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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL RAFAEL HENRIQUE SILVA BARROS FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes SÃO LUIS 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

RAFAEL HENRIQUE SILVA BARROS

FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e

repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes

SÃO LUIS

2015

2

RAFAEL HENRIQUE SILVA BARROS

FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e

repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em História Social da Universidade

Federal do Maranhão para obtenção do título de

mestre em História.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Izabel Barboza de Moraes Oliveira

SÃO LUIS

2015

3

FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e

repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes

Rafael Henrique Silva Barros

Dissertação de mestrado avaliada em __/__/__ com conceito _________

BANCA EXAMINADORA

Orientadora: Profª. Dra. Maria Izabel Barboza de Moraes Oliveira (UFMA)

Profª. Dra. Eliana Tavares dos Reis (PPGSoc/UFMA)

Profª. Drª Régia Agostinho da Silva (PPGHIS/UFMA)

Profª Drª Regina Helena Martins de Faria (PPGHIS/UFMA) - Suplente

4

Em memória de Evilásio Arcângelo Barros (pai),

Samuel Henrique Silva Barros (irmão),

Francisca Barros (vovó Chiquinha)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe Maridalva, ao meu avô Raimundo Pacheco, à minha avó Maria

Amélia, ao meu irmão Evilásio (Júnior), a minha cunhada Carlinha, pela força e apoio.

Às minhas sobrinhas Sarah e Jamile pelo carinho ao titio.

À minha companheira Kate Soares pelo apoio, carinho, paciência e amor. À minha sogra

dona Benedita, pela força e torcida.

Aos amigos: Marcelo Marxista, pela força e orientações; a Luann, Rodolfo, Ruan,

Fernando, Francisco e Léo, parceiros nos vinhos; a Carlos Poser, futuro Doutor.

A seu Riba e Gabi, ícones do CCH.

Agradeço a CAPES pela bolsa concedida através do PPGHIS/UFMA durante os dois anos

de mestrado.

Ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do

Maranhão, aos seus funcionários Jonathan e Ricardo, aos coordenadores, aos professores

com os quais fiz disciplina: João Batista (pelo apoio frequente), Josenildo Pereira, Regina

Faria, Alírio Cardoso.

Aos arguidores no exame de qualificação: professor Henrique Borralho (UEMA) e

professora Régia Agostinho, que também agradeço pela supervisão no Estágio da

disciplina Brasil III, bem como também por ter aceitado participar da banca de defesa.

À professora Eliana Tavares dos Reis (PPGCSoc/UFMA) por ter aceitado compor a banca

examinadora.

Aos companheiros e companheiras de turma do mestrado (2013): Adriana, André,

Antônio Marcos, Arnaldo, Camila, Celeste, Jéssica, Josenilma, Leina, Michele, Pedro,

Pietra, Raíssa e Samuel.

Aos funcionários da Biblioteca Pública Benedito Leite e do Arquivo Público do Estado

do Maranhão, locais onde fiz pesquisa.

À professora Maria Izabel pela orientação competente, pela paciência, correções e boas

sugestões para a feitura deste trabalho, pelas duas disciplinas ministradas voltadas para a

Análise do Discurso com as quais tive contato com teóricos que foram fundamentais para

o nosso estudo.

6

Como todo o mundo não pertencia à ‘situação’, os

que ficavam fora dela, vendo os seus direitos

postergados, começavam a berrar, a pedir justiça, a

falar em princípios e organizavam, desta ou daquela

maneira, masorcas.

A polícia, sob este ou aquele disfarce, abafa a menor

tentativa de crítica aos dominantes. Espanca,

encarcera, deporta sem lei hábil, atemorizando todos

e impedindo que surjam espíritos autônomos.

Lima Barreto – Os Bruzundangas

7

RESUMO

Neste trabalho, analisamos os discursos do jornalista maranhense José do Nascimento

Moraes expressos nos artigos escritos no jornal Diário de São Luiz, referentes aos

fuzilamentos na Mata do Codó (1921). Estes fuzilamentos foram resultados da repressão

levada a cabo pelas tropas policiais do Estado contra o que se dizia à época se tratar de

uma “conspiração política” que, segundo notícias chegadas ao então governador Urbano

Santos (1918-1922), estaria sendo liderada por um lavrador de nome Manoel Bernardino

de Oliveira que pregava princípios socialistas e visava depor o governador maranhense.

Uma vez informado, em fins de julho daquele ano (1921), por seus correligionários de

partido sobre essa possível “conspiração política”, o governador resolve enviar tropas

policiais para o povoado da Matta, onde se estaria arquitetando a referida “conspiração”.

As ações das tropas policiais do Estado (Maranhão) resultaram nos fuzilamentos de

quatros homens no povoado chamado Matta, cidade de Codó. Portanto, essas ações

criminosas das tropas policiais foram temas constantes nos artigos de José do Nascimento

Moraes, durante todo segundo semestre de 1921, que passara a criticar a administração

do governador como um dos principais responsáveis pelos crimes. Nesse sentido, tendo

em vista que esse jornalista já vinha fazendo oposição ao governo desde o surgimento de

seu jornal Diário de São Luiz, em outubro de 1920, entendemos que o caso da Matta,

relacionado ao contexto de disputas político-partidárias no qual se desenrolara, pode ser

visto como um acontecimento que servira para o jornalista Nascimento Moraes

intensificar suas críticas ao domínio oligárquico maranhense chefiado por Urbano Santos.

Em relação ao referencial teórico-metodológico utilizado na pesquisa, seguimos as

orientações dadas por Mikhail Bakhtin e Dominique Maingueneau quanto à análise de

textos/discursos. Bakhtin defende que devemos analisar os textos tendo em vista uma

perspectiva dialógica, na qual se deve levar em conta o contexto político-social no qual o

texto é escrito; para ele, os textos expressam disputas ideológicas de determinados grupos

em conflitos de ideias. As noções de interdiscurso e relação polêmica de Maingueneau se

aproximam do dialogismo de Bakhtin, à medida que busca entender os enunciados

expressos nos textos ou discursos de um determinado grupo sempre como uma resposta

ao outro.

Palavras-chave: José do Nascimento Moraes; jornal Diário de São Luiz; Caso da Mata;

governo de Urbano Santos; Codó (MA); 1921.

8

RÉSUMÉ

Dans cet travail, nous analysons les discours du journaliste maranhense Jose do

Nascimento Moraes exprimées dans les articles écrits dans le journal Diário de São Luiz,

se référant à la fusillade dans la Mata de Codó (1921). Ces tirs ont été le résultat de la

répression menée par les forces de police de l'Etat contre ce qui a été dit à l'époque ce est

un "complot politique" que, selon de nouvelles arrivées alors gouverneur Urbano Santos

(1918-1922), a été menée par un Nom fermier Manoel Bernardino de Oliveira qui prêchait

principes socialistes et visait à renverser le gouverneur de Maranhão. Une fois informés,

que les fins de juillet (1921), par ses partisans du parti au sujet de cette possible "complot

politique", le gouverneur décide d'envoyer des troupes à la police de la ville de Mata, où

il complotait dit «conspiration». Les actions de la police de l'Etat (Maranhão) de troupes

ont abouti à la prise de vue de quatre hommes dans le village de Mata, ville Codó. Par

conséquent, ces actions criminelles des forces de police ont été des thèmes constants de

articles de José de Nascimento Moraes, durant la seconde moitié de 1921, qui était venu

de critiquer l'administration du gouverneur comme l'un des principaux responsables des

crimes. En ce sens, étant donné que ce journaliste faisait déjà l'opposition au

gouvernement depuis l'apparition de son journal Diário de São Luiz, en Octobre 1920,

nous croyons que le cas de Mata, liée au contexte des différends des partis politiques dans

lequel avait eu lieu, peut être considérée comme un événement qui a servi à la journaliste

Nascimento Moraes intensifier leur critique de la règle oligarchique de Maranhão dirigé

par Urbano Santos. En ce qui concerne le cadre théorique et méthodologique utilisée dans

la recherche, suivre les indications données par Mikhaïl Bakhtine et Dominique

Maingueneau sur l'analyse des textes/discours. Bakhtine fait valoir que nous devons

analyser les textes concernant une perspective dialogique, dont il faut tenir compte du

contexte socio-politique dans lequel le texte est écrit; pour lui, les textes expriment

différends idéologiques de certains groupes dans les conflits d'idées. Les notions de

interdiscours et controversé de Maingueneau approchent du dialogisme de Bakhtine, car

il cherche à comprendre les déclarations exprimées dans les textes et les discours d'un

groupe particulier toujours comme une réponse à l'autre.

Mots-clés: José do Nascimento Moraes; Diário de São Luiz; Cas de Mata; gouvernement

Urbano Santos; Codó (MA); 1921.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 11

1. JOSÉ DO NASCIMENTO MORAES: o itinerário de um neo-ateniense no

contexto intelectual maranhense da Primeira

República........................................................................................................................23

2. O domínio oligárquico maranhense sob a liderança de Urbano Santos (1918-

1922)............................................................................................................................... 47

2.1. Diário Oficial do Maranhão: um espaço de divulgação dos atos governistas e de

propaganda do

governador...................................................................................................................... 61

2.1.1. Noticiários, telegramas e inquéritos sobre os fuzilamentos na Mata..................... 64

2.1.2. As palavras de Manoel Bernardino de Oliveira, o “cabeça” do levante na

Mata.................................................................................................................................80

2.1.3. E mais inquéritos... ...............................................................................................86

2.2. Os discursos sobre os fuzilamentos na Mata nas páginas d’O Jornal........................89

3. DIÁRIO DE SÃO LUIZ: a “voz” da oposição ao domínio político do governador

Urbano Santos.............................................................................................................114

3.1 Os escritos jornalísticos de José Nascimento Moraes: as primeiras notícias...entre a

(des)informação e as exigências de esclarecimentos sobre o caso da

Mata...............................................................................................................................117

3.2. “Boatos” de cerca de cem homens fuzilados... confirmação de quatro homens

fuzilados pelas tropas policiais do Estado: o Diário de São Luiz “acirra” a campanha anti-

governista......................................................................................................................130

3.3. As polêmicas declarações do tenente Henrique Dias... a entrevista de s. exc.

governador Urbano Santos ao jornal Pacotilha... ........................................................139

10

3.4. O relatório dos inquéritos “oficiais” sob a análise “suspeita” do Diário de São

Luís............................................................................................................................... 155

3.5. Enfim, as notícias do Julgamento do tenente Henrique Dias na imprensa maranhense:

a “cobertura” d’O Jornal e a fala do Diário de São Luiz............................................... 162

CONSIDERAÇÕES FINAIS: dois “maranhões”: um dos discursos situacionistas e

o outro da oposição......................................................................................................171

REFERÊNCIAS...........................................................................................................175

11

INTRODUÇÃO

Nosso interesse pelos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes se deve

muito por conta de nossa intenção em investigar as atuações desse jornalista nas disputas

político-partidárias maranhense no contexto da Primeira República (1889-1930). O

contato com a escrita de Nascimento Moraes já nos acompanha desde a monografia

desenvolvida no Curso de História da UFMA. Após o término de nossa monografia, que

versava sobre o tema da questão racial na obra desse autor, nos interessamos em analisar

os artigos desse jornalista voltados especificamente para as questões da política

maranhense na Primeira República. Percebemos, então, que uma das condições para que

tal análise pudesse ser possível seria pesquisarmos os jornais pelos quais atuou. Nesse

levantamento, deparamo-nos com o jornal Diário de São Luís (1920-1925), do qual era

redator-chefe, no período indicado.

O Diário de São Luiz, fundado no ano de 1920, portanto, em pleno governo de

Urbano Santos (1918-22), então líder do grupo oligárquico que exercia a hegemonia

política no Maranhão, passara a ser um órgão de oposição ao governo e, Nascimento

Moraes, na condição de Redator-chefe do referido jornal tinha um papel central enquanto

articulador dos discursos de oposição ao governador maranhense. O governo de Urbano

Santos não fora muito diferente dos domínios oligárquicos que dominaram o cenário das

administrações políticas no Brasil da Primeira República, marcado pelas denúncias de

fraudes eleitorais, violências contra opositores, clientelismo, uso patrimonialista da

“máquina” pública, defesa dos interesses dos grupos políticos hegemônicos nas esferas

estaduais e federais em detrimento dos interesses do povo, etc. Sendo assim, durante a

administração do governador Urbano Santos, um acontecimento ganhou visibilidade nas

páginas tanto dos jornais governistas, quanto do Diário de São Luiz: os fuzilamentos de

quatro homens pelas tropas policiais do Estado no povoado chamado Matta1.

1Como bem chamou atenção Giniomar Ferreira Almeida esse povoado é “Referenciado também como Mata

do Codó, Mata do Japão, Mata do Nascimento, Mata do Oliveira. Na maioria das vezes chamado apenas

de Matta, sic. Hoje este povoado pertence à cidade de Dom Pedro e até pouco tempo era chamado de Mata

Velha, atualmente recebe o nome de Pedro I”. ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine Maranhense:

fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão (1921). Dissertação de Mestrado. – João

Pessoa: [s.n], 2010. P. 11.

12

Em fins de julho de 1921, o governador2 foi informado por correligionários

políticos das cidades de Codó e Barra do Corda a respeito de uma “conspiração” política

contra seu governo, que estaria ganhando força no interior maranhense, liderada pelo

lavrador Manoel Bernardino de Oliveira. Ao ser informado sobre essa possível

conspiração, que diziam ser um levante armado que tentaria depor o governador às

vésperas das eleições estaduais de 1° de setembro de 1921, Urbano Santos resolve enviar

uma tropa policial, sob o comando dos tenentes Antonio Henrique Dias e Taurino Lobão

Lemos, para a cidade de Codó, que, de lá, deveria ir para o povoado da Matta, com

objetivo de reprimir os revoltosos. Os desdobramentos dessa “operação policial” foram

os fuzilamentos de quatro homens pelas tropas policiais do Estado, sem que houvesse de

fato o referido levante naquela povoação.

Ao tempo desses acontecimentos, o cenário político maranhense estava polarizado

basicamente em torno de dois partidos políticos que congregavam os grupos em disputa

pela hegemonia política: o Partido Republicano (situacionista) e o Partido Republicano

Maranhense (PRM). O primeiro contava também com o apoio do Partido Republicano

Federal (PRF), à época sob a liderança do médico Costa Rodrigues e que outrora fazia

oposição ao partido situacionista (Partido Republicano), mas que após acordos com os

governistas para as eleições de fevereiro (1921) passaram a apoiá-los. Quanto ao PRM,

fora formado em janeiro de 1921 após uma cisão intraoligárquica ocorrida no Partido

Republicano e que resultara na exclusão de Herculano Parga do situacionismo, levando

esse agente político a ser um dos criadores do PRM e, consequentemente, passara a fazer

oposição ao governador maranhense principalmente através do Diário de São Luiz que

passara a publicar matérias desse partido.

Portanto, uma vez exposto esse breve quadro de como se configurava o cenário

político maranhense tendo suas disputas político-partidárias polarizadas entre situação x

oposição, nosso trabalho analisa os discursos colocados em circulação nesse contexto

político pelo jornalista (professor e literato) José do Nascimento Moraes a respeito das

ações governistas que resultaram nos aludidos fuzilamentos na Mata. Tendo em vista sua

atuação como jornalista de oposição, Nascimento Moraes acirra ainda mais sua campanha

anti-governista, principalmente, quando o tenente Antônio Henrique Dias, um dos

2A terminologia utilizada para se referir ao executivo estadual era “Presidente”. Contudo, para evitarmos

confusões com a referência ao “Presidente” do executivo federal, optamos por utilizar o termo governador

quando for para nos referirmos ao administrador do executivo estadual.

13

responsáveis pela expedição militar que praticara os crimes, dissera, em matéria

publicada pelo Diário de São Luís, que havia sido autorizado pelo governador Urbano

Santos para cometer os referidos fuzilamentos. A partir destas declarações, Nascimento

Moraes vai intensificar suas críticas ao governador maranhense, defendendo pelos seus

editoriais que este era um dos governos mais violentos e “desastrosos” que o Maranhão

tivera até então. Nesse sentido, uma questão básica orienta nossa pesquisa: Que Maranhão

é esse descrito pelas páginas jornalísticas de Nascimento Moraes no contexto aludido?

O poeta maranhense Nauro Machado3 escreve que se Nascimento Moraes não

tivesse desperdiçado grande parte de seu tempo envolvido nas disputas político-

partidárias nos jornais pelos quais atuou talvez tivesse realizado uma produção literária

que o aproximasse de seu conterrâneo Aluísio Azevedo. É compreensível esse comentário

do poeta maranhense, pois como literato parece querer puxar a “brasa para sua sardinha”.

Entretanto, como bem ressaltou o historiador Nicolau Sevcenko4, uma das diferenças

entre a escrita historiográfica e a literária, é que nesta última o escritor lida com o que

poderia ter sido, enquanto o historiador trabalha com o que aconteceu.

Sendo assim, em nosso entendimento, o fato de Nascimento Moraes ter tido uma

carreira jornalística longa, afinal, foram mais de meio século de atividade jornalística, e

ter escrito sobre vários temas, dentre eles, pensando as questões políticas de seu Estado,

esse fator, talvez seja um ganho para os pesquisadores da área de História Política

maranhense. Esse jornalista, além de participar de um número significativo de jornais5 e

ter escrito uma variedade de artigos sobre os mais variados assuntos, compreendermos

que seus textos nos oferecem uma chave de leitura para as questões relativas à política

local.

Nosso trabalho, portanto, é de certa forma um estudo a respeito de um momento

dos domínios oligárquicos no Maranhão da Primeira República, mais especificamente o

governo de Urbano Santos (1918-1922), a partir do filtro dos escritos jornalísticos de José

do Nascimento Moraes, almejando assim, apresentar uma contribuição para os trabalhos

3MACHADO, Nauro. A Escrita Polêmica de José do Nascimento Moraes. IN: Neurose do Medo e 100

artigos de Nascimento Moraes. São Luís, SECMA/CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1982. 4SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão – Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira

República. 4ª edição. Editora Brasiliense. 1995. 5De acordo com Nauro Machado: “A Campanha, O Maranhão, A Pátria, Diário de São Luís, O Jornal, A

Tribuna, A Hora, Diário do Norte, Diário Oficial, O Globo, Correio da Tarde, A Imprensa, Regeneração,

Notícias, Diário do Maranhão, Atenas e O Imparcial foram alguns dos jornais e revistas em que Nascimento

Moraes atuou, às vezes como editorialista e vezes tantas como Redator-Chefe”. MACHADO, Op.cit. p.10.

14

historiográficos referentes à História Política do Maranhão. Desse modo, focalizamos

nossa análise em seus discursos a respeito das ações governistas que resultaram na

repressão política com quatro homens fuzilados pelas tropas estaduais em uma operação

policial que, a despeito dos alardes propagados de que se tratava de um levante contra o

domínio oligárquico de Urbano Santos, como veremos, as tropas policiais não

encontraram sequer uma resistência dos revoltosos. Esses crimes se configuram, em

nosso entendimento, a partir das evidências documentais apresentados pelos textos de

Nascimento Moraes, assim como dos jornais governistas, em mais um dos massacres

praticados pelos domínios oligárquicos que podemos registrar na História Política do

Brasil Republicano.

Dadas essas breves informações a respeito dos motivos e objetivos do nosso

trabalho passamos a falar sobre a noção de História que orienta nosso estudo.

Concebemos aqui a História, tal como proposta por Michel de Certeau, que a entende

como uma operação, vejamos:

Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira

necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um

lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos

de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura).

É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual trata, e que essa

realidade pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, “enquanto

prática”. Nesta perspectiva, gostaria de mostrar que a operação

histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas

“científicas” e de uma escrita [...] A escrita histórica se constrói em

função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito,

obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesmas6.

Essa citação resume bem as caracterizações do fazer historiográfico na perspectiva

de Michel de Certeau. Esse autor se propôs discutir as peculiaridades da escrita

historiográfica, de forma a apresentar os passos de uma pesquisa historiográfica, os

procedimentos que o historiador lança mão para sua investigação. Estas questões não

foram trabalhadas apenas por Michel de Certeau, uma vez que passaram a ser uma

preocupação dos historiadores pensarem a respeito de seu metier. Papel fundamental

nessas discussões tiveram os representantes da Escola dos Annales, cujos expoentes

pioneiros foram Marc Bloch e Lucien Febvre, bem antes de Certeau, que propuseram

uma série mudanças nas concepções de pensar a História, que a diferenciavam de sua

6CERTEAU, Michel de (1925-1980). A Operação Historiográfica. IN: A Escrita da História; tradução de

Maria de Lourdes Meneses; revisão técnica de Arno Vogel. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2002, p.66.

15

antecessora, a Escola Metódica Rankeana. Dentre estas mudanças, destaca-se a própria

posição do historiador. Conforme José Carlos Reis, o historiador passou a “aparecer na

pesquisa”, algo não recomendado anteriormente, “agora, ele é obrigado a ‘aparecer’ e a

explicitar a sua estrutura teórica, documental e técnica e o seu lugar social e

institucional7”. Assim como Michel de Certeau, José Carlos Reis considera que há

critérios na escrita historiográfica estabelecido pela comunidade dos historiadores que

visam ter um certo controle e acompanhamento das pesquisas historiográficas.

Quanto à perspectiva teórica que seguimos como parâmetro para nosso estudo,

pautamo-nos em algumas noções propostas pela História Cultural, principalmente quanto

à sua concepção em relação às construções discursivas pautadas nos referentes que a

realidade social oferece. Roger Chartier, um dos teóricos dessa concepção, expõe da

seguinte forma os objetivos da História Cultural: “[...] tem por principal objeto identificar

o modo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é

construída, pensada, dada a ler8”. Tendo em vista esse objetivo, Roger Chartier chama

atenção para a questão de que os discursos sobre a realidade social são construções

históricas de determinados grupos sociais, nesses termos, salienta que:

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem

à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre

determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada

caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a

posição de quem os utiliza9”.

Quanto à metodologia empregada nesse trabalho, seguimos algumas orientações

de análise do discurso na perspectiva dialógica, proposta por Mikhail Bakhtin. Para esse

autor, o texto deve ser compreendido em seu contexto político-social, sendo o texto

entendido ainda como a expressão de ideias e posicionamentos de agentes sociais em

determinadas “lutas ideológicas”, pois “o discurso escrito é de certa maneira parte

integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,

refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.10”. Uma

7REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p.26. 8CHARTIER, Roger. A Nova História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa; DIFEL, 1990,

p.16-17. 9CHARTIER, 1990, p.17. 10BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Prefácio de Roman Jakobson;

apresentação de Marina Yaguello; tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, com a colaboração

16

questão fundamental nas discussões teórico-metodológicas desse autor e que para nós se

aproxima muito da forma como Roger Chartier pensa as produções das representações

sociais, é a ênfase nas análises dos textos (escritos) tendo em visto a percepção de que os

mesmos são “produtos” de uma “interação social”, pois, conforme as palavras de Mikhail

Bakhtin:

O enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem leva-las em conta

é impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a

nossa própria ideia – seja filosófica, científica, artística – nasce e se

forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros,

e isso não pode deixar de encontrar o seu reflexo também nas formas

de expressão verbalizada do nosso pensamento11.

Ponto fundamental, nas propostas de análise desse autor, é a consideração do

discurso do “outro” como ponto de referência para compreendermos com quem dialoga

o autor dos textos que estamos analisando. Conforme Mikhail Bakhtin: “A expressão do

enunciado, em maior ou menor grau, responde, isto é, exprime a relação do falante com

os enunciados do outro, e não só a relação com os objetos do seu enunciado12”. Tendo em

vista essas considerações, ao longo de nossas pesquisas, percebemos que seria importante

para os objetivos de nosso trabalho, analisarmos, também, os discursos dos jornais

situacionistas, pois, os discursos colocados em circulação por Nascimento Moraes, seriam

questionados pelos seus adversários políticos, no caso em questão, os partidários do

governador Urbano Santos. Sendo assim, selecionamos dois jornais situacionistas para

análise: O Jornal e o Diário Oficial do Maranhão.

A escolha13 por estes jornais foi resultado de nossas pesquisas e por questões de

critério de análise. O Diário Oficial do Maranhão foi escolhido por conta de ser o órgão

de Lúcia Teixeira Wisnik e carlos Henrique D. Chagas Cruz. 6ª edição. Editora Huitec – São Paulo, 1992,

p.123. 11BAKHTIN, Mikhail M. Os Gêneros do Discurso. IN: Estética da Criação Verbal; prefácio à edição

francesa Tzvetan Todorov; introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. – 6ª ed. – São Paulo: Editora

WMF Martins Fontes, 2011, p.298. 12BAKHTIN, 2011, Opcit. 13Chamamos a atenção para o fato de que por questões de critérios nossos resolvemos atualizar a grafia dos

jornais aqui estudados. Além desses dois jornais haviam outros que eram partidários do governo de Urbano

Santos, como por exemplo A Pacotilha, de propriedade de Costa Rodrigues e que na época saíra em defesa

do governador maranhense contra as ações da oposição política. Durantes os acontecimentos na Mata, esse

jornal, assim, como O Jornal, tentara combater os discursos veiculados pelo Diário de São Luiz. Entretanto,

resolvemos não nos deter mais demoradamente nesse jornal por conta de critérios de escolha de pesquisa,

aliado ainda ao fato de que seus discursos não destoam basicamente do conteúdo do que veremos ao

analisarmos O Jornal: a propaganda do governador Urbano Santos como um agente político singular,

integro, e que era vítimas de uma oposição caluniosa; as mesmas denúncias de que Nascimento Moraes

17

de imprensa oficial do governo estadual, divulgando as ações do governo sobre questões

burocráticas (nomeações, decretos, informativos gerais, etc.) e, também, dando

publicidade aos telegramas recebidos pelo governador provenientes de várias partes do

Estado e de outros estados da federação. Nesse jornal passaram a ser publicadas também

as ações do governo quanto às investigações sobre os crimes na Matta, como por exemplo:

os relatórios dos inquéritos mandados ser instaurados pelo governador, os depoimentos

das pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, nos acontecimentos.

Em relação ao posicionamento d’O Jornal, resolvemos analisá-lo também, não

apenas por ser um jornal pró Urbano Santos, mas pela forma como fazia sua defesa do

governador, criticando seus opositores de forma “violenta”. No decorrer de nossas

leituras dos artigos jornalísticos escritos por Nascimento Moraes, percebemos que esse

jornalista fazia constantes referências aos membros desse jornal, quer seja por se tratar de

um jornal governista, quer seja pelas críticas que os representantes desse jornal lhes

faziam. Notamos, assim, que Nascimento Moraes se tornara um dos principais alvos das

críticas d’O Jornal. Desse modo, os discursos expressos nesses jornais foram analisados

aqui como o “outro” de Nascimento Moraes, ou seja, os adversários políticos desse

jornalista, com quem dialoga, responde, critica, ataca e questiona seus discursos.

Levando em conta que as fontes selecionadas por nós para análise são Jornais, é

importante fazermos algumas considerações acerca de como compreendemos sua

utilização para as pesquisas historiográficas. Para tanto, salientamos que um trabalho

pioneiro no uso de jornais para pesquisa no campo da História na historiografia brasileira,

conforme Tânia Regina de Luca, foi feito por Vavy Pacheco Borges. Esta autora se propôs

a “estudar as relações entre Getúlio Vargas e a oligarquia paulista, vista através de seus

principais órgãos de imprensa, durante o período de 1926-193214”. Almejando esse

objetivo, Vavy P. Borges faz um comentário sobre os usos que fizera dos jornais como

fonte historiográfica que achamos fundamental e que utilizamos aqui para pensarmos

nosso trabalho com os jornais por nós selecionados para estudo; vejamos como essa

autora entendia os jornais que analisara: “Os jornais não serão vistos como fontes

objetivas de verdade histórica, mas como esclarecedores de parte dessa verdade,

teria sido um dos responsáveis pela “invenção” das declarações do tenente Henrique Dias, etc. Por outro

lado, do jornal A Pacotilha trabalhamos uma matéria central que é a entrevista que o governador concedeu

a esse jornal após o tenente Henrique Dias lhes ter feito uma série de acusações. 14BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a Oligarquia Paulista – História de uma esperança e de

muitos desenganos através dos jornais da oligarquia: 1926-1932. Editora brasiliense, 1979. P. 13.

18

justamente através da subjetividade implícita num órgão de imprensa não meramente

informativa e sim formativa de opinião.15” Assim como os jornais estudados por essa

autora expressavam interesses de partidos políticos das oligarquias paulistas, os que

foram por nós estudados exprimiam os interesses dos partidos políticos maranhenses.

Atualmente, a utilização de jornais como fonte de pesquisa tem sido mais comum

por conta, principalmente, da renovação que a disciplina da História passou ao longo do

século XX. Segundo Tânia Regina de Luca, os jornais teriam sido marginalizados pela

tradição historiográfica de matriz rankeana por não serem considerados portadores da

almejada objetividade que uma fonte histórica deveria ter. Essa autora considera que a

renovação historiográfica proposta pelos Annales não implicou em reconhecimento

imediato da Imprensa como possibilidade de fonte para a História. Nesse sentido,

argumenta que, para compreendermos o uso da Imprensa como fonte histórica, é

interessante acompanhar “a renovação dos temas, as problemáticas e os procedimentos

metodológicos da disciplina16”.

Por ter como uma de suas principais características a leitura da realidade social,

dando ênfase para o atual, representando-o cotidianamente, os jornais oferecem

importantes indícios sobre as mais variadas questões de uma sociedade para pesquisa

historiográfica. Em termos de caracterização desse tipo de escrita, uma das ideias centrais

dos discursos jornalísticos é a noção de fidelidade aos fatos, propondo uma postura de

isenção do jornalista em seus relatos. Ao comentar essa ideia do discurso da objetividade

como um dos aspectos que deveria orientar a escrita jornalística, Maria Helena Capelato

escreve: “A objetividade na coleta de informação equipara-se à do cientista, tal como a

concebeu a perspectiva positivista17”.

Esse discurso da objetividade aparece nos três jornais analisados por nós nesse

trabalho. Contudo, percebemos que a propalada objetividade parece ser mais um ideal

jornalístico, mas na prática os escritos jornalísticos aqui em análise expressam ideais

políticos de cada grupo em disputa, pois estavam atrelados a partidos políticos, e foram

15Ibid., p.14. 16LUCA, Tânia Regina de. Fontes Impressas – História dos, nos e por meio dos periódicos. IN:

BASSANEZI, Carla Pinsky (Org.). Fontes Históricas. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2011, p.112. 17CAPELATO, Maria Helena. Imprensa na República: uma instituição privada. IN: República,

Liberalismo, Cidadania. Organizado por: Fernando Teixeira da Silva, Márcia R. CapelariNaxara e Virgínia

C. Camiloti. Piracicaba: Editora Unimep, 2003, p.142.

19

entendidos por nós como expressão dessas disputas partidárias18, embora, como bem

ressalta Maria Helena Capelato: “A ênfase no papel político da imprensa não a

descaracteriza como veículo de informação. Na Primeira República, os representantes dos

jornais salientaram a importância da função informativa19”.

Desse modo, nosso trabalho de dissertação segue estruturada em três partes, sendo

os dois últimos capítulos divididos em tópicos, nos quais apresentamos as principais

questões trabalhadas por nós.

No primeiro capítulo, fazemos considerações sobre o itinerário do jornalista José

do Nascimento Moraes, no contexto intelectual maranhense, nas duas primeiras décadas

do século XX. Seguimos nesse capítulo algumas concepções de Jean-François Sirinelli,

referentes ao estudo dos intelectuais, com destaque para as noções de itinerário e geração,

proposta por esse autor. Com a noção de itinerário visamos fazer um mapeamento das

posições ocupadas por Moraes no jornalismo local, desde sua estreia no jornal Pacotilha,

em 1900, até o período do nosso recorte histórico (1921), procurando identificar com

quais grupos políticos se envolveu, quer como partidário quer como opositor; para que

possamos compreender o que o levara a tornar-se opositor do grupo político liderado por

Urbano Santos.

Quanto à noção de geração, Jean-François Sirinelli considera que “No meio

intelectual, os processos de transmissão cultural são essenciais; um intelectual se define

sempre por referência a uma herança, como legatário ou como filho pródigo20”.

Nascimento Moraes fez parte de uma geração de intelectuais maranhenses que se

autodenominaram de “novos atenienses” e, no entendimento de Manoel Barros Martins21,

esses intelectuais tinham como uma das principais características uma produção literária

voltada para reatar os laços com a tradição literária maranhense, na qual expunham o que

entendiam ser os principais problemas da realidade sócio-econômica do Maranhão à

época (Primeira República).

18Retomando aqui novamente uma colocação de Vavy Pacheco Borges para sustentar essa nossa percepção,

entende-se que: “[...] informar é formar, e o jornalismo não pode ser desligado de um papel político no

sentido amplo”. BORGES, op.cit, p.27. 19CAPELATO, op.cit., p.139. 20SIRINELI, Jean-François. Os Intelectuais. IN: Por uma história política / [Direção de] René Rémond;

tradução Dora Rocha. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.254-255. 21MARTINS, Manoel Barros. Operários da Saudade: Os novos atenienses e a invenção do Maranhão.

São Luís: EDUFMA, 2006.

20

No segundo capítulo, logo de início fazemos uma análise das principais

características do domínio oligárquico no Maranhão na Primeira República, com destaque

para a trajetória do governador Urbano Santos, objetivando compreender as condições

que possibilitaram esse agente político se tornar a principal liderança política maranhense,

após a morte de Benedito Leite em 1909, quem até então dava as cartas na política local.

Após essa exposição o restante do capítulo segue dividido em dois tópicos. No primeiro

tópico nos detemos no jornal Diário Oficial do Maranhão: analisando os discursos desse

jornal, apresentando as informações gerais sobre o mesmo, seu papel de divulgador dos

discursos oficiais sobre o governo; falamos dos noticiários e inquéritos sobre os

fuzilamentos na Mata; apresentamos a versão de Manoel Bernardino de Oliveira, o cabeça

da conspiração na Mata, sobre os referidos acontecimentos; fazemos uma análise do

último inquérito apresentado para investigar os boatos de que houvera mais catorze

mortes além dos quatro fuzilamentos confirmados.

No segundo tópico desse capítulo, analisamos os discursos d’O Jornal. Esse

periódico, além de divulgar as notícias referentes ao caso da Matta passara também a falar

das ações do governador para investigar os crimes noticiados. Após as declarações do

tenente Henrique Dias e o acirramento das críticas da oposição, esse jornal reforça mais

ainda sua defesa ao governador, falando de sua trajetória política em tons elogiosos e,

consequentemente, tecendo fortes críticas à oposição. Dentre os alvos d’O Jornal,

destaca-se o jornalista Nascimento Moraes. Desse modo, estabeleceu-se uma disputa

político-partidária entre os representantes d’O Jornal e Nascimento Moraes, uma relação

marcada por polêmicas diárias nas páginas jornalísticas. Nessa disputa cada lado passou

a construir uma imagem de seu “outro”. Sendo assim, Dominique Maingueneau ao falar

a respeito das características gerais de uma relação polêmica, expõe uma ideia que

podemos nos apropriar aqui para pensar o caso acima. Para Maingueneau, uma vez

instaurado uma polêmica:

Cada uma das formações discursivas do espaço discursivo só pode

traduzir como “negativas”, inaceitáveis, as unidades de sentido

construídas por seu Outro, pois é através desta rejeição que cada uma

define sua identidade. Uma formação discursiva opõe dois conjuntos de

categorias semânticas, as reivindicadas (chamemo-las de “positivas”) e

as recusadas (as “negativas”)22.

22MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Tradução FredaIndusrk;

revisão dos originais da tradução Solange Maria LeddaGallo, Maria da Glória de Deus Vieira de Moraes.

Campinas, 3ª edição, 1997, p.122.

21

Na relação polêmica que aqui analisamos, cada lado atribui a si uma conduta

jornalística e partidária louvável, correta, no caso em questão, de defesa do seu lado

político, como representante do fazer política correto. Quanto ao adversário, este vai ser

apresentado como representantes das atitudes abomináveis. Outra questão apontada por

Dominique Maingueneau, quanto às relações polêmicas, é que: “[...] para preservar sua

identidade, o discurso só pode relacionar-se com o Outro do espaço discursivo através

do simulacro que dele constrói23”. Portanto, essas polêmicas passam a se dar de acordo

com a tentativa de colocar em circulação a imagem do outro, ou o simulacro do outro,

como nas palavras de Maingueneau, de forma, às vezes, ridicularizada, disputando, assim,

a audiência da opinião pública.

No terceiro capítulo, temos como objetivo analisar os discursos expressos nos

textos escritos por Nascimento Moraes, no jornal Diário de São Luís, acerca dos

mencionados acontecimentos na Matta, Codó. No início do capítulo apresentamos uma

série de informações gerais sobre esse órgão oposicionista. Dadas essas informações o

capítulo segue subdividido em cinco itens. O primeiro trata basicamente dos discursos de

Nascimento Moraes sobre as primeiras notícias de que se estaria arquitetando uma revolta

no interior do Maranhão, sob a liderança de Manoel Bernardino de Oliveira: as primeiras

impressões e considerações do jornalista acerca dessas notícias é de ceticismo quanto aos

referidos boatos de revolta, exigindo inclusive esclarecimentos sobre o caso da Mata; no

segundo item, analisamos os discursos de Moraes após as notícias chegadas à Capital de

cerca de cem homens fuzilados, com a confirmação de quatro mortes, em que esse

jornalista vai acirrar sua campanha contra o governador acusando-o pela sua

administração política desastrosa; no terceiro item analisamos os discursos de

Nascimento Moraes cujas críticas ao governador Urbano Santos foram intensificadas

mais ainda quando o tenente Henrique Dias, um dos comandantes das tropas que

praticaram os fuzilamentos, havia pedido a Nascimento Moraes para publicar pelo Diário

de São Luiz um documento no qual o tenente fazia declarações polêmicas de que praticara

os fuzilamentos a mando do governador, este, por seu lado, dá uma entrevista à Pacotilha

tentando desmentir as declarações do tenente. Portanto, a análise das declarações do

tenente e a entrevista do governador foram os temas básicos que estudamos nos textos de

Moraes nesse item. No quarto item, nossa análise versa sobre o posicionamento de

Moraes em relação aos inquéritos oficiais que o governador Urbano Santos mandara fazer

23MAINGUENEAU, 1997, p.122.

22

para apurar os crimes na Mata: apresentamos uma série de ressalvas feitas por esse

jornalista para colocar sob suspeitas os referidos inquéritos. E, por fim, no quinto e último

tópico desse capítulo, analisamos como foram expressos nos jornais (aqui selecionados)

da capital maranhense os resultados dos julgamentos dos envolvidos nos fuzilamentos na

Mata, que resultara nas absolvições dos criminosos. Analisamos o auto de defesa

apresentado pelo tenente Henrique Dias e que foi publicado pel’O Jornal, no qual dava

sua versão final acerca dos motivos que o levara a praticar os fuzilamentos. Quanto ao

jornal oposicionista, selecionamos algumas matérias para comentarmos como

Nascimento Moraes se posicionou em relação aos desdobramentos desse julgamento,

lamentando mais um resultado de impunidade que presenciara na História Política

maranhense.

23

1. José do Nascimento Moraes: o itinerário de um Neo-ateniense no contexto

intelectual maranhense da Primeira República

Nos últimos anos tem sido produzido trabalhos historiográficos voltados para a

atuação dos intelectuais maranhenses que vivenciaram o contexto da Primeira República.

Para exemplificarmos, o caso de José do Nascimento Moraes pode ser visto como um

desses intelectuais cuja atuação no jornalismo, na educação e na produção literária

maranhense tem sido objeto de estudo na área da historiografia maranhense mais

recente24. Nosso trabalho visa seguir nesse debate acerca do papel dos intelectuais

maranhenses a nível local, tendo como objetivo analisar os textos jornalísticos de José do

Nascimento Moraes sobre os fuzilamentos na Matta do Codó (1921) praticados pelas

tropas policiais do Maranhão durante o governo de Urbano Santos. Na condição de

Redator-chefe do jornal Diário de São Luiz (1921), Nascimento Moraes era um dos

principais articuladores do discurso de oposição ao domínio político do então governador

Urbano Santos (1918-1922).

José do Nascimento Moraes tem sido considerado um dos jornalistas maranhenses

mais atuantes no jornalismo local durante a primeira metade do século XX. Nascido em

São Luís do Maranhão, em 19 de março de 1882, veio a falecer em 22 de fevereiro de

1958. De origem humilde, filho de Manoel Nascimento Moraes e de D. Catarina Maria

Vitória (ex-escravos), conseguira com dificuldades concluir o curso de humanidades pelo

Liceu Maranhense aos 18 anos. Sua primeira esposa chamava-se D. Ana Augusta com

que tivera os filhos: Ápio Cláudio do Nascimento Moraes, Paulo Augusto Nascimento

Moraes, Nadir Adelaide do Nascimento Moraes, João José. Nascimento Moraes teve

ainda outros filhos em relacionamento extraconjugal com Maria Francisca da Graça

Bogea com quem tivera os filhos: José Nascimento Moraes Filho, Talita Moraes e

Raimundo25.

Em 1900 estreia na Imprensa maranhense pelo jornal Pacotilha, sob a tutela de

Manoel de Bettencourt. Esse jornal pertencia a Costa Rodrigues, político que liderava um

grupo político que fazia oposição a Benedito Leite, sendo este último chefe do

situacionismo político no Maranhão desde pelo menos a segunda metade da década de

24Tais estudos vão desde artigos acadêmicos, monografias de conclusão de curso, dissertações de

mestrados. Para citarmos alguns, temos: Bras (2008; 2014), Barros (2011), Araújo (2011). 25REGO, Eliana Campos Morais. O perfil de um negro, na primeira metade do século XX em São Luís

do Maranhão: José do Nascimento Moraes. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de História

da UEMA para obtenção de graduação em licenciatura plena em História. São Luís, 1997, p.58-62.

24

90, do século XIX, domínio este que só terminou com sua morte em 1909. Ainda em

1900, Nascimento Moraes passa a figurar no periódico literário intitulado Oficina dos

Novos, sendo um dos objetivos desse órgão literário dar publicidade à produção literária

de seus integrantes.

Uma vez salientado essas breves informações acerca da estreia de Nascimento

Moraes na Imprensa maranhense, faz-se necessário tecermos algumas considerações

referentes à condição intelectual maranhense no contexto da Primeira República para nos

auxiliar numa melhor compreensão do seu itinerário nesse cenário.

José do Nascimento Moraes foi contemporâneo de uma geração de intelectuais

que se autodenominaram os “Novos Atenienses”. Foi Antonio Lobo26, seu

contemporâneo e desafeto, quem utilizou essa terminologia que passara a ser utilizada

pela historiografia maranhense para se referir aos intelectuais maranhenses que atuaram

no cenário local na Primeira República. A ideia de “Novos Atenienses” é referência ao

discurso propalado pelos literatos maranhenses ao título de “Atenas” brasileira. Antonio

Lobo estabeleceu uma periodização para se referir aos literatos maranhenses como

estando divididos em três gerações: a primeira remete ao chamado “Grupo Maranhense”,

tendo como principais representantes Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis,

Odorico Mendes e Gomes de Sousa. Estes teriam sido os responsáveis pela instituição do

epíteto de “Atenas Brasileira” para São Luís (e por extensão ao Maranhão). A segunda

geração seria marcada pela emigração para o sul do país, devido as condições sociais e

econômicas do estado não favorecerem a permanência desses intelectuais no Maranhão.

Por último, haveria uma terceira geração da qual o autor do livro fazia parte que diziam

estar vivendo uma situação de marasmo econômico e literário, e que fora marcada pela

tentativa de “revigoramento” da produção literária maranhense, uma vez que o objetivo

era “reatar” os laços com a tradição literária legada pelos membros da primeira geração.

Manoel de Jesus Barros Martins (2006) em estudo sobre essa intelectualidade

autodenominada de “Novos Atenienses” expõe uma série de questões fundamentais para

compreendermos a atuação desses intelectuais no Maranhão da Primeira República. Um

dos primeiros pontos ressaltado por esse autor é a ideia de que duas temáticas centrais são

logo de início perceptíveis nos discursos desses intelectuais: um discurso decadentista e

26LOBO, Antonio. Os Novos Atenienses – Subsídios para a história literária do Maranhão. 3ª edição.

São Luís: AML/EDUEMA, 2008 [1909].

25

a referência ao mito da “Atenas Brasileira”. Em relação ao primeiro aspecto, Martins

escreve que a ideia do discurso da decadência nesses autores estabelece o início do século

XIX como marco da decadência econômica da Província do Maranhão. O período

pombalino seria visto como a época áurea da economia local, sendo de se ressaltar ainda

que, nos discursos dos intelectuais locais a respeito da economia maranhense ao longo do

século XIX, construiu-se duas imagens: um período de prosperidade e um de decadência.

Nesses termos, escreve Martins:

Essa perspectiva define um estado de decadência como sendo

percebido, aos olhares do presente de quem o sente e emite seu juízo,

do ângulo geralmente estreito da idealização de um passado mítico que

deve ser imitado para produzir um futuro destituído de possíveis

ocorrências traumáticas27.

Desse modo, tais literatos empreenderam uma série de atitudes que objetivavam

sair do que entendiam ser um marasmo literário vivenciado pelas letras maranhenses.

Ainda de acordo com Manoel Barros Martins, é notável a percepção das iniciativas desses

intelectuais cujo desdobramentos se deram numa considerável produção literária, na

criação de jornais e editoras para publicação de tais obras, “uma produção institucional

significativa”, bem como “a realização de eventos fundamentais para integrá-los”. Esses

quatro pontos são desenvolvidos pelo autor ao longo de seu texto expondo assim uma

maior visibilidade das ações dessa intelectualidade maranhense. Outro aspecto

fundamental que singulariza essa geração de literatos na concepção de Martins, quando

comparada às duas gerações que os antecederam, se daria pelo seguinte fato: “uma

característica da obra desses intelectuais foi a definição do referente Maranhão como

objeto privilegiado de análise. Essa postura distingue francamente esses letrados de seus

pares de gerações anteriores28”.

A despeito de apresentarem pontos em comuns, não faltaram as dissenções entre

os Neo-atenienses. Sendo assim, um dos exemplos mais citados é o que ocorrera com a

Oficina dos Novos, periódico criado em 1900 para ser publicado as produções literárias

de seus integrantes. Contudo, houve um rompimento entre Nascimento Moraes e Antonio

Lobo, dois dos mais destacados personagens desse grupo. O primeiro fundou a

Renascença Literária (1902) com outros literatos que o acompanharam. Essa cisão, para

Martins, teria contribuído para elevar o debate intelectual local por conta da instauração

27Martins, 2006, op.cit, p.28. 28 Ibid. p.85.

26

de uma concorrência entre os grupos para impor-se frente ao adversário, propiciando

assim uma “franca produção” literária29. Essa produção passou a ter as Revistas e os

Jornais como principais meios de divulgação, portanto, Martins salienta que em termos

numéricos a criação de periódicos na Primeira República superou a marca dos 240.

Comparado ao tempo do Império (68 periódicos) e os anos de 1931 a 1980 (150 títulos)

esses números expressam, para Manoel B. Martins, dados de uma produção significativa

levada a cabo por essa intelectualidade. Por outro lado, ressalta esse autor:

A grande maioria dos periódicos publicados durante a vigência da

República Velha no Maranhão não ultrapassou o nível de iniciativas

fugazes, de curta e de curtíssima duração. Um pequeno número deles,

mantido pelos maiores empreendimentos tipográficos do estado,

experimentou uma trajetória de longa duração, formando a grande

imprensa regional e servindo de pousio para o exercício da atividade

jornalística de expressiva parcela dos intelectuais estudados30 (Novos

Atenienses).

Embora alguns periódicos tivessem vida curta, no período de vigência serviram

para dar publicidade às obras de muitos intelectuais. Contudo, tendo em vista o que diz

Manoel Barros Martins acima, podemos perceber que havia uma parcela de Jornais cuja

duração longa, se tornaram o núcleo da grande imprensa maranhense na época da

Primeira República. Nesse sentido, os jornais passaram a ser os locais privilegiados para

a atuação desses literatos.

Essa relação dos intelectuais maranhenses com os jornais ao tempo da República

Velha parece ter em comum aspectos que eram vivenciados pela maioria dos intelectuais

brasileiros no período em questão. Sergio Micelli, em estudo a respeito da condição dos

intelectuais brasileiros nesse período, expõe algumas situações às quais estavam

submetidos que podem nos ajudar a relacionar com as experiências dos literatos

maranhenses. Um dos pontos enfocados por esse autor é a situação da carreira intelectual

relacionada à ocupação em cargos da burocracia estatal (instituições políticas, grande

Imprensa, organizações partidárias), nesse cenário: “A possibilidade de ocuparem essas

novas posições dependeu não dos títulos e diplomas que por acaso tivessem, mas muito

mais do capital de relações sociais que lograram mobilizar31”. Conforme esse autor, em

29MARTINS,2006, op.cit. p.113. 30 Ibid., p.169. 31MICELI, Sérgio. Poder, sexo e letras na República Velha (estudo clínico dos Anatolianos). IN:

Inteligência à Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.53.

27

relação à imprensa, a atividade jornalística se tornara um “ofício compatível com o status

de escritor32”. A imprensa passara a ser um local para o qual os intelectuais “anatolianos”

vendiam/prestavam seus serviços, tornando o jornalismo uma das principais atividades

que caracterizaram as ações desses atores sociais.

Sergio Micelli salienta também as mudanças ocorridas nos jornais que os

transformaram em empresa industrial, nesse sentido escreve:

O controle dos jornais constituía um dos principais móveis da luta em

que estavam envolvidas as diversas facções oligárquicas. Um jornal era

forçosamente o porta-voz de grupos oligárquicos, seja daqueles que

estavam no poder (a “situação”), seja dos que estavam

momentaneamente excluídos do poder. Tal vínculo aparece de modo

explícito nos inúmeros relatos que mostram presidentes da República

envolvidos em manobras visando submeter a imprensa aos interesses

políticos da facção a que pertenciam33.

Sendo assim, uma vez os jornais estando sob controle das oligarquias, quer seja

da oligarquia dominante ou dos membros das oligarquias que não estavam no domínio

político, os intelectuais que atuavam nesses jornais dificilmente não tomavam partido dos

grupos políticos que controlavam (às vezes eram donos dos jornais) os jornais para os

quais trabalhavam, contribuindo assim para uma espécie de propaganda das oligarquias.

De acordo com Micelli,

Esse trabalho de celebração das oligarquias materializa-se em toda uma

série de rubricas, comentários políticos, notas apologéticas e

biográficas das grandes figuras da oligarquia, “artigos de fundo”,

“tópicos”, “ecos” e, sobretudo, os editoriais [...] Os escritores engajados

nessas tarefas viam-se obrigados a identificar-se com os interesses

políticos do jornal para o qual trabalhavam; o êxito que alcançavam por

meio de sua pena poderia lhes trazer salários melhores, sinecuras

burocráticas e favores diversos34.

Essa situação das relações entre intelectuais e poder político expostas por

Micelli também eram muito comuns para os “Neo-atenienses”. Dorval do Nascimento,

em texto voltado para análise da condição intelectual maranhense na Primeira República,

aborda uma série de estratégias colocadas em prática por esses literatos para obterem

32MICELLI, Op.cit. p.54. 33 Ibid., p.55. 34 Ibid.

28

consagração, se não a nível nacional pelo menos a nível local, bem como a situação de

“dependência” que os intelectuais tinham do trabalho jornalístico.

Esse autor problematiza a periodização apresentada por Antonio Lobo que passara

a ser aceita pela historiografia local sem muitos questionamentos. Para Dorval do

Nascimento a utilização dessa periodização colocada em circulação pelos “Novos

Atenienses” pode ser entendida como uma estratégia de auto- consagração desses letrados

num contexto intelectual no qual:

As possibilidades de carreira literária estavam marcadas, no período,

pela ausência de um mercado consumidor regular de bens simbólicos,

a nível regional, o que impossibilitava a esses intelectuais viverem de

sua própria produção literária. A carreira literária, assim, participava de

um conjunto de carreiras possíveis do sistema de dominação, vinculada

ao campo político, e que permitia aos intelectuais, conforme o caso e as

vicissitudes das disputas de poder, ocupar funções públicas de segunda

ordem no quadro das carreiras disponíveis (MICELI, 2000, p.24), em

geral como professores do Liceu Maranhense e/ou da Escola Normal,

diretores da Biblioteca pública e da Imprensa oficial e, no limite,

secretário geral do Estado, funções distantes de carreiras dirigentes

rentáveis e de prestígio como as de deputado federal, governador de

Estado e senador, ápice do espectro de carreiras dirigentes na Primeira

República35.

Dorval do Nascimento escreve ainda que o campo intelectual maranhense era

marcado por disputas entre os intelectuais como decorrência das disputas políticas, nas

quais se defendia o seu grupo político. Outro ponto apresentado por esse autor é a ideia

das disputas nas quais os intelectuais concorriam “para acumular Capital simbólico em

um meio social desprovido de condições mínimas de exercício da carreira intelectual, em

vista da inanição de um mercado consumidor de bens simbólicos36”. Reforça a

importância dos Jornais como espaço de maior atuação desses intelectuais, quer seja para

defesa dos grupos políticos que apoiavam como meio de remuneração e mesmo para

acumular Capital simbólico e social.

