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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO CHARLINI CONTARATO SEBIM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROUNI: (SOBRE)VIVÊNCIAS NO ENSINO SUPERIOR VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CHARLINI CONTARATO SEBIM

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROUNI: (SOBRE)VIVÊNCIAS NO ENSINO SUPERIOR

VITÓRIA 2008

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CHARLINI CONTARATO SEBIM

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROUNI: (SOBRE)VIVÊNCIAS NO ENSINO SUPERIOR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Juçara Luzia Leite.

VITÓRIA 2008

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Sebim, Charlini Contarato, 1977- S443r Representação sociais do ProUni : (sobre)vivências no ensino superior

/ Charlini Contarato Sebim. – 2008. 224 f. : il. Orientadora: Juçara Luzia Leite. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação. 1. Ensino superior. 2. Políticas públicas. 3. Inclusão social. 4.

Representações sociais. 5. Programa Universidade para Todos (Brasil). I. Leite, Juçara Luzia. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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À minha mãe, Luzia Contarato Sebim e à minha avó, Maria

Contarato Sebim (in memoriam), pelo amor, pela sabedoria e

coragem de seus atos que fizeram de mim o que hoje sou.

Às pessoas que puderam fazer suas escolhas e às pessoas

cujas escolhas não são permitidas pelas condições materiais

que lhes foram impostas.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela arte da vida.

À minha mãe por orquestrar com perfeição meus sonhos e escolhas.

À minha avó Maria Contarato Sebim (in memoriam) e a meu avô Jordano Sebim (in

memoriam) pelos contos e pelas cantigas de ninar.

Às minhas tias Maria Aparecida Sebim e Ana Maria Sebim e aos meus tios Marcos

Sebim Neto e Ernesto Sebim pelo afago.

À (a): madrinha Maria Gomes da Silva (in memoriam), Martha Contarato, tia Maria

Sebim Contarato (in memoriam), Therezinha Motta Contarato, bisavó Augusta Rolim

Sebim (in memoriam), tia Josefina Contarato, tia Stefânia Sebim Lourenço, tia Maria

Contarato, tia Rosa Contarato (in memoriam), tia Rita Contarato Adeodato (in

memoriam), Márcia Contarato Carloni, Élida Sandra Gomes Contarato, Magaly Motta

Contarato, Jocélia Hoffman, Ines Contarato, Alzira Contarato, Iraci Rossou Martins e

Marília Geraldo. A: tio José Contarato (in memoriam), tio João Gomes, José

Contarato, João Contarato Filho, Adelir Belmondes Contarato, Ernesto Júnior Sebim,

Genilson Dias Silva (in memoriam) por fazerem parte do coral da minha vida.

À tia Iolanda Ortolane Contarato (in memoriam) e a Geraldo Contarato pelo

aconchego.

A George Luiz Contarato, a Antonieta Marcarine Contarato e a Luiz Contarato pelo

abrigo e amparo.

Ao primo Horácio pelas amáveis conversas.

À madrinha Laura Sebim de Rezende pelo cuidado.

À Ana Carolina, Jordana Maria, Ananda e Lara pela compreensão.

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À família Contarato e a família Sebim pela animação e pela torcida.

A Gezualdo pelas idas e vindas, Nova Venécia – Vitória e Vitória – Nova Venécia.

Aos amigos Gilmara Geraldo, Tamiris Geraldo, Dione, Maria das Graças Pacanhã

Geraldo, Kempes Cavaline das Neves, Edinilson Roncatto, Jonemarque Carpanedo,

Rogeria Carla Soares, Fuviani Galdino, Aline Freitas da Silva, Henrik Carpanedo

Lopes, Emílio Carpanedo Lopes, Sylmara Oliveira de Sá, Rosana Puton, Marina

Zanchetta, Hérika Soares Cerqueira, Marciana Gonçalves Aranha, Maria da Silva,

Edmilson Silva, Elvira Mantovanelli, Derly, Sirlan Menegussi, Ozana por me

acompanharem na dança da vida, ensinando-me os passos e levantando-me em

cada tropeço.

Aos demais amigos e primos, valeu.

Às amigas de república pelas farras e conflitos.

A Serjão, Sérgio Pereira dos Santos pelos adoráveis subterfúgios.

À Pollyana dos Santos por me apresentar à vivência não-acadêmica dos encontros

científicos.

À Maria das Dôres Santos Silva pela admirável força.

Aos demais amigos da linha de pesquisa, Peu (Marcos), Marluce, Daniel e André por

sambarem teoricamente e na avenida comigo.

A Eliana Bravin e Andréia Pereira de Almeida pelos esclarecimentos acerca do pré-

projeto de mestrado.

Aos meus professores, do jardim de infância à universidade pelos ensinamentos.

Aos ex-alunos pelas grandes lições.

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Aos ex-colegas de trabalho da Escola de Ensino Fundamental Profª “Claudina

Barbosa” e da Associação Espírita “Lar de Abigail”.

À turma 20 do mestrado em educação da UFES pelas discussões calorosas.

À turma do mestrado em política social pelas animadas contribuições teóricas.

Aos sujeitos da pesquisa por compartilharem comigo seus desejos, sonhos e

resistências.

À instituição pesquisada por tornar possível a coleta de dados.

A CAPES pelo apoio financeiro.

À minha orientadora Juçara Luzia Leite por traduzir em palavras (orientações) meus

questionamentos e desejos.

Aos professores Luiza Mitiko Yshiguro Camacho e Thimóteo Camacho pelos

passeios culturais, recheados de carinho.

A Renato, Léo, Claudionor, Lúcia, Genilda, Rosita, Nete, Fred e Aidê pelo incentivo e

bom humor.

Às professoras Cláudia Gontijo e Ivone Martins pela atenção dada aos pequenos

inscritos que resultaram em minha dissertação.

À professora Gilda Cardoso de Araújo pelas divertidas problematizações.

À professora Vania Maria Manfroi pelas contribuições teóricas e pela carinhosa

receptividade.

À professora Izabel Cristina Novaes pelo carinho.

Aos estudantes, professores e funcionários da UFES.

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Aos dois anos de sobrevivência em uma faculdade privada, em Nova Venécia.

Aos sete anos de maratona, para cruzar a linha de chegada da Universidade Federal

do Espírito Santo.

Aos anos de vivência na Universidade Federal do Espírito Santo.

À minha turma de Pedagogia de Nova Venécia, cujo espírito de luta sempre será

lembrado.

Às várias turmas de Pedagogia da UFES nas quais passei durante a graduação.

Aos venecianos pela amizade, incentivo e solidariedade.

A todos aqueles a quem a educação ainda não se configurou em um direito.

 

Aos artistas, cuja obra ainda não foi reconhecida, aos equilibristas que vivem na

corda bamba, aos trapezistas pela coragem de suas manobras, ao palhaço cujo riso

não foi percebido, às feras do picadeiro, às piruetas da bailarina, à magia do mágico,

ao circo cuja arquitetura é feita pelas estrelas e pela lua, a platéia que pôde e a que

ainda não pôde desfrutar do espetáculo da vida, aos sobreviventes, o meu aplauso.

 

 

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“Quero lhe falar

Meu grande sonho

Das coisas que aprendi

na vida

Quero lhe contar como eu vivi

E um pouco do que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

Eu sei que sonhar

É uma coisa boa

Mas também sei

Que o sonho

É menor que a vida

De muitas pessoas.”

Paráfrase, Como Nossos Pais, Belchior

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RESUMO

Esta pesquisa se insere no campo das políticas educacionais brasileiras e se fundamenta na Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici (2003). Teve por objetivo analisar as representações sociais do Programa Universidade para Todos/ProUni enquanto uma política pública de inclusão/exclusão ao ensino superior. Para tanto, a coleta de dados foi realizada em uma instituição de ensino superior privado de Vitória/ES. Assim, por meio do enfoque comparativo horizontal foram comparadas as representações do ProUni de seis segmentos (estudantes bolsistas, estudantes não-bolsistas, professores, coordenadores de curso, coordenador do ProUni, diretor e Auxiliares de Serviços Gerais/ASG’s). As representações sociais que apreendemos através dos instrumentos utilizados na pesquisa de campo foram analisadas a partir da confluência do campo do senso comum com o campo conceitual. Assim, a análise dos dados, uma vez articulada com o contexto histórico-político brasileiro, segundo pensamentos de Chauí (2001) e Pochmann (2004) revelou que as políticas educacionais implantadas pelo atual governo evidenciam a divisão de classes inerente à formação estrutural da sociedade brasileira e que essas políticas têm por objetivo apenas compensar a não-entrada das classes populares no ensino superior público. Demonstra, ainda, o grau de aceitação do ProUni pelas classes populares como um programa de acesso ao ensino superior, questiona a natureza da inclusão dos estudantes oriundos dessas classes e sinaliza para a construção de outras formas de acesso que concebem os indivíduos como portadores de direitos.

Palavras-chave: Ensino Superior. Políticas Públicas. Inclusão/Exclusão Social.

ProUni. Representações Sociais.

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RESUMÉ

Cette recherche s’insère dans le domaine des politiques éducationnelles brésiliennes et se base sur la théorie des représentations sociales de Serge Moscovici (2003). Notre but a été d’analyser les représentations sociales du Programme Université pour Tous en tant qu’une politiques publique d’inclusion / exclusion à l’accès à l’enseignement supérieur privé. Pour cela, la collecte des données a été réalisée dans une institution privée d’enseignement supérieur de Vitória/ES. Nous avons donc, dans une approche comparative horizontale, comparé les représentations du ProUni dans six segments (étudiants boursiers, étudiants non-boursiers, professeurs, coordinateurs de cours, coordinateur du ProUni, directeur et auxiliaires de services généraux/ASGs). Les représentations sociales que nous pouvons saisir par la recherche de terrain ont été analysées à partir de la confluence du sens commun avec le champ conceptuel. Ainsi, une fois inscrite dans le contexte politico-historique brésilien à partir de la pensée de Chauí (2001) et Pochmann (2004), l’analyse des données a révélé que les politiques éducationnelles brésiliennes mises en place par le gouvernement actuel cherchent à mettre en évidence la division de classes inhérente à la formation strucurelle de la société brésilienne. De même, le seul but de ces politiques est de compenser le fait que les classes populaires n’accèdent que très difficilement à l’enseignement supérieur public. On démontre également le degré d’acceptation du ProUni dans les classes populaires, au seins desquelles il est perçu comme un programme d’accès à l’enseignement supérieur. On remet en question la nature de l’inclusion des étudiants issus de ces classes et on indique la construction d’autres formes d’accès qui partent de l’idée que les individus ont le droit à l’éducation. Mots-clés : Enseignement supérieur, politiques publiques, inclusion / exclusion

sociale, ProUni, représentations sociales.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Matrículas nas IES Públicas e Privadas/Brasil.........................................89 Tabela 2 – ADUFES/Cadernos de Notícias de outubro de 2006.............................111 . Tabela 3 – Relação Matrícula/Vaga – UFES............................................................113 Tabela 4 – Quadro de Docentes da UFES...............................................................114

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Evolução das IES no Brasil......................................................................68

Gráfico 2 – Relação candidato/vaga – Brasil 1996-2004...........................................90

Gráfico 3 – Evolução das IES – Espírito Santo ...................................................108

Gráfico 4 – IES/Categoria Administrativa/Espírito Santo/2005 ...............................109

Gráfico 5 – Ensino Superior no Espírito Santo/2005 ...............................................110

Gráfico 6 – Ensino Superior no Brasil/2005 ..........................................................125

Gráfico 7 – Instituições de Ensino Superior no Brasil..............................................138

Gráfico 8 – IES/Categoria Administrativa/Brasil – 2005...........................................142

Gráfico 9 – Matrículas nas IES no Brasil – 2005 .....................................................203

 

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LISTA DE SIGLAS

AI – Ato Institucional ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANDIFES – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ASG – Auxiliar de Serviços Gerais BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BIRD – Banco Mundial CAAL – Centro Acadêmico CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil  CNE – Conselho Nacional de Educação CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras  DEAES – Diretoria de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior  EAPES – Equipe Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior   ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENC – Exame Nacional de Cursos ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso FIES – Programa de Financiamento Estudantil FMI – Fundo Monetário Internacional GATT – General Agreement on Trade and Tariffs

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GERES – Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior IES – Instituição de Ensino Superior IEES – Universidade Estadual de Ensino Superior IFES – Instituição Federal de Ensino Superior INEP – Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa IP – Instituição Pesquisada IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDB – Lei de Diretrizes e Bases Nacionais LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado MEC – Ministério da Educação MP – Medida Provisória OAB – Organização dos Advogados do Brasil OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG – Organização Não-Governamental ORUS – Observatório Internacional de Reformas Universitárias OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público  PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PCE/CREDUC – Programa de Crédito Educativo PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNUD – Relatório Mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PIS – Programa de Integração Social  PPP – Parcerias Público-Privadas ProUni – Programa Universidade para Todos

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REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUS – Sistema Único de Saúde UB – Universidade do Brasil HUCAM – Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes UESPI – Universidade Estadual do Piauí UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UnB – Universidade de Brasília UNE – União Nacional dos Estudantes USAID – United States Agency for International Development

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................19 Quero lhe contar como eu vivi e um pouco do que aconteceu comigo.....................22

CAPÍTULO I – ABORDAGEM DA PESQUISA.........................................................27

1.1 Teoria das Representações Sociais.....................................................................27

1.2 Procedimentos de Análise....................................................................................29

1.3 Análise dos Dados Coletados..............................................................................35

1.4 Recorte dos Dados Levantados...........................................................................36

CAPÍTULO II – POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: DEMOCRACIA POLÍTICA VERSUS DEMOCRACIA SOCIAL............................................................................38 2.1 A distância entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social

...................................................................................................................................38

2.2 A influência do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional na

formulação das políticas.............................................................................................64

2.3 Reforma e contra–reforma do Estado..................................................................68

2.4 A Reforma Universitária de 1968 e a Reforma Universitária em curso: algumas

aproximações.............................................................................................................78

2.5 Brasil e o Consenso das Reformas......................................................................86

2.5.1 A Trajetória do ProUni.......................................................................................86

2.5.2 Publicização do Privado e Privatização do Público: as Parcerias Público-

Privadas.....................................................................................................................94

2.5.3 REUNI/Universidade Nova...............................................................................99

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CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROUNI...............................105 3.1 A Universidade e sua Metamorfose Institucional...............................................105

3.1.1 O Ensino Superior no Espírito Santo.............................................................107

3.1.2 A Estatal: a Universidade Federal do Espírito Santo.....................................112

3.1.3 O Mercado: a Instituição Pesquisada............................................................115

3.2 Ancoragem e Objetivação: os sujeitos e suas representações..........................116

3.3 As Representações do ProUni...........................................................................121

3.3.1 Oportunidade...................................................................................................121

3.3.2 Classes Populares...........................................................................................123

3.3.3 Inclusão...........................................................................................................124

3.3.4 Exclusão..........................................................................................................127

3.3.5 Desejo versus Resistência..............................................................................128

3.3.6 Condições Materiais........................................................................................129

3.3.7 Política Paliativa..............................................................................................130

3.4 Ensino Superior no Brasil: o sentido da universidade e suas

representações...................................................................................................135

3.4.1 Ensino Superior...............................................................................................142

3.4.2 Trabalho.........................................................................................................145

3.4.3 Comercialização do Ensino Superior.............................................................146

3.4.4 Pós-Graduação..............................................................................................147

3.4.5 Ascensão Social............................................................................................148

3.4.6 Condições Materiais........................................................................................149

3.4.7 Público/Privado................................................................................................150

3.5 A Política Pública e suas Representações.........................................................152

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3.5.1 Política Pública................................................................................................155 3.5.2 Inclusão...........................................................................................................156

3.5.3 Público/Privado...............................................................................................157

3.5.4 Política de Governo.........................................................................................159

3.5.5 Oportunidade...................................................................................................160

3.5.6 Condições Materiais........................................................................................160

3.5.7 Política Paliativa..............................................................................................162

3.6 Representações de uma inclusão pela porta dos fundos..................................164

3.6.1 Inclusão...........................................................................................................166

3.6.2 Condições Materiais........................................................................................170

3.6.3 Discriminação..................................................................................................171

CAPÍTULO IV – PROUNI: UMA POLÍTICA SOCIAL SEM DIREITOS SOCIAIS ..................................................................................................................................174

4.1 Prouni: estratégia de redução do setor público e de ampliação do setor

privado......................................................................................................................174

4.2 As Classes Populares e o reconhecimento do ProUni como um programa de

acesso ao ensino superior........................................................................................193

4.3 O Ensino Superior Público na Contramão..........................................................196

4.4 A Fragmentação dos Direitos.............................................................................199

4.5 A Vitória do Mercado..........................................................................................201

4.6 Ensino Superior: possibilidades ........................................................................203

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................205

6 REFERÊNCIAS..................................................................................................210 APÊNDICES............................................................................................................219

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19

INTRODUÇÃO O presente estudo é resultado de uma pesquisa de mestrado em educação da linha

História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais cujo objetivo é analisar as

representações sociais do Programa Universidade para Todos (ProUni), enquanto

uma política pública de inclusão/exclusão ao ensino superior.

No que diz respeito à produção científica em torno do ProUni, ainda é incipiente,

visto ser ele um programa novo, que entrou em cena em 2004. De acordo com o

banco de teses da CAPES, têm-se, até o momento, duas publicações sobre a

temática.

A primeira publicação intitula-se “O avanço da privatização na educação superior

brasileira: o ProUni como uma nova estratégia para a transferência de recursos

públicos para o setor privado”, de Sergio Campos de Almeida da Universidade

Federal Fluminense (UFF). Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que aborda a

criação do ProUni enquanto um mecanismo de privatização do ensino superior.

A segunda pesquisa intitulada “Políticas Públicas de acessibilidade no ensino

superior particular do triângulo mineiro”, de Fernando Cesar Marra e Silva da

Universidade São Marcos, se constitui em uma pesquisa bibliográfica e de campo

sobre a questão da inclusão social no ensino superior a partir de políticas públicas e

da iniciativa privada. Os dois estudos foram publicados em 2006.

Em relação às pesquisas anteriormente citadas, a relevância desta, cujos resultados

são aqui apresentados, está em analisar as representações sociais do ProUni, a

partir da confluência do campo do senso comum com o campo conceitual, inserindo

na pesquisa bibliográfica e documental a percepção dos sujeitos a quem se destina

tal política.

Em princípio, buscamos por meio das representações sociais do ProUni

compreender até que ponto idéias, valores e conceitos difundidos socialmente

podem influenciar na aceitação ou recusa de um objeto. Portanto, é importante dizer

que o objetivo de nosso estudo é expor os desejos e as resistências em relação ao

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ProUni de estudantes, professores, coordenadores de curso, coordenador do

ProUni, direção e auxiliares de serviços gerais (ASG’S) inseridos no ensino superior

privado.

Entrelaçado a isso, trazemos o contexto dos processos de reestruturação do ensino

superior no país, isto é, a Reforma Universitária, em andamento na figura de seus

fragmentos. Desse modo, o ProUni, as Parcerias Público-Privadas, a Lei de

Inovação Tecnológica, o REUNI e a Universidade Nova são alguns dos fragmentos

que compõem o itinerário da Reforma em curso. A partir desses fragmentos, será

possível observarmos os tipos de privatização no ensino superior.

Como partimos do pressuposto de que as políticas educacionais implantadas pelo

atual governo evidenciam a divisão de classes inerente à formação estrutural de

sociedade brasileira, discutimos a distância entre a política social e a política

econômica, bem como as políticas universalistas e focalistas por meio de um breve

histórico acerca das políticas sociais no Brasil.

A partir desse histórico, enfatizamos também os agravantes da Reforma do Estado

para o ensino superior e para os direitos sociais (educação, saúde, segurança,

previdência social, etc) como um todo. Dessa maneira, abordamos a transformação

sofrida pela universidade1, de uma instituição social para uma organização social.

Por meio disso, observamos a vertente privatista das orientações do Banco Mundial

(BIRD) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em conformidade com o aval

governamental brasileiro. Como fruto da agenda neoliberal (BIRD e FMI) e da

agenda governamental (Brasil), esboçamos uma das políticas de acesso ao ensino

superior, isto é, o ProUni.

Como o ProUni se constitui em um programa de acesso ao ensino superior privado,

nossa pesquisa se dá em uma IES privada de Vitória/ES. Observamos, com isso,

que atuais políticas educacionais têm por objetivo compensar a não-entrada das

1 Concebe-se a universidade no sentido republicano, isto é, em que seu fornecimento é de incumbência exclusiva do Estado e, portanto, pública e laica.

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classes populares no ensino superior público, uma vez que sua inserção tem se

dado no ensino privado.

Assim, ao falarmos do ProUni em Vitória/ES, consideramos o contexto do ensino

superior no Estado do Espírito Santo. Dessa maneira, relacionamos os fragmentos

da Reforma em curso, anteriormente destacados, com os processos de publicização

do privado e privatização do público. Em vista disso, discutimos a inserção da

Universidade do Espírito Santo (UFES) no ensino superior pela vertente estatal e,

das IES privadas sob a vertente do mercado.

Nesses termos, chegamos à conclusão do ProUni enquanto uma estratégia de

redução do setor público e de ampliação do setor privado e ao conhecimento da

influência das representações sociais por meio do reconhecimento do ProUni como

um programa de acesso ao ensino superior por parte das classes populares.

O resultado desse reconhecimento das classes populares, de certa forma, legitima

as ações privatistas do Estado quanto à fragmentação dos direitos sociais, no caso,

a educação. Essa fragmentação coloca o ensino superior público na contramão,

visto que sua garantia pode não ser mais uma função do Estado.

Apesar dos processos e representações ora descritos indicarem para a vitória do

mercado, no sentido da desresponsabilização do Estado com a oferta do ensino

superior, nosso estudo também revela possibilidades. As possibilidades encontram

respaldo nas estatísticas de vagas ociosas no ensino superior privado, ainda que

haja o ProUni e na preferência pelo ensino superior público pela maioria dos sujeitos

entrevistados. Portanto, nossas constatações sinalizam para a construção de uma

Universidade Estadual.

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“Quero lhe contar como eu vivi e um pouco do que aconteceu comigo2”

Meu problema de pesquisa passa pela minha vivência antes, durante e após meu

ingresso no ensino superior. Desse modo, explicitarei um pouco de mim e do que

vivi ou sobrevivi para chegar até o mestrado.

O ensino, para mim, desde o ensino fundamental ao superior, tem sido objeto de

desejo, apesar de suas representações subjacentes na sociedade brasileira. Isto é,

a representação de que a possibilidade dos estudantes egressos da educação

básica pública (representada, por sua vez, como “sem qualidade”) ingressarem no

ensino superior público é ínfima; e a necessidade precoce de serem inseridos no

mercado de trabalho. Além dessas, as representações que considero mais

marcantes são as seguintes: “aluno pobre deve pensar em fazer um curso técnico

pra ajudar a sua família”, “a UFES é pra quem tem dinheiro e estudou em escola

particular ‘de qualidade3”. Por meio dessas representações, percebemos que a

qualidade em termos de educação básica é associada ao setor privado, enquanto o

setor público é representado como um setor sem qualidade. O estudante pobre não

precisa sonhar ou desejar o ensino superior público, pois este está reservado para

quem estudou na escola privada e que também não é pobre. Entretanto, minha mãe

se posicionou diferentemente, haja vista ter ela um dia desejado e tentado cursar o

ensino superior; mas essa história não será necessário contextualizarmos. O que

quero enfatizar é como as representações sociais de um grupo de pessoas,

consolidada e difundida pela mídia, pode influenciar também no desejo ou não de

ingressar no ensino superior.

É importante ressaltar que não desconsidero os fatores de ordem econômica, social

e cultural que acabam por privilegiar uma classe em restrição à outra. Contudo,

apesar da representação que eu mesma possuía, acreditei que, mesmo sendo

oriunda da escola pública, seria possível cursar o ensino superior público, mas isso

não foi suficiente para o meu ingresso.

2 Paráfrase da música Como Nossos Pais de Belchior. 3 Falas das mães de minhas colegas do ensino fundamental e do ensino técnico em contabilidade.

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Cito parte da minha história como forma de esboçar o poder de influência que

atitudes, idéias e crenças podem acarretar nas escolhas dos indivíduos. Diante

disso, Moscovici (2003, p. 08) enfatiza que “[...] as representações sustentadas

pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas

cotidianas e servem como o principal meio para estabelecer as associações com as

quais nós nos ligamos uns aos outros”.

Reiterando minha história, iniciei a graduação em Pedagogia, em um instituto de

ensino superior privado, na cidade de Nova Venécia/ES, após muitas tentativas

seguidas de insucesso nos vestibulares da Universidade Federal do Espírito Santo

(UFES) e de outras universidades públicas. No terceiro ano do curso, consegui

ingressar na UFES, por meio do processo seletivo para preenchimento de vagas

remanescentes, na modalidade de transferência facultativa. Não desejei estudar em

uma faculdade privada, no entanto, faltaram-me as condições materiais necessárias

para que um direito assegurado constitucionalmente pudesse ser exercido no plano

real.

Durante toda a graduação, a questão do desejo e das condições materiais para sua

realização continuou latente. Desse modo, comecei a me interessar por assuntos

relativos às políticas educacionais. Assisti às palestras e aos seminários sobre a

Reforma Universitária e sobre a Política de Cotas. Li vários artigos e pesquisas

sobre reserva de vagas em universidades públicas e sobre o anteprojeto da Reforma

Universitária. Ao mesmo tempo, relacionei todas essas observações a livros de

teóricos usados em minha graduação, tais como: Saviani, Freire, Rodrigues, Gentili,

Aranha, Silva, Romanelli e Carnoy, os quais me ofereceram algumas considerações

acerca do processo de exclusão das classes populares no sistema educacional.

Entretanto, não encontrava respostas quanto ao ProUni.

Como na UFES nada era divulgado ou discutido em relação ao programa, isso me

deixou ainda mais curiosa. Lembro-me apenas de algumas chamadas rápidas

difundidas pela mídia, mas, de forma muito obscura, a única coisa que sabia era

tratar-se de um programa do governo Lula. Entretanto, em relação ao tipo de

programa e por que havia sido criado, não conseguia obter respostas. Assim sendo,

comecei a me interessar pelas políticas de inclusão social.

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Diante do fato de ter trabalhado como docente em uma sala de recursos para

surdos, em uma escola estadual, na cidade de Nova Venécia/ES e,

concomitantemente, com estudantes com dificuldade de aprendizagem, foi possível

verificar o objetivo de uma das políticas educacionais para o ensino fundamental. O

objetivo da sala de recursos era: a inclusão, porém, muitos desses estudantes não

se sentiam incluídos, o que é uma forma de exclusão; inserir os estudantes nas

salas regulares, mas a maioria deles não aceitava, justificando que, na sala com os

alunos ouvintes o professor não lhes conseguiria ensinar. Alguns professores

também não aceitavam pois que, segundo eles, não teriam condições de lhes

ensinar. A maioria dos estudantes, com dificuldade de aprendizagem, também não

se sentiam incluídos na sala regular, visto que o método de alguns professores não

favorecia a seu aprendizado. Constatei, ao longo dessa experiência profissional, em

relação a esses estudantes (ditos possuidores de dificuldade de aprendizagem), que

eles não se haviam adequado ao método de determinado professor, mas

demonstravam muito desejo em aprender e vibravam ao conseguir ler, escrever ou

compreender algo.

Quero exemplificar que eu, mesmo sem entender, estava compactuando com uma

política compensatória e excludente. O Estado, valendo-se de uma política

focalizada, se esquivava de seu comprometimento com a qualidade da educação

pública. Hoje, em minha opinião, está acontecendo o mesmo com o ProUni, visto

que, de acordo com dados do INEP (2006), a quantidade de estudantes que, apesar

do ProUni, ingressa no ensino superior é, de aproximadamente, 11%; 89% dos

estudantes não chegam ao ensino superior.

Nesse sentido, é importante ressaltar que essas considerações que hoje teço só me

foram possíveis devido à perspectiva em que o conhecimento é trabalhado na

universidade pública. Isto é, no compromisso dos professores em instigar os

estudantes a pôr em análise o discurso e a teoria, conjeturando formas de

pensamento e intervenção no mundo real.

Desde que ingressei no ensino superior, busco compreender as dificuldades

relacionadas ao acesso de grupos populares no ensino superior público. Entendo,

com isso, que o meu caso não seja algo isolado, visto que milhares de estudantes

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em todo o país sofreram ou sofrem com questões ligadas ao desejo de freqüentar o

ensino superior, e com a realidade desse desejo não se concretizar. Esses

estudantes, na maioria das vezes, são seduzidos por políticas compensatórias

autoritárias e pseudodemocráticas que não visam a discutir com os principais

envolvidos, os que recebem as políticas, seus anseios, seus desejos e suas

necessidades. O aval das políticas públicas é baseado em um pequeno grupo

economicamente privilegiado, pois a maioria, em termos quantitativos, se torna a

minoria no que diz respeito à participação nas decisões políticas. Esta, não é ouvida

nem convidada a falar.

De acordo com Chauí (2001), medidas como essa, ou seja, adotadas tendo por base

privilégios e carências de certos grupos, não podem ser definidas como algo

democrático. Ela explica que a democracia fundada na noção de direitos diferencia-

se de privilégios e carências. Os privilégios são específicos de um grupo, sendo

impossível sua universalização em direitos, pois se assim o fosse, perderia sua

característica de privilégio. Da mesma forma, as carências são específicas de

determinado segmento, sua universalidade em direitos acarretaria na perda de sua

característica de carência. A partir da autora, compreendemos que o ProUni acirra a

polarização entre privilégios e carências, visto que se trata de uma política de corte

social e, portanto, focalizada.

Nessa ótica, as políticas neoliberais visam a manter a situação periférica do país. A

política do Banco Mundial, segundo o economista Reinaldo Carcanholo4, é de retirar

o caráter de pesquisa da universidade e transformá-la em produtora de mão-de-obra

para os países desenvolvidos. Essa se constitui na mais nova forma de imperialismo

contemporâneo. Diante disso, há que se atentar para o objetivo neoliberal em

transformar a educação em um espaço de competição, sendo regido pela lógica do

mercado. Outros intelectuais, como Santos (1987) também pensam da mesma

forma:

[...] o sistema neoliberal tem como objetivo real armar o cidadão para uma guerra, a da competição com os demais. Sua finalidade cada vez menos buscada e menos atingida é a de formar gente capaz de se situar

4 Refere-se à mesa redonda “A economia vai bem a política vai mal? Diferentes olhares sob a conjuntura brasileira”. Vitória, Centro de Educação/UFES, 19/06/2005.

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corretamente no mundo, de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo. A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades sem estirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida (SANTOS, 1987, p. 126).

Esperamos, dessa maneira, contribuir para a compreensão do mundo dos

estudantes de ensino superior privado e, a partir disso, elucidar questões relativas

às desigualdades sociais criadas e consolidadas historicamente. Sendo assim,

Santos (1987) enfatiza o objetivo do sistema neoliberal em formar gente deseducada

para a vida, ou seja, indivíduos que não consigam influir na sociedade de modo a

amenizar as mazelas sociais. Tendo em vista aprofundar as discussões de Santos

(1987), Moscovici (1978) esclarece que a opinião se constitui, por um lado, em uma

forma socialmente valorizada a que um indivíduo adere e, por outro lado, a uma

tomada de posição sobre um problema contestado da sociedade. Com isso,

Moscovici (1978) mostra a correlação de forças evidenciada na opinião e na posição

tomada diante de um objeto contestado. Assim, o ProUni pode ser visto sob duas

vertentes: como uma forma socialmente valorizada a que um indivíduo adere e como

uma tomada de posição sobre um problema contestado pela sociedade.

Portanto, o Capítulo I elucida os passos metodológicos da pesquisa, explicitando

nosso objeto, nossos objetivos, o local de pesquisa, a origem de nossas

inquietações e descrevendo a Teoria das Representações Sociais. O capítulo II

busca contextualizar o percurso das políticas sociais no Brasil, de forma a

compreender a natureza do ProUni e os fragmentos que compõem a atual Reforma

Universitária. O Capítulo III se consolida no cerne de nossa pesquisa, porque nele

são analisados os temas mais enfocados durante as entrevistas à luz da Teoria das

Representações Sociais. O Capítulo IV se constitui no resultado das reflexões

processadas no capítulo anterior acrescidas das atuais transformações do ensino

superior no país. Nesse capítulo, detalhamos as conseqüências das reformas

levadas a cabo pelo neoliberalismo para os direitos sociais e para o ensino superior

como um todo. Nossas conclusões evidenciam a representação do ProUni como

uma política de inclusão ao ensino superior sob duas vertentes: a da vivência, no

sentido de estar no curso e na instituição desejada e da sobrevivência, no sentido de

não estar no curso ou na institução desejada.

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CAPÍTULO I – ABORDAGEM DA PESQUISA

1.1 Teoria das Representações Sociais

De modo a estudar como e por que surgem e se enraízam certos valores, atitudes,

conceitos e crenças no âmbito social, embasamos nosso estudo na Teoria das

Representações Sociais.

A teoria das Representações Sociais surge na Psicologia Social, em 1961, com a

publicação de La psycanalyse: son imagem e son public (A psicanálise: sua imagem

e seu público), de Serge Moscovici (1961). Ele foi o primeiro a introduzir o conceito

de representação social na psicologia social contemporânea. Sua teoria se

apresenta como uma forma sociológica de Psicologia Social. É importante fazer

essa distinção, pois que há um contraste entre uma tradição européia e uma norte-

americana, no que diz respeito à forma de conceber as representações sociais. Nos

Estados Unidos, atualmente, há a predominância da representação social como uma

forma psicológica de psicologia social.

Moscovici (2003) defende que o problema específico da Psicologia Social é o estudo

de como e por que as pessoas partilham o conhecimento e, dessa maneira,

constituem sua realidade comum, e de como elas transformam idéias em práticas.

Dito de outra forma, o conhecimento é produzido, intencionalmente, por um grupo de

pessoas em circunstâncias específicas e com projetos definidos.

Na obra “Representação Social da Psicanálise”, Moscovici (1978) reapresenta o

conceito de representação social de Durkheim, mostrando a indissociação entre

indivíduo, grupo e sociedade. Segundo o autor, Durkheim foi o primeiro a introduzir

esse conceito. Todavia, Moscovici possui uma visão diferente dele. Durkheim, sendo

coerente com a sua tradição aristotélica e kantiana, estabelece uma concepção

bastante estática das representações. Desse modo, as representações em sua

teoria agem como suportes para muitas palavras ou idéias.

Com isso, Durkheim defendia uma separação radical entre representações

individuais e coletivas. Ele sugeria que as primeiras deveriam ser do campo da

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psicologia, enquanto as últimas formariam o objeto da sociologia para, então,

fundamentar que as representações tinham a capacidade de manter e conservar o

todo social. Já Moscovici preferiu o termo “social” para enfatizar a qualidade

dinâmica das representações, diferenciando-se do caráter mais fixo ou estático que

elas possuíam na teoria de Durkheim.

A insatisfação de Moscovici com o conceito de Durkheim, de que as influências

sociais apreendiam apenas conformidade ou submissão, motivou seu

questionamento de que, se assim o fosse, não seria possível qualquer mudança

social. Esse questionamento possibilitou seu interesse pelo processo de influência

da minoria. Um interesse que levou a diante por meio de uma série de investigações

experimentais. Suas investigações concluíram que as representações não podem

ser tomadas como algo dado nem podem servir, simplesmente, como variáveis

interpretativas. A partir daí, Moscovici enfatiza o caráter dinâmico das

representações contra o caráter estático das representações coletivas de Durkheim

e passa a conceber como fenômeno o que antes era tratado como conceito.

Assim, contrariamente, à visão de Durkheim, Moscovici concebe as representações

como estruturas dinâmicas, operando em um conjunto de relações e de

comportamentos que surgem e desaparecem, junto com as representações. Para

Moscovici (2003), há uma necessidade corrente de se

re-construir o ‘senso comum’ ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar. Do mesmo modo, nossas coletividades hoje não poderiam funcionar se não se criassem representações sociais baseadas no tronco das teorias e ideologias que elas transformam em realidades compartilhadas, relacionadas com as interações entre pessoas que, então, passam a construir uma categoria de fenômenos à parte. E a característica específica dessas representações é precisamente a de que elas ‘corporificam idéias’ em experiências coletivas e interações em comportamento, que podem, com mais vantagem, ser comparadas a obras de arte do que a reações mecânicas. O escritor bíblico já estava consciente disso quando afirmou que o verbo (a palavra) se fez carne; e o marxismo confirma isso quando afirma que as idéias, uma vez disseminadas entre as massas, são e se comportam como forças matérias (MOSCOVICI, 2003, p. 48).

O autor enfatiza que as representações sociais transformam idéias em experiências

coletivas e, interações em comportamentos que podem ser comparados mais às

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obras de artes do que às reações mecânicas, ou seja, as representações estão

carregadas de intenções, elas não são inofensivas.

É importante frisar que Moscovici reconhece as representações sociais como um

conhecimento científico. Essa afirmação se respalda no fato de que a ciência antes,

baseava-se no senso comum, com isso, ela fazia o senso comum menos comum;

todavia, hoje o senso comum é a ciência tornada comum (MOSCOVICI, 2003).

Em vista disso, nossa pesquisa buscou analisar a ciência tornada comum a partir

das representações sociais do ProUni.

1.2 Procedimentos de Análise

Representar um objeto social é construir formas de pensar e explicar esse objeto.

Construir uma representação social de um objeto é compartilhar dos modelos de

pensamento e de explicações existentes na sociedade (SANTOS, 1998).

Baseado no enfoque cognitivo da teoria das Representações Sociais difundido por

Moscovici (2003), esta pesquisa teve por objetivo compreender, em relação ao

ProUni no Espírito Santo: as atitudes, os conceitos, os valores e as ideologias de

estudantes bolsistas do ProUni, estudantes não-bolsistas, professores,

coordenadores de curso, coordenador do ProUni, diretor e Auxiliares de Serviços

Gerais (ASG’s). Como o ProUni se constitui em um programa de acesso ao ensino

superior privado, nosso estudo se deu em uma Instituição de Ensino Superior (IES)

privada, em Vitória/ES.

Nosso objeto de estudo foi, portanto, a representação social do Programa

Universidade para Todos (ProUni). Nossos sujeitos de pesquisa foram 46 (quarenta

e seis) estudantes bolsistas do ProUni, 46 (quarenta e seis) estudantes não-

bolsistas, 10 (dez) professores, 5 (cinco) coordenadores de curso, 4 (quatro) ASG’s,

1 (um) coordenador do ProUni e 1 (um) diretor. Nesse sentido, salientamos que a

Instituição Pesquisada (IP) trata-se de uma IES privada, localizada na cidade de

Vitória/ES. Sua escolha se justifica por ser uma das instituições pioneiras em ensino

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superior privado, em Vitória/ES e por possuir, aproximadamente, 92 bolsistas do

ProUni.

Diante disso, a representação social, para Lane (1993), se constitui na verbalização

de concepções que o indivíduo possui do mundo que o cerca. Nas representações é

possível evidenciar valores, ideologias e contradições, enfim, aspectos fundamentais

para a compreensão do comportamento social.

Denise Jodelet, citada por Spink (1993), explica que as representações

[...] são fenômenos complexos cujos conteúdos devem ser cuidadosamente destrinchados e referidos aos diferentes aspectos do objeto representado de modo a poder depreender os múltiplos processos que concorrem para a sua elaboração e consolidação como sistemas de pensamento que sustentam as práticas sociais (JODELET apud SPINK, 1993, p. 88-89).

Spink (1993) elucida que a complexidade do fenômeno resulta da desconstrução da

falsa dicotomia entre o individual e o coletivo e do pretexto daí originado de que é

insuficiente apenas enfocar o fenômeno no nível intra-individual (como o sujeito

processa a informação), ou social (as ideologias, mitos e crenças que circulam em

uma determinada sociedade). É fundamental compreender como o pensamento

individual se fixa profundamente, no social (reportando às condições de sua

produção) e como ambos modificam-se mutuamente.

Outras questões a considerar no enfoque das representações se referem à: 1)

compreensão do impacto que as correntes de pensamento propagado em

determinadas sociedades têm na elaboração das representações sociais de

diferentes grupos sociais; 2) compreensão dos processos constitutivos das

representações sociais e a eficiência delas para o funcionamento social; 3)

compreensão da função das representações sociais nas mudanças e

transformações sociais. Seguindo essa perspectiva, as representações sociais

resultam em uma forma de articulação dos quatro níveis de pesquisa identificados

por Doise (apud SPINK, 1993), dos quais destacamos os usados na pesquisa:

• o nível situacional se refere às pesquisas que exploram as diferenças

resultantes da posição ocupada em um determinado campo social;

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• o nível ideológico diz respeito as análises sobre as visões de mundo de

determinadas sociedades, classes ou segmento de classes.

A escolha desses dois níveis se deve ao fato de nossa pesquisa utilizar o enfoque

comparativo horizontal para analisar pontos de vista de vários segmentos

(estudantes não-bolsistas e bolsistas do ProUni, professores, coordenadores de

curso, coordenador do ProUni, diretor e ASG’s) e suas diferenças de concepções

em torno do ProUni, do Ensino Superior, da Política Pública e da Inclusão/Exclusão

de acordo com a posição social ocupada por eles.

A despeito das articulações dos níveis ora expostos, Spink (1993) enfatiza que a

combinação de dois ou mais níveis gera estudos bem diversificados. Eis o motivo

pelo qual, o presente estudo optou pela combinação dos níveis situacional e

ideológico anteriormente descritos.

Diante da complexidade do fenômeno ora esboçado por Spink (1993), enfocamos as

representações sociais, enquanto processo que surge como pensamento

constituinte ou núcleos estruturantes. Assim sendo, buscamos compreender a

elaboração e as transformações das representações sob força das determinações

sociais.

Portanto, embasado no enfoque teórico de Serge Moscovici sobre Representações

Sociais, neste estudo nos propusemos a analisar, a partir de relatos dos sujeitos

supracitados, a representação social do ProUni. Para tanto, esta pesquisa se insere

na modalidade de estudo de caso.

Para Laville e Dione (1999), uma das grandes vantagens do estudo de caso está na

possibilidade de aprofundamento que ele permite, pelo fato de os recursos

encontrarem-se concentrados no caso visado; o estudo também não está submetido

a restrições ligadas à comparação do caso com outros casos. Essa abordagem

permite ao pesquisador explorar elementos imprevistos, precisar alguns detalhes e

construir uma compreensão do caso que considere isso, por ele não estar mais

vinculado a um protocolo de pesquisa que deveria permanecer o mais imutável

possível. “Os elementos imprevistos, os detalhes, desse modo melhor conhecidos,

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podem obrigar a reexaminar alguns aspectos da teoria que sustenta a investigação”

(p. 156).

Spink (1993) elucida que, sendo o estudo das representações sociais uma forma de

conhecimento, ele se encontra fortemente ancorado à esfera cognitiva. Nessa

perspectiva o conhecimento é concebido como algo social e deve ser remetido às

condições sociais que o engendram. Assim, nossa pesquisa de campo buscou

evidenciar as idéias, as atitudes e as ideologias que compõem o cotidiano dos

sujeitos inseridos no programa.

Com base nisso, esta pesquisa remete-se à compreensão da elaboração e à

transformação das representações engendradas pelas determinações sociais ou à

compreensão do funcionamento e eficácia das representações na interação social. A

representação do ProUni, a partir de depoimentos de estudantes bolsistas e demais

sujeitos citados anteriormente, se tornou imprescindível para a compreensão das

representações enquanto processo. É importante ressaltar, de acordo com Spink

(1993), que as pesquisas, nessa perspectiva, tendem a avançar em dois caminhos:

O primeiro se refere à vertente que foi explorada por Moscovici (2003). Ele examinou

mecanismos sociais que intervêm na elaboração cognitiva, mediante os processos

de ancoragem e objetivação. Isto é, tendo em vista expor as determinações sociais

das representações decorrentes da posição ocupada pelos diferentes atores sociais,

ou expor os modelos coletivos disponíveis para que o indivíduo dê sentido a sua

experiência social, utilizaremos o caminho percorrido por Moscovici.

O segundo diz respeito à análise das propriedades estruturais das representações

sociais.

Seguindo a vertente de Moscovici (2003), definiremos os processos de ancoragem e

objetivação. A ancoragem é um processo que transforma algo estranho, que nos

intriga em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma

de uma categoria que pensamos em ser apropriada. Ancorar, então, significa

classificar, dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não

possuem nomes são estranhas, não-existentes, o que as torna ameaçadoras.

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Quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo, portamo-nos distante

ao desconhecido, resistimos a sua existência. O primeiro passo para quebrarmos

essa resistência e nos aproximarmos do desconhecido, seja ele um objeto ou

pessoa em uma determinada categoria, é rotulá-la com um nome conhecido. Assim,

falar sobre algo, avaliá-lo significa representar o não-usual em um mundo familiar.

Por meio da classificação do que antes era inclassificável, o fato de nomear o que

antes era inominável torna-se possível imaginá-lo, representá-lo. Portanto, a

representação é, sobretudo, um sistema de classificação e de denotação, de

alocação de categorias e nomes. A neutralidade não é permitida. Logo, ao

classificarmos uma pessoa estamos rotulando-a, avaliando-a.

Significa, então, que categorizar alguém ou alguma coisa se constitui em escolher

um dos paradigmas existentes em nossa memória, estabelecendo com ele uma

relação positiva ou negativa. O objetivo principal da classificação e da nomeação é

permitir a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos

subjacentes às ações dos indivíduos.

A objetivação, por sua vez, une a idéia de não-familiaridade com a de realidade.

Objetivar significa descobrir a qualidade icônica de uma idéia, ou ser impreciso; é

reproduzir um conceito em uma imagem (MOSCOVICI, 2003). Em outras palavras, o

que era abstrato para uma geração se torna concreto para a seguinte. O exercício

de compararmos algo ou alguém já denota sua representação. Objetivar pressupõe

reabsorver um excesso de significações, materializando-as e adotando, assim, certa

distância a seu respeito. Significa também transplantar para o nível de observação o

que anteriormente, era apenas inferência ou símbolo. Assim, a objetivação torna-se

um processo mais atuante que a ancoragem.

Seguindo a vertente de Moscovici, nosso estudo teve um enfoque comparativo

horizontal, o qual consiste em comparar as representações de diferentes segmentos

de uma determinada sociedade. Isto é, fizemos amostras representativas de seis

grupos: estudantes bolsistas do ProUni e estudantes não-bolsistas, professores,

coordenadores de curso, coordenador do ProUni, diretor e ASG’s para

posteriormente, compararmos opiniões, valores, atitudes destes, em relação ao

ProUni.

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A primeira etapa da pesquisa de campo visou, por meio de um questionário

estruturado5, a traçar o perfil dos estudantes bolsistas e não-bolsistas da IP. A

abordagem mais usual, segundo Laville e Dione (1999), consiste em preparar uma

série de perguntas sobre o tema visado, perguntas escolhidas de acordo com a

hipótese. Nossa hipótese se expressou da seguinte forma: as representações

sociais (de estudantes bolsistas do ProUni e estudantes não-bolsistas, professores,

coordenadores de curso, coordenador do ProUni, diretor e ASG’s) sobre o ProUni

ratificam as políticas educacionais implantadas pelo atual governo, uma vez que

evidenciam a divisão de classes inerente à formação estrutural de sociedade

brasileira. Com isso, a inserção das classes populares ao ensino superior tem se

aproximado da expressão “pela porta dos fundos”.

Com esse objetivo, foi utilizado um questionário socioeconômico-cultural para

investigar tais questões.

A segunda etapa, a entrevista, caracterizou-se por um questionário semi-

estruturado. Laville e Dione (1999) esclarecem que esse tipo de questionário para

entrevista possibilita um maior desenvolvimento e ampliação a partir das

necessidades da pesquisa.

A entrevista iniciou-se com a seguinte pergunta: “o que o ProUni representa para

você?”. Em seguida, houve a inserção das seguintes categorias: ensino superior,

política pública e inclusão/exclusão por meio de outros questionamentos, tais como:

“O que o ensino superior representa para você?”; “Você vê o ProUni como uma

política pública?”, “Você vê o ProUni como uma forma de inclusão?”. Essas

perguntas foram direcionadas aos estudantes não-bolsistas e bolsistas, aos

professores, aos coordenadores de curso, ao coordenador do ProUni, ao diretor e

aos ASG’s.

Durante a entrevista, foram evitadas expressões de reprovação ou agrado.

