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Universidade Federal do Rio de Janeiro Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940) Carlos Eduardo C. da Costa Rio de Janeiro 2008

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ.

(1888-1940)

Carlos Eduardo C. da Costa

Rio de Janeiro 2008

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Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940)

Carlos Eduardo C. da Costa

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Departamento de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Orientadora: Ana Maria Lugão Rios

Rio de Janeiro Abril/2008

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COSTA, Carlos Eduardo C. da Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização

e os registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940)/ Carlos Eduardo C. da Costa. Rio de Janeiro: IFCS, 2008.

xviii, 161f.:il.;30cm Orientador: Ana Maria Lugão Rios Dissertação (Mestrado em História Social) – UFRJ, IFCS,

PPGHIS – Programa de Pós-Graduação em História Social, Rio de Janeiro, 2008.

Referências Bibliográficas: f. 180-184. 1. Pós-abolição. 2. Migração. 3. Campesinato – Teses. I. RIOS,

Ana Maria Lugão (Orient.). II.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.

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Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940)

Carlos Eduardo C. da Costa

Orientadora: Ana Maria Lugão Rios

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Aprovada por:

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Lugão Rios, UFRJ.

(Presidente)

Prof.ª Dr.ª Mônica Grin, UFRJ.

Prof.º Dr.º Álvaro Nascimento, UFRRJ.

Suplentes

Prof.º Dr.º Antonio Carlos Jucá, UFRJ.

Prof.º Dr.º Roberto Guedes, UFRRJ.

Abril/2008

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço à Universidade Federal do Rio de Janeiro e ao Programa

de Pós-Graduação em História Social pela oportunidade de cursar Mestrado para desenvolver

minha pesquisa.

À FAPERJ, que sem seu incentivo financeiro, através da Bolsa FAPERJ nota 10, esta

dissertação jamais teria se finalizado no prazo estipulado pelo Programa de Pós-Graduação.

À Ana Rios, que durante esses dois anos de curso fez muito mais do que a sua

obrigação de orientadora. Ela soube me acalmar nas horas mais tensas e soube me pressionar,

com maestria, nos momentos em que estava relaxado.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, Manolo

Florentino e Mônica Grin que ao longo desses dois anos, a partir de seus exemplos de vida,

ensinaram-me que há muito mais vida além da academia.

Aos demais professores do PPGHIS os quais tive a oportunidade de conhecer e assistir

as aulas. Muito do que aqui foi escrito deve-se aos cursos ministrados por Manolo Florentino,

Maria Paula Araújo, Samantha VizQuadrat, Antonio Carlos Jucá, Ana Rios e Mônica Grin.

As professoras Hebe Mattos e Martha Abreu que fizeram parte da minha formação na

graduação e que me ajudaram em muitos momentos durante a confecção da dissertação.

Ajudaram-me com incentivos financeiros para realizar as entrevistas, no empréstimos de

materiais e com boas conversas sobre o tema desta dissertação.

Agradeço a todos os amigos que fiz no Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais

da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, em especial a Dona Dylza, pois sem a boa vontade e o

bom humor deles a pesquisa não teria saído do papel.

Aos meus pais, José Hamilton e Maria Lúcia que me apoiaram e, em boa parte do

tempo, financiaram-me para que pudesse realizar o desejo de fazer o que mais gosto: estudar.

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À minha irmã Wiviane, que nos momentos mais difíceis e desanimadores deu-me

palavras encorajadoras para continuar o trabalho.

Ao meu sobrinho-afilhado Vinícius, uma criança especial em minha vida, que me

ensina todos os dias que há vida para além dos livros.

À minha namorada Cristiane Britto, que, durante todos esses anos juntos, soube

compreender o meu gosto pelo estudo. Agradeço pelos momentos de companheirismo,

ajudando a superar as dificuldades e as “crises” diante de prazos curtos. Agradeço,

principalmente, pela ajuda na leitura dos primeiros textos e na correção destes. Hoje sei que

ela é praticamente uma expert em pós-abolição na Baixada Fluminense.

Aos amigos Alexandre Moraes, Bruno Mouzinho, Carolina Peixoto, Fernanda

Thomaz, Igor dos Reis e Tatiane Bracho, pois muito do meu caráter e da minha dedicação aos

estudos se deve a eles.

Agradeço, por fim, a todos os amigos que fiz na UFRJ, funcionários, alunos, colegas, e

professores.

Cada uma dessas pessoas contribuiu de forma decisiva na minha formação acadêmica

e pessoal, agradeço a todos vocês.

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“El pobre no puede errar.”

Carlos Eduardo Valência

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RESUMO

COSTA, Carlos Eduardo C. da. Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940). Dissertação (Mestrado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. Na presente dissertação, buscou-se analisar o processo de migração de ex-escravos e

de seus descendentes para a Baixada Fluminense, no período do pós-abolição. Para tanto,

foram utilizadas entrevistas produzidas por Ana Rios, Hebe Mattos, Robson Martins e Carlos

Eduardo Costa no Vale do Paraíba e na Baixada. Somado a isto, coletou-se os registros civis

de nascimentos no Município de Nova Iguaçu entre 1889 a 1939.

Nas décadas de 20 e 30, em virtude da desestruturação da produção de café no Vale do

Paraíba, e no surgimento de novas formas de economia que exigiam menos trabalhadores,

como o gado e o eucalipto, houve um processo de saída dos libertos e de seus descendentes

dessas antigas áreas. Esse foi o mesmo momento no qual a Baixada ganhava destaque

internacional, graças a produção de laranja, e conhecia um grande avanço urbano. Diante da

possibilidade de acesso a terras baratas e a diversificação no arranjos de trabalho, nesta

dissertação, percebeu-se que muitos dos trabalhadores no Município de Nova Iguaçu eram de

regiões de fora da Baixada.

Somado a estes elementos, na presente dissertação, tentou-se compreender que não

foram somente os integrantes de famílias nucleares que buscaram legitimar seus familiares, no

pós-abolição. Com as leis incentivadoras para o registro civil tardio, durante o Governo

Vargas, um grupo específico de pretos e pardos, provindos regiões de fora da Baixada, em

destaque para o Vale do Paraíba, buscaram se registrar.

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ABSTRACT

COSTA, Carlos Eduardo C. da. Campesinato Negro no Pós-Abolição: Migração, Estabilização e os Registros Civis de Nascimentos.Vale do Paraíba e Baixada Fluminense, RJ. (1888-1940). Dissertação (Mestrado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença e Vassouras..........................................................................................................44 Figura 1.2 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras e Iguassú. ..........................................................................................45 Figura 1.3 – Genealogia da Família de Dionísio Antonio Fernandes. Santa Isabel do Rio Preto, Valença, RJ......................................................................................................50 Figura 1.4 – Total de registros civis de nascimentos por ano. Município de Nova Iguaçu, RJ. ..................................................................................................................70 Figura 1.5 – Total da população recenseada como pretos e pardos. Paraíba do Sul, Valença e Iguassú. ...........................................................................................................71 Figura 1.6 – Total dos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................72 Figura 2.1 – Crescimento populacional da Baixada Fluminense de acordo com os censos. Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................87 Figura 2.2 – Total de crianças registradas no ano de seu nascimento. Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................97 Figura 2.3 – Total de crianças registradas em ano de seu nascimento por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................98 Figura 3.1 – Ano dos nascimentos por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu. ....................................................144 Figura 3.2 – Faixa etária por sexo nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem declarados como pretos e pardos por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................145 Figura 3.3 – Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados como pretos e pardos por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................147 Figura 3.4 – Faixa etária por localização das pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, em 1939. Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................148 Figura 3.5 – Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1934. Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................156 Figura 3.6 - Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1939. Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................157 Figura 3.7 – Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes, 1934. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................158 Figura 3.8 - Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes, 1939. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................158

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Figura 3.9 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes pretos e pardos, em 1934. Município de Nova Iguaçu. ..........................................................................160 Figura 3.10 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes pretos e pardos, em 1939. Município de Nova Iguaçu. ............................................................................161 Figura 3.11 – Registros realizados no ano de nascimento da criança por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................169 Figura 3.12 – Registros tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. .............................................170

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LISTA DE TABELAS Tabela 1.1 – População total recenseada. Paraíba do Sul, Entre Rios, Valença, Vassouras, Iguassú e Estrella...........................................................41 Tabela 1.2 – Porcentagem da população classificada como preta e parda nos censos. Paraíba do Sul, Valença e Baixada. ............................................................................................................42 Tabela 1.3 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras e Iguassú. ............................................................................. 186 anexo Tabela 2.1 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1920. Município de Nova Iguaçu. .........................................................................................................................80 Tabela 2.2 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1940. Município de Iguassú. .................................................................................................................................81 Tabela 2.3 - Faixa etária da população recenseada residente na Baixada. Município de Iguassú e de Estrella. ............................................................................................................88 Tabela 2.4 - Total de Homens e Mulheres recenseadas. Município de Nova Iguaçu.................................88 Tabela 2.5 - Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. ........................................................................................................................96 Tabela 2.6 – Total e Porcentagem dos registros civis de nascimentos em 1889 por cor. Município de Nova Iguaçu..........................................................................................................................99 Tabela 2.7 - Situação conjugal dos pais nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................100 Tabela 2.8 – Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................102 Tabela 2.9 – Total de registros civis de nascimentos por região de nascimento e cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................103 Tabela 2.10 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu...............................................................................................................................................104 Tabela 2.11 – Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................107 Tabela 2.12 – Presença de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................108 Tabela 2.13 – Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................109 Tabela 2.14 – Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................109 Tabela 2.15 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu...............................................................................................................................................110

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Tabela 2.16 – Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................111 Tabela 2.17 – Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................112 Tabela 2.18 – Região de origem do pai por ano de pessoas declaradas como pardas e pretas. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................113 Tabela 2.19 - Situação conjugal dos pais por cor de crianças registradas. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................115 Tabela 2.20 – Total e porcentagem da legitimidade de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................115 Tabela 2.21 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu. ......................................................................................................................116 Tabela 2.22 - Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................117 Tabela 2.23 – Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................120 Tabela 3.1 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Município Nova Iguaçu.............................................................................................................................124 Tabela 3.2 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................124 Tabela 3.3 - Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................125 Tabela 3.4 – Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos, 1939. Município de Nova Iguaçu............................................................................................................188 Anexo Tabela 3.5 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos por situação conjugal. Município de Nova Iguaçu..........................................................................................127 Tabela 3.6 - Profissão da mãe nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................127 Tabela 3.7 – Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................128 Tabela 3.8 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu...............................................................................................................................................129 Tabela 3.9 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos onde as pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu. ........................................129 Tabela 3.10 - Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................130 Tabela 3.11 – Localização populacional por Distrito de acordo com o censo de 1940. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................131

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Tabela 3.12 – Porcentagem e Total de registros civis de nascimentos tardios por ano. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................133 Tabela 3.13 - Total de registros civis de nascimentos tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................136 Tabela 3.14 - Total de registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.................................................................................................137 Tabela 3.15 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. ......................................................137 Tabela 3.16 - Declarantes nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu................................................................................................138 Tabela 3.17 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................139 Tabela 3.18 – Profissão do Pai por cor nos registros civis de nascimento tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................... 190 anexo Tabela 3.19 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. ......................140 Tabela 3.20 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu..................................................................................141 Tabela 3.21 - Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................................................141 Tabela 3.22 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................................................142 Tabela 3.23 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, nos quais as pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu............................................................................................................143 Tabela 3.24 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................146 Tabela 3.25 – Região da residência por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu......................................................................150 Tabela 3.26 – Região do nascimento por ano das pessoas declaradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................151 Tabela 3.27 - Total de registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................152 Tabela 3.28 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu....................................................................................................153 Tabela 3.29 - Legitimidade por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................153

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Tabela 3.30 - Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................154 Tabela 3.31 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................154

Tabela 3.32 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. .......................................155 Tabela 3.33 – Profissão por sexo de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu...........................................................................159 Tabela 3.34 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.........................................................................................................................................162 Tabela 3.35 – Locais de Nascimento no Vale do Paraíba nos registros civis de nascimentos dos auto-declarantes.Município de Nova Iguaçu......................................................................................... 191 anexo Tabela 3.36 - Região da residência nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu........................................................................................................................163 Tabela 3.37 - Região de nascimento das crianças registradas no ano de seu nascimento por cor. Município de Nova Iguaçu..............................................................................................................................................171 Tabela 3.38 - Região de nascimento por cor das pessoas registradas fora do ano de seu nascimento (tardios). Município de Nova Iguaçu.......................................................................................................................172 Tabela 3.39 - Profissão das pessoas que se auto-declararam por ano. Município de Nova Iguaçu.......................................................................................................................173 Tabela A.1 – Propriedades por distrito, 1927. Município de Nova Iguaçu. ...........................................186 Tabela A.2 – Profissão do pai de crianças registradas tardiamente como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu. .....................................................................................................................187

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SIGLAS AESIRP – Arquivo Eclesiástico de Santa Isabel do Rio Preto AMC – Acervo Memórias do Cativeiro AMMN – Acervo UFF Petrobrás Cultural de Memória e Música Negra RCPNNI – Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu AP – Arquivo Pessoal MJERJ - Museu da Justiça do Estado do Rio De Janeiro

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SUMÁRIO Introdução Tema .................................................................................................................................19 Campesinato......................................................................................................................20 Campesinato Negro no Período do Pós-Abolição.............................................................23 A pesquisa, metodologia e fontes.......................................................................................28

Capítulo 1 – Vale do Paraíba: a passagem para a liberdade e suas conseqüências. ...................................................................................................... 33 1.1 A crise econômica e a população no Vale do Paraíba. ................................................34 O café..................................................................................................................................34 Do café ao pasto.................................................................................................................37 1.1.2 População .................................................................................................................41 Censos................................................................................................................................41 1.2 Trajetórias individuais de ex-escravos e de seus descendentes...................................46 Os últimos anos .................................................................................................................47 Estabilidade Versus Migração...........................................................................................54 Migrar................................................................................................................................57 1.3 O Registro Civil de Nascimento..................................................................................62 Legislação..........................................................................................................................65 O Registro Civil no período do pós-abolição…………………………………………... 67

Capítulo 2 – As trajetórias de ex-escravos e de seus descendentes na Baixada Fluminense.........................................................................................................................73 2.1 A região da Baixada Fluminense..................................................................................73 De Vila de Iguassú a Nova Iguaçu.....................................................................................73 A crise do café....................................................................................................................76 A laranja.............................................................................................................................78 Arranjos de trabalho na laranja.........................................................................................82 2.2 Descendentes de libertos nascidos no pós-abolição......................................................84 Motivações para migrar: laranja, trabalho e terra............................................................89 2.3 A família de ex-escravos e de seus descendentes 1888-1940.......................................94 2.3.1 Os registros civis de crianças.....................................................................................95 2.3.2 1889 – o imediato pós-abolição.................................................................................98 2.3.3 Os anos posteriores à abolição – 1888 a 1940.........................................................105 1889 a 1919......................................................................................................................106 1920-1940.........................................................................................................................114

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Capítulo 3 - A Migração e a Estabilização de Pretos e Pardos em Nova Iguaçu..............................................................................................................122 3.1 O Último Ano de Coleta, 1939. .................................................................................123 3.2 Os Registros Civis de Nascimentos Tardios ..............................................................133 Registro tardio de crianças, jovens e adultos declarados por outrem.............................136 Os auto-declarantes..........................................................................................................152 3.3 A busca pelo registro civil da população de pretos e pardos na Era Vargas ...................................................................................................................164 Pretos e pardos nos registros civis - 1934 e 1939 ...........................................................168 Conclusão ........................................................................................................................175 Bibliografia.......................................................................................................................180 Anexos...............................................................................................................................185 I – Tabelas..........................................................................................................................186 II – O reencontro de Izaquiel ............................................................................................193 III – Registro Base.............................................................................................................197 IV – Lista dos Entrevistados..............................................................................................198

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Introdução Tema O tema, da presente dissertação, é a migração de pretos e pardos para a Baixada

Fluminense, entre os anos de 1888 a 1940. Seu objetivo é mostrar que, a estratégia de migrar

para o Município de Iguassú, no início do século XX, é um elemento importante para

compreender o período do pós-abolição por que:

1 – As migrações, dentro do campo e principalmente para centros urbanos em

expansão, demonstram que os ex-escravos e seus descendentes, nascidos e criados no Vale do

Paraíba, não estavam isolados no campo. Tinham conhecimento das economias crescentes e

das novas oportunidades de trabalho no Estado do Rio de Janeiro.

2 – A crise do café, a expansão da criação de gado e da produção de eucalipto

dificultou, para muitos, o acesso ao trabalho e a terra. Diante deste quadro, a família ex-

escrava não conseguiu reproduzir o seu modo de vida, uma vez que, a pequena roça e o

emprego tornaram-se insuficientes para manter esse grupo estável. Dito isto, os filhos da

primeira geração de libertos, nascidos posteriormente à abolição, adotaram como uma das

estratégias de sobrevivência e de reprodução da família, a migração.

3 – Durante a década de 1930, a crise econômica chegou ao seu auge no Vale do

Paraíba. Neste mesmo ano, a produção de laranjas na Baixada Fluminense, principalmente no

Município de Nova Iguaçu, ganhou destaque internacional. A necessidade de um maior

contingente de mão-de-obra, a diversificação das formas de trabalho, o crescimento urbano

dos distritos ao redor da plantação e a possibilidade de adquirir terras mais baratas,

incentivaram a migração, da população de pretos e pardos, para a região da Baixada

Fluminense.

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4 – Após a década de 1930, durante o Governo Vargas, foram promulgadas leis que

permitiram a população de pretos e pardos ter maior acesso ao registro civil de nascimentos,

na Baixada Fluminense. Neste sentido, as leis e decretos sobre o registro civil tardio, entre as

décadas de 1930 e 1940, possibilitaram a um grupo específico se registrar e legitimar suas

relações familiares.

Para justificar a formulação dessas afirmações, é necessário discutir sobre campesinato

e o campesinato negro específico, para, posteriormente, analisar, de que forma a migração,

tornou-se uma estratégia para os libertos e seus descendentes no período do pós-abolição.

Campesinato

Nesta parte, serão discutidos os aspectos referentes ao campesinato em geral. A partir

de uma discussão bibliográfica, pretende-se levantar os principais questionamentos de ordem

teórica, para no tópico seguinte, apresentar as principais experiências de pesquisas nas

Américas e principalmente no Brasil.

O estudo do campesinato, em sociedades pré-industriais, permite compreender a

existência de uma lógica e de um modo de produção interno que não o capitalista. Nesse

ínterim, Godelier e Bettelheim1 alertaram para a necessidade de se realizar estudos, sobre a

especificidade da racionalidade econômica de outros modos de produção, que não o

capitalista, e o ponto de partida deveria ser a análise do cálculo das unidades produtivas. Isto

significa dizer que, deve-se atentar para as particularidades da economia camponesa,

analisando as categorias que lhe são próprias e tentar apreender através destas, suas leis

próprias e seu funcionamento.

Nesse sentido, a “empresa camponesa” não apresentava as mesmas características da

empresa capitalista, no que diz respeito ao trabalho assalariado, a procura de lucros e a

1 GODELIER, M. Rationalité et Irrationalité em Economie. Paris: François Maspero, 1968 e BETTELHEIM, C. Calcul Économique et Formes de Proprieté. Paris: François Maspero, 1970 apud GARCIA JR., Afrânio Raul. Terra de Trabalho: Trabalho Familiar de Pequenos Produtores. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

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ampliação das relações de mercado. Para Aleksandr Chaianov, o campesinato “não visava o

lucro sobre o capital investido, mas a procura de um equilíbrio ótimo entre exigências de

consumo da família e força de trabalho disponível”. 2 De acordo com seu argumento, o

trabalho familiar era o ponto central na economia camponesa, uma vez que, dela dependiam

tanto a produção, quanto o consumo.

Na presente dissertação, buscou-se enfatizar a diferenciação de duas falsas

categorizações: a oposição entre agricultura de subsistência e agricultura de mercado.

Preocupação, semelhante, foi a de Afrânio Garcia, ao informar que esta oposição sempre

privilegiou o segundo em detrimento do primeiro, uma vez que, a bibliografia clássica

afirmava que só haveria leis econômicas havendo mercado. De acordo com o autor, o

mercado tornou-se uma categoria com conteúdo dado e que podia definir qualquer sistema

econômico. Desse modo, as críticas a este “etnocentrismo teórico” podem ser encontradas nas

análises de Polanyi. Toma-se, aqui, por agricultura de subsistência, tudo aquilo que é

“socialmente necessário para a reprodução física e social do trabalhador e sua família.” 3

Evidentemente, esta suposição não invalida a existência de uma circulação mercantil nas

lavouras de subsistência, uma vez que, este campesinato familiar comercializava os produtos

excedentes, nos mercados locais.

Em virtude da especificidade da economia camponesa, o parentesco é figura central

nesse tipo de produção. De acordo com Witold Kula, devido ao fato de a unidade da produção

e a do consumo ser regido por regras familiares, a divisão do trabalho, internamente, era uma

das particularidades do campesinato. Um dos principais elementos dessa economia é a busca

pelo equilíbrio entre consumidores e produtores, que por vezes, encontra-se arriscado de se

romper. Giovanni Levi explica um pouco mais sobre esse modelo:

2 ESPADA, H. L. A Micro-História Italiana: escalas, indícios e singularidades. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006. p. 239. 3 GARCIA, A. op. cit., p. 15-16.

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Esse modelo é baseado na hipótese de uma família conjugal que, segundo o tempo transcorrido desde o matrimonio, deve primeiro manter os filhos que nascem, em média a cada três anos, como exclusivamente consumidores, até a partir desta data, progressivamente a relação consumidores/produtores melhora até chegar a quando, sendo a mãe mais fecunda, todos os filhos são ao mesmo tempo consumidores e trabalhadores.

Essa relação consumidores/trabalhadores é de fato a regra fundamental que nos permite avaliar as escolhas de cada família: escolhas de agregação e desagregação, de contratação de servos ou de agregação de parentes, de expulsão, temporária ou definitiva, de membros. E podemos alargá-la para além do esquema da família conjugal para fazer dela uma lei explicativa geral: a família em cada uma de suas fases corre o risco de sobrecarga de consumidores e pode escolher uma política corretiva; e isso se verifica, em condições normais, particularmente depois de 12-14 anos de matrimonio de cada família conjugal que a compõe. 4

Nesse horizonte, Levi constrói a análise sobre a mobilidade populacional, em sociedades pré-

industriais. Para ele, a migração sazonal é uma das estratégias familiares utilizadas para

manter o equilíbrio econômico internamente. Da mesma forma, esses exploravam outros

recursos: como o celibato, o retardo na idade do matrimônio dos filhos e a emigração

definitiva. Ainda de acordo com este autor, a migração poderia ser pensada de duas formas: a

migração “normal”, feita por rapazes na fase adolescente para adulta; e aquela praticada, pelos

chefes de família, quando todas as alternativas de manter o equilíbrio se esgotavam. Sem

embargo, nessa dissertação, pensa-se a migração do “ponto de vista da origem, não como uma

desagregação da família e da comunidade, mas como uma estratégia para a sua

conservação”. 5

As formas de lidar com a crise dependiam, em grande parte, das características das

famílias. De acordo com Levi, ao analisar os grupos domésticos, por meio de suas estratégias

para manter o equilíbrio internamente, demonstrou que, as famílias extensas e ampliadas –

compostas por mais de um núcleo familiar – eram “o modo de organização que melhor

enfrentava os desequilíbrios da relação consumidores/produtores nos momentos de maior

dificuldade do ciclo de reprodução das famílias camponesas”. 6

4 ESPADA, H. L. op. cit., p. 242. 5 Idem. 6 Ibidem.

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Quando se coloca a família no centro dos estudos, é preciso perceber que, não é a

relação de parentesco que é importante, mas sim o seu significado social. De sociedade para

outra este significado muda. Dito isso, é através de seu estudo que se torna possível

compreender: como a família se reproduz, o que a afeta e porque se modifica.7 Parte-se aqui

do mesmo princípio de Ana Rios, na qual a família é um grupo social ativo, capaz de interferir

socialmente. 8

Nesse trabalho, optou-se por utilizar as mesmas três nomenclaturas de Rios para

diferenciar os tipos de famílias. Na primeira, encontra-se a família nuclear, que é composta

pela relação mãe e/ou pai e filhos solteiros ou sem família formada. Na segunda categoria,

encontra-se a família ampliada, que agrega os filhos com famílias próprias e outros parentes

de mesmo sangue; como os avós, tios, primos, entre outros. Por último, está a família

estendida, que no grupo familiar considerado, inclui pessoas que não possuem vínculo

consangüíneo. 9

Campesinato Negro no Período do Pós-Abolição

Nesta parte, serão levantadas questões relevantes, de trabalhos acadêmicos, que tratam

sobre o campesinato negro no período do pós-abolição. Os estudos mais recentes têm nas

Américas, o foco central. Nesse sentido, Rebecca Scott, Thomas Holt e Eric Foner vêm

discutindo essa questão, utilizando como base de pesquisa Cuba, Jamaica e Sul dos Estados

Unidos, respectivamente.

7 RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990. p. 7. 8 Idem. 9 JOHNSON, Ann Hagerman. The impact of market agriculture on family and household structure in nineteenth century Chili. Hispanic American Historical Review 58 (4): 625-48. 1978 e KUZNESOF, Elizabeth. Household Economy and Urban Development, São Paulo, 1765 to 1836. Boulder, Colo., Westview Pres, 1986 apud RIOS, A. op. cit., p. 7.

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Ao analisar este período, toma-se muito cuidado na utilização do termo pós-abolição.

Esse período, ainda hoje, é muito caracterizado como o momento da “transição” da mão-de-

obra escrava para a “livre” assalariada. Não obstante, esse termo está ligado a uma posição

evolucionista, uma vez que afirma haver uma substituição automática de um sistema por

outro. Ou seja, todos os escravos, após a abolição, tornar-se-iam, automaticamente,

trabalhadores assalariados. Ao focalizar apenas neste termo, perde-se na análise toda uma

gama de transformações empreendidas pelos libertos, principalmente, no que tange a

diversificação dos arranjos de trabalho.

Os escravos e libertos não foram passivos no período do pós-abolição, pelo contrário,

em muitos locais, agiram de forma a tentar mudar a sociedade em que viviam. Esse parece ter

sido, o caso do levante na Jamaica, ocorrido em 1831, no qual os escravos se rebelaram

ateando fogo em casas e em plantações. Aparentemente, a causa foi a existência de rumores

de que o Rei havia os libertado e que os proprietários tinham escondido os papéis. Os

escravos estavam em uma guerra defensiva, buscando manter os direitos, os privilégios e as

terras que eles achavam ter direito. Diante destes acontecimentos, pode-se exemplificar, as

medidas tomadas pelo Colonial Office, como a implantação de reformas e a abolição gradual.

10

Assim como na transformação social, os escravos tentaram participar ativamente da

vida política de seu país. Com o fim da escravidão, após a Guerra Civil americana, Foner

aponta que os libertos buscaram reconstruir igrejas, construíram escolas para negros e

participaram das eleições como votantes. Assim como em 1887, no período da Reconstrução,

quando este grupo realizou uma grande greve que mobilizou milhares de cortadores de cana

da Lousiania, desafiando os grandes proprietários. 11 De forma semelhante, os cubanos de

10 HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938 Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992. 11 FONER, Eric. A Short History of Reconstruction, 1863-1877. New York: Harper & Row, 1990.

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ascendência africana, fizeram uma aliança inter-racial que participou na Guerra de

Independência de Cuba entre 1895 a 1898. 12

No período do pós-abolição, os libertos tentaram ter acesso à pequena propriedade de

terra. Na Jamaica, eles juntaram dinheiro, durante anos, para poder comprar o seu pequeno

pedaço de roça. Acreditava-se, que esses tenderiam a comprar terras mais baratas,

improdutivas, para subsistência e mais distantes das grandes propriedades que tinham sua

produção direcionada para o mercado externo. Contudo, o que se pôde perceber, na Jamaica,

foi um movimento quase que contrário. De acordo com Holt, os libertos e seus descendentes

deixaram as fazendas onde foram escravos e compraram pequenas propriedades, localizadas

próximo as paróquias, nos centros urbanos e principalmente perto das plantations. Em suas

roças tentavam aliar uma produção de subsistência com produtos para a venda em mercados

locais. 13

A busca pela independência dos ex-escravos e de seus descendentes perpassava por

dois fatores: terra e trabalho. Ao comprar a pequena propriedade, em boa parte, as mulheres

saíram do eito das grandes lavouras e, aparentemente, viraram-se tanto para dentro de casa

quanto no trabalho familiar da roça. Na Jamaica, em virtude das terras compradas estarem

localizadas próximas aos grandes exportadores, pode ter permitido, aos ex-escravos, misturar

trabalho assalariado com produção familiar independente. 14 A diversificação das formas de

trabalho e de renda pode ter possibilitado, aos libertos, uma maior independência em relação

aos grandes proprietários.

Através destas experiências, é possível perceber quais foram os significados de

liberdade, para os ex-escravos e seus descendentes. Buscaram participar, ativamente, da vida

12 SCOTT, R.J. Além da Escravidão: Investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 2005. 13 HOLT, T. op. cit., principalmente capítulo 5. 14 Idem.

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política, sendo votantes ou mesmo rebeldes. Procuraram obter a pequena propriedade, para

dela retirar seu sustento e renda. Assim, como a mulher e as crianças deixaram o trabalho

coletivo, optando por cuidar do lar e, consequentemente, o trabalho familiar na roça. Todavia,

aparentemente, ao não conseguir obter os seus desejos, uma das estratégias adotadas pelos

libertos e seus descendentes foi a migração.

Migrar, para muitos ex-escravos, foi um dos mais importantes significados da

liberdade. De acordo com Foner, com a emancipação após a Guerra Civil americana, parecia

que metade da população do sul havia saído pelas estradas. Para este autor, uma das maiores

fontes de orgulho da população negra, nos Estados Unidos, seria a de usufruir o direito de ir e

vir. 15

A migração, no período do pós-abolição, pode ter motivações e significados próprios.

De acordo com Foner, durante a Reconstrução, o movimento em massa da população negra

pareceu aos brancos como uma migração sem destino. Para eles, isso era uma prova de que os

negros entendiam a liberdade como a negação do trabalho, o que levava a ociosidade e a

“vagabundagem”. Este autor aponta que, a maior parte dos libertos, não saiu das suas

fazendas de origem e, os que viajaram em geral, não passavam de algumas milhas. 16

Aparentemente, os libertos e seus descendentes buscaram migrar para locais

estratégicos, onde acreditavam conseguir “mais liberdade”. Foner explica que, as cidades e os

municípios sulistas incharam após a Guerra Civil americana, visto que nesses locais era

possível encontrar instituições sociais negras, como escolas, igrejas, sociedades de ajuda

mútua, o exército (formado por soldados negros) e a agência dos libertos. Esses ofereciam

proteção contra a violência, que se tornou tão comum, no Sul dos Estados Unidos. 17

15 FONER, Eric O Significado da Liberdade. Revista Brasileira de História, 8, 1988. p. 14-17. 16 FONER, E. op. cit., p. 14. 17 FONER, E. op. cit., p. 15.

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No processo de migração, os ex-escravos e seus descendentes, em boa parte dos casos,

visavam encontrar uma alternativa econômica ao trabalho coletivo e rural. Dessa forma, foi

possível acompanhar muitas famílias, na Jamaica, abandonando as fazendas, após o período

de “aprendizagem”. Como já mencionado anteriormente, muitos compraram propriedades

onde podiam diversificar as fontes de renda, com trabalho familiar e assalariado nas

plantations. 18 De forma um pouco semelhante, no Sul dos Estados Unidos, muitos libertos

migraram para a cidade em busca de melhores condições de trabalho. Para Foner, esse fluxo

inchou o mercado de trabalho, minando a situação econômica dos ex-escravos e destinando-os

aos empregos menos valorizados. As conseqüências desse processo foram intensas para boa

parte da população de negros, que tiveram de viver em condições indignas nas favelas

construídas nos subúrbios da cidade. 19

A busca pelos parentes motivou boa parte dos migrados nos Estados Unidos. Nada

parece ter motivado mais a imigração no Sul do que o empenho em reunir as famílias,

separadas durante a escravidão. De acordo com Foner, a emancipação, aparentemente, era

incompleta, para os libertos, até a reunião dos familiares vendidos como cativos. Em parte dos

casos, as buscas eram fracassadas, pois muitas vezes ao se reencontrar parceiros antigos, esses

já tinham se casado novamente. 20

Não obstante, a abolição permitiu a boa parte dos migrados reunir novamente seus

familiares, assim como, reafirmar e solidificar os seus laços. Foner apontou que, no período

do pós-abolição, foram muitos os libertos que procuraram legalizar e legitimar suas relações e

vínculos conjugais. Quando o Departamento de Libertos e os governos estaduais autorizaram

o registro e a celebração da união dos escravos, houve uma busca intensa, pelos libertos, para

legitimar a sua família.

18 HOLT, T. op. cit. 19 FONER, E. op. cit., p.15-16. 20 FONER, E. op. cit., p. 16.

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Deste modo, nesta presente dissertação, toma-se os ex-escravos e os seus descendentes

como pessoas que agem e tentam mudar a sua situação, no período do pós-abolição. Dentre

todas as características dos significados da liberdade, aponta-se a migração como a menos

estudada e a que mais apresenta conclusões precipitadas. Aqui, procurar-se atingir uma

experiência única de migração, de uma região que concentrou uma grande população de

escravos após 1850, O vale do Paraíba, para uma região até então no início do século XX

considerada inóspita, a Baixada Fluminense. No capítulo 1, serão discutidas as experiências

do pós-abolição e de que forma elas influenciaram na construção do objeto desta dissertação.

A pesquisa, metodologia e fontes

A idéia de trabalhar com migração, no pós-abolição, surgiu durante a vigência da

Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC/CNPq na Universidade Federal Fluminense, entre

2004 e 2006, sob orientação da Professora Hebe Mattos. Nesse período, durante o contato

com as entrevistas depositadas no Acervo “Memórias do Cativeiro” - feitas por Ana Rios,

Robson Martins e Hebe Mattos - foi possível constatar a existência de muitos relatos sobre a

migração de parentes dos entrevistados. O que mais surpreendeu foram os depoimentos, que

em sua maioria, mencionavam a região da Baixada Fluminense como destino final dos

parentes migrados do Vale do Paraíba.

A partir desses indícios, buscou-se, através de outras fontes, compreender a

experiência e a trajetória de pretos e pardos que migraram do Vale do Paraíba. Ao ingressar

no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Professora Ana Rios, tentou-se cruzar as

entrevistas realizadas, no Vale e na Baixada Fluminense, com o censo demográfico e com o

Registro Civil de Nascimento do Município de Nova Iguaçu. A finalidade desse tratamento de

fontes é o de atingir a experiência de migração, para essa região.

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Em virtude do tema desta dissertação, optou-se por utilizar quatros censos

demográficos, de 1872, 1890, 1920 e 1940. Apesar, da presente pesquisa, começar a tratar dos

anos posteriores a 1888, a análise do censo de 1872 torna-se importante, visto que permite

chegar à população de pretos e pardos antes da abolição. Esse foi o último censo, antes do fim

da escravidão, no qual a categoria “cor” apareceu.

No censo de 1890, a categoria “cor” permaneceu, o que permitiu, mesmo que

precariamente, ter acesso a um retrato do período inicial do pós-abolição. Infelizmente, o

censo posterior só seria realizado trinta anos depois, e esse não informava a cor dos

recenseados. No que tange ao censo de 1890 como o de 1920, entre os estudiosos há um

consenso de que esses apresentam problemas. No entanto, essas são uma das poucas fontes

existentes, para o período; apesar disto, nelas é possível encontrar tendências importantes para

o estudo do período do pós-abolição. A categoria “cor” voltaria apenas no censo de 1940,

após 50 anos sem qualquer menção a ela. Desse modo, na presente dissertação, selecionou-se

o ano de 1940 como o limite de nossa pesquisa, pois através dos dados, obtidos de outras

fontes, seria possível compará-los com o censo.

Nas entrevistas pesquisadas e realizadas, buscou-se dar um tratamento específico.

Através das fontes orais, procurou-se construir chaves temáticas de forma a obter

coincidências narrativas e atingir o processo da migração. 21 Nessa dissertação serão

analisadas as entrevistas do projeto “Memórias do Cativeiro”, do acervo “Petrobras Cultural

de Memória e Musica Negra no Estado do Rio de Janeiro” e as realizadas na Baixada

Fluminense durante a etapa de pesquisa. 22

21 Há toda uma bibliografia sobre a problemática do uso das fontes orais e de como elas podem ajudar na obtenção de dados sobre experiências e trajetórias pessoais que não foram documentadas por escrito. Neste sentido ver as principais referências: FERREIRA, M. e AMADO, J. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996; HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. SP: Vértice, 1990; POLLACK, Michael. Memória e Identidade Social. in: Estudos Históricos. RJ, vol. 5, nº.10, 1992; PRINS, Gwyn História Oral in: BURKE, P. (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. SP: UNESP, 1992. 22 As entrevistas do projeto Memórias do Cativeiro e as do Projeto Petrobrás Cultural podem ser lidas na íntegra nos seguintes sítios www.historia.uff.br/labhoi e www.historia.uff.br/jongos/acervo .

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Para o período do pós-abolição, são poucas as fontes que mencionam a trajetória dos

libertos ou tratam sobre a cor. Em um esforço inicial, pretendeu-se analisar as fontes

paroquiais de batismo, tanto no Vale do Paraíba como na Baixada. Infelizmente, nos anos

posteriores a abolição, esses assentos se tornaram muito pobres de informações, assim como

não mencionam a cor. A falta desta categoria foi percebida também em outras fontes de

pesquisas. Hebe Mattos, ao trabalhar com uma documentação judiciária, percebeu que, em

boa parte dos casos, a cor só era mencionada nos documentos quando havia necessidade de

qualificar a testemunha. De acordo com a autora, o termo “preto” ou “negro”, em sua grande

maioria, era usado para fazer referência a condição de ex-escravo da pessoa citada na

documentação. 23

O registro civil começou a existir em um ano crucial para o nosso objeto de pesquisa:

em janeiro de 1889. Pode-se apontar como um dos primeiros estudos o de Ana Rios, que

utilizou os registros civis de nascimento e de óbito em sua pesquisa para a dissertação. Em

seus dados, a quantidade de registros de casamentos de pessoas negras, ao longo dos anos,

quase inexistiram, dessa forma, ela buscou utilizar como fonte os nascimentos e os óbitos.

Nesses, a categoria cor aparece frequentemente, porém, com o passar dos anos, a sua menção

diminui consideravelmente.

De forma um pouco diferente, é possível encontrar, no Oficio do Registro Civil das

Pessoas Naturais da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, uma documentação com características

bem específicas. Nessa documentação, é impressionante a quantidade de registros que

apresentam a categoria cor. Em virtude da análise do objeto de estudo, desta dissertação, estar

compreendido em 52 anos (1888-1940) optou-se por digitalizar os registros de nascimentos e

de óbitos de cinco em cinco anos. Sendo assim, foram selecionados os anos de 1889, 1894,

1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939; que resultou em um total de quase

23 MATTOS, H. Das Cores do Silêncio: Significados da liberdade no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995/ Nova Fronteira, 1997. p. 104.

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12 mil fotos. No entanto, por causa do curto tempo de duração do Mestrado, optou-se por

utilizar apenas os registros civis de nascimentos deste cartório.

A partir dos dados, obtidos do registro de nascimentos, foi construído um banco de

dado no Access. Nesse banco há 6774 registros de nascimentos de crianças, jovens e adultos,

entre 1889 e 1939.

Um das primeiras questões que surgiram, na análise dessas fontes, foi a

representatividade delas em relação à realidade. Assim como os censos, os registros civis não

podem ser considerados extremamente confiáveis, como será visto no capítulo 1. Ao analisar

as taxas brutas de nascimento e de mortalidade, percebe-se a existência de uma quantidade

alta de subregistro. Ana Rios fez este cálculo para Paraíba do Sul e encontrou, entre a

população de pretos e pardos, um subregistro ainda maior em relação aos censos. Apesar de

toda a problemática inerente a utilização destas fontes, elas podem demonstrar tendências

interessantes sobre o período.

