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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA “PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE NA VENEZUELA: CONSTRUINDO UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR?” ISABEL MANSUR FIGUEIREDO Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

“PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE NA VENEZUELA: CONSTRUINDO UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR?”

ISABEL MANSUR FIGUEIREDO

Rio de Janeiro

2007

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PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE NA VENEZUELA: CONSTRUINDO UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR?

ISABEL MANSUR FIGUEIREDO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Pública. Orientadora: Profa. Dra. Lígia Bahia

Rio de Janeiro 2007

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PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE NA VENEZUELA: CONSTRUINDO UMA NOVA FORMA

DE PARTICIPAÇÃO POPULAR?

ISABEL MANSUR FIGUEIREDO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Pública.

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Lígia Bahia – Orientadora (IESC/UFRJ)

Profa. Dra. Maria de Lourdes T. Cavalcanti– (IESC/UFRJ)

Prof. Dra. Maria Lúcia Werneck Viana – (IE/UFRJ)

Prof. Dr. Roberto Leher – (FE/UFRJ)

Profa. Dra. Maria Malta - Suplente (IE/UFRJ)

Rio de Janeiro

2007

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FICHA CATALOGRÁFICA

Mansur, Isabel Figueiredo Participação em saúde na Venezuela: construindo uma nova forma de participação popular?/ Isabel Mansur Figueiredo. --Rio de Janeiro: UFRJ/IESC, 2007. xviii, 144 f .il. 30cm Orientadora: Lígia Bahia Dissertação (mestrado) – UFRJ/IESC/Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, 2007. Referências Bibliográficas f. 130-136 1. Saúde. 2. Políticas Públicas – Mestrado. I. Bahia, Lígia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. III. Participação em saúde na Venezuela: construindo uma nova forma de participação popular?

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À minha mãe Gracinha, meu pai Ademir e minha irmã Mariana. E para todos aqueles que lutam e sonham.

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Agradecimentos

Chegamos ao fim. Um fim que obviamente representa um princípio. Princípio de

pequenas constatações, idéias e tentativas de, em algumas laudas e palavras, reconstruir as

primeiras observações e inquietudes da escriba que ora se apresenta.

Aportamos dessa viagem de dois anos. Na sua trajetória muitos navegantes – alguns de

muitas viagens e outros de nem tantas – foram cruciais para que hoje eu tenha chegado até

aqui. Não quero correr o risco de deixar nenhum deles “pelo caminho”, o que seria mesmo

uma grande injustiça.

Em primeiro lugar à minha mãe Gracinha e meu pai Ademir: meus portos seguros.

Minha mãe por tantas horas dispensadas ao meu lado cuidando para que eu fosse, sem mais

nem menos, da forma que aqui me apresento hoje. “Contigo aprendi a viver e achar (G)raça”.

Ao meu pai pela inspiração política. Afinal, mesmo que não naveguemos no mesmo

barco, estamos sempre nos mesmos mares. Você é sempre como uma vela soprando para um

rumo: integridade e ética, as palavras-chave que você me ensinou. Companheiro de todas as

horas na busca pelo combate das injustiças: nesse mundo, convenhamos, nada mais que isso

importa.

Minha irmã, a quem devo boa parte das boas companhias de bons momentos. Carinho

e admiração e muito orgulho de você, Mari.

Pelos sonhos no caminho, em memória de Wanda e Newton Mansur: por terem

adoçado a minha vida.

Para minha avó Alcione e meu avô Gilson, pelo carinho, acolhimento, pelas inúmeras

ajudas de todos os tipos. Por serem avós, esses seres tão especiais.

Para recordar, em memória de Ademilson Figueiredo, Sandra Pires Mansur, André

Aguiar e Thiago: conviver com vocês foi grande.

Aos meus familiares: minha bisavó Joana, minha tia Maria Alice e a Dalva. Aos tios

Udi, Ricardo e Zelly, tia Cássia, tio Borracha e tio Adilson. Aos meus primos e primas

queridos. Aos tios e tias acoplados à família, vocês sabem que já são parte. "Família não é

sangue, é sintonia".

Aos amigos do colégio – adoro nossos reencontros! – de primeiro e segundo grau:

Marina Franco, Daniel Souza, Daniel Marins, Vinícius Nunes, Camila Ferro, Érica Vilela,

Kenzo e Éthel.

Aos amigos feitos aqui na UFRJ nos anos de graduação. Da turma: Júlia, Virna e

Maria (o trio maravilha!), Carla Ramos e Aidée. Aos amigos da Rádio Pulga. Ao movimento

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estudantil (Nós Não Vamos Pagar Nada), a que devo minha formação universitária, quando

partilhei e aprendi a solidariedade, amizade e a luta em coletivo: Glauce, Laura, Marquinhos,

Verônica, Thiago, Renata, Gilda, Mosquito, Mancuso, Maria, Aninha, Duende, Duda (...).

“Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é

realidade”. Luiz Guilherme, por ter sido tão compreensivo com o “rapto” de seu livro...

Nos anos de pós: Maria Rachel, André, Márcia.

Do movimento dos funcionários, ao Agnaldo. Dos docentes, Roberto Leher, Cristina

Miranda, Lourdes e Paternostro.

De outros sotaques: Rodriguinho, Wandinha, Márcio Caetano, Andressa, Mabelle,

Nicole. Camila, Gustavo e Grazi.

Ao trio super: Mônica, Beá e Thaís. Pela família que nós construímos não pela

formalidade, mas pelo carinho e sintonia.

Outro Trio: Fabi (pelo inglês!), Rê e Rafa.

Mais amigos: Isadora – pelo quarto, que tanto me ajudou a terminar o capítulo 1 e

pelas aulas de francês! –, Maieiro (pela descontração) e Olavo. Achillinho, Angélica, Tati

Leite e Cristina Lopes.

Para Elizabeth Boj, pelos incentivos.

Aos militantes da vida uma admiração especial pela aguerrida luta para construção da

igualdade: Marcelo Freixo (meu professor), Elídio, Liliana, Daniel. À Justiça Global:

Sandrinha, Camilla, Carla, Renata, Luciana. Aos amigos e amigas da oficina da UERJ/OAB:

Patrícia, Beth, Lourdes, Fátima, Vitor, Zé Luis, Edmar, Maria.

Para todos e todas do gabinete e campanha contra o caveirão: pela luta em favor dos

Direitos Humanos, tarefa (árdua), porém corajosa e extremamente fundamental em dias de

tanto desprezo à humanidade.

Para Filipina Chinelli, minha primeira orientadora: "a gente nunca esquece".

Aproveitando a citação, também agradeço à sua família: Machado, Bia e Fernandinha,

queridos de todas as horas.

Ao LEPS, que me introduziu na área da saúde: Rosy, Maria, Júnior, Ludmila e Tereza

Cristina. Especialmente por todas as ajudas de Maria Lúcia, que não hesita em organizar

nossas perturbações acadêmicas ainda imaturas. À Lígia, por ter confiado e incentivado

minhas escolhas, e por ter aceito a proposta de orientação. E também pelos bons debates, que

me acrescentaram bastante.

Aos amigos venezuelanos emprestados ao Brasil: Hector e Henny.

Especialmente à Nancy Carrasco e Rubens, companhias incansáveis e bom humor

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revolucionário.Willian Capó e Pedro Alcalar: pelas importantes lições. Para todos os

membros do Ministério da Saúde da Venezuela, que se prontificaram com tanta solidariedade

a serem entrevistados, mesmo diante de suas intensas agendas de atividade militante. Aos

militantes sociais e membros dos comitês de saúde, pela inspiração e aprendizado que tive

com todos vocês: sem vocês tudo seria como antes. Que o caminho da organização e da

participação continue frutífero, pois ela é, por si, uma tarefa revolucionária.

Com o maior carinho do mundo ao Misael, o dono do melhor caldo de cana de

Maracay e das melhores poesias que ali conheci. Para a família que me acolheu: Ray, Raxelis

e Made. Em especial para Lobélia Escobar, incansável militante política e da vida, pessoa

incrível com muitas lições para dar: pela bela amizade, pelo carinho e pelas lições, e por ter

me apresentando boas pessoas que também homenageio através de você.

Ao mar, pelas pessoas mais incríveis que me apresentou na vida.

Ao Victor Neves com todo o meu carinho, agradecimentos eternos pela ajuda e pela

criteriosa revisão da dissertação: por ser um grande companheiro!

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"Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer,

a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes, ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei

raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente,

os homens presentes

a vida presente."

(Carlos Drummond de Andrade)

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RESUMO

O presente trabalho investiga o sentido da participação popular na Venezuela após 1998, tendo como referência a participação em saúde. Para tanto aborda o contexto político e social em que o tema se encontra submerso, indicando as principais modificações conjunturais assim como as circunscritas ao setor saúde, que criam o pano de fundo para a compreensão do processo em foco. O método utilizado caracterizou-se pela realização de pesquisa de campo através da coleta de entrevistas; além da sistematização de documentos, projetos de lei, matérias de imprensa, e referências de porte bibliográfico como livros, artigos e relatórios. Com o objetivo de compreender o processo de participação em saúde na Venezuela, o trabalho aponta para resultados que convergem com a sua hipótese central: a de que a participação popular na Venezuela é caracterizada por um processo de participação ampla, que se equipara com a perspectiva de “participação política”, aqui compreendida como um processo distinto da “participação social”. Numa percepção mais ampla das questões aqui sugeridas pretende-se compreender o papel do processo participativo na contribuição para consolidação de alternativas políticas centradas na distribuição do poder e, portanto, no protagonismo da população.

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ABSTRACT The present piece of work investigates the meaning of popular participation in Venezuela post-1998, having as reference participation in health. For so it tackles the political and social context in which the theme is submersed into, indicating its main conjectural modifications as well as those circumscribed in the health sector, which creates a background for the understanding of the process in focus. The utilized method was characterized by field research through interviews; apart from the systematization of documents, law projects, press articles and bibliographic references such as books, articles and reports. With the objective of comprehending the participation process in health in Venezuela, the work points to results that converge with its central hypothesis: that participation in Venezuela is characterized by a wider process of participation, which equates to the perspective of “political participation”, understood here as a distinct process to that of “social participation”. In a broader perception of the questions here suggested, there is the intention to comprehend the role of the participatory process in the contribution to the consolidation of alternative policies centered around the distribution of power and, hence on the protagonism of the population.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …………………………………………...…...………………...13 CAPÍTULO 1 “O PONTO DE PARTIDA” ..........................................................19 1.1 VENEZUELA PÓS 1998 ................................................................................26 1.2 O APROFUNDAMENTO DAS MODIFICAÇÕES........................................30 1.3 AS RUAS NÃO SE CALAM...........................................................................32 1.4 PETRÓLEO E POLÍTICA...............................................................................36 1.5 A NOVA ETAPA.............................................................................................45 1.6 A NOVA ETAPA DA POLÍTICA EXTERNA...............................................47 1.7 O PONTO DE CHEGADA..............................................................................49 CAPÍTULO 2 “CONSTRUINDO O SISTEMA PÚBLICO NACIONAL DE SAÚDE” ................................................................................................................55 2.1 PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO AO SPNS .........................................55 2.2 PES: O PLANO ESTRATÉGICO E SOCIAL.................................................62 2.3 BARRIO ADENTRO: EIXO ARTICULADOR DO SPNS............................67 2.3A O BARRIO ADENTRO................................................................................67 2.3B DANDO VOZ AOS ATORES......................................................................71 2.4 A PROPOSTA DE LEI ORGÂNICA..............................................................84 2.5 CEPAL X OPAS: UM BREVE MOMENTO ANALÍTICO...........................90 CAPÍTULO 3 “PARTICIPAÇÃO E PROTAGONISMO NA VENEZUELA”......................................................................................................93 3.1 FORMA DE PARTICIPAÇÃO: EIS A QUESTÃO.......................................94 3.2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE......108 3.3 A PARTICIPAÇÃO EM DEBATE ...............................................................109 3.4 A PARTICIPAÇÃO PROTAGÔNICA..........................................................116 CONCLUSÃO......................................................................................................126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................130 ANEXOS...............................................................................................................137

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado busca sintetizar, de maneira inicial, os aspectos

mais fundamentais no que tange à participação popular no setor saúde na República da

Venezuela.

Inserido em um novo contexto político e social concretizado após a promulgação da

nova Constituição da República, o rumo político tomado pela Venezuela é hoje considerado

um dos mais controversos do continente, e tem data de nascimento marcada. É fruto, é claro,

de um processo mais longo de lutas e contestações ao modelo anteriormente adotado, mas é

essencialmente após as eleições de 1998, com a chegada de Hugo Chávez Frias ao poder que

se observa uma inflexão na política em curso.

Para muitos, sob a liderança de um homem descrito no mínimo como populista – em

tom pejorativo –, a Venezuela é sinônimo de caos, intransigência e desordem. Para outros, a

figura ora desqualificada se transforma em líder da atualidade, um Robin Hood latino-

americano, um típico herói. Fato é que tanto uma quanto a outra visão pouco contribuem para

construirmos uma análise das raízes do processo que se passa na Venezuela, processo este

que, independente de qualquer atribuição pessoal, tem nas relações diretas de organização da

população a sua origem. Um marco fundamental dessa hipótese – que é claramente adotada

por nós ao longo deste trabalho – é o episódio do caracazo, a mais importante de revolta

popular do país, ocorrida em 1989, que é um importante ponto de apoio para refletir-se sobre

a história da organização popular e seus subseqüentes desdobramentos.

A escolha do tema foi pautada, na riqueza que se encontra por trás dessa polarização: a

perspectiva de construção de modelos alternativos em curso na América Latina. Esse dado

nos chama a atenção já que com seu discurso e prática centrados no privilégio inequívoco da

esfera econômica, o receituário neoliberal havia consolidado um grau fortíssimo de

hegemonia na pauta política mundial, atribuindo-se ao mesmo, um caráter de “única

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alternativa possível”.

Desta forma, diversas são as novidades na Venezuela que orientaram nossas

curiosidades rumo a esse estudo. Uma delas é o fato de que, desde que aberto esse novo

contexto, a participação popular tomou lugar central, e busca-se, desde então, a construção de

uma “democracia participativa”, fundamentada na democratização do poder através da

participação política dos cidadãos.

Além disso, entre Maio de 2006 e 2007, fazendo parte como pesquisadora do projeto

“Gestão participativa em saúde: estudo e sistematização da produção acadêmica e das

experiências de conselhos de saúde e conferências de saúde” – desenvolvido no âmbito do

Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS/UFRJ) – tive a oportunidade de tornar-me

admiradora e instigada pesquisadora do tema em questão. Neste trabalho tivemos momentos

de reflexão e elaboração sobre participação popular no Brasil e em países do Mercosul, estas

últimas baseadas em observações resultantes de nossa participação no “Observatório de

Participação em Saúde do Mercosul”. A possibilidade iminente do contato com o tema da

participação tendo a área de saúde como um "laboratório" me pareceu um importante ponto

de partida para a elaboração a que se propõe esse trabalho. Portanto, aqui se encontra a

origem do recorte trabalhado nessa pesquisa: a busca por um marco teórico sobre participação

popular, tendo na Venezuela uma experiência para reflexão.

Aqui, o presente contexto político mundial não escapará de ser pano de fundo para o

nosso trabalho, o que aponta, por si só, que faremos uma análise do tempo, da história e da

vida presentes. Assim sendo, as políticas adotadas na Venezuela são e devem ser analisadas

como um processo de luta política em curso. Uma ressalva, no entanto, deve ser feita: a de

que analisar o momento presente é tão pretensioso quanto arriscado, pois seu próprio rumo

está constantemente sofrendo modificações que podem num rompante ultrapassar diversas das

constatações que faremos. Optamos, no entanto, por não nos furtarmos a este desafio e

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refletirmos sobre essa realidade.

Num primeiro momento, traçaremos os antecedentes históricos vividos pela

Venezuela, o que será central para toda a nossa reflexão posterior, já que indicará as

alterações no cenário político e conjuntural do país. O trabalho parte, em seu primeiro

capítulo, do cenário do fim da década de 70 até os dias atuais buscando delinear os principais

acontecimentos ocorridos nesse período de tempo.

O segundo capítulo está circunscrito às modificações subseqüentes à Constituição no

que diz respeito à construção do Sistema Público Nacional de Saúde (SPNS). Seu tom

narrativo e descritivo é perceptível, já que não consiste no tema central do trabalho, mas sim,

em um importante antecedente para a compreensão do mesmo.

No terceiro capítulo focaremos o debate no tema proposto: “participação social”. Para

além de analisar experiências de participação descritas através da literatura, buscaremos

entender a experiência recente de participação em saúde na Venezuela, ressaltando e

apontando suas particularidades e novidades.

Por fim, o processo então descrito e debatido nos capítulos anteriores deverá ser

sistematizado na conclusão, observando a hipótese inicial na qual se baseia a pesquisa: a de

que a participação popular na Venezuela é caracterizada por um processo de participação

ampla, que se equipara com a perspectiva de “participação política”, aqui compreendida como

um processo distinto da “participação social”.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Do ponto de vista de seus procedimentos metodológicos, a pesquisa apresentada é

centrada na pesquisa de campo realizada na Venezuela, que teve um mês de duração. Conta,

portanto, com os limites de uma observação externa e com um período de tempo

razoavelmente curto de pesquisa.

De toda forma, o contato presencial com a realidade venezuelana permitiu-me

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vislumbrar empiricamente as relações de força que em mais ou menos curto espaço de tempo

levaram à construção de um Sistema Público de Saúde baseado em uma cultura de

participação coletiva cujos primeiros passos em direção à implementação este trabalho

introduz.

No que diz respeito às entrevistas realizadas, importantes atores, tanto os envolvidos

diretamente na organização comunitária dos comitês de saúde quanto autoridades locais da

gestão em saúde pública, foram os personagens privilegiados de nossa pesquisa. As

entrevistas realizadas estão sintetizadas no seguinte quadro:

Entrevistas Ocupação Data da Entrevista Entrevista com Enio Jaimes Coordenador inter-missões

do bairro Caricuao Dia 03 de Agosto de 2006

Entrevista com voluntários da casa de alimentação da

paróquia San Juan

Entrevista com militantes da casa de alimentação da

paróquia San Juan

Dia 04 de Agosto de 2006

Entrevista com militantes do comitê de saúde da paróquia

San Juan

Entrevista com militantes do comitê de saúde da paróquia

San Juan

Dia 04 de Agosto de 2006

Entrevistas em consultórios populares com as cidadãos

das filas.

Entrevista com cidadãos Dia 04 de Agosto de 2006

César Arismendi Coordenador da Direção Nacional dos Comitês de Saúde do Ministério da

Saúde

Dia 04 de Agosto de 2006

Robert Rodríguez Coordenador nacional da missão Barrio Adentro I

Dia 06 de Agosto de 2006

Jesus Ojeda Coordenador da Pós-Graduação de Medicina

Geral e Integral do IAESP

Dia 06 de Agosto de 2006

Entrevista com professor e alunos da Missão “Vuelvan

Caras”

Professor e alunos da Missão Vuelvan Caras

Dia 11 de Agosto de 2006

Leonor Franco Coordenadora nacional da missão Barrio Adentro III

Dia 11 de Agosto de 2006

Belén Murse

Coordenadora nacional da missão Barrio Adentro II

Dia 15 de Agosto de 2006

José Perales

Comissão de participação cidadã da Assembléia

Nacional

Dia 15 de Agosto de 2006

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Carmem Márquez Coordenadora Metropolitana da Missão Barrio Adentro I

de Caracas

Dia 16 de Agosto de 2006

Comitês de Saúde de Aragua Militantes dos comitês de saúde de Aragua

Dia 22 de Agosto de 2006

Douglas Zalas Coordenador da Direção Municipal de Saúde de

Aragua

Dia 22 de Agosto de 2006

Virginia Aguirre Coordenadora nacional da Direção Geral de

Investigação e Educação do Ministério da Saúde

Dia 25 de Agosto de 2006

Comitês de Saúde de Araira Militantes dos comitês de saúde Araira

Dia 26 de Agosto de 2006

Pedro Alcalar Coordenador da Escola de Nova Cidadania do Instituto de Altos Estudos em Saúde

Pública (IAES)

Dia 28 de Agosto de 2006

Zaida Rauseo Coordenadora de relações Internacinais do Ministério

de Comunicação

Dia 29 de Agosto de 2006

Comitê de Saúde de “los puertos de altagracia” do

Município Miranda/Estado Zulia

Entrevista com Maria de Los Angeles, militante de comitês

de saúde do Estado Zulia

Dia 31 de Agosto de 2006

Da mesma forma, as principais atividades de que tivemos a possibilidade de participar,

Atividade Data

Assembléia dos Comitês de Saúde de Caricuao Dia 03 de Agosto de 2006

Visita às Missões Sociais do bairro San Juán Dia 04 de Agosto de 2006

Visita às missões sociais de Guarataro Dia 04 de Agosto de 2006

Assembléia de formação do conselho comunal de “la pastora”

Dia 05 de Agosto de 2006

Assembléia de Saúde da cidade Araira Dia 26 de Agosto de 2006

Visita ao Hospital Popular de Caricuao Dia 07 de Agosto de 2006

Cerimônia de Fundação da missão “Madres del Barrio”, com a presença do presidente Hugo Chávez

Frias

Dia 07 de Agosto de 2006

Encontro da Comissão de Saúde da Assembléia Nacional com Comitês de Saúde para debate da Lei

Orgânica de Saúde

Dia 17 de Agosto de 2006

Gravação na “Rede Venezolana de Televisión”, de entrevista com os Conselhos Comunais sobre

participação popular.

Dia 10 de Agosto de 2006

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ou que pudemos realizar durante esse período de um mês também estão sintetizadas no

quadro acima.

A pesquisa foi realizada também com base em material documental com referências

bibliográfica em textos, relatórios de agências internacionais, documentos de governos, além

de notícias da mídia internacional e de veículos de comunicação impressos. Também foram

analisadas leis regulamentadas e propostas de anteprojeto legislativo que se encontram em

processo de debate.

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CAPÍTULO 1. O PONTO DE PARTIDA

"A História é um carro alegre, cheia de um povo contente,

que atropela indiferente, todo aquele que a negue.” Chico Buarque de Holanda

A presente pesquisa inscreve-se num contexto mundial recente, centralmente marcado

pela defesa de uma única alternativa política e econômica a ser adotada pelos países do

mundo. Hoje, se insere em um novo fôlego: o da busca por alternativas, com as quais nosso

tema de pesquisa pretende contribuir.

Nossa problemática histórica inicia-se então no seguinte contexto: o momento em que

o neoliberalismo entra em cena, justamente a partir do final da década de 70, quando, diante

de uma nova crise financeira e do comércio internacional, economistas, ideólogos e políticos

lançam mão de uma nova ortodoxia econômica, pregando o equilíbrio das contas públicas e o

enxugamento das funções do Estado. Os dois países líderes na implantação do neoliberalismo

– Inglaterra e EUA – tinham como arautos, respectivamente, Margareth Thatcher e Ronald

Reagan1.

Os efeitos da nova hegemonia conquistada por este projeto foram rapidamente sentidos

nos trópicos. Com relação à América Latina, as conseqüências da crise financeira levaram à

aceitação – em maior ou menor escala –, pelos governos dirigidos sem exceção pelas classes

dominantes, das medidas de “ajuste estrutural”. Tais medidas representam, não só um novo

padrão de acumulação, como uma nova forma de inserção da América Latina na economia

internacional.

Essa mudança estrutural, “apelidada” de reforma, passou a ser uma recomendação a

partir de reunião realizada em Washington onde se traçaram uma série de políticas

“necessárias” para colocar a América Latina “no caminho do crescimento, do aumento da

1 Perry Anderson (1995) lembra sabiamente que o receituário neoliberal havia sido aplicado pela violenta ditadura Chilena comandada por Pinochet a partir de 1973, antes mesmo de o ter sido nos paises centrais.

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riqueza e do desenvolvimento”. O resultado desta reunião é conhecido como “Consenso de

Washington”. Fiori, tratando da reunião onde foram enumeradas tais reformas, descreve:

Nessa reunião, o Sr. John Williamson publicou um "paper" onde cunhou essa expressão. Os resultados dessa reunião foram publicados em livro, em 1990. Esse livro se espalhou e espalhou-se essa expressão. E, posteriormente, ele mesmo, John Williamson, tentou explicar o que queria dizer com essa expressão: "eu fiz, apenas, uma lista das políticas e das reformas que estão sendo requeridas na América Latina, em conjunto, consensualmente, pelos principais centros e círculos de poder sediados na cidade de Washington.” (FIORI, 1996)

Dessa forma, o “Consenso de Washington” começa a aparecer, sobretudo a partir de

1989, como um pacote de condicionantes para o financiamento às políticas nacionais pelas

grandes agências internacionais. As políticas de corte neoliberal consagradas pelo referido

“consenso” caracterizam-se por:

Um conjunto, abrangente, de regras e condicionalidades aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes (TAVARES e FIORI, 1993, p.18)

É nesse contexto que se inicia a “pregação” deste novo tipo de “ordem social”

fortemente recomendada pelo Banco Mundial e pelo FMI. Tal ordem não pode escapar de ser

compreendida como fruto da nova configuração social hegemônica de um mundo posterior à

crise do welfare-state e à queda dos regimes socialistas do Leste Europeu. Entre as

características que marcam esse novo contexto das transformações do sistema capitalista

podemos destacar a “mundialização da economia” (CHESNAIS, 1996), e o novo perfil das

políticas econômicas. Nesse contexto é que se permite o fortalecimento do capitalismo

financeiro e rentista, mas que permanece tendo a sua base fundamental de acumulação na

extração da mais-valia.

BEHRING (2002) ressalta um aspecto fundamental que não pode fugir a nossas

observações. É a análise desta ordem entendendo-a no “contexto das transformações mais

profundas engendradas no mundo do capital em especial a partir dos anos 1970.” (BEHRING,

2003). Nesse sentido,

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As pressões para uma refuncionalização do Estado capitalista nos anos 1980 e 1990 estão articuladas a uma reação burguesa à crise do capital que se inicia nos anos 1970, vislumbrada por Mandel (1982). (BEHRING, 2003, p.33).

Na América Latina, os casos de “retorno à ortodoxia” (SOARES, 2001) apresentaram

semelhanças e diferenças importantes, além de maior ou menor adesão de acordo com o grau

de compromisso de suas classes dominantes com tal projeto. O fato é que, se é certo afirmar a

especificidade e a distinção de ritmos, também é sustentável que até o fim da década de 90 o

neoliberalismo havia se tornado uma realidade devastadora na maioria destes países.

Tendo no Chile a representação da implantação mais radical deste modelo, o desmonte

neoliberal nos países da América Latina segue acontecendo e “desajustando” o conjunto das

políticas públicas outrora implementadas. Seu efeito perverso, além de visível na prática,

possibilitou a substituição da oferta universal – ao menos em tese – de serviços públicos por

mecanismos para além de precários e focalizados, pautados na auto-ajuda e na desmobilização

da organização social reivindicatória, no enxugamento dos gastos públicos, e,

conseqüentemente, numa maior segmentação do acesso a tais serviços.

Na Venezuela a história de implementação das prerrogativas de abertura econômica é

bastante recente e muito questionada por movimentações espontâneas da população. Para

ELLNER (1997), a Venezuela adotou tardiamente o neoliberalismo em grande parte porque os

recursos do petróleo liberaram o governo das pressões de privatização. Apoiada politicamente

no “pacto de punto fijo”2 e materialmente no recurso petroleiro3, a democracia Venezuelana se

sustentou desde 1958 – por um período ao longo do qual a regra nos países da América Latina

foi a ocorrência de ditaduras militares.

2 Também conhecido como “pacto populista de conciliação” (REIS; 1980: 315) e arraigado na constituição de 1961, o “pacto de punto fijo” reconheceu que “a existência de diversos partidos e as naturais divergências entre estes podiam ser canalizadas no marco das pautas de convivência (e no reconhecimento) de que existiam interesses comuns na sobrevivência do sistema” (Romero;1989:25). O pacto permitirá um controle bipartidário da democracia venezuelana por parte da AD (Ação Democrática) e do Copei (Comitê de Organização Política e Eleitoral Independente). 3 Faz-se necessário sublinhar e destacar que a vida política venezuelana não pode ser compreendida caso não se entenda o papel desenvolvido pelo recurso petroleiro, que é o responsável há décadas pelo financiamento de boa parte da intervenção estatal observada no país.

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A década de 70 retratou fortemente a influência do petróleo na economia local quando,

concomitantes ao primeiro mandato de Carlos Andrés Perez (1974-1979), os anos de

“bonança petroleira” – que duraram quase uma década, tendo início em 1973 – permitiram a

impressão de uma duradoura prosperidade e melhoria no padrão de vida da população,

resultante de um alto grau de crescimento econômico e de altos níveis de emprego.

Mas como a Venezuela não ficou e nem poderia ficar de fora da tal “década perdida”

que solapou a economia mundial, no final dos anos 70 as mudanças levariam rapidamente o

país da bonança para a crise. O precedente aberto para as novas reformas estruturais veio à

tona no país – apesar de aquelas se concretizarem somente anos mais tarde – no início da

década de 80. Com a desaceleração da economia mundial e, conseqüentemente, com a alta do

preço do petróleo – fruto da diminuição da demanda e da política deliberada da OPEP por

aumento nos preços –, a economia venezuelana entra em franco declínio. Como conseqüência

deste quadro toda a sociedade e o então presidente Luis Herrera (COPEI) se encontraram

diante de visíveis taxas de desemprego, gerando uma crise material para a população.

Diante da crise econômica também entrou em crise, segundo VILLA (2005), o pacto

político que sustentava a democracia. O puntofijismo já demonstrava sinal de profundo

desgaste quando o então presidente Jaime Lusinschi (1984-1989) criou – como tentativa de

amenizar a crise –, em 1985, uma comissão para a Reforma do Estado que propunha mudanças

como a adoção de eleições diretas para governadores e prefeitos (até então indicados pelo

presidente), além do fim das listas partidárias nas disputas proporcionais. Mas, ao que tudo

indica, os efeitos da crise foram mais fortes e o “pacto do punto fijo” não ficou de fora das

conseqüências deste desgaste.

Em 1988, ano de eleições presidenciais, através da imagem do crescimento e do lema

que fazia associação direta ao seu primeiro mandato – democracia com energia –, Carlos

Andrés Pérez (da Ação Democrática) foi eleito com 56,4% dos votos. Sua posse, em 2 de

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Fevereiro de 1989, contou com a presença de vários representantes de países estrangeiros.

No entanto, os bons tempos derivados da alta do petróleo já estavam para lá de

balançados com a acentuada queda dos preços internacionais do artigo nos anos anteriores,

levando Pérez a adotar claramente, desde sua posse, as reformas estruturais como política

central de seu mandato.

Em 16 de Fevereiro, o presidente se dirigiu ao país para anunciar seu programa de ação. Iniciou seu discurso com uma severa crítica ao modo de funcionamento da sociedade nos últimos anos, apresentou uma audaz e certeira visão das debilidades de sua economia e anunciou – sob todas as luzes, para surpresa de todos - que o governo havia firmado um memorando com o Fundo Monetário Internacional (MARINGONI, 2004, p.110)

O objetivo do governo era conseguir a liberação de um empréstimo de US$ 4,5

bilhões, e a contrapartida:

[...] incluía desvalorização da moeda nacional, redução do gasto público e do crédito, liberação dos preços, congelamento dos salários e aumento dos preços de gêneros de primeira necessidade. A gasolina sofreria um reajuste imediato de 100%. Isso resultaria, segundo anunciado, numa majoração de 30% nos bilhetes de transporte coletivo. Na prática, estes reajustes chegaram também a 100%. (MARINGONI, 2004, 110-111)

Em 27 de fevereiro de 1989, tendo como ponto de partida os protestos em terminais de

ônibus contra o aumento das passagens, iniciou-se um profundo processo de revolta popular

contra as propostas assinadas pelo governo, episódio que ficou conhecido como Caracazo. A

manifestação de milhares de pessoas nas ruas teve como saldo cinco dias de revolta, repressão

com o exército na rua e 396 vítimas fatais de acordo com dados oficiais – mais de mil vítimas

segundo outras fontes.

Para VILLA (2005), o Caracazo é o primeiro forte sintoma da instabilidade política do

sistema democrático venezuelano. Mesmo assim, o governo “sobrevive” à sublevação e, no

início dos anos 90, lança o “VIII Plan de la Nación El Gran Viraje 1989-1993” que executaria

uma série de reformas econômicas e sociais de orientação neoliberal no país. Tais reformas

pregavam os ajustes macroeconômicos e a redução de funções sociais, cuja estratégia previa

“uma reforma do estado que estimulava a expansão e consolidação de uma moderna economia

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de mercado.” (EL GRAN VIRAJE: 1989).

O “Gran Viraje” definiu a política exterior como a estratégia para o desenvolvimento e

a abertura econômica, dentro do contexto da defesa dos princípios de livre comércio e do

“fortalecimento da solidariedade democrática internacional” e contemplou, ainda, uma

agressiva diplomacia comercial tanto no âmbito bilateral como no âmbito multilateral. Assim

a Venezuela entrou no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATS- OMC) além de outras

iniciativas que visavam a estabelecer canais de comunicação efetiva entre o país e as

instituições internacionais.

Entre 1990 e 1991, com o ataque norte-americano ao Iraque (durante a Guerra do

Golfo), a Venezuela passou a exportar mais petróleo aos Estados Unidos, fator que

possibilitou uma melhora de alguns índices macroeconômicos – fazendo com que o governo

de Pérez conseguisse recuperar parcialmente a sua credibilidade. No entanto, quando a OPEP

pressionou a PDVSA para baixar novamente a produção – para os preços não desabarem após

a guerra – a “saída” seria o avanço nas privatizações como forma de fazer caixa

(ELLNER,1997).

Nesse contexto é que se transferiram setores estratégicos como bancos, companhias de

telefones e centrais de açúcar para a iniciativa privada. No mesmo bojo tramitavam propostas

de privatização da indústria petroleira, alumínio, companhias elétricas e do Sistema de

Seguridade Social.

Aprofundando mais ainda a crise da estabilidade política no país, um grupo de oficiais

liderados pelo então tenente-coronel Hugo Chávez Frias protagonizou uma tentativa de golpe

de Estado em Fevereiro de 1992. Acompanhemos nas palavras de MÁRQUEZ (2000):

Ao entardecer, Carlos Andrés Pérez desceu do avião que o trazia de Davos, na Suíça, e se surpreendeu ao ver na plataforma o general Fernando Ochoa Antich, seu ministro da Defesa. "O que está acontecendo?", perguntou-lhe intrigado. O ministro o tranqüilizou, com argumentos tão confiáveis que o presidente não foi para o Palácio de Miraflores, e sim para a sua residência oficial, La Casona. Começava a dormir quando o mesmo ministro da Defesa o despertou por telefone para informá-

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lo de um levante militar em Maracay. Mal havia chegado a Miraflores quando explodiram as primeiras descargas de artilharia. Era o dia 4 de fevereiro de 1992. O coronel Hugo Chávez Frías, com seu culto litúrgico pelas datas históricas, comandava o assalto de seu posto improvisado no museu histórico La Planicie. Pérez compreendeu então que seu único recurso era o apoio popular e se dirigiu aos estúdios da Venevisión para falar ao país. Duas horas depois o golpe militar tinha fracassado. Chávez se rendeu, com a condição de que também permitissem a ele dirigir-se ao povo pela televisão. (MÁRQUEZ, 2000)

Após esse fato é que Chávez emergiu como uma das principais figuras políticas no

cenário nacional:

O jovem coronel mestiço [...] assumiu a responsabilidade pelo movimento. E seu discurso foi um triunfo político. Cumpriu dois anos de prisão até ser anistiado pelo presidente Rafael Caldera. Entretanto, muitos partidários – e inimigos políticos – compreenderam que seu discurso da derrota foi o primeiro da campanha eleitoral que o levou à Presidência da República menos de nove anos depois. (MÁRQUEZ, 2000)

Aliado a esse acontecimento, em 1993 o presidente Pérez foi afastado do governo sob

acusação de corrupção, fato que aprofundaria ainda mais a já presente crise política.

Foi Rafael Caldera quem encabeçou a chapa vitoriosa nas novas eleições. Para VILLA

(2005), Rafael foi o único dirigente da elite tradicional que compreendeu o caracazo e as

subseqüentes revoltas – como a insurreição militar liderada por Chávez em 1992 – não como

momentos circunstanciais, mas como resultado de uma crise política e institucional de longo

prazo que culminava numa crise de legitimidade democrática. Caracterizando isso como uma

forma de habilidade política, VILLA (2005) acredita que Caldera conseguiu tirar proveito do

significado da crise apresentando um discurso político que se aproximava das reivindicações

populares e da classe média.

Nesta disputa, o movimento então liderado pelo tenente-coronel Hugo Chávez Frias

acabou chamando a abstenção eleitoral, conclamando uma mudança de fora para dentro das

instituições. Outros partidos da esquerda do país, como o PCV – Partido Comunista

Venezuelano –, declararam apoio a Rafael Caldera.