Buscamos uma postura atenta e questionadora quando necessário. A finalização

dos depoimentos, ou determinação dos rumos, a duração da entrevista, foram

5 Ver apêndice 1.

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determinados pelo entrevistado. Ao término, perguntamos ao entrevistado se havia

algo a mais a acrescentar; sendo negativa a resposta, a entrevista se dava por

encerrada.

Uma das vantagens da entrevista foi o fato de proporcionar maior amplitude que o

questionário, sua organização permite explicar algumas questões em seu curso,

reformulando-as para atender as necessidades da pesquisa, o que nos permitiu uma

maior flexibilidade.

As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas.

1.3 Análise dos Dados Coletados

A análise dos dados coletados foi realizada tendo em vista: documentos, leis,

decretos, artigos, enunciados de políticas governamentais, depoimentos, entrevistas.

Como podemos ver, a análise foi aplicada a uma grande diversidade de materiais, o

que permitiria também abordar uma grande diversidade de objetos de investigação:

atitudes, valores, representações, mentalidades, ideologias, entre outros. Entretanto,

em virtude das características de nossa pesquisa (limitada a uma duração de vinte e

quatro meses), focamos as representações sociais.

Sendo o objetivo da pesquisa, analisar a representação social do ProUni, a partir de

relatos dos sujeitos da IP, a análise do conteúdo dos dados se apresentou como

fundamental para tal tarefa. As etapas que percorreram essa análise foram:

• Organização da documentação de acordo com as questões e hipóteses que

orientaram a pesquisa;

• Tabulação de questionários;

• Transcrição das entrevistas;

• Análise e sistematização dos dados coletados.

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1.4 Recorte dos Dados Levantados

Nessa etapa, foi realizado o recorte dos conteúdos dos dados levantados em

elementos que, posteriormente, foram ordenados dentro de categorias. Sua

finalidade se constituiu no agrupamento desses elementos em função de sua

significação. Preocupamo-nos com o fato desses conteúdos serem portadores de

sentido em relação ao material analisado e aos objetivos da pesquisa. Os elementos

ora recortados foram transformados em unidades de análise.

A palavra unidade, para Laville e Dione (1999), significa que cada um desses

fragmentos de conteúdo deve ser completo em si mesmo no plano do sentido. Para

tanto, usamos o recorte dos dados levantados, tendo em vista transformá-los em

temas, ou seja, “em fragmentos que correspondam cada um a uma idéia particular,

quer se trate de um conceito ou que traduzem uma relação entre tais conceitos”

(LAVILLE e DIONE, 1999, p. 217). Por exemplo, durante as entrevistas, no

segmento de estudantes apareceu, por várias vezes, o tema “oportunidade”, 79

(setenta e nove) vezes, isto é, ocupou o espaço de 85% das falas, o que denota a

maneira como esses sujeitos concebem o ProUni. Já em relação ao tema governo

apareceu por 39 (trinta e uma) vezes, isto é, 42,39% das falas, sendo que a palavra

Estado aparece apenas por 7 sete vezes, o que revela as considerações de Chauí

(2001), quanto à identificação do brasileiro com o executivo. Isso é o imaginário da

população brasileira centrada no executivo; espera-se que uma figura messiânica

resolva todos os problemas.

Umas das vantagens do recorte por tema é o fato de que ele pode melhor aproximar

o pesquisador do sentido do conteúdo, uma vez que ele se sentirá obrigado a

construir suas unidades de análise a partir da compreensão desse conteúdo. Vale a

pena elucidar uma das críticas a esse procedimento: aquele que se refere ao caráter

subjetivo das inferências necessárias, ao que se pode contrapor que toda análise

compreende uma parte de interpretação na qual o pesquisador explicita o que ele

entende dos resultados obtidos.

As categorias analíticas seguiram o modelo misto, pois iniciamos com a definição de

categorias baseadas em nosso conhecimento teórico e no nosso quadro operatório.

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Entretanto, essas categorias não possuíram um caráter imutável, porque, no

decorrer da pesquisa, pudemos levar em consideração todos os elementos que se

mostraram significativos, mesmo que isso nos tivessem obrigado a ampliar o campo

das categorias.

Dentre as modalidades de interpretação qualitativa, optamos pela estratégia de

contextualização histórica, baseando-nos em um quadro teórico explícito a fim de

elaborar um roteiro sobre a evolução do fenômeno ou da situação em estudo e

sobre as previsões que essa análise submete à prova da realidade.

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CAPÍTULO II – POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: DEMOCRACIA POLÍTICA VERSUS DEMOCRACIA SOCIAL

“Vocês que fazem parte dessa massa Que passa nos projetos do futuro

É duro tanto ter que caminhar E dar muito mais do que receber

E ter que demonstrar sua coragem À margem do que possa parecer E ver que toda essa engrenagem Já sente a ferrugem lhe comer...”

Admirável Gado Novo, Zé Ramalho

2.1 A distância entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social

Antes de analisar, propriamente, as representações sociais do ProUni, entende-se a

importância em contextualizar a conjuntura que o antecede. Sendo assim, optou-se

por iniciar a contextualização a partir da natureza da política social brasileira. Dessa

maneira, o objeto de estudo, a representação social do ProUni se insere em uma

política pública educacional de acesso ao ensino superior e também está inscrita em

uma política social (Artigo 6º, da Constituição Federal de 1988 – direitos sociais).

Isto posto, dever-se-à, neste capítulo, aproximar a política social ao ensino superior,

como forma de verificar suas conexões com a política educacional.

Nesses termos, falar de política social no Brasil remete à observação de um sistema

de proteção social composto por inúmeros programas e políticas setoriais, de baixa

eficiência e eficácia, de vida efêmera e impermeável ao controle público (COHN,

1995).

A política social se inclui em uma política de Estado. Sua relevância se torna maior

com o Estado de Bem-Estar Social em que há garantia dos direitos sociais acarre-

tando, com isso, a redução nas taxas de lucro do capital. O Estado de Bem-Estar

Social representa uma resposta do capitalismo à polarização entre dois diferentes

modos de produção: o capitalismo e o comunismo.

Przeworsky (1989), analisando o percurso da social-democracia enfatiza que o Es-

tado de Bem-Estar Social se constitui em uma aliança entre comunistas e capitalis-

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tas, visando à possibilidade de convivência harmônica entre os interesses do capital

e do trabalho. Referindo-se ao contexto europeu, o autor descreve as transforma-

ções ocorridas no campo da social-democracia sob o espectro político: o argumento

clássico da social-democracia era domesticar e regular o mercado, bem como limitar

seus efeitos indesejáveis. A idéia central era, portanto, promover uma redistribuição

de renda que fizesse jus às condições sociais do indivíduo. Sua idéia fundamental

partia de uma nova forma de distribuição da riqueza social, com uma parte substan-

cial investida em garantia de direitos sociais. Essa forma de Estado se desenvolveu

na Europa e nos Estados Unidos.

O Estado de Bem-Estar Social ou Estado-Providência, modelo europeu, nasceu

durante a crise de 1929 e entrou em decadência no início dos anos 1970. Consiste

em um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente

da promoção social e organizador da economia. Portanto, o Estado é o agente

regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em

parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a

nação em questão. Cabe, então, ao Estado de Bem-Estar Social garantir serviços

públicos e proteção à população.

A experiência do Estado de Bem-Estar Social não pôde ser vivida no Brasil, uma vez

que o lugar do social no país ainda é o assistencial-político-populista, isto é, restrito

à implantação de medidas assistencialistas que atendem a interesses políticos tem-

porários dos governantes.

Como resultado dessa característica, tem-se um modelo de proteção social que re-

produz as desigualdades sociais e, ao invés de amenizá-las, aprofunda-as.

Cohn (1995) defende imperar, em nosso país, uma lógica que separa a política soci-

al da política econômica. Isso acaba por privilegiar a última em detrimento da primei-

ra, acarretando um desenvolvimento econômico em descompasso com o social.

Complementando o pensamento de Cohn (1995), Pereira (2000), ao analisar as

políticas de satisfação das necessidades no contexto brasileiro, propõe repensar a

política social de uma perspectiva universal, abarcando as necessidades básicas e

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não focalizadas – limitando-se aos mínimos sociais, os quais estão a serviço da

reprodução da pobreza. Em sua análise, a autora opta pela utilização da

nomenclatura “necessidades básicas”, no lugar da noção de “mínimos sociais”. Sua

opção é explicada, primeiramente, porque a noção de “mínimo” é muito valorizada

pela política neoliberal; o termo “necessidades básicas” não expressa a noção ínfima

e isolada de provisão social, pois abarca a questão da necessidade humana.

Segundo, porque ela busca ir além da sobrevivência biológica. Para tanto, baseia

suas argumentações em pensadores socialistas para sustentar um conceito objetivo

e universal de necessidades básicas que leve em conta tanto a dimensão natural

dos seres humanos quanto a social.

Para a autora, a trajetória da política social no Brasil sofreu grande influência das

mudanças econômicas e políticas ocorridas no plano internacional e pelos impactos

reorganizadores dessas mudanças na ordem política interna.

Essas influências e impactos contribuíram, positivamente, no que Pereira (2000)

convencionou chamar de um “sistema de bem-estar periférico”, referindo-se à

experiência brasileira do Estado de Bem-Estar Social. Assim, a diferença da política

social brasileira, em relação aos países capitalistas avançados, os quais nasceram

livres da dependência econômica e do colonialismo, está no fato de que a proteção

social no Brasil não se apoiou firmemente no pleno emprego, nos serviços sociais

universais, nem conseguiu construir até hoje uma rede de proteção impeditiva da

queda e da reprodução de extratos sociais majoritários da população na extrema

pobreza.

Outro agravante a ser considerado pela autora, diz respeito à fragilidade das

instituições democráticas nacionais, haja vista a política social brasileira ter seus

momentos de expansão, justamente nos períodos mais avessos à instituição da

cidadania, isto é, nos regimes autoritários. Os motivos para essa tendência se

assentam no fato de os governos procurarem “mostrar serviço” como forma de

justificar sua ação interventora, anunciada como revolucionária, de encobrir a dureza

do regime de exceção e de distribuir bens e serviços para não ter que distribuir o

poder.

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A análise histórica de Pereira (2000) inicia-se no período anterior a 1930, quando a

economia era agroexportadora, e o sistema político caracterizava-se pela ausência

de planejamento social. Em vista disso, o papel do Estado era incipiente na área

social, pois não geria o processo de provisão social, o qual estava a cargo do

mercado que atendia a preferências e demandas individuais; a iniciativa privada

não-mercantil era responsável por dar respostas tópicas e informais aos reclamos da

pobreza; e a polícia controlava repressivamente, a questão social. Data dessa época

a frase do então presidente da República Washington Luis: “A questão social é

questão de polícia”. Nessa conjuntura, Pochmann (2004) reitera ao pensamento de

Pereira (2000) o fato, de que durante as duas primeiras décadas do século XX,

cerca de 3,7 mil famílias ricas apropriavam-se da política macroeconômica em

benefício próprio por meio da valorização patrimonial, o que comprometeu a

introdução e difusão de um sistema de proteção social e trabalhista mais amplo.

Com isso, a ação do Estado, em relação às necessidades básicas, reduzia-se a

reparações tópicas e emergenciais de problemas prementes ou a respostas

morosas e fragmentadas às reivindicações sociais dos trabalhadores e de setores

populacionais empobrecidos dos grandes centros urbanos. As áreas que mereceram

maior atenção foram: trabalho e previdência; contudo, foram atendidas de forma

limitada e precária.

No que se refere às principais medidas adotadas em 1923, a autora enfatiza a

criação dos Departamentos Nacionais do Trabalho e da Saúde, o Código Sanitário,

a Lei Elói Chaves – relativa à previdência caracterizada por uma legislação esparsa,

de efeito mais retórico que prático, voltada para regulação e a provisão de

contingências ligadas ao trabalho (acidentes, férias, trabalho do menor e da mulher,

velhice, invalidez, morte, doença, maternidade). As áreas como saúde, educação e

habitação tiveram um tratamento residual. Na saúde, houve estratégias de ação

coletiva, as quais foram assumidas por autoridades locais em função de situações

calamitosas, como as epidemias. Na educação, a rede escolar restringia-se à elite,

valorizando-se uma aprendizagem ornamental e academicista. Os movimentos

democratizantes ensaiados nesse período, como a Escola Nova, não alcançaram

expressão nacional. Na área da habitação, as medidas mais significativas foram

assumidas pelas empresas industriais (construções de vilas operárias, creches,

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restaurantes), como mecanismo extra-econômico de reforço à reprodução da força

de trabalho e rebaixamento do salário do trabalhador.

Nesse período anterior a 1930, houve uma política social na qual nem um mínimo de

renda como provisão ínfima, de estilo liberal, foi contemplado.

Após 1930, de acordo com a autora, houve uma política

populista/desenvolvimentista. Assim, o Estado Novo esteve caracterizado por uma

vasta legislação trabalhista em consonância com baixa ou nula participação política

e precária vigência dos direitos civis, aspectos que comprometeram o

desenvolvimento de uma cidadania ativa. A existência de uma cidadania regulada,

isto é, limitada por restrições políticas acarretou o que Murilo de Carvalho (2006, p.

221) convencionou chamar de estadania, “cultura orientada mais para o Estado do

que para a representação [...] em contraste com a cidadania”. A estadania explica-se

pela característica de o Estado brasileiro em se antecipar aos reclamos da

população, concedendo benefícios ao invés de direitos.

Em 1934, houve a criação do Conselho de Comércio Exterior, no qual apenas

aspectos econômicos foram contemplados.

Na década de 1940, o governo Vargas, dentre as principais medidas adotadas,

instituiu o salário mínimo e promulgou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ainda nessa década, porém no governo Dutra, houve promulgação da Constituição

Federal de 1946, que defendia ideais liberais e a criação e extinção do plano

SALTE; sua sigla significava Saúde (S), Alimentação (Al), Transporte (T), Energia

(E).

Na década de 1950, o governo Vargas promoveu uma ação planificada centrada na

economia, resgatou a retórica nacionalista, demonstrou adesão às concepções e

ideais da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), efetivou o reajuste

do salário mínimo (porém este não recuperou as perdas), incentivou a indústria,

proporcionou a intervenção estatal com a criação da Petrobrás e o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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Em 1955, foi eleito Juscelino Kubitschek, as ações de seu governo centraram-se na

retórica internacionalista, no investimento do capital externo no país, na criação da

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e na construção de

Brasília. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a política social foi usada por este

governo como meio de investimento em capital humano.

Na área da economia, nesse período houve a passagem de uma economia agro-

exportadora para a urbano-industrial. Todavia, essa mudança econômica não foi

acompanhada de igual impulso na área social. A proteção social brasileira, até 1954,

era caracterizada pela ausência de planificação central, mesmo que indicativa (onde

a ação estatal era basicamente indireta), operando por meio da política econômica:

fiscais, impostos e gastos com empréstimo público; monetários (controle de moeda)

e automáticos (imposto de renda progressivo). O Estado não assumia explicitamente

sua ação reguladora.

Complementar a análise de Pereira (2000), Pochmann (2004) observa que esse

período foi marcado por um projeto de desenvolvimento sustentado na

industrialização e urbanização que, dentre outros fatores, foi responsável pela

aplicação e difusão de um conjunto de legislações sociais e trabalhistas inovadores

a exemplo da CLT. Por esse motivo, alguns autores como Murilo de Carvalho (2006)

prefere denominar Estado Desenvolvimentista ao que na Europa e nos países norte-

americanos denominou-se Estado de Bem-Estar Social.

Como fruto disso, apesar da questão social não ser mais considerada uma questão

de polícia, ela não foi alçada como uma questão de política maior que merecesse a

mesma atenção que o governo dispensava à área econômica. A política social,

então, embora encampada pelo Estado funcionava, na maioria das vezes, como

uma espécie de zona cinzenta, onde se operavam barganhas populistas entre

Estado e parcelas da sociedade e onde a questão social era transformada em

querelas reguladas jurídica ou administrativamente e, portanto, despolitizada.

Apesar disso, no período popular a política social conquistou um patamar importante

em relação ao período anterior. Contudo, ela não conseguiu alterar a desigualdade

social. Em resposta a isso, Pochamann (2004, p. 70) assevera que a política social

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“assumiu papel fundamental no disciplinamento de uma sociedade que regulou

favores, sem criar cidadania plena”.

No período de 1954 a 1964, o planejamento central passou a ser valorizado, todavia

os aspectos sociais continuaram marginais. Esses aspectos só eram realçados

quando vinculados à rentabilidade econômica e ao crescimento industrial. A exemplo

disso teve-se o governo de Juscelino Kubitschek que incluiu a educação no plano de

metas, com o objetivo de preparar recursos humanos para a indústria de bens de

consumo duráveis.

Sendo assim, entre 1930 e 1964, não houve, no terreno social, um rompimento

decisivo com o laissez-faire nem com a antiga estrutura de poder oligárquico da era

agroexportadora. Houve uma política social ad hoc6, apesar de sua crescente

regulação formal. As principais medidas de proteção social da década de 1930

foram: a promulgação da Constituição Federal de 1934; a imposição pelo Estado

Novo da Constituição de 1937, inspirada nos modelos constitucionais corporativo-

facistas; a criação do Conselho Nacional de Serviço Social com o objetivo de

normatizar e fiscalizar as ações de assistência social, preponderantemente,

desenvolvidas por entidades privadas.

É importante ressaltar, que o período popular (1930-1964) foi circunscrito por lutas e

questionamentos políticos e ideológicos. Algo similar a esses governos diz respeito à

estrutura de condução da política social (POCHMANN, 2004).

No que se refere aos direitos sociais, sua ampliação ocorre no período populista e

autoritário. O então presidente Getúlio Vargas, em 1930, tomou as primeiras

medidas de um governo dito revolucionário criando o Ministério do Trabalho,

6 A expressão latina ad hoc significa literalmente para isto, por exemplo, um instrumento ad hoc é uma ferramenta elaborada especificamente para uma determinada ocasião ou situação ("cada caso é um caso"). Num senso amplo, poder-se-ia traduzir ad hoc como específico ou especificamente. Algo feito ad hoc ocorre ou é feito somente quando a situação assim o exige ou o torna desejável ao invés de ser planejado e preparado antecipadamente ou fazer parte de um plano mais geral. Um processo ad hoc consiste em um processo em que nenhuma técnica reconhecida é empregada e/ou cujas fases variam em cada aplicação do processo (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad_hoc).

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Indústria e Comércio. Iniciou-se, assim, uma grande legislação trabalhista e

previdenciária, completada em 1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho.

Entretanto, não se pode dizer o mesmo para os direitos políticos nem os civis. Os

direitos políticos alternaram-se entre regimes democráticos e regimes ditatoriais

enquanto os civis continuaram arraigados no clientelismo e paternalismo.

Cohn (1995) assim como Murilo de Carvalho (2006) enfatiza que a concepção de-

senvolvimentista dos anos de 1930 e de 1940, que nos países europeus e norte-

americanos convencionou-se chamar de Estado de Bem-Estar Social, no Brasil se

configurou com o Estado Desenvolvimentista, em especial, no período populista, a

partir de Getúlio Vargas.

Como forma de se entender o processo de ingresso do Brasil na economia mundial,

Florestan Fernandes (1975) usa o conceito de capitalismo dependente. Ele utiliza

esse conceito para explicar o contexto em que surge a redução do financiamento

público das políticas sociais. Analisa, assim, o significado político e econômico da

dívida pública brasileira. O autor enfatiza a importância desse conceito para a

compreensão de como se processou o ingresso do Brasil na economia mundial via

associação de oligarquias com setores intermediários em formação.

Para o autor, esses setores em formação tiveram como meta conservar os

privilégios das classes dominantes as quais se adaptaram aos interesses

socioeconômicos visados pelo capitalismo monopolista, constituindo, dessa forma,

um padrão de hegemonia burguesa, produto do capitalismo dependente. Houve,

com isso, a inserção subordinada aos interesses econômicos e políticos dos países

imperialistas articulados aos interesses da burguesia brasileira em reproduzir,

internamente, as relações de dominação ideológica. A união política entre burguesia

brasileira e capital internacional se constituiu em uma característica inerente à ação

das burguesias de países periféricos.

De volta ao plano político, nos governos Quadros e Goulart, ocorreu uma

estagnação econômica herdada do período anterior (endividamento externo), bem

como uma intensa mobilização das massas em torno de pleitos por reformas sócio-

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econômicas. Em vista disso, Goulart elaborou: o Plano Trienal contemplando

reformas de base, 13º salário, salário família; Na área da educação, houve a criação

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 4.024/61 e do programa

Alfabetização de Adultos; e na área da saúde, ocorreu a transformação do Serviço

Especial de Saúde Pública em Fundação. Em resumo, este governo, em relação aos

anteriores, apresentou uma proposta mais progressista de política social e uma

intenção deliberada de intervir nas bases da política e instituição estratégicas.

Apesar do intento de realizar reformas de base, a burguesia industrial e a classe

média reagiram contra Goulart, através do golpe militar de 1964.

Em 1964, com o golpe militar, houve a supressão dos direitos civis e políticos.

Durante esse período, vários generais assumiram o poder, instalou-se a censura aos

meios de comunicação, o Congresso foi fechado, as liberdades civis foram

duramente cerceadas. Os instrumentos legais da repressão foram os Atos

Institucionais (AI) editados pelos presidentes militares. A repressão se deu sob a

justificativa do perigo do comunismo. Nesse período, também houve o chamado

“milagre econômico”, desmistificado, posteriormente, visto que o “milagre” atingiu

apenas uma pequena parcela da sociedade, à custa do aprofundamento da

desigualdade da maioria.

Ainda na análise de Pereira (2000), o período de 1964 a 1967, apesar de ter sido

decretado o estatuto da terra, quase nada foi desenvolvido na área social. A política

social, como inúmeras vezes, tornou-se extensão da política econômica. Exemplo

disso está no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A partir de 1967, a

política social passou a ser um importante meio de acumulação de riquezas. O

objetivo dos programas sociais era atender aos interesses específicos da economia

de empresa, embora integrassem a ação estatal. Assim, mesmo sendo públicos

tiveram execução privada.

É importante ressaltar, no que diz respeito aos direitos sociais no Brasil, que eles,

diferentemente da Inglaterra e França, se anteciparam aos direitos civis e políticos.

Marshall (1967) mostra a cronologia dos direitos nesses países, elucidando que

neles os direitos seguiram uma seqüência lógica e cronológica. Assim, surgiram

primeiro os direitos civis, século XVIII; seguidos dos direitos políticos, século XIX; e,

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em última instância, os direitos sociais no século XX. A seqüência é lógica, porque, a

fim de que fossem conquistados os direitos civis, os indivíduos precisavam se

reconhecer como portadores de direitos para, dessa forma, participar da vida

política. Uma vez participante das decisões políticas, os indivíduos poderiam lutar

pela participação na distribuição das riquezas de seu país. Contudo, há uma

exceção na seqüência de direitos adotada por Marshall (1967), trata-se da educação

popular. De acordo com o autor, apesar de ser definida como um direito social, ela

tem sido, historicamente, um pré-requisito para a expansão de outros direitos. O

exemplo disso, tivemos na Inglaterra que, por meio da educação popular, permitiu

aos indivíduos tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem para lutar

por eles.

No Brasil, os direitos sociais precederam aos demais. Nossa cultura política

arraigada no clientelismo e autoritarismo, aliada a um sistema educacional restrito,

não nos propiciou um conceito de cidadania ligado ao direito a ter direitos. O que

perpassa o imaginário brasileiro é, inevitavelmente, a cultura do favor, do benefício,

do privilégio, o que se coloca contrário à universalidade do direito.

No plano internacional, nas décadas de 1930/1940 entrou em cena o Estado de

Bem-Estar Social, anteriormente esboçado. No Brasil, ele apresentou-se como uma

combinação de elementos presentes na classificação de Esping-Andersen, isto é,

intervenções públicas tópicas e seletivas – próprias dos modelos liberais; adoção de

medidas autoritárias e desmobilizadoras dos conflitos sociais – típicas dos modelos

conservadores e o estabelecimento de esquemas universais e não-contributivos de

distribuição de benefícios e serviços – característicos dos regimes social-

democratas. Tudo isso foi mesclado a práticas clientelistas, populistas, paternalistas

e de patronagem política de larga duração no país. Esse modelo de Estado entrou

em crise na década de 1970.

Para Mota (2005), em 1970, iniciou-se uma crise econômica que se tornou mais

aparente nos anos 1980. Ela foi difundida a partir de fatores externos, como a crise

do petróleo em 1973, as lutas sociais pela libertação dos povos do Terceiro Mundo,

o comportamento dos sindicatos entre outros. Nesse sentido, Behring (2003)

esclarece que a crise foi gerada também em função da queda das taxas de lucro e

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acarretou um novo perfil para o trabalhador. Harvey (2004) reafirma o que Mota

(2005) e Behring (2003) enfatizam, isto é, a partir de 1973, houve uma grande

mudança no que se refere à aparência do capitalismo, assinalando o nascimento de

um novo regime de acumulação que visou a conter as conseqüências e contradicões

próprias do capitalismo: o que Antunes (1999) convencionou chamar de

desproletarização do trabalho industrial, devido a enorme onda de desemprego

estrutural. Surgiram, com isso, as novas tecnologias as quais transformaram as

relações de trabalho .

Nesses termos, o desmonte do Estado de Bem-Estar Social iniciou-se, segundo

Anderson (1995), em função da grande crise do modelo pós-guerra. Isto é, no

momento em que todos os países de capitalismo avançado atravessavam uma

longa e profunda recessão, década de 1970, acrescida de baixas taxas de

crescimento e altas taxas de inflação.

No que concerne ao ensino superior, Carvalho (2002) assevera que, no Brasil, a

década de 1960 foi revestida por uma grande demanda educacional, dentre outros

fatores, impulsonada pela urbanização, pelo crescimento demográfico, pela

percepção da classe média de ascensão social pela via educacional, bem como pela

grande demanda de mão-de-obra qualificada solicitada pelas empresas públicas e

privadas.

Com isso, a escolaridade formal transformou-se em investimento em capital humano

e passou a desempenhar papel de setor prioritário e fator impulsionador do desen-

volvimento econômico. A teoria do capital humano foi hegemônica nos anos 1960 e

1970, apesar de sofrer duras críticas a despeito dos papéis micro e macroeconômi-

cos da escola, ou seja, de veículo de mobilidade social e redutor da desigualdade de

rendimentos. Uma das críticas diz respeito à idéia da educação como veículo de

mobilidade social ou como modo de conservação das camadas médias urbanas.

Ratificando a idéia da educação enquanto um modo de conservação das camadas

médias, Mills (1976) ao analisar a classe média na sociedade norte-americana do

pós-guerra, afirma que a educação escolar desempenha um papel fundamental em

uma sociedade com concentração de renda e propriedade. Isto é, além de exercer a

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função de símbolo de prestígio e de posição social, a educação formal torna-se o

destino profissional de grande parte dos contingentes populacionais das camadas

médias e principal responsável pela inserção no mercado de trabalho assalariado.

Os adeptos dessa teoria afirmam que a educação cumpriria o papel de instrumento

de mobilidade ocupacional e social do indivíduo. Resulta dela a afirmação que

[...] um acréscimo marginal de instrução, treinamento e educação, corresponde a um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja, a idéia de capital humano é uma ‘quantidade’ ou um grau de educação e de qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual (FRIGOTTO, 1996, p.41).

Cunha (1974) contesta o pressuposto da teoria do capital humano de que a

escolaridade é um importante fator de mobilidade social. O autor afirma que o

sistema educacional brasileiro é seletivo, mantenedor de classes e status e reflexo

do próprio sistema social. Destarte, a educação formal cumpriria um papel

fundamental de legitimar o próprio sistema social desigual, à medida que se torna o

principal veículo de mobilidade e de igualdade de oportunidade em uma sociedade.

Os indivíduos, que não conseguissem ascender socialmente, teriam o fracasso

associado a sua insuficiência pessoal.

Em relação à crítica de Cunha (1974), Myint (1974) complementa a existência de

três pontos falhos na teoria do capital humano: Em primeiro lugar, não há necessariamente relação entre um aumento dos gastos em educação e a capacidade de um país para melhorar a qualidade de sua investigação científica e técnica. Isso não depende unicamente da quantidade total dos gastos educacionais, mas de como esses gastos são realizados e de muitos outros fatores. Em segundo lugar, tampouco existe relação entre a capacidade para levar a cabo uma investigação científica original que conduza a investigações técnicas e a capacidade prática para aplicá-las na solução de problemas econômicos, que é o sentido estrito do termo ‘inovação’ como os economistas o tomam [...] Em terceiro lugar, nos países subdesenvolvidos a adoção com êxito de novos procedimentos para o desenvolvimento econômico requer freqüentemente não apenas inovações técnicas, mas também inovações sociais e de organização que afetam a estrutura social e econômica. Aqui, o problema de novas idéias e inovações funde-se com o de uma adaptação apropriada, em contraste com a adoção mecânica, nos países subdesenvolvidos, de idéias sociais, políticas e tecnológicas próprias de outros países (MYINT,1974, p. 132-133).

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Nessa citação, Myint (1974) questiona três pontos desconsiderados pela teoria do

capital humano, ou seja, a forma como que serão realizados os gastos com a

educação, o sentido economicista que restringe a inovação, a aplicação de solução

a problemas econômicos e a necessidade de não apenas inovações técnicas, mas

essas inovações, nos países subdesenvolvidos, devem vir acompanhadas de

inovações sociais.

De acordo com Cunha (1974), a educação deve ser concebida como uma possibili-

dade e não uma garantia de sucesso individual. Ainda que o curso de ensino supe-

rior represente um instrumento de valorização e de prestígio sociais, a graduação se

constitui apenas em um fator de consolidação da trajetória social já percorrida pela

família do estudante. Dito de outra forma, em uma estrutura social definida e desi-

gual como a brasileira, o papel da educação como fator de mobilidade é, relativa-

mente, reduzido e a busca da ascensão social por meio dela torna-se uma ilusão.

Complementar ao pensamento de Cunha (1974), Foracchi (1977, p. 300) se refere à

formação universitária como algo que “[...] apenas ratifica uma trajetória social já rea-

lizada e para firmar-se como instrumento de realização pessoal e como recurso de

afirmação social não prescinde – pelo contrário, exige – condições sócio-

econômicas estáveis e consolidadas”.

Retornando à contextualização histórica, o governo Médici, 1970 a 1973,

caracterizou-se pelo auge do “milagre econômico”, negado, posteriormente, com a

descoberta de que os saltos da economia foram conquistados a custo do grande

aumento da concentração de renda, aprofundando, com isso, a pobreza no país.

É importante ressaltar que o governo Castelo Branco proporcionou os anos mais

tirânicos da história da repressão, aumentando o fosso entre o Estado e a maioria da

população. Seu governo foi marcado por um Estado repressor com modelos

faraônicos. Exemplo disso está na construção da Hidrelétrica de Itaipu e da Rodovia

Transamazônica.

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Voltando ao governo Médici, o Fundo do Trabalhador Rural para Previdência Social,

que era o único programa de característica redistributiva, foi desativado. Em relação

à proteção do capital à custa do trabalho, foi criado o Programa de Integração Social

(PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), que

representaram mais um mecanismo de poupança do que uma tentativa de

integração do trabalhador ao desenvolvimento econômico. Houve também a

construção do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que forneceu arcabouço

jurídico para adoção de políticas sociais compensatórias direcionadas à população

de baixa renda. Seu objetivo era a manutenção do poder da elite dirigente e altas

taxas de crescimento econômico.

Em vista disso, até 1974 houve uma repressão cruenta dos direitos civis e políticos,

conquanto, a partir de 1975, os governos demonstrassem preocupação com os mais

pobres. Desse modo, de 1974 a 1979, observou-se um esforço governamental de

ampliar o escopo da política social. É importante ressaltar que a ampliação da

política social se mostrou como uma estratégia para reaproximar o Estado da

sociedade, sobretudo das massas, visto que o regime militar estava em franco

desgaste.

A exemplo disso, a política social apresentou-se submetida à rentabilidade

econômica negligenciando qualquer intento de satisfação das necessidades básicas.

Houve também a interferência das agências internacionais na definição de políticas

sociais economicamente rentáveis, o que resultou no aumento da desigualdade

social. O mesmo foi constatado na política educacional, a qual buscava preparar

recursos humanos para desenvolvimento econômico7.

De 1974 a 1979, o governo Geisel criou o 2º PND, visando a substituir o capitalismo

selvagem por um capitalismo social. Pereira (2000), em relação a essa política,

verificou reformas repressivas na gestão de Geisel, bem como o revigoramento de

movimentos sociais em torno de pleitos por democracia, haja vista estar em vigor o

regime militar. Com isso, ressurgiram os movimentos sociais – a Organização dos

Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a

7 Ver Teoria do Capital Humano, Frigotto (1996).

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União Nacional dos Estudantes (UNE), a classe operária do ABC paulista. Em 1979,

ocorreu a Anistia com a restituição dos direitos civis e políticos.

Quanto à política social no governo militar, essa continuou a ser financiada pela

contribuição de empregados e empregadores. Por conseqüência, o período

autoritário foi caudatário do processo de exclusão, no que diz respeito ao acesso à

política social e trabalhista por parte da população localizada à margem do mercado

de trabalho estruturado (POCHMANN, 2004).

Em função disso e pela falta de implementação de reformas que foram primordiais

no capitalismo contemporâneo desenvolvido (agrária, tributária e social), o Brasil

acabou por consolidar um padrão, amplamente, excludente de distribuição de renda

e riqueza. Assim, a repressão às forças progressistas que se encontravam reunidas

na busca pelas reformas de base, no início da década de 1960, foram estagnadas

pela modernização conservadora preocupada quase e, exclusivamente, com o

estímulo econômico como forma de enfrentamento da desigualdade e da exclusão

social. Em resumo, os governos militares subordinaram a política social e trabalhista

à política econômica. A gestão tecnocrática desses governos aproximou-se da

improvisação, do clientelismo, do burocratismo, da fragmentação e setorialização

das políticas sociais (POCHMANN, 2004).

Na década de 1980, as idéias do Estado Mínimo ou Neoliberal ampliaram-se. Os

motivos da crise, para os neoliberais, como visto anteriormente, residiam no poder

excessivo e nevasto dos sindicatos, sobretudo, o movimento operário, “que havia

corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas

sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse

cada vez mais os gastos sociais” (ANDERSON, 1995, p. 10).

Desse modo, o neoliberalismo, para Chauí (2001), corresponde ao momento em que

entrou em crise o Estado de Bem-Estar, de estilo keynesiano e social-democrata;

nele a gestão dos fundos públicos era feita pelo Estado como parceiro e regulador

econômico e da redistribuição da renda por meio de benefícios sociais, advindos

pelas lutas sindicais e populares dos anos 1930 a 1940. Convergindo com a idéia de

Chauí (2001), Anderson (1995) reafirma que a causa da crise foi justificada pelo

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poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários que haviam

pressionado por aumentos salariais e exigido o aumento dos encargos sociais do

Estado, o que teria, dessa maneira, destruído os níveis de lucro requeridos pelas

empresas, desencadeando processos inflacionários incontroláveis.

Diante da crise que atravessava o capitalismo, a solução era contra-atacar. Isto é, o

Estado deveria ser forte, para acabar com o poder dos sindicatos e dos movimentos

operários, controlar o dinheiro público, reduzir drasticamente os encargos sociais e

os investimentos na economia. Desse modo, o Estado deveria atingir a estabilidade

monetária por duas vias: primeiro, pelo corte com os gastos sociais e aumento da

taxa de desemprego, tendo por objetivo formar um exército industrial de reserva

para quebrar os sindicatos; segundo, pela reforma fiscal a qual incentivaria

investimentos privados, reduziria os impostos sobre o capital e sobre a fortuna e

aumentaria os impostos sobre a renda individual. Para atingir essas duas vias, o

Estado deveria afastar-se da regulação da economia (CHAUÍ, 2001).

Nas palavras de Anderson (1995), o remédio para conter a crise seria manter um

Estado atento para as questões econômicas e omisso para as sociais. O governo

deveria centrar suas atenções nas reformas fiscais, tendo em vista atrair agentes

econômicos. Assim, o modelo inglês foi pioneiro, visto que

[...] os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivo, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, [...] se lançaram num amplo programa de privatização [...] (ANDERSON, 1995, p. 12).

No plano nacional, na década de 1980, o Brasil sofreu uma crise fiscal de Estado

que se evidenciou, dentre outros fatores, na deteriorização do crédito do Estado,

déficit de credibilidade e mobilização estatal (ZAULI, 1999).

Entre 1980 e 1985, o governo Figueiredo promoveu a diminuição dos gastos sociais,

o que reduziu a importância da política social no planejamento e gestão estatal. Em

sua gestão, ocorreram a crise fiscal do Estado, o déficit público, o endividamento

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externo e a pressão da sociedade por democracia. Esse quadro provocou o

aumento do desemprego, da pobreza e a queda dos salários. Em vista disso, em

1982 iniciou-se a campanha “Diretas já”.

Em decorrência dos desequilíbrios advindos dessa crise, o governo implementou

uma política de transferência de algumas de suas responsabilidades pela via de

descentralização no campo das políticas públicas. O quadro de ingovernabilidade do

sistema político brasileiro culminou no surgimento da redemocratização, em meados

dos anos 1980.

As eleições diretas tão aguardadas pela população como a salvação nacional

resultaram na escolha de um presidente despreparado, autoritário, messiânico e

sem apoio político no Congresso. Após escândalos de corrupção foi possível pedir o

seu impedimento.

Outro agravante, no que se refere ao período de redemocratização, está no fato dele

ter coincidido com a chegada do neoliberalismo sob a forma do Consenso de

Washington, em 1989. Seguindo a trajetória coerente da espera da figura

messiânica, enfocada no executivo, como foi o caso de Vargas, foi eleito Fernando

Collor de Mello em 1989. Fernando Collor representava-se como o campeão da

moralidade e da renovação da política nacional, uma figura carismática, o verdadeiro

salvador da pátria. Vale ressaltar que a mídia teve papel fundamental em sua

eleição.

Com base nisso, Pereira (2000) observa que, até 1985, as políticas sociais

funcionaram como uma cortina de fumaça para encobrir as verdadeiras intenções de

um regime que não desejava sair de cena, referindo-se ao regime militar.

Em 1986, houve a convocação da Assembléia Constituinte. A proteção social

adquiriu uma nova concepção, abarcando direitos sociais e políticas concretizadoras

desses direitos. Pela primeira vez, a assistência social era incluída em uma

Constituição Federal, na condição de componentes do Sistema de Seguridade

Social e de direito de cidadania. Nesse período, presenciamos a descentralização de

responsabilidade da esfera federal para estadual e municipal (PEREIRA, 2000).

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Portanto, por meio da campanha a favor da redemocratização nacional foi possível

ao Brasil construir condições favoráveis ao rompimento com a política social vigente

no regime militar.

Coube ao governo federal, sobretudo em 1985 e 1986, levar a cabo os elementos

principais a uma ampla reforma nas políticas sociais. Nesse sentido, “a instituição de

grupos de trabalho e de algumas medidas emergenciais e operacionais básicas foi

emblemática do sentido que se desejou perseguir por meio das políticas sociais”

(POCHMANN, 2004, p. 88). Como reflexo da mudança política, houve debates

acerca do seu redesenho institucional e da sua reformulação operacional buscando

proporcionar uma perpectiva de inclusão social. Dessa maneira, no governo Sarney,

destacou-se a instituição do seguro desemprego e da suplementação alimentar, e

em consonância com essas ações, foi alçada a implantação da reforma agrária e a

descentralização do sistema de saúde.

Em 1988, houve a aprovação da Constituição Federal, a qual representou muitos

avanços legais. Para Pochamann (2004) foi justamente no processo de sua

elaboração que o Brasil percebeu o peso das novas iniciativas direcionadas à

correção das desigualdades e ao fortalecimento dos direitos sociais. Em função

disso, a seguridade social representou o maior avanço legal, no sentido das

tentativas de integração e articulação dos sistemas de saúde, da previdência e da

assistência social.

Durante esse período, medidas importantes, no sentido do abandono à cidadania

regulada (o Estado como receptáculo das lealdades corporativistas), foram

concretizadas, como: a homogeinização dos benefícios previdenciários entre

trabalhadores urbanos e rurais e a incorporação de segmentos excluídos da

assistência social.

Dessa forma, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), 1991, representou

um grande avanço em direção à universalização do acesso à política pública.

Todavia, a democracia, assim com a lei por si só, não pode efetuar consideráveis

mudanças sem que haja atores, personagens que atuem no seu reconhecimento.

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No governo Sarney, primeiro governo civil após o período de ditadura militar, a

seguridade social obedecia a uma perspectiva não-contratual e não-contributiva. O

seu lema era “fazer tudo pelo social”, reconhecendo a enorme dívida social e a

fragilidade dos direitos. Suas principais iniciativas se pautaram na reforma

monetária, no congelamento de preços e no ajustamento dos salários. Entretanto,

esse governo não se contrapôs às ênfases liberalizantes, sustentadas pelo Fundo

Monetário Internacional (FMI), não conseguindo conter a inflação. Pereira (2000),

utilizando-se de O’Donnell explica que durante o primeiro governo houve uma

transição inercial, pois verificou-se apenas mudança de governo, não de regime, já

que sua política foi inibidora da democracia.

De 1990 a 1992, Pereira (2000) denomina como a “Era Collor”. Para a autora, nesse

período, mantiveram-se as políticas sociais compensatórias, o que enfraqueceu a

política. Em 1993, com o seu impedimento, assumiu Itamar Franco e controlou a

inflação com o plano real, implementado pelo então Ministro da Fazenda Fernando

Henrique Cardoso (FHC). Com o neoliberalismo, entrou em cena o processo de

globalização da economia. Aconteceu a derrocada do socialismo real que trouxe

como conseqüência, o enfraquecimento de partidos e das organizações de

esquerda.

Na economia ocorreu a desregulamentação, a reforma financeira, as privatizações, a

liberação do comércio, a reforma tributária, a reforma trabalhista e a reforma

previdenciária (PEREIRA, 2000).

Com a promulgação da Constituição de 1988, cresceu a responsabilidade do Estado

na regulação, no financiamento de políticas sociais, na universalização do acesso a

benefícios e serviços, no controle democrático, entre outros. Entretanto, nesse

período, foi observada grande abertura para Medidas Provisórias (MP) por parte do

poder executivo, tendo como respaldo a própria Constituição. Pastorini (2002)

chama atenção para quantidade indiscriminada de medidas provisórias editadas nos

dois governos de FHC e, o que de acordo com a Constituição Federal de 1988 se

constituiu em um mecanismo de legislação extraordinário. Desde 1995, as medidas

provisórias passaram a ser empregadas de forma rotineira, perdendo dessa forma

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seu caráter de provisório. No primeiro governo FHC, foram editadas 2.609 medidas

provisórias, no segundo governo (até julho de 2001) editaram-se 2.553 medidas,

resultando em um total de 5.162 MP entre janeiro de 1995 e junho de 2001.

Na área da educação é reafirmada a universalização do ensino fundamental (1ª a 8ª

séries), sendo também obrigatórias: a gratuidade do ensino público em todos os

níveis (Educação Básica – ensino fundamental e médio; Educação Superior – ensino

superior) e a erradicação do analfabetismo. Na área da Seguridade Social, sua nova

estrutura abarca três políticas: saúde e assistência social, de caráter distributivo e a

Previdência Social, de caráter contributivo. O conjunto integrado de proteção social

pública introduziu inovações na experiência brasileira de bem-estar. A Constituição

de 1988 transformou, em direito, o que antes era tratado como favor.

Para Telles (2001), no Brasil, apesar da Constituição de 1988 afirmar direitos, ainda

imperou a cultura do favor, visto que o Estado tratava no plano da caridade o que

deveria ser tratado no plano do direito. Exemplo disso são os programas de alívio à

pobreza: Bolsa Família, ProUni, Nossa Bolsa e tantos outros que visam a conter a

pressão popular por meio da cooptação e tutela. Com isso, ao pobre são reservadas

a tutela, a proteção, a assistência. A autora defende que, apesar dos avanços

jurídicos, muitos permanecem em um estado de incivilidade, isto é, o Estado não

reconhece sua civilidade, enquanto seres humanos portadores de direitos.

Em relação aos avanços jurídicos, a assistência social ganhou nova configuração, a

partir de sua inserção na Constituição Federal de 1988, no capítulo da Seguridade

Social, juntamente com a Saúde e a Previdência Social. Com isso, a Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS) constituiu-se em uma grande conquista da sociedade no

sentido de regulamentar a única área no âmbito da seguridade social que não havia

se adequado às diretrizes estabelecidas pela Constituição de 1988.

Apesar dos avanços conquistados pela Constituição de 1988, os anos 1990 são

marcados por um processo descrito por Pochmann (2004), como a desconstituição

da agenda reformista acampada na transição democrática nacional. Assim, esse

desmonte teve início no final do governo Sarney e continua em ação até os dias de

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hoje, e os governos que o precederam deram continuidade à lógica de políticas

sociais enviezadas pela contenção fiscal e pela mercantilização.

Seguindo a lógica da destituição dos direitos, no governo FHC aconteceu a Reforma

do Estado, sua administração centrou-se na política monetária, e por sua vez, o

desemprego e o déficit público aumentaram. Nesse governo, ocorreu também a

implementação do Programa Renda Mínima.

Quanto ao programa de renda mínima, Oliveira e Duarte (2005) analisam sua

relevância na agenda política de vários países, a partir de 1980 e 1990. O fator

irradiador, segundo as autoras, reside nas transformações efetuadas na sociedade

salarial, devido à crise do capitalismo contemporâneo.

No âmbito internacional, Rosanvallon (1998) afirma que esses programas têm por

meta assalariar os excluídos em uma sociedade que prescinde, cada vez mais, do

trabalho. O autor observa que esse tipo de programa cria uma divisão entre o

econômico e o social, uma vez que legitima a separação entre o mundo do trabalho

e o mundo da assistência. A partir dessa constatação, o autor defende a reinvenção

da idéia do direito ao trabalho em oposição ao direito à renda. Ratificando o

pensamento de Rosanvallon, Castel (1998) aponta os riscos que incidem na

instituição de uma renda dissociada do trabalho, pois que essa prática fortalece o

assitencialismo. Para tanto, enfatiza a necessidade de se pensar a partir da

redistribuição do trabalho e das garantias de proteção e de direitos, advindas dessa

condição.

No Brasil, os programas de renda mínima têm relação direta com os programas

educacionais e, como público alvo, os extratos mais pobres da população,

sobretudo, os situados na mera sobrevivência e indigência.

As autoras Oliveira e Duarte (2005) enfatizam que esses programas no Brasil

deveriam ter maior importância uma vez que nosso país possui grandes

discrepâncias econômicas. De acordo com o Relatório Mundial do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2004), o Brasil ostenta a pior

distribuição de renda do mundo, isto é, 20% dos mais ricos ganham até 32 vezes

mais que os 20% mais pobres. A desigualdade também alcança o sistema

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educacional, que se caracteriza por baixos índices educacionais, com 40% de

evasão entre estudantes localizados no nível obrigatório de escolaridade (ensino

fundamental) e 16% de analfabetos. Sendo assim, o direito à educação é ainda um

alvo distante.

Reiterando a discussão sobre as justificativas legitimadoras da Reforma do Estado é

importante esclarecer que os seus impulsionadores se convergiam na suposta inefi-

ciência do estado, sobretudo no que tange ao gerenciamento das políticas sociais.

Para Diniz (2001), a Reforma do Estado foi fruto de um falso discurso de que, ao

lado da crise fiscal, o maior problema se concentrava na gestão burocrática. Em vis-

ta desse diagnóstico equivocado foi proposta uma solução também equivocada, ou

seja, a gestão gerencial.

O criador do projeto de reforma, Bresser Pereira, visava a conquistar, para essa polí-

tica, organizações civis que fossem geridas segundo a lógica empresarial, vinculan-

do-as ao estado através de instrumentos contratuais negociados com os ministros e

seu gabinete, distante dos espaços públicos. Isso gerou uma despolitização das de-

cisões e sua transferência para pequenas elites tecnocráticas. Exemplo desse pro-

cesso se constitui na autonomia dada às agências reguladoras, as tentativas de dar

autonomia ao Banco Central e à legislação sobre Organizações Sociais e

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Assim, a reforma afeta diretamente a democracia, uma vez que retira dos espaços

políticos – da influência e do controle dos cidadãos – decisões que afetam toda a

sociedade. Uma das decisões que foi posta longe do controle dos cidadãos diz res-

peito à política macroeconômica a qual passou a ser definida por tecnocracias indife-

rentes para com os cidadãos e imunes ao controle do eleitorado (POCHMANN,

2004).

