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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA DA PENHA DOS SANTOS DE ASSUNÇÃO A ALFABETIZAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO (DÉCADA DE 1870) VITÓRIA 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA DA PENHA DOS SANTOS DE ASSUNÇÃO

A ALFABETIZAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

(DÉCADA DE 1870)

VITÓRIA2009

MARIA DA PENHA DOS SANTOS DE ASSUNÇÃO

A ALFABETIZAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

(DÉCADA DE 1870)

Dissertação apresentada por Maria da Penha dos Santos de Assunção ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa: Educação e Linguagens.Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Maria Mendes Gontijo

VITÓRIA

2009

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Maria da Penha dos Santos de Assunção

FALTA COMPLETAR

Orientadora: Claudia Maria Mendes Gontijo.Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação.

MARIA DA PENHA DOS SANTOS DE ASSUNÇÃO

A ALFABETIZAÇÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO (DÉCADA DE 1870)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Aprovada em____de ____________de 2009.

COMISSÃO EXAMINADORA

Professora Drª Cláudia Maria Mendes GontijoUniversidade Federal do Espírito Santo

____________________________________________________

Professora Drª Cleonara Maria SchwartzUniversidade Federal do Espírito Santo

Professora Drª Regina Helena SimõesUniversidade Federal do Espírito Santo

Professora Drª Isabel Cristina da Silva FradeUniversidade Federal de Minas Gerais

___________________________________________________

AGRADECIMENTOS

Ao meu amado esposo Antônio Luis pela parceria e disposição em viabilizar a caminhada e ao meu filho Daniel pelo sorriso e pelas palavras tão carinhosas e especialmente pelo conforto nos momentos mais difíceis: “Mamãe não chore, se o dever não está certo é só fazer outra vez e pronto, se você fizer certo Cláudia vai ficar feliz e você vai acabar logo. Quando meu dever está errado eu quero chorar, mas eu não choro, faço novamente.

A Deus, pela oportunidade de obter conhecimentos tão importantes e significativos e pelo refrigério nos momentos da escrita. A minha irmã Adriane pela alegria em participar da minha conquista.

Aos meus amigos pelas orações e à minha amiga Geane pela grandiosidade da sua amizade.

Á Luis Alberto Campos pela alegria e estímulo a essa tão importante conquista.

Aos profissionais do CMEI Dr. Denizart Santos pela amizade e companheirismo.

Aos diretores Helder e Algustavo pela amizade e pelo empenho em viabilizar os horários para que eu pudesse pesquisar os dados e concluir o trabalho.

À Secretaria Municipal de Educação de Vitória por viabilizar a concretização deste projeto.

À Nalva pela amizade, pelo partilhamento dos desafios e também por gestos tão calorosos e acolhedores a minha temática.

Aos professores do Curso de Mestrado, em especial, às professoras Cleonara Maria Schwartz , Regina Helena Simões e Vânia Carvalho de Araújo pelas reflexões acerca da educação e da história da criança ao longo dos séculos.

À professora Isabel Cristina Frade por sua participação na banca de defesa.

À minha professora Cláudia Maria Mendes Gontijo por ter mantido uma postura ética, por dialogar sobre as possibilidades de avançar na pesquisa e especialmente por conduzir a mediação fazendo-me compreender a necessidade de manter uma postura de humildade diante do conhecimento acadêmico e especialmente por mediar a trajetória instigando-me a aprimorar as análises.

Dialogar com a experiência do outro, eis um dos grandes desafios da História. Expandir a experiência humana, eis uma das belezas da história.

JOSÉ GONÇALVES GONDRA

RESUMO

A dissertação integra a produção da linha de pesquisa Educação e Linguagens

do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo e do grupo de pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita, que

também tem como foco investigar a alfabetização na história da educação da

província/Estado do Espírito Santo. Toma como referência em suas análises a

perspectiva histórico-cultural e a concepção bakhtiniana de linguagem

abordando especificamente a noção de texto, que segundo Bakhtin (2003) “e

um dado primário de análise de todas as disciplinas”. A pesquisa tem como

principal objetivo estudar a alfabetização na província do Espírito Santo na

década de 1870 investigando se os discursos oficiais reformistas acerca da

alfabetização contribuíram para a constituição de “novos” métodos e práticas

de ensino da língua que rompessem com modelos baseados no trabalho com

as unidades mínimas da língua. Adota o estudo documental como opção

metodológica. Parte do pressuposto de que os textos constituídos nos

documentos quando são interrogados produzem significados que permitem

reconstruir a história do ensino da língua, pois na concepção bakhtiniana, os

textos têm relação com o contexto de produção, e portanto evidenciam que a

linguagem possui um caráter dialógico. Esse dialogismo conforme nos aponta

Bakhtin (2003) compreende que o texto constituído em um documento é o

diálogo de muitas vozes que se enunciam. A partir da análise de documentos

pertinentes a educação na província do Espírito Santo na década de 1870,

pudemos perceber que apesar de todo o discurso reformista acerca do ensino

da leitura e da escrita, os regulamentos pertinentes a instrução pública da

província deram continuidade ao uso de materiais de ensino as práticas de

ensino pelo método sintético, e que, embora houvesse sucessivas ocorrências

de discursos em prol a escolarização de toda a população, as crianças em

idade escolar não foram atendidas.

Palavras-chave: Alfabetização. Métodos de ensino. Livros de leitura.

ABSTRACT

The essay integrates a work from Espirito Santo Federal University program of

Posgraduate study in Education and Language and Alphabetization, Read and

Written research group. Aim to investigate the alphabetization practices in the

state based in a historical-cultural perspective and the bakhtinian conception of

language. Its main goal is understand the learning of the written language by

two deaf children of the second grade, in an elementary and municipal school of

Vitória, state of Espírito Santo. Adopts an ethnographic study case as a

methodological option. Presuppose that the sign language is enunciative and

discursive, thus, the deaf children can learn the written language by their

insertion in dialogical activities. From the analysis of three significant events,

favoring the textual production in sign language, activities about the written

system and written textual production, it concludes that the mediation through

sign language and the written one as mnemonic resource is considered

permanent condition to be successful in the written production, due to not be

possible for deaf children establish the reaction between phoneme and

grapheme. Children produce their texts based in shared experiences, that way

memory it stands out the as a very important function in the process. It

considers the school education as fundamental in the process, concluding that

subject conceptions and the teacher language determine the possibilities of

learning of the deaf children.

Keywords: Mediation. Deafness. Alphabetization.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………....................................................................................15

2 BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS...................................................20

2.1 BASES METODOLÓGICAS.......................................................................20

3 A INSTRUÇÃO PÚBLICA PRIMÁRIA NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO

SANTO NA DÉCADA DE 1870.................... ......................................................44

3.1 A 3.1 A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL E NO MUNICÍPIO DA

CORTE..............................................................................................................50

3.2 A INSTRUÇÃO PÚBLICA ELEMENTAR NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO

SANTO ..............................................................................................................59

3.2.1 O regulamento de 1861..........................................................................65

3.2.2 O regulamento de 1873..........................................................................72

3.2. 3 O regulamento de 1877.........................................................................82

4 RECONSTRUINDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO NA PROVÍNCIA DO

ESPÍRITO SANTO NA DÉCADA DE 1870: DIALOGANDO COM OS TEXTOS E

MATERIAIS DE ENSINO ..................................................................................87

4.1 O MÉTODO SIMULTÂNEO ..........................................................................97

4.2 O MÉTODO MÚTUO...................................................................................111

4.2 O MÉTODO MISTO.....................................................................................113

4.4 OS MATERIAIS IMPRESSOS DESTINADOS AO ENSINO DA LÍNGUA QUE

CIRCULARAM NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA DÉCADA DE

1870...................................................................................................................124

4.4.1 As propostas de Abílio César Borges.................................................132

4.42 O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua

materna.............................................................................................................134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 162

1 INTRODUÇÃO

Os resultados da nossa pesquisa integram um conjunto de estudos orientados

pela professora Dr.ª Cláudia Maria Mendes Gontijo, na linha de pesquisa

Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Espírito Santo, com a finalidade de investigar a

alfabetização no Espírito Santo. Atualmente, como resultado de um esforço

coletivo, temos os seguintes trabalhos concluídos: A alfabetização na história

da/o Província/Estado do Espírito Santo (1870-1920) de autoria de Cláudia

Maria Mendes Gontijo, A Alfabetização na história da educação do Espírito

Santo no período de 1924 a 1938, de autoria de Silvia Cunha Gomes, A

alfabetização e as práticas das professoras (1950): uma contribuição para a

história da educação no Espírito Santo, de autoria de Dulcinéa Campos, e um

ultimo trabalho de Neusa Balbina de Souza com o título As práticas de

alfabetização no município de Linhares nos anos de 1960. Assim, este estudo

compõe esse conjunto de trabalhos que tem buscado compreender a história

da alfabetização no Espírito Santo.

Por um lado, os estudos sobre a alfabetização no século XIX têm apontado a

importância de focarmos esse século, na expectativa de entendermos as

origens históricas das atuais práticas de ensino da leitura e da escrita. Por

outro lado, os estudos de Gontijo (2008), que, também, investigou a década de

1870, evidenciam a necessidade de aprofundamento de estudos sobre essa

década, principalmente, porque ela é fértil em debates que acentuam a

necessidade de prover a alfabetização com “novos” métodos de ensino que

atingissem resultados satisfatórios. Apesar da existência de um discurso

“inovador”, em 1871, foi regulamentado o ensino mútuo no Espírito Santo,

modelo de ensino que já havia sido adotado sem obtenção de resultados

satisfatórios.

O interesse pela abordagem histórica da alfabetização está relacionado a

nossa própria experiência profissional. Tivemos contato com a escola, pela

primeira vez, no ano de 1974. Iniciamos a aprendizagem da leitura e da escrita

no Grupo Escolar “Coronel Gomes de Oliveira”, na cidade de Anchieta, ES. O

método utilizado pela professora para ensinar foi o “Método da Abelhinha”. O

ensino da leitura e da escrita era iniciado pela memorização das letras e seus

respectivos sons. Mais tarde, quando nos constituímos professora

alfabetizadora, tivemos conhecimento de outros métodos de alfabetização que,

também, eram embasados nas unidades mínimas da língua escrita e oral.

Sempre as letras e os fonemas ou as sílabas serviam de base para iniciar o

ensino da leitura e da escrita. A partir dos trabalhos de Cagliari (1999) e de

Gontijo (2005), percebemos a importância de privilegiar o texto como unidade

de ensino na alfabetização. Apesar de não termos desenvolvido esse tipo de

trabalho com as crianças com as quais trabalhamos, começamos, então, a nos

interessar pelo estudo dos métodos de ensino da leitura e da escrita e

percebemos que alguns modelos atuais de alfabetização tinham suas “origens”

em práticas ou métodos desenvolvidos no século XIX.

Em nosso trabalho, considerando os resultados dos estudos realizados e as

fontes disponíveis, no momento de realização deste estudo, nos propusemos

investigar a alfabetização na década de 1870. Assim, objetivamos analisar se

os discursos oficiais acerca da alfabetização contribuíram para a constituição

de “novos” métodos e práticas de ensino da língua que rompessem com

modelos baseados no trabalho com as unidades mínimas da língua. Nessa

direção, analisamos os regulamentos, os textos jornalísticos e outros materiais

manuscritos e impressos referentes ao ensino da língua na província do

Espírito Santo.

Durante o trabalho de reunião das fontes, tivemos dificuldades de acesso a

algumas que estão sob a responsabilidade do Arquivo Público do Estado do

Espírito Santo e da Biblioteca Pública Estadual de Vitória, ES. Essas duas

instituições estavam em reforma no momento de nossa coleta de dados. Além

disso, as fontes localizadas no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

estão dispersas, o que inviabilizou a coleta de alguns dados importantes.

Segundo Gontijo (2008), isso evidencia a falta de políticas públicas de

valorização da memória da Educação no Espírito Santo. Diante dessas

dificuldades, recorremos à Academia Espírito-Santense de Letras, à Biblioteca

Nacional no Rio de Janeiro e à Biblioteca da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais.

Na busca de trabalhos que pudessem contribuir para a constituição de nossa

pesquisa, dialogamos com produções acadêmicas e científicas em torno da

historiografia da alfabetização, com a finalidade de compreender como o tema

investigado neste estudo tem sido tratado nos trabalhos acadêmicos. Desse

modo, analisamos os trabalhos de Mortatti (2000), Trindade (2002), Maciel e

Frade (2006), Peres (2006), Amâncio e Cardoso (2006), Schwartz e Falcão

(2005), Gontijo (2008) e Gomes (2008). Os três últimos trabalhos se referem a

pesquisas historiográficas acerca do ensino da leitura e da escrita na

Província/Estado do Espírito Santo nos séculos XIX e XX. Os outros trabalhos

fazem referência à historiografia da alfabetização em diferentes estados

brasileiros. São pesquisas significativas que nos permitiram compreender a

forma de organização do antigo ensino primário no país e, ao mesmo tempo,

evidenciaram aspectos relevantes ao desenvolvimento da alfabetização que

nos ajudaram a compreender as fontes analisadas neste trabalho.

Este relatório de pesquisa está dividido em cinco partes, considerando-se a

introdução uma delas. Na segunda, delineamos os aspectos teórico-

metodológicos que fundamentaram nossas análises. Na terceira, iniciamos a

análise dos dados, evidenciando, em primeiro lugar, a organização da instrução

pública primária do Espírito Santo no recorte temporal que nos dispusemos a

estudar. Constituímos o referido capítulo fazendo uma breve análise da

instrução pública no Brasil e no município da Corte e, depois, analisamos a

situação do ensino público no Espírito Santo. Nesse aspecto, tivemos o

cuidado de evidenciar a situação das escolas, a formação dos professores de

ensino da língua e os métodos de alfabetização adotados na província.

Sentimos a necessidade de recorrer a décadas anteriores a 1870, no intuito de

melhor compreender e analisar os dados pertinentes à historiografia da

alfabetização no Espírito Santo.

Na quarta parte, apresentamos uma análise mais “detalhada” acerca dos

materiais utilizados nas escolas nos momentos de ensino da língua. Nessa

direção, evidenciamos os suportes utilizados nas aulas de alfabetização e, ao

mesmo tempo, demonstramos as dificuldades de aquisição desses suportes

por parte dos alunos e dos professores. Na constituição do referido capítulo,

tivemos o cuidado de relacionar o uso dos materiais com os métodos de ensino

adotados, sem perder de vista o caráter socioideológico presente no contexto

espacial e temporal que optamos por estudar.

Na última e quinta parte, apresentamos nossas considerações acerca dos

resultados do estudo. Por ultimo, agrupamos nossas referências bibliográficas

e os anexos constituídos por documentos como regulamentos e outros textos

impressos e manuscritos utilizados no corpus da pesquisa.

2 BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Neste capítulo, abordamos os pressupostos teóricos e metodológicos que

embasaram o nosso estudo sobre a alfabetização. Assim, discutiremos,

sucintamente, como compreendemos a alfabetização, a visão de história que

orienta este estudo e a concepção de texto, pois o corpus desta pesquisa se

constituiu de textos impressos e manuscritos produzidos no período eleito para

estudo.

Graff (1994) e Gumperz (1991) assinalam que a alfabetização é um fenômeno

socialmente construído. Apesar de essa idéia ter sido acentuada mais

fortemente em Gumperz, os dois autores procuram analisar as práticas de

aprendizagem e o ensino da língua como um fenômeno que não se restringe à

simples aquisição da leitura e da escrita.

Graff (1994), em seus estudos, critica o ideário liberal que concebe a

alfabetização diretamente ligada ao desenvolvimento, portanto como motor do

desenvolvimento social, individual e econômico. Para esse autor, os “mitos”

sobre os poderes da alfabetização a reduz à funcionalidade e, ao mesmo

tempo, retiram-lhe o caráter histórico e social. Nesse sentido, a sociedade e,

mais especificamente, os políticos acabam tendo a alfabetização como uma

causa de sucesso ou de fracasso. Uma espécie de condição necessária à

própria saúde social, alargando, desse modo, enormemente os benefícios

advindos da alfabetização,

[...] Mal compreendida em decorrência da tirania do mito da alfabetização e outros mitos sociais e culturais. Os significados e contribuições da alfabetização têm sido equivocados, daí as discussões sobre o assunto são superficiais [...] (GRAFF, 1994 p. 27).

Com base nessa afirmativa, o autor entende que os “mitos” em torno dos

benefícios da alfabetização culminam em expectativas exageradas por parte

dos governantes que promovem campanhas de alfabetização, em nossa

opinião, descontínuas e contraditórias. O discurso sobre os poderes da escola

são frequentes na década de 1870. O trecho “[...] A escola forma a alma, a

família, o coração [...]”, publicado no jornal O Espírito-Santense, de 6 de

fevereiro de 1871, evidencia que a escola forma valores morais que garantem o

desenvolvimento da sociedade. Assim, “[...] A instrucção popular é a primeira

luz que ilumina os espíritos, é o poderoso martelo que quebra as cadeias da

ignorância, a mais cruel das escravidões, é o pão e a água da vida intelecttual

[...]” (O ESPÍRITO-SANTENSE, 1871, p. 1).

Como mencionado, Graff critica o poder atribuído à alfabetização, pois tal

soberania “ignora o papel vital da alfabetização no contexto sócio-histórico"

(GRAFF, 1994, p. 28). O autor aponta ainda que

O principal problema nos esforços para estudar a alfabetização, seja no passado, seja no presente, é o da reconstrução dos contextos de leitura e escrita; como, quando, onde, por que e para quem a alfabetização foi transmitida; os significados que lhe foram atribuídos; os usos que dela foram feitos; as demandas colocadas sobre as habilidades alfabéticas; os graus nos quais essas demandas foram satisfeitas; a extensão da restrição social na distribuição e difusão da alfabetização; e as diferenças reais e simbólicas que emanaram da condição social do “ser alfabetizado” entre a população (GRAFF, 1994, p. 34).

