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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES (SCHLA) DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA (DECISO) RAFAEL ROCCINI MELLO O PSYCHOBILLY EM CURITIBA: Da chegada do gênero no Brasil, aos grandes festivais. CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES (SCHLA)

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA (DECISO)

RAFAEL ROCCINI MELLO

O PSYCHOBILLY EM CURITIBA:

Da chegada do gênero no Brasil, aos grandes festivais.

CURITIBA

2010

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RAFAEL ROCCINI MELLO

O PSYCHOBILLY EM CURITIBA: Da chegada do gênero ao Brasil, aos grandes festivais.

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharelado do Curso de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa Dra. Ana Luisa Fayet

Sallas

CURITIBA 2010

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RAFAEL ROCCINI MELLO

O PSYCHOBILLY EM CURITIBA: Da chegada do gênero ao Brasil, aos grandes festivais.

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná, pela Banca

Examinadora formada pelos professores:

Orientadora: Ana Luisa Fayet Sallas

Ângelo José da Silva

Mônica Panis Kaseker

Curitiba, 20 de Dezembro de 2010.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, pela paciência de todos, familiares,

colegas, professores e orientadores.

Aos meus pais, Carlos e Jacira, que não apenas acreditaram, mas criaram

um ambiente onde foi possível seguir adiante. Às minhas irmãs, Raiana e Jéssica,

e meu primo Thiago, pela compreensão e amizade.

À Gabriela, não apenas por estar sempre presente e acreditar, mas por

mostrar que era possível.

À minha orientadora, Ana Luisa, por seguir confiando e apoiando, semestre

após semestre.

E enfim, a todos àqueles que, ao longo de tantos anos, estiveram

presentes, colaboraram, e que participaram deste trabalho de alguma forma,

muito obrigado!

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SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................................................v

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................................. vi

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 07

2 ORIGENS E CONTEXTO DO PSYCHOBILLY ........................................................................ 11

2.1 ROCKABILLY .................................................................................................................... 13

2.2 DO ROCKABILLY AO PUNK ROCK ................................................................................. 14

2.3 PUNK ROCK ..................................................................................................................... 15

2.4 PSYCHOBILLY .................................................................................................................. 17

2.4.1 O som ..................................................................................................................... 20

2.4.2 O local .................................................................................................................... 23

2.4.3 O visual .................................................................................................................. 25

2.4.4 Temas abordados .................................................................................................. 30

2.4.5 Declarando-se apolítico .......................................................................................... 33

3 PSYCHOBILLY NO BRASIL .................................................................................................... 36

3.1 KÃES VADIUS ................................................................................................................... 38

3.2 O DESENVOLVIMENTO DO PSYCHOBILLY BRASILEIRO ........................................... 39

3.2.1 O local .................................................................................................................... 44

3.2.2 Curitiba ................................................................................................................... 46

3.3 DIVULGANDO E EXPANDINDO ....................................................................................... 50

3.4 OS CATALÉPTICOS ......................................................................................................... 52

3.5 OS FESTIVAIS .................................................................................................................. 54

3.5.1 Psychobilly Fest e Psycho Carnival ....................................................................... 56

3.6 PERSONAGENS DO PSYCHOBILLY CURITIBANO ....................................................... 58

4 ANÁLISE DO MATERIAL DE PESQUISA................................................................................ 64

5 CONCLUSÕES ......................................................................................................................... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 73

ANEXOS ........................................................................................................................................... 75

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v

RESUMO

A partir de um levantamento histórico do surgimento do gênero musical intitulado

Psychobilly e sua eventual chegada ao Brasil, foi realizada uma pesquisa sobre

seu desenvolvimento nacional e sobre algumas das bandas que se destacaram

ao longo destes anos. Foram estudados também alguns eventos de maior

relevância, culminando nas últimas edições do Psycho Carnival, atualmente o

maior festival nacional do gênero, reconhecido mundialmente. O trabalho se

desenvolveu através de uma etnografia que envolveu observação participante

com permanência de longo prazo dentro do grupo pesquisado, além da realização

de entrevistas e pesquisa documental. Buscamos descobrir o caráter do

psychobilly brasileiro, a importância da cidade de Curitiba, PR para o gênero e

como se dá o envolvimento das pessoas com o estilo. Fundamentando a

pesquisa através de trabalhos sobre cultura, grupos juvenis, identidade e

pertencimento, em autores como os de Simmel, Wacquant e Reguillo verificamos

a maneira como o psychobilly se desenvolveu e meios que utilizou para se

difundir. Por fim como, impulsionada por sentimentos, e sendo uma expressão de

sensações, o psychobilly exprime ao mesmo tempo, individualidade e

pertencimento à um grupo, e sua consequente diferenciação com os demais.

Palavras-chave: Individualidade; Pertencimento; Juventude; Música.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 - Guitarrista da banda alemã Chibuku ............................................................27

FIGURA 2 - Guitarrista e baixista da banda curitibana As Diabatz ...................................28

FIGURA 3 - Foto da divulgação da banda alemã Mad Sin ...............................................29

FIGURA 4 - Tatuagem feminina .......................................................................................32

FIGURA 5 - Tatuagem masculina ....................................................................................32

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1 INTRODUÇÃO

Inserido neste meio de maneira direta, como público e também como

artista, sofro obviamente a dificuldade do distanciamento e estranhamento de um

objeto que me é familiar e que faz parte do meu cotidiano há mais de dez anos.

Se por um lado, esta proximidade parece me conceder facilidades, temo

que, como muitos antes de mim, e certamente muitos outros depois, terei o

desafio de deslocar aquilo que faz parte do meu eu, do meu dia a dia e que

constitui minha identidade, em objeto de análise. Muito mais complicado que

apenas direcionar-se à um espelho e descrever tudo àquilo que a visão abraça é

o movimento de entender que condições permitiram esta visão e como se chegou

ao objeto lá refletido.

Frequentei shows de bandas punks antes de shows de psychobilly, e

estava acostumado, portanto, com um som e visual agressivos, mas percebi

rapidamente as diversas diferenças entre ambos, e destaco algumas das

impressões iniciais que recordo ter percebido:

Os psychos se afirmam apolíticos e, de fato, não haviam cartazes ou

panfletos em seus shows, nem discursos no intervalo das músicas, e estas

também não possuíam qualquer tipo de discussão política, independente de

contexto ou acontecimentos da época.

No palco, as bandas pareciam tentar passar uma imagem de demência e

recorriam constantemente à diversas expressões faciais na tentativa de ilustrar

este estado psicótico, de desespero, ou ainda, agiam como se tomados por

alguma espécie de espírito ou entidade que os fizessem agir descontroladamente.

Encarei estes detalhes sempre como algo teatral, pois diferente da postura punk

em que muitos se mantinham sérios ou pareciam desafiar o público, o psychobilly

parecia conter uma dose de atuação.

Dois pontos que despertam curiosidade em relação ao psychobilly são, o

uso do baixo acústico (Popularmente conhecido por “baixo de pau” ou “rabecão”),

por não ser algo comum ao ambiente do rock alternativo e também a disposição

da bateria de forma que possa ser tocada em pé.

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Esta aproximação com o psychobilly ocorreu, durante muito tempo, apenas

enquanto público, período em que segui com alguns projetos no meio punk,

alternando entre bandas e na organização de pequenos eventos. Apenas após

cerca de sete anos nesta condição, passei a integrar uma das bandas nacionais

mais influentes do psychobilly nacional, a banda Ovos Presley.

Apesar de integrar a banda há alguns anos, em momento algum me

identifiquei com a cultura e sequer com a maior parte das bandas de psychobilly,

ou seja, não adoto o visual, e aprecio apenas algumas poucas bandas que

poderiam ser encaixadas numa das vertentes do chamado power-psycho, que

seria o estilo psychobilly tocado de maneira mais rápida.

Embora não haja, portanto, identificação direta com o estilo, sou parte da

cena psycho brasileira e das relações que mantém esta ativa. Convivo com

muitas destas pessoas em ambientes além dos shows e festivais, e o fato de

topetes coloridos e sapatos masculinos com solas de cinco centímetros não me

causarem o espanto que provavelmente causariam ao observador leigo traz o

perigo de não atentar a fatos e comportamentos de vitais à discussão do tema.

* * *

Pretendemos com este trabalho, entender o fenômeno do psychobilly na

cidade de Curitiba, PR, o que este representa, e como se estabeleceu.

De maneira resumida podemos dizer que o psychobilly é um subgênero do

rock, nascido no fim dos anos 70 da mescla do rockabilly dos anos 50 com o punk

rock dos anos 70, e que possui entre suas características mais facilmente

identificáveis o som e a maneira como é tocado, o visual adotado pelos adeptos,

as temáticas abordadas nas letras das músicas, além de se declarar um estilo

apolítico.

Para esta análise levantamos o surgimento do psychobilly e sua chegada

ao país, seu desenvolvimento nacional e local, para então traçar uma linha do

tempo das principais bandas nacionais, e então colher entrevistas e depoimentos

de seus integrantes e daqueles que estiveram envolvidos na organização dos

principais acontecimentos do gênero, sejam festivais, coletâneas e até mesmo

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programas de rádio. Utilizaremos para isto o trabalho de alguns pesquisadores na

área musical, relatos e resenhas da história deste movimento, além de

documentos históricos como os próprios cartazes de shows e festivais realizados

ao longo dos anos.

Quatro questões principais foram levantadas para este trabalho. A primeira

delas tentará entender se este movimento, após seu estabelecimento no Brasil,

seguiu como simples releitura do modelo inglês, ou se adquiriu características

próprias.

Em seguida questionaremos a possibilidade da cidade de Curitiba ter se

tornado referência nacional em relação ao estilo e, se o fez, que fatores levaram à

isto - uma vez que esta abriga os dois maiores festivais do gênero, e foi berço da

banda nacional que adquiriu maior destaque internacional até hoje: Os

Catalépticos.

Num terceiro momento tentaremos descobrir se a formação de gostos e

padrão de consumo dos envolvidos foi afetada pela classe social e graus de

escolaridade que estes pertenciam/possuíam.

E finalmente tentaremos descobrir que razões, sentimentos e disposições

motivam estas pessoas a agir enquanto grupo e ou movimento.

Como citado acima, foram coletados alguns dados sobre o movimento, sua

história e integrantes, e alguns destes foram levantados através de questionários,

entrevistas e depoimentos. Ao total, foram realizados 15 questionários com

pessoas com as quais pudemos, posteriormente, realizar pequenos questionários

a fim de complementar as informações levantadas.

Os questionários foram elaborados levando em conta o perfil sócio-

demográfico dos entrevistados, analisando questões como renda, faixa etária e

grau de instrução destes e de seus pais.

Também abordamos a maneira e momento em que se deu o envolvimento

com a música, da época em que optaram por aprender um instrumento ao

momento em que conheceram o psychobilly.

Investigamos ainda, questões culturais pessoais como bandas que

serviram de referência para estes, até gosto por filmes e hábitos de leitura.

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Foram realizadas também entrevistas posteriores com as pessoas que

responderam aos questionários, e também com outros envolvidos, sobretudo

membros de bandas e produtores de shows.

Por fim, analisamos depoimentos postados no Fórum Psycho BR

<http://www.psychobilly.com.br>, mas selecionando entre as centenas de

participantes, àqueles com certo grau de envolvimento no meio.

O primeiro capítulo, onde realizaremos um levantamento histórico do

psychobilly, passará por um resumo de diversas vertentes do rock, e para isso

utilizaremos os trabalhos de Friedlander (2002) e Chacon (1992), pois ambos

trabalharam o tema, analisando o rock de seu surgimento até algumas de suas

formas atuais.

Em seguida trabalharemos alguns pontos com autores como Simmel

(2003), ao tratar da questão da música como um sentimento exteriorizado, e uma

prática realizada com outros; Magnani (2002), ao tratar do local de

desenvolvimento do psychobilly, onde este se desenvolve; E Wacquant (2002), ao

tratar questões como a pretensa despolitização dentro do estilo, e como de fato é

possível haver, durante um momento (Os shows, por exemplo), a constituição de

um espaço isolado, à parte de questões cotidianas e voltado às próprias práticas

que o constituíram.

No segundo capítulo, ao relatar o desenvolvimento do gênero no Brasil,

utilizaremos em grande medida artigos e colunas publicados em jornais, blogs e

revistas eletrônicas, além de uma série de depoimentos e relatos de pessoas

envolvidas com o psychobilly nacional.

Em seguida, ao tratar de questões como a constituição de identidade do

grupo, e das noções de pertencimento à este, e distanciamento dos demais,

traçaremos um paralelo com um texto de Gurvitch (1993), que trabalha a questão

de grupos organizados, e também de Reguillo (2003), que em alguns trabalhos

aborda diretamente o tema.

Embasados ainda das teorias de Bourdieu (1999), quando este fala das

formas de socialização e da incorporação do habitus, além de sua teoria do poder

simbólico, ao tratar do reconhecimento dos indivíduos enquanto membros do

grupo, seguindo então para a análise de Wacquant, que trata da questão da

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apropriação de uma série de mecanismos até que o indivíduo esteja preenchido

deste conteúdo que o faz ser reconhecido como membro.

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2 ORIGENS E CONTEXTO

De maneira resumida, trabalharemos uma linha do tempo do rock, relativa

ao período que nos é pertinente para este estudo e nos permitindo o não

aprofundamento em questões relativas à seu desenvolvimento. Utilizaremos,

portanto, estudos já realizados como o de Paul Friedlander (2002), Paulo Chacon

(1992) e ainda, o levantamento realizado por Hobsbawn (1990) acerca do jazz,

mostrando como a música negra era um elemento de resistência, traçando o

desenvolvimento desta até o jazz em seu formato contemporâneo, acolhido pela

indústria e consumido por brancos e negros; Estes trabalhos servirão de linhas

guia acerca do desenvolvimento do rock, em cima da qual pontuaremos nosso

objeto.

A música negra, desde o blues rural que ecoava como lamento solitário dos

negros na época da depressão, era o refúgio destes, reprimidos por uma

sociedade dominada por brancos, anglo-saxões e protestantes (WASP – White,

Anglo-Saxon and Protestant). Além da música, o corpo era utilizado como espaço

possível para fuga, e a música negra continha um apelo sensual expresso não

apenas em suas notas e letras, mas através da dança (CHACON, 1992, p. 84-85).

Com a migração crescente das zonas rurais para as cidades, além do clima

da Segunda Guerra, a música negra sofreu alterações na forma e conteúdo.