No que se refere às políticas públicas de acesso ao ensino superior, na década de

1990, as políticas sociais e econômicas sofreram a influência da chamada agenda

neoliberal (CARVALHO, 2007). Como resultado dos acordos entre o governo brasi-

leiro e os organismos multilaterais, a política pública direcionada a esse nível de en-

sino foi reflexo das recomendações do Banco Mundial.

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Conforme o estudo de Catani e Oliveira (2000) sobre a reestruturação da educação

superior, foi verificado que, dentre as prerrogativas do Banco, está o fomento às IES

privadas, o que aumentaria as oportunidades de forma flexível e eficiente sem gas-

tos adicionais para o Estado. Ao Estado caberia, então, o papel de controle via sis-

tema de avaliação das instituições. Outra orientação do banco se assenta na diversi-

ficação das fontes de financiamento das instituições estatais. O objetivo dessa orien-

tação é a mobilização de mais fundos privados para o ensino superior.

As políticas focalizadas foram a resposta do Estado para a decadência do Estado de

Bem-Estar Social, que, no Brasil, se constituiu no Estado Desenvolvimentista. Assim,

o ajuste promovido pelo neoliberalismo foi traduzido pelo controle das contas públi-

cas. Esse ajuste visou a redirecionar a estrutura de proteção social para políticas

focalizadas e de combate à pobreza. Dentre as medidas adotadas, apesar da ampla

diferenciação entre países, suas semelhanças se assentam: no controle da emissão

de moeda; no aumento das taxas de juros; na queda na incidência de impostos so-

bre altos rendimentos; na extinção de controle sobre fluxos financeiros; na política

de corte nos gastos sociais; e, por fim, na privatização das empresas estatais (AN-

DERSON, 2000).

Especificamente, nos países latino-americanos, o receituário neoliberal dos ajustes

macroeconômicos foi acompanhado de prescrições de reformas dos sistemas de

proteção social, direcionados à privatização, à descentralização, à focalização e aos

programas (fundos) sociais de emergência. Nesse sentido, a focalização do gasto,

os fundos sociais de emergência e os programas compensatórios constituíram o nú-

cleo central da estratégia de reforma. Por fim, o gasto social haveria de priorizar a-

ções básicas de saúde, nutrição e, principalmente, os programas de caráter “produ-

tivo”, o chamado investimento em capital humano (DRAIBE, 1997).

Em relação a isso, Pereira (2000) utilizando-se de Marx, assevera que a maior

característica das políticas sociais brasileiras é a sua estrutura de manutenção do

status quo.

Convergindo com o pensamento de Pereira (2000), Cohn (1995) explica

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[...] a contraposição entre programas voltados para a população pobre e um programa voltado para o trabalhador do mercado formal de trabalho eviden-cia que, se em ambos os casos a focalização não ocorre sobre os grupos de mais baixa renda (ou salário), são os programas focalizados na popula-ção carente que apresentam maior distorção entre os objetivos iniciais e os resultados de sua implementação, que mais apresentam justaposições de toda ordem, descontinuidades, falta de controle público e governamental, e que mais são passíveis de uso clientelístico e eleitoreiro (p. 13, grifo do au-tor).

A autora observa que a vigência dos programas coincide com os períodos de man-

dato, e que, às vezes, os programas sofrem reformulações apenas nas siglas e for-

mas, pois seu conteúdo e concepção continuam sendo o mesmo. Ao se referir aos

programas que restringem a duração de mandatos, Cohn (1995) observa, em nosso

país, a carência de políticas de Estado. O que se tem são iniciativas, em muitos ca-

sos eleitoreiras, delimitadas ao partido ou ao seu representante no governo. Cohn

(1995) observa ser esse um legado dos anos 1980, e que, nos 1990, além dessa

continuidade há o diferencial da

[...] dimensão da pobreza em nossa sociedade, da sua heterogeneidade e complexidade, e da formulação de estratégias de iniciativa governamental e provenientes da própria sociedade para combatê-la assumirem um lugar de destaque no debate público. Associa-se a isso outro legado da década ante-rior — distintas experiências de descentralização das políticas sociais fede-rais, com distintos graus de êxito e ritmos setoriais (p. 14).

A amplitude da pobreza, sua hetorogeneidade, sua complexidade e a participação

da sociedade no sentido de combatê-la constituem algo importante e que precisa ser

evidenciado, todavia, os setores responsáveis pela formulação de políticas não

buscam saber o que o público-alvo pensa ou deseja. Esse deveria ser o principal

objetivo de uma política pública.

Realmente, a concepção de política social de Marshall (1967) nos possibilita com-

preender a peculiaridade de seu uso. Para o autor, a política social é um termo que,

apesar de amplamente usado, não possui uma definição precisa. O significado que

lhe é dado em contextos particulares é, em grande medida, matéria de conveniência

ou convenção. Essa concepção comprova o que, nas palavras de Cohn (1995), seria

caracterizado como particular e conveniência de cada governo.

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Outro aspecto considerável a ser esboçado diz respeito à natureza punitiva e com-

pensatória da política social, como a perda de outros direitos inerentes à condição

de cidadania tais quais rituais de degradação, atestados de miséria a que são sub-

metidas as famílias carentes como um pré-requisito para aferir a uma política. A isso,

Teixeira (1985) chama de cidadania invertida, uma relação entre indivíduo e Estado

mediada pela condição de não-cidadão. Conforme o autor, essa política tem como

atributos jurídicos e institucionais, conseqüentemente, a ausência de uma relação

formalizada de direito ao benefício. Essa característica mostra a “instabilidade das

políticas assistenciais, além de uma base institucional que reproduz um modelo de

voluntariado das organizações de caridade, mesmo quando exercidas em institui-

ções estatais” (TEIXEIRA, 1985, p. 2).

Em relação às características de instabilidade das políticas assistenciais, Pastorini

(2002) elucida a pobreza e o desemprego como as expressões da questão social no

Brasil. A autora parte do princípio da pobreza enquanto uma dimensão e uma decor-

rência do próprio processo de modernização capitalista; portanto, um problema ine-

rente à sociedade capitalista e não um problema individual ou localizado no baixo

desempenho, na falta de qualificação e/ou habilidade para o trabalho, ou nas carac-

terísticas culturais de um segmento da população. Pastorini (2002) defende, ainda,

embasada na lei geral da acumulação capitalista que ao produzir a acumulação do

capital, os trabalhadores produzem simultaneamente,

[...] os meios que fazem deles uma população relativamente supérflua, por isso as populações pobres hão de ser pensadas como integrantes das clas-ses trabalhadoras e, portanto, despossuídos dos meios de produção, clas-ses que só contam com sua força de trabalho para sobreviver; nesse senti-do os pobres são trabalhadores empregados, subempregados, desempre-gados, aposentados ou força de trabalho potencial (p. 1).

Embora a autora defenda que a pobreza é um problema inerente à sociedade capi-

talista, ela chama a atenção para as características e as diferentes dimensões da

pobreza, em relação às sociedades desenvolvidas e às sociedades de capitalismo

tardio, como as sociedades latino-americanas. Dessa maneira, a questão social, a-

pesar dos traços comuns da produção capitalista, possui diferenciações no que diz

respeito à maneira como cada nação se inseriu na ordem capitalista mundial e nas

peculiaridades históricas de formação de cada país. No que se refere ao Brasil, além

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do padrão de desenvolvimento desigual marcado pela heterogeneidade estrutural

decorrente de um modelo de industrialização capitalista altamente excludente que

não incorporou amplos setores populacionais, em nosso país ainda perdura a cultura

do favor e do clientelismo. Essas peculiaridades históricas contribuem, indubitavel-

mente, para inseri-lo nos piores lugares no ranking mundial de pobreza e desigual-

dades sociais. A autora também reconhece a população pobre como despossuída

dos meios de produção e, por esse motivo, integrante da classe trabalhadora.

Nesses termos, para a autora, falar em pobreza no Brasil contemporâneo implica

considerar as relações sociais de produção que a determinam. Por isso, a pobreza

se constitui em um resultado histórico e não um dado da natureza desvinculado das

relações sociais, econômicas, culturais e políticas. A autora enfatiza que mais do

que se mensurar a pobreza, é necessário

conhecer criticamente os fenômenos sociais na sua totalidade, desvendan-do as reais causas dos problemas, mas também incorporando as vivên-cias dos próprios sujeitos envolvidos, ou seja, pensar a pobreza também sob o ângulo subjetivo, considerando a forma como essas problemáticas são vivenciadas pelos sujeitos em sua vida quotidiana enquanto trabalhado-res pobres, empregados, desempregados, aposentados ou futuros traba-lhadores. Deve-se considerar ao mesmo tempo, os modos de organização e resistência desses sujeitos sociais, conjuntamente com as ações assisten-ciais tanto públicas quanto privadas, que buscam atender o processo de pauperização. Isso implica pensar a pobreza (e a população pobre) vincula-da às relações sociais em que se insere (PASTORINI, 2002, p. 2-3, grifo nosso).

Destarte, este estudo se apoiou na perspectiva proposta por Pastorini (2002), uma

vez que se busca analisar uma política educacional que se caracteriza como social,

o ProUni, a partir das experiências dos sujeitos, revelando, com isso, seus desejos e

suas resistências no que concerne a estar inserido no ensino superior. Entende-se

que, para falar sobre uma política pública, é importante ouvir o que as pessoas, que

lá estão, têm a dizer.

2.2 A influência do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional na

formulação das políticas

A influência exercida pelo Banco Mundial na política macroeconômica brasileira se

insere em todas as áreas, dentre elas destaca-se a educação.

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A origem do Banco Mundial (BIRD) e do FMI localiza-se após a Segunda Guerra

Mundial, mais precisamente, na região da Europa e da América do Norte e nos paí-

ses capitalistas centrais. Assim, Carvalho (2007) explica que

o texto o ‘Caminho da Servidão’ de Friedrich Hayek de 1944, uma espécie de reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. A promoção do livre comércio, a estabilização macroeconômica e as refor-mas estruturais deram origem ao General Agreement on Trade and Tariffs (GATT) e as instituições gêmeas que nasceram das deliberações de Bretton Woods: o Banco Mundial em 1945 e o Fundo Monetário Internacional em 1946 (p. 3).

A autora esclarece que o ideário neoliberal passou a ganhar ênfase com a crise do

modelo econômico, em 1973, na qual se combinaram baixas taxas de crescimento

com altas taxas de inflação.

Essa experiência foi amplamente vivida pela Inglaterra. Em 1979, foi eleito, nesse

país, o primeiro governo disposto a implementar o programa neoliberal, seguido por

outros países de capitalismo avançados.

O programa neoliberal foi implementado sob o argumento de que se criticava o Es-

tado de Bem-Estar do pós-guerra, bem como a sua concepção keynesiana de

intervenção pública na economia. A tese central é a do Estado mínimo, a qual elege

a supremacia do mercado, como sendo o mais eficiente mecanismo na alocação de

recursos. Por tudo isso, a redução do Estado deve ser feita em relação ao seu ta-

manho, ao seu papel e às suas funções.

Nesse mesmo período, nos países centrais, ocorre

a terceira revolução industrial – traduzida pelas inovações tecnológicas que tornaram a produção flexível – transformou as relações industriais, o siste-ma laboral e o gerenciamento empresarial. A liberalização e a expansão dos mercados financeiros foram outra faceta deste processo, no qual a supre-

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macia dos mercados de capitais vem se impondo ao tradicional sistema de crédito bancário (CARVALHO, 2007, p. 3).

Em relação ao fato, Harvey (2004) esclarece que a acumulação flexível se apóia

mais no capital financeiro do que o antigo modelo fordista. O fordismo nasceu em

“1914 quando Henry Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como re-

compensa para a linha automática de montagem de carros que ele estabelecera no

ano anterior em Dearbon, Michigan” (HARVEY, 2004, p. 121). Todavia, esse modelo

sofreu o abalo da profunda recessão de 1973, em função do choque do petróleo.

Assim, as décadas de 1970 e 1980 passaram por um conturbado período de reestru-

turação econômica e de reajustamento social e político (HARVEY, 2004). O autor

explica que o modelo se apoiou, dentre outros aspectos, na organização e divisão

parcelada do trabalho e na produção em série. Já a acumulação flexível foi marcada

por um confronto direto com a estrutura rígida do fordismo. Portanto, ela alicerçou-se

na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos

e padrões de consumo. Em decorrência disso, o desemprego estrutural aumentou,

ao passo que o salário real e o poder dos sindicatos diminuiram. O mundo do traba-

lho sofreu uma reestruturação em que aumentou o poder do mercado e da competi-

ção por maiores ganhos a menores custos. Esse movimento ganhou impulso pelo

enfraquecimento dos sindicatos e pela crescente mão-de-obra excedente. Harvey

(2004, p. 143) observa que o maior agravante nisso tudo se constitui na “aparente

redução do trabalho regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parci-

al, temporário ou subcontratado”.

Visando a garantir a estabilidade econômica dos países em desenvolvimento, o

Banco Mundial (BIRD), desde 1990 enfatizou que o seu principal objetivo era o

ataque à pobreza. Para tanto, suas recomendações consolidaram-se no uso produti-

vo do recurso mais abundante dos pobres – o trabalho – e o fornecimento de servi-

ços básicos aos pobres, em especial a saúde elementar, o planejamento familiar, a

nutrição e a educação primária. Entretanto, na visão de Fonseca (1998) o Banco

trata a educação de forma compensatória, protegendo os pobres e aliviando, com

isso, as possíveis tensões na área social. Argumenta, ainda, duas vertentes busca-

das pelo Banco, isto é, a contenção demográfica e o aumento da produtividade das

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populações mais carentes. O que responde a sua ênfase na educação primária, so-

bretudo, feminina para o planejamento familiar e para a vida produtiva.

Em termos legislativos, Cury (1998) revela que a LDB de 1996, em relação à anteri-

or, se apóia na flexibilização em termos de planejamento e tem como eixo centrali-

zador a avaliação. Em contraposição à Lei anterior, o controle não é mais exercido

na base (currículo mínimo), mas no resultado final mediante a avaliação. Como for-

ma de legitimar a nova Lei, foram instituídos os exames da educação básica – Sis-

tema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do

Ensino Médio (ENEM) – até a educação superior – Exame Nacional de Desempenho

de Estudante (ENADE). Este último integra o Sistema Nacional de Avaliação da E-

ducação Superior (SINAES). Esses exames concebem a educação como um siste-

ma mensurável, não buscando um aprofundamento em termos da avaliação dos in-

sumos necessários e nem de um padrão de qualidade como forma de compreender

as causas que imperam sobre as dificuldades do sistema educacional. O que esses

exames fazem é avaliar as conseqüências sem o questionamento das variáveis que

o antecedem.

De acordo com Coraggio (2000), esses exames seguem a cartilha do BIRD, o qual

defende a vinculação entre educação e produtividade, a partir de uma visão econo-

micista de custo-benefício. Segundo a CEPAL, essas orientações visam a tornar os

países da América Latina mais competitivos no mercado internacional. Como meio

de obter tais resultados, torna-se imprescindível a aprendizagem mediante a prática,

o uso de sistemas complexos e a interação entre produtores e consumidores

(MIRANDA, 1997). Desse modo, o conhecimento a ser ensinado nas escolas é defi-

nido a partir de sua operacionalidade. Todavia, as pesquisas mostram que os resul-

tados obtidos no SAEB são cada vez piores, tanto no que se refere ao ensino públi-

co como ao privado. A prioridade no ensino básico contempla a recomendação do

BIRD, no que diz respeito à formação de quadros técnicos.

Para Coraggio (2000), o Banco Mundial fornece também idéias, que segundo o Ban-

co, irão contribuir para dar forma as políticas estratégias, nesses termos, o autor

chama a atenção para análise das peculiaridades dessas idéias, ou seja, como são

produzidas e qual a sua validade. Para o autor, é importante que se analisem tam-

bém as condições e as conseqüências dos empréstimos concedidos. E, mais ainda,

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o Banco não age sozinho, uma vez que ele precisa do aval dos governos locais

(países que recebem o financiamento do Banco, principalmente, os da América Lati-

na), para que suas idéias ganhem forma.

O autor examina os motivos pelos quais o Banco é acusado de economicismo e le-

vanta a seguinte hipótese: a acusação encontra respaldo no conjunto de questões,

próprias do âmbito da cultura e da política, que têm sido formuladas e respondidas

pela mesma teoria e metodologia que amparam a economia de mercado. O reducio-

nismo aparece no momento em que se atribui suficiência à análise econômica e se

extrai dela não apenas conclusões sobre o sistema educativo e sua relação com o

Estado e a sociedade, mas também se propõe intervenções específicas nos proces-

sos de ensino-aprendizagem, sem relacioná-los com outros enfoques também

parciais.

Quanto à qualidade da educação, Oliveira e Araújo (2005) destacam, na Constitui-

ção de 1988, as tentativas de avanço no sentido da universalização dos direitos e de

sua formalização jurídica. Contrariamente a isso, após sua promulgação o que se

assistiu foi a criação de políticas vinculadas a nova configuração do Estado (Estado

neoliberal), no que concerne às políticas sociais e ao ajuste fiscal. O resultado disso

foi a ampliação do acirramento entre as conquistas e garantias estabelecidas e as

necessidades de controle e gastos públicos. Nesses termos, a tão sonhada qualida-

de dos sistemas de ensino e a disponibilidade de recursos para esse setor, implicou

em uma visão de qualidade baseada nos critérios de eficiência e produtividade. Essa

visão empresarial se opõe à idéia de democratização da educação e do conheci-

mento sob o prisma público. Assim sendo, o conceito de qualidade previsto na atual

Constituição, segundo os autores, comporta muitos significados, os quais depende-

rão do tipo de Estado e da política vigente. Sendo o atual Estado (modelo neoliberal)

defensor de cortes sociais, o significado de qualidade se resume na idéia de custo-

benefício.

Reiterando as diretrizes do Banco para a educação, sobretudo a educação superior,

está a aplicação de políticas focalizadas; a destruição do modelo europeu de ensino

superior que se assenta no tripé ensino, pesquisa e extensão; a mobilização de

fundos privados para subsidiar o ensino superior público; a ampliação das IES

privado; e a flexibilização das instituições universitárias, de acordo com a demanda

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critérios de gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a

sociedade, definir prioridades democraticamente [...]” (BRESSER PEREIRA, 1999, p.

16).

Com a Reforma do Estado, as funções típicas do Estado foram reduzidas via pro-

gramas de privatização e terceirização, e, sobretudo, por meio do que se convencio-

nou chamar de publicização – processo que repercutiu na transferência de ativida-

des e recursos para o setor público não-estatal – denominado pelo Ministério da

Administração Federal e Reforma do Estado9 (MARE) como organizações sociais de

interesse público (MARE, 1997).

De acordo com a doutrina aplicada (neoliberal), substituiu-se o conceito de direito

social (Artigo 6° da Constituição de 1988) pelo de “serviço sociais e científicos”, pela

compreensão de que os investimentos em infra-estrutura e na execução desses

serviços não seriam mais obrigações exclusivas do Estado (ANDES, 2007).

Reforçando a constatação do ANDES (2007), Chauí (2001) acerca da Reforma e de

suas conseqüências para os direitos sociais enfatiza que ela não previa apenas a

saída do Estado do Setor de Produção para o Mercado (promovida pela

desregulamentação econômica), mas também da saída do setor de serviços

públicos, uma vez que estabeleceu uma identificação imediata entre intervenção

estatal reguladora da economia e os direitos sociais. Em suma, a Reforma “exclui as

exigências democráticas dos cidadãos ao seu Estado e aceita apenas as exigências

feitas pelo capital ao seu Estado” (CHAUÍ, 2001, p. 177). Em outras palavras, a

Reforma desconsidera as conquistas econômicas, sociais e políticas advindas das

lutas populares.

Com isso, a associação entre o Estado e o capital na forma neoliberal substitui o

conceito de direitos pelo de serviços, visando a destinar para o setor de serviços

não-estatais, direitos sociais como educação, saúde e cultura. No que concerne ao

espaço público, a Reforma encolhe esse espaço via retirada dos direitos e amplia o

9 Esse ministério, hoje extinto, foi criado na vigência de FHC por ocasião da reforma do Estado.

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espaço privado não só no que tange às atividades ligadas à produção econômica,

mas também à destruição dos direitos sociais.

Para a autora, há com isso, a desresponsabilização do Estado diante de uma

atividade eminentemente política, pelo fato de pretender desfazer a articulação

democrática entre poder e direito. Dessa maneira, ao transferir a educação para o

setor de serviços, “deixa de considerá-la um direito dos cidadãos e passa a tratá-la

como qualquer outro serviço público, que pode ser terceirizado ou privatizado”

(CHAUÍ, 2001, p. 177).

Insta registrar que Bresser Pereira (1999), buscando legitimar a Reforma mostrou o

exemplo das universidades dos Estados Unidos, as quais, segundo ele, se

constituem em universidades públicas não-estatais, uma vez que não visam ao lucro

e não empregam servidores públicos, constituindo-se, portanto, em organizações.

Conquanto Behring (2003) identificasse a Reforma como uma contra-reforma,

devido a perda de direitos por ela acarretada, para a autora, a contra-reforma se

constitui em uma contra-revolução, um movimento em que o capital busca aniquilar

os novos atores políticos e tampar novamente a Caixa de Pandora da desarrumação

de um relacionamento dominante. A autora enfatiza, com isso, a necessidade de

desmascarar na teoria e na prática os argumentos da Reforma. Para tanto, é

importante atentar para o seu conteúdo, porquanto ele tenha seguido uma lógica

fiscal e privatista cujo mercado é o seu maior mecanismo de controle, assim, o

centro da reforma está no ajuste fiscal.

Em vista disso, a Reforma do Estado de Fernando Henrique Cardoso seguiu a lógica

gerencial e transformou a universidade, na visão de Chauí (2001), de uma instituição

social em uma organização social, regendo-se por medidas e emendas

constitucionais direcionadas ao mercado.

Essa reforma transformou a universidade de uma instituição social em uma

organização social. Para Chauí (2003a), as diferenças entre a instituição e a

organização social se assenta no fato de que, a instituição social aspira à

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universalidade, enquanto a organização social está centrada em si mesma, visando

à competição:

A instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade que lhe permita responder as contradições impostas pela divisão. A organização, ao contrário, pretende gerir seu espaço e tempo particulares, aceitando como um dado bruto sua inserção num dos pólos da divisão social; e seu alvo não é responder às contradições e sim vencer a competição com seus supostos iguais (CHAUÍ, 2003a, p. 1).

Em síntese, Chauí (1999) cita a Universidade Funcional como um exemplo de

organização social. Assim, a figura da universidade operacional ganha visibilidade

nos cursos de nível superior de curta duração e o ensino a distância os quais

fornecem uma rápida e alijada formação profissional direcionada ao mercado. A

autora explica que esse modelo de universidade se rege pelas políticas de

estatísticas criadas pelo Banco Mundial, com pressuposto para seus empréstimos.

Como resultado da reforma, os cidadãos brasileiros passam a ser concebidos como

cidadãos consumidores, despolitizando, desse modo, o ser humano enquanto

portador de direito.

É importante frisar que esse esvaziamento político advém de em uma construção

democrática que, apesar da Constituição de 1988, encontra dificuldades em se

firmar no plano real. Não queremos dizer com isso que a democracia não seja um

horizonte político, ou seja, que esteja apenas no plano da retórica conceitual.

Com base nisso, Bovero (2002) explica que o regime democrático, em uma

democracia representativa, teoricamente delega representantes que decidem pela

sociedade como um todo. Ao comparar a democracia atual com a democracia antiga

grega, o autor observa a distância do poder em relação aos cidadãos. Dessa

maneira, na democracia antiga grega, o poder se localiza na mesma distância para

todos cidadãos (sabendo que, antropologicamente, para os gregos antigos, as

mulheres e os escravos não eram considerados cidadãos). Já na democracia

moderna, representativa, o poder concentra-se mais próximo de alguns indivíduos,

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dessa forma, nesse tipo de democracia “todos são iguais, mas alguns mais iguais do

que outros” (BOVERO, 2002, p. 33).

Logo, de acordo com Bovero (2002), os dois tipos de democracia poderiam ser

transpostos em figuras geométricas. Assim, a democracia grega seria representada

pela figura de um círculo, enquanto a democracia moderna seria representada por

um triângulo. No círculo, o poder está em seu centro e, desse modo, à mesma

distância para todos os cidadãos. No triângulo, ao contrário, o poder está no seu

ápice, os cidadãos estão em sua base e há uma camada intermediária entre essas

duas partes, cidadãos e representantes, a qual pode ser identificada como o

legislativo, dependendo do regime. Assim, a camada intermediária está mais

próxima das decisões do que os cidadãos. Daí a assertiva de Bovero (2002) diante

da argumentação de que, em uma democracia moderna, uns são mais iguais do que

outros. É importante ressaltar que a igualdade sempre se dá em relação a alguma

coisa. Por exemplo, em uma democracia representativa, os indivíduos são iguais em

relação à lei.

Nessa conjuntura, em uma democracia, as massas não agem diretamente em

defesa de seus interesses, mas delegam essa defesa. Tanto nos partidos quanto

nos sindicatos, nesses tipos de organizações, as massas são representadas por

líderes.

Para se entender a estrutura do Estado moderno é interessante recorrer também a

princípios hipotéticos de sua formação. Marilena Chauí (2000), embasada na teoria

política clássica, no pensamento de Hobbes, Locke e Rousseau, esclarecerá tais

princípios.

Segundo a autora, o contratualismo, doutrina política que discute o “contrato social”,

parte do princípio de uma situação hipotética chamada “estado de natureza”, isto é,

de uma sociedade primitiva, pré-social, na qual os indivíduos existem isoladamente.

A passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato

social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de

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bens, às riquezas e às armas e concordam em transferi-las a um terceiro – o

soberano.

Para Hobbes, os homens reunidos em uma multidão de indivíduos, pelo pacto,

passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela ação humana

e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos naturais são pessoas morais,

que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado.

Portanto, a sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade,

vivendo sob o direito civil, isto é, sob as leis. Feito o pacto, os contratantes

transferem o direito natural ao soberano e o autorizam a transformar o direito natural

em direito civil ou direito positivo, garantindo a vida, a liberdade e a propriedade

privada dos governados.

Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma

assembléia democrática. O poder pertence de modo absoluto ao Estado que, por

meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e

garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados,

desde que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz.

Conquanto, para Rousseau, “o soberano é o povo”, entendido como vontade geral,

pessoa moral, coletiva, livre e corpo político de cidadãos. Os indivíduos, pelo

contrato, transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos

civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da

soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade civil para ganhar a

individualidade civil, isto é, a cidadania.

Ainda de acordo com Chauí (2000), no pensamento político de Hobbes e de

Rousseau, a propriedade privada não é um direito natural, mas civil. Em outras

palavras, mesmo que, no estado de natureza (em Hobbes) e no estado de

sociedade (em Rousseau), os indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é

o mesmo que nada, pois não existem leis para garanti-la. A propriedade privada é,

portanto, um efeito do contrato social e um decreto do soberano. Essa teoria, porém,

não era suficiente para a burguesia em ascensão.

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Embora o capitalismo estivesse em via de consolidação e o poderio econômico da

burguesia fosse inconteste, o regime político permanecia monárquico. Para enfrentá-

lo em igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse

legitimidade. Assim, Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à

liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. Locke traz com

essa reflexão, a legitimidade para a classe burguesa, defendendo que os bens

seriam conseguidos pelo trabalho.

Para tanto, o Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes

lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural da propriedade.

Dessa maneira, a burguesia se vê, inteiramente, legitimada perante a realeza e a

nobreza.

Destacou-se com o contratualismo, os pressupostos hipotéticos da formação do

Estado moderno liberal. Na Inglaterra, o liberalismo se consolida em 1688, com a

chamada Revolução Gloriosa. No restante da Europa, com a Revolução Francesa,

1789. Nos Estados Unidos, em 1776, com a luta pela independência.

Reiterando os condicionantes da Reforma do Estado, pode-se entendê-la como uma

outra forma de contrato social. Sendo assim, o contratualista que mais se aproxima

dela é Locke, pois que a sua definição de contrato reconhece a primazia do mercado

sobre o Estado. Já Rousseau pode ser visto como um social-democrata pela

importância que o seu pensamento ofereceu à comunidade.

Em termos históricos, diferente da história dos países europeus e norte-americanos,

o liberalismo chega ao Brasil em um período em que ainda havia a escravidão. Se,

no plano político, o pensamento liberal e os interesses da aristocracia brasileira

convergiam, no plano social, havia uma grande contradição. A concepção do direito

natural, uma das bases da doutrina, reconhecia que todos os homens nascem com

certos direitos inalienáveis, tais como o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à

propriedade. Eis que o reconhecimento e a adoção desses princípios, no Brasil,

implicariam na extinção da escravidão, porquanto o escravo não é dono de sua

própria vida, por isso, não é livre, e a abolição estava absolutamente fora de

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cogitação. Em função disso, o pensamento liberal e o modelo político-social

assumiram no Brasil uma forma particular e ambígua.

A ambigüidade que o liberalismo assumiu no Brasil, na verdade, é a expressão de

uma outra ambigüidade herdada da era colonial e que se perpetua até hoje: as

conhecidas “reformas de cima” que se processaram mediante acordos entre as

oligarquias regionais e os agentes internacionais. É importante ressaltar que, no

Brasil, houve algumas revoltas (Inconfidência Mineira, Farroupilha, dentre outras),

entretanto, regionais, não havendo, de fato, uma revolução a nível nacional.

Chauí (2001) elucida que a sociedade brasileira conservou as marcas da chamada

“cultura senhoril”. Em outras palavras, na sociedade brasileira é notória a

sobreposição do espaço privado ao espaço público, tendo o seu centro na hierarquia

familiar, com isso ela é fortemente hierarquizada, isto é, as relações sociais são

realizadas entre um superior que manda e um inferior que obedece. Essa relação de

subserviência dificulta o reconhecimento do outro, enquanto ser humano portador de

direitos.

Ainda de acordo com a autora, a indistinção entre público e privado, antes de ser um

atraso, se consolida em uma forma de realização da sociedade e da política, já que

não apenas governantes e parlamentares praticam a corrupção, como não há uma

percepção social de uma esfera pública das opiniões. No que concerne aos direitos

sociais, há uma redução do espaço público em função dos interesses econômicos.

Quanto a isso, observou-se que a palavra democracia fundada na noção de direitos

está pronta a diferenciar-se de privilégios e carências. Os privilégios são

particulares, sendo impossível universalizar-se em um direito, pois se assim o

fizesse, perderia sua natureza de privilégio. As carências, da mesma forma que os

privilégios, são específicas, não podendo universalizar-se em um direito. Dessa

forma, a natureza universal do direito sinaliza para um dos problemas centrais da

sociedade brasileira, em que as desigualdades polarizam o espaço social entre o

privilégio (das oligarquias) e as carências (populares), onde reside a dificuldade em

se instituir e conservar a cidadania no Brasil.

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Em vista disso, Chauí (2001) explica que a ideologia autoritária, que naturalizou as

desigualdades e exclusões socioeconômicas, configura-se no modo de

funcionamento da política. Para a autora, os partidos são clubs privés das

oligarquias regionais, arrebatando a classe média em torno de um imaginário

autoritário e mantendo com os eleitores, quatro tipos de relação: a de cooptação, a

de favor e clientela, a de tutela e a de promessa salvacionista ou messiânica. Na

classe dominante, a política é percebida sob uma perspectiva naturalista-

tecnocrática, enquanto que nas classes populares o político é concebido como

messiânico-milenarista.

O Estado, por sua vez, concebe a sociedade civil como inimiga e perigosa,

bloqueando as iniciativas dos movimentos sociais, sindicais e populares. Portanto,

por vivermos em uma sociedade verticalizada e hierarquizada, Chauí (2001) ressalta

a impossibilidade de uma política democrática baseada na idéia de espaço público,

cidadania e representação, desde que haja a prática de substituição desses

conceitos pelo favor, pela clientela, pela tutela e pela cooptação.

Em resumo, as principais diretrizes dos organismos internacionais defenderam que a

Reforma do Estado fosse orientada para o mercado, exigindo o abandono de ins-

trumentos de controle político e a restrição na alocação de recursos públicos, princi-

palmente, na área social. O Banco Mundial, tem propalado a racionalização dos in-

vestimentos na área social, diminuindo o papel do Estado nessa área e fortalecendo

as ações de natureza privada. Os investimentos na área pública, que historicamente

cresceram em vários países, sobretudo no campo da Seguridade Social, é entendido

pelo Banco como gastos mais quantitativos que qualitativos, insuficientes para a-

tender os segmentos populacionais mais pobres.

A despeito da economia mundial globalizada, o Banco esclarece que a forma de a-

tuação dos Estados nacionais localiza-se na contramão dos atuais parâmetros da

economia mundial, tendo em vista que as mudanças tecnológicas têm ampliado as

funções dos mercados, estimulando as nações a assumirem competências novas. O

cumprimento das prerrogativas da economia globalizada incide na supremacia do

mercado em relação ao Estado (no seu sentido social). A iniciativa privada aparece

como o novo coadjuvante na execução das políticas públicas. Observa-se, com isso,

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a inversão das premissas inscritas no keynesianismo. A concepção de política públi-

ca do Banco é a da retirada do caráter universal, assumindo uma perspectiva foca-

lista quanto ao atendimento aos segmentos populacionais mais vulneráveis, com o

objetivo de assegurar que o crescimento seja compartilhado por todos e contribua

para reduzir a pobreza e a desigualdade. Essa orientação prevê a participação de

provedores privados nas atividades até então reservadas ao setor público, asseve-

rando que os países em desenvolvimento que desejam reduzir a magnitude de seu

desmensurado setor estatal devam conceder prioridade máxima à privatização.

Em relação às prerrogativas do Banco, Silva (2004), na tentativa de identificar as

principais tendências no que se refere aos sistemas de proteção na sociedade

contemporânea, para assim caracterizar a situação do Brasil no contexto da reforma,

convenciona usar o termo gestão social. O uso do termo se justifica pela sua

abrangência e maior relevância com a Reforma do Estado. O autor observa que o

pensamento neoliberal reduz a ação do Estado, pois transfere a gestão social da

esfera público-estatal para a esfera privada. Com isso, no que concerne às políticas

públicas, o referido termo prevê a saída do Estado (primeiro setor) e a inserção do

empresariado (segundo setor) e das organizações da sociedade civil (terceiro setor),

tendo em vista assumirem as responsabilidades do poder público.

Silva (2004), utilizando-se de Mota enfatiza que os anos de 1980 foram marcados

pela cultura política da crise que se ampliou pelo pensamento privatista e pela

constituição do cidadão-consumidor. Nesse âmbito, Mota (1995) chama a atenção

para dois fatores básicos: a cultura política da crise, isto é, a apropriação da

afirmação do processo de privatização, como estratégia de redução do Estado, e,

fruto disso, o nascimento do cidadão-consumidor. De acordo com a autora, a

reforma da previdência se constitui em uma estratégia, no intuito de que os

trabalhadores sejam os mais novos financiadores do capital. Deve-se ressaltar que o

objetivo maior das mudanças se assenta na privatização e na supressão das

contribuições patronais.

Em vista disso, Behring (2003) afirma que a Reforma do Estado se consolida em um

retrocesso no que se refere aos direitos sociais e, por isso, a reconhece como uma

contra-reforma. Para a autora, a reforma nada mais é que a primazia do mercado

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sobre o Estado e, portanto, a vitória do cidadão-consumidor em oposição ao cidadão

de direito.

2.4 A Reforma Universitária de 1968 e a Reforma Universitária em curso: algumas

aproximações

As atuais prerrogativas sobre a Reforma Universitária, em andamento, retomam

algumas características da Reforma de 1968.

O primeiro exemplo de suas similaridades se assenta na flexibilidade e adequação

ao mercado.

Nesses termos, o balanço da Reforma Universitária de 1968 feito por Fávero (1998)

elucida também alguns dos antecedentes à Reforma. A autora explica que, nesse

período, o ritmo de desenvolvimento no país é impulsionado pela industrialização e

pelo crescimento econômico, o que permitiu a tomada de consciência, por parte de

vários setores da sociedade, acerca da estagnação em que se econtravam as

universidades brasileiras.

Convergindo com o pensamento de Fávero (1998), Cunha (1989) enfatiza que a

Reforma de 1968 destinava colocar a universidade a serviço da produção prioritária

de uma nova força de trabalho requisitada pelo capital monopolista. Essa

modernização, visava a criar condições (fordistas), tendo em vista o atendimento da

crescente demanda por ensino superior por parte dos jovens das camadas médias.

Outro fator propiciador da tomada de consciência se refere à tramitação da LDB, na

segunda metade de 1950. Em torno dessa lei, centravam-se as discussões sobre

questões relativas à escola pública versus escola privada.

Nesse contexto, o movimento de modernização do ensino superior no Brasil ganha

maior relevância com a criação da Universidade de Brasília (UnB) (CUNHA, 1983).

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Desse modo, a UnB surge como a mais moderna universidade do país e também

como um divisor de águas na história das instituições universitárias devido sua

finalidade e sua organização institucional. Assim sendo, o projeto governamental da

Reforma Universitária buscou

A idéia de integração de ensino e pesquisa; a preocupação com os princípios de autonomia, flexibilidade e integração; estruturação departamental; o regime de tempo integral para o corpo docente; a implantação da extensão como uma atividade fim e a organização da pós-graduação (VIEIRA, 1982, p. 136).

Diante disso, aparece, de forma densa, a participação do movimento estudantil, o

qual promove a discussão sobre a Reforma Universitária por meio de seminários em

várias capitais do país.

A posição tomada pelos estudantes por meio da União Nacional dos Estudantes,

(UNE) em relação à reforma, era o combate ao caráter arcaico e elitista das IES.

Para tanto, suas propostas sinalizavam para a construção de uma universidade

democrática, crítica e a serviço dos setores majoritários da sociedade. Assim, os

seminários promovidos pela UNE sempre colocavam em pauta, ao lado do problema

da universidade, a necessidade de reformas de base e de questões políticas mais

amplas.

Outro destaque importante, no que concerne as discussões dentro do movimento

estudantil, se constitui na revogação dos Acordos MEC/USAID – referência ao

Acordo de 1965 para o Ensino Superior e o Convênio MEC/USAID de Assessoria ao

Planejamento do Ensino Superior e a revogação da Lei Suplicy (Lei n. 4.464 de

09/1/1964), pela qual a UNE foi substituída pelo Diretório Nacional dos Estudantes.

Nos anos de 1960, algumas universidades, tais como: a Universidade do Brasil (UB),

hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), construíram propostas de

reformulação estrutural, uma delas se refere ao documento institulado Diretrizes

para a Reforma da Universidade do Brasil. Essas diretrizes foram aprovadas em

1963 pelo Conselho Universitário, porém, com o golpe militar em 1964, essa

proposta foi revogada.

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Em 1966, três medidas oficiais são tomadas em relação à universidade: o plano de

assistência técnica estrangeira, materializados os Acordos MEC/USAID, o Plano

Atcon10 e o Relatório Meira Mattos11.

Com base nesses acordos, a estratégia de intervenção na América Latina se

processou de modo integrado em várias áreas. No que se refere ao ensino superior,

dentre os aspectos previstos nos acordos estavam: a visão de educação como fator

estratégico; os convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States

Agency for International Development (USAID), que buscavam a formação de

recursos humanos para a consolidação do capitalismo dependente, tendo em vista

uma nova estrutura acadêmica e organização administrativa.

A essa política de caráter modernizante das universidades subjaz o interesse

hegemônico em adaptá-las ao capital externo.

Em relação ao Plano Atcon, este se revela como um instrumento da influência

estrangeira no planejamento da política do ensino superior no Brasil. Desse modo, o

projeto da Reforma aceita algumas de suas sugestões ligadas à ênfase nos

princípios de eficiência e produtividade.

Fazendo um paralelo com a atual Reforma Universitária em curso, é possível aferir

similaridades de algumas das características da Reforma de 1968, porque, na atual,

estão, em pauta, também os princípios de flexibilidade, eficiência e adequação ao

mercado.

Reiterando os caminhos da Reforma de 1968 descritos por Fávero (1998), foi

instituído, por parte do governo, o Grupo de Trabalho, tendo, por princípio, propor

um repertório de soluções realistas e medidas operacionais que permitissem

10 O consultor americano por meio do Documento Rumos à Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira faz sugestões e recomendações, visando à possível adequação do ensino superior e das universidades às necessidades do país. Como pressuposto, o documento enfatiza os princípios de eficiência e produtividade (In: FÁVERO, 1998). 11 Refere-se ao Relatório final da Equipe Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior (EAPES) do Acordo MEC/USAID.

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racionalizar a organização das atividades universitárias, concedendo maior eficiência

e produtividade.

Quanto à produção de ciência e tecnologia, o relatório do Grupo de Trabalho

enfatiza a inadequação do sistema universitário como um todo, no que concerne à

flexibilidade necessária capaz de satisfazer o mercado de trabalho. Essa mesma

inadequação da universidade ao mercado também é buscada, hoje, na atual

Reforma.

No que tange à reestruturação das universidades brasileiras na década 1960, os

Decretos-Lei n. 53/66 e n. 256/65 mencionam medidas propostas na intenção de

aumentar sua eficiência e produtividade. Dentre essas medidas, destacam-se: O sistema departamental, o vestibular unificado, o ciclo básico, o sistema de créditos e a matrícula por disciplina, bem como a carreira do magistério e a pós-graduação (FÁVERO, 1998, p. 157, grifo nosso).

Em relação à atual reestruturação das IFES, o REUNI por meio da Universidade

Nova, objetiva a formação de bacharelados interdisciplinares de três anos como pré-

requisito para o ingresso no curso profissional. Esse modelo muito se assemelha a

uma das medidas dos Decretos-Lei n. 53/66 e n. 256/65, citados anteriormente, o

ciclo básico. Em outras palavras, o ciclo básico da Reforma de 1968 consistia em um

nível de estudo que antecedia o ciclo profissional na graduação. O mesmo é

buscado hoje com os bacharéis interdisciplinares de três anos que antecedem o

curso profissional12 a serem implantados pelo REUNI.

Outra semelhança esbarra-se no prognóstico do ANDES (2007), em relação à

Universidade Nova. Com a Universidade Nova, a competição entre estudantes pelas

vagas nas profissões desejadas pode criar dois tipos de profissionais: um com o

diploma de bacharelado vago – destinado à população pobre, e o segundo, mais

elitizado – direcionado aos que vencerem a competição e alcançarem os cursos

mais privilegiados.

12 Ver proposta da Universidade Nova (ANDES, 2007).

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Na Reforma de 1968, esse ranqueamento instituiu, em algumas áreas, como a da

saúde, a figura do excedente interno, isto é, estudantes que ingressavam em cursos

menos privilegiados e pressionavam, posteriormente, as suas entradas em cursos

de maior prestígio.

Ademais, a Reforma de 1968 buscou a expansão do ensino superior público sob

uma perspectiva quantitativa e produtivista. Em relação à atual Reforma, destacam-

se sua centralidade na estatização de vagas ociosas no ensino superior privado por

meio do ProUni e sua ampliação de vagas nas IFES (pelo REUNI), sem o

financiamento e a estrutura compatíveis.

Conforme a análise de Fávero (1998), a questão das universidades foi retomada nos

anos 1980, como tema central do debate nacional. O motivo de sua retomada se

alicerçou na grande insatisfação de docentes e reitores, quanto à política do governo

em relação às universidades.

Assim sendo, docentes e reitores, por meio de suas entidades representativas –

ANDES e Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB),

encaminharam propostas de reestruturação da universidade. Em 1981, o CRUB,

apresentou um estudo preliminar, que sugeria uma reformulação estrutural da

universidade por meio do documento Reforma Administrativa das IFES. Sua análise

partiu da situação das instituições universitárias, tendo como base o levantamento

decorrente da excessiva burocracia e da abundante legislação imposta pelo poder

público à universidade.

Por essa razão, em 1982, o ANDES apresentou uma proposta para a universidade

brasileira fruto de discussões promovidas em congressos e debates de professores

universitários. Com essa proposta, o ANDES defendia a implantação de um padrão

único para a universidade no país, embasado nos seguintes princípios: ensino

superior público e gratuito, autonomia e democratização da universidade e

unificação das condições de pesquisa, ensino e trabalho (ANDES, 1982).

A diferença das propostas do CRUB e do ANDES assenta-se no fato de que o

documento do ANDES, além de enfatizar a autonomia externa, buscou também a

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autonomia interna como um pré-requisito necessário para que a universidade tivesse

uma gestão democrática.

Sendo assim, na Nova República, a reformulação do ensino superior surge

imbricado por um amplo debate e por greves promovidas por docentes. Em resposta

a isso, em 1984 é encaminhada ao candidato Tancredo Neves uma proposta para a

reformulação das universidades federais (FÁVERO, 1998).

Nesse contexto, Sarney lê o discurso de posse, na primeira reunião ministerial, na

qual Tancredo Neves ressaltava a necessidade em priorizar os estudos orientados

para a reforma do sistema educacional no país, sobretudo da universidade. Diante

disso, ele se compromete a criar uma Comissão de Alto Nível (instituída em 1989),

objetivando estudar a reformulação da educação superior. É importante destacar, de

acordo com Fávero (1998), a heterogeneidade das posições explícitas no relatório

final dessa comissão.

Há dificuldades insuperáveis para se chegar a um consenso em torno de questões fundamentais para o ensino superior, tais como: ensino público e privado, isonomia salarial entre fundações e autarquias etc. [...] na prática algumas sugestões e/ou propostas apresentadas só servem especificamente a determinados setores ou grupos, como por exemplo: subsídio público ao ensino privado, defesa de autonomia e a democratização, modelo de excelência e a universidade da pesquisa (p. 165-166, grifo nosso).

Quanto ao subsídio público para o ensino privado, a proposta de Reforma Universi-

tária dos anos 1980 também se aproxima da atual Reforma, uma vez que o ProUni

se utiliza do subsídio público para alimentar IES privadas.

Com relação à autonomia, o relatório de Alto Nível não pretendia propor alternativas

favoráveis à universidade de excelência, de autonomia e de democracia. Desse

modo, dois meses após a divulgação desse relatório é criado o Grupo Executivo pa-

ra a Reformulação da Educação Superior (GERES). Este grupo funcionava como

uma subseção do MEC. Dentre suas atribuições estava a de propor medidas legais

e administrativas voltadas para a reformulação do ensino superior brasileiro.

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Os trabalhos desse grupo foram desenvolvidos longe da comunidade acadêmica.

Todavia, apesar do silêncio imposto pelo governo, o projeto do GERES foi ampla-

mente discutido e recusado por vários setores da comunidade acadêmica.

Comparando o projeto do GERES ao ProUni, constatamos que o ProUni foi imple-

mentado em um contexto de ações governamentais marcadas pela obscuridade,

pela total falta de discussão com a comunidade acadêmica, e pelo autoritarismo de

sua promulgação, uma vez que sua instituição se deu por medida provisória. A que

pese esse contexto desfavorável à discussão, a comunidade acadêmica, via AN-

DES, tem se pronunciado contra os projetos da Reforma, por meio de congressos e

propostas que defendem o ensino superior como um bem público a ser garantido

pelo Estado.

Reiterando os condicionantes após a Reforma de 1968 e as discussões sobre a uni-

versidade nos anos de 1980, nos anos de 1990, a perspectiva autoritária e antide-

mocrática reaparece no governo Collor. Ao contrário das propostas elucidadas até

1990, o MEC, por meio da Proposta de uma Nova Política para o Ensino Superior,

defende a idéia de que a universidade pública serve basicamente aos ricos. Nesse

sentido, é promovida pelo Estado uma campanha contra a universidade pública,

destacando, apenas, seus pontos negativos e generalizando seus problemas.

Essa proposta foi o centro de discussão e repúdio não apenas dentro das IES, como

também por parte de educadores e cientistas da 43ª Reunião Anual da Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada no Rio de Janeiro.

Os debates sobre a educação superior também estiveram presentes na proposta da

Constituinte. Como destaque dessas discussões se achava o Fórum em defesa do

ensino público e gratuito, o qual apresentou uma Proposta Educacional à Constituin-

te. Como exemplo de parte das discussões incorporadas à lei, destaca-se o artigo

207 “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de

gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade en-

tre ensino, pesquisa e extensão”.

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O fato é que, a existência plena da autonomia como um princípio constitucional foi

uma conquista importante. Todavia, após quatro anos de sua promulgação,

observava-se a complexidade em se passar do campo dos princípios ao campo da

operacionalização. Cabe esclarecer que, o artigo 207 não constituia uma exceção,

pois ao lado dos princípios de autonomia havia outros dispositivos na Carta de 1988.