Conforme assinala o autor, a perspectiva desenvolvimentista não pode mais

explicar a alfabetização. Cook-Gumperz (1991) também discute os mitos que

permeiam a alfabetização, chegando a assinalar que, para muitos, esta ainda é

vista como "barômetro do clima social". Nos questionamentos da autora, está

presente uma crítica à alfabetização escolarizada, que vê os sujeitos que

procuram a escola como totalmente desprovidos de conhecimentos.

Partindo dessa premissa, a cultura escolar se sobrepõe à do sujeito sem

escolarização, desvalorizando o seu conhecimento, descontextualizando e/ou

abstraindo sua linguagem não escolarizada. A supremacia da alfabetização vai

se reelaborando na escola, selecionando aptos e inaptos. Experiências

linguísticas externas ao ambiente controlador da escola têm peso menor se

comparadas ao que a escola diz poder proporcionar. A cultura escrita invalida

os conhecimentos domésticos, especialmente os de cunho oral. Desse modo,

assim como Graff (1994), a autora considera que

A alfabetização não pode ser julgada separadamente de alguma compreensão das circunstâncias sociais e tradições históricas especificas que afetam o modo como esta capacidade enraíza-se numa sociedade. Quando investigamos como a escolarização é usada para obter-se a alfabetização, somos ainda mais levados a fazer julgamentos sobre os valores que ela cria (GUMPERZ, 1991, p. 29).

De acordo com a autora, pressupor que a escolarização pública e gratuita vai

resolver os problemas sociais é acreditar numa história do ensino da língua que

não leva em conta os valores ideológicos sobre os quais se assentam os

discursos em torno da alfabetização escolarizada. Nesse sentido, a partir da

concepção de alfabetização como fenômeno sócio-histórico, acentuamos,

conforme assinala Bloch (2001, p. 227), que "a história é uma coisa em

movimento".

Além disso, ao discutir sobre a serventia da história, esse autor salienta que a

sua preocupação não é dizer se ela é passado/presente, mas que a história se

constitui em "um esforço para um melhor conhecer" (BLOCH, 2001, p. 80).

Segundo Bloch (2001, p. 83-85), existem duas maneiras de se debruçar sobre

a história. Uma delas tem amparo na Sociologia de Durkhein e tem a faculdade

de ver a história como ciência do homem. Todavia Bloch prefere avançar nessa

proposta, pois entende a história como a “ciência do homem no seu tempo”. A

outra face da história menospreza o historiador e o coloca na classificação de

"historiador historizante". Isso, na visão de Bloch (2001, p. 73), "[...] é uma

alcunha injuriosa e reduz a essência da história à negação de suas

possibilidades [...]". Na sua perspectiva, o historiador analisa a própria ação do

homem.

Considerando os estudos de Bloch (2001), entendemos a História como ciência

que estuda os seres humanos no seu tempo. Segundo Bloch (2001, p. 82):

Por detrás dos traços sensíveis da paisagem, [dos utensílios ou das máquinas], por detrás dos documentos escritos aparentemente mais glaciais e das instituições aparentemente mais distanciadas dos que a elaboraram, são exatamente os homens que a história pretende apreender. Quem não conseguir será, quando muito e na melhor das hipóteses, um servente da erudição. O bom historiador, esse, assemelha-se ao monstro da lenda. Onde farejar carne humana é que está a sua caça.

Assim, a alfabetização é uma criação humana, portanto um fenômeno sócio-

histórico, e só pode ser entendida dessa forma por aqueles que desejam

estudá-la no presente ou no passado.

2.1 BASES METODOLÓGICAS

Conforme anunciamos, nosso corpus se constituiu de documentos impressos e

manuscritos referentes à instrução pública no Espírito Santo na década de

1870. Nesse contexto, é importante ressaltar, de acordo com Bakhtin (2000),

que o texto é uma realidade imediata do pensamento e da emoção. "[...] Onde

não há texto, também não há objeto de estudo e de pensamento [...]"

(BAKHTIN, 2000, p. 329). Desse modo, entendemos os documentos

analisados, neste estudo, como textos. Segundo Barros, os textos são “como

elos na cadeia histórica na cadeia discursiva”. [...] supõem tanto relações

dialéticas entre textos e seus sentidos quanto relações dialógicas entre textos e

seus sujeitos, já que os sentidos se distribuem por diferentes vozes [...]

(BARROS, 1999, p. 42).

Para a composição do corpus de nosso trabalho, utilizamos a pesquisa

documental. Ressaltamos que estamos trabalhando com fontes primárias e

secundárias. De acordo com Richardson (2007, p. 253), as fontes primárias

propiciam a “aproximação” com o acontecimento. Segundo o autor, essas

fontes minimizam a interferência “entre o registro e o acontecimento”. Ele

explicita que as fontes não garantem a veracidade das ocorrências. Nessa

direção, suas ponderações nos fizeram compreender que os escreventes dos

textos que analisamos não foram sujeitos imparciais, mas sujeitos situados,

que manifestaram suas opiniões e posicionamentos. Por isso, examinamos os

registros observando o contexto educacional do período delimitado para

entender os atravessamentos no texto.

Quanto às fontes secundárias, Richardson (2007, p. 253) assinala que estas

não têm relação direta com o acontecimento registrado. Segundo o autor, “[...]

Na fonte secundária existe pelo menos outra pessoa que participa na geração

da informação [...]” (RICHARDSON, 2007, p. 254). Esse aspecto discutido por

Richardson (2007) nos leva a ressaltar que tanto as fontes primárias quanto as

secundárias são importantes, pois ambas se tornam textos reelaborados no

momento da análise.

O trabalho de reunião, organização e análise das fontes documentais seguiu

etapas. Inicialmente, buscamos verificar no Arquivo Público Estadual,

localizado em Vitória, ES, se existiam documentos pertinentes ao período

investigado. Concomitantemente a esse procedimento, realizamos buscas de

documentos na Academia Espírito-Santense de Letras e na Biblioteca Pública

do município de Vitória, ES. A partir dessa primeira busca, observamos que

existiam alguns documentos imprescindíveis a nossa pesquisa, mas também

percebemos que alguns desses materiais estavam dispersos e ainda não

estavam disponibilizados para análise. Todavia prosseguimos no nosso intento,

pois também observamos que os documentos disponíveis eram suficientes.

Na expectativa de fortalecer nosso trabalho com a leitura de materiais

complementares, visitamos a Biblioteca Central da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES), onde encontramos bibliografias pertinentes ao nosso

trabalho. Também visitamos páginas da internet (principalmente, o site da

CAPES1), com a finalidade de identificar as produções acadêmicas que tratam

da história da alfabetização.

Durante a coleta de dados, o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

passou por reformas. Essas reformas resultaram na mudança do local de

funcionamento do Arquivo. Após a mudança de endereço, aconteceram

“modificações” de ordem organizacional no fornecimento de materiais, que

incidiram negativamente na coleta, pois os materiais deixaram de ser

disponibilizados diariamente, passando a ser disponibilizados quinzenalmente.

Não bastando essa dificuldade, a disponibilização de materiais manuscritos foi

interrompida. Diante disso, recorremos à Biblioteca Pública do Estado e à

Academia Espírito-Santense de Letras, que, também, estavam passando por

reformas. Mesmo assim, conseguimos coletar alguns dados na Academia de

1 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Letras, com a ajuda do presidente da instituição, professor Dr. Francisco

Aurélio Ribeiro.

Com muitas dificuldades, conseguimos reunir documentos oficiais e textos

jornalísticos. Os regulamentos da instrução pública no Espírito Santo já faziam

parte do acervo pessoal da Drª. Cláudia Maria Mendes Gontijo. Desse modo,

foram disponibilizados imediatamente. Pesquisamos alguns documentos na

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e na Biblioteca do CEALE, localizada na

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde

encontramos documentos importantes como livros de ensino da leitura e da

escrita utilizados no Espírito Santo.

Após a reunião das fontes, organizamos o conjunto de fontes documentais

pertinentes à época. Na tentativa de capturar detalhes sobre o funcionamento

das escolas de primeiras letras da província e, por conseguinte, analisar os

programas, os materiais e os métodos de ensino da língua regulamentados,

agrupamos os documentos segundo suas especificidades:

1. regulamentos imperiais e provinciais: regulamentos pertinentes ao

funcionamento das escolas de primeiras letras da província do Espírito

Santo e das demais escolas da província e regulamentos específicos de

funcionamento da escola normal da província em estudo e do

funcionamento das escolas de instrução primária, anexas à escola

normal;

2. documentos oficiais epistolares: mensagens dos ministros de ministérios

imperiais (Ministério da Guerra, Ministério de Fazenda),

correspondências das autoridades imperiais responsáveis pela compra

de materiais (Tesouraria da Fazenda e Diretoria da Instrução Pública na

província);

3. relatórios de visitas e de inspeção das escolas de primeiras letras

(termos de visita dos delegados literários e relatórios dos inspetores das

escolas das províncias);

4. mapas: mapas das escolas da província, com o quantitativo de

matrículas, os números de sujeitos alfabetizados e analfabetos, de

escolas da província e de escolas de primeiras letras. Os mapas

mostram, ainda, a situação de provimento de cargos dos professores e o

número de profissionais alfabetizados que trabalhavam na província;

5. textos jornalísticos: textos de jornais em que se evidenciam as

concepções de ensino, infância e alfabetização (artigos, poesias,

relatórios, discursos proferidos pela Câmara dos Deputados da província

do Espírito Santo, pareceres dos inspetores das comarcas referentes à

instrução pública na província);

6. livros completos: o livro de autoria de Cellestin Hippeau, datado de 1870,

referente à instrução nos Estados Unidos, para “compreensão” de

práticas de ensino utilizadas naquele país. Livros didáticos utilizados nas

escolas da província nas aulas de ensino da leitura e da escrita.

Diccionário histórico, geográphiico e estatístico da província do Espírito

Santo, datado de 1878, de autoria de Cezar Augusto Marques. Essa

obra nos permitiu estabelecer as relações entre as atividades

socioeconômicas da província e os modos de organização da instrução

primária nela existente;

7. listas: relações de materiais de uso do aluno e do professor solicitados e

enviados aos professores das escolas da província.

Após a reunião e a organização das fontes primárias, iniciamos a análise dos

textos. É importante ressaltar que, durante a reunião das fontes, utilizamos

uma câmera digital para fotografar os documentos, fizemos cópia manual de

outros que não podiam ser fotografados e usamos cópia xerocopiada dos

microfilmes dos jornais que circularam na província.

Na etapa posterior à organização das fontes, procedemos à leitura de todo o

material e, finalmente, constituímos nosso relatório de pesquisa a partir de

materiais coletados e da bibliografia pertinente.

3 A INSTRUÇÃO PÚBLICA PRIMÁRIA NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO

SANTO NA DÉCADA DE 1870

Neste capítulo, discutiremos a educação primária no Brasil e na província do

Espírito Santo na década de 1870. Tentaremos contextualizar o ensino da

leitura e da escrita a partir da análise da organização e do funcionamento da

instrução primária no período.

Levando em conta as ideias de Bakhtin (1987), quando ele diz que nenhuma

palavra é nossa, é importante ressaltar que não estamos dizendo nada pela

primeira vez. Enfatizamos que nossas palavras já foram ditas por outras

pessoas em outros contextos, com outras finalidades ou mesmo com objetivo

semelhante ao nosso, ou seja, o de estudar a alfabetização. Nessa direção,

estamos nos apropriando de um discurso constituído por sujeitos que possuem

valores e crenças ideológicas e, dessa forma, tornando esse discurso também

nosso.

Contextualizamos a instrução primária na província do Espírito Santo,

considerando a situação da instrução da educação no Brasil. Tomamos como

base Saviani (2006 e 2008), Gontijo (2008), Oliveira (2008), Vidal e Filho

(2005), Cambi (1999), Coutinho (1993) e Holanda (1972) para fazer essa

contextualização. Ressaltamos que utilizamos também outros estudos de

extrema relevância, cujos autores serão mencionados ao longo deste texto.

Analisamos os documentos oficiais (relatórios dos presidentes) pertinentes à

instrução pública primária do Espírito Santo na década que nos propusemos a

estudar. Tentamos ler esses documentos cruzando-os com dados de outros

documentos manuscritos e com a leitura bibliográfica destacada anteriormente.

Vale mencionar que, ao analisarmos as fontes, procuramos não nos

aprisionarmos na contemporaneidade ou no passado, pois, como assinala

Bakhtin (2003, p. 362), “[...] Quando tentamos interpretar e explicar uma obra

apenas a partir das condições de sua época, ou apenas das condições da

época mais próxima, nunca penetramos nas profundezas de seus sentidos

[...]”.

A partir da citação de Bakhtin (2003), podemos concluir que os discursos são

entrelaçados ao contexto cultural do sujeito que com eles dialoga. As fronteiras

temporais são rompidas para que possa haver o encontro entre as vozes dos

sujeitos que escreveram as obras em séculos anteriores com as vozes dos

sujeitos que ora dialogam com os textos na contemporaneidade:

[...] As obras dissolvem as fronteiras da sua época, vivem nos séculos, isto é, no grande tempo, e, além disso, levam frequentemente (as grandes obras, sempre) uma vida mais intensa e plena que em sua atualidade [...] (BAKHTIN, 2003, p. 362).

Assim, como aponta Bakhtin, a obra possui uma vida intensa no contexto em

que foi produzida, mas rompe as fronteiras do tempo, instaurando diálogos que

nos permitem, certamente, compreender o presente e, também, como assinala

Graff (1987), pensar o futuro. Tendo em vista, ainda, a necessidade de

contextualizar a alfabetização no período por nós delimitado é que nos

propusemos a escrever este capítulo.

3.1 A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL E NO MUNICÍPIO DA CORTE

Discorrer sobre a instrução primária na década de 1870 significa, antes de

tudo, lembrar que, segundo Holanda (1972), oito décimos da população

brasileira não sabiam ler e escrever. Nesse período, há um amplo debate sobre

a instrução pública, mas as políticas públicas eram deficitárias. Esse autor

assinala que a Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro se reuniu, no dia 29

de maio de 1875, para discutir a reforma da educação. A discussão girava em

torno do voto dos analfabetos.

De acordo com Holanda (1972, p. 213-220), ao analisar a deficiência no ensino

brasileiro, um dos fatores que contribuíram para a inércia em relação à

instrução primária foi o próprio descaso com o quantitativo de pessoas que não

sabiam ler e escrever. Além disso, muitos políticos pareciam “desconhecer” o

número de analfabetos. Em um dos debates sobre a exclusão dos votos dos

analfabetos, no ano de 1871, alguns ministros do Império tratavam o assunto

sem perceberem a gravidade do problema do analfabetismo:

A crítica às tentativas de exclusão dos analfabetos não era novidade. Formulara-a até Francisco Otaviano, antes se batera por essa

exclusão, mas depois mudou de parecer, quando se lembrou, ou lembraram-lhe, de que só um oitavo da população do Império sabia ler e escrever. Tamanha ignorância parecia-lhe lamentável (HOLANDA, 1972, p. 213).

Na data de 6 de julho de 1871, o jornal O Espírito-Santense divulgou o número

de alunos matriculados nas escolas brasileiras. Os dados foram coletados no

censo de 1867. Analisando os resultados, percebemos que todas as províncias

enfrentavam dificuldades com relação aos altos índices de analfabetismo.

Províncias População livre Alunos Relação entre

alunos e a

população1ª Alagoas 250.000 5.234 1 aluno por 472ª Ceará 520.000 10.412 1 aluno por 493ª S. Catharina 190.000 3.474 1 aluno por 544ª S. Pedro do Rio

Grande do Sul 550.000 9.884 1 aluno por 565ª Pará 335.000 5.408 1 aluno por 616ª Sergipe 285.000 4.321 1 aluno por 657ª Paraná 110.000 1.571 1 aluno por 708ª Parayba 260.000 3.407 1 aluno por 769ª Maranhão 450.000 5.623 1 aluno por 80*10ª Pernambuco, Rio

de Janeiro e Corte *970.000 *11.189 *1 aluno por 8611ª Espírito Santo 90.000 986 1 aluno por 9112ª São Paulo 825.000 7.791 1 aluno por 10513ª Minas Gerais 1.440.000 13.079 1 aluno por 11614ª Bahia 1.170.000 10.016 1 aluno por 11615ª Rio G. do Norte 235.000 1.871 1 aluno por 12516ª Amazonas 95.000 740 1 aluno por 12817ª Mato Grosso 95.000 718 1 aluno por 13218ª Piauhy 230.000 1.199 1 aluno por 16119ª Goyaz 210.000 1.153 1 aluno por 208Figura 1- Mapa da instrução pública no Brasil apresentado no relatório do ministro do Império em 1870. Fonte: Jornal O

Espírito-Santense, 30 de junho de 1871.

De acordo com os dados, o Espírito Santo possuía 90.000 habitantes livres e

apenas 986 alunos. Ressaltamos que o referido mapa espelha apenas o ensino

escolarizado, mas, segundo Vidal e Filho (2005, p. 45-46), em Minas Gerais,

por exemplo, no século XVIII e XIX, existia uma rede de escolarização

doméstica 2 que foi se constituindo a partir da iniciativa dos pais, que, muitas

vezes, contratavam professores para lecionar para seus filhos. O contrato era

feito coletivamente com os demais chefes de família. Segundo os autores,

2 A rede de escolarização doméstica abrangia as crianças de famílias abastadas.

[...] têm-se indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou seja, do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita e do cálculo, mas, sobretudo daquela primeira, atendia a um número de pessoas bem superior ao da rede pública estatal. Essas escolas (às vezes chamadas de particulares, outras vezes de domésticas), ao que tudo indica, superavam em número, bem avançado até o século XIX, àquelas escolas cujos professores mantinham vínculo direto com o Estado [...] (VIDAL E FILHO, 2005, p. 45).

