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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
RAMONE APARECIDA PRZENYCZKA
CONFLITOS TICOS NO CUIDADO DOMICILIAR DE ENFERMAGEM
CURITIBA
2011
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RAMONE APARECIDA PRZENYCZKA
CONFLITOS TICOS NO CUIDADO DOMICILIAR DE ENFERMAGEM
Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de mestre em Enfermagem pelo Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, rea de Concentrao Prtica Profissional de Enfermagem na linha de pesquisa Polticas e Prticas: de Educao, Sade, Enfermagem Setor de Cincias da Sade, Universidade Federal do Paran.
Orientadora: Dr. Maria Ribeiro Lacerda
Coorientadora: Dr. Rita de Cssia Chamma
CURITIBA
2011
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FICHA CATALOGRFICA
Przenyczka, Ramone Aparecida. Conflitos ticos no cuidado domiciliar de Enfermagem / Ramone Aparecida Przenyczka. Curitiba, 2011. 165 f.: il. 30 cm. Orientadora: Dr. Maria Ribeiro Lacerda. Coorientadora: Dr. Rita de Cssia Chamma. Dissertao (Mestrado) - Programa de Ps-Graduao em Enfermagem. rea de Concentrao: Prtica Profissional de Enfermagem. Setor de Cincias da Sade. Universidade Federal do Paran.
1. 2. 1. Enfermagem. 2. Assistncia domiciliar. 3. tica. 4. Prtica profissional. 5. Pesquisa
qualitativa. I. Lacerda, Maria Ribeiro. II. Ttulo.
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Aos meus pais, Romo e Vera, e minha querida irm, Romara.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, que no me abandona.
Aos meus pais, que de tudo fizeram para proporcionar meus estudos desde sempre.
Dr. Maria Ribeiro Lacerda, pela compreenso e pacincia nos momentos mais
difceis durante os dois anos de Mestrado, pela orientao cientfica durante esta
pesquisa, pelo estmulo fornecido em todos os trabalhos realizados, pela
contribuio com meu aprendizado desde a graduao em Enfermagem, pela
confiana em me ter como orientanda durante todos esses anos, pelo carinho em
determinados momentos de minha vida particular.
Dr. Rita de Cssia Chamma, por sua coorientao.
s professoras do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade
Federal do Paran.
Aos integrantes da banca para a sustentao deste trabalho, que aceitaram
prontamente o convite.
A minha melhor amiga, Fabiana Nathalie, por sua amizade e pelo auxlio na
diagramao deste trabalho.
Doutoranda Luciane Favero, pela contribuio realizada neste trabalho.
Ao Ncleo de Estudos, Pesquisa e Extenso em Cuidado Humano em Enfermagem
(Nepeche).
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), pelo
apoio financeiro.
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RESUMO
PRZENYCZKA, R. A. Conflitos ticos no cuidado domiciliar de Enfermagem.
165 f. Dissertao (Enfermagem) - Programa de Ps-Graduao em Enfermagem. Universidade Federal do Paran, Curitiba, 2011. A Enfermagem domiciliar est crescendo e com ela a necessidade de se examinar o padro tico relacionado. O estudo da tica, na rea da sade, ainda escasso e, em maior grau, na Enfermagem domiciliar. Assim, o objetivo desta pesquisa foi desenvolver um modelo terico que contemple a vivncia de conflitos ticos por enfermeiros no cuidado domiciliar. Trata-se de pesquisa qualitativa que utilizou como mtodo a Teoria Fundamentada nos Dados. Foram entrevistados, por meio de entrevista semiestruturada, vinte e um enfermeiros que atuam no cuidado domiciliar h pelo menos um ano, subdivididos em trs grupos amostrais. O primeiro grupo foi composto por nove enfermeiros de Unidades de Sade com Estratgia Sade da Famlia; o segundo foi formado por sete enfermeiros que trabalham em empresas privadas de home care; e o terceiro grupo amostral constituiu-se de cinco enfermeiros que atuam de forma autnoma no cuidado domiciliar. A coleta e anlise simultnea dos dados ocorreram de outubro de 2010 a julho de 2011. O modelo terico utilizado para interpretar o fenmeno Vivenciando conflitos ticos no cuidado domiciliar de Enfermagem foi o seis Cs adaptado, proposto por Glaser. A categoria central do fenmeno eleita foi Reconhecendo os conflitos ticos em sentido amplo, sendo que a mesma possui um contexto especificado na categoria Contextualizando a tica na prtica profissional, causas em Gnese dos conflitos ticos, uma contingncia em Encontrando dificuldades para a resoluo de conflitos ticos, condies intervenientes em Buscando estratgias para a resoluo de conflitos ticos as consequncias na categoria Implicaes da vivncia de conflitos ticos. O modelo terico admitiu visualizar que diferentes conflitos ticos so vividos pelos enfermeiros, que os mesmos possuem uma origem em questes sociais e profissionais, que bices so encontrados como os ligados formao, profisso, equipe, ao paciente/familiar e a outras instncias; apesar disso, os profissionais adotam diferentes maneiras para a dissoluo dos conflitos como so exemplos as estratgias subjetivas, institucionais e a rede de apoio; e que, como resultado, os enfermeiros necessitam de mais prtica, eles conseguem diferenciar as situaes vivenciadas no domiclio das de uma instituio hospitalar, expressam sentimentos positivos e negativos, resolvem os conflitos e registram os mesmos. Por fim, novos estudos devem ser concretizados sobre o assunto e considera-se que os enfermeiros devem realizar sua prtica pautados nos princpios ticos da profisso.
Palavras-chave: Enfermagem. Assistncia domiciliar. tica. Prtica profissional. Pesquisa qualitativa.
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ABSTRACT
PRZENYCZKA, R. A. Ethical conflicts in nursing home care. 165 f. Dissertation
(Nursing) - Program of Graduation in Nursing. Federal University of Paran, Curitiba, 2011. Nursing home care has been growing, so is the need to examine the related ethical standard. Ethics study in the nursing area is still scanty, and in a higher degree, in nursing home care. Thus, this research aims to develop a theoretical model contemplating the ethical conflicts experienced by nurses in home care. It is a qualitative nursing study using grounded-theory methodology. Twenty-one (21) nurses, working in the home care area for at least one year, were interviewed by means of a semistructured interview, subdivided in three sampling groups. The first group entailed 9 nurses from health units with the Program of Family Health Strategy; the second group was taken up by 7 nurses from private home care agencies, and the third sampling group entailed 5 self-employed home care nurses. Simultaneous data collection and analysis were carried out from October, 2010 to July, 2011. The theoretical model used in order to interpret the phenomenon Experiencing ethical conflicts in nursing home care was the adapted 6 Cs proposed by Glaser. The chosen core category of the phenomenon was Acknowledging ethical conflicts in a broad sense, which has a specified context in the category Contextualizing ethics in the professional practice, causes in Emergence of ethical conflicts, a contingency in Finding difficulties for the resolution of ethical conflicts, intervention conditions in Searching for strategies to solve ethical conflicts, the consequences in the category Implications of experience in ethical conflicts. The theoretical model enabled to elicit that different ethical conflicts are experienced by nurses, that they are originated in social and professional issues, that obstacles are found such as the ones related to the education, profession, the team, patient/family member and other instances; even so, professionals adopt different ways to solve conflicts, for example, subjective, institutional strategies and support networks; and that, consequently, nurses need more practice, they can distinguish home care situations from the ones at hospital settings, express positive and negative feelings, solve conflicts and report them. Concluding, further studies on the subject are necessary, and nurses are deemed to perform their practice guided by ethical principles in the profession.
Keywords: Nursing. Home Nursing. Ethics. Professional Practice. Qualitative research.
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LISTA DE DIAGRAMAS
DIAGRAMA 1 VIVENCIANDO CONFLITOS TICOS NO CUIDADO DOMICILIAR DE ENFERMAGEM....................................................5 DIAGRAMA 2 CONTEXTUALIZANDO A TICA NA PRTICA PROFISSIONAL..58 DIAGRAMA 3 GNESE DOS CONFLITOS TICOS..............................................63 DIAGRAMA 4 CONFLITOS TICOS EM SENTIDO ESTRITO.................................. DIAGRAMA 5 DILEMAS TICOS............................................................................. DIAGRAMA 6 ENCONTRANDO DIFICULDADES PARA A RESOLUO DE CONFLITOS TICOS.......................................................................87 DIAGRAMA 7 BUSCANDO ESTRATGIAS PARA A RESOLUO DE CONFLITOS TICOS........................................................................... DIAGRAMA 8 IMPLICAES DA VIVNCIA DE CONFLITOS TICOS..................
DIAGRAMA 9 MODELO TERICO DE VIVENCIANDO CONFLITOS TICOS
NO CUIDADO DOMICILIAR DE ENFERMAGEM............................
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 MODELO DE NOTA TERICA............................................................ QUADRO 2 MODELO DE NOTA METODOLGICA................................................ QUADRO 3 MODELO DE CATEGORIZAO.......................................................51 QUADRO 4 CATEGORIAS, SUBCATEGORIAS E COMPONENTES NA CODIFICAO SUBSTANTIVA .........................................................53 QUADRO 5 TEMAS E CATEGORIAS RELACIONADOS AOS SEIS Cs NA CODIFICAO TERICA ..................................................................
57 57 59 61 64
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SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................................................
1.1 OBJETIVO...............................................................................................................
2 REVISO DE LITERATURA......................................................................................
2.1 BREVE EVOLUO HISTRICA E FILOSFICA DA TICA................................
2.1.1 A Idade Antiga.......................................................................................................
2.1.2 A Idade Mdia.......................................................................................................
2.1.3 A Idade Moderna...................................................................................................
2.1.4 A Idade Contempornea.......................................................................................
2.2 TICA: CONCEITO, OBJETO, FINALIDADE..........................................................
2.3 CONFLITOS E DILEMAS TICOS NA ENFERMAGEM.......................................
2.4 CUIDADO DOMICILIAR SADE..........................................................................
2.4.1 Histrico do cuidado domiciliar..............................................................................
2.4.2 O cuidado domiciliar: conceitos e implicaes......................................................
3 METODOLOGIA.........................................................................................................
3.1 TEORIA FUNDAMENTADA NOS DADOS..............................................................
3.1.1 Amostragem terica..............................................................................................
3.1.2 Coleta de dados....................................................................................................