Surgiu o chamado blues urbano, e daí em diante se desdobrou ainda em outras

formas como o jump band jazz que possuía uma batida ainda mais rápida criando

o swing, ou seja, uma energia presente que fazia o ouvinte dançar, libertando-o

de sua condição passiva e comportada, e ainda, este já apresentava a

composição de palco a ser utilizada pelo rock´n´roll, que consistia em guitarra,

baixo, bateria e piano.

Tivemos ainda o rhytmn and blues (R&B), apontado como o estilo de maior

influência para o surgimento do rock´n´roll em sua forma clássica, além do country

e folk, dois estilos de origem branca, que embora em menor escala, também

contribuíram de maneira fundamental.

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Segundo Chacon (1992), uma das marcas do rock´n´roll é a troca que ele

realiza com o público, que precisa fundamentalmente, dançar e cantar,

independente de quanta habilidade se possua para quaisquer das atividades.

Trata-se de uma nova forma de relação e comportamento durante as

apresentações musicais, que pressupõe uma troca e integração entre artista e

público.

E o público era característica marcante por dois aspectos. O primeiro deles,

o fato de ser majoritariamente jovem, e o segundo, em razão de adotarem esta

nova música como uma maneira de ver e se posicionar no mundo, exigindo seu

espaço e que sua voz seja ouvida Foi encontrada, além de uma música atual e

que podia representar este grupo, um canal que permitia maior expressão de

seus anseios nesta época (CHACON, 1992, p. 84-104).

Portanto, para além do universo da produção musical, o rock possuía um

caráter unificador de vontades individuais. Era uma espécie de manifesto de

recusa ao domínio de artistas conservadores como Perry Como, Frank Sinatra e

Ray Connif, que, apoiados pelas grandes gravadoras, há anos disseminavam a

imagem e mensagem dos valores tradicionais e do american way of life norte

americano.

Houve ainda nos Estados Unidos, após a Guerra da Coréia (1950-53), um

sentimento favorável à libertação do indivíduo, à libertação do “eu”, que aumentou

ainda mais a desconfiança em relação à estes valores e modelos. Existia uma

ansiedade por algo novo, e então o rock´n´roll trouxe consigo tanto a vibração da

música negra, a liberdade corporal, o som pesado da guitarra elétrica e a rebeldia

frente a uma moral que havia levado à morte em campos de batalha milhões de

pessoas em poucos anos.

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2.1 ROCKABILLY

É possível citar Bill Haley and the Comets como a primeira banda do

gênero, ainda que Elvis Presley tenha sido a grande marca e o representante de

um novo estilo, demonstrando tanta energia cantando quanto dançando e logo

tornando-se símbolo sexual, um sucesso de vendas e sem dúvidas um modelo

que influenciou inúmeros artistas posteriores não apenas nos anos 50, mas até os

dias de hoje.

Uma de suas criações foi resultado da união particular que fez dos estilos

country, blues e R&B dando origem ao rockabilly, fruto da fusão do rock´n´roll com

o hillbilly1, embora este também tenha seu início sempre associado a artistas

como Carl Perkins, que em seus shows apresentava músicas country em versões

aceleradas, e ainda Bill Haley, que antes de montar a banda Bill Haley and the

Comets, seguia uma carreira como cantor country mas que, assim como Carl

Perkins, também acelerava e dava nova feição às suas músicas.

Vale destacar, ainda neste período, o grupo Maddox Brothers and Rose,

também precursor do gênero rockabilly, com um grande diferencial sobre os

citados até o momento: Fred Maddox desenvolveu a técnica para contrabaixo

denominada slap-back. Esta técnica consiste em puxar as cordas do instrumento

à frente, forçando o choque destas com o corpo do instrumento e produzindo

assim um som um tanto característico. Anos mais tarde, esta se transformou em

uma das marcas do psychobilly, tendo seu nome encurtado para slap.

Após esta abordagem inicial do surgimento do rock´n´roll e do rockabilly,

seguiremos à segunda principal influência para o surgimento do psychobilly que

foi o punk, não apenas em sua manifestação musical, mas como um movimento.

1 Nome pelo qual era conhecida uma parte da música country realizada quase exclusivamente por artistas brancos.

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2.2 DO ROCKABILLY AO PUNK ROCK

Diversos foram os estilos e sub-categorias relacionadas ao rock ao longo

dos anos 50, 60 e 70 até o surgimento da música punk e, apesar de não ser

nossa intenção um resgate detalhado de todo este desenvolvimento, citaremos

apenas como referência fenômenos como a surf music, ainda nos anos 50. Em

grande parte de suas composições adotava um ritmo com tempos reduzidos,

deixando a música mais rápida e, ainda, substituindo muitas vezes a linha de voz

pela guitarra ou por um saxofone. Este é um gênero que continua sendo

resgatado e é bastante apreciado em meio aos psychos.

Ao longo dos anos 60, o mundo acompanha ainda o surgimento dos Rolling

Stones, e também dos Beatles, ambos fenômenos que atingiram grande sucesso

e foram influência para inúmeros artistas. Destaca-se certamente o grupo inglês

The Beatles devido ao sucesso alcançado pela banda, reconhecida em diversos

países, tendo alcançado marcas históricas na venda de discos.

Nos anos 60, um novo passo foi dado e, para além da constestação visual

e sonora, também foi abordada a crítica social e política O rock, em suas

variações, englobou tanto a luta armada quanto o pacifismo. No entanto, isto não

ocorria ainda no Brasil e se por um lado os Beatles lançavam Sgt. Peppers Lonely

Hearts Club Band, seu álbum mais impactante e influente, segundo inúmeros

críticos e historiadores, o Brasil, pré ou pós ditadura, não possuía “nem hippies,

nem violentos na Jovem Guarda” (CHACON, 1992, p. 97). Ou seja, estava ainda

limitado apenas como entretenimento, e não havia ainda, sido utilizado como

instrumento de contestação.

Uma série de novos estilos se desenvolve durante esta década, como o

folk rock (Bob Dylan, Simon and Garfunkel, Joan Baez...), o rock psicodélico2, o

rock progessivo (Yes, Jethro Tull, Gênesis...), Hard Rock e Heavy Metal (Estilos

mais pesados que, apesar de distintos um do outro possuem também bandas 2 Este englobou algumas bandas em momentos específicos de sua carreira, como os próprios Beatles, além de The Doors, Jefferson Airplane, entre outros.

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comuns como Led Zeppelin e Deep Purple). E havia ainda o Arena Rock, um

fenômeno da época que surgiu em razão do grande sucesso de algumas bandas

que passaram então a se apresentar em estádios, estes sempre lotados, e em

shows contando com grandes investimentos em equipamentos de som,

iluminação e efeitos especiais.

2.3 PUNK ROCK

Existe em torno do punk rock, seja como expressão musical ou cultural,

uma gigantesca discussão, impossível de ser esgotada ou mesmo resumida neste

trabalho, acerca de suas formas, abrangência, que conteúdos são ou não válidos.

Nos direcionamos a alguns pontos que acreditamos fundamentais, pois vieram

servir de influência direta ao psychobilly.

O punk rock possui como algumas de suas características um visual

agressivo, como forma de protesto frente a padrões estabelecidos, temas políticos

e sociais na forma de críticas às guerras e militarismo, desemprego, desigualdade

social e uma infinidade de assuntos pertinentes aos jovens dos Estados Unidos e

Inglaterra (Principais berços do gênero), expressando raiva e violência. Tudo isso

expresso em músicas rápidas e bastante simples, tanto em oposição ao rock

progressivo e seus demorados solos de guitarra e músicos extremamente

técnicos sempre em busca de composições complexas, quanto pela necessidade

que sentiram de tomar para si a tarefa de produção musical e narrar seu

descontentamento e aventuras cotidianas. Como ressalta Essinger (1999, p. 19)

em seu trabalho sobre o punk, “O que faltava de técnica, a banda compensava

com uma energia, uma urgência e uma visão acurada da realidade adolescente,

que a tornava culto entre a garotada da cidade” (id., p. 19); Nesta passagem o

autor se refere a uma banda específica, mais precisamente a banda The Germs,

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de Los Angeles, CA, mas acaba por descrever um sentimento que foi comum a

uma infinidade de jovens da época.

Completando este sentimento trouxeram consigo o ideal do Faça Você

Mesmo (Do It Yourself, ou simplesmente DIY), que implicava sobreviver à

margem do modelo capitalista de produção (Um dos grandes alvos de crítica de

bandas punks até hoje), incentivando as pessoas não apenas a fazer suas

próprias músicas, mas produzir seus álbuns, organizar eventos, produtos e todo

tipo de trabalho que fosse necessário.

Embora estudos como o de Stewart Home (1999) destaquem a influência

de teorias specto-situacionistas, do futurismo, dadaísmo, fluxus e mail-art, estes

também apontam a importância de como o punk, como expressão, foi recebido

nas ruas. Toda uma geração de jovens entendeu o movimento como uma

expressão de frustração e desejo de mudança. Além disso, representavam a

possibilidade de ter como ídolos pessoas próximas ou que, no mínimo, viviam a

sua realidade, e ainda, através do faça-você-mesmo, além de formarem suas

próprias bandas, circuito de shows, imprensa alternativa (Através dos fanzines) e

até mesmo criando ou adaptando suas próprias roupas (id., p. 127-129).

Mais que recusa ou crítica ao modelo capitalista de produção, era a

possibilidade de se ter algo que ainda não era oferecido, de se criar algo novo (E

que posteriormente também passou a fazer parte da indústria). Levou algum

tempo até grandes gravadoras e imprensa perceberem que aquele fenômeno não

era isolado, e que poderia sim, ser transportado e comercializado, mas ainda

assim ficou mantido este sentimento de que se pode sobreviver de maneira

independente e isso dava uma sensação de poder inédita à toda esta geração

(ESSINGER, 1999, p. 61-64).

E, após o punk rock, surgiram algumas vertentes que precisam ser citadas

como o hardcore, que é um desdobramento ainda mais simples e veloz,

aparentemente um pouco menos preocupados com o visual e mais extremos em

suas posturas. Há também o anarco punk que, como sugere o nome, são bandas

e indivíduos que fizeram do movimento punk seu palco de debates para temas

anarquistas e, mais ao fim dos anos 70, o street punk ou oi!, originado nos

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subúrbios operários da Inglaterra na tentativa de uma revitalização do punk, da

forma como este foi em seu início, agressivo e retratando, como sugere o nome, o

“punk das ruas” e tudo que está associado a este cotidiano, inclusive a violência

2.4 PSYCHOBILLY

O psychobilly surge, portanto, da mescla de elementos presentes em

estilos dos anos 50 e 70, e se, em alguns momentos pode aparecer ao lado do

rockabilly, é porque de fato este estilo deve muito a seu antecessor, mas como

bem resume Luiz Teddy, ex-integrante das bandas Coke Luxe e Rockterapia, ao

escrever para o fanzine virtual FanzineWear 2010 (Consultado em Março de

2010):

No meio desta bagunça, a cena underground tomou vários rumos distintos e foram criados muitos sub-estilos na cola do punk. Um deles foi o psychobilly que, sem muita complicação, era uma mistura do rockabilly dos anos 50 com a rebeldia do punk rock dos anos 70.

Para entender esta fusão, basta esquecer o sentimentalismo típico do rockabilly e colocar um pouco de raiva e atitude ao som, também comum ao punk.

E complementa Gus Von Tomb3, ex-baixista das bandas Missionários e Os

Catalépticos:

O rockabilly tenta preservar a pureza de uma guitarra limpa, o psycho pouco se importa com isso, e se a música permitir muita distorção é assim que vai ser. O rockabilly é nostálgico, curte o ambiente o som o clima dos anos 50. O psycho é atual. Pega toda a neurose que existe hoje e transforma tudo isso tanto em visual como em música. Nesse ponto cabe uma pequena explicação: esta “neurose” que o psychobilly trata não diz respeito com a realidade, problemas sócio-econômicos,

3 Texto Intitulado “FAQ Psychobilly”, distribuído em diversos fanzines, sites, fóruns e grupos de discussão ao longo dos anos de 1996 e 1997, no entanto, o próprio autor não possui referência exata da data deste texto.

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etc... ela é direcionada sempre ao irreal, escatológico, bizarro. O psychobilly é o bizarro. O que de fato importa é que o psycho nasceu tendo o rockabilly como base, mas tudo isso muito distorcido por uma linguagem atual e caótica.

Para facilitar a análise do tema, e principalmente dos depoimentos que

seguirão, destacamos a seguir alguns dos termos mais recorrentes dentro deste

meio, muitos deles utilizados amplamente pelos interlocutores, ao relatarem suas

impressões sobre o estilo.

Optamos por destacar suas definições comuns, retiradas do dicionário

(Aurélio Básico, 1988), e então, o sentido atribuído por estas pessoas, tendo este,

sido resultado da análise das falas e depoimentos colhidos ao longo da pesquisa.

•••• Demência S. f. 1. Patol. Qualquer deterioração mental. 2. Pop. Loucura,

doidice. 3. Procedimento insensato.

•••• Demente Que ou quem apresenta demência; Louco insensato.

Significado atribuído: Bastante próximo da segunda definição, de caráter

popular, é usada em referência à uma postura agitada e bastante performática,

por vezes adotando um comportamento que poderia ser confundido com uma

espécie de possessão, podendo ser agressiva visualmente e também na prática,

direcionada aos demais ou de maneira autodestrutiva.

•••• Psicose S. f. 1. Méd. Designação comum às doenças mentais; psicopatia.

2. Fig. Idéia fixa; obsessão.

•••• Psicótico Que sofre de psicoses

•••• Psicopatia S. f. 1. Psiq. Estado mental patológico caracterizado por

desvios, sobretudo caracterológicos, que acarretam comportamentos

anti-sociais. 2. Med. Psicose (1).

•••• Psicopata Que sofre de doença mental ou tem personalidade psicopática.

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Significado atribuído: Principal termo dentro do imaginário psycho, é

utilizado num sentido similar à definição dada pela psiquiatria, fazendo referência

à indivíduos ou comportamento perverso e anti-social. Os psychos, no entanto,

vão um pouco além e aumentam a dosagem de horror, violência e perversões

sexuais.

•••• Insano Adj. 1. Insensato, demente. 2. Fig. Excessivo, árduo, custoso. ● S.

m. 3. Indivíduo insano, demente.

Significado atribuído: Em grande parte das vezes, é adotado um sentido

idêntico ao de Demência, mas também pode ser usado para descrever shows ou

comportamentos excessivos, ou cujos resultados não foram calculados. Há de se

atentar ao fato de que para além de toda postura e atitudes, trata-se sempre de

um comportamento planejado e controlado, algo teatral, e quando alguns atos

fogem à este padrão, podem ser descritos como insanos.

•••• Neurose S. f. Psiq. Perturbação mental que não compromete as funções

essenciais da personalidade e em que o indivíduo mantém penosa

consciência de seu estado.