No Espírito Santo, não conseguimos dados sobre essa rede doméstica, mas

sabemos que ela existiu. Porém não podemos dizer que, no século XIX, a sua

existência contribuiu significativamente para aumentar os índices de

alfabetismo na província. Os mapas apresentados por Marques (1878), autor

do Dicionário histórico geographico e estatistico da província do Espírito

Santo, pertinentes à instrução pública e outras atividades sociais na província,

evidenciam um grande número de sujeitos que não sabia ler e escrever ao final

da década de 1870. Além disso, essa rede era constituída somente por famílias

mais abastadas, que podiam oferecer esse tipo de ensino aos seus filhos. A

maior parte da população não se beneficiava do ensino doméstico, porque as

condições econômicas das pessoas eram deficitárias. Conforme evidenciam os

mapas que fazem parte do anexo 1, apresentados por Marques (1878),

pertinentes à atividade econômica da província, observamos um número muito

reduzido de pessoas que exerciam profissões remuneradas. A maior parte das

pessoas trabalhava na lavoura e nos serviços domésticos. As atividades

agrícolas não tinham outro fim, senão a própria subsistência das famílias.

Podemos afirmar que os problemas do analfabetismo no País, na década de

1870, resultaram, em grande medida, do desinteresse, por parte dos

governantes, pela educação da população brasileira. Desde 1549, momento da

chegada dos jesuítas, a falta de prédios escolares, a baixa remuneração dos

professores, a ausência de materiais e a adoção de metodologias de ensino

inconsistentes eram problemas recorrentes. Nem mesmo o período pombalino

perpassado pelos ideais iluministas conseguiu melhorar as condições da

educação. Pelo contrário, nesse período, as precárias iniciativas existentes

foram desmobilizadas.

Com a Independência, Dom Pedro I mencionou a necessidade de reorganizar a

instrução. Conforme aponta Saviani (2006), em junho de 1823, o imperador

convocou a Assembléia Nacional Constituinte e discursou sobre a importância

de construir uma legislação específica para a instrução pública. A Comissão de

Instrução Pública da Assembleia Nacional Constituinte não elaborou um projeto

de lei, mas instituiu um prêmio para quem apresentasse a melhor proposta

educacional a ser implantada no Brasil. Nos entremeios das discussões, Martin

Francisco de Andrada, membro da comissão, apresentou uma proposta.

Segundo Saviani (2006, p. 12), Andrada, baseando-se em Condorcet3,

apresentou um plano de ensino em que a instrução seria dividida em instrução

comum, ofertada às crianças de 9 a 12 anos; segundo grau, com duração de

seis anos, objetivando estudos básicos referentes às profissões; e, finalmente,

o terceiro grau, destinado à educação científica. A exemplo de Condorcet, a

proposta de Andrada não se valeu do termo pedagogia nem pedagogo. O "[...]

termo pedagogo assumia frequentemente um significado depreciativo de

mestre pedante, autoritário e pobre de espírito [...]" (SAVIANI, 2006, p. 13).

Numa outra vertente, Januário da Cunha Barbosa apresentou um plano

dividido em quatro etapas. Diferentemente de Andrada, Barbosa utiliza o termo

“pedagogia”. Segundo Saviani (2006, p. 13), "pedagogias" abrangeria os

conhecimentos elementares necessários a todos, independentemente da sua

situação social ou profissão. Esse termo estava sendo atribuído à escola de

primeiro grau, em que o discípulo aprenderia a ler, a escrever, a operar cálculo

de aritmética e aprenderia os preceitos morais, físicos e econômicos. No

segundo grau, os liceus4 se encarregariam da formação profissional, voltando o

ensino para a agricultura, a arte e o comércio. Nos ginásios, os discípulos

3 Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794) foi um iluminista que acreditava no poder do conhecimento. A educação, para ele, mostrou-se marcada por um forte caráter político, capaz de ordenar uma nova moral de instrumentalizar o indivíduo para agir adequadamente na vida pública e aperfeiçoar, paulatinamente, a sociedade (COELHO, 2006, p.1).

4 O nome Liceu tem sua origem na Grécia, com Aristóteles, que, por não concordar com o ensino sofista e platônico difundido na época, fundou sua própria escola, em meados do século 4 a.C. Ao longo da história da Grécia antiga, o Liceu foi o nome dado aos ginásios que preparavam os cidadãos para a vida com uma formação completa, abrangendo exercícios físicos e intelectuais (VIEIRA, 2008, p.1).

teriam conhecimentos científicos e, por último, as academias seriam

encarregadas das ciências abstratas.

Nas duas propostas, há preocupação com a formação prática voltada para a

agricultura. Na proposta de Januário Barbosa, o termo pedagogia é utilizado,

mas é rejeitado na câmara, que preferiu continuar utilizando o termo escolas de

primeiras letras. De acordo com Saviani (2006, p. 12), a Comissão de Instrução

Pública não conseguiu organizar um plano geral para a instrução pública.

Dessa forma, somente em 15 de outubro de 1827, é promulgada a lei que cria

as escolas de primeiras letras. O termo pedagogia não se fazia presente no

texto da lei, mas indicava que o método de ensino mútuo seria utilizado nas

escolas. Assim,

[...] Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja Anglicana Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no ensino de classes numerosas. Embora os alunos tivessem papel central na efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na atividade do aluno. Na verdade os alunos guindados à oposição de monitores eram investidos de função docente [...] (SAVIANI, 2006, p. 15).

Segundo Sucupira (2005, p. 59), a “[...] lei de 1827 falhou, entre outras causas,

por falta de professorado qualificado, não atraído pela remuneração que não

atingia o máximo fixado na lei [...]”. Com poucos investimentos nos salários e

na contratação de professores, restava o aproveitamento dos monitores para

as classes mais numerosas. A formação desses monitores também deixava a

desejar, pois, investidos da função docente ainda na condição de alunos, os

monitores aprendiam o ofício com mestres que também necessitavam de

qualificação. Os monitores trabalhavam nas classes, atuando diretamente com

os alunos, observando a disciplina e, ao mesmo tempo, lecionando as matérias

previstas nos regulamentos.

Os procedimentos adotados por essa lei se coadunam com os pressupostos

educacionais que permeavam as intenções pedagógicas do século XIX no

contexto mundial. Cambi (1999, p. 408) aponta que, naquele período, a

educação e a pedagogia se afirmaram como setores-chave do controle social

por toda a Europa. De acordo com Saviani (2006, p. 16),

O método supunha regras predeterminadas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo. De uma das extremidades do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta, supervisionava toda a escola, especialmente os monitores. Avaliando continuamente o aproveitamento e o comportamento dos alunos, esse método erigia a competição em princípio ativo do funcionamento da escola. Os procedimentos didáticos tradicionais permaneciam intocados.

As bases da lei de 1827 estavam firmadas no iluminismo, principalmente, na

ideia de que a educação ou a escolarização da população produziria mudanças

importantes na sociedade e nos indivíduos. Assim, o governo decidiu autorizar

o ensino gratuito, com a previsão, no artigo 64, de que todos os pais e tutores

deveriam garantir, pela força da lei, pelo menos o primeiro grau para aqueles

que estivessem sob sua responsabilidade.

Indagamo-nos até que ponto os governantes estavam dispostos a garantir a

gratuidade do ensino e também o acesso à escola. Em um país onde as

crianças trabalhavam junto com seus pais na lavoura e, ainda, residiam em

localidades distantes das casas onde funcionavam as escolas, pensamos que

a escolarização da população estava muito distante de se concretizar. Além

disso, segundo Saviani (2006), apesar de garantir a gratuidade do ensino, o

artigo 69 da lei de 1827 explicitava claramente que não seria admitida matrícula

dos escravos.

A proibição da matrícula de escravos5 continuava a ser uma realidade na

província do Espírito Santo na década de 1870. Segundo os regulamentos de

1873 e 1877, os escravos não poderiam estudar. Somente a população livre

tinha direito à escolarização. Essa proibição perdurou por toda a década,

porque a Lei do Ventre Livre, que libertava os filhos de escravos, só foi

promulgada em 28 de setembro de 1871. Isso resultou num grande contingente

de escravos analfabetos. Segundo análises dos mapas disponibilizados na

obra de Marques (1878), para uma população de 5.900.401 escravos

5 Segundo dados apresentados na obra de Marques (1878), a população de escravos se constituía de indivíduos negros e pardos.

existentes na província, no ano de 18786, apenas um, que residia na Paróquia

de São José do Queimado, sabia ler e escrever, mesmo assim, segundo dados

apresentados no mapa, esse escravo não7 frequentava a escola.

Segundo Vidal e Filho (2005), apesar da não admissão de matrícula, alguns

escravos aprendiam a ler e a escrever de maneira informal, “[...] sobretudo, no

interior de um modelo mais familiar ou coletivo de escolarização [...]” (VIDAL E

FARIA, 2005, p. 46). Porém, assim como o fato de existir uma rede doméstica

de ensino não contribuiu para a melhoria dos índices de alfabetismo, o fato de

algumas crianças escravas aprenderem a ler e a escrever no interior de um

modelo familiar não alterou a situação da alfabetização dos escravos

brasileiros. Para nós, isso fica muito evidente no Espírito Santo, pois, como

evidenciam os mapas, apenas um escravo sabia ler.

O Governo Imperial não cumpriu o previsto no artigo 1º da lei de 1827 sobre a

criação de escolas em todas as cidades, vilas e vilarejos mais populosos.

Preferiu promulgar o ato adicional de 1834, transferindo a responsabilidade do

ensino primário e secundário para as províncias. Por seu lado, as províncias

desprovidas de recursos financeiros não conseguiram prover o ensino. Além

disso, o despreparo dos professores e a própria falta de espaço físico para a

aplicação do método mútuo pareciam ser problemas insolúveis:

[...] Os relatórios dos ministros do Império e dos presidentes de províncias ao longo do império evidenciam as carências do ensino, o que permite concluir que o Ato Adicional de 1834, ao descentralizar o ensino, transferindo para os governos provinciais a responsabilidade pela educação popular, apenas legalizou a omissão do poder central nessa matéria [...] (SAVIANI, 2006, p. 17).

Diante dos problemas com a escolarização da população, ao invés de prover a

educação com políticas públicas de atendimento à demanda populacional,

optava-se por “novas” reformas. Enquanto isso, os relatórios dos presidentes

6 Tomando como base a matrícula a partir da promulgação da Lei do Ventre Livre, compreendemos que as crianças nascidas ao final do ano de 1871 só seriam aceitas nas escolas a partir do final do ano de 1878, pois, de acordo com o regulamento de 1877, as matrículas só deveriam ser aceitas a partir dos sete anos de idade.7 Os mapas apresentados por Marques (1878) anexados nesse relatório evidenciam que o número de escravos coincidia com o número de alunos não matriculados.

da província apontavam que a educação não alcançava os resultados

esperados.

Segundo Saviani (2006, p. 18), em 17 de fevereiro de 1854, Luiz Pedreira do

Couto Ferraz baixou o decreto n.º 1.331, que aprovava o Regulamento para a

reforma da instrução primária e secundária da Corte. O novo regulamento

serviria de modelo para as outras províncias brasileiras. Saviani (2006)

assinala que, no documento, foram tratadas as seguintes questões:

• inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de instrução primária

e secundária;

• instrução pública secundária;

• ensino particular primário e secundário;

• faltas dos professores e diretores de estabelecimentos públicos e

particulares;

• condições para o exercício do magistério público;

• nomeação, demissão e vantagens dos professores;

• professores adjuntos e substituição nas escolas;

• condições e regimes da escola pública.

Saviani (2006, p. 19-20) ressalta a ênfase na instrução primária e na inspeção

escolar. O autor aponta, ainda, que o ministro tratou da regulação das escolas

particulares, regime disciplinar dos professores e diretores de escolas e

professores adjuntos das escolas primárias sem utilizar o termo pedagogia e o

adjetivo pedagógico, todavia, segundo o autor, isso não significava ausência de

concepção pedagógica.

Nas nossas reflexões, percebemos que, além da ausência do termo pedagogia,

existiu certa constância do termo estabelecimento no lugar de escola. Para

nós, a troca de um substantivo pelo outro representou muito bem o momento

educacional brasileiro do século XIX. Não tínhamos escolas. Existiam casas

alugadas que funcionavam como abrigo para as aulas. Pior ainda era o estado

de conservação desses locais. As correspondências enviadas pelos

professores e os presidentes da época indicam que as casas não tinham

espaços adequados para o funcionamento das aulas e, na maioria das vezes,

eram totalmente sem higiene, escuras.

Os prédios escolares viriam a ser construídos ao final do século XIX em

algumas províncias. Vidal e Filho (2005, p. 52) realizaram um estudo referente

a casas-escola no Brasil do século XVIII e XIX. Além de outros problemas, eles

apontaram que, nas casas, os professores misturavam suas atividades de

ensino com outras atividades profissionais. Os autores não mencionam quais

eram essas atividades, no entanto podemos concluir que se tratava de

comercialização de produtos, pois, no regulamento da instrução pública da

província do Espírito Santo de 1873, no artigo 104, proibia-se que os

professores públicos exercessem atividades comerciais ou outra atividade

industrial incompatível com o magistério.

Saviani (2006) assinala que, na reforma de Couto Ferraz, o ensino primário era

dividido em duas classes. Uma de primeiro grau, que daria conta da instrução

elementar. A outra, de segundo grau, que se destinava à instrução primária

superior. O ensino secundário ficaria por conta do Colégio Pedro II. A duração

do ensino secundário seria de sete anos, com aulas públicas avulsas. As aulas

se dariam por agrupamento em turmas. Pelo menos no plano discursivo, a

seriação inerente ao ensino simultâneo passava a fazer parte da organização

do sistema educacional. Gontijo (2008, p. 19-20) entende que o regulamento

de Couto Ferraz aprovado em 1854 era semelhante ao aprovado na Província

do Espírito Santo em 1848. Na ocasião em que Ferraz foi presidente da

província, ele também dividiu o ensino primário, porém utilizou os termos

primeira classe e segunda classe:

[...] Assim como no Regulamento do Município da Corte, a diferenciação entre as classes, na província do Espírito Santo, era feita pelos conteúdos a serem ensinados. No primeiro, nas de primeiro grau, além do ensino de bordados e trabalhos de agulha mais necessários e específicos para escolas do sexo feminino, seriam ministrados os conhecimentos indicados no Art. 47 [...] (GONTIJO, 2008, p. 19-20).

Nessa direção, o artigo 47 da reforma de Ferraz focaliza “A instrução moral e

religiosa, a leitura e escripta, as noções essenciais de gramática, princípios

elementares de Aritmética e o systema de pesos e medidas do município”. Na

parte destinada à instrução feminina, é acrescentado o trabalho de agulhas.

Quanto às escolas primárias de segundo grau da Corte, Saviani (2006) aponta

a seguinte organização:

[...] Esse currículo básico seria enriquecido nas escolas primárias de segundo grau com "o desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas, a leitura explicada dos evangelhos e notícias da história sagrada, os elementos de história e geografia, principalmente do Brasil, os princípios das ciências físicas e da história natural aplicáveis ao uso da vida. Prosseguiria, ainda, com a geometria elementar, agrimensura, desenho linear, nomeações de música, exercícios de canto, ginástica e um estudo mais desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do município da Corte, como das Províncias do Império, e das Nações com que o Brasil tem mais relações comerciais [...] (SAVIANI, 2006, p. 21).

A formação prática era um elemento presente na reforma de Ferraz. Alias, não

só ele como os demais governantes que o precederam deixaram essas marcas

nas reformas. O próprio Pombal8, no século XVIII, determinou aulas de

comércio nas escolas brasileiras. Segundo Saviani (2008, p. 103 -104), na

ocasião, o Marquês estava preocupado em sintonizar Portugal com o

desenvolvimento da cidade burguesa, centrada no modo de produção

capitalista. Em 1848, quase um século depois, as finalidades da educação

brasileira continuavam carregando essas marcas, voltando-se ao mercado

econômico.

Quanto aos materiais didáticos a serem utilizados nas escolas, ficou definido

que eles deveriam ser previamente autorizados pelo governo provincial.

Segundo Gontijo (2008, p. 20), a legislação estimulava a elaboração de livros

para uso nas escolas e permitia a tradução de obras estrangeiras para serem

8Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal ou Conde de Oeiras (Lisboa, 13 de maio de 1699 – Leiria, 8 de maio de 1782), foi um nobre e estadista português. A educação, em Portugal, desde muito cedo, foi dominada quase em exclusivo pela Companhia de Jesus ou dos Jesuítas e outras congregações. Em 1759, com a reforma pombalina, os jesuítas são expulsos de todo o território português, e Pombal manda publicar um alvará, que seria a solução para a situação em que se encontrava a educação em Portugal.

utilizadas nas aulas. Especialmente os compêndios com matéria de ensino

religioso deveriam passar anteriormente pela aprovação do bispo diocesano.

Na virada da década, no ano de 1879, entra em vigor a Reforma de Leôncio

Carvalho. Eram 174 itens com 29 artigos. A exemplo de Couto Ferraz, ela

mantém a gratuidade do ensino primário dos 7 aos 14 anos, a assistência aos

alunos pobres, a organização da escola primária em dois graus e o serviço de

inspeção. Inova, traçando o funcionamento da escola normal, apresentando,

inclusive, o currículo. Além disso, prevê a criação de jardins de infância para

crianças de 3 a 7 anos de idade. Outras medidas adotadas por Carvalho estão

listadas abaixo, para que possamos melhor visualizar o conteúdo da legislação:

• criação de caixa escolar;

• criação de bibliotecas e museus escolares;

• subvenção a instituições particulares;

• equiparação de escolas normais particulares às oficiais e de escolas

secundárias privadas ao Colégio Pedro II;

• criação de escolas profissionais;

• criação de bibliotecas populares e de museus pedagógicos nas localidades

onde existissem escolas normais;

• regulamentação do ensino superior;

• liberdade para o curso livre, com permissão para particulares utilizarem os

espaços públicos para esses cursos;

• possibilidade de abertura das faculdades de Direito e Medicina;

• permissão aos professores particulares para ministrar aulas de ensino

primário;

• criação de cursos de alfabetização de adultos;

• criação de escolas profissionais e de ensino de artes e ofícios nos locais

mais populosos;

• abertura de exames de preparatórios;

• inspeção dos estabelecimentos de instrução primária e secundária.