A agenda política aplicada por Rafael, no entanto, não teve nada de dissonante com as

iniciativas que vinham sendo apresentadas por Pérez. O planejamento político do governo

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estava inserido na “Agenda Venezuela”. De acordo com a PROVEA (1995):

La "Agenda Venezuela", a pesar de ser presentada por altos funcionarios oficiales como un "plan económico con rostro humano" en opinión de Provea sigue priorizando el desarrollo en función de restablecer equilibrios macroeconómicos y no para restaurar el equilibrio de los indicadores sociales, que tienen que ver con la calidad de vida de la población. En este marco, los principales indicadores sobre la vigencia de los derechos económicos, sociales y culturales, demuestran un claro y grave deterioro, como se puede apreciar a continuación. (PROVEA, 1995)

MAIGNON (2002) também observa que durante toda a década de 90 se aplicou na

Venezuela um modelo de desenvolvimento cuja idéia motora se ocupava em reduzir funções

sociais e econômicas do Estado. Ela aponta três conseqüências desses ajustes estruturais:

aumento de famílias em situação de pobreza, mais desemprego e crescimento do setor

informal. Frente a este quadro a política social foi caracterizada, por D’ELIA (2002), como

“focalizada /compensatória”, passando a ser reduzida a planos específicos.

Diante de todos os fatos descritos e da emergência de novos atores sociais com força

política, a eleição presidencial de 1998 teve como antecedente a mudança na posição política

até então defendida por Chávez. Em 1997, com a construção de um partido político –

Movimento Quinta República (MVR) –, foi anunciada a candidatura de Chávez para

presidente nas eleições do ano seguinte. Para a emergência eleitoral de Chávez contribuíram

tanto os precedentes históricos já aqui citados como, especialmente, a radicalidade de um

discurso que foi compatível com as demonstrações de anseios por mudanças. Foi então, em

Dezembro de 1998, que Chávez saiu vitorioso com 58% dos votos no pleito eleitoral.

1.1. VENEZUELA PÓS 1998

Quando chegamos à Venezuela temos uma nítida impressão: a história começou agora.

Pode parecer engraçado ou um pouco caricato, mas a construção de um novo rumo político-

social e cultural se entranhou de tal forma na realidade que, a olhos nus, percebemos que “nada

é como antes”, mesmo que não saibamos como havia sido. Sabemos, no entanto, que, por mais

que pareça, essa história não começou agora, e essa é a luz que ilumina este capítulo da

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pesquisa: retroceder nos acontecimentos para desvendar os caminhos percorridos pela

república venezuelana.

Fato é que, se a história não começa agora, uma nova República, ao menos, começa. E

com ela, novos ideais e expectativas de uma modificação profunda no país. A V República

Venezuelana nasce em 1999, logo depois que, em 1º de Janeiro do mesmo ano, ainda em sua

posse, Hugo Chávez assina um decreto convocando um plebiscito pela realização de uma

Assembléia Nacional Constituinte. Este mesmo plebiscito, em 25 de Abril, marca a data da

eleição da nova Constituinte para 25 de Julho. Em menos de um ano, mais exatamente no dia

15 de Dezembro, é aprovada a nova constituição, a constituição da “República Bolivariana de

Venezuela”.

Na declaração de seus princípios fundamentais caracteriza-se a República Bolivariana

da Venezuela “irrevogavelmente livre e soberana”, que se constitui como um “Estado

democrático e social de direito e de justiça” que busca construir uma sociedade protagonista

em que os órgãos do Estado estão submetidos à soberania popular. A nova constituição

também elevou a cinco os poderes públicos: aos três conhecidos poderes executivo,

legislativo e judiciário, somaram-se os poderes cidadão e eleitoral.

Abriu-se, portanto, uma nova etapa política no país, que tem como expressão da busca

das transformações da ordem jurídica e institucional a nova constituição.

Logo após a aprovação da nova constituição foram convocadas novas eleições – como

deliberação da constituinte – com a finalidade de legitimar os governantes da nova República.

Em 30 de Julho de 2000 foram então celebradas as eleições presidenciais, regionais e locais,

sendo Hugo Chávez Frías reeleito como presidente para o período de 2000-2006.

No ano de 2001, destacou-se na vida política a aprovação de um pacote de 49 leis

habilitantes4. A utilização das leis habilitantes tornou-se um objeto de duras críticas políticas

4 Em anexo, lista das 49 leis habilitantes.

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ao caráter da democracia venezuelana, e os freqüentes argumentos utilizados são de que elas

concentram poderes demais nas mãos do presidente. À parte a forma, o mais importante é nos

debruçarmos sobre os temas sobre os quais versam as leis – esses sim polêmicos –,

especialmente as duas que causaram maior debate no país: a de hidrocarbonetos e a de terras.

A Lei de Hidrocarbonetos, que rege o setor petroleiro, e a Lei de Terras, que trata da reforma e do desenvolvimento agrários. No primeiro caso, porque o governo passou a exigir que o capital venezuelano tivesse maioria acionária nas parcerias com petroleiras estrangeiras atuantes no país, o que os defensores da liberalização do setor viram como retrocesso. O governo ainda aumentou de 16,6% para 30% os royalties cobrados sobre o barril do petróleo, se bem que essa medida foi atenuada pela diminuição de 64% para 50% do imposto sobre a renda petroleira. Já a polêmica em torno da Lei de Terras é um pouco mais complexa. É amplamente aceito que foi a noção de horror à oligarquia que fez o presidente Hugo Chávez manter, na Constituição Bolivariana, o artigo 342, que já vinha da Carta de 1961, indicando que “o regime latifundiário é contrário ao interesse social” na Venezuela. (UCHOA apud VILLA, 2005, p. 162)

A partir de então, muitos acreditam que acirrou-se a polarização entre “chavistas” e

oposição. Esse grau de polarização que divide a sociedade é considerado por alguns autores

como uma “transformação da polarização social em polarização política” (PLANES, 2003,

ELLNER E HELLINGER, 2003, apud VILLA).

Para eles não é que não houvesse conflitos sociais na Venezuela: ao contrário, eles

estavam muito presentes. A diferença essencial é que essa polarização social tomou expressão

em uma polarização política, conseqüência dos acontecimentos políticos que deslocavam para

os setores populares a base de sustentação da política institucional.

Outro aspecto a se observar no plano estratégico do novo governo são seus

planejamentos, que passaram a ser fundamental “ferramenta” para a elaboração dos projetos

aplicados no país e para o delineamento da política a se implementar em curto, médio e longo

prazo. Em todas as áreas de atuação podem ser encontrados os instrumentos de análise e

planificação e as estratégias a serem desenvolvidas, e o principal deles, que planeja os

aspectos de intervenção do governo até o final do mandato, é o “Plano de Desenvolvimento

Econômico e Social da Nação 2001-2007”.

O diagnóstico apresentado pelo primeiro plano da “nova era constitucional

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bolivariana” parte da análise de que a Venezuela vivia, nas últimas décadas do século XX,

uma crise estrutural que começou a ser superada após o resultado eleitoral de dezembro de

1998. Esse plano, portanto, consolida as bases fundamentais para;

A interação dinâmica do crescimento econômico sustentável, as efetivas oportunidades e eqüidades sociais, a dinâmica territorial e ambiental sustentáveis, a ampliação das oportunidades cidadãs e a diversificação multipolar das relações internacionais. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DA NAÇÃO 2001-2007, 2001, p. 07, tradução nossa)

Baseado em cinco diretrizes fundamentais – o equilíbrio econômico, social, político,

territorial e internacional –, este documento é o eixo de planejamento mais importante das

diretrizes gerais da nova política. De fato os demais documentos de planejamento da

intervenção política, sem exceção, remetem ao “Plano de Desenvolvimento Econômico e

Social da Nação 2001-2007” como eixo articulador central.

As cinco diretrizes fundamentais traçadas são, sobretudo, linhas gerais para a

“modificação estrutural” proposta pelo documento, que dirigem a construção da nova

república.

As modificações políticas são compreendidas como contempladas pelo processo

constituinte e pela constituição, acrescentando-se a necessidade de aprofundar as ações para

melhoria da qualidade de vida para todos, o que deve, entre outros propósitos, cumprir e

reconhecer parte da dívida social acumulada.

No que tange ao equilíbrio econômico, além de apontar a necessidade de uma

reativação do aparato produtivo do Estado, aponta também para a modificação da economia

rentista para uma economia produtiva através do impulsionamento da agricultura, da

indústria, do comércio, do turismo e da construção de infra-estrutura.

O equilíbrio social está orientando “não só a corrigir as enormes distorções sociais

com sua grande carga de exclusão e injustiça, como também para potencializar o pleno

desenvolvimento do cidadão nos aspectos relacionados com o exercício da democracia”

(PLAN DE DESARROLLO ECONÓMICO Y SOCIAL DE LA NACIÓN 2001 – 2007,

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2001, p.08, tradução nossa). Aponta ainda a erradicação da pobreza como uma grande meta a

se alcançar, atribuindo aos ingressos econômicos a necessidade de construir um alto grau de

justiça política e econômica.

O desenvolvimento territorial é visto em consonância com o desenvolvimento social e

econômico e está baseado em um modelo de desenvolvimento nacional adequado a um uso e

a uma ocupação do território mais equilibrada.

O plano compreende ainda as linhas de desenvolvimento internacional a serem

adotadas pela república. Afirma que a nova realidade mundial evidencia que o equilíbrio

internacional reside na integração entre os países e por esse motivo reafirma a vocação

integrativa da Venezuela e aponta para uma política de relações internacionais eqüitativas e

respeitosas, que intensifique o processo de cooperação e inserção, enfatizando a integração

dos países latino-americanos e caribenhos.

Por fim, o documento denomina as etapas em que deve ser cumprido esse

planejamento. A primeira delas se chama década de prata, e vai de 2001 até 2010, período de

transição ou etapa prévia que prepara as modificações para a década seguinte, a década de

ouro – que vai de 2011 até 2020 –, quando será realizada a “revolução bolivariana”.

1.2. O APROFUNDAMENTO DAS MODIFICAÇÕES

O documento de planejamento estratégico que dá corpo às modificações políticas

vislumbradas pelos novos atores sociais e políticos do país não poderia prever, por mais

situacional que fosse, a reação política desencadeada pelas – então ainda tímidas – mudanças

políticas anunciadas pela nova Constituição. O projeto político de cunho nacional que

anunciava uma fase de transição política e cultural ora parecia um projeto desenvolvimentista,

ora uma reforma mais profunda de cunho também não bem definido.

No entanto a proposta assumiu – ao menos em tese – uma nova caracterização: a de

um processo de “revolução bolivariana” e de um debate sobre o “socialismo no século XXI”.

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O socialismo do século XXI da Venezuela é, em realidade, bem mais uma bandeira e

uma proposta de debate do que, efetivamente, um conjunto de doutrinas teórico-políticas. Ele

é caracterizado, normalmente, como uma proposta de Chávez para discussão, que tem

envolvido diversos setores da sociedade Venezuelana, mas também teóricos e militantes de

países ao redor do mundo.

[…] Es así como plantea que el Socialismo del Siglo XXI es mucho más que todo lo escrito hasta el momento, es la síntesis de 20 siglos de utopías y experimentos que se presentan como una carta de navegación que se va construyendo al andar […] que convoca a intelectuales, a los investigadores de las ciencias sociales a ser parte integral de la construcción de un proyecto que admite la discusión, el debate, el aporte de otros puntos de vista y que ha considerado que el conocimiento científico, que las construcciones y propuestas teóricas de las ciencias sociales, de una nueva economía solidaria, del desarrollo endógeno, de la ecología y el ambiente para un desarrollo sustentable, en fin el conocimiento útil tiene cabida en una propuesta de sociedad para el siglo XXI. (MORA, 2005, p.197)

É claro que esse debate não poderia deixar de ser temperado com muita divergência,

antagonismo e polêmica. Construir uma proposta de socialismo – com todos os distintos

balanços históricos protagonizados por vertentes diversas de projeto de socialismo, além de

escassas referências de “modelo” de países socialistas no mundo atual – não é tarefa simples.

Ao mesmo tempo não há uma clareza do que se define nessa proposta como socialismo, já

que não há sinais que sejam ao menos próximos da socialização dos meios de produção.

No entanto, a principal e mais importante questão que é trazida à tona nas polêmicas é

muito mais sobre as vias de se chegar ao socialismo do que, propriamente, sobre uma

caracterização da situação atual da Venezuela. É inegável que paira certo consenso sobre um

“processo de revolução” – que inclui a mudança de cultura política, a radicalização da

participação, a nacionalização de setores estratégicos da economia, entre outros fatores –

denominado “revolução bolivariana”. De outra forma, porém, ainda não está claro onde

desembocará este processo.

Cabe aqui uma colocação tão contundente quanto as dúvidas levantadas: uma das

virtudes da “revolução bolivariana” é justamente a de acreditar na construção de um processo

que se alimenta das experiências passadas, mas que concentra esforços em desenvolver

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modificações próprias e particulares da Venezuela.

O desafio colocado por Chávez de pensar o socialismo do século 21 é muito rico. Precisamos lembrar das idéias de Mariátegui do socialismo indo-americano, que eu chamaria de afro-indo-americano. O socialismo não será cópia de outras experiências, mas uma criação heróica dos povos. Precisamos fazer um balanço crítico tanto da social-democracia como dos países do leste europeu. O socialismo do século 21 só tem futuro se incorporar as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Por aí passa a utopia revolucionária latino-americana. (LÖWY, 2006)

Uma propriedade inquestionável da Venezuelana é, dessa forma, a de ter pautado o

tema do socialismo na América Latina – e no mundo – após a frágil situação colocada a partir

da queda do muro de Berlim e da propagação mais sistemática da doutrina liberal.

As propostas levadas a cabo pela política implementada no país cumpriram o papel de

reacender o debate entre militantes políticos e sociais, acadêmicos, especialistas e tantos

outros, reiluminando o debate político sobre o socialismo, mesmo que haja dúvidas sobre o

rumo do debate na própria Venezuela.

Se é bem verdade que as eleições de novos chefes de Estado na América Latina

contribuíram para a modificação da agenda política desses países e para uma tendência de

“esquerdização” do continente, façamos também juz ao fato de que a Venezuela – em

particular – tem sido o carro chefe de uma disputa política de porte nacional e internacional.

1.3. "AS RUAS NÃO SE CALAM"

Uma continuidade de infindáveis acontecimentos políticos tomou corpo no país. Por

um lado, como já citamos, o governo aprofundou uma concepção de mudanças estruturais.

Por outro, reações diversas uniram a oposição em um setor “anti-chavista” que, mais tarde,

tomou o nome de Coordenação Democrática.

O ano de 2001 começou a marcar a série de acontecimentos posteriores, quando, no

dia seguinte à aprovação do pacote de 49 leis habilitantes a FEDECÁMARAS e a CTV –

respectivamente a central patronal e a central dos trabalhadores, historicamente ligadas aos

partidos governistas da época do pacto de punto fijo – convocaram uma paralisação nacional

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em protesto. Mas foi o ano de 2002 que registrou, de fato, sucessivos acontecimentos

políticos de grande porte “desestabilizadores” da conjuntura nacional.

Em primeiro lugar, de nove a onze de abril desse ano uma nova paralisação foi

chamada pelas mesmas entidades que convocaram o “paro” do ano anterior. Somando-se a

elas, no entanto, estavam dirigentes de altos cargos da PDVSA, empresa de petróleo

responsável por 80% das exportações da Venezuela. Dessa forma, os principais setores

estratégicos da produção econômica do país entravam em paralisação. Antes mesmo do início

da parada, o presidente Chávez anunciou – precisamente em 7 de Abril – a demissão de sete

gerentes da empresa que haviam defendido publicamente a adesão à paralisação nacional. No

anúncio das demissões – ocorrido ao vivo no programa alô presidente5 – Chávez declarou: “A

PDVSA deixará de ser uma caixa preta, um Estado dentro do Estado”. Segundo o jornal “El

Nacional”:

Varios gerentes que liderizaron las luchas y protestas se ganan uno de los despidos más famosos anunciados en Aló Presidente. El mandatario nacional mencionó sus nombres uno a uno al botarlos de la industria, les advirtió que no habría negociación y agregó que no tenía problema en “rasparlos a toditos”. Este fue un factor explosivo en las luchas de esos días, arrancó un paro nacional que luego se convirtió en indefinido. La protesta en defensa de la meritocracia llevó a los venezolanos a marchar a Miraflores en la fatídica tarde del 11, a pesar de que Chávez ya tenía en sus manos la renuncia de la directiva rechazada. Luego de su regreso, Chávez – en un tono conciliador – nombra a Alí Rodríguez Araque presidente de la corporación, designa una nueva junta y reengancha a los despedidos. (CASTRO, 2007)

Dois longos dias de “greve”. A essa altura a temperatura dos acontecimentos políticos

se assemelhava ao calor tropical típico do país, e nesse ínterim tanto os defensores do governo

quanto os opositores preparavam-se para marchar. O dia 11 de abril foi o dia fatídico que

chocou todo o mundo: a modificação dos rumos da marcha “oposicionista” para o mesmo

local onde se encontrava a marcha “chavista” – o Palácio Miraflores – resultaria em cenas

trágicas e fatais, deixando 19 mortos e 200 feridos em um só dia. Entre mortos, feridos e

muita confusão do lado de fora, os confinados no Palácio Miraflores começam a se dar conta

5 Programa Dominical apresentado pelo presidente Chávez no canal Estatal com duração de 4 horas, onde se prestam contas do governo pelo mandatário nacional e por cada um de seus ministros.

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do que estava acontecendo quando, às 22h, a polícia de um Estado governado pela oposição

ocupa o canal de televisão estatal, tirando-o do ar. As características e a velocidade dos

acontecimentos não deixavam mais espaço para dúvidas: tratava-se de um golpe de Estado.

Os canais de televisão que permanecem no ar anunciam desde então que a renúncia do

presidente Chávez está sendo negociada. Apesar de Chávez não renunciar e nem aceitar

assinar nenhum documento redigido pelos oposicionistas, ele acaba detido e levado a um

forte. Este acontecimento é o suficiente para que, no dia seguinte, a capa dos principais

jornais da Venezuela estampem uma manchete anunciando a renúncia do presidente.

Diante das câmeras, já no final da tarde, se exibem imagens da "transição" da

presidência da república a Pedro Carmona – o então presidente da FEDECÁMARAS, o

mesmo que junto com Pedro Ortega fora o principal responsável pela greve deflagrada dois

dias antes – e da instalação de um governo de transição6.

Quem quisesse acompanhar em detalhes os meandros do golpe não deveria ir a Miraflores e muito menos no Forte Tiúna. Também de nada valeria postar-se nas ruas de Caracas, ou em alguma guarnição das Forças Armadas. Aquele que desejasse ter uma visão privilegiada dos acontecimentos deveria ir para casa e sentar-se em frente à televisão. Era lá que o verdadeiro golpe ocorria. [...] A queda de Chávez representou um conflito político de novo tipo, um golpe midiático. (MARINGONI, 2004, p.32)

Destituídos o governo executivo, a Assembléia Nacional, os magistrados do Tribunal

Supremo de Justiça, a vigência das leis habilitantes e restituído o nome “República da

Venezuela”, inicia-se o governo de transição7. Ao mesmo tempo, fora dos focos das câmeras

das emissoras de televisão um grande movimento de concentração em apoio a Chávez e

6 O comportamento da imprensa local da Venezuela permitiu o surgimento da expressão “golpe midiático”, utilizado especialmente pelos setores ligados à Chávez para designar a manipulação e omissão de imagens fundamentais para se compreender os acontecimentos antecedidos e sucedidos ao golpe, que caracterizaram a participação e o apoio dos mesmos golpe de estado.

7 A posição do governo dos EUA até o presente momento, havia se publicizado através de uma declaração conjunta ao governo da Espanha (em anexo), que além de expressar repúdio aos atos de violência, declarava o desejo de que essa situação excepcional conduzisse o país brevemente a normalização democrática plena, baseada em um consenso nacional. A posição de Washington ficou mais clara, no entanto, quando, justificando o golpe por “erros políticos de Chávez” reconheceu procedimentos democráticos na assunção de Carmona à presidência. Posteriormente, o jornal New York Times publicou uma matéria segundo a qual líderes da oposição venezuelana haviam se reunido várias vezes com altos funcionários do governo dos EUA, e, ao concretizar-se o regresso de Chávez ao poder, o mandatário recebeu uma declaração contundente: “espero que Chávez tome nota da mensagem que lhe deu o seu povo de que suas políticas não funcionam para os

venezuelanos”, disse Condolezza Rice. Este episódio marcou mudanças profundas na relação Venezuela - EUA, e, atualmente, averigua-se não só a comprovada participação do governo americano no golpe, como também os financiamentos do mesmo aos meios de comunicação venezuelanos.

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contra o golpe se instala nas ruas de Caracas, enquanto na cidade de Maracay e em outros

locais do país grandes concentrações se multiplicam.

Um resumo dos fatos posteriores nos permite abreviar o fim que levou o golpe de

Abril: um plano dos militares fiéis ao presidente deposto retoma o palácio em plena “festa” de

assunção do governo de transição, e sai em busca de resgatar o presidente eleito. O reinstalado

presidente do parlamento dá posse ao vice-presidente constitucional até o retorno de Chávez.

A dissolução do golpe se dá ainda na tarde do dia 13 quando Carmona anuncia a sua renúncia

ao cargo de Presidente da República. Resgatado em Turiamo – uma base militar naval

próxima à cidade de Maracay –, o presidente Hugo Chávez é recebido por mais de 500 mil

pessoas na madrugada deste longo dia.

O mais difícil, no entanto, é qualificar como “maior” a dificuldade sofrida pelo

governo nesses três dias de golpe. Ainda no mesmo ano, em dezembro, os mesmos

envolvidos no golpe de Estado chamam um “paro nacional” que dura dois meses corridos,

tendo fim somente em Fevereiro de 2003. Esses meses fragilizam enormemente a economia

do país, e causam inúmeras dificuldades à população, dificuldades com transportes,

alimentação e todas as demais possíveis decorrentes da ausência de abastecimento e de

fornecimento. Sem falar, é claro, nas dificuldades estritamente políticas.

A oposição inicia em novembro de 2003 o recolhimento de assinaturas para a

convocação de um referendo revogatório do mandato presidencial. O recolhimento consegue

atingir os objetivos e o referendo acontece no dia 15 de Agosto de 2004. Segundo o "Centro

Carter", observador internacional do processo de referendo:

El referendum del 15 de Agosto rechazó la petición de revocar el mandato del Presidente Hugo Chávez. La observación de la misión del Centro Carter confirma los resultados emitidos el miércoles, 18 de Agosto, por el Consejo Nacional Electoral, en los cuales la opción de "No" revocar el mandato del presidente Chávez recibió el 59% y la del "Si" recibió el 41% de los votos escrutados.[…] La conclusión del Centro Carter es que las máquinas de votación automatizada funcionaron bien y que los resultados de la votación reflejan la voluntad del pueblo. (CARTER, 2004)

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Mais uma vitória explícita do governo resulta, no ano seguinte, em uma tática que

acaba por colocar a oposição em uma encruzilhada. Após todo o processo de eleição para a

Assembléia Nacional, no dia da votação, os principais partidos de oposição se retiram da

eleição alegando que o processo não foi transparente. Se, por um lado, este fato político tem

visibilidade internacional, conseguindo impor altos níveis de descrédito para o governo da

Venezuela, por outro, o governo se fortalece internamente, conseguindo 100% da Assembléia

Nacional logo após inúmeros acontecimentos em que saiu vitorioso.

1.4. PETRÓLEO E POLÍTICA

O governo Chávez adotou, até seu quinto ano de mandato, uma conduta econômica extremamente cuidadosa, ao contrário do que sua incontinência verbal parece denotar. Os seculares privilégios das castas abastadas quase não foram tocados, os contratos internacionais firmados anteriormente são respeitados e os serviços da dívida pública seguem sendo pagos sem contestação. As reações sobressaltadas dos setores oposicionistas denotam muito mais uma espécie de fobia a uma maior democratização política do que uma reação a transformações estruturais significativas já realizadas na esfera econômica. (MARINGONI, 2004, p. 49 )

A posição exposta por Maringoni – e compartilhada por outros autores – indica: o

programa econômico de Chávez teve traços moderados. Ao mesmo tempo, só o ato de "frear"

o processo de privatização já seria o suficiente para que a ira de seus adversários viesse à

tona?

É certo que a antiga combinação entre liberalização da economia e diminuição da

soberania nacional retrocedera e passara a ser uma equação sem resultado. Mas um dos

motivos que se destaca – senão o principal deles –, pelo qual o acirramento político na

Venezuela é tão intenso é, reconhecidamente, a sua condição de reservista de petróleo. Esta

potencialidade tanto abre portas para suas estratégias políticas internas e externas como, ao

mesmo tempo, reforça a "inimizade" atribuída ao país.

O valor estratégico do petróleo reside na utilização intensa e indiscriminada do

produto combinada com reconhecido limite da oferta deste recurso natural. Esse é o pano de

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fundo para que, nos últimos anos, o controle sobre as regiões produtoras tenha tomado um

caráter inclusive bélico, visando à manutenção total do controle sobre as fontes estáveis de

petróleo. Para a Venezuela o produto já é, faz tempo, o combustível que move a economia – e,

portanto, boa parte das decisões políticas –, e hoje, mais que nunca, é a grande preocupação

das oposições internas e externas ao governo Chávez. A respeito da política de petróleo de

governos anteriores a Chávez:

Mas o principal trunfo do governo Caldera para adoçar a boca do mundo das altas finanças foi o incremento da política de abertura petroleira. Seu principal artífice, nesta fase, foi o presidente da PDVSA, Luis Giusti. A abertura se traduzia principalmente pelo descumprimento sistemático da política de cotas da OPEP, com vistas ao desligamento da Venezuela da organização. O conseqüente aumento da produção forçava a queda dos preços e atendia plenamente aos interesses dos países grandes consumidores, em especial os Estados Unidos. Empresarialmente, a orientação se materializava na participação do setor privado nos negócios da companhia. Compreendia convênios e concessões, com duração de 20 anos, destinados a aumentar as áreas de exploração e o compartilhamento de riscos e lucros. Entre 1992 e 1997 foram feitos 33 convênios com empresas de 14 países. (MARINGONI, 2004, p. 157)

A abertura petroleira só era possível mesmo no momento de abertura econômica como

se iniciava na Venezuela. Menos de duas décadas antes – naquele período conhecido como

bonança petroleira –, a partir de 1973, o choque dos preços do petróleo e o aumento dos

preços do barril levaram ao colapso a economia mundial, mas, ao mesmo tempo, os países

exportadores estavam metidos em uma situação "como tendo um bilhete premiado de loteria

garantido toda semana" (HOBSBAWN, apud BORGES). Foi aí que ocorreu a nacionalização

do petróleo na Venezuela, em 1976, com a fundação da "poderosa" PDVSA.

Desde a assunção do novo governo, em 1998, a política do petróleo mudou. Um maior

controle da empresa pelo Estado, uma ofensiva pela rearticulação da OPEP e um maior

controle da produção são importantes aspectos da nova realidade. Outro que se destaca é a

definição política – ainda parte do plano da nação – de que os recursos da exportação do

petróleo devem servir ao "financiamento da saúde, educação, fundo de estabilização

macroeconômica e investimento produtivo”.

Aquí estaba en marcha, nada más y nada menos, que la privatización del petroleo de Venezuela, e eso era un plan que venía avanzando desde hacia pelo menos cinco

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años y incluso ya habían privatizado una parte, que ahora la hemos liberado, después del golpe. Habían privatizado, nada más y nada menos que el cerebro de PDVSA, se la estaban entregando a una empresa norteameriacana dirigida por la CIA, !fíjate a quien la estaban entregando! (...) Así que cuando se logra un gobierno como el nuestro, que paró en seco aquello, y no solo lo detuvo, sino que comenzamos una contraofensiva, cuando hicimos la ley de hidrocarburos, quedó estabelecido definitivamente en la constitución venezolana que PDVSA será para siempre del estado y de la república.(...) En general, nuestros planes desde el punto de vista de la participación del estado en la economía, están centrados en PDVSA, que es lo más importante, como dijo alguien, el elefante en la piscina. Detuvimos el proceso de privatización, que es el elemento central de la batalla política y económica, del sabotaje petrolero y económico. (CHÁVEZ in GUEVARA, 2005, p. 50)

A greve nacional que atravessou a passagem do ano – de 2001 a 2002 – também

conhecida, quando se trata do setor adesista da PDVSA, como "sabotagem petroleira", teve

como saldo a demissão sumária pelo governo do quadro de gerentes e diretores da empresa.

Os índices de demissão chegaram a 18 mil dos 42 mil funcionários da PDVSA. Após novas

nomeações, adesões e o fechamento de unidades da empresa para transformá-las em

equipamentos sociais – como, por exemplo, a Universidade Bolivariana em Caracas que foi

construída numa ex-sede da empresa –, a Petróleos de Venezuela passa a ser apelidada de

"nova PDVSA", financiando (quase) todos os programas do Estado e ocupando posição

estratégica na disputa política internacional – especialmente nos acordos de cooperação feitos

pela Venezuela.

Vale a pena ilustrar – mesmo sendo este um tema de que trataremos mais

profundamente no capítulo seguinte da presente dissertação – que é após a "poeira baixar",

especialmente em 2003, que se iniciam boa parte das missões sociais organizadas pelo

governo. Desde o ano 2000, com a aliança cívico-militar que deu início ao plano "Bolívar

2000" – um plano de voluntariado social e mobilização das forças armadas para atender aos

mais desprivilegiados da população –, o governo já ia levando à cabo um plano de

intervenção social e de aumento do investimento em políticas públicas, mesmo que estas até

então fossem específicas e focalizadas.

Foi em 2003, após toda a gama de ofensivas geradas pela oposição e, especialmente,

após a modificação quase completa da PDVSA que se iniciou o processo das missões, uma

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forma de "driblar" a burocracia – a “máquina” institucional do governo – consolidando dois

pilares fundamentais: a mobilização solidária e a intervenção social direta.

O petróleo não passou a assumir um local estratégico na economia e na política

venezuelanas: ele sempre esteve nesta posição. A grande questão que se coloca é que os

interesses aos quais a empresa de petróleo passou a atender são bastante distantes daqueles a

que atendia antes.

A Venezuela sempre assumiu – por exemplo – uma posição privilegiada no comércio

do produto aos EUA8, sendo o quarto país fornecedor da potência. Esta posição não sofreu

grande modificação, mas a diversificação das exportações, o aumento do preço e a ofensiva

de re-fortalecimento da OPEP foram elementos suficientes que "jogaram" em favor de um

maior controle do produto pelo país. Ao mesmo tempo, a entrada de recursos do petróleo vem

sendo utilizada explicitamente na construção de uma política diferenciada, política esta que se

materializa, por exemplo, na compra dos títulos da dívida externa da Argentina em 2005 e

2006. 9

Ao mesmo tempo, a política de integração internacional proposta pela Venezuela está

sintetizada na Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). A ALBA pode ser

considerada como uma política que trouxe à tona a integração em bases distintas daquelas

exclusivamente "econômicas" ou ligadas ao comércio entre os países. Ela reside em uma

integração cultural, política e econômica de colaboração inter-regional. Ela é, portanto, um

fator da disputa concreta – do ponto de vista internacional – que vem sendo tocada pelo

governo Venezuelano. É importante destacar que ela também consiste numa realidade, já que,

em 28 e 29 de Abril de 2006, na cidade de Havana, em Cuba, os presidentes da Venezuela, da

8 Em 14 de Fevereiro de 2007 o dirigente venezuelano ironizou a vontade dos Estados Unidos de reduzirem a dependência

energética face a países com regimes hostis a Washington. "Nós temos clientes que cheguem (...) se não querem o nosso petróleo, que nos

digam e nós deixaremos de vender-lhes", declarou Chávez. Quinto exportador mundial de crude, a Venezuela exporta metade da sua produção, 1,5 milhões de barris/dia, para os Estados Unidos, o seu primeiro mercado comercial. Disponível em: http://sic.sapo.pt/online/noticias/mundo/Isolar+a+Venezuela.htm 9 Chávez apelidou esses títulos de “Bônus Kirchner”, que tiveram sua primeira versão em Maio de 2005. Em 16/05/2006 a

Venezuela voltou a contribuir com a Argentina ao adquirir novos bônus da dívida pública no valor de US$ 239 milhões.

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Bolívia e de Cuba subscreveram o acordo, junto a tratados de comércio entre esses povos.

La Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA) es, fundamentalmente, un modelo de integración de los pueblos del Caribe y América Latina quienes comparten espacios geográficos, vínculos históricos y culturales, necesidades y potencialidades comunes. Se trata, entonces, de un esquema de integración basado en principios de cooperación, solidaridad y complementariedad, que surge como una alternativa al modelo neoliberal, el cual no ha hecho más que profundizar las asimetrías estructurales y favorecer la acumulación de riquezas a minorías privilegiadas en detrimento del bienestar de los pueblos. El ALBA se fundamenta en la creación de mecanismos para fomentar ventajas cooperativas entre las naciones que permitan compensar las asimetrías existentes entre los países del hemisferio. Intenta atacar los obstáculos que impiden la verdadera integración como son la pobreza y la exclusión social; el intercambio desigual y las condiciones inequitativas de las relaciones internacionales, el acceso a la información, a la tecnología y al conocimiento; aspira a construir consensos, para repensar los acuerdos de integración en función de alcanzar un desarrollo endógeno nacional y regional que erradique la pobreza, corrija las desigualdades sociales y asegure una creciente calidad de vida para los pueblos. En ese sentido, la construcción del ALBA en el Caribe afianzará el desarrollo endógeno, soberano y equilibrado de los países de la región. Su principio está basado en la cooperación de fondos compensatorios para corregir las disparidades que colocan en desventaja a los países de menor desarrollo frente a los desarrollados. (QUÉ ES EL ALBA? online)

Dentro desse contexto, a margem política em que age a Venezuela se torna ainda

maior para conformar uma política estratégica que dispute as posições políticas dos demais

países da região. A proeminente produção de petróleo também serve, certamente, como um

importante instrumento para o intercâmbio econômico entre estes países. Em troca do

produto os mesmos desenvolvem acordos bilaterias de cooperação mútua, ou então, assim

como Cuba e Bolívia, aderem a um tratado multilateral mais completo participando da

ALBA.

O caso de Cuba salta aos olhos. Após assinar a ALBA, foi inaugurada por ambos no

país a "Oficina de Petróleos S.A." em Havana, também conhecida como "PDVSA-Cuba", que

visa a estabelecer a exploração, o refino, a importação e a exportação, a comercialização do

produto e de seus derivados no país. Vale ressaltar que Cuba, desde o início do bloqueio

econômico a que foi submetida, sofria de diversas dificuldades no que tange ao fornecimento

do petróleo. Em troca, o país abastece a Venezuela de professores, médicos e recursos

humanos para trabalhos sociais urgentes. Da mesma forma ocorre com a Bolívia, que diante

da troca do seu recurso natural mais fundamental – o gás – recebe os trabalhadores cubanos

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em seu país. O acordo (a ALBA) que possibilita tal troca será precedente para as missões

sociais executadas na Venezuela, assunto do qual trataremos – especialmente no campo da

saúde – no próximo capítulo deste trabalho.

There is an increasingly important new player in the Western Hemisphere integration and cooperation dynamics: the Bolivarian Alternative for the Americas (ALBA –for its acronym in Spanish). This economic and political perspective is said to be drawing new lines for South-South integration and development. ALBA is the alternative integration project advanced by the Venezuelan government. Hugo Chavez’s Bolivarian Revolution leads the ALBA internationally as an alternative to the US-led neoliberal counterpart, the Free Trade Area of the Americas (FTAA). This Bolivarian Alternative has found partners in South America and the Caribbean, drafting a state-led form of integration and development in the region. The principles defended by its advocates are centred on fuelling the domestic market via economic complementarity and cooperation under a framework that protects peoples’self-determination and national sovereignty. (ROSALES, 2004, p 01)

Em dezembro de 2006, a realização da Cúpula da Comunidade Sul-americana de

Nações e da Cúpula Social pela Integração dos Povos – ressalvando a diferença de concepção

existente entre as duas, sendo uma organizada pelos movimentos sociais, e a outra uma

cúpula oficial – em Cochabamba, na Bolívia, também se converteu num importante marco

político, assim como em um pilar de debate em torno da integração dos paises da América do

Sul.

Las dos fueron convocadas en principio por Evo Morales, pero su dinámica, contenido y funcionamiento interno han sido muy distintos, como no podía ser de otro modo. Una ha sido la cumbre de los mandatarios políticos, para intentar institucionalizar mínimamente la CSN, un proceso cuyos principios se remontan al año 2000, y que el año pasado fue auspiciada por Brasil. La CSN es un intento de articular supraestatalmente el subcontinente, desde las actuales estructuras de poder, para mejor operar en el nuevo capitalismo global cada día más multipolar (es decir, en el que está no sólo el peso indudable de los grandes actores mundiales: EEUU y Europa, el núcleo duro de Occidente, sino también la presencia cada día más palpable de grandes países emergentes: principalmente China, y en menor medida India, junto a un nuevo reforzamiento de Rusia, en base al petróleo y al gas). (DURÁN, 2007)

A realização da Cúpula Social pela Integração dos Povos ao mesmo tempo em que os

chefes de Estado debatiam sobre a proposta de integração tem um significado indiscutível:

uma pressão organizada pelo rechaço à proposta da Área de Livre Comércio das Américas

(ALCA) e a busca por alternativas, no próprio continente, de integração política e econômica.