Isto é, a gestão democrática do ensino público, a garantia do padrão de qualidade, o

plano de carreira para o magistério, a gratuidade do ensino entre outros, os quais

prescindiam do debate e necessitavam de critérios para serem, efetivamente, esta-

belecidos. Esses princípios foram amplamente retomados no processo de elabora-

ção da LDB de 1996, porém sem muito êxito.

Segundo Cury (1991), ao analisar a questão da autonomia a entidade autônoma é

de direito público interno. Com isso, governa-se por si própria internamente, porém

externamente tem seus limites traçados pela Constituição.

Outro aspecto enfatizado por Cury (1991, p. 27), em relação à autonomia, diz respei-

to a: “apesar de a Constituição deixar claro que a universidade goza de todos os ad-

jetivos propostos à autonomia, em momento algum é dito que a universidade goza

de autonomia política, por não ser ela nem nação e nem Estado”. Assim, a

autonomia descrita no artigo 207 se constituia em um modo de ser institucional e

exigia liberdade para a universidade se autodeterminar.

Pode-se concluir que, se a autonomia possibilita que a universidade se organize in-

ternamente (finalidade e funções), é preciso lembrar que a autonomia não é uma

dádiva e sim, uma conquista. A universidade, então, se torna autônoma pela capaci-

dade de expressar a diversidade do saber. Essa conquista se concretiza na produ-

ção científica avaliada e reconhecida, bem como na transmissão e socialização de

conhecimentos.

Em resumo, a Reforma Universitária em curso traz muito das discussões vividas pe-

la Reforma de 1968. Mudam-se, com isso, nomenclaturas, entretanto, o

direcionamento da universidade ao mercado sempre permeou o debate sobre a

universidade pública no país.

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2.5 Brasil e o Consenso das Reformas

No Brasil, em meados dos anos de 1980, somaram-se a abertura democrática e o

projeto neoliberal de reestruturação do Estado aos moldes das recomendações do

Banco Mundial e do FMI. Esse contexto foi o que Gentili (2002) convencionou

chamar “Consenso de Washington”, isto é, programa de reformas desencadeado

pelo neoliberalismo na América Latina que atingiu quase todos os países (GENTILI,

2002). A origem dessa expressão está em John Williamson que usou para se referir

às políticas de ajuste econômico preconizadas pelo neoliberalismo. Contudo, Gentili

(2002) amplia o seu significado para indicar que há um Consenso de Washington,

também, na área das políticas educacionais.

É diante desse quadro que se apresentam as principais questões que animam o de-

bate atual na área educacional mediado pela relação Estado/mercado, públi-

co/privado, universalização/focalização, centralização/descentralização, alimentado

pela voga dos preceitos neoliberais que propugnam uma reforma do Estado, tendo

como pressuposto a lógica do mercado, imprimindo dinamismo e racionalidade às

sociedades modernas (COHN, 1995).

No pacote do ajuste econômico, seguiram progressivamente, a Reforma do Estado

com Fernando Henrique Cardoso e a Reforma da Previdência com Lula da Silva.

Dentre as ações do atual governo, está o ProUni, as Parcerias Público-Privadas, a

Lei de Inovação Tecnológica e o REUNI/Universidade Nova. Esses programas

perfazem os fragmentos da chamada Reforma Universitária, em andamento. Com

base nisso, acredita-se ser incipiente qualquer análise que não considere tais

medidas. Desse modo, será analisado cada um desses programas.

2.5.1 A Trajetória do ProUni

De modo a se entender a estrutura que fundamenta o ProUni, far-se-à uma breve

retomada aos anos 1990, no auge da chamada agenda neoliberal. Nesse período,

de acordo com o estudo de Carvalho (2006), “Política para o Ensino Superior no

Brasil” (1995-2006), a política pública direcionada ao ensino superior sofre a

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influência das recomendações do Banco Mundial, todavia, ela não age sozinha, pois

recebe o aval da agenda governamental brasileira.

Nesse período, o BIRD acentuou sua influência efetiva na política educacional

brasileira. Com isso, os documentos oficiais do Banco indicavam a necessidade de

reformas, a fim de promover racionalidade e eficiência ao sistema. Essas

recomendações remontavam aos princípios fundamentais da agenda governamental

estabelecida durante o regime militar.

Os princípios neoliberais associados à modernização administrativa, proposta de

reforma do Estado promovida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso,

deram uma nova roupagem à visão eficientista e produtivista dos anos 1960.

Conceitos como: avaliação, autonomia universitária, flexibilização, diversificação e

privatização foram amplamente difundidos. Com base nesses conceitos, o

presidente Fernando Henrique buscava atacar a universidade pública por meio de

críticas relacionadas, segundo ele, a sua ineficiência e a sua inadequação ao

mercado de trabalho (CARVALHO, 2006).

Em resposta a isso, presenciaram-se, ao longo de seu governo: cortes de verbas

públicas nas áreas sociais, aprofundamento da política de privatização, altas taxas

de juros e contingenciamento do Orçamento Geral da União para o pagamento das

dívidas interna e externa via orientação dos organismos internacionais, ampliando o

desemprego e as desigualdades sociais e econômicas no país.

De acordo com Leher (1998), os organismos internacionais realizaram empréstimos

aos países periféricos, como ao Brasil, submetendo-o à execução de reformas

econômicas e políticas de ordenamento via redução da verba pública para o

financiamento de políticas sociais, sob a alegação de resolver uma suposta crise

fiscal do Estado. Dessa maneira, aceitando as exigências dos organismos

internacionais, o governo promoveu as políticas focalizadas de “alívio à pobreza”, a

execução de parcerias público/privado e o financiamento e a implementação de

políticas consideradas como setores não-exclusivos do Estado, identificadas pelo

MARE como público não-estatal.

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Em vista das concessões constantes nos empréstimos dos organismos

internacionais, a aprovação da LDB n. 9.394, em 1996, conciliou, em seu texto, a

coexistência de instituições públicas e privadas e a manutenção da gratuidade do

ensino público em estabelecimentos oficiais. Como resultado dessa política, houve o

sucateamento do ensino público, fruto da drástica redução do financiamento por

parte do governo federal e, dentre outros agravantes, houve a compressão de

salários e do orçamento. Esse contexto estimulou a privatização no interior das

instituições por meio de parcerias entre as universidades públicas e as fundações

privadas. Essas parcerias para Chauí (2003a) assinalam a mudança estrutural

sofrida pela universidade, ou seja, de uma instituição social para uma organização

social adaptada ao mercado.

No que se refere ao financiamento, o artigo 213 da Constituição Federal de 1988

elucida [...] os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, defendidas em lei, que: I – comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação [...]

Deduz-se com esse artigo que, na Constituição de 1988, a nomenclatura

comunitária, a confessional e a filantrópica permitiam à escola privada uma nova

identidade.

Para Brito (1999), as instituições confessionais, tendo por base a Constituição de

1988 e a LDB de 1996, procuram se adequar ao critério de “não-lucrativa”. Com

isso, elas se organizam em forma de sindicatos e associações, principalmente para

o ensino superior, formulam propostas para diferenciá-las das instituições

particulares e visam, dessa maneira, a conquistar lugar no Conselho Nacional de

Educação (CNE) como forma de intervir na formulação de políticas. Além disso,

pode-se observar, a partir da Tabela 1, a quantidade de matrícula no âmbito privado

e público.

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IES Matrícula

Pública 1.192.189

Federal 579.587

Estadual 477.349

Municipal 135.253

Privada 3.260.967

Particular 1.753.184 Comun/Confes/Filant 1.507.783

Tabela 1 - Matrículas nas IES Públicas e Privadas/Brasil Fonte: MEC/INEP/Deaes (2006).

Conforme mostra a Tabela 1, a quantidade de matrícula nas IES comunitárias,

confessionais e filantrópicas (sem fins lucrativos) aproxima-se da quantidade de

matrícula de IES particulares (com fins lucrativos). Nota-se que as instituições

privadas que conseguem se adequar aos critérios de comunitária, confessional ou

filantrópica, de acordo com a Constituição de 1988, recebem recursos públicos.

Sendo assim, pode-se induzir que a grande quantidade de instituições comunitárias,

confessionais ou filantrópicas evidenciadas na Tabela 1, se justifique pelos recursos

públicos oferecidos pelo Estado.

No que se refere à nomenclatura comunitária, confessional e filantrópica, Carvalho

(2006) elucida também que

Até 1997, os estabelecimentos de ensino particular usufruíram imunidade tributária sobre a renda, os serviços e o patrimônio. A partir de então, as instituições passaram a ser classificadas em privadas stricto sensu e sem fins lucrativos (confessionais, comunitárias e filantrópicas). As primeiras deixaram de se beneficiar, diretamente, de recursos públicos e, indiretamente da renúncia fiscal, ao passo que as demais permaneceram imunes ou isentas da incidência tributária (CARVALHO, 2006, p. 128).

Por esse motivo, as matrículas em IES privadas cresceram nos governos de FHC.

Contudo, a alternativa proposta pelo BIRD como solução eficiente para a expansão

de vagas esbarrou nos limites estruturais do poder aquisitivo de sua clientela, haja

vista o desemprego e a queda real média, exceto nos primeiros anos do Plano Real.

Nessa conjuntura, Carvalho (2006) explica que o crescimento de vagas foi superior à

procura por instituições privadas reduzindo, com isso, a relação candidato/vaga de

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2,2 em 1998, para 1,6 em 2002. O desfalque no setor privado fica mais evidente

quando se observa o percentual de vagas ociosas no vestibular dessas instituições.

Em 1998, as vagas não-preenchidas, que já eram de 20%, aumentaram para 37%.

Visando a ilustrar a tese de Carvalho (2006), o Gráfico 2 demonstra a evolução da

relação candidato/vaga no período de 1996 a 2004.

Gráfico 2 – Relação candidato/vaga – Brasil 1996-2004 Fonte: MEC/INEP/Deaes (2006)

A partir do Gráfico 2, é possível também comparar a relação candidato/vaga no

ensino privado e no ensino público. Desse modo, no ensino público, a relação

candidato/vaga, apesar de decair em 2001, 2003 e 2004, ao final de 2004 continua

superior a 1996. Ao contrário, no ensino privado, a relação candidato/vaga de 2004

é correspondente à metade de 1996.

Diante do aumento de vagas ociosas nas IES privadas e da procura por ensino

superior por parte das camadas de baixa renda, o MEC, atrelado aos interesses da

iniciativa privada, promoveu a estatização de vagas nas instituições particulares, em

troca do retorno da renúncia fiscal. Esse tipo de estratégia iniciada pelo governo

FHC e aprofundada pelo governo Lula da Silva, evidencia, segundo Carvalho (2006)

a transferência de recursos públicos, - à semelhança das sugestões do BIRD – via vouches, bolsas, financiamentos, direcionados aos negros, carentes, portadores de necessidades especiais, índios é justificada, duplamente, pela prioridade na focalização do gasto público e pela eficiência e maior produtividade do segmento privado (CARVALHO, 2006, p. 137).

Segundo a constatação de Carvalho (2006), a prioridade na focalização do gasto

público tem seguido as recomendações do BIRD.

7,5 7,4 7,5 88,9 8,7 8,9 8,4 7,9

2,6 2,6 2,2 2,2 1,9 1,8 1,6 1,5 1,30

2

4

6

8

10

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Pública 

Privada

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Ademais, durante os governos de FHC, a política educacional para o ensino superior

mostrou maior aproximação com os preceitos neoliberais. Com isso, a opção política

de estímulo à iniciativa privada na expansão de vagas outrora estabelecida no

regime militar no final dos anos 60, foi reafirmada. Em outras palavras, a

desresponsabilização do Estado aparece no momento em que ele, estimulando o

empresariamento da educação superior, impõe uma lógica mercadológica atrelada à

redução de verbas públicas para esse nível de ensino.

Em função disso, Lima (2006) observa que o projeto de ajuste fiscal, as reformas

estruturais e o surgimento da educação, enquanto um serviço não-exclusivo do

Estado, atravessaram o governo FHC e aprofundaram-se no governo Lula da Silva.

Para confirmar tal afirmação, a autora defende que o atual presidente vem

promovendo parcerias público-privadas para o financiamento e para a execução da

política educacional brasileira, assim como a abertura do setor educacional para

participação de empresas estrangeiras, estimulando, com isso, a educação a

distância, via tecnologia da informação e da comunicação.

Baseado na observação de Lima (2006), importa entender a conjuntura em que está

inserida a reformulação do ensino superior, ou seja, atrelada ao reordenamento do

Estado capitalista. Obedecendo à lógica neoliberal, esse Estado busca, por meio de

sua reorganização, diluir as fronteiras entre o público e o privado. O fato é que sua

ação se processa a fim de naturalizar o uso de verbas públicas em instituições

privadas e o financiamento privado em instituições públicas.

Como resultado da opção política do governo Lula da Silva, nasce, em 2003, o

ProUni vinculado a um discurso de justiça social que visou a encobrir a pressão das

instituições privadas diante do alto número de vagas ociosas. Sobre o assunto,

Moscovici (1978) considera que a representação social consegue remodelar e

reconstituir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar.

Ela consegue incutir um sentimento ao comportamento, integrá-lo numa rede de relações em que está vinculado o seu objeto, fornecendo ao mesmo tempo as noções, as teorias e os fundos de observação que tornam essas relações estáveis (MOSCOVICI, 1978, p. 49).

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Em outras palavras, o discurso do ProUni procura incutir noções e teorias, de modo

a ganhar o aval das classes as quais ele se dirige, isto é, as classes populares,

mesmo que os maiores beneficiados sejam os proprietários das IES privadas.

Nesses termos, o ProUni foi criado pela Medida Provisória (MP) n. 213, de

10/12/2004 e institucionalizado pela Lei n. 11.096 de 13/01/2005. Ele se constitui na

compra, pelo poder público, de matrículas em instituições de ensino superior privado

para os estudantes de baixa renda, oriundos do ensino público, em troca da isenção

de alguns tributos.

Vale a pena questionar: não seria mais coerente investir o dinheiro público na

universidade pública, que cada vez mais se torna carente em recursos financeiros, e

que a maioria delas se encontra, praticamente, vazia nos turnos vespertino e

noturno por falta de oferta de vagas? Por exemplo, a UFES possui salas de aula

ociosas que poderiam ser revertidas na ampliação de vagas.

Nessa perspectiva, Otranto (2006) revela que o ProUni se estende a todas as

instituições privadas com ou sem fins lucrativos. Em troca, elas recebem isenção dos

seguintes impostos: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, Contribuição Social

sobre o Lucro Líquido, Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social

e Contribuição para o Programa de Integração Social. No que se refere aos critérios

para a aquisição da bolsa, a autora assevera que os 25% de vagas iniciais foram

reduzidos a uma bolsa integral a cada nove estudantes pagantes, concedida a

brasileiros que não possuam diploma de nível superior.

Ao falar sobre isenção de impostos, a autora chama atenção para os recursos

canalizados pelo ProUni. Melhor explicando, se esses recursos provenientes da

isenção fiscal e do pagamento de mensalidades fossem investidos nas

universidades federais, mais professores poderiam ser contratados e todos os

cursos de graduação poderiam ser oferecidos, também, em horário noturno.

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De acordo com o site do ProUni13, as bolsas integrais se destinam a estudantes cuja

renda familiar, per capita, é de até um salário mínimo e meio (R$ 570,00). No que se

refere às bolsas parciais, 50%, estas são para os estudantes cuja renda familiar, per

capita, é de até três salários mínimos (R$ 1.140,00). As bolsas parciais de 25% são

concedidas somente para cursos com mensalidade de até R$ 200,00.

No que diz respeito à justificativa da criação do ProUni, Otranto (2006) ressalta que,

pelo perfil social dos estudantes de escola pública e de renda familiar até um salário

mínimo e meio, eles não teriam condições materiais para custear seus cursos.

Diante de tal constatação, a solução encontrada pelo MEC foi o repasse de verbas

públicas para o pagamento de mensalidades privadas.

Com base nas análises de Leher (2004a) e Otranto (2006), Gentili (1995) observa o

quadro contraditório em que se apresenta a atual política educacional, pois se afirma

a favor do espaço privado e nega-se cada vez mais a construção de um espaço

público. Quanto a isso, Silva (apud GENTILI 1995) revela que

A presente ofensiva neoliberal precisa ser vista não apenas como uma luta em torno da distribuição de recursos materiais e econômicos (que é), nem como uma luta entre visões alternativas de sociedade (que também é), mas sobretudo como uma luta para criar as próprias categorias, noções e termos através dos quais se pode definir a sociedade e o mundo. Nesta perspectiva, não se trata somente de denunciar as distorções e falsidades do pensamento neoliberal, tarefa de uma crítica tradicional da ideologia (ainda que válida e necessária), mas de identificar e tornar visível o processo pelo qual o discurso neoliberal produz e cria uma ‘realidade’ que acaba por tornar impossível a possibilidade de pensar outra (SILVA apud GENTILI, 1995, p. 245).

A representação social do ProUni, nesse sentido, traz uma idéia que impossibilita a

construção de visões alternativas no que tange à formulação de uma política

educacional de ensino superior que atenda, verdadeiramente, a universalidade.

Ademais, o ProUni mostra-se como uma possibilidade de inserir no ensino superior

os estudantes de baixa renda oriundos do ensino público, contudo essa política não

questiona a raiz do problema, isto é, as condições materiais de existência de grande

parte da população, o comprometimento do poder público com qualidade do ensino

básico e a reduzida quantidade de vagas no ensino superior público. Com esse

13 Disponível em: <http://prouni-inscricao.mec.gov.br/prouni/inf_est.shtm#1>.

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propósito o estudo questiona a natureza das vagas e a capacidade financeira dos

estudantes em ocupá-las. O que traz à tona uma questão descrita por Carvalho

(2006) como “excedentes às avessas”. Isto é, o problema do acesso ao ensino

superior não está na ociosidade das vagas nas IES privadas, ou melhor, justamente

o excesso de vagas nas IES privadas e a procura cada vez maior e a preferência

pelas IES públicas é que denunciam a escassez de vagas públicas.

A respeito disso, é possível pensar: até que ponto o governo federal fazendo uso de

uma política focalizada pode frear ações de caráter mais abrangente? Nessa

perspectiva, o estudo das representações sociais permite evidenciar alguns

elementos importantes para a compreensão de construções sociais sobre os objetos

e a apropriação que os sujeitos fazem dessas construções.

2.5.2 Publicização do Privado e Privatização do Público: as Parcerias Público-

Privadas

O espaço público no Brasil, de acordo com Chauí (1999), antes de ser um atraso, se

constitui em uma maneira peculiar de reprodução da própria sociedade. Por outro

lado, Bonamino (2003) esclarece que, usualmente, se concebe o setor privado,

restringindo-o ao mercado. Ele é composto por firmas e empresas que operam no

mercado, com objetivos lucrativos. Todavia, diante da complexidade e multiplicidade

de novos arranjos no que tange à oferta de bens e serviços, estudiosos das políticas

sociais têm ampliado o conceito de setor privado. Trata-se, segundo o autor, de

considerar os diferentes mecanismos que ocasionam o encolhimento da presença

do Estado. E, segundo este autor:

Essa perspectiva ampla também concebe o setor privado num sentido muito mais geral do que como sinônimo de setor privado lucrativo. Entendido como não-estado, o setor privado passa a incluir atividades informais, associações voluntárias, corporações privadas não-lucrativas e organizações não-governamentais, que, em conjunto, formam o chamado setor privado não-mercantil, não-lucrativo ou terceiro setor (DRAIBE apud BONAMINO, 2003, p. 255).

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Baseando-se nessa citação, importa ressaltar que, no plano do reordenamento das

relações entre o Estado e o setor privado lucrativo, está o projeto das organizações

sociais e a proposta de autonomia universitária, que resultam de iniciativas do

governo vinculadas à estrutura do ensino superior público federal.

Para tanto, Chauí (2003b) chama atenção para o fato de que o projeto das

organizações sociais trata da mudança estrutural sofrida pela universidade pública,

ou seja, de uma instituição social autônoma, em relação ao mercado, para uma

organização social atrelada às exigências do mercado. Sendo assim, de acordo com

o MARE (1997): As Organizações Sociais são concebidas como entidades públicas não-estatais, de interesse nacional e de utilidade pública, sendo por isso isentas de tributação. Essas organizações seriam geridas por representantes do poder público e por membros da comunidade e estariam dotadas de completa autonomia financeira e patrimonial. Seus recursos financeiros adviriam dos ‘contratos de produção e comercialização de bens ou serviços’ de convênios com órgãos governamentais e entidades privadas, de doações [...] (MARE, 1997, p. 17).

Bonamino (2003) observa na Reforma do Estado de FHC, a tentativa de retirar as

universidades federais do aparelho do Estado. Pode-se constatar que as

representações sociais usadas pelo executivo se constituem em uma das vias de

apreensão do mundo concreto a que se pretende encobrir, via desresponsabilização

do Estado, com o provimento do ensino superior público. Além disso, o conceito de

organização visa a desqualificar a noção de direito, retirando-o do parâmetro da jus-

tiça e da igualdade.

Cabe lembrar que, em vista das representações sociais difundidas pela mídia e

pelos documentos oficiais do MEC, como a alternativa para o ingresso das classes

populares ao ensino superior, o ProUni se constitui em um mecanismo inserido na

modalidade de parceria público-privada, motivo pelo qual repassa recursos públicos

às instituições privadas. Portanto, a aprovação da Medida Provisória n. 213 se dá

num contexto em que as universidades públicas e as escolas públicas, de um modo

geral, vivem um momento de muita dificuldade (LEHER, 2004b).

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A dificuldade das universidades públicas, gerada em virtude do próprio encolhimento

do Estado, em seu estágio neoliberal, torna-as cada vez mais rechaçadas via

redução do orçamento e do ajuste fiscal, ao passo que as IES privado são cada vez

mais subsidiadas pelo Estado. Assim, enquanto as universidades públicas são

estimuladas a coadunarem-se com as empresas privadas, o Estado, por sua vez,

endossa as instituições privadas. O resultado disso aparece nos termos publicização

do privado na figura do ProUni e na privatização do público, com as Parcerias

Público-Privadas (PPP) e a Lei de Inovação Tecnológica.

A esse respeito, o ProUni é concebido como um exemplo de publicização do privado

pela fonte do subsídio e sua destinação, isto é, se assenta na utilização de verbas

públicas para a compra de vagas privadas. Sendo assim, dado o percentual de

inadimplência nas IES privadas, 35 a 40%, de acordo com as entidades patronais,

somado ao reduzido poder aquisitivo dos estudantes de classes populares, o ProUni

aparece como uma operação de salvamento para o setor privado.

Para Leher (2004a), as grandes empresas educacionais, que atendem às elites, não

têm muito interesse no programa – não querem ofertar vagas para alunos de baixo

poder aquisitivo, que sequer vão poder pagar 50% da bolsa. No entanto, as

instituições de menor qualidade, que contam com um alto índice de inadimplência, é

uma espécie de “bóia de salvação”, em um setor que vive uma crise profunda.

Enquanto isso, as Parcerias Público-Privadas, Lei n. 11.079 de 2004, se assenta em

uma forma de privatização do público pela captação de recursos privados para os

investimentos em pesquisa nas IES públicas. Cabe observar que a Lei institui

normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Com essa Lei,

tem-se um arcabouço institucional que pode ser analisado como uma forma de

retirada do Estado, no que concerne a garantia da universidade enquanto um bem

público.

Outro exemplo de captação de recursos privados se constitui na Lei de Inovação

Tecnológica. Aprovada em 3 de dezembro de 2004, Lei 10.973, encaminhada pelo

Ministério da Ciência e Tecnologia, mais conhecida como Lei de Inovação

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Tecnológica visa, sobretudo, a vincular as pesquisas produzidas nas universidades

públicas aos interesses do mercado. Consolidada no artigo 3º, o qual expressa o

apoio do Estado, a que se referem as parcerias entre o direito privado e as

instituições públicas. Essas parcerias vão desde a produção de conhecimento até a

utilização de laboratório e equipamento das universidades públicas.

De acordo com o informativo do ANDES (2007), a Lei também fornece arcabouço

para que os pesquisadores envolvidos com projetos lucrativos (artigo 8º, parágrafo

2º) tenham uma possível remuneração extra. Esse artigo contraria a lógica na qual o

saber deve ser produzido nas universidades públicas, já que direciona a pesquisa ao

lucro, transformando professores em empreendedores.

Em outras palavras, essa Lei possibilita uma interação entre a esfera governamen-

tal, a comunidade científica (universidades e institutos de pesquisa) e o mundo em-

presarial, visando a superar a inovação, estimular o empreendedorismo científico e

tecnológico, aumentar a competitividade e permitir a conquista de mercados exter-

nos. Note-se que os professores se transformam em empreendedores e as instala-

ções das universidades públicas podem ser cedidas para o uso de empresas, sob o

ônus do Estado. Portanto, a Lei de Inovação Tecnológica prevê também que as

pesquisas, mesmo que desenvolvidas dentro da universidade devem ser sigilosas.

Isto é, os professores e estudantes não poderão falar sobre elas. Isso fere os princí-

pios da autonomia universitária, de acordo com o artigo 207 da atual Constituição

(OTRANTO, 2006).

Diante disso, o Estado reduz o investimento nas universidades públicas e transfere

esse gasto para as empresas privadas que, em troca, terão benefícios. A

conseqüência dessa mudança implica na construção de um conhecimento produzido

a serviço das grandes empresas e não mais, a serviço da sociedade. Também, o

pesquisador, que antes possuía autonomia para pensar soluções para os problemas

da sociedade, com a Lei, passa a servir aos interesses das empresas privadas. O

que, a despeito de Chauí (2007), caracteriza-se no modelo de Universidade

Operacional, em que a autonomia universitária se reduz à gestão de receitas e des-

pesas, de acordo com o contrato de gestão pelo qual o Estado estabelece metas e

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indicadores de desempenho, determinando a renovação ou não-renovação do con-

trato. Em outras palavras, a autonomia nesse tipo de universidade significa o [...] gerenciamento empresarial da instituição e prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão, a univer-sidade tem ‘autonomia’ para ‘captar recursos’ de outras fontes, fazendo par-cerias com as empresas privadas (CHAUÍ, 2007, p. 3).

Na visão da autora, a universidade operacional está voltada para si, não no sentido

de reflexão, mas no sentido de perda de si mesma. Guiada por uma lógica contrária,

a perspectiva defendida pela autonomia universitária em relação ao Estado e ao

mercado, a universidade passa a operar na captação de recursos privados, voltada,

exclusivamente, para as necessidades da reestruturação produtiva. Perde-se, com

isso, o sentido público na produção do conhecimento, aniquila-se o

compromentimento da universidade em responder aos anseios da sociedade. Essa

mudança, segundo Chauí (2003a), também recai em sua transformação de

instituição social para organização social. Em relação à educação e à cultura,

enquanto componentes da democracia, a autora enfatiza que A partir das revoluções sociais do século XX e com as lutas sociais e políti-cas desencadeadas a partir delas, a educação e a cultura passaram a ser concebidas como constitutivas da cidadania e, portanto, como direitos dos cidadãos, fazendo com que, além da vocação republicana, a universidade se tornasse também uma instituição social inseparável da idéia de demo-cracia e de democratização do saber: seja para realizar essa idéia, seja pa-ra opor-se a ela, no correr do século XX a instituição universitária não pôde furtar-se à referência à democracia como uma idéia reguladora (p. 3-4).

Complementar ao pensamento de Chauí (2003a), Leher (2004a) afirma que o então

projeto de inovação tecnológica pressupunha que a universidade pública deveria

captar recursos do mercado e vender serviços, cursos, entre outros, os quais vise a

colocar como principal responsável pelo financiamento da educação, ao invés do

Estado, o mercado.

Ao contrário da atual realidade mostrada por Chauí (2003a) e Leher (2004a),

destacam-se duas das diretrizes do Plano Nacional de Educação: Proposta da

Sociedade Brasileira (1997): 1) a garantir o caráter público do conhecimento

científico, no sentido de autonomia e independência aos interesses do mercado; 2)

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definir políticas e desenvolver projetos de Ciência & Tecnologia (C&T) voltados para

os interesses nacionais e para a melhoria da qualidade de vida da população. O

referido Plano também remetia ao Estado a responsabilidade em assegurar o

acesso ao ensino superior a todos os cidadãos, de forma gratuita e nas IES

públicas. Diferente do Plano o que se assiste é a omissão do Estado em relação à

educação pública, como um direito e uma presença cada vez maior do mercado.

É importante dizer que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado

pelo governo federal em 24 de abril de 2007, dá seqüência a contra-reforma da edu-

cação pública, ou seja, de forma extremamente autoritária, o PDE subsidia a Refor-

ma Universitária em andamento. Como analisado, anteriormente, essa reforma se

consubstancia em várias ações, claramente, favoráveis à iniciativa privada, tanto na

educação quanto na área da tecnologia, conforme observado com o ProUni, as Par-

cerias Público-Privadas e a Lei de Inovação Tecnológica.

A revés do processo de publicização e privatização, a reestruturação das

universidades federais aparece como mais um espaço controverso de ampliação de

vagas via desqualificação do ensino público, na figura do REUNI e da Universidade

Nova.

2.5.3 REUNI/Universidade Nova

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI) foi criado pelo Decreto n. 6.096 de 24 de abril de 2007. Com esse

decreto, o governo Lula da Silva objetiva a promoção de condições para a ampliação

do acesso e permanência na educação superior, em nível de graduação, utilizando-

se, para tanto, do melhor aproveitamento da estrutura física e dos recursos huma-

nos, atualmente, existentes nessas instituições.

Em vista disso, o ANDES (2007) elucida que objetivo traçado nesse decreto é, indu-

bitavelmente, incompatível com a qualidade da educação superior, já que a realida-

de atual das universidades públicas é de precária infra-estrutura e de insuficiência

em seus quadros docente e técnico-administrativo. Esse cenário impossibilita a am-

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pliação do acesso à educação superior com garantia de permanência – ainda que

essa seja uma luta histórica do Movimento Docente.

Com o REUNI a estratégia do governo se constitui em elevar ao quantitativo de

100% o número de ingressantes na universidade pública, isso significa que o núme-

ro de alunos em salas de aula dobrará, sem que haja ampliação da estrutura física e

de recursos humanos adequados. Isso ratifica a lógica da expansão por meio da

precarização do ensino público.

Há de se considerar que a quantidade de estudantes de graduação por professor,

praticamente, dobrará de 10 estudantes para cada professor passará para 18, em

cursos presenciais. Historicamente, o número médio de estudantes de graduação

por professor situa-se próximo a nove em Instituições Federais de Ensino Superior

(IFES) e Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES). No que se refere ao índi-

ce de conclusão, o Plano prevê para 90%, atualmente, o índice nas IFES é de 60%,

de acordo com dados do INEP (2005). Segundo o ANDES (2007), nos países com-

ponentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),

a taxa média de conclusão é de 70%, situando-se abaixo desse valor em vários paí-

ses, como, em ordem decrescente, Estados Unidos, Bélgica, França, Suécia e, fi-

nalmente, Itália, onde a taxa é de 42%.

A imposição de índices tão altos e desproporcionais à estrutura e ao orçamento das

IFES mostra uma clara intenção de forçar uma aprovação em massa, nos moldes da

aprovação automática vivida no ensino fundamental. Com quase nenhum financia-

mento adicional, num passe de mágica seria triplicado o número de estudantes das

universidades federais e os dados a serem fornecidos às estatísticas internacionais

seriam melhorados. Entretanto, vive-se em um mundo real em que a mágica não

pode resolver as dificuldades enfrentadas pelo ensino superior. Soluções salvacio-

nistas, clientelistas e conservadoras tendem a aprofundar as dificuldades do sistema

universitário. Assim, só é possível uma real ampliação de vagas em compasso com

o aumento do financiamento público para a educação.

Ao contrário do que propõe o REUNI, dentre as diretrizes do Plano Nacional de

Educação: Proposta da Sociedade Brasileira (1997), constava a expansão de vagas

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na rede pública da educação superior, acrescidos de recursos para o pleno

aproveitamento da capacidade física instalada para o ensino, a pesquisa e a

extensão.

A reboque do Plano de reestruturação das IFES, o projeto Universidade Nova, um

instrumento do REUNI, em sua essência propõe a reestruturação de toda a gradua-

ção com a inserção do “bacharelado interdisciplinar” como a primeira etapa de estu-

dos, e a pretensão, de com isso possibilitar um incremento na diplomação (mesmo

que esse diploma tenha duvidosa utilidade para os estudantes egressos), pretende

dar conta da meta estabelecida no REUNI de atingir 90% de diplomação, em relação

aos ingressantes (ANDES, 2007).

Como já dito, o ProUni, o REUNI, a Universidade Nova, as Parcerias Público-

Privadas e a Lei de Inovação Tecnológica se configuram nos fragmentos da Refor-

ma Universitária em curso. A atual reconfiguração ensino superior aproxima-se dos

tipos de universidade vividos nos anos 1970 e 1980.

A exemplo da Universidade Funcional14, dos anos 1970, prêmio de consolo dado

pela ditadura à classe média que se encontrava despojada de poder por meio

diploma universitário, o ProUni pode ser concebido como um prêmio de consolo

oferecido às classes populares.

A Universidade Nova, no que tange à formação rápida de profissionais requisitados

como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho, aproxima-se

das prerrogativas da universidade funcional, desde que ela visa a adaptar-se às

exigências do mercado, alterando seus currículos, programas e atividades de forma

a garantir a inserção profissional dos estudantes no mercado de trabalho.

Apesar do discurso propagandista e do modelo Universidade Nova defenderem a

idéia de um Ciclo Básico em que se busca a universalização do saber, na essência,

essa mudança busca oferecer um aligeiramento da formação superior. Trata-se,

portanto, de um projeto que objetiva atender uma forte demanda social por formação

14 Ver Chauí (2003).

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superior, sem a qualidade requerida para tal e, sobretudo, com ínfimas possibilida-

des de inclusão dos jovens oriundos da classe trabalhadora, na real profissiona-

lização de nível universitário, posto que o acesso a esse nível apenas se dará medi-

ante aprovação em uma dupla seleção: uma para o acesso ao Bacharelado Interdis-

ciplinar, graduação correspondente ao Ciclo Básico, e outra para o ingresso no pró-

ximo ciclo. A formação universitária dessa proposta é, indubitavelmente, elitista,

desde que apenas uma minoria alcançará os demais ciclos necessários à completa

formação profissional tão almejada.

No que concerne à Lei de Inovação Tecnológica é possível ser feita uma relação

com a Universidade de Resultados15, dos anos 80, que dentre suas ações destaca-

va-se a idéia de parceria entre universidade pública e as empresas privadas. Com

isso, coube, naquela época, às empresas privadas o financiamento de pesquisas

ligadas a seus interesses. Hoje a Lei de Inovação Tecnológica, dentre outras carac-

terísticas, utiliza-se dessa idéia.

A despeito do REUNI, o decreto apresenta uma lógica produtivista e empresarial,

cuja racionalidade se expressa, dentre outras formas, por meio das seguintes estra-

tégias compensatórias dos limites impostos aos recursos financeiros: precarização

do trabalho docente; precarização dos processos de formação; aumento das classes

a serem atendidas por cada docente, quebra do tripé universitário a favor do ensino;

exigência do cumprimento de metas propostas pelo REUNI, verificadas de perto e

amiúde por meio de parâmetros quantitativos, como condição para recebimento de

recursos públicos, os quais se referem às instituições e, provavelmente, também aos

próprios docentes (ANDES, 2007).

Outro agravante provocado pelo REUNI se refere às relações de trabalho no âmbito

das universidades. Assim, a adoção da estratégia de contratação de substitutos,

com base no banco de professor-equivalente pretende aprofundar o processo de

precarização, isso porque o contrato do professor substituto o limita a dar aulas. O

resultado poderá ser a transformação irreversível da universidade alicerçada no tripé

ensino, pesquisa e extensão em uma universidade apenas de ensino.

15 Ver Chauí (2003).

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A implantação desse processo implicará em uma universidade desfigurada, desca-

racterizada, transformada em “escola de 3º grau”’, subtraída de suas funções sociais

de produção e socialização do conhecimento científico, tecnológico e cultural (AN-

DES, 2007).

É possível aferir, com base nas características ora descritas, que a reestruturação

da universidade se orienta a restringir a participação da classe trabalhadora no pro-

cesso de construção e apropriação do conhecimento inovador e crítico, chegando ao

ponto de postular a inadequação ou inutilidade da ocorrência desse processo em

nosso país.

É importante salientar que neste estudo optou por usar a nomenclatura classe popu-

lar para se referir à classe trabalhadora desprovida dos meios de produção. Até

mesmo porque os sujeitos da pesquisa assim o fazem ao longo das entrevistas,

apontando para o uso desses conceitos como sinônimos.

A despeito dos programas e reformas empreendidas pelo governo, ressalta-se sua

prioridade no pagamento da dívida pública, externa e interna, comprometendo em

média 40% das despesas da União, no período de 2003 a 2006. Cada ano o

percentual do orçamento da União, destinado ao pagamento dos serviços da dívida

cresce em detrimento dos investimentos das políticas sociais. Observa-se, com isso,

a manutenção do ajuste fiscal. Além disso, ao longo de cada ano, o governo vem

adotando uma política de contingenciamento de recursos, concentrando a execução

dos programas e ações no final do ano, com a finalidade de garantir o superávit

primário, fazendo reserva para assegurar o pagamento de parcela dos serviços da

dívida pública (ANDES, 2007).

Em vista de tais mudanças no âmbito universitário, Chauí (2003c) assevera ser um

equívoco colocar a relação entre universidade e sociedade como relacionamento de

exterioridade, isto é, conceber a universidade como uma entidade independente,

que precise encontrar mecanismos ou instrumentos para bem conviver com a

sociedade. Ao contrário, a universidade é uma instituição social e como tal exprime

de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como

um todo. Devido a essa característica, é possível ver no interior da instituição

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universitária a presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem

divisões e contradições da sociedade de uma maneira geral. Entretanto, a Reforma

em curso visa a retirar essa característica de universidade esboçada por Chauí.

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CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROUNI

“Para compreender o que foram as monarquias de outrora, e principalmente para explicar a sua ascendência sobre a mente dos homens, não basta esclarecer detalhadamente os mecanismos da organização administrativa, judiciária, financeira que elas impuseram aos seus súditos; também não basta analisar abstratamente ou procurar extrair de alguns grandes teóricos os conceitos de absolutismo ou de direito divino. É preciso ainda penetrar nas crenças e nas fábulas que florescem em torno das casas principescas. Em muitos pontos, todo esse folclore nos diz mais do que qualquer tratado doutrinário”.

Marc Bloch

3.1 A Universidade e sua Metamorfose Institucional

Para se compreender a universidade brasileira no contexto atual, tomou-se como

base Marilena Chauí (2003a) que chama atenção para três tipos de universidades: a

universidade funcional, a universidade de resultados e a universidade operacional,

as quais foram criadas visando a atender o interesse de determinado grupo social.

Esses conceitos são imprescindíveis à compreensão das atuais políticas

educacionais para o ensino superior e, em especial, o ProUni.

A universidade funcional nasce no Brasil, na década de 1970, no contexto da

ditadura militar e no auge do proclamado “milagre econômico”. Para Chauí (2003a),

essa forma de universidade simbolizou um prêmio de consolação concedido pelo

governo militar à classe média que se encontrava despojada de poder. A autora

afirma que à classe média a ditadura prometeu prestígio e ascensão social por meio

do diploma universitário. Dessa forma, a abertura indiscriminada de cursos

superiores, o vínculo entre universidades federais e oligarquias regionais e a

subordinação do MEC ao Ministério do Planejamento, provocou o fenômeno da

massificação do diploma universitário.

Esse tipo de universidade visava a uma formação rápida, tendo como objetivo a

composição do quadro de profissionais necessários, concebidos como mão-de-obra

altamente qualificada para o mercado de trabalho.

A universidade de resultados aparece nos anos de 1980, ainda gestada pela etapa

anterior, porém trazendo dois aspectos. O primeiro, diz respeito à ampliação do

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ensino superior por meio de escolas privadas, que visavam continuar alimentando o

sonho da classe média. O segundo se refere à idéia de parceria entre universidade

pública e empresas privadas. Este último aspecto teve maior peso em função de sua

responsabilidade por assegurar o emprego futuro aos profissionais universitários e

aos estudantes, sob a forma de estágio remunerado. Há ainda que se ressaltar o

objetivo do setor privado no financiamento de pesquisas, de acordo com seus

interesses (CHAUÍ, 2003a).

Já nos anos 1990, diferente das formas anteriores, surge a universidade

operacional. Assim,

enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento, a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, e a universidade de resultados estava voltada para as empresas; a universidade operacional, por ser uma organização está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos (CHAUÍ, 2003a, p. 1).

Em resumo, essa é a forma da universidade atual. Ela se volta ao seu interior, sem

contudo isso significar um retorno em si, porém, mais uma perda de si mesma. A

universidade operacional está definida e estruturada por normas e padrões

inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, sendo avaliada por

índices de produtividade, regida por contratos de gestão e induzida a flexibilidade do

mercado.

A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc (CHAUÍ, 2003a, p. 1).

Ao contrário da autonomia, tem-se, na universidade operacional, a heteronomia. É

operacional como o próprio termo suscita, pois opera de acordo com o mercado.

Coerente ao quadro de acumulação flexível, vivido atualmente, a universidade

responde com o professor polivalente e flexível ao mercado, um verdadeiro

empreendedor.

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Convergindo com o pensamento de Chauí (2003a), acerca da mudança institucional

sofrida pela universidade brasileira, de uma instituição autônoma em relação ao

Estado e ao mercado, para uma organização sujeita a adotar formas adaptáveis a

ele, Leher (2001a) e Gentili (2001) atentam para as conseqüências dessa mudança,

pois com a mudança institucional há perda de muitos direitos conquistados na

Constituição Federal de 1988, dentre eles, alguns dos direitos sociais: a educação e

a previdência social.

A reforma por que passa a universidade pública sinaliza para a destruição da

educação enquanto um direito. Paralelamente, a reforma da previdência suprime

vários direitos e torna mais difícil o exercício de outros, particularmente, no que se

refere à aposentadoria. Além disso, impõe novos ônus aos segurados na tentativa

de viabilizar - como já ocorreu em alguns países latino-americanos - a privatização

da Previdência Social pública no Brasil.

Em síntese, Chauí (2001) conclui que as reformas processadas na universidade

brasileira visaram a adequá-la ao mercado. Assim, a universidade funcional, a uni-

versidade de resultados e a universidade operacional correspondem, respectivamen-

te, ao “milagre econômico” dos anos 1970, ao processo conservador de abertura

política dos anos 1980 e ao neoliberalismo dos anos 1990.

3.1.1 O Ensino Superior no Espírito Santo

Os dados do Censo Demográfico de 200016 mostram que o índice de analfabetismo,

no Espírito Santo, nas pessoas de 15 anos ou mais é de 257.608, pessoas sem

instrução correspondem ao índice de 467.372, analfabetos funcionais 552.000.

Outro dado relevante é o que se refere à distorção idade/série no ensino

fundamental e médio, que evidencia no ensino médio, grandes taxas de abandono.

16 Ver Documento Base - Política Educacional do Estado do Espírito Santo: A Educação é um Direito, 2003.

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110

De acordo com o gráfico acima, a taxa de evasão nas IES privadas, em 2005, foi de

70,34%, enquanto nas públicas o índice é 65,34%. Entretanto, é preciso ressaltar,

de acordo com o ANDES (2007), nas estatíticas de evasão do ensino público não

são levados em conta os estudantes que desistem de um curso, mas ingressam ou

se transferem para outro. Esses dados não devem contar como evasão, visto que

os estudantes permanecem na universidade, eles apenas mudam de curso. A

transferência interna (migrar para outro curso) e o reingresso (sair do curso e prestar

novo vestibular) são práticas comuns nas universidades públicas, entretanto o

mesmo não ocorre nas privadas, pois o motivo dos estudantes evadirem concentra-

se na mensalidade, o que recai em sua renda familiar.

Outro ponto a ser observado no Gráfico 5 é o fato do Estado do Espírito Santo

contar apenas com uma universidade pública, situada em Vitória e duas extensões,

uma localizada em Alegre e outra em São Mateus. Portanto, não há uma

universidade estadual no Espírito Santo, o que constitui uma realidade em quase

todos os Estados do Brasil. Na realidade, em se tratando da região sudeste, o

Espírito Santo é o único estado a não possuir uma universidade estadual, o que

espanta é o fato dessa região ser conhecida pelo seu grande desenvolvimento

econômico.

Ainda em relação ao Gráfico 5, é importante atentar para o volume de inscritos em

IES pública e privada, que, em 2005, foi de 71.599. Em contrapartida, as matrículas

oferecidas foram apenas 41.104, sendo que destas apenas 3.833 foram da

universidade pública, ao passo que as instituições privadas ofereceram 37.271

vagas. Outra inferência a ser feita, alicerça-se no fato de que, apesar das

instituições privadas oferecerem 37.271 vagas, o total de ingressantes foi de 18.654,

ou seja, cerca de 50% das vagas não foram preenchidas; já a universidade pública

ofereceu 3.388 para 27.272 candidatos, assim cerca de 80% dos estudantes não

ingressaram na UFES, dentre outros fatores, por falta de vagas. Em vista disso, o

que falta no Espírito Santo não são vagas em instituições privadas, mas instituições

públicas, ou melhor uma Universidade Estadual. Essas estatísticas evidenciam que

o setor educacional privado disponibiliza vagas não-procuradas pelos estudantes.

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111

Pensando nisso, o Cadernos de Notícias de outubro de 2006, da ADUFES revela

que os gastos do Governo do Espírito Santo com o Programa Nossa Bolsa superam

os do Governo piauiense com a Universidade Estadual. Assim, o Programa Nossa

Bolsa, instituído pela Lei n. 8.263, em janeiro de 2006, ofereceu cerca de 1.900 bol-

sas de estudo (parciais e integrais), para estudantes carentes (com renda per capita

de até três salários mínimos), em instituições particulares de ensino superior. Outro

pré-requisito para a aquisição da bolsa é que esses estudantes tenham cursado todo

o ensino médio em escolas da rede pública do Estado. Ao todo, cerca de R$ 2,8

milhões foram gastos pelo Governo do Estado no projeto. Em relação a esse pro-

grama, a Tabela 2 mostra que os gastos do projeto são maiores que os gastos por

estudante da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

ESPÍRITO SANTO PIAUÍ Gasto por estudante R$ 1.750,00 R$ 792,04 Número de vagas oferecidas 1.840 29.145 Professores contratados - 1.445 População 3.408.365 3.006.885 PIB per capta (em 2003) 8.916,23 2.505,40 Tabela 2 – ADUFES/Cadernos de Notícias de outubro de 2006.

Além dos gastos do programa serem maiores que os gastos por estudantes da U-

ESPI, a Tabela 2 também salienta: o número de vagas oferecidas pela UESPI

(29.145) é quase oito vezes maior que a quantidade de vagas oferecidas pelo pro-

grama (1.840), a quantidade de professores contratados na UESPI e nenhum pro-

fessor contratado no Espírito Santo, e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do

Piauí ser 3,6 vezes menor que o do Espírito Santo. Diante da Tabela 2, é possível dizer que o Programa Nossa Bolsa mostra-se inseri-

do na lógica da mercantilização do ensino, desde que, ao invés, do governo investir

na criação de uma Universidade Estadual pública, gratuita e de qualidade, compra

vagas em escolas particulares, sendo muitas delas de qualidade duvidosa. Em ou-

tras palavras, esse programa assemelha-se ao ProUni, o que o diferencia é apenas

a sua abrangência estadual.

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112

3.1.2 A Estatal: a Universidade Federal do Espírito Santo

A Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) surgiu em 1954, tendo como

premissa desenvolver o Espírito Santo e melhorar a qualidade de vida da população.

Entretanto, a primeira instituição de ensino superior do Espírito Santo foi a

Faculdade de Farmácia e Odontologia, criada em 1930.

A Universidade sofreu os impactos da Reforma Universitária de 1968 que

propiciaram sua expansão até as dimensões atuais. Durante a redemocratização do

País, as universidades contribuíram para a liberdade de pensamento e sua

expressão por meio de sua luta ideológica. Sendo assim, a UFES avançou para o

Sul, com a implantação do Centro Agropecuário em Alegre e, para o Norte, com a

criação da Coordenação Universitária em Nova Venécia, hoje desativada, e São

Mateus, em plena atividade.

Com a LDB n. 9.394/96 há “[...] alteração no processo de ingresso a graduação;

reformulação e flexibilização curriculares, liberdade de organização administrativa;

Universidade especializada no campo do saber” (UFES 45 anos, 1999).

