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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS INSTITUTO DE ECONOMIA AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO BANCO MUNDIAL NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTERNACIONAIS Gabriel Rached Orientador Prof. Dr. Reinaldo Gonçalves RIO DE JANEIRO 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO BANCO MUNDIAL

NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTERNACIONAIS

Gabriel Rached

Orientador

Prof. Dr. Reinaldo Gonçalves

RIO DE JANEIRO

2008

Gabriel Rached

AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO BANCO MUNDIAL

NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTERNACIONAIS

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Reinaldo Gonçalves

UFRJ

RIO DE JANEIRO

2008

i

RACHED, GABRIEL

AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO BANCO MUNDIAL NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTERNACIONAIS / GABRIEL RACHED. -- RIO DE JANEIRO: UFRJ / INSTITUTO DE ECONOMIA, 2008.

X, 258 F.; 29 CM.

ORIENTADOR: REINALDO GONÇALVES.

TESE (DOUTORADO) – UFRJ / INSTITUTO DE ECONOMIA, 2008.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: F. 247-258

1. BANCO MUNDIAL. 2. POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. 3. ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL. 4. ORGANISMOS MULTILATERAIS. 5. BRASIL – TESE I. GONÇALVES, REINALDO. II. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, INSTITUTO DE ECONOMIA. III. TÍTULO.

ii

AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO BANCO MUNDIAL

NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES INTERNACIONAIS

Gabriel Rached

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia.

Banca Examinadora:

_____________________________

Prof. Dr. Reinaldo Gonçalves (Orientador)

Instituto de Economia/UFRJ

_____________________________

Prof. Dr. Carlos Medeiros

Instituto de Economia/UFRJ

_____________________________

Prof. Dr. Edson Peterli Guimarães

Instituto de Economia/UFRJ

_____________________________

Profa. Dra. Lia Valls Pereira

Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ

_____________________________

Prof. Dr. Marcelo Carcanholo

Universidade Federal Fluminense/UFF

IE/UFRJ

RIO DE JANEIRO

2008

iii

Aos meus pais,

que colocaram minha formação acima de tudo.

iv

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus que certamente iluminou cada passo da

trajetória que resultou nesse trabalho. Agradeço à CAPES pelo apoio financeiro em parte do

doutorado, bem como pela oportunidade única de realizar parte dessa pesquisa no exterior

através da bolsa sanduíche, e também ao Instituto de Economia da UFRJ - cujo convívio e

aprendizado adquirido através da interação com o corpo docente e seus funcionários

viabilizaram a execução dessa tese.

Sou grato ao professor Reinaldo Gonçalves, orientador de agradável convívio, que

sempre foi, ao longo dessa jornada, fonte de estímulo e inspiração. Seu apoio, críticas e

sugestões foram indispensáveis ao desenvolvimento deste trabalho. Considero que sua

sabedoria, generosidade e gentileza, combinadas harmonicamente, foram capazes de

proporcionar o apoio e incentivo fundamentais para que a presente tese fosse concluída.

Agradeço aos meus queridos e amados amigos Maurício Metri, Vivian Ugá, Esther

Dweck, Valéria Quiroga, Flavio Encarnação, Pedro Miranda e Fábio Leite, com os quais tive

o prazer de compartilhar, além de algumas angústias e receios mútuos, inúmeros momentos de

felicidade dentro e fora do Rio de Janeiro. Aos meus caros amigos do doutorado, Daniel

Keller e Paula Nazareth, cujo estímulo e companheirismo bem como a solidariedade diante

dos desafios inerentes a essa longa jornada, serviram de alento em cada etapa deste trabalho.

A minha amiga Mariene Valadares, que tanto estimo e admiro, de generosidade única,

devo agradecer de coração sua ajuda, apoio, conselhos e solidariedade, além dos muitos bons

e divertidos momentos compartilhados ao longo dos últimos anos.

Sou muito grato aos meus pais, Samir e Marcelle Rached, a quem dedico este trabalho.

Assim como em outras empreitadas, obrigado pela torcida que é digna de minha sincera

gratidão.

Não poderia deixar de mencionar aqui minha gratidão a Helena Carvalho de Lorenzo,

minha cara orientadora nos tempos da graduação e mestrado, que sempre me estimulou e,

acima de tudo, me fez acreditar que isso tudo era possível. Da mesma forma, sou muito grato

ao Marcos Arruda, tanto pelas dicas relativas à tese quanto ao auxílio e solicitude

fundamentais para viabilizar a etapa da pesquisa realizada no exterior.

Por fim, para todos aqueles caros amigos que, mesmo distantes em termos

geográficos, de alguma forma estiveram sempre presentes no afeto e amparo indispensáveis

ao cumprimento dessa longa jornada.

v

“Our dream is a world free of poverty”

Slogan cravado na sede do Banco Mundial em Washington.

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

Livro dos Conselhos

vi

RESUMO

O Banco Mundial, organismo multilateral criado em 1944 em decorrência dos acordos da Conferência de Bretton Woods, é produto de uma conjuntura internacional específica marcada pela ascensão dos Estados Unidos ao posto de potência hegemônica. Constituído originalmente com o propósito de auxiliar nos processos de reconstrução e desenvolvimento dos países-membros por meio de políticas de financiamento, o Banco Mundial foi alterando, ao longo das décadas, tanto sua visão acerca do processo de desenvolvimento quanto sua forma de atuação no âmbito internacional. Estas mudanças expressam contextos internacionais específicos que resultam, em grande medida, das estratégias de gestão do sistema mundial por parte do hegemon em um ambiente internacional permeado pela rivalidade interestatal. Com base nesta perspectiva, o objetivo geral desta tese é examinar as mudanças ocorridas na forma de atuação do Banco Mundial no contexto das transformações internacionais, observando os principais momentos de reorientação de suas políticas de financiamento. Levando em conta as principais alterações na estratégia global de financiamento do Banco Mundial, o objetivo específico desta tese consiste em analisar as mudanças nas políticas de desenvolvimento da instituição aplicadas ao contexto da economia brasileira no período 1946-2006.

vii

ABSTRACT

The World Bank, a multilateral organization established in 1944 as a result of the Bretton Woods Agreements, is an outcome of a specific international circumstance, marked by the rise of the United States as the hegemonic power. This organization was initially constituted to help in the process of rebuilding and development of its members using financing policies. However, the World Bank altered its initial goals during the decades, especially in what concerns its vision of the development process and its action proposals on a global scale. These changes express specific international contexts that resulted, to a large extent, from the management strategies of the world system by the hegemon, in an international environment characterized by interstate rivalry. Assuming this perspective, the general purpose of the thesis is to examine, in the context of international transformations, the changes that occurred in the way that the World Bank proceeds, observing the most important reorientation moments of its financial policies. Considering these alterations in the global financial procedures of the World Bank, the specific purpose of the thesis is to analyze the changes in the organization’s development policies in the context of the Brazilian economy during 1946-2006.

viii

SUMÁRIO

Introdução ...........................................................................................................1

Primeira Parte: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Capítulo 1 - Economia Política das Organizações Internacionais: fundamentos teóricos ........................................................................................9

1.1. Aspectos históricos do Sistema Interestatal: a rivalidade na disputa por Poder e

Riqueza ......................................................................................................................... 10

1.2. Relações interestatais e aspectos da gestão do sistema mundial....................... 19

1.3. O princípio do Multilateralismo nas Relações Internacionais .......................... 22

1.4. Organismos Multilaterais e o Hegemon............................................................ 28

1.5. Esquema teórico-interpretativo......................................................................... 41

Segunda Parte: ANÁLISE HISTÓRICO-EVOLUTIVA DAS POLÍTICAS DO BANCO MUNDIAL

Capítulo 2 - Transformações Internacionais e mudanças nas políticas do Banco Mundial: origens e funções (1946-1973) e modificações relevantes (1974-1990)......................................................................................53

2.1. O fim da II Guerra e a criação do Banco Mundial em Bretton Woods ............ 53

2.2. O poder na gênese do Banco Mundial .............................................................. 64

2.3. Financiamento para o desenvolvimento............................................................ 73

2.4. Assistência externa, crescimento e desenvolvimento ....................................... 84

2.5. A mudança no padrão monetário e a crise da dívida dos países periféricos..... 89

Capítulo 3 - A era liberal e o Banco Mundial (1991-2006) .......................104

3.1. O fim da Guerra Fria e o Consenso de Washington ....................................... 104

3.2. O neoliberalismo e seus reflexos na política do Banco Mundial: reformas de

primeira geração.......................................................................................................... 119

3.3. O aprofundamento do ajuste: segunda geração de reformas .......................... 127

3.4. A visão de desenvolvimento do Banco Mundial e a influência externa ......... 135

3.5. O papel do Estado na visão do Banco Mundial .............................................. 143

3.6. As novas prioridades em termos de desenvolvimento econômico: políticas

sociais e o combate à pobreza..................................................................................... 153

Terceira Parte: ESTUDO DE CASO - O RELACIONAMENTO ENTRE O BRASIL E O BANCO MUNDIAL

Capítulo 4 - Políticas e financiamentos do Banco Mundial para o Brasil: das origens até 2006 ..........................................................................172

4.1. Aspectos metodológicos e agregação dos dados ............................................ 173

4.2. O período de vigência dos acordos de Bretton Woods: 1946-1973................ 183

4.3. O período de transição: de 1974 a 1990.......................................................... 197

4.4. A era liberal e o Banco Mundial no Brasil: 1991 a 2006................................ 217

Considerações Finais.....................................................................................241 Referências Bibliográficas.............................................................................247

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1.1 – Eixos do Esquema Teórico Interpretativo .................................................... 51

Figura 3.1 - Empréstimos Setoriais: 1961-2001 (como porcentagem dos empréstimos

totais)............................................................................................................................... 161

Figura 4.1 - Distribuições % dos valores dos empréstimos segundo os setores: 1946-73,

1974-90 e 1991-2006 ...................................................................................................... 182

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 2.1 - As condicionalidades e o Banco Mundial ................................................... 71

Quadro 2.2 - Presidentes do Grupo Banco Mundial e Presidentes dos EUA no período da

indicação (1946-2006) ...................................................................................................... 78

Quadro 2.3 - Os Programas de Ajustamento Estrutural propostos pelo Banco Mundial . 95

Quadro 3.1 - Consenso de Washington........................................................................... 111

Quadro 3.2 - Síntese dos tipos de ajustamento ............................................................... 120

Quadro 3.3 – Empréstimos de Ajustamento Estrutural do Grupo Banco Mundial (1980-

2000) ............................................................................................................................... 133

Quadro 3.4 - Millennium Development Goals (MDGs)................................................. 165

Quadro 4.1 – Etapas do processamento de um pedido de crédito externo ..................... 179

Quadro 4.2 – Plano Baker............................................................................................... 209

Quadro 4.3 – Plano Brady............................................................................................... 211

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 4.1 - Distribuições % dos valores dos empréstimos segundo os setores: ........... 181

Tabela 4.2 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1946-73, 1974-90 e

1991-2006 ....................................................................................................................... 181

Tabela 4.3 - Banco Mundial: Empréstimos aprovados - Brasil e mundo (US$ milhões)187

Tabela 4.4 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1949-73 .............. 189

Tabela 4.5 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1949-73.................. 190

Tabela 4.6 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1974-90. ............. 201

Tabela 4.7 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor:1974-90................... 202

Tabela 4.8 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1991-2006 .......... 222

Tabela 4.9 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1991-2006.............. 223

Tabela 4.10 - Banco Mundial: Fluxos Financeiros com o Brasil entre 1987-1996 (em US$

milhões)........................................................................................................................... 225

1

Introdução

O Banco Mundial é um organismo multilateral criado em julho de 1944 em

decorrência dos acordos da Conferência de Bretton Woods1. Esses acordos tiveram

validade para o conjunto das nações capitalistas lideradas pelos Estados Unidos, país que

despontava no cenário internacional como potência econômica e militar, tendo como

principais desdobramentos a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como

Banco Mundial. Criados, em tese, com o intuito de reconstruir, estabilizar e desenvolver

a economia mundial, esses órgãos multilaterais, ambos sediados em Washington, passam

a representar o alicerce sob o qual se estruturou a nova ordem mundial no pós-guerra

(MASON & ASHER, 1973, p. 04).

Na contramão da maioria dos estudos realizados sobre o Banco Mundial, a

perspectiva adotada por esta tese tem por objetivo examinar a instituição pela ótica do

longo prazo, ou seja, observar esse organismo enquanto produto de uma conjuntura

internacional específica - e não simplesmente como o ponto de partida da análise. Dessa

forma, convém então apresentar a relevância de examinar o Banco pela perspectiva de

longo prazo, resgatando alguns elementos históricos associados à constituição deste

organismo introduzindo, inclusive, aspectos relacionados ao método proposto para

executar tal tarefa.

Levando em consideração que o Banco Mundial foi constituído para funcionar

como organismo estabilizador da nova ordem mundial do período pós-guerra, torna-se

natural pressupor que os Estados Unidos - amparados pela sua posição de destaque como

potência mundial - apresentavam condições para desfrutar de maior poder no interior da

instituição desde o momento de sua gênese em 1944. Nesse sentido, ao serem negociadas

as regras e os instrumentos de atuação do Banco para a estruturação da nova ordem

econômica mundial, tratava-se de questão fundamental para os Estados Unidos – no

1 A Conferência, que fazia parte das negociações do pós-guerra, foi realizada no estado norte-americano de New Hampshire e contou com cerca de 400 delegados, representantes de 44 países, com o objetivo de planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais em tempos de paz.

2

intuito de perpetuar institucionalmente sua posição de destaque no cenário internacional –

empenhar-se para garantir certo grau de controle sobre a dinâmica de funcionamento de

instituição (IKENBERRY, In FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p.

49).

Grande parcela do controle exercido pelos Estados Unidos no interior do Banco

Mundial foi sedimentada na própria estrutura de governança da instituição, uma vez que a

distribuição de poder no controle interno do Banco não segue a estrutura igualitária entre

os países-membros - em que todos os países, pequenos e grandes, ricos e pobres, são

considerados iguais. Na verdade, em se tratando do controle no interior da instituição, a

parcela destinada a cada membro acompanha as desigualdades da distribuição de riqueza

e poder observada no cenário internacional, desigualdade que é traduzida na percentagem

das cotas de ações do Banco (que determina o poder de voto) que cada país possui. O

maior acionista do Banco Mundial é o governo dos Estados Unidos, o único que possui

poder de veto sobre as decisões da organização. Tal distribuição de poder em termos da

governança do Banco já evidencia que a dinâmica de funcionamento da instituição é

permeada pela hierarquia existente no sistema interestatal (GILBERT & VINES, 2000, p.

20).

Em linhas gerais, o ponto que se pretende destacar aqui é que a criação do Banco

Mundial na Conferência de Breton Woods reflete um momento de rearranjo de poder e

riqueza em escala mundial. Trata-se de um momento em que os Estados Unidos

despontam como novo poder hegemônico, e as questões acerca da forma de gestão do

sistema internacional passam a figurar entre as prioridades da agenda política externa do

hegemon2.

Do ponto de vista do hegemon, como forma de preservar sua posição de destaque

no âmbito internacional, fazia-se necessário delinear uma estratégia de gestão do sistema

mundial a ser seguida e que, ao mesmo tempo, fornecesse certo grau de estabilidade e

2 O termo “hegemon” é utilizado por diversos autores como forma de referência à capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. Esse termo, originado a partir do conceito de “hegemonia” formulado por Gramsci, é adotado em trabalhos importantes que contribuíram para o desenvolvimento dessa tese, tais como: Arrighi (1996), Gonçalves (2005), Fiori (1999 e 2004), Ruggie (1992) e Foot, Macfarlane & Mastanduno (2003).

3

segurança aos outros Estados soberanos3. Nesse sentido, o princípio do multilateralismo

vai ganhando cada vez mais espaço enquanto base da estratégia específica desse hegemon

na gestão do sistema mundial4.

Embora a prática do multilateralismo não tenha sido inventada no século XX, até

o final da Primeira Guerra Mundial, em poucas situações o multilateralismo havia

alcançado amplitude necessária a ponto de gerar organizações formais. A guinada para as

organizações formais de cunho multilateral, abordando grandes questões de interesse

internacional, ganhou peso de fato a partir de 1945. Naturalmente, essa mudança está

associada à estratégia de gestão do sistema mundial implementada pelos Estados Unidos

no pós-guerra (RUGGIE, 1992, p. 583).

A partir de então, as relações entre as nações passaram a ter como referência certa

hierarquia de poder a ser mediada e legitimada pelos organismos multilaterais. Levando

em conta a relação existente entre o hegemon e a gênese dos organismos multilaterais,

busca-se verificar se os interesses do hegemon são assimilados - e também transmitidos -

pela própria dinâmica de atuação desses organismos, inclusive do Banco Mundial. É

nesse ponto que a observação do multilateralismo enquanto estratégia de gestão do

sistema mundial adotada no pós-guerra pode contribuir para fundamentar a análise, dado

que a criação dos organismos multilaterais representa, potencialmente, uma das vias de

manutenção dos Estados Unidos em uma posição privilegiada no sistema internacional.

Através de suas atividades que vêm se estendendo por mais de seis décadas, o

Banco Mundial, objeto de estudo desta tese, manifestou capacidade de se reinventar

3 Ao longo da história do capitalismo, cada uma das nações que alcançou o status de nação hegemônica por determinado período adotou uma forma de gestão do sistema mundial específica – em geral optando por aquela que contribuísse para perpetuar sua manutenção nesse posto por mais tempo. A decisão por uma estratégia específica, por parte de cada nação hegemônica, esteve atrelada ao contexto histórico em que estava inserida bem como à distribuição de poder na esfera internacional daquele período. Em relação ao caso dos Estados Unidos – mais especificamente em termos dos planejadores americanos do pós-guerra - o multilateralismo, em seu sentido genérico, representou um princípio “arquitetônico” fundamental sobre o qual deveria ser reconstruído o mundo naquele momento (ARRIGHI, 1996, p. 27). 4 O princípio do multilateralismo, de forma simplificada, pode ser definido como a prática de coordenação de políticas - em grupos de três ou mais Estados - de acordo com certos princípios e, principalmente, em função de uma causa comum. As normas multilaterais foram institucionalizadas ao longo da história, desde as origens do moderno sistema mundial, tendo como principais funções: definir e estabilizar os direitos de propriedades dos Estados soberanos e gerenciar e resolver os problemas de coordenação e colaboração entre os Estados (KEOHANE, 1990, p. 732).

4

institucionalmente, modificando seu instrumental de ação que, não raro, ultrapassou os

limites da esfera econômica. Nesse sentido, elementos de ordem política, e mais

especificamente a distribuição do poder, também fazem parte e estão amplamente ligados

ao domínio de ação da instituição.

Essa breve menção à sua gênese tem o propósito de trazer ao debate o fato de que,

embora o Banco Mundial seja um organismo multilateral notoriamente reconhecido por

sua atuação no âmbito econômico, em termos efetivos, seu campo de ação se estende para

além dessa esfera. Partindo dessa perspectiva, a discussão do poder se torna fundamental

para examinar a atuação do Banco Mundial no cenário internacional.

Constituído originalmente com o propósito de auxiliar nos processos de

reconstrução e desenvolvimento dos países-membros por meio de políticas de

financiamento, o Banco Mundial foi alterando, ao longo das décadas, tanto sua visão

acerca do processo de desenvolvimento quanto sua forma de atuação no âmbito

internacional.

O argumento dessa tese é que os principais momentos de mudanças das políticas

de financiamento e da visão de desenvolvimento difundida pelo Banco foram marcados

por conjunturas internacionais específicas, em particular, por transformações político-

econômicas de ordem internacional que repercutem em mudanças na orientação da

política externa do hegemon.

A esse ponto já é possível apresentar a hipótese norteadora deste trabalho, ou seja,

de que em momentos de transformações internacionais, o hegemon reorienta sua agenda

de prioridades em termos de política externa que, por sua vez, exerce impacto sobre a

estratégia global de atuação do Banco Mundial. Esse movimento pretende ser observado

pelo redirecionamento das prioridades de financiamento da instituição em momentos

específicos associados a conjunturas de transformações internacionais5.

5 Entende-se por transformações internacionais os momentos que representam alguma forma de ruptura com a dinâmica político-econômica vigente até então, cujo alcance se estende a nível global. Dois desses momentos de transformação considerados fundamentais para a perspectiva de análise do Banco contemplada por este trabalho são: a mudança no padrão monetário instituído em Bretton Woods – ocorrida em 1973 – e o fim da Guerra Fria em 1990. Esses marcos norteiam a divisão do período de análise do Banco adotada pela presente tese, exatamente pelo fato de representarem eventos de alcance internacional

5

Em outras palavras, pretende-se verificar se é possível estabelecer, de fato, uma

correlação entre as transformações ocorridas no âmbito internacional e os principais

momentos de reorientação da estratégia global de atuação do Banco Mundial – levando

em conta o reposicionamento da política externa do hegemon frente à nova conjuntura

que se estabelece no âmbito internacional, bem como sua capacidade de transmitir essa

nova agenda de prioridades para o âmbito das políticas do Banco Mundial. Nesse sentido,

atenção especial será dada às mudanças na agenda de prioridades do hegemon delineadas

nos momentos de configuração de nova conjuntura, inclusive as de cunho ideológico, que

não raro passam a ser incorporadas, promovidas e difundidas em termos do debate

econômico internacional - muitas vezes com o auxílio do próprio instrumental do Banco

Mundial.

Com o intuito de resgatar essa gama de eventos de âmbito internacional –

incorporando inclusive a esfera do poder enquanto variável relevante – o método

escolhido e que se mostrou mais adequado para analisar a atuação do Banco Mundial sob

uma perspectiva crítica e abrangente corresponde ao arcabouço teórico multidisciplinar

proposto pela Economia Política Internacional (EPI)6.

O método proposto pela EPI, cujo tema político predominante é a hierarquia do

sistema político internacional com ênfase no comportamento hegemônico, possui

características que, em sua essência, se alinham ao tipo de perspectiva através do qual se

pretende examinar o Banco Mundial neste trabalho. Dentro desse universo de pesquisa,

as relações econômicas e políticas possuem permanente interação e interdependência na

esfera mundial7.

que, como se pretende discutir nos quatro capítulos a seguir, influenciaram tanto as prioridades estratégicas do hegemon quanto as do Banco Mundial. 6 Reinaldo Gonçalves, em seu livro “Economia Política Internacional” apresenta as inúmeras nuances atreladas a esse enfoque: “A Economia Política Internacional (EPI) procura superar as limitações específicas de cada campo teórico ao apresentar um enfoque analítico eclético ou abrangente para os fenômenos próprios do sistema internacional, em geral, e do sistema econômico internacional, em particular. Esse enfoque eclético remonta, na realidade, ao entendimento da Economia Política não como um corpo teórico fechado com “leis de aplicação universal”, mas, sim como a aplicação da teoria aos problemas do mundo real com a ajuda de outras ciências sociais”. (GONÇALVES, 2005, p. 04).

7 Essa interação fica mais clara quando é retomada a equação da gênese do sistema capitalista cujos membros principais correspondem ao poder, por um lado, e riqueza pelo outro. Sobre esse assunto, ver Fiori, 2004, p. 22.

6

Assim, o enfoque integrado pela coordenação entre os campos da Economia e da

Política no âmbito das Relações Internacionais busca auxiliar no processo de análise da

inserção do Banco Mundial na arena internacional – principalmente em termos da

reorientação da estratégia de desenvolvimento da instituição diante das novas conjunturas

decorrentes das transformações internacionais.

Por fim, o objetivo de adotar o método da EPI como enfoque analítico, consiste

em viabilizar um exame aprofundado das políticas do Banco Mundial também para o

Brasil - observando tanto as mudanças fundamentais nas políticas de financiamento da

instituição ao longo do tempo quanto sua interação com o processo de desenvolvimento

econômico brasileiro. Nesse sentido, examinar o papel do Banco Mundial como

formulador e difusor de políticas de desenvolvimento e o grau de aderência desse

discurso no contexto econômico brasileiro, também fazem parte do escopo da análise.

O Brasil se tornou membro do Banco Mundial desde o momento de sua fundação

na Conferência de Bretton Woods em 1944. O Banco abre suas portas em 1946 na cidade

de Washington e realiza seu primeiro empréstimo para reconstrução em 1947. Essa tarefa

de recuperação das economias destruídas pela guerra logo é transferida da competência

do Banco para o programa contemplado no Plano Marshall8. No campo do

desenvolvimento, o primeiro empréstimo do Banco Mundial ocorreu em 1948 junto ao

governo chileno e, no caso do Brasil, o primeiro empréstimo realizado pelo Banco foi

aprovado em 1949, para o setor de energia elétrica (CAUFIELD, 1997, p. 54).

O Banco Mundial parte inicialmente da promoção do desenvolvimento via

projetos associados à área produtiva (principalmente no setor de transportes e infra-

estrutura). Num segundo momento, no contexto da gestão McNamara (1968-1981) ocorre

uma expansão do conceito de desenvolvimento e os empréstimos se estendem para

campos como agricultura e indústria. Nos anos 1980, com a crise da dívida dos países

periféricos e a introdução dos programas de ajuste estrutural, o Banco passa a adotar os

defensing lendings, ou seja, financiamentos desatrelados da área produtiva e destinados

8 No início de suas atividades, em 1946, a atuação do Banco Mundial estava voltada para a recuperação das economias atingidas pela guerra, sendo que a tarefa do desenvolvimento, inicialmente, aparecia relegada a um plano secundário. Com a formulação do Plano Marshall e a mudança de estratégia dos EUA em relação à Europa, o Banco acaba por voltar-se de maneira efetiva e exclusiva à problemática do desenvolvimento econômico (WORLD BANK, 1954, p. 09).

7

ao pagamento de empréstimos anteriormente adquiridos. Finalmente, no início da década

de 1990, o Banco intensifica sua atuação em termos do combate e redução da pobreza via

políticas de financiamento vinculadas ao setor social (principalmente educação e saúde)

(MASON & ASHER, 1973, p. 657).

Tendo em vista a variedade de tendências e programas financiados pelo Banco em

diferentes contextos, bem como a complexidade da problemática em questão, é possível

considerar que a discussão acerca da atuação de um organismo tal qual o Banco Mundial,

ainda mais por uma perspectiva crítica, consiste em tarefa controversa. Para alcançar tal

objetivo, torna-se necessário articular instrumentos que permitam incorporar diversos

elementos relacionados a essa temática, inclusive a questão do poder no modo de atuação

do Banco Mundial ao longo do tempo.

Procurando viabilizar a execução dessa tarefa, a tese foi dividida em três partes,

nas quais se encontram distribuídos os quatro capítulos que compõem este estudo e que

serão brevemente apresentados abaixo.

Na primeira parte, composta pelo primeiro capítulo, é elaborada a fundamentação

teórica da tese. Nessa parte inicial são resgatados alguns elementos históricos que

antecedem a constituição do Banco Mundial e, ao mesmo tempo, foram determinantes no

processo de formação da instituição. Nesse sentido, os aspectos centrais da dinâmica

interestatal, o princípio do multilateralismo como forma de gestão do sistema

internacional, e a relação congênita entre o hegemon e os organismos multilaterais,

representam assuntos de destaque. No final do capítulo, é proposto um esquema teórico-

interpretativo que, ao aliar o método da Economia Política Internacional com a

perspectiva da Teoria Econômica e da Teoria das Organizações Internacionais, procura

fornecer um instrumental analítico que seja capaz de auxiliar na investigação da atuação

do Banco Mundial sob um ponto de vista multidisciplinar.

A segunda parte, composta pelo segundo e terceiro capítulo, apresenta uma

investigação de caráter histórico-evolutivo acerca das políticas praticadas pelo Banco

Mundial. Nessa parte do estudo, o período total de interesse da tese (1946-2006) é

dividido em três momentos específicos: 1) 1946-1973; 2) 1974-1990; e 3) 1991-2006.

Essa divisão leva em conta a dinâmica das transformações internacionais uma vez que os

8

três momentos são considerados emblemáticos para observar a mudança de estratégia do

Banco ao longo do tempo. O objetivo dessa divisão é ressaltar como cada um desses

períodos reflete uma orientação diferente em termos das prioridades de financiamento do

Banco – procurando, ao mesmo tempo, relacionar esse redirecionamento das políticas da

instituição ao movimento de revisão da agenda política externa do hegemon no contexto

das transformações internacionais. O segundo capítulo aborda os dois primeiros

momentos (1946-1973 e 1974-1990) enquanto o terceiro capítulo trata do terceiro e

último momento concernente a essa análise (1991-2006).

A terceira e última parte é composta pelo quarto capítulo, que investiga a

implementação das políticas do Banco Mundial no contexto econômico brasileiro. Trata-

se de um estudo de caso, com o intuito de analisar as diferentes estratégias adotadas pelo

Banco Mundial em termos de desenvolvimento, que serão examinadas através do

redirecionamento dos financiamentos da instituição para o Brasil do ponto de vista

setorial ao longo do período 1946-2006. Nessa parte é recuperada a divisão temporal

adotada nos Capítulos 2 e 3 (1946-1973; 1974-1990; e 1991-2006), com o propósito de

investigar se as tendências setoriais de financiamento do Banco que são implementadas

internacionalmente se aplicam também ao caso brasileiro.

Na seqüência, são apresentadas as considerações finais, onde são resumidas as

principais conclusões alcançadas neste trabalho. Para tanto, são resgatados tanto o

objetivo geral da tese - que busca verificar se é possível estabelecer um paralelo entre os

momentos de reorientação da política de financiamento do Banco Mundial e as mudanças

das prioridades da agenda política do hegemon no contexto das transformações

internacionais - bem como o objetivo específico deste trabalho, que consiste em examinar

como essas mudanças no modo de atuação do Banco refletem na alocação setorial dos

financiamentos da instituição no contexto econômico brasileiro.

9

Capítulo 1 - Economia Política das Organizações

Internacionais: fundamentos teóricos

O objetivo deste capítulo consiste em resgatar alguns elementos históricos que

antecedem a constituição do Banco Mundial e, ao mesmo tempo, foram determinantes no

processo de formação da instituição. Através da articulação desses elementos históricos

com o arcabouço conceitual apropriado, a idéia é apresentar e formalizar a

fundamentação teórica na qual se baseia a análise do Banco Mundial realizada nos

demais capítulos.

Nesse sentido, recorrer ao passado torna o trabalho de observação mais pertinente

uma vez que permite analisar o surgimento do Banco Mundial enquanto produto de uma

série de eventos históricos, e não como ponto de partida da análise.

Por essa perspectiva, assume-se neste trabalho que as relações interestatais,

sobretudo suas rivalidades e hierarquias, correspondem a um elemento fundamental para

entender o nascimento, a dinâmica e a evolução do Banco Mundial ao longo do tempo.

Sendo assim, o retorno ao processo de formação dos Estados Nacionais mostra-se

necessário e relevante, pois é lá que se encontram as raízes da dinâmica do sistema

interestatal que é marcada, sobretudo, pela rivalidade dos territórios soberanos nos

processos de acumulação de riqueza e poder.

Por considerar que essas rivalidades e hierarquias permeiam as relações no

sistema internacional até os dias de hoje, interferindo inclusive na dinâmica do Banco

Mundial, a visita ao processo de formação dos Estados Nacionais torna-se essencial e

constitui o ponto de partida dessa análise.

Com esse intuito, a iniciativa de abordar o tema pela perspectiva histórica do

longo prazo - adotando o enfoque da Economia Política Internacional como orientação

teórica - representa recurso fundamental para uma compreensão mais adequada dos

acontecimentos contemporâneos e, por que não dizer, da realidade atual.

10

A apresentação do arcabouço teórico, que envolve elementos conceituais e

interpretativos que serão utilizados ao longo da tese, constitui o objetivo deste capítulo e

corresponde ao assunto abordado nas próximas seções.

1.1. Aspectos históricos do Sistema Interestatal: a rivalidade na

disputa por Poder e Riqueza

O processo de formação dos Estados Nacionais9 representa um tópico que

levanta, até hoje, um amplo debate no campo da Economia Política e das Relações

Internacionais. Mesmo levando em conta a complexidade que existe em torno do tema, é

importante analisar alguns elementos desse processo para a melhor compreensão do papel

desempenhado pelos Estados, desde sua origem, dentro da dinâmica do sistema mundial.

Para tal tarefa é necessário retornar no tempo, mesmo correndo o risco inerente a

esse tipo de análise, dado que essas incursões no passado nos remetem para o terreno

pantanoso da análise histórica mundial.

A finalidade de reconstruir processos iniciados nos séculos anteriores consiste em

aprofundar a compreensão do panorama atual como um desdobramento de algo maior, ou

seja, trata-se de uma forma de abordar a temática como se o momento atual representasse

um determinado estágio de desenvolvimento inserido na rota de um sistema interestatal

em constante evolução.

Em sua obra “O longo século XX”, Giovanni Arrighi retoma o conceito de longa

duração (longue durée de Fernand Braudel) como instrumento de análise histórica do

processo de formação do sistema capitalista mundial. É com base nesta obra, que

recupera o método histórico-interpretativo de Braudel, que se desenvolve esta seção que

não tem a pretensão de reconstruir os passos desses grandes historiadores econômicos,

porém se faz necessária pela contextualização da perspectiva interpretativa adotada no

9 Acerca das origens e do conceito de Estado Nacional, Martinelli coloca que: “A encarnação institucional da autoridade política na sociedade moderna é o Estado-Nação, isto é, uma entidade política soberana e impessoal que usufrui de jurisdição suprema sobre uma população e um território claramente delimitados, que reivindica o monopólio do poder coercitivo, e é forte a partir da legitimidade que deriva do apoio dos seus cidadãos” (MARTINELLI, 2004, p. 47) – Tradução livre do autor.

11

presente estudo: a análise simultânea e articulada da dinâmica política e econômica

inerentes às Relações Internacionais que, na essência, podem ser traduzidas nas relações

entre os processos de acumulação de poder e riqueza em escala global.

Vejamos brevemente como essa temática foi abordada por algumas correntes e

autores relevantes na constituição do pensamento econômico, e como esse resgate pode

contribuir para a configuração do referencial teórico necessário ao estudo da atuação do

Banco Mundial no âmbito internacional. Nesse sentido, a idéia consiste em apresentar

alguns elementos referentes às linhas de pesquisa da corrente que ficou conhecida como

“Economia Política Internacional”.

O conflito de interesses e classes não recebe um lugar de destaque no pensamento

mercantilista, mas o poder dos príncipes e a competição dos Estados ocupam lugar

central na sua visão sobre a origem da riqueza das nações:

Mesmo que não tenham desenvolvido sua tese de forma sistemática ou teórica, os mercantilistas foram os primeiros a identificar a relação congênita do poder político com a riqueza capitalista, e a importância do dinheiro na competição entre os Estados territoriais e na criação do excedente econômico. Fundaram, em última instância, a economia como política econômica e para eles o crescimento do poder estava essencialmente ligado ao crescimento da riqueza e vice-versa (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 18).

A história também ensina que os Estados nasceram junto com o capitalismo e

estabeleceram com ele, através dos séculos, uma relação tormentosa, mas indispensável e

frutífera para os “donos do dinheiro” e os “donos do poder político”.

Marx convidou-nos a abandonar por algum tempo a esfera da circulação, onde

tudo acontece às claras e à vista de todos os homens, para acompanhar o dono do

dinheiro e o dono da força de trabalho até a esfera da produção, em cuja soleira somos

confrontados com os dizeres “É proibida a entrada, exceto a negócios”. Ali, prometeu

finalmente desvendarmos o segredo da geração do lucro. Braudel também nos convidou a

deixar por algum tempo a esfera ruidosa e transparente da economia de mercado e a

acompanhar o dono do dinheiro até outro domicílio oculto, onde só se é admitido a

negócios, mas que fica um andar de cima, e não um andar abaixo do mercado.

12

Ali, o dono do dinheiro encontra-se com o dono, não da força de trabalho, mas do poder político. E ali, prometeu Braudel, desvendaremos o segredo da obtenção dos grandes e sistemáticos lucros que permitiram ao capitalismo prosperar e se expandir “indefinidamente” nos últimos quinhentos ou seiscentos anos, antes e depois de suas incursões nos domicílios ocultos da produção (ARRIGHI, 1996, p. 25).

De acordo com Charles Tilly, os dois grandes processos interdependentes da era

moderna são de certa forma simultâneos: a criação do sistema de Estados Nacionais e a

formação do sistema capitalista mundial (TILLY, 1984, p. 147). Nesse contexto, não

podemos deixar de considerar o pioneirismo do território europeu e sua importância na

configuração, desde a etapa embrionária, do incipiente sistema de Estados Nacionais.

Tanto na Antiguidade quanto no fim da Idade Média as cidades européias

exerceram o papel de semeadoras dos componentes do “capitalismo político” seja do

ponto de vista comercial seja do ponto de vista bancário-financeiro. Nas palavras de

Arrighi, o capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado:

Em parte alguma, com exceção da Europa, esses componentes do capitalismo fundiram-se na poderosa mescla que impeliu as nações européias à conquista territorial do mundo e à formação de uma economia mundial capitalista poderosíssima e verdadeiramente global. Por essa perspectiva, a transição realmente importante, que precisa ser elucidada, não é a do feudalismo para o capitalismo, mas a do poder capitalista disperso para um poder concentrado. E o aspecto mais importante dessa transição é a fusão singular do Estado com o capital, que em parte alguma se realizou de maneira mais favorável ao capitalismo do que na Europa (ARRIGHI, 1996, p. 11).

O sistema interestatal originado na Europa por volta do século XVII foi

estruturado em um ambiente de competição entre territórios econômicos soberanos,

sendo que as guerras - enquanto mecanismo de acumulação de poder e integração

territorial - exerceram papel fundamental para a configuração dessa nova forma de

organização sistêmica. De acordo com Fiori:

Pouco a pouco, as guerras foram desenhando as fronteiras externas e internas destes centros de acumulação de poder que se transformaram nos estados ganhadores, responsáveis pelo nascimento, nos séculos XVII e XVIII, dos mercados e das

13

economias nacionais. Durante esse longo período secular de acumulação originária do poder e da riqueza, estabeleceram-se relações incipientes entre o mundo das trocas e o mundo das guerras, mas só depois que os poderes e os mercados se “internalizaram” mutuamente é que se pode falar do nascimento de uma força revolucionária, com um poder de expansão global, uma verdadeira máquina de acumulação de poder e riqueza que só foi inventada pelos europeus: os “estados/economias nacionais” (FIORI, 2004, p. 22).

Em sua essência, essa nova forma de organização requer que cada Estado-Nação

esteja potencialmente em competição com os outros para a manutenção de sua própria

existência. De acordo com Charles Tilly (1996, p. 127), existe uma lógica defensiva de

guerra que retroalimenta a competição entre os Estados Nacionais. Esse comportamento

defensivo possui como objetivo central assegurar a permanência de seu próprio território,

mediante a ameaça coercitiva potencial de outro território vizinho, através de uma

expansão territorial defensiva.

Seguindo sua linha de argumentação, cada território visava uma zona de

segurança que afastasse os potenciais invasores das fronteiras de seus territórios. Quando

duas unidades fronteiriças se dispusessem a construir sua zona de segurança num mesmo

território estaria configurado o panorama de guerra (TILLY, 1996, p. 127-128).

Assim como acontece na esfera do poder, o capital apresenta, em sua essência,

uma tendência permanente de expansão e internacionalização. Em todas as sociedades e

momentos do capitalismo, o capital financeiro projetou-se para fora como forma de

conquista ou de preservação do seu valor patrimonial. Num caso, movido pelo objetivo

de expansão de seu “território de arbitragem”, no outro, como forma de assegurar-se

contra as incertezas, ancorando sua riqueza nas moedas mais sólidas.

O capital possui, simultaneamente, uma natureza nacional (identificação com

determinada unidade territorial) e uma natureza expansionista de âmbito internacional

que, paradoxalmente, irá encontrar uma barreira à sua expansão - na disputa pelas

melhores condições de valorização - na soberania de outra unidade territorial.

Dados os custos envolvidos nos embates bélicos, quanto mais abundantes fossem

os recursos disponíveis de um território, maiores seriam as chances de expansão e

14

acúmulo de poder. Em outras palavras, quanto maior a capacidade de arrecadação

tributária de um território, melhores seriam as condições para equipar o exército e

alcançar o monopólio das armas.

Aprofundava-se assim a convergência entre o universo da guerra e o universo dos

negócios, sendo que o ponto de partida para analisar a dinâmica do sistema capitalista

interestatal pode ser sintetizado na natureza permanentemente expansiva tanto do poder

quanto do capital.

A moeda nacional teve papel fundamental para facilitar a administração dos

territórios recém-incorporados ao passo que homogeneizavam o espaço político do poder

emissor (pagamentos de impostos, dívidas, etc.). Sem o apoio do capital o poder se

fragmentaria com mais facilidade. Por outro lado, aliado ao poder vitorioso, o capital

teria mais facilidade de se expandir e estabelecer situações de monopólio e lucros

extraordinários.

De acordo com Fiori (2004, p. 45) o essencial, do ponto de vista da competição

capitalista, é a conquista permanente de novas situações de monopólio, capazes de gerar

lucros extraordinários. Este é o centro da dinâmica de acumulação capitalista e o único

objetivo dos seus capitais individuais, que precisam inovar permanentemente para

conquistar e manter suas posições exclusivas, do ponto de vista tecnológico e

organizacional, mas também, do ponto de vista do controle dos mercados cativos10.

O comportamento defensivo de cada território econômico representa claramente

que - seja no campo da ação, seja no da reação - os territórios estariam inseridos em um

ambiente de competição onde a garantia de segurança seria a acumulação de poder para

escapar da esfera de poder dos outros. A configuração de um ambiente de constante

insegurança apresenta-se suficiente para que se estabeleça um círculo vicioso de

acumulação de segurança e poder.

10 Nas palavras de Fiori: “Mas este é um jogo para poucos competidores, e sempre foi ganho pelos capitais que foram escudados pelo poder das Grandes Potências que dispunham de cotas nacionais importantes dentro da massa do capital financeiro mundial. É quase impossível imaginar a existência de “territórios econômicos” que tenham sido conquistados sem uma aliança do capital financeiro com o poder político, e não é provável que esta aliança possa ser desfeita nem que o capital financeiro possa impor seu império mundial, como pensa Bukharin, sem o apoio do poder político” (FIORI, 2004, p. 45).

15

A grande contradição existente nesse ambiente de competição consiste no fato de

que as unidades de poder envolvidas participam de uma corrida armamentista permanente

motivadas pelo desejo de garantir a paz de seus respectivos territórios. Nas palavras de

Fiori:

Nesse sentido, apesar do paradoxo aparente, se pode dizer que a necessidade de expandir o poder para conquistar a paz acaba transformando a paz na justificativa número “um” da própria guerra (FIORI, 2004, p. 27).

O anverso desse processo foi a competição interestatal pelo capital circulante. As

cidades, na era moderna, ficaram sob o poder de Estados Nacionais concorrentes, numa

situação de luta perpétua pelo poder, na paz ou na guerra. Essa luta competitiva criou as

mais amplas oportunidades para o moderno capitalismo ocidental.

Segundo Weber (1961, p. 249), os Estados, separadamente, tiveram que competir

pelo capital circulante, que lhes ditou as condições mediante as quais poderia auxiliá-los

a ter poder. Portanto, foi o Estado Nacional bem delimitado que proporcionou ao

capitalismo sua oportunidade de desenvolvimento.

Essa competição pelo capital circulante entre “estruturas grandes,

aproximadamente equivalentes e puramente políticas”, resultou na memorável aliança

entre os Estados em ascensão e as forças capitalistas, disputadas e privilegiadas, que foi

um fator fundamental para a criação do capitalismo moderno. Nem o comércio nem as

políticas monetárias dos Estados modernos podem ser compreendidos sem essa singular

competição e “equilíbrio” políticos entre os Estados europeus durante os últimos

quinhentos anos (WEBER, 1961, p. 249).

A concorrência interestatal foi componente crucial de toda e qualquer fase de

expansão financeira, bem como fator de vulto na formação dos blocos de organizações

governamentais e empresariais que conduziram a economia capitalista mundial por suas

sucessivas fases de expansão material. Mas a concentração do poder nas mãos de

determinados blocos de órgãos governamentais e empresariais foi tão essencial para as

16

reiteradas expansões materiais da economia mundial capitalista quanto a concorrência

entre estruturas políticas “aproximadamente equivalentes”11.

Nesse sentido, o processo de formação e expansão do moderno sistema

interestatal acabou configurando o locus primário de manifestação do poder mundial,

levando à formação do embrião do sistema de Westfalia, um sistema mais amplo de

Estados Nacionais. Considerando o Tratado de Westfalia de 1648 como marco, teve

início a formação e emergência de um novo sistema mundial de governo cujas principais

características podem ser resumidas em três grandes linhas propositivas:

• Não há autoridade ou organização acima dos Estados soberanos;

• Os Estados passam a integrar um sistema político mundial, ou seja, um único

sistema político; e

• Esse novo sistema fundamenta-se no direito internacional e no equilíbrio de

poder.

Pela perspectiva monetária, a moeda só tem validade e curso normal dentro de

cada país porque está assegurada por uma autoridade que acabou assumindo a forma, a

partir do século XVII, dos Tesouros Nacionais. Do ponto de vista real, a moeda só existe

e adquire universalidade a partir do momento em que é “ungida” por algum poder que a

designa e a sustenta, bancando o seu valor (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p.

20).

A administração da moeda tem papel decisivo, tanto na competição

intercapitalista como na luta por poder e hegemonia internacionais. Cada sistema ou

regime monetário internacional representa “síntese” transitória da correlação de forças

11 De acordo com Arrighi: “Assim, vê-se que a expansão do poder capitalista nos últimos anos esteve associada não apenas à competição interestatal pelo capital circulante, como enfatizou Weber, mas também à formação de estruturas políticas dotadas de capacidades organizacionais cada vez mais amplas e complexas para controlar o meio social e político em que se realizava a acumulação de capital em escala mundial. Nos últimos quinhentos anos, essas duas condições fundamentais da expansão capitalista foram continuamente recriadas em paralelo. Todas as vezes que os processos de acumulação de capital em escala mundial, tal como instituídos numa dada época, atingiram seus limites, seguiram-se longos períodos de luta interestatal, durante os quais o Estado que controlava ou passou a controlar as fontes mais abundantes de excedentes de capital tendeu também a adquirir a capacidade organizacional necessária para promover, organizar e regular uma nova fase de expansão capitalista, de escala e alcance maiores do que a anterior” (ARRIGHI, 1996, p. 14).

17

entre agentes privados e poderes políticos e é verdadeira radiografia do grau de soberania

econômica de cada Estado nacional (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 21).

O sistema mundial moderno se formou e se expandiu com base em recorrentes

reestruturações fundamentais, lideradas e governadas por sucessivos ciclos

hegemônicos12. Essas reestruturações são um fenômeno característico do moderno

sistema de governo, que emergiu da decadência e eventual desintegração do sistema de

governo da Europa medieval.

Em contraste com o sistema medieval, o moderno sistema de governo consiste na institucionalização da autoridade pública em domínios jurisdicionais mutuamente excludentes. Os direitos de propriedade privada e os direitos de governo público tornam-se absolutos e distintos; as jurisdições políticas tornam-se exclusivas e são claramente demarcadas por fronteiras; a mobilidade das elites dominantes pelas jurisdições políticas se torna mais lenta e acaba por ser suspensa; a lei, a religião e os costumes tornam-se “nacionais”, ou seja, não sujeitos a nenhuma outra autoridade política senão a do soberano (ARRIGHI, 1996, p. 31).

O caos sistêmico que se deflagrou no início do século XVII, portanto, foi sendo

transformado em uma nova ordem anárquica. Essa reorganização do espaço político a

bem da acumulação de capital marcaria o nascimento, não só do moderno sistema

interestatal, mas também do capitalismo como sistema mundial.

A emergência e configuração do caos sistêmico no início do século XVII criou

nos governantes europeus um interesse geral na grande racionalização da luta pelo poder.

Isto é, o caos sistêmico havia atingido a escala e a intensidade que induziriam os

governantes europeus a reconhecer como sendo de seu interesse geral a extinção do

sistema de governo medieval. Criou também uma oligarquia capitalista com as

motivações e as aptidões necessárias para assumir a dianteira a serviço desse interesse

geral. Nesse cenário, a oligarquia capitalista holandesa despontava como portadora da

lógica capitalista de poder e, por isso, destacava-se como líder na administração do

equilíbrio de poder e das iniciativas e inovações diplomáticas (ARRIGHI, 1996, p. 30).

12 Uma análise mais detalhada do conceito de hegemonia pode ser encontrada na Seção 1.4 deste capítulo.

18

Os interesses da oligarquia capitalista holandesa chocavam-se diretamente com os

interesses das autoridades centrais do sistema de governo medieval que estava em

processo de desintegração. Tinha, em contraste, um sólido interesse comum com os

Estados dinásticos emergentes em acabar com as reivindicações do papa e do imperador,

que pretendiam constituir uma autoridade moral e política supra-estatal incorporada às

pretensões imperialistas da Espanha.

Assim, perseguindo seus próprios interesses, a oligarquia capitalista holandesa passou a ser percebida como a defensora, não apenas da independência em relação às autoridades centrais do sistema medieval de governo, mas também de um interesse geral pela paz, que este último já não era capaz de atender (ARRIGHI, 1996, p. 45).

Os holandeses não foram líderes apenas no processo de acumulação de capital,

mas também na racionalização das técnicas militares. Por desenvolver o controle tanto na

esfera financeira quanto na esfera política, as Províncias Unidas tornaram-se

hegemônicas, já que as oligarquias capitalistas holandesas além das habilidades

financeiras detinham também habilidades políticas e diplomáticas que se mostraram

fundamentais para a conquista de um posto de destaque dentro do sistema mundial.

Desenvolvia-se, passo a passo, um sistema de governo atrelado ao processo de

acumulação capitalista em escala mundial. A ascensão e expansão do moderno sistema

interestatal foi tanto principal causa quanto efeito do intenso movimento de acumulação

de capital.

De acordo com Tilly (1984, p. 40), o estreito vínculo histórico entre o capitalismo

e o moderno sistema interestatal é marcado tanto pela contradição quanto pela unidade.

Nas palavras do autor, devemos levar em conta o fato de que:

(...) o capitalismo e os Estados nacionais cresceram juntos, e é de se presumir que tenham dependido um do outro de algum modo, mas os capitalistas e os centros de acumulação de capital, muitas vezes, ofereceram uma resistência deliberada à ampliação do poder do Estado (TILLY, 1984, p. 140).

Como regra geral, as grandes expansões materiais só ocorreram quando um

grande bloco dominante acumulou poder mundial suficiente para ficar em condições não

19

apenas de contornar a competição interestatal, ou erguer-se acima dela, mas também de

mantê-la sob controle, garantindo um mínimo de cooperação entre os Estados.

É importante observar na dinâmica do sistema mundial que foi moldando-se ao

longo dos últimos cinco séculos – mais especificamente após 1648 – a presença de uma

relação congênita entre acumulação de riqueza e acumulação de poder. Os Estados

Nacionais, inseridos num sistema movido pela competitividade interestatal em torno do

binômio “poder e dinheiro”, foram e continuam sendo elementos fundamentais dentro

desse processo.

Ainda que cada ciclo hegemônico tenha adotado uma estratégia particular de

gestão do sistema mundial, os elementos determinantes que propiciam a escalada e

permanência nesse posto de destaque dentro da dinâmica interestatal continuam sendo os

mesmos: a acumulação de riqueza e poder dentro do sistema mundial.

1.2. Relações interestatais e aspectos da gestão do sistema mundial

Os processos de acumulação de riqueza que ocorreram em escala mundial foram

liderados por quatro unidades políticas nos últimos séculos: o ciclo genovês-veneziano,

do século XV ao início do XVII, o ciclo holandês, do fim do século XVI até decorrida a

maior parte do século XVIII; o ciclo britânico, da segunda metade do século XVIII até o

início do século XX; e o ciclo norte-americano, iniciado no fim do século XIX e que

perdura até o momento atual (ARRIGHI, 1996, p. 06).

Ao longo da história existiram unidades político-territoriais que se destacaram no

processo de acumulação de poder e riqueza. A estratégia de permanência e manutenção

de determinada distribuição mundial de poder foi se modificando com o passar dos

séculos. Daí podemos apreender que tanto o destaque de uma unidade político-territorial

em termos mundiais quanto a adoção de uma estratégia de gestão do sistema mundial que

preserve tal distribuição de poder e riqueza não correspondem a um fenômeno

contemporâneo da história mundial13.

13 Nas palavras de Arrighi: “Todos esses quatro Estados – Veneza, as Províncias Unidas [Holanda], o Reino Unido e os Estados Unidos – foram grandes potências das sucessivas épocas durante as quais seus grupos

20

As unidades políticas que acumularam riqueza em escala mundial usufruíram de

grande poder político dentro e fora dos limites de seus territórios. Ainda que em

diferentes proporções, nos casos mencionados acima (Veneza, Holanda, Reino Unido e

Estados Unidos), cada unidade política adotou uma estratégia particular de gestão do

sistema mundial ao passo em que representou, em sua época de auge, uma liderança

hegemônica no panorama internacional. Em geral, a nova forma de gestão envolvia o

desmantelamento de grande parte do regime anterior.

Historicamente, os Estados que aproveitaram com êxito essa oportunidade

fizeram-no reconstituindo o sistema mundial em bases novas e mais amplas,

restabelecendo assim certa medida de cooperação interestatal14.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, houve uma grande expansão do número

de Estados Nacionais independentes. Os Estados Unidos, ocupando a posição de nação

hegemônica em ascensão, tinham pouco interesse no colonialismo formal anterior e

estavam mais interessados em recusar o acesso exclusivo às potencias colonialistas

existentes. Além disso, havia um claro precedente no sentido de absorver no sistema

interestatal grande número de países que haviam conquistado a independência em data

recente – como ocorreu com a expansão do sistema westfaliano, sob a hegemonia

britânica, para acolher os novos Estados independentes das Américas.

Fiori (2001, p. 23) observa que, se por um lado, os Estados territoriais nasceram

na Europa do século XVI, foi só no século XX que se transformaram em um fenômeno

universal.

O que a história moderna ensina, entretanto, é que a universalização dos Estados Nacionais foi fenômeno muito recente. Começou com a decomposição dos impérios ibéricos e a

dominantes desempenharam, ao mesmo tempo, o papel de líderes dos processos de formação do Estado e de acumulação de capital. Vistos em seqüência, entretanto, esses quatro Estados parecem ter sido grandes potências em ordenamento muito diferentes e cumulativos. Os domínios metropolitanos de cada Estado citado nessa seqüência abarcaram um território mais vasto, e uma maior variedade de recursos que os de seu predecessor. E o que é mais importante, à medida que a seqüência progrediu, aumentaram a escala e o alcance das redes de poder e acumulação que permitiram aos Estados em questão reorganizar-se e controlar o sistema mundial em que operavam” (ARRIGHI, 1996, p. 14). 14 Sobre as relações interestatais, Ikenberry observa que: “States are self-interested actors who jealousy guard their policy autonomy and sovereign authority but which also are willing to bargain if the price is right” (IKENBERRY, 2003, p. 69).

21

independência norte-americana no inicio do século XIX, mas, no início do século XX, grande parte da população mundial ainda vivia no território dos impérios europeus e não havia mais do que 30 ou 40 Estados independentes. Hoje, são cerca de 190, e se multiplicaram em três momentos: logo depois da 1ª Guerra Mundial, quando se dissolveram os impérios austro-húngaro e otomano; depois da 2ª Guerra Mundial, quando se dissolveram os impérios europeus na Ásia e na África; e depois de 1991, quando se desintegrou o território do velho império russo (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 23).

O desafio da revolução nacionalista foi enfrentado mediante a descolonização e

uma grande expansão do sistema de Westfalia. A soberania jurídica foi estendida a todas

as nações – não apenas às do Ocidente – refletindo uma clara consciência da crescente

importância dos povos não europeus como participantes plenos das questões mundiais.

Enquanto a estrutura anterior não havia representado uma ruptura decisiva com a tradição

da política internacional concentrada na Europa, o novo sistema foi orientado para os

problemas de um mundo em que a Europa apareceria em proporções drasticamente

reduzidas, e a Ásia e a África, em proporções grandemente ampliadas (ARRIGHI &

SILVER, 2001, p. 218).

O próprio conceito de desenvolvimento foi “retomado” no período que se seguiu à

Segunda Guerra Mundial – a resposta americana à necessidade de exercer a liderança em

um mundo em que, subitamente, o peso político da Ásia e da África havia aumentado

muito. Nessa direção, a descolonização e o desenvolvimento tornaram-se os pilares

gêmeos do apelo hegemônico dos Estados Unidos em relação ao Terceiro Mundo.

A estratégia de cooperação internacional, apoiada e liderada pelos Estados

Unidos, tinha como pano de fundo a competição bipolar da Guerra Fria. O medo do

comunismo tornou-se um dos argumentos mais convincentes em favor do

desenvolvimento considerando que, no início da década de 1950, era comum admitir-se

que se os países pobres não fossem resgatados de sua pobreza sucumbiriam ao

comunismo.

A dominação militar e financeira dos Estados Unidos, embora fundamental e

imprescindível, não representava por si só uma condição suficiente para criar uma nova

hegemonia mundial, capaz de pôr fim ao caos sistêmico que prevalecia e de restabelecer

22

condições favoráveis à reprodução ampliada do capital em escala mundial. Era preciso

enfrentar o desafio da insatisfação social, latente no imediato pós-guerra, por meio de

uma proposta mais ampla de estabilização do cenário internacional.

A proposta norte-americana que veio em resposta a esse quadro pode ser

traduzida pela escolha e adoção de um regime de gestão do sistema mundial ancorado em

bases multilaterais. Por essa ótica, podemos considerar que o elemento mais emblemático

do projeto norte-americano de gestão das relações internacionais pós II Guerra Mundial

seja o princípio do multilateralismo - que assume forma institucional através dos

organismos criados com base nesse princípio na Conferencia de Bretton Woods em julho

de 1944.

1.3. O princípio do Multilateralismo nas Relações Internacionais

Multilateralismo, de forma simplificada, pode ser definido como a prática de

coordenação de políticas - em grupos de três ou mais Estados - de acordo com certos

princípios. Normas multilaterais foram institucionalizadas ao longo da história, desde as

origens do moderno sistema mundial, tendo como principais funções15:

• Definir e estabilizar os direitos de propriedades dos Estados soberanos;

• Gerenciar os problemas de coordenação entre os Estados; e

• Resolver problemas de colaboração entre os Estados.

O princípio do multilateralismo vai além de uma série de relações bilaterais.

Trata-se de uma forma de prevenção/resolução de conflitos em que os Estados envolvidos

se identificam em função de uma causa comum. Nesse tipo de acordo, a guerra contra um

desses Estados pode tornar-se, automaticamente, uma guerra contra todos os demais

pactuantes, formando assim uma aliança potencialmente permanente contra o inimigo

externo que se torna, iminentemente, inimigo de todos.

15 Nas palavras de Ruggie: “Multilateralism is a generic institutional form of modern international life, and as such it has been present from the start. (…) Historically, the generic form of multilateralism can be found in institutional arrangements to define and stabilize the international property rights of states, to manage coordination problems, and to resolve collaboration problems” (RUGGIE, 1992, p. 567).

23

Mais especificamente, seria como se houvesse um acordo entre um subgrupo de

Estados firmando um esquema de autodefesa coletiva cuja duração é, a princípio,

indefinida contra qualquer agressor potencial. Esse esquema é baseado em dois princípios

do multilateralismo: a indivisibilidade das ameaças à coletividade (isso é, não importa

qual dos Estados pactuantes tenha sido atacado e nem por quem) e o pressuposto da

responsabilidade coletiva incondicional.

O princípio do multilateralismo pode ser analisado também sob o enfoque

institucional. Robert Keohane definiu instituições como “persistent and connected sets of

rules, formal and informal, that prescribe behavioural roles, constrain activity and shape

expectations” (KEOHANE, 1990, p. 732). As principais funções dessas instituições

seriam as de definir e estabilizar direitos de propriedade no plano internacional,

solucionar problemas de coordenação da ação coletiva e resolver questões de colaboração

entre agentes.

Com base no ponto de vista institucionalista, o termo “multilateral” pode ser

compreendido como um adjetivo que modifica o substantivo “instituição”. Assim, o

multilateralismo representaria uma forma institucional genérica dentro do campo das

relações internacionais. Ilustrando o conceito de forma mais específica, temos que:

Multilateralism is an institutional form which coordinates relations among three or more states on the basis of “generalized” principles of conduct – that is, principles which specify appropriate conduct for a class of actions, without regard to the particularistic interests of the parties or the strategic exigencies that may exist in any specific occurrence (RUGGIE, 1992, p. 571).

Na prática, a perpetuação e o sucesso do multilateralismo se baseiam na

configuração de uma reciprocidade difusa entre seus membros, ou seja, os membros

esperam que o acordo proporcione, em seu conjunto, uma ampla equivalência de

benefícios ao longo do tempo. Para esse sistema funcionar, cada Estado deve acreditar

que os sacrifícios no presente irão, de fato, frutificar e retornar no longo prazo, e que os

outros membros não deixarão de cumprir o acordo implícito, mesmo que se encontrem

tentados a tal.

24

Até o século XX, em poucas situações o multilateralismo alcançou a amplitude

necessária a ponto de gerar organizações formais. A guinada para as organizações

formais de cunho multilateral, abordando grandes questões de interesse internacional,

ganhou peso de fato a partir do final da Primeira Guerra Mundial16.

É importante reforçar, portanto, que a prática do multilateralismo não foi

inventada no século XX. Trata-se de uma forma institucional genérica do moderno

sistema interestatal, e suas primeiras linhas vem sendo delineadas desde a origem desse

sistema. No entanto, é possível observar que a amplitude e a diversidade de acordos

acerca de uma vasta gama de temas e áreas cresceram substancialmente na esfera

multilateral, principalmente depois de 1945. Naturalmente, essa mudança está associada à

estratégia de gestão do sistema mundial implementada pelos Estados Unidos no pós-

guerra, momento em que ascenderam a uma posição de destaque na hierarquia mundial.

Ao longo da história do capitalismo, cada uma das nações que alcançou o status

de nação hegemônica por determinado período adotou uma forma de gestão do sistema

mundial específica – em geral optando por aquela que contribuísse para perpetuar sua

manutenção nesse posto por mais tempo. Cada nação hegemônica optou por adotar

determinada estratégia, decisão atrelada ao contexto histórico em que estava inserida bem

como à distribuição de poder na esfera internacional daquele período.

No contexto do pós-guerra, momento em que o contexto internacional

apresentava uma correlação de forças diferente da anterior, a própria nação líder buscou

refazer sua estratégia no “jogo” da acumulação de poder e riqueza em escala global.

Nesse sentido, já que havia emergido do conflito como potência econômica e militar,

coube aos Estados Unidos, no intuito de ocupar efetivamente o posto de nação

16 De acordo com Ruggie: “Above all, a completely novel form was added to the institutional repertoire of states in 1919: the multipurpose, universal membership organization, instantiated first by the League of Nations and then by the UN. Prior international organizations had but limited membership, determined by power, function, or both, and they were assigned specific and highly circumscribed tasks. In contrast, here were organizations based on little more than shared aspirations, with broad agendas in which large and small had a constitutionally mandated voice. Moreover, decision making within international organizations increasingly became subject to the mechanism of voting, as opposed to treaty drafting or customary accretion; and voting itself subsequently shifted away in most instances from the early unanimity requirement that was consistent with the traditional mode of conducting international proceedings” (RUGGIE, 1992, p. 583).

25

hegemônica, a missão de delinear as novas bases do regime de gestão do sistema

mundial.

A agenda institucional norte-americana baseava-se, sobretudo, no desejo de

reestruturar a ordem internacional por meio de medidas de cunho multilateral a nível

global. A compreensão do movimento para a adoção dessa agenda institucional

específica, de certa forma, encontrava-se amplamente vinculada à estratégia e às

particularidades desse hegemon, sendo necessário levar em conta tanto o panorama

internacional quanto a situação doméstica nesse momento.

To the extent that it is possible to “know” these things, historical counterfactuals suggest that the likeness among hegemons stops short of the institutional form by which they choose to organize the system. (…) Thus, all hegemonies are not alike. The most that can be said about a hegemonic power is that it will seek to construct an international order in some form, presumably along lines that are compatible with its own international objectives and domestic structures (RUGGIE, 1992, p. 585).

Para os planejadores americanos do pós-guerra o multilateralismo, em seu sentido

genérico, representou um princípio “arquitetônico” fundamental sobre o qual deveria ser

reconstruída a economia mundial naquele momento. O debate existente na literatura

acerca do papel do multilateralismo na organização da nova ordem econômica no pós-

guerra confirma, através de certo consenso, que seu papel foi essencial.

A partir de então, as relações entre as nações passaram a ter como referência certa

hierarquia de poder a ser mediada e legitimada pelos organismos multilaterais. No

entanto, os Estados Unidos tinham garantido para si uma posição privilegiada no cerne

desses organismos, inclusive, através do poder de veto de medidas aprovadas nessas

instâncias.

To underscore the obvious, the United States did not seek to endow formal international organizations with extensive independent powers; that was not its multilateral agenda. The Americans insisted on a veto in the UN Security Council. (…) Voting in the international financial institutions was and remains weighted, the United States still having the largest single share (RUGGIE, 1992, p. 589).

26

Analisando por outro enfoque, o multilateralismo é uma forma institucional

relativamente exigente do ponto de vista do hegemon, já que este poderia valer-se de

opções unilaterais ou bilaterais para alcançar seus objetivos, numa amplitude maior que a

de qualquer outro Estado. Seguindo esse raciocínio, o que torna o compromisso do

hegemon com o multilateralismo crível para as outras partes? Em outras palavras, o que

garante aos outros Estados que o hegemon não recuaria, caso mudasse de idéia ou

reavaliasse seus interesses de curto prazo, deixando-os assim em uma situação difícil?

Inicialmente, a garantia de perpetuação de acordos multilaterais encontra-se

atrelada à efetividade da reciprocidade difusa entre os membros. Esse fato baseia-se na

hipótese norteadora de que conforme as expectativas se mantêm, ao passo que cada

membro não insista em ser igualmente recompensado em cada round, a sustentabilidade

do acordo parece se manter de forma compensatória.

Além disso, um acordo baseado em princípios organizacionais gerais apresenta

maior flexibilidade que um acordo baseado em interesses particulares e exigências

específicas. Um acordo de tipo multilateral também apresenta, em geral, maior

perspectiva de continuidade frente a situações de mudanças - inclusive diante de

alterações na balança de poder internacional.

Entretanto, geralmente, a maioria dos arranjos multilaterais na prática acaba sendo

governada não apenas pelo hegemon, mas sim, por um seleto subgrupo de Estados. Isso

atenua muitos dos potenciais problemas de ação coletiva internacional.

The major postwar global regimes have been governed by what is termed “minilateralist” grouping within them. Thus, the regimes were not mere expressions of hegemony, and they thereby avoided obvious legitimacy problems. Nor did they operate purely on the basis of egalitarian decision-making rules, however (RUGGIE, 1992, p. 596).

Cabe aqui fazer uma diferenciação necessária entre a forma institucional genérica

do multilateralismo e as organizações multilaterais formais, sendo estas últimas

relativamente mais recentes e, por enquanto, com expressão mais modesta que o princípio

do multilateralismo em si.

27

A problemática envolvida nesse ponto reside na tendência atual, tanto das

organizações internacionais quanto da comunidade acadêmica, de equiparar o fenômeno

do multilateralismo com o universo das organizações multilaterais.

Na verdade, como já vimos, o termo “multilateral” pode ser compreendido como

um adjetivo que modifica o substantivo “instituição” e a forma que essas instituições

assumem, afetando diretamente o papel que elas representam a nível mundial nos dias de

hoje17.

Acordos institucionais de conotação multilateral possuem capacidades adaptativas

e até reprodutivas, que os diferenciam e podem faltar a outras formas institucionais. Isso

pode ajudar na compreensão do papel que os acordos multilaterais exercem na

estabilização de um sistema internacional em constante transformação. A conotação

multilateral desses acordos permite, em determinadas circunstâncias, favorecer tanto a

duração do acordo quanto a habilidade da instituição em se adaptar a mudanças de

conjuntura (RUGGIE, 1992, p. 597).

É possível afirmar, dessa forma, que uma das características centrais dos atuais

acordos institucionais internacionais corresponde à sua conotação e forma multilateral.

Vejamos agora como o princípio do multilateralismo se reflete nos organismos

multilaterais, agregando à discussão a posição privilegiada do hegemon no cerne desses

organismos. De agora em diante, naturalmente, o foco dessa análise nos remete mais

especificamente ao ciclo hegemônico dos Estados Unidos, desde o pós-guerra até os dias

de hoje.

17 Nas palavras de Ruggie: “Moreover, for analytic purposes, it is important not to (con)fuse the very meaning of multilateralism with any one particular institutional expression of it, be it an international order, regime, or organization. Each can be, but need not be, multilateral in form. In addition, the multilateral form should not be equated with universal geographical scope; the attributes of multilateralism characterize relations within specific collectivities that may and often do fall short of the whole universe of nations” (RUGGIE, 1992, p. 574).

28

1.4. Organismos Multilaterais e o Hegemon

A idéia de hegemonia pode ser representada pelo poder adicional que é

conquistado por um grupo dominante, em virtude de sua capacidade de colocar em plano

“universal” todas as questões que geram conflito em um determinado sistema.

O conceito de “hegemonia mundial” aqui adotado refere-se especificamente à

capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de

nações soberanas. Em princípio, esse poder pode implicar apenas a gestão corriqueira

desse sistema, tal como instituído num dado momento. Historicamente, entretanto, o

governo do sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação

transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema18.

