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Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras VARIAÇÃO METAFÓRICA EM DUAS LÍNGUAS ROMÂNICAS: METÁFORAS SOBRE CONQUISTA AMOROSA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NO ESPANHOL EUROPEU por Beatriz Batista Azevedo Rio de Janeiro 2017.2

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras

VARIAÇÃO METAFÓRICA EM DUAS LÍNGUAS ROMÂNICAS:

METÁFORAS SOBRE CONQUISTA AMOROSA NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO E NO ESPANHOL EUROPEU

por

Beatriz Batista Azevedo

Rio de Janeiro

2017.2

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Beatriz Batista Azevedo

VARIAÇÃO METAFÓRICA EM DUAS LÍNGUAS ROMÂNICAS:

METÁFORAS SOBRE CONQUISTA AMOROSA NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO E NO ESPANHOL EUROPEU

Orientador: Prof. Dr. Diogo Pinheiro

Rio de Janeiro

2017.2

Monografia submetida à Faculdade de

Letras da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial para

obtenção do título de Licenciado em Letras

na habilitação Português/ Alemão.

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Índice Geral

1. Introdução ....................................................................................................................... 1

2. Fundamentação teórica .................................................................................................. 3

2.1 Teoria da Metáfora Conceptual ................................................................................. 3

2.2 Variação Metafórica .................................................................................................. 5

3. Metodologia .................................................................................................................. 10

4. Análise de Dados ........................................................................................................... 12

5. Considerações Finais ..................................................................................................... 19

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Resumo

Este trabalho busca compreender a variação metafórica intercultural a partir do ponto de

vista da Linguística Cognitiva. Tomando como referência a proposta de Kövecses (2005)

acerca da variação metafórica, este trabalho busca comparar metáforas sobre conquista

amorosa em duas línguas românicas: o português brasileiro (PB) e o espanhol europeu

(EE). Para isso, foi constituído um corpus formado por vinte edições da coluna

jornalística Ficadas e Rolos e Papo de BFF, presente, respectivamente nas revistas

brasileiras Atrevida e Todateen, e vinte edições da coluna Ligue, presente na revista

espanhola Superpop. O procedimento de análise consistiu em um levantar todos os usos

metafóricos referentes ao domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA nas duas colunas,

classificando-as de acordo com o domínio-fonte e quantificando as categorias

encontradas. Os resultados, interpretados à luz do modelo de Kövecses (2005), sugerem

a existência de uma convergência e três divergências na conceptualização metafórica do

domínio CONQUISTA AMOROSA em relação às línguas estudadas. A convergência refere-

se ao alcance do domínio alvo, que é o mesmo em ambas as línguas: tanto o português

brasileiro quanto o espanhol europeu recorrem aos domínios GUERRA, JOGO/ESPORTE,

NEGÓCIO E MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO para conceptualizar a CONQUISTA AMOROSA. A

primeira divergência relaciona-se com a categoria de conceptualização preferencial: a

língua espanhola utiliza com mais frequência o domínio-fonte GUERRA do que a língua

portuguesa. A segunda divergência também se refere à conceptualização preferencial:

neste caso, observamos que o domínio-fonte NEGÓCIO é mais produtivo no PB do que no

EE. Já a terceira divergência diz respeito às metáforas congruentes: existem tendências

diferentes na instanciação da metáfora genérica comum CONQUISTA AMOROSA É

JOGO/ESPORTE, ou seja, apesar de compartilharem a mesma metáfora genérica, as duas

línguas apresentam variações em relação aos detalhes.

Palavras-chaves: Metáfora. Variação intercultural. Linguística Cognitiva. CONQUISTA

AMOROSA.

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1. Introdução

No campo da Linguística Cognitiva (LC), os anos 1980 testemunharam o

surgimento da conhecida Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), que foi desenvolvida

originalmente pelo linguista George Lakoff e pelo filósofo Mark Johnson, no célebre livro

Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980). As preocupações universalistas

dessa teoria, contudo, atraíram algumas críticas, as quais levaram ao desenvolvimento de

uma teorização a respeito da variação metafórica intra e intercultural. Essa teorização foi

desenvolvida, principalmente, por Zóltan Kövecses (2005, 2008).

Diante desse cenário, a principal finalidade deste trabalho é explorar a questão da

variação metafórica intercultural sob a perspectiva da Linguística Cognitiva e da Teoria

da Metáfora Conceptual, utilizando como base o trabalho realizado por Zóltan Kövecses

(2005, 2008). Para isso, foi desenvolvida uma análise comparativa entre os usos

metafóricos referentes ao domínio-alvo (DA) CONQUISTA AMOROSA de duas línguas

românicas: o português brasileiro (PB) e o espanhol europeu (EE). A análise tomou como

corpus três revistas direcionadas ao público adolescente feminino: as brasileiras Atrevida

e Todateen, e a espanhola Superpop.

Com base na análise realizada neste trabalho, foi possível comprovar a existência

de diferentes formas de variação intercultural e avaliar convergências e divergências em

relação à conceptualização da conquista amorosa no PB e no EE. Os resultados sugerem

a existência de uma convergência fundamental e, adicionalmente, três pontos

divergências entre as duas línguas. Em particular, verificou-se que ambas as

línguas/culturas dispõem de quatro domínios-fonte para a conceptualização do domínio-

alvo CONQUISTA AMOROSA: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e MUDANÇA DE ESTADO

FÍSICO. No entanto, foi possível verificar também algumas diferenças importantes, em

especial no que diz respeito à produtividade de certas metáforas e aos detalhes de sua

instanciação.

