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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL PAULA MARIZE NOGUEIRA PEREIRA PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SÃO LUÍS-MA: o caso da instalação de uma usina Termelétrica. SÃO LUÍS 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

PAULA MARIZE NOGUEIRA PEREIRA

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SÃO LUÍS-MA: o caso da instalação de uma usina Termelétrica.

SÃO LUÍS 2010

2

PAULA MARIZE NOGUEIRA PEREIRA

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SÃO LUÍS-MA: o caso da instalação de uma usina Termelétrica.

Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do grau de Bacharel em de Serviço Social apresentado à Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

SÃO LUÍS

2010

3

Pereira, Paula Marize Nogueira Projetos de desenvolvimento e conflitos socioambientais em São Luís-MA: O caso da instalação de uma usina termelétrica / Paula Marize Nogueira Pereira. _ 2010. 73 f. Impresso por computador (fotocópia). Orientador: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior. Monografia (graduação) – Universidade Federal do Maranhão, Curso de Serviço Social, 2010. 1. Conflitos socioambientais – São Luís – MA 2. Projetos de desenvolvimento 3. UTE Porto do Itaqui 4. Vila Madureira 5. Camboa dos Frades I. Título

CDU 316. 48: 504 (812.1)

4

PAULA MARIZE NOGUEIRA PEREIRA

PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SÃO LUÍS-MA: o caso do processo de instalação de uma usina Termelétrica.

Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do grau de Bacharel em de Serviço Social apresentado à Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

Aprovado em _____/_____/_______.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Maranhão – UFMA

_____________________________________ Profa. Dra. Aurora Amélia Brito de Miranda Universidade Federal do Maranhão - UFMA

______________________________________ Profa. Ms. Silvane Magali Vale do Nascimento

Universidade Federal do Maranhão - UFMA

5

AGRADECIMENTOS

Dessa jornada longa e árdua que iniciou bem antes deste trabalho, agradeço

principalmente a Deus, fonte inesgotável de vida, amor, esperança e inspiração.

Á minha mãe, mulher de fibra e de luta, a incentivadora dos meus sonhos e projetos de

vida. Mesmo diante das dificuldades da vida de mãe solteira de quatro filhas e três filhos,

empregada doméstica, nunca deixou de incentivar e de dedicar aquilo que pôde, e muitas vezes

aquilo que não pôde, para viabilizar a formação e escolarização dos filhos. E às minhas irmãs e

irmãos, pela convivência diária, pelo carinho e cuidado; por existirem.

Ao meu orientador, Horácio Antunes, por acreditar sempre neste trabalho e na minha

capacidade, pela paciência e compreensão de sempre, pela orientação dedicada, pela amizade,

pelas lições de vida.

Ao Bartô, por ao longo desses poucos anos que nos conhecemos estar sempre acessível

para ouvir e opinar sobre os meus esboços de pesquisa, pelo apoio incondicional neste momento

decisivo, pelo amor e carinho recíprocos.

Á todas as amigas e amigos da academia e da vida a fora. E em especial, à Neuziane,

Maiâna Gisele, Marcos, Israel, Elder e Bartô que estiveram comigo nos momentos mais difíceis

do trabalho de campo e na organização deste trabalho.

Ás grandes mestras do curso de Serviço Social, pelo esforço na construção de um projeto

profissional em favor da emancipação do ser humano e da construção de uma nova sociedade,

mais justa e igualitária. Em especial, à Selma Brandão, Amparo, Nonata Santana, Claúdia

Durans, Naíres Farías, Aurora Amélia e Silvane Magali.

Ás companheiras e companheiro da turma de 2006.1 e do curso de Serviço Social, pela

convivência ao longo dos anos, pela troca de experiências, pela amizade, pela experiência na

militância acadêmica (compas do CASS).

Ás professoras, professores, secretárias, estagiárias(os), alunas(os), funcionárias(os) com

quem convivi durante esses anos no Mestrado em Ciências Sociais e no CCH.

Ao Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)

pela disponibilização de todas as condições necessárias para a concretização deste trabalho, pelo

espaço multidisciplinar e acolhedor, pela oportunidade de formação, pelas pesquisas, pela

6

atuação junto aos grupos pesquisados, pelas amizades. Meus agradecimentos sinceros a todos os

membros do grupo.

Ás professoras(es), funcionárias(os) e alunas(os) do Colun, onde realizei o estágio

obrigatório, por todos os momentos vividos. Em especial à assistente social Marileia Everton,

supervisora Técnica, Lívia Cristina, supervisora docente, Adrianne, companheira de campo de

estágio, e às colegas e colega da turma do estágio supervisionado.

As mulheres e aos homens que colaboraram com esta pesquisa. Á defensoria Pública do

Maranhão, em nome da assistente social Nayara Karlla, pela presteza e pelos documentos e

materiais disponibilizados.

7

E diga sim A quem nos quer acolher

Mas se for pra nos prender Diga não

Êêêêê Ê Ah Ninguém vai ser torturado

Com vontade de lutar

(César Teixeira - Oração latina)

8

RESUMO

O presente trabalho trata do processo de instalação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui (UTE Porto do Itaqui), em São Luís-MA, e das consequências de sua instalação sobre duas comunidades da Zona Rural de São Luís: Vila Madureira, deslocada para o Residencial Vila Nova Canaã, no Municio de Paço do Lumiar, e Camboa dos Frades, vizinha ao empreendimento. Para tanto, partimos da discussão da implantação dos grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia Legal Brasileira do final da década de 1960 até as políticas de desenvolvimento do período atual, com destaque para a política energética do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), enfatizando as discussões sobre a questão ambiental e conflitos socioambientais. Em seguida, fazemos uma caracterização geral do empreendimento Usina Termelétrica Porto do Itaqui e descrevemos as tensões sociais que giraram em torno de seu licenciamento. Por fim, descrevemos os impactos do processo com a caracterização dos conflitos socioambientais gerados pelo empreendimento em sua relação com as comunidades atingidas: Vila Madureira, onde descrevemos como ocorreu o processo de deslocamento compulsório e as atuais condições de vida das famílias no Residencial Nova Canaã no município de Paço do Lumiar; e a mobilização da comunidade Camboa dos Frades, entorno da reconstrução da estrada de acesso à comunidade, ameaçada com o deslocamento das famílias da Vila Madureira e com o início das obras de construção da usina.

Palavras-chave: Projetos de desenvolvimento. Conflitos socioambientais. UTE Porto do Itaqui. Vila Madureira. Camboa dos Frades.

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ABSTRACT

This work deals with the process of installing the Power Plant Port of Itaqui (UTE Porto do Itaqui), São Luís-MA, and the consequences of their installation on two communities in the Rural Area of St. Louis: Vila Madureira, shifted to the Residential New Canaan town, the Palace of Municio Lumiar and Camboa dos Frades, adjacent to the project. The starting point of discussing the deployment of major development projects in the Brazilian Amazon Region of the late 1960s to the development policies of the current period, with emphasis on the energy policy of the Growth Acceleration Program (CAP), emphasizing the discussions on environmental issues and environmental conflicts. Then we make a general characterization of the venture Thermal Power Plant Port of Itaqui and describe the social tensions that revolved around a license. Finally, we describe the impacts of the process with the characterization of environmental conflicts generated by new development in their relationship with the affected communities: Vila Madureira, which was described as the process of compulsory displacement and current living conditions of families in New Canaan in the Residential county of Paço do Lumiar, and community mobilization Camboa dos Frades, surrounding the reconstruction of the access road to the community, threatened with displacement of families from village Madureira and the start of construction of the plant. Keywords: Development projects, environmental conflicts, UTE Porto do Itaqui, Vila Madureira, Camboa dos Frades.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Síntese dos acordos firmados entre empresa e comunidade ..................................48

Tabela 02: critérios de Avaliação da compra da área de reassentamento.................................49

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Investimentos em Infraestrutura energética do PAC no Maranhão p. 34

Figura 02: Projeção da UTE Porto do Itaqui p. 35

Figura 3: Mapa de localização da UTE p. 36

Foto 1: Construção da Terméletrica Porto do Itaqui p. 41

Foto 2: Terraplanagem UTE Porto do Itaqui p. 56

Foto 3: Condições da estrada de acesso a Camboa dos Frades construída pela MPX p. 58

Foto 4: Maré que separava o povoado Vila Madureira do Povoado Camboa dos Frades p. 60

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LISTA DE SIGLAS

ANEEL Agência Nacional de Energia Eletrica

ALUMAR Consórcio de Alumínio do Maranhão

BNB Banco do Nordeste do Brasil

BASA Banco da Amazônia S.A

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente

DESOC Departamento de Sociologia e Antropologia

EFC Estrada de Ferro Carajás

EIA Estudo de Impacto Ambiental

ENID Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento

FINAM Fundo de Investimentos da Amazônia

FINOR Fundo de Investimento do Nordeste

GEDMMA Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

IIRSA Integração das Infraestruturas Regionais Sul-Americanas

MPF Ministério Público Federal

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PGC Programa Grande Carajás

PIN Plano de Integração Nacional

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PDA Plano de Desenvolvimento da Amazônia

PPA Planos Plurianuais

PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras

POLOAMAZÔNIA Programa de Pólos de Desenvolvimento Agropecuário e Agro-mineral da

Amazônia

PPGCSoc Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

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RADAM Projeto Radar da Amazônia

RIMA Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente

SEMMA Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Maranhão

SPVEA Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UHE Usinas Hidrelétricas

UTE Usinas Termelétricas

VALE Companhia Vale do Rio Doce

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15

2 PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E QUESTÃO AMBIENTAL NA REGIÃO

AMAZÔNICA ..................................................................................................................... 20

2.1 Os Grandes Projetos e a política estatal desenvolvimentista: 1966 a 1985 ............. 20

2.2 A questão ambiental e a retomada das políticas estatais de crescimento ................ 25

3 A UTE PORTO DO ITAQUI: um empreendimento da política energética do PAC 30

3.1 A influência da política energética do PAC no Maranhão ....................................... 34

3.2 A Termelétrica do Porto do Itaqui: caracterização .................................................. 35

3.3 O licenciamento ambiental do empreendimento: primeiros impasses .................... 37

4 A RELAÇÃO EMPRESA E COMUNIDADES: conflitos socioambientais em evidência

.............................................................................................................................................. 42

4.1 Conflitos socioambientais: uma perspectiva de abordagem ..................................... 42

4.2 Os novos donos chegaram: deslocamento da comunidade de Vila Madureira ...... 44

4.3 Camboa dos Frades: uma comunidade invisível aos olhos da empresa? ................ 55

4.4 Antes! Depois?: relatos das condições de vida dos antigos moradores da Vila Madureira

no residencial Nova Canaã ................................................................................................ 59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 69

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 72

ANEXO: Documentos relativos à relação empresa e comunidades..................................... 75

15

1 INTRODUÇÃO

O trabalho ora apresentado é fruto da inserção da graduanda como pesquisadora no Grupo

de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), grupo de estudos,

pesquisa e extensão vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do

Maranhão (UFMA).

Os dados refletem em grande parte os esforços de pesquisa que o GEDMMA desenvolveu

entre os anos de 2005 e 2009, na zona rural de São Luís, buscando compreender a dinâmica de

instalação de projetos industriais na região, suas consequências sociais e ambientais, e as formas

pelas quais as populações locais organizam-se para responder a esses processos1. Esforços que

vêm sendo ampliados no projeto de pesquisa e extensão atual “Projetos de desenvolvimento e

conflitos socioambientais no Maranhão”. Proposto em 2009, o projeto objetiva identificar e

analisar os conflitos socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento

instalados a partir do final de da década de 1970 até o período atual.

É dentro desta pesquisa que fizemos o recorte de nosso objeto, com o estudo de caso das

consequências desencadeadas pelo processo de instalação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui

(UTE Porto do Itaqui) em duas comunidades da Zona Rural de São Luís: 1) a Vila Madureira –

comunidade que foi deslocada para o Residencial Nova Canaã, no município de Paço do Lumiar,

por localizar-se na área destinada à construção da termelétrica e 2) a Camboa dos Frades –

comunidade localizada na vizinhança do empreendimento, que se sentiu ameaçada com o início

das obras de implantação da usina, primeiro com a desarticulação da organização comunitária,

pois esta era representada pela “União de Moradores da Vila Madureira e Camboa dos Frades”, e

segundo por ter o seu livre direito de ir e vir impedido com a destruição da única estrada de

acesso à comunidade, pois parte de sua extensão localizava-se por dentro da Vila Madureira,

resultando no isolamento da comunidade entre as obras de construção da usina e o Mar.

O primeiro trabalho de campo realizado pelo grupo de estudos nas comunidades Vila

Madureira e Camboa dos Frades ocorreu em 17 de junho de 2008, numa visita de caráter

exploratório, com participação de 11 pesquisadores, seguida de uma segunda visita, na qual

1Os resultados da pesquisa “Modernidade, Desenvolvimento e Consequências Sócio-Ambientais: a implantação do pólo siderúrgico na Ilha de São Luís-MA”, iniciada em 2005, foram publicados no livro “Ecos dos Conflitos Socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim”, editado em 2009.

16

foram feitas entrevistas com os moradores mais antigos, em 03 de julho de 2008. Essas visitas

foram realizadas 10 meses antes do deslocamento do povoado Vila Madureira. O segundo

momento de acompanhamento às comunidades ocorreu no dia 17 de maio de 2009 por meio da

participação de uma reunião na Associação de Moradores de Camboa dos Frades, ocasião em que

a Vila Madureira já havia sido deslocada. Destas pesquisas resultou a elaboração de um relatório

técnico2 sobre as comunidades e, em especial, sobre a situação que Camboa dos Frades estava

vivenciando em decorrência da implantação da Termelétrica, que serviu de subsídio ao Ministério

Público Federal.

O envolvimento da pesquisadora com o caso estudado ocorreu neste segundo momento,

com a participação na reunião da Associação de Moradores de Camboa dos Frades em maio de

2009. A partir daí, passou a coletar informações sobre a instalação da termelétrica em jornais,

sites da internet e em documentos da UTE Porto do Itaqui (EIA – Estudo de Impacto Ambiental;

RIMA – Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente; Projeto Agrícola; licenças ambientais) e a

fazer revisão bibliográfica sobre estudos acadêmico-científicos que abordassem casos similares,

com o intuito de construir um projeto de pesquisa para a elaboração do trabalho monográfico.

O projeto de pesquisa, ou a “construção do objeto de estudo”, foi elaborado de forma

gradual e com retoques sucessivos, à medida que íamos nos inteirando sobre os dados que

envolviam o caso e transformando um problema social em objeto de estudo. Apesar de

abrangente, o objetivo da pesquisa reflete o recorte e o “olhar” da pesquisadora e das grupos

locais focalizadas na pesquisa, bem como o conteúdo ou teoria científica que orientou a

interpretação das informações e dos fatos.

Desse modo, nosso objetivo pautou-se na identificação dos impactos socioambientais

gerados pelo processo de instalação da Usina Termoelétrica (UTE) Porto do Itaqui. Este objetivo

foi operacionalizado por meio de três objetivos específicos: 1) levantamento bibliográfico e

documental sobre a temática; 2) a identificação das dinâmicas iniciais do processo de Instalação

da Usina Termelétrica; e 3) a identificação dos impactos desse processo sobre as comunidades

Vila Madureira e Camboa dos Frades.

Os procedimentos adotados para o alcance de tais objetivos partiram da revisão

bibliográfica e documental. Na revisão bibliográfica, privilegiamos as literaturas sobre a

2 SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes [et al]. Relatório de pesquisa de campo: Vila Madureira e Camboa dos Frades. GEDMMA/UFMA, São Luís, 2009.

17

discussão do modelo de desenvolvimento implantado na Amazônia a partir da década de 1960

(SANT’ANA JÚNIOR, 2004; PORTO-GONÇALVES, 2005; BECKER, 2006, 2008; SANTOS,

2009) e no Maranhão, com ênfase no Programa Grande Carajás (GISTELINK, 1988) e da

implantação de projetos atuais (VERDUM, 2007; ALVES, SANT’ANA JÚNIOR &

MENDONÇA, 2007). E também de literaturas sobre a questão ambiental e a ambientalização de

conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004) e dos conflitos socioambientais (ACSELRAD, 2004;

ALIER, 2007). No levantamento documental, fizemos o levantamento de notícias na rede

mundial de computadores (internet) e de documentos referentes ao empreendimento (EIA/RIMA,

PBA – Projeto Básico Ambiental, Projeto Agrícola, Licenças, Parecer do IBAMA – Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, relatórios, processos

administrativos).

O momento mais difícil da pesquisa foi o da realização do trabalho de campo. Portanto, esta

tem o alcance e a profundidade daquilo que nos foi possível realizar dentro dos limites e prazos

estabelecidos pela finalidade da pesquisa e pelas condições práticas de sua realização diante dos

empecilhos apresentados na realidade de cada etapa do trabalho de campo. Os dados apresentados

foram coletados a partir da participação em espaços coletivos, como reuniões da associação de

moradores, seminários, reuniões entre técnicos e comunidades, reuniões de estudo no âmbito do

GEDMMA; de conversas informais, de entrevistas semiestruturadas com o auxílio de gravador; de

observação e registro no caderno de campo; e de visitas institucionais e consultas a documentos

(relatórios, atas de reunião).

A culminância do trabalho de campo ocorreu a partir da participação no Seminário de

Apresentação e Avaliação dos Programas Básicos Ambientais da MPX, empresa responsável pela

construção da Termelétrica Porto do Itaqui, no dia 12 de março de 2010 no Hotel Abbeville – o

seminário foi uma exigência do processo de licenciamento ambiental do empreendimento, que o

previa como um momento de avaliação e devolução de programas e medidas elaboradas pelo

empreendimento para mitigar os impactos causados pelo processo, junto ao IBAMA, às

comunidades atingidas e à sociedade em geral. Na ocasião, levantamos informações, fizemos

contatos com moradores das duas comunidades e marcamos uma visita. Também fomos

convidados por uma moradora da Vila Canaã a participar de uma reunião que seria no dia

seguinte entre os técnicos da empresa de consultoria e a comunidade na associação de morados

de Nova Canaã.

18

Na participação da reunião, encontramos a primeira dificuldade da pesquisa, pois a

moradora que nos convidou e orientou nossa chegada ao local não sabia explicar ao certo do que

se tratava, só disse que era uma reunião entre técnicos representantes da empresa e a comunidade.