O termo pedagogia e o adjetivo pedagógico aparecem no texto legal de

Leôncio de Carvalho. A Pedagogia é utilizada para designar uma disciplina

curricular da escola normal. A reforma prevê, ainda, a adoção do método

intuitivo9. Segundo Saviani (2006, p. 27), “[...] É isso que se manifesta

explicitamente no enunciado da disciplina ‘Prática de ensino intuitivo ou lição

de coisas’ (artigo 9º) do currículo da escola normal, bem como no componente

curricular noção de coisas (artigo 4º)”.

A reforma de Leôncio de Carvalho regulamentou a Escola Normal. Apesar de

Couto Ferraz ter suprimido esse tipo de escola, em razão do professor adjunto,

formado pela prática, algumas províncias se organizaram antes de 1879,

abrindo essas instituições. Segundo Schwartz (2004, p. 48), “o rito” da

colocação da primeira pedra para a construção da instituição de ensino normal

na província do Espírito Santo aconteceu em 187310. Esse rito não tinha um

significado corriqueiro, mas objetivava reorganizar e substituir o ensino normal

ministrado no Liceu. O método intuitivo regulamentado também não foi uma

novidade. Apesar de as províncias ainda se utilizarem do método mútuo, já

existiam alguns debates e até mesmo reportagens jornalísticas referentes ao

método lição de coisas disseminadas no meio educacional. A própria província

do Espírito Santo recebeu, em 1873, livros de Hippeau (1803-1883)11, que

tratavam da instrução nos Estados Unidos e que, na época, já faziam menção

9 O uso do método intuitivo significava o declínio do ensino escolástico e a ascensão dos preceitos da pedagogia moderna, preconizados por Bacon, Comenius, Rabelais, Locke, Condilac, Rousseau, Pestalozzi, Basedow, Campe e Froebel, entre outros. Em contraposição ao ensino livresco, o ensino intuitivo parte da premissa de que toda a educação deve começar pela educação dos sentidos (HISTEDBR, 2006).10 Colocaram a pedra fundamental às dezessete horas do dia 23 de março de 1873. Congregaram-se as autoridades e as pessoas mais representativas da sociedade [...] (NOVAES, apud SCHWARTZ, 2004, p. 47).11 Hippeau relatou a instrução em alguns países. Nos anos de 1870, referendou o ensino nos Estados Unidos. Segundo Bastos (2003, p. 1), suas ideias de descentralização da educação, gratuidade, obrigatoriedade, sistema nacional de educação, escola normal, formação de professores, financiamento da educação, liberdade do ensino, coeducação, instrução pública, laicidade, etc. – destinadas a inspirar e orientar as reformas empreendidas na III República Francesa, a partir de 1870 - agradam à elite, mostrando as modernidades educacionais, as inovações pedagógicas e os progressos alcançados nos países mais desenvolvidos, nos quais deveríamos nos espelhar; autolegitimam as suas propostas para a educação brasileira.

ao método lição de coisas. O destino dos exemplares da referida obra seriam

as comarcas municipais. Por certo, uma das intenções era informar sobre o

ensino naquele país e, ao mesmo tempo, colocar os professores a par da

existência das metodologias utilizadas nas aulas de alfabetização.

Como podemos notar, as tentativas de organização do ensino não obtiveram

êxito, pois problemas como falta de instalações adequadas para as aulas,

escassez de materiais didáticos, deficiência na formação de professores e

baixos salários destes profissionais foram entraves que adentraram a

República, impedindo a população de aprender a ler, a escrever e a contar.

3.2 A INSTRUÇÃO PÚBLICA ELEMENTAR NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO

SANTO

Abordaremos, agora, o ensino primário na década de 1870 no Espírito Santo.

Para compreender melhor o período por nós delimitado, recorremos a textos

encontrados nos jornais Correio da Victória (1870 a 1872), O EspÍrito-Santense

(1870 a 1889), O Cachoeirano (1877 a 1878) e Gazeta do comércio (1876 a

1877). Esses jornais tanto trouxeram informações sobre o estado da educação

na província capixaba quanto informaram sobre a educação em outras

localidades do Brasil e do exterior. Além dessas fontes, fortalecemos nossas

reflexões com os relatórios dos presidentes da província, com documentos

manuscritos e com a leitura bibliográfica das obras de Coutinho (1993), Oliveira

(2008) e Saviani (2008). Examinamos, ainda, a legislação pertinente à década

de 1870. No inicio da década, o ensino deveria obedecer aos dispositivos do

regulamento de 1861 e do Regimento Interno das Aulas Públicas de Primeiras

Letras da Província do Espírito Santo, promulgado em 1871. No período de

1870, foram promulgadas duas reformas. Uma, no ano de 1873, e outra, no

ano de 1877. A primeira foi enviada à Câmara dos Deputados pelo presidente

Tomé da Silva, em 20 de fevereiro, mas só foi promulgada em 20 de maio de

1873. Já os textos da reforma de 1877 foram aprovados em 17 de dezembro

de 1877, porém entraram em vigor na data de 1º. de janeiro de 1878.

Os dois mais importantes jornais que nos propusemos a estudar foram o

Correio da Victória e O Espírito-Santense, porque trouxeram muitas notícias

referentes à instrução pública. Sobre Correio da Victória, Mattedi (2005, p. 14)

relata que esse foi, de fato, o primeiro jornal capixaba. Com a primeira

publicação em 1849, o periódico foi iniciado com duas folhas. Além disso, o

governo provincial se encarregava de fazer o pagamento de subsídio de dez

mil réis por cada tiragem. O seu proprietário, Pedro Antônio de Azeredo, firmou

um contrato com o governo para ocupar-se das comunicações oficiais num

período de dez anos. A concessão foi efetivada com a ressalva de que não

seriam feitas ofensas às autoridades constituídas. Assim, o jornal publicava

apenas notícias de interesse da classe política capixaba que estava no poder.

Em 1850, o governo não fez o repasse das verbas para o jornal e obteve como

resposta a proclamação de autonomia do periódico, que, a partir daquele ano,

abria suas portas para as publicações que achasse convenientes. Indisposto a

ver essa situação, o governo recua e, no ano seguinte, em 1851, o contrato é

refeito nos moldes anteriores, com relação às publicações. Em 1872, o jornal

passou a circular três vezes por semana. Nesse período, parece que o jornal

alcançou seu apogeu, no entanto o governo deixou de repassar as verbas, e

ele teve suas publicações cessadas.

Mattedi (2005, p. 15) argumenta que esse jornal teve forte influência na

segunda metade do século XIX. Era inteirado com os assuntos da Corte e

publicava textos históricos e literários. Verificamos, no exemplar divulgado no

dia 3 de outubro de 1871, uma página inteira sobre a instrução nos Estados

Unidos. Além disso, a imprensa de periódicos começava a se organizar para

tratar de assuntos educacionais, extrapolando o território nacional e o discurso

intermitente da necessidade de construção de escolas:

[...] os grupos de professores públicos discutiam não apenas questões relativas propriamente ao ensino — como direito a instrução pública primária, os significados da escola para a educação popular, o funcionamento e a modernização da escola, as condições de trabalho docente, os novos métodos pedagógicos, os objetivos do ensino, o público alvo das escolas, as disciplinas escolares —, mas, sobretudo, realizaram debates e propuseram saídas para buscar solucionar uma série de problemas que consideravam as urgentes

questões sociais educacionais de seu tempo [...] (SHUELER, 2002, p. 248).

A partir das afirmações de Shueler (2002), entendemos que qualquer jornal que

se prezasse na época não poderia deixar de noticiar, mesmo que em míseras

linhas, assuntos pertinentes à educação. Shueller (2006) enfatiza, ainda, que a

década de 1870 foi marcada por manifestações em prol da educação no

município da Corte. Nessa direção, por mais que os editores fossem

compromissados com a política conservadora e, portanto, com os poderes

políticos locais, era inevitável falar sobre a precariedade da instrução pública

no Brasil.

Ao cessar a circulação do Correio da Victória, o jornal O Espírito–Santense

passa a publicar as notícias oficiais do governo, fato que perdurou até 1889,

pois, nessa data, esse jornal também finalizou suas edições, e as notícias do

governo passaram, então, a ser publicadas pelo periódico A Província do

Espírito-Santo. Assim como o Correio da Victória, O Espírito-Santense

também se autointitulava noticioso e literário, porém apresentava uma

diferença: era científico. Assim, segundo Gontijo (2008, p. 29),

[...] além de ser scientífico, literário, o adjetivo noticioso qualificava o jornal como aquele que dá muitas notícias; que tem muitos conhecimentos. Esses adjetivos, se considerarmos o contexto de veiculação do jornal, produziram sentidos que colaboravam para a constituição de uma visão de neutralidade do Espírito-Santense [...] (GONTIJO, 2008, p. 29).

Os dois jornais veicularam, no entanto, ideologias que engendravam a escola

na década de 1870. Os dois trouxeram notícias que expressam os interesses

da classe política no poder e, também, daqueles que almejavam o poder pela

via da “democratização” da sociedade.12

12 De acordo com as informações coletadas no site do Arquivo Público Estadual, situado na cidade de Vitória, ES, Barzílio Carvalho Daemon (1834-1896) foi deputado na província do Espírito Santo na década de 1870. Fundou o jornal Itabira e redigiu o jornal O Estandarte, substituto do jornal Itabira. Segundo Cláudio (1912), “esse jornalista da política conservadora sustentou em seus jornais muitas polêmicas. Em Victória, a 10 de março de 1874 assumiu a redação do jornal O Espírito-Santense, que também era um jornal conservador.

3.2.1 O regulamento de 1861

Nos primeiros anos da década de 1870, os jornais trouxeram muitas notícias

referentes à educação. Nesse momento, havia uma constante discussão

acerca da necessidade de uma reforma na instrução capixaba. De acordo com

o que se noticiava no jornal O Espírito-Santense, a Câmara dos Deputados se

reuniu algumas vezes nos anos de 1870, 1871 e 1872 para dialogar sobre o

assunto. Alguns desses diálogos foram transcritos na íntegra pelo jornal e

ressaltavam que o funcionamento das escolas se dava segundo a legislação de

1861, mas que esse regulamento não atendia os anseios da década de 1870.

As observações estavam sendo feitas, inclusive, com relação à adoção do

método simultâneo, que era oficializado, mas não usado de maneira uniforme

na província e nas dificuldades de se ensinar o sistema métrico decimal nas

escolas.

Assim, segundo os parlamentares, dadas as semelhanças13 do atual

regulamento com o de 1848, ter a escola, nos anos de 1870, funcionando nos

moldes da legislação de 1848 trazia muitos problemas. Um dos problemas

apontados diz respeito ao currículo que não contemplava as necessidades da

educação prática dos anos 1870:

[...] Algumas dezenas de meninos que têm de sahir do collégio este anno vão ignorando algumas matérias que irão sabendo; o systema métrico que será definitivamente em 1872, ainda não é ensinado, ou só é em um ou outro colégio de 1ª classe, enfim, as escholas primárias ainda estão regidas pelas instruções de 20 de fevereiro de 1848 [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 13, p. 1).

Desse modo, o trecho acima aponta que o currículo previsto no regulamento de

1861 estava desatualizado e não contemplava as mudanças necessárias para

o atendimento das atividades comerciais. Lendo os artigos do referido

regulamento, percebemos que, de fato, ele não preenchia os anseios da

população com relação ao ensino do sistema métrico decimal. O regulamento

de 1848 compunha um programa um pouco mais amplo para as escolas de

primeira classe, apresentava a regulamentação do ensino das quatro

13 As semelhanças dizem respeito ao não ensino dos conteúdos matemáticos necessários à comercialização de produtos agropecuários.

operações e da geometria, porém também não contemplava o sistema métrico

decimal.

Em 1861, o currículo não mencionava o ensino das quatro operações para a

primeira classe. Considerando que a economia era de base agrária e que,

muitas vezes, a população deveria comercializar a produção originada do

trabalho agrícola e, ainda, executar tal tarefa em observância ao sistema de

pesos e medidas adotados pelo Império, era de se esperar que esses

conteúdos estivessem previstos no currículo oficial, que, na época, possuía

relações comerciais com os países da Europa. Os comerciantes esperavam

que a escola ensinasse aos alunos como operar os cálculos. As transcrições

que se seguem espelham o desejo da população. Observamos, no texto

transcrito, que existia uma espécie de portaria14 destinada ao ensino do

sistema de pesos e medidas francês, que deveria ser posta em prática no ano

de 1862, mas isso não estava acontecendo:

[...] Il.mo Dr. Inspector: Não me oponho ao que reclama a Comarca

Municipal da Villa da Barra de S. Matheus, acerca da confecção da

pauta dos preços dos gêneros e que serve para a cobrança do

imposto de exportações. Caminho dizer que o imposto tanto de

Victória como da dita localidade é a praça do Rio de Janeiro. Assim

pois estando a Victória mais perto do Rio do que São Matheus deve

ser visto isto com a finalidade de não haver monopólio da parte dos

negociantes daquela localidade. Ainda mais a medida de capacidade

para cereaes usados na Barra de S. Matheus é pelo menos 0,1 (um

décimo) mais do que Victória. Dois alqueires de São Matheus (oito

quartas) valem do alqueire de Victória 2 ¼ (nove quartas). Calculando

a diferença entre uma e outra localidade me parece que não há

diferença entre os preços da pauta da Victória. Dois alqueires em São

Matheus (8 quartas) valem do alqueire de Victória 2 ¼ (nove quartas).

14 Lendo os textos constituídos nos documentos pertinentes a instrução na província na década de 1870 observamos que existiram outros documentos além do regimento de 1871 e dos regulamentos de 1861, 1873 e 1877. Em diversos momentos são feitas algumas referências as medidas adotadas no ano de 1862, 1869 e no próprio regulamento de 1848. Compreendemos que isso acontecia porque o regulamento de 1861 fora posto em vigor em 1º de setembro de 1861, mas o Art. 85 esclarecia que alguns pontos deveriam ser previamente aprovados pela assembléia provincial para a devida execução. Nessa direção, compreendemos que algumas vezes a instrução era regida pelo regulamento de 1848 promulgado em 20 de fevereiro de 1848.

(ver repetições) Calculada a diferença entre uma e outra medida de

outra localidade me parece que não há grande diferença entre os

preços da pauta. E para evitar essas confusões de medida, que se

promulgue a Lei de 26 de junho de 1862 e convém que o governo

provincial promova com rigor o ensino do sistema métrico francês

como determina a Lei citada e não continuem a ser letra morta nesta

província as disposições da dita Lei (RELATÓRIO DA COMARCA DE

BARRA DE SÃO MATHEUS, 1871, p. 231).

Como mencionado, o regulamento de 1848 promulgado por Luiz Pedreira de

Couto Ferraz dividiu a instrução primária em primeira e segunda classes. De

acordo com o artigo 1.º, na primeira classe, os alunos aprenderiam leitura,

escrita, rudimentos de gramática da língua nacional, teoria e prática da

aritmética, noções gerais de geometria prática e doutrina da religião e do

estado. O artigo 2.º apresenta como conteúdo da 2.ª classe as mesmas

matérias da primeira classe, porém seria excluída a geometria, e a aritmética

seria limitada à teoria e à prática das quatro operações de números inteiros. As

aulas de 1.ª classe seriam instaladas em lugares mais populosos, as de 2.ª

classe dependeriam da existência de lugares com número maior que 20 alunos

em estado de aprender. Considerando os impedimentos para a matrícula

previstos no regulamento, compreendemos que alunos em estado de aprender

eram os livres, os que não estavam contagiados com moléstia grave, os que

não tinham idade superior a 14 anos. Imaginamos que não deve ter sido difícil

impedir a população de frequentar a 2.ª classe. Primeiro, porque uma grande

parte da população era escrava, segundo, porque havia surtos de varíola, febre

amarela e cólera. Muitos óbitos eram causados por essas doenças:

[...] Mais pavoroso que a varíola foi o surto de cólera que fez sua aparição na província em novembro de 1854 e levou ao túmulo milhares de pessoas. Já em fevereiro de 1855, um ofício do Barão de Itapemirim falava em mais de mil vítimas. A população foi tomada de justificado pavor e a província conheceu dias trágicos, inclusive porque a doença imobilizou inúmeros braços, acarretando a fome e a miséria [...] (OLIVEIRA, 2008, p. 369).

Aliado aos problemas das enfermidades, das distâncias entre as escolas e as

casas dos alunos e da baixa frequência dos meninos que ajudavam os pais na

colheita, muitas escolas eram fechadas, porque a legislação não contemplava

os anseios dos colonos imigrantes. Eles desejavam aprender a língua da

pátria15 natal, porém isso não era previsto no regulamento. Nessa direção,

muitos não enviavam seus filhos à escola. Um ofício do presidente Pedro Leão

Veloso ao ministro do Império, em 1859, ilustra muito bem essa situação:

[...] vendo que a escola não era frequentada, tive de remover o professor, devo, porém, dizer a V. Ex.ª que não vem aquilo somente da inaptidão dos professores; os colonos recusam a fazer aprender seus filhos a língua do país; pois que mostraram-se muito desejosos de que lhes desse um professor de alemão, o que lhes neguei formalmente, dizendo-lhes que o Estado não pagaria mestre, senão de língua portuguesa, a qual deviam aprender, visto como aceitaram o Brasil por nova Pátria, julgo que não há senão meio de obrigá-los a mandar seus filhos à escola, é tornar a instrução obrigatória, o que não estranharão; é uma disposição que deve vir no Regulamento de que muito necessita a colônia; ponto que peço licença a fim de chamar a atenção de V. Ex.ª [...] (VELOSO, 1859, p. 9).