No capítulo 1, serão discutidas as características do campesinato negro no Brasil. Na

primeira parte, desse capítulo, será feita uma análise bibliográfica do tema, enfatizando as

especificidades do Vale do Paraíba. Na segunda parte, através da análise das entrevistas

coletadas no Vale do Paraíba, busca-se compreender as experiências e trajetórias pessoais de

migrados, dessa região, para a Baixada Fluminense. Finalizando, serão apresentadas as

principais características, dos dados obtidos, do Registro Civil de Nascimento de Nova

Iguaçu, de modo a comparar com os registros encontrados por Ana Rios, em Paraíba do Sul.

No segundo capítulo, serão discutidas as principais características da Baixada

Fluminense, na virada do século XIX para o XX. Trata-se, inicialmente, de apresentar um

quadro econômico e político, de forma a tentar levantar o que pôde ter atraído à população de

pretos e pardos, para essa região. Na segunda parte deste capítulo, serão analisadas as

experiências e trajetórias pessoais dos filhos e netos de libertos, que migraram do Vale do

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Paraíba, e se instalaram, mesmo que de forma precária, na Baixada Fluminense, entre os anos

30 e 40. Por último, será construído um panorama dos primeiros anos do pós-abolição no

Município de Nova Iguaçu; para tanto, serão utilizados os registros civis de nascimentos de

crianças registradas no mesmo ano de seu nascimento.

No capítulo 3, serão trabalhadas as formas, pelos quais os pretos e pardos buscaram

integrar-se na região para onde migraram, seja no mundo do trabalho, na regularização de

arranjos familiares e/ou na busca de identidade civil para si e para seus filhos. Na primeira

parte do texto será feito um panorama da presença de pretos e pardos, em 1939, último ano de

coleta dos registros civis. Em seguida, serão analisados todos os registros tardios. Esses se

dividem em dois: os registros de crianças, jovens e adultos que foram registrados por outrem;

e os registros de pessoas que, na fase adulta, auto-declararam seu nascimento no cartório.

Através desses registros, serão construídas tipologias dos grupos que buscaram legitimar a sua

família e a si tardiamente. Por último, serão analisadas as leis e os decretos promulgados,

entre 1930 e 1940, durante o Governo de Vargas, que, aparentemente, permitiram a um grupo

específico se regularizar através do Registro Civil de Nascimento em Nova Iguaçu.

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Capítulo 1 – Vale do Paraíba: a passagem para a liberdade e suas conseqüências.

No presente capítulo, será discutido o processo de definhamento da economia cafeeira,

na região do Vale do Paraíba, a introdução de novas práticas produtivas e as experiências de

ex-escravos e de seus descendentes na passagem para a liberdade, esta compreendida entre os

anos de 1872 e 1930. Para tanto, o mesmo será dividido em três partes:

Na primeira parte do texto, será feita uma discussão da bibliografia sobre a passagem

para a liberdade no Vale do Paraíba, utilizando os trabalhos de Stanley Stein, Warren Dean,

Hebe Mattos, João Luis Fragoso e de Ana Rios. Na segunda parte, o texto tratará sobre os

últimos anos de escravidão na região e os primeiros anos do período do pós-abolição,

seguindo as trajetórias pessoais dos avós dos entrevistados que tiveram na família as

experiências da passagem para a liberdade e da migração para a Baixada Fluminense. Para

atingir esse objetivo, serão usados dois tipos de fontes: os censos de 1890, 1920 e 1940 – com

a finalidade acompanhar o crescimento populacional nas regiões de Valença, Paraíba do Sul e

de Vassouras – e as fontes orais coletadas para projeto “Memórias do Cativeiro”, as

depositadas no “Acervo UFF Petrobrás Cultural de Memória e Música Negra”, e as

produzidas na região da Baixada Fluminense para a dissertação. 24

Na terceira parte, será analisada a possibilidade da utilização do registro civil como

fonte de pesquisa neste trabalho. O objetivo será o de comparar os dados gerais obtidos por

Ana Rios, em sua dissertação sobre Paraíba do Sul, com os dados coletados no Registro Civil

de Nascimento, do Município de Nova Iguaçu. 25

24 Os dois acervos podem ser consultados no seguinte sítio: www.historia.uff.br/labhoi . 25 RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.

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1.1 A crise econômica e a população no Vale do Paraíba.

O café

Nesta parte, serão discutidas as causas que, porventura, influenciaram a crise

econômica da região cafeeira do Vale do Paraíba, mudando, assim, drasticamente a paisagem

da região. Na segunda metade do século XIX embora a economia cafeeira estivesse no auge,

já começava a demonstrar os primeiros sinais de desgaste.

Para além das pragas que assolaram as fazendas de café no final do século XIX, a

diminuição da oferta de mão-de-obra contribuiu para o início da crise. Com o fim do tráfico

intercontinental de escravos, houve um aumento nos gastos dentro das fazendas, uma vez que

os mesmo se tornaram escassos. Os empréstimos, calculados pelo valor da escravaria, não

podiam ser amortizados. A compra de maquinarias, para tentar substituir essa mão-de-obra

deficitária, ampliou ainda mais as dívidas adquiridas, pois se mostraram muito mais onerosas

do que era previsto. Para Stein, esses eventos contribuíram para que, na década de 1870, com

um mercado internacional não favorável, a economia cafeeira enfrentasse o início de sua

crise, a qual só terminaria com a implantação do pasto na década de 1920. 26

Para entender melhor tal processo, ampliar-se-á a discussão abrangendo as possíveis

causas que levaram ao fim a época áurea da economia cafeeira no Vale do Paraíba.

***

26 STEIN, S. J. Vassouras: Um município brasileiro do café, 1850-1900. RJ, Ed: Nova Fronteira, 1990. p. 253.

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Geograficamente, a região do Vale localiza-se ao entorno do rio Paraíba do Sul, na

divisa estadual entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa região é caracterizada pela presença

de grandes extensões de terra em forma de meias-laranjas, ou morros arredondados. Em

virtude do clima ameno e da presença de um solo fértil, utilizou-se essas pequenas encostas

para a plantação de café no decorrer do século XIX.

As causas, que contribuíram para o definhamento econômico da região, podem ser

encontradas na própria estrutura de montagem das fazendas de café. A repetição das técnicas

de produção, a destruição da mata virgem, e o aumento da plantação de café, colaboraram

simultaneamente para o desequilíbrio no ecossistema da região. As pragas como formigas,

ervas daninhas, ferrugem e gafanhotos passaram a ser mais facilmente encontradas em áreas

devastadas. A tentativa de eliminá-las quase sempre era inútil, por conta de inseticidas, na

maioria das vezes ineficazes. 27

A partir da segunda metade do século XIX, o desgaste do solo acentuou-se. As

mesmas encostas, as quais ajudaram no início da plantação do café, foram as piores inimigas

desse tipo de plantação. O sistema empregado pelos fazendeiros previa a derrubada de matas

virgens, nas encostas, para a adubação do solo. Todavia, as erosões e o desmatamento,

promovidos pela falta de cuidado, fizeram com que houvesse mudanças climáticas

significativas na região. A primeira delas foi o desequilíbrio na distribuição das chuvas

durante o ano. Combinado a isso, as chuvas, posteriores ao período da queimada, levavam a

riqueza mineral e o húmus do solo das encostas para os rios da região. Portanto, as

tempestades torrenciais combinadas a uma prática agrícola predatória, empobreceram os solos

da região. 28

27 FRAGOSO, J. L. Sistemas Agrários em Paraíba do Sul (1850-1920) – Um estudo de relações não-capitalistas de produção. Dissertação. (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983. p. 113 e STEIN, S. op. cit., p. 257. 28 FRAGOSO, J. op. cit., p. 113 & STEIN, S. op. cit., p. 257.

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Parece acertado que, graças à quantidade de mata virgem existente na região e a

longevidade do café, pouco se fez para cuidar da terra. De acordo com Fragoso, “a baixa

relação população – terra, configurando uma pequena densidade demográfica, permite a

conformação de um sistema de uso da terra em que as matas substituem o emprego de um

trabalho adicional na recuperação das terras”. 29 Entende-se que, em virtude da grande

quantidade de mata virgem que ainda existia na região, os proprietários não empregaram mão-

de-obra suficiente para sua recuperação. Em vista disso, o dinheiro porventura a ser gasto com

a adubação foi reempregado na derrubada e na plantação de novas áreas. Consequentemente

ampliou-se as áreas devastadas e de cafezais velhos que não eram derrubados.

Entre as décadas de 1870 e 1880, o pé de café, até os seus 15, 20 anos, era

aproveitado. 30 No entanto, ao passar dos anos e com a falta de mata virgem, pôde-se notar no

Vale do Paraíba, a presença de fazendas com cafezais de mais de 20 anos. Com o aumento

dos prejuízos em virtude do desgaste do solo, da imprevisibilidade das chuvas, da falta de

preocupação com a adubação do solo, e da dificuldade da renovação do cafezal, poucos

fazendeiros conseguiram manter sua propriedade e seu investimento na região. Os maiores

prejudicados foram os pequenos proprietários, uma vez que os custos exigidos para se manter

a produção tinham aumentado. Desse modo, na tal região, houve uma crescente concentração

das propriedades nas mãos de poucos fazendeiros. 31

No sistema agrário em questão nada foi mais marcante do que a diminuição da oferta

de trabalho. Desde 1850, com a proibição do tráfico interprovincial, a mão-de-obra cativa teve

um acréscimo exorbitante no seu preço, impossibilitando os pequenos proprietários em

29 FRAGOSO, J. op. cit., p. 8. 30 STEIN, S. op. cit., p. 260. 31 Ibid., p. 263.

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manter suas propriedades. De acordo com Stanley Stein, nesse período, eram poucos os que

ainda acreditavam que o pagamento em salário à força de trabalho livre manteria os lucros. 32

Pôde-se perceber nas fazendas de café, após a década de 1870, o aumento gradativo

das dívidas e a diminuição dos empréstimos. Enquanto os valores dos bens da fazenda, da

maquinaria, da terra e do café eram valorizados na obtenção de empréstimos, havia, também,

uma rápida desvalorização do preço dos cativos. De certa maneira, lograr novos empréstimos

tornou-se difícil para os fazendeiros, visto que sua concessão dependia, em primeiro lugar, da

quantidade e do valor dos cativos empregados no trabalho coletivo.

Os escassos empréstimos obtidos foram empregados na compra de maquinarias, a fim

de amenizar os prejuízos somados com a mão-de-obra escassa e de idade avançada.

Entrementes, tais empréstimos não eram acessíveis a todos, visto que para obter essa

maquinaria, os proprietários deveriam possuir matas virgens, escravos capacitados e uma

plantação de café produtivo. 33

Manter as máquinas de beneficiamento funcionando e dando lucros tornou-se uma das

maiores dificuldades dos proprietários nos últimos anos da escravidão. A maquinaria tornou-

se dispendiosa, uma vez que os operadores eram escravos despreparados e o sistema agrário

exigia muitos braços, senão todos, para ampliar a plantação e para colher a enorme quantidade

de café. O resultado de todo esse fenômeno foi a inutilização das máquinas graças às dívidas

contraídas ao longo dos anos.

A crise do café, no final do século XIX, não impôs mudanças significativas ao sistema

agrário de produção. O fim da escravidão não foi o estopim da crise, embora colaborasse no

agravamento do problema. Em conseqüência desses fatos, ao longo das primeiras décadas do

século XX, o gado passou a ganhar cada vez mais espaço e os pastos tomaram conta dos

32 Ibid., p. 324. 33 STEIN, S. op. cit., p. 276.

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cafezais decadentes, concentrando ainda mais as propriedades nas mãos de poucos

fazendeiros.

Do café ao pasto

Entre os anos de 1920 e 1930, a crise do café, a qual se alongara desde a segunda

metade do século XIX, chegou ao auge. Enquanto a região do Oeste Paulista vivenciava o

período de crescimento da economia cafeeira, os fazendeiros do Vale do Paraíba passavam

pela pior crise já enfrentada. Os grandes cafezais, agora desgastados e velhos, já não

produziam o suficiente para manter o lucro, as terras virgens foram praticamente devastadas e

a quantidade de mão-de-obra se mostrava cada vez mais insuficiente para suprir as fazendas.

Após a abolição, pouco se fez para reestruturar as formas de cultivo e de reprodução da

plantação de café. Embora fossem aparentes os problemas inerentes às fazendas do Vale do

Paraíba, as mesmas práticas de cultivo do século XIX continuavam a ser usadas. 34

Um dos maiores inimigos da região do Vale do Paraíba foram os fazendeiros em si. O

tradicionalismo dos Barões de Café atrapalhou a introdução de novas práticas de agricultura e

a renovação das antigas. Apesar das dificuldades acima citadas, houve tentativas de introduzir

novas práticas econômicas na região. No final do século XIX, foram várias as experiências

para se promover a produção de algodão na região, principalmente em Vassouras, como

aponta Stein: incentivadas pela paralisação da produção na região do sul dos Estados Unidos,

por causa do fim da Guerra de Secessão, o governo provincial distribuiu sementes de algodão

entre os fazendeiros da região. 35

No mesmo caminho, algumas fazendas tentaram ampliar a produção da cana-de-

açúcar. Não obstante, mesmo com a produção em larga-escala do café, algumas fazendas

34 FRAGOSO, J. L. op. cit., p. 109. 35 STEIN, S. op. cit. p. 274.

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mantinham o beneficiamento da cana para produção de aguardente de consumo interno.

Mesmo procurando ampliar a produção para comercialização no mercado local, pouco foi

efetivado. A economia da região estava muito comprometida com a monocultura, e a

policultura ainda não possuía garantias de retorno certo. 36

Nesse contexto, outros tipos de produção também se desenvolveram e ganharam

espaço ao longo do século XX. Com a dificuldade de reter a mão-de-obra, nas fazendas, e de

atrair novos trabalhadores, culturas que necessitavam cada vez menos de trabalhadores foram

ganhando espaço. Nesse prisma, pôde-se apontar a plantação de eucalipto e a criação de gado

que cresceram na região.

No final do século XIX e início do XX, a criação de gado despontou como nova

prática econômica na região do Vale do Paraíba. Com a diminuição do cafezal nas fazendas, a

terra a ser valorizada, ou seja, os pastos passaram a ter uma participação maior na valorização

da propriedade em relação aos cafezais. 37

Ora, o processo pelo qual o café era feito, foi devastador no que tange ao solo.

Portanto, o que provavelmente restaria a fazer era criar gado. De acordo com Fragoso, como

conseqüência de uma economia predadora o “pasto é uma transformação empreendida pela

agricultura extensiva na paisagem rural e não uma conseqüência da introdução da pecuária

na região”. 38 Dessa forma, o gado se desenvolveu sobre o que “sobrou” do sistema agrário de

exportação. 39

Algumas dúvidas ainda não foram esclarecidas sobre esse período. Seria o pasto

realmente a única alternativa para aqueles fazendeiros? Sendo o gado uma criação de forma

extensiva e necessitada de pouca mão-de-obra, foi ela quem expulsou os trabalhadores ou a

36 Ibid., p. 275. 37 FRAGOSO, J. op. cit., p. 147. 38 Ibid., p. 152. 39 STEIN, S. op. cit. p. 333.

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disponibilidade de mão-de-obra já era baixa? Esse era um período de imensa imigração

estrangeira; então, por que pouco contingente foi direcionado para a região do Vale do

Paraíba? Os trabalhadores não conseguiram se fixar na região por falta de trabalho e/ou por

falta de acesso a terra?

Questionamentos à parte, entre os anos de 1920 e 1940, diante desse processo de crise

econômica no Vale do Paraíba, busca-se, na presente dissertação, demonstrar que é possível

se observar uma movimentação populacional de enormes proporções no Estado do Rio de

Janeiro. No período pós-abolição, quando o sistema econômico do café ainda tentava ser

ordenado, muitos libertos se deslocaram tanto para São Paulo quanto para o leste do Rio de

Janeiro. Nesses locais, de acordo com Stein, parte dos fazendeiros conseguiu arcar com altos

salários e, em contrapartida, os do Vale já não podiam mais. 40

Ao olhar tais áreas, durante as primeiras décadas do século XX, pouco se atentou para

o que efetivamente aconteceu com os libertos e seus descendentes saídos do Vale do Paraíba.

A maior parte dos estudos, já datados, privilegiou a pesquisa sobre a importância da mão-de-

obra do imigrante e o crescimento do Oeste Paulista. 41 Entretanto, para o Vale do Paraíba, os

trabalhos mais atuais tendem a focar o período que vai somente até a década de 20, buscando

analisar a estabilização das famílias. 42

É Necessário atentar mais profundamente não apenas para o crescimento econômico

do gado na região do Vale do Paraíba e seu desenvolvimento, mas também sobre as outras

40 STEIN, S. op. cit. p. 304. 41 Um dos estudos mais significativos, neste sentido, foi: COSTA, Emília Viotti Da Monarquia à Republica: Momentos decisivos. São Paulo: Livraria e Editora Ciências Humanas, 1979. 42 As seguintes produções tratam especificamente deste tema: RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990; RIOS, A. My Mother Was a Slave, But Not Me: Black Peasantry and Local Politics in Southeast Brazil, c. 1870-c. 1940. Doutorado. (Doutorado em História da América) University of Minnesota, 2001; MATTOS, H. Marcas da escravidão: Biografia, Racialização e Memória do Cativeiro na Historia do Brasil. Tese para professor Titular no Departamento de Historia da UFF. Niterói, 2004 e RIOS, A. & MATTOS, H. Memórias do Cativeiro: Família, Trabalho e Cidadania no Pós-Abolição. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 2005;

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economias em ascensão no Estado. Dessa forma, será possível acompanhar a participação da

força de trabalho dos libertos e de seus descendentes nas economias prósperas no Estado do

Rio de Janeiro.

1.1.2 População

Censos

A história demográfica da região do Vale do Paraíba, nos últimos anos da escravidão

ao início do século XX, esteve intimamente ligada ao período da escravidão, à crise do café e

à entrada da criação do gado. Esses fatores influenciaram nas características da população, na

virada do século. Para construir um panorama significativo da população no Estado do Rio de

Janeiro, serão utilizadas três regiões de importância econômica do Vale do Paraíba como

Valença, Vassouras e Paraíba do Sul comparando com os dados obtidos no Município de

Iguassú, na atual Baixada Fluminense (tabela 1.1).

Tabela 1.1 – População total recenseada. Paraíba do Sul, Entre Rios, Valença, Vassouras, Iguassú e Estrella.

1872 1890 1920 1940 Paraíba do Sul43 37461 27351 52474 50605

Valença 47131 33623 41389 36748 Vassouras 38253 36483 59551 51632 Baixada 44 31251 27083 33396 140606

Fonte: Censos de 1872, 1890, 1920 e 1940.

43 Em 1940 foi somado o Município de Entre Rios. 44 Em 1872 foi somado o Município de Estrella com o de Iguassú.

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Nos últimos anos de escravidão no Brasil, a presença de pretos e pardos era muito

superior à quantidade de brancos no Vale do Paraíba. 45 Em 1872, no Município de Valença, o

censo contabilizou a existência de 47.131 pessoas das quais 60% eram escravos. Somando

escravos e população livre de pretos e pardos, chega-se ao total de 35.898 pessoas, ou seja,

76,1 % da população (tabela 1.2). No entanto, no censo seguinte, em relação à população

composta por pretos e mestiços, essa região contabilizou 22.898 pessoas, ou seja, 68,1% da

população. Desse modo, a partir de tais dados, pode-se retirar duas conclusões sobre a

trajetória de pretos e pardos na região em Valença.

Tabela 1.2 – Porcentagem da população classificada como preta e parda nos censos. Paraíba do Sul, Valença e Baixada.

1872 1890 1940 Total Paraíba do Sul 56% 57% 46% 60159

Valença 76% 68% 43% 74646 Baixada 27% 65% 49% 94459

Fonte: Censos 1872, 1890 e 1940.

A primeira mostra que, nos municípios selecionados, a população entre os anos de

1872 e de 1890 aparentemente diminui, indicando que, além da presença contundente de uma

população provinda da escravidão, os últimos anos da escravidão foram extremamente

conturbados. Esse fato pode ser observado a partir do “Quadro demonstrativo da população

escrava na província do Rio de Janeiro” de 1885, o qual apontou, em seus cálculos, a

presença maciça de fazendeiros do Vale do Café utilizando escravos até os últimos dias. 46

A segunda trata sobre a permanência dos ex-escravos na região. É possível ver, no

censo de 1890, ainda a presença considerável da população de pretos e pardos na região. Ao

examinar esse dado, pode se supor que, no período do pós-abolição, a permanência da

população provinda da escravidão foi muito mais significativa do que a migração.

45 Na presente dissertação optou-se por utilizar a terminologia de época existente nos registros e nos censos. Grosso modo serão utilizados para essa população: pretos e pardos. 46 RIOS, A. op. cit., 1990, p. 22.

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Ao trabalhar a faixa etária de tal população escrava, seguindo a lógica do comércio

interprovincial de escravos, crescente após 1850, era de se esperar nos censos a

predominância de escravos homens, em idade produtiva, em torno de 20 anos. Todavia, no

censo de 1872 em Paraíba do Sul, o equilíbrio entre os sexos pôde ser encontrado nas faixas

etárias de 1 a 10 e de 11 a 20 anos. Conforme Rios, esses números indicam que a população

escrava aumentou nos últimos anos de escravidão. 47

A esse fato, é mister salientar que, a partir de 1871, não nasceriam mais cativos; dessa

forma, o último escravo nascido antes da lei teria 17 anos em 1888. De acordo com Rios, seria

possível supor que, no período do pós-abolição, a população provinda da escravidão no

município de Paraíba do Sul possuía entre 17 e 46 anos, uma vez que, em 1872, na faixa etária

entre 1 e 30 anos está compreendido 62,9% dos escravos. 48 Isso significa que, uma vez livre,

essa população estava dentro da fase produtiva de trabalho.

Utilizando como base os dados demográficos do município de Valença, percebe-se

que a população negra, ao longo dos anos, deixou de ser maioria. Se, em 1872, os pretos e

pardos representavam 76,1% da população, em 1940, este número reduziu para 48%. Deveras,

ainda era significativa a presença da população negra na região do Vale do Paraíba. 49

Os censos posteriores, de 1900 e de 1920, não traziam informações sobre a cor dos

recenseados. Após o censo de 1890, a categoria cor somente retorna no recenseamento de

1940. Entre as discussões atuais, muito se critica sobre o emprego dos recenseamentos de

1890 e de 1920 nas pesquisas demográficas. O primeiro sofreu grandes problemas em sua

execução, pois a recém instalada República ainda não havia organizado os trâmites

47 Ibid, p. 21. 48 Idem. 49 RIOS, A. op. cit., 1990, p. 23.

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necessários para a realização do censo. 50 Em razão da falta do retorno de informações das

paróquias responsáveis pelos questionários e da grande desorganização na realização censo de

1890, os estudiosos tomam os seus dados como subestimados. Entretanto, no que concerne

aos dados do recenseamento de 1920, estes parecem estar superestimados em relação àqueles.

Desse modo, torna-se difícil utilizar tais dados, como indicativos de uma movimentação

populacional, em virtude das grandes disparidades. Todavia, nesses censos, grosso modo, é

possível encontrar algumas tendências, que são reveladoras de aspectos muito interessantes

para outras localidades no Estado do Rio de Janeiro, em específico caso, a Baixada

Fluminense.

Apesar de um crescimento modesto na população de Vassouras e de Valença, entre

1890 e 1920 (figura 1.1), esse período caracterizou-se pela introdução do gado na região.

Praticado em moldes extensivos, necessitando cada vez mais de pastos e sem cuidados

especiais no rebanho, a atividade em questão necessitava de uma menor quantidade de mão-

de-obra. Aliada à crise da cafeicultura e às novas formas de produção, entre 1920 e 1940,

pode-se acompanhar uma diminuição significativa da população nos municípios de Valença,

Vassouras e Paraíba do Sul. 51

Figura 1.1 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença e Vassouras.

50 SENRA, Nelson de Castro História das Estatísticas Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2006. 51 No censo de 1940, Entre Rios aparece como um Município autônomo de Paraíba do Sul. Aqui, optou-se por somar a população dos dois municípios.

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1872 1890 1920 1940

Paraíba do Sul

Valença

Vassouras

Fonte: Censos de 1872, 1890, 1920 e 1940.

Ao analisar comparativamente as quatro regiões do Rio de Janeiro, constata-se, grosso

modo, no Município de Iguassú, um crescimento populacional entre as décadas de 1920 e

1940 (figura 1.2). Entre esses dois anos, a população saltou de 33.396 pessoas para 140.606 -

um crescimento de mais de 400% em apenas 20 anos (tabela 1.3 – vide anexo). Em

comparação às regiões do Vale do Paraíba, onde a crise do café e a introdução do gado

“expulsaram” a mão-de-obra, a região de Iguassú despontava economicamente no cenário

nacional e internacional na produção da laranja. 52

Figura 1.2 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras e Iguassú.

52 Os aspectos econômicos e sociais da Baixada Fluminense, nessas décadas, que podem ter atraído a população, serão discutidas amplamente no capítulo 2.

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1872 1890 1920 1940

Iguassú

Paraíba do Sul

Valença

Vassouras

Fonte: Censos de 1872, 1890, 1920 e 1940. Se na região de Valença e de Paraíba do Sul a participação de pretos e pardos diminuiu

ao longo do tempo, o mesmo não pôde ser dito em relação à Baixada Fluminense. De acordo

com os censos, em 1872, no Município de Iguassú e Estrella, os pretos e pardos eram 8.285

pessoas, ou seja, 26,1% da população (tabela 1.2). Todavia, em 1890, a presença da população

de pretos e mestiços passou a corresponder 65,3% da população. 53 Enfim, para 1940, o censo

informava que dentre as 140.606 pessoas recenseadas, 68.482 (48,7%) são pretos e pardos.

Ao exame desses censos, é lícito supor alguns dados gerais sobre a região do Vale do

Paraíba e da Baixada Fluminense. Após o fim da escravidão, foi possível acompanhar o

estabelecimento de uma população de pretos e pardos durante as primeiras décadas após a

abolição, na região do Vale do Paraíba. Da mesma forma, a partir da década de 20, percebe-se

o impacto significativo do gado na desestabilização dessas mesmas famílias, as quais

53 Apesar deste salto, deve-se relembrar o problema levantado anteriormente do censo de 1890.

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deixaram os municípios de Paraíba do Sul, Valença e Vassouras em direção a outras

localidades do Rio de Janeiro. 54

Através dos dados do Município de Iguassú e Estrella, não parece acertado construir

uma ligação direta entre o esvaziamento do Vale do Paraíba e o direcionamento de toda a

população para a mesma. Todavia, ao longo desta dissertação, pretende-se demonstrar que tal

região pode ter recebido parte significativa, dessa migração.

1.2 Trajetórias individuais de ex-escravos e de seus descendentes.

Nesta parte, pretende-se acompanhar os últimos anos da escravidão no Vale do

Paraíba e as primeiras décadas do século XX, respaldado nas trajetórias de vida de ex-

escravos e de seus descendentes. Através de genealogias, busca-se, aqui, acompanhar as

famílias que tiveram, pelo menos, uma migração em seu meio. Para alcançar tal objetivo,

serão utilizadas transcrições de entrevistas coletadas no Vale do Paraíba e na Baixada

Fluminense.

Foram selecionados depoimentos, nos quais há experiências vivenciadas pelos avós

e/ou pais que passaram pela experiência do cativeiro. Os entrevistados tiveram algum contato,

mesmo que na infância, com os ex-escravos e/ou familiares, que possuíam memória sobre o

tempo do cativeiro. 55

54 Aqui, deseja-se diferenciar os termos “estabelecimento” de “estabilização” que serão empregados durante a dissertação. O termo estabelecimento, aqui, possuiu a característica de representar as famílias que permaneceram, mesmo que precariamente, em seus locais de origem durante curto espaço ou longo espaço de tempo, antes de migrarem. Para estabilização, considera-se as famílias que, após um período conturbado de mudanças constantes, conquistaram a estabilidade definitiva em uma região diferente da de origem. 55 Recentemente, Ana Rios procurou demonstrar como foi possível, na década de 1990, colher depoimentos de netos e filhos de ex-escravos, os quais possuíam uma memória familiar sobre seus ascendentes africanos: RIOS, A. Não se esquece um elefante: nota sobre os últimos africanos e a memória d’África no Vale do Paraíba. In: FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; JUCÁ, Antônio Carlos; CAMPOS, Adriana. Nas Rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006.

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Na primeira parte, através de bibliografia especializada, serão discutidos os últimos

anos da escravatura no Brasil, relacionando-os com as trajetórias de vida desses ex-escravos.

Posteriormente, esse processo será reconstruído até a década de 30, com a finalidade de

evidenciar as dificuldades, os medos, as experiências, e as motivações para a saída das

famílias do Vale do Paraíba.

Os últimos anos

Os últimos anos de escravidão no Brasil podem ser considerados como extremamente

conturbados. As leis promulgadas, após 1850, diminuíram consideravelmente o poder moral

do senhor. E isso foi sentido, em parte, pelos fazendeiros que buscavam de alguma forma,

manter os escravos em suas propriedades, visto que as fugas em massa se tornaram uma

constante.

Entrando nos últimos anos da escravidão no Vale do Paraíba, pode-se perceber como

as leis impactaram não só o poder senhorial, mas também influenciaram as relações

familiares. Em 1869, foi aprovada a Lei que garantia aos escravos a permanência das relações

entre casais, e consequentemente, proibia a separação dos filhos até completarem os 12 anos.

Efetivamente, nenhuma lei fortaleceu tanto a comunidade escrava como a Lei do “Ventre-

Livre”; 56 ora, pela primeira vez havia um sinal claro para os cativos de que a escravidão

estava chegando ao fim.

Com a intromissão, cada vez maior do Estado, na relação senhor - escravo e com a

criação de Leis que impediam um controle maior da escravaria, a vida dos fazendeiros ficou

mais difícil. Para os escravos, os direitos, considerados costumeiros, passaram a ser positivo.

Tais leis abalaram o poder moral dos escravistas, no Vale do Paraíba, consideravelmente nos

56 Para uma discussão ampliada sobre o impacto da Lei Rio Branco, ver: RIOS, A. & MATTOS, H. Op. Cit. p. 89 e CHALHOUB, S. Visões de liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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anos anteriores à abolição, e pôde-se constatar diversos conflitos que acabavam em revoltas e

fugas nas regiões cafeeiras. 57

Apesar da coesão interna da comunidade escrava e da percepção por parte dos

fazendeiros, de que a escravidão estava prestes a findar, não foi possível conter os diversos

conflitos nos últimos anos da escravidão. Percebendo a dificuldade de se manter a mão-de-

obra e de atrair novos trabalhadores, muitos fazendeiros apostaram na alforria em massa.

Desse modo, buscaram “reafirmar a prerrogativa senhorial de concessão de liberdade e os

corolários de dependência e gratidão que tradicionalmente implicavam”, 58 ou seja,

procuraram controlar os trabalhadores “livres” através de laços de gratidão, aliando uma idéia

de conquista à benevolência dos senhores para com seus cativos. 59

Apesar dos esforços empreendidos pelos proprietários, as fugas em massa tornaram-se

corriqueiras em algumas regiões. Entre 1885 e 1887, Dean calculou que, aproximadamente,

10% da população cativa se deslocou do Município de Rio Claro em direção aos centros

urbanos. A resistência ao trabalho aumentou vertiginosamente, aparentando uma revolta

generalizada. Pela primeira vez, os escravos conduziam armas de fogo e, ao invés de fugir à

noite, escondidos dos fazendeiros, pareciam dispostos a enfrentar a polícia. 60

No caso de São Paulo, o “grande medo” tomou a região do Vale do Paraíba. A força

policial foi acionada durante tal período para amenizar os ânimos e manter tranqüilos os

fazendeiros da região. Em 1871, em Rio Claro, 57 fazendeiros pediram ao presidente da

província que designasse uma guarnição militar permanente no Município, com a finalidade

57 MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: Os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 1994. 58 MATTOS, H. Das Cores do Silêncio. Significados da liberdade no Brasil escravista. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995/ Nova Fronteira, 1997. p. 268. 59 Idem, principalmente capítulo IV. 60 DEAN, W. Rio Claro: Um Sistema Brasileiro de Grande Lavoura (1820-1920). Rio de Janeiro, Ed.: Paz e Terra, 1977. cap.: 4 e 5.

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de proteger os proprietários e impedir as fugas em massa.61 Eram poucos os proprietários que

haviam pensando no fim da escravidão e o que ela representava para os ex-escravos. 62

Internamente, nas fazendas de café do Vale do Paraíba, a percepção do fim da

escravidão foi compartilhada entre escravos e senhores. Com o fim do tráfico atlântico e com

as leis que tratavam sobre os cativos, pôde-se constatar um fortalecimento da comunidade

escrava dentro dos grandes plantéis, além da construção de uma determinada visão de

liberdade. 63

Exemplificando, foi possível acompanhar genealogicamente a família de Dionísio, que

permaneceu na mesma fazenda até o período posterior a abolição. Vô Dionísio nasceu no dia

20 de Maio de 1866, filho de Tertuliano e Miquelina, escravos de José Gonçalves Roxo. 64

Cresceu junto a seus pais na fazenda São José, mesmo local onde nasceram seus filhos e netos

(figura 1.3). Eles tiveram, nessa fazenda, mais cinco filhos. Ainda no período da escravidão,

nasceu o primeiro irmão de Dionísio, Geraldo Preto, registrado na Igreja de Santa Isabel do

Rio Preto no dia 3 de abril de 1870. 65 Os outros cinco irmãos nasceram após a Lei do

“ventre-livre”: Maria e João (gêmeos) e Vitalina Preta, nascidos em 1881 e 1886

respectivamente. 66 Já no caso dos irmãos Congo e Zolino, a única referência encontrada,

sobre as suas vidas, foi retirada dos depoimentos coletados na Fazenda São José. A família de

Dionísio pertencia a uma comunidade ampla de descendentes de escravos residentes nessa

mesma fazenda.

61 Idem, p. 125. 62 MACHADO, Maria Helena op. cit. 63 Para uma discussão melhor sobre as Visões de Liberdade, ver a introdução desta dissertação. 64 Livro II de Batismo, fl. 13, termo 29 – 20/05/1866, AESIRP. 65 Livro II de Batismo, fl. 41, termo 40 – 03/04/1870, AESIRP. 66 Livro III de Batismo, fl. 98v., termo 27 – 17/04/1881 e Livro III , fl. 145, termo 7 – 10/01/1886, AESIRP.

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Figura 1.3 – Genealogia da Família de Dionísio Antonio Fernandes - Santa Isabel do Rio Preto, Valença, RJ.

Fonte: Arquivo Eclesiástico da Igreja de Santa Isabel do Rio Preto, RJ. Parcialmente publicada em MATTOS, H. op. cit. 2004.

Historiadores vêm discutindo sobre as relações sociais construídas no ensejo da

escravidão e como elas foram construídas. A finalidade dessas pesquisas era a de perceber

quais eram os benefícios que uma comunidade ampla nas senzalas trazia para senhores e

escravos. 67 Dentre os diversos temas de família escrava, optou-se, aqui, por discutir a

construção de relações matrimoniais. Durante boa parte do período do tráfico atlântico, a

relação dentro das fazendas entre as nações africanas era de extrema instabilidade. Parte disso

acontecia em virtude da razão desproporcional entre escravos do sexo masculino e do sexo

feminino. Essa tensão permanente fez com que os africanos e escravos percebessem a

necessidade de ter uma convivência possível dentro da fazenda e minimamente foram

estabelecendo laços parentais e matrimoniais buscando, assim, apaziguar os conflitos nas

senzalas.

67 Para uma melhor e extensa discussão sobre as relações parentais e não-parentais nas propriedades escravistas ver: FLORENTINO, M. e GÓES, J. R. A paz nas senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 - c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1997 e SLENES, Robert. Na Senzala Uma Flor: Esperanças e recordações na Formação da Família Escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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Ao analisar os laços parentais, sociais e matrimoniais de famílias, as quais passaram

da escravidão ao pós-abolição, o caso de Dona Umbelina é emblemático. Ela nasceu em torno

de 1835, era escrava do Senhor Antenor Souza Vieira, proprietário da Fazenda Carioca em

Vassouras no Vale do Paraíba. No cativeiro, casou-se, pela primeira vez, com o também

escravo Sebastião, que lhe deu seis filhos: Maria, Pedro, Horácio, Celina, Marcelino e Joana.

Aparentemente, o relacionamento desses durou pouco tempo, tanto que, na memória familiar,

pouco se fala sobre o avô Sebastião, apenas lembrado pela sua cor e condição de escravo. 68

Ainda durante o período da escravidão, Dona Umbelina casou-se, pela segunda vez,

agora com o “sinhozinho”, proprietário da Fazenda Carioca. Antenor era filho de franceses,

proprietários de fazendas de café em Vassouras. Nesse casamento, Dona Umbelina teve mais

seis filhos: Ismail, Adélia, Albertino, Adilina, Manoel e Jair.

Para além dos laços parentais, uma outra forma de constituir redes de sociabilidade foi

se instalando: o compadrio. Com a necessidade de suportar o período da escravidão e de

aumentar as redes sociais, muitos escravos escolhiam, para padrinhos de seus filhos,

companheiros mais velhos que possuíam maior influência nas senzalas e/ou livres e libertos.69

No que tange à participação dos proprietários na consolidação familiar, a doação de

terras, ainda no período da escravidão, permitiu, em muitos casos, a estabilização da

população de pretos e pardos no Vale do Paraíba. Nessa região houve pouca imigração

estrangeira, e a falta de mão-de-obra já era sentida desde a época na escravidão. Para manter

em suas propriedades essa mão-de-obra nacional, na qual boa parte era provinda da

escravidão, uma das estratégias adotadas, nesse período, pelos proprietários foi a doação de

68 Poucos familiares sabiam do nome do primeiro avô. Após entrevistas com outros familiares de Dona Yvone, chegamos ao seu nome: Sebastião. 69 Para uma melhor discussão sobre compadrio ver: RIOS, A. L. Família e Transição: Famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação. (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.

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terras. 70 Antenor, esposo de Dona Umbelina, diante da crise do café e da economia no Vale

do Paraíba, doou boa parte de suas terras para seus escravos. Em menos de cinco anos após a

abolição, ele faleceu e as suas terras foram divididas entre os filhos do primeiro e do segundo

casamento de Dona Umbelina. Até os dias de hoje parte da família ainda vive nas terras em

Vassouras.

Os ex-escravos e seus descendentes tomaram como um dos significados de liberdade o

acesso à terra própria. Na maior parte dos casos, este grupo não procurou possuir pequenas

roças para apenas viver da subsistência. De acordo com Rebecca Scott, os ex-escravos e seus

descendentes buscaram maximizar os seus ganhos a partir da propriedade e/ou posse da terra,

porém de uma forma bem diferente da teoria do liberalismo. 71 No caso da Jamaica, os

libertos trabalharam durante anos para comprar pequenos pedaços de terra, buscando, assim,

adquirir terras mais baratas, produtivas e perto dos grandes centros exportadores. 72

Decerto, comprar e/ou adquirir o pequeno pedaço de terra não invalidava a busca pelo

trabalho remunerado. Na Jamaica e em Cuba, os libertos conseguiram combinar trabalho de

roça, para subsistência e para venda nos mercados locais, com o emprego público e/ou nas

grandes propriedades exportadoras. 73 Ora, os ex-escravos e seus descendentes optaram,

sempre que possível, diversificar as fontes de renda e as formas de trabalho. Tratava-se de

uma dentre as várias estratégias para tentar diminuir as incertezas diante do novo contexto de

pós-abolição.

70 Sobre estratégias senhorias para estabilizar a mão-de-obra na passagem da escravidão para a abolição ver: MACHADO, Maria Helena op. cit. e SLENES, Robert; FRY, Peter e VOGT, Carlos. Cafundó: A África no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 71 SCOTT, Rebecca. Emancipação Escrava em Cuba: a Transição para o Trabalho Livre, 1860-1899. Rio de Janeiro/Campinas: Paz e Terra/Ed. da Unicamp, 1991. 72 HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938 Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992. p. 160. 73 SCOTT, R. op. cit., 1991, p. 34.