Este trabalho está organizado em quatro capítulos, para além desta introdução. No

segundo capítulo, apresentamos a fundamentação teórica do estudo, descrevendo o

quadro teórico que sustenta as análises desenvolvidas. Em seguida, no terceiro capítulo,

passamos a expor os procedimentos metodológicos que foram utilizados neste trabalho.

No capítulo seguinte, apresentamos a análise de dados, com o levantamento quantitativo

das metáforas nos corpora e a interpretação dos resultados à luz de Kövecses (2005). Por

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fim, nas considerações finais, onde faremos uma síntese da pesquisa desenvolvida e

apresentaremos as perspectivas futuras para este trabalho.

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2. Fundamentação teórica

O arcabouço teórico em que o trabalho se insere é a Linguística Cognitiva (LC),

movimento surgido na década de 1980 em reação aos princípios estabelecidos pela

Linguística Gerativa e, em particular, pela semântica formal. Dessa maneira, uma de suas

ideias centrais é a de que os significados não devem ser estabelecidos através de

julgamentos de verdade ou falsidade da sentença, mas que, em vez disso, refletem a

perspectiva do observador e, consequentemente, suas experiências.

Atualmente, está claro que a LC é campo de investigação bastante vasto, ou seja,

um movimento heterogêneo e diversificado, formado por diversas teorias. Destas, uma

das mais importantes é a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), que se apresenta como

quadro teórico central deste trabalho. Diante disso, a sequência deste capítulo está

dividida em duas seções: a primeira terá como tema a TMC; a segunda se voltará,

especificamente, para o problema teórico da variação metafórica.

2.1. Teoria da Metáfora Conceptual

A TMC, uma das vertentes da LC, surgiu em meados da década de 1980 a partir

do trabalho pioneiro de George Lakoff e Mark Johnson. Uma primeira síntese dessa teoria

pode ser encontrada no livro Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980), que

servirá de base para esta seção.

Do ponto de vista tradicional, a metáfora é tida apenas como uma "marca do

gênio", ou seja, uma figura de linguagem (utilizada, na maioria dos casos, em textos

literários) e, por causa disso, considerada como um ornamento linguístico facilmente

dispensável. Porém, do ponto de vista da LC a metáfora é muito mais do que apenas um

recurso estilístico. Trata-se, em vez disso, de uma operação conceptual que dá ao falante

a possibilidade de expressar ideias abstratas, ou menos familiares, tomando como base

suas experiências mais básicas e, em geral, mais concretas. Para os cognitivistas, portanto,

a metáfora é um processo mental, que se realiza primariamente no pensamento e apenas

secundariamente pode se manifestar na linguagem. Nesse sentido, de acordo com

Pinheiro e Alonso (2010), a metáfora não é um recurso opcional, mas sim um recurso

indispensável para a estrutura e organização do sistema conceptual humano.

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Mas, afinal, o que exatamente vem a ser a metáfora, sob a ótica da LC? A TMC

entende que as metáforas são formadas por dois elementos básicos: o domínio-fonte (DF)

e o domínio-alvo (DA). Entende-se DF como o domínio mais básico, ou seja, ele funciona

como o ponto de partida da metáfora, e tipicamente inclui elementos físicos e concretos

da experiência humana. Já o DA é aquilo que se busca conceptualizar com auxílio do DF,

tendendo a ser, portanto, mais abstrato. Nesse sentido, uma metáfora é uma projeção

conceptual de elementos de um DF para um DA.

Entendendo-se a metáfora como um processo mental, é importante observar a

distinção, feita por Lakoff (1993), entre metáfora conceptual e expressões metafóricas.

A primeira se refere à relação analógica que está na mente dos falantes, isto é, à projeção

mental entre domínios conceptuais. Já as segundaspodem ser entendidas como "as

manifestações ou concretizações linguísticas particulares" (PINHEIRO; ALONSO, 2010,

p. 5), consistindo “no emprego de itens lexicais associados a um domínio para fazer

referência a um domínio distinto” (LEITÃO DE ALMEIDA et alii, 2010, p. 24). Para

melhor ilustrar essa ideia, bem como a diferença entre uma metáfora conceptual e uma

expressão metafórica, tomaremos três exemplos utilizados por Lakoff e Johnson (1980,

p. 15 e 16):

(1) a. I fell into a depression.

b. I'm feeling down.

c. Thinking about her always gives me a lift.

De acordo com a TMC, uma metáfora apresenta sempre a forma X É Y, onde o X

corresponde ao DA e Y, ao DF. Assim, nos exemplos acima, os termos em itálico, são

manifestações linguísticas das seguintes metáforas conceptuais subjacentes: BOM É PARA

CIMA (em (1a) e em (1c)) e RUIM É PARA BAIXO (em (1b)). Algo semelhante pode ser visto

no exemplo abaixo, retirado de Pinheiro e Alonso (2010):

(2) Maria entrou em/ está em/ saiu da depressão.