O poder hegemônico, quando inserido no plano interestatal e competitivo em que

nenhum player pode ser considerado neutro, leva Arrighi a considerar que “a alegação do

grupo dominante de representar o interesse geral é sempre mais ou menos fraudulenta”

(ARRIGHI, 1996, p.28). Para sustentar a hegemonia, essa alegação deve ser pelo menos

parcialmente verdadeira e trazer alguma contribuição para o poder do grupo dominante.

Caso contrário estará criada uma situação de fracasso da hegemonia.

Dessa forma, o Estado dominante exerce função hegemônica quando lidera o

sistema de Estados numa direção desejada e, com isso, é percebido como buscando o

interesse geral. É esse tipo de liderança, associada à capacidade desse Estado em garantir

certa segurança e estabilidade no sistema mundial, que legitima a hegemonia do Estado

dominante - como no caso dos Estados Unidos no pós-guerra até os dias de hoje.

O mundo nunca esteve entregue de forma mais incontestável ao arbítrio de uma só potência hegemônica que tivesse tão radicalmente orientada pelo seu commitment liberal, e pelo seu objetivo de construir e sustentar uma ordem internacional baseada sobre um conjunto de regimes e instituições regionais e globais consagradas pela aceitação coletiva, tanto no campo do desarmamento como no do comércio e dos investimentos. (...) Os

18 De acordo com Arrighi: “Esse poder é algo maior e diferente da “dominação” pura e simples. É o poder associado à dominação, ampliada pelo exercício da “liderança intelectual e moral” (ARRIGHI, 1996, p. 27).

29

Estados Unidos, hoje, arbitram isoladamente o sistema monetário internacional, promovem ativamente a abertura e desregulação das economias nacionais e o livre-comércio, têm incentivado a convergência das políticas macroeconômicas, têm atuado - pelo menos em parte - como last resort lender em todas as crises financeiras e detêm um poder incontestável nos planos industrial, tecnológico, militar, financeiro e cultural (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS 2001, p. 12).

A posição de destaque dos Estados Unidos no pós-guerra representa o ponto de

partida para seu ciclo de acumulação hegemônico no sistema mundial. Para ocupar e se

manter em tal espaço, o poder dominante necessita de uma estratégia de gestão do

sistema mundial, fornecendo certo grau de estabilidade e segurança aos outros Estados

soberanos.

Ikenberry (2003, p. 49) aponta o caráter inovador na forma em que os Estados

Unidos utilizam o principio do multilateralismo - que assume a forma de organismos

internacionais - para restabelecer a ordem mundial, bem como sua posição privilegiada

na ordem internacional criada por esses organismos.

Across the century – and in particular at the major post-war turning points of 1919, 1945, and 1989 – the United States has pursued ambitious strategies that entailed the use of an array of multilateral institutions to remake international order. No other great power has advanced such far-reaching and elaborate ideas about how institutions might be employed to organize and manage the relations between states. But despite this enthusiasm for creating institutions and a rule-based international order, the United States has been reluctant to tie itself too tightly to these multilateral institutions and rules (IKENBERRY, In: FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 49).

É interessante observar tanto a origem quanto a lógica presente na forma em que

os Estados Unidos conduziram os acordos institucionais multilaterais com outros

Estados. De acordo com Ruggie (1992, p. 592), alguns elementos da experiência

doméstica dos Estados Unidos com o “New Deal” serviram como base do modelo

regulatório internacional:

It seems clear that across a broad array of social and economic sectors, the United States after World War II sought to project the experience of the New Deal regulatory state into the international

30

arena. This endeavor entailed two distinct dimensions. The first was a belief that the long-term maintenance and success of domestic reform programs required a compatible international order. The second was a commitment at the international level to institutional means which had already been tried domestically and which grew out the legal and administrative revolution that accompanied the New Deal. The combination of the two translated into an active U.S. effort to institutionalize a multilateral international economic and social order (RUGGIE, 1992, p. 592).

Mas as oscilações verificadas no comportamento dos Estados Unidos na condução

dos acordos institucionais com outros Estados nos remetem a um ponto que merece

atenção especial, ou seja, uma explicação. Nessa direção, a hipótese mais latente indica

que os Estados Unidos organizam e operam dentro das instituições internacionais quando

podem dominar essas instituições e resistem a tal inserção quando não possuem esse

controle.

O grande atrativo dos acordos institucionais para o Estado dominante é o fato de

potencialmente amarrar outros Estados dentro de orientações políticas mais estáveis e

previsíveis reduzindo, para isso, a necessidade do uso da coerção. Mas o preço que o

Estado dominante precisa pagar por essa cooperação institucionalizada é a redução da sua

própria autonomia política e de sua irrestrita capacidade de exercer poder pela via

unilateral19.

Isso nos remete à questão central com a qual os formuladores da política norte-

americana vem se confrontando ao longo de décadas desde 1945, ou seja, o quanto dessa

política de amarrar outros Estados – através da institucionalização de vários

compromissos e obrigações – compensa a redução da autonomia política norte-americana

e restrição de seu poder?

Ikenberry (2003, p. 53) reformula essa questão balizando como a estratégia dos

Estados mais fracos está atrelada a questões de curto prazo enquanto o Estado dominante

projeta sua estratégia num panorama de médio e longo prazo: 19 Nas palavras de Ikenberry: “The United States weighs the attractions of institutions as groupings that lock other states into stable and predictable policy orientations, thus reducing the need for coercion, against the reduction in its own policy autonomy and ability to use power that comes as the price of that institutional bargain” (IKENBERRY, In: FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 19).

31

The discount rate for future gains is potentially different for the leading and the lesser states, and this makes an institutional bargain potentially more mutually desirable. So the leading state is faced with a choice: how much institutional limitation on its own policy autonomy and exercise of power is worth how much policy lock-in of weaker states? (IKENBERRY, In: FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 53).

Esse ponto suscita um debate que gira em torno de uma situação de potencial

barganha institucional. Esse tipo de barganha torna-se mais presente quando a ordem

antiga foi destruída e um Estado emergente precisa amarrar Estados mais fracos através

das organizações de uma nova ordem.

Na barganha institucional o Estado dominante deseja reduzir custos de

cooperação e Estados mais fracos querem reduzir seu custo de proteção/segurança, ou o

custo que teriam tentando proteger seus interesses contra a ação de um Estado dominante.

É isso o que torna o acordo institucional atrativo: o Estado dominante concorda em

restringir seu próprio potencial de dominação e impulsos em troca da cooperação

institucionalizada de longo prazo dos Estados subordinados. Ambos os lados acabam

ganhando mais através da relação institucionalizada do que em uma ordem baseada na

constante ameaça do exercício de poder arbitrário e indiscriminado.

Assim, o Estado dominante não tem a necessidade iminente de expandir seu poder

para coagir outros Estados e os outros Estados não têm a necessidade imediata de

expandir seus recursos para se proteger de tal coerção. De acordo com Ikenberry (2003,

p.51), é a natureza mútua desse intercâmbio que faz o acordo institucional funcionar20.

Do ponto de vista da Teoria Institucionalista, as instituições podem servir ao

menos a dois propósitos no contexto das Relações Internacionais. Primeiramente, como

argumentam os institucionalistas neoliberais, instituições podem ajudar a resolver 20 Segundo o autor: “Why would a leading state surrounded by a world of weaker states want to establish multilateral institutions? The answer is that institutional agreements can lock other states into a relatively congenial and stable order. The institutions help create a more favourable and certain political environment in which the leading state pursues its interests. This is possible because institutions can operate as mechanisms of political control. When a state agrees to tie itself to the commitments and obligations of an inter-state institution, it is agreeing to reduce its policy autonomy. A leading state that has created an institutionalized order that works to its long-term benefit is better off than a leading state operating in a free-floating order requiring the constant and costly exercise of power to get its way” (IKENBERRY, In: FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 51).

32

problemas de ação coletiva - reduzindo os problemas de acordos e custos de transação -

que se colocam diante do intercâmbio político eficiente e mutuamente benéfico. Mas por

outro lado, instituições também podem ser instrumentos de controle político.

Political institutions are also weapons of coercion and redistribution. They are the structural means by which political winners pursue their own interests, often as the expense of political losers (IKENBERRY, In: FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 51).

As instituições podem exercer um papel de mudança nas assimetrias de poder,

permitindo para isso que o Estado dominante calcule sua gama de interesses através de

uma estrutura de longo prazo - com as instituições atuando como um mecanismo

dinâmico de investimento em ganhos futuros - enquanto os Estados mais fracos se

apegam à crença de que haverá restrições no exercício de poder arbitrário e

indiscriminado por parte do Estado dominante já no curto prazo.

Os próprios oficiais americanos se comportam de uma forma que sugere, ao

menos, que eles acreditam que as instituições podem de fato exercer esse papel de

moldagem e restrição, possuindo mais ou menos prestígio de acordo com seu

“alinhamento” com o hegemon:

If institutions do a reasonable job at promoting American agendas and show signs of being effective, they tend to be embraced. If they constrain American pursuit of its perceived interests beyond a point that can be tolerated, or they appear to be ineffectual, they will be avoided or opposed, leading the United States to explore other options. Multilateral institutions will be supported or created when they can assist in the furtherance of America’s policy objectives; otherwise they will not (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 266).

Outra forma de abordar essa questão seria enfocando a perspectiva norte-

americana acerca das instituições multilaterais com base na análise específica do custo-

benefício. Apesar da preponderância norte-americana, as instituições podem ser úteis em

atingir determinados objetivos a um custo menor que por uma abordagem unilateral.

Dessa forma, não existe razão para assumir que unipolaridade leva inexoravelmente ao

33

unilateralismo, apesar de permitir que os Estados Unidos tenham um amplo leque de

ações que não estão disponíveis aos Estados mais fracos.

O que não se pode negar, é que a sociedade global se tornou crescentemente

institucionalizada. A grande interdependência e manifestações diante de uma potencial

ameaça internacional resultaram na intensificação dos esforços para coordenar resultados

a nível global, ainda que a posição dos Estados Unidos como nação hegemônica aumente

sua tentação para agir unilateralmente.

Os administradores norte-americanos, através de seus esforços na criação de

instituições multilaterais, demonstraram que reconhecem sua importância como

instrumento de política no sistema mundial - particularmente em tempos de forte

mudança estrutural como no final das duas guerras mundiais21.

Isso se deve ao fato de que as instituições multilaterais conseguem ao mesmo

tempo proporcionar certo grau de estabilidade ao sistema mundial sem deixar de

privilegiar, amplamente, o Estado dominante:

Multilateral organizations (...) could help the US to spread burdens, control risks, and promote its values. They could also legitimize and universalize its interests at a time when it needed to reassure others about the way it would use its dominant position in the global system (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 04).

São freqüentes as acusações de que os EUA “subcontratam” sua política externa

às organizações internacionais. Isso fez aumentar, dentro do alto escalão da agenda

política externa norte-americana, o debate envolvendo o lugar apropriado das

organizações multilaterais internacionais na conduta da política norte-americana.

21 De acordo com Foot, Macfarlane & Mastanduno: “Institutions serve as a transmission mechanism in the effort to universalize American values, for example, the promotion of democratic and market reforms. The United States also often finds institutions useful in constraining other states, binding these states into sets of policies that promote American conceptions of world order. Where this calculation has been made, the United States when it joins such institutions has been willing to accept some limitations on its own room for manoeuvre in order to embed – or ‘lock in’, as Ikenberry has put it – other states into institutional arrangements. This purpose may be particularly important in the long run. If American preponderance eventually decays, the lock-in effect may all be more important in sustaining a world congenial to American preferences” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 267).

34

Do ponto de vista do hegemon, existem também controvérsias acerca do papel dos

organismos multilaterais frente à manutenção da soberania nacional norte-americana. O

debate é dividido entre críticos norte-americanos das organizações multilaterais, críticos

estrangeiros à maneira como os norte-americanos se apropriam desses organismos, e os

que temem a crescente resistência dos Estados Unidos a esses organismos como um

retorno às práticas unilaterais22.

Apesar da importância desse debate e do forte interesse dos Estados Unidos na

ampla disseminação da cooperação multilateral, os estudos abordando a relação entre os

Estados Unidos e as organizações multilaterais não são abundantes e nem esgotaram o

assunto nas suas diversas nuances. Esse tema, sem dúvida, representa um ponto de

destaque para novos e crescentes debates no campo das Relações Internacionais23.

Como já vimos na seção anterior, os estudos de John Ruggie (1993, p. 36)

também abordaram esse tema, desvendando as relações existentes entre multilateralismo

e organizações multilaterais, bem como entre os Estados Unidos e a ordem mundial

multilateral que ajudou a construir. De acordo com o argumento do autor, a identidade

norte-americana, seus princípios e crenças atuaram como fontes potentes do

compromisso dos Estados Unidos junto à ordem multilateral (RUGGIE, 1993, p. 36).

22 Nas palavras de Foot, Macfarlane & Mastanduno: “US critics of multilateral organizations typically have described such bodies as a drain on US resources, as predominantly hostile to its objectives, and as obstacles to the US ability to take rational, self-interested decisions. The United States, in this view, should not allow itself to be constrained by institutions that reflect the least common denominator of world public opinion, especially when that opinion tends to be hostile to US power and the purpose to which it is put. Those who have disagreed with this depiction, especially America’s foreign critics, have described US behaviour in this bodies in precisely opposite terms: as increasingly self-serving and based on a willingness to use US power to achieve the outcomes it has desired, even in the absence of compromise with its major allies. The critics of unilateralism also fear that, because the United States is such a powerful actor, its defiance of multilateral organizations constitutes a threat to the effectiveness and in some cases to the very existence of those organizations” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 05). 23 Em relação a esse assunto, Foot, Macfarlane & Mastanduno colocam que: “Realists, liberal institutionalists, and constructivists, among others, have debated the extent to which international organizations have affected the advancement of American objectives. John J. Mearsheimer, for example, has argued that institutions are dependent variables that reflect the distribution of power in the world (…) ‘based on the self-interested calculations of great powers’ with ‘no independent effect on state behaviour’. For a liberal institutionalist such as Robert O. Keohane, however, institutions matter because they offer a range of resources; they provide information, monitor for compliance, facilitate issue linkage, and help reach solutions to collective action problems, thereby changing state preferences and state behaviour and contributing substantially to the maintenance of a stable peace” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 05-06).

35

Acerca do nível e estilo de participação dos Estados Unidos nas organizações

multilaterais, algumas considerações podem ser feitas. Uma delas remete ao fato de que

nem sempre a adesão dos Estados Unidos a um acordo multilateral representa garantia de

que seu comportamento será estritamente previsível e alinhado com as linhas propositivas

do acordo:

US officials sometimes operate in a consensual manner, accepting compromises and deferring to the sentiments of other states even when the United States finds itself in the minority. Alternatively, the United States frequently behaves unilaterally and coercively, asserting its own will or going its own way in defiance of a multilateral consensus (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 08).

Existe uma variedade de fatores com o potencial de explicar o comportamento

norte-americano frente aos organismos multilaterais. Esses fatores podem ser divididos

principalmente em doméstico e internacional, isto é, aqueles internos e aqueles externos

aos Estados Unidos, apesar de sabermos que esses dois níveis encontram-se

frequentemente interligados.

Um dos componentes domésticos mais relevantes da cultura política norte-

americana, e que transborda para a esfera internacional, é a forte convicção de que suas

instituições políticas e econômicas representam um modelo a ser seguido. Para muitos

norte-americanos, se os demais países seguissem preceitos cada vez mais parecidos com

aqueles adotados por eles, o resultado seria um mundo mais próspero e seguro.

Tratando dos fatores externos, também é plausível considerar que o

comportamento dos Estados Unidos em relação aos organismos multilaterais seja

influenciado pela conjuntura externa, ou seja, pelo contexto internacional em que os

Estados Unidos esteja inserido em determinado momento. Nesse sentido, quatro fatores

merecem atenção especial: a distribuição internacional da capacidade material, o contexto

normativo internacional, os esforços diplomáticos dos outros governos e a performance

das próprias organizações multilaterais (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO,

2003, p. 11).

36

A posição de um Estado na distribuição global de poder vai provavelmente

influenciar nos moldes de sua relação com as organizações multilaterais. O desafio

analítico seria determinar precisamente como, e esse desafio é especialmente difícil para

o caso norte-americano.

Os Estados Unidos correspondem ao poder dominante no sistema internacional

corrente, e quem detém o poder dominante age com considerável liberdade de escolha.

Estruturas internacionais possuem a capacidade de moldar as opções e o comportamento

dos Estados mais fracos de forma mais impactante se comparados ao caso dos Estados

mais fortes. Os Estados mais fortes, e particularmente um poder unipolar, geralmente

usufrui do privilégio de uma política externa praticamente irrestrita.

Um poder dominante é suficientemente forte e seguro para não apoiar-se

unicamente nas instituições internacionais. Esse poder pode vir a agir unilateralmente e

arbitrariamente, uma vez que seu poder preponderante atua como uma blindagem em

relação às conseqüências negativas que recairiam normalmente sob Estados mais fracos

que atuassem nesses moldes.

Por outro lado, organizações multilaterais são importantes para um Estado

dominante exatamente devido à sua posição privilegiada no panorama global já que é

através delas que os Estados dominantes procuram preservar o status quo internacional

nos moldes em que se beneficiem mais.

As organizações multilaterais podem ajudar bastante nessa missão. O fato de

prover os Estados mais fracos de uma voz no processo decisório internacional – benefício

que em parte explica o desejo desses Estados em tornarem-se membros de tais

organismos – ajuda a aliviar a preocupação natural dos Estados mais fracos de que o

Estado dominante irá explorá-los ilimitadamente. Organizações multilaterais também

possibilitam ao Estado hegemônico institucionalizar ou amarrar sua posição dominante

de forma que suas preferências tenham o potencial de se perpetuar mesmo depois que as

relações de poder tenham se tornado menos assimétricas.

Por um lado, o Estado hegemônico mantém certo compromisso em promover e

fortalecer as instituições internacionais e procura manter um consenso multilateral entre

elas. Por outro lado, dada sua posição de poder dominante, o governo norte-americano

37

parece incapaz de resistir à tentação de agir arbitrariamente, de evitar comprometimento

multilateral, ou de operar desrespeitando uma posição consensual quando os Estados

Unidos se encontram em uma posição minoritária dentro das organizações multilaterais.

Devido a sua dimensão e poder, potenciais práticas de cunho unilateral por parte

dos Estados Unidos representam uma grande preocupação para outros Estados. Esses

Estados possuem interesse em uma política externa norte-americana mais uniforme e

previsível, que reflita ao menos algum grau de sua própria preferência. Um meio

importante para alcançar esses objetivos é assegurar que as iniciativas da política externa

norte-americana sejam chanceladas através de mecanismos de tomada de decisão

coletiva24.

Nesse sentido, existem alguns elementos indicativos de que o poder dos Estados

Unidos para determinar resultados dentro das organizações multilaterais é geralmente

considerável:

The potential for the United States to have a significant impact on multilateral organizations is equally evident in the area of international financial cooperation. The decisions of the IMF and the World Bank are based on a weighted voting formula and the United States enjoys the largest share of votes. Nevertheless, these institutions depend for their legitimacy on being able to demonstrate both technical expertise and some autonomy from the political environment of decision making. The relationship between power and outcome is not straightforward where there is a desire to contribute to the longevity and authority of multilateral institutions (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 15).

A medida do impacto dos Estados Unidos sobre as organizações multilaterais, em

certo grau, pode ser mensurada pela deliberada aplicação de poder para conseguir que um

organismo mude seu comportamento. Essa ação costuma envolver incentivos e/ou

penalidades.

24 De acordo com Foot, Macfarlane & Mastanduno: “Great powers have always intervened in the affairs of smaller and weaker ones. Today, that intervention is considered far more legitimate if it is undertaken collectively with the imprimatur of some institution representative of the international community” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 12).

38

No campo das Relações Internacionais, a capacidade de um poder maior impor

suas preferências está diretamente relacionada com a propensão, por parte do mais fraco,

a desistir de certa escolha política como resultado da crença de que as penalidades

impostas pelo mais poderoso ultrapassem qualquer potencial benefício da ação em

questão - ou seja, a providencial cautela de render-se por antecipação.

The capacity to construct barriers to the discussion of particular policy problems and disputes is a form of power available for US use in multilateral organizations (…). The US desire to replicate its own understandings of macroeconomic theory and its normative preferences with regard to the international economy has served to shift the agendas of international financial and development institutions towards economic neo-liberalism (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 17-18).

Isso significa que a aplicação de poder não precisa aparecer somente limitada a

situações de conflito observáveis ou latentes. Dada a extensão do sucesso que um Estado

poderoso atinge em promover suas idéias como legítimas e universais, os outros irão

‘escolher’ fazer o que esse Estado prefere. Esse comportamento pode prevenir fortemente

o surgimento de conflitos. Entretanto, nessas situações, não haverá aplicação observável

de poder.

Assim, existem várias formas em que um Estado dominante pode moldar os

organismos multilaterais dentro do jogo político mundial - seja através de meios

observáveis ou menos observáveis, seja utilizando métodos consensuais ou coercitivos, e

até inadvertidos25.

O efetivo exercício do poder americano também requer interlocutores no governo

dos Estados mais fracos, que compartilhem da mentalidade técnica e predisposições

ideológicas dos Estados Unidos e das instituições financeiras internacionais. Assim,

25 Nas palavras de Foot, Macfarlane & Mastanduno: “About the role of the United States in international financial institutions, the United States is extraordinarily influential, and its influence is a function of both formal means – for example, US financial contributions – and informal practices and conventions that have developed within the IMF and World Bank over time. The informal mechanisms of influence are often more important than the formal ones. Notwithstanding the weight of US influence, it would be inaccurate to consider international financial institutions as mere instruments of US power and policy. The credibility and legitimacy of these institutions rest in part on their ability to create some political distance between themselves and their most powerful state patron” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 20).

39

pode-se dizer que os Estados Unidos moldam o comportamento dessas instituições

profundamente, mas isso não é o bastante. Advém daí a necessidade de assegurar

parcerias com os outros Estados.

O mais relevante é perceber o excepcional jogo de poder e influência que os

Estados Unidos exercem sobre o regime multilateral. Os Estados Unidos acabam

participando do regime mais através da elaboração de regras do que no cumprimento

delas. Nesse sentido, aproveitam o poder de dobrar as regras seletivamente para servir

seus interesses, diminuindo assim a tentação de romper totalmente com o regime.

Ironicamente, é exatamente a assimetria de poder que cria o potencial intercâmbio

de benefício mútuo. O Estado dominante possui um estímulo a tomar vantagem de sua

posição dominante ao amarrar os outros em um conjunto de regras internacionais que o

favoreça – institucionalizando assim, sua preeminência. Os Estados subordinados se

deixam amarrar, ao menos até certo ponto, se isso significa que o Estado dominante será

mais previsível e administrável enquanto potência mundial.

Existe uma unidade de visão norte-americana de que os Estados Unidos podem e

devem delinear os termos e condições de funcionamento dos organismos multilaterais.

Seguindo essa linha de pensamento, a política norte-americana para as organizações

multilaterais é direcionada pelo desejo de manter e aumentar seu poder de forma a

contribuir para que seus valores e preferências sejam inseridos na ordem mundial26.

Mas as organizações internacionais também possuem, enquanto instituição, seus

interesses particulares movidos geralmente pelo desejo de perpetuação e longevidade.

Nesse sentido, os organismos multilaterais não são completamente neutros quando fazem

esforços para influenciar a política norte-americana na direção de sua organização, sendo

que o impacto dessa política em relação aos organismos multilaterais pode variar em

26 Em relação a esse assunto, Foot, Macfarlane & Mastanduno colocam que: “The United States additionally has a major influence both in shaping the agendas of institutions where its interests are at stake and, even more fundamentally, in shaping and reshaping the actual character of the institutions themselves. An analysis of the decision-making of the international financial institutions suggests that the US exercises strong control over what these institutions consider. This may reflect either the ideological hegemony of American understandings or the reluctance of institutional secretariats and members to raise issues that they know will be opposed by the United States. The United States [for example] has also used the IMF to promote values of privatization and financial deregulation” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 271).

40

conteúdo e intensidade. Desse modo, é possível considerar que a política norte-americana

exerce uma importante influência – seja direta ou indireta - sobre a atuação dessas

instituições internacionais.

Also powerful in determining US attitudes towards multilateral organizations is the perceived performance or effectiveness of such bodies. This perception is strongly linked to the extent to which these groupings show themselves to be compatible with US objectives, objectives which are themselves informed by US national values (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 269).

O que costuma acontecer quando a agenda de um organismo internacional se

distancia do que o governo norte-americano espera? Os Estados Unidos suspendem seu

apoio e passam a procurar outras arenas ou meios para avançar em seus objetivos

políticos - podendo perpassar, inclusive, pela adoção de medidas de cunho unilateral.

Do ponto de vista da relação custo-benefício, o poder norte-americano acaba

possibilitando que os Estados Unidos adotem uma postura seletiva em termos do seu

engajamento junto às instituições multilaterais. Dessa forma, os Estados Unidos podem

ser mais bem descritos não como unilateralistas ou simples multilateralistas, mas sim,

como ‘multilateralistas instrumentais’.

Como avaliação geral, em diversas áreas no universo da política, a adoção do

multilateralismo tem sido fundamental enquanto estratégia utilizada pelos Estados

Unidos no posto de nação hegemônica como meio de alcançar seus objetivos políticos na

arena internacional.

A disposição dos Estados Unidos em seguir cooperando nos fóruns multilaterais

parece ser determinada predominantemente pelo grau de eficiência que uma organização

específica apresenta - inclusive na avaliação de importantes atores domésticos norte-

americanos - enquanto meio efetivo e apropriado para a promoção dos objetivos norte-

americanos.

Observando o comportamento das instituições multilaterais em geral, é possível

dizer que elas seguem operando dentro dos constrangimentos diretos e indiretos que o

instrumentalismo hegemônico norte-americano impõe. Medidas consistentes que se

41

sustentem na direção marcadamente contrária ao ponto de vista norte-americano podem

remeter um órgão multilateral a uma posição de escanteio no cenário internacional. A

adoção desse tipo de postura remete, diretamente, a um critério altamente “seletivo” em

termos de perpetuação ou extinção de uma instituição na arena internacional.

Uma vez apresentada algumas nuances que permeiam a relação entre os

organismos multilaterais e o hegemon, vejamos de que forma a proposição de um

esquema teórico-interpretativo pode colaborar para a edificação de uma análise do Banco

Mundial sob um enfoque mais abrangente e condizente com o papel que a instituição

efetivamente desempenha no cenário internacional.

1.5. Esquema teórico-interpretativo

O objetivo desta seção consiste em apresentar um esquema teórico-interpretativo

que auxilie no processo de análise do papel do Banco Mundial, permitindo examinar a

instituição sob uma perspectiva criteriosa e abrangente.

A idéia central parte do princípio de que a criação do Banco Mundial, em 1944,

não corresponde a um fato isolado e nem representa o ponto de partida apropriado para a

realização desse estudo. Dessa forma, a proposta de análise do Banco Mundial como

produto de uma conjuntura específica da história mundial - e não como ponto de partida –

procura diferenciar a perspectiva desta tese de grande parte da literatura existente em

relação ao tema.

São poucos os estudos relativos aos organismos multilaterais, mais

especificamente ao Banco Mundial, que se propõem a analisar esse tema sob uma

perspectiva de longo prazo27. Em geral, as publicações sobre o Banco Mundial abordam

temáticas atuais e relacionadas à conjuntura mais recente. Considerando a bibliografia

que ampara esta tese – tanto os Relatórios do Banco Mundial como os autores que

27 De fato, não são muitos os trabalhos que adotaram essa perspectiva mais ampla em estudos relacionados ao Banco Mundial. Nesse grupo reduzido, a título de exemplo, cabe destacar: o trabalho de Foot, Macfarlane & Mastanduno (2003), que observa as relações dos organismos internacionais e a hegemonia norte-americana; Ikenberry (2000), que analisa as instituições multilaterais como elementos estratégicos para estabelecer uma nova ordem hegemônica; e Coelho (2002) que examina o Banco Mundial através das relações de poder e capacidade de exercer influência externa.

42

escreveram sobre o tema – são poucos os casos em que o estudo apresentado recorre a

períodos anteriores ao final da II Guerra para resgatar o papel estratégico da instituição

no cenário internacional.

Nesse sentido, entende-se que para realizar uma análise abrangente e estruturada

sobre o papel e atuação do Banco Mundial ao longo das décadas, torna-se necessário e

relevante retornar ao passado.

Por essa perspectiva, os elementos históricos e conceituais apresentados ao longo

das primeiras quatro seções (rivalidade interestatal na disputa por poder e riqueza; o

princípio do multilateralismo nas Relações Internacionais; e a relação entre

multilateralismo e o hegemon na gestão do sistema mundial), auxiliam a contextualizar o

Banco Mundial dentro de uma dinâmica internacional hierárquica que vem sendo

construída desde o processo de formação dos Estados Nacionais e constituição do sistema

interestatal.

A idéia de apresentar os elementos essenciais que compõem o panorama

competitivo em que estão inseridas as relações interestatais – em geral relacionados à

acumulação de poder e riqueza – procura fornecer uma perspectiva de longo prazo que

viabilize abordar o objeto desse estudo de maneira mais estruturada. Desse modo,

retornar ao passado para resgatar as origens de determinados fundamentos que se fazem

presente na arena internacional até os dias de hoje é, por assim dizer, extremamente

relevante para uma análise mais consistente que permite entender a evolução do Banco

Mundial desde sua fundação até o momento recente28.

A partir desse momento, torna-se importante delinear alguns aspectos que,

tomados em conjunto, compõem a base do esquema teórico-interpretativo que pretende

auxiliar e contribuir como ferramenta analítica do presente estudo.

Em se tratando de examinar o papel de um organismo multilateral - mais

especificamente do Banco Mundial – e sua atuação na esfera internacional bem como sua

inserção em termos do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, naturalmente,

28 O período de análise proposto pela presente tese, ao qual se remetem os próximos capítulos, envolve sessenta anos de atividades da instituição, compreendidos entre o ano de 1946 (início das atividades do Banco Mundial) e o ano de 2006.

43

o âmbito da pesquisa remete a relações que perpassam pela arena de negociações

interestatais.

Por considerar o poder como elemento-chave na esfera das relações interestatais,

procura-se acrescentar à análise uma variável que nem sempre é contemplada em

trabalhos de Economia em seu sentido mais estrito, mesmo porque trata-se de variável

relativamente difícil de ser mensurada. Apesar de sua natureza, por assim dizer,

“incomensurável”, creio não haver equívoco em sugerir que seus efeitos se fazem sentir

de maneira contínua e permanente nas mais diversas esferas - daí a relevância de sua

inclusão para uma observação mais elaborada sobre o tema.

Com base no desafio de incluir na análise uma variável pouco familiar no campo

da Economia - principalmente quando se faz referência à corrente dominante do

mainstream que limita sua análise basicamente à esfera do mercado - e incorrendo nos

riscos dessa escolha, é possível dizer que o campo das Ciências Econômicas que oferece

melhor instrumental a esse tipo de enfoque se encontre no domínio da Economia Política

Internacional (EPI).

O método proposto pela EPI, apresentado a seguir, possui características que, em

sua essência, se alinham ao tipo de perspectiva através do qual se pretende examinar o

Banco Mundial. Dentro desse universo de pesquisa, as relações econômicas e políticas

possuem permanente interação e interdependência na esfera mundial. Essa interação fica

mais clara quando é retomada a equação da gênese do sistema capitalista cujos membros

principais correspondem ao poder, por um lado, e riqueza pelo outro.

Grandes escolas de pensamento econômico (como a Neoclássica e a Keynesiana),

ainda que em diferentes proporções, atribuem pouca ou nenhuma importância às relações

entre poder e riqueza enquanto elemento teórico fundamental para a compreensão da

dinâmica do sistema capitalista. Essa trajetória, reforçada pelo crescimento do campo da

Economia Política Neoclássica no final do século XIX e que desconsidera a importância

44

do poder nas relações econômicas e sociais, ainda predomina no âmbito das Ciências

Econômicas nos dias de hoje29.

Partindo do princípio de que as relações de poder não podem ser simplesmente

abstraídas dos estudos econômicos, é plausível admitir que os elementos principais da

equação gênese do capitalismo correspondem, de fato, ao poder e dinheiro. A partir dessa

constatação, o próximo passo consiste em verificar qual é o procedimento de análise mais

adequado para abordar o tema em questão - levando em conta a interação dessas

variáveis-chaves e a forma como se desdobram na arena internacional.

Questões de escopo internacional, que envolvem ampla gama de agentes cujos

interesses nem sempre são coincidentes, devem ser observadas através de uma

abordagem que permita incluir os diferentes atores, seus respectivos interesses, e a

dinâmica pela qual ocorre a interação entre esses atores. Tendo em vista o sucesso na

incorporação de todos esses elementos, é possível considerar que o exame dos eventos

através das lentes específicas de uma única área do conhecimento resultaria em uma

análise incompleta.

Decorre daí que a multidisciplinaridade no tratamento das Relações Internacionais

é um desafio, mas também uma necessidade. Nesse sentido, o recorte institucional que se

propõe para uma análise abrangente e articulada sobre o Banco Mundial remete

diretamente ao campo econômico das Relações Internacionais, tendo em conta,

principalmente, seu caráter interdisciplinar.

Seja pela abrangência ou pela interdisciplinaridade do trabalho em questão, a

adoção do enfoque da Economia Política Internacional (EPI) como método de análise

parece ser o caminho mais adequado a ser seguido. Reinaldo Gonçalves, em seu livro

“Economia Política Internacional” (2005, p. 04) apresenta as inúmeras nuances atreladas

a esse enfoque:

29 De acordo com Fiori: “Os “novos clássicos” do final do século XX levaram às últimas conseqüências a tentativa de impermeabilização do mundo econômico, ao diluir os conflitos e submeter as decisões políticas às mesmas leis que regeriam o mercado, fundadas no princípio da utilidade marginal e da escolha racional. Um longo e inútil esforço para eliminar teoricamente o papel econômico da relação entre o dinheiro, o poder, as classes sociais e a acumulação e distribuição desigual da riqueza capitalista. Inútil, porque reaparece a cada nova conjuntura de crise e porque se trata de equação encravada na gênese conceitual e na trajetória histórica do capitalismo” (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 19).

45

A Economia Política Internacional (EPI) procura superar as limitações específicas de cada campo teórico ao apresentar um enfoque analítico eclético ou abrangente para os fenômenos próprios do sistema internacional, em geral, e do sistema econômico internacional, em particular. Esse enfoque eclético remonta, na realidade, ao entendimento da Economia Política não como um corpo teórico fechado com “leis de aplicação universal”, mas, sim como a aplicação da teoria aos problemas do mundo real com a ajuda de outras ciências sociais. (GONÇALVES, 2005, p. 04).

Em virtude de sua abrangência e alcance, certamente o método da EPI apresenta

uma relativa “perda de precisão” em relação à análise do mainstream. Trilhando o

caminho diametralmente oposto àquele proposto pela EPI, a perspectiva teórica do

mainstream além de não considerar os Estados Nacionais como atores relevantes dentro

do sistema econômico, preocupa-se em restringir seu enfoque ao tomar como homogêneo

o comportamento dos agentes - que seriam basicamente racionais, individualistas e

maximizadores.

Se, por um lado, a abordagem da Economia Política Internacional não apresenta

os resultados precisos da teoria econômica convencional, por outro, certamente ganha em

profundidade e adequação aos problemas do mundo real em sua complexidade e

heterogeneidade. Dessa forma, o método da EPI pretende investigar as inter-relações

existentes entre as os agentes tanto na esfera política quanto econômica, considerando as

relações de poder como elemento fundamental para a compreensão das rupturas e

continuidades na arena internacional.

Como parte central desse método verifica-se a importância da identificação dos

atores nacionais e internacionais, os fatores que determinam a conduta desses atores, bem

como as regras institucionais que determinam a modalidade de interação entre eles30.

Essa perspectiva indica também que a EPI não pode ser entendida,

exclusivamente, como a economia da política internacional ou a política da economia

internacional. A complexidade e a heterogeneidade das relações internacionais 30 Nas palavras de Gonçalves: “A EPI é um método de análise que tem como foco a dinâmica do sistema econômico internacional em suas distintas esferas e dimensões, que resulta das decisões e ações de atores nacionais e transnacionais, cuja conduta é determinada por fatores objetivos e subjetivos” (GONÇALVES, 2005, p. 11).

46

transcendem tanto as lógicas isoladas da Economia quanto as da Política. Nesse sentido, a

EPI refere-se a um método de análise articulado da dinâmica política e econômica

inerentes às relações internacionais, englobando temas associados às relações, estruturas

e aos processos internacionais.

Os analistas que procuram analisar as relações internacionais a partir da interação

entre as ciências da Economia, Política, bem como de outros campos do conhecimento,

estão utilizando de certa forma o método da EPI – que tem por objetivo capturar a

essência das relações internacionais31.

A proposição inicial da EPI foi estendendo-se no espaço e no tempo, definindo

nova agenda de pesquisa histórica e comparada sobre o ciclo vital das grandes potências e

a capacidade destas em impor internacionalmente sua hegemonia política e econômica.

Assim, é possível considerar que o campo da Economia Política Internacional foi se

desenvolvendo mais em decorrência dos fatos do que pelas idéias em si.

O tema político predominante da EPI é a hierarquia do sistema político

internacional com ênfase no comportamento hegemônico. Dentro desse universo, o foco

vinculado a esta tese recai mais especificamente sob o caso da hegemonia norte-

americana e seus desdobramentos através da atuação dos organismos multilaterais, em

especial o Banco Mundial.

A análise envolve elementos de diversas áreas do conhecimento, sendo que

existem três campos principais que compõem o tripé analítico composto da seguinte

forma: (i) a esfera política; (ii) a esfera econômica; e (iii) o universo das Relações

Internacionais.

Nos parágrafos acima foram apresentadas algumas características do método

interpretativo da EPI, bem como os três componentes principais que serão privilegiados

no escopo desta análise e que interagem simultaneamente entre si, ou seja: Política,

Economia e Relações Internacionais. Dado que o método da EPI pressupõe que o poder é

elemento fundamental nas decisões associadas à esfera política, vejamos agora no tocante

31 De acordo com Gonçalves: “Portanto, a EPI é um método na medida em que utiliza conceitos, teorias e aparelhos analíticos provenientes de diferentes campos teóricos, principalmente da Economia, da Política, do Direito e da Sociologia” (GONÇALVES, 2005, p. 11).

47

à esfera econômica, como alguns aspectos da Teoria Econômica, mais especificamente

aqueles relativos ao financiamento de longo prazo, podem contribuir para a discussão do

desenvolvimento econômico que será abordada nos demais capítulos, inclusive em

relação ao caso brasileiro.

Em países que se encontram na periferia do sistema internacional - tanto em

termos de acumulação de riqueza quanto de poder - como é o caso do Brasil, a questão do

desenvolvimento econômico sempre esbarrou em uma questão central, ou seja, a

capacidade de acumulação interna e a disponibilidade de fontes de financiamento

necessárias à promoção dos projetos de desenvolvimento.

Os desafios referentes ao financiamento do desenvolvimento, no caso brasileiro,

são bastante significativos e precisam ser repensados. Se por um lado, do ponto de vista

interno, o país não dispõe de um mercado doméstico de financiamento de longo prazo,

pela perspectiva externa o acesso a financiamento de longo prazo se apresenta precário

como alternativa isolada.

Dados os problemas de acumulação interna, pode-se dizer que parte considerável

dos projetos de desenvolvimento consolidados no Brasil esteve atrelada à disponibilidade

de financiamento externo. Por atuar nesse campo no decorrer dos último sessenta anos,

um dos atores de grande destaque no cenário internacional em relação a linhas de

financiamento voltadas ao desenvolvimento continua sendo o Banco Mundial.

Em relação ao Brasil, analisando as possibilidades de financiamento disponíveis

ao longo das décadas, Hermann (2003) converge com Studart (1999) ao considerar que a

carência de mecanismos privados de financiamento de longo prazo corresponde a um

importante entrave ao desenvolvimento econômico do país.

A autora aponta para uma relação de causalidade mútua entre as condições de

crescimento e a estrutura de financiamento através do seguinte argumento: se por um

lado a estrutura de financiamento condiciona a capacidade de crescimento do país, por

outro, o ritmo e o contexto macroeconômico em que se dá o crescimento condicionam a

48

estrutura e o modo de operação (entendidos como as escolhas de portfólio) do sistema

financeiro32.

Em relação ao financiamento externo do desenvolvimento, tanto Studart (1999)

quanto Hermann (2003) sugerem que esse mecanismo, por representar um instrumento

paliativo na perspectiva de longo prazo, faz mais sentido quando utilizado de forma

complementar a soluções internas. Tendo em conta que essa modalidade de

financiamento está sujeita à disponibilidade de liquidez internacional e também colabora

com o aumento do endividamento externo, de modo geral o financiamento externo acaba

contribuindo para aumentar a vulnerabilidade externa do país.

Até esse momento foi possível discutir a pertinência de dois dos três pilares que

compõem a base do tripé analítico que será incorporado como instrumento de

investigação do Banco Mundial nos próximos capítulos: i) a contribuição do método da

EPI que elege o poder como elemento-chave na esfera das relações internacionais e

fornece um arcabouço para analisar a dimensão política sob uma perspectiva

multidisciplinar; e ii) a relevância da Teoria Econômica para retomar a discussão acerca

do papel do financiamento externo em uma economia periférica. Tendo em mente a

importância dessas duas bases de apoio do esquema analítico, é possível então passar

para o último componente que integra o tripé, ou seja, resgatar alguns elementos

relacionados ao universo das Relações Internacionais e suas interações com o objeto de

estudo desta tese.

O terceiro e último campo de análise corresponde ao universo das Relações

Internacionais, mais especificamente à Teoria das Organizações Internacionais. O objeto

de estudo desse campo remete ao processo de criação dessas organizações, seu

32 Referindo-se ao caso brasileiro, Hermann coloca que: “Nessas condições, o financiamento de investimentos no Brasil apóia-se, ainda, no tripé “auto-financiamento, crédito público e crédito externo”, um modelo típico de países menos desenvolvidos. As limitações que tal modelo impõe ao crescimento econômico são bastante conhecidas: o auto-financiamento tende a aumentar o mark up das firmas, que precisam acumular excedentes para sustentar seus investimentos, pressionando a inflação; os créditos público e externo têm sido sistematicamente restringidos nos países em desenvolvimento, seja pelas dificuldades financeiras do governo, dos países exportadores de capital, seja pela vulnerabilidade externa dos países devedores. Assim, a formação de um sistema privado de financiamento de longo prazo no Brasil deve ser parte integrante de qualquer política de desenvolvimento a ser implementada no país” (HERMANN, 2003, p. 242).

49

funcionamento e limites de atuação, bem como ao potencial de influência que estas

organizações podem exercer sobre a política internacional.

A idéia consiste em compreender o papel e o funcionamento das organizações

internacionais em um contexto amplo, ressaltando as formas de interação entre as

próprias organizações, delas com outras instituições, bem como sua atuação na dinâmica

relacionada ao cenário político internacional.

De modo geral, as organizações internacionais representam uma arena em que são

desenvolvidas normas e expectativas convergentes sobre o comportamento internacional.

As organizações produzem, divulgam e aplicam normas, contribuindo para mudar as

formas de interação entre os agentes no sistema internacional33.

Na medida em que Estados são tratados como entidades sociais embutidas em um

sistema social internacional, eles podem ter seus interesses e identidades moldados por

uma ação produzida no âmbito internacional. Essa ação pode ter sido originada,

inclusive, no bojo das organizações internacionais. Seguindo por essa linha de raciocínio,

as políticas externa e doméstica dos Estados – que em tese são soberanos - podem ser

influenciadas por normas internacionais muitas vezes produzidas e difundidas a partir das

organizações internacionais34.

As organizações também podem mudar na medida em que são redefinidos os

problemas que buscarão resolver35. Nesses casos, o processo de mudança pode remeter a

33 Herz & Hoffmann (2004, p. 57) apontam para a necessidade de transformar o sistema internacional por meio de maior democratização das organizações internacionais, incorporando elementos que conduzam à maior participação e a uma modalidade de interação mais igualitária entre os agentes. De acordo com as autoras: “O déficit democrático das organizações internacionais é um tema recorrente e propõe-se a busca de mais representatividade, transparência e responsabilidade. Discutem-se assuntos como a presença de atores não-estatais e o papel da sociedade civil transnacional, e prevalece a visão de que a movimentação destes setores favorece a democratização do sistema” (HERZ & HOFFMANN, 2004, p. 57). 34 Essa perspectiva, que relaciona exercício de poder e organizações internacionais, torna-se bastante pertinente no debate acerca do papel do Banco Mundial e sua capacidade de influência na arena internacional. Esse assunto é retomado no Capítulo 2 – Seção 2.2. 35 Em relação a esse assunto, Herz & Hoffmann colocam que: “As organizações aprendem quando as crenças são questionadas e os objetivos e a formulação de problemas são redefinidos. Nesse caso, as teorias que fundamentam as ações da organização são questionadas. As comunidades epistêmicas têm papel fundamental nesse processo. As mudanças ocorridas no Banco Mundial seriam um exemplo desse último processo. Em uma fase anterior, havia uma preocupação com projetos de infra-estrutura e hoje se observa uma ênfase sobre o alívio da pobreza e a boa governança” (HERZ & HOFFMANN, 2004, p. 78).

50

novos objetivos que são incorporados sem que apresentem, necessariamente, conexão

com os objetivos anteriormente estabelecidos36.

Uma vez apresentada a relevância do universo das Relações Internacionais – que

traz à tona o debate sobre o papel e a função das Organizações Internacionais no cenário

político mundial - fica concluída exposição dos três elementos que compõem o tripé

analítico que permeia a investigação realizada acerca do Banco Mundial nos próximos

capítulos.

Nesse sentido, a proposta dos próximos capítulos consiste em: i) analisar o papel

do Banco Mundial e sua capacidade de exercer influência tendo como pano de fundo o

arcabouço conceitual da Teoria das Organizações Internacionais; ii) examinar a interação

das políticas setoriais de desenvolvimento adotadas pelo Banco no contexto econômico

brasileiro com auxílio do instrumental da Teoria Econômica; e iii) aplicar, paralelamente,

o método da Economia Política Internacional aqui proposto que, pelo fato de inserir a

esfera do poder para investigar a interação dos agentes no sistema internacional, agrega e

contribui para a articulação dos complexos fatores econômicos e políticos envolvidos na

temática em questão.

Assim, o enfoque integrado pela coordenação entre os campos da Economia,

Política e Relações Internacionais busca auxiliar no processo de análise da inserção do

Banco Mundial na arena internacional – principalmente em termos do reposicionamento

da instituição diante de conjunturas que levaram a transformações que repercutiram em

nível global. Por essa perspectiva, os mecanismos de persuasão, os instrumentos de

pressão e o conjunto de reorientações da estratégia global de desenvolvimento difundidas

ao longo da trajetória do Banco Mundial, tornam-se elementos de interesse desse estudo.

No mais, a abordagem utiliza elementos históricos como instrumental de análise

tanto do presente como da evolução das relações de poder no cenário internacional

associadas à dinâmica do Banco Mundial.

36 No caso do Banco Mundial, as mudanças ocorridas em termos do hall de prioridades da instituição ao longo do tempo demonstram que nem sempre as novas metas estipuladas estiveram relacionadas aos objetivos traçados em conjunturas anteriores. Esse argumento é retomado no Capítulo 2 – Seção 2.2. Esse assunto também é abordado por Mason & Asher, 1973, p. 04.

51

O diagrama apresentado na Figura 1.1 simboliza a interconexão entre os

elementos (conceituais, teóricos e metodológicos) que compõem o instrumental no qual

se baseia o enfoque analítico adotado ao longo da tese:

Figura 1.1 – Eixos do Esquema Teórico Interpretativo

Economia Política

Internacional

(Método)

Organizações Internacionais

(Teoria das Relações

Internacionais)

Financiamento do desenvolvimento

(Teoria Econômica)

Fonte: Elaboração própria.

Por fim, o objetivo de adotar o método da EPI como enfoque analítico, consiste

em viabilizar um exame aprofundado das políticas do Banco Mundial para o Brasil -

observando tanto as mudanças fundamentais nas políticas de financiamento da instituição

ao longo do tempo quanto sua interação com o processo de desenvolvimento econômico

brasileiro. Nesse sentido, examinar o papel do Banco Mundial como formulador e difusor

de políticas de desenvolvimento e o grau de aderência desse discurso no contexto

econômico brasileiro, também fazem parte do escopo da análise37.

37 Sobre a influência no Banco Mundial na formulação de políticas públicas, ressaltando também o caráter estratégico da instituição no cenário internacional, Coelho coloca que: “O Grupo Banco Mundial antes de ser um intermediário financeiro é um intermediário simbólico, com ampla influência sobre os formadores

52

Uma vez formalizado, nessa primeira parte, o esquema teórico-interpretativo,

passaremos agora para a segunda parte da tese, que envolve uma investigação de caráter

histórico-evolutivo, retratando alguns aspectos relevantes e fundamentais para a

compreensão do funcionamento e atuação do Banco Mundial - desde sua fundação até os

dias de hoje.

Essa breve reconstrução histórica da trajetória do Banco Mundial ao longo das

décadas representa a preocupação central da segunda parte da tese, e consiste no tema

abordado nos próximos dois capítulos.

de opinião e os gestores de políticas públicas. (...) O Banco é uma sociedade por cotas, que reflete em grande medida os interesses dos acionistas majoritários. A distribuição do poder internamente é um bom indicador de como os países se localizam dentro da hierarquia do sistema de Estados. (...) Estas informações permitem aduzir que o Banco está sendo direcionado para uma ação mais ativa no plano da estratégia externa do hegemon” (COELHO, 2005, p. 57-58).

53

Capítulo 2 - Transformações Internacionais e mudanças

nas políticas do Banco Mundial: origens e funções (1946-

1973) e modificações relevantes (1974-1990)

Este capítulo abre a segunda parte da tese apresentando, de um ponto de vista

histórico evolutivo, os principais marcos na trajetória de atuação do Banco Mundial no

período compreendido entre 1946 e 1990. Com o intuito de facilitar esse processo, a

análise do Banco foi dividida em dois momentos específicos: do princípio das atividades

até a crise do padrão monetário definido em Bretton Woods (1946 -1973) e das mudanças

no padrão monetário internacional até o final da Guerra Fria (1974-1990).

Partindo do pressuposto que as transformações internacionais interferem na

dinâmica entre os Estados, e também influenciam na manutenção ou alteração da agenda

do Banco Mundial, a divisão do período em dois momentos específicos adquire mais

sentido uma vez que estão relacionados a marcos históricos altamente relevantes dentro

do sistema mundial.

Nesse sentido, a idéia consiste em analisar a trajetória do Banco Mundial -

considerando o contexto histórico em que se deram os fatos - observando principalmente:

a fundação da instituição, sua relevância no debate acerca do desenvolvimento

econômico, o papel da assistência externa na periferia, bem como as relações de poder do

sistema mundial que, muitas vezes, podem ser observadas através do funcionamento e

atuação do próprio Banco Mundial.

2.1. O fim da II Guerra e a criação do Banco Mundial em Bretton

Woods

À medida que os conflitos da II Guerra Mundial se aproximavam do fim, iniciava-

se um processo de reestruturação da economia mundial sob novas bases. Instituições de

54

cunho multilateral estavam sendo desenhadas com o intuito de intermediar, estabilizar e

garantir a paz no cenário internacional.

Grande parte da discussão acerca do modus operandi dessas novas instituições

ficou centralizada entre as propostas dos governos do Reino Unido e dos Estados Unidos,

personificadas pelas figuras de John Maynard Keynes (Conselheiro do Tesouro

Britânico) e Harry Dexter White (Representante do Tesouro Americano).

O período de hegemonia britânica chegava ao fim e, em meio ao processo de

transição hegemônica, era natural que Keynes tentasse introduzir um mecanismo que, de

alguma forma, salvaguardasse os interesses britânicos e limitasse a margem de ação dos

Estados Unidos nesse novo cenário. Após vários confrontos entre as duas propostas

acerca do funcionamento dos organismos multilaterais, a visão de White foi prevalecente

anunciando, de certo modo, que a configuração de uma nova liderança hegemônica já era

fato na arena internacional.

Segundo Helleiner (1996, p. 50), o impasse existente acerca do formato das novas

instituições na época não se deu entre Keynes X White como se costuma pensar. O

grande embate teria ocorrido de maneira mais intensa entre os “embedded liberals”38

representados por Keynes e White versus a comunidade bancária e financeira de Wall

Street39. Nessa disputa, a forte lembrança da crise dos anos 1930 somada à experiência

dos tempos de guerra fortaleceu politicamente as forças representadas por Keynes e

White ao passo que enfraqueceu os interesses de curto prazo da aliança entre os

banqueiros de Londres e Nova York que vinham dominando a política financeira até

então (HELLEINER, 1996, p. 50).

38 O termo “embedded liberalism” é creditado ao cientista político norte-americano John G. Ruggie. O termo é utilizado para caracterizar a ordem econômica internacional pós 2ª Guerra Mundial vinculada aos Estados capitalistas ocidentais: a nova ordem promoveu e institucionalizou o liberalismo internacionalmente ao mesmo tempo em que permitiu que os Estados usufruíssem, individualmente, de autonomia na condução de sua política doméstica. Refere-se ao tipo de liberalismo econômico pós 2ª Guerra Mundial, que incorpora também medidas de bem-estar social e certos controles por parte do Estado na direção de políticas de pleno emprego. 39 Segundo Helleiner: “This division between embedded liberals and bankers existed throughout the advanced industrial world, and it ensured that the debate at Bretton Woods would be carried out partially on a transnational basis, with Keynes and White allied against the opposition of the New York bankers” (HELLEINER, 1996, p. 50).

55

Os debates políticos acerca da nova ordem econômica internacional do pós-guerra

vinham se intensificando já nos primeiros anos da década de 1940, denotando os

bastidores do que viria a ser discutido no encontro que se tornou um marco no tocante à

forma de gestão do sistema mundial: a Conferência de Bretton Woods.

As discussões preliminares para a realização da Conferência têm como pano de

fundo a transição da hegemonia britânica, que vinha perdendo força desde a crise do

“padrão-ouro”, para uma nova liderança sob controle dos Estados Unidos. Nesse aspecto,

os acordos firmados em Bretton Woods resultam muito mais dos acertos entre Inglaterra

e EUA que uma ampla revisão da ordem internacional com participação de todo o

sistema de Estados40.

Realizada em julho de 1944, no estado norte-americano de New Hampshire, a

Conferência de Bretton Woods contou com cerca de 400 delegados, representantes de 44

países, com o objetivo de planejar a estabilização da economia internacional e das

moedas nacionais no pós-guerra. Os acordos decorrentes da Conferência tiveram validade

para o conjunto das nações capitalistas lideradas pelos Estados Unidos, tendo como

principais desdobramentos a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como

Banco Mundial.

Criados com o intuito de reconstruir, estabilizar e desenvolver a economia

mundial, esses órgãos multilaterais, ambos sediados em Washington, passam a

representar o alicerce sob o qual foi estruturada a nova ordem mundial no pós-guerra.

O estatuto do Banco Mundial, intitulado “Articles of Agreement of the

International Bank for Reconstruction and Development” foi assinado em 1945

inicialmente por 28 países. A União Soviética, presente na Conferência, não assinaria o

estatuto por considerar o Banco uma mera ramificação de Wall Street e subordinado a

propostas políticas que o faziam instrumento de seu grande proprietário – o governo dos

40 De acordo com Vianna, “Bretton Woods era compreendido como um sistema de equilíbrio em que o objetivo norte-americano era o de moldar a economia do pós-guerra congelando a relação de forças entre os Estados Unidos e o resto do mundo capitalista, tanto em seus aspectos econômicos quanto políticos” (VIANNA, In: ABREU, 1992, p. 106).

56

Estados Unidos41. Consequentemente, os países que formavam esse bloco não se

integraram ao Banco Mundial até o final da Guerra Fria no início dos anos 1990

enquanto, paralelamente, outros países foram aderindo à instituição ao longo das décadas

- que conta atualmente com 185 países-membros42.

No artigo introdutório do estatuto43 (Artigo I), são apresentadas as cinco

principais propostas de atuação da instituição:

• Fornecer assistência à reconstrução e desenvolvimento dos países membros

facilitando o investimento de capital para propostas produtivas, incluindo a

restauração de economias destruídas pela guerra, a reestruturação de facilidades

produtivas necessárias em tempos de paz e estímulo ao desenvolvimento de

facilidades produtivas e recursos em países menos desenvolvidos.

• Promover investimento direto estrangeiro por meio de garantias ou participação

em empréstimos e outros investimentos feitos por investidores privados e, quando

o capital privado não estiver disponível em condições razoáveis, complementar o

investimento privado providenciando - em condições adequadas - financiamento

para propósitos produtivos por meio de seu capital próprio, bem como através de

fundos angariados pelo Banco e recursos de terceiros.

• Promover o crescimento balanceado de longo prazo do comércio internacional e a

manutenção do equilíbrio nos balanços de pagamentos através do estímulo ao

investimento internacional para o desenvolvimento das forças produtivas de seus

membros auxiliando, dessa forma, no aumento da produtividade, do padrão de

vida e condições de trabalho desses territórios.

41 A União Soviética, embora aliada dos esforços de guerra, já visualizava que a Conferência de Bretton Woods representava um fórum privilegiado para a expansão dos interesses americanos, à medida que criava uma arquitetura para o exercício do poder de influência dos EUA sobre o bloco capitalista ocidental (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 03). 42 A informação referente ao número de países-membros do Banco, que conta com 185 adesões, foi retirada do site do Banco Mundial em Dezembro de 2007: www.worldbank.org. 43 Para consultar a íntegra dos “Articles of Agreement of the International Bank for Reconstruction and Development” ver World Bank, 1954, p. 237-266.

57

• Organizar os empréstimos feitos ou garantidos pelo Banco em relação a

empréstimos internacionais feitos por outros canais de modo que os projetos mais

úteis e urgentes, tanto grandes quanto pequenos, sejam tratados com prioridade.

• Conduzir suas operações considerando o efeito do investimento internacional nas

condições de negócios nos territórios dos seus membros e, nos anos imediatos ao

pós-guerra, auxiliar na direção de uma transição tranqüila dos tempos de guerra

para uma economia em tempos de paz.

A utilização de capital próprio ou de terceiros coloca o Banco Mundial na

condição de intermediário financeiro, capaz de aportar recursos para investimentos

produtivos onde o mercado não está em condições de fazê-lo seja por imperfeições do

mercado, seja pelas condições atípicas da economia internacional no imediato pós-guerra.

A ênfase de atuação do Banco não estava no montante que poderia emprestar através de

seu capital próprio, mas sim, em seu papel de avalista do capital privado - garantindo

condições seguras para financiamentos no cenário internacional.

Para o setor financeiro privado, mesmo que a instituição possa parecer

competidora no processo de intermediação, surge a possibilidade de aportar recursos em

condições de menor risco. Para os países periféricos isto significava poder acessar

recursos que, na ausência de garantias, seriam negados pelo setor financeiro

internacional.

Por outro lado, a concessão de garantias por parte do Banco outorgava-lhe um

poder de fiscalização, junto aos países tomadores de recursos, mesmo que direcionado

somente para questões setoriais relacionadas a projetos específicos. Este poder ganha

progressivamente uma dimensão maior ao longo das décadas, culminando nos programas

de ajuste estrutural dos anos 1980, três décadas e meia após a formalização do acordo de

Bretton Woods (COELHO, 2002, p. 29).

No tocante ao crescimento do comércio internacional, está subjacente a esta

proposta a idéia tão cara às teorias neoclássicas do comércio internacional de que o

investimento estrangeiro seria capaz de promover a equalização dos níveis de renda entre

os diferentes países, ou seja, “a equalização dos preços dos fatores” – teorema que tem

como base o modelo dos economistas Heckscher-Ohlin.

58

No caso do Banco, o que está em questão é a crença de que os investimentos

estrangeiros em setores produtivos teriam a capacidade de aumentar a produtividade

média da economia hospedeira, promovendo um deslocamento positivo da fronteira de

produção, ao mesmo tempo em que os deslocamentos dos fatores no plano internacional

funcionariam como no plano interno - ou seja, dentro de um esquema de equilíbrio geral

a tendência seria a melhoria da alocação, ganhos de produtividade e equalização dos

preços dos fatores.

Observando as propostas e diretrizes da instituição é possível diagnosticar a

presença de elementos que extrapolam o funcionamento de uma economia meramente

conduzida pelo livre mercado - sinalizando que, nos anos seguintes à II Guerra, a classe

financeira deveria acatar a uma gestão mais compartilhada na condução da economia

internacional. A ordem econômica capitalista que emergia a partir de Bretton Woods era

claramente restringida no tocante à livre mobilidade do capital, uma vez que a liberdade

econômica encontrava seus limites no contexto político e social da época.

O Banco Mundial também deveria fazer acordos garantindo que a utilização dos

recursos disponibilizados em cada financiamento fosse direcionada exclusivamente às

propostas previstas no projeto, considerando a eficiência econômica e sem levar em conta

conotações de ordem políticas ou não econômicas. Outras duas preocupações da

instituição, que constam em seu estatuto, são: i) não são permitidos os “tied loans”, isto é,

o Banco fica proibido de impor condições requisitando que a renda dos empréstimos

fosse gasta em território de algum membro (ou membros) em particular; e ii) o Banco

deve certificar-se, antes de realizar ou garantir qualquer empréstimo, que nas condições

prevalecentes no mercado o país tomador seria incapaz de obter financiamento de

recursos privados sob condições razoáveis para o projeto em questão (WORLD BANK,

1954, p. 07).

O desenvolvimento de um ambiente de comércio e pagamentos internacionais

favorável ao equilíbrio do balanço de pagamentos também correspondia a uma

preocupação da instituição. Isso fica evidenciado uma vez que, de acordo com seu

estatuto, para que um país tivesse acesso aos financiamentos do Banco deveria também

59

ser membro do FMI - ratificando assim a idéia de que os países-membros deveriam

obedecer a determinadas regras de conduta para viabilizar a aprovação do empréstimo.

No que se refere à dimensão política, consta na seção 10 do artigo IV44 do estatuto

do Banco Mundial que a instituição fica proibida de exercer atividade ou influência

política, devendo salvaguardar a soberania de cada país-membro.

Entretanto, dificilmente a estrutura de uma organização multilateral possui total

insulamento diante dos fatos que marcam a dinâmica das relações internacionais.

Admitindo-se que essas relações são influenciadas não somente pela cooperação mas

também pelo conflito, o que é facilmente observável numa perspectiva histórica, é

razoável considerar que tanto a cooperação como o conflito podem e vão marcar os

processos de tomada de decisão no interior da organização. Por essa perspectiva, a idéia

de que o Banco Mundial corresponderia a uma organização totalmente imune ao campo

político deixa de ser unívoca e absoluta, abrindo espaço para interpretações alternativas.

Em se tratando de sua estrutura, o Grupo Banco Mundial é atualmente composto

por cinco instituições45 que possuem as seguintes funções (WORLD BANK, 2003, p. 04):

1. BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento): conhecido

como Banco Mundial, concede empréstimos e assistência ao desenvolvimento a

países de renda média captando recursos para seu programa de desenvolvimento

nos mercados internacionais de capital;

2. AID (Associação Internacional de Desenvolvimento): concede empréstimos e

assistência ao desenvolvimento a países pobres captando recursos para seu

programa de desenvolvimento por meio de contribuições de governos membros

mais ricos;

44 De acordo com o estatuto do Banco: “Section 10 – Political activity prohibited: The Bank and its officer shall not interfere in the political affairs of any member; nor shall they be influenced in their decisions by the political character of the member or members concerned. Only economic considerations shall be relevant to their decisions, and these considerations shall be weighted impartially in order to achieve the purposes stated in Article I” (WORLD BANK, 1954, p. 248). 45 Cada uma dessas instituições foi fundada separadamente, mediante a seguinte cronologia: BIRD (1946); IFC (1956); AID (1960); CIAD (1966) e AMGI (1988).

60

3. IFC (Corporação Financeira Internacional): promove o investimento do setor

privado, doméstico e estrangeiro, nos países membros em desenvolvimento;

4. AMGI (Agência Multilateral de Garantia de Investimentos): estimula o

investimento direto estrangeiro ao oferecer garantias contra riscos políticos aos

investidores e credores e ao promover técnicas e recursos para ajudar as

economias emergentes a atrair investimentos; e

5. CIAD (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos):

proporciona os meios para solucionar – por conciliação ou arbitragem –

polêmicas relacionadas a investimentos entre investidores externos e países

receptores.

As atividades mais amplas de desenvolvimento encontram-se diretamente

atreladas ao BIRD e AID, enquanto as atividades mais específicas, voltadas ao fomento

do setor privado, estão vinculadas às outras três instituições: IFC, AMGI e CIAD.

Ainda que as quatro últimas instituições pertencentes ao Grupo Banco Mundial

estejam presentes no universo da pesquisa de maneira indireta, o foco central da tese

consiste em analisar o perfil das políticas de desenvolvimento indicadas pelo BIRD que,

de agora em diante, será referido como Banco Mundial46.

O Banco Mundial atua essencialmente em duas etapas: captando recursos junto

aos países do centro47 e disponibilizando esse crédito aos países periféricos através de

empréstimos; e fornecendo assistência técnica especializada acerca de projetos de

desenvolvimento econômico e social. A idéia de que o país tomador do empréstimo

tivesse parte no processo decisório contribuiria - pelo fato de compartilhar das

46 Cabe aqui ressaltar que há uma diferença entre “Grupo Banco Mundial” e “Banco Mundial”. O Grupo Banco Mundial é composto pelas cinco instituições supracitadas e o Banco Mundial é a maneira pela qual o BIRD é conhecido, e será referido de agora em diante. / 47 Na segunda metade do século XX, os conceitos de “centro” e “periferia” foram construídos a partir das formulações críticas de Raul Prebisch e da CEPAL à teoria neoclássica do comércio internacional. Essas formulações procuraram demonstrar como as relações econômicas desiguais entre centro e periferia tendiam a reproduzir as condições de subdesenvolvimento, aumentando assim a distância entre os países ricos e pobres, em função da tendência à deterioração dos termos de troca entre bens primários e manufaturados. Tal desigualdade afetava a capacidade de acumulação da periferia, dificultando decisões coordenadas e autônomas no campo do desenvolvimento desses países (PREBISCH, 1949).

61

responsabilidades envolvidas no projeto - para que o empreendimento fosse bem

sucedido.

Os empréstimos diretos de médio e longo prazo – de 15 a 25 anos – seriam

fornecidos pelo Banco aos governos, e também a empresas que apresentassem garantias

oficiais, para projetos de desenvolvimento e assistência técnica. O maior volume de

recursos, desde que o Banco começou a operar em 1946 até meados da década de 1970,

foi dirigido aos setores de energia, transporte e agricultura48.

A origem dos recursos é composta da seguinte forma: i) captação de recursos

junto ao setor financeiro privado; ii) receitas próprias provenientes do capital empregado

pelos países e; iii) rendas/receitas obtidas pelo mecanismo de intermediação e da

assistência técnica. Desde o início das atividades do Banco Mundial, a contribuição dos

países membros foi estabelecida em 20% do total de recursos, sendo os 80% restantes

provenientes de outras fontes, fundamentalmente de fontes privadas.

O maior acionista do Banco Mundial é o governo dos Estados Unidos, o único

que possui poder de veto sobre as decisões da organização49. As contribuições de cada

um dos 185 países membros ao capital do Banco Mundial, assim como o direito ao voto,

são estabelecidas proporcionalmente à participação do país no capital do Banco, o que

reflete, em certa medida, a participação de cada país na economia mundial.

Dado que as principais fontes de recursos do Banco Mundial correspondem ao

mercado financeiro privado e governos dos países centrais, muito do modo de atuação do

Banco está permeado pelas regras e normas de conduta dos principais credores50.

48 Em relação aos empréstimos setoriais do Banco Mundial a nível mundial, ver www.worldbank.org. Sobre a distribuição setorial dos empréstimos do Banco para o Brasil, ver Capítulo 4. 49 Sobre a relação entre o Banco Mundial, o FMI e os EUA, temos que: “The United States enjoy a special position in the International Monetary Fund (IMF) and the World Bank. When the institutions were created, their structure, location, and mandate were all pretty much determined by the United States. The United States had just over a third of the voting power in each institution. No drawing from the IMF was approved without US agreement first being made clear. These observations suggest that the US was set to play a dominant role in the institutions” (FOOT, MACFALANE & MASTANDUNO, 2003, p. 92).

50 Segundo Mason & Asher: “The relationship with private investors has been fundamental to the Bank, generating the largest part of its financial resources, markedly influencing some of its policies and operations, and inspiring many of its activities” (MASON & ASHER, 1973, p. 335).

62

As instituições financeiras internacionais criadas em Bretton Woods - Banco

Mundial e FMI - pelo fato de possuírem uma relação congênita, são chamadas de “twin-

sisters”. Desde sua fundação, são inúmeras as formas pelas quais os Estados Unidos

moldaram e continuam moldando o “staff” tanto do Banco Mundial quanto do FMI. A

forte influência exercida sobre a ocupação dos altos cargos51, naturalmente, acaba por

exercer papel fundamental nas diretrizes do Banco e do Fundo - ainda que isso possa não

significar total controle dessas instituições multilaterais. No entanto, trata-se de uma

questão que não deve ser deixada de lado:

The exercise of behind-the-scenes influence by the United States should not be underestimated on multilateral institutions. It is telling that senior managers in both institutions would almost never present to the board a proposal which risked US disapproval. Furthermore, it is unlikely that these managers would be appointed in the face of any US disapproval (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 113).

Do ponto de vista da nova ordem econômica internacional, o FMI buscaria

monitorar desequilíbrios dos balanços de pagamentos e problemas de liquidez enquanto o

Banco Mundial proveria créditos para a recuperação das economias atingidas pela guerra,

sendo que a tarefa do desenvolvimento, inicialmente, aparecia relegada a um plano

secundário.