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Pondo em questão o caso brasileiro, a necessidade de colher o café, em 1888, fez com

que diversos fazendeiros improvisassem turmas de trabalho. 74 Conforme Stein, nesse ano

seria feita uma das maiores colheitas já vistas no Vale do Paraíba; 75 para isso, os fazendeiros

empregariam vários meios, inclusive judiciais, para manter a mão-de-obra dentro das

propriedades. Muitos ex-cativos foram presos por vadiagem, outros disputados entre

proprietários. 76 Contudo, ao passar dos anos, parece acertado que a maior parte dos libertos

permaneceu nas fazendas, trabalhando com salários insatisfatórios. 77

Ainda hoje, pouco se discute sobre a importância da mão-de-obra nacional no

processo de transição para o trabalho “livre”. É lícito supor que a maior parte dos

trabalhadores no Vale do Paraíba, após 1888, era composta por ex-escravos e seus

descendentes. Em muitos casos, esse grupo buscou, através de negociação com o patrão, aliar

um trabalho de turma ou de parceira com a produção de alimentos em roça própria para

subsistência e para venda em mercados locais. Esse foi o caso dos filhos de Umbelina e de

Antenor que durante as primeiras décadas do século XX, usufruíram das terras doadas,

sobrevivendo do que era retirado delas.

Ao longo dos anos, diante da crise do café, ao que tudo indica, não foi possível mais

obter trabalho nas propriedades próximas aos locais de moradia. Diante das dificuldades,

Dona Amélia, filha de Umbelina, deu sua terra a uma pessoa que também pudesse tomar

conta dos seus filhos, para que ela pudesse procurar emprego nas cidades próximas. O mesmo

aconteceu com seu outro filho, que trocou seu lote por uma criação de porco de seu vizinho. 78

74 Neste sentido falam: MATTOS, H. op. cit., 1997; DEAN, W. op. cit. e STEIN, S. op. cit. 75 STEIN, S. op. cit., p. 303. 76 MATTOS, H, op. cit., 1997. 77 No capítulo 3 de seu Livro, Ana Rios discute a lógica dos contratos entre proprietários e trabalhadores Rurais. Ela levantou as diversas formas de trabalho empregados no início do século, como o trabalho de turma, a empreitada, parceria, arrendamento, entre outras. Eram em sua maioria contratos verbais que os tornavam por vezes muito instáveis. RIOS, A. e MATTOS, H. op. cit., capítulo 3. 78 Entrevista concedida por Dona Yvone Reis em Mesquita, 2006.

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Aparentemente, esse foi o momento no qual o processo da expansão latifundiária, para

obter pastos, ganhou mais força. Diante da extrema pobreza, a primeira geração de filhos

nascidos no pós-abolição não encontrou as mesmas oportunidades que seus pais, isso pode ter

influenciado a saída do Vale do Paraíba em direção a regiões mais prósperas.

Estabilidade Versus Migração

Para o período do pós-abolição, Rios deparou-se com três tipos de trajetórias nos

depoimentos por ela coletados. No primeiro, ela encontrou, na região do Vale do Paraíba,

comunidades negras que, de alguma forma, conseguiram se manter nas mesmas fazendas

onde seus pais e avós foram colonos e, em alguns casos, até mesmo escravos. No segundo, ela

percebeu a existência de um campesinato familiar que, pela compra de pequenas

propriedades, por doações ou por um longo tempo no trabalho de parceria conseguiram se

estabilizar. Já no terceiro, nas entrevistas coletadas, ela encontrou famílias que foram privadas

do o direito de trabalhar e de ter a própria roça. Nesse último caso, há relatos de duas formas

de migração: entre fazendas, no Vale do Paraíba e para os centros urbanos. 79

No presente subitem, serão exploradas as experiências e trajetórias de ex-escravos e de

seus descendentes, que passaram por um período de extrema instabilidade. As migrações

relatadas possuíram motivações e naturezas múltiplas; pode-se afirmar, inicialmente, que elas

foram geradas, desde a abolição, pelo desmantelamento das fazendas de café, com a entrada

do gado e a conseqüente perda da roça própria.

De acordo com Rios, as dificuldades, encontradas pelos libertos e seus descendentes

de manter a estabilidade, começaram na década de 30. Com o início do período pós-abolição,

e com a decadência das fazendas, muitos ex-escravos migraram pelo Vale do Paraíba. 80 Seu

79 Para uma melhor exploração sobre essas categorias ver: RIOS, A. & MATTOS, H. op. cit., 2005. p. 215-222. 80 Ibid, capítulo II.

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Manoel relembra muito bem a época em que os moradores antigos da Comunidade São José

da Serra foram transferidos pelo fazendeiro para as outras terras em São Paulo e para o

entorno da São José. Nessa ocasião, Vô Dionísio passou a trabalhar na Fazenda Empreitada e

para lá levou seus filhos, ainda pequenos, e sua esposa.

Rios explorou as motivações que podem ter levado a essa movimentação constante de

tal grupo. Em um primeiro momento, ela citou que essas mudanças ocorriam desde a época da

colônia e possuíam diversas motivações. 81 Por causa da natureza do tipo de trabalho, em sua

maioria de parceria e empreitada, e da forma da plantação das mudas de café, que utilizava a

queimada como forma de preparar a terra, esses trabalhadores tendiam a mudar quase sempre

de trabalho e de moradia. 82

As novas produções, que entravam no lugar dos cafezais, podem ter motivado a saída

desses trabalhadores do Vale do Paraíba. As plantações de eucalipto modificaram a paisagem,

antes dominada por cafezais envelhecidos no Vale do Paraíba, e os arranjos de trabalhos, pois

tal tipo de plantação necessitava de muito menos braços do que a plantação de café. Pode-se

usar como exemplo o caso da família de Dona Sebastiana, moradora de Paraíba do Sul, que se

mudou da fazenda onde, residia graças à expansão da plantação de eucalipto sobre suas roças.

83

Para além do eucalipto, nada transformou mais vida do campesinato negro do que a

criação de gado. No caso de Dona Umbelina, boa parte dos seus 12 filhos não conseguiu se

manter economicamente na região. Grileiros e fazendeiros vizinhos queriam expandir suas

terras, para aumentar a área de pasto de suas propriedades, e avançaram sobre os pequenos

lotes. Mesmo proibidos pela escritura de vender, muitos dos filhos de Dona Umbelina

81 Ibid, p. 227, ver, principalmente, nota 30. 82 Ibid, p. 228. 83 Entrevista: Dona Sebastiana, 1995, MC.

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abdicaram de suas terras em prol de uma pequena quantia de dinheiro; por exemplo, o caso da

Tia Adélia que vendeu seu último lote para comprar um pequeno terreno em Anchieta, na

divisa entre o subúrbio do Rio de Janeiro e Nilópolis, na época, distrito do Município de

Iguassú. 84

Porém, a maior parte dos relatos sobre a saída do campo versa sobre a violência. Esse

foi o caso do pai de Cornélio Cansino que, por ter deixado de trabalhar um dia na turma da

fazenda, o proprietário mandou derrubar as cercas da roça e lançou o gado para acabar com a

pequena lavoura. História muito semelhante aconteceu com os pais de Manoel Seabra que

eram constantemente ameaçados de terem suas casas queimadas, pelos patrões, se não

trabalhassem conforme o que eles desejavam. 85

Através das entrevistas, é possível perceber que uma das maiores motivações para a

migração foi a privação do acesso à roça própria. Uma das entrevistas mais sintomáticas nesse

sentido foi a realizada com Dona Leontina e concedida a Ana Rios, em Cachoeiras de

Macacú, norte-fluminense. Perguntada sobre o motivo da saída de sua família do Vale do

Paraíba, Dona Leontina respondeu:

Porque os fazendeiros parou de dar terra. Só que nessas terrinhas agora trabalha com boi, né? Trabalhar com os colonos, com os empregados, não. Pra trabalhar com boi, pra plantar capim, então não dá mais. Agente vai fazer o que? Na roça ganhar um salário lá né, pra

plantar capim, sem direito a plantar uma comida, sem direito a plantar nada. [grifo meu] Então, acharam... Meu pai né... As mulheres trabalharam como empregada e meu pai, chegaram pra rua também. Daí comprou esse terreninho aqui e fez um barraquinho pra gente. Nós estamos trabalhando de empregada de família. E meu pai foi trabalhar de padeiro.

86

A partir desse pequeno trecho, é possível chegar a suposições importantes. A primeira

é a de que apenas o trabalho não era suficiente para sobreviver na região. Além de possuírem

uma roça de subsistência, aparentemente, era necessário complementar a renda com a venda

84 Entrevista: D. Yvone, 2006, AP. 85 Para uma melhor compreensão sobre a relação patrão-empregado no pós-abolição ver: capítulo 3 de RIOS, Ana e MATTOS, H. op. cit. 86 Entrevista: Dona Leontina, sem data, MC.

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de seus excedentes. Em segundo lugar, é lícito supor que um dos precursores para o êxodo no

Vale do Paraíba pode ter sido a extinção e/ou proibição da roça própria.

Sem embargo, esse tipo de hipótese ainda precisa de muito mais estudos concernentes

às mudanças na estrutura da propriedade, após a entrada do gado e da produção de eucalipto.

Muito se discutiu sobre a necessidade de pouca mão-de-obra nesse tipo de cultivo, mas pouco

sobre a existência e a importância da mão-de-obra nacional nessa região. Ainda hoje faltam

trabalhos sobre a relação entre o pasto e a mão-de-obra, em como ela realmente interferiu na

relação fazendeiro-trabalhador livre e se realmente foi a responsável pela expulsão de tal mão-

de-obra.

Migrar

Nesta última parte, serão acompanhadas as trajetórias pessoais dos libertos e de seus

descendentes que migraram no período do pós-abolição. Com as entrevistas coletadas,

pretende-se construir um perfil das famílias e dos migrados, evidenciando suas experiências e

trajetórias.

Um dos principais marcos nas entrevistas são as divisões familiares. Se, no exato pós-

abolição foi possível construir relações familiares nucleares e estendidas, nos anos posteriores

à década 1920, contrariamente, encontra-se na memória familiar as experiências da separação.

Vô Dionísio saiu da Comunidade e fez uma “rocinha” na Fazenda da Empreitada, onde criou e

casou boa parte dos seus filhos. Entretanto, ao longo dos anos 1920, viu seus filhos homens,

nascidos após a abolição, Manoel (20/01/1899), José (23/09/1903) e Joaquim (03/03/1908)

saírem da fazenda para trabalhar na produção da laranja no antigo Município de Iguassú, na

Baixada Fluminense. 87 Caso semelhante aconteceu na trajetória familiar de Dona Umbelina:

87 Manoel: Livro IV, fl. 181, termo 8 – novembro de 1898, AESIRP; José: Livro V, fl. 37, termo 4 – 23 de setembro de 1903, AESIRP e Joaquim: Livro V, fl. 89, termo 73 - 3 de março de 1908, AESIRP.

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seu filho Manoel, ao completar a maioridade, em 1922, teve de servir ao militarismo e se

mudou de Vassouras para Nilópolis.

Com a diminuição dos empregos na lavoura, houve uma busca por novos arranjos de

trabalho, motivando a migração. Nascido em 1915, Seu Ormindo trabalhou bastante na

lavoura, porém, saiu para trabalhar na estrada de rodagem. Posteriormente, conseguiu um

emprego na empresa de energia elétrica do Rio de Janeiro, a Light. Com os dois trabalhos,

teve a primeira oportunidade de sair do Vale do Paraíba, morando uma parte da vida no

Engenho de Dentro e, posteriormente, ao aposentar, em Belford Roxo, na Baixada

Fluminense. 88

Os novos arranjos de trabalho, que surgiam com o avanço urbano no Vale do Paraíba e

no Rio de Janeiro, podem ter ajudado a transferir boa parte dos libertos e de seus descendentes

para outras áreas do Estado. Esse foi o caso de Antonio Silva, filho de Dona Umbelina,

nascido em 1912: trabalhou alguns anos na Estrada de Ferro Central do Brasil até que, em

1936, foi transferido para Morro Agudo, no Município de Iguassú. Nesse local, conheceu sua

esposa e ganhou do emprego uma pequena casa junto ao local de trabalho, na linha férrea.

Através das genealogias familiares construídas a partir das entrevistas coletadas e

arquivadas, no Acervo “Memórias do Cativeiro”, Rios percebeu que a maior parte dos

membros da família que não permaneceram na mesma região onde seus pais cresceram, são

os filhos da primeira geração de libertos, nascidos no pós-abolição. 89 De certo, entre as

famílias entrevistadas foram poucos os filhos da primeira geração que trabalharam na roça no

Vale do Paraíba. O primeiro argumento seria, como já fora mencionado neste capítulo, a falta

de trabalho e de roça própria. Em segundo lugar, pode-se apontar a resistência em se trabalhar

na roça.

88 Entrevista: Cornélio Cansino, 1995, MC. 89 RIOS, A. História Oral e Migração – um debate metodológico. (mímeo)

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Os filhos da primeira geração de libertos, nascidos no pós-abolição, provavelmente

nasceram entre os anos de 1890 e 1920. Esses ao chegarem à fase do trabalho, ou seja, entre

14 e 20 anos, possivelmente não encontraram a mesma situação que seus pais vivenciaram no

fim da escravidão. Isso significa que, para eles houve certo impedimento ao acesso à roça

própria, no Vale do Paraíba, o que consequentemente, privava a reprodução familiar. O gado

pode ter avançado sobre as terras livres e a pequena roça, sobrevivente de seus pais, não era

suficiente para suprir todos os familiares. Uma das soluções encontradas por esse grupo pode

ter sido a migração para outras áreas, em busca de novos arranjos de trabalho.

Nas entrevistas coletadas, é possível perceber que, nas primeiras décadas do século

XX, ocorreram às primeiras migrações, na maior parte com destinos incertos. O pai de Dona

Esperança, Seu Simão, ao ser proibido pelo proprietário da fazenda de construir sua casa na

propriedade, decidiu sair da região. Primeiramente, mudou-se para o município vizinho de

Barra do Piraí. Não conseguindo estabilidade no estabilidade no local, visto que muitos

proprietários ainda estavam mandando seu empregados embora, deixou a cidade e foi para

Santa Cruz onde, pela primeira vez, comprou uma casa. Veio a falecer em São Gonçalo, na

casa de sua filha. 90

Entre os anos de 1910 e 1930, a partir das entrevistas coletadas, identifica-se uma

migração ainda não definitiva. Apesar da possível negação do trabalho na roça e a busca por

novos arranjos de trabalho, nesse período a migração foi caracterizada pelo trabalho sazonal

em outras regiões fora do Vale do Paraíba, contando sempre com o retorno para a casa dos

pais ou da comunidade de origem. 91 Nas primeiras décadas do século XX, o primeiro filho de

Vô Dionísio foi para a Iguassú, na Baixada Fluminense, ajudar na colheita e na plantação da

90 Entrevista: Dona esperança, 1993, MC. 91 ESPADA, H. L. A Micro-História Italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2006. p. 242.

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laranja. Aos poucos ele levou os outros irmãos para ajudar no novo trabalho; porém, todos

sempre retornavam a fazenda para ajudar na economia familiar.

Neste ponto, é importante salientar a figura da primeira pessoa que se estabiliza fora

do Vale do Paraíba. Ao longo dos anos, principalmente entre os anos 30 e 40, essa migração

começou a tomar uma nova característica. Provavelmente, com o aumento do dinheiro

arrecadado nos novos arranjos de trabalho, das novas oportunidades de emprego e com o

crescimento das cidades pequenas, os filhos da primeira geração de libertos passaram a se

estabilizar definitivamente em diversas regiões. Na década de 30, Seu Ormindo comprou uma

casa em Belford Roxo e para lá levou seus irmãos e seu pai. A sua casa se tornou um ponto

central, onde os parentes que desejavam sair do Vale procuravam em primeiro lugar.

Moravam com ele durante meses, até poderem se sustentar sozinhos. 92

Caso semelhante parece ter acontecido com os filhos de Vô Dionísio. Ao conseguirem

se estabilizar na Baixada Fluminense, suas casas se tornaram ponto de encontro dos familiares

que buscavam alternativas de sobrevivência. Até os dias de hoje, praticamente uma rua inteira

em Queimados está ocupada pelos familiares de Dionísio. 93

A migração e conseqüente separação de famílias, na maioria dos casos, impactaram,

de forma contundente, as memórias familiares. Para os que ficavam, quase sempre avós ou

pais que não conseguiram ou não quiseram sair da lavoura, o medo do sumiço dos familiares

permanecia latente em suas memórias. Quase sempre os familiares são lembrados da seguinte

forma: “Não sei se é morto ou se é vivo”. Uma história bem emocionante aconteceu com

Izaquiel Inácio, que havia perdido contato com uma irmã ainda muito jovem. Sua irmã foi

para o Rio de Janeiro buscar trabalho em casa de família e nunca mais deu notícia sobre seu

paradeiro. Seus pais, preocupados, escreveram cartas para ela, colocaram anúncios no jornal,

tudo em vão. Todos os dias, sua mãe chorava sentindo falta da filha e, infelizmente, os dois

92 Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC. 93 Entrevista: Florentina Seabra do Nascimento, 2006, AP.

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morreram sem saber notícias dela. Em um dia, o filho dessa irmã foi até Paraíba do Sul tirar

um documento que ela precisava e, chegando ao cartório, a escrivã, que era muito amiga de

seu Izaquiel, disse ao rapaz que ele tinha parentes ali na região e perguntou se ele os conhecia.

Obtendo uma resposta negativa, ela indicou o local onde ele morava. Chegando à residência

de Izaquiel e conversando sobre a irmã, ele se emocionou muito ao relembrar todos os dias

nos quais a mãe chorava por falta da filha. A partir desse dia, eles voltaram a se comunicar e a

família pôde se reunir novamente. 94

Finalizando, ao longo texto compreendeu-se que, nas entrevistas coletadas no Vale do

Paraíba, dentre os diversos locais de migração, foi surpreendente a quantidade de familiares

que mencionaram a região da Baixada Fluminense. Nos depoimentos, os entrevistados fazem

referência a parentes próximos e distantes que saíram do Vale do Paraíba e tiveram como

destino, temporário ou permanente, a região metropolitana do Rio de Janeiro. Foi possível

encontrar essa estabilização, começando na década de 20 e finalizando nos anos 40. Dessa

forma, para a confecção da dissertação foi selecionado, dentre os vários locais de

estabilização dos libertos e seus descendentes, a Baixada Fluminense para pesquisar.

1.3 O Registro Civil de Nascimento

94 Vide esta passagem na íntegra em anexo.

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Nesta última parte, será discutida a pertinência das fontes de registro civil de

nascimento para o estudo das famílias de ex-escravos e de seus descendentes. Aqui, optou-se

por dividir o texto em três partes. Na primeira parte, serão apontados os desejos e o meio

pelos quais essa população buscou legitimar suas relações familiares, no período do pós-

abolição. No arquivo eclesiástico, quase sempre utilizado para realizar essa legitimação, os

registros não apresentam a categoria “cor” após 1888. Efetivamente, uns dos poucos registros,

que apresenta essa categoria, são os civis de nascimento.

Na segunda parte, serão delineadas as principais características de tais fontes e sua

relevância para o estudo das famílias de ex-escravos e libertos. Na terceira parte, serão feitas

comparações gerais entre os registros colhidos no Cartório de Registro Civil de Nascimento

de Nova Iguaçu com os obtidos por Ana Rios, em Paraíba do Sul. Trata-se de levantar as

semelhanças e as diferenças que irão colaborar para a análise de famílias de ex-escravos e

libertos na dissertação.

***

Com o advento da liberdade, muitos ex-escravos buscaram legitimar suas relações

familiares, construídas ainda no período da escravidão, nos Arquivos eclesiásticos. Dionísio,

desde a época da escravidão, manteve um relacionamento conjugal com Zeferina, escrava da

mesma fazenda. 95 Em 1889, oficializaram o matrimônio, já como Dionísio Crioulo, e ela

como Zeferina Crioula no dia 25 de Maio. 96 Esse foi o caso também de seu irmão, Geraldo

Preto, que em 1889, já com o nome de Geraldo Fernandes, casou-se com Apolinária da

Conceição, filha natural de Rosária da Conceição. 97

95 Zeferina nasceu no dia 15 de outubro de 1870, filha natural de Paulina, escrava de Francisco Antonio Martins. Livro II de Batismo fl.35. termo 66, AESIRP. 96 Livro II de Matrimônio fl. 31, termo 59 – 25 de Maio de 1889, AESIRP. 97 Livro II de Matrimônio fl. 34, termo 100 – 28 de setembro de 1889, AESIRP.

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De acordo com Souza, as proclamas de casamento se intensificaram em muitos

periódicos após 1888. Através do Diário de Minas, de 25 de setembro, pôde-se perceber tais

números:

Desde 19 de maio a 17 do corrente, quatro mezes mais ou menos, casaramse em São João Nepomuceno 250 libertos. Em Santa Bárbara, termo da mesma cidade, dizem que o número de casamentos de libertos subio a 300. 98

A partir desse recorte de jornal, compreende-se a importância emprestada pelos ex-escravos

na formalização de suas situações conjugais provindas do cativeiro. 99

Assim como da regularização conjugal, os ex-escravos e seus descendentes buscaram

registrar toda a sua família. No ano de 1893 Vô Dionísio e Dona Zeferina batizaram sua

segunda filha, no Distrito de Santa Isabel, Sebastiana. 100 Seus filhos nasceram após a

abolição, e são: Manoel, José e Joaquim. 101 Brandina Maria, sua primeira filha, como nasceu

no Distrito de Ipiabas, o único registro que menciona o seu parentesco com Dionísio foi o de

seu matrimonio. Nesse assento é possível ver que ela casou aos 14 anos, em 1903, com o

grande amigo de seu pai, Manoel Pereira do Nascimento, ex-morador da Fazenda São José. 102

Nas informações coletadas no Arquivo Eclesiástico de Santa Isabel do Rio Preto, foi

possível acompanhar as mudanças dos nomes próprios na tentativa ou com o objetivo de

apagar as marcas da escravidão. 103 Em seu assento de Batismo, Vô Dionísio é apenas

98 SOUZA, Sônia Maria de. Terra, família, solidariedade: Estratégias de sobrevivência camponesa no período de transição – Juiz de Fora (1870-1920). Doutorado. (Doutorado em História) Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Apud RIOS, A. & MATTOS, H. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas. In: Topoi, v. 5, nº. 8, 2004. p. 186. 99 Idem. 100 Livro IV de Batismo, fl. 93, termo 75 – 20 de janeiro de 1893, AESIRP. 101 Manoel: Livro IV, fl. 181, termo 8 – novembro de 1898, AESIRP; José: Livro V, fl. 37, termo 4 – 23 de setembro de 1903, AESIRP e Joaquim: Livro V, fl. 89, termo 73 - 3 de março de 1908, AESIRP. 102 Livro II de Matrimônio, fl. 81, termo 6 – 23 de Maio de 1903, AESIRP. 103 De acordo com Walter Fraga “os nomes como evidências históricas reveladoras das experiências pessoais, acontecimentos importantes, visões de mundo, idéias e valores culturais, são destacados por vários autores”. FRAGA, Walter Filho, Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910),

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descrito como inocente e escravo de José Gonçalves Roxo, 104 no entanto, pela primeira vez,

no assento de seu casamento em 1889, aparecia o sobrenome “crioulo” para ele e sua esposa

Zeferina, demonstrando claramente uma referência a sua condição de liberto. Contudo, em

1899, ambos batizaram seu segundo filho Manoel na Igreja, adotando os seguintes nomes:

Dionísio Antonio Fernandes e Zeferina Maria Antonia. 105 Em 1903, no casamento de seu

grande amigo Manoel com sua filha Brandina, Dionísio manteve o nome, porém Zeferina

mudou mais uma vez o seu sobrenome chamando-se Zeferina Maria da Conceição. 106

Esses dados demonstraram a vontade dos libertos e de seus descendentes em legitimar

as suas relações familiares. Após 1888, com a abolição da escravidão, tornou-se difícil

acompanhar as trajetórias das famílias de ex-escravos, uma vez que a documentação

eclesiástica, mais usada para o século XIX, não possuía mais a categoria “cor”. Por outro lado,

os registros civis de nascimentos, casamento e óbitos introduziam essa categoria em 1889.

Neste sentido, de acordo com Rios, “libertos buscaram [também] regularizar suas vidas

familiares através do casamento, das promessas lavradas de casamento e declaração de

paternidade, de registro civil de suas crianças”. 107

Sendo assim, optou-se, aqui, por utilizar os registros civis de nascimento para

acompanhar a formação e a estrutura das famílias de libertos e de seus descendentes. Para

entender um pouco melhor o funcionamento, os problemas e a importância dos registros civis,

Campinas, Editora da UNICAMP, 2006. p. 295. Na nota 12 este autor aponta toda uma bibliografia sobre a discussão das escolhas dos nomes pela população ex-escravos. 104 Livro II de Batismo, fl. 13, termo 29 – 20 de maio de 1886, AESIRP. 105 Livro IV de Batismo, fl.181, assento 8 – 20 de janeiro de 1899, AESIRP. 106 Livro II de Matrimônio, fl.81, termo 6 – 23 de maio de 1903, AESIRP. 107 RIOS, A. RIOS, A. Não se esquece um elefante: notas sobre os últimos africanos e a memória d’África no Vale do Paraíba. In: FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo; JUCÁ, Antônio Carlos; CAMPOS, Adriana. Nas Rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Vitória: Edufes; Lisboa: IICT, 2006. p. 668.

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serão analisadas, no texto a seguir, sua estrutura de funcionamento, as leis que o regiram, e as

condições de seu o acesso.

Legislação

Desde a metade do século XIX, o governo Imperial tentou, em vão, implantar o

registro civil no Brasil. Os seus interesses estavam basicamente direcionados à obtenção de

estatísticas oficias sobre a quantidade de imigrantes aportados e da população do país por ano.

O registro civil seria uma forma de substituir os censos, uma vez que os mesmos eram

extremamente dispendiosos e demorados.

Em seu esforço inicial, o primeiro decreto previa a laicização dos registros de

nascimentos e de óbitos, até então sob o poder dos padres católicos. 108 Não obtendo êxito,

posteriormente, mais dois decretos foram feitos para tentar, de todas as formas, regulamentar

os registros de nascimento, casamento e óbito. 109 O último seguiu para a Assembléia Geral, e

por lá ficou por muito tempo até ser aprovado. Contudo, o decreto que colocou em prática o

registro civil foi o de nº. 9.886 de 7 de março de 1888. 110

Os meses, que seguiram a essa lei, foram extremamente conturbados, primeiro, em

virtude da abolição da escravidão, e em seguida pelo fim do Império. Com o advento da

República e da burocratização do governo, o Registro civil ganhou novo fôlego e, em 1889,

os primeiros registros começaram a ser feitos.

Em relação aos registros de nascimento, de casamento e de óbito, o decreto de 1888

impôs regras para o registro. De acordo com o Art. 6, os empregados do registro civil não

deveriam inserir, nos assentos, senão aquilo que os interessados declarassem. As partes

108 Decreto n.º 798 de 18 de junho de 1851. SENRA, N. C. História das Estatísticas Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2006. p. 88. 109 São eles: o decreto n.º 907 de 29 de janeiro de 1852 e o decreto nº. 5.604 de 25 de abril de 1874. 110 Todos os decretos e leis mencionados na presente dissertação foram consultados em SENRA, N. C. op. cit.

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deveriam, no prazo máximo de três dias, declarar o nascimento da criança; no entanto, se a

residência fosse longe do local de registro, esse prazo poderia ser estendido para até 60 dias

(Art. 53). O declarante deveria ser, em primeiro lugar, o pai da criança, se esse estivesse

impossibilitado, era dever da mãe fazer o registro; se ambos não pudessem declarar, algum

parente próximo deveria se apresentar ao cartório (Art. 57). Somando a essas condições, os

livros deveriam ter, no máximo, 200 folhas e deveriam ser fornecidos pelos poderes estaduais.

As categorias, que deveriam ser registradas, estavam concomitantemente assinaladas

no decreto. De acordo com o Art. 58, os registros de nascimento deveriam conter os seguintes

elementos: 1º) O dia, o mês, ano e lugar do nascimento, e a hora certa ou aproximada; 2º) O

sexo do recém-nascido; 3º) O fato de ser gêmeo; 4º) A declaração de ser legítimo, ilegítimo

ou exposto; 5º)O nome e sobrenomes que forem ou houverem de ser postos na criança; 6º) A

declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto; 7º) A ordem de

filiação de outros irmãos do mesmo nome, que existam ou tenham existido; 8º) Os nomes,

sobrenomes e apelidos dos pais; a naturalidade, condição e profissão destes; a paróquia ou

lugar onde casaram e o domicílio ou residência atual; 9º) Os nomes, sobrenomes e apelidos de

seus avós paternos e maternos; 10º) Os nomes sobrenomes, apelidos, domicílio ou residência

atual do padrinho, da madrinha e de duas testemunhas, pelo menos, assim como a profissão

destas e a daquele, se o recém-nascido já for batizado.

Mesmo as diretrizes sendo bem específicas, a maior parte dos escrivões interpretou a

lei como lhes aprouvessem. Diante das dificuldades encontradas pelo DGE – Diretório Geral

de Estatísticas – em receber anualmente os resumos dos registros corretamente, Bulhões de

Carvalho criou um questionário direcionado aos cartórios, com a finalidade de identificar os

problemas encontrados, por eles, no processo do registro de nascimentos, óbitos e

casamentos. A partir do resumo do inquérito, a direção do DGE organizou um projeto de Lei,

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o qual visava reformular alguns pontos objetivos do registro civil. Porém, uma vez colocado

no congresso, foi discutido e esquecido pelos parlamentares. 111

A grande virada, na reformulação dos registros civis, veio após o ano de 1928. 112

Aparentemente, as inovações foram poucas e, na maior parte, restringiam-se a multas dadas

aos cartórios pela demora do envio do resumo anual do registro. Todavia, pela primeira vez,

houve menção à inclusão da categoria “cor” nos registros. Mesmo sendo uma novidade, em

questão de decreto, esta prática já vinha sendo realizada por diversos cartórios. Concluí-se daí

que o governo federal parecia muito mais preocupado em receber as estatísticas e os valores

dos registros anuais do que propriamente com a cidadania da população.

Deveras, não é possível calcular a quantidade de subregistro dessa época, visto que

não eram todas as pessoas que procuravam o registro. Apesar do baixo custo do registros,

entre 5$000 a 20$000, em um país, que, no início do século XX ainda era tipicamente rural,

aparentemente o governo não se empenhou em promover campanhas para divulgar e mostrar

a importância do registro civil.

Sendo assim, mesmo com todos os problemas inerentes ao estudo do registro civil,

esse pode ajudar a chegar às famílias de ex-escravos e de seus descendentes. Apesar de toda a

problemática sobre a construção temporal da categoria “cor” nos registros, ela permite, de

certa forma, atingir, através das crianças pretas e pardas, essa parte da população no Estado do

Rio de Janeiro.

O Registro Civil no período do pós-abolição

Para o estudo do pós-abolição, Ana Rios lançou mão em sua dissertação, dos registros

civis de nascimento, casamentos e óbitos para tentar alcançar qualitativamente as famílias de

pretos e pardos no Vale do Paraíba. Da mesma forma, pretende-se nessa última parte,

111 SENRA, N. C. p. 371. 112 O decreto n.º 18.542 de 24 de dezembro de 1928.

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comparar os dados gerais, obtidos no Registro Civil de Nascimento de Nova Iguaçu, com os

colhidos por Rios em Paraíba do Sul.

Em virtude da natureza caótica da introdução do registro civil no Brasil, era de se

esperar que os dados assentados fossem mudando de cartório para cartório. Rios encontrou

dificuldades no trabalho com os registros de casamento, uma vez que a maior parte não

apresentava a categoria “cor”. Eliminada a possibilidade de usar tais registros, concentrou sua

análise nos nascimentos e óbitos. 113

Apesar da quantidade de categorias interessantes, as quais contêm o registro civil de

nascimento, um dos maiores problemas recai sobre a representatividade da documentação

frente aos censos. Rios demonstrou que as taxas de mortalidade e de nascimentos

evidenciavam um alto subregistro, e que os mesmos aumentavam ao longo dos anos. 114 Em

1889, a população recorreu de forma contundente aos registros, porém, desse ano em diante,

tal presença diminuiu consideravelmente. A partir desta percepção da quantidade de

subregistro, Rios descartou qualquer tentativa de estudo demográfico com base no registro

civil. 115

Aqui, compartilha-se as mesmas preocupações para o trabalho com o registro civil.

Porém, em outras regiões, os registros apresentaram características diferentes das encontradas

em Paraíba do Sul. Mesmo com os problemas inerentes à natureza dos registros civis, estes

podem demonstrar tendências importantes da população de pretos e pardos no Estado do Rio

de Janeiro.

O objeto de estudo da presente dissertação é o processo de migração de famílias

negras que se deslocaram do Vale do Paraíba em direção à Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, entre os anos de 1888 e 1940. Com o propósito de obter um resultado estatístico

113 RIOS, A. op. cit., 1990, p. 15-16. 114 Ibid., p. 16. 115 Idem.

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confiável e de construir um diálogo com outros trabalhos, foram selecionados os registros

civis de nascimentos encontrados no arquivo do Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais

da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, de cinco em cinco anos. Dessa forma, os anos escolhidos

foram: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939. Ao total, foram

6.774 registros inseridos em um banco de dados.

Devido à distância de 50 anos, era de se esperar que houvesse mudanças significativas

na estrutura do registro. No entanto, as modificações em relação às categorias foram

insignificantes ao longo dos anos. 116

Em comparação aos registros apresentados por Rios, os colhidos em Nova Iguaçu

apresentam algumas características específicas. Em primeiro lugar, diferentemente do que

Rios encontrou para Paraíba do Sul, a quantidade de registros por ano no município de

Iguassú cresceu ao longo dos anos. Como se pode ver na figura 1.4, na comparação com os

censos da região, percebe-se que o registro acompanhou, aparentemente, o crescimento

populacional da região do antigo Município de Iguassú.

Aproximando os anos pesquisados com o os censos, chega-se a conclusões

interessantes. O que realmente impressiona é o crescimento impulsionado, a partir de 1914, e

mais ainda intrigante foi o aumento vertiginoso da busca pelo registro civil após a década de

30, período do Governo Vargas. Não tão surpreendentes foram os últimos anos dos registros

que, graças às leis incentivadoras, as quais coibiam as multas por atraso no registro, houve a

possibilidade de um bom número de pessoas se registrarem já na fase adulta. 117

Um dos grandes diferenciais deste acervo é a presença da categoria “cor” em quase

todos os nossos registros. No primeiro ano do registro, durante os primeiros nove meses, tal

categoria não é informada. Apesar disso, ela está presente em 38% dos registros. Todavia,

essa característica muda drasticamente ao longo dos anos. Em 1919, por exemplo, ano em que

116 Em anexo há um assento transcrito que serviu de base para a construção do banco de dados. 117 Sobre a importância do registro civil no governo Vargas, ver capítulo 3 da presente dissertação.

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o censo foi realizado para ser publicado em 1920, somente 1,47% dos registros não possuem a

cor informada.

Figura 1.4 – Total de registros civis de nascimentos por ano. Município de Nova Iguaçu, RJ.

0

500

1000

1500

2000

2500

1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu.

Livros número 1, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 19, 24, 25, 34, 35, 36, 47, 48, 39, 50, 58, 59, 60 e 61. Nos seguintes anos: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

Ao olhar atentamente para figura 1.5, percebe-se uma presença significativa do grupo

de pretos e pardos nos censos, principalmente após 1914. Se no Vale do Paraíba, essa

população decresceu entre os censos de 1890 e 1940, na Baixada, a sua presença cresceu

significativamente. Entretanto, nesses dados, há uma lacuna significativa de 50 anos sobre a

cor dos recenseados, já que, após 1890, somente no censo de 1940 tal categoria retornou.

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Figura 1.5 – Total da população recenseada como pretos e pardos. Paraíba do Sul, Valença e Iguassú.

Fonte: Censos de 1872, 1890 e 1940.

Aparentemente, o crescimento da população de pretos e pardos nos censos foi

acompanhado pelo aumento da procura dos registros no Município de Iguassú (figura 1.6). Na

região da atual Baixada Fluminense quando, se soma todos os registros, ao longo dos anos

selecionados, pode-se concluir que: em primeiro lugar, em 1894, logo após a presença da cor

e o início da implantação do registro civil de nascimentos, a população de crianças pretas e

pardas era maioria; em segundo lugar, a partir da década de 20, pode-se perceber o

crescimento dos registros de crianças pretas e pardas. Logo, nada foi mais surpreendente do

que a grande presença dos pais registrando os filhos pardos e negros e de pessoas se

registrando, nos anos de 1934, e especificamente, em 1939.

Todos esses dados serão analisados, com maior detalhamento, no decorrer da

dissertação. Aqui, basta perceber que, mesmo diante das dificuldades apresentadas pelas

fontes, consegue-se chegar a algumas tendências: primeiro, o Vale do Paraíba, nos censos e

no registro civil de Paraíba Sul, aparentemente perdeu população de pretos e pardos, ao longo

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

80000

1872 1890 1940

Paraíba do Sul

Valença

Iguassú

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dos anos; segundo, no Município de Iguassú, em plena expansão econômica em virtude da

produção de laranja, a população geral cresceu de forma contundente.

Figura 1.6 – Total dos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.

0

200

400

600

800

1000

1200

1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939

Branca

Outras Cores

Não Informada

Pretos e Pardos

Fonte: Vide figura 1.4.

Com a presença significativa de pretos e pardos procurando se registrar e registrar seus

filhos na Baixada Fluminense é licito supor que essa população procurou se incluir

socialmente. Portanto, nessa região é possível encontrar uma população de pretos e pardos

que não se silenciou ou que não foi silenciada.

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Capítulo 2 – As trajetórias de ex-escravos e de seus descendentes na Baixada

Fluminense.

O objetivo deste capítulo é traçar as trajetórias familiares de ex-escravos e de seus

descendentes que migraram, permanente ou temporariamente, para a Baixada Fluminense.

Trata-se de tentar perceber se essa população, provinda do Vale do Paraíba, conseguiu se

estabilizar ou não na região metropolitana do Rio de Janeiro no primeiro quartel do século

XX, e de que forma isso ocorreu.

Este capítulo divide-se em três partes: na primeira, objetiva-se apresentar o contexto

dos municípios de Iguassú e de Estrella, no final do século XIX. Essas regiões,

posteriormente, configurariam o município de Nova Iguaçu. Serão discutidas as configurações

políticas, econômicas e sociais da região até os anos 40; na segunda parte, baseado nas

entrevistas realizadas na Baixada Fluminense, busca-se compreender a experiência dos filhos

de libertos, nascidos no período do pós-abolição, que migraram especificamente para essa

região; na terceira parte, serão analisados os registros civis coletados no Oficio de Registro

Civil das Pessoas Naturais da 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu, a fim de caracterizar as

famílias de crianças pretas e pardas entre 1888 e 1940.

2.1 A região da Baixada Fluminense

De Vila de Iguassú a Nova Iguaçu. Nesta parte pretende-se construir um panorama político e econômico da Baixada

Fluminense. Optou-se por dividir o texto em dois subitens. No primeiro, será apresentado o

contexto político, as mudanças territoriais e as regiões consideradas nesta dissertação como

Baixada Fluminense. No segundo, serão analisadas as características da economia local,

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destacando suas atividades produtivas, e as características de sua dinâmica, em especial, a

produção de laranja, no século XX.

Na presente pesquisa, considera-se como Baixada Fluminense toda a região

pertencente ao antigo município de Iguassú e de Estrella. Na primeira metade do século XIX,

essas regiões eram compostas pelas freguesias de Nossa Senhora da Piedade do Inhomirim,

São João Batista do Meriti, Santo Antônio da Jacutinga, Nossa Senhora da Conceição de

Marapicú, Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora da Piedade do Iguassú e Nossa Senhora da

Guia de Pacopahyba. Todas essas freguesias, após a década de 1940, tornaram-se os

municípios de: Nova Iguaçu, Queimados, Japeri, Nilópolis, Mesquita, São João de Meriti,

Belford Roxo, Mesquita e Paracambi.

No contexto da província do Rio de Janeiro, após a metade do século XIX, o

município de Iguassú tornou-se um dos mais importantes entrepostos comerciais entre o Vale

do Paraíba e o porto do Rio de Janeiro. Era uma região rica em quantidade de rios navegáveis

e, ao longo dos principais rios, como Inhomirim e Estrela, havia portos por onde a produção

do café era levada em pequenos barcos até a Baía de Guanabara, para ser exportada.