Ainda de acordo com Dorval do Nascimento, outro aspecto característico desses

literatos “neo-atenienses” era a percepção do Rio de Janeiro como “horizonte de

expectativa”, por ser à época o principal lugar de consagração para o literato.

35NASCIMENTO, Dorval do. Estratégias de consagração no campo intelectual maranhense na Primeira

República. IN: Dimensões, vol.26, 2011, p.241-242. ISSN:2179-8869. 36 Ibid., p.242.

29

Pensavam/sonhavam conseguir a consagração que já havia sido conquistada por

contemporâneos seus como Aluízio Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha, etc. Essa

proeminência do Rio de janeiro se dava, dentre outros fatores, porque “congregava

também o maior mercado de emprego para os homens de letras. Sua posição de

proeminência se consagrou definitivamente em 1897, com a inauguração ali da Academia

Brasileira de Letras37”.

Embora se possa falar nesse desejo dos intelectuais maranhenses ao verem o Rio

de Janeiro como “horizonte de expectativa”, a atuação deles a nível local foi marcada por

uma produção relativamente significativa em várias áreas do conhecimento. Destaca-se,

ainda, suas realizações em termos de criação de instituições, tais como: A Oficina dos

Novos (1900) e a Renascença Literária (1901); a Academia maranhense de Letras (1908),

as faculdades de Direito (1918) e Farmácia (1922), o IHGM (Instituto Histórico e

Geográfico do Maranhão) em 192538, além de um número significativo de periódicos.

Essas instituições passaram a integrar os espaços de consagração dos intelectuais

maranhenses da época. Além destas instituições, Manoel Barros Martins acrescenta ainda

a importância de outras instituições públicas, como o Liceu Maranhense, o Centro

Caixeiral e a Biblioteca Pública, tais instituições estavam “na vanguarda do movimento

de renovação cultural do Maranhão”, pois,

Funcionaram eles como ponto de encontro de novos e velhos

intelectuais interessados em discutir os problemas regionais. Ao

abrirem espaço para a realização de conferências, reuniões e outros

cometimentos dessa natureza, tais organismos propiciaram a que tais

intelectuais identificassem propósitos coletivos e buscassem

concretizá-los através de organismos constituídos com finalidades

específicas39.

Manoel Barros Martins apresenta os seguintes nomes dos intelectuais

maranhenses selecionados por ele como os mais destacados nas área em que atuaram:

José Ribeiro do Amaral, Manoel de Béthencourt, Antonio Batista Barbosa de Godóis,

Justo Jansen Ferreira, Antonio Francisco Leal Lobo, Aquiles de Faria Lisboa, Inácio

Xavier de Carvalho, Fran Paxeco, Raul Astolfo Marques, Domingos de Castro Perdigão,

José Américo Olímpio Augusto Cavalcante dos Albuquerque Maranhão Sobrinho,

37SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão – Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira

República. 4ª edição. Editora Brasiliense. 1995, p.93. 38NASCIMENTO, 2011, op.cit. p.243. 39MARTINS, 2006, op.cit. p.176.

30

Domingos Quadros Barbosa Álvares, José do Nascimento Moraes, Antonio da Cunha

Lopes e Raimundo da Cunha Lopes40. Entretanto, Martins entende que “Antonio Lobo,

Nascimento Moraes e Fran Paxeco foram seguramente os expoentes máximos dessa

geração41”.

Nesse cenário intelectual, José do Nascimento Moraes teve uma atuação marcada,

dentre outros fatores, por polêmicas com seus pares bem como um engajamento político

nos jornais, ora criticando o mandonismo local, ora o apoiando como se deu à época do

governo de Luiz Domingues (1910-1914). Para os propósitos do presente trabalho, nos

interessa traçar seu itinerário como jornalista nesse contexto intelectual basicamente nas

duas primeiras décadas do século XX, desde sua estreia no jornal Pacotilha (1900) até

sua atuação pelo Diário de São Luiz (1921) na condição de Redator-chefe do referido

jornal e, consequentemente, como um dos principais articuladores do discurso de

oposição ao governador Urbano Santos (1918-1922) que no período era a principal

liderança política maranhense.

Nascimento Moraes em texto intitulado Nem ontem, nem hoje, nem amanhã!42,

expõe uma série de informações acerca do seu itinerário no jornalismo local que,

juntamente com as informações de outras bibliografias e artigos de jornais que temos tido

acesso, nos ajuda a mapear sua atuação no jornalismo maranhense nas duas primeiras

décadas do século XX. Nesse texto, o autor reage a críticas que o haviam feito quando à

época era Redator-chefe do Diário de São Luiz, segundo informa, se as críticas fossem

feitas à sua pessoa, não ligaria, entretanto teriam criticado o seu lado jornalista, daí sua

necessidade de autodefesa em forma de autoconsagração. Moraes diz ter começado no

jornal Pacotilha. Este jornalista não especifica o ano, mas segundo Adriana Gama de

Araújo (2011), a estreia de Moraes se dera no ano de 1900. Nascimento Moraes salienta

ainda que esse jornal era órgão oposicionista, sendo que à época o domínio oligárquico

local obedecia a liderança de Benedito Leite. Ainda de acordo com Moraes o jornal

Pacotilha era dirigido por Barbosa de Godóis e depois por José Barreto.

Embora Nascimento Moraes ressalte que se tratava de um jornal oposicionista,

cabe ressaltar que a Pacotilha era de propriedade de Costa Rodrigues que, por ser dono

40 MARTINS, 2006, op.cit., p.149-161.. 41 Ibid., p.133. 42 DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de Julho de 1922, p.1.

31

do referido jornal teria se cercado de intelectuais de talento para atuarem em seu jornal43.

Não é difícil pensar que os intelectuais cooptados por Costa Rodrigues fossem em sua

maioria aqueles que não integravam o situacionismo oligárquico chefiado por Benedito

Leite44. Nesse sentido, Nascimento Moraes aparece no jornalismo maranhense inserido

nestas disputas políticas locais que envolviam também a atuação desses intelectuais que

tomavam partido do grupo político que dominava o jornal para o qual trabalhavam. Essas

questões referentes às relações entre intelectuais e poder político no Maranhão da

Primeira República é assim sintetizada por Rossini Corrêa: “O mecenato oficial e a

oligarquia protetora faltaram a alguns certos, que conheceram fúrias e experimentaram

perseguições, originários dos detentores do Estado Patrimonial45”.

Ainda no ano de 1900, Nascimento Moraes participou do periódico a Oficina dos

Novos, vindo a desvincular-se desse grupo e fundando junto com amigos A Renascença

Literária. Antonio Lobo (2008), ao referir-se a essa dissidência literária não comenta os

motivos da mesma. Por outro lado, Nascimento Moraes (1910) argumenta que um dos

motivos de ter saído da Oficina dos Novos teria sido por que Antônio Lobo queria criar

um grupo de literatos que seguissem suas orientações, “que lhe batesse palmas, que lhe

glorificasse o nome e o do mano (Fran Paxeco)46”, chamando para si também a

responsabilidade pelo que Antônio Lobo dizia ser o renascimento literário do Maranhão.

Ao longo da primeira década do século XX parece ter sido corriqueiro Moraes e Lobo

trocarem insultos, acusações mútuas e tentativas de desqualificar um o trabalho do outro

(falaremos um pouco dessa disputa de egos mais a frente).

Outro jornal que Nascimento Moraes participara foi A Campanha (1902-1904)

que, segundo suas informações, estava sob a direção de Ignacio Raposo que substituíra

Manoel de Bethencourt. Conforme Moraes escreve: “Era a ‘Campanha’ denodado órgão

43 MOREIRA, Arthur Q. Collares. Gomes de Castro, Benedito Leite e Urbano Santos – a cuja orientação

política, a de cada um por seu turno, obedeceu uma das correntes partidárias, dentre as que, nos dois

regimes, directa ou indirectamente, tomaram parte nos acontecimentos referidos neste livro. Rio de Janeiro

– Jornal do Commercio”. Rodrigues & Cia. 1939. 44Para mais informações sobre a “trajetória” de Benedito Leite na política maranhense, conferir: VIVEIROS

(s/d); MOREIRA, op.cit. 45CORRÊA, Rossini. Atenas brasileira: a cultura Maranhense na Civilização Nacional. Brasília:

Thesaurus; Corrêa & Corrêa, 2001. P.172. 46MORAES, José do Nascimento. Artigo VIII. IN: Puxos e Repuxos. São Luiz do Maranhão, Tipografia

do Jornal dos Artistas, 1910. Possuímos uma cópia digitalizada desse livro, sendo que o mesmo não possui

numeração de páginas. Tendo em vista se tratar de um livro resultante da reunião de uma coleção de artigos

publicados pelo jornal Correio da Tarde, no ano de 1910 e totalizando vinte artigos, ao fazermos a

referência a esse livro optamos por citá-lo pela numeração dos artigos.

32

oposicionista47”. Nesse jornal Manoel de Bethencourt tinha uma atuação de destaque por

conta dos seus editoriais, escrevendo nele um romance chamado A Crise (1902) em que

fazia uma análise geral da sociedade maranhense da época, além de tecer fortes críticas à

política local chefiada por Benedito Leite. Os desdobramentos da publicação desse

romance publicado nos editoriais do referido jornal denotam outro aspecto a que podiam

estarem sujeitos os intelectuais maranhenses: a possíveis agressões físicas como

consequência pelo que publicavam, ainda mais se se tratava de críticas a pessoas

importantes da sociedade local ou mesmo a membros do situacionismo político. Para

ilustrar essa situação vejamos o que Jerônimo de Viveiros relata a respeito do que ocorrera

após as publicações das edições dos editoriais de Manoel Bethencourt quando da escrita

de seu romance “A Crise”: “Betencourt enfeitava com virtudes os personagens que

encarnavam seus amigos e cobria de ridículo os que representavam seus inimigos48”.

Portanto, Jerônimo de Viveiros escreve que não seria difícil conjecturar que tal romance

causaria problemas e, segundo esse autor,

Foi o que se deu quando seu autor fez entrar em cena ilustre senhora da

alta sociedade de São Luís. Julgando-se ultrajada, a família visada

mandou dar uns murros em Betencourt. Mas quem os levou foi (Inácio)

Raposo, tal como, anos passados, Betencourt apanhara alguns socos

destinados ao Monsenhor Mourão49.

Ainda de acordo com Jerônimo de Viveiros, o romance “A Crise” teve sua

publicação suspensa. Entretanto, a linguagem do jornal A Campanha continuou em tons

violentos. Esse jornal acabou sendo invadido por influência do chefe de polícia. Não raro

Nascimento Moraes vai relembrar esses episódios que presenciara ao tempo que fizera

parte de A Campanha, principalmente quando queria tecer críticas às formas de

comportamentos dos domínios políticos locais com jornalistas opositores.

Humberto Ramos de Almeida Jansen Ferreira50, ao falar das relações de

Nascimento Moraes com sua família, diz que Jansen Matos (casado com a irmã de seu

pai) era o proprietário do jornal A Campanha ao tempo que Moraes participou desse

jornal. Essa informação é importante por que nos ajuda a entender como as relações de

47DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de julho de 1922, p.1. 48VIVEIROS, Jerônimo de. Benedito Leite – um verdadeiro republicano. São Luís, s/ed. 1957. P.200. 49Ibid. 50FERREIRA, Humberto Ramos de A. Jansen. Dois depoimentos. IN: MORAES, José do Nascimento.

Vencidos e degenerados. – 4ªed. – São Luís: Centro Cultural Nascimento Moraes, 2000.

33

amizade poderiam ter um peso significativo para um jornalista como Nascimento Moraes

conseguir espaço no meio jornalístico, além das suas relações com os grupos políticos

locais.

Ao deixar A Campanha, Nascimento Moraes relata que foi para a redação de A

Imprensa (1906-1907) no qual trabalhou com I. Xavier de Carvalho, salienta que esse

jornal também fazia oposição à chefia política de Benedito Leite que governava nesse

tempo (1906-1909). Um ponto importante a se ressaltar nesse intervalo de tempo é que

de acordo com M. George Gromwell, em matéria escrita em homenagem a Nascimento

Moraes pelo seu aniversário, após Moraes sair de A Campanha (1904), teria ido “para o

Amazonas, em cuja capital, nem só na imprensa, como no magistério prestou bons

serviços à mocidade e ao povo51”. Deixando de lado o aspecto elogioso dessa citação,

uma vez se tratar de um parceiro de jornalismo, o que nos interessa nesta citação é a

informação da saída de Nascimento Moraes do estado maranhense. Pelo que diz George

Gromwell, parece sugerir que Nascimento Moraes ficara em Manaus provavelmente entre

os anos de 1904 (fechamento de A Campanha) e 1906 quando passa a participar do jornal

A Imprensa (1906-1907). Contudo, segundo informação do próprio Nascimento Moraes,

ele ficara apenas um ano em Manaus.

N’A Imprensa Nascimento Moraes escrevia uma coluna intitulada Altos e Baixos

na qual tratava de vários temas (literários e políticos), assinando com um de seus

pseudônimos, João Paulo. Nesse jornal, A Imprensa, em matéria intitulada “O Nosso

aparecimento”, na qual os representantes agradecem as boas vindas oferecidas pelos

membros da Pacotilha e do Diário do Maranhão, aproveitam para apresentar quais

seriam seus objetivos, vejamos:

Estamos, como dissemos dias atrás, empenhados numa nobilíssima

cruzada, em prol do levantamento do nível moral e político do

Maranhão, e almejando unicamente, em recompensa das energias que

despender-mos, o benéfico apoio do povo, de quem nascemos e para

quem vamos viver52.

Ao falar em “levantamento do nível moral e político do Maranhão”, é possível

inferir que para esse discurso o Maranhão não vivenciava uma moralidade política digna

de uma República, desse modo o alvo direto era provavelmente o domínio político

51A PÁTRIA, 19 de março de 1908. 52A IMPRENSA, 10 de julho de 1906.

34

oligárquico chefiado pelo então governador Benedito Leite (1906-1909). Ressalte-se

ainda a tentativa de desvincularem-se de grupos políticos ao falarem que estavam a

serviço do “povo” maranhense, sendo este a principal causa dos ideais d’A Imprensa.

Esse mesmo discurso de defesa dos interesses do “povo” e a falta de vínculos com grupos

políticos aparece nos textos de Nascimento Moraes quando escrevia pelo Diário de São

Luiz (1921). Entretanto, como veremos (no terceiro capítulo), entendemos que seus

discursos não podem ser analisados fora dessas disputas políticas, pois, embora negue,

defende interesses próprios e de grupos políticos específicos.

Posteriormente, afirma Moraes: “Em seguida fundei a ‘Pátria’ (1908), jornal

oposicionista que não logrou vida longa53”. Comenta que durante a época que esteve na

direção desse Jornal teria recebido proposta para mudar a linha política do mesmo, mas

que não aceitara preferindo o fechamento do Jornal. É perceptível a “construção” de uma

imagem de si levada a cabo por Nascimento Moraes ao falar que não se vendera aos jogos

de interesses políticos que parecia estar tentando cooptá-lo, pois, nunca é demais lembrar

esse jornal fazia forte oposição ao então governador Benedito Leite. Relata que

participara ainda do jornal Maranhão que era redigido por I. Xavier de Carvalho e

Joaquim Alfredo Fernandes. Esse jornal estava sob a orientação política de Belfort Vieira

que havia se afastado da “orientação política de Benedito Leite” e, portanto, o referido

jornal passara a fazer oposição a B. Leite. Novamente Moraes faz referências a jornais

que participara e que seguia posições políticas que, embora fora do situacionismo, nos

leva a pensar o quanto estava “enredado” nessas questões políticas maranhenses da época.

Essas considerações nos ajudam a entende-lo como um intelectual cujo engajamento

político no jornalismo local tem efeitos diretos nos seus textos escritos pelos jornais que

atuara.

Após atuar no jornal citado acima, Nascimento Moraes segue falando de sua

trajetória jornalística:

Estive por algum tempo afastado da imprensa política e foi então

que escrevi os “Vencidos e degenerados”, romance em que

ensaiei um estudo da sociedade maranhense e que foi editado pelo

estabelecimento do meu ilustre amigo dr. Manuel Jansen Ferreira,

que me facilitou a sua impressão54.

53DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de julho de 1922, p.1. 54Ibid.

35

O romance Vencidos e degenerados foi publicado em 1915. Contudo, o autor diz tê-lo

escrito nos seus “primeiros anos de vida literária, quando se me rasgavam as primeiras

linhas do horizonte, quando sentia as primeiras impressões. Quantos anos passados!55”.

Pautado nessa informação, Dorval do Nascimento56sugere que é provável que o romance

“Vencidos e degenerados” teria sido escrito entre a primeira década do século XX e o ano

de 1913. Essa inferência parece se sustentar, tendo em vista o que diz o próprio

Nascimento Moraes, se levarmos em conta que Antônio Lobo faz referência ao citado

romance durante a polêmica com Moraes, no ano de 1910 (falaremos dessa polêmica mais

à frente). O texto já estava escrito em 1913, entretanto a demora de sua publicação se

dera, segundo depoimento de Humberto Ramos de A. Jansen Ferreira, “Em virtude do

acúmulo de serviço e da pobreza de recursos técnicos da época57”. Outro ponto

interessante nesse depoimento de Humberto R. de A. Ferreira é a informação que seu pai,

dr. Manuel Jansen Ferreira, resolvera publicar o texto de Nascimento Moraes em

homenagem ao mesmo. Sendo que à época Manuel Jansen Ferreira era proprietário de

“uma das mais importantes editoras do Norte-Nordeste do Brasil, recebendo e

despachando encomendas gráficas de Pernambuco ao Amazonas”.

No contexto intelectual maranhense na Primeira República talvez esses laços de

amizade contavam muito para intelectuais como Nascimento Moraes, cuja trajetória se

dera basicamente fora do “situacionismo” político e, portanto sem condições de contar

com a Tipografia da Imprensa Oficial, bem como com o apoio do grupo político

dominante para publicação de seus livros. Manoel Barros Martins ao falar das principais

tipografias existentes no Maranhão na Primeira República diz que três se destacaram: A

Tipografia Teixeira, A Tipografia J. Pires e a Imprensa Oficial58. Esta última, criada pelo

poder público em 1905, conforme Martins, embora tendo como função dar publicidade

aos atos do Governo, fora saudada com bons olhos pelos intelectuais neo-atenienses que

a viram como um meio de dar publicidade às suas obras. Contudo, Martins salienta que

apenas os intelectuais ligados ao domínio político local poderiam contar com a

55MORAES, José do Nascimento. Vencidos e degenerados. 4ª ed. São Luís: Centro Cultural Nascimento

Moraes, 2000. P.297. 56NASCIMENTO, Dorval do. A Condição Intelectual Na Primeira República em Vencidos e Degenerados,

de Nascimento Moraes. Texto apresentado ao V ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA –

ANPUH/MA, publicado nos Anais do Evento: Em Tempos de 400 Anos: comemorações, esquecimentos

e contradições. 2012. 57FERREIRA Apud Moraes, 2000, op.cit. 58MARTINS, 2006, op.cit, p.171.

36

possibilidade de usarem a Imprensa Oficial em benefício próprio. Desse modo, escreve

Martins,

O advento da Imprensa Oficial produziu uma clara demarcação dos

espaços ocupados por cada um desses letrados atuantes na conjuntura

estudada (1890-1930), no que concerne às condições de possibilidade

necessárias para a circulação no mercado de bens culturais regionais da

produção intelectual por eles fundada59.

Ainda de acordo com Martins, os intelectuais consagrados ligados ao poder

público, ao controlarem esse órgão de Imprensa, criavam uma situação de dependência

por parte de seus pares menos afortunados que recorriam aos primeiros quando

almejavam publicar alguma obra. Essas informações nos ajudam na medida em que nos

faz perguntar por que, mesmo estando ao lado do governador Luiz Domingues (1910-

1914), Nascimento Moraes parece não ter sido “agraciado” com as benesses que o poder

público distribuía no que diz respeito à publicação de sua obra Vencidos e degenerados

(essa questão fica em aberto). Vimos acima que esse livro já estava “pronto” para

publicação em 1913 (no governo de Luiz Domingues), mas só foi publicado em 15 de

março de 1915 quatro dias antes do aniversário de Moraes e por uma editora de um amigo

(Manuel Justo Jansen). Entretanto, nada impediu que Nascimento Moraes dedicasse o

livro ao seu amigo Luiz Domingues.

Nascimento Moraes diz ter sido convidado pelo coronel Pedro Leão Viana para

“fazer parte da redação do ‘Correio da Tarde’, do qual era redator-chefe o sr. Raul

Machado, então ausente60”, afirmando ainda que era a primeira vez que “redigia um jornal

oficioso”. Com a volta de Raul Machado, Moraes ainda permanecera na redação com

Alcides Pereira. Esse jornalista faz questão de enfatizar que felizmente para ele (Moraes),

o Correio da Tarde defendia o então governador Luiz Domingues (1910-1914), que no

seu entendimento era “o mais democrata de todos os políticos maranhenses”. Os elogios

a Luiz Domingues são constantes nos textos de Nascimento Moraes, desse modo,

entendemos que talvez visse nesse governador uma oportunidade para galgar algum

emprego público, tendo em vista as trocas de favores características dessas relações entre

intelectuais e poder público. Daí ser possível pensar numa intencionalidade de Moraes ao

se referir ao governador em forma de elogios, na expectativa talvez de ser nomeado para

59Ibid, p.172. 60DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1.

37

cargos como: Diretor do Liceu Maranhense, Diretor da Biblioteca Pública ou da Imprensa

Oficial, Diretor da Escola Normal, etc.

Esses conchavos com o governador Luiz Domingues levavam Nascimento

Moraes a silenciar que Luiz Domingues era um ator político “fruto” do jogo oligárquico

da época, sendo partidário durante certo tempo do domínio político de Benedito Leite e

posteriormente de Urbano Santos, as duas principais lideranças políticas que dominaram

as oligarquias maranhenses na primeiras República e cuja prática política fora alvo das

críticas de Moraes. A própria eleição de Luiz Domingues não fora nada democrática, se

dera a partir de decisões de “cúpula” dentro do jogo oligárquico, como consequência de

um acordo orquestrado por Urbano Santos, José Euzébio e Costa Rodrigues, pois com a

morte de Benedito Leite (1909) houve uma disputa pela chefia do situacionismo local

entre os dois primeiros. Essa situação acabou sendo resolvida com a intermediação do

então Presidente Nilo Peçanha, cujo resultado foi a eleição de Luiz Domingues.

Esse exemplo de Nascimento Moraes reforça o que vimos acima com Sergio

Miceli acerca das relações dos intelectuais com o poder público na República Velha: uma

vez na oposição teciam críticas aos dominantes do momento e elogiavam os grupos da

oposição no qual se relacionavam; por outro lado, se pertenciam ao “situacionismo” não

faltavam os elogios em artigos, discursos, crônicas de jornais, etc.

Durante o ano de 1910, uma vez o governante sendo seu amigo, Nascimento

Moraes volta a travar um duelo jornalístico com seu antigo “desafeto” Antonio Lobo.

Este último, escrevia pelo jornal Pacotilha e pelo Diário do Maranhão. Ao comentar a

polêmica travada entre Antonio Lobo e Nascimento Moraes, Carlos Gaspar considera que

tudo começou “com a chegada de Sebastião Sampaio a São Luís, com o objetivo de colher

subsídios (sobre a literatura maranhense da época) para enriquecer a Exposição Nacional

de 190861”. Nesse ano, Nascimento Moraes era diretor do jornal A Pátria (1908), sendo

assim, afirma Carlos Gaspar:

Exatamente nessa oportunidade foi publicada a carta assinada por

Antônio Lobo, dirigida a Sebastião Sampaio, sobre o movimento

literário do Maranhão. Nela, tal como aconteceu com outros

intelectuais, o tradutor de Debalde deixou, também, de mencionar o

61GASPAR, Carlos. O senhor Antônio Lobo: a fogueira da agonia. – São Luís: Edições AML, 2009.

P.218.

38

nome de Nascimento Moraes, o que gerou, entre ele e Antônio Lobo,

extenso debate, ao uso do linotipo62.

Carlos Gaspar entende que a reação hostil de Nascimento Moraes nessa disputa

nada acrescentaria de positivo para sua conduta “biográfica”. Tendo em vista essa reação

de Moraes, o autor citado diz que seria evidente que Antônio Lobo reagiria e portanto,

“não guardou a pena ou tampouco deixou de enxarcá-la de tinta, para contestar as palavras

agressivas do seu detrator63”. O que chama atenção nessa leitura de Carlos Gaspar é o

fato dele atribuir basicamente a responsabilidade para Nascimento Moraes quanto ao

início da contenda em questão. Não cita, por exemplo, os insultos racistas violentos que

Lobo lançara ao seu “adversário”. Concordamos com a abordagem de Dorval do

Nascimento (2014), a respeito dessa disputa entre Moraes e Lobo, ao sugerir que ela que

deve ser vista pelo prisma da luta por consagração num “campo literário” maranhense

marcado pelo fato de não dispor “de um mercado regular de bens simbólicos que lhes

possibilitasse viverem de sua própria produção literária64”. Nessa disputa lançaram mão

de todas as estratégias disponíveis para “atacar” o outro, ridicularizá-lo, mostrar-se mais

competente.

Nascimento Moraes (1910) criticava a escrita de Antônio Lobo apresentando seus

possíveis erros gramaticais, bem como acusando-o de atitude racistas quando retrucava o

que Moraes lhe escrevia. Utilizava de termos satíricos ao se referir a Lobo como “Antônio

Bobo”, além deste, outros foram alvos das críticas de Moraes como Antônio Lopes,

chamado por ele de “verdadeira gloria morta”. Provavelmente essa “querela” com

Antônio Lopes explica o motivo do nome de Nascimento Moraes não aparecer no livro

que Lopes escreveu acerca da “História da Imprensa” no Maranhão em 1925. Corrêa de

Araújo65 outrora elogiado por Moraes passa a ser também criticado por este (ao tomar

partido de Lobo nessa querela contra Moraes). Moraes lança mão do argumento de que

Corrêa de Araújo sequer terminara seus estudos (o que equivalia ao ensino “médio”), e

portanto, não teria competência para corrigir seus próprios escritos, daí ter pedido a

Moraes para fazer a correção de seu livro “Arpas de Fogo”.

62Ibid., p.211. 63Ibid 64NASCIMENTO, Dorval do. Antônio Lobo, de Babilônia a Atenas – as estratégias de construção da Nova

Atenas em Os Novos Atenienses. IN: Historiografia Maranhense: dez ensaios sobre historiadores e seus

tempos / João Batista Bitencourt; Marcelo Cheche Galves (orgs.). – São Luís: Café & Lápis; Editora

UEMA, 2014. P.145-146. 65Para mais informações sobre Corrêa de Araújo, ver Lobo (2008, p.64-72).

39

Cabe ressaltar que as críticas e insultos partiam de ambos os lados. Antônio Lobo

ao tempo dessa polêmica com Nascimento Moraes, em uma das suas “intervenções

pacíficas” assim se refere ao seu “oponente”:

E você, ó cretino, que nem ao menos teve coragem de mandar à

impressão aquela choldra intitulada vencidos e degenerados, que as

suas formigas tanto apregoavam?[...]Vencido tem sido v. por mim; e

degenerado é, porque, em vez de estar na Escola de Aprendizes

Artífices, aprendendo a ser sapateiro, meteu-lhe a discutir com branco

[...] Seja menos asno, ó negro sórdido66”.

Nessa citação, Antônio Lobo parece estabelecer uma clivagem entre dois

mundos: o dos trabalhos manuais (sapateiro) e o das letras. Este último, tão valorizado

pelos literatos, Lobo insinua ser de monopólio dos “brancos” e, portanto, Nascimento

Moraes, “negro”, não deveria almejá-lo, devendo se contentar com o “ofício” de

sapateiro. Essa atitude de Lobo extremamente racista, visando “naturalizar” a ocupação

das profissões de acordo com o critério racial pautado na dualidade “branco” e “negro”,

além de tentar deixar bem claro qual profissão nessa hierarquização seria a mais “digna”,

talvez expresse que nessas polêmicas literárias as estratégias utilizadas podiam ser desde

a acusação de erros gramaticais (como Lobo e Moraes se acusavam), desprezo pelo valor

literário do oponente até insultos racistas, como no caso em questão. Numa sociedade

marcada pelo preconceito racial, autores racistas como Antônio Lobo parece não terem

pensado duas vezes em “insultar” o oponente quando este fosse “negro”. O contexto de

escrita desses autores, Primeira República, foi marcado pelos discursos raciais que, na

maioria dos autores, estabelecia pautados por critérios raciais uma noção “essencialista”

e hierarquizada entre os seres humanos divididos em “brancos”, “negros”, “índios”,

“mulatos”, etc. Nessa lógica de raciocínio os “brancos” eram vistos como “superiores”

aos demais. Portanto, não é difícil perceber de onde parte Antônio Lobo ao fazer as

referências acima a Moraes.

Nascimento Moraes responde a Antônio Lobo, mas ao mesmo tempo aproveita

para chamar a atenção do então governador Luiz Domingues para que este percebesse

“como discutem pela imprensa moços que se apresentam como representantes das letras

e que se atiram ao professorado, e que se põe a educar!!!67”. Nesse trecho Moraes se refere

66PACOTILHA, 10 de agosto de 1910. 67MORAES, 1910, opcit.

40

a Lobo, Luiz Viana e Corrêa de Araújo. Em outro momento direciona sua crítica apenas

a Antônio Lobo, novamente denunciando as atitudes racistas deste último, citemos:

Nada mais falta a Lobo para o completar. Professor, ensina os

discípulos brancos e despreza os negros, mulatos, carafuzes, etc! Diz

mesmo aos discípulos que entre o branco e o negro há um abismo

intransponível; afirma-lhes que o negro é um condenado, a quem se

deve tratar com desprezo! Na verdade, não pode haver educador da

mocidade republicana que se lhe compara! Estamos convencidos de que

assim, ele preparará uma geração supimpa! Jornalista prega as mesmas

ideias: julga que insulta o adversário lançando-lhe em rosto a cor, e não

satisfeito, ameaça de surra de rêlho cru! Edificante68.

Talvez não seja difícil inferir que ao chamar a atenção do governador Luiz

Domingues para a forma como seus (de Moraes) adversários o tratavam na imprensa,

Nascimento Moraes vise ganhar prestígio junto ao governador e possivelmente pensasse

que poderia convencê-lo que Antônio Lobo não seria a pessoa mais adequada para estar

à frente da direção das principais instituições de ensino maranhense e, provavelmente, se

colocasse como um “candidato” mais adequado para exercer tais postos. Essas estratégias

de tentativas de convencimento do governador, colocadas em práticas por Nascimento

Moraes, podem ser percebidas quando o próprio Moraes relata que até aquele momento

(1910) vivia principalmente das aulas particulares que ministrava, mas com a ascensão

de Luiz Domingues ao posto de governador, escreve:

[...] nos animamos a meter a colher, porque S. Exc. Dr. Luiz

Domingues, espírito culto, conhecedor profundo dos homens e das

coisas, saberá no seu elevado critério, de administrador e intelectual,

joeirar, paciente como todos os homens superiores, os

“acontecimentos” que de quando em vez atirarmos à publicidade69.

A despeito da intencionalidade no texto de Nascimento Moraes e, tendo em vista

sua atuação como educador (professor), até onde sabemos, parece não ter sido indicado a

nenhum cargo público de relativa importância para os intelectuais da época, sendo apenas

nomeado pelo governador Luiz Domingues para lecionar a cadeira de “aritmética álgebra

e geometria” na Escola Normal. Dorval do Nascimento elenca os seguintes cargos que,

no contexto intelectual maranhense na Primeira República, eram opções importantes dado

a situação de fragilidade do campo intelectual maranhense que inviabilizava os literatos

viverem apenas de suas produções literárias: professor do Liceu Maranhense e da Escola

Normal, Diretor da biblioteca Pública, Diretor da Imprensa Oficial70, acrescentaríamos

68MORAES, 1910, Artigo IX. 69CORREIO DA TARDE, 13 de Julho de 1910. 70NASCIMENTO, 2014, p.147.

41

ainda os cargos de Diretor do Liceu Maranhense e da Escola Normal. Durante o governo

de Luiz Domingues, Antônio Lobo exercera os cargos de Diretor do Liceu e Inspetor da

Instrução Pública, por nomeação do governador71.

Desse modo, talvez teria sido difícil para Moraes lidar com a ideia de ver seu rival

continuar sendo prestigiado pelo governador apesar de constantemente tentar abrir seus

olhos. Entretanto, Luiz Domingues parece não ter dado ouvido aos conselhos de Moraes

e dos outros integrantes do jornal Correio da Tarde (1910) que também criticavam Lobo

frequentemente. Antônio Lobo e Luiz Domingues, como bem ressalta Carlos Gaspar,

eram amigos e o próprio governador faz questão de deixar bem claro o quanto tinha

apreço e consideração por Lobo.

Essa polêmica travada entre Moraes e Lobo, resultou na publicação do livro Puxos

e Repuxos (1910), uma coletânea de artigos de Nascimento Moraes referentes a esse

embate, que foram selecionados e reunidos por seus amigos e publicado pela Tipografia

do Jornal dos Artistas.

Uma vez fechado o jornal Correio da Tarde, Nascimento Moraes diz ter se

afastado novamente do jornalismo (pela segunda vez, mas não especifica quanto tempo),

acrescentando ainda: “e foi quando me preparei para o concurso da cadeira de Geografia

Geral do Liceu maranhense, que ainda hoje ocupo72”. Antes de comentarmos sobre esse

concurso, vejamos o que diz Moraes em seu romance Vencidos e degenerados (1915)

acerca da situação da “instrução pública” maranhense à época:

Há vilas que há anos não possuem um professor! Contam-se os

felizardos que sabem ler e escrever em certas localidades. Depois do 13

de Maio o Estado precisava de um serviço de instrução de primeira

ordem. Mas os concursos sendo abolidos, os lentes deixaram de

ingressar nos estabelecimentos de instruções pelas portas abertas, como

dantes: passaram a saltar janelas, pela interinidade73 (Grifo nosso).

Não cabe aqui fazermos uma explanação mais demorada acerca da questão da

instrução pública maranhense da época, por outro lado, o que nos interessa na citação

acima é a possibilidade de inferirmos as intenções do autor. Ao mesmo tempo que faz

uma constatação a respeito da “instrução pública”, Moraes parece apontar para a questão

das relações clientelísticas entre professorado e poder público local. Os primeiros ficando

71GASPAR, op.cit, p.48. 72DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1. 73MORAES, 2000, p.210.

42

na dependência de nomeações e, portanto, é possível pensar em tais nomeações como

sendo usadas pelos grupos políticos como “moeda de troca” por votos e favores de várias

espécies. Nascimento Moraes por ter passado toda primeira década atuando nos jornais

de oposição ao domínio político local, talvez soubesse que não podia contar com tais

nomeações, sendo assim, ao denunciar a falta de concursos provavelmente tivesse

expectativas de que voltassem a serem feitos. O tão esperado concurso ocorre em janeiro

de 1914, ainda no governo de Luiz Domingues.

O Diário Oficial do Maranhão em matéria do dia 10 de janeiro de 1914, intitulada

“O concurso de Geografia do Liceu”, publica a seguinte informação: “Começará no dia

13 do corrente, a uma hora da tarde, no Palácio do Governo, o concurso para o provimento

da cadeira de geografia do Liceu Maranhense74”. Um ponto importante a ser frisado nessa

matéria é que no primeiro momento o concurso parece visar o preenchimento de uma

única vaga, mas como veremos a cadeira acabou sendo desmembrada e o concurso acabou

contemplando os dois concorrentes. Chegado o dia do concurso (13/01/1914), publica o

Diário Oficial: “Teve começo, hoje, o concurso para o provimento vitalício da cadeira de

Geografia do Liceu Maranhense. Compareceram dois dos candidatos inscritos, o prof.

José do Nascimento Moraes e o bacharel em ciências e letras Raimundo Lopes da

Cunha75”. Nos demais dias, até o término do concurso (16/10), o Diário Oficial publica

constantes matérias atualizando as informações sobre as etapas do concurso.

Nascimento Moraes acaba sendo aprovado em primeiro lugar e, após o resultado,

relata o Diário Oficial do Maranhão: “foi muito cumprimentado o sr. prof. Nascimento

Moraes, nome sobejamente conhecido e apreciado nas letras maranhenses76”. Após os

resultados, com ambos os candidatos aprovados, “O Sr. Governador do Estado, por ato

de hoje, destacou da cadeira de Geografia a parte de Chorografia (sic) do Brasil e, da de

História Geral, a parte História do Brasil, formando com elas a cadeira de Chorografia e

História do Brasil77”. Com a criação da nova disciplina, o segundo colocado Raimundo

Lopes da Cunha pôde ser contemplado no concurso em questão78. A partir dessa

74DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 10 de janeiro de 1914. 75DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de janeiro de 1914. 76DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 17 de janeiro de 1914. 77Ibid. 78Com essa atitude do governador Luiz Domingues algumas questões de cunho especulativo ficam no ar:

por que o concurso não foi aberto logo para as duas disciplinas e, portanto, o governador poderia tê-las

desmembrado antes do mesmo? Caso Nascimento Moraes tivesse ficado em segundo lugar, será se o

governador teria a mesma atitude? Teria pesado o fato de Raimundo Lopes ser de família tradicional e

43

aprovação, Nascimento Moraes que parece vivera até então de aulas particulares e do

jornalismo, passava a fazer parte do quadro de funcionários públicos do Maranhão como

professor de Geografia do Liceu maranhense, principal instituição de ensino público local

à época.

Ainda de acordo com o itinerário jornalístico que Nascimento Moraes nos

apresenta, relata que fora convidado por Astolpho Marques e Eyder Pestana para

colaborar n’O Jornal que, à época “não tinha feição política e por isso mesmo escrevia

nele o que se queria”. Nesse jornal, Moraes diz ter escrito várias “cartas políticas” pelas

quais atacava os erros da política maranhense. Nesse jornal, Nascimento Moraes

trabalhara ao lado de Eyder Pestana. Este último ainda trabalhava n’O Jornal quando

Nascimento Moraes era Redator-chefe do Diário de Sã Luiz (1921). Nesse período, por

questões que veremos mais à frente, ambos jornalistas e jornais estavam em campo

político opostos: um na “situação” e o outro na oposição. Se outrora, Nascimento Moraes

fora chamado por Eyder Pestana para trabalhar n’O Jornal, no período aqui em análise

os representantes desse jornal vão negar qualquer qualidade jornalística em Moraes,

devido sua campanha contra o governador Urbano Santos

Embora Nascimento Moraes fale que nessa época O Jornal não tinha feição

política, o mesmo relata que escrevia textos nos quais abordava a política maranhense.

Nesses termos, entendemos que talvez se refira que tal jornal não defendesse um grupo

político específico mas isso não implicava em não falar da política local. Essa questão

apenas reforça o que vimos acima a respeito das relações entre jornalismo e domínio

político na Primeira República: não fazer parte do grupo político dominante do momento

não implicava necessariamente em isenção política. Por conta de sua amizade com

Agostinho Reis, Nascimento Moraes teria voltado a colaborar na Pacotilha escrevendo

sobre vários temas.

Após apresentar seu itinerário jornalístico, no seu artigo que temos seguido aqui

como parâmetro para expor sua trajetória, Nascimento Moraes fala em tom de auto-

defesa,

Nunca bajulei políticos. Nenhum dos nossos políticos poderá apresentar

cartas, cartões ou telegramas meus pedindo uma colocação. A que tenho

no Liceu obtive num concurso sério em que entrei com o meu colega

sobrinho de um ex-governador (Manuel Lopes da Cunha) pertencente ao situacionismo? Enfim são

questões que ficam no ar.

44

Raimundo Lopes que também foi nomeado para uma das partes da

cadeira que ambos disputávamos79.

Nascimento Moraes ao expor uma escrita de si parece ter como intenção

desconstruir uma imagem sua que os jornais governistas (ou pró-governo) colocavam em

circulação à época (1922) de forma a tentar desmoraliza-lo enquanto jornalista da

oposição. Nesse sentido, diz que em sua carreira jornalística jamais solicitara favores

políticos, construindo para si, portanto, uma forma de conduta social na qual o que

conseguira, emprego de professor do Liceu, fora resultado de esforço próprio que fizera

passar no concurso do Liceu. Sua atuação no Diário de São Luiz apenas reforçaria sua

trajetória jornalística que, Moraes parece fazer questão em salientar, se dera basicamente

na oposição aos domínios políticos locais: personificados nas pessoas de Benedito Leite

(1900-1909) e posteriormente Urbano Santos (1914-22).

Cabe ressaltar que embora Nascimento Moraes faça tais considerações é difícil

pensar que não tivera favores políticos, pois como vimos, ao tempo do governo de Luiz

Domingues fora indicado para lecionar na Escola Normal. Além do fato de que trabalhara

para vários jornais maranhenses que, embora não fossem governistas, estavam ligados a

grupos políticos que que faziam oposição às oligarquias dominantes. Outro aspecto

interessante nessa trajetória jornalística de Nascimento Moraes são as informações que

ele apresenta que nos ajudam a entender como provavelmente se dava seu recrutamento

para trabalhar nos jornais citados acima. Na maioria das vezes foram convites de amigos

para que colaborasse nos jornais em que estes últimos atuavam.

Essas questões de amizades entre os intelectuais maranhenses parece ter sido um

fator de proteção mútua dadas as situações que relatamos acima acerca do contexto

intelectual local e suas condições que inviabilizavam que esses letrados vivessem

especificamente de suas produções literárias. Nesses termos, como bem salienta Manoel

de Jesus Barros Martins: “Uma vez integrados aos seus (dos jornais) corpos redacionais,

ou mesmo como colaboradores frequentes, podiam potencializar as chances de

vulgarização de suas obras, bem como podiam concorrer para a promoção do produto

intelectual de colegas e companheiros de jornadas e de agruras80”. Outras vezes os

convites poderiam vir de membros de grupos políticos marginalizados das oligarquias

dominantes, como ocorrera com Belfort Vieira que havia se afastado (ou marginalizado?)

79DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1. 80MARTINS, 2006, p.173.

45

da orientação política de Benedito Leite, e que convidara Nascimento Moraes para

colaborar no jornal Maranhão.

Quanto aos jornais que Nascimento Moraes participara (no intervalo de tempo que

nos interessas aqui) quase todos tiveram vida curta, mas essa parece ter sido uma situação

vivenciada por vários outros jornais. De acordo com o que expomos acima, podemos

fazer uma espécie de divisão, por motivos de questões meramente didáticas, do itinerário

de Nascimento Moraes (por nós traçado) no jornalismo partidário maranhense, como

apresentando três momentos: a primeira fase (1900-1909) atuando nos jornais

oposicionistas; uma segunda fase, esta durante o governo de Luiz Domingues (1910-

1914), na qual Nascimento Moraes fazia parte do jornal governista Correio da Tarde; e,

por um terceiro momento, após o governo de Luiz Domingues, em que esse jornalista

volta novamente a participar dos jornais oposicionistas aos governos situacionistas.

Portanto, como diz o próprio Nascimento Moraes, uma trajetória jornalística enveredada,

principalmente, pelo caminho das oposições aos grupos políticos hegemônicos locais.

Pelo Diário de São Luiz José Nascimento Moraes exercia a função de Redator-

chefe durante o período que nosso trabalho aborda. Personagem central desse jornal,

Moraes se torna um dos principais articuladores do discurso de oposição ao então

governador Urbano Santos e, durante os desdobramentos dos fuzilamentos na Matta do

Codó, esse jornalista vai fazer forte campanha contra o governador acusando-o de

mandante dos crimes praticados pelas tropas policiais. Os artigos jornalísticos de

Nascimento Moraes nos dão indícios sobre o governo de Urbano Santos que contrastam

completamente com os discursos situacionistas. O episódio dos fuzilamentos na Matta

aparece nos textos desse jornalista como o resultado de um domínio político marcado por

características que, em tudo contrastavam com um verdadeiro regime republicano.

Em nosso entendimento, os discursos colocados em circulação por Nascimento

Moraes expressam um modo de percepção da realidade muito característicos dos

discursos jornalístico que prezavam, pelo menos em termos ideais, por algumas normas

básicas para esse tipo de discurso, tais como: o ideal de objetividade (imparcialidade)

quanto aos relatos e notícias publicadas; o discurso de fidelidade aos fatos; falam ainda

em isenção partidária, enfim, dentre outros aspectos perceptíveis.

Contudo, entre estes critérios de construção discursiva, para os relatos

jornalísticos, e as práticas discursivas, parece haver certo distanciamento, pois, na

46

produção desses discursos a serem analisador por nós, o que percebemos é que as versões

apresentadas por Nascimento Moraes sobre os fuzilamentos na Matta, devem ser

compreendidas tendo em vista as suas intenções partidárias e, sendo assim, foi

fundamental compararmos seus textos com as versões governistas acerca dos referidos

fuzilamentos, objetivando compreendê-los numa “perspectiva dialógica”. Nascimento

Moraes vai construindo sua percepção ao longo do período dos desdobramentos dos

acontecimentos na Matta, pautado nas informações que os correspondentes de seu jornal

lhes enviavam; nas notícias que os jornais situacionistas colocavam em circulação, estas

Moraes lia quer seja para questioná-las ou, não raro, para endossar tais informações

governistas.

Nesse sentido, como veremos, a leitura que esse jornalista vai apresentando em

seus textos parece estar diretamente relacionada ao fazer jornalístico, marcado pelas

notícias rápidas, sensacionalistas, feito às pressas para serem publicado no dia seguinte,

sem às vezes dar tempo de construir um texto mais aprofundado acerca dos temas, o que

levava a mudanças de percepção (ponto de vista) em relação a determinadas questões,

como por exemplo, a mudança de ponto de vista em relação a Manoel Bernardino, visto

no primeiro momento como um lunático e, posteriormente, passa a ser elogiado nas

páginas do Diário de São Luiz, como um verdadeiro defensor das causas do povo

maranhense.

Feitas essas considerações sobre a trajetória jornalística de Nascimento Moraes,

nas duas primeiras décadas do século XX, relacionando-a ao contexto intelectual

maranhense na Primeira República, apresentaremos nossas análises (Ver capítulo 3)

focando especificamente sua atuação pelo Diário de São Luiz na cobertura que fizera dos

fuzilamentos de quatro homens pelas tropas policiais no sertão maranhense.

47

2. O domínio oligárquico maranhense sob a liderança de Urbano Santos (1918-22)

Antes de analisarmos os desdobramentos da ação do governo de Urbano Santos

para reprimir o que se dizia ser um levante de camponeses no interior (na Matta), cabe

fazermos algumas breves considerações acerca da sua trajetória política para

compreendermos como se tornou o principal nome da política maranhense, após a crise

“intra-oligárquica” que se sucedeu com a morte de Benedito Leite, em 1909. Em matéria

do Diário Oficial do Maranhão, em 1921, acerca da sucessão presidencial para a eleição

que ocorreria em março de 1922, percebe-se um discurso propagandístico a respeito de

Urbano Santos. Essa matéria começa falando de Arthur Bernardes, candidato à

Presidência, tendo sido Urbano Santos o escolhido para Vice-Presidência, na mesma

chapa. Nesse sentido, a matéria apresenta a ideia que teria sido acertada a escolha do

político maranhense para o citado cargo, pois, enfatiza o discurso oficial:

Parlamentar, que no Senado Federal se reputou pelo talento, pela

cultura jurídica e pela capacidade de trabalho, qualidade que soube pôr

sempre ao serviço da Nação, o ilustre brasileiro; que também se

notabilizou como administrador de largas e inteligentes iniciativas, no

desempenho de altos postos de governo, é hoje uma individualidade

conhecida e admirada em todo Brasil.81

Essa é uma das matérias que, após indicação de seu nome para vice-presidência

na chapa de Arthur Bernardes, passaram a fazer elogios ao governador maranhense. Essa

estratégia discursiva em divulgar ideias “positivas” sobre a imagem de Urbano Santos

aparece novamente no Diário Oficial do Maranhão, ao publicar uma matéria que teria

sido publicada pelo jornal “Da República”, de Florianópolis no dia 10/6/1921, que reforça

essa campanha pró-Urbano Santos. Essa matéria apresenta uma breve exposição da

trajetória do político maranhense.

Segundo a referida matéria, Urbano Santos nasceu em 1859, na cidade de

Guimarães (Maranhão). Fez curso de humanidades em São Luís e posteriormente foi para

Recife, matriculando-se na Faculdade de Direito, sendo ainda: “Discípulo dos mais

diretos de Tobias Barreto distinguiu-se logo pelo seu talento e amor às letras, sendo tido

como um dos mais futurosos espíritos de seu tempo”82. Fala também sobre os estudos que

fez da “cultura germânica”, bem como ter se notabilizado no “mundo das letras”. Após

formar-se em “Ciências jurídicas e sociais” (1883) regressa ao Maranhão, sendo nomeado

81 DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 1 de julho de 1921, p.4. 82DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de julho de 1921, p.3.

48

Promotor Público do baixo Mearin, cargo no qual ficou poucos dias. Teve nova nomeação

para promotor Público em 5 janeiro de 1885 da comarca de Rosário.

No ano de 1886 é nomeado Juiz municipal de Coroatá, entretanto, não teria

aceitado o cargo, sendo nomeado então para esse posto seu amigo e correligionário

político Benedito Leite. Urbano Santos teria exercido também os cargos de juiz municipal

em São Vicente de Ferrer, ficando alguns meses nessa localidade e sendo transferido

posteriormente para São Bento, em 1888. No ano seguinte foi nomeado Juiz de Direito

de Campos Novos, em Santa Catarina. Anos depois, embora fosse eleito governador do

maranhão em 1898, Urbano Santos não assumiu o cargo83.

De acordo com Artur Q. Collares Moreira, nesse momento, não era do interesse

de Urbano Santos o cargo no executivo estadual, pois: “[...] eleito, se aceitasse o posto,

teria de deixar o Rio de Janeiro, com grande prejuízo para sua banca de advogado na qual

estava a trabalhar com crescente sucesso84”. Teria sido também, por questões de

interesses familiares, que Urbano Santos não desejava naquele momento afastar-se do

Rio de janeiro. Portanto, eleito governador, ainda conforme Moreira, Urbano Santos

renuncia ao cargo, como havia combinado com Benedito Leite, então chefe do

situacionismo político maranhense.

Urbano Santos teria exercido ainda as seguintes funções:

Reeleito deputado federal a 4 e 5 legislaturas (1900-1905), foi em 1906

eleito senador por 9 anos, terminando seu período em 1914[...]

Advogado na capital Federal desde 1897 homem de letras, jurisconsulto

e financista, foi primeiro vice presidente da Câmara dos Deputados e

pertenceu nessa casa do Congresso a Comissão de Finanças85.

Essas informações, acerca da trajetória política de Urbano Santos, demonstram

um aspecto comum no processo de formação das lideranças políticas maranhenses, pois,

como bem ressalta Flávio Reis, estes atores políticos trilharam um caminho comum na

formação do político de carreira. De acordo com Reis: “A trajetória usual iniciava nos

bancos das faculdades de Direito do Recife e, mais raramente, de São Paulo, logo passava

83DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de julho de 1921, p.3. 84MOREIRA, opcit., p.50. 85DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, Op.cit, p.3.

49

por algum cargo na justiça (promotoria, juizado), na polícia, fazenda ou secretaria da

presidência, até chegar à representação política no âmbito nacional86”.

Além dessas questões colocadas por Flávio Reis, é importante acrescentarmos

que, de acordo com Rossini Corrêa, outro aspecto característico da formação das

oligarquias87maranhenses é a ideia do advogado como profissional legitimado para

comandar a máquina estatal. A carreira na burocracia administrativa acabou por se

configurar como uma saída para os membros da elite local que sofriam com a crise

econômica do setor agrícola maranhense88.

Conforme Rossini Corrêa salienta, a Faculdade de Direito de Recife fora a

instituição que formara a maioria dos representantes da elite política maranhense que

atuara na Primeira República, citando como exemplo os nomes de seis governadores

desse período, são eles: Manoel Lopes da Cunha, Benedito Leite, Urbano Santos, estes

três primeiros formados na turma de 1882; Luiz Domingues, da turma de 1883; Artur

Colares Moreira, turma de 1888; e, por último, Raul Machado, da turma de 1892. Cabe

ressaltar que os referidos atores políticos pertenciam ao mesmo grupo oligárquico. Nesses

termos, Rossini Corrêa considera outro ponto importante para compreendermos as

relações que moldaram as aproximações entre estes agentes políticos: [...] “as relações

primárias, sedimentadas no companheirismo acadêmico, exerceram uma presença

considerável, contribuindo ao surgimento de três governadores – Manoel Lopes, Urbano

Santos e Benedito Leite – na mesma turma – a de 188289”.