As delegações dos países periféricos pressionaram para que a questão do

desenvolvimento fosse colocada no mesmo patamar que a da reconstrução52. A entrada

51 Acerca do altos cargos do Banco Mundial e do FMI, previstos nos respectivos estatutos, temos que: “The articles of agreement of the Fund and the Bank provide for the head of each organization to be appointed by the executive board. In practice, by long-standing convention the job of President of the World Bank goes to the candidate most favoured by the United States, and the job of Managing Director of the IMF goes to the candidate most favoured by Western European members. The latter appointment is ‘balanced’ by the convention that the Deputy Managing Director of the IMF is always an American. In theory, the heads of the institutions are then responsible – subject to the approval of the executive board – for the organization, appointment, and dismissal of the staff of their organization. For all senior appointments, however, the approval of the United States is de facto necessary (FOOT, MACFALANE & MASTANDUNO, 2003, p. 109). 52 Grande parte dos delegados da Conferência de Bretton Woods não viam razão para distinguir entre as políticas relacionadas ao comércio, pagamentos e fluxos de capital que seriam consideradas favoráveis ao crescimento e prosperidade dos países desenvolvidos daquelas favoráveis aos países subdesenvolvidos. De acordo com Mason & Asher, as especificidades existentes entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos não representavam uma prioridade na pauta dos planejadores do imediato pós-guerra (MASON & ASHER, 1973, p. 04).

63

mais enfática da temática do desenvolvimento dentro das discussões do Banco foi de

fundamental importância, pois com o desenrolar dos acontecimentos no pós-guerra - com

a formulação do Plano Marshall e a mudança de estratégia dos EUA em relação à Europa

- o Banco acaba por voltar-se de maneira efetiva e exclusiva à problemática do

desenvolvimento econômico53:

When it made its reconstruction loans in 1947, therefore, the Bank recognized that, important as this financing was to fill urgent immediate needs, the long-term requirements for European recovery were far too large for the Bank to meet with the resources at its command and, in fact, were far greater than the amount which the countries of Western Europe could afford to borrow with any reasonable prospect of being able to repay. At that time, the Marshall Plan proposals which eventuated in the European Recovery Program were already under consideration and the Bank gave them its full support (WORLD BANK, 1954, p. 09).

O programa de reconstrução européia lançado em 1947 pelo secretário de Estado

norte-americano George C. Marshall - com o objetivo de reorganizar a economia da

Europa Ocidental arruinada pela guerra - pouco a pouco foi assumindo a incumbência de

prover recursos para a reconstrução por meio da ajuda financeira direta dos Estados

Unidos. A implantação desse plano, que pode ser interpretada como um desdobramento

dos interesses norte-americanos no contexto da Guerra Fria, ao mesmo tempo teve

impacto no direcionamento das atividades do Banco que passa então a apresentar atuação

mais efetiva em questões de desenvolvimento dos países periféricos. Esse episódio

apresenta um exemplo emblemático da forma como a dinâmica internacional repercute

no direcionamento das atividades do Banco.

Christopher Gilbert e David Vines (2000, p. 14) também consideram que o fato

dos primeiros anos de atividade do Banco terem sido marcados pela reconstrução remete

53 Sobre a passagem das atividades de reconstrução da competência do Banco, tornando-se incumbência relativa ao Plano Marshall, o terceiro presidente do Banco Mundial - Eugene Black - colocou que: “The International Bank for Reconstruction and Development has been at work throughout the free world making loans to increase production and raise living standards. (…) It arrived on the European scene in advance of the Marshall Plan, with half a billion dollars of investment to help in the postwar reconstruction of Western Europe. Since then, the Bank has turned its attention increasingly to less highly developed countries, which are now its main field of operations” (BLACK, 1952, p. 402).

64

ao contexto da Guerra Fria54 e, somente quando a economia européia se encontrava

apoiada em bases mais sólidas via Plano Marshall é que o Banco Mundial passa

realmente a priorizar projetos de financiamento nos países periféricos.

Esse tipo de preocupação com a reorganização da Europa Ocidental é considerado

por Helleiner como um comportamento “benevolente” por parte do hegemon55

(HELEINER, 1996, p. 13). Se por um lado o comportamento “benevolente” a que se

refere Helleiner, envolvendo a reconstrução e desenvolvimento das economias ocidentais

destruídas pela guerra fazia bastante sentido no auge da Guerra Fria, por outro, vai se

transformando e perdendo força estratégica conforme se aproximava o final do conflito

nos últimos anos da década de 198056.

Levando em conta o contexto internacional em que foi criado o Banco Mundial -

ou seja, a transição hegemônica legitimada nos acordos da Conferência de Bretton

Woods - e observando sua evolução histórica ao longo das décadas, é possível perceber

que a trajetória de atuação trilhada pela instituição seguiu um caminho diverso daquele

idealizado por seus fundadores. Essa linha de argumentação converge com o ponto de

vista apresentado por Edward Mason e Robert Asher57 (1973, p. 04) e consiste no assunto

que será abordado nas próximas seções.

2.2. O poder na gênese do Banco Mundial

Em um sistema constituído por Estados Nacionais o Banco Mundial assume, de

forma inovadora, uma conotação multilateral de cooperação e abrangência internacional.

54 Segundo os autores: “Reconstruction dominated the initial decade and a half of the Bank’s life. The political priorities in this period were set by the intensification of the Cold War and the need to bolster the democratic world against the Soviet threat” (GILBERT & VINES, 2000, p. 14).

55 Nas palavras do autor: “In the early postwar years, the economic strength of the United States and its strategic interests in the cold war encouraged it to assume a “benevolent” hegemonic position in the Western alliance” (HELLEINER, 1996, p. 13). 56 Esse ponto é retomado de maneira mais aprofundada na Seção 2.3 do presente capítulo. 57 Segundo Mason & Asher, refletindo sobre as mudanças no papel desempenhado tanto pelo Banco Mundial quanto pelo FMI ao longo do tempo, temos que: “It is remarkable, considering the disparity between the vision of Bretton Woods and what in fact happened, that the Bank and the Fund have continued to flourish in roles that are different from those contemplated by their founders” (MASON & ASHER, 1973, p. 04).

65

Tanto a propriedade quanto o controle da instituição encontram-se sob competência dos

governos nacionais, seus clientes são governos nacionais, mas o Banco não é formal ou

legalmente criação de nenhum deles, devendo funcionar como uma espécie de

cooperativa intergovernamental58.

A questão se torna mais complexa ao passo em que se inclui a governança da

instituição no escopo da análise. Nesse caso, inevitavelmente, a problemática do poder

entra em cena se destacando entre os protagonistas no desenrolar dos acontecimentos.

A distribuição de poder no controle interno da instituição não segue a estrutura

igualitária entre os países-membros - em que todos os países, pequenos e grandes, ricos e

pobres, são considerados iguais. Na verdade, em se tratando do controle no interior da

instituição, a parcela destinada a cada membro acompanha as desigualdades da

distribuição de riqueza e poder observada no cenário internacional, desigualdade que é

traduzida na percentagem das cotas de ações do Banco que cada país possui.

Um aspecto de grande relevância no tocante à desigualdade refere-se às assimetrias de poder no interior do sistema de Estados. Tratar disso é assunto espinhoso para uma instituição que abriga em sua distribuição interna de poder estas disparidades, porém é questão fundamental para aqueles que tratam da temática do desenvolvimento. Neste aspecto cabe uma consideração: o Banco, historicamente reflete os interesses dos acionistas majoritários, em especial de seu acionista maior, ou seja, os EUA (COELHO, 2005, p. 57).

A distribuição dos votos acompanha aproximadamente a proporção do PIB de

cada país de forma que o controle efetivo sobre os rumos das políticas de financiamento

permanece sob o comando dos países desenvolvidos. Para alterações no estatuto, por

exemplo, é necessária maioria de 80% significando que os Estados Unidos representam o

único país com votos que excedem os 20% necessários para o veto. No entanto, mesmo

quando a proporção entre os acionistas se altera, os Estados Unidos continuam ocupando

o posto de liderança no interior do Banco.

58 De acordo com KAPUR, LEWIS & WEBB: “Its owners did not like the thought of the Bank being “above” them. They were the principals, and it was their agent. But, like a variety of post-World War II constructs, including its sister, the International Monetary Fund, the Bank was an intergovernmental cooperative” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 02).

66

When, in 1989, the US share fell to 17 per cent, the majority required for amendment was increased to 85 per cent. (…) The US voting power, and also to some extent its veto power, puts the US Executive Director in a very powerful position and makes the relationship between the Bank and the US Treasury central to the effectiveness of the Bank’s performance (GILBERT & VINES, 2000, p. 20).

Giovanni Arrighi e Beverly Silver (2001, p. 218) compartilham da visão de que a

disparidade de riqueza existente entre as nações é transportada para o interior da estrutura

organizacional do Banco na forma de poder e controle institucional59.

Fundado em julho de 1944 em Bretton Woods, o Banco Mundial abre suas portas

em 1946 na cidade de Washington para atuar como uma instituição do setor público

amplamente ligada ao setor privado. O primeiro “Banco Multilateral de

Desenvolvimento”60 iniciou suas operações sob o comando de seu primeiro presidente,

Eugene Meyer, que ocupou o cargo por breves seis meses - de junho a dezembro de 1946.

O segundo presidente do Banco Mundial, John J. McCloy, permanece no cargo

entre março de 1947 e junho de 1949, período marcado pela considerável disparidade

entre a base econômica dos Estados Unidos e a dos outros países no contexto do pós-

guerra. McCloy reconhecia que o governo dos Estados Unidos, enquanto maior

contribuinte dos programas do Banco, poderia querer utilizar esses fundos de forma a

obter vantagens diretas. No entanto, argumentou que as desvantagens desse tipo de

comportamento no longo prazo superariam significantemente os benefícios imediatos que

poderiam ser obtidos no curto prazo (MC CLOY, 1949, p. 558).

Esse tipo de abordagem demonstrava certa preocupação institucional atrelada

num primeiro momento à construção e, futuramente, com a preservação da credibilidade

59 Nas palavras de Arrighi & Silver: “Assim como o direito de voto foi montado de modo a favorecer as grandes potências ocidentais (a rede de veteranos do sistema original), também o controle dos novos guardiões institucionais da economia mundial (o FMI e o BIRD) pendeu para os maiores contribuintes – ou seja, os países mais ricos do mundo” (ARRIGHI & SILVER, 2001, p. 218). 60 Segundo Kapur, Lewis e Webb: “The new IBRD, the first “Multilateral Development Bank”, was born in 1944 and opened its doors in 1946. It was a public sector institution. (…) But this public institution was peculiarly linked to the private sector and private resources. Moreover (a distinguishable point, we shall be saying), the public sector World Bank would always appreciate the efficiency of self-adjusting markets for much of society’s detailed economic decisionmaking” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 02).

67

do Banco na arena internacional - tanto com os tomadores dos empréstimos quanto com

os credores dos financiamentos.

Para McCloy, a forma de atuação do Banco Mundial - ao propor reformas

econômicas aos países tomadores de empréstimos - contribuiu significativamente para

que a instituição ganhasse reputação no mercado de crédito internacional. Isso se deve ao

fato de que as reformas indicadas pelo Banco, segundo McCloy e os principais credores,

teriam exercido junto a esses países papel tão importante quanto a própria assistência via

financiamento61.

A questão da credibilidade esteve sempre presente entre as preocupações do

Banco Mundial. É natural que, pelo fato de depender do setor privado para financiar seus

projetos, o Banco apresentasse preocupação bastante expressiva junto aos credores

principalmente nos primeiros anos de atividade da instituição.

Nesse sentido, o relacionamento do Banco Mundial com a comunidade financeira

internacional acabou adequando-se a critérios que eram próprios do mundo dos negócios,

mais precisamente de Wall Street. A busca pela credibilidade envolvia, inclusive, a

nomeação de dirigentes62 que tivessem trânsito nos principais mercados financeiros e,

dessa forma, pudessem facilitar a captação de recursos que seriam destinados aos

empréstimos do Banco.

Aprovados os primeiros financiamentos, o pagamento desses empréstimos

serviria como referência para a imagem confiável que o Banco desejava construir junto

daqueles que financiariam suas atividades. Nesse sentido o Banco procurou encorajar –

como condição para obtenção do financiamento – que fossem adotadas políticas

“desejáveis”63 na direção da estabilidade econômica por parte dos países tomadores dos

61 Segundo McCloy, acerca das medidas sugeridas pelo Banco: “It’s advice to various of its members have led to the adoption of economic and financial measures and administrative reforms which may well prove to be at least equally as benefical as the Bank’s financial help” (MC CLOY, 1949, p. 551). 62 No mais, o fato de boa parte do staff do Banco Mundial ser dominada por economistas treinados em universidades tanto dos EUA quanto da Inglaterra, refletem determinada formação que irá marcar fortemente a visão da instituição sobre o processo de desenvolvimento econômico. / 63 Nessa direção, os autores Gavin & Rodrik enumeram o que seriam consideradas políticas “indesejáveis” na visão do Banco Mundial: “[The World Bank] counted among undesirable policies a hostile or discriminatory attitude toward private international investment, and in particular endured considerable opprobrium by refusing to make loans to countries that remained in default on their international lending

68

empréstimos, visando criar um clima mais favorável ao retorno do capital emprestado e à

continuidade do fluxo de investimento privado internacional (GAVIN & RODRIK, 1995,

p. 331).

As primeiras críticas ao Banco apareceram logo no início de suas atividades,

mediante a imposição de requisitos para que os países tivessem acesso aos empréstimos

intermediados pela instituição. A problemática, inicialmente, girava em torno dos países

que no contexto do final da II Guerra apresentassem débitos pendentes no mercado

internacional.

O Banco se encontrava em situação de impasse: se por um lado os países

devedores correspondiam aos que mais precisavam do financiamento, por outro, os

credores não eram simpáticos à idéia de realizar novos empréstimos para países que nem

ao menos aceitassem negociar os débitos contraídos anteriormente ao conflito.

Pelo fato de não realizar empréstimos para países que não estivessem em situação

regular no tocante às dívidas pendentes, o Banco passou a ser taxado como um “cobrador

de Wall Street”64, cuja preocupação estava mais voltada ao enquadramento desses países

junto aos credores que na incorporação dos dilemas reais dos países mais pobres.

De fato, é possível diagnosticar nesse caso uma situação emblemática de

aplicação de poder. O papel do Banco Mundial, a princípio, deveria estar atrelado ao

financiamento de projetos de desenvolvimento que diminuíssem as distâncias entre países

ricos e países pobres. A tarefa de renegociação de dívidas pendentes contraídas

anteriormente à sua fundação, como condição para acesso aos financiamentos, claramente

não deveria fazer parte das funções de competência do Banco Mundial.

obligations, thus attempting, at any rate, to reduce the risk of expropriation and default faced by international investors. It argued that its attempts to improve the policy environment through such conditionality, and through its technical assistance efforts on behalf of borrowing governments, served to improve the climate for private international investment” (GAVIN & RODRIK, 1995, p. 331). 64 De acordo com Mason & Asher, a obrigatoriedade de renegociação das dívidas pendentes foi aplicada em vários países do mundo, processo que foi iniciado em particular dentre os países da América Latina: “The policy was applied even-handedly throughout the world (Greece, Yugoslavia, and elsewhere), but the initial victims were mostly in Latin America (Brazil, Peru, Bolivia, Ecuador, Costa Rica) because of the relatively high proportion of Latin American nations to total membership at the time and the number of defaulters in that region” (MASON & ASHER, 1973, p. 157).

69

Dessa forma, o que acabava acontecendo era que um país endividado, que numa

situação de restrição orçamentária recorresse ao Banco Mundial para obter empréstimo

visando alavancar um projeto de desenvolvimento em seu país, receberia como primeira

resposta a contraproposta de renegociação dos seus antigos débitos. Muitas vezes, pelo

fato de não ter mais para onde recorrer, acabava negociando as dívidas com os antigos

credores e, só assim, poderia conseguir um empréstimo junto ao Banco, empréstimo que

acabava funcionando como uma espécie de recompensa em virtude dos sacrifícios

envolvidos nesse tipo de ajuste (MASON & ASHER, 1973, p. 157).

Eugene Black foi o terceiro presidente do Banco ocupando o cargo de julho de

1949 a dezembro de 1962. Durante seu mandato, no ano de 1952, já existiam mais

pedidos de financiamento do que o orçamento do Banco poderia disponibilizar.

Preocupado com a questão da credibilidade internacional junto ao mercado financeiro, e

com a continuidade dos fluxos internacionais de capital privado, o então presidente da

instituição revelou que o Banco não faria mais empréstimos do que os países tomadores

estivessem em condições de pagar65.

Como é possível perceber, existiam inúmeros fatores que preocupavam os altos

dirigentes do Banco Mundial nos primeiros anos de atuação da instituição, dentre os

quais, vale a pena ressaltar: i) a questão da credibilidade internacional; ii) a relação

vicinal com os Estados Unidos; e iii) a conquista de certo grau de autonomia visando à

perpetuação da instituição.

Uma vez abordada a questão da credibilidade nos parágrafos acima, os outros dois

fatores enumerados acima aparecem intimamente interligados. Do ponto de vista

institucional, os presidentes do Banco Mundial sempre consideraram interessante

preservar certo grau de autonomia em relação ao governo dos Estados Unidos66. Nesse

65 Nas palavras de Eugene Black: “It is obvious, too, that if the Bank is to succeed in stimulating the flow of private capital, the integrity of our lending operations must be preserved. This is of the highest importance to the Bank and its members, and it means that we cannot and will not lend more than borrowing countries can afford to repay (BLACK, 1952, p. 411). 66 Segundo Kapur, Lewis & Webb: “Autonomy has been a desire of every World Bank president, and, for the most part, the degree of freedom that management has sought has been freedom from control by the United States, both from executive branch personified by the U.S. Treasury and, in particular, from micromanagement by the U.S. Congress (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 05).

70

caso específico, no entanto, denota-se uma grande diferença entre a esfera das intenções

do Banco e o plano da realidade.

Existe um delicado balanço de forças políticas envolvendo o Banco na medida em

que a instituição simultaneamente acomoda os interesses dos Estados Unidos, seu maior

acionista, e ao mesmo tempo empenha-se para manter a independência necessária para

garantir legitimidade institucional. É exatamente a acomodação desses interesses aliados

à conquista de certa legitimidade que acaba funcionando como justificativa para que o

governo americano possa transferir recursos dos cidadãos contribuintes para uma

instituição que não é diretamente vinculada ao seu eleitorado67.

Analisando a atuação do Banco Mundial de outro ponto de vista, ou seja, pelo

lado da periferia, os problemas que aparecem são outros. Dentre eles, os que mais se

destacam são: i) o grau de intervenção das políticas do Banco; ii) a questão das

condicionalidades; e iii) o Banco enquanto elemento de legitimação das assimetrias de

poder do sistema de Estados. Esses fatores, embora apresentem diferenças entre si,

encontram-se bastante interligados.

Enquanto instituição multilateral, o Banco Mundial deveria intermediar a

transferência de recursos dos países ricos, particularmente dos Estados Unidos,

fornecendo assistência por meio de financiamento ao desenvolvimento dos países mais

pobres - sem ter que embrenhar-se em relações bilaterais envolvendo o exercício de

poder político direto entre as partes. Propiciando essa relação de cooperação entre países

ricos e pobres, o Banco proveria assistência ao desenvolvimento sem ter que recorrer,

para isso, aos danos excessivos de uma prática bilateral de conotação imperialista.

É com base nesse pano de fundo que a governança do Banco Mundial deve ser

discutida, inserindo-se a prática e as conseqüências das condicionalidades nos

financiamentos como elemento fundamental no debate sobre desenvolvimento

econômico. Seguindo essa linha de raciocínio, é possível inclusive estender a discussão

67 De acordo com Gilbert & Vines (2000, p. 21), esse desafio permanente de acomodação de interesses entre Estados Unidos e o Banco Mundial deve permanecer aos futuros administradores americanos: eles só conseguirão transferir esses recursos públicos ao Banco caso este continue a atuar de forma alinhada com os interesses diretos dos Estados Unidos (GILBERT & VINES, 2000, p. 21).

71

na direção dos reflexos das políticas de financiamento do Banco sob o ponto de vista da

soberania nacional.

Partindo do pressuposto que o exercício da soberania é um instrumento legítimo e

inalienável dos Estados Nacionais, torna-se possível considerar que o fato de um

organismo multilateral exigir que sejam cumpridas determinadas recomendações, como

pré-requisito para a obtenção de financiamento, expressa a aplicação de poder de uma

parte sob a outra. Como forma de se referir diplomaticamente, ou seja, sem alardear essa

aplicação direta de poder entre as partes, o termo técnico escolhido pela instituição foi:

condicionalidade68.

Quadro 2.1 - As condicionalidades e o Banco Mundial

Condicionalidade, no campo das instituições financeiras internacionais, corresponde à imposição de certas condições associadas às negociações de empréstimos e que devem ser cumpridas para que o financiamento se concretize.

Essas condições podem envolver questões menos polêmicas como a adoção de medidas de eficiência e políticas anti-corrupção, mas também medidas mais controversas - como austeridade fiscal, reforma financeira, privatização de serviços públicos – que interferem diretamente nas políticas internas do país mutuário.

Ainda que sempre tenham permeado as operações de financiamento do Banco Mundial, essas condições foram se tornando mais freqüentes no contexto dos Programas de Ajustamento Estrutural financiados pela instituição a partir da década de 1980.

Críticos em relação a esse tipo de prática consideram que as condicionalidades são controversas na medida em que representam um instrumento de “influência financeira”. Em outras palavras, como requisito para viabilizar o financiamento, constrangem os países mutuários a práticas que estes não adotariam em outras condições.

Fonte: Elaboração do autor com base em World Bank , 2005e, p. 93-125 e Lichtensztejn & Baer, 1987, p. 230-239.

Grande parte dos especialistas que analisaram a atuação do Banco sob a ótica das

condicionalidades - como Stiglitz (2002) e Gwin (1997), por exemplo - consideram a

prática de maneira crítica ou no mínimo polêmica, principalmente do ponto de vista do

seu impacto no desenvolvimento econômico dos países periféricos.

68 Para Easterly, aderir às condicionalidades é sinônimo de adoção dos princípios do liberalismo econômico: “These conditions typically include macroeconomic stability (low-budget deficits and inflation), noninterference with market pricing, privatization of state-owned enterprises and openness to international trade” (EASTERLY, 2003, p. 37).

72

Christopher Gilbert e David Vines (2000, p. 04) apontam que a prática das

condicionalidades bem como a maneira como são impostas pode ser interpretada como

uma nova forma de colonialismo econômico69.

Já para Michael Gavin e Dani Rodrik (1995, p. 333), a exigência de

condicionalidades faz parte das práticas do Banco Mundial desde o início das suas

atividades. Segundo os autores, os recursos do Banco sempre estiveram estreitamente

atrelados a recomendações e idéias da instituição (GAVIN & RODRIK, 1995, p. 333).

O ato de vincular os recursos do Banco a determinados tipos de recomendações

consiste numa prática que não ocorre apenas na etapa anterior ao financiamento, mas

também se estende ao longo da implementação do projeto. Nesse caso, a influência do

Banco se exprime claramente através das condições impostas no âmbito da estrutura

organizacional do projeto - que afetam desde as práticas de construção e gerenciamento

administrativo até a possibilidade de renovação do financiamento para a expansão do

projeto original.

A situação se complica ainda mais quando esse tipo de interferência passa a ter

influência na formulação e hierarquização das prioridades domésticas do país tomador.

Muitas vezes a implementação de um importante projeto de desenvolvimento no setor

"A" depende basicamente da possibilidade de captação de recursos externos. No entanto,

se os recursos estiverem disponíveis apenas para projetos nos setores "B" ou "C", esse

fato poderia levar a uma revisão na hierarquia das prioridades domésticas, trazendo à tona

a discussão entre assistência e os limites da intervenção externa, remetendo inclusive a

questões de soberania nacional70.

69 Nas palavras dos autores: “Conditionality - including the manner in which conditions have often been imposed - has come to be seen by many, especially within the developing world, as a part of the new economic colonialism which has succeeded the old” (GILBERT & VINES, 2000, p. 04). 70 Segundo Mason & Asher: “The leverage of the Bank can be applied directly at the project level. (…) Because Bank Group lending increasingly has financed the capital expansion of a group of projects in key sectors of the economy, the Bank may be able to influence developmental policies relating to those sectors, such as policies affecting road and rail competition or the introduction of new agricultural practices. And if the Bank is a large and important provider of capital to a borrowing member country, the threat (or promise) to vary the level of lending may influence the formulation of policy at the national level. Obviously delicate questions of sovereignty and external intervention may arise” (MASON & ASHER, 1973, p. 06).

73

Em se tratando de relações de poder em um sistema interestatal que passa a ser

liderado pelos Estados Unidos desde o final da II Guerra, a forma de atuação desse

hegemon frente aos organismos multilaterais torna-se extremamente relevante para uma

discussão mais aprofundada sobre o “espaço de poder” e a inserção de cada país na arena

internacional. Em sua relação com o Banco Mundial, no decorrer das décadas, é possível

diagnosticar um comportamento ambivalente tanto em relação à assistência ao

desenvolvimento quanto no que se refere à cooperação multilateral. Dentro dessa

ambivalência, a cooperação multilateral representaria uma forma particular de

simultaneamente exercer influência e alocar recursos internacionalmente a pretexto de

promover o desenvolvimento.

Seguindo essa linha de raciocínio, e considerando o que foi discutido ao longo

desta seção, o Banco Mundial pode perfeitamente ser interpretado como um instrumento

da política externa norte-americana71, que não só assume como reafirma as assimetrias de

riqueza e poder que se apresentam no interior do sistema interestatal. Com o intuito de

reforçar esse argumento, a atenção da próxima seção é voltada para a forma de atuação e

o papel do Banco Mundial no tocante ao financiamento do desenvolvimento.

2.3. Financiamento para o desenvolvimento

O Banco Mundial é um intermediário financeiro cuja racionalidade tem como um

de seus elementos centrais manter o equilíbrio e a estabilidade da hierarquia no interior

do sistema de Estados. Juntamente com o FMI, os dois organismos exercem o papel de

controladores das relações centro-periferia, procurando ajustar as partes que fogem às

regras estabelecidas para o bom andamento do sistema de pagamentos internacionais.

A estrutura do Banco Mundial disponibilizou um canal de investimento

estrangeiro, intermediado por ações e participações nos empréstimos da instituição, para

países exportadores de capital que mostrassem interesse em investir nos países

periféricos. Dada a grande inter-relação entre o funcionamento do Banco e o mercado

internacional de capitais, a estratégia da instituição foi amplamente moldada por valores

71 Para uma visão mais detalhada sobre esse tema ver Gwin, In: Kapur, Lewis & Webb, 1997b, p. 195-274.

74

relacionados ao mundo dos negócios. Se do ponto de vista econômico o Banco era

influenciado por Wall Street, do ponto de vista político a instituição também era

influenciada pela agenda de política externa norte-americana.

De fato, a imagem que o Banco Mundial estava preocupado em manter junto aos

credores não era a de grande estrategista no campo do desenvolvimento econômico:

Historically, the Bank has been a project-financing institution, concerned about its image in private capital markets, fearful that the image might be tarnished by program lending or lending for activities not directly productive, and under no real compulsion to reach judgments about overall development strategy (MASON & ASHER, 1973, p. 416).

Em virtude da extensão de suas operações de financiamento o Banco Mundial

representa, individualmente, a mais importante fonte externa de idéias e recomendações

para os elaboradores de política de desenvolvimento dos países periféricos72.

As idéias do Banco acerca do desenvolvimento econômico foram se

transformando ao longo do tempo, bem como os termos e palavras-chaves utilizadas pela

instituição, conforme novos enfoques e prioridades foram sendo incorporados à temática

do desenvolvimento em si. Essas mudanças, não coincidentemente, acompanharam e

estão relacionadas às transformações na dinâmica do sistema interestatal em seus

aspectos políticos e econômicos.

No princípio de suas atividades, os projetos relacionados ao setor de energia

elétrica, transportes e comunicação eram considerados especialmente apropriados para o

financiamento do Banco Mundial. Pela própria natureza dos projetos - que exigem

elevados montantes financeiros, são passíveis de interferência governamental e cujos

retornos são de longo prazo - os investimentos em infra-estrutura básica não se

encontravam dentre os mais atrativos ao setor privado. Era esse tipo de lacuna que o

Banco tinha a intenção de preencher no imediato pós-guerra, dado que a existência desses

72 De acordo com Mason & Asher: “By virtue of its lending activity the Bank Group is in position to exert a certain amount of influence on the development practices and policies of borrowing countries” (MASON & ASHER, 1973, p. 06).

75

serviços atenderia a um importante pré-requisito para a atração de capital privado aos

demais setores da economia, ou seja, agrícola, industrial e serviços.

Já os setores como saneamento, educação e saúde, por não se encontrarem tão

diretamente vinculados ao aumento da capacidade produtiva, não estavam entre as

prioridades de financiamento do Banco Mundial devendo contar essencialmente com

recursos de ordem interna. Esse quadro foi se alterando a partir da década de 1970,

momento em que as prioridades do Banco começam a ser redesenhadas associadas a uma

nova compreensão acerca do processo de desenvolvimento econômico.

O prazo dos financiamentos, em geral, oscilava entre o médio e o longo prazo

(normalmente até 15, mas podendo se estender algumas vezes até 25 anos) e as taxas

disponibilizadas envolviam um pequeno mark-up em relação à taxa obtida pelo Banco

Mundial nos mercados internacionais. O montante do mark-up73 deveria garantir a

lucratividade do Banco no empréstimo, sendo que as taxas resultantes ainda eram

substancialmente menores que aquelas disponíveis diretamente no mercado de capitais. A

contrapartida dessas taxas menores nos empréstimos apareceria na forma de condições e

monitoramento do financiamento (GILBERT & VINES, 2000, p. 12).

O Banco inicialmente estava organizado para auxiliar projetos produtivos

específicos nos casos em que outras formas de financiamento não estivessem disponíveis

em condições razoáveis - financiando somente os custos em moeda estrangeira desses

projetos74. A exigência desses requisitos, aliada à necessidade prática de priorizar apenas

projetos grandes o suficiente a ponto de justificar a revisão e avaliação de uma agência

global sediada em Washington, teriam colaborado para a forte concentração das

atividades do Banco em projetos de infra-estrutura como energia elétrica, ferrovias,

estradas e empreendimentos afins.

73 Segundo Mason & Asher, acerca do valor do mark-up: “There has always been a wide gap between the terms on which the Bank could and did lend and the variety of needs of its member borrowers for external financing. Until 1964 the Bank’s lending rate was determined by the average cost of money on the markets in which the Bank borrowed, plus 1.25 percent spread” (MASON & ASHER, 1973, p. 227). 74 Dado que o Banco Mundial não financiava o custo total do empreendimento, a execução e conclusão do projeto não dependiam apenas dos recursos do financiamento - remetendo parte da responsabilidade sobre o sucesso do empreendimento a fatores internos do país tomador.

76

Nessa primeira fase, os empréstimos para o setor industrial ficaram para trás em

relação a outras áreas em que o Banco dispunha de maior habilidade técnica. Nesse

sentido, do ponto de vista do desenvolvimento, denota-se um período em que o Banco

esteve mais preocupado em criar um ambiente favorável ao crescimento - através da

transferência de recursos para países nos quais o capital privado não teria sido revertido

em investimento em níveis satisfatórios.

Ainda que reconhecesse que investimentos em vários setores eram necessários ao

processo de desenvolvimento, o Banco Mundial considerava que alguns tipos - como o

caso da infra-estrutura - eram mais essenciais que outros.

Nesse contexto é possível considerar que a maior disposição do Banco para esse

tipo de financiamento devia-se, fundamentalmente, à relevância desses empreendimentos

no processo de desenvolvimento associada à maior chance de retorno financeiro, critério

relevante do ponto de vista do pagamento dos empréstimos75.

No entanto, alterando-se a ordem dos fatores, esses mesmos elementos permitem

a elaboração de outra relação de causalidade que modifica substancialmente o quadro

sugerido acima: segundo essa nova proposição, foi a percepção do Banco da maior

inclinação por parte dos credores ao financiamento dos projetos de infra-estrutura que

teria sido o ponto de partida para que a instituição disseminasse internacionalmente a

discussão envolvendo o papel central da infra-estrutura no processo de desenvolvimento -

e não o contrário como costuma-se pensar.

Essa interpretação demonstra um comportamento mais estratégico por parte da

instituição e justifica, em boa parte, o fato de o Banco priorizar esse segmento tornando-

se o principal proponente de que investimento em infra-estrutura correspondia à

precondição fundamental para o desenvolvimento dos outros setores da economia76.

75 Para Gavin & Rodrik (1995, p. 333), os empréstimos realizados pelo Banco não deveriam prejudicar o acesso da instituição aos mercados de capital privado. Esse fator teve inúmeras conseqüências sobre a visão do Banco acerca do desenvolvimento. “For example, the early emphasis on infrastructure projects (transport and power mainly) was in no small part a reflection of the need to demonstrate to Wall Street a portfolio of concrete, bankable projects. The neglect of social sectors (health and education) until the 1970’s was a result of the perception that projects in such sectors were not readily bankable in the sense of generating revenue to repay the debt” (GAVIN & RODRIK, 1995, p. 333). 76 Essa visão é compartilhada por Mason & Asher (1973, p. 152).

77

É difícil compreender a trajetória das políticas de desenvolvimento nessa fase

inicial do Banco Mundial sem inseri-las no contexto internacional em que foram

adotadas. Essas políticas são produto da interação de uma série de fatores, incluindo as

diretrizes do estatuto do Banco, a dinâmica entre os atores envolvidos, a pressão de um

mundo em transformação, e a acumulação gradual de experiência obtida através de

tentativa e erro.

A dinâmica internacional e o contexto histórico influenciaram fortemente a

agenda de desenvolvimento do Banco Mundial ao longo de sua existência, repercutindo

inclusive na delimitação da esfera de atuação de cada presidente da instituição - o que

torna cada um deles sujeito e ao mesmo tempo produto de determinada conjuntura.

Desde sua fundação o Banco foi dirigido por dez presidentes, cujos mandatos

demonstram considerável diferença no tempo de permanência de cada um no cargo,

como se verifica no quadro abaixo:

78

Quadro 2.2 - Presidentes do Grupo Banco Mundial e Presidentes dos EUA no período da indicação (1946-2006)

Presidente do

Banco

Período

Situação profissional antes

do exercício

Presidente dos EUA no período de

indicação

Meyer

Jun/46-Dez/1946

Banqueiro de investimentos; editor do Washington Post

Truman

McCloy

Mar/47-Jun/1949

Advogado; Conselheiro do

Chase National Bank

Truman

Black

Jul/49-Dez/1962

Vice-presidente do Chase National Bank

(posteriormente Chase Manhattan)

Truman

Woods

Jan/63-Mar/1968

Presidente do First Boston Corporation

Kennedy

McNamara

Abril/68-Jun/1981

Presidente da Ford e Secretário de Defesa

dos EUA

Johnson

Clausen

Jul/81-Jun/1986

Presidente e chefe executivo do Bank of

América

Reagan

Conable

Jul/86-Agos/1991

Membro do U..S. House of

Representatives

Reagan

Preston

Set/91-Maio/1995

Presidente do J. P. Morgan & Co.

Bush

Wolfensohn

Junho 1995-Maio 2005

Banqueiro de Investimentos (James D. Wolfensohn Inc.) e Membro Executivo do Salomon Brothers

Clinton

Wolfowitz

Junho 2005-Junho

200777

Subsecretário de Defesa dos EUA

George W. Bush

Fonte: Elaboração do autor com base em World Bank, 2003 e Site do World Bank (2007).

77 O mandato de Wolfowitz se estende até Junho de 2007, quando Robert Zoellick – ex-representante de comércio exterior dos Estados Unidos – é indicado pelo presidente George W. Bush para suceder Wolfowitz na presidência do Banco Mundial.

79

Analisando retrospectivamente a evolução do Banco Mundial ao longo das

décadas, é possível dividir as agendas para o desenvolvimento adotadas pela instituição

em quatro conjunturas específicas, cada uma delas representando um momento particular

na trajetória do Banco78. As primeiras décadas representaram o período em que o Banco

constrói seu aparato institucional, define sua identidade como organismo multilateral e

ganha prestígio junto ao sistema financeiro internacional.

Nessa seção já foram abordados elementos dessa primeira fase: a definição da

identidade do Banco enquanto agente multilateral para o desenvolvimento é resultado

tanto do deslocamento das tarefas de reconstrução para o Plano Marshall como da

credibilidade adquirida junto ao setor financeiro internacional, fator que contribuiu

determinantemente para a expansão dos empréstimos nas décadas de 1950 e 1960.

A partir do início dos anos 1950 o Banco Mundial diminui gradativamente os

empréstimos para os países desenvolvidos de forma que na década de 1960 praticamente

o total do fluxo de recursos do Banco era destinado aos países subdesenvolvidos79.

De acordo com as declarações do Banco Mundial no início de suas atividades, o

desenvolvimento econômico deveria ser compreendido em termos de capacidade

sustentada para providenciar assistência material à população. Nessa trajetória, de acordo

com seu regulamento, o Banco não poderia interferir na estrutura política e na plataforma

de desenvolvimento global do país tomador.

78 Nas palavras de Jaime César Coelho: “O primeiro vai de Meyer à Woods, que pode ser identificado como o período de afirmação da identidade e consolidação da instituição enquanto uma organização de amplitude mundial. O segundo, que se insere na gestão McNamara, seria o período de expansão institucional, prevalência do realismo político e maior abertura para experiências desenvolvimentistas na periferia. O terceiro, de Clausen e Conable, é o período de ruptura com a política externa do período de Bretton Woods e uma orientação radical para as políticas pró-mercado e, por último, o período de reformulação, onde o Banco revê alguns dogmas construídos durante o período da ruptura e busca uma nova orientação dentro de um contexto de grandes incertezas na dinâmica internacional, sem contudo voltar à visão prevalecente no período desenvolvimentista da instituição” (COELHO, 2002, p. 69). 79 De acordo com Mason & Asher, até o ano de 1971, do total de 1057 empréstimos apenas quatro foram para reconstrução (em 1947 e 1948 para França, Holanda, Dinamarca e Luxemburgo). Os restantes 1053 correspondem a empréstimos para desenvolvimento: “It can be said with some true that since 1950 the World Bank has been transformed from a banking institution that finances viable projects in a number of its member countries into a development institution that transfers resources on a large scale, though still mainly on a project basis, from the developed to the less developed world” (MASON & ASHER, 1973, p. 227).

80

No entanto, os projetos custeados pelo Banco eram avaliados pela potencial

contribuição no aumento do PIB e na taxa de crescimento, influenciando as políticas

domésticas do tomador nessa mesma direção. Depois de implementados, em média,

apenas 5% dos empréstimos eram avaliados depois de alguns anos do último desembolso

para que fossem mensurados os impactos do projeto em termos de desenvolvimento

econômico80.

Existem algumas formas em que o Banco Mundial costuma praticar o desembolso

dos recursos do financiamento: reembolsando os gastos já realizados pelo país tomador,

adiantando o dinheiro para que o país tomador realize os pagamentos, ou pagando os

fornecedores diretamente em nome do país tomador. Em geral, o Banco se envolve com a

aplicação dos recursos requerendo também que seja mantido informado sobre o progresso

do projeto como um todo.

Conforme o número de pedidos de financiamento aumentava em relação à

disponibilidade de recursos do Banco, as negociações para a aprovação e liberação do

financiamento foram se tornando cada vez mais elaboradas. Longas negociações,

extensas pesquisas de campo e aumento da assistência técnica para seleção dos projetos

tornaram-se freqüentes.

O fato do Banco se cercar de tantos cuidados para verificar se o pedido de

financiamento atendia a todos os requisitos considerados relevantes pelo corpo técnico da

instituição acabou criando um outro problema: o tempo envolvido nas negociações com o

Banco havia se tornado demasiadamente longo81.

A fase de expansão institucional ganha fôlego ao longo da gestão McNamara82

(1968-1981), cuja marca transformou a cultura do próprio Banco. Nesse momento,

80 Entretanto, a forma do Banco mensurar o progresso do desenvolvimento negligenciava as dimensões sociais do processo: “If the Bank did not set the fashion, it fell readily into the pattern of measuring a country’s developmental progress in terms of its relative price stability, and its increases in gross national product, rate of investment, saving rates or marginal saving rates, export earnings, and other conventional macro-economic indicators” (MASON & ASHER, 1973, p. 693). 81 Nas palavras de Mason & Asher: “The amount of time it took to process loans proposals, the interrogations involved, and the elaborate documentation required by the Bank at all stages of lending gave rise to understandable impatience among borrowers” (MASON & ASHER, 1973, p. 190). 82 McNamara, em pouco tempo de gestão, foi responsável pelo aumento surpreendente no montante de empréstimos realizados pelo Banco. Foi também o primeiro presidente do Banco a inserir questões

81

assume-se o pressuposto de que os requisitos externos necessários ao desenvolvimento da

periferia eram mais abrangentes - rompendo de certa forma com o conceito estreito do

processo de desenvolvimento demonstrado pelo Banco até então83.

Já no final da década de 1960 começam a ser incluídas novas prioridades além da

infra-estrutura. O conceito de desenvolvimento do Banco Mundial foi se alterando e, por

volta dos anos 1970, já se cogitava até incorporar alguns elementos como distribuição,

emprego e urbanização - desde que estivessem vinculados ao crescimento do PIB84.

O escopo dos empréstimos foi crescentemente estendido para campos como

indústria, agricultura, educação, desenvolvimento urbano, planejamento populacional e

apesar do investimento em infra-estrutura (energia, transporte e comunicações)

apresentar-se em declínio, esse segmento continuava exercendo papel importante dentro

da política do Banco Mundial.

Em decorrência da diversificação dos empréstimos para projetos além da infra-

estrutura, ocorreu uma sofisticação no corpo técnico responsável pelas análises dos

projetos do Banco Mundial. Apesar da instituição não apresentar um desempenho

surpreendente em relação a novas técnicas para avaliação de projetos, suas práticas se

mostravam superiores ao desempenho médio dos outros credores ou “project lenders”

(MASON & ASHER, 1973, p. 479).

No que se refere à alocação dos recursos do Banco Mundial, a análise da forma

em que esses recursos foram distribuídos ajudam a avaliar em que direção o Banco atuou

ao longo de sua trajetória. Essa alocação, de certa maneira, esteve condicionada tanto

relacionadas ao combate à pobreza como prioridade a ser perseguida pela instituição, fato que viria a alterar profundamente a concepção de desenvolvimento e a conotação das políticas a serem adotadas nessa direção a partir de então. 83 Para Gavin & Rodrik, existia uma relação entre essa mudança de orientação e a credibilidade conquistada pelo Banco: “As the Bank’s creditworthiness became more soundly established, the institution became more open to other influences. During Robert McNamara’s presidency (1968-1981), the Bank considerably reoriented its focus from infrastructure projects to antipoverty programs” (GAVIN & RODRIK, 1995, p. 333). 84 Ainda que na gestão McNamara o conceito de desenvolvimento começasse a ser pensado de forma mais ampla, o critério final para a aprovação de um empréstimos continuava sendo baseado no impacto do projeto em termos da taxa de crescimento do PIB: “But development still meant to the Bank Group an increase in GNP and the Bank’s concern with country performance was rather closely limited to policies and practices affected by the rate of growth of GNP” (MASON & ASHER, 1973, p. 480).

82

pela estratégia do hegemon em termos de política externa como pelo poder relativo das

diferentes regiões e países no interior do Banco. Seguramente a dinâmica de acumulação

de capital internacional, por influenciar no volume disponível dos fluxos, também é parte

envolvida nesse processo - delimitando se a atuação do Banco Mundial assume caráter

mais expansivo ou restritivo do ponto de vista do financiamento.

São inúmeras as críticas direcionadas ao Banco Mundial ao longo de sua história.

Talvez uma das maiores esteja relacionada ao fracasso em alcançar os resultados de

desenvolvimento associados aos seus empréstimos.

As críticas mais pesadas, lastreadas pelo fato de que a ideologia dos principais

diretores do Banco seria a mesma dos países ricos que possuem a maioria dos votos,

enxergam o Banco Mundial como uma instituição reacionária e imperialista que serve de

instrumental para uma nova modalidade de colonialismo econômico e político.

Nesse sentido, vários fatores confirmam e ilustram como a atuação do Banco

Mundial enquanto instituição capitalista ocidental também se reflete nas etapas de

implementação do projeto: seja na relutância em dar preferência aos fornecedores locais,

pela insistência na alocação de consultores estrangeiros nos projetos85, ou pela supervisão

do empreendimento por empresas estrangeiras que raramente deixam o aprendizado ao

país tomador (MASON & ASHER, 1973, p. 478).

Em resumo, avaliando a atuação do Banco Mundial no período que vai de 1946 a

1973, é possível afirmar que a instituição procurou contribuir em quase todas as

operações de empréstimos nas quais esteve envolvida com algo mais que financiamento.

Esse fato corrobora com a constatação de que nunca houve financiamento isolado, isto é,

sem a imposição de um receituário que sempre esteve presente e vai ganhando cada vez

mais espaço nas atividades do Banco ao longo das décadas.

O somatório desses fatores contribuiu para aumentar o conflito entre os países

periféricos e o Banco Mundial. Ainda que tenham sido verificadas algumas adaptações

85 Quando o Banco se propõe a oferecer treinamento aos técnicos locais, através de cursos geralmente ministrados nos Estados Unidos, muitas vezes o objetivo mais amplo da instituição consiste em formar “parceiros” que auxiliem na implementação de projetos que representem basicamente a visão de desenvolvimento do Banco. Esse tipo de medida elitiza o debate e pode influenciar na conotação original dos projetos - que não raro acabam se descolando das prioridades domésticas de desenvolvimento.

83

nas políticas e práticas da instituição, esse movimento se mostrou limitado pelos

interesses dos países detentores da maior parte do capital do Banco e, consequentemente,

pela maior parte do corpo técnico também.

Apesar das críticas serem legítimas, cabe ressaltar que o papel de destaque do

Banco Mundial como financiador de projetos era e ainda é altamente relevante no cenário

internacional – sinalizando a existência de um longo caminho de negociações a ser

percorrido para que se alcance uma atuação institucional que favoreça também aos

interesses dos países periféricos.

Torna-se oportuno destacar que poucos são os países da periferia que têm

influência significativa, em função dos votos que comandam, na estrutura do Banco

Mundial. Dentre esses países, três estão na Ásia (China, Índia e Arábia Saudita), um

(Federação Russa) entre Europa Oriental e Ásia e um (Brasil) na América Latina. Torna-

se flagrante a ausência total de países africanos nesse grupo quando, a princípio, esses

países deveriam ocupar lugar de destaque no interior de um organismo que se propõe a

promover desenvolvimento econômico86.

Por último, não se pode ignorar que a assistência financeira é o grande

amplificador da agenda de desenvolvimento e das recomendações sugeridas pelo Banco:

Where the Bank’s strength lies is in its tremendous powers to spread and popularize ideas that it latches on to. Once the Bank gets hold of an idea, its financial clout ensures that the idea will gain wide currency (GAVIN & RODRIK, 1995, p. 333).

A maior parte dos países do mundo apresenta carência de recursos internos para

alavancar projetos de desenvolvimento. Ao recorrer ao financiamento externo com o

intuito de amenizar essa carência, esses países se deparam com um tipo de assistência

interligada a uma série de condicionantes que refletem e são típicos de um ambiente de

86 Coelho relaciona a participação reduzida da região mais pobre do mundo no Banco Mundial à hierarquia do sistema interestatal: “A explicação para isso está na ausência de um ou mais Estados nacionais que tenham atributos locacionais específicos, posição geopolítica relevante ou comando de riqueza suficiente que possibilitem uma posição mais destacada na estrutura de poder. A distribuição de recursos expressa o poder de cada região no sistema de estados. Por sua vez essa distribuição reforça a conformação hierárquica no interior do sistema” (COELHO, 2002, p. 98).

84

competição interestatal - quase sempre restritivos e conflitantes com as necessidades

inerentes ao processo de desenvolvimento econômico de fato.

Entretanto, se por um lado a dinâmica internacional competitiva não representa

um corpo fechado e totalmente previsível do desenrolar dos acontecimentos, por outro,

não corresponde a uma constelação de fatos desconexos que não guardam relação entre

si. Partindo dessa perspectiva, vejamos como as relações de dominação e subordinação

presentes no sistema internacional podem ser intermediadas pelo processo de assistência

externa. Esse é o assunto da próxima seção.

2.4. Assistência externa, crescimento e desenvolvimento

O processo de assistência externa, em geral, é associado com a transferência de

recursos financeiros de um país a outro. Porém, a modalidade de financiamento praticada

pelo Banco Mundial não deixa de representar uma variação do processo de assistência

externa comandado por uma instituição multilateral. Enquanto intermediário de fluxos

financeiros do centro para a periferia, no limite, o papel que o Banco Mundial

desempenha se aproxima bastante daquele exercido pelos credores.

É com base nesse ponto de vista que serão discutidas as relações entre assistência

externa, crescimento e desenvolvimento econômico nessa seção.

Com o intuito de não adentrar em demasia no debate teórico que diferencia

crescimento e desenvolvimento, partimos do pressuposto de que os investimentos

orientados ao crescimento correspondem a condição fundamental para alavancar o

processo mais amplo de desenvolvimento econômico87.

A prática de assistência externa comandada pelo Banco Mundial, usufruindo do

fato de estar camuflada pelo discurso da cooperação multilateral, muitas vezes consegue

enquadrar os países-membros do Banco aos interesses hegemônicos de forma

visivelmente mais suave do que ocorreria através do exercício de práticas unilaterais de

poder. 87 Nessa direção, Paulo Sandroni define desenvolvimento econômico como “Crescimento econômico (aumento do Produto Nacional Bruto per capita) acompanhado pela melhoria do padrão de vida da população e por alterações fundamentais na estrutura de sua economia” (SANDRONI, 2000, p. 169).

85

O maquinário dos empréstimos para a assistência ao desenvolvimento -

construído em grande parte pelos credores com o suposto intuito de incrementar o grau de

eficiência no processo de desenvolvimento - na verdade acabou causando ou exacerbando

muitos dos problemas que esse tipo de assistência deveria solucionar.

O funcionamento da assistência externa como um todo se encontra envolvido em

uma situação de inversão de valores onde os credores são os que mais se beneficiam -

como se a essência do processo de assistência fosse permeada pela necessidade do credor

de exercer certo grau de influência sobre o tomador88.

O processo de assistência, além do suposto critério de desenvolvimento, também

leva em conta a importância de estimular o livre mercado, estimular exportações e

proteger fontes de matérias-primas específicas. Com esse intuito, muitas vezes os

projetos são elaborados pelas próprias agências de desenvolvimento - e não pelo país

tomador como seria recomendável – visando alcançar, via financiamento, objetivos que

se estendem para além dos projetos89.

Ainda que os objetivos dos projetos sejam desejáveis, a estrutura em meio a qual

o sistema de assistência internacional funciona é distorcida e raramente leva ao resultado

esperado. Essa distorção se deve em grande parte ao exercício de influência na

intermediação e implementação desse tipo de transação, prática que não causa apenas

problemas de ordem direta como também leva à perpetuação de uma engrenagem

enviesada do ponto de vista da assistência externa.

O processo de assistência é extenso e complexo e, pelo fato de envolver tanto a

burocracia do credor quanto do tomador, a dinâmica pode tornar-se lenta e ineficiente e

os efeitos contraproducentes. A maioria das regras atende mais aos interesses dos

credores que dos tomadores, são os credores que estão à frente da relação.

88 Para McNeill, o processo de assistência externa em alguma medida “(…) is intended to benefit people of the donor country rather than the recipients, and the donor exercises leverage so as to induce the recipient to act in certain ways favourable to the donor’s own interest” (McNEILL, 1981, p. 09). 89 Alguns autores como William Easterly (2003, p. 26) apontam que a assistência externa poderia auxiliar a “comprar tempo” para que os reformadores pudessem implementar mudanças dolorosas mas necessárias na orientação da política econômica de um país (EASTERLY, 2003, p. 26). Nesse caso, a assistência estaria funcionando como amortecedor dos ajustes que, na maioria das vezes, servem mais aos interesses do centro que da própria periferia do sistema mundial.

86

Apesar de representar apenas uma das partes envolvidas, os credores determinam

as regras do jogo. Se as regras devem mudar, isso só vai ocorrer se for pelas mãos deles

uma vez que o tomador não exerce controle pleno sobre os recursos nem mesmo na etapa

de implementação do projeto90.

Existe uma polêmica acerca da efetividade da assistência no crescimento

econômico dados os moldes em que essa prática vem sendo adotada. Em geral, os

organismos multilaterais consideram que só existe uma correlação positiva entre

assistência e crescimento na presença de políticas “adequadas” no ambiente de

implementação do projeto91.

De acordo com Gilbert e Vines (2000, p. 223) por exemplo, em um ambiente de

instabilidade macroeconômica, assistência e crescimento não possuem correlação

positiva - principalmente no caso de países que não praticam políticas e gerenciamento

adequados (GILBERT & VINES, 2000, p. 223).

Já na visão de Easterly (2003, p. 31), o crescimento econômico depende de

investimento como uma parcela do PIB considerando que, grosso modo, o montante total

de investimentos de uma economia deve ser composto pela soma da poupança doméstica

e da assistência externa (EASTERLY, 2003, p. 31).

Nesse sentido, alguns modelos sinalizam que existem duas lacunas principais que

a assistência pode preencher na direção do crescimento: i) a diferença entre poupança

interna disponível e investimento necessário para o aumento da taxa de crescimento; e ii)

a diferença da renda entre exportações e as necessidades de importação para alcançar

dado nível de produção e crescimento.

É importante ter clareza de que o crescimento econômico dificilmente será

alcançado se a assistência externa não for acompanhada de investimentos internos.

Assistência e crescimento caminham juntos dentro de um contexto em que os incentivos 90 McNeill aponta o caminho da “parceria compartilhada” entre as partes (equal-partnership), com maior poder de voz aos tomadores, para alcançar uma modalidade de assistência com menos restrições e condicionalidades (McNEILL, 1981, p. 103). 91 Naturalmente os possíveis resultados da correlação entre assistência e crescimento podem se modificar conforme utilizamos definições diferentes para os conceitos de “assistência”, “políticas adequadas” e “crescimento”. Desse modo, torna-se importante conceituar esses termos de forma coerente, refletindo sobre seu conteúdo para além da esfera do senso comum.

87

ao investimento sejam favoráveis. Se a causa do baixo crescimento resulta

essencialmente dos baixos incentivos ao investimento, então a assistência praticamente

não auxilia a reverter o quadro na direção do crescimento de maneira efetiva.

O processo de desenvolvimento econômico em países periféricos depende da

articulação de um conjunto de fatores dentre os quais se destacam: i) políticas fiscal e

monetária pró-crescimento, ii) condições favoráveis ao investimento produtivo, e iii)

assistência externa enquanto elemento complementar de políticas internas direcionadas

ao crescimento com distribuição. Se as causas internas do baixo investimento não forem

combatidas, a assistência externa provavelmente exercerá papel pouco relevante na

direção do crescimento e desenvolvimento econômico.

A grande contradição em termos de desenvolvimento econômico, aplicável à

discussão do papel do Banco Mundial nesse processo, reside no fato de que as políticas

que são indicadas pelo Banco como as “políticas adequadas” (as chamadas “good

policies”) são, de fato, exatamente aquelas que desfavorecem a criação de um ambiente

interno favorável ao investimento.

Essa constatação se aplica às proposições do Banco para os mais diversos setores

da economia: desde a política fiscal e monetária restritiva até a abertura comercial e da

conta de capitais, todas essas recomendações - introduzidas na forma de

condicionalidades - prejudicam a criação de ambiente favorável ao investimento, ao

crescimento e consequentemente, ao processo de desenvolvimento econômico dos países

periféricos.

A essa altura já foram apresentados os elementos mais relevantes para que se

possa discutir, de maneira articulada, se as medidas que a instituição Banco Mundial

recomenda para favorecer o desenvolvimento econômico exercem mesmo esse papel ou

não92.

Ao mesmo tempo em que se discute internacionalmente o aumento da assistência

externa para melhorar o padrão de vida da população mundial, não existe um “grande

novo projeto” que levaria o reduzido montante de recursos disponíveis para

92 Essa discussão naturalmente é retomada de maneira mais aprofundada nos próximos capítulos.

88

financiamento a catalisar o processo de desenvolvimento econômico de todo o mundo

subdesenvolvido.

Isso leva a crer que a assistência externa, de um modo geral, não tem sido

eficiente como método para atender às inúmeras demandas dos países periféricos -

comprovando que a assistência, por si só, não é suficiente dada a dimensão e magnitude

das dificuldades a serem superadas.

A esse respeito o Banco Mundial considera que o desenvolvimento econômico é,

sobretudo, fruto do esforço interno de cada país. Segundo a alta cúpula da instituição,

nenhum montante de capital externo poderia diminuir o compromisso de qualquer país-

membro perante suas próprias responsabilidades com o processo de desenvolvimento93.

Bank Group lending, of course, and indeed flow of external assistance to less developed countries, represents a minor part of total development expenditures. What these countries do with their own resources is the most important factor in development (MASON & ASHER, 1973, p. 06).

A partir dos anos 1970, o Banco Mundial começa a ampliar o conceito de

desenvolvimento econômico para além do crescimento econômico. No entanto, em tese,

para que essa mudança de enfoque fosse benéfica e bem sucedida, era preciso ter clareza

de que a estratégia global de desenvolvimento de um país deveria ser decidida

internamente – ou seja, de forma que as prioridades domésticas fossem preservadas.

Nesse sentido, ao voltar suas atenções para a promoção do desenvolvimento num sentido

mais amplo, o Banco deveria considerar as plataformas do governo local como base e

guia para seus projetos de financiamento.

93Eugene Black, o terceiro presidente da instituição, colocava que: “There is no substitute for internal effort. Foreign capital cannot be broadly effective in the absence of local capital. Outside advice will be useless unless there are roots which it can nurture. At best, outside aid can provide only a margin over and above what a people are doing for themselves. The margin may indeed be the difference between failure and success, but only when the local effort is substantial - in a word, when a nation has a will to develop” (BLACK, 1952, p. 411). Black ainda considerava a existência de inúmeros fatores internos capazes de influenciar na velocidade do processo de desenvolvimento de um país tão diretamente quanto o montante de capital externo disponível: “The social institutions of a country, the distribution of wealth and opportunity among the people, the energy and competence of government administration, and the character of the policies governing the use of the country’s resources - all these factors bear quite as directly on the speed with which the country can be developed as does the amount of foreign capital available” (BLACK, 1952, p. 411).

89

Vejamos agora como se deu o processo de mudança na estratégia de

desenvolvimento do Banco Mundial à luz das principais transformações econômicas e

políticas ocorridas na arena internacional nos anos 1970, bem como seus reflexos,

observando como a combinação desses eventos apresentou desdobramentos que

repercutiram diretamente na crise econômica que atingiu praticamente toda a periferia ao

longo da década de 1980 - principalmente os países latino-americanos.

2.5. A mudança no padrão monetário e a crise da dívida dos países

periféricos

O início dos anos 1970 foi palco de transformações cujos impactos repercutiram

amplamente na organização política e econômica internacional. Dentre essas

transformações, a crise do sistema monetário internacional instituído em Bretton Woods

certamente destaca-se como uma das mais relevantes.

A tentativa norte-americana de manter o surto de crescimento econômico do pós-

guerra, através de uma política monetária extraordinariamente frouxa, obteve sucesso até

o final da década de 1960, mas surtiu efeitos adversos no início da seguinte. Os sinais de

crise se tornavam mais evidentes na medida em que o crescimento real cessou, houve

perda de controle sobre as tendências inflacionárias, e o sistema de taxas de câmbio fixas

- que havia sustentado e regulado a expansão do pós-guerra - entrou em colapso

(ARRIGHI, 1996, p. 03).

Se o crescimento econômico vivenciado no pós-guerra esteve associado à gestão

“benevolente”94 dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, amparada no sistema de

taxas de câmbio fixas e atreladas ao ouro, é possível inferir que a ruptura unilateral dos

Estados Unidos com o regime monetário internacional em 1973 anunciava uma fase de

reestruturação internacional sob novas bases.

Durante a vigência do acordo de Bretton Woods (1945-1973), as regras

relacionadas ao sistema monetário internacional estavam alicerçadas no padrão dólar-

94 Sobre o comportamento “benevolente” dos Estados Unidos no período compreendido entre 1945 e 1973, ver Helleiner, 1996.

90

ouro. Esse sistema funcionava com o dólar como moeda de referencia internacional

atrelada, através de paridade fixa, ao ouro. Em 1973, com o abandono da taxa de

conversão fixa na relação dólar-ouro, o sistema monetário passa a adotar taxas de câmbio

flutuantes introduzindo gradativamente o padrão dólar-flexível no cenário internacional.

Com o intuito de acompanhar as mudanças no regime monetário internacional, as

operações do Banco Mundial tiveram que se adaptar ao regime de câmbio flutuante

fazendo com que as regras de conduta de suas políticas fossem se aproximando cada vez

mais do espírito de Wall Street95.

Esse movimento de ruptura com o sistema monetário de Bretton Woods

representou também a suspensão do contrato social erguido sob bases keynesianas. As

políticas de pleno emprego foram sendo progressivamente abandonadas em favor de um

sistema que resultaria nos processos de desregulamentações competitivas das décadas

vindouras, colocando na dominância dos jogos de interesses a finança internacional

(COELHO, 2002, p. 113).

A expansão das operações financeiras privadas no âmbito internacional abria

espaço, nos anos 1970, para a emergência de um ciclo de oferta de crédito privado sem

precedente para os países periféricos no contexto do pós-guerra.

O espaço de valorização que se abriu encontrou resposta imediata na insuficiência

de poupança da periferia. No entanto, as condições em que se davam essas transações

eram bastante diferentes dos antigos contratos do período de Bretton Woods: ainda que

os bancos comerciais ofertassem recursos com taxas atrativas para os tomadores, os

prazos de amortização eram mais reduzidos e, o que é mais relevante, utilizavam taxas de

juros flutuantes como mecanismo de correção.

O rápido endividamento pelo qual passaram muitas economias periféricas denota

as conseqüências de financiar o processo de desenvolvimento com base em um regime

financeiro internacional cada vez mais controlado por instituições privadas de crédito. O

95 Essa aproximação vai se tornando mais evidente com o crescente processo de liberalização comercial e financeira que ocorre a partir da década de 1980 e que representa a ascensão do mercado como instância preferencial de regulação das relações econômicas, políticas e sociais.

91

resultado desse processo, que já era bastante nítido no final da década de 1970, foi a forte

crise da dívida externa dos países periféricos.

Em certo momento, a participação dos créditos privados no total de empréstimos

dos países periféricos chegou a superar os recursos captados via instituições multilaterais.

Se por um lado a oferta de recursos por parte dos bancos comerciais privados foi decisiva

para que a periferia não fosse imediatamente afetada pelos choques externos da década de

1970 (como os choques do petróleo, por exemplo), por outro, os custos desses

empréstimos aumentaram exponencialmente com a alta dos juros americanos de 1979.

A elevação dos juros americanos em 1979 tinha como objetivo valorizar o dólar

no mercado financeiro internacional. Essa estratégia financeira ficou conhecida como

“diplomacia do dólar forte”, e corresponde a um dos movimentos do processo de

retomada da hegemonia americana no final da década de 1970:

As crises que instabilizaram a economia mundial na década de 1970 foram seguidas de dois movimentos de reafirmação da hegemonia americana, no plano geoeconômico (pela diplomacia do dólar forte) e no plano geopolítico (pela diplomacia das armas), que modificaram profundamente o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais a partir do começo da década de 1980. Estes dois movimentos, contudo, não foram apenas uma resposta pragmática ou reativa ao desafio da crise; foram decisões políticas que amadureceram durante a década e se transformaram na visão estratégica da elite financeira e militar que chega ao governo com a vitória de Ronald Reagan em 1980 (TAVARES & FIORI, 1997, p. 55).

Se a alta dos juros americanos conduziu à centralidade do dólar como moeda

internacional por um lado, do ponto de vista da periferia, essa elevação dos juros agravou

a situação dos países devedores de altos passivos adquiridos na euforia de crédito dos

anos 1970 - como foi o caso da maior parte da periferia latino-americana.

O processo de endividamento a taxas de juros flutuantes resultou na crescente

dependência dos países endividados em relação aos ciclos da economia mundial e às

sanções do sistema financeiro internacional, diminuindo assim o grau de manobra das

economias periféricas na dinâmica internacional. Ainda que muitas vezes os credores

tenham preferido liberar empréstimos adicionais com o intuito de evitar uma crise

92

sistêmica, no início da década de 1980, diante do estrondoso endividamento dos países

periféricos, o fluxo de capitais internacionais para a periferia foi diminuindo - agravando

ainda mais a crise no balanço de pagamentos desses países, altamente comprometidos

com os serviços da dívida.

Desse modo, estavam lançadas as bases para o enquadramento dos países

periféricos aos programas de ajustamento que passam a ganhar cada vez mais espaço na

agenda do Banco Mundial ao longo da década de 1980.

Todas essas transformações exerceram impactos diretos na forma de atuação do

Banco Mundial96. O fato da gestão McNamara - que vai de abril de 1968 a junho de 1981

- ter sido marcada por mudanças tão relevantes no cenário internacional certamente

acabou refletindo na visão de desenvolvimento da instituição97.

Diante do agravamento da crise nos países periféricos, novas temáticas foram

inseridas na agenda de desenvolvimento do Banco - que passou a incorporar políticas de

combate à pobreza através de financiamentos direcionados às áreas de saúde, habitação,

educação e agricultura98.

A atuação de McNamara junto à presidência da instituição foi marcada pela

introdução de questões relacionadas ao combate da pobreza - acompanhada de maior

atenção ao setor agrícola - como um dos principais pontos na agenda de desenvolvimento

do Banco99: “It was Robert McNamara, who tilted the Bank too far toward the alleviation

96 Para a elaboração desta Seção, foi considerado que a análise das macro-tendências seria, de certa forma, mais relevante que a análise de projetos específicos no intuito de apresentar os principais pontos da trajetória do Banco Mundial diante das transformações internacionais. 97 Ao final da gestão de Woods, no início de 1968, debatia-se a efetividade dos empréstimos do Banco Mundial em termos de desenvolvimento econômico. Havia sido anunciada uma crise da atuação do Banco e seus esforços na direção do desenvolvimento estavam sendo considerados ineficientes e inadequados. Nesse contexto, McNamara assume a presidência do Banco com a intenção de colocar tanto a instituição quanto o rumo dos países subdesenvolvidos na rota certa. A idéia era expandir as atividades e o montante de investimentos do Banco para transformar a instituição em um instrumento de mudança social, evitando assim, uma guinada indesejável de nações empobrecidas na direção do comunismo (CAUFIELD, 1997, p. 97). 98 Sobre esse ponto, Ayres coloca que: “The McNamara reorientation of the Bank away from its almost exclusive concern with basic economic infrastructure toward antipoverty work was almost dramatically reflected in changes in the Bank’s lending activities for development” (AYRES, 1984, p. 05). 99 No entanto, os mais críticos apontavam que os incentivos do Banco à agricultura e ao aumento das exportações da periferia estariam reforçando um quadro de divisão internacional do trabalho que, no fundo, interessava mais aos países centrais.

93

of absolute poverty per se instead of toward the per-capita growth of the economy”

(OLIVER, 1996, p. xvi).

Essa experiência representou uma revisão nas prioridades de financiamento, e

acabou trazendo para dentro da instituição a necessidade de ampliar o escopo da visão de

desenvolvimento para além de critérios puramente econômicos.

McNamara said flatly that the old ways of development were not working. (…) McNamara believed, however, that he could fine tune the system to ensure that the wealth being created would settle more evenly throughout the economy. He would do this primarily by investing more in basic social services aimed at poor. “Redistribution with growth” became the Bank’s new slogan (CAUFIELD, 1997, p. 98).

Se por um lado houve um grande aumento no montante total de empréstimos do

Banco Mundial ao longo da gestão McNamara, a contrapartida indesejável do ponto de

vista dos países periféricos foi o progressivo endividamento seja junto ao Banco, seja

junto ao mercado financeiro internacional100.

Ao final da gestão McNamara, diante da conjuntura problemática em relação ao

balanço de pagamentos dos países periféricos, apareceram as primeiras indicações da

formulação dos programas de ajustamento estrutural - sinalizando um novo movimento

de reorientação das políticas do Banco Mundial para o desenvolvimento. Os

financiamentos no setor de infra-estrutura vão perdendo peso relativo no interior da

instituição na medida em que passam a ser priorizados os programas direcionados à

estabilização econômica101.

Pela primeira vez na história do Banco Mundial seriam autorizados empréstimos

destinados ao pagamento de dívidas - ou seja, empréstimos desvinculados de qualquer

100 De acordo com Caufield: “Between 1968 and 1973, the Bank doubled its lending, but at the end of that period McNamara told the Bank’s board of governors that the expansion had to continue. ‘Far from relaxing the momentum of our operations over the next five years, [we] must increase it.’ He asked them not to be concerned about the developed world’s enormous and fast-growing indebtedness. The size of the debt, he explained, is not the problem. The problem is ‘the fact that debt, and debt payments, are growing faster than the revenues required to service them’ ” (CAUFIELD, 1997, p. 103). 101 Sobre esse movimento, Gilbert & Vines apontam que: “Policies in effect became projects, with investment in economic policy-making infrastructure replacing investment in physical infrastructure” (GILBERT & VINES, 2000, p. 20).

94

tipo de investimento, que ficaram conhecidos como defensing lendings. Até então, uma

das condições mais rígidas para se obter financiamento junto ao Banco consistia em que

esses recursos não fossem destinados ao pagamento de dívidas pré-existentes (OLIVER,

1996, p. 113).