3.1.3 Anlise dos dados.................................................................................................
3.1.3.1 Codificao substantiva......................................................................................
3.1.3.2 Codificao terica............................................................................................
3.2 ASPECTOS TICOS................................................................................................
4 APRESENTAO DOS DADOS...............................................................................
4.1 CONTEXTUALIZANDO A TICA NA PRTICA PROFISSIONAL...........................
4.1.1 Compreendendo a acepo de tica.....................................................................
4.1.2 Compreendendo o significado de dilemas ticos..................................................
4.2 GNESE DOS CONFLITOS TICOS......................................................................
4.2.1 Questes sociais...................................................................................................
4.2.2 Questes profissionais..........................................................................................
4.3 RECONHECENDO OS CONFLITOS TICOS EM SENTIDO AMPLO................
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4.3.1 Conflitos ticos em sentido estrito.......................................................................
4.3.1.1 Extrapolando a competncia profissional.........................................................
4.3.1.2 Relacionamento com colega e/ou paciente/familiar.........................................
4.3.1.3 Violando o sigilo profissional............................................................................
4.3.1.4 Preconceito......................................................................................................
4.3.1.5 Violncia............................................................................................................
4.3.1.6 Aborto.................................................................................................................
4.3.1.7 Desrespeito entre os familiares..........................................................................
4.3.1.8 Morte................................................................................................................
4.3.2 Dilemas ticos.......................................................................................................
4.3.2.1 Consentimento da famlia: quem respeitar?.....................................................
4.3.2.2 Capacitao do cuidador: qual o limite?..........................................................
4.3.2.3 Condies financeiras escassas: como proceder?.........................................
4.4 ENCONTRANDO DIFICULDADES PARA A RESOLUO DE CONFLITOS
TICOS..........................................................................................................................
4.4.1 Dificuldades relacionadas formao...................................................................
4.4.2 Dificuldades relacionadas profisso...................................................................
4.4.3 Dificuldades relacionadas equipe.......................................................................
4.4.4 Dificuldades relacionadas ao paciente/familiar.....................................................
4.4.5 Dificuldades relacionadas a outras instncias.......................................................
4.5 BUSCANDO ESTRATGIAS PARA A RESOLUO DE CONFLITOS
TICOS..........................................................................................................................
4.5.1 Estratgias prprias do cuidado domiciliar...........................................................
4.5.2 Estratgias subjetivas............................................................................................
4.5.3 Estratgias institucionais......................................................................................
4.5.4 Rede de apoio.......................................................................................................
4.6 IMPLICAES DA VIVNCIA DE CONFLITOS TICOS.......................................
4.6.1 Necessidade de prtica.........................................................................................
4.6.2 Diferenciando conflitos ticos institucionais dos domiciliares...............................
4.6.3 Expressando sentimentos....................................................................................
4.6.4 Resolvendo os conflitos ticos..............................................................................
4.6.5 Registrando os conflitos ticos..............................................................................
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5 DESENVOLVIMENTO DO MODELO TERICO.......................................................
6 DISCUSSO COM OS AUTORES.............................................................................
7 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................
REFERNCIAS..............................................................................................................
APNDICES...................................................................................................................
ANEXO.........................................................................................................................
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1 INTRODUO
Nos ltimos anos muita contenda houve, e ainda persiste, sobre o
vertiginoso desenvolvimento tcnico-cientfico e suas consequentes benesses para
diferentes reas de conhecimento, dentre as quais a da sade e, mais
especificamente, a da Enfermagem. Entrementes, h uma desproporo entre tal
avano e outro tema que se insurge e permeia toda essa rea, qual seja, a tica,
que at tem sido impugnada em artigos, livros, congressos e congneres, mas que
merece ser mais problematizada e refletida na prtica dos profissionais.
Como bem assinalado, utiliza-se exacerbadamente a palavra tica,
banalizando-se o seu uso, o que leva diminuio de sua importncia. Por isso, a
necessidade de se questionar como pensar a tica hoje, diante da rpida evoluo
desordenada enfrentada pela sociedade (BOFF, 2003). Para tanto, preciso discuti-
la efetivamente desde cedo e no de forma descontextualizada e acrtica.
O estudo da tica no to comum dentro de instituies de sade do
Brasil. Conquanto existam algumas que possuam Comisses de tica, inclusive
especficas de Enfermagem, para tratar de assuntos afins, ele restringe-se ao meio
acadmico e, mesmo nesse, o tempo destinado ao assunto nfimo, dedicando-se
maior lapso s outras disciplinas em detrimento da tica.
A propsito, Fernandes et al. (2008) registram que o progresso tcnico-
cientfico atinge de perto o indivduo no seu ser tico, o que implica mudanas na
dimenso tica do processo de formao do enfermeiro. Inclusive, as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduao em Enfermagem vm
exigindo uma educao destinada formao de um profissional capacitado para
atuar com senso de responsabilidade social, compromisso com a cidadania e para
ser promotor da sade integral do ser humano.
Uma vez erigida a necessidade do estudo da tica e o compromisso de se
formar profissionais responsveis, acordo esse realado nas DCN do Curso de
Enfermagem, cumpre elucidar o seu significado. Cortina (2009, p. 35) faz a
interessante aluso ao tema: a tica uma incompreendida, e [...] essa
incompreenso a est deixando sem tarefa, isto , sem nada para fazer.
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Simplesmente porque ningum sabe claramente o que fazer com ela. Nessa
perspectiva, importante esclarecer o conceito que lhe atribudo.
A tica pode ser conceituada como teoria ou cincia do comportamento dos
homens em sociedade (VSQUEZ, 2008, p. 23). O autor sublinha nessa definio o
carter cientfico da disciplina; a tica a cincia da moral e no a prpria moral e,
portanto, no pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescries (VSQUEZ,
2008). Por conseguinte, entendemos a tica como o estudo, a reflexo, a discusso
sobre o modo de comportar-se dos homens e sobre suas relaes entre si. Ela no
um conjunto de costumes, preceitos, leis ou resolues que sujeitam a conduta dos
homens em sociedade. A tica medita sobre as regras, sua necessidade, suas
justificativas, porm, no prescreve, no ordena.
Em tempos remotos, a tica dedicava-se, principalmente, ao individual e
era estudada por filsofos e telogos. Devido s transformaes da sociedade, a
primazia passou a ser o sujeito-social, com o envolvimento de pessoas em grupos
comunitrios, profissionais, associaes de classe e outros (OGUISSO; SCHMIDT;
FREITAS, 2010).
Hodiernamente, faz-se necessrio, outrossim, considerar as questes ticas
relacionadas s demandas de sade, afinal, o processo sade-doena no deve ser
abordado somente por seus aspectos biologicistas. A tica permeia todas as reas
de atuao da Enfermagem, pois intrnseca s aes humanas, sejam de trabalho
ou no. No contexto dessa profisso, deve ser entendida para alm do cumprimento
de valores morais e de normas ticas e legais. Tem de ser percebida como meio e
fim para se alcanar a excelncia no cuidado prestado ao paciente e nas relaes
de trabalho com os demais profissionais.
Destaca-se que, na prtica da Enfermagem, so assduas as ocorrncias
que propiciam problemas ticos em razo de que os profissionais esto envoltos por
circunstncias conflituosas relacionadas ao paciente e/ou sua famlia, profisso,
organizao do trabalho, entre outros.
Tais problemas podem se constituir em um conflito ou dilema tico, que so
termos distintos. Um conflito significa coliso; choque; penoso estado mental devido
a choque entre tendncias opostas, e encontrado, em grau varivel, em qualquer
indivduo (FERREIRA, 2010, p. 555). Ou, tambm:
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profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes. Ocorrncia concomitante de exigncias, impulsos ou tendncias antagnicas e mutuamente excludentes, e o estado da decorrente. Ato, estado ou efeito de divergiram acentuadamente ou de se oporem duas ou mais coisas. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 520).
J o dilema definido, por Ferreira (2009, p. 716), como um raciocnio cuja
premissa alternativa, de sorte que qualquer de seus termos conduz mesma
consequncia. E, segundo Houaiss e Villar (2009, p. 686), trata-se de:
um raciocnio que parte de premissas contraditrias e mutuamente excludentes, mas que paradoxalmente terminam por fundamentar uma mesma concluso; em um dilema ocorre a necessidade de escolha entre alternativas opostas A e B, que resultar em uma concluso C, que se origina necessariamente tanto de A quanto de B.
Diante dos conceitos apresentados por dois dicionaristas de renome, v-se
que esses dois vocbulos preservam semelhanas entre si, ao menos, quando se
descrevem choque entre tendncias opostas ou antagnicas (no conflito) e
raciocnio e escolha a partir de premissas diferentes (no dilema).
O conflito tico, tratado nesta pesquisa, diz respeito a uma coliso entre
determinada ao ou omisso do profissional, do paciente ou de sua famlia e a
tica. Significa ir contra preceitos ticos, brigar, colidir contra os mesmos. O dilema
tico, por seu turno, acontece entre duas ou mais opes que envolvem uma
situao tica, assim, o profissional ou o paciente est diante de mais de um
caminho e tem que optar por um deles; nessa perspectiva, pode-se afirmar que ele
possui um conflito, conflito esse entre duas ou mais possibilidades.
Por assim se considerar, versar-se- sobre o conflito, doravante, como um
termo genrico que abrange o dilema, sendo que este um conflito particular que
envolve, necessariamente, uma escolha. Chama-se a ateno para o fato de que
esse entendimento no especfico desta pesquisa. Duarte e Lautert (2006)
realizaram estudo sobre conflitos e dilemas ticos num Centro Cirrgico e, para
tanto, trataram do tema da mesma forma.