Como a mesma nos convidou espontaneamente, não tínhamos conhecimento de que se tratava de

uma reunião de caráter restrito. Por isso, fomos também surpreendidos quando os técnicos nos

notificaram, após nos questionar e solicitar que nos apresentássemos e questionar a moradora que

nos convidou, que não poderíamos participar daquela reunião, pois esta não era uma assembléia e

era de caráter restrito. Apesar dos moradores presentes permitirem que permanecêssemos, a

decisão ficou a cargo dos técnicos, que disseram que se ficássemos determinados assuntos não

seriam discutidos naquele momento. Então, negociamos para que ficássemos até o ponto que nos

fosse permitido ouvir e todos concordaram. Inclusive o vice-presidente da associação disse que

éramos bem-vindas na comunidade. E, de fato, a reunião era de caráter mais restrito, baseado nos

princípios da representatividade, seu público eram os lideres e vice-líderes dos grupos gestores do

Pólo Agrícola3, os técnicos da empresa de consultoria e a presidência da associação de

moradores.

O segundo obstáculo ocorreu na Comunidade de Camboa dos Frades, onde fomos

impedidos de desenvolver nossos procedimentos de pesquisa por conflitos de interesses – a nossa

presença na comunidade representou um obstáculo à proeminência de um membro da diretoria da

associação de moradores que, inclusive, foi alvo de inúmeros atos de parte dos moradores com

objetivo de retirá-lo do cenário comunitário, pelo que tivemos informações que fora solicitado

pelo Ministério Público Estadual, a partir de uma ação movida por alguns moradores, que se

afastasse da diretoria – e por conflitos internos relacionados à questão fundiária. Diante disto,

para não interferir nas questões internas da associação, optamos por utilizar na pesquisa somente

as informações coletadas e observações realizadas anteriormente e nos afastar da comunidade. A

partir daí, os dados sobre a relação entre o empreendimento e a comunidade foram buscados

junto à Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPMA), através do levantamento dos

documentos das audiências realizadas.

Nas entrevistas realizadas apresentamos aos entrevistados os objetivos e as finalidades da

pesquisa, pedimos autorização para gravar e nos comprometemos a não revelar o nome dos

3 O Pólo Agrícola é a área destinada à produção agrícola, uma vez que os moradores da Vila Madureira viviam do cultivo agrícola e da criação de pequenos animais.

19

entrevistados. Por esse motivo na citação de qualquer fala neste trabalho utilizaremos

pseudônimos para identificar os atores entrevistados.

O trabalho está organizado em cinco capítulos, incluindo introdução e considerações

finais. No segundo capítulo, fazemos um breve resgate histórico do modelo de desenvolvimento

implementado na Amazônia Legal Brasileira a partir das políticas desenvolvimentistas

desencadeadas pelos governos militares e retomamos a discussão dos grandes projetos ou das

políticas desenvolvimentistas atuais, considerando como prisma de abordagem a discussão da

questão ambiental através dos impactos socioambientais desses empreendimentos, que geram os

chamados conflitos ambientais ou socioambientais ou a ambientalização dos conflitos sociais.

No terceiro capítulo, descrevemos mais detalhadamente o empreendimento UTE Porto do

Itaqui e a política de desenvolvimento no qual ele se insere, o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), e os confrontos que giram em torno de seu licenciamento.

O quarto capítulo discute propriamente os impactos do processo de instalação da

termelétrica sobre as comunidades Vila Madureira e Camboa dos Frades. Inicialmente parte da

discussão da categoria conflitos socioambientais. Em seguida, descreve as relações estabelecidas

entre o empreendimento e as comunidades, a partir do detalhamento do processo de

deslocamento da Vila Madureira para o Residencial Nova Canaã, no município de Paço do

Lumiar. Posteriormente, descrevemos brevemente os conflitos entre o empreendimento e a

Comunidade Camboa dos Frades, que giraram em torno da construção da nova estrada de acesso

à comunidade, que havia sido destruída pela Itaqui Energia com o início das suas obras de

construção.

20

2 PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO E QUESTÃO AMBIENTAL NA REGIÃO AMAZÔNICA

Neste capítulo, abordamos, brevemente, a temática do modelo de desenvolvimento

pensado e implementado na Amazônia Legal Brasileira4 a partir das políticas desenvolvimentistas

desencadeadas pelo governo brasileiro durante o período da ditadura de 1964, então

consubstanciadas num modelo pautado em grandes projetos que levaram à concentração do

espaço e à captação intensiva dos recursos naturais.

Optou-se por fazer este resgate histórico como um meio de retomar a discussão dos

grandes projetos ou das políticas de desenvolvimento atuais, só que, considerando como prisma

de abordagem a discussão da questão ambiental através dos impactos socioambientais desses

empreendimentos, que geram os chamados conflitos ambientais ou socioambientais. Nessa

abordagem, sustentando-nos na perspectiva da existência de diferentes projetos sociais de

apropriação e significação do meio ambiente (ACSELRAD, 2004, p. 14)5.

2.1 Os Grandes Projetos e a política estatal desenvolvimentista: 1966 a 1985

Durante o período de 1966 a 1985, na vigência dos governos ditatoriais, destacou-se uma

atuação mais efetiva do Estado Brasileiro no planejamento de uma política de desenvolvimento

regional, principalmente na Amazônia (BECKER, 2006, p. 25-26). Nessa ocasião, o governo

assumiu o direcionamento de uma nova fase de ocupação e exploração de uma região até então

concebida pelos agentes governamentais e empreendedores como uma grande fronteira, rica em

recursos naturais6, um grande vazio demográfico que, apesar do atraso, era dotado de

4 A Amazônia Legal Brasileira foi inventada para atender fins de planejamento econômico e administrativo. Neste, a divisão administrativa da Amazônia Brasileira compreende a totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão (a oeste do meridiano de 44º). Fonte: SUDAM: legislação. http://www.ada.gov.br/index. Acesso em 14.05.2010.

5 Discutiremos mais detalhadamente essas categorias de análise quando nos voltarmos para o estudo de caso abordado pela nossa problemática de estudo. 6 De acordo com Becker (2008, p. 224), o Brasil e a Amazônia foram incorporados a dinâmica capitalista mundial forjados numa economia de fronteira. Esta é parte do paradigma capitalista que sustentou as relações entre sociedade e natureza: ”Nesse paradigma, o progresso é entendido como crescimento econômico e prosperidade infinitos baseados na exploração dos recursos naturais percebidos como igualmente infinitos”.

21

potencialidades econômicas para desencadear o seu desenvolvimento7 (SANT’ANA JÚNIOR,

2004, p. 111).

Desse modo, utilizando-se de justificativas de ordem econômica, geopolítica e ideológica

(desenvolvimento, nacionalismo e segurança)8, em parceria com o capital nacional e estrangeiro,

o governo implementou ou favoreceu a implementação de toda uma “malha programada”, de um

conjunto de programas e planos governamentais (BECKER, 2008, p. 225); compreendendo desde

a “execução de obras de infra-estrutura (estradas, hidrelétricas), projetos de colonização, à

concessão de incentivos fiscais para instalação de projetos privados voltados para a agropecuária,

mineração e atividade madeireira” (SANT’ANA JÚNIOR, 2004, p. 112), tendo como principal

bandeira de justificativa a necessidade de incorporação e desenvolvimento da região.

Essa incorporação começa a ser levada a efeito com a denominada “Operação Amazônia”,

no contexto do Governo de Castelo Branco, em 1966, com a criação de uma política de

incentivos fiscais e a formação de uma infraestrutura institucional, com a substituição da

Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) pela Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e a criação do Banco da Amazônia S. A. (BASA),

para implementar e supervisionar as políticas de incentivos e subsídios fiscais destinadas à

empreendimentos de grandes grupos nacionais e internacionais (SANT’ANA JÚNIOR, 2004, p.

115).

Na década seguinte, o Governo Médici lançou o Programa de Integração Nacional (PIN),

destacando-se como suas principais estratégias, a efetivação da integração física e econômica da

Região Amazônica. Assim, de 1971 a 1974, no contexto do I Plano Nacional de

Desenvolvimento Econômico (I PND) e I Plano de Desenvolvimento da Amazônia (I PDA), a

7 As noções de vazio demográfico e atraso compunham, principalmente, uma estratégia política do governo para justificar o “povoamento” e “desenvolvimento” promovido pelo Estado por meio da ocupação do espaço com atividades econômicas e projetos de colonização, desconsiderando totalmente a existência da diversidade populacional e cultural presente na região, com a existência de populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e as relações estabelecidas por estas populações entre si e com a natureza (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 33-34; SANTOS, 2009, p. 77).

8 Conforme análise de Hébette (2004 p. 32): “Aparentemente, o que fundamentava a associação destes dois termos (segurança/desenvolvimento) era o espírito nacionalista que dispunha de uma forte base nos círculos militares. Na verdade, sua raiz deitava na identificação entre expansão capitalista e segurança interna e na correspondente assimilação conceitual entre contestação ao capitalismo e subversão política. Mais profundamente ainda, isso significava: a segurança da Nação repousa no capital, independente de sua origem geográfica; e a ameaça à Nação emana da organização dos trabalhadores. Isso ficou patente a partir de 1964, quando o governo Castelo Branco abriu todas as portas do país ao capital estrangeiro para pesquisa e exploração os recursos naturais: a mística nacionalista se desvanecia, o realismo impunha-se – e com ele o pragmatismo”.

22

atuação governamental pautou-se em programas e projetos como PROTERRA (Programa de

Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria no Norte e Nordeste); com projetos de

colonização às margens das rodovias implementados, na época, pelo recente INCRA (Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária), com o intuito de esvaziar as tensões sociais

decorrentes dos problemas agrários espalhados pelo país e da seca no nordeste; e projetos de

estímulos fiscais ao desenvolvimento da agropecuária, conformados para ocupar os espaços

vazios com atividades econômicas e absorver a mão de obra excedente de uma região para outra

(SANT’ANA JÚNIOR, 2004, p. 115; SANTOS, 2009, p. 78-79).

No período acima, destacou-se também uma fase mais sistematizada no

desenvolvimento de pesquisas sobre o potencial geofísico para a descoberta dos recursos

minerais e energéticos da região. No entanto, se antes predominavam pesquisas feitas, com

relativa autonomia, pelo capital internacional, agora estas eram feitas com a tutela do Estado,

com destaque para o projeto Radar da Amazônia - RADAM. Conforme destaca Hébette:

Dois campos de pesquisa assumiram importância particular para o time governo brasileiro/capital estrangeiro: os recursos minerais e os recursos energéticos. Para atender ao segundo campo, criou-se o Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia (Decreto lei 63.952, de 31.12.68) a cargo das Centrais Elétricas do Brasil (ELETROBRAS), e, posteriormente, – a partir de 1973 – a cargo de sua filial, as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (ELETRONORTE). Para cuidar do primeiro campo, criou-se a Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM) (Decreto-Lei 764, de 15.8.69). O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério de Minas e Energia, estabeleceu, em 1970, o Projeto Radar da Amazônia (RADAM), destinado a executar um levantamento aerofotogramétrico de toda a Amazônia (HÉBETTE, 2004, p. 33).

De 1975 a 1979, durante o governo Geisel, o II Plano Nacional de Desenvolvimento

(PND) e II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA) possuíam estratégias de atuação

voltadas para incentivar a ocupação regional por meio de investimentos em setores chave da

economia regional, com destaque ao programa POLOAMAZÔNIA (Programa de Pólos de

Desenvolvimento Agropecuário e Agro-Mineral da Amazônia). Programa que consistia na

implementação de pólos de desenvolvimento que, de acordo com as potencialidades de cada

região, foram divididos em pólos de atividades madeireiras, agropecuárias, agrominerais; com a

oferta de incentivos fiscais a empreendimentos com recursos do Fundo de Investimentos da

Amazônia (FINAM) e do Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR)9. Conjuntura em que se

9 O Maranhão enquanto esta que intrega tanto a região nordeste quanto a Amazônia Legal Brasileira receia aplicações de fundos da FINAN e do FINOR.

23

dá a criação do Projeto Ferro Carajás, com o desenvolvimento dos pólos minero-metalúrgicos da

Amazônia Oriental10 (SANTOS, 2009, p. 79-80).

A multinacional United States Steel Corparation descobriu os recursos minerais da

Serra de Carajás em 1969 e, em 1970, o governo favoreceu a Criação da Amazônia Mineração S.

A. (AMZA), joint-ventures entre a US Stell (com 49% das ações) e a então estatal Companhia

Vale do Rio Doce (CRVD)11, (com 51% das ações) (SANTOS, 2009, p. 80; GISTELINCK,

1988, p. 55-56).

Em 1978, após a saída da US Stell, motivada pela crise mundial decorrente do choque

do petróleo em 1973, a CRVD inicia a implantação do Projeto Ferro Carajás por meio do Projeto

Amazônia Oriental, um plano preliminar voltado para a captação dos recursos potenciais para o

incremento da indústria minero-metalúrgica, prevendo a abundância de minerais e a

disponibilidade de energia (da Hidrelétrica de Tucuruí e outras formas de energia advindas do

carvão vegetal e do coco do babaçu), além de projetos de exploração florestal e agropecuária na

região; e de infra-estrutura para o escoamento e exportação dos recursos minerais com a

construção da Estrada de Ferro Carajás e implantação do porto Ponta da Madeira em São Luís

(GISTELINCK, 1988, p. 58-59).

Em 1980, o governo dá prosseguimento à política desenvolvimentista para região com a

ajuda de grandes agências financiadoras internacionais, como o BID (Banco Interamericano de

Desenvolvimento) e o Banco Mundial, privilegiando o potencial de Carajás com a criação do

Programa Grande Carajás, um programa interministerial feito com a finalidade de “coordenar,

promover e executar de forma integrada as medidas necessárias a viabilização do programa” nas

áreas de influência deste (GISTELINCK, 1988, p. 60). Conforme descreve Gistelinck (1988, p.

60):

A criação do PGC era apenas uma consequência do fato de que o governo federal já estava envolvido na implantação de projetos minero-metalúrgicos de ferro e de alumínio na região além de estar implantando a hidrelétrica de Tucuruí e a infra-estrutura de transporte (rodovias, ferrovia, portos). Centralizava, no entanto, todo o poder em Brasília e se superponha às três Superintendências Regionais de Desenvolvimento, SUDAM, SUDENE e SUDECO, todas operando em macro-regiões, respectivamente no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste do País. Inicialmente o PGC era voltado quase exclusivamente para o objetivo definido como prioritário pelo governo: a formação de divisas para o País, através da implantação de grandes projetos de exportação e de infra-estrutura básica, necessária à sua viabilização. Uma de suas funções principais era conceder incentivos fiscais e

10 A Amazônia Oriental compreende os estados do Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. Fonte: SUDAM: legislação. http://www.ada.gov.br. Acesso em 14.05.2010. 11 Atualmente a CRVD adotou oficialmente o nome VALE.

24

financeiros, em regime especial, como instrumento básico para induzir investimentos privados nas mais diversas atividades econômicas.

Durante a década de 1980, também, processaram-se mudanças substanciais na conjuntura

política e econômica do país. Tais mudanças, desencadeadas no setor da economia, com a

emergência da crise econômica mundial – provocada pelo choque do petróleo e elevação da taxa

de juros – conduziram ao aumento da dívida externa do país, o que arrefeceu a onda de

crescimento anterior; e no setor político, com o esgotamento do modelo centralista-autoritário do

período ditatorial contribuíram, aliados à própria mobilização da sociedade civil, para o

desencadeamento do processo de reabertura democrática, colocando novas balizas na relação

entre Estado e sociedade, provocando alterações na política desenvolvida pelo Estado,

principalmente na Região Amazônica.

Entretanto, neste período, as consequências sociais e ambientais dos grandes projetos já

eram por demais visíveis, com o aumento da concentração de terras nas mãos de grandes grupos

empresariais multinacionais e latifundiários e a expulsão dos camponeses de suas terras para os

centros urbanos; devastação da floresta, industrialização e urbanização acelerada, intensificando a

degradação ambiental e a perda da qualidade de vida; o deslocamento compulsório de grandes

contingentes populacionais; inundações de terras, alteração dos rios com a ocorrência de doenças

e contaminação das águas devido à construção de barragens para a implantação dos projetos

hidrelétricos; e a perda do saber popular sobre a terra e o rio (SANT’ANA JÚNIOR, 2004 p. 120;

PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 162). Consequências bem destacadas na análise de Becker:

o privilégio atribuído aos grandes grupos e a violência da implantação acelerada da malha tecno-política, que tratou o espaço como isotrópico e homogêneo, com profundo desrespeito pelas diferenças sociais e ecológicas, tiveram efeitos extremamente perversos, destruindo, inclusive gêneros de vida e saberes locais historicamente construídos (BECKER, 2006, p. 27).

De um lado, observa-se que as políticas implementadas pautavam-se numa concepção de

desenvolvimento enquanto sinônimo de crescimento econômico voltado para a formação de

divisas e para o desenvolvimento de um mercado externo para exportação, seguindo os

25

parâmetros do modelo dominante em nível mundial12, desconsiderando o desenvolvimento social

ou mesmo a participação da população nos processos decisórios.

Por outro, constata-se que esse processo também expressa o fato de as concepções dos

sujeitos que contornam a elaboração e execução de tais empreendimentos são incompatíveis com

as concepções e práticas das populações que recebem todo o ônus do processo de

desenvolvimento, os chamados excluídos do desenvolvimento (LÉNA, 2002, p. 11).

2.2 A questão ambiental e a retomada das políticas estatais de crescimento Com os impactos socioambientais gerados pela implantação dos grandes projetos, bem

como uma maior organização da sociedade civil e a emergência de um movimento de formação

de identidades coletivas na Amazônia, passou-se a se questionar o modelo de desenvolvimento

autoritário, principalmente a partir das décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de vários

movimentos sociais de resistência, como o dos seringueiros, com o líder Chico Mendes, dos

trabalhadores rurais, das quebradeiras de coco babaçu e dos atingidos por barragens. Passando-se,

assim, a uma mudança na forma de atuação dos diferentes agentes sobre a região.