Aos poucos, a renegociação desses débitos vai tornando-se parte da política de

assistência ao desenvolvimento e seria inevitável que, enquanto asseguradores do bom

funcionamento do sistema de pagamentos internacionais, tanto o Banco Mundial quanto o

FMI ganhassem espaço nas negociações e estivessem profundamente envolvidos nesse

processo.

The 1980s were dominated by the issues of debt and adjustment. Private sector capital flows to developing countries all but disappeared, and net flows reversed back to the developed world. The immediate problems for the multilateral agencies were those of sustaining the payment positions of the indebted countries in such a way as to prevent outright default. This involved a combination of debt rescheduling in conjunction with new loans, the primary purpose of which was to pay the interest on old debt (GILBERT & VINES, 2000, p. 16).

A partir de então, a nova agenda de desenvolvimento do Banco Mundial passa a

ser conduzida na direção da estabilização que representava uma pré-condição para o

ajustamento estrutural e, ao mesmo tempo, permitiria a sustentabilidade de políticas de

crescimento. Nesse sentido, o Banco sustentava que a recondução das economias

periféricas na direção das altas taxas de crescimento dependeria basicamente da

combinação de políticas adequadas e elevados montantes de assistência em um período

livre de crises.

Torna-se recorrente a idéia de que tanto a atenção quanto os recursos do Banco

deveriam se voltar a programas que auxiliassem no processo de estabilização dessas

economias. Nesse sentido, o instrumento que o Banco considerava mais eficaz para

redirecionar as políticas domésticas dos países devedores na direção da estabilização

econômica correspondia à aplicação de políticas de cunho restritivo tais como: controle

orçamentário, política fiscal e monetária austera, redimensionamento do papel do Estado,

bem como o equacionamento da dívida externa.

95

A solução que o Banco Mundial apresentava para que a periferia pudesse superar

a crise externa seria recuperar a confiança dos investidores internacionais via mercado. A

saída residia na aceitação, adaptação e no ajuste aos rumos que vinha tomando o

funcionamento do sistema financeiro internacional. Torna-se claro, a este ponto, que a

ascensão do ideário monetarista - com todas as suas implicações em termos de política

fiscal restritiva e aumento do grau de influência das tendências liberalizantes - estava

ganhando terreno no cenário internacional marcando, de forma definitiva, que os anos de

Bretton Woods e do capitalismo dourado haviam chegado ao fim.

Nesse contexto, a aplicação dos ajustes necessários para sair da crise passa a

ganhar mais espaço dentro do Banco através da criação dos “structural adjustment

programs”102.

Quadro 2.3 - Os Programas de Ajustamento Estrutural propostos pelo Banco Mundial

Os Programas de Ajustamento Estrutural foram criados com o objetivo de reduzir os desequilíbrios fiscais e restabelecer o equilíbrio macroeconômico do país mutuário. Por meio da aplicação de condicionalidades, esses programas implementam, em nome da estabilização econômica, um conjunto de medidas liberalizantes que incluem:

1. privatização das empresas estatais; 2. liberalização comercial; 3. controle orçamentário e corte de gastos sociais através de medidas de

austeridade fiscal; 4. eliminação de controles de preços e subsídios estatais; 5. abertura dos mercados de capitais como forma de aumentar a entrada de

recursos externos; e 6. desenvolvimento de legislação que assegure os direitos dos investidores

externos.

Esses programas sofreram inúmeras críticas tanto por aplicar o receituário liberal sem considerar as especificidades de cada país quanto por ameaçar o princípio de soberania nacional - à medida que um organismo multilateral passava a interferir nas políticas domésticas do país mutuário.

Fonte: Elaboração do autor com base em Toussaint, 2006, p. 307-308 e Williamson , 1990, p. 415-420.

102 A primeira menção oficial ao Programa de Ajustamento Estrutural se deu em setembro de 1980, no final da gestão McNamara, quando ele apresentou o programa ao Conselho do Banco (Board of Governors) - sendo esse o tema principal do World Development Report de 1981: “The World Development Report of 1981 was dedicated chiefly to adjustment and it had an important impact on the development economics profession. (...) Mention had also been made of “adjustment” in the World Development Report for 1980, the year in which the Bank’s new Structural Adjustment Loans (SALs) were launched. Thus through the two World Development Reports, McNamara’s 1980 speech, and the launching of the SAL program, the Bank has made a major change in both its actions and words” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997b, p. 541).

96

Tendo em conta o discurso oficial do Banco, os fatores que mais contribuíram

para a criação dos programas de ajuste103 estavam relacionados a dois elementos

principais: i) prestar auxílio a países com problemas de médio prazo em seus balanços de

pagamentos; e ii) à necessidade de se ter um instrumento ágil para perseguir, de forma

ativa, políticas estruturais apropriadas nos países periféricos104 (TOUSSAINT, 2006, p.

307).

Todavia, avaliando as mudanças ocorridas nas políticas do Banco é possível

observar que, em termos gerais, a agência de desenvolvimento criada com o intuito de

viabilizar projetos produtivos de longo prazo havia tomado um rumo muito diverso do

seu papel original. Depois da crise dos países periféricos nos anos 1980, o Banco

Mundial praticamente direcionou suas atividades para empréstimos de curto prazo

voltados ao ajustamento estrutural. Essa modalidade de empréstimos, preponderante ao

longo de toda década de 1980, não se encontra vinculada a projetos, mas sim, a reformas

políticas de ordem econômica e social105. Segundo Caufield (2001, p. 01), exceto em

circunstâncias especiais, consta no estatuto do Banco uma cláusula de proibição a

empréstimos dessa natureza.

Desse modo os projetos de desenvolvimento vão ficando cada vez mais em

segundo plano, perdendo espaço na estratégia global do Banco Mundial, ao passo que as

prioridades na agenda da instituição vão se voltando progressivamente para programas de

ajustamento estrutural.

Inicialmente, as políticas de ajuste eram especificamente direcionadas à correção

de desequilíbrios no balanço de pagamentos. Com o passar do tempo, essas políticas

103 Nas palavras de Williamson: “Structural adjustment is about opening the economy plus reordening public expenditure priorities, financial liberalization, privatization, deregulation, and the provision of an enabling environment for the private sector. A more descriptive term for the process is obviously “liberalization”” [grifo meu] - (WILLIAMSON, 1990, p. 402). 104 Sobre as políticas de ajustamento estrutural do Banco Mundial na América Latina nas décadas de 1980 e 1990, ver Coelho, 2002. 105 De acordo com Caufield: “The bank called these “structural adjustment loans”, and they were conditioned on the borrowing country’s agreeing to adopt free-market-oriented reforms covering nearly every aspect of life, from legal system to financial regulations, from worker’s rights to healthcare. (…) The World Bank uses these adjustment loans to “roll over” the bad debts of borrowing nations - thereby disguising the poor quality of the bank’s own lending practices - and to impose its ideology of economic reform on its borrowers (CAUFIELD, 2001, p. 01).

97

passaram a se estender a outros tipos de reformas tais quais a liberalização do comércio e

o processo de privatizações106. Esse conjunto de medidas liberalizantes previsto no

programa de ajuste estrutural posteriormente ficou conhecido como “reformas de

primeira geração”107.

Bandeira (2003, p. 475) introduz o déficit comercial dos Estados Unidos no

somatório de elementos que resultaram na implementação de políticas liberalizantes na

América Latina. Por essa perspectiva, a crise econômica dos anos 1980 - que reduziu a

capacidade da América Latina para importar e atender ao serviço da dívida externa -

acabou prejudicando seriamente os interesses dos Estados Unidos cujo déficit comercial,

nesse momento, estava pressionando sua dívida externa. Com o intuito de reduzir a

dívida, os EUA precisavam incrementar o desempenho de sua balança comercial para

alcançar maior superávit. Na visão de Bandeira, essa conjuntura representaria o embrião

da aplicação do receituário liberal na América Latina:

A fim de pagar a dívida os EUA precisavam, portanto, obter enorme superávit comercial, razão pela qual o governo de Washington, sob pressão dos exportadores, tratou de compelir os países da América Latina, a promoverem unilateralmente a liberalização do comércio exterior. (...) Esta iniciativa, como parte do esforço para reduzir o desequilíbrio de sua balança comercial por meio da abertura de outros mercados, possibilitaria aos EUA aumentar ainda mais as exportações de mercadorias para os países da América Latina sem a necessidade de negociar com seus governos e fazer outras concessões (BANDEIRA, 2003, p. 475).

Seguindo essa linha de raciocínio, os programas de ajuste implementados na

periferia do sistema via Banco Mundial estariam representando desdobramentos de um

processo mais amplo de ajuste no centro do processo de acumulação internacional. Nesse

sentido é possível observar que, de fato, a atuação dos dois presidentes que comandaram

106 Nas palavras de Gilbert & Vines: “Initially, adjustment policies were primarily macroeconomic and were specifically directed towards the balance of payments, but, over time, the shopping list became longer, and included policies with little direct payments impact. Trade liberalization, which does affect the balance of payments, also figured more centrally, and later privatization, where the immediate impact on the fiscal deficit, also became a target” (GILBERT & VINES, 2000, p. 22). 107 Esse assunto é analisado de forma mais aprofundada no Capítulo 3.

98

a instituição durante a década de 1980 (Clausen e Conable) esteve bastante alinhada com

a perspectiva liberalizante do processo de desenvolvimento econômico.

Na gestão Clausen - de julho de 1981 a junho de 1986 - os aspectos

macroeconômicos do cenário internacional, em especial para a periferia latino-americana,

levaram à adoção de políticas monitoradas pelo Banco Mundial e pelo FMI, inaugurando

a primeira geração de ajustes estruturais. No plano geral da economia internacional,

aumentam as pressões liberalizantes com destaque para a abertura das contas de capital e

a desregulamentação financeira.

A política do Banco de elevações das pressões sobre as economias periféricas tem

continuidade durante a gestão Conable - de julho de 1986 a agosto de 1991 - com o

aprofundamento dos programas de ajuste e sua ampliação em termos de abrangência

temática.

Esses programas implicavam, na sua essência, em uma troca bastante perigosa do

ponto de vista do desenvolvimento periférico: de um lado se tinha a oferta de recursos

para países estrangulados externamente e, de outro, a oferta de parte da autonomia, ou

seja, da liberdade no grau de manejo das políticas domésticas.

O grande argumento do Banco Mundial para a implementação dos programas de

ajuste advinha de interpretação do endividamento periférico como decorrência da adoção

de política fiscal imprudente. De acordo com esse raciocínio, os choques externos

poderiam até ter agravado o desequilíbrio do balanço de pagamentos e os problemas de

dívida externa - mas a causa central da crise se encontrava mesmo nos condicionantes

internos dessas economias108.

Ao aumentar o peso dos fatores internos como responsáveis da crise periférica em

seu discurso, o Banco Mundial passa a construir um caminho bastante apropriado para a

estratégia de aplicação das reformas estruturais. A crise fiscal do Estado, enfrentada por

boa parte da periferia endividada, serviu como elemento de confirmação ao discurso do

Banco - mesmo que em boa medida essa crise fiscal tenha sido o resultado de políticas de

ajuste para garantir fluxos de pagamentos externos.

108 Sobre esse assunto, ver World Bank, 2005a.

99

Pode-se dizer que até os primeiros anos da década de 1980, não havia um claro

combate do Banco Mundial ao Estado como elemento perturbador do sistema. Nesse

período, no entanto, começa o combate do Banco aos modelos de desenvolvimento

liderados pelo Estado, sugerindo a diminuição do seu papel como agente econômico para

que se alcançasse a eficiência fiscal. De acordo com o discurso do Banco, a política fiscal

deveria representar uma fonte de estabilidade das contas domésticas e não o contrário.

Pouco a pouco, ao longo da década, a concepção geral do Estado nos debates

internacionais passa de agente catalisador a obstáculo do processo de desenvolvimento109.

O fato é que a transformação ideológica que ocorria no mundo refletia-se dentro

do Banco Mundial e em suas operações. O grau de influência do Banco tendia a crescer,

através da maior abrangência das condicionalidades nos empréstimos, ao mesmo tempo

em que aumentava a escassez de liquidez externa aos países endividados. A ampliação

dos programas de ajuste em relação ao total de empréstimos do Banco110 bem como o

receituário ortodoxo direcionado ao processo de estabilização representavam os primeiros

indícios de uma tendência liberalizante que, mais tarde, ganharia uma forma estilizada no

chamado “Consenso de Washington”.

Por outro lado, o Banco Mundial reconhecia que a implementação dos programas

de ajuste apresentava custos no curto prazo e que, levando em conta as perdas envolvidas,

deveriam ser incorporadas políticas compensatórias no campo social para garantir uma

transição mais suave ao longo do processo111. Além disso, a instituição considerava

importante a criação de um ambiente relativamente equilibrado que permitisse que as

reformas fossem vistas como produto da vontade dos atores domésticos e não como uma

imposição vinda de fora.

109 As diferentes perspectivas do Banco Mundial em relação ao papel do Estado são analisadas no Capítulo 3. 110 Sobre a participação dos programas de ajustamento em relação ao total de empréstimos do Banco, ver Capítulo 3 – Quadro 3.3. 111 Assim, a introdução setorial de dois itens nos financiamentos do Banco - política econômica (correspondendo aos programas de ajuste) e proteção social (correspondendo às políticas compensatórias) - representavam o reconhecimento, por parte da instituição, de que os programas de ajuste causavam efeitos colaterais no campo social que, se não fossem amenizados, poderiam produzir efeitos indesejáveis nas alianças de governo que conduziam os processos de “reforma” (COELHO, 2002, p. 109).

100

No caso das políticas compensatórias, a atuação do Banco acabava exercendo o

papel de “amortecedor” das perdas sociais decorrentes das políticas de ajuste.

Considerando que o processo de desenvolvimento deve repercutir em melhoria do padrão

de vida da população, a adoção desse tipo de prática por parte do Banco abre o debate

acerca da existência, de fato, de uma correlação direta entre as políticas de estabilização

da instituição e o processo de desenvolvimento econômico em si.

Procurando legitimar a introdução dessas medidas de cunho restritivo o Banco

alegava que, apesar dos custos iniciais, as reformas beneficiariam a sociedade como um

todo no futuro. Desse modo, o princípio norteador dos empréstimos com esse propósito

consistia em bancar um processo de reformas que - embora custoso e demorado -

apresentaria benefícios que se fariam sentir num futuro não muito distante112.

No contexto de implementação dessas reformas, a prática de condicionalidades

nos empréstimos - como requisito básico ao processo de assistência - acabou

representando uma etapa fundamental na dinâmica do processo.

A justificativa do Banco que está por trás da prática de condicionalidades nos

programas de ajustamento remete à consideração, por parte da instituição, de que os

projetos de assistência são ineficientes quando aplicados em um ambiente marcado por

políticas inadequadas - sendo a própria crise uma evidência cabal da inadequação das

políticas em vigor. Dessa forma, para que houvesse novos empréstimos seriam

necessárias mudanças políticas na forma de contrapartida - ainda que não existam

evidências de que a assistência ligada a condicionalidades tenha algum efeito positivo na

direção do crescimento econômico113.

112 Gilbert & Vines reforçam a idéia de que o discurso elaborado para a adesão das reformas remete aos benefícios futuros da adoção dessas reformas: “The premise of adjustment lending is that the country needs to undertake reforms, but either these will be costly, or there will be a lead time before which the benefical results come through. Either way, the country requires support over the reform process, and this support will have the incidental benefit of reducing payment pressures and allowing debt service.” (GILBERT & VINES, 2000, p. 24). 113 O fato de algumas dessas condicionalidades nem mesmo apresentarem relação direta com o programa de estabilização permite que os argumentos do Banco sejam fortemente questionados. A extensão da prática das condicionalidades para além da crise também representa outra evidência que desvincula a prática das condicionalidades do processo de estabilização. Tanto a obra de Caufield (1997) quanto a de Gilbert & Vines (2000) discutem essa questão.

101

Tendo em vista que as condicionalidades relacionadas aos programas de

ajustamento estrutural extrapolam os critérios puramente econômicos, elas acabam

atuando mais como instrumento de pressão externa que catalisadoras do processo de

desenvolvimento. Na verdade, o ideal seria que o Banco Mundial deixasse as

condicionalidades coercitivas de lado e reorientasse seus esforços para políticas efetivas

de assistência - caso houvesse interesse institucional em retomar seu papel de destaque

como agência de desenvolvimento.

Existe uma diferença muito grande entre assistência ao desenvolvimento e

empréstimos para administração da crise. No entanto, ao longo da década de 1980, o

Banco Mundial passou a atuar como o FMI - ou seja, através de políticas de empréstimos

de curto prazo acompanhadas do acirramento das condicionalidades.

A mentalidade de administração da crise havia contaminado o processo de

assistência ao desenvolvimento do Banco Mundial. A instituição passou a usar seus

recursos como incentivo para mudanças políticas, e os fluxos - que a princípio deveriam

aumentar na fase pós-estabilização para alavancar o processo de desenvolvimento - se

tornaram ainda mais escassos.

A avaliação das políticas do Banco Mundial no decorrer da década de 1980, bem

como a observação dos resultados obtidos, suscitaram inúmeras críticas à atuação da

instituição enquanto agência de fomento ao desenvolvimento114.

O fato do enfoque proposto pelo Banco para solucionar a crise da dívida na

periferia ter sido considerado equivocado pela crítica internacional não repercutiu, em

nenhum momento, em mudança na natureza das políticas que a instituição viria a

recomendar. Na maioria de suas publicações, o Banco rebate a essas críticas invertendo o

sinal, ou seja, alegando que os problemas não persistem em virtude do enfoque no

combate à crise, mas sim, devido ao atraso nos ajustes ou incompletude das reformas

indicadas115.

114 Já no início dos anos 1990 existiam várias ONGs internacionais que se ocupavam com o desempenho e atuação dos organismos multilaterais nos países periféricos. Dentre elas, duas se destacam de forma especial: “50 Years is Enough” e “ActionAid International”. 115 Sobre esse assunto, ver World Bank (2002a) e World Bank (2005d).

102

A repetição incansável desse argumento - que transfere a responsabilidade da

perpetuação da crise na periferia à incapacidade desses países na aplicação de reformas -

vai se tornando cada vez menos convincente na medida em que se percebe que o processo

de reformas nunca será concluído, ou seja, em essência, trata-se de um processo sem fim.

Outro bloco de críticas foi dirigido aos projetos do Banco em si e à (in)capacidade

destes em alcançar seus objetivos. De acordo com Caufield (2001, p. 02) grande

proporção dos empréstimos do Banco Mundial fracassou nos seus objetivos. No mais, a

instituição sempre repassou os riscos e os custos do aprendizado aos países tomadores, ou

seja, independentemente do sucesso ou fracasso do projeto, o Banco sempre recebeu o

pagamento total dos empréstimos. Desse modo, o excelente índice de pagamentos ao

Banco Mundial refletiria menos a qualidade dos financiamentos e mais o poder da

instituição enquanto credora e guardiã dos empréstimos de desenvolvimento116 - fato que

possibilitou a movimentação de uma engrenagem perversa nos casos em que se deu o

fracasso do projeto117.

Acerca dos programas de ajuste, Caufield (2001, p. 03) destaca que se existe um

aspecto em que eles foram bem sucedidos foi no endividamento dos países periféricos -

que já não conseguem mais escapar da espiral de dívidas em que precisam tomar um

novo empréstimo improdutivo para pagar o anterior. São os chamados “defensive

lendings”, empréstimos de caráter urgente, que também servem como instrumento que

permite ao Banco avançar no poder de influência sob as políticas domésticas do país

tomador.

116 É interessante observar que por usufruir da posição de maior emprestador do mercado internacional de capitais, os títulos do Banco Mundial possuem alta rentabilidade. De maneira controversa, a elevada classificação de seus títulos não depende do sucesso dos projetos que financia, mas sim, da credibilidade e segurança que vinculou junto a seus títulos no mercado internacional: “The IBRD is by far the largest borrower in international capital markets, as well as the largest nonresident borrower in every country in which it borrows. The big institutional investors – retirements funds, insurance companies, pension funds, bank trust departments, and mutual funds – that purchase World Bank bonds are not motivated by charitable impulses. They buy Bank bonds because they receive the top rating, triple A, from all the rating agencies. The rating is not based on the quality of Bank-funded projects or the success of its development efforts” (CAUFIELD, 1997, p. 323). 117 Dado o fracasso de um projeto, Caufield aponta que a necessidade de novo empréstimo para cobrir o anterior gera uma dinâmica que acaba não sendo desinteressante do ponto de vista do Banco: “Perversely, under this arrangement in which bad loans are covered up by new ones, the World Bank gains more from failed projects than from successful ones” (CAUFIELD, 2001, p. 02).

103

Por último, é possível constatar que, em geral, as políticas sugeridas pelo Banco

não tiveram resultados positivos de modo que os países periféricos chegam à década de

1990 com o problema da estabilização no topo da agenda - e com a crise da dívida ainda

por ser resolvida. O problema reside no fato de que a estabilização, na maioria dos casos,

não foi alcançada durante toda a década de 1980 e o crescimento foi sacrificado em nome

de uma suposta estabilização a ser alcançada no futuro. Contudo, os sacrifícios pelos

quais passaram esses países não parecem ter conduzido a tais benefícios - principalmente

pelo fato dessa trajetória não privilegiar elementos fundamentais ao processo de

desenvolvimento econômico.

O desenrolar da crise acompanhado da intensificação dos programas de

ajustamento abrem a década de 1990. Ao longo da década, o baixo êxito das reformas

liberais de primeira geração indicadas pelo Banco Mundial desde os anos 1980 – que

pretendiam estabilizar as economias periféricas como forma de viabilizar a retomada do

crescimento – acabou desembocando na implementação de uma “segunda geração de

reformas” estabelecida pelo Banco.

Com o intuito de analisar esse conjunto de transformações na política do Banco

Mundial a partir dos anos 1990, tanto as reformas que se estendem pela periferia com o

fortalecimento da agenda política neoliberal - como os impactos na forma de atuação do

Banco perante o redimensionamento do sistema internacional com o final da Guerra Fria

– representam questões relevantes e constituem o assunto do próximo capítulo.

104

Capítulo 3 - A era liberal e o Banco Mundial (1991-2006)

Este capítulo, que encerra a segunda parte da tese, tem por objetivo dar

continuidade à análise histórico evolutiva das políticas do Banco Mundial, abarcando o

período que vai desde o final da Guerra Fria até o ano de 2006, momento em que a

instituição completou 60 anos de atividades. Esse período foi marcado pela intensificação

de políticas de cunho liberal no cenário mundial, inclusive na agenda dos organismos

multilaterais.

Com o intuito de, paulatinamente, aproximar a observação da atuação do Banco

Mundial ao caso brasileiro, a análise neste capítulo remete às políticas da instituição

direcionadas aos países periféricos de uma forma geral e, mais especificamente, à

periferia latino americana.

Nesse sentido, a formulação e disseminação do receituário liberal para a América

Latina - que ficou conhecido como “Consenso de Washington” -, seus impactos na

política de financiamento do Banco Mundial, bem como seus reflexos na visão da

instituição acerca do processo de desenvolvimento econômico, são questões que se

destacam e que são abordadas nas próximas seções.

3.1. O fim da Guerra Fria e o Consenso de Washington

Na década de 1980, após o segundo choque do petróleo e o movimento de

retomada da hegemonia norte-americana amparado na “diplomacia do dólar forte”,

alastram-se as inovações nos sistemas financeiros das economias centrais e avançam os

mecanismos de desregulação dos mercados.

Promovido inicialmente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, o processo de

desregulação dos mercados paulatinamente difunde-se pelos países periféricos e dinamiza

a globalização financeira que, associada às demais políticas do receituário neoliberal

referentes à abertura comercial, gestão fiscal, legislação trabalhista, etc., acaba impondo

severos limites à autonomia das políticas macroeconômicas com qualquer viés

105

keynesiano ou desenvolvimentista118. Sob esse prisma, a combinação dos processos de

abertura comercial e financeira contribui para a redução da capacidade de gestão

autônoma das políticas domésticas, reforçando assim a contraposição existente entre um

cenário que favorece a livre circulação do capital versus aquele que favorece a

perseguição das políticas de pleno emprego.

A disseminação dessas políticas de abertura de caráter liberal se estende durante

toda a década de 1990 pelas economias periféricas, provocando um aumento de sua

dependência frente aos capitais externos, além da piora significativa dos seus respectivos

indicadores econômicos e sociais. Esse movimento desencadeou um processo de

concentração de riqueza no núcleo do sistema mundial tornando-o ainda mais polarizado.

De maneira semelhante, no interior das nações, não é difícil constatar o efeito

concentrador da riqueza entre as classes mais ricas119.

Os anos 1990 também são marcados pelo fim da Guerra Fria, conflito entre os

blocos capitalista e soviético que vinha se desenrolando desde o final da II Guerra

Mundial. Com o término do conflito no início da década de 1990 extingue-se a

bipolaridade característica do sistema interestatal até então, na qual se ancorava a “gestão

benevolente”120 dos Estados Unidos no cenário internacional.

O redesenho dos espaços e das hierarquias políticas e econômicas regionais e

mundiais desencadeado pelo fim da Guerra Fria, acompanhado pelo processo simultâneo

de globalização financeira, são responsáveis pela fragilização das fronteiras entre os

Estados e as economias nacionais e entre as moedas locais e o capital financeiro

internacional. Em relação aos desdobramentos desse marco histórico, Fiori coloca que:

O regime soviético ruiu sem honra nem glória e em silêncio o mundo deixou para trás a bipolaridade da Guerra Fria. O espectro do comunismo afastava-se definitivamente da Europa desfazendo os últimos medos que ainda intimidavam o Capital e poderiam justificar a reconstrução ‘benevolente’ da hegemonia capitalista dos Estados Unidos. Com o fim da URSS, a ideologia liberal e a

118 Sobre esse assunto, ver Tavares, In: Fiori, 1999, p. 477-484. 119 Em relação ao processo de polarização da riqueza mundial, intensificado pelo processo de globalização, ver Fiori, In: Fiori & Medeiros, 2001, p. 09-33. 120 Acerca da gestão benevolente do sistema mundial por parte dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial, ver Helleiner, 1996, p. 13. Esse argumento também foi abordado no Capítulo 2 - Seção 2.1.

106

economia de mercado avançavam sem resistências sobre o leste europeu. Enquanto na América Latina, a adesão tardia do Brasil, a partir de 1991, completa o alinhamento continental em torno às políticas e reformas de desregulação, abertura e privatização das suas economias nacionais (FIORI, In: TAVARES & FIORI, 1997, p. 124).

Nessas circunstâncias, os Estados Unidos, que desde a década de 1980 vinham

liderando um movimento de retomada de sua hegemonia através da “diplomacia do dólar

forte”, ingressam na década de 1990 na condição de “hiperpotência” - cuja política

deliberada de acumulação de poder econômico e militar anunciava um processo de

transição na direção da unipolarização do sistema.

No entanto, longe de gerar qualquer tipo de estabilidade sistêmica devido ao

poder incontestável de arbitrar “as regras do jogo”, a “hiperpotência” é responsável por

uma configuração histórica na qual o sistema mundial é caracterizado tanto por conflitos

políticos internacionais entre a nação hegemônica e aquelas definidas como “inimigas da

liberdade e dos valores democráticos” (Guerra do Golfo em 1991, Afeganistão em 2001 e

Iraque mais recentemente) quanto por instabilidade e recessão econômicas, com o

advento de crises (como as do México, Ásia, Rússia, Argentina) que repercutiram sobre

outras tantas economias (FIORI, 2004, p. 14).

A nova geopolítica mundial, sobretudo depois de 1991, passa a apresentar uma

face hierarquizada e unipolar que é, ao mesmo tempo, extremamente instável e limitadora

da autonomia dos Estados Nacionais situados nas camadas intermediária e inferior da

hierarquia. Não coincidentemente, nesse novo cenário, as estratégias econômica e militar

do hegemon apontam na mesma direção: a redução crescente da autonomia dos Estados

mais frágeis, incapacitados para estabelecer e sustentar autonomamente seus próprios

objetivos nacionais, sejam eles econômicos ou político-militares. (FIORI, In: FIORI &

MEDEIROS, 2001, p. 15).

Os ajustes desencadeados nas economias periféricas em resposta a esse

movimento de reordenação internacional, em última instância, são produto do ajuste

iniciado nas economias centrais. Um processo que não ocorre do dia pra noite, mas que

rapidamente se espalhou por meio da instrumentalização dos organismos multilaterais.

107

Ao relacionar a posição de destaque em que se encontravam os Estados Unidos

com o final da Guerra Fria e a conseqüente revisão do papel das instituições multilaterais

nesse novo cenário, Foot, MacFarlane e Mastanduno (2003, p. 64) colocam que a lógica

marcadamente presente pós II Guerra Mundial – ou seja, de amarrar institucionalmente

os demais Estados a um sistema político-econômico liberal - continuava presente e seria

intensificada com o final da Guerra Fria121.

Com o final do conflito, uma vez que o combate à expansão do bloco soviético

deixava de ser a meta prioritária e incondicionalmente perseguida, os países

desenvolvidos puderam repensar as políticas de desenvolvimento de longo prazo sob

outras bases - contemplando menos as antigas alianças políticas e considerando novas

prioridades e projetos políticos.

À medida que os interesses eram redefinidos, as instituições multilaterais

exerceriam papel fundamental enquanto instrumental de legitimação dos interesses

hegemônicos na condução da dinâmica mundial rumo à globalização e ao liberalismo

econômico – agora sem a preocupação e sem as concessões envolvidas na “gestão

benevolente” de outrora. Nesse sentido, a conjuntura apresentava todos os elementos

necessários para a configuração de um império global122.

121 Nas palavras dos autores: “The United States emerged from the end of the cold war in a newly advantaged position and during the 1990s the world increasingly moved toward unipolarity. In these circumstances, and across security and economic areas, the United States sought to build and expand regional and global institutions. (...) This pattern of policy is consistent with the logic of post-1945 institution building and it is captured in the model of the institutional bargain. The United States employed institutions as a mechanism to lock in other states to desired policy orientations and it was willing to exchange some limits on its own autonomy to do so. Other states also seized upon these institutions as ways to restrain and commit the United States” (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 64). 122 De acordo com Jim Garrison, presidente do “State of the World Forum”: “Taken cumulatively, the integration of the world as a whole, particularly in terms of economic globalization and the mythic qualities of “free market” capitalism, represents a veritable “empire” in its own right (…) No nation on earth has been able to resist the compelling magnetism of globalization. Few have been able to escape the “structural adjustments” and “conditionalities” of the World Bank, the International Monetary Fund, or the arbitrations of the World Trade Organization, those international financial institutions that, however inadequate, still determine what economic globalization means, what the rules are, and who is rewarded for submission and punished for infractions. Such is the power of globalization that within our lifetime we are alike to see the integration, even if unevenly, of all national economies in the world into a single global, free market system” (GARRISON, 2004, p. 38).

108

Durante a Guerra Fria, diferentemente do que se observava em relação à ONU, os

países do leste europeu não compunham o quadro de membros do Banco Mundial123. O

crescimento dos recursos destinados aos países da Europa Oriental só ocorre no início

dos anos 1990, momento em que esse grupo de países que antes estavam numa posição

geopolítica anti-sistêmica são incorporados à periferia do capitalismo.

O argumento em questão remete ao fato de que a Guerra Fria, conflito

predominantemente político e de cunho ideológico, interferiu na política de empréstimos

do Banco Mundial – instituição que por sua vez se reveste de organismo multilateral, mas

no fundo reflete essencialmente a orientação política do hegemon. Isso fica evidenciado

seja pela não filiação dos países do leste europeu ao longo do conflito, seja pelos

empréstimos que foram realizados para outros países com o intuito exclusivo de barrar o

avanço do bloco socialista. Por essa perspectiva, questões políticas estavam sendo

colocadas, de maneira bastante nítida, acima das prioridades relacionadas aos projetos de

desenvolvimento. De acordo com a publicação do próprio Banco Mundial:

Much aid during the Cold War was provided by military-oriented reasons, rather than development ones. (…) Too much support in the 1970s and 1980s went to governments that were not prepared to make the reforms necessary to reduce poverty. However, they received support anyway for political reasons, most notably during the Cold War (WORLD BANK, 2002a, p. 71).

As transformações que estavam em processo com a queda do bloco socialista

eram radicais, e o Banco Mundial era o portador (e porta-voz) de uma mensagem de

ruptura com o passado ao passo que antevia no triunfo da economia de mercado a

salvação desses países. Era preciso dar uma resposta ao que se passava, para não deixar

que a transição fosse perdida124.

123 Foi somente entre junho e setembro de 1992 que treze repúblicas que faziam parte da ex-União Soviética se tornaram oficialmente membros do Banco Mundial (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 1233). 124 Stiglitz ressalta o papel das instituições internacionais na transição do bloco socialista na direção da economia de mercado: “The collapse of the Soviet Union posed a new set of challenges to the international institutions – namely facilitating the transition of the former Communist countries to the market economy” (STIGLITZ, 1999, p. 577).

109

Foi seguindo essa trilha que a criação de instituições econômicas voltadas para o

mercado, a implementação do ideário liberal e a ampliação da capacidade de influenciar a

dinâmica política dos países mutuários assumem uma posição de destaque na agenda do

Banco Mundial. Ao mesmo tempo, com o final do conflito e a conseqüente

unipolarização do sistema mundial, o Banco ganha liberdade para direcionar a alocação

de seus recursos exclusivamente para países que conduzissem políticas alinhadas com o

receituário e a perspectiva de desenvolvimento defendidos pela instituição125.

Naturalmente, a amplitude e o alcance das operações via organismos multilaterais

tornaram-se muito maiores com a unipolarização do sistema mundial. Nesse momento, é

possível afirmar que tanto o Banco Mundial quanto o FMI finalmente alcançavam o tão

cobiçado posto de instituições de escopo efetivamente global126.

A ampliação do número de países-membros e o maior alcance do campo de

atuação - tanto do Banco Mundial como do FMI - elevaram os custos operacionais das

instituições de forma que contribuições adicionais dos países-membros tornaram-se

necessárias. No caso dos Estados Unidos, na posição de maior contribuinte individual, a

liberação de recursos teve que passar pela aprovação do Congresso que aproveitou a

oportunidade para impor suas condições não apenas em relação a questões específicas da

dinâmica das organizações, mas também, na governança global de ambos, tanto do FMI

quanto do Banco Mundial (FOOT, MACFARLANE, & MASTANDUNO, 2003, p. 113).

Do outro lado do tabuleiro, os países periféricos em geral perdiam autonomia

frente à inevitável influência do processo de globalização em suas economias. Se por um

lado a periferia estava cada vez mais interconectada aos países centrais pela própria

dinâmica da globalização, por outro, simultaneamente, centro e periferia se distanciavam

mais e mais no que se refere à capacidade de controle sob o processo de desenvolvimento

econômico soberano127.

125 Na visão do Banco Mundial: “Since the end of Cold War, there has been a strong shift in the direction of better allocation of aid, and better tailoring of assistance to country needs and circumstances. Improvement in allocation and the increase in the number of poor countries that are putting in place the governance, institutions, and policies to promote rapid, market-driven, pro-poor growth mean that aid is more effective today than ever before” (WORLD BANK, 2002a, p. xxiii). 126 Sobre esse assunto ver a seção “Becoming a Global Institution” em World Bank, 1991a, p. 12. 127 Em relação a esse assunto, ver Fiori, In: Fiori & Medeiros, 2001, p. 09-33.

110

No início dos anos 1990 duas tendências se destacavam em termos de

desenvolvimento econômico nos países periféricos: os países do leste asiático e sua

experiência de desenvolvimento “orientada para fora”128 e os países latino-americanos

cuja perspectiva de desenvolvimento “orientada para dentro” era alvo de pesadas críticas

por parte do Banco Mundial sendo apontada como elemento central na crise desses

países.

Em seus relatórios (The World Bank Annual Report 1992 a 1994), o Banco

Mundial se apropria dessas experiências de modo bastante particular, interpretando-as

como antagonistas, e enfatizando na dinâmica do processo os elementos que mais se

encaixam em seu discurso liberalizante. Em outras palavras, o Banco não parecia

interessado em abordar esses processos em sua abrangência e complexidade, mas sim, em

retirar “lições” pró-mercado a partir da observação dessas experiências consideradas

antagônicas:

A polarização entre uma modalidade de “crescimento liderado pelas exportações” e um “crescimento liderado pelo mercado interno” ou, como refere o Banco Mundial, a existência de uma via “orientada para fora” e de outra “orientada para dentro”, tal como as que supostamente teriam predominado na Ásia e na América Latina, revela interpretações e mecanismos de causalidade muito distintos e mesmo opostos. A rigor, a versão neoclássica do crescimento liderado pelas exportações, difundida pelo Banco Mundial, enfatiza não propriamente o papel das exportações no crescimento, mas a importância da neutralidade de incentivos (tarifas, taxa real de câmbio, etc.) e de abertura externa (importações) para a alocação eficiente de recursos. Segue-se dessa abordagem corolário inteiramente arbitrário: as vias de crescimento lideradas pelas exportações foram construídas por políticas econômicas “amigáveis aos mercados”, ao contrário do que teria predominado naquelas lideradas pelo mercado interno (MEDEIROS & SERRANO, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 105).

O estilo de desenvolvimento “voltado para dentro”, a falta de preocupação com os

fundamentos econômicos (entendidos como o equilíbrio das contas públicas), bem como

a intervenção generalizada do Estado na economia, representavam três componentes

128 Para uma visão mais aprofundada do enfoque do Banco Mundial acerca da estratégia de desenvolvimento dos países do leste asiático, ver: “The East Asian Miracle”, 1993b.

111

centrais que, segundo o Banco Mundial, deveriam ser combatidos para que as economias

latino-americanas superassem o panorama de crise129.

Não coincidentemente, esses elementos levantados e criticados pelo Banco eram

precisamente iguais àqueles apontados como inadequados pelo conjunto de medidas de

cunho liberalizante que ficaram conhecidas como “Consenso de Washington”130.

No ano de 1990, com a finalidade de formular um diagnóstico e sugerir medidas

de ajustamento para a superação da crise na América Latina, John Williamson apresentou

um documento, com dez propostas de reforma econômica, sobre as quais, segundo ele,

havia em Washington um amplo consenso tanto entre os membros do Congresso e da

administração quanto entre os tecnocratas das instituições financeiras internacionais. A

síntese das propostas deste “Consenso” é apresentada no quadro abaixo:

Quadro 3.1 - Consenso de Washington

As propostas do Consenso de Washington, visando a estabilização monetária e o pleno restabelecimento das leis de mercado, podem ser sintetizadas da seguinte forma:

1. disciplina fiscal; 2. mudanças das prioridades no gasto público; 3. reforma tributária; 4. taxas de juros positivas; 5. taxa de câmbio de acordo com as leis do mercado; 6. liberalização do comércio; 7. fim das restrições aos investimentos estrangeiros; 8. privatização das empresas estatais; 9. desregulamentação das atividades econômicas; 10. garantia dos direitos de propriedade.

Fonte: Elaboração do autor com base em Williamson, 1990, p. 07 - 17.

Na sua essência, o Consenso de Washington resumia-se na recomendação de que

o Estado se retirasse da economia - tanto enquanto empresário como enquanto regulador

das transações domésticas e internacionais - a fim de que toda a América Latina se

submetesse às forças do livre-mercado. Na visão de Bandeira, o processo de 129 Sobre esse assunto, ver World Bank (1993a) e World Bank, (1994a). 130 De acordo com Gilbert & Vines: “The term is generally interpreted as referring to the neo-liberal belief that the combination of democratic government, free markets, a dominant private sector and openness to trade is the recipe for prosperity and growth” (GILBERT & VINES, 2000, p. 16).

112

implementação das reformas contidas no Consenso não representava uma mera escolha

por parte das lideranças políticas latino-americanas:

A adoção de tais medidas, como o programa de privatização das empresas estatais, desregulamentação da economia e a liberalização unilateral do comércio exterior tornaram-se conditio sine qua non para que os países da América Latina pudessem renegociar a dívida externa e receber qualquer recurso das agências financeiras internacionais. Eles tinham de sujeitar suas respectivas políticas econômicas e decisões de investimento à fiscalização internacional, através de condicionalidades, que ameaçavam atingir igualmente a política de defesa, com a fixação de limites para os gastos militares, para obter financiamentos do BID ou do BIRD (BANDEIRA, 2003, p. 476).

Ao mesmo tempo, a abertura econômica era fundamental para que fosse criado o

fenômeno dos “mercados emergentes”, ou seja, para que a desregulamentação dos

mercados dos países periféricos eliminasse as barreiras à entrada e saída instantânea dos

investidores do mercado financeiro131.

Apesar do uso comum da expressão “Consenso de Washington” como mero

sinônimo da síntese neoliberal, também é possível observar seu vínculo junto a um

processo mais amplo, que tem determinantes no campo real da economia, na tomada de

decisão das unidades soberanas do sistema de Estados, no acúmulo da produção

intelectual dentro e fora da academia, na formação de quadros técnicos, na difusão das

idéias e por fim na intermediação simbólica feita pelas instituições financeiras

multilaterais. Assim o Consenso de Washington seria um dos momentos desse processo

mais amplo, certamente um momento emblemático por tratar-se de um esforço de síntese,

mas o desenrolar dos fatos fazem do programa algo maior que esse momento.

Por essa perspectiva, pode-se afirmar que ao contrário do que comumente se

supõe, o Consenso de Washington também não se resumiu a um programa meramente

econômico. Na verdade, suas orientações operaram uma profunda reforma do Estado,

131 Nas palavras de Fiori: “Por isso, cresceu cinco vezes o volume de capitais que se deslocaram, desde 1990, para os mesmos lugares que um dia foram chamados de países devedores. E é exatamente por isso, também, que tudo ocorreu independentemente da base produtiva dos distintos países ou do caráter e dos textos político-ideológicos recitados por seus governantes. Na verdade, esta foi a forma que uma fatia da América Latina chegou à era da globalização – exclusivamente financeira” (FIORI, 1995, p. xiii).

113

uma vez que alteraram a matriz de poder nas sociedades, sobretudo na América Latina.

Os processos de privatização, abertura comercial e desregulamentação da economia

modificaram a configuração da propriedade e da riqueza, redefinindo o peso econômico e

institucional dos agentes e impulsionando novas articulações entre grandes grupos

capitalistas locais e agentes mais dinâmicos da globalização financeira. Em nome da

racionalidade técnica e da observância dos cânones macroeconômicos, esse processo

levou à consolidação de um bloco de poder substancialmente distinto do que havia

existido na era keynesiana/desenvolvimentista do capitalismo, uma vez que deixou de

privilegiar os setores industriais ligados ao mercado interno, aumentou o grau de

mercantilização da vida social, diminuiu as concessões ao mundo do trabalho em termos

de direitos sociais e, sobretudo, garantiu as condições para a acumulação ampliada de

capital financeiro132.

Com efeito, dada a magnitude das transformações e dos interesses em jogo, a

promoção do programa econômico sistematizado no Consenso de Washington foi,

paulatinamente, convertida em condição de reconhecimento e parâmetro de avaliação da

qualidade do regime político e da vida institucional da periferia latino-americana. Em

outras palavras, quanto mais enquadrada aos ditames liberais se encontrasse determinada

economia, melhores seriam suas condições de inserção junto ao mercado internacional.

Dessa forma, na busca por credibilidade internacional, os Estados Nacionais

destas economias aderiam progressivamente às reformas econômicas de cunho liberal,

abandonando assim parte considerável dos objetivos e estratégias domésticas de

desenvolvimento. Ao mesmo tempo, em decorrência do processo de inserção e

enquadramento dessas economias às finanças internacionais, os países periféricos foram

sendo transformados numa espécie de “guardiões paralíticos” de uma moeda de que de

fato não dispõem e de um equilíbrio fiscal que lhes escapa das mãos como resultado do

círculo vicioso provocado por sua própria política monetária – cada vez menos autônoma

(FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 31).

132 Para mais informações sobre os impactos do Consenso de Washington na América Latina nos anos 1990, ver Coelho, 2002, p. 173-234.

114

A construção do consenso liberal na América Latina tinha como pano de fundo a

crise da dívida externa e a crise fiscal do Estado. Supunha-se que o modelo de

substituição de importações era um fracasso e que os anos desastrosos na década de

oitenta eram o resultado de anos de políticas equivocadas de cunho intervencionista. Isso

colocava o peso da crise nos fatores internos, na má condução das políticas públicas e

exigia, por seu turno, uma correção radical de rumos no sentido da estabilização da região

e introdução de políticas adequadas (“sound policies”) no setor público.

Por essa perspectiva, as razões da crise econômica latino-americana não tinham

raízes externas – a alta dos preços do petróleo, a alta das taxas internacionais de juros, a

deterioração dos termos de intercâmbio – e devia-se tão somente a fatores internos, às

equivocadas políticas nacionalistas que adotavam e às formas intervencionistas de

governo que praticavam. Assim, a solução residiria em reformas neoliberais,

apresentadas como propostas modernizadoras, contra o anacronismo das estruturas

econômicas e as políticas “inadequadas” - que são frequentemente apontadas como

responsáveis pela crise latino-americana.

Não se trata aqui de isentar os governos de sua natural parcela de

responsabilidade na crise em virtude da condução de políticas nem sempre acertadas,

porém, repassar todas as responsabilidades da crise a fatores internos, eliminando o papel

da inserção e conjuntura internacional do debate, também parece não favorecer na busca

por respostas razoáveis em relação aos determinantes da crise - que no fundo, parece

melhor explicada enquanto fruto da conjunção de ambos os fatores.

A América Latina, em particular, ao “optar” por uma inserção subordinada no

processo de globalização, adotou nos anos 1990 um novo padrão de desenvolvimento,

caracterizado por ciclos curtos com baixas taxas de crescimento, seguidos por períodos

de recessão corretiva. No médio prazo, essa trajetória provocou reversão da

industrialização, aumento da desigualdade e crescente dependência dos fluxos de capital

externo133.

O processo de mudança avançou mais rapidamente na América Latina via

liberalização comercial. Até o início dos anos 1990, a região havia promovido uma série 133 Sobre esse assunto, ver Tavares, In: Fiori, 1999, p. 477-487.

115

de medidas de redução tarifária e eliminação de barreiras não tarifárias. Paralelamente,

entram em cena os programas de estabilização caracterizados principalmente pela

contenção dos gastos e por alguma forma de ancoragem cambial. Programas desse tipo

tinham como contrapartida a exigência de um controle de gastos mais rigoroso, uma

espécie de camisa de força no orçamento, pois a confiança internacional no valor da

moeda implicava numa permanente demonstração de equilíbrio das contas internas.

Liberalização comercial, liberalização financeira e estabilidade eram mecanismos que se

complementavam dentro do modelo134. No entanto, do ponto de vista doméstico, todo

esse instrumental acabou resultando na desmobilização de políticas fiscais e monetárias

expansionistas pró-desenvolvimento.

Do lado da estabilização, porém, os ganhos foram expressivos. As taxas de

inflação tiveram uma queda significativa, produto da conjunção das políticas adotadas

com um ambiente externo de aumento da liquidez para os países emergentes. Por outro

lado, o novo padrão de financiamento caracterizou-se por uma excessiva volatilidade,

resultante das facilidades criadas para o deslocamento do capital na forma líquida.

Facilidades criadas em primeiro lugar pela abertura das contas de capital, eliminando

barreiras à entrada e em segundo por meio dos avanços nas tecnologias de informação,

que diminuíram os custos dessas transações.

Nesse momento é importante observar o ambiente externo e verificar como a

conjuntura internacional foi determinante para a inserção da região na lógica da

financeirização. No início dos anos 1990, três eventos concomitantes mudaram o padrão

de financiamento regional: a queda da taxa de crescimento e de juros nos países centrais e

as reformas na América Latina. Os primeiros anos dessa década foram favoráveis ao

deslocamento do capital financeiro para os mercados “emergentes”, bem como ao

investimento direto estrangeiro (IDE) - nesse caso pelo espaço criado com os programas

de privatizações (COELHO, 2002, p.197).

No entanto, a estabilidade ancorada no afluxo de recursos externos sustenta-se,

por suposto, num regime de acumulação profundamente instável. Como os programas

implementados na América Latina aprofundaram a internacionalização financeira e

134 Em relação a esse tema, ver Fiori, In: Fiori & Medeiros, 2001, p. 09-33.

116

produtiva, a necessidade de financiamento externo tornou-se um ponto de

estrangulamento ao longo da década de 1990. Enquanto os fluxos foram regulares e

crescentes, até meados da década, as taxas de crescimento obedeceram a uma trajetória

similar de crescimento e regularidade; porém, a partir das crises financeiras da segunda

metade dos anos noventa, os fluxos ficaram cada vez mais escassos, refletindo na

irregularidade das taxas de crescimento e na sua tendência de queda (COELHO, 2002,

p.200).

Além disso, a adoção desse modelo apresentou claras implicações sobre o manejo

das políticas soberanas ao passo que limitou o raio de manobra dos governos. Tanto

maiores eram os riscos quanto maior se mostrava a dependência do país em questão em

relação ao capital externo. Essa dinâmica da dependência era diretamente alimentada

pelos momentos de abundância ou escassez na disponibilidade de liquidez internacional.

Após as primeiras experimentações da inserção da periferia latino-americana no

processo de globalização, através da adoção das reformas liberais contidas no Consenso

de Washington, os efeitos da desregulação econômica foram se tornando cada vez mais

evidentes. O preço a ser pago pela estabilização e controle inflacionário seria alto: maior

vulnerabilidade em relação aos movimentos de capitais internacionais, perda de

benefícios sociais, desregulamentação do mercado de trabalho e aumento das taxas de

desemprego foram alguns dos sintomas que, em conjunto, contribuíram para trazer o

espectro da crise de volta a esses países no final da década de 1990135.

Naturalmente, diante da realidade dos fatos que se afirmava de forma implacável,

o discurso acerca do papel das reformas e o modo como deveriam ser aplicadas começa a

ser reavaliado. O discurso liberalizante, que antes era considerado como verdade

absoluta, passa a ser cada vez mais flexibilizado e redimensionado.

John Williamson, mentor intelectual das propostas liberalizantes contidas no

Consenso de Washington, posteriormente reconhece que políticas pró-mercado,

isoladamente, não são suficientes e devem ser precedidas por reformas adequadas para

serem bem-sucedidas. De acordo com a revisão de Williamson, que também ficou

135 Em relação a esse assunto, ver Batista Jr., 2005, p. 24-49.

117

conhecida por “post-Washington Consensus”136, os governos deveriam acompanhar a

gestão pró-mercado da agenda neoliberal assumindo sua parcela de responsabilidade

junto a áreas como saúde, educação, e redução da pobreza (GILBERT & VINES, 2000,

p. 17).

No momento em que os efeitos adversos da abertura dos mercados não podiam

mais ser ignorados, um duplo movimento tomou corpo: por um lado, os propositores das

reformas cujos desdobramentos não corresponderam às expectativas passam a se

empenhar na reformulação do discurso e, por outro, as críticas ao modelo inevitavelmente

ganharam mais destaque.

Joseph Stiglitz, economista chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial

(1997-2000) durante o governo Clinton, defendeu políticas liberalizantes e enalteceu os

benefícios da globalização em inúmeras de suas publicações. Com a sua saída do Banco

Mundial, Stiglitz passou a abordar esses mesmos temas sob uma perspectiva mais

analítica. Porém, tratava-se de uma “crítica limitada” dessas políticas pelo fato de apontar

algumas de suas incongruências, mas na essência continuar defendendo a posição de que

o mercado é de fato o locus privilegiado para a alocação eficiente de recursos na

economia (STIGLITZ, 1999, p. 587).

Nessa direção, Stiglitz passou a afirmar que o Consenso de Washington

apresentava um foco estreito, defendia políticas incompletas e às vezes equivocadas, por:

a) privilegiar em demasia a área macroeconômica, negligenciando completamente outros

aspectos vitais do desenvolvimento; b) enfatizar excessivamente a redução da inflação, o

que teria levado à defesa de políticas macroeconômicas que não necessariamente eram as

melhores para promover o crescimento; c) privilegiar a liberalização financeira, sem a

devida montagem de uma estrutura institucional de regulação e supervisão que

fortalecesse o setor bancário e reduzisse sua vulnerabilidade externa; d) confundir meios

136 Sobre esse aspecto, Gilbert & Vines colocam que: “It is also recognized that market liberalization by itself is insufficient – it must go hand-in-hand with, and perhaps even be preceded by, capacity building, market regulation and often more effective law enforcement, and it is no longer accepted as axiomatic that all countries are best advised to open their doors to all inward capital flows all the time. While not denying the basic liberal stance of the ‘Washington consensus’, this ‘post-Washington consensus’ view moves the emphasis to those parts of the original position which were previously relegated to the footnotes” (GILBERT & VINES, 2000, p. 17).

118

e fins, de tal maneira que a tríade liberalização comercial, desregulação e privatização

teria tomado o lugar do fomento à livre concorrência137.

Stiglitz também apresentou algumas contrapropostas específicas como alternativa

às reformas do Consenso: a) o abandono das altas taxas de juros como meio por

excelência para se atrair capital estrangeiro; b) o abandono do controle da inflação como

prioridade fundamental para mais da metade dos países em desenvolvimento,

estabelecendo-se como teto a taxa 15% a.a.; c) a busca de formas diferenciadas de

manejo do déficit orçamentário e em conta corrente, e não a mera reprodução de fórmulas

esquemáticas de austeridade fiscal; d) a constituição de leis anti-monopólio efetivas e a

unificação em um só bloco de leis de concorrência e de comércio justo em nível

internacional138.

Segundo Stiglitz, o próprio processo de privatização, que em diversos países não

foi acompanhado da estrutura regulatória necessária, acabou simplesmente representado a

transferência do monopólio público para o monopólio privado, não repercutindo em

queda dos preços ou ampliação de acesso ao mercado (STIGLITZ, 1999, p. 588).

As medidas liberalizantes do Consenso, aplicadas ao longo da década de 1990 na

periferia latino-americana em grande parte via instituições multilaterais, não foram

criticadas apenas por Stiglitz139. No entanto, embora as críticas levantadas por ele não

sejam pioneiras e ainda apresentem conotação circunscrita, ganham maior relevância e

destaque em função do alto posto que ocupou dentro do Banco Mundial entre 1997 e

2000 – além de ser figura de projeção internacional por ter ganho o prêmio Nobel de

Economia. Assim, Stiglitz acabou tocando em pontos relevantes, desempenhando o papel

de crítico da atuação do Banco Mundial com o aval de quem vivenciou e conheceu seu

funcionamento no interior da própria instituição.

137 Nas palavras do autor: “It is clear that the prescriptions that came to be called Washington Consensus are not sufficient for development, since many countries that followed the precepts have still failed to achieve even moderate levels of growth. Beyond this, there is even a question whether they are necessary for successful development” (STIGLITZ, 1999, p. 587). 138 Em relação a esse assunto, ver Stiglitz, 2002, p. 85-123. 139 Cabe ressaltar que no momento em que Stiglitz começa a divulgar suas primeiras críticas ao processo de liberalização econômica, inúmeros autores – como Arrighi (1996) e Chesnais (1996), só para citar alguns – já haviam antecipado e aprofundado os mesmos argumentos aos quais Stiglitz passa a se dedicar com mais ênfase após sua saída do Banco Mundial.

119

Em relação ao Banco Mundial, por fim, pode-se dizer que conforme a dinâmica

das relações internacionais vai se readequando ao contexto de transformações da década

de 1990, os reflexos do processo de unipolarização do sistema mundial – envolvendo a

expansão das práticas de liberalização comercial e financeira a nível global - vão se

fazendo sentir cada vez mais presente na estrutura da instituição.

Uma vez observados o modo como o final da Guerra Fria desemboca na

unipolarização do sistema mundial e a relevância desse processo para a difusão

generalizada do programa neoliberal, vejamos agora de que forma o Banco Mundial -

enquanto organismo multilateral - representou um elemento central para colocar essa

dinâmica em movimento.

3.2. O neoliberalismo e seus reflexos na política do Banco Mundial:

reformas de primeira geração

Ao longo da década de 1990 os preceitos do neoliberalismo vão se tornando

praticamente hegemônicos no debate internacional. A possibilidade de resistência a esse

discurso foi ficando cada vez mais remota para os países periféricos, principalmente

diante do amplo consenso que apontava a má gestão das políticas de cunho nacional-

desenvolvimentistas como principal responsável pela crise na região.

Mas a visão neoliberal associada aos interesses dos países centrais, mais

especificamente dos Estados Unidos, precisava ultrapassar o discurso e transformar-se

em políticas concretas a serem implementadas nas economias periféricas. No âmbito do

Banco Mundial, para traduzir o discurso liberal em políticas concretas, foi criada uma

modalidade específica de empréstimo vinculada à implementação de reformas – que

ficou conhecida como “programa de ajustamento estrutural”. Existem diferentes tipos de

ajustamento estrutural, que variam de acordo com a finalidade, conforme é possível

visualizar no quadro abaixo:

120

Quadro 3.2 - Síntese dos tipos de ajustamento Tipo Finalidade

Structural Adjustment Loans (SALs)

Apoio às reformas promotoras do crescimento, do uso eficiente dos recursos e do equilíbrio de médio e longo prazos do balanço de pagamentos.

Sector Adjustment Loans (SECALs)

Suporte à mudança de políticas e reformas institucionais em setores específicos.

Special Structural Adjustment Loans (SSALs)

Empréstimos destinados a situações específicas de necessidade de financiamento externo, seja para prevenir a erosão da credibilidade externa, ou para mitigar efeitos de choques externos.

Programatic Structural Adjustment Loans (PSALs)

Consiste em empréstimos plurianuais para programas de reformas institucionais ou construção institucional. São programas de maior duração, de três a cinco anos, que focalizam o fortalecimento em termos de governança, processos orçamentários e programas sociais.

Subnational Adjustment Loans (SNALs)

Destinados ao fortalecimento institucional no plano subnacional (Estados e Municípios).

Fonte: Site do World Bank (Adjustment Retrospective - Final Report) e Coelho, 2002, p. 227.

Tratava-se de um processo generalizado de reformas na estrutura dessas

economias (posteriormente conhecidas como “reformas de primeira geração”) que, em

tese, levaria à alocação mais eficiente dos recursos tanto do ponto de vista nacional

quanto internacional. Contudo, do ponto de vista da geração de legitimidade dessas

reformas, o ideal não seria difundir o programa como parte integrante da estratégia

hegemônica norte-americana. É exatamente essa lacuna que as instituições multilaterais

acabam preenchendo: por usufruir da legitimidade de um fórum internacional em que

todos os países-membros possuem alguma voz, esses organismos reproduzem a estratégia

hegemônica fazendo parecer que o processo decisório foi compartilhado e multilateral.

Nesse sentido, tanto o Banco Mundial quanto o FMI - cujas perspectivas de

atuação vão se moldando cada vez mais aos ditames liberais - representaram (e

continuam representando) o principal mecanismo de transmissão do programa

neoliberal140 para toda a periferia, particularmente a latino-americana.

140 Acerca da orientação teórica das políticas formuladas e implementadas pelo Banco Mundial, Paloni & Zanardi argumentam que: “The World Bank tends not to specify the theoretical underpinnings of the strategies and policies that it advocates. Nevertheless, it is widely recognized that its economic policies are

121

Na década de 1990, o progresso nas negociações sobre a dívida e a aceitação das

reformas de primeira geração pela periferia latino-americana enquadrariam a região,

possibilitando modificações normativas importantes nas legislações desses países,

configurando assim maior alinhamento com a dinâmica prenunciada da acumulação no

plano internacional. A conversão regional obedeceria a uma conjuntura de políticas que

guardavam coerência entre si: estabilidade monetária, abertura comercial, reforma do

Estado, abertura financeira, harmonização nas regras sobre investimentos e reformas

institucionais. A seqüência iria depender das condições internas de cada país.

No entanto, não é difícil diagnosticar que em meio ao processo de reformas, fica

denunciada a existência de um conflito fundamental entre os interesses dos países do

centro e os interesses dos países periféricos. Se, por um lado, a prioridade dos países

centrais consistia em assegurar sua posição privilegiada na dinâmica do sistema, por

outro, os países periféricos estavam em busca de uma posição menos subordinada no

cenário internacional.

Esse conflito fica evidente nas questões de apropriação do excedente por parte dos

grupos: em um pólo os grupos rentistas internacionais que se beneficiam diretamente do

processo de abertura e, no outro pólo, o grupo que sustenta essa dinâmica de valorização

do capital, claramente antagônica aos requisitos fundamentais de uma dinâmica

estruturada de desenvolvimento. Esse tipo de embate, no limite, é decorrência da própria

dinâmica na qual se desenvolve a concorrência interestatal, ou seja, reflexo da

contradição existente entre os interesses da periferia e do hegemon.

Nesse momento, é interessante observar que se a admissão da incompatibilidade

entre as políticas de pleno emprego e a liberdade plena para a alta finança era um dos

pressupostos que haviam guiado os acordos de Bretton Woods, as políticas dos

organismos multilaterais a partir da década de 1990, por sua vez, estavam nitidamente

caminhando no sentido contrário.

generally based on laissez-faire or neo-classical liberal economists of the eighteenth and nineteenth centuries, as well as more contemporary influences, notably Milton Friedman and the ‘Chicago School’. Such policies constitute the economic dimension of what is currently best known as neo-liberalism” (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 126).

122

Já pela perspectiva do Banco Mundial, se os anos 1980 foram aqueles que

representaram a perda de ilusões, associada ao desencantamento e impasse frente à crise,

os anos 1990 representavam anos de reforma, com incertezas, mas acima de tudo de

esperança – esperança traduzida na capacidade de assumir sacrifícios naquele momento

em nome de recompensas futuras.

Nesse aspecto, o panorama de crise em toda a América Latina funcionou como

um passaporte para as reformas neoliberais incorporadas pelas políticas do Banco

Mundial. Havia a difusão da crença, dentro do Banco, de que os momentos agudos de

crise correspondiam àqueles em que os países apresentariam maior abertura para

reformas radicais141.

Se o diálogo tenta persuadir, a restrição orçamentária funciona como limitador das

possibilidades de escolha dos países latino-americanos. Com a falta de recursos, esses

países alinham-se na fila das instituições multilaterais na busca por financiamento e, em

última instância, de um aval simbólico que os credencie junto à comunidade financeira

internacional.

A visão generalista do Banco, de que as autoridades latino-americanas

apresentariam resistência à implementação das reformas devido aos custos políticos

dessas medidas restritivas, estimulou a intensificação da prática de liberação de recursos

condicionados à implementação do pacote de reformas142. Ainda nessa direção, os

adeptos da corrente neoliberal consideravam que esses países não possuíam capacidade

141 Acerca do posicionamento do Banco em relação à implementação de reformas em momentos de crise, Griesgraber & Gunter colocam que: “It fitted their view that countries would only adopt market reforms in a time of crises when people were more open to radical changes and more ready to pay difficult costs. The debt crisis was the opportunity to push for fundamental change, even if that meant incurring the increased costs of stabilizing and restructuring at the same time. (…) Due in part to the Bank, neoliberalism gained a strong foothold in countries of every region in the world” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 153). 142 Nas palavras de Griesgraber & Gunter: “Neoliberal theories of the domestic politics of developing countries also influenced the Bank’s strategies to persuade Third World policymakers. The Bank assumed that most developing country governments would not undertake reforms that posed such great political risks to them, and that the Bank would have to use financial pressure to make the risks of avoiding reforms greater than the risks of attempting them. The Bank did so by making the continued dispersal of structural adjustment loans (SALs) conditional on whether countries implemented the reform package” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 152).

123

de conduzir políticas econômicas de forma autônoma e responsável143 além de não serem

capazes de pensar criativamente sobre suas próprias opções de desenvolvimento144. Isso

justificaria o fato de boa parte dos estudos sobre desenvolvimento periférico ter sido

desenhada externamente, ou seja, junto às instituições financeiras multilaterais145.

Nesse contexto, até os eventuais resquícios das políticas de conotação nacional-

desenvolvimentista que tivessem sobrevivido na dinâmica das economias latino-

americanas estariam com os dias contados. Diante da crise fiscal do Estado,

acompanhada pela pressão dos juros da dívida, ficava comprometida a possibilidade de

dar novo fôlego às políticas autônomas de desenvolvimento resultando,

consequentemente, num panorama que indicava o esgotamento do próprio processo.

Assim, uma conjunção de fatores acabou facilitando a inserção das instituições

multilaterais na América Latina que, na posição de portadoras do receituário liberal que

iria livrar essas economias do agravamento da crise, indicavam uma reorientação das

políticas de desenvolvimento na direção do mercado. Provavelmente, os organismos

multilaterais não teriam alcançado sucesso sem que o antigo modelo de substituição de

importações tivesse esgotado suas possibilidades, sem que os programas de estabilização

heterodoxos tivessem falhado em seus propósitos e sem que houvesse uma forte adesão

das elites locais à nova agenda liberalizante.

143 De acordo com Griesgraber & Gunter: “Neoliberals who led the World Bank’s original effort to promote radical market reforms in the mid-1980s identified activist policies as the main source of developing countries’ economic miseries. They concluded that developing countries had proven themselves incapable of carrying out activist policies in a responsible way. Attempting an activist economic strategy in the context of the developing world would almost always, in their view, lead to excessive and self-destructive proliferation and politicization of policy interventions” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 184). 144 No limite, a suposta falta de habilidade de pensar o processo de desenvolvimento autonomamente privaria os países periféricos da possibilidade de levantar uma plataforma alternativa de prioridades: “But developing countries cannot press for alternating priorities, because they generally lack the capacity to think creatively about their own development options and bring those ideas to the table”. (RANIS, VREELAND & KOSACK, 2006, p. 13). 145 Contudo, a dinâmica dos projetos de desenvolvimento vindos de fora, que pressupunha reformas liberais como pré-requisito, projetava o Banco Mundial numa posição altamente hierarquizada onde o processo decisório apresentava-se bastante centralizado: “They had a clear idea of the political approach they felt developing countries needed to follow to carry out market reforms, and that approach did not include compromise or coalition building. Rather it entailed the concentration of policy-making power within a small cadre of neoliberal technocrats, who would carry out a ‘revolution from above’. The Bank would help these technocrats increase their influence by using high-pressure tactics in its bargaining with developing-country governments (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 184).

124

Por essa perspectiva, a rápida difusão dos programas de ajuste estrutural do Banco

Mundial pode ser explicada por duas frentes: tanto como desdobramento das

transformações no cenário internacional quanto como reflexo associado às dificuldades

internas da periferia em superar a crise autonomamente. O objetivo a ser perseguido por

esses programas, a partir de então, passa a girar em torno do binômio estabilização e

crescimento.

Cada vez mais os procedimentos que se difundiam pela aplicação das políticas de

ajustamento estrutural do Banco Mundial, potencializados pela crescente influência de

economistas neoliberais no interior da organização, estavam em sintonia com a agenda

liberalizante dos Estados Unidos146. A argumentação de que políticas adequadas (sound

policies) não poderiam ser implantadas em um ambiente político impróprio (unsound

policy environment) era o pretexto necessário para que o Banco pudesse expandir sua

zona de influência da esfera dos projetos para o campo das políticas macroeconômicas.

Nesse momento, os debates internos no Banco Mundial sobre a questão do

ajustamento foram progressivamente se voltando tanto para uma perspectiva de avaliação

da eficácia na implementação dos programas, quanto para a discussão de quais as

melhores táticas para a montagem de coalizões locais capazes de levar adiante as

reformas. Muito pouco se discutia sobre a natureza das políticas em si, partindo-se do

princípio de que o liberalismo era um dado absoluto para o alcance de melhorias nos

níveis generalizados de bem-estar.

Simultaneamente, o distanciamento em relação aos eixos estruturantes da

estratégia de desenvolvimento do Banco desenhada durante os acordos de Bretton Woods

tornava-se cada vez mais evidente. A nova estratégia, sugerindo que a estabilização e o

crescimento deveriam ser alcançados por meio do funcionamento espontâneo das forças

do livre-mercado, era apontada como a única saída para a superação da crise que assolava

a periferia latino-americana.

146 Na visão de Paloni & Zanardi: “With structural adjustment and the increasing influence of neo-classical economists within the organization, the Bank became committed to the neo-liberal ideology and its policy came to coincide with the US agenda aimed at the liberalization of trade, foreign direct investment and portfolio flows” (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 05).

125

Stiglitz (2002, p. 43) salienta esse processo de reorientação no interior dos

organismos multilaterais, sinalizando que a aplicação do receituário liberal nem sempre

corresponde ao caminho mais adequado para a obtenção de resultados em termos de

desenvolvimento econômico:

A orientação de Keynes sobre o FMI, que enfatizava os fracassos do mercado e o papel do governo na criação de empregos, foi substituída pelo mantra do livre mercado da década de 1980, parte de um novo “Consenso de Washington” – um consenso entre o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos em relação às políticas ‘certas’ para os países em desenvolvimento -, que demonstrava uma abordagem radicalmente diferente para o desenvolvimento econômico e a estabilização. (...) A liberalização dos mercados de capitais tem sido imposta apesar de não haver nenhuma prova que demonstre que ela estimula o crescimento econômico. Em outros casos, as políticas econômicas que evoluíram para o Consenso de Washington, e que foram introduzidas nos países em desenvolvimento, não eram apropriadas para nações nos estágios iniciais de desenvolvimento ou de transição (STIGLITZ, 2002, p. 43).

Griesgraber & Gunter (1996b, p. xiv) destacam que a base teórica do programa de

ajuste estrutural do Banco Mundial é essencialmente neoliberal. Em sua argumentação,

os autores mostram que os sete elementos básicos que caracterizam o programa são, em

sua essência, mera transposição do ideário contido no Consenso de Washington para o

formato de políticas de ajuste:

1. abertura comercial; 2. reforma no setor financeiro; 3. liberalização da taxa de câmbio; 4. reforma na política fiscal; 5. fechamento ou privatização das empresas estatais; 6. abertura da economia ao investimento externo; e 7. reformas setoriais na agricultura, indústria e setores sociais.