Se, por um lado, havia a preocupação, por parte dos dirigentes da província, de

obrigar a aprendizagem da língua nacional por imigrantes alemães que viviam

em regiões menos populosas, por outro, eles também buscavam traduzir,

diante do governo central, os anseios da população:

[...] Impressiona e comove o volume da correspondência expedida pela Administração espírito-santense para o governo central, no decorrer da segunda metade do século passado. Ela traduz o anseio do povo em busca do aprimoramento intelectual da mocidade, incentivando os governantes a procurarem solução para o problema crônico de todo o Brasil [...] (OLIVEIRA, 2008, p. 376).

As respostas aos anseios da população eram dadas timidamente. De acordo

com Oliveira (2008, p. 377), com obstinação algumas coisas eram

conquistadas como “[...] o provimento das cadeiras; a ampliação do número de

matrículas, a implantação do ensino secundário, de aulas noturnas, inclusive

para adultos, escola normal [...]”. Nessa direção, o autor transcreve a fala de

Dionísio Álvaro Resendo diretor geral da Instrução Pública, dirigida ao

presidente da província Francisco Ferreira Correia, na data de 5 de fevereiro de

1872:

15 Segundo Pacheco (1998) que viveu de 1928 a 2004, na década de 1870, a província do Espírito Santo recebeu um grande número de imigrantes. Esses imigrantes desejavam instruir seus filhos na língua e na religião de suas pátrias.

[...] O estado da instrução pública na província não é satisfatório bem que o Governo Provincial tenha feito grandes sacrifícios para melhorá-la.Todavia pelo lado da freqüência dos alunos e habilitações dos professores parece que iremos melhorando graças às medidas enérgicas que julguei devia tomar.Existem na Província criadas 48 aulas(?) de ensino primário sendo 45 para o sexo masculino e três para o sexo feminino. Escolas particulares há apenas quatro sendo três para meninos e uma para meninas. Das quarenta e oito escolas públicas quarenta e duas estão providas e seis vagas. O número de alunos que no último trimestre freqüentaram as aulas elevou-se a 1040 sendo 987 do sexo masculino e 53 do feminino e, por conseguinte, a (v. original) mais 139 do que na ocasião em que abri a Assembléia Provincial em do ano próximo passado [...] (RELATÓRIOS DE PRESIDENTES DA PROVÍNCIA, 1872, p. 5).

Assim, se compararmos os dados contidos no trecho acima com os dados do

censo de 1867, podemos observar que a elevação do número de matrículas é

tímida. O trecho publicado no jornal O Espírito-Santense, no ano de 1870,

explica o que acontecia na época:

[...] A instrução pública, apezar de ser apregoada, em documentos officiaes, o alvo dos desvellos dos que nos governão ainda não tem sido tratada nesta província com zelo merecido e apregoado. E isto tem acontecido desde sempre, não por Pedro ou Paulo, sim pela maioria dos presidentes [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 13, 1870, p. 1).

No regulamento de 1861, as escolas primárias continuavam divididas em

primeira e segunda classes. A diferença era a inclusão das disciplinas

Geografia do Brasil, História e Geografia da Província, que seriam ministradas

apenas nas escolas da cidade, ou seja, na primeira classe. Para os alunos que

viviam em regiões menos populosas, restavam conhecimentos mínimos que

seriam leitura, escrita, rudimentos de gramática da língua nacional, teoria e

prática das quatro operações de números inteiros.

O ensino particular era previsto nos dois regulamentos, no entanto deveria ser

previamente autorizado pelo presidente da província. Os professores das

escolas particulares deveriam seguir os mesmos padrões de conduta moral dos

docentes públicos, devendo, inclusive, apresentar atestados de boa conduta

emitidos pelo pároco e pelo juiz de paz. Além disso, deveriam professar a fé

católica. Nas escolas particulares em que não houvesse professor católico, o

recurso seria a contratação de um professor de religião do Estado.

Percebemos que, em toda a organização curricular, não faltava o ensino

religioso. Fortalecendo essa organização, obrigavam-se os professores a

acompanhar os alunos às missas de domingos e dias santos.

O regulamento de 1861 previu serviços de inspeção. Trazia artigos que

responsabilizavam inspetores escolhidos, dentre os indivíduos graduados, para

verificar a instrução nas escolas da província. Todavia, por um conjunto de

adversidades, o sistema educacional continuava insatisfatório, apresentando os

mesmos problemas citados no tópico referente à instrução no Brasil.

O número de escolas da província, no ano de 1863, era de 41

estabelecimentos. Atendiam-se 696 alunos. Segundo o relatório, apresentado,

em 1864, pelo presidente Eduardo Pindahiba de Mattos à Assembleia

Legislativa, em sessão ordinária, existia uma quantidade considerável de

escolas, porém os professores eram pouco habilitados. A denúncia da falta de

habilitação de professores era constante. Ainda no ano de 1852, o presidente

José Bonifácio Nascentes de Azambuja se dirigiu à Assembleia Legislativa com

o seguinte pronunciamento:

[...] Muito atrasado se acha o ensino primário nesta Província: os professores, com raríssimas excepções, são homens, sem nenhuma instrução; não se ocupam pela maior parte exclusivamente do magistério pela razão de serem mal retribuídos, circunstância que os obriga a se empregarem simultaneamente em outros gêneros de indústria [...] (AZAMBUJA, 1852, p. 2)

Em 1864, o presidente Eduardo Pindahiba de Mattos se pronuncia, no relatório

mencionado, sobre as condições e o modo de funcionamento das escolas:

[...] Tenho visitado algumas aulas de ensino primário de dentro e de fora da capital, e, salvo, muito raras as excepções, são pouco habilitados os que há dirigem. E como assim não hade acontecer aquelles que mal sabem assignar sêo nome que não podem ler sem soletrar, que não sabem as mais ligeiras noções de gramática se apresentão com um surpreendente desembaraço ao preenchimento das primeiras vagas que se dão?! [...] (MATTOS, 1864, p. 52).

O quadro descrito por Mattos, em 1864, prevaleceu por toda a década de 1860.

O discurso por mudanças foi constante nos relatórios dos presidentes da

província. Esse e outros presidentes acreditavam que o quadro mudaria, se

fossem criadas escolas normais. Segundo o regulamento, os candidatos a

professores públicos eram avaliados por dois examinadores designados pelo

presidente da província. Segundo o artigo 33 do capítulo 4.º, a avaliação

versaria sobre as mesmas matérias que seriam ensinadas aos alunos no

momento da docência.

Porém muitos professores que eram aprovados plenamente16 não estavam

aptos para a função. Nessa direção, Shueller (2002, p. 384), comentando sobre

o periódico A instrução pública, publicado em setembro do ano de 1873, nos

diz que o professor Antônio Severino da Costa escreveu um artigo em que

denunciava o apadrinhamento entre mestres e alunos. Muitos candidatos eram

aprovados por serem amigos ou parentes dos professores:

[...] Os arranjos políticos para nomear familiares, não poucas vezes, garantiriam aos privilegiados e protegidos um lugar de adjunto nas escolas públicas primárias. O próprio Antônio Severino da Costa, que assinava a crítica ao recrutamento político aos docentes como já foi visto, apresentou várias solicitações ao governo para que seus filhos fossem nomeados adjuntos. De fato nas décadas de 1870 e 1880 conseguiram vaga no magistério público, três descendentes desse professor: Antônio Estevan da Costa Cunha, seu colega de redação na revista pedagógica, Eudoxia Brazilia da Costa e Jorge Eduardo da Costa [...] (SHUELLER, 2002, p. 386).

O jornal O Espírito-Santense divulgou, em 11 de novembro de 1870, um

diálogo ocorrido na Assembleia Provincial, cujo objetivo era a possibilidade de

aumento dos salários dos professores. Este, no entanto, teria que ser feito sem

aumento dos gastos públicos com a educação. Nesse sentido, a solução seria

a extinção de algumas escolas de 2.ª classe da província. Contudo a decisão

sobre quais escolas extinguir foi dificultada pelo fato de muitas delas terem sido

criadas como forma de pagamento de favores:

16 Segundo os ofícios reunidos nos livros de correspondência emitidos e recebidos entre as autoridades provinciais e as escolas da província, os candidatos a professores na década de 1870 eram avaliados quanto aos conteúdos a ser ensinados às crianças. Os resultados da avaliação registrados apresentavam os seguintes termos: “aprovados plenamente”, “aprovados simplesmente” e “reprovados”.

O Sr. Tito: — Disse eu nessa ocasião que em these me oppunha á existência de aulas de 2.ª classe, eu não podia sem máxima injustiça para com aquelles que para aqui me enviarão sem suma gratidão para com muitos aquém devo favores e favores de que toda vida hei de ter lembrança, não favores individuaes, mas favores políticos, não podia digo, deixar também de acompanhar e apresentar nessa ocasião meu projecto creando duas escolas, escolas que se achavão nas mesmas condições em que estão as outras da 2.ª classe, cuja conservação não as pagava.O Sr. Helidoro: — Não havemos de pagar favores políticos com a creação de empregos de 2.ª ordem. O Sr. Tito: — Quando fallo em favor político, excluo a minha individualidade; mas se levarmos a questão para o terreno de individualidade, talvez outros arreceiem-se della porque o próprio art 6.º do projecto combate a idéia que se me atribue pelo aparte. E este mesmo art. 4.º compreende umas poucas de aulas de 2.ª classe conservadas e outras combatidas e impugnadas pela casa [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, 1870, n. 17, p. 3).

De acordo com o relato da sessão, havia uma comissão encarregada de

providenciar a reforma da instrução pública. A reforma já estava sendo

reclamada há algum tempo, mas, enquanto não se efetivava, muitas emendas

eram aprovadas arbitrariamente. Para que as escolas estabelecidas por meio

de apadrinhamentos não fossem desfeitas, o texto da emenda foi elaborado

com a afirmação de que seriam extintas apenas as escolas de 2.ª classe com

resultados insatisfatórios. Dessa forma, os deputados poderiam manter aquelas

que lhes fossem convenientes. Os registros não mencionam se os ordenados

dos professores foram aumentados, no entanto compreendemos que a

extinção de escolas, certamente, dificultaria o acesso de muitas crianças à

educação e, portanto, não melhoraria a situação da educação na província.

3.2.2 O regulamento de 1873

Em 1873, foi promulgado o novo regulamento da instrução pública com a

seguinte justificativa apresentada pelo então presidente João Thomé da Silva:

[...] mediante Resolução do Ex.mo Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva, que reformulou a instrução pública do Espírito Santo. No início do texto legal, esse Presidente justificou a necessidade de reformulação do Regulamento anterior, considerando dois fatores: a) o atraso e a precariedade da instrução primária e secundária; b) a necessidade de extirpar "os vícios, os defeitos e anomalias" do atual sistema de ensino e a necessidade de dar a esse ramo do serviço público "melhor direção". Os fatores mencionados pelo Presidente eram suficientes para justificar a reformulação da instrução pública na Província [...] (GONTIJO, 2008, p. 39).

O regulamento de 1873 também pretendeu tornar a educação elementar

obrigatória. Repetindo o discurso da lei de 1827, quanto à instalação de

escolas, Thomé da Silva almejou tornar o ensino obrigatório a partir da

construção de escolas de instrução primária elementar nas localidades mais

próximas às residências das crianças em idade escolar. Segundo o

regulamento, as escolas seriam classificadas em conformidade com a

localidade. O regulamento previa a construção e a classificação das escolas

em escolas de 1.ª, 2.ª e 3.ª entrância e em ensino de 1.º grau ou elementar e

2.º grau ou superior. De acordo com o regulamento, todas as crianças em

idade escolar deveriam ser matriculadas nas escolas de ensino elementar para

apropriação da leitura e da escrita. Assim, conforme escrito no artigo 40, “A

instrução primária elementar é obrigatória para todos os indivíduos livres,

maiores de seis anos e menores de quinze [...]” (REGULAMENTO DA

INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1873, p. 7).

Apesar do discurso proferido no regulamento, a obrigação em prover o ensino

era da família. Nessa direção, grande parte da população não se apropriou da

leitura e da escrita, porque não houve construção de escolas para todas as

crianças. Especialmente para as crianças residentes nas regiões do interior da

província, não houve iniciativa de provimento do ensino da língua.

A obrigatoriedade era um dos pilares no qual se assentava a educação mundial

no século XIX. No entanto Cambi (1999) assinala que o crescimento do número

de escolas na Europa, para atender as classes populares, foi lento. Ainda de

acordo com esse autor, na primeira metade do século, a mão de obra infantil foi

regulamentada na Inglaterra, fixando a idade mínima para o trabalho de

crianças a partir dos nove anos de idade. Com escolarização, ficaria mais fácil

disciplinar a população para o trabalho industrial, ao mesmo tempo em que a

aprendizagem da leitura e da escrita potencializaria os indivíduos para melhor

desempenho de suas funções:

[...] O crescimento social da escola oitocentista refere-se à sua extensão às classes inferiores aos filhos do povo: um crescimento lento que atinge a escola elementar e popular nos diversos sistemas

nacionais de instrução, do qual o Estado se torna organizador e fiador, embora submetendo-se às exigências locais (em matéria de horário, de frequência). Realiza-se uma escolarização das massas, por vezes através de vias muito empíricas e de validades muito duvidosas (como o ensino mútuo) que estendem, porém, rudimentos da instrução às classes que até então eram geralmente excluídas dela [...] (CAMBI, 1999, p. 493).

Nesse sentido, é importante lembrar que, no Espírito Santo, no ano de 1871, foi

aprovado o Regimento das Escolas de 1.as Letras. Esse regimento tratava da

organização das escolas, que se faria nos moldes do método mútuo. O

presidente Thomé da Silva também acreditava que a regulamentação do

ensino obrigatório contribuiria para o desenvolvimento da educação. Assim, de

acordo com ele,

[...] O ensino obrigatório, senhores, aquele que se acha introduzido na Alemanha, Áustria, Suécia, Portugal, Hespanha, Noruega, Dinamarca, Holanda, Turquia, Itália, Inglaterra, Suissa, Estados Unidos & justamente aquele em que o nosso paiz, poderá desenvolver a instrução [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 218 p. 2, 1873).

Na eloquência de seu discurso publicado no jornal O Espírito-Santense, em 8

de maio de 1873, Thomé da Silva expôs a situação de atraso educacional em

que se encontrava a província, para justificar sua adesão ao ensino obrigatório.

Ele destacou que a legislação em vigor, na província, era a de 1848:

[...] não é certamente sob o império de uma legislação caduca, (refiro-me ao Regulamento de 20 de fevereiro de 1848, que encontrei em vigor!) não hade ser por meio de outras disposições desencadeadas, e viciosas, pelas quaes mais de uma vez tem sido alterado este Regulamento, que o Espírito Santo há de dar incremento à obra (tão atrasada?) de sua instrução [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n.218 p. 1, 1873).

Sabemos que o regulamento de 1861 estava em vigor. É verdade que muitos o

consideravam tão ineficaz quanto o regulamento de 1848, mas este último “não

estava vigorando”. Porém, como dito, ele era consultado, e, por isso, o

presidente Thomé da Silva utilizava o regulamento de 1848 para enfatizar o

atraso educacional da província. Entretanto é importante acentuar que a

obrigatoriedade proclamada pelo presidente se restringia à frequência dos

alunos; em outros termos, os pais e os tutores teriam a obrigação de garantir a

frequência dos seus filhos nas escolas:

[...] É útil no mais elevado ponto, e mesmo necessário à sociedade, uma certa instrucção; logo a sociedade tem o direito e o dêver de velar que essa pouca instrucção , necessária à todos, não falte a ninguém. É contraditório proclamar a necessidade de instrucção universal e recusar acceitar o único meio de torná-la eficaz. A verdadeira liberdade não pode ser inimiga da civilização; pelo contrário serve-lhe de instrumento, e n'isso está o seu máximo valor, como o da liberdade no indivíduo está em concorrer Ella para o seu aperfeiçoamento. Estas razões levarão-me a consagrar o princípio do ensino obrigatório; e a julgar pela experiência attestada por alguns Paizes adianttados em instrucção como sejão a Alemanha, a Áustria, e parte dos Estados Unidos, só há a esperar os melhores fructos de sua adopção. Cumpre que a escola seja uma realidade n'esta província será um passo dado a este desinteratum o princípio da freqüência obrigatória. Se para os Paes e tutores, cuidadosos da sorte de seus filhos e tutellados, é esta medida dispensável, para outros, que forem desleixados (e infelizmente há tantos!) servirá de avizo ao cumprimento de seus deveres. Torna-se com effeito obrigatória a freqüência; faça-se effectiva a multa comunicada aos infractores, que as aulas encher-se-hão, e em próximo futuro terá a Província melhorado consideravelmente o Estado da instrucção [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n.218 p. 2, 1873).

Infelizmente, enquanto o Estado também não se tornava responsável por

garantir as condições para que as crianças pudessem frequentar a escola,

permanecia, na província, o déficit no atendimento. Além disso, as escolas do

interior ficaram aguardando a ordem do Conselho Central, que classificaria as

escolas para o funcionamento em conformidade com o regulamento. A esse

respeito, o jornal O Espírito-Santense, de 30 de setembro de 1873, trouxe a

seguinte informação:

[...] Apenas na Capital está em execução a nova Refórma quanto ao ensino obrigatório. Para as demais localidades, resôlveo o Dr. Inspector da Instrucção Pública, depois de prévia audiência do Conselho Central, sollicitar das Câmaras Municipais informações para a demarcação do perímetro, dentro do qual deve ser em relação á cada eschola, obrigatório o ensino, nos termos dos arts. 40 e 41 do Regulamento vigente, e as aguarda para resolver, como lhe cumpre, sobre a respectiva demarcação [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n.226 p. 1-2, 1873).