Freitas, Oguisso e Merighi (2006) relatam que a preveno e o controle das
ocorrncias ticas exigem investimentos materiais e humanos e vontade poltica
para implementar aes na dinmica de trabalho. Todos os esforos dos
enfermeiros seriam insuficientes para enfrentar ocorrncias ticas, se no houvesse
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um processo de parceria da instituio e dos profissionais da rea da sade, no
sentido de se comprometerem, eticamente, com uma meta institucional e profissional
de zelar pela integridade e pelo respeito aos direitos do paciente, do colega de
trabalho e dos prprios direitos.
manifesto que dentro de instituies de sade maior o controle sobre as
questes ticas relacionadas com a prtica dos profissionais de Enfermagem, porm
o que fazer quando a atuao de profissionais se d fora desse limite espacial? E
no me refiro, apenas, fiscalizao do exerccio profissional, por parte de
empregadores ou dos rgos de classe, mas, igualmente, aos questionamentos, de
natureza tica, experimentados pelo paciente e famlia, dentro da residncia, e que
reclamam orientaes, intervenes e apaniguamento de um profissional da sade
e, por bvio, do enfermeiro.
No mbito do cuidado domiciliar de Enfermagem, diferentes conhecimentos
so imprescindveis, dentre eles o tico. De tal modo, importante citar uma reviso
integrativa, feita a partir da produo cientfica da Enfermagem brasileira, que
concluiu que durante a realizao do cuidado domiciliar h o envolvimento de vrios
tipos de conhecimentos: o cientfico, presente em 100% dos estudos selecionados; o
poltico em 63,4%; e o conhecimento tico, em terceiro lugar, revelado em 56,1%
dos estudos (FAVERO et al., 2009a).
Lacerda (2010), proficientemente, afirma que a Enfermagem domiciliar exige
um trabalho sistematizado acentuado por comunicao, tica e respeito humano
pela vivncia das famlias. A mesma autora (2010) relata que preciso o
comprometimento tico da enfermeira, no sentido de ser advogada do paciente, e
que tal papel implica o respeito dignidade e aos direitos do ser humano durante o
processo de trabalho.
fato notrio que a Enfermagem domiciliar est crescendo e com ela surge
a necessidade de se examinar o padro tico relacionado. Entendo que o estudo da
tica, na rea da sade, ainda defectivo e, em maior grau, na Enfermagem
domiciliar. Destarte, explorar o tema proposto, qual seja, os conflitos ticos, entre os
quais se incluem os dilemas, envolvidos no cuidado domiciliar de Enfermagem,
relevante por diferentes motivos.
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O assunto, at ento, pouco discutido. So poucos os estudos sobre
conflitos ticos na Enfermagem e aqueles sobre os dilemas so menores. Numa
reviso sistemtica realizada em 2010, 175 artigos foram encontrados com o termo
dilemas ticos e, aps anlise, s 7 restaram. Muitos artigos foram excludos
porque, embora tratassem de tica, no consideraram um dilema tico
(PRZENYCZKA et al., 2011).
No cuidado domiciliar no h um panorama dessa situao. Conforme o
mesmo estudo, os dilemas discutidos nas publicaes envolveram: reanimao
cardiopulmonar de paciente, hemotransfuso em Testemunhas de Jeov, prtica da
Enfermagem sem condies materiais, a continuidade ou no do tratamento de
pacientes com paralisia cerebral grave (PRZENYCZKA et al., 2011). Assim sendo,
no foram mencionados trabalhos sobre dilemas ticos na esfera do domiclio.
Alm disso, a tica est presente na prtica da Enfermagem domiciliar e sua
contemplao, dentro de instituies de sade ou de ensino, ainda escassa.
Consoante Oguisso, Schmidt e Freitas (2010), a tica pode ajudar na reflexo de
dilemas ticos e legais emergentes, respeitando-se as diferenas entre as pessoas,
os grupos sociais e as diversidades culturais. Cabe enfatizar que o enfermeiro deve
proteger e defender os direitos do paciente, assumindo integralmente a
responsabilidade legal e profissional para com ele, assim como participar ativamente
com os demais membros da equipe de sade na realizao de um cuidado com
qualidade.
Soma-se a esses motivos o fato de que os resultados desta pesquisa podem
beneficiar os profissionais do cuidado domiciliar de Enfermagem no entendimento e
resoluo dos problemas ticos que se apresentam no espao da residncia dos
pacientes e, qui, mostrar caminhos para enfermeiros de outras reas.
Os conflitos ticos so constantes na realidade dos enfermeiros e a
dificuldade para resolv-los est na mesma proporo. A literatura disponvel
pouca para orient-los e, no por isso, eles devem se deixar guiar por quaisquer
decises. Devem, sim, buscar estratgias para resolv-los e lanar mo do apoio de
outras pessoas. O enfermeiro no pode olvidar que sua conduta tem que estar
pautada por um profundo respeito vida do paciente em todos os seus aspectos.
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Alm dessas deferncias que me fizeram identificar a necessidade de
maiores estudos sobre a tica profissional do enfermeiro no contexto domiciliar, h
um interesse particular. Formei-me em Direito e, enquanto acadmica dessa
faculdade, iniciei outra, a de Enfermagem na Universidade Federal do Paran
(UFPR). Dentro desse novo Curso de Graduao, apreendi diferentes
conhecimentos sobre a Enfermagem, assim como suas aplicaes em campo e, em
razo da excelncia do corpo docente da instituio, procurei exercer minha prtica
de forma mais reflexiva.
Nesse contexto, no tempo em que estudava na graduao, voltei-me para
questes ticas e legais no mbito da Enfermagem. Sendo assim, fui monitora da
Disciplina de tica e Legislao Aplicada Enfermagem. Em seguida, participei, por
dois anos, de um projeto de iniciao cientfica denominado Os profissionais de
sade e o cuidado domiciliar no Programa de Sade da Famlia, sob a orientao
da Professora Doutora Maria Ribeiro Lacerda, referncia em cuidado domiciliar.
Pude, ento, no Trabalho de Concluso de Curso (Monografia), conciliar ambas as
temticas e realizei a pesquisa Dilemas ticos no ensino do cuidado (de
Enfermagem) para o cuidador domiciliar que revelou importantes dilemas na rea.
Aps iniciar minha atividade profissional em um hospital, percebi que os
problemas ticos se apresentavam rotineiramente no meu processo de trabalho, nas
diferentes relaes com o paciente, com outros profissionais e com a prpria
instituio. Exemplificadamente, presenciei demandas quanto revelao de
diagnsticos a pacientes, hemotransfuso sangunea em Testemunhas de Jeov,
reanimao cardiopulmonar de pacientes terminais, falta de autonomia
profissional, revelao de segredos, entre outras. E, embora tendo desenvolvido
estudos sobre o tema, algumas questes eram de difcil soluo, enquanto que
outras eram insolveis.
Essa dificuldade instigou-me a adquirir mais conhecimento sobre a tica na
Enfermagem, principalmente no cuidado domiciliar, rea na qual essa temtica
pouco estudada. Por essa forma, como o interesse pelo assunto permaneceu, ao
ingressar no Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da UFPR,
optei pela linha de pesquisa Polticas e prticas: de educao, sade,
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Enfermagem, da qual faz parte a Dr. Maria Ribeiro Lacerda, para dar continuidade
aos estudos sobre a tica na prtica da Enfermagem no cuidado domiciliar.
Isso posto, desenvolvi esta pesquisa com a seguinte questo norteadora:
Como os enfermeiros vivenciam os conflitos ticos no mbito do cuidado domiciliar?
Para respond-la, foi proposto o seguinte objetivo:
1.1 OBJETIVO
Desenvolver um modelo terico que contemple a vivncia de conflitos ticos
por enfermeiros no cuidado domiciliar.
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2 REVISO DE LITERATURA
Devido s implicaes que o assunto ocasiona, necessria a anlise sobre
determinados conceitos e questes relativas tica, aos dilemas e conflitos ticos
na Enfermagem e ao cuidado domiciliar de Enfermagem. Para tanto, exibem-se
algumas consideraes sobre tais temas que tendem a facilitar a compreenso do
problema.
2.1 BREVE EVOLUO HISTRICA E FILOSFICA DA TICA
Sendo um captulo que se prope a realizar uma abordagem histrica,
preciso tornar claro o corte temporal contemplado. Essa empreitada abranger todos
os perodos da histria ocidental, iniciando-se no sculo IV a.C. com Scrates, na
Idade Antiga, pois foi quando a tica comeou a ser abordada, e trmino na Idade
Contempornea porquanto necessrio conhecer como a tica entendida
atualmente.
Exibir a evoluo histrica e filosfica da tica apresenta-se importante para
o entendimento de seu conceito e dos elementos que influenciam suas percepes
na poca presente.
O tema ser explorado a partir do pensamento de apenas alguns filsofos e
na medida necessria. Assim, optou-se pelos expoentes de cada um dos perodos
que so constantemente citados em diferentes obras.
2.1.1 A Idade Antiga
A tica objeto de estudo h muito tempo e, por bvio, sua concepo e
viso mudaram ao longo da histria. Na Antiguidade, ela no era abordada e
conhecida da mesma forma que nos dias atuais, mas, certamente, alguns de seus
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traos foram mantidos. Entrementes, se pensarmos na tica como o conjunto de
valores de uma pessoa e no como ponderao filosfica, pode-se afirmar que ela
esteve presente muito antes de se chegar Idade Antiga, afinal, a conduta do
homem era motivada por valores que lhe eram relevantes.
Na Antiguidade, antes da origem da Filosofia, as explicaes sobre o mundo
e a vida se davam por meio de mitos. Contudo, em aproximadamente 600 a.C.,
rompe-se com essa concepo mtica, pois nasceu a Filosofia na Grcia e seus
filsofos procuraram provar que os mitos no eram confiveis. Os primeiros filsofos
gregos, designados filsofos da natureza, ocuparam-se com as causas naturais para
os fenmenos da natureza e investigavam, portanto, o mundo fsico (GAARDER,
1995).
As doutrinas ticas se desenvolvem em diferentes pocas como respostas
aos problemas apresentados pelas relaes humanas (VSQUEZ, 2008). E foi
quando o homem tornou-se tema de reflexo filosfica que a Filosofia se ocupou
com as questes da tica (PEGORARO, 2006), particularmente em Atenas
(VSQUEZ, 2008).