As políticas de ajuste só adquirem caráter programático quando deixam de ser

instrumentos adaptativos às oscilações de curto prazo do ciclo econômico e tomam um

caráter estrutural, de longo prazo. Nesse momento elas assumem a feição de um corpo

total, que se pretende capaz de tratar do conjunto da vida social direta ou indiretamente,

mas que precisa lidar com as correlações de força, ou seja, com as diferenças existentes

126

entre os atores do pólo subordinado - o que explica a diferença no ritmo e no escopo da

adoção dos programas entre os diferentes países e entre as diferentes regiões.

Os países com tendência a receber mais empréstimos do Banco Mundial para

ajustamento estrutural possuem algumas características em comum: são países pobres, de

ideologia capitalista e que usufruem de certa credibilidade internacional. Quanto mais

pobres forem esses países e quanto maior sua população, maior a chance de acessar esse

tipo de empréstimo. Após conceder um empréstimo dessa natureza para determinado

país, o Banco tende a emprestar mais para que esse país continue na trajetória de ajuste.

Novos empréstimos podem vir como recompensa por boa performance de ajuste no

passado ou, caso o ajuste não tenha obtido êxito, recursos adicionais podem ser liberados

para salvar o processo como um todo (RANIS, VREELAND & KOSACK, 2006, p. 223).

A primeira geração de reformas concentrou-se na estabilização via controle

inflacionário e na retomada do crescimento. Essa dinâmica tomou corpo a partir de um

conjunto de ações direcionadas ao ajuste da política macroeconômica, à

desregulamentação da economia, ao ajuste fiscal e às privatizações, com ênfase especial

em relação à abertura comercial e financeira e ao gerenciamento do setor público147.

Nesse processo, é interessante observar como os programas de reformas estruturais vão

promovendo pouco a pouco a desarticulação das estruturas de decisão centrais de poder

dos Estados Nacionais, que vão sendo transferidas para baixo (coletividades locais) ou

para cima - no caso, para as próprias organizações multilaterais.

Com a aplicação das políticas de ajuste ao longo da década de 1990, a

estabilidade, que havia sido difundida como requisito fundamental para que fosse

alcançado o crescimento, acabou demonstrando-se necessária, mas não suficiente148. Esse

147 De acordo com Caufield, os empréstimos do Banco Mundial para o setor financeiro e gerenciamento do setor público aumentaram substancialmente nos anos 1990: “The fastest-growing categories of Bank lending are loans to the financial sector, which constituted 4 percent of Bank lending in 1993, 7.2 in 1994, and 13 percent in 1995, and loans to improve public sector management, which nearly tripled from 2.8 percent in 1991 to 7.5 percent in 1995” (CAUFIELD, 1997, p. 307). 148 Sobre as reformas estabilizadoras de primeira geração nos anos 1990 e sua eficácia no alcance do crescimento econômico, o Banco Mundial reavalia seu discurso original: “Macro stability and balanced fiscal accounts were seen as fundamental buildings blocks for development and became early priorities for reform. This period saw substantial improvements in both macro stability and openness through much of the developing world. At the same time, this kind of development thinking also failed to address key points.

127

novo diagnóstico trouxe à tona a necessidade de outras reformas, denominadas “reformas

de segunda geração”.

3.3. O aprofundamento do ajuste: segunda geração de reformas

Desde o início dos anos 1980 o Banco Mundial vinha advogando em favor de

uma série de medidas liberalizantes, com alto custo de implantação, cujos

desdobramentos resultaram na desarticulação dos pilares do Estado desenvolvimentista

em boa parte dos países latino-americanos. De um ponto de vista mais analítico, o

diagnóstico verificado nos primeiros anos da década de 1990 - de que as reformas por si

só não conduziriam essas economias à rota do crescimento - não representava exatamente

uma surpresa: bastava confrontar a natureza das reformas, frente às necessidades

concretas de desenvolvimento das economias latino-americanas, para que fosse

verificado o desvio de rota.

O fracasso da primeira geração de reformas frente à retomada do crescimento

econômico levou a uma reavaliação no interior do Banco Mundial acerca do andamento

das reformas. A certificação de que o crescimento não seria alcançado apenas por

reformas macroeconômicas trouxe à tona a necessidade de aplicar nova série de ajustes.

Essa “segunda geração” de reformas estruturais não seria de caráter macroeconômico,

mas sim, institucional - como forma de consolidar as mudanças alcançadas até então.

Em última instância, as reformas institucionais representariam a tentativa de criar

um ambiente normativo de preservação das “conquistas” em termos de liberalização e de

desregulamentação. O intuito era de aprofundar as reformas de primeira geração que

ficaram pendentes ou incompletas e ampliá-las, implementando as de segunda geração.

Nesse sentido, a estabilização que antes era vista como meta passou a ser

considerada como pré-condição para o crescimento. Examinando mais a fundo, isso

evidenciava que para o Banco Mundial, as linhas centrais da agenda político-econômica a

ser adotada pelos países periféricos já tinham sido definidas e não iriam mudar apesar do

Once countries began to achieve macro stability and greater openness, it became clear that these were necessary but not sufficient for growth” (WORLD BANK, 2002a, p. 07).

128

seu fracasso em retomar o crescimento, reduzir a pobreza e minimizar as assimetrias

entre os países. As reformas já estavam traçadas, restava saber como consolidá-las

fazendo com que o receituário elaborado externamente parecesse interesse nacional.

O processo passava pela defesa de uma segunda geração de reformas estruturais,

cujo programa representava nada mais do que um “Consenso de Washington ampliado”.

O conjunto de reformas voltava-se basicamente para a construção das instituições

econômicas capitalistas, era mais flexível quanto aos instrumentos de política econômica,

incorporava algumas políticas sociais149, apresentava-se mais atento em relação ao modo

de implementação (sequenciamento e cadenciamento)150 e preocupado em ganhar uma

maior aceitação política e social.

Dessa forma, as reformas institucionais - ou os programas de ajuste estrutural a

elas vinculados - passaram a compreender desde a problemática da legislação trabalhista,

passando pela reforma do judiciário, do sistema educacional, da previdência, da saúde,

dos direitos de propriedade, do sistema político, enfim, interferindo em todo o conjunto

da vida institucional dos países latino-americanos.

As propostas de reforma institucional visavam criar um ambiente “harmonioso”

em relação às mudanças ocorridas no plano internacional. Em outras palavras, tratava-se

de adaptar as instituições locais alinhando-as ao processo de globalização. Pela

perspectiva do Banco Mundial, por exemplo, as crises financeiras ao longo da década de

1990 haviam corroborado a fraca institucionalidade das economias periféricas

149 Acerca da ampliação do conceito de ajuste por parte do Banco Mundial, envolvendo a aproximação das reformas de segunda geração com programas de conotação social, Caufield aponta que: “In 1995, as in five of the previous seven years, one quarter of the Bank’s lending was for adjustment. But adjustment too, is now largely a social program, according to the Bank. Adjustment, as it now operates, is far removed from the structural adjustment of street demonstrations and popular myth. It is now part of an integrated economic reform program, based on a complex combination of sectors and of sectoral lending, which combines health lending with a series of economic reform measures” (CAUFIELD, 1997, p. 307). 150 Stiglitz, nem sempre questionou a natureza das políticas de ajustamento em si, preferindo justificar alguns insucessos do programa via erros de sequenciamento e cadenciamento das reformas: “Programas econômicos bem-sucedidos requerem cuidados extremos em questões como sequenciamento – a ordem na qual reformas ocorrem – e cadenciamento. Se, por exemplo, os mercados forem abertos à concorrência com muita rapidez, antes que sejam estabelecidas instituições financeiras fortes, então empregos serão destruídos mais rápido do que novos empregos serão criados. Em muitos países, erros de sequenciamento e de cadenciamento levaram a um desemprego crescente e a um aumento da pobreza” (STIGLITZ, 2002, p. 45).

129

justificando, portanto, a necessidade de reformas nesse campo (WORLD BANK, 1998, p.

02).

Se o Banco Mundial preferia considerar as crises financeiras como resultado de

uma suposta fragilidade institucional, essas crises também poderiam ser interpretadas

como reflexo de um programa de ajuste cujas reformas liberalizantes mostravam-se

inadequadas ao contexto específico das economias periféricas.

No entanto, para o Banco Mundial, o fracasso do ajustamento não esteve

vinculado nem com o caráter neoliberal das reformas e nem com a imposição de

condicionalidades. O problema, do ponto de vista do Banco, foi o fato dos países não

terem se comprometido o suficiente com a implementação do programa de ajuste. O

máximo da autocrítica que a instituição se permitiu foi alegar que os empréstimos para

ajuste estrutural tiveram sucesso abaixo do esperado, pois subestimaram as questões de

cunho social - permitindo assim que as maiores perdas e custos fossem transferidos para

os mais pobres (WORLD BANK, 2002a, p. 70).

O Banco Mundial sabia que as reformas estruturais tinham um longo caminho a

percorrer, que incluía custos, ganhadores e perdedores, enfim, que envolvia uma disputa

política. Além de sua natureza eminentemente econômica, as reformas certamente faziam

parte de um programa que trazia em si um forte teor político.

Assim, uma das principais críticas feitas ao modelo de ajustamento estrutural na

América Latina se dirige ao fato do programa ter imposto políticas de abertura,

associadas a políticas internas contracionistas, negligenciando as características e

necessidades dessas economias em termos de desenvolvimento. O resultado dessa

combinação foi o aumento da vulnerabilidade externa, que contribuiu para reafirmar a

inserção periférica desses países no contexto internacional151.

151 Nas palavras de Griesgraber & Gunter: “The main critique of Structural Adjustment Programs (SAPs) is that they are often ineffective because countries are expected to adjust as if they could do so in a vacuum. Most of the developing countries are highly vulnerable to external factors beyond their control and beyond the reach of adjustment policies. SAPs are often ineffective because they neglect the asymmetry in the international adjustment process and include severe contractionary prescriptions. As a result, structural adjustment impedes the country’s ability to grow in an environmentally sustainable manner, meet the needs of its people and service its debts” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. xiv).

130

A linha adotada pelo Banco Mundial para responder ao fracasso das políticas de

ajuste foi transferir a responsabilidade para os países periféricos. De acordo com o

argumento do Banco, a falta de instituições regulatórias adequadas para acompanhar o

processo de reformas no interior dessas economias teria comprometido todo o

processo152. Stiglitz rebate essa linha de argumentação, pois se as reformas não

funcionariam na ausência de arcabouço regulatório, naturalmente, esse ponto deveria ter

sido cuidadosamente avaliado e debatido anteriormente à implementação do programa de

reformas. O autor também aponta que o fato de atribuir o fracasso a quem implementa,

isentando o conteúdo dessas políticas de qualquer responsabilidade, perversamente

permite que os formuladores continuem advogando pela manutenção dessas mesmas

políticas:

To suggest that the policy of financial or capital market liberalisation would have worked, if only the government had had adequate regulatory institutions, misses the point that few developing countries have such institutions and that those weaknesses should have been addressed prior to the deregulation. (…) Those who advocated those policies have an incentive to defend them as appropriate, as well as an incentive to argue that any apparent failures are the fault not of the policies, but of those who implemented them. It is important to recognize these potentially perverse incentives, for they suggest that the policy framework generally, and the policy prescriptions individually, may be maintained longer than the ‘evidence’ would suggest is reasonable (STIGLITZ, 1999, p. 584).

Entre os inúmeros desdobramentos do ajuste que contribuíram para aumentar a

exclusão da população na periferia do sistema153, um dos mais notáveis foi a perda dos

direitos dos cidadãos que recaiu sobre a população mais pobre154. Com a redução do

152 Ver World Bank, 1998, p. 02. 153 De acordo com Griesgraber & Gunter, a estratégia neoliberal contribuiu para polarizar ainda mais a estrutura das sociedades periféricas: “Aggressive financial pressure, empowerment of an insulated cadre of neoliberal technocrats, and radical reduction of the state’s role in the economy have not brought about a progressive realignment of forces within developing countries. Rather, in most countries, the neoliberal strategy has left the economy in trouble and added to the polarization of society” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 178). 154 Griesgraber & Gunter sinalizam que a visão predominante no Banco Mundial para justificar o fracasso do processo de ajustamento estrutural foi a falta de compromisso dos governos na implementação das reformas. Nesse sentido, os custos das reformas recaíram predominantemente sobre a população mais pobre não pela natureza excludente das políticas, mas sim pelo desinteresse desses governos em aplicar políticas

131

papel do Estado e a conseqüente queda na oferta de bens públicos, aqueles que

dependiam exclusivamente do Estado como provedor de saúde e educação, por exemplo,

tiveram perdas sensíveis no nível de bem-estar. Ironicamente, com o enxugamento do

Estado, para que essas sociedades pudessem retornar ao nível de bem-estar vigente antes

das reformas seria necessário que pleiteassem por empréstimos adicionais junto ao

Banco.

as e na destruição de direitos sociais relacionados à proteção do

mundo

tornar impedimentos

para um

Nesse sentido, as reformas acabaram exercendo o papel de efetivas contra-

reformas. Evidência maior desse resultado é a consolidação de uma nova configuração de

poder econômico e político materializada na supremacia do capital financeiro, na

aceleração da concentração e centralização do capital, no enfraquecimento das

instituições democrátic

do trabalho155.

Partindo do pressuposto de que o processo de desenvolvimento não envolve

apenas disponibilidade de recursos e capital, uma vez que deveria contemplar uma

transformação mais profunda de toda a sociedade, Stiglitz considera que embora não

devam ser responsabilizadas por todo o processo de transformação, as instituições

financeiras multilaterais ainda podem desempenhar um papel importante nessa direção.

Nas palavras do próprio autor: “No mínimo, elas não deveriam se

a transformação bem-sucedida” (STIGLITZ, 2002, p. 292).

Sob esse prisma, Stiglitz coloca que a forma como o auxílio financeiro é

geralmente prestado – ou seja, associado à imposição de uma série de condicionalidades -

acaba provocando desvios na rota do processo de assistência. Isso possibilita que, ao

invés de favorecer, o efeito da assistência resulte na criação de impedimentos e entraves

adicionais ao processo de desenvolvimento. Ainda sobre a aplicação de

condicionalidades o autor aponta que, de maneira geral, esse mecanismo não garante que

que contrariassem os interesses de suas elites: “For many at the Bank, countries problems with structural adjustment result primarily from incapable, uncommitted governments. (…) To the extent governments do carry out reforms, their extreme dependence on the support of privileged elites leads them to avoid reforms that challenge those elites, and so the main burdens of reform fall on weaker groups, take longer, and cost more than necessary, all of which cause unrest and deter investors” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 143). 155 Para mais informações sobre essa temática, ver Coelho, 2002, p. 173-234.

132

o dinheiro será bem utilizado nem que mudanças políticas significativas, profundas e

duradouras ocorrerão156. Muitas vezes a imposição de condicionalidades se apresenta

contraproducente, seja porque as políticas não são muito adequadas ao país, seja porque a

maneira como elas são impostas gera hostilidade ao processo de reforma157 (STIGLITZ,

2002, p

ndamental para o acesso a novos empréstimos

(PALO

etor

finance

es na implementação das

reforma

.83).

Acompanhando a extensão do escopo de atuação do Banco Mundial, a prática das

condicionalidades é ampliada e intensificada ao longo da década de 1990. A aplicação

das condicionalidades passa então a fazer parte da maioria dos financiamentos do Banco,

e sua aceitação torna-se requisito fu

NI & ZANARDI, 2006, p. 03).

A partir de 1995, a prática das condicionalidades foi embrenhando-se ao quadro

de ajustes no contexto das crises financeiras, momento em que as economias periféricas

apresentavam-se mais fragilizadas. Assim, para que fossem liberados os recursos

indispensáveis nos períodos agudos de crise, foram necessárias reformas no s

iro, social e no setor público - como forma de contrapartida aos desembolsos.

Nesse momento é possível perceber que o Banco havia acertado na sua

argumentação inicial, ou seja, de que as situações de crise são aquelas em que os países

estão mais “dispostos” a aderir reformas radicais. Sob esse prisma, não resta dúvida de

que as condicionalidades foram instrumentos determinant

s embutidas nos programas de ajustamento estrutural.

156 Griesgraber & Gunter definem condicionalidade de forma bastante direta. De acordo com os autores: “Conditionality is the Bank’s threat to cut off lending to governments that do not comply with its policy reforms” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 143). 157 Stiglitz também associa o mecanismo de imposição de condicionalidades à implementação das reformas contidas no Consenso de Washington, questionando ao mesmo tempo a eficácia desse instrumento: “On the one hand, these conditions could be thought of as part of the loan contract, just as a private lender imposes conditions to the use of funds and covenants that restrict more generally the behaviour of the borrower. But the conditionalities imposed often were quite broad. This was especially true of the structural adjustment loans, which provide funds for overall budgetary and balance of payment support rather than for the financing of a particular project. The conditions negotiated with the country often entailed trade liberalisation, privatisation, and macroeconomic stability – all the elements that were central to the Washington consensus reforms. (…) There is a more fundamental issue: was imposing conditionality an effective way of changing policies? There is increasing evidence that it was not – good policies cannot be bought, at least in a sustainable way” (STIGLITZ, 1999, p. 591).

133

O quadro abaixo demonstra como os empréstimos de ajuste estrutural do Grupo

Banco Mundial (BIRD e AID) aumentaram na medida em que as crises financeiras foram

se intensificando após 1995, chegando a compor mais da metade dos empréstimos totais

do Grupo em 1999.

Quadro 3.3 Empréstimos de Ajustamento Estrutural do Grupo Banco Mundial (1980-2000) –

Categoria 1980 1985 1990 1995 1999 2000

Total de empréstimos do

BIRD e AID (US$millions)

1

1.482 14.384 20.702 22.522 28.994 15.277

Empréstimos de Ajustamento (U

1 S$millions)

425

1.608

5.479

5.324

5.326

5.107

Empréstimos de Ajustamento em

% d3.7 11.2

26.5

23.6

52.9

33.4 o total

Fonte: Site

ndial. No ano seguinte, chega-se ao ponto em que o

montan

do World Bank e Coelho, 2002, p. 225.

Paralelamente, tanto o processo de abertura comercial quanto a liberalização

financeira vinham contribuindo para o acúmulo de déficits nas contas externas dos países

periféricos. Os empréstimos para saldar os déficits alimentavam a espiral do

endividamento, aumentando a pressão dos juros da dívida no interior dessas economias.

Segundo Caufield (1997, p. 324), no ano de 1993, o pagamento de juros realizados por

apenas cinco países – México, Brasil, Indonésia, Índia e Turquia – foi responsável por

37% de toda a receita do Banco Mu

te pago em juros pelos países periféricos ultrapassa o montante recebido por esses

países via financiamento externo158.

A dificuldade dos países em pagar os próprios empréstimos adquiridos junto ao

Banco vai tornando-se cada vez maior. Nesse contexto, a liberação de empréstimos

improdutivos (isto é, dedicados a saldar empréstimos anteriores) - na contramão dos

“Articles of Agreement”, ou seja, o estatuto do Banco Mundial que previa apenas

158 De acordo com Caufield: “In 1994, for example, the developing world received $167.8 billion in foreign loans and paid out $169.5 billion in debt service – a net transfer from the poor to the rich nations of $1.7 billion” (CAUFIELD, 1997, p. 335).

134

financiamentos de caráter produtivo – começa a ser intensificada pela instituição. São os

chamados “defensive lendings”, empréstimos de caráter urgente, que também servem

como

rajetória histórica de ação – por

meio d

eiro

momen

aprofundava, levantando questões e dúvidas acerca da própria necessidade de

instrumento que permite ao Banco ganhar poder e influência em relação às

políticas domésticas do país tomador.

Aprofundando a tendência verificada no final dos anos 1980, o Banco Mundial

passou a liberar maior volume de empréstimos desatrelados de um projeto específico. Isto

é, tratavam-se de recursos desvinculados de qualquer estratégia de desenvolvimento,

disponibilizados para mero pagamento de empréstimos anteriormente adquiridos159. A

difusão dos chamados defensive lendings demonstram que conforme as crises financeiras

foram se intensificando, o Banco se distanciava de sua t

e políticas de financiamento de longo prazo - para atuar também através de

políticas de curto prazo, de forma semelhante ao FMI160.

Nesse momento, a conjuntura instável contribuiu para levantar forte discussão em

relação ao papel das organizações multilaterais. A atuação do Banco Mundial começou a

ser questionada, principalmente por grupos que reivindicavam a redução da dívida

externa dos países mais pobres. Para responder a esse movimento, visando ao mesmo

tempo preservar sua credibilidade internacional, o Banco Mundial num prim

to defendeu-se alegando que esse tipo de prática acabaria enviando a “mensagem

errada” tanto aos países devedores, quanto à comunidade financeira internacional161.

Simultaneamente, na ocasião do 50º aniversário do Banco Mundial, o debate

suscitado pela sociedade civil e pelas Organizações Não-Governamentais (ONGs) se

159 Os empréstimos desatrelados de proposta produtiva, se por um lado garantem a liquidez do sistema de pagamentos internacional, por outro, agravam a espiral de endividamento dos países periféricos: “Of course, each new loan adds to a borrower’s burden of debt. Continual lending will certainly end in bankruptcy unless the money borrowed is not just used to repay old debts, but is invested productively, invested in something that produces enough money to enable the loan to be repaid. Continual lending obviously doesn’t work if you have a static situation, it only works if there is continual growth” (CAUFIELD, 1997, p. 321). 160 Coelho aponta esse redirecionamento na natureza dos financiamentos do Banco diante do agravamento das crises financeiras ao longo da década de 1990: “As crises na América Latina, Europa do Leste e Ásia empurraram os programas de ajustamento estrutural do Banco Mundial para a necessidade de auxiliar o FMI na tarefa de emprestador de última instância” (COELHO, 2002, p. 225). 161 Sobre as diferentes perspectivas acerca da iniciativa de redução da dívida externa dos países pobres (Heavily Indebted Poor Countries - HIPC) ver: International Monetaty Fund & World Bank, 1999, p. 05.

135

continuidade da instituição. Reforçando esse movimento, a coalizão global chamada

“Fifty years is enough” sustentava que o Banco havia causado mais danos que benefícios

ao long

imagem

çada por suas políticas,

correspondem aos temas que serão discutidos na próxima seção.

visão de desenvolvimento do Banco Mundial e a influência

externa

ndo, inclusive, sua

perspec

o de sua trajetória (CAUFIELD, 1997, p. 304).

É nesse contexto conturbado que James Wolfensohn assume a presidência do

Banco, em junho de 1995, com o propósito de retomar o comando da instituição por meio

de uma perspectiva integrada. Na visão de Wolfensohn, a instituição vinha atuando de

forma fragmentada nas últimas três presidências (Clausen, Conable e Preston) e estava

entre suas prioridades reverter esse quadro. Wolfensohn estava disposto a realizar

mudanças substanciais na dinâmica de funcionamento do Banco, a fim de reconstruir a

sólida e positiva da instituição no campo do financiamento do desenvolvimento.

Todavia, a visão de desenvolvimento do Banco Mundial foi se modificando ao

longo dos anos 1990. Como foi visto no capítulo anterior, não era a primeira vez que a

instituição adaptava seu discurso e sua política de financiamento diante de mudanças na

conjuntura internacional. Nesse sentido, a ampliação da percepção do Banco em relação

ao processo de desenvolvimento econômico no contexto dos anos 1990, bem como os

reflexos dessa mudança em termos da influência externa alcan

3.4. A

O Banco Mundial acompanhou inúmeras transformações no cenário internacional

ao longo das décadas. Com o objetivo de legitimar sua existência frente às diferentes

conjunturas, a instituição alterou seu modo de atuação modifica

tiva em relação ao processo de desenvolvimento econômico.

Como já foi visto no capítulo anterior (Seção 2.1), o Banco inicia suas atividades

atuando nos campos da reconstrução e do desenvolvimento ao final da II Guerra Mundial,

passando a se dedicar exclusivamente a questões de desenvolvimento a partir do

lançamento do Plano Marshall. Nas décadas de 1950 e 1960 atuou predominantemente no

financiamento de projetos de infra-estrutura, ampliando o foco de atuação nos anos 1970

136

- no contexto da gestão de McNamara. Nesse momento, outros setores passaram a

receber maior atenção, fato evidenciado pelo aumento dos financiamentos para projetos

no campo da indústria, agricultura e educação. Apesar do investimento em infra-estrutura

(energia, transporte e comunicações) apresentar-se em declínio, esse segmento

continu

iés mais direcionado ao aprofundamento do ajuste via reformas

instituc

ndial na direção do combate à pobreza é analisada na Seção 3.6 do presente

capítulo.

ava exercendo papel importante na política do Banco Mundial.

No final dos anos 1970 e início da década de 1980, o contexto das crises

internacionais – alterações no padrão monetário internacional, choques do petróleo e

aumento dos juros norte-americanos – associado ao aumento do endividamento da

periferia, em particular dos países latino-americanos, levou o Banco a uma revisão de sua

política de financiamento. Visando garantir a estabilidade do sistema de pagamentos

internacionais e controlar a expansão da crise, o Banco Mundial tornou-se o principal

difusor de políticas de ajuste através de financiamentos associados a reformas. Esse

procedimento se estende ao longo da década de 1990, passando das reformas estruturais

de primeira geração, essencialmente macroeconômicas, para as reformas de segunda

geração, com v

ionais162.

A implementação dos programas de ajuste estrutural, que envolvia um processo

de abertura comercial e financeira associado a políticas domésticas restritivas, acabou não

conduzindo as economias que se submeteram às reformas na direção do crescimento. Ao

contrário, como vimos nas Seções 3.2 e 3.3, a adoção dessas reformas agravou a situação

social nos países periféricos, contribuindo para que as críticas ao papel do Banco

enquanto instituição promotora de desenvolvimento aumentassem substancialmente.

Nesse contexto, visando a preservação e continuidade do processo de reformas, o Banco

procurou amortecer os impactos sociais desencadeados pelo programa de ajuste

dedicando maior atenção para questões de combate à pobreza. A guinada das políticas do

Banco Mu

162 Sobre as transformações na perspectiva do Banco em relação ao processo de desenvolvimento, Boughton & Lateef colocam que: “This institutional evolution has been matched by a changing approach to development. The early focus on discrete projects has evolved into a broader emphasis on policies, strategies, and institutions, and a more holistic approach to development” (BOUGHTON & LATEEF, 1995, p. 03).

137

Com base no que foi discutido nesta tese até agora, já se torna possível reunir

elementos que permitem observar o seguinte movimento: as transformações

internacionais e o reposicionamento do hegemon frente a elas, sempre tiveram papel

fundamental no processo de reorientação da estratégia de desenvolvimento difundida pelo

Banco Mundial. Em outras palavras, a revisão da estratégia de desenvolvimento do

Banco Mundial foi constantemente influenciada pela evolução da agenda de prioridades

do hegemon na gestão do sistema mundial163.

Nesses termos, o papel do Banco Mundial consistiria em formular e viabilizar a

implementação de reformas econômicas alinhadas aos interesses do hegemon, atribuição

que se torna ainda mais evidente diante do processo de unipolarização do sistema

mundial. Assim, as prioridades da nação hegemônica em termos de política econômica se

transformam nas prioridades da agenda do Banco Mundial, que ficaria incumbido de

viabilizar a transposição desses interesses para programas de desenvolvimento e, numa

segunda etapa, de transformar os programas em políticas públicas a serem implementadas

nos países periféricos:

The World Bank has been an especially useful instrument for projecting American influence in developing countries, and one over which the US maintains discreet but firm institutional control. (…) More than just a source of funds to be offered or withheld, the World Bank is a fount of Anglo-American ideas on how an economy – and, increasingly, a polity – should be run (WADE, 2001a, p. 127-128).

No caso dos programas de ajustamento elaborados pelo Banco Mundial, o

processo de desenvolvimento dos países periféricos acabou sendo resumido à definição

do melhor sequenciamento de reformas e do arranjo institucional mais adequado para

implementá-las, dado que os objetivos e o conjunto de instrumentos propostos pelo

programa já haviam sido previamente estabelecidos. Uma vez contraídos os empréstimos,

aos operadores locais caberia tão somente aplicar de maneira mais “nacional” possível

um receituário elaborado externamente164. Sob esse aspecto, do ponto de vista da

163 Em relação a esse assunto, ver também Kapur, Lewis & Webb, 1997b, p. 605 e Caufield, 1997, p. 194. 164 As reformas previstas nos programas de ajuste são consideradas, pela ala mais crítica da atuação dos organismos multilaterais, como instrumentos de dominação das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) nos países periféricos: “When a country enters into an agreement with the IMF or the World Bank, it

138

implementação das reformas, era importante uma ação ideológica intensa e bem

direcionada para conquistar a adesão de ampla parcela da população, passando assim a

sensação de que as reformas pertenciam ao povo – e não haviam sido impostas de fora

para dentro.

Através de uma observação mais atenta, é possível verificar que o Banco Mundial

dispõe da capacidade de influenciar os atores domésticos na adesão, formulação e

implementação das reformas através de quatro mecanismos principais: i) a elaboração de

pesquisas empíricas, que dêem caráter científico às proposições econômicas e setoriais;

ii) o fornecimento de empréstimos; iii) o diálogo político; e iv) a aplicação de

condicionalidades.

Ao mesmo tempo, a utilização do Banco Mundial como instrumento de política

externa por parte do hegemon requer certas precauções no intuito de preservar a

credibilidade internacional da instituição. Sob esse prisma, o Banco deve parecer agir de

acordo com as decisões coletivas dos países-membros para sustentar sua legitimidade

enquanto organismo multilateral assegurando, dessa forma, sua perpetuação

institucional165.

Munido dessas precauções, o Banco Mundial acabou servindo tanto como braço

ideológico na transformação dos argumentos dominantes em programas de ajuste, quanto

como instrumento de ação fundamental para a implementação das reformas no contexto

das crises financeiras desencadeadas ao longo da década de 1990.

receives a loan. In return for the loan, however, the country is expected to follow certain prescribed economic policies. These policy conditions usually involve drastic reductions in public expenditures, as well as increasing interest rates and sometimes devaluing the national currency. Hence the arrangements are often called “austerity programs”. Critics on the left often see these programs as tools for the imperialist Western International Financial Institutions to impose inhumane, exploitative capitalism on rightfully resistant societies, and as being contractionary and particularly hard on labor and the poor” (RANIS, VREELAND & KOSACK, 2006, p. 03). 165 Wade reconhece que o Banco Mundial, no limite, representa um instrumento de política externa norte-americana e sinaliza que quanto mais velada for essa transmissão de interesses, maior será a eficácia da instituição no alcance desses objetivos: “The United States wishes to use the Bank as an instrument of its foreign economic policy to open developing country markets for goods and capital (…) But it must restrain its interventions, keep them behind the veil, so that the Bank can maintain the appearance of acting according to decisions made by the collective of member governments rather than according to discretionary US judgements. If not, the Bank loses the legitimacy of multilateralism and may lose effectiveness in achieving US objectives” (WADE, 2001b, p. 1439).

139

Contudo, os efeitos das reformas liberais sugeridas pelo Banco até então já

haviam contribuído para a propagação da própria crise, aumentando ainda mais a

vulnerabilidade dos países periféricos no cenário internacional e, consequentemente,

ampliando o grau de influência externa dos organismos multilaterais. Nesse aspecto, é

possível verificar que o aumento do grau de influência dos organismos multilaterais é

uma função direta da vulnerabilidade externa dos países periféricos, que, diante do

agravamento da crise, continuavam submetendo suas economias a novos pacotes de

reformas liberais como forma de acesso aos recursos dos financiamentos166. Decorre daí

que existe um mecanismo de retroalimentacão no funcionamento desse circuito, cujos

resultados finais favorecem essencialmente aos interesses do hegemon, trazendo à tona a

pertinência do debate relativo a questões de soberania nacional:

The Bank has incorporated into its loan agreements conditions relating to those aspects of governance that influence a country’s capacity to formulate and implement policies. This means that, in fact, the Bank through its loan negotiations and ongoing dialogue with borrower states, has become an active participant in their policymaking processes, influencing the form and substance of their policies (…) and undermining the concept of states’ sovereignty (GRIESGRABER & GUNTER, 1996a, p. 32).

O acúmulo de débitos junto ao Banco Mundial também contribui para a redução

da autonomia dos países periféricos na condução de suas políticas domésticas,

principalmente quando o patamar de endividamento requer que seja contraído novo

empréstimo para saldar empréstimos anteriormente adquiridos167.

166 Contrapondo a imposição de reformas liberais aos preceitos da soberania nacional, Ranis, Vreeland & Kosack apontam que: “Many assume that assistance packages infringe on national sovereignty by inducing domestic decision makers to accept pieces of the Washington Consensus” (RANIS, VREELAND & KOSACK, 2006, p. 02). 167 Sobre os impactos da engrenagem de refinanciamento da dívida via contração de novos empréstimos, Caufield aponta que: “Refunding operations has become more and more of the total lending. The result has been an accumulation of debt by the Bank’s borrowers – and a gradual loss of sovereignty as well. No creditor is willing to keep refunding forever without asserting some control over the way the debtor conducts business. (…) The Bank’s approach to its debtors offers advice on how countries should manage their finances, make their laws, provide services to their people, and conduct themselves in the international market. Its powers of persuasion are great, due to the universal conviction that, should it decide to ostracize a borrower, all other major national and international powers will follow its lead” (CAUFIELD, 1997, p. 336).

140

O mais importante num contexto como esse é a verificação de que a adesão aos

programas de financiamento do Banco Mundial e aos desígnios das políticas receitadas

pela instituição, ao invés de produzir efeitos propulsores de desenvolvimento, acaba

conduzindo a um panorama de perda de autonomia por parte desses países na condução

de suas políticas domésticas168.

Ao mesmo tempo, conforme o Banco foi ampliando seu foco de atuação em

virtude da adoção de uma perspectiva mais ampla do processo de desenvolvimento, a

instituição passa a estreitar relações com um grupo maior de governantes dos países

periféricos para desenhar políticas direcionadas a diversos setores tais como meio

ambiente, mercado de trabalho, sistema judiciário, saúde e educação. Na prática, o Banco

estava buscando formar um corpo técnico neoliberal nos altos postos desses governos, já

que esse consiste num dos mecanismos mais eficientes no processo de transmissão do

receituário de reformas pregado pela instituição para o interior dessas economias169.

Nesse tipo de transação, a contrapartida usufruída por parte dos governos consiste

em captar um volume de recursos que dificilmente conseguiria de outra forma em

condições semelhantes. Já por parte de quem oferta o empréstimo, todos saem ganhando:

dadas as garantias envolvidas na operação, os grupos financeiros investem nos títulos do

Banco de forma segura e recebem os juros correspondentes, e o Banco Mundial

conquista, por intermediar a transação, o espaço ideal para a implementação de seu

168 Acerca da dinâmica de influência do Banco sobre o país que recebe a assistência, Caufield coloca que: “One of the most important functions of a development assistance institution is to influence the politics and strategies of aid recipient countries. (…) Power is political and the Bank has a great deal of power. It has the power of the money it can lend and the power of its sway over other lenders. And it exercises that power to an extraordinary degree. It seeks to influence its borrowers on such politically charged domestic issues as land reform, industrial policy, and foreign trade. This puts it smack in the middle of important national debates” (CAUFIELD, 1997, p. 193). 169 A formação de um corpo político disposto a implementar as reformas em troca de financiamento, aliado ao poder econômico das condicionalidades impostas pelo Banco, acabou sendo determinante para o avanço da influência da instituição junto aos países periféricos: “Perhaps the most important effect of Bank influence has been the concentration of power in cadres of neoliberal technocrats in developing-country governments. Policy conditionality strengthened the hand of the Bank’s allies in countries’ finance ministries which led local pro-reform factions. Their power in policy debates was enhanced by Bank funds provided if policy advice were heeded. Often, politicians appointed finance ministers preferred by the Bank in order to smooth access to funds. Many high-ranking policy positions, including those of chief executives, have been filled by economists who had trained in the United States or had worked for the Bank” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 156).

141

“programa de desenvolvimento” alinhado, por sua vez, à agenda de prioridades do

hegemon.

Se por um lado o Banco Mundial parte do princípio de que os países periféricos

dependem de financiamento externo para modernizar suas economias, por outro, a

relação existente entre os montantes recebidos por esses países na forma de empréstimos

e o respectivo impacto em termos de crescimento econômico tem se mostrado pouco

expressiva nas últimas décadas (CAUFIELD, 1997, p. 334).

Analisar a efetividade de uma instituição específica como no caso do Banco

Mundial, visando verificar seu impacto na assistência ao desenvolvimento de um país,

não constitui tarefa fácil. Isso se deve ao fato de que a complexidade das transformações

econômicas e sociais dificulta que os efeitos da assistência sejam totalmente isolados de

outros fatores170.

Além disso, pela própria natureza estratégica do processo de desenvolvimento,

cujo foco é voltado para as potencialidades e necessidades de determinada economia, a

condução geral do processo deveria permanecer, em tese, sob o comando do país em

questão. Nesse sentido, sem relegar sua devida importância, qualquer organismo

internacional deveria ocupar papel secundário e complementar na dinâmica geral de um

processo dessa magnitude.

Apesar da realidade dos fatos nem sempre corroborar com essa ordem

hierárquica, em grande parte devido ao considerável poder de influência do Banco

Mundial nas políticas domésticas dos países periféricos, o discurso do Banco atribui o

papel principal na condução do processo de desenvolvimento ao próprio país:

Responsibility for development progress will always lie primarily with the developing country itself. No outside donor is able, or indeed has the right, to compel a country to follow policies likely to promote development. Nor would it have the local knowledge

170 De acordo com a perspectiva do Banco, existe certa dificuldade em diagnosticar relações de causa e efeito em termos de desenvolvimento econômico. Seguindo essa linha de raciocínio, se o governo, por exemplo, não assume o processo de reformas, pouco se avança na rota do desenvolvimento. Sob esse prisma, não seria simples conferir os créditos dos avanços a um agente isoladamente uma vez que, em virtude da complexidade do processo, uma conjunção de fatores e atores contribui conjuntamente para a obtenção do resultado final (WORLD BANK, 2002a, p. 69).

142

necessary to do so even if it had the influence (WORLD BANK, 2002a, p. 02).

Em relação à autonomia na escolha das políticas, na avaliação de Stiglitz, o

interessante seria que o país desenhasse e decidisse sua própria estratégia de

desenvolvimento, balanceando para isso suas prioridades domésticas. Nesse caso, o papel

dos organismos multilaterais seria apenas aconselhar, com base em sua experiência, sobre

os possíveis impactos e conseqüências de determinada escolha (STIGLITZ, 1999, p.

592).

Caufield (1997, p. 337) não é tão otimista no que se refere à eventual neutralidade

dos organismos multilaterais em relação aos projetos e reformas que financia. De acordo

com a autora, é possível fazer uma analogia entre o processo de assistência externa e o

quadro de um dependente de drogas: no curto prazo, o auxílio viria associado a uma

perspectiva de vida melhor (a ser alcançada através dos supostos benefícios das reformas)

ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, distancia as chances reais dessa melhoria

se conretizar no longo prazo (tendo em vista a própria natureza das reformas). Ainda

nessa direção, extrapolando da alçada das reformas para os empréstimos associados a

projetos individuais, a autora aponta que não foram poucas as vezes em que os países

arcaram com todas as conseqüências negativas envolvidas na dinâmica do financiamento

para, no fim, se depararem com o fracasso do projeto financiado171.

Levando em conta seu histórico de projetos malsucedidos172, o fato do Banco

atribuir a maior parcela de responsabilidade sobre o fracasso do processo de

desenvolvimento aos governos periféricos não quer dizer que, na prática, a visão da

171 Nas palavras de Caufield: “As bad as it is for a country to go into debt unnecessarily, and to lose sovereignty and a sense of self-reliance in the process, matters are made much worse when the money is invested fruitlessly or harmfully. Despite the Bank’s self-confidence, it has provided its borrowers with some breath-takingly bad advice” (CAUFIELD, 1997, p. 337). 172 Ver Caufield, 2001, p. 02. No mais, é interessante observar que a elevada classificação de seus títulos não depende do sucesso dos projetos que financia, mas sim, da credibilidade e segurança que vinculou junto a seus títulos no mercado internacional: “In 1992, when the Bank admitted that more than a third of its completed projects were unsuccessful, none of the agencies lowered its rating of Bank bonds. (…) There are two main reasons for the IBRD’s excellent rating. The first is that the richest countries in the world have pledged to repay bondholders if the Bank’s borrowers default. The second reason for the Bank’s AAA rating is “its preferred creditor status”. In law, a preferred creditor is first in line to have its debts repaid. The Bank, however, is not legally a preferred creditor” (CAUFIELD, 1997, p. 323).

143

instituição considere o governo como principal propulsor do desenvolvimento. Longe

disso, significa apenas que nos casos de fracasso dos projetos financiados, a

responsabilidade por esse resultado seria amplamente compartilhada.

Por fim, por melhor que seja a administração de determinado governo, não é

possível melhorar a natureza dos objetivos de políticas vindas de fora e que servem a

propósitos pré-estabelecidos. Entretanto, a capacidade analítica e responsabilidade final

pela avaliação da pertinência em aderir a qualquer política desenhada externamente,

ponderando sobre os possíveis impactos no interior de seu território, continua sendo da

alçada dos Estados Nacionais.

Ao longo das décadas, a visão do Banco Mundial sobre o papel do Estado foi se

alterando na medida em que o discurso da instituição se adaptava a cada nova conjuntura.

O debate em relação à participação do Estado na economia, envolvendo o histórico

antagonismo entre as ideologias pró-mercado e pró-Estado, adquire extrema relevância

quando o assunto é desenvolvimento econômico uma vez que, em sua essência, engloba

os elementos referentes à grande oposição existente entre as correntes econômicas do

liberalismo versus intervencionismo.

Decorre daí que a discussão sobre a forma mais adequada de atuação do Estado,

envolvendo maior ou menor grau de intervenção no funcionamento do mercado, esteve

presente em todos os momentos de reorientação da estratégia de desenvolvimento do

Banco Mundial.

Dada a pertinência e importância desse debate, as diferentes perspectivas

apresentadas pelo Banco acerca do papel do Estado na dinâmica econômica - bem como

seus reflexos nas políticas adotadas pela instituição a partir dos anos 1990 – constituem o

objeto de análise da próxima seção.

3.5. O papel do Estado na visão do Banco Mundial

No contexto dos acordos de Bretton Woods, Keynes havia discutido como

políticas apropriadas poderiam auxiliar nas imperfeições do mercado. A memória da crise

144

de 1929 ainda era recente, fortalecendo o entendimento de que o mercado, por si só, nem

sempre conduziria à alocação mais eficiente dos recursos.

Desse modo, uma das funções mais relevantes das instituições multilaterais

originadas em Bretton Woods consistia exatamente em auxiliar no processo de alocação

dos recursos, em nível internacional, sempre que o mercado não fosse capaz de fazê-lo

autonomamente. Esse era o princípio que fundamentava as atividades do Banco, ou seja,

intermediar a transferência de recursos do centro para a periferia na forma de

financiamentos de projetos, principalmente nos casos em que a iniciativa privada não

apresentasse interesse ou não disponibilizasse recursos em condições razoáveis173.

Decorre daí que o reconhecimento das falhas de mercado esteve presente na

história do Banco Mundial desde o momento de sua fundação, fazendo parte dos

princípios que levaram à constituição da mesma. Nesse primeiro momento, a idéia de

intervenção como forma de contornar as imperfeições do mercado era uma possibilidade

cogitada e até certo ponto desejável174.

A visão do Banco Mundial acerca do papel do Estado passou por mudanças

radicais desde sua fundação em Bretton Woods. Nas décadas de 1950 e 1960, o Estado

era considerado um agente central em termos de condução de políticas públicas voltadas

ao crescimento e desenvolvimento. Paulatinamente, ao longo da década de 1970, o grau

173 Nas palavras de Stiglitz: “We noted that the World Bank was founded partly on the presumption that capital markets are imperfect, and that without the role of government, there would be insufficient flows of capital from the more to the less developed countries. The World Bank borrowed in international capital markets and relent the money to needy member countries. The high credit rating of the World Bank enabled these countries to tap into the global capital markets at more favourable terms than they could on their own. Presumably, either there were market irrationalities that led private lenders to charge excessively high interest rates, or else the World Bank was more effective in enforcing contracts than were private lenders (or both). In either case, the World Bank represented an improvement in the functioning of capital markets” (STIGLITZ, 1999, p. 589). 174 Stiglitz discorre sobre o debate entre intervenção x livre-mercado no contexto da fundação dos organismos multilaterais: “Keynes and his compatriots grasped the notion that there were imperfections of capital markets that might impede the flow of capital, say from more to less developed countries. Keynes and his contemporaries were keenly aware that market economies do not always work well – indeed, the Great Depression can be viewed as the most massive market failure that the world had experienced since the beginning of capitalism. He demonstrated how appropriate government intervention could help the economy pull out of an economic downturn. (…) Thus, even at the founding of these institutions, there was a curious blend of a recognition of a massive market failure and a faith both in markets and government – or at least in the ability of government to effectively address the key market failures” (STIGLITZ, 1999, p. 578).

145

de intervenção passa a ser considerado excessivo e equivocado trazendo à tona uma nova

abordagem, baseada em preceitos teóricos neoliberais, que ganha espaço no início dos

anos 1980 pregando a favor da redução da participação do Estado na economia. Já nos

anos 1990, retorna a visão do Estado enquanto ator relevante no processo de

desenvolvimento, porém, a ênfase nesse momento estava voltada para reformas que

fortalecessem a relação de complementaridade entre Estado e mercado (PALONI &

ZANARDI, 2006, p. 09).

Ao longo da década de 1980 até o início dos anos 1990, a agenda política do

Banco Mundial enfatizava o enxugamento do Estado como elemento fundamental para a

consolidação das reformas estruturais e a retomada do crescimento econômico baseado

no mercado. Nesse contexto, quanto menos o Estado interferisse na economia, melhor

seria para o bom funcionamento do mercado. Por outro lado, do ponto de vista

estratégico, a guinada na direção do Estado mínimo contribuiria para a desmobilização

dos instrumentos do Estado desenvolvimentista175 que por ventura tivessem sobrevivido à

crise fiscal da periferia latino-americana.

Já em 1991, quando o processo de abertura das economias latino-americanas

estava em andamento e a já reduzida capacidade estratégica desses Estados mostrava-se

deteriorada pela forte crise fiscal, o discurso a favor do Estado mínimo se altera e o

Banco passa a destacar a importância da qualidade da gestão pública para o bom

funcionamento do mercado. O discurso do Banco passa então a enfatizar a questão da

governança, definida como “a maneira pela qual o poder é exercido na administração de

recursos sociais e econômicos para o desenvolvimento de um país”176.

Com o intuito de propiciar condições mais favoráveis ao funcionamento da

economia de mercado, tornava-se necessário criar um ambiente de regras e instituições

bem definidas, favoráveis aos negócios e consensualmente aceitas, bem como

175 O desenvolvimentismo representava o suporte a medidas governamentais, em particular ao planejamento e ao protecionismo, que eram vistos como meios de se alcançar industrialização rápida e eficiente e, consequentemente, de se alterar o curso da história dos países subdesenvolvidos. Nesse contexto, o papel do Estado desenvolvimentista seria o de realizar inversões em setores considerados estratégicos para a continuidade do incipiente processo de industrialização, amparado principalmente por políticas fiscais e monetárias expansionistas (BIELSCHOWSKY, 1996, p. 07). 176 Ver World Bank, 1991a, p. 20.

146

desenvolver uma gestão compartilhada da atividade econômica com o envolvimento da

autoridade pública em diferentes âmbitos. Nesse sentido, pela perspectiva do Banco

Mundial, o “Estado eficiente”177 deveria cumprir sete funções fundamentais178:

1. garantir a estabilidade macroeconômica e o ambiente propício à competitividade do mercado;

2. manter a ordem pública; 3. investir em capital humano (educação primária e saúde básica); 4. viabilizar a construção de infra-estrutura produtiva; 5. proteger o meio ambiente; 6. controlar a natalidade; e 7. gerir a previdência social.

Para alcançar esses objetivos, o Estado deveria retirar-se de toda e qualquer

atividade da esfera produtiva bem como embarcar num processo de reformas que

permitisse a criação de instituições públicas mais eficazes. Os contornos gerais das

reformas para a transformação dos moldes de atuação do Estado podem ser sintetizados

nas seguintes frentes:

1. racionalização da burocracia estatal (modernização técnica, redução de

pessoal, aumento de salários e introdução de formas de controle);

2. ajuste fiscal e redirecionamento do gasto público; e

3. aperfeiçoamento da estrutura administrativa e regulatória necessária à

privatização das empresas do setor público estatal.

Com o avanço da década de 1990, gradualmente, as teses a favor do Estado

mínimo foram perdendo força. Por um lado, nem o programa de ajuste estrutural e nem

as reformas aplicadas na direção da liberalização dos mercados haviam obtido sucesso na

recuperação da trajetória de crescimento dos países que adotaram e seguiram esse

receituário179. Pelo contrário, a conjuntura de crises ganhava espaço trazendo consigo a

177 Sobre o papel do Estado do ponto de vista neoliberal ver Wade, 1990, p. 11. Para efeito dessa seção, que analisa a evolução do discurso do Banco da abordagem do Estado mínimo para a perspectiva do Estado eficiente, a nomenclatura “Estado eficiente” refere-se à de forma de atuação complementar e amistosa ao mercado (market-friendly approach) por parte do Estado - em que este aparece subordinado ao mercado e fragilizado do ponto de vista estratégico devido ao esvaziamento de sua estrutura via adesão a políticas fiscal e monetária restritivas. 178 Sobre esse assunto, ver World Bank (1991b) e World Bank (2002a). 179 Sobre esse assunto ver, os comentários de Stiglitz em seus três trabalhos: (1999, p. 584 ), (2002, p. 43) e (2005, p. 129).

147

necessidade de maior intervenção para controlar o avanço desse processo. Nesse

contexto, os defensores do ideário liberal como John Williamson – a quem é atribuída a

formulação do Consenso de Washington - passam a negar as teses em favor do Estado

mínimo alegando que o intuito da liberalização era fortalecer o mercado, e não

enfraquecer o Estado. Dessa forma, os argumentos de outrora vão sendo remodelados

alinhando-se cada vez mais ao discurso a favor de um Estado com maior participação na

dinâmica econômica.

Dadas as novas circunstâncias, não se tratava mais de mera redução do papel do

Estado ao “mínimo”, principalmente numa conjuntura em que se fazia necessária uma

instância forte que fosse capaz de levar as reformas adiante, mas sim, de construir um

“Estado eficiente” voltado para reformas institucionais – que eram apontadas como a

dimensão ausente do Consenso de Washington180. Nesse sentido, é possível observar que

desde sua fundação, o discurso do Banco Mundial vai se alternando entre liberalismo e

intervencionismo diante de transformações da conjuntura internacional, mostrando maior

inclinação à intervenção do Estado em momentos de crise.

De fato, com o agravamento das crises financeiras no decorrer dos anos 1990, a

visão de que o Estado exerce papel central no fornecimento da infra-estrutura

institucional básica para auxiliar o funcionamento do mercado vai ganhando força. Sob

esse prisma, o aumento da eficiência do Estado resultaria em mercados mais fortes e bem

estruturados.

Em 1991, pela primeira vez, o Banco Mundial sistematizou o novo enfoque

“amistoso com o mercado” (market-friendly approach), segundo o qual o Estado deveria

apoiar, fortalecer e complementar o mercado em regime de livre concorrência181. A

180 Griesgraber & Gunter colocam que o enfoque do “Estado mínimo” deveria ser substituído pelo enfoque do “Estado eficiente” para a reformulação adequada dos programas de ajustamento estrutural. De acordo com os autores, a formulação neoliberal de que ‘quanto menor o papel do Estado melhor o resultado’ se mostrava equivocada: “Current structural adjustment policy must be modified fundamentally in its theoretical underpinnings. Structural Adjustment Programs (SAPs) have been based on the neoliberal approach to government activity which is based on the formula: the less government the better the result. Experience over the last several years have demonstrated that correct government activity is crucial for successful economic restructuring. The debates now rage over what is correct government activity” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. xvi). 181 De acordo com o Relatório do Banco Mundial, os principais campos de atuação do Estado segundo o market-friendly approach são: “Investing in people; the climate for enterprises to flourish; the integration

148

intervenção estatal deixava de ser considerada como algo indesejável, ao passo em que

reconhecia-se o âmbito da ação do Estado que se “harmoniza” com o mercado,

permitindo assim a maximização da concorrência entre os agentes econômicos. Nesse

sentido, a ação estatal deveria estar totalmente a serviço do mercado, corrigindo eventuais

falhas e contribuindo para o seu funcionamento de forma mais autônoma possível:

Recent years have seen a greater recognition in the policy debate of the complementarities between markets and governments. Clearly, experience shows that the private market economy must be the engine of growth; but is shows also that a vibrant private sector depends on well-functioning state institutions to build a good investment climate and deliver basic services competently (WORLD BANK, 2002a, p. 07).

A esse ponto fica clara a diferença entre a tese a favor do “Estado mínimo” e a

nova proposta do “Estado eficiente” e amistoso com o mercado: se antes a presença do

Estado era vista como obstrutiva e prejudicial ao funcionamento da economia, agora

existia o reconhecimento de que o mesmo cumpre um papel especial e inovador na forma

como se relaciona com os mercados.

Como é possível perceber, tanto a estratégia de desenvolvimento do Banco

Mundial quanto sua perspectiva acerca da extensão do papel do Estado no funcionamento

da economia foram se transformando ao longo das décadas182. Entretanto, a velocidade

em que o discurso da instituição foi se modificando a partir dos anos 1990, abandonando

a perspectiva do Estado mínimo rumo à abordagem do Estado eficiente e amistoso com o

mercado, é algo que impressiona e requer uma observação mais atenta. No fundo, pode-

se considerar que a própria necessidade de acomodação rápida do Banco diante da

velocidade dos acontecimentos no decorrer da década de 1990, tenha contribuído para

denunciar como o discurso da instituição se transforma perante mudanças na conjuntura

of countries with the global economy; and a stable macroeconomic foundation for sustained progress” (WORLD BANK, 1991b, p. 06). 182 Segundo o relatório do Banco Mundial: “Development thinking has evolved continually over the past 50 years. In response to the lessons of experience and analysis, development practitioners have adapted their approaches to promoting development, and even the goals of development work. We have learned that strategies that seemed obvious to many at some point – for example, both the heavily statist and minimal-government free-market approaches – have had to be reconsidered and changed as part of a continuous learning process” (WORLD BANK, 2002a, p. 05).

149

internacional e a conseqüente reordenação dos interesses dos principais atores do sistema

mundial183.

Nessas circunstâncias, a impressão que permanece é a de que o fracasso da

experiência liberal, receitada pelo Banco Mundial como forma de combate à crise latino-

americana, em nenhum momento conduziu a instituição a uma reflexão mais atenta

acerca da natureza das políticas recomendadas. Ao contrário, o desdobramento desse

fracasso conduziu a nova releitura dos fatos, isentando o caráter das políticas liberais de

qualquer relação com o agravamento da crise latino-americana. Dessa forma, o caminho

para superar a crise estaria associado a um novo pacote de reformas, no qual o Estado

desempenharia papel complementar, porém indispensável184.

No decorrer da década de 1990, o Estado passava então a ser visto como um

“parceiro, catalisador e facilitador” do crescimento econômico ao passo em que não

deveria apenas complementar o mercado, mas também corrigir suas falhas – ao menos

quando fosse “estritamente necessário”.

Entretanto, a visão de complementaridade entre Estado e mercado acaba

neutralizando a conotação política e estratégica do Estado enquanto ator relevante no

controle do processo de desenvolvimento185. Nesse ponto, sua função havia sido

183 As mudanças internacionais, nesse caso, referem-se ao processo de unipolarização do sistema mundial que veio acompanhado da aplicação do receituário liberal nos países periféricos - tanto via FMI quanto através dos financiamentos condicionados a reformas difundidas pelo Banco Mundial. Em virtude do evidente fracasso das reformas frente ao processo de retomada do crescimento, o Banco adotou novo posicionamento, inclusive no que se refere à atuação do Estado na atividade econômica que, agora, deveria ser mais participativa. 184 Os países periféricos avançaram na implantação de medidas liberais na década de 1990 e, naturalmente, dada a incompatibilidade entre essas medidas e as verdadeiras necessidades dessas economias, não alcançaram os resultados que haviam sido prometidos em termos de crescimento. Na seqüência, a responsabilidade pelo fracasso dos resultados das reformas não foi atribuída à natureza liberal dessas políticas e nem aos organismos que interferiram a favor de sua implementação. A responsabilidade recaiu sobre o país que adotou as reformas, seja porque não se mostrou comprometido com o processo de implementação, seja porque a aplicação das reformas não funciona em ambientes considerados inapropriados (unsound policy environment) ou ainda porque o processo de reformas estava incompleto. Na verdade, todos esses argumentos foram utilizados na tentativa de justificar o fracasso das reformas. Contudo, o discurso da incompletude das reformas mostrou-se o mais conveniente na construção da linha argumentativa que possibilitaria a implementação de um novo pacote de reformas – pacote que iria sedimentar as “conquistas obtidas” ao retirar do Estado sua capacidade estratégica na articulação do processo de desenvolvimento relegando-o a uma função subordinada e complementar ao bom funcionamento do mercado. 185 Sobre a relação de complementaridade entre Estado e mercado, ver Stiglitz, 1999, p.579.

150

minimizada e subordinada aos interesses do mercado, reforçando ainda mais os preceitos

neoliberais de que a preponderância das forças de livre mercado conduziria a economia

na direção do desenvolvimento.

Dessa forma, a inserção da ação do Estado numa relação de complementaridade

com o mercado, longe de representar uma alternativa ao projeto neoliberal em

andamento, apenas reforçava a continuidade desse modelo:

It has been suggested that the Bank’s ‘rethinking’ on the state represents a paradigmatic break with the neo-liberal (or free market) fundamentalism of the 1980s, and a return swing of the pendulum towards renewed recognition of the role of the state in development. The Bank itself reinforces the notion that the old antagonism between state-led and market-led models of development has been transcended by this new synthesis where state and market are complementary. (…) It is asserted here that there is more evidence of continuity with the neo-liberal paradigm than departure from it. Although the Bank has attempted to present itself as ‘state-friendly’, thus defusing critique of its pro-business and anti-state orientation, its thinking remains embedded within the paradigm of neo-liberalism and unimpeded free market operations (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 135).

Nessa direção, de acordo com a perspectiva do Banco Mundial186, o papel do

Estado seria complementar o mercado de forma subordinada e limitada, configurando

assim um Estado de conotação estritamente liberal187. Não se trata, portanto, de uma volta

do intervencionismo estatal na dinâmica econômica, mas sim da consolidação de um

Estado de base liberal que não dispunha mais dos instrumentos necessários para liderar o

processo de desenvolvimento de forma autônoma com base em políticas domésticas

expansionistas.

Havia um consenso no interior do Banco Mundial de que o modelo de Estado

mais adequado ao fortalecimento da economia de mercado deveria apresentar uma

estrutura enxuta, porém eficiente. A visão de desenvolvimento econômico do Banco,

atrelada à sua visão sobre o papel do Estado, continuava vinculada à perseguição do

capitalismo de livre-mercado com a diferença que agora o Estado deixava de ser um 186 Para mais informações sobre essa nova visão do Banco em relação ao papel do Estado ver os relatórios “Annual World Bank Conference on Development Economics” dos anos 1997, 1998 e 1999. 187 Sobre o papel do Estado do ponto de vista liberal ver Wade, 1990, p. 11.

151

empecilho e passava a ser visto como colaborador fundamental ao bom desempenho do

mercado188.

Stiglitz também concorda sobre os benefícios existentes na complementaridade

entre mercado e Estado, quando alega que a economia de mercado, por si só, não

representa nenhuma garantia de crescimento, nem de justiça social ou eficiência

econômica. Para que esses resultados fossem alcançados, considerava o papel do Estado

fundamental189.

Porém, para conduzir o funcionamento do Estado na direção do mercado, havia

sido necessário implementar uma série de reformas visando o desmonte dos pilares em

que se apoiavam as políticas domésticas de desenvolvimento. Esse processo foi

intensificado nos primeiros anos da década de 1990, resultando no enxugamento do

arcabouço estatal, trazendo consigo dois impactos principais: o esvaziamento da

dimensão política do Estado e a perda de conquistas sociais junto às classes mais pobres.

Sobre o primeiro aspecto, as reformas atreladas aos financiamentos do Banco

Mundial no início da década de 1990 claramente reduziram o Estado à máquina

administrativa, à medida que o definia como uma grandeza exterior à sociedade. Esta é a

forma tradicional e mais reducionista de se abordar o tema, pois esvazia o Estado da sua

dimensão política - entendida como locus de construção, exercício e reprodução do poder

- renegando sua conotação essencial, ou seja, seu caráter multidimensional na condução

do processo de desenvolvimento no interior de determinado território.

188 Paloni & Zanardi interpretam essa revisão do papel do Estado realizada pelo Banco Mundial como uma reafirmação da influência do ideário neoliberal no interior da instituição: “In effect, the World Bank is engaged in the construction of a liberal state, and thus, through attention to the political dimension, neo-liberal orthodoxy has been reconfigured in a more rounded and hegemonic version. It remains that it is not the task of the state or government to take a pro-active role in achieving socio-economic development. Instead, the state’s role is limited to ‘enabling’ (servicing) the private sector through the provision of those ‘public goods’ that require significant expenditure, and to securing constraints on its own activities, notably in the economy. (…) The World Bank’s worldview (Weltanschauung) remains resolutely based on development as free-market capitalism, with ‘good governance’ and ‘effective state’ firmly subordinated to that goal” (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 136). 189 Nas palavras do autor: “The market economy does not automatically guarantee growth, social justice, or even economic efficiency; achieving those ends requires that government play an important role. (...) Economies are not efficient on their own. This recognition inevitably leads to the conclusion that there is a potentially significant role for government” (STIGLITZ, 2005, p. 129).

152

Em relação ao segundo aspecto, enxugar a estrutura do Estado naturalmente

implica em perdas sociais. No caso dos países periféricos, essas perdas voltaram-se em

grande parte à parcela mais pobre da população gerando descontentamento e resistência,

e acima de tudo, agravando ainda mais o panorama de pobreza e o conflito distributivo

dessas sociedades. Do ponto de vista estratégico, as difíceis escolhas a serem feitas diante

da diminuição do orçamento público, não só prejudicaram a capacidade do governo em

atender às demandas e expectativas da população como também dificultaram a

sustentação de iniciativas estratégicas de longo prazo.

Ambos os fatores mencionados acima – ou seja, o esvaziamento da dimensão

política do Estado e a perda de conquistas sociais junto às classes mais pobres – foram

fatores fundamentais no aumento da pobreza dos países que aderiram à modalidade de

reforma do Estado sugerida pelo Banco Mundial.

Isso remete à grande contradição que envolve a instituição: sonhar com um

mundo sem pobreza - como consta na frase gravada na entrada da sede do Banco

Mundial em Washington190 – ao mesmo tempo em que condiciona aos seus

financiamentos reformas liberais que, em grande medida, acabaram contribuindo ao

aumento da pobreza das economias que as adotaram.

Diante do aumento dos índices de pobreza nas economias periféricas -

principalmente no decorrer da década de 1990 -, a questão da pobreza ficava em

evidência de modo que não poderia mais ser ignorada por uma instituição que se diz

promotora do desenvolvimento. Eis então que o Banco Mundial redireciona mais uma

vez sua proposta de atuação, que parte inicialmente da promoção do desenvolvimento via

projetos associados à área produtiva da economia – passando posteriormente pela fase

dos ajustes com adoção dos defensing lendings, ou seja, financiamentos desatrelados da

área produtiva e destinados ao pagamento de empréstimos anteriormente adquiridos –

190 Pode-se dizer, de fato, que um dos slogans mais divulgados pelo Banco Mundial desde os anos 1990 tem sido: “Our dream is a world free of poverty”.

153

chegando finalmente ao financiamento de projetos de caráter eminentemente social,

associados ao combate e redução da pobreza191.

Esse último processo de redefinição das metas do Banco Mundial na direção do

combate à pobreza, evidenciado pelo aumento dos financiamentos da instituição em

projetos relacionados à área social, ganha espaço na própria década de 1990 e consiste no

assunto que será analisado na próxima seção.

3.6. As novas prioridades em termos de desenvolvimento econômico:

políticas sociais e o combate à pobreza

O debate acerca do processo de desenvolvimento econômico evoluiu muito desde

o final da II Guerra Mundial. O Banco Mundial, enquanto principal agência multilateral

de fomento, esteve envolvido e desempenhou importante papel ao longo das décadas na

condução do debate sobre as prioridades e os caminhos mais adequados para alavancar o

processo de desenvolvimento.

Desde sua fundação até os dias de hoje, o Banco Mundial foi alterando sua visão

em termos de desenvolvimento econômico sob a alegação de que a instituição deveria

adequar-se ao surgimento de novos desafios. No entanto, o argumento defendido pela

presente tese procura ir além dessa interpretação casual e despolitizada dos fatos,

indicando que os principais momentos de reorientação da estratégia de desenvolvimento

do Banco foram influenciados predominantemente por fatores e interesses que se tornam

mais evidentes quando relacionados ao movimento de transformações no cenário

internacional.

191 De acordo com o Banco Mundial, a perspectiva de complementaridade entre Estado e mercado também é apontada como o caminho mais adequado no processo de combate à pobreza: “Poverty reduction should address poverty in all its dimensions (…) Evidence from past successes and failures suggests strongly that neither the more statist approach of the 1950s and 1960s nor the more minimal-government free-market approach that dominated policy debate in the 1980s and early 1990s will achieve these goals. Effective approaches will be led by the private sector, but with effective government to provide the governance framework and to ensure the provision of physical infrastructure and human capital investments necessary for growth and poverty reduction. In fact, to set state and market against each other is to miss the central question: how can they best complement each other to promote growth and reduce poverty?” (WORLD BANK, 2002a, p. 08).

154

Como foi visto até agora, foram diversas as perspectivas adotadas em termos de

desenvolvimento ao longo de sessenta anos de atuação do Banco, fato que a instituição

divulga como fruto do acúmulo de experiência e de um longo processo de aprendizado192.

Todavia, esse suposto processo de aprendizado sempre se mostrou bastante alinhado aos

movimentos de revisão estratégica do hegemon na gestão do sistema mundial.

Contando com o apoio do seu orçamento193, o Banco Mundial vem ditando o que

é “legítimo” em termos de desenvolvimento ao condicionar a liberação dos

financiamentos à adoção de reformas atreladas à perspectiva ortodoxa de

desenv

edade como um todo, ultrapassando questões relativas ao mero

crescim

olvimento194.

Ao longo das três primeiras décadas de atuação do Banco, o principal referencial

utilizado para verificar a evolução de uma economia em termos de desenvolvimento era o

desempenho do Produto Interno Bruto (PIB). Foi durante a gestão McNamara que, pela

primeira vez, o escopo da visão de desenvolvimento foi ampliado para além de critérios

puramente econômicos. A partir de então, foi sendo fortalecida dentro do Banco a

percepção de que o processo de desenvolvimento deveria envolver uma transformação no

padrão de vida da soci

ento do PIB195.

Assim, ao longo das décadas de 1980 e 1990, o movimento de revisão acerca do

processo de desenvolvimento foi se intensificando no interior do Banco Mundial. O

crescimento continuava representando um componente fundamental para o

192 Ver World Bank, 2002a, p. 05. 193 Com referência ao poder de influência do orçamento do Banco Mundial no tocante à política doméstica dos países periféricos, Griesgraber & Gunter colocam que: “The World Bank cannot lend billions of dollars to developing countries without influencing their domestic politics. The only question is how it will influence them. Will it affect them in a way that contributes to positive political changes that enable countries to pursue more equitable and sustainable growth? Or will it affect them in a way that contributes to the concentration of power and the polarization of society?” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 177). 194 Em relação ao papel dos organismos multilaterais (principalmente o Banco Mundial e o FMI) na difusão da visão ortodoxa de desenvolvimento nos países periféricos, temos que: “They determine what is ‘legitimate’ in development theory, provide the policy prescriptions that must precede bilateral aid and private investment lending, and offer their ‘seal of approval’ on borrower creditworthiness. They are thus the principal instruments for implementing what the major shareholding countries determine is the economic orthodoxy of the moment” (GRIESGRABER & GUNTER, 1995, p. xii). 195 Sobre essa perspectiva mais ampla acerca do processo de desenvolvimento, que levaria em conta outros fatores além do desempenho do PIB, ver Stiglitz, 1999, p. 587.

155

desenvolvimento econômico – o que justificava a intensificação dos programas de ajuste

estrutural com a meta de estabilizar para crescer - porém, gradualmente, outros elementos

de cará

líticas conforme sua

conven

sível quando

atuava

ter social também foram sendo incorporados ao processo.

Com o passar dos anos foi sendo delineada uma perspectiva ampla e

multidimensional do processo de desenvolvimento que caminha em dois sentidos: se por

um lado torna a abordagem mais abrangente e sofisticada, por outro, possibilita ao Banco

apropriar-se do conceito de desenvolvimento como algo indeterminado e que não é

absoluto, permitindo assim que a instituição redirecione suas po

iência sustentando a mesma bandeira pró-desenvolvimento.

Do ponto de vista estratégico, essa ampliação no foco de atuação trouxe uma série

de benefícios ao Banco, pois tornou possível que a instituição se projetasse em inúmeros

campos no interior das economias periféricas – muito além do que era pos

em projetos voltados predominantemente ao setor de infra-estrutura.