No exemplo acima, fica evidente a existência de uma relação metafórica, que pode

ser formulada da seguinte maneira: ESTADOS SÃO LUGARES.No exemplo acima, o estado

abstrato depressão é tratado como um lugar físico,conforme indicado pelos verbos

locativos “entrar”, “estar” e “sair”. Assim, a projeção mental entre elementos pertencentes

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aos domínios ESTADO e LUGAR corresponde à metáfora conceptual subjacente, ao passo

que os enunciados concretos que a materializam correspondem às expressões metafóricas.

2.2 Variação metafórica

Apesar do amplo espaço que a TMC ganhou em diversas partes do mundo no

decorrer dos últimos 35 anos, aproximadamente, a teoria nunca ficou imune a críticas, até

mesmo por parte de outros autores alinhados à LC. Em particular, duas dessas críticas são

importantes para este trabalho. O primeiro contraponto à TMC diz respeito ao fato de que

seus estudos originais não levavam em conta a língua real e utilizavam, em vez disso,

dados inventados. A segunda crítica refere-se ao fato de que, durante muitos anos, o

interesse dos estudiosos recaía apenas sobre as metáforas universais, deixando de lado,

ou pelo menos minimizando, a variação metafórica inter e intracultural (KÖVECSES,

2005). Essa opção era consequência da ênfase sobre a base corpórea das projeções

metafóricas.

Para evitar esses dois problemas, recorremos neste trabalho à abordagem

desenvolvida por Zóltan Kövecses (2005). Seu trabalho é marcado por estudos

fundamentados em métodos empíricos, incluindo não somente análise de corpus, mas

também metodologia experimental. Porém, o elemento mais importante, ou mais

inovador, nos seus estudos é o fato de o autor trabalhar a questão da variação metafórica

intra e intercultural, tendo como principal objetivo aproximar e integrar a linguagem,

cognição e cultura.

Neste trabalho, interessamo-nos somente pela questão da variação metafórica

intercultural, uma vez que nosso principal objetivo, como já explicitado, será confrontar

as metáforas sobre conquista amorosa apresentadas em duas línguas distintas: o espanhol

do Brasil (por meio das revistas femininas Atrevida e Todateen) e espanhol europeu (por

meio da revista feminina Superpop).

De acordo com Kövecses (2005), há cinco maneiras por meio das quais as

metáforas podem variar de uma língua/cultura para outra, a saber: (i) um mesmo esquema

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metafórico pode ser compartilhado por duas línguas/culturas, mas de modo tal que os

detalhes de instanciação irão variar de acordo com cada língua/cultura; (ii) duas

línguas/culturas podem utilizar DFs diferentes para conceptualizar um determinado DA;

(iii) duas línguas/culturas podem não ser equivalentes em relação ao conjunto de DAs a

que determinado DF pode se aplicar; (iv) duas línguas/culturas podem apresentar o

mesmo conjunto de DFs para um DA, porém divergindo com relação à produtividade de

cada DF; e (v) um dada relação entre DA e DF pode ser absolutamente única a uma

determinada língua/cultura, não estando presente, portanto, em nenhuma outra

língua/cultura.

A primeira das possibilidades listadas acima corresponde ao fenômeno a que

Kövecses (2005) se refere como metáforas congruentes. Trata-se de uma situação em que

duas ou mais línguas apresentam o mesmo esquema metafórico geral, mas divergem nos

detalhes de sua instanciação. Em outras palavras, uma mesma projeção metafórica pode

existir em duas línguas diferentes, sendo equivalentes em um nível mais genérico (no qual

se pode verificar inclusive a universalidade ou quase-universalidade) e, ao mesmo tempo,

divergente em um nível mais específico (que será então o locus da variação intercultural).

Uma metáfora será considerada genérica quando seus detalhes puderem ser preenchidos

de acordo com cada cultura, ou seja, essa metáfora genérica irá se tornar mais específica

ao receber o conteúdo único de uma dada cultura particular.

Para exemplificar, Ning Yu (1998, apud KÖVECSES, 2005, p. 56 e 57) compara

a metáfora conceptual genérica UMA PESSOA COM RAIVA É UM CONTÊINER PRESSURIZADO

nas línguas inglesa e chinesa, observando então que, no inglês, a raiva é conceptualizada

como um fluido, ao passo que, no chinês, ela é retratada como um gás, especificamente

um excesso de qi (energia que percorre o corpo). Em suma, a metáfora genérica é comum

às duas línguas/culturas, mas haverá diferenciação em um nível cultural específico

(líquido X gás).

A segunda possibilidade diz respeito às chamadas metáforas alternativas. Neste

caso, temos uma situação na qual línguas/culturas diferentes recorrem a DFs distintos

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para um determinado DA. Isso significa que um determinado DF disponível em uma

língua/cultura para conceptualizar um determinado DA não estará disponível em outra

língua/cultura. Em casos como este, diz-se que há uma diferença com relação ao alcance

do DA. De acordo com Kövecses (2005), por exemplo, o inglês e o chinês compartilham

alguns DFs relativos ao DA FELICIDADE, mas, ao mesmo tempo, há certas metáforas que

existem em uma língua e não na outra. Por exemplo, a metáfora chinesa FELICIDADE É

FLORES NO CORAÇÃO (“Happiness is flowers in the heart”) não existe no inglês. Nos

termos de Kövecses (2005), o domínio-alvo felicidade não alcança o mesmo conjunto de

domínios-fonte nas duas línguas/culturas. Tal metáfora reflete, então, uma característica

específica da cultura chinesa.