Grandes filsofos desse perodo foram Scrates, Plato e Aristteles, cujas
contribuies incluem o interesse pelo homem e seu lugar na sociedade, o uso da
razo, a preocupao com a poltica, a lgica, a sistematizao do conhecimento
ordenado em diversas cincias e a tica, entre outros assuntos (GAARDER, 1995).
Scrates discutiu a tica no contexto da vida poltica de Atenas,
relacionando-a com o bem, a virtude, o valor da pessoa e da sociedade
(PEGORARO, 2006). Como os atenienses confundiam fatos e valores morais porque
no sabiam os motivos pelos quais valorizavam certas coisas, Scrates os forava a
indagar sobre a origem e a essncia dos valores, refutando meras opinies (CHAUI,
2009). Sua tica era racionalista e nela eram encontradas: uma concepo do bem
(como felicidade da alma) e do bom (como o til para a felicidade); a tese da virtude
como conhecimento, e do vcio como ignorncia; a proposio segundo a qual a
virtude pode ser ensinada. Para o filsofo, o homem age corretamente quando
conhece o bem e, uma vez conhecendo-o, no pode deixar de pratic-lo; realizando
o bem dono de si e, assim, feliz (VSQUEZ, 2008).
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Seu discpulo, Plato, no deixou um tratado especfico sobre o assunto,
porm sua obra tem um sentido tico observado nos temas da justia individual e
social. No sistema platnico, a justia a virtude fundamental e atingida quando as
trs classes sociais (trabalhadores, guerreiros e magistrados) e os elementos
constitutivos do homem (razo, paixo, apetite) so hierarquicamente ordenados e
subordinados (PEGORARO, 2006). Em sua tica transparece o desprezo pelo
trabalho fsico e, por isso, os artesos ocupam um degrau inferior, enquanto se
exaltam atividades superiores como a contemplao, a poltica e a guerra. No h
lugar no Estado para os escravos porque desprovidos de virtudes morais e direitos
cvicos (VSQUEZ, 2008).
Plato foi mentor de Aristteles (384-322 a.C.) que, por sua vez, o
fundador da disciplina filosfica a que se deu o nome de tica (PAIM, 2003).
Segundo Aristteles, a tica possui as seguintes caractersticas: natural, porque
emerge da estrutura biolgica dos homens; finalista, porque, em todas as suas
aes, o homem visa alcanar um bem; racional, pois s possvel atingir esse
bem por meio da razo; constitui-se de heteronomia, uma vez que o homem no
nasce tico, somente com a repetio de aes se torna virtuoso, portanto, a tica
vem de fora, da natureza (PEGORARO, 2006).
A tica de Aristteles est unida filosofia poltica, pois, para ele, a
comunidade social e poltica o meio necessrio da moral. O homem um ser
social e enquanto homem s pode viver na polis. Sendo assim, no pode ter uma
vida moral sem viver em sociedade. Porm, a vida moral no um fim em si mesmo,
mas um meio para uma vida verdadeiramente humana. No entanto, essa vida s
possvel elite, sendo que a maior parte da populao (os escravos) estava excluda
(VSQUEZ, 2008).
Em sntese, na obra de Aristteles est fixado que a virtude no
obrigatria, uma conquista, uma aquisio; exige pr-requisitos e apresenta-se de
forma diferente em relao a certos papis sociais; est associada ao saber, isto ,
cultura (PAIM, 2003); e a felicidade o fim da conduta humana, a partir da natureza
racional do homem (ABBAGNANO, 2007).
De forma geral, o pensamento tico dos filsofos antigos tem como
principais aspectos o racionalismo (o homem virtuoso age com a razo), o
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naturalismo (age-se de acordo com nossa natureza) e a inseparabilidade entre tica
e poltica (CHAUI, 2009). A tica grega exige requisitos e mostra-se diferente em
relao aos papis sociais existentes, achando-se vinculada ao saber (PAIM, 2003).
Na poca helenstica, ainda na Idade Antiga, houve a fuso da cultura grega
com a oriental. O helenismo voltou-se para as necessidades do indivduo e a
Filosofia ocupou-se, tambm, com a tica e a busca pela felicidade explicada de
diferentes formas pelas variadas escolas como dos cnicos, esticos e epicuristas
(GAARDER, 1995).
Estoicismo e epicurismo surgem numa poca de decadncia e de crise
social. Para ambos, a moral no mais se define em relao polis, mas ao universo.
Para os esticos, o mundo possui Deus como princpio e s acontece o que Deus
quer. Assim, o homem tem que aceitar o seu destino; o bem supremo viver de
acordo com a natureza, com a razo e com a conscincia do nosso destino. Para os
epicuristas, no h interveno divina; o homem alcana o bem sem cair no temor
do sobrenatural, encontrando em si ou com amigos a tranquilidade da alma e a
autossuficincia (VSQUEZ, 2008).
2.1.2 A Idade Mdia
A Idade Mdia, perodo compreendido entre os anos de 476 e 1453, foi
caracterizada pelo domnio da Igreja Catlica na Europa, cuja economia era
baseada no feudalismo. Numa poca em que foram construdas as primeiras
universidades, a Igreja, com crena baseada num nico Deus, impediu a expanso
da filosofia grega; mesmo assim, a cultura greco-romana foi transmitida, em parte,
cultura catlica e rabe (GAARDER, 1995).
Com o Cristianismo foi dado o passo inicial para vincular a moralidade a um
ideal de pessoa humana, isto , o homem virtuoso (PAIM, 2003). Filsofos
medievais ocuparam-se em analisar as contradies entre a Bblia e a razo. Santo
Agostinho, por exemplo, influenciado pelo neoplatonismo, que defendia que tudo o
que existia era de natureza divina, mostrou que h limites para o alcance da razo
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em questes religiosas e que a f leva a Deus. Santo Toms de Aquino tentou
conciliar a filosofia de Aristteles (adotando sua lgica, filosofia do conhecimento e
da natureza) com o Cristianismo e, segundo ele, no h contradio inevitvel entre
a filosofia ou razo e a revelao crist ou f (GAARDER, 1995).
Na Idade Mdia o poder foi exercido pela Igreja que monopolizou a vida
intelectual e, sendo assim, a tica impregnada de um contedo religioso. A tica
crist partiu de verdades reveladas a respeito de Deus, de Suas relaes com o
homem e da obedincia e sujeio aos Seus mandamentos (VSQUEZ, 2008). Se
na Idade Antiga a tica era pensada em termos polticos, da polis, na Idade Mdia
ela foi entendida por sua relao com Deus.
As virtudes valorizadas na Antiguidade foram a prudncia, a fortaleza, a
temperana, a justia. A doutrina crist valorizou a f, a esperana, a caridade, que
so as virtudes supremas ou teologais. O Cristianismo introduziu uma ideia de
riqueza moral: a da igualdade dos homens. Essa mensagem foi lanada num mundo
que vivia uma espantosa desigualdade: a diviso entre escravos e homens livres, ou
entre servos e senhores feudais (VSQUEZ, 2008).
Apesar das desigualdades do mundo real, o Cristianismo deu aos homens,
at mesmo aos oprimidos, a conscincia da sua igualdade. Sendo assim, a
igualdade era mais espiritual ou para o amanh, num mundo sobrenatural
(VSQUEZ, 2008).
Alguns autores denominaram de tica de salvao a doutrina moral
formulada durante a Idade Mdia, para destacar que, no processo de reelaborao
da tica grega, deu-se precedncia vida eterna. A conquista da virtude na terra
seria um requisito essencial obteno da paz interior aps a morte. Esse aspecto
importante na medida em que serve para enfatizar o carter do elemento novo
aparecido na poca do Renascimento: a religio protestante que iria dissociar a
salvao do comportamento terreno. Agora, ao homem, s resta cumprir a lei moral,
no se credenciando salvao pela obra que poder, no mximo, servir como
indcio (PAIM, 2003).
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2.1.3 A Idade Moderna
A Idade Moderna compreende o perodo de 1453 a 1789. Antes de adentrar
nele mister relatar que o mesmo foi precedido pelo Renascimento. Este no um
perodo especfico, mas um movimento de transio entre a Idade Mdia para a
Idade Moderna, quando foi redescoberta a cultura da Antiguidade. O homem voltou
a ser o centro e podia explorar e agir na natureza, motivo pelo qual se fala no
humanismo renascentista. Descobertas martimas, passagem da economia de
subsistncia para a monetria, confirmao da teoria heliocntrica do universo por
Coprnico, entre outras importantes revelaes (trajetria elptica dos planetas, Leis
da Inrcia e da Gravitao Universal) culminaram com a Reforma Protestante
(GAARDER, 1995).
No fcil encontrar um denominador comum para as doutrinas ticas
nessa poca, mas destaca-se a tendncia antropocntrica em contraste com a tica
teocntrica da Idade Mdia (VSQUEZ, 2008).
A Idade Moderna compreendeu movimentos como o Barroco, o Iluminismo e
o Romantismo. O Barroco evidenciou-se por grandes conflitos entre protestantes e
catlicos, pela busca do poder poltico e consolidao progressiva do materialismo,
em oposio ao idealismo, mediante uma nova cincia da natureza defensora da
reduo da realidade a substncias materiais concretas. Para vencer o ceticismo
filosfico, filsofos prenderam sua ateno capacidade da razo humana para
conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em oposio aos
racionalistas, como Descartes e Espinosa que consideravam que o fundamento de
todo o conhecimento humano residia na razo, os empiristas (como Locke, Berkeley
e Hume) achavam que todo o conhecimento sobre o mundo provinha da experincia
sensvel (GAARDER, 1995).
O Iluminismo destacou: o racionalismo, nico guia da sabedoria; o regresso
natureza, principalmente, com Rousseau; o Cristianismo humanista que tentava
harmonizar a religio com a razo natural dos homens; a luta pelos direitos
humanos. Muitas dessas novas afirmaes contriburam para uma revolta contra as
autoridades que culminou com Revoluo Francesa de 1789 (GAARDER, 1995).
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No Romantismo, que durou at parte do sculo XIX, o indivduo tinha
liberdade de criao e de expresso. Co-existiram duas formas de Romantismo: o
universal que se preocupou com a natureza, a alma universal e o gnio artstico; e o
nacional que se interessava pela histria do povo, sua lngua e por toda cultura
popular (GAARDER, 1995).