Um fator preponderante na mudança de concepção e políticas voltadas para a região, diz

respeito à própria conjuntura mundial de efervescência da questão ambiental que fez com que a

Amazônia passasse a ter uma nova importância no contexto mundial da luta pela preservação

ambiental. Esse fato, conjugado à mobilização dos povos da região, contribuiu para o

estabelecimento de novas conexões entre os movimentos locais e o movimento ambientalista,

desencadeando um processo de formação de novas identidades coletivas13. Conforme processo

descrito por Sant’Ana Júnior (2004, p. 123-124):

12 Tal modelo segue a dinâmica de integração ao modo de produção capitalista, sob influência das grandes potências mundiais, principalmente os Estados Unidos, que no contexto do Pós-Guerra passa a propagar o ideal desenvolvimentista sustentando-se numa espécie de escala evolutiva linear e homogênea,segundo a qual os países ditos desenvolvidos, países dotados de significativa urbanização e industrialização, desenvolvimento tecnológico e altas taxas de consumo, estariam no cimo da escala, em contraposição aos países ditos subdesenvolvidos ou atrasados que, pelo ideal postulado, deveriam seguir o mesmo percurso dos países desenvolvidos. Nesse sentido, trata-se de uma concepção político-ideológica que tende a submeter outros países a essa dinâmica, resignificando, ou depreciando, a sua forma de auto-representação, passando a ser vistos como subdesenvolvidos ou atrasados, numa espécie de neocolonialismo contemporâneo (ESTEVA, 2000, p. 59-76; SACHS, 2000, p. 11-17). 13 Esse processo de articulação política entre os movimentos sociais e ambientalistas é também reconhecido como socioambientalismo (SANTILLI, 2005, p. 19).

26

Povos indígenas, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, pescadores, posseiros e colonos de uma forma ou de outra, são atingidos pelas políticas voltadas para a região e, em maior ou menor grau, reagem e se organizam. A partir da segunda metade dos anos 1970, esses grupos passam a se configurar como identidades coletivas que, a princípio, têm um comportamento de resistência às agressões aos seus interesses, mas logo se tornam propositivas, contando com o apoio de igrejas, partidos, sindicatos, movimentos ambientalistas, organizações não-governamentais, profissionais liberais, intelectuais. Estas coletividades ganham força à medida que seus interesses podem ser associados aos interesses de preservação ambiental e, consequentemente, de grupos ambientalistas em todo o mundo (...) em grande medida esses movimentos sociais conseguem articular-se com entidades e movimentos ambientalistas nacionais e estrangeiros, beneficiando-se do apoio às suas lutas e imprimindo uma conotação de defesa ambiental ao conteúdo de suas reivindicações, à formação de sua imagem externa e ao seu próprio auto-reconhecimento, ressignificando sua identidade.

Destarte, a emergência da questão ambiental como nova questão pública a nível mundial a

partir da conferência de Estocolmo – realizada na Suécia em 1972, decorrente da percepção das

consequências nocivas do modelo urbano-industrial capitalista sobre o meio ambiente – tem

efeitos positivos para a formação da esfera institucional do meio ambiente no Brasil (LEITE

LOPES, 2004, p. 19).

A partir da criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA14, em 1973,

observou-se o aparecimento de várias instituições voltadas para o controle ambiental; o

surgimento da exigência do licenciamento ambiental para atividades que possam causar impactos

substanciais ao meio ambiente; bem como, o aumento da profissionalização e especialização

técnica para lidar com a questão.

Em 1981, ocorreu a sanção da lei que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente,

composta pelos órgãos e instâncias executivas, deliberativos e consultivos como a SEMA

(Secretaria Especial do Meio Ambiente), o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em

1985, já no período da redemocratização, cria-se a lei civil pública que delibera a ação civil

pública de responsabilidade aos danos causados sobre o meio ambiente e institui os mecanismos

de compensações ambientais. Na década seguinte, o CONAMA cria a política nacional de

avaliação de impactos ambientais, determinando a realização e apresentação de Estudo de

Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima) e a realização de

14 O Brasil foi um dois países pioneiros na criação de instituições voltadas para melhorar o gerenciamento da problemática ambiental. Pioneirismo que se materializou com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, (PIRES, PEDLOWSKI, 2009, p. 4-5).

27

audiências públicas para o licenciamento de obras modificadoras e degradadoras do meio

ambiente (LEITE LOPES, 2004, p. 20-22).

A Constituição Federal de 1988, além de consolidar todo esse aparato institucional e

legislativo que veio sendo trabalhado nos anos anteriores, é um marco do reconhecimento

nacional da importância do meio ambiente, com a destinação de um capítulo inteiro a este, e do

reconhecimento de uma gama de direitos ambientais, culturais e sociais dos povos tradicionais,

quando “assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao poder público e à coletividade

o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (SANTILLI, 2005, p. 58).

Por fim, destaca-se a realização da conferência mundial sobre meio ambiente no Brasil. A

Rio-9215 propaga novas balizas para a relação entre meio ambiente e desenvolvimento com a

noção de desenvolvimento sustentável, colocando-se na perspectiva de atender às necessidades

das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas.

Nesse sentido, apresenta-se como um projeto social que teria dimensões ecológica, social,

cultural, política e econômica (LÉNA, 2002, p. 13).

Destaca-se que, apesar da criação de algumas instâncias institucionais e legislações

voltadas para a questão do meio ambiente se darem ainda na vigência dos governos ditatoriais,

essas ações voltavam-se apenas para garantir o financiamento dos organismos internacionais, não

havendo portando uma preocupação efetiva destes governos com a questão, na medida em que

estavam mais comprometidos com o financiamento das atividades econômicas que tinham

significativa atuação na devastação e poluição ambiental. No entanto, conforme coloca Leite

Lopes, “todo trabalho de construção institucional em torno do meio ambiente está permeado por

conflitos sociais (entre diferentes grupos sociais desiguais relativamente aos meios e aos efeitos

de poluição; e entre diferentes grupos militares e administrativos)” (LEITE LOPES, 2005, p. 21).

A Amazônia, nesse período, conforme já abordado, presenciou diversas modificações nas

políticas e empreendimentos instalados na região. Estas mudanças foram fruto de pressões

geopolíticas internacionais, nacionais e regionais (em disputa pelo controle do território e do

capital natural); do movimento ambientalista e das populações locais, com suas demandas por

melhorias na qualidade de vida. Momento que se caracteriza pela preocupação com a preservação

15 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

28

ambiental e da biodiversidade; e pela valorização das forças endógenas na realização do

desenvolvimento, colocado como alternativo, sustentável (BECKER, 2006, p. 27-28). Para tanto,

compôs-se uma parceria entre diversos atores da sociedade civil, governos e com a cooperação

internacional financeira e técnica. Nesse sentido é que Becker afirma que no período

compreendido entre 1985 e 1996 se configurou na Amazônia uma fronteira socioambiental, um

vetor tecno-ecológico, resultante da coalescência de múltiplos projetos (BECKER, 2006, p. 27-

28/128).

Entretanto, a partir de 1996, segue-se a uma nova fase do processo de ocupação regional:

Esta fase é marcada pela retomada do planejamento territorial da União, fortalecendo o vetor tecno-industrial (VTI) que permanecera arrefecido na fase anterior. Este vetor reúne projetos de atores interessados na mobilização de recursos naturais e de negócios, tais como empresários, bancos, segmentos dos governos estaduais e federal, e das Forças Armadas. Sua dinâmica na década de 1990, induzida pelos Programas Brasil em Ação (1996) e Avança Brasil (1999) pautados nos Eixos Nacionais de Integração, favoreceu a retomada de forças exógenas interessadas na exploração de recursos para exportação, conflitando diretamente com a fronteira socioambiental (BECKER, 2005, p. 29).

A retomada das políticas federais de crescimento, expressa nos planos governamentais

Plurianuais (PPA) desde 1996 (de 1996/1999 - Brasil em Ação; de 2000/2003 - Avança Brasil; e

2004/2007 - Brasil de Todos) até o planejamento atual “incluíram na sua estratégia a integração

da Amazônia ao espaço produtivo brasileiro e a consolidação da integração regional da America

do Sul, tendo por base a idéia dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”

(VERDUM, 2007, p. 20).

Esses eixos, divididos em: Eixos de Integração Norte-Sul; Eixo de Integração Oeste; Eixo

de Integração do Nordeste; Eixo de Integração Sudeste e Eixo de Integração Sul; e dois de

integração continental (saída para o Pacífico e saída para o Caribe) cumpririam os três principais

objetivos da estratégia governamental brasileira de integração geoeconômica, conforme destaca

Verdum:

[...] (i) a construção de um sistema integrado de logística que garanta a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional; (ii) a incorporação de novas áreas do país à dinâmica do comércio global; e (iii) a criação das condições para a consolidação da hegemonia política e econômica do Brasil na América do Sul (VERDUM, 2007, p. 21).

Segundo as críticas feitas por Becker (2006, p. 132-133), os Eixos Nacionais de

Integração e Desenvolvimento (ENID) constituíram-se, na verdade, em grandes corredores de

29

exportação, que atribuíam grande importância ao desenvolvimento do transporte nos pontos

terminais dos eixos; dotavam-se de uma perspectiva anti-regional, ao adotar o conceito de eixo

como equivalente a grandes regiões, fazendo uma nova divisão territorial do país em grandes

áreas que não corresponderiam à divisão oficial e aos agentes sociais envolvidos na gestão do

território; e adotando como principais fontes de crescimento os investimentos e as exportações,

desconsiderando a dimensão ambiental.

No momento atual, no PPA Brasil Para Todos, destaca-se o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC) com vigência para o período 2007-2010, com a retomada das políticas

voltadas para a consolidação de obras de infraestrutura e principalmente de projetos para a

ampliação do setor energético nacional. Políticas que seguem com pequenas alterações na

retórica do discurso estatal e empresarial, conforme destaca Zhouri et al. (2005, p. 11), pois:

i) O crescimento econômico deve ser estimulado para a “integração internacional” ao mercado “globalizado” por meio das exportações; ii) para que se evitem os “erros do passado”, mas em atendimento, de fato, às exigências das instituições internacionais, o planejamento deve ser feito com o envolvimento da sociedade no processo. Por essa via, espera-se alcançar o desenvolvimento sustentável.

Entretanto, a retomada das políticas desenvolvimentistas no período atual apresenta-se de

forma mais conflituosa na medida em que, apesar da retórica da participação e da preservação

ambiental, pauta-se principalmente em ações voltadas para a aceleração do crescimento

econômico, desconsiderando a questão ambiental e a justiça social, cujos aparatos institucionais

de defesa vêm sendo colocados como entraves ao desenvolvimento e enfraquecidos para

favorecer a realização das atividades econômicas. Tudo isso encorpado num modelo de

desenvolvimento que se diz sustentável como meio de conciliar dinâmicas, ou projetos, que são

inconciliáveis.

É nesse viés que Zhouri et al. (2005) postulam que a dinâmica conflitiva atual decorre das

contradições inerentes à própria noção de desenvolvimento sustentável, que, apesar de gestada na

esfera econômica, uns colocam-na como um novo projeto social composto por múltiplas

dimensões, outros tendem a enfatizar a sua dimensão econômica, criando aparatos técnico-

científicos e institucionais, além de outros mecanismos circunscritos na dinâmica do mercado,

para garantir a manutenção do modelo econômico vigente (ZHOURI et al., 2005, p. 12-13;

CARVALHO, 1991, p. 19; LEFF, 2001, p. 154-157).

30

3 A UTE PORTO DO ITAQUI: um empreendimento da política energética do PAC

A usina termelétrica do Porto do Itaqui é um empreendimento que compõe a política

energética do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Lançado em 22 de janeiro de 2007

pelo Governo Federal, o programa é concebido como o carro-chefe da política de incentivo ao

desenvolvimento econômico da gestão do presidente Lula para o período de 2007 a 2010, visando

“superar os déficits em infra-estrutura, desenvolvimento econômico, social, e desequilíbrios do

desenvolvimento regional, através da aceleração do crescimento econômico, aumento da

empregabilidade e melhoria das condições de vida da população”16.

Para o alcance de tais objetivos, o programa conta com um montante de recursos

contabilizados em R$ 503,9 bilhões – fontes divididas em R$ 67,8 bilhões do orçamento do

governo federal e R$ 436,1 bilhões provenientes de estatais federais e do setor privado – e

medidas organizadas em cinco linhas de atuação, dispostas em: (1) investimento em

infraestrutura; (2) estímulo ao crédito e ao financiamento; (3) melhoria do ambiente de

investimento; (4) desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário e (5) medias fiscais de

longo prazo. Consistindo em: incentivo ao investimento privado por meio de parcerias público-

privado e desoneração de impostos; aumento do investimento público em infra-estrutura,

remoção dos ditos “obstáculos”, de ordem burocrática, administrativa, normativa, jurídica e

legislativa, ao crescimento; além do estabelecimento de parcerias entre os setores federal,

regional, estadual, municipal, empresas privadas e estatais e agências fomentadoras.

Os investimentos em infraestrutura estão divididos em três eixos:

1. Infraestrutura energética: correspondendo a geração e transmissão de energia elétrica,

produção, exploração e transporte de petróleo, gás natural e combustíveis renováveis.

Com um orçamento de R$ 274,8 bilhões ou 54,5% do total.

2. Infraestrutura logística: envolvendo a construção e ampliação de rodovias, ferrovias,

portos, aeroportos e hidrovias. Orçamento de R$ 58,3 bilhões ou 11,6% do total

3. Infraestrutura social e urbana: englobando saneamento, habitação, metrôs, trens

urbanos, universalização do programa Luz para Todos e recursos hídricos. Orçamento

de R$ 170,8 bilhões ou 33,9% do total17.

16 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/pac. Acesso em 14/08/2009. 17 Fonte: http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r130307.pdf. Acesso em: 15/08/2009.

31

Denota-se que o conjunto de medidas do PAC, principalmente as voltadas para melhoria

do ambiente de investimento e desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário, agem

mutuamente de forma a garantir por meio de todos os mecanismos, estrutural, fiscal, tributário e

regulatório, a efetivação dos projetos delineados, principalmente do ponto de vista regulatório,

onde tem buscado medidas para agilizar e facilitar a implementação de investimentos em infra-

estrutura, tocando nesse ponto na questão ambiental, sendo considerada muitas vezes como um

entrave ao desenvolvimento18. Destaca-se também a necessidade de medidas de aperfeiçoamento

do marco regulatório e do sistema de defesa da concorrência, o que incentiva o investimento

privado. Nesse ponto destacam-se as medidas regulatórias propostas pelo governo de:

1. Desoneração de Obras de Infra-Estrutura (suspensão da cobrança de PIS/COFINS para novos projetos – Medida Provisória).

2. Desoneração dos Fundos de Investimento em Infra-Estrutura (isenção de IRPF –Medida Provisória).

3. Recriação da SUDAM e da SUDENE (incentivar investimentos nessas regiões – Lei complementar nº 124;2007 e nº 125;2007)19.

Observa-se que tanto na disponibilização de recursos (54,5% do total) quanto na

divulgação e estratégias acionadas, o setor energético é um dos mais prioritários dentro da

política do PAC, principalmente nos programas voltadas para a geração de petróleo e gás natural.

Fato que se deve tanto à conjuntura atual da discussão da auto-suficiência em petróleo e da

liderança do Brasil na área de bicombustíveis, que possibilitará melhores superávits comerciais

no mercado internacional de commodities, quanto à própria necessidade de diversificação da

matriz energética brasileira20 e ao fato do setor ser base de sustentação para o crescimento

econômico (DIEESE, 2007, p.2). Nesse sentido, destaca-se que o governo tem se voltado para

criação de instrumentos que viabilizem a construção de uma matriz de eficiência energética para

o país de forma a garantir o alicerce para o desenvolvimento da indústria nacional e

melhoramento das condições de desenvolvimento econômico.

18 Em dezembro de 2008, então, Ministro de Assuntos Estratégicos, Magabeira Unger, propôs um decreto presidencial que visava estabelecer procedimento extraordinário para o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura logística na Amazônia Legal integrantes do PAC. Proposta que gerou duvidas sobre a sua compatibilidade com a Constituição. Matérias sobre o assunto e o decreto podem ser acessadas no link: www.ecodebate.com.br/2009/02/05/governo-federal-estuda-licenciamento-politico-para-obras-na-amazonia 19Fonte:http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/noticias/pac/070122_PAC_medidas_institucionais.pdf. Acesso em 15/08/2010. 20 O sistema elétrico brasileiro é hidrotérmico com predominância da geração hidráulica.

32

O setor de infra-estrutura energética vem concentrando esforços para atingir as metas do

PAC na geração de 12.386 MW de energia elétrica, construção de 13.826 quilômetros de linhas

de transmissão, instalação de 4 novas unidades de refinos ou petroquímicas, construção de 4.526

quilômetros de gasodutos e instalação de 46 novas usinas de produção de biodiesel e de 77 usinas

de etanol, construção de 62 usinas hidrelétricas e 21 usinas termelétricas. Nesses esforços

destacam-se projetos de construção de hidrelétricas, termelétricas, refinarias e gasodutos em todo

território nacional, e principalmente na Amazônia, hidrelétricas e, no nordeste, termelétricas.

Fazem parte desta conjuntura as medidas voltadas para o incentivo do desenvolvimento regional

como a recriação da SUDAM e da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do

Nordeste) (Leis Complementares nº 124 e nº 125/2007).

Apesar das discussões atuais sobre as fontes, ou meios, utilizados na geração de energia,

suas vantagens ou consequências econômicas e ambientais – principalmente quanto à utilização

de fontes de energia “limpa”, gerada com fontes renováveis (sol, vento, água, calor da terra) ou

“energia suja”, gerada com fontes não renováveis, combustíveis fósseis (petróleo, gás natural,

carvão mineral, urânio) – estarem sendo direcionadas à adoção de meios que levem diminuição

das fontes fósseis, porque estas estão associadas a maiores impactos ou riscos ambientais tanto

locais (poluição do ar e vazamento radioativo) como globais (aumento do efeito estufa, com a

emissão de gases poluentes na atmosfera terrestre, como o Óxido de Nitrogênio e Dióxido de

Enxofre – Nox e So2).

Ricardo Verdum (2007, p. 16) concebe o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

como uma versão brasileira da efetivação do projeto de Integração das Infra-Estruturas Regionais

Sul-Americanas (IIRSA)21. Segundo o mesmo autor, no tocante a abordagem analítica destas

políticas de desenvolvimento implantadas atualmente, independentemente do caráter ideológico

que orienta seu planejamento, é importante a adoção de uma visão multi-escalar:

Isso porque “projetos de desenvolvimento” como os aqui considerados só podem ser adequadamente entendidos quando consideradas as determinações e interações entre os diferentes níveis de poder político e econômico – internacional, nacional, regional e local. Ainda que independente da matriz ideológica que os esteja orientando no processo de planejamento, o que se observa e constata é que eles têm sido, inequivocamente, formas de produção vinculadas a um sistema econômico caracterizado pela produção e reprodução ampliada do capital. Um paradigma (hegemônico) de integração de todos os povos e culturas dentro de um sistema capitalista de abrangência mundial (VERDUM, 2007, p.16).