Tendo em vista a necessidade de uma análise do domínio político maranhense,

na época governo de Urbano Santos (1918-22), compreendemos que esse agente político

deve ser entendido como uma peça no mecanismo de domínio político vigente no

Maranhão da Primeira República, embora não esqueçamos que uma das peças centrais

86REIS, Flávio. Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão. São Luís: [s.n], 2007. P.57. 87Utilizaremos aqui o conceito de “oligarquia” proposto por Flávio Reis, citemos: “Designaremos por

‘oligarquia’ o setor especificamente político que iniciou sua formação entre as décadas de 1850 e 1860,

cujas funções primordiais no processo mais amplo de construção do Estado Nacional eram a organização

das disputas políticas no âmbito regional, aglutinando as facções e permitindo o funcionamento do jogo

partidário [...] Trata-se de um grupo cuja gênese é marcada pelo hibridismo: de um lado, parece apenas um

setor instruído e especializado nas funções da administração e da política que se destaca no núcleo de

famílias de grandes proprietários rurais, onde está sua origem social; de outro, o seu fortalecimento está

intimamente ligado à utilização patrimonial do Estado, ao controle das nomeações para os cargos públicos

e ao trânsito de que desfruta nas instâncias superiores da administração nacional” (REIS, 2007, p.51). 88CORRÊA, Rossini. Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. Prefácio de

Bonifácio Andrade. – São Luís: SIOGE, 1993. P.154. 89Ibid., p.155.

50

desse mecanismo, pois fizera parte de uma geração de atores políticos que passaram a

dominar o cenário político maranhense na Primeira República. Desse modo, nos

pautamos ainda no trabalho de Flávio Reis, Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no

Maranhão, para compreendermos esse sistema de domínio político. Esse autor aborda o

processo de formação da oligarquia política no Maranhão que, na sua concepção “teve

seus traços formativos definidos entre meados do século XIX e o início do século XX90”.

Ressalta que, com a República, ocorrera o seguinte:

A mudança de regime acelerou o processo de renovação interna da

oligarquia, pois, além da morte de velhos líderes (Vieira da Silva e o

Barão de Grajaú, em 1889, logo depois Silva Maia), figuras de

expressão como Felipe Franco de Sá, Marcelino Nunes Gonçalves e

Luiz Henrique Vieira da Silva decidiram encerrar suas atividades

políticas. Uma outra geração ocuparia o centro do palco: Costa

Rodrigues, Benedito Leite, Luiz Domingues, Urbano Santos, José

Eusébio de Oliveira, Casimiro Dias Vieira Jr., Francisco da Cunha

Machado91.

Essa nova geração de políticos maranhenses trilharam o padrão de carreira política

já assinalado, vindo posteriormente a assumirem também profissões liberais, na

advocacia e no jornalismo.

Flávio Reis dá ênfase ao enfoque em três tipos de ações, levadas a cabo pelas

oligarquias que passaram a controlar o Estado, que possibilitaram a concentração de poder

nas mãos do executivo estadual. São eles: a organização eleitoral, a relação Estado-

município e o fortalecimento do poder executivo frente ao judiciário e ao legislativo.

Em relação à organização eleitoral, Flávio Reis escreve que uma das

características desse processo se dava por conta de que caberia ao legislativo (na maioria

das vezes governista) resolver as questões relativas às eleições. Quanto à relação Estado-

Município, teria havido uma limitação política e financeira, por conta da alteração da Lei

Orgânica dos Municípios, criada em 1892. Passou a ser de responsabilidade do governo

do Estado a partilha dos recursos para os municípios e também ficaria sob o mando do

Estado outros serviços antes atribuídos aos municípios, como por exemplo, a proibição

das milícias nos municípios, ficando a cargo do executivo estadual a responsabilidade

pelo policiamento dos municípios. Por último, o executivo estadual tinha o poder de

escolher os juízes estaduais. Para Reis, esses pontos são fundamentais para

90REIS, 2007, op.cit, p.23. 91Ibid p.72.

51

compreendermos o processo de centralização de poder nas mãos das oligarquias

maranhense na Primeira República92.

Esses aspectos apresentados por Flavio Reis nos ajudam a entender os

mecanismos formais do domínio oligárquico no Maranhão. Contudo, um dispositivo

fundamental nesse tipo de domínio político, característico da “cultura política93”

brasileira na Primeira República, foi o uso da violência pelos grupos políticos em disputas

partidárias, como meio de manter o domínio político, no caso dos grupos que dominavam

a “situação”, ou mesmo o recurso à violência se dava pelos opositores como tentativa de

assumir as rédeas do Estado, ou até dos municípios. A nossa análise está voltada para um

desses casos de uso da violência por parte da oligarquia liderada por Urbano Santos contra

opositores no interior maranhense.

Alguns dos estudos historiográficos acerca da política maranhense na Primeira

República consideram que Urbano Santos e Benedito Leite foram as duas principais

lideranças oligárquicas do período. O segundo fora o principal líder do grupo político que

passara a exercer a hegemonia política no Maranhão a partir dos rearranjos oligárquicos,

de 1892 até sua morte em 1909. Durante esse período, a política maranhense foi

polarizada basicamente pelas disputas entre o grupo oligárquico chefiado por Benedito

Leite e a oposição liderada pelo médico Costa Rodrigues. Para termos uma ideia dessa

hegemonia do grupo político sob a liderança de Benedito Leite, podemos citar o que

escreve Luiz Alberto Ferreira em relação a esse período (1892-1909), vejamos: “Entre o

ano de 1892 e 1907 a oposição não conseguiu eleger nenhum representante no âmbito

estadual”.94

Ainda de acordo com Luiz Alberto Ferreira, Benedito Leite e Costa Rodrigues

foram nesse período os principais articuladores da criação dos seguintes partidos: Partido

Republicano, este sendo o primeiro partido criado no novo regime político (República)

sob a liderança de Costa Rodrigues e “composto por antigos liberais (do Império)”; e, o

92REIS, 2007, op.cit, p. 80-83. 93Entendemos esse conceito a partir da definição proposta por Rodrigo Patto Sá Motta, como: “[...] conjunto

de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que

expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração

para projetos políticos direcionados ao futuro” (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na

apropriação de cultura política pela historiografia. In: Culturas políticas na história: novos estudos /

organização Rodrigo Patto Sá Motta. – Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009. P. 21.) 94FERREIRA, Luiz Alberto. Decomposição e Recomposição: Querelas e intrigas nas tramas dos novos

partidos no Maranhão (1889-1894). In: Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br. ISSN 1808 – 8031,

volume 01, p.12.

52

Partido Federalista, criado por Benedito Leite em 189295. Esses dois partidos

praticamente foram as bases dos quais saíram os agentes políticos que atuaram na política

maranhense desse período.

Essa questão do uso das siglas partidárias no Maranhão ao longo da Primeira

República foi objeto de análise de Giscard Farias Agra que notara como houvera uma

mutação nos usos dessas siglas de forma que no decorrer desse período os integrantes

desses partidos trocaram de siglas partidárias e, paradoxalmente/curiosamente, se

apropriaram da sigla adversária.

Passamos então a expor, a partir do trabalho de Giscard F. Agra, como se deu essa

troca de siglas entre os dois principais grupos políticos que polarizavam até então as

disputas partidárias maranhenses. Uma primeira consideração desse autor que queremos

destacar aqui em relação aos dois partidos citados (Partido Republicano e Partido

Federalista) refere-se a que:

Embora uma certa base das oligarquias reunidas em torno deste último

(o Partido Federalista) tenha permanecido à frente do poder estadual até

o golpe de 1930, saindo daí todos aqueles que ocuparam o cargo de

governador do Maranhão, o próprio Partido Federalista – bem como o

Partido Republicano –, enquanto experiência devidamente nomeada,

não sobreviveu nem mesmo àquela década que o inventou96.

De acordo com Agra uma primeira reorganização nos usos das siglas partidárias

se dera em fins da década 1890 e tinha como pano de fundo uma disputa pela sigla do

Partido Republicano Federal (PRF), que havia sido criado em 1893 pelo político paulista

Francisco Glicério, “como uma tentativa de construção de um partido político nacional”.

Essa empreitada de criar um partido nacional não lograra êxito, entretanto, no Maranhão

os partidários de Costa Rodrigues “resolveram adotar a sigla daquele partido e renomear

localmente a oposição, passando, portanto, a identificar-se como Partido Republicano

Federal (PRF), nome que usariam até o início da Era Vergas97”.

95Ibid., p. 3. 96AGRA, Giscard Faria. Quando a doença torna a vida um fardo: a trajetória de Humberto de Campos

(1928-1934). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de

Pernambuco, linha de pesquisa Cultura e Memória, como requisito à obtenção do título de Doutor em

História. 2014. P. 112. 97Ibid., p.112-113.

53

Por outro lado, o grupo político hegemônico (Partido Federalista) já na segunda

metade dos anos 1890 passara a se autodenominar de Partido Republicano (PR), sigla que

até poucos anos antes era utilizada pelo adversário. Para Agra essa autodenominação que

gerara a mudança da sigla dos “situacionistas” maranhenses provavelmente teria sido por

conta das relações de suas lideranças oligárquicas com as lideranças das oligarquias

dominantes de outros estados agrupados em torno da sigla de Partido Republicano.

Contudo, ainda conforme esse autor, nova confusão em torno das siglas ocorrera quando

o novo Partido Republicano (situacionista) passou a utilizar também o epíteto de Federal,

(re)nomeando-se de Partido Republicano Federal, “no momento em que os costistas

(partidários de Costa Rodrigues) também já se intitulavam dessa maneira98”.

Em fins de 1899, os situacionistas formalizaram o uso da sigla Partido

Republicano, à qual sofreria nova mudança em 1910 motivada pelas relações de Urbano

Santos, então principal liderança da política do situacionismo, com Pinheiro Machado

que, assim como Francisco Glicério, tentara criar um partido de âmbito nacional

intitulado Partido Republicano Conservador (PRC). Esta sigla, passara a ser usada pelos

situacionistas maranhenses, entretanto, o referido partido a nível nacional teve vida

“efêmera” pois fora extinto no ano da morte de seu idealizador Pinheiro Machado, em

1916. A despeito de nessa época o então governador maranhense Herculano Parga (1914-

18) ter tentado renomear a sigla para Partido Republicano Maranhense (PRM), Urbano

Santos resolvera renomear novamente apenas para Partido Republicano99.

Feitas essas considerações a respeito dos usos das siglas partidárias pelos grupos

políticos em disputa no Maranhão, ressalte-se que a política maranhense, com a morte de

Benedito Leite (em 1909), passou a ter Urbano Santos como sua principal chefe da

oligarquia hegemônica no Maranhão. Ao comentar a ascensão de Urbano Santos na

direção da política maranhense, Rossini Corrêa faz a seguinte consideração:

O substituto de Benedito Leite na liderança partidária foi Urbano

Santos, maranhense prestigiado nos arraiais da política nacional, onde

se desimcumbiu (sic) com sucesso das responsabilidades de Ministro

de Estado e Vice-Presidente da República. Foi, em pessoa, Governador

do Maranhão, e procurou estruturar a política estadual sob o imperativo

da convivência pacífica, com as lideranças partidárias liquidadas, na

prática, pela composição pluralista das principais possibilidades

98AGRA, Op.cit. p.113. 99Ibid., p.114.

54

empregatícias e da participação diretora na política e na administração

da terra timbira100.

Uma questão nessa citação, que entendemos ser problemática afirmar

categoricamente, como faz Rossini Corrêa, é a ideia que o domínio político de Urbano

Santos fora marcado “sob o imperativo da convivência pacífica”, pois, partimos do

pressuposto que, e nossa análise segue nesse intento, seu domínio não diferiu muito das

formas de controle oligárquico que fora a tônica da cultura política brasileira da Primeira

República marcada pelo uso de violência contra opositores bem como de conivência com

os atos de agressão praticados por seus correligionários. Aliás, nas considerações que

Rossini Corrêa faz sobre Benedito Leite e Urbano Santos, não aparece em nenhum

momento qualquer análise crítica acerca desses líderes oligárquicos. Em relação a

Benedito Leite, Corrêa praticamente reproduz as informações do livro de Jerônimo de

Viveiros101 que trata da biografia do político maranhense. Esse livro é perceptivelmente

uma biografia elogiosa sobre Benedito Leite, sem dar voz aos discursos da oposição e

suas denúncias ao domínio desse agente político maranhense.

No que diz respeito à crise102 na política maranhense, que se percebe após a morte

de Benedito Leite (1909) e que possibilitara a ascensão de Urbano Santos como principal

liderança da política maranhense, teria sido controlada pelo então Presidente Nilo

Peçanha. Este teria tido papel fundamental como articulador para acabar com o impasse

político que tinha Urbano Santos e José Euzébio como principais candidatos à chefia do

situacionismo político, em substituição a Benedito Leite. Dessa disputa, Luís Domingues

é eleito governador (1910-14) sendo apoiado por Urbano Santos. O novo governador,

conforme Artur Q. Collares Moreira, não teria se submetido aos caprichos de Urbano

Santos, entretanto, se reaproximaram, no segundo biênio do governo de Luiz

Domingues103.

Artur Q. Collares Moreira comenta que ao tempo da presidência de Hermes da

Fonseca (1910-14) houvera algumas deposições de governos estaduais e circulara o boato

de que o governador maranhense Luiz Domingues seria deposto. Esta deposição se daria

100CORRÊA, opcit, p.175. 101VIVEIROS, Jerônimo de. Benedito Leite – um verdadeiro republicano. São Luís, s/ed., 1957. 102Giscard Farias Agra faz o seguinte comentário em relação as cisões ocorridas entre os situacionistas no

Maranhão da Primeira República: “As principais cisões ocorridas no interior do partido situacionista do

Maranhão, portanto, foram protagonizadas por três grupos: a oligarquia dos Moreira, em 1906; o grupo de

Herculano Parga, em 1921; e os correligionários de Marcelino Machado, em 1925” (AGRA, Op.cit, p. 103) 103MOREIRA, op.cit, p.177-195.

55

em março de 1912. Se se consumasse a deposição, assumiria o governo Costa Rodrigues,

vice-governador e principal líder da oposição ao situacionismo oligárquico, chefiado

agora por Urbano Santos. Uma vez comunicado sobre esses boatos, Urbano Santos age

rapidamente para evitar que ocorresse a referida deposição e, por conseguinte, o governo

fosse assumido por Costa Rodrigues. Assim escreve Artur Q. C. Moreira a respeito dessa

questão:

[...] procurou (Urbano Santos) entender-se imediata e pessoalmente

com o presidente da República (Hermes da Fonseca), a quem declarou

discordar absolutamente do projeto de deposição do governador do

Maranhão, ouvindo, então, do presidente, estar surpreendido com o que

Urbano lhe dizia, pois haviam lhe afirmado estar este de inteiro acordo

com a deposição, que justamente, devia ser, em tempo oportuno, levada

efeito pelo coronel Abílio de Noronha. Mas, desde que Urbano não

estava de acordo com a providência, ordenaria, não só o regresso do

major Rocha Lima como mandaria sustar o embarque do coronel Abílio

de Noronha. E, assim foi feito e Luiz Domingues não foi deposto104.

Urbano Santos, à época senador pelo Maranhão, fora um dos que apoiaram a

candidatura de Hermes da Fonseca, sendo assim, ao saber dos boatos de deposição do

governador maranhense, talvez teria ido ao encontro do então presidente Hermes da

Fonseca para cobrar-lhe a manutenção do pacto da política nacional que fora estabelecido

desde Campos Salles, a política dos governadores, no qual o presidente daria apoio aos

grupos oligárquicos que dominavam os estados. Essa ação de Urbano Santos evitara que

o governador maranhense Luiz Domingues fosse deposto, como ocorrera em outros

estados da federação.

A partir da experiência vivenciada no governo de Luiz Domingues, que quisera

num primeiro momento desvencilhar-se das influências de Urbano Santos, este último

usa como estratégia, para evitar novos possíveis desentendimentos, lançar-se candidato

ao governo do Estado, tornando-se eleito nas eleições de 31 de agosto de 1913, para o

quatriênio 1914-18. Contudo, não assumiu por conta da indicação de seu nome à

candidatura a vice-presidência da República, na chapa que teria Wenceslau Braz como

candidato à presidência, para os anos de 1914-18. Sendo assim, envia sua carta de

renúncia ao Congresso estadual maranhense, sendo a mesma aprovada pelo referido

Congresso. Uma vez publicizada sua renúncia, deixando a cargo do congresso estadual

organizar nova eleição para o executivo maranhense, Urbano Santos é saudado por seus

104MOREIRA, Op.cit, p.165.

56

partidários, pela indicação à vice-presidência. Essa saudação é expressa nas palavras do

deputado Máximo Ferreira, 1° secretário do Congresso, ao dizer o seguinte:

Lamento deveras, lamento sinceramente, que o Maranhão se veja

privado das luzes de seu preclaro filho na suprema direção dos seus

destinos, mas força é confessar que o nosso Estado não tinha o direito

de exigir, em proveito próprio, que os demais Estados da União

privados ficassem dos altos serviços do ilustre Sr. Senador Urbano

Santos, que, no posto para que foi indicado pelo país, muito pode e há

de fazer pelo engrandecimento da nossa terra105.

O enunciador do discurso acima, numa clara estratégia propagandística da pessoa

do senador Urbano Santos, apresenta um discurso lamentoso ambíguo: ao mesmo tempo

que lamenta que o Estado maranhense não iria contar com a administração do ilustre ator

político, por outro lado felicita o país porque teria na vice-presidência Urbano Santos.

Nesse sentido, parece haver uma tentativa de singularizar o senador maranhense quando

comparado a outros possíveis candidatos ao cargo de vice-presidente. Outra questão

interessante na citação acima é a ideia que Urbano Santos teria sido escolhido pelo país,

entenda-se os eleitores brasileiros, quando estas escolhas eram resultado da política de

cúpula das oligarquias que dominaram o cenário político brasileiro na Primeira

República. Tendo sido eleito vice-presidente, Urbano Santos, consolidou mais ainda sua

influência na política maranhense.

Uma vez divulgado a renúncia de Urbano Santos, Costa Rodrigues que havia sido

eleito 1° vice governador, também renuncia, por conta dos acordos estabelecidos com

Urbano Santos106. Havia temor dos partidários de Urbano Santos quanto à possibilidade

de Costa Rodrigues assumir o governo. Entretanto, Artur Q. Collares Moreira apresenta

um dos motivos que levara Costa Rodrigues não assumir, apoiando, assim, a candidatura

de Herculano Parga: “Não fez, é de admitir, porque tinha certeza de ser Herculano Parga,

o candidato pleiteado por Brício e por ele Costa (Rodrigues) e seus amigos, pelas

promessas e garantias que constava terem estes recebido, seu correligionário107”. Ainda

de acordo com Moreira, Herculano Parga, uma vez no governo, frustrou as expectativas

de Costa Rodrigues e seus aliados que passaram a fazer forte campanha oposicionista ao

seu governo pelo jornal A Pacotilha, de propriedade de Costa Rodrigues.

105DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 18 de fevereiro de 1914, p.1. 106MOREIRA, op.cit, p.181. 107Ibid., p.185.

57

A eleição de Herculano Parga se dera dentro dos conchavos da política de cúpula,

tendo a participação da oposição liderada por Costa Rodrigues que após a morte de

Benedito Leite passara a ter aproximações políticas com seus herdeiros situacionistas. O

novo governador Herculano Parga, assim como Luiz Domingues, teria tentado se

desvencilhar da influência de Urbano Santos, sendo assim, a estratégia deste último para

manter o domínio local foi se lançar candidato ao governo para o período de 1918-22,

sendo, portanto, novamente eleito.

Uma vez no governo maranhense, Urbano Santos tomara algumas atitudes que

reforçaram ainda mais o poder do executivo estadual: a Reforma da Constituição estadual,

em 1919. Um ponto de destaque nessa reforma constitucional, foi o fato de que ficaria a

cargo do governador a escolha do intendente (prefeito) da capital maranhense, portanto,

acabando com as eleições para o executivo municipal (São Luís). Cabe ressaltar, que já

era da alçada do executivo estadual a escolha de juízes para as comarcas maranhense.

Esse interesse de Urbano Santos em controlar o executivo municipal da Capital, se

explica, segundo Mário M. Meireles, por conta dos impasses que presenciara ao tempo

da eleição municipal que elegera Clodomir Cardoso108.

Essa eleição municipal foi marcada, conforme Arthur Q. Collares Moreira, por

atritos internos ao grupo situacionista, pois a disputa pelo governo municipal se dera entre

os candidatos Clodomir Cardoso e Raul Machado. O primeiro era apoiado pelo então

governador Herculano Parga, que não aceitara a candidatura do segundo, por ser irmão

de Cunha Machado. Este último, teria se colocado contra a candidatura de Herculano

Parga ao governo estadual, daí a oposição de Herculano Parga ao seu irmão nas eleições

municipais, como represália. Ainda de acordo com Moreira, Urbano Santos se absteve de

apoiar qualquer um dos lados, alegando ser amigo de ambos os candidatos109.

Uma das características do governo de Urbano Santos (1918-22), em termos de

acordos políticos, segundo Ananias Alves Martins, teria sido o fato que “a oposição foi

praticamente extinta ou cooptada para o seu bloco110”, entenda-se a oposição do grupo de

Costa Rodrigues. Urbano Santos parece não ter esquecido as tentativas de Herculano

Parga em desvencilhar-se de sua influência e, na primeira oportunidade que tivera,

108MEIRELES, Mario M. História do Maranhão. Fundação Cultural do Maranhão. 2ª Edição. São Luís.

Maranhão, 1980. P. 337. 109MOREIRA, op.cit., 192-193. 110MARTINS, Ananias Alves. Barricadas no Palácio dos Leões: o golpe de 1922 no Maranhão. Prefácio

de José de Ribamar C. Caldeira. – São Luís: SIOGE, 1993, p.61.

58

excluiu Herculano Parga da chapa situacionista. Esta exclusão ocorrera quando da

indicação dos nomes para concorrer aos cargos de deputado federal pelo Partido

Republicano (situacionista) nas eleições de fevereiro de 1921. A lista dos indicados para

comporem a chapa situacionista para concorrerem aos cargos de deputado federal, para

as legislaturas de 1921-1925, nas referidas eleições (fevereiro de 1921), apresentara

apenas uma mudança, se comparada aos nomes indicados e eleitos na legislatura anterior

(1917-1921): a substituição de Herculano Parga por Magalhães de Almeida, este último

genro de Urbano Santos111.

Uma vez excluído do situacionismo oligárquico, Herculano Parga “teve que

articular a sua candidatura fora da chapa recomendada pelo diretório do Partido

Republicano”, sendo assim, acrescenta Ananias A. Martins:

No dia 31 de janeiro de 1921, um grupo de cinco pessoas – Carlos

Augusto de Araújo Costa, Tarquínio Lopes Filho, Luís Eduardo Pires,

Thomás de Aquino e Silva, Inácio do Lago Parga – em matéria paga no

Diário de São Luís, indica o nome de Herculano Parga para a cadeira

de deputado federal no pleito de 20 de fevereiro de 1921. Estava

formado o primeiro grupo parguista, futuro P.R.M ou Flor da

Viração112.

Ananias A. Martins comenta que o resultado das eleições fora favorável a

Herculano Parga, pelo menos na capital (São Luís), cuja apuração dos votos era mais

rápida que no interior, ficando como o segundo mais votado. Esta situação garantiria uma

das vagas a Herculano Parga, todavia: “Bastou um acordo de gabinete entre Costa

Rodrigues e Urbano Santos para começar a aparecer votos no interior para os deputados

costistas”113. Com esse acordo de gabinete e a ajuda dos votos do interior aos candidatos

do grupo de Costa Rodrigues, Herculano Parga acabara não sendo eleito. Portanto, com

essa estratégia política, Urbano Santos consegue dois objetivos, em uma jogada: afastar

Herculano Parga e cooptar o grupo de Costa Rodrigues. À época desse acordo,

Nascimento Moraes não deixou passar em branco os desdobramentos do mesmo para as

eleições de fevereiro e que haviam resultado na vitória de membros do PRF (costista),

111Ananias A. Martins apresenta um quadro comparativo com os nomes dos deputados federais eleitos

nessas duas legislaturas. Para a de 1917/1921, constam: Luiz Domingues, Agripino Azevedo, Francisco da

Cunha Machado, Artur Q. Colares Moreira, Marcelino Machado, José Barreto Herculano Parga; para a de

1921/1925, a única substituição é a indicação e eleição de Magalhães de Almeida, no lugar de Herculano

Parga. MARTINS, 1993, p.40-41. 112Ibid., p.38. 113Ibid...

59

sendo assim, em um de seus editoriais no Diário de São Luiz, intitulado não por acaso de

“O filhotismo político”, assim se refere às eleições estaduais:

Os leitores, sem dúvida, já compreenderam o que valem os nossos

pleitos eleitorais e o caráter dos reconhecimentos assim como das

apurações.

Não há eleição séria, presentemente, quer o sejam, quer não. Não há

candidato que esteja seguro da votação que lhe dispensou, por seu

merecimento, ou por sua simpatia, o eleitorado de sua terra.

A eleição representa mera formalidade, e os fatos que durante o pleito

se desenrolarem poderão ser de que natureza forem, regulares ou

irregulares, legais ou ilegais114.

Desse modo, uma vez assim descrito como ocorrera o pleito maranhense que

resultara na exclusão de Herculano Parga e, com a criação do Partido Republicano

Maranhense, o governador Urbano Santos passara a sofrer forte oposição dos membros

desse partido. Saliente-se que, em termos de oposição, o jornal Diário de São Luiz, desde

seu surgimento em outubro de 1920, já vinha fazendo campanha contra o domínio

oligárquico liderado pelo governador Urbano Santos. A oposição maranhense ganharia

um aliado a nível nacional, a partir de junho (1921), com a formação da Reação

Republicana: tanto os membros do Partido Republicano Maranhense passariam a ter

contatos com os líderes desse grupo político, como o jornal Diário de São Luiz passaria

a ser o órgão de imprensa local que passara a fazer propagandas e dar publicidade aos

discursos dos representantes da Reação Republicana. Em relação à formação da Reação

Republicana, Anita Leocádia Prestes escreve que se tratava de:

[...] uma articulação formada, em (junho de) 1921, pelas forças políticas

vinculadas aos Partidos Republicanos do Distrito Federal e dos estados

do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco,

insatisfeitos com a escolha do mineiro Artur Bernardes para a sucessão

presidencial de Epitácio Pessoa. Embora derrotada no pleito de março

de 1922, essa coligação eleitoral, criada para dar sustentação à

candidatura fluminense de Nilo Peçanha à presidência da República,

obteve grande repercussão no País, empolgando amplos setores das

populações urbanas, que se mobilizaram contra a política dominante

das oligarquias paulista e mineira115.

Formada, portanto, em junho de 1921, a Reação Republicana vai se articular com

as oposições estaduais que estavam fora do domínio político nos estados da federação.

Um aspecto importante, ressaltado por Anita Leocádia Prestes, é a questão que a Reação

114DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de abril de 1921, p.1. 115PRESTES, Anita Leocádia. Os Militares e a Reação Republicana: as origens do tenentismo.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. P.16-17.

60

Republicana tem como um dos motivos de sua formação, o fato de se tratar de um tipo de

cisão oligárquica dos estados citados acima, que passaram a questionar o domínio de São

Paulo e Minas Gerais. Os discursos dos representantes da Reação Republicana são

marcados pela ideia de moralização política, condenando o tipo de prática política

orquestrado pelas oligarquias dominantes de São Paulo e Minas Gerais. Cabe ressaltar

que, entre tais discursos e a prática política, parece haver certa divergência, pois, as

principais lideranças políticas da Reação Republicana, eram nomes de chefes

oligárquicos em seus respectivos estados: Nilo Peçanha116, no Rio de Janeiro; Borges de

Medeiros, no Rio Grande do Sul; J.J Seabra na Bahia.

Durante os desdobramentos dos fuzilamentos na Matta e principalmente após as

declarações do tenente Henrique Dias, dizendo ter cumprindo ordens do governador

maranhense para praticar os crimes, a imprensa partidária da Reação Republicana, em

outros estados, passaram a dar visibilidade aos acontecimentos no interior maranhense,

reforçando as acusações ao governador Urbano Santos. Acusar o governador maranhense,

à época também candidato à vice-presidência na chapa de Artur Bernardes, tendo em vista

o contexto de disputas políticas, também era uma forma de atacar diretamente os

representantes da chapa oficial.

A nível local o cenário político maranhense no ano de 1921 (contexto de nosso

estudo) estava configurado, em termos de siglas partidárias, em basicamente três: Partido

Republicano (situacionista), Partido Republicano Federal (de Costa Rodrigues) e o recém

criado Partido Republicano Maranhense (oposição). Como bem lembra Giscard F. Agra,

a existência de três siglas partidárias com o epíteto de Republicano acabara por criar um

mal entendido em uma das matérias do Diário de São Luiz117 que, em editorial intitulado

“Sem energia e sem objetivo político” de sua edição de 1 de junho (1921), objetivando

fazer uma crítica ao partido situacionista (PR) acabara por se referir ao PRM. Contudo,

no dia seguinte os representantes desse jornal se desculpam do equívoco mas não deixam

de questionar a existência de três partidos com o epíteto de Republicano. Nesses termos,

afirma Agra acerca das características dos partidos maranhenses:

No Maranhão, os partidos compunham-se, como em várias outras

localidades do Norte do Brasil, da união de certas oligarquias que, sob

116Sobre a atuação de Nilo Peçanha da política Nacional na Primeira República, ver: PINTO, Surama Conde

Sá. A correspondência de Nilo Peçanha e a dinâmica política na Primeira República. – Rio de Janeiro:

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. – (Série Monografias premiadas, 1998). 117DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 1 de junho de 1921, p. 1.

61

a liderança de um chefe político, lutavam por interesses particulares. O

partido político era menos uma associação de pessoas com ideologias e

projetos sociais comuns, e mais um composto de grupos que defendiam

os seus próprios interesses políticos e econômicos. A adesão política,

portanto, dava-se menos à sigla partidária do que ao líder que

congregava os interesses dessas oligarquias. Daí ser comumente usado

o nome do líder oligárquico como um adjetivo para se referir aos seus

partidários118.

Embora Agra se refira basicamente aos estados do Norte, é provável que suas

considerações acima possam se estender aos partidos políticos em âmbito nacional119.

Após essas considerações a respeito da ascensão política de Urbano Santos na Primeira

República bem como das configurações gerais das oligarquias maranhenses, dos partidos

políticos maranhenses e das disputas político-partidárias a nível local e nacional, para

situarmos o contexto político no qual se baseia nosso trabalho, passamos à exposição, nos

tópicos seguintes desse segundo capítulo, de nossas análises dos discursos dos jornais

governistas acerca dos acontecimentos no povoado da Mata (Codó).

2.1. Diário Oficial do Maranhão: um espaço de divulgação dos atos governistas e

“propaganda” do governador Urbano Santos.

Enquanto órgão de Imprensa do governo estadual, o jornal Diário Oficial do

Maranhão apresenta informes a respeito dos atos do governador e da administração

pública estadual como um todo. De acordo com Manoel de Jesus Barros Martins120, esse

periódico foi criado em 1905, “para cumprir pautas tipicamente oficiais”, passando a

circular em 1906. Desse modo, ao tempo dos acontecimentos na Mata, esse jornal

divulgava telegramas recebidos e enviados pelo governo dando notícias das atuações e

medidas tomadas por Urbano Santos referentes ao caso em questão. Publicava os

inquéritos abertos para apurar os responsáveis pelos fuzilamentos na Mata, os

depoimentos dos que participaram da operação policial, portanto, os resultados finais de

tais investigações foram divulgados por esse órgão da imprensa local.

118AGRA, Op.cit. p. 99. 119Fazemos essa afirmação baseado no que escreve Vavy Pacheco Borges acerca dos partidos políticos no

Brasil da Primeira República, citemos: “Os autores concordam que, antes de 1930, os partidos políticos são

estaduais ou só nominalmente nacionais mas atendem aos interesses das oligarquias ou de grupos regionais.

Isso explica bastante bem o amorfismo ou falta de coesão ideológica e programática de praticamente todos

os partidos na Primeira República. O único partido de âmbito nacional, então, era o Partido Comunista

Brasileiro, fundado em 1922”. BORGES, Op.cit, p.24-25. 120MARTINS, 2006, op,cit. p.170.

62

Nesse sentido, nossa análise do Diário Oficial do Maranhão se concentrará em

dois momentos: na análise das primeiras informações acerca da conspiração na Mata e as

ações do governador para conter tal levante; num segundo momento, a partir das notícias,

divulgadas por esse jornal no dia 16 de agosto, de fuzilamentos praticados pelas tropas

militares do Estado e, consequentemente, a instauração do Inquérito policial para

investigar os crimes da força policial.

Temos observado que esse veículo de informação servia também para colocar em

circulação discursos cujas ideias acerca da imagem do governador Urbano Santos o

apresentavam como um agente político dotado das melhores qualidades que se esperava

de um administrador público. Cumprindo, assim, uma campanha interna (no Estado do

Maranhão) e também externa ao Estado, pois, como vimos fora escolhido candidato à

vice-presidência na chapa governista que tinha Artur Bernardes como candidato oficial à

presidência do Brasil, para as eleições de 1° de março de 1922. Esse papel desempenhado

pelo Diário Oficial do Maranhão fica perceptível em várias matérias como, por exemplo,

ao dar publicidade a uma matéria do jornal “O Correio de Codó”. Tendo como título Dr.

Urbano Santos, o texto em questão fala da indicação do governador maranhense para a

candidatura à vice-presidência na chapa de Artur Bernardes. Ressaltando que Urbano

Santos já havia ocupado esse cargo em outra oportunidade, na presidência de Wenceslau

Braz (1914-18), informa a matéria que dificilmente se encontraria candidato mais

apropriado, ou “que excedesse aos predicados do ilustre maranhense, já conhecido em

todo o país como um legítimo expoente da moralidade, do direito, da Justiça, da harmonia

e da paz”, afirmando ainda que a Convenção Nacional que o escolhera “Poderia ter

achado outro igual, mas que o excedesse, não121”. Esta escolha, de acordo com o discurso

situacionista, seria motivo de orgulho para os maranhenses.

Além da tentativa de alçar o governador maranhense a uma condição de

singularidade enquanto ator político a nível nacional, tendo em vista vários outros nomes

que almejavam ter sido indicado para a vice-presidência, a matéria elenca uma série de

palavras para caracterizar Urbano Santos de forma a justificar tal indicação: ilustre

maranhense, expoente da moralidade, do direito, da justiça, da harmonia e da paz. Essas

palavras usadas costumeiramente pelos vários grupos políticos oligárquicos, no contexto

da Primeira República, parece sugerir que havia um acordo tácito em relação às

121DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 15 de julho de 1921, p.3.

63

características ideais de um agente político, sendo os adversários caracterizados

costumeiramente como o avesso dessas classificações. Contudo, entre as palavras e os

atos há fortes indícios de uma disparidade, pois parece ter sido regra nos domínios

oligárquicos a prática de um domínio político que destoava dos belos discursos de

democratas proferidos em seus órgãos de imprensa, como no caso do governador Urbano

Santos.

De olho nas eleições estaduais do dia 1° de setembro (1921), o Diário Oficial do

Maranhão publica várias matérias endereçadas ao eleitorado maranhense especificando

os nomes dos candidatos situacionistas. Para o cargo de governador estadual foram

escolhidos Godofredo Viana (senador maranhense) e Raul Machado para vice-

governador. Estes haviam sido escolhidos de acordo com as decisões do Partido

Republicano e de seu ilustre chefe (Urbano Santos). Conforme a matéria,

A vitória no atual pleito que o Partido Republicano aspira e espera

confiante no eleitorado maranhense, representa para o Estado a certeza

da continuidade no futuro quatriênio da política de atividade

progressiva, de iniciativas empreendedoras, de prudência refletida e

consciente, como de probidade, não aparente, mas verdadeira e real, que

tem assinalado o governo e a administração no quatriênio atual. Os

maranhenses ficarão assim com a certeza de que dos atos do governo

será excluído o favoritismo, não campeiarão (sic) o ódio nem a

violência, o crime não será premiado como será proscrita a vingança122.

Essa matéria fala em continuidade do domínio político liderado por Urbano

Santos, elencando novamente uma série de características do que diziam ser o tipo de

prática de governo levado a cabo pelos representantes do Partido Republicano, cujo

exemplo seria a administração do então governador Urbano Santos. Desse modo, além de

fazerem uma campanha estadual (referimo-nos ao executivo e legislativo), essa matéria

também parece fazer a campanha de Urbano Santos para eleição presidencial do ano

seguinte. Temos então uma estratégia de autoconsagração dos membros do Partido

Republicano que, ao se apresentarem como os nomes mais adequados para darem

continuidade a um tipo de domínio político que estava à frente da administração

maranhense, acabam por colocar em circulação seus discursos como estando em

consonância com os interesses do povo maranhense. Nesse sentido, é possível

compreendê-los como executando algo que parece ser muito comum nos jogos de

disputas políticas e que Pierre Bourdieu (2004) chama de “efeito de metonímia”, vejamos,

122DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 3 de agosto de 1921, p.3.

64

O efeito de metonímia permite a universalização dos interesses

particulares de dirigente partidário, permite atribuir os interesses do

mandatário aos mandantes que ele supostamente representa. O principal

mérito desse modelo está em explicar o fato de os mandatários não

serem cínicos (ou muito menos e com frequência muito menor do que

se poderia esperar), de serem envolvidos pelo jogo e de realmente

acreditarem no que fazem123.

É perceptível, tanto nos discursos do situacionismo quanto da oposição, lançarem

mão desse “efeito de metonímia”, cada grupo apresentando-se como os legítimos

representantes dos interesses do “povo maranhense” e, por consequência, uma acusação

mútua no que diz respeito a uma tentativa de desqualificar o adversário como aquele que

não tem em vista os ditos interesses do “povo”, mas apenas o próprio interesse. Dadas

essas informações sobre a imprensa oficial, passamos à análise de suas matérias.

2.1.1 Noticiários, telegramas e inquéritos sobre os fuzilamentos na Matta

O Diário Oficial do Maranhão traz em seu Noticiário, em matéria de 8 de agosto

de 1921, informações recebidas pelo governo, por meio de um telegrama procedente de

Barra do Corda, acerca de um grupo homens sob a liderança de um homem chamado

Manuel Bernardino de Oliveira que, segundo o citado telegrama, visava derrubar o

governo por meio de um levante. Esse telegrama começa chamando atenção do

governador Urbano Santos para os “acontecimentos gravíssimos que estariam ganhando

proporções”, daí a necessidade de esclarecer o governador sobre os acontecimentos,

No centro Codó lugar Matta a seis léguas povoado Curador reside

Manoel Bernardino Oliveira, inteligente grande propagandista ideas

(sic) socialista. Capitão Sebastião Gomes subdelegado 4º distrito acaba

chegar afirmando que Bernardino alicia adeptos números que ali

acorrem de diversos pontos. Ultimamente prega derramamento de

sangue dizendo que é tempo derribar governo montar outro acordo

populares.124

Segundo essa matéria, Manuel Bernardino havia afirmado estar apoiando

membros do PRM (Partido Republicano Maranhense). Reforçando a ideia acerca dos

objetivos de Manoel Bernardino, Walfredo Lyra, juiz municipal de Barra do Corda, ligado

ao situacionismo, observa ainda no citado telegrama enviado a Urbano Santos:

Consta ter cerca mil homens preparados para luta dia eleição. Levando

estes factos presença v.exc. peço medidas urgentíssimas prevenindo

123BOURDIEU, Pierre. A delegação e o fetichismo político. IN: Coisas Ditas; tradução Cássia R. da

Silveira e Denise Moreno Pegorin; revisão técnica Paula Montero. – São Paulo: Brasiliense, 2004. P. 201-

202. 124 DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.3.

65

contra fatos de consequências desastrosas. Lembro ser elas quanto antes

extensivas Codó, cujo centro se prepara movimento125.

Walfredo Lyra segue falando que as famílias do povoado de Curador, nas

proximidades de Codó, estariam alarmadas com os boatos referentes ao que se dizia do

grupo de Manuel Bernardino e que, portanto, esperavam medidas urgentes do governador

para conter a possível revolta. Walfredo Lyra enviou ainda a transcrição de uma carta que

teria sido escrita por Manoel Bernardino e endereçada a Euclydes Maranhão, este era

amigo do desembargador Dioclides Mourão (ligado ao PRM). Nessa carta Bernardino

avisa Euclydes Maranhão quanto à necessidade de fazer revolução contra o governo de

Urbano Santos, visto como ilegítimo, vejamos um trecho do conteúdo dessa carta:

Matta 26 de julho de 1921, Amigo e sr.major Euclydes Maranhão.

Comunico-vos que tendo recebido instruções do Rio (de Janeiro)

relativamente ao direito que temos de fazer a revolução contra

Governos ilegitimamente constituídos e vendo a aproximação da hora

resolvi fazer agentes por todo este município e de Mirador onde conto

com forte elemento para o fim almejado, digo forte em número. E como

as instruções que recebi diz que o nosso inimigo só ficará convencido

depois do batismo de sangue, é preciso que não façamos traição porem

que devemos pregar abertamente pois o tempo chegou126.

Essas palavras de Manoel Bernardino parecem ter causado forte impressão nas

autoridades de Codó e Barra do Corda, de onde foram mandados, por integrantes do grupo

político do governador os primeiros telegramas avisando-o do que estava ocorrendo e das

intenções de Bernardino. Após apresentar telegramas de diferentes pessoas e lugares, o

Diário Oficial do Maranhão expõe que: “Em vista destas comunicações, procedentes de

diversos pontos e de pessoas de interesses políticos antagônicos, resolveu o governo

adotar prontas providencias para reprimir o movimento anunciado”.127 O governador

Urbano Santos enviou telegramas para Walfredo Lyra (juiz municipal) e para o capitão

Sebastião Gomes, subdelegado de polícia de Curador,

Incumbindo este último de armar gente, não só para manter a ordem em

Curador como para impedir que os desordeiros fugissem para o sertão,

quando atacados pela força que enviaria de Codó. E efetivamente nesse

mesmo dia enviou para Codó uma força de 40 praças sob as ordens dos

tenentes Taurino (Lobão) Lemos e (Antônio Henrique) Dias com

destino a Matta128.

125Ibid.. 126DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.3. 127Ibid. 128Ibid.

66

Chama nossa atenção nessas ações do governador Urbano Santos o fato de ter

autorizado Sebastião Gomes a armar paisanos, apontando, portanto, para um uso de

capangas pelo poder oficial que se mesclava com as tropas militares do Estado, esta, pela

lógica, a força legítima para agir em tais expedições, expondo assim, uma indistinção

entre legalidade e ilegalidade. Um ponto interessante nesse discurso de Urbano Santos é

a estratégia de desqualificar o grupo de Manuel Bernardino, chamando-os de desordeiros,

não raro aparecendo nos jornais situacionistas classificados como jagunços. Desse modo,

tendo em vista o campo de lutas políticas nos quais esses discursos foram proferidos,

sendo acirrado mais ainda pelo fato de ser período pré-eleitoral (as eleições estaduais

estavam marcadas para 1° de setembro), é de suma importância atentarmos para o aspecto

ideológico dos mesmos. Enquanto governo, o tom dos discursos de Urbano Santos e seus

partidários é marcado por uma ideia de legitimidade, a despeito dos recursos utilizados

para manter tal legitimidade.

Urbano Santos fora informado pelo major Augusto de Faria Bello, por meio de

um telegrama, que Manoel Bernardino de Oliveira e Felippe Moreira, apontados como os

“cabeças” da conspiração da Matta, haviam chegado à delegacia de Codó: “[...]

garantindo nenhuma sedição haver ali129”. Uma vez de posse de tal informação, o

governador maranhense dera ordens a Sebastião Gomes para desarmar “seu pessoal”, foi

dito ainda para o major Augusto de F. Bello para ordenar o tenente Henrique Dias que

voltasse a Codó, com as 20 praças conduzindo os detidos da Matta para prestarem

depoimento à polícia. Ainda segundo o Diário Oficial do Maranhão: “Ao tenente Taurino

(Lemos) foi ordenado que permaneça em Matta ainda durante alguns dias afim de

tranquilizar de todo a população do logar (sic)130”.

O leitor deve ter percebido que até aqui não fizemos sequer uma referência aos

fuzilamentos na Matta praticados pelas tropas policiais do Estado sob o comando do

tenente Antônio Henrique Dias. Um dos primeiros pontos a ser comentado se deve ao

fato da Imprensa Oficial só ter dado publicidade aos acontecimentos no povoado da Matta

em 8 de agosto (1921), sendo que o governo já havia sido informado da possível

“conspiração” desde pelo menos 29 de julho (mesmo ano), data do telegrama enviado de

Barra do Corda e publicado pelo Diário Oficial do Maranhão apenas no dia 8 de agosto.

Esse “silêncio” vai ser criticado pelos representantes do Diário de São Luiz que alegam

129DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.4. 130Ibid.

67

num primeiro momento que haveria interesse do governador em enviar as tropas para

Codó ensaiando uma ação que visava posteriormente ser usada em Caxias (segundo maior

colégio eleitoral na época), onde, de acordo com a oposição, havia vários de seus

partidários e eleitores e, portanto, o governador visaria tumultuar o pleito de 1° de

setembro de forma a prejudicar a oposição.

Portanto, apenas as matérias publicadas a partir do dia 16 de agosto nos

possibilitam rastrear os discursos do Diário Oficial do Maranhão acerca do que ocorrera

na Matta em relação aos fuzilamentos, pois é nessa data que esse órgão situacionista

informa (e é informado?) a respeito da notícia de fuzilamentos praticados pelas tropas

policiais sob comando do tenente Henrique Dias, no dia 6 de agosto. Essas informações

foram transmitidas pelo desembargador Dioclides Mourão (magistrado aposentado,

ligado à oposição) que, residente em Codó, escreve em telegrama,

Codó, 14.- Acabo ser informado foram sumariamente fuzilados Matta

cerca de cem pessoas sem praticarem ato algum resistência. Eram

amarrados inimigos apontavam afectos (sic) Manoel Bernardino,

tenente Dias mandava fuzilar sem atender súplicas pobres vítimas.

Desde ontem delegado, outros interessados reunidos alto fabrica

arranjam depoimento declarações, naturalmente inocentar criminosos.

Convicto não sancionareis taes (sic) atrocidades, levo ao vosso

conhecimento esperando providenciareis garantia minha pessoa por

esta denúncia exposta iras criminosos131.

Nesse telegrama de denúncia das ações criminosas cometidas pelas tropas sob o

comando do tenente Henrique Dias, embora com exageros quanto ao número de vítimas

(foram 4 mortes), percebemos o temor do desembargador Dioclides Mourão em sofrer

possíveis represálias do tenente Henrique Dias, por tê-lo denunciado, daí solicitar a

proteção (garantia) do governador para que nada lhe acontecesse. Essa questão nos sugere

que nesse contexto de disputas políticas o uso da violência era moeda de troca até mesmo

entre pessoas de posição social que não fosse das classes pobres, ou seja as “garantias

individuais” que a Constituição estadual estabelecia não passavam de “letra morta”.

De posse das informações acima, o governador Urbano Santos responde em

telegrama a Dioclides Mourão: “Embora inacreditáveis informações chegaram ao vosso

conhecimento, vou mandar sindicar rigorosamente se são verdadeiras para tomar

providências, porquanto em hipótese alguma pactuarei com fatos desta ordem.

131DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 16 de agosto de 1921, p.2

68

Saudações- Urbano Santos132”. Ainda nas matérias publicadas no 16 de agosto, tem-se

outro telegrama de Dioclides Mourão confirmando dessa vez está habilitado a dizer que

as tropas policiais “matou muitas pessoas”, não especificando números dessa vez.

Novamente o governador Urbano Santos o responde salientando que: “Seguiu para aí

(Codó) esta manhã major (Augusto de Faria) Bello incumbido fazer inquérito militar para

apurar fatos trouxestes meu conhecimento. Saudações- Urbano Santos133”.

De acordo com essa matéria, a partir desse “inquérito rigoroso” mandado ser

instaurado por Urbano Santos, o habilitaria a tomar as devidas medidas para resolução do

caso. Foi ordenado ao major Augusto de F. Bello para recolher os tenentes Henrique Dias

e Taurino Lemos (responsáveis pela expedição militar na Matta) e envia-los a São Luís.

O major Augusto de F. Bello, que teria ido para Codó com reforço policial, logo após a

ida dos tenentes Dias e Taurino e, retornara a São Luís no dia 12 (mês de agosto), havia

dito ao governador Urbano Santos que quando saiu de Codó “nada lá constara dos fatos

denunciados pelo desembargador Mourão134”. O major Augusto de Faria Bello teria vindo

para São Luís em companhia de Manoel Bernardino trazido para Capital para dar

explicações ao governador acerca do seu envolvimento como possível líder da

conspiração na Matta. Além de Manoel Bernardino, diz a matéria,

O major Bello trouxe em sua companhia as praças José Ferraz, Thomé

Barbosa, Carloto Rodovalho e José Rodrigues da Silva, as quais

tomaram parte na expedição à Matta e de lá voltaram (para Codó) em

companhia do tenente Dias. Interrogadas aqui ontem pelo major Bello,

essas praças negaram a veracidade dos fatos que chegaram ao

conhecimento do desembargador Mourão135.

Tendo em vista essas informações, um fato importante a se ressaltar é que fora o

desembargador Dioclides Mourão, quem deu a notícia (equivocada quanto ao número de

mortes) de crimes praticados pelas tropas do governo. Se levarmos em conta o que foi

citado acima acerca das “praças” envolvidos na expedição da Matta, bem como o silêncio

dos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos, que nada falaram ao governador sobre os

crimes, acrescentando que José Lopes Pedra Sobrinho (cobrador de impostos do

povoado), que participara da expedição, também nada falara no primeiro momento, é

perceptível que houve uma tentativa de silenciar sobre os referidos crimes. Esse silêncio

132Ibid. 133DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 16 de Agosto de 1921, p.2. 134Ibid. 135Ibid.

69

fica patente no telegrama enviado pelos tenentes (Dias e Taurino) endereçado ao

governador Urbano Santos, relatando a chegada da tropa policial no povoado da Matta:

Entramos ontem “Matta do Nascimento” sem alteração. Aproximação

força bandido Manoel Bernardino evadiu-se acompanhado do major

Felippe Moreira de Souza e outros cabecilhas. Reduto completamente

abandonado. Dando caça na matta prendemos diversos bandidos.

Temos aconselhado pessoal não tomarem parte lado Manoel

Bernardino, voltarem lar recomeçarem serviços, satisfeitos bemdizem

(sic) medidas V.Exc. José Lopes Pedra agente fiscal estadual expulso

por Bernardino, entrou hoje frente 28 homens armados rifles, prestando

serviços lado legalidade. Sebastião Gomes frente força guarneceu

retaguarda reduto bandido Manoel Bernardino. Estado signatário nossa

força regular. Aguardamos ordens V.Exc. Saudações muito respeitosas.

(AA) Tenente Taurino Lemos, Henrique Dias.

Matta do Nascimento, 6 de Agosto de 1921136.

Nesse telegrama, datado de 6 de agosto, tem-se um resumo da primeira versão dos

tenentes acerca da chegada à Matta, bem como das ações praticada como a prisão de

“diversos bandidos”, e as atuações de apoio dos paisanos armados por José Lopes Pedra

Sobrinho (28 homens) e também dos homens armados por Sebastião Gomes. Relatam não

terem encontrado nenhuma “alteração”137, quando da chegada da tropa policial à Matta,

não encontrando Manoel Bernardino que já havia fugido com Felippe Moreira. Outro

ponto importante é o uso do termo bandido para se referir a Manoel Bernardino de

Oliveira, estabelecendo uma diferenciação entre os lados em questão: a legalidade, sendo

representada pelas tropas policiais auxiliadas pelos homens paisanos de José Lopes Pedra

Sobrinho e Sebastião Gomes; e a ilegalidade associada ao grupo de Bernardino.

Ao serem divulgadas as notícias de fuzilamentos cometidos pelas tropas policiais,

os tenentes são levados a prestarem depoimentos para esclarecimentos dessas acusações.

Nesse sentido, os tenentes Taurino Lobão Lemos e Antônio Henrique Dias foram

interrogados no dia 17 de agosto (1921). O primeiro relatara, dentre outras coisas, sobre

a chegada das tropas policiais à Matta, no dia 5 de agosto, “onde encontramos bem poucas

pessoas, velhos e algumas crianças tendo logo informação que Manoel Bernardino havia

136DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12. 137Em carta endereçada ao major Augusto de Faria Bello, os tenentes Taurino Lemos e Henrique Dias

reforçam essa informação ao dizerem em um dos trechos da carta que chegaram ao povoado da Matta: “[...]

debaixo de rigorosa vigilância e sem ser preciso dar um tiro [...]”. Esta carta, datada do dia 7 de agosto,

também foi publicada no DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, no dia 13 de setembro, p.12, como parte

componente do inquérito feito pelo major Augusto de Faria Bello.

70

fugido em companhias de Felipe Moreira”, ambos acompanhados de “mais dois

companheiros ou capangas na manhã desse mesmo dia cinco138”.