V-se que no mundo moderno tudo contribuiu para uma tica fundamentada
no homem cujo ponto culminante est na tica de Kant (VSQUEZ, 2008). um
perodo com importantes pensadores como Hume, Voltaire, Rousseau, Kant e
outros. Como visto, a tica exige um sujeito autnomo e, evidentemente, que o
Cristianismo, pela ideia do dever, no atende a esse requisito. Os filsofos seguintes
tentam resolver essa dificuldade.
Segundo Rousseau, a conscincia moral inata, ns nascemos bons, mas
essa bondade natural pervertida pela sociedade. E o cumprimento do dever
apenas nos fora a recordar nossa boa natureza originria. Portanto, no se trata de
uma imposio externa, pois quando obedecemos ao dever, obedecemos a ns
mesmos (CHAUI, 2009).
De acordo com Kant, o homem responsvel por seus atos e tem
conscincia de seu dever, fato que o obriga a supor que livre. O homem age por
respeito ao dever e no obedece a outra lei a no ser a que lhe dita sua conscincia
moral. Para ele, os homens so fins em si mesmos e, como tais, formam parte do
mundo da liberdade (VSQUEZ, 2008). Ao contrrio de Rousseau, afirmou que a
conscincia moral no inata, na verdade, nascemos egostas, agressivos.
Institumos valores morais pelo exerccio da razo, portanto o dever a expresso
de nossa liberdade. Ns buscamos na razo o que tico e moral; sendo assim, se
seguimos imposies morais, seguimos nossa razo, ento, existe liberdade
(CHAUI, 2009). Trata-se de uma tica formal (tem de postular um dever para todos,
independentemente da situao social) e autnoma (ope-se s morais
heternomas nas quais a lei que rege a conscincia vem de fora) (VSQUEZ, 2008).
Apesar dessas deferncias, Kant e Rousseau deixaram de considerar que
as relaes pessoais entre indivduos so determinadas por suas relaes sociais.
Deram mais ateno relao entre sujeito humano e natureza do que entre sujeito
humano e cultura ou histria (CHAUI, 2009).
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2.1.4 A Idade Contempornea
Segue-se a Idade Contempornea, meio do sculo XIX at os dias atuais,
quando se tem diferentes posies filosficas que foram expostas por alguns de
seus maiores pensadores, cada um em sua rea de investigao (GAARDER,
1995).
A tica contempornea surgiu numa poca de vrios progressos cientficos e
tcnicos que questionam a prpria existncia da humanidade, em razo da ameaa
que seus usos destruidores acarretam. Filosoficamente, a tica se apresenta como
uma reao contra o formalismo e o universalismo kantiano em favor de um homem
concreto; contra o racionalismo absoluto e em favor do reconhecimento do irracional
no comportamento humano; contra a fundamentao transcendente da tica e em
favor da procura da sua origem no prprio homem (VSQUEZ, 2008).
Didaticamente, pode-se estudar a tica contempornea por meio de muitas doutrinas
diferentes, dentre as quais foram selecionadas as que se seguem.
Uma delas compreende filsofos existencialistas como Kierkegaard e Sartre.
Para Kierkegaard, pai do existencialismo, o que importa o homem concreto e sua
subjetividade porque o indivduo existe unicamente no seu comportamento
plenamente subjetivo. Apesar disso, o indivduo deve pautar seu comportamento por
normas gerais e, por isso, perde em subjetividade (VSQUEZ, 2008).
Para Sartre, tambm existencialista, cada indivduo escolhe livremente e, ao
fazer isso, cria o seu valor. Assim, no existem valores objetivamente fundados,
cada um cria os valores e normas que guiam seus comportamentos. E o que
determina o valor de cada ato no o seu fim nem seu contedo, mas o grau de
liberdade com que se realiza. A liberdade o valor supremo, o valioso escolher
livremente. Na sua tica o homem se define por sua liberdade de escolha e pelo
carter singular dessa escolha (VSQUEZ, 2008).
Segundo Sartre, a liberdade a escolha incondicional que o homem faz de
seu ser e de seu mundo. Quando algum julga estar sob o poder de foras externas
mais poderosas que a prpria vontade, esse julgamento uma deciso livre, afinal,
outros homens, nas mesmas circunstncias, podem no se curvar (CHAUI, 2009).
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Outra doutrina a do pragmatismo, marcado pelo egosmo. Os valores e
normas so esvaziados de contedo objetivo e o valor do bom varia de acordo com
cada situao; so rejeitadas normas objetivas (VSQUEZ, 2008). A teoria
pragmtica define o conhecimento verdadeiro por um critrio que no terico e,
sim, prtico. Assim, a verdade sempre verdade se obtida por induo e por
experimentao; alm disso, um conhecimento verdadeiro no s quando explica
algo, mas quando obtm consequncias prticas e aplicveis (CHAUI, 2009).
Cita-se, ainda, uma terceira corrente, a psiquitrica e psicoteraputica, cujo
representante Freud. Segundo ele, o comportamento moral do homem obedece a
foras ou impulsos que escapam ao controle da sua conscincia (VSQUEZ, 2008).
A descoberta do inconsciente traz resultados graves para as ideias de
conscincia responsvel, vontade livre e valores morais. Do ponto de vista do
inconsciente, mentir, matar, roubar so simplesmente amorais, pois o inconsciente
no conhece valores morais. No caso especfico da tica, a psicanlise mostrou que
uma das fontes dos sofrimentos psquicos, causa de doenas e de perturbaes
mentais, o rigor excessivo do superego (censura moral, interiorizada pelo sujeito,
que absorve os valores de sua sociedade) que produz um ideal do ego (valores e
fins ticos) irrealizvel, torturando psiquicamente aqueles que no conseguem
alcan-lo (CHAUI, 2009).
Desse modo, em lugar da tica h violncia. Violncia da sociedade, que
exige dos sujeitos padres de conduta impossveis de serem realizados. Violncia
dos sujeitos para com a sociedade, pois somente transgredindo os valores
estabelecidos podero sobreviver (CHAUI, 2009).
Para encerrar toda a matria sobre a evoluo histrica da tica, Paim
(2003, p. 13), em suma, traz como principais modelos ticos:
I. A tica grega, segundo a qual a virtude no obrigatria, exigindo pr-requisitos e apresentando-se de forma distinta em relao a certos papis sociais, achando-se associada ao saber. II. A tica de salvao, elaborada durante a Idade Mdia, assim denominada por ter interpretado a tica grega de ngulo teolgico, dando precedncia vida eterna. III. A tica social, elaborada nas naes protestantes, na poca Moderna, com o propsito de fixar critrios para a incorporao de princpios morais sociedade, j que a moralidade bsica entendida como sendo individual e dizendo respeito a uma relao com o Criador que no admite mediaes.
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IV. A tica do dever, formulada por Kant, que circunscreve o problema tico ao da fundamentao da moral, preconizando uma soluo racional, sem recurso divindade. V. A tica ecltica, que se prope conciliar o racionalismo kantiano com a simultnea admisso de inclinaes morais nos homens, adotada pelos neotomistas. VI. A tica dos fins absolutos, segundo a qual "os fins justificam os meios", que, sem abdicar dos pressupostos cientificistas que a fazem renascer na poca Moderna, veio a ser encampada pelos marxistas. VII. A tica de responsabilidade, proposta por Max Weber, que pretende fazer renascer a tradio kantiana, no que diz respeito eliminao da dependncia religio, reelaborando-a para abandonar os vnculos que porventura tivesse estabelecido com a suposio de uma sociedade racional.
2.2 TICA: CONCEITO, OBJETO, FINALIDADE
A tica, do latim ethica, denota cincia da conduta (ABBAGNANO, 2007) e,
do grego ethos, compreende as relaes sociais em que o homem nasce e se
desenvolve (FREITAS, 2005), sendo denominada, tambm, como filosofia moral
(CHAUI, 2009). A moral, por sua vez, vem do latim mos, costume, no sentido de
conjunto de normas ou regras adquiridas por hbito. Ethos e mos assentam-se num
modo de comportamento que no corresponde a uma disposio natural, mas que
adquirido por hbito. V-se que o significado etimolgico de moral e de tica no
fornecem o significado atual dos dois termos (VSQUEZ, 2008).
Em diversas situaes os indivduos se defrontam com a necessidade de
basear o seu comportamento em normas que julgam mais apropriadas, cumprem
determinados atos, formulam juzos e se servem de argumentos que justificam as
decises tomadas. Trata-se de um comportamento humano prtico-moral, mas, alm
desse, os homens refletem sobre o mesmo, tomam-no como objeto de reflexo.
Passa-se do plano da prtica moral para o da teoria moral, para a esfera dos
problemas terico-morais ou ticos (VSQUEZ, 2008).
A reflexo vinculada ao agir humano e que se expressa em juzos
prescritivos, portanto, a moral. Um segundo nvel reflexivo acerca dos juzos,
cdigos e aes morais j existentes chama-se tica (CORTINA, 2009). So
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importantes tais afirmaes porque a mesma, por vezes, utilizada como sinnimo
de moral.
A tica, sendo assim, uma das subdivises da filosofia que estuda os
juzos de apreciao da conduta humana, compreende os comportamentos que
caracterizam uma cultura ou um grupo profissional (OGUISSO; SCHMIDT;
FREITAS, 2010). Ela surge quando se discute os costumes e a compreenso do
carter de cada pessoa, ou seja, seu senso e conscincia morais (CHAUI, 2009).
Cortina (2009, p. 65), por sua vez, sustenta que o saber do prtico.
A moral, assim, contemplada como um fenmeno que se manifesta
primordialmente por uma linguagem formada por expresses como justo, injusto,
mentira, lealdade etc. Tem como caractersticas: realizao da vida feliz;
ajustamento a normas humanas; aptido para soluo de conflitos; aptido para ser
solidrio; assuno de princpios universais que nos permitem avaliar as concepes
morais dos outros e da prpria comunidade (CORTINA; MARTNEZ, 2005).