21 O IIRSA é uma estratégia criada pelos países da America do Sul para propiciar a integração das infraestruturas nacionais pensada com base na idéia de eixos de integração e desenvolvimento e na construção de um espaço sul-americano integrado (VERDUM, 2007, p. 16-17).

33

É nesse contexto que Verdum destaca que,

Ao que parece estamos vivenciando a reprodução de idéias e práticas (recauchutadas) do velho modelo de desenvolvimento, no qual as grandes obras de infra-estrutura são os principais vetores de promoção e indução de expansão da fronteira (frontier) política e econômica do capitalismo (privado e estatal), para regiões até então relativamente isoladas (“marginais”), e da redefinição de formas de ocupação e exploração de territórios que no passado foram objeto de projetos de desenvolvimento ou modernização dos processos produtivos (2007, p. 16).

Tomando como parâmetro as experiências adquiridas com as consequências da

implantação de projetos de desenvolvimento de anos anteriores, o autor faz algumas

considerações:

considerando a convergência de interesses e visão de desenvolvimento de parcelas importantes do governo e do setor privado, poucas serão as notícias e boatos sobre favorecimentos governamentais às grandes empreiteiras e subsidiárias fornecedoras de serviços, insumos [...] e maquinaria para as obras. Depois virão os deslocamentos e a mobilização de mão-de-obra barata, submetida a péssimas condições de trabalho e de vida; a sujeição dos trabalhadores/as a regras de conduta que beiram a disciplina militarista; a desestruturação de famílias e comunidades locais, impactadas pelas obras; a desqualificação e a cooptação de lideranças comunitárias e regionais em troca de algumas compensações e benefícios; e a formação de bolsões de miséria e focos de prostituição [...] (VERDUM, 2007, p. 16-17)

34

3.1 A influência da política energética do PAC no Maranhão

Dentro dos esforços dessa política energética, o Maranhão também recebe alguns projetos

de geração e transmissão de energia que, conforme os dados fornecidos pelo relatório de balanço

do PAC, abarcam o estado ou estão localizados na fronteira, como os projetos de construção de 7

hidrelétricas, 3 termelétricas e 1 refinaria. Conforme pode ser observado na figura 1.

FIGURA 1: Investimentos em Infraestrutura energética do PAC no Maranhão.

Fonte: PAC Relatório Maranhão, 7º Balanço, janeiro a abril de 2009, p.9. Disponível em: www.brasil.gov.br/pac. Acesso em: 14/08/2009.22

22 A UTE Porto do Itaqui anteriormente era designada pelo nome UTE Termomaranhão.

35

Alguns desses projetos, como a hidrelétrica de Estreito, a refinaria na cidade de Bacabeira

e a termelétrica do Porto do Itaqui, na Capital do Estado, já iniciaram as preparações para a sua

implantação vislumbrando sérias consequências sociais, ambientais, econômicas e culturais ao

influenciarem principalmente na manutenção do modo de vida (relações com o meio, relações

sociais, culturais e econômicas que se estabelecem na esfera do micro dentro da organização

comunitária) de populações que são ou serão deslocadas de seu local de moradia para a

construção desses empreendimentos23.

3.2 A Termelétrica do Porto do Itaqui: caracterização

A UTE Porto do Itaqui será uma usina de geração de energia térmica com capacidade de

aproximadamente 360 MW megawatts, com valor estimado em R$ 1,5 bilhão, e vida útil de

aproximadamente 25 a 30 anos. O combustível utilizado, segundo o empreendedor, será o carvão

mineral com baixo teor de enxofre e alto poder calorífico que será importado da Colômbia e

transportado em navios até o Porto do Itaqui e levado à UTE por meio de correias

transportadoras. Segundos dados do empreendedor, o meio utilizado para a geração de energia se

dará através da tecnologia da queima limpa de carvão (clean coal technology) – tecnologia que

apenas ajuda reduzir o volume de emissões de gases –, onde ocorrerá a queima de carvão

pulverizado em caldeira, que produz vapor de alta pressão, e enviado a um turbina que acoplada a

um gerador produzirá energia elétrica, com previsão de operação de 4 a 6 meses por ano, de

acordo com a demanda do sistema elétrico nacional, com cuja interligação se dará através do

ramal da Eletronorte em São Luís (EIA/RIMA, 2008, p.20, II-3).

Figura 2: Projeção da UTE Porto do Itaqui

Fonte: http://www.mpx.com.br

23 Apesar de ainda não ter sido instalada, a refinaria da Petrobrás já causa impactos nas comunidades, exemplo da comunidade Salva Terra, do município de Rosário, que sofre ameaças de deslocamento compulsório.

36

O projeto, que tem planejamento para entrar em operação no ano de 2011, teve o direito

de implantação adquirido em 2007 pela empresa Diferencial Energia Empreendimentos e

Participações Ltda, Energia num leilão da Agência Nacional de Energia Eletrica (ANEEL). Essa

empresa foi comprada pela empresa paulista MPX Energia S.A, pertencente a EBX, do

empresário multimilionário Eike Batista, especializada no ramo de geração de energia, com

empreedimentos no país e na américa do sul, e, dentro do PAC, é responsável além da UTE Porto

do Itaqui, pela UTE Pecém I e II (a serem construídas no Ceará), entre outras.

Além do apoio do governo federal e de agências de fomento – incentivos e isenções

fiscais governamentais e financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Nordeste do

Brasil S. A. (BNB) – o empreendimento também foi incentivado pelo governo estadual e

municipal, contando com todo empenho destes para a sua instalação.

Assim, em julho de 2007, foi assinado um protocolo de intenções para implantação da

UTE entre o governo do estado e a empresa responsável. O local escolhido para a implantação do

empreendimento foi uma área localizada no Distrito Industrial do Municipio de São Luís, com

um terreno de 50.000 m2, às margens da rodovia BR-135, na área onde se situava a comunidade

Vila Madureira. O local foi escolhido devido às facilidades encontradas na proximidade com o

Porto do Itaqui, o que facilitaria o transporte do carvão a ser importado; a possibilidade de

utilização das águas do mar e da interligação com o Sistema Integrado Nacional por meio da

Linha de Transmissão da Eletronorte.

Figura 3: Mapa de localização da UTE

Fonte: Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Empreendimento da Usina

Termelétrica Porto de Itaqui (UTE Porto do Itaqui), 2008.

37

O processo de licenciamento ambiental do empreendimento – apesar de iniciado em

março de 2007 a cargo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Maranhão (SEMMA),

somente teve sua licença de instalação expedida em março de 2009 pelo IBAMA – sofreu

inúmeras contestações por parte da sociedade civil, dos ministérios públicos estadual e federal, de

movimentos sociais, de estudiosos e pesquisadores, de ambientalistas e das comunidades

atingidas, devido às irregularidades encontradas e à rejeição de parte da população ao projeto.

3.3 O licenciamento ambiental do empreendimento: primeiros impasses

O processo de licenciamento ambiental da UTE Porto do Itaqui foi iniciado no ano de

2007, por meio de solicitação da licença prévia junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente do

Maranhão (SEMMA), pela empresa responsável por sua instalação.

No licenciamento prévio, a SEMMA permitiu que a apresentação do Estudo de Impacto

Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) fosse realizada somente na fase de

solicitação da licença de instalação, aceitando apenas a apresentação de um Relatório Ambiental

Simplificado alegando o fato de ser um empreendimento de “pequeno porte”, o que

proporcionaria um baixo impacto ambiental.

Esse procedimento do Órgão Licenciador Estadual desencadeou vários questionamentos e

ações por parte de organizações da sociedade civil e do poder judiciário. Dentre essas ações

destaca-se que o Ministério Público Estadual ajuizou duas ações civis públicas contra os

empreendedores para suspensão da Licença Prévia, alegando irregularidades no licenciamento. O

Ministério Público Federal, junto com o IBAMA, ajuizou uma ação civil pública para fazer a

prevalência do IBAMA na expedição do licenciamento, alegando que a SEMMA não teria

competência para licenciar um empreendimento com influência de caráter nacional, tanto ao

afetar o mar territorial quanto a sua capacidade de geração e transmissão de energia, o que seria

de competência de órgão federal, de acordo com o art. 10, caput, parte final, da lei da Política

Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e da Resolução do CONAMA nº 237 (ver

Procedimento Administrativo MPF/PR/MA nº 1.19.000.000331/2008-88 - RECOMENDAÇÃO

PR/MA/ASS n° 006/2008, p. 4).

38

Ação civil com pedido de liminar apresentada pelo Ministério Público Federal, com

documento composto por 34 páginas, além se exigir a anulação do licenciamento prévio expedido

pela SEMMA e o deslocamento deste para o IBAMA, solicitava a suspensão das audiências

públicas24. Os documentos de EIA/RIMA só foram apresentados no dia 03 de março de 2008,

após a suspensão do licenciamento e do prazo dado pelo judiciário. A realização da Audiência

Pública de apresentação do projeto da termelétrica somente ocorreu no dia 18 de abril de 2009,

provocada por ação dos Ministérios Públicos Estadual e Federal quanto à necessidade de

publicidade dos documentos do estudo e relatório de impacto ambiental em audiências públicas

com a participação da população e o acesso desta aos documentos, conforme exigência da

legislação25. Considerando, ainda, que o procurador da República e o promotor do Meio

Ambiente de São Luís ainda solicitaram o adiamento da audiência devido ao tempo insuficiente

para a população estudar o projeto e à falta de acessibilidade aos documentos necessários26.

Destaca-se também, que na realização das audiências públicas ocorreram confrontos.

Tendo de um lado, os Ministérios Públicos Estadual e Federal, representantes das comunidades

atingidas, estudiosos e pesquisadores universitários e os movimentos sociais e, de outro, a

empresa responsável pelo empreendimento e alguns agentes governamentais.

Os dados apresentados pelo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente também foram

contestados por técnicos e estudiosos da questão principalmente nos pontos correspondentes:

• A emissão de gases poluentes como o Óxido de Nitrogênio e Dióxido de Enxofre –

Nox e So2 – gases responsáveis pelo efeito estufa e rompimento da camada de ozônio,

decorrentes da combustão do carvão mineral, e os estudos dos ventos que dispersarão estes

poluentes. Segundo esses, não existe comprovação de que os filtros previstos para serem

utilizados serão totalmente eficazes no controle da emissão de gases e que os estudos dos ventos

não levaram em conta a variação sazonal da região, ao utilizar como parâmetro somente dois

meses do ano.

24 Procedimento Administrativo MPF/PR/MA nº 1.19.000.000331/2008-88 - RECOMENDAÇÃO PR/MA/ASS n.° 006/2008. Ver documento na integra: http://www.prma.mpf.gov.br/uploads/File/ACP%20TERMOELETRICA.pdf 25 O espaço da realização de audiências públicas é limitado, na medida em que essas possuem apenas um caráter consultivo e devem ser provocadas pela população e pelo Ministério Público. Outro obstáculo é encontrado na própria linguagem apresentada nos relatórios de impacto ambiental, com a utilização de termos técnico-científicos, o que dificulta a compreensão da população. Acredito que no licenciamento de empreendimentos desse caráter devem ser elaborados dois relatórios, um para o órgão licenciador e outro, numa versão simplificada para a população. 26 Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2008/04/18/mpf-e-mpma-recomendam-adiamento-da-audiencia-publica-sobre-termeletrica-da-direrencial-enerrgia-e-da-mpx-mineracao.

39

• A utilização e o tratamento da água utilizada no processo:

o EIA menciona a necessidade de construção de uma adutora de água bruta e emissário de efluentes, entre o Porto do Itaqui e a UTE. Todos os recursos hídricos virão do mar, na fase de operação, fonte de captação que alcançará o volume de 1.514 m³/h4. O volume de água a ser captado alcança elevadas dimensões. Em termos comparativos, observe-se que a produção de água atual do sistema Italuís, que abastece precariamente a ilha de São Luís e outros municípios, é de 6.480 m³/h (EIA, VII.42), o que significa dizer que o consumo de água do mar pelo empreendimento será equivalente a mais de um quinto do volume hídrico do abastecimento da cidade (cerca de 23%). Foi considerada no estudo a inviabilidade do emprego de recursos hídricos superficiais e subterrâneos no atendimento às necessidades industriais da UTE, bem como do sistema Italuís, em razão do consumo na capital de aproximadamente 10 milhões de metros cúbicos de água tratada por mês, sendo metade oriunda do rio Itapecuru, suprida precariamente pelo mencionado sistema de abastecimento, e o restante obtido de poços freáticos/artesianos e da barragem do Batatã (p.5-6). (...) Além disso, avulta destacar a quantidade de efluentes a ser lançada como descarte industrial na Baía de São Marcos, constituídos pelos seguintes elementos, a saber: 1. água oleosa: procedente dos locais de armazenamento de lubrificantes, a qual será tratada em separadores de água e óleo e sistema de neutralização; 2. purga de caldeira: contendo sais de lamas resultantes do tratamento de água; 3. purga da torre de resfriamento: contendo sais, cloretos, e lamas resultantes do tratamento, com a maior capacidade de contribuição de efluentes, na ordem de 351 m³/h; e 4. efluentes da dessalinização: compostos basicamente por água salgada enviada para tratamento de efluentes da usina (p.6). (...) observa-se ainda o risco de contaminação das águas costeiras pela descarga de efluentes, os quais, mesmo com tratamento, podem oferecer perigo, notadamente a partir da poluição térmica causada pelo seu lançamento nas águas em temperatura superior às marinhas (...)27 (MPF, 2008, p.5-8).

Além destes pontos, destaca-se o próprio impacto social decorrente da efetivação do

empreendimento, como o deslocamento de famílias e os efeitos à saúde e à qualidade de vida das

populações vizinhas.

Após o licenciamento prévio, a empresa fez a solicitação da Licença de Instalação (LI),

em dezembro de 2008, com a formulação do Termo de Compromisso de Compensação

Ambiental e apresentação do Projeto Básico Ambiental, com a descrição de todos os programas

ambientais e medidas mitigadoras consignados no EIA/RIMA, dentre outros condicionantes.

Dentre os condicionantes não atendidos destaca-se no parecer técnico 15-2009 do

IBAMA28 (2009, p. 12-13) – trata do PBA (Projeto Básico Ambiental) e análise das

27 Fonte: Procedimento Administrativo MPF/PR/MA nº 1.19.000.000331/2008-88 - RECOMENDAÇÃO PR/MA/ASS n.° 006/2008, p.5-8 28 Parecer Técnico nº 015/2009 – COEND/CGENE/DILIC/IBAMA

40

condicionantes da Licenca Prévia –, no que se refere à Avaliação de Impacto da Fase de

Implantação para o Meio Socioeconômico, a “ausência da análise de impacto das alterações de

uso e ocupação do solo nas “propriedades circunvizinhas”, pois o fez somente do local onde será

construída a UTE. Nesse quesito, o IBAMA solicitou a revisão do estudo de uso e ocupação do

solo explicitando todas as propriedades ao longo das faixas das Correias Transportadoras de

Carvão, da Adultora de Água do Mar e do Emissário de Poluentes. Outro ponto destacado foi o

“impacto do Transtorno a População Devido às Obras”, no qual o IBAMA pediu o detalhamento

do Programa de Conscientização para o Tráfego, com o detalhamento das propriedades e seus

proprietários ao longo da faixa descrita acima, apresentando manifestações formais dos mesmos

sobre as negociações com a UTE – declaração de acordo e aceitação.

No ponto que trata da “Identificação e Avaliação de Impacto Ambiental na fase de

operação do empreendimento para o meio socioeconômico” (IBAMA, 2009, p.12-12), o IBAMA

propôs, como encaminhamento sobre “o impacto de Risco da Ocorrência de Doenças

Respiratórias”, firmar convênios com as Secretarias dos municípios de São Luís, Raposa, São

José de Ribamar e Paço do Lumiar, para acompanhar os Programas de Medidas de Controle de

Emissão de Efluentes Atmosféricos, o Programa de Monitoramento das Condições de Saúde, o

Programa de Monitoramento da Qualidade do Ar e o Programa de Monitoramento das Emissões

da Chaminé da UTE, cruzando dados com os relatórios de saúde dos municípios, incorporando

medidas dessas análises aos Programas de Saúde Familiar – PSF dos municípios bem como às

ações dos Agentes Comunitários de Saúde, a serem feitas análises trimestrais e relatórios

semestrais encaminhados ao IBAMA, o que também não foi atendido, ficando, posteriormente, a

ser apresentado antes da emissão da Licença de Operação.

Esses pontos destacados, dentre outros, ficaram como condicionantes para a licença de

instalação, após o parecer: “Considerando a análise dos programas ambientais e do atendimento

às condicionantes da Licença Prévia 293/2008, não vemos impeditivos técnicos para a Licença de

Instalação desse empreendimento” (IBAMA, 2009, p. 35). Com destaque para a ação de:

Realizar, a cada ano de ocorrência da LI, seminários de avaliação e devolução das ações do PBA, trabalhando as interfaces entre o conjunto dos Programas com a participação efetiva de lideranças e acompanhamento técnico do IBAMA, junto aos três bairros da AID e para os reassentados da Vila Madureira (IBAMA, 2009, p. 39).

41

A Licença de Instalação foi expedida oficialmente em março de 2009, mas a licença de

instalação “parcial” foi emitida em 30 de janeiro de 2009, período em que foram iniciadas a

terraplanagem e a instalação do canteiro de obras do empreendimento29. Os impactos sociais

desencadeados pelo início da instalação da termelétrica serão abordados mais detalhadamente no

capítulo seguinte.

Em abril de 2010, uma liminar do juiz Federal Nelson Loureiro dos Santos, decorrente de

uma Ação Popular movida pelo advogado Pedro Leonel Pinto, tornando a enfatizar indícios de

irregularidades na concessão da licença ambiental, dessa vez por parte do IBAMA, e alegando

que o zoneamento municipal não permitia a instalação desse tipo de usina, suspendeu o

licenciamento da Termelétrica. Agora as três ações civis anteriores, uma pelo Ministério Público

Federal e duas pelo Ministério Público Estadual, serão unificadas para instrução e julgamento na

Justiça Federal30. Entretanto, em maio, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou a

liminar que determinava a suspensão das obras, e o projeto segue com 50% dos trabalhos de

implantação concluídos com previsão para entrar em operação em setembro de 2010.

Foto 1: Construção da Terméletrica Porto do Itaqui.

Fonte: Paula Pereira, em 01/05/2010, após determinação de suspensão das obras.