De acordo com Waldick Pereira, o Barão de Mauá, em 1854, inaugurou a primeira

estrada de Ferro, que ligava o Porto de Mauá a Vila de Estrella. 118 Era um percurso ainda

pequeno, com apenas 14,5 Km. Contudo, a grande mudança econômica na região viria em

1858, quando a Estrada de Ferro Central do Brasil passou a cortar a região de Iguassú,

chegando ao município de Queimados, como hoje é conhecido. Posteriormente, a linha

atingiu a fazenda de Belém, atual Paracambi, recebendo as primeiras cargas de café de

Mendes, da Sacra Família e de Piraí. Em 1865, o trem havia chegado a Barra do Piraí,

Ipiranga, Vassouras, Desengano, Concórdia, Paraíba do Sul e Entre Rios. Naquela época, o

118 PEREIRA, Waldick. Cana, Café e Laranja: História econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro: FGV/SEEC, 1977. p. 53.

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trem já acumulava as funções de: transporte de passageiros e, principalmente, de condução da

produção do café para o porto do Rio de Janeiro.

Com o crescimento econômico promovido pelo trem, o município de Estrella, até

então separada politicamente de Iguassú, perdeu importância na região. Nesse ínterim, o rio

Inhomirim era o responsável pelo transporte de passageiros e de café nessa região; porém com

a linha férrea, houve aumento na capacidade e na velocidade da condução do café ao Rio de

Janeiro. De acordo com Pereira, o fim econômico da região veio quando a linha férrea Grão-

Pará chegou a Petrópolis e se estendeu até Areal. Em 1896, a freguesia de Estrella foi extinta

e anexada ao município de Iguassú. 119

Paralelamente à construção das estradas de ferro por toda a Baixada, dois outros

problemas contribuíram para crise econômica do final do século XIX. Aquela era uma região

caracterizada por grandes extensões de terras alagadiças e de brejos, isso contribuía na

proliferação rápida de doenças, o que foi o caso da antiga sede de Iguassú, Vila de Cava. Na

virada do século, essa região sofreu um surto de cólera-morbus e de malária, que impediu,

temporariamente, o tráfego de pessoas e de produtos pelos rios. Parte dos moradores se

mudou para a região, a qual começava a despontar economicamente nesse período,

Maxambomba.

Maxambomba, no início do século XX, estava crescendo economicamente, primeiro,

por causa da linha férrea que cortava o distrito e, segundo, pela produção de laranjas. Em

virtude desses fatos, de acordo com o decreto n.º 1.331 de 9 novembro de 1916,

Maxambomba foi elevada à sede do município e passou a se chamar Nova Iguaçu.120

119 PEREIRA, W. op. cit., p. 53. 120 No período estudado, entre 1888 a 1940, o nome do Município muda pelo menos três vezes. Para impedir futuras confusões entre termos, optou-se por utilizar, durante esta dissertação, apenas o nome atual, Município de Nova Iguaçu, para simbolizar a região da Baixada Fluminense, antes da divisão em pequenos municípios, ocorrido após a década de 50.

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A crise do café O final do século XIX, em Nova Iguaçu, é caracterizado pela decadência na produção

do café. Ao mesmo tempo em que o café ganhava importância econômica no Vale do Paraíba

na década de 1870, alguns fazendeiros davam início a essa plantação na Baixada Fluminense.

De acordo com Pereira, a produção de café não seguiu os moldes das áreas economicamente

mais importantes. Apesar da existência de latifúndios e da boa qualidade da terra, a produção

de café não substituiu completamente a da cana-de-açúcar, que estava presente em Nova

Iguaçu desde o século XVIII. Aliada a outros fatores como as doenças, a plantação de cana-

de-açúcar dessa região nunca ganhou grande destaque no Estado do Rio de Janeiro. Afinal, a

importância dessa região, economicamente falando, estava em seu papel de entreposto

comercial com o Rio de Janeiro.

Tanto no Vale do Paraíba quanto na produção do café no município de Nova Iguaçu e

de Estrella encontrava-se a utilização de mão-de-obra servil. Efetivamente, pouco se sabe

sobre a quantidade e o uso de cativos no cultivo de café na Baixada Fluminense. Em virtude

de ser um entreposto comercial, além da venda de café, os escravos também eram levados,

por esses caminhos, até as principais regiões de produção cafeeira do Vale do Paraíba. Não há

estatísticas que contabilizem ou que façam projeções sobre a quantidade de escravos que

ficaram na região. De fato, após a cessão do tráfico em 1850, tanto o Vale como a Baixada

sofrerem com a falta de mão-de-obra.

Até hoje não há estudos sistemáticos sobre os últimos anos de escravidão na Baixada

Fluminense. No entanto, a partir do censo de 1872 pode-se chegar a algumas características

importantes da população escrava na região. Somando os escravos existentes no Município de

Estrella e de Iguassú, chega-se ao total de 10.056, ou seja, correspondiam a 32% da população

em geral. No Município de Valença, o número de escravos era de 28.496, ou seja, 60,4% das

pessoas recenseadas. Mesmo a Baixada Fluminense concentrando um número bem menor de

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escravos em comparação a Valença, ainda assim a sua presença é bem expressiva nessa

região.

No final do século XIX, a quantidade de escravos existentes na região de Iguassú e de

Estrella decaiu rapidamente. De acordo com o “Quadro demonstrativo da população escrava

no Rio de Janeiro”, em 1873, apenas 6.964 escravos foram arrolados, ou seja, um decréscimo

de 30% na população cativa. 121 Já a região de Valença teve sua quantidade de escravos

diminuída em apenas 5%. Essa diferença aumenta drasticamente, em 1883, tanto para a

Baixada quanto para Valença; nesta foram contabilizados 5.296 cativos, enquanto naquela

foram 24.811. Ora, em relação ao censo de 1872, a população escrava decaiu 48,4% e 13%

respectivamente nestas duas regiões. A partir desses dados, ao contrário das regiões

produtoras de café do Vale do Paraíba, na Baixada Fluminense a escravidão, provavelmente,

não perdurou fortemente até seus últimos anos.

A falta de mão-de-obra servil, no final do século XIX, pode ter contribuído

substancialmente para o agravamento da crise de produção do café, na região da Baixada

Fluminense. No município de Nova Iguaçu, onde a concentração fundiária era maior, os

proprietários começaram a se desfazer de suas terras em virtude da grande desvalorização.

Iniciavam-se, dessa forma, os primeiros loteamentos de terras, as quais foram divididas em

pequenas chácaras no distrito Maxambomba e em seu entorno, criando um mercado

imobiliário de pequenas propriedades nunca antes visto. De acordo com Jorge Luís Rocha, no

período entre 1875 a 1899, a maior parte das transações de terras correspondia a propriedades

de até 150 hectares, ou seja, para a região de Nova Iguaçu, eram imóveis considerados

“pequenos” e “médios”. 122

121 PEREIRA, W. op. cit., p. 104. 122 ROCHA, Jorge Luís De quando dar os Anéis – A estrutura fundiária da Baixada Fluminense e suas transformações. Hidra de Igoassú, nº3, Abril/Maio/Junho de 2000. p. 30.

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A expressiva extensão de terras improdutivas e baratas no centro do Município de

Nova Iguaçu, nos primeiro anos do século XX, impulsionou investimentos de novas

produções em pequena escala. Neste ínterim crescia como nova oportunidade econômica na

região a produção da laranja.

A laranja De acordo com Pereira, a laranja era uma fruta plantada há muito tempo, no Rio de

Janeiro. Produzida em pequenas propriedades ou “chácaras”, na segunda metade do século

XIX, era vendida apenas para o mercado interno. Nesse período, São Gonçalo, ainda unido ao

Município de Niterói, ganhou destaque ao começar uma produção direcionada apenas a

mercados vizinhos ao município. Já no final do século, Tal produção ganhou força e teve a

sua primeira exportação, em 1886, chegando, primeiramente, aos mercados argentinos e, dois

anos depois, passando a ser comercializada em São Paulo. 123

Na virada do século, a produção de laranja se espalhou pelo Rio de Janeiro. Muitas

fazendas que haviam entrado em crise econômica, por causa das produções em larga escala do

café e da cana-de-açúcar, estavam abandonadas e/ou foram loteadas. Esse era um cenário

típico para o tipo de produção que a laranja exigia, ou seja, a de pequenas propriedades. As

regiões que despontavam economicamente no Estado na produção de laranjas, nesse período,

foram: São Gonçalo, Campo Grande, Bangu, Santa Cruz e Nova Iguaçu. Para além do Rio de

Janeiro, São Paulo também investiu na produção, obtendo uma maior produtividade por pé de

laranja em comparação aos municípios do Rio.

Com o advento da República, foram vários os setores que incentivaram a produção de

laranja em modelo agro-exportador no Brasil. A plantação de laranjais, nestes moldes, no

Estado do Rio de Janeiro e, especificamente, em Nova Iguaçu ganhou mais força com entrada

123 PEREIRA, W. op. cit., p. 114.

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de Nilo Peçanha no Governo. Ao assumir o governo estadual, ele passou a se dedicar ao

desenvolvimento de programas que visassem à recuperação econômica do estado.

Entrementes, conforme Marieta Ferreira, ele deixou de ser uma liderança representativa

apenas do setor açucareiro do município de Campos, e passou a contar com a sustentação

política de setores advindos de outras regiões, principalmente das áreas cafeeiras do Vale do

Paraíba. Apesar de estar ligado as esses setores, Peçanha apostava na diversificação da

agricultura como a principal saída para a crise pela qual passava o Estado. 124

Em 1909, Nilo Peçanha, ao assumir a presidência do país, colocou em prática seus

planos de incentivo à economia fluminense. No mesmo ano, estabeleceu isenção de direitos

aduaneiros sobre as frutas comercializadas entre Brasil e Argentina. Dessa forma, ampliava o

comércio entre os dois países, além de incentivar economicamente a produção de laranjas na

Baixada Fluminense.

Uma segunda característica de seu governo foi o investimento em saneamento básico

na região metropolitana do Rio de Janeiro. Embora da busca por soluções para tal questão ter

começado em 1894, o governo de Peçanha foi o que mais colaborou para o desenvolvimento

da região. 125 Seus esforços se concentraram nos locais tipicamente pantanosos da Baixada,

principalmente à beira dos rios Iguassú, Sarapuí, Inhomirim e Pilar. 126 Ainda que tivesse

governado o país por apenas um ano e meio, incentivou, de forma contundente, o crescimento

econômico dessa região. O dessecamento dessas áreas e o fim de várias doenças provenientes

desse tipo de terreno colaboraram na expansão da citricultura em Nova Iguaçu.

As fazendas, antes utilizadas para a produção de café e de cana-de-açúcar, que haviam

se tornado improdutivas, transformaram-se em laranjais. Com o loteamento de terras, na

124 FERREIRA, M. Em busca da Idade do Ouro: as elites fluminense na Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. p. 21 e 22. 125 O decreto n.º 128 de 10 de outubro de 1894 previa estudos para resolver o problema do saneamento. 126 VIANA, M. T. Nova Iguaçu: absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Nova Iguaçu, IBGE, 1962, p. 205, Apud PEREIRA, W. op. cit. p. 115.

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virada do século, a sede do município encontrava-se compartimentada em várias chácaras e

pequenos sítios. Desse modo, em 1920 a laranja começou a ser produzida em larga escala em

Nova Iguaçu e, em virtude da produção de laranjas, houve um crescimento econômico,

desencadeando a valorização das terras na região.

De acordo com o censo de 1920, Nova Iguaçu possuía uma extensão de terra

equivalente a 144.700 hectares dos quais 117.937 eram em estabelecimentos rurais, ou seja,

81,5% da extensão de terra estavam localizadas no meio rural. Eram, ao total, 280

propriedades, das quais 161 estavam sob controle dos proprietários, 18 em mãos de

administradores e 161 arrendadas. Em 1920, as propriedades que possuíam menos de 41

hectares somavam 213, porém a maior parte das terras ainda estava sob controle de uma

pequena parcela de proprietários (tabela 2.1). Ao analisar o tamanho das propriedades nota-se

que, nesse período, a expansão da pequena propriedade ajudou no impulso inicial da produção

de laranja. Proprietários antigos e novos investiram ou arrendaram suas terras para a produção

de laranja.

Tabela 2.1 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1920. Município de Nova Iguaçu. Tamanho (hectares) N.º de Propriedades Menos de 41 213 41 a 100 19 101 a 200 10 201 a 400 10 401 a 1000 11 1001 a 2000 10 2001 a + 7 Total 280

Fonte: Censo Agrícola de 1920.

Através do censo de 40, percebe-se que houve um aumento da quantidade de pequenas

propriedades. Em 1940, no auge da produção da laranja em Nova Iguaçu, somava-se 1.529

propriedades rurais que, dentre elas, 704 estavam sob controle dos proprietários, 302 sob os

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administradores e 523 sob arrendatários (Tabela 2.2). Nesse período, as propriedades com

menos de 50 hectares eram ao todo 1.470 (96%).

Tabela 2.2 – Total por tamanho das propriedades segundo o censo de 1940. Município de Nova Iguaçu. Tamanho (hectares) N.ºde Propriedades Menos de 50 1470 50 a 100 30 100 a 200 13 200 a 500 10 500 a 1000 4 1000 a 2500 3 2500 a + 1

Fonte: Censo de 1940.

A maior parte das plantações de laranjas se concentrou no distrito sede do Município

de Nova Iguaçu. Na tabela A.1 (anexo), é possível acompanhar a divisão territorial das

propriedades por distritos. Em 1932, a sede da região reuniu 83% dos laranjais. De acordo

com a Diretoria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, de 1927, eram, ao total, 104

propriedades produtoras na região e o valor de seus imóveis somava um total de

9.753.300$000. 127

Aparentemente esse período foi caracterizado por um grande comércio de pequenas

propriedades na região. Deveras, pouco se sabe sobre o mercado imobiliário, o valor das

propriedades e qual o perfil dos proprietários. Pode-se supor apenas que, com o crescimento

econômico da região sob a produção de laranjas, as propriedades se valorizavam.

Efetivamente, a compra da pequena propriedade ou o arrendamento da mesma não estava

acessível a todos, uma vez que somente pessoas que possuíam dinheiro suficiente poderiam

investir. 128 Dessa forma, possivelmente, ao longo desses anos, os fazendeiros mais ricos e

donos de mais de uma propriedade passaram a dominar a produção da laranja na região.

127 Diretoria de agricultura do Estado do Rio de Janeiro, 1927, apud PEREIRA, W. op. cit., p. 125. 128 PEREIRA, W. op. cit., p. 125.

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A produção da laranja, sob domínio de grandes empresas, conseguiu, entre as décadas

de 20 e 40, atingir números expressivos na exportação. De acordo com a tabela 2.4, pelo porto

do Rio de Janeiro, no período de 27 a 34, foram exportadas 10.674.135 caixas de laranjas que

somavam um valor no total de 218.590.586$800. 129 Em 1928, o Estado de São Paulo

contribuiu com a exportação de 205.379 caixas e o Distrito Federal, 432.738. Em 1934 o

Brasil como um todo exportou 2.631.827 caixas e dois anos mais tarde chegou ao número de

5.487.043. 130

A participação do Município de Nova Iguaçu na exportação de caixas de laranjas, após

a década 30, ganhou mais destaque em relação a outras regiões. Em 1931, a exportação pelo

porto do Rio de Janeiro chegou a um total de 1.236.453 caixas de laranjas, das quais Nova

Iguaçu colaborou com 687.900.131 Em 1938, somente este município exportou 2.111.618

caixas de laranja, destacando-se como maior produtor nacional. 132

Em 1940, a produção havia chegado ao seu auge. De acordo com o censo do mesmo

ano, os estabelecimentos rurais, declarados como produtores de laranja, chegaram ao número

de 1.398, em um total de 1529 propriedades. Iso significa dizer que 92% das propriedades

localizadas no Município de Nova Iguaçu estavam direcionados à produção de laranja.

Arranjos de trabalho na laranja Em virtude do crescimento econômico da laranja, na região da Baixada Fluminense,

houve uma necessidade cada vez maior de mão-de-obra. Os trabalhadores eram empregados

129 PEREIRA, W. op. cit., p. 123. 130 Ibid., p. 123. 131 Idem. 132 SOUZA, Sonali Maria Da Laranja Ao Lote: Transformações sociais em Nova Iguaçu. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992. p. 58-59.

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na plantação e na colheita da laranja. Deveras, a produção da laranja impulsionou o

surgimento de novos arranjos de trabalhos ligados direta ou indiretamente a ela.

Por causa da necessidade de capital, para iniciar a plantação, a participação na

produção de laranjas não estava acessível a todos. O plantio era feito em pequenas e médias

propriedades, chamadas chácaras, e, na maior parte dos casos, o acesso a elas se dava pelo

arrendamento. Esse foi o momento em que a figura do “Chacreiro” surgiu; na maior parte,

esta era formada por imigrantes europeus, com destaque para os portugueses. Há que se

diferenciar dois tipos de “chacreiros”: o primeiro, era de grande porte, ou seja, controlava uma

grande extensão de terras e possuía um número significativo de trabalhadores; e, em segundo,

havia os pequenos “chacreiros” que contavam apenas com o trabalho doméstico para

produzir. 133

Os arranjos de trabalho foram se diversificando graças à necessidade de ampliar a

produção. Nesse sentido os “chacreiros” procuraram empregar a parceria, a meação,

trabalhos assalariados, temporários e permanentes. De acordo com Sonali Maria Souza, entre

os parceiros, era possível encontrar a presença de portugueses, como também de mineiros e

fluminenses. Contudo, essa não era a forma de trabalho mais largamente utilizada. Parece

acertado que a meação, os trabalhos assalariados e os contratos por empreitada foram as

formas de trabalho mais largamente encontradas. 134

No início da produção de laranja, muito se utilizou, como mão-de-obra principal, o

trabalhador temporário. Os catadores e apanhadores de laranja ocupavam uma posição de

menor prestígio dentro da hierarquia de produção. 135 A eles, não era permitida a construção

de casas e/ou pequenas plantações na propriedade. Eram convocados duas vezes por ano, para

a capina e para a colheita, ou seja, um trabalho tipicamente sazonal.

133 SOUZA, S. op. cit., p. 61. 134 Idem. 135 Ibid., p. 66.

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Porém, com o passar dos anos, o beneficiamento da laranja trouxe uma diversificação

dos arranjos de trabalho, ampliando sua oferta. Sob o controle do presidente da República,

Washington Luis, mais precisamente do Ministério de Agricultura, foram instaladas em Nova

Iguaçu máquinas para o beneficiamento da laranja. Em 1931, havia no município 13 packing

houses, divididas em: cinco na sede, cinco em Morro Agudo, três em Austin e Cabuçú. 136

Nas casas de embalagem, eram selecionadas as frutas pelo tamanho e padronizadas

para serem comercializados. Durante esse processo, era feita a “lavagem, brunimento,

embrulho em papel de seda e encaixotamento”. 137 Nessas caixas, podia-se alocar até 250

frutos e nelas eram impressas a marca do produtor e o local de origem.

De 1931 a 1935, o número de packing houses em Nova Iguaçu passou de 13 para 24.

138 Nesses barracões empregavam-se cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres. Para

além desses, os serviços secundários da produção de laranja empregavam ainda mais

trabalhadores. Como exemplo de locais onde havia uma diversificação de arranjos de trabalho

os barracões especializados em produzir as caixas onde eram colocados os frutos.

Conseqüentemente, entre as décadas de 20 e 40 pôde-se acompanhar um crescimento

populacional expressivo para o município de Nova Iguaçu.

2.2 Descendentes de libertos nascidos no pós-abolição

O objetivo desta parte será o de traçar as experiências de migração que tiveram por

destino, temporário ou definitivo, a Baixada Fluminense, no período do pós-abolição. Trata-se

de acompanhar a configuração demográfica e as histórias de vida dos descendentes de libertos

que migraram entre as décadas de 20 e de 40 em busca de novos arranjos de trabalho. Serão

136 PEREIRA, W. op. cit., p. 140. 137 SOUZA, S. op. cit., p. 58. 138 PEREIRA, W. op. cit., p. 141.

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selecionadas as entrevistas coletadas no Vale do Paraíba e na Baixada Fluminense e os

recenseamentos do IBGE de 1920 e 1940, como fontes de pesquisa. Esta parte está divida nos

seguintes temas: o crescimento da população, as motivações da migração, o crescimento

econômico da laranja e suas conseqüências, os novos arranjos de trabalho, crescimento

urbano, a estabilização familiar e a localização das moradias.

***

No capítulo anterior, nas entrevistas depositadas no projeto “Memórias do Cativeiro”,

foi possível perceber menções a passagens de familiares pela Baixada Fluminense. Para

alcançar as experiências dos filhos de Vô Dionísio, serão analisadas as entrevistas realizadas

com seus netos: Manoel Seabra, Zeferina do Nascimento e Florentina Seabra. A partir delas,

pode-se construir uma trajetória vista pelos parentes que não migraram.

A quebra da unidade familiar, durante esse período, foi presente na memória de quem

fica. Nos depoimentos dos netos de Vô Dionísio, moradores da Fazenda São José da Serra em

Valença, ficou marcada a saída dos tios e do avô ainda quando os entrevistados eram muito

jovens, com cerca de dez a doze anos. De acordo com uma primeira análise dessas entrevistas

é lícito supor que, na década de 1920, foram em direção à região da Baixada Fluminense

buscar trabalho, visto que, no Vale do Paraíba a entrada do gado e de outras produções, que

exigiam uma menor quantidade de trabalhadores, havia ganhado espaço. Nos primeiros anos,

os filhos migrados de Vô Dionísio retornavam à casa dos pais. Passavam distantes, por um

período, mas posteriormente, voltavam com dinheiro para continuar ajudando na economia

familiar, demonstrando que, aparentemente, viviam uma migração sazonal.

Apesar das idas e vindas, possivelmente essas famílias mantiveram contatos com seus

familiares, porém, com a estabilização ao longo dos anos, houve uma quebra familiar

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definitiva. Zeferina conta que o Tio Manoel, filho mais velho de Vô Dionísio, aos poucos

levou seus irmãos mais velhos, Joventino, Sebastião e Hermenegildo para Nova Iguaçu.

Manoel havia comprado um terreno grande em Cabuçú, onde conseguiu alocar todos os

familiares que decidiram sair da Fazenda São José da Serra. Os irmãos homens e mais velhos

começaram a deixar o Vale para morar com os tios na Baixada e ali trabalhar.

História muito semelhante ocorreu com o irmão de Izaquiel Inácio, morador de

Paraíba do Sul, entrevistado por Ana Rios. Seu irmão, Ormindo, filho de ex-escravo, entre as

décadas de 20 e 30, conseguiu um trabalho na empresa de energia elétrica, a Light. 139 De

acordo com a entrevista, Ormindo foi transferido por volta de 1935 para Queimados, onde

trabalhou até se aposentar. Nesse local, comprou um terreno e construiu uma casa de bom

tamanho. Ali passou a receber os parentes que também desejavam sair do Vale do Paraíba,

tanto que, em 1938, Seu Izaquiel morou com o irmão nessa casa, porém desistiu e voltou para

o Vale.

Nas entrevistas, notou-se que essa migração iniciou-se ainda nas primeiras décadas do

século XX e, através dos censos, é possível supor a existência desse movimento. Apesar dos

problemas inerentes aos censos, citados no capítulo anterior, grosso modo, entre os censos de

1872 e de 1920 a população da Baixada Fluminense variou muito pouco. 140 No primeiro

recenseamento, a população chegou ao total de 31.251, o que não mudou drasticamente para o

segundo, que já contabilizava 33.396 pessoas (tabela 1.1). Esse foi o período caracterizado

pela crise econômica da região promovida pelo colapso da produção de café e da cana-de-

açúcar. A partir da década de 1920, com crescimento considerável da produção de laranja,

houve um aumento da população no Município de Nova Iguaçu (figura 2.1). De 33.396

139 Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC. 140 Em 1872 optou-se por somar o município de Estrela com o Município de Iguassú, que anos mais tarde, ao juntar-se, se tornariam o município de Nova Iguaçu.

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pessoas recenseadas, em 1920, esse número salta para 140.606 no censo de 1940, ou seja, um

crescimento de mais de 400%. 141

Figura 2.1 – Crescimento populacional da Baixada Fluminense de acordo com os censos. Município de Nova Iguaçu.

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

160000

1872 1890 1920 1940

Fonte: Censos de 1872, 1890, 1920 e 1940.

Ao minudenciar as características dessa população, por faixa etária e sexo, um quadro

interessante é apresentado. Em virtude da falta de dados complementares da população, esses

censos demonstram tendências que serão utilizadas na argumentação. No que concerne à faixa

etária da população, nas décadas de 20 e de 40, os números são muito próximos. No primeiro

censo, ao fazer cálculos para chegar à população jovem, que estava na idade próxima a do

trabalho, chega-se aos seguintes números: entre 10 e 29 anos, há 13.099 pessoas do total de

33.396, ou seja, 38% da população; já no censo de 1940, essa faixa etária da população

141 Para o município de Nova Iguaçu não há, nesse período, qualquer estatística referente à taxa de natalidade, de mortalidade e de crescimento vegetativo.

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cresceu para 53.513, em um total de 140.606 recenseadas, ou seja, proporcionalmente também

38% da população (tabela 2.3).

Tabela 2.3 - Faixa etária da população recenseada residente na Baixada. Município de Iguassú e de Estrella.

1890 1920 1940 Faixa Etária Total Faixa Etária Total Faixa Etária Total 0 a 9 7177 0 a 9 9036 0 a 9 40423 10 a 19 5640 10 a 14 3767 10 a 19 29481 20 a 29 4542 15 a 20 4105 20 a 29 24032 30 a 39 3215 21 a 29 5227 30 a 39 19815 40 a 49 2678 30 a 39 4507 40 a 49 13730 50 a 59 1720 40 a 49 3265 50 a 59 7838 60 a 69 1214 50 a 59 1850 60 a 69 3480 70 a 79 521 60 a 69 1024 70 a 79 1128 80 e + 251 70 a 79 350 80 e + 493 80 a + 169

Fonte: Censos de 1890, 1920 e 1940.

No recenseamento de 20, é possível observar uma diferença entre os sexos (tabela

2.4). Dentre as 33.396 pessoas neste censo, 17.707 são homens, ou seja, 53% da população.

Por outro lado, em 1940, essa diferença aparenta estar mais equilibrada, constando quase 50%

de cada lado. Analisando a faixa etária por sexo, chega-se a outros números. Em 1920, os

homens entre 10 e 29 anos são 6.809; logo, 38% da população masculina de Nova Iguaçu está

nesta faixa etária. Número semelhante encontra-se em 1940, visto que entre as 53.513 pessoas

recenseadas entre 10 e 29 anos, 26.748 são homens, ou seja, 37,2%.

Tabela 2.4 - Total de Homens e Mulheres recenseadas. Município de Nova Iguaçu.

Fonte: Censos de 1920 e 1940.

Com a retomada do crescimento econômico, a partir das primeiras décadas do século

XX, essa região começou a concentrar uma população que, provavelmente, estava em busca

1920 1940 Porcentagem Total Porcentagem Total Homens 53% 17707 51% 71855 Mulheres 47% 15689 49% 68751 Total 33396 140606

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de trabalho. Em 1920, a porcentagem maior de homens, entre as faixas etárias de 10 a 29

anos, pode demonstrar a presença de trabalhadores nesta região. Por ser um período de

crescimento e de montagem da produção da laranja, havia a necessidade de muita mão-de-

obra. Ora, por conta dos problemas inerentes aos censos demográficos, não se sabe onde os

migrantes sazonais foram recenseados, na Baixada ou em sua região de origem.

O mais interessante é que a oferta de mão-de-obra nessa faixa etária se manteve ao

longo dos anos. Na década de 40, aparentemente, houve um maior equilíbrio entre os sexos. A

partir disso, pode-se supor que essa mão-de-obra migrada, entre os anos de 1920 e 1930,

começava a se estabilizar no Município de Nova Iguaçu. Deveras, tanto em 1920 quanto em

1940 a porcentagem de homens na faixa etária, entre 10 e 29 anos proporcionalmente,

continuou a mesma: 38%. Esse número, supostamente estável, de pessoas em idade de

trabalho pode ter ajudado no desenvolvimento da produção de laranja e dos setores

secundários ligados a ela, o que conseqüentemente elevou ainda mais o seu crescimento,

atraindo novos trabalhadores.

Motivações para migrar: laranja, trabalho e terra.

Durante a as décadas de 20 a 40, o crescimento econômico da laranja parece ter

motivado a migração de uma população considerável para a região da atual Baixada

Fluminense. Esse foi o caso dos filhos de Vô Dionísio. Dona Zeferina conta que seus tios

saíram da fazenda Empreitada, quando ela ainda era criança, e foram em direção às plantações

de laranja em Nova Iguaçu. Após alguns anos de idas e vindas, os tios de Zeferina buscaram

todos os sobrinhos para trabalhar na Baixada. Em sua entrevista, conta que todos trabalharam

durante muitos anos nos barracões de laranja.

A primeira hipótese deste projeto de pesquisa versava sobre a atração que a produção

da laranja promoveu sobre a população de pretos e pardos do Vale do Paraíba. Em virtude do

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crescimento da produção de laranja, exigiu-se cada vez mais mão-de-obra. Paralelamente,

nesse mesmo período, o Vale do Paraíba intensificou a produção de gado e de outros produtos

que dispensavam trabalhadores. Durante a pesquisa partiu-se da premissa de que uma boa

parte dos filhos de libertos, nascidos no período do pós-abolição, havia abandonado as

fazendas de café para trabalhar nas chácaras de laranja, na Baixada Fluminense.

Efetivamente, ao longo da pesquisa, pôde-se constatar a existência de histórias de

migração para o município de Nova Iguaçu, que não citavam a laranja como atrativo. Como já

mencionado no capítulo anterior, Seu Ormindo, irmão de Izaquiel Inácio e morador de Paraíba

do Sul, ao longo da adolescência conseguiu emprego na Light e foi obrigado a se transferir

para Belford Roxo. 142 Porém, no caso de Seu Manoel, pai da entrevistada Dona Nilza –

moradora de Mesquita - ele foi empregado da Estrada de Ferro Central do Brasil em Valença

e também foi transferido para o Município de Nova Iguaçu, mais precisamente para o distrito

de Morro Agudo. 143

Essas duas histórias possuem uma relação muito próxima, visto que a criação de

empregos e a transferência para a Baixada estão ligadas diretamente ao crescimento urbano da

região. A produção da laranja havia se concentrado no distrito-sede e nas proximidades,

aumentando o valor das propriedades o que, provavelmente, dificultou a estabilização da

população mais pobre nessa região. Para se ter um parâmetro, nos distritos mais distantes

como São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias não houve essa valorização. Essas

regiões apresentaram um loteamento precoce, já que suas terras não valorizaram com as áreas

de laranjais. Com propriedades mais baratas, supostamente, uma parte da população pôde se

instalar nessas regiões, onde, consequentemente, houve um crescimento urbano em

proporções significativas.

142 Entrevista: Izaquiel Inácio, 1994, MC. 143 Entrevista: Dona Nilza, 2008, AP.

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De acordo com Pereira, a partir da década de 30 o crescimento urbano de Nova Iguaçu

acelerou, até então, não desmembrado em vários municípios. Para ele, isso foi impulsionado

pelos seguintes fatos: construção de 14 novas estradas, ligando as áreas produtoras de laranja

à sede do Município; introdução da indústria secundária da citricultura; construção do

Hospital; instalação dos primeiros bancos; e instalação das primeiras indústrias, ao total de 19

em 1930.

Entre as décadas de 30 e 40, a população mais pobre começou a se concentrar nas

regiões onde a terra era mais barata, ou seja, nos distritos ao derredor de onde era produzida a

laranja. O crescimento urbano foi impulsionado concomitantemente pelas obras federais de

saneamento básico, na década de 30, as quais extinguiram boa parte dos brejos,

transformando-os em propriedades. 144 Da mesma forma, a população começou a se

concentrar perto das estações de trem que, a partir de 1935, foram eletrificadas. 145 No trecho

da entrevista abaixo, é possível perceber que os irmãos de Senhor Cornélio Cansino, nascidos

em Juiz de Fora, naquele período, migraram para Baixada e por lá se espalharam.

Ah, todos eles casaram, aquele negócio muito sacrifício, depois que eles foram para o Rio é que melhorou. Ó, eu tenho um irmão que mora lá em Nova Iguaçu. Dois, tem a Teteca, Teteca lá em São José, mas a filha dele mora lá no Rio de Janeiro, na casa dela, em Nova Iguaçu, num lugar chamado K-11. O Tininho também. O Antônio mora lá numa casa própria no Rio, em Nova Iguaçu. Esse Ângelo que morreu tem uma casa lá também, lá em Engenheiro Pedreira, onde aconteceu esse desastre poucos dias aí, né. Tinha uma casa muito boa. Ele trabalhava de pedreiro. E o Sebastião, esse morava em Nova Iguaçu também, pegado ao meu irmão mesmo. Esse Sebastião que morreu. E a Alice, a Nice trovoada era filha da falecida tia Eulália, essa que também morou pegada ao meu irmão, casou em São José e depois foi embora. Depois que acabou as fazendas, depois de 1900 e poucos pra cá, as fazendas acabou, veio todo mundo embora.

146 Assim como os irmãos de Seu Cornélio, o cunhado de Dona Júlia, moradora de Paraíba do

Sul, comprou um pequeno terreno em Japeri e para lá levou sua irmã e seus sobrinhos. Nessa

144 SOUZA, S. op. cit., p. 67. 145 ABREU, Maurício O espaço em Movimento: do urbano ao metropolitano. In: Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLAN/Jorge Zahar, 1987, p. 107 apud SOUZA, S. op. cit., p. 67. 146 Entrevista: Cornélio Cansino, 1995, MC

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propriedade, ele plantava e vendia os produtos nas feiras próximas. 147 Caso semelhante foi o

do tio de Dona Yvone, moradora de Mesquita. Seu Horácio vendeu seu lote em Vassouras

para comprar uma pequena rocinha em Nilópolis. 148

Contraditoriamente, nada parece ter colaborado mais para a estabilização familiar do

que a crise da laranja. Pereira apontou que o declínio da produção, no Município de Nova

Iguaçu iniciou-se por volta de 1926. Assinalou a praga da “mosca do mediterrâneo” como

uma das causas da extinção da lavoura. Uma vez que as tentativas para eliminá-la foram em

vão, esta persistiu até os últimos dias da produção de cítricos. Para além das pragas, o início

da Segunda Guerra Mundial também contribuiu para a crise. Os mercados europeus,

principais compradores da produção, fecharam-se por causa da guerra instaurada. Devido à

paralisação das navegações de comércio, em 1939, as laranjas ficaram estocadas nos portos

apodrecendo e, como conseqüência, a produção declinou acentuadamente. 149

Para evitar uma crise prolongada, muitos proprietários começaram um processo de

loteamento das terras. De acordo com Pereira, entre 1926 e 1945, foi registrado um total de 21

loteamentos e de 31 desmembramentos de propriedades na Baixada Fluminense. 150

A partir dos dados apresentados, é possível supor que, na década 1920, foram poucas

as oportunidades de estabilidade na região. Naquele período, o trabalho era basicamente

sazonal, ou seja, os trabalhadores retornavam aos seus locais de origem. Isso significa que, à

priori, a saída dos filhos do Vale do Paraíba, nas primeiras décadas do século XX, em busca

de trabalho, pode ter reforçado e/ou mantido, mesmo que precariamente, a comunidade de

origem.

147 Entrevista: Dona Julia, 1994, MC. 148 Entrevista: Dona Yvone, 2006, AP. 149 PEREIRA, W. op. cit., p. 144. 150 Ibid., p. 146.

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Na década de 30, a partir dos relatos, parece acertado que esse foi o momento de início

da estabilização na Baixada Fluminense. Esse processo foi muito semelhante ao encontrado

por Thomas Holt para a Jamaica, no qual os libertos e seus descendentes buscaram comprar

propriedades produtivas que pudessem aliar roça de subsistência com venda de produtos nos

mercados locais, e trabalho assalariado nas grandes fazendas. 151 Essas pequenas propriedades

estavam localizadas ao redor dos grandes centros empregadores.

Ora, em nenhuma das entrevistas pesquisadas houve menções sobre a compra ou posse

de propriedades, por parte dos descendentes de libertos, onde existia plantação de laranja.

Pelo contrário, quando nos depoimentos, aqui citados, há alusões sobre a compra e/ou posse

de terrenos, estes se localizavam ao redor da sede produtora de laranja. Na época, antes do

desmembramento, eram os distritos de: Japeri, Nilópolis, Caxias, Caonze, Cabuçú,

Queimados, Belford Roxo, Engenheiro Pedreira, entre outros. Até os dias de hoje, são

considerados bairros extremamente pobres em relação à sede de Nova Iguaçu.

Deveras, somente nos casos dos netos de Vô Dionísio há menção da migração por

causa da laranja. Nas outras entrevistas, como no caso de Seu Cornélio e de Dona Nilza, seus

parentes migraram para a Baixada, a fim de trabalhar em locais diretamente ligados à

expansão urbana, por exemplo, a Empresa de energia elétrica e a Estrada de Ferro Central do

Brasil.

Sendo assim, é lícito supor que, através das entrevistas e dos censos, é possível

perceber a estabilização das famílias de libertos e de seus descendentes se incrementando e,

ao que parece, finalizando a migração, na década de 40. Ainda assim, poucas questões foram

discutidas, em específico, no que tange às características familiares desse grupo na Baixada

Fluminense. Para tanto, buscou-se utilizar os registros civis de nascimentos de Nova Iguaçu,

151 Uma melhor discussão sobre a estabilização será feita, a partir dos registros civis, na parte 3 deste capítulo.

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com o objetivo de acompanhar a formação e estabilização familiar dos descendentes de

libertos.

2.3 A família de ex-escravos e de seus descendentes 1888-1940 O objetivo desta última parte é o de acompanhar a formação das famílias de ex-

escravos e de seus descendentes no Município de Nova Iguaçu. Para tanto, serão utilizados os

dados obtidos da pesquisa realizada no registro civil de nascimentos encontrado neste

município.

No mesmo ano de abertura do Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais da 1ª

Circunscrição de Nova Iguaçu, 1889, mais dois cartórios de registro civil passaram a

funcionar neste município, nos distritos de São João de Meriti e de Vila de Cava. Aqui, optou-

se por focalizar o cartório de Nova Iguaçu, pois, como visto na segunda parte deste capítulo,

essa região concentrou a maior parte da população, entre os anos de 1920 e 1940, e se tornou

um importante centro econômico no Estado. Além disso, tal cartório abrangia os distritos que

hoje são os municípios desmembrados de Nova Iguaçu como: Queimados, Belford Roxo,

Mesquita, Japeri, Duque de Caxias, Nilópolis e Paracambi

Buscou-se analisar o período que vai de 1888 a 1940, ou seja, os anos que vão da

abolição ao censo de 1940. Em virtude da quantidade expressiva de registros, selecionou-se os

anos de cinco de cinco, são eles: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934

e 1939. 152 Esses registros pouco mudaram, ao longo do tempo, o que possibilitou o uso de

quase todas as categorias em todos os anos.

Para se chegar às famílias de ex-escravos e de seus descendentes, nesta parte, serão

usados somente os assentos de crianças nascidas no ano de seu registro. Isso porque, nos 152 Como já explicado no capítulo anterior, os registros efetivamente só passaram a ser feitos a partir de 1889.

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últimos anos, mais precisamente em 1934 e 1939, a quantidade de registros tardios e de

pessoas se auto-registrando na idade adulta cresceu consideravelmente. 153

Dessa forma, busca-se construir as características da família ex-escrava em dois

momentos bem específicos de sua trajetória. No primeiro corte de análise, selecionou-se os

anos que vão de 1889 a 1919; e, neste período, serão encontradas basicamente as famílias de

ex-escravos das antigas fazendas do Município de Nova Iguaçu. Apesar de não ser o tema

principal desta dissertação, é muito importante traçar as principais características dessas

famílias para poder comparar e diferenciar das que migraram após 1920. Além disso, esta

parte poderá trazer subsídios para pesquisas posteriores sobre as famílias de ex-escravos das

antigas fazendas da Baixada Fluminense.