Essa alteração explica-se devido à nova conjuntura que a universidade adquiriu

após a consolidação da LDB de 1996, na qual a exigência de indissociabilidade

entre ensino, pesquisa e extensão deixou de existir. Mesmo assim, a UFES

continuou até hoje primando pelos três pilares em que as universidades se

solidificaram – ensino, pesquisa e extensão e por sua indissociabilidade. Atualmente

como única universidade pública e gratuita no Estado do Espírito Santo, congrega

ensino público de qualidade e gratuito. Desse modo, a Tabela 3 mostra o grande

número de inscritos nos vestibulares, em descompasso com a reduzida oferta de

vagas.

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ANO NÚMERO DE INSCRITOS

VAGAS OFERECIDAS

1996 18.588 2.340 1997 17.231 2.360 1998 24.084 2.325 1999 26.220 2.545 2000 31.515 2.675 2001 28.822 2.685 2002 28.946 2.745 2003 23.590 2.765 2004 25.300 2.785 2005 25.683 2.805 Tabela 3 – Relação Matrícula/Vaga – UFES Fonte: UFES/Pró-Reitoria de Graduação – 2005

No que se refere à pesquisa, em publicação da UFES 45 anos (1999), a UFES é

excelência nos resultados com estudos de animais com informação genética

programada e transferência de genes para células do sistema cardiovascular,

visando à correção de disfunções. Há também o Hospital Universitário Cassiano

Antônio Moraes (HUCAM), que se apresenta como o maior da rede pública do

Espírito Santo, tanto em volume de atendimento quanto em grau de complexidade.

Contudo, é oportuno ressaltar a carência em equipamentos e verbas que se

responsabilizem pela manutenção da universidade que se constitui em um bem

público e que, atualmente, vem sofrendo um processo de sucateamento.

Importa destacar que, apesar de todo o descaso por parte do poder público, a UFES

continua sendo um exemplo imprescindível em matéria de qualidade. Aliás, não só a

UFES como a maioria das universidades de caráter público, sejam elas federais,

estaduais ou municipais espalhadas pelo território brasileiro.

Desse modo, o período de modernização industrial no Espírito Santo proporcionou

uma maior exigência no que se refere à escolaridade para o mercado de trabalho.

Com esse impulso, a disputa por uma vaga na universidade cresceu e continua a

crescer cada ano.

Atualmente, a UFES conta com cerca de 18.000 matrículas presenciais19 (In:

SIMEC/Jan./2008).

19 In: Sistema Integrado de Planejamento e Finanças, Ministério da Educação.

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Após o período de redemocratização, discute Coutinho (1993), democratizou-se o

acesso de grande parcela da população à educação formal, o mesmo ocorrendo

com a administração escolar pela instituição de eleições para diretores do primeiro

grau à universidade. Entretanto, parece um descompasso, pois mesmo após a

democratização do ensino, muitas camadas permanecem fora da escola. Outro dado

importante é que, de acordo com o Estado de São Paulo do dia 28/10/200020, “[...]

mais da metade dos estudantes brasileiros não completa a educação básica, ou

seja, deixa de estudar antes de completar o ensino médio”. Segundo o Instituto

Nacional de Estatística e Pesquisa (INEP), os estudantes que concluem o 1º e o 2º

graus levam ao todo 13,7 anos, isso significa que os antigos problemas

educacionais - evasão e repetência – permanecem.

Além de 60 cursos de graduação21, a UFES oferece cursos de pós-graduação latu

senso22 (70 especializações) e strictu senso23 (36 mestrados, 7 doutorados e 1

mestrado profissional).

Em relação ao quadro docente, a Tabela 4 evidencia os seguintes dados:

ANO

Nº DE DOCENTES DO QUADRO

Nº DE DOCENTES SUBSTITUTOS E VISITANTES

TOTAL

1996 1.010 194 1.204 1997 977 242 1.219 1998 935 247 1.182 1999 947 240 1.187 2000 951 206 1.157 2001 918 209 1.127 2002 855 201 1.056 2003 831 220 1.051 2004 864 233 1.097 2005 903 219 1.122 Tabela 4 – Quadro de Docentes da UFES Fonte: UFES/Pró-Reitoria de Administração – 2005 A partir da Tabela 4, é possível observar o aumento de docentes substitutos e

visitantes, ao passo que houve redução de docentes do quadro efetivo. Essa

20 In: “51% dos estudantes não concluem o 2º grau”. Estado de São Paulo, 28/10/2000. 21 In: Pró-Reitoria de Graduação/UFES – Manual do Estudante 2008. 22 In: Pró-Reitoria de Pós-Graduação/UFES, 2007. 23 In: Pró-Reitoria de Pós-Graduação/UFES, 2007.

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redução do quadro docente tem ligação direta com as reformas implementadas pelo

Estado, iniciando pela Reforma do Estado até a Reforma Universitária em curso.

Na área de extensão, de acordo com o Relatório de Gestão de 2005, têm-se 97

programas os quais abrangem projetos e laboratórios. Alguns dos projetos e

laboratórios são: o Projeto Sorriso, o Projeto Universidade para Todos 3ª Idade,

Projeto Cada Doido com sua Mania, os laboratórios de História, Geografia,

Matemática, etc.

É importante ressaltar o diferencial das IFES diante da quantidade de programas de

extensão e da pesquisa que, raramente, são praticados nas IES privado. De acordo

com a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino

Superior (ANDIFES) (2005), as IFES continuam, firmemente, comprometidas com a

formação da competência científica, tecnológica e cultural do país, além de serem

responsáveis pela maior parte das pesquisas em curso na ciência brasileira.

3.1.3 O Mercado: a Instituição Pesquisada

A Instituição Pesquisada (IP), caracterizada como uma instituição filantrópica,

começou a funcionar em março de 1968. Entretanto, apesar de inaugurada em

1968, a história da escola começou em 1966, quando foi criada por um ato da Mesa

Administrativa da Irmandade da Santa Casa. Durante dois anos, homens como

Virgílio Brito de Souza Neto, Aloísio Sobreira Lima, os primeiros diretores da IP, Eli

de Barros, Edson Ribeiro de Souza e outros, com apoio do então provedor da Santa

Casa, Constanteen Helal, participaram ativamente do esforço para viabilizar a

faculdade e obter a autorização para seu funcionamento, proporcionando ao Espírito

Santo uma segunda faculdade de Medicina.

Na época da fundação da IP, o único curso de medicina oferecido no Estado

pertencia à Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, que oferecia apenas 30

vagas em seus vestibulares. Apesar de capital do Estado, Vitória ainda era uma

cidade, relativamente, pequena e aparentava ter condições de suportar duas

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faculdades de medicina. Por outro lado, o Brasil e, especialmente o Espírito Santo,

sofria com a falta de médicos.

Atualmente, a IP oferece os cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia,

Fisioterapia e Serviço Social.

3.2 Ancoragem e Objetivação: os sujeitos e suas representações

Fundamentando-se na Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici,

optou-se por examinar mecanismos sociais que intervêm na elaboração cognitiva

mediante processos de ancoragem e objetivação. Para tanto, será exposto

determinado ponto de vista, fruto de representações decorrentes da posição

ocupada pelos sujeitos da pesquisa. Como já foi dito, fez-se um enfoque

comparativo horizontal tendo em vista comparar as representações do ProUni de

diferentes segmentos da instituição pesquisa. O universo da pesquisa foi composto

por 104 sujeitos, divididos em seis segmentos. Isto é, 92 estudantes (46 bolsistas e

46 não-bolsistas), 10 professores, 5 coordenadores de curso, 1 coordenador do

ProUni, 1 diretor e 4 auxiliares de serviços gerais.

Os processos de ancoragem e objetivação se constituem em elementos base na

construção das representações sociais.

Desse modo, o processo de ancoragem pôde ser percebido nos significados dados

pelos sujeitos em relação ao ProUni. Em outras palavras, ancoram-se idéias dos

sujeitos, tendo em vista compreender o que é concebido como ProUni. Os temas ora

recortados nos relatos tiveram por objetivo nomear, classificar, dar significado ao

objeto em questão. Assim, o programa, ou qualquer outro objeto, só se torna real a

partir do momento em que é reconhecido como tal.

Já o processo de objetivação foi evidenciado a partir do momento em que os sujeitos

reproduziram um conceito em uma imagem, ou seja, no momento da materialização

de algo que antes lhes era abstrato por meio da reabsorção do excesso de

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significados. Assim, o exercício de comparar o ProUni aos temas destacados

durante a entrevista já denota sua representação.

Com efeito, os conceitos ancoragem e objetivação foram recursos teóricos

pertinentes à compreensão dos fenômenos referentes às aspirações, aos desejos e

às resistências inerentes aos processos de inclusão/exclusão no ensino superior.

Portanto, este capítulo tem por objetivo analisar as falas dos sujeitos pesquisados à

luz da teoria das Representações Sociais ancoradas em três conceitos: Ensino

Superior, Política Pública e Inclusão/Exclusão, visando a compreenção da

representação do ProUni. Tendo em vista esses conceitos, os dados ora coletados

foram transformados em temas, os quais foram articulados aos processos

formadores de opinião, isto é, a ancoragem e a objetivação. O critério usado para o

recorte dos temas partiu da ênfase lhes dada durante as entrevistas. Destarte, os

temas se constituem nos seguintes: oportunidade, classes populares, inclusão,

exclusão, desejo x resistência, condições materiais, política paliativa, ensino

superior, trabalho, comercialização do ensino superior, pós-graduação, ascensão

social, público/privado, política de governo, discriminação. Dessa forma, os temas

são percebidos, transversalmente, aos conceitos.

Desse modo, baseando-se na epígrafe deste capítulo entende-se que, uma das

formas de se compreender o ProUni é penetrar nas idéias, nos valores, nas crenças

que florescem no cotidiano das pessoas que o vivenciam.

Insta ressaltar que a Teoria das Representações Sociais de Moscovici concebe as

representação sociais como uma ciência tornada comum. Logo, este capítulo busca

tornar público o conhecimento científico imbrigado nas representações sociais do

ProUni.

Inicialmente, expor-se-à brevemente o contexto em que se insere o ProUni.

Desse modo, a demanda pelo acesso ao ensino superior, na história brasileira,

iniciou-se a partir do período de industrialização e urbanização. Essa grande

demanda sempre esteve em descompasso com o reduzido número de vagas, o que

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resultou em uma seletividade social posta na entrada. Assim, a porta de entrada das

universidades brasileiras seleciona os poucos candidatos que irão desfrutar do

conhecimento acadêmico. Em relação a isso, Frigotto (1989) realça que,

diferentemente da pressão anteriormente esboçada, a atual grande pressão e

demanda pelo acesso ao ensino superior, não se apresenta mais na entrada, mas

cada vez mais no tipo de instituição, na qualidade do ensino ministrado e pelo tipo

de curso. A exemplo disso, tem-se o ProUni.

Conclui-se, então, que a crescente expansão do ensino superior, apesar de

insuficiente para atender a demanda, também tem, por objetivo, a desqualificação de

profissões pela forma como o Estado administra a universidade, ou seja, pela

política de privatização e comércio do ensino superior. Na constatação de Gentili

(2001),

[...] as políticas de privação universitária não apenas têm impacto direto na discriminação dos alunos de menores recursos e na condição de precariedade do trabalho docente, mas também nas formas que assumem a produção intelectual e as perspectivas analíticas que tendem a se desenvolver, ou silenciar-se, no meio acadêmico (GENTILI, 2001, p. 112).

Outra questão que merece atenção diz respeito ao financiamento da educação

superior, o qual vem sendo o ponto chave de sua reformulação (a chamada Reforma

Universitária, em andamento). Dentre as ações do governo Lula da Silva, como foi

destacado no capítulo anterior, está o ProUni, a Lei de Inovação Tecnológica, a Lei

de Parceria Público-Privado, O REUNI e a Universidade Nova, ora exboçados.

Somado a isso, há a redução da verba pública para o financiamento da educação

superior pública e uma fundamentação política e jurídica para assegurar e ampliar o

campo de atuação do empresariamento nacional e internacional da educação (LIMA,

2006).

Ao referir-se à educação vista sob o prisma do mercado, Leher (2004a) chama

atenção para o BIRD, o governo Lula da Silva e o Observatório Internacional de

Reformas Universitárias24 (ORUS), o que ele convencionou chamar de tripé. Em

24 Foi criado em 2002, a partir de uma rede de acadêmicos europeus e latino-americanos que elaboraram propostas para a reforma das universidades. A Rede ORUS é formada por uma organização central, ORUS Internacional (presidida por Edgar Morin), e por um conjunto de

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outras palavras, esse tripé está emitindo um falso consenso da educação enquanto

um mercado, representando a vitória de um projeto, incessantemente, combatido por

sindicatos, estudantes e fóruns de educadores. Esse falso consenso poderá

redefinir, profundamente, a universidade brasileira e de diversos países latino-

americanos. Quanto a isso, Pires (2005) esclarece que nos últimos dez anos grande

parte dos países da América Latina empreenderam reformas educacionais,

resultado de um processo de indução externa ligadas às políticas de organismos

internacionais. Em relação a essa observação, é importante dizer que o ProUni

nasce como resultado de um processo mais amplo de reestruturação do Estado

brasileiro, via orientação de organismos internacionais.

A justificativa para tais reformas era de que as pesquisas evidenciavam deficiências

do sistema educacional em função dos condicionantes da reestruturação do setor

produtivo e das mudanças institucionais, que alteraram a estrutura do Estado e das

relações sociais no contexto de uma nova ordem social. Nas palavras de Leher

(2004b, p. 1) “o governo Lula da Silva recolocou em movimento a engrenagem de

uma reforma universitária que, se exitosa, estraçalhará a concepção de universidade

da Constituição Federal de 1988 e o futuro dessas instituições”.

Nesses termos, Chauí (2003b) enfatiza que a legitimidade da universidade moderna

fundou-se na conquista da idéia de autonomia do saber, em face à religião e ao

Estado. Comungando de sua idéia, Leher (2001) acrescenta a autonomia, também

em relação ao mercado. Esses autores defendem uma idéia de conhecimento

guiado por sua própria lógica, por necessidades que lhes são imanentes, tanto do

ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão. Contudo, a

lógica do ProUni se distancia da lógica defendida pelos autores.

observatórios locais - Venezuela e Brasil - e estão sendo criados novos observatórios locais nos seguintes países: África do Sul, Bolívia, México, Uruguai e Chile. A atuação da Rede ORUS está articulada à parceria que estabeleceu com a UNESCO e a Aliança por um mundo responsável, plural e solidário, cujo financiamento e direção política estão vinculados à Fundação Charles Leopoldo Mayer para o Progresso do Homem. Seu objetivo se constitui na diversificação das fontes de financiamento da educação superior para captação de recursos privados, doações entre outros (In: www.orus-int.org).

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Diante disso, a Reforma Universitária em curso e, sobretudo o ProUni, visa a instituir

um ideal alicerçado aos interesses do mercado e, desse modo, na contramão dos

direitos sociais.

Coerente a esse ideal, a partir de 2005, o Programa de Financiamento Estudantil25

(FIES) passou a conceder também financiamento aos estudantes selecionados pelo

ProUni para recebimento da bolsa parcial de 50%, regularmente matriculados em

cursos de graduação. O FIES pode ser utilizado por esses estudantes para paga-

mento de 25% do valor da mensalidade. Com isso, os bolsistas parciais do ProUni

não participam dos processos seletivos regulares do FIES, sendo designados perío-

dos específicos para concessão do financiamento. Observa-se, com isso, que além

da renúncia fiscal advinda do ProUni parcial por parte da IES privada tem-se 50% da

bolsa a cargo do estudante, podendo ele optar pelo FIES de 25% desse valor, mes-

mo que, ao final do curso, o estudante saia com uma dívida e sem garantias de

emprego.

O FIES foi criado em 1999, em substituição ao Programa de Crédito Educativo –

PCE/CREDUC; o programa tem registrado uma participação cada vez maior das IES

privadas. Atualmente, os números do processo seletivo do segundo semestre de

2006 são: 1.110 mantenedoras, 1.513 IES, 2.059 campi, 23.035 cursos/habilitações

em todo Brasil e 449.786 estudantes beneficiados, com uma aplicação de recursos

da ordem de R$ 4,5 bilhões entre contratações e renovações semestrais dos finan-

ciamentos desde a criação do programa (In: www.mec.gov.br). Como visto, o FIES

se consolida em um valioso instrumento de captação de recursos via o ProUni.

25 O FIES é destinado a financiar a graduação no Ensino Superior de estudantes que não têm condi-ções de arcar com os custos de sua formação e estejam, regularmente matriculados em instituições não-gratuitas, cadastradas no Programa e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC.

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3.3 As Representações do ProUni

Como dito anteriormente, esta pesquisa dividiu as representações sociais por temas

cuja análise26 será agora esboçada. No caso das representações sociais do ProUni,

os seguintes temas foram recorrentes: oportunidade, classes populares, inclusão,

exclusão, desejo x resistência, condições materiais e política paliativa.

3.3.1 Oportunidade

Reiterando a análise das representações sociais, iniciar-se-à com o tema oportuni-

dade. No que diz respeito à representação do ProUni, o segmento dos ASG’s res-

pondeu que ele se constitui em uma oportunidade para uma classe que estava

excluída do ensino superior,

“... representa uma oportunidade a uma classe excluída do ensino público. E é uma forma do governo dá essa oportunidade a esses alunos a essas pessoas que já estavam excluídas do ensino superior” (ASG 2, grifos nossos).

Essa citação ratifica o ProUni, enquanto uma política educacional, que tem por

objetivo evidenciar a divisão de classes inerente à formação estrututral de sociedade

brasileira, uma vez que os ASG’s se referem aos bolsistas como uma classe

excluída do ensino superior.

Para a maioria dos professores, o ProUni representa uma excelente oportunidade de

cursar o ensino superior conforme verificado na resposta abaixo,

“... é uma questão de justiça social, e, portanto acho que é um excelente programa, uma excelente iniciativa criada pelo MEC a nível de Brasil” (Professor 1, grifo nosso).

Nessa citação, fica evidente a adesão ao ProUni por parte da maioria dos

professores, ainda que façam contrapontos quanto a não ser ela uma política ideal,

26 Como forma de resguardar o sigilo no que se refere à identidade dos sujeitos que participaram da pesquisa, optamos por utilizar o gênero masculino durante a citação de suas falas.

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visto que o poder público deveria ampliar o ensino público. Insta relatar que muitos

professores, apesar de concordarem com o programa, demonstram preocupação

com o futuro das universidades públicas.

Em relação aos estudantes bolsistas, alguns deles reconhecem que, apesar do

ProUni ser uma forma do Estado se desresponsabilizar com o investimento nas IES

públicas, ainda assim, ele é uma oportunidade para muitas famílias de ter uma

qualificação superior. Isso confirma a aceitação das classes populares quanto ao

ProUni, enquanto uma política de acesso ao ensino superior.

Comungando da opinião dos segmentos anteriormente citados, os estudantes

não-bolsistas vêem no ProUni uma oportunidade de inserção no ensino superior,

uma boa iniciativa do governo, uma oportunidade para quem não pode pagar o

ensino privado, uma opção para quem não consegue passar no ensino superior

público, uma forma de inclusão social.

Dentre as justificativas no que se refere à adesão ao programa, está: a pequena

quantidade de vagas oferecida pelo Estado no ensino superior público, o custo da

mensalidade privada e o deslocamento para outra cidade. Este último motivo ficou

explícito na seguinte fala, ao se referir ao ProUni

“... uma saída para entrar no ensino superior, já que não consegui aprovação na UFES. Consegui ser aprovado na UFV (Viçosa) no curso de Engenharia Ambiental, porém os custos pelo fato de morar em outra cidade seriam muito altos. [Esse curso era o que você desejava?] Não. Eu queria mesmo era Engenharia Ambiental” (Estudante Bolsista de Farmácia 9, grifos nossos).

Diante da fala desse estudante de Farmácia, observa-se que pelo fato de ele estar

no ensino superior não pode ser sinônimo de estar no curso ou na instituição

desejada, o que também se entende como uma forma de exclusão.

Já para outro estudante bolsista, o ProUni representa

“Uma forma de me inseri no ensino superior que até então eu não tinha essa oportunidade, ele veio num momento em que eu tinha tentado 6 anos passar no vestibular pra medicina e infelizmente eu não tinha conseguido uma pontuação necessária em uma universidade pública. Tentei a UFES

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diversas vezes e não consegui. Não tinha condições de pagar o ensino particular e o ProUni veio justamente pra mim estudar naquilo que eu queria” (Estudante Bolsista de Medicina 17, grifos nossos).

Confirma-se nessa fala a realização do estudante em freqüentar o curso desejado,

após várias tentativas nos vestibulares da UFES.

3.3.2 Classes Populares

Quanto ao tema classes populares, a maioria dos professores comunga da

representação dos ASG’s de que as classes populares estão alijadas do ensino

superior

“... representa pra mim um avanço, ele representa pra mim uma das ações corretas do governo federal num contexto de trazer pra dentro da universidade parte da população que até então não conseguia outras vias de acesso a universidade” (Professor 1, grifo nosso).

Nessa resposta, fica evidente a noção de que as classes populares estão alijadas do

ensino superior. Houve unanimidade quanto à referência ao ProUni como uma

“oportunidade” de incluir as classes populares no ensino superior. Outro ponto

importante e unânime nas respostas dos ASG’s diz respeito à associação entre o

ensino superior, ascensão social e trabalho, ou seja,

“... oportunidade para aquelas pessoas que não tem condições e poder aquisitivo de estar estudando num nível de ensino superior de estar conseguindo um aprendizado maior para se encaixar no mercado que hoje é bem competitivo” (ASG 3, grifo nosso).

Vimos, no segmento dos ASG’s que também aparecem os temas trabalho e

ascensão social. Assim, para eles o fato das classes populares estarem no ensino

superior se consolida em garantia de emprego e ascensão social. A seguir abordar-

se-à melhor esses temas referentes ao conceito ensino superior.

Apenas um professor da instituição pesquisada é contrário ao ProUni,

“... eu acho que é um contra-senso você falar em ProUni, uma população que a gente sabe que é as classes populares, ela tem muito

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pouca condição financeira do que quem ta na universidade federal, então embora o governo, porque a gente sabe que quem vai pagar isso é o governo, então eu acho que isso incentiva... a universidade privada, você não incentiva uma instituição pública, você vai pega o dinheiro do governo em vez de aplicar em uma instituição pública, onde mais pessoas possam ter acesso” (Professor 2, grifos nossos).

Esse professor enfatiza ser contra o programa, pois defende a universalidade do

ensino público de qualidade, baseando-se em direito. Para ele o governo, deve se

preocupar em aumentar o número das universidades públicas e dos cursos

noturnos, na medida que a maioria dos jovens de classes populares precisa

trabalhar o dia todo. Ademais, as propostas desse professor comungam das

propostas, amplamente, debatidas pelo ANDES, isto é, reconhece a educação como

um direito que deve ser subsidiado pelo Estado e se contrapõe aos processos de

privatização em curso.

3.3.3 Inclusão

Em relação ao tema inclusão, algo comum na fala dos coordenadores de curso foi o

fato de eles se dirigirem ao ProUni como um meio de incluir as pessoas que não

conseguem entrar no ensino superior. Desse modo, a fala do coordenador do ProUni

revela uma representação social muito difundida na década de 1980, com a Teoria

do Fracasso Escolar27, de que os estudantes oriundos de classes populares

estavam fadados ao insucesso escolar.

O coordenador do ProUni enfatiza a impossibilidade de estudantes oriundos de

classes populares chegarem à UFES, e com isso, à eficácia do programa. É

importante ressaltar que não são desconsideradas as dificuldades da classe popular

em ingressar no ensino superior, contudo se reconhece que esse acesso deva se

dar no ensino público. Enfatiza também que, devido à sua experiência como

coordenador de curso e também como um dos coordenadores do programa, até hoje

na IP, houve apenas dois casos de estudantes que foram aprovados no curso de

medicina da UFES e no ProUni na IP, e ambos optaram pela UFES. Afirmou que

embora eles tenham passado na UFES, a faculdade particular possui mais 27 Ver Patto (1990).

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desempenhos desiguais, esforce-se ou não. Se, por exemplo, na UFES há apenas

60 vagas no curso de medicina e há 500 inscritos, 60 irão passar e 440 ficarão

retidos. É evidente que não se pode desconsiderar que o acesso ao ensino superior

pela atual Constituição é baseado na questão do mérito, cujo vestibular é o seu

legitimador. Contudo, importa frisar que a escassez de vagas nas IES públicas e as

condições materiais de muitos estudantes impedem o seu ingresso ao curso

superior. Em relação à quantidade de IES, os índices do INEP 2006, em nível

nacional, mostraram que, em 1996, o ensino superior era composto de 22,9%

instituições públicas e 77,1% instituições particulares. Já em 2004, houve uma

redução pela metade do percentual de instituições públicas, isto é, 11,1%; em

contrapartida as privadas aumentaram para 88,9%. Enfatiza-se, a partir desses

dados, que o investimento no ensino superior público é cada vez menor, ao passo

que o investimento nas IES privadas é cada vez maior, a exemplo disso temos o

ProUni. O importante a ser ressaltado, então, no que concerne à falta de acesso ao

ensino superior são: os fatores socioeconômicos, a não-universalidade do ensino

médio e a reduzida quantidade de vagas no ensino superior público.

É notório que a intenção da reportagem, anteriormente citada, seja legitimar o

ProUni como um programa que traz resultados para os estudantes de classes

populares. Entretanto, por quê não foi feita nenhuma matéria sobre o desempenho

de estudantes de classes populares em instituições públicas? Será que isso

revelaria que a capacidade dos estudantes não está vinculada a ser oriundo do

ensino público ou do privado, pois ambos estariam aptos, intelectualmente, a cursar

o ensino superior. Contudo, não se pode perder de vista a dimensão do direito cujo

horizonte político alicerça-se na educação como um direito social que precisa

alcançar a todos, por isso questiona-se a restrição de vagas no ensino superior

público, bem como seu gradual sucateamento.

Na visão do diretor, o programa é uma boa iniciativa do governo, o que não difere de

outros segmentos (ASG’s, professores, coordenadores de curso e coordenador do

ProUni), com apenas um destaque: para ele, o ProUni deveria se transformar em

uma política de Estado.

A maioria dos estudantes concorda que o programa é uma forma de inclusão, pois

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“... é uma forma de inclusão, não sei se é a mais correta. Porque na minha opinião é dever do governo oferecer uma educação de qualidade pra todos do ensino fundamental até o médio aí dessa maneira todos teriam a mesma chance de entrar na faculdade da escolha de cada um, seja pública ou privada” (Estudante Bolsista de Medicina 16, grifo nosso).

Contudo, reconhece que, mesmo sendo um tipo de inclusão, há dúvida quanto a sua

validade e convoca o Estado para o seu dever com a educação de qualidade, como

pressuposto para o ingresso na IES de escolha de cada estudante, bem como, a

ampliação de vagas na IES público.

3.3.4 Exclusão

No que se diz respeito ao tema exclusão, é possível percebê-lo no perfil dos alunos

bolsistas do ProUni e de outras modalidades (Nossa Bolsa, filantropia). Diante desse

fato, o Coordenador de Curso 5 relata perceber nas turmas com as quais trabalha no

que diz respeito à inclusão que,

“... a entrada deles é meio diferente. Tem pouco tempo o primeiro período, mas você percebe um perfil de pessoas que entra. Eu acho que o ProUni é importante, ele abre uma condição pra essa construção das pessoas que são realmente batalhadoras e que realmente tem condição em se dar oportunidade, pra que essas pessoas possam ver na educação, na sua formação social, na sua formação de nível superior uma condição de recolocação de inserção social, de mercado de trabalho, de reconhecimento, de valorização, mas tudo construído com muita luta, com muita batalha. Essas coisas do reconhecimento, da valorização de você ter um mercado” (Coordenador de Curso 5, grifo nosso).

Com isso, a fala do coordenador também denota uma das hipóteses de que as

políticas educacionais, implantadas pelo atual governo, evidenciam a divisão de

classes inerente à formação estrutural da sociedade brasileira, haja vista o

coordenador chamar atenção para o perfil de trabalhadores alijados da sociedade e

do mercado de trabalho, como uma característica dos estudantes bolsistas.

Em relação a isso, Castel (1998) enfatiza que o trabalho era uma maneira de filiar as

pessoas; entretanto, atualmente com a acumulação flexível, o trabalho vem

perdendo essa característica, haja vista o aumento do contingente de

desempregados e do trabalho precarizado.

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O coordenador também questiona o fato de que oferecer acesso não é garantia de

conclusão do curso, e de que o padrão de vida da classe média vem mudando

economicamente. Outro ponto questionado por ele diz respeito à permanência, pois,

de acordo com sua visão, um curso na área da saúde é muito caro, até sem pagar.

Por exemplo, no curso de Medicina é impossível trabalhar. O coordenador explica

também que, ao ser implantado o programa, não havia ajuda de custo na IP, e,

devido a isso dois estudantes desistiram do curso de medicina. Depois surgiu a

ajuda de custo para o curso de medicina; os outros cursos não recebem esse

subsídio, devido a sua carga horária. Por isso, a maioria dos estudantes trabalha ou

faz estágio remunerado, para conseguir permanecer na IP.

3.3.5 Desejo versus Resistência

Em relação ao tema desejo versus resistência, o estudante bolsista disse que, no

início, concordava com o ProUni, porém a partir do momento que, cursando Serviço

Social compreendeu o que é uma política pública, ele agora o vê como uma política

paliativa. É contra o programa, pois, segundo ele se o objetivo fosse a inclusão, o

governo aumentaria as vagas na UFES ou em qualquer federal. “... a universidade federal [...] é o grande desejo de todos, se eu to aqui hoje é porque eu não tive oportunidade de entrar numa federal que era meu grande objetivo e, entre aspas, eu aceitei né a bolsa pra poder tá fazendo um curso superior. [Era esse o curso que você queria?] Não mesmo, não era, tentei na UFES o curso que eu queria, psicologia, é entrei aqui pra fazer o curso de serviço social sem ter noção nenhuma do que era o curso, aprendi a gostar né e agora é uma oportunidade de fazer, porque eu não encontro condições de fazer um curso de psicologia numa faculdade particular e aí eu resolvi tentar e to aqui resistindo. [...] eu acho pra que eu possa, pra que eu consiga assim, realização, só eu vou ter essa realização, a partir do momento que eu fizer alguma coisa na área de psicologia, não sei, uma especialização, um curso” (Estudante Bolsista de Serviço Social, grifos nossos)

O estudante, ao relacionar o tema inclusão à ampliação de vagas na UFES,

questiona a natureza da inclusão, isto é, para ele, assim como para o ANDES, a

inclusão deve se realizar nas IES públicas. Ele também revela sua resistência, por

não estudar o curso desejado, e que sua realização só acontecerá, a partir do

momento em que fizer o curso de sua escolha. O estudante entende a conjuntura

social em que vive, se reconhece inserido em uma camada popular.

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Assim, o conceito de inclusão usado na pesquisa se respalda em Pochmann (2004).

Para esse autor, a inclusão se constitui em um processo que possibilita o acesso

aos direitos sociais (aqui enfocado, a educação), por meio das condições materiais

que permitem uma vida digna.

Com isso, o referido estudante bolsista relata a questão do desejo, também evidente

entre dez dos bolsistas entrevistados que não fazem o curso desejado contra seis

dos estudantes não-bolsistas. Em suas palavras, está enfatizado o desejo de

estudar em uma IFES e no curso de sua escolha, o que respalda este estudo,

quanto a estar no ensino superior não significar fazer o curso desejado, nem estudar

na instituição desejada. Em verdade o ensino superior para muitos dos entrevistados

é concebido como uma sobrevivência, ou seja, como o próprio estudante revela em

sua fala, uma resistência.

Um estudante não-bolsista afirma que, desde 1977, ano em que concluiu o ensino

técnico, sonhava fazer um curso superior. Ele conseguiu concretizar esse sonho em

2004. Concretizar em parte, pois seu desejo era fazer um curso de enfermagem e

ele faz serviço social. Observa-se, nesse fato, que alguns estudantes não-bolsistas

também não ingressam no curso desejado.

3.3.6 Condições Materiais

Outra análise interessante feita por um estudante bolsista é a de que o ProUni

enfatiza o peso das condições materiais de existência como preponderantes, no

momento da escolha do curso. Desse modo, destaca-se o tema condições materiais.

Com base nisso, para esse estudante, o ProUni

“foi uma das melhores oportunidades que eu tive né porque infelizmente a gente sabe que nem sempre os meios da gente alcançar aquilo que deseja são fáceis assim, tem muita influência do que a pessoa pode, do que as suas condições econômicas oferecem. Eu sempre achei que medicina seria o meu caminho, sempre foi o que eu gostei, mas sabia que na hora de competir por uma vaga no vestibular seria absurdamente desigual, não porque eu fosse uma aluna pior, mas porque as condições que eu tinha no decorrer da escola pública são infinitamente piores” (Estudante Bolsista de Medicina 3, grifo nosso).

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Nessa fala, o estudante deixa estampada a sua situação de classe trabalhadora que,

de acordo com Pastorini (2002) e Luckács (1977), é revelada pela posição ocupada

nos meios de produção. Assim, como enfatizado anteriormente, decidiu-se por

denominar classe popular ao que Pastorini (2002) e Luckács (1977) definem como

classe trabalhadora.

3.3.7 Política Paliativa

Alguns estudantes se referem ao ProUni como uma medida emergencial, paliativa,

assistencialista, uma política afirmativa, um tampa buraco do governo para reduzir o

abismo social que há no Brasil. Resolveu-se denominar a essas várias

nomenclaturas pelo tema política paliativa. Nesse sentido, apesar de os estudantes

enfatizarem que o correto seria o investimento na educação básica, muitos

concordam com a necessidade de medidas paliativas, como o ProUni.

Outros defendem o ProUni como uma forma de o governo mascarar tudo o que

deixou de fazer na educação.

“Tipo assim pega lá uma pessoa de uma família pobre e enfia na faculdade pra todo mundo ficar feliz e ta tudo bem entendeu é isso, mas eu acho importante sim porque pelo menos um pouquinho de felicidade trás pra algumas pessoas entendeu, a pessoa que tinha um sonho e tal, aquele negócio do sonho de fazer faculdade. As pessoas de condição financeira mais baixa, pra eles que não estudaram fazer faculdade pra eles é muito importante, mas eu acho que não resolve nada não porque são poucas pessoas, por que não investe no ensino lá embaixo?” (Estudante Não-Bolsista de Enfermagem 11,grifos nossos).

O estudante não-bolsista afirma que o programa só seria válido se, paralelo a ele,

houvesse uma política de melhoria da educação básica, pois o programa feito,

isoladamente, não promove perspectiva de melhoria para o país.

Para o estudante não-bolsista do curso de medicina, o programa representa uma

incoerência, uma vez que o governo paga para as pessoas estudarem no ensino

privado. De acordo com ele, seria comparável a uma pessoa alugar um hotel para

deixar a sua casa disponível aos seus hóspedes. Além disso, ele enfatiza que o

ingresso do jovem no ensino superior no Brasil não mudará com o ProUni. Assevera

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ainda, que o ideal seria que essas vagas fossem na universidade federal, pois,

segundo ele, os gastos seriam menores.

Outro ponto importante, esboçado por alguns dos estudantes não-bolsistas, diz

respeito ao reduzido percentual de pessoas atendidas pelo programa e a forma

como ocorre esse atendimento, porquanto, para eles se configura em uma política

paliativa que beneficia as faculdades privadas. Defendem que a criação do ProUni,

além de não justificar o problema da arrecadação de impostos que, supostamente, a

União teria dificuldade em arrecadar, atrapalha o investimento público no setor

público.

“... eu acho que ele não atende a todos porque são poucas pessoas, enquanto temos uma maioria da população que não tem acesso. Colocar uma pequena minoria pode mudar a vida daqueles que estão sendo beneficiados, mas é uma medida paliativa mesmo porque a faculdade que tem essas bolsas ela fica isenta de impostos, então ta cortando de um lado, melhorando pra algumas pessoas, mas por outro lado ta reduzindo a contribuição né de impostos, então né não sei até que ponto isso vai ajudar alguma coisa. Acho até que atrapalharia, seria melhor se a faculdade pagasse todos os impostos e esses impostos fossem usados de maneira correta pela União. Deveria investir mais nas universidades públicas, aumentar o número de universidades públicas, o número de vagas em todos os cursos. No Espírito Santo você só tem uma, por exemplo, na medicina só tem 80 vagas, só 80 pessoas do Estado do Espírito Santo tem chance de fazer medicina é injusto” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 1, grifo nosso).

De fato, o estudante de Medicina reconhece o ProUni como uma política paliativa

que pode mudar a vida de uma minoria de estudantes, em troca de incentivos fiscais

para as faculdades particulares. Para ele, o correto seria as faculdades privadas

pagarem os impostos dos quais são isentas pelo programa, e a União investir essa

arrecadação nas universidades públicas.

É preciso ressaltar que a maioria das IES pública comunga ensino, pesquisa e ex-

tensão. A extensão se mede pela quantidade de programas direcionados à comuni-

dade. Ela se constitui na responsabilidade da universidade pública em oferecer à

sociedade a contrapartida do saber produzido. Em 2004, o censo da educação supe-

rior registrou na área da saúde, 179 milhões de atendimentos (hospitalares, de as-

sistência social, de atendimento dentário, e atendimento psicológico, entre outros)

prestados no Brasil, sendo que 97,9% foram oferecidos por instituições públicas e

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apenas 2,1% por outras instituições. Na assistência jurídica, foram registrados

472.332 atendimentos jurídicos, em 2003, sendo que 73% são realizados por uni-

versidades e o restante por instituições de outra natureza (Censo da Educação Su-

perior/INEP/MEC, 2004).

É importante esclarecer que há reclamações, no que diz respeito à quantidade de

estudantes que a instituição coloca, além das vagas oferecidas no vestibular28. Por

exemplo, se são 60 vagas para o curso de medicina, além dessas, a instituição

disponibiliza mais 7 vagas para o ProUni, totalizando 67 vagas. Para os estudantes

entrevistados, a instituição deveria reduzir a quantidade de vagas para o vestibular

ao invés de colocar a mais, visto que a sala de aula fica lotada e, sobretudo, as

aulas práticas ficam comprometidas. Para o estudante não-bolsista, o ProUni é

apenas um jogo de marketing para as instituições ganharem mais verbas e

esconderem a falha do sistema educacional. Em relação a isso, questiona-se até

que ponto com o ProUni, o Estado pode frear ações mais abrangentes, isto é,

políticas universais de acesso ao ensino superior. Observe: “... é só uma medida paliativa, só pra tipo assim vamos fingir agora, vamos colocar o povo na universidade, vão ver se cala a boca de povo, que eu acho que ta completamente errada, eles poderiam mudar de forma muito bem desde o começo (Estudante Não-Bolsista de Medicina 2, grifos nossos).

Outra questão levantada foi quanto à clareza nos critérios de seleção de cada

instituição, pois segundo um estudante, há casos que não estão previstos na

legislação do programa, como: estudantes que não se encaixam aos critérios do

ProUni e, mesmo assim, recebem a bolsa.

Um dos motivos do Estudante Não-Bolsista de Medicina 5 defender o ProUni,

assenta-se, no fato de que ele não compromete as vagas das instituições públicas,

comparando-o com as cotas que são direcionadas a essas instituições. Em outras

palavras, aceitar o ProUni comprova mais uma das hipóteses, isto é, uma forma de

compensar a não-entrada dos estudantes de classes populares no ensino superior

público.

28 Indicativos para o ano de 2008 apontam para uma alteração nesses critérios.

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Vale destacar que muitos dos estudantes entrevistados como não-bolsistas do

ProUni, são bolsistas de outros programas. Por exemplo, de acordo com os

estudantes e professores, antes do ProUni havia um convênio da IP com a UFES,

que concedia bolsas de 50 e 80% de desconto para estudantes do Projeto

Universidade Para Todos, pré-vestibular da UFES direcionado a estudantes

oriundos de escolas públicas. Inclusive uma das turmas de serviço social é

composta, em sua maioria, por estudantes bolsistas desse projeto. Nos outros

cursos também há estudantes desse programa. Todavia, com a vinda do ProUni,

esse convênio acabou. Como a IP é filantrópica, há bolsas também da filantropia,

que são na forma de descontos de 80% na mensalidade, para funcionários que

queiram cursar o ensino superior. A maioria dos funcionários cursa serviço social,

pelo fato de ser à noite e eles trabalharem o dia todo. Há também bolsas do

programa Nossa Bolsa do governo estadual.

Com base nos relatos, observa-se, em muitos estudantes, a representação social de

que uma das formas de ser incluído na sociedade seria o ingresso ao ensino

superior. Assim, o ensino superior, para a maioria dos entrevistados, é sinônimo de

emprego. Durante as entrevistas, apenas um estudante falou sobre a falta que sente

por não haver na IP o tripé ensino, pesquisa e extensão.

Como foi relatado anteriormente, alicerçou-se em Pochmann (2004), o conceito de

inclusão. Por conta disso, para se falar de inclusão há de se reportar, primeiramente,

à exclusão. A exclusão se insere em um processo histórico, o qual ”expõe

determinados segmentos sociais a maior ou menor possibilidade de integração no

interior do modo de produção capitalista” (p. 18). A exclusão, nesses termos, se

manifesta, dentre outros fatores, pelas condições de insuficiência de renda e pela

falta de acesso à educação. Utiliza-se o conceito de Pochmann (2004), por ele

compreender que esse tipo de exclusão impossibilita o exercício da cidadania.

Sendo assim, a inclusão, no estudo, é concebida como as condições suficientes de

renda para uma vida digna e o acesso à educação em todos os níveis. Esse tipo de

inclusão é o pressuposto para o exercício da cidadania.

Atualmente, o processo de exclusão se revela nos obstáculos sociais, políticos e

econômicos que impedem a participação de determinados segmentos populacionais

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na sociedade, o que compromete a convivência cidadã. A dialética da

inclusão/exclusão, no Brasil, mostra a construção de uma sociedade fundada na

desintegração social em que o índio e o escravo eram descartáveis, concentrando-

se fora de qualquer possibilidade de inclusão social (POCHMANN, 2004).

Historicamente, a presença de segmentos populacionais excluídos do processo de

integração social assenta-se no desenvolvimento de diferentes modos de produção.

Sendo assim, “as economias de mercado tendem a apresentar obstáculos à inclusão

vinculados à repartição de suas populações em distintas classes sociais”

(POCHMANN, 2004, p. 15).

Outro importante aspecto esboçado pelo autor diz respeito às transformações nas

condições de produção e reprodução da exclusão, a partir das modificações

advindas do próprio modo de produção. Para o autor, a temática da exclusão social

assumiu maior destaque, devido à crescente vulnerabilidade imposta a

determinados segmentos populacionais cujos défits de cidadania são consideráveis

(saúde, educação, segurança, etc).

Contudo, sobre o ProUni ser um programa de inclusão é unânime querer questionar

a natureza em que se assenta essa inclusão, visto que o percentual atingido por ele

no Brasil é irrisório, isto é, 414.562 bolsas (de 2005 ao final de 2007). Uma inclusão

que discrimina na entrada, com contracheque e com o estigma de “estudante

carente” e que perdura no decorrer da graduação, de acordo com o depoimento do

Coordenador de Curso 5. Para ele, a experiência dos últimos anos tem mostrado um

perfil de estudantes diferentes. Isto é, o perfil de estudantes trabalhadores e

responsáveis tem aumentado, referindo-se à classe popular.

Diante das representações sociais do ProUni ora apresentadas, é importante

destacar na fala dos estudantes que são a favor do ProUni, que ao final de suas

respostas há sempre uma contrapartida. Em função disso, é corrente o uso da

conjunção “mas” em suas falas. Por exemplo: “sou a favor do ProUni, mas o certo

seria o governo investir nas universidades públicas”; “o ProUni favoreceu a minha

entrada no ensino superior, mas o meu desejo era estudar na UFES”. O uso dessa

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conjunção denota uma insatisfação por parte muitos estudantes, de alguns

professores e de alguns coordenadores de curso.

3.4 Ensino Superior no Brasil: o sentido da universidade e suas representações

A universidade pública e laica nasce como uma expressão da sociedade brasileira.

Entretanto, apesar de pública e laica, ela não era democrática, pois reproduzia os

privilégios e a hierarquia social.

A universidade pública se constitui em um importante patrimônio social, sua maior

característica se assenta na universalidade da produção e transmissão da experiên-

cia cultural e científica da sociedade. Para tanto, ela se consolida em um elemento

constitutivo de qualquer processo estratégico e de construção de uma identidade

social, além de uma instituição social de interesse público, independentemente, do

regime jurídico a que se encontre submetida (ANDES, 2003).

A dimensão pública das IES se apóia em sua capacidade de representação social,

cultural, intelectual e científica. E a condição principal para o desenvolvimento dessa

representatividade é a capacidade de garantir uma produção de conhecimento

inovador e crítico que respeite a diversidade e o pluralismo. Contrariamente, a

função das IES privadas, se assenta na reprodução de estruturas, relações e valo-

res. Por essa razão, as instituições públicas contribuem para questionamento da or-

dem social vigente, o que torna a universidade uma protagonista da evolução histó-

rica da sociedade.

De acordo com Meneguel (2001), até 1934, as escolas superiores criadas para a

elite no Império, seguiam o modelo francês, ocupando-se da formação de quadros

profissionais para o Estado. Insta observar que, a introdução do modelo moderno de

ensino e pesquisa, iniciado na Universidade de Berlim por Von Humboldt, em 1810,

surge, no Brasil, com a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934.

Entretanto, a primeira universidade do país, totalmente, concebida no modelo

moderno foi a Universidade de Brasília (UnB), em 1961.

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Em 1968, no contexto da ditadura militar, ocorre a Reforma Universitária, a qual

determinou uma nova formatação para as IES, isto é, o modelo de Universidade

Moderna, baseado no tripé ensino, pesquisa e extensão.

Importa lembrar que o tema da Reforma Universitária atravessa a história da univer-

sidade latino-americana há quase um século. Desde a reforma de Córdoba na

Argentina, no início do século XX, se tornou o modelo de referência das universida-

des latino-americanas.

De acordo com o ANDES (2003) o ensino público superior, em 1962, aglutinava cer-

ca de 60% do número de matrículas. Já em 1984, esse número caiu para 25%, o

que assinala claramente a conjuntura da expansão educacional do setor privado e,

progressivamente, a estagnação da taxa de crescimento do setor público.

A grande expansão das IES privadas, nesse período, se deve ao regime jurídico,

que regulamentava o ensino particular e as condições pedagógicas exigidas pelo

MEC que ao invés de assegurar condições mínimas para o desempenho das ativi-

dades acadêmicas, estimula investimentos privados e a lucratividade no ensino. A

despeito das estratégias lucrativas, têm-se o aparato legal de instituições sem fins

lucrativos, as entidades mantenedoras que sobrevivem por meio dos cursos pagos,

constituem um interessante campo empresarial.

Apesar de a educação ser uma concessão de serviço público às instituições ou escolas particulares, o Ministério da Educação não tem exercido a vigi-lância devida sobre esse privilégio. A transformação de muitas dessas insti-tuições em universidades criou uma nova armadilha. Como universidades, elas possuem agora autonomia. Não se trata, porém, da autonomia garanti-da pela Constituição Federal e defendida pelo ANDES-SN, mas autonomia para demitir e para não cumprir programas e projetos de pesquisa. Ainda que algumas instituições privadas venham investindo um pouco mais em pesquisa e na melhoria do ensino, essas universidades, de um modo geral, usam essa autonomia para receber dinheiro público e transferir capital soci-al para os cofres privados. Uma forma de transferência de recursos públicos para as IES privadas é o empréstimo de prédios públicos (escola de educa-ção básica) para o funcionamento de faculdades (ANDES, 2003, p. 9).

Essa situção é oriunda da desresponsabilização do Estado, ao se referir ao estabe-

lecimento de normas para o ensino superior e à ausência de controle de sua quali-

dade, o que favorece o processo de precarização do ensino. Como resultado dessa

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omissão, criou-se no âmbito particular da educação superior um quadro marcado

pela inexistência de condições mínimas de trabalho, pesquisa e ensino.

É importante dizer, em relação a isso, que a Constituição Federal de 1988, apesar

de reafirmar o caráter público da universidade no inciso IV do Artigo 206 “[...]

gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais”, permite a convivência entre

diversas modalidades de instituições e é assegurada pelo inciso III do mesmo do

Artigo, ressaltando o “[...] pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, e a

coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”.

Outro dispositivo favorável às instituições privadas se refere ao artigo 213 que

estabelece serem os recursos públicos destinados às escolas públicas, podendo ser

dirigidos às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Em vista desse

artigo, as instituições de ensino superior privado usam estratégias para se

adequarem a essas nomenclaturas.