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De ahí la importancia de la otra cumbre: la Cumbre Social, sobre todo porque ésta se impulsaba por la llamada Alianza Social Continental (ASC), que es un proceso de articulación de las resistencias al neoliberalismo, desde Argentina a Canadá, expresada sobre todo (hasta ahora) por la oposición al llamado ALCA (Acuerdo de Libre Comercio de las Américas). La ASC surge como una red de redes de resistencia a los intentos de EEUU de imponer una gran área de libre comercio, un enorme mercado único, desde Alaska a Tierra de Fuego, y ha sido muy eficaz para frenar los intentos del poderoso vecino del Norte de reforzar (aún más) su dominio y sus intereses en todo el hemisferio. La ASC ha logrado articular y coordinar un gran elenco de resistencias, de una gran pluralidad de organizaciones, en un contexto latinoamericano marcado por una creciente movilización social en los últimos tiempos. Las importantes movilizaciones que ha impulsado la ASC desde hace años, han condicionado la posición de los propios poderes políticos sudamericanos, sobre todo en esta última etapa, y es lo que hizo posible que el ALCA, como proyecto, quedara por ahora enterrado en la pasada cumbre de Mar de Plata (DURÁN, 2007)

As reações a essa política que vem sendo colocada em prática pela Venezuela e por

países aliados são diversas. De maneira geral, no entanto, conta com uma antipatia mais que

visível por parte daqueles que buscam reforçar a política neoliberal ao redor do mundo. Tal

afirmativa fica mais evidente quando observamos as declarações e avaliações feitas por

documentos e personalidades norte-americanas sobre o tema.

Os documentos que constituem uma das bases essenciais para a implementação da

política recente de dominação dos EUA na América Latina, elaborados em Santa Fé, no

estado do Novo México (conhecidos como "documentos de Santa Fé I, II e III"), tiveram no

ano 2000 uma nova versão atualizada que mapeia a chegada de Chávez à presidência, e assim

a descreve:

Venezuela es un país paradójico. Es uno de los países productores de petróleo más importantes del mundo y, sin embargo, la mayoría de la población es muy pobre. En Venezuela, hace mucho que la industria petrolera está en manos del Estado y la riqueza que produce, en su mayor parte, ha sido absorbida por una gran cantidad de contratistas internacionales y un aparato administrativo inflado. Una gran clase gubernamental y comercial ha prosperado a la sombra de la industria petrolera, pero grandes sectores de la población general viven en la miseria, en terrenos ilegalmente ocupados, con comida, agua, atención sanitarias y educación inadecuadas. Durante muchos años, la política partidaria de Venezuela ha sido nominalmente democrática y blanda, y ha hecho poco por resolver los problemas socioeconómicos del país y de sus masas cada vez más alienadas. Las condiciones estaban maduras para el surgimiento de Hugo Chávez. Hombre de orígenes humildes, Chávez ascendió rápidamente por las filas del ejército debido a sus habilidades como atleta y soldado. Hace ocho años, en 1992, fue parte de un golpe militar fallido y pasó cierto tiempo en la cárcel por su intervención. Después de su liberación, Chávez decidió tomar el poder por medios electorales. Utilizando en su campaña la promesa de usar la riqueza petrolera de Venezuela para aliviar la pobreza de las masas, Chávez sorprendió a muchos al ganar la presidencia en el otoño de 1998.

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Los capitostes de la prensa han intentado definir a Chávez como un peronista o un fidelista. Pensemos mejor como un Huey Long en uniforme, un populista que tiene ambiciones para sus votantes y para sí mismo. Chávez se movió rápidamente para consolidar su poder. Estableció una nueva convención constitucional, que promulgó una nueva Constitución a su medida, y disolvió el Congreso existente. También instituyó una gran purga de la Compañía Estatal Petrolera y ha asumido un papel prominente en la OPEP: se considera que ha sido el impulsor del reciente movimiento de la OPEP para cortar la producción mundial de petróleo y subir los precios. El gran héroe de Chávez es Simón Bolívar. Apoyándose en el bolivarismo, aspira a formar la Gran Colombia (Venezuela, Colombia, Panamá y Ecuador), probablemente como república socialista. (SANTA FÉ, 2000, online)

Dessa forma se evidencia que o petróleo é um forte componente da ofensiva política

contra a Venezuela, tanto quanto de sustentação de toda a política em curso no país. Torna-se

mais clara, portanto, a disputa política em curso, especialmente tendo em vista a margem de

manobra que a grande produção do produto permite à república venezuelana.

Outro texto interessante que subsidia essa avaliação internacional sobre a Venezuela

diz respeito a um debate feito por economistas convidados pelo Fundo Monetário

Internacional para avaliar a conjuntura da América Latina, diante da apresentação da “tese-

guia” defendida pelo livro "Latin America´s Polítical Economy of the Possible", do

economista Javier Santiso10. A tese apresentada pelo economista aponta para que, na América

Latina, a política econômica que tem sido levada a cabo pela quase totalidade dos governos

revelaria uma "política do pragmatismo", ou uma "política econômica do possível". Nesse

caso a tese aponta para a afirmação de que a política do pragmatismo econômico tem sido

seguida pelos governos da América Latina, independente de sua origem de esquerda ou de

direta. Assim, aplica o conceito à política implementada no Chile, no Brasil e no México.

Apenas um destaque está presente nas avaliações dos convidados: a Venezuela. Aí

residiria a "política econômica do impossível", segundo a explanação do próprio autor do

livro. Já na exposição de um jornalista estadunidense – que cobre para o Washington bureau

do "Miami Herald" as notícias sobre a América Latina –, Pablo Bachelet, há hoje um conflito

10 Transcrição de um debate ocorrido no centro de livros do Fundo Monetário Internacional, “Forum Pragmatism: Latin America's New 'Ism'?” Ocorrido no dia 23 de Maio de 2006.

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entre pólos “anti-EUA” e “pró-EUA” na América Latina, que estão sendo liderados,

respectivamente, pela Venezuela e pelos EUA.

O último painelista desse debate – que curiosamente foi ministro da indústria na

Venezuela (nos anos 90) –, Moisés Naim, aponta o Chile como um paradigma de política

pragmática e eficiente, e se questiona sobre os motivos pelos quais o "chileanismo" não

empolgaria os países da região, ao contrário do “chavismo”. A explanação contida na parte

final de seu discurso é interessante e ilustrativa:

The other thing that is very interesting is a paradox that I think has the key to some very interesting explanations for the region, and I will end here. It is what I have called elsewhere the paradox of Chavezismo and Chileanismo. Why is it that Chile -- a country that as Javier in his book so eloquently describes as a success story; a country that has lifted hundreds of thousands, perhaps even millions out of poverty; a country that is socially progressive and highly democratic; that has some of the best indicators in the world on almost everything -- is not a model in Latin America. That it does not get anybody excited in Latin America. What gets people excited in Latin America is Chavezismo. It is a model that we know that is manufacturing poverty and inequality. We know that it is dependent on very high oil prices. We know that it has a very powerful authoritarian component. And yet that is what gets people going in the region. Regardless if Ollanta or Lopez Obrador win, the fact of the matter is that there is a big chunk of the Latin American population that gets very enthusiastic about those ideas, ideas that are very bad ideas, ideas that have already been tested and have been proven to produce poverty, inequality, corruption, and lack of progress -- yet that is what gets people excited. If you solve the key for that, if you understand why is it that Chavezismo excites so much and Chileanismo does not move anybody, except the Chileans of course, we will start getting at least a conversation along the lines that I think is needed. Thank you very much. (NAIM, 2006, online)

Por fim, importa ainda destacar as freqüentes declarações dadas pela secretária de

estado dos EUA, Condolezza Rice, sobre a Venezuela. Em 2005, a secretária chegou a

realizar uma visita a países da América Latina para tentar conter a influência da Venezuela na

região.

Na semana em que a secretária de Estado estadunidense, Condoleezza Rice, fez um giro pela América Latina para tentar convencer seus aliados a conter a "influência desestabilizadora" da Venezuela no continente, o presidente Hugo Chávez mostrou uma vez mais estar disposto a enfrentar as pressões de Washington em nome da soberania de seu país. Antes da aterrissagem de Rice em Brasília, dia 26 de abril, os jornais estadunidense New York Times e o britânico Financial Times, anunciaram que a secretária de Estado tinha como uma de suas missões principais utilizar a influência brasileira para ajudar a "estabilizar a América Latina". De acordo com aqueles veículos, além da instabilidade em países como Bolívia e Equador, a missão Rice é uma estratégia do governo Bush de se apoiar nos países aliados para reforçar um provável "endurecimento" da política estadunidense com a Venezuela, quinto maior exportador mundial de petróleo. (JARDIM, 2005, online)

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Notícias mais recentes seguem o mesmo rumo das declarações. A Venezuela,

malgrado estas pressões, abriu, no final de 2006, uma nova etapa política no país.

1.5. A NOVA ETAPA

Em Dezembro de 2006 a Venezuela passou por um novo processo eleitoral para a

presidência da República. Depois de seis anos de gestão e de um tumultuado cenário de

disputas políticas chegava a hora, "constitucionalmente instituída", de se avaliar os anos do

governo Chávez e de eleger um novo mandatário para o país. Apesar da presença de mais de

vinte candidatos nas eleições, entre candidatos partidários e individuais 11, a disputa ficou, em

particular, focada em Hugo Chávez e em Manuel Rosales, candidatos representantes

respectivamente do governo e da oposição.

O resultado eleitoral expressou mais uma vitória do "chavismo". Vencedor em todos

os estados da República – inclusive naquele em que Rosales era governador – Hugo Chávez

foi reconduzido à presidência com cerca de 62% dos votos. Desta vez a postura da oposição

foi branda, aceitando o resultado e declarando as eleições legítimas.

A reeleição de Chávez coloca em um novo patamar o processo político venezuelano.

Significa, sem dúvida, uma legitimação do projeto e uma possibilidade iminente de um

aprofundamento das mudanças em curso. Além de um novo fôlego, fala-se de uma "nova

etapa" na construção do Socialismo do Século XXI.

As declarações de Chávez em seu discurso de posse, em janeiro de 2007, reafirmam o

entendimento aqui exposto:

[...] O venezuelano disse que reestatizará setores de eletricidade e telefonia e acabará com independência do Banco Central, aprofundando a Revolução Bolivariana na direção do socialismo. [...] O líder venezuelano anunciou uma profunda reforma da Constituição, para criar a "República Socialista da Venezuela" e substituir assim o nome oficial de "República Bolivariana da Venezuela", adotado na Constituição de 1999. Os anúncios foram feitos por Chávez no discurso pronunciado por ocasião da solenidade de posse do gabinete ministerial que o acompanhará no novo período de

11

Na Venezuela é possível registrar candidaturas individualmente.

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governo (2007-2013), que começará esta semana. Através da nova lei que deve apresentar ao Congresso nos próximos dias, Chávez ganharia a autoridade para aprovar leis por decreto e assim acelerar reformas econômicas na direção do “socialismo do século XXI” que pretende Hugo Chávez inicia esta semana seu novo mandato como presidente da Venezuela. Reeleito em dezembro, com cerca de 62% dos votos, ele anunciou que pretende aprofundar a Revolução Bolivariana, lançando as bases para o que chama de socialismo do século XXI. Entre outras novidades desse processo, ele destacou o desenvolvimento de novas relações trabalhistas com o objetivo de ampliar a participação dos trabalhadores na gestão das empresas. O governo venezuelano pretende incentivar a criação de cooperativas de produção e resgatar empresas fechadas para serem administradas sob um regime de auto-gestão com os trabalhadores. Chávez pediu que o setor privado “não tenha medo do socialismo”, destacando que, no novo modelo econômico, “deve prevalecer a busca do bem comum, (WEISSHEIMER, 2007, online)

Na semana de sua posse Chávez, após anunciar a reestatização da empresa telefônica,

disse ainda que não se acovardará em nacionalizar outros setores estratégicos para o país. Na

opinião de MARINGONI (2007), em artigo para a Agência Carta Maior:

Ao anunciar a reestatização dos setores de energia e telefonia em seu país, o presidente venezuelano Hugo Chávez cumpre o que promete desde o seu primeiro mandato: enterrar o neoliberalismo na Venezuela. O núcleo duro dessa diretriz é formado principalmente pelas privatizações e pelo alto endividamento financeiro [...] Com o anúncio, o mandatário venezuelano despertou a ira dos mercados, do governo dos Estados Unidos, dos monopólios da mídia e da direita em geral. No Brasil não faltaram editorais a denunciar a "escalada autocrática" de Chávez, como fez o jornal "O Estado de São Paulo". A democracia, segundo esse raciocínio, está ameaçada quando se investe contra o mercado e não contra as pessoas. [...]. ( MARINGONI, 2007, online)

Na semana posterior, especificamente em 18 de Janeiro de 2007, uma cúpula do

Mercosul realizada na cidade do Rio de Janeiro expôs divergências entre os países do

"bloco", e a cúpula por fim não terminou em consenso. Ela tornou ainda mais claras as

diferenças entre os países do Mercosul, especialmente no campo político-ideológico. Novas

declarações de Chávez ditaram a repercussão do encontro, especialmente com a polêmica

frase de que pretendia "descontaminar o Mercosul do neoliberalismo".

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse nessa quinta-feira que pretende "descontaminar" o Mercosul do "neoliberalismo" e reiterou a necessidade de reformar o bloco, no qual a Venezuela acaba de entrar, para dar mais ênfase às questões sociais. Chávez chegou ao Rio de Janeiro para participar de uma cúpula do Mercosul que acontece na sexta-feira, e que será precedida por uma reunião, na quinta-feira, com demais líderes sul-americanos. "A imprensa diz que Chávez está vindo injetar ideologia ao Mercosul, que vai envenená-lo e que vem contaminá-lo. Estamos descontaminando a contaminação do neoliberalismo", disse o venezuelano a jornalistas. (O GLOBO, 2007, online)

Ainda sobre as afirmativas feitas na reunião da cúpula, um grande debate tornou-se

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público nos meios de comunicação de vários países. O líder do Senado dos EUA, por

exemplo, solicitou mais atenção do presidente Bush à América Latina:

O Governo norte-americano deveria dar mais ajuda aos países latino-americanos para frear a influência de Cuba e Venezuela na região, segundo o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid. Ele afirmou que Bush, preocupado demais com o Oriente Médio, "descuidou" da região e que isso fez com que vários países da região voltassem à esquerda. "Não há dúvida de que há problemas sérios na região. Tampouco há dúvidas de que o governo Bush descuidou da região, e que sua falta de políticas públicas amplas contribuiu com esta tendência atual em direção à esquerda", disse Reid, segundo nota divulgada na noite de quinta-feira. "Venezuela e Cuba vem preenchendo o vazio que o governo deixou", acrescentou. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, mantém uma série de programas de ajuda social aos países da região, apoiado pelos elevados dividendos do petróleo. Cuba, por sua vez, envia profissionais, especialmente de saúde e educação, para ajudar os países da vizinhança. Nas declarações preparadas para um discurso no Senado, Reid disse ser necessário conter essa tendência latino-americana à esquerda. (O GLOBO, 2007, online)

Diante de uma grande repercussão política na imprensa – majoritariamente declarando

a política venezuelana como autoritária –, assume o novo governo. O ritmo de sua posse

indica que os próximos seis anos podem significar um novo momento para a Venezuela. Um

momento em que a legitimidade do governo é alta e em que já passou por testes suficientes

para ser comprovada. Um momento de maiores possibilidades pautadas na legitimidade

conquistada no período governamental anterior.

Provavelmente, portanto, inicia-se uma nova fase para o governo venezuelano e para a

América Latina. Essa é a tônica anunciada pelas novas possibilidades abertas tanto pela

conquista do novo mandato na Venezuela quanto pelas eleições em outros países latino-

americanos. Se não é possível afirmar que o neoliberalimo está em xeque, pelo menos é

possível ter certeza de que sua contestação conta com políticas que já saíram do papel.

1.6. NOVA ETAPA DA POLÍTICA EXTERNA

Desde o “fracasso”12 da ALCA como política externa, na Cúpula de negociações de

Mar Del Plata, e do fortalecimento do debate no seio da América Latina sobre as

12 Pelo menos no que diz respeito ao formato de acordo multilateral.

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possibilidades de fortalecimento de uma integração própria – mesmo que com divergências

visíveis –, uma nova estratégia no campo do debate da integração econômica deu corpo às

propostas norte-americanas:

Desde entonces, EEUU busca promover la defensa de sus intereses por otras vías con algunos de los países de la región (Tratados de Libre Comercio bilaterales: TLC’s), y los países más alejados del dictado de Washington, como comentaremos, han ido buscando distintos caminos para intentar consolidarse como bloque supraestatal [...] (DURÁN, 2007)

Os tratados bilaterais de livre comércio, que impõem uma agenda cujas propostas

são as mesmas da ALCA, também têm tomado corpo e conseguido, inclusive, derrotar parte

da política de integração dos países do Caribe, levada a cabo pela Venezuela.

Em dezembro de 2006, com a realização da Cúpula da Comunidade Sul-americana

de Nações e da Cúpula Social pela Integração dos Povos, em Cochabamba – além da vitória

de Chávez no mesmo mês e do “fracasso” nas intenções da Cúpula do Mercosul no Rio de

Janeiro em Janeiro de 2007 –, os debates sobre os rumos das políticas de integração

econômica e das influências políticas na América Latina tomaram contornos mais claros.

Para coroar estes acontecimentos, conforme já estava apontado pela sugestão do

Senado Americano, Gerge W. Bush, o presidente dos EUA, iniciou, em 7 de Março de 2007,

um giro por cinco países da América Latina. Suas intenções, além de buscar fechar acordos

bilaterais em distintas matérias com os diferentes países, eram, segundo boa parte dos

analistas, “conter” as influências “esquerdistas” crescentes nos países da região. Os principais

jornais da Europa assim noticiaram:

Washington está preocupado com o forte clima antiamericanista e com a crescente influência do presidente esquerdista venezuelano, Hugo Chávez. Melhorar as relações com os vizinhos do sul é uma das poucas metas de política externa que a Casa Branca considera realizável até o fim deste mandato. (Frankfurter Rundschau, Alemanha, 2007)

Após 2006, um ano repleto de eleições na América Latina, Washington pretende tornar 2007 um ano de contatos. Diante de sociedades cujo principal problema é a distribuição da riqueza, o discurso americano pretende focalizar a partir de agora o desenvolvimento. (Le Monde, França, 2007)

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Embora as procedências ideológicas sejam muito diferentes, Bush sempre admirou Lula e não faria objeção se o presidente brasileiro passasse a desempenhar o papel de protagonista, usurpado hoje por Chávez. Isso também não desagradaria a Lula. O encontro de ambos, portanto, é um encontro de dois personagens unidos pelas circunstâncias. Lula chama tanto Bush quanto Chávez de amigos e nunca quis romper suas boas relações formais com o venezuelano. Bush, com uma política pragmática na América Latina, também não está coagindo Lula a nenhuma direção específica, no que diz respeito à Venezuela. Mas tanto Lula como Bush estão cientes de que só eles podem deter o expansionismo ideológico do novo Fidel Castro. (El País, Espanha, 2007)

Entre os países não visitados pelo presidente estavam Venezuela, Bolívia, Equador e

Argentina. A razão mais que clara estava na busca pela implementação dos tratados bilaterais

que de qualquer ponto de vista tendessem a enfraquecer o Mercosul e as demais propostas

centradas no comércio entre os povos do sul.

O seu giro, foi, no entanto, acompanhando pelo “giro anti-Bush” promovido por Hugo

Chávez a países da região. O primeiro ato realizado foi em Buenos Aires, na Argentina.

Organizações não-governamentais, movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos humanos promoveram ontem (9), em Buenos Aires, na Argentina, um ato contra a visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, à América do Sul. O protesto ocorreu no estádio Ferro Carril Oeste e reuniu cerca de 25 mil pessoas. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, discursou durante o ato [...] “Parece que depois de sete anos Bush descobriu que há pobreza na América Latina. Se ele quer contribuir para acabar com ela, pois então que faça o perdão da dívida externa e elimine as políticas de livre comércio.” Mais cedo, Hugo Chávez e o presidente argentino, Néstor Kirchner, assinaram acordos na área energética. Chávez afirmou que o acordo é uma união e, não, uma integração. “A integração é um conceito inventado em Washington.” (AGENCIA BRASIL, online, 2007)

Nesse novo contexto ficam ainda mais claras diferenças entre os chefes de Estado do

subcontinente latino-americano, ao mesmo tempo em que se encontram menos claros os

rumos que tal polarização imporá.

1.7. O PONTO DE CHEGADA

Cabe aqui, antes de introduzir o nosso tema principal, um curto parêntese onde

avaliaremos algumas características essenciais das modificações em curso na Venezuela.

Em primeiro lugar pode-se observar um forte componente anti-imperialista e anti-

neoliberal na política implementada. A despeito de seus desdobramentos, a presença de uma

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retórica e de algumas práticas no sentido de estabelecer maior margem de soberania nacional

e medidas de subtração da dependência dos países e instituições centrais, especialmente dos

EUA, nos parece um fator singular.

Especialmente as medidas de caráter popular e nacional que foram colocadas em

prática levaram diversos analistas, acadêmicos e especialistas sobre a Venezuela a considerar

que se está diante de um “novo” governo “populista”. Essa tem sido a tônica dada por boa

parte daqueles que propõem, de alguma forma, uma avaliação da realidade venezuelana. A

definição mais razoável desta caracterização foi encontrada em um texto de CHACÍN (2005),

acadêmica da Universidade Central da Venezuela:

Coincidiendo con Parker (2001) — quien conjuga los planteamientos de Raby (1999), de Laclau (1978) y de Mouzelis (1978) — “populismo” no es sinónimo de demagogia, aunque puede serlo en algún momento o contexto; es un discurso y una praxis, en tanto constituye un mecanismo de “interpelación democrático popular” (Laclau), que emerge en un contexto de crisis hegemónica a la cual procura dar salida mediante la captación y movilización de los sentimientos de los sectores sociales dominados, que reaccionan contra los intereses establecidos (oligárquicos, imperialistas, estatales). Por tanto, no se queda en el plano de las ideas o del discurso que enfatiza una lucha ideológica, sino que se expresa en una determinada práctica político-organizativa (Mouzelis) y, en consecuencia, también sería un estilo de dirección o gerencia, que busca conducir la movilización popular hacia el logro del objetivo de instaurar un orden distinto al cual reaccionan. Según sean los medios y la dinámica que asuma el proceso, se hablaría de populismo “radical o autoritario” o de populismo “revolucionario”(Parker, 2001). (CHACÍN, 2005. p. 306)

Essa definição abranda o sentido de populismo que vem sendo dado ao governo

venezuelano, uma vez que o coloca diante do contexto de uma luta ideológica oriunda de uma

crise hegemônica. A questão é que a própria (in) definição teórica desse termo não nos

permite admitir a hipótese de trabalhar com o mesmo. A caracterização de populismo

assumiu, ao longo da história, um tom pejorativo, que serviu para identificar qualquer

governo que tenha "fórmulas políticas cuja fonte principal de inspiração e termo constante de

referência é o povo [...]” (BOBBIO, 1998).

Esta afirmação possibilita o entendimento de que o conceito de populismo não conta

com uma definição terminológica precisa. Por isso, ao longo do tempo, o termo serviu para

caracterizar iniciativas políticas bastante distintas e por vezes antagônicas. A ausência de

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elaboração teórica sistemática impõe ao termo uma ambigüidade conceitual que faz dele, per

se, vago.

Reafirmamos que não é necessário classificar o governo venezuelano em um "molde"

analítico, e como esse não é o tema central do trabalho, economizaremos esforço e

deixaremos delineadas estas características que por ora são suficientes.

Os recentes acontecimentos históricos na Venezuela nos permitem tirar algumas

conclusões e diagnosticar alguns importantes passos para o nosso tema central: a participação

política. Sem esse preâmbulo certamente estaríamos debilitados para compreender a

amplitude e a complexidade da situação do país.

Alguns eixos são fundamentais para que se entenda a participação política como parte

essencial desse estudo. Um deles diz respeito diretamente às modificações jurídico-

institucionais – pós 1999 – que envolvem o tema, e outro, mais especificamente, à prática

política cotidiana.

Retomemos, então, nosso tema. É comum escutarmos, quando se versa sobre a

Venezuela, a afirmativa de que o verdadeiro processo de mudança corrente se deve à presença

de uma forte participação popular. Afinal de contas, o que haverá na Venezuela de tão novo e

distinto? Qual será o aspecto tão original de sua participação? Ainda que esse não seja objeto

de aprofundamento neste momento, algumas observações preliminares podem – e devem –

ser sublinhadas.

Em primeiro lugar, é importante observar que a política da Venezuela vinha sendo,

fazia tempo, dirigida por um pacto político que, para muitos autores, já demonstrava seus

sinais de fragilidade no final da década de oitenta e início da década de noventa. O Caracaço é

a principal expressão política do descontentamento da população com os acontecimentos

daquele momento, mas, mais do que isso, uma expressão de insatisfação com toda a ordem

institucional vigente.

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O primeiro forte sintoma da instabilidade política do sistema democrático venezuelano foi o então denominado Caracaço, de 27 de fevereiro de 1989, e que se constituiu de uma reação militar repressiva dirigida ao protesto de setores mais pobres da população (vindos dos cerros e os ranchos de Caracas, como são conhecidas as favelas na Venezuela) contra as medidas neoliberais de Pérez. Nesse acontecimento morreram aproximadamente trezentas pessoas, de acordo com dados oficiais, e mais de mil segundo fontes extra-oficiais. A escalada de instabilidade política, por sua vez, não cessaria neste incidente. De fato, as instituições democráticas venezuelanas oriundas do Pacto de Punto Fijo nunca mais se refariam dos efeitos desestabilizadores do Caracaço. (VILLA, 2005, p. 156)

Não existia ainda, no entanto, uma alternativa institucional visível para a população, o

que significa que a política continuaria intocada, mesmo com grande antipatia e com as baixas

votações nos pleitos eleitorais – fator termômetro do descontentamento com a política "real"

estabelecida no país.

Com o enfraquecimento do puntofijismo, estabeleceu-se uma espécie de vazio na política venezuelana, a despeito da vontade de muitos voluntários de preenchê-lo, dentre os quais pode-se apontar “os sindicatos, os setores profissionais e gerenciais e o setor militar” (Hellinger, 2003). Contudo, nenhuma alternativa seria tão bem aceita pela população quanto aquela proposta por Hugo Chávez. Destaca-se que mesmo o próprio Chávez, a princípio não compreendeu bem a dimensão política das conseqüências de sua tentativa de golpe de 1992, e o porquê desta ter sido tão bem recebida por grandes contingentes da população, tamanha era a descrença nas lideranças democráticas de Punto Fijo. Essa falta de compreensão inicial, por parte de Chávez, em relação ao exato significado das forças em prol da mudança institucional que havia colocado em movimento, pode ser relacionada ao fato de que, nas eleições de 1993, ele e o Movimento Revolucionário Bolívar 2000 (MBR 2000, seu movimento político de origem da época de oficial), conclamassem a abstenção eleitoral. Após 1993, Hugo Chávez reviu sua posição e, dada a grande aceitação popular em torno de sua figura, propôs modificar as instituições de “dentro para fora”, por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte. Com isso, tornou-se quase que vital a modificação de sua estratégia de ação política sustentada até então. Fazia-se necessária a defesa da participação nos próximos pleitos. Surge, assim, a maquinaria partidária chavista, então denominada de Movimento Quinta República (MVR). O radicalismo do discurso chavista, que precede as eleições presidenciais de 1998, transformou-o naquele que melhor interpretava o desejo de mudança popular, tanto em relação à classe política dominante como em relação às suas instituições legadas pela constituição de 1961. A linguagem dura com que Chávez dirigiu-se a seus adversários nos seus longos discursos era o idem sentire de tudo aquilo que sua base social gostaria de ter expressado para as elites nas duas décadas perdidas de 1980 e 1990 (Cf. Villa, 1999). (VILLA, 2005, p. 158)

Queremos sublinhar aqui que o "fenômeno" Chávez é compreendido por nós como

uma conseqüência dos sucessivos desgastes sofridos pelo modelo de regime democrático do

país, assim como uma expressão política do descontentamento da população com as medidas

anti-populares anunciadas.

Nesse sentido, a própria vitória de Chávez e a sua legitimidade residem, desde então,

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na participação política em seu sentido "amplo" dos venezuelanos. Outrora, tal participação se

expressou na busca por modificações que não residiam necessariamente na via institucional,

como na manifestação espontânea do caracazo. Após 1999, será organizada também a partir

da participação reconhecida pelo contexto político-institucional que se abre em 1998.

Neste quesito, após 1999 diversas são as ferramentas usadas para subsidiar uma

participação direta da população. A partir da auto-organização espontânea em diversas áreas,

a população venezuelana inicia um processo de participação política não necessariamente

atrelada ao poder público. Formam-se comitês de terra, de água, de saúde, de mulheres, de

comunicação alternativa – entre outros. Abre-se um período de efervescência na elaboração

política dos movimentos sociais para a construção da nova Constituição.

A própria Carta Republicana estabelecerá o reconhecimento dos “direitos políticos”

em que todos os cidadãos e cidadãs têm o direito de participar livremente de forma direta ou

através de representantes dos assuntos públicos, e, posteriormente, as leis orgânicas

formalizarão os canais de participação popular.

Concentraremos a análise na participação popular no setor saúde para ilustrar o

processo em desenvolvimento e testar a hipótese sobre a qual nos centramos: a de que a

participação popular na Venezuela é uma participação ampla, que não se restringe em

preocupações setoriais e nem a formatos institucionalizados. Ela é, de fato, uma participação

política na qual o protagonismo popular e a ocupação de espaço sobre os rumos de todos os

debates políticos são os elementos centrais.

Observaremos, no próximo capitulo como se tem dado a construção do Sistema

Público Nacional de Saúde (SPNS), que junto a esse primeiro capítulo forma o painel

analítico necessário ao debate sobre a participação estabelecida no setor. O último capítulo,

em especial, debaterá a experiência de participação e a hipótese central do estudo.

Uma observação final: no período da pesquisa realizada na Venezuela duas frases

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emblemáticas ficaram registradas em meu pensamento. Ambas expressas por militantes

sociais do país, a primeira avaliava que ao se tratar do que se passa no país hoje, “o problema

não é Chávez, o problema somos nós: o povo venezuelano”. Uma outra complementar dizia:

"se Chávez não existisse, nós o inventaríamos”.

Ao que tudo indica, por todo o exposto neste capítulo introdutório, eles realmente o

inventaram.

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CAPÍTULO 2. CONSTRUINDO O SISTEMA PÚBLICO NACIONAL DE SAÚDE O objetivo principal deste capítulo é o de apresentar o decurso da construção do

Sistema Público Nacional de Saúde na Venezuela. Seu tom, portanto, é centralmente

descritivo, e forma parte do pano de fundo necessário para a compreensão das modificações

que atingiram o setor nos últimos anos13.

O apontamento de parte de especialistas, pesquisadores e formuladores de políticas de

saúde sobre o acerto dos rumos das políticas da Venezuela reitera acepções sobre a extensão e

a profundidade das reformas no país. Contudo, o processo ainda carece de importantes

instrumentos de regulamentação, como, por exemplo, a Lei Orgânica de Saúde, que, mesmo

passados sete anos desde a promulgação da Constituição, ainda não foi regulamentada.

Apesar desta ressalva, nossa visão não é tão enfática quanto à necessidade de tais

instrumentos já que nossos apontamentos demonstram, na prática, a construção de um forte

Sistema de Saúde Público, centrado menos na aprovação de leis, e, mais, em um movimento

vivo e dinâmico.

Além disso, é preciso destacar que a velocidade e a intensidade de implementação dos

compromissos formais assumidos pelas novas legislações esbarram e estão submetidas não

tão somente a restrições fiscais, como àquelas decorrentes de condições estruturais –

capacidade instalada e outras –, e, principalmente, ao poder de formulação e articulação de

projetos “contra-hegêmonicos” de reforma de sistema de saúde, especialmente após a

devastadora realidade herdada do neoliberalismo.

Trata-se, portanto, de uma realidade que deve ser observada com mais rigor e

profundidade ao longo do percurso de sua concretização.

2.1. PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO AO SPNS A formalização do Sistema Público Nacional de Saúde (SPNS) venezuelano se dá,

13 Em anexo, dados relevantes no que concerne à saúde pública no país.

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precisamente, na Constituição de 1999. É claro que essa novidade não pode ofuscar a

afirmativa de que já existia um sistema público de saúde na Venezuela antes dessa data.

Porém, nos ocuparemos aqui em explicitar, destacadamente, o processo vivido pelo setor que

foi aberto após a consolidação das bases do SPNS, na Constituição de 1999.

Entre os artigos 83, 84 e 85 da Constituição estão letradas as intenções e

compromissos assumidos com a saúde:

Artículo 83. La salud es un derecho social fundamental, responsabilidad del Estado, quien lo garantiza como parte del derecho a la vida. El Estado promoverá y desarrollará políticas orientadas a elevar la calidad de vida, el bienestar colectivo y el acceso a los servicios. Todas las personas tienen derecho a la protección de la salud, así como el deber de participar activamente en su promoción y defensa, y de cumplir con las medidas sanitarias y de saneamiento que establezca la ley y de conformidad con los tratados y convenios internacionales suscritos y ratificados por la República. Artículo 84. Para garantizar el derecho a la salud, el Estado crea, ejerce la rectoría y gestiona un sistema público nacional de salud, de carácter intersectorial, descentralizado y participativo, integrado al sistema de seguridad social, regido por los principios de gratuidad, universalidad, integralidad, equidad, integración social y solidaridad. El sistema público de salud da prioridad a la promoción de la salud y prevención de las enfermedades, garantizando el tratamiento oportuno y rehabilitación de calidad. Los bienes y servicios públicos de salud son propiedad del Estado y no podrán ser privatizados. La comunidad organizada tiene el derecho y el deber de participar en la toma de decisiones sobre la planificación, ejecución y control de la política en instituciones públicas de salud. Artículo 85. El financiamiento del sistema público de salud es responsabilidad del Estado, que integrará los recursos fiscales, las cotizaciones obligatorias de la seguridad social y cualquier otra fuente de financiamiento que determine la ley. El Estado garantiza un presupuesto para la salud que permita cumplir con los objetivos de la política sanitaria. En coordinación con las universidades y los centros de investigación, se promoverá y desarrollará una política nacional de formación de profesionales y técnicos y una industria nacional de producción de insumos para la salud. El Estado regulará las instituciones públicas y privadas de salud. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA BOLIVARIANA DA VENEZUELA, 1999)

A saúde passa a ser entendida como “um direito social fundamental, responsabilidade

do Estado que a garantirá como parte do direito à vida” (CONSTITUIÇÃO, 1999, tradução

nossa). Para assegurar este direito, o artigo 84 garante a criação e a gestão – por parte do

Estado – de um Sistema Público Nacional de Saúde (SPNS), de caráter intersetorial,

descentralizado e participativo, regido pelos princípios da gratuidade, universalidade,

integralidade, eqüidade, integração social e solidariedade. O Sistema de Saúde será integrado

ao Sistema de Seguridade Social.

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Entre outros destaques, a carta afirma a garantia da “não privatização” dos bens e

serviços públicos de saúde e garante a participação organizada da sociedade na tomada de

decisões e controle do mesmo. Além disso, prevê o desenvolvimento de uma política nacional

de formação de profissionais e técnicos para uma indústria nacional de produção de insumos

para a saúde, e responsabiliza o Estado pela regulação das instituições públicas e privadas do

setor.

Com relação à seguridade social, a Constituição versa:

Artigo 86 - Todas as pessoas têm direito à seguridade social como serviço público de caráter não lucrativo, que garanta a saúde e assegure a proteção em condição de maternidade, paternidade, enfermidade, invalidez, enfermidades catastróficas, incapacidade, necessidades especiais, risco de trabalho, perda do emprego, desemprego, velhice, viuvez, orfandade, habitação, cargas derivadas da vida familiar e qualquer outra circunstância de proteção social. O Estado tem a obrigação e a responsabilidade de assegurar a efetividade desse direito, criando um sistema de seguridade social universal, integral, de financiamento solidário, unitário, eficiente e participativo, de contribuições diretas ou indiretas. A ausência de capacidade contributiva não será motivo para excluir as pessoas de sua proteção. Os recursos financeiros da seguridade social não poderão ser destinados a outros fins. A cotização obrigatória que realizem os trabalhadores e as trabalhadoras para cobrir os serviços médicos e assistenciais e demais benefícios da seguridade social poderão ser administrados somente com fins sociais sob a reitoria do Estado. Os demais impostos do capital destinado à saúde, à educação e à seguridade social se acumularão aos fins de sua distribuição e contribuição nesses serviços. O sistema de seguridade social será regulado por uma lei orgânica especial. (CONSTITUIÇÃO, 1999, tradução nossa)

Segundo MAINGON (2004), a maior virtude da constituição de 1999 é a de incorporar

elementos de mudança na relação entre o Estado e a sociedade. Para ela a nova carta trata o

tema dos direitos sociais de maneira mais significativa que o texto da constituição anterior,

tendo como principal transformação a co-responsabilidade entre Estado e cidadãos. Três serão

os elementos da Constituição destacados pela autora – citando D’ELIA (2002) – que ajudam a

caracterizar a ação social do Estado:

O primeiro é dado pela constituição de uma cidadania de conteúdo social fundamentada na universalidade dos direitos sociais, essenciais para elevar a qualidade de vida e o reconhecimento dos sujeitos a estes direitos sem nenhum tipo de discriminação. O segundo elemento é a busca da eqüidade como objetivo supremo do ordenamento econômico e social, para fazer efetiva a universalização dos direitos e uma justa distribuição da riqueza. O terceiro elemento está definido como o resgate do público como espaço para o exercício de uma verdadeira democracia que deverá sustentar-se na participação protagônica de todos em função do interesse de todos (D´ELIA apud MAIGNON, 2004, p. 56, tradução nossa).