Ainda de acordo com o depoimento do tenente Taurino Lemos, na noite desse

mesmo dia (5/8), estando a força policial na casa (uma casa de Lopes Pedra que cedera

para servir “quartel” temporário da tropa policial) onde estava “aquartelada”, fora atacada

por tiros vindos de um bananal que ficava defronte da referida casa. A força policial teria

reagido aos tiros, mas Taurino Lemos não sabia informar se os tiros da tropa policial

haviam feito alguma vítima, informa também que: “No dia seis mandamos dar caçadas

nos matos; pela força incumbida desse serviço foram presos muitos cangaceiros depois

de pequenos tiroteios os quais foram também correspondidos pela força ignorando se

morreu alguém; dos presos os mais complicados vieram escoltados para esta cidade

(Codó) e recolhidos à cadeia [...]”139. Os demais presos teriam sido soltos sendo

“aconselhados” pelos tenentes para que voltassem para suas casas para cuidarem de suas

famílias. O tenente Taurino Lemos nega (novamente) a “veracidade” das notícias

colocadas em circulação pelo Diário de São Luiz no que dizia respeito aos fuzilamentos.

Entretanto, em novo interrogatório do dia 4 de setembro, quando já se tinha a

certeza dos fuzilamentos de quatro homens praticados pelas tropas policiais, Taurino

Lemos ao ser solicitado a explicar porque não denunciara o tenente Henrique Dias, teria

respondido o seguinte:

[...] Por uma reflexão nascida do espírito de coleguismo deixou de o

fazer, não pensando, no momento, as responsabilidades que daí lhe

pudessem acarretar, de cujo ato impensado tem o maior

arrependimento, visto como aquele ato fere os seus sentimentos e mais

ainda os deveres de militar140.

Nesse segundo interrogatório, Taurino Lemos dá algumas informações acerca das

“instruções” que receberam do governador Urbano Santos antes de serem enviados para

a Matta, declara que receberam “instruções positivas do Senhor Doutor Presidente do

Estado para que fizessem enérgica reação no caso de encontrarem resistência da parte dos

sediciosos, que no caso contrário os desarmassem aconselhando-os que fossem para as

suas casas, entregando-se aos seus afazeres sem nada temerem141”. Relata que não

imaginava que o tenente Henrique Dias pudesse praticar (ordenar) os quatro fuzilamentos,

138DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12. 139DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12-13. 140Ibid., p.15-16. 141Ibid., p.16.

71

entretanto, diz ter ouvido o tenente Henrique Dias ameaçar soldados da força policial por

terem “cometidos pequenas faltas disciplinares”, alegando que recebera ordens do

governador Urbano Santos para expulsar ou até fuzilar os soldados que não andassem na

“linha”. Taurino Lemos, por outro lado, diz que o governador não havia dado essas ordens

ao tenente Henrique Dias.

Em relação aos depoimentos do tenente Antônio Henrique Dias, constam no

Diário Oficial do Maranhão também dois depoimentos: um do dia 17 de agosto, e outro

do dia 20 (do mesmo mês). No primeiro depoimento, relata basicamente as mesmas

informações que dera o tenente Taurino Lemos em seu primeiro depoimento, quanto aos

objetivos da ida para a Matta. De Acordo com Henrique Dias, ambos seguiam

“instruções” do governador Urbano Santos: “[...] afim de ali (na Matta) debandar um

grupo de cangaceiros que se achavam reunidos sob a chefia de Manoel Bernardino de

Oliveira, perturbando o sossego público[...]142”. Ao relatar como se dera a chegada à

Matta, diz:

[...] que cerca das treze horas (do dia 5 de agosto) entraram na referida

“Matta” sem haver um só tiro, trataram de efetuar algumas prisões e

informarem-se do ocorrido e chegaram à conclusão que ali existia

grande quantidade de homens armados chefiados por Manoel

Bernardino, contando com o apoio dos Senhores Desembargador

Deoclides Mourão, coronel Euclydes Maranhão, major Felippe Moreira

de Souza e outros, com o fim único de fazerem uma traição ao governo

no dia primeiro de Setembro vindouro por ocasião da eleição143 [...].

Após a chegada da tropa policial à Matta, o tenente Henrique Dias diz ter sido

informado que Manoel Bernardino havia se evadido juntamente com Felippe Moreira e

mais dois companheiros. Fala também sobre os tiros partidos de um bananal (noite dia

5/8) em direção à casa onde a tropa policial estava aquartelada, a tropa policial teria

reagido com tiros e, logo após, fizeram o reconhecimento do local não encontrando

nenhuma vítima, sendo assim, no dia seguinte fizeram “novas pesquisas e nada também

sendo encontrado”. Teriam ficado nessa localidade (Matta) até o dia 10 (agosto) “sem

haver nenhuma alteração144”. Feitas estas declarações, Henrique Dias reforça que eram

mentirosas as notícias publicadas pelo Diário de São Luiz acerca dos fuzilamentos.

142DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.13. 143Ibid. 144Ibid.

72

O tenente Henrique Dias fora interrogado novamente no dia 20 de agosto. Nesse

outro interrogatório, esse tenente volta a reforçar basicamente o que dissera da primeira

vez. Contudo, à essa época parecia não haver mais dúvidas que houvera fuzilamentos,

não dos cerca de cem mortos, como fora divulgado no primeiro momento. Mas mesmo

com essas informações o tenente Henrique Dias não assume a responsabilidade pelos

quatro fuzilamentos, ficando assim, exposto um depoimento marcado por uma certa

dubiedade: às vezes nega a existência de que houvera fuzilamentos, ou mesmo acusa os

homens armados por Sebastião Gomes como os possíveis responsáveis, ou até alegando

que se tivesse ocorrido as mortes, ele não deveria ser culpado, pois o chefe da expedição

era o tenente Taurino Lemos.

Ao ser perguntado a respeito da informação dada pelo juiz Walfredo Lyra, que

dizia ter sido informado por Sebastião Gomes (subdelegado de Curador) de que só não

foi maior o número de fuzilados por causa da intervenção deste último, que evitara mais

fuzilamentos, o tenente Henrique Dias, se defende alegando “que esta monstruosa

falsidade já ele (Dias) declarante esperava, pois Sebastião Gomes e o Juiz Municipal da

Barra do Corda (Walfredo Lyra), são seus inimigos pessoais145”. Segue o tenente

Henrique Dias esclarecendo o(s) motivo(s) de tais inimizades:

[...] porque quando o declarante (foi/era) delegado de polícia da Barra

do Corda, um amigo e compadre de Sebastião Gomes e dr. Juiz

(Walfredo) Lyra, de nome Luiz Rodrigues Ferreira, com cinco

gangaceiros assaltaram a casa do capitão Semião Firmino de Mello,

mataram-no, mulher, filho e uma filha moça, balearam o vaqueiro,

roubaram vinte contos em dinheiro, incendiaram a casa e carbonizaram

os corpos, isso no ano de mil novecentos e dezenove para vinte146.

Após esse episódio, o tenente Henrique Dias teria sido procurado por Sebastião

Gomes e Walfredo Lyra, que lhe pediram para tirar o nome de Luiz Ferreira do inquérito

sobre o caso relatado acima. Teriam solicitado a Henrique Dias para que colocasse a culpa

num homem de nome Antonio Pereira da Silva. Sebastião Gomes ainda teria aconselhado

Luiz Ferreira a procurar saber “quanto queria (Henrique Dias) para retirar o seu nome do

inquérito; que o declarante (Dias) disse que estava cumprindo o seu dever e que ele Luiz

(Ferreira) constituísse seu advogado147”. Esse seria, portanto, o motivo de Sebastião

Gomes e Walfredo Lyra serem inimigos do tenente Henrique Dias.

145DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.15. 146Ibid. 147Ibid.

73

Sendo assim, Henrique Dias rebate as acusações que lhes estavam fazendo,

alegando que Sebastião Gomes talvez lhe quisesse atribuir crimes que possivelmente teria

sido praticado por Sebastião Gomes e seu pessoal: “[...] pois eram duzentos e tantos

homens indisciplinados, armados de rifles na maioria embriagados atirando a esmo148”.

Não entendia também porque era acusado como mandante dos fuzilamentos “quando não

era comandante da força e sim, o tenente Taurino (Lemos), sob cujas ordens serviu e de

junto de quem nunca se afastou, sendo seus atos executados depois de mútua

combinação149”. Ao término do interrogatório diz que o tenente Taurino Lemos e as

praças que formavam a tropa policial que fora à Matta “são testemunhas de que não houve

uma só morte mandada executar pelo declarante em prisioneiro ou não, nem se quer

maltratos (sic) a prisioneiros150”.

Por outro lado, de acordo com depoimento do tenente Rodolfo Figueiredo151, o

próprio tenente Henrique Dias lhe havia confessado (dia 21/8) ter praticado os

fuzilamentos de quatro homens (“cangaceiros, criminosos conhecidos”), pois ficara

sabendo que estes planejavam mata-lo. Henrique Dias teria confessado também que os

crimes foram praticados com o aval do tenente Taurino Lemos. Portanto, se num primeiro

momento os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos fizeram voto de silêncio quanto

aos crimes praticados, a partir das confirmações dos fuzilamentos de quatros homens

passaram a acusarem-se mutuamente.

Contudo, a declaração que parece ter causado mais impacto na imprensa local e

nacional parece ter sido as que o tenente Henrique Dias fizera em texto publicado pelo

jornal Diário de São Luiz, ao dizer que praticara os fuzilamentos a mando do governador

Urbano Santos. Estas declarações parecem ter sido redigidas pelo tenente Henrique Dias

e foram entregues a Nascimento Moraes, que as publicou, em matéria do dia 24 de agosto

de 1921152. A partir da publicação destas declarações, os jornais situacionistas e o Diário

de São Luiz vão travar uma batalha discursiva (política) em torno da veracidade do seu

conteúdo, principalmente em relação à defesa (feita pelos situacionistas) e acusação (feita

pelo Diário de São Luiz) da responsabilidade do governador Urbano Santos em relação

aos fuzilamentos.

148Ibid. 149DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.15. 150Ibid. 151Ibid., p.3. 152Comentamos essas declarações no terceiro capítulo desse trabalho.

74

No dia 18 de agosto (1921) o Diário Oficial do Maranhão publica um telegrama

recebido pelo governador Urbano Santos enviado por Epitácio Pessoa, então Presidente

da República. Nesse telegrama, o presidente Epitácio Pessoa dizia a Urbano Santos ter

sido informado por Tarquínio Lopes Filho (membro do PRM) acerca da falta de segurança

da oposição no interior do Estado, além dos boatos da morte de 8 pessoas possivelmente

praticadas pelas tropas policiais do governo, solicitando, portanto, que o governador

maranhense mandasse averiguar essas informações. Urbano Santos responde ao

Presidente, nos seguintes termos:

Ordenei rigorosa sindicância pela qual apurarei a verdade completa

sobre essa denúncia e aguardo resultado, não precisando reassegurar a

V.Exc. afirmação já fiz ao público que, confirmada ela, entregarei os

culpados aos tribunais, promovendo sua punição com todo rigor da lei.

Saudações- Urbano Santos, Presidente Estado153.

Por questões formais, ou mesmo por interesses em que os crimes fossem apurados

e, julgados os responsáveis, o governador maranhense era intimado, pelo presidente da

República Epitácio Pessoa, para que tomasse alguma atitude frente às notícias dos crimes.

Essas notícias referentes aos fuzilamentos no interior maranhense ganharam espaço na

imprensa nacional, com matérias constantes dando informações ora verossímeis, ora

completamente equivocadas, como a notícia de cerca de cem pessoas fuziladas. Cabe

ressaltar que talvez as ênfases (a nível nacional) se davam motivadas principalmente pelo

fato de se está em plena campanha eleitoral para a presidência da República, uma vez

que, sendo Urbano Santos candidato a vice presidência, responsabilizar o governador

maranhense, passou a ser uma das tônicas das disputas partidárias que tinham Nilo

Peçanha e J.J Seabra, como candidatos da oposição disputando o pleito presidencial com

a chapa oficial, representada por Artur Bernardes e o governador maranhense.

Passou a ser comum na imprensa maranhense da época (1921) os jornais

situacionistas e da oposição publicarem matérias de jornais de outros estados,

principalmente do Rio de Janeiro, que favorecessem seus respectivos interesses, quer seja

para exaltar seus partidários e candidatos ou mesmo matérias que acusavam os

adversários de alguma ação reprovável. Os jornais situacionistas passaram a fazer

153DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 18 de agosto de 1921, p.2. Uma questão importante nesse

telegrama de Urbano Santos, em resposta ao presidente Epitácio Pessoa, é o fato de ter dito que logo quando

soube das notícias sobre o levante na Matta, teria enviado “quarenta praças comandadas por dois oficiais

(os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos) experimentados que gozam muito crédito”. Ibid. Esta

afirmação é importante porque quando o governador deu entrevista ao jornal Pacotilha, acerca das

declarações do tenente Henrique Dias, diz que não tinha nenhum “conceito” sobre esse tenente.

75

campanha (a nível nacional) pró Bernardes-Urbano e ao mesmo tempo contra os

candidatos Nilo-Seabra. Já o Diário de São Luiz fazia o inverso. Nesses termos, podemos

lançar mão aqui de uma consideração de Mikhail Bakhtin, no que diz respeito ao papel

do “outro” (o adversário político, no caso aqui em análise) na escrita de um texto, escreve

esse autor: “Desde o início, porém, o enunciado (discurso) se constrói levando em conta

as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é criado. O papel dos outros,

para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande154 [...]”. Para Mikhail

Bakhtin, não há ouvintes passivos nessas “relações dialógicas”, cada enunciado expressa

uma intencionalidade. Essa questão é importante para compreendermos os discursos que

ora analisamos, além, é claro, da questão de que estes textos são produtos de uma

interação social, cuja característica central são as disputas político-partidárias.

Feito esses comentários e tendo em vista as promessas do governador maranhense

ao Presidente Epitácio Pessoa, comprometendo-se com a apuração dos crimes e

consequentemente a punição dos responsáveis, nos concentraremos aqui basicamente no

“inquérito” levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello (à época comandante

interino do Corpo Militar). Se partirmos das matérias publicadas pelo Diário Oficial do

Maranhão, acerca da instauração do referido inquérito, é possível inferir que o mesmo

fora instaurado logo após o governador ser informado sobre os fuzilamentos na Matta. Se

levarmos em conta que estas informações são publicadas no dia 16 de agosto, o inquérito

parece ter sido feito a partir dessa data, até o dia 5 de setembro, data que consta no

relatório do major Augusto de F. Bello. Entretanto, parece só ter sido dado à publicidade

oficial apenas no dia 13 de setembro, quando o Diário Oficial do Maranhão publica o

relatório do inquérito feito por Augusto de Faria Bello. Em seu relatório, o major Augusto

de F. Bello, faz logo de início uma afirmação categórica a respeito dos responsáveis pelos

fuzilamentos na Matta, citemos:

Examinando-se o presente inquérito verifica-se que no dia seis do mês

próximo findo (agosto), na povoação “Matta”, do Codó, do Estado do

Maranhão, o 2.° tenente do Corpo Militar Antônio Henrique Dias,

ordenou sumariamente, o fuzilamento de quatro homens, que fria e

barbaramente foram executados, um em mato da estrada que de lá vem

para o logar (sic) “Cruzeiro” e três também em mato da estrada que vem

para o logar (sic) “Pão de Ouro”, sendo as escoltas executoras

compostas do 1.° sargento Ignácio da Costa e Sousa, cabo de esquadra

Antônio Alves de Andrade, anspeçada Manoel José Vianna, soldados

Flavio Athan, José Alves Rodrigues, José de Souza Oliveira e guarda

154BAKHTIN, 2011, p.301.

76

civil Pedro Pereira da Silva (depoimentos de fls. 17, 21, 25, 27, 29 v, e

31 v.)155.

É possível perceber, logo no início desse inquérito, que há uma intenção discursiva

por parte do relator em apresentar ao público quem seria o verdadeiro responsável pelos

crimes na Matta: o tenente Antônio Henrique Dias. Segue o major Augusto de F.Bello

contestando o que dissera os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos, acerca dos tiros

partidos de um bananal em direção à casa onde estava “aquartelada” as tropas policiais e

que, como consequência, fizera as tropas “revidarem” com tiros, não teria passado de um

artifício “inventado” pelos tenentes para justificarem as mortes “casuais”, às quais

estavam sendo investigadas. De acordo com o major Augusto de F. Bello, as declarações

dos tenentes estavam em desacordo com os depoimentos dos outros integrantes do Corpo

Militar que participaram da expedição à Matta e que, também, prestaram depoimentos

sobre o ocorrido na Matta. São citados e comentados ao todo 18 depoimentos de praças

do Corpo Militar. Após estas citações e comentários, o relator do inquérito, chama

atenção para as divergências nos depoimentos quanto aos dias que em que as tropas teriam

sido supostamente atacadas por tiros, a quantidade dos tiros, bem como de onde teriam

partido, uns disseram de um bananal, outros de um matagal da estrada que passava em

frente ao aquartelamento da tropa policial, essas divergências levaram o relator a afirmar

que tal situação “não passa de um simulacro de ataque156”.

Essa estratégia usada pelos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos é

questionada pelo relator porque sabia que os homens que haviam sido aprisionados pela

expedição militar ao chegar à Matta, “estavam debaixo de uma árvore fronteira a casa que

servia de quartel, oito a dez homens vigiados por 10 praças de armas embaladas e destes

homens quatro foram levados para fora da povoação sob pretexto de que iam ser entregues

a uma escolta que os devia conduzir para a cidade do Codó157”. Uma vez selecionados os

quatro homens, segue o relator Augusto de Faria Bello,

Desse jogo previamente combinado entre o tenente Antonio Henrique

Dias e o 1.° sargento Ignacio da Costa e Souza, como claramente se vê

dos depoimentos contestes de fls. 17, 21, 25, 27, 29 v. e 31 v, sai a

conclusão de que aqueles infelizes marchavam para um ponto em que

deviam ser sumaria, fria e perversamente fuzilados, em tanto importam

as declarações feitas nos depoimentos de fls. 17, 21 e 25, de que viram

quem os prestaram, seguir as escoltas comandadas pelo sargento

Ignacio da Costa e Souza e compostas a 1ª (escolta) do guarda civil

155DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.8. 156DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.9. 157Ibid.

77

Pedro Pereira da Silva e soldados Flávio Athan, José Alves Rodrigues

e José de Souza Oliveira e a 2ª (escolta) do cabo de esquadra Antonio

Alves de Andrade, anspeçada Manoel José Vianna e soldados Flavio

Athan e José de Souza Oliveira, levando os homens, ouviram

detonações poucos minutos depois e voltaram as ditas escoltas minutos

mais tarde, sem as inditosas vítimas158.

Para reforçar a existência dos crimes investigados, o relator segue narrando sua

ida para reconhecimento dos cadáveres. Após descrever seu contato com os restos mortais

das vítimas, diz Augusto de faria Bello: “Não resta dúvida alguma, por mais insignificante

que possa ser, de que são verdadeiros os fuzilamentos praticados barbaramente na

‘Matta’, por ordens do 2° tenente Antonio Henrique Dias”. Esta certeza seria reforçada

pelo depoimento de 6 praças do Corpo Militar e um guarda civil, estes qualificadas pelo

relator como sendo “incontestavelmente pessoas insuspeitas159”.

Por se tratar de um Inquérito Policial, é perceptível, constantemente, no relato

(discurso) enunciado por Augusto de Faria Bello, a ênfase no discurso da veracidade

como estratégia de dá legitimidade ao referido inquérito. Nesse sentido, lança mão do

artifício discursivo de qualificar os depoentes acima como insuspeitos. Desse modo,

estabelece basicamente uma diferenciação entre dois tipos de depoimentos: os suspeitos

(dos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos) versus os insuspeitos. Estes últimos, de

acordo com o modo de proceder do relator, no caso aqui em análise, parecem ter sido os

depoimentos prestados pelas praças e envolvidos na “expedição” da Mata que por ventura

reforçassem as conclusões do relator Augusto de Faria Bello. Cabe ressaltar que esse

inquérito visava apresentar a versão oficial sobre os acontecimentos para a opinião

pública, local e nacional e, consequentemente, apresentar um relato que destoasse e ao

mesmo tempo fosse uma resposta aos discursos colocados em circulação pelo jornal

oposicionista Diário de São Luís. Em nosso entendimento, ter em vista o papel do

destinatário do enunciado (discurso), no texto acima, é de suma importância para sua

compreensão:

Porque o enunciado daquele a quem eu respondo (com o qual concordo,

ao qual faço objeção, o qual executo, levo em conta, etc.) já está

presente, a sua resposta (ou compreensão responsiva) ainda está por vir.

Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de uma maneira ativa;

por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce,

por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado (dou resposta

158DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.9-10. 159DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.10.

78

pronta às objeções que prevejo, apelo para toda sorte de subterfúgios,

etc.)160.

Outro aspecto importante no discurso do major Augusto de Faria Bello, na citação

de seu relatório acima, é o fato de novamente atribuir a culpa ao tenente Henrique Dias

pelos fuzilamentos. Talvez um dos fatores para entendermos essa (re)afirmação seja o

fato de ter sido unicamente o tenente Henrique Dias quem declarara ter apenas cumprido

ordens do governador Urbano Santos, daí acabar sendo o principal alvo no referido

inquérito. As declarações do tenente Henrique Dias se traduziam, conforme o relator,

numa calúnia “à pessoa do honrado chefe cujo passado é um atestado da mais viva

tolerância e mais elevados sentimentos de humanidade161”.

Essa questão das referências à culpabilidade do tenente Henrique Dias é

perceptível novamente quando Augusto de Faria Bello relata,

Nós que por mais de uma vez, reiteramos em cartas oficiais, aos

tenentes Antônio Henrique Dias e Taurino Lobão Lemos, as instruções

dadas pelo Senhor Doutor Presidente do Estado, que tão somente

determinou enérgica reação no caso de resistência e efetivas garantias

para normalização rápida da vida da “Matta”, para o que deviam

aconselhar os seus habitantes a prática de boas ações, entregando-se aos

seus labores cotidianos, ficamos surpreendidos com aquelas

declarações ameaçadoras do tenente Dias, que foram confirmadas

extra-inquérito pelo tenente Taurino que a nós declarou ter ouvido na

“Matta” aquele dizer que tinha ordem para fuzilar até mesmo

soldados[...]162.

Pelas afirmações do relator ficava provado que no dia 6 de agosto foram fuzilados,

por ordens do tenente Henrique Dias, os lavradores Mauricio Alves, Adão Costa da Silva,

Francisco Gonçalves (vulgo Francisco Pacca) e Avelino Almeida. Ainda conforme

Augusto de Faria Bello, o número de vítimas só não foi maior devido a intervenção de

Sebastião Gomes, cuja atuação na Matta se dera por conta da autorização do governador

Urbano Santos que o autorizou a constituir “uma expedição civil para auxiliar as forças

militares do Estado163” (Grifo nosso).

Na concepção do relator, os homens armados por Sebastião Gomes constituíam

uma expedição civil. Nesse sentido, é fundamental levarmos em consideração as

estratégias utilizadas para legitimação do uso de homens que não constituíam o Corpo

160BAKHTIN, 2011, p.302. 161DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.11. 162Ibid. 163Ibid.

79

Militar estadual e, no discurso dos situacionistas, são classificados como expedição civil,

evitando (não por acaso) o desonroso qualificativo de capangas ou cangaceiros. Estes dois

qualificativos são utilizados para se referirem aos homens que estariam sob comando de

Manoel Bernardino, numa estratégia de desqualificá-los lançando-os para o outro lado,

no caso em questão, o lado dos desordeiros (capangas ou cangaceiros).

Os discursos situacionistas são expressos tendo como objetivo apresentar a versão

verídica dos fuzilamentos da Matta, e aqui não devemos perder de vista que estes

discursos estavam em disputa com o seu “outro”, este último representado pelo Diário de

São Luiz (principalmente nos editoriais de Nascimento Moraes e nas matérias do PRM).

Portanto, o conteúdo do que é colocado em circulação pelo Diário Oficial do Maranhão

de certa forma visa combater os discursos da oposição acerca dos fuzilamentos sob

investigação. Ao expor suas conclusões o Diário Oficial do Maranhão responde e, ao

mesmo tempo, questiona as acusações do tenente Henrique Dias ao governador

maranhense, publicadas pelo Diário de São Luiz, bem como responde também às matérias

de Nascimento Moraes e dos membros do PRM que passaram a explorar as declarações

do tenente Henrique Dias, responsabilizando o governador Urbano Santos pelos quatro

fuzilamentos.

Quanto à investigação da atuação do tenente Taurino Lemos na expedição militar

em questão, Augusto de F. Bello o responsabiliza por omissão dos crimes praticados. O

relator do inquérito cita o Artigo 14 do Regulamento do Corpo Militar para analisar a

situação dos “soldados” (praças) que obedeceram as ordens do tenente Henrique Dias,

este artigo estabelece que:

A força armada do Estado deve ser essencialmente obediente, dentro

dos limites da Lei, aos superiores hierárquicos. As ordens devem ser

cumpridas fielmente sem hesitação nem murmúrio. Somente a

autoridade que as expede, tem por elas a responsabilidade. O

subordinado contra elas pode queixar-se depois de haver obedecido164.

Pautado nesse dispositivo jurídico, Augusto de Faria Bello considera que os

referidos soldados não teriam responsabilidade nos atos cometidos, uma vez que

obedeciam ordens superiores. Todavia, a única falta desses soldados, foi não terem se

queixado posteriormente, por terem que obedecer as ordens ilegais do tenente Henrique

Dias. Acrescenta, em defesa dos soldados, alegando que as queixas “podia deixar de ser

164DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.11.

80

exercida pela pressão das ameaças, como provadas estão estas”. Por outro lado, se esse

dispositivo jurídico amparava alguns soldados da tropa policial, o mesmo não ocorreria

com o 1° sargento Ignácio da Costa e Souza, pois, de acordo com relator do inquérito,

esse sargento teria planejado os quatro crimes com o tenente Henrique Dias. Encerra o

inquérito citando o Código Penal da Armada que era adotado pelo Corpo Militar do

Estado especificando os artigos nos quais o tenente Henrique Dias e o sargento Ignacio

da Costa e Souza se “enquadravam”. No referido artigo 14 do Código Penal da Armada,

seriam considerados autores dos crimes:

§ 1. – Os que diretamente esolverem (sic) e executarem o crime;

§ 2. – Os que, tendo resolvido a execução do crime, provocarem e

determinarem outros a executá-lo por meio de abuso ou influência de

superioridade hierárquica;

3 §. – Os que, antes e durante a execução prestarem auxílio, sem o qual

não seria cometido;

4 §. – Os que diretamente executarem o crime por outro resolvido.

Uma vez exposta as conclusões do inquérito do major Augusto de Faria Bello,

passamos a comentar no tópico seguinte o depoimento prestado por Manoel Bernardino

de Oliveira ao referido major, com seus esclarecimentos sobre sua versão do que estaria

ocorrendo na Matta, bem como o que causara, segundo Bernardino, as notícias alarmantes

que chegaram ao governador.

2.1.2. As palavras de Manoel Bernardino, o “cabeça” do levante da Matta.

Depoimento fundamental prestado ao relator do inquérito acima foi o de Manoel

Bernardino de Oliveira que, de acordo com os informantes do governo, seria o principal

“cabeça” do levante. Manoel Bernardino prestara depoimento em 19 de agosto. Esse

depoimento é de certa forma um relato autobiográfico do lavrador. Após expor como e

quando chegara ao Maranhão, Manoel Bernardino relata um de seus primeiros

desentendimentos, à época (dezembro de 1912) que vivia no povoado chamado

Engeitado, com um homem de nome Olympio Souza, de Mirador. Segundo o depoente,

o motivo de tal desentendimento teria sido porque Olympio Souza “pretendia mandar

81

espancar uma senhora de nome Anna, parenta do declarante165”. A reação de Manoel

Bernardino, ao saber dessas ameaças, foi procurar Olympio de Souza e dizê-lo que só

praticaria o “espancamento” se “se achasse num deserto, onde ninguém ouvisse as suas

palavras”, teria dito ainda que “se precisasse de companheiros para as armas, tê-los-ia166”.

De acordo com o depoimento de Manoel Bernardino, Olympio Souza costumava

prostituir mulheres (defloramentos), desse modo, Bernardino haveria convidado os

parentes de Anna para se armarem contra Olympio Souza, pois não acreditava na polícia

de Mirador, acusada de conivência com os atos de Olympio Souza. No decorrer dessa

querela, Bernardino teria ido ao Engeitado (povoado) e se juntara com 30 homens

armados de rifles, cujo desdobramento dessa questão resultara na expulsão de Olympio

Souza do povoado, Engeitado.

Um ponto importante nessa primeira parte do depoimento de Manoel Bernardino,

selecionado por nós, é a naturalidade com que o depoente fala em armar homens e, ao

mesmo tempo, a possibilidade de seus inimigos também terem ao seu lado homens

armados. Nesse episódio, a ameaça de espancamento de uma parente, levara ao

ressurgimento de antigas rixas, resultando em disputas de ameaças à mão armada. Esta

situação sugere, como outras que Manoel Bernardino expõe, que nessas localidades a lei

se fazia à base dos rifles. No exemplo acima, já percebemos, como também aparece em

outros momentos desse depoimento, que era corriqueiro Manoel Bernardino armar

homens para intervirem em questões que dissessem respeito à localidade em que vivia.

Outro desentendimento se dera com Raymundo de Araújo Arruda167, em 1920. O teor do

motivo também envolvia questões de defloramentos, que no contexto significacional do

depoimento aparece como prostituição. Manoel Bernardino novamente condenara esse

tipo de atitude, pois, não aceitava esse tipo de conduta. Esse desentendimento com

Raymundo de A. Arruda acabara sendo resolvido com um acordo intermediado pelo

delegado Carlos Bayma, da cidade de Codó.

Manoel Bernardino relata ter servido de intermediador em um conflito entre

Felippe Moreira e José Lopes Pedra Sobrinho (coletor de impostos do Estado), no qual

165DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.2. 166Ibid. 167Conforme Giniomar Ferreira Almeida, Raymundo de Araújo Arruda era “fazendeiro e pecuarista,

influente na região de Codó e em outros municípios onde possuía fazendas”. ALMEIDA, op.cit, p.73.

82

teria dito a estes: “E eu conto com a liga de defesa aqui, com mais de cem homens, e não

consentirei que os srs. Briguem”. Quanto aos objetivos dessa “Liga de Defesa”, declara:

Que esta liga de defesa, o declarante tem sempre por hábito organizar,

com o fim de garantir a ordem, pela falta de policiamento nos lugares

distantes da sede dos municípios mais vinte a trinta léguas. E sempre

aconselha a que ninguém tome vingança, sem primeiramente combinar

com todos os companheiros, sob pena de ficar excluído da liga, por agir

de conta própria168.

A ideia de organizar uma “Liga de Defesa” para resolver questões que, na maioria

das vezes, parecem ser da alçada das autoridades competentes, sugerem que, dada a

fragilidade, ou mesmo ausência de policiamento, Manoel Bernardino tomava atitudes,

com seus companheiros, que substituía o papel do Estado como mediador de conflitos.

Pelo seu depoimento, não foram poucos os desafetos que passara a ter, principalmente

pessoas de influência nessas localidades, como: Sebastião Gomes, subdelegado de

Curador; José Lopes Pedra Sobrinho, coletor de impostos estadual, além dos já citados

acima. Ressalte-se que Manoel Bernardino declara que, desde os primeiros conflitos que

se envolvera costumava armar homens para resolver seus conflitos. Essa questão é

importante, em nosso entendimento, porque quando começam a ser divulgadas as notícias

que Manoel Bernardino visava fazer revolução na Matta, objetivando depor o governo de

Urbano Santos, além de andar divulgando seus “ideais socialistas”, talvez esse seja um

dos motivos de alarde das notícias que chegaram ao governador, pois o lavrador já era

conhecido não apenas por falar de seus ideais socialistas mas também por conta de com

frequência armar homens em sua “Liga de Defesa” para resolver conflitos.

Nesses termos, Manoel Bernardino vai dar sua versão acerca das notícias

referentes ao caso da Matta, declarando que ficara sabendo em julho (1921) que o

governador Urbano Santos mandaria tropas policiais para os municípios do interior

maranhense com objetivo de “conturbar” as eleições de 1° de setembro, de 1921. Ao ficar

sabendo desses boatos, Manoel Bernardino resolvera ir até a cidade de Codó com a

intenção de falar com o desembargador Dioclydes Mourão, entretanto, soubera que o

desembargador se encontrava em São Luís. Por conseguinte, resolveu escrever uma carta

a Euclydes Maranhão, “por saber que este era do mesmo partido (do desembargador),

168DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.4.

83

embora com Euclydes Maranhão não houvesse tido nenhum entendimento anterior a

respeito de política169”.

Manoel Bernardino, passa então a esclarecer alguns pontos de sua carta que

causara impacto nas autoridades oficiais, como por exemplo, o que queria dizer ao falar

em “batismo de sangue”. Vejamos:

[...] Ainda na carta falou em batismo de sangue, com o fim de merecer

toda a confiança de Euclydes Maranhão e saber, assim, o que havia de

verdadeiro sobre os boatos de intervenção da força (policial do Estado)

e qual a atitude do partido (PRM) em tal emergência. Por conta própria,

e sem que fosse insinuado por pessoa alguma, o declarante cabalava

amigos seus, eleitores, para o próximo pleito; e sabendo que no Codó,

conforme lhe diziam, já estava mal visto pelos adversários políticos,

disse ainda na carta: “Se armarem a força (policial) para me impedirem,

serei forçado”...querendo com isto dizer que era forçado a abandonar a

propaganda eleitoral170 [...].

Manoel Bernardino volta a reforçar a ideia de uma possível intervenção policial

nas eleições estaduais, o que motivaria suas ações ao tentar armar companheiros seus, à

espera de qual seria as orientações do Partido Republicano Maranhense. Desse modo, fica

evidente suas ligações com a oposição maranhense. Por outro lado, devido já estar mal

visto pelos adversários, ligados ao governo, diz que seria forçado deixar de lado a

propaganda eleitoral. Ao tentar se explicar quanto ao conteúdo de sua carta, Manoel

Bernardino parece não desmentir seus intentos, mas também parece amenizar o conteúdo

bombástico, tal como veiculado por seus adversários políticos.

Manoel Bernardino é solicitado a explicar o queria dizer em outro trecho de sua

carta, que dizia: “Aguardo ordens vossas (Euclydes Maranhão) e do desembargador

(Dioclides Mourão)”. Declara que esperava notícias sobre os boatos de que o governo

mandaria força policial para o pleito de setembro, pois, em seu entendimento: “[...] se o

governo enviasse força (policial) para impedir o pleito, deviam os adversários (a

oposição) comparecer com força também, ou não comparecer171”.

Uma questão das quais se reclama Manoel Bernardino, é o fato de Sebastião

Gomes ter armado paisanos bem antes da autorização do governador Urbano Santos.

Alega que a carta gerara toda a confusão, resultando nos telegramas enviados ao

governador, porque foi interpretada pelos seus adversários de acordo como lhes convinha,

169DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.5. 170DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.5. 171Ibid.

84

relacionando-a aos boatos que seus adversários já haviam colocado em circulação que

ele, Manoel Bernardino, “pretendia atacar esta povoação (Codó)”. Manoel Bernardino,

diz ser possível que os referidos boatos fossem obras de José Lopes Pedra Sobrinho, “o

qual não se conforma com a ascendência e popularidade do declarante entre o povo da

Matta e suas circunvizinhanças172”. Manoel Bernardino faz sérias acusações a José Lopes

Pedra Sobrinho quanto ao seu modo de proceder na coletoria de impostos na Matta, pois

“tem vexado o povo, exigindo impostos173”. Após citar outras ações “deploráveis” de José

Lopes Pedra Sobrinho, salienta Manoel Bernardino: “[...] o povo da Matta o odeia a tal

ponto que, se não fora o declarante, talvez os prejudicados e perseguidos já lhe teriam

tirado a vida. E porque o declarante é amigo do povo, daí a razão de José Lopes Pedra

antipatiza-lo e haver espalhado o boato de revolução174”.

De acordo com Manoel Bernardino, essa seria uma das principais causas de José

Lopes Pedra Sobrinho ter implicações com ele, pois evitava que esse coletor de impostos

extorquisse a população da Matta, com as cobranças de impostos. Essa autodefesa de

Bernardino é importante por apresentar sua versão de forma a nos ajudar a entender

porque José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes lhes fizeram uma série de

acusações em seus depoimentos.

Manoel Bernardino relata ainda como se dera sua fuga quando da chegada das

tropas policiais à Matta. Diz ter chegado no dia 7 de agosto em Codó, onde prestara

depoimento e enviara um telegrama ao governador Urbano Santos, solicitando-lhe que o

recebesse em São Luís, para prestar-lhes esclarecimentos. O governador respondeu em

telegrama a Manoel Bernardino que viesse a São Luís em companhia do major Augusto

de Faria Bello, mas “sem caráter de prisão175”. Volta a dizer que estava apenas com 14

homens armados por que ouvira boatos que Sebastião Gomes visava ataca-lo, salientando

também que jamais teve como objetivo fazer revolução na Matta. Quanto ao seu

socialismo176, declara Manoel Bernardino: “Como socialista, acompanha as ideias de

Tolstoi, na sua obra Amor e Liberdade, e Guerra Junqueiro, no seu livro Patria. A

propaganda que faz do socialismo consiste em leituras que faz à sua família nas horas

172Ibid. 173Ibid. 174DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.6. 175Ibid., p.7. 176Para uma análise mais “aprofundada” acerca das ideias e ideais propagados por Manoel Bernardino de

Oliveira, no sertão maranhense, ver: Giniomar Ferreira Ameida (2010).

85

vagas e aos trabalhadores seus amigos177”. Ao ser indagado em que consistia o socialismo

divulgado por ele, Manoel Bernardino segue esclarecendo:

[...] tem-lhes dito (como já disse a José Lopes Pedra Sobrinho, uma vez)

que “consiste em que nenhum capital fique parado, posto a produzir,

dando ganho ao operário e produzindo o necessário para matar a

necessidade do povo; abolir o álcool e difundir a instrução e manter a

obrigatoriedade do trabalho”. Nunca fez viagens para pregar o

socialismo nem nunca leu os seus livros fora da sua casa178 [...].

Manoel Bernardino relata não ter apalavrado com Euclydes Maranhão, nem com

o desembargador Dioclides Mourão, sobre revolução, inclusive, este último costumava

combater seus ideais socialistas.

Manoel Bernardino é solicitado a esclarecer o conteúdo de outra carta, datada de

20 de julho, que escrevera, e se achava em posse do delegado geral Augusto de Faria

Bello. Esta outra carta, diz ter endereçado a Antonio Fialho de Brito, seu tio e morador

de Engeitado (Mirador). Nesta carta volta a falar sobre a ideia de se impor um governo

para o “povo”, como estaria acontecendo no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

Manoel Bernardino expõe a situação de penúria do povo como condição para a revolução.

Falava também sobre as eleições de 1° de setembro, reforçando a ideia que se o governo

tentasse impedir o “voto livre”:

[...] deviam todos procurar desembaraçar-se da coação, por qualquer

meio que estivesse ao alcance do eleitorado, constando que se elegesse

um governo do povo pelo povo. Mas o declarante não tinha gente

reunida nem armada. Quando se referiu ao Rio (de Janeiro) e Rio

Grande do Sul, queria significar, conforme leu, que o povo não aceita a

convenção para a presidência da República, porém a maioria das

urnas179.

Além de tocar no assunto das notícias que ouvira, acerca das intenções do

governador Urbano Santos, em enviar tropas policiais às véspera das eleições para

garantir a vitória de seus partidários, Manoel Bernardino ao comentar o que quisera dizer

com as referências ao Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, provavelmente se refere à

formação da Reação Republicana, cuja consequência, como vimos acima, foi a criação

de um grupo político que passara a fazer oposição às candidaturas oficiais para a

presidência da República. Manoel Bernardino, homem letrado parecia estar antenado às

questões políticas a nível nacional, se tornando, no interior do estado, um dos adeptos da

177DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.7. 178Ibid., p.7. 179DIÁRIO DE OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.8.

86

Reação Republicana, até por conta também das suas relações partidárias com os membros

do PRM.

Feitos os devidos esclarecimentos ao major Augusto de Faria Bello, Manoel

Bernardino, como dissemos acima, ainda veio a São Luís ter uma conversa com o

governador Urbano Santos, colocando-o informado sobre seus ideais socialistas, bem

como sobre as perseguições que sofria de seus inimigos, na Matta. Após o diálogo com

governador maranhense, Manoel Bernardino retorna à Matta, tendo recebido garantias de

Urbano Santos que nada lhe aconteceria, nem à sua família.

2.1.3. E mais “inquéritos”...

Além desse inquérito levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello, constam

dois outros inquéritos no Diário Oficial do Maranhão, a respeito da conspiração na Matta:

um segundo, feito por Carlos Bayma, delegado de polícia de Codó; e um terceiro, feito

por João da Costa Gomes, delegado geral do estado. Este último, fora aberto após o

governo ser informado (em fins de setembro) sobre os boatos de que houvera mais 14

mortes além dos quatro fuzilamentos já confirmados.

Em relação ao inquérito feito por Carlos Bayma, esta informação consta no Diário

Oficial do Maranhão do dia 19 de agosto. Parece ter sido aberto por conta própria, tendo

em vista as informações do telegrama enviado (dia 18/8) por esse delegado de polícia ao

secretário da Justiça e Segurança do estado (Teodoro Rosa). Este telegrama inicia com as

seguintes informações: “Rigoroso inquérito aberto sobre o caso sedicioso da Matta,

comprova criminalidade de Manoel Bernardino e de outros. Verifica-se pelo inquérito

que o plano de Bernardino, além de impedir eleições, era saquear e roubar180”. Haveria

ainda, de acordo com Carlos Bayma, o interesse de numerosas pessoas da Matta para que

Manoel Bernardino não voltasse para lá, esperavam apoio do governador Urbano Santos

para que evitasse o regresso de Manoel Bernardino à Matta. Reforça que teria recebido

inquérito procedido por Sebastião Gomes e que constava a anexação da carta de

Bernardino a Felippe Moreira.

Estes inquéritos serão questionados pelos representantes do PRM, bem como

também por Nascimento Moraes, devido os mesmos serem feitos por pessoas suspeitas

(no olhar da oposição) e ligados ao situacionismo político chefiado pelo governador

180DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 19 de agosto de 1921, p.3.

87

Urbano Santos. Por enquanto, queremos ressaltar basicamente duas questões, referentes

aos dois primeiros inquéritos aqui analisados, que parecem ter objetivos bem específicos

quantos aos alvos almejados. No primeiro, o alvo principal parece ter sido o tenente

Henrique Dias, pelas questões que já foram colocadas. Quanto ao segundo inquérito, feito

pelo delegado de Codó (Carlos Bayma) e dadas suas relações de amizade (e partidárias)

com Sebastião Gomes e José Lopes Pedra Sobrinho, estes últimos desafetos de Manoel

Bernardino, apresenta como principal alvo da investigação o lavrador Manoel Bernardino

de Oliveira.

Desse modo, entendemos não ser possível analisar esses inquéritos sem levarmos

em consideração as questões políticas em jogo, reforçadas por inimizades e disputas

locais (povoado da Matta, cidade de Codó). Embora se refiram à ideia de inquérito

insuspeito, lançando mão do discurso da objetividade para sustentação do conteúdo dos

mesmos, tais textos se tornam compreensíveis tendo em vista o contexto de enunciação

desses discursos marcados pelos conflitos políticos já assinalados acima.

O terceiro inquérito foi mandado ser aberto pelo governador Urbano Santos para

investigar os boatos de que o número de vítimas (mortais) haveria sido maior,

contabilizando mais 14 mortes. O responsável por esse inquérito foi João da Costa Gomes

(delegado geral). Em matéria do dia 4 de outubro (1921), o Diário Oficial do Maranhão

publica o primeiro telegrama enviado da cidade de Codó, por Costa Gomes para dá

informações acerca da abertura do referido inquérito. O delegado geral escreve ao

governador: “Regressei ontem à noite da Matta. Instaurando ali rigoroso inquérito,

cheguei à evidência de que, além dos quatro fuzilados, nenhuma morte mais se

verificou181”. Relata que fizera uma caminhada por várias partes das proximidades da

Matta, Codó, Barra do Corda; visitando para mais de 400 casas, não obtendo da população

nenhuma notícia “de outros mortos”. Contudo, relata que fora informado que,

Houve pequenos furtos em virtudes de alguns moradores terem

abandonado as suas habitações. Nenhuma responsabilidade colhi

contrária à cumplicidade Lopes Pedra, Sebastião Gomes, nos quatro

fuzilamentos, sendo pelo contrário que ambos evitaram maior número

de mortes182.

Ao falar de notícias de roubos e furtos não há referências a quem pudera ter sido.

A oposição vai atribuir a responsabilidade desses roubos e furtos às tropas policiais e aos

181DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 4 de outubro de 1921, p.3. 182Ibid.

88

homens armados por Sebastião Gomes. Estas atribuições, como veremos, também estão

pautadas em testemunhas que moravam nas localidades onde possivelmente ocorrera os

saques e roubos. Outro aspecto importante na citação acima é o fato do relator reforçar o

que já fora estabelecido pelo discurso oficial, desde o primeiro inquérito: a inocência de

José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes quantos aos quatro fuzilamentos; se não

fosse por suas intervenções, o número de vítimas do tenente Henrique Dias teria bem

maior. Cabe ressaltar que José Lopes Pedra Sobrinho fora acusado por depoentes, nesse

terceiro inquérito, que disseram terem sido contratado por ele, para removerem os

cadáveres dos fuzilados, com o objetivo explícito de ocultar os cadáveres.

Portanto, no mínimo, essas declarações apontam para uma conivência de José

Lopes Pedra Sobrinho (coletor de impostos estadual) com os fuzilamentos, mas a pesar

de ficar por alguns dias detidos, por ter sido acusado também de entregar uma lista de

cangaceiros ao tenente Henrique Dias, o relator deste último inquérito, João da Costa

Gomes: “[...] mandou soltá-lo sob a alegação de que a lista era apenas uma suspeita, que

os cadáveres já teriam sido vistos por muitas pessoas e por não ter sido pego em

flagrante183”.

Em relatório final, publicado pelo Diário Oficial do Maranhão no dia 24 de

outubro, relata João da Costa Gomes:

A 29 (de setembro), em presença de avultado número de pessoas,

homens, mulheres e crianças, realizei uma audiência ao ar livre, na

povoação, conforme fotografia junta. Em linguagem singela, ao alcance

do mais rude entendimento, concitei o povo a regressar ao seu trabalho,

as famílias aos seus lares; confiassem todos na ação do governo, que

nunca ordenara fuzilamentos e tanto assim que os culpados já haviam

sido presos e entregues à ação da justiça. O governo não era inimigo,

antes amigo do povo. Inimigos eram os que perturbavam a ordem e a

paz da Matta, pregando ideias revolucionárias, o derramamento de

sangue, a rebelião contra os poderes constituídos, convidando os

incautos e os ingênuos a uma incursão armada na cidade do Codó.

Eleições não se faziam com armas. O rifle não era voto. Pregava ali o

socialismo um homem inculto a outros homens ainda mais incultos do

que ele. Dest’arte, o socialismo da Matta era um crime, pois constituía

um perigo iminente, de consequências funestas. O governo queria a paz

e o trabalho e não a desordem184.

Essa citação sintetiza bem a visão oficial a respeito do grupo de Manoel

Bernardino, do socialismo pregado por este último, visto como um crime, além é claro de

defender a legitimidade do governo Urbano Santos, caracterizando-o como amigo do

183ALMEIDA, op.cit., p.64. 184DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 24 de outubro de 1921, p.5.

89

povo e defensor da paz e da ordem. As acusações que se faz acima, que não se fazia

eleição com rifle, atribuindo estas condutas ao grupo de Manoel Bernardino, parecem

visar deslegitimar mais ainda os opositores do governo. Portanto, feita tal audiência ao

povo, informando-os que os responsáveis pelos crimes na Matta já estavam presos e à

espera de julgamento, esperava-se apenas os desdobramentos do referido julgamento, que

se daria no dia 26 de outubro, em Codó.

A despeito das promessas do governador Urbano Santos, que dissera que faria de

tudo para que os responsáveis pelos fuzilamentos fossem punidos rigorosamente, após o

julgamento do tenente Henrique Dias e das praças que executaram os fuzilamentos, todos

os envolvidos foram absolvidos pelo júri da cidade de Codó. A reação dos representantes

do Diário de São Luiz quanto a essas absolvições foi de protestos, como seria de se

esperar. Até os representantes do jornal A Pacotilha criticaram o resultado desse

julgamento, embora em tons diferentes do Diário de São Luiz. Contudo, conforme

Giniomar Ferreira Almeida:

Inúteis foram os protestos e as críticas que se seguiram. Ninguém foi

devidamente punido, o tenente assassino, Antonio Henrique Dias, foi

promovido a major e continuou sua carreira até o ponto mais alto da

hierarquia estadual, Comandante da Polícia Militar do Maranhão. O

possível mandante, governador Urbano Santos da Costa Araújo, elegeu-

se vice-presidente da República ao lado de Artur Bernardes, não tendo

assumido o mandato pela sua morte antes da posse, em 07 de maio de

1922185.

Sendo assim, uma vez apresentado nossas análises dos discursos expressos pelo

Diário Oficial do Maranhão, damos prosseguimento no tópico seguinte, fechando esse

capítulo, à análise dos discursos d’O Jornal, periódico governista, sobre os

acontecimentos na Matta que resultaram nos trágicos fuzilamentos.

2.2 Os discursos sobre os fuzilamentos na Matta nas páginas d’O JORNAL

Esse jornal, na condição de partidário do governo de Urbano Santos (1918-1922),

expõe uma série de artigos elogiosos ao governador e, por consequência, se torna um

crítico ferrenho das ações da oposição, no caso, os representantes do Partido Republicano

Maranhense (PRM) e o jornalista Nascimento Moraes.

A primeira matéria com referências ao caso da Matta, que conseguimos encontrar

nesse jornal, foi publicada no dia 1 de agosto de 1921. Tendo como título “Uma

Conspiração”, essa matéria reproduz um telegrama recebido da cidade de Codó, no qual

constava: “A população está alarmada com ameaça de invasão,- por malfeitores chefiados

185ALMEIDA, 2010, p.69.

90

por Manoel Bernardino de Oliveira, residente Matta186”. De acordo com as informações

contidas nesse telegrama, Manoel Bernardino de Oliveira já havia reunido um grande

número de pessoas que teriam aderido ao seu intento; há referências também à carta

escrita por Manoel Bernardino e endereçada a Euclides Maranhão, na qual se falava da

chegada de armamentos para os revoltosos. O telegrama encerra com expectativa de que

o governador Urbano Santos tome as medidas necessárias para debelar a suposta

conspiração no interior maranhense.

Em matéria do dia seguinte, 2 de agosto, os representantes d’O Jornal apresentam

uma ideia acerca da personalidade do líder da conspiração, colocada em circulação pelos

jornais governistas e que fora reforçada pela oposição, pelo menos num primeiro

momento: Manoel Bernardino como um novo Antônio Conselheiro187. Não por acaso, o

título de uma de suas matérias é: “Um Missionário Maximalista revoluciona o interior do

Estado- o novo Antonio Conselheiro de Ideias Novas”. De acordo com o conteúdo desse

texto,

Acontecimentos de graves consequências estavam se preparando na

Matta, Codó, onde Manoel Bernardino de Oliveira prega abertamente

ideias subversivas à ordem e poderes públicos, propaga a divisão dos

bens entre ricos e pobres e diz ter chegado o momento de se derramar

sangue para fazer vingar ideias comunistas. Adeptos numerosos

acorrem, diariamente, à sua residência, para lhe ouvir as doutrinas,

formando ali um novo Canudos de desastrosas consequências, se o

governo não tomar providências. Segundo se afirma um movimento

popular, dali, partirá em direção ao Codó”188.

Os ideais propagados por Manoel Bernardino, como vimos acima, chamou a

atenção das autoridades de Codó e de outras cidades próximas, que logo fazem questão

de colocar o governador informado dos boatos. O discurso de Manoel Bernardino voltado

para os moradores da Matta, falando em igualdade social e propondo a divisão dos bens

dos ricos entre os pobres e, a ideia de derrubada do governo situacionista, certamente

chamou a atenção dos políticos locais ligados ao grupo oligárquico liderado pelo

governador Urbano Santos. Ressalte-se também, como já frisamos, as relações de Manoel

186O JORNAL, 1° de agosto de 1921, p.1. 187Referimo-nos aqui à ideia sobre Antônio Conselheiro como um “fanático religioso”. Esta ideia aparece

nas páginas do livro clássico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e passara a circular como uma “imagem”

comum para se referir ao Conselheiro. No caso de Manoel Bernardino, os jornais aqui analisados vão se

referir a ele, num primeiro momento, como alguém que procurava “fanatizar” as pessoas do povoado da

Matta com seus ideais políticos, pautado no socialismo. 188O JORNAL, 2° de agosto de 1921, p.1

91

Bernardino com os membros do Partido Republicano Maranhense, visando agir no dia

das eleições estaduais, dia 1/9/1921.