Outro exemplo apresentado por Kövecses (2005) em seu trabalho diz respeito ao

húngaro e ao inglês norte-americano. Tanto falante nativos do húngaro quanto do inglês

norte-americano conceptualizam a vida como uma GUERRA, JOGO e VIAGEM, dentre outros

domínios-fonte possíveis. Porém, os falantes de Hmong, língua falada principalmente no

Laos e na Tailândia, não conceptualizam a vida da mesma maneira. Para esses falantes, a

vida é conceptualizada como uma corda, que pode ser cortada ou quebrada. Sendo assim,

podemos concluir que o Hmong, mas não o inglês ou o húngaro, possui a seguinte

metáfora para a vida: A VIDA É UMA CORDA (“Life is a string”). Mais uma vez, temos aqui

uma situação na qual línguas diferentes recorrem a DFs diferentes para conceptualizar

um mesmo DA.

A terceira possibilidade de variação intercultural, referida por Kövecses (2005)

por meio da expressão “Scope of the Source”, diz respeito aos casos em que há diferença

com relação ao conjunto de DAs a que determinado DF pode se aplicar. Para

exemplificar, utilizaremos o exemplo proposto por Kövecses (2005) em relação ao DF

CONSTRUÇÃO. De acordo com o autor, tal DF é capaz de gerar um extenso número de

metáforas, sendo assim muito utilizado por línguas ocidentais.

De fato, no português, há diversas metáforas que se baseiam nesse DF, dentre as

quais podemos mencionar as seguintes:TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES (“Cada vez mais, o

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conhecimento científico é construído por um pequeno número de trabalhadores

especializados”), CARREIRA É CONSTRUÇÃO (“Estou construindo minha carreira”),

RELAÇÕES SÃO CONSTRUÇÕES (“Leva-se muito tempo para construir uma relação”) e

GRUPOS SOCIAIS SÃO CONSTRUÇÕES ("Essa informação vai abalar as fundações da

comunidade jurídica brasileira").

No entanto, apesar da alta produtividade do DF construções no português, o

mesmo não se verifica no tunisiano arábico (KÖVECSES, 2005). De fato, muito embora

as metáforas TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES e CARREIRA É CONSTRUÇÃO ainda estejam

presentes nessa língua, não se verificam as duas últimas metáforas listadas no parágrafo

anterior, isto é, RELAÇÕES SÃO CONSTRUÇÕES e GRUPOS SOCIAIS SÃO CONSTRUÇÕES.

Devido a isso, pode-se concluir que, entre o português e o tunisiano arábico,existe uma

diferença relacionada ao conjunto de domínios-alvo ao qual o domínio-fonte

CONSTRUÇÃO pode se aplicar.

A quarta situação reconhecida por Kövecses (2005) diz respeito às chamadas

conceptualizações preferenciais. Especificamente, trata-se aqui de casos em que duas

línguas/culturas utilizam as mesmas metáforas conceptuais para um determinado DA,

verificando-se apenas uma diferença intercultural relativa à produtividade dos DFs. Para

exemplificar, Kövecses (2005) reporta uma pesquisa de natureza experimental na qual se

pediu que vinte falantes nativos do inglês norte-americano e vinte falantes nativos do

húngaro produzissem um ensaio sobre a vida. Para estimular os participantes da pesquisa,

foram feitas as seguintes perguntas: (i) como você vê a vida humana de maneira geral?,

(ii) o que a vida significa para você?, (iii) o que você considera como uma vida bem

sucedida?, e (iv) qual a sua visão de vida, com bases nas suas experiências e pensamentos

pessoais?. Na análise dos resultados, o autor mapeou os diferentes enunciados

metafóricos que foram utilizados em referência ao domínio-alvo VIDA. Com isso, foi

constatado que os americanos conceptualizam preferencialmente a vida como um bem

precioso, ao passo que os húngaros tendem a conceptualizá-la como luta ou guerra. O

interessante aqui é que ambos os DFs – BEM PRECIOSO e LUTA/GUERRA – estão disponíveis

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nas duas línguas/culturas, de maneira que a diferença entre eles está relacionada não à

presença ou ausência de cada um deles, mas à sua produtividade

Por fim, a última possibilidade mencionada por Kövecses (2005) diz respeito às

chamadas metáforas únicas. Estão neste caso aquelas metáforas que são culturalmente

únicas no que se refere tanto ao DF quanto ao DA. Para exemplificar, o autor menciona

o caso da conceptualização metafórica da fuga de escravos do Sul para o Norte dos

Estados Unidos na primeira metade do século 19. De acordo com o autor, os escravos

conceptualizavam a fuga como uma viagem de trem secreta. É interessante notar que tanto

o DF (situação específica da história), quanto o DA (uma viagem de trem secreta) não se

repetiram em nenhuma outra língua/cultura, até onde se sabe.