No segundo corte, serão analisados os anos entre 1924 e 1939. Tal período é de suma

importância para a pesquisa, visto que, como já estudado na parte 1 deste capítulo, entre esses

anos, no Município de Nova Iguaçu, ocorreu um crescimento econômico significativo em

virtude da produção de laranjas. Conseqüentemente, estes elementos levaram a uma migração

sistemática para a região. Portanto, busca-se mostrar de que forma foi constituída a

estabilização das crianças registradas como pretas e pardas, nascidas fora da Baixada, em

especial, provindas do Vale do Paraíba.

2.3.1 Os registros civis de crianças

Apesar de não ser procurado por todos, a quantidade de registro de nascimento em

todo o período pesquisado surpreende. Nos anos selecionados, entre 1889 e 1939, no registro

civil de Nova Iguaçu, contabiliza-se um total de 5.897 nascimentos de crianças (tabela 2.5).

Dentre estes registros, 2.908 (49%) são de crianças brancas, 2.631 (45%) de pretas e pardas e

153 Os registros tardios será o tema de nosso capítulo 3.

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xcvii

142 (2%) de crianças de outras cores. 154 Dentre todos esses anos, a cor não foi informada em

apenas 4% dos registros.

Tabela 2.5 - Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras Cores Não Informada Pretas e Pardas Total 1889 19 171 47 237 1894 118 1 204 323 1899 86 29 5 112 232 1904 58 24 5 48 135 1909 96 34 3 92 225 1914 72 39 3 73 187 1919 212 2 6 188 408 1924 352 13 3 274 642 1929 469 10 342 821 1934 636 1 7 435 1079 1939 790 2 816 1608 Total 2908 142 216 2631 5897

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. Livros número 1, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 19, 24, 25, 34, 35, 36, 47, 48, 39, 50, 58, 59, 60 e 61. Anos: 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

Na figura 2.2, é possível acompanhar a quantidade de registros de crianças por ano, no

cartório. Nos anos de 1889 e de 1894, aparentemente, houve um crescimento pela busca do

registro de nascimento, em Nova Iguaçu, no total de 560 registros. Isso evidencia que as

famílias procuraram legitimar sua situação logo após a abolição. 155 Deveras, entre as

crianças, nesses dois anos 251 (45%), foram registradas como pardas e pretas, diferentemente

das brancas, apenas 137 (24%). 156

Entre 1889 e 1914, a média de registros por ano manteve-se praticamente a mesma.

Tal número só seria superado após o 1914. A partir do mencionado ano, a quantidade de

registros de crianças aumentou significativamente. Se, em 1914, foram registradas 187

crianças, no ano de 1939, esse número chegou a 1.608.

154 Nesta categoria, encontram-se as seguintes cores: morena, fula e clara. Em virtude da pequena quantidade de registros por ano com essas cores, optou-se por agregá-las em apenas uma categoria: outras cores. 155 Este argumento será mais bem discutido no decorrer do texto. 156 Para uma maior apreensão desta discussão, ver capítulo 1 da presente dissertação.

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xcviii

Figura 2.2 – Total de crianças registradas no ano de seu nascimento. Município de Nova Iguaçu.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939

Fonte: Vide Tabela 2.7.

Dividindo esses registros na categoria “cor”, vê-se uma grande presença dos pardos e

pretos no registro civil (figura 2.3). Nos três primeiros anos selecionados, eles representam a

maioria dos registros; já no ano de 1914, a quantidade de registros de crianças pretas e pardas

e de brancas praticamente se igualam: 39% cada. A partir daí, o número de registro de

crianças pretas e pardas ultrapassam, aos poucos, a quantidade de brancos, chegando, em

1939, a totalizar 50,5% dos registros. Baseado nesse dado, é válida a hipótese de que pode ter

aumentado a quantidade de pretos e pardos, na população em geral, ou esse grupo passou a ter

mais acesso ao registro civil de seus filhos.

Estes dados são bem diferentes dos apresentados por Rios em sua dissertação. 157 Em

sua pesquisa, que abarcou os anos de 1889 a 1920, apenas no primeiro ano do registro civil de

Inconfidência, em Paraíba do Sul, havia informações completas. Dessa forma, ela restringiu

sua análise aos primeiros anos do pós-abolição e buscou complementá-la qualitativamente

com os registros de óbitos. De forma a compreender tal processo na Baixada, buscar-se-á

157 RIOS, A. op. cit., 1990.

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xcix

traçar uma comparação entre os registros civis de nascimento de Paraíba do Sul e de Nova

Iguaçu no imediato pós-abolição.

Figura 2.3 – Total de crianças registradas em ano de seu nascimento por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939

Branca

Outras Cores

Não Informada

Pretos e Pardos

Fonte: Vide Tabela 2.7.

2.3.2 1889, o imediato pós-abolição

No primeiro ano de funcionamento do Cartório de registro civil de nascimentos em

Nova Iguaçu, foram registradas 237 crianças. Desse total, foram encontrados 171 registros

sem menção a cor. Diferentemente dos registros dos anos posteriores, no mencionado ano, a

categoria “cor” só passou a ser registrada do dia 18 de setembro em diante. 158 Assim foi

colocado no primeiro registro:

158 Em virtude da autorização para digitalização do arquivo, o Desembargador Dr. Murilo exigiu que não fossem publicados os nomes e sobrenomes dos registros. Aqui irar-se identificar pelas iniciais.

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c

[...] compareceu neste cartório J.L.G. na presença das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas e declarou que ontem na Rua de Madureira, nesta Freguesia nasceu uma criança do sexo masculino de cor preta filho legítimo dele declarante e de sua mulher M.C.O. naturais desta Paróquia e de moradia nesta freguesia [...]. 159

Logo, após a inscrição da categoria “cor”, as crianças pretas e pardas puderam ser

encontradas. Ao total, foram 47 (19%) registros, enquanto o de crianças brancas estava em

apenas 19 (8%) (tabela 2.6). Apesar das crianças pretas e pardas estarem em um número

significativo, no primeiro ano do registro, ainda sim era um número muito pequeno em

relação ao total de nascimentos do ano de 1889. Apesar dos poucos registros que indicavam

cor, tentar-se-á, a partir deles, demonstrar algumas características, do mencionado grupo, logo

após a abolição.

Tabela 2.6 – Total e Porcentagem dos registros civis de nascimentos em 1889 por cor. Município de Nova

Iguaçu. Porcentagem Total Branca 8% 19 Não Informada 72% 171 Pardos e Pretos 19% 47 Total geral 237

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1889.

Ao analisar as famílias das crianças registradas como pretas e pardas, um quadro

interessante é apresentado. Das 47 crianças registradas, 34 (72%) são filhas de mães solteiras.

Apenas em 11 casos, há a presença de famílias nucleares completas e somente em um caso, as

partes demonstram o interesse em se casar (tabela 2.7). 160

159 Livro 1, registro 159, 1889. Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu. 160 Optou-se por utilizar as seguintes terminologias para o estudo das famílias: Família nuclear, extensa e ampliada. Por família nuclear, entende-se toda aquela formada somente por pai, mãe e filhos. A família extensa é composta por familiares fora do núcleo, como avós, tios, primos, entre outros. Família ampliada é toda aquela que está circunscrita em uma comunidade que agrega pessoas do convívio social, sem qualquer relação parental.

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ci

Tabela 2.7 - Situação conjugal dos pais nos registros civis de nascimentos. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e Pretas Total geral Casados 8 67 12 87 Não Informado 2 2 Solteiros 6 94 34 134 Vão se Casar 5 8 1 14 Total geral 19 171 47 237

Fonte: Vide Tabela 2.6.

Ao contrário dos dados obtidos na presente pesquisa, Rios encontrou, para o Vale do

Paraíba, um número significativo de famílias nucleares completas entre as crianças pretas e

pardas. Dentre as 230 crianças registradas nessa cor, 41% eram filhas de pais casados, 29%

tinham a intenção de casar e somente em 21% o pai esteve ausente. 161 Deveras, a partir dos

dados obtidos em Nova Iguaçu em 1889, deve-se repensar sobre a existência de outras

características que permitiam a formação de famílias nucleares completas no Vale e não na

Baixada.

Ao minudenciar as profissões do pai das crianças registradas como pretas e pardas, os

números tendem a continuar a afastar-se dos de Ana Rios. Para o ano de 1889, no registro

civil de Paraíba do Sul, não há uma grande diversificação nas categorias de trabalho,

aparecendo, quase sempre, em maior quantidade o lavrador e o jornaleiro. De acordo com

Rios, o termo “lavrador” é, na maioria das vezes, “associado a pessoas encarregadas de

algum empreendimento agrícola próprio, em terras próprias ou alheias.” 162 No município de

Nova Iguaçu dentre os 11 registros onde o pai é nomeado, 9 estavam na lavoura e 2

encontravam-se empregados como jornaleiros, sendo todos casados. Ainda preliminarmente,

diante da ausência paterna nas unidades familiares, pode-se concluir que os mesmos

formaram famílias nucleares incompletas.

161 RIOS, A. op. cit., p. 82. 162 Idem.

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cii

Com a falta da figura do pai nos registros, chamou atenção a profissão das mães

casadas e quantidade de mães solteiras, ambas na lavoura. Dentre os onze casamentos, nos

quais o registro do pai estava completo, em 10, há informações sobre as mães. Cruzando tais

informações com as profissões, percebe-se que as mulheres casadas estão na lavoura,

provavelmente, em trabalho familiar. Em contrapartida, os registros onde as mães estão

presentes no meio doméstico são ínfimos. Entre as casadas, não existe qualquer menção a

profissão doméstica, e entre as solteiras sete classificaram-se como tal. Efetivamente, entre as

mães solteiras o número mais perceptível é a presença na lavoura. Dentre os 47 registros, 27

são de mães solteiras de crianças pretas e pardas que foram registradas como atuando nessa

profissão. Esse foi o caso de L. M. S. que foi registrada da seguinte forma:

Aos catorze dias do mês de dezembro do ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e nove, neste Distrito de Paz, Paróquia de Santo Antonio da Jacutinga, Município de Iguassú, Estado do Rio de Janeiro, comparecer neste cartório, J. N. em presença das testemunhas abaixo denominadas e assinaladas, declarou que ontem pelas nove horas da manhã no lugar Riachão, nasceu uma criança do sexo feminino, de cor parda, filha natural de L.N. natural e residente nesta freguesia, profissão lavoura, a criança neta materna de E. N a qual será chamada de L. M. S. [...].

163

No que concerne à legitimidade da criança, parece acertado que, entre as famílias sem

pai, as crianças pretas e pardas fazem parte da maioria (tabela 2.8). No ano de 1889, ocorreu

registro de crianças ilegítimas, ou seja, frutos de relacionamentos extraconjugais. Essa

categoria só vai aparecer nos anos de 1919 e 1924, e todos os casos são de crianças pretas e

pardas. No primeiro ano de registro, o número de crianças legitimadas seguiu a quantidade de

registros de pais e mães casados. Somente em 11 casos, a criança foi declarada como legítima.

No entanto, a ausência do pai foi notada, mais uma vez nos registros civis, visto que, em 36

casos (72%), as crianças foram declaradas “naturais”.

163 Livro 1, registro 226, 1889, RCPNNI.

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Tabela 2.8 – Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu. Brancas Não Informada Pardas e Pretas Total geral Legítimo 12 74 11 97 Não informado 1 1 Natural 7 96 36 139 Total geral 19 171 47 237

Fonte: Vide Tabela 2.6.

Em 1889, a figura que se tornou mais importante, aparentemente, foi a dos parentes

próximos e/ou amigos da família da mãe. Dentre os 36 casos de crianças registradas como

“naturais”, nenhum deles a mãe foi a declarante. Nos registros, não foi possível perceber a

relação entre os declarantes e as mães, em virtude da falta de informação. Provavelmente,

eram pessoas próximas como irmãos, vizinhos ou padrinhos da criança. No entanto, embora

no primeiro ano de registro tenha existido a categoria “padrinhos”, após o início da inscrição

da “cor”, não houve qualquer menção a eles.

No que tange à região de nascimento das crianças, nota-se que, em 1889, as crianças

pretas e pardas eram de origem da própria Baixada. Ao total, os registros estavam bem

espalhados pela Baixada: 4 em Belford Roxo, 3 em Duque de Caxias, 10 em Mesquita, 12 em

Maxambomba e 15 no interior do Município de Nova Iguaçu (tabela 2.9). Em apenas um

caso, a criança nasceu fora do Município, para ser mais preciso, em Minas Gerais.

Em Mesquita, o número de crianças pretas e pardas inseridas, no referido ano, no

registro pode mostrar uma presença significativa deste grupo na região. No final do século

XIX, a Fazenda Cachoeira fazia parte do distrito de Mesquita e era de propriedade do Barão

de Mesquita, Jerônimo José de Mesquita. Conhecido na região como proprietário de escravos,

seu inventário foi aberto em 1878, e ele veio a falecer, em 1888; logo, sua propriedade passou

para seu filho, Jerônimo Roberto Mesquita. 164 Efetivamente não é possível afirmar, todavia

um forte indício mostra que os filhos dos escravos do Barão de Mesquita podem ter sido

164 Inventário de Barão de Mesquita, 1866 e de Jerônimo Jose de Mesquita, 1878. Museu da Justiça do Estado do Rio De Janeiro.

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civ

registrados nos anos posteriores à abolição. Somente no ano de 1889, foram registradas 5

crianças nascidas no lugar denominado Cachoeira, no município de Nova Iguaçu.

Tabela 2.9 – Total de registros civis de nascimentos por região de nascimento e cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e Pretas Total geral Belford Roxo 2 18 4 24 Duque de Caxias 3 30 3 36 Estado Rio de Janeiro 1 1 Estados do Brasil 1 1 Magé 1 1 Mesquita 15 10 25 Minas Gerais 1 1 2 Não declarada 10 10 Não Localizado 2 2 4 Nova Iguaçu (sede) 4 41 12 57 Nova Iguaçu (interior) 9 50 15 74 Vale do Paraíba 2 2 Total geral 19 171 47 237

Fonte: Vide tabela 2.6.

Apesar da maior parte das crianças pretas e pardas terem nascido na Baixada, o que

mostra, de certa maneira, um estabelecimento. Em comparação aos dados obtidos no registro

civil de Paraíba do Sul, aparentemente, foram poucas as crianças que tiveram contato com os

avós. De forma dessemelhante aos dados obtidos por Ana Rios, onde, em 15% dos casos, as

crianças tiveram a oportunidade de conhecer todos os seus avós, mesmo que apenas

nominalmente, em Nova Iguaçu, essa porcentagem caiu para 12%. Contudo, tais números

tornam-se ainda mais díspares, no que tange à presença dos avós: para Paraíba do Sul, Rios

mostrou que 83% das crianças conviveram com pelo menos um avô, enquanto na Baixada

esse número caiu para 43%. Em Paraíba do Sul, em apenas 8% dos registros as crianças pretas

e pardas não poderiam sequer saber o nome dos seus avós, no município de Nova Iguaçu, em

1889, esse valor sobe para 15%. 165

165 RIOS, A. op. cit., p. 86.

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cv

Comparando os valores da presença dos avós, ainda assim é possível perceber que, na

Baixada, houve menos contato com os avós. Se os avôs paternos e maternos, em Paraíba do

Sul, correspondiam a 40% e 43%, respectivamente, esse número caiu significativamente, na

Baixada, que totaliza 12% e 38% (tabela 2.10). Porém, a presença da avó materna é bem

significativa nos dois registros. Em Paraíba do Sul, as avós maternas somavam 87%, número

muito próximo ao encontrado no Município de Nova Iguaçu, que é de 83%.

Tabela 2.10 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de

Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 12% 6

Avó Paterna 17% 8

Avô Materno 38% 18

Avó Materna 82% 39

Todos os avós 12% 6

Nenhum dos avós 15% 7

Pelo menos um avô 43% 20

Total de registros 47 Fonte: Vide Tabela 2.6.

Efetivamente, não houve um estudo direcionado no sentido de procurar laços

comunitários nos registros de crianças pretas e pardas em Nova Iguaçu. Isso porque o maior

indício, que esses dados fornecem, é exatamente a inexistência de tais laços. Não há qualquer

indicação de relação dos padrinhos e dos declarantes, nos registros, com as mães.

Ao examinar os dados retirados no ano de 1889, aparentemente, existiram

comunidades extensas de famílias de ex-escravos e libertos, principalmente entre as pessoas

próximas as mães solteiras. A comparação entre a formação de famílias negras do Vale do

Paraíba e a da Baixada Fluminense, no imediato pós-abolição, ainda precisa de muita

pesquisa. Analisando apenas no ano de 1889, é lícito supor que os registros indicam que os

pretos e pardos da Baixada Fluminense tiveram dificuldades em formar famílias nucleares

completas – com pai, mãe e filhos. No entanto, a presença significativa de mães solteiras, que

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cvi

tem seus filhos registrados, aparentemente, demonstra que a busca pelo registro não era

exclusivo de famílias nucleares completas. Deveras, esse ano pode ter sido de extrema

confusão; todavia, para chegar a melhores conclusões, deve-se atentar para os anos

posteriores à abolição.

2.3.3 Os anos posteriores à abolição – 1888 a 1940 O ano de 1889 mostrou um quadro não muito otimista no que tange à construção de

famílias nucleares completas no Município de Nova Iguaçu. Ao analisar as informações

obtidas, supõe-se que os libertos atravessaram a escravidão formando famílias nucleares

incompletas, tendo a mãe solteira e os avós maternos como eixo principal. Este fato pode estar

ligado a diversos fatores como: a quantidade de ex-escravos por propriedade, o acesso à

pequena roça e a diversificação dos arranjos de trabalho na Baixada Fluminense.

Naquela época a constituição de família dependia da possibilidade de se obter uma

pequena propriedade ou a estabilidade nas fazendas da região. Ao comparar Paraíba do Sul

com o Município de Nova Iguaçu, de acordo com Rios, no primeiro caso, uma parte dos

libertos conseguiu se estabilizar em pequenas propriedades, através da compra, de

arrendamentos ou de trabalhos de meação. 166 Contudo, no Município de Nova Iguaçu sabe-se

que, no período do pós-abolição, com a diminuição da produção do café, as propriedades

passaram a ser loteadas. Todavia, ainda não há estudos sobre o valor e o tamanho desses

loteamentos e se o seu preço estava acessível à população de libertos e de seus descendentes.

Deveras, outros elementos, para além do acesso à terra, podem ter contribuído para a

formação das famílias, ao longo das primeiras décadas do século XX na Baixada Fluminense.

A busca pela estabilidade, pela autonomia e pela possibilidade de ampliação familiar estava

166 RIOS, A e MATTOS, H. op. cit., 2005, principalmente no capítulo 3.

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ligada às condições de trabalho e à forma como a terra era utilizada. No que se refere aos anos

posteriores à abolição, de 1888 a 1920, no Município de Nova Iguaçu, pouco se sabe sobre as

condições de trabalho da população provinda da escravidão.

Aqui, nesta parte, será possível aprofundar a investigação sobre a formação dessas

famílias. Após o ano de 1889, ao contrário dos registros encontrados por Rios, em Paraíba do

Sul, no cartório de Nova Iguaçu os registros tornam-se mais completos. Decerto, algumas

categorias alusivas aos registros paroquiais de batismo deixam de ser declaradas, por

exemplo, os padrinhos, a intenção de se casar, o dia do batizado da criança, entre outras.

Com o passar dos anos, a presença de registros de crianças pretas e pardas cresceu.

Nesta parte, acompanhar-se-á, até 1919, a construção das famílias de ex-escravos e de seus

descendentes provindos das antigas fazendas de café e de cana-de-açúcar do Município de

Nova Iguaçu.

1889 a 1919

No município Nova Iguaçu, no imediato pós-abolição, são escassas as informações

concernentes ao acesso à pequena roça. Os indícios apenas mostram que tal período foi

marcado pela crise da produção de café e de cana-de-açúcar naquela região. As antigas

fazendas começaram a ser desmembradas lotes, dos quais nada se sabe sobre o valor das

vendas e a sua quantidade. Portanto, não se pode afirmar se os libertos e os seus descendentes

conseguiram se estabilizar ou tiveram de migrar para outras regiões.

Na tabela 2.11, foi montado um panorama com os registros civis de nascimentos

colhidos no Município de Nova Iguaçu, de cinco em cinco anos a partir de 1889 até 1919.

Dentre os anos selecionados, apenas no primeiro, a taxa de cor “não informada” é alta. Se em

1889 a participação de pretos e pardos é baixa (19%), nos anos seguintes a quantidade de

sempre ficava acima dos 38%. Em 1894, surpreendentemente 63% dos registros foram de

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crianças pardas e pretas, porém o número caiu para 48% em 1899. Nos três anos seguintes,

ficou entorno dos 39%, para, em 1919, voltar a crescer, chegando a 46%.

Tabela 2.11 – Total de registros civis de nascimentos por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.

Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral 1889 19 171 47 237 1894 118 1 204 323 1899 86 29 5 112 232 1904 58 24 5 48 135 1909 96 34 3 92 225 1914 72 39 3 73 187 1919 212 2 6 188 408

Total geral 661 128 194 764 1747 Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. Anos 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914 e 1919.

Apesar da presença significativa de crianças sendo registradas como de pretas e

pardas, os anos em que esse número caiu, merecem alguns comentários. No censo de 1890,

esse grupo correspondia a 63% da população dos Municípios de Estrella e de Iguassú. Mesmo

diante dos problemas inerentes aos censos, era de se esperar que, em 1894, a presença de

pretos e pardos fosse expressiva nos registros civis. Apesar da quantidade significativa de

subregistro, nos dois primeiros anos selecionados, pode-se perceber que essa parte da

população buscou regularizar a sua situação. De forma semelhante à encontrada na pesquisa

do registro civil, por Rios, em Paraíba do Sul, aqui se supõe que tal interesse em tornar

regular a “situação das crianças (...) reflete uma vontade de integração e não de exclusão.

Pode ter sido um sinal de que as famílias tinham, ou esperavam ter, alguma estabilidade nas

suas relações e na região”. 167

Ao longo dos anos, a quantidade de registros diminuiu consideravelmente, o que,

entretanto, não permite concluir que houve uma diminuição de nascimentos (figura 2.3). Em

1894, foram, ao total, 204 registros de crianças pretas e pardas, enquanto, em 1904, exatos dez

anos após, esse número caiu para 48. De uma forma um tanto quanto interessante, os registros

167 RIOS, A. op. cit., 1990, p. 107.

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cix

desse grupo decaíram de forma significativa, todavia, nos anos posteriores a 1899, tenderam a

se equilibrar com a quantidade de brancos. Se, no ano de 1899, eram 48% de crianças pretas e

pardas e 37% de registros de crianças brancas, em 1914, esse número praticamente se igualou,

ficando 39% e 38,5%, respectivamente (tabela 2.12).

Tabela 2.12 – Presença de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.

Município de Nova Iguaçu. Pardas e Pretas Porcentagem Total geral

1889 47 19% 237 1894 204 63% 323 1899 112 48% 232 1904 48 38% 135 1909 92 40% 225 1914 73 39% 187 1919 188 46% 408 Total 764 1747

Fonte: Vide tabela 2.11.

Baseado na quantidade de subregistro é lícito supor que, o ato de registrar não era

acessível ou não era uma prática generalizada, no período. Nos anos de 1889 e 1894, em sua

maioria, o pai de crianças pretas e pardas estava concentrado no trabalho com a lavoura.

Efetivamente, a redução de registros pode estar ligada a mudanças nesse grupo que recorria

aos cartórios. Para Rios, em Paraíba do Sul, o número de crianças pretas e pardas também

diminuiu nesse período. Para ela isso pode estar ligado não só ao decréscimo de nascimento

de crianças, mas sim na redução de lavradores pretos e pardos na região. 168

No Município de Nova Iguaçu, não é possível afirmar que, a diminuição dos registros

está atrelada à falta de famílias nucleares completas. No que tange à situação conjugal dos

pais, de crianças registradas como pretas e pardas, a maior parte dos registros são de mães

solteiras totalizando, 58,5% (tabela 2.13). Entre os casados, os pais são nomeados em 39%

dos registros. Dos 296 casos de pais casados, em 141 (48%) não há qualquer informação

sobre eles. Apesar disso, dentre os registros que apresentam a profissão dos pais casados de

168 RIOS, A. op. cit., 1990, p. 88.

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crianças pretas e pardas, 64% estavam ligados à lavoura; o restante deles estava espalhado em

poucas categorias de trabalho, dando destaque para os empregados públicos e operários, ao

total de 18 (12%) e 14 (9%), respectivamente (tabela 2.14).

Tabela 2.13 – Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Nova Iguaçu. Casado Não Informado Solteiro Vão se Casar Total Branca 558 7 91 5 661 Outras Cores 60 2 66 128 Não Informada 83 2 101 8 194 Pardas e Pretas 296 20 447 1 764 Total 997 31 705 14 1747

Fonte: Vide Tabela 2.11. Tabela 2.14 – Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos.

Município de Nova Iguaçu. Total Artista 4 Cozinheiro 1 Empregado 1 Empregado ou funcionário público 18 Estrada de ferro Rio do Ouro 1 Guarda Armazém Estrada de Ferro 2 Jornaleiro 7 Lavrador 99 Militar 2 Não declarada 141 Negociante 1 Operário 14 Padeiro 1 Pedreiro 2 Sapateiro 1 Trabalhador 1 Total geral 296

Fonte: Vide Tabela 2.11.

Em virtude da pequena quantidade de crianças pretas e pardas registradas como

legítimas, a figura dos avós paternos e maternos está bem abaixo dos encontrados em Paraíba

do Sul. Aqui, optou-se por colocar todos os avós nomeados, uma vez que as referências sobre

a condição de vivo ou falecido ficam raras nos registros. Após 1889, Rios apontou que a

figura do avó materna tende a ser nomeada de forma mais intensa em Paraíba do Sul. Em seus

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dados eram, no total, 66% avôs paternos, 80% de avós paternas, 65% de avôs maternos e 96%

das avós maternas, nos quais 48% das crianças tiveram todos os seus avós nomeados. 169 De

forma bem diferente, no Município de Nova Iguaçu, até o ano de 1919, foram nomeados 43%

dos avôs paternos, 50,5% de avós paternas, 55% de avôs maternos e 89% de avós Maternas

(tabela 2.15). Desse total, 34% das crianças conheceram ou, pelo menos, ouviram falar de

todos os seus avós, no entanto, 38% apenas um avô. Deveras, nos dois casos, Paraíba do Sul e

de Nova Iguaçu, a figura das avós eram bem presentes nas famílias de pretos e pardos,

especialmente, as avós maternas.

Tabela 2.15 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de

Nova Iguaçu. Porcentagem Total Avô Paterno 43% 328 Avó Paterna 50,5% 386 Avô Materno 55% 418 Avó Materna 89% 682 Todos os avós 34% 256 Nenhum avô 7% 56 Pelo menos um avô 38% 293 Total de Registros 764

Fonte: Vide Tabela 2.11.

As relações sociais construídas, no pós-abolição, pelas mães solteiras podem ter

incentivado uma procura maior pelo registro civil. Dentre as 764 crianças pretas e pardas

nascidas entre 1889 e 1919, apenas 166 (21%) foram registradas pelos pais (tabela 2.16).

Além dos avós, que registraram 3 crianças, 595 tiveram como declarantes “outras pessoas”.

Provavelmente, nesse grupo estavam incluídos: os irmãos, tios, despachantes e outras pessoas

ligadas à família da mãe por relações não-parentais. Ao total, são 442 crianças declaradas

como “naturais”, nas quais somente os nomes da mãe e dos avós maternos aparecem. Essas

mães estavam concentradas, principalmente, nos trabalhos domésticos e de lavoura, 33% e

169 RIOS, A. op. cit., p. 109.

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25% respectivamente. Mesmo diante de um quadro de falta de famílias nucleares completas –

pai, mãe e filhos – aparentemente, as mães solteiras buscaram legitimar as suas proles.

Tabela 2.16 – Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras Cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Avós 1 2 3 Avós Maternos 1 1 Avós Paternos 1 1 Mãe 5 5 Oficial de Justiça 1 1 Outra Pessoa 382 97 126 595 1200 Pai 277 31 62 166 536 Total 661 128 194 764 1747

Fonte: Vide Tabela 2.13.

A ausência masculina nos registros, nesse período, é expressiva entre as crianças

registradas como pretas e pardas. Ao estudar a situação das famílias negras, Raymond Smith,

de semelhante modo, detectou uma ausência de homens no Caribe. Para ele, tal fato derivava

dos valores das comunidades negras com relação aos papéis assumidos por mulheres e

homens no interior da família; enquanto a primeira deveria cuidar do meio doméstico e da

prole, àqueles ficava o papel de prover o sustento familiar. Diante de um quadro de

impedimento ao acesso ao trabalho e à terra, em virtude da hierarquização social baseada na

estrutura raça/classe, os homens negros não encontraram a situação que desejavam no . Dessa

forma, Rios apontou em sua dissertação que “a família nuclear incompleta, entre os negros

no período, pode ter refletido antes a impossibilidade de construir um padrão diferente do

que inconstância ou falta de tradição de organização familiar.” 170

Para Rios, ao contrário do que usualmente é suposto como herança da escravidão, em

Paraíba do Sul, a família nuclear completa e extensa existiu entre pretos e pardos. Se no Vale

do Paraíba estava concentrada a maior quantidade de escravos do Rio de Janeiro, no século

170 SMITH, Raymond T. The Family and the Modern World System: Some Observation From The Caribbean. In: Journal of Family History, 3: 4, 1978 apud RIOS, A. op. cit., 1990, p. 112 – 113.

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XIX, o mesmo não pôde ser dito sobre a Baixada. 171 Indubitavelmente, o caso do Vale do

Paraíba é único no país. Ainda não houve pesquisas sobre as características da escravidão, no

final do século XIX, na Baixada, que discutam: as quantidades de cativos por propriedade, a

razão de masculinidade, se estavam alocados nos grandes plantéis ou em domicílios, entre

outras. No entanto, é lícito supor que a falta de uma comunidade estável nos últimos anos da

escravidão, pode demonstrar a existência de poucos cativos e pretos livres homens, o que,

provavelmente, impossibilitou a formação de famílias nucleares completas, no período do

pós-abolição, na Baixada Fluminense.

Os dados apontam que a maior parte dos homens que registraram seus filhos, entre os

anos de 1894 e 1919, era de fora da Baixada. Dentre os 275 registros, que mostram a

naturalidade do pai, somente 51 casos (18%) são do Município de Nova Iguaçu (tabela 2.17).

Dessa forma, 184 (66%) dos pais vieram de fora do Município, destes, 159 (57%) de dentro

do Estado do Rio de Janeiro, 18 (7%) de outros estados do Brasil e 2 (1%) de outros países.

Tabela 2.17 – Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Baixada 66 4 62 51 183 Brasil 72 12 10 40 134 Capital Federal 11 1 5 17 Estado Rio de Janeiro 117 2 4 159 282 Estados do Brasil 25 1 3 18 47 Não declarada 226 108 108 489 928 Nordeste 1 1 Países 141 1 5 2 149 Vale do Paraíba 2 1 3 Total geral 661 2 194 764 1747

Fonte: Vide tabela 2.11.

Apesar da dificuldade de analisar os registros civis, em virtude da quantidade de

subregistro, nestes dados é possível encontrar indícios sobre o processo de migração em

direção à Baixada Fluminense. Como já mencionado na parte 2 deste capítulo, próximo à

171 Os números encontram-se no capítulo 1 da presente dissertação.

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década 1920, a produção de laranja começou a despontar economicamente no mercado

nacional e internacional. Com esse avanço, houve a necessidade de um maior contingente de

mão-de-obra. Desse modo, no ano de 1919, dentre os 366 registros onde o pai foi nomeado,

321 (87%) eram de fora do Município de Nova Iguaçu (tabela 2.18). Inseridos neste número,

o pai de crianças pretas e pardas, estava presente em 156 registros, dos quais 141 (90%) eram

de fora da Baixada.

Tabela 2.18 – Região de origem do pai por ano de pessoas declaradas como pardas e pretas. Município de Nova

Iguaçu. 1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 Total Baixada 78 51 28 1 4 3 18 183 Brasil 3 36 49 9 10 27 134 Capital Federal 3 1 1 12 17 Estado Rio de Janeiro 5 45 12 220 282 Estados do Brasil 3 16 3 1 3 21 47 Não declarada 143 176 126 83 203 158 42 931 Nordeste 1 1 Países 4 31 26 2 7 11 68 149 Vale do Paraíba 1 1 1 3 Total 237 323 232 135 225 187 408 1747

Fonte: Vide Tabela 2.11.

Como já visto, na parte 2 deste capítulo, este é o período da migração para a Baixada

Fluminense. Através do censo de 1920, aparentemente, foram homens os que migraram, na

maior parte, para o Município de Nova Iguaçu, visto que no recenseamento havia 17.707

(53%) homens e 15.689 (47%) mulheres (tabela 2.4). Sem embargo, provavelmente, nessa

década houve início a grande migração. Através dos registros civis de nascimentos, entre os

anos de 1924 e 1939, tentar-se-á caracterizar esse processo de migração.

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1920-1940

Entre os anos de 1920 e 1940, através dos censos, aparentemente, foi possível

acompanhar o processo de migração da população de pretos e pardos para o Município de

Nova Iguaçu. Através dos dados obtidos, no registro civil de nascimento dessa região, nesta

parte busca-se apresentar as características da população que migrou, nesse período. Trata-se

de tentar identificar qual o perfil das famílias, os locais de origem e quais foram os tipos de

trabalho que essa população encontrou após 1920. Em um segundo momento, será analisado

tanto a possibilidade da estabilização, quanto a formação de famílias extensas para ex-

escravos e seus descendentes, na Baixada Fluminense.

Se a população aumentou entre as décadas de 20 e de 40, do século XX, é de se

esperar que a procura pelos registros civis seja, de forma semelhante, alta (gráfico 2.2).

Colhendo os dados em Nova Iguaçu, nos anos de 1924, 1929, 1934 e 1939, soma-se um total

de 4.150 registros de nascimentos. Comparativamente, em sete anos selecionados, entre 1889

e 1919, foram coletados apenas 1.747.

Apesar de haver uma boa quantidade de crianças brancas nesses quatro anos, o que

mais surpreendeu foi o crescimento dos registros de crianças pardas e pretas, ao longo dos

anos selecionados (tabela 2.5). No total dos registros, tais crianças eram 1.867 (45%). Ao

separar por ano, vê-se que, em 1924, elas somavam 274 (43%); na mesma proporção, em

1929, foram 342 (42%) registros; em 1934, tal número passou para 435 (40%), para, em 1939,

chegar a 816 crianças, ou seja, 51% dos registros daquele ano.

No que tange à situação conjugal dos pais, percebe-se que, no período de 1924 a 1929,

há uma presença maior dos casados (tabela 2.19). Dentre os 1.867 registros de crianças pretas

e pardas, há 1.107 (59%) pais que declararam serem casados, e as crianças de pais solteiros

corresponderam a 625 (33%) registros.

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Tabela 2.19 - Situação conjugal dos pais por cor de crianças registradas. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Casado 1861 7 19 1107 2994 Não Informado 68 1 1 94 164 Solteiro 250 6 2 625 883 Viúvo 68 41 109 Total geral 2247 14 22 1867 4150

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924, 1929, 1934 e 1939.

Se o número de casados nos registros aumentou, era de se esperar que a regularização

da legitimidade das crianças também fosse procurado por essa população. Em comparação aos

primeiros anos do registro civil, nos quais havia mais registros de crianças “naturais”, nos

anos aqui analisados o número de crianças legitimadas é muito maior. Entre as crianças pretas

e pardas, nesse período, foram encontrados 1.172 (63%) registros de crianças legítimas (tabela

2.20).

Tabela 2.20 – Total e porcentagem da legitimidade de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de

Nova Iguaçu. Porcentagem Total Ilegítimo 0,70% 13 Legítimo 63% 1172 Não informado 1% 35 Natural 35% 647 Total geral 1867

Fonte: Vide Tabela 2.19.

A presença dos avós, nesse período, tornou-se bastante expressiva, aumentando

significativamente em relação ao primeiro corte da pesquisa. Optou-se por colocar os avós

que foram nomeados nos registros, visto que não é possível detalhar, devido à escassez de

informações, por exemplo, se eram vivos ou não no dia do registro, entre outras (tabela 2.21).

Ao longo dos quatros anos, selecionados para a pesquisa, foram nomeados 79,5% dos avôs

paternos, 81% das avós paternas, 89% dos avôs maternos e 95% das avós maternas. Apesar da

figura da avó materna ainda ser a mais popular, é possível perceber que a maioria das crianças

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pretas e pardas também conheceu seus avós paternos. Ao contrário do corte anterior, de 1889

a 1919, nos sete anos selecionados, nessa parte, 79,5% todos os avós foram denominados e

apenas 5% as crianças pretas e pardas, não conseguiam sequer nomeá-los.

Tabela 2.21 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de

Nova Iguaçu. Porcentagem Total Avô Paterno 79,5 % 1484 Avó Paterna 81 % 1509 Avô Materno 89 % 1669 Avó Materna 95 % 1772 Todos os avós 79,5 % 1484 Nenhum dos avós 5 % 95 Apenas um avó 5,5 % 103 Total 1867

Fonte: Vide Tabela 2.19.

O mais interessante foi perceber que esses números se aproximavam demasiadamente

dos apresentados por Ana Rios, nos primeiros anos do pós-abolição, em Paraíba do Sul. 172

No Município de Nova Iguaçu, entre os anos de 1920 e 1940, o número de casados é maior do

que o de solteiros; há mais filhos legítimos, e a presença dos avós aumentou

significativamente. Se, no período entre 1889 e 1920, Rios encontrou famílias nucleares

completas e extensas, possivelmente estáveis, entre as crianças pretas e pardas, os dados desta

dissertação sugerem que somente no período após 1920, no Município de Nova Iguaçu, foi

possível formar famílias o mesmo tipo de família.

Conforme o que fora mencionado, foi possível identificar muito mais informações

sobre o pai que registrou seus filhos como pretos e pardos. Nos 1.867 registros deste grupo de

crianças, em 1.268 (68%), o pai é nomeado. O mais interessante foi acompanhar o

crescimento da sua participação ao longo dos anos. Em 1924, 151 crianças tiveram o pai

como declarante; em 1929, aumentou para 215; em 1934, chegou a 300, e, em 1939,

172 RIOS, A. op. cit. capítulo 4.

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ultrapassou a quantidade de “pai” de crianças registradas como brancas, somando as pretas e

pardas, 441 registros.

Ao analisar o pai de crianças registradas como pretas e pardas, em Nova Iguaçu,

percebe-se que, a maior parte veio de fora da Baixada (tabela 2.22). Em 1924, dos 274

registros, em 190 (70%) o pai não é natural da Baixada Fluminense. Desse, 53% veio de

dentro do Estado do Rio de Janeiro. Já em 1929, 200 são de fora e não há nenhum registro de

pai sendo natural do Município de Nova Iguaçu. Infelizmente, ao contrário dos anos

anteriores, nos registros civis de 1934 e 1939, a categoria “naturalidade” do pai e da mãe

tornou-se “viciada”. A partir de 1934, a maior parte dos registros só apontam se os pais são

“brasileiros” ou não. Entretanto, nos registros realizados na fase adulta, onde há auto-

declaração, tais pessoas deixavam expressas o seu local de nascimento. 173

Tabela 2.22 - Naturalidade do pai nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Baixada 32 1 25 58 Brasil 1055 2 7 961 2025 Capital Federal 53 2 1 16 72 Estado Rio de Janeiro 309 5 6 316 636 Estados do Brasil 71 2 1 62 136 Não declarada 317 1 2 476 796 Países 409 1 5 11 426 Vale do Paraíba 1 1 Total geral 2247 13 22 1867 4150

Fonte: Vide Tabela 2.19.