As informações apresentadas n’O Jornal falam que “pessoas vindas do lugar

(Matta) afirmam que Manoel Bernardino tem avultado número de cangaceiros

armados”189. A partir dessas informações, sabia-se que Manoel Bernardino tinha como

objetivo chegar a Codó, dias antes da eleição, com a intenção de coagir os eleitores pró-

situacionismo para votarem nos candidatos da oposição (PRM). Os representes do Partido

Republicano Maranhense teriam entregue munições a Manoel Bernardino, acrescentando,

por fim, que este último era o único parguista (partidário do grupo de Herculano Parga)

na Matta, dando a entender, portanto, que os demais eleitores eram todos partidários do

governador Urbano Santos. Ao término dessa matéria, fala-se da chegada do contingente

policial a Codó (40 praças), enviado pelo governador, sob o comando dos tenentes

Taurino Lemos e Antônio Henrique Dias, relatando o que dizem ter sido a aclamação do

povo quando da passagem da tropa policial do Estado: “A população está satisfeita com

as prontas providências tomadas pelo presidente”190.

Algumas questões nesse discurso são perceptíveis: a estratégia de desqualificar o

grupo de Manoel Bernardino chamando-os de cangaceiros, deslegitimando-os ao se

referir a eles como desordeiros; a vinculação de Manoel Bernardino com os membros do

PRM, tendo em vista as notícias “aterradoras” que circulavam pelo interior do Estado e

chegavam a São Luís, talvez almejasse atingir diretamente os representantes do Partido

Republicano Maranhense.

A partir do momento que noticia a “conspiração” na Matta do Codó e, dado que a

oposição passa a responsabilizar o governador Urbano Santos pelos crimes cometidos

pelas tropas policiais do Estado, percebemos que os discursos veiculados pel’O Jornal

endossa seus alvos de críticas para os opositores do governador: os representantes do

PRM e o jornalista Nascimento Moraes. Em relação ao PRM, as matérias d’O Jornal

referente aos membros desse partido, antecedem o episódio dos fuzilamentos na Matta,

pois, por se tratar de um partido de oposição, já vinha sendo combatido pelos integrantes

desse jornal. Um dos principais alvos das críticas desse jornal será Herculano Parga, por

ser um dos principais representantes desse partido.

189O JORNAL, 2 de agosto de 1921, p.1 190Ibid.

92

Segundo O Jornal, Herculano Parga era visto como alguém cujo comportamento

era marcado por ações violentas. Outrora tendo galgado o governo, graças a Urbano

Santos que o havia escolhido para ser governador no período de 1914-18: “O Herculano

(Parga), que nunca imaginou subir tão alto, teve, lá em cima, a vertigem das alturas, e

sonhou ser o chefe da política estadual...traindo o seu inventor”191. Contudo, o intento de

Herculano Parga não teria dado certo, sendo assim voltara “ao nada, de onde nunca

deveria ter saído”192. Provavelmente, se Herculano Parga ainda fizesse parte do grupo

político situacionista não teríamos uma matéria com um teor crítico tão forte como esse,

negando qualquer possível qualidade desse ator político. Parece ser perceptível a

importância do momento no qual esses discursos são proferidos, nesse sentido, como bem

ressalta Mikhail Bakhtin (1992), a percepção do contexto da enunciação é fundamental

para entendermos os sentidos expressos em um texto. No caso em questão, tendo em

vista as disputas políticas incentivadas pela proximidade da eleição estadual, nas quais

estavam envolvidos esses agentes sociais, havia uma troca de críticas, insultos e

acusações de ambos os lados.

Na citação acima sobre Herculano Parga, O Jornal ao condenar sua tentativa de

se tornar chefe da política local parece aceitar como natural que esse posto cabe a Urbano

Santos. Herculano Parga encarna o tipo de político cuja prática de governo é abominada

pelos situacionistas, sendo um desses fatores o uso da violência como forma de domínio

político. No intuito de defender Urbano Santos, os representantes d’O Jornal parecem

deixar no ar uma brecha para uma questão simples: dadas as atitudes deploráveis de

Herculano Parga porque Urbano Santos o escolhe para governo (1914-18)? Essa questão

só reforça o que temos falado acerca da forma como os elogios ou críticas parecem

depender não necessariamente apenas do sujeito em questão, mas da posição que ele

ocupa nessas disputas político-partidárias, pois, violências contra opositores, fraudes

eleitorais, das quais esse jornal acusa Herculano Parga, eram práticas comuns na cultura

política brasileira da Primeira República.

Em matéria intitulada “Gralha e Velhaco”, de 1° de agosto, O Jornal volta a falar

dos ataques ao governador Urbano Santos pelos membros do PRM. A imagem de Urbano

Santos (re)construída por esse jornal é a de um homem integro, tipo de político exemplar.

Comparando-o com os membros da oposição, diz esse jornal que, enquanto Urbano

191O JORNAL, 25 de julho de 1921, p.1 192Ibid.

93

Santos só ascendia na política nacional com mais uma indicação para a vice-presidência

do Brasil, a oposição regredia ao nada. É comum nesse jornal uma estratégia discursiva

pautada numa dualidade em que o governador maranhense é representado como portador

das melhores qualidades que um homem de carreira política devia possuir, por outro lado,

os integrantes do PRM seriam o oposto dessa imagem idealizada. Se a nível local essa

estratégia discursiva se pautava nessa percepção dualista, o mesmo ocorre quando tratam

das questões das disputas políticas nacionais.

Desse modo, as matérias referentes à chapa Artur Bernardes-Urbano Santos são

sempre em tons elogiosos, visto como a opção mais adequada para as eleições

presidenciais de 1° de março de 1922. São corriqueiras as referências às ações da

campanha presidencial desses candidatos, sendo reforçada pela publicação de matérias

dos jornais de outros estados, principalmente do Rio de janeiro, partidários da chapa Artur

Bernardes-Urbano Santos. A lógica basicamente é a mesma: as palavras usadas para

qualificar e elogiar o que diziam ser uma prática política louvável, visando o progresso

do país, são utilizadas para se referirem a esses dois candidatos. Caso diferente se dá em

relação à forma como se referem aos candidatos da oposição na disputa presidencial: Nilo

Peçanha e J.J Seabra. Durante todo período que antecede as eleições presidenciais são

constantes publicações de matérias visando desqualificar os partidários da chapa Nilo-

Seabra.

Após a matéria do dia 2 de agosto, O jornal volta a apresentar matéria sobre o

caso da Matta no dia 8, do mesmo mês. Com título de “O epílogo do levante da Mata”,

faz referência à prisão de Manoel Bernardino e Felipe Moreira, considerados pelo

governo como os chefes da revolução. Conforme essa matéria: “A diligência (das tropas

policiais) tem apreendido rifles e munições, prendendo cangaceiros. Grande número de

revoltosos está refugiado no Mato”193. Essa matéria encerra informando que Manoel

Bernardino e Felipe Moreira estavam sendo interrogados pelo Major Augusto de Faria

Bello. Esse discurso sobre a prisão de cangaceiros reforça o que vimos acima a respeito

da prisão de pessoas que possivelmente não tinham nenhuma relação com o que o governo

chamava de levante, pois foram soltos posteriormente inclusive pelos próprios partidários

do governo. Ressalte-se, ainda, o uso do termo cangaceiro com toda sua carga de valor

negativo no contexto em questão, para se referir àqueles que as tropas policiais prenderam

193O JORNAL, 8 de agosto de 1921, p.1.

94

com suspeitas de integrarem o grupo de Manoel Bernardino. Entretanto, esse termo não

é utilizado para se referirem aos homens sob o comando de Sebastião Gomes que, como

vimos, foi autorizado pelo governo a armar paisanos, ou seja, o termo utilizado é outro e

nesse contexto não tem a carga de significado pejorativo como a palavra cangaceiro.

Com a informação/boato recebida pelo governo sobre o fuzilamento de cerca de

100 pessoas pelas tropas policiais do Estado, O Jornal publica:

Sabemos que o sr.presidente do Estado recebeu informações de

excessos cometidos pela força (policial), que foi enviada à Matta do

Codó, transmitidas pelo desembargador Deoclides Mourão, e mandou

que eles sejam apurados rigorosamente, para os fazer punir de acordo

com a lei, caso se verifique essas informações são verdadeiras194.

Dois dias depois da publicação dessa matéria e uma vez de posse de novas

informações sobre o número de mortos, O Jornal tece críticas novamente aos integrantes

do PRM, incluindo o desembargador Dioclides Mourão, que dera a notícia equivocada

em relação ao número de mortos pelas tropas policiais. Para esse jornal, o objetivo da

oposição era explorar o caso da Matta contra o governador Urbano Santos. Ao ser

confirmado que as tropas policiais cometera 4 homicídios, os representes d’O Jornal se

colocam na posição de isentar qualquer possível responsabilidade do governador Urbano

Santos, nos crimes em questão. Sendo assim, a campanha desse jornal será no intuito de

combater as acusações colocadas em circulação pelo jornal Diário de São Luiz, quer nos

seus editoriais quer nas matérias escrita pelos membros do PRM.

Tendo em vista seus objetivos, O Jornal publica (reproduz) duas matérias de

jornais do Rio de Janeiro, sobre o caso da Matta: uma do Jornal do Brasil e outra do

jornal O Dia. O primeiro relata o equívoco da informação sobre o número de mortos na

Matta, salientando que Godofredo Viana, senador maranhense e candidato a governador

estadual por indicação de Urbano Santos, teria informado que o governador Urbano

Santos cumpriria o que prometera: punir os culpados pelos crimes da Matta. Afirmando

essa matéria: “Toda a gente espera, realmente, que o sr. Urbano (Santos) saiba cumprir o

seu dever, punindo os responsáveis pelos gravíssimos acontecimentos no Maranhão195”.

Esperava-se, portanto, que o governador maranhense agisse de forma a punir os

envolvidos nos crimes denunciados, sem necessariamente fazê-lo uma crítica, esse jornal

parece sugerir pelo menos uma advertência ao governador. A matéria do jornal O Dia,

194O JORNAL, 15 de agosto de 1921, p.1 195JORNAL DO BRASIL Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1.

95

reproduzida pel’O Jornal, é mais extensa e segue na mesma linha de defesa do governador

Urbano Santos, negando seu envolvimento com os fuzilamentos. Nessa matéria, há logo

no início um elogio (agradecimento) ao governador maranhense por ter atendido o convite

de um jornal carioca para dar informações a respeito das cenas de banditismo no interior

maranhense. Urbano Santos teria comentado que embora ainda não tivesse sido apurado

o caso da Matta, podia dar certeza que não se tratava da gravidade (cerca de 100 mortes)

que fora divulgado no primeiro momento, mas de acordo com o jornal carioca: “Em

qualquer hipótese, pode-se contar não só com as verídicas informações dor sr., como,

com a sua ação enérgica e imparcial, resolvendo a questão pela forma mais justa196”.

Dadas as informações de crimes no interior do Maranhão, sua exploração pela oposição

no contexto político em questão, chama atenção a forma como o discurso do jornal acima

procede: as informações do governador maranhense classificadas como verídicas,

imparcial e a promessa de suas ações orientadas pelo modo de proceder justo na apuração.

A ideia da veracidade e imparcialidade é muito comum nos discursos jornalístico

da época (e nos dias atuais), ressalvando-se aqui que estas ações são sempre atribuídas a

si, pelos jornais e grupos políticos que emitem seus discursos, como pautados na

veracidade e imparcialidade. Embora lamentando o episódio na Matta, segue o jornal

carioca:

As proezas dos bandidos e as façanhas cruentas dos cangaceiros são,

com efeito, quase diariamente registadas nos sertões. Nos Estados

brasileiros, com especialidade o norte, raro é o dia em que os jornais

não publicam telegramas narrando assassinatos e roubos praticados por

bandoleiros, quando não se trata dos feitos em cidades indefensáveis197.

A matéria segue informando que as notícias dos sertões brasileiros deixavam

muito longe as cenas de faroeste celebradas pelo cinema estadunidense. Uma vez descrita

essa situação, comum nos sertões do Brasil, a matéria do jornal do Rio de Janeiro segue

fazendo comentários numa estratégia de tirar qualquer responsabilidade dos governantes

dos estados nortistas pela situação, pois:

Não é possível, entretanto, responsabilizarem os governos estaduais por

acontecimentos de tal ordem, em vista da exiguidade de meios de que

dispõe para reprimir o banditismo desenfreado. A grande maioria das

unidades da federação, pelos minguados orçamentos, não pode manter

polícia militar em número suficiente para aquele fim198.

196O DIA Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1. 197Ibid. 198Ibid.

96

Em defesa dos governadores temos então uma lista de fatores que inviabilizavam,

para os articulistas do jornal carioca, ações que coibissem as práticas de violências nos

sertões, com destaque para os minguados orçamentos que o governo contava. Sem

desconsiderar estes fatores, entendemos que os articulistas do jornal não tocam num ponto

central da situação política dos estados brasileiros: a indistinção em muitos casos entre

força policial legal e os ditos cangaceiros, ambos utilizados pelos vários grupos

oligárquicos como forma de domínio político na Primeira República. Ou seja, muitos

desses casos de violência registrados nos estados eram também resultados de ações

policiais (as forças legais) com o consentimento dos grupos políticos.

Como um dos exemplos podemos citar as ações do tenente Henrique Dias que fora

denunciado no inquérito policial instalado pelo governo para apurar os crimes da Matta,

em que um depoente dizia que o referido tenente costumava agir de forma violenta nas

suas operações policiais pelo interior maranhense, principalmente quando estava sob

efeito da pinga. Quando se tentava uma represália a esses tipos de ações era quando as

mesmas eram praticadas pelos opositores dos situacionistas. Encerrando a matéria, o

jornal carioca apresenta um discurso em tom prático:

Quando o governo do Estado resolve, por fim, por termo a esse estado

de coisas, tem lugar lutas terríveis, em que se empenham forças

regulares de bandidos. E fica agente, assim, sem saber se não será

preferível deixar as coisas como estão. Afinal de contas, resta-nos a

esperança de resolver o problema da difusão do ensino público,

esperança pálida mas única199.

A partir da matéria do dia 24/8, mesmo dia da publicação das declarações do

tenente Henrique Dias pelo jornal Diário de São Luíz, os representantes d’O Jornal

passam a publicar uma série de matérias condenando estas declarações e,

consequentemente, tendo como um de seus principais alvos de críticas o jornalista José

do Nascimento Moraes. Críticas estas que se davam, tanto pela campanha oposicionista

que esse jornalista vinha fazendo através de artigo seus publicados pelo Diário de São

Luiz, como também pelo fato de ter sido ele (Moraes) quem foi visitar o tenente Henrique

Dias na prisão e, possivelmente, teria sido um dos que influenciara o tenente Dias a

declarar que praticou os crimes por ordens do governador Urbano Santos. A matéria

intitulada “Arrancando a máscara” é voltada para essa visita de Moraes ao tenente Dias.

O título da matéria por si já é sugestivo, pois remete à ideia que Nascimento Moraes teria

199O DIA Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1.

97

falsificado/escrito o conteúdo das declarações levando apenas pera o tenente assinar.

Desse modo, na argumentação dos situacionistas esse plano teria sido descoberto. Matéria

de destaque por conta de ser um editorial, começa com a seguinte afirmação:

Entrou na sua fase mais abjeta a exploração da politicalha em torno das

ocorrências da Matta, exploração que tendenciosamente se restringe ao

bárbaro fuzilamento de prisioneiros, ordenados pelo tenente (Henrique)

Dias. Chegada que aqui foi, com todo o seu cortejo de exagerações, a

notícia do hediondo crime, abriu o grupelho que faz oposição ao

governo o dique das mais virulentas e injustas invectivas, na errônea

suposição de que o delito ia ficar impune200.

As discussões teóricas de Mikhail Bakhtin quanto à análise de textos,

compreendendo-os como sendo produções de uma interação social, pode nos ajudar na

leitura da citação acima. De acordo com M. Bakhtin: “Um traço essencial (constitutivo)

do enunciado é o seu direcionamento a alguém, o seu endereçamento[...]201”. No caso

aqui em análise, a matéria d’O Jornal tem como alvo seu outro (a oposição), representado

nos membros do PRM e Nascimento Moraes. De forma categórica, O Jornal entendia que

os acontecimentos na Matta estavam sendo explorado pelo grupo da oposição, estes são

descritos como os responsáveis por uma atuação política caracterizada como politicalha.

Tendo em vista o sentido pejorativo que o termo politicalha assume nesse discurso,

chamamos novamente atenção para o tipo de estratégia utilizadas nessas disputas

políticas, pautadas numa leitura dualista em que o adversário representa o tipo de

fazer/praticar política que é abominável, daí o uso do termo politicalha para se referir ao

outro, sugerindo, assim, que a forma correta, justa, louvável, era praticada pelo grupo

adepto do governador Urbano Santos. Sendo assim, os termos utilizados pelos membros

d’O Jornal visam reforçar uma imagem, aquilo que Dominique Maingueneau chama de

simulacro do “outro”, dos opositores de Urbano Santos. Desse modo, queremos chamar

atenção novamente para a ideia que esses discursos são produzidos numa disputa política,

na qual os atores sociais envolvidos visam convencer a opinião pública com as suas

colocações e, por conseguinte, colocar em circulação o “simulacro do outro”.

Outro aspecto do texto acima é a ênfase novamente no tenente Henrique Dias

como único responsável pelos crimes cometidos.

Cabe ressaltar que, embora os membros d’O Jornal aleguem que os opositores

pensavam que os crimes ficariam impunes, mas o governador já teria mandado prender o

200O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1. 201BAKHTIN, 2011, p.301.

98

tenente Henrique Dias, sabemos que a prisão do tenente se deu, apenas, enquanto se fazia

o inquérito para apurar os fuzilamentos. Segundo esse jornal, os opositores do governador

teriam até lhe elogiado quando mandara prender o citado tenente, contudo, ainda de

acordo com a matéria aqui analisada: “Isso, porém, não se coadunava com o seu (dos

opositores) feitio moral. Fazia-lhes mal serem justos. Incomodava-os o reconhecimento

da verdade. E isso seria renunciar ao plano sórdido202”. Fazem uma crítica ao jornal

Diário de São Luiz que é fundamental para entendermos como esses jornais agiam de

acordo com seus interesses em questão. Para os membros d’O Jornal, o Diário de São

Luíz que até bem pouco tempo apontava o tenente Henrique Dias como criminoso, passara

a advogar em sua causa como se este tenente estivesse apenas cumprindo ordens do

governador Urbano Santos. Sendo assim, o governador passa a ser o principal alvo do

Diário de São Luíz como verdadeiro culpado pelos crimes na Matta. Essa percepção d’O

Jornal de fato converge com que notamos no posicionamento do jornal oposicionista

acerca da mudança de “visão” quanto ao tenente Dias.

Com o objetivo de desmascarar a oposição, mais especificamente Nascimento

Moraes (Redator-chefe do Diário de São Luíz), por conta da sua visita ao tenente

Henrique Dias e por ter sido o responsável pela publicação das declarações desse tenente,

segue a referida matéria relatando sua versão acerca dos crimes cometidos pelo tenente

Henrique Dias. Este, na sua chegada a São Luís teria negado que praticara algum crime,

assim como já havia negado em seu primeiro depoimento quando ainda estava na cidade

de Codó, antes de retornar a São Luís. Nos dois primeiros depoimentos, como vimos, o

tenente Henrique Dias culpara Sebastião Gomes, subdelegado de Curador, pelas

acusações a ele (Dias). Entretanto, um sargento e as praças que acompanhara o tenente

Henrique Dias na atuação das tropas policiais na Matta, haviam confessado que haviam

cometido os fuzilamentos dos quatros homens por terem sido ordenador pelo tenente

Dias. Ressalta que posteriormente o tenente Dias, já em São Luís, havia confessado seus

crimes ao tenente Rodolfo Figueiredo. Este, a par dessas confissões, foi até o Palácio do

governo para falar com Urbano Santos, que o aconselhara a colher as informações do

tenente Henrique Dias por escrito. Ao retornar ao quartel (4 horas depois) onde o tenente

Dias se encontrava preso, Rodolfo Figueiredo notara que “o acusado havia sido pérfida e

habilmente trabalhado par (sic) alguém”, que o tenente Dias havia encontrado “elementos

202O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1.

99

para defende-lo do crime que praticara, não de moto-próprio, mas em virtudes de ordens

que recebera (do governador)203”.

Segue a matéria d’O Jornal indagando o que fizera o tenente Henrique Dias mudar

tão rápido de opinião. Relata que o tenente Rodolfo Figueiredo foi “procurado pelo

professor Nascimento Moraes, redator principal do ‘Diário de S. Luiz’. Conhecendo, pela

leitura cotidiana dessa gazeta, a campanha que aquele jornalista vinha fazendo contra o

tenente Dias204”. Rodolfo Figueiredo teria ficado perplexo por Nascimento Moraes tê-lo

perguntado se não havia um jeito de livrar o tenente Henrique Dias das acusações.

Rodolfo Figueiredo lhe teria respondido que não, pois o tenente Dias era

“indiscutivelmente culpado”. Ainda conforme a matéria, Nascimento Moraes, no dia

anterior, pela manhã, havia penetrado no quartel do Corpo Militar para conversar com

Henrique Dias: “Conforme diz, ontem mesmo, o jornal em que escreve, de lá saiu ele com

uma entrevista redigida e assinada pelo tenente Dias205”.

De acordo com o argumento d’O Jornal, a referida entrevista havia sido escrita

fora do quartel e levada para o tenente Henrique Dias apenas assinar. A prova dessa

suposição se dava porque o tenente Dias não dispunha de máquina de escrever na prisão.

Desse modo, lançam um desafio aos representantes do Diário de São Luízpara que

apresentassem no mesmo dia o documento original com a assinatura do tenente Dias.

Encerra falando que os opositores tinham como objetivo unicamente atacar o governador

Urbano Santos, contudo, essas calúnias não conseguiriam deturpar “o brilho de um nome

tornado nacional por uma longa vida de trabalho, de honradez e de civismo206”. Trabalho,

honradez, civismo, palavras muito frequentemente usadas para auto-referência pelos

governistas, uma vez que sendo o governador portador dessas qualidades, seus partidários

estariam no lado correto das disputas políticas em foco.

Em matéria do dia seguinte 25 de agosto, intitulada “Dr. Urbano Santos”, O Jornal

responde a um artigo de Nascimento Moraes, escrito no Editorial do Diário de São Luíz

que havia sido publicado no dia anterior, com o título de “O sr. Urbano Santos”, no qual

esse jornalista fazia uma série de críticas ao governador Urbano Santos (comentaremos

essa matéria no 3° capítulo). No texto de defesa ao governador, O Jornal começa dizendo

203O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1. 204Ibid. 205Ibid. 206Ibid.

100

que: “A atitude leviana e perversa do ‘Diário de S. Luíz’, revelada no seu editorial de

ontem, causou profunda impressão no espírito público, provocando geral indignação207”.

Um ponto importante a destacar logo de início nesse discurso é a ideia de reprovação do

público pelas críticas ao governador Urbano Santos, veiculadas pela oposição. Ao

argumentar que o público não aprovara o referido artigo, os situacionistas parecem tentar

convencer o leitor de que a opinião pública estava ao lado do governador, numa estratégia

de jogar a mesma contra os opositores. Nessas disputas pelo convencimento da opinião

pública e, também da tentativa de desqualificar o discurso do “outro”, tanto situacionistas

como a oposição argumentam estarem ao lado povo e este ao seu lado.

Na tentativa de desconstruir a imagem do governador Urbano Santos colocada em

circulação pelo discurso da oposição, O Jornal segue falando na sua matéria a respeito

do “entusiasmo” do momento com a escolha de Urbano Santos como candidato à vice-

presidência do Brasil. Tal “entusiasmo” estaria tomando conta dos maranhenses, bem

como estaria sendo saldada de Norte a Sul do país, seria um momento em que

[...] Pela imprensa e pela tribuna, se faz a propaganda dessa candidatura,

exaltando-se o mérito e as virtudes cívicas de s.exc., salientando-se os

seus reais e inestimáveis serviços à nação, de tão alta e proclamada

valia, para nossa maior glória; nesse momento mesmo, de sérias

apreensões políticas e econômicas, quando todo o país tem os olhos

voltados para s.exc., confiante na sua invulgar cultura, na sua

ponderável experiência e na sua ação criteriosa, de que vem dando tão

sobejas provas, há longos anos, para extrema satisfação da nossa honra,

da nossa glória e do nosso orgulho[...]208.

Por outro lado, seria nesse momento de “entusiasmo” e expectativas, com a

nomeação do “ilustre” maranhense para concorrer à vice-presidência, momento especial

pelas circunstâncias (na perspectiva d’O Jornal) que: “[...] conterrâneos nossos, aqui na

capital do Estado, encontram bastante coragem no seu desamor à terra natal, para encetar,

uma campanha ingrata de ódio e de difamação contra o dr. Urbano Santos209”. Portanto,

os articuladores desse jornal lançam mão do discurso de bairrismo estadual como

estratégia de justificar o que seria em seu entendimento uma falta de amor ao Maranhão,

sugerindo que a única opção correta nas disputas políticas em questão era a que estava

sob a representatividade do grupo político ao qual pertencia o governador maranhense. A

partir dessa estratégia discursiva, O Jornal coloca como contraponto a situação da Bahia

207O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 208Ibid. 209Ibid.

101

em que, na sua concepção, a indicação de J.J Seabra como candidato a vice-presidente,

na chapa que tinha Nilo Peçanha como candidato a presidente, havia reunido todos os

grupos políticos baianos, para se pensar só na Bahia, se deixando de lado os rancores e

disputas partidárias locais. Feita essa comparação com o que estaria ocorrendo na Bahia,

O Jornal volta a tocar no assunto da visita de Nascimento Moraes ao tenente Henrique

Dias, relembrando que:

Foram ao cárcere, onde vergado ao peso dos remorsos, penava,

sucumbido, um criminoso de mortes e, pérfida e perversamente, lhe

insinuaram no espírito a ideia de atribuir a mandato de seus crimes ao

presidente do Estado, como meio único de salvação. E, para completar

a obra satânica, conseguiram, que ele lhes assinasse uma declaração que

no próprio ato lhe apresentaram datilografada210.

O Jornal fala na ação de Nascimento Moraes como uma “obra satânica”,

sugerindo outra vez uma concepção dualista, agora pautada numa ideia que beira o

discurso religioso ao atribuir o qualificativo citado às ações de Moraes, pois no contexto

de enunciação acima, visa caracterizar a ação de Moraes como algo do mau. A referência

novamente a essa visita talvez vise insistir na ideia defendida por esse jornal no intuito

de não deixar que vigore a versão da oposição, pois, é importante termos em mente as

questões político-partidárias que estavam em jogo. Até porque, o Diário de São Luiz,

como veremos mais a frente, insistirá em matérias diárias na culpabilidade do governo,

bem como em fortes críticas ao domínio oligárquico liderado por Urbano Santos.

O Jornal volta a ideia do início da matéria, comentando que todos os que haviam

lido o Editorial do Diário de São Luíz (do dia anterior) tiveram a mesma repulsa que os

membros d’O Jornal, acerca das ideias apresentadas sobre Urbano Santos. Afirma que

essas críticas ao governador eram resultado da politicalha praticada pelos opositores. Esse

tipo de fazer política é apresentado pel’O Jornal como algo abominável e, que era uma

prática corriqueira do outro (a oposição). Reforça sua imagem sobre o governador como

sendo a de um homem cuja atuação na política nacional é vista como a de uma trajetória

integra, daí condenar a campanha do Diário de São Luiz por tentar: “[...] infamar um

homem eminente que toda a nação admira e respeita, pelo seu longo passado de trabalho,

de honradez e de civismo211”. Ao falar que o governador Urbano Santos é respeitado por

toda nação, em tom exagerado, esse jornal parece tentar desarticular as críticas da

oposição ao chamá-los de um pequeno grupo que, portanto, estaria em descompasso com

210O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 211Ibid.

102

a maioria (a nação). Uma vez sendo minoria não se devia dar crédito aos discursos da

oposição, até porque, conforme o argumento d’O Jornal:

Não há nesta terra quem não saiba, quanto é tolerante em política, o dr.

Urbano Santos; quanto s.exc. é prudente, criterioso e sensato; nesta terra

não há quem ignore quais são os seus processos políticos, de harmonia,

de pacificação, de cordialidade; não há nesta terra quem ignore o rigor

dos seus escrúpulos, e a firmeza da sua ponderação212.

Tolerante, prudente, criterioso, sensato, pacífico, cordial, escrupuloso, etc, são

palavras usadas em profusão para elogiar/caracterizar o governador Urbano Santos.

Percebemos novamente um manuseio com as palavras acima, utilizadas para se referir ao

governador maranhense, mas como bem ressalta Mikhail Bakhtin: “As palavras não são

de ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas podem abastecer qualquer falante e os

juízos de valor mais diversos e diametralmente opostos dos falantes213”. Essa colocação

de Bakhtin é fundamental, pois, o que percebemos, em nossa análise, é que ambos os

lados, situacionistas x oposição, utilizam como estratégia discursiva o manuseio das

palavras, atribuindo-se cada um dos lados, aquelas com sentido positivo e direcionando

as com sentido negativo para o adversário político. Outra questão da matéria acima, é que

não há sequer nenhuma referência, em tons argumentativos, que tentasse apresentar

provas para desqualificar o que Nascimento Moraes dissera no artigo combatido pel’O

Jornal. Nascimento Moraes faz acusações do envolvimento do governador Urbano

Santos com o caso do “Satélite214”, faz críticas sobre os relacionamentos políticos de

Urbano Santos com o político gaúcho Pinheiro Machado. Quanto a essas questões O

Jornal silencia se limitando a fazer elogios ao governador com palavras de certa forma

vagas, pois não exemplifica em que situações agira o governador para ser caracterizado

com as palavras acima. Ao término da matéria diz novamente que os maranhenses

repudiaram a matéria do Diário de São Luíz, e encerra dando um “Honra ao Maranhão”.

212O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 213BAKHTIN, 2011, p.290. 214Referência ao episódio dos desdobramentos das punições para os marinheiros envolvidos na Revolta da

Chibata. Uma das consequências de tais punições foi que: “no início de 1911, 105 marinheiros foram

mandados para os seringais da Amazônia a bordo do cargueiro Satélite, sendo que nove dentre eles foram

fuzilados e jogados ao mar e o restante desapareceu e morreu na Amazônia, vítimas, provavelmente, da

malária”. DE DECCA, Edgar Salvadori. Quaresma: Um Relato de Massacre Republicano. Anos 90.

Porto Alegre, n.8, dezembro de 1997. P.56. Este episódio aconteceu na época da presidência de Hermes da

Fonseca. De acordo com as acusações de Nascimento Moraes, à qual nos referimos acima, Urbano Santos

(à época senador pelo Maranhão) fazia parte de uma “comissão” responsável por apurar tais atrocidades.

Entretanto, nada ocorrera com os responsáveis pelo massacre dos marinheiros do cargueiro Satélite.

103

Em matéria seguinte, dia 26/8, O Jornal volta tocar no assunto das declarações do

tenente Henrique Dias publicadas no Diário de São Luíz. Com o título “Pela Gola”, a

matéria começa dizendo que teriam demonstrado a farsa dessas declarações, nesses

termos, afirma: “Havemos de obriga-los a confessar as mentiras que engendraram, e

penitenciar-se das calúnias que assacaram,- ainda que para isso tenhamos de segura-los

pela gola215”. Para esse jornal, o Diário de São Luís teria muitas explicações a dar, como

por exemplo, porque mudara repentinamente a linguagem a respeito do tenente Henrique

Dias, uma vez que, conforme O Jornal: “Há menos de uma semana o qualificativo mais

suave que encontravam para o tenente Dias era o de ‘monstro’...Hoje, o monstro é

vítima!216”. De fato, há uma mudança na forma como Nascimento Moraes falava do

tenente Henrique Dias, antes e depois que o mesmo prestara as declarações para esse

jornalista. Referindo-se a esta tentativa do Diário de São Luiz em inocentar Henrique

Dias, escreve O Jornal: “A tal ponto a paixão os desorienta, que nem sobra tempo para

raciocinarem que, embora simples mandatário que Dias fosse, nem por isso deixaria de

ser mesmo criminoso que é!217”.

Contudo, embora O Jornal insista na denúncia do tenente Henrique Dias como

criminoso, esse jornal praticamente silenciou por completo acerca dos crimes da Matta

após a absolvição do tenente criminoso. Seguindo na linha de argumentação desse jornal,

na matéria aqui em análise, percebemos novamente uma estratégia de relacionar a

identificação do ato criminoso do tenente Dias com os partidários da oposição, tentando

assim, jogar a opinião pública (os leitores) contra os opositores do governador, pois de

acordo com esse jornal: “Já a cada canto se ouve, por toda esta cidade, que o criminoso

da Matta não é menos perverso do que aqueles que lhe exploram a grande culpa e a imensa

desdita218”. Portanto, esse jornal chega a comparar a prática de homicídios com a

exploração da mesma pelos opositores do governo.

Os representantes do Partido Republicano Maranhense e o jornalista José

nascimento Moraes são criticados novamente pel’O Jornal em matéria do dia 27/8 de

215O JORNAL, 26 de agosto de 1921, p.1. 216Ibid. Esse mesmo discurso em relação Diario de São Luiz expresso pel’O Jornal também é defendido

pela Pacotilha que fala em matéria também do dia 26/8 a mesma coisa com palavras diferentes: “[...] não

convindo que cessassem as acusações ao presidente do Estado, apenas mudou a causa que as vinha

determinando. O lugar das vítimas no coração dos seus defensores foi tomado pelo tenente Dias, que, por

uma metamorfose inaudita, passou de chacal a pomba”. A PACOTILHA, “O Crime da Mata, 26 de agosto

de 1921, p.1. 217O JORNAL, 26 de agosto de 1921, p.1. 218Ibid.

104

1921, intitulada “O Antro da Calúnia”. O título da matéria já nos oferece uma noção

básica acerca da ideia colocada em circulação por esse jornal para se referir ao Diário de

São Luiz: um lugar de produção de calúnias contra o governador. Responsabiliza

novamente os membros desse partido pelas calúnias contra o governador Urbano Santos.

O Partido Republicano Maranhense, juntamente com o diretor do Diário de São Luiz, que

teria se associado a eles, seriam os orquestradores do plano para colocar em circulação as

declarações do tenente Henrique Dias. Ao se referir a Nascimento Moraes, comentam que

esse jornalista:

[...]Transformou esse jornal (Diário de São Luiz) em órgão do grupelho;

que lhes cedeu o gabinete de trabalho, para o ponto das reuniões

clandestinas, que, em grande parte, executou o plano adredemente (sic)

resolvido em uma dessas reuniões; que impetuosamente o defende pela

imprensa, num desespero ansioso de fazê-lo vingar219.

Nessa citação, temos outra vez uma referência às atuações do jornalista

Nascimento Moraes, como um dos principais articuladores das ações da oposição. A

matéria sugere que dessas reuniões clandestinas, e aqui a ideia de clandestinidade pode

insinuar ilegalidade nas ações da oposição, se teria inventado o tal plano de fazer com

que o tenente assinasse o documento com as declarações que incriminavam o governador.

A percepção das terminologias usadas para se referirem à oposição também são

fundamentais para compreendermos as estratégias colocadas em práticas pel’O Jornal

para desqualificar a oposição, como por exemplo, ao se referir à mesma como grupelho.

Esta palavra no contexto significacional utilizado acima tem um sentido pejorativo.

Em resposta a essas acusações que estavam sendo colocadas em circulação tanto

pel’O Jornal assim como pela Pacotilha, de que as declarações do tenente Henrique Dias

haviam sido influenciadas por Nascimento Moraes e pelos membros do Partido

Republicano Maranhense, o Diário de São Luiz em matéria intitulada “Os crimes na

Matta220” chama atenção para o fato de que essas acusações não se sustentavam, dentre

outros fatores, pelo fato de que o próprio tenente Taurino Lemos em seu (segundo)

depoimento declarou que ouviu do tenente Henrique Dias que este havia dito que tinha

ordens do governador para “fuzilar até os soldados que não andassem na linha”. Essa

afirmação do tenente Taurino Lemos é um dos argumentos básicos dos representantes do

jornal da oposição para questionar esse discurso dos governistas que passaram a apontar

219O JORNAL, 27 de agosto de 1921, p.1. 220DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de setembro, p. 3.

105

Nascimento Moraes como articulador desse plano, uma vez que fora esse jornalista quem

fizera a visita ao cárcere onde se encontrava detido o tenente Henrique Dias, a pedido

desse tenente que enviara o recado (uma carta) a Nascimento Moraes pelo guarda civil

Raimundo Octavio de Jesus221.

O conteúdo da matéria comentada acima com acusações aos representantes do

Diário de São Luiz basicamente se repete no editorial d’O Jornal do dia 30/8, nomeado

“A Nova Calunia”. Reafirmando de novo que a opinião pública estava ao lado do

governador Urbano Santos, diz a matéria: “A imprensa da terra (Maranhão), exceção do

<<Diário de S. Luiz>>, interpetrando (sic) fielmente o sentir dessa opinião se coloca

franca e decisiva ao lado do sr.presidente, fazendo-lhe, com toda justiça, a merecida

defesa222”. Segue a matéria “batendo na tecla” de que: “O dr. Urbano Santos tem um

longo e brilhante passado político[...]”, acrescentando: “[...] ser o traço característico do

espírito de s.exc. a tolerância e que dela fez sua exc. um verdadeiro dogma, em

política223”. Sendo assim, o governador seria incapaz de praticar ou autorizar a prática de

um ato de violência, ainda porque, questiona O Jornal, o que ganharia o governador com

a morte dos 4 homens fuzilados? Essas acusações não teriam fundamento para esse jornal

situacionista que, ainda alega o seguinte: “O dr. Urbano Santos é, no Estado chefe de um

grande, de um arregimentado partido político, nunca jamais derrotado224”.

O reconhecimento de Urbano Santos como chefe da política local situacionista se

devia, a partir do que defende esse jornal, pelas “qualidades” citadas acima, não havendo,

portanto, qualquer referência aos aspectos negativos da prática oligárquica de domínio

político do grupo, como: fraudes eleitorais, violência contra opositores, uso do patrimônio

público para fins privados, clientelismo, descaso com administração pública, etc.

Aspectos característicos da cultura política brasileira na Primeira República, estas

práticas oligárquicas só eram denunciadas quando se tratava de atribuí-las aos opositores,

como faz O Jornal ao falar do governo de Herculano Parga (1914-18) que, por sinal, fora

eleito pelo chefe Urbano Santos.

No mesmo dia que O Jornal publica a matéria acima, os membros do PRM

escrevem uma matéria no Diário de São Luiz, com o título “Degraus da descida”. Neste

221DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de setembro de 1921, p. 2. 222O JORNAL, 30 de agosto de 1921, p.1. 223Ibid. 224Ibid.

106

texto o PRM compara as declarações do tenente Henrique Dias com o que dissera o

governador em entrevista para A Pacotilha, entendendo que as declarações do tenente

Dias, a respeito das orientações que recebera, com o tenente Taurino Lemos, do

governador, convergiam com as próprias palavras deste último em sua entrevista. Na

matéria do Partido Republicano Maranhense, os representantes desse partido citam

trechos das declarações de Henrique Dias e da entrevista do governador Urbano Santos

numa estratégia discursiva de mostrar aos (e)leitores como seus argumentos são

fundamentados nas “palavras” (textos) dos próprios envolvidos nas acusações, pois: “A

narrativa do tenente Dias não é a mesma do sr. Urbano Santos? Sem dúvida. Apenas com

uma diferença e é que a daquele não encerra subterfúgios, enquanto a deste, toda cheia de

escapatórias, denota a preocupação de inocentar-se225”. Os membros do PRM seguem

argumentando que o grande alvo do governador Urbano Santos ao enviar as tropas

militares para a Matta seria o desembargador Dioclides Mourão, uma vez que a intenção

seria “procurar um meio de envolver o desembargador Mourão em um quadrado e fuzilá-

lo, sob qualquer pretexto, mesmo que este fosse de uma futilidade urbanica226” (o uso do

termo “urbanica” seria um trocadilho?). De acordo com a matéria um dos motivos desse

ódio que o governador tinha do desembargador Dioclides Mourão se daria por conta da

campanha de oposição deste último, tanto pelas ligações com o PRM quanto pelos artigos

que escrevia para o Diário de São Luís com fortes críticas à administração do governador

Urbano Santos.

A leitura dessa matéria, bem como as demais escritas diariamente pela oposição,

torna compreensivo porque os jornais situacionistas também reprisam os assuntos

corriqueiramente. Ambos (oposição e situação) se encontravam num campo de disputas

políticas marcado pelas proximidades da eleição para governo do Estado (1/9/1921) e

também para a presidência do País, daí os recursos discursivos os mais apaixonados,

violentos e, por que não, caluniadores possíveis, dando a entender que as sugestões de

plataforma política (projetos e propostas de governo) ficavam em segundo plano diante

dos insultos e acusações pessoais.

Nessas trocas de farpas, O Jornal volta a responder ao Diário de São Luiz em

matéria do dia 31/8. Ao comentar a referida matéria do Diário de São Luís, O Jornal

escreve que eles mesmos diziam não terem culpado o governador pelos crimes e que até

225DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 30 de agosto de 1921, p.1. 226Ibid.

107

aquele momento apenas o tenente Henrique Dias teria sido quem fizera tal acusação, diz

ainda que o Diário de São Luís também se dizia atrás das verdades acerca dos crimes. O

Jornal também faz referências a uma matéria do desembargador Dioclides Mourão,

escrita no Diário de São Luís (31/8), em que esse desembargador diz não acreditar que o

governador teria de fato ordenado os fuzilamentos. Ao citar essas matérias, O Jornal

segue argumentando de forma a tentar desarticular as acusações ao governador, alegando

que apenas os membros do PRM insistiam em caluniar Urbano Santos.

Após a matéria acima, do dia 31/8, O Jornal volta a publicar informações sobre o

caso da Matta novamente no dia 14/9, portanto, num intervalo de 14 dias. Suas matérias

nesse intervalo de tempo continuavam a criticar o PRM, principalmente após os

resultados da eleição estadual (do dia 1/9), em que os candidatos do Partido Republicano,

ao governo do Estado, Godofredo Viana (para governador) e Raul Machado (para vice-

governador), saíram vencedores com margem de diferenças de votos esmagadora. Essa

diferença de votos expressa as dificuldades da oposição vencer uma eleição nessas

disputas oligárquicas em que o situacionismo dificilmente era derrotado por conta dos

vários artifícios colocados em práticas pelas oligarquias dominantes.

Em matéria intitulada “Mais um coelho” (16/9), O Jornal volta a falar da

exploração do caso da Matta pela oposição, alegando que tal questão estava sendo

utilizada pelo jornal oposicionista (Diário de São Luiz) como forma de garantir suas

vendas diárias227. Outra crítica forte a esse jornal e seu redator (Nascimento Moraes) é

apresentada na matéria “Deus os fez e o diabo os ajuntou” (22/9), o título sugere uma

ideia de cunho religioso, qual seja a relação deles (a oposição) com o diabo, nessas

polêmicas parece que valia tudo. O texto em questão começa logo se posicionando acerca

do aparecimento do Diário de São Luiz que, na ótica dos situacionistas: “Antes do

aparecimento do <<Diário de S. Luiz>> o Maranhão só havia conhecido o jornalismo

branco, o jornalismo de viseira erguida, sem a dualidade de atitudes, sem a cobardia (sic)

moral da arrière-pensée228”. Desse modo, o jornal oposicionista viera para colocar em

prática um tipo de jornalismo partidário, sem os escrúpulos de compromisso com a

verdade, regra (ideal) básica do discurso jornalístico. Para sustentar seu argumento, O

Jornal lança mão (manipula) a história do jornalismo maranhense referindo-se ao tempo

de jornalistas como João Lisboa e Celso de Magalhães (século XIX) que, embora movidos

227O JORNAL, 16 de setembro de 1921, p.1. 228O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1.

108

por paixões partidárias, não cometiam atitudes vis229. Esses jornalistas seriam avesso ao

jornalismo mercenário.

Conforme o argumento d’O Jornal: “O jornalismo nesse tempo (de Lisboa e

Magalhães) era uma aristocracia de inteligências e de caracteres. A calúnia, a mentira, a

contrafracção (sic) eram armas que não se encontraram jamais na panóplia dessas almas

de elite230”. Ao idealizar e (re)inventar o jornalismo e os jornalistas maranhenses ilustres

esse discurso parece deixar claro que, como vai ser desenvolvido ao longo dessa matéria,

haveria dois tipos de jornais e jornalistas à época em que escreviam. Haveria no

jornalismo de outrora uma retidão no proceder e um escrúpulo moral “que erguiam bem

alto não só a inteligência mas o caráter dos maranhenses de então231”. Nessa estratégia de

ataque direto a Nascimento Moraes, O Jornal continua expondo que até bem pouco tempo

se seguiam as figuras exemplares (Lisboa e Magalhães) citando o nome de Antônio Lobo

como um tipo de jornalista que seguia o modelo do jornalismo padrão, contudo, alegam

que: “[...] se exibe hoje um jornal que é o antípoda de todo o jornalismo honesto”.

Na concepção dos articulistas d’O Jornal, esse antípoda do jornalismo honesto

seria o Diário de São Luiz (representado na figura de seu redator-chefe), ficando ao

primeiro um fazer jornalístico próximo ao idealizado acima. Chama atenção ainda o fato

da referência utilizada para falar em jornalista honesto ter sido o nome de Antônio Lobo,

tal referência em nosso entendimento não é por acaso, pois se lança mão estrategicamente

do nome do antigo desafeto de Moraes, o que não exclui também, provavelmente, se tratar

de um elogio a um falecido amigo. Mas a ideia parece ser mesmo atingir Nascimento

Moraes, vejamos,

E aquele mesmo que na, sua ambição de predomínio mental, tentou

passar às suas mãos débeis o bastão de mando que a nossa

intelectualidade conferira a Antônio Lobo e que deste fora o inimigo

gratuito e invejoso, até hoje ligado pela atração irresistível das

afinidades electivas (sic) ao grupinho de bárbaros, que as

estravagancias dos fados puseram um dia à frente dos nossos destinos

229Deixemos a palavra ao próprio João Lisboa sobre a imprensa de seu tempo que sugere o avesso do que

diz o articulista d’O Jornal: “[...] Da nossa imprensa política é que se pode principalmente dizer que é um

respiradouro por onde todos os partidos exalam e vertem os seus maus humores, porque, mesmo quando

não invectiva, insulta ou calunia na rigorosa acepção dos termos, alimenta-se todavia de incessantes

personalidades, dependendo exclusivamente de louvor e vitupério de certas e determinadas

individualidades, toda seiva e vigor de que é dotada, e que melhor aproveitada na discussão larga e nobre

dos princípios e dos grandes interesses da sociedade”. João Francisco Lisboa, citado no jornal O Estado de

São Paulo, 19 de fevereiro de 1932, editorial, apud Borges, Op.cit. p.19. 230O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1. 231Ibid.

109

políticos e que desde então vive sonhando uma hegemonia impossível

na política estadual232.

Nessa citação tem-se dois alvos: Nascimento Moraes e os membros do PRM,

principalmente Herculano Parga. Em relação a este último, novamente sequer há detalhes

da sua eleição que se dera dentro dos conchavos oligárquicos orquestrado principalmente

por Urbano Santos, se limitando a falar em fado do destino como responsável por alçar

Herculano Parga ao governo estadual. Ao falar da polêmica Moraes e Lobo, diz que este

último teve reconhecimento em vida do seu predomínio mental em relação ao primeiro,

alegando que fora a própria intelectualidade maranhense quem teria reconhecido em Lobo

a dita superioridade mental.

Essa generalização escamoteia (propositalmente?) que havia constantes polêmicas

entre os intelectuais maranhenses na época e que as opiniões entre si mudavam de acordo

com o lugar que ocupavam no espaço social maranhense, ou seja, de acordo com os

interesses em voga que podia ser a defesa de seus grupos políticos (situacionismo x

oposição), questões de vaidade literária, disputas por postos de trabalho nas burocracias

do Estado, etc. Por exemplo, nessas polêmicas era comum um amigo ou companheiro de

jornal tomar as dores um do outro, daí ser difícil qualquer tipo de generalização como se

toda intelectualidade ficara ao lado de Antônio Lobo233 na polêmica com Nascimento

Moraes.

A matéria segue com críticas à oposição, pois, para O Jornal: “Deus os fez e o

diabo os ajuntou. Ligam-os os mesmos desejos de supremacia pessoal, um nas letras

(Moraes) e os outros (PRM) na política234”. De acordo com as ideias sobre Nascimento

Moraes, colocadas em circulação por esse jornal, a imagem (re)construída desse jornalista

o apresenta como sendo de uma individualidade medíocre. As palavras usadas são as que

expressam as mais negativas perspectivas desse jornalista, retribuindo na mesma moeda

para contrapor as ideias que Nascimento Moraes fazia d’O Jornal. Essa polêmica travada

entre Nascimento Moraes e os representantes d’O Jornal, talvez possa ser lida como um

exemplo do que Dominique Maingueneau chama de “dialogismo polêmico mostrado”.

Ao falar da importância dessa noção de “dialogismo polêmico mostrado”, para a análise

de discurso, Dominique Maingueneau considera que tal se dá “[...] não apenas pela

232O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1. 233O próprio Antônio Lobo teve conflitos com outros além de Moraes, para citar alguns, são eles: Barbosa

de Godóis, Fran Paxeco, Manoel Bethencourt, I. Xavier de Carvalho (GASPAR, 2009). 234O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1.

110

maneira como os diferentes discursos o praticam, mas ainda por levar em conta assuntos

de controvérsia. Se é o próprio universo semântico do Outro que é rejeitado, a priori

qualquer um de seus enunciados pode ser questionado235”.

Ao término da matéria d’O Jornal, temos a informação que Nascimento Moraes

e os membros do PRM nutriam esperanças de revoluções futuras sob o comando do

Exército, nesses termos:

De olhos presos nesta última esperança, eles estão, pelo <<Diário de

S.Luiz>>, em companhia do outro, a falar, sem procuração, em nome

do povo, a atacar reputações, a difamar, a mentir, a inventar, a criar

entre nós o jornalismo negro e a fase mais vergonhosa da política no

Maranhão236.

A referência à citada esperança de revolução talvez se refira ao que já comentamos

acima acerca das relações do PRM com os grupos de oposição à candidatura oficial da

chapa Artur Bernardes-Urbano Santos, representados pelos integrantes da Reação

Republicana e seus possíveis vínculos com setores do exército insatisfeitos com a política

dominante que tinha Minas Gerais e São Paulo como carro-chefe desse domínio. Nessa

lógica de apresentar o Diário de São Luiz como avesso ao tipo de jornalismo honesto, é

sugestiva a matéria d’O Jornal nomeada “Jornalismo charlatão”, do dia 24/9, em que

começa com a seguinte afirmação: “Os charlatães pululam, é certo, em todas as

profissões. Mas nenhum campo é mais propício ao bom êxito das <<chantagens>> e

falcatruas que o jornalismo237”.

Conforme argumentação desse jornal, o adversário se vestia de reformadores

sociais, portanto, ironiza: “Irrita-se, porém, o seu redator-chefe com essa irreverência dos

leitores, com esses que o ‘procuram matar pelo ridículo infamante, pelo riso escarninho’.

São palavras do seu editorial de ontem238”. Novamente o alvo principal é Nascimento

Moraes, em resposta a seu editorial do dia anterior (23/9), que por sinal é escrito como

resposta à matéria d’O Jornal do dia 22/9. A leitura desse debate deve ser analisada em

nosso entendimento numa perspectiva dialógica, tendo em vista que os envolvidos nessa

disputa discursiva respondem uns aos outros, leem-se como forma de desarticular o

discurso do outro (seu adversário), no que ele possivelmente teria de falho ou mesmo

ambíguo, de acordo com cada lado. Essa questão da ambiguidade do discurso da oposição

235MAINGUENEAU, op.cit, p.123. 236O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.2. 237O JORNAL, 24 de setembro de 1921, p.1. 238Ibid.

111

é apontada pel’O Jornal no editorial de Nascimento Moraes ao qual se refere. Nascimento

Moraes por ter dito que (por respeito) fizera elogios a Antônio Lobo numa homenagem

organizada por estudantes maranhenses, é indagado pel’O Jornal: “Diga-nos então

quando é que foi sincero; se ontem, quando atacava a Antonio Lobo se hoje quando o

homenageia239”. Seguem em tom de provocação ao redator-chefe do Diário de São Luiz:

“A seguir o mesmo processo, quando amanhã desaparecer o móvel egoísta que o

impulsiona, ele acabará reconhecendo as virtudes cívicas do atual governo, a quem agora

ataca injusta e caluniosamente. Para isso basta dar tempo ao tempo240”.

Nascimento Moraes seria alvo novamente d’O Jornal, em matéria do dia 26/9,

cujo título, não por acaso, vem em tom irônico: “As ‘vitórias’ do redator-chefe”. Para

falar de tais vitórias esse periódico se apropria do que seria uma anedota popular,

vejamos:

É conhecidíssima a anedota daquele sujeito que, derribado e esmurrado

por um outro, se levantou limpando a roupa, e com o nariz e os beiços

reduzidos a uma posta de sangue, gritava com ar de triunfo, para o seu

contendor:

“Está conhecendo o que é homem, seu canalha”?!

Não é outra a atitude do impagável redator-chefe do “Diario de S.

Luiz241.