Pode-se então concluir que a abordagem de variação metafórica intercultural,

discutida por Kövecses, é importante para que possamos entender a relação existente entre

línguas e culturas diferentes no âmbito do estudo das metáforas.

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3. Metodologia

Este capítulo tem o objetivo de apresentar e descrever os procedimentos e

instrumentos utilizados para a coleta e análise dos dados do trabalho.

Para analisarmos a conceptualização do domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA,

tanto na língua portuguesa quanto na língua espanhola, compusemos

umcorpusconstituído por três revistas destinadas ao público adolescente feminino.: as

revistas brasileiras Atrevida e Todateen e a revista espanhola Superpop. Decidiu-se

trabalhar com essas revistas em função da alta probabilidade de encontrar nelas metáforas

relacionadas ao domínio CONQUISTA AMOROSA. Assumimos que, por se tratar de uma

revista adolescente feminina, haveria uma grande quantidade de dicas ou instruções de

como a leitora poderia se tornar bem-sucedida do ponto de vista amoroso/afetivo.

Para possibilitar uma comparação, utilizamos apenas textos pertencentes ao

gênero textual coluna de opinião. Sendo assim, para a revista Atrevida, utilizamos a

coluna Ficadas e rolos; para a Todateen, usamos a coluna Papo de BFF, que contém a

subcategoria Paquera; e, por fim, em relação à revista espanhola, utilizamos textos da

coluna Ligue. É importante destacar que os textos das três revistas abordam temas

semelhantes, ou seja, as relações amorosas entre adolescentes.

A análise de dados contemplou 20 colunas da revista Atrevida, 10 da revista

Todateen e 30 da Superpop, totalizando assim 30 colunas para o português brasileiro e 30

para o espanhol europeu. Todos os textos analisados foram publicados entre os anos de

2014 e 2016 e foram encontrados nos seguintes sites: http://atrevida.uol.com.br/

https://todateen.com.br/ e https://www.superpop.es/. Porém, após o período de coleta do

corpus as colunas foram removidas dos sites e substituídas por outras colunas.

A primeira etapa da análise consistiu em identificar e quantificar os domínios-

fonte relacionados ao domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA. Nesse primeiro momento,

utilizamos como unidade de análise a palavra ou expressão metafórica. Para exemplificar,

tomemos como base o exemplo a seguir, retirado da revista Todateen:

(3) “Uma garota alegre e de bem com vida tem grandes chances de ganhar o

coração do rapaz. Mas isso se mirar o alvo correto.”

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No exemplo acima, podemos identificar dois usos metafóricos: o primeiro

manifesta a metáfora CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, enquanto o segundo uso diz

respeito à metáfora CONQUISTA AMOROSA É GUERRA. Para efeitos de quantificação,

assumimos que o trecho acima possui dois usos metafóricos. Assim, na expressão “mirar

o alvo” não fizemos uma contagem dupla, isto é, não contamos separadamente o verbo e

seu complemento. Em vez disso, consideramos a totalidade do sintagma como uma única

expressão metafórica.

Após fazer o levantamento geral dos usos metafóricos referentes ao domínio-alvo

CONQUISTA AMOROSA, foi realizada uma reanálise com o objetivo de atribuira cada um

desseusosum domínio-fonte. Na sequência, um levantamento quantitativo foi feito para

verificar a frequência de cada domínio-fonte, em ambas as línguas.

Por fim, a partir da última contagem tornou-se possível uma análise também

qualitativa, avaliando-se as ocorrências coletadas com base nas categorias analíticas

propostas por Kövecses (2005) e já apresentadas no capítulo Fundamentação Teórica

deste trabalho. Por fim, em relação a esse ponto, porém, é necessário fazer uma ressalva:

neste trabalho não contemplamos o caso das metáforas únicas, porque, como vimos

anteriormente, tais metáforas requerem um mapeamento em que tanto o DF quanto o DA

são únicos a uma dada língua, o que vai de encontro à proposta do presente trabalho, que

tem o objetivo de comparar as duas línguas/culturas em relação a um mesmo DA.

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4. Análise de dados

O presente capítulo tem como objetivo apresentar os resultados da análise do

corpus constituído pelas revistas brasileiras Atrevida e Todateen e pela revista espanhola

Superpop, tendo como base as possibilidades de variação metafórica intercultural

identificadas por Kövecses (2005). Como já dissemos, a questão a ser abordada aqui será

a seguinte: de que maneiras o domínio-alvo CONQUISTA AMOROSA é conceptualizado nas

duas línguas sob análise, e quais são as diferenças e/ou semelhanças existentes entre essas

formas de conceptualização?