Isso também pode ser entendido como uma indução por parte do Estado, à iniciativa

privada, já que ao não ampliar a abertura de vagas em universidades públicas, abre

caminho para que os empresários façam o seu papel, transformando a educação em

mercadoria valiosa.

Esse quadro se agrava com a aprovação da nova LDB, n. 9.394/96, em que o

modelo de universidade – ensino, pesquisa e extensão – passa a ser outro. Assim

sendo, podem-se abrir faculdades só de ensino. A partir desse momento, a

universidade passa a ser regida pelas leis de mercado, onde a qualidade de

serviços, em função da autonomia de abrir e fechar cursos passa a ser seu critério

fundamental. Nessa lógica, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é

descartada e o ensino superior toma a conjuntura de um mercado fértil para

empreendimentos privados. Analisando-se o Gráfico 7, tem-se à quantidade irrisória

de IES públicas, ao passo da primazia das IES privadas.

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139

na infra-estrutura e na execução desses serviços não seriam mais obrigações

exclusivas do Estado (ANDES, 2007).

Dentre esses chamados “serviços sociais e científicos” estão: escolas, universida-

des, centros de pesquisa científica e tecnológica, creches, ambulatórios, hospitais,

entre outros. Atividades essas que dizem respeito aos direitos sociais, mas que pas-

sam a ser concebidas como atividades sujeitas à “constituição de quase mercados”,

segundo consta nos documentos do MARE (ANDES, 2007). Isto é, essas atividades

advindas dos direitos sociais, agora não se localizam nem no Estado nem no mer-

cado, mas no chamado terceiro setor.

Chauí (2003c) reitera que a universidade pública nasce como uma instituição social,

uma ação social alicerçada no reconhecimento público de sua legitimidade e de su-

as atribuições. Sua legitimidade se deu na modernidade ao alcançar o status de

autonomia em relação ao Estado e à religião. O que significa dizer que a ela se

confere um conceito de conhecimento guiado por sua própria lógica e por necessi-

dades imanentes ao próprio conhecimento. Dito de outra forma, após a Revolução

Francesa, a universidade concebe a si mesma como uma instituição republicana e,

por esse motivo, pública e laica. Com o advento das revoluções sociais do século

XX e com as lutas sociais e políticas oriunda delas, a educação e a cultura

passaram a ser apropriadas como integrantes da cidadania e, como direitos dos

cidadãos. Isso resultou em uma idéia de instituição social inseparável da idéia de

democracia e de democratização do saber:

[...] seja, para realizar essa idéia, seja para opor-se a ela, no correr do sécu-lo XX a instituição universitária não pôde furtar-se à referência à democracia como uma idéia reguladora. Por outro lado, a contradição entre o ideal de-mocrático de igualdade e a realidade social da divisão e luta de classes o-brigou a universidade a tomar posição diante do ideal socialista (CHAUÍ, 2003c, p. 4).

Nesses termos, o estudo comunga do conceito de universidade defendida por Chauí

(2003c), concebida como uma instituição social diferenciada e autônoma que só é

possível em um Estado republicano e democrático. Essa definição da autora sobre a

universidade concentra-se em um horizonte político. Portanto, compreende-se que

só as universidades públicas possuem autonomia em relação ao Estado e ao mer-

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cado para buscarem esse horizonte. Faz-se mister, enfatizar que a universidade se

constitui em um reflexo da estrutura da sociedade e do Estado, pelo fato de ser uma

instituição social diferenciada e definida por sua autonomia intelectual.

Sendo assim, à universidade é permitida uma relação dialética com a sociedade e

com o Estado e, de maneira, conflituosa entre aqueles que são favoráveis e aos que

são contrários à maneira como a sociedade de classes e o Estado reforçam a

divisão e a exclusão sociais que impedem a concretização republicana da instituição

universitária e de suas possibilidades democráticas.

O estudo sobre as representações sociais do ProUni considera a Reforma do Estado

pelo fato de ela ter concebido a universidade como uma organização social, ao

contrário de uma instituição social. Em vista disso, descreveremos alguns

diferenciais acerca dos termos instituição social e organização social esboçados por

Chauí (2003a).

Para autora, uma organização difere de uma instituição por produzir uma prática

social determinada de acordo com sua instrumentalidade. Isto é, seu reconhecimen-

to apóia-se na idéia de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios

para alcançar o objetivo particular que a define. Outro diferencial diz respeito ao es-

vaziamento político, pois não lhe compete discutir ou questionar sua própria existên-

cia, sua função, seu lugar no interior da luta de classes. Todavia, para a instituição

social universitária é crucial essa discussão e esse questionamento.

Pode-se afirmar que a instituição social aspira à universalidade. Por outro lado, a

instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma uni-

versalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições,

impostas pela divisão. Ao contrário, a organização pretende gerir seu espaço e tem-

po particulares, aceitando como dado bruto sua inserção em um dos pólos da divi-

são social, e seu alvo não é responder às contradições, mas vencer a competição

com seus supostos iguais.

Baseada nessas reflexões, Chauí (2003c) explica que a passagem da idéia de uni-

versidade como instituição social à sua definição como organização prestadora de

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141

serviços reside em uma característica do capitalismo atual. Sua forma atual centra-

se na

fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da fragmentação da produção, da dispersão espacial e temporal do trabalho, da destruição dos referenciais que balizavam a identidade de classe e as formas de luta de classes. A sociedade aparece como uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares definidas por estratégias particulares e pro-gramas particulares, competindo entre si. Sociedade e natureza são reab-sorvidas uma na outra e uma pela outra porque ambas deixaram de ser um princípio interno de estruturação e diferenciação das ações naturais e hu-manas para se tornarem, abstratamente, ‘meio ambiente’; e ‘meio ambiente’ instável, fluido, permeado por um espaço e um tempo virtuais que nos afas-tam de qualquer densidade material; ‘meio ambiente’ perigoso, ameaçador e ameaçado, que deve ser gerido, programado, planejado e controlado por estratégias de intervenção tecnológica e jogos de poder. Por isso mesmo, a permanência de uma organização depende muito pouco de sua estrutura in-terna e muito mais de sua capacidade de adaptar-se celeremente a mudan-ças rápidas da superfície do ‘meio ambiente’. Donde o interesse pela idéia de flexibilidade, que indica a capacidade adaptativa a mudanças contínuas e inesperadas (p. 5).

Essa citação elucida a forma atual de universidade, ou seja, a universidade denomi-

nada por Chauí (2003c) como operacional. Ela aparece regida por contratos de ges-

tão, avaliada por índices de produtividade e flexível ao mercado. Sua estrutura as-

senta em estratégias e programas de eficácia organizacional.

É importante atentar para o Gráfico 8 no que diz respeito a quantidade de IES no

Brasil, por categoria administrativa em 2005. Ele mostra os reflexos da

reestruturação produtiva no ensino superior pela quantidade discrepante, 1.493, de

faculdades, escolas e institutos os quais se limitam ao ensino. De acordo com as

prerrogativas da Reforma Universitária em andamento, devem-se reduzir as

universidades públicas a universidades de ensino. Assim, as poucas universidades

que restam, 90 estão fadadas à extinção do tripé ensino, pesquisa e extensão e a

sua conversão em universidades apenas de ensino.

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143

Para o Coordenador de Curso 3 e também Coordenador do ProUni, o ensino

superior é direito de todos e dever do Estado e, se o Estado não abre vagas na rede

pública, ele abre na rede privada e não importa onde o ensino é oferecido, o que

importa é oferecê-lo.

Comungando da idéia do coordenador 3, o Professor 9 afirma que o curso superior

deve ser universal, obrigatório para todos, e com o ProUni, os estudantes de escolas

públicas têm a oportunidade de mostrar que são bons e, com isso, o ensino superior

só tem a ganhar.

Já o Estudante Não-Bolsista de Farmácia 13 esclarece que o ensino superior é uma

porta de entrada para várias oportunidades, porém a faculdade em si não define a

pessoa. Por exemplo, alguém pode fazer medicina e acabar trabalhando em um

Banco. Na opinião do estudante, a formação superior é o que interessa.

Convém frisar que alguns estudantes entrevistados revelaram nunca terem sonhado

com o seu ingresso no ensino superior.

“Quanto eu entrei na faculdade eu nunca tinha pensado em entrar, então é bastante significativo pra mim” (Estudante Bolsista de Fisioterapia 7, grifo nosso).

Para esse estudante, o fato de nunca ter pensado em ingressar no ensino superior ,

torna-o mais significativo.

Diferente do argumento anterior, o estudante não-bolsista diz que nunca chegou a

pensar no que o ensino superior representa em sua vida, uma vez que

“... desde quando eu era pequeno eu não achava que eu não iria fazer faculdade né, nunca imaginei eu não estando numa faculdade né então pra mim é algo natural, não é uma opção de fazer ou não. Ué não vou fazer porque né? Pra mim é algo natural é a evolução natural das coisas saí da escola e agora to na faculdade né” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 7, grifos nossos).

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Entre a resposta do estudante bolsista e do estudante não-bolsista observa-se a

representatividade do ensino superior. O que para alguns é algo surpreendente,

para outros se consolida em apenas mais uma etapa de ensino, algo natural.

Muitos estudantes bolsistas disseram se sentirem realizados com o ensino superior,

pelo fato de conceberem a impossibilidade de passar na UFES, por não terem como

custear o ensino privado e por terem uma oportunidade que seus pais não tiveram.

Observe-se a fala do estudante do curso de serviço social, em relação a estar no

ensino superior:

“... é crescer na vida né ter uma oportunidade que os meus pais não tiveram que eu to tendo agora e também, assim, igual eu falei o ProUni representa tudo e o ensino superior mais ainda né ter uma oportunidade que muitos não têm ...” (Estudante Bolsista de Serviço Social 13, grifo nosso).

No tocante ao ensino superior como realização, o estudante não-bolsista assevera “Ah! Eu acho uma maravilha, eu acho uma coisa muito boa, eu acho que todo mundo devia fazer um ensino superior entendeu, não pelo fato assim, principalmente, quando você faz aquilo que você gosta. Exatamente esse curso é o que eu gosto, eu gosto do que eu faço eu tenho amor a minha profissão, assim ainda não sou, eu sou graduanda, fico feliz, já fiz três anos, mas é uma coisa assim que eu acho que você só é feliz, quando faz aquilo que gosta, infelizmente as pessoas não têm muito acesso a fazer o que gosta, por dificuldade a gente trabalha, às vezes, com coisa que não gosta, mas por sobrevivência, mas pra ser feliz é preciso fazer o que gosta” (Estudante Não Bolsista de Serviço Social 12, grifo nosso).

Sua discussão aborda o ensino superior como realização na medida em que se

estuda o curso que se deseja. Com isso, ele chama a atenção para as condições

materiais que, na maioria das vezes, impede a pessoa de estudar, por exemplo, o

curso desejado; a esse fato, o estudante atribui o status de sobrevivência, isto é,

estudar o curso que não se desejou se constitui em uma sobrevida.

Outros estudantes percebem o ensino superior também como algo que proporciona

a crítica ao instituído, a autonomia de pensamento, como se constata na seguinte

fala “... eu vejo o ensino superior hoje como uma forma que eu penso que vai além de ter uma profissão e de você se encontrar enquanto papel social dentro sociedade que a gente vive, porque agente fica perdido e

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aí quando agente fica perdido a gente fica nada mais que reproduzindo do que a própria ordem societária da qual a gente tem acesso e esse espaço da academia a gente tem acesso a outros saberes e de outras formas de atuação né, não só aquela de oito horas diárias dentro de uma sala com um chefe. Hoje, pra mim o ensino superior representa isso uma expressão de liberdade mesmo” (Estudante Bolsista de Serviço Social 29, grifos nossos).

Esse estudante ressalta a importância do acesso à academia e seu papel em

fomentar a crítica ao instituído.

3.4.2 Trabalho

Diante do tema trabalho, os coordenadores de curso 4 e 5 disseram que o ensino

superior oportuniza melhores condições, melhor acesso ao mercado de trabalho e,

ainda, um caminho para o quarto grau, a pós-graduação. O coordenador 5 afirma

que o ensino superior sempre foi de um grupo restrito, de uma elite. Para ele o

ensino superior na época dos seus pais, há 40 anos, ainda garantia uma colocação

no mercado. Agora depois do boom das faculdades privadas no governo de

Fernando Henrique, ter um terceiro grau não é mais garantia de emprego. A

abertura indiscriminada de instituições trouxe, em muitos casos, uma formação

aligeirada. Entretanto, para ele, como o ensino superior hoje ainda pertence a uma

elite, o fato de ter um diploma de nível superior faz diferença culturalmente, mas não

para o mercado de trabalho.

Em vista disso, o conceito de elite de Mills (1981) se apóia na sociedade americana.

O autor assevera que essa é constituída por pessoas cuja posição permite

transcender o ambiente comum dos homens comuns e tomar decisões de grandes

conseqüências. Elas comandam as principais hierarquias e organizações da

sociedade moderna, via à ocupação de lugares estratégicos da estrutura social, no

qual se centralizam os meios de poder, riqueza e celebridade que usufruem. Na

sociedade norte-americana, os canais estratégicos localizam-se no econômico, no

político e no militar.

Em relação a isso, Castel (1998), analisando as transformações da questão social

oriundas da globalização da economia, esclarece que, com o advento da

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reestruturação produtiva, fruto da crise do anos de 1970, a desregulamentação da

economia repercute hoje na função integradora do trabalho. Com isso, assiste-se ao

desmonte do sistema de proteções e garantias sociais ligadas ao trabalho e a seu

contínuo processo de precarização. A denominada sociedade, advinda do

desenvolvimento industrial que conquistou direitos trabalhistas e previdenciários,

está em vias de desaparecimento.

Complementar ao pensamento de Castel (1998), Mills (1981) explica que durante o

perído da regulamentação do trabalho, década de 1930 e 1940, o vínculo entre

educação e desenvolvimento econômico possibilitava a ascenção social, a isso,

associou-se à educação a garantia de sucesso profissional e pessoal. Como reflexo

do pensamento das décadas de 1930/1940 esboçados por Castel (1998) e Mills

(1981), o estudante bolsista ainda concebe o ensino superior como garantia de uma

vida melhor e de uma colocação no mercado de trabalho.

“Representa uma oportunidade de ter uma melhor condição de vida, ser qualificado pra poder entrar no mercado de trabalho. [era esse o curso que você desejava?] não, assim dentre os curso que oferecia esse era o melhor que se encaixava assim eu preferia ta num curso na universidade pública, no caso na UFES, mas então surgiu essa oportunidade então eu penso que é o melhor curso pra mim até porque ele não é oferecido na UFES. Eu tentei vestibular na UFES duas vezes outro curso, mas não passei” (Estudante Bolsista de Fisioterapia 12, grifos nossos).

Entretanto, como elucida Castel (1998) em “Metamorfoses da Questão Social”,

devido às transformações do mundo do trabalho, o ensino superior hoje não é mais

garantia de trabalho nem de ascensão social.

3.4.3 Comercialização do Ensino Superior

O diretor concorda com o coordenador 5 ao enfatizar que o ensino superior hoje está

banalizado pela proliferação de escolas, de faculdades, centros universitários, com

isso, ele se transformou em comércio. Por essa razão, deu-se destaque neste

estudo, ao tema comercialização do ensino superior.

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Convergindo com a opinião do diretor 1, o Professor 8 enfatiza a comercialização do

ensino superior, porém ambos se reportam à abertura desenfreada de faculdades no

período de FHC.

“... O ensino superior é um grande negócio. Nós temos faculdade aí que nem farmácia. Hoje farmácia, faculdade e botequim de cachaça temos muito” (Professor 8, grifo nosso).

Dessa maneira os sujeitos enfatizam que a qualidade dos cursos vem caindo,

porquanto a maior preocupação da maioria dessas faculdades se resume ao custo-

benefício, isto é, quanto maiores as turmas, menores serão os custos e mais lucro

será conseguido.

3.4.4 Pós-Graduação

Muitos professores também falam da necessidade dos cursos de mestrado,

doutorado e pós-doutorado, já que, para eles, a graduação não é mais suficiente

para ser inserido no mercado. Assim sendo, destacou-se o tema pós-graduação.

O Professor 9 afirma que o curso superior deve ser universal, obrigatório para todos.

Segundo ele, com o ProUni, os estudantes de escolas públicas têm a oportunidade

de mostrar que são bons e, por esse lado o ensino superior só tem a ganhar.

Ao contrário do pensamento do Professor 9, é importante frisar que este estudo não

concebe o ProUni como forma de ampliação do ensino superior, no sentido da

universalidade e de um direito social.

Outro estudante chama atenção ao pontuar que ter um curso superior hoje não é

garantia de um bom emprego e de uma vida melhor, sinalizando para a necessidade

da pós-graduação sob o ponto de vista do mercado.

“Hoje em dia não representa muita coisa porque tipo assim hoje em dia você tem o ensino superior e não te garante um emprego. Ah! Um emprego, entendeu? Porque você precisa ter uma pós-graduação, um mestrado e não vai te garantir uma vida melhor entre aspas, mas é bom ter com certeza” (Estudante Não Bolsista de Serviço Social 24, grifos nossos).

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148

Com as transformações advindas do mundo do trabalho, acumulação flexível, o

ensino superior deixou de ser sinônimo de ascensão social e trabalho.

3.4.5 Ascensão Social

Para grande maioria dos sujeitos, o ensino superior representa ascensão social.

“... pra mim uma forma de ter um futuro, porque eu acho que infelizmente no nosso país se você não tiver ensino você não é praticamente nada, então não tem tantas portas abertas, então é como se fosse uma forma de eu ter um futuro, então ensino superior é um futuro pra mim” (Estudante Bolsista de Fisioterapia 9, grifos nossos).

Em relação ao tema ascensão social, alguns professores e estudantes pensam

como os ASG’s, no sentido do ensino superior ser garantia de emprego e de status

social. Para esses sujeitos, o ProUni promove acesso a uma camada excluída, que

posteriormente, oportunizará trabalho e ascensão social.

“Eu acho que é uma forma de incluí-los, porque há uma demanda muito grande, porque a maior parte dos cidadãos brasileiros estão excluídos do ensino superior, então qualquer alternativa, qualquer meio que for utilizado pra diminuir esta exclusão, ela é bem vinda e o ProUni é mais uma dessas, de modo que a camada menos privilegiada passa a ter uma via de acesso que antes era inexistente” (Professor 10, grifos nossos).

Contrariamente, a essa representação, o jornal da UNICAMP, de 10-16 de maio de

2004, revela uma redução dos níveis de renda para as pessoas com curso superior.

A pesquisa do professor Waldir Quadros mostra que em 1981, 38,5% dessas pes-

soas concentravam-se na alta classe média; em relação ao rendimento de 2002, de

R$ 5.684,00 houve uma redução de 3%. Na média classe média, a composição

permanece ao redor dos 25% e, na baixa classe média, essa participação cresce de

25,2% para 29,3%. Mas nas camadas inferiores se nota o sintoma mais preocupan-

te: de 10% em 1981, subiu para 17,8% o índice de indivíduos com curso superior

que ganham menos de R$ 500,00 por mês.

A situação é ainda pior, diz o pesquisador Waldir Quadros, para os jovens desem-

pregados incitados a obter o diploma universitário como garantia do futuro emprego.

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149

O pesquisador estima que a taxa de desemprego entre os jovens atinja a 40% da

População Economicamente Ativa (PEA), na faixa de 15 a 24 anos de idade, sendo

que uma parcela significativa se refere aos formados que não conseguem a primeira

ocupação. Essa crise do desemprego abarca, pelo menos, 10 milhões de pessoas,

sendo três milhões de jovens, sem considerar os trabalhadores empregados preca-

riamente. O pesquisador defende que sem se mexer, fundamentalmente, na política

econômica, nenhuma medida pontual dará conta dessa crise (In: Jornal da UNI-

CAMP, 2004).

Outros dois pontos importantes e também debatidos pelo pesquisador, diz respeito

ao custo de vida e à tributação. Quanto à questão tributária, ele comenta que a

maior parte da classe média assalariada paga imposto, respondendo pelo grosso da

tributação de pessoas físicas.

3.4.6 Condições Materiais

Em relação ao tema condições materiais, um estudante não-bolsista afirma a

importância do ensino superior para o desenvolvimento do país, contudo, reconhece

que há muitas pessoas no ensino médio público que não são incentivadas e/ou não

possuem condições materiais para ingressar nesse nível. A seu ver, o ProUni facilita

esse acesso.

Quanto ao fato dos pais não terem tido oportunidade de fazer o ensino superior, no

questionário socioeconômico-cultural ficou constatado no quesito instrução das

mães dos não-bolsistas que do universo de 46 mães, a maioria, 12 possuem ensino

médio completo, seguido de 10 que possuem até a pós-graduação. Em relação aos

pais, do mesmo universo pesquisado, a maioria, 12 possuem ensino fundamental

imcompleto, 8 o curso superior completo e 8 a pós-graduação. No que se refere aos

bolsistas, da mesma quantidade pesquisada, a maioria, 18 mães possuem o ensino

fundamental incompleto seguidas de 10 que possuem o ensino médio completo.

Quanto aos pais, a maioria, 18 possuem o ensino fundamental incompleto, seguido

de 9 que possuem o ensino médio completo. Esses números ratificam uma certa

estratificação social entre os estudantes bolsistas e os não-bolsistas, dado que pela

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trajetória familiar, a maioria dos pais dos estudantes não-bolsistas possuem a pós-

graduação, enquanto a maioria dos pais dos estudantes bosistas possuem apenas o

ensino fundamental incompleto.

Em vista disso, o estudante não-bolsista enfatiza que, quando uma pessoa que não

tem chance faz o ensino superior é “... com certeza abre mais portas, com isso, acho que ajuda a diminuir os problemas sociais, que poderia lá ta trabalhando com um salário ruim, sem oportunidade de fazer o ensino superior e ter uma vida melhor, com isso, vai diminuindo um pouquinho a pobreza não em uma proporção tão grande, mas ajuda eu acho né” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 5).

Dessa abordagem, Marshall (1967) enfoca o direito do cidadão no processo de

seleção e mobilidade, baseado no direito à oportunidade. Realmente, seu objetivo se

constitui em eliminar o privilégio hereditário. Com isso, Marshall demonstra a

cidadania desdobrada nos direitos nos direitos civis, políticos e sociais. No tocante a

que se refere à educação, um dos direitos sociais, como o veículo de mobilidade

social.

Em relação à educação, enquanto um veículo de mobilidade social, como dito no

início do capítulo por Cunha (1974), ela consiste, apenas, em uma possibilidade e

não em uma garantia, já que o sistema educacional brasileiro é seletivo, mantenedor

de classes e status.

3.4.7 Público/Privado

Quanto ao tema público/privado, o estudante não-bolsista ao ser perguntado sobre

sua representação de ensino superior fez duas distinções. A primeira se refere ao

ensino superior privado; para ele, apesar do bom convívio na IP, de um corpo

docente de qualidade, a questão da autonomia não é exercida no plano real, mas,

apenas, no plano teórico. A segunda, no que se refere ao ensino público, enfatiza:

“o ensino público que é o que todos têm o direito né, ta esse caos né, a universidade ta sucateada né, professores são de qualidade, mas né, não trabalham mais com aquela [pausa] vontade, vão dizer assim, falta equipamento, falta tudo, então só contribuindo pra educação superior

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pública ficar cada vez mais deficiente, e com isso a particular só crescendo né, se contrapondo ao público. Acho que do jeito que ta, do jeito que vai indo o superior [pausa] é presencial e agora o não presencial, que a tendência agora é só aumentar, eu acho que vai chegar um tempo que de repente nem vai existir uma faculdade [pausa] é pública ...” (Estudante Bolsista de Serviço Social 6, grifos nossos).

Os questionamentos desse estudante assinalam os condicionantes da Refoma

Universitária em curso, ou seja, quanto aos cortes no financiamento das

universidades públicas, que acarretam os problemas de infra-estrutura e os

processos de privatização do ensino superior.

Conclui-se, pois, que para a maioria dos estudantes e ASG’s, o ensino superior é

sinônimo de trabalho e ascensão social. A minoria reconhece o ensino superior

como um espaço também de autonomia de pensamento e pesquisa. Muitos

professores e alguns estudantes reconhecem a necessidade da pós-graduação

stricto sensu (mestrado e doutorado) sob uma perspectiva de mercado. Assim, o

diretor, os coordenadores e os professores dividem suas opiniões entre o ensino

superior e a pós-graduação como pressupostos para a inserção no mercado de

trabalho.

Em resumo, como já se fez referência, o sentido cunhado de ensino superior se in-

sere no conceito de universidade como um ideal político amplamente defendido por

Chauí (2003a). Visando a ampliar a discussão, o termo “universidade na penumbra”,

cunhado por Gentili, apesar de ser fortemente aplicado ao caso argentino, também é

oriundo de um processo de políticas neoliberais no conjunto da América Latina. O

que o autor convencionou chamar de círculo vicioso da precarização e a privatização

do espaço público recai em um profundo processo de reestruturação dos sistemas

educativos nacionais enviesado por três eixos centrais. Em outras palavras, o ajuste

da oferta – fruto da redução e inversão pública destinada a financiar a prestação de

serviços educativos; a reestruturação jurídica do sistema – conjunto de novas leis,

decretos e medidas provisórias que alteram sua base normativa; e a redefinição do

papel do Estado no que concerne à educação – substituição do Estado docente pelo

Estado avaliador (GENTILI, 2001).

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Em linhas gerais, o processo de desmantelamento do ensino superior em voga

coloca ora a universidade na penumbra ora em ruínas. O termo “universidade na

penumbra” incide, justamente, na obscuridade dos fragmentos da reforma em

andamento. Esses fragmentos quando chegam à luz, já foram, oficialmente,

consolidados pelos organismos governamentais. Conquanto o termo “universidade

em ruínas na república dos professores”, explica-se pela destruição provocada em

função da redução progressiva no financiamento das universidades públicas fede-

rais, a partir dos governos da Nova República e que atingiu o seu ápice no governo

FHC. De outro ângulo, as ruínas institucionais concentram-se na erosão acadêmica

que se amplia, na sua privatização interna e na crescente captação de recursos ex-

ternos privados, decorrentes da erosão salarial e da queda no financiamento da

pesquisa por parte das agências do governo.

3.5 A Política Pública e suas Representações

Oliveira e Duarte (2005) ao analisarem a política educacional atual, enquanto uma

política social de alívio a pobreza, observam que, após dois anos do governo Lula da

Silva, há a permanência no campo educacional do proceso de reformas iniciado pelo

ministro Paulo Renato nos oito anos do governo precedente. Constata ainda, o

esvaziamento dos sentidos das políticas educacionais “que recuperem a noção de

integralidade na formação humana, para o que a cobertura ampla e universal é

indispensável, ao mesmo tempo em que passa a ser confudida como política social

de alívio a pobreza” (OLIVEIRA; DUARTE, 2005, p. 295).

As autoras, nessa citação, fornecem um conceito de política educacional sob uma

perspectiva universal, isto é, a que busca uma cobertura ampla e universal

indispensável à integralidade da formação humana.

Em relação à política educacional, nossa pesquisa optou pelo conceito alicerçado

em Pires (2005) o qual se assenta em um

conjunto de diretrizes, decisões e ações, sob controle estatal, visando a promover a educação formal, que é aquela obtida nas instituições reconhecidas pela sociedade e, portanto, em condições de oferecer, avaliar

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e certificar a conclusão de um processo educativo. A política educacional comporta, pois, além de diretrizes, normas, obrigatoriedade em certos níveis, definição e criação de condições de acesso, mecanismos de controle e certificação. Liga-se intimamente à gestão educacional (aqui entendida como o conjunto de meios e processos utilizados para dar materialidade à política educacional), em parte determinando-a e em parte sendo por ela determinada.

Nessa abordagem, a política educacional cumpriria além da promoção à educação

formal, das diretrizes e normas; comportaria a definição e criação de condições de

acesso alicerçada na gestão educacional que seria um meio para viabilizar sua

concretude.

Atualmente, a política educacional, nos países capitalistas se constitui em uma

política pública, por ser implementada pelo governo, visando a atingir objetivos que a

sociedade não alcançaria sem a intervenção estatal. Ela é também uma política

social, se sua finalidade for alcançar setores da sociedade a fim de melhorar suas

condições de vida, por meio do acesso a bens e serviços por ela ofertados. Pires

(2005) também destaca que, dificilmente, a política social deixa de ser política

econômica haja vista que seus resultados incidem nas condições de trabalho e

produção, o que atinge a produtividade e a renda dos indivíduos e da sociedade

como um todo.

Nessa perspectiva, a oferta de educação pelo Estado constitui-se em uma política

pública de caráter social. Assim sendo, o ProUni consolida-se em uma política

pública da área educacional e de caráter social.

Tendo em vista a discussão sobre políticas sociais universalistas ou focalistas, Cohn

(1995) chama a atenção que, para se enfrentar uma sociedade marcada por

imensas desigualdades, é necessário construir programas e políticas sociais, com o

objetivo de superar a pobreza, ou seja, a autora indica uma perspectiva universalista

de política social. Diferente dessa perspectiva, a realidade do país mostra um

Estado comprometido com políticas sociais de alívio à pobreza, de caráter imediato

e assistencialista, direcionadas a grupos mais vulneráveis.

Como já discutido, a política pública direcionada ao ensino superior, segundo Carva-

lho (2006), não foi resultado exclusivo da intervenção dos organismos multilaterais.

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As recomendações do Banco Mundial influenciaram, parcialmente, a política pública

para o setor, porquanto o Banco pressupõe do apoio governamental do país a que

se dirige para legitimação de suas diretrizes.

Convém elucitar com esses conceitos de política pública o seu caráter particular,

instável, assistencialista, discriminatório e, consequentemente, o seu compromisso

com o capital e não com os sujeitos a quem se dirige. Neste trabalho, enfoca-se uma

política pública da área educacional, o ProUni, que também faz parte de uma política

social, porquanto se insere em um dos direitos sociais, a educação. Nesse âmbito, é

preciso saber o que os sujeitos têm a dizer sobre a política que recebem. Sabe-se

que o correto seria saber o que eles pensam antes de se formular qualquer política,

entretanto, ao pensar que uma das formas de se questionar tal política, no sentido

de ela não ir ao encontro do desejo de quem a recebe, é evidenciar a fala dos

sujeitos que não foram ouvidos antes e nem durante sua formulação. Assim sendo,

a representação social do ProUni, nesta pesquisa, visa a colocar em evidência a

vivência e sobrevivência dos que dele fazem parte. Portanto, compreende-se que a

democracia política não se constitui em sinônimo de democracia social, haja vista o

descompasso entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social.

Ademais, ao se conceber a política pública inserida em uma uma política social está

se abordando a política pública sob o enfoque da política social que, para Silva,

(2004) se constitui como um palco circunscrito por interesses antagônicos acerca da

riqueza social, na figura de parte do excedente econômico apropriado pelo Estado. E

assim, a política social localiza-se em permanente confronto com a política

econômica, visto que a primeira confere primazia às necessidades sociais, enquanto

a segunda tem como objeto fomentar a acumulação e a rentabilidade dos negócios

na esfera do mercado. Por isso, ao Estado capitalista combinam-se duas funções

básicas, isto é, criar condições que favoreçam o processo de acumulação e articular

mecanismos de legitimação da ordem social e econômica.

Para o autor, as políticas sociais não podem ser antieconômicas, porém é comum as

políticas econômicas se comportarem como anti-sociais.

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3.5.1 Política Pública

Quanto ao tema política pública, para a maioria dos professores, o ProUni se

constitui em uma excelente política pública direcionada a extratos excluídos da

população.

“... há espaço aberto pra uma camada da sociedade que ninguém convidou ela pra festa e ela tinha todo o direito de ser convidada pra festa como outros que tiveram oportunidade de ingressar na universidade nem sempre por qualificação, mas por uma situação socioeconômica antecipadamente diferenciada, quero dizer o pai tinha condições financeiras o filho pode ser um farmacêutico, um engenheiro e um médico, o pai não tinha condição financeira e o inverso disso não pode ocorrer com cidadãos com a mesma capacidade de intelectualidade e de cidadania no nosso país. [...] a universidade particular foi a única saída pra ele agora enveredar todas as economias da família na tentativa de cursar um espaço na universidade, na faculdade e de se formar um profissional né” (Professor 1).

O que confirma a nossa hipótese, a respeito do ProUni enquanto uma política

educacional, ou seja, evidenciar a divisão de classes inerente à formação estrutural

de sociedade brasileira. Desse modo, o perfil dos estudantes atendidos também

revela isso, visto que 86,95% recebem até 5 salários mínimos e têm uma

composição familiar de até seis pessoas. A fala do Professor 10 converge com tal

idéia: “... eu entendo como uma política pública de inserção dos excluídos pela sociedade” (Professor 10, grifo nosso).

Para a maioria dos coordenadores de curso, o ProUni é uma política pública de

inclusão social, já que a educação é direito de todos e dever do Estado.

Entretanto, para a maioria dos ASG’s, o ProUni se baseia em uma política pública de

incentivo profissional, porque atribuem ao ensino superior a garantia de emprego.

Além disso, o Coordenador de Curso 5 enfatiza o programa como algo que promove

garantias, condições que o trabalhador jamais teria de ser alguém na vida. Para o

coordenador, o ProUni abre a porta e o resto dependerá de cada estudante, pois,

segundo o coordenador, se não houvesse essa porta seria muito pior, pois ele não

teria a opção de escolher o curso desejado. Entretanto, esse tipo de inclusão

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considerado pelo coordenador reflete o pensamento liberal de que basta dar o

primeiro passo, e o resto cada um que se encarregue, individualizando o problema,

e se deixando de questionar as condições materiais de permanência que se

localizam anteriormente à porta de entrada.

Importa ressaltar o percentual de estudantes bolsistas do ProUni que não consegue

permanecer no ensino superior. Assim, dados do MEC, portal do ProUni29, mostram

um percentual de 18% de evasão no programa. Em sua fala também é notória a

representação, anteriormente, identificada entre alguns professores de que para ser

alguém, necessariamente, é preciso ingressar no ensino superior, ter um emprego.

Todavia, com o índice de desemprego cada vez maior, o ensino superior não pode

mais ser identificado como sinônimo de garantia de emprego.

O coordenador do ProUni defende o programa por não haver quantidade de vagas

suficiente na pública, e ele não vê nenhum problema em o Estado investir no ensino

privado. Sobre a permanência, ele diz que os estudantes que não recebem a ajuda

de custo, a instituição possui uma política voltada para eles, como, monitoria,

exemplares a mais na biblioteca, dentre outros.

O diretor enfatiza que o mais importante do ProUni se constitui em ele ser uma

política pública de inclusão social, visto que hoje se fala muito em inclusão.

3.5.2 Inclusão

Sobre o tema inclusão, alguns estudantes bolsistas revelam que, ao entrar na

instituição, há aquele choque em todo início de curso, referindo-se às críticas dos

estudantes não-bolsistas quanto a capacidade dos bosistas. Para ele, isso é uma

situação meio complicada, pois há

“... um abismo entre eles [não-bolsistas] e a gente [bolsistas], isso a gente não pode negar, mas assim ainda mais nessa faculdade, mas ta dando pra levar sim, eles são muito fechados, mas agente consegue” (Estudante Bolsista de Medicina 6, grifos nossos).

29 Portal para os universitários (In: www.mec.gov.br).

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Esse estudante enfatiza a diferença social e o preconceito ao ingresssarem em uma

faculdade particular.

Outro estudante bolsista esclarece que, apesar do marketing de que todos terão

oportunidade, de conceber o programa como uma política de inclusão social, alguns

estudantes tiveram que abrir mão de outros planos. Assim, um deles para ingressar

no ensino superior precisou deixar de trabalhar por haver aulas em turnos diferentes

e afirma que há, também, dificuldade em permanecer no ensino superior, pois os

estudantes do curso de Farmácia da IP não recebem ajuda de custo e muitos não

conseguem emprego pelo horário das aulas.

3.5.3 Público/Privado

Quanto ao tema público/privado, o Professor 6, apesar de concordar com o

programa, demonstra preocupação com o futuro das instituições públicas.

“Eu acho legal eu só sinto pelas faculdades federais tarem sucateadas desse jeito [...] eu sinto pela federal, o aluno que quer destruir o RU30 porque o almoço foi pra um real, a cerveja ta dois, o masso de cigarros ta três, pincha tudo, rabisca tudo, quebra tudo e depois quer estudar como? Quem é que vai pra uma sala legal com tudo rabiscado, tudo quebrado?” (Professor 6, grifo nosso).

A fala do professor revela a confusão que há entre o público o privado. Quanto a

isso, Bonamino (2003) explica que comumente se concebe o privado delimitado ao

mercado. Entretanto, assevera que, em função da complexidade, estudiosos das

políticas sociais têm procurado ampliar esse contexto. De forma para se profundar a

discussão sobre o público e o privado foram utilizados os conceitos de Silva (2004).

Em relação à definição do público e do privado, Silva (2004), baseado no plano de

Reforma do Estado, afirma que as ações entre Estado e organizações da sociedade

civil prestadora de serviços sociais foram promulgadas por leis, direcionadas a três

modalidades. Isto é, as organizações sociais, as organizações filantrópicas e as

OSCIPs, também denominadas terceiro setor.

30 Abreviatura de Restaurante Universitário.

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De acordo com o autor, essas três modalidades se constituem em pessoas jurídicas

de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para a prestação de serviços sociais.

Desse modo, as organizações sociais (OS) prestam serviços de ensino, pesquisa,

desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiente, cultura e saúde.

As organizações filantrópicas respondem pela assistência social beneficente e gratuita. Enquanto no terceiro setor, o das organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), enquadram-se os mais variados serviços, desde a assistência social até as tecnologias alternativas (SILVA, 2004, p. 141).

Diante da heterogeneidade de modalidades é notória a inconsistência das relações

entre o público e o privado, ou melhor, entre o estatal e o privado de interesse

público.

Ademais, o repasse de verbas para o terceiro setor é caracterizado pela parceria

entre o poder público e as organizações privadas, laicas ou confessionais, tendo em

vista a prestação de serviços. Como exemplo dessa parceria, tem-se o ProUni que é

um mecanismo de transferência de verbas públicas para instituições filantrópicas,

confessionais, comunitárias (particulares) e instituições privadas.

No que concerne às organizações sociais, com base no projeto de reforma do

Estado,

instituições públicas podem se converter em organizações sociais, passando a atuar como organizações privadas, sem fins lucrativos. Uma parte dos recursos é proveniente do orçamento, outra parte pode ser captada no mercado com a venda de serviços (SILVA, 2004, p. 142).

Em relação à universidade pública, com base nessa citação, é possível inferir no

sentido de sua metamorfose institucional, ou seja, sua transformação de instituição

social para organização social, prevista na Reforma do Estado, possibilitando-lhe,

apesar de pública, vender serviços educacionais.

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3.5.4 Política de Governo

Reiterando a análise dos temas, o Professor 2 defende que o programa se consolida

em uma política de governo, mas não de atendimento ao público, porque não é para

todos, restringe-se a algumas pessoas. O corte depende da renda salarial.

A despeito das políticas sociais no Brasil, Oliveira e Duarte (2005) esclarecem que

seu desenvolvimento foi marcado pela desigualdade no acesso e na extensão e pelo

caráter fragmentário, setorial e emergencial de sua execução. Atualmente, em que

pese os avanços da Constituição de 1988, persiste a marca do período

desenvolvimentista, o qual submete à política social a política econômica, e, em

razão disso, as políticas sociais buscam, principalmente, o alívio à pobreza.

Nessa conjuntura, a Reforma do Estado trouxe uma alteração no modelo de

proteção social por meio da implantação de um novo padrão de regulação social.

Esse novo modelo privilegiou o acesso via renda e não via trabalho. Assim, a

proteção social via trabalho, que no Brasil sempre foi restritiva por não ter usufruído

de pleno emprego, é desestabilizada pelo alto nível de desemprego, pelas

flexibilizações das relações de trabalho e pelas propostas privatistas da reforma do

sistema de previdência. O que acarretou no abandono de padrões universais e

redistributivos de proteção social, estabelecidos na Carta de 1988. Nesse caso,

escolheu-se o modelo de proteção social via transferência de renda que, por sinal,

se constitui em uma renda irrisória. O público-alvo desse modelo é a população

pobre, na faixa de meio salário mínimo per capita e se materializa em programas de

abrangência nacional, como Bolsa Família, por exemplo. Assim, devido ao caráter

focalizado à política social a revés do seu caráter universal, torna-se um mero

paliativo. Sendo assim, pode-se conceber o ProUni como uma política paliativa,

dentre outros fatores, por seu de corte de renda.

Dando seqüência à fala dos entrevistados, o Professor 3 se refere ao ProUni como

mais uma política do presidente Lula, uma propaganda de governo. Para ele, o

ProUni não foi um programa pensado, estruturado. Esse professor se preocupa pela

falta de clareza do programa. Compreende ser ele uma forma, um instrumento para

acabar com as universidades federais e isso o deixa muito preocupado. Por esse

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motivo, não o vê como uma política pública, porém mais uma forma de “sacanear31”

as universidades federais. Pois, o governo não abre concurso público para as

federais e ainda reduz o seu orçamento. O professor defende que o ProUni é mais

uma maneira de justitificar que o governo faz algo pela educação, independentente,

da natureza de sua ação. Outra coisa que ele vê como errada, e os estudantes,

relatam é o fato de as vagas do ProUni serem além das vagas do vestibular, o que

torna as turmas um pouco cheias, mas está previsto em legislação.

3.5.5 Oportunidade

Quanto ao tema oportunidade, a maioria dos estudantes respondeu ser um

programa que visa ao público cuja condição financeira não é estável, uma política de

inclusão dos menos favorecidos no ensino superior; uma chance para quem não

pode pagar o ensino privado, uma oportunidade para as pessoas oriundas de

escolas públicas. Para eles, o programa busca compensar a falta de investimento na

educação básica, representa uma oportunidade, pois as vagas nas federais são

escassas. Alguns estudantes enfatizam ser ele a grande e única opção para

ingressar no ensino superior. É notório, nessa penúltima frase, o engessamento do

pensamento neoliberal em destruir toda e qualquer possibilidade de se pensar além

do que está posto, de se vislumbrar outras formas de acesso ao ensino superior que

não seja por meio de políticas focalizadas.

3.5.6 Condições Materiais

No que se refere ao tema condições materiais, muitos estudantes do curso de

Fisioterapia, Farmácia, Enfermagem trabalham, eventualmente, para permanecer no

curso, pois há gastos com livros, xerox, uniforme, alimentação, transporte. No curso

de Serviço Social, praticamente, todos trabalham. Já no curso de Medicina, um

estudante bolsista, diz que até sem pagar, isto é, com bolsa integral, o curso sai

caro.

31 Expressão usada pelo professor no momento da entrevista.

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“... eu tava acostumada a trabalhar, tinha um emprego bom, dava pra ajudar minha mãe. Sabe dava pra fazer minhas coisinhas, hoje além de não poder trabalhar a gente recebe uma ajuda de custo de 300 reais que falha né. [...] Ajuda, sem os 300 seria 300 a mais que agente teria que arrumar fora, mas não resolve” (Estudante Bolsista de Medicina 3, grifos nossos).

Esse estudante ressalta o fato da ajuda de custo não ser suficiente para custear o

curso, bem como o problema de, às vezes, esse dinheiro falhar e não vir retroativo.

Apesar disso, conclui que sem a ajuda de custo seria mais difícil, mas também não

deixa de enfatizar que a ajuda não resolve o problema das condições materiais de

existência que impedem os estudantes oriundos de classes populares de

reqüentarem o ensino superior.

As inferências acima denotam a característica de uma política paliativa. O estudante

ainda ressalta que as pessoas aderem ao ProUni como se fosse uma salvação

desesperada, o que Leher (2004b) chama de “bóia de salvação”, já que, para o

autor, o programa representa a salvação para a inadimplência e para as vagas

ociosas das IES privadas.

Para o estudante bolsista, o programa vem para resolver “... um problema grande, que é triste, que o ideal seria não tê-lo, mas tendo vamos tentar resolver da forma mais rápida possível e eu acho que o ProUni, desse projeto, foi o melhor” (Estudante Bolsista de Medicina 3, grifo nosso).

Ele revela que gostaria de ter ingressado no ensino superior de uma forma

infinitamente melhor, ou seja, com todas as condições para concorrer em igualdade

tanto na universidade pública quanto na privada. Elucida, com esse depoimento,

que, se os estudantes de um modo geral tivessem a perspectiva de que poderiam

tentar ingressar no ensino superior, grande parte de tudo que se vê de negativo na

sociedade seria, razoavelmente, menor. Contudo, muitos estudantes da escola

pública nem chegam a almejar o ensino superior, dentre outros fatores, pela

ineficiência da educação básica e pelas condições materiais de existência, assim, a

maioria dos estudantes precisa trabalhar para ajudar a família e o que recebe, em

termos salariais, não é suficiente para custear seus estudos acadêmicos. Esse

estudante bolsista de Medicina enfatiza que se houvesse um ensino básico melhor

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acrescido de condições materiais para uma vida digna, mais pessoas almejariam o

ensino superior.

Outro Estudante Bolsista de Farmácia 9 diz que o programa tenta diminuir as

desigualdades, porém, gostaria que não houvesse processo seletivo, que houvesse

vaga para todos que quisessem estudar, afinal todos pagam impostos. E acrescenta

que, com o programa, o governo esconde falhas gravíssimas, referindo-se as

deficiências da educação básica.

3.5.7 Política Paliativa

No que se refere ao tema política paliativa, o estudante bolsista de Fisioterapia diz

que o programa é uma tentativa, mas de um modo geral, ele não acredita que

haverá uma melhora substancial, pois, para ele, melhora a vida de cada pessoa que

entra, mas o acesso do jovem brasileiro ao ensino superior não muda, continua

restrito. Portanto, o ProUni se constitui em uma política paliativa.

Muitos estudantes comungam desse argumento, ou seja, o ProUni se consolida em “uma política pública afirmativa, assim como a questão das cotas, que pode servir como um tampa buraco. É importante pra que se tenha para alcançar as populações que não tenham acesso, mas que o governo precisa rever essa política e não colocá-la como prioridade, mais. O importante é que se reestruture o ensino público de qualidade no país, pois não adianta encher as faculdades de estudante sem considerar a questão da qualidade do ensino” (Estudante Bolsista de Serviço Social 7, grifos nossos).

Essa citação também registra a aceitação do programa por parte de alguns

estudantes, uma vez que ele atinge a população que não tem acesso ao ensino

superior. Entretanto, assim como o estudante dessa citação, muitos evocam a

reestruturação do ensino público de qualidade no Brasil.

Sendo assim, para o estudante não-bolsista, o Estado deveria mexer no ensino

público e não passar a responsabilidade para o privado como ele faz por meio das

organizações não-governamentais (ONG’s). Para ele, o Estado precisa cumprir o

seu papel com a educação pública de qualidade.

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Outro estudante enfatiza que

“... eu queria ta numa federal, chegar e ter entrado fora de uma política, mas como não teve como, eu acho que é uma forma de incluir” (Estudante Não Bolsista de Serviço Social 16, grifo nosso).

Como foi possível verificar na citação acima, muitos estudantes gostariam de ter

ingressado no ensino superior de uma outra forma e a maioria delas se resume em

não ter que ser submetido a uma política pública. Assim, como esse estudante

também cerca de 70% dos entrevistados revelaram que gostariam de estudar em

uma universidade pública.

Para um estudante não-bolsista de Seviço Social, se o objetivo do programa fosse a

inclusão no ensino superior, o governo deveria abrir mais vagas e criar mais

universidades públicas e não abrir vagas em faculdades particulares. Nesses

termos, o estudante vê a ação do governo como uma forma de se livrar de algumas

das cobranças da população.

Um dado importante é que, para aderir ao ProUni, a faculdade não precisa ser

reconhecida, basta a autorização do MEC para funcionamento. O que revela um

risco, caso posteriormente, o curso não seja aprovado. Em relação a isso, o

coordenador do ProUni na IP, revelou que muitas faculdades abrem vagas para o

ProUni e, após o estudante conseguir a bolsa, a faculdade diz que o curso não

funcionará por não ter uma turma completa. Como em nenhum caso é permitida a

transferência de bolsa o estudante a perde.

Outro estudante considera que o programa prejudica a maioria das pessoas, pois

com o ProUni as faculdades privadas projetam um meio de ganhar dinheiro e não se

preocupam em resolver o problema do acesso. Para ele, o ProUni é uma política

paliativa inclusa no pacote da Reforma Universitária e vem para atender os

“tubarões do ensino”, referindo-se às faculdades privadas.

“... é um tampa buraco, tampa o sol com a peneira. Tem que ter o ProUni sim, mas também tem que melhorar o ensino fundamental e médio” (Estudante Bolsista de Serviço Social 28, grifo nosso).