Ao lançar mão de uma anedota popular os articulistas desse jornal colocam em

forma bem mais simples os desdobramentos das disputas políticas em jogo, sendo assim,

é possível supor que talvez fosse uma estratégia de facilitar o entendimento das críticas

ao redator-chefe do Diário de São Luiz colocadas em circulação pelos situacionistas. A

despeito de possivelmente ser pequeno o número de leitores das matérias em questão,

uma vez lida e comentadas, quer seja nos lares ou mesmo nas praças da cidade de São

Luís, essa imagem de Nascimento Moraes como derrotado que arrogava vitórias, como

na anedota, talvez facilitaria a compreensão do que O Jornal escrevia. Um ponto a ser

ressaltado também quanto ao uso do termo vitórias, no título da matéria em análise, é em

relação ao sentido que a mesma ganha no uso em questão. Como bem ressalta Mikhail

Bakhtin (1992; 2011) as palavras em si são neutras, cabendo a quem as analisa atentar

para o contexto de enunciação das mesmas, pois é através da contextualização das

palavras que podemos compreender o(s) sentido(s) de seu emprego. No exemplo que

239O JORNAL, 24 de setembro de 1921, p.1. 240Ibid. 241O JORNAL, 26 de setembro de 1921, p.1.

112

estamos aqui analisando, a palavra vitória, na verdade é utilizada em sentido irônico e

remetendo para seu oposto, no caso derrota.

Ao seguir falando das vitórias/derrotas de Nascimento Moraes, O Jornal cita e

comenta o que no seu entendimento seriam dois exemplos. O primeiro seria uma matéria

escrita por Aquiles Lisboa no próprio Diário de São de Luiz na qual teria feito elogios à

administração do governador Urbano Santos, contrapondo-se às matérias que Moraes

escrevia. De acordo com O Jornal: “Perplexo, embatucado, esmagado o redator–chefe

emitiu umas contestaçõesinhas (sic)...e deixou correr o tempo. Deixou correr o tempo que

tudo apaga para vir reproduzir hoje, como novidades, os mesmos argumentos reduzidos

a poeira pelo dr. Aquiles242”. Para esse jornal, Nascimento Moraes, novamente ironizado,

ao ser chamado de grande jornalista, teria em seu próprio jornal provas abundantes (a

matéria de Aquiles Lisboa) da superioridade da atual administração (referência ao

governo de Urbano Santos).

Nessa disputa discursiva (política) era comum os lados citarem ou se apoiarem em

textos de agentes sociais envolvidos que pudessem servir de base ao seu argumento.

Quando se tratava de textos (discursos) elogiosos ao governador Urbano Santos, O Jornal

se apoiava nos mesmos atribuindo-os qualificativos os mais positivos possíveis, naquele

contexto enunciativo, ao autor dos referidos elogios, reforçando se tratar de provas

inabaláveis.

A segunda “surra jornalística” do redator-chefe do Diário de São Luiz teria sido

dada pelo dr. Clodomir Cardoso, em matérias escritas no periódico A Pacotilha. Após

comentar estas surras jornalísticas, O Jornal encerra essa matéria dizendo:

Todos nós fomos testemunhas da tristíssima figura do redator-chefe, da

subtração vergonhosa que fez de um trecho da entrevista presidencial

(entrevista de Urbano Santos à Pacotilha) para chegar logicamente a

fins para eles muito Moraes. Todos nós vimos que o dr.Clodomir

(Cardoso), mais piedoso que os antigos feitores, deixou-o afinal às

moscas e aos panos de sal, crendo-o já bastante castigado.

Pois bem, o nosso herói diz sábado pela sua gazeta que o brilhante

causídico “bateu em retirada243”.

Nesse trecho, O Jornal faz referência à matéria escrita por Nascimento Moraes na

qual esse jornalista comenta a entrevista do governador Urbano Santos à Pacotilha.

242O JORNAL, 26 de setembro de 1921, p.1. 243Ibid.

113

Interessante nesse texto é o jogo de palavras ao se referir à lógica do argumento do

jornalista que teria chegado a resultados “moraes”, numa analogia, novamente irônica,

em nosso entendimento, entre o sobrenome do jornalista (Moraes) com a palavra “moral”

(colocada no caso no plural). Tendo em vista a possibilidade de dualidade de significados

do uso da palavra em questão, a estratégia parece ser não apontar o sentido positivo que

o termo “morais” (plural de moral) sugere, mas ao falar em “fins moraes” parece remeter

à forma como o jornalista Nascimento Moraes distorcia o conteúdo da referida entrevista

em prol de seus interesses: responsabilizar Urbano Santos pelos crimes na Matta.

As matérias seguintes d’O Jornal que analisamos apresentam telegramas

recebidos referente às ações do inquérito policial levado a cabo pelas autoridades policiais

do governo estadual, muitas delas sendo reproduções de telegramas publicados pelo

Diário Oficial do Maranhão. Desse modo, resolvemos não comentá-las aqui, uma vez

que, por ter basicamente o mesmo conteúdo das matérias que vimos acima quando

tratamos do Diário Oficial do Maranhão e colocar em circulação as mesmas informações

oficiais, ficaria repetitivo. Outros tipos de matérias que também percebemos são as que

tecem críticas ao PRM, aproveitando-se dos resultados da eleição na qual Godofredo

Viana (candidato ao governo) e Raul Machado (vice) candidatos da situação saíram

vencedores com imensa diferença de votos em relação ao número de votos dos candidatos

do Partido Republicano Maranhense.

Os resultados da eleição, nas páginas d’O Jornal aparecem como uma escolha do

povo maranhense que democraticamente teria escolhido a opção mais adequada. A

oposição aparece sendo “chacotada” pela “lavagem” nas eleições. Eleitos os candidatos

do governo nas eleições estaduais, O Jornal segue fazendo sua campanha pró Artur

Bernardes-Urbano Santos, para as eleições presidenciais de 1° de março de 1922, e,

consequentemente, publicando matérias contra a chapa Nilo-Seabra.

Tendo em vista as questões a serem analisadas em nosso trabalho, pelo menos

mais uma matéria publicada por esse jornal nos é muito importante na análise dos

discursos desse jornal situacionista quanto à sua cobertura dos crimes na Matta. A matéria

em questão é a publicação (no dia 1/11/1921) do Auto de defesa do Tenente Henrique

Dias apresentado no dia de seu julgamento (26/10). A ela nos detemos no próximo

capítulo quando em um último tópico analisamos os desdobramentos do julgamento dos

responsáveis pelos fuzilamentos na Mata.

114

3. DIÁRIO DE SÃO LUIZ: A “VOZ” DA OPOSIÇÃO AO DOMÍNIO POLÍTICO

DO GOVERNADOR URBANO SANTOS

O jornal Diário de São Luiz fora fundado em outubro de 1920, e tinha como

proprietário J. Pires244. Na função de redator-chefe245 encontrava-se José do Nascimento

Moraes. Com periodicidade semanal (segunda a sábado), circulara entre os anos de 1920-

1925, saindo de circulação neste último ano246. Este periódico se constituiu como um dos

principais órgãos (senão o único) da imprensa maranhense que fazia oposição ao domínio

político do então governador Urbano Santos (1918-1922).

Em seu Editorial do dia 16 de outubro de 1920, primeira circulação do jornal, seus

representantes expõem o que dizem ser suas intenções no âmbito da atuação jornalística

que visam empreender na imprensa maranhense. Neste sentido, a referida matéria, traz

como título “O Nosso Itinerário”, informando que “Desejamos que ele (o Dia de São

Luiz) siga a direção da linha reta. Outra coisa não ambicionamos”. Comentam estarem

dispostos a ajudar no progresso do Estado, lembrando o povo ou os governantes, “este ou

aquele empreendimento” ou mesmo um tipo de iniciativa que seja para o bem de todos.

Ainda conforme os representantes desse jornal: “Sabemos perfeitamente que o ódio nada

constrói de benfazejo. Sem ódio, pois, sempre havemos de proceder no desempenho da

nossa missão de humildes jornalistas [...] a nossa linguagem será sempre serena e

desapaixonada”. Com essas palavras, os representantes do Diário de São Luiz parecem

tentar desfazer um mal entendido acerca da linha política que seguiriam, pois, de acordo

com que dizem, já circulavam boatos que esse periódico surgia tendo como objetivo fazer

oposição ao governador Urbano Santos. Desse modo, escrevem ao público em tons de

esclarecimentos:

Fique bem acentuado que jamais influiu para que aparecesse o Diário

de S. Luiz a ideia de fazer oposição ao governo do sr. Urbano Santos.

244Conforme informações apresentadas por Ananias Alves Martins acerca do proprietário do Diário de São

Luiz, J. Pires, “[...] era também comerciante de livros em uma loja na Rua da Palma, onde também

funcionava a editora e gráfica J. Pires & Cia. Tratava-se, portanto, de um cidadão culto, ligado a atividades

voltadas para a elite intelectual e tipicamente urbana”. MARTINS, 1993, op.cit, p.35. 245O autor Nilson Lage, em seu livro intitulado “Linguagem Jornalística”, assim especifica a função de um

“Redator” de jornal, vejamos: “[...] aquele que redige. Legalmente, o jornalista que produz textos

informativos, editoriais, crônicas ou comentários. A designação compreende o copidesque, o redator, o

cronista, o comentarista e o editorialista”. LAGE, 2006, p. 89. 246Segundo informações contidas no Catálogo de jornais (maranhenses) da Biblioteca Pública Benedito

Leite, o Diário de São Luiz ainda voltara a circular entre os anos de 1945-1950. Ver: Catálogo de Jornais

Maranhenses do Acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA,

2007, p.125-127.

115

Aqui deixamos esta declaração, cedendo ao sentimento de franqueza e

sinceridade com que pretendemos agir em todas as ocasiões247.

A despeito desse discurso alegando não ser do interesse do jornal fazer oposição

ao governo, há outra matéria (mesma página) na mesma edição do dia, cujo título chama-

se “A conspiração do silêncio” na qual fazem um balanço geral da situação econômico-

financeira do país, reconhecendo que as condições não eram favoráveis, entretanto outros

estados como São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul já estavam tomando as

medidas necessárias para sanar suas dificuldades financeiras. Tendo em vista estes

exemplos, advertem que: “Urge, pois, que todos os maranhenses-governitas (sic),

oposicionistas ou indiferentes a partidos – empunhem a bandeira do trabalho e concorram

com o seu esforço para a grandeza futura do Maranhão”. Sendo assim, os representantes

do Diário de São Luiz se apresentam como dispostos a discutirem as questões relativas

ao “progresso” do Maranhão, se negando a participarem do que entendiam ser uma “vasta

conspiração do silêncio que se vae (sic) eternizando em torno dos numerosos males que

nos affigem (sic)248”.

A referência à ideia de uma “conspiração do silêncio” provavelmente é uma crítica

à imprensa maranhense que estava praticamente cooptada pelo governo, pois, essa vai ser

uma das constantes queixas da oposição por entenderem que havia um silêncio quanto às

ações administrativas do governador Urbano Santos. Outro ponto a se destacar nesse

discurso do Diário de São Luiz é a ideia de estarem em defesa dos negócios referentes ao

que seria melhor para os maranhenses. Nesse sentido, também nos discursos

oposicionistas percebemos a prática do que Pierre Bourdieu (2004) chama de “efeito

metonímia”.

Desse modo, tendo como cenário político as disputas partidárias locais

envolvendo os membros do Partido Republicano Maranhense (oposição) e o Partido

Republicano (governo) e, relacionadas também ao contexto político nacional, como

assinalado acima, compreendemos que as considerações de Vavy Pacheco Borges acerca

da política na Primeira República podem nos esclarecer um pouco mais sobre os

comportamentos das oposições estaduais nas disputas político-partidárias na Primeira

República, citemos:

247DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de outubro de 1920, p.1. 248Ibid.

116

A disputa pelo poder na Primeira República era sempre mascarada, pela

oposição, em “moralização”; era a moralização política, sobretudo no

plano dos costumes, de um sistema que a oposição queria conservar, no

âmbito estadual e federal. As oligarquias todas, basicamente, tinham

iguais interesses, fazendo parte de uma mesma classe dominante249.

Cabe ressaltar, só a título de lembrança, que os representantes do Diário de São

Luiz mantinham relações partidárias com a oposição política representada pelo PRM,

criado por atores políticos alijados do situacionismo maranhense; e a nível nacional com

os representantes das Reação Republicana, também criada como desdobramento das

cisões oligárquicas no plano federal. Portanto, por mais que aleguem independência,

dizendo-se apartidários, o Diário de São Luiz será analisado aqui como um meio de

expressão de discursos políticos que visavam se impor em termos de princípios

ideológicos.

Nesse sentido, o jornalista José do Nascimento Moraes é visto por nós como uma

espécie de porta-voz dos discursos desse jornal na cobertura jornalística do caso da Mata,

que passara a ser objeto de matérias constantes desse periódico ao longo do segundo

semestre de 1921. Contudo, essa escolha não significa entender os escritos desse

jornalista como se fosse a expressão de um discurso pioneiro quanto às notícias referentes

aos fuzilamentos na Mata. Desse modo, novamente entendemos ser possível recorrer a

algumas considerações de Mikhail Bakhtin em relação às suas orientações para análise

dos objetos de discursos expressos em textos, vejamos:

O objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, não se torna

pela primeira vez objeto do discurso em um dado enunciado, e um dado

falante não é o primeiro a falar sobre ele. O objeto, por assim dizer, já

está ressalvado, contestado, elucidado e avaliado de diferentes modos;

nele se cruzam, convergem e divergem diferentes pontos de vista,

visões de mundo, correntes. O falante não é um Adão bíblico, só

relacionado com objetos virgens ainda não nomeados, aos quais dá

nome pela primeira vez250.

Nas páginas que seguem, portanto, procuramos fazer uma análise dos escritos de

Nascimento Moraes tencionando compreender como esse jornalista constrói e reconstrói

seu foco de abordagem dos acontecimentos na Mata e, em nosso entendimento, tendo

como uma de suas intenções apresentar uma versão alternativa aos discursos propagados

pelos governistas.

249BORGES, 1979, p. 25. 250BAKHTIN, 2011, p. 299-300.

117

3.1 Os escritos jornalísticos de José Nascimento Moraes: as primeiras notícias...entre

a (des)informação e as exigências de esclarecimentos sobre o caso da Mata

A edição do Diário de São Luiz do dia 29 de julho (1921) publica um telegrama

que lhe fora enviado de Codó, comentando que corriam notícias de “revoltas dos

moradores da Matta”, cujo objetivo seria atacar a cidade de Codó. Entretanto, o

responsável pelo envio do telegrama diz ter procurado obter informações e chegara à

conclusão de que não passavam de boatos251. Nos quatro dias seguintes, esse jornal se

limitou a publicar telegramas enviados por seus correspondentes da cidade de Codó. Em

editorial do dia 1 de agosto, o tema básico é a crítica à submissão do Congresso legislativo

estadual ao executivo e, consequentemente uma crítica ao governador Urbano Santos.

Um exemplo dessa submissão teria sido a aprovação de que o governador poderia aplicar

as verbas públicas como bem entendesse. Segundo Nascimento Moraes, esses atos

deveriam ser reprovados, pois, não se justificaria como um ato republicano, mas

meramente era uma ação partidária que não contemplaria os interesses da coletividade

política, afirmando ainda que esse procedimento “aberra os princípios constitucionais do

país”252.

Novamente publica outro telegrama proveniente de Codó, com informações da

chegada do tenente Henrique Dias com 50 praças na cidade de Codó, com destino ao

povoado da Mata para “abafar a imaginária revolta ali253”. Conforme o informante do

Diário de São Luiz, ouvira dizer que Manoel Bernardino de Oliveira se encontrava em

sua roça, cuidando de seus afazeres, e a referida revolta liderada por esse lavrador não

passaria de manejo político para aterrorizar os eleitores da oposição. Por outro lado, o

correspondente de Barra do Corda havia informado em telegrama que a população desse

município estava alarmada com as notícias (boatos) acerca das intenções de Manoel

Bernardino de Oliveira que estaria à frente de mais de 800 homens, não ocorrendo o pior

devido as medidas preventivas do governo.

O relato desses primeiros telegramas é importante porque basicamente parecem

moldar as primeiras impressões do jornalista Nascimento Moraes a respeito dos

acontecimentos na Mata: a ideia de que não passavam de boatos criados pelos governistas

para criarem uma situação de terror na população dessas localidades por conta das

251DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de julho de 1921, p. 3. 252DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 1 de agosto de 1921, p. 1. 253Ibid., p. 3.

118

proximidades das eleições de 1 de setembro que, conforme se dizia, tinham significativo

número de eleitores da oposição.

No editorial nomeado “Fluxo e Refluxo” do dia 3 de agosto (1921), Nascimento

Moraes começa a se posicionar mais detidamente nas notícias referentes ao tal caso da

revolta na Mata. Conforme inicia seu texto, era comum esses tipos de boatos vindos de

localidades do interior maranhense, e o caso da Mata seria mais um. Pautado no que fora

dito pelo correspondente de Barra do Corda, Moraes escreve:

[...] fala em Manoel Bernardino, entrevisto não como chefe de um

movimento político; antes, pelo contrário, dá-nos a entender que

Manoel Bernardino de Oliveira é <<iluminado>>, uma espécie de

Antônio Conselheiro, de Canudos, o que se rodeou de fanáticos que lhe

ouvem a palavra.

O operoso e diligente lavrador transformado pelo espiritismo, em

maníaco perigoso, cuida em salvar a humanidade, expurga-la dos seus

erros e vícios, torna-la boa e regenerada, e para conseguir o seu

“desideratum” entende de principiar pelo Maranhão254.

Como assinalamos em páginas anteriores, essa imagem de Manoel Bernardino

como um novo Conselheiro também fora divulgada pelos jornais situacionistas. Nesses

termos, segue o jornalista questionando quais seriam os objetivos de Manoel Bernardino,

bem como se posiciona contra o que escrevera O Jornal que, para Moraes, insinuava

relações deste lavrador com o coronel Euclydes Maranhão. Nascimento Moraes escreve

que não acreditava em uma mudança (política, social e econômica?) a partir do grupo de

Manoel Bernardino, nem tampouco como se processaria tais mudanças tendo em vista o

que se dizia acerca das intenções revolucionárias de Manoel Bernardino. Doravante

entendia que:

Nesta hora de tantas calamidades para a nossa existência, de penúria

para o povo, de sofrimento para todos; nesta hora em que a nossa

economia como que desaparece, arrebatadas todas as esperanças de

melhoramento material; nesta hora tão cruel, uma reação à mão armada

seria um crime.

Devemos procurar para o nosso problema uma solução pacífica,

racional e lógica. Devemos levantar para isso o nível moral da nossa

sociedade, promover a instrução do povo, incutir-lhes no espírito

preceitos salutares de uma educação cívica apreciável, ministrar-lhes

princípios de ordem e “justiça”255.

254DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p. 1. 255Ibid.

119

Temos então uma série de ressalvas por parte de Nascimento Moraes em relação

ao grupo de Manoel Bernardino, se posicionando, portanto, contra o que até então era

informado como sendo um levante armado contra a administração do governador Urbano

Santos. Além dessas ressalvas, Moraes propõe um investimento na educação da

população maranhense como uma forma de propiciar uma consciência política na mesma.

Esse discurso voltado para a instrução do povo aparece com frequência nos escritos de

Nascimento Moraes, e na citação acima ainda ganha destaque devido ao fato de que, a

despeito das ressalvas à ideia de um levante armado naquela ocasião, esse jornalista não

expressa um repúdio por completo à alternativa armada, pois,

Uma reação a mão armada é, sem dúvida alguma, muito nobre

manifestação do caráter, sinal certo do brio e da dignidade de uma

população sofredora, que um dia, soberana, indômita, bela de altivez,

formosa na compostura, alça o colo hercúleo para defrontar seu algoz.

Uma reação à mão armada é a vitória da própria ordem e da justiça

mesma!256.

Nascimento Moraes estabelece critérios para justificar em que situação aceitaria

uma “reação à mão armada”: deveria ser obra de um “povo” instruído que, juntamente

com seus dirigentes em uma união agissem como “se fora uma só pessoa a agir”. Sem

esse recurso os desdobramentos seriam infrutíferos, acabando por se converter em

“arbitrariedades”, “em vinganças repugnantes, em desordens aviltantes”. Por entender

que o grupo de Manoel Bernardino não cumpria esses critérios, Moraes diz não acreditar

em tal reação. Desse modo, sugere ao governo que procure saber da verdade, pois

considerava que se tratava de um exagero as notícias que chegavam à Capital maranhense,

acrescentando que se tratava provavelmente de um protesto contra o “fisco opressor” e

que lhe teriam dado “foros de uma verdadeira campanha, como se se tratasse de um

exército em pé de guerra”. Portanto, aqui Nascimento Moraes encerra sugerindo que tudo

não passara de um conflito envolvendo a população contra a as cobranças de impostos,

provavelmente se referindo às ações de José Lopes Pedra Sobrinho, coletor de impostos

estadual257.

Ainda na edição do mesmo dia 3 de agosto, o Diário de São Luiz publica mais um

telegrama de seu correspondente na cidade de Barra do Corda, reafirmando o que já

dissera antes, mas agora com uma certa novidade quanto à denominação dada a Manoel

256DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p.1. 257Ibid.

120

Bernardino: “Notícias vindas Matta do Codó diziam lavrador Manoel Bernardino, servido

por vários agentes aliciava ali de outros pontos avultado número arruaceiros pregando

doutrina Lenine258 [...]”. Cabe ressaltar que o mesmo telegrama inicia falando que havia

sido suspendido o “estado de sítio” que teria durado 3 três, mas sem dar mais informações

acerca do mesmo. Após citar este telegrama, segue o Diário de São Luiz chamando

atenção para o fato de que agora Bernardino já não é visto como um “iluminado”, mas

como “um discípulo de Lenine, o famoso socialista russo”. Sendo assim, acrescentam

ainda: “Trata-se, agora de um reformador perigoso para o meio em que ele quer executar

a prodigiosa reforma259”.

A par dessas informações, o Diário de São de Luiz faz um comentário de certa

forma irônico ao afirmar que era o Maranhão “ensinando ao Brasil modernas doutrinas!!”.

Contudo, no decorrer da matéria ainda paira um certo clima de desinformação quanto aos

acontecimentos na Mata, reforçado na matéria do dia seguinte (4 de agosto), na qual os

representantes desse jornal se reclamam que “seus confrades” do Diário Oficial lhes

negavam qualquer informação oficial e, por causa desse comportamento dos membros da

imprensa oficial, o jornal oposicionista sugere:

Esse silêncio do governo vai dando lugar a explorações de toda espécie.

Por motivo desse silêncio é que já dizem que a revolução da Matta é

obra de S. Exc. que a sonhou para justificar esses destacamentos que se

vão formando aqui e ali para preparar e garantir a vitória eleitoral. Seria

conveniente que S. Exc. nos contasse quaes (sic) são as reservas?260.

Em seu editorial intitulado “Consequências Fataes”, do dia 5 de agosto, José do

Nascimento Moraes segue nesse mesmo discurso de cobrança por informações mais

seguras por parte do governo. Ao comentar acerca da ida do contingente do corpo militar

do Estado para a cidade de Codó, sob o comando do major Augusto de Faria Bello,

Moraes comenta que corriam notícias em São Luís que Bernardino marchava à frente de

cerca de 400 homens armados com rifles em direção à Codó. Entretanto, se questiona o

que esse improvisado exército de Manoel Bernardino pretenderia fazer com os habitantes

de Codó, nesse sentido, salienta novamente que: “O governo do Estado não dá uma

informação a respeito, nada esclarece. Se conhece dos fatos, encobre-os; se sabe dos erros,

silencia-os”. Sendo assim, Nascimento Moraes sem acusar diretamente o governador,

258DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p.1. 259Ibid. 260DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 4 de agosto de 1921, p. 3.

121

apenas expõe o que diz ser uma desconfiança acerca desse silêncio: “Já houve quem

dissesse que o dr. Presidente do Estado procura fazer uma concentração de forças no

Codó, para em dado momento ensaiar uma demonstração de poder em Caxias261”.

De acordo com o que se dizia, os partidários da oposição estavam em uma

crescente nesta cidade e, tendo em vista as proximidades das eleições, o governador

queria evitar tal crescimento da oposição nem que para isso tivesse que recorrer à força.

Contudo, apesar desta suposição, Nascimento Moraes argumenta não acreditar que esse

seria o objetivo do governador. Esse jornalista parece seguir numa linha de argumentação,

pelo menos nesse primeiro momento, com um discurso de críticas e ressalvas quanto às

questões referentes aos acontecimentos na Mata. Talvez fosse uma estratégia discursiva

de ainda não atacar agressivamente o governador Urbano Santos, uma vez que os

membros do Partido Republicano Maranhense já estavam seguindo nessa linha de frente.

Todavia, feitas as ressalvas, Nascimento Moraes afirma que se se confirmasse o levante

da Mata, a responsabilidade seria do governador por descuidar do policiamento do

Estado; além desse aspecto, escreve que: “O administrador maranhense empolgado pelo

seu belo sonhar de grandeza cuidou apenas, quanto ao interior, de cobrar impostos, de

forçar o lavrador, o comerciante, o criador a uma contribuição forçada262”.

Matéria fundamental, quanto a esse discurso do Diário de São Luiz de que o caso

da Mata ainda estava sem muitos esclarecimentos quanto ao que de fato estava ocorrendo,

o editorial do dia 6 de agosto já traz em seu título essa ideia de mistério ao ser intitulado

sugestivamente como “A Esphinge”. Nesse artigo jornalístico, Nascimento Moraes faz

uma exposição a respeito da situação vivenciada pela população do interior do Estado

maranhense que na sua análise estavam sob uma administração pública que tinha nos seus

cargos pessoas incompetentes, analfabetas, ligadas à politicagem, bem como uma série

de outros vícios da vida política e, portanto, tendo como resultado o seguinte:

E daí quantos vícios, quantas incongruências, quantos disparates,

quantas irregularidades, quantos defeitos, quantos erros nos negócios

públicos!

E daí quantas injustiças, quantas perseguições, quantas violências,

quantos desastres, quantas ilegalidades e absurdos na vida política-

social (sic) dessas pequenas coletividades do interior do Estado,

entregues sem defesa, sem amparo, aos destemperos de direções

261DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 5 de agosto de 1921, p. 1. 262Ibid.

122

viciadas, obscurecidas inúmeras vezes por depedrações lastimáveis que

atacam essencialmente as coisas e reduzem moralmente o homem!263...

Esse cenário descrito por Nascimento Moraes é visto como consequência das

ações dos administradores públicos. Cabe ressaltar que essa não é uma matéria isolada

nesse jornal, pois, esse periódico publicava com uma certa frequência matérias e

telegramas com informações sobre a vida da população maranhense que vivia no interior

do Estado. Tais matérias sempre apontam para o descaso social ao qual essas populações,

assim como grande parte dos moradores da Capital, estavam submetidos. Para

Nascimento Moraes: “Os fatos estão aí numa evidência cruel a demonstrar que as nossas

asserções são verdadeiras. Aí estão eles a afirmar o desleixo criminoso dos que

açambarcam a direção dos negócios públicos de nossa terra!”264.

Tendo em vista uma experiência de vida nessas circunstâncias, Nascimento

Moraes apresenta uma argumentação para explicar o comportamento da população frente

às autoridades públicas:

O homem do trabalho, sempre esbulhado, sempre maltrapilho,

convence-se de sua escravidão e de que o chefe político da localidade e

mais o delegado e mais algumas figuras representativas, são intangíveis

no meio, contra os quaes (sic) nada valem os dispositivos legaes (sic).

O povo começa a olhal-os (sic) como entidades superiores que tudo

podem265.

Uma vez constatado essa situação quanto ao comportamento dessa população,

esse jornalista considera que não seria em pouco tempo que se mudariam estes “hábitos

arraigados”, internalizados por esses indivíduos ao longo de suas experiências de vida,

para que tal mudança de costumes pudesse ser efetuada deveria ser investido na instrução

educacional do povo de forma a incuti-lhes hábitos considerados por Nascimentos

Moraes como regeneradores. Contudo, esse jornalista não especifica de forma mais clara

quais seriam esses hábitos, apostando apenas num discurso de cunho educacional.

No editorial seguinte, do dia 8 de agosto, com título “Devastando o Mysterio”,

também com um título bem sugestivo quanto à forma como percebia as notícias sobre a

conspiração (revolta) na Mata, Nascimento Moraes escreve que a população maranhense

estava interessada em informações sobre os acontecimentos na Mata. Este fato é descrito

com certa surpresa por Nascimento Moraes por entender que o povo maranhense

263DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de agosto de 1921, p. 1. 264DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de agosto de 1921, p.1. 265Ibid.

123

dificilmente se interessava pelas questões da política do Estado. De acordo com o

jornalista:

Inquerindo, indagando, examinando, hoje ainda ninguém consegue

obter resposta satisfatória. Ninguém sabe desse enigmático levante,

chefiado pelo lavrador Manoel Bernardino. Pessoas aqui chegadas

recentemente do Codó mostram-se por vezes surpreendidas com as

notícias alarmantes que nesta cidade (São Luís) lhe são comunicadas266.

Um dos primeiros pontos a se destacar nessa citação é que os informantes do

Diário de São Luiz, quer sejam essas pessoas às quais Moraes se refere, ou mesmo seus

correspondentes na cidade de Codó, falam a todo momento que nada estaria acontecendo

nessa cidade, desconhecendo as ditas “notícias alarmantes”. Por outro lado, vimos que

seus correspondentes de Barra do Corda já enfatizavam o contrário, afirmando que a

população codoense estava alarmada; possivelmente, o correspondente de Barra do Corda

talvez se apoiasse nos boatos que ouvira em Barra do Corda.

Dadas essas notícias, que nada estaria ocorrendo em Codó, Nascimento Moraes

começa a questionar as ações do governo por enviar outro contingente policial agora sob

o comando do major Augusto de F. Bello. Para o jornalista, esse novo envio de tropas não

se justificava, pois, a primeira força policial liderada pelo tenente Henrique Dias não

havia sofrido nenhuma baixa, até porque não houvera confronto com os revoltosos. Se tal

tivesse ocorrido, e o tenente Dias houvesse solicitado apoio, aí sim era justificável a ida

do major Augusto de F. Bello. Nascimento Moraes levanta outras hipóteses acerca dos

motivos do envio dessas tropas policiais, mas considera que nenhuma se sustentava, daí

o jornalista insistir na ideia que: “Teremos que aceitar que essa revolução não existe?

Parece que sim267”. Essa conclusão é reforçada pelo jornalista muito por conta de atribuir

ao governo a responsabilidade por não dar mais informações ao público. Apresenta como

exemplo um telegrama enviado ao governador pelo coronel Euclydes Maranhão que

procurava esclarecer um mal-entendido acerca de informações que haviam sido passadas

a Urbano Santos que apontava para o envolvimento dele (Euclydes Maranhão) com

Manoel Bernardino. Nascimento Moraes alega que só ficara sabendo do conteúdo desse

telegrama devido ao fato de Euclydes Maranhão ter enviado também informações para

seus conhecidos na capital maranhense.

266DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de agosto de 1921, p. 1. 267Ibid.

124

Apesar desta situação, Nascimento Moraes promete aos leitores do Diário de São

Luiz que fará de tudo para apresentar-lhes esclarecimentos sobre os acontecimentos na

Mata, sugerindo, assim, que a imprensa governista não cumpria esse papel, então promete

que:

Havemos de sair desse mistério, havemos de penetrar no impenetrável,

devassar essas espessas sombras que escondem de nossa expectativa os

fatos que se desenrolam de Codó para cima. Havemos de esclarecer esse

trama (sic), ou fazer luz sobre essa representação que já vai demorando

muito. Havemos de apurar as responsabilidades que se nos deparem e

ajustar os cenários da peça. Não desanimem, pois, os leitores, que em

breve saberão de tudo. Não desanimem268.

Esse discurso nos leva a pensar que esse jornalista teria como intenção convencer

o leitor para que dê credibilidade às suas informações. Essa questão é importante porque

essa ideia de apresentar as verdades dos fatos é muito comum na linguagem jornalística

e, tendo em vista os conflitos político-ideológicos em jogo, oposição e situação vão

defender seu ponto de vista como o verídico por estarem a serviço do verdadeiro

jornalismo: aquele que visa apresentar os fatos tais como são. Por outro lado, o adversário

vai ser sempre tratado como um deturpador dos fatos, pois só lhe interessaria as

informações que contemplassem seus intuitos partidários.

O Diário de São Luiz nesse mesmo dia 8 de agosto publica um telegrama

proveniente de Codó informando-os (novamente) que a revolta da Mata não passava de

fantasia, uma vez que Manoel Bernardino se encontrava em Codó, chegara no dia anterior

às 12 horas e já havia até se apresentado ao major Augusto de F. Bello. Encerra o

telegrama prometendo enviar o quanto antes o resumo do inquérito que estava sendo feito

por esse major269. Cumprindo a promessa de manter esse jornal informado acerca do

referido inquérito, o correspondente do Diário de São Luiz envia outro telegrama (nesse

dia 8) publicado no dia seguinte, dia 9 de agosto. Citaremos na íntegra o referido

telegrama por conta da avaliação que o corresponde desse jornal faz sobre a ação do Major

Augusto de F. Bello:

CODÓ, 8. Os inquéritos estão prosseguindo com clareza, nos

depoimentos. O Major Augusto Bello está agindo imparcial e

corretamente, diante das pretenções (sic) de comprometer Manoel

268DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de agosto de 1921, p.1. 269Ibid, p.3.

125

Bernardino e seus amigos. Manoel Bernardino mantém absoluta calma,

respondendo com prontidão. A população está satisfeita270.

Uma questão a se destacar nesse telegrama são os tons elogiosos do

correspondente do Diário de São Luiz quanto ao inquérito do major Augusto Bello.

Chamamos atenção para esse ponto porque no decorrer dos desdobramentos das notícias

sobre os referidos acontecimentos há uma mudança na percepção dos representantes

desse jornal quanto aos inquéritos oficiais levados a cabo pelas autoridades do governo,

incluindo-se, claro, o inquérito a que se refere o correspondente acima. Essa mudança de

percepção que é possível verificar nos discursos da oposição (leia-se aqui basicamente

Moraes) parece ser compreensível se tivermos em mente as disputas político-partidárias

em jogo; uma vez que, enquanto os jornais situacionistas vão apresentar suas versões

oficiais sobre os acontecimentos, Nascimento Moraes e os membros do PRM, por conta

também de seus interesses partidários, vão (re)construindo sua versão apresentando seus

discursos na contramão do que era divulgado pelos governistas.

De posse do telegrama acima, informando da chegada de Bernardino à cidade de

Codó e de seu depoimento ao major Augusto de F. Bello, o Diário de São Luiz reforça

suas suposições de que tudo não passava de fantasia a revolta na Mata, afirmando ainda

que: “Para nós aquilo nunca existiu. Pensamos sempre que era uma obra puramente

fantástica, uma criação da imaginação governista para justificar esse aparato de força que

se manda para o interior do Estado, agora ao aproximarem-se as eleições estaduaes

(sic)271”. Neste sentido, notamos aqui que já não há nenhuma ressalva por parte desse

jornal como visto anteriormente, no qual essa acusação ao governador era divulgada por

Nascimento Moraes com uma certa cautela (proposital?), alegando que o povo era quem

dizia que o objetivo do governador era enviar tropas policiais para o interior por conta

das eleições, de forma a intimidar a oposição. Reforçando esse posicionamento falam que

o fato de Manoel Bernardino já ter se apresentado ao major Augusto Bello seria um

indício de que não era seu objetivo fazer “nenhuma revolução”. Por outro lado, ainda

criticando os envios de tropas para o interior, tem-se que:

Assim tem feito esse odiento e odiado governador em relação a outras

localidades onde mais avultam os seus adversários políticos, não

obstante já haver seguido, anteriormente, para o sertão, o sr. Magalhães

de Almeida com carta branca para os fuzilamentos. Nunca, em tempo

270DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de agosto de 1921, p. 2. 271DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de agosto de 1921, p. 3.

126

algum, após a República, esse pobre Maranhão atravessou uma situação

tão deprimente dos seus créditos de terra civilizada272.

Nesse discurso, notamos uma avaliação do domínio político do governador

Urbano Santos, comparando-o com os outros governantes que o antecederam,

considerando a administração desse governador como a mais desastrosa em termos de

administração pública que se tinha vivenciado desde a instauração do regime republicano.

Não cabe a nós colocar em questão a veracidade ou não do conteúdo expresso nesse texto,

todavia, talvez as considerações teóricas do chamado Círculo de Bakhtin podem nos

auxiliar em uma leitura interpretativa da citação acima de forma a torná-lo compreensível,

uma vez que a perspectiva dialógica do Círculo bakhtiniano propõem que os textos

escritos devem ser lidos tendo como pano de fundo seu contexto de enunciação, pois:

“Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado

pelas condições reais da comunicação em questão, isto é, antes de tudo pela situação

social mais imediata273”. Portanto, enunciado em um contexto de disputas político-

partidárias, esse discurso oposicionista lança mão basicamente da mesma estratégia

discursiva dos situacionistas: ao expressar um discurso agressivo como moeda de troca

pelos insultos e críticas recebidos dos jornais situacionistas.

A partir das informações até então recebidas pelo Diário de São Luiz, que levava

seus representantes a desacreditarem da ideia de que Manoel Bernardino de Oliveira

chefiava uma revolta na Mata e, por saberem que esse lavrador já havia até prestado

depoimento ao major Augusto de Faria Bello, Nascimento Moraes escreve o editorial do

dia 10 de agosto com um discurso muito diferente acerca de Manoel Bernardino, se

compararmos com seus primeiros textos sobre esse lavrador. Intitulado de “Manuel

Bernardino”, portanto, esse editorial traz o nome do próprio lavrador e uma concepção

agora positiva da sua loucura. Mas antes de apresentarmos essa questão ´há que se

ressaltar que no referido editorial, Nascimento Moraes começa afirmando que: “O

<<Diário Oficial>>, de ante-ontem, lançou um pouco de luz sobre os acontecimentos da

Matta. É que S. Exc. afinal se resolveu a dizer alguma coisa que satisfizesse a curiosidade

do povo274”.

Nascimento Moraes faz referência à publicação pelo Diário Oficial do Maranhão

dos telegramas que foram enviados ao governo com as notícias sobre o caso da Mata.

272Ibid. 273BAKHTIN, 1992, p. 112. 274DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1.

127

Comenta, portanto, que fora o juiz Walfredo Lyra o primeiro a informar o governador

sobre a tal revolução. Ao citar esse telegrama, Nascimento Moraes começa a comentar

que de posse destas informações o governador chamava Manoel Bernardino de louco.

Entretanto, esse jornalista vai expor uma concepção a respeito da loucura de Manoel

Bernardino reinterpretando-a de forma positiva, vejamos:

[...] queremos dizer ao chefe do executivo maranhense que essa loucura

de Manoel Bernardino há sido a loucura de todos os reformadores,

daqueles que dominados, convencidos de uma idea (sic), agem no

sentido de tornar vitorioso o plano que ela alicerça, as obras que ela

cimenta275.

Portanto, Nascimento Moraes passa a ter outra concepção acerca dos ideais de

Manoel Bernardino, passando inclusive a apoiar esse lavrador em seus intentos de

reforma social. Provavelmente por ter tido mais informações a respeito de quem era

Manoel Bernardino, suas relações com os representantes da oposição (PRM), com

especial destaque para seus vínculos de amizades com o desembargador Dioclides

Mourão276 (colaborador do Diário de São Luiz), enfim, Nascimento Moraes passa a ser

um dos principais divulgadores de uma outra imagem do lavrador Bernardino. Sendo

assim, segue classificando a loucura de Manoel Bernardino nos seguintes termos:

É a loucura dos homens de ação, dos que não vivem apenas para si, para

a satisfação do seu “eu”, para o contentamento do seu amor próprio,

mas pelo bem estar da sociedade, pelo conforto de todos os indivíduos,

cujos desgostos e tormentos eles sentem como se foram a própria

consciência das classes, a dignidade mesma das corporações políticas

ou sociaes (sic) a que pertençam277.

Por outro lado, a despeito dos elogios à loucura de Manoel Bernardino,

Nascimento Moraes tenta expor uma explicação do que levara Manoel Bernardino de

Oliveira a divulgar suas propostas de reforma social. Para o jornalista, caso se dessem

créditos às notícias que o juiz Walfredo Lyra juntamente com o subdelegado Sebastião

275DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1. 276Nessa mesma edição do dia 10 de agosto (1921), o Diário de São Luiz publica em primeira página uma

matéria escrita por Dioclides Mourão, com o título de “Cartas-bilhetes”, endereçada ao governador no qual

o desembargador Dioclides Mourão sai em defesa de Manoel Bernardino de Oliveira, expondo algumas

informações sobre esse lavrador, bem como chamando atenção para as perseguições políticas que o mesmo

sofria no povoado da Mata. Um dos motivos das perseguições que Manoel Bernardino estava sendo

“vítima” se devia ao fato de ter declarado apoio político ao desembargador e aos membros do PRM para as

eleições de setembro, portanto, conforme essas declarações de Dioclides Mourão sugerem se tratavam de

disputas político-partidárias locais. 277Ibid.

128

Gomes haviam enviado ao governador Urbano Santos, a responsabilidade seria do próprio

chefe do executivo estadual, uma vez que, escreve Moraes:

Não vivesse o povo da Matta, como o de toda parte a murmurar contra

o governo de s. exc; se não houvesse por todo o interior do Estado essa

indignação geral acendida e estimulada pelo governo de s. exc.; se não

houvesse essa tributação pesadíssima, vexatória e contraproducente que

a todos os que trabalham empolga com brutal violência, certo que as

doutrinas de Lenine, por mais convenientes que sejam, não podiam

traduzir esses lastimáveis efeitos que acabam de alarmar o Estado [...]

O que produziu o efeito terrível foram essas precaríssimas condições a

que o conhecido estadista maranhense reduziu o Estado, foram esses

impostos, terríveis impostos, foram os desmedidos gastos da pública

administração de que não se aproveitaram, economicamente os

contribuintes do Interior, foi a suspensão dessas obras que ainda

alimentavam uma esperança ao lavrador, foram esses sinaes (sic) bem

característicos de penúria que o governo não pode mais ocultar. Eis aí

o campo vasto que Manoel Bernardino encontrou para a cultura dos

princípios socialistas revolucionários e que fizeram estremecer o

governo e o Estado278.

Conforme a argumentação de Moraes, não fosse esse cenário social desastroso no

qual as populações de toda parte do Estado vivenciavam, os ideais socialistas pregados

por Manoel Bernardino provavelmente não teriam surtido os efeitos alarmantes. Essa

análise, em nosso entendimento, parece sugerir que para Nascimento Moraes as

condições sociais precárias são uma espécie de barril de pólvoras que condicionaria a

qualquer momento uma população, no caso os moradores do povoado da Mata, a rebelar-

se contra a situação de penúria (o status quo). Desse modo, ao término da matéria ora em

análise, o jornalista encerra dizendo “que se hoje o notável lavrador da Matta sofre dessa

loucura que impele o homem emancipado a quebrar grilhões, quem o ‘enlouqueceu’ foi

positivamente s. exc (Urbano Santos)279”.

Feitas essas apologias a Manoel Bernardino, o Diário de São Luiz publica, ainda

nessa mesma edição do dia 10 de agosto, um telegrama que esse lavrador enviara ao

governador Urbano Santos, relatando que havia se dirigido espontaneamente às

autoridades de Codó para prestar-lhes esclarecimentos, ficando detido desde o dia 7 desse

mês, e alegando também que fora feito inquérito nada sendo apontado como crime em

suas ações. Então, escreve Bernardino ao governador: “Minhas lavouras estão

abandonadas, havendo eu enorme prejuízo. Espero fazeis cessar esse constrangimento

278DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1. 279Ibid.

129

ilegal que estou sofrendo. Desejo ir a vossa presença280”. A par dessas informações, os

representantes do jornal oposicionista fazem o seguinte comentário: “Vejamos como se

saem dessa alhada o juiz Walfredo Lyra, o delegado Sebastião Gomes e os mais que

afirmam que Manoel Bernardino é chefe de um movimento sedicioso281”.

O editorial intitulado “Aberração política”, edição do dia 11 de agosto, traz como

tema de análise o comportamento político do governador Urbano Santos. Conforme

Nascimento Moraes, muitos achavam aceitáveis, “sincera ou insinceramente” (sic), o

modo de governar praticado por Urbano Santos, entretanto, escreve: “[...] tomamos a

liberdade de dizer que, analisados, ou examinados, em face do regime republicano, são

eles incompatíveis com a educação cívica do povo, e com o respeito e consideração que

os administradores devem às classes laboriosas do Estado282”. Esse jornalista segue

expondo como um governador deveria lidar com o povo, seus governados de forma mais

próxima, pois entendia que o governador era “um mandatário do povo, um órgão de sua

vontade suprema”. Nascimento Moraes apresenta uma série de considerações acerca de

como deveria funcionar um regime republicano, pautado provavelmente nos textos de

autores das teorias políticas liberais; sendo assim, o governador maranhense aparece nos

escritos desse jornalista como o avesso de um republicano283. O governador ainda é

cobrado pelo modo como tem procedido em relação aos acontecimentos na Mata; as

demoras, na ótica da oposição, em divulgar informações sobre estes acontecimentos

levam Nascimento Moraes a defender que esse procedimento do governo tinha como

objetivo ganhar tempo para expor sua versão sobre o que estaria ocorrendo naquela

localidade.

Se compararmos esses discursos de Nascimento Moraes com os discursos

colocados em circulação pelos jornais situacionistas a respeito do governador Urbano

Santos, como vimos acima, a diferença é perceptível. Nesse sentido, há que se ressaltar

que, uma vez envolvido nas disputas político-partidárias em jogo, esse jornalista

paradoxalmente cria seu panteão republicano com nomes de agentes sociais cuja atuação

política é marcada pelos mesmos vícios políticos que condenava no governador

maranhense, seu adversário político. Podemos citar pelo menos três nomes que passaram

a ser louvados como verdadeiros republicanos nas páginas do Diário de São Luiz, são

280Ibid, p. 3. 281Ibid. 282DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 11 de agosto de 1921, p. 1. 283Este termo é empregado por Nascimento Moraes, como entendido costumeiramente, para se referir a um

tipo de governo que atendesse aos interesses do “povo”.

130

eles: Nilo Peçanha (RJ), J.J Seabra (BA) e Borges de Medeiros (RS). Estes três políticos

dominavam o cenário político em seus estados, exercendo basicamente o mesmo tipo de

domínio político colocado em prática pelo governador maranhense.

Assim como procedemos na análise do noticiário dos jornais situacionistas,

optamos por fazer o mesmo em relação ao Diário de São Luiz e, portanto, por enquanto

nenhuma referência em relação aos fuzilamentos praticados pelas tropas policiais do

Estado, tendo em vista que estas notícias parecem que só chegaram à redação desse jornal

oposicionista no dia 15 de agosto, pelo menos é a data de publicação das referidas notícias

que constam em seu noticiário. Nas páginas que seguem nos detemos nesse segundo

momento (digamos assim) da cobertura jornalística produzida pelos discursos colocados

em circulação pelo Diário de São Luiz, discursos esses com uma expressão mais agressiva

ainda atribuindo ao governador Urbano Santos as responsabilidades pelos crimes

cometidos pelas tropas policiais.

3.2. “Boatos” de cerca de cem homens fuzilados... confirmação de quatro homens

fuzilados pelas tropas policiais do Estado: o Diário de São Luiz “acirra” a campanha

anti-governista

O Diário de São Luiz, na edição do dia 15 de agosto, publica dois telegramas com

informações de que houveram fuzilamentos praticados pelas tropas policiais sob o

comando dos tenentes Taurino Lemos e Henrique Dias: um enviado de Codó, pelo

desembargador Dioclides Mourão; o outro, proveniente de Barra do Corda. Quanto ao

primeiro, não cabe aqui comentar, pois já falamos sobre seu conteúdo no capítulo anterior.

Portanto, transcrevemos abaixo as informações do telegrama de Barra do Corda:

BARRA DO CORDA, 14. – Notícias incertas, agora confirmadas por

pessoas fidedignas, vindas da Matta, dizem os horrores praticados pela

expedição do governo, sob o comando dos tenentes Dias e Taurino, a

qual, encontrando o campo livre, fizeram grande número de

prisioneiros, ordenando bárbaros assassinatos de vários indivíduos,

cujos corpos jasem (sic) apodrecidos sobre o solo, servindo de pastagem

aos urubus284.

Conforme as informações desse telegrama, embora sem se referir a números de

vítimas como fizera Dioclides Mourão que falara em cerca de cem homens fuzilados,

284DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p. 3.

131

confirmava-se que as tropas policiais cometeram crimes no povoado da Mata. Outro

ponto de destaque é a referência à atuação de Sebastião Gomes, que teria libertado cerca

de 50 pessoas que haviam sido aprisionadas pelas tropas policiais do Estado, evitando

assim que o número de fuzilados fosse maior. Dadas essas informações, encerra o

telegrama com a seguinte ressalva: “Estas depredações depõem contra os princípios de

civilisação (sic) e ninguém acredita que o governo tenha ordenado uma carnificina tão

monstruosa285”.

Uma vez informado destas notícias, o Diário de São Luiz segue comentando estas

informações chamando atenção para a ideia que se tinha sobre as últimas notícias dos

acontecimentos no povoado da Mata nas quais se acreditava que tudo havia voltado à

normalidade. Pelo menos era o que apontavam os telegramas até então recebidos, além

do fato de que Manoel Bernardino de Oliveira, apontado como o chefe da suposta revolta,

já havia se apresentado às autoridades de Codó, prestado depoimento ao major Augusto

de Faria Bello, “e nada foi apurado contra a sua conduta, ou contra as suas intenções de

pacífico e operoso lavrador”. Acrescente-se ainda que Manoel Bernardino, após prestar

os referidos esclarecimentos em Codó, veio a São Luís em companhia do major Augusto

Bello, “mas sem coação”. Portanto, feitas colocações, indaga esse jornal:

Ora, se esses são os fatos, se a verdade assim se conta, porque, depois

que Manoel Bernardino, expontaneamente (sic) deixou a Matta, o

assassínio, o fuzilamento, a selvageria sanguinária?

Acreditar-se que o tenente Dias, de si por si, resolvesse, a pretexto

qualquer, fuzilar, sumariamente, cem homens?286.

Uma questão interessante na citação acima é o uso que o jornal faz dos termos

para se referir ao fato de que Manoel Bernardino teria saído espontaneamente da Mata,

portanto, essa ideia parece sugerir que não se tratava do “criminoso foragido” de quem se

falava nos telegramas publicados pelos jornais situacionistas. Ressalte-se que o jornal

parece ainda não ter informações corretas acerca do dia que as tropas policias cometeram

os crimes, o que para a data em questão é inteiramente compreensivo, pois, como vimos,

além das tentativas de encobrir os crimes, foi somente com o decorrer das investigações

e depoimentos dos tenentes e praças envolvidos no caso, conforme consta no relatório do

inquérito feito pelo major Augusto de F. Bello, se soube que os fuzilamentos se deram no

dia 6 de agosto. Ainda em relação à citação acima, notamos uma série de ressalvas quanto

285DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p.3. 286Ibid.

132

às “acusações” ao tenente Henrique Dias como responsável pelas ordens para que se

praticassem os homicídios. De acordo com o Diário de São Luiz:

Não devemos receber a primeira impressão tal como nos vem, porque

se trata de um oficial que durante longos anos serviu no exército de

onde trouxe brilhantes atestados de uma disciplina exemplar.

Conhecemos todos o tenente Henrique Dias e o sabemos de boa

educação e elevada compostura moral287.

Por outro lado, os membros do Partido Republicano Maranhense, em matéria

publicada na mesma edição do Diário de São Luiz, vão apresentar-se bem mais

agressivos. Em matéria intitulada “Sangue”, falam dos acontecimentos na Mata

informando a respeito de que haviam sido 8 o número de homens fuzilados e não os 100

como havia sido divulgado. Enquanto no comentário acima notamos uma certa ressalva

quanto aos crimes atribuídos ao tenente Henrique Dias, para os representantes do PRM

não haveria dúvidas, contudo, o referido tenente seria,

[...] puro instrumento da psicologia delinquente (leia-se do governador

Urbano Santos), que o armou e fez vibrar a arma homicida. Nunca nos

havia passado pela mente que aquela esfinge, que se acastela no palácio

governamental, fosse capaz de atentar, como tigre enfurecido, contra a

vida de inermes cidadãos a lidar no seu trabalho honrado, amassando

com o suor do rosto o pão da família, como não sabem fazer uns tantos

seres nocivos que vivem entre os ouropeus (sic) da grandeza288.

Para a oposição (PRM), o governador era o responsável ainda pela “desgraça do

Maranhão”. Essa ideia da responsabilidade do governador Urbano Santos vai ganhar

força nos discursos oposicionistas ao longo dos meses seguintes. Contudo, até a data

acima, dias antes das polêmicas declarações do tenente Henrique Dias, os representantes

do PRM vão atribuir essa responsabilidade pautados no seguinte argumento:

O Sr. Urbano Santos é de tudo isso o verdadeiro culpado, porque,

mesmo que de viva voz não ordenasse o assassinato, devia saber ser

este inevitável, uma vez que espalhou homens armados sob o pretexto,

adrede invocado, de abafar uma revolta contra o seu governo. Quem

solta feras no meio de um rebanho tem a principal, a exclusiva

responsabilidade pelo sangue que derramam289.

287DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p.3. 288Ibid. 289Ibid.

133

Portanto, recorrendo a uma estratégia discursiva de associar o comportamento das

tropas policiais à ideia que temos dos comportamentos dos animais ferozes,

costumeiramente percebidos (por nós) como seres irracionais, os membros do PRM

parecem sugerir que os integrantes das tropas policiais não teriam responsabilidade pelos

seus atos, mas sim o governador Urbano Santos por ter sido quem dera as ordens para o

envio das tropas para reprimir a propalada revolta na Mata; pois, como sugerem os

oposicionistas, fora o governador quem “soltara as feras no meio de um rebanho” de

indefesos.

O recurso a esse discurso de que as tropas policiais cumpriam ordens de seus

superiores que, para a oposição, pautada numa ampliação do que poderíamos chamar de

hierarquia das responsabilidades que tinha no topo o governador, também foi utilizado

pelos governistas, como vimos acima, mas a partir da ótica dos governistas haveria uma

outra hierarquia à qual se referem e que contemplava apenas aos integrantes da força

policial enviada para a Mata. Sendo assim, tendo o tenente Henrique Dias ordenado aos

soldados, seus inferiores, que praticassem os fuzilamentos dos quatro homens

assassinados, caberia ao tenente arcar com as responsabilidades dos crimes.

Em editorial do dia 16 de agosto, intitulado “Desamparado”, como o próprio título

já sugere, José do Nascimento Moraes comenta o que dizia ser a situação de desamparo

vivenciada então pelo governador Urbano Santos que estaria se agravando mais ainda por

conta da atuação da oposição política praticada pelo PRM. Para o jornalista, apesar do

político maranhense contar com sua posição vantajosa na política nacional e ainda “apesar

de enfeixar nas mãos todos os elementos da política do Estado (Maranhão)”, mesmo esta

condição o estava deixando sem defesa na política local. Nascimento Moraes argumenta

que os partidários do governador não apareciam para defendê-lo das acusações que lhe

eram feitas, menosprezando inclusive a defesa que lhe era feita pelos articulistas d’O

Jornal. Estes últimos são vistos pelo jornalista como insignificantes e meramente

agressivos. Neste sentido, afirma que: “Até era o ‘Diário de S. Luiz’ que fazia análise da

pública administração do Estado. Mas o ‘Diário’ não representa um partido, e a sua

significação política é apenas essa de ser orgam (sic) emancipado e livre da opinião

pública e dos interesses do povo290”.

Não raro aparece esse discurso nos textos de Nascimento Moraes de tentar

desvencilhar o jornal Diário de São Luiz de qualquer coloração partidária. Contudo, por

290DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de agosto de 1921, p. 1.

134

tudo que já dissemos, some-se a isso o fato de dar publicidade às matérias escritas pelos

representantes do PRM, divulgar os nomes dos candidatos desse partido, tais vínculos

tornam no mínimo suspeito esse (a)partidarismo. Ainda porque, embora faça ressalvas

quanto às suas relações com o partido oposicionista local, o mesmo não ocorre em ralação

aos candidatos pela Reação Republicana, Nilo Peçanha e J.J Seabra, para as eleições de

março (1922) para o executivo federal.

Com vínculos ou sem vínculos com os representantes do PRM, Nascimento

Moraes não deixa de fazer uma consideração fundamental que nos ajuda a entender como

se davam essas questões partidárias na política maranhense. Ao se referir às ações da

oposição contra o governador Urbano Santos, escreve:

Agora, porém, já não é mesma situação mui acomodatícia para o

administrador. É um partido que se levanta para acusar o administrador,

para o responsabilizar pela decadência econômica do Estado. E são

membros desse partido seus diretores aqueles mesmos que ontem se

perfilavam, graduados, nas fileiras desse partido que S. Exc. dirige. São,

por conseguinte, homens que ontem muito mereciam no conceito de S.

Exc., a quem S. Exc. confiou importantes encargos e que por isso

mesmo, presentemente, entrincheirados em campo adversário devem

merecer a consideração, ou pelo menos a atenção de S. Exc291.

Essa análise de Nascimento Moraes parece ser de certa forma uma denúncia de

como funcionavam as práticas partidárias, nas quais bastavam uma cisão intrapartidária

para que agentes políticos, que até bem pouco tempo estavam sob a mesma sigla

partidária, se passassem para campos opostos. No caso em questão, provavelmente esse

jornalista se refere ao que ocorrera com Herculano Parga e que dera origem à formação

do Partido Republicano Maranhense, como visto no capítulo anterior.

Nessa mesma edição do dia 16 de agosto, o Diário de São Luiz publica uma longa

matéria sobre a Manoel Bernardino, bem como uma entrevista que lavrador concedera ao

periódico. Quanto ao conteúdo da entrevista, as informações são basicamente as mesmas

prestadas por Manoel Bernardino em depoimento, às quais já comentamos em páginas

acima. Há também a publicação de um telegrama enviado pelo correspondente de Codó

informando que:

Pessoas chegadas agora da Matta trazem informações horripilantes das

ocorrências ali desenroladas. Os cadáveres insepultos estão expostos à

voracidade dos urubus. O fétido é de tal ordem que obrigou a mudança

291DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de agosto de 1921, p.1.

135

da estrada. Dizem que o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, agente do fisco,

ajudou a matança292.

Dadas essas informações, o correspondente do Diário de São Luiz aconselha o

jornal a enviar um repórter para acompanhar os inquéritos que estavam sendo feitos. A

despeito das últimas informações e da entrevista que Manoel Bernardino concedera a esse

jornal, este órgão oposicionista se expressa alegando não acreditar (ainda) que o

governador tenha determinado os crimes que ora estavam sob investigação.

Quando de sua visita a São Luís, além da entrevista que concedera ao jornal da

oposição, Manoel Bernardino também visitou e deu uma entrevista ao jornal Pacotilha.

Entretanto, antes de conceder estas entrevistas à imprensa da capital maranhense, Manoel

Bernardino fizera uma visita ao governador, como havia solicitado ao chefe do executivo

maranhense, para esclarecer-lhe sua versão a respeito dos acontecimentos na Mata. Dessa

conversa falara a Urbano Santos sobre “seus ideais socialistas”, ouvindo do governador

que este também era um adepto do socialismo.

Ao saber do teor dessa conversa, com destaque para essa declaração do

governador, o jornalista Nascimento Moraes não deixou passar em branco essa

informação. O “socialismo do governador” acabou por inspirar o tema do seu editorial do

dia 17 de agosto, cuja nomeação foi: “Sr. Urbano Santos, o socialista”. Com uma escrita

marcada pela ironia e sarcasmo, Nascimento Moraes faz uma análise comparativa entre

as teorias socialistas praticadas por Manoel Bernardino e as do governador Urbano

Santos. Conforme o jornalista:

Da entrevista que o dr. Urbano Santos, presidente do Estado, concedeu

a Manoel Bernardino, uma coisa vantajosamente social e política

surgiu, com surpresa de todos – é que o eminente estadista maranhense

também é adepto fervoroso dos (sic) doutrinas socialistas e, como tal,

espera que o socialismo dentro em breve tenha ganho de causa293.

Ao ouvir esta declaração, Manoel Bernardino teria ficado surpreso com essa

afirmação do governador, ainda mais por ter-lhe dito que a vitória do socialismo era

questão de tempo. A atitude perplexa do lavrador, conforme Nascimento Moraes, se daria

por não imaginar que as ideias socialistas triunfariam no Brasil em pouco tempo. Desse

modo, segue escrevendo em tom de ironia os motivos que levaram Manoel Bernardino a

292Ibid., p.2. 293DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p. 1.

136

não compreender as peculiaridades do socialismo do chefe do executivo estadual

maranhense, vejamos:

O socialismo avançava a passos céleres e ele (Bernardino), apesar de

sua leitura acurada, não percebia a marcha formidável de sua vanguarda

vitoriosa. Ali da Matta só lhe era dado perceber uma imensa desolação

no seio das classes, um entristecedor atraso moral, os efeitos

perniciosos de uma administração que arruinava a economia do Estado!

Quanto estava enganado! O que lhe parecia extorsão, era a prática de

um princípio racional que ele não compreendera! O que lhe parecera

ignorância ou estupidez de autoridades arbitrárias era a segurança

individual e a ordem pública. O que lhe parecera privação das classes

desprotegidas era a abnegação provocada para exercitar o trabalhador

no sofrimento que redime a vida e prepara o futuro da família pela

simplicidade dos costumes. Decididamente estava enganado294.

Sendo assim, Manoel Bernardino teria percebido que pregava “rudimentos de uma

doutrina exuberante e profunda”, enquanto seu companheiro de crenças e ideais colocava

em prática um outro socialismo que ele não entendia. Tendo em vista essa incompreensão

entre o lavrador da Mata e o governador, Nascimento Moraes segue tentando explicar ao

leitor os motivos dessa confusão, citemo-lo novamente:

O socialismo do austero estadista maranhense age por efeitos

contrários, enquanto o de Manoel Bernardino visa os resultados diretos.

O socialismo do chefe do executivo maranhense é absorvente e deve

ser compreendido sem propagandas, nem conferências, nem

devotamentos, nem gestos largos de humanidade e benemerência. O

socialismo de Manoel Bernardino difunde-se por meio da palavra

escrita e falada, pelo bem estar que deve abraçar a comunhão geral dos

indivíduos [...] E agora com essas notícias de fuzilamento, de captura

de famílias, que chegam, de modo tremendo aos ouvidos de Manoel

Bernardino, cujo coração sangra por não lhe quererem dizer do

paradeiro de sua mulher, filhos, mãe e irmães (sic), ele, ainda mais

atônito ficou, vendo que o seu irmão socialista repousa serenamente em

Palácio, confortado com o carinho e a virtude dos entes que lhe são mais

caros à vida295.

Ao encerrar esse editorial, Nascimento Moraes comenta que, se Manoel

Bernardino, estudioso das doutrinas socialistas e, como havia lhe dito o governador

também ser adepto da mesma, não compreendia “essa excepcional doutrina democrática”

defendida por Urbano Santos, eles do Diário de São Luiz mesmo é que não

compreendiam.

294DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p.1. 295Ibid.

137

Cabe ressaltar que embora não saibamos ao certo até que ponto a reação de

Manoel Bernardino em sua conversa com o governador Urbano Santos convirja para o

relato descrito acima por Nascimento Moraes, entendemos que, tendo em vista nossos

objetivos na presente análise dos textos desse jornalista, um ponto fundamental a se

ressaltar é a estratégia discursiva à qual lança mão para satirizar e criticar o governador

Urbano Santos. Nesse sentido, percebemos de certa forma uma outra imagem do

governador colocada em circulação por esse órgão oposicionista como contraponto ao

Urbano Santos do qual falavam os jornais situacionistas. Ao mesmo tempo que esse

jornalista faz chacota do governador, por outro lado, seu discurso sugere uma certa

apologia ao socialismo pregado pelo lavrador Manoel Bernardino de Oliveira. A essa

altura dos acontecimentos, os discursos expressos pelo jornal Diário de São Luiz em

relação ao lavrador Manoel Bernardino são de defesa dos seus ideais de reforma social,

bem como dando razão às suas reações de insatisfação contra o domínio político do

governador Urbano Santos, este governo visto como responsável pela situação de desastre

social vivenciada pelo povo maranhense.

Além desse editorial comentado acima, a edição do dia publica entre suas matérias

dois telegramas que lhes foram enviados pelo correspondente de Codó referentes às

notícias dos acontecimentos na Mata. Uma característica importante a se destacar nos

telegramas publicados pelo Diário de São Luiz, se compararmos com o conteúdo dos

telegramas publicados pelos jornais situacionistas, se dá pela versão diferente das

informações apresentadas do que estaria ocorrendo naquela localidade. Não cabe a nós

julgar quem estaria com a razão, mas na medida do possível compreendê-los como

discursos produzidos em uma arena política. Portanto, a leitura desses textos a partir de

uma perspectiva dialógica, ou seja, sendo lido em seu contexto de enunciação e tendo por

alvo também questionar e combater o “outro” (entendido aqui como adversário político),

nos sugere que cada lado político (situação x oposição) colocava em circulação as

informações que lhes competiam de forma a tentar convencer o leitor, que eles chamavam

de opinião pública, da veracidade dos fatos divulgado por seu jornal.

Quando citamos e comentamos os telegramas publicados pelos jornais

situacionistas sugerimos que os conteúdos desses telegramas pareciam ter como

intencionalidade, dentre outros objetivos, incriminar o lavrador Manoel Bernardino de

Oliveira, bem como os representantes do PRM com os quais o lavrador mantinha relações

partidárias. Por outro lado, as informações expressas nos telegramas enviados pelo

138

correspondente do Diário de São Luiz em Codó vai chamar atenção para a atuação

criminosa das tropas policiais do Estado na Mata, vejamos:

CODÓ, 16. – O resto da tropa chegou da Matta ontem à tarde. O povo

está retraído e apreensivo, embora confie na promessa divulgada de que

o governo agirá. Os moradores da Matta, chegados ontem, recusam

voltar ao domicílio, aterrados que se acham da carnificina que viram.

Negociantes estabelecidos nas proximidades da Matta calculam seus

prejuízos em mais de dez contos de réis, porque foram trucidados os

seus devedores. Ouvi dos próprios soldados, que destruíram grande

quantidade de criações dos habitantes. Consta que as autoridades antes

de continuarem o inquérito preparam sob ameaças pessoas que devem

depor296.

De acordo com essas informações, os moradores da Mata estavam sobressaltados

pelas ações das tropas policiais que resultaram nos quatro fuzilamentos, além do fato de

terem visto os restos mortais dos cadáveres das vítimas que ficaram expostos a céu aberto,

a despeito das tentativas do agente fiscal José Lopes Pedra Sobrinho que teria pago um

homem para escondê-los. Ressalte-se ainda que as tropas policiais tinham o auxílio dos

homens armados pelo subdelegado Sebastião Gomes. O próprio corresponde do Diário

de São Luiz diz ter ouvido dos soldados que haviam praticado a destruição de “grande

quantidade de criações dos habitantes”.

Com uma certa frequência esse jornal vai publicar matérias com pessoas

reclamando que tiverem bens furtados pelas tropas policiais. Não custa relembrar que

mesmo o Diário Oficial do Maranhão havia noticiado acerca de que houvera roubos nas

propriedades dos moradores da Mata durante o cerco policial, mas sem atribuir

responsabilidades. Outro ponto fundamental é a denúncia de que as autoridades locais

(partidários do governo) estavam articulando uma estratégia para selecionar pessoas, sob

ameaças, para deporem no inquérito que apuraria os crimes praticados pelas tropas

policiais. Esta vai ser uma ideia muito divulgada pelos oposicionistas. Entretanto, mesmo

reconhecendo que essas denúncias foram feitas pela oposição pautado em seus interesses,

é possível, tendo em vista os cenários político-partidários da Primeira República e

cruzando as informações dos jornais aqui em estudo, encontrar evidências que apontem

para a veracidade da afirmação acima.

A par dessas informações aterradoras, os representantes do Diário de São Luiz

tecem críticas ao posicionamento dos articulistas d’O Jornal, considerando o

296DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p. 2.

139

comportamento desses jornalistas como “disciplinado num partidarismo que nele

despontou já um pouco tarde”, além de não darem importância para a situação em que

vivia o “infeliz povo da Matta”. Questiona as informações que esse jornal publicara

afirmando que Manoel Bernardino havia sido preso, “toda a gente sabe que Manoel

Bernardino não foi preso mas apresentou-se à autoridade policial de Codó!297”.

A essa altura dos desdobramentos dos acontecimentos na Mata, com o tenente

Antônio Henrique Dias detido por ordens do governador e o encaminhamento das

investigações através do inquérito levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello, um

episódio chamaria a atenção da imprensa maranhense, leia-se basicamente os jornais aqui

analisados, que acirraria mais ainda o debate entre governistas e oposição: as polêmicas

declarações do tenente Antônio Henrique Dias nas quais dizia ter praticado os

fuzilamentos na Mata por ter recebido “carta branca” do governador Urbano Santos para

praticá-los. As referidas declarações foram escritas e entregues ao redator-chefe do Diário

de São Luiz, José do Nascimento Moraes, para serem publicadas nesse jornal. Passamos

nas páginas que seguem a expor o conteúdo de tais declarações, bem como uma análise

dos discursos de Nascimento Moraes a respeito destas informações.

3.3. As polêmicas declarações do tenente Henrique Dias... a entrevista de s. exc.

governador Urbano Santos ao jornal Pacotilha...

José do Nascimento Moraes, em matéria intitulada “Os crimes da Matta”, comenta

sua visita na manhã do dia 23 de agosto (uma terça feira) ao tenente Antônio Henrique

Dias, que estava detido no Corpo Militar do Estado. Conforme relata esse jornalista, havia

encontrado o tenente “um pouco agitado, mas falando com segurança e desassombro.

Agitado porque lhe consta que premeditam eliminá-lo para o fim de não dizer a

verdade298”. Portanto, pelo que sugeria o tenente Henrique Dias a Nascimento Moraes,

tratava-se da suspeita de uma “queima de arquivo”. Nesse sentido, teria pedido a

Nascimento Moraes para que divulgasse pelo Diário de São Luiz que se porventura

acontecesse algo com ele (Dias), a culpa seria do governador Urbano Santos.

O tenente Henrique Dias lhe teria feito uma série de declarações acerca dos

acontecimentos na Mata, entretanto, as declarações escritas Nascimento Moraes as

297Ibid. 298DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 23 de agosto de 1921, p. 3.

140

publicaria no dia seguinte, alegando que não daria para publicá-las no mesmo dia “por

serem longas e minuciosas”. Numa estratégia de deixar provavelmente o público com

uma certa curiosidade e, porque não, já fazendo uma espécie de propaganda para venda

de seu periódico no dia seguinte, Moraes afirma: “O público, estamos certos, pasmará

diante delas, e terá dados exatos para julgar dos fatos que se deram (grifo nosso). É a

história completa do drama e o perfil dos seus autores”. Falando em nome da

imparcialidade, Nascimento Moraes diz que o objetivo do Diário de São Luiz “é apontar

os responsáveis por essa afronta feita à dignidade do povo”, afirmando ainda que esse

jornal não fecharia as portas para os que querem se defender. Temos falado que esse

discurso da objetividade jornalística era (é) muito comum como recurso discursivo pelos

articulistas dos jornais aqui estudados, e o caso de Nascimento Moraes não foge a essa

regra, embora saibamos que seus discursos expressavam suas posturas político-

partidárias.

Como havia prometido o redator-chefe do Diário de São Luiz, as declarações do

tenente Henrique Dias foram publicadas no dia seguinte, 24 de agosto, em matéria com o

título de “Os crimes da Matta”. Sendo assim, escreve o tenente Henrique Dias299:

No dia 29 do mês próximo findo (julho), cerca das 18 horas fui chamado

a Palácio conjuntamente com o Sr. tenente Taurino à presença do Exc°

Dr. Presidente do Estado. Ali chegando recebemos ordens e instruções

do mesmo Sr. Dr. Presidente, para seguirmos para a cidade do Codó e

dali para a Matta, que quando chegássemos na referida cidade, Taurino

seguisse com 32 praças e eu seguisse no dia seguinte com 10; que

chegando na Matta espingardeasse um grupo de cangaceiros que ali

existia chefiado pelo indivíduo Manoel Bernardino, que o

Desembargador (Dioclides) Mourão seguisse ao nosso encontro que

também lhe o espingardeasse; que ele Presidente já havia dado ordens

a Sebastião Gomes, Subdelegado de Polícia de Barra do Corda para

armar pessoal para o mesmo fim. Por mais de uma vez em Palácio o Sr.

Dr. Presidente recomendou a mim e ao tenente Taurino que

espingardeasse todos os bandidos custasse o que custasse e que

contasse, eu e o tenente Taurino com todo o apoio do governo300 [...].

Portanto, esse é basicamente o resumo das recomendações que o governador havia

feito aos tenentes Antônio Henrique Dias e Taurino Lobão Lemos. Este último, como

vimos em seu depoimento acima, negara que o governador houvesse feito as autorizações

para que se praticasse os fuzilamentos. Uma questão importante no relato acima é a

299A referida matéria relata novamente algumas das informações que esse tenente apresentara em seus

depoimentos os quais vimos acima. Por isso nos deteremos basicamente em sua “versão” sobre as ordens

que havia recebido do governador Urbano Santos, bem como uma ou outra “nova informação” apresentada.. 300DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p. 3.

141

referência que o tenente faz em relação às recomendações quanto ao desembargador

Dioclides Mourão, representante da oposição ao governador na cidade de Codó. O tenente

Henrique Dias ao relatar os desdobramentos das ações das tropas policiais na Mata, após

terem efetuados várias prisões, confessa a prática dos crimes nos seguintes termos:

[...] eu e o tenente Taurino, atendendo às justificações que muitos dos

presos faziam, os soltamos e mandamos trabalhar; a pedido de

Sebastião Gomes e de José (Lopes) Pedra (Sobrinho), também soltamos

muitos presos, mesmo porque Sebastião Gomes declarava que

precisava daquele pessoal, eu, para a Cadeia do Codó, trouxe somente

quatro homens e dos mesmos fiz entrega ao Delegado de polícia

daquela cidade, que de fato a força espingardeou 4 cangaceiros porque

eu e o tenente Taurino recebemos ordens do Exc.° Sr. Dr. Presidente

para fazer isso301”(grifo nosso).

Dessa citação queremos destacar alguns pontos. O tenente Henrique Dias a todo

momento se refere que agira em parceria com o tenente Taurino Lemos; ressalte-se ainda

que, a despeito de Henrique Dias ter feito acusações a Sebastião Gomes, em seu

depoimento, como visto acima, o tenente acaba por reforçar uma informação que passara

a ser divulgada pela imprensa situacionista de que fora graças à intervenção do Sebastião

Gomes que o número de vítimas não fora maior. Por outro lado, essa informação pode

nos sugerir também que Sebastião Gomes talvez tenha tomado essa atitude porque entre

os homens detidos não estava seu verdadeiro alvo e desafeto: Manoel Bernardino de

Oliveira. Essa suposição (inferência) pauta-se no que já expomos a partir da análise do

depoimento de Manoel Bernardino; bem como do que é possível perceber no depoimento

do próprio Sebastião Gomes que é todo ataque ao lavrador Manoel Bernardino. De acordo

com Henrique Dias, Sebastião Gomes teria dito também: “[...] em frente à força do meu

comando e do tenente Taurino que ou ele naquela matta com o seu pessoal ou pessoal de

Bernardino, que para isso contava com o apoio do governo302 [...]”. Ao relatar novamente

um motivo de desentendimento entre ele (Dias) e Sebastião Gomes, Henrique Dias

encerra dizendo não se achar criminoso, pois questiona porque Sebastião Gomes não

relatara tais crimes em seu primeiro relatório ao governador.

Esse questionamento do tenente Dias é pertinente porque nos ajudam a pensar

que, dadas as evidências já assinaladas, parece que de fato houvera a tentativa por parte

das autoridades governistas em silenciar sobre os fuzilamentos, contudo, uma vez

301DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p.3. 302Ibid.

142

descobertos e divulgados pela oposição, começara as trocas de acusações até entre os

situacionistas.

Na mesma edição do dia em que fora publicada as declarações do tenente Dias,

Nascimento Moraes escreve um editorial303 intitulado “O sr. Urbano Santos”, no qual

escreve que não são inimigos do governador maranhense, salientando que: “Sabemo-lo

homem de cultura, educado, espírito penetrante e profundamente conceituoso304”, essa

seria sua concepção do homem Urbano Santos. Entretanto, o que estava em questão para

o jornalista era o Urbano Santos político (partidário). Ao recorrer a essa estratégia para

falar sobre o governador, relembra aspectos já comentados como sua administração do

governo, a impunidades de crimes, etc. Nascimento Moraes, ao comentar que embora não

queira acreditar que o governador fosse capaz de cometer perversidades, escreve como

ressalva, no mínimo sugestiva:

Mas quem aprendeu na escola do general gaúcho (Pinheiro

Machado305), que foi seu assistente em todos os surtos da vida política,

aprendeu com certeza a querer sem recuar, a passar por cima de tudo,

contanto que seus interesses partidários não sejam sacrificados [...] O

sr. Urbano Santos precisa de sair dessa atmosfera de suspeita que o

envolve, porque a verdade é que o seu passado político ao lado do

general Pinheiro Machado não é coisa que nos garanta a sua

inculpabilidade nesse lastimável episódio de sua administração306.

Uma vez divulgadas as declarações do tenente Henrique Dias, José do Nascimento

Moraes segue comentando esse assunto em seu longo editorial307 do dia 25 de agosto, no

303O referido editorial, como vimos no capítulo anterior, seria tema de uma matéria do dia seguinte (25/8)

d’O Jornal que saíra em defesa do governador. 304DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p. 1. 305Com uma certa frequência Nascimento Moraes lembra das relações político-partidárias que Urbano

Santos mantivera com Pinheiro Machado, líder político do PRR gaúcho na esfera federal no contexto da

Primeira República e, que fora assassinado por inimigos políticos em 1916. Sempre que se refere ao político

gaúcho, Moraes faz fortes críticas às suas atuações políticas. Uma questão importante a se destacar é que

Pinheiro Machado era do mesmo partido de Borges de Medeiros, portanto, pertencia à mesma agremiação

partidária que dominara a política no Rio Grande do Sul, com as mesmas práticas políticas (fraudes

eleitorais, perseguições de opositores) que Moraes condenava no governador Urbano Santos e em Pinheiro

machado. Chamamos atenção para esse fato porque como passara a ser um divulgador dos discursos da

“Reação Republicana” no Maranhão, Nascimento Moraes vai se referir ao político gaúcho Borges de

Medeiros (que juntamente com Nilo Peçanha e J.J Seabra eram os principais líderes desse movimento

político) em tons elogiosos. 306Op.cit. 307Na edição desse mesmo, 25 de agosto, o Diário de São Luiz publica um telegrama do tenente Antônio

Henrique Dias relatando dentre outras coisas sua detenção logo em sua chegada a São Luís. Os

representantes do Diário de São Luiz informam também sobre o encontro de Nascimento Moraes com

tenente Rodolfo de Figueiredo, na manhã do dia 22/8, quando o redator-chefe saía de sua residência em

direção à redação do seu jornal. Moraes teria pedido informações sobre a situação do tenente Henrique Dias

e fora informado que o tenente Dias era visto como culpado pelos crimes. No dia seguinte estando

Nascimento Moraes em sua residência, pela manhã, teria recebido uma carta enviada pelo tenente Henrique

143

qual expõe uma série de questões quanto aos acontecimentos na Mata, bem como volta a

tecer críticas e apontar as responsabilidades do governador. Logo de início indaga o

jornalista: “Devemos acreditar nas palavras do tenente Henrique Dias? Que razões temos

nós para dizer que o tenente Henrique Dias não diz a verdade? Porque suspeitar que ele

procura fugir à responsabilidade do que praticou?308”. Para Nascimento Moraes até então,

antes dos acontecimentos da Mata, o tenente Henrique Dias não havia apresentado esse

tipo de procedimento. Esse argumento acerca do passado militar do tenente Henrique

Dias já havia sido expresso no editorial do dia 23, do mesmo mês.

Sendo assim, Nascimento Moraes argumenta que dada a situação não se deve ser

parcial (novamente o discurso da imparcialidade), alegando que: “Cumpri-nos, por

enquanto, examinar os fatos, recordando, tanto quanto possível, os episódios do drama”.

Um primeiro aspecto que esse jornalista relembra é o fato de que quando o governador

recebera as primeiras notícias falando em revolta na Mata, Urbano Santos teria agido em

silêncio. Não se sabia na Capital que quando a tropa policial foi enviada para a Mata o

governador já havia autorizado Sebastião Gomes a armar mercenários para cercarem a

Mata. Nascimento Moraes pergunta quais teriam sido as ordens que o governador dera a

Sebastião Gomes. Conforme ouvira dizer (aqui o jornalista praticamente reproduz a

versão do que lhe dissera Manoel Bernardino):

Informam-nos que Manoel Bernardino declara que efetivamente

procurou armar-se porque soube que Sebastião Gomes com gente

armada ia ataca-lo e aos seus adeptos da doutrina socialista que

pregava! Pelo que o erro do governo é manifesto, pois a defesa de

Manoel Bernardino quanto a este ponto é plenamente aceitável! Não

lhe acusava a consciência o haver praticado crime de espécie alguma.

Pregava seus princípios reacionários na convicção de que fazia a coisa

mais natural deste mundo309.

Para Nascimento Moraes, o governador Urbano Santos deveria ter enviado uma

pessoa de sua confiança para saber do que se passava na Mata e conversar com Manoel

Bernardino para saber de suas intenções. Contudo, seu maior erro teria sido mandar

“armar os paisanos que Sebastião Gomes encontrou ao alcance de prepotência e mandar

operar nas circunvizinhanças da Matta”. Além da atuação de Sebastião Gomes,

Nascimento Moraes se refere também ao fato de que, juntamente com Sebastião Gomes,

Dias solicitando para visita-lo na prisão, cujo desdobramento dessa visita teria sido a entrega de um

“documento” escrito com as referidas declarações (Diário de São Luiz, 25 de agosto de 1921, p.3). 308DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 25 de agosto de 1921, p. 1. 309Ibid.

144

agira José Lopes pedra Sobrinho, que também havia armado seu pessoal em auxílio às

tropas policiais. Ou seja, dois antigos desafetos de Manoel Bernardino. De acordo com

essas colocações, questiona: “Como, pois, se chegar agora a coucluir (sic) pela veracidade

das notícias que corriam contra a atitude de Manoel Bernardino? Quem primeiramente se

armou? Sebastião Gomes ou o lavrador da Matta?310”.

Nascimento Moraes diz acreditar que fora Sebastião Gomes quem primeiro se

armou e Manoel Bernardino só posteriormente teria se armado para se proteger dos

possíveis ataques de Sebastião Gomes, pois: “E tal coisa nos parece, porque à

aproximação da força de polícia, Manoel Bernardino abandonou a Matta e foi apresentar-

se às autoridades do Codó”. Nascimento Moraes argumenta não querer defender nem

tampouco inocentar Manoel Bernardino, mas diz não duvidar “que Manoel Bernardino

reagia contra o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, agente arrecadador que acompanhado de

homens armados de rifle, fazia a abusiva cobrança do imposto enervante, atroz e cruel”.

Esse jornalista acrescenta não duvidar que a reação de Manoel Bernardino estivesse

ligada ao período pré-eleição por conta das suas relações partidárias, bem como que a

partir de seus “ideais socialistas” derivasse “para uma reação eleitoral”311.

Após fazer essas ressalvas, Nascimento Moraes responsabiliza o governador por

suas reservas quanto aos acontecimentos na Mata e por confiar em indivíduos “que são

francamente acusados como delinquentes312”.

Provavelmente por conta da publicação das declarações do tenente Henrique Dias

pelo jornal oposicionista e suas consequências na imprensa local e nacional313, o

governador maranhense concede uma entrevista ao jornal A Pacotilha, na qual comenta

sua versão a respeito das ordens que teriam sido dadas aos tenentes Taurino Lobão Lemos

e Antônio Henrique Dias. Ao governador é perguntado se lera as declarações do tenente

Dias, ao que responde que sim; sendo assim, é solicitado pelo entrevistador para que

comente quais foram as instruções que dera aos tenentes. Conforme relata o governador

Urbano Santos, mandara chamar os tenentes para dar-lhes as “instruções de praxe” em

310DIÁIO DE SÃO LUIZ, 25 de agosto de 1921, p.1. 311Ibid 312Ibid. 313Tendo em vista que o governador maranhense era o candidato à vice-presidência na chapa governista

que tinha o mineiro Artur Bernardes como candidato à presidência, os acontecimentos na Mata, bem as

declarações do tenente Dias, passaram a ser motivo de críticas dos jornais oposicionistas ligados aos

candidatos da “Reação Republicana”. Com frequência o Diário de São Luiz publica matérias de jornais

partidários desses dois últimos candidatos, principalmente de jornais do Rio de janeiro, comentando as

notícias do “sertão maranhense”.

145

relação ao que iriam fazer na Mata, comentando que, a despeito das notícias de revolução

com cerca de mil homens reunidos, podia haver exageros nessa notícia. Sendo assim, diz:

[...] e, portanto, não tendo notícias positivas, só tinha a dizer-lhes que

agissem conforme as circunstâncias aconselhassem, de acordo com os

seus deveres militares. Recomendava-lhes que tomassem os rifles que

encontrassem, arrancando-os com a respectiva munição, somente

deixando as armas de caça314”.

Entretanto, continua o governador, um dos oficiais, não especifica por não se

lembrar quem, teria lhe perguntado como deveriam agir se caso se confirmasse os boatos

nos quais se dizia ainda que o desembargador Dioclides Mourão estaria “envolvido na

revolução”, ao que Urbano Santos respondera (sugestivamente):

Respondi que em uma comissão militar da natureza que iam

desempenhar, não se olhava a posição nem a classe dos indivíduos

envolvidos na desordem. A força somente podia considerar que tinha

diante de si duas ordens de pessoas – os homens pacíficos e os

desordeiros. Estes, os desordeiros, eram aqueles que praticavam atos de

agressão contra a força (policial estadual) e contra esses a força tinha

de reagir com toda energia por meio das armas de que dispunha. Os

pacíficos eram os que recebiam a força sem ato de agressão, sem ataca-

la; a esses era mister tratar com moderação e até com proteção, dando-

lhe garantia e fazendo-os voltar ao trabalho315.

Ainda de acordo com as declarações do governador essas teriam sido as mesmas

que já fizera antes para as forças policiais de Balsas. Outra recomendação seria para que

observassem pelas localidades que passariam se haveria bandidos procedentes de Goiás

que “andam a infestar os nossos sertões para assassinar e roubar pessoas inermes”, pois,

para o governador, “com gente dessa ordem (os ‘bandidos’) convinha prender tenazmente

para prender (sic), usando das armas contra ela em caso de resistência”. Portanto, para o

governador não haveria diálogo com bandido, estes deviam ser tratados à bala.

Após responder essa primeira pergunta, o entrevistador pergunta a Urbano Santos

se haviam sido só estas as recomendações, e o governador acrescenta: “Positivamente só,

em termos quase textuais, e essas palavras é que o tenente Dias, o facínora que agora se

revelou, interpretou como sendo uma ordem para matar com requintes de crueldade, como

disse o major Bello em telegrama”. Ao ser indagado acerca de qual juízo (leia-se antes

dos crimes) fazia do tenente Henrique Dias, o governador diz não ter formado nenhum

314A PACOTILHA, 25 de agosto de 1921, p. 1. 315Ibid.

146

juízo anterior, pois o havia mandado em duas missões, após as mesmas, teria comentado

com o major Bello e o tenente Rodolpho Figueiredo que tinha por desejo aproveitá-lo na

reorganização do corpo militar, sendo que teria sido o tenente Rodolpho Figueiredo que

o nomeara para guarda civil. Por outro lado, com um tempo havia sido informado pelo

capitão Nogueira de “atos poucos escrupulosos do tenente (Henrique) Dias em matéria

de dinheiro”. Uma vez sabendo dessas informações teria demitido o tenente Henrique

Dias, mas o tenente Rodolpho Figueiredo o havia persuadido a não demiti-lo. Contudo,

lamenta o governador: “Verifica-se hoje que se eu tivesse seguido as minhas inclinações,

não teríamos de lamentar esta negra mancha na civilização da nossa terra316”.

Ponto de vista diferente apresenta o governador em relação à atuação do tenente

Taurino Lemos nos fuzilamentos, pois, até aquele momento o governador diz que este

tenente fora acusado apenas pelo tenente Henrique Dias e o sargento Inácio, que segundo

consta teria sido o executor das atrocidades. Para o governador, estes queriam dividir com

Taurino Lemos as responsabilidades. Este tenente, embora o governador mandasse

recolhê-lo à capital, fora solto porque o major Augusto de F. Bello precisaria dele para

retornar à Mata, sendo assim, por conta desse pedido do major Bello, Urbano Santos diz

inferir que o tenente Taurino Lemos não tivesse responsabilidade nos atos criminosos.

Contudo, alega que esse tenente ainda teria que dar explicações e, caso fosse comprovado

sua participação, Urbano Santos prometia puni-lo, assim como puniria o tenente Henrique

Dias.

Em relação à oposição que estaria defendendo o tenente Henrique Dias, conforme

pensava os articulistas da Pacotilha, responde o governador:

Nada lhe tenho a dizer senão que reputo essas pessoas como infelizes

como julgo o tenente Dias e que assim procedem por puro espírito de

vingança e perversidade. Formam com ele um conjunto de espíritos

maus, mentirosos e caluniadores, dominados todos pela identidade da

índole e dos atos317.

Portanto, o mesmo tenente Henrique Dias, que logo ao saber dos boatos de

revolução na Mata o governador o havia mandado chamar por ser um oficial de

experiência e gabaritado, pelo menos é o que consta no telegrama que o governador havia

enviado ao Presidente Epitácio Pessoa, quando este último lhe cobrou informações sobre

as notícias que lhe chegara sobre o sertão maranhense, agora é conceituado pelo

316A PACOTILHA, 25 de agosto de 1921, p.1. 317Ibid.

147

governador com as piores ideias possíveis318. Poderíamos fazer um questionamento: será

se o tenente Henrique Dias não era de fato um dos oficiais mais gabaritados no seio do

Corpo Militar do Estado para cumprir o mandato de uma expedição na qual só se teria

duas espécies de pessoas, os representantes da ordem (a força policial estadual) x os

desordeiros (o grupo de Bernardino), como se dizia pelo discurso governista? Pela leitura

das recomendações do governador apresentadas acima, tendo como pano de fundo as

disputas político-partidárias com todo seu cortejo de violências tão comuns no cenário

político da Primeira República, não nos parece que as referidas recomendações não

tivessem um sentido bem claro, tal como interpretada pelo tenente Henrique Dias.

Embora é bom que se ressalte que não houvera a falada resistência que seria o motivo

para agirem.

O articulista do jornal Pacotilha encerra a entrevista afirmando que seu

posicionamento era que, uma vez pautados nas palavras do governador, sabiam que as

acusações do tenente Henrique Dias seriam mentirosas.

Por outro lado, o jornalista José do Nascimento Moraes, em editorial do dia 26 de

agosto, vai ter como principal alvo o posicionamento dos jornais situacionistas referentes

à defesa que fazem do governador. Nesse editorial, Moraes responde a uma matéria

publicada pel’O Jornal no dia anterior. Começa afirmando: “Contra a lógica dos fatos

não valem insultos. Contra o raciocínio, frio, convincente, persuasivo, não valem lôas de

turiferários, nem salamaques do canhestro partidarismo319”. Para esse jornalista, seria

perda de tempo d’O Jornal ficar em elogios ao que fora o domínio de Benedito Leite e

ao atual domínio político de Urbano Santos, ambos vistos por Nascimento Moraes como

desastrosos para o Maranhão. Conforme esse jornalista, não havia de sua parte pressa em

analisar os acontecimentos na Mata, expressando da seguinte forma seu modo de proceder

jornalisticamente: “Serenamente, sem parcialidade, iremos pesando os fatos, os

documentos que nos forem fornecidos, para, ao fim de tudo, com a certeza das análises

perfeitas e justas apontarmos o verdadeiro, criminoso, seja quem for!320”.

Ao lançar mão desse discurso de objetividade jornalística com o emprego dos

termos acima, é possível inferir uma intencionalidade discursiva em Nascimento Moraes

318Essa é uma das contradições que os representantes do Diário de São Luiz vão apontar nessa entrevista

do governador, em uma matéria intitulada “S. Exc. fala à imprensa”, vejamos: “Agora o tenente Henrique

Dias é inepto e gatuno! Mas quando S. Exc. telegrafou para o dr. Epitácio Pessoa disse que esse mesmo

tenente era oficial experimentado e refletido”. Diário de São Luiz, 26 de agosto de 1921, p.3. 319DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 26 de agosto de 1921, p. 1. 320Op.cit.

148

em apresentar seu argumento como não viciado por aquilo que seria uma característica

do jornalismo partidário (O Jornal) e que o tornaria como não digno de crédito pela

opinião pública. A estratégia discursiva que se percebe é basicamente a mesma que vimos

nos jornais situacionistas: o mau jornalista é sempre o adversário. Na escrita de

Nascimento Moraes, os articulistas d’O jornal são vistos como caluniadores,

acostumados com o jornalismo depreciador, ansiosos pelos prêmios que sua gritaria pró-

governador poderia trazer-lhes e, por isso, se mostravam indignados com os conceitos

sobre o governador colocados em circulação por Nascimento Moraes. Esse jornalista

retoma o argumento acerca do que dissera da personalidade (o lado “politico”) de Urbano

Santos para reforçar a ideia de que seu passado político era um dos fatores que levava a

se lançar suposições de suas conivências com os crimes na Mata, citemos:

Por que, pois, não aceitar a possibilidade de ser ele o mandante dos

fuzilamentos da Matta? Que razões temos nós para repelir essa hipótese,

se são esses os atestados irrefutáveis de seu passado político? Por que,

desprezando-se esse coeficiente por demais importante na vida de um

homem, afastar a versão que indica o administrador maranhense como

conivente nesse drama? Perguntamos de novo – que razão temos nós

para não acreditar nessa possibilidade?321

Na escrita de Nascimento Moraes, o que surge é um Urbano Santos totalmente

avesso daquele propagandeado pelos jornais situacionistas, sendo visto como um

aluno/herdeiro formado numa escola política cujas práticas seriam as mais abomináveis

possíveis. Embora fale estar a serviço dos interesses da população maranhense para o

esclarecimento dos acontecimentos na Mata, falando, portanto, em nome da opinião

pública, esses discursos de Moraes eram enunciados possivelmente em respostas tendo

como alvo que seus adversários lessem. Por conseguinte, dando prosseguimento a um

diálogo322 que visava suplantar o adversário político pelo menos no campo das

argumentações políticas, uma vez que no âmbito dos pleitos eleitorais, dadas as condições

favoráveis aos governistas (fraudes eleitorais, controle do congresso estadual, apoio

federal, etc), a derrota era certa.

321DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 26 de agosto de 1921, p.1. 322Vavy Pacheco Borges ao comentar os discursos colocados em circulação pelos partidos políticos em seus

jornais na Primeira República apresentam sempre a ideia de um discurso voltado para o povo, mas em seu

entendimento dirigem-se à própria classe dominante: “É um debate político entre a situação e a oposição,

um retrucando as afirmações do outro. A oposição sempre atacando a situação, pois como esta domina tudo,

é por tudo responsabilizada”. BORGES, op.cit., p.27. Embora saibamos que essa consideração de Vavy P.

Borges é baseada em seu estudo sobre os jornais de São Paulo, entendemos ser possível uma “apropriação”

dessa caracterização para pensar o caso das disputas entre governistas e oposição no Maranhão através de

seus jornais.

149

A matéria intitulada “Entre Pênedos” é outro bom exemplo desse diálogo entre

oposição e situacionistas, que poderíamos chamar também de dialogismo polêmico

mostrado, para utilizar uma noção operacionalizada por Dominique Maingueneau (1997).

Na citada matéria, Nascimento Moraes responde aos seus adversários de imprensa

questionando-os e negando o conteúdo semântico de seus discursos. Reproduzindo um

discurso de imparcialidade jornalística em seu procedimento de análise dos

acontecimentos na Mata, insiste em posicionar-se como não tendo interesses em jogo,

alegando não ter motivos para defender nem condenar o tenente Henrique Dias; assim

como diz não ter “motivos para dar como insuspeitas as declarações do chefe do

situacionismo maranhense323”. Esse seria o modo de proceder de uma imprensa livre, e:

“O povo precisa compreender o nosso ponto de vista e estabelecer a diferença que existe

entre os nossos processos e o dos nossos colegas (leia-se O Jornal) de jornalismo”.

Contudo, de forma humilde, Nascimento Moraes diz que com isso não quereria afirmar

que seus princípios jornalísticos sejam os melhores, mas queria chamar atenção para o

fato de que a imprensa partidária teria limites em suas percepções dos fatos, além de não

pensarem na coletividade social, pois só visavam os interesses de sua agremiação

partidária.

Nascimento Moraes em sua escrita parece também construir uma imagem de seus

adversários, assim como estes também tinham construído sua imagem desse jornalista,

ambos os lados colocando em circulação o que poderíamos chamar de “simulacro do

outro”, nos apropriando aqui de uma noção de Dominique Maigueneau (1997). O Diário

de São Luiz seria, segundo Nascimento Moraes, uma necessidade naquele contexto

político, uma vez que se configurava como imprensa livre num cenário em que o

governador Urbano Santos já havia cooptado Costa Rodrigues (líder de um grupo político

outrora oposição) e seu jornal (Pacotilha), assim como tinha o apoio d’O Jornal. Quanto

a este último, escreve Moraes os motivos do apoio ao governo:

O “Jornal”, tendo à sua frente o dr. Alcides Pereira, funcionário público

estadual, demissível, e como um dos seus redatores um funcionário da

Fazenda, também demissível, não pode analisar os atos do governo, não

pode apontar-lhe os erros, nem os abusos, nem as arbitrariedades. Serve

apenas aos interesses da política situacionista a que pertencem seus

redatores324.

323DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p. 1. 324DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p.1.

150

Portanto, o jornalista aponta o que seria em seu entendimento os fatores que

inviabilizariam esses jornais situacionistas a lidarem de forma imparcial325 com a

administração do governador Urbano Santos. Entretanto, uma questão a se colocar nessa

análise do jornalista Nascimento Moraes é que talvez não se tratasse meramente de

cooptação política, mas fosse fruto de um jogo de articulações e negociações partidárias

de um grupo que queria manter-se na hegemonia política, e para isso recorria ao recurso

das relações clientelísticas326, estratégia muito recorrente na cultura política brasileira de

então (dos dias atuais também). Ao fazer as considerações acima sobre a imprensa

governista, Nascimento Moraes alerta o público para que ficasse atento às diferenças entre

o Diário de São Luiz e os referidos jornais. Cita como exemplo a diferença de

procedimento entre seu jornal e os governistas em relação ao caso da Mata.

Na mesma edição do dia 27 de agosto, o Diário de São Luiz publica uma matéria

em resposta às suposições defendidas n’O Jornal (em sua edição do dia anterior) de que

teria sido Nascimento Moraes quem havia escrito as declarações do tenente Henrique

Dias. Comentando que a sociedade maranhense não acreditaria nessa acusação ao

professor Nascimento Moraes, expõe uma razão muito simples: por não ter participado

da operação militar no povoado da Mata, esse jornalista não teria como ter dado detalhes

“daquelas particularidades contadas pelo tenente Henrique Dias!327”. O desejo do Diário

de São Luiz não seria inocentar o tenente Henrique Dias mas queria entender se atuara

por conta própria ou por obedecer às ordens do governador, pois, na condição de imprensa

livre não agiria como os articulistas da Pacotilha que, ao término da entrevista que

325Ao “denunciar” o procedimento jornalístico dos jornais situacionistas como “parciais”, por conta de seus

vínculos com o governo estadual, Nascimento Moraes define como contraponto o procedimento de seu

jornal como pautado na “imparcialidade”, recorrendo portanto a uma ideia muito em voga nos discursos

jornalísticos de seu tempo: a “noção de objetividade”. Comentando a “noção de objetividade” muito em

voga na imprensa da Primeira República, Maria Helena Capelato faz uma consideração fundamental que

podemos utilizar para pensar os discursos tanto dos jornais “situacionistas” como da oposição, vejamos:

“O ‘pesquisador de notícias’ ou o ‘caçador dos fatos’ deveria pautar-se por critérios que determinassem

distanciamento do objeto. A isenção e a imparcialidade representavam padrões de comportamento a serem

seguidos no exercício da profissão. Dessa forma, constitui-se a imagem do jornalista como um sujeito

privilegiado, ‘cidadão acima de qualquer suspeita’, e a do jornal como repositório da verdade. Essa

pretensão dos representantes da imprensa, por um lado, permitia ocultar os interesses econômicos e

políticos mesclados no jornal e, por outro, impossibilitava a constatação de que os fatos são construções, e

não relatos precisos”. CAPELATO, op.cit, p.142. 326Operacionalizamos aqui com o conceito de “clientelismo” conforme utilizado por José Murilo de

Carvalho. Para esse autor: “De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve

concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em troca de apoio

político, na forma sobretudo de voto”. CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo,

clientelismo: uma discussão conceitual. In: Pontos e bordados: escritos de história política. – Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p.134. 327DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p. 3.

151

Urbano Santos lhes concedera, dissera não acreditar nas palavras do tenente Henrique

Dias, tomando, portanto, as palavras do governador como indiscutíveis e como a verdade

dos fatos. Outra questão colocada pelos representantes do Diário de São Luiz e que

enfatizarão com frequência é a exigência pela prisão do tenente Taurino Lemos que

assinara juntamente com Henrique Dias os dois telegramas ao governador nos quais

silenciavam os crimes. Além do tenente Taurino Lemos, o jornal oposicionista questiona

porque o subdelegado Sebastião Gomes que também silenciara sobre os crimes em seu

primeiro depoimento estava solto. Feitos esses questionamentos e dado o desenrolar das

investigações até então, escrevem:

[...] ficamos com o direito de acreditar que o que se está passando é uma

farsa, que visa apresentar o dr. Presidente do Estado como alheio aos

acontecimentos da Matta, que visa sacrificar o mandatário em proveito

do mandante, uma farsa obrigada pelo grito de alarma do

correspondente do “Diário de S. Luiz”, pelos seus insistentes despachos

denunciando o crime que ficaria, como muitos outros,

desconhecidos!328”.

Alguns pontos da citação acima vão ser recorrentes nos discursos de Nascimento

Moraes, como, por exemplo: a responsabilidade do governador pelos crimes; o fato de ter

sido o Diário de São Luiz quem dera divulgação dos crimes na Mata, que poderia entrar

para a lista dos crimes esquecidos.

Tendo em vista a proximidade do pleito eleitoral que ocorreria em 1 de setembro,

Nascimento Moraes, em seu editorial de 29 de agosto, trata do cenário político que

antecedia às eleições no Maranhão naqueles dias (provavelmente esse cenário fora

comum, pelo menos, durante toda Primeira República). Logo de início, afirma:

“Aproximasse o pleito eleitoral. Não há ordem, nem há garantias no interior do

Estado329”. Os “lamentáveis acontecimentos” na Mata seguiam com seus ecos “por todas

localidades, alvorotando as populações”. E, embora ainda se buscasse fazer os

levantamentos das responsabilidades pelos crimes na referida localidade, já chegavam

novas notícias sobre “desordem, de arbitrariedades, de reações dos perseguidos pelos

exatores da lei, e pelos planos do situacionismo delirante na posse de suas velhas

posições330”. Cita como exemplo notícias provenientes do Engenho Central, de Mirador,

São Vicente de Ferrer.

328DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p.1. 329DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p. 1. 330DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p.1.

152

Esse discurso é importante para nos ajudar a pensar os aspectos dos pleitos

eleitorais no Maranhão, que em regra geral era comum em todo Brasil da Primeira

República, como marcado por um contexto que deixava em aberto todas as possibilidades

para os grupos políticos em disputas nessas localidades, por conta das suas rixas políticas,

lançarem mão daquilo que poderíamos chamar aqui em termos conceituais de “ajuste

violento”. Esse conceito é utilizado por Sidney Chalhoub (1986) para analisar as rixas

entre agentes sociais das classes trabalhadoras do Rio de Janeiro, rixas essas que não raro

resultavam em práticas de violência nas ações desses agentes. Chalhoub especifica a

noção de rixa como: “[...] a situação mais ou menos prolongada no tempo e que levará ao

desafio e, finalmente ao conflito direto entre os contendores331”. Pensando, portanto, a

noção de rixa como uma espécie de preparação para o ajuste violento, no caso a

consumação da prática da violência, essa discussão de Sidney Chalhoub nos ajuda a

pensar o contexto político maranhense nas proximidades das eleições, a partir do cenário

descrito por Nascimento Moraes como uma situação na qual antigos desafetos ou recém-

inimigos políticos colocavam em prática seus desejos de violência.

Por outro lado, entendemos também que se deve levar em conta a questão das

disputas pelo voto nessas localidades. A despeito das ressalvas que alguns

autores332fazem quanto à relevância do voto num cenário político marcado pelo domínio

das oligarquias estaduais que tinham a hegemonia política em seus estados e controlavam,

portanto, todo processo eleitoral333, talvez a relevância do voto para as vitórias nas urnas

pudesse ser um ponto a não se descartar tendo em vista que podia encurtar caminhos para

a oligarquia hegemônica em não precisar ter que acionar seus correligionários da

Comissão de Verificação de Poderes. Ressalte-se ainda que, como bem lembra Surama

Conde Sá Pinto:

[...] Mas se o número de votos não era fator decisivo na diplomação dos

candidatos, alguma margem de votação estes atores tinham que ter para

chegar até essa fase334 – ainda que na base do bico-de-pena –, caso

contrário ficariam não só destituídas de valor e sentido as articulações

331CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim – O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro

da belle époque. São Paulo. Editora: brasiliense. 1986. P. 211. 332Um exemplo desses autores é Paul Cammack. Para uma análise das discussões desse autor quanto à

relevância do voto no sistema político brasileiro da Primeira República, ver: CRAVALHO, 1998, op.cit. 333Para uma análise das “fases” do processo eleitoral na Primeira República, ver: PINTO, op.cit, p.40-58. 334A 8ª e última fase no “processo eleitoral” na descrição da autora.