•••• Neurótico Que sofre de neurose

Significado atribuído: Usado mais para descrever o som do que o

comportamento das bandas, seu sentido é semelhante à definição psiquiátrica e

remete a uma atmosfera de terror e agonia intensas. Uma espécie de expressão

dramática de dor e violência, penosa mas que segue adiante, de maneira

cadenciada.

•••• Bizarro Adj. 1. Gentil, nobre, generoso. 2. Bem-apessoado, bem-parecido.

3. Vestido com elegância. 4. Estravagante, esquisito.

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Significado atribuído: Talvez o termo mais distante de seu significado de

dicionário, mas com um sentido bastante comum popularmente, remetendo àquilo

que fica muito além do normal; Que causa choque e espanto por sua natureza

atípica. Algo que não pode ser compreendido, pois sequer era esperado dentro

dos padrões de comportamento.

2.4.1 O SOM

Para entender esta fusão, basta esquecer o sentimentalismo típico do rockabilly e colocar um pouco de raiva e atitude ao som, também comum ao punk.

Luiz Teddy (FanzineWear, 2010)

Naturalmente ainda existem discussões a respeito de alguns pontos do

nascimento do gênero, mas não há espaço para dúvidas ou hesitação quando

surge a pergunta: “Quem são os pais do Psychobilly?” Até mesmo os mais novos

adeptos são capazes de responder, com confiança, que a primeira banda, os

definidores do estilo, aqueles que realmente ergueram esta bandeira e

decretaram seu nascimento oficial foram os ingleses da banda The Meteors, que

iniciaram sua carreira no final de 1979, em Londres.

A escalação da banda The Meteors pode ser considerada um resumo da

definição do estilo que estes criaram, pois esta é formada por três integrantes –

Pode ser considerada como “clássica” para o gênero – tendo um membro

proveniente da cultura rockabilly, outro que antes fora envolvido com o Punk, e

um terceiro aficcionado por filmes de terror.

Antes deles, pouco há para se comentar. Houve o emprego do termo

psychobilly na canção One Piece At Time, escrita pelo cantor/compositor country

Wayne Kemp para o também cantor/compositor Johnny Cash, que gravou a

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música, onde descreve a construção de seu Psychobilly Cadillac, em 1976.

Depois, veio a banda The Cramps, surgida em 1976. A banda aliava o rockabilly,

surf music e garage rock ao punk rock. Seus integrantes faziam parte da cena

punk inglesa e, em seus cartazes de divulgação de shows, descreviam sua

música como psychobilly e vodoo rockabilly, mas nunca se consideraram parte da

cena psychobilly propriamente dita – e fizeram questão de deixar isto claro

inúmeras vezes - , apesar da influência direta que tiveram na formação desta.

Para ilustrar, um trecho de uma entrevista realizada com Mark, integrante

da banda alemã, nascida em 1982, Krewmen4:

The 1st I heard of it, was in the UK. Paul Fenech was out there causing a storm, so in my book, the answer is the UK. So many people say The Cramps, but they were too Punky for me…

Um detalhe que, apesar de não constituir uma regra, é considerado

característica definidora do estilo é esta formação básica, utilizada por grande

parte das bandas, composta por três integrantes.

Nesta formação “clássica”, citada anteriormente, o guitarrista estará,

preferencialmente, fazendo uso de uma guitarra semi-acústica, o baterista terá

uma composição bastante simples de seu instrumento, o que lhe possibilita tocar

em pé e o baixista empunhará um gigantesco contra-baixo, fazendo uso da

técnica já citada, denominada slap, emitindo junto ao som das notas um estalo

característico muito admirado por fãs do gênero, como pondera Gus Von Tomb

(FAQ Psychobilly):

O contra-baixo acústico (Baixo-de-pau, rabecão, etc...) é um ícone do psychobilly. Uma marca bem característica e diferencial. De longe ao ver uma foto de uma banda tocando, se rolar um baixão você já vai saber que alguma coisa tem. Este também foi um ícone herdado do rockabilly, mas uma característica também antiga, mas menos usada no rockabilly com relação ao baixo de pau, foi potencializada no psycho: o slap.

4 Entrevista realizada em agosto de 2007 por aluna do curso de jornalismo durante produção do TCC entitulado “A Difusão do Psychobilly pelos Meios de Comunicação Brasileiros”. Tradução livre: “A primeira vez que ouvi falar dele (Psychobilly) foi no Reino Unido. Paul Fenech (Meteors) estava lá, causando uma tempestade, então, no meu livro, a resposta é Reino Unido. Muita gente diz The Cramps, mas pra mim eles eram muito punkinhos”.

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E o resultado de todas estas características e peculiaridades é um som não

tão rápido e agressivo quanto o punk rock, mas de postura igualmente ofensiva,

no sentido das atitudes que comporta e a maneira como é interpretado. É um som

que parece sujo e distorcido para não iniciados, mas que costuma ser bem

executado. Chama muito a atenção ao primeiro contato, a batida forte e constante

dos graves emitidos pela bateria e baixo, o agudo da guitarra, muito veloz em

alguns trechos ou apenas pontuando a música com sons que por vezes parecem

lamentos, e tudo isso narrado através de vocais que oscilam entre cantorias

melancólicas, desesperadas, sofridas ou cheias de raiva. Flávio Seixlack, membro

da banda Big Trep fala do psychobilly como a “cria maldita” do rockabilly e

comenta que este “revitalizou os três acordes básicos rockabilly adicionando a

fúria do punk-rock e letras influenciadas pelos filmes B e quadrinhos de terror 5”.

Existe nos shows uma atmosfera à ser alcançada, e se no punk o objetivo

era uma espécie de caos e desordem, o psycho aparenta demência e psicose,

mas que costuma exigir qualidade técnica e para atingir este imaginário psicótico.

De certa maneira, acreditamos ser possível uma comparação com o

movimento descrito por Simmel (2003), quando este fala da música, não mais

como um resultado direto dos sentimentos, mas como uma imagem destes. Algo

exteriorizado não pela simples necessidade de se expressar, mas algo realizado

para os outros.

2.4.2 O LOCAL

Retornando à Inglaterra, berço do psychobilly, é necessário citar o Klubfoot,

casa noturna aberta em Londres, onde eram organizados eventos conhecidos

como “Finais de Semana Psychobilly”, que agrupavam diversos grupos e grandes

públicos para prestigiar as principais bandas do gênero, conhecer novas, e trocar

informações, material, roupas, etc.

5 Texto retirado do Fórum Psycho BR, publicado em 14 de Agosto de 2005, sobre os "Quase 20 anos da banda Big Trep". Acessado em Julho de 2010

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O surgimento do Klubfoot se deu numa época em que predominavam na

Inglaterra as discotecas. As bandas haviam sido varridas para longe das casas

noturnas, que agora utilizavam apenas o som mecânico. Os poucos lugares que

abrigavam shows de bandas punks enfrentavam o problema da violência

crescente através de incontáveis conflitos entre diferentes correntes de

pensamento, sobretudo entre punks e skinheads. O Klubfoot foi o espaço onde

estes, além obviamente, dos psychos, puderam criar uma verdadeira cultura em

torno deste novo estilo em formação. Ao longo dos shows de diversas bandas é

que o estilo foi se formando musical e visualmente. Seguem mais dois trechos da

entrevista com Mark, do Krewmen:

The scene in the UK around the mid 1980s’ was colossal. The main mecca back then was of course The Klub Foot, Hammersmith, with absolutely hundreds arrive for the events, and the place was so crowded it was mental. If we weren’t playing there, I was still in the crowd at pretty much every psychobilly event. Then, like now, I just couldn’t get enough of the feeling it gave me.

* * *

They looked the same as they do now. Massive multi-coloured flat-tops, all sorts of shapes shaved into their hair. Well... Like bloody freaks! Don’t forget there were many punks and skins turning up at events, so the clothes were all sorts of styles 6.

Na metade dos anos 80, o estilo se firmou pela Europa, com bandas

surgindo por todo continente, arrebanhando novos adeptos e levando adiante a

cultura Psychobilly, que logo aparece também na América do Norte, Ásia e

América Latina, lugares por onde histórias semelhantes ocorriam, com bandas

surgindo e donos de casas de show inicialmente apreensivos, mas depois

aliviados por terem encontrado um novo movimento que parecia mais preocupado

com os shows e menos propenso a conflitos.

Antes, no entanto, é preciso estar atento ao fato de que o psychobilly foi,

inicialmente, um fenômeno exclusivo das grandes cidades, de uma época em que

6 Tradução livre: "A cena no Reino Unido pela metade dos anos 80 era enorme. O local principal nesta época era, obviamente, o Klub foot, em Hammersmith, onde centenas chegavam aos eventos e o local ficava tão lotado que aquilo era insano. Se não estávamos lá tocando, eu [sic] estaria na platéia em praticamente todo evento de psychobilly. Então, como hoje, eu simplesmente não conseguia me satisfazer com o sentimento que aquilo me proporcionava. * * * Eles tinham a mesma aparência dos dias de hoje. Topetes enormes e multi-coloridos, de todos os formatos. Bem... Como umas aberrações! Não esqueça que também haviam muitos punks e skins aparecendo nos shows, então as roupas eram de todo tipo de estilos".

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a contracultura e diversos tipos de manifestações de auto-afirmação de identidade

já haviam ocorrido, de um ambiente cultural que capaz de aceitar um grupo que

aborde diversos tipos de tabu como temas e, ainda, em que a produção musical

não fosse restrita apenas a determinadas classes. Houve todo um conjunto de

pré-requisitos necessário para o desenvolvimento desta cultura, além de meios de

comunicação que permitissem um intercâmbio cultural inicial.

Foi necessário, portanto este contexto urbano para as primeiras

manifestações do estilo, e dentro de grandes cidades é que o psychobilly

encontrou, em clubes de aparência suja e decadente, o espaço para se

manifestar.

Magnani (2002) nos chama atenção ao fato de que, para além dos atores,

grupos e da própria prática, a paisagem, ou espaço onde estes se encontram e a

prática se desenvolve também deve ser objeto de análise. Por isso a importância

de se analisar o principal local de desenvolvimento do fenômeno psychobilly, que

são as casas onde ocorrem os shows, e historicamente este espaço consistia em

clubes e casas noturnas que outrora já haviam cedido lugar à outros subgêneros

do rock, sobretudo o punk.

Importa notar que analisando vídeos, fotografias e até mesmo depoimentos

sobre shows, desde o surgimento do psychobilly em Londres até eventos

recentes no Brasil, é comum se deparar com locais que, num primeiro momento,

aparentam ser sujos e decadentes. Com exceção de alguns poucos que outrora

foram dedicados ao rockabilly e possuíam decoração voltada para o estilo, os

shows de psychobilly costumam ocorrer em pequenos bares, com palcos

improvisados, mal iluminados e com fachadas que chegam a aparentar

abandono.

Mesmo clubes tradicionais como o Klubfoot, durante toda sua existência,

seguiram mantendo esta aparência, que não está relacionada apenas aos baixos

orçamentos com que costumam operar, mas também com a imagem que querem

manter, assim como os próprios estilos (Seja o psychobilly, o punk...),

alternativos, e como uma espécie de resistência, beirando a marginalidade, e

também, contendo um pouco de perigo.

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2.4.3 O VISUAL

Hulk e Chuck não precisam de nada, não precisam de máscara, sangue falso, disfarce, nada. Hulk (Kães Vadius) tem o olhar de um louco, Chuck (Frantic Flintstones) tem a insanidade na voz. São simplesmente o que há de melhor em matéria de psycho! Não é preciso efeitos, distorções, nada... basta tê-los ali! 7

Luiz Teddy

Costa (2004) aponta o fato de que os anos 80 e 90 viram o surgimento e

crescimento das “tribos urbanas”, marcadas pela identificação através de

preferências comuns, além do fascínio que estas subculturas passam a exercer e

ainda, sobre a importância da música para estes grupos (id., p. 46-56).

É possível pensar, com base no trabalho desta autora, o movimento

psychobilly como “tribo urbana”, tendo como componente agrupador principal a

sua música, mas aponta para um detalhe: Tratam-se de grupos identificáveis

visualmente.

Ao longo da pesquisa, ficou clara a preocupação dos psychos com seu

visual, fosse em depoimentos em que faziam questão de se diferenciar do

desleixo dos punks, ou em observações durante shows e festivais, onde se

notava uma preocupação estética proporcional à importância do evento. Durante

um encontro com amigos em um fim de semana, é possível encontrar alguns

topetes baixos e sapatos desgastados, mas em dias de grandes festivais é fácil

perceber o esmero aplicado aos cabelos e o brilho tanto dos sapatos quanto das

fivelas em seus cintos.

7 Depoimento encontrado no Fórum Psycho BR. Postado em 17 de Fevereiro 2005, em tópico sobre a história do psychobilly nacional. Acessado em Novembro de 2009.

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O topete é uma característica marcante e fortemente associada aos

psychos, mas assim como o som rockabilly foi levado a diferentes níveis, os

topetes psychos também foram muito além daqueles encontrados nos anos 50 e

60.

Embora ainda possam ser encontrados na sua forma mais clássica, como

resultado da influência dos moicanos usados pelos punks, os topetes costumam

ser maiores e pontiagudos (Um formato que lembra a proa de um navio), a parte

de trás e laterais da cabeça são raspadas, e podem aparecer em diversas cores

(Figura 1).

No caso das garotas há maior variedade para além do topete e são

comuns uma variante deste, mas ser que o restante do cabelo seja raspado, ou

ainda, cortes inspirados em pin-up´s e modelos dos anos 50 (Figura 2).

FIGURA 1 – Guitarrista da banda alemã Chibuku e uma variante do moicano sem raspar a parte

de trás da cabeça, e ainda, com um detalhe em verde na lateral.

Fonte: Acervo pessoal

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FIGURA 2 – Guitarrista e baixista da banda curitibana As Diabatz.

Fonte: Acervo pessoal

O vestuário também serve como distinção, e complementando as

tradicionais calças jeans azuis clássicas, aparecem também as calças pretas,

camisas xadrez e camisetas com estampas de bandas e de filmes B, muitas

destas tendo suas mangas e golas cortadas fora, e claro, as jaquetas de couro,

além ainda de jaquetas jeans e as jaquetas de aviador (Muito comuns entre os

skinheads, são conhecidas por bombers).

Nos pés podem ser vistos coturnos ou creepers, que são sapatos com

solas muito grossa e muitas vezes decorados com estampas (Figura 3).

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FIGURA 3 – Foto de divulgação da banda alemã Mad Sin.