29 Fonte: www.mxp.com.br. / www.mpxitaqui.com.br. Acesso em 18.12.2009 30 “Justiça suspende obra de termelétrica da MPX no MA”. Wilson Lima. Portal Exame da Editora Abril, disponível no endereço: http://portalexame.abril.com.br/economia/noticias/justica-suspende-obra-termeletrica-mpx-ma-551521.html. Acesso em 27/04/2010.

42

4 A RELAÇÃO EMPRESA E COMUNIDADES: conflitos socioambientais em evidência Neste capítulo abordamos, a partir de dados colhidos em pesquisa de campo e do estudo

de documentos relacionados à UTE Porto do Itaqui, além da literatura consultada, os impactos

iniciais do processo, tomando como parâmetro as relações estabelecidas entre a empresa

responsável pelo empreendimento e comunidades que foram atingidas, Vila Madureira –

deslocada para o município de Paço do Lumiar – e Camboa dos Frades – comunidade vizinha ao

empreendimento.

No entanto, antes de nos voltarmos para o relato da pesquisa, num primeiro momento

situamos a perspectiva teórica utilizada na análise e abordagem desse estudo, ou seja, a

visualização de que a implantação de projetos de desenvolvimento acabam desencadeando a

existência de um conflito socioambiental que é decorrente da disparidade dos projetos em

confronto.

4.1 Conflitos socioambientais31: uma perspectiva de abordagem

Leite Lopes (2006, p. 34-36) utilizou o neologismo “ambientalização” para contextualizar

o processo histórico em que o meio ambiente, dentro dos conflitos sociais, passa a figurar como

uma nova questão social, uma nova questão pública. Assim a questão ambiental torna-se fonte de

reivindicação ou contestação pelos diferentes sujeitos e grupos sociais, configurando-se como

balizadora de comportamentos e legitimadora de discursos32.

Entretanto, apesar dessa interiorização generalizada das preocupações ambientais, a

própria emergência de uma crise ambiental, propagada principalmente pela ideia de escassez dos

recursos naturais, é fruto, também, de sua utilização (ou desgaste) maciça no atual modelo de

produção e consumo de mercadorias ou do impacto das atividades produtivas sobre os mesmos.

Essa falta de recursos naturais, decorrente de seu uso crescente, faz com que surjam cada vez

mais disputas em torno de seu acesso e controle, ou decorrente das externalidades do sistema

produtivo, gerando os chamados conflitos ambientais.

31 Os conflitos sociais que envolvem a significação, a apropriação, o uso de sistemas ecológicos têm sido estudados e analisados por diversos autores como Alier (2007), Leite Lopes (2006) e Acselrad (2004), embora cada um utilize nomeclatura distinta, tratam da mesma questão acadêmico-social. 32 Ao exemplo do adjetivo sustentável utilizado atualmente para qualificar as ações de indivíduos ou empresas relacionadas com a questão.

43

Acselrad concebe que esses conflitos são decorrentes da própria existência de diferentes

projetos de uso e significação dos recursos naturais:

[...] na perspectiva das ciências sociais críticas, não é possível separar a sociedade e seu meio ambiente, pois trata-se de pensar um mundo material socializado e dotado de significados. Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada por capitais biotecnológicos etc. Por outro lado, todos os objetos do ambiente, todas as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e todos os usos e sentidos atribuídos ao meio, interagem e conectam-se material e socialmente através das águas, do solo ou da atmosfera (ACSELRAD, 2004, p. 7-8).

Segundo Acselrad, o que permite que diferentes práticas sociais, ou modos de

apropriação do mundo material33, continuem operando dentro de um mesmo espaço social é a

existência de uma espécie de “acordo simbiótico” entre elas, de modo a garantir a manutenção de

suas vivências. Diante disso, para o autor:

Os conflitos ambientais são [...] aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis [...] decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas [...]. Este conflito tem por arena unidades territoriais compartilhadas por um conjunto de atividades cujo “acordo simbiótico” é rompido em função da denúncia dos efeitos indesejáveis da atividade de um dos agentes sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros agentes (ACSELRAD, 2004, p. 26).

Nessa perspectiva, os conflitos ambientais podem ser divididos em duas naturezas:

aqueles que comprometem a durabilidade ou manutenção das práticas sociais de um dos grupos

envolvidos, caso da expansão das monoculturas que vão aos poucos inviabilizando a pequena

agricultura familiar; ou aqueles decorrentes da interatividade, quando obras impactantes tendem

a causar externalidades34 ao meio ambiente que acabam prejudicando outros grupos, nos dois

casos a instalação de projetos do setor elétrico pode interferir significativamente (ACSELRAD,

2004, p. 26).

Segundo Martinez Alier (2007, p. 14):

33 São formas técnicas, sociais e culturais de apropriação do mundo material que garantem a reprodução das sociedades e conformam um determinado modelo de desenvolvimento (ACSELRAD, 2004, p. 14-17). 34 Externalidade e internalidade são conceitos elaborados no âmbito da economia, referentes à consideração dos impactos ambientais das atividades econômicas no cálculo geral da produção, ou seja, os custos ambientais (dos impactos ambientais) são externalizados quando suas consequências são transferidas a sociedade na forma de danos a saúde, à propriedade e aos ecossistemas, e são internalizados quando pagos pela empresa causadora (CMMAD, 1988. p. 246 apud SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES, 2007, p.35-36).

44

nos conflitos socioecológicos diversos atores esgrimem diferentes discursos de valoração. Há os que insistem no predomínio do crescimento econômico, na necessidade de avaliar a pobreza não mediante a redistribuição, mas com o crescimento a todo custo. Existem aqueles que, mais moderados, demandam uma valoração crematística das externalidades negativas, aludindo às análises de custo-beneficio. Ademais, temos aqueles que, sendo pobres e dispondo de pouco poder político, apelam contrariamente às outras linguagens, ao discurso dos direitos humanos, ao valor da natureza para a sobrevivência humana, aos direitos territoriais indígenas e à sacralidade de alguns espaços de vida. Comprovamos mediante estudo dos conflitos que todos esses discursos são linguagens socialmente válidas.

Posto que os conflitos são observáveis quando da apropriação de recursos naturais,

territoriais ou simbólicos por parte de empreendedores, recursos que anteriormente eram

controlados e significados por grupos locais, e trazem consigo discursos distintos que se

apresentam tanto favoráveis ao crescimento puro e simples da economia, como os que

privilegiam a manutenção dos modos de vida próprios dos grupos locais com suas organizações

políticas, sociais, econômicas próprias.

No caso em estudo, as tensões discursivas entre empreendedor, grupos locais, poder

público, movimentos sociais, grupos técnicos e o setor acadêmico foram visualizados durante

todo o processo de licenciamento, de construção do empreendimento e de deslocamento das

famílias que utilizavam e significavam o território em um processo de controle de fato dos

recursos e serviços daquele sistema ecológico.

4.2 Os novos donos chegaram: deslocamento da comunidade de Vila Madureira

Para iniciar a instalação da termelétrica, o empreendedor precisava apossar-se do território

historicamente pensado e utilizado pelos moradores da comunidade Vila Madureira, povoado que

se localizava às margens da BR-135 na área Itaqui-Bacanga – área diretamente destinada à

instalação do empreendimento. Para tanto, a empresa serviu-se do apoio político e econômico de

setores da sociedade como os governos municipal, estadual e federal, que disponibilizaram, a

partir de atos administrativos e legais, as condições para instalação da UTE. Bem como, os

decretos de utilidade pública que justificaram o deslocamento das famílias, demonstrando

evidentes disputas no campo do controle territorial; nesse processo contou, também, com

assessorias especializadas para “caracterizar” os moradores daquela comunidade como ‘invasores

e necessitados’, o que justificaria as ações do deslocamento como projeto de responsabilidade

45

social para com as famílias, isso serviu como meio de convencimento tanto da comunidade, como

da sociedade ludovicesnse sobre as benesses do empreendimento.

Sabe-se que na área Itaqui-Bacanga, as famílias vivem em constante incerteza sobre sua

permanência no local de moradia devido à vizinhança com vários empreendimentos industriais e

a instalação de novos empreendimentos. A área tem todo um histórico de deslocamentos de

famílias desde a implantação da VALE35 e da ALUMAR a partir da década de 1970.

De acordo com Gistelinck:

[O] processo de ocupação habitacional da Ilha de São Luís [...] tem sua história marcada por fatores importantes. No fim da década de 60, para fins de urbanização da cidade, mais de 1.800 famílias pobres foram transferidas do centro para uma área, próxima ao Porto do Itaqui, o atual bairro do Anjo da Guarda, com muitas promessas, mas em condições precárias, sem casa, sem transporte e longe do trabalho. Quase vinte anos depois, o atual governo ainda está enfrentando o problema da legalização desses terrenos, enquanto a área de ocupação cresceu para mais de 16.000 famílias. Em 1974, o governo estadual entregou, na mesma área, mais de 3.000 ha à CRVD, inclusive a praia do Boqueirão, a praia dos pescadores e do povo do Anjo da Guarda, sem resolver, no entanto, os problemas habitacionais para os moradores da área. Cinco anos depois, mais de 10.000 ha, entre Maracanã e Estiva foram entregues à ALUMAR. Em torno de 4.000 famílias perderam, de um dia para o outro, o seu sustento da roça e da pesca. Nos dois casos, as famílias foram indenizadas pelas benfeitorias, muitas vezes de maneira arbitrária, mas não foram criadas novas condições de trabalho, adaptadas à capacidade da população (GISTELINCK, 1988, p. 31-32).

As inseguranças na área aumentaram quando, no ano de 2001, o Governo do Estado do

Maranhão firmou um protocolo de intenções com a VALE para a construção de um Pólo

Siderúrgico em São Luís36. O projeto original do pólo previa a construção de três usinas de

fabricação de placas de aço e duas guzeiras, com 2.471,71 hectares, localizados entre o Porto do

Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros. Para tentar efetivar o projeto, em 2004, o governo do

Estado declarou a área como de utilidade pública (Decretos nº 20.727-DO, de 30-08-2004, e nº

20.781-DO, de 29-09-2004), medida que implicaria no deslocamento de moradores de doze

povoados: Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São 35 O Relatório dos trabalhos realizados pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos no ano de 1981 descreve os métodos de coerção utilizados pela Amazônia Mineração S.A para expropriar famílias para a construção da ferrovia Carajás em São Luís, sem pagar indenização justa. Os métodos constaram desde a proibição dos moradores de fazerem melhorias em suas casas, de fazer novas plantações até a utilização de cercas em terrenos de moradores não indenizados e da vigilância feita por seguranças da empresa (SMDDH, 1981, p.9). 36 O GEDMMA elaborou o projeto de pesquisa “Modernidade, Desenvolvimento e Consequências Sócio-Ambientais: a implantação do pólo siderúrgico na Ilha de São Luís-MA” para tentar compreender as dinâmicas que envolviam o processo de instalação do Pólo. No percurso da pesquisa foram sendo encontrados outros elementos referentes à mobilização de comunidades da zona rural e aspectos relacionados a seu modo de vida com a identificação da demande de criação de uma Reserva Extrativista (RESEX) na área e portanto a reivindicação de reconhecimento enquanto populações tradicionais.

46

Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira

(SANT`ANA JÚNIOR; ALVES; MENDONÇA, 2007, p. 32).

Entretanto um dos impeditivos encontrados para a instalação do empreendimento foi que

a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de São Luís, do ano

de 1992, identificava a área como pertencente à Zona Rural II do município e a legislação

brasileira estabelece que empreendimentos industriais devem ser implantados somente em Zona

Industrial. A Prefeitura, então, propôs à Câmara Municipal um projeto de alteração da Lei para

converter a área em Zona Industrial. Após a realização de audiências públicas, mobilizações e a

votação na Câmara Municipal, somente 1.068 hectares foram convertidos para Zona Industrial,

pois foi comprovado que o restante da área é zona de recarga de aquíferos e de nascentes

(SANT`ANA JÚNIOR, ALVES, MENDONÇA, 2007, p. 33).

Entretanto, o caso do deslocamento da Comunidade Madureira apresenta características

peculiares. O contato com a comunidade foi estabelecido por meio da atuação de empresas

contratadas pela MPX, e de funcionários da própria empresa, responsáveis por fazer o

diagnóstico das condições sociais e econômicas da área; o cadastro das famílias a serem

deslocadas e a proposição de medidas mitigadoras, além de outros serviços. No estabelecimento

dessas relações, a empresa destaca a realização de um relacionamento transparente com a

comunidade, “transparência de informações”, por meio de um programa de comunicação social e

Relacionamento com as partes, divulgando-o na perspectiva de criar formas de relacionamento e

comunicação entre as partes, assegurando a participação e a escolha dos grupos envolvidos.

Relacionamento estabelecido principalmente através da parceria com a União de Moradores de

Vila Madureira (PBA MPX, 2008, p.2.12-1)37.

Neste contexto, destaca-se o empenho significativo do empreendedor na busca do

estabelecimento de relações com os mais variados órgãos e atores sociais e políticos em nível

federal, estadual e municipal com o intuito de fazer parcerias na colaboração de seus trabalhos, a

chamada ‘rede de relacionamentos’ com as partes interessadas na implantação da UTE. A sua

intenção era incorporar também os grupos contrários ou apreensivos ao empreendimento,

37 PBA (Projeto Básico Ambiental) MPX, 2008, Vol. III, item 2.12-1

47

principalmente os grupos técnicos38 (ONGS, Movimento Reage São Luís, instituições de ensino e

entidades de classe)39.

isto implica que no tocante à implantação da UTE estes grupos considerados técnicos deverão ser acompanhados de perto e buscadas relações de proximidade com seus representantes. As formas de relação serão melhores detalhadas no tópico 6 dedicado ao Plano de Relacionamento. Entretanto, pode-se adiantar que uma possibilidade é a inclusão de alguns técnicos locais nas equipes de trabalho de implantação do empreendimento (PBA, 2008).

Assim, a empresa utilizou todo aparato de sua tecnologia social para constituir essa rede

de relações favoráveis ao empreendimento e para convencer a comunidade Vila Madureira a se

deslocar, além de propor parcerias com grupos técnicos e acadêmico-científicos que elaboraram

conhecimentos que confrontavam as informações e procedimentos utilizados pelo corpo técnico

da empresa.

Para a viabilização do deslocamento a empresa utilizou-se de trabalho sistemático de

aproximação com os moradores, principalmente com a diretoria da União de Moradores da Vila

Madureira, de permanência na comunidade, da realização de reuniões e visitas domiciliares num

esforço significativo de convencimento. Nesses espaços, os profissionais apresentavam as

promessas e os procedimentos (tabela 1) inclusos no Programa de Reassentamento (ver cópia da

ata de reunião, anexo), que teve a Secretaria Estadual de Indústria e Comércio como parceira, e o

acompanhamento da Defensoria Pública.

38 O GEDMMA, grupo de pesquisa da UFMA, chegou a receber visitas de funcionários da empresa interessados no estabelecimento de parcerias. Naquela ocasião o técnico representante do empreendedor sugeriu que se o grupo firmasse parcerias teria acesso a financiamento de suas pesquisas. 39Fonte: PBA, V.III, anexo 2.12-4 p. 732, estudo de Análise das partes interessadas, Relatório da YKS Serviços Ltda, em 15 de fevereiro de 2008, p. 12 ).

48

Tabela 1. Síntese dos acordos firmados entre empresa e comunidade

Benefícios Individuais Benefícios Coletivos

Reembolso da produção agrícola, segundo avaliação patrimonial rural

Construção de uma escola com 5 salas de aulas, biblioteca, cantina, sala de professores e administração

Casa de 57 m² em terreno de 250 m² Construção campo de futebol Bens móveis (televisão, geladeira, fogão, botijão de gás, liquidificador e computador)

Construção de uma praça com espaço com brinquedos para as crianças

Área de 6 ha para a produção agrícola comunitária para aqueles que não possuem área agrícola na Vila Madureira

Construção de duas igrejas protestantes e uma católica

Projeto de Desenvolvimento Agrícola com acompanhamento pelo período de 3 (três) anos, contemplando preparo do solo, fornecimento de insumos agrícola para projetos coletivos, assistência técnica e capacitação em produção

Melhoria do aparelhamento de saúde

Escritura pública para os imóveis na área urbana e rural.

Capacitação de mão obra em convenio com o SENAI

Fonte: Programa de Reassentamento da Comunidade Vila Madureira. Relatório de Conclusão da Primeira Etapa de Reassentamento. Maio/2009. YKS, Itaqui Energia, MPX,p.11.

Diante da estrutura fundiária conflitante presente na Ilha do Maranhão, as buscas por

áreas disponíveis para o reassentamento dos moradores de Vila Madureira incorreram em

momentos de tensão, como a tentativa que a empresa utilizou para reassentá-los numa área de

assentamento localizada no Quebra Pote – que abrangia parte do assentamento do Iterma,

Anajatíua ou Cassaco – com o intuito de criar um empreendimento denominado Loteamento

Quebra Pote. A ideia era que essas famílias fossem co-habitar com os moradores daquele

assentamento, entretanto, os moradores, que também sofreram ameaça de despejo, reivindicaram

e fizeram mobilizações para garantir a sua permanência no local40. Isso fez com que o

empreendedor percebesse as reais dificuldades de áreas disponíveis para reassentamento no

município de São Luís, desse modo os moradores de Madureira tiveram opções de escolha muito

40 As famílias do assentamento Cassaco (cerca de aproximadamente 33 que moravam no local há mais de vinte anos, desenvolvendo trabalhos agrícolas, com benefícios de programas governamentais e cadastros no INCRA e ITERMA) sofreram ameaças de despejo por parte de Francisco Ferreira Costa, o “Ceará”, que se reivindicava proprietário das terras do Povoado Formigueiro II e de toda a comunidade do Quebra Pote, e que vendera parte da área do assentamento para a MPX. Para reverter a situação os moradores se mobilizaram e com a Defensória Pública entraram com ação junto ao poder judiciário, solicitando a suspensão da remoção das famílias. Os moradores ainda fizeram uma manifestação para retirar as máquinas e os empregados da empresa da área, mesmo com a tentativa da polícia militar de manter os funcionários da empresa no local. Ver: www.jornalpequeno.com.br/2009/5/29/Pagina109978.htm;http://www.cut.org.br/content/view/14710/170/; http://www.ecodebate.com.br/2008/04/23/mpx-mineracao-e-energia-projeto-de-eike-gera-conflitos/.

49

restritas; já que, diante da situação, a empresa limitou-se às de áreas rurais e urbanas no

município de Paço do Lumiar como opção viável para a construção das casas e do pólo agrícola.