Em 9 de junho de 1873, o quadro de classificação e matrículas da instrução pública pode ser observado a partir do mapa que se segue:

Figura 2 – Mapa da classificação das escolas da província do Espírito Santo no ano de 1873.

Fonte: Jornal O Espírito-Santense, de 12 de junho de 1873.

A classificação das escolas primárias abandonava a divisão 1.ª e 2.ª classes. A

exemplo do regulamento de 1861, o ensino primário proposto por Thomé da

Silva, em 1873, foi dividido em elementar e superior. Este último era facultativo.

Nessa direção, existiam duas classes: 1.ª – escolas de instrução primária

elementar, denominadas escolas de 1.º grau; e 2.ª – escolas de instrução

primária superior, denominadas escolas de 2.º grau. No primeiro grau,

seguindo a prescrição do artigo 35, os alunos aprenderiam leitura e escrita,

gramática portuguesa, exercícios de correspondência epistolar, instrução moral

religiosa, princípios elementares de aritmética e suas operações fundamentais

em números inteiros e sistema legal de pesos e medidas.

Nas classes de instrução primária de 2.º grau, seria ensinada a aritmética e

suas aplicações práticas, quer em quebrados e decimais, quer em complexos e

proporções. Os alunos aprenderiam, também, os princípios de filosofia racional

e moral, elementos de história e geografia, especialmente do Brasil, noções de

história sagrada, princípios das ciências físicas aplicáveis aos usos da vida,

gramática elementar e agrimensura, desenho linear e noções de música.

Cabe ressaltar que o método privilegiado no regulamento era o misto. Esse

método era uma combinação do ensino simultâneo com o mútuo, porém o

Conselho Central poderia autorizar outro, conforme a conveniência do ensino.

Em nossas reflexões, consideramos que, ao regulamentar esse método, o

presidente da província apenas tornou oficial o que já se fazia na escola, pois

essa era uma prática comum nas aulas. Em 1871, o inspetor da escola de São

Mateus assim se pronunciava em relação aos regulamentos anteriores:

[...] O método recommendado pelo Regulamento é o simultâneo, tem elle as incontesttáveis vantagens de reunir os predicados da palavra e autoridade direta do professor, da emulação que se desperta entre as classes e da economia de tempo para o mestre, mas faltão-lhe aquella applicação contínua, aquellas disciplinas e inspeção que são inconvenientes ao méthodo que admitte os monitores: para suprir esses incovenientes os professores teem acrescentado ao méthodo simultâneo, os monitores do méthodo mútuo, que dirigem aos alumnos nos intervallos, formando assim uma espécie denominada método mixto [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 41, p. 1, 1871).

O termo mixto se refere, assim, à junção de dois métodos: o simultâneo e o

mútuo. Porém, conforme apontam Shwartz e Falcão (2005), muitos professores

se valiam, inclusive, do ensino individual no momento das aulas. As autoras

realizaram um estudo sobre o ensino da leitura no Espírito Santo na década de

1860, em que assinalam a mescla de métodos. Citando um relatório do

professor João Ortiz, enviado ao presidente da província em 1861, explicitam

que o ensino era realizado a partir da junção de três métodos: individual,

simultâneo e mútuo:

[...] O método que me tem ajudado a alcançar esses resultados que provão uma reforma na marcha seguida até aqui em todas as escolas da Província, é o eclético, porque é uma fusão ou amálgama dos três systemas de ensino, conhecidos com a denominação do mútuo, simultâneo e individual. Creio que não é possível uma boa eschola onde esses três sistemas dando se as mãos a propósito não sejam recursos incalculável alcance para o mestre que deseja dar e conservar sólida instrução aos seus discípulos. Por exemplo, para não deixar sahir da memória infantil os nomes das letras, as suas vinte e cinco formas tão variadas, as suas inúmeras combinações produzidas as sillabas, é de mister que o menino nunca cesse de repetir o que um dia aprendeu; para repetir com proveito seu e alheio acatando a sentença — docendo docetur — deve tomar a outrem a lição em que quer ficar mestre. N'este exercício que multiplica o tempo do professor e fructifica no infinito do seo trabalho; está a prova de faso do ensino mútuo, mas sem esquecer de velar muito, a fim de que o aluno mestre passe ao aluno discípulo a instrução tal qual a do mesmo modo que recebeo do professor em chefe. O

simultâneo, o individual e o mútuo tornão-se alternativa ou simultaneamente solidários todas as vezes que tomo lição commum de muitos alunos: simultâneo quando explico a todos os da mesma lião de leitura, por exemplo, individual e simultâneo, quando cada discípulo lê seu tártio, ao passo que todos os demais estão atentos seguindo com os olhos a leitura que aquele faz com a minha aprovação; torna-se o ensino mútuo, quando por ocasião de algum erro cometido por um leitor, eu, em vez de dizer-lhe logo em que consiste o erro e o modo de emendar, mando que reconsidere; o senão ache por si mesmo o acerto, passo a outro essa incubência, até que passe aos mais. Quando nenhuma aceitou, tomo a mim a questão e ahi aparece outra vez o ensino simultâneo [...] (RELATÓRIO DE PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO, 1861, apud SHWARTZ e FALCÃO, 2006, p. 60).

Segundo Shwartz e Falcão (2005, p. 9), a prática do professor foi referendada

pelo presidente da província, na época em que solicitou aos demais docentes

que assistissem às aulas do referido professor. A intenção era uniformizar o

método. Assim, conforme apontamos, a adoção do método misto, em 1873,

referenda práticas em que os métodos individual, simultâneo e mútuo eram

utilizados simultaneamente.

No artigo 105 do regulamento de 1873, estavam prescritos tipos de estímulos e

punições que poderiam ser aplicados aos alunos. Ressaltamos que, embora as

prescrições estejam escritas separadamente, as duas fazem parte do mesmo

artigo:

[...] S 1.º Elogio.S 2.º Cartão de boas notas.S 3.º Bilhetes de satisfação.S 4.º Logar de distinção.S 5.º Prêmios.Art. 105 – Com correctivo, ou punição às faltas empregarão: S 1.º Repreensão.S 2.º Perda de boas notas e bilhetes de satisfação.S 3.º Estudo em pé por espaço de cinco a vinte minutos.S 4.º Braços cruzados, por dez a trinta minutos.S 5.º Perda de prêmios.S 6.º Avizo aos páes, ou tutores para maior castigo.S 7.º Expulsão da escola. [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1873, p. 16-17).

Para as autoridades, a disciplina era uma necessidade da escola. No século

XIX, isso era exigido dos profissionais da educação de todo o mundo. A escola

esboçou modelos de indivíduos cultos segundo o seu padrão e, ao mesmo

tempo, disciplinados para o mercado de trabalho. Segundo Gumperz (1987), no

século XIX, um dos objetivos da escolarização em massa era o controle, ou

seja, o “[...] treinamento social para transformar os trabalhadores domésticos

ou rurais em força de trabalho operário [...]” (GUMPERZ, 1987, p. 40).

As práticas pedagógicas do século XIX eram sempre engendradas pelo

sistema de disciplina. É interessante observar que, na perspectiva de Cambi

(1999), o Estado tinha o professor como uma autoridade que se encarregava

também de fazer valer as normas jurídicas da escola. Segundo o autor, até

mesmo os programas, os livros-texto e os calendários cuidavam de regular não

só o aluno, mas também o professor. Fundamentando-se em Foucault, assim

se expressa:

[...] Toda vida na escola, como bem viu Foucault falando de séculos

anteriores, é submetida a um processo de racionalização que assume,

no seu disciplinarismo, o modelo do "vigiar e punir", dando lugar a uma

práxis escolar em geral autoritária. Conformista e repressiva [...]

(CAMBI, 1999, p. 497).

Apropriando-nos das reflexões de Cambi (1999), quando evidencia as ideias de

Foucault, compreendemos que o sistema de recompensas e punições adotado

nas escolas capixabas em 1873 e em toda a década de 1870 tinha o objetivo

de tornar os corpos dóceis, obedientes aos comandos, adaptados aos

interesses do Império, ou seja, submissos às privações e à falta de políticas

voltadas aos interesses da população. Isso conformava as pessoas até mesmo

a conviver com a escola na forma como estava organizada. De acordo com

Foucault (1989), ao serem docilizados coletivamente, os corpos se tornam

obedientes. Nessa direção, também entendemos que, ao tomar para si a tarefa

do ensino da leitura, a escola propôs um sistema rígido de disciplina a partir de

um sistema de recompensas e punições que visava ao controle dos corpos.

Nesse sentido, o ensino capixaba dividia os sujeitos em civilizados e não

civilizados. Nessa direção, dizemos que os não civilizados eram aqueles que

não eram “reconhecidos” como capazes de receber os prêmios. Segundo

Gumperz (1987, p.40), com um currículo organizado, as instituições de ensino

controlavam os indivíduos e, ao mesmo tempo, dividiam a sociedade entre

educados e não educados. A autora se posiciona dizendo que isso era “[...]

uma nova forma de controle social cada vez mais poderoso que podia ser

exercido através do currículo [...]” (Gumperz, 1987, p. 40).

O inspetor das escolas da cidade de São Mateus, Leônidas Marcondes de

Toledo Lessor, escreveu um relatório referente à instrução pública em seu

município. O relatório foi publicado no jornal O Espírito-Santense, de 10 de

março de 1871. Ele apontou seis ordens que deveriam fazer parte do sistema

de ensino. Não tivemos acesso à primeira ordem. Dialogamos com o seu texto

a partir da segunda ordem, para explicitar que a quarta ordem de suas ideias

reflete um modelo de educação atrelado à disciplina escolar.

Na perspectiva do inspetor, na segunda ordem, o desenvolvimento físico era

tão importante quanto o intelectual. Nesse sentido, expôs a necessidade de

atividades de ginástica para suavizar os trabalhos escolares. Na sua

percepção, o exercício físico evitaria que a imaginação desse lugar ao

sofrimento e, ao mesmo tempo, faria bem para a saúde. Fazia parte da

segunda ordem o ensino dos deveres do homem na sociedade, de acordo com

os preceitos do Império, que, na época, estava ancorado nos princípios da

religião católica. O inspetor capixaba aconselhava o seguinte procedimento:

“[...] fallar-se-há da alma, e da imortalidade, e juntar-se-á a cada uma destas

lições explicações sobre os deveres do homem e do menino [...]” (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n.36 p. 1, 1871). Como elemento imprescindível na

segunda ordem, ele ainda enfatizou a prática de aulas de recitação e

declamação durante o ensino da leitura.

Retomando o que dissemos a respeito do sistema de recompensas e punições

e analisando os conselhos do inspetor quanto à observância à exposição dos

conteúdos referentes aos deveres do homem e à imortalidade da alma,

dizemos que, além de dividir os sujeitos em civilizados e não civilizados, a

escolarização da alfabetização nas escolas capixabas também procurava

inculcar preceitos morais e religiosos da igreja católica.

Na terceira ordem, evidenciou o ensino a partir da dissolução dos conteúdos

por disciplina e com utilização de métodos e livros previamente estabelecidos.

Na quarta ordem, ele se referiu à necessidade de se manter a boa conduta dos

alunos e a organização do tempo cronológico destinado às aulas e da disciplina

na escola. Quando se referiu à quinta ordem, observou a importância do

provimento de instalações prediais, recursos didáticos adequados para as

aulas e um livro de registro que deveria conter, além da matrícula, as

observações referentes à vida escolar de cada aluno. Na sexta e última ordem

do sistema escolar, explicita a obrigatoriedade e a liberdade de ensino

particular. Em sua opinião, a obrigatoriedade deveria ser estabelecida com

cautela, observando-se as circunstâncias do País. Nas suas considerações,

organizar a instrução pública na forma proposta significava plantar uma árvore

num terreno fértil que logo daria bons frutos.

Retomando a quarta ordem das ideias, observamos a proposta de uma escola

baseada numa disciplina totalmente rígida, fortalecida pelas autoridades e por

outros segmentos da sociedade. Observamos que as punições descritas no

artigo 105 do regulamento de 1873 foram declaradas no discurso do inspetor:

[...] A quarta ordem das idéias que entrão na composição da escola referem-se aos meios da disciplina, de moralidade, de comducta dos alumnos. Os diversos elementos que até aqui havemos percorrido dirigem-se a todos imediatamente á intelligência dos alunos, destinão-se ao ensino directamente; estes encaminhão-se antes á alma, e teem por alvo á educação... é preciso um systema bem combinado de recompensas e de penas, despertando viva emulação entre os alumnos, mantenha constantemente entre elles o esforço de excederem-se em aproveitamento e em conductas este meio, além do aproveitamento que favoneia, planta no espírito do menino a actividade, o hábito de obedecer espontaneamente aos conselhos do seu interesse racional, o amor, a prosperidade, e a coragem e iniciativa de promovel-a [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 118, p. 1, 1871).

Dos professores, também eram exigidas boa conduta e educação. Porém,

como apontado, os concursos para o ingresso no magistério eram realizados

de acordo com interesses estranhos ao proposto na legislação. A má conduta

de muitos profissionais foi denunciada nos livros de registro do Império. Alguns

respondiam administrativamente, porque se envolviam sentimentalmente em

relações extraconjugais, outros porque não cumpriam com seus compromissos

em lecionar nos dias previstos.

O regulamento de 1873 hierarquizou o ensino. A esse respeito, Gontijo (2008)

faz o seguinte comentário:

[...] Assim, o Regulamento de 1873 deu ao ensino uma organização hierarquizada composta por um inspector Geral da Instrução, submetidos diretamente ao Presidente da Província. Esses, por sua vez, tinham como auxiliares os Delegados Literários e os Conselhos Parochiaes de Instrução, cujos nomes deviam ser indicados pelo Inspetor-Geral da Instrução. O nome deste, juntamente com o dos que comporiam o Conselho Central de Instrução, seria indicado pelo Presidente da Província [...] (GONTIJO, 2008, p. 40).

Além disso, o regulamento de 1873 criou a Secretaria de Instrução, que, até

então, não existia como pasta independente. A inspeção, que já havia sido

prevista nos regulamentos anteriores, foi mais estruturada, nomeando-se as

atribuições de cada segmento.

Era previsto que o Conselho Central se reunisse mensalmente na presença do

Inspetor Geral. A ele cabiam o exame dos melhores métodos de ensino, a

revisão e a adoção dos compêndios e livros para as aulas e a criação de

escolas. Esse conselho cuidava também do sistema de contratação de

docentes, fazendo parte da banca examinadora e/ou designando indivíduos

para essa função. Observando as atribuições do conselho, analisamos que,

muitas vezes, ele executava uma espécie de função semelhante à dos

conselhos estaduais de educação da atualidade, porém numa atividade mais

intensa de inspeção pedagógica, pois atuava também no julgamento de

infrações de professores:

[...] O Conselho Central será, em geral, ouvido sobre quaesquer assumptos, que interessem à instrução primária e secundária, cujo desenvolvimento e progresso deverá promover, auxiliando, assim, ao Inspetor Geral [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1873, p. 4).

As funções dos delegados literários eram bem significativas. Eles

inspecionavam todo o funcionamento prático das escolas. Questões como

regularidade das aulas, garantia dos preceitos morais nas instituições, posse

de professores, matrícula de alunos pobres, visitas às escolas, exames dos

alunos nas escolas públicas primárias, e subvencionadas, nomeação e

advertência de professores eram da competência desses delegados.

Um dos problemas apresentados pelos jornais e pelos relatórios de presidentes

de província diz respeito ao fato de os discípulos não dominarem a leitura e a

escrita. Por muitas vezes, foi solicitada a abertura de uma escola normal para

solucionar o problema da falta de formação dos professores, que, por sua vez,

contribuía para a falta de domínio desses conhecimentos. O regulamento de

1873 organizou essa modalidade de ensino:

[...] Art. 157 – Haverá na capital uma Escola Normal, destinada a formar o pessoal dos Professores de Instrução primária, por meio de ensino methodico, e educação exemplar [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1873, p. 23).

O texto da criação da escola anunciou que a preocupação era o ensino

primário. As matérias a serem aprendidas na instituição eram aquelas que

seriam ensinadas nas escolas primárias e cobradas nos concursos. Alguns

acréscimos de conteúdos foram feitos com relação à escrita da redação, do

conhecimento da legislação e administração do ensino, do desenho linear,

geometria plana, agrimensura, noções de filosofia e ideias fundamentais da

moral e do direito natural. Nessa direção, o ensino da escola normal foi

dividido:

[...] Primeira cadeira:• Leitura de prosa e verso.• Calligrafia.• Princípios elementares de Grammatica geral; conhecimento racional e prático da língua portugueza; redação.

Segunda cadeira:• Princípios elementares de aritmética, suas operações

fundamentais sobre números inteiros.• Sistema legal de pesos e medidas.S 2.º O segundo anno comprehenderá o ensino das seguintes matérias, dividido, igualmente, em duas cadeiras:Primeira cadeira:• Noções sumárias de geographia, especialmente do Brazil.• Noções de História Universal; História pátria.• Doutrina christã; noções de História Sagrada.Segunda cadeira:

• Pedagogia; conhecimento da legislação e administração do ensino.

• Desenho linear; geometria plana e agrimensura.

• Noções de philosophia, comprehendendo as idéias fundamentaes da moral e do Direito Natural [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1873, p. 23).