Fonte: Site oficial da banda <http://www.madsin.de> – Acessado em 29/05/2010

Já as garotas podem aparecer adotando esta mesma linha, por vezes

substituindo as calças jeans por calças de couro, saias ou shorts de cintura alta, e

ainda, usando vestidos também no estilo dos anos 50, com influência direta do

estilo Pin-up. As estampas podem variar, mas há um intenso uso de bolinhas,

listras, cerejas e estampas de animais.

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2.4.4 TEMAS ABORDADOS

O universo do psychobilly comporta, como pudemos ver até o momento,

uma série de temas bastante recorrentes, e nos mostra Friedlander (2002), que

como simples ouvintes, já é possível realizar análise sobre a natureza da música

que ouvimos, sua qualidade em relação a outras diversas e até mesmo seu

contexto social.

Dentro de um universo como este que estudamos, optamos por ir um

pouco além, e analisar também o conteúdo das tatuagens encontradas nos

adeptos do estilo, uma vez que a recorrência destas é bastante alta, e que parece

haver relação entre grande parte das canções de psychobilly, com os temas

expostos visualmente, marcados nos corpos dos participantes do grupo.

Iniciamos, portanto, levantando trechos de algumas das músicas do

primeiro disco da banda The Meteors, intitulado In Heaven e lançado em 1981.

Optamos por destacar alguns trechos de letras deste álbum não apenas

por sua importância histórica, mas porque, após análise de conteúdo de diversos

discos das principais bandas de psychobilly, desde seu início, foi possível notar

que os assuntos abordados não sofrem grande variação, e apesar de diferentes

histórias serem contadas, os temas básicos podem ser encontradas neste álbum

que escolhemos para trabalhar.

O que ocorre, de fato, é que algumas bandas optam pelo foco em um ou

outro assunto e, assim, é possível encontrar álbuns cujo principal tema seja a

violência, outro girando em torno da ficção científica, e por aí adiante.

- Rockabilly Psychosis: Tentando escapar do cotidiano entediante, rapaz

acaba por encontrar um disco de rock´n´roll e afirma que desde então está

tomado por uma espécie de crazy psychosis, que pode ser entendida como

algo próximo à loucura psicótica.

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- The Room: Ao acordar, rapaz se depara com o corpo de sua namorada ao

seu lado, coberto de sangue e com a garganta rasgada e então passa a

entender que ele é um lobisomem.

- Psycho For Your Love: Rapaz vai ao cemitério e encontra pelo caminho

diversos zumbis, vampiros e lobisomens, e mesmo assim não deixa de

pensar em uma garota, pois está psycho (psicótico / maluco) pelo seu

amor.

- Death Dance: Rapaz lamenta ter sido transformado em zumbi e ser

obrigado a obedecer seus algozes, pois está sob domínio destes, e então

convida todos para a dança da morte.

- Love You To Death: Rapaz ameaça um dia encontrar sua garota sozinha,

em seu caminho para casa, e então a atacará e fará amor com ela

enquanto causa sua morte esmagando sua face.

- Attack Of The Zorch Men: Seres de outra galáxia ameaçam dominar o

cosmos e destruir toda criatura viva.

Referências cuja origem remonta ao rockabilly, falando sobre carros e

jogos de azar por exemplo, também eram comuns, mas esta primeira “onda” de

bandas pareceu mais animada com histórias de violência e contos de horror, com

monstros e assassinos perversos. Temas como a ficção científica também

estiveram presentes em diversas músicas de diferentes bandas, mas ainda em

menor escala.

À seguir faremos uma breve análise dos temas abordados também nas

tatuagens, apenas para seguir ilustrando o universo temático que envolve o estilo.

Presentes nos corpos de grande parte dos adeptos, elas podem englobar

todo tipo de influência citada até agora. Nos eventos relacionados ao psychobilly

podemos encontrar rapidamente pessoas ostentando cartas de baralho, dados,

pin-ups, carros antigos, instrumentos musicais, nomes e logos de bandas e filmes

de terror ou filmes-b (Figuras 4 e 5).

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FIGURAS 4 e 5 – Tatuagens feminina e masculina representando alguns dos símbolos citados.

Fonte: Acervo pessoal

Notadamente encontramos n atualidade, em comparação ao período de

nascimento do psychobilly, uma quantidade muito maior de pessoas tatuadas e

isto em diversas idades. É interessante notar, portanto, aquelas feitas com intuito

de representar o psychobilly em alguma escala.

Mas ao mesmo tempo seria complicado realizar comparações entre letras

de músicas e tatuagens, pois enquanto um disco é resultado de um trabalho

planejado por diversas pessoas em busca de um resultado específico, as

tatuagens podem ser, além da expressão particular de uma pessoa, uma

referência a algum fato relevante em sua vida, ou ainda, uma forma de arte

expressa no corpo. Isso alteraria um pouco o sentido a que nos referimos até o

momento, do corpo tatuado como expressão de preferências pessoais do

indivíduo.

Optamos, portanto, por um pequeno levantamento de temas comuns ao

psychobilly, que aparecem com freqüência em tatuagens, e conversamos com

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algumas pessoas que afirmaram que de fato a música8 lhes serviu de inspiração

para a escolha dos desenhos.

2.4.5 DECLARANDO-SE APOLÍTICO

We are all different people and have different political views.

Psychobilly is all about having fun. Politics is not fun and

therefore has nothing to do with Psychobilly! 9.

Kim Nekrom, da banda Nekromantix (DOWNEY,

2004, p. 78)

Se a banda The Meteors definiu aquilo que é até hoje considerado o

“verdadeiro psychobilly”, também deixaram claro aquilo que ele não é, e deve-se

destacar a pretensa tentativa de afastamento de qualquer tipo de posicionamento

político.

Numa época onde eram freqüentes os conflitos entre diferentes grupos de

punks e skinheads, os shows de psychobilly se tornaram uma espécie de território

neutro, onde questões ideológicas e políticas eram deixadas de lado por um

momento.

No Brasil, não foi diferente e o mesmo sentimento pôde ser encontrado, e

para ilustrar, citamos o depoimento de um psycho, que preferiu manter-se

anônimo, de Belo Horizonte, MG, falando sobre o início do movimento em sua

cidade, por volta de 1986:

A galera curtia o som pra caralho, mas começaram a se preocupar muito com política internacional, armas nucleares e nós viramos ‘alienados’.

8 Algumas diretamente, ao retratar, por exemplo, uma cena cantada através de um desenho, e outras, indiretamente, onde afirmou-se que o desenho representa o estilo de vida psycho. 9 Tradução Livre: “Somos pessoas diferentes umas das outras, e temos diferentes visões políticas. Psychobilly significa se divertir. Política não é divertida, portanto, não tem relação alguma com o psychobilly".

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Meu saco foi enchendo daquela bobajada toda e eu comecei a me interessar mais por rockabilly e psychobilly depois que ouvi o primeiro disco do Kães Vadius.

Desta maneira, podemos imaginar os shows como um espaço para

diversão e interação do grupo, mas também como espaço de fuga onde se pode

estar à parte de alguns conflitos ou preocupações.

Os shows também costumam ocorrer sem grandes patrocinadores, sejam

empresas, selos ou meios de comunicação, o que aumenta a sensação de ser

algo que pertence àqueles que estão presentes, participando, e ampliando o

sentimento de que formam um grupo em torno de interesses comuns, seja a

cerveja com amigos (Citada em inúmeros depoimentos), refrões berrados mesmo

que fora de ritmo ou desconhecendo a língua em que é cantado e o wrecking

(Dança violenta típica deste grupo, similar ao pogo praticado pelos punks), ou

simplesmente para se assistir aos shows.

Wacquant (2002) ao realizar a etnografia de um ginásio de boxe destaca

que, para os participantes do gym (O ginásio em si, onde ele próprio passa a

tomar aulas de boxe), este local se constitui como um espaço à parte da rua,

onde é possível se estar reservado de todas as mazelas cotidianas e se “viver o

boxe”; cria-se um espaço de sociabilidade protegida das pressões da rua, seja a

violência ou desemprego, e como destaca o treinador do gym, Deedee, quando

se ingressa no recinto “O que importa é o que acontece aqui, entre essas quatro

paredes daqui!” (Id,. p. 32-48).

Se por um lado então, temos inúmeras declarações de que não há “Nada

de política, nada de religião: o psychobilly está acima de tudo isso 10.” (Luiz

Teddy) ou ainda que “Tava rolando muita treta da galera 77 contra os Juventude

Libertária (Anarco-Punks) e a galera viu o psychobilly um escape pra continuar

com a mesma "ideologia" de só se divertir sem ninguém te ditando regras 11”

(Bufunfa), por outro resta a discussão se realmente é possível não se posicionar

10 Texto publicado em 2003 em um blog já extinto, no entanto, trechos ou o texto integral são comumente citados em fóruns, blogs e fanzines relacionados ao psychobilly. 11 Bufunfa (Ronaldo Nikolaiko – Retirado do Fórum Psycho BR <http://www.psychobilly.com.br/forums/index.php?showtopic=1877&st=140> Postado em 21 de Fevereiro de 2005. Acessado em Fevereiro de 2010

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politicamente, ou se a mera recusa por uma posição, já constitui em si uma

manifestação de caráter ideológico.

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3 PSYCHOBILLY NO BRASIL

Por volta de 1983, percebi que quase todas as vertentes do rock já haviam ou estavam passando por uma releitura, uma atualização, uma nova busca de identidade. Naquela época, os jovens tinham sede de informação, e quem viveu essa época sabe a dificuldade que era descolar algo 12.

Hulk – Kães Vadius

Nos anos 80 o Brasil via crescer as primeiras gerações de bandas Punks e

de Rockabilly, paralelamente, mas em universos distintos. Um pequeno trecho de

um artigo de Luiz Teddy (FanzineWear 2010) serve para retratar o ambiente da

época:

Não demorou muito para o psycho invadir territórios brasileiros. Muitos fatores influenciaram a chegada do estilo no Brasil: a cena rockabilly crescia rapidamente nos anos 80, bandas como Coke Luxe, João Penca e os Miquinhos Amestrados faziam uma releitura as raízes do rock, com temas atuais, e o punk invadia os porões da casas noturnas undergrounds.

* * *

Em 85, surgem no ABC paulista os Kães Vadius, com doses altas de malicia e maldade misturadas com muito terror em suas letras. Foram os precursores do psychobilly nacional. Logo surgiram muitas outras bandas como K-Billy’s, S.A.R., Missionários, A Grande Trepada, Cervejas, The Krents...

Devido ao grande sucesso da banda Stray Cats, que fazia grande sucesso

na Inglaterra (Que vivia um grande revival rockabilly), e cuja fama havia

alcançado terras brasileiras, o rockabilly passou a atrair atenção da mídia e

ganhou espaço em casas noturnas, abrindo espaço para bandas como Coke Luxe

e João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.

12 Retirado do Fórum Psycho BR <http://www.psychobilly.com.br/forums/index.php?showtopic=1877&st=380> Postado em 24 de Fevereiro de 2005. Acessado em Fevereiro de 2010.

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Apenas em 1985 surgiu, no ABC paulista, a primeira banda propriamente

psychobilly nacional, os Kães Vadius, nome em referência irônica à banda Stray

Cats, que significa algo como “Gatos Vira-Latas” ou “Gatos Vagabundos”.

3.1 KÃES VADIUS

Apresentando toda a essência desta cultura em suas músicas, aparência e

atitude, a banda Kães Vadius se torna a primeira expressão em português de todo

este sentimento, que já havia se espalhado pela Europa, e para além dos topetes

e rock´n´roll, toda a cultura da demência, violência, sadismo e histórias de terror e

bebedeiras.

Os Kães ganharam espaço em clubes e casas noturnas, influenciando o

nascimento de toda uma geração de bandas psycho, e a partir deles, uma série

de pessoas pôde, enfim, presenciar um show ao vivo sem se deslocar para a

Europa, e ainda mais importante, entender cada refrão cantado sem recorrer a

dicionários.

Hulk (Depoimento já citado) relata suas impressões da época de

nascimento da banda:

Descobrimos que na Europa, estava rolando uma febre de punkabilly, shockabilly e outros billys. Neguinho misturando tudo com Billy! Teatro, dança, terror, quadrinhos etc... Nos olhamos, eu e o George e dissemos: “É isso!”

Nós desenhávamos quadrinhos, curtíamos uma baixaria e tal, nossas vidas eram uma desgracera só! Punkabilly era o caminho.

E ele prossegue:

Descolamos uma K7 com gravações do Stray Cats e aquilo pirou nossas cabeças. Começamos no dia seguinte a compor e escrever músicas e mais músicas, mas faltava uma pitada de maldade, algo realmente novo... Foi quando fomos apresentados ao som dos Cramps e do

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Meteors, (Grande amigo Donizete dos Mentecaptos Eróticos que tinha uns canais de importados nos gravava as fitas), gravações toscas, som rebelde e contagiante e de quebra o termo “psychobilly”! Que mais nos podíamos querer?

Assim como foi realizado com as letras da banda The Meteors,

consideramos interessante uma breve análise de algumas das letras do Kães

Vadius, sobretudo de seus primeiros discos, Psychodemia (1987) e Delirium

Tremens (1988), que como dissemos, foram a primeira versão em português

deste estilo.

- Virgem Louca: Internada num sanatório, garota seduz um padre e tem um

filho maldito.

- Padre Mané: Anjo mau disfarçado de bondade vendia pornografia e

mantinha relações com garotas virgens.

- Lili Poodle: História de um travesti pelas ruas da cidade.

- Drama: Garota ataca um garoto, tem relações sexuais com este em público

e depois o mata.

- Flyperman: Garoto viciado em fliperamas passava os dias em frente a

máquina.

- Não tem culpa eu: Problemas na escola e ódio dos professores e diretor.

- Notícias Populares: Homem esquarteja a mulher, queima a filha, joga

ambos corpos num lago, defeca e sai aliviado.

- Malaka Blues: Relato de adolescente que, mesmo ciente de suas escolhas

autodestrutivas e de sua sina como marginal, canta orgulhoso do destino

que escolheu.

- Festa do Horror: Letra narra uma festa num castelo decorado com pedaços

de corpos, enxofre, chamas e morcegos, onde convidados bebem sangue,

comem carne humana e fazem uso de drogas.

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- Psycho Ataque na Madrugada: Loucura, mortos vivos, pesadelos e o terror,

narrados ao som de rockabilly, boogy-woogie, rock´n´roll e psychobilly.

E seguem ainda várias outras letras que abordam questões como

canibalismo, sadomasoquismo, pedofilia, linchamentos, corridas clandestinas,

tiroteios pelas periferias, exorcismo, DST´s e referências diversas a filmes e

histórias em quadrinhos.