Entre os pais que migraram para o Município de Nova Iguaçu, nesse período, muitos

já vieram casados. Este foi o caso de S. S. R., lavrador que, no dia 13 de abril de 1939,

registrou seu filho:

173 Estes registros são tema do capítulo 3.

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[...] residente em Tinguá, neste, distrito declarou que [...] em casa de sua moradia nasceu uma criança do sexo masculino, cor parda, que terá o nome de E. S. R. filho legitimo dele declarante e de sua mulher M. F. S., brasileira, doméstica, casados em Vassouras [grifo meu].” 174

Assim como este, outros declarantes já haviam procurado legitimar nos cartórios sua família

nos locais de origem. No dia 12 de agosto de 1929 compareceu no cartório:

“J. M. natural deste Estado, casado civilmente no Distrito de Mendes [grifo meu], neste Estado, militar, residente em Mesquita, neste distrito e declarou que [...] em casa de sua moradia nasceu uma criança do sexo masculino de cor parda que terá o nome de M. M. [...]. 175

Se já migraram casados, seus filhos também poderiam ter nascido ainda fora da

Baixada. No dia 14 de Novembro de 1934, foi registrado, no cartório de Nova Iguaçu, O. S.

tendo 28 anos e nascido no dia 18 de outubro de 1906, e lá compareceu seu pai:

“T. S., brasileiro, operário, residente em Mesquita, nos termos do Decreto Federal numero 19.710 de 18 de fevereiro de 1931 declarou que [...] em Piraí, neste Estado, nasceu uma criança do sexo masculina de cor parda [...]”.

176

Nos registros civis, entre os anos de 1924 e 1939, foram, ao total, registradas 176 crianças

nascidas fora do município. Desse total, 106 nasceram no Vale do Paraíba, ou seja, 60% das

crianças registradas como pretas e pardas.

Como fora dito na parte 2 deste capítulo, entre 1920 e 1940, houve crescimento

econômico do Município de Nova Iguaçu. Acompanhado a ele, houve a possibilidade de uma

maior diversificação dos tipos de trabalho, o que permitiu ao pai migrado, das crianças pretas

e pardas, se estabilizarem na região. Deveras, ele estava no trabalho com lavoura, uma vez

que dos 1.206 registros que aparecem a profissão do pai, 498 (41%) são de lavradores (tabela

A.2 - anexo).

174 Livro 59, registro 14140, de 1939, RCPNNI. 175 Livro 35, registro 242, de 1929, RCPNNI. 176 Livro 58, registro 14039, de 1939, RCPNNI.

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Porém, aliado ao crescimento econômico, há o crescimento urbano, que ampliou as

formas de trabalho. Apesar do período, entre 1920 e 1940, ser considerado o de maior

crescimento da laranja, os migrados estavam espalhados em outros ramos. Dentre os registros

onde aparece a profissão do pai de crianças pretas e pardas, 58% não trabalhava na lavoura ou

em qualquer profissão ligada à agricultura. Se, entre 1889 e 1919, nos registros civis, os pais

estavam divididos em apenas 21 categorias, no período seguinte pula, para 53, mostrando uma

grande diversificação nos arranjos de trabalho nessa região. Deste modo, o pai de crianças

pretas e pardas estava presente nos seguintes ofícios: operários 245 (20%), empregados

públicos 205 (17%), comerciantes 44 (4%), pedreiros 36 (3%) e jornaleiros 28 (2%).

Provavelmente, conseguiram se estabilizar na região graças ao crescimento urbano e a

diversificação dos arranjos de trabalho, e não em virtude da disponibilidade de terra para

plantar sua subsistência.

Sem embargo, ao analisar as regiões de nascimento, das crianças pretas e pardas,

percebe-se que a concentração dessas famílias se deu ao redor dos grandes centros produtores

de laranja. Das 1.867 crianças pretas e pardas registradas no cartório de Nova Iguaçu, apenas

522 (28%) nasceram na sede do município, enquanto 1.132 (61%) foram registrados como

tendo residência os distritos do entorno (tabela 2.23).

Processo semelhante de migração e estabilização foi encontrado por Holt, no Caribe

Britânico. Na Jamaica, com o fim da escravidão e do período de “aprendizado”, os libertos e

seus descendentes, ao longo de quatro décadas, abandonaram os antigos plantéis e migraram

para diversas áreas da colônia. Para este autor, essa migração teve uma característica bem

específica. A procura por terra foi um dos significados de liberdade empreendidos por essa

população, após o fim da escravidão. Era de se esperar que buscassem qualquer propriedade

para dela retirar a sua subsistência. Todavia, na Jamaica, os libertos e seus descendentes

optavam por comprar terras próximas aos grandes centros produtores de açúcar e não

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propriedades distantes e improdutivas. Sendo assim, almejaram locais onde podiam aliar a

pequena produção direcionada para os pequenos locais e para a subsistência, com trabalho

assalariado; assim, diversificavam as opções de fonte de renda.

Tabela 2.23 – Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Belford Roxo 135 1 2 223 362 Capital Federal 57 40 97 Duque de Caxias 3 1 16 20 Estado do Rio de Janeiro 21 16 37 Estados do Brasil 7 5 12 Mesquita 325 1 5 328 659 Minas Gerais 8 21 29 Não declarada 41 1 1 22 65 Não Localizado 3 3 Nilópolis 10 10 20 Nordeste 25 3 28 Nova Iguaçu (sede) 983 3 8 522 1516 Nova Iguaçu (interior) 570 5 6 532 1113 Paracambi 1 1 2 Queimados 4 10 14 Rio de Janeiro 1 1 São João de Meriti 1 8 9 Vale do Paraíba 56 1 106 163 Total geral 2247 14 22 1867 4150

Fonte: Vide Tabela 2.19.

Retornando ao caso da Baixada, nessa última parte do capítulo, pôde-se perceber que o

pai de crianças pretas e pardas conseguiu, de alguma maneira, estabilidade. Deveras, ainda há

necessidade de estudos sobre a forma de acesso a essas propriedades. No entanto, através dos

dados obtidos nos registros civis de nascimentos, parece acertado que este se estabilizou ao

redor do distrito produtor de laranja.

Ao se instalar no Município de Nova Iguaçu, entre as décadas de 1920 e 1940, os

migrados pretos e pardos buscaram legitimar suas famílias e regularizar sua situação. Desse

modo, nos anos selecionados, de 1934 e 1939, foi surpreendente ver a quantidade de pessoas

se auto-declarando, seguidos pelos registros de nascimentos dos filhos. Tanto que, na soma de

todos os assentos, a quantidade de registros de pretos e pardos ultrapassou significativamente

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o de brancos. Para entender, um pouco melhor, quem eram os migrados e o que permitiu seu

maior acesso ao registro civil de nascimento deve-se analisar, qualitativamente, tais registros

tardios e, principalmente, os dos auto-declarantes.

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Capítulo 3 – A Migração e a Estabilização de Pretos e Pardos em Nova Iguaçu.

O objetivo deste último capítulo é o de analisar o registro civil de nascimentos do

Município de Nova Iguaçu, entre os anos de 1920 e 1940. Trata-se de identificar, através

dessas fontes, quais as características dos grupos que buscaram o registro civil, nesse período.

Ao longo dos anos, as leis que versavam sobre o registro civil foram se modificando.

Possivelmente, a intenção do governo era a de popularizar a busca pelo registro civil, visto

que produzir estatísticas, a partir dos dados obtidos nos cartórios, era muito mais barato do

que promover novos censos. Dessa forma, nenhum outro período, aparentemente, ampliou

mais a participação de pretos e pardos, nos registros, do que o do Governo Vargas.

Neste capítulo, serão analisados três tipos de registros encontrados no cartório de

Nova Iguaçu, entre 1920 e 1940. Pode-se identificar o primeiro tipo como o das crianças

registradas no ano de seu nascimento, no tempo correto da Lei. Estes assentos foram

analisados, minuciosamente, no segundo capítulo. No segundo tipo, encontram-se os registros

feitos tardiamente, ou seja, em outro ano que não o do nascimento da criança. Nestes podem

ser encontrados o bebês com um dia de vida, 177 crianças, jovens e adultos que foram

registradas por alguma pessoa – pai, mãe, avós ou outra pessoa. No terceiro tipo de registro,

estão todos aqueles que recorreram ao cartório para registrar o seu nascimento. Neste caso,

optou-se por denominar tais pessoas como “auto-declarantes”.

Logo, dividiu-se este capítulo em três partes. Na primeira, faz-se um panorama do

último ano de registros coletado, comparando-o com o censo de 1940. Nesta primeira parte,

os três tipos de registros não serão divididos para a análise. Na segunda parte serão analisados

todos os registros tardios. Para uma melhor compreensão optou-se por subdividir esta segunda

177 Optou-se por colocar, nessa categoria, todos os registros onde são mencionados as Leis e os Decretos que permitiram a população registrarem, após o ano de nascimento de seus filhos, sem ônus monetário. Dessa forma, uma criança nascida no dia 31 de dezembro, provavelmente, se fosse registrada no dia 2 de janeiro poderia utilizar essas Leis e Decretos.

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parte em dois subitens: no primeiro, serão discutidos os registros feitos posteriores ao ano de

nascimento, declarados por uma outra pessoa que não o registrado. Trata-se de destacar, entre

os registrados como pretos e pardos, o perfil das famílias, quais foram as regiões de

nascimento e onde estão localizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Na seqüência,

serão estudados os registros dos auto-declarantes. Trata-se de discutir as características deste

grupo: se possuem família, onde nasceram, qual o tipo de trabalho que exercem, qual o local

de sua moradia, entre outros.

Na terceira e última parte, a partir de uma discussão bibliográfica e dos registros civis

dos auto-declarantes, será analisada a importância do Governo Vargas e promulgação de

novas leis e decretos para o aumento da busca pelo registro civil de nascimentos, entre os

1930 e 1939.

3.4 O Último Ano de Coleta, 1939.

O objetivo desta parte será o de apresentar todos os registros de crianças, jovens e

adultos que foram declarados ou se declararam pretos e pardos no ano de 1939. Trata-se, na

mesma, de examinar minuciosamente os registros civis de nascimentos, do referido ano,

coletados no Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município

de Nova Iguaçu. Através desses dados, pretende-se apresentar os traços que permitem

identificar a estabilização da população de pretos e pardos, os quais migraram para o

município de Nova Iguaçu.

Nesse último ano coletado foram registrados 2.100 nascimentos. Destes, 1.130 (54%)

foram de crianças, jovens e adultos registrados como pretos e pardos. No mencionado ano, as

informações são muito mais completas do que nos anos anteriores; e, com isso, é possível

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obter resultados mais significativos no que tange à população de pretos e pardos no Município

de Nova Iguaçu.

No que tange à constituição de famílias negras nessa região, ao somar a situação

conjugal dos pais, que registraram seus filhos, com os pais dos auto-declarantes, têm-se um

quadro interessante (tabela 3.1). Em 454 (40%) dos registros de pardos e pretos, o pai aparece

como casado, em 275 (24%) os pais são solteiros e, em 359 (32%), não há qualquer

informação sobre o relacionamento conjugal. Não obstante, ao ver a legitimidade das crianças

na tabela 3.2, o quadro torna-se diferenciado. Em 728 (64%) casos, os registrados foram

declarados como “legítimos”, 361 (32%) eram “naturais” e, em apenas 27 (2%), não há

informação sobre a legitimidade.

Tabela 3.1 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos. Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Casado 619 2 454 1075 Não Informado 192 8 359 559 Solteiro 95 275 370 Viúvo 54 42 96 Total geral 960 10 1130 2100

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939. Tabela 3.2 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos registradas por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Ilegítimo 6 14 20 Legítimo 833 9 728 1570 Não informado 10 1 27 38 Natural 111 361 472 Total geral 960 10 1130 2100

Fonte: Vide Tabela 3.1.

Ao cruzar os dados referentes aos declarantes e à cor, chega-se a um resultado

interessante sobre tais registros, no ano de 1939. Em primeiro lugar, dentre os 2.100 registros

desse ano, 492 (23%) são de auto-declarantes. Ao analisar a cor, percebe-se que, entre o

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número total de pessoas deste tipo de registro, os que se declararam pretos e pardos somam

314, ou seja, 64% dos registros.

Ao tomar os outros registros, nota-se que o pai registrou uma boa parcela das crianças,

dos jovens e dos adultos pretos e pardos, ou seja, ele foi o declarante em 540 (48%) registros

(tabela 3.3). Apesar de o número ser relativamente pequeno, é mister salientar a presença das

mães como declarantes em 198 (17,5%). Dentre os 1.130 registros, em apenas 77 (7%), outra

pessoa, que não do núcleo familiar, a saber, pai, mãe e avós, fez a declaração do registro. Em

virtude da presença do pai, da mãe e de outrem se auto-declarando, é lícito supor que, em

1939, houve uma busca intensa, por essa parcela da população, em legitimar a si e a seus

familiares. 178

Tabela 3.3 - Declarantes nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Avós Paternos 1 1 Mãe 148 1 198 347 Outra Pessoa 39 1 77 117 Pai 603 540 1143 Próprio 170 8 314 492 Total geral 960 10 1130 2100

Fonte: Vide Tabela 3.1. Para entender um pouco melhor o papel do pai nomeado nos registros, deve-se

detalhar a sua profissão. Em primeiro lugar, é expressiva a gama de novos arranjos de

trabalho existentes em 1939. Na tabela 3.4 (em anexo), ao analisar a profissão por cor, é

possível perceber que, para o pai de pessoas registradas como brancas houve uma maior

participação na diversificação do trabalho. Mesmo diante de um quadro não tão animador,

dentre as 63 categorias de trabalhos encontradas nos registros, o pai dos declarados, nos

registros, como pretos e pardos está empregado em 26. Em tais registros, boa parte está

178 Os auto-declarantes serão analisados na segunda parte deste capítulo.

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empregada na lavoura 181, 121 era de operários, enquanto 57 trabalhavam em emprego

público.

Ao analisar a tabela de profissão, por situação conjugal do pai de pessoas declaradas

como pardas e pretas, um quadro interessante é apresentado (tabela 3.5). Dentre os 454

registros de pai casado, 124 (27%) eram de lavradores, 88 (19%) eram de operários e, no

emprego público, estavam 47 (10%). A presença significativa de pai casado em profissões

que, aparentemente, não eram tão instáveis pode demonstrar a existência de famílias nucleares

estáveis no Município de Nova Iguaçu, em 1939. Todavia, em 96 casos o pai foi nomeado e

declarado solteiro o que provavelmente demonstra que a busca pelo registro não foi apenas de

famílias consideradas “legítimas”.

Ao analisar as mães, tanto na profissão como na situação conjugal, chega-se a

suposições importantes em relação às características familiares de pretos e pardos em Nova

Iguaçu. Ao olhar para a localização profissional das mães, de pessoas registradas como pretas

e pardas, vê-se que 672 (59%) foram declaradas como tendo profissão “doméstica”. (tabela

3.6). Cruzando a situação conjugal com a profissão, nota-se que, entre casadas e solteiras,

quase todas as mães registradas estão localizadas nos afazeres domésticos (tabela 3.7).

Enquanto as casadas, no trabalho doméstico, são 387 (58%), as solteiras são 233 (35%). A

quantidade de mães solteiras, nomeadas nos registros, pode evidenciar que a busca pelo

registro civil não se restringiu apenas a famílias nucleares completas. De certa maneira, o ato

de registrar significava a existência de uma estabilidade familiar. No caso das mães

declarantes e solteiras, os avôs maternos aparentam ser o eixo central desse tipo de família.

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Tabela 3.5 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos por situação conjugal. Município de Nova Iguaçu.

Casado Não Informado Solteiro Viúvo Total Ajudante 2 2 Alfaiate 2 2 Armador 1 1 Carpinteiro 3 1 4 Chauffeur 2 2 4 Comerciante 14 4 18 Eletricista 1 1 2 Empregado do Departamento Nacional de Saúde Pública 5 5 Empregado ou funcionário público 47 10 57 Ferreiro 1 1 Funcionário da Justiça 1 1 Gráfico 1 1 Industrial 1 1 Lavrador 124 6 46 5 181 Marinheiro Nacional 1 1 Marítimo 1 1 Mecânico 1 1 Militar 3 2 1 6 Mortorneiro 1 1 Não declarada 140 347 179 36 702 Negociante 2 2 Operário 83 3 27 1 114 Pedreiro 7 3 10 Pintor 2 2 Pirotécnico 2 2 Protético Dentário 1 1 Trabalhador 5 2 7 Total 454 359 275 42 1130 Fonte: Vide tabela 3.1. Tabela 3.6 - Profissão da mãe nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Despachante 1 1 Doméstica 678 672 1350 Farmacêutica 1 1 Funcionário da Justiça 1 1 Lavradora 1 8 9 Não declarada 277 10 448 735 Operária 1 1 2 Professora 1 1 Total geral 960 10 1130 2100

Fonte: Vide Tabela 3.1.

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Tabela 3.7 – Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal. Município de Nova Iguaçu.

Casado Não Informado Solteiro Viúvo Total geral Doméstica 387 21 233 31 672 Funcionário da Justiça 1 1 Lavradora 1 5 2 8 Não declarada 65 332 40 11 448 Operária 1 1 Total geral 454 359 275 42 1130

Fonte: Vide Tabela 3.1.

Entre os registros de pardos e pretos no ano de 1939, a presença dos avós foi

significativa. Isso é possível perceber na tabela 3.8. Em 73% dos casos as pessoas registradas

conheceram, ou pelo menos ouviram falar, todos os seus avós e apenas 13% não sabiam

sequer citá-los. O avô paterno está presente em 73% dos registros, assim como a avó paterna,

a qual também está em 73%. Efetivamente, mesmo o número sendo igual, não é correto

afirmar que, em todos os 73% dos registros, os avós paternos estão presentes, ou seja, podem

existir registros nos quais aparece a avó e não o avô ou vice-versa. A figura mais sistemática

nos registros foi a dos avós maternos, uma vez que, foram nomeados 82% dos avôs, enquanto

a avó materna estava presente em 87% dos registros.

Ao minudenciar a quantidade de avós das mães solteiras, percebe-se a sua importância

na formação de famílias que não são nucleares (tabela 3.9). Dentre os 275 registros, onde

aparecem às mães solteiras, 52% das pessoas registradas conheceram todos os seus avós e

apenas 3% não saberiam sequer nomear nem um. O avô paterno foi citado em 52% registros,

assim como a avó paterna que está presente também em 52%. A figura dos avós maternos é

muito significativa entre as mães solteiras, visto que o avô materno foi nomeado em 90,5% e

a avó materna em 96% dos registros. Efetivamente, é difícil supor se as pessoas registradas

tiveram contato ou não com seus avós, uma vez que boa parte desta população migrou para a

Baixada entre as décadas de 1920 e 1930. Entretanto, a partir dos presentes dados, se o ato de

registrar requer uma estabilidade, mesmo que precária, na região, é válido supor que os pais

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de pessoas registradas como pretas e pardas tiveram a oportunidade de formar família -

mesmo no núcleo mãe/avó materna/avô materno – e, desse modo, buscaram o registro civil de

nascimentos.

Tabela 3.8 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 73% 822

Avó Paterna 73% 824

Avô Materno 82% 929

Avó Materna 87% 984

Todos os avós 73% 822

Nenhum dos avós 13% 145

Apenas um avó 5% 54

Total de registros 1130 Fonte: Vide tabela 3.1. Tabela 3.9 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos onde as pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 52% 143

Avó Paterna 52% 143

Avô Materno 90,5% 249

Avó Materna 96% 265

Todos os avós 52% 143

Nenhum dos Avós 3% 9

Pelo menos um avó 5% 15

Total 275 Fonte: Vide Tabela 3.1.

Devido à migração dos anos anteriores, pôde-se acompanhar a quantidade extensa de

nascimentos, ocorridos fora da Baixada e registrados no Município de Nova Iguaçu (tabela

3.10). Nesses, a categoria da naturalidade dos pais aparece em quase todos os registros, porém

e infelizmente, no ano de 1939, tal categoria apenas aponta se os pais são “brasileiros” ou não.

Decerto, ao atentar para os locais de nascimento das pessoas registradas, é possível se ter uma

noção da migração. O número que mais impressionou foi o da quantidade significativa de

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registros onde o nascimento ocorreu fora da Baixada, 500 (44%). Desse total, 220 registros

são de pessoas nascidas no Vale do Paraíba. 179

Tabela 3.10 - Região do nascimento nos registros civis de nascimentos por cor. Município de Nova Iguaçu.

Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Belford Roxo 21 63 84 Capital Federal 55 51 106 Duque de Caxias 2 2 Estado Rio de Janeiro 35 1 40 76 Estados do Brasil 12 1 14 27 Itaguaí 1 1 Mesquita 116 1 138 255 Minas Gerais 17 29 46 Não declarada 1 2 3 Não Localizado 1 1 Nilópolis 8 9 17 Nordeste 57 43 100 Nova Iguaçu (sede) 336 249 585 Nova Iguaçu (interior) 208 1 246 455 Paracambi 2 2 4 Queimados 4 11 15 Rio de Janeiro 2 3 5 São João de Meriti 2 1 8 11 Vale do Paraíba 82 5 220 307 Total geral 960 10 1130 2100 Fonte: Vide Tabela 3.1.

No censo de 1940, percebe-se que, a população aumentou no Município de Nova

Iguaçu, essa região apresentava uma diversificação econômica e um crescimento urbano

significativo. De acordo com tal censo, havia, no município todo, 140.606 pessoas; destas,

8.962 (6%) estavam ligadas a atividades de agricultura, enquanto 11.928 (8%) trabalhavam

em indústrias de transformação (tabela 3.11). Aparentemente, a partir do censo citado, a

agricultura deixou de ser a atividade principal. Isso pode ser visto no município como um

179 Deveras, somente ao dividir os três registros – os registros de crianças nascidas e registradas no ano de 1939, os registrados posteriores ao ano de nascimento e os auto-declarantes - é que se poderá construir a trajetória de cada grupo no ano de 1939. Isto será feito de forma mais elaborada no seguir do texto. Entretanto, a preocupação nesta parte é de demonstrar a estabilização dos libertos e de seus descendentes através dos registros civis no ano de 1939.

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todo, uma vez que 39% das pessoas recenseadas se concentravam no quadro urbano, outros

39%, no quadro suburbano e apenas 21% localizavam-se na área rural. 180

Tabela 3.11 – Localização populacional por Distrito de acordo com o censo de 1940. Município de Nova Iguaçu.

População total Quadro urbano Quadro suburbano Quadro Rural Nova Iguaçu (sede) 34680 25% 14303 41% 6295 18% 14082 40% Belford Roxo 7434 5% 2270 30,50% 1781 24% 3383 45,50% Bonfim 1232 1% 61 5% 1171 95% Cava 3048 2% 380 12,50% 75 2% 2593 85% Caxias 24711 17,50% 12417 50% 11290 45% 1004 4% Estrella 3617 3% 153 4% 103 3% 3361 93% Meriti 39569 28% 9741 25% 28453 72% 1375 3,50% Nilópolis 22341 16% 14845 66% 7496 33,50% Queimados 3974 3% 1016 26% 2958 74% Nova Iguaçu 140606 100% 55186 39% 55493 39% 29927 21%

Fonte: Censo de 1940

Ao dividir tais proporções nos distritos do município, é possível perceber a forma, pela

qual a população estava distribuída pelo Município. Se as pessoas estavam, em sua totalidade,

na área urbana, ao olhar para cada distrito, separadamente, pode-se perceber que esse

processo de urbanização foi muito mais presente em alguns bairros. Na área correspondente

ao distrito sede de Nova Iguaçu estava 25% da população total do município. Destes, 41%

encontravam-se no quadro urbano e 40% no quadro rural. Efetivamente havia um equilíbrio

entre a estabilização de pessoas no centro urbano e na área rural do distrito. Contudo, nos

distritos onde houve um crescimento de tamanho similar, a maior parte da população se

concentrou nas áreas urbanas. Exemplificando, a população de Meriti correspondia a 28% do

total do município; destes, 25% e 72% estavam concentrados nos quadros urbanos e

suburbanos, respectivamente. Situação muito semelhante era a do distrito de Nilópolis, que

180 Deve-se, aqui, fazer uma ressalva quanto às categorias utilizadas nestes dois parágrafos. No censo de 1940, aparecem apenas estas categorias: quadro urbano, quadro suburbano e rural. As categorias urbano e suburbano foram utilizados, nesse censo, para a “população aglomerada em centros dotados de um mínimo de serviços coletivos, cujos habitantes se dediquem, em maioria, a atividades alheias à vida rural”. p. xiv, IBGE, censo demográfico de 1940.

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concentrava 16% da população e desse total, 66% estava no quadro urbano, no entanto, não

houve registro de pessoas no quadro rural.

No que tange às regiões do nascimento das crianças pretas e pardas, era de se esperar

que tal população se concentrasse nas áreas urbanas. Na tabela 3.10, dentre os 726 registros

de crianças pretas e pardas, somente 249 (34%) foram declarados como nascidas no distrito

sede de Nova Iguaçu. Houve uma presença marcante desse grupo nos distritos ao redor da

sede do Município. Em Belford Roxo nasceram 63 crianças, enquanto que, em Mesquita,

registrou-se 138. Somando estes números aos dos registros de crianças nascidas fora do centro

de Nova Iguaçu, chega-se ao total de 66%. Seria lícito dizer que, dentre os registros coletados,

em 1939, os pretos e pardos estão estabilizados nos arredores do distrito sede, locais, estes,

onde o crescimento urbano permitiu a diversificação dos arranjos de trabalho e,

provavelmente, o barateamento das propriedades.

Aparentemente, esse ano foi estratégico, no que concerne às definições dos libertos e

de seus descendentes, que migraram para essa região. Se, nos anos anteriores, a migração foi

parte integrante das experiências de pós-abolição, no ano de 1939, a estabilização das famílias

tornou-se mais perceptível. Possivelmente, alguns elementos propiciaram essa estabilização,

como: o avanço urbano, o acesso à terra, graças aos loteamentos, e os novos arranjos de

trabalho.

No ano de 1939, pretos e pardos procuraram legitimar as suas família e a própria,

mesmo que tardiamente (tabela 3.12). Dentre os 2.100 registros, no ano de 1939, 1.205 (57%)

são registros tardios, ou seja, feitos posteriormente ao ano de nascimento. Estes, diferenciam-

se, em dois tipos, os registros tardios de crianças, jovens e adultos, que foram declarados por

alguma pessoa e os auto-declarantes. Para se ter uma maior amplitude do que significou os

últimos anos do registro civil de nascimento, para essa população de pretos e pardos que teve

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o registro tardio, deve-se separar os dois grupos específicos encontrados e analisá-los

cuidadosamente.

Tabela 3.12 – Porcentagem e Total de registros civis de nascimentos tardios por ano. Município de Nova Iguaçu. Porcentagem Total 1919 0,20% 4 1924 0,80% 15 1929 3,40% 63 1934 30% 545 1939 66% 1205 Total geral 1832

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1919, 1924, 1929, 1934, 1939.

3.5 Os Registros Civis de Nascimentos Tardios

Nesta parte, serão analisados todos os registros civis de nascimentos do Cartório de

Nova Iguaçu, os quais não foram feitos no ano de nascimento do registrado. Este registro

tardio pode ser dividido em duas categorias: na primeira, estão bebês de um dia de vida,

crianças, jovens e adultos que foram registrados por alguém, na maioria das vezes, pais e

mães. Em contrapartida, há a ocorrência de registros, nos quais são os próprios que auto-

declaram seu nascimento, no cartório. Sendo assim, a análise será dividida em três momentos.

No primeiro, serão analisados os aspectos gerais desses registros tardios. Em segundo, os

registros tardios de crianças, jovens e adultos registrados pelos pais, mães, entre outros. Por

fim, serão discutidos os registros dos auto-declarantes.

***

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Ao longo dos anos, principalmente entre as décadas de 1930 e 1940, houve uma

presença sistemática dos registros tardios no 1º Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais

do Município de Nova Iguaçu (tabela 3.12). Ao total, foram 1.832 registros declarados nesta

modalidade, ou seja, 27% de todos os registros coletados, entre 1889 e 1939.

Este número também surpreende ao ser dividido pelos anos. De todos os anos

coletados, somente após 1919 os registros tardios começaram a aparecer. Na tabela 3.12, já

apresentada, é possível acompanhar o crescimento desses registros: em 1919, foram 4 (0,20%)

registros; em 1924, esse número aumenta para 15 (0,80%); em 1929, sobe para 63 (3,4%), e,

em 1934, chega a 545 (30%) registros. No ano de 1939, estavam concentrados em 1.205

(66%) os registros tardios de todos os anos coletados.

As leis e os decretos, direcionadas para os registros civis de nascimentos,

provavelmente, permitiam a uma parcela da população acesso a eles, anos após o nascimento

de seus filhos. Durante os primeiros anos de exercício do Registro Civil, no Brasil, qualquer

registro de nascimento de crianças, após o período dado por Lei, seria cobrado uma multa de

10 mil réis. Efetivamente, mesmo não sendo um valor alto, para a época, não era qualquer

pessoa que desembolsaria esse valor para registrar seu filho. Entre os dados coletados, em

apenas 15 casos houve registros mediante pagamento de multa. Somado a este fato,

aparentemente, no início do registro civil, os governos republicanos não se empenharam em

fazer campanhas para divulgar a sua importância. Em virtude desses fatos, parece acertado

afirmar que o subregistro foi altíssimo nos mencionados primeiros anos de registros tardios.

A procura pelo registro civil tardio aumentou, consideravelmente, após a promulgação

de leis que, à priori, incentivaram sua prática. As primeiras leis, neste sentido, foram as Leis

2.887 de 25 de janeiro de 1914 e a 3.024 de 17 de novembro de 1915. A primeira, permitiu o

registro de nascimento sem pagamento de multas e só exigia um simples requerimento para a

sua efetivação. A segunda, apenas prorrogou o prazo para o registro sem multa. Na realidade,

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mesmo após esses primeiros incentivos, nos registros coletados, em Nova Iguaçu, não há

qualquer registro tardio, no ano de 1914 e 1919, que mencione tais leis.

Todavia, somente após 1919 foi que as leis, provavelmente, tomaram força e/ou

incentivaram as pessoas a registrar seus familiares. Nos presentes dados, dentre os 4 registros

tardios desse ano, em 3 há pagamento de multa e, apenas em um, é mencionada a Lei 3.764 de

10 de novembro de 1919. A mesma regulamentou o registro de nascimento mediante

despachos do juiz togado e duas testemunhas, as quais deveriam assinar o requerimento. Era

de se esperar que, nos anos seguintes, fosse possível ver essa lei novamente sendo utilizada

pelas pessoas que requeriam o registro. Não obstante, nos anos de 1924 e 1929, só há menção

nos registros tardios de pagamento de multa.

Efetivamente, essas primeiras leis de incentivo aos registros parecem não ter atingido

a gama da população, a qual se encontrava fora da legitimidade civil, no Município de Nova

Iguaçu. Porém, a partir de 1931, as leis e os decretos seguintes levaram aos registros civis um

número surpreendente de pessoas. No dia 18 de fevereiro de 1931, o Decreto 19.710 obrigou

os registros de nascimentos, não exigindo pagamento de multas nem, tampouco, a necessidade

de qualquer justificativa para o registro tardio. Nos anos de 1934 e 1939, foram coletados 540

registros que mencionavam esse decreto. No entanto, nada parece ter incentivado mais a

procura pelo registro civil do que o Decreto 1.116 de 24 de fevereiro de 1939. Somente no

ano do funcionamento dessa lei foram feitos 1.187 registros tardios. 181

Baseando-se na possibilidade de acesso de forma gratuita e facilitada, seria lícito supor

que, entre os grupos existentes no Município de Nova Iguaçu, todos buscariam o registro

tardio de nascimento (tabela 3.13). Dentre os 1.832 registros tardios, as pessoas registradas

como pretas e pardas estão presentes em 1.001 (55%) registros. À princípio, tais leis parecem

ter incentivado um grupo específico na busca pela legitimação própria e de seus familiares.

181 A análise da importância, destes decretos e leis, para aumentar a acessibilidade da população, no registro civil de nascimento, está na terceira parte deste capítulo.

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Tabela 3.13 - Total de registros civis de nascimentos tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral 1919 1 3 4 1924 9 1 5 15 1929 36 1 26 63 1934 273 13 259 545 1939 489 8 708 1205 Total geral 807 1 23 1001 1832

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1919, 1924, 1929, 1934, 1939.

Para se ter uma melhor visualização das características entre os registros de pretos e

pardos, torna-se necessário dividir os registros em dois grupos: os registros tardios de

crianças, jovens e adultos declarados por outrem e os registros dos auto-declarantes.

Registro tardio de crianças, jovens e adultos declarados por outrem

Nesta parte, serão examinadas as características dos registros de crianças, jovens e

adultos que foram registrados por pais, mães, avós ou “outras pessoas” nos anos posteriores

ao seu nascimento. Trata-se de analisar as famílias de pretos e pardos que buscaram o registro

civil, utilizando as leis e os decretos de incentivo, nos últimos anos coletados de 1934 e 1939,

evidenciando de suas especificidades, sua formação, sua origem e localização.

Nos citados registros, é possível encontrar mais categorias do que as apresentadas na

parte 1.3. Em virtude disso, foi produzido um novo banco de dados, o qual incorporou as

seguintes categorias: a idade que a pessoa foi registrada, o local de residência, a região da

residência do registrado, o ano de nascimento, e o tipo de registro - se foi por multa, decreto,

Lei, autorização judicial, entre outros.

Ao separar a quantidade de registros tardios de crianças, jovens e adultos declarados

por outrem e dos auto-declarantes, chega-se a uma conclusão interessante: os dois tipos de

registros somados chegam a 1.832, dentre os quais 965 (53%) são de crianças, jovens e

adultos registrados por outrem. O acesso ao registro, entre os anos de 1919 a 1939,

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aparentemente, foi de igual proporção para ambas as parcelas da população. Na tabela 3.14,

vê-se que a quantidade de registros por cor é de quase 50% (488) para pretos e pardos e 50%

(474) para brancos. Todavia, ainda assim, é possível constatar a grande presença de pessoas

pretas e pardas sendo registradas no ano de 1939.

Tabela 3.14 - Total de registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral 1919 1 3 4 1924 8 1 4 13 1929 32 24 56 1934 114 1 58 173 1939 320 399 718 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Entre os anos de 1919 e 1939, como se pôde observar, a população de pretos e pardos

buscou ainda mais o registro civil. Ao analisar essa parcela da população, percebe-se que boa

parte dela, que buscou legitimar seus filhos, eram em sua maioria de casados. Na tabela 3.15,

os casados somam-se 252 (53%) e os solteiros são 183 (37,5%). Efetivamente, a presença de

pai e mãe casados é superior, porém, a quantidade de solteiros chama a atenção. A partir desse

detalhe, é lícito supor que as famílias, que buscaram os registros tardios, não eram somente

nucleares completas – pai/mãe/filhos.

Tabela 3.15 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Casado 331 1 1 252 585 Não Informado 16 19 35 Solteiro 67 1 183 250 Viúvo 60 34 94 Total geral 474 1 2 488 964 Fonte: Vide Tabela 3.13.

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Ao olhar a legitimidade das crianças e quem as declararam, um panorama semelhante

à situação conjugal se apresenta. Na tabela 3.16, no que concerne à presença do pai, sendo

nomeado e declarante, ele está em 284 (58%) dos registros. No entanto, entre as crianças

declaradas como provindas de uma relação legítima somam-se 295 (60%), dos registros

(tabela 3.17). A quantidade de registros, nos quais o pai é nomeado e o número de relações

legítimas declaradas pode indicar que a maior parte das pessoas, que procuraram tardiamente

o registro civil, era de famílias nucleares completas e, provavelmente, estáveis em Nova

Iguaçu.

Porém, assim como o pai, a mãe solteira possuiu uma importância concomitante no

que tange a busca pelos registros civis de nascimentos. Em 165 (33%) registros tardios de

pessoas pretas e pardas, a mãe procurou registrar sua prole. Ao atentar para a quantidade de

pessoas registradas como sendo filhos de pai e mãe solteiros, tal número cresceu para 188

(38,5%). Embora seja, um número menor em relação ao pai como declarante, nos registros

tardios houve uma presença significativa de filhos de família nucleares incompletas,

principalmente de mães solteiras.

Tabela 3.16 - Declarantes nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Avós Maternos 1 1 Avós Paternos 1 1 Mãe 134 165 299 Outra Pessoa 25 1 2 38 66 Pai 314 284 597 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Vide Tabela 3.13.

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Tabela 3.17 - Legitimidade nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Ilegítimo 3 2 5 Legítimo 393 1 1 295 690 Não informado 9 3 12 Natural 69 1 188 257 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Ao detalhar um pouco mais a profissão do pai nomeado, declarante ou não, que

registrou seus filhos tardiamente percebe-se a diversificação dos arranjos de trabalho (tabela

3.18 - anexo). Dentre os 488 registros, os quais são de pai das pessoas registradas como pretos

e pardos, a profissão só aparece em apenas 217 registros. Destes, a maior parcela, 86 (40%)

está ligada ao trabalho com lavoura. Para além deste tipo de trabalho, o pai de tais pessoas

estava alocado em outras profissões ligadas ao avanço urbano, 59 (27%) eram operários,

enquanto 34 (16%) trabalhavam como empregado público e 13 (6%) possuíam um comércio

próprio.

Ao cruzar os dados da situação conjugal do pai, de pessoas registradas como pretas e

pardas, com as profissões, percebe-se que os casados estão presentes em 76% dessas

categorias (tabela 3.19). Apesar da maior quantidade dos solteiros não informarem sua

profissão, nos que são mencionados uma característica interessante é apresentada. Dentre os

45 registros de pai solteiro, 17 eram de lavrador, 13 de operário e 7 de comerciante. Deveras,

não é possível afirmar se todas estas categorias profissionais são estáveis ou não. Contudo, a

concentração nestas três categorias pode informar a existência de famílias que são ou

pretendiam ser estáveis, visto que a busca pelo registro pressupõe a existência de certa

estabilidade familiar, seja ela nuclear ou não.

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Tabela 3.19 - Profissão do pai de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.

Casado Não Informado Solteiro Viúvo Total geral Ajudante 1 1 Alfaiate 2 2 Carpinteiro 3 3 Comerciante 9 4 13 Empregado 1 1 Empregado do Departamento Nacional de Saúde Pública 4 4 Empregado municipal 1 1 2 Empregado ou funcionário público 26 1 7 34 Foguista 1 1 Funcionário da Justiça 1 1 Jornaleiro 1 1 Lavrador 65 17 4 86 Militar 2 1 3 Mortorneiro 1 1 Não declarada 86 18 138 29 271 Negociante 1 1 Operário 42 13 1 56 Pedreiro 3 1 4 Trabalhador 3 3 Total geral 252 19 183 34 488

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Ao analisar a presença da mãe, é possível compreender seu papel na formação dessas

famílias. A quantidade de registros nos quais não é declarada a profissão da mãe é um tanto

quanto alta, são 109 (22%); ora, isso faz com que restem apenas 379 para serem analisados

(tabela 3.21). Dentre os 379 casos de pessoas registradas como pretas e pardas as mães são

apontadas, em 377 (99%), como ligadas ao trabalho doméstico (tabela 3.20). Ao examinar a

situação conjugal das mães, as quais exercem a profissão “doméstica”, as casadas são 198

(52%) enquanto as solteiras somam 149 (39%). A presença marcante de mães neste tipo de

trabalho sendo casadas ou não, pode informar a existência de famílias que não são apenas

nucleares.

As mães solteiras estão presentes em boa parte da documentação. Dentre os 488 casos

de pessoas registradas como pretas e pardas, as mães solteiras estão em 183 (37,5%). Destes,

em 101 registros elas foram as declarantes. Aparentemente, por enquanto, é lícito supor que as

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mães solteiras podem ter morado sozinhas, ou com seus pais, e provavelmente, participaram

ativamente do núcleo familiar: avós maternos/mãe solteira/filhos.

Tabela 3.20 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Doméstica 360 1 377 737 Funcionária da Justiça 1 1 Lavradora 1 1 2 Não declarada 112 1 1 109 223 Operária 1 1 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Tabela 3.21 - Profissão da mãe de pessoas registradas como pretas e pardas por situação conjugal nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. Casada Não Informado Solteira Viúva Total geral Doméstica 198 2 149 28 377 Funcionária da Justiça 1 1 Lavradora 1 1 Não declarada 53 17 33 6 109 Total geral 252 19 183 34 488

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Nos registros tardios de pretos e pardos, a presença dos avós também é expressiva.