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No plano institucional as modificações se refletiram, em um primeiro momento, na

fusão entre o Ministério da Família e o Ministério de Sanidade e Assistência Social, que deu

origem ao Ministério da Saúde e Desenvolvimento Social (MSDS). Em 2005, este assumirá

todas as funções inerentes ao Ministério da Saúde (MS) que se subdivide, criando também o

Ministério de Participação Popular e Desenvolvimento Social14.

Um importante aspecto da consolidação do SPNS na Constituição é, justamente, o

histórico de como se deu a construção da mesma. É dessa forma que podemos identificar a

organização política que estabeleceu e que pôde influenciar a solidificação destas leis. Um

importante pensador e elaborador da visão política de saúde venezuelana, Oscar Feo, é fonte

fundamental para nos arvorarmos a entender este processo. Com um longo histórico de peso

no campo da saúde pública, Oscar foi eleito deputado da Assembléia Nacional Constituinte,

tendo lançado um livro que foi, certamente, uma das bases fundamentais15 de leitura política

que influenciaria os debates sobre o nascente sistema.

Como já apontamos anteriormente, a nova Constituição significou uma modificação

profunda no âmbito político e institucional do país. No processo da Assembléia Constituinte,

um importante passo foi a convocação para realização de um plebiscito popular que apreciaria

a realização da Assembléia. Entre as razões que justificaram a convocatória estão:

El sistema político venezolano está en crisis y las instituciones han sufrido un acelerado proceso de deslegitimación. A pesar de esta realidade, los beneficiarios del régimen, caracterizado por la exclusión de las grandes mayorías, han bloqueado, en forma permanente, cambios exigidos por el pueblo. Como consecuencia de esta conducta se han desatado las fuerzas populares que sólo encuentran su cauce democrático a través de la convocatoria del Poder Constituinte Originario. Además, la consolidación del Estado de Derecho exige de una base jurídica que permita la práctica de una democracia social y participativa. (DECRETO, apud FEO, 2003, p.49)

O dito plebiscito aprovou, com 81,9% do total de votos, a necessidade de convocação

14 O “Ministerio de Participación Popular y Desarrollo Social” nasce, oficialmente, em 27 de junho de 2005 mediante Decreto Nro. 3.753 da Presidência da República, publicado na Gazeta Oficial número 38.262 de 31/08/05. 15 A indicação da importância do livro de Oscar nos foi dada por Robert Rodríguez, coordenador nacional da missão “Barrio Adentro” I, pelo Ministério da Saúde. O livro chama-se “Repensando a Saúde”.

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de uma Assembléia Nacional Constituinte, corroborando, assim, com a idéia de transformar e

refundar a nação pela via da nova Constituição. A Assembléia foi então composta por 131

membros eleitos de forma direta, e funcionou durante seis meses. A proposta da nova carta

foi, posteriormente, submetida a um referendo aprobatório em Dezembro de 1999.

Segundo FEO (2003), o instrumento fundamental do Estado venezuelano para a saúde

até esse momento era o Ministério da Saúde e Assistência Social (MSAS). Antes da criação

do mesmo, porém, um breve histórico nos atenta ao caminho percorrido pelo setor.

Los primeros sesenta años del siglo veinte dieron paso a la construcción de la institución sanitaria venezolana, que se inicia en el marco de la dictadura de Juan Vicente Gómez quien se consolidó y perpetuó por más de veinte años en el poder. El inicio de este régimen se enmarca en una economía agroexportadora sustentada en unidades productivas con predominio de relaciones pre-capitalistas, con un bajo nivel de desarrollo de las fuerzas productivas y una división social del trabajo que limita las posibilidades de crecimiento del mercado interno. Para esta época, el Estado carece de una instancia para diseñar e instrumentar políticas destinadas a conservar, restituir y promover la Salud y la Higiene Pública (Viso, 1999). Se adolecía de una política formal en materia de salud pública, lo que trajo como consecuencia una práctica, principalmente en la capital y, en casos excepcionales en algunas provincias, de acciones orientadas a enfrentar los problemas del día a día, especialmente los relacionados con las enfermedades de tipo transmisibles (CASTELLANOS, 1982). […] Se realizan esfuerzos por diseñar una política de salud y se crea la Oficina de Sanidad Nacional, dependiente de la Presidencia de la República a través del Ministerio de Relaciones Interiores, constituyéndose como la máxima autoridad en relación a la salubridad pública; sus recursos provenían no del Estado sino de la Fundación Rockefeller. La acción se concentró fundamentalmente en las zonas portuarias y petroleras y sus áreas de influencia, especialmente en los principales centros urbanos del país (JAÉN Y PÉREZ, 1993; VISO, 1999). Se aprueba, además, la primera Ley de Sanidad Nacional (CASTELLANOS, 1982; VISO, 1999), se centralizan las decisiones de las actividades de salud a nivel nacional en detrimento de las provincias; se evidencia el interés por parte del Estado-Nación por la atención preventiva y en menor proporción por la curativa la cual descansaba mayoritariamente en manos de instituciones de carácter privado. (COLMENARES, BECERRA, 2004).

É então na década de 30 que o instrumento fundamental, vislumbrado por FEO, é

fundado:

A partir de 1936 se inicia en Venezuela un proceso de cambios económicos y sociales significativos que le abren camino a la modernización; se estructura el Programa de Febrero bajo el gobierno de Eleazar López Contreras, como respuesta al clima de inestabilidad política y social que se experimentaba tras la muerte de Gómez. Este programa consideró los problemas de la salud, educación y agricultura, como áreas de intervención del Estado, dando lugar a la fundación del Ministerio de Sanidad y Asistencia Social (MSAS). El diseño de una política de salud pública se convierte en la tarea central del naciente Ministerio, y se destacan cuatro principios orientadores de la acción inicial de la institución sanitaria: "1. La permanencia del personal en sus cargos con la

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confianza que da la tranquilidad de espíritu al comprobar que quienes se preparan

bien y rinden tienen garantizada su estabilidad; 2. La preparación adecuada del

personal como única manera de poder atender eficientemente los problemas a

cargo del despacho; 3. El conocimiento por medio del estudio preciso de los

problemas y de las medidas para mitigarlos o eliminarlos a través de servicios

especiales responsabilizados de su cuidado a nivel nacional; 4. La atención

primordial a la profilaxia…" (Gabaldón citado por Viso, 1999: 131). La creación del MSAS, significó la incorporación formal de la salud pública como responsabilidad del Estado, a pesar de no estar contemplada expresamente en la Constitución Nacional. Sin embargo, en la praxis el MSAS a través de la División de Malariología, se asume la tarea de combatir la malaria y se diseña una estrategia que incluye cuatro aspectos: "1. organización administrativa; 2. preparación del

personal; 3. investigación epidemiológica; y 4. control de la enfermedad" (López citado por VISO, 1999: 135). Esta estrategia fue adelantada por la Oficina de Malariología, cuya dependencia se ubicó en Maracay a finales de 1942. (COLMENARES, BECERRA, 2004)

Será, no entanto, na Constituição de 1947 que aparecerá pela primeira vez um marco

com relação à saúde como responsabilidade do Estado, quando estabelece, em seu artigo 51,

que o “O Estado velará pela manutenção da saúde pública. Todos os habitantes da

República têm o direito de proteção da sua saúde. O Estado estabelecerá os serviços

necessários para a prevenção e o tratamento das enfermidades”. (CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA DA VENEZUELA, 1947, tradução nossa).

A Constituição de 1961 enriquece este marco através da seguinte redação: “Todos têm

direito à proteção à saúde. As autoridades velarão pela manutenção da saúde pública e

promoverão os meios de prevenção e assistência àqueles que careçam dela. Todos estão

obrigados a submeter-se às medidas sanitárias que estabeleçam as leis, dentro dos limites

impostos pelo respeito à pessoa humana”. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DA

VENEZUELA, 1961, tradução nossa).

Para FEO (2004), apesar de o novo texto avançar do ponto de vista da introdução do

direito à proteção da saúde, ele o faz através de uma concepção limitada de Estado, firmando

responsabilidades somente no campo da assistência social aos setores da população que não

podem satisfazer suas necessidades pelos seus próprios meios.

Dentro de este marco normativo, el sistema de salud en Venezuela ha estado presente en la agenda pública nacional, siendo motivo de análisis, discusión e intentos de transformación que se han manifestado en la presentación de propuestas

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para reformar el sistema de salud, y en la aprobación de leyes para regularlo. González (2001) señala 4 momentos en las reformas del sector salud en Venezuela: 1 – La propuesta de creación del Sistema Nacional de Salud (1978) 2 – La propuesta de descentralización de la salud, a partir de 1989. 3 – La propuesta de reestruturación del IVSS (1992). 4 – Las propuestas de reforma de la seguridad social (1998). Habría de se agregar en esa periodización la etapa actual, que parte del nuevo marco constitucional y la propuesta de una nueva Ley Orgánica de Salud. (FEO, 2004, p.52).

Para o momento da Assembléia Nacional o sistema de saúde se regia pela então

recém-aprovada Lei Orgânica de Saúde (1998), e pela Lei do subsistema de saúde do Sistema

de Seguridade Social, lei que é apontada pelo autor como de claro caráter “privatizante” da

seguridade, à medida que contempla a criação de administradoras de fundos de pensão.

Em avaliação sobre a reforma de saúde de 1998 (baseada na lei orgânica aprovada

neste mesmo ano), um relatório da PNUD atenta para a situação da saúde na Venezuela no

final do século XX. Descreve que o Estado havia começado um processo de transferência de

competências dos serviços de saúde para as entidades federadas. Aponta que diante dessas

necessidades crescentes e das responsabilidades dos estados nessa situação eles mesmos

começaram a buscar “suas soluções”, sobretudo aquela relacionada com o financiamento.

[...] comenzó un processo de ampliación y profundización de la “privatización” de los servicios públicos, al próprio tiempo que variadas experiências relacionadas com modelos de gestión que se pusieron em marcha bajo diversas orientaciones pero que respondían em casi todos los casos, a la necesidad parentoria de buscar respuestas a los problemas que se fueron presentando. (PNUD, 2000)

Acrescenta, também, que a tendência à privatização dos serviços não está somente

ligada ao processo de descentralização, mas também havia se manifestado anteriormente na

medida em que os usuários de serviços de saúde contribuíam com insumos para a prestação

de saúde, o que agrava ainda mais o retrato desse processo.

Diante dessa realidade, e de um quadro de extrema pobreza, a Assembléia precisaria

se debruçar em pensar as bases para uma reorganização não somente do setor, mas de todo o

país, através do desenvolvimento de uma nova institucionalidade. Organizada em comissões e

sub-comissões de trabalho, a Assembléia estabeleceu uma sub-comissão de saúde, articulada

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à Comissão de Direitos Sociais e da Família.

Oscar divide em três momentos o trabalho da comissão, do ponto de vista

metodológico. O primeiro foi uma análise da situação do setor saúde, diagnosticando as

causas da crise para posteriormente avançar sobre elas. O segundo foi uma revisão

bibliográfica e documental, que teve como objetivo sistematizar os conteúdos das

constituições de outros países. O terceiro e último foi:

El tercer momento, un proceso participativo de audiencias públicas y derechos de palabra para permitir a los actores sociales y políticos claves del sector salud, emitir su opinión sobre aspectos que deberían ser incluidos en la Constitución. Se realizaron 16 sesiones abiertas al público y se recibieron y procesaron 80 propuestas, con más de 100 derechos de palabra a organizaciones o individualidades de la salud. Ese proceso de participación ciudadana incluyó el desarrollo de dos programas: 1- El programa de participación abierta; 2- El programa de consultas. (FEO, 2003, p. 61)

O primeiro programa (“participação aberta”) teve como objetivo e prática o convite às

organizações e aos cidadãos a apresentar suas idéias. Realizaram-se encontros com

organizações não-governamentais, equipes de saúde pública com reconhecido trabalho em

saúde, além de jornadas de trabalho de “encontro de diálogo social e participação cidadã”. O

segundo programa (“consultas”), visava convidar os especialistas a expor, pessoalmente, os

seus pontos de vista para a sub-comissão.

Dessa forma, é após esta intensa – porém não tão longa – jornada, que se originam os

artigos da Constituição que versam sobre saúde. Com o apoio permanente da OPAS e com o

enriquecimento das organizações que enviavam propostas concretas, a comissão trabalhou em

uma síntese das idéias fundamentais para dar corpo aos artigos, destacando aquilo que

considerava ser mais relevante e, necessariamente, inviolável.

Assim, diante de um forte “enraizamento” social e de um processo participativo

intenso, conquista-se o entendimento da saúde como direito fundamental e dever do Estado,

assim como se expressará, em texto, a construção de um Sistema Público Nacional de Saúde.

2.2. PES – PLANO ESTRATÉGICO E SOCIAL

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Do ponto de vista da saúde, a planificação política através do planejamento será o objeto

do Plano Estratégico e Social, documento que incorpora elementos críticos importantes ao

campo do debate teórico-conceitual.

O PES é um instrumento de planificação política criado para desenvolver a capacidade de condução estratégica e a viabilização de mudanças substantivas nas condições de qualidade de vida e de saúde da população venezuelana. Nesse sentido, sua concepção e construção proporcionam uma nova racionalidade valorativa e prática às políticas públicas: “o imperativo ético de responder a necessidades sociais, garantindo a universalização dos direitos e a eqüidade de oportunidades a melhores condições materiais e sociais de vida para todos e todas.” (PES, 2002, p.03, tradução nossa).

O “Plano Estratégico e Social”, elaborado ainda no âmbito do Ministério da Saúde e

Desenvolvimento Social (MSDS) da Venezuela e publicado em Agosto de 2002, é resultado

de discussões deste mesmo órgão, iniciadas em Março de 2001. Ele nos parece um documento

importante em diversos aspectos. O principal deles é sua afirmativa de um pensamento

pautado em uma “outra direção conceitual e política” que se apresenta no decorrer de todo o

documento, firmando um discurso que se posiciona claramente contra a hegemonia do

pensamento neoliberal.

Desta forma, o plano se coloca como fruto de uma nova etapa política e social da

Venezuela, que data de 1999, ano marcado pelo processo de refundação das bases

constitucionais do país. Seus princípios orientadores estão centrados na realidade social

venezuelana, que “apresenta uma grande quantidade e diversidade de problemas ainda não

superados” (PES, 2002, p. 04, tradução nossa). Os objetos do PES são:

[...] as condições de qualidade de vida e saúde de toda a população, conquistando a universalização dos direitos sociais como obrigação, compromisso e propósito essencial das políticas públicas, dentro de um ordenamento político, social e econômico baseado na eqüidade. (PES, 2002, p.04, tradução nossa).

A prerrogativa de que parte o documento analisado permite problematizar o debate

sobre os desafios prepostos à implementação de políticas universais de saúde tão fortemente

alardeados pelo Banco Mundial e pelo FMI nas últimas décadas. Nesse sentido, o Plano

Estratégico e Social traz elementos interessantes do ponto de vista da contraposição entre

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universalização e focalização das políticas sociais.

Tal contraposição assumiu papel central na agenda política no marco teórico do

neoliberalismo. Nesse bojo, o conceito de pobreza e exclusão forjado implica em um

deslocamento do debate da esfera do Direito para a esfera do consumo e do mercado. A

centralidade dos conceitos de pobreza e de exclusão toma corpo e consistência ainda maior, a

partir dos postulados neoliberais.

É notória a centralidade que o conceito “pobreza” passou a assumir desde o início dos anos 1990, sobretudo em função de sua ampla utilização, tanto em relatórios de organismos internacionais quanto em documentos de formulação e avaliação de políticas públicas, principalmente de países seguidores das recomendações dessas agências. (UGÁ, 2003, p.55).

A conceituação de pobreza pelo Banco Mundial era, no relatório de 1990, pautada

exclusivamente na variável renda, sendo pobreza a “incapacidade de atingir um padrão de

vida mínimo” (BANCO MUNDIAL,1990, p.27, tradução nossa).

Já no ano 2000 (BANCO MUNDIAL, 2000-2001) modifica-se essa conceituação e a

pobreza passa a ser entendida de forma multifacetada, sendo considerada como ausência de

capacidades, acompanhada da vulnerabilidade do indivíduo e de sua exposição ao risco. A

alternativa de combate à pobreza muda o seu eixo das propostas de aumento das

oportunidades econômicas e prestação de serviços sociais universais, para o entendimento de

que o Estado deva apenas atuar para aumentar as capacidades humanas dos indivíduos pobres

mediante programas sociais focalizados. O Estado só seria necessário num primeiro

momento, e, depois de capacitados, os indivíduos procurariam seu desenvolvimento no

mercado.

Dessa forma, o conceito de pobreza forjado pelo receituário das políticas neoliberais é

bem característico de uma visão do mercado como organizador da sociedade, e, mesmo que

tal conceituação tenha mudado ao longo dos anos, o entendimento quanto às receitas

plausíveis a serem aplicadas em tais situações, do ponto de vista das políticas sociais, é o

mesmo: um Estado de caridade voltado para ampliar as condições mínimas de subsistência e

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as capacidades individuais.

O Plano do Ministério apresenta uma crítica a tal conceito de pobreza, respaldada no

fato de que há praticamente duas décadas as políticas sociais do Estado venezuelano

buscavam “lutar contra a pobreza”, através da intervenção do Estado na “assistência” aos

desprotegidos, o que, na avaliação do documento, fragmentou e dispersou as políticas sociais.

A crítica à categoria pobreza fundamenta-se no entendimento de que esta tenta tratar

os problemas sociais de forma “residual”, sendo que aos pobres não se oferecem direitos, mas

bens e serviços básicos para que essas pessoas sobrevivam às “condições adversas do

mercado”.

O conceito de pobreza provém de uma idéia mercantil, na qual a satisfação das necessidades sociais é um bem que se compra. Em troca, os grupos sociais menos favorecidos são populações tuteladas pelo Estado, a quem se fazem chegar meios para cobrir o ‘básico’ com ‘programas focalizados’ que pretendem fazer chegar algumas coisas aos pobres. Isso rompe com a idéia de universalidade [...]. (PES, 2002, p. 07, tradução nossa).

Em nota, ainda esclarece:

Os programas sociais focalizados não afetam o perigoso desequilíbrio na distribuição da riqueza e da renda, base fundamental da explicação da pobreza. Se não combatermos progressivamente estes padrões de distribuição deixaremos as coisas iguais, aceitando a pobreza como algo irremediável. (PES, 2002, p.7, tradução nossa).

Na contramão da agenda imposta e na via da construção de modificações estruturais, o

Plano Estratégico e Social firma o compromisso de implementar políticas universais de saúde,

concepção antagônica àquelas pautadas no documento do Banco para a saúde, lançado em

1987. Neste estudo, o Banco Mundial propõe quatro pontos na agenda para as reformas dos

países em desenvolvimento: cobranças de taxas aos usuários dos serviços públicos de saúde;

estímulo e fomento por parte dos governos de programas de seguro de saúde; utilização

eficiente dos recursos não governamentais, estimulando-os a prover serviços pelos quais os

consumidores estão dispostos a pagar; descentralização de planejamento, orçamento e

aquisição dos serviços de saúde.

Tais propostas caminham no sentido de uma “dualização” dos serviços de saúde

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(TAVARES, 2000), dividindo-os entre aqueles destinados a usuários que podem pagar e que,

portanto, terão um acesso privilegiado, e aqueles destinados aos que não podem, sendo estes

assistidos pelo Estado. Mais uma vez, nesse aspecto, o documento do MSDS afirma um

entendimento antagônico:

[...] o social já não significa unicamente prover bens e serviços à população, dividindo-a entre contribuintes e não-contribuintes, beneficiários “objeto de atenção” ou assistidos pelo Estado. O social é agora campo dos direitos legítimos e universalmente reconhecidos e garantidos, indispensáveis para a conquista e o desenvolvimento de uma plena condição de cidadania, tendo toda a sociedade um papel protagonista [...] (PES, 2001, p. 05).

Nesse sentido, o PES parte da compreensão a partir da qual a intervenção do Estado

não considera as relações sociais como determinadas pela competição entre “indivíduos

atomizados” na esfera do mercado, rompendo com o ponto de vista do “indivíduo isolado”,

que está na base do liberalismo.

O documento ainda caracteriza o conceito de pobreza como um conceito circular, já

que tenta explicar-se dentro de si mesmo. A condição de sobrevivência através da satisfação

de necessidades “básicas” permite a diminuição ou o aumento da renda, além da garantia de

que sempre existirão pobres. Nesse aspecto: “oculta as razões da pobreza e que é uma

complexidade de mecanismos essenciais que a produz, impedindo sua superação” (PES,

2001:07, tradução nossa). Em síntese:

[...] O conceito de pobreza é uma categoria que não responde à perspectiva da universalidade dos direitos sociais com eqüidade porque: (a) Restringe os direitos sociais ao fazê-los depender da capacidade de compra, e aqueles que não podem contribuir não são sujeitos de direitos e nem podem exercê-los; (b) Os pobres aparecem como uma categoria residual da população, como objetos de assistência e dependentes do Estado, que os diferencia do resto da população “não pobre”, sendo incapazes de cobrir por eles mesmos o “mínimo” de necessidades sociais básicas; (c) A resposta do estado só cobre uma parte das necessidades, sem considerar se são adequadas, suficientes e eqüitativas; (d) Sua lógica é minimizar as responsabilidades públicas do estado a um “pacote” de programas focalizados, reduzindo os problemas sociais a um conjunto de necessidades “básicas” não satisfeitas, que definem o limite aceitável de falta de oportunidade de bem-estar”. (PES, 2001: 07)

Dessa forma, o conceito de pobreza difundido pelo Banco Mundial mantém uma

relação de organicidade com o momento histórico, onde a ampliação da saúde como um

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serviço está em evidência. Dado o fato de que o discurso em voga se relaciona com dada

formação social, ele é marcado pela difusão de uma ideologia: a visão liberal da saúde.

Sendo o PES um plano estratégico, resultado de um processo de modificações que se

reivindicam profundas na sociedade venezuelana, podemos afirmar e ressaltar seu caráter

teórico-conceitual como uma novidade frente às políticas adotadas nas últimas décadas na

América Latina. Como desenvolvimento de um pensamento voltado para a contestação do

paradigma neoliberal, que garanta uma direção política e conceitual distinta, o plano

fundamenta um campo discursivo alternativo.

A crítica à categoria pobreza no PES permite, ainda, identificar a idéia de causalidade

contida neste conceito que acaba justificando as contradições sociais e ocultando as

determinações estruturais concretas das desigualdades sociais.

2.3. “BARRIO ADENTRO”: O EIXO ARTICULADOR DO SISTEMA PÚBLICO NACIONAL DE SAÚDE 2.3a. O BARRIO ADENTRO As missões sociais do governo da Venezuela ganharam impulso através de alianças

cívico-militares, iniciadas em 2001. Em 2003 estas se tornaram ainda mais expressivas. Elas

serão aporte essencial para o atendimento dos anseios mais primários e emergentes da

população, mas, para muito além de programas assistenciais de atendimento, serão o principal

instrumento de organização social e política concebido no processo bolivariano. Através da

mobilização e da participação ativa da população as missões vêm formando um painel que

possibilita reações mais ágeis, burlando o alto grau de burocracia e paralisia da máquina do

Estado e formando uma aliança política em solidariedade às matérias consolidadas na

Constituição.

O “Barrio Adentro” nasce como uma missão social de saúde em maio de 2003. A

estratégia inicial era a já descrita anteriormente: através do acordo bilateral com Cuba, obter o

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pessoal (médicos, enfermeiros e odontólogos) que passa a residir e atender nos bairros mais

pobres do país. Essa é a função, ao menos, do “Barrio Adentro I”, o primeiro programa

implementado, que se centrou na atenção primária e que depois veio a ser complementado por

outros níveis de atenção (sendo criadas as novas missões correspondentes).

No princípio, quando da chegada dos médicos cubanos, houve muita resistência por

parte dos médicos venezuelanos. No ano de 2005, quando ocorreu um incremento no número

de médicos cubanos para atender aos demais níveis do “Barrio Adentro”, aconteceram,

inclusive, manifestações de rua contra a chegada dos mesmos. Os organismos gremiais de

medicina venezuelana, especialmente a Federação Médica da Venezuela (FMV), se

demonstraram os mais críticos ao programa.

Na sexta-feira 15 de Julho de 2005, centenas de médicos venezuelanos marcharam pelas ruas de Caracas para protestar contra a vinda de médicos cubanos para a Venezuela. O Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, assinou acordo com o governo cubano através do qual Cuba deve enviar médicos, enfermeiras e dentistas para trabalharem na Venezuela. De acordo com o Presidente de Cuba, Fidel Castro, até o fim do ano haverá 30 mil trabalhadores cubanos da área da saúde na Venezuela. Os manifestantes venezuelanos dizem que os médicos cubanos são mal preparados, e que recebem remédios e equipamentos sofisticados do governo venezuelano, enquanto que os médicos venezuelanos muitas vezes têm que trabalhar em hospitais públicos, nos quais faltam materiais básicos. Eles também dizem que os profissionais da área da saúde da Venezuela são mal remunerados e que há muitos médicos venezuelanos desempregados. Alguns dos manifestantes carregavam cartazes contra o comunismo e a "cubanização" do país. Na visão dos manifestantes, a vinda dos médicos cubanos visa em primeiro lugar a objetivos políticos, ao invés de à melhoria da saúde da população. O Presidente Hugo Chávez disse que convidou os médicos cubanos para trabalharem na Venezuela a fim de oferecer um melhor serviço de saúde à população mais pobre. Segundo Chávez, os médicos cubanos aceitam trabalhar em áreas que não costumam ser escolhidas por médicos venezuelanos, como regiões muito pobres e com alto índice de criminalidade. (BBC, 2005, online, tradução

nossa) A confrontação que se dá no princípio da missão é uma confrontação eminentemente

política, cujo elemento mais forte se deu na argumentação centrada no mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo, estava pouco esclarecido que os médicos cubanos teriam tempo de

permanência restrito, passando no país apenas 3 anos. O debate rodou em torno da disposição

de atendimento em locais perigosos – morros e favelas, que como na maior parte da América

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Latina são espaços, também, de tráfico e comércio ilegal de drogas –, assim como nos

exemplifica a seguinte matéria:

O acesso à favela não é fácil. Para chegar, é preciso tomar os velhos microônibus ou jipes que circulam pelas ruas estreitas e ladeiras do morro. À noite, elas ficam desertas e não há qualquer tipo de transporte. Médicos venezuelanos [...] se negam a subir os morros para socorrer a população. O presidente da Federação Médica Venezuelana (FMV), Douglas Léon Natera, defende a categoria: “O governo disse que não poderia garantir nossa segurança. Como vamos nos meter no meio da favela, onde há toda sorte de marginais?” Para ele, não é possível exercer a profissão em condições precárias. “Não existe essa história de que com um estetoscópio se pode salvar vidas”, afirma. (JARDIM, 2005, online)

A questão política envolvida, em nosso ponto de vista, não diz respeito tão somente ao

perigo que representam as áreas de trabalho. Há um importante elemento a se destacar que é a

formação dos médicos, que seguia um padrão observado em outros países, cuja característica

principal é a super-especialização e a dedicação às atividades privadas mais que às públicas.

Somado a isso o atendimento do “Barrio Adentro”, seja na comunidade, seja nas áreas rurais,

está voltado para a atenção primária, o que não condiz com a prática em saúde dos médicos

venezuelanos até o momento.

Nesse embate, o prestígio que o programa passou a ter para a população obstruiu boa

parte das críticas ao mesmo. Segundo GERMAN (2006), “hasta los dirigentes políticos de la

oposición decidieron cuidarse, y no criticar una misión tan altruísta y de alto prestigio

popular”. Somado a esse fato, difundiu-se a visão de que os médicos cubanos só estavam

assistindo lugares onde os médicos venezuelanos não estavam, como áreas rurais e favelas

urbanas.

Um outro aspecto da crítica tem a ver com uma questão mais claramente ideológica.

Boa parte dela versou em torno da “cubanização” da Venezuela, o que tem, no fundo, uma

motivação anti-comunista:

A médica cubana Vivian Iglesias ouve os tiros enquanto tenta dormir. Hoje ela atendeu a duas vítimas de assassinato, e, dois dias depois de chegar à Venezuela, em abril, arrancaram-lhe a corrente de ouro que trazia ao pescoço. Pela coragem de trabalhar em Resplendor, uma favela de lata onde os barracos se empilham uns sobre os outros, Vivian Iglesias conquistou a admiração de seus pacientes. Para alguns moradores, essa é a primeira vez que a favela recebe

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atendimento médico. Venezuelanos de outras partes de Caracas não ousam entrar em Resplendor. Iglesias é uma dentre os mil médicos cubanos que vivem e trabalham nas favelas da capital venezuelana, levados por um programa de cooperação mútua entre o governo Hugo Chávez e Cuba. Em troca, Fidel se abastece com petróleo. "Nunca imaginamos ter um médico por estes lados. Os doutores daqui têm medo de nos atender", explica Yanis Narvaez, 26, no barraco cheio de goteiras, enquanto segura o filho de colo para que Iglesias tome a temperatura. "Eu não acho que a doutora esteja nos fazendo algum mal apenas por ser cubana, como muita gente diz." Críticos afirmam que o programa "Barrio Adentro" é a prova de que Chávez planeja impor o sistema comunista nos moldes castristas. A oposição argumenta que os médicos e os mais de mil professores e treinadores esportivos cubanos enviados à Venezuela têm uma agenda política voltada para a doutrinação socialista. (MSM, 2003, online)

Essa visão tem sido uma constante no país. Ela é fruto da polarização política que se

estabeleceu na Venezuela, já bastante descrita no capítulo primeiro do presente trabalho.

Como não poderia deixar de ser, as manifestações contra o “Barrio Adentro” também foram

acompanhadas, de outro lado, por manifestações de organizações médicas favoráveis ao

processo de mudanças. Assim, se realizou a III Cúpula dos Médicos Bolivarianos, conforme

descrição da seguinte notícia:

Unos 400 médicos de todo el país se reunieron en la III Cumbre del Frente Médico Nacional Bolivariano, celebrada en San Felipe, estado Yaracuy, para debatir diversos temas relacionados con la salud. La instalación del evento, que se realizó en el centro de convenciones Henrique Tirado Reyes, estuvo a cargo del ministro de la Salud y el Desarrollo Social (MSDS), Francisco Armada Pérez; el presidente del Colegio de Médicos del Distrito Metropolitano y coordinador general del Frente, Fernando Bianco, y el mandatario regional, Carlos Giménez. Bianco comentó que, principalmente, debe impulsarse desde el Frente Nacional Médico Bolivariano (FNMB) la conceptualización de los gremios como estructura ciudadana, a fin de profundizar el poder popular para que funcione en corresponsabilidad en los actos del Gobierno. Expuso que el FNMB va hacia el rescate de los colegios de médicos de Venezuela y luego de la Federación, para lo cual dijo que trabajan fuertemente. También se propuso organizar un encuentro médico binacional entre Venezuela y Cuba, para celebrarlo próximamente, con participación de médicos de ambas naciones. (MCI, 2005, online)

Após a realização do encontro, a Frente Médica Nacional iniciou jornadas de atenção

médica com a realização de consultas especialmente nas áreas rurais.

É bom ressaltar que o “Barrio Adentro” e outros programas sociais formaram parte de

uma reação do governo – após o momento do golpe – às medidas da oposição, que aceleraram

a necessidade de dar bases de sustentação maiores ao processo bolivariano.

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2.3b. DANDO VOZ AOS ATORES

Durante um mês, entre agosto e setembro de 2006, coletamos na Venezuela entrevistas

com atores fundamentais na execução da política de saúde do país. Entre eles, avaliamos ser

pertinente dar um especial destaque, neste capítulo, aos coordenadores nacionais do “Barrio

Adentro” I, II e III, à Coordenação da Direção Geral de Investigação e Educação do

Ministério da Saúde, além, ainda, da Coordenação Geral do Programa de pós-graduação em

Medicina Geral Integral do IAESP – Instituto de Altos Estudos em Saúde Pública –,

vinculado ao Ministério da Saúde.

As entrevistas foram documentos fundamentais para uma melhor compreensão das

estratégias de implantação do Sistema Público Nacional de Saúde, para entender como estão

sendo executadas as novas fases do “Barrio Adentro”, e, além disso, nos permitiram ver com

mais clareza o perfil dos gestores públicos da Venezuela, especialmente no que diz respeito a

suas visões políticas.

Uma primeira curiosidade, não perguntada a todos os entrevistados, mas a alguns

deles, dizia respeito a como eles enxergavam o sistema de saúde, e em que aspectos a nova

Constituição significara uma mudança. Para Robert Rodríguez, coordenador nacional do

“Barrio Adentro I”:

Antes de 1999 havia aqui uma tendência que passava, sobretudo, pelo consenso de Washington, de forma que o Estado deveria reduzir o seu tamanho. Diminuir o seu tamanho significava ser menos responsável pelos serviços de saúde, de educação... Responsabilidades que entendemos como inerentes ao Estado. Com a chegada da Constituição, da Constituinte, com o processo que se deu entre 98 e 99 essa tendência se reverteu...qual era essa tendência? A que desresponsabilizava o Estado e favorecia a privatização dos serviços. De fato, comentários como o seguinte surgiram: que os hospitais na parte da tarde fossem utilizados pelo setor privado. Eles utilizariam os serviços à tarde e à noite e o setor público trabalharia pela manhã. Somente aqueles que não poderiam ter acesso ao serviço pagando poderiam ter atendimento nesse horário. Essa foi uma tendência, e, inclusive, se começou a cobrar, mesmo nos serviços públicos, por serviços de saúde... E logo se gerou esse fenômeno que a Constituição conseguiu reverter...como, por exemplo, o desfinanciamento. Ou seja, se deixou de financiar os serviços públicos do setor saúde, o que fez com que a qualidade caísse muito também. Outra característica que esse momento aprofundou foi a crise da saúde. Sobretudo com a baixa qualidade e pouco poder resolutivo, o desinvestimento em tecnologia e em recursos humanos. O nosso recurso humano, a Universidade o formava para o setor privado mais do que para o setor público.

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E bem, aí se expressou o neoliberalismo, na baixa de qualidade, no desinvestimento, na pouca formação de recursos humano para o setor de saúde para formação e trabalho no setor público. A tendência era não criar mais serviços, não satisfazer o poder resolutivo de que necessitavam os ambulatórios e hospitais e todos os serviços de saúde que tínhamos nessa época. A população foi crescendo, mas não cresceram junto à população os serviços que deveria ofertar o Estado.16

Ainda sobre o tema, pegaremos uma carona na entrevista do Ministro da Saúde

Francisco Armada à jornalista Patrícia Bravo:

Nosotros, siguiendo la tendencia general que se dio en América Latina, en las últimas dos décadas del siglo pasado estuvimos enmarcados en una reforma neoliberal acentuada en todos los campos, no solamente en el área económica. Esta reforma tuvo su reflejo en políticas públicas, y particularmente en salud. Se partía del razonamiento de que era preciso disminuir el gasto público y minimizar la participación del Estado, asumiendo que la lógica del ‘libre’ mercado económico permitiría distribuir la salud como un servicio más. Este esquema contó con importante financiamiento del Banco Mundial. En Venezuela llegamos un poco tarde a esa reforma, pero sin embargo en los años 80 asumimos un paquete muy similar al de otros países, con muchas semejanzas al modelo chileno y colombiano. Entonces, ¿también se crearon en Venezuela dos sistemas de salud, uno privado y

otro público? El sistema apuntaba a eso, a separar el financiamiento de la prestación en salud y dejar a la libre competencia y el mercado la prestación de esos servicios, con financiamiento obligatorio de parte de la gente en el sistema de salud privado. La idea era que el Estado disminuyera su participación. En Venezuela culminamos ese proceso con la promulgación de dos leyes. Sin embargo, nunca -afortunadamente- se llegaron a implementar. Cuando correspondía hacerlo, se inició el cambio de gobierno. Con el presidente Hugo Chávez se desechó la puesta en práctica de esos programas. Pero en las décadas de los 80 y 90 se dieron pasos para preparar la implementación del nuevo sistema. Se desfinanciaron y fragmentaron los servicios de salud. Y los servicios de atención y promoción de la salud fueron eliminados. Se abonó el terreno para instalar un sistema según el modelo neoliberal y se manejó un discurso que lo proclamaba como único camino ante el fracaso de lo público, obviando que se había trabajado para que fuera así. (BRAVO, 2005, online)

Esse quadro seria resultado direto do compromisso assumido com as políticas de

redução do Estado, mas, ao mesmo tempo, da formação médica observada na maioria dos

países capitalistas ocidentais – processo bastante mais antigo, para o qual o aprofundamento

da liberalização da economia constitui somente um agravante. Perguntado sobre esse tema,

Jesus Ojeda nos respondeu:

Bem, nós passamos de uma influência francesa a uma influência americana. As universidades nacionais de medicina vêm da academia francesa à academia americana. Viemos da busca do próprio indivíduo, da sua enfermidade ou saúde, a uma americanizada que é praticamente suplantada por toda a tecnologia médica. Então agora queremos passar para essa visão mais completa que é a social [...]17

16

Robert Rodríguez. Entrevista realizada em 06 de Agosto de 2006 , tradução nossa. 17

Jesus Ojeda, coordenador da Pós-graduação de Medicina Social e Integral do IAESP. Entrevista realizada em 06 de Agosto de 2006, tradução nossa.