Os critérios apresentados pela empresa referentes à compra do terreno para

reassentamento são destacados na tabela 2.

Tabela 2: critérios de Avaliação da compra da área de reassentamento

ITENS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Área total Quanto maior melhor

Valor por hectare Quanto menor melhor Proprietários Quanto menor o número melhor

Percentual de mata 20% Distância da cidade Menor que 10 km

Terreno plano Condição prioritária Água Condição prioritária

Segurança Condição prioritária Posto de Saúde Condição prioritária

escola Condição prioritária Fonte: Programa de Reassentamento da Comunidade Vila Madureira. Relatório de Conclusão da Primeira Etapa de Reassentamento. Maio/2009.YKS, Itaqui Energia, MPX, p.11.

Tendo como limitação a realidade fundiária da Ilha do Maranhão e partindo dos critérios

acima mencionados, o empreendedor efetivou a aquisição de duas áreas no município de Paço do

Lumiar, a 30 km do município de São Luís e a 40 km do antigo povoado (Vila Madureira).

Embora se tenha conhecimento dos fatores já citados, o local, segundo consta no relatório de

reassentamento, foi escolhido e aprovado por unanimidade pela comunidade. Nesta área (de 25

mil m²), a empresa construiu as residências dos reassentados e passou a chamá-la de Vila

Residencial Nova Canaã (localizada próxima à Vila do Povo) e construiu também o pólo agrícola

(Pólo Agrícola Nova Canaã – localizado no bairro da Pindoba), numa área de 60 ha. Após o

término das construções, antes da efetivação do deslocamento, a empresa ainda realizou algumas

reuniões preparatórias com os moradores para orientar a mudança, onde foram apresentados

folders, cronogramas de mudanças diferenciados e ainda levou alguns moradores para fazer

visitas para o acompanhamento das obras de construção do loteamento. A mudança das famílias

50

foi organizada em duas etapas, uma com 47 famílias e a outra com 43 famílias, iniciada em

março de 2009 e finalizadas em abril do mesmo ano41.

Consoante às informações disponibilizadas no sítio do empreendimento, o processo de

deslocamento ocorreu segundo o que se segue:

1. Como será o processo de adaptação dessas famílias à nova localidade? Resposta: A MPX se comprometeu a oferecer todo o apoio necessário à adequação das famílias ao novo lar. Para isso, contratou profissionais como assistente social, psicólogos e especialista em agricultura para acompanhar e orientar as famílias na fase de transição. 2. Por que foi feito um reassentamento? Resposta: Parte da área destinada à MPX Itaqui, no Distrito Industrial de São Luis, era habitada pela comunidade Vila Madureira, composta por 95 famílias que não possuíam título legal de propriedade. Por isso a empresa realocou essa Vila para um local de escolha dos moradores com toda a infraestrutura e apoio necessários. 3. A maioria das famílias reassentadas vivia da agricultura local. Como elas conseguirão gerar renda? Resposta: A MPX destinou para as famílias uma área de 60 hectares de solo fértil, onde está sendo implantado um Projeto de Desenvolvimento Agrícola, que prevê assistência técnica durante três anos, contemplando preparo do solo, fornecimento de insumos agrícolas e capacitação de mão-de-obra. 4. Como foi feito processo de reassentamento? Resposta: Antes do início das obras, a MPX assumiu o compromisso de indenizar os moradores e transferi-los para uma nova área, localizada no município de Paço do Lumiar, a 30 km do centro de São Luis, batizada de Vila Residencial Nova Canaã. A Vila possui 25 mil metros quadrados e neste espaço foram construídas 95 casas de alvenaria, com escritura pública e equipadas com fogão, geladeira, liquidificador, aparelho de TV e computador. As famílias ganharam igrejas, escola, sede para associação de moradores, praça e mercado, além de toda infraestrutura de água, luz , esgoto e coleta de lixo (Disponível em: http://www.mpxitaqui.com.br/index.php/br/mn2. Acesso em: 10.05.2010)

As informações disponibilizadas pela empresa podem ser confrontadas com a percepção

que os moradores têm sobre o processo de reassentamento que foram submetidos. Assim, os

entrevistados destacaram alguns procedimentos adotados pela empresa no processo de remoção

das famílias. Um reassentado relatou a situação da seguinte forma:

Começaram a dizer que aquela área lá era do governo, que não era da gente, que a gente tinha invadido, e que aquela área agora era da empresa, que a empresa tinha comprado... E que eles queriam a terra... Que era pra gente sair que eles iam dar uma indenização, ia dar casa, o dinheiro... Que iriam colocar a gente em um lugar onde iria ter isso e aquilo, e aquilo... (...) Eles prometeram que iria ter escola, igreja, praça... Que ia ter tudo isso, mas [indicando a praça à nossa frente] olha a situação da praça que eu nunca vi praça desse jeito. P: E o pessoal da empresa chegou a visitar as casas de vocês lá na Vila Madureira? R: Eles só foram pra prometer, pra filmar pra não sei o quê... (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010)

41 As informações apresentadas sobre o reassentamento foram consultas em http://www.mpxitaqui.com.br/index.php/br/mn2. Acesso em: 10.05.2010. e no PBA MPX, 2008, Vol III, 2.13

51

Outro morador entrevistado manifestou a seguinte opinião sobre o empreendimento “a

termelétrica ela vai gerar energia, realmente, mas só que no momento [interrupção]. Sabe qual é o

problema dela? Ela desapropriou muitas pessoas ali inadequadamente” (Miguel, reassentado no

Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010). O mesmo morador relatou a

seguinte sobre os procedimentos da empresa:

Disseram várias coisas. Ah, isso foi a maior polêmica levou anos e anos... O que eles prometeram na época? Faltou sabe o que? Um mini gravador um minicassete pra gravar tudo... Realmente tem computador. Tudo absurdamente. Rapaz, o que eles disseram... Para poder fazer a tenda de mamãe aqui atrás ainda nem terminaram42. [...]

Visitaram, observaram; e nós fomos mal beneficiados. Sabe por quê? Em termos, que no momento em que eles fizeram a vistoria sobre as plantações... Pô, mamãe tinha mais de duzentos pés de mangueiras... E nada disso veio em questão. Tinha limoeiro, limoeiro a mamãe deixou vinte e oito pés [...] (Miguel, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Os relatos demonstram certa insatisfação quanto ao período atual por parte dos

entrevistados se comparado à fase preparatória do deslocamento, talvez em função da disposição e

habilidade da empresa em proferir as promessas.

A distância do residencial Nova Canaã do centro de São Luís (30 km) e do antigo local de

moradia (40 km) e a confirmação da empresa de que os moradores tiveram a possibilidade de

escolha do local a serem reassentados aparece como alguns aspectos dessa insatisfação. Alguns

entrevistados afirmam que não tiveram escolha sobre seus destinos após saírem de Vila Madureira,

como o relato a seguir

Não. Porque a maioria do pessoal que morava lá queria ir pro interior. Eles disseram que não, que não iriam dar dinheiro. A maioria do pessoal não teve opção. Ninguém escolheu nada. A gente foi praticamente obrigado. Eles chegaram e disseram que compraram um pedaço de terra, trouxeram o pessoal pra olhar. Disseram “é assim que vai ser, aqui vai ser casa, o terreno pra lá”, só isso. P: Falaram que iam colocar vocês lá para o Quebra-pote também? R: Sim, falaram que ia ser pra lá. Não colocaram a gente pra lá, por que segundo os comentários que ouvi, o pessoal não ia aceitar que levassem a gente pra lá. Por que tinha outras pessoas pra lá, e por isso lá eles não iriam aceitar. Aí colocaram a gente pra cá. (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010) P: Vocês tiveram opções de escolher o local para onde iam? R: Não, Eles falaram vários locais. P: Deram opções de vários locais? R: Vários locais. Aí depois que fomos designados para cá. Aí nós vimos visitar. P: Aí vocês escolheram? R: Não... Não realmente... Aqui o local é bom porque quem faz o local é a pessoa. P: E ainda teve um caso lá no Quebra-Pote?

42 A mãe deste entrevistado, uma das moradoras mais antigas, possuía um terreiro na Vila Madureira.

52

R: Há, realmente, bom esse foi o primeiro. Não deu certo. [...] P: E qual foi o outro local que eles indicaram? R: Indicaram aqui do outro lado da Pindoba, e realmente aonde é o pólo agrícola. (Miguel, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010)

Intencionados a observar aspectos sobre a relação entre a empresa e os moradores e a

tentar captar opiniões sobre o local, questionamos aos entrevistados sobre a escolha do nome do

residencial. Neste aspecto, e em outros questionamentos, observamos que as falas proferidas

deram a impressão de que em determinadas decisões os moradores tiveram relativa autonomia

para escolher. Pelos relatos, percebe-se que as possibilidades de escolha foram muito limitadas e,

em alguns casos, inexistiram.

P: De onde que veio esse nome “Nova Canaã”? R: Nova Canaã, eles que escolheram. P: Por quê? Quem escolheu? R: Não comunicaram nem a nós. Sabe Por quê? Eles mesmos. P: Eles quem? R: O presidente, o vice-presidente e eles aí... E quando nós sabemos sobre isso, já tava lá. P: Mas é o pessoal da associação? R: Realmente, e com os da MPX, realmente. E quando nós sabemos sobre isso, já era Vila Residencial Nova Canaã [...] Ô, calma aê! Devia recorrer o que a população que morava lá o que que eles queriam. Cada qual deveria dar sua tese tanto é quando o presidente de lá foi escolhido nós nem sabemos... É, ele ajudou muito a nós se não fosse ele não estaríamos aqui. (Miguel, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010)

Um aspecto importante observado nas falas dos entrevistados está relacionado ao papel

desempenhado pelo presidente da associação de moradores nas negociações com a empresa,

nestas falas observamos uma variação nas opiniões proferidas sobre este. Segundo Miguel “ele

ajudou muito a nós, se não fosse ele não estaríamos aqui”, porque foram eles que “fizeram a

comunidade. Eles construíram, criaram [...] a comunidade. Foram eles. E hoje em dia estão

tentando tirar eles, mas muitas pessoas são contra” (Reassentado no Residencial Nova Canaã,

entrevista realizada em 23/03/2010). Para outro morador “Tem muita gente que não gosta dele.

Muitas pessoas que acreditam que ele foi comprado pela empresa, pra enrolar... Ele foi muito

beneficiado, muito...” (Fabiano, entrevista realizada em 27/03/2010). Quando questionado como

isso poderia ser constatado, disse: “Olha, ele tem 12 casas só no Anjo da Guarda. Comprou não

sei quantas agora. Ele tinha um carro, agora tem dois, três... Aqui ele comprou mais duas casas,

53

parece que uma pra sobrinha dele, mas dizem que ele não comprou, que...” (Fabiano, reassentado

no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Todo o processo de deslocamento das pessoas (cada uma com suas histórias, seus sonhos,

suas frustrações) da Vila Madureira, com as ações, as estratégias e os procedimentos utilizados

pela empresa e com apoio irrestrito dos governos, nos remete a discussão da categoria

deslocamento compulsório. No significado atribuído à palavra, o dicionário Aurélio define

deslocamento como “ato ou efeito de tirar algo ou alguém do lugar onde se encontrava”, e

compulsório como “algo que obriga, compele” (FERREIRA, 1993). Então nestes termos,

deslocamento compulsório é a ação de tirar do lugar determinados indivíduos ou grupos de forma

forçada, obrigada.

Almeida (1996, p. 30) estabelece a seguinte definição para o termo:

Uma definição preliminar da questão abarcaria o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos.

Nesse sentido, o deslocamento compulsório primeiro se caracteriza pela falta de escolha

dos sujeitos, pois estes são “obrigados a deixar suas moradias habituais” sem mesmo ter a “opção

de se contrapor e reverter” o deslocamento. Tal característica é seguida por outra, referente à

forma como pode ocorrer o processo: a ocorrência de “constrangimentos, inclusive físicos”.

Entretanto, apesar das características apontadas, muitos grupos que sofrem ameaças de

deslocamento tendem oferecer resistência. No caso dos antigos moradores da Vila Madureira,

estes não tiveram opção, não puderam escolher entre ir ou ficar. Contudo, não reagiram ao

processo de deslocamento. Buscamos compreender essa atitude de “falta de resistência” dos

moradores, em vários fatores.

Um desses fatores é encontrado nas características de sua formação e organização

comunitária, na qual observamos a existência de certa falta de coesão grupal e identidade com o

lugar – isso ao compará-la com outras comunidades da Zona Rural de São Luís, estudadas em

pesquisas realizadas no âmbito do GEDMMA43. Diferenças que são encontradas nos próprios

43As pesquisas feitas no âmbito do GEDMMA identificaram que alguns povoados da zona rural que se reivindicam enquanto populações tradicionais, principalmente os povoados Taim e Rios dos Cachorros, argumentando que praticam a pesca, coleta de mariscos, agricultura familiar mantém uma relação sustentável com os recursos ambientais, mantêm suas próprias formas de organização comunitária, ocupam ancestralmente a área, constituindo

54

grupos oriundos da Vila Madureira, enquadrados entre “moradores”, “donos de terrenos” e/ou

“invasores”. Conforme observações feitas no relatório de pesquisa do GEDMMA:

Observando-se as diferentes modalidades de ocupação nas comunidades de Vila Madureira e Camboa dos Frades, é importante destacar como os moradores mais antigos se diferenciam dos recém-chegados, considerados pelos primeiros como “invasores”, pois, estes teriam ocupado terrenos com intuito de receber indenizações prometidas por intermediários entre a comunidade e os políticos, que utilizam as promessas de indenizações como forma de garantir votos em ano de eleições. Estes terrenos de “invasores”, normalmente, são perceptíveis ao observador, devido à ausência de moradias, notando-se pequenos casebres abandonados e placas com aviso de proibição do acesso aos mesmos. Com relação aos moradores mais antigos, estes procuram se diferenciar daqueles, demonstrando a relação afetiva com o lugar (...) recorrendo à memória de moradores mais antigos da Vila Madureira, eles relataram caso de “invasores” que ocuparam partes dos terrenos cedidos por moradores mais antigos e passaram à condição de “posseiros”. Essas pessoas também foram categorizadas, principalmente pelo Serviço de Responsabilidade Social da MPX, como “oportunistas”, isto é, ao saberem que os moradores da área poderiam ser indenizados, elas procuraram adquirir um terreno para conseguir tirar vantagens econômicas na condição de usuário das terras (SANTA’ANA JÚNIOR. et. al.2009, p.7-9).

Outro fator também está relacionado à falta de acesso à infraestrutura e equipamentos

sociais básicos na Vila Madureira, como escola, posto de saúde, transporte, emprego, para

atender às necessidades dos moradores. De tal modo que, diante do pacote (indenização, casas,

posto de saúde, feira, transporte etc) apresentado pela empresa, e da ausência do título de

propriedade de suas casas, estes passaram a avaliar como uma alternativa de melhoria das

condições de vida da população mediante o acesso a bens e serviços essenciais, escolas,

saneamento básico, posto de saúde.

A terceira característica encontrada na definição de Almeida está relacionada à causa ou

fator do deslocamento, envolve seu propositor, além dos motivos e justificas apresentados. Na

definição do autor o deslocamento é ditado “por interesses e circunstâncias mais poderosos”.

Neste ponto, além dos fatores destacados acima sobre a falta de resistência dos antigos moradores

da Vila Madureira, considera-se à influência e preponderância econômica da empresa e o

objetivo de um empreendimento que trará “desenvolvimento”, energia elétrica e empregos, para o

Maranhão e o Brasil.

Ademais, os documentos técnicos apresentados pelo empreendedor também utilizam o

termo compulsório conforme destacado na citação:

um modo de vida e uma cultura próprios. A própria demanda de constituição da Resex além de outras formas, como identificadas na dissertação de Mestrado de Silva (2009) “Filhos do Taim: estratégias para defesa e uso de um território” são também formas de resistências dessas populações aos empreendimentos.

55

Em 2008, a MPX iniciou os contatos na região, por meio da elaboração de estudos técnicos e análise de impactos, do estabelecimento de diálogos permanentes com atores sociais e políticos em nível federal, estadual e municipal, além das lideranças formais e informais da própria comunidade de Vila Madureira. As referências e compromissos assumidos estão em conformidade com as diretrizes das melhores técnicas nacionais e internacionais que norteiam a elaboração de programas de remanejamento compulsório de populações, de forma especial, aquelas apresentadas na Política Operacional – OP 710 do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. (YKS, MPX, 2009, p. 40).

A empresa achando-se legítima por operar no ramo da produção de energia elétrica e que

supostamente trata-se de produto de fundamental importância para a sociedade em geral, é

legitimada pelos órgãos governamentais e por grande parte da população. Contrapondo-se aos

sistemas produtivos e às economias próprias das comunidades (no caso Vila Madureira), que

atendem às necessidades dos grupos locais em interação direta com a sociedade envolvente. A

justificativa para o deslocamento compulsório, portanto, baseia-se na opção por um modelo de

sociedade (industrial, capitalista, urbana), de mundo (competitivo, individualista, culturalmente

homogêneo) e de desenvolvimento (dar condições para uma permanente evolução da forças

produtivas industriais e, consequentemente, ampliação da riqueza material dos grupos

hegemônicos).

4.3 Camboa dos Frades: uma comunidade invisível aos olhos da empresa?

Como destacado anteriormente, para a instalação da termelétrica, a MPX responsabilizou-

se apenas pelo deslocamento dos moradores do povoado de Vila Madureira, que residiam

diretamente na área de instalação. Apesar de que, estes co-habitavam e organizavam-se

juntamente com os moradores do povoado de Camboa dos Frades, o que é representativo até na

organização da União de Moradores.

Então partindo desse aspecto, desde os primeiros contatos estabelecidos pela empresa

com os moradores dos povoados, nas reuniões com a união de moradores e no tratamento dado, o

foco da atenção desta eram somente os moradores da Vila Madureira. A Camboa dos Frades não

era considerada nos espaços de discussões ou mesmo nos documentos e materiais de divulgação

da empresa.

Com o início das obras de terraplanagem da termelétrica, em maio de 2009, os moradores

do povoado se viram submetidos a várias dificuldades e constrangimentos. O principal ocorreu

com a destruição da estrada de acesso ao povoado, que passava por dentro da Vila Madureira,

56

deixando a comunidade encurralada entre o empreendimento e o mar e impedindo seu direito de

ir e vir livremente. Daí, para entrar e sair do povoado os moradores foram submetidos ao controle

e a constrangimentos por partes dos seguranças da empresa que se encontravam armados. Além

de ficarem sujeitos a transitarem por meio de caminhões e maquinários pesados, que dificultavam

o trânsito, e em meio a um período chuvoso as vias de acesso estavam tomadas pela lama

(ALVES; PEREIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 16).