Pela perspectiva do Banco, os primeiros passos da revisão de seu papel no

processo de desenvolvimento ao longo das décadas - que levaram ao declínio dos

financiamentos em infra-estrutura e à ampliação de projetos relacionados à área social –

estariam relacionados, a princípio, à maior participação do setor privado no campo da

infra-estrutura196. Assim, se o discurso oficial do Banco Mundial indica que a instituição

foi realocando seus empréstimos setoriais como resposta à maior participação do setor

privado no campo da infra-estrutura197, por outro lado, existem outros fatores de

conotação estratégica que parecem explicar melhor esse movimento de reorientação

setorial dos financiamentos. Um desses fatores remete ao aumento dos índices de pobreza

na periferia devido, em certa medida, à adoção do conjunto de reformas liberais indicadas

pelo próprio Banco Mundial no contexto dos programas de ajustamento estrutural – e aos

196 Caberia ao Banco, nesse novo contexto, desempenhar uma tarefa auxiliar na regulamentação dessas atividades: “The Bank has shifted the sectoral composition of its lending. It has shifted resources away from direct infrastructure lending (which fell from three-quarters of Bank lending in the 1960s to one-third in the 1990s) and toward the social sectors (now one-fifth of the total). This shift has been made possible in part by the increased role of the private sector in some areas of infrastructure; in those areas, the Bank now focuses its efforts on facilitating the environment for improvements in infrastructure, including through regulatory reform” (WORLD BANK, 2002a, p. xxi). 197 Ver World Bank, 2002a, p. 53.

156

possíve

de parte das reformas envolverem medidas

retracio

c terais

dos pro

considerava que dirigir recursos a projetos relacionados à área social significava deslocar

recursos do seu objetivo principal, ou seja, do crescimento econômico tão enfatizado

is entraves decorrentes dessas perdas sociais ao processo de continuidade das

reformas.

Com o agravamento da dívida nos países periféricos no decorrer da década de

1980, os programas de ajuste estrutural foram apontados pelo Banco como única forma

de superação da crise. Em virtude de gran

nistas e de enxugamento da estrutura do Estado, as classes mais pobres acabaram

sofrendo os impactos mais fortes do ajuste.

Nesse sentido, os financiamentos do Banco Mundial na área social teriam sido

ampliados como resposta aos desdobramentos dos programas de ajuste, observados

principalmente ao longo dos anos 1990, quando os problemas dos países afetados pela

crise da dívida ganharam uma dimensão que fugia ao enfoque de curto prazo que

dominara os programas de ajuste de primeira geração. Sob essa perspectiva, os

financiamentos de projetos na área social crescem como resposta aos efeitos ola

gramas de ajuste previamente recomendados contribuindo, ao mesmo tempo, para

viabilizar a continuidade e implementação de uma segunda geração de reformas198.

De acordo com o discurso do Banco Mundial, o aumento da pobreza não estava

relacionado às políticas retracionistas dos programas de ajuste, mas sim à falta de um

esquema de proteção social que distribuísse os impactos tanto das reformas quanto do

crescimento entre os grupos mais pobres199. Concomitantemente, pelo menos até os

primeiros anos da década de 1990, ainda havia no interior do Banco uma corrente que

198 Griesgraber & Gunter apontam como o discurso do Banco foi mudando ao longo do tempo. As políticas sociais que inicialmente eram condenadas pelo discurso neoliberal, agora passavam a ser recomendadas e incluídas nos discursos e políticas do Banco: “The Bank has also admitted that its preoccupation with structural adjustment led it to give less priority to the fight against poverty, and so it has recently raised the share of social sector lending. In addition, the Bank has eased or dropped its opposition to social spending that neoliberals has previously proscribed as inimical to reform. (…) Not only are more activist social policies now encouraged, but they are retroactively declared to have been part of the consensus neoliberal package all along” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 164). 199 De acordo com o Banco Mundial: “Groups of poor people will experience reform and growth differently. A large increase in the income of one group may be offset by a smaller increase or even decline in the income of another group. This underlines the importance of ensuring that there is adequate social protection in place as complement to structural adjustment measures” (WORLD BANK, 2002a, p. 16).

157

pelos programas de ajuste estrutural e considerado como o único mecanismo através da

qual a pobreza poderia ser efetivamente reduzida200.

Progressivamente, a visão do Banco Mundial foi apresentando um conjunto mais

uniforme de idéias, ponderando que para alcançar e sustentar o crescimento econômico e

a redução da pobreza não bastava apenas a adoção de políticas macroeconômicas

corretas; era preciso também assegurar a montagem e o funcionamento de instituições

adequadas. Se isto ocorresse, as oportunidades de mercado aumentariam e ambos os

objetivos (crescimento econômico e redução da pobreza) seriam contemplados,

contribuindo assim para a retomada do processo de desenvolvimento - entendido como

crescimento associado a melhorias no nível de bem-estar social. Este é o ponto central do

argumento do Banco, isto é, se as instituições pró-mercado não funcionam com eficiência

– não proporcionando incentivos ao investimento e, consequentemente, ao aumento da

produtividade e das oportunidades de acumulação - não há desenvolvimento econômico.

Desse modo, pela perspectiva do Banco Mundial, os instrumentos catalisadores

do processo de desenvolvimento deveriam se apoiar em dois pilares principais: a criação

de um clima favorável ao investimento e o investimento na melhoria das condições de

vida da população mais pobre (WORLD BANK, 2002a, p. xiii). Nesse sentido, além das

reformas, quanto mais os governos se mostrassem comprometidos com a área social e o

combate à pobreza, maiores seriam as chances de receber financiamentos do Banco

Mundial201.

Ao mesmo tempo, se pensarmos em termos mais aprofundados sob a perspectiva

do processo global de desenvolvimento, reduzir a pobreza via políticas sociais (isto é, por

meio de projetos desvinculados da área produtiva) representa uma medida mais

direcionada ao combate dos efeitos de níveis baixos de desenvolvimento do que à

resolução das causas desse baixo desenvolvimento em si. Sob esse ponto de vista, a 200 Nas palavras de Paloni & Zanardi: “Attention to distributional and poverty issues had often been seen as a useless diversion of resources from the central objective of economic growth, which was regarded as the only mechanism trough which poverty could be reduced. This trickle down doctrine also characterized the Bank’s insistence on structural adjustment, with its focus on stabilization, privatization and liberalization” (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 02). 201 Segundo o Relatório do Banco Mundial: “Bank lending generally encourages good economic performance. Reviews of adjustment lending show that in the 1990s, it supported governments in maintaining their efforts in social areas and in poverty focus” (WORLD BANK, 2002a, p. xx).

158

reorientação do Banco estaria mais preocupada em viabilizar a implantação e

continuidade das reformas de segunda geração – via amortecimento dos impactos sociais

negativos da primeira geração de reformas – que implementar um programa de retomada

do desenvolvimento de fato (por meio de projetos vinculados ao campo produtivo) que

traria consigo menores índices de pobreza.

A princípio, seguindo a perspectiva apresentada pelo Banco, os programas de

ajuste estrutural realmente levariam ao crescimento econômico e, consequentemente, à

redução da pobreza. Caso isso não acontecesse, a responsabilidade seria do país em

questão seja por não ter implementado as reformas de forma comprometida202, seja por

não possuir estrutura e instituições locais capazes de sustentar esse crescimento203.

Entretanto, com o passar dos anos, os proclamados benefícios do ajuste liberal

não vieram à tona, contribuindo para a configuração de novo discurso no interior do

Banco a favor de uma segunda geração de reformas mais focadas nas questões sociais.

Nesse sentido, é possível dizer que uma das características principais do pacote de

reformas de segunda geração, tal como delineado pelo Banco Mundial, é o

reconhecimento mais ou menos explícito de que as políticas de ajuste estrutural

provocaram ou contribuíram para o empobrecimento de segmentos sociais expressivos

onde foram implementadas204.

202 De acordo com o Banco, o fracasso dos programas de ajustamento não estava na natureza liberal das reformas, mas sim, na forma de implementação e na falta de atenção com os custos sociais do ajuste: “Adjustment lending suffered from early problems with weak commitment and implementation by countries, however, as well as insufficient attention to social costs of adjustment. Because each country situation is unique, borrowers need to have sufficient commitment and flexibility to be able to design and sequence reforms appropriate for their circumstances” (WORLD BANK, 2002a, p. 46). 203 Segundo o Relatório do Banco: “Generally, these findings support the view that structural adjustment can be a powerful instrument for growth and poverty reduction, but it is equally clear that in specific country experiences the distributional impacts can be quite different from the average. This suggests the need for carefully analyzing the poverty impact of adjustment policies under local conditions, to ensure that we can support an adjustment with positive effects on poor people” (WORLD BANK, 2002a, p. 40). 204 De acordo com o Banco, a percepção de que o impacto distributivo do processo de ajuste nem sempre favoreceu as classes mais pobres ocorreu a posteriori, contribuindo ao processo de aprendizado da instituição: “With experience, the Bank has learned to better take into account the potential distributive impacts of some aspects of structural adjustment programs. The Bank now works with borrowers to strengthen social protection mechanisms in order to ensure that poor people do not bear an unfair share of the short-term adjustment costs” (WORLD BANK, 2002a, p. 40).

159

Na visão do Banco, esse tipo de impacto poderia vir a acontecer ao longo do

processo de ajuste e deveria ser compensado seletivamente onde o nível de tensão social

atingisse níveis mais elevados. Dessa forma, tornavam-se necessários mecanismos que

criassem novas oportunidades e compensassem aqueles que poderiam sair perdendo com

a transição205.

Decorre daí que os programas de “alívio da pobreza” não constituíam uma revisão

das políticas de ajuste estrutural, mas sim, a contraface necessária para a continuidade e o

aprofundamento dessas reformas. O que se verificava no Banco é que havia um

imperativo de continuar as reformas, de aprofundá-las e concomitantemente cuidar da

legitimidade da instituição, que vinha sendo questionada tanto pelos movimentos sociais

como por organismos oficiais ligados às Nações Unidas. É sob esse pano de fundo que a

temática da pobreza ganha cada vez mais destaque tanto nos projetos quanto no discurso

do Banco Mundial.

Assim, o Banco introduzia, ao menos formalmente, uma preocupação com as

chamadas “políticas sociais compensatórias”, numa admissão de que os programas de

ajuste deveriam ser acompanhados por mecanismos de proteção às camadas mais

vulneráveis da população206. Em relação a esse movimento, a grande ironia consiste em

que, na essência, as mesmas reformas que deveriam resultar em desenvolvimento

205 Segundo Griesgraber & Gunter: “During the years of neoliberal ascendance, the Bank told developing countries they would be rewarded with rapid recovery and acceleration of growth if they paid the high short-term costs of reform.(…) Because of the revised estimated time of arrival of reform’s benefits, the Bank has been compelled to develop programs called Social Investment Funds, to protect societies’ most vulnerable groups. The Bank has also admitted that its preoccupation with structural adjustment led it to give less priority to the fight against poverty, and so it has recently raised the share of social sector lending” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 164). 206 Caufield ressalta que apesar do Banco passar a apresentar maior preocupação com a população mais pobre, sua dinâmica de atuação continua envolvendo uma gama de agentes cujos interesses extrapolam as questões de combate à pobreza: “Certainly the Bank, through its massive projects and its even more massive influence on government policies, has a great impact on poor people. But the Bank depends on and affects many other groups besides the poor. These includes the international financial markets that have lent it hundred of billions of dollars; the taxpayers who have guaranteed the repayment of those hundreds of billions; the rich-country politicians who engineer those guarantees; the poor-country governments whose continued borrowings are its reason for existing; the contractors and consultants who earn billions every year working on the project it funds; the private banks with which it competes and cooperates; the international corporation that do business with its borrowers; the developing-country bureaucrats who work with it and who, if they are lucky, go to work for it; and last but not least, the ten thousand employees whose generous salaries it pays” (CAUFIELD, 1997, p. 02).

160

acabaram criando a necessidade de empréstimos adicionais para que se pudesse retornar

ao estágio de bem-estar anterior às reformas.

Todavia, a modalidade de combate à pobreza que o Banco Mundial passava a

adotar, como forma de amortecer os impactos sociais dos programas de ajuste estrutural,

não alterava a essência das políticas restritivas adotadas pela instituição:

The Bank still insists that addressing poverty does not require any revision in the basic design of adjustment policies. The only way it sees to make adjustment less painful and more equitable is via supplemental programs like the Social Investment Funds (SIFs), not by state actions to shape a more inclusive development strategy. It has not expanded its definition of structural adjustment beyond economic liberalization to include state actions to reallocate resources, such as technology diffusion and reform of land, tax, credit and educational finance. Its support for cushioning the costs of adjustment is strictly limited to helping the most vulnerable groups. It renewed attention to the poor and its support for more participation by the poor do not indicate any new hope that broader support for reform can be built by making reform more equitable or less painful (GRIESGRABER & GUNTER, 1996b, p. 165).

Se por um lado a nova ênfase em redução da pobreza, que foi se intensificando

nos anos 1990, representava uma dramática transformação em termos dos montantes

destinados ao financiamento desse setor, por outro, os instrumentos utilizados pelo Banco

em seus empréstimos - como a prática das condicionalidades - não haviam se alterado em

relação aos anos de ajuste estrutural207. Esse novo direcionamento dos financiamentos do

Banco à área social pode ser observado de maneira mais expressiva por meio da alocação

setorial dos recursos da instituição, conforme apresenta a figura abaixo. Nela podemos

constatar como os empréstimos destinados ao setor de infra-estrutura perdem espaço para

os empréstimos relacionados à área social e de redução da pobreza ao longo das décadas.

207 De acordo com o Banco Mundial, tanto as operações de ajuste voltadas ao combate à pobreza, quanto as condicionalidades nos programas voltados ao setor social, aumentaram ao longo da década de 1990: “For example, the share of explicitly poverty-focused adjustment operations increased from 47 percent in 1995 to 75 percent in 1999. In parallel, there has been a growing focus on social objectives: the share of conditions in adjustment loans directly supporting social sector reforms increased from 3 percent in the 1980s to 18 percent in the last three years” (WORLD BANK, 2002a, p. 51).

161

Figura 3.1 - Empréstimos Setoriais: 1961-2001 (como porcentagem dos empréstimos totais) Empréstimos Totais (%)

Ano

Fonte: World Bank, 2002a, p. 54.

Setor de Desenvolvimento Humano: Educação e Saúde

Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Agricultura, Desenvolvimento Rural e Proteção Social

Setor Financeiro

Redução da Pobreza e Gerência Econômica: Governança, Setor Público, Gênero e Política Econômica

Setor Privado e Infra-Estrutura: Indústrias Extrativas e de Infra-Estrutura e Desenvolvimento do Setor Privado

162

Se a antiga perspectiva de desenvolvimento estava restrita ao crescimento

econômico mensurado pela evolução do PIB, a nova abordagem assumida pelo Banco208

no decorrer da década de 1990 passava a incorporar valores como participação,

igualdade, desenvolvimento sustentável e promoção do bem-estar – difundindo assim a

abordagem multidimensional do processo de desenvolvimento209.

O crescimento econômico ainda ocupava lugar importante nessa dinâmica, mas

não mais de forma exclusiva, dado que uma série de fatores em conjunto (envolvendo

desde infra-estrutura até educação) deveria contribuir para que a trajetória de crescimento

sustentável fosse alcançada210.

É em meio a esse contexto que James Wolfensohn assume a presidência do Banco

em junho de 1995, reafirmando o compromisso da instituição em relação às metas de

crescimento econômico e combate à pobreza. A partir de então, financiamentos para a

redução da pobreza passam a ser considerados tão importantes quanto aqueles destinados

à promoção do crescimento, ao mesmo tempo em que aumenta a preocupação

institucional com o meio ambiente e vai sendo ampliado o diálogo do Banco com as

ONGs (GILBERT & VINES, 2000, p. 17).

Na primeira fase de seu mandato iniciado em 1995, apesar de encampar a

perspectiva de combate à pobreza como meta central a ser perseguida pelo Banco,

208 Ver World Bank, 1994a. 209 Em relação à nova conotação multidimensional do processo de desenvolvimento, temos que: “Development is considered to be ‘a multi-dimensional, people-centered process’. The goal of the development is create conditions that will enable each human being to realize her/his potential for political, social, and economic fulfillment in a manner consistent with the common good. Individual rights, duties, and participation are central to this process and to its goal. The first priority is the eradication of poverty, empowering people to gain a measure of control over their own lives and to obtain the resources to meet their basic needs in an ecologically sustainable manner. Genuine development is essentially a grassroots, bottom-up process, growing from the base with local communities being key players. Economic activity should be managed by human beings, within the bounds of the fragile and exhaustible environment. The market may be a means to achieve these goals, but it is not an end in itself. Decision-making procedures in the development process must embody the principles of participation, transparency, accountability, and subsidiarity” (GRIESGRABER & GUNTER, 1996a, p. xiv). 210 De acordo com o Banco Mundial: “Understanding of economic growth and its causes has improved greatly. We now understand that sustained growth depends on broad progress in a number of areas: macroeconomic stability and trade openness; governance and institutions, including a good education system, effective legal institutions, and professional bureaucracy; vigorous competition; and adequate infrastructure” (WORLD BANK, 2002a, p. 26).

163

Wolfensohn subestimou os elementos estruturais e polarizadores da riqueza que estavam

por trás do aumento dos índices de pobreza a nível global, bem como o papel das

contradições internas do Banco na retroalimentação dessa dinâmica211.

Ao mesmo tempo, com o avançar dos anos, tornava-se cada vez mais nítido que o

combate à pobreza foi deixando de ser apenas um efeito desejável das políticas de

desenvolvimento do Banco para tornar-se o objeto central da atuação da instituição212.

Na década de 1990, os empréstimos para saúde, educação e proteção social

chegaram a quase um quinto do total de empréstimos do Banco (Ver figura 3.1), o qual se

tornou a maior fonte de financiamento externo nesses setores213. O Banco reforçava,

assim, sua guinada rumo à adoção da perspectiva multidimensional do processo de

desenvolvimento - que abordava as questões relacionadas à pobreza num sentido mais

amplo que a simples falta de renda.

Dessa forma, se a estratégia de desenvolvimento vinculada ao combate dos

aspectos multidimensionais da pobreza214 chamava a atenção para uma nova gama de

problemas (como educação, saúde, baixa renda), por outro lado, não se pode esquecer

211 Nas palavras de Caufield: “Wolfensohn’s determination to make the Bank efficient and responsive was not matched by a coherent vision of what the Bank should be doing to achieve the poverty reduction of which he so often spoke. He has not addressed, far less resolved, the internal contradictions in the Bank’s mission, the contradictions that have resulted in many of its borrowers spiraling deeply into debt, that have exacerbated the gap between the rich and the poor, and that have required the poor to pay the greatest costs of development while receiving few of its benefits. Better management and an improved esprit de corps will not cure these problems” (CAUFIELD, 1997, p. 329). 212 De acordo com Caufield: “Over the years, giving help to the poor has become an increasingly important aspect of the Bank’s idea of itself. Poverty alleviation, at first seen merely as a desirable side effect of the Bank’s lending, is now the central object of its existence” (CAUFIELD, 1997, p. 02). 213 De acordo com o Banco Mundial, a ampliação de seus projetos nos campos da saúde e educação contribuiu para a melhora do nível de bem-estar da população em geral: “Bank lending for health, education, and social protection has risen steadily and now constitutes nearly one-fifth of total lending. During the 1990s, the Bank also increased lending for governance and public sector reform, private sector development, and environmental protection (…) The Bank is the world’s largest external funder of education projects ($30 billion cumulative), and also the world’s largest external funder of health programs, with new commitments of $1.3 billion a year for health, nutrition, and population projects. Its projects have had major returns in improved well-being” (WORLD BANK, 2002a, p. 54 e 60). 214 Sobre o papel do combate aos aspectos multidimensionais da pobreza no processo de desenvolvimento, temos que: “In recent years, the goals of development has come to embrace the elimination of poverty in all its dimensions – income poverty, illiteracy, poor health, insecurity of income, and powerlessness. A consensus is emerging around the view that development means increasing the control that poor people have over their lives, through education, health, and greater participation, as well as income gains” (WORLD BANK, 2002a, p. 06).

164

que a proporção que esses problemas alcançaram nas economias periféricas se deve, em

certa medida, às políticas liberais de ajuste previamente indicadas pelo próprio Banco em

nome da estabilização. O que ocorreu, na realidade, é que o preço a ser pago pela

estabilidade alcançada via reformas liberais era alto, já que as conseqüências diretas

desse processo foram a desarticulação do Estado e a conseqüente deterioração do nível de

bem-estar social. Decorre daí que se tornava necessário contrair novos empréstimos junto

ao Banco, destinados ao setor social, para recuperar o nível de bem-estar anterior às

reformas215.

Com a proximidade do novo milênio, o processo de polarização de riqueza e

poder no cenário internacional era evidente e vinha acompanhado pela deterioração das

condições de vida na periferia. Ao mesmo tempo, questões de desenvolvimento

sustentável e que repercutissem em melhoria do padrão de vida em nível global vão

ganhando destaque na arena internacional. Nesse contexto, o enfoque multidimensional

de desenvolvimento e combate à pobreza, então adotado pelo Banco Mundial, passa a

incorporar os aspectos formalizados pelos chefes de Estado no encontro da ONU de 2000

– chamados “Desafios do Milênio” ou Millennium Development Goals (MDGs) – que são

apresentados de forma sintética no quadro abaixo216.

215 Sobre esse assunto, ver Griesgraber & Gunter, 1996b, p. 164. 216 De acordo com o Banco Mundial, existe uma convergência entre sua perspectiva de desenvolvimento e as proposições dos MDGs: “The understanding of development has evolved. It is now widely accepted that poverty reduction efforts should address poverty in all its dimensions – not only lack of income, but also the lack of health and education, vulnerability to shocks, and the lack of control over their lives that poor people suffer. This understanding of poverty in some cases implies different approaches than in the past. (…) This multidimensionality of poverty is embodied in the Millennium Development Goals (MDGs) adopted by heads of state at a United Nations summit in 2000” (WORLD BANK, 2002a, p. xii).

165

Quadro 3.4 - Millennium Development Goals (MDGs)

As medidas propostas pelos “Millennium Development Goals” podem ser resumidas em oito frentes principais:

1. Erradicação da pobreza extrema e da fome até 2015; 2. Alcançar educação básica universal até 2015; 3. Promover igualdade de gêneros e fortalecer o papel das mulheres; 4. Redução da mortalidade infantil; 5. Investir no cuidado com as gestantes; 6. Combater a AIDS, malária e outras doenças; 7. Garantir sustentabilidade ambiental através do princípio do desenvolvimento sustentável; e 8. Construir uma rede de parceria global para o desenvolvimento.

Fonte: Elaboração do autor com base em World Bank, 2003, p. 35.

Progressivamente, os esforços do Banco Mundial passam a ser direcionados às

medidas propostas pelos “Desafios do Milênio”. A “Declaração do Milênio” (The

Millennium Declaration), assinada por 189 países em Setembro de 2000 nas Nações

Unidas na ocasião do “United Nations Millennium Summit”, representava uma parceria

entre esses países para criar um ambiente – tanto em nível nacional quanto global – capaz

de conduzir ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza.

De acordo com o Banco, seria a anuência em relação aos termos dessa declaração

(e não a preocupação com a polarização social provocada pelo processo de globalização)

que levaria ao maior comprometimento das partes com a adoção das medidas propostas

pelos “Desafios do Milênio” – que representam, por sua vez, o sumário de uma agenda

específica de redução da pobreza global (WORLD BANK, 2005c, p. 17).

Paloni & Zanardi (2006, p.01) ampliam esse debate, apontando que a guinada da

estratégia de atuação do Banco Mundial - tanto no sentido do combate aos aspectos

multidimensionais da pobreza quanto na direção dos MDGs – estaria associada ao

advento dos novos desafios relacionados ao processo de globalização:

Globalization is presenting the World Bank and the IMF with new challenges by imposing a rethinking of the nature of development and a reassessment of the appropriateness of current development policies. The International Financial Institutions (IFIs) have responded by redefining their international roles, their priorities and their forms of intervention. In particular, they have made the achievement of poverty reduction and other Millennium

166

Development Goals their overriding objective. In addition, they have redefined their role as that of providing support for locally owned pro-poor reform programmes (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 01).

Com o passar dos anos, o Banco Mundial começa a observar que apesar dos

avanços alcançados na direção dos MDGs, esse progresso tem se mostrado desigual e

muito lento uma vez que a grande maioria dos países só conseguirá atingir suas metas

através de elevados montantes de financiamento externo. Sob esse ponto de vista, o

desafio que se coloca para a comunidade global seria o de mobilizar apoio financeiro e

vontade política para reorientar as políticas de desenvolvimento – bem como estabelecer

parcerias tanto com organizações sociais quanto com o setor privado para sustentar uma

atuação conjunta na direção desses desafios217 (WORLD BANK, 2005c, p. 18).

Por outro lado, de acordo com o Banco, recursos externos isoladamente não

seriam suficientes para garantir que os desafios globais fossem superados218. Seria

necessário, nessa direção, que cada país apresentasse forte compromisso junto ao

processo mediante implementação de políticas e instituições voltadas para o progresso,

uma vez que a assistência externa por si só não substitui a necessidade de

comprometimento interno frente aos desafios – funcionando apenas como um elemento

complementar219.

Levando em conta a relevância do comprometimento do país junto ao processo e

com o intuito de aumentar a eficiência de seus programas, o Banco Mundial passa a

liberar cada vez mais recursos para países que estivessem adotando as políticas 217 De acordo com o Banco Mundial: “Global development challenges – such as the spread of infectious diseases, the challenge of building an international trade and financial architecture, loss of biodiversity, deforestation, and climate change – cannot be handled solely by individual countries and therefore require multilateral action. Such action is typically most effective when linked to country efforts” (WORLD BANK, 2002a, p. 68). 218 Stiglitz coloca que, nos últimos anos, o Banco Mundial tem sinalizado a limitação de seus fundos em relação aos desafios do desenvolvimento: “In recent years, the Bank has increasingly recognised that funds are largely fungible, and that the limited funds it has available cannot by themselves make much of a dent on development” (STIGLITZ, 1999, p. 592). 219 Segundo o relatório do Banco Mundial: “What does this analysis imply for meeting the Millennium Development Goals? One lesson is that external resources alone will not be sufficient to ensure that global goals are met. The recipient country’s level of commitment and the quality of its policies and institutions are the primary determinants of progress. Experience and analysis have taught us that outside aid cannot substitute effectively for these factors” (WORLD BANK, 2002a, p. 71).

167

consideradas “adequadas”, mostrando ao mesmo tempo certa disposição em incorporar o

foco de prioridades do país tomador na estratégia global de financiamento ao país

(WORLD BANK, 2002a, p. 61).

Esse é o papel da “Estratégia de Assistência ao País” ou Country Assistance

Strategy (CAS)220, proposta do Banco em conhecer melhor a estratégia global de

desenvolvimento do país financiado e cujas principais preocupações são: 1) incorporar a

realidade do país no desenho do projeto; 2) verificar a existência de competência técnica

para o tipo de projeto; e 3) certificar-se que os benefícios do projeto justificam o custo

para o país (WORLD BANK, 2003, p. 38).

No entanto, por mais que o Banco Mundial tente demonstrar um movimento de

aproximação das verdadeiras prioridades das economias periféricas em termos de

desenvolvimento, esses países continuam sendo sub-representados no interior da

instituição - comprometendo assim, em última instância, o desempenho dos programas e

projetos implementados221.

No mais, mesmo depois de 60 anos de atuação, o Banco Mundial ainda não está

aberto de fato para a discussão mais ampla em torno do processo de desenvolvimento.

Ainda que se intitule como “The Knowledge Bank”222 - em referência aos conhecimentos

adquiridos na área de desenvolvimento – e avance em termos de retórica, na prática, a

instituição não adapta suas recomendações às necessidades específicas de cada país,

reproduzindo até hoje o mesmo modelo de política para todos os países periféricos:

To remain true to its founding objective of being a global catalyst for creating, sharing and applying the cutting-edge knowledge with which to inform recipient country policy-makers in their

220 De acordo com o Relatório do Banco: “The CAS is a Bank-owned document that sets forth the Bank’s assistance program based on the country’s own vision and associated development program, the Bank’s diagnosis of the countries policies, institutions, and private sector strength, and Bank’s comparative advantage, given the support provided by development partners” (WORLD BANK, 2002a, p. 55). 221 Nas palavras de Ranis, Vreeland & Kosack, a baixa representatividade da periferia estaria relacionada a problemas mais amplos da governança global: “Global governance is vital for addressing these concerns. Yet poor countries are decidedly under-represented in the institutions of global governance, particularly the Multilateral Development Banks (MDBs). There are a series of arguments on why this under-representation may reduce the bank’s effectiveness; among them: under-representation limits the banks’ funding, fosters a feeling that the policies the banks recommend are intrusive, and limits the recipient country’s ownership, and therefore the likely success, of bank programs” (RANIS, VREELAND & KOSACK, 2006, p. 12). 222 Ver World Bank, 2003, p. 155.

168

choice of policies, the Knowledge Bank ought to have an open attitude towards dissenting research and policies. By contrast, the Bank appears to advocate a particular approach and seems to be unwilling to consider alternative views and policy advice. The Operations Evaluations Department itself recognizes that the policies that the Bank recommends are not adapted to individual country circumstances. It is only a short step away from admitting that, despite its rhetoric about it recognizing the existence of alternative approaches to policy reform and development, in fact the Bank still regards the models and policies it represents as the only viable approach to solving economic and social problems in developing countries (PALONI & ZANARDI, 2006, p. 23).

De fato, em declaração realizada no ano de 1994, o Tesoureiro do Banco Mundial

Eugene Rotberg sinalizou que o fato do Banco Mundial ter mudado sua retórica não

significa, necessariamente, que tenha mudado seu comportamento no decorrer das

últimas décadas223.

Para Caufield (1997, p. 333), os principais motivos pelos quais o Banco Mundial

não teria avançado em seus propósitos declarados de crescimento são muito simples e

encontram-se relacionados tanto aos falsos pressupostos nos quais se apóia, quanto à

estrutura da instituição em si224.

Um dos elementos que evidencia essa dinâmica equivocada no interior do Banco

é a constatação de que, na essência, a instituição se preocupa mais com sua imagem nos

países centrais que nos periféricos. Isso se deve ao fato dos países centrais - através dos

recursos empregados na compra dos títulos do Banco - serem os responsáveis diretos pela

legitimação do poder de alcance mundial da instituição. Por essa perspectiva, os seus

verdadeiros clientes não são os países periféricos, mas sim, os países centrais. Decorre

daí que se a imagem do Banco Mundial se deteriorar junto aos países mais ricos, os

223 De acordo com Caufield: “In 1994, the Bank’s longtime treasurer, Eugene Rotberg, said, ‘I am not one of those who believe that the World Bank has changed over the last twenty years. I think the rhetoric has changed, the talk has changed, and maybe, at the margin, the lending has changed. However, most of the staff are not doing things differently than they did twenty or thirty years ago” (CAUFIELD, 1997, p. 310). 224 Segundo a autora: “The Bank’s founders envisioned a rosy picture of a future in which its loans would bring economic growth to its borrowers, making their citizens prosperous and increasing world trade, thus reinforcing global prosperity, strengthening the bonds between nations, and creating the climate for a lasting peace. That this picture has not materialized is due both to the false assumptions on which the Bank was established and to the structure of the Bank itself” (CAUFIELD, 1997, p. 333).

169

impactos seriam sentidos diretamente no caixa da instituição, refletindo,

consequentemente, na diminuição do seu poder no cenário mundial (GEORGE &

SABELLI, 1994, p. 235).

Em relação aos resultados dos financiamentos, pela perspectiva do Banco, o

processo de assistência atualmente tem se mostrado mais efetivo do que nunca na

estratégia de combate à pobreza225. Já para Mallaby (2005, p. 85) o fato do Banco

Mundial ter ampliado demais seu campo de atuação – que passou a incorporar questões

que vão desde meio ambiente e população indígena até a redução da dívida dos países do

terceiro mundo – poderia resultar no declínio da instituição. Seguindo esse raciocínio, o

autor sugere que os principais acionistas redimensionem o foco de atuação do Banco caso

tenham interesse em preservar sua continuidade institucional do ponto de vista

internacional226.

Por ocupar posição de destaque no cenário mundial, bem como reproduzir, em

grande parte, a agenda política do hegemon, é natural que existam inúmeras críticas

direcionadas à atuação do Banco Mundial. O intuito aqui não consiste em sistematizar

todas as vertentes críticas em relação ao Banco, mas sim, apresentar alguns pontos

pertinentes para uma reflexão mais analítica sobre o tema.

Na visão de George & Sabelli (1994, p. 10), o Banco Mundial teria como

principal escopo ampliar seu poder econômico e influência política internacional, o que

levaria a instituição a atuar da forma que mais contribuísse à realização desse objetivo.

Os autores consideram que uma evidência disso é o fato do Banco se preocupar com a

questão da pobreza em seu discurso enquanto, na prática, implementa políticas com alto

poder de exclusão que, por sua vez, aumentam os níveis de pobreza que supostamente

deveriam combater.

225 De acordo com o Relatório do Banco: “Better policies in developing countries, together with improved allocation of aid since the end of Cold War, imply that aid is more effective today at reducing poverty than ever before” (WORLD BANK, 2002a, p. ix). 226 Nas palavras do autor: “If the United States and its allies are serious about managing globalization, they need to improve on their cavalier approach to the World Bank and other key global institutions. (…) The bank’s leading shareholder will have to recognize that they have set the institution up for failure. They have declared grand development objectives, then done little to support the bank in its effort to achieve them. They have nobly proclaimed utopian goals, then left the bank to take the blame for not advancing them” (MALLABY, 2005, p. 84-85).

170

Além disso, a instituição age como se sua visão de desenvolvimento fosse norma,

isto é, como se fosse portadora da correta política de desenvolvimento. Segundo os

autores, isso leva a crer que o sucesso do Banco Mundial seria, a princípio, mais evidente

do ponto de vista cultural e ideológico que no campo econômico. Por essa perspectiva, a

hegemonia da instituição na definição da “correta política de desenvolvimento” no plano

internacional, bem como sua legitimidade para ditar os rumos das mudanças de

estratégia, representariam indícios claros de sua vitória ao longo das décadas (GEORGE

& SABELLI, 1994, p. 07). Naturalmente, o sucesso ideológico a que se referem os

autores, possui desdobramentos que exercem impacto direto em outras esferas, inclusive

a econômica.

Outro grupo de críticas, levantado por Boughton & Lateef (1995, p. 18), refere-se

ao fato do Banco propor a redução da pobreza mundial por meio dos mecanismos de

mercado sem levar em conta que o combate à pobreza e as políticas pró-mercado são

dimensões excludentes. Por esse ponto de vista, enquanto o Banco insistir em seguir a

trilha do mercado, estará condenado ao fracasso no combate à pobreza. Os autores

apontam, por exemplo, que o Banco recomenda a intensificação dos programas de ajuste

por um lado e a redução da pobreza por outro, como se não existisse um claro

antagonismo na adoção das duas medidas em conjunto. Em outras palavras, existe uma

relação de causalidade entre a intensificação dos programas de ajustamento e o aumento

da pobreza que não está sendo considerada no âmbito do debate.

Por fim, desde sua fundação até os dias de hoje, o Banco sempre se mostrou

preocupado com sua perpetuação institucional. Como forma de preservação da sua

legitimidade no plano internacional, o Banco foi modificando seu discurso e a natureza

de suas políticas ao longo do tempo, desenvolvendo a habilidade de sobreviver enquanto

instituição devido à sua capacidade de se redefinir:

That the Bank – created to fill a postwar need – has survived more than half a century of dramatic global economic and political changes is due largely to its ability to redefine itself. Among the personas it has adopted are those of a capitalist tool, a friend of big government, an international mediator, a force for industrialization, a voice for social justice, a hard-nosed financial institution, a coordinator of the global economy, a social services

171

agency, and an advocate of private entrepreneurship (CAUFIELD, 1997, p. 02).

Sob essa perspectiva, a missão do Banco Mundial continua viva no século XXI

devido à sua capacidade de se acomodar diante de transformações no cenário

internacional227. Nesses momentos de transição, em geral, são apresentados os “novos

desafios a serem superados” – termo que pode ser decodificado como a forma subliminar

de anunciar as novas prioridades em termos de política externa do hegemon.

Como o conceito de desenvolvimento é indeterminado, ou seja, difícil de

conceituar ou definir de um modo unívoco, o Banco Mundial sempre poderá reinventar

seu papel e sua missão, legitimando assim seu grande poder de influência no interior da

economia capitalista mundial.

Concluída a análise da evolução das políticas de desenvolvimento praticadas pelo

Banco Mundial desde sua fundação até os dias de hoje, vejamos agora como se deu a

aplicação dessas políticas para o caso brasileiro, observando as mudanças de estratégia do

Banco por meio da reorientação dos seus financiamentos em termos setoriais. A análise

dos financiamentos do Banco Mundial no Brasil, como um estudo de caso das

reorientações estratégicas da política global de desenvolvimento da instituição, consiste

na temática central da terceira e última parte da tese apresentada no próximo capítulo.

227 Segundo Stiglitz, tanto a missão do Banco Mundial quanto sua visão de desenvolvimento continuarão evoluindo frente às mudanças no cenário internacional no decorrer do século XXI: “The Bank will thus have a mission well into the coming millennium. This would be true even if capital market imperfections were eliminated and capital and financial markets behaved far more stably than they have over the course of the previous two centuries. To be sure, what the Bank does and how it does it will undoubtedly evolve with the continuing changes in the global environment and in our understanding of development – that is, both our views of its objectives and our beliefs about how they can most effectively be accomplished” (STIGLITZ, 1999, p. 595).

172

Capítulo 4 - Políticas e financiamentos do Banco Mundial

para o Brasil: das origens até 2006

O objetivo deste capítulo, que compõe a terceira parte da tese, consiste em

verificar as reorientações da estratégia de desenvolvimento do Banco Mundial -

analisadas nos Capítulo 2 e 3 - através dos financiamentos da instituição para o Brasil

desde os primórdios até o ano de 2006. Trata-se de um estudo de caso com o intuito de

analisar as diferentes estratégias adotadas em termos de desenvolvimento pelo Banco

Mundial, que podem ser observadas pelo redirecionamento dos financiamentos para o

Brasil do ponto de vista setorial.

Para tanto, o período analisado pela tese (1946-2006) foi dividido em três

momentos considerados simbólicos para observar a mudança de estratégia do Banco ao

longo do tempo. A divisão acompanha a mesma disposição apresentada nos capítulos

anteriores: 1) 1946 – 1973 (período voltado predominantemente para financiamento de

projetos de infra-estrutura); 2) 1974 – 1990 (período em que outros setores, inclusive

programas de ajuste, passam a ganhar espaço na política de financiamento); e 3) 1991 –

2006 (período em que programas de ajustamento e a área social e de combate à pobreza

tornam-se predominantes nos financiamentos do Banco).

Não se pretende aqui reconstruir os últimos sessenta anos da política econômica

brasileira, mas sim, situar a política de financiamento do Banco Mundial no contexto

brasileiro observando o relacionamento do país com o Banco ao longo do período.

Para começar a percorrer essa trajetória, o método utilizado para agregar e

classificar os projetos financiados pelo Banco no Brasil ao longo do período 1946-2006 -

bem como as tendências de financiamento verificadas em termos setoriais - representam

nosso ponto de partida e consiste no assunto que será abordado a seguir.

173

4.1. Aspectos metodológicos e agregação dos dados

A proposta da presente tese – que naturalmente se estende a esse capítulo – é

realizar uma reflexão crítica acerca da atuação do Banco Mundial com base em seu modo

operacional e suas diretrizes de financiamento. Nesse sentido, em primeiro lugar, torna-se

importante assinalar que trabalhar com os dados do Banco Mundial não representa tarefa

fácil.

Para a realização deste capítulo, foram classificados todos os financiamentos

aprovados e efetivados pelo Banco Mundial desde o início de suas operações no Brasil

até o ano de 2006. Como foi dito acima, esses financiamentos foram subdivididos em três

grandes períodos, acompanhando os principais momentos de inflexão e reorientação da

política de desenvolvimento do Banco Mundial.

A idéia desse estudo do caso brasileiro pretende, além de contribuir para uma

reflexão mais ampla sobre o papel dos financiamentos do Banco Mundial para o

desenvolvimento econômico nacional, demonstrar que os momentos de reorientação da

estratégia global de desenvolvimento da instituição (influenciados pelas transformações

internacionais) também podem ser observados através da atuação da instituição no Brasil

ao longo das décadas.

O delineamento estratégico das políticas de desenvolvimento do Banco Mundial

se modificou no decorrer do tempo e, em grande medida, foi influenciado pelas

transformações no âmbito internacional. Com o intuito de incorporar esse movimento no

escopo da análise, torna-se necessário seguir a seqüência histórica que acompanha e

especifica as características de cada um dos três períodos selecionados: 1946-1973; 1974-

1990; e 1991-2006.

Conforme foi visto nos capítulos anteriores (principalmente nas Seções 1.4, 2.2 e

3.4), existe uma relação entre as mudanças nas diretrizes da agenda política do hegemon e

o redirecionamento da política de desenvolvimento do Banco Mundial228.

228 Corroborando com esse ponto de vista, Lichtensztejn & Baer – que analisam o papel do Banco Mundial no Brasil - colocam que: “No que se refere ao âmbito eminentemente político (...) deve ser sublinhada a

174

É importante, nesse momento, ter clareza de que conforme a agenda política do

hegemon se reposiciona diante das transformações internacionais, as políticas de

desenvolvimento do Banco Mundial acompanham e são influenciadas por esse

movimento229. Esta é, na realidade, a hipótese estruturante desta tese.

As inflexões observadas na política global de financiamento do Banco Mundial

traduziram-se, com semelhante ênfase, nas mudanças de orientação e em sua forma de

atuação no Brasil. A dinâmica das relações econômicas internacionais engendrou novas

funções ao Banco Mundial, bem como repercutiu no próprio processo de planejamento

do desenvolvimento econômico brasileiro (GONZALES, 1990, p. 149).

Para observar melhor esse redirecionamento das políticas de desenvolvimento do

Banco Mundial e a forma como esse movimento se manifesta nos financiamentos do

Banco para o Brasil, torna-se relevante observar como são alocados os recursos da

instituição para o país no plano setorial.

Nessa direção, ao pesquisar os projetos financiados pelo Banco Mundial para o

Brasil surge o problema de agregação e classificação dos projetos em termos setoriais.

Esse problema, como explicado a seguir, remete mais a uma divergência metodológica e

ideológica em relação aos critérios do Banco do que a um problema operacional em si.

Vejamos então qual foi a divergência entre os critérios classificatórios do Banco e os

escolhidos na presente análise e a forma como a existência dessa divergência acaba

denunciando e corroborando com a diferença existente entre o discurso e a prática de

atuação do Banco Mundial nos projetos financiados.

Analisando as características e finalidades dos projetos, foi possível selecionar

cinco setores capazes de agregar e incorporar o escopo dos projetos financiados pelo

Banco Mundial para o Brasil nos últimos sessenta anos:

importância que o peso e as sucessivas mudanças de direção da política externa norte-americana tiveram nas orientações do Banco Mundial” (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 236). 229 Em sua análise sobre o papel do Banco Mundial no Brasil, Gonzales constata que tanto as transformações internacionais quanto o redirecionamento da política externa norte-americana exercem influência na revisão da estratégia global de desenvolvimento da instituição. Sobre esse assunto ver Gonzales, 1990, p. 28.

175

1. Setor de Infra-estrutura (referindo-se aos projetos de infra-estrutura e transportes);

2. Setor de Agricultura (referindo-se aos projetos de agricultura, mineração e meio-ambiente);

3. Setor de Indústria (referindo-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano);

4. Setor de Ajustamento (referindo-se aos programas de ajustamento que englobam reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações); e

5. Setor Social (referindo-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e de saúde).

De acordo com essa classificação, um projeto na área de “Infra-Estrutura”, por

exemplo, deveria contemplar a construção de novas plantas de energia ou a construção de

novas estradas. No entanto, observando os critérios de classificação do Banco, é possível

perceber que empréstimos direcionados à privatização do setor elétrico, que em tese

deveriam ser classificados no setor de “Ajustamento”, aparecem classificados no setor de

“Infra-estrutura” pela metodologia do Banco.

Nessa direção, o mesmo projeto classificado como “Transportes” pelo Banco

Mundial (que seria alocado, a princípio, no setor de “Infra-estrutura” na classificação

adotada na presente tese), na verdade, representa um empréstimo para ajuste que deveria

ser alocado no setor de “Ajustamento”: é o caso do empréstimo realizado no ano de 1987

para o governo do Estado de São Paulo, envolvendo o valor de US$ 174 milhões,

chamado “State Highways Management Project”. Se pela classificação do Banco o

financiamento foi classificado como vinculado ao setor de “Transportes” (o que seria

natural caso estivesse sendo construída novas estradas), ao analisar o conteúdo do

projeto, observa-se claramente que se trata de um empréstimo para “Ajustamento”, ou

seja, a proposta central do financiamento era promover o gerenciamento das estradas

visando maior eficiência e participação do setor privado tendo em vista a privatização

dessas estradas.

Exemplo ainda mais nítido desse descompasso existente entre o escopo do projeto

e a classificação realizada pelo Banco, ocorre no caso do empréstimo concedido em 1996

no valor de US$ 700 milhões para o projeto chamado “Federal Railways Restructuring

and Privatization Project”. O projeto é classificado pelo Banco junto ao setor de

176

“Transportes” quando, na verdade, deveria ser alocado no setor de “Ajustamento” dado

que não foi construída nenhuma nova estrada230.

Esses são alguns exemplos dentre os inúmeros casos em que os empréstimos

acabaram sendo classificados na presente tese de maneira diversa daquela apresentada

pelo Banco Mundial. Desse modo, empréstimos classificados pelo Banco Mundial como

“Infra-estrutura”, cuja finalidade do financiamento referia-se à privatização do setor

elétrico ao invés da construção de novas plantas foram classificados como

“Ajustamento”; empréstimos classificados pelo Banco junto ao setor “Social”, cuja

finalidade do financiamento referia-se à reforma da previdência, também foram

classificados como “Ajustamento”, e assim por diante.

Para tanto, foi necessário investigar a natureza setorial de cada projeto para evitar

reproduzir a classificação imprecisa e enviesada apresentada pelo Banco Mundial. Afinal,

um empréstimo para a privatização do setor elétrico, no entender da presente tese, se

enquadra mais adequadamente no setor de “Ajustamento” que no setor de “Infra-

estrutura” como divulga o Banco.

A intenção aqui não é propor uma nova metodologia de classificação dos

empréstimos do Banco Mundial. No entanto, uma vez analisado o escopo de cada um dos

345 projetos financiados para o Brasil, tornou-se mais pertinente reclassificar os projetos

de acordo com seus objetivos do que meramente reproduzir a classificação apresentada

pelo Banco Mundial que nem sempre foi capaz de captar a proposta principal do

financiamento.

As dificuldades de agregação ficaram ainda mais acentuadas no que se refere aos

projetos financiados a partir de meados da década de 1980, quando inúmeros

empréstimos passam a ser identificados pelo Banco segundo uma classificação multi- 230 As informações sobre o projeto, disponibilizadas no site do Banco Mundial, comprovam o descompasso entre o escopo do financiamento e a classificação do projeto realizada pela instituição: “The Federal Railways Restructuring and Privatization Project aims to reduce the cost of freight transport in Brazil's main corridors by restructuring and privatizing the federal railways. Specific objectives are to: 1) improve performance by restructuring and concessioning Rede Ferroviaria Federal S.A.'s (RFFSA) operations to private operators, and by restructuring its finances to settle debts and labor liabilities; 2) increase productivity through staff retrenchment and emergency rehabilitation of critical assets in order to make the proposed concessions viable, while minimizing the social cost of staff retrenchment; and 3) enhance competition through regulatory reform, with a view to increase the railways market share and reduce freight transport rates” (Disponível em www.worldbank.org.br).

177

setorial. Um exemplo dessa classificação multi-setorial utilizada pelo Banco pode ser

observado no empréstimo de US$ 550,6 milhões, em 1987, para o financiamento

chamado “Itaparica Project”. De acordo com a classificação do Banco Mundial, trata-se

de um empréstimo multi-setorial com a seguinte composição: setor de “Agricultura”

(64%), setor “Social” (27%), setor de “Transportes” (7%) e Setor de “Energia” (2%).

Nesses casos, para fins de classificação adotados na presente tese, prevaleceu o

setor majoritário desde que as propostas do financiamento fossem condizentes de fato

com o setor indicado, e não uma mera camuflagem de empréstimos de ajustamento com

roupagem de financiamentos referentes a outros setores231.

No total, foram analisados 345 projetos entre 1949 (ano do 1º empréstimo do

Banco Mundial para o Brasil) e 2006. Alguns permaneceram com a mesma classificação

indicada pelo Banco enquanto outros foram realocados para setores mais condizentes

com a característica e escopo do projeto em questão. Cabe destacar aqui que a maior

freqüência no processo de reclassificação dos projetos foi dos setores “Infra-estrutura”,

“Transportes” e “Social” (classificação original do Banco) para o setor de “Ajustamento”

(classificação adotada pela presente tese).

Explicadas as diferenças metodológicas entre a classificação dos projetos

utilizada pelo Banco e a adotada na presente tese, antes de passar para a análise das

tabelas que contemplam a distribuição dos financiamentos do Banco por setor, vejamos

como funciona a dinâmica ou ciclo de um projeto de financiamento externo no Brasil.

Primeiramente, um pedido de empréstimo externo deve passar pela Comissão de

Financiamentos Externos (COFIEX), órgão do governo brasileiro que centraliza o

processamento dos pedidos de empréstimos externos. A COFIEX, que integra a estrutura

do Ministério do Planejamento, tem por missão avaliar pleitos de apoio externo de

231 Para ilustrar como a nomenclatura utilizada pelo Banco pode não captar o verdadeiro escopo do projeto em questão, no relatório do Banco Mundial de 2005, por exemplo, foi declarado que os “empréstimos para ajuste” passaram a ser denominados “empréstimos para políticas de desenvolvimento”: “Neste ano o Banco Mundial continuou seu programa de simplificação e modernização de seus instrumentos, processos e políticas. O empréstimo para ajuste foi renomeado “empréstimo para políticas de desenvolvimento” para destacar e refletir a adesão do país e apoiar os esforços dos governos clientes no sentido de atender às suas necessidades” (BANCO MUNDIAL, 2005, p. 23). Sobre esse assunto ver também Banco Mundial, 2005, p. 46.

178

natureza financeira - inclusive nos casos em que requeiram modificações nos respectivos

instrumentos contratuais, especialmente prorrogações de prazo de desembolso,

cancelamentos de saldos, expansões de metas e reformulações dos projetos ou programas.

A COFIEX possui 10 membros: é presidida pelo Secretário-Executivo do

Ministério do Planejamento, sendo integrada ainda por outros 4 representantes do mesmo

ministério, 3 representantes do Ministério da Fazenda (MF), 1 representante do

Ministério das Relações Exteriores (MRE) e 1 representante do Banco Central do Brasil

(BACEN). Cabe aqui destacar que nenhum representante da sociedade civil integra este

órgão de grande importância para o processamento de pedidos de financiamento

externo232 (CASTRO, 2005, p. 90).

A atuação da COFIEX se baseia no “Manual de Financiamentos Externos” -

publicado pela Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão (SEAIN/MPOG) – que representa um documento útil para orientar

os agentes públicos brasileiros (ministros, governadores, prefeitos e dirigentes de

empresas públicas) interessados em fazer tramitar os pedidos de financiamento externo

pelas instâncias apropriadas233.

O Manual oferece uma descrição das etapas burocráticas que necessitam ser

cumpridas, de acordo com a legislação brasileira em vigor, para que os pedidos de crédito

sejam apreciados pelas instâncias decisórias relevantes.

Em geral, o processamento de um pedido de crédito externo deve tipicamente

cumprir as etapas apresentadas resumidamente no quadro a seguir: 232 Castro ressalta a importância de transparência do governo em termos da criação de espaço para maior participação da sociedade civil nos pedidos de financiamento externo. Em sua obra, Castro argumenta que a política de planejamento no Brasil, especialmente no seu componente relativo à obtenção e alocação do crédito externo que possui inúmeros impactos sobre diversas políticas públicas, ainda necessita ser mais aberta e representativa dos interesses dos diversos grupos sociais. Nas palavras do autor: “Evidentemente, se o governo desejasse, poderia reformar diversos aspectos desses procedimentos, para abri-los à ampla participação da sociedade civil. Por exemplo, a Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) poderia incluir a representação de grupos da sociedade civil, com direito de voz ou direito de voto, ou ambos. Outro exemplo: poderia ser instituída a obrigação de publicação na internet, (com prazos suficientes para tomada de ciência e discussão pela sociedade civil) de qualquer “proposta” de pedido de empréstimo externo apresentado à COFIEX. Poderiam, ainda, ser obrigatoriamente publicadas na internet as minutas de contratos objeto de “pré-negociação” e “negociação”, bem como as “condicionalidades” (expressas por exemplo nos chamados “documentos de programa”) que os Agentes Financeiros externos atrelam às suas operações de empréstimo” (CASTRO, 2005, p. 95). 233 Para maiores detalhes sobre o “Manual de Financiamentos Externos”, ver Castro, 2005, p. 95.

179

Quadro 4.1 – Etapas do processamento de um pedido de crédito externo

1. O interessado (mutuário proponente), que será um agente público federal, estadual ou municipal, apresenta à COFIEX proposta de pedido de empréstimo a ser obtido junto a uma agência externa (tal como o Banco Mundial e o BID);

2. A COFIEX aprecia a proposta – verificando o enquadramento do projeto no Plano Plurianual (PPA) e a observância da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – e recomenda o seu prosseguimento, ou rejeita a proposta;

3. Sendo recomendado o prosseguimento da proposta, tem início a chamada “preparação do projeto” de obtenção do empréstimo;

4. A preparação do projeto envolve entendimentos entre o “mutuário proponente” e o agente financiador (como o Banco Mundial e o BID), missões e visitas técnicas de representantes desses órgãos, etc.;

5. Registro dos documentos relevantes junto ao Banco Central e credenciamento do “mutuário proponente” também perante o Banco Central, habilitando assim o mutuário proponente a negociar formalmente com a agência financiadora externa (como o Banco Mundial e o BID);

6. Deve também ser aberto processo, para obtenção de autorização de processamento do projeto no Ministério da Fazenda, que atua por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN);

7. A PGFN colhe parecer da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) que verifica, sobretudo, a viabilidade financeira (previsão e capacidade orçamentária para repagamento) da operação;

8. Realização de uma “reunião de pré-negociacão” agendada pela COFIEX, para fins de discutir minutas contratuais (do contrato de empréstimo), com a participação de representantes da STN/Ministério da Fazenda, do proponente mutuário e outros agentes públicos relevantes;

9. Depois de fixada, na reunião de pré-negociação, uma “posição” do governo quanto ao conteúdo do contrato de empréstimo, a Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN) agenda uma “reunião de negociação” de uma delegação do governo brasileiro com o Agente Financiador (tal como o Banco Mundial e o BID);

10. Concluída a negociação, a proposta é submetida à aprovação pela diretoria do Agente Financiador (como o Banco Mundial e o BID);

11. Após a aprovação da diretoria do Agente Financiador, a Procuradoria da Fazenda elabora uma “Exposição de Motivos” do Ministro da Fazenda dirigida ao Presidente da República, solicitando o envio de “Mensagem Presidencial” ao Senado Federal, para fins de obtenção de autorização da contratação do empréstimo ou de concessão de garantia da União;

12. Após a aprovação pelo Senado Federal, dada mediante “Resolução”, a Procuradoria da Fazenda prepara despacho do Ministro da Fazenda autorizando a operação; e

13. Por fim, depois de assinado o despacho, o contrato pode ser assinado pelas partes envolvidas.

Fonte: Elaboração do autor com base em Castro, 2005, p. 93.

180

No caso específico da modalidade de financiamento oferecida pelo Banco

Mundial, normalmente é requerida uma contrapartida financeira do mutuário sobre o

projeto financiado, tanto como forma de complementar os recursos disponibilizados pelo

Banco, quanto para assegurar maior compromisso do mutuário em relação ao projeto em

questão.

De acordo com a perspectiva apresentada no site do Banco Mundial, os projetos

financiados pela instituição são de propriedade do governo mutuário e devem

acompanhar as oito etapas que compõem o “ciclo do projeto”234 apresentado abaixo:

1. Identificação – Banco e Mutuário;

2. Preparação – Mutuário;

3. Avaliação Inicial – Banco;

4. Negociações – Banco e Mutuário;

5. Aprovação da Diretoria – Banco;

6. Assinatura e Efetividade – Banco e Mutuário;

7. Implementação (Mutuário) e Supervisão (Banco);

8. Avaliação final do Projeto – Banco e Mutuário.

Uma vez apresentada, ainda que de forma resumida, as etapas envolvidas nas

negociações entre o Brasil e o Banco Mundial na solicitação de financiamento de um

projeto individual, vejamos agora como os empréstimos se distribuíram no caso brasileiro

ao longo dos três momentos considerados emblemáticos da política de desenvolvimento

adotada pela instituição, ou seja: 1) 1946 – 1973; 2) 1974 – 1990; e 3) 1991 – 2006.

As Tabelas 4.1 e 4.2 apresentam o resultado da pesquisa dos 345 projetos do

Banco que foram agregados e classificados em cinco setores que, como foi explicado

anteriormente, não reproduzem exatamente a classificação disponibilizada pelo site do

Banco Mundial. Após analisar o conteúdo de cada projeto, parte deles permaneceu na

classificação original apresentada pelo Banco e parte foi classificada de forma mais

adequada e vinculada às suas propostas.

234 Disponível em www.worldbank.org. Acerca do “ciclo dos projetos”, ver também Soares, 1999, p. 33.

181

A Tabela 4.1 apresenta a os empréstimos relativos aos cinco setores ao longo dos

três períodos selecionados, apresentando a distribuição percentual dos valores dos

financiamentos (em US$ milhões). Já a Tabela 4.2235 apresenta o número de empréstimos

financiados por setor ao longo dos três períodos selecionados.

Tabela 4.1 - Distribuições % dos valores dos empréstimos segundo os setores:

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1949-1973 74,4 11,7 13,5 0,0 0,4 100,01974-1990 47,6 29,0 8,1 9,8 5,5 100,01991-2006 13,3 4,3 0,3 50,7 31,4 100,01949-2006 31,0 15,3 4,2 30,7 18,8 100,0

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco MundialNotas: (a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

Tabela 4.2 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1946-73, 1974-90 e 1991-2006

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1949-1973 35 6 5 0 1 41974-1990 51 54 16 7 14 1421991-2006 19 21 2 64 50 1561949-2006 30,4% 23,5% 6,7% 20,6% 18,8% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial

7

Ambas confirmam a tendência dos financiamentos setoriais do Banco em escala

global apresentadas nos capítulos 2 e 3, ou seja: no primeiro momento, 1946-1973, os

empréstimos foram direcionados predominantemente para o financiamento de projetos

em infra-estrutura (74,4 % do valor total dos empréstimos para o Brasil, envolvendo 35

dos 47 financiamentos efetivados no período); no segundo momento, 1974-1990, ocorreu

uma maior diversificação setorial dos empréstimos na gestão McNamara com destaque

para o setor agrícola (que passou de 11,7% para 29% do valor total dos empréstimos

envolvendo 54 dos 142 financiamentos efetivados no período) e para o setor de ajuste

(que passou a representar 9,8% do valor total dos empréstimos distribuídos em 7

235 Para consultar as e notas referentes aos setores da Tabela 4.2, dado que são as mesmas, ver Tabela 4.1.

182

programas de ajuste); e no terceiro momento, 1991-2006, os empréstimos para

ajustamento e a área social se tornam predominantes nos financiamentos do Banco.

Em relação ao terceiro momento, os financiamentos para ajuste passam de 9,8%

(em 1974-1990) para 50,7% (em 1991-2006) do valor total dos empréstimos (envolvendo

64 dos 156 financiamentos efetivados no período), enquanto os financiamentos para o

setor social passam de 5,5% para 31,4% do valor total dos empréstimos (envolvendo 50

dos 156 financiamentos efetivados no período).

A distribuição percentual dos valores dos empréstimos setoriais do Banco

Mundial para o Brasil pode ser observada na Figura 4.1 e ilustra como a instituição foi

modificando suas prioridades setoriais de financiamento ao longo do tempo, fato que

pode ser verificado pela alteração na distribuição setorial dos empréstimos entre os

períodos analisados.

Figura 4.1 - Distribuições % dos valores dos empréstimos segundo os setores: 1946-73, 1974-90 e 1991-2006

Distribuição % dos empréstimos segundo os setores

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1946-1973 1974-1990 1991-2006períodos

Infra-estrutura Agricultura Indústria Ajustamento Social

Fonte: Elaboração do autor com base na Tabela 4.1.

183

A mudança de prioridades do Banco Mundial - que pode ser verificada para o

caso brasileiro através da Figura 4.1 - confirma grande parte das revisões de foco das

políticas de financiamento da instituição apresentadas no capítulo 2 e 3. O argumento

defendido por essa tese considera que as alterações e revisões das políticas de

desenvolvimento do Banco Mundial são influenciadas tanto pelas transformações

internacionais quanto pelo reposicionamento da política externa do hegemon diante

dessas transformações no panorama internacional.

O reposicionamento da visão de desenvolvimento do Banco – observada por meio

da revisão das prioridades setoriais da política de financiamento da instituição - afetou

todos os países-membros que recorreram aos financiamentos desse organismo

multilateral, inclusive o Brasil.

Uma vez apresentadas as tendências gerais dos financiamentos do Banco para o

Brasil para os três períodos em questão, vejamos agora, dentro do contexto político-

econômico brasileiro, como essas alterações da estratégia global da política de

desenvolvimento do Banco repercutiram em cada um dos três períodos. Esse será o

assunto das próximas três seções.

As próximas seções serão introduzidas com uma contextualização internacional

da atuação do Banco no período, seguida pelo desdobramento das revisões das políticas

de desenvolvimento do Banco no contexto político-econômico brasileiro.

4.2. O período de vigência dos acordos de Bretton Woods: 1946-1973

Com o final da segunda Guerra Mundial os Estados Unidos claramente

alcançaram uma posição de destaque na economia mundial e, em grande medida,

detiveram também a preeminência político-estratégica no panorama internacional. A

configuração da hegemonia norte-americana era assegurada pela sua singular força

econômica, comercial e tecnológica, bem como pelo relativo controle exercido sobre as

instituições de Bretton Woods - Banco Mundial, FMI e GATT -, que determinavam o

padrão de comportamento esperado de economias colocadas em situação de

interdependência no quadro de uma mesma ordem liberal-capitalista.

184

Como foi visto no Capítulo 1 (mais precisamente nas Seções 1.3 e 1.4), um dos

elementos da estratégia de gestão do sistema internacional adotada pelos Estados Unidos

no pós-guerra foi o princípio do multilateralismo – que assume a forma de organismos

multilaterais imbuídos da missão de legitimar a posição privilegiada dos Estados Unidos

nesse novo cenário.

Entre os organismos multilaterais criados no pós-guerra se destaca o Banco

Mundial, órgão financiador de projetos de desenvolvimento que inicia suas atividades em

1946, cujo campo de atuação consistia em oferecer aos países-membros condições mais

favoráveis de financiamento que aquelas disponíveis no mercado financeiro

internacional.

A maneira como o Banco opera na maior parte dos financiamentos é levantando

recursos junto ao mercado financeiro internacional a taxas preferenciais e realizando

empréstimos aos países-membros a essas taxas, acrescidas de uma margem para cobrir

custos operacionais. Desse modo, o Banco provê crédito em condições preferenciais a

países que dificilmente teriam acesso a essas mesmas condições por meio dos

mecanismos de mercado.

Nos vinte anos que seguem sua criação - compreendendo as gestões de Meyer

(1946), McCloy (1947-1949), Black (1949-1962) e Woods (1963-1968) - o Banco

Mundial foi nítido financiador de projetos específicos e, por esta razão, sua atividade

prestamista foi muito próxima à de um banco comercial, ou seja, sem maior ingerência

direta no âmbito geral das políticas econômicas nacionais dos países mutuários.

Já ao final da década de 1960, durante a gestão de McNamara (1968-1981) que

foi um dos presidentes mais influentes da história do Banco Mundial, abriu-se um novo

panorama na forma de atuação da instituição. Durante a gestão de McNamara o Banco foi

modificando sua política de financiamento em vários aspectos apresentando, inclusive,

tendência a realizar os empréstimos com base em programas setoriais. Ao passar de

financiamentos de projetos individuais para financiamentos de programas setoriais, dada

a maior abrangência da operação, o Banco Mundial ampliou sua margem de ação e

185

passou a usufruir de maior instrumental para exercer influência sobre as diretrizes e

políticas internas dos países mutuários236.

Além disso, a gestão McNamara foi marcada pela promoção da reestruturação

industrial e pelo relativo retorno a um ciclo de exportações primárias envolvendo alto

conteúdo de recursos naturais e uma forte dependência dos investimentos financeiros e do

endividamento externo. Lichtensztejn & Baer sugerem que o fundamento desse processo

estaria em propor uma nova divisão internacional do trabalho através da subordinação das

estruturas produtivas dos países periféricos em nível internacional por meio de políticas

comerciais e de preços, de modo que se especializassem gradativamente no fornecimento

de matéria-prima aos países centrais237 (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 236).

Partindo desse pano de fundo internacional, que apresenta a base sobre a qual se

apóia o relacionamento do Banco Mundial com o Brasil, vejamos mais de perto como

foram os primeiros contatos entre o país e o organismo multilateral desde o pós-guerra

até 1973, que constitui o primeiro período de análise do presente capítulo.

O Brasil se tornou membro do Banco Mundial desde o momento de sua fundação

na Conferência de Bretton Woods em 1944. O estatuto do Banco, intitulado “Articles of

Agreement of the International Bank for Reconstruction and Development”, foi assinado

em 1945 inicialmente por 28 países. O Banco Mundial abre suas portas em 1946 na

cidade de Washington e realiza seu primeiro empréstimo para reconstrução em 1947 no

contexto do Plano Marshall238.

236 De acordo com Lichtensztejn & Baer, à medida que os seus empréstimos foram se orientando a projetos que estavam progressivamente enquadrados em programas setoriais, o Banco passou a usufruir de maior amplitude de ação e, consequentemente, de maior influência nos processos decisórios relativos ao crescimento dos países subdesenvolvidos (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 232). 237 De acordo com os autores, a perspectiva do Banco - aliada aos interesses dos grandes grupos internacionais – seria tornar os países periféricos essencialmente especializados na produção de matéria-prima e importadores tanto de produtos manufaturados quanto do capital financeiro internacional: “Economicamente, o Banco promove um novo reordenamento do sistema produtivo internacionalizado, articulando-o à expansão do sistema bancário privado internacional; isto é, apóia a hegemonia do capital financeiro transnacional. Uma manifestação dessa tendência é a promoção que o Banco faz da exportação de produtos manufaturados e da livre circulação de capitais em alguns países subdesenvolvidos” (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 235). 238 Para maiores detalhes sobre o período da fundação do Banco Mundial ver Capítulo 2 (Seção 2.1).

186

O primeiro empréstimo do Banco Mundial para desenvolvimento ocorreu em

1948 junto ao governo chileno. Entretanto, um requisito fundamental para que os

recursos do empréstimo fossem liberados era a renegociação dos débitos pendentes, por

parte dos países tomadores, junto aos credores internacionais239.

Em relação ao Brasil, o primeiro empréstimo realizado pelo Banco foi aprovado

em 1949. A Tabela 4.3 apresenta dados que demonstram a proporção dos empréstimos

aprovados pelo Banco Mundial para o Brasil em relação ao total de empréstimos

aprovados pela instituição ao longo do período 1947-1973:

239 Nas palavras de Caufield: “The Bank made its first development loan to Chile on March, 25, 1948, the day after Chile reached a settlement with its foreign creditors. Thus the Bank began its development work” (CAUFIELD, 1997, p. 54).

187

Tabela 4.3 - Banco Mundial: Empréstimos aprovados - Brasil e mundo (em US$ milhões) Anos Total dos empréstimos (1) Empréstimos Brasil (2) (2)/(1) em %

1947 250,0 - 0,00

1948 263,0 - 0,00

1949 137,1 75,0 54,70

1950 166,1 15,0 9,03

1951 297,1 15,0 5,05

1952 298,6 37,5 12,60

1953 178,6 3,0 1,70

1954 323,7 48,6 15,01

1955 409,6 - 0,00

1956 396,0 - 0,00

1957 387,9 - 0,00

1958 710,8 13,4 1,90

1959 703,1 84,6 12,03

1960 658,7 - 0,00

1961 609,9 - 0,00

1962 882,3 - 0,00

1963 448,7 - 0,00

1964 809,8 - 0,00

1965 1023,3 79,5 7,77

1966 839,2 49,0 5,84

1967 876,8 100,6 11,50

1968 847,0 62,0 7,32

1969 1399,2 74,9 5,35

1970 1680,4 205,0 12,20

1971 1896,4 160,4 8,46

1972 1966,1 437,0 22,23

1973 2050,0 187,7 9,20

Fonte: Araújo, 1991, p. 29.

188

As relações do Brasil com o Banco Mundial remetem aos primórdios da

instituição, sendo que o primeiro empréstimo foi realizado em 1949 para o setor de

energia contemplando o valor de US$ 75 milhões240. Desde então, a participação dos

recursos do Banco na constituição da infra-estrutura produtiva do país mostrou-se

constante, tendo o Brasil se tornado, em alguns momentos, o principal tomador de

recursos da instituição. Esse foi o caso da participação brasileira no total de empréstimos

aprovados pelo Banco Mundial em 1949, representando 54,7% do total de empréstimos

do Banco neste ano.

Após um início de atuação influenciado, exclusivamente, pela elevada

participação de um empréstimo aprovado para o setor de energia elétrica através de uma

empresa privada, a Brazilian Light & Power Co. Ltda., a importância relativa do Brasil

nos financiamentos do Banco situou-se, em média, em 8,7% no período 1950-54. De

1955 a 1964, essa proporção caiu praticamente a zero, recuperando-se, em seguida, para

8,1% no período 1965-68, e para 11,5%, nos anos de 1969 a 1973.