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Esse foi um dos principais motores do conflito político que se deu com a chegada dos

médicos cubanos à Venezuela, anteriormente já descrito. A incorporação de valores

caracterizados pelo Ministro da Saúde18 como “capitalismo médico”, vem da raiz da formação

dos profissionais da área.

A confrontação que se dá no princípio da missão “Barrio Adentro” é uma confrontação eminentemente política, porque os organismos gremiais venezuelanos se queixaram da presença dos médicos cubanos. Mas nós conseguimos demonstrar que os médicos cubanos que vieram prestar assistência na Venezuela só estavam assistindo lugares onde os médicos venezuelanos não estavam. Nós temos uma boa relação médico/paciente na Venezuela, mas esse médico venezuelano – segundo um informe da OPAS – está principalmente nas cidades, nos meios urbanos, enquanto as comunidades rurais, indígena, do campo, bairros nas cidades mas em situação sub-urbana e dispersos não teriam a garantia do serviço de saúde. Através da cooperação com a República de Cuba nós tivemos o êxito de gerar esses serviços onde eles não estavam disponíveis. E onde, logicamente, a formação de nossos médicos era super-especializada e estava dedicada mais às atividades privadas que às públicas. (Robert Rodríguez, 2006)

Do ponto de vista da formação necessária a uma nova política e abordagem da saúde,

as medidas tomadas após 1999 foram objetivadas para modificar o quadro diagnosticado e

demonstraram-se expressivas nas áreas que cada um desses gestores públicos dirigem.

Um dos primeiros desafios foi constatado quando, ao se modificar o enfoque da

atenção em saúde, esbarrou-se na resistência e na não adesão dos médicos da Venezuela aos

programas idealizados. Nas palavras de Virginia Aguirre – coordenadora nacional da Direção

Geral de Investigação e Educação do Ministério da Saúde:

Com a incorporação e o desenvolvimento do “Barrio Adentro”, praticamente um modelo de atenção primária, nos demos conta de que os médicos não se incorporavam de maneira massiva, e por duas razões fundamentais: uma por razões políticas, e outra porque realmente o médico não era formado para desenvolver a atenção primária, mas para o hospital. Então o que ocorre é que não estavam capacitados para fazer um trabalho comunitário, estavam capacitados para o hospital. Então essa é a diferença fundamental, e por isso houve necessidade de criar um programa de medicina integral comunitária para desenvolver essa prática através dos consultórios populares. É isso que estamos levando a cabo em conjunto com a missão médica cubana que forma parte do convênio Cuba-Venezuela, no Barrio Adentro I. 19

18

Pasta chefiada, à época, por Francisco Armada. 19

Virginia Aguirre, coordenadora nacional da Direção Geral de Investigação e Educação do Ministério da Saúde. Entrevista realizada em 25 de Agosto de 2007, tradução nossa.

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A experiência do programa de pós-graduação em Medicina Geral e Integral

exemplifica bem as modificações necessárias ao processo de abordagem educativa. Em que

pese seu caráter de pós-graduação, que implica em receber os estudantes após o seu período

de formação “formal”, este programa é um dos importantes geradores de recursos humanos

para a missão de saúde.

O programa tem uma fortaleza do ponto de vista acadêmico: os médicos cubanos, que têm mais de 15 anos de formação. Há uma resolução na Universidade Cubana de que todo médico deve se formar para Medicina Geral Integral. Em relação ao aspecto curricular ou aos aspectos curriculares venezuelanos é que rompe com o currículo tradicional, baseado nos “currículos de competência”. Então a metodologia do processo educativo muda, os objetivos e conteúdos são o que os fazem diferentes. Isso quanto ao aspecto do perfil dos que ingressam, e quanto aos conteúdos acadêmicos em si. Estão iguais... Em especialidade médica. Claro, esse médico geral e integral tem um conteúdo que está mais voltado para a realidade social e menos para a realidade individual. É, portanto, mais coletivo. O problema não vai até o hospital para se resolver, o problema está na comunidade e a pessoa deve estar lá, no ponto de vista da sua formação. Por exemplo, se eu quero dar aos estudantes informações sobre sarampo, os levo até o hospital... No hospital se estuda sarampo, os levo até lá. Ao mesmo tempo se há sarampo em uma comunidade eu posso ir estudar o sarampo na comunidade... É uma outra visão. O problema se comporta no ensino e na problemática, com um currículo problematizador, um conteúdo problematizador. Na medida em que descubro, estudo e elaboro o problema no contexto social onde ele se desenvolve – sarampo, encefalite, febre asiática e tal – o abordo num diferente nível. Então essa é a novidade que dá muita pertinência, sobretudo social, e que se desenvolve em um espaço novo que é o “Barrio Adentro”, que é um espaço mais sócio-político, mais integrador, mais complexo... Então é aí que se formam esse jovens. Creio que ainda levará muito tempo para uma real mudança, com certeza por toda essa bagagem que tiveram – uma formação tradicional, ocidentalizada, disciplinada, que é tão rígida, não? Que começa pelo pé e vai cortando do pé até a cabeça. Com tudo isso, romper toda essa estrutura não é fácil. (Jesus Ojeda, 2006)

Para tanto, a necessidade de modificação no caráter da formação profissional e, não

obstante, a de substituição dos médicos cubanos após os três anos do acordo firmado com

Cuba, representou a urgência em criar, institucionalmente, um espaço de fomento à pesquisa e

formação em saúde. Esse programa de formação será, justamente, a direção coordenada por

Virginia Aguirre.

O programa de formação que estamos levando adiante é em nível nacional e são políticas de promoção de soberania do estado, no sentido de que são de participação massiva, de forma municipalizada e regionalizada. Quer dizer, os estudantes que estamos formando estudam no seu próprio município. Ou seja, a Universidade se transfere aos lugares onde eles vão estudar, tanto medicina integral comunitária, medicina geral integral, enfermaria integral comunitária e odontologia geral integral, tudo isso dentro do marco do “Barrio Adentro”. Ou seja, nós regulamos, damos

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seguimento a todos os programas de formação de todas as faculdades em saúde, particularmente as faculdades de medicina. Fazemos todo o acompanhamento de pós-graduações, proporcionamos investimentos em bolsas de estudo, credenciamos os programas, certificamos títulos... Então, essas são as nossas atribuições.

Da perspectiva da formação, Robert Rodríguez e Virginia subsidiam dados

importantes com relação à transferência de tecnologia aos Venezuelanos:

[Qual o plano do Ministério para que os médicos venezuelanos substituam os

médicos cubanos?] Sim, trata-se de substituir sim. Nós temos um plano nacional que é uma cooperação. E todas as cooperações internacionais têm um limite de tempo. Os médicos cubanos estão garantindo a transferência tecnológica, e essa transferência está baseada na formação de recursos humanos. Hoje temos um programa – atualmente temos cerca de 20 mil médicos cubanos colaborando conosco – de formação de mais de 20 mil médicos venezuelanos – em médio prazo – para que essa cooperação se limite a uma substituição à medida em que se vão formando os venezuelanos. Essa formação estamos dirigindo através da “Missão Sucre”. Estamos formando a escola latino-americana de medicina no sul do país, na cidade de Guiana, um pouco para a integração com o sul... Está muito bem localizada para o MERCOSUL, numa zona muito próxima ao Brasil, e se orienta ao Sul. Temos o programa de formação de 20 mil estudantes através da “missão Sucre” e temos uma pós-graduação em medicina geral integral que tem mais de 1200 médicos já graduados que agora se integram à missão “Barrio Adentro” através dessa pós-graduação. (Robert Rodriguez, 2006) [Quantos estudantes estão sendo formados?] Na pós-graduação de medicina geral e integral nós temos 2 mil estudantes sendo formados e graduando-se na primeira turma que dedicou-se 3 anos para a medicina geral integral. A odontologia geral integral dura 2 anos e temos 956 odontólogos fazendo a pós-graduação em odontologia. Temos também uma formação de médicos, com 3 mil alunos estudando medicina geral comunitária, e mais 3500 estudando na escola latino-americana de medicina em Havana, onde temos outro grupo de estudantes. A perspectiva com que trabalhamos é a de conseguir ter 200 mil estudantes se formando no marco da integração da América Latina [...] (Virgínia Aguirre, 2006)

E ainda, segundo Jesus Ojeda, descrevendo as responsabilidades da pós-graduação em

medicina integral que coordena:

[...] é assim que aparece a nossa figura dentro da Medicina Geral Integral (MGI)... Eem função da transição que deve existir entre cubanos e venezuelanos. Então nesse momento estamos formando mil e duzentos alunos, que terminam agora em março (2007) a primeira turma da pós de MGI, e um segundo lote de mil e cem que são os que vão entrar em janeiro no segundo período, e terminam em 2008. Então temos agora duas turmas em formação, uma que termina em março de 2007 e uma que termina em 2008... são os primeiro médicos especialistas em MGI que vão ocupar os postos dos médicos cubanos e fazer essa transição. Estamos neste momento fazendo também essa transição para tomar em nossas rédeas a parte da formação. Eu comentava então com você que neste momento estamos nessa transição... Nela os médicos venezuelanos estão formando-se com médicos de pós-graduação em todo o país... temos um grupo muito importante de jovens que estão se formando. A seleção deles foi muito espontânea... na primeira vez tivemos uma procura de aproximadamente mil, e se selecionaram mil. Tampouco há um critério rígido de seleção... Todo aquele que seja graduado e tiver a intenção, entra. [Quase universal?]

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Sim, quase universal. Qualquer médico aqui na Venezuela, cumprindo com as normas básicas acadêmicas – não pedimos nota e nenhum exame em especial –, fazemos entrevista para saber a motivação, e entra. Agora temos então aqui na Venezuela quase 2000 jovens que estão entrando no “Barrio Adentro” com ocupação de médicos. Dessa forma eles entram por uma espécie de auto-seleção.

Portanto, aponta-se que há em decurso uma estratégia de formação, que objetiva a

prioridade da saúde numa lógica de atenção primária e orienta a formação para o serviço

público de saúde. Dessa forma está garantida a continuidade do “Barrio Adentro” e do

Sistema Público Nacional de Saúde independente da presença dos médicos cubanos. No

marco da construção da ALBA, o destino dos mesmos já está definido: após a permanência na

Venezuela, trabalharão a mesma missão médica na Bolívia.

Do ponto de vista da efetivação do “Barrio Adentro” e da construção do SPNS, além

de possibilitar um maior entendimento dos debates, dúvidas e perspectivas dos mesmos, as

entrevistas foram fundamentais para a compreensão de outros pontos que ainda não

conseguíamos visualizar. Um deles se refere à relação que o Estado estabelece com o setor

privado dos serviços de saúde, por exemplo. Nesse sentido, observa-se:

Eu acredito que nós em particular como Ministério da Saúde, como gestores do serviço público, não estamos “contra” o serviço privado. O que sim temos é uma responsabilidade, a responsabilidade de ter um sistema de saúde público, com alto poder resolutivo e com a possibilidade de que as pessoas tenham acesso real aos serviços de saúde. Nós precisamos organizar a disponibilidade dos serviços para aqueles que tenham e os que não tenham poder econômico. Então, como órgão gestor nós temos a responsabilidade de garantir um sistema de saúde que em outros momentos foi esquecido, e nessa fase de reconstrução do país, estamos também reconstruindo os serviços de saúde. E reconstruindo os serviços de saúde sob o conceito de que sejam universais, de que sejam para todos os que necessitarem, mas ao mesmo tempo, que tenham alta resolutividade. Para isso estamos lutando no “Barrio Adentro I, Barrio Adentro II e Barrio Adentro III”, que são níveis distintos de complexidade na oferta dos serviços. Estamos gerando um médico de família no consultório popular muito perto das pessoas, para que promova a manutenção da saúde e a qualidade de vida, estamos fortalecendo todo um sistema de diagnósticos para que tenhamos maior capacidade de identificar os problemas reais de saúde que têm as pessoas, estamos fomentando as salas de reabilitação... Por muitíssimos anos não tínhamos salas de reabilitação e as que tínhamos eram poucas para a população em situação de incapacidade. Estamos agora no fomento também de emergência, precisamos ter maior capacidade para emergência no nível hospitalar e no nível dos centros diagnósticos. Estamos fortalecendo também nossa capacidade de atenção para cuidados especiais, com o número de leitos que temos nos CDIS disponíveis, que estão muito próximos às pessoas, pois conformamos o que se chama de “áreas integrais de saúde”, que estão encabeçadas por um hospital que tem como satélites vários centros diagnósticos e salas de reabilitação que por sua vez têm como centro de referência os consultórios populares – que são os que eu dirijo. (Robert Rodríguez, 2006)

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Sobre o tema ainda foi importante a colocação de Leonor Franco20, Coordenadora

Nacional do “Barrio Adentro III”, que caminha na mesma direção das preocupações de

Robert:

O setor privado tem mais ou menos 10% ou 15 % de cobertura. Eles têm uns 15% dos leitos hospitalares do país. Aqui para o setor privado vai somente uma classe bem privilegiada e mais ou menos 80% da população vai aos hospitais públicos. Por isso nós não vamos competir com o setor privado, mas melhorar a atenção para aqueles que não têm acesso ao setor privado. O tema não é a competição com o setor privado, mas a melhora do público. Nós queremos ter igual tecnologia para a população que está precisando melhorar sua qualidade de atenção nos hospitais. Realmente foram 40 anos de atraso em relação ao que se desenvolveu no setor de saúde na Venezuela (...) ficamos com um déficit muito grande na saúde pública, e por isso os hospitais estão permanentemente abarrotados, pois estão super- lotados. Além disso, a oferta de serviços é de tecnologia atrasada que faz com que as coisas demorem mais do que o necessário (...) nesse momento então estamos mais preocupados com a qualidade de atenção do que com a oferta de serviços, privilegiaremos uma melhora na qualidade da atenção. ( Leonor Franco, 2006)

Apesar da afirmação de Leonor, que indica a priorização da melhora na qualidade de

atenção, os esforços demonstram que há, claramente, um avanço com relação à oferta de

serviços também. Por isso, a pergunta subseqüente refere-se a uma descrição do que é a

proposta do Sistema Público Nacional de Saúde.

O Sistema Público Nacional de Saúde se refere ao sistema organizado em redes. É um sistema conformado para ter uma oferta de serviços que gere uma disponibilidade de recursos à população que demande esses serviços. Para isso nós estamos construindo esse sistema público nacional de saúde, resgatando as estruturas que temos do passado e articulando-as em rede para facilitar sobretudo o sistema de referência e contra-referência a partir dos serviços de saúde, em um sistema estabelecido por complexidades. O Sistema Público Nacional de Saúde consagrado na constituição é a garantia desse direito a saúde que nós temos como pessoa venezuelana. (Robert Rodríguez, 2006) [...] E, de outra parte, estamos construindo o SPNS e queremos construí-lo nesse momento, seja em rede ou em níveis – se falamos em níveis falamos da forma de atendimento, se falamos em rede falamos em territórios sociais onde teremos atendimentos de vários níveis mas que se inter-relacionam entre si [...] [...] e um outro aspecto que está relacionado com mudanças no modelo de atenção, pois não basta ter a estrutura do sistema, o equipamento e a infra-estrutura, é preciso mudar a cultura da atenção. Esse tema nós já estamos tratando com uma proposta na construção do SPNS, que é a de mudar o horário de contratação do pessoal, pois temos um horário de contratação de seis horas – o que permite ao trabalhador trabalhar em 2 lugares – e com essa proposta estamos apontando para uma contratação de 8 horas, o que aumenta a oferta de serviço no hospital – pois até hoje fundamentalmente os hospitais trabalham só no horário da manhã – aumentando o horário para tarde, o que pretende melhorar a atenção à população. (Leonor Franco, 2006)

20 Coordenadora Nacional da missão “Barrio Adentro III”, entrevista concedida em 11 de Agosto de 2006.

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As próprias entrevistas revelam um aspecto que não está claro, e que deverá ser

regulamentado pela lei orgânica, que é, exatamente, o da organização do sistema. Não se tem

claro se a articulação dos serviços de saúde deve orientar-se em uma lógica de rede ou de

níveis, assim como explicita, mais ainda, a entrevista de Belén Murse21:

Não temos clara a organização em níveis ou redes de serviços. Nós distinguimos qual é a entrada do sistema de saúde, que é sempre pela atenção primária, que são os centros que estão mais perto da população. Devemos definir ainda que o primeiro nível deve ser sempre a porta de entrada, através de atendimentos de médicos gerais integrais que estão capacitados para a prevenção e atendem também às famílias. De toda forma, pode ser por qualquer centro (a entrada), ou seja, o paciente chega a algum desses espaços e poderá ser atendido aí mesmo. O principal para nós é a educação nesse momento, pois o nosso sistema estava voltado para a saúde curativa, e todo o problema era tratado em nível hospitalar. Agora que estamos fortalecendo o primeiro nível através dos consultórios populares, estamos fortalecendo a capacidade resolutiva com os demais centros, e a população deve estar ciente dos serviços que prestam esses níveis para que solicitem desde o princípio o nível que necessitem para não congestionar a parte hospitalar que requer um investimento maior e tem uma capacidade menor pelo nível de complexidade que atenderá a menor parte dos problemas da população, 10 ou 15% . Então nesse momento eu não posso te dizer se são 3 níveis, 4 níveis... Há paises que tem diferentes sistemas de saúde, mas imagino que na maioria o maior volume deva entrar no primeiro nível.

Por esses motivos se coloca a necessidade de aprovação da Lei Orgânica de Saúde.

Especialmente pela objetiva construção, que já está, através da prática, executando a

organização do sistema, sem que ele seja debatido substancialmente. Essa tensão entre

regulamentação e execução está a todo tempo em evidência, já que, de fato, o Sistema Público

Nacional de Saúde já existe, sem que tenha sido regulamentado.

Através da missão “Barrio Adentro”, portanto, é que essa construção tem se dado, e é

por tal motivo que ele foi batizado como o eixo articulador do sistema de saúde (HEREDIA,

2006).

As funções do primeiro nível da missão são obra do “Barrio Adentro I”. Ele

compreende a consolidação do nível primário de atenção e é, de fato, o mais adiantado dos

programas, especialmente por conta de ser o primeiro deles e de compreender o atendimento

da maioria da população que necessita dos serviços públicos de saúde.

21 Coordenadora Nacional da missão “Barrio Adentro II”. Entrevista realizada em 15 de Agosto de 2006, tradução nossa.

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Barrio Adentro I está dirigido especialmente a los sectores populares urbanos (barrios), rurales, los pueblos fronterizos e indígenas, lo que representa el 60% de la población venezolana. La meta es dar acceso a los servicios de salud al 60% de la población excluida, mediante la construcción de 6.635 Consultorios Populares. Para operativizar la Atención Primaria en Barrio Adentro I en los Consultorios Populares, se cuenta con una estructura denominada Coordinación Nacional de Atención Primaria de la Dirección General de Salud Poblacional del Ministerio de Salud. (BARRIO ADENTRO I, 2006)

Para tanto, a quantidade de consultórios populares construídos e equipados monta a

300 no ano de 2004, 906 no ano de 2005 e 1743 no ano de 2006. Iniciado em 16 de abril de

2003, o “Barrio Adentro” ainda não conta com a uniformidade dos seus consultórios

populares, mas com um rápido avanço em direção a esta realidade. Boa parte dos seus

atendimentos são, ainda, realizados nas casas das pessoas da própria comunidade, que

cederam um andar ou a garagem de suas casas para que os consultórios pudessem funcionar.

Hoje em dia, no entanto, a construção da infra-estrutura pertinente aos mesmos já é uma

realidade, e vem sendo financiada pela PDVSA.

No ano de 2005 iniciou-se o “Barrio Adentro II”, conforme já citado anteriormente. A

coordenadora nacional da missão, Belén Murse, nos detalhou melhor as atribuições e os

indicadores do programa.

O “Barrio Adentro II” nasce no ano de 2005, por decreto do presidente Hugo Chávez, como centros diagnósticos para fortalecer o primeiro nível de atenção, que nesse caso são os consultórios populares. Nesse sentido foi planejada junto com a missão médica cubana a construção de 600 centros de diagnóstico integral, 600 centros de reabilitação integral e 35 centros de alta tecnologia. Deve ao menos haver um CDI e um CRI por cada município, mas há municípios com maior extensão e quantidade de população e podem ter mais de um, até três. Com respeito aos centros de alta tecnologia, está planejado ao menos um por estado, e aqueles com maior quantidade de população terão de 2 a 3 centros de alta tecnologia. Com relação à construção do Sistema Publico Nacional de Saúde no que concerne ao Barrio Adentro II, especificamente, há muita gente envolvida na construção daquilo que queremos. Está o Ministério da Saúde, o Ministério de Habitação e Moradia, o Ministério da Defesa, PDVSA, o Ministério de Energia e Minas, e muitas outras instituições... Na parte de saúde coletiva estão os comitês de saúde, a controladoria social, os conselhos comunais etc. Então estamos todos participando da construção do sistema de saúde porque ele está dando respostas às verdadeiras necessidades imediatas da população. Então, retomando, a construção do “Barrio Adentro II” começou com a formação dos Centros de Diagnóstico Integrais (CDI) aproximadamente entre Abril e Maio do ano de 2005. Na atualidade já temos mais ou menos 40% dos centros terminados, funcionando 175 centros de diagnóstico integral em todo o país. Os serviços oferecidos são de raio X, serviços de laboratório, serviços de ecosonografia, eletrocardiografia, endoscópio, oftalmologia diagnóstica, e todos têm serviço de emergência de 24 horas e ao menos três camas de terapia intensiva para receber

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algumas patologias que é necessário tratar no primeiro nível de atenção e posteriormente, se necessário, enviar a um hospital de maior complexidade. (Belén Murse, 2006)

Além dos Centros de Diagnóstico Integrais, ainda está em seu âmbito a construção das

Salas de Reabilitação Integral e dos Centros de Alta Tecnologia.

Com respeito às salas de reabilitação integral, estão em funcionamento 180 salas neste momento em todo o país, para dar atenção aos pacientes que tenham algum tipo de incapacidade, o que era uma grande dívida que tínhamos com a população venezuelana, pois tínhamos muito poucos espaços para suprir suas necessidades. Aí se dão os serviços de fisioterapia em crianças e adultos, hidroterapia, termoterapia, terapia ocupacional... talvez algum me escape... e os centros de alta tecnologia que já estão em funcionamento: um total de seis nos estados Sucre, Quito, Vargas, Miranda... bom, não importa... eles prestam serviços de ressonância magnética, tomografia computadorizada, mamografia, serviço de laboratório, raio-X computadorizado e alguns deles prestam serviços de anatomia patológica também. Atualmente temos quase 40% do total e esperamos que, ao fim do ano (2006), já tenhamos todos os centros prontos em infra-estrutura – já estão por terminar –, além de estarmos acertando os detalhes com a missão cubana, através do convênio, para equipamento e pessoal. Também estamos incorporando muito pessoal venezuelano. Por exemplo, nos centros de diagnóstico e de alta tecnologia todos os trabalhadores são venezuelanos, e foram sendo incorporados como pessoal profissional de enfermaria, de radiologia, de cirurgia, de oftalmologia, de farmácia... estamos chamando agora para que todo o pessoal profissional que cumpra o perfil que se necessita nesses centros se apresente ao “Barrio Adentro II”.

Assim sendo, em pouco mais de um ano de funcionamento, o “Barrio Adentro II” já

compreende 40% da capacidade instalada planejada pelos técnicos executores das políticas do

Ministério.

En Junio de este año 2005, al inaugurar los 30 primeros Centros de Diagnósticos (CDI) y las Salas de Rehabilitación Integral (SRI) dentro de la estructura de Barrio Adentro 2, el Presidente Chávez anunció el siguiente paso: el inicio de la tercera fase de la Misión Barrio Adentro, Barrio Adentro 3. Así se dijo y así se está haciendo. Según el Presidente Chávez la crisis hospitalaria es muy profunda. Para resolverla se requiere el conocimiento cabal de las causas de esa deficiencia y una visión integral. Barrio Adentro 3 surge de la urgente necesidad de comenzar a revertir el vertiginoso descenso de la capacidad de atención hospitalaria. Refiriéndose a Barrio Adentro 3 el Jefe del Estado expresó: "será una revolución hospitalaria", destinada a garantizar salud gratuita, preventiva y de calidad al pueblo venezolano. Esta nueva fase de la Misión Barrio Adentro se inició con la conformación de un equipo de trabajo integrado por funcionarios del Ministerio de Salud, Gobernaciones, Alcaldías y especialistas cubanos invitados a colaborar. En enero de 2005 se vio la necesidad de levantar un censo para conocer la capacidad hospitalaria real que existe en el país: instalaciones, número de camas, etc. Los resultados arrojaron, por ejemplo, la falta de un 50% de camas, de acuerdo a las recomendaciones de la Organización Mundial de la Salud. (GOVERNO, 2005, online)

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Como aponta a matéria, junto à inauguração do “Barrio Adentro II” é anunciada a

construção do “Barrio Adentro III”. A coordenação dessa área no Ministério da Saúde ficará a

cargo da Coordenação Nacional para Avaliação da Tecnologia em Saúde, como detalha

melhor a coordenadora da pasta, Leonor Franco22:

Eu sou Leonor Franco de Palomo e nesse momento estou assumindo a coordenação de uma estrutura que se criou aqui no ministério que se chama Coordenação Nacional para Avaliação da Tecnologia em Saúde, para a qual o ministro deu a responsabilidade de se encarregar da coordenação nacional do Barrio Adentro III. Claro, no marco da construção do Sistema Nacional Público de Saúde, quando nasce o Barrio Adentro III imediatamente fazemos parte dele, por sermos a parte hospitalar do sistema. E com a conotação de que não estamos somente trabalhando para os hospitais do ministério da saúde, mas que também estamos trabalhando com organismos prestadores públicos como é o serviço social, o IPASME, Saúde militar e PDVSA. Nesse nível estamos integrando os esforços como um Sistema Público Nacional de Saúde. Então o Barrio Adentro III está orientado para a rede hospitalar, e começamos nosso trabalho com o processo de modernização dessas instituições, pois praticamente desde a sua fundação esses hospitais nunca tiveram renovação tecnológica e melhora de infra-estrutura. Isso fez com que eles tivessem crescido de maneira anárquica e não em função das necessidades de saúde da população. Então o Barrio Adentro III se iniciou trabalhando a necessidade de modernização dos hospitais existentes. Como rede de saúde publica temos aproximadamente 300 hospitais, e por isso dividimos o projeto em três grandes etapas, e nessa primeira etapa – que é a que estamos trabalhando no momento – estamos incluindo 44 hospitais de toda a rede, com a característica de que estes são os maiores hospitais da Venezuela e neles se concentram 60% dos leitos da rede hospitalar. Estamos incluindo logicamente hospitais de todos os estados, mas em alguns estamos incluindo 1 e em outros 2, 3, 4 ou 5, depende da sua extensão geográfica e da densidade de população. Essa experiência tem sido bem importante, pois é um processo de aprendizagem na construção de um nível de assistência que até hoje estava abandonado do ponto de vista tecnológico e de recursos humanos, e que na realidade é o nível mais crítico, já que nos hospitais se acodem as pessoas que geralmente estão doentes ou cuja vida corre algum tipo de perigo, e por isso esta é uma arena muito complexa.

Ainda descreve:

Há um aspecto importante que nesse momento estamos pensando, que tem a ver com a oferta dos serviços da rede hospitalar... O nosso último hospital foi construído há 28 anos, com uma população que praticamente duplicou desde então. Quando fazemos uma relação do número de leitos por habitante há um grande déficit de leitos e serviços nessas ofertas hospitalares. No “Barrio Adentro II” estamos cobrindo um déficit que tem a ver com as emergências 24 horas porque com os centros diagnósticos vamos ter essas emergências, e estamos cobrindo também a necessidade de terapia intensiva – em relação à qual temos nesse momento um grande déficit: temos umas 500 camas públicas para 28 milhões de habitantes, o que é uma oferta muito pequena – e com os centros diagnósticos estamos abrindo esse atendimento e o de emergências. Isso fará com que se flua melhor, pois muito dos hospitais estavam sendo utilizados para o atendimento de emergências, e com emergência em toda a rede do “Barrio Adentro II” poderemos ter mais livres os hospitais. Estamos também trabalhando nos equipamentos de áreas críticas como

22 Leonor Franco, Coordenação Nacional da Missão Barrio Adentro II. Entrevista concedida em 11 de Agosto de 2006.

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emergência, terapia intensiva (...) e estamos trabalhando com dois serviços básicos dos hospitais como cozinha e lavanderia. Estamos incluindo também os hospitais de traumatologia que são a grande demanda que temos aqui e poderemos atender a boa parte da população. Nesta primeira etapa estamos no processo de aquisição dos equipamentos e estamos utilizando o apoio de Cuba quanto a sua experiência na aquisição dos mesmos – que pôde sobreviver mesmo a 40 anos de bloqueio –, e também estamos fazendo com eles equipes de alta tecnologia, que são as melhores ofertas que temos no mercado internacional nesse momento, são tecnologias de ponta fundamentalmente européias e asiáticas. Já estamos em processo de preparar a chegada dos equipamentos, e nós esperamos que decorra um ou dois meses para podermos utilizá-los. Paralelamente estamos trabalhando com o tema da capacitação dos trabalhadores, pois queremos que quando os equipamentos cheguem já tenhamos pessoas preparadas para sua utilização, e estamos trabalhando com o tema da manutenção produtiva e preventiva, o que significa que estamos queremos dois anos de capacitação para sermos autônomos e podermos ter uma equipe capaz de dar manutenção aos equipamentos nós mesmos. (Leonor Franco, 2006)

Assim sendo, o início da construção do “Barrio Adentro III” se dá em junho de 2005, e

neste pouco mais de um ano de duração se busca a reconstrução da estrutura hospitalar através

da ampliação dos investimentos e do resgate do sistema já existente. Dessa mesma maneira

vai se deu, em Agosto de 2006, o anúncio da construção do “Barrio Adentro IV”. Na ocasião

de inauguração do “Hospital Cardiológico Infantil”, o presidente Chávez, ao vivo do

programa Alô Presidente, anunciou o hospital como a inauguração do novo nível de atenção,

altamente especializado, do programa “Barrio Adentro”.

Há um aspecto importante do debate que gira em torno do SPNS, que é a questão da

descentralização. Há uma tendência clara de “recentralização” do Sistema de Saúde, assim

como anunciado junto à nova fase do “Barrio Adentro III”:

El Presidente Chávez afirmó además que el Programa Barrio Adentro III tiene como uno de sus objetivos fundamentales revertir el proceso de descentralización hospitalaria. Comentó Chávez que no puede haber “un sistema municipal ni regional de salud aislado del nacional”. Precisó que en Venezuela “ahora es que se adelanta el proceso de construcción de un Sistema Nacional Público de Salud para lo cual una de las herramientas clave es Barrio Adentro III”, que está elaborado en su primera fase. (ABN, 2005, online)

O ponto de vista que se assume sobre a descentralização dos serviços de saúde é

bastante distinto daquele que aponta a necessidade inquestionável da mesma. Para Robert:

No artigo 180 dizemos que as comunidades organizadas que demonstrem capacidade podem gerir serviços tanto de saúde como de educação. Nós acreditamos no poder popular, e o poder popular é, para nós, a verdadeira descentralização. Um consultório popular que esteja em um bairro/comunidade e a comunidade demonstre

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a capacidade de gerir esses serviços, é aí onde está a verdadeira municipalização e a verdadeira desconcentração. Porque nós acreditamos na Constituição e pela nossa formação socialista cremos que o poder popular é o verdadeiro poder de gerir os serviços de educação e de saúde. (Robert Rodríguez,2006)

Essa é a compreensão que, ao mesmo tempo, não deixa de garantir uma maior

proximidade do sistema à população, mas que não trabalha com o paradigma da

descentralização entre as distintas esferas de governo. Essa é mais uma das influências

claramente oriundas do livro de FEO, que afirma que:

Por supuesto no concebimos a la descentralización como una panacea para resolver los problemas, y recordamos que en muchos países ha sido usada como estrategia para debilitar los servicios y proceder a su privatización. Sin embargo, para nosotros la descentralización es una estrategia clave para la redistribución del poder y la democratización de la estructura política. Para promover la participación de la sociedad organizada y desarrollar nuevos modelos de gestión, que incrementaran la eficiencia y calidad de los servicios de salud. Proponemos la descentralización del sector salud, colocando el acento no en la transferencia de competencias, sino en la democratización de la estructura sanitaria y en la participación de la sociedad organizada. (FEO, 2003, p. 18)

O tema da participação popular no sistema de saúde será o nosso objeto no próximo

capítulo. É importante destacar, no entanto, que há essa visão distinta de descentralização

iluminando os debates sobre o “Barrio Adentro” e o SPNS.

Com a efetiva construção do SPNS através da consolidação do “Barrio Adentro” em

suas versões I, II, III e agora também IV, a saúde na Venezuela anda a passos largos em

direção a uma ampla reforma do seu sistema. Algumas questões ainda bastante relevantes

precisarão ser solucionadas através da definitiva aprovação da Lei Orgânica de Saúde,

elemento central para garantir um eixo político e operacional ao sistema.

Pode-se destacar, especialmente, a unificação dos sistemas em um único, visto que,

anteriormente, o setor da educação, o setor de servidores da PDVSA e o militar tiveram a

garantia de seus próprios sub-sistemas de saúde. A idéia agora é unificá-los na construção do

SPNS, para a implementação de um sistema universal, integral, intersetorial e participativo.

Para a compreensão do significado e do alcance disto, é chegada a hora de detalharmos a

proposta de Lei Orgânica que está subsidiando hoje em dia os debates sobre o tema.

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2.4. A PROPOSTA DE LEI ORGÂNICA

As bases para o desenvolvimento da natureza jurídica e do modelo organizativo do

Sistema Público Nacional de Saúde estão estabelecidas na Constituição de 1999, conforme já

constatado por nós. Este é o marco legal que permitiu a formulação de uma proposta de Lei

Orgânica de saúde, que vem sendo debatida desde a promulgação da Constituição.

Dessa forma, houve mais de cinco propostas distintas de lei orgânica que circularam

desde esse período e as mesmas impulsionaram longos debates que culminaram na

modificação das versões apresentadas.

Há uma proposta circulando com a qual tomamos contato no dia 17 de Agosto de

2006, quando participamos de uma longa discussão sobre a mesma, em conjunto com as

organizações populares de saúde. Este debate foi chamado pela sub-comissão de saúde da

Assembléia Nacional, e tratou-se de um convite aos Comitês de Saúde à jornada de “análise

do projeto de lei de saúde”, solicitação inscrita no marco da consulta popular

“Parlamentarismo Social de Calle” 23, implementado pela Assembléia Nacional. Os deputados

Rafael Rios e Julio César Alviarez foram os encarregados de expor as motivações da lei e

apresentar a proposta de redação para discussão.

A exposição sobre a proposta esteve baseada em um diagnóstico que o deputado Julio

César Alviarez apresentou para a reunião com os comitês:

[...] Vocês já pensaram como vai ser resolver o problema de saúde? Qualquer coisa, não? Depois de tantos e tantos anos de aprofundamento do abandono e de ataque ao Sistema Público de Saúde. É claro para todos que esse abandono foi profetizado pelos representantes do interesse próprio que queriam implementar aqui uma seguridade e uma saúde privadas... neoliberalismo puro, importando do exemplo que temos do Chile. E esse é o grande problema: é que foi atacado o setor público para facilitar a privatização. E tudo o que temos aqui é parte desse processo de destruir a saúde como direito para poderem privatizar... uma concepção medicalizada, os interesses corporativos, a fragmentação entre as instituições do Estado, o modelo de atenção de saúde inadequado, um sistema gerencial ineficiente... disso todos nós sabemos... os serviços desarticulados e evidentemente a ausência de um sistema de informação – e a informação é muito importante porque queremos que o sistema de saúde possa fazer uma boa planificação.

23 “Parlamentarismo social de rua”, tradução nossa.

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Então, mais ou menos uma imagem do que está acontecendo aqui na saúde há algum tempo, é o Ministério por um lado, o da Seguridade Social por outro, as prefeituras, os governos, o IPASME, os militares... e isso se chama de sistema. Ou seja, não há sistema, o que temos são serviços, uma fragmentação de instituições umas separadas das outras, cada uma com sua própria política, estratégia... então tudo isso é parte do que influenciou sobre a mudança na qualidade de prestação dos serviços de saúde e a garantia da saúde como direito dos cidadãos.