Ao analisar as 60 colunas (30 das revistas brasileiras e 30 da espanhola), foi

possível identificar 100 usos metafóricos relacionados com o DA CONQUISTA AMOROSA,

sendo 48 nas revistas Atrevida e Todateen e 52 na Superpop. A análise qualitativa desses

enunciados metafóricos revelou a existência de quatro conceptualizações, isto é, quatro

domínios-fonte. São eles: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e MUDANÇA DE ESTADO

FÍSICO. Dessa forma, constatou-se a existência de quatro metáforas conceptuais:

CONQUISTA AMOROSA É GUERRA, CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, CONQUISTA

AMOROSA É NEGÓCIO e CONQUISTA AMOROSA É MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO. Seguem

abaixo, respectivamente, exemplos dos quatro mapeamentos encontrados:

(4) a. Uma boa estratégia de conquista é se aproximar dos amigos dele.

b. Dependendo da reação do menino, vai saber se pode atacar de maneira

mais direta ou se o melhor é continuar na sua.

c. ¡Pues a ellos les pasa ló mismo! Así que si tu ligue se resiste a tus armas

de seducción… ya sabes quétienes que hacer… ¡pasa de él!

d. ¡Te presentamos las últimas técnicas para que caigan rendidos a tus pies!

(5) a. Saber o que falar, como falar e tentar manter a calma são só alguns dos

obstáculos que precisam ser driblados para que esse momento seja perfect!

b. “Kristen Stewart conquistou um dos gatos mais desejados do

mundo: Robert Pattinson. Mas vocês sabem como esse amor aconteceu? É

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claro que viver a história de Bella e Edward faria qualquer um se apaixonar,

mas a gata fez direitinho o jogo da conquista. Se liga nessas dicas!”

c. Es el momento de sacar el chiste que te guardabas en la manga ¡para

triunfar!

d. Conviértete en sus ojos durante las vacaciones y fijo que se empezará a

interesar por ti. Además, juegas con ventaja porque puedes saber su cultura, sus

tradiciones con facilidad... ¡Lo tienes muy fácil con ellos.

(6) a. Vocês se conhecem e já ficaram, então vale a pena investir em uma

aproximação.

b. Pra começar, pense se realmente quer investir nesse cara, que é um grosso.

Se concluir que sim, então acredite que até os mais durões têm coração e se declare, sem

enrolação.

c. Un «Hola» o un «¿Como va?» suelen ser su carta de presentación. Y no es

que el chico sea tradicional, es que es un tímido de cuidado.

(7) a. “Tenho um segredo pra te contar. Mas preferia sussurrar no seu ouvido. Se

você deixar, claro”. Ele vai se derreter!

b. Pero lo que realmente hace que te derritas es que los acabe conungran

«MUAK». Aiiish, ¡si pudieras tener lo delante y no fuera um beso virtual!

Em (4), a conquista é concebida como uma guerra. Nesse caso, a conquistadora é

vista como um soldado que utiliza estratégias e armas para alcançar o objetivo de

conquistar seu pretendente.

O segundo caso exemplifica a conceptualização da conquista amorosa como um

jogo ou uma atividade esportiva. Em (5a), a sedução é compreendida como um esporte

que exige esforço e habilidades físicas, como driblar. Em (5b) temos a conquista

concebida como um jogo, o que parece pressupor o conhecimento de certas regras e

táticas. Já em (5c), a conquista amorosa é conceptualizada como um jogo de cartas. Neste,

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a piada (“chiste”) é uma tática utilizada para a sedução e que fica escondida na manga da

conquistadora. E, em (5d), a jovem é comparada a uma jogadora que tem algum tipo de

vantagem sobre o seu oponente.

O terceiro exemplo se refere ao âmbito dos negócios, ou seja, conceptualiza-se

conquista amorosa como negócio. Em (6a) a conquistadora é vista como uma investidora,

que decidirá quantos e quais recursos serão necessários para conquistar determinado alvo,

isto é, analisará o custo-benefício; e o alvo da conquista corresponderá, metaforicamente,

ao negócio, no qual poderá ter ou não investimentos. Em (6b) conquistadora deve decidir

se vale a pena ou não direcionar seus recursos – tempo, energia, etc. – em um “negócio”

(isto é, um alvo amoroso) que parece não-recomendável à primeira vista.

Por fim, o último caso evoca a conquista amorosa como uma mudança de estado

físico, como mostram os exemplos de (7) com os verbos “derreter”. Aqui, a metáfora

CONQUISTA AMOROSA É MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO destaca o resultado final do ato da

conquista. Assim sendo, o objeto da conquista é entendido, metaforicamente, como algo

sólido que passa para o estado líquido quando a conquista ocorre. Já em (7c) podemos

concluir que o corpo é composto de explosivos e quando estamos apaixonado há reações

explosivas.

Tomando como base esses quatro mapeamentos metafóricos, chegamos ao ponto

central deste trabalho: que diferenças e semelhanças podem ser encontradas na

conceptualização da conquista amorosa nas duas línguas/culturas investigadas? Uma

interpretação dos resultados sob a perspectiva do modelo teórico de Kövecses (2005)

revela a existência de um ponto de convergência e de três pontos divergentes. O ponto de

convergência é bastante evidente: tanto o português brasileiro quanto o espanhol europeu

dispõem do mesmo conjunto de quatro domínios-fonte convencionais para a

conceptualização da ideia de conquista amorosa: GUERRA, JOGO/ESPORTE, NEGÓCIO e

MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO. Isto é, talvez devido à proximidade das duas

línguas/culturas, não existenenhuma domínio-fonte que seja utilizada para a

conceptualização da conquista amorosa em uma língua mas não na outra. Pelo contrário,

todas as conceptualizações metafóricas presentes em uma língua/cultura estão também

presentes, em alguma medida, na outra.

