte da obra de
arte.
Escolhemos trabalhar com mulheres da ASCOBEM por se tratar de um grupo com
interesses e histórias em comum. A maioria veio do interior do estado do Rio Grande do
Norte ou de outras regiões do nordeste. A rodoviária seria um símbolo da chegada dessas
mulheres na cidade de Natal, mesmo que elas não tenham passado por lá. Apesar de ser um
espaço de passagem, a relação dos passageiros com a rodoviária pode ser de busca, de
esperança por um futuro melhor em outro espaço, outra cidade, outra casa, que não são o
seu lugar, mas que podem vir a ser. Portanto, esse espaço de passagem tem relação com as
memórias dessas mulheres, que vieram de outras cidades em busca de uma vida nova.
A instalação
A estrutura terá o formato de neurônios, células formadoras do sistema nervoso que
estabelecem conexões entre si, trocando estímulos e informações. É devido às suas
conexões que retemos a memória. De acordo com Vergne (2011, p. 44), “quanto mais
conexões mais memórias”. É justamente essa ligação que pretendemos evocar, a relação do
tecer, das conexões e o entrelaçado das linhas com a memória.
Serão reproduzidos “retalhos” das peças de enxoval escolhidas pelas mulheres,
onde cada uma terá a oportunidade de tecer novamente a sua memória, tendo como
107
inspiração as lembranças que as peças carregam. Dessa forma elas poderão,
simbolicamente, relembrar bons momentos, mas também voltar aos “nós” existentes
naquelas lembranças e desatá-los, reconstruindo uma nova peça carregada de memória.
Nossa proposta é instalar a obra no hall de entrada da rodoviária, espaço próximo à
praça de alimentação e de grande fluxo de pessoas. Isso dará mais visibilidade à instalação.
Foto do espaço escolhido
Esse espaço possui duas vigas paralelas, onde se encontram ganchos já instalados e
no momento sem utilização. Nossa obra seria fixada a partir desses ganchos sem trazer
dano à estrutura do prédio e de fácil remoção. A obra é provisória e permanecerá no prédio
por uma semana (tempo necessário para instalar, expor e desmontar). Todo o processo de
montagem e desmontagem da obra, bem como sua integridade, será de nossa
responsabilidade. É importante destacarmos que a obra instalada não interferirá na
circulação do público.
108
Pré-projeto da instalação (exemplo de como ficará no espaço)
Arte na cidade
A arte ao longo dos séculos vem se renovando e criando novas possibilidades,
como, técnicas, conceitos, suportes e novos campos de pesquisa. Passou a ser entendida
como um universo complexo, onde não importa apenas os resultados (obra), mas sim, todo
o seu processo de construção, que vai da elaboração da ideia até a exposição da obra e
interação com o público.
Com a arte contemporânea esse processo se intensificou. As obras de arte deixaram
de “existir” apenas em galerias e museus, passaram para as ruas, prédios público, estações
109
de metrô, placas de sinalização, calçadas e outros lugares pouco convencionais, tornando a
arte mais acessível.
Traremos a seguir alguns exemplos de como a arte e a cidade podem se relacionar,
mostrando que fazer uma instalação artística na rodoviária de Natal é interessante e
importante para o público atendido pelo estabelecimento, assim como para o próprio local.
Intervenção realizada em um transporte coletivo na Finlândia.VirpiVesanen-Laukkanen.
Fonte: https://catracalivre.com.br/geral/gentileza-urbana/indicacao/croches-coloridos-enfeitam-assentos-de-
onibus-na-finlandia/#
Instalação artística feita de rendas.Fame Festival, Grottaglie / Itália 2011.
O tecer.NeSpoon
Fonte: https://www.behance.net/gallery/1967767/Fame-Festival-2011-installation.
110
Instalação realizada na Estação Trianon-MASP do metrô - São Paulo.
Passagem, 2014. Laura Gorski.
Fonte: http://lauragorski.com/Passagem
Instalação realizada na Estação Trianon-MASP do Metrô – SP. “Die Fliegen (As Moscas)”. Alexandra
Ugern-Sternberg.
Fonte :https://culturaefutebol.wordpress.com/2014/06/21/exposicao-die-fliegen-as-moscas-na-estacao-
trianon-masp/
111
REFERÊNCIAS
SALLES, Cecilia Almeida. Redes da criação: Construção da obra de arte. Vinhedo:
Editora Horizonte, 2006.
TEDESCO, Elaine Athayde Alves. Instalação: campo de relações. Prâksis (Novo
Hamburgo), v.1, 2007. Disponível
em:<http://www.comum.com/elainetedesco/pdfs/instalacao.pdf>. Acesso em: 25 maio
2015.
VERGNE, Gisela de Moraes. Tecendo memórias no ar: A atividade sequencial com fios
como espaço de metáfora e subjetividade. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes,
2011. Disponível em:
<http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/N201171.pdf>. Acesso em: 16
maio 2015.
112
APÊNDICE B
Entrevista 1
NOME: Alcione.