Não é possível afirmar se os registrados tiveram ou não contato com seus avós, no entanto,

sua nomeação é muito significativa. Dentre os 488 registros selecionados em 359 (74%),

todos os avós estavam presentes (tabela 3.22). Em contrapartida, 26 (5%) dos registros são de

pessoas que só tiveram contato com apenas um avô. E, somente em apenas 14 (3%) casos, não

poderia sequer nomear um deles. Ao dividir entre avós paternos e maternos, percebe-se que os

maternos continuam em alta. O avô paterno aparece em 359 (74%) registros, enquanto a avó

paterna em 365(75%). Deveras, a paternidade da mãe continua seguindo como a mais forte

nos registros. O avô materno está presente 446 (91%) dos registros, enquanto a avó materna,

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surpreendentemente, foi nomeada em 473(97%). Mais uma vez a família da mãe aparece

como figura central na formação das famílias negras no Município de Nova Iguaçu.

Ao minudenciar os dados coletados de mãe solteira, percebe-se que a família da mãe é

figura central das pessoas registradas como pretas e pardas (tabela 3.23). Dentre os 183

registros de mãe solteira, o avô paterno está em 39%, enquanto a avó paterna em 41,5%. A

presença dos avós maternos é bem forte nos registros de mães solteiras. O avô materno foi

nomeado em 92%, enquanto a avó materna estava em 99% dos registros. Aparentemente, os

avós maternos das pessoas registradas já eram estáveis na região. Portanto, provavelmente,

famílias que eram e/ou se pretendiam estáveis, independente de sua tipologia, buscaram muito

mais o registro civil do que famílias unicamente nucleares.

Tabela 3.22 – Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 74% 359

Avó Paterna 75% 365

Avô Materno 91% 446

Avó Materna 97% 473

Todos os avós 74% 359

Nenhum dos avós 3% 14

Apenas um avó 5% 26

Total de registros 488 Fonte: Vide Tabela 3.13.

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Tabela 3.23 – Presença de avós paternos e maternos de mães solteiras nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, nos quais as pessoas foram registradas como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 39% 72

Avó Paterna 41,5% 76

Avô Materno 92% 169

Avó Materna 99% 181

Todos os avós 39% 72

Nenhum dos avós 1% 2

Apenas um avó 6% 11

Total de registros 183 Fonte: Vide Tabela 3.13.

Até o presente momento, os dados obtidos, das famílias de pessoas registradas como

pretas e pardas, assemelham-se em boa parte ao do capítulo 2. Isso significa dizer que no ato

do registro, provavelmente, essa população encontrava-se estabilizada no Município de Nova

Iguaçu. Desse modo, a análise que segue evidencia características específicas dos grupos que

buscaram tardiamente o registro civil, principalmente, no que condiz a sua origem e

estabilidade na Baixada Fluminense.

Apesar da grande dificuldade encontrada ao analisar os registros civis de nascimentos,

em virtude da quantidade de subregistro, alguns dados podem indicar tendências importantes

no que tange à migração e a estabilização das pessoas registradas como pretas e pardas. Em

tais registros encontram-se categorias muito interessantes que colaboram para a análise dos

aspectos da migração e da estabilização de pretos e pardos que migraram para o Município de

Nova Iguaçu, entre a década de 20 e 30, do século XX. Essas categorias são: ano de

nascimento, região do nascimento e faixa etária dos registrados.

Ao examinar os anos de nascimento, como um todo, percebe-se que a busca pelo

registro civil tardiamente, aparentemente, está ligada à idade do registrado. Na figura 3.1,

foram colocados os 718 registros tardios, por ano de nascimento da pessoa, encontrados no

ano de 1939. Tal ano foi escolhido por ter concentrado a maior parte de registro de crianças,

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jovens e adultos registrados por outrem. Na mencionada figura, é possível acompanhar

processos muito interessantes. Dentre as pessoas nascidas, entre 1917 e 1922, e registradas no

ano de 1939, aparentemente, a grande maioria é de brancos. No entanto, mesmo sendo em

número menor, a presença de pessoas pretas e pardas é significativa. O interessante foi notar

que a quantidade de pessoas registradas como pretas e pardas, nascidas após 1924, foi acima

dos brancos até 1938. Portanto, a maior parte das pessoas registradas, no ano de 1939, era de

pretos e pardos e tinha entre 0 e 15 anos. 182

Figura 3.1 – Ano dos nascimentos por nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem declarados em 1939. Município de Nova Iguaçu.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1911 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938

Branca Pardas e pretas Total geral

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939.

Através das idades, é possível identificar alguns traços da população de pretos e

pardos na Baixada que foram registrados tardiamente. Como já visto na tabela 3.14, a maior

parte de todos os registros foram feitos no ano de 1939. Ao analisar a faixa etária por sexo,

182 Nos registros tardios declarados por outrem, no caso limite, trabalha-se com bebês que possivelmente podem ter nascido no dia 31 de Dezembro e sido registrado no dia 2 de Janeiro. Logo, usa-se o ano zero para simbolizar esses casos limites.

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das pessoas registradas como pretas e pardas, um quadro interessante é apresentado (figura

3.2). Em 1939, a maior parte dos registros foi de crianças entre 0 e 5 anos e, aparentemente,

houve um equilíbrio dos sexos nesses registros. No entanto, ao se olhar a faixa etária entre os

16 e 20 anos, nota-se uma maior presença de homens, neste grupo, em relação às duas faixas

etárias abaixo, entre 6 a 10 e entre 11 a 15.

Figura 3.2 – Faixa etária por sexo nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem declarados como pretos e pardos em 1939. Município de Nova Iguaçu.

-100 -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 100

0 - 5

6 - 10

11 - 15

16 - 20

21 - 25

26 - 30

Masculino

Feminino

Fonte: Vide Figura 3.1.

Um exemplo bem claro, deste tipo de registro de nascimento, foi o de um rapaz de 16 anos,

aqui, parcialmente transcrito:

Aos vinte e sete dias do mês de novembro de mil novecentos e trinta e nove, nesta cidade, em cartório compareceu J. P. V., brasileiro, operário, residente em Mesquita, neste distrito, declarou que as cinco horas do dia 5 de agosto de mil novecentos e vinte e três, em Município de Vassouras, neste Estado, nasceu uma criança do sexo masculino, de cor parda que tomou o nome de S.P. filho legítimo dele declarante e de sua mulher A. P. P. , falecida.

183

183 Livro 61, registro 15454, de 1939, RCPNNI.

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Nos registros, os declarantes se preocuparam em dizer o local de origem das crianças,

jovens e adultos. Na tabela 3.24, dentre os 488 registros, 173 (25%) indicam, como locais de

nascimento, regiões fora da Baixada Fluminense. Apesar de ser um número baixo, em relação

ao total dos nascimentos, há a evidência de migração em outro dado. Dentre os 173

registrados como nascidos fora do Município de Nova Iguaçu, 97 (56%) foram somente da

região do Vale do Paraíba.

Tabela 3.24 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas Total geral Belford Roxo 14 31 45 Capital Federal 55 37 92 Duque de Caxias 1 1 2 Estado Rio de Janeiro 20 12 32 Estados do Brasil 7 7 14 Mesquita 56 59 115 Minas Gerais 7 16 23 Não declarada 2 3 5 Não Localizado 1 1 Nilópolis 10 8 18 Nordeste 25 3 28 Nova Iguaçu (sede) 160 2 96 258 Nova Iguaçu (interior) 60 105 165 Paracambi 1 1 Queimados 2 5 7 Rio de Janeiro 1 1 São João de Meriti 1 5 6 Vale do Paraíba 54 1 97 151 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Vide Tabela 3.13. Ao analisar a faixa etária, por região de origem, aparentemente, é possível perceber o

processo de migração e de estabilização da população de pretos e pardos no Município de

Nova Iguaçu. Na figura 3.3, colocou-se os locais de origem por faixa etária, e ao examinar

registros de crianças, entre 0 e 5, percebe-se uma quantidade considerável de nascidas no

distrito sede e no interior de Nova Iguaçu. Porém, há a ocorrência de um dado interessante

quando se observa o número de pessoas nascidas na região do Vale do Paraíba entre 16 e 20

anos e registradas no Município de Nova Iguaçu em 1939.

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cxlviii

Figura 3.3 – Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados como pretos e pardos por outrem em 1939. Município de Nova Iguaçu.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Belford

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Vale do

Par

aíba

0 - 5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30

Fonte: Vide Figura 3.1.

Na figura 3.4, foram colocados todos os registros de 1939, conforme a faixa etária e a

região de nascimento, dentro ou fora da Baixada, da pessoa registrada. Primeiramente, na

figura mencionada, percebe-se que a maior parte dos registrados são crianças, entre 0 e 5

anos, que nasceram na Baixada Fluminense. No entanto, ao examinar a faixa etária entre 11 e

20 anos, é possível perceber que a quantidade de pessoas registradas, em 1939, provindas de

fora do Município de Nova Iguaçu é um pouco superior às nascidas nesta região.

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cxlix

Figura 3.4 – Faixa etária por localização das pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem, em 1939. Município de Nova Iguaçu.

0

20

40

60

80

100

120

140

0 - 5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30

Dentro Baixada

Fora Baixada

Fonte: Vide Figura 3.1.

Tomando a cronologia da migração, utilizada nesta dissertação, que vai de 1920 a

1930, as crianças, jovens e adultos registrados, possivelmente, nasceram nos locais de origem

dos pais, os quais migraram no mesmo período. Esse foi o caso de S.P. acima mencionado:

nascido em 1923, deduz-se que, seu pai fez parte da primeira geração de filhos nascidos após

a abolição; migrou poucos anos após o nascimento do seu filho, próximo a década de 30;

pode ter migrado sem a família, arranjado emprego como operário e se estabilizado em

Mesquita; e, por fim, uma vez ali instalado, provavelmente, legitimou sua relação conjugal e,

posteriormente, registrou seu filho no cartório de Nova Iguaçu.

O ato de registrar significava legitimar as relações parentais como o casamento e os

filhos. Efetivamente, como já mencionado nesta parte, aparentemente, somente as famílias

estáveis e, em específico, estabilizadas recorriam ao registro civil de nascimento. A partir da

figura 3.3, percebe-se a quantidade de pessoas registradas, entre 11 e 20 anos, provindas de

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cl

fora da Baixada. Provavelmente, a migração, com família formada, foi muito mais uma

exceção do que uma regra no caso do Município de Nova Iguaçu.

No que tange à faixa etária das pessoas, registradas por região de origem, é possível

notar um processo de estabilização. Ao analisar a tabela 3.2, percebe-se, primeiramente, que a

diferença entre homens e mulheres é praticamente ínfima, ou seja, havia um equilíbrio entre

os sexos nos registros tardios. De certa forma, os pais e mães buscaram legitimar ambos os

filhos. Em segundo lugar, na faixa etária entre 0 e 5 anos a quantidade de registros realmente

impressiona. Decerto, ao somar todas as crianças de 0 a 15 anos, chega-se a um total de 73%

de todos os registros. O equilíbrio entre os sexos e a quantidade significativa de crianças

registradas tardiamente podem indicar uma estabilização dessa população de pretos e pardos,

em Nova Iguaçu, por volta da década de 40.

A busca pelo registro e pela legitimação de todos os seus familiares foi muito

intensificada nesses registros. Ao analisar qualitativamente os registros, encontrou-se muitos

filhos de pretos e pardos sendo registrados todos no mesmo dia. Esse foi o caso de J.G.D. que

registrou cinco filhos no mesmo dia sendo “brasileiro, residente neste distrito”. No primeiro

filho, declarou que:

No dia 4 de agosto de mil novecentos e trinta e quatro em Paraíba do Sul, neste Estado, nasceu uma criança do sexo masculino, de cor parda que tomou o nome de J.D. filho natural dele declarante e de sua mulher Dona I.C.S. brasileira e doméstica. 184

O seu segundo filho nasceu no ano de 1930, o terceiro em 1931, o quarto em 1934 e o quinto

em 1935, todos nascidos no Município de Paraíba do Sul. Caso semelhante aconteceu com

L.M.C, em 1939 registrou 3 filhos no mesmo dia. No primeiro filho, o assento mostrou que:

Aos trinta dias do mês de dezembro de mil novecentos e trinta e nove, compareceu L.M.C., brasileiro, lavrador, residente neste distrito, declarou que as quatorze horas do dia oito de fevereiro de mil novecentos e vinte nove, em Queimados, neste Município, nasceu uma criança do sexo feminino de

184 Livro 61, registro 15759, de 1939, RCPNNI.

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cli

cor parda, que tomou o nome de T.J.M filha legitima dele declarante e de sua mulher L.A.M. falecida. 185

Esta dissertação não enfoca o acesso à terra por pretos e pardos na Baixada

Fluminense, porém, é possível levantar questões interessantes concernentes à sua

estabilização, a partir dos registros de nascimento. Para identificar a localização de tais

pessoas, serão usadas duas tabelas, as quais cruzam a categoria cor com os locais de

residência dos registrados. Dentre os 488 registros, somente em 90 há menção clara sobre o

local de residência (tabela 3.25). Nestes, em 75 (83%) casos, tal população está basicamente

residente fora da sede do Município. Semelhante conclusão chega-se, ao analisar a tabela

3.26. Em 1939, dentre os 245 registros de crianças nascidas, dentro do Município de Nova

Iguaçu, em 165 (67%), essa população está fora da sede. Eles estão presentes nos distritos

como Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Queimados e, principalmente, em

Mesquita.

Tabela 3.25 – Região da residência por cor nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e pretas Total geral Belford Roxo 2 2 4 Mesquita 9 14 23 Não declarada 405 1 2 398 806 Nova Iguaçu (sede) 19 15 34 Nova Iguaçu (interior) 39 56 95 Vale do Paraíba 3 3 Total geral 474 1 2 488 964 Fonte: Vide tabela 3.13.

185 Livro 61, registro 15741, de 1939, RCPNNI.

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clii

Tabela 3.26 – Região do nascimento por ano das pessoas declaradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu. 1919 1924 1929 1934 1939 Total geral Belford Roxo 2 7 6 16 31 Capital Federal 6 31 37 Duque de Caxias 1 1 Estado Rio de Janeiro 2 10 12 Estados do Brasil 7 7 Mesquita 1 2 4 52 59 Minas Gerais 1 15 16 Não declarada 2 1 3 Não Localizado 1 1 Nilópolis 2 6 8 Nordeste 3 3 Nova Iguaçu (sede) 1 1 6 8 80 96 Nova Iguaçu (interior) 2 7 15 81 105 Paracambi 1 1 Queimados 1 4 5 Rio de Janeiro 1 1 São João de Meriti 5 5 Vale do Paraíba 12 85 97 Total geral 3 4 24 58 399 488

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Ao examinar minuciosamente todos os assentos de pessoas registradas como pretas e

pardas, pode-se levantar suposições interessantes sobre o período do pós-abolição, no

Município de Nova Iguaçu. Devido à criação de leis incentivadoras para os registros de

nascimentos, aparentemente, a parcela da população que mais buscou legitimar seus filhos

foram os pais de pessoas registradas como pretas e pardas, sendo estes casados ou não.

Deveras, a partir dessas leis e decretos, foi possível perceber a formação de famílias de pretos

e pardos estáveis e estabilizados na Baixada Fluminense. Apesar da distribuição territorial

dessa população, no Município de Nova Iguaçu, assemelhar-se ao processo de pós-abolição

britânico186, somente estudos sistemáticos sobre a estrutura fundiária, o mercado de terras e a

forma de ocupação, permitirão avançar nessa discussão.

186 HOLT, Thomas. The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica and Britain, 1832-1938 Baltimore and London: Johns Hopkins University Press, 1992, capítulo 5.

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Os auto-declarantes

Nesta parte, serão analisados os auto-declarantes que se registraram no Cartório de

Nova Iguaçu. Estes registros possuem uma especificidade significativa em relação aos outros.

Se nos registros anteriores foram os pais ou as mães que declaravam o que desejavam, nesse

momento eram as próprias pessoas que selecionavam o que ser assentado. Para além desse

fator, estes registros são muito mais ricos de informações, uma vez que há menções sobre o

local de nascimento, a profissão, o local de residência, o local de casamento, entre outros.

Comparando a quantidade de registros auto-declarados com os registros tardios de

crianças, jovens e adultos registrados por outrem, o primeiro está em menor número. Dentre

os 1.832 registros tardios, 867 (47%) são de auto-declarantes (tabela 3.27). Dentre esse total,

os que se declararam pretos e pardos estão presentes em 513 (59%) registros. Isso demonstra

que tal grupo buscou, de forma contundente, o registro civil de nascimento. Ao separar a

quantidade de registros por cor e por ano, percebe-se um crescimento significativo entre os

anos de 1934 e 1939. Se no primeiro, apenas 201 (23%) pretos e pardos procuraram o registro

civil, no segundo ano, em questão, esse número subiu para 309 (35%).

Tabela 3.27 - Total de registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes por cor e ano. Município de Nova Iguaçu. Brancos Não Informada Pardos e Pretos Total geral 1924 1 1 2 1929 4 1 2 7 1934 159 12 201 372 1939 169 8 309 487 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Dentre as pessoas que se auto-declararam no cartório de Nova Iguaçu, à priori, uma

boa parcela teve família constituída (tabela 3.28). Dentre os 513 registros de pretos e pardos,

infelizmente, em 307 (60%) não há qualquer informação sobre a situação conjugal dos pais.

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cliv

Nos 206 registros restantes, a quantidade de pai e mãe casados são, ao todo, 159 (77%).

Declararam também haver, entre o pai e a mãe solteiros somados, 41 (19%) registros. Não

obstante, há números muito contraditórios no que condiz à legitimidade destes auto-

declarantes. De acordo com a tabela 3.29, nos 513 registros, em 399 (78%), eles se

declararam como filhos “legítimos”, enquanto, em 109 (21%), disseram ser filhos “naturais”.

Por um lado, pode-se presumir que a maior parte dos auto-declarantes possuíam famílias

estáveis e nucleares. Por outro, é preciso relembrar que, o empregado do cartório é obrigado a

registrar tudo aquilo que o declarante fala. Dessa forma, é possível notar que eram poucas as

pessoas que se declaravam como filhos “naturais”.

Tabela 3.28 - Situação conjugal por cor nos registros civis de nascimentos de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardos e Pretos Total geral Casado 144 12 159 315 Não Informado 170 8 307 485 Solteiro 14 1 41 57 Viúvo 5 6 11 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Tabela 3.29 - Legitimidade por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardos e pretos Total geral Ilegítimo 1 1 2 Legítimo 306 19 399 724 Não informado 2 1 4 7 Natural 24 1 109 135 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Em virtude do tipo de registro, detalhar as profissões do pai e da mãe tornou-se difícil.

Dentre os 513 registros, em 504 (98%), não é informada a profissão do pai e, portanto, o tipo

de trabalho do pai aparece somente em 11 (2%) assentos (tabela 3.30). Deste total, 6 estavam

no trabalho na lavoura. O mesmo caso acontece com o detalhamento da profissão da mãe

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(tabela 3.31), pois somente em 28 (5%) registros são declarados as profissões destas, sendo 23

domésticas e 5 lavradoras.

Tabela 3.30 - Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardos e Pretos Total geral Carpinteiro 1 1 Comerciante 1 1 Empregado ou funcionário público 1 1 2 Lavrador 2 6 8 Mecânico 1 1 Não declarada 327 20 504 851 Operário 1 1 3 Pedreiro 1 1 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Tabela 3.31 - Profissão da mãe por cor nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.

Branca Não Informada Pardas e Pretas Total geral Doméstica 15 23 39 Lavradora 1 5 6 Não declarada 317 21 485 823 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Aparentemente, essa parcela da população conheceu muito pouco dos seus avós. A

quantidade de pessoas, que não conheceram e nem souberam nomear todos os seus avós,

chegou ao número de 236 (46%) dos registros (tabela 3.32). Desse total de 513 registros, 22

(4%) conheceu apenas um avô. Os que nomearam o avô paterno foram 231 (45%) e a avó

paterna 225 (44%). Nestes registros, os avós maternos foram menos citados do que nos

registros anteriores, ficando o avô materno com 253 (49%) e a avó materna com 277 (54%)

registros.

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Tabela 3.32 - Presença de avós paternos e maternos de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.

Porcentagem Total

Avô Paterno 45% 231

Avó Paterna 44% 225

Avô Materno 49% 253

Avó Materna 54% 277

Todos os avós 44% 225

Nenhum dos avós 46% 236

Pelo menos um avô 4% 22

Total de registros 513 Fonte: Vide Tabela 3.13.

Deveras, em comparação a todos os registros apresentados nesta dissertação, as

famílias, de onde os auto-declarantes são originários, apresentam certa especificidade. A falta

de detalhamento da situação conjugal dos pais, das profissões dos pais e dos nomes avós, à

priori, indica que estes tiveram uma ruptura precoce com a comunidade de origem. Mesmo

diante de tal quadro, é preciso salientar os indícios de que estes provieram de comunidade

e/ou famílias estáveis. Preliminarmente, é lícito supor que são pessoas que, aparentemente,

deixaram seus pais e avós quando eram relativamente jovens. Para entender um pouco mais

esse grupo há de se dissecá-lo.

Como já mencionado no início desse subitem, a maior parte dos auto-declarantes se

registraram como pretos e pardos, e, provavelmente, possuíam idade suficiente para se

registrar sem a presença dos pais. Ao analisar o ano do nascimento dos auto-declarantes em

relação ao ano de seu registro, percebe-se que estes eram, em boa parte, jovens e adultos.

Conforme fora analisado neste capítulo, na tabela 3.27, quase todos os registros são feitos nos

anos de 1934 e 1939. Na figura 3.5, tomou-se, por base, o ano de 1934. Através da linha, é

possível acompanhar uma quantidade crescente de pessoas se auto-registrando, em 1934,

nascidas após a década de 1900. O pico foi no ano de 1913 e, daí em diante, apenas diminui,

chegando o último registro, no ano de 1920. A figura 3.6 foi construída a partir dos registros

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de auto-declarantes, em 1939. As pessoas nascidas, após a década de 1910, aparentemente,

recorreram ao cartório, tendo as nascidas, entre 1917 e 1918, as que mais procuraram se

registrar.

Figura 3.5 – Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano de 1934. Município de Nova Iguaçu.

0

5

10

15

20

25

30

35

1889

1890

1891

1892

1894

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1899

1900

1901

1902

1903

1904

1905

1906

1907

1908

1909

1910

1911

1912

1913

1914

1915

1918

1920

Dentro Baixada Fora Baixada Total geral

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1934.

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Figura 3.6 - Ano de nascimento por região de nascimento das pessoas que se auto-declararam no ano 1939. Município de Nova Iguaçu.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

1881

1882

1883

1886

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1888

1889

1890

1891

1892

1893

1894

1895

1896

1897

1898

1899

1900

1901

1902

1903

1904

1905

1906

1907

1908

1909

1910

1911

1912

1913

1914

1915

1916

1917

1918

1919

1920

1921

1922

1923

1928

Dentro Baixada Fora Baixada Total geral

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu, 1939.

Ao analisar, separadamente, os registros de 1934 e de 1939, nas categorias faixa etária

por sexo, é possível perceber as características específicas dessa população de pretos e pardos.

A figura 3.7 foi construída com todos os registros, de 1934, de pessoas que se declararam

pretas e pardas no cartório de Nova Iguaçu. Nela, é possível observar que a maior parcela, que

buscou se registrar, era de homens entre 21 e 30 anos. A quantidade de mulheres, que se auto-

declararam, foi muito menor em relação a dos homens, no ano de 1934. Ao se examinar mais

detalhadamente o ano de 1939, chega-se a conclusão de, que além dos jovens e adultos, uma

outra parcela da população de pretos e pardos buscou o registro. Na figura 3.8 a maior parte

dos que procuraram os registros civis de nascimento continuam sendo homens e adultos entre

21 e 30 anos. No entanto, comparando os dados do ano de 1934, as mulheres e as pessoas

acima dos 40 anos recorreram mais ao registro no ano de 1939.

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clix

Figura 3.7 – Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes, 1934. Município de Nova Iguaçu.

-120 -90 -60 -30 0 30 60 90 120

0 - 5

6 - 10

11 - 15

16 - 20

21 - 25

26 - 30

31 - 35

36 - 40

41 - 45

46 - 50

51 - 55

56 - 60

61 - +

Feminino Masculino

Fonte: Vide Figura 3.5.

Figura 3.8 - Faixa etária por sexo de pretos e pardos nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes, 1939. Município de Nova Iguaçu.

-120 -90 -60 -30 0 30 60 90 120

0 - 5

6 - 10

11 - 15

16 - 20

21 - 25

26 - 30

31 - 35

36 - 40

41 - 45

46 - 50

51 - 55

56 - 60

61 - +

Feminino Masculino

Fonte: Vide Figura 3.6.

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clx

A aparente maior quantidade de homens, nos registros civis, não significa que estes

eram a maioria entre a população do Município de Nova Iguaçu. Tanto que, de acordo com o

censo de 1940, a diferença entre homens e mulheres nesse município, dentre as 140.606

pessoas recenseadas, é respectivamente de 71.855 (51%) e de 68.751 (49%), ou seja, há um

equilíbrio entre os sexos, baseado no censo.

O notável número de homens, presentes nos registros, provavelmente, indica que essas

pessoas buscaram o registro para terem acesso ao trabalho, visto que os novos arranjos de

trabalho, provenientes do avanço urbano, podem ter exigido o registro civil.

Ao detalhar as profissões, onde estão alocados os auto-declarantes, percebe-se que

poucos se dedicaram à agricultura. Na tabela 3.33, foi separada por sexo as profissões dos que

se declararam pretos e pardos. Dentre os 165 registros, nos quais são informadas as profissões

dos homens, 110 (67%) estão ligados a trabalhos de operário, enquanto 15 (9%) são

comerciantes. O impressionante foi perceber que apenas 22 (13%) homens estavam ligados a

trabalhos de cultivo.

Tabela 3.33 – Profissão por sexo de pessoas registradas como pretas e pardas nos registros civis de nascimentos tardios de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. Feminino Masculino Total geral Barbeiro 1 1 Chauffeur 1 1 Comerciante 15 15 Doméstica 88 88 Empregado ou funcionário público 6 6 Farmacêutico 1 1 Lavrador 22 22 Marítimo 1 1 Mecânico 1 1 Militar 1 1 Motorista 2 2 Não declarada 28 232 260 Operário 105 105 Pedreiro 4 4 Trabalhador 5 5 Total geral 116 397 513

Fonte: Vide tabela 3.13.

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clxi

Ao analisar as regiões de origem dos auto-declarantes, que se registraram como pretos

e pardos, e eram compostos em sua maior parte por homens em idade adulta, é possível

perceber a sua especificidade. Nas figuras 3.5 e 3.6 é possível observar que a maior parte dos

auto-declarantes são adultos e provenientes de fora da Baixada Fluminense. Em seguida, na

figura 3.9, buscou-se dividir a população auto-declarante, em 1934, entre nascidos “fora” e

“dentro” da Baixada por faixa etária. Neste ano, praticamente, quase toda a população de

pretos e pardos, que se registraram tardiamente, é proveniente de fora do Município de Nova

Iguaçu. De uma forma semelhante, mas tendo suas singularidades, esse número de 1934 se

manteve nos registros de 1939 (figura 3.10). Ou seja, a maior parcela dos que procuraram se

auto-registrar possuíam entre 21 e 30 anos e eram de fora da Baixada. O interessante foi

perceber que, nesse último ano coletado, houve uma busca mais intensa pelo registro civil de

nascimento por uma parcela da população proveniente de fora da Baixada que possuía entre

40 e 60 anos.

Figura 3.9 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes pretos e pardos, em 1934. Município de Nova Iguaçu.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 41 - 45

Dentro da Baixada

Fora da Baixada

Fonte: Vide Figura 3.5.

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clxii

Figura 3.10 - Faixa etária por região de nascimento nos registros civis de nascimentos tardios auto-declarantes pretos e pardos, em 1939. Município de Nova Iguaçu.

0

20

40

60

80

100

120

11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 41 - 45 46 - 50 51 - 55 56 - 60

Dentro Baixada

Fora Baixada

Fonte: Vide Figura 3.6. Detalhando os locais de origem, percebe-se que uma boa parcela dos migrados veio

de uma região específica do Estado do Rio de Janeiro. Na tabela 3.34, dentre os 513 registros

de pretos e pardos, um total de 186 (36%) registros declararam o Vale do Paraíba como o

local de nascimento. Aparentemente, nenhuma outra região superou essa quantidade de

registros. Na tabela 3.35 (anexo), optou-se por colocar todos os locais de onde os auto-

declarantes saíram. É possível perceber os municípios de Valença, Paraíba do Sul, Vassouras

e Juiz de Fora como os que mais “expulsaram” população, ao analisar os registros de 1934 e

1939. Dessa forma, a partir da tabela de locais de origem pode-se construir um mapa que

demonstra a migração do Vale do Paraíba em direção ao Município de Nova Iguaçu.

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Tabela 3.34 - Região do nascimento por cor nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu. Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Alagôas 1 1 Amazonas 1 1 Belford Roxo 3 16 19 Capital Federal 36 2 36 74 Distrito Federal 1 1 Duque de Caxias 2 2 Espírito Santo 1 1 2 Estado Rio de Janeiro 28 2 50 80 Estados do Brasil 15 2 12 29 Itaguaí 1 1 3 5 Mesquita 13 17 30 Minas Gerais 18 30 48 Não declarada 4 6 10 Não Localizado 3 3 Nilópolis 1 1 Nordeste 73 2 56 131 Nova Iguaçu (Sede) 34 1 44 79 Nova Iguaçu (interior) 22 2 34 58 Paracambi 2 3 5 Queimados 2 1 4 7 Rio de Janeiro 2 5 7 São João de Meriti 2 1 4 7 Vale do Paraíba 74 7 186 268 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13.

Ao examinar, mais profundamente, os registros das pessoas provindas do Vale do

Paraíba, nota-se uma grande presença de homens na faixa etária própria para o trabalho, entre

21 e 30 anos. Destes 186 registros, os migrados aparecem, em específico, na categoria

operário e trabalhador; são 43 (26%) registros. Nas outras profissões, a presença de tal grupo

é pequena, destacando 9 lavradores e 6 comerciantes.

Ao analisar as regiões de residência, das pessoas que se registraram como pretas e

pardas, percebe-se a sua distribuição na Baixada Fluminense. Conforme a tabela 3.36, essa

população estava estabilizada, principalmente, nas áreas ao redor da sede do Município de

Nova Iguaçu. Em Belford Roxo, havia 24 pessoas, enquanto em Mesquita, 126 e, no interior

do município, 168.

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Focando somente os nascidos no Vale do Paraíba, percebe-se, em princípio, que a

maior parte seguiu o ritmo da população de pretos e pardos. Dentre os 186 registros, 120

(65%) residiram fora da sede do Município de Nova Iguaçu, enquanto uma pequena parcela,

66 (35%), conseguiu se estabilizar no distrito sede. Ao longo de toda pesquisa, pôde-se

averiguar a quantidade de pretos e pardos que se estabilizaram no distrito de Mesquita. Para

entender um pouco mais lógica de migração para esse distrito, seria necessário estudos

direcionados à diversificação do trabalho, às indústrias locais e principalmente, em relação ao

acesso à terra.

Tabela 3.36 - Região da residência nos registros civis de nascimentos de auto-declarantes. Município de Nova Iguaçu.

Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Belford Roxo 8 1 24 33 Capital Federal 1 1 Japeri 1 1 Mesquita 80 3 126 209 Não declarada 49 9 64 122 Nova Iguaçu (sede) 101 3 130 234 Nova Iguaçu (interior) 93 4 168 265 Queimados 1 1 Vale do Paraíba 1 1 Total geral 333 21 513 867

Fonte: Vide Tabela 3.13. Efetivamente, conectando estes dados com os obtidos nas entrevistas do capítulo 2,

pode-se chegar a suposições interessantes. Nesta parte, parece acertado afirmar que o perfil

das pessoas que buscaram se registrar, era de homens, jovens e adultos, entre 20 e 30 anos,

provindos de regiões de fora da Baixada. Os que buscaram os registros, aparentemente,

nasceram entre os anos de 1900 e 1920. De forma semelhante, Ana Rios através da análise de

duas famílias, percebeu que a maior parte dos descendentes de ex-escravos que migraram do

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Vale do Paraíba, eram maioria homens e nasceram entre esses mesmos anos de 1900 e 1920.

187

Na realidade, tanto nas entrevistas quanto nos registros, aparentemente, esta população

evitou, de alguma forma, o trabalho com a lavoura. É possível que, o crescimento urbano com

terras baratas, em larga expansão nesse período, tenha motivado, concomitantemente, a

diversificação dos arranjos de trabalho, possibilitando, assim, a estabilização dessa população.

3.3 A busca pelo registro civil da população de pretos e pardos na Era Vargas Nesta última parte, será analisada a importância do Governo de Getúlio Vargas para a

população de pretos e pardos, na Baixada Fluminense. Para alcançar este objetivo, o presente

texto será dividido em duas partes. Na primeira, será feita uma discussão bibliográfica sobre

esse tema, utilizando, principalmente, os textos de Ana Rios e de Hebe Mattos. Na segunda

parte, será analisado o registro civil de nascimento do município de Nova Iguaçu. Trata-se,

aqui, de levantar questões sobre o aumento da busca ao registro civil, após a entrada de

Vargas no governo.

***

Ao retornar às primeiras décadas do século XX, percebe-se que, no meio rural, os

fazendeiros tentaram, de várias maneiras, controlar e manter a mão-de-obra em suas

propriedades. De acordo com Rios, os contratos de trabalho entre fazendeiros e trabalhadores,

no Vale do Paraíba, foram, na maioria das vezes, negociados informalmente. Mesmo em um

processo de negociação, os proprietários mantiveram um controle direto sobre esses contratos,

187 RIOS, A. História Oral e Migração – um debate metodológico. (mímeo)

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e não respeitavam a legislação existente. 188 Assim como o contrato era rapidamente

acordado, também poderia ser facilmente quebrado.

Próximo à década de 30, os desmandos dos fazendeiros sobre seus trabalhadores,

aparentemente, aumentaram consideravelmente. De acordo com Rios, desde 1888 e,

posteriormente, à entrada do gado, os proprietários tentaram fixar as normas de contrato de

acordo conforme o seu querer, construindo relações de poder. 189 Nos depoimentos coletados

por essa autora, houve casos em que os patrões tentaram: restringir a movimentação dos

trabalhadores, interferir na privacidade das famílias e controlar os horários. Quando se

sentiam prejudicados, por vezes, estes colocavam fogo na casa daqueles. Uma das soluções

encontradas, por boa parte dessa população, foi a migração.

No que concerne ao campo político, os proprietários tentaram se manter no poder,

através de coerção à população local. Os fazendeiros além de tentar limitar a liberdade

individual e a privacidade, esforçaram-se para impor normas de moralidade, padrões de

deferência e lealdade. Não votar no candidato do patrão significava enfrentá-lo diretamente,

sendo, possivelmente, as conseqüências desses atos, as mais terríveis. Com tal estratégia, os

proprietários conseguiram, de certa forma, dominar as assembléias legislativas estaduais. No

entanto, a intervenção do poder público federal não seria vista com bons olhos, uma vez que

poderia modificar significativamente a “margem de manobra garantida pela fluidez de

contratos de ‘boca’ e pelos inúmeros aspectos relativos à parte não monetária dos mesmos”.

190 Qualquer tentativa de afirmar a legislação, ou de construir uma nova, aparentemente,

prejudicaria os proprietários.

188 RIOS, A. & MATTOS, H. Memórias do Cativeiro: Família, Trabalho e Cidadania no Pós-Abolição. RJ: Ed. Civilização Brasileira, 2005. p. 247. 189 Ibid., p. 249. 190 RIOS, A e MATTOS, H op. cit., p. 148.

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Para os entrevistados do projeto “Memórias do Cativeiro”, tal situação mudou, quando

Vargas assumiu o poder. Nas análises de Ana Rio de Hebe Mattos, elas demonstraram que nas

entrevistas de Cornélio e de Manoel Seabra, percebe-se um marco na memória entre o tempo

do cativeiro e o tempo da liberdade. Para estes dois, nascidos da primeira geração após a

abolição, o marco de ruptura, com a escravidão, foi o Governo Vargas. 191 Em suas

experiências pessoais, o referido governo conseguiu impedir os excessos criminosos, a

exploração do trabalho e a expulsão dos trabalhadores das fazendas. 192 De acordo com

Cornélio, Getúlio teria cumprido a Lei.

Deveras, Vargas pode não ter conseguido manter uma situação estável no campo,

porém, a presença do Estado passou a ser mais sentida entre proprietários e trabalhadores.

Conforme Mattos, nas entrevistas realizadas com os descendentes de escravos, que

vivenciaram o período Vargas, foi possível encontrar um determinado processo de

enquadramento da memória, facilmente identificável com os trabalhos pedagógicos e

normalizadores do Estado Novo. 193 De fato, a “doação” da legislação social por Vargas

marcou uma divisão de tempo na população rural – o tempo do cativeiro e o da liberdade.

Por mais que as ações de Vargas não estivessem direcionadas para o campo, o mundo

agrário foi modificado durante seu Governo. É certo que as leis trabalhistas de 1934 não

chegaram aos trabalhadores rurais; todavia, a emergência de novos agentes de Estado fez com

que, aparentemente, o governo estivesse mais presente, e, em conseqüência disso,

representando, em alguns aspectos, a quebra da relação hierárquica presente. Desse modo, foi

possível notar uma relativa independência dos tribunais, em relação aos fazendeiros, assim

191 Ibid., p. 248 e MATTOS, H. Marcas da escravidão: Biografia, Racialização e Memória do Cativeiro na Historia do Brasil. Tese para professor Titular no Departamento de Historia da UFF. Niterói, 2004. p. 64. Para uma leitura dos trechos importantes destas entrevistas ver o capítulo “Diálogo dos tempos”, de RIOS, A. e MATTOS, H op. cit., p. 127-129. 192 RIOS, A. e MATTOS, H. op. cit., p. 249. 193 MATTOS, H. op. cit., 2004, p. 62.

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clxviii

como tornou mais acessível a busca pelos serviços públicos, por exemplo, Hospitais, escolas,

entre outros. 194

Para além da maior presença do Estado, outros elementos devem ser citados, no que

concerne à modificação do mundo rural. O crescimento urbano, nas áreas próximas ao Vale

do Paraíba, ampliou a oferta de trabalho, atraindo parte dessa população. Os parentes

migrados, que voltavam ou visitavam a comunidade de origem, podem ter funcionado

também como os receptores das políticas pedagógicas e culturais do Estado Novo. 195 Não

apenas as trocas entre mundo rural e urbano colaboraram neste sentido; ora, a ampliação dos

meios de comunicação, assim como os discursos no rádio, em princípio, influenciaram nas

mudanças ocorridas no campo. 196

Dessa forma, durante o Governo Vargas, a criação e a reafirmação de novos agentes

de estado, de novos meios de comunicação e o crescimento urbano, aparentemente,

garantiram os direitos dos trabalhadores. É lícito supor que tais elementos aumentaram,

relativamente, a capacidade de enfrentamento aos fazendeiros, ao longo das décadas de 30 e

40.

Mesmo diante das dificuldades, no Governo Vargas, a população rural buscou os

mecanismos legais. Nesse sentido, em Nova Iguaçu, durante o seu governo, foi possível

perceber a procura intensa pelos registros tardios de nascimentos. Entre essas pessoas

estavam, em boa parte, pretos e pardos, migrados de outras regiões do Rio de Janeiro, em

destaque do Vale do Paraíba. Para entender, um pouco melhor, de que forma esse governo

contribuiu para incentivar a busca pelo registro civil, dessa parcela da população que

encontrou grandes dificuldades no campo, serão analisadas os registros civis de nascimentos

de Nova Iguaçu.

194 Ibid., p. 66. 195 Ibid., p. 67. 196 Idem.

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clxix

Pretos e pardos nos registros civis - 1934 e 1939 Ao analisar todas as leis e decretos referentes à regulamentação do registro civil, desde

sua efetivação, percebe-se que, entre 1930 e 1939, eles possuem uma característica bem

específica. Após a lei de 2.887, de 25 de janeiro de 1914, citada na primeira parte deste

capítulo, apenas 16 anos mais tarde novas leis, incentivadoras do registro civil de

nascimentos, seriam postas em prática. De acordo com os dados, selecionados de cinco em

cinco anos, as primeiras investidas do governo, em 1914 e 1919, nesse sentido, não aparecem

na mostra analisada.