É fácil perceber logo nestes discos que as letras, em geral, apesar de

seguirem a temática psycho surgida na Inglaterra, possuem características

próprias, tanto pelo conteúdo das histórias narradas, que parecem extraídas de

folhetins ou jornais populares, quanto pela forma que são narradas, de maneira

quase cômica em alguns momentos.

3.2 O DESENVOLVIMENTO DO PSYCHOBILLY BRASILEIRO

O psycho circulou pelo "alternativo quase mainstream" de SP por uns três anos, até 89, com a vinda do Guana Batz dando uma reforçada na divulgação. E sim, ganhamos um dinheiro bem razoável tocando psychobilly! 13

Niki Nixon (Ex. membro da banda S.A.R.)

Com as festas rockabilly em São Paulo em seu auge, reunindo grandes

públicos, os psychos por outro lado, ainda davam seus primeiros passos, se

vendo renegados de um lado por grande parte destes rockabillies, mas

conquistando pouco a pouco a curiosidade e admiração por parte de punks,

skinheads e góticos, sempre presentes nos shows, da mesma forma como

ocorrera na Europa e Estados Unidos.

13 Retirado do Fórum Psycho BR. Postado em 20 de Fevereiro de 2005. Acessado em Fevereiro de 2010.

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Passaram-se os primeiros anos e, em 1988, já se podia visualizar uma

“cena” psychobilly, com bandas estabelecidas no Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e

Minas Gerais. Vão se firmando laços de amizade e cooperação que resultam, em

1989, em dois acontecimentos marcantes e decisivos para o posterior

desenvolvimento deste grupo: A vinda da banda inglesa Guana Batz, um dos

ícones e também precursores do gênero, e logo em seguida o lançamento da

primeira coletânea de psychobilly nacional, a coletânea Devil Party, contando com

as bandas K-Billys, Kriptonitas, Kães Vadius e A Grande Trepada.

Esta coletânea serviu não apenas para oficializar o apoio e

companheirismo que já vinha ocorrendo entre as bandas, como também, para

alimentar a mídia nacional e a ansiedade por material nacional dos fãs locais,

incentivar donos de casas noturnas a cederem seus espaços para um movimento

ainda em ebulição, e assim, atingir novos públicos.

Durante entrevistas, algumas pessoas envolvidas na época afirmaram que

até então havia um misto de empolgação e desconfiança no meio, pois muitos

acabaram mais envolvidos do que previam, e não possuíam experiência alguma

em organização de eventos ou produção musical, e após o lançamento deste

disco as coisas mudaram. De fãs e entusiastas, alguns passaram a ser

produtores ou músicos, e agora havia algo concreto para marcar a existência do

psychobilly brasileiro.

Luiz Teddy, em uma das entrevistas para esta pesquisa fala desta época:

Não adianta falar de psychobilly nacional sem falar da Carol Castor. Ela teve um dos papeis fundamentais para divulgar e alastrar o psychobilly.

Além de ter participado no zine “O Monstro”, ela montou uma parada que era a Lista Psycho, bem antes do Fórum Psychobilly, e que era o único meio de trombar a galera e principalmente de conhecer as pessoas.

Essa Lista Psycho foi inicialmente uma troca de informações através de

cartas, numa época onde poucos tinham acesso a revistas importadas e à

internet. Através dela, endereços de diversas pessoas, bandas e lojas eram

divulgados e as pessoas entravam em contato, divulgavam eventos e diversas

notícias sobre a cena fora do país era traduzida e repassada para os demais.

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Abaixo mais um trecho de um depoimento postado no Fórum Psycho BR

(Fevereiro de 2008), onde um anônimo descreve as dificuldades que encontrava

na busca por material no Rio de Janeiro durante o ano de 1987:

Comecei a procurar como doido por tudo relacionado a rockabilly e psychobilly por todas as lojas da cidade e não achei quase nada! Tudo era difícil pacas naquela época. Não conhecia ninguém que curtisse rockabilly e não achava nada pra comprar.

Mais tarde, em 1999, a lista foi transferida para um grupo de discussão

através de e-mails, e obteve números altos de participação, com uma média

próxima a mil mensagens/mês durante o primeiro semestre de sua implantação.

Depois manteve uma média de 300 e-mails/mês até 2003, alcançando picos em

épocas de grandes eventos ou festivais.

Em 2004, a lista praticamente deixa de funcionar e existe uma transição

para o Fórum Psycho BR, ativo até hoje, um espaço que vai ainda além das

antigas listas, e permite maior interação entre os membros.

O contato e troca de experiências, além do apoio entre estas pessoas foi

fundamental para a continuidade do movimento, além de grande facilitador para

os festivais que passaram a ser organizados, e que serão comentados adiante.

Com discos sendo lançados, as rádios puderam, enfim, divulgar as bandas

nacionais, que ainda eram intercaladas com bandas de fora e algumas bandas

punks locais como Ratos de Porão e Cólera. Foi uma época agitada para o

psychobilly na mídia, e junto com os programas de rádio, começaram a surgir

matérias em revistas e apresentações na televisão, mas isso restrito ao estado de

São Paulo. Nos demais estados o acesso à mídia também existiu, mas em menor

escala. Curitiba teve, durante anos, um programa de rádio, inicialmente na Rádio

Educativa FM e depois na Rádio Rock FM, mas em horários alternativos e uma

vez por semana, enquanto, segundo um Psycho de São Paulo conhecido por

Fedo Are Go:

Em SP a cena underground nos 80 era foda, tinha uma pá de programas na TV, rádios, tinha uma pá de revista, fanzine, era muito organizado,

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mas só se falava na cena nacional, as infos gringas eram metade mentira, metade mal interpretadas 14.

Ainda segundo ele, que já foi responsável pelo fã clube do Kães Vadius,

nesta época a banda recebia milhares de cartas de vários estados, que haviam

conhecido a banda através da rádio, no entanto, ele mesmo acredita que apesar

desse crescimento rápido, “era um circuito fechado. Não dá pra dizer que tudo

isso era pop”.

E Mudinho (Ou Ricardo Muds), ex membro de algumas bandas de

Psychobilly complementa nesta mesma linha de 15:

Psychobilly já foi bem mais famoso do que hoje em dia. Se não estourou naquela época que tudo era novidade, porque se tornaria pop hoje?

Mesmo aqui no Brasil, quando o Kães surgiu, foi maior onda, os caras tocavam direto, lotavam shows, estavam na TV e rádios, e mesmo assim, não se conhecia direito o psychobilly.

Em membros do S.A.R. declararam em entrevistas que nessa época a

banda mantinha um esquema semi-profissional, com shows de quarta a sábado,

diversas viagens, eventos com bandas que faziam sucesso na época como

DeFalla e Ratos de Porão, além do Kid Vinyl, e freqüentes aparições na TV, mas

acreditam que isto tenha sido um período curto e cujo alcance foi mesmo restrito.

O primeiro show da banda teve divulgação na revista Playboy, e o segundo

na Veja, e mesmo assim compartilham da opinião acima, retratada por Ricardo

Muds, de que o interesse real pelo estilo era restrito, que não alcançou sucesso,

por exemplo, de artistas mainstream, e que mesmo durante esta fase, seguiu

como um estilo alternativo e independente.

3.2.1 O LOCAL

14 Retirado do Fórum Psycho BR. Acessado em Junho de 2010 15 Retirado do Fórum Psycho BR. Acessado em Junho de 2010

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A cada show colavam um ou dois psychos novos, mas em geral a gente tocava para gays, punks, garotas de programa, skinheads, góticos... Todo mundo curtia, menos os rockabillys que gritavam “SAI CU!” todas as vezes que a gente pisava num palco nas festas deles.

Niki Nixon (Depoimento já citado)

Vimos até o momento que o gênero chegou a alcançar espaço em meios

de comunicação e também houve as listas e grupos de discussão, mas foi sempre

através das interações pessoais que o movimento se desenvolveu e ganhou

força, e estas ocorriam através de encontros em bares, lojas de discos (Como o

“Baldão” e a “Rick and Roll”) mas, sobretudo, durante os shows (Documentário

Psycho Attack, 2007), e destacamos a importância destes como momento

máximo para o grupo, pois é quando toda forma de interação se realiza, e passam

de fato a agir como um grupo organizado dentro de um espaço que passa a lhes

pertencer, durante este período.

Em linhas gerais, não se vê grande diferença dos locais que acabaram

abrindo espaço para o estilo no Brasil, em relação àqueles que o fizeram na

Inglaterra16, e como relata Niki Nixon (Depoimento já citado):

A onda rockabilly passou, as festas deixaram de ser moda em São Paulo e começaram a acontecer em lugares cada vez mais afastados. E a gente passou a tocar para um público genérico no Rose Bom Bom, Anny 44, Madame Satã...

Apesar de se tratar de um relato sobre a cidade de São Paulo,

encontramos depoimentos similares em outros estados, de bandas buscando

espaço em meio a outros estilos e tendo oportunidade de se apresentar em locais

cuja programação era dirigida ao público gótico, punk e LGBT.

Mas se por um lado o Brasil não contou com um espaço de shows voltado

ao psychobilly que se manteve em funcionamento por um longo período,

16 Salvo proporções, uma vez que não apenas o psychobilly, mas antes dele o punk, obtiveram grande êxito, o que permitiu a sobrevivência de casas como o Klubfoot, que dedicaram anos de funcionamento à promover eventos relacionados ao psychobilly.

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permitindo uma identidade ou referência como houve com o Klubfoot na

Inglaterra, os já citados Baldão e Rick´n´Roll (Respectivamente um bar e uma loja

especializada em psychobilly e rockabilly), ambos em São Caetano do Sul, SP,

servem de exemplo como pontos de encontro fixo e que são lembrados e citados

até hoje.

Mais à frente discutiremos à questão dos festivais que começaram a ser

organizados, e que passaram a reorganizar a agenda do público psycho

brasileiro.

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3.2.2 CURITIBA

Ao contrário do que rolou em sp, o psychobilly daqui não teve nenhum vínculo direto com o rockabilly. sempre foi muito mais putaria do que outra coisa. isso é fácil de perceber quando se ouve missionários 17.

Gus Von Tomb

Paralelamente à cena paulista, e não muito atrás em relação aos ingleses

do The Meteors, Curitiba possuía na ativa Os Missionários, banda considerada

como pré-psychobilly, que apesar de apresentar sonoridades e visual que

remetessem ao psycho, segundo palavras de seus próprios integrantes, tratava-

se de uma banda mais ligada ao punk, horror-punk e “demências em geral”.

Para ilustrar o início da cena psychobilly curitibana, recorremos novamente

à Gus Von Tomb (Depoimento já citado), que foi baixista da banda Os

Missionários durante um período, e que descreve da seguinte forma o início da

cena local e a formação da banda em questão:

Era basicamente um freak guitarrista chamado Reinaldo e um baterista muito bem informado chamado Maurício, e um cara estranho que tocava teclado chamado Mário. O Maurício viajava muito e trazia de fora muita informação. muita coisa principalmente The Cramps e Alien Sex Fiend. Usavam uns topetes bem grandes e espetados; Um visual meio punk mas diferente. Os shows sempre tinham alguma coisa nojenta, pornográfica ou sangrenta, por exemplo: a banda poderia chamar umas putas pra fazer strip no palco, cagar durante o show ou se retalhar com navalhas e sujar toda a platéia. Farinha e champagne... isso era praxe. Uma influencia direta do king kurt, de um video que semrpe rolava. Era foda. Muito foda!

E esse foi o ponta pé inicial do psychobilly em Curitiba. Ao contrário do que rolou em São Paulo, o psychobilly daqui não teve nenhum vínculo direto com o rockabilly.

Vale notar que uma das bandas citadas, Alien Sex Fiend, uma das grandes

influências dos Missionários, é uma conhecida banda pós-punk surgida em 1982,

17 Retirado do Fórum Psycho BR. Postado em 21 de Fevereiro de 2005. Acessado em Fevereiro de 2010.

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entre cujas principais influências podemos destacar Bauhaus (Banda de 1978) e

Iggy Pop (Que teve carreira iniciado ao lado dos Stooges em 1969).

Em uma tentativa de narrar a história dos Missionários (Texto não

publicado, mas cedido gentilmente), um outro membro, Eduardo, escreve que no

ano de 1985, antigos membros da “banda punk Os Indigentes Eduardo, e

Maurício abandonam a cena para iniciar outra banda com uma nova proposta e

estilo de rock”.

E segue afirmando que na época “Curitiba era dividida entre grupos

roqueiros punks e metais - grande maioria eram rivais”, e então criam a banda por

estarem “. cansados da repetição sonora e das letras das bandas da época”, e

finaliza comentando a presença de público durante suas primeiras apresentações:

“Nessa época existiam somente grupos punks como público dos shows e muito

pouco se falava de rockabilly e psychobilly”.

Os Missionários merecem destaque, portanto, pelo fato de serem uma das

bandas, senão a única nesta época, inserida no underground curitibano, cujas

apresentações não incentivavam manifestações ou posturas políticas; estavam

completamente desligados do ativismo que costumava caracterizar a cena

alternativa da época, o que possibilitou o fenômeno de agrupamento (Como já

citado, costumava ocorrer com o psychobilly em outras partes) de diferentes

grupos em seus shows, sem que estes terminassem em acirrados debates ou

confrontos violentos.

Vai nascendo então um movimento em torno do psychobilly na cidade, e

seus representantes nos palcos desta época são, além dos Missionários, Os

Escroques, Playmobillys, Estúpido Estupro e o que pode ser considerado o

próximo destaque curitibano, Os Cervejas, banda que trazia estampada no nome

e letras o seu propósito principal, que era “a diversão com amigos regada a

música alta e bebedeira”; No início dos anos 90 esta já obtém certo destaque

dentro do estado, tocando em outras cidades, e fora dele, em incursões à São

Paulo, e também tendo músicas vinculadas em programas de rádio e TV voltados

à música alternativa.

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Neste momento o estilo já era notícia nacionalmente, a coletânea Devil

Party fora lançada e o show do Guana Batz havia acontecido, e tudo isso

conspirou a favor do surgimento em seqüência de três outras bandas inspiradas

pela primeira geração dos anos 80, definitivas para que a capital paranaense

solidificasse sua posição de destaque no psychobilly nacional; de eventos

marcantes dessa que pode ser considerada a primeira fase do psychobilly

curitibano, é preciso citar o show realizado no Tetro Paiol, que durante o ano de

1988 foi cedido para alguns shows de bandas punks e psycho (Como Coléra e

Kães Vadius, ambas de São Paulo, SP. Ainda embalados pelo momento,

começam a surgir novas bandas, como os Dráculas Krápulas (1992), que um

pouco mais tarde passou a se chamar somente Kráppulas.