A escola normal seria ofertada a homens e mulheres. Para serem admitidos na

instituição, precisariam saber ler, escrever e contar. Esses conhecimentos

eram requisitos mínimos. Ainda poderiam ser admitidos os indivíduos que

apresentassem titulação em humanidades pelo Atheneu Provincial, os titulados

em graus científicos e literários pelas faculdades do Império ou pelo Colégio

Pedro II.

A prática de ensino era uma das preocupações da escola normal. Por esse

motivo, o artigo 166 previu duas escolas primárias anexas à instituição.

Ressaltamos que o número de dois anexos se justificava pelo fato de existirem

aulas práticas para o sexo feminino e para o sexo masculino. Nesse sentido,

cabe observar que, para o ensino normal, também existia a divisão do ensino

por sexo. As mulheres poderiam iniciar seus estudos como alunas mestras aos

12 anos de idade, e os homens, aos 16. Desse modo, considerando que o

curso tinha a previsão de durar dois anos, é provável que muitas “meninas”

tenham se tornado professoras entre 14 e 15 anos.

O regulamento de 1873 foi muito importante porque pretendeu reorganizar o

ensino na escola normal, tentou organizar o serviço de inspeção e iniciou a

regulamentação da gratuidade no ensino escolarizado. Em relatório referente à

instrução pública em 1896, José Carvalho Moniz Freire se pronunciou a

respeito dos regulamentos de 1873 e 1882. Na ocasião, ele disse que tais

reformas não avançaram com resultados satisfatórios, elas foram infrutíferas,

servindo apenas para atestar os esforços dos administradores da época:

[...] O seu defeito principal foi não concentrarem todos os cuidados dos poderes públicos em melhorar a instrução primária e se haverem preoccupado muito com a organização do ensino secundário. Abordaram o problema fundamental, mas deixaram brecha para que esse fosse afinal sacrificado ao lado menos essencial dos regulamentos. Uma e outra procuraram elevar o nível do ensino, estabelecendo garantias ao magistério, alargando os programmas

das escolas, e exigindo a capacidade profissional, mas ambas foram infelizes em confundir sob os mesmos tectos e nas mesmas pessoas lentes e cadeiras dos candidatos ao magistério, e dos candidatos de exames de preparatórios. O resultado foi que a politicagem de um lado tendo interesse em fazer das nomeações para o professorado uma arma constante de partidos e do outro a falta de estímulos para a mocidade, geraram a maior indiferença pela execução da parte capital das reformas [...] (RELATÓRIOS DE PRESIDENTES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1896, p. 122-123).

No mesmo relatório, o presidente Moniz Freire assinala que o ensino

ministrado no Atheneu Provincial para os meninos e no Colégio Nossa Senhora

da Penha para meninas era deficitário, considerando-se a especificidade

dessas escolas, que eram institutos de ensino normal:

[...] O estabelecimento masculino nunca passou de um collégio de preparatórios, onde os raros moços se habilitaram para os cursos superiores, e outros freqüentaram apenas duas ou três aulas para irem depois pretender empregos públicos; o feminino apesar de mais incompleto, foi, entretanto o que pôde fornecer maior número de candidatos, com preparo mediano, às cadeiras do ensino primário [...] (RELATÓRIOS DE PRESIDENTES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1896, p. 122-123).

Considerando as colocações do presidente nas duas citações acima,

assinalamos que a reforma de 1873 não ultrapassou o plano legal. No mesmo

relatório de Moniz Freire, em 1896, encontramos, ainda, as seguintes

ponderações:

[...] A conseqüência de todos esses insucessos é que, ainda hoje decorridos vinte e três anos da primeira reforma em que se cogitou crear um pessoal apto para a carreira do magistério, a administração pública sente-se na neccessidade, irremediável de prover em quase todas as escolas, homens sem tirocínio algum, pouco mais podendo exigir-lhes do que a prova de saberem ler e escrever [...] (RELATÓRIOS DE PRESIDENTES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1896, p. 123).

Como dito, o presidente Thomé da Silva defendia a gratuidade e a

obrigatoriedade do ensino primário elementar e, nesse sentido, fez algumas

tentativas de obrigar as crianças a frequentar as escolas. Uma das iniciativas

foi a constituição de artigos dentro do regulamento, tratando da obrigatoriedade

dos pais de matricularem seus filhos e da criação de escolas elementares em

cada paróquia. De acordo com o artigo 44, haveria pelo menos uma escola

elementar em cada paróquia. Lendo o artigo 41, observamos que o então

presidente estabeleceu multas de trinta a cem mil réis para serem cobradas

aos responsáveis que não enviassem seus filhos à escola. Além das medidas

mencionadas, Thomé da Silva proferiu um discurso em que expressava a

necessidade de provimento do ensino público por parte do governo imperial.

Em discurso eloqüente, reforçou a ideia de que o ensino deveria ser provido às

custas dos cofres públicos. Esse discurso foi publicado no jornal O Espírito-

Santense de 6 de maio de 1873. As palavras do então presidente foram bem

ousadas para a época. Quando mencionou a necessidade de se angariar

recursos para a gratuidade, disse que, sobre o assunto, não deveria haver

embaraços. Pressupor gastos para uma câmara de deputados que falava em

economia de recursos e supressão de escolas significava tentar romper com

obstáculos que até então eram tidos como intransponíveis.

Na perspectiva do presidente Thomé da Silva, a escola deveria dar conta de

prover a instrução, e os indivíduos instruídos teriam as oportunidades de

alcançar êxito na vida econômica, escapando da miséria. Ter o ensino

escolarizado significava trabalhar nas repartições públicas. Essa forma de

pensar esteve presente durante a toda a década de 1870. Porém, assim como

hoje, essas ideias têm caráter ideológico. Conforme dissemos anteriormente,

nossa economia era de base agrária que não exigia mão de obra alfabetizada.

Segundo Gondra (2002), o ensino no Brasil buscou referências na Europa.

Essas referências eram mais procuradas na Inglaterra e na França. O

pesquisador assinala que as referências eram buscadas por motivos diferentes.

Na Inglaterra, estava presente a “ideia” de que a industrialização ofereceria

“possibilidades infinitas”. A França atraía pelos aspectos culturais como a “[...]

pintura, teatro, música, literatura, culinária e da ‘boa’ moda, por exemplo [...]”

GONDRA (2002, p.). Analisando as colocações de Gondra e comparando-as

aos artigos publicados nos jornais de maior circulação no Espírito Santo, na

década de 1870, observamos que, de fato, as referências aos modelos

educacionais constituídos nesses países eram constantes. Os artigos

veiculados pelos jornais atribuíam o sucesso econômico daqueles países à

organização do ensino.

Segundo Gondra (2002), os responsáveis pela organização do ensino francês

buscavam conhecer práticas pedagógicas inovadoras para implantar nas

escolas francesas, objetivando melhorar o ensino elementar. Bastos (2003) diz

que era uma prática nesse país realizar viagens pedagógicas em busca de

inovações. Algumas dessas viagens foram realizadas por Celestin Hippeau e

relatadas sob a forma de livros impressos pelo próprio viajante. Uma das

viagens pedagógicas mais significativas realizadas por Hippeau foi às escolas

dos Estados Unidos. Segundo esse autor, as práticas de ensino desse país

eram inovadoras. Em 1871, o Espírito Santo recebeu um exemplar desse

material, que havia sido traduzido pela Tipografia Nacional, no Rio de Janeiro.

[...] Il.mo e Ex.mo Sr. do Palácio do Governo em 31 de agosto tenho a

honra de acusar o recebimento de aviso de V. Ex.a com data de 5 de

janeiro do próximo pretérito acompanhando para a devida distribuição

treze exemplares da obra de C. Hippeau sobre a instrução nos

Estados Unidos, os quaes tiverão o destino recomendado no citado

aviso cumprindo-me significar que são treze as comarcas municipaes

da província havendo sido contempladas um número de onze

comarcas. Deos o guarde. Conselheiro João Alfredo Correa de

Oliveira. Ministro e Secretário dos Negócios do Império (LIVRO N. 75,

SÉRIE 751, p. 190, 1871).

Para nós, a citação acima é muito significativa, primeiro, porque confirma que,

na década de 1870, muitas informações pedagógicas vinham da França. Esse

é um dado muito importante, pois permite concluir sobre as influências

francesas na educação brasileira e no Espírito Santo. Além disso, Hippeau

valorizava o modelo educacional americano e dizia que era o mais perfeito, o

que nos leva a acreditar que as autoridades espírito-santenses podem ter sido

influenciadas a buscar adotar esse modelo no Espírito Santo, ou, mais

especificamente, que o regulamento de 1873, escrito por Thomé da Silva, foi

influenciado pelas ideias relatadas por Hippeau sobre a educação nos Estados

Unidos. Segundo Bastos (2003), muitas propostas constituídas no livro de

Hippeau (1873) com referência à instrução nos Estados Unidos foram

“legitimadas” na constituição de regulamentos referentes ao funcionamento da

educação brasileira. Desse modo, as ponderações da autora fortalecem a

nossa hipótese de que as propostas americanas inspiraram os conteúdos da

reforma do presidente Thomé da Silva.

No regulamento de 1873, Thomé da Silva estabeleceu a gratuidade do ensino

elementar. A exemplo do que foi feito nos Estados Unidos, o presidente da

província tratou, inclusive, de fornecer pensionato aos alunos pobres nas

escolas. Essa particularidade pode ser observada no artigo 201 do

regulamento de 1873, que tratava da oferta de pensionato aos alunos pobres

no Colégio Atheneu:

O presidente da província manda admittir ao Instituto as custas dos

Cofres Provinciaes, quatro meninos pobres como alumnos

pensionistas, seis como meio pensionistas, e dez como externos,

uma vez que sejão de reconhecida inteligência, e de família honesta.

(Jornal O Espírito-Santense, Vitória, n. 273, p. 1873).

As semelhanças entre o conteúdo disposto no regulamento de Thomé da Silva

quanto à gratuidade do ensino elementar e a gratuidade do ensino americano

relatado por Hippeau não se restringem ao fornecimento de pensões, mas são

extensivas à forma de provimento da gratuidade. Se, nos Estados Unidos,

havia previsão de instalar escolas onde residisse um grupo de 50 famílias, para

que os indivíduos maiores de 5 anos e menores de 18 pudessem estudar, no

Espírito Santo, o artigo 44 da legislação de 1873 previa que haveria uma

escola em cada paróquia. Compreendemos que a legislação da instrução

pública de 1827, referente à instrução pública no Brasil, já trazia esse discurso

sobre a criação de escolas para toda a população, no entanto compreendemos

que o modelo de organização educacional relatado por Hippeau (1873) pode

ter fortalecido o então presidente da província a escrever os artigos referentes

à instalação das escolas capixabas na década de 1870.

O regulamento também previa, no artigo 29, a liberdade de ensino. Assim, “[...]

É livre o ensino particular, primário ou secundário [...]” (REGULAMENTO DA

INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1873, p. 6). Quando o presidente promulgou o

regulamento, nos Estados Unidos, o ensino privado já acontecia. Segundo

Hippeau (1871, p. 65), “[...] A liberdade de ensino em todos os seus graos salva

os direitos das famílias [...]”.

Outro ponto que pode ser destacado se refere ao método de ensino da leitura.

Segundo Hippeau, as escolas americanas utilizavam o método da soletração.

De acordo com ele, “[...] Lê-se, soletra-se; e á força de soletrar aprende-se a

ortographia [...]” (HIPPEAU, 1871, p.45). No Espírito Santo, a prática do

método da soletração vinha acontecendo pelo menos desde a década de 1860,

com a utilização do livro de Luis Francisco Midosi e das Cartas do A B C, mas

foi no governo de Thomé da Silva que essa prática foi regulamentada e devia

ser utilizada na escola de instrução primária anexa ao Colégio Atheneu, onde

funcionavam as aulas práticas da escola normal.

Outro ponto bastante instigante nas propostas americanas está relacionado

aos castigos. Os relatos de Hippeau não evidenciam o uso da palmatória, pois

acreditamos que o uso desse objeto não estava sendo mais aceito com tanta

naturalidade. Segundo o escritor francês, nas escolas americanas, havia a

figura de um funcionário denominado “principal”, que cuidava de observar a

disciplina dos alunos. Nas escolas capixabas, esse funcionário era o “censor”.

Ele deveria fazer funcionar as classes do Colégio Atheneu no maior silêncio.

Conforme já evidenciamos, até na hora das refeições, esse profissional

controlava os alunos.

Analisamos que, ao promulgar os artigos do regulamento de 1873 “inspirado”

nas ideias americanas relatadas por Hippeau quanto à gratuidade, à liberdade

de ensino e ao método de ensino da língua, o presidente Thomé da Silva

(re)iniciou uma nova organização nas escolas de ensino primário na província

do Espírito Santo, e isso incidiria diretamente sobre as práticas pedagógicas de

ensino da língua.

A gratuidade e a obrigatoriedade do ensino resultaram na presença de crianças

com seis anos na escola. Grosso modo, pensamos que ofertar vagas para

crianças nessa faixa etária implicaria prover as classes de alfabetização com

mais materiais para o ensino e aprendizagem. Considerando-se que as

práticas de ensino da língua privilegiavam o perfeito traslado das letras, seria

necessário comprar mais tabuinhas, taboletas, ardósias e lápis de gesso, pois

esses materiais eram utilizados por crianças de menos idade nas aulas de

caligrafia. Além da necessidade de provimento de mais recursos, as salas de

aula precisariam ser mais espaçosas, pois o número de matrículas seria

ampliado. Outro aspecto a ser apontado está relacionado à regulamentação da

função do preceptor. Ao se admitir que o ensino doméstico fosse aceito, o

regulamento praticamente oficializava essa profissão.

Quanto à liberdade de ensino, consideramos que os pais das crianças mais

abastadas poderiam “escolher” onde matricular seus filhos, se na escola

pública ou particular. Isso também incidiria diretamente sobre as práticas de

ensino, pois, se eram abastadas economicamente, as crianças da rede privada

teriam condições de comprar os materiais, já as crianças da rede pública

continuariam valendo-se de recursos improvisados como as cartas manuscritas

utilizadas nas aulas de caligrafia. Nessa direção, numa mesma província,

passávamos a ter metodologias distintas, pois a rede particular poderia planejar

as atividades com o uso de livros por todos os alunos, enquanto a rede pública

continuaria a pensar em aulas em que alguns alunos possuiriam livros, papéis,

lápis, e outros não. Nessa direção, dizemos que a organização do ensino

escolarizado nos moldes do ensino americano acirrava a “divisão de classes”.

No que se refere à oficialização do método da soletração, compreendemos que

muitas escolas não alterariam suas práticas, porque esse método já estava

sendo aplicado a partir da utilização do livro de Luis Francisco Midosi, mas, por

outro lado, os professores e preceptores que já ensinavam pelo método da

soletração ficariam mais à vontade para dar continuidade a essa prática. Esse

é um dado muito importante, pois nos faz analisar que as práticas de ensino a

partir do método analítico ou analítico-sintético não seriam aceitas com tanta

naturalidade, incidindo, inclusive, na “rejeição de métodos como o bacadafá,

que foi enviado à província para divulgação, mas não foi oficializado.

Conforme se observa, as viagens de Hippeau e o envio de seu relato a respeito

da educação nos Estados Unidos às comarcas da província, na década de

1870, não podem ser vistos como fatos corriqueiros, pois foram decisivos para

tornar oficial um método de leitura já instituído.

Apesar das supostas tentativas do presidente Thomé da Silva em prover o

ensino, no ano de 1874, na data de 20 de setembro, o jornal O Espírito-

Santense publicava que o ensino gratuito ainda não atendia a todas as

crianças em idade escolar. O discurso publicado no jornal destacou a baixa

remuneração dos professores como um impedimento para o provimento do

ensino:

[...] Vejamos. O ensino primário oficial, embora gratuito como está constituído entre nós não aproveita ninguém. É impossível ao professor e inútil ao aluno. A retribuição que o governo concede ao primeiro é verdadeiramente um passaporte de miséria e humilhação. Quem é que com 600 ou 800 réis anuaes pode pagar aluguel de casa, sustentar-se e desempenhar conscientemente a o encargo de preceptor? É o mesmo que dizer a um infeliz: curte fome, mora em uma espelunca e dispõe das melhores horas do dia e da noite em benefício do estado que te esquece como o mais humilde, o mais obscuro de seus servidores! Um professor nestas circunstâncias nem ao menos poderá rodeiar-se de prestígio religioso. Será naturalmente um ignorante, um louco. Que respeito poderá infundir em seos educandos? O estado de dependência que a aceitação de seo cargo lhe creou, despoja-o da autoridade e da força moral, sem as quais a sua influencia se torna completamente nulla. As crianças frequentão por longos meses uma destas aulas e saem por fim de lá como entrarão. Os pais, os parentes, não menos ignorantes que os seus tutelados, descrêem facilmente da utilidade e vantagens do ensino. Assim, voltão para casa e são logo empregados nos mais rudes trabalhos domésticos. Cá fora, no interior, na roça, na matta, vão feitorear os escravos, cortar lenha, pegar os animais no pasto e sahen aos domingos, armados de uma espingarda ou de uma tramóia a caçar rolas ou apanhar sabiás que no fim das contas tem tanto direito quanto ele a liberdade. Eis aqui em que consome a actividade infantil dos filhos do povo, enquanto a venda, o jogo e muitas vezes o crime não completão tão deplorável noviciado [...]. (Jornal O Espírito-Santense, Vitória, 20 de setembro de 1874.

As observações expostas no jornal O Espírito-Santense, mais uma vez,

evidenciam as péssimas condições do ensino público e ainda assinalam a

presença de preceptor ensinando na província na década de 1870. Esse é um

dado muito importante, pois nos faz analisar que, embora os artigos do

regulamento de 1873 não tivessem explicitado a imagem desse profissional, o

próprio presidente admitia sua presença e tinha consciência de que nem todos

os indivíduos em idade escolar frequentariam as escolas públicas. Muitos

estudariam nas suas casas, e seus responsáveis ficariam livres das multas.