Em relação às diferenças encontradas entre as duas línguas/culturas, a primeira

delas se refere à produtividade dos DFs pesquisados, conforme mostrado na tabela

abaixo:

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Revistas GUERRA ESPORTE/JOGO NEGÓCIO MUDANÇA DE

ESTADO FÍSICO

Atrevida e

Todateen

39,5% 31,2% 25% 4,1%

Superpop 69,2% 17,3% 3,8% 9,6%

Tabela 1: frequência de ocorrência dos quatro domínios-fontes identificados

O gráfico abaixo representa as diferenças entre as duas línguas/culturas:

Gráfico 1: frequência de ocorrência dos quatro domínio-fonte identificados

Como se observa acima, os falantes de ambas as línguas têm preferência por

conceptualizar a ideia de CONQUISTA AMOROSA como GUERRA, em detrimento dos demais

domínios-fonte disponíveis. Apesar dessa convergência, contudo, pode-se perceber

também que o domínio-fonte GUERRA é muito mais produtivo no espanhol europeu

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

GUERRA ESPORTE/JOGO NEGÓCIO MUDANÇA DEESTADO FÍSICO

REVISTA BRASILEIRA

REVISTA ESPANHOLA

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(69,2%) do que no português brasileiro (39,5%). Em outras palavras, é muito mais

acentuado no espanhol europeu do que no português brasileiro o desequilíbrio entre o DF

GUERRA e os demais DFs disponíveis para a conceptualização da ideia de conquista

amorosa.

Uma situação semelhante se dá em relação à produtividade do domínio-fonte

NEGÓCIO. Neste caso, verifica-se o fenômeno inverso: é possível constatar que a

produtividade no português brasileiro (25%) é sensivelmente maior do que no espanhol

europeu (apenas 3,8%). Como se pode observar, embora a conceptualização da conquista

amorosa como um negócio não seja particularmente comum em nenhuma das duas

línguas investigadas, o fato é que ela ainda apresenta números expressivos no português

brasileiro, ao mesmo tempo em que se mostra quase inexistente no espanhol europeu.

Há ainda uma terceira diferença, que não é revelada por esse levantamento

quantitativo. No que diz respeito ao DF JOGO/ESPORTE, encontram-se na revista Atrevida

três enunciados que apresentam o verbo “fisgar”, que se relaciona especificamente ao

domínio conceptual da pescaria – um domínio que está, por assim dizer, subordinado à

categoria mais geral jogo/esporte. Ao mesmo tempo, a Superpop apresenta três vezes o

verbo “cazar”, evocando o universo da caça. Essa diferença pode ser vista nos exemplos

abaixo:

(8) “Cinco passos para você conquistar o superstar do Facebook Ele é

superpopular e tem um mooonte de amigos na rede social? Ele é do tipo inalcançável, um

cara que você sempre sonhou a vida toda. Saiba como se destacar na multidão e fisgar o

coração deste gato em meia dúzia de cliques!”

(9) “«A mí me va más el rollo de que me cacen que de cazar. Me encanta ver

cómo os la ingeniáis para seducir. Cuando queréis, no hay quien se resista a vosotras»,

Nick Jonas.”

Essa observação mais detalhada revela, em relação ao mapeamento metafórico

CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, que a convergência entre as duas línguas/culturas

só se verifica em um nível mais genérico. Isto é, em ambos os casos, atividades físicas

evolvendo a captura de uma presa servem como domínio-fonte para a conceptualização

da conquista amorosa. Apesar dessa semelhança, é interessante notar que, no português

brasileiro, o alvo tipicamente é fisgado, ao passo que, no espanhol europeu, ele parece ser

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caçado. Apesar do número reduzido de dados, essa diferenciação sugere formas bastantes

distintas de conceptualizar a conquista amorosa: enquanto, no PB, a conquistadora atrai

sua presa e aguarda pacientemente que ela caia em alguma espécie de armadilha, no EE,

a conquistadora parece atuar de maneira mais ativa no sentido de capturá-la.

A partir dos dados analisados, como podemos interpretar os resultados, utilizando

como base o trabalho de Kövecses (2005) sobre a variação metafórica intercultural?

Dentre as cinco possibilidades identificadas pelo autor e explicitadas no capítulo 3 deste

trabalho, foram encontradas apenas três nesta pesquisa, sendo uma semelhança e duas

diferenças. Aquela se refere ao que Kövecses intitulou como alcance do alvo (“range of

target”):a partir dos dados encontrados, pode-se afirmar, como já dissemos, que o

português brasileiro e o espanhol europeu possuem as mesmas possibilidades de

conceptualização para o DA CONQUISTA AMOROSA, visto que ambas as línguas/culturas

possuem os mesmo DFs.

Apesar de apresentarem os mesmos DFs, contudo, as duas línguas/culturas

possuem diferenças quanto à sua produtividade, o que nos leva à primeira diferença: as

chamadas conceptualizações preferenciais, propostas por Kövecses (2005). De acordo

com Kövecses, ao comparamos duas línguas/culturas diferentes, é comum que haja

diferenças relacionadas à preferência ou produtividade de determinado DF. Como já

vimos, há maior produtividade da metáfora CONQUISTA AMOROSA É GUERRA no espanhol

europeu do que no português brasileiro: enquanto, no primeiro caso, 69,2% das metáforas

sobre conquista amorosa se baseavam no domínio da guerra, o mesmo se aplicou apenas

a 39,9% das metáforas do português brasileiro. Assim, a diferença entre as duas

línguas/culturas se assemelha ao que se viu, no capítulo 2 deste trabalho, em relação à

conceptualização do domínio-alvo VIDA no inglês e no húngaro.