Apenas dois anos mais tarde surge o embrião da banda Ovos Presley –

Citada em nossos questionários e entrevistas como um dos grandes nomes do

gênero até a atualidade – cujas letras e sonoridade iniciais lembravam em muito a

banda Kães Vadius, rondando a temática psycho, mas em português e com um

estilo debochado, ou como citado por Wallace (Guitarra) em uma entrevista, a

banda segue uma linha que “é psycho, esse rock louco. É essa desgraça aí, mas

sem aquela cara de malvado!”.

Se Os Missionários não assumiam uma postura e visual propriamente

psychobilly, as bandas que surgiram em sequência, citadas acima o faziam, com

exceção de Ovos Presley, que durante todos estes anos seguiu envolvida com a

cena punk 18, inclusive tendo sempre integrantes que também mantinham bandas

punks em paralelo – E talvez seja esta uma das razões pela qual, há anos, a

banda insira em seu repertório covers de bandas punks como Dead Kennedys e

Grinders.

Mas, após alguns anos de ebulição, mesmo com as contribuições da Lista

Psycho, novas bandas, shows e discos lançados, o psychobilly teve uma fase de

queda de público na metade dos anos 90. Segundo depoimentos, houve temor

por parte de alguns de que de fato o gênero estivesse em vias de extinção, e este

18 Analisando histórico de shows, eles estiveram presentes sempre nos maiores festivais nacionais de psychobilly, mas também, sempre presentes em eventos e festivais punks.

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gradativamente foi perdendo espaço. Comenta Gus Von Tomb (Depoimento já

citado):

Em meados de 1996 a cena psychobilly em Curitiba estava bem caída, mesmo com bandas como Kráppulas, Ovos Presley e Cervejas na ativa. Shows vazios, casas de shows com capacidade de 50 cabeças e nem 15 na platéia. O bicho tinha pegado um pouco antes, lá pelo começo dos anos 90 e a calmaria nessa época era assustadora...

Mas esta fase foi, aos poucos, superada em razão de uma série de

eventos, e fatos ocorridos no ano de 1996, entre eles foram o surgimento da

banda Os Catalépticos, e a primeira edição do festival Psychobilly Fest.

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3.3 DIVULGANDO E EXPANDINDO

Informação sempre foi o segredo de tudo, e nesse ponto o psychobilly sempre foi extremamente carente. As informações eram desencontradas, os sons tirados de gravações de fita para fita. A imaginação corria solta!

Gus Von Tomb (Depoimento já citado)

Um fato marcante em Curitiba foi o programa de rádio transmitido durante

aproximadamente 10 anos, com sua programação voltada exclusivamente ao

psychobilly. O programa teve início no final de 96, quando o produtor de shows,

rádio e eventos Cyro Ridal, ofereceu aos integrandes da banda Catalépticos, um

espaço na Rádio Educativa FM para que estes produzissem seu programa

voltado ao psychobilly; o programa que logo entrou no ar tirava seu nome de uma

música da banda Batmobile chamada Transylvaninan Express, contava

inicialmente com três blocos, e segundo relato dos envolvidos, estes usavam seus

próprios discos nas transmissões.

Antes disso, a divulgação seguia de maneira próxima ao que foi relatado

em estados como São Paulo ou Minas Gerais. Bufunfa (Depoimento já citado),

produtor de eventos e músico envolvido com psychobilly há vários anos declarou

durante entrevista que:

Eu comecei a ouvir psychobilly graças a uma fita que o Paulo Norman (Responsável pelo nome Ovos Presley) daqui de Curitiba me emprestou que tinha gravado num lado The Cramps e do outro The Meteors. Foi depois disso eu descobri que existia esse tipo de som aqui em Curitiba.

O foco do programa foi sempre apresentar clássicos do gênero, mas

também trazer novidades, desde bandas novas até notícias do gênero, além de

divulgar bandas nacionais e anunciar shows e festivais que estavam por vir.

É interessante notar que neste momento se forma um grupo com voz ativa

dentro do psychobilly curitibano, e apesar do programa de rádio der iniciado de

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maneira despretensiosa, acabou se estendendo por um longo período, durante os

quais a banda Os Catalépticos alcançou grande sucesso (Veremos mais adiante),

e também ganhou forma o fanzine O Monstro e a produtora Psychobilly

Corporation, também encabeçados pelos três integrantes da banda, contando

com participações de diversas outras pessoas.

O fanzine O Monstro nasce numa tentativa de ampliar a divulgação que já

vinha ocorrendo através da Lista Psycho, e então Gustavo e Vlad (Ambos do

Catalépticos), juntos com Carol (Criadora da Lista Psycho) decidem agrupar

informações sobre bandas novas, nacionais, realizam resenhas de discos,

divulgam shows, e contatos de distribuidoras de material, nacionais e de outros

países.

Teve ainda uma boa repercussão, e foi distribuído para vários estados

através de cartas e durante os shows, e reforçou o contato com as pessoas

interessadas no meio. Durante a pesquisa, 12 dos 15 entrevistados citam o

fanzine como uma das melhores referências para divulgação do psychobilly

nacionalmente.

A Psychobilly Corporation foi outra iniciativa deste mesmo grupo de

pessoas, mas sem um corpo de membros muito bem delimitado. Como explica

Gus Von Tomb (Depoimento já citado), “quem fizesse qualquer coisa estava no

esquema! E um bem ativo era o Wallace (Ovos Presley), que tratava de organizar

shows”.

A idéia, segundo envolvidos, era concentrar esforços para ajudar na

organização de eventos e divulgação das bandas, além de tentar melhorar o nível

com que as coisas andavam ocorrendo, e de certa maneira, profissionalizando

tudo. Gustavo e Vlad haviam se apresentado na Inglaterra e acreditavam que

muito ainda poderia ser feito por aqui, e que uma melhor organização era o

primeiro passo a ser dado.

Pensando nos exemplos do texto de Costa (2000), podemos encarar este

grupo como pessoas de destaque dentro do grupo, que em razão do seu

reconhecimento através do trabalho que desenvolvem, passam a ter influência

sobre os demais e, por vezes, servir de porta-vozes do movimento, por exemplo,

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quando passam a ser procurados para entrevistas ou para assumirem projetos

relacionados ao grupo.

Mais do que destaque, essas se transformam na fonte de informação para

os interessados, principalmente em Curitiba, onde além dos eventos organizados

e distribuição do fanzine, estava no ar o programa de rádio.

3.4 OS CATALÉPTICOS

A banda, surgida em 1996, foi aquela que alcançou maior êxito dentro do

psychobilly nacional, e a única que até hoje aparece citada como referência

mundial no estilo.

O nome não apenas remete a um dos temas preferidos do estilo como

também é influência de um personagem importante da cultura independente de

Curitiba, Marcos Prado, poeta, músico, ator, compositor, jornalista e sobretudo,

boêmio. Este não apenas inspirou o nome da maior banda de Psychobilly da

cidade como também é o autor de letras que foram musicadas por Os

Missionários, Os Cervejas e Ovos Presley.

Apesar da formação clássica (Três integrantes e o uso da guitarra semi-

acústica, contra-baixo e a bateria tocada em pé), o trio que formava Os

Catalépticos estava distante do psychobilly tradicional e adotou um estilo

conhecido por Power Psycho, uma vertente muito mais rápida e agressiva, ainda

inédita em terras brasileiras.

A banda, apesar da postura profissional adotada desde o início, e da

preocupação em apresentar um material de alta qualidade, iniciou sua rápida

ascensão contando com uma boa dose de sorte, pois foi através dos contatos que

mantinham para aquisição de material de bandas do exterior que conseguiram

atenção de um selo inglês e após um período de negociação surgiu a chance de

participarem do maior festival de psychobilly no mundo, o Big Rumble, além de ter

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uma música lançada na coletânea com as demais bandas presentes no evento.

Gus Von Tomb (Depoimento já citado) comenta como as coisas ocorreram:

Durante muito tempo eu e a Carolina (Carol da Lista Psycho) fomos namorados, e no final de nosso namoro ela já mantinha contato freqüente com o Roy Williams da Nervous Records (Gravadora inglesa especializada em psychobilly). Comprávamos muitos discos dele, e isso iniciou o contato. Do nada veio a possibilidade de irmos para a Inglaterra tocar no Big Rumble de 1997... Nunca havíamos feito nenhum show, e talvez o primeiro fosse na Inglaterra, ao lado de Guana Batz, Frenzy, Nekromantix... Gravamos uma fita de vídeo, do ensaio, e mandamos. Tudo confirmado!

E assim foram escalados, tocaram no festival, foram bem recebidos pela

crítica internacional e acabaram participando da coletânea; fatos que atraíram

atenção do selo inglês Fury Records, pelo qual lançaram seu primeiro álbum, e

depois, pelo também inglês Crazy Love Records, lançaram seu segundo disco, e

esta ainda se dispôs a organizar turnês pela Europa e América do Norte, além de

confirmar a banda em mais uma edição do Big Rumble, em 1998.

No seu "retorno" ao Brasil e, mais especificamente a Curitiba, encontraram

uma situação bastante diferente, pois haviam ajudado na retomada do estilo ainda

em 1998 (Após lançamento do primeiro, e antes de gravar seu segundo álbum),

refazendo contatos e ajudando na organização do Psychobilly Fest; Relatos da

época falam sobre uma cena sólida e bons públicos presentes nos shows. Muitos

dos entrevistados apontaram, ao longo desta pesquisa, que a banda Ovos

Presley havia assumido, durante as turnês dos Catalépticos, a função de tomar a

frente do movimento, que havia ganho novos adeptos e tornava fazia com que

cada nova edição do Psychobilly Fest superasse em números a edição anterior.

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3.5 OS FESTIVAIS

Neste capítulo faremos uma análise do psychobilly através de uma de suas

principais características que são os festivais, sobretudo aqueles de maior

envergadura, que costumam reunir bandas e fãs de diferentes estados, idades e

níveis de envolvimento, e para isto utilizaremos inicialmente o conceito de grupos

organizados de Gurvitch (1993), que são agrupamentos de indivíduos em torno de

interesses comuns, onde a vida como grupo depende sempre da intensidade

destes agrupamentos e da qualidade das relações mantidas entre estes

indivíduos.

Em seguida tomando por base Simmel (2003) e seus estudos sobre música

para justificar a importância de eventos como os festivais de psychobilly para o

grupo em questão, uma vez que, como coloca o autor, a música não apenas se

trata de uma expressão de sensações, mas é a exteriorização destes sentimentos

para outros em uma prática com outros, e ainda, insiste em sua obra que “ser” é

“ser com outros” e, portanto, seriam estes festivais os momentos máximos e

completos da realização deste grupo.

E fundamentados em Reguillo (2003) nos seus estudos sobre juventude

para ilustrar como o vestuário, música e certos objetos emblemáticos constituem

uma das mais importantes mediações para a construção de identidade dos

jovens, criando não apenas um modo para se entender o mundo como um mundo

próprio para cada necessidade e ainda, que tão importante quanto o

pertencimento ao grupo, é a diferenciação dos demais, pois só se “é” em

oposição a outros.

Já havíamos citado o conceito de Gurvitch, e voltamos a utilizá-lo por

acreditar que suas definições de “grupos organizados” e “grupos estruturados”

são bastante práticas para o início da discussão a que nos propomos.

Sendo o homem um ser social dotado de opiniões e atitudes, seu

pertencimento a um determinado grupo acaba por influenciar a facilidade,

freqüência e rapidez com que mudanças possam vir a ocorrer, no entanto,

focando especificamente no pertencimento e na vida que se dá ao grupo

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enquanto membro deste, e não nas atitudes e mudanças de comportamento a

que se está sujeito quando em seu interior, levantamos inicialmente a distinção

que o autor faz em que grupos estruturados seriam simples categorias

estatísticas, resultado de um estudo de terceiros sobre estes e os enquadrando

numa categoria comum, enquanto grupos organizados seriam aqueles formados

em torno de interesses comuns e que possuem representação.

Assim, segundo Gurvitch, ambas definições são meras categorias e neste

caso, para análise de um movimento musical, o que faz deste realmente um

grupo, ou um movimento em si, é a vida que as pessoas dão a este pelas

relações que mantém e em seus eventuais agrupamentos, ou neste caso, nos

shows que são momentos de apresentação das bandas não apenas através de

sua música mas de seus integrantes e também por parte do público, uma vez que

todos estes fazem durante este momento uma representação própria de si,

daquilo que o psychobilly representa para estes e do que é “ser” um psycho neste

momento, diante de e entre outros.

Os festivais, no entanto, seriam mais representativos devido a magnitude

que alcançam, ao maior numero de indivíduos envolvidos e, portanto, maior

número de representações encontradas naquele que, como citamos, deve ser

encarado como o momento máximo para estes grupos. Além dos shows e da

representação no palco e platéia, como se tratam de grupos que atuam fora do

mainstream e grandes gravadoras, nestes locais é que acontece também a venda

de material destas bandas. É também o local onde se pode encontrar com maior

facilidade, discos, roupas e uma infinidade de materiais das bandas presentes,

que são ou foram referência, ou que possuam relação com o gênero psychobilly

em geral, desde revistas em quadrinhos e filmes de terror à roupas e estandes de

tatuagem.

Vale ressaltar que mais que o consumo destes bens variados, é a interação

que ocorre que deve ficar em destaque, pois nestes momentos bandas novas

dividem o palco com antigos representantes do gênero, enquanto o mesmo ocorre

no público, onde diferentes gerações dividem o mesmo espaço e sociabilizam

através do wrecking, fila do bar ou nas bancas de material.

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Voltando à Reguillo podemos englobar a discussão realizada até o

momento, pensando o psychobilly como movimento alternativo existente no

Brasil, com a noção de que a música, vestuário e determinados objetos adotados

pelo grupo constituem uma das mais importantes mediações identitárias dos

jovens, uma maneira de se entender o mundo e ainda, constituem elementos no

jogo contínuo de identificação-diferenciação em que estão inclusos os diferentes

grupos. Certamente os psychos não fogem à esta regra e, por isso, reafirmamos o

que foi dito acima, de que os festivais se tornam importantes à análise por

englobarem tanto as formas de identificação como grupo, e também as formas

diversas de interação realizadas por este.

3.5.1 PSYCHOBILLY FEST E PSYCHO CARNIVAL

O Psychobilly Fest é o mais antigo festival de psychobilly ainda ativo no

país, e um dos primeiros a ser realizado.

Encabeçado pelo então guitarrista da banda Ovos Presley, Wallace, a

primeira edição deste ocorreu em junho de 1996, com uma única noite de show,

três bandas locais e foi realizado num pequeno bar que costumava abrigar shows

de bandas punks.