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Com base na citação, o estudante aceita o ProUni, mesmo o reconhecendo como

uma política paliativa, porém afirma a necessidade de melhoria da educação básica.

Alguns estudantes de classe média revelam que também passam por dificuldades e

que seus pais se sacrificam, investindo em uma boa educação básica (particular) e

que, para isso, abrem mão de outras coisas. Entretanto, em relação a sua

representação social sobre o ensino superior, é possível verificar-se uma diferença

bem expressiva. Desse modo, como já demonstrado, um estudante não-bolsista de

classe média ao ser indagado sobre o significado do ensino superior, responde

nunca ter imaginado não cursá-lo, afirmando, ser para ele uma ordem natural das

coisas. Já um estudante bolsista a essa mesma pergunta revela que o fato de estar

no ensino superior é muito significativo, pois nunca havia pensado em cursá-lo.

Um estudante bolsista, dirigindo-se à política pública, acredita que o importante

agora é fazer uma política para a melhoria da educação básica pública, pois manter

o ProUni como forma de não investir na educação básica seria um erro.

A maioria dos estudantes considera o ProUni como uma política de inclusão,

contudo, argumentam que ela é restrita a quem consegue um bom desempenho no

ensino médio e/ou aos menos favorecidos financeiramente. Observam os riscos que

há em não se investir na educação básica, e, em contrapartida, se investir no ensino

privado. Os estudantes bolsistas e não-bolsistas ressaltam que preferiam estar no

ensino superior público, sobretudo, os bolsistas ao enfatizarem o desejo de ter

ingressado no ensino superior de uma forma infinitamente melhor, sem ter que fazer

parte de nenhum tipo de programa, mas por meio das condições materiais de

existência. Alguns deles defendem a não-existência do vestibular e o acesso

universal de todos ao ensino superior público já que todos pagam impostos.

3.6 Representações de uma inclusão pela porta dos fundos

Como foi possível verificar na história das políticas sociais, o Brasil não conseguiu

comungar até hoje, o crescimento econômico com a construção de uma sociedade

menos desigual.

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Herdeiro do período do “milagre econômico”, o ciclo de financeirização da riqueza

continua a sustentar a legitimação da política do próprio Estado.

Destarte, Pochmann (2004, p. 47) enfatiza que, no país no ano 2000, foi “constatado

que cinco mil clãs de famílias apropriam-se de 45% de toda a riqueza nacional”.

Cabe lembrar que a exclusão social emblemática do regime capitalista persiste

como forma própria de reprodução do sistema. As desigualdades sociais e a

concentração de renda aumentam ao mesmo passo da pobreza de grande parte da

nação.

Ademais, as iniquidades não se assentam apenas na natureza dos gastos sociais,

mas, imprescindivelmente, na forma da arrecadação tributária. Pochmann (2004)

explica que a permanência da regressividade na estrutura tributária acaba por

onerar mais os pobres que os ricos. Desse modo, a arrecadação tributária acoplada

ao gasto social consolidam-se em fatores potenciliadores da desigualdade de renda.

Outro ponto importante esboçado por Pochmann (2004, p. 59) diz respeito à

democracia que ele considera também como uma forma de exclusão no que tange à

política. Não obstante, “a pobreza no país também é de natureza política, fazendo

do pobre alvo de mero assistencialismo improdutivo”. O autor se refere aos

programas assistencialitas como o Bolsa Família, cujo principal critério é o corte de

renda. A despeito disso, o ProUni também se enquadra em tal característica.

Em vista disso, o conceito de exclusão por este estudo concebido se assenta nas

condições de insuficiência de renda para o consumo mínimo e pela falta de acesso à

educação. Em resumo, a enorme desigualdade de renda e a falta de acesso aos

serviços públicos, sobretudo à educação, impossibilita o exercício da cidadania

(POCHMANN, 2004).

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3.6.1 Inclusão

Quanto ao tema inclusão, os seguimentos entrevistados, o primeiro deles, os ASG’s,

acreditam que os estudantes que ingressam no ensino superior por meio do ProUni

se sentem incluídos.

Comungando dessa idéia, todos os coordenadores de curso observam que os

estudantes bolsistas são incluídos, todavia a fala do coordenador de curso 2 denota

um tipo de inclusão duvidosa, porquanto

“... de uma certa maneira é uma inclusão sim e aqui a gente tem uma política é que a gente não divulga nem para os professores nem para os coordenadores quem são os alunos do ProUni mesmo porque pra não ter, não é uma retaliação, mas pra não ter um desconforto pro aluno. O aluno do ProUni pra nós é um aluno como outro qualquer. Agora a gente tem umas dificuldades, por exemplo, agora vai formar uma turma que tem muitos alunos do ProUni de um curso aqui que não é o meu e eles estão com dificuldade da formatura porque eles não têm condição de pagar então ta ficando uma situação desagradável, não só pra eles, porque talvez eles não se importem, mas os meninos estão se sentindo meio desconfortados porque eles não vão participar da formatura” (Coordenador de Curso 2, grifos nossos).

Esse coordenador acrescenta nunca ter ouvido nenhuma crítica de nenhum curso

sobre o fato do estudante ser bolsista, haja vista, a estratégia da IP de não divulgar

o nome do bolsista para os estudantes, professores e coordenadores de curso. Ele

também relata a dificuldade enfrentada pelos estudantes bolsistas e não-bolsistas

diante da formatura, pois muitos estudantes bolsistas não têm condições de pagar

para participar dela. Esse fato traz desconforto tanto para os bolsistas e, segundo o

professor, mais ainda para os não-bolsistas. A esse tipo de inclusão, neste estudo

concebe como exclusão pela natureza discriminatória em que os estudantes são

inseridos.

Assim, o coordenador, apesar de concordar com o programa, faz o contraponto de

que não se constrói uma escada pelo degrau de cima. Ele entende, com isso, que a

partir do momento que o governo tenta consertar um erro, que está na base, na

educação básica, por meio do investimento no ensino superior privado, esse

programa torna-se insustentável. Afirma, ainda, que não é contra o ProUni, apesar

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de não achar certo, mas que, inevitavelmente, é uma chance que o estudante tem

de chegar ao ensino superior.

O coordenador do ProUni também concorda com o argumento de que os estudantes

se sentem incluídos pelo programa no ensino superior.

Para o diretor, não há nenhum tipo de discriminação na instituição pelo fato de haver

bolsistas do ProUni ou de outros programas. Afirma que o programa deveria se

tranformar em uma política de Estado, pois ele é algo que mostra resultados

positivos e o que é positivo não pode correr o risco de acabar com uma mudança de

governo.

No que tange aos sentimentos de inclusão dos estudantes bolsistas, coletaram-se

os seguintes argumentos:

“... já ouvi críticas de quem não é bolsista que falam que é injusto, mas eu não acho isso porque a partir do momento em que você entra numa faculdade particular tem que ter condições de arcar com as despesas” (Estudante Bolsista de Enfermagem 7).

Com base nisso, alguns estudantes se disseram totalmente incluídos a revés das

dificuldades financeiras.

Outros argumentam se sentirem incluídos, porque também passaram por um

processo seletivo, além da boa nota no ENEM e da comprovação de renda. Em

relação às críticas, alguns estudantes relatam que muitas pessoas vêem o ProUni

como um benefício apenas para a classe mais pobre. Com isso, os estudantes de

classe média sentem-se prejudicados. Para eles, isso é inevitável, pois toda

mudança acaba pesando para algum lado. O maior problema é que a classe média

acaba pagando por isso e não a classe alta. Ele enfatiza que os estudantes entram

na faculdade via o ProUni, esforçam-se bastante, procuram monitorias e que há uma

exigência maior sobre eles.

Em relação a essas declarações, em publicação de A Gazeta de 02/06/2007, o

artigo Muito para Avaliar de Sebim (2007) enfatiza a característica punitiva do

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programa, visto que os bolsistas precisam alcançar a média 7,0 para não perderem

a bolsa.

Apesar de muitos estudantes bolsistas sofrerem críticas, eles se concebem incluídos

no ensino superior.

Alguns estudantes compreendem a inclusão para além da questão financeira, isto é, “Me sinto, me sinto incluído porque eu não vejo essa inclusão no ensino superior privado como uma questão financeira porque isso não vai te determinar um bom nem péssimo profissional. Eu me sinto incluído na capacidade que eu tenho de pensar, o meu intelecto é o mesmo dessas pessoas que estão aqui entendeu e é isso a inclusão eu acho que não é só de forma material é muito do seu psicológico, de como você age, de como você quer também. Já ouvi críticas sim, não do meu curso, mas de outros cursos dentro da faculdade porque eles acham que não deveria ter esse tipo de coisa, que eles acham tipo assim ta misturando entendeu quem tem dinheiro com quem não tem aí eles colocam dessa maneira ‘já que você não podia pagar a faculdade aqui tem um nível ótimo de ensino, ela é conceituada, ela é muito conhecida e tal’ então o que acontece você e eu disputando de uma maneira diferente a vaga, no caso a concorrência com quem ta pagando é nisso que eles vêem, eles acham assim que você não tem condições de pagar um ensino bom então você vai pro público que eles dizem que é ruim” (Estudante Bolsista de Fisioterapia 16, grifos nossos).

Esse estudante entende a inclusão sob o ponto de vista intelectual, visto que todos

possuem inteligência. A fala do estudante reflete a representação do setor público

como algo ruim e alguns dos processos de desqualificação das universidades

públicas.

Alguns estudantes não-bolsistas percebem o ProUni como um favor do governo aos

bolsistas “... não são mostrados pra turma que eles são do ProUni né, então na realidade eles são como qualquer outro aluno e eles se sentem agradecidos por essa etapa que é a realização da graduação” (Estudante Não Bolsista de Fisioterapia 14, grifo nosso).

A palavra “agradecidos” denota a concepção de um benefício e não, de um direito.

Em relação a ter presenciado críticas sobre o programa, o estudante declara que

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“Com certeza quem critica é porque ta doido pra entrar e não consegue, porque também não é nada divulgado dentro da sala de aula, acho que porque quem tem a bolsa tem medo de preconceito não divulga, mas eu acho que devia divulgar mesmo ‘eu posso estudar porque eu tenho alguma coisa, porque eu lutei pra isso’ que evita de incomodar também quem não tem que fazer nada e critica muito” (Estudante Não-Bolsista de Enfermagem 2, grifo nosso).

Com isso, muitos estudantes ao serem indagados sobre os estudantes bolsistas do

ProUni respondem não saberem quais são, o que legitima a política da instituição de

sigilo do nome dos bolsistas. “Eu não sei quais alunos da minha turma são bolsistas, mas existem aqueles que conseguem adaptar-se ao ensino superior e outros não. Depende da força de vontade de cada um” (Estudante Não Bolsista de Farmácia 2, grifo nosso).

Verifica-se nessa fala o mesmo pensamento liberal e individualista presenciado em

algumas das respostas sobre a representação do ensino superior, isto é, sua

adaptação na IP depende apenas da força de vontade de cada bolsista.

Muitos estudantes defendem a inclusão dos estudantes bolsistas na IP

“A gente trata eles entendeu como se fossem, não tem diferença nenhuma, então na nossa sala é do mesmo jeito amigo de todo mundo, conversa com todo mundo e nada é diferente, eu só gostaria que a instituição mudasse os critérios, é só quando abrir o edital colocar 53 vagas [para o vestibular] e 7 para o ProUni e aquelas vagas a mais não vão existir mais” (Estudante Não Bolsista de Medicina 2).

Essa fala mostra a questão das vagas do curso de Medicina que preocupam alguns

estudantes, principalmente nas salas de ambulatório. Novamente, aparece a dúvida

quanto à eficácia do programa e a crítica quanto à quantidade de vagas a mais, no

vestibular, destinadas a ele.

Um estudante relata o programa como uma forma de inclusão, mas que não teria

sido a melhor delas. Observe:

“Eu acho que foi uma forma de incluí-los, mas não foi a melhor forma, o ideal seria na federal. Eu acho errado porque abre vagas a mais que o vestibular pros alunos do ProUni aí a sala fica lotada, na minha sala são 72 alunos, 12 alunos a mais, são 20% a mais, mas pelo MEC pode ser até 20% de alunos a mais. Então era pra ser em vez de 60 vagas pro

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vestibular, 48 sendo 12 pros alunos do ProUni. No semestre passado deu uma confusão danada porque não tinha cadeira, se chegasse atrasado tinha que parar a aula pra ir atrás de cadeira, até que teve assim uma hora a pessoa se estressou, deu confusão, outra coisa, paciente às vezes fica 4 alunos acompanhando um paciente só, igual na sala de ambulatório que é pequenininha fica até desagradável pro paciente” (Estudante Não Bolsista de Medicina 12, grifos nosso).

Desse modo, essa citação mostra a dúvida em relação à inclusão promovida pelo

ProUni, uma vez que esse estudante afirma ser a universidade federal a forma ideal,

como também, a questão da quantidade a mais de estudantes no vestibular, na sala

de aula e no ambulatório, que o MEC prevê, mas que, de acordo com o relato dos

estudantes, isso traz riscos para a qualidade do ensino e constrangimentos para os

pacientes de ambulatório.

3.6.2 Condições Materiais

Quanto ao tema condições materiais, o estudante observa que a inclusão extrapola

os limites da bolsa para financiar o curso. Nesses termos, ele defende que a

inclusão dos estudantes bolsistas engloba outros fatores, pois

“... na verdade isso depende, porque às vezes o aluno tem a bolsa, mas não tem condições de transporte, não tem condições de alimentação. A faculdade de medicina, por exemplo, o ensino é integral, às vezes não pode ta almoçando fora, eu não sei depende das condições de cada um pra financiar todo o ensino não só o dinheiro da bolsa. Então eu acho que essa inclusão depende da condição real de cada aluno, mas eu acho que em relação aos estudantes eles são bem acolhidos não tem diferença nenhuma, não tem diferença de aluno pro outro não” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 8, grifo nosso).

Esse estudante chama a atenção para as condições materiais de existência como

um pressuposto para a inclusão real dos estudantes bolsistas. Revela também que

não vê nenhum tipo de diferença, em relação ao acolhimento entre estudantes

bolsistas e não-bolsistas.

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3.6.3 Discriminação

No que concerne ao tema discriminação, o estudante não-bolsista atenta para o fato

de que alguns estudantes bolsistas se discriminam

“Há é normal, mas tem alunos assim, porque nem todo mundo é igual que não são do ProUni que não tem uma relação muito boa. Há uma certa resistência entre os alunos bolsistas em se aceitarem enquanto bolsistas, eles se sentem deslocados ou inferiores, às vezes, mas a maioria não” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 10, grifos nossos).

Em relação à discriminação, alguns estudantes bolsistas confirmam ter possuído um

sentimento de auto-estima baixa. A fala do estudante bolsista de Medicina, a seguir,

mostra o sentimento de discriminação por ser bolsista, a dificuldade em interagir com

os colegas oriundos de escolas como o Darwin e o Leonardo Da Vincci, bem como,

os dilemas econômicos, em função dos custos do curso de Medicina e da situação

social de sua família, observe

“... minha auto-estima já foi muito baixa por causa disso, por eu ter entrado através do ProUni. A gente não faz prova, o que a gente usa é o resultado do ENEM é essa a nossa avaliação. É porque eu não sei como é em outras faculdades, porque aqui todo mundo se conhece do Leonardo da Vincci, do Darwin então já vem aqueles grupos né pré-estabelecidos então quando entra alguém diferente já é meio assim né ainda mais do ProUni então é bem difícil você se enturmar é muito difícil mesmo, mas a gente, bem aos poucos, a gente consegue se incluir. Muitos colegas meus que são do ProUni sentem isso, igual no primeiro dia a gente sentiu muito medo de falar alguma coisa da gente né na apresentação [...]só que até que agente foi muito bem recebido pelo CAAL”. (Estudante Bolsista de Medicina 12, grifos nossos).

Outros estudantes também revelam ter sofrido de baixa auto-estima por terem

ingressado por meio do ProUni. E complementam falando de suas dificuldades em

interagir com os estudantes não-bolsistas pelo fato de eles já virem enturmados dos

cursinhos e colégios particulares. Todavia, alguns, apesar das dificuldades descritas,

mostram-se otimistas e dizem que aos poucos conseguirão ser incluídos.

Em relação à ajuda de custo para os cursos integrais, como medicina, muitos

estudantes revelam que encontram dificuldades em custear os gastos do curso de

medicina.

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Alguns estudantes afirmam que apesar de se sentirem incluídos por meio do ProUni,

gostariam de ter sentido a emoção de passar no vestibular da UFES.

“Eu me sinto bem, mas assim, se parar pra pensar eu gostaria assim de ter passado num vestibular, com uma pontuação legal assim, entendeu, é mais pela questão do tempo mesmo eu nunca tive tempo nenhum pra estudar, mas assim eu me sentiria realizada, poxa passou na UFES, por exemplo, tal curso estudou, conseguiu, tal chegou, e tem aquela expectativa da família, todo mundo torcendo, aquela coisa toda, aquela emoção, então seria legal né pra mim se fosse de outra forma, mas já que eu não consegui, eu tentei a UFES apenas uma vez e tentei ProUni uma vez também né que eu tentei o ProUni passei né” (Estudante Bolsista de Serviço Social 5, grifos nossos).

Os estudantes enfatizam a controversa do ProUni, pois para eles devia-se lutar pelo

ensino público de qualidade nas IFES. Entretanto, apesar disso, reconhecem o

programa como uma oportunidade de estar no ensino superior. Assim, alguns

estudantes argumentaram que se sentiam incluídos em parte, pois gostariam de ter

passado em uma universidade pública ou ter ingressado no curso desejado. Outros

revelam que, se não fosse o ProUni, ainda estariam tentando entrar na universidade

federal.

Para alguns estudantes bolsistas cujos pais só estudaram até as primeiras séries

iniciais do ensino fundamental, o programa se consolida na realização de um sonho

que se concentrava muito distante.

Outro estudante também enfatiza a representação de que por ser de classe popular

e seus pais terem um restrito nível de ensino, pensava ser impossível a sua

interação com outros estudantes, por exemplo, do curso de Medicina. Agora,

segundo ele foi possível desmistificar isso, visto que

“... perceber que as pessoas são todas iguais que a gente pode se comunicar, que a gente tem eu tenho amigo aqui da medicina tenho amigos de outras faculdades particulares então assim é oportunidade, pra mim o ProUni se resume nessas palavras oportunidade mesmo” (Estudante Bolsista de Serviço Social 18, grifo nosso).

Apesar de muitos estudantes bolsistas sofrerem críticas, acolhem o ProUni como

uma política de inclusão ao ensino superior. A minoria disse não sofrer crítica e ter

realizado um desejo. É importante ressaltar que muitos estudantes apesar de

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aceitarem o programa revelam que gostariam de estar na universidade pública, ou

em um outro curso. Outro aspecto destacado durante a entrevista, diz respeito ao

uso corrente da conjunção “mas”, o que sinalisa para a natureza duvidosa dessa

inclusão.

Em vista disso, compreende-se que o ProUni, sem dúvida, é uma política de acesso

ao ensino superior, porém o que este estudo questiona é a natureza desse acesso,

uma vez que ele acontece no ensino privado, bem como as condições materiais de

existência desses estudantes que irão incidir em sua permanência ou não no ensino

superior. Enfatiza-se, que as políticas focalizadas trabalham na contracorrente da

universalização do ensino e da dignidade humana pela lógica discriminária que são

construídas.

Dessa maneira, o estudo das representações sociais do ProUni também revela a

banalidade do uso do termo inclusão. Diante disso, as entrevistas ratificam a atual

política educacional de acesso ao ensino superior como uma inclusão duvidosa. Sua

vertente de corte social não considera os que a recebem como sujeitos portadores

de direitos, reconhecendo-os, apenas no plano da caridade, da benevolência e do

favor.

Dessa forma, nossos pressupostos entrelaçados com os conceitos de ancoragem e

objetivação, puderam ser confirmados nas entrevistas desde que as políticas

educacionais para o ensino superior implantadas pelo atual governo evidenciam a

divisão de classes inerentes à formação estrutural de sociedade brasileira via seu

corte de renda; as atuais políticas educacionais têm por objetivo compensar a não-

entrada das classes populares ao ensino superior público, porquanto seu ingresso

tem se dado nas IES privadas; a representação social dos (indivíduos em geral)

sujeitos da pesquisa pode influenciar na construção de políticas focalizadas para o

ensino superior, por parte do Estado, visto que, de certa forma, essas políticas são

aceitas por quem as recebe; o ProUni enquanto uma política social nega um direito

social, transformando-o em consumo individual, já que o programa se consolida em

um benefício e não em um direito. Esse último pressuposto também encontra

respaldo na estrutura das reformas e dos programas governamentais, os quais têm

buscado uma terceira via (referindo-se, especialmente ao terceiro setor).

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CAPÍTULO IV – PROUNI: UMA POLÍTICA SOCIAL SEM DIREITOS SOCIAIS “A alegria é o que sentimos quando percebemos o aumento da nossa realidade, isto é, da nossa força interna e capacidade para agir. Aumento de pensamento e ação, a alegria é o caminho da autonomia individual e política. A tristeza é o que sentimos ao perceber a diminuição da nossa realidade, de nossa capacidade para agir, o aumento de nossa impotência e perda de autonomia. A tristeza é o caminho da servidão individual e política”.

Marilena Chauí

4.1 Prouni: estratégia de redução do setor público e de ampliação do setor privado

As políticas de ações afirmativas constantes no documento do MEC, Anteprojeto de

Lei de 06/12/2004, artigo 4º do inciso III das Disposições Gerais da Educação

Superior defende a “aplicação de políticas e ações afirmativas na promoção da

igualdade de condições, no âmbito da educação superior, por critérios universais de

renda ou específicos de etnia, com vista à inclusão social dos candidatos a ingresso

em cursos e programas”. Nos critérios universais de renda, pode-se visualizar o

ProUni e nos específicos de etnia, a Política de Cotas.

Como já enfatizado, o ProUni criado por Medida Provisória em 2004 e tranformado

em lei em 2005, constitui-se na compra, pelo poder público, de matrículas em

instituições de ensino superior privado para alunos de baixa renda oriundos do

ensino público, em troca de isenção de alguns tributos (CARVALHO, 2006). Uma

ressalva a ser feita sobre o ProUni é que ele também inclui um percentual de vagas

para estudantes necessidades especiais e os estudantes autodeclarados pretos,

pardos ou indígenas.

Todavia, ao contrário da discriminação positiva contida no Anteprojeto de Lei de

2004, citado acima, a ANDIFES (2003) e o ANDES (2007) enfatizam para um direito

firmado na Constituição Federal de 1988 e reafirmado na LDB n. 9.394 de 1996, no

que concerne ao provimento da educação pública em todos os níveis, isto é,

Educação Básica e Educação Superior, o que também reafirma o viés democrático

destinado a todos os brasileiros.

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Para a ANDIFES (2003) não basta o poder público apenas criar vagas destinadas

aos setores excluídos da educação superior, mas impreterivelmente, torna-se

essencial oferecer oportunidade igual de formação, o que, de acordo com a

ANDIFES, só é possível através do fornecimento da educação pública e da

ampliação de acesso republicano32.

Tendo em vista, problematizar-se o conceito de “inclusão”, o qual também aparece

no Anteprojeto de Lei de 2004, utilizaremos Pochmann (2004, p. 13). Esse autor

esclarece que a inclusão se constitui em “um processo histórico mais amplo,

concebido e desenvolvido a partir de padrões de dinamismo econômico e social

pouco civilizados, responsáveis por concentrar a maior parte do poder político para

parcelas diminutas da população”.

O autor enfatiza, ainda, que a temática inclusão/exclusão assumiu maior relevância

na atualidade diante da crescente vulnerabilidade imposta a determinados

seguimentos sociais com consideráveis déficits de cidadania (segurança, saúde,

emprego, educação, etc). Para ele, a exclusão social no Brasil é fruto da evolução

selvagem do modo de produção capitalista. Neste trabalho, pretende-se enfocar

inclusão/exclusão no sentido que Pochamann (2004) concebe, ou seja, alicerçado

nos déficits de cidadania que, pela atual Constituição se assentam nos direitos

sociais, artigo 6º, educação, saúde, segurança, trabalho, previdência social. Suas

manifestações apresentam-se na forma mais primitiva pelas condições de

insuficiência de renda para o consumo mínimo, pela falta de acesso à educação e,

de forma mais sofisticada, pela impossibilidade do exercício da cidadania frente à

enorme desigualdade de renda, do desemprego massivo dentre outras formas.

Convergindo com a análise de Pochmann (2004) sobre o conceito de exclusão via

evolução do modo de produção capitalista, Sawaia (2004) emprega esse conceito

também para se referir às parcelas majoritárias da população mundial que sofrem

com as restrições impostas pelas transformações do mundo do trabalho, por

situações decorrentes de modelos e estruturas econômicas que geram

desigualdades absurdas de qualidade de vida.

32 Diz respeito ao ensino superior público oferecido pelo Estado.

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Diante dos argumentos supracitados, observa-se que a sociedade brasileira exclui

para incluir, e isso é a medida necessária para perpetuação de uma ordem social

desigual, na concepção de Telles (1999), pois se assenta na condição ilusória da

inclusão. A autora observa, dessa maneira, que todos são incluídos independente do

tipo de inclusão, desde que a maioria se faz incluída pela carência e privação, que

ultrapassa o locus econômico. Nesse simulacro, a exclusão se constitui em produto

de funcionamento do sistema. Dessa maneira, no Anteprojeto de Lei da Reforma da

Educação Superior de 06/12/2004, o critério para acessar o ProUni aparece como

uma ação afirmativa sob o corte da renda ou da etnia.

Observou-se mediante a pesquisa de campo, o perfil dos estudantes a quem essa

política se dirige. Como já dito, os dados da instituição de ensino superior

pesquisada mostram que renda mensal de 69% dos estudantes bolsistas do ProUni

é de até cinco salários mínimos, sendo que as dos não-bolsistas, em sua maioria

ultrapassa o valor de dez salários mínimos. Quanto à composição familiar, a maioria

dos bolsistas é de 6 pessoas, já os não-bolsistas se restringem a três. A maioria dos

bolsistas que ingressam, trabalham em tempo parcial, enquanto a maioria dos

não-bolsistas não trabalha. Há, com isso, uma inversão de valores, se antes para

entrar no ensino superior privado era necessário mostrar um bom contra-cheque

hoje, ao contrário, necessita-se de um atestado de pobreza, o que é evidenciado na

fala do estudante

“Eu acho que eu tinha oportunidade pra consegui desde o primeiro momento que eu entrei, mas eu acho que eu não obtive porque ele classifica mais a questão de cor e classe social eu acho. Eu acho errado essa cota de cor que existe dentro do ProUni porque eu acho que independente de cor tem que ver a condição social da pessoa. O problema é o seguinte quando você ganha você tem que mostrar tudo que você confirmou, se eu falasse que era negra eu teria que justificar” (Estudante Bolsista de Serviço Social 14, grifo nosso).

Para acessar o programa é preciso provar toda a sua condição social de

desfavorecido como forma de adquirir uma “oportunidade”, tema recorrente durante

as entrevistas. Reiterando o pensamento de Telles (1999), aos pobres é reservada a

caridade, o assistencialismo, a negação do direito. Os demais sujeitos entrevistados

se dirigiam aos bolsistas do ProUni como carentes, baixa renda, pobres. Diante

disso, a divisão de classes inerente à formação estrutural de sociedade brasileira foi

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amplamente evidenciada em seus discursos. Nesse contexto, Brito (1999) alerta

para a função das políticas públicas, visto que elas também podem ser lidas sob o

ponto de vista da negação de um direito. A esse pensamento, Arendt (1989)

complementa que quem só é visto pelo Estado no plano da caridade e da

assistência, quem precisa provar ser excluído para merecer essa caridade, na

realidade, não exerce seu direito.

Ante um Estado que não possui força nem legitimidade para subsidiar um direito,

restam os programas de alívio à pobreza; observa-se, com isso, uma sociedade

alicerçada na destituição dos direitos. O Estado de Direito foi adquirido após a

Revolução Francesa, 1789, e que deveria assegurar direitos civis é um Estado que

não se sustenta no plano real, no caso brasileiro. O Estado-nação amplamente

difundido na Europa e na América do Norte, o sentimento de pertencimento, de

identidade que torna cidadãos de um território, de um Estado, aqui no Brasil ainda é

um ideal político, ou nas palavras de Murilo de Carvalho, um longo caminho a

percorrer.

Nesses termos, poucos estudantes reconhecem o ProUni como uma medida

assistencialista, ou seja,

“... é só uma medida paliativa, só pra tipo assim vamos fingir agora, vamos colocar o povo na universidade, vão vê se cala a boca desse povo ...” (Estudante Não Bolsista de Medicina 2).

Dessa forma, questiona-se até que ponto a adesão da maioria dos sujeitos

entrevistados ao ProUni exime o Estado de sua responsabilidade com os direitos

sociais, dentre eles a educação?

Observa-se, com isso, que o direito a ter direitos é desconhecido por grande parte

da população. Em seu lugar é visto o favor, a oportunidade; em muitos casos, as

relações de mando-obediência, o favoritismo, o clientelismo e tantos outros ismos

que acometem o imaginário brasileiro. Destarte, durante as entrevistas sobre a

representação do ProUni, a maioria dos estudantes se referiam ao programa como

uma oportunidade.

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“Eu acho que é uma forma do governo de dá oportunidade pras pessoas que não teriam chance de entrar no ensino superior” (Estudante Não-Bolsista de Medicina 07, grifo nosso).

É possível observar, na fala desse estudante, a representação social de que as

classes populares estão alijadas do ensino. Assim, para Moscovici (1978) a

realidade é em grande parte, determinada por conceitos, crenças, valores, idéias e

atitudes, que, uma vez aceitas, se cristalizam na maneira de se perceber o mundo.

O real só é real pelo fato de ser aceito como tal. Não são desconsideradas, as

desiguais condições materiais de existência que influenciam no ingresso ao ensino

superior, contudo é envocado a figura de um Estado melhor como pressuposto para

construção de políticas sociais que tenham como critério a dimensão humana. Em

outras palavras, defende-se a construção de políticas universais e integradas.

É importante ressaltar no que diz respeito ao reconhecimento do ProUni enquanto

uma política de acesso ao ensino superior que as idéias, crenças vinculadas

socialmente acabam por influenciar na maneira de se ver o mundo e nele atuar.

Sendo assim, ao se cristalizar uma idéia que não, necessariamente, seja real, ela se

transforma em real pelo fato de o indivíduo comportar-se da maneira que ela

representa ser a correta. Por exemplo, como dito no início do estudo, durante muitos

anos foi difundida e aceita a Teoria do Fracasso Escolar, sob a explicação de que as

crianças pobres estavam fadadas ao fracasso escolar devido a sua condição social.

O fracasso, nesse caso, estava associado a uma determinada classe (PATTO,

1990). O que se pretendia com essa teoria era a exclusão de uma classe a

educação. Assim sendo, as representações sociais não agem ingenuamente, elas

sempre são acompanhadas por interesses de classes.

Brito (1999) e Arendt (1989) alertam para exclusão institucionalizada nas políticas

públicas, e, que este estudo inclui o ProUni. Da mesma forma, Castel (1998), em

“Metamorfoses da Questão Social”, fala do lugar do trabalho e dos suportes sociais

a ele associados como garantia do laço social na sociedade contemporânea. O autor

trabalha o conceito de desfiliados, termo utilizado para substituir o conceito de

exclusão, pessoas sem os suportes sociais que garantam o exercício de direitos

iguais em uma sociedade democrática e o desengajamento material e simbólico dos

indivíduos no laço social. Também pode-se fazer uma analogia com os estudantes

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que concluem o ensino médio, 8.906.820, dado do INEP de 2006 com os 1.397.281

estudantes que entram no ensino superior e os 7.509.539 estudantes sem lugar no

ensino superior brasileiro, isto é, os desfiliados, os sem suportes sociais que lhes

garantam o exercício de direitos iguais. Como prêmio de consolação lhes é “dado” o

ProUni, que para alguns segmentos da instituição pesquisada trata-se de justiça, ou

melhor, responsabilidade social, conforme fala do diretor da IP, o ProUni deveria se

transformar em uma política de Estado. Essa responsabilidade social nada mais é

que a garantia de mensalidades pagas, via isenção de impostos, os quais pela

justitficativa do presidente Lula da Silva dificilmente conseguiriam ser arrecadados

pelo Estado e que foi usado como forma de legitimar o ProUni. Não

desconsiderando que haja IES privadas responsáveis e com ensino de qualidade.

Entretanto, é sabido que, com a abertura desenfreada de faculdades privadas, na

vigência de Fernando Henrique Cardoso, houve uma comercialização do diploma

universitário e, que resultou em 2004 na criação do ProUni.

Com o ProUni, o Estado alega que não há verba para a educação e que não haveria

outra forma de acesso ao ensino superior para os estudantes oriundos do ensino

público. Portanto, o programa é uma boa solução pois parte do princípio da carência

popular (bolsistas do ProUni) para justificar o privilégio das oligarquias (donos das

IES privadas). Com isso, o Estado gastou até hoje R$ 347.460.156,0033,

beneficiando 414.562 estudantes bolsistas do ProUni (parciais e integrais).

O que se observa, com esses dados, é também a mudança de foco nas políticas

educacionais para o ensino superior, referindo-se, especificamente, ao ProUni,

porquanto se afirma o privado em detrimento à construção de um espaço público.

Desse modo, torna-se oportuno, reportar ao conceito de cidadania de Murilo de

Carvalho (2006). Para o autor os caminhos da cidadania são distintos e nem sempre

seguem linha reta, pode haver também desvios e retrocessos. Pensando nisso,

pode-se citar as peculiaridades do caminho da cidadania, em países como a França,

a Alemanha ou os Estados Unidos. No Brasil, também não se aplica o modelo

inglês, primeiro, porque aqui houve maior ênfase nos direitos sociais e segundo,

33 Ver site do ProUni. 

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pela alteração na seqüência em que os direitos foram adquiridos, ou seja, o social

precedeu aos demais. Essa alteração, na lógica, afeta a natureza da cidadania.

A cidadania, como foi analisada, desenvolveu-se dentro do fenômeno, também

histórico, denominado Estado-nação, que surgiu na Revolução Francesa, 1789. Em

vista disso, a luta pelos direitos, sempre se deu dentro das fronteiras geográficas e

políticas do Estado-nação. O que significa ter a construção da cidadania ligação

direta com a relação que os indivíduos têm com o seu Estado-nação. Assim sendo,

os indivíduos se transformam cidadãos à medida que se identificam e que se sentem

parte de uma nação – identidade e pertencimento. Baseado nesse pressuposto, o

direito para Telles (2000)

supõe uma medida de igualdade, de justiça, e uma partilha pela qual histórica, política e socialmente se faz a diferença entre o que se refere aos costumes, azares, e, portanto, não é regulado pelas formas da lei; e aquilo que se refere às regras de igualdade e justiça nas relações sociais (p. 1).

Diante disso, Brito (1999) destaca que as políticas educacionais atuais atuam na

contracorrente da afirmação da cidadania e da construção de um espaço público,

pois se observa uma indiferença por parte do Estado em discutir as prioridades

educacionais com a sociedade civil e com os interlocutores qualificados:

educadores, dirigentes municipais, movimentos sociais, entre outros. Assim, o que

se afirma são políticas públicas que não podem ser tomadas como direitos sociais,

pois reafirmam privilégios, não reconhecem o sujeito enquanto portador de direitos.

É preciso criar-se, no Brasil, uma esfera pública de decisões na discussão e

elaboração das políticas educacionais. Comungando do pensamento de Brito

(1999), Telles (2000) defende a instauração de uma ética pública na qual os conflitos

são debatidos, valores e opiniões diversos são acolhidos e os interesses da

população são reconhecidos como direitos. Para tanto, sua distribuição não deve

favorecer a um grupo em restrição a outro, pois todos precisam ser reconhecidos

como portadores de direitos. Isso importa dizer que há necessidade de construir

argumentos que não desqualifiquem um grupo, tendo em vista aferir um direito que,

pelo princípio constitucional abrange a todos, contudo, importa sim, denunciar as

condições materiais de existência que impedem que um determinado grupo social

exerça seu direito. Sendo assim, importa exigir que o inciso I do artigo 206 da atual

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Constituição seja cumprido, isto é, “igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola”.

Outro ponto importante observado nas entrevistas diz respeito ao uso da conjunção

“mas”. Além disso, na maioria das falas, após os sujeitos, sobretudo, os estudantes

reconhecerem o ProUni como uma política de acesso ao ensino superior, aparecia a

conjunção “mas”, a qual era usada para indicar o desejo em estudar em uma IFES

ou em um curso de sua escolha.

Diante dessa constatação e da natureza da política social no Brasil, urge debruçar

mais uma vez sobre o conceito de cidadania. Etimologicamente, a palavra cidadania

se refere à “condição ou qualidade de cidadão, membro de um estado, de uma

nação, no pleno gozo dos seus direitos políticos, cívicos e deveres para com esse

estado ou essa nação”, sendo que cidadão se refere à “pessoa que, na Antiguidade

clássica, pertencia a uma cidade e gozava do direito de cidadania; habitante da

cidade” (In: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea). No caso brasileiro, a

cidadania é comumente associada à questão político-eleitoral, ou seja, ao voto.

Assim, tendo em vista ampliar esse conceito busca-se apoio em Murilo de Carvalho

(2006), Chauí (2001) e Telles (2000). Pensando nisso, Murilo de Carvalho faz um

percurso histórico ao Brasil Colônia e observa que, em 1872, meio século após a

independência, apenas 16% da população era alfabetizada. O pouco índice de

pessoas alfabetizadas devia-se ao fato de não ser do interesse da administração

colonial ou dos senhores de escravos, difundir essa arma cívica. A Igreja Católica,

por sua vez, contribuía para o aumento do analfabetismo, pois não incentivava a

leitura da Bíblia. Tratando-se da educação superior, Portugal nunca permitiu a

criação de universidades em sua colônia. Os que quisessem e pudessem estudar

deviam seguir para Portugal, ou melhor, para universidade de Coimbra. Ademais, o

autor observa que, entre 1772 e 1872, passaram pela universidade de Coimbra

1.242 estudantes brasileiros, essa quantidade é irrisória, se comparada aos 150 mil

estudantes da colônia espanhola. Entretanto, no fim do período colonial grande parte

da população estava excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um

sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos dotados de uma

população politicamente mais aguerrida e algum sentimento de identidade regional.

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A Independência do Brasil, em 1822, conservou a escravidão, o que trouxe

limitações aos direitos civis. Sua principal característica política foi a negociação

entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, tendo como figura

mediadora o príncipe D. Pedro. Assim, a independência não foi resultado de uma

luta popular. Após a independência conservou-se o regime monárquico sob a

alegação da elite que só a figura de um rei poderia manter a ordem social e a união

das províncias.

Ainda segundo Murilo de Carvalho (2006), a Proclamação da República, em 1889,

trouxe os direitos políticos, o direito ao voto ainda que muito restrito, visto que, por

exemplo, as mulheres não podiam votar. O lado formal dos direitos políticos

representa um grande avanço em relação à situação colonial; entretanto, há que se

pensar no conteúdo desse direito e nas condições históricas que o subsidiaram. Isto

é, os brasileiros tornados cidadãos conservaram as marcas do período colonial, visto

que 85% era analfabetos, incapaz de ler um jornal, um decreto do governo, mais de

90% da população vivia em áreas rurais, sob o controle e influência dos grandes

proprietários. Nas cidades, muitos votantes eram funcionários públicos controlados

pelo governo. Nota-se que lhes faltava o significado de um governo representativo.

Apenas uma pequena parte da população urbana teria uma noção aproximada da

natureza e do funcionamento das novas instituições. Durante as eleições, o que

estava em jogo não era o exercício de um direito de cidadão e sim o domínio político

local, pois o chefe político local usava de meios fraudulentos para não perder a

eleição, pois sua derrota significaria o desprestígio e perda de controle dos cargos

públicos (delegados de polícia, juiz municipal, etc). Portanto, o voto era um ato de

obediência forçada, de lealdade ou gratidão, para muitos eleitores, ele significava

também um bom negócio, uma mercadoria rentável. É importante observar que a

concessão de um direito não se consolida em sua garantia, pois a natureza, ou seja,

o conteúdo desse direito, conseqüentemente, irá influenciar na sua compreensão e

uso. Nesse aspecto, Murilo de Carvalho (2006) enfatiza

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A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado. Esses três empecilhos ao exercício da cidadania civil revelaram-se persistentes. A escravidão só foi abolida em 1888, a grande propriedade ainda exerce seu poder em algumas áreas do país e a desprivatização do poder público é tema da agenda atual de reformas (p. 45).

Assim, o coronelismo imperante no Brasil representava um obstáculo ao exercício

dos direitos civis. Na fazenda, reinava o poder arbitrário da lei do coronel, os

trabalhadores eram seus súditos e não-cidadãos brasileiros. O Estado só se

aproximava dentro do acordo coronelista, nele o coronel dava apoio político ao

governador em troca da indicação de autoridades (delegado, juiz, coletor de

impostos, etc), o que mostra uma justiça e uma polícia a serviço do poder privado, o

que acarreta na impossibilidade do exercício dos direitos civis. A justiça privada ou

controlada por agentes privados é a negação da justiça. A lei que deveria ser a

garantia da igualdade de todos, e proteção contra o poder arbitrário do governo e do

poder privado, algo a ser respeitado, tornava-se um mero instrumento de castigo, de

arma contra os inimigos, um instrumento a ser usado em benefício próprio. Em

outras palavras, o fato de poder exercer o direito ao voto não era garantia de

condições necessárias para o exercício independente do direito político.

Para Murilo de Carvalho (2006), fosse no Império ou na República, nunca houve

lugar para o povo, pois o Brasil para ele não passava de uma realidade abstrata. O

povo sempre foi expectador dos acontecimentos políticos nacionais.

Como enfatizado no Capítulo II, em 1930, houve avanço no que concerne aos

direitos sociais, criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, vasta

legislação trabalhista e previdenciária, completada em 1943 com a Consolidação

das Leis do Trabalho. Em 1937, o golpe de Vargas, apoiado pelos militares,

inaugurou um período ditatorial até 1945. Nesse ano, houve a derrubada de Vargas

por meio da intervenção militar, o que deu início à primeira experiência que se

poderia chamar de democrática. Pela primeira vez, o voto popular começou a ter

importância e crescente extensão. Houve progresso na formação de uma identidade

nacional, porquanto surgiram momentos de real participação popular. Todavia, ao

mesmo tempo em que ampliavam os direitos sociais, cerceavam os direitos políticos

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e civis. É importante ressaltar também a natureza dos direitos sociais, porque eles

aparecem em um período de repressão aos direitos civis e políticos. Assim, em

1964, tendo em vista conter o rápido aumento da participação política, ocorre a

imposição de mais um regime ditatorial. Com isso, os direitos civis e políticos foram

restringidos pela violência.

Com o advento da redemocratização, 1985, a Nova República aparece com o

ideário de que o Estado provedor do bem-estar pudesse assumir as querelas

deixadas pela Ditadura Militar. Nos anos 1980, também entra em cena o

neoliberalismo.

Um agravante analisado por Netto (2000), no que diz respeito à proposta neoliberal,

é que ela tem encontrado respaldo pela via democrática. Num país como o Brasil,

que encontra dificuldades em se firmar como nação, a idéia de direito é facilmente

associada à questão do favor. O mesmo ocorre com o conceito de cidadania, o qual

é, na maioria das vezes, vinculado apenas ao voto. A distorção e/ou a restrição dos

conceitos de democracia e cidadania fortificam o assistencialismo, em lugar da

afirmação dos direitos, enquanto os cidadãos não se reconhecem como portadores

de direitos. Isso facilita a ação desenfreada de políticos eleitoreiros.

Quando se fala em direitos sociais no Brasil, tem-se uma dificuldade muito grande

em entender exatamente do que se trata, pois se parte de um legado,

extraordinariamente, problemático. De um lado, há os direitos que foram definidos

na tradição getulista, numa ótica corporativa, tutelar, muito diferente da tradição

igualitária e universalista que inaugura a modernidade. De outro, há uma

extraordinária confusão histórica, que é persistente, entre direito e ajuda, direito e

proteção aos desvalidos. Foi nessa matriz que o cidadão brasileiro aprendeu a

pensar em direitos sociais (TELLES, 2000).

Como visto, no Brasil os direitos sociais chegaram antes que se houvessem sido

constituídos os direitos civis e políticos, acarretando em um tipo de cidadania

tutelada pelo Estado e marcada pela supervalorização do papel do Poder Executivo.

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Como forma de se entender o caminho percorrido pela democracia no Brasil, será

utilizado o conceito de democracia apoiado em Chauí (2001). Segundo a autora, no

pensamento filosófico contemporâneo, o conceito de democracia foi ampliado. O

que antes estava restrito a um sistema político-eleitoral, hoje também se resgatou a

invenção da política pelos gregos e romanos, a passagem do poder despótico

privado “ao poder propriamente político como discussão, deliberação e decisão

coletivas realizadas em público, sob o direito e as leis” (CHAUÍ, 2001, p. 10).

Nesse sentido, Chauí (2001) elucida alguns dos traços que caracterizam a

democracia como forma geral de uma sociedade:

• Forma sociopolítica baseada no princípio da isonomia34 e da isegoria35,

apoiada na afirmação de que todos são iguais. Nessa afirmativa, reside o

maior problema da democracia em uma sociedade dividida em classes, ou

seja, manter seus princípios de igualdade e liberdade sob os efeitos da

desigualdade real;

• Forma política na qual o conflito é considerado legítimo e necessário. A

democracia, longe de ser o regime do consenso, é o trabalho incessante do e

sobre os conflitos.

A partir dessas características, a autora enfatiza que o símbolo da democracia

moderna, que possibilitou a passagem de democracia liberal a de democracia social,

reside no fato de que somente as classes populares e os excluídos sentem a

necessidade de reivindicar e criar outros direitos.

Em princípio, a democracia fundada na noção de direitos está apta a diferenciar-se

de privilégios e carências. Os privilégios são particulares, sendo impossível

universalizar-se em um direito, pois se assim o fizesse, perderia sua natureza de

privilégio. As carências, da mesma forma que os privilégios, são específicas, não

podendo universalizar-se em um direito. A natureza universal do direito sinaliza para

34 Refere-se à igualdade dos cidadãos perante a lei, Chauí (2001). 35 Diz respeito aos direitos de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discuti-las, aceitas ou recusadas em público, Chauí (2001).

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um dos problemas centrais da sociedade brasileira, em que as desigualdades

polarizam o espaço social entre o privilégio (das oligarquias) e as carências

(populares), aí reside a dificuldade de se instituir e conservar a cidadania no Brasil.

(CHAUÍ, 2001).

No que se refere à democracia sob o prisma político-institucional, para Chauí (2003),

uma das afirmações centrais reside em admitir que ela se constitui em uma forma

política definida, essencialmente, pela capacidade de conviver e acolher os conflitos

e de legitimá-los via institucionalização dos partidos e pelo mecanismo eleitoral.

Contudo, a autora, também reconhece que apesar do pluripartidarismo implicar na

aceitação de divergências, por outro lado, ele se consubstancia em um signo de

possibilidade democrática e, não, em sua efetividade.

Em outras palavras, é possível dizer que um partido pode organizar-se de tal forma

que não haja democracia interna. Da mesma forma, compreende-se que o Brasil

apesar de ter um regime democrático, conviva com formas avessas à democracia.

Exemplo disso se constitui no ProUni, o qual apesar de sua representação

democrática, sua discussão não chegou aos movimentos populares, aos

movimentos sociais, aos estudantes de escolas públicas; os sujeitos de direito

reconhecidos antes e durante sua implementação foram os empresários de IES

privado, os quais alegavam atender, por meio do programa, aos anseios populares.

Daí a afirmação oportuna de Chauí (2003), quanto à forma antidemocrática levada

pela organização de uma classe para que não haja democracia. Diante desse fato,

observa-se que o sistema democrático foi usado, nesse caso, para mascarar a

realidade, pois na década de 1990, houve um grande aumento de vagas ociosas nas

IES privado em função das facilidades concedidas pela LDB de 1996, no que tange

à abertura IES. Como a ampliação de vagas nas instituições privadas foi superior à

procura por elas, os empresários dessas instituições pressionaram o governo, no

sentido dele arcar com seus prejuízos. A forma escolhida pelo governo para atender

aos anseios dos donos dessas instituições foi a criação do ProUni.