Por último, como observamos acima, ao examinar mais a fundo os usos ligados

ao DF JOGO/ESPORTE, constatamos, na revista brasileira Atrevida, três usos do verbo

“fisgar”, enquanto na revista espanhola Superpop foram detectados três usos do verbo

“cazar”. Com base nessa descoberta, podemos interpretar esse resultado como um caso

de metáforas congruentes. Conforme já dissemos, esse tipo de metáfora ocorre quando

duas línguas/culturas possuem variações nos detalhes da instanciação da metáfora, apesar

de disporem de uma metáfora genérica comum. Neste caso, percebe-se que, embora haja

uma similaridade entre conquista amorosa e atividades físicas/esportivas entre as duas

línguas/culturas comparadas, há ainda uma variação quanto ao tipo específico de

atividade, sendo a pescaria favorecida como DF no português brasileiro e atividades de

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caça favorecidas como DF no espanhol europeu. Em resumo, pode-se concluir que há

tendências diferentes entre as duas línguas/culturas no que concerne à concretização ou

instanciação da metáfora CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE.

Em suma, constataram-se, no corpus organizado para esta pesquisa, três tipos de

variação metafórica intercultural elencados por Kövecses (2005). Em particular, a

comparação entre as metáforas de conquista amorosa em duas línguas/culturas revelou

uma semelhança no que se refere ao alcance do domínio-alvo, bem como duas diferenças

– uma referente à produtividade metafórica e outra referente a um caso de metáforas

congruente.

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5. Considerações finais

Este trabalho teve como ponto central uma investigação a respeito da variação

metafórica intercultural entre o português brasileiro e o espanhol europeu. Para isso,

tomamos, como obra de referência, Kövecses (2005). O principal objetivo foi entender

como ocorre a conceptualização da metáfora CONQUISTA AMOROSA para falantes das duas

línguas/culturas.

Para que chegássemos a esse entendimento, foi necessária a seleção de três

revistas femininas, todas elas voltadas para o público adolescente. As revistas utilizadas

foram as brasileiras Atrevida e Todateen e a espanhola Superpop. Em cada revista,

analisamos textos pertencentes ao gênero textual coluna de opinião, nos quais

encontramos textos sobre relacionamentos amorosos. As colunas analisadas foram,

respectivamente, Ficadas e rolos, Papo de BFF e Ligue.

A análise desenvolvida permitiu identificar tanto convergências quanto

divergências em relação às duas línguas/culturas estudas. Em primeiro lugar, ambas as

línguas convergem em relação ao que Kövecses (2005) chama de alcance do alvo.

Especificamente, foi possível constatar as duas línguas/culturas possuem o mesmo

conjunto de domínios-fonte para a conceptualização da conquista amorosa; são eles:

GUERRA, ESPORTE/JOGO, NEGÓCIO E MUDANÇA DE ESTADO FÍSICO.

Por outro lado, foi possível identificar divergências em relação às

conceptualizações preferencias. Tanto nas revistas brasileira, quanto na revista espanhola

há preferência em conceptualizar a ideia de CONQUISTA AMOROSA utilizando o domínio-

fonte GUERRA. Porém, tal domínio-fonte é muito mais produtivo no espanhol europeu, do

que no português brasileiro.

Algo semelhante ocorre em relação ao domínio-fonte NEGÓCIO, que é bastante

produtivo no português brasileiro e, por outro lado, apresentou produtividade apenas

marginal no espanhol europeu, ao menos nos dados a que tivemos acesso. Assim, conclui-

se que a metáfora CONQUISTA AMOROSA É NEGÓCIO está disponível em ambas as

línguas/culturas, mas se mostra muito mais produtiva no PB.

Por último, encontramos o caso de metáforas congruentes. Na revista espanhola

notamos que se conceptualiza a conquista amorosa como CAÇA. Já nas revistas brasileiras

utilizou-se o domínio-fonte PESCARIA. Sendo assim, podemos concluir que neste caso há

uma metáfora geral comum às duas línguas, CONQUISTA AMOROSA É JOGO/ESPORTE, que,

no entanto, difere-se quanto aos detalhes de sua instanciação.

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Para concluir, é necessário registrar que é preciso uma investigação em um corpus

mais amplo, para que se possa confirmar, ou não, a validade dos resultados obtidos nesta

pesquisa. É possível que, ao utilizar outros tipos de corpora ou até mesmo comparar

outras línguas, seja possível identificar outras metáforas relacionadas à conquista

amorosa, levando assim a uma reinterpretação de alguns resultados alcançados neste

trabalho.

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Referências:

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KÖVECSES, Z. Metaphor in culture: universality and variation. Cambridge:

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LAKOFF, G. e JOHNSON, M. Philosophy in the Flesh. New York: Basic Books. 1999.

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