Foi em sua quarta edição que o evento passou a contar também com o

então guitarrista e vocalista da banda Os Catalépticos, Vladimir Urban, numa

tentativa de fazer com que o festival fosse ampliado, trazendo bandas e

simpatizantes de outros estados, e foi escalada para esta edição a banda Kães

Vadius.

Vlad já havia excursionado com Os Catalépticos pela Europa e sabia da

importância de se estabelecer um festival em terras nacionais, pois como ele

mesmo afirma, “o verdadeiro motor do Psychobilly ao redor do planeta são os

festivais!”.

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A cada edição, o evento foi tomando maiores proporções, com bandas

vindo de longe e públicos cada vez maiores. O festival passa então a ter uma

programação de dois, e depois três dias, como ocorre até hoje, podendo ainda

envolver, para além dos shows, algumas atividades durante os dias, como

encontro de tatuadores, oficinas de música e confraternizações entre bandas e

público (Várias edições contaram também com almoços de confraternização, e a

Copa Psycho de Futebol, disputada entre bandas e público). A importância destes

encontros pode ser resumida pelo próprio Vlad:

Psychobilly é muito mais que ver banda gringa, e ir num festival. Significa muito mais que ir ver shows. É encontrar uma galera que tem os mesmos interesses, que gosta do mesmo tipo de música! 19

E a partir de 2000, mais um festival passa a fazer parte da agenda dos

psychos brasileiros, o Psycho Carnival, coincidindo propositadamente sempre

junto ao feriado de carnaval, não apenas como uma piada entre os fãs do gênero,

mas para aproveitar a folga proporcionada, que facilita o deslocamento de

pessoas de diferentes estados para a capital paranaense.

O Psycho Carnival, que há alguns anos se firmou como data de referência

no calendário do psychobilly mundial, e como maior festival do gênero na América

do Sul, teve seu início de maneira despretensiosa, como um show organizado

para uma banda francesa durante o feriado do carnaval. As facilidades que o

feriado prolongado trazem para a organização de um evento foram logo

percebidas e, desde então, o festival tem crescido no número de adeptos, eventos

englobados, apoios e incentivos financeiros e também em importância e respeito.

Alguns dos maiores nomes do psychobilly mundial já estiveram presentes

no festival e diversas são as bandas que já solicitaram sua presença no mesmo.

No entanto, apesar de aparições esporádicas em jornais televisionados e

impressos, na maioria locais, e até mesmo dos patrocínios e incentivos já

19 Retirado do Blog OverMundo <http://www.overmundo.com.br/agenda/psychobilly-fest-aposta-na-renovacao-da-cena-psycho-nacional> Publicado em 14 de Outubro de 2006. Acessado em Agosto de2010.

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alcançados, o evento segue sendo realizado de maneira independente, focado

exclusivamente em bandas de psychobilly.

Apoios financeiros tem sido utilizados, mas normalmente provenientes de

bares e hotéis beneficiados com o movimento que o festival gera na cidade,

pequenas marcas de cerveja, e em algumas edições, apoio através de leis de

incentivo à cultura obtidas através de edital.

O público presente segue sendo em sua maioria, de adeptos do

psychobilly, mas são freqüentes e cada vez em maior número, entusiastas

curiosos em razão do porte que o festival adquiriu, ou fãs de diversos estilos de

rock sem grandes opções de lazer durante o maior feriado nacional.

3.6 PERSONAGENS DP PSYCHOBILLY CURITIBANO

Neste momento é necessário levantar alguns pontos. Um deles tomando

como base a discussão de Bourdieu (1994) sobre as formas de socialização como

incorporação do habitus, que segundo ele:

São sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, enquanto princípios geradores e organizadores de práticas e representações (BOURDIEU, 1994, p. 15).

Seguindo esta linha podemos pensar estas estruturas para além dos

indivíduos isolados, e mesmo em grupos como podem ser encontrados num dado

momento, pois é através da história que estas estruturas se reproduzem, e esta

se faz das relações mantidas entre o grupo.

Desta maneira a inserção em um ou mais grupos de certa forma condiciona

as práticas e representações do indivíduo, que mergulhado em diferentes habitus,

tem diminuído o espaço de manobra de sua personalidade individual.

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E sendo assim, o reconhecimento do indivíduo enquanto membro legítimo

de determinado grupo, depende da internalização do habitus deste.

Nesta mesma linha, Wacquant (2002) ao analisar um ginásio de boxe

mostrava como para se tornar, de fato, um boxeador, seria preciso apropriar-se

progressivamente, e impregnar-se de todo um conjunto de mecanismos corporais

e esquemas mentais.

E o autor vai além ao demonstrar como se forma uma “escala de

mobilidade” dentro deste (No caso específico, o boxe, mas é possível transportar

este modelo para o psychobilly), cujo acesso à hierarquia é moderado por aqueles

que detêm o capital social específico (id., p. 42-58).

Tornar-se um psycho (Ou membro de qualquer outro agrupamento como

este), portanto, seria entendido como algo, além do acúmulo de objetos ou

adoção do visual, pois não se “é” algo quando se está isolado, nem ocorre

pertencimento quando não se é reconhecido pelo grupo.

Não apenas para se adquirir reconhecimento, mas para se incorporar os

mecanismos corporais e esquemas mentais citados por Wacquant, se faz

necessária esta participação ativa, é necessário um nível de participação ativa

que vai da audição do simples ato de se adquirir e ou ouvir um disco, quanto de

se estar presente e interagindo durante os eventos.

Voltando à Bourdieu, gostaríamos de destacar seu conceito de poder

simbólico (1992), que resumidamente pode ser entendido como um poder

“invisível o qual só pode ser exercido com cumplicidade daqueles que não

querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem”.

Este poder de que fala o autor, se expressa através de sistemas

simbólicos, que são as estruturas estruturantes citadas acima, e é capaz e

produzir efeitos reais sobre os demais; Ao longo da história do Psychobilly em

Curitiba é interessante notar a presença de alguns indivíduos que, em razão de

sua participação e tempo e inserção no meio, são reconhecidos e citados como

referências, e que, pela posição e status que possuem, podem ser classificados

como especialistas, detentores de poder simbólico.

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A seguir, destacaremos alguns nomes bastante citados ao longo das

entrevistas e um breve resumo de atividades que estes desempenharam dentro

do psychobilly nacional.

Gustavo Rodrigues (Gustavão ou Gus Von Tomb)

Baixista das bandas Os Missionários e Os Catalépticos; Apesar de não ter

se dedicado ativamente à organização de eventos e ou shows, esteve presente

em momentos cruciais do desenvolvimento do psychobilly local, foi bastante ativo

na Lista Psycho (Através de cartas e e-mails) e também no Fórum Psycho BR e

dos primeiros anos do programa de rádio Transylvanian Express.

Gustavo também foi importante pelo acesso que possuía à informações e

material psychobilly, buscar e apresentar novidades e traduzir notícias externas, o

que realizou dentro do fanzine O Monstro, mas também através de diversos

grupos de discussão de psychobilly pela internet.

Ricardo Huczok (Coxinha, Cox ou Mutant Cox)

Apesar de atuar sempre na organização de shows e festivais, se destacou

como músico tendo participado de uma grande quantidade de bandas, de

variados estilos de psychobilly, mas também de hillbilly, folk, surf music, ska, punk

rock, street punk e algumas outras variações do rock; Também já integrou a

banda inglesa Frantic Flintstones, e recebeu convites para integrar ou participar

durante gravações com outras bandas de fora do país.

Foi o principal apresentador de um programa Transylvanian Express, além

de ter ajudado sempre na seleção de conteúdo. Também participou do fanzine O

Monstro e na organização de alguns eventos e produção de álbuns.

Por este histórico de participação e dedicação à cena alternativa, por ser

um dos poucos músicos de profissão no meio (Com suas bandas, mantém há

alguns anos uma média de dois a três shows por semana), e por viajar com

grande freqüência, esteve sempre em contato com inúmeros personagens do

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psychobilly nacional e se tornou o nome mais citado nas entrevistas e

depoimentos analisados.

Vladimir Urban (Vlad)

Guitarrista das bandas Os Escroques, Os Cervejas, Os Catalépticos e Sick

Sick Sinners; Participou ativamente da Lista Psycho e foi um dos idealizadores do

fanzine O Monstro. Foi produtor do programa Transylvanian Express e através do

fanzine e da rádio, foi um dos responsáveis por trazer notícias e apresentar novas

bandas de psychobilly ao público brasileiro.

Junto com Wallace, Vlad é organizador do Psychobilly Fest desde sua

quarta edição, e é ainda o principal responsável pelo Psycho Carnival.

Vlad tem há alguns anos atuado no sentido de buscar incentivos para o

psychobilly, através de editais e parcerias privadas, além de parcerias como, a

estabelecida há alguns anos com a Associação Brasileira de Festivais

Independentes (ABRAFIN).

Wallace Che Fontes Barreto

Guitarrista das bandas Ovos Presley, Expurgo, Extrema Agonia

(Inicialmente como guitarrista e atualmente como baterista), Los Bandidos e

Mecanotremata; Participou durante alguns períodos do programa Transylvaninan

Express e do fanzine O Monstro, além de bastante ativo na Lista Psycho e Fórum

Psycho BR.

Wallace esteve sempre ligado à organização de shows (Não só de

psychobilly, pois esteve também envolvido com a cena punk e de rock industrial

de Curitiba) e festivais.

Também já produziu um programa de rádio online e é membro do Fórum

Permanente de Música no Paraná e Cooperativa de Músicos do Paraná, além de

colaborar em projetos, junto com Vlad, para aprovação em editais ou projetos de

iniciativa privada que possam ser utilizados na organização de festivais.

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Wallace também está, há cerca de 15 anos, envolvido com estúdios para

ensaio e gravação de bandas.

Ronaldo Nikolaiko (Bufunfa)

Ex-membro das bandas Os Cervejas e Ovos Presley, Bufunfa integrou uma

série de bandas voltadas ao psychobilly, folk e hillbilly e esteve envolvido na

produção de shows (Como a vinda das bandas Meteors e Demented Are Go para

o Brasil) e festivais, não apenas em Curitiba, mas também Londrina e São Paulo.

Seu nome costuma aparecer seguido de comentários que questionam

algumas de suas participações no meio psychobilly, e isso em razão de algumas

participações junto a bandas terem sido bastante curtas (São freqüentes as

citações de conflitos relacionados a ele), e também questionamentos e críticas em

relação a seus eventos, como na declaração (Durante entrevistas) de uma pessoa

que preferiu se manter anônima:

Ele (Bufunfa) não faz as coisas pro psycho, ou porque gosta, ou sentiu que seria legal trazer a banda X ou Y sabe, ele parece que faz para mostrar que consegue e que vai fazer melhor que outros... Ele parece sempre disputar com o Vlad, e inventa umas coisas tipo, de tar morando em Curitiba, onde tem toda uma estrutura armada, e aí faz um show em Londrina...

Germano Diedrich

Baterista nas bandas Os Cervejas, Kráppulas, Los Diaños, Hillbilly Rawhide

e também na inglesa Frantic Flintstones (Num período em que o vocalista desta

se mudou para Curitiba e remontou a banda com membros locais); Membro ativo

durante alguns períodos no Fórum Psycho BR.

Germano é um personagem que é mais citado por membros de bandas ou

ligadas à organização de shows e eventos; Seu nome não é freqüente quando

conversamos com o público de psychobilly, como ocorre por exemplo, em relação

aos nomes Vlad, Wallace, Coxinha... E um dos motivos é que algumas de suas

participações em bandas foram curtas (Á exemplo de Bufunfa), e que seu maior

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envolvimento com a cena foi como produtor musical. Atuou como técnico de som

em diversos festivais, e produziu diversos discos de psychobilly nacionais.

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4 ANÁLISE DO MATERIAL COLETADO

Trabalhamos nesta pesquisa com dados de 15 questionários, dentro de 22

aplicados, pois apenas estes 15 foram respondidos de maneira correta. Pudemos

também realizar entrevistas posteriores com estas pessoas, a fim de confirmar ou

complementar informações, além de obter novas informações.

Analisando os questionários realizados para este trabalho obtivemos os

seguintes dados.

Excetuando-se casos isolados onde encontramos rendas acima de sete

salários mínimos, a média (Sete dentre os 15) ficou na faixa de quatro a cinco

salários mínimos, levando em conta sempre a renda individual, mesmo em casos

onde a pessoa resida com os pais, companheiro ou amigos.

O grau de escolaridade médio (Oito dentre os 15) ficou acima do ensino

médio, ou seja, no geral os entrevistados chegaram ao ensino superior, mesmo

que uma boa parte não tenha concluído seus estudos. Já em relação à

escolaridade dos pais, a média (Nove dentre os 15) ficou entre ensino

fundamental e superior incompleto.

Questionados sobre sua iniciação ou formação artística, entre os músicos,

a maioria afirmou ter tido aulas de música ainda jovens, muitos antes mesmo de

seu envolvimento com o psychobilly ou outro gênero musical; Outros, pelo

contrário, após se envolverem com música, decidiram aprender algum

instrumento e o fizeram por conta.

Em relação ao domínio da língua inglesa, apenas dois entrevistados

responderam negativamente, e os demais afirmaram que, em grande maioria, que

tinham ao menos algum conhecimento do idioma quando tiveram seu primeiro

contato com o psychobilly.

Quanto a faixa etária, 12 dos 15 entrevistados possuem mais de 30 anos;

Mesma proporção de entrevistados que moram sozinhos (Ou que dividem

residência com companheiro ou amigos), em relação àqueles que moram com os

pais.

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Não foi possível estabelecer uma média em relação à profissão dos

entrevistados, mas é válido notar que apenas dois seguem a carreira de músico, e

um terço está ligado de maneira direta à produção cultural.

Quando questionados sobre seu primeiro contato com o psychobilly, todos

afirmaram tê-lo feito durante sua adolescência; Metade afirma não ter se

envolvido com nenhum estilo antes, e um terço se envolveu, em algum nível, com

o movimento punk; Estes últimos afirmam em seguida que sua transição se deu

em razão de terem se identificado mais com o psychobilly.

Outro dado comum entre os envolvidos na pesquisa foi a vivência com

bandas, onde 13 deles possui ou já participou de alguma banda, e questionados

sobre os motivos que os levaram a formar ou entrar para um grupo, a grande

maioria afirmou que foi a vontade de fazer algo próprio, de se expressar e fazer a

sua versão do psychobilly que os motivou. Apenas duas pessoas afirmaram ter se

sentido tentadas à um dia poder tocar junto de bandas que idolatravam e esse

sonho as levou a montar uma banda.