A exposição do projeto de lei terá, portanto, este diagnóstico como importante

preâmbulo. No seu texto, a proposta define que o objeto da lei é regular o direito

constitucional à saúde “como parte do direito à vida e todo o relacionado com a saúde

integral da pessoa e da coletividade de acordo com o disposto na Constituição, na lei

orgânica do Sistema de Seguridade Social e em tratados, pactos e convênios subscritos e

ratificados pela República da Venezuela” (ANTEPROJETO DE LEI ÔRGÂNICA DE

SAÚDE, 2006); regular os direitos e deveres das pessoas em matéria de saúde; estabelecer a

organização do Sistema Público Nacional de Saúde; regular e controlar as atividades públicas

e privadas em matéria de saúde.

Do ponto de vista da concepção de saúde, a proposta versa:

Artículo 3. La salud es el estado de completo bienestar físico, social y mental, se manifiesta como la condición individual y colectiva de calidad de vida y bienestar. La salud es el resultado de condiciones materiales, psicológicas, culturales, determinantes sociales, ambientales y biológicos, y de la organización y funcionamiento del Sector Salud. Su realización define la condición de estar y permanecer sano, ejerciendo cada cual a plenitud sus capacidades potenciales a lo largo de cada etapa de la vida. La salud se considera de relevancia pública, adquiriendo supremacía en todas las políticas nacionales y sobre cualquier acción que pueda contribuir a generar capacidades, medios y condiciones para garantizar su pleno ejercicio como derecho, sujetándose a la rectoría del Estado. El Estado utilizará la atención primaria en salud, como estrategia para garantizar el derecho a la salud, elevar la calidad de vida, el bienestar colectivo y el acceso universal y equitativo a condiciones, recursos y servicios de salud, respondiendo a las necesidades sociales de toda la población, según sus diferentes expresiones en grupos humanos, territorios y categorías sociales y acercando la atención en salud al lugar donde la gente vive y trabaja. (ANTE- PROJETO DE LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006)

Este artigo, em especial, significa um avanço com relação ao que define a concepção

de saúde na Lei Orgânica de 1998. A mesma definia: “se entiende por salud no sólo la

ausencia de enfermedades sino el completo estado de bienestar físico, mental, social y

ambiental.” (LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 1998). A nova proposta amplia a concepção de

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saúde, não só do ponto de vista de considerar seus determinantes sociais (o que já era

realidade na lei anterior), mas do ponto de vista de entender a concepção de saúde também

como conseqüência da organização do sistema do setor saúde. Dessa forma, frisa que ela é

uma matéria de relevância pública e que deve adquirir supremacia em todas as políticas

nacionais, garantindo sua gestão através do Estado. A lei ainda coloca enfaticamente a

priorização da atenção primária à saúde.

Segundo ela o Sistema Público e Nacional de Saúde deverá reger-se pelos princípios

de universalidade, eqüidade, solidariedade, gratuidade e participação. Para além destas

características, bastante “auto-descritivas”, está a última delas, qual seja: a pertinência cultural

e lingüística. Este princípio insere a compreensão de que “as políticas, planos, serviços e

programas de saúde desenhar-se-ão e serão executados considerando a diversidade cultural

nacional e adequando-se ao caráter multiétnico, pluricultural e multilingüe do

Estado.”(ANTEPROJETO DE LEI, 2006, tradução nossa).

Artículo 6. Las políticas y programas de salud valorarán la cosmovisión y las prácticas de medicina tradicional de cada pueblo y propiciarán la inclusión de éstas como parte de los programas y servicios de salud, especialmente en aquellos estados con población indígena. Asimismo, fomentarán el empleo de los idiomas indígenas en la atención de salud, mediante la presencia de personal e interpretes que faciliten la comunicación con las personas, familias y las comunidades. Las instituciones del Sistema Público Nacional de Salud se ajustarán a las organizaciones e instituciones tradicionales indígenas y promoverán la adecuada capacitación del personal de salud para la atención de los pueblos y comunidades indígenas (ANTEPROJETO de LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006).

Para tanto, a lei garante à população indígena o uso de sua medicina tradicional. O

programa de saúde dirigido à população indígena está compreendido, hoje, na “Missão

Guaicaipuro”, e, dentro do SPNS, um artigo do projeto de lei versa sobre o respeito e a

execução das necessidades específicas destes povos.

Artículo 5. Los pueblos indígenas tienen derecho al uso de sus medicinas tradicionales y prácticas terapéuticas, como parte de los procesos de preservación y restitución de la salud. Este derecho incluye la protección de plantas, animales y minerales empleados para tales fines. Este derecho no menoscabará el derecho de estos pueblos al acceso, sin discriminación alguna, a todas las instituciones, establecimientos, servicios y programas de salud. El Estado garantizará la conservación y regulación de la medicina tradicional indígena y sus terapias complementarias y con sujeción a principios bioéticos regulará la investigación en

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estas áreas, sin perjuicio del derecho a la propiedad intelectual colectiva de estos pueblos en lo concerniente a estos saberes. La medicina tradicional indígena comprende el conjunto de ideas, creencias, mitos y procedimientos, relativos a las enfermedades físicas, mentales o desequilibrios sociales en un pueblo determinado. Este conjunto de conocimiento explica la etiología y los procedimientos de diagnóstico, pronósticos, curación, la promoción y prevención de las enfermedades. Se transmiten por tradición, de generación en generación dentro de los pueblos y comunidades indígenas. Se fomentará el aporte de la medicina tradicional indígena, dentro de la visión de interculturalidad, al fortalecimiento de la atención integral de salud de toda la población. (ANTEPROJETO de LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006).

A proposta de lei também compreende a necessidade do enfoque de gênero nos

serviços do Sistema Público Nacional de Saúde.

A responsabilidade de gerir o SPNS será do Ministério com competência em matéria

de saúde – no caso atual, o Ministério da Saúde –, representando o executivo nacional. A seu

cargo estarão as tarefas de formulação, execução, seguimento e avaliação das políticas e

estratégias em saúde, e a coordenação entre os órgãos e entes públicos vinculados diretamente

ou indiretamente à saúde.

É criada, em cada estado, uma Unidade Estatal de Saúde subscrita ao Ministério da

Saúde. Tal unidade deverá, junto ao governo estadual, encarregar-se da matéria de execução

das políticas de saúde. As deliberações e definições quanto às mesmas são objeto dos

Conselhos Estaduais de Saúde, que também são criados na nova legislação. Do ponto de vista

municipal, serão divididos os estados e o distrito capital em “áreas distritais de saúde”,

geridas por uma Unidade Distrital de Saúde.

Cada Distrito de Salud está gestionado por la Unidad Distrital de Salud, adscrita a la Unidad Estadal de Salud. La organización y funcionamiento de las unidades distritales de salud se establecerán en el reglamento interno que el ministerio con competencia en materia de salud dicte al respecto. La Unidad Distrital de Salud tendrá competencias exclusivas en materia de salud en el Distrito de Salud. (ANTEPROJETO DE LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006)

Cada unidade distrital de saúde também será submetida, em teor de deliberação, aos

Conselhos Distritais de Saúde, cuja criação também se encontra estabelecida na legislação. As

competências e a conformação dos mesmos, assim como as demais modalidades de

participação e controle social, serão vistas com maiores detalhes no próximo capítulo, onde

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trataremos mais especificamente da temática da participação em saúde.

No que diz respeito ao financiamento, o SPNS contará com financiamento “solidário e

integrado”. Ele compreende: as cotizações ao regime de prestação de saúde; as transferências

do regime de prestação de seguridade e saúde do trabalho para atendimento aos seus

beneficiários prestado pelo SPNS; os aportes do Estado ao SPNS; os aportes dos estados e

municípios ao SPNS; os ingressos de taxas e multas recebidas pelas atividades de controle

sanitário; os ingressos por imposição de sanções, multas e outros diferentes das oriundas do

controle sanitário; os aportes para saúde, provenientes de cooperação financeira internacional

de caráter público acordada pelo país; doações e demais fontes lícitas de recursos e qualquer

outro recurso que derive da aplicação dessa lei. Além disso, se proíbe – parcialmente – a

participação direta ou indireta de empresas privadas ou de capitais estrangeiros no SPNS:

Está prohibida la participación directa o indirecta de empresas privadas o de capitales extranjeros en el Sistema Público Nacional de Salud, salvo a través de donaciones y préstamos de organismos internacionales vinculados a organizaciones de las Naciones Unidas, y de entidades de cooperación técnica o financiera, previa aprobación del ministerio con competencia en materia de salud, en coordinación con el ministerio con competencia en relaciones exteriores. (ANTEPROJETO DE LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006).

A integração dos recursos será realizada através do Fundo Nacional de Saúde do

SPNS, que fica criado no artigo 104 deste anteprojeto de lei. Estes recursos só poderão ser

aplicados no SPNS, conforme estabelecido no seguinte artigo:

Los recursos financieros del Fondo Nacional de Salud sólo podrán utilizarse para el financiamiento de los programas y servicios de salud que se presten en el Sistema Publico Nacional de Salud, a través del ministerio con competencia en materia de salud, para lo cual deberán seguirse criterios de asignación con base en los planes nacionales, estadales y municipales de salud, fomentando la equidad y los principios que rigen el Sistema Público Nacional de Salud. (ANTEPROJETO DE LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006).

A oferta de serviços de saúde se organizará sobre a modalidade de redes de saúde,

distribuídas em função de níveis de atenção. Os estabelecimentos serão classificados,

organizados e planificados de acordo com o grau de complexidade, cobertura geográfica,

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setorização populacional, território social, capacidade resolutiva, área de competências e

outros. Os estabelecimentos prestadores de serviços ao SPNS são:

Son establecimientos prestadores de servicios y programas de salud los consultorios populares, las clínicas populares, los centros de diagnóstico integral, los hospitales, las salas de rehabilitación integral, los centros de alta tecnología y otros servicios públicos debidamente registrados, creditados y habilitados en el Sistema Público Nacional de Salud. (ANTEPROJETO DE LEI ORGÂNICA DE SAÚDE, 2006).

Para efeito da transferência dos serviços de saúde ao SPNS para gestão do Ministério

da Saúde, está prevista a criação de uma comissão nacional de transferência, além de

comissões para transferências estaduais. Estas comissões apoiarão o ministério na

planificação, coordenação e execução da transferência desses estabelecimentos prestadores de

serviços públicos de saúde a este ministério.

Apesar de já constar, através do programa “Barrio Adentro”, a criação de um Sistema

Nacional de Informação em Saúde, este está mais detalhado no anteprojeto de lei. Aquele

deverá ser, segundo este, integrado ao Sistema de Informação da Seguridade Social e deve ser

o instrumento de registro, análise e avaliação da informação relacionada à saúde.

A proposta de Lei Orgânica de Saúde e a sua posterior aprovação podem ser

consideradas, na verdade, como o corolário de mudanças já concretizadas no setor saúde,

mais especificamente, de 2003 até hoje. Apesar das intenções já dispostas na Constituição,

será através do programa “Barrio Adentro” que se vai experimentar a efetivação das novas

estruturas do SPNS.

O período de debate da lei é, portanto, muito importante. Será através dela que

poderão ser superados e integrados o sistema anterior e o novo em um Sistema Público de

Saúde. Entre os debates estão calcados os relativos à superação do paralelismo entre os

sistemas de saúde e a problemática da transformação da estrutura existente para a construção

desta nova institucionalidade.

Portanto, nas palavras de HEREDIA (2006), o que está colocado agora é uma situação

de elevada complexidade, onde se encontra em debate aquilo que se deve suprimir, conservar

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e superar no sistema de saúde. No marco de uma construção dialética, este debate deve

resultar em uma síntese que expresse os objetivos do novo SPNS.

2.5. CEPAL X OPAS – BREVE MOMENTO ANALÍTICO

Do ponto de vista do debate político dois documentos são emblemáticos quando se

trata de avaliar as mudanças na Venezuela. O primeiro documento é da CEPAL, e foi

preparado por Marino González no âmbito do projeto “Reformas dos sistemas de saúde na

América Latina”, publicado pelas Nações Unidas. Sua proposta é a de fazer um balanço e

traçar perspectivas para as reformas do sistema de saúde na Venezuela de 1987 a 1999. O

segundo documento é um informe da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre as

modificações no setor saúde pós-Constituição de 1999.

O primeiro documento aponta o novo marco político e constitucional (fundado em

1999 com a nova Constituição) como um processo de notórios avanços, mas, ao mesmo

tempo, indica que a Constituição introduz restrições que podem debilitar a implementação de

uma reforma moderna no setor (CEPAL, 2001). Ressalta, para tanto, quatro delas:

a) A inclusão da gratuidade como um dos vetores do sistema público nacional de saúde; b) O estabelecimento de que o sistema público nacional de saúde será gerido pelo Estado; c) A integração do sistema público de saúde ao sistema da seguridade social; d) A inclusão sobre a propriedade estatal dos serviços de saúde;

O documento avalia que, (a) o estabelecimento da gratuidade influenciará no

desenvolvimento de visões de financiamento pouco compatíveis com a realidade e as

limitações das finanças públicas; (b) tece uma crítica à limitação de associação entre o setor

público e o privado, especialmente na prestação de serviços; (c) compreende que esta

integração possa ser um limitante para a reforma porque obriga a estabelecer um âmbito

muito mais amplo e, portanto, mais complicado do ponto de vista político; (d) a propriedade

estatal limita a possibilidade de co-gestão e transferência de serviços ao setor privado. Ainda

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recomenda a necessidade do estabelecimento de acordos “para-constitucionais” que permitam

dar viabilidade a uma “reforma modernizadora”.

O segundo documento, da OPAS, limita-se a um informe sobre a situação do setor

atualmente – após a constituição de 1999. Considera a mesma como: “um processo de

transição política, jurídica, econômica e social com o propósito de pôr em marcha um novo

modelo de desenvolvimento onde se fortaleça o sistema democrático, se logre uma sociedade

mais justa e se consolide uma economia diversificada e eficiente em meio à globalização”.

(OPAS, online, tradução nossa).

Nesse mesmo sentido, o documento da OPAS ainda destaca que as recentes

modificações permitiram a formulação de uma série de instrumentos legais com o objetivo de

fortalecer a participação comunitária, além da elaboração de um anteprojeto de lei orgânica

que tem por objetivo a garantia do direito à saúde de todas as pessoas.

Para a OPAS, o cenário produzido pelas novas políticas representa uma excelente

oportunidade para colocar em prática a promoção da saúde. De toda forma, ressalta

debilidades do processo no sentido de fortalecê-lo. E propõe:

a) Assegurar uma estrutura operativa que contemple a formação de capital humano, coordenação intersetorial e intergovernamental, assim como instrumentos de avaliação de resultados; b) Destaque especial aos sistemas de registro e informação em vigilância em promoção de saúde, construindo indicadores positivos que permitam avaliar as ações dessa área; c) Colocar em andamento a “proposta de participação em saúde e desenvolvimento”. Nesse sentido devem-se estabelecer estratégias para fazer operativa a transformação das comunidades em participantes ativos das decisões que afetam seu desenvolvimento.

Em linhas gerais podemos analisar o enfoque diferenciado de avaliação das mudanças

em curso na saúde pela posição dos dois documentos. Apesar dos dois textos enxergarem

avanços no processo atual e na carta constitucional de 1999, são paradigmáticas as diferenças

de interpretação quanto aos seus desdobramentos. Eles partem, sem sombras de dúvidas, de

uma avaliação política bastante distinta.

Enquanto o documento da CEPAL parte de uma agenda propositiva no campo das

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políticas de reforma modernizadoras de cunho neoliberal, pregando a parceria “público-

privado” e a possibilidade de privatização e de cobrança de serviços, o documento da OPAS

avalia a necessidade de se avançar na estruturação de uma política universalizante, pública,

gerida pelo Estado e com participação popular.

As diferenças entre as duas avaliações revelam a polêmica aberta do ponto de vista das

possibilidades de inflexão na agenda das políticas sociais. Agenda esta que coloca em

questão, justamente, o caminho pregado pelas propostas de ajuste estrutural, que vêem na

minimização do Estado a solução viável para os países do subcontinente.

A prerrogativa aberta e acompanhada por outros países expôs as diferentes

possibilidades de política social outrora desacreditadas. Há que se considerar as possibilidades

econômicas que facilitam a execução dessas mudanças: no entanto, é preciso lembrar que,

anteriormente, a Venezuela seguia a mesma pauta política neoliberal, independente das

possibilidades de caminhos alternativos colocadas.

Nesse sentido é que afirmamos que as opções sobre os rumos políticos que deverão

nortear as políticas sociais – claramente expressas, na Venezuela, pelas discussões

apresentadas sobre o Sistema de Saúde – são muito mais opções políticas do que,

propriamente, uma única alternativa a ser seguida.

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CAPÍTULO 3. PARTICIPAÇÃO E PROTAGONISMO POPULAR NA VENEZUELA

A participação em saúde na Venezuela nos tenta a afirmar que sua origem remete ao

processo de execução da missão “Barrio Adentro”. A pesquisa de campo, no entanto, nos

sugeriu o contrário: a formação de comitês de saúde na Venezuela, embora não fosse uma

prática difundida tal como o é hoje em dia, teve início mais de duas décadas antes da

consolidação da Constituição de 1999, que hoje marca a sua trajetória.

De toda forma, o processo de participação política atualmente existente tanto

potencializou a participação em saúde como, a nosso ver, está pautado na construção de uma

participação política no sentido amplo, qualificando as possibilidades de participação.

A organização popular de comitês de terra, saúde, educação, água, cultura, veículos e

comunicação – entre outros –, já enunciada nos capítulos anteriores, é o elemento central

desse processo. Soma-se a ela, ainda, a participação – através do voto – em referendos e

plebiscitos sobre grandes temas político-sociais; os meios alternativos comunitários, que

incluem rádios, televisão, impressos e veículos virtuais; o Orçamento Participativo, que é um

dos elementos centrais da Lei Orgânica do Poder Público Municipal, e está sendo organizado

em vários municípios; as iniciativas de consulta popular tomadas pela Assembléia Nacional e

pelas Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas, onde há um período de consulta e

debate das novas legislações; as instâncias de controle social que estão expressas através de

Conselhos; as instâncias de co-gestão entre governo e sociedade; as instâncias de autogestão

que são, finalmente, os comitês. Cumpre papel de destaque, também, a mais recente

“novidade” no quesito participação, que são os conselhos comunais, instâncias de poder local

eleitas através da organização direta da população.

Portanto, esse é o tema que buscaremos aprofundar neste capítulo: a construção da

participação protagônica e política na sociedade venezuelana, vista através da lente da

experiência particular da área de saúde.

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Observaremos inicialmente o processo em saúde, para, em seguida, definir conceitos

que instrumentalizem a compreensão dessa realidade e auxiliem no debate da hipótese

sugerida por este trabalho.

3.1. FORMA DE PARTICIPAÇÃO: EIS A QUESTÃO

Apesar do Sistema de Saúde da Venezuela ainda ser regido pela Lei Orgânica de

1998, é fato que a missão “Barrio Adentro” significou uma gama de mudanças que se

assemelham a uma reforma do sistema. No quesito da participação, a lei que – ainda

atualmente – rege formalmente as demandas sobre a saúde somente citava a questão quando

apresentava a definição do princípio da participação que se propunha a incorporar:

Principio de Participación: Los ciudadanos individualmente o en sus organizaciones comunitarias deben preservar su salud, participar en la programación de los servicios de promoción y saneamiento ambiental y en la gestión y financiamiento de los establecimientos de salud a través de aportes voluntarios. (LEY ORGÁNICA DE SALUD, 1998)

Dessa forma, apesar de incorporar o princípio, a legislação sequer citava os espaços e

a forma de influência que a população poderia exercer sobre o sistema de saúde. A idéia de

participar “individualmente” ou em suas “organizações comunitárias” não significou, de fato,

uma incorporação do princípio participativo ao setor.

A composição do Conselho de Saúde, estabelecida pela mesma legislação, teve

caráter consultivo e de assessoria, contando em sua composição com altos cargos do

Executivo, sendo eles o Ministro da Saúde e os Diretores Gerais de todos os demais

Ministérios.

A partir da Constituição de 1999, que estabelece a participação popular como um

elemento fundamental das políticas sociais a serem implantadas, os primeiros passos para a

consolidação da participação dos cidadãos no setor saúde foram delineados na Lei Orgânica

da Seguridade Social.

Artículo 14. El Sistema de Seguridad Social garantizará, en todos sus niveles, la participación protagónica de los ciudadanos, en particular de los afiliados, trabajadores, empleadores, pensionados, jubilados y organizaciones de la sociedad

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civil, en la formulación de la gestión, de las políticas, planes y programas de los distintos regímenes prestacionales del Sistema de Seguridad Social, así como en el seguimiento, evaluación y control de sus beneficios y promoverá activamente el desarrollo de una cultura de la seguridad social fundamentada en una conducía previsiva, y en los principios de solidaridad, justicia social y equidad. Las leyes de los regímenes prestacionales del Sistema de Seguridad Social y sus reglamentos, fijarán las modalidades en las que participarán los ciudadanos amparados por esta Ley. (LEY ORGÁNICA DEL SISTEMA DE SEGURIDAD SOCIAL, 2002)

E, ainda:

Artículo 55. Es obligación de todos los poderes públicos, de los diferentes entes prestadores de salud públicos y privados, y de la sociedad, garantizar el derecho a la salud, su protección y cumplimiento. En virtud de su relevancia pública, las comunidades organizadas tienen el derecho y el deber de participar en la toma de decisiones sobre la planificación, ejecución y control de políticas especificas en las instituciones públicas de salud. (LEY ORGÁNICA DEL SISTEMA DE SEGURIDAD SOCIAL, 2002)

Estes artigos, por mais que ainda venham a ser complementados pelas leis específicas

dos regimes de prestação atribuídos ao Sistema de Seguridade Social, significam uma

mudança na qualidade do entendimento do papel da participação. Eles firmam a

obrigatoriedade dos poderes públicos – e não tão somente uma visão individual ou

comunitária – em conceber os canais de expressão popular, e ressaltam a participação como

direito, mas também como dever do cidadão. Partilham as responsabilidades e afirmam a

necessidade de se criarem canais e espaços de expressão da participação popular.

Daí em diante, amparada pelas diretrizes de participação já expostas na lei de

Seguridade Social e antes mesmo da aprovação da Lei Orgânica de Saúde – que, como vimos

no capítulo 2, se encontra em pleno debate –, a Missão “Barrio Adentro” expressará na

organização popular um dos seus pilares fundamentais.

El gran cambio está en la definición del modelo político de la nueva república como democrático-participativo y protagónico, escenario en el cual deberá construirse la corresponsabilidad entre los ciudadanos y el Estado. Según esta concepción, la política social debe tener como finalidad capacitar, preparar y garantizar la salud, el trabajo, la educación, la seguridad social, la vivienda. En fin, construir una ciudadanía de contenido social. Sin embargo, y pese a lo anterior, el Estado social es definido en la nueva Constitución como ente que tiene un conjunto de obligaciones para con los ciudadanos, con el objetivo de lograr la justicia social. Se entiende al Estado como espacio participativo donde la sociedad ejerce igual poder en los asuntos públicos, de igual manera crecen sus obligaciones y responsabilidades sociales para con los ciudadanos, con lo cual no es de extrañar que se pueda justificar la concentración de poder y el desequilibrio entre los poderes estatales. (MAINGON, 2004)

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Segundo a perspectiva adotada por MAINGON (2004), verifica-se que a concepção de

participação está pautada em uma concepção de República, de um regime democrático e

participativo alicerçado na co-responsabilidade entre Estado e cidadãos, e no protagonismo

popular.

O processo que se desenvolve na área de saúde tem em sua origem a consolidação dos

comitês de saúde no princípio do “Barrio Adentro”, que será o ponto central do enraizamento

político e social dessa iniciativa.

No início do programa “Barrio Adentro” muitas eram as discordâncias que se

evidenciavam, especialmente no que diz respeito ao acordo que firmava o convênio com

médicos cubanos. A falta de infra-estrutura de atendimento e a premente urgência de

legitimação da atividade dos médicos criariam, por mais que isso seja controverso, as

condições ideais para a construção do programa calcado em um formato um tanto “de

improviso”, mas, ao mesmo tempo, com perfil altamente participativo.

Sobre o princípio desta experiência e suas influências, contamos com o depoimento de

Pedro Alcalár24:

Ao menos sobre os comitês de saúde que surgiram no “Barrio Adentro”, pode-se dizer que estão em consonância com a experiência de participação em Cuba. Os cubanos não têm comitês de saúde, mas os comitês de defesa da revolução, e aqui ficamos com os comitês de saúde... originalmente, no projeto do presidente da república como militar, dentro de sua estrutura organizativa estavam já como comitês de saúde... com o desenvolvimento do processo se fortaleceram os comitês de saúde ao calor dos consultórios populares e do “Barrio Adentro”... hoje em dia já surgiram também aqueles que não estão ligados aos consultórios, mas que têm livre iniciativa dos cidadãos. (Pedro Alcalar, 2006)

As dificuldades observadas quanto à legitimidade dos médicos cubanos foram

folgadamente superadas, especialmente após a organização dos comitês de saúde:

Os médicos cubanos, quando chegaram, atendiam a principio cerca de 150 / 200 famílias. Mas no princípio foi muito difícil porque as pessoas não estavam acostumadas... e então pouco a pouco nós fomos fazendo o censo... e todas as

24

Coordenador da Escola de Nova Cidadania, do Instituto de Altos Estudos em Saúde Pública (IAES), em entrevista concedida em 28 de agosto de 2006.

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pessoas que não aceitavam os médicos por serem cubanos, hoje em dia desfrutam do atendimento. E o importante é perceber que nunca vão te perguntar quem você é, o atendimento é igual para todos.25 (Chino, 2006)

Segundo Carmem Márquez26, em consonância com boa parte das declarações ouvidas

por nós, o processo de consolidação do “Barrio Adentro” teve como sustentação fundamental

o apoio e a participação da população organizada:

Bem, fundamentalmente depois da Constituição o mais importante na área de saúde foi a implementação do “Barrio Adentro”, e a população foi muito importante para garantir essa execução. Em princípio eles mesmos alojaram os médicos cubanos em suas casas, as casas de muitos se converteram em consultórios populares, porque não tínhamos toda a estrutura necessária para atender às comunidades mais pobres, e o “Barrio Adentro” dá prioridade a esses bairros. Bem, e a população se articulou para dar toda a logística, a habitação, a segurança e tudo mais... desta forma é que conseguimos avançar. Há 3 anos não tínhamos os consultórios construídos e a população é que garantiu essa formação. A comunidade, junto aos médicos, levantou todas as informações, fizeram um diagnóstico muito preciso para mapear quais eram nossas necessidades e para onde precisaríamos nos focalizar. Os comitês de saúde, então, nascem junto ao “Barrio Adentro I” como estrutura organizada, mas de qualquer forma a comunidade estava se organizando com outras expressões antes mesmo do processo constituinte. Por isso te digo que esse foi um grande amadurecimento e hoje estimamos ter mais de oito mil comitês de saúde em todo o país... Isso é muito importante porque também expressa aquilo que temos de organizado como SPNS. (Carmem Márquez, 2006)

Portanto, parece pertinente afirmar que a participação popular foi o instrumento

primordial da legitimidade conferida ao “Barrio Adentro”, pois em meio a uma forte disputa

política – especialmente pela mesma ter se dado junto ao setor profissional dos médicos – a

aceitação do programa deveu-se, em muito, ao empenho dos comitês de saúde e ao alcance de

suas iniciativas.

Um segundo aspecto importante a ser ressaltado é que, apesar de solidificados e

expandidos a partir desse momento, os comitês de saúde na Venezuela já tinham, mesmo que

de forma localizada, alguns anos de vida. Assim nos descreve Pedro Alcalár27:

Aqui no país nós temos experiências de 25 a 30 anos atrás de comitês de saúde, mas muito pontuais. Eram comitês de saúde que se formavam com cidadãos e tinham uma experiência muito pontual...não tinham um maior nível de organização e expansão ou massificação. Primeiro porque essa forma de organização era mal vista

25

Chino, membro do comitê de saúde da paróquia “la pastora”, no município de Caracas. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006. 26

Carmem Márquez, Coordenação Metropolitana do Barrio Adentro em Caracas. Entrevista concedida em 16 de Agosto de 2006. 27 Coordenador da Escola de Nova Cidadania, do Instituto de Altos Estudos em Saúde Públicas (IAES), em entrevista concedida em 28 de Agosto de 2006.

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pelas autoridades daquele momento. Eram formações de gente “radical”, de esquerda que eram vistos como conspiradores... portanto, há experiências anteriores, mas são muito pontuais... em Petare, por exemplo, eu conheço experiências de mais de 25 anos de comitês de saúde que vieram se mantendo. Bem, mas quando começou a missão “Barrio Adentro” e os consultórios populares, começaram a trazer as experiências de comitês de saúde e eles começaram a se proliferar, e foi quando começou a se massificar e hoje temos esse grande movimento, com mais de 9250 comitês de saúde... (Pedro Alcalar, 2006)

Ao mesmo tempo, há diferentes objetivos e formas de organização dos comitês de

saúde ainda hoje em dia. Quando perguntado sobre as diferentes formas como são chamados

os comitês de saúde, Pedro respondeu:

Sim, no estado Sucre eles chamam de Organizações Comunitárias em Saúde. Em Petare há essa experiência de 25 anos, mas no estado Sucre há experiências de 8 ou 10 anos, de organizações comunitárias de saúde. O que passa é que eles em sua primeira concepção estiveram ligados à promoção de saúde... Bem, boa parte desses comitês de saúde de agora estão também metidos na parte assistencial, clínica... Eu creio que isso é importante, mas o mais importante como organização de cidadãos deve ser a questão da promoção da saúde, e agora com os conselhos comunais, com o desenvolvimento endógeno como forma de organização pra conquistar o direito ao desenvolvimento... porque o direito ao desenvolvimento sintetiza os demais direitos humanos, tem a ver com o direito à saúde, educação, trabalho, moradia... então creio que por aí devem se orientar. Mas há diferentes modalidades, como você mesma observou. As experiências que estão junto aos consultórios populares estão com um viés muito clínico, assistencial. E outros, como os de Zamora, estão mais desenvolvidos em controle social, em promoção de saúde. (Pedro Alcalar, 2006)

Ressalvando a autonomia e a forma organizativa própria, as funções que exercem os

comitês de saúde são bastante similares. Mesmo assim, alguns dão maior enfoque ao controle

social, outros à promoção da saúde e outros à parte assistencial propriamente. Há uma de suas

funções fundamentais que fica clara em todas as entrevistas: a de realizar um censo periódico

das questões de saúde da sua área populacional, propondo alternativas e soluções, como, por

exemplo, a realização de campanhas próprias àquele espaço, realização de seminários que

visem à prevenção e à eliminação dos problemas de saúde encontrados.

Os comitês de saúde podem se subdividir em comissões específicas que são

determinadas pela própria necessidade prática dos comitês, ou, também, pela designação da

assembléia onde os comitês são eleitos. A senhora Hermínia Muñoz, militante do comitê de

saúde “San Francisco de Assis”28, um comitê de saúde no município Zamora, Estado Aragua,

28

Hermínia Muñoz, militante do comitê de saúde “San Francisco de Assis”. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006.

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nos esclareceu:

(...) Nós como comitê de saúde precisamos estar sabendo de tudo o que acontece na comunidade... fazemos um censo, buscamos as informações... Nós temos o comitê dividido em comissão de segurança, educação, institucional, finanças, e fazemos reuniões todas as semanas, e quando há uma emergência fazemos mais de uma... nós saímos aos lugares mais distantes e buscamos as pessoas orientando elas a ir ao hospital, ao ambulatório, a cuidar de sua saúde... e nós brigamos também para conscientizar as pessoas, porque já tivemos uma vez que uma pessoa não foi atendida no “Barrio Adentro”, e veja, achamos que isso não pode acontecer. Por isso estamos trabalhando também com o controle social, achamos que as coisas que estão erradas nós precisamos interferir para resolver. (Hermínia Muñoz, 2006)

O senhor José Olivo29, que faz parte do mesmo comitê de saúde, corrobora com as

declarações. Ao mesmo tempo ele descreve passos importantes de controle social dados pelo

seu comitê de saúde, que tiveram como resultado a “conquista” de médicos para trabalhar no

posto do “Barrio Adentro” da comunidade.

Minha responsabilidade no comitê de saúde é o setor institucional. Nós vemos que quando chegou a missão em 2004, nós não tínhamos médico no “Barrio Adentro”. Então nós solicitamos um médico porque precisávamos... agora já temos o consultório e um médico... nós como comitê de saúde fazemos operativos, levamos a saúde à comunidade... é lá que estão os problemas... para as mães que necessitam, por exemplo, fizemos uma oficina do projeto madre... estamos trabalhando conjuntamente para levar a informação e educação em saúde... fazemos operativos de vacinação, fazemos junto à Missão Identidade operativos de documentação. A comunidade mudou, muito, muito... formamos comitês de saúde, outras missões, outros comitês, temos assembléias de cidadão, debates, agora vamos formar uma mesa técnica para debater nutrição (temos muitos desnutridos), e por isso nós temos que trabalhar duro, temos que verificar as casas de alimentação, ver se estão cumprindo com a lista de alimentos... enfim, estamos conjuntamente trabalhando para melhorar... (José Olivio, 2006)

Há também aqueles comitês de saúde que, de acordo com os principais problemas

encontrados em sua comunidade, focam o seu trabalho em uma determinada prioridade.

Antes, no entanto, todos eles fazem um censo das necessidades de sua comunidade, e

apresentam esse resultado ao médico do consultório local. Esse é o caso do comitê de saúde

de Patrurite, representado pela entrevista de Marina Ascano30 e Nerys Rodriguez31. Marina

nos detalhou o processo do censo feito pelo comitê de saúde:

Em nosso setor nós trabalhamos com as crianças menores de 5 anos, adolescentes, adolescentes grávidas, mulheres grávidas... vamos de casa em casa, perguntamos se

29

José olivo, militante do comitê de saúde “San Francisco de Assis”. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006. 30

Marina Ascano, membro do comitê de saúde de Patrurite. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006. 31

Nerys Rodriguez , membro do comitê de saúde de Patrurite. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006.

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há mulheres grávidas, recém-nascidos (etc). Fazemos uma série de perguntas, se foram vacinadas, se as crianças são vacinadas... fazemos um censo, fazemos uma planilha, temos o controle de todo esse quadro. No nosso comitê de saúde somos 13, e cada um tem uma função... um se ocupa dos adultos, outro das mulheres grávidas, outro do controle social... Bem, eu exerço trabalho social faz tempo, até porque sou enfermeira. Bem, na verdade tudo melhorou quando começou a formação desses comitês de saúde... nosso comitê de saúde começou com 23 pessoas, e agora temos só 10... há muita gente apática, que entrou achando que isso iria ser bom para eles, mas não... o comitê de saúde é para as pessoas que querem trabalhar na comunidade... (Marina Ascano, 2006)

Já Nerys nos explicou o seu trabalho diante das demandas mais específicas das

crianças e adolescentes, mas também junto às demais necessidades que são atendidas pelo

comitê de saúde:

Bem, eu venho já faz bastante tempo trabalhando com essa questão social porque as necessidades das pessoas são muito críticas... eu trabalho especificamente com a questão das crianças e adolescentes, eu faço a minha capacitação e depois vou até eles e vemos como ajudá-los. Bem, nós fazemos essa planilha e o censo das necessidades da comunidade (...) se as pessoas tem alguma necessidade urgente elas nos chamam e nós largamos o que estamos fazendo e vamos lá correndo, porque se chamam é porque precisam muito de nós... eu também sou facilitadora da missão Robinson. Os comitês de saúde são muito importantes... aqui mesmo nos dão capacitação, oficinas e tudo... eles nos dão todos os materiais de que nós necessitamos, nos dão oficinas sobre abuso sexual, alimentação, nutrição, tudo. (Nerys Rodriguez, 2006)

Além dessas atribuições, para qualquer outro programa social que esteja ligado à área

de saúde e que tenha critérios de participação a seleção é feita pelos comitês de saúde. Os

mesmos enviam o seu parecer aos órgãos competentes, a serem referendados pelo Ministério.

Um bom e recente exemplo é o programa “Madres del Barrio”, que trata de classificar as

mães em situação de mais alto estado de pobreza e risco para beneficiá-las com uma bolsa de

um salário mínimo por mês. Há pré-condições para se inscrever no programa e o ente que

julga, faz as visitas e escolhe quem terá acesso ao programa é o próprio comitê de saúde do

local.

Tenho um comitê de saúde no meu setor, e sou promotora integral também. Nós temos um trabalho social de saúde muito intenso em nossa comunidade. Hoje nós estamos trabalhando no projeto “Madre”, fazendo a captação dessas mães, e também estamos fazendo o controle das crianças que faltam ser vacinadas, por um lado. Por outro lado temos que fazer o acompanhamento dessas mães, levá-las ao ambulatório... com as crianças o mesmo, vamos na casa deles, fazemos o controle, trazemos todos ao laboratório. Fazemos o censo dos necessitados, e a partir de então acompanhamos também essas pessoas. (Hermina Muñoz, 2006)

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Outro exemplo importante, já exposto pelo Sr. José, é o controle dos comitês de saúde

junto às casas de alimentação, que fazem parte de uma missão que provê alimentação diária

aos mais necessitados da comunidade. A casa é abastecida pela missão Mercal, que fornece –

mediante condução das Forças Armadas – os alimentos que serão utilizados na preparação das

refeições do dia. Os comitês de saúde inspecionam a qualidade, a higiene e o cumprimento da

lista de alimentos preparados por nutricionistas.