Em sntese, quando algum enfrenta uma situao real, dever resolver por
si mesmo, com a ajuda de norma que reconhece e aceita. De nada adianta recorrer
tica para encontrar uma norma de ao, pois ela poder dizer-lhe o que um
comportamento baseado em normas, ou em que consiste o fim visado pelo
comportamento moral. O problema do que fazer numa situao da vida cotidiana
um problema prtico-moral e no terico-tico (VSQUEZ, 2008).
Pode-se inferir que o uso social dessas duas palavras no a deslindam, visto
que na linguagem comum e na aplicao desta reflexo filosfica, ambas so
utilizadas de forma indistinta. A tica se diferencia da moral por no estar presa
determinada imagem do homem aceita por certo grupo (CORTINA, 2009).
ticas tradicionais partem da ideia de que a misso do terico dizer aos
homens o que devem fazer, ditando-lhes normas para pautar seu comportamento.
Modernamente, a funo da tica a de explicar determinada realidade, elaborando
os conceitos correspondentes. Seu objeto, portanto, a realidade humana que se
chama moral, constituda por atos humanos (VSQUEZ, 2008).
Da mesma forma, Cortina (2009, p. 67) elucida que porque a tarefa da tica
consiste em esclarecer o fundamento pelo qual os juzos morais se apresentam com
pretenses de necessidade e universalidade que seu objeto se funde na forma da
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moralidade. Em outras palavras, dizer que seu objeto envolve o dever relacionado
s aes expressas por juzos morais.
Examinados conceito e objeto, sobeja a finalidade da tica. Esta trata de
esclarecer se est de acordo com a racionalidade humana ater-se obrigao
universal expressa nos juzos morais, ou seja, proporcionar procedimento lgico
que permita discernir quando um contedo convm forma moral (CORTINA, 2009).
Na construo de uma profisso, pode-se reconhecer o ideal tico que a
orienta a partir das teorias, das crenas, dos paradigmas e da anlise dos objetivos
propostos, dos conceitos que a fundamentam, de suas formas de escolher,
formalizar e exercitar os conhecimentos considerados necessrios para o seu
exerccio (MAFFIOLETTI; LOYOLA, 2003).
Eventualmente, podem ocorrer conflitos entre os valores pessoais ou
culturais do enfermeiro com aqueles de outros profissionais ou do paciente. Nesse
caso, as diretrizes tico-profissionais devem ser suficientes para dirimir a questo,
tendo em vista que os valores pessoais, religiosos ou culturais do enfermeiro no
podem se sobrepor aos direitos do paciente (OGUISSO; SCHMIDT; FREITAS,
2010).
Esses conflitos podem levar a dilemas ticos. Estes podem causar
sofrimento e confuso em pacientes e provedores de cuidados. A controvrsia a
natureza dos problemas da tica, e para super-la e determinar um curso de ao,
as questes ticas so processadas com cuidados. Processar um dilema tico
requer negociao de diferenas, incorporao de ideias conflitantes e um esforo
para se respeitar distintas opinies. Essa negociao pode ser em parte uma
maneira de se entender ambiguidades (POTTER; PERRY, 2005).
A formao generalista do enfermeiro enfatiza o contexto histrico-tico-
legal da profisso, sendo importante acompanhar a evoluo da legislao da
Enfermagem (leis, decretos, resolues, pareceres, projetos de lei) que interferem
na delimitao dos espaos de atuao profissional do enfermeiro (OGUISSO;
SCHMIDT; FREITAS, 2010).
Apesar do conceito sobre tica profissional estar em constante evoluo,
est claro que ela no significa apenas uma moral do bem e do mal e, sim, um meio
de direcionar as aes de forma prudente tanto para profissionais quanto para os
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pacientes no que diz respeito integridade fsica e moral durante o cuidado prestado
(GARRAFA, 2005).
2.3 CONFLITOS E DILEMAS TICOS NA ENFERMAGEM
No h muitos estudos que contemplem os dilemas e conflitos ticos
vivenciados por profissionais da Enfermagem. Sendo assim, no se pode deixar de
expor comentrios sobre os parcos trabalhos realizados quanto a esse tema, at
mesmo porque se revestem de grande interesse para essa rea da sade, por sua
profundidade e mrito.
Para descrever e analisar julgamentos morais das enfermeiras, Coelho e
Rodrigues (2006) realizaram estudo qualitativo com 28 enfermeiras; mediante a
anlise temtica dos dados, o direito informao foi descrito e, no conjunto, as
respondentes basearam suas justificativas na tica normativa e deontolgica.
Estudo identificou e analisou as implicaes ticas oriundas das prticas de
acolhimento em Unidades Bsicas de Sade (UBS) e seus reflexos na ateno
sade dos usurios. Revelaram-se contextos permeados por conflitos ticos;
distanciamentos tcnicos e conceituais e limitaes estruturais; diferenas entre o
que se caracterizou como o desejo de se sentir acolhido com respeito e as
frustrantes experincias vivenciadas nas UBS, as quais revelam situaes de
excluso e negao do direito sade. Resumidamente, os resultados mostraram
um revs na implementao do acolhimento com os princpios da universalidade, da
integralidade e da garantia do direito sade (BREHMER; VERDI, 2010).
Freitas e Oguisso (2007) descreveram o perfil de profissionais de
Enfermagem envolvidos em ocorrncias ticas. Os resultados expuseram que a
maioria das ocorrncias envolveu profissionais do sexo feminino, sendo que a
maioria foi comunicada Comisso de tica de Enfermagem da instituio pelos
enfermeiros da mesma; parte significativa dos envolvidos encontra-se na faixa etria
de 30 a 39 anos e, aproximadamente, metade deles eram auxiliares de
Enfermagem; a jornada de trabalho de maior incidncia das ocorrncias
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correspondente a seis horas dirias, envolvendo profissionais com mais de trs
meses de vnculo empregatcio na instituio alvo do estudo.
Chamma (2002), em seu estudo sobre dilemas ticos no processo ensino-
aprendizagem de sade mental e Enfermagem psiquitrica, encontrou diversas
situaes de natureza tica como: internao involuntria, restrio da liberdade,
conteno fsica sem indicao teraputica, maus-tratos, furto de pertences e
sujeio eletroconvulsoterapia e outros tratamentos sem consentimento do
paciente; abuso de poder; negligncia e imprudncia profissionais; preconceito;
mentiras; abuso sexual de paciente por outro paciente; relacionamento sexual
consentido entre pacientes; recusa de familiares na participao do tratamento;
ausncia de enfermeiro nos servios de sade e falta de condies mnimas para o
exerccio de Enfermagem.
Sua tese contempla, ainda, outras interrogaes ticas, mas, a partir das
citadas, d para se ter uma noo da gravidade das situaes encontradas. Alm da
gritante negligncia profissional, existe um desrespeito muito grande com os direitos
dos pacientes que, infelizmente, desconhecem algumas de suas faculdades legais.
A mesma autora aponta que a resoluo de tais dilemas envolve um conflito
entre os valores individuais e a submisso s normas e regras institucionais que
dificultam a tomada de decises. Alm disso, so empecilhos para o enfrentamento
o desconhecimento, o conformismo, a liberdade tolhida e o prprio medo dos
profissionais nas diversas situaes que se apresentam (CHAMMA, 2002).
Com o objetivo de revelar os dilemas ticos nos servios de medicina
diagnstica, Taffner (2005) realizou um estudo fenomenolgico que mostrou os
seguintes dilemas referidos por enfermeiros: incluso ou no de pacientes
oncolgicos em pesquisas clnicas; maus-tratos de me contra filhos; recusa, por
parte de pacientes ou responsveis, da realizao de procedimentos por
determinados profissionais; administrao de medicao com dosagens
inadequadas; coleta de exames de menor de idade que se recusa a faz-lo e sem a
autorizao necessria; limites da competncia legal de outros profissionais; falta de
autonomia dos enfermeiros; e outros.
Nesse estudo, as decises tomadas para a resoluo dos dilemas incluem a
participao de todos os envolvidos, ponderao do custo-benefcio para o paciente,
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prtica humanizada, respeito hierarquia institucional, cumprimento das normas da
instituio, imparcialidade com a equipe (TAFFNER, 2005). Ressalta-se que, embora
os profissionais devam certa obedincia ao local onde trabalham, tal obedincia no
pode se sobrepor a leis e resolues que regulam a profisso. Ao contrrio, os
profissionais devem reunir esforos para fazer cumprir o que de direito.
No centro cirrgico, Duarte (2004) identificou como principais dilemas ticos,
vivenciados por enfermeiros, a falta de adequada infraestrutura dentro das
instituies hospitalares para atender demanda, o desrespeito aos pacientes e
enfermeira, erro da equipe, alm de outros.
Novamente so registrados casos de erro e negligncia profissionais e
desrespeito aos pacientes. Importante lembrar que os profissionais devem estar
comprometidos com a sade das pessoas.
Relato de experincia, com o intuito de relatar o acompanhamento domiciliar
e promover reflexo a respeito do dilema tico de cuidar de um paciente em fase
terminal, concluiu que preciso sentir a realidade do paciente, realizar uma
abordagem interdisciplinar e voltar o olhar para um cuidado com qualidade de vida
nos momentos finais (SOUZA; SOUZA; SOUZA, 2005).
Outro relato de experincia descreveu as dificuldades relacionadas aos
primeiros socorros durante uma olimpada estudantil e correlacionou a experincia
vivida com aspectos tcnicos, cientficos e ticos recomendados para a atuao do
enfermeiro. Mostrou-se o dilema entre dar continuidade ou no ao tratamento de
atletas sem recursos materiais necessrios s possveis intervenes mdicas por
ocasio de algum dano sofrido (FRANA et al., 2007).
Uma reviso identificou que os profissionais de sade vivenciam dilemas
ticos quando precisam administrar hemotransfuso em Testemunhas de Jeov.
Isso se d devido liberdade religiosa no ser um valor absoluto e ocorrer uma
coliso de direitos fundamentais que exigem uma tomada de deciso centrada no
ordenamento jurdico e nos princpios bioticos (FRANA; BAPTISTA; BRITO,
2008).