Em seguida, abrimos a discussão a respeito de quais bandas estes tiveram

como referência durante sua iniciação dentro do psychobilly, e dois nomes muito

citados foram The Cramps (11), The Meteors (07). Em seguida os Kães Vadius,

mas com apenas cinco citações.

Ao falar a respeito de produções nacionais relevantes atualmente, foi

interessante notar que muitos, além de citarem bandas, falaram também dos

festivais independentes realizados no país.

E entre as citações destacamos, Ovos Presley (08 - Apesar de não ter

lançado material desde 2004), Sick Sick Sinners (06), As Diabatz / Kães Vadius

(05); E ainda, os festivais, mencionados três vezes, mas dentro de um

questionário que não entrava neste assunto, ou seja, surgiram de maneira

espontânea, e isso é bastante relevante.

Quando perguntados sobre frequência com que assistem televisão, a

grande maioria afirmou que o faz em pequena escala, e um terço complementou

que quando o faz, é para assistir seriados. Já em relação à filmes tivemos dois

terços citando predileção por filmes cult (Foram citados diretores como Quentin

Tarantino, Guy Ritchie ou filmes da série Monty Python), mais da metade citou

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filmes de terror, filmes B e filmes de zumbis e filmes clássicos (Apesar de não

especificarem que tipo de clássicos), e uma minoria ainda citou os gêneros de

comédia ou western. Vale lembrar que cada entrevistado citou mais de um

gênero, e numa média, cada um se referiu a três gêneros distintos.

Enquanto um terço dos envolvidos afirmou ter costume de ler muito pouco,

outro terço afirmou ler apenas revistas (Em quadrinhos ou sobre música); Em

seguida, questionados sobre o costume de visitar teatros ou museus, mais de

dois terços afirmou não fazê-lo.

A intenção destes questionários foi traçar um perfil dos envolvidos na cena

psycho brasileira, mas seria necessário maior abrangência para tal, e portanto

optamos pelo foco em pessoas cuja participação no meio é bastante relevante.

Realizamos ainda uma série de entrevistas, além de coletar depoimentos

destes e de outros envolvidos, e deste levantamento, mais focado na cidade de

Curitiba, obtivemos os seguintes dados.

Pelas descrições, o público presente nos shows do início do psychobilly era

similar ao de São Paulo, contando com alguns poucos iniciantes psychos, e um

misto de diferentes estilos, e para isto contribuiu o fato de que as bandas de

psychobilly tocavam em eventos com bandas de outros estilos também

alternativos.

A cena punk foi muito próxima neste início, e boa parte dos psychobillies já

esteve presente no meio punk; Atualmente, apesar de não haver integração

durante os festivais, shows esporádicos realizados na cidade costumam contar

com bandas punks e psycho tocando juntas.

Diversos relatos citaram que, como havia acontecido na Inglaterra, também

foram comuns no Brasil os conflitos entre grupos punks e skinheads, com

variações de escala, mas similares em motivação: Discordâncias ideológicas.

E também foram semelhante os motivos que levaram muitos aos shows de

psychobilly, que foi o fato deste proporcionar uma espécie de zona neutra para

diferentes grupos.

Questionados sobre o público nos shows ao longo dos anos, alguns

depoimentos apontaram para o fato que, com exceção dos festivais, este costuma

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ter sempre uma grande parcela (Alguns arriscam cerca de 50%) de entusiastas do

estilo, mas que não se declaram psychos. Ou seja, apesar do psychobilly possuir

um núcleo ativo na cidade, o número de pessoas assumidamente psycho –

alguns citam a questão destes usarem ou não o visual psycho – e mesmo as

bandas locais costumam ter integrantes mais ligados à outros estilos.

À respeito do Psycho Carnival, em entrevista com seu organizador, Vlad,

este informou que suas duas últimas edições (2009 e 2010) contaram com uma

média de aproximadamente 60% a 70% de público proveniente de outros estados

e ou países, e à estes números devemos ainda incluir o interior do estado do

Paraná, que possui regiões como a de Londrina e Maringá onde encontramos um

número considerável de adeptos e bandas.

* * *

Outra questão levantada durante as entrevistas e depoimentos foi o

profissionalismo de parte dos envolvidos com a cena curitibana, onde

encontramos apenas dois casos de pessoas que de fato sobreviveram extraindo

sua renda do psychobilly, uma delas como músico, e outra como músico e

produtor, e ainda assim, com médias mensais inferiores à quatro salários

mínimos. Estes afirmaram, em mais de uma ocasião, que o fazem por ser o

psychobilly aquilo que de fato acreditam e que tem prazer em se dedicar a isto,

mas analisando os questionários destes, notamos existe uma pré-condição

econômica (Renda e patrimônio da família) que os permite seguir nesta condição,

ou seja, existe uma espécie de rede de segurança que os garante.

Ainda em relação à condição socioeconômica e cultural destas pessoas,

notamos que a situação que se encontravam enquanto adolescentes, e pelo

acesso à língua inglesa, além de razoável poder aquisitivo (Á época, ainda

garantido por seus pais), foi que permitiu que este núcleo mais ativo de pessoas

tivesse contato com discos e informações estrangeiras desde o início, numa

época onde o acesso à internet ainda era restrito e informações em revistas eram

raras.

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O domínio do idioma também permitiu, como já foi citado, contato direto

com bandas, selos e produtores de fora, e isso garantia informações rápidas e

acesso a material que levou algum tempo até ser distribuído no país.

Acreditamos então, através destes materiais pesquisados, incluindo ainda

diversas matérias sobre o assunto, ter dados suficientes para traçar um panorama

da constituição da cena psychobilly em Curitiba, e poder responder algumas das

perguntas a que havíamos nos proposto no início deste trabalho.

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5 CONCLUSÕES

Ao final desta pesquisa, analisando por um lado o histórico do psychobilly

nacional, e também os questionários e entrevistas com uma série de pessoas

envolvidas, imaginamos possível estabelecer algumas conclusões em cima das

hipóteses levantadas inicialmente.

A respeito de nossa primeira questão, podemos dizer que, os Kães Vadius,

como primeira expressão do psychobilly brasileiro, assumiu uma característica

própria, com um tom de humor e sarcasmo populares, ou como citado pela

própria banda, algo “maloqueiro”; E interessante notar que esta mesma palavra

serve mais tarde para definir o som da banda Ovos Presley, e parece ser usada

num sentido de designar algo que é, ao mesmo tempo simples e corriqueiro, e

que pode chocar, causar repulsa e também o riso, como jornais baratos

estampando suas “notícias populares” (Como resume o título de uma música dos

Kães Vadius).

Apesar desta primeira manifestação, cremos que o modelo inicial surgido

na Inglaterra seguiu, ao longo dos anos, como base para o psychobilly nacional

no aspecto sonoro e visual; Assim como nos diversos países por onde este se

espalhou, e mesmo em Londres, as bandas que seguiram exploraram uma

diversidade enorme de variações sonoras e temáticas, mas sempre mantendo

algo da essência psychobilly. O mesmo se deu no Brasil, onde vertentes como o

power-psycho ou mais próximas ao hillbilly (De temática country e folk) ganharam

força em alguns períodos, mas mesmo assim houve sempre um forte apelo no

psychobilly “tradicional”, no entanto, nos parece impossível um gênero qualquer

ser implantado e sobreviver ao longo de anos, sem acabar envolvido por uma

série de conteúdos simbólicos e características culturais locais.

Por ter sido traduzido e reinterpretado (Aqui usando os sentidos literais das

palavras, em relação à tradução e interpretação das letras), e em alguns

momentos por passar a ser expresso através de outro idioma, este ganha uma

nova feição, e somando-se a isso realidades culturais distintas encontradas, o

resultado final acaba tomando traços próprios, e nem mesmo uma referência

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inicial (Que por sua vez também é fluida e se desenvolveu ao longo dos anos)

evitaria que o psychobilly brasileiro assumisse uma identidade distinta, mas que

permite sempre espaços para àqueles interessados em reviver épocas

específicas do gênero.

Nossa segunda questão buscava entender se de fato a cidade de Curitiba

havia assumido uma posição de referência para o psychobilly nacional, e de fato,

a cidade foi citada em inúmeros momentos, de maneira direta ou indireta,

inclusive durante uma das entrevistas com Hulk, do Kães Vadius, onde este

lamentou o atual estado da cena em São Paulo, mas que seguia feliz pelo status

que Curitiba havia alcançado.

Podemos, portanto, entender que esta tenha se tornado a capital nacional

para os fãs do gênero, sobretudo em razão dos festivais que esta abriga, e

também por contar com três das bandas mais citadas atualmente (Ovos Presley,

Sick Sick Sinners e As Diabatz), além de contar com Vlad, que para além dos

festivais, organiza eventos esporádicos pela cidade.

Mais do que um contexto que propiciasse o desenvolvimento do estilo na

cidade, encontramos pistas que nos levam a acreditar que o que de fato

aconteceu foi a criação de um círculo de contatos que permitiu a organização de

shows de uma maneira crescente. Se de um lado a cidade teve sempre bandas

de destaque, por outro, teve a facilidade de contar com uma rede de

sociabilidades que envolvida, ao redor do psychobilly (E outros estilos

independentes como o punk), donos de casas noturnas e produtores.

Esta rede de contatos, estabelecida em grande medida dentro do meio

punk curitibano, se estendeu ao longo dos anos e se analisarmos algumas das

maiores edições do Psycho Carnival veremos que a casa de shows escolhida,

além de bares e empresas que patrocinaram o evento, pertenciam a indivíduos

que fazem parte desta rede.

Mas fica evidente que, apesar de eventuais facilidades que possam surgir,

destaca-se a persistência e profissionalismo com que alguns levaram o estilo

adiante, na tentativa de profissionalização de algumas bandas, e também na

organização de shows/festivais – Vale lembrar que o psychobilly teve seu início

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em meio à cena punk, mas logo superou este em questão de divulgação e

organização de eventos.

Elementos como classe social e o grau de escolaridade não se mostraram

fundamentais na formação de gosto do público analisado, mas operam em alguns

níveis na determinação do padrão de consumo e formação de gosto destes.

Diversos foram os depoimentos e afirmações relatando um primeiro contato

com o estilo em uma relação mediada por amigos próximos, através da audição

de discos ou programas de rádio e TV, ou ainda, quando estes realizavam cópias

de álbuns de bandas psycho em fitas K7. Esta aproximação com o gênero, que

inicialmente ocorreu em bares, colégios e entre vizinhos, e depois também

através de rádios e programas de TV, a princípio estaria disponível a todos,

apesar de não encontrarmos durante a pesquisa, relatos de envolvidos de baixa

renda (Abaixo, por exemplo, de dois salários mínimos); Ficou claro que àqueles

com maior grau de escolaridade e domínio de idiomas, e pertencentes à uma

família de renda superior, tiveram acesso a um conteúdo que não estava ao

alcance de todos, e puderam servir, inclusive, de intermediários no processo.

A família se revelou importante principalmente em relação à parcela de

músicos envolvidos, uma vez que a maioria destes afirmou ter sido iniciado em

aulas de música ainda muito novos, alguns antes de atingir a fase de

adolescência.

Nossa última questão, a respeito da motivação que leva diversos indivíduos

a um envolvimento com o psychobilly será focada principalmente naqueles que

foram, até o momento, o principal foco do debate, ou seja, pessoas cujo nível de

participação vai além da condição de espectador, e que se envolvem de alguma

maneira, seja participando enquanto músicos ou produtores, divulgadores, ou até

mesmo através das listas e fóruns de discussão.

Acreditamos que, entendendo a música como impulsionada pelos

sentimentos, e sendo esta, como afirma Simmel (2003), expressão de sensações

intensas, torna-se, portanto, uma forma de interação e, sobretudo, de expressão

de individualidade, sua identidade e assim também, suas diferenças em relação à

outros (Bourdieu, 1983).

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É este sentimento misto de identificação e oposição, participação e

pertencimento que leva muitos além da simples adoção do estilo e passar a uma

vivência participativa; Através dos questionários vimos uma grande maioria

afirmando uma identificação com o psychobilly como razão inicial de seu

envolvimento, e estes, a partir daí passam a se apropriar material e

simbolicamente de uma série de práticas e objetos que findam por constituir seu

estilo de vida (id., p. 83), neste caso, através da cultura psychobilly.

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Curitiba: Independente.

BLOGS, SITES E GRUPOS DE DISCUSSÃO ONLINE

LISTA PSYCHOBILLY <http://br.dir.groups.yahoo.com/group/psycho-

brasil/?v=1&t=directory&ch=web&pub=groups&sec=dir&slk=8>

FÓRUM PSYCHO BR <http://www.psychobilly.com.br>

BLOG EDDY TEDDY <http://eddyteddy.wordpress.com>

REVISTA DYNAMITE ONLINE <http://dynamite.terra.com.br>

FANZINE VIRTUAL FANZINEWEAR

<http://www.fanzinewear.com.br/psycho4.php>

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ANEXO I

QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO Nome: Idade: Estado civil: Filhos: Cor: Religião: Endereço: Escolaridade: Instituição: Tem conhecimento da língua inglesa: Costuma traduzir letras das músicas que ouve? Atividade profissional: Mora com quem: Renda aproximada: Escolaridade do pai: Escolaridade da mãe: Atividade profissional do pai: Atividade profissional da mãe: Bens de consumo possuídos (Indicar quantidade) Televisor: Rádio: Automóvel: Máq. De lavar roupas: Geladeira: DVD: Computador: Freezer: Banheiros:

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PERFIL ARTÍSTICO E CULTURAL Como se deu sua formação artística? (Como começou a se interessar por música? Houve influência familiar?) Como conheceu o Psychobilly? Porque optou pelo Psychobilly e o que este significa para você? (Apenas música? Estilo de vida? Visual?)

Quando isto ocorreu? (Quantos anos tinha, e que época era?) Onde isto ocorreu? (Morava em que cidade? E caso não tenha sido em Curitiba, em que época veio para cá?)

Você possuía algum estilo precedente? O que levou à esta mudança?

Possui ou possuiu banda? O que o motivou a formar uma banda? Cite uma ou mais bandas de referência de Psychobilly para você no início do seu envolvimento: Cite uma ou mais bandas referência de Psychobilly para você atualmente: O que acha que está sendo produzido, de relevante, na indústria musical atual? (Fora do Psychobilly) Que programas de TV costuma ou costumava assistir?

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Cite alguns de seus filmes favoritos: (Por título, diretor ou gênero) Tem o hábito de ler? (Citar que tipo de leitura e exemplos; Livros, revistas, quadrinhos...) Costuma freqüentar museus e ou teatros?

Alguma consideração final?