Ao entrar na década de 30, este quadro muda radicalmente. Em tal década o Decreto

19.425 ampliou, para quatro meses, o prazo dos registros de nascimentos ocorridos a mais de

30 quilômetros, sem comunicação ferroviária, do cartório. 197 Já em 1931, o decreto obrigou o

registro de nascimento, sem que fosse necessário o pagamento de multas e a justificativa para

o registro tardio. 198 No dia 24 de fevereiro de 1939, o decreto 1.116 parece ter acertado, no

que tange à iniciativa ampliar o acesso da população, ao registro civil. Nesse decreto, todos

que desejavam fazer o registro tardio foram anistiados da multa. O mesmo foi reforçado, no

dia 29 de dezembro do referido ano, prorrogando o prazo para que, aqueles que não tivessem

se registrado, pudessem fazê-lo. 199

Ao total, nesse período, foram promulgados 4 decretos e uma Lei em relação registro

civil, sendo a maior parte deles, como visto acima, direcionados à regulamentação do registro

tardio. A investida do Governo Vargas, nessa população que não havia recorrido ao registro

no tempo correto por lei, aparentemente, pôde ser vista nos registros civis de nascimentos do

Município de Nova Iguaçu. Na tabela 3.13, apresentada na parte 3.2 deste capítulo, dentre os

1.832 registros tardios, 1.750 (96%) foram realizados entre os anos de 1934 e 1939.

197 Decreto 19425 de 24/11/1930. 198 Decreto 19710 de 18/02/1931. 199 Decreto 1116 de 24/02/1939 e Lei 1929 de 29/12/1939.

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100

200

300

400

500

600

1889 1894 1899 1904 1909 1914 1919 1924 1929 1934 1939

Branca Outras cores Não Informada Pardas e pretas

As leis e os decretos, do registro civil entre 30 e 39, buscavam incentivar as pessoas a

se registrarem, porém um grupo, em específico, recorreu mais do que os outros. Na figura

3.11, colocou-se todos os registros de crianças registradas de acordo com a lei, ou seja,

registradas no ano do nascimento, feitos de 1889 a 1939. Como é possível observar, entre os

anos de 1919 a 1939, no que tange às crianças brancas, os pais das pretas e pardas recorreram,

em comparação, em menor quantidade ao registro civil.

Figura 3.11 – Registros realizados no ano de nascimento da criança por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1889, 1894, 1899, 1904, 1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

Não obstante, ao olhar a figura 3.12, comparando os mesmo anos, verifica-se que,

após 1934, entre as pessoas, as quais buscaram registrar seus filhos e se registrar tardiamente,

utilizando-se das leis e decretos promulgados, a maioria era composta por pretos e pardos.

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Figura 3.12 – Registros tardios por cor e ano. Município de Nova Iguaçu.

Fonte: Vide Figura 3.11.

Ao analisar o local e a região de nascimento das crianças pretas e pardas, registradas

no Município de Nova Iguaçu percebe-se uma grande diferença entre os registros feitos no

próprio ano de nascimento e os tardios (tabela 3.37). No primeiro caso, somando-se as

crianças nascidas dentro da Baixada Fluminense entre 1919 e 1939, têm-se 1.524 (97%) dos

1.569 registros, sobrando 20 (1%) para as nascidas fora do Município de Nova Iguaçu.

Em contrapartida, ao analisar todos os registros tardios, percebe-se que, dentre os

1.001 registros, os de pessoas nascidas, no Município de Nova Iguaçu, são 425 (42%), ao

mesmo tempo em que os nascidos fora contabilizam 554 (55%) (tabela 3.38).

Em virtude da quantidade de subregistro, não é possível chegar a conclusões

definitivas, contudo, pelos dados, pode-se apresentar algumas tendências. As leis e os

decretos promulgados, após 1930, aparentemente, levaram, ao registro civil, uma maior

quantidade de pretos e pardos, os quais legitimaram suas relações e sua prole, mesmo que

tardiamente. Dentre estes, a maior parte era provinda de outras regiões, que não o Município

0

100

200

300

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600

700

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1919 1924 1929 1934 1939

Branca Outras cores Não Informada Pardas e Pretas

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de Nova Iguaçu; destaca-se, para isso o Vale do Paraíba que, dentre os 1.001 registros, 283

(28%) eram dessa região e a Capital Federal que tinha 74 (7%) pessoas.

Tabela 3.37 - Região de nascimento das crianças registradas no ano de seu nascimento por cor. Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e pretas Total geral Belford Roxo 128 2 3 209 342 Capital Federal 2 3 5 Duque de Caxias 3 1 29 33 Estado Rio de Janeiro 1 5 6 Mesquita 297 1 6 302 606 Minas Gerais 1 6 7 Não declarada 39 1 2 21 63 Não Localizado 4 4 Nilópolis 2 2 Nova Iguaçu (sede) 945 5 9 484 1443 Nova Iguaçu (interior) 563 5 6 492 1066 Paracambi 1 1 Queimados 3 3 6 São João de Meriti 3 3 Vale do Paraíba 2 6 8 Total geral 1985 15 26 1569 3595

Fonte: Vide figura 3.11.

Por causa da natureza dos registros, torna-se difícil alcançar também maiores

conclusões, sobre a formação familiar em cada tipo de registro. O problema principal está no

registro tardio, o qual se divide entre os de crianças, jovens e adultos registrados por outrem e

os auto-declarantes. Ao tentar procurar a situação conjugal e a profissão do pai, neste segundo

tipo de registro, a quantidade de referências é muito pequena.

Porém, buscando analisar a influência do Governo Vargas, na ampliação da busca pelo

registro civil, pela população de pretos e pardos, quando se separa estes registros um

panorama muito interessante surge. Dos 1.832 registros tardios, 965 (53%) são de pessoas

registradas por outrem, enquanto os auto-declarantes somam 867 (47%). Comparativamente,

os dados presentes, em cada um destes registros, diferem de forma peculiar (tabelas 3.19 e

3.31). No primeiro, a quantidade de registros, onde o pai é referido, é expressiva, uma vez

que, dentre os 488 registros de crianças pretas e pardas, ele está presente em 217 (44%); e, na

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maior parte, estão concentrados no trabalho de lavoura, 86 (40%). Já nos auto-declarantes, a

referência ao pai aparece somente em 9 (2%) dos 513 registros. Destes, 6 trabalham

especificamente na lavoura.

Tabela 3.38 - Região de nascimento por cor das pessoas registradas fora do ano de seu nascimento (tardios). Município de Nova Iguaçu. Branca Outras cores Não Informada Pardas e pretas Total geral Alagôas 1 1 Amazonas 1 1 Belford Roxo 17 47 64 Capital Federal 91 2 73 166 Distrito Federal 1 1 Duque de Caxias 3 1 4 Espírito Santo 1 1 2 Estado Rio de Janeiro 48 2 62 112 Estados do Brasil 22 2 19 43 Itaguaí 1 1 3 5 Mesquita 69 76 145 Minas Gerais 25 46 71 Não declarada 6 9 15 Não Localizado 4 4 Nilópolis 10 9 19 Nordeste 98 2 59 159 Nova Iguaçu (sede) 194 3 140 337 Nova Iguaçu (interior) 82 2 139 223 Paracambi 2 4 6 Queimados 4 1 9 14 Rio de Janeiro 2 6 8 São João de Meriti 3 1 9 13 Vale do Paraíba 128 1 7 283 419 Total geral 807 1 23 1001 1832

Fonte: Vide Figura 3.11.

Nos assentos de auto-declarantes, a profissão do pai aparece em menor número,

entretanto, há informações complementares nesses registros. Na tabela 3.34, dentre os 397

registros, em apenas 165 (42%), mostram as profissões dos auto-declarantes. Estes 22 (13%)

são lavradores, enquanto um número surpreendente de 110 (64%) pessoas são de operários e

trabalhadores. Ao analisar as profissões de pessoas, que se declararam pretos e pardos por

ano, na tabela 3.39, percebe-se que, em 1934, a categoria “operário” aparece de forma

contundente.

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Tabela 3.39 - Profissão das pessoas que se auto-declararam por ano. Município de Nova Iguaçu. 1924 1929 1934 1939 Total geral Barbeiro 1 1 Chauffeur 1 1 Comerciante 7 8 15 Empregado ou funcionário público 6 6 Farmacêutico 1 1 Lavrador 20 2 22 Marítimo 1 1 Mecânico 1 1 Militar 1 1 Motorista 2 2 Não declarada 1 2 42 187 232 Operário 86 19 105 Pedreiro 4 4 Trabalhador 5 5 Total geral 1 2 177 217 397

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924, 1929, 1934 e 1939.

Na Baixada Fluminense, aparentemente, as leis pós-30 incentivaram um grupo

específico de pessoas na fase adulta e provindas de outras regiões do Estado a buscar o

registro civil de nascimento. Embora em 1939 tivesse mais auto-registros do que em 1934, os

registros deste ano eram muito mais completos do que nos outros anos. Coincidência ou não,

no mesmo ano de 1934, quando foi promulgada a nova constituição de Vargas e as Leis

trabalhistas a quantidade de operários e de trabalhadores, presente nos assentos dos auto-

declarantes, é alta.

De certo modo, essas leis e decretos, na década de 1930, permitiram a essa parcela da

população, formada em sua maioria de pretos e pardos, que estava em busca de trabalho ter

maior acesso ao registro civil de nascimento. Nesta década, ao examinar com atenção, tanto o

Vale do Paraíba quanto a Capital Federal, percebe-se que, nesses lugares o momento, é muito

delicado para tal parcela da população. No Vale do Paraíba a introdução do gado e os

desmandos senhoriais podem ter “expulsado” essa mão-de-obra para fora da região. Já na

Capital Federal, de acordo com Fisher, a população de pretos e pardos, que era moradora de

áreas mais pobres do centro do Rio de Janeiro, teve de abandonar suas casas. Para esse autor,

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isso ocorreu devido ao crescimento urbano e ao aumento dos conflitos com os políticos, que

almejavam, a todo custo, o êxodo moradores pobres das favelas. De acordo com este autor “o

simples fato da discriminação contra os pobres, contra os que desconheciam as leis e os

politicamente fracos traduzia-se no agravamento da segregação racial”. 200

Deveras, a situação na Baixada Fluminense, na década de 30n era de extrema

expansão urbana e de diversificação dos arranjos de trabalho. Aparentemente, nessa região, no

citado período, os conflitos entre políticos e/ou proprietários e trabalhadores não foram

percebidos. Neste sentido, o Município de Nova Iguaçu pode ter funcionado como “válvula de

escape” destas duas regiões, uma vez que a quantidade de registros de pessoas pretas e pardas

vindas do Vale do Paraíba e da Capital Federal, é significativa. Ainda é necessário estudos

sistemáticos sobre a ação do governo de Vargas na Baixada; todavia, pode-se presumir que a

aparente falta de políticas públicas direcionadas para essa região, contraditoriamente, tenha

colaborado para a estabilização de pretos e pardos, oriundo de outras regiões em crise, entre

1920 e 1940.

200 FISHER, Brodwyn Partindo a cidade maravilhosa. In: GOMES, Flávio Santos (ORGS.) e CUNHA, Olívia M. G. Quase-Cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007. p. 447.

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Conclusão

Tomar a decisão de abandonar a casa, a família, os parentes e os amigos,

provavelmente, deve ser uma das mais difíceis da vida de uma pessoas. Não deve ser fácil

optar ir para um lugar onde não há qualquer relação social construída, onde não é mais filho,

neto e afilhado de alguém conhecido na região, onde não é reconhecido por ser um bom

trabalhador e principalmente onde não há qualquer pessoa que o ajude em uma situação de

crise. Enfim, migrar, aparentemente, é uma situação limite que visa ajudar a família de origem

em primeiro lugar, e, em seguida, manter a sua sobrevivência. Contudo, a decisão de migrar

não é tomada a esmo. Não se migra sem ter a certeza de que é possível, no lugar escolhido,

obter recursos para si e para a sua família.

No Vale do Paraíba, a situação econômica, política e social não favoreceu a

estabilização dos descendentes de libertos, ao longo do século XX. Apesar dos últimos anos

de escravidão ter sido conturbado, com fugas em massa, os recém-libertos conseguiram de

alguma forma, mesmo que instável, permanecer no campo nos primeiros anos do período do

pós-abolição. Com a pequena roça, seja doada por patrões, ou concedidos por proprietários

em troca de trabalhos na Turma, aparentemente, boa parte da população provinda da

escravidão conseguiu se manter no Vale do Paraíba. Contudo, com o declínio do café e da

entrada de novos tipos de produção, como o gado e o eucalipto, os descendentes de libertos

não encontraram a mesma situação que seus pais, no período do pós-abolição.

Esses novos tipos de produção exigiam menos trabalho coletivo e mais terra. A

diminuição de oferta da pequena roça e a falta de emprego nas grandes propriedades não

permitiu, a boa parte, a solidificação de um dos principais significados de liberdade

empreendidos por ex-escravos e seus descendentes: aliar o trabalho assalariado nas grandes

propriedades com produção independente para subsistência e venda de excedentes nos

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mercados locais. Consequentemente, uma das estratégias, encontradas por essa parcela da

população, foi a migração para diversos lugares dentro do Vale do Paraíba e para outras

regiões do Estado do Rio de Janeiro, em destaque, os centros urbanos em crescimento.

Ao mesmo tempo em que o Vale do Paraíba entrava em um processo de crise

econômica, que “expulsou” mão-de-obra, em outras regiões do Rio de Janeiro, novas

produções começavam a ganhar destaque internacional. Na presente dissertação, optou-se por

estudar o processo de crescimento econômico e urbano da Baixada Fluminense, em destaque

para o Município de Nova Iguaçu. Essa escolha foi embasada pelas entrevistas do acervo

“Memórias do Cativeiro” as quais, em sua grande maioria, há menções de parentes que

migraram, sazonalmente e permanentemente, para a Baixada Fluminense. Para além da

análise qualitativa, buscou-se, também, discutir quantitativamente esse processo.

Os libertos e seus descendentes, no período do pós-abolição, procuraram legitimar as

suas relações familiares e sociais. Tanto no Vale do Paraíba como no Município de Nova

Iguaçu, pretos e pardos estavam presentes nos registros civis. O ato de registrar os filhos e a

si, pressupõe que esses estivessem estabilizados na região. Estabilizado não significa dizer,

automaticamente, que possuíam família nuclear formada, pois entre os registros civis

encontrados, uma parte significativa das crianças, registradas como pretas e pardas, eram

filhos de mães solteiras. Dessa forma, com a presença da categoria “cor”, em quase todos os

registros, foi possível perceber a formação familiar de pretos e pardos, no município de Nova

Iguaçu, no período do pós-abolição.

Na década de 1930, a produção de laranjas na sede do Município de Nova Iguaçu

chegou ao seu auge. Desde 1896, quando da primeira exportação de laranjas para os países do

sul da América, esse tipo de produção ganhou destaque no Estado do Rio de Janeiro. Na

virada do século, com a crise do café e da cana-de-açúcar na Baixada Fluminense, os

latifúndios começaram a ser divididos, e deram origem a médias e pequenas propriedades. A

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chácara era o terreno ideal para a plantação de laranjas. Apesar de necessitar de uma área

pequena para a sua produção, não se sabe ao certo o valor para se iniciar, no entanto, é

possível afirmar que não estava acessível a todos. Tanto que, as maiores empresas nesse ramo,

na região, estavam nas mãos de imigrantes europeus, principalmente, portugueses e

espanhóis.

O crescimento econômico, em virtude das laranjas, trouxe conseqüências importantes

para a região, como o crescimento urbano e a diversificação dos arranjos de trabalho. Nos

censos foi surpreendente acompanhar o aumento da população no Município de Nova Iguaçu

nas primeiras décadas do século XX. De 33.396 pessoas recenseadas em 1920, esse número

saltou para 140.606 em 1940. Aparentemente, a combinação entre a necessidade de mão-de-

obra nas chácaras de laranja e nos setores ligados a ela, aliada ao crescimento urbano, com

propriedades baratas, ao entorno das regiões produtores, levaram à Baixada Fluminense uma

quantidade significativa de pessoas.

Se, efetivamente, no período do pós-abolição, na Baixada, não foi possível formar

famílias extensas e estáveis, o panorama da década de 30 contribuiu para essa estabilização. O

aumento pela procura do registro civil, após esses anos, demonstra que nesse momento as

famílias começaram a se tornar estáveis na região. Não apenas as famílias nucleares

completas procuraram legitimar seus filhos, as incompletas, com mães solteiras, participaram

ativamente na busca pelo registro civil. Da mesma forma, os números encontrados após 1930,

no Município de Nova Iguaçu, assemelhavam-se aos de Ana Rios para Paraíba do Sul para o

período imediato do pós-abolição. O pai estava mais presente nos registros, assim como

estavam mais espalhados entre os diversos arranjos de trabalhos. No entanto, a singularidade

dos registros consistia na existência de uma quantidade considerável de pais, registrando seus

filhos, de origem de fora da Baixada.

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Nessa mesma década, de 1930, Getúlio Vargas assumiu o poder e, posteriormente,

promulgou Leis e Decretos, que incentivavam a busca pelo registro civil de nascimento tardio.

Sem o dever de pagar multa pelo atraso do registro, em Nova Iguaçu, um grupo específico

buscou o registro civil, nesse período. Na coleta de dados no cartório dessa região, foi

possível encontrar dois tipos de registros tardios: o registro tardio de crianças, jovens e

adultos declarados por outrem e os registros nos quais as pessoas auto-declaravam seu

nascimento. Nos dois casos foi impressionante ver a quantidade de pretos e pardos que

buscaram o registro Civil.

No primeiro caso, o registro tardio de crianças, jovens e adultos declarados por

outrem, os pais não mediram esforços para registrar os seus filhos. A maior parte dos registros

eram de crianças entre 0 e 5 anos, registradas como pretas e pardas e nascidas no próprio

Município de Nova Iguaçu. Contudo, ao olhar atentamente para as faixas etárias de 15 a 30

anos, percebe-se que a maioria nasceu em regiões fora da Baixada Fluminense. Destaca-se,

nesse caso, as pessoas nascidas na região do Vale do Paraíba e que foram registradas,

provavelmente quando seus familiares estavam estáveis, no Cartório de Nova Iguaçu.

A singularidade, da presente dissertação, consiste na análise dos registros tardios dos

auto-declarantes. Declararam, nos registros civis de nascimento do Cartório de Nova Iguaçu,

ser, em sua maioria, pretos e pardos. De acordo com o ano de seu nascimento estavam entre

os 21 e 30 anos, a idade do trabalho. Dedicavam-se aos empregos ligados ao avanço urbano,

como operários e trabalhadores. Esse grupo específico, de pessoas que buscou se registrarem

no cartório, era de fora da Baixada Fluminense, e, uma parte significativa, veio do Vale do

Paraíba. Aparentemente, conseguiram se estabilizar, após o processo de migração, nas áreas

ao entorno da sede de Nova Iguaçu, onde, provavelmente, as propriedades eram mais baratas

e permitia aliar plantação de subsistência e venda de excedentes nos mercados locais com

trabalho assalariado.

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A busca pelo registro civil, na idade adulta, pode estar ligada ao período Varguista.

Após 1934 foi intensa a quantidade de pessoas se registrando como operários e trabalhadores,

no cartório de Nova Iguaçu. Os diversos empregos, abertos na Baixada, podem ter exigido a

carteira de trabalho e com ela a identidade civil, através da certidão de nascimento. Desse

modo, as leis trabalhistas e a criação da carteira de trabalho podem ter incentivado esse grupo,

de pretos e pardos provindos do Vale do Paraíba, se registrar.

Efetivamente, durante o período estudado, 1888 a 1940, a região da Baixada

Fluminense cresceu, ampliando a possibilidade de adquirir terras e diversificando os arranjos

de trabalho. Aparentemente, essa região serviu como “válvula de escape” tanto do Vale do

Paraíba, que estava expulsando pessoas, como do centro do Rio de Janeiro que passava por

um período de reformas, e estava retirando a população pobre, das favelas e dos cortiços.

Sendo assim, no Município de Nova Iguaçu, onde na década de 40 começava os grandes

loteamentos de terra, provavelmente, foi assentada nas regiões ao entorno da sede essa

população mais pobre, formada em sua maioria por pretos e pardos.

Migrar para muitas famílias, como as encontradas durante a pesquisa, significou uma

mudança radical de vida. Efetivamente, a maior parte das histórias, mencionadas nesta

dissertação, falam de sucesso nesse empreendimento, mas também apresentam um caráter

negativo, uma vez que, muitas famílias entrevistadas não sabem, até os dias de hoje, o

paradeiro dos seus parentes migrados. A margem de erro dessa população era muito pequena,

no entanto, se não conseguisse obter sucesso, no empreendimento da migração, em último

caso havia a possibilidade de se retornar para a família no campo.

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Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais 1ª Circunscrição de Nova Iguaçu

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35, 36, 47, 48, 39, 50, 58, 59, 60 e 61. Nos seguintes anos: 1889, 1894, 1899, 1904,

1909, 1914, 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

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ANEXOS

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Anexo - I Capítulo 1 Tabelas Tabela 1.3 – População por ano segundo os censos. Paraíba do Sul, Valença, Vassouras, Iguassú e Estrella. 1872 1890 1920 1940 Paraíba do Sul201 37461 27351 52474 50605 Valença 47131 33623 41389 36748 Vassouras 38253 36483 59551 51632 Baixada 202 31251 27083 33396 140606

Fonte: Censos de 1872, 1890, 1920 e 1940. Tabela A.1 – Propriedades por distrito, 1927. Município de Nova Iguaçu. Nova Iguaçu 35 Sarapuí 3 Rocha Sorinho 2 Sede 16 Morro Agudo 3 Belford Roxo 7 Mesquita 3 Austin 1 Queimados 7 Queimados (centro) 6 São Pedro 1 Cava 8 Tinguá 3 Retiro 4 São Bernardino 1 Meriti 21 Meriti (centro) 18 São Matheus 3 Estrella 22 Estrella (centro) 18 Xerém 4 Nilópolis 6 Bonfim 5

Fonte: Diretoria de Agricultura RJ, 1927.

201 Em 1940 foi somado o Município de Entre Rios 202 Em 1872 foi somada o Município de Estrella com o Município de Iguassú que atualmente configuram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

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Tabela A.2 – Profissão do pai de crianças registradas tardiamente como pretas e pardas. Município de Nova Iguaçu. Total Açougueiro 2 Administrador 1 Agricultor 3 Ajudante 2 Alfaiate 2 Armador 1 Artista 8 Bombeiro Hidraulico 1 Carpinteiro 11 Carvoeiro 2 Chauffeur 10 Comerciante 44 Eletricista 5 Empregado 1 Empregado da Estrada de Ferro Rio D`ouro 3 Empregado do comércio 1 Empregado do Departamendo Nacional de Saúde Públic 5 Empregado municipal 7 Empregado ou funcionário publico 205 Estrada de Ferro Central do Brasil 2 Farmacêutico 1 Ferreiro 3 Ferroviário 1 Florista 1 Foguista 1 Funcionário da Justiça 1 Gráfico 1 Industrial 1 Jardineiro 1 Jornaleiro 28 Jurista 1 Lavrador 498 Light 4 Lustrador 1 maquinista 1 Marceneiro 3 Marinheiro Nacional 4 Maritimo 1 Mecânico 5 Militar 16 Mortorneiro 1 Motorista 3 Negociante 9 Operário 245 Padeiro 2 Pedreiro 36 Pintor 6 Pirotécnico 2 Protético Dentário 1 Sapateiro 2 Trabalhador 9

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Trabalhador da Prefeitura do DF 1 Total geral 1206

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1924, 1929, 1934 e 1939. Tabela 3.4 – Profissão do pai por cor nos registros civis de nascimentos, 1939. Município de Nova Iguaçu.

Branca Não Informada Pardas e pretas Total geral Açougueiro 1 1 Agricultor 5 5 Ajudante 2 2 Alfaiate 1 2 3 Ambulante 1 1 Aposentado 1 1 Armador 1 1 Auxiliar de Carista 1 1 Barbeiro 6 6 Bombeiro 2 2 Bombeiro Hidraulico 2 2 carpinteiro 12 4 16 Cetricultor 1 1 Chauffeur 3 4 7 Comerciante 76 18 94 Condutor 2 2 Contador 1 1 Cozinheiro 1 1 Despachante 1 1 Educador 1 1 Eletricista 4 2 6 Empregado do Departamendo Nacional de Saúde Públic 5 5 Empregado Estadual 2 2 Empregado municipal 5 5 Empregado ou funcionário publico 47 57 104 Escultor 1 1 Estucador 3 3 Ferreiro 1 1 Ferroviário 1 1 Funcionário da Justiça 1 1 Funcionário do Ministério da Guerra 1 1 Gráfico 2 1 3 Guarda-Livros 2 2 Industrial 1 1 2 Jardineiro 1 1 Lavrador 141 181 322 Light 5 5 Marceneiro 1 1 Marinheiro Nacional 2 1 3 Maritimo 1 1 Mecânico 13 1 14 Médico 2 2 Militar 11 6 17 Mortorneiro 1 1 2 Motorista 12 12

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Não declarada 497 8 702 1207 Negociante 7 2 9 Operador 1 1 Operário 52 1 114 167 Padeiro 1 1 Pedreiro 8 1 10 19 Pintor 3 2 5 Pirotécnico 2 2 4 Policia Militar 1 1 Professor 2 2 Proprietário 2 2 Protético Dentário 1 1 Relojoeiro 1 1 Sapateiro 1 1 Serventuário Municipal 1 1 Tintureiro 1 1 Trabalhador 2 7 9 Trabalhador Braçal 1 1 Vendedor Pracista 1 1 Total geral 960 10 1130 2100

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1939.

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Tabela 3.18 – Profissão do Pai por cor nos registros civis de nascimento tardios de crianças, jovens e adultos declarados por outrem. Município de Nova Iguaçu.

Branca Outras cores Não Informada Pardas e pretas Total geral Açougueiro 1 1 Agricultor 3 3 Ajudante 1 1 alfaiate 2 2 Aposentado 1 1 Barbeiro 2 2 Bombeiro Hidraulico 1 1 carpinteiro 1 3 4 Chauffeur 2 2 Comerciante 36 13 49 Condutor 1 1 Cozinheiro 1 1 Educador 1 1 Eletricista 4 4 Empregado 1 1 Empregado do Departamendo Nacional de Saúde Públic 4 4 Empregado Estadual 2 2 Empregado municipal 3 2 5 Empregado ou funcionário publico 33 34 67 Escultor 1 1 Estucador 2 2 Ferreiro 1 1 Foguista 1 1 Funcionário da Justiça 1 1 Gráfico 1 1 Guarda-Livros 2 2 Industrial 1 1 Jornaleiro 1 1 Lavrador 59 1 86 146 Light 2 2 Marceneiro 1 1 Mecânico 4 4 Médico 1 1 Militar 1 3 4 Mortorneiro 1 1 Motorista 3 3 Não declarada 243 1 1 271 516 Negociante 5 1 6 Operário 33 56 88 Padeiro 1 1 Pedreiro 6 4 10 Pintor 3 3 Pirotécnico 1 1 Professor 1 1 Proprietário 7 7 Sapateiro 3 3 Trabalhador 3 3 Total geral 474 1 2 488 964

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

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Tabela 3.35 – Locais de Nascimento no Vale do Paraíba nos registros civis de nascimentos dos auto-declarantes. Total Além Paraíba 3 Amparo 1 Aparecida do Norte 1 Bananal 1 Barbacena 3 Barra do Piraí 8 Barra Mansa 5 Belmiro Braga 1 Bicas 1 Bom Jardim 1 Cambuci 2 Cantagalo 6 Carmo 2 Conservatória 3 Cordeiro 1 Fazenda Boa Vista 1 Fazenda de Santa Cecília 1 Fazenda de Santa Clara 1 Friburgo 1 Ipiabas 3 Itabopoana 1 Itaocara 2 Itaperuna 4 Itatiaia 1 Jacareí 1 Juiz de Fora 12 Juparauá 2 Juparauã 1 Leopoldina 2 Lima Duarte 8 Mar de Espanha 3 Maripá 1 Mendes 2 Miguel Pereira 1 Miracema 2 Monte Verde 1 Muriaé 1 Paraíba do Sul 16 Paty de Alferes 6 Petrópolis 3 Piraí 3 Porto das Flores 3 Porto Novo do Cunha 3 Quatis 2 Resende 1 Rio Claro 2 Rio Novo 1 Rio Preto 3 Sant´Anna de Palmeiras 1 Santa Isabel do Rio Preto 3 Santa Rita de Jacutinga 4 São Francisco de Paula 1

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São João Marcos 5 São José do Rio Preto 3 Sapucaia 5 Ubá 1 Valença 16 Vassouras 13 Total geral 186

Fonte: Ofício de Registro Civil das Pessoais Naturais da 1ª Circunscrição do Município de Nova Iguaçu. 1919, 1924, 1929, 1934 e 1939.

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ANEXOS II

Passagem da entrevista no qual Izaquiel conta sobre o momento que reencontrou seu

sobrinho.

- E a Melinda?

- Melinda foi pro Rio, ficou lá no Rio, deixou a menina, a menina morreu.

- Que idade que ela tinha quando a menina nasceu?

- Não sei a idade que ela tinha não, eu era pequeno, era garoto.

- E ela foi pro Rio, o Ormindo já estava lá ou não?

- Não, o Ormindo era solteiro, quando ela foi pro Rio.

- Então ela foi a primeira a ir pro Rio?

- Foi ela e foi uma irmã, essa tal de Maria.

- Foram as duas?

- As duas foram pro Rio, foi uma pessoa daqui, foi por intermédio de uma pessoa que ela foi

se empregar, foi empregar em um lugar, que não sei onde, o nome é Laranjeira, e aí por lá,

minha irmã veio e ela não veio, diz que não queria vir aqui mais não, para roça, ficou por lá.

Minha irmã veio e ela não veio. Depois então não escreveu mais, papai procurava, mandou

colocar no jornal, que ela sumiu e ela não aparecia de jeito nenhum, depois então minha mãe

morreu, chorava sempre por causa dela, meu pai também morreu, sem saber. Depois um dia

ela precisou lá de documento, documento no Rio, pra tirar documento pra ela, aí falou com

filho dela, aí ela já tinha filho no Rio, já era casada e tinha filho, filho de um português no Rio

e falou com ele que viesse aqui em Paraíba do Sul, para ir no cartório, para tirar o documento

de idade aqui no cartório, que era para ela poder tirar lá o documento no Rio. Depois ele

chegando aqui, eu trabalha na estação, eu trabalhava na estação, nessa época eu trabalhava na

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estação, aí ele chegando aqui, quando ele falou o meu nome lá com a escrivona, ela me

conhece muito, me conhecia, ela já morreu a escrivona, morreu em Niterói, ela falou assim:

“essa pessoa que essa pessoa que você está procurando por aqui, tem parente aqui, você tem

parente por aqui, por esse sobrenome que você me deu”. Aí a escrivona falou para ele assim:

“Escuta, você não tem parente aqui em Paraíba?” “Não sei, eu nunca vim aqui, vim aqui pela

primeira vez”. Ela falou assim: “olha, você tem parente aqui em Paraíba, porque tem um

rapaz que trabalha na estação aqui em Paraíba, que deve ser parente da sua mãe, mas você

pergunta lá estação, quem sabe, mas antes...agora eu posso abrir o cartório que é muito cedo,

mas depois eu posso ir lá abrir o cartório, quando foi um meio-dia, você vem, mas agora não

posso abrir o cartório”. Porque ensinaram para ele onde era a casa dela, aí ele foi na casa dela

e falou com ela, aqui em Paraíba. Aí ele falou: “depois eu posso ir lá tirar”, chamava Íris

Prado da Silveira, o nome dela.

Aí ele foi veio na estação e perguntou se não tinha essa pessoa por aqui. Essa pessoa chama,

já fiz dois casamentos dele aqui, chama Izaquiel, Izaquiel o nome dele, você procura lá na

estação, ele é guarda na estação, você procura ele que é capaz dele estar lá estação, se não

tiver eles sabem onde mora. Aí ele veio na estação e perguntou, mas eu tinha saído naquela

hora do pernoite da estação, chegando lá o agente falou com ele: “trabalha sim, ele chama

Izaquiel”. “Pois é, eu queria saber onde é que ele mora”. “Ah, ele mora aqui pra baixo, você

desce aqui pra baixo pelo lado da Cerâmica D’Angelo, é praquele lado, você pergunta por ali,

que você vai na casa dele”. Aí ele veio, ele veio direitinho, chegando na Cerâmica ele

perguntou, aí informaram onde eu morava, mas eu já tinha vindo em casa e voltei para

Paraíba outra vez, eu estava de bicicleta, naquele tempo eu gostava de andar com um chapéu

preto, da fita branca, boiadeiro, então ele encontrou comigo, bem, veio em casa, na minha

casa, chegou na minha casa minha filha atendeu e ele falou assim: “aqui mora um tal de

Izaquiel?” Ela falou assim: “Mora sim, o senhor deve ter encontrado com ele por aí, não

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encontrou não?” Ele falou assim: “Porque?” “Senhor não encontrou com um homem por aí de

bicicleta, com chapéu preto, com a fita branca?” “Encontrei sim, de bicicleta, um homem

nessas condições.” “Aquele que é meu pai, ele foi lá fora em Paraíba.” “Mas será que eu

voltando encontro ele lá?” “Voltando encontra, porque ele deve estar numa loja”. Porque eu

fui numa loja, a menina sabia. “Ele está numa loja ali na chegada, pra cá da estação, ele está

naquela loja, foi ele e mamãe”. Aí ele foi, quando ele chegou lá, ele olhou e falou assim para

o sogro dele: “aquele ali é que nós encontremos, será que é ele?” Ele falou assim: “esse

mesmo que nós encontremos.” Aí ele ficou em pé na porta, mas eu tava ainda caçoando com a

dona da loja, ela brincava muito comigo, e minha esposa mandando ela cortar o pano ali, ela

escolhendo o pano, a fazenda, ela escolhendo ali, ela cortando. Eles em pé na porta. Aí ele

falou assim: “escuta, esse homem que está aí, chama Sr. Izaquiel?” Ela falou assim: “chama,

ele é dono desses de trens todos que estão aí”, brincando com ele, “esses trens todos que estão

aí”. “Eu queria falar com ele”. Aí ela falou assim: “esse rapaz ali quer falar com você”. Aí eu

falei: “o que que você quer?”. Ele falou assim: “O senhor tem algum parente no Rio?” Eu

falei: “tenho bastante parente no Rio, tenho irmão.” Ele falou assim: “irmã você não tem

nenhuma no Rio?” Falei: “ó, não sei se tenho, porque tem uma irmã que se perdeu lá embaixo

no Rio, sumiu lá embaixo no Rio, não sei se ela é viva ou morta.” Aí ele, moreno baixinho,

bigodinho pretinho, era filho de português, então ele falou assim: “escuta, mas o senhor é

irmão dela, então a bença, meu tio.” Aí eu falei: “mas porque que você está me tomando a

bença e me chamando de tio?” “Porque ela é minha mãe, estou vendo que o senhor parece um

pouquinho com ela”. Aí ele me abraçou, coisa... Aí eu falei: “como é que é?” Fiquei todo

emocionado com aquilo, alembrei de minha mãe, que minha mãe sempre chorava, não era

filha dela mas ela gostava, ela criou, era enteada, ela chorava, falava que o Rio de Janeiro

sumiu com a filha, coisa e tal, ela chamava ela de filha. Lembrei da minha mãe que morreu,

ela já era morta e ela apareceu. Falei, “mas existe minha irmã?” Ele falou assim: “ela está no

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Rio, é minha mãe, ainda tem outra irmã minha, nós somos dois, um casal”. Aí eu falei: “ela

está no Rio, está viva?” Ele falou: “minha mãe está viva, vim aqui apanhar um documento

aqui, certidão dela, para tirar documento pra ela”. Aí eu falei: “vamos lá pra casa”. Trouxe

eles pra casa, almocemos aqui em casa, aí

eu telefonei para o meu irmão no Rio, esse irmão meu que está no Rio, falei para ele que ele

estava lá no Rio e não tinha achado minha irmã, ainda não viu minha irmã, mas eu aqui na

roça já tinha encontrado ela, já tinha encontrado minha irmã. Foi uma alegria danada, escrevi

pra ela, ele falou: “você me mata aqui no telefone”. Trabalhava lá em Engenho de Dentro, ele

era feitor da Light, aí ele falou assim: “você mata assim, Izaquiel, me falando uma coisa

dessa”. Aí peguei os detalhes todos com o rapaz, onde que ela morava, morava no Rio, perto

do Túnel velho, sobe uma escadaria, aí sobe, dando pelo telefone tudo, dando os detalhes,

falei para ele “dá para você ir aí?” E ele foi certinho na casa dela, na casa da minha irmã, ele

falou assim: “vou lá hoje na casa dela”. Aí eu falei, “vai, que é assim, assim, assim”. Dei os

detalhes e ele foi direitinho na casa da minha irmã no Rio, ela tava no Rio. Depois então nós

passamos a conviver, ela vinha aqui, eu fui na casa dela.

- Mas porque ela passou tanto tempo sem dar notícia?

- Não sei porque ela fez aquilo, ela falou pra mim depois que ela não veio aqui, falei assim

“porque que você não veio, menina, porque que você não escreveu?” Ela falou que não, por

causa daquilo que tinha passado com certeza, aí ela ficou com vergonha, não queria encontrar

com essa pessoa mais, com esse marido dela mais. Por causa daquilo que ele fez, coisa e tal,

ela guardou aquilo e não quis encontrar com ele mais. Então ela falava que não era para falar

nada com ele. Ele estava vivo.

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ANEXOS III Registro Base Número vinte nove. Aos desoito dias do mês de janeiro de mil novecentos e vinte e nove,

nesta cidade de Nova Iguassú, Distrito do Município de Iguassú, Estado do Rio de Janeiro, em

cartório compareceu O. A. G e em presença das testemunhas, abaixo assinadas, declarou que

n´esta cidade, hoje, as dez horas da manhã, nasceu uma criança de cor branca, do sexo

feminino, filha natural d´elle declarante e de Dona S. S., Elle negociante, ela de serviço

doméstico, ambos naturais do Estado do Rio de Janeiro e residentes n´este districto. Avós

paternos G. A. G. e A. A. G e maternos P. L. S. e M. L. S. A criança há de chamar-se I. do

que faço este termo que assigna que assina comigo o declarante e as testemunhas A. J. S. e J.

E. S., residentes n´este districto. Eu A. P. D. J., escrivão o escrevi e assino.

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ANEXOS IV Entrevistados Izaquiel Inácio Data: 19 de setembro de 1994 e 21 de outubro de 1994 Local: Paraíba do Sul, RJ. Entrevistador: Ana Maria Lugão Cornélio Cansino Entrevista feita em 19 de maio de 1995 Juiz De Fora – Minas Gerais Manoel Seabra Local:São José Da Serra Data:10/12/98 Entrevistadora: Hebe Castro e Lídia Celestino Meireles Transcrição: Karina Cunha Baptista Data Da Entrevista: 28 De Novembro De 2003 Entrevistadores: Hebe Maria Mattos e Martha Abreu. Dona Júlia Data: 12 de novembro de 1994 Local: Paraíba do Sul, RJ. Entrevistadora: Ana Maria Dona Nininha: (Claudina de Souza Oliveira) Entrevista feita em 19 de outubro de 1994 Paraíba do Sul – Estado do Rio de Janeiro Dona Bernarda Data: 16 de janeiro de 1995 Local: Paraíba do Sul, RJ Entrevistador: Ana Maria Sebastiana E Maria Aparecida Data: 19 de março de 1995 Local: Paraíba do Sul Entrevistador: Ana Rios Entrevistadas: Sebastiana das Graças Gonçalves e Maria Aparecida Afonso Ribeiro Dona Zeferina Paraíba Do Sul – Estado Do Rio De Janeiro Entrevista Feita Em 15 De Maio De 1995. Dona Florentina Data da entrevista: 13/12/2003 Entrevistadores: Carlos Eduardo C. da Costa, Marina Marina Luz Gama e Raquel Fernandes Pires Local da entrevista: Comunidade da Fazenda de São José da Serra - Valença - Rio de Janeiro

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Data da Entrevista: 09/05/2006 Entrevistador: Carlos Eduardo C. da Costa Ivone Vieira Reis Nascimento: 03/10/1937 Idade: 69 anos Entrevista realizada em 2006. Local: Mesquita/Baixada Fluminense Dona Nilza Nome: Nilza Conceição da Silva Data de Nascimento: 30/09/1936 Entrevista: 25/11/2007 Idade: 71 anos

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