Estudo de abordagem qualitativa, realizado em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) de um hospital geral do municpio de So Paulo, encontrou dilemas ticos
ligados diversidade de valores, presena de pacientes terminais, s incertezas
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sobre a terminalidade e limites de interveno para prolongar a vida de pacientes,
discordncia na tomada de deciso, a no aceitao do processo de morte pela
famlia do paciente e falta de esclarecimento da famlia e do paciente. A tomada de
deciso dos enfermeiros, frente a essas situaes, leva em considerao os valores
pessoais, a tica profissional, a empatia e o dilogo com os colegas (CHAVES;
MASSAROLLO, 2009).
Trigueiro et al. (2010), por meio de pesquisa qualitativo-exploratria com o
fim de conhecer a percepo e a ao de enfermeiros diante da ordem de no
reanimao, constataram que a maioria dos enfermeiros esto de acordo com a
ortotansia, entretanto, o dilema tico mais vivenciado na prtica foi a distansia. As
autoras (2010) concluem relembrando da necessidade de conscientizao sobre a
importncia da participao do enfermeiro na tomada de deciso quanto a reanimar,
opinando junto equipe multiprofissional na escolha do melhor.
Todos os estudos relatados demonstram como o tema se sobressai e
necessita de mais estudos, contribuies e discusses frequentes, pois tem
correlao direta com o exerccio da profisso de Enfermagem e com a preveno
de danos contra o paciente.
2.4 CUIDADO DOMICILIAR SADE
A composio tratada aqui contempla algumas consideraes sobre a
evoluo histrica, a difuso e quatro dimenses acerca do cuidado domiciliar e seu
conceito: o cuidado, a famlia, o contexto e o cuidador domiciliar.
um trusmo afirmar a importncia desse texto. Com efeito, o cuidado
domiciliar em qualquer sistema de sade, pblico ou privado, apresenta-se como
uma alternativa eficaz ao modelo hospitalocntrico e com fora de resolutividade.
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2.4.1 Histrico do cuidado domiciliar
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), por meio da Resoluo Cofen
290/2004, determina que o cuidado domiciliar uma atividade especializada
(BRASIL, 2004) e regula, pela Resoluo 270/2002, a atividade das empresas que
prestam servios de Enfermagem domiciliar (BRASIL, 2002).
A regulamentao da Enfermagem domiciliria relativamente recente, no
obstante o mesmo no se pode afirmar de suas origens. A partir do momento em
que grupos nmades constituram-se em tribos, as mulheres passaram a exercer a
prtica de cuidar que consistia em aes que garantissem a sobrevivncia
(GEOVANINI et al., 2005).
Na Grcia (443 a.C.), h relatos de mdicos que percorriam as cidades
assistindo s famlias, de casa em casa, orientando-as quanto melhoria do
ambiente fsico, proviso de gua, alimentos puros, alvio da incapacidade e do
desamparo (REINALDO; ROCHA, 2002). E, na Bblia, possvel identificar alguns
aconselhamentos sobre como os hebreus deveriam cuidar de doentes, da higiene e
da alimentao (BBLIA SAGRADA, 1993).
No sculo XV, organizaes militares e religiosas iniciaram uma espcie de
atendimento domiciliar. Em 1610, So Francisco de Sales fundou a Ordem da
Virgem Maria, congregao feminina que visitava os doentes em casa pondo em
prtica atividades como alimentao, higiene e auxlio na vestimenta. Mais tarde, foi
fundado o Instituto das Filhas de Caridade destinado ao cuidado de doentes e
pobres nos domiclios (DUARTE; DIOGO, 2000).
Entre os anos de 1854 e 1856, em Londres, a prtica da visita domiciliar era
realizada por mulheres da comunidade, sem muita instruo, que recebiam um
salrio do Estado para educar as famlias carentes sobre os cuidados de sade.
Eram chamadas de visitadoras sanitrias e a Sociedade de Epidemiologia de
Londres era responsvel pelo seu treinamento. Com o passar do tempo, a
experincia mostrou resultados positivos, o que levou os dirigentes dos distritos
sanitrios a considerarem que, se empregassem mulheres de educao superior
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(mdicas, enfermeiras e parteiras diplomadas) haveria uma otimizao no servio
prestado aos pobres (ROSEN, 1994).
Foi creditado a William Rathone a criao do servio de Enfermagem
Distrital em Liverpool, na Inglaterra, o primeiro em sade pblica domiciliar. Era
composto por enfermeiras que faziam atendimento aos doentes em suas casas.
Rathone, em sua residncia, cuidou de sua esposa doente e escreveu todo o
trabalho que desenvolveu. Tal relato foi fonte de inspirao para Florence
Nightingale desenvolver recomendaes para o cuidado de Enfermagem em
domiclio (MANUAL do home care para mdicos e enfermeiras, 1999).
Nos Estados Unidos, incio do sculo XX, a Enfermagem estava inserida em
todas as instncias responsveis pela sade pblica. Essa tendncia foi
acompanhada pelos pases europeus e, em menor grau, por outros. No ano de
1951, nos Estados Unidos, estavam em atividade 25.461 enfermeiras de sade
pblica, das quais 12.556 trabalhavam com visitas domiciliares. As agncias
mantinham o trabalho das enfermeiras junto s comunidades para atender aos seus
problemas como um todo, inclusive a preveno da doena mental (REINALDO;
ROCHA, 2002).
No Brasil, a origem da Enfermagem como profisso deve-se ao cuidado
realizado nos domiclios. Antes de 1890, quando ocorreu a criao da primeira
escola para enfermeiros, o cuidado era exercido com fundamento na solidariedade,
no misticismo e no senso comum. O aspecto profissional da Enfermagem surge com
a prestao de cuidados nos domiclios, por mes e escravos, ou seja, pessoas sem
o devido preparo tcnico (MOREIRA, 2005).
A primeira escola de Enfermagem do sistema Nightingale foi fundada em
So Paulo, no Hospital Samaritano, em 1894. Maggie K. Grosart e Lillian Lees
foram duas enfermeiras contratadas cujos contratos dispunham que deveriam
exercer a Enfermagem domiciliar. Infelizmente, essa iniciativa no teve grande
repercusso, pois se tratava de um grupo restrito e dirigido s pessoas de religio
presbiteriana, e as alunas eram recrutadas entre famlias inglesas, americanas e
alems (OGUISSO; SCHMIDT, 2010).
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Em 1918, Carlos Chagas, diretor do Departamento Nacional de Sade
Pblica, incentivou a criao de cursos e escolas, entre elas a de Enfermeiras
Visitadoras, fundada com apoio da Fundao Rockefeller em 1923 (ROSEN, 1994).
Em 1920, Amaury de Medeiros introduziu, na escola de Enfermagem da
Cruz Vermelha, um curso de visitadoras sanitrias. No mesmo ano, foi criado o
servio de visitadoras como parte do servio de profilaxia da tuberculose. Tal
iniciativa marcou a incluso da visita domiciliar como atividade de sade pblica,
uma vez que o servio fazia parte do Departamento Nacional de Sade Pblica. As
visitadoras deveriam priorizar aspectos educativos de higiene e cuidado dos doentes
(SOUZA; LOPES; BARBOSA, 2004).
Concomitantemente, foram sendo criados, em todo o pas, os centros de
sade, os quais tinham como objetivo o tratamento da tuberculose e da hansenase
e a diminuio da mortalidade infantil. Nesses centros, desempenhavam papel
preponderante as visitas domiciliares executadas por pessoal de nvel mdio
(SOUZA; LOPES; BARBOSA, 2004).
Nos devidos termos, Oguisso e Schmidt (2010) afirmam que a Enfermagem,
at meados do sculo passado, no gozava de prestgio social, pois era exercida
por pessoas com pouco ou nenhum preparo; tambm a falta de recursos
tecnolgicos levava as mulheres a preferirem dar luz em casa, assim como outras
pessoas, em caso de doena, preferiam recolher-se em seus aposentos onde
algum cuidava delas e, quando necessrio, profissionais eram chamados.
A partir da evoluo das cincias, os cuidados com a sade foram
transferidos para as instituies hospitalares. Com a alocao de recursos mais
sofisticados, essa assistncia tornou-se mais dispendiosa e menos acessvel
populao, principalmente a rural e a carente, que continuava desassistida. Os
hospitais, especialmente as santas casas, eram destinados a pessoas que no
contavam com algum para dar os cuidados. Da a ligao entre as congregaes
religiosas e os hospitais, onde as pessoas vocacionadas prestavam os cuidados
num gesto de caridade (OGUISSO; SCHMIDT, 2010).
No Brasil, inicialmente, o atendimento de sade domiciliria interessou ao
servio pblico e, somente no final da dcada de 1980, o setor privado foi
despertado para essa modalidade de servio (LOPES, 2006). Nos ltimos anos, tal
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modalidade est presente no desenvolvimento de polticas pblicas de sade. Em
1991, foi previsto no Programa de Sade da Famlia e regulamentado pela Portaria
1.892/1997. A Lei 10.424/2002 tambm incluiu o atendimento domiciliar Lei
8.080/1990, quando foi acrescentado um captulo sobre assistncia domiciliar no
Sistema nico de Sade (OGUISSO; SCHMIDT, 2010).
Os servios de cuidado domiciliar expandiram-se de tal maneira, no Brasil,
que necessitaram de uma regulamentao nacional prpria. Esta foi criada pela
Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, do Ministrio da Sade (OGUISSO;
SCHMIDT, 2010), que baixou a Resoluo da Diretoria Colegiada, RDC, 11, de
26/01/2006, que dispe sobre o regulamento tcnico de funcionamento de servios,
pblicos ou privados, que prestam ateno domiciliar (BRASIL, 2006).
Recentemente, foi aprovada a Portaria n 2.527, de 27 de outubro de 2011,
do Ministrio da Sade que redefine a ateno domiciliar no mbito do Sistema
nico de Sade (SUS), estabelecendo as normas para cadastro dos Servios de
Ateno Domiciliar (SAD), a habilitao dos estabelecimentos de sade no qual
estaro alocados e os valores do incentivo para o seu funcionamento (BRASIL,
2011).