Nessa linha de raciocínio, a Reforma do Estado empreendida por Fernando

Henrique Cardoso, que antecedeu à criação do ProUni, já preparava o terreno para

que o próximo governo o colocasse em ação. Essa reforma agravou a situação das

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classes populares, pois ela ofereceu mais terreno à iniciativa privada, destruindo,

com isso, direitos historicamente conquistados.

Com essa reforma, a educação passa a ser regida pela lógica da competição

privada, uma lógica “darwinista”, porquanto, no mercado competitivo, só os fortes

sobrevivem, os fracos são eliminados, o que significa, sobretudo, negar direitos

sociais, transformando-os em consumo individual. Assim, a Reforma do Estado

transformou os cidadãos de direito em cidadãos apenas para o mercado, na figura

que Silva (2004) convencionou chamar de cidadão-consumidor.

Diante dos dados e da contextualização histórica é preciso, ressaltar a necessidade

de atentar para a questão da permanência e da conclusão, que são fatores que

incidem nos índices de desistência e abandono de cursos no ensino superior no

Brasil e, sobretudo no Espírito Santo. Outro fator a considerar, se refere a um

aspecto da política pública enfatizado por Brito (1999):

Às formas como a sociedade brasileira tem equacionado seus problemas sociais, aponta para as desigualdades sociais criadas e consolidadas historicamente, as políticas públicas podem ser lidas neste quadro como expressões de atendimento ou negação de direitos. A legislação que resulta do embate entre forças não pode ser entendida de modo linear (p. 130).

De acordo com Brito (1999), entende-se que democratizar não se reduz a oferecer o

mínimo e sim oferecer a todos os recursos necessários a uma vida digna como

pressuposto para suas escolhas, por exemplo, estudar, ou não, o ensino superior

por uma questão de escolha e não por falta de renda. Nesse sentido, a palavra

escolha pressupõe ação do sujeito em função de seus desejos. Portanto, é preciso

ser trabalhada a noção de direitos que de acordo com Chauí (1999), se difere de

privilégios.

Por conseguinte, o Anteprojeto de Lei de 2004 por meio de suas ações afirmativas,

visa a alimentar a noção de privilégios que também pode ser entendida a partir da

reflexão de Brito (1999), como negação de direitos, uma vez que desresponsabiliza

o Estado no provimento da educação superior, enquanto um direito. Com isso, essa

responsabilidade é transferida ao mercado, o qual a transforma em consumo

individual, isto é, em fins mercadológicos.

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Conforme elucidado anteriormente, o ProUni, as Parcerias Público-Privadas e a Lei

de Inovação Tecnológica são temas que se encaixam nos tipos de privatização

elucidados por Gentili (1998).

Reiterando a análise histórica de Murilo de Carvalho (2006) acerca da cidadania no

Brasil, foi possível observar as raízes autoritárias, patrimonialistas e clientelistas em

que se processaram os direitos civis, políticos e sociais no Brasil. Com base nessas

raízes, Chauí (2001) e Da Matta (1997) asseveram que a sociedade brasileira

conservou as marcas de uma sociedade hierárquica e autoritária na da chamada

“cultura senhoril”, termo cunhado por Chauí (2001) e na expressão “sabe com quem

está falando?” analisada por Da Matta (1997). Em outras palavras, na sociedade

brasileira é notória a sobreposição do espaço privado ao espaço público, tendo o

seu centro na hierarquia familiar, com isso, ela é fortemente hierarquizada em dois

aspectos, isto é, nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas

como relação a um superior, que manda, e um inferior que obedece. As diferenças e

assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam as relações

de mando-obediência (CHAUÍ, 2001, p. 13).

Do mesmo modo que Chauí (2001) mostra a hierarquia contida na “cultura senhoril”,

Da Matta (1997) esclarece que a expressão “sabe com quem está falando?” antes

de ser um modismo ou uma mania passageira se constitui em uma forma

socialmente estabelecida, resultado de uma época ou classe social. Para o autor, o

estudo dessa expressão é uma descoberta que se dá em condições peculiares, pois

há uma regra que nega e reprime seu emprego e uma prática geral que estimula o

seu uso. Uma prática geral, porque não é exclusivo de uma classe social, categoria

ou grupo.

Em outras palavras, a expressão “sabe com quem está falando?” parece mesmo

permitir a identificação por meio de projeção social, quando o inferior dela se utiliza

para assumir a posição de seu chefe ou comandante, agindo em certas

circunstâncias como se fosse superior e, assim ,usando laços de subordinação para

inferiorizar outro indivíduo que, normalmente, seria igual. Isso se justifica pela

hierarquia familiar, espaço privado, projetada nas relações sociais, espaço público,

favorecer a relação de subserviência e dificultar o reconhecimento do outro,

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enquanto ser humano portador de direitos. Nega-se, com isso, a subjetividade e

alteridade, bem como, legitimam-se práticas autoritárias, no sentido de não haver

participação de todas as classes nas decisões e deliberações políticas.

Em vista disso, Chauí (2001) afirma que a indistinção entre público e privado, no que

diz respeito aos direitos sociais traz como consequência a redução do espaço

público, em função dos interesses econômicos os quais buscam alargar o espaço

privado.

Da Matta (1997) complementa que, em uma sociedade como a brasileira, onde a

hierarquia é vista como algo natural, os conflitos tendem a ser tomados como

irregularidades. Por isso, o conflito aberto é evitado, a relação entre superior e

inferior é subsidiada pela idéia de consideração, favor, respeito como um valor

fundamental. Nesse âmbito,

o conflito não pode ser visto como sintoma de crise no sistema, mas como uma revolta que deve e precisa ser reprimida. Como crise, o esforço seria para modificar toda teia de relações implicadas na estrutura, mas, como revolta, o conflito é pessoalmente circunscrito, e assim resolvido (DA MATTA, 1997, p. 185).

Da mesma maneira, o sistema de cotas, o ProUni, o Nossa Bolsa, o Bolsa Família e

tantos outros programas, indiretamente agem de forma a amenizar os conflitos de

classe, a assistir às famílias ou aos jovens estudantes. Conserva-se, então, um

sistema que se mantém, justamente, devido às carências populares.

Uma das justificativas do MEC para a criação do ProUni se alicerça no fato de que

esses estudantes não estão no ensino superior, porque não podem pagar,

supostamente esse problema seria parcialmente resolvido com a compra de vagas

em IES privado. Entretanto, o percentual de 18% de evasão entre os bolsistas, a

permanência de vagas ociosas em IES privadas e a permanente procura por IES

públicas, deixa dúvidas quanto à justificativa do MEC. Com base nisso, se

questionam as condições materiais de existência que influenciam na permanência

desses estudantes no ensino superior e a permanente procura por vagas nas IES

públicas.

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Em outras palavras, essas políticas públicas focalistas não tocam na raiz do

problema, isto é, se tratando do ProUni, nas condições materiais de existência, na

quantidade universidades públicas, na valorização docente, na melhoria da

educação básica, na universalidade do ensino médio e superior.

Sendo assim, como já enfatizado, o ProUni promove privilégios, pois de acordo com

o MEC de 2005 a 2007, foram concedidas 414.562 bolsas (integrais e parciais).

Contudo, de acordo com o INEP 8.906.820 estudantes concluíram o ensino médio

em 2006 destes, 1.397.281 ingressaram no ensino superior, porém 7.509.539 estão

fora do ensino superior. Hipoteticamente, se o ProUni ofereceu entre 2005 e 2007

414.562 bolsas, apesar do programa, supostamente há 7.305.290 estudantes fora

do ensino superior no Brasil.

Pochmann (2004), assim como Chauí (2001), Murilo de Carvalho (2006) e Da Matta

(1997), observam que, por muito tempo, no Brasil, a população excluída tem sido

recorrentemente usada como uma espécie de massa de manobra pelas elites

dirigentes, não interessando, portanto, a adoção de políticas públicas capazes de

romper com o circuito da dependência, do clientelismo e do paternalismo político.

Entretanto, é importante ressaltar que o SUS é um exemplo de política pública

universal. Isso significa que o SUS é uma política a que todos podem acessar,

independente de gênero, classe social, renda, etnia ou risco. Não são

desconsiderados, com isso, seus problemas de gestão (dentre eles, o desvio de

verbas). O que se quer enfatizar é que o SUS faz parte de uma corrente

universalista alicerçado em um direito social – a saúde. Dessa maneira, sendo um

direito, ele não se restringe a um grupo, ele atinge a todos. Já em uma corrente

focalista o papel do Estado é proteger os segmentos mais pobres da população,

concentrando neles os gastos públicos em saúde. O resultado de uma política

focalista, isto é, políticas públicas exclusivas para os pobres, conseqüentemente, é

que elas serão políticas pobres. Desse modo, o ProUni se consubstancia em uma

política focalizada, assim sendo, pobre, voltada para os pobres. Esse tipo de política

pública apenas legitima a hierarquia, o paternalismo, o clientelismo e o autoritarismo,

dificultando o reconhecimento de si e do outro, enquanto portador de direito.

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Sob a alegação de que a sociedade auto-organizada é perigosa para o Estado e

para o funcionamento do mercado, bloqueia-se a esfera pública da opinião como

expressão dos interesses e dos direitos de grupos e classes sociais antagônicas.

Esse bloqueio se constitui em um conjunto de ações determinadas que se traduz em

uma determinada maneira de influenciar a esfera da opinião, assim, os mass

media36 monopolizam a informação, dessa maneira, o consenso é confundido com

unanimidade e a discordância é identificada como ignorância ou atraso. Isso faz com

que o autoritarismo social opere por meio da naturalização das desigualdades

econômicas e sociais (CHAUÍ, 2001).

No atual panorama brasileiro, a desigualdade social, econômica e política

alcançaram patamares tais que se torna incoerente dizer que se vive em uma

sociedade democrática. A exclusão via privação coletiva se assenta na falta de

acesso aos serviços públicos37, no caso de nosso estudo, a educação

(WANDERLEY, 2004).

De acordo com dados divulgados pela ANDIFES (2004), apenas 9% da população

brasileira com idade entre 18 e 24 anos tem acesso à educação superior. A

ANDIFES (2004) defende que os excluídos da educação superior não querem

meramente uma oportunidade de acesso à graduação, o que eles querem é a

igualdade de oportunidade para obtenção de formação superior qualificada. Esse

tipo de formação superior, como os índices e a experiência histórica mostram, só é

garantida pelo sistema público de educação. Portanto, o que proporciona a inclusão

social duradoura não se detém a simples expansão de oferta de vagas, mas a

qualidade e a pertinência da formação.

36 Refere-se à mídia. 37 Diz respeito aos serviços fornecidos à comunidade pelo Estado, aos quais, por princípio, todo cidadão tem direito. Abrangem todos os serviços prestados pelo aparelho burocrático-administrativo dos governos e o conjunto de benefícios que o Estado é obrigado por lei a prestar à população em áreas como educação, saúde, previdência social, saneamento básico e lazer. Ver: Dicionário de Economia, 1985, p. 397.

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O poder público não pode patrocinar a oferta de oportunidades desiguais de acesso a educação superior. Aos pobres, negros, pardos, índios e a tantos outros setores excluídos da educação superior, deve-se oferecer oportunidade igual de formação [...] o que se faz através do fortalecimento da educação pública e da ampliação da oportunidade de acesso republicano – ‘pela porta da frente’ - à formação superior (ANDIFES, 2004, p. 3-4).

Hoje, apesar do ProUni, a quantidade de estudantes que ingressa no ensino

superior é de aproximadamente, 11%; 89% dos estudantes não chegam ao ensino

superior. É preciso atentar para a permanência desses estudantes, sejam eles

estudantes bolsistas do ProUni ou cotistas de universidades federais. Como foi

mostrado no site do MEC há 18% de evasão nos bolsistas do ProUni. Em vista

disso, a maioria dos estudantes entrevistados relataram suas dificuldades com

gastos curriculares e extra-curriculares.

Observou-se, com a implantação do ProUni, a desresponsabilização do Estado

diante de uma atividade eminentemente política, pelo fato de pretender desfazer a

articulação democrática entre poder e direito. Dessa maneira, ao transferir a

educação para o setor de serviços, “deixa de considerá-la um direito dos cidadãos e

passa a tratá-la como qualquer outro serviço público, que pode ser terceirizado ou

privatizado” (CHAUÍ, 2001, p. 177). É possível dizer diante das considerações de

Chauí (2001), que o ProUni se consubstancia em uma corrente focalista, embora o

Estado se desobrigue de seu provimento como um direito assegurado aos cidadãos

e incentive por meio de verbas públicas e isenção fiscal a iniciativa privada.

No que tange ao caráter social do ProUni, é bastante oportuna a afirmação de

Catani e Gilioli (2005), desde que esse programa promova uma política de acesso

ao ensino superior, mas não de permanência e conclusão do curso, orientado por

lógica assistencialista, aos moldes das recomendações do BIRD, o ProUni oferece

benefícios, o que não pode ser confundido com direitos.

Diante das afirmações ora tecidas, é evidente a constatação de Chauí (2001) e

Carvalho (2006) no que concerne ao ProUni como uma política de benefícios e não

de direitos. Faz-se necessária a discussão de políticas universais que beneficie a

todos os segmentos sociais, pois ações focalizadas irão, conseqüentemente,

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reforçar a discriminação, ao invés de se instaurar uma ética pública onde se

reconheçam todos os seres humanos como portadores de direitos.

A despeito disso, a questão da educação, de acordo com Brito (1999) pode ser

analisada como uma trajetória de luta por direitos em que se retomam reivindicações

de privilégios e exigências dos diversos atores sociais entre os quais sobressaem os

setores operários. Ao atentar para o critério utilizado, historicamente, para atender

às reivindicações de determinados segmentos da sociedade no campo da educação,

se está, de fato, questionando a equidade e a justiça da oferta educacional e,

portanto, a ética pública que prevaleceu em todo o contexto histórico. Ao indagar

sobre o que se considera legítimo ou ilegítimo na distribuição de bens educacionais,

tendo como medida o atendimento ou a exclusão de amplos segmentos da

sociedade brasileira ao acesso a estes bens. Entende-se, com isso, que ter direito a

fazer uso do direito a educação é o mínimo que qualquer Estado deve cumprir e isso

se faz garantindo a todas as classes o direito de se educar em todos os níveis que

assim escolher e que essa escolha não seja impossibilitada por suas condições

materiais de existência.

4.2 As Classes Populares e o reconhecimento do ProUni enquanto um programa de

acesso ao ensino superior

Para falar de classes populares, lembrou-se que os sujeitos pesquisados usam o

termo classe popular como sinônimo de classe trabalhadora. Como forma de ampliar

o significado do termo, será utilizada as esplanações de Luckács (1977), em seu

texto Consciência de Classe. O autor inicia sua análise, a partir da tipologia histórica

e sistemática dos possíveis graus de consciência de classe. Para tanto, inicia sua

discussão, enfatizando a organização econômica do capitalismo e as sociedades

pré-capitalistas (organizadas em castas e estamentos). Reitera que a Revolução

Francesa, 1782, abole os estamentos.

Alicerçando-se em Marx, o autor ressalta que a luta de classes dos antigos se

desenvolveu, sobretudo na relação de credor e devedor. Para tanto, a divisão da

sociedade em classes deve ser definida, de acordo com o marxismo,

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pelo lugar que elas ocupam no processo de produção. Os interesses econômicos de classes têm relação direta com a sociedade como totalidade concreta, a organização da produção em um determinado nível de desenvolvimento social e a divisão em classes que ela opera na sociedade (LUKÁCS, 1977, p. 19).

Marx explica que essas relações são mais de indivíduo a indivíduo, mais de operário

para capitalista, e assim por diante. A posição objetiva de cada indivíduo na

sociedade está determinada pelo grau de sua consciência no que se refere à

totalidade da sociedade. Estabelecendo a relação com a totalidade concreta, onde

saem as determinações dialéticas, é possível superar a mera descrição e aferir a

categoria da possibilidade objetiva.

No que diz respeito à consciência de classe, explica-se pela reação relacional

adequada. É importante ressaltar que essa consciência não representa nem a soma

nem a média do que os indivíduos que formam a classe, tomados separadamente,

pensam, sentem, etc. Contudo, a ação decisiva, historicamente, da classe entendida

como totalidade está determinada, em última instância, por essa consciência e não

pelo pensamento, etc, do indivíduo. E o pressuposto para essa ação concentra-se

nessa consciência.

No que se refere à consciência de classe da burguesia esta se consolida na

consciência objetiva da estrutura econômica da sociedade. Os limites objetivos da

produção capitalista se constituem nos limites da consciência de classe da

burguesia. Tanto no plano ideológico quanto no plano econômico, o proletariado e a

burguesia são classes diretamente correlativas. Assim, a burguesia e o proletariado

são as únicas classes puras da sociedade. A função única da consciência de classe

para o proletariado é definida em oposição à sua função para outras classes.

Marx explica que a vitória do proletariado é a superação de si, isto é, sua superação

enquanto classe.

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A despeito da análise de Lukács acerca das classes sociais, proletário e burguesia,

este estudo optou por utilizar o termo classes populares para designar o que Lukács

denomina como proletariado.

Por esse lado, o que se quer é elucidar o reconhecimento dessa classe no que

concerne ao ProUni, enquanto uma política de acesso ao ensino superior.

De acordo com Moscovici (1978) a representação social é uma modalidade de

conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a

comunicação entre indivíduos. Logo, é importante aferir que mesmo que não se

perceba a representção de um objeto, no caso o ProUni, produz e determina

comportamentos enquanto define a natureza dos estímulos que nos cercam. Assim,

aceitar ou recusar algo não se consubstancia em mera opinião pessoal. A opinião

concentra-se no terreno do social e comunga de vários tipos de pensamento, mas o

mais importante a se atentar diz respeito à correlação de forças sociais imbricada

nesse terreno.

Ao ressaltar, que de fato o ProUni é uma política de acesso ao ensino superior,

entretanto, o que chama atenção é a natureza dessa política e seus condicionantes

para o ensino, a pesquisa e a extensão e para a educação enquanto um direito.

Por conseguinte, o discurso oficial do ProUni logrou do aval das classes populares

em direção ao seu consentimento e não, à sua formulação. Algo corrente na

formulação das políticas públicas no Brasil é o fato do não-reconhecimento dos

sujeitos como participantes na construção de políticas. Os documentos do MEC

revelam a divindade que se tem com outros países na construção de políticas, pelo

fato de as políticas do BIRD e do FMI são amplamente apropriadas e implantadas, a

que pese suas prerrogativas esmagadoras dos direitos sociais. O resultado desse

aval aos organismos multilaterais se constitui no aprofundamento da pobreza.

No que se refere ao ensino superior público, este está em vias de desaparecer, de

acordo com a análise de Chauí (2003a). O Estado por meio das parcerias público-

privadas, da lei de inovação tecnológia, do REUNI e da Universidade Nova está aos

poucos destruindo o sentido de universidade pública.

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4.3 O Ensino Superior Público na Contramão

A universidade, como importante patrimônio social, se caracteriza por sua

necessária dimensão de universalidade na produção e na transmissão da

experiência cultural e científica. Portanto, a universidade se constitui no principal

elemento constitutivo de qualquer processo estratégico.

Conforme o Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira (1997)

ressalta, há uma dimensão pública nas IES que se concretiza, simultaneamente,

pela sua capacidade de representção social, cultural, intelectual e científica. Nesses

termos, a condição básica para se realizar essa representatividade se assenta na

capacidade de assegurar uma produção de conhecimento inovador e crítico, que

prime pelo respeito à diversidade e ao pluralismo.

Essa perspectiva de universidade remonta a uma reflexão sobre o ensino superior

consubstanciada na indissociabilidade da tríade ensino, pesquisa e extensão.

Entretanto, a LDB de 1996 rompe com esse tripé, ao criar modalidades de ensino

superior e ao extinguir o regime de dedicação exclusiva em alguns casos.

Soma-se a esse processo, a refoma do Estado, a qual transformou a universidade

de instituição para organização, direcionando a produção do conhecimento ao

mercado e acabando com isso com a idéia de autonomia.

Apesar dos processos de desmantelamento do ensino público, dados do Censo da

Educação Superior, divulgados em 13/10/2004, pelo MEC por meio de uma

pesquisa realizada, anualmente, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) revelam informações de 1.859 instituições

públicas e privadas.

Portanto, a pesquisa destaca que, pela primeira vez, o número de vagas oferecidas

no ensino superior supera o número de alunos que concluem o ensino médio. Ape-

sar disso, a ociosidade do sistema alcançou 42,2% das vagas oferecidas pelas insti-

tuições privadas. Em resposta ao alto grau de ociosidade nas IES privadas, o ex-

ministro da educação Tarso Genro asseverou que

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censo traz elementos que dão suporte às políticas que estamos implemen-tando de expansão estratégica da universidade estatal. [...] Essas informa-ções confirmam a necessidade de expansão da universidade pública para as regiões onde não há oferta de educação superior, de implantação de um novo sistema de financiamento que proporcione a utilização das vagas no-turnas no sistema público e o aproveitamento das vagas ociosas pelo pro-grama Universidade para Todos (ProUni) (In: Censo da Educação Superior, 2004).

De acordo com o ministro, os dados evidenciam o desequilíbrio regional e a gritante

ociosidade de vagas nas instituições não-estatais. Ademais, o censo legitima o que

todos já sabiam, isto é, a necessidade de expansão da universidade estatal. Outro

ponto importante do censo diz respeito ao fato já sabido por toda a sociedade no

que se refere à condição social e econômica da maioria dos estudantes que se

dirigem as IES privadas. Assim sendo, não basta o número de vagas do ensino

superior ser maior que a quantidade de formandos do ensino médio, se a maioria

das vagas estão localizadas nas IES privadas. Nas instituições privadas o que falta

não são vagas, o que falta é renda que subsidie os estudos a que pese o ProUni.

Nas instituições públicas, ao contrário, cada vez mais faltam vagas.

Vale a pena questionar por que a procura pelas IES públicas é maior? O próprio

censo em questão responde. Um fator importante em qualquer universidade diz res-

peito ao ensino, a pesquisa e a extensão. O ensino se mede pela formação docente,

professores doutores e mestres. A pesquisa, sendo ela também conseqüência da

quantidade de doutores, se mede pelos programas de pós-graduação stricto e lato

senso. Desse modo, nas instituições públicas 39,5% dos professores têm doutora-

do, 27,3% possue mestrado e 33,3% fez até especialização. No setor privado,

11,8% tem doutorado, 39,4% possuem o mestrado concluído e 48,9% têm até a es-

pecialização (Censo da Educação Superior/INEP/MEC, 2004).

Conforme Dilvo Ristoff, diretor de Estatística e Avaliação da Educação Superior do

INEP, o setor público concentra cerca de 70% dos docentes com mestrado e douto-

rado do País. Ao seu ver significa que as instituições públicas têm a melhor capaci-

dade instalada para estudos, pesquisas e para a oferta de pós-graduação.

Em relação ao número de funções docentes em afastamento para qualificação, em

2003 de acordo com o censo, nas instituições públicas 83% dos seus afastamentos

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são para doutorado, 15% para mestrado e 1% para especialização. Nas instituições

privadas, 37,2% dos seus afastamentos são para doutorado, 41,2% para mestrado e

8,7% para especialização.

De acordo com esses dados e com a afirmação de Genro, o censo seria responsá-

vel pelo suporte às políticas implementadas no setor estatal, pois confirma a neces-

sidade de expansão da universidade pública. Todavia, as políticas direcionadas ao

ensino superior evidenciam o contrário. A exemplo do ProUni, o que existe se conso-

lida na transferência de verbas públicas para as IES privadas e como o censo reve-

lou, a excelência de ensino, da pesquisa e da extensão continua nas públicas.

Conforme a Constituição de 1988, as universidades devem atuar no ensino,

pesquisa e extensão. No entanto, a LDB de 1996 retira essa exigência para a

abertura de IES. Apesar da LDB ter retirado esse critério e o orçamento ter sido

reduzido, as IES públicas continuam fiéis ao ensino, a pesquisa e a extensão.

De acordo com o estudo de Carvalho (2006) o ProUni se constitui em uma aliança

entre o governo federal e os empresários das IES privado. Ou seja, alguém teve que

pagar pelo prejuízo das vagas ociosas nas instituições privadas. O Estado tomou as

dores, escolhendo, assim, apoiar a iniciativa privada e oferecer um “prêmio de

consolo” aos estudantes de renda reduzida oriundos do ensino público. Isto é, para

essas instituições não fecharem o governo federal compra vagas por meio da

isenção de impostos. Alguns estudantes pagam 50%, outros 25% do curso e outros

têm isenção total e até uma pequena ajuda de custo. Resolvido o problema das IES

privado. E os estudantes, o que acham? Segundo os dados de uma IES privada de

Vitória/ES, coletados neste estudo, cerca de 70% dos estudantes pesquisados

(bolsistas e não-bolsistas) gostariam de estudar em uma IES pública, ou seja, cerca

de 70% dos estudantes não estudam na instituição desejada. No que se refere à

maior dificuldade para o ingresso no ensino superior, dos 92 pesquisados (46

bolsistas e 46 não-bolsistas), 55,43% respondeu ser a situação socioeconômica o

maior peso. Sendo que dos 46 bolsistas, 71,73% teve dificuldades socioeconômicas,

enquanto dos 46 não bolsistas, apenas 13% teve dificuldade socioeconômica. Do

total de pesquisados, 17,39% não estuda o curso desejado. O que significa dizer

que estar no ensino superior não significa estar na instituição desejada nem no

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curso desejado. O estudo mostra que a maioria dos estudantes pesquisados, sejam

eles bolsistas ou não, que está no ensino superior privado gostaria de estar no

público e que uma quantia considerável desses estudantes não estuda o curso

desejado.

Com base nisso, é importante ressaltar o objetivo dos exames de curso desde o

Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como Provão era, justamente,

usar a avaliação das IES para defender que as IES públicas possuíam deficiências

que comprometiam a qualidade do ensino e com isso, acabar com ensino público

pela justificativa de sua ineficiência. Contudo, o tiro atingiu o próprio pé do MEC,

pois tanto o Provão quanto o ENADE (hoje substitui o Provão) constatam que, ape-

sar da redução no orçamento e das estratégias de desmantelamento, as universida-

des públicas continuam sendo excelência nacional. Como não foi possível destruir a

universidade pública pelo Provão, nem pelo ENADE, a atual estratégia de destruição

da universidade pública é o REUNI e com ele a Universidade Nova.

A reboque das medidas implantadas pelo governo, segue o processo de

desqualificação do ensino público. Nesse sentido, o REUNI se insere no termo

cunhado por Chauí (1999): a “universidade em ruínas na república dos professores”,

seja pela superlotação das salas de aula, seja pela redução do financiamento, seja

pelo rebaixamento salarial docente, seja pelas privações no interior das

universidades públicas, seja pela redução do tempo para mestrados e doutorados.

4.4 A Fragmentação dos Direitos

A cidadania para Dagnino (2004) alicerça-se no direito de definir aquilo no qual que-

remos ser incluídos, essa deveria ser uma vertente da política pública. A despeito

disso, a pesquisa de campo constatou que cerca de 70% dos estudantes entrevista-

dos gostariam de estar no ensino superior público.

As representações sociais do ProUni é de uma política de acesso ao ensino superi-

or. Todavia, a maioria dos sujeitos que comunga dessa idéia faz uso de uma conjun-

ção “mas” ao final de seu consentimento, o que revela uma aceitação duvidosa. Di-

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ante disso, Dagnino (2004) afirma que há uma banalização do termo cidadania vi-

sando, com isso, o esvaziamento do seu sentido original.

Diante desse esvaziamento, a Reforma Universitária em andamento, segundo do-

cumentos dos ANDES, da ANDIFES e do MEC, é na verdade, um golpe do Estado

contra a universidade pública.

[...] uma sociedade é democrática quando institui algo profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos. Essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática realiza-se socialmente como luta social e, politicamente, como um contra-poder social que determina, dirige, controla, limita e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. Fundada na noção de direitos, a democracia está apta a diferenciá-los de privilégios e carências (CHAUÍ, 2007, p. 1).

Com base na citação de Chauí (2007), não se pode transformar direitos em serviços,

de acordo com as leis de mercado, como a Reforma do Estado defendeu.

Em relação a isso, a pesquisa “Pela porta dos fundos”: configuração das políticas

educacionais para o ensino superior capixaba de Sebim (2007), enfatiza a necessi-

dade de políticas públicas por uma vertente universalista, desde que a autora defen-

da que as políticas focalizadas busquem a discriminação não reconhecendo os su-

jeitos como portadores de direitos.

Desse modo, apesar de saber que a democracia deve ser concebida como um hori-

zonte político, para que haja esse horizonte é preciso proporcionar perspectivas a

fim de que a maioria da população pobre viva dignamente e tenha motivos para so-

nhar, desejar.

Ao querer a democracia é preciso trabalhá-la no cotidiano, isto é, se realmente se

concebe a democracia como horizonte político, sua construção deve ser feita diari-

amente. Se se quiser que todos tenham horizontes para desejar é preciso propor-

cionar a vida dos que, diariamente, lutam por sua sobrevivência. É preciso falar com

os estudantes que estão no ensino superior e com os que estão fora dele, é preciso

perguntar-lhes sobre seus sonhos, seus desejos, seus anseios, suas resistências, é

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preciso ouvi-los, ou de nada adiantará a formulação de políticas públicas para um

público que não foi convidado ao debate.

O caminho para a democracia e para a cidadania deve ser um busca constante, pois

se concebermos a democracia e a cidadania como algo efetivado não mais a busca-

remos. No Brasil, de acordo com Murilo de Carvalho (2006) não possuímos uma ci-

dadania plena, todavia é importante enfatizar que cada país possui uma cidadania

que lhe é peculiar. Não se deseja, com isso, dizer que a cidadania seja errada, ou

por causa de raízes históricas está-se fadado a cidadania imperfeita, ou outra no-

menclatura que se desejar usar. O que se quer afirmar é que se possui sim uma ci-

dadania e como tal se consubstancia em um horizonte político que será uma cons-

tante busca.

4.5 A Vitória do Mercado

A Reforma Universitária em andamento já sinaliza para a vitória do mercado devido

aos processos internos e externos de privatização. Assim, a exemplo do REUNI e a

Lei de Inovação Tecnológica, internamente, a universidade pública encontra-se em

processo de privatização. Progressivamente a isso, as IES públicas terão seus

saberes comercializados no mercado. A mundança estrutural da universidade de

instituição para organização assinala o sepultamento da pesquisa.

Em vista disso, o processo de reforma do ensino superior em curso no Brasil se as-

semelha ao modelo concebido em meados da década de 1980, expresso no Grupo

Executivo para a Reformulação da Educação Superior (GERES). Desse modo, a

seqüência das propostas governamentais pode ser compreendida como produto,

também, da permanência de dirigentes e quadros técnicos, o que permite traçar um

elemento de continuidade, no Ministério da Educação, entre os governos de José

Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (CUNHA,

2003). Dando seqüência a essas propostas, atualmente, está o governo Lula da Sil-

va.

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Para Chauí (2003a) a mudança estrutural da universidade de instituição para

organização assinala também o sepultamento de sua autonomia conquistada na

modernidade. Diante dessa mudança, se assiste à primazia do mercado. Nele, o

cidadão é concebido como o cidadão-consumidor (SILVA, 2004), aquele que pode

pagar por serviços. A universidade pública se converte em um serviço público não-

estatal, perdendo com isso sua dimensão, enquanto um direito social reconhecido

pela Constituição de 1988 e que, atualmente, está em processo de destruição via

medidas provisórias, decreto-leis, leis e tantos outros mecanismo do Estado, a

serviço da destruição de um bem público, isto é, a universidade pública.

No que tange à necessidade de se criar no Brasil uma esfera pública de decisões na

discussão e elaboração das políticas educacionais, e convergindo com o

pensamento de Brito (1999), Telles (2000) defende a instauração de uma ética

pública, na qual os conflitos sejam debatidos, valores e opiniões diversas sejam

acolhidos e os interesses da população sejam reconhecidos como direitos. Para

tanto, sua distribuição não deve favorecer a um grupo em restrição a outro, pois

todos precisam ser reconhecidos como portadores de direitos. Isso importa dizer que

há a necessidade de construir argumentos que não desqualifiquem um grupo, tendo

em vista aferir um direito que, pelo princípio constitucional abrange a todos, contudo,

importa sim, denunciar as condições materiais de existência que impedem que um

determinado grupo social exerça seu direito.

É importante dizer que a maioria dos sujeitos entrevistados deseja a vitória do

Estado, uma vez que, em suas falas, o Estado é chamado a responder pela falta de

investimento nas IES públicas. Com isso, o Estado do Espírito também é convocado

a responder pelos anseios da criação de uma Universidade Estadual. Pois apesar

das vagas ociosas das IES privadas o que a sociedade capixaba e a sociedade

brasileira como um todo quer é realizar seu desejo de estudar em uma instituição

pública e no curso de sua escolha.

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Confirmando essa possibilidade, os estudantes entrevistados se reportam à

universidade pública como objeto de grande desejo, assim, para uma parte desses

estudantes estudar na IES privada ou no curso que não se desejou significa

sobreviver, resistir. Desse modo, observou também o reconhecimento da população

de que as IES públicas é o que todos querem e a que todos buscam. Os estudantes

querem estudar nas IES públicas e, quanto a isso, o ProUni não está resolvendo,

praticamente, nada. Ou melhor, o ProUni resolve sim, o problema do financiamento

das IES privadas e, não, o acesso do jovem brasileiro ao ensino superior público que

a pesquisa comprovou ser o desejo da maioria dos entrevistados.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A esperança equilibrista Sabe que o show

De todo artista Tem que continuar ...”.

O Bêbado e a Equilibrista de Bosco e Blanc

A maneira como a sociedade brasileira tem trabalhado seus problemas sociais,

aponta para desigualdades criadas e consolidadas historicamente. Nesse contexto,

as políticas públicas podem ser concebidas como expressões de atendimento ou

negação de direitos.

Diante disso, nosso estudo observou o caráter assistencialista das políticas e dos

programas governamentais os quais se direcionam a grupos mais vulneráveis, e, por

esse motivo, são concebidas como políticas de alívio à pobreza.

Desse modo, o ProUni, como uma política de corte social, se insere em uma forma

de política assistencialista.

Os temas ora destacados nas entrevistas e analisados à luz da teoria das

representações sociais nos permitiram penetrar nas idéias, nas crenças e nas

ideologias que permeiam o ProUni e compreender, baseado nos processos de

ancoragem e objetivação, o seu conteúdo central. Isto é, principal objetivo dessa

política é estabelecer o consenso sobre sua eficácia entre as classes populares e

também a impossibilidade de construção de uma política universal de acesso ao

ensino superior. Esse movimento, fruto do pensamento neoliberal, engessa a

criação de possibilidades de acesso ao ensino superior que não seja pela vertente

da carência e do privilégio os quais são contrários ao direito.

No que diz respeito às diferenças de concepções em relação ao objeto pesquisado,

o enfoque comparativo horizontal mostrou essas diferenças com base na posição

social ocupada pelos sujeitos. Assim, as variações de concepção sobre o ensino

superior vão desde a garantia de ascensão social e trabalho a uma oportunidade

necessária, sem a qual os estudantes bolsistas não estariam no ensino superior.

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No que concerne ao ProUni como uma política pública, as variações de concepção

mesclam-se entre uma excelente política pública de acesso ao ensino superior e

uma política paliativa usada pelo Estado para esconder as falhas da educação

básica e para se esquivar da cobrança da população por ensino superior.

No que se refere ao ProUni enquanto uma forma de inclusão, as variações de

concepção dividem-se entre uma forma de inclusão e uma controvérsia no sentido

do investimento de verbas públicas no ensino privado.

Em resumo, o estudo constatou pelos sujeitos pesquisados, o reconhecimento do

ProUni como uma política de acesso ao ensino superior por parte das classes

populares. Apesar dessa constatação, os dados quantitativos revelaram que cerca

de 70% dos estudantes entrevistados gostariam de estudar em uma IES pública, e

que 17,39% dos estudantes não estudam o curso desejado. Assim, ainda que as

classes populares reconheçam o programa como uma forma de acesso ao ensino

superior, o uso freqüente da conjunção “mas” nas entrevistas questiona a natureza

desse acesso. Legitimando o uso dessa conjunção, a maioria das respostas a favor

do ProUni foi acrescida de contrapontos, como: o investimento na educação básica,

a ampliação de vagas nas universidades públicas, a construção de uma

universidade estadual e o acesso universal a todos os níveis de ensino.

Assim sendo, as representações sociais do Programa nos possibilitou compreendê-

lo sob duas vertentes: a da vivência, no sentido de estar no curso e na instituição

desejada, e a da sobrevivência, no sentido de não estar no curso ou na institução

desejada.

Nesse âmbito é preciso ressaltar o programa enquanto um instrumento usado pelo o

governo, via organismos internacionais (BIRD e FMI), tendo em vista favorecer

interesses corporativistas dos empresários da educação superior, e,

conseqüentemente, acabar com a educação pública como um bem público e um

direito social. Portanto, é preciso visualizar o ProUni como parte integrante de uma

reforma maior, ou seja, a Reforma Universitária em curso.

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O estudo também elucida os processos de reestruturação das IFES (REUNI/

Universidade Nova, as Parceria Público-Privadas, a Lei de Inovação Tecnológica) e

a vertente privatista da Reforma Universitária em curso.

Há de se considerar que o ProUni, as Parcerias Público-Privadas e a Lei de

Inovação Tecnológica são temas inclusos nessa reforma. Assim, os tipos de

privatização deles decorrentes são: a privatização do fornecimento – o

financiamento público do fornecimento privado (o ProUni) - ; a privatização do

financiamento – o fornecimento público com financiamento privado (a Lei de

Inovação Tecnológica e as Parcerias Público-Privadas). Com isso, os termos

publicização do privado e privatização do público visam a diluir as barreiras entre o

público e o privado, tendo como norte o terceiro setor, ou seja, pretende colocar a

universidade pública no setor público não-estatal, facilitando, dessa maneira, o seu

desmonte.

Ademais, verificamos também que, a partir da Reforma do Estado, a universidade

passa de uma instituição social para uma organização social. Em outras palavras, à

universidade não caberia mais responder pelas contradições impostas pela divisão

social e política, mas vencer a competição entre os supostos iguais.

Pudemos constatar que o discurso da atual Reforma coadunado nas representações

que os sujeitos possuem do ensino superior, da política pública, da

inclusão/exclusão incidem na universidade enquanto produtora de mão-de-obra para

o mercado.

Em relação ao REUNI e a Universidade Nova temos um processo de precarização

das IFES por meio da ampliação de vagas sem o financiamento e a estrutura

compatíveis. Isso pode ser entendido como uma estratégia do Estado, com o

objetivo de desqualificar as IFES, como forma de justificar o direcionamento de

verbas públicas a instituições privadas.

No que concernem as estatísticas nacionais e regionais sobre o ensino superior,

observamos que a ociosidade de vagas no setor privado mostra que a questão

principal não se assenta na ausência de vagas para o ensino superior, mas na

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natureza dessas vagas. Como as estatísticas revelam, a disputa por uma vaga no

ensino superior público continua a crescer. Quanto ao ensino privado, apesar do

ProUni a quantidade de vagas ociosas permanece. Em resumo, nosso estudo

enfatiza que a classe popular não deseja as vagas ociosas das IES privadas, mas a

criação de vagas nas IES públicas, o que indica a construção de uma universidade

estadual no Estado.

Dessa maneira, nossos pressupostos no que diz respeito às representações do

ProUni foram ratificados, uma vez que a entrevista e o questionário socioeconômico

cultural conseguiram traçar o perfil dos estudantes bolsistas e não-bolsistas

confirmando que as políticas educacionais para o ensino superior implantadas pelo

atual governo evidenciam a divisão de classes inerente à formação estrutural da

sociedade brasileira. E, em relação ao resultado disso, o programa tem por objetivo

compensar a não-entrada das classes populares no ensino superior público. Em

outras palavras, o ProUni enquanto uma política social, que pela atual constituição

deveria abranger a todos, nega um direito social pelo fato de se restringir a um

grupo. Assim, a representação social dos sujeitos da pesquisa também legitima a

construção de políticas focalizadas. É importante acrescentar ainda que, se no plano

do discurso político do Programa já existe uma contradição de visar a um grupo em

detrimento a outro, na prática sequer esse grupo que o discurso diz atender (as

classes populares) é contemplado, no que diz respeito às suas aspirações em

estudar em uma IES pública e/ou em um curso desejado.

Nessa linha de raciocínio, nossa pesquisa revela que o fato de ter o ProUni, ou seja,

estar no ensino superior, não significa estar no curso desejado ou na instituição

desejada. Sabemos que, por inúmeros fatores, a porta da universidade pública, e,

sobretudo, dos cursos mais disputados, permanece fechada para amplos segmentos

da sociedade. Sabemos que algo precisa ser feito, que a luta política é muito

grande, em favor de privilégios, do assistencialismo e da negação dos direitos.

Dessa maneira, o ProUni enquanto uma política social, nega um direito social, já que

não se respalda em um princípio constitucional, isto é, na educação como direito de

todos e dever do Estado (Artigo 205 da Constituição de 1988).

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Pensando nisso, nosso estudo demonstrou que a democracia alicerçada na noção

de direitos é contrária a privilégios e carências. Diante disso, as constatações

apontam para a construção de uma esfera pública de decisões em que os sujeitos a

quem as políticas se direcionam sejam ouvidos. Isto é, onde os conflitos sejam

debatidos, valores e opiniões diversos sejam acolhidos e os interesses da população

sejam reconhecidos como direitos. Desse modo, se reconhecemos os indivíduos

como portadores de direitos, torna-se incoerente defender que a sua distribuição

deva favorecer um grupo em restrição a outro. Isso implica dizer que há necessidade

de criarmos argumentos que não desqualifiquem um grupo, tendo em vista aferir um

direito que, pelo princípio constitucional, abrange a todos. Contudo, importa, sim,

denunciarmos as condições materiais de existência que impedem que um

determinado grupo social exerça seu direito.

Como resultado da representação social do ProUni, nossa pesquisa permitiu colocar

em evidência, a vivência e sobrevivência coadunadas nos desejos e nas resistências

dos sujeitos que dele fazem parte. Em vista disso, o estudo sinaliza para o direito a

fazer uso do direito à educação. Esse deveria ser o mínimo que qualquer Estado

deveria cumprir, ou seja, garantir a todas as classes o direito de se educar em todos

os níveis que assim escolhessem, e que essa escolha não fosse impossibilitada por

suas condições materiais de existência. Assim, a que pese a dura realidade dos

estudantes e das reformas em curso, nosso estudo, a exemplo do fragmento da

música de João Bosco e Aldir Blanc, enfatiza que a esperança, ainda que esteja na

corda bamba, tem que continuar.

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APÊNDICE 1

QUESTIONÁRIO

Este questionário é parte da pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação

em Educação - PPGE/UFES, da linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e

Políticas Educacionais. O tema diz respeito às “Representações Sociais do

PROUNI”. Desse modo, objetivamos traçar o perfil socioeconômico e cultural dos

estudantes de ensino superior privado. Antecipadamente agradeço a sua

contribuição com minha pesquisa. Muito obrigada! Charlini Contarato Sebim (2007).

1-Identificação:

2- Onde cursou o ensino fundamental:

1( ) Todo na Escola Pública.

2( ) Todo ou maior parte em Escola Pública.

3( ) Todo na Escola Privada.

4( ) Todo ou maior parte em Escola Privada.

5( ) Todo ou maior parte em Cursos/Exames Supletivos.

3- Onde cursou o ensino médio:

1( ) Todo na Escola Pública.

2( ) Todo ou maior parte em Escola Pública.

3( ) Todo na Escola Privada.

4( ) Todo ou maior parte em Escola Privada.

5( ) Todo ou maior parte em Cursos/Exames Supletivos.

Nome: ________________________________________________________

Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

Idade: ________________________________________________________

Naturalidade: ___________________________________________________

Curso: ________________________________________________________

Reside em que cidade atualmente:__________________________________

Bolsista do PROUNI: 1( ) sim 2( ) não

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4- Ano de conclusão do ensino médio:_________________________________

5- Você freqüentou curso preparatório para processos seletivos:

1( ) Sim, por um semestre.

2( ) Sim, por um ano.

3( ) Sim, por mais de um ano.

4( ) Não.

6- Por quantas vezes tentou vestibular no ensino superior público: __________

7- Por quantas vezes tentou vestibular no ensino superior privado:__________

8- Estuda o curso desejado:

1( ) sim 2( ) não

9- Se não estuda o curso desejado, qual curso gostaria de

estudar:_________________________________________________________

10- Gostaria de estudar em uma instituição de ensino superior pública:

1( ) sim 2( ) não

11- Por quantas vezes tentou ingressar na UFES:________________________

12- Antes de ingressar no ensino superior privado, o que mais dificultou seu

ingresso:

1 ( ) situação socioeconômica

2( ) vestibular

3( ) outra. Qual?____________________________________________________

13- Atualmente cursando o ensino superior privado, possui alguma dificuldade:

1( ) não

2( ) sim. Qual?__________________________________________________

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14- Nível de instrução de sua mãe:

1( ) Nunca esteve na escola.

2( ) Ensino Fundamental incompleto.

3( ) Ensino Fundamental completo.

4( ) Ensino Médio incompleto.

5( ) Ensino Médio completo.

6( ) Curso de Ensino Superior incompleto.

7( ) Curso de Ensino Superior completo.

8( ) Pós-Graduação.

15- Nível de instrução de seu pai:

1( ) Nunca esteve na escola.

2( ) Ensino Fundamental incompleto.

3( ) Ensino Fundamental completo.

4( ) Ensino Médio incompleto.

5( ) Ensino Médio completo.

6( ) Curso de Ensino Superior incompleto.

7( ) Curso de Ensino Superior completo.

8( ) Pós-Graduação.

16- Situação atual da mãe ou responsável:

1( ) Emprego informal.

2( ) Trabalha em empresa privada.

3( ) Empresária.

4( ) Profissional liberal.

5( ) Servidora pública.

6( ) Desempregada.

7( ) Aposentada.

8( ) Outra. Qual?________________________________________________

17- Situação atual de seu pai ou responsável:

1( ) Emprego informal.

2( ) Trabalha em empresa privada.

3( ) Empresário.

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4( ) Profissional liberal.

5( ) Servidor pública.

6( ) Desempregado.

7( ) Aposentado.

8( ) Outra. Qual?________________________________________________

18- Tipo de atividade remunerada que exerce:

1( ) Não exerce atividade remunerada.

2( ) Exerce um trabalho eventual.

3( ) Trabalha em tempo parcial.

4( ) trabalha em tempo integral.

19- Indique sua participação na vida econômica familiar:

1( ) Não trabalha e seus gastos são financiados por sua família ou outras pessoas.

2( ) Trabalha, mas recebe ajuda financeira da família e de outras pessoas.

3( ) Trabalha e é responsável pelo seu sustento, não recebendo ajuda financeira de

outras pessoas.

4( ) Trabalha e é responsável pelo seu sustento, além de contribuir para o sustento

da família ou de outras pessoas.

5( ) Trabalha e é o principal responsável pelo seu sustento da família.

20- Renda mensal de sua família:

1( ) Até um salário mínimo.

2( ) Até dois salários mínimos.

3( ) Até cinco salários mínimos.

4( ) Até dez salários mínimos.

5( ) Acima de dez até vinte salários mínimos.

6( ) Acima de vinte salários mínimos.

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21- Número de pessoas que vivem da renda mensal de seu grupo familiar:

1( ) Uma

2( ) Duas

3( ) Três

4( ) Quatro

5( ) Cinco

6( ) Seis

7( ) Acima de seis

22- Seus pais moram em:

1( ) Pensão.

2( ) Residência alugada.

3( ) Residência própria.

4( ) Hotel.

5( ) Casa de parentes.

6( ) Outro tipo de moradia. Qual?____________________________________

23- Caso não more com seus pais, indique onde mora:

1( ) Pensão.

2( ) República.

3( ) Quarto alugado.

4( ) Residência alugada.

5( ) Residência própria.

6( ) Hotel.

7( ) Casa de parentes.

8( ) Outro tipo de moradia. Qual?____________________________________

24- Você considera o PROUNI:

1( ) muito ruim

2( ) ruim

3( ) bom

4( ) muito bom

5( ) ótimo

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25- Você acredita que o PROUNI possa mudar a vida dos estudantes oriundos do

ensino público?

1( ) sim

2( ) não

26- Apenas para estudantes bolsistas do PROUNI. Gostaria de ter ingressado no

ensino superior de outra maneira?

1( ) sim 2( ) não

27- Apenas para estudantes bolsistas do PROUNI. Como se sente sendo um

estudante bolsista?

1( ) muito mal

2( ) mal

3( ) bem

4( ) muito bem

5( ) ótimo (a)