Isto posto, vejamos agora como os financiamentos do Banco Mundial se

distribuem setorialmente ao longo do período 1949-1973, tanto em termos de valores dos

empréstimos (Tabela 4.4) quanto em termos de distribuição do número de empréstimos

(Tabela 4.5) para, assim, avaliar a repercussão desses financiamentos no contexto

político-econômico nacional em que foram tomados.

240 Através desse primeiro empréstimo contraído através da Light em 1949, Mason & Asher revelam que as relações entre Brasil e Banco Mundial começaram de maneira tensa, uma vez que o governo brasileiro alegou nesse episódio que as negociações entre Banco e empresa começaram antes que o governo brasileiro - que deveria garantir o empréstimo - tivesse sido consultado pelo Banco (MASON & ASHER, 1973, p. 160).

189

Tabela 4.4 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1949-73 US$ milhões

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1949 75,0 0,0 0,0 0,0 0,0 75,01950 15,0 0,0 0,0 0,0 0,0 15,01951 15,0 0,0 0,0 0,0 0,0 15,01952 37,5 0,0 0,0 0,0 0,0 37,51953 32,8 0,0 0,0 0,0 0,0 32,81954 18,8 0,0 0,0 0,0 0,0 18,81955 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01956 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01957 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01958 86,4 0,0 0,0 0,0 0,0 86,41959 11,6 0,0 0,0 0,0 0,0 11,61960 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01961 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01962 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01963 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01964 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01965 79,5 0,0 0,0 0,0 0,0 79,51966 149,6 0,0 0,0 0,0 0,0 149,61967 0,0 40,0 0,0 0,0 0,0 40,01968 74,9 0,0 22,0 0,0 0,0 96,91969 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,01970 180,0 0,0 25,0 0,0 0,0 205,01971 198,0 50,0 0,0 0,0 8,4 256,41972 200,0 62,7 192,0 0,0 0,0 454,71973 145,0 54,0 0,0 0,0 0,0 199,0Total 1.319,1 206,7 239,0 0,0 8,4 1.773,2

Distribuição % do total 74,4% 11,7% 13,5% 0,0% 0,4% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

190

Tabela 4.5 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1949-73

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1949 1 0 0 0 0 11950 1 0 0 0 0 11951 1 0 0 0 0 11952 2 0 0 0 0 21953 4 0 0 0 0 41954 1 0 0 0 0 11955 0 0 0 0 0 01956 0 0 0 0 0 01957 0 0 0 0 0 01958 2 0 0 0 0 21959 1 0 0 0 0 11960 0 0 0 0 0 01961 0 0 0 0 0 01962 0 0 0 0 0 01963 0 0 0 0 0 01964 0 0 0 0 0 01965 2 0 0 0 0 21966 6 0 0 0 0 61967 0 1 0 0 0 11968 3 0 1 0 0 41969 0 0 0 0 0 01970 2 0 1 0 0 31971 4 1 0 0 1 61972 3 3 3 0 0 91973 2 1 0 0 0 3Total 35 6 5 0 1 4

Distribuição % do total 74,5% 12,8% 10,6% 0,0% 2,1% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

7

Ao longo do período 1949-73, os empréstimos do Banco Mundial ao Brasil foram

essencialmente destinados a projetos de infra-estrutura (representando 74,4 % do valor

total dos empréstimos e envolvendo 35 dos 47 financiamentos efetivados no período),

sobretudo nos setores de energia e transportes241, de forma coerente aos objetivos do

241 Nesse entremeio, entre os anos de 1951 e 1953, o Banco também acompanhou de perto os trabalhos da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, financiando alguns projetos do programa de desenvolvimento elaborado pela Comissão: “The Bank maintained close contact with the Joint Brazil - United States Economic Development Commission, which worked during the years 1951-53 to develop an investment program for Brazil, to establish priorities within the program, and to assist in the technical preparation of projects. Bank loans made in Brazil in and after June 1952 were for projects approved by the Commission; other projects prepared with the help of the Commission were under study in the Bank at the end of 1953” (WORLD BANK, 1954, p. 167).

191

Plano de Metas que identificava ambos os setores como os principais “gargalos” ao

desenvolvimento nacional242.

Nessa fase de atuação do Banco Mundial, a ênfase aos projetos de investimento

em infra-estrutura econômica revelava, por sua vez, a natureza do enfoque de

crescimento então preconizado pela instituição243. Concebia-se o desenvolvimento com a

transformação de economia de base agrícola em outra de base industrial, onde os capitais

privados, nacionais e estrangeiros requeriam, para a sua expansão, investimentos em

infra-estrutura básica a cargo do Estado (GONZALES, 1990, p. 28).

Durante a década de 1950 e início dos anos 1960, as relações entre o Banco e o

Brasil, a depender da programação da plataforma de investimentos para garantir o

crescimento a longo prazo, deveriam ter transcorrido em perfeita sintonia244. Numa

primeira avaliação do Banco, o país era um candidato potencialmente forte para usufruir

das oportunidades de financiamento oferecidas pela instituição245.

No entanto, desacordos quanto à condução da política econômica no Brasil

implicaram a interrupção das negociações em 1955, com efetivo retorno somente após

242 Sobre esse período, Araújo coloca que: “O Plano de Metas então elaborado adaptava-se bem às prioridades em infra-estrutura do Banco Mundial, posto que se buscava investir predominantemente em energia e transportes. A abertura em relação ao capital estrangeiro também agradava à organização internacional, de modo que o ambiente tornou-se mais favorável: nos anos de 1958 e1959 foram aprovados créditos no valor total de US$ 98 milhões”. (ARAÚJO, 1991, p. 28). 243 Conforme podemos observar na Tabela 4.5, até 1967, os empréstimos do Banco para o Brasil estiveram concentrados exclusivamente no setor de energia e transportes. A publicação do Banco de 1954 confirma que sua visão de desenvolvimento nesse período estava, de fato, direcionada ao fomento do setor de infra-estrutura: “The purpose of the Bank lending has been to overcome major obstacles to development which are presented by deficiencies in electric power supply and transportation. Power projects being financed with help of Bank loans will add more than a million kilowatts to generating capacity in Brazil” (WORLD BANK, 1954, p. 166). 244 De acordo com Mason & Asher, o Brasil apresentava todos os requisitos necessários para obter empréstimos junto ao Banco Mundial: “Brazil at first seemed to be an ideal candidate for Bank lending – a charter member of the institution, a major less developed country, rich in resources, and creditworthy for several hundred million dollars even by the Bank’s conservative standards” (MASON & ASHER, 1973, p. 664). 245 Nas palavras de Mason & Asher: “Brazil was one of the first less developed countries to be visited by a president of the Bank (McCloy in 1949). In the same year, a Bank mission to Brazil, headed by Richard H. Demuth received a very favorable impression of lending opportunities there. Eugene Black visited Brazil in 1951 and was much impressed” (MASON & ASHER, 1973, p. 657).

192

1964246. Gonzales (1990, p. 152) observa que as origens das divergências entre o Banco

Mundial e o Brasil remetem à condução da política econômica do governo Vargas:

A crise cambial de 1951-53, marcou o início das divergências com o Banco, com origem na adoção, pelo Governo Vargas, de medidas restritivas à transferência de lucros e dividendos e à repatriação do capital estrangeiro, ambas impulsionadas pela manutenção de uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Posteriormente, a controvérsia centrou-se na questão da estabilidade macroeconômica, frente ao ritmo acelerado de crescimento da inflação e dos desequilíbrios no balanço de pagamentos. Em 1958, a não-aceitação, por parte do Brasil, do receituário proposto pelo Fundo Monetário Internacional para promover a estabilização no curto prazo, induziu reações de desagrado que se estenderam ao Banco (GONZALES, 1990, p. 152).

Em 1959, o governo brasileiro se engaja para restabelecer a normalidade de suas

relações com o Banco Mundial, mas as desavenças com o FMI interrompem o

processo247. O rompimento com o Fundo, que impusera condições julgadas inaceitáveis

pelo governo Kubitschek, trouxe consigo o rompimento informal com o Banco Mundial,

que só voltaria a conceder empréstimos ao Brasil em 1965248 (ARAÚJO, 1991, p. 28).

246 A falta de entendimento entre o Brasil e o Banco em relação à condução da política econômica nos anos 1950 explica a queda dos financiamentos da instituição no período entre 1955 e 1964; excetuados os anos de 1958-59, os empréstimos do Banco ao Brasil foram nulos conforme pode ser verificado na Tabela 4.4. Em relação a esse período, Mason & Asher, colocam que: “Until 1952, Brazil was considered a thoroughly promising candidate for Bank lending. Then certain policies followed by the Brazilian government were considered by the Bank to jeopardize Brazil’s creditworthiness. The Bank tried to use the leverage of its proposed loans to modify those policies, but this led to an estrangement with the Brazilian government. Lending declined in 1953 and 1954 and was nil in 1955-57. It was substantial, however, in 1958. From 1959 to 1965, inflation was rampant in Brazil, and between June 1959 and February 1965 the Bank made no loans” (MASON & ASHER, 1973, p. 657). Assim, o relacionamento entre o Banco e o Brasil passa de uma “parceria para o desenvolvimento” para uma “queda de braços” (MASON & ASHER, 1973, p. 659). 247 Sobre o relacionamento e rompimento do governo brasileiro com o FMI, Almeida coloca que: “O Brasil recorreu ao FMI pela primeira vez em 1949. Na década de 50, à exceção de 1952 e 1956, em todos os outros anos foram feitos saques pelo País, na maioria das vezes utilizando linhas de crédito sem condicionalidades. No entanto, em 1959, no governo Juscelino Kubitsheck, a não aceitação das medidas econômicas impostas resultou em interrupção das negociações, só reativadas em 1961, no governo Jânio Quadros, quando o Brasil se ajustou aos moldes rígidos do FMI; essa situação se repetiu nos anos de 1964 e 1965, durante o processo de renegociação da dívida, no governo Castelo Branco” (ALMEIDA, 1989, p. 38). 248 Avaliando o relacionamento entre o Banco Mundial e o Brasil no decorrer da década de 1950, Mason & Asher apontam que o Banco sempre quis influenciar as diretrizes macroeconômicas de âmbito nacional e, quando não conseguiu atingir tal objetivo, a instituição suspendeu os financiamentos direcionados ao país: “As one looks back on the relations of the Bank and Brazil in the 1950s from the vantage point of 1971, it

193

Nesse entremeio, um esforço de equilíbrio que agradou ao FMI e ao governo

norte-americano foi realizado pela administração de Jânio Quadros, através da aplicação

de políticas monetárias e fiscais contracionistas e da implementação de uma reforma

cambial liberalizante, seguida de expressiva desvalorização da taxa de câmbio. Porém,

com a renúncia de Jânio e a conseqüente posse de João Goulart, a crise do balanço de

pagamentos se aprofundou em simultaneidade a um processo de estagflação na economia,

trazendo de volta as divergências na relação entre o Banco Mundial e o Brasil

(GONZALES, 1990, p. 152).

Para agravar a situação, o Governo Goulart foi demonstrando cada vez mais um

forte viés nacionalista249. Intensificaram-se, neste período, as ameaças de restrição das

remessas de lucros ao exterior e as manifestações contra a participação de investimentos

estrangeiros na exploração de recursos minerais. Essas experiências também contribuíram

para reforçar a reservada posição do Banco Mundial em relação ao país, prejudicando as

negociações relativas a novos financiamentos até 1964.

A aceitação das evidências históricas apresentadas como justificativas para a

persistência da ruptura das relações do Banco Mundial com o Brasil no período 1955-

1964, leva ao reconhecimento de que a instituição não limitou sua interferência aos

espaços definidos por uma atuação específica no campo dos projetos por ela financiados.

As indicações apontam, portanto, no sentido de confirmar que as divergências entre o

Banco Mundial e o Brasil não se situaram no contexto da programação de

financiamentos, mas estenderam-se ao plano das determinações da política econômica de

âmbito nacional (GONZALES, 1990, p. 152).

Lichtensztejn & Baer indicam que apesar do caráter econômico dos

financiamentos do Banco, havia também um forte componente político permeando a

relação entre o Banco e o Brasil. No entanto, segundo os autores, a extrapolação

praticada por parte do Banco da conotação econômica dos financiamentos para a esfera

política, não era privilégio do caso brasileiro no contexto latino-americano: seems clear that the Bank seriously overestimated its capacity to influence macroeconomic policies” (MASON & ASHER, 1973, p. 662). 249 Acerca da relação de conflito entre e a adoção de políticas de cunho nacionalista e os interesses do hegemon - que se fazem sentir inclusive por meio das políticas de financiamento do Banco Mundial – ver Vizentini, 2005, p.29 e Hilton, 1981, p. 623.

194

A preocupação do Banco com relação à América Latina caracterizou-se por dar uma maior e visível ênfase às questões econômicas. Contudo, devido à instauração de regimes reformistas ou socialistas, esta preocupação superou o âmbito econômico e a atitude do Banco foi imbuída de considerações predominantemente políticas. Como se observa no Brasil, Chile, Peru e Argentina, os regimes de Goulart, Allende, Velasco Alvarado, Illía e Perón tiveram cortados os apoios financeiros do Banco, os quais, em maior ou menor medida, foram intensificados a partir de suas respectivas quedas (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 237).

O desgaste provocado entre as políticas nacionalistas adotadas no Brasil

(consideradas inflacionistas pelo Banco e pelo FMI250) versus a perspectiva norte-

americana acerca do comportamento esperado do governo brasileiro para que pudesse

continuar contando com o financiamento externo, denotava um panorama de crise no

financiamento externo via organismos multilaterais nos primeiros anos da década de

1960. De acordo com Vizentini (2005, p. 40), o agravamento dessa conjuntura contribuiu

para que os Estados Unidos apoiassem e reconhecessem o golpe militar em 1964 - pelo

menos no que se refere à retomada do financiamento externo via organismos

multilaterais:

O governo norte-americano (USAID, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) e instituições sob seu controle – como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – socorreram imediatamente os militares brasileiros, liberando centenas de milhões de dólares que haviam estado bloqueados durante a Presidência de Goulart. No início de 1965 também o FMI e o Banco Mundial passaram a liberar recursos, enquanto igualmente tinha início o afluxo de novos investimentos (VIZENTINI, 2005, p. 40).

Com a instauração do Governo Militar em abril de 1964, e no bojo das mudanças

econômicas antiinflacionárias sustentadas pelo Plano de Ação Econômica do Governo 250 Sobre o contexto inflacionário no qual se encontrava a economia brasileira nos anos 1960, Mason & Asher colocam que: “Kubitschek’s expenditures on Brasília during the last years of his regime, added to government deficits from other sources, were turning a persistent into a rampant inflation. The IMF worked out a stabilization program in 1958, but the Brazilian government repudiated it in 1959. In 1960 Kubitschek was succeeded in the presidency by Janio Quadros, who lasted less than a year. Goulart came in March 1961 and was ousted by the military government of Castelo Branco in April 1964. The effect of Brazil’s skyrocketing inflation on its balance of payments was catastrophic” (MASON & ASHER, 1973, p. 662).

195

(PAEG), restauram-se os fluxos de recursos externos, bem como as relações do Banco

Mundial com o Brasil251.

O programa de estabilização econômica de curto prazo do PAEG, através da

condução de uma política antiinflacionária de base ortodoxa e da adoção de medidas de

desvalorização cambial, liberalização das importações e reformulação da legislação sobre

remessas de lucros, conduziu à eliminação dos conflitos existentes junto aos credores

internacionais, agências oficiais e organismos multilaterais de financiamento, dentre os

quais o Banco Mundial252 (GONZALES, 1990, p. 153).

Com a retomada dos financiamentos do Banco para o Brasil em 1965 e 1966,

novos empréstimos foram negociados para o setor de infra-estrutura. Em 1967, pela

primeira vez no histórico das relações da instituição com o país, foi aprovado um

financiamento para o setor agrícola, como mostram as Tabelas 4.4 e 4.5.

Com a entrada de McNamara na presidência do Banco em 1968, iniciou-se um

processo de expansão e diversificação setorial dos empréstimos do Banco253. Ainda que a

251 Com a instauração do regime militar, o Banco retoma os empréstimos para o Brasil argumentando que as medidas econômicas que passaram então a ser adotadas pelo país apresentavam-se comprometidas com o controle inflacionário e equilíbrio do balanço de pagamentos, fato decisório para a recuperação da credibilidade internacional do país. Acerca da retomada dos empréstimos para o Brasil a partir de 1965, Mason & Asher colocam que esta veio acompanhada de maior grau de influência do Banco nas políticas internas de desenvolvimento do país: “The fall of the Goulart government in March 1964, however, marked the beginning of another change in policy. With inflation gradually being brought under control and the Bank becoming more confident of Brazil’s ability to manage its balance of payments, the period since February 1965 has seen a rising trend in Bank lending and a considerable increase in the influence of the Bank on Brazilian development policy, particularly in the power, transport, and agricultural sectors” (MASON & ASHER, 1973, p. 657). 252 A perspectiva apresentada pelo Banco Mundial era de que a retomada de medidas econômicas adequadas (sound policies) pelo governo brasileiro após o golpe militar justificava o retorno dos investimentos da instituição para o país. No entanto, Toussaint coloca que haviam outros interesses em jogo na retomada dos investimentos do Banco ao Brasil: “Os informes públicos do Banco elogiavam sistematicamente a política da ditadura no que se refere à redução da desigualdade (...) O Banco Mundial sabia muito bem que as desigualdades não estavam diminuindo e que seus empréstimos à agricultura beneficiavam os grandes proprietários. De todo modo, decidiu continuar emprestando porque seu interesse maior era manter sua influência sobre o governo” (TOUSSAINT, 2006, p. 89) – Tradução livre do autor.

253 Entre 1949 e 1966, os empréstimos do Banco para o Brasil foram direcionados exclusivamente ao setor de infra-estrutura. Mason & Asher confirmam que, a partir desse período, iniciou-se um processo de diversificação setorial dos empréstimos do Banco no país: “The Bank resumed lending to Brazil with a $22.5 million power loan in February 1965 and followed this with a number of other power loans. But Bank financing was not limited to power. In the eighteen-month period ending June 30, 1971, some $365 million was committed for industrial expansion, water supply, pollution control, roads, ports, and education” (MASON & ASHER, 1973, p. 663).

196

tendência geral dos empréstimos no decorrer da década de 1960 tenha sido direcionada

ao setor energético (aproximadamente 3/4 dos recursos), no final da década já era

possível verificar um início de diversificação setorial, com empréstimos destinados

também ao setor agrícola e à indústria de transformação. Esse processo de diversificação

dos setores de destino dos empréstimos foi se intensificando cada vez mais nos anos 1970

(BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 208).

Logo no início da década de 1970, o Brasil passa a ocupar um lugar de destaque

enquanto tomador de empréstimos do Banco254. Em relação à política de desenvolvimento

nacional nesse período, de modo geral, as prioridades de investimento da instituição até

meados da década sugerem que existia uma identificação, ora com as grandes metas, ora

com programas específicos do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico - I

PND255.

Para finalizar, pode-se dizer que ao longo do período 1946-1973 as diretrizes do

governo brasileiro acompanharam, em linhas gerais, as prioridades setoriais estabelecidas

pela política de desenvolvimento do Banco Mundial. Até meados dos anos 1960, o setor

de energia – notadamente a hidroeletricidade – dominou amplamente o conjunto de

empréstimos ao Brasil de forma que entre 1949 e 1965, a totalidade dos financiamentos

obtidos destinou-se à energia (92,5%) e aos transportes (7,5%).

Na década subseqüente, que engloba a administração McNamara e um período de

intensificação das operações brasileiras junto ao Banco, observa-se um movimento de

diversificação setorial, embora não dirigida aos chamados setores sociais: energia e

transportes continuam dominando amplamente, acompanhados dos setores industrial e

agrícola, que pela primeira vez recebem financiamentos do Banco Mundial. Estes quatro

setores respondem pela grande maioria do total de empréstimos aprovados no período

1966-73. Vale dizer que os empréstimos do Banco no país relativos à área social, até

meados dos anos 1970, ainda pouco representam em relação ao total de empréstimos

(ARAÚJO, 1991, p. 56).

254 Já em 1971 o Brasil havia emprestado quase 1 bilhão de dólares do Banco Mundial, se classificando como o terceiro maior emprestador da instituição, ficando atrás somente do México e Índia (MASON & ASHER, 1973, p. 161). 255 Sobre esse assunto, ver Gonzales, 1990, p. 153.

197

Uma vez observada a relação entre Brasil e Banco Mundial desde os primórdios

até 1973, vejamos agora, de forma mais detalhada, como as alterações da estratégia

global de desenvolvimento do Banco Mundial - verificadas pela diversificação da

alocação dos seus empréstimos em termos setoriais - repercutem nos financiamentos da

instituição ao país no período 1974-1990.

4.3. O período de transição: de 1974 a 1990

O início dos anos 1970 foi palco de transformações cujos impactos repercutiram

amplamente na organização política e econômica internacional. Dentre essas

transformações, a crise do sistema monetário internacional instituído em Bretton Woods

certamente destaca-se como uma das mais relevantes.

A expansão das operações financeiras privadas no âmbito internacional abria

espaço, nos anos 1970, para a emergência de um ciclo de oferta de crédito privado sem

precedente para os países periféricos no contexto do pós-guerra.

O espaço de valorização que se abriu encontrou resposta imediata na insuficiência

de poupança da periferia. No entanto, as condições em que se davam essas transações

eram bastante diferentes dos antigos contratos do período de Bretton Woods: ainda que

os bancos comerciais ofertassem recursos com taxas atrativas para os tomadores, os

prazos de amortização eram mais reduzidos e, o que é mais relevante, utilizavam taxas de

juros flutuantes como mecanismo de correção.

O rápido endividamento pelo qual passaram muitas economias periféricas denota

as conseqüências de financiar o processo de desenvolvimento com base em um regime

financeiro internacional cada vez mais controlado por instituições privadas de crédito. O

resultado desse processo, que já era bastante nítido no final da década de 1970, foi a

eclosão da crise da dívida externa dos países periféricos em 1982.

O endividamento externo brasileiro nos anos 1970, acelerado no contexto dos

choques do petróleo e apresentado inicialmente pelos bancos privados internacionais

198

como a “eficiente reciclagem dos petrodólares”256, desembocou na longa e penosa crise

da dívida externa da década de 1980 (BATISTA JR., 2005, p. 49).

A alta dos juros americanos em 1979 - elemento fundamental da estratégia norte-

americana que ficou conhecida como “diplomacia do dólar forte”257 - agravou ainda mais

a situação dos países endividados em moeda americana, colaborando para a construção

do cenário de crise nesses países na década de 1980, inclusive no Brasil.

Almeida (2002, p. 46) aponta como os movimentos de capitais entre centro e

periferia vão se alterando desde o final da II Guerra até o início dos anos 1980,

contribuindo para a compreensão da crise do endividamento que se configura a partir de

então:

Os grandes fluxos de capitais deixam de ser privados para assumir a forma de transferências públicas (por meio dos bancos de desenvolvimento) numa primeira fase do pós-guerra, mas voltam a ser predominantemente comerciais a partir dos anos 1970, quando as especulações dos mercados de futuros (cambiais e bolsas de mercadorias) e a reciclagem de petrodólares colocam enormes somas de dinheiro – relativamente barato, em função da defasagem entre as taxas de juros e os níveis de inflação – à disposição dos mercados emergentes. O aumento dos juros nos EUA – para corrigir os enormes desequilíbrios fiscais e comerciais naquele país – resultou na crise da dívida do início dos anos 80, o que inverteu dramaticamente o fluxo de capitais dos países em desenvolvimento para os desenvolvidos (ALMEIDA, 2002, p. 46).

A recessão iniciada nos anos 1970 com dois choques do petróleo (1973 e 1979),

combinada com a suspensão da conversibilidade do dólar em ouro estabelecida em

Bretton Woods, com o alto endividamento brasileiro no contexto da abundância de

créditos dos petrodólares, e com a alta dos juros americanos no final da década explicam,

256 De acordo com Sandroni, petrodólar corresponde à nomenclatura dada às divisas – geralmente em dólar – provenientes da exportação de petróleo: “O termo difundiu-se em 1973, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) – entidade sob controle árabe – elevou de 3 para 12 dólares o preço do barril de óleo cru, ocasionando um enorme afluxo de divisas para os Estados exportadores. Mas vários milhões desses petrodólares não encontraram aplicação dentro das limitadas estruturas econômicas de alguns países membros da Opep e retornaram ao Ocidente, injetados nos bancos e grandes financeiras com sede nos países mais industrializados. Foi a origem da grande liquidez do mercado financeiro internacional, que durou até o fim da década de 70 (SANDRONI, 2000, p. 457). 257 Sobre a retomada da hegemonia norte-americana no final dos anos 1970 e a “diplomacia do dólar forte”, ver Capítulo 2 – Seção 2.5. Ver também Vizentini, 2005, p. 51.

199

conjuntamente, os antecedentes da crise e da moratória brasileira no início da década de

1980258.

Diante desse contexto de abundância de liquidez internacional, o Banco Mundial

representava apenas uma das opções com que contava o Brasil em termos de

financiamento externo. Como proporção do total de créditos e empréstimos externos, os

empréstimos das agências multilaterais e governamentais caíram de uma média de 57,3%

em 1964-67, para 24,4% em 1971-74 e 8,1 % em 1978-81 (ARAÚJO, 1991, p. 30).

Ao mesmo tempo, o Banco Mundial começa a adotar uma concepção mais

abrangente do processo de desenvolvimento, praticando uma estratégia setorialmente

mais ampla do ponto de vista das suas políticas de financiamento. Os indícios de uma

primeira mudança significativa na concepção teórica do Banco Mundial surgem em 1969

com a apresentação do relatório intitulado “Partners in Development”. Este relatório

(mais conhecido como Informe Pearson) tinha como objetivo fazer uma avaliação dos

resultados de 20 anos de “ajuda para o desenvolvimento” e propor estratégias mais

eficazes para as políticas de financiamento (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 181).

A crítica traçada pelo Informe centrou-se principalmente em apontar as distorções

produzidas pelo tipo de crescimento econômico e estratégias industriais adotadas pelos

países periféricos. Os autores do Informe consideraram que a preferência pelo setor

industrial como motor de crescimento havia subestimado a importância do setor agrícola

como dinamizador do processo como um todo. O desenvolvimento deficiente do setor

agrícola, por essa perspectiva, teria gerado limitações à expansão do mercado interno,

insuficiente produção de alimentos e reduzidos volumes para exportação criando, assim,

obstáculos internos e externos para o próprio avanço do processo de industrialização259.

258 Em relação a essa assunto, Almeida coloca que: “Essa crise, iniciada pela insolvência mexicana de agosto de 1982, logo seguida pela do Brasil no mês de novembro, atingiria outros países em desenvolvimento em outros continentes, mas seria na América Latina que ela provocaria efeitos mais graves, com uma década de retrocesso econômico e social” (ALMEIDA, 2002, p. 49). 259 De acordo com Lichtensztejn & Baer, o Informe apontava que o desequilíbrio entre os setores agrícola e industrial nos países periféricos havia criado empecilhos ao crescimento de longo prazo dessas economias: “Por outro lado, o Informe ressaltou os problemas criados pela própria estratégia industrial executada nos países subdesenvolvidos. A seu juízo, a política de substituição de importações, protecionista e voltada ao mercado interno, consolidou uma indústria pouco competitiva internacionalmente. O resultado foi o desequilíbrio agrícola-industrial, que, junto com uma restrita capacidade de importação – originada na

200

Em função deste diagnóstico, que questionava as estratégias de industrialização

adotadas nos países periféricos, o Informe Pearson apresentou três grandes

recomendações. A primeira consistia em continuar avançando no processo de

modernização da agricultura, que já havia contado com o apoio do Banco Mundial para a

introdução de padrões agrícolas caracterizados pelo uso intensivo de fertilizantes,

máquinas e equipamentos, irrigações e novas variedades de sementes; em poucas

palavras, a apoiar a “Revolução Verde”. Em segundo lugar, deveriam ser corrigidas as

distorções no setor industrial, tornando mais competitivos internacionalmente os seus

produtos. Neste processo, atribuía-se um papel estratégico ao investimento privado

estrangeiro, pelos avanços tecnológicos e de produtividade que permitia. Finalmente,

propugnava-se pelo processo de liberalização do comércio internacional, para que assim

fosse alcançada uma participação maior dos países periféricos nas exportações de

produtos agrícolas e manufaturados (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 182).

Como é possível observar, as recomendações do Informe estavam alinhadas com

a estratégia de desenvolvimento proposta pela gestão McNamara, posicionando-se

favoravelmente à maior diversificação setorial dos financiamentos do Banco. No mais,

além de propor certo grau de divisão internacional do trabalho (dentro da qual a periferia

deveria se especializar na exportação de produtos agrícolas), o Informe reforçava a

ideologia liberal do Banco ao recomendar a abertura comercial enquanto medida benéfica

para os países periféricos.

A partir de 1973, o problema da desigualdade na distribuição de renda - enquanto

elemento que influi sobre as possibilidades de desenvolvimento dos países periféricos -

passou a ser estudado pelo Banco Mundial. A preocupação do Banco foi expressa em

muitas ocasiões, e de forma bastante clara por Robert McNamara, apontando uma

abordagem estratégica do tema no que se refere à supremacia da ordem capitalista no

cenário mundial: “se a desigualdade não for reduzida, se assistirá a repetidas explosões

sociais e estas prejudicarão aos interesses do mundo livre, cuja liderança foi assumida

pelos Estados Unidos” (TOUSSAINT, 2006, p. 131).

insuficiente expansão das exportações – impediu que os países subdesenvolvidos atingissem um crescimento auto-sustentado” (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 181).

201

O Banco Mundial estava, nesse momento, consolidando uma alteração

fundamental na estratégia de desenvolvimento que passa a adotar a partir de então. A

noção de desenvolvimento como bem-estar torna-se presente, significando que medidas

de desenvolvimento deveriam levar em conta não apenas taxas de crescimento, mas a

dispersão, a composição e a sustentabilidade daquele crescimento260.

Esse novo enfoque adotado pelo Banco a partir da década de 1970 pode ser

verificado pela maior diversificação setorial dos financiamentos da instituição. Esse

movimento se confirma no caso dos empréstimos do Banco para o Brasil, conforme

podemos observar nas Tabelas 4.6 e 4.7.

Tabela 4.6 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1974-90 US$ milhões

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1974 117,0 0,0 0,0 0,0 23,5 140,51975 360,0 35,0 155,0 0,0 0,0 550,01976 279,0 123,0 50,0 85,0 19,0 556,01977 0,0 59,0 146,0 0,0 32,0 237,01978 442,0 161,0 85,0 0,0 0,0 688,01979 319,0 94,0 261,0 0,0 0,0 674,01980 721,0 177,0 0,0 0,0 32,0 930,01981 760,0 156,0 0,0 0,0 13,0 929,01982 336,7 400,0 132,8 220,0 0,0 1.089,51983 775,7 866,5 52,7 352,0 20,0 2.066,91984 210,0 0,0 0,0 0,0 97,5 307,51985 928,3 222,7 124,5 300,0 72,0 1.647,51986 555,0 723,0 0,0 529,0 59,5 1.866,51987 474,0 472,5 50,0 0,0 74,5 1.071,01988 470,0 671,0 0,0 0,0 109,0 1.250,01989 480,0 204,0 0,0 0,0 366,0 1.050,01990 695,0 460,0 300,0 150,0 0,0 1.605,0Total 7.922,7 4.824,7 1.357,0 1.636,0 918,0 16.658,4

Distribuição % do total 47,6% 29,0% 8,1% 9.8% 5,5% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde 260 Sobre essa nova concepção multidimensional do processo de desenvolvimento adotada pelo Banco na década de 1970, bem como a atenção por parte da instituição em relação à qualidade do crescimento, Thomas coloca que: “Alguns processos e políticas geram crescimento do PIB juntamente com o crescimento dos bens humanos e naturais, que afetam diretamente o bem-estar das pessoas além de seus papéis produtivos. Outros geram crescimento de baixa qualidade que não está associado com melhorias dos bens humanos e naturais. Para integrar a qualidade do crescimento em avaliações de desenvolvimento são necessários índices multidimensionais de bem-estar” (THOMAS, 2002, p. 02).

202

Tabela 4.7 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1974-90

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1974 2 0 0 0 1 31975 3 2 2 0 0 71976 5 2 1 1 1 101977 0 2 2 0 1 51978 4 3 1 0 0 81979 3 3 3 0 0 91980 6 3 0 0 1 101981 4 3 0 0 1 81982 2 4 2 1 0 91983 3 5 1 1 1 111984 1 0 0 0 2 31985 4 3 2 1 1 111986 2 7 0 2 1 121987 3 7 1 0 1 121988 4 3 0 0 1 81989 3 3 0 0 2 81990 2 4 1 1 0 8Total 51 54 16 7 14 142

Distribuição % do total 35,9% 38,0% 11,3% 4,9% 9,9% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

Em comparação ao período anterior (1949-73), os empréstimos realizados pelo

Banco no período 1974-1990 apontam, de fato, para uma maior diversificação setorial na

alocação dos financiamentos da instituição no Brasil – confirmando a alteração na

estratégia global de desenvolvimento adotada pelo Banco desde o início dos anos 1970.

Nos anos 1971 e 1972 (ver Tabelas 4.4 e 4.5), pela primeira vez no histórico dos

financiamentos do Banco para o Brasil, os empréstimos foram alocados em três setores

distintos. Entre os anos de 1975 e 1990 (com exceção de 1984), os empréstimos do

Banco foram direcionados a três ou mais setores, tendência bastante diversa do que foi

verificado no período anterior – sobretudo considerando que entre 1949 e 1966 os

empréstimos do Banco foram direcionados exclusivamente ao setor de infra-estrutura

(que agrega projetos de infra-estrutura e transportes).

Comparando com o período anterior (1949-73), em termos de participação dos

valores dos financiamentos setoriais em relação ao total, os empréstimos no período

1974-90 passaram de: 74,4% para 47,6% no setor de infra-estrutura; de 11,7% para 29%

203

no setor de agricultura; de 13,5% para 8,1% no setor industrial; de 0,0% para 9,8% no

setor de ajustamento; e de 0,4% para 5,5% no setor social. Já em termos do número de

financiamentos, essa mesma comparação mostra que enquanto os empréstimos para infra-

estrutura passaram de 74,5% para 35,9% do total, no setor agrícola os empréstimos

passaram de 12,8% para 38% do total.

A mudança na estratégia de desenvolvimento adotada pelo Banco Mundial está

amplamente relacionada à gestão de McNamara na presidência do Banco. Sua

perspectiva estratégica do processo de desenvolvimento (seja do ponto de vista do

combate à expansão do comunismo no contexto da Guerra Fria, seja pela tentativa de

consolidar uma divisão internacional do trabalho na qual a periferia deveria se ocupar da

exportação de bens primários) marcou amplamente a política do Banco a partir de sua

gestão - que teve vigência no período que vai de 1968 a 1981261.

Outra grande mudança na forma de atuação do Banco Mundial teve lugar a partir

da década de 1980262: é a partir desse período que ganham importância os projetos

voltados para o desenvolvimento social e apoio à gestão pública ocorrendo,

consequentemente, uma redução na importância relativa dos projetos associados a setores

produtivos e à infra-estrutura física263. Diante de um quadro envolvendo elevado

261 Nesse momento, como vem sendo discutido nos capítulos anteriores, é interessante observar como as transformações na conjuntura internacional e o reposicionamento da política externa norte-americana frente a essas mudanças vão se arraigando na política do Banco Mundial. Um elemento altamente emblemático desse movimento de legitimação dos interesses norte-americanos através da política do Banco Mundial é a própria nomeação de McNamara, que ocupava o cargo de Secretário de Defesa dos Estados Unidos quando foi nomeado presidente do Banco. 262 Sobre a participação dos empréstimos do Banco Mundial para o Brasil em relação à carteira total de empréstimos da instituição nesse período, Gonzales coloca que: “No decorrer dos períodos 1975-79 e 1979-82, anos marcados por choques do petróleo e dos juros internacionais e, por conseguinte, pelo crescimento do endividamento externo brasileiro, a importância relativa dos empréstimos aprovados para o país, no âmbito dos recursos em carteira do BIRD, manteve-se em 9,7 e 8,8% respectivamente. A partir de 1983, paralelamente à intensificação das dificuldades no balanço de pagamentos elevou-se a proporção dos recursos do Banco destinados ao País para atingir uma participação média de 13,1%, no período 1983-86. Já nos anos de 1987 e 1988, com participações de 8,9 e de 9,2% respectivamente, observa-se o retorno aos níveis de importância relativa registrados nos períodos anteriores” (GONZALES, 1990, p. 30). 263 Avaliando essa mudança na forma de atuação do Banco Mundial no Brasil, Baumann remete aos primeiros passos da guinada do Banco na direção dos programas de ajuste: “Do lado do governo brasileiro, os recursos do Banco Mundial tornaram possível uma série de reformas na estrutura da administração pública e na área de comércio exterior, embora algumas reformas pretendidas não pudessem ser concretizadas, pois implicariam entrada de recursos que superavam as metas de expansão da base monetária acordada com o FMI. Um dos exemplos mais transparentes dos resultados dessa interação é o esforço de monitoramento e posterior controle dos gastos públicos nas diversas esferas administrativas a

204

endividamento dos países latino-americanos, tratava-se dos primeiros passos da

instituição na implementação de medidas de ajuste nos países periféricos que,

posteriormente, ficariam conhecidos como “Programa de Ajustamento Estrutural”.

A partir de 1980, com as dificuldades de ajuste das economias periféricas

derivadas da queda de liquidez internacional, a ótica do Banco em relação aos países

periféricos voltou-se para a necessidade de estabelecimento de políticas

macroeconômicas onde deveriam se enquadrar os projetos a serem financiados264. Os

credores comerciais passaram a pressionar o Banco Mundial para que, ao lado do FMI,

encarasse a crise da dívida como prioritária, sugerindo maiores empréstimos destinados

ao equilíbrio do balanço de pagamentos de países endividados (ALMEIDA, 1989, p. 45).

Tomando como ponto de partida a crise do endividamento dos países periféricos

nos anos 1980, Araújo (1991, p. 38) ressalta que tanto o FMI como o Banco Mundial são,

de alguma maneira, instrumentos auxiliares do governo norte-americano na condução de

sua política externa. Partindo dessa perspectiva, o autor observa de maneira crítica que

existe, paralelamente, certa comunhão de interesses entre essas instituições e os grandes

banqueiros internacionais - principalmente no sentido de que os fluxos de pagamento da

dívida periférica não sejam interrompidos. Essa confluência entre os interesses dos

grandes credores internacionais e dos organismos multilaterais torna-se mais evidente no

contexto da crise da dívida dos países periféricos na década de 1980:

Existe certa comunhão de idéias entre as instituições de Bretton Woods e os banqueiros internacionais, visto que estes delegam àquelas a tarefa de zelar pelos rumos das economias devedoras. Embora não se trate de um fato surpreendente, não é supérfluo recordar que não deveriam ser coincidentes os interesses de organismos multilaterais de crédito e da banca privada. Esta está absolutamente descomprometida com os propósitos de

partir do início dos anos 1980, o que acabou levando à criação da atual Secretaria do Tesouro” (BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 209). 264 Em relação a essa nova modalidade de empréstimos que passa a ser crescentemente praticada pelo Banco Mundial no contexto do endividamento dos países periféricos na década de 1980, Gonzales destaca que: “Nos anos 80, ressalta-se o redirecionamento da política de empréstimos do Banco em favor dos financiamentos de desembolso rápido, para atender a necessidade do balanço de pagamentos dos países subdesenvolvidos. O Banco Mundial passou, então, a monitorar a alocação e o emprego de recursos nesses países, via políticas setoriais internas e de ajuste estrutural” (GONZALES, 1990, p. 28).

205

desenvolvimento que devem nortear a ação do Bird (ARAÚJO, 1991, p. 50).

A filosofia por trás dos empréstimos do Banco Mundial passa então a incluir

projetos de ajuste estrutural, como uma ajuda suplementar ao equilíbrio do balanço de

pagamentos. Os Empréstimos para Ajuste Estrutural (EAE), cuja pré-condição consistia

na adoção dos programas de estabilização do FMI, apresentavam como diretrizes

principais o aumento da eficiência no emprego dos recursos internos, reformas no sistema

financeiro, revisão do processo de fixação de preços setoriais e na composição das

despesas públicas265 (ALMEIDA, 1989, p. 45).

De acordo com Gonzales (1990, p. 29), a origem dos empréstimos setoriais e de

ajuste estrutural tem sido relacionada à revisão crítica, por parte do Banco Mundial, do

padrão de desenvolvimento industrial adotado pelos países latino-americanos. O Banco

acredita que excessiva proteção foi mantida no decorrer do processo de substituição de

importações desencadeado nestas economias, implicando ineficiente alocação e emprego

dos recursos e perda de competitividade internacional dos produtos industriais. Assim, foi

idealizada uma política de condicionalidades que atuaria no curto prazo, amenizando

pressões sobre o balanço de pagamentos para atingir, no médio e longo prazos, um

reordenamento da estrutura produtiva destes países266 (GONZALES, 1990, p. 29).

265 Nesse contexto, a divisão de tarefas entre Banco Mundial e FMI fica menos nítida. Griesgraber & Gunter (1995, p. 28) destacam que ao atuar de forma semelhante ao FMI, o Banco ofusca seu papel enquanto promotor de desenvolvimento econômico e propõem que essa tendência seja revertida, ou seja, que o Banco recupere seu papel junto à promoção do desenvolvimento econômico deixando os empréstimos de curto prazo a cargo do FMI: “In the 1980s the Bretton Woods Institutions (BWIs) shifted their focus from lending for development to lending for structural adjustment (market-oriented policy reform), and blurred the original distinction between short-term and long-term financing that underlay the Fund/Bank division of labor. We propose a reorientation in emphasis from lending to financing, and from structural adjustment to development. Within this context, there are good reasons to restore the distinction between short-term financing for balance-of-payments support and long-term financing for development” (GRIESGRABER & GUNTER, 1995, p. 28). 266 As diretrizes seguidas pelo Banco nessa direção, segundo Gonzales, indicavam a constituição de um ordenamento econômico eminentemente liberal e preocupado em assegurar que o fluxo de pagamentos internacionais não fosse prejudicado: “Para tanto, as medidas preconizadas pelo Banco, subordinadas, em geral, ao objeto de liberalização da economia, têm consistido na reestruturação da política comercial (liberalização do comércio exterior, via eliminação de barreiras e taxas de proteção), na reorientação da política de preços (revisão do sistema de preços agrícolas e de tarifas públicas), na redefinição da atuação do Estado na economia (desregulação dos mercados) e na implementação de reformas institucionais (aumento da eficiência das empresas públicas, desconcentração do sistema financeiro e política de juros que implique a melhoria do processo de intermediação financeira)” (GONZALES, 1990, p. 29).

206

No entanto, na prática, os impactos resultantes dos empréstimos de ajuste nem

sempre apresentaram os efeitos proclamados. Para Lichtensztejn & Baer (1987, p. 10), os

programas de ajuste acabaram provocando recessão produtiva, maior desemprego e uma

redistribuição regressiva de renda como maneira de viabilizar – sem incorrer em taxa de

inflação exagerada – o pagamento dos serviços básicos da dívida externa e a redução dos

espaços e das funções designadas ao Estado em benefício da acumulação oligopólica

privada e, em especial, transnacional267 (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 10).

Em suma, o Banco Mundial é uma instituição altamente paradoxal. Seus recursos,

a natureza dos seus objetivos e o alcance da sua ação são de caráter essencialmente

público, mas sua prática é predominantemente a de um grande banco comercial privado.

Sua lealdade nominal é ao conjunto dos países-membros, mas em termos reais o Banco é

sempre presidido por um norte-americano e suas políticas coincidem principalmente com

os interesses dos governos e das elites do mundo industrializado, sobretudo dos EUA.

Conforme convenha, o Banco pode atribuir a si ou aos governos nacionais a

responsabilidade do sucesso ou do fracasso dos programas e projetos que ajuda a planejar

e financia. O Banco existe para desempenhar o papel da de instituição financeira voltada

para o desenvolvimento, mas ao longo do tempo atribui-se outros papéis, o mais vigoroso

atualmente sendo o de representante dos grandes credores internacionais e mentor das

políticas macrossocioeconômicas para os países tomadores dos seus empréstimos

(ARRUDA, 1995, p. 42).

Um exemplo expressivo da relação direta entre o Banco Mundial e os interesses

dos credores internacionais pode ser observado no contexto da suspensão do pagamento

da dívida externa brasileira em meados da década de 1980 – mais especificamente em

1987, momento em que o Plano Cruzado atravessava seu pior momento. Nesse contexto,

à medida que o governo brasileiro caminhava na direção da suspensão do pagamento dos

juros da dívida, os empréstimos do Banco ao país passavam a ser reconsiderados268.

267 Em relação às exigências do Banco Mundial e do FMI para que políticas de ajustamento fossem implementadas no Brasil como pré-requisito à obtenção de novos financiamentos, ver Kapur, Lewis & Webb, 1997a, p. 668. 268 De acordo com Kapur, Lewis & Webb: “The internal economic and political turbulence in Brazil was soon reflected in the Bank-Brazil relationship (...). Of Brazil’s external creditors in 1986, only the Bank had a positive cash flow. As the Cruzado Plan rapidly unraveled with inflation touching four figures and Brazil

207

James (1996, p. 381) aponta que a moratória brasileira de 1987 representa o

desfecho de um problema que possui suas origens em 1982, no contexto da moratória

mexicana e da crise argentina269. De fato, é nesse momento que começam a despontar os

empréstimos de ajustamento para o Brasil de forma sistemática270. Além disso, Toussaint

(2006, p. 131) considera que diante dos primórdios de crise entre credores e devedores no

sistema de pagamentos internacionais no início da década de 1980, a mudança ocorrida

na presidência do Banco - com a posse de Clausen (então presidente do Bank of América)

em 1981 -, continha um caráter estratégico e alinhado aos interesses dos credores

internacionais271.

Em relação à repercussão da moratória brasileira de 1987 no âmbito da

comunidade financeira internacional, James (1996, p. 384) mostra que a linha de

argumentação adotada pelo governo brasileiro para respaldar sua conduta remetia ao fato

found itself facing an impasse in its negotiations with its commercial creditors, it announced in February 1987 that it would suspend interest payments to the commercial banks for an indefinite period, though payments on trade credits would be maintained. With little recourse to external resources – Brazil continued to eschew a standby agreement with the IMF – it financed the overwhelming part of the government deficit through local borrowings. The resulting increase in the government’s domestic debt undermined stabilization efforts. Despite the urgent need to execute a stabilization program, the Bank recognized that the institution “could not do much to induce the Government to take the necessary steps, other than continuing its dialogue”. But with the interest moratorium, the Bank’s lending to Brazil began to come under pressure” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 665). 269 Nas palavras do autor: “In the last months of 1982, the international authorities had discussed the Mexican and Argentine cases in tandem in part to make the point that the Mexican problems were not unique but rather systemic. The critical meeting of November, 16, 1982 in the New York Federal Reserve building had dealt with both countries. It was impossible that problems in as large a borrowing economy as Mexico should not have a demonstration effect that would lead to more generalized debt difficulties. In fact, within days rather than weeks, Brazil joined the list of problem cases. Brazil had attracted very large amounts of capital, and its gross external liabilities in 1982 were even higher than those of Mexico ($91,035.5 million compared with $85,830.3 million)” (JAMES, 1996, p. 381). 270 O crescimento dos empréstimos de ajustamento para o Brasil a partir de 1982 pode ser verificado nas Tabelas 4.6 e 4.7. 271 De acordo com o Toussaint, o fato de Clausen - presidente do Bank of América - ter assumido a presidência do Banco Mundial em 1981, não deixava de representar certa garantia de que a instituição estava atenta em relação à preservação dos interesses dos grandes credores internacionais: “Em julho de 1981, Alden W. Clausen, presidente do Bank of America, assume a presidência do Banco Mundial. O Bank of America era um dos grandes bancos norte-americanos altamente expostos aos riscos existentes caso os países periféricos não conseguissem pagar a dívida. Ao colocar Clausen à frente do Banco, Ronald Reagan enviava uma clara mensagem aos bancos dos Estados Unidos (e aos outros bancos privados do mundo): os seus interesses serão preservados” (TOUSSAINT, 2006, p. 131). – Tradução livre do autor.

208

de que a transferência líquida de recursos para o pagamento da dívida estava minando as

possibilidades de desenvolvimento do país272.

No entanto, como o próprio autor aponta, a manutenção dessa posição por parte

do governo brasileiro não se sustentou por muito tempo e, em agosto de 1988, foi

assinado um acordo plurianual com os bancos comerciais e um acordo stand-by com o

FMI pondo fim à moratória273.

Antes de retomar a discussão acerca dos impactos da transferência líquida de

recursos - para o pagamento da dívida externa - sobre o processo de desenvolvimento

econômico brasileiro, torna-se importante ressaltar que a comunidade internacional

debateu amplamente e propôs várias medidas para a resolução da crise da dívida

periférica nos anos 1980. Dentre essas propostas, as de maior destaque foram as

iniciativas contidas no Plano Baker (1985) e no Plano Brady (1989).

Em outubro de 1985 em meio à crise da dívida latino-americana, James Baker,

novo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, anunciou um plano que se propunha a

resolver as dificuldades de 15 países de renda média (a maioria latino-americanos,

inclusive o Brasil) que se encontravam em situação bastante complicada no que se refere

ao endividamento externo. O objetivo central era que os países devedores permanecessem

com os respectivos pagamentos dos serviços da dívida em dia.

272 Nas palavras de James: “As Brazil’s reserves dwindled, Funaro on February 20, 1987 turned to the “international financial community” with a radical statement sent by telex to the approximately 700 creditor banks. “A cornerstone of the Brazilian Government’s policy is its commitment to the promotion of economic growth and the consolidation of democracy. These objectives are not compatible with the massive outward transfer of resources required by the debt-rescheduling model applied up to now”. Interest payments on medium and long-term debt would be halted and the money due deposited instead at the Central Bank of Brazil. Funaro added only a cursory conciliatory note to this moratorium on the $ 108 billion outstanding foreign debt. “The initiative taken by Brazil today must not be seen as an weakening of its ties with the international community, but rather as a first step in restoring the dynamics of the country’s external trade and foreign investment flows”. Funaro aimed at negotiating an agreed limit on debt service of $6.75 billion (about 2.5 percent of Brazil’s total output of goods and services). In a 15-minute public address explaining the debt moratorium, President Sarney added that “We want to negotiate a formula to meet our obligations without compromising our development, a formula that avoids the political instability that will inevitably follow a new recession, unemployment or social crisis”. It soon became clear, however, that this moratorium had achieved little, and after little more than a year the process of negotiating began again” (JAMES, 1996, p. 384). 273 Sobre o fim da moratória brasileira em 1988, ver também Almeida, 1989, p. 40.

209

O chamado “Plano Baker”274 tinha como objetivo auxiliar os países devedores a

retomar a rota do crescimento por meio da implementação de reformas estruturais nas

suas respectivas economias – processo que deveria contemplar tanto a liberalização

comercial quanto as privatizações275 (CASTRO, 2005, p. 51).

Em linhas gerais o Plano Baker sugeria uma solução para a dívida externa a partir

de aumentos dos empréstimos sob monitoramento do FMI, com recursos de bancos

privados, do Banco Mundial e de outros Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, como

é possível observar no Quadro 4.2.

Quadro 4.2 - Plano Baker

O Plano contemplava três medidas articuladas:

1. Esses países deveriam adotar políticas estruturais e macroeconômicas consistentes

para promover o crescimento, os ajustes no balanço de pagamentos e para reduzir a

inflação;

2. O FMI teria papel central e os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento -

particularmente o Banco Mundial e o BID - deveriam proporcionar maiores

empréstimos para os ajustes setoriais e estruturais; e

3. Os bancos comerciais deveriam aumentar seu desembolso líquido durante o período

de três anos.

Fonte: Elaboração do autor com base em Sandroni, 2000, p. 463.

No entanto, na prática, a transferência programada dos recursos para os países

periféricos nunca se concretizou, repercutindo no insucesso do Plano (ALMEIDA, 1989,

p. 50).

Em março de 1989, a estratégia oficial contida no Plano Baker para a questão dos

países altamente endividados sofreu uma guinada substancial através da articulação de 274 Para mais informações acerca do Plano Baker, ver Toussaint, 2006, p. 208-210. 275 Na realidade, os países devedores deveriam seguir medidas de austeridade de forma a reduzir suas necessidades de recursos externos, e pagar em dia os juros aos bancos comerciais. O FMI, o Banco Mundial e os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento deveriam prover empréstimos para o equilíbrio dos balanços de pagamentos, e os governos de países credores ofereceriam recursos adicionais enquanto o principal era reescalonado (SANDRONI, 2000, p. 463).

210

uma nova plataforma, sintetizada no plano proposto por Nicholas Brady - secretário do

Tesouro dos Estados Unidos na ocasião.

O “Plano Brady” consistia na reestruturação de uma parte da dívida de uma série

de países de renda média mediante a emissão de novos títulos da dívida – que ficaram

logo conhecidos como “títulos Brady”. Através da emissão desses títulos pelos países

endividados, os credores internacionais aceitaram uma redução dos montantes devidos.

Em troca, lhes foi garantida uma remuneração generosa. Para emitir os títulos Brady, os

países envolvidos deveriam começar pela compra de títulos do Tesouro dos Estados

Unidos, os quais funcionariam como garantia junto ao mercado financeiro internacional

(TOUSSAINT, 2006, p. 209). A síntese das medidas contempladas pelo Plano Brady

pode ser observada no Quadro 4.3.

211

Quadro 4.3 - Plano Brady

Com o intuito de apoiar a redução da dívida e do seu serviço, o Plano Brady

estruturava-se de acordo com as seguintes diretrizes:

1. Para pleitear a redução da dívida, os países devedores, em colaboração com o FMI

e o Banco Mundial, deveriam adotar políticas orientadas para o crescimento,

encorajando o fluxo de investimentos estrangeiros, fortalecendo a poupança interna

e promovendo o retorno de capitais depositados no exterior;

2. Os países escolhidos só reduziriam suas dívidas bancárias por meio de mecanismos

voluntários baseados no mercado. Para tanto, deveriam manter programas viáveis

de conversão da dívida, permitindo que investidores internos participassem dessas

transações para estimular o repatriamento de capitais depositados no exterior;

3. O FMI e o Banco Mundial proporcionariam apoio financeiro para a conversão de

empréstimos bancários em novos títulos, com redução do principal e das taxas de

juros e para a recompra de débitos;

4. Os bancos comerciais proporcionariam dinheiro novo na forma de créditos

comerciais e empréstimos para projetos. Eles negociariam a separação entre

dinheiro novo e a redução da dívida; e

5. Os governos credores proporcionariam suporte financeiro adicional para os

devedores que estivessem desejando a redução da dívida e manteriam os mercados

abertos. Também reduziriam os impedimentos contábeis, tributários e de

regulamentação para a redução da dívida.

Fonte: Elaboração do autor com base em Sandroni, 2000, p. 464.

A nova estratégia de renegociação da dívida apresentada pelo Plano Brady,

embora com aspectos importantes quanto à redução dos estoques da dívida, repete em

grande parte o discurso do passado: toma como decisiva a participação do FMI e do

Banco Mundial, primeiro, como formuladores de políticas macroeconômicas; segundo,

como catalisadores do apoio financeiro de outros credores; e, finalmente, como

provedores de uma maior parcela de recursos (ALMEIDA, 1989, p. 50).

212

A partir daí, o Banco Mundial é convocado a ter uma atuação de maior relevância

na gestão da crise da dívida, inclusive por meio de orientação e financiamento de

reformas estruturais que supostamente levariam ao crescimento276. Esse momento é um

marco no aprofundamento das chamadas “condicionalidades” dos financiamentos e no

desenvolvimento de ações coordenadas entre as instituições de Bretton Woods. Mesmo

quando, no contexto do Plano Brady, a gestão da crise se modifica pela adoção de

redução das dívidas, o papel do Banco Mundial em auxiliar a implementação de reformas

é mantido. Assim, como conseqüência dessas reformas, a virada da década assiste ao

desmantelamento, na América Latina, do modelo de desenvolvimento do pós-guerra e a

consagração do neoliberalismo em substituição a esse último. Em relação às

“condicionalidades”, apesar de seu aprofundamento ao longo da década, sua prática

sempre despertou críticas, tanto pelo seu aspecto de violação de soberania das economias

nacionais quanto pelo seu conteúdo ortodoxo (CASTRO, 2005, p. 52).

De acordo com Williamson (1990, p. 418), os recursos provenientes do Plano

Brady para a superação da crise da dívida dos países devedores eram, de fato,

condicionados à adoção de reformas277, funcionando como uma espécie de “estímulo”

para garantir que as reformas estruturais fossem implementadas278.

276 Em relação ao papel do Banco Mundial no contexto dos planos de renegociação da dívida periférica, Fiori coloca que: “Com relação às dívidas externas dos países, os Estados Unidos apresentam um novo plano de renegociação – o Plano Baker, mais tarde corrigido pelo Plano Brady – oferecendo maiores facilidades de pagamento. Neste momento, o Banco Mundial e o FMI assumem sua nova posição como intermediários entre o governo americano, a banca privada e os governos endividados e começam a especializar-se como instituições responsáveis pela administração coordenada das políticas econômicas do antigo Terceiro Mundo. Assim, consolida-se e generaliza-se a nova estratégia econômica norte-americana para sua periferia imediata” (FIORI, In: TAVARES & FIORI, 1997, p. 122). 277 Nas palavras do autor: “The Brady Plan was right to offer external support, and right to condition it on a determined and effective program of policy reform” (WILLIAMSON, 1990, p. 418). Acerca das condicionalidades no processo de renegociação da crise da dívida dos países periféricos, ver também Fiori, In: Tavares & Fiori, 1997, p. 122. 278 Sobre esse assunto, Williamson aponta que: “It is therefore important that the industrial countries do what is needed to increase the probability that policy reform will succeed. By far the most important contribution they can make at the present time is to ensure that countries with a solid record of policy reform get a definitive restructuring of their debt. The Brady Plan provides an adequate framework to achieve that, but its prospects would be much improved by more cash, an abandonment of earmarking, a tax incentive for banks to participate, and parallel treatment of debt owed to export credit agencies, as well as more generous public-sector loans where the circumstances justify them. Thus strengthened, the prospect of a Brady-style debt restructuring could provide an effective incentive to countries to persevere through the difficult early stages of reform” (WILLIAMSON, 1990, p. 420).

213

Se num primeiro momento o Plano Brady parecia funcionar, a partir da segunda

metade dos anos 1990 tornava-se nítido que a crise da dívida latino-americana iniciada

em 1982 não havia sido superada. As medidas para aliviar a dívida tinham fracassado e as

políticas liberais de ajuste estrutural haviam fragilizado os países diante da crescente

especulação financeira. A conjunção desses fatores acabou desembocando em inúmeras

crises financeiras nos grandes países endividados279 (TOUSSAINT, 2006, p. 210).

Não deixa de ser curioso que as políticas de ajuste propostas para reverter o

quadro de elevado endividamento dos países periféricos representavam, no fundo, o

mecanismo encontrado pelo Banco Mundial para assegurar que esses países não

interrompessem o fluxo de pagamentos da dívida junto aos credores internacionais. Dessa

forma, os objetivos dos financiamentos do Banco vão sendo voltados cada vez mais para

o controle das contas e manutenção dos fluxos de pagamentos da periferia para o centro,

em detrimento dos investimentos direcionados ao desenvolvimento dessas economias.

Essa mudança no modo de atuação do Banco Mundial acabou conduzindo os países

periféricos, inclusive o Brasil, a um panorama cada vez mais freqüente de transferências

líquidas de capital para os credores ao longo da década de 1980280.

Neste momento, fica evidente a incoerência existente entre a transferência líquida

de recursos para o exterior - embutida nas políticas de ajuste do Banco Mundial

comprometidas com a manutenção dos fluxos de pagamentos internacionais - e as

necessidades relativas ao desenvolvimento da economia brasileira. Almeida (1989, p. 41)

corrobora com o argumento de que a transferência líquida de capital representa um

grande obstáculo ao processo de desenvolvimento econômico do país, apontando que

existe um descompasso - relativo aos compromissos da dívida versus a capacidade

279 De acordo com Toussaint (2006, p. 279), as múltiplas e sucessivas crises que se produziram a partir da “crise Tequila”, que golpeou o México em 1994, demonstraram o caráter nocivo tanto dos “remédios” estruturais como dos “tratamentos” de choque: “Depois do México, afetado a partir do final de 1994, seguiram em 1997-1998 os países do sudeste asiático e Coréia do Sul, em 1998 Rússia, em 1999 Brasil, em 2000-2001 Argentina e Turquia. Em relação aos países mais pobres, as anulações parciais da dívida concedida a alguns “bons alunos” do Banco a partir de 1998 não apresentaram nenhuma solução duradoura” (TOUSSAINT, 2006, p. 210). - Tradução livre do autor. 280 Sobre a transferência líquida de capitais nas relações entre Brasil e Banco Mundial, ver Castro, 2005, p. 131.

214

financeira do Estado - que precisa ser solucionado para que a trajetória de

desenvolvimento seja retomada no longo prazo281.

A transferência líquida de recursos, por essa perspectiva, corresponde a um

obstáculo muito maior ao desenvolvimento econômico brasileiro do que qualquer

elemento apontado pelos diagnósticos do Banco Mundial até hoje282. Batista Jr. (1987, p.

47) corrobora com essa linha argumentativa ao observar que os impactos dessas

transferências para o exterior nos anos 1980 eram os menos apropriados para reverter o

quadro de crise da dívida periférica daquele período283.

Evidentemente, o Banco Mundial não problematiza o fato de que a adoção de

políticas de ajuste, com o intuito de manter os fluxos de pagamentos dos países

periféricos junto aos credores, seja antagônica às necessidades relacionadas ao processo

de desenvolvimento desses países. Esse debate não é levado em conta pela instituição

mesmo quando a prática do ajuste contribui para dinamizar a transferência líquida de

recursos da periferia para o centro sendo que, progressivamente, os programas de ajuste

vão ganhando cada vez mais espaço na estratégia global de financiamento da instituição,

inclusive nas negociações entre o Banco e o governo brasileiro.

281 Nas palavras do autor: “A dívida externa permanece sendo o principal obstáculo ao processo de desenvolvimento do país. A transferência líquida de recursos para o exterior tem representado enorme sacrifício em termos de crescimento econômico (...). Numa perspectiva de longo prazo, é certo que o ajuste terá de ser feito, com ou sem a participação dos organismos financeiros internacionais. Qualquer solução, no entanto, deverá passar pelos problemas gerados pelo serviço da dívida e pela estrutura financeira do Estado” (ALMEIDA, 1989, p. 41). 282 Por outro lado, Araújo (1991, p. 82) aponta que o governo brasileiro - nos inúmeros casos em que esteve fortemente pressionado pela escassez de entrada de divisas no final da década de 1980 - também teve sua parcela de responsabilidade no aumento do endividamento à medida que não exerce uma avaliação criteriosa dos projetos a serem financiados. Nesse contexto, ao privilegiar a entrada de divisas sem avaliar adequadamente as características dos projetos, o governo brasileiro acaba dinamizando um mecanismo de retroalimentação da dívida junto aos organismos multilaterais, deparando-se com um dilema no qual a única maneira de inverter-se o sinal do fluxo líquido é através da solicitação de novos empréstimos, o que obviamente faz aumentar os encargos futuros (ARAÚJO, 1991, p. 82). 283 Nas palavras do autor: “Productive investment yields a return and foreign investors should get back more than they invest. But it is premature for developing countries, as a group, to be transferring resources to the high-income countries on this scale. In 1983, the net transfer from the 13 major borrowers among the developing countries to private lenders was equivalent to 2 percent of their national income (…) It is in fact difficult to accept this sharp reversal in the net flow of resources, which forces relatively poor and capital-scarce economies to transfer to highly developed countries a substantial share of their output and exports, as an adequate way of dealing with present widespread debt-servicing problems. In the medium and long-term, resources should flow from relatively more advanced and capital-abundant economies toward less developed economies” (BATISTA JR., 1987, p. 47).

215

De 1990 em diante, os empréstimos do Banco para ajustamento começam a se

intensificar no Brasil. Considerando a alocação dos recursos do Banco destinada aos

demais setores, em termos comparativos, os empréstimos para ajustamento vão ganhando

maior destaque na política de financiamento da instituição no país.

Williamson (1990, p. 405), referindo-se à dinâmica do processo de ajuste

brasileiro, destaca que apesar da importância das medidas de ajustamento para “colocar a

casa em ordem”284, o país aderiu tardiamente às reformas em comparação aos demais

países latino-americanos285.

Entretanto, as políticas de ajuste nem sempre conduziram ao resultado esperado e

difundido286. A experiência brasileira no contexto das reformas conduzidas pelo governo

Collor em 1990, por exemplo, corresponde a um caso emblemático de ajuste mal-

sucedido que levou o país a desequilíbrios ainda mais graves no balanço de

pagamentos287 (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 671).

Nesses casos, como forma de justificar o fracasso do ajuste ou explicar os motivos

pelos quais os resultados esperados não foram alcançados, o discurso prevalecente por

parte do Banco Mundial, dos demais organismos multilaterais, e dos formadores de

opinião em Washington288, remete à questão do elevado grau de corrupção decorrente do

284 Sobre a importância destacada pelo autor em relação à implementação de reformas econômicas no Brasil, ver Williamson, 1990, p. 07. 285 De acordo com Williamson, até 1990, o Brasil não tinha avançado muito em termos de ajuste - comparativamente aos outros países latino-americanos - em inúmeros aspectos: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira, taxa de câmbio competitiva, abertura comercial, investimento direto estrangeiro, desregulação e privatizações (WILLIAMSON, 1990, p. 405). 286 Nas palavras de Kapur, Lewis & Webb: “It must be recognized that there have been homegrown attempts at adjustment that were disastrous (as in Peru and Brazil in the 1980s), so it cannot be assumed that favorable reforms would emerge automatically” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997b, p. 547). 287 De acordo com os autores: “In March 1990 the freshly installed Collor administration launched yet another economic plan, “Brazil Novo”. The plan achieved some of its structural reform objectives, especially on trade policy and domestic deregulation, but like its predecessors soon began to founder on the stabilization front. As the economy slipped into its worst recession since 1981 (GDP would decline by 4 percent in 1990) and the balance of payments worsened, Brazil again began to run up arrears to commercial banks” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 671). 288 É interessante observar como Williamson, em seu texto de 1990, ao abordar questões relacionadas à agenda norte-americana para a América Latina, refere-se ao discurso e interesses de Washington e ao Banco Mundial como sendo uma única coisa. Isso pode ser verificado no fragmento a seguir: “If Washington is to take these responsibilities toward Latin America seriously, what does it need to do

216

ambiente político inadequado (unsound policy environment) presente nos países onde as

reformas (sound policies) foram implementadas289.

Além da corrupção, outro ponto frequentemente levantado pelo Banco Mundial

como um entrave ao avanço dos projetos financiados pela instituição no Brasil é a falta

de transparência, por parte do governo, nas relações com o Banco. No entanto, Kapur

Lewis & Webb (1997a, p. 674) apontam que nem sempre o Banco atuou com

transparência na sua relação com o Brasil, principalmente nos momentos mais críticos da

crise da dívida - quando a instituição privilegiou os interesses dos acionistas majoritários

ao invés de empenhar-se na superação da crise290.

É diante desse panorama de crise e endividamento que o Brasil inicia a década de

1990. Ao mesmo tempo, do ponto de vista internacional, inúmeras transformações no

sistema mundial passam a influenciar o modo de atuação e as políticas dos organismos

multilaterais.

A partir de então, os empréstimos setoriais do Banco Mundial para o Brasil

passam por novas alterações. O setor social passa a adquirir posição de destaque, e tanto

a queda dos investimentos em infra-estrutura quanto a tendência de diversificação setorial

dos financiamentos do Banco - ambas verificadas no período 1974-90291 - tornam-se mais

differently? First, Washington (meaning in this context primarily the World Bank) should think more deeply about those items on the Washington agenda that the earlier discussion suggested were still unclearly or unsatisfactory defined. These include the reordering of public expenditure priorities, financial liberalization, research on what could advantageously be deregulated, and thought on the concrete steps needed to create an enabling environment” – [grifo meu] (WILLIAMSON, 1990, p. 415). 289 No entanto, o próprio Jonh Williamson (1990, p. 17), a quem é atribuída a formulação do Consenso de Washington, ressalta que problemas de corrupção podem ocorrer “onde menos se espera”, até mesmo onde estão os porta-vozes do discurso de que a crise periférica é meramente derivada do alto grau de corrupção existente nesses países. Nas palavras de Williamson: “Washington does not always practice what it preaches, as a moment’s reflection on the most embarrassing subject mentioned above – corruption – will surely reveal. This paper was, after all, written during the weeks when a massive scandal at the US Department of Housing and Urban Development came to light – a case involving fraud and irresponsibility on a scale large enough to erode the credibility of Washington’s preaching” (WILLIAMSON, 1990, p. 17). 290 De acordo com os autores: “In the absence of transparency in the production and dissemination of information and analysis, decisionmaking is likely to be skewed. In recent years the Bank has been calling for greater transparency in decisionmaking in developing countries as well as for greater participation by those most affected by these decisions. But these principles were not applied to all of the institution’s own shareholders during the debt crisis, with the result that certain interests were favored over others” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 682). 291 Em relação ao período 1974-1990, Gonzales (1990, p. 39) parte da observação da alocação setorial dos financiamentos do Banco Mundial no Brasil, bem como dos planos de desenvolvimento e estabilização do

217

intensas no período 1991-2006. Vejamos agora como a estratégia global de

desenvolvimento do Banco Mundial se altera no período 1991-2006, e como esse

reposicionamento da instituição diante de uma nova conjuntura internacional pode ser

observado nos empréstimos setoriais do Banco para o Brasil. Esse é o assunto que será

abordado na próxima seção.