153

evidenciadas nas etapas anteriores como comprometida, em boa

medida, a legitimidade do sistema como um todo335.

Compreendemos, assim, que, embora talvez não fosse fator decisivo nesse

cenário, o voto servia, ou o controle do mesmo nessas localidades, para pelo menos se

manter laços de fidelidade política entre poderes locais e o governo estadual. No caso

maranhense percebemos no jornal Diário Oficial do Maranhão constantes publicações

de telegramas de correligionários do governador solicitando reforço policial em tempos

de eleições para manter a ordem no pleito, sempre ameaçada, segundo os situacionistas,

pela oposição. Portanto, se o voto não tinha relevância na decisão final, pelo menos,

reafirmamos, há evidências documentais de que seu computo deveria ser usado, a

despeito das formalidades, como uma forma de legitimação do pleito.

Sendo assim, após descrever as atuações dos situacionistas às vésperas das

eleições, Nascimento Moraes expõe um balanço da situação do domínio na política

maranhense (da época), cuja intenção discursiva336 provavelmente seria responsabilizar

o governador Urbano Santos pelos desmandos cometidos pelos seus pares políticos, pois,

Pelo que onde não está implantada a desordem, certo se radicou o medo!

Há muitos anos que o Estado não apresenta um aspecto tão desolador.

Foi preciso que o viesse governar o sr. Urbano Santos para que, de uma

vez por todas, na maioria das localidades, se extinguisse a ordem e se

eliminasse a justiça. Foi preciso que o sr. Urbano Santos viesse tomar o

governo as rédeas, para que o assassínio, roubo, o saque reinassem

fartamente por todo o Estado. E quando se diz que o pleito eleitoral não

será livre, quando se diz que s. exc. vai fazer pressão aos colégios

eleitorais por intermédio dos meios que tem ao seu dispor; quando se

diz que dentro desse terror não pode haver liberdade, os articulistas

oficiosos aparecem e gritam que o estadista maranhense é um nome

nacional, e que são os seus inimigos que lhe gritam o descrédito337.

Esse discurso expresso por Nascimento Moraes parece recorrer a uma estratégia

de comparar a administração do governador Urbano Santos com as anteriores, tendo como

marco basicamente o período republicano, para argumentar que aquele momento seria o

que apresentava as piores mazelas políticas e sociais. Um discurso como esse se torna

compreensivo em nosso entendimento, embora não se coloque aqui em questão a

335 PINTO, op.cit., p.59. 336Utilizamos essa expressão para analisar os “textos” de Nascimento Moraes, conforme sugerida por

Mikhail Bakhtin: “Em cada enunciado – da réplica monovocal do cotidiano às grandes e complexas obras

de ciência ou de literatura – abrangemos, interpretamos, sentimos a intenção discursiva de discurso ou a

vontade discursiva do falante, que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras.

Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa ideia verbalizada (como a entendemos) é que medimos

a conclusibilidade do enunciado”. BAKHTIN, 2011, op.cit., p.281. 337DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p.1.

154

veracidade de seus referentes (situação política e social), se tivermos em vista seu

contexto de enunciação338, pois, quando do domínio político de Benedito Leite,

Nascimento Moraes fazia basicamente as mesmas considerações críticas. Tendo em vista

as disputas políticas às quais Nascimento Moraes estava envolvido, o recurso a um tipo

de linguagem incisiva como a exposta acima, poderia ser fundamental quanto aos

objetivos em jogo: avaliar o governo de seu adversário político às vésperas das eleições

e expô-lo ao (e)leitor maranhense e nacional. Nesse sentido, insistimos na ideia de que se

não dava para vencer o adversário no pleito, dadas as circunstâncias já apresentadas,

talvez restasse a Nascimento Moraes, enquanto representante da oposição jornalística,

pelo menos vencê-lo no campo das disputas discursivas e minar sua imagem divulgada

pelos jornais situacionistas; uma vez que se tratava de um artigo jornalístico em resposta

aos discursos situacionistas que apontavam o governo de Urbano Santos como um dos

mais dignos de apreço na história política republicana no Maranhão.

Nascimento Moraes argumenta não poder calar ao que se “oferece

escandalosamente ao clamor público”. Conforme esse jornalista, a “grita” seria geral

contra o governador Urbano Santos, quer seja dos funcionários públicos (Moraes era um

desses), dos “representantes do comércio e da lavoura”, etc. O governo de Urbano Santos

segue sendo caracterizado por esse jornalista como uma administração na qual

preponderava: “[...] a irresponsabilidade das autoridades policiais, a falta de garantias, de

ordem, de respeito, de justiça, a falta de tudo que integra uma sociedade e vincula entre

si os indivíduos de uma coletividade339”. O Maranhão administrado por Urbano Santos e

visto a partir dos escritos jornalísticos de Nascimento Moraes, aparece, portanto, como

um governo no qual reinaria nas localidades (povoados) e cidades do interior maranhense

uma espécie de vazio jurídico, pois, as tais garantias dos direitos constitucionais expressas

na Constituição Estadual e que garantiam a “inviolabilidade da liberdade política e de

opinião, da segurança individual e de propriedade”, pareciam meras formalidades

jurídicas. Nos vários episódios de violências no interior do Maranhão, o governador só

teria tido uma atitude mais enérgica em buscar uma punição quando uma das vítimas fora

um de seus amigos que havia sido fuzilado em Santo Antônio e Almas, por um homem

de nome chamado Tito Silva. No caso da Mata, o erro do governador havia sido que, por

338Nesse sentido, aqui recorremos novamente às orientações do “Círculo de Bakhtin” quanto aos

procedimentos de análise de textos: “A situação e os participantes determinam a forma e o estilo ocasionais

da enunciação”. BAKHTIN, 1992, op.cit., 114). 339DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p. 1.

155

pedidos de seus partidários, mandou que se armasse um “batalhão de mercenários” e

enviar uma tropa policial, que resultaram nos homicídios. Nascimento Moraes voltaria a

ter o tema da eleição como assunto em seu editorial do dia 31 de agosto, dia que antecedia

a eleição. Com um discurso basicamente de proselitismo político, tenta convencer o

eleitor da importância cívica do voto.

Nas páginas que seguem passamos a nos deter em outro momento importante do

nosso trabalho, que é a análise dos textos de Nascimento Moraes em relação ao conteúdo

dos inquéritos oficiais publicados pelo Diário Oficial do Maranhão, acerca dos

desdobramentos das investigações dos fuzilamentos na Mata. Nesse sentido, procedemos

ainda de forma seletiva em relação às matérias que apontam como os representantes do

Diário de São Luiz reagem aos referidos inquéritos, tal seleção se deve ao fato

basicamente de que, a despeito do número relativamente grande de matérias e telegramas

comentando o assunto, são constantes também as repetições de informações e

comentários de Nascimento Moraes nos editoriais.

3.4. O relatório dos inquéritos “oficiais” sob a análise “suspeita” do Diário de São

Luís

O relatório do Inquérito Oficial levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello,

publicado no Diário Oficial do Maranhão em sua edição do dia 13 de setembro (1921),

apresentando as responsabilidades pelos fuzilamentos basicamente ao tenente Antônio

Henrique Dias e ao sargento Ignacio da Costa e Souza, passa a ser objeto de discussão

nas páginas do Diário de São Luiz, tendo em vista o modo como fora feito e acusado de

parcialidade pelo órgão oposicionista. Conforme a imprensa governista, os representantes

do Diário de São Luiz exploravam os acontecimentos na Mata tendo como um de seus

objetivos ter assunto para venderem suas edições diárias. Entretanto, sem

desconsiderarmos aqui o aspecto comercial da notícia vinculada pelos jornais, e uma vez

que estes sendo uma empresa situada num sistema capitalista tinham por objetivo também

o lucro com as vendas de suas notícias, concordamos com o que Vavy Pacheco Borges

156

salienta em relação ao papel que a imprensa oposicionista340 exercia no contexto da

Primeira República: “[...] queria sobretudo fazer um proselitismo político341”.

Sendo assim, uma vez dado publicidade ao referido relatório oficial, Nascimento

Moraes, em editorial intitulado “Novos Horizontes” (14/9/1921), relembra algumas

versões sobre as primeiras informações do que estaria ocorrendo na Mata. Comenta que

enquanto partidários do governo faziam acusações a Manoel Bernardino e suas relações

com o desembargador Dioclides Mourão (PRM), que estariam organizando uma revolta

para tumultuar o pleito eleitoral de 1° setembro, Manoel Bernardino dava sua versão de

que se armara para se defender de seu desafeto Sebastião Gomes. Por conta dessas várias

versões, o governador teria enviado o major Augusto de Faria Bello para fazer inquérito

sobre o caso. Feitas essas considerações introdutórias, Nascimento Moraes diz que já se

começavam a questionar o referido inquérito, tendo em vistas as condições nas quais fora

feito:

O major Bello nada poude (sic) ver, por isso que lhe serviu de guia nas

pesquisas, o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, que é pessoa

suspeitadíssima para a averiguação dos desmandos que ali foram

cometidos. Mas está aí o capitão Sebastião Gomes. O seu depoimento

esclarecerá tudo. Está errado, bradam de um grupo. O depoimento de

Sebastião Gomes, deve ser tido como suspeito, porque ele foi

companheiro dos tenentes Taurino Lemos e Dias, nas operações

praticadas naquele povoado342.

A crítica à participação de José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes, ambos

desafetos de Manoel Bernardino de Oliveira, e que auxiliaram a força policial do Estado

com seus paisanos armados, vão ser constantes nas avaliações desse jornalista para

questionar as conclusões do inquérito oficial. Nascimento Moraes segue fazendo seus

questionamentos, a nosso ver bem pertinentes, para tentar buscar esclarecimentos sobre

o que motivara as escolhas das quatro vítimas fuziladas:

Foram espingardeados quatro homens, declara o tenente Dias. Mas por

que e não cinco, e não seis, e não dez, e não vinte? Que caracteres

especiais tinham esses quatro homens? Quem os apontou a esses

homens à força para serem fuzilados? Os tenentes Taurinos Lemos e o

tenente Dias não conheciam os quatros sacrificados. Alguém os

340Embora a autora se refira aos jornais paulistas que pesquisara entendemos que essas considerações

podem ser apropriadas por nós para pensar/analisar o caso do Diário de São Luiz. 341BORGES, Op. cit, p. 29. 342DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 14 de setembro de 1921, p. 1.

157

distinguiu entre os outros prisioneiros. Quem é esse alguém? E por que

os distinguiu?343.

Para Nascimento Moraes essas indagações não poderiam deixar de serem feitas

por aqueles “que com atenção e imparcialmente acompanham a marcha dos

acontecimentos”. Reforçando as pertinências das indagações acima, Moraes salienta que

as tropas policiais do Estado haviam sido enviadas para o interior por solicitação dos

partidários do governador e foram estes os que receberam as praças, estas chegando ao

povoado encontraram Sebastião Gomes e José Lopes Pedra Sobrinho que já estariam de

prontidão para auxiliá-los.

Em nosso entendimento, essas indagações de Nascimento Moraes sugerem que os

quatro fuzilamentos se trataram de um “ajuste pela violência” praticado pelos agentes

governistas, tendo em vista que entre as vítimas estavam amigos de Manoel Bernardino

de Oliveira, além do que, conforme consta em informações na matéria “Echos da

revolução”, no Diário de São Luiz: “[...] Avelino (Almeida) um dos fuzilados, teve antes

uma questão com um protegido de José Lopes Pedra (Sobrinho); e como dizem que foi

(José Lopes) Pedra quem escolheu os que deviam ser executados, Avelino não

escapou344”. Outro fuzilado fora Francisco Gonçalves (vulgo Francisco Paca), filho de

criação de Maria Pereira Ramos (também conhecida como Maria Paca). Esta, era esposa

de Antônio Gonçalves, que era muito amigo de Manoel Bernardino de Oliveira, conforme

consta no depoimento de Maria Pereira Ramos345.

O relatório do major Augusto de Faria Bello é alvo das críticas de Nascimento

Moraes, dentre outros fatores, por aquilo que o jornalista diz ser suas “faltas

imperdoáveis”, ou seja suas lacunas. Esse vai ser novamente o assunto de seu editorial

intitulado “Os crimes da Matta”, dia 17 de setembro. Um dos primeiros pontos que pesa

como acusação ao referido relatório é a ausência (silenciamento) de referências às

denúncias de roubos e saques que as pessoas do povoado da Mata haviam sido vítimas.

Manoel Bernardino de Oliveira teve sua casa saqueada, assim como Maria Paca havia

denunciado que lhes haviam levado bens de sua propriedade. Para Nascimento Moraes:

“Ora, parece-nos que o major Augusto Bello que foi a Matta para o fim de apurar

responsabilidades de criminosos, mandantes e mandatários, devia tomar conta desses

343DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 14 de setembro de 1921, p.1. 344DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de setembro de 1921, p. 2. 345DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.11.

158

miseráveis crimes. Mas nem uma palavra sobre eles!346”. De acordo com o jornalista, não

se podia acreditar que durante a estadia de Augusto Bello naquela localidade ninguém o

procurasse para se reclamar que tivera o lar saqueado. Sendo assim, Nascimento Moraes

pergunta qual será a postura do governo, se vai apurar essas denúncias ou não,

acrescentando também que era voz corrente “na Matta que cessando ali a ação do sr.

Sebastião Gomes, que por suas violências, aterroriza os habitantes do lugar, as provas dos

crimes até agora ocultas e desconhecidas, aparecerão347”.

As mesmas ressalvas quanto ao coletor fiscal José Lopes Pedra Sobrinho e ao

tenente Taurino Lemos, Nascimento Moraes faz em relação ao subdelegado Sebastião

Gomes, exigindo que o mesmo também fosse responsabilizado pelos fuzilamentos na

Mata.

Por conta dessas lacunas, Nascimento Moraes faz uma afirmação categórica

quanto ao relatório do major Augusto de Faria Bello, em seu editorial do dia 19/9, também

intitulado “Os crimes na Matta”, no qual o relatório do major ainda é objeto de análise:

O relatório do ilustre major Augusto Bello é uma peça que

absolutamente nada adianta no tocante ao caso da Matta. E assim sendo,

pode dizer-se que sob esse ponto de vista é uma peça inútil, porque em

nada auxilia à formação da culpa de quem quer que seja [...] Nesse

relatório não se encontra um só depoimento de moradores do lugar. É

para estranhar-se esse facto! Nem mesmo o desse homem em cuja casa

esteve em descanço e palestra o tenente Taurino Lemos!...348.

Caso tivesse procedido como sugere Nascimento Moraes acima, o major Augusto

de F. Bello poderia ter logo se perguntado por que o tenente Henrique Dias resolvera

mandar praticar os fuzilamentos, nesse sentido, deveria ainda questionar-se: “Quem eram

esses homens? Em que se ocupavam? Tinham ou não família? Onde moravam? Quais são

seus parentes?”. Contudo, o major Augusto de F. Bello não apresentava nenhuma

informação que respondesse as perguntas acima.

Além de não dar as informações sugeridas (exigidas) por Nascimento Moraes,

esse jornalista chama atenção para o fato do major Augusto Bello ter relatado não haver

encontrado os cadáveres no lugar onde haviam sido praticados os crimes, sendo “preciso

fazer, pesquisas mais sérias, para os encontrar”. Portanto, dada essa situação, Nascimento

Moraes entendia que: “Esse fato devia ter causado estranheza ao major Augusto Bello,

346DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de setembro de 1921, p. 1. 347Ibid. 348DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 19 de setembro de 1921, p. 1.

159

que deveria ter refletido mais profundamente sobre ele. Se foi o tenente Dias quem

mandou fuzilar, quem na Matta poderia ter interesse em ocultar as provas?”349. Feito esse

novo questionamento, o redator-chefe do Diário de São Luiz comenta que à primeira vista

o relatório oficial até causaria uma boa impressão, mas se lido com atenção “manifesta

gravíssimos defeitos”. A publicação dos documentos sobre as investigações dos crimes

em questão teria para o jornalista da oposição o objetivo de “iludir a opinião pública”. O

fato do major Augusto de F. Bello relatar que havia sido o tenente Antônio Henrique Dias

o principal responsável pelos crimes praticados pelas tropas policiais na Mata, leva o

jornalista Nascimento Moraes a afirmar:

Há, porém, muita coisa mais que surpreende e faz pasmar. Diante desse

escandaloso simulacro de justiça pública, para se condenar somente

aquele que fez declarações contra o governo, manifestará depois de

completamente praticado um dos aspectos característicos do governo

do Estado350.

Ou seja, conforme sugere, a partir das suas suspeitas de parcialidade no relatório

do major Augusto Bello, o alvo seria o tenente Henrique Dias devido às suas declarações

referentes ao governador maranhense. Esse posicionamento de Nascimento Moraes

parece ter como intenção discursiva colocar em questão aquilo que era visto como a

versão oficial dos governistas em relação aos fuzilamentos na Mata, tendo em vista que

no referido relatório não fora contemplado nomes considerados pela oposição como

partícipes e coniventes com os crimes, dentre os tais destacavam-se: o de Sebastião

Gomes, do tenente Taurino Lemos, e do coletor de imposto José Lopes Pedra Sobrinho.

Quanto ao fato de que o tenente Taurino Lobão Lemos ainda estava solto, o Diário de

São Luiz351 já havia colocado em circulação em suas páginas que um dos possíveis

motivos (supunham) seria que esse tenente estava solto para evitar que, uma vez preso

pudesse confirmar as declarações do tenente Henrique Dias, portanto, a sua liberdade

tratava-se de uma compra de seu silêncio.

Novamente o relatório do major Augusto de F. Bello seria o tema da discussão de

Nascimento Moraes em seu editorial do dia 20 de setembro, intitulado (novamente) “Os

crimes da Matta”. Reforçando algumas desconfianças e tecendo outras considerações, o

jornalista inicia seu texto (re)afirmando: “Ainda não está devidamente apurado o caso da

349DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 19 de setembro de 1921, p.1. 350Ibid. 351DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de setembro de 1921. P. 3.

160

Matta352”, pois o “relatório” em questão “É lacunoso quanto aos detalhes, e ainda mais

lacunoso quanto aos fatos”. A primeira evidência (re)apresentada pelo jornalista se refere

ao fato de não ter relatado quem era o comandante das tropas oficiais que foram enviadas

para o povoado da Mata. Essa exigência de Moraes parece visar justamente chamar

atenção para a responsabilidade do tenente Taurino Lemos, pois era quem comandava as

tropas policiais. Se o major relatasse esse fato, contribuiria para se entender quais seriam

as responsabilidades de cada tenente.

Nascimento Moraes, então, pautado em um discurso de objetividade expõe o que

entende por relatório, citemos: “Entende-se relatório a narração metódica e racional de

um fato. E assim sendo quem relata deve colocar cada indivíduo envolvido no delito ou

no caso em questão, em seu lugar353”. Ao recorrer à estratégia discursiva de falar em nome

de uma certa objetividade na “narração metódica e racional de um fato”, Nascimento

Moraes aponta os aspectos parciais do relatório do major Augusto Bello. Por outro lado,

apresenta sua análise como se obedecesse aos princípios de objetividade, tentando,

portanto, escamotear que mesmo seus discursos expressavam seus princípios político-

partidários, suas leituras dos acontecimentos na Mata eram filtradas a partir desses

interesses, o que, entretanto, não significa desconsiderar a possibilidade da veracidade

dos seus relatos.

Nesse sentido, esse ponto pode ficar mais perceptível se seguirmos seu argumento

acerca das hierarquias das responsabilidades, uma vez que de acordo com sua noção de

relatório (“narração metódica e racional de um fato”), colocar cada envolvido no seu

devido lugar ajudaria a investigar sua responsabilidade nos acontecimentos da Mata.

Outra crítica feita por Nascimento Moraes ao major Augusto Bello refere-se ao fato de

em seu relatório ter se limitado a relatar dos depoimentos das praças que foram à Mata

apenas o que disseram acerca dos tiroteios no Bananal, pois, para esse jornalista: “Esses

soldados podiam e podem contar o que viram, o que ouviram, o que verificaram nesses

dias que passaram no povoado e suas circunvizinhanças. Porque limitar o seu depoimento

apenas ao tiroteio do bananal354?”. Essa consideração de Nascimento Moraes se reforçaria

principalmente porque haviam chegado novas notícias de que houvera mais mortes355,

352DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 20 de setembro de 1921, p. 1. 353Ibid. 354Cabe ressaltar que, como vimos acima no segundo capítulo, esse “episódio” dos tiroteios fora inventado

para tentar justificar as mortes como sendo casuais. 355Como vimos no segundo capítulo essas notícias de que houvera mais mortes além dos quatro fuzilados

não foram comprovadas pelas investigações do delegado geral Costa Gomes e, posteriormente os próprios

correspondentes do Diário de São Luiz lhes informaram que não passavam de “boatos”.

161

estas teriam sido praticadas pelo pessoal de Sebastião Gomes. Conforme chegavam

notícias, o povo da Mata ainda estaria sob terror e sem poder falar sobre os

acontecimentos, pois enquanto José Lopes Pedra Sobrinho, homem temível naquela

localidade, continuasse por lá, “cobrando impostos, acompanhado de homens armados de

rifles, ninguém será capaz de dizer o que sabe”.

Ao comentar que a população estava sendo coagida com ameaças para não falarem

o que sabiam, Nascimento Moraes acusa o governador por não tomar nenhuma atitude,

pois só queria apontar como responsável o tenente Henrique Dias. Desse modo, questiona

o jornalista:

Se o tenente Taurino Lemos comandante da força está em liberdade; se

o capitão Sebastião Gomes não tem responsabilidade alguma e aparece

dentro do cenário como acusador; se assim é, como esperar que se faça

integral justiça? Como esperar que o governo do Estado procure

responsabilizar por seus desmandos os que roubaram os lares dos

pobres, os que saquearam a propriedade alheia e os que não contentes

com os roubos ainda destruíram o que puderam?356.

Colocada suas dúvidas quanto à justiça que se estava fazendo, Nascimento Moraes

acrescenta em tom de denúncia a situação vivenciada por essa população que parece

apontar novamente para uma situação de “vazio jurídico”, no qual as já citadas garantias

constitucionais não tinham efetividade no cotidiano desses sujeitos: “Desgraçada

condição de uma terra em que se verifica não haverem garantias! Miserando aspecto de

um Estado em que os que tem a obrigação de zelar pelo destino do povo são os primeiros

a desprezá-los, porque a politicagem está para eles acima dos interesses legítimos da

população357”.

Pelo exposto nesse editorial, com ênfase para as denúncias salientadas, nota-se

novamente uma questão que passara a ser corriqueira nos discursos de Nascimento

Moraes: uma espécie de campanha para que o tenente Taurino Lemos, Sebastião Gomes

e José Lopes Pedra Sobrinho também fossem responsabilizados e submetidos a

julgamento pelos crimes de fuzilamentos, por conta das razões já apresentadas. O

governador Urbano Santos, assim como o relator do inquérito Augusto de F. Bello,

também seriam alvos das críticas Nascimento Moraes nos editoriais seguintes, ambos

acusados de conivência.

356Ibid. 357Ibid.

162

Em editorial do dia 28 de setembro, intitulado “Os crimes da Matta”, o assunto

passara a ser a ida do delegado geral Costa Gomes para apurar as notícias de novos crimes.

Uma primeira ressalva do jornalista se devia ao fato do delegado geral não ter levado

ordens para apurar as denúncias de saques das populações da Mata possivelmente

praticados pelo pessoal armado por Sebastião Gomes. A pedido do desembargador

Dioclides Mourão, o governo iria mandar “distribuir aos lavradores os instrumentos que

lhes foram tirados”. Esse fato seria uma evidência para Nascimento Moraes de que os

saques haviam ocorridos e não seriam boatos como divulgara a imprensa governista. Esse

jornalista se questiona porque, dadas as acusações contra Sebastião Gomes como

responsável pelos saques, o governador ainda o protegia. Por uma dessas e outras,

Nascimento Moraes comenta que por mais que se procurasse acreditar na boa vontade do

governador de “entregar todos os criminosos à ação da justiça, vem os fatos e gritam

contra a palavra de S. Exc.”. E, portanto, escreve:

Ninguém mais duvida da parcialidade do governo do Estado!... O caso

do capitão Sebastião Gomes é desses que não deixam dúvidas no

espírito de quem quer que seja. Além de haver, a princípio escondido,

com o tenente Taurino Lemos, os quatro fuzilamentos; além de

seriamente acusado por Manoel Bernardino e Maria Paca, está já

provado que ele se armara contra Manoel Bernardino, antes de receber

ordens do sr. Presidente do Estado358.

Podemos acrescentar que os desdobramentos dos acontecimentos na Mata, os

julgamentos do tenente Henrique Dias e do sargento Ignácio da Costa e Souza, dariam

razões para as suposições do jornalista Nascimento Moraes. Sendo assim, passamos para

a análise de seus textos sobre os referidos julgamentos.

3.5. Enfim, as notícias do Julgamento do tenente Henrique Dias na imprensa

maranhense: a “cobertura” d’O Jornal e a fala do Diário de São Luiz

As matérias d’O Jornal, quanto aos resultados do Julgamento do tenente Henrique

Dias, se limitara basicamente a publicar um telegrama de Augusto de Faria Bello enviado

ao governador Urbano Santos informando-o da absolvição do tenente Antônio Henrique

Dias. Nesse telegrama de repúdio a tal absolvição constam as assinaturas de: Tenente

Coronel Bello, major Ulisses, capitão Nogueira, tenente Souza, tenente Sampaio, tenente

358DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de setembro de 1921, p. 1.

163

Gaudêncio, tenente Taurino. Com as novas declarações do tenente Henrique Dias, em seu

Auto de defesa, O Jornal passara a utilizar suas palavras para reforçar seu discurso de

que as acusações ao governador foram invenção da oposição raivosa que o influenciara a

fazer as declarações caluniosas sobre o governador. Sendo assim, passamos a leitura do

Auto de defesa do tenente Henrique Dias.

Quando da chegada ao dia de seu julgamento, o tenente Antônio Henrique Dias

apresentou ao Júri uma espécie de autodefesa na qual relatava novamente sua atuação nos

acontecimentos da Mata e, talvez principalmente para as circunstâncias em que se

encontrava, negava o que dissera acerca das ordens que o governador Urbano Santos teria

lhe dado. Tendo em vista que esse tenente reproduz algumas das informações que já dera,

como por exemplo: quanto ao dia em que foi chamado ao Palácio pelo governador, após

as notícias de revolta na Mata; a chegada das tropas policiais à Mata, praticando algumas

prisões de alguns “cangaceiros”, inclusive, afirma, quatro dos “mais perigosos”, etc. No

decorrer destes relatos, afirma o tenente Dias: “Como Epaminondas, tenho aversão à

mentira, costumo dizer a verdade, seja embora contra a minha própria pessoa359”. As

palavras verdade e mentira são corriqueiras nesses discursos, como temos visto, sempre

o emissor do discurso atribuindo a si a posse da primeira, por outro lado, o adversário

seria o responsável pela segunda.

Exposta sua aversão à mentira, o tenente Henrique Dias segue falando de si, de

seus bons serviços prestados no Exército brasileiro durante 20 anos, citando documentos

que comprovaria sua conduta exemplar. Já faziam seis anos que era oficial do Corpo

Militar do estado maranhense, tendo desempenhado várias missões pelo Estado. Feitas

essas informações, Henrique Dias se refere às declarações que fizera ao Diário de São

Luiz:

A declaração que fiz na Capital, após minha detenção, sob o fato de ter

a força publica praticado, na Mata, fuzilamentos, de ordem do Exmo.

Senhor Dr. Presidente do Estado, foi arrancada por insistentes

conselhos de adversários políticos do Governo, que prevalecendo-se da

minha aflição do momento, diziam-se, falsamente, que só por meio de

semelhante delação eu me salvaria [...]360.

Uma vez influenciado pela oposição aproveitadora, acrescenta o tenente:

359O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p. 1-2. 360Ibid, p. 2.

164

Foi assim, que desalentado, atordoado pelo inesperado de uma prisão e

capciosamente aconselhado, atirei à individualidade moral do Exmo.

Sr. Dr. Presidente do Estado a responsabilidade dos fuzilamentos

ocorridos na Mata [...] Foi assim que irrefletidamente, pela vez primeira

na minha vida pratiquei uma leviandade, e da qual arrependidíssimo,

me venho retratar361.

O tenente Henrique Dias, portanto, apresenta o que a nosso ver pode ter sido o seu

“trunfo”: negar suas declarações que responsabilizavam o governador como mandante

dos fuzilamentos. Entretanto, embora sugira que fora influenciado pelos opositores do

governador Urbano Santos, entenda-se Nascimento Moraes e os membros do PRM, o

tenente não especifica os nomes de quem seriam esses exploradores do seu “estado de

aflição”. Essa ressalva é importante porque os articulistas d’O Jornal e da Pacotilha vão

dizer que o tenente Henrique Dias havia desmascarado a farsa da oposição. Saliente-se

ainda um fato importante nessa questão que é a forma como se dá esse jogo de apropriação

dos discursos emitidos pelo tenente Henrique Dias pela imprensa governista: o mesmo

tenente que passara a ser visto por essa imprensa como mentiroso, caluniador, assassino,

bastou negar o que disse sobre o governador, esse “homem de carreira política” ilibada

como defendera O Jornal, para que suas palavras voltassem a figurar no rol das que

ganhariam o qualificativo de verdadeira. Por ter reconhecido seu erro, Henrique Dias diz-

se confiante na clemência do Júri.

Ao pedir clemência ao Júri, após confessar seu erro em acusar o governador, e

durante toda leitura que podemos fazer do Auto de defesa do tenente Henrique Dias,

parece ficar claro que para o tenente seu crime havia sido as acusações ao governador,

deixando em segundo plano os quatro fuzilamentos praticados pelas tropas que

comandava. Em nosso entendimento, essa suposição sustenta-se a partir das evidências

apresentadas em seu Auto de defesa, principalmente devido ao fato do tenente reforçar a

ideia de que Manoel Bernardino e sua “horda de bandidos” tinham como objetivo fazer

incursões à pacata cidade de Codó, com pretensões de praticar massacres e, portanto,

afirma categoricamente Henrique Dias, apelando inclusive para a sensibilidade do Júri,

pois havia salvo seus queridos entes familiares:

Mandei fuzilar, é verdade; mas mandei fuzilar bandidos que

impiedosamente vos ameaçaram na propriedade e na preciosa vida! Por

vós, meus ilustres julgadores, por vossas queridas esposas, por vossas

idolatradas filhas, por vossos venerandos progenitores, por vossos caros

parentes e por vossos amigos, deslembrando-me da minha família,

361O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2.

165

desprezando a minha doce vida, internei-me pelo sertão, desbaratei os

agrupamentos aguerridos, extingui a sedição da Mata362.

Embora negue as declarações contra o governador, aqui o tenente Henrique Dias

parece ter um ponto de vista em comum com o que dissera o governador Urbano Santos

em sua entrevista à Pacotilha, seus discursos parecem expressar sentidos de um universo

discursivo no qual era muito corriqueiro o ajuste pela violência363 nas relações sociais

desses agentes cuja subjetividade estava sendo construída, pautada numa cultura política

na qual o recurso à violência era um dispositivo acionado com frequência pelas

autoridades em relação ao tratamento que se devia dá aos “bandidos”, conforme diziam,

“cangaceiros” que causavam desordens no “sertão”: o tratamento à bala. Baseado nessa

lógica moral (cultural) que recorria com uma certa banalidade ao ajuste pela violência, o

tenente apresenta um discurso de reconstrução de sua imagem de vilão (pelas declarações

contra o governador) para a de herói, uma vez que livrara as pessoas (parentes, amigos)

ligadas ao Júri de possíveis ataques dos “sediciosos da Mata”. Esse aspecto da banalidade

em seu discurso é possível ser percebido novamente, ao tentar justificar os fuzilamentos,

quando o tenente indaga o Júri em tom de uma certa ameaça quanto ao resultado de sua

(do Júri) decisão sugerindo ainda que este deveria escolher entre duas opções, vejamos:

Terei sido cruel, assim procedendo? Diz-me a consciência que não: pois

que para os grandes males se aplicam fortes remédios, como diz o velho

prolóquio. Ponderai bem sobre esses fatos e proclamai minha

absolvição, porque se condenardes-me darei ganho de causa ao

banditismo que vos aterroriza e desonra. Absolvendo-me, pagar-me-eis

conscienciosamente, os serviços que vos prestei com sacrifício da

minha liberdade, porque sacrificando-me por esse modo imolei-me para

vossa segurança paz e tranquilidade e de vossas famílias, por longos

anos364.

Uma vez negado suas declarações sobre o governador, talvez, insistimos, para o

tenente isso teria se configurado como seu único crime e, provavelmente, como vai

defender a oposição, seria por ele que estava ali no Júri, Henrique Dias reforça o discurso

362O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2. 363Maria Isaura Pereira de Queiroz, em seu texto “O coronelismo numa interpretação sociológica”, no qual

analisa as “características” do coronelismo na Primeira República, chama atenção para essa noção de

“ajuste violento” como um dos aspectos desse período, contudo, como bem ressalta a autora o recurso ao

“ajuste violento” não se restrinje à Primeira República. Citemos: “A naturalidade com que sempre se

recorreu ao ‘ajuste violento’ para com o inimigo mostra como ele foi realmente habitual na sociedade

brasileira”. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In:

História da Civilização Brasileira (direção Boris Fausto). O Brasil Republicano, Tomo III. 1° volume –

Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). 2ª edição. Difel, São Paulo. 1977. P.170. 364O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2.

166

de não ter procedido de forma errada quanto aos fuzilamentos, colocando o Júri de forma

estratégica na missão de escolher entre a ordem e o banditismo. Após apelar para os

sentimentos familiares do Júri, o tenente se coloca, então, como vítima, tendo em vista

que deixara o seio familiar para se embrenhar nos “sertões maranhenses” à procura de

“bandidos perigosos”, tudo para a “segurança e paz” dos familiares do Júri e demais

pessoas da população maranhense. Feitos esses apelos, o tenente Henrique Dias encerra

solicitando a clemência do Júri, apostando nos seus sentimentos de “humanidade e

caridade cristã”, bem como, também recorrendo aos seus “direitos civis” nos artigos do

Código Penal.

Passamos nas páginas seguintes a analisar como o Julgamento do tenente

Henrique Dias fora noticiado pela imprensa oposicionista.

Em sua edição do dia 27 de outubro, em matéria intitulada “Os crimes da Matta”,

os articulistas do Diário de São Luiz publicam um telegrama que lhes fora enviado por

seu correspondente da cidade de Codó informando-os que o tenente Henrique Dias havia

sido absolvido, em julgamento do dia anterior. O “júri popular”, conforme informa o

referido telegrama, havia sido “composto exclusivamente por pessoas dependentes dos

interessados na absolvição, sendo a maioria formado por empregados da Fábrica do

Codó365”. O resultado desse julgamento levava o correspondente do Diário de São Luiz a

afirmar que: “[...] coloca o Presidente Urbano (Santos) na posição de responsável pelos

crimes, visto ser obra de seus correligionários”. Sendo assim, o correspondente do jornal

oposicionista encerra seu telegrama falando em “indignação pública” com a absolvição

do tenente Henrique Dias. Ao dia seguinte, 28 de outubro, o Diário de São Luiz publica

outro telegrama enviado de Codó, no qual seu correspondente volta a falar da absolvição

do tenente Dias reforçando algumas colocações já expressas, mas trazendo como uma

“novidade” o fato de que com a absolvição do tenente, seus amigos comemoravam a

decisão do júri, inclusive, escreve: “[...] no momento que escrevo estrugem centenas de

foguetes. Ouve-se corneta tocando alvorada366”.

A par das notícias acima, Nascimento Moraes comenta, em editorial do dia 29 de

outubro intitulado “O Julgamento”, o que seria o ponto de vista do Diário de São Luiz

quanto ao assunto em questão. Logo de início, reforça o discurso de que causara “pasmo”

na cidade de São Luís as notícias da absolvição do tenente Henrique Dias, do sargento

Ignácio da Costa e Souza e “as demais praças que fizeram parte da escolta de

365DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de outubro de 1921, p. 3. 366DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de outubro de 1921, p. 1.

167

fuzilamento367”. O caso da absolvição dos envolvidos nos crimes na Mata estaria sendo

o assunto “predileto” das “rodas sociais”. Segundo Nascimento Moraes havia uma certa

impressão pelos desdobramentos do caso porque esperava-se a condenação do tenente

Henrique Dias, pois, conforme o jornalista:

E esperavam porque ele (Dias) ousou declarar que a força espingardeara

quatro homens, porque tinha ordens para fazê-lo, e o sr. Urbano Santos

não lhe perdoaria essa palavra terrível que ecoou como um dobre por

todo o país, palavra terrível que denunciou o austero político

maranhense como um discípulo adiantado de uma época partidária em

que todos os defeitos e mais um eram poucos!368.

Portanto, para Nascimento Moraes seria presumível que o governador Urbano

Santos não deixaria passar em branco o que o tenente Henrique Dias havia declarado a

seu respeito. Nesses termos, o jornalista faz umas considerações que são fundamentais

para compreendermos porque no seu entendimento seria de se esperar, caso o governador

de fato estivesse interessado na punição do tenente Henrique Dias como havia prometido

ao Presidente Epitácio Pessoa e aos demais correligionários (para não falarmos em

opinião pública), que este tenente fosse condenado, vejamos:

E como poderia o sr. Urbano Santos influir para que o sr.tenente Dias

fosse absolvido ou condenado? Neste país nosso, e especialmente no

nosso Estado, a politicagem chegou a cometer erros, violências tantas

que ninguém duvida que ela possa influir no Juri. E depois sendo o

elemento político dominante no Codó o que é chefiado pelo dr. Urbano

Santos, ainda mais se arraigava essa convicção. Mas...contra a

expectativa geral, o telegrafo nos anuncia que o tenente Henrique Dias

foi absolvido369.

Nascimento Moraes, conhecedor das práticas políticas de seu Estado, toca num

aspecto central dos procedimentos do Judiciário maranhense de seu tempo: a conivência

com os crimes quando se tratava de partidários, bem como a possibilidade de intervir em

tais processos de acordo com seus interesses em jogo. Para o jornalista, não havia dúvidas

que, caso fosse do interesse do governador a condenação do tenente Henrique Dias, não

teria sido difícil para ele influenciar nas ações do Júri de Codó, pois, eram seus partidários

os que dominavam a política naquela cidade. Ao apresentar algumas questões que eram

apresentadas como os motivos da absolvição, Nascimento Moraes diz que uma primeira

367DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de outubro de 1921, p. 1. 368Ibid. 369Ibid.

168

resposta teria sido o fato do tenente Dias ter negado o que dissera sobre o governador,

pois, como vimos, esse tenente alegara em sua autodefesa que havia sido influenciado por

adversário políticos do governador a fazer as declarações que incriminavam Urbano

Santos; outros afirmavam que, dada a conivência das autoridades de Codó, pois teriam

participado da atuação das tropas policiais na Mata, haviam absolvido o tenente mesmo

a contragosto do governador; por outro lado, Nascimento Moraes argumenta que teria

uma terceira explicação: o júri tendo percebido que o governo protegia Sebastião Gomes

e José Lopes Pedra Sobrinho, assim como o tenente Taurino Lemos, “o povo resolveu ter

um gesto de maior Justiça – absolveu o tenente Henrique Dias!!”. Contudo, Nascimento

Moraes entendia que muita coisa ainda deveria ser esclarecida, uma vez que as versões

acima se tratavam de esclarecimentos preliminares e, para o jornalista: “Precisamos de

mais de perto lançar luz sobre esse fato verdadeiramente singular”370.

Nessa mesma edição do Diário de São Luiz, em uma matéria com a denominação

de “O ten. Henrique Dias”, os representantes desse jornal se defendem quanto ao que

dissera os jornais governistas O Jornal e A Pacotilha que o tenente Henrique Dias havia

dito que suas declarações ao jornal da oposição fora resultado de que adversários do

governo teriam se aproveitado de seu “estado nervoso” para lhe influenciar a dar as

referidas declarações contra Urbano Santos. Após essas acusações, os representantes do

Diário de São Luiz dizem ter enviado um telegrama ao tenente Henrique Dias solicitando-

lhe que explicasse o que os jornais governistas haviam publicado, mas o tenente Henrique

Dias acabou por não responder ao telegrama do órgão oposicionista.

O Diário de São Luiz novamente se defende das acusações acima, alegando que o

tenente Henrique Dias em seu “auto de defesa” não cita ninguém nominalmente desse

jornal como sendo o responsável por suas declarações no referido jornal. Nesse sentido,

questiona quais seriam os motivos que teriam levado o tenente Henrique Dias a silenciar

em seu “auto de defesa” sobre Sebastião Gomes e Taurino Lemos que não o haviam

poupado nas acusações. Desse modo, esse jornal encerra a matéria com uma conclusão

lapidar acerca do tenente Henrique Dias e de outros aspectos que envolviam os

acontecimentos na Mata, bem como a certeza de que a impunidade e tudo o que cercara

os fuzilamentos entraria para o rol dos esquecimentos:

O tenente Henrique Dias só tinha um caminho a seguir – era negar o

que antes havia afirmado! E negou, negou a pé firme, sem comprometer

370DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de outubro de 1921, p.1.

169

a ninguém, porque lançou vagamente uma acusação que não fere

individualmente a ninguém! Haverá por ventura, quem não veja

claramente a situação do tenente Henrique Dias, diante do júri da terra

do comandante Magalhães Almeida? Parece-nos que não. Tudo está

consumado. Notificaram-se na Matta 4 mortes. Morreu mais alguém?

Mistério insondável velou os túmulos. Os mandatários estão soltos. Os

mandantes confundiram-se no mistério, e tudo ficou como dantes.

Amanhã – ninguém mais falará nisso371.

Em termos de considerações finais em relação à leitura que Nascimento Moraes

fizera acerca do julgamento dos envolvidos nos fuzilamentos dos quatro homens

vitimados, poderíamos dar a palavra novamente ao jornalista para compreendermos o

desfecho de tais julgamentos praticados por correligionários do governador Urbano

Santos. A partir de um texto escrito por esse jornalista quase um ano antes dos

acontecimentos na Mata, cujo título sugestivamente é “O Favor Oficial”, no qual o tema

básico era a atuação dos partidos políticos da época bem como das questões partidárias,

podemos ter uma noção dos fatores que levaram às absolvições acima. Esse editorial fala

também do que seria o surgimento de uma “criatura”: o favor oficial. Ao descrever a

função dessa criatura, Nascimento Moraes nos apresenta uma questão muito corriqueira

na cultura política de sua época (e bem atual) e que pode explicar o julgamento:

É por intermédio deste figurão que os partidos adquirem as graças do

governo, que se conseguem prebendas, que defendem interesses, que se

encaminham aspirações, que se protegem simpatias, que se perseguem

desafetos, que se adquirem empregos, que promovem demissões, que

aproximam canhestros, que se afastam competições, que se infamam

caracteres, que se absolvem criminosos, que se forgicam (sic)

prevenções, que se enfraquecem resistências, que se cometem absurdos,

que se praticam iniquidades372.

Portanto, esse possivelmente fora alguns dos fatores que, senão o principal fator,

contribuíram para que os crimes de fuzilamentos praticadas pelas tropas policiais do

Estado ficassem impunes, entrando, apenas, para as páginas dos jornais da época como

(mais) um dos acontecimentos cujo desfecho resultaram em mais um dos massacres do

período republicano praticados com a conivência dos poderes públicos. E, como bem

ressaltou Giniomar Ferreira Almeida (2010), os criminosos além de saírem impunes ainda

tiveram suas promoções: o tenente Henrique Dias fora alçado a um posto mais alto na

371DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de novembro de 1921, p. 1. 372DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 11 de dezembro de 1921, p. 1.

170

hierarquia militar, e o então governador Urbano Santos ainda sairia vitorioso nas eleições

presidenciais de 1922, não ocupando o cargo porque falecera em maio daquele ano.

171

Considerações finais... dois “maranhões”: um dos discursos situacionistas e o outro

da oposição...

Ao longo de nossa pesquisa para o presente trabalho que agora damos publicidade

ao leitor, o contato com as fontes, as leituras de textos sobre a política brasileira na

Primeira República, bem como de textos de teoria da História e orientações para pesquisa

historiográfica, tentamos evitar na medida do possível alguns pecados capitais na escrita

historiográfica, com destaque aqui para um específico: o anacronismo. Contudo,

percebemos que estudar a política maranhense na Primeira República, pelo viés da escrita

de um jornalista que fazia oposição ao governador Urbano Santos, então chefe da política

maranhense, parece ter me colocado em alguns momentos numa situação “terrível” de

“síndrome da observação participante”, dadas as permanências que vigoram nos dias de

hoje de vários aspectos da “cultura política” daquela época.

Por outro lado, percebemos que a História Política e as atuações dos intelectuais

na Primeira República podem se configurar como temas inesgotáveis para as pesquisas

na área da historiografia maranhense. Nesse sentido, nosso trabalho se apresenta como

uma possível contribuição para historiografia local quanto aos estudos da atuação desses

intelectuais (em nosso caso Nascimento Moraes) e suas análises da política de seu tempo.

Embora saibamos que as fontes para esse tipo de pesquisa podem ser as mais variadas,

entendemos que os jornais são fundamentais em tais pesquisas principalmente aqueles

diretamente relacionados aos partidos políticos, pois expressam discursos políticos e

oferecem um arsenal de informações quer seja sobre seus partidários ou mesmo contra

seus opositores. Ressalte-se ainda que, como vimos no primeiro capítulo, os jornais se

tornaram um espaço de atuação para os intelectuais maranhenses divulgarem suas

produções literárias, para exporem seus posicionamentos políticos (pró ou contra os

grupos políticos da época), enfim, um espaço de sociabilidade e divulgação de ideias.

Nesses termos, Nascimento Moraes através de sua escrita foi nosso principal

informante das práticas políticas de seu tempo. Os discursos desse jornalista (professor e

literato) sobre os acontecimentos na Mata colocados em circulação pelo jornal Diário de

São Luiz serviram para nós como evidências documentais para analisarmos como esse

jornalista compreendia esses acontecimentos à luz do domínio oligárquico chefiado por

Urbano Santos, a partir é claro de seus princípios político-partidários. Percebemos que os

fuzilamentos na Mata praticados pelas tropas policiais contra agentes sociais ligados ao

lavrador Manoel Bernardino de Oliveira e que não haviam praticado crime algum a não

172

ser serem amigos desse lavrador e por isso se tornarem alvo do mesmo ódio que os

desafetos de Bernardino nutriam por este lavrador, pelas razões já apresentadas, e todo

desdobramento desse acontecimento no contexto político em questão, nos pareceu um

ponto de destaque na campanha de oposição praticada por Nascimento Moraes.

O governador Urbano Santos já vinha sendo alvo das críticas desse jornalista,

sendo assim, os acontecimentos na Mata nos pareceu um dos momentos de maior

destaque naquele ano (1921) para um jornalista que cotidianamente denunciava em seus

artigos jornalísticos um governo que a seu ver seria um dos mais desastrosos em termos

econômicos e sociais para o Maranhão até aquele período da República. Desse modo, ao

compararmos o Maranhão dos discursos situacionistas com o Maranhão descrito nas

páginas jornalísticas de Nascimento Moraes percebemos uma discrepância significativa.

Notamos que os constantes elogios dos jornais situacionistas apresentavam o

governador como um político ilustre, administrador competente, como poucos que o

Maranhão tivera até então, some-se a isso também, o fato de ser pela segunda vez

escolhido pela chapa oficial para ser o candidato à vice-presidência, após os acordos

estabelecidos pelas oligarquias hegemônicas de São Paulo e Minas Gerais que escolheram

o mineiro Artur Bernardes para concorrer à presidência nas eleições de março de 1922.

Nesse sentido, conforme os discursos dos situacionistas, esse agente político (Urbano

Santos) jamais deveria ser responsabilizado pelos fuzilamentos praticados pelas tropas

policiais, como propagava caluniosamente a oposição.

Para não repetirmos alguns pontos das matérias dos jornais situacionistas sobre o

governo de Urbano Santos (1918-22), deixamos para essas considerações finais uma ideia

que o próprio governador apresentou sobre seu governo e da situação do Maranhão da

época de sua administração. O jornal A Pacotilha publicou outra entrevista que dera o

governador maranhense, então candidato à vice-presidência, dessa vez para o jornal a

Folha do Rio de Janeiro cujo principal assunto era o momento político e as eleições de

março (1922). Após afirmar sua certeza da vitória de sua chapa (Artur Bernardes-Urbano

Santos), considerando que os votos no Maranhão seriam esmagadoramente para sua

chapa, ao governador maranhense é feita a indagação para que fale de seu projeto de

governo colocado em execução no Maranhão, ao que o governador responde:

173

Tenho prazer em poder afirmar que parte desse programa, e não

pequena, está realizada. A outra parte tem sua realização já iniciada. O

governo está felizmente aparelhado para a execução dos demais. Nestes

dois anos em que tenho exercido o governo tem sido minhas principais

preocupações a rápida e regular arrecadação das rendas, a severa

aplicação dos dinheiros públicos, o aparelhamento dos elementos

necessários à perfeita manutenção da ordem, o desenvolvimento da

agricultura e pecuária, a valorização dos nossos produtos de exportação,

a facilidade das comunicações, a higiene, a instrução pública373 [...]

Feitos esses esclarecimentos ao entrevistador, este, não sabemos se em tom de

incredulidade ou mesmo para fixar o discurso do governador maranhense, indaga

novamente:

Folha: O Maranhão, portanto, progride a olhos vistos?

Urbano Santos: Posso ter orgulho de afirma-lo, orgulho que não é

somente meu, mas de todos os maranhenses. Temos feito muito, em

tempo relativamente curto [...] O meu ilustre sucessor no governo, o dr.

Godofredo Viana, cujo nome foi sagrado pelos votos a simpatia do

estado inteiro, vai assumir a administração sob os melhores auspícios e

continuará a obra que temos executado, obra esta que colocará o

Maranhão, em futuro próximo, entre os mais adiantados estados da

república374.

Esse, portanto, é o Maranhão propagandeado pelo chefe do executivo: um Estado

nas trilhas do progresso e com um encontro marcado com o futuro375.

Por outro lado, a ideia de Maranhão que notamos expressa por José do Nascimento

Moraes pelas páginas do Diário de São Luiz, é a de um Estado marcado pelas seguintes

características: violências de todos os tipos possíveis denunciadas não só por esse jornal,

pois até nos jornais situacionistas encontramos com frequência relatos de violências

provenientes dos mais variados cantos do Estado, no qual os fuzilamentos na Mata era o

exemplo do momento, desses frequentes ajuste violentos; a banalidade dos crimes, a

impunidade dos assassinos, um governador que diz categoricamente que com “bandido”

(cangaceiros, desordeiros) o Estado só deveria tratar à base da bala; a conivência das

autoridades estaduais com crimes não raro sendo os próprios praticantes dos mesmos; os

jogos políticos caracterizados por fraudes eleitorais, descaso com a administração

373FOLHA (Rio), apud A PACOTILHA, 31 de outubro de 1921, p.1. 374Ibid. 375Nos apropriamos aqui dessa ideia de “encontro marcado com o futuro”, a partir do que escreve Paulo

Eduardo Arantes em relação ao Brasil, citemos: “UM DOS MITOS FUNDADORES DE UMA

NACIONALIDADE periférica como o Brasil é o do encontro marcado com o futuro. Tudo se passa como

se desde sempre a história corresse a nosso favor. Um país, por assim dizer, condenado a dar certo”.

ARANTES, Paulo Eduardo. A FRATURA BRASILEIRA DO MUNDO – Visões do laboratório

brasileiro da mundialização. In: Zero à esquerda. – São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. – (Coleção

Baderna). P.25.

174

pública, grupos políticos que só defendiam os próprios interesses, faltas de investimentos

na instrução pública, daí o enorme contingente de analfabetos; discursos de partidos

opositores clamando por moralização política, mas sendo agentes políticos cuja

subjetividade construía-se a partir dos mesmos parâmetros de uma cultura política

oligárquica e da qual diziam-se críticos.

Nesses termos, esperamos com esse trabalho, além é claro de cumprir obrigações

acadêmicas, e de certa forma satisfazer meus desejos de saber, contribuir na medida do

possível para novas pesquisas do tema, servindo nosso trabalho como ponto de apoio quer

seja para ser questionado em suas conclusões e percepções do tema apresentado ou

mesmo para servir como forma de diálogo com novas pesquisas que tiverem parecer

próximo dos apresentados por nós. Mas, também, que sirva para tentar evitar na medida

do possível que se cumpra por completo o diagnóstico de José do Nascimento Moraes (a

nosso ver sincero e muito lúcido) de que tais fuzilamentos praticados sob a égide dos

domínios oligárquicos maranhenses entrariam para o “rol dos esquecimentos”.

175

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