Uma das senhoras militantes32 que preparam os alimentos da Casa de Alimentação

“Santa Bárbara”, na paróquia San Juán, no município de Caracas, nos descreve o programa:

Nós trabalhamos aqui de segunda a sexta e atendemos a 150 beneficiários, aos quais provemos almoço e lanche. Todo o fornecimento é feito através da Missão Mercal, e é para atender às pessoas que tem mais necessidade dentro da comunidade. Mulheres grávidas, crianças, adolescentes, idosos...a comida é balanceada e eles consomem carne, frango, leite, frutas, etc. As pessoas trazem suas vasilhas e levam sua comida, e por isso chamamos casa de alimentação. Se fossem refeitórios todos comeriam aqui mesmo, mas não são e então cada um traz a sua vasilha e leva a comida para sua casa. A Universidade Bolivariana nos fornece curso de nutrição e fazemos também cursos de manipulação de alimentos para elaborar tudo. Nós abrimos de manhã e até 13h já finalizamos tudo e entregamos o almoço e o lanche. (Militante 1, 2006)

Os comitês de saúde têm, portanto, a função de fiscalizar as demais iniciativas que

envolvem a questão da saúde em sua área, independente destas serem parte direta do Serviço

de Saúde.

Neste aspecto são esclarecedoras as colocações de César Arismendi33:

(...) um elemento que também podemos citar é a articulação com as demais formas de mobilização social. Os comitês de saúde não estão sozinhos, eles formam parte de uma concepção holística da saúde. Essa concepção busca entender e atuar diante das variáveis e também dos determinantes, por exemplo, há articulação com a Missão Mercal, que faz parte da segurança alimentar, com as missões educativas em todos os seus níveis desde o primeiro até o universitário... a idéia é justamente conseguir incorporar todas as pessoas às missões educativas... ou na Missão Negra Hipólita, que é de atenção aos indigentes, ou seja, aos setores mais excluídos da população. (César Arismendi, 2006)

Após dois anos de ativa formação dos comitês de saúde e da conquista de

legitimidade, tanto do trabalho dos comitês quanto da missão “Barrio Adentro”, foi criada,

32

Senhora militante da Casa de Alimentação “santa Bárbara, da Paróquia San Juan, em Caracas. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006. 33

César Arismendi, Coordenador Nacional da Coordenação Geral dos Comitês de Saúde do Ministério da Saúde. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006.

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junto ao Ministério, uma Coordenação Nacional dos Comitês de Saúde. Nas palavras de

Arismendi:

Essa direção nacional surgiu no ano passado (2005), no meio do mês de Março, e com uma equipe básica recrutada, tanto do pessoal fixo como do pessoal contratado, fundamentalmente integrada por pessoas com experiência em trabalho comunitário. De maneira que no final de 2005 já tínhamos uma coordenação mais ampla e profissional na qual desenvolvemos três vertentes fundamentais: fortalecimento organizativo dos comitês de saúde, fortalecimento formativo e comunicacional dos comitês de saúde, e a identificação das necessidades pautadas pelos comitês para buscar dar conta desses problemas trazidos por eles. (César Arismendi, 2006)

À Coordenação Nacional dos Comitês de Saúde cabe contribuir com “[...] el

fortalecimiento organizativo, formativo, comunicacional, movilización y de identificación de

problemáticas sociales planteadas por los Comités de Salud y comunidad organizada con

miras a canalizar soluciones […]”34

, e seus objetivos são:

Establecer lineamientos políticos estratégicos para la construcción y consolidación de una estructura social a través de los comités de salud, para el ejercicio de la participación protagónica como mandato constitucional, en el contexto de una visión de salud y calidad de vida en el ámbito nacional; y desarrollar procesos de planificación, organización, coordinación, comunicación, concertación y capacitación en correspondencia con las necesidades y territorios sociales para la articulación de las redes sociales, comités de salud y organizaciones comunitarias, en los distintos niveles del Sistema Publico Nacional de Salud y comunidades. (Boletim, número 2, 2006)

Os comitês de saúde se transformaram, dessa forma, no modelo de participação direta

em saúde na Venezuela. Consistem em:

Una organización de base comunitaria, electa en asambleas de ciudadanos y ciudadanas, que facilita la participación de la población en la planificación, ejecución y evaluación de las actividades de salud y calidad de vida. Puede ser promovido desde los Consultorios Populares, Centros de Diagnósticos Integrales, Clínicas Populares, los Hospitales del Pueblo y por propia iniciativa de los vecinos, en función del desarrollo integral de las personas en el ámbito ciudadano y colectivo. (Boletim, número 1, 2006)

[…] los Comités de Salud contribuyen a fortalecer el ejercicio de la participación ciudadana; garantizar que las acciones de salud y calidad de vida establecida por las comunidades y el gobierno se cumplan; contribuir con la prevención de irregularidades, actos de corrupción y sub-utilización de los recursos asignados por los organismos públicos; propiciar la rendición de cuentas claras; desarrollar todas las capacidades resolutivas de las comunidades organizadas; propiciar los procesos de negociación y concertación con las instituciones públicas para la satisfacción de las necesidades sociales básicas y generar condiciones para que los grupos adscritos a la red social organizada adquieran conocimiento que les permitan emprender acciones para la modificación de los factores adversos al entorno. (Arismendi, 2006)

34

Boletim da Coordenação Nacional dos comitês de saúde, número 1, 2006.

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A percepção que os membros dos comitês apontam como “avanços” conseguidos com

a sua participação não é diferente deste apontamento. Um deles, e talvez o mais importante, é

a situação de sentir-se “parte” do Sistema de Saúde, é sentir-se como importante nos rumos do

Sistema e reconhecer a importância do Sistema.

Hoje em dia eu me sinto parte dessas instituições de saúde. Antigamente isso não se dava. Nós não nos sentimos assim somente porque somos líderes da comunidade, mas todos se sentem parte importante dessas instituições de saúde, e sentimos que elas são públicas e são nossas. Aqui na Venezuela o poder popular já é algo em nível nacional... nós estabelecemos as reuniões nas comunidades e pensamos os problemas, e as corporações levam em conta aquilo que nós achamos. Por isso eu, em particular, me sinto muito satisfeita com a política em nível regional e nacional... antes não nos levavam em conta, mas hoje isso mudou radicalmente.35 (Hermina Muñoz, 2006)

Ou:

Hoje em dia nós temos comunidades sãs. Controlamos tudo e os enfermeiros e médicos vão lá na casa das pessoas... temos saúde na comunidade. 36 (Nerys Rodriguez, 2006)

Desta forma percebe-se uma modificação de entendimento quanto à relação com o

Estado e em relação ao que é público.

Nesse sentido ressaltamos que a auto-organização das pessoas em torno dos comitês

de saúde nos parece ter sido a marca maior da participação no setor até o momento,

especialmente pela mudança de cultura política – do ponto de vista da entender-se como

“parte”–, que significou.

Para clarear nosso entendimento, perguntamos a Pedro Alcalár quais eram as

características do processo participativo anteriormente. O mesmo nos respondeu:

Antigamente, aqui, a participação em saúde era uma participação muito utilitária. Ou seja, quando necessitavam de pessoas para as campanhas de vacinação, para pintar o ambulatório etc. Não era para a tomada de decisões... enfim, não era para se democratizar as opiniões, a forma de investimento, o debate sobre as necessidades... Então não era pela possibilidade de decidir e de contribuir na tomada de decisões. Mas estamos, todavia, muito longe do verdadeiro poder popular, porque nosso processo é muito jovem, está bastante impregnado pela velha cultura, e as mudanças culturais não se decretam, elas devem ser construídas coletivamente. Então nós temos trabalhado tentando pensar dessa forma... dizendo que ninguém deve tutorar o processo participativo, que as organizações devem funcionar da forma que querem... com autonomia e autogestão... a participação dos cidadãos é autônoma mas é

35 Hermínia Muñoz, militante do comitê de saúde “San Francisco de Assis”. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006. 36 Nerys Rodriguez, membro do comitê de saúde de Patrurite. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006.

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política, tem a ver com o Estado porque tem a ver com a tomada de decisão, é o princípio da co-responsabilidade... não é só o Estado que pode e nem só os cidadãos é que podem, é uma co-responsabilidade. (Pedro Alcalar, 2006)

O fortalecimento da participação popular em saúde, também para César Arismendi

(2006), é parte da transferência de poder às comunidades para a “tomada de decisão”.

A partir da aprovação da Constituição Bolivariana há um pensamento claro da constituição que favorece a participação das comunidades para compartilhar de sua cidadania, partindo do direto à saúde como direito social. Os artigos 83 e 84, particularmente, expressam essa visão... Também há outros artigos, mas fundamentalmente esses dois no que tem a ver com a tomada de decisão no processo de planificação, controle e avaliação da gestão pública. Esse elemento permite, ou dá poder à comunidade para que participe na tomada de decisão... eEntendemos esta como a base fundamental. Há também outros elementos, como a recém-aprovada lei dos conselhos comunais, onde também se articula a figura concreta dos comitês de saúde. Então a comunidade está transferindo poder para que eles mesmos participem, o que tem a ver com a busca de bem-estar ou de soluções para as questões de saúde. (César Arismendi, 2006)

No período em que tivemos a oportunidade de conhecer e pesquisar essa experiência

um aspecto novo estava em debate, que nitidamente criava inquietação: a questão da

institucionalização da participação através da regulamentação legislativa.

O debate em foco dizia respeito à nova proposta de Lei Orgânica de Saúde. Nela, se

buscará regulamentar a participação cidadã neste setor. Em sua proposta, a participação é

definida da seguinte forma:

Artículo 15. A los fines de la presente Ley, se define la participación ciudadana en salud como el derecho y el deber constitucional que tienen todos los ciudadanos y ciudadanas, a involucrarse de manera individual o colectiva, en lo relacionado con la formulación, planificación, ejecución, seguimiento y control social de las políticas, planes, y gestión de las acciones de salud, en el marco de una democracia social, participativa y protagónica. La participación ciudadana en materia de salud se regirá por las disposiciones de la Ley Orgánica del Sistema de Seguridad Social; esta Ley, sus reglamentos y por la legislación especial que la norme. (ANTE-PROJETO DE LEI DE SAÚDE, 2006)

Ainda segundo a proposta, a participação no Sistema Público Nacional de Saúde se

expressará nos seguintes âmbitos:

Artículo 17. La participación ciudadana en el Sistema Público Nacional de Salud se expresará en los ámbitos comunal, parroquial, municipal, estadal y nacional y se ejercerá mediante:

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1. Comité de Salud. 2. Asamblea de Salud Parroquial. 3. Asamblea de Salud Municipal. 4. Asamblea de Salud Estadal. 5. Asamblea de Salud Nacional. (ANTE-PROJETO DE LEI DE SAÚDE, 2006)

Os comitês de saúde continuam expressando a organização de base, especialmente do

primeiro nível de atenção, junto aos consultórios populares.

Artículo 20. Los comités de salud son organizaciones de base comunitaria que facilitan la participación colectiva de la población en la planificación, ejecución, control social y evaluación de las actividades de salud y calidad de vida desarrolladas por los organismos del Sistema Público Nacional de Salud. Para cada establecimiento de servicio de salud del primer nivel de atención, será elegido democráticamente un comité de salud por parte de la asamblea de ciudadanos y ciudadanas, comprendida en la cobertura poblacional de dicho establecimiento y constituida de acuerdo con lo establecido en las leyes que rigen la materia de participación ciudadana. En aquellas comunidades donde no exista un establecimiento de salud del primer nivel de atención, las asambleas de ciudadanos y ciudadanas podrán constituir comités de salud, tomando en cuenta la misma base poblacional de cobertura de los establecimientos de primer nivel. (ANTE-PROJETO DE LEI DE SAÚDE, 2006)

Portanto, a consolidação dos comitês de saúde e as suas funções permanecem, e

passam a tomar forma institucional a partir da aprovação da lei orgânica de saúde, que se

avizinha.

A preocupação com a institucionalização das iniciativas populares está presente em

boa parte do debate teórico sobre a participação. Nesse sentido MILANI (2006), por exemplo,

afirma:

Paradoxalmente, a institucionalização de experiências de participação cidadã pode cair na armadilha da burocratização do processo de participação em um esquema mais corporativo. (MILANI, 2006)

Essa discussão fez parte de momentos específicos de que participamos. Um debate

com representantes de comitês de saúde sobre a proposta de lei orgânica de saúde, e a

entrevista com Pedro Alcalar, quando foi possível debater um pouco as preocupações com a

forma como o processo poderia ser encaminhando.

No sentido dessa preocupação, quando perguntado sobre isso, Pedro opinou:

Há mais ou menos duas posições desde as instituições. Há posições junto ao Ministério da saúde de que as instituições controlem e tutorem os comitês. E há

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outra posição que é a que tem César Arismendi e que tenho eu, de que não, que a participação dos cidadãos é livre, de que eles devem participar da forma que acharem melhor... o que pode fazer a instituição é um acompanhamento institucional, uma assessoria, mas que não deve influir na forma de se organizarem. Então há esses dois posicionamentos: um que os querem institucionais, e outros que dizem que não sejam institucionalizados. (Pedro Alcalá Alfanador, 2006) Bem, é este debate que está em curso e de que nós queremos convencer as pessoas... De que não se institucionaliza a participação... e a lei de saúde precisa ver como se articula com o projeto dos conselhos comunais... é preciso articular isso... o que eu sinto é que os que foram promotores da lei são médicos, clínicos, então eles partem de uma concepção médica e, é claro, revolucionária, mas assistencial, uma concepção muito médica e assistencialista, e entraram na instituição... assim vêem o SPNS. Eu às vezes debato com eles e outras pessoas que eles concebem o SPNS como uma rede de instituições de serviços, e eu pergunto: e os cidadãos? (Pedro Alcalar Alfanador, 2006)

É claro que está presente, ainda, uma reprodução da cultura política que entende a

participação como parte do Estado, ou como forma de apoio ao governo, pelos próprios

membros das organizações populares. Desta forma é que às vezes eles próprios não enxergam

a sua participação como obra autônoma de consciência e do fortalecimento de sua cidadania.

Não obstante, não se poderia esperar de um processo tão recente e novo que o grau de

amadurecimento pudesse superar em tão pequeno espaço de tempo uma cultura política

historicamente impregnada de ausência de participação, uma cultura de democracia centrada

apenas no sufrágio universal, e com tamanha distância do protagonismo real.

Está nos custando muito trabalho dar este salto significativo. De uma cultura clientelista, institucional, representativa, a uma cultura participativa, protagônica, plural, autônoma... está nos dando muito trabalho! Boa parte de nós está “engatado” no velho modelo... então perguntamos às instituições: diga-me como faço! Se sentem desamparados se a instituição não responde... você captou muito bem, esse é o problema. E por isso temos que ter muito cuidado com algumas leis, senão elas começam a tutelar o processo. (Pedro Alcalá Alfanador, 2006)

No mesmo sentido, as funções dos comitês também podem ser modificadas, levando,

por exemplo, a uma postura “executiva”:

[...] Este é um problema dos cidadãos mas também é do Estado. Porque há muitos funcionários que querem agora transferir suas competências aos conselhos comunais...o conselho realmente tem muitas funções, mas há sim uma confusão. Há de se delimitar melhor isso, porque se corre o risco de que o Estado, “sem querer querendo”, transfira funções de sua competência aos cidadãos, e vice-versa... que os cidadãos se apropriem de funções do Estado. Por exemplo, o conselho comunal não tem que fazer uma escola, um ambulatório... isso não é tarefa do conselho comunal... se está pendente alguma construção, que se cobre da melhor maneira a execução dessa função... em relação àquilo que está pendente o conselho comunal não pode se enxergar como auxiliar... o comitê de saúde não pode se enxergar como auxiliar do

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médico. O comitê de saúde deve estar preocupado com as necessidades do cumprimento de direitos da saúde, com o direito ao desenvolvimento em sua comunidade, pressionando e cobrando que se executem essas necessidades. O que tem que ser feito são os projetos produtivos. Esse risco é iminente... enfim, os conselhos e comitês não devem ser capturados pelo partidos políticos ou pelo governo... não podem ser um apêndice dos partidos políticos... o que temos que cuidar é que os conselhos comunais não se transformem em apêndice dos partidos, governos e nem do Estado. (Pedro Alcalá Alfanador, 2006)

O processo de construção da participação popular em saúde é, por conseguinte, um

grande debate aberto no seio da sociedade venezuelana. Se ele é, por um lado, uma realidade

de fato, ele é também, por outro, um processo recente, que sofrerá diversas modificações.

Uma delas – e talvez a mais importante – é a forma final com que se incluirá a participação

na Lei Orgânica de Saúde.

Para nós, resta continuar observando e acompanhando esse processo, compreendendo

suas forças e suas debilidades, ressaltando a nossa compreensão de que quanto mais se

fortaleça o grau de participação e de conscientização do papel dos cidadãos, maior será a

possibilidade de se modificar a cultura política, e, conseqüentemente, as suas possíveis

amarras.

Por fim, nesta pequena observação que precede o nosso entendimento mais

sistematizado, perguntamos a Pedro sobre o processo e sobre como fortalecer essa

consciência cidadã. Ele então nos respondeu:

[...] o processo segue avançando e eu creio que o que poderá fazê-lo se aprofundar é a luta dos cidadãos. E Oxalá se possam criar diversas escolas de formação de cidadania, porque o que vai mudar mesmo são os cidadãos. Os cidadãos conscientes de seu papel e os funcionários públicos, ou melhor, servidores públicos... Bem, esse processo, com suas fortalezas e também com suas debilidades, eu sinto que conseguiu interessar os cidadãos pela política, a política entendida como uma grande arte de gerar uma força social para transformar a realidade, não o partidarismo [...] Nós compreendemos que a política entusiasmou porque antes de Chávez ganhar a presidência as pessoas estavam muito decepcionadas com a política. Então a partir daí se inicia o processo de entusiasmo, e se começa a resgatar o conceito de cidadania, com um processo de participação importante. Com todas as dificuldades que pode haver, nunca tínhamos tido um processo participativo como esse, onde todos podem participar... e cai o mito de que a Constituição e as leis são para os advogados, e todos podem participar, estudar... eu acredito que vai crescer muito. Porque hoje em dia cada um cidadão já está comprometido com o processo de modificações entendendo cada uma das limitações do processo e suas dificuldades, mas estão comprometidos com essa transformação. Eu creio que é um processo bem interessante, bem complexo, que passa por uma modificação cultural. Se não conseguimos essa mudança cultural para depois construirmos as modificações políticas eu creio que vai travar em algum momento.

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Se você anda pelos bairros, pelas comunidades e conversa com as pessoas você vê que elas estão convencidas do processo de modificações. Bem, não é o que dizem os meios de comunicação, mas é o que diz o povo, reconhecendo que há dificuldades, que seguem sendo um problema a corrupção, a burocracia, os interesses pessoais acima dos coletivos, mas eu creio que vamos superando isso... é um processo jovem, que requer muito apoio. (Pedro Alcalar, 2006)

3.2. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE

No bojo da discussão da “Saúde para todos no ano 2000” a Conferência de Alma Ata

(1978) põe ênfase na atenção primária em saúde casada com a participação comunitária como

estratégia central para o desenvolvimento da saúde. Reconhecidamente um momento

imprescindível para entender a participação comunitária em saúde, tal declaração orienta e

recomenda a participação como aspecto fundamental para o desenvolvimento da atenção

primária.

As diferentes significações por que passou o conceito da participação em saúde ao

longo do tempo são confirmadas pela literatura consultada. Assim expressam

Tamargo,Gascón & Carles (2005) quando apontam que o conceito passa, historicamente, do

nível instrumental a um nível político:

A través del tiempo la aplicación de este concepto en el campo de la salud experimenta algunas resignificaciones a partir de las mismas experiencias; poco a poco se va convirtiendo en un concepto mas amplio que se refiere a procesos sociales a través de los cuales los grupos, las organizaciones, los sectores – todos los actores sociales, a todos los niveles y dentro de una zona geográfica determinada – intervienen en la identificación de las cuestiones de salud u otros problemas afines, y se unen para diseñar, poner en practica soluciones y proponer orientaciones en un plano de intervención tanto micro como macro social. Podría decirse que se da un proceso de viraje del concepto de participación en salud desde un nivel instrumental – la participación como medio para garantizar la eficacia de los programas involucrando a la población para ello – a un nivel político, en el cual los ciudadanos participan incidiendo en la toma de decisiones respecto de la agenda publica (a la participación como fin). (TAMARGO, GASCÓN & CARLES, 2005)

Esta virada é apontada pelos autores não com caráter de substituição, mas como

marcada pela coexistência de ambos os enfoques. No primeiro caso, remetendo a colaboração

e cooperação, e, no segundo, ao fortalecimento da tomada de decisões e, portanto, da

construção da cidadania.

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De um modo geral, os autores que estudam a participação na área da saúde designam como participação a capacidade dos indivíduos influenciarem ou intervirem sobre as decisões políticas que dizem respeito à sociedade em que vivem. (TAMARGO, GASCÓN & CARLES, 2005; CORTES, 1998)

Ganha papel de destaque na década de 80 a consolidação dos regimes democráticos, e,

portanto, a incorporação nos arcabouços jurídico-legais da prática da participação no

planejamento e gestão do espaço público. O caso do Brasil assume papel de peculiar destaque

na América Latina.

A incorporação da participação – do ponto de vista do novo discurso – ganha grande

espaço na agenda de debates, e mesmo que em alguns locais esta não se tenha traduzido em

instrumentos legais – como na Venezuela até 1999 –, a agenda política claramente passa a

girar em torno do fortalecimento da atenção primária e da solidificação da participação como

elemento central para a conquista da saúde.

3.3. A PARTICIPAÇÃO EM DEBATE

As terminologias correntemente utilizadas para designar a “participação política”

qualificam, geralmente, um grande espectro e uma ampla gama de discursos e práticas, o que,

por si só, aponta para as múltiplas compreensões de seu caráter.

Embora diluída em conceitos distintos e significados diversos, a participação tomou

contornos bastante próprios, e quer seja ela a participação cidadã, popular, democrática ou

comunitária, o fato é que ela tem sido incorporada como um dos princípios mais importantes

nos processos políticos e institucionais em escala internacional.

O consenso concebido sob o discurso do “princípio participativo” (MILANI, 2005)

comporta a interação de atores diversos, que incluem desde agências de fomento até as

instituições organizadoras do Fórum Social Mundial. Para o autor:

As origens do discurso e da prática da participação são múltiplas: encontramos referências (e elogios) à necessidade do uso de ferramentas participativas nos manuais das agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento, no âmbito dos processos de reforma do Estado e das políticas de descentralização, mas também na política de alguns governos locais que afirmam promover, graças à participação dos cidadãos, estratégias de inovação e, em alguns casos, de

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radicalização da democracia local. A participação é amiúde reivindicação política de alguns movimentos sociais, por exemplo, os movimentos relacionados à pauta dos trabalhadores rurais sem terra, à gestão de políticas urbanas ou à educação popular [...] Assim se constrói o “princípio participativo”, defendido como uma verdade universal por atores tão diversos quanto o Banco Mundial, a OCDE, a União Européia, as Nações Unidas, muitas organizações não-governamentais e integrantes do Fórum Social Mundial (Rojo, Milani e Arturi, 2004; Milani e Keraghel, 2005, apud MILANI, 2006)

Dessa forma, é importante notar que o conjunto destas expressões forjadas – como

apontam CASGÓN, TAMARGO & CARLES (2005) – são objeto de debate teórico desde

meados do século XX. Por outro lado também é fato notório que no final da década de 60,

início da década de 70, intensificou-se o debate em torno da participação.

Um aspecto importante é levanto por VIANNA (2006), após citar a compreensão

expressa nesses outros autores:

Essas citações são preciosas para alavancar a exposição dos dois conjuntos de argumentos que o presente texto se propõe a colocar em discussão. São eles a “idade” (ou antiguidade) do conceito de participação e a novidade que o uso recente e recorrente do conceito encerra. Sintética e simplificadamente tais argumentos podem ser apresentados da seguinte forma: a) o conceito de participação tem a idade da teoria social moderna – algo em torno de quatro séculos -, como participação na polis e, pois, participação política; b) a novidade introduzida pelo “debate teórico e político” no século XX consistiu em substituir o adjetivo política pelo adjetivo social, passando-se a empregar como sinônimas as expressões participação social e participação política; c) todavia, o uso clássico do conceito de participação como participação política difere do uso novo do conceito de participação como participação social porque o primeiro se refere à participação de todos os membros da polis – condição de direito (ou de dever) universal -, enquanto que o segundo se aplica a segmentos específicos da população: os pobres, os excluídos, as minorias. (VIANNA, 2006)

Portanto, pensar as formas de participação em evidência significa, em especial, buscar

entender do que se trata quando se pensa em participação, e significa, da mesma maneira,

entender o contexto em que ela incide e quais as distintas intenções a que atende.

Considerando os aspectos citados, observamos que há relevantes traços que apontam

para modificações oriundas da compreensão do papel do Estado, assim como,

conseqüentemente, do papel que devem cumprir as políticas sociais nesse novo contexto –

onde se expressam as demandas pelo processo participativo atual.

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No que tange a tal realidade, já não é novidade a metamorfose por que passou o

Estado na sociedade capitalista nas últimas décadas, especialmente nos países em

desenvolvimento. Se no que diz respeito ao regime político a consolidação da democracia é

obra deste espaço de tempo, é neste mesmo contexto que se minimiza o papel do Estado e as

políticas sociais por ele desenvolvidas através de agendas de reformas liberais impulsionadas

pelas agências de fomento multilaterais.

Do ponto de vista das políticas sociais, tal agenda de reformas está pautada no discurso

privilegiado da esfera econômica – fundamento essencial do liberalismo –, e tem como sua

principal vítima o social – assim como apontado no capítulo primeiro. É então neste contexto

que se fortalece também a defesa de que as instituições públicas e o Estado não são a mesma

coisa e o “bem público” pode ser atendido por uma série de instituições – incluindo grupos da

sociedade e do mercado. A colaboração entre governo, empresários e grupos do “terceiro

setor” passa a ser um dos centros do desenvolvimento das políticas públicas, mudando o

caráter do desenvolvimento e da gestão das políticas. O conceito de “bem público” desvincula,

portanto, o que é público do Estatal, e vincula-o a uma concepção de público própria do

pensamento liberal.

Esse é, sem dúvida, um dos conteúdos atribuídos ao processo de participação ora em

voga. A política pública participativa é entendida como aquela que inclui o “terceiro setor” em

sua execução. Colocando em prática o conceito de “bem-público” tais instituições,

organizações e associações passam a ser financiadas pelo estado para executar as tarefas que

outrora eram cumpridas por ele mesmo.

Ao mesmo tempo, e também como parte deste fenômeno, as políticas sociais assumem

um caráter cada vez mais focal, divorciando-se da idéia de universalização, distribuição de

renda e interferência do Estado na procura por equiparar as oportunidades ao trabalho e à

vida, para incorporar a idéia de priorização dos setores considerados “excluídos” do mercado.

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O tema da pobreza – que está e provavelmente estará cada vez mais em destaque devido ao

grau de concentração de renda , somado ao aumento concreto dos índices de desemprego – se

torna, nessa agenda, um dos principais desafios em pauta.

“(...) há que se reconhecer que a retomada do tema da pobreza na agenda dos debates de natureza mais pública, sobretudo nos países emergentes, em grande medida foi promovida pelas propostas minimalistas das agências multilaterais, em consonância com o ideário do Consenso de Washington.” (COHN, 2003)

Justamente nos anos 90 – mesmo levando em conta os debates promovidos nos anos

anteriores – vários documentos internacionais evidenciarão a participação como um dos

centros do debate para o alcance do desenvolvimento.

O Human Development Report, publicado pela PNUD em 1993, é um exemplo

concreto desta preocupação. O relatório examina o quanto as pessoas participam e a

implicação da participação sobre suas vidas, destacando três formas mais usuais de

participação: mercados solidários, participação comunitária e ONGs. Considerando a

necessidade de participação como central, as preocupações iniciais do relatório apontam para

o incentivo dessa manifestação, podendo, desta forma, contribuir para a criação de novas e

mais justas sociedades:

People's participation is becoming the central issue of our time. The democratic transition in many developing countries, the collapse of many socialist regimes, and the worldwide emergence of people's organizations – these are all part of a historic change, not just isolated events. People today have an urge – an impatient urge – to participate in the events and processes that shape their lives. And that impatience brings many dangers and opportunities. It can dissolve into anarchy, ethnic violence or social disintegration. But if properly nurtured in a responsive national and global framework, it can also become a source of tremendous vitality and innovation for the creation of new and more just societies. (HUMAN DEVELOPMENT REPORT, PNUD, 1993)

O relatório conclui que cinco pilares devem ser construídos para um mundo centrado

no ser humano: novos conceitos de seguridade; novas estratégias para desenvolvimento

humano sustentável; novas parcerias entre Estado e mercado; novos padrões de “governança”

nacional e global e novas formas de cooperação internacional. De tal maneira, o relatório

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PNUD aponta claramente a participação como um caminho para a disseminação de tais

“novas práticas”.

Um outro relatório que chama atenção é a publicação do Banco Mundial em 1999,

intitulado “Voices of the poor”. O relatório recomenda modificações que devem tomar em

conta três distintos níveis: o profissional, o institucional e o pessoal, para que se promova a

mais ampla inclusão dos pobres. Especialmente do ponto de vista institucional o relatório

aponta para os seguintes aspectos: o primeiro é a propagação de boas iniciativas; o segundo é

o incentivo às mudanças de comportamento e prática (especialmente dos trabalhadores das

instituições); e, por fim, o desenvolvimento de um processo de participação e empoderamento

dos pobres. Segundo Milani:

A publicação pelo Banco Mundial, em 1999, Voices of the Poor, teve significativa repercussão no mundo da cooperação internacional e contribuiu sobremaneira para a disseminação de práticas participativas em projetos de desenvolvimento. A disseminação de tais práticas veio, evidentemente, nutrir a reflexão sobre os programas de reformas da administração pública. Como já assinalaram inúmeros autores (Escobar, 1994; Cooke e Kothari, 2001), subsistem ainda hoje práticas relacionadas à cooperação internacional que podem resultar em mistificação da participação e que têm grande impacto na definição de prioridades para a gestão pública local. (MILANI, 2006)

Nesse mesmo sentido, um outro documento do Banco37, cujo caráter é distinto,

apresenta novamente o enfoque da participação dos pobres – mais especificamente no debate

do orçamento público – como uma das formas de superação da pobreza:

El presente documento brinda un panorama general con respecto a qué pueden hacer los gobiernos, los grupos ciudadanos y los donantes para aumentar su responsabilidad hacia los pobres en la administración de los recursos públicos, a través de la revisión de las experiencias existentes a nivel internacional e identificando las lecciones que pueden derivar de estas experiencias. El documento tiene el objetivo de promover el concepto de la participación en la administración del gasto público (PPEM) como práctica generalizada en las finanzas públicas mediante un minucioso análisis de diferentes modelos en los que grupos de la sociedad civil lograron involucrar exitosamente al gobierno en esta área de las políticas públicas. En particular, intenta aumentar la “voz” de los pobres así como de sus representantes e intermediarios en los modelos efectivos que han surgido […] (SONGCO, online)

37 Borrador para Discusión AUDITORIA POR PARTE DE LOS POBRES: Experiencias de Participación Ciudadana en la Administración del Gasto Público, Preparado por Danilo A. Songco para o Programa Didactico de Accion Sobre Procesos Participativos como Estrategia Para la Reduccion de la Pobreza.

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É nesse sentido que MILANI (2006) introduz indagações sobre a linguagem do

“empoderamento”, paralelo fundamental da participação local voltada para os pobres:

[...] a linguagem do empowerment pode mascarar preocupações mais estreitamente relacionadas com a eficiência administrativa, que tendem a retirar a conotação radical das reivindicações participativas dos anos 1960. Aos invés de formular ou veicular demandas radicais de transformação social ou de combate às desigualdades, os métodos participativos podem pôr em evidência best practices e técnicas pretensamente universais de desenvolvimento comunitário participativo. O empoderamento que pode produzir a participação seria fórmula-chave para a solução de problemas (problem-solving), mas nunca ou pouco freqüentemente para a construção de problemas (a problematização). (MILANI, 2006)

As definições do processo de participação para o Banco Mundial e para o BID são

importantes referenciais do pensamento internacional sobre o tema. Para Tamargo (2005):

Según el Banco Mundial la participación es un proceso a través del cual los involucrados influyen y toman control sobre las iniciativas de desarrollo y en las decisiones y recursos que los afectan. El BID por su parte entiende la participación como un proceso mediante el cual el gobierno y la sociedad civil interactúan para diseñar, ejecutar y evaluar políticas, proyectos y programas de desarrollo que requieren del compromiso de todas las partes interesadas, incluyendo entre otros a los pobres y a los grupos tradicionalmente marginados. (TAMARGO, 2005)

Portanto, a fundamental indagação de VIANNA (2006) – que apontou para a

necessidade premente de uma definição teórico-conceitual da participação social –

permanece. Resgatando-a, é possível desvendar as chaves para esse embricamento do

conceito participação política e participação social, que embora apontem atualmente para um

mesmo significado estão distantes de conceituarem a mesma prática. Conforme já afirmado

pela autora, o uso do termo “participação política” difere do uso de “participação social”

porque o primeiro se refere à participação de todos – no caso, os membros da polis – e o

segundo se aplica para determinados segmentos da população, como os pobres, os excluídos,

as minorias.

Desta forma, após passar de maneira elucidativa por toda a teoria clássica e moderna

sobre a participação, Vianna desemboca em como os modelos de reforma do estado

incorporaram a participação numa lógica de política pública minimalista, tendo fundamentos

de participação específica – para os pobres – mais tonificante do que de participação política.

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“CORTES (1996-b) menciona ainda um terceiro fator atuante no “remodelamento das organizações políticas das democracias liberais”, elucidativo também da recente inflexão sofrida pelo conceito de participação: a reforma do Estado. Mudanças promovidas por vários governos nas estruturas burocráticas estatais, em função do contexto econômico internacional que emerge na segunda metade da década de 70, implicaram a delegação de funções à sociedade (e ao mercado), bem como a criação de mecanismos participatórios destinados a desburocratizar – melhor seria dizer domesticar – os processos decisórios. Essa vertente da participação, social, passou a merecer a atenção dos formuladores de políticas, e dos formuladores de teorias ao longo dos anos 90. Formuladores de políticas, situados em diferentes posições do espectro político, e formuladores de teorias, adeptos de diferentes matizes ideológicos no interior das ciências sociais, vêm se dedicando desde então a exaltar ou explicar a novidade. Um aparente consenso se constituiu em torno do tema participação, cada vez societalizado e cada vez menos politizado. Ao seu encontro acorrem conceitos díspares como capital social, empoderamento, responsabilidade social das empresas, gestão corporativa, terceiro setor, governança, conceitos que se originam tanto de “novos campos” da ciência social – a sócio-economia, por exemplo –, ou da “descoberta de novas realidades” que se apresentam ao cientista social quanto das modernas técnicas de administração.” (VIANNA, 2006)

Nesse contexto busca-se substituir matrizes ideológicas que apontam para uma

mudança social num horizonte de mudanças estruturais por um modelo de participação

incorporada à colaboração – ou como diria o texto supracitado “domesticação” – que opere os

processos de descentralização e construção de políticas no âmbito local. Portanto, passam a

ser subestimados os papéis dos movimentos sociais, sindicatos e organizações, reconhecidos,

anteriormente, como representante de anseios políticos organizados.

Dessa forma, o que tem sido chamado de “participação” está centrado, na prática, em

três pilares fundamentais: a participação voltada para os aspectos de solução de situações da

“vida cotidiana”; a participação política focalizada nos setores “excluídos” da sociedade; e,

por último, a participação ligada às formas de gestão, que incorpora atores organizados (como

ONGS, por exemplo) em torno da provisão e da gestão das políticas, ou seja, uma

participação que está em consonância com a substituição das funções do Estado pelo “terceiro

setor”, no bojo das reformas do Estado.

A “participação social” – mesmo ressalvada a não-existência de uma conceituação

unívoca – coincide, então, com tal lógica. Ressalta VIANNA (2006):

A novidade da discussão atual sobre participação consiste no entendimento de que participar é intervir na tomada de decisões “em todos aqueles aspectos da vida

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cotidiana” que afetam os indivíduos (GASCÓN, TAMARGO & CARLES, 2005). Ou seja, não mais apenas intervir na dimensão pública da política, mas, sobretudo, intervir nas decisões que concernem à vida privada dos indivíduos: onde morar, como preservar a saúde, em que ofício trabalhar, etc. Ora, não são todos os indivíduos que precisam ter incrementada ou possibilitada sua capacidade de intervir nas decisões que afetam sua vida cotidiana. Todos podem escolher representantes para o Parlamento, votar para a Presidência da República ou manifestar sua vontade em referendos ou plebiscitos. Nem todos podem, igualitariamente, preferir tal ou qual bairro para moradia, optar por determinado tipo de tratamento médico ou decidir seu futuro profissional. (VIANNA,2006)

Não é de se admirar, portanto, que nesse contexto considerado como de alta

participação social haja uma tão baixa participação política. Algumas características podem

nos ajudar a esclarecer tal afirmativa: o descontentamento com a política, a baixa

credibilidade dos governos, a baixa consciência de cidadania, e a ausência de luta pelos

próprios direitos são alguns deles.