IDADE: 54 anos.
ESTADO CIVIL: casada.
FILHOS: dois.
NATURALIDADE: Pernambuco (Zona urbana).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Aproximadamente dez anos.
COM QUEM APRENDEU?
Fez um curso na criando arte.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Ponto alto, linha Cléa fina e cor azul.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Cinza, porque acha feio.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Plástico.
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Renda turca.
Entrevista 2
NOME: Francisca Carneiro.
IDADE: 49 anos.
ESTADO CIVIL: Casada.
FILHOS: uma filha.
NATURALIDADE: Angicos – RN (Zona urbana).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Com 10 anos de idade já sabia fazer.
COM QUEM APRENDEU?
Sozinha, via as pessoas fazendo e copiava.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
113
Não tem preferência por ponto, prefere a cor branca e não gosta de trabalhar com
barbante.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
O preto.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Linha 10 (linha de pipa).
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Apenas o crochê.
Entrevista 3
NOME: Maria das Graças (Presidente da associação).
IDADE: 64 anos.
ESTADO CIVIL: Casada
FILHOS: cinco filhos.
NATURALIDADE: Natal – RN.
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Há pouco tempo na associação.
COM QUEM APRENDEU?
Com Madalena.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Não tem preferência por ponto, a linha grossa e não tem preferência por cor.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Utiliza todas as cores e não gosta de linha fina.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Cordão (Barbante).
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Garrafa pet.
Entrevista 4
NOME: Maria da Guia.
IDADE: 51 anos.
ESTADO CIVIL: Casada.
114
FILHOS: duas filhas.
NATURALIDADE: Paraíba (Zona Rural).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Aproximadamente quatro anos.
COM QUEM APRENDEU?
Na associação.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Não tem preferência por ponto de crochê, prefere linha Cléa e a cor branca.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Preto (só utiliza se for por encomenda).
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Nada diferente.
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Garrafa pet.
Entrevista 5
NOME: Madalena.
IDADE: 58 anos.
ESTADO CIVIL: Viúva.
FILHOS: dois filhos.
NATURALIDADE: Maranhão (Zona rural).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Aprendeu com 18 anos.
COM QUEM APRENDEU?
A tia mandava ela fazer, aprendeu vendo a tia fazer.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Não tem preferência por ponto de crochê, prefere linha fina e não tem preferência
por cor.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Ela usaria todas as cores e não utilizaria barbante.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Nada diferente.
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QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Renda turca e garrafa pet.
Entrevista 6
NOME: Marilene.
IDADE: 43 anos.
ESTADO CIVIL: Casada.
FILHOS: dois filhos.
NATURALIDADE: Sibauma (Praia).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Aprendeu esse ano na associação.
COM QUEM APRENDEU?
Com Madalena.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Não tem preferência por ponto de crochê, prefere linha de algodão e não tem
preferência por cor.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Ela não usaria o preto.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Nada diferente.
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Garrafa pet.
Entrevista 7
NOME: Maria do Socorro.
IDADE: 70 anos.
ESTADO CIVIL: Casada.
FILHOS: Nenhum.
NATURALIDADE: Ceará (próximo a Juazeiro).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Na infância.
COM QUEM APRENDEU?
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Com a tia, trabalhava a luz de velas. Ela ainda utilizou o fuso.
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Linha Clea e Misse crochê.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Verde.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Produzia o próprio fio de algodão com a máquina de fuso.
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Apenas o crochê.
Entrevista 8
NOME: Maria Teresinha.
IDADE: 68 anos.
ESTADO CIVIL: Solteira.
FILHOS: dois filhos.
NATURALIDADE:
Ceará Mirim - RN (Zona Rural).
HÁ QUANTO TEMPO APRENDEU O CROCHÊ?
Era criança.
COM QUEM APRENDEU?
Com a mãe (a mãe ensinou a vários netos).
TEM PREFERÊNCIA POR ALGUM PONTO, ESPESSURA DA LINHA E COR?
Ponto alto, a linha grossa e a cor branca.
QUE COR VOCÊ NUNCA USARIA EM SEUS TRABALHOS DE CROCHÊ?
Utiliza todas as cores e não gosta da linha Princesinha.
QUE TIPO DE MATERIAL VOCÊ JÁ USOU NO LUGAR DA LINHA?
Ráfia.
QUE OUTRA TÉCNICA VOCÊ JÁ UTILIZOU COM O CROCHÊ?
Garrafa pet.
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ANEXO A: Registro fotográfico dos trabalhos das mulheres da ASCOBEM
Alcione, Manta. Foto de Gilmara Costa, 2015.
Francisca, Bico. Foto de Ana Paula Fernandes, 2015
124
Graça, Galinha de pet. Foto de Ana Paula Fernandes, 2015
Guia, Tecendo. Foto de Gilmara Costa, 2015
125
Madalena, Tiara. Foto de Ana Paula Fernandes, 2015
Marilene, Galinha pet. Foto de Ana Paula Fernandes, 2015