2.4.2 O cuidado domiciliar: conceitos e implicaes
Em todo o mundo medra o cuidado domiciliar. Nessa perspectiva, fatores
causais desse crescimento so: aumento dos atendimentos populao idosa, a
portadores de doenas crnicas degenerativas e sequelas provenientes de doenas
ou acidentes; mudana do foco curativo para o da integralidade do ser humano;
intensificao da preveno de doenas, promoo da sade; necessidade de
reduo de custos; diminuio da sobrecarga existente no hospital; e aumento na
eficincia e na eficcia do atendimento sade da populao (MARTINS;
LACERDA, 2008).
Diferentes autores tm focado sobre esse fenmeno que comprova ser o
cuidado domiciliar uma opo cada vez mais contnua. Acrescentam-se s
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justificativas anteriores: a individualizao do cuidado; o desenvolvimento de
cuidados de longa durao na privacidade do domiclio; a oferta, ao paciente e
famlia, da participao no planejamento do cuidado (PEDREIRA et al., 2010).
Se, de um lado, alguns desses motivos so vistos como razes do
crescimento do cuidado domiciliar, de outro lado, so considerados benefcios.
Sendo assim, no se pode deixar de mencionar vantagens como a retomada da
rotina diria da pessoa dependente, a privacidade, o apoio, a ateno, o carinho dos
familiares, a diminuio do estresse e a melhora das condies de sade em um
ambiente que no alimenta a ideia de doena. Quando a hospitalizao
prolongada h alteraes nos hbitos de vida do dependente, afastando-o dos seus
familiares, amigos e objetos pessoais, alm do risco de infeco hospitalar. Tudo
isso favorece a recuperao do estado de sade do dependente (ZEM-
MASCARENHAS; BARROS, 2009).
Afora essas benesses, o cuidado domiciliar pode ser uma oportunidade
significativa para que a autonomia do paciente e da famlia concretize-se, pois, mais
do que um fazer, um momento em que a enfermeira est vivenciando situaes de
sade-doena, no locus de habitao do paciente, de relaes e de significado de
vida (LACERDA, 2010).
Um dos melhores vernculos sobre o conceito de cuidado domiciliar o de
Lacerda (2000, p. 34) que assim o denomina:
cuidado desenvolvido com o ser humano (clientes e familiares), no contexto de suas residncias, e faz parte da assistncia sade dos envolvidos. Compreende o acompanhamento, a conservao, o tratamento e a recuperao de clientes, de diferentes faixas etrias, em resposta s suas necessidades e s de seus familiares.
Do conceito da autora supracitada, extrai-se que o cuidado realizado num
ambiente diferente do hospitalar, o domiclio. Alm disso, abrange o cuidado
prestado tanto ao paciente como ao familiar. Esses fatos tornam a definio de
cuidado domiciliar especfica em relao as demais.
De forma menos abrangente e em conformidade com a Resoluo Cofen
267/2001 (BRASIL, 2001), o cuidado domiciliar consiste na prestao de servios
de sade ao cliente, famlia e grupos sociais em domiclio. Aqui tambm esto
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presentes as caractersticas especficas do cuidar no domiclio e, como j se repisou,
o foco do cuidado domiciliar de Enfermagem o paciente, a famlia e suas relaes.
Independentemente da denominao assumida e das atividades
desenvolvidas, cada uma dessas designaes encerra uma prtica de sade voltada
para um objeto que pode ser o sujeito individual e se estender para alm do
indivduo, abrangendo suas diferentes dimenses (KERBER; KIRCHHOF; CEZAR-
VAZ, 2008) como, por exemplo, a famlia, o contexto e a casa.
Outro ponto a ser observado a famlia. Esta pode ser conceituada de
diferentes maneiras, conforme a rea de conhecimento que est enfocando do tema.
Nesta pesquisa, a definio adotada a mais abrangente possvel, uma vez que
adequada e interessante para as exposies realizadas. Klock, Heck e Casarim
(2005) conceituam-na como unidade dinmica, formada por pessoas que se
percebem como famlia, com certo tempo de convvio, construindo uma histria de
vida; sendo que seus membros no precisam estar unidos apenas por laos de
consanguinidade.
Vale transpor, igualmente, as palavras de Bourget (2005) que relata ser a
famlia um sistema ou unidade, cujos membros podem ou no viver juntos, pode ter
ou no crianas, sejam elas de um nico pai/me ou no; nela existe compromisso
entre seus membros e entre as funes de cuidado esto proteo, alimentao e
socializao.
Quando se fala no termo famlia, mais comum se pensar num conjunto de
pessoas que possuem laos de sangue, como pai e filhos, me e filhos, tios, primos,
irmos. Mas, como visto, mais do que isso, uma vez que no significado de famlia,
inserem-se outras pessoas que no possuem ligao de consanguinidade e o que
se destaca o vnculo estabelecido entre elas. Entender a famlia indispensvel
quando se pensa em cuidado domiciliar, pois ela que assume total ou parcialmente
os cuidados do paciente.
A famlia uma instituio importante e deve ser compreendida como tal por
parte dos profissionais de sade. Ela a responsvel pela eficcia do tratamento de
um paciente, uma vez que assumir os cuidados do mesmo; a sua rotina, dinmica e
a forma como os seus membros se relacionam influenciam no processo de
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recuperao de seu familiar doente. Coaduna-se com essas reflexes, o exposto por
Lacerda (2000, p. 95) quando ressalta que:
muito importante que os profissionais de sade considerem as implicaes do impacto de uma doena no apenas sobre o indivduo, mas tambm sobre os familiares. Para se analisar este impacto em uma unidade familiar, deve-se considerar como uma doena especfica (sua natureza, seu carter agudo ou crnico e o grau de incapacitao gerado em cada paciente) abala esta famlia e os indivduos a ela pertencentes, pois o impacto da doena em um dos membros da famlia afetar, at certo ponto, os outros membros.
Requer-se do profissional, por conseguinte, uma viso integralizada, com
foco assistencial na famlia e no somente no indivduo doente, auxiliando essa
famlia de maneira mais contextualizada e compreendida dentro das relaes
familiares, tanto em situao de doena como em situao de sade (KERBER;
KIRCHHOF; CEZAR-VAZ, 2008).
Continuando a compreenso da dinmica do cuidado domiciliar, cumpre
elucidar o contexto domiciliar que inclui, tambm, o entendimento do domiclio
propriamente dito. Pode-se inferir, com Lacerda (1998), que a casa, o lar, o domiclio
um local nico que oferece a oportunidade de observar o modo das pessoas
enfrentarem, em seu meio familiar e com os recursos que lhes so disponveis, os
problemas oriundos de se ter um familiar que necessita de cuidados diariamente.
Tais afirmaes vm ao encontro da posio de Santos (2005), segundo o
qual o ambiente domiciliar deve ser visto como ponto bsico que atenda s
necessidades do doente; deve-se passar ao paciente que aquele ambiente lhe
pertence, deve-se pedir licena para entrar, uma vez que estamos invadindo a sua
privacidade, e cada pessoa possui sua prpria histria naquele local, no devendo
ser desrespeitada; os objetos encontrados devem ser vistos de forma respeitosa e,
mesmo que seja para o bem do paciente, as modificaes necessrias no ambiente
requerem bom senso e s devem ser realizadas depois de discutidas com a famlia e
com o prprio doente.
O contexto domiciliar no abarca somente o domiclio, o espao fsico. Este
permite uma compreenso diferenciada do processo de adoecimento dos indivduos,
maior contato com a famlia e sua integrao nos cuidados, possibilidade de
visualizar o contexto familiar e interagir nele. Portanto, o atendimento no domiclio
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traz benefcios aos indivduos ali tratados, uma vez que so atendidos por uma
conduta diferenciada dos profissionais que visam humanizao de sua prtica.
Tal contexto engloba questes sociais, econmicas, culturais e relacionais
que adquirem uma perspectiva especial, a qual deve ser observada pela enfermeira
ao realizar o cuidado domiciliar. necessrio respeitar as tradies, hbitos,
sentimentos e necessidades do paciente e famlia, a fim de enaltecer a humanizao
e a autonomia dos envolvidos no cuidar. O sucesso do cuidado domiciliar est em
olhar o indivduo e sua famlia em seu contexto, visualizando e considerando seu
meio social, suas inseres, seu local de moradia, seus hbitos e relaes e
qualquer outra coisa ou situao que faam parte de seu existir e estar no mundo
(LACERDA, 2010).
Certamente entendemos o cuidado domiciliar como uma forma de tratar da
sade que anuncia favorveis perspectivas, j que no domiclio possvel conhecer
todo o contexto de vida do indivduo, sua relao com a famlia, suas condies de
habitao, de emprego, de saneamento bsico, enfim, suas condies de vida em
geral.
Nessa perspectiva, o contexto da casa no se reduz ao seu espao fsico,
ele dever ser percebido com ampliao de seu significado, pois um conjunto de
coisas, eventos e seres humanos correlacionados entre si e cujas entidades
representam um carter particular e interferente ao mesmo tempo (LACERDA,
2000). uma oportunidade nica para empreender os melhores cuidados de sade
s pessoas e seus relacionamentos em seu local mais ntimo e privado da
existncia: o lar (LACERDA, 2010).
Por fim, outro elemento que possui papel fundamental para o cuidado
domiciliar o cuidador. Este definido como um indivduo que se dispe a favor das
necessidades de cuidados necessrios ao enfermo, expondo-se a riscos de
comprometimento de sua prpria sade em beneficio do doente (BICALHO;
LACERDA; CATAFESTA, 2008). Santos (2005) divide os cuidadores em dois
grupos, a saber: o cuidador formal que contratado pela famlia; e o cuidador
informal que faz parte da famlia.
Lacerda (2010) elenca importantes questes sobre quem cuida do doente:
essa pessoa o faz por livre escolha ou porque as circunstncias assim o
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determinaram; a idade e a escolaridade, assim como tempo de cuidado, so
aspectos a serem observados pela enfermeira e equipe de sade ao realizarem o
cuidado domiciliar. A autora (2010) tambm afirma ser necessrio que a enfermeira
determine, junto ao cuidador, quais aes vai realizar para cuidar, qual a
periodicidade de fornecimento de orientaes para cuidar, quem vai