Assim, informações necessárias que deveriam ser esclarecidas junto aos moradores de

Camboa dos Frades, principalmente sobre os possíveis impactos que a construção e

funcionamento da usina poderiam trazer ao povoado, não foram colocadas para os mesmos

durante as reuniões que antecederam o deslocamento da Vila Madureira. Os moradores relataram

inclusive que foram ignorados, tanto pelos empreendedores quanto pelos próprios moradores da

Vila Madureira, estes orientados pelos técnicos da empresa a não manter diálogo e não passar

informações sobre os acontecimentos (ALVES; PEREIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 17).

Foto 2: Terraplanagem UTE Porto do Itaqui

Fonte: www.mpx.com.br

O próprio parecer emitido pelo IBAMA (Parecer Técnico nº 015/2009 –

COEND/CGENE/DILIC/IBAMA, 2009, p. 12-13), referente aos condicionantes para o

licenciamento ambiental, trata destes impactos da fase de implantação e dos transtornos causados

pelas obras, embora não especifique a comunidade Camboa dos Frades, quando cobra a revisão

do estudo de uso e ocupação do solo explicitando as propriedades atingidas e o detalhamento do

Programa de Conscientização para o tráfego com a aceitação dos proprietários ao longo da faixa

atingida, ao detectar a “ausência da análise de impacto das alterações de uso e ocupação do solo

nas “propriedades circunvizinhas” no item que trata da Avaliação de Impacto da Fase de

Implantação para o Meio Socioeconômico.

57

Com a iminência do deslocamento da Vila Madureira e diante da necessidade de

articulação comunitária para reivindicação da efetivação de direitos e melhorias das condições

internas do povoado e, como forma de resistência diante do caráter de invisibilidade com o qual

eram tratados pelo empreendedor e pelos órgãos públicos, no final de 2008 ocorreu a criação da

Associação de Moradores de Camboa dos Frades.

A partir de então a Associação de Moradores de Camboa dos Frades passou a reivindicar

formalmente melhorias para a comunidade junto aos órgãos públicos. Buscaram ajuda junto à

entidades e movimento sociais, a grupos acadêmicos vinculados às universidade locais, e

consulta e apoio da Defensoria Pública para resolução das dificuldades que vinham enfrentando

com a destruição do acesso à comunidade devido à instalação do empreendimento. Então, foram

agendadas audiências entre a empresa e a comunidade para a resolução do impasse.

Na primeira audiência realizada na Defensoria Pública entre a empresa e a comunidade,

sob reivindicação desta última, as lideranças de Camboa dos Frades solicitavam providências da

empresa para a melhoria do acesso de Camboa dos Frades até a BR 135, aproximadamente no

trecho dos últimos mil metros do caminho utililizado pela comunidade até a BR, conforme

registro da ata da reunião realizada no dia 25 de junho de 2009 (ver cópia das atas de reunião,

anexo). Nesta audiência as lideranças do povoado disseram que não foram comunicados das

atividades desenvolvidas pela empresa. Na ocasião, a empresa se comprometeu a entregar à

comunidade dois abrigos, de concreto, para passageiros em pontos de ônibus, cobertos,

sinalizados, contendo bancos, um em cada mão da via e a revisão da obra de acesso que vai da

BR 135 até o trecho de inserção com o caminho anterior para o povoado.

A empresa cumpriu ‘ao pé da letra’ os termos registrados na ata, assumidos durante a

audiência. Entretanto, em outra audiência realizada no dia 1º de fevereiro de 2010, os moradores

denunciaram que a empresa não havia cumprido totalmente o compromisso com a melhoria do

acesso ao povoado. Com o início das chuvas ocorreram rupturas na estrada em três pontos. No

momento, ficou consensuado que houve um equívoco na redação da ata anterior, pois a demanda

da comunidade era que a estrada fosse recuperada até o trecho que finda no campo de futebol,

onde se faria o retorno do ônibus coletivo de uso público. Diante da atitude de reivindicação de

complementaridade dos serviços de recuperação da estrada, por parte dos moradores, o que se

observou fora a irredutibilidade dos funcionários da empresa que se comprometeram somente à

58

recuperação do trecho de acesso até a BR 135 e fazer melhorias pontuais de caráter emergencial

no trecho até o campo de futebol.

Na última audiência na defensoria pública, realizada no dia 17 de março de 2010, entre a

empresa e a comunidade, para tratar da estrada, a situação ficou como já estava acordado na

audiência anterior onde a empresa ratificou que faria apenas a recuperação do trecho citado.

Embora as lideranças da comunidade tenham nos enfatizado que a comunidade havia solicitado

formalmente a recuperação da estrada até o retorno onde se localizava o campo de futebol.

Assim, diante da postura da empresa, o acordado na audiência foi que o restante da estrada e o

asfalto seriam demandados à prefeitura municipal.

Apesar da construção da estrada de acesso à Camboa dos Frades ter caráter de obrigação

da empresa na medida em que a mesma destruiu a antiga estrada de acesso e de que a construção

só se deu devido à reivindicações das lideranças da comunidade, com visitas e audiências na

Defensoria Pública, a recuperação da mesma tem sido utilizada como uma espécie de atitude de

boa ação, de doação, por parte da empresa.

Foto 3: Condições da estrada de acesso a Camboa dos Frades construída pela MPX

Fonte: Paula Pereira, 01/05/2010.

59

4.4 Antes! Depois?: relatos das condições de vida dos antigos moradores da Vila Madureira no residencial Nova Canaã

Aspectos relacionados ao modo de vida das famílias que residiam no povoado Vila

Madureira puderam ser observados na pesquisa realizada pelo GEDMMA no ano de 2008. Nessa

pesquisa, observou-se que as características naturais daquela localidade permitiam que o grupo se

reproduzisse social e culturalmente, ou mesmo favorecesse que os moradores complementassem

a renda familiar, por meio de atividades como a agricultura, extrativismo (vegetal e animal),

produção de azeite de coco babaçu; criação de pequenos animais e coleta de frutas,

principalmente de manga, caju; a coleta de castanha, a produção de carvão vegetal (utilização de

galhos de árvores após a poda) e a pesca artesanal (GEDMMA, 2009, p.11-12). E, em torno

dessas atividades, e do meio em que habitavam, os moradores construíram determinadas formas

de sociabilidade relacionadas à forma de organização do trabalho, à rede de relações sociais,

culturais e religiosas que constituíam a organização comunitária.

O processo de ocupação da terra na Vila Madureira está associado às estratégias de reprodução social desses grupos, tendo em vista “as dificuldades encontradas na cidade”. As atividades ali desenvolvidas, as formas de organização do trabalho, a sociabilidade com parentes e vizinhos significam a inserção em um universo que lhes facultam uma identificação com o espaço e que tem garantido a reprodução social de suas famílias. (...) Nesse sentido, o processo de ocupação do território das áreas onde vivem hoje, representa essa possibilidade de adaptação, tanto do ponto de vista das atividades produtivas (agricultura, pesca, coleta e extrativismo), quanto no âmbito da sociabilidade (manutenção das relações de parentesco, organização familiar do trabalho, práticas e manifestações religiosas) construída e ressignificada naquele território. Esse é o sentido que podemos considerar neste contexto como “espírito de comunidade”, um sentimento de pertencimento e vínculo social com o ambiente. A essa adaptabilidade sócio-econômica é muito claro o espírito de reciprocidade que garante e fortalece a comunidade e o seu meio e modo de vida (SANTA’ANA JÚNIOR. et. al. 2009, p. 10-13).

60

Foto 4: Maré que separava o povoado Vila Madureira do Povoado Camboa dos Frades44.

Fonte: Paula Pereira, 01/05/2010.

De acordo com as informações do Relatório do Programa de Reassentamento da

população da Vila Madureira, no cadastramento realizado pela empresa, foram contabilizadas 85

famílias, destas apenas 50 que residiam no povoado, e 35 utilizavam o imóvel para descanso e/ou

lazer. Nas atividades geradoras de renda, o relatório destaca que 49 famílias obtinham renda por

meio de atividades de natureza urbana45 (empregada doméstica, professor, comerciante,

manicure, cabeleireira, pedreiro, carpinteiro, pintor, etc), 7 famílias com atividades de natureza

rural (produção agropecuária e extrativismo) e 18 por meio da composição de atividades de

natureza urbana e rural. Quanto à existência de famílias que obtinham renda da seleção de

resíduos para reciclagem, o relatório informou que “tal atividade é realizada com habitualidade

por 2 famílias” (PBA MPX, 2008)46. Além de atividades destacadas como,

a criação de galinhas e porcos é freqüente entre as famílias que residem na Vila Madureira.

44 As duas comunidades na verdade funcionavam como uma só. Aspecto observado na organização comunitária, pois a associação de moradores da Vila Madureira também era representativa dos Moradores de Camboa dos Frades. 45 A consultoria contratada pela MPX utiliza-se de conceitos e noções naturalizadas no e pelo senso comum, como se se tratasse de categorias com rigor técnico e acadêmico. Afirmar que as atividades “empregada doméstica, professor, comerciante, manicure, cabeleireira, pedreiro, carpinteiro, pintor, etc” são de natureza urbana, é revelar ignorância de compreensão da cultura camponesa ou de grupos que, vivendo em área rural, mantém permanente contato com os espaços suposta e unicamente urbanos; e que qualquer grupo social organizado em seu território sócio-simbólico mantém essas atividades em funcionamento, mesmo as comunidades ditas rurais. 46 Projeto Básico Ambiental, Diferencial Energia Empreendimentos e Participações Ltda ( MPX), 2008, vol. III, 2.13, anexo 1: Relatório do Programa de Reassentamento da população-UTE Porto do Itaqui, março, 2008, p.14.

61

Os cultivos são diversificados e em pequena extensão, predominantemente de frutíferas, formando quintais com uma miscelânea de espécies plantadas misturadas às nativas. Das 85 famílias cadastradas 63 delas alegaram possuir algum cultivo e/ou criação, 17 delas não realizam e outras 5 não informaram. O destino da produção serve normalmente ao consumo próprio, sendo que do total das famílias, 60 delas disseram realizar algum consumo, seja diário ou eventual, 20 delas disseram não consumir produtos e 5 não informaram. Quanto à comercialização 36 famílias disseram realizar algum nível de comercialização de excedentes em feiras livres dos bairros próximos, como Anjo da Guarda, Vila Maranhão e Liberdade. Apesar da exploração agropecuária e/ou extrativista não representar a principal fonte de renda para a maioria das famílias, ainda assim, analisando os dados expostos anteriormente, ela tem participação na subsistência de boa parte das famílias (PBA MPX, 2008)47

Entretanto, apesar das características apontadas e de todos os sistemas de relações sociais

e culturais construídas em torno do lugar, tais fatores não foram suficientes para garantir a sua

manutenção na área. Desse modo, os antigos moradores da Vila Madureira foram remanejados

para um novo lugar, no sonho de encontrar melhores condições de vida na Vila Residencial Nova

Canaã, que como o significado bíblico do termo interpreta “a terra prometida”. É como se as

famílias vivessem no deserto, na falta de recursos materiais, em condições sub-humanas e que

com o deslocamento compulsório chegariam à redenção, à terra prometida, onde corre “leite e

mel’.

Entretanto, na terra prometida, os moradores ainda não provaram do sabor do leite e do

doce do mel. Todas as promessas feitas pela empresa ainda não foram efetivadas e relatam

algumas situações vivenciadas um tanto adversas, conforme pudemos constatar nas idas a campo

e nas conversas informais com alguns moradores.

Durante a nossa participação no Seminário de Apresentação e Avaliação dos Programas

Básicos Ambientais da MPX, no dia12 de março de 201048 no hotel Abeville, nas exposições da

plenária final, uma das principais reivindicações, reclamações, de moradores do Residencial, na

ocasião, foram as condições de saúde que a comunidade estava enfrentando com a falta de posto

de saúde e com a poluição que advinha de uma fabrica de Pinche, em funcionamento nas

proximidades do residencial.

47 Projeto Básico Ambiental, Diferencial Energia Empreendimentos e Participações Ltda ( MPX), 2008, vol. III, 2.13, anexo 1: Relatório do Programa de Reassentamento da população-UTE Porto do Itaqui, março, 2008, p.14. 48 Na oficina em que participamos no seminário, sobre o programa de educação ambiental, nenhum morador do residencial estava participando, que eram os principais interessados uma vez que este era principalmente voltado para a mesma. Quando questionados sobre isso, os técnicos da empresa disseram que a comunidade havia sido convidada. Neste dia, os moradores do residencial que estavam presentes no seminário participavam da oficina sobre as condições de saúde.

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Reclamação que não foi bem recebida pelos funcionários da empresa de consultoria, uma

vez que, durante a nossa participação na reunião destes com os lideres e vice-líderes do pólo

agrícola, realizada no dia seguinte à realização do seminário, numa pauta cujo primeiro ponto

tratava-se da avaliação do seminário, um técnico se disse surpreso com a exposição feita pelos

moradores no seminário, pois segundo ele, a comunidade recebe acompanhamento constante e

tem espaços de diálogo com a empresa para expor suas insatisfações. Então, não adiantaria a

comunidade não falar estas questões com os profissionais ou falarem fora daquele espaço. O que

também gerou reclamações por parte dos moradores que disseram que surpreendidos foram eles

ao ver a exposição que a empresa fez deles durante o seminário, com a propagação de que estes

viviam do lixão, que a empresa os tirou dessa condição49.

As principais reclamações dos moradores, mapeadas nesta ocasião e em outros momentos,

foi a carência de transporte público para a comunidade, pois estes disputam lugar no único ônibus

da linha destinada a Vila do Povo, o que já foi motivo de constrangimento para alguns

moradores. Além da falta de policiamento e iluminação pública, mas a principal reclamação

tratava-se das condições de saúde, com a ausência de um posto de saúde na comunidade. Alguns

relataram que os filhos estavam constantemente sujeitos a poeira, a exposição ao sol50 e a animais

soltos, que com a ausência de sombras e a poeira a pracinha não era adequada ao lazer dos filhos.

Reclamaram da horta comunitária, que na ocasião de nossa visita aparentava está

descuidada e abandonada; uma moradora nos relatou que ninguém tinha mais paciência para

colocar água na horta. Reclamaram, também, da ausência de feiras e supermercados no local,

quando precisam fazer compras vão ao bairro Maiobão, porque a feira prometida pela empresa,

local onde os moradores iriam comercializar os produtos da produção agrícola, apesar de

construída, ainda não funciona. Falaram de uma empresa de pinche, que se localiza nos fundos do

residencial e que emite poluição e não traz benefícios para a comunidade, uma vez que esta se

recusara a fazer o asfaltamento do residencial, o que ocorreu, segundo os moradores, devido à

49 Na ocasião esta exposição de que viviam do lixão era a principal reclamação e motivo de indignação dos moradores, que, diante de nossa presença da reunião também fizeram muitas reclamações sobre as condições que viviam no residencial. 50 Um aspecto importante que distingue o residencial Nova Canaã da Vila Madureira é o ambiente em que as residências estão localizadas. Em Vila Madureira, as casas dos moradores, além de serem beneficiadas com a proximidade do mar e suas brisas, ficavam protegidas do sol escaldante e da incidência de poeiras pela abundante arborização que circundavam as residências. Em Nova Canaã, o solo exposto e a ausência de arborização intensificam a ação dos raios solares diretamente nas casas e nos espaços comunitários. A prática da conversa sob a sombra de uma arvora qualquer ficou para trás. Expostos ao sol, o único refúgio em Nova Canaã trata-se das pequenas casas.

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recusa que tiveram na solicitação da utilização da água do poço que abastece o residencial.

Recusa que se deve a insuficiência deste para o abastecimento inclusive do próprio residencial.

Por fim, relataram que as pessoas que trabalham na escola do residencial, sob administração da

prefeitura de Paço do Lumiar, estavam com o pagamento atrasado.

Um aspecto importante verificado nas condições atuais de vida destes moradores é

verificado no Pólo Agrícola, um espaço feito para as famílias destinado à produção agrícola uma

vez que os moradores vivam do cultivo e da criação de animais, bem como um meio de auferir

renda. Para isso, a empresa comprou uma área para plantação e criação de animais localizada no

bairro da Pindoba, distante aproximadamente 6 km do residencial, com o objetivo de fomentar

um projeto econômico e socioambiental, fortalecendo a produção e comercialização,

incentivando o empreendedorismo e o associativismo, o uso sustentável dos recursos, a produção

agroecológica, e a construção da autonomia e o sustento das famílias (YKS, 2009, p. 7 e 9). Para

tanto, a empresa prometeu o acompanhamento técnico da gestão e comercialização do pólo

agrícola durante três anos, assim como destinaria uma bolsa (anteriormente eram diárias) para os

moradores conseguirem subsistir até esse período e até o desenvolvimento do pólo.

Há época de nossa visita, março de 2010, estavam tendo acesso aos resultados da primeira

colheita do Pólo Agrícola. Este elemento nas entrevistas foi motivo de grande insatisfação por

parte de alguns moradores. Embora uma moradora, vice-líder de um dos grupos gestores do pólo

agrícola, com a qual realizamos uma conversa informal, tenha demonstrado uma visão mais

esperançosa, de que as coisas ainda iriam melhorar, pois esta era só a primeira colheita e, que as

demais coisas, assim como o funcionamento da feira, que aguardava a produção do pólo para os

próprios moradores comercializarem internamente, ainda seriam concluídas. Conforme resposta

da empresa para os moradores, esta era apenas mais uma etapa do trabalho.

Neste aspecto do pólo, os moradores reclamaram da distância entre o residencial e o pólo

agrícola, que devido à distancia não daria para irem andando, e que a empresa teria prometido dar

transporte e não deu, então o transporte era feito em um veículo Kombi, de um morador da

comunidade, cujo pagamento é feito por meio de desconto da bolsa que recebem com o trabalho

no pólo Agrícola. E também reclamaram do sistema de trabalho no Pólo. Conforme observado no

depoimento:

R: Não, a gente não vai andando. A gente paga com uma bolsa que eles dão, que não é bolsa, porque eles estão pagando o que a gente tá trabalhando. Uma diária de 25 reais.