4.4. A era liberal e o Banco Mundial no Brasil: 1991 a 2006

O início da década de 1990 é marcado pelo final da Guerra Fria, ou seja, o

conflito entre os blocos capitalista e soviético que vinha se desenrolando desde o final da

II Guerra Mundial. Com o término do conflito, extingue-se a bipolaridade característica

do sistema interestatal até então na qual se ancorava a “gestão benevolente”292 dos

Estados Unidos no cenário internacional.

Como foi visto no Capítulo 3 (Seção 3.1), a nova geopolítica mundial, sobretudo

depois de 1991, passa a apresentar uma face hierarquizada e unipolar que é, ao mesmo

tempo, extremamente instável e limitadora da autonomia dos Estados Nacionais situados

nas camadas intermediária e inferior da hierarquia293. Não coincidentemente, nesse novo

cenário, as estratégias econômica e militar do hegemon apontam na mesma direção: a

redução crescente da autonomia dos Estados mais frágeis, incapacitados para estabelecer

e sustentar autonomamente seus próprios objetivos nacionais, sejam eles econômicos ou

político-militares (FIORI, In: FIORI & MEDEIROS, 2001, p. 15).

Os ajustes desencadeados nas economias periféricas em resposta a esse

movimento de reordenação internacional, em última instância, são produto do ajuste

iniciado nas economias centrais. Um processo que não ocorre do dia pra noite, mas que

rapidamente se espalhou por meio da instrumentalização dos organismos multilaterais.

governo brasileiro no período, para verificar que as tendências gerais entre os empréstimos do Banco e as diretrizes do governo brasileiro foram, em boa parte, coincidentes (GONZALES, 1990, p. 39). 292 A extinção da “gestão benevolente” do sistema mundial adotada por parte dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial foi abordada no Capítulo 2 – Seção 2.1. Para mais detalhes sobre esse assunto, ver Helleiner, 1996, p. 13. 293 Sobre os impactos da unipolarização sobre os interesses nacionais dos Estados soberanos, ver também Almeida, 2002, p. 23.

218

À medida que os interesses foram sendo redefinidos, as instituições multilaterais

exerceram papel fundamental enquanto instrumental de legitimação dos interesses

hegemônicos na condução da dinâmica mundial rumo à globalização e ao liberalismo

econômico – agora sem a preocupação e as concessões envolvidas na “gestão

benevolente” de outrora.

As transformações que estavam em processo com a queda do bloco socialista

eram radicais, e o Banco Mundial era o portador (e porta-voz) de uma mensagem de

ruptura com o passado ao passo que antevia no triunfo da economia de mercado a

salvação desses países294. Era preciso dar uma resposta ao que se passava, para não deixar

que a transição fosse perdida.

Foi seguindo essa trilha que a criação de instituições econômicas voltadas para o

mercado, a implementação do ideário liberal e a ampliação da capacidade de influenciar a

dinâmica política dos países mutuários assumem uma posição de destaque na agenda do

Banco Mundial. Ao mesmo tempo, com o final do conflito e a conseqüente

unipolarização do sistema mundial, o Banco ganha liberdade para direcionar a alocação

de seus recursos exclusivamente para países que conduzissem políticas alinhadas com o

receituário e a perspectiva de desenvolvimento defendidos pela instituição.

No ano de 1990, com a finalidade de formular um diagnóstico e sugerir medidas

de ajustamento para a superação da crise na América Latina, John Williamson apresentou

um documento, com dez propostas de reforma econômica, sobre as quais havia em

Washington um amplo consenso tanto entre os membros do Congresso e da

administração quanto entre os tecnocratas das instituições financeiras internacionais.

Como visto no Capítulo 3 (Seção 3.1), o Consenso de Washington, na sua

essência, resumia-se na recomendação de que o Estado se retirasse da economia - tanto

enquanto empresário como enquanto regulador das transações domésticas e

internacionais - a fim de que toda a América Latina submetesse suas economias às forças

294 Em relação à adesão dos países da ex-União Soviética aos organismos multilaterais, em particular ao Banco Mundial, ver Almeida, 2002, p. 85.

219

do livre-mercado295. Esse momento demarcou a derrocada e desmonte do aparato do

Estado desenvolvimentista nos países latino-americanos.

Considerando as condições internas e externas em que se inseriam os países

latino-americanos no início dos anos 1990, o diagnóstico apontava para a perda de

capacidade dos Estados Nacionais de financiar políticas sociais de natureza universal

num momento em que o crescimento econômico não assegurava por si mesmo a

expansão ou manutenção do emprego. Com relação ao plano político, como consequência

direta desta nova forma de inserção econômica e social, os governos perderam

capacidade e autonomia, ficando praticamente dispensados de governar suas próprias

economias.

O fim do Estado desenvolvimentista aparecia como um imperativo de reforma

estrutural do Estado perante uma nova ordem mundial encabeçada pelo processo de

globalização. A implementação do ajuste que levou ao desmonte dos pilares do Estado

desenvolvimentista (através da abertura comercial, abertura financeira e a política do

Estado mínimo), acabou contribuindo para a diminuição dos níveis de bem-estar da

população em geral. Uma evidência da queda no padrão de vida da população em

conseqüência do ajuste proposto pelo Consenso de Washington foi a maior participação

do Banco Mundial no financiamento de setores sociais que, anteriormente às reformas,

estavam a cargo do Estado. O mais interessante é observar que depois de enxugar o

aparato do Estado, esses países deveriam contrair empréstimos adicionais junto ao Banco

para viabilizar investimentos em educação e saúde e, assim, recuperar o nível de bem-

estar existente antes da implementação das reformas296.

295 Sobre as reformas contidas no Consenso de Washington e seus impactos no contexto da periferia latino-americana, Fiori coloca que: “Em 1989, um economista norte-americano chamou de “Consenso de Washington” ao programa de políticas fiscais e monetárias associadas a um conjunto de reformas institucionais destinadas a desregular e abrir as velhas economias desenvolvimentistas, privatizando seus setores públicos e enganchando seus programas de estabilização na oferta abundante de capitais disponibilizados pela globalização financeira. Chegava desta maneira, à periferia capitalista endividada, e em particular à América Latina, uma versão adaptada das idéias liberal-conservadoras que já se difundiam pelo mundo (...) Chegaram primeiro na forma de “condicionalidades”, indispensáveis à renegociação das suas dívidas externas e do seu retorno ao sistema financeiro internacional. Mas, logo à frente, estas negociações foram secundadas por uma verdadeira revolução intelectual responsável por mudanças políticas e ideológicas internas, extremamente rápidas e radicais” (FIORI, In: TAVARES & FIORI, 1997, p. 121). 296 Sobre esse assunto, ver Owen, 1994, p. 102.

220

Para Toussaint (2006, p. 205), a implementação das políticas de ajuste sugeridas

pelo Consenso de Washington para a América Latina ficou a cargo dos organismos

multilaterais – mais precisamente do FMI e do Banco Mundial297. De acordo com o autor,

o Consenso não representava nada mais que a proclamação pública de um acordo entre as

instituições de Bretton Woods - Banco Mundial e FMI - e o governo (mais

especificamente o Tesouro) dos Estados Unidos (TOUSSAINT, 2006, p. 205).

Diante da nova conjuntura internacional que se verificava no início dos anos

1990, o Banco Mundial muda seu discurso em relação às prioridades em termos de

desenvolvimento econômico. Paulatinamente, a ênfase nos financiamentos de infra-

estrutura vai perdendo espaço para empréstimos direcionados tanto ao setor de

ajustamento quanto ao setor social298.

Baumann (2006, p. 209) confirma que a partir dos anos 1990, o Banco Mundial

foi progressivamente deixando de lado, na América Latina, o financiamento de projetos

nos setores tradicionais de infra-estrutura (como transporte e energia), abrindo espaço

para os setores sociais (educação, saúde e fundos de compensação social), bem como

para empréstimos direcionados ao desenvolvimento institucional (reforma judicial,

privatização de empresas estatais, apoio a parlamentos e fortalecimento institucional do

setor público) (BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 209).

Essa tendência também se verifica em relação aos financiamentos do Banco

Mundial para o Brasil e pode ser observada pelo redirecionamento setorial dos

empréstimos realizados pela instituição no país no período 1991-2006.

297 Como foi visto no Capítulo 2 (Seção 2.5), desde o final dos anos 1980, quando os empréstimos de ajuste vão ganhando espaço na instituição, o Banco Mundial vai se consolidando internacionalmente como o bastião das políticas ortodoxas para o desenvolvimento econômico de longo prazo: “The Bank emerged as the headquarters, the fountainhead – some jokingly said the Vatican – of neoorthodox development economics. It was the most authoritative articulation of the longer-term side of the so-called Washington consensus (the IMF dominated the short run) concerning appropriate relations between stares and markets, including international and interacting national economic policies” (KAPUR, LEWIS & WEBB, 1997a, p. 1193). 298 Segundo o próprio relatório do Banco Mundial, referindo-se à assistência ao Brasil entre 1990 e 2002, temos que: “The Bank scaled down assistance to infrastructure in order to make room for adjustment lending and maintain the assistance to the social sectors” (WORLD BANK, 2004a, p. 11).

221

Como é possível observar nas Tabelas 4.8 e 4.9, o setor de infra-estrutura - que

era responsável por 74,4% do valor total dos empréstimos no período 1946-73 e 47,6%

no período 1974-90 - passa a representar apenas 13,3% do valor total dos financiamentos

do Banco para o Brasil. Já o setor de ajustamento – nulo no período 1974-90 e

responsável por 9,8% do valor total dos empréstimos no período 1974-90 – passa a

representar 50,7% do valor total, ou seja, mais da metade do valor total dos

financiamentos do Banco destinados ao país. No setor social ocorre um processo similar

– pois era responsável por 0,4% do valor total dos empréstimos no período 1946-73 e

5,5% no período 1974-90 – passando a representar 31,4%, ou seja, quase um terço do

valor total dos financiamentos do Banco no país.

Dessa maneira, enquanto empréstimos direcionados aos setores de infra-estrutura,

agricultura (que passa de 29% no período 1974-90 para 4,3% do valor total dos

empréstimos entre 1991 e 2006) e industrial (que passa de 8,1% no período 1974-90 para

0,3 % do valor total dos empréstimos entre 1991 e 2006) diminuem drasticamente sua

participação nas prioridades de financiamento do Banco, o setor de ajustamento

(responsável por metade do valor total dos empréstimos) e o setor social (responsável por

quase um terço do valor total dos empréstimos) aumentam visivelmente sua participação

representando, em conjunto, 82,1% do valor total emprestado ao país entre 1991 e

2006299. Para efeito de ilustração desse movimento, do total de 156 projetos financiados

no período, 114 (equivalente a 73,1% do número total de financiamentos) foram

destinados aos setores social e de ajustamento.

299 No que se refere à queda dos investimentos no ramo da energia elétrica, de acordo com o Banco, a instituição tinha motivos razoáveis para reduzir os empréstimos para o setor no início da década de 1990 em virtude da manutenção, por parte do governo, de um controle tarifário nessas atividades com o intuito de conter a inflação. De fato, o Banco Mundial só retoma os investimentos no campo da energia elétrica quando o governo abandona o controle tarifário no contexto das privatizações no setor: “A política de manter baixas as tarifas resultou em fracos resultados financeiros e baixas taxas de retorno dos projetos de energia. A falta de investimento no setor data dos anos 80, e tem sido devida, em boa medida, às baixas tarifas e à pouca capacidade do setor de gerar fundos internamente. Quando o Governo começou a implementar seu programa de reestruturação e privatização, em meados dos anos 90, o Banco respondeu prontamente, reestruturando um projeto existente e liberando fundos para o desenvolvimento do marco regulatório” (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. 40).

222

Tabela 4.8 - Financiamentos Setoriais do Banco Mundial no Brasil: 1991-2006 US$ milhões

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1991 0,0 260,0 0,0 0,0 245,0 505,01992 709,0 0,0 50,0 372,0 0,0 1.131,01993 423,5 0,0 0,0 8,5 578,6 1.010,61994 514,0 0,0 0,0 20,0 246,0 780,01995 201,0 50,0 0,0 0,0 211,0 462,01996 0,0 32,0 0,0 350,0 568,0 950,01997 60,6 245,0 0,0 810,0 585,0 1.700,61998 384,0 0,0 0,0 385,0 327,5 1.096,51999 165,0 2,0 0,0 354,9 959,6 1.481,52000 0,0 180,0 0,0 1.181,5 411,7 1.773,22001 0,0 0,0 0,0 1.340,0 144,5 1.484,52002 209,0 38,0 0,0 339,1 934,8 1.520,92003 0,0 0,0 0,0 1.057,2 160,0 1.217,22004 0,0 37,7 1,2 1.080,1 702,2 1.821,22005 0,0 17,9 0,0 1.396,0 138,7 1.552,52006 0,0 0,0 0,0 1.490,9 90,0 1.580,9Total 2.666,1 862,6 51,2 10.185,1 6.302,5 20.067,6

Distribuição % do total 13,3% 4,3% 0,3% 50,7% 31,4% 100,0%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

223

Tabela 4.9 - Distribuições do Número de Empréstimos por Setor: 1991-2006

Infra-estruturaa Agriculturab Indústriac Ajustamentod Sociale Total1991 0 1 0 0 1 21992 4 0 1 2 0 71993 3 0 0 1 3 71994 3 0 0 1 2 61995 2 1 0 0 3 61996 0 3 0 1 5 91997 2 3 0 6 6 171998 2 0 0 5 3 101999 2 1 0 4 2 92000 0 1 0 5 4 102001 0 0 0 7 4 112002 1 2 0 4 6 132003 0 0 0 6 2 82004 0 3 1 6 3 132005 0 6 0 8 3 172006 0 0 0 8 3 11Total 19 21 2 64 50 156

Distribuição % do total 12,2% 13,5% 1,3% 41,0% 32,1% 100%

Fonte: Elaboração do autor com base no site do Banco Mundial(a) refere-se ao setor de infra-estutura e transportes(b) refere-se aos projetos de agricultura, mineração e meio ambiente(c) refere-se aos projetos industriais e de desenvolvimento urbano(d) refere-se aos programas de ajustamento (reformas fiscais, monetárias, institucionais e privatizações)(e) refere-se aos projetos sociais de combate à pobreza, de educação e saúde

Essa mudança de orientação dos financiamentos do Banco Mundial para o Brasil

em termos setoriais reflete a mudança da visão e das políticas de desenvolvimento do

Banco que foi aplicada de forma generalizada diante do novo contexto internacional. De

acordo com a argumentação do Banco Mundial, notória em inúmeros relatórios

pesquisados ao longo deste estudo, a instituição deveria adaptar seu modo de atuação aos

“novos desafios”300.

Entretanto, a forma como a instituição foi adaptando sua visão do processo de

desenvolvimento e seu modo de atuação no âmbito internacional esteve sempre alinhada

com a reorientação da política externa do seu maior acionista (os Estados Unidos) diante

desses novos desafios.

Paralelamente, no interior das economias periféricas (dentre as quais se encontra a

brasileira), alguns empecilhos estruturais ao processo de desenvolvimento nem sempre

encontraram resposta nas diretrizes assumidas pela estratégia de financiamento do Banco 300 Sobre esse assunto, ver World Bank, 1998, p. 02.

224

no período 1991-2006. Um exemplo emblemático dessa divergência entre a política

adotada pelo Banco e os entraves em que esbarra o processo de desenvolvimento

periférico, refere-se à problemática da transferência líquida de recursos dessas economias

para a instituição.

Com o intuito de ilustrar esse movimento, torna-se importante destacar que as

amortizações e os pagamentos de juros entre 1987 e 1996 foram determinantes para que o

ingresso líquido de recursos do Banco para o Brasil fosse negativo, ou seja, ao longo

desse período, o país de fato transferiu mais recursos do que recebeu301.

A justificativa oficial apresentada pelo governo brasileiro para a recorrência dessa

transferência de fluxos, longe de ampliar o debate acerca dos impactos nocivos dessas

transferências ao processo de desenvolvimento do país, procurava abordar o assunto de

um ponto de vista mais conciliatório. Segundo o Banco Central do Brasil, as expressivas

transferências líquidas negativas que ocorreram entre 1987 e 1996 podem ser

consideradas normais, em virtude de expressivos empréstimos recebidos no passado que

estavam sendo amortizados no período em questão. Assim, o expressivo saldo negativo

de divisas seria transitório e perduraria apenas enquanto os contratos antigos estivessem

sendo amortizados (SOARES, 1999, p. 05).

Os dados apresentados na Tabela 4.10, por outro lado, demonstram que a

prioridade em pagar os juros e amortizar os empréstimos realizados junto ao Banco não

era uma questão tão transitória assim, resultando em uma década na qual o

relacionamento da instituição com o Brasil foi marcado por ingressos inferiores às

remessas de recursos:

301 Em relação à transferência líquida de recursos do Brasil para o Banco Mundial, ver Baumann, In: Altemani & Lessa, 2006, p. 210.

225

Tabela 4.10 - Banco Mundial: Fluxos Financeiros com o Brasil entre 1987-1996 (em US$ milhões)

ANO CONTRATAÇÕES (a)

INGRESSOS (b) REMESSAS (c) TRANSF. LIQ. (b-c)

1987 1071,00 900,00 1637,00 (737,00)

1988 1250,00 999,00 1764,00 (764,00)

1989 1050,00 817,00 1731,00 (914,00)

1990 1605,00 782,00 1951,00 (1168,00)

1991 505,00 840,00 1930,00 (1090,00)

1992 1131,00 581,00 1958,00 (1377,00)

1993 1002,00 471,00 1904,00 (1433,00)

1994 760,00 640,00 1882,00 (1242,00)

1995 470,00 837,00 1765,00 (928,00)

1996 918,00 1500,00 1638,00 (138,00)

1987-96 9762,00 8367,00 18160,00 (9791,00)

Fonte: Soares, 1999, p. 06.

Tendo em vista que a dinâmica envolvendo transferências de fluxos do Brasil para

o Banco Mundial dificilmente beneficiaria o país em termos de financiamento para o

desenvolvimento, vejamos de que forma os empréstimos da instituição repercutiram no

contexto político-econômico brasileiro ao longo do período 1991-2006.

De 1991 a 1996, ocorreu uma queda significativa no montante dos financiamentos

do Banco para o país em comparação à segunda metade da década de 1980. Os valores

diminuem de uma média anual de US$ 1.415 milhões no intervalo 1985-1990 para uma

média anual de US$ 806,4 milhões no intervalo 1991-1996302.

Um dos motivos que contribuiu para explicar essa queda dos empréstimos no

início dos anos 1990, foi a falta de sintonia entre o Banco e o país na implementação de

políticas de ajuste para o equilíbrio do Balanço de Pagamentos. Essa falta de sintonia vai

sendo resolvida através do processo de estabilização liberal proposto pelo Plano Real e, a

302 Esse fato poder ser verificado nas Tabelas 4.6 e 4.8. Para mais informações sobre esse assunto, ver Baumann, In: Altemani & Lessa, 2006, p. 214.

226

partir de 1997, os montantes dos financiamentos do Banco já passam a atingir um

patamar mais elevado303:

No final dos anos 90, o Banco fez uma mudança para empréstimos de ajuste, de modo a ajudar o Governo em seus esforços de estabilização e reforma. O Plano Real, de 1994, tinha posto fim a décadas de inflação alta, mas esteve ameaçado por crescentes desequilíbrios fiscais e por um ambiente externo hostil. Pressões externas levaram o Governo a adotar um regime de cambio flutuante, implementar um severo ajuste fiscal e dar início às reformas mais importantes. O pacote de empréstimos de ajuste incluiu dois empréstimos para reforma fiscal, um para proteção social, dois para reforma previdenciária, dois para a reforma do setor financeiro e um para a reforma do setor de energia. A parcela de empréstimos de ajuste, como percentagem dos empréstimos totais, cresceu de 6% nos anos 80 para 20% no período 1990-2002 (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. i).

O Plano Real implementado em 1994, anunciando a orientação da política

econômica que iria vigorar durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),

baseava-se no tripé: abertura econômica e financeira, sobrevalorização da moeda (Real) e

na adoção de elevadas taxas de juros. A adoção dessas medidas por parte do governo

apresentava-se em sintonia com a estratégia de desenvolvimento proposta pelo Banco

Mundial na década de 1990 resultando na intensificação dos empréstimos de ajuste

estrutural.

Apesar do sucesso inicial do Plano Real - com a redução das altas taxas de

inflação ao mesmo tempo em que ocorria um crescimento imediato do nível de consumo

– o conjunto de medidas de liberalização econômica no qual se apoiava trouxe como

consequência uma profunda desestruturação produtiva e do mercado de trabalho, além de

ampliados desequilíbrios das contas públicas e das contas externas304.

303 Sobre o aumento dos empréstimos do Banco Mundial para o Brasil a partir da segunda metade da década de 1990, ver Baumann, In: Altemani & Lessa, 2006, p. 210. 304 Nas palavras de Lesbaupin: “A política de abertura econômica, associada à sobrevalorização do real e aos altos juros – política que deveria nos levar, segundo o governo, a uma maior competitividade a nível internacional – produziu o inverso: o crescimento econômico caiu e nossas exportações perderam espaço. O quadro social é desastroso: aumento da desigualdade social, da pobreza e da miséria, no campo e na cidade” (LESBAUPIN, 1999, p. 12).

227

No que se refere ao processo de privatização das empresas estatais conduzido pelo

governo FHC, depois de vender aquelas que eram deficitárias, o governo passou a vender

as que davam lucro e, em seguida, as que davam lucro e eram estratégicas. Supostamente

elas foram vendidas para cobrir o déficit público. No entanto, os recursos oriundos do

processo de privatização foram embora, engolidos pela crise, e o déficit público não fez

senão aumentar305: o país perdeu suas estatais, perdeu a rentabilidade que as lucrativas

davam e, apesar disso, o país encontrava-se cada vez mais endividado306.

É possível perceber, dessa forma, que houve uma inversão sequencial na relação

existente entre estabilização e reformas estruturais na economia. O adequado seria que o

país primeiro alcançasse a estabilização para depois fazer a abertura. Entretanto, no caso

do Brasil e da América Latina em geral, a ordem foi inversa - com as reformas tendo sido

uma precondição para atingir a estabilidade, através da adoção de programas baseados na

abertura comercial e âncora cambial (GREMAUD, 2002, p. 541).

O processo de reformas proposto pelo Plano Real, em sintonia com as diretrizes

de financiamento do Banco Mundial, acabou ficando dissociado de um projeto nacional

mais amplo, preocupado com a retomada consistente do processo de desenvolvimento

econômico que conduzisse a uma nova forma de inserção do país no âmbito

internacional.

As mudanças em termos de política econômica e a ascensão do discurso liberal no

Brasil possuem suas origens em 1987, com o início da abertura cambial e

desmantelamento gradual dos pilares do Estado desenvolvimentista. As reformas no

Brasil foram acompanhadas pela mesma receita aplicada aos outros países da região com

a diferença de que o Brasil foi o mais retardatário na adesão ao processo de ajuste.

Em virtude do volume de ativos a negociar e o tamanho do mercado interno, o

país conseguiu atrair recursos suficientes para manter um programa de estabilização

305 Em relação aos impactos e problemas decorrentes do Plano Real nas contas internas e externas do país, ver Batista Jr., 2005, p. 49. 306 De acordo com Mattoso: “Supostamente para combater o crescimento da dívida pública, mas efetivamente para assegurar o pagamento dos juros, o governo FHC lançou-se em sucessivos ajustes fiscais cujo único resultado foi o agravamento do desmonte do Estado nacional, com a deterioração dos serviços públicos e de sua capacidade de investimento, geração de emprego e crescimento” (Mattoso, In: Lesbaupin, 1999, p. 119).

228

ancorado no câmbio até 1999. A queda da inflação foi o grande trunfo em termos de

legitimidade do governo para a intensificação dos programas de “reformas” estruturais.

Os custos também foram elevados, com um crescente déficit em transações correntes e

deterioração do quadro fiscal interno, mesmo que o esforço arrecadador tenha contribuído

para a geração de superávits primários significativos (COELHO, 2002, p. 224).

Com a crise cambial de 1999, os empréstimos para o setor de ajustamento

disparam em relação aos outros setores307. Entre 2000 e 2006 (com exceção do ano de

2002), o setor de ajustamento foi o que recebeu maior volume de recursos e também foi

aquele que obteve o maior número de empréstimos aprovados pelo Banco308.

Como forma de viabilizar a implantação e operacionalização dos projetos de

ajustamento no país, o Banco Mundial oferece um Programa de Assistência Técnica,

interagindo diretamente com a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da

Fazenda. De acordo com Castro (2005, p. 140), através do Programa de Assistência

Técnica, o Banco Mundial consegue lançar seus “tentáculos” sobre a máquina

administrativa governamental do país309.

Com o decorrer das décadas, alguns setores da sociedade civil começaram a se

organizar para questionar a forma de interação entre o Banco Mundial e o governo

brasileiro. Nessa relação era possível observar a existência de inúmeros interesses de

307 Sobre a relação entre o Banco Mundial e o FMI com o Brasil durante os anos que seguem à crise cambial de 1999, Chossudovsky coloca que: “A crise financeira de 1999 havia criado as condições para uma rápida recolonização da economia brasileira através do processo de privatização implantado tanto pelo Banco Mundial tanto quanto pelo FMI. Na essência, os recursos oriundos do processo de privatização serviram apenas para pagar os juros do câmbio valorizado quando o capital fugiu” (CHOSSUDOVSKY, 2003, p. 397). – Tradução livre do autor. 308 De acordo com o Relatório do Banco Mundial: “During the 1999-02 period there was a further expansion of lending, accompanied by a strong shift to adjustment lending. The Bank’s share in total financing flows to Brazil increased for the first time since the 1980s, although it remained small. The package of adjustment loans included two loans supporting fiscal/public administration reforms, two loans supporting social security reforms, one loan preserving critical social expenditures, two loans supporting financial sector reforms, and one loan supporting energy sector reform” (WORLD BANK, 2004a, p. 11). Esse movimento de aumento dos empréstimos de ajustamento, principalmente entre 2000 e 2006, também pode ser observado nas Tabelas 4.8 e 4.9. 309 Nas palavras do autor: “A partir da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, os tentáculos da rede gerencial se espalham pela máquina do governo. O Programa de Assistência Técnica indica que o projeto envolverá “várias entidades nos Ministérios da Fazenda, Justiça, Transportes e Ciência e Tecnologia”. A rede gerencial utilizará aí as chamadas “Unidades de Coordenação de Projetos” (UCPs), que cuidarão de diversos aspectos da implementação de reformas “compradas” pelo Banco Mundial” (CASTRO, 2005, p. 140).

229

ambas as partes, no entanto, a participação da sociedade civil na dinâmica geral era

mínima.

Como vários dos projetos acabam atingindo diretamente determinada parcela da

população, o que nem sempre ocorre de maneira positiva, paulatinamente alguns grupos

da sociedade civil passaram a reivindicar por maior participação e possibilidade de

acompanhamento das negociações entre governo e Banco Mundial.

Com o intuito de preservar a imagem de instituição aberta e democrática, o Banco

desenvolveu um mecanismo denominado “Painel de Inspeção” para que houvesse um

espaço de reclamações para os membros da sociedade civil em relação aos impactos dos

projetos financiados pela instituição310.

Instituído em 1993, o Painel de Inspeção passou a funcionar oficialmente em

1994 com o objetivo de proporcionar um fórum independente àqueles que, no território

do país mutuário, acreditassem que seus interesses e direitos foram ou pudessem ser

direta e materialmente prejudicados por projetos, de maior ou de menor porte,

financiados pelo Banco Mundial.

Junto ao Painel de Inspeção, as partes afetadas devem demonstrar que os “efeitos

materiais adversos”, reais ou potenciais sobre seus interesses e direitos, decorreram da

não observância por parte do Banco Mundial de suas normas e procedimentos

operacionais nas fases de elaboração, avaliação ou execução dos projetos, inclusive no

acompanhamento do cumprimento das obrigações do governo mutuário previstas nos

acordos de empréstimo. A finalidade do Painel de Inspeção é, portanto, verificar se as

ações do Banco Mundial ocorrem em conformidade com seus próprios procedimentos e

normas311 (BARROS, 2001, p. 20).

310 Barros (2001, p. 24) aponta a relevância de um mecanismo como o Painel de Inspeção tendo em vista o distanciamento que se verifica entre o discurso e a prática do Banco Mundial: “São várias as indicações de distanciamento e/ou contradição entre, por um lado, os documentos da política oficial do Banco Mundial, seus discursos e intenções, e, por outro lado, as práticas e os resultados de suas operações” (BARROS, 2001, p. 24). 311 De acordo com Barros (2001, p. 21), através do Painel de Inspeção os cidadãos poderiam fazer reclamações a respeito dos custos sociais e ambientais dos projetos financiados pelo Banco Mundial: “O mandato do Painel de Inspeção é investigar acusações de que políticas oficiais do Banco não são seguidas na elaboração e implementação dos projetos. Para serem qualificados, os reclamantes devem ser pessoas diretamente atingidas ou um representante local que atue explicitamente em seus nomes. Permite-se que os

230

Desse modo, em princípio, falar do Painel de Inspeção é falar de um novo

mecanismo de política que, levando em conta as perspectivas de cidadãos de qualquer

país prejudicados em suas condições de vida e de trabalho por falhas do Banco Mundial,

deve propiciar a regulação das ações dessa instituição, com vistas a garantir a melhoria na

qualidade dos resultados dos projetos. É falar de um mecanismo que deve ensejar a maior

visibilidade e prestação de contas sobre as operações do Banco Mundial,

tradicionalmente mantidas em caráter de rígido sigilo. É, portanto, falar de um

mecanismo que, ao proporcionar maior participação pública, transparência e

responsabilização, pode ainda contribuir para a democratização do Banco Mundial,

“empoderando” aqueles negativamente afetados por suas operações (BARROS, 2001, p.

21).

Entretanto, em geral, os funcionários do Banco vivenciam a instalação do Painel

como uma investigação de seu próprio trabalho, posicionando-se publicamente contra a

utilização deste instrumento de participação e transparência criado pelo próprio Banco312

(BARROS, 2001, p. 134).

Do ponto de vista mais abrangente e internacional, a proposição do Painel de

Inspeção por parte do Banco Mundial entre 1993-1994 veio ao encontro dos esforços da

reclamantes permaneçam anônimos. O Painel está composto por três notáveis, especialistas em desenvolvimento, que não podem ser empregados do Banco e que devem rejeitar qualquer possível emprego no Banco no futuro. Os reclamantes devem obedecer ao menos a três condições. Primeiro, a reclamação deve mostrar que eles foram ou provavelmente serão negativamente afetados por um projeto financiado pelo Banco. Segundo, as reclamações devem mostrar que esta ameaça ou dano relaciona-se com uma falha do Banco em cumprir suas próprias políticas. Não é suficiente demonstrar que os governos nacionais, que implementam projetos financiados pelo Banco, causaram o prejuízo. Terceiro, os reclamantes devem demonstrar que o problema foi, em momento anterior, trazido à atenção de autoridades do Banco e que elas não responderam de forma adequada” (BARROS, 2001, p. 42). 312 No caso brasileiro, até 2001, foram realizados três requerimentos de investigação ao Painel de Inspeção: i) o Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia – PLANAFORO – em junho de 1995; ii) o Projeto de Reassentamento e Irrigação de Itaparica, em março de 1997 e em abril de 1999; e iii) o Projeto Piloto de Reforma Agrária e Alívio da Pobreza, mais conhecido como “Cédula da Terra”, em dezembro de 1998 e em agosto de 1999. As reclamações referem-se a três projetos, mas na verdade foram cinco requerimentos de investigação, já que os projetos de Itaparica e Cédula da Terra foram reapresentados – o que fez com que o Brasil, até o ano de 2001, representasse o país com maior número de casos no Painel de Inspeção. As respostas oficiais às reclamações ao Painel foram as seguintes: i) PLANAFORO – aceitação parcial da gerência do Banco e recomendação do Painel para investigação; ii) Itaparica – Banco nega descumprimento mas Painel recomenda investigação; e iii) Cédula da Terra – Banco nega descumprimento e Painel não recomenda a investigação (BARROS, 2001, p. 53).

231

instituição em recuperar sua imagem - desgastada no contexto da implementação dos

empréstimos de ajuste estrutural.

Nesse sentido, em 1995, o então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton

designou James Wolfensohn, banqueiro de Nova York, para ser o nono presidente do

Banco Mundial. Wolfensohn assumiu a presidência em um momento em que era urgente

e necessário restaurar a imagem da instituição uma vez que os programas de ajuste

estrutural tinham má repercussão internacional e uma série de crises financeiras

começava a golpear os países periféricos.

Era preciso desviar a atenção desses fatos usando como cortina de fumaça a

eliminação da pobreza, a “boa governança” e os empréstimos responsáveis com o meio

ambiente. Uma intensa atividade de relações públicas se desenvolveu nesse sentido e

Wolfensohn converteu-se em um expert em relações com a imprensa causando boa

impressão através de seu talento e retórica (TOUSSAINT, 2006, p. 219).

Os marcos estratégicos de luta contra a pobreza foram promovidos por

Wolfensohn para substituir e amortecer os impactos dos Programas de Ajustamento

Estrutural (PAE) - muito desacreditados, ainda que tenham sido o principal objetivo do

Banco Mundial e do FMI desde os anos 1980. Na realidade, além do nome, nada mudou

nessas políticas com respeito aos países periféricos. As exigências de privatizações e

liberalização cambial continuavam representando o marco macroeconômico, visto que o

Banco Mundial e o FMI endureceram ainda mais as condicionalidades que impunham

para a viabilização dos financiamentos (TOUSSAINT, 2006, p. 210).

O desafio de reorientar a estratégia e foco de atuação do Banco dos programas de

ajuste para o combate à pobreza perpetuou-se durante o mandato de Wolfowitz313,

313 Pelo fato de Wolfowitz ter ocupado o cargo de Subsecretário de Defesa dos EUA, Toussaint (2006, p. 252) faz um paralelo entre sua nomeação para ocupar a presidência do Banco e a nomeação de McNamara, Secretário de Defesa dos EUA em 1968, no tocante à experiência de ambos como conselheiros em assuntos da política externa norte-americana: “De certa forma, a nomeação de Paul Wolfowitz se assemelha à de Robert McNamara em 1968. Este era secretário de Defesa do Estado e tinha sido retirado da direção da guerra do Vietnã no começo do marasmo. Paul Wolfowitz foi retirado de seu posto em pleno fracasso da guerra no Iraque. Tanto um como outro tiveram a experiência de dirigir uma grande administração: o Pentágono, e tanto um como outro foram conselheiros de política exterior do presidente dos Estados Unidos. Seguramente, Wolfowitz, seguindo o exemplo de McNamara e sem ruptura com Wolfensohn, manterá a defesa da luta contra a pobreza” (TOUSSAINT, 2006, p. 252) – Tradução livre do autor.

232

nomeado como décimo presidente do Banco Mundial em junho de 2005 durante o

governo do presidente norte-americano George W. Bush314.

Entretanto, ao eleger o combate à pobreza como prioridade na estratégia de

atuação, o Banco Mundial passou a tratar as questões relacionadas ao crescimento de

maneira secundária, ou seja, a temática do crescimento passou a ser vista apenas como

um meio para alcançar o objetivo final de aliviar a pobreza315. De acordo com o Relatório

do Banco:

O alívio da pobreza foi o principal objetivo da assistência do Banco ao Brasil nos anos 90 e no início da década de 2000. Esse objetivo central foi estabelecido na Estratégia de Assistência ao País de 1993 e reiterado nas Estratégias de 1995, 1997 e 2000. Crescimento foi definido como um objetivo intermediário, ou como um meio de alcançar o objetivo final de aliviar a pobreza. A estratégia desenvolvida nesse período requeria um conjunto de instrumentos que deveriam ter impacto direto sobre a redução da pobreza e também outros concebidos para promover o crescimento, mas os primeiros ganharam maior ênfase (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. 05).

Assim, gradativamente o Banco passa a redirecionar seus financiamentos

setoriais, projetando-se como um organismo mais relevante como fonte de conhecimento

e assistência técnica do que como financiador de projetos de desenvolvimento316. Em

relação aos financiamentos direcionados ao Brasil, as prioridades passam a ser o setor

social (primordialmente projetos para o campo da educação e saúde) e a remoção de

314 Sobre o processo de mudança do foco de atuação do Banco Mundial, que primeiramente lidava com questões de investimento para o crescimento e progressivamente passa a se dedicar à problemática do combate à pobreza, Einhorn coloca que: “Over time, the bank has evolved from an organization focused on growth through trade and investment to an organization set on achieving a world without poverty. (...) That is the World Bank that Wolfensohn was chosen to create and lead, and the one Wolfowitz has now embraced. The World Bank is also evolving into the institution of choice for working with developing countries on “global commons” issues, such as environment and health” (EINHORN, 2006, p. 18). 315 Em relação a esse assunto, ver World Bank, 2004a, p. 05. 316 Segundo o Relatório do Banco: “O Banco ainda pode desempenhar um papel relevante em um país de renda média como o Brasil. O Banco é mais importante como fonte de conhecimentos e assistência técnica. O Banco é menos relevante como fonte de recursos financeiros mas não é irrelevante, especialmente para as regiões mais pobres e em um cenário de mercados de capitais voláteis” (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. 42).

233

“barreiras ao crescimento”317. As barreiras ao crescimento, na visão do Banco Mundial,

nada mais são que políticas fiscais e monetárias expansionistas conduzidas pelo Estado

que, na sua essência, devem ser removidas via reformas liberais de ajustamento. Nesse

sentido, a atuação do Banco vai sendo dirigida essencialmente a políticas de ajuste

combinadas com políticas de combate à pobreza, dois programas que caminham

concomitantemente no interior do Banco, mas que possuem um potencial contraditório

entre si.

São importantes os alertas para o fato de que os grandes ideais assumidos pelo

Banco Mundial envolvendo o “alívio da pobreza” e o “desenvolvimento sustentável”

seguem pari passu com a implementação dos chamados “programas de ajuste estrutural”

- que embasam a promoção de um modelo de desenvolvimento econômico neoliberal nos

países mutuários. Isso frequentemente implica em grandes dificuldades, considerando

que as políticas sociais são fortemente condicionadas pelas políticas macroeconômicas.

Por essa via, corre-se o risco de redução das políticas sociais a meras políticas

compensatórias do processo de ajuste, que muitas vezes sequer cumprem essa função e,

pelo contrário, em conjunto com as políticas de ajustamento podem levar ao agravamento

do quadro de pobreza inicialmente identificado pelos projetos (BARROS, 2001, p. 24).

Em certa medida, o próprio Banco Mundial apresenta uma visão crítica em

relação ao monitoramento e impacto de alguns projetos que financia na direção do

combate à pobreza318. Evans (2000, p. xvii) relativiza o debate apontando que a redução

da pobreza é fruto de uma variedade de fatores sendo que nem todos estão sob controle

exclusivo do Banco319. Por outro lado, o autor coloca que o ao dirigir grande parcela de

317 De acordo com o Relatório do Banco: “The Bank can continue to play a relevant role in Brazil by helping the government to increase gains in education and health and to remove the constraints to better growth performance” (WORLD BANK, 2004a, p. xiii). 318 Fazendo referência ao desempenho de alguns projetos de combate à pobreza financiados pelo Banco no Brasil, temos que: “Alguns projetos não fizeram estimativas confiáveis dos benefícios que deles resultariam para os pobres, um evidente ponto fraco quando se considera que esses programas tinham como objetivo a redução da pobreza. Também não houve suficiente integração entre projetos relacionados, e importantes sinergias podem ter sido perdidas. Mais ainda: de modo geral, o monitoramento e a avaliação do impacto dos projetos foram menos que satisfatórios – o Banco deveria ser capaz de precisar mais sistematicamente o impacto de sua assistência sobre os pobres e sobre a eficiência da economia brasileira” (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. 40). 319 De acordo com o autor: “In assessing performance, it is important to recognize that poverty outcomes are the product of a wide variety of factors, and that few of them are under exclusive Bank control. (…)

234

seus empréstimos ao setor social para combater a pobreza320, o Banco acaba

subestimando o potencial de contribuição de outros setores, também importantes, em

termos do processo de redução da pobreza321.

No que se refere à estratégia de desenvolvimento adotada pelo Banco para o

Brasil a partir da década de 1990, destacavam-se dois campos prioritários: o setor social e

o crescimento econômico. Enquanto os empréstimos ao setor social despontaram como o

grande mecanismo de combate à pobreza, o componente relativo ao crescimento

econômico estava relacionado ao processo de privatizações e descentralização de setores

estratégicos322. Como forma de viabilizar esse projeto, que implicava na desarticulação do

aparato do Estado nos países periféricos, seria fundamental rediscutir o papel das

instituições no processo de desenvolvimento de longo prazo dessas economias323.

After almost two decades of experience, not enough is known about what has been achieved for the poor with investments in the social sectors” (EVANS, 2000, p. xvii). 320 Em relação às prioridades da estratégia de financiamento da instituição no Brasil entre 1990 e 2002, o Relatório do Banco Mundial de 2003 confirma a supremacia dos setores sociais, meio ambiente e ajuste em detrimento dos demais setores: “A realocação setorial dos empréstimos nos anos 90 foi, em geral, consistente com a estratégia proposta. (...) As parcelas de projetos tradicionais de agricultura e energia foram substancialmente reduzidas. Quando se restringe a análise a empréstimos para investimento (excluindo os empréstimos de ajuste), os ganhos dos setores sociais e de meio ambiente são ainda maiores – sua participação conjunta aumentou de cerca de 6% para 34% dos empréstimos totais para investimento” (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. 06). 321 Nas palavras de Evans: “In focusing so heavily on the social sectors, the Bank has underemphasized the poverty-reducing potential of key subsectors in energy, infrastructure, private, and financial sector development” (EVANS, 2000, p. 17). 322 De acordo como Relatório do Banco: “A estratégia do Banco foi desenvolvida em um período durante o qual a instituição tornou-se uma fonte de financiamento menos importante para o Brasil – os desembolsos do Banco representaram 16.5% do total de financiamentos para o país na década de 1980, mas apenas 6.5% nos anos 90. A estratégia tornou-se mais seletiva, com o foco centrado no Nordeste pobre e em atividades que deveriam atacar diretamente as raízes da pobreza. Os setores de educação e saúde foram considerados os prioritários, e a parcela dos mesmos no total de compromissos cresceu de 5% nos anos 80 para cerca de 20% no período 1990-2002. O programa também deu prioridade à provisão de serviços básicos e de ativos para os pobres (água, saneamento, eletrificação rural, terra). O elemento de crescimento contido na estratégia envolveu o apoio ao Governo para a descentralização e privatização da infra-estrutura, através de assistência técnica para a regulamentação do setor e de empréstimos seletivos. Esperava-se que essas ações promovessem o crescimento, através do estímulo ao investimento privado em infra-estrutura e da geração de ganhos de eficiência” (BANCO MUNDIAL, 2003a, p. i). 323 Principalmente no final da década de 1990, inúmeros relatórios do Banco Mundial passam a exaltar o papel das instituições pró-mercado adequadas para a promoção do desenvolvimento. Em última instância, as reformas institucionais que passam a ser propostas pelo Banco representariam a tentativa de criar um ambiente normativo de preservação das “conquistas” em termos de liberalização econômica. Sobre esse assunto, ver Banco Mundial (1999); Banco Mundial (2001); World Bank (2002c); e Gill & Pugatch (2005). Essa questão também foi abordada no Capítulo 3 – Seção 3.3.

235

No contexto da reorientação das políticas do Banco para o combate à pobreza,

intensifica-se o debate demarcando a diferença entre combater as “causas” e as

“consequências” da pobreza324. A problemática em questão é a seguinte: alguns aspectos

que o Banco considera como essenciais ao desenvolvimento (como melhorias na

educação, saúde e controle de natalidade) nada mais são que resultados de uma economia

que avança em seu processo de desenvolvimento. Einhorn (2001, p. 23) aponta que existe

uma inversão na lógica do Banco Mundial na medida em que a instituição encara como

requisitos ao desenvolvimento, os elementos que são decorrências do próprio processo de

desenvolvimento325. O equívoco nessa dinâmica reside no fato de que o produto do

processo de desenvolvimento não pode se tornar requisito para atingi-lo326.

Ao eleger as metas sociais como prioridade, uma série de temáticas (como

corrupção, governança, transparência e participação) foi incluída como relevante ao

escopo de atuação do Banco. Essas temáticas vão ganhando cada vez mais espaço nas

publicações do Banco Mundial, inclusive no documento chamado “Estratégia de

Assistência ao País” (Country Assistance Strategies - CAS).

A “Estratégia de Assistência ao País” (Country Assistance Strategies - CAS)

orienta as atividades do Banco Mundial procurando levar em conta a realidades dos

países-membros mutuários. A partir de uma visão do país sobre suas metas de

desenvolvimento, o CAS é preparado por meio de consultas ao governo327, a organizações

324 Nas palavras de Garrison, no Relatório do Banco Mundial de 2000: “É também necessário que o Banco trate das causas da pobreza e não apenas de suas conseqüências” (GARRISON, 2000, p. 50). 325 Segundo a autora, de acordo com a política do Banco, as metas sociais passam a ser requisitos ao invés de resultados. A adoção dessa postura, ou seja, declarar metas sociais como objetivos ao invés de abordá-los como resultados, ainda permitiu ao Banco vestir uma roupagem mais democrática e humanista, camuflando o caráter intrusivo dessas políticas: “Economists observed a correlation between economic growth on one hand and literacy and low population growth on the other, and eventually they accepted these and other social goals as essential inputs to development (…) By describing social goals as inputs rather than results, the bank cleared the path for a cumulative piling on of tasks over the decades, including issues of governance, participation by the poor, and anti-corruption. This approach also let the bank pursue an increasingly democratic and humanistic agenda without appearing to be politically intrusive” (EINHORN, 2001, p. 23-24). 326 Segundo Einhorn: “This is to say that you will be developed when you are developed. It is the old debate of inputs versus outputs, where everything that development brings has become a necessary input to achieving it” (EINHORN, 2001, p. 31). 327 De acordo com o Relatório do Banco Mundial, vários agentes participam da elaboração da “Estratégia de Assistência ao País”. Nesse sentido, tanto a sociedade civil quanto o governo brasileiro teriam

236

da sociedade civil, parceiros de desenvolvimento e outros grupos interessados328. Avalia a

situação de desenvolvimento do país e sugere um programa de apoio adaptado ao seu

entendimento das necessidades locais329. De acordo com o Banco, o intuito é identificar

áreas em que o apoio do Grupo Mundial possa auxiliar melhor os esforços do próprio

país para alcançar o desenvolvimento sustentável e reduzir a pobreza (BANCO

MUNDIAL, 2005, p. 56).

A elaboração da “Estratégia de Assistência ao País” também leva em conta os

chamados “Desafios do Milênio” ou Millennium Development Goals (MDGs)330. Esses

desafios ou metas, relacionados à erradicação da pobreza mundial até 2015, incluem a

proposta de criação de uma “parceria global para o desenvolvimento” entre os países.

Castro (2005, p. 84) aponta que para viabilizar a construção dessa “parceria global para o

desenvolvimento”, o Banco Mundial - enquanto organismo multilateral para o

financiamento do desenvolvimento - deve rever sua relação com os países periféricos,

principalmente no tocante ao sistema de condicionalidades imposto para a liberação dos

empréstimos331.

De acordo com Almeida (1989, p. 48), a aplicação de condicionalidades nos

financiamentos para o Brasil já remontam aos empréstimos concedidos na década de

1960, que foram reduzidos diante da reação governamental à interferência do Banco nas

colaboração na preparação do documento do Banco, que tomaria como base para seus financiamentos as prioridades presentes no Plano Plurianual (PPA) do governo federal (BANCO MUNDIAL, 2003b, p. 08). 328 Em relação à efetiva participação da sociedade civil na elaboração do documento, Garrison coloca que: “Uma postura mais participativa precisa ser adotada com relação à formulação e discussão da Estratégia para o País (CAS) e também em nível de cada empréstimo financiado pelo Banco” (GARRISON, 2000, p. 91). 329 Em dezembro de 2003 foi divulgada pelo Banco Mundial a nova “Estratégia de Assistência ao País” para o período 2004-2007, estabelecendo um programa que prevê até US$ 7,5 bilhões em novos financiamentos para o Brasil em quatro anos (BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 211). Como é possível observar nas Tabelas 4.8 e 4.9, a grande maioria desses financiamentos foi destinada aos setores social e de ajustamento no período 2004-2006. 330 Sobre esse assunto, ver Capítulo 3 – Seção 3.6. 331 Nas palavras de Castro: “É sobretudo nesse contexto, de criar uma “parceria global para o desenvolvimento”, que deve ser entendido o papel das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs) para a efetivação das Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs). Construir uma “parceria global para o desenvolvimento”, implica, evidentemente, em superar o surrado “Consenso de Washington”, bem como o seu complemento, o modelo institucional que dá primazia ao “controle externo exercido pelas Instituições Financeiras Multilaterais sobre os governos nacionais” por meio do sistema de condicionalidades impostas em detrimento da representação democrática de interesses” (CASTRO, 2005, p. 84).

237

políticas domésticas, dado que a instituição pretendia intervir até mesmo na forma de

exploração dos recursos petrolíferos nacionais. No decorrer do tempo, notadamente a

partir de 1964 quando o governo brasileiro se posiciona pela expansão dos empréstimos,

as condicionalidades foram se concentrando progressivamente nas áreas orçamentária,

financeira, preços administrados e abertura comercial ao exterior (ALMEIDA, 1989, p.

48).

Os condicionamentos para os empréstimos refletiam inicialmente a interferência

nas variáveis ligadas mais intimamente aos projetos a serem financiados. No entanto, é

possível observar que tem sido praticada, de forma crescente, a introdução de

condicionamentos de caráter macroeconômico sem nenhuma relação direta com o projeto

financiado332. Nesse sentido, Almeida (1989, p. 45) aponta que uma das questões de

maior destaque faz referência ao fato das condicionalidades nitidamente extrapolarem o

escopo do projeto financiado333.

Lichtensztejn & Baer (1987, p. 230) compartilham dessa visão, associando a

prática da condicionalidade por parte do Banco a objetivos e interesses explicitamente

políticos no âmbito internacional334.

332 De acordo com Almeida: “É razoável admitir-se que, para a rentabilidade de um projeto de energia elétrica, por exemplo, seu financiamento deva se fazer seguir de condições, como o estabelecimento de tarifas compatíveis. No entanto, nem sempre foi esse o limite do condicionamento. Pode-se mencionar o caso de um empréstimo agrícola, de 1983, que ficou condicionado à reforma bancária, liberalização da política comercial, desregulamentação do crédito rural e à elaboração de um plano de médio prazo para o desenvolvimento agrícola” (ALMEIDA, 1989, p. 48). 333 Em relação a esse assunto, Araújo coloca que: “A relativa fragilidade dos países devedores, combinada com o exaltado ânimo intervencionista do governo norte-americano, conduziu a uma multiplicação das condicionalidades, que cada vez mais se afastam dos projetos per se. (...) As condicionalidades costumam extrapolar os setores que desejam reformar, isto é, o staff do Banco Mundial insere condicionalidades que nada têm a ver com o setor que se pretende reformar, ou apenas relacionam-se remotamente. São numerosos os exemplos, e é bem verdade que a onipresença do setor público brasileiro facilita as excusas: torna possível, por exemplo, que os técnicos do Banco Mundial sugiram alterações no organograma do Banco Central do Brasil no bojo de um projeto de crédito rural” (ARAÚJO, 1991, p. 51). 334 Segundo os autores: “No caso do Banco, os condicionamentos têm, como é lógico, um conteúdo expressamente econômico; não obstante, em diferentes momentos de sua história (especialmente durante os períodos de maior tensão nas relações internacionais), ultrapassou os limites convencionais de política econômica para refletir interesses ou objetivos explicitamente políticos. Nessas situações, o Banco Mundial deixou transparecer que nunca foi exclusivamente uma instituição financeira, mas que, na medida de sua importância, tem sido também um componente da estrutura política internacional” (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 230).

238

Sustentado por rígidos princípios ortodoxos, o Banco Mundial - em parceria com

o FMI ao longo das últimas décadas – impôs ao governo brasileiro como condições para

o acesso à sua assistência financeira o cumprimento dos seguintes requisitos335:

• política de restrição ao crédito;

• recuperação do equilíbrio do balanço de pagamentos, com imediata redução do déficit em conta corrente;

• controle sobre a massa de salários da economia;

• equilíbrio nas contas públicas, com estabelecimento de preços realistas para os serviços públicos;

• eliminação de subsídios e reformas tributárias compatíveis; e

• redução das taxas de inflação.

Dessa forma, a aplicação dos condicionamentos de política econômica por parte

do Banco Mundial passou a ser consubstanciada à sua atuação como prestamista. Os

empréstimos para ajuste estrutural são uma mostra acabada e explícita dessa disposição

da instituição em influir globalmente na política econômica interna de diversos países,

inclusive no caso do Brasil (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987, p. 233).

Castro (2005, p. 132), fazendo referência aos empréstimos de ajustamento do

Banco para o Brasil que envolvem condicionalidades, coloca que essa prática implica

diretamente em diminuição do grau de soberania do país em relação à formulação e

implementação de suas políticas internas336. As condicionalidades no Brasil também

estiveram frequentemente associadas a reformas como as da previdência social, e à

adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal, ambas com efeitos estruturais impactantes

(BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 215).

Em publicação do Banco Mundial de 2005 sobre a temática da

“condicionalidade”, a própria instituição reconhece que no futuro, seu comportamento

335 Sobre esse assunto, ver Almeida, 1989, p. 37. 336 Nas palavras de Castro: “De fato, como em outras operações de empréstimos do Banco Mundial, a instituição exige que um amplo programa de reforma de políticas públicas seja adotado pelo governo e implementado para que o crédito seja concedido e desembolsado (...) Assim, sem empregar um centavo em projetos de investimento, o Banco Mundial, por meio de condicionalidades que faz incidir sobre a operação de empréstimo, adquire um poder imenso de interferir na formulação e implementação de políticas públicas brasileiras” (CASTRO, 2005, p. 132).

239

deveria ser mais humilde em termos do diálogo sobre políticas de desenvolvimento,

levando em conta as especificidades e circunstâncias do país frente às condicionalidades

impostas (WORLD BANK, 2005e, p. 17).

Tendo em vista as considerações apresentadas acima, fica nítido que existe uma

dualidade fundamental em termos do papel institucional do Banco Mundial: de um lado

existe o ponto de vista bancário (que deve zelar pelo retorno dos empréstimos e

manutenção de sua credibilidade internacional) e de outro sua função enquanto promotor

do desenvolvimento econômico (função esta que acabou comprometida do ponto de vista

do desenvolvimento também em virtude da grande expansão do escopo dos projetos

financiados).

Essa dualidade fica mais evidente com a reorientação da sua estratégia de atuação

na direção das metas sociais, uma vez que a missão do Banco foi sendo descaracterizada

por sua dispersão e natureza heterogênea, sobretudo pelo aumento do número de áreas de

competência - que passou a incluir os mais variados temas relativos à pobreza e questões

humanitárias como redução da mortalidade infantil, combate à AIDS, preservação do

meio ambiente, auxílio a povos refugiados de guerra, etc. - resultando em perda de foco

de atuação institucional que, de certa forma, pode exercer uma influência negativa em

termos da credibilidade necessária do ponto de vista bancário337.

Por fim, em relação ao período como um todo (1991-2006), pode-se dizer que

pelo fato do governo brasileiro ter se inserido em uma engrenagem que vai cada vez mais

privilegiando a estabilização - e se distanciado de um arcabouço institucional articulado

pelo Estado de forma capacitada e comprometida com uma plataforma ativa de

desenvolvimento econômico – em linhas gerais, as políticas implementadas pelo Banco

estiveram em sintonia com as prioridades governamentais.

337 Nas palavras de Baumann, em referência à dualidade existente na forma de atuação do Banco Mundial, temos que: “Isso leva a um “dilema existencial” da instituição: se atua como um banco, os empréstimos devem seguir critérios rígidos em relação ao retorno de cada projeto e credibilidade dos clientes; se é uma agência de desenvolvimento, a flexibilidade dos critérios humanitários deve ter um papel importante. Esse “dilema” deriva de sua própria dualidade: de um lado, é uma organização formada por governos e dedicada ao desenvolvimento; de outro, funciona como um intermediário financeiro cujos recursos dependem de seu desempenho no mercado internacional de capitais” (BAUMANN, In: ALTEMANI & LESSA, 2006, p. 200).

240

As políticas liberais propostas pela estratégia de desenvolvimento do Banco, ao

contribuir para a desarticulação dos pilares do Estado intervencionista - reduzindo assim

o grau de autonomia governamental para acomodar e direcionar suas políticas fiscais e

monetárias no sentido do crescimento econômico – colaboraram substancialmente com o

desmantelamento do arcabouço desenvolvimentista no país. Dessa forma, uma vez

reduzida sua capacidade de antecipar acontecimentos e sustentar iniciativas estratégicas

de longo prazo, parece estar sendo reforçada nesse princípio de século XXI, a forma pela

qual a economia brasileira vem historicamente se inserindo no cenário internacional, isto

é, seguindo a condição estruturada de um capitalismo dependente e associado. Tendo em

vista tudo o que foi discutido até agora, torna-se possível verificar que a forma pela qual

o Banco vem se relacionando com o Brasil através de suas políticas de financiamento ao

longo dos últimos sessenta anos, reforça e legitima esse tipo de inserção subordinada da

economia brasileira no cenário internacional.

Uma vez observados alguns pontos fundamentais do relacionamento entre o

Banco Mundial e o Brasil nos últimos sessenta anos, tanto por meio da análise dos

investimentos setoriais quanto através das políticas praticadas pela instituição nos três

períodos pertinentes a esse estudo (1946-1973, 1974-1990, e 1991-2006), passaremos

agora para as considerações finais acerca da forma de atuação do Banco Mundial do

ponto de vista internacional e sua interação com a economia brasileira.

241

Considerações Finais

O objetivo geral desta tese consiste em analisar as mudanças nas políticas do

Banco Mundial entre 1946-2006, associando os principais momentos de reorientação da

estratégia global de desenvolvimento da instituição ao contexto das transformações

internacionais338.

Para tanto, o período total desta análise, que contempla sessenta anos de

atividades do Banco, foi dividido em três momentos distintos: 1946-1973; 1974-1990; e

1991-2006. A escolha por essa divisão específica esteve amplamente relacionada aos

objetivos desta tese, ou seja, verificar se os momentos de transformação internacional e

seus respectivos impactos na agenda política do hegemon possuem alguma relação com

os principais momentos de alteração das políticas de financiamento do Banco.

Com o intuito de realizar essa tarefa, algumas questões se mostraram relevantes.

Dentre elas, destaca-se a importância de inserir a investigação do Banco no contexto das

transformações internacionais que, na sua essência, impulsionam o processo de revisão

ou acomodação de interesses por parte dos agentes diante da configuração de nova

conjuntura.

A análise do modo de atuação tanto do Banco quanto do hegemon no contexto das

transformações internacionais permite captar, através da observação atenta desses

momentos de transição, os interesses específicos relacionados à atuação de cada agente –

interesses que ficam deflagrados e vão se alterando diante de cada nova conjuntura. Em

outras palavras, as novas conjunturas decorrentes das transformações internacionais

representam, essencialmente, momentos emblemáticos do processo de reformulação da

agenda de prioridades do hegemon e do Banco Mundial observadas nesta tese.

338 Como já foi visto, entende-se por transformações internacionais os momentos que representam alguma forma de ruptura com a dinâmica político-econômica vigente até então, cujo alcance se estende a nível global. Dois desses momentos de transformação considerados fundamentais para a perspectiva de análise do Banco contemplada por este estudo são: a mudança no padrão monetário instituído em Bretton Woods – ocorrida em 1973 – e o fim da Guerra Fria em 1990. Esses marcos norteiam a divisão do período de análise do Banco adotada pela presente tese, exatamente pelo fato de representarem eventos de alcance internacional cujos desdobramentos, como discutido ao longo dessa investigação, exerceram impacto tanto nas prioridades estratégicas do hegemon quanto nas do Banco Mundial.

242

Com o propósito de verificar a interação entre a reformulação da agenda de

prioridades do hegemon no contexto das transformações internacionais e seus possíveis

impactos na reorientação das políticas de financiamento do Banco Mundial, bem como os

desdobramentos das mudanças na estratégia global de desenvolvimento do Banco no

contexto econômico brasileiro, foram selecionados alguns elementos considerados

fundamentais ao escopo desta análise. Esses elementos foram discutidos nas três partes

estruturantes da tese, nas quais são distribuídos os quatro capítulos que compõem esse

estudo, e são retomados de forma sucinta a partir de agora.

Na primeira parte, referente à fundamentação teórica da tese, foram retratados

alguns aspectos da rivalidade interestatal na disputa por poder e riqueza. Também foram

apresentados elementos referentes à configuração de um poder hegemônico no interior do

sistema de Estados. Considerando que os Estados soberanos competem no processo

dinâmico de acumulação de riqueza e poder internacional, e que o hegemon preserva sua

posição de destaque exatamente por dispor de maior parcela de ambos (poder e riqueza),

o que se pode inferir em relação ao objeto de análise deste estudo é que enquanto os

Estados Unidos preservarem sua posição de destaque no cenário internacional, muito

pouco pode ser esperado em termos de mudança no modo de atuação do Banco Mundial.

Além disso, como foi visto nesse primeiro capítulo, existe uma relação congênita

entre o hegemon e os organismos multilaterais. Sob esse prisma, os organismos

multilaterais - dentre os quais se inclui o Banco Mundial - funcionam como instrumentos

de preservação do status quo internacional, possibilitando que os Estados Unidos

“amarrem” outros Estados a um conjunto de regras que o favoreça – institucionalizando,

dessa forma, sua preeminência339.

Em relação ao esquema teórico-interpretativo proposto, a idéia foi incorporar ao

escopo da investigação tanto aspectos históricos e a ótica do longo prazo quanto a esfera

do poder, viabilizando, assim, a observação do Banco Mundial como produto de uma

conjuntura internacional específica - e não simplesmente como o ponto de partida da

análise. Nesse sentido, o método da Economia Política Internacional procurou fornecer

um instrumental analítico útil na investigação da atuação do Banco Mundial sendo que,

339 Sobre esse assunto, ver Ikenberry, In: Foot, Macfarlane & Mastanduno, 2003, p. 19.

243

aliando-se à perspectiva da Teoria Econômica e da Teoria das Organizações

Internacionais, possibilitou um estudo de caráter multidisciplinar sobre o tema.

Na segunda parte, composta pelo segundo e terceiro capítulo, foi apresenta uma

investigação de caráter histórico-evolutivo acerca das políticas praticadas pelo Banco

Mundial. Nessa parte do estudo, o período total de interesse da tese foi dividido em três

momentos específicos (1946-1973; 1974-1990; e 1991-2006), ressaltando como cada um

desses períodos reflete uma orientação diferente em termos das prioridades de

financiamento da instituição. A investigação dos principais momentos de reorientação da

estratégia global de financiamento do Banco realizada nesses dois capítulos, serviu de

base para verificar se essa mesma tendência se aplicou ao direcionamento setorial dos

empréstimos do Banco no contexto econômico brasileiro.

Ainda nessa segunda parte, foi observada a forma pela qual o poder do hegemon

encontra-se sedimentado na própria estrutura de governança do Banco Mundial - tanto

em termos das cotas de ações e votos que comanda, quanto pelo poder de veto do qual

usufrui. Essa configuração relativa à distribuição do poder interno da instituição é

determinante nas decisões e no modo de atuação do Banco. Tendo em vista que o maior

acionista do Banco Mundial é o governo dos Estados Unidos, que representa o único país

que possui poder de veto sobre as decisões da organização, a distribuição de poder

associada à governança do Banco já evidencia que a dinâmica de funcionamento da

instituição é permeada pela hierarquia existente no sistema interestatal.

Nesse sentido, se a distribuição de poder no interior da instituição não for

repensada, envolvendo inclusive uma ampla discussão acerca do seu próprio estatuto, a

dinâmica de funcionamento do Banco continuará reproduzindo e legitimando a hierarquia

existente no sistema de Estados. Inúmeros autores como Caufield (1997), Gilbert &

Vines (2000), e Foot, Macfarlane & Mastanduno (2003), convergem com esse

argumento, sinalizando que a instituição só alcançará uma posição de destaque na

promoção do desenvolvimento econômico quando for capaz de incorporar e assimilar as

necessidades efetivas de seus membros. Para alcançar tal objetivo, será preciso revisitar a

estrutura de governança do Banco, principalmente a primazia dos Estados Unidos no

interior da organização.

244

Na terceira e última parte da tese, composta pelo quarto capítulo, foi investigada a

implementação das políticas do Banco Mundial no contexto econômico brasileiro. Nessa

parte foi recuperada a divisão temporal adotada nos Capítulos 2 e 3 (1946-1973; 1974-

1990; e 1991-2006), com o propósito de investigar se as tendências setoriais dos

financiamentos do Banco no Brasil acompanharam aquelas implementadas

internacionalmente.

Através da análise de todos os projetos financiados pelo Banco Mundial no Brasil

entre 1949 (ano do primeiro empréstimo do Banco ao país) e 2006 – totalizando 345

projetos – foi verificado que, em linhas gerais, as tendências setoriais de financiamento

do Banco que foram praticadas internacionalmente também se aplicaram ao caso

brasileiro.

Além disso, nesse capítulo, constatou-se que os critérios adotados pelo Banco

para a classificação setorial dos projetos que financia nem sempre refletem a natureza e o

escopo do projeto financiado. Sem ter a pretensão de elaborar nova metodologia de

classificação dos empréstimos do Banco Mundial, foi apresentada uma proposta de

“reclassificação” setorial dos projetos, evitando, desse modo, reproduzir o método

adotado pelo Banco Mundial - que nem sempre é capaz de captar a proposta principal do

financiamento.

Por fim, cabe destacar que o debate acerca do processo de desenvolvimento

econômico evoluiu muito desde o final da II Guerra Mundial. Nesse contexto, o Banco

Mundial, enquanto principal agência multilateral de fomento, esteve envolvido e

desempenhou importante papel ao longo das décadas na condução do debate sobre as

prioridades e os caminhos mais adequados para alavancar o processo de desenvolvimento

em nível internacional340. Contando com o apoio do seu orçamento, o Banco Mundial

vem ditando o que é “legítimo” em termos de desenvolvimento, principalmente ao

condicionar a liberação dos financiamentos à adoção de reformas atreladas à perspectiva

ortodoxa de desenvolvimento341.

340 Ver World Bank, 2002a, p. 05. 341 Sobre esse assunto, ver Griesgraber & Gunter, 1996b, p. 177.

245

Desde sua fundação até os dias de hoje, o Banco Mundial foi alterando sua visão

em termos de desenvolvimento econômico sob a alegação de que a instituição deveria

adequar-se ao surgimento de novos desafios. No entanto, o argumento defendido pela

presente tese procura ir além dessa interpretação casual e despolitizada dos fatos,

indicando que os principais momentos de reorientação da estratégia de desenvolvimento

do Banco foram influenciados predominantemente por fatores e interesses que se tornam

mais evidentes quando relacionados aos movimentos de revisão estratégica do hegemon

diante das transformações no cenário internacional.

O fato do conceito de desenvolvimento ser indeterminado, ou seja, difícil de

conceituar ou definir de um modo unívoco, permite que o Banco Mundial redirecione

suas políticas de financiamento - conforme sua conveniência - sustentando a mesma

bandeira pró-desenvolvimento. Nesse sentido, o Banco Mundial sempre poderá

reinventar seu papel e sua missão, legitimando assim seu grande poder de influência no

interior das economias capitalistas mundiais.

No mais, não deixa de ser interessante observar uma característica peculiar da

atuação do Banco, isto é, sua natureza conciliatória em relação aos diferentes agentes e

interesses envolvidos nas suas transações342. Isso se deve ao fato de que, no limite, todas

as partes envolvidas devem ser atendidas de alguma forma para que a operação se

concretize: os credores internacionais (que investem nos títulos do Banco de forma

segura e recebem os juros correspondentes); os países mutuários (que, não raro, devem

adotar reformas para poderem usufruir de financiamento a taxas preferenciais em

comparação àquelas disponíveis no mercado internacional); e o governo norte-

americano (que, na posição de acionista majoritário, acomoda a estratégia de

desenvolvimento da instituição conforme muda sua agenda de prioridades). O Banco

deve conciliar todas essas partes atentando, ainda, à sua credibilidade e conseqüente

longevidade institucional no âmbito internacional. Mais recentemente, membros da

sociedade civil também passaram a pleitear por espaço nas negociações do Banco –

embora esse processo esteja ainda em progresso e encontre uma série se obstáculos343.

342 Em relação a esse tema, ver Einhorn (2001, p. 30) e Almeida, (1989, p. 43). 343 Ver Castro, 2005, p. 72.

246

Em relação ao Brasil, cabe ao governo realizar rigorosa seleção dos projetos a

serem financiados de modo a maximizar os ganhos decorrentes da tomada destes

recursos, levando em conta, principalmente, a relação custo-benefício do financiamento e

a adequação do projeto às prioridades internas de desenvolvimento344 (GONZALES,

1990, p. 157). Com o desmonte do aparato do Estado desenvolvimentista, o debate sobre

as prioridades de desenvolvimento nacional foi se tornando cada vez mais capturado pela

discussão internacional de desenvolvimento - de base ortodoxa - proclamada exatamente

pelo Banco Mundial e suas políticas.

A reflexão em torno da situação da economia brasileira nesse princípio de século

XXI requer uma análise histórica crítica, associada à elaboração de uma nova agenda de

compromissos que, levando em conta o fato de que a adoção do receituário liberal

(implementado inclusive pelas políticas do Banco Mundial) não resultou no crescimento

recorrentemente anunciado, possua vínculos com o resgate da autonomia e com o

desenvolvimento econômico integrado da nação.

344 Em relação a esse tema, ver também Araújo, 1991, p. 83.

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