A questão chave que se coloca aqui, para nós, é entender que a simples perspectiva da

distribuição de poder – anunciada como uma forma de “inclusão social” – em sociedades que

intensificam cada vez mais a sua desigualdade estrutural não passa de uma retórica

democratização do poder.

As possibilidades colocadas que poderiam sustentar uma participação na tomada de

decisões que redistribuísse – que radicalmente redemocratizasse – o poder, estão, de fato, bem

mais afastadas dos processos de participação que ora se apresentam.

Essa breve revisão sobre os contornos da prática da participação nos permite concluir

que sob o mesmo conceito realmente se agrupam fenômenos muito heterogêneos. Isso nos

obrigará, portanto, a entender e especificar o tipo de participação de que estamos tratando

quando falamos da realidade na Venezuela.

Diante disto, buscaremos – dentro de tão amplo espectro – entender o caráter próprio

da participação popular na experiência da República da Venezuela.

3.4. A PARTICIPAÇÃO PROTAGÔNICA O debate sobre a distribuição do poder, velho conhecido da teoria política, é o cerne

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do debate sobre a participação. Na Venezuela este debate tomou corpo após a promulgação da

nova Constituição, quando se concebe o conceito da participação “protagônica”.

Para ARISMENDI (2006) o processo de participação comunitária em saúde na

Venezuela obedeceu a períodos de avanços e recuos diante da falta de direção política clara na

abordagem do tema social. Segundo ele:

En Venezuela puede afirmarse que hasta casi a finales de la década de los 90 la Participación Comunitaria en Salud había estado sometida a un proceso de marchas y contramarchas porque no existía una direccionalidad política clara para abordar la temática social. Por cuanto en el campo de la salud la propuesta de Alma Ata de “Salud Para Todos” sólo trató de concretar a la Atención Médica del primer nivel aplicada a los ambulatorios, debido a que los problemas económicos derivados de la imposición de medidas neoliberales, en la mayoría de los países llamados tercermundistas no permitieron la concreción de este mandato de la OMS. En Venezuela, la Participación Comunitaria en Salud inserta en la estrategia de APS se redujo al desarrollo de experiencias focalizadas en algunas regiones del país (1). (ARISMENDI, 2006)

A partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte nasce a Coordenação

Nacional de Participação Comunitária em Saúde da Venezuela. Seu objetivo principal é o de

desenvolver uma rede de organizações comunitárias em saúde que permita avançar no

controle social e na gestão publica deste setor, assumindo como estratégia a construção do

poder local em saúde. A Coordenação é uma Associação Civil, sem fins lucrativos –

constituída como Associação Civil desde 1999.

De uma perspectiva histórica, o percurso de criação da Coordenação, descrito pela

própria CONSALUD, nos dá mais detalhes de como as experiências e espaços de participação

comunitária em saúde vieram crescendo, especialmente na última década, na Venezuela.

Dessa forma, o texto que traça um breve histórico do CONSALUD atenta:

El proceso de organización de la Coordinadora Nacional de Participación Comunitaria en Salud se puede decir que ubica sus inicios en Diciembre de 1995, cuando por iniciativa institucional (Dirección de Salu del D.F.) se convócale Primer Encuentro de Participación Comunitaria en el Distrito Federal (D.F.) con el propósito de debatir, discutir y reflexionar en torno a la participación popular y la promoción de la salud en el marco de la Reforma Sanitaria que anunciaba el Gobierno Nacional. Este escenario fue propicio para que los grupos comunitarios organizados en el D.F. expresaran e intercambiaran sus experiencias de participación comunitaria en salud. En Marzo de 1998 también por iniciativa institucional, se realiza el II Encuentro Metropolitano de participación comunitaria en salud. El tema central giró en torno al tema: “La sociedad civil al rescate de lo publico”. (CONSALUD, 2001)

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O breve histórico também aponta para a pouca autonomia dos espaços comunitários

diante de tais iniciativas:

Desde la perspectiva histórica, observamos que las múltiples experiencias y espacios de participación que en el transcurso de los años recientes y a partir de la década de los 80 se han venido desarrollando en el país han sido casi todas tuteladas desde las instituciones oficiales, con poca o nula autonomía por parte de los grupos comunitarios. (CONSALUD, 2001)

Será no final de 1998, mais especificamente em Outubro, que se convocará o III

Encontro de Participação Comunitária. A novidade, dessa vez, é que o mesmo será

impulsionado pelas organizações comunitárias. O IV Encontro veio a ocorrer em 1999, em

meio à efervescência da convocação da Constituinte, encontro este que decide convocar um

Encontro Nacional de Organizações Comunitárias em Saúde para o mês de Agosto do mesmo

ano.

Durante los meses que siguieron a ese evento y al calor del momento político que reinaba en el país por la convocatoria a la Asamblea Nacional Constituyente, se desarrollan más de 30 reuniones, talleres, encuentros a lo largo y ancho del país que desembocaran en el Encuentro Nacional de Pozo de Rosas (Edo. Miranda), en Agosto de ese año, instalado por el presidente de la republica Hugo Chavez Frias y el Ministro de Salud y Desarrollo Social, Gilberto Rodríguez Ochoa. En el mismo se reunieron delegaciones de los 24 estados quienes debatieron sus propuestas locales bajo el tema “ Salud, participación popular y Constituyente” con el propósito de la construcción colectiva de propuestas en materia de participación popular en salud para ser elevadas a a la consideración de los constituyentistas a fin de que fueran incluidas en el nuevo texto constitucional. (CONSALUD, 2001)

Dessa forma, a CONSALUD é criada como uma Organização da sociedade civil após

esse encontro, desenvolvendo, assim, ao longo dos anos seguintes uma rede de organizações

comunitárias com o sentido de fortalecê-las e incentivar a participação democrática,

participativa e protagônica (CONSALUD, 2001).

Es necesario que las organizaciones comunitarias privilegien el fortalecimiento de la capacidad de gestión de los poderes locales, en donde los actores de la comunidad se constituyen en interlocutores beligerantes y sean expresión de la democratización de las instituciones publicas en un franco ejercicio de la dimensión política de la participación, que es sin duda alguna de la democracia, de la cual es condición y resultado, estableciendo relaciones de poder que permitan la toma de decisiones compartidas y corresponsabilizadas a fin de lograr en verdadero proceso de cogestión de la cosa publica. (CONSALUD, 2001)

No marco da nova Constituição, a participação comunitária será então considerada

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como um aspecto fundamental no desenvolvimento das políticas sociais do país. É importante

ressaltar, no entanto, que a participação social aqui referida não se tratará tão somente dos

canais de participação no setor saúde. Ela será parte do entendimento de um novo contexto

social onde a participação é obra fundamental para a construção da cidadania ativa, do

desenvolvimento de consciência e do protagonismo.

Protagonizar é, em termos corriqueiros, “desempenhar ou ocupar o primeiro lugar

num acontecimento” (Aurélio, 2005). Na Venezuela, o significado do termo que classifica a

participação social expressa justamente esse entendimento, porém do ponto de vista coletivo.

Participar significa “tomar parte de”, e é nesse contexto que se concebe a idéia de

protagonismo como a forma de exercer os direitos apropriando-se do espaço público.

Participar passa a ser entendido, portanto, como “um processo social, dinâmico,

autônomo, ativo, consciente e crítico, que se propõe à democratização do poder”. (Alcalar,

2006). Para o autor, os elementos da construção da participação cidadã são os seguintes:

1. Implica na intervenção dos sujeitos e atores sociais em atividades públicas. 2. Meio de socialização da política: nova relação Estado /Povo; 3. Intervenção dos cidadãos em atividades públicas como portadores de

determinados interesses sociais. 4. Interação entre as comunidades e os diferentes níveis de governo na busca de

soluções aos problemas que afetam diretamente ao coletivo. (Alcalar, 2006, tradução nossa)

No bojo dessa discussão, cumpre papel de destaque entender que a participação cidadã

na Venezuela é parte da compreensão da participação protagônica e que esta não pode ser

compreendida levando em conta somente o setor saúde.

É nesse aspecto que, para o fortalecimento da cultura de participação, uma

regulamentação legal importante – após a Constituição – foi a criação dos “Consejos Locales

de Planificación” em 2002. Os Conselhos são órgãos encarregados da planificação integral do

governo local e têm como propósito:

[...] conseguir a integração das comunidades organizadas e grupos de vizinhos mediante participação e protagonismo dentro de uma política geral do Estado,

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descentralização e desconcentração de competências e recursos, em conformidade com o estabelecido na Constituição da República Bolivariana da Venezuela (LEY DE LOS CONSEJOS LOCALES DE PLANIFICACION PUBLICA, 2002).

Esta lei, no entanto, foi promulgada em um momento onde poucas iniciativas políticas

haviam sido tomadas do ponto de vista participativo. Dessa forma, foi comum perceber que

esta lei em especial não teve a capilaridade social que as demais têm atualmente na vida

política participativa. Quando perguntando sobre esta lei em particular, Alcalár nos

respondeu:

Bem, desta lei foi revogado o artigo VIII e nada mais... Esta lei praticamente a seqüestraram... As prefeituras começaram a nomear as pessoas a dedo, e não como deveria ser... Então ela praticamente passou por baixo da mesa e quase vai ser eliminada com essa lei (mostra a lei dos conselhos comunais). (ALCALÁR, 2006)

A terceira matéria importante do ponto de vista legislativo é a Lei Orgânica do Poder

Público Municipal, promulgada em 2005. No que diz respeito aos princípios da participação,

cabe destacar:

La participación protagónica del pueblo en la formación, ejecución y control de la gestión pública municipal es el medio necesario para garantizar su completo desarrollo tanto individual como colectivo, dentro del Municipio. Las autoridades municipales deberán promover y garantizar la participación de los ciudadanos y ciudadanas en la gestión pública y facilitar las formas, medios y procedimientos para que los derechos de participación se materialicen de manera efectiva, suficiente y oportuna. (LEY ORGÁNICA DEL PODER PUBLICO MUNICIPAL, 2005)

A lei institui a obrigação do Município de criar programas de fortalecimento da

cidadania para incorporar os cidadãos; e ainda, dá direito aos cidadãos de participarem do

planejamento, execução, gestão e avaliação dos serviços públicos, além de estabelecer a

organização de controladorias sociais para controlar o poder local.

Os meios de participação sugeridos – já que não se exclui a possibilidade de todas as

demais formas de participação – pela lei, são os seguintes:

Los medios de participación del pueblo en ejercicio de su soberanía, son aquellos a través de los cuales los ciudadanos y ciudadanas podrán, en forma individual o colectiva, manifestar su aprobación, rechazo, observaciones, propuestas, iniciativas, quejas, denuncias y, en general, para expresar su voluntad respecto a asuntos de interés colectivo. Los medios de participación son, entre otros, los siguientes: 1. Cabildos abiertos. 2. Asambleas ciudadanas. 3. Consultas públicas. 4. Iniciativa popular. 5. Presupuesto participativo.

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6. Control social. 7. Referendos. 8. Iniciativa legislativa. 9. Medios de comunicación social alternativos. 10. Instancias de atención ciudadana. 11. Autogestión. 12. Cogestión. El enunciado de estos medios específicos no excluye el reconocimiento y desarrollo de otras formas de participación en la vida política, económica, social y cultural del Municipio. (LEY ORGÁNICA DEL PODER PUBLICO MUNICIPAL, 2005)

Percebe-se, portanto, que há um conjunto avançado de regulamentações jurídico-

institucionais no que tange à participação popular. No entanto, será a Lei dos Conselhos

Comunais – promulgada em 2006 – a principal novidade no que diz respeito às instâncias de

participação.

A “Ley de los Consejos Comunales” é instituída em 2006 e está em pleno processo de

implantação. Os Conselhos Comunais são instâncias de poder local, que integram e articulam

todas as instâncias comunitárias constituídas, em uma determinada área populacional. A

disposição geral da lei define:

Artículo 2. Los consejos comunales en el marco constitucional de la democracia participativa y protagónica, son instancias de participación, articulación e integración entre las diversas organizaciones comunitarias, grupos sociales y los ciudadanos y ciudadanas, que permiten al pueblo organizado ejercer directamente la gestión de las políticas públicas y proyectos orientados a responder a las necesidades y aspiraciones de las comunidades en la construcción de una sociedad de equidad y justicia social. (LEY DE LOS CONSEJOS COMUNALES, 2006)

A comunidade é entendida pela lei como um aglomerado de cidadãos e cidadãs que

habitam uma determinada área geográfica, mas que, acima de tudo, compartilham uma

história e interesses comuns, e usam os mesmos serviços públicos. Para efeito da construção

de um Conselho Comunal há uma definição de base populacional de 200 a 400 famílias na

área urbana e a partir de 20 famílias na área rural.

A instância máxima de decisão do Conselho Comunal é a Assembléia de Cidadãos.

Entre as atribuições definidas a ela, cumpre destacar: aprova as normas de convivência da

comunidade e o plano de desenvolvimento da mesma. O Conselho estará integrado por um

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porta-voz das demais organizações comunitárias, e nesse aspecto é que se inserem os comitês

de saúde. Cada comitê deverá indicar um porta-voz para que seja o elo de ligação entre o

Conselho Comunal e as demandas da saúde.

No momento em que estivemos na Venezuela a lei dos Conselhos acabara de ser

aprovada. Ao mesmo tempo em que havia uma grande efervescência em torno do tema, a

experiência concreta ainda era bastante preliminar. Apesar disso, tivemos a oportunidade de

acompanhar debates sobre os Conselhos Comunais em Assembléias Comunitárias, além de

Constituição das Comissões Eleitorais para eleição do Conselho em outros locais.

A grande novidade no que diz respeito aos Conselhos Comunais é a transferência de

recursos do Poder Público aos mesmos. Dessa forma, a sua função é reconhecida como a

função de um poder executivo local, enquanto os comitês passam a ser os “braços” setoriais

de cada conselho.

Nesse sentido, no período em que estivemos em pesquisa, o debate em torno da

participação era a todo tempo permeado pela conformação dos Conselhos Comunais. O

boletim da Coordenação Geral dos Comitês de Saúde, por exemplo, trazia em seu editorial

principal o incentivo à articulação dos comitês de saúde com os Conselhos Comunais:

Es deber y derecho de los Comités de Salud de articularse a los Consejos Comunales porque la Ley de los Consejos comunales establece que éstos son instancias de participación, articulación entre las diversas organizaciones comunitarias, grupos sociales y los ciudadanos y ciudadanas, que permiten al pueblo organizado ejercer directamente la gestión de las políticas publicas y proyectos orientados a responder a las necesidades y aspiraciones de las comunidades en la construcción de una sociedad de equidad y justicia social (Art.2). En este sentido, los Comités de Salud forman parte del Órgano Ejecutivo conjuntamente con los Comités de Educación, Tierra Urbana o Rural; Vivienda y Hábitat, Protección e Igualdad Social, Economía Popular, Cultura, Seguridad Integral, Medios Comunicación e Información, Recreación y Deportes, Alimentación, Mesas Técnicas de Agua, Energía y Gas; Servicios, etc. (Art.9). De igual manera, mediante asambleas de ciudadanos y ciudadanas, debe nombrarse una Unidad de Gestión Financiera y de Controlaría Social integradas por 5 habitantes de la comunidad cada una (Art. 22 y 23). (BOLETIM DA COORDENAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS DE SAÚDE, 2006)

A existência dos Conselhos Comunais é um importante passo para a descentralização

do poder, aproximando-o da população. O exercício do poder e a interferência no mesmo

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passam a ser qualitativamente possíveis quando há como controlar e fiscalizar as instâncias de

execução locais.

Há, entretanto, riscos iminentes aos Conselhos Comunais, que precisam ser apontados:

o da utilização dos repasses financeiros para a criação de um vínculo de apoio ao governo; a

possível imaturidade de uma cultura política participativa, o que pode contribuir para uma

lógica patrimonialista e, por vezes, eternizadora das lideranças, ao invés da distribuição e

renovação da participação; uma tutela por parte do Estado das instâncias locais, ao invés da

auto-gestão organizada.

Apontar os limites e as contradições não pode, no entanto, nos levar a não destacar a

experiência ímpar da qual fomos testemunhos: a da organização da participação de forma

altamente impressionante. Nesse aspecto, o próprio fortalecimento e o desenvolvimento de

uma cultura participativa são mais importantes do que os limites apontados, pois os mesmos

limites devem ser objeto de superação diante da implementação de uma cultura participativa.

Ou seja, quando se desenvolve uma cultura de participação sólida se torna praticamente

irreversível que o controle não seja superado pelas próprias organizações comunitárias.

Segundo entrevista do Ministro do Poder Popular, há instituídos mais de 18 mil

Conselhos Comunais. Em entrevista, ele ainda aponta quais as possibilidades de

fortalecimento dos mesmos:

¿Cuántos Consejos Comunales están conformados hasta ahora y qué se tiene previsto hacer para fortalecerlos? “Hasta ahora, contamos con 18 mil Consejos Comunales. Aunque tenemos una valoración positiva de estas organizaciones, creemos que hay que identificar el momento actual de manera precisa, para poder avanzar, transferir nuevos recursos, y así fortalecer el Poder Comunal. Debemos tomar medidas en los ámbitos de capacitación, seguimiento, evaluación, y control para asumir nuevos retos, comenzando por este ministerio para también crear mecanismos de participación interna. Tenemos que ser un ejemplo revolucionario, de referencia en la construcción de la nueva institucionalidad de cara al socialismo, en ese sentido, los Consejos Comunales son un embrión de la nueva sociedad que estamos construyendo. Se trata de concentrar hacia las comunidades nuevas formas de poder. (MINCI, 2006, online)

Nesse sentido é que entendemos que há uma forma de participação e organização

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popular se desenvolvendo na Venezuela que tem como pilares jurídico-institucionais a

Constituição da República e as demais leis orgânicas. Para a construção do poder

descentralizado e local são importantes objetos de atenção a Lei do Poder Público Municipal

– que institui diversos espaços de formulação e controle –, e, especialmente, a lei dos

Conselhos Comunais, que diz respeito diretamente à formação de instâncias de poder mais

próximas da população, e suas.

A participação em saúde tem como pilares fundamentais, além da Constituição, a Lei

Orgânica da Seguridade Social e a Missão “Barrio Adentro”, através da formação dos

Comitês de Saúde. Diante de todo este caldo de cultura participativa, a participação em saúde

é somente mais uma forma de participação, já que se encontra submersa em uma cultura de

organização mais abrangente e ampla, que retoma o sentido da participação política. Para usar

o conceito forjado na própria Venezuela: uma participação protagônica.

Assim como apontando anteriormente, é fato que os comitês de saúde não se iniciaram

com a Missão “Barrio Adentro”, mas, ao mesmo tempo, a falta de uma sistemática de

participação anterior aponta para nós uma possibilidade de entender os comitês de saúde

como o “braço” organizativo da participação social em saúde.

ARISMENDI (2006) aponta uma das chaves fundamentais para a elaboração e o

entendimento do processo. Ele diz:

Bom, a participação pode existir sem que se expresse, no entanto, uma organização ativa da comunidade... E por isso o sobrenome do conceito de participação que estamos forjando é protagonismo, pois é uma forma de transferir às comunidades o poder. E eles têm que utilizar esse poder na busca de solucionar seus problemas... No caso da saúde, são os problemas de saúde... Com a participação deles é possível conquistarmos isso, articulado, é claro, com as pessoas da gestão pública. (César ARISMENDI, 2006)

Portanto, esse processo de criação de espaços de participação protagônica será

finalmente coroado com a Lei Orgânica da Participação Cidadã e do Poder Popular. Por

enquanto, percebe-se que a construção do processo participativo caminha em um crescente

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forjando, a passos largos, uma nova cultura participativa.

A “participação protagônica” da Venezuela é, desta forma, sinônimo da “participação

política”.

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CONCLUSÃO

Nosso ponto de chegada remete ao ponto de partida: a pista inicial que se apresentava

em hipótese, agora é aqui corroborada. A de que a participação popular na Venezuela tem

traços e características bastante particulares, que apontam para a construção de uma

participação política no sentido amplo, conceituada e compreendida de forma distinta do que

se convencionou chamar “participação social”.

Procurando atribuir contornos ao conceito de participação, observamos a existência de

um certo “consenso” do princípio participativo, que comporta a interação de atores diversos

assim como distintos conceitos e significados. Apontamos, no entanto, que apesar de não

haver uma conceituação unívoca para a expressão “participação social”, ela está

constantemente sustentada em três pilares: a participação voltada para os aspectos de solução

de situações da “vida cotidiana”; a participação política focalizada nos setores “excluídos” da

sociedade, fortemente presente nos textos de organismos internacionais; e, por último, a

participação ligada às formas de gestão, que está em consonância com a substituição das

funções do Estado pela sociedade e pelo mercado, no bojo das reformas do Estado.

A experiência de participação popular na Venezuela consiste em um contraponto a

essa realidade, de tal maneira que a “participação protagônica” se assemelha ao conceito de

“participação política”, já que sinaliza para a participação como direito universal.

As particularidades do processo Venezuelano só podem ser compreendidas, no

entanto, quando revelado seu percorrer histórico, e, portanto, o contexto político e social em

que se circunscreve. Na busca por alternativas ao modelo neoliberal, os rumos políticos

adotados pela Venezuela têm significado uma importante contribuição para a inflexão desse

modelo e para sua superação.

Assim sendo, uma diferenciação entre os dois conceitos – participação social e

participação protagônica – também diz respeito aos contextos em que estão inseridos. Se um

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deles indica uma participação que está em consonância com um contexto de retirada de

direitos políticos e de desmonte do Estado, traduzindo-se a participação cidadã de forma

focalizada, individualizada ou voluntarista, a outra se subscreve em um contexto de ampliação

de direitos sociais e das funções do Estado em co-responsabilidade com a população.

Impulsionada por tais circunstâncias, a participação política popular tornou-se parte

fundamental do processo rotulado como “revolução bolivariana”, que inclui modificações de

cunho cultural e a radicalização da participação política, além de uma etapa de mudanças

econômica e social. Obra desse movimento em espiral – que alimenta a participação e retro-

alimenta-se dela – a participação hoje é, per se abrangente, versando sobre todos os assuntos

da pauta política do país.

No caso da saúde, a materialização dessa nova conjuntura dá-se através da construção

de um forte aparato social público, que tem seu início na missão “Barrio Adentro”, e sua

formalização através do Sistema Público Nacional de Saúde. Nesse aspecto, ressaltar-se-á a

rápida construção de um Sistema de Saúde em curto prazo que se rege menos por iniciativas

formais, e, muito mais, por iniciativas práticas. O caráter do debate em torno da política de

Saúde demonstra clara preocupação por ora focada em iniciativas ao atendimento popular. Por

mais que a construção do Sistema anuncie a universalização como princípio, fica claro que há

uma prioridade de atendimento aos setores que outrora não dispunham de saúde.

Esse é apontado como um dos elementos centrais para que a missão “Barrio Adentro”

tenha consistido na principal âncora do processo participativo do setor. Em contrapartida, a

participação da população jogou papel fundamental na legitimidade conferida à missão. O

decurso da participação em saúde inicia-se, portanto, na formação dos comitês de saúde,

instâncias de participação popular auto-organizadas, que se formaram para apoiar e

impulsionar o atendimento médico da missão, feitas – naquele momento –, pelos médicos

cubanos.

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A importância da participação nesse setor é notória e fundamental, mas não está, no

entanto, descolada do contexto da participação na vida política de forma geral. Assim, a

participação em saúde é tão somente “mais uma” forma de participação, já que a população se

organiza de diversas formas, em distintos temas.

A recente organização de poderes locais, chamados “Conselhos Comunais” é um

passo à frente nessa experiência participativa, já que cria a integração entre os comitês

temáticos e anuncia a consolidação do “poder popular”.

As dificuldades e entraves dessa experiência residem em seu curto tempo de

existência. Isso significa que suas perspectivas também anunciam dúvidas, especialmente

quando a formalização da participação através dos arcabouços jurídico-institucionais toma

corpo. A possibilidade iminente de institucionalização do processo – que teve como uma de

suas características essenciais a auto-organização – é uma preocupação relevante, além de um

debate aberto e travado em todos os espaços de discussão na Venezuela. Da mesma forma, a

consolidação do poder local financiado pelo Estado também é uma ameaça séria, já que pode

vir a fortalecer uma cultura de atrelamento e subordinação.

Ao mesmo tempo, a superação dessas possíveis “ameaças” deve ser obra do próprio

processo, já que diante da existência de uma cultura participativa e protagônica a

possibilidade de se influenciar “de baixo para cima” é grande, especialmente após o

diagnóstico de que a cultura participativa é uma realidade concreta inquestionavelmente

forjada pela população venezuelana.

O poder da participação popular na Venezuela é ferramenta necessária, portanto, para

que se aprofundem os rumos do processo político em curso. Todo o exposto demonstra um

horizonte carregado de possibilidades e cujo quadro político é favorável para aprofundar

progressivamente uma sociabilidade calcada no protagonismo da população. Para tanto,

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radicalizar a distribuição do poder através do fortalecimento da participação popular e da

preservação da sua autonomia é o precedente mais fundamental.

As perspectivas e possibilidades de uma revolução na cultura política que contribua

com as mudanças levadas a cabo pela “revolução bolivarana” está, dessa forma, diretamente

ligada ao desenvolvimento e aprofundamento da participação no sentido amplo e irrestrito,

caminho já iniciado e cujos férteis terrenos em direção à sua consolidação este trabalho

introduz.

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2. Jesus Ojeda. Coordenador da Pós-graduação de Medicina Social e Integral do IAESP. Entrevista realizada em 06 de Agosto de 2006.

3. Virginia Aguirre. Coordenadora nacional da Direção Geral de Investigação e

Educação do Ministério da Saúde. Entrevista realizada em 25 de Agosto de 2007.

4. Leonor Franco. Coordenadora Nacional da missão “Barrio Adentro III”, entrevista concedida em 11 de Agosto de 2006.

5. Belén Murse. Coordenadora Nacional da missão “Barrio adentro II”. Entrevista

realizada em 15 de Agosto de 2006.

6. Carmem Márquez. Diretora da Coordenação Metropolitana do “Barrio Adentro” em Caracas. Entrevista concedida em 16 de Agosto de 2006.

7. Pedro Alcalar. Coordenador da Escola de Nova Cidadania, do Instituto de Altos

Estudos em Saúde Públicas (IAES), em entrevista concedida em 28 de Agosto de 2006.

8. César Arismendi, Coordenador Nacional da Coordenação Geral dos Comitês de Saúde

do Ministério da Saúde. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006.

9. Chino, membro do comitê de saúde da paróquia “la pastora”, no município de Caracas. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006.

10. Hermínia Muñoz, militante do comitê de saúde “San Francisco de Assis”. Entrevista

concedida em 22 de Agosto de 2006.

11. José Olivo, militante do comitê de saúde “San Francisco de Assis”. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006.

12. Marina Ascano, militante do comitê de saúde de Patrurite. Entrevista concedida em 22

de Agosto de 2006.

13. Nerys Rodriguez, militante do comitê de saúde de Patrurite. Entrevista concedida em 22 de Agosto de 2006.

14. Senhora militante da Casa de Alimentação “Santa Bárbara” da Paróquia San Juan, em

Caracas. Entrevista concedida em 04 de Agosto de 2006. TRANSCRIÇÃO DE ENCONTRO Deputado Juan César Alviarez, membro da Comissão de Saúde da Assembléia Nacional, em apresentação sobre a proposta e Lei Orgânica de Saúde aos comitês de saúde, no dia 17 de Agosto de 2006.

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ANEXOS

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ANEXO 1- DADOS GERAIS DA VENEZUELA (I)

� Limita ao norte com o Mar Caribe, ao sul com Brasil e Colômbia, ao leste com o

Oceano Atlântico e com Guiana e pelo oeste com Colômbia;

� É um estado federal, organizado em 23 estados federados, um distrito capital e as dependências federais (72 ilhas). Tem uma extensão territorial de 916.446 Km², uma população de 27.030.656 habitantes (2006); 32,1% da população era menor de 15 anos e 7,3% maior de 60;

� Para o ano 2004 a densidade demográfica era de 28,4 habitantes por Km² e a taxa de

crescimento médio anual de 1,9%.

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ANEXO 2 – LISTA DAS 49 LEIS HABILITANTES 1. Ley de Tierras y Desarrollo Rural 2. Ley Orgánica de Espacios Acuáticos e Insulares 3. Ley General de Puertos 4. Ley Especial de Asociaciones Cooperativas 5. Ley Orgánica de Hidrocarburos 6. Ley de Creación, Estímulo, Promoción y Desarrollo del Sistema Microfinanciero 7. Ley de Aviación Civil 8. Ley de Transformación del Sector Bancario 9. Ley de Mensajes de Datos y Firmas Electrónicas 10. Ley Orgánica de Ciencia, Tecnología e Innovación 11. Ley de Transformación del Fondo de Inversiones de Venezuela en el Banco de Desarrollo Económico y Social de Venezuela 12. Reforma de la Ley de Función Pública de la Estadística 13. Ley de Zonas Especiales de Desarrollo Sustentable (ZEDES) 14. Ley del Sistema de Transporte Ferroviario Nacional 15. Ley de Reforma Parcial de la Ley de FONDAFA 16. Ley Orgánica de Identificación 17. Ley de Coordinación de la Seguridad Ciudadana 18. Ley de Reforma Parcial a la Ley del Banco de Comercio Exterior 19. Ley de Zonas Costeras 20.Ley de Fondos y Sociedades de Capital de Riesgo 21. Ley de Armonización y Cordinación de competencias de los Poderes Públicos Municipal y Nacional para la prestación de los servicios de distribución de gas con fines domésticos y de electricidad 22. Ley de Reforma de la Ley de Créditos para el Sector Agrícola 23. Ley de Comercio Marítimo 24. Ley General de Marina y Actividades Conexas 25. Ley de Cajas de Ahorro y Fondos de Ahorro 26. Ley del Cuerpo de Investigaciones Científicas, Penales y Criminalísticas 27. Ley de Contrato de Seguros 28. Ley del Fondo Único Social 29. Ley de Seguros y Reaseguros 30. Ley de Tránsito y Transporte Terrestre 31. Ley para la promoción y Desarrollo de la Pequeña y Mediana Industria 32. Ley de Fortalecimiento del Sector Asegurador 33. Ley Orgánica del Turismo 34. Ley Orgánica de Planificación 35. Ley de Pesca y Acuicultura 36. Ley de la Procuraduría General de la República 37. Ley de Reforma Parcial de la Ley General de Bancos y otras Instituciones Financieras 38. Ley de Bomberos y Bomberas 39. Ley del Fondo de Crédito Industrial 40. Ley de Reforma Parcial a la Ley del Impuesto Sobre la Renta (Reformada luego en la AN) 41. Ley de Registro Público y del Notariado 42. Ley del Estatuto de la Función Pública 43. Ley de la Organización Nacional de Protección Civil y Administración de Desastres 44. Ley que crea el Fondo de Inversión para la Estabilización Macroeconómica 45. Reforma Parcial del Estatuto Orgánico del Desarrollo de Guayana

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46. Ley de Procedimiento Marítimo 47. Ley de Licitaciones 48. Reforma a la Ley sobre Adscripción de Institutos Autónomos, Fundaciones y Asociaciones a los Órganos de la Administración Central 49. Ley Estímulo para el Fortalecimiento Patrimonial y la Racionalización de los Gastos de Transformación en el Sector Bancario

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ANEXO 3 – DECLARAÇÃO CONJUNTA DOS EUA E DA ESPANHA SOBRE A SITUAÇÃO DA VENEZUELA

Declaración conjunta de EE.UU. y el Reino de España sobre la situación en Venezuela

A continuación una declaración conjunta de Estados Unidos y España, emitida el 12 de abril 2002 en Washington.

Los gobiernos de Estados Unidos y de España, en el marco de su diálogo político reforzado, siguen los acontecimientos que se desarrollan en Venezuela con gran interés y preocupación, y en contacto continuo.

A este respecto, los dos gobiernos:

• declaran su rechazo a los actos de violencia que han causado una cantidad de víctimas y transmiten sus condolencias a las familias,

• piden el cese de la violencia y la recuperación de la calma pública,

• expresan su deseo de que la excepcional situación que experimenta Venezuela conduzca en el plazo más breve a la normalización democrática plena y sirva para lograr un consenso nacional y la garantía de los derechos y libertades fundamentales,

• urgen a la Organización de Estados Americanos ayudar a Venezuela en consolidar sus instituciones democráticas.

A la vez que expresan su pleno respaldo y solidaridad con el pueblo de Venezuela, los gobiernos de Estados Unidos y de España reiteran su convicción de que sólo la consolidación de un marco democrático estable puede ofrecer un futuro de libertad y progreso al pueblo venezolano. (termina el texto)

Fonte: Departamento de Estado dos Estados Unidos, escritório do porta-voz, 12 de Abril de 2002.

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ANEXO 4 – DADOS GERAIS DA VENEZUELA Dados Gerais da Venezuela (II) Indicador Valor

Mortalidade Infantil por 1000 NV (2004)*

16

Mortalidade Materna por 100.000 NV (2003)*

57,8

Esperança de Vida (2004)* 72 (Homens) 78 (Mulheres)

Alfabetização (2005)*** 98,2% (No ano 2005 é declarada como livre de analfabetismo ao ter menos de um 2% da população iletrada)

Famílias em pobreza (primeiro semestre 2006)**

33,9% (2.034.736)

Famílias em pobreza extrema (primeiro semestre 2006)**

10,6% (639.690)

Gasto em saúde total como % do PIB (2003)*

4,5

Gasto público em saúde como % do total do gasto sanitário (2003)*

44,3

Gasto privado em saúde como % do total do gasto sanitário (2003)*

55,7 (gasto direito das famílias 95,5% e planos de saúde 4,5)

Fonte: *OPAS (2006) **Instituto Nacional de Estatística (INE, 2006) *** Ministério de Educação Cultura e Esporte (2005) Fonte: “BARRIO ADENTRO EJE ARTICULADOR DE LAS POLÍTICAS SOCIALES Y DE LA CONSTRUCCIÓN DEL SPNS”.(HEREDIA, 2006)

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ANEXO 5 – RECURSOS HUMANOS DE CUBA, JANEIRO DE 2006 Profissionais Cubanos Venezuelanos

Médicos 14.998 1.080 *

Odontólogos 3.069 1399

Enfermeiras 643 2582

Optometrista 1447 0

Electromédicos 190 0

Outras categorias 1.398 1222

Fonte: Ministério da Saúde (2006)

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ANEXO 6 – INDICADORES COMPARADOS Fonte: “BARRIO ADENTRO EJE ARTICULADOR DE LAS POLÍTICAS SOCIALES Y DE LA CONSTRUCCIÓN DEL SPNS”.(HEREDIA, 2006)

Paises

Mas Fem

Argentina 71 78 8.9 48,6 51,4 55,6 38,2

Bolivia 63 66 6,7 64 36 79,3 10,6

Brazil 67 74 7,6 45,3 54,7 64,2 35,8

Canada 78 83 9,9 69,9 30,1 49,6 42,3

Chile 74 81 6,1 48,8 51,2 46,2 53,8

Cuba 75 80 7,3 86,8 13,2 75,2 0

Colombia 68 77 7,6 84,1 15,9 47,2 52,8

Ecuador 70 75 5,1 38,6 61,4 88,1 2,2

EEUU 75 80 15,2 44,6 55,4 24,3 65,9

Haiti 53 56 7,5 38,1 61,9 69,5 n/a

Peru 69 73 4,4 48,3 51,7 79 17,6

Venezuela 72 78 4,5 44,3 55,7 95,5 4,5

Mexico 72 77 6,2 46,4 53,6 94,2 5,8

*Expectativa

de Vida 2004

2003

**Gasto

sanitário

total como

% do PIB

**Gasto geral

do governo em

saúde como %

do gasto

sanitário total

**Gasto

privado

em saúde

como %

do gasto

sanitário

total

**Gasto

directo do

bolsilho

como % del

gasto privado

en salud

**Planos

pre-pagos

como %

do gasto

privado

em saúde

Paises

Mortalidade

Infantil por 1000

NV reportada

(ano 1997)*

Moralidade

Infantil por

1000 NV (ano

2004)**

Razão de Mortalidade

Materna reportada por

100.000 NV (ano

1997)*

Razão de Mortalidade

Materna reportada por

100.000 NV (ano

2002)*

%

Alfabetização

(1997)*

%

Alfabetização

(2002)*

Argentina 18,4 16 38,1 46,1 96,5 97

Brasil 37,3 32 59,1 73,1 85,6 87,7

Canadá 5,5 5 5,5 ... ... ...

Chile 10 8 22,3 16,7 95,3 96,1

Colombia 11,2 18 ... 84,4 90,7 92,2

Cuba ... 6 ... 41,8 96,2 96,9

Estados

Unidos de

América 7,3 6 8,4 8,9 ... ...

México 16,4 23 47 63,9 90,1 91,7

Venezuela 21,5 16 59,6 68 91,5 93,1