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Antes a gente recebia por quinzena, agora não é mais. Disseram que vai ser bolsa, que vai ser por mês. Mas continua a mesma coisa, porque a gente só tá ganhando o que a gente tá trabalhando. Aí no sábado e domingo, eles não pagam. Feriado eles não pagam. E é assim... Era pra ser 500 reais, na verdade não é 500 reais, porque esses 500 reais que eles estão dando não é uma bolsa. Que eu saiba bolsa é um apoio do governo que você está ganhando. Pra mim bolsa é assim. Aí se você não for, você não ganha. E se você vai, você ganha. E no sábado e domingo não pagam. Aí feriado, também não. Acho que pelo que a gente faz, que é na roça mesmo, porque pra mim é roça, acho que era pra gente ganhar muito mais, por que só o sol, minha irmã, pelo amor de Deus... P: Quanto tempo você passa lá no Pólo? R: O dia todo. A gente chega lá 7h da manhã, vem de lá às 5h da tarde. O horário são eles que colocam. Lá, na verdade, eles dizem que a terra é da gente, mas a gente tá como empregado deles. Eles fazem o que eles querem, ninguém pode fizer nada, então... o papel da gente é só obedecer eles (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Um elemento de destaque que influencia nas relações de convivência entre os moradores

no Pólo Agrícola, é a própria sistemática de tratamento utilizada pela empresa no que diz respeito

às indenizações e ao terreno destinado a plantação – embora segundo estes os benefícios foram

avaliados de acordo com o valor das benfeitorias que cada morador possuía na Vila Madureira –,

o estabelecimento de grupos de tratamento, na forma diretamente hierárquica, tendem a

desarmonizar as relações de vivência comunitária. E ainda possuem um caráter totalmente

contrário ao antigo sistema em que as famílias estavam habituadas, pois estas tinham total

autonomia no tratamento dos seus espaços de terra e nas relações de cultivo com os vizinhos e

parentes, além do controle do tempo real despendido para o trabalho de cultivo da terra ou de

criação de pequenos animais, o que não se observava com grandes distâncias entre o tempo de

lazer, de conversa de vizinhança, de trabalho porque os espaços da casa e de produção eram

contíguos, na Vila Madureira. No sistema atual observamos que estes chegam a se sentirem como

empregados da empresa.

P: E tem pessoas com o terreno maior? R: Sim, tem pessoas. (...) Segundo eles dizem que o pessoal que lá na Madureira tinha um terreno maior, então aqui tinha o direito de ganhar uma terra maior. P: Mas é assim mesmo? Lá todos que tinham um terreno maior na Madureira tem uma área maior aqui? R: Tem. E tem pessoas lá que tinham o terreno maior do que o que eles deram pra gente aqui. Se você for lá você vai ver o terreno que eles deram lá é como se fosse do tamanho dessa sala pra 12 pessoas trabalharem. Quando eles saírem de lá, cada um vai querer o seu pedacinho de terra que não dá pra nada. (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010)

65

De acordo com o relatório de conclusão da primeira etapa do programa de reassentamento

a empresa definiu cinco grupos de tratamento, estabelecidos a partir da consideração do

“tamanho dos terrenos em posse e dos vínculos de moradia existentes” (YKS, 2009, p. 45).

Assim moradores com área inferior a 999m², teriam direito à uma parcela de terra comum com

5,4 ha, registrada no nome da União de Moradores, destinada ao usufruto de 51 famílias que se

enquadravam nesta situação. No grupo de tratamento 2, para moradores que possuíam área de

1000 m² até 1.700m², assegurou-se o direito de cultivo de uma parcela de terras comum de

0,88ha, a ser utilizada em regime de condomínio, destinada ao sustento de 6 famílias. O terceiro

grupo de tratamento, para moradores que possuíam área de 1.701m² até 3.000m², foi assegurado

o direito de cultivo de uma parcela de terras comum de 2,5141ha, a ser utilizada em regime de

condomínio, destinada ao sustento de 11 famílias. O quarto grupo de tratamento, para os

moradores que possuíam área de 3.001m² até 9.999m², assegurado direito de cultivo de uma

parcela de terras comum de 6,5799ha, utilizada em regime de condomínio, destinada ao sustento

de 11 famílias. Por fim, o grupo de tratamento 5, para moradores que possuíam área igual ou

maior que 10.000m2, assegurou-se o direito de cultivo de uma área proporcional àquela que

possuíam, onde a área proporcional seria transferida e registrada em nome de um representante de

cada família de posseiro, área destinada a 12 famílias (YKS, 2009, p. 46-47).

Outro aspecto importante, dado na forma de tratamento apresentada pela empresa junto

aos moradores, é encontrado na sistemática de gestão do pólo agrícola. Nesta, foram

estabelecidos grupos gestores por unidade de produção, representados por lideres e vice-líderes

nas negociações e reuniões com a empresa. Assim a empresa que faz o acompanhamento do

programa de reassentamento e do pólo agrícola realiza reuniões somente com estes

representantes. Conforme depoimento:

P: Como funciona a organização dos grupos gestores da horta? R: Eu não entendo muito bem como funciona, mas são 10 grupos, ou seja, vamos supor, são 10 casas dessa daqui pra dividir em um grupo de pessoas. Todos que tem casa aqui, tem esse pedacinho de terra lá. Vamos supor, são 10 pedacinhos dessa sala aqui pra dividir entre 10 pessoas. Aí tiram 1 ou 2 pessoas de cada grupo pra ser líder e vice-líder, então, Aí, eles não conversam todo mundo, quando há reunião, vão só os lideres de cada grupo. P: Como eles resolvem quem vai ser líder, e quem vai ser vice-líder? R: Segundo dizem é uma votação. Por exemplo, no nosso grupo, são 12 pessoas, aí tem uma votação entre essas 12 pessoas e escolhem uma pessoa que a gente quer pra ser líder. Eu não votei em ninguém, porque quando eu cheguei já tinha uma pessoa como líder e vice-líder. Eu não votei em ninguém, nem os elegi pra ser líder. Mas agora como tá sendo a primeira etapa não tá todo o pessoal, né? Tem muita gente que não quis vir

66

pra cá e tá alugando, nem vai trabalhar no pólo. Inclusive no meu grupo são 12 pessoas, mas não estão todas trabalhando, só tem 7 pessoas (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Alguns moradores também demonstraram insatisfação com os resultados da primeira

colheita do pólo agrícola, além de ficarem receosos quanto as suas possibilidades de manutenção

da subsistência somente com o cultivo do Pólo. Conforme a exposição do morador:

P: E o resultado da primeira colheita, como é que foi? R: Pra mim foi um fracasso. Porque a gente tinha um canteiro de alfaces lá que era pequeno. Aí a gente vendeu e não deu nada. P: Alguém ajudou vocês a comercializar? R: Tem um contrato com a empresa [...] que vai comprar mercadoria da gente. Barato demais. Pra gente não tá dando lucro nenhum. Porque quando a gente estiver colhendo, a bolsa vai ser cortada, e a gente vai viver daquilo que a gente estiver colhendo. E a primeira foi ruim de mais. Porque a gente conseguiu R$ 318 reais, mas eram R$ 318 reais divididos pra 12 pessoas. E desse dinheiro a gente tem que tirar 5% pra água, 5% pra luz... Porque tudo isso lá é a gente que paga. A gente vai ficar com o quê? Nada. (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010)

Ouvimos relatos de que alguns moradores que já venderam ou alugaram suas casas do

residencial. Inclusive um morador nos falou que vendeu seu terreno do pólo agrícola, pois

procurou assessoria jurídica e foi orientado de que poderia vendê-lo por que os três anos referidos

na documentação não constava que não era para não vender e sim para repassar a documentação.

O mesmo morador disse que está sendo processado por conta disso.

P: E já venderam casas? R: Até onde eu sei já foram 4 vendidas. A empresa disse que não pode. Só pode vender depois de 3 anos, mas já venderam. A mesma coisa é a área do pólo. Não pode por questão de garantia, mas [...] já vendeu (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Observamos que alguns moradores do residencial Nova Canaã já sentem às adversidades

do novo local de moradia e a dicotomia entre as características do antigo local e o atual. O

ressentimento é sentido principalmente pelos mais antigos, que moravam há mais tempo e

possuíam um vínculo mais estreito com o lugar, como pudemos observar nas conversas informais

do trabalho de campo, que apesar de reconhecerem que não tinham os melhores padrões de vida

na Vila Madureira, possuíam maior liberdade e facilidade de acesso aos recursos naturais, que

muitas vezes diante da falta de recursos financeiros, obtinham o alimento diário; além disso tinha

acesso à água potável das fontes naturais, em Nova Canaã e no pólo agrícola a estrutura é pesada,

cara e distante da realidade das famílias reassentadas. Fator importante também é que a

67

localização do povoado na área Itaqui-Bacanga tinha uma proximidade maior ao centro de São

Luís e ao acesso a bens e serviços, como escola e postos de Saúde na Vila Maranhão.

Os entrevistados reclamaram que a empresa já havia tirado o escritório que funcionava no

residencial, o qual, quando estava em funcionamento, possibilitava um contato mais próximo

para reivindicações. Agora, a mesma mantinha apenas o escritório do Pólo Agrícola. Diante das

reclamações apresentadas, indagamos aos entrevistados se estes faziam reivindicações de

melhorias junto à empresa e, sobre as impressões que tinham em relação às atitudes da empresa

quanto à exposição que esta fazia dos mesmos com a criação do programa de realocação.

R: A empresa vive dizendo em tudo quanto é lugar e pra tudo quanto é jornais que cobriu a gente de jóias. Eu pelo menos não tenho nenhuma. Nada ela me deu. Tinha uma casa lá. Tenho essa casa aqui, que foi trocada pela outra. Tinha um terreno lá, tenho um terreno no pólo, que foi trocado pelo outro. Pra mim, não vejo beneficio nenhum. Porque apesar de que quando eu morava na Madureira [...] ganhava menos, mas não vivia nos perrengues desses. E pra mim não houve benefício nenhum. P: E eles cumpriram o que prometeram? R: A gente acha que tão e não tão. Porque tudo o que eles tinham prometido já era pra estar quase tudo pronto. P: Qual o prazo que eles deram pra vocês? R: Durante 3 anos. E ainda tem gente que falta só 1 ano e meio. Dizem que iam fazer um posto de saúde, e um clube de futebol. [...] P. E depois que passarem esses três anos? Como vai ficar a situação no Pólo? R. Vai ficar por nossa conta. E é aí que vai vir a dificuldade para muita gente, eu tenho certeza. Porque agora, que diz que a empresa tá junto, tá do jeito que tá, imagina quando sair de lá, que aqueles que tem um terreno maior vão querer tomar conta de tudo, vão querer mandar na minoria... [...] P: Vocês já se reuniram pra reivindicar? R: Minha irmã, a verdade é que todo mundo fala, fala, fala mal da empresa. Ninguém é conformado com o que tem. A gente acha que deveria ter ganhado mais, que devia ter beneficiado mais... Todo mundo fala e ninguém tem coragem de fazer nada. Essa é a verdade. A empresa chega pra todo lado dizendo que cobriu a gente de jóias, e todo mundo consente. Ninguém tem coragem de levantar o dedo e desmentir. Assim foi lá no seminário (Fabiano, reassentado no Residencial Nova Canaã, entrevista realizada em 27/03/2010).

Verificamos que embora inda não tenha concretizado todos os compromissos assumidos com os

moradores do residencial, ainda que na maioria dos termos firmados, como a construção do

residencial, o pólo agrícola, a escola, a horta, etc, tenha cumprido, principalmente por esta ser um

compromisso estabelecido publicamente durante às negociações do deslocamento e diante da

necessidade da conclusão do processo de licenciamento ambiental do empreendimento e também

por utilizar o programa de realocação residencial como um importante instrumento de

propaganda da sua responsabilidade socioambiental.

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Por fim, constatamos que a implantação da usina termelétrica Porto do Itaqui, que se

constitui como a razão social do deslocamento de grupos locais que construíram e significaram

ao longo tempo determinadas formas de relações sociais, culturais e de trabalho com o território

habitado, mesmo com as atividades assumidas e cumpridas pelo programa de reassentamento,

não conseguiu restabelecer o mesmo sistema de relações constituído anteriormente e provocou

impactos negativos, conforme os caracterizados na citação:

Os projetos de desenvolvimento que deslocam população involuntariamente geralmente causam graves problemas econômicos, sociais e ambientais: os sistemas de produção são desmantelados, os bens produtivos e fontes de renda são perdidos; as pessoas são relocadas para ambientes onde as suas habilidades de produção podem ser menos aplicáveis e a competição pelos recursos pode ser maior; as estruturas comunitárias e as redes sociais são enfraquecidas; os grupos de parentesco são dispersos; e a identidade cultural, a autoridade tradicional e o potencial de assistência mútua são reduzidos. O reassentamento involuntário pode causar privações em longo prazo, empobrecimento e danos ao ambiente a menos que medidas apropriadas sejam cuidadosamente planejadas e implementadas (Manual de Operações do Banco Mundial – Diretriz Operacional apud PBA MPX, 2008).

E, embora a empresa tenha ciência dos prejuízos que trazem consigo as ações de

deslocamento compulsório, ela entende, assumindo as prescrições do Banco Mundial, que ao

utilizar de “medidas apropriadas e que sejam cuidadosamente planejadas e implementadas”

pode-se remediar os resultados catastróficos, o que parece que em Nova Canaã isso foi

invariavelmente um processo falho.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da finalidade deste trabalho e da complexidade dos fatos aqui abordados,

concluímo-lo conscientes de que este faz parte de um esforço inicial de pesquisa uma vez que a

realidade é um fenômeno de múltiplas determinações. Entretanto, reconhecemos que alguns dados

apresentados são muito embrionários, pois o trabalho em campo se deu em um período limitado e

em condições adversas e restritas, que não dão conta da complexidade e dos conflitos que

envolvem o caso estudado. Assim, os fatos aqui discutidos abrem caminho para um leque de

possibilidades, para um maior aprofundamento em pesquisas futuras, mais meticulosas. Contudo,

deixamos algumas considerações.

Aparentemente, aos olhos dos pouco informados ou dos mais ou menos interessados, o

anúncio da instalação de uma “pequena” usina Termelétrica na Área Rural do Município de São

Luís não é considerado como um projeto de grandes proporções ou de impactos negativos

consideráveis, pelo contrário, os seus resultados são considerados positivos ao trazer

desenvolvimento, energia e gerar empregos para a população. Assim como um estudo de caso

sobre os impactos de um empreendimento que ainda nem entrou em funcionamento pode parecer

um tanto inviável ou incipiente, mas mesmo inicial o processo de instalação trouxe impactos

significativos.

Ademais, o caso particular é inserido num contexto mais geral e complexo, conforme

tentamos balizar nos segundo e terceiro capítulos deste trabalho, ao resgatarmos a implantação

dos grandes projetos na Amazônia Brasileira no final dos anos 1960 até as políticas voltadas para

o desenvolvimento dos últimos governos federais do período atual, a exemplo do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), observamos a continuidade de práticas pautadas numa

concepção de desenvolvimento que adota como primazia o crescimento econômico: uma

concepção na qual o desenvolvimento é considerado sinônimo de crescimento econômico,

urbanização crescente, industrialização, desenvolvimento tecnológico e altas taxas de consumo

de matéria e energia, a ser alcançado por meio de investimentos na incrementação e

aprimoramento da indústria nacional e na incorporação ao mercado global. Isso tudo, sem

efetivar e aprimorar os mecanismos de socialização, redistribuição da riquezas produzidas,

universalização das políticas sociais e diminuição do consumo dos recursos naturais.

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Desse modo, na apreensão deste estudo buscamos nos pautar na ideia de que “projetos de

desenvolvimento como os aqui considerados só podem ser adequadamente entendidos quando

consideradas as determinações e interações entre os diferentes níveis de poder político e

econômico – internacional, nacional, regional e local” (VERDUM, 2007, p. 16). Assim, a

Termelétrica Porto do Itaqui, ao estar inserida dentro do contexto da atual política energética do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), recebeu uma série de prerrogativas, de aparatos

políticos, técnicos, financeiros de órgãos governamentais Federais, Estaduais e Municipais e de

agências fomentadoras.

No processo de instalação da Usina Termelétrica (UTE) Porto do Itaqui, no município de

São Luís, observamos que este reflete a dinâmica dos conflitos socioambientais atualmente

existentes, decorrentes da instalação de projetos de desenvolvimento. Desde seu início, com o

licenciamento, o deslocamento das famílias e a construção do empreendimento, o processo foi

movido por tensões que configuram as diferentes visões sociais, políticas, econômicos,

ambientais e culturais que possuem os diferentes sujeitos, órgãos e setores sociais, favoráveis ou

contrários à instalação da Termelétrica. Daí o empenho significativo que o empreendedor adotou

na busca do estabelecimento de relações com os mais variados órgãos e atores sociais, políticos,

acadêmicos, técnicos, em nível federal, estadual e municipal, e com a diretoria da união de

moradores da Vila Madureira, com o intuito de fazer “parcerias” para a colaboração em seus

trabalhos, de criar uma rede de relacionamento com as partes interessadas na implantação da

UTE.

De outro lado, houve a privatização dos recursos naturais e territoriais por parte do

empreendimento, recursos que anteriormente eram controlados e significados pelos grupos locais.

O empreendimento passa, então, a interferir no cotidiano desses grupos. Primeiramente, através

do deslocamento da comunidade Vila Madureira, embora a empresa tenha tentado minimizar os

impactos negativos com Programa de Reassentamento e o Projeto Socioambiental (Pólo

Agrícola) que na prática tem operado muito mais como um projeto de responsabilidade

socioambiental para divulgação da empresa, uma vez que o deslocamento compulsório

desestruturou o sistema de relações sociais (a sociabilidade entre vizinhos nos espaços coletivos e

privados e no trabalho agrícola), econômicas e culturais da comunidade, e levou à perda dos

recursos naturais próximos e abundantes, deixando os moradores incertos sobre seu futuro.

71

Em segundo lugar, com o tratamento de invisibilidade que caracterizou as relações com a

comunidade Camboa dos Frades, comunidade que teve que reestruturar sua organização

comunitária com a desarticulação da união de Moradores, reconstruir sua identidade dando mais

valor ao lugar, a partir da visualização dos resultados do deslocamento das famílias da Vila

Madureira, e reivindicar respeito e a autonomia no tratamento de seu ambiente. Entretanto, a sua

vizinhança com o empreendimento gera incertezas também quanto à permanência no lugar e com

impactos futuros provenientes do funcionamento da usina.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO: Documentos relativos à relação empresa e comunidades