Nessa direção, o artigo 42 trazia, no terceiro parágrafo, um texto que,

praticamente, legalizava a prática do ensino por meio dos preceptores. Esse

parágrafo isentava os pais dos menores que recebessem ensino domiciliar ao

pagamento da multa.

Como dito, as ideias postas no regulamento de 1873 não deram conta de

solucionar os problemas educacionais. Analisando os mapas dispostos no já

mencionado Dicionário histórico geográphiico e estatístico escrito por Cezar

Augusto Marques, no ano de 1878, pertinentes às atividades sociais e

profissionais existentes na província entre os anos de 1873 e 1877,

visualizamos que, na realidade, algumas paróquias não tinham sequer um

professor. Os presidentes que sucederam Thomé da Silva relataram as

péssimas condições da instrução pública primária na província. Em 1875, dois

anos após a promulgação da lei de 1873, em meio às práticas do método

misto, o presidente Domingos Monteiro Peixoto relatava que ainda não

havíamos avançado em termos de ensino da língua:

[...] A instrucção pública deve continuar a merecer-vos séria

attenção. A felicidade do povo depende de sua difusão. A província

despende quase um terço de sua importante receita com este

importante ramo do serviço público, porém é forçoso confessarmos

os resultados não estão na proporção dos sacrifícios a que se têm

imposto. Foi um passo de grande alcance as reformas que se

realizarão e que lembrarão sempre o nome d'aquele que as iniciou;

mas a experiência tem mostrado que há n'elas necessidade de

alguns retoques e modificações de maneira à se conseguir o fim que

se teve em vista sem comprometer os escassos recursos da

província, que tem muitas outras exigências a satisfazer [...]

(RELATÓRIO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1876, p. 1).

Em 1878, o número de crianças em idade escolar fora das escolas ainda era

muito grande. Pior era o quantitativo de pessoas analfabetas. Para uma

população de 94.183 pessoas, havia 78.492 analfabetas. A situação deficitária

da instrução na província perdurou por toda a década, já que os métodos de

ensino aprendidos nas escolas normais não deram conta de resolver o

problema do analfabetismo na província.

3.2.3 O regulamento de 1877

Em 1877, outro regulamento é promulgado, com poucas mudanças. O novo

modelo extinguiu os conselhos paroquiais. Os delegados literários ocuparam

esse espaço, passando a auxiliar o Presidente da Província e o Inspetor Geral

na inspeção do ensino. A obrigatoriedade do ensino elementar continuou a

existir, porém a idade para a gratuidade foi alterada, retornando de 7 a 14

anos, como era prescrito na legislação imperial.

A classificação das escolas públicas era feita a partir da divisão por entrâncias

e dependia da aprovação do Presidente da Província. Em 1877, as escolas

continuaram a ser classificadas segundo a localidade em que eram instaladas:

[...] Art. 28. - As escolas de primeiras letras para os dois sexos são classificadas do seguinte modo:1.ª _ Entrância - as das freguesias e districtos.2.ª _ Entrância - as das sedes das vilas.3.ª – Entrância - as das cidades. (Art. 4º da lei n. 12 de 9 de agosto de 1877 e Art. 3º da de n. 37 de 1874) (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1877, p. 6).

As matérias lecionadas nas escolas de ensino primário também tiveram uma

pequena alteração. Foram incluídos os exercícios de correspondência

epistolar. Para as meninas, aconteceu o retorno das aulas de costura e

trabalhos de agulhas, nos mesmos moldes da Reforma de Couto Ferraz em

1848. O método de ensino era o misto ou simultâneo. No método misto, se

congregava a mescla do ensino simultâneo com o mútuo. Notamos que o

método mútuo sempre esteve presente, mesmo contrariando a posição de

alguns governantes. Sucupira (2005, p. 59) relata que o Ministério do Império

apontava insatisfação com relação ao método, em 1833. Na ocasião, o ministro

disse que os resultados alcançados com o método, no Brasil, não

apresentavam o mesmo sucesso dos outros países onde o método foi adotado,

e que, por esse motivo, era mais pertinente não multiplicá-lo em outras escolas

até que as escolas que o utilizavam se aperfeiçoassem no uso.

Seguindo os princípios dos regulamentos anteriores, a legislação de 1877

também utilizou o sistema de recompensas e punições aos alunos. Esse

sistema seria empregado para estimular os alunos a realizar as atividades

propostas pela escola:

Art. 174. Os professores públicos empregarão para estimular os

alumnos no cumprimento de seus deveres os seguintes meios

disciplinares:

1.º Elogio.

2.º Cartão de boas notas.

3.º Bilhetes de satisfação.

4.º Lugar de distinção.

5.º Prêmios.

Art. 75. Como corretivo e punição às faltas se empregarão:

1.º Advertências.

2.º Reprehensão particular ou pública.

3.º Perda de boas notas ou bilhete de satisfação.

4.º Castigo corporal que excite o vexame.

5.º Perda de prêmios conferidos.

6.º Aviso aos pais e aos encarregados dos alunos.

7.º Expulsão da escola. (REGULAMENTO DE 1877, p. 16).

Segundo o artigo 127, parágrafo 3.º, na escola Nossa Senhora da Penha seria

a diretora do colégio quem aplicaria as punições e daria os prêmios.

Analisando a redação do texto referente aos prêmios e castigos, observamos

que não havia preocupação com a mediação do conhecimento para que o

aluno alcançasse um melhor aproveitamento dos conteúdos ensinados. No

lugar da mediação, a legislação aplicava penalidades ou conferia prêmios. A

palmatória foi abolida na legislação de 1873, mas os alunos continuavam

sendo alvo de repressões quando não conseguiam aprender o que estava

sendo ensinado.

Além de receberem recompensas e punições nos momentos das aulas, os

alunos da instrução primária seriam avaliados ao final de cada ano letivo. Até

mesmo os trabalhos de agulha das meninas seriam avaliados por uma banca

presidida por uma professora da escola primária da terceira entrância. De

acordo com o regulamento, o exame17 começaria no dia 15 de novembro de

cada ano. Primeiro, seriam examinados os meninos do Colégio Atheneu e,

depois, as meninas do Colégio Nossa Senhora da Penha. De acordo com o

artigo 159, quem presidiria esses exames seria o próprio inspetor geral da

instrução pública. Esses exames eram previamente marcados com os nomes

de alunos que seriam examinados. Nos dois colégios citados acima, a

responsabilidade de enviar os nomes dos alunos para a avaliação eram os

diretores. Nas escolas pertencentes aos outros distritos, essa responsabilidade

ficava a cargo dos delegados literários. Eles presidiriam a banca examinadora

composta por pessoas residentes no próprio distrito.

Cabe ressaltar que a presença dos delegados literários nas escolas não

acontecia apenas nos momentos de encaminhar os alunos aos exames. As

escolas eram acompanhadas por visitas realizadas pelos delegados literários

pelo menos uma vez por mês. Segundo o artigo 21 do regulamento de 1877,

aos delegados caberia:

§ 1.º Inspecionar as escolas públicas dos respectivos distritos,

observando se as mesmas funcionarão com regularidade e conforme

as instruções das ordens superiores.

Inspecionar se as aulas funcionavam com regularidade era um aspecto muito

relevante, pois existiram muitos registros de pais de alunos das escolas da

província reclamando da irregularidade de funcionamento das escolas. Muitos

professores não compareciam ao trabalho, o que gerava um incômodo nos

pais, que denunciavam o fato às autoridades. Essas denúncias estão

registradas nos livros de correspondências entre as escolas e a província. 17 A prática de examinar os alunos nas matérias adentrou pela República. “Era, portanto, o professor quem, conhecendo as condições de aproveitamento do discípulo, o escalava para o exame. Não existindo classes, não havia promoções. Só o professor era juiz, para permitir que o aluno avançasse na esfera do aprendizado de modo a poder fazer as provas que o retirassem do curso de primeiras letras” (HORTA, 2007, p. 29).

Existia uma punição prevista no quarto parágrafo para os professores que

negligenciassem. Primeiro, eles seriam advertidos pelos próprios delegados

literários e, depois, poderiam ser multados. Além de observar o funcionamento

das escolas, os delegados também deveriam declarar o número de alunos. A

visita era lavrada num livro especial, rubricado e numerado pelo inspetor geral.

Por essas visitas, o inspetor tomava ciência não só do número de alunos, mas

também da constatação de que o rendimento da classe era satisfatório ou não

e de que os materiais estavam ou não sendo utilizados em conformidade com

aquilo que estava determinado na legislação:

[...] Art. 22. Os delegados literários, nas visitas que fizerem às escolas públicas deverão declarar no livro de visitas, não só o número de alumnos que encontrarão, como o estado da mesma escola, dando de tudo parte ao Inspetor Geral [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1877, p. 4).

O regulamento de 1877 também deu continuidade ao processo de gratuidade

do ensino elementar iniciado pelo presidente Thomé da Silva no ano de 1873.

Assim como no regulamento de 1873, em 1877, havia determinação da

obrigatoriedade a partir de um perímetro de distância. Na legislação de 1877,

esse perímetro era de 14 quilômetros da residência do aluno em relação á

escola. Isso estava determinado pelo artigo 29. Não enviar os filhos à escola

significava pagar multas, salvo nas situações de indigência e de ensino

domiciliar.

Analisando os artigos referentes à gratuidade, observamos que existiu a

presença do preceptor. Diferentemente do regulamento de 1873, a legislação

de 1877 definia legalmente que os responsáveis pelas crianças deveriam

entregar documento comprobatório de ensino aos preceptores. Isso pode ser

observado no parágrafo 3.º. Segundo esse parágrafo, se o pai entregasse

atestado assinado por um professor, dizendo que seu filho estava tendo aulas

no domicílio, poderia ficar isento da multa.

Apesar de mencionar a gratuidade, o regulamento também impedia que as

crianças estudassem. Segundo o artigo 32, as escolas com menos de 10

alunos seriam fechadas. Existiu a previsão da admissão de alunos pensionistas

e meio pensionistas nos institutos de ensino às custas dos cofres provinciais,

no entanto, para ter esse benefício, essas crianças teriam que ser maiores de

oito anos e apresentar alguns pré-requisitos como a boa conduta:

[...] Art. 118. O presidente da província póde mandar admitir em cada um dos institutos, a custa dos cofres provinciaes, quatro meninos pobres commo alumnos pensionistas, seis como meio pensionistas e dez como externos, uma vez que sejão de reconhecida inteligência e de boa conducta, dando em todo o caso preferência aos filhos de empregados públicos provinciaes, que tenhaão se distinguido pelo bom desempenho de seu cargo.Art. 119. Os alumnos pensionistas, inclusive os da província, contribuirão com a mensalidade de 25$000, e os meio pensionistas com a de 15$000. (Art. 17 da Lei n. 33 de 1876). Art. 120. Estas mensalidades deverão ser pagas aos respectivos diretores que darão aos alunos alimentação necessária, e farão as mais despezas com o costeio dos estabelecimentos, exceptuando o aluguel dos prédios os vencimentos dos funcionários [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1877, p. 15).

Os artigos 118, 119 e 120 explicitam três aspectos que merecem ser

mencionados. O primeiro é o de que as crianças que não fossem filhas de

funcionários públicos não seriam contempladas com a matrícula nessas

instituições, porque a preferência para recebimento desse benefício seria para

os filhos das pessoas que trabalhavam nas repartições públicas. O segundo

aponta que a gratuidade não seria total, pois os pais deveriam dispor de uma

quantia para a alimentação. O terceiro é o de que a opção por admitir filhos de

funcionários públicos pode estar atrelada à garantia do recebimento das

quantias determinadas na lei, pois o funcionário público era um sujeito que

possuía certa garantia de recebimento de vencimentos.

Podemos dizer que, apesar de o regulamento de 1877 ter repetido quase todas

as normas de 1873, foi menos ousado, chegando, inclusive, a retroceder na

idade da obrigatoriedade do ensino. Na reforma de 1873, previa-se que as

crianças seriam obrigadas a frequentar escolas a partir dos seis anos, sendo

finalizada essa obrigatoriedade após os 15 anos.

A reforma de 1877 adentrou a República. Apresentou as configurações das

propostas conservadoras de Couto Ferraz, sem descartar os artigos

promulgados em 1873. Tivemos outro regulamento em 1882, todavia ele foi

suspenso em 1884 pelo presidente Miguel Bernardo Vieira de Amorim.

Segundo Gontijo (2008, p. 32), o presidente alegou não acreditar nas doutrinas

nele contidas. A autora explicita, ainda, que, em 1884, o regulamento de 1877

passou a vigorar novamente apresentando pequenas alterações contidas na

Resolução n.º 86, de 19 de maio de 1884.

Nas reformas do século XIX, verificamos que, oficialmente, existia uma recusa

ao fracasso da instrução pública primária. Nos quase 30 anos que se passaram

da Reforma de Couto Ferraz à Reforma de 1877, a instrução pública no

Espírito Santo passou por três métodos de ensino. Por ultimo, foi oficializado o

método misto e simultâneo. Consideramos que a permissão para a alternância

metodológica era oriunda de dois fatores. O primeiro é que os debates

pertinentes à implantação de métodos estava em plena efervescência, pois a

sociedade cobrava resultados. Isso levava as autoridades a propor alternativas

de um funcionamento mais eficaz da escola.

O segundo diz respeito à precariedade na formação de professores, das más

instalações dos prédios escolares e da falta de recursos didáticos. Com a falta

de recursos didáticos, aliada à precária formação de professores e à existência

de prédios que, muitas vezes, não permitiam as acomodações necessárias

para o abrigo dos professores e alunos e o bom desenvolvimento das aulas, a

saída era permitir que fosse adotada mais de uma proposta, a fim de que os

professores utilizassem aquela que fosse mais conveniente.

No final da década de 1870, o ensino na Província do Espírito Santo era

precário, com um número de matrículas bem menor do que o necessário. Ao

final do ano de 1878, o deputado Manoel da Silva Mafra ainda declarava ao

jornal O Espírito-Santense que o número das escolas em funcionamento, para

uma população de 82.123 pessoas, era de oitenta. Nessa direção,

compreendemos que, segundo a proporção, para cada 1.026 pessoas existia

uma escola. Em 9 de março de 1880, o mesmo deputado assim se pronunciava

com relação à precariedade no sistema de ensino: “[...] Isto não é um vício

exclusivo d'esta Província, porém infelizmente de todo o Paiz, onde o ensino

primário, seja dito com franqueza, está ainda por criar [...]” (RELATÓRIOS DE

PRESIDENTES DA PROVÍNCIA, 1880, p. 4).

4 RECONSTRUINDO A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO NA PROVÍNCIA

DO ESPÍRITO SANTO NA DÉCADA DE 1870: DIALOGANDO COM OS

TEXTOS E MÉTODOS DE ENSINO

Nossa proposta, neste capítulo, é reconstruir a história do ensino da leitura e

da escrita nas classes de ensino primário da província do Espírito Santo, na

década de 1870. Procuramos analisar os programas de ensino, os métodos e

os materiais impressos utilizados nas escolas de primeiras letras. Iniciamos

nossas análises pelos métodos propostos em documentos oficiais para regular

as práticas de ensino, buscando contextualizar o que foi proposto em termos

desse ensino com os textos extraídos dos documentos que regulamentaram a

instrução pública e o que era aprendido pelos normalistas, porque

consideramos que as práticas de ensino eram iniciadas nas escolas normais

da província. Essas instituições foram aliadas dos regulamentos de instrução

primária e contribuíram para difundir práticas de ensino no Espírito Santo na

década de 1870. Finalizamos o capítulo, analisando livros didáticos que

circularam na província.

Nossas análises estão fundamentadas nas leituras bibliográficas de Monroe

(1987), Faria Filho (2000), Souza (2006), Saviani (2007), Gontijo (2008) e

outros. As contribuições desses autores foram muito importantes porque

explicitaram o funcionamento das escolas de ensino elementar no século XIX.

A leitura da obra de Monroe possibilitou a visualização da organização do

ensino elementar em outros países, o que nos permitiu contextualizar os

modos de ensino praticados na província com o funcionamento das escolas de

outras localidades. As leituras das obras de Faria Filho, Souza e Saviani

contribuíram na medida em que trouxeram reflexões acerca da instrução

pública nas escolas de primeiras letras brasileiras. Nessa direção,

possibilitaram contextualizar e analisar os dados pertinentes à instrução

pública na província do Espírito Santo com os fatos ocorridos nas demais

províncias brasileiras. Finalmente, as análises de Gontijo trouxeram reflexões

acerca da instrução do ensino primário na província do Espírito Santo na

década de 1870. Dialogando com esses autores, pudemos compor este

capítulo, tentando capturar detalhes da estrutura de funcionamento da escola

de instrução primária do Espírito Santo na década de 1870.

4.1 O MÉTODO SIMULTÂNEO

Segundo Miguel (2007, p. 46), o método simultâneo foi introduzido pelo francês

Jean Baptiste de La Salle. Ele idealizou uma escola de formação de

professores em Paris, porém não obteve êxito. De acordo com Filho (2000), o

método simultâneo colaborou para uma nova organização do tempo escolar.

Diferentemente do método mútuo, na proposta do ensino simultâneo, o

programa de estudos era unificado e graduado, “[...] permitindo a ação do

professor sobre vários alunos simultaneamente” (RAZZINI 2004, p. 3) fortalece

as afirmações de Filho (2000), explicitando que essa organização colaborou

para que as classes se tornassem mais homogêneas. Também acrescenta que

tal “[...] forma de organização se opunha ao ensino individual [...]” (RAZZINI,

2004, p. 3).

Para Monteverde (1869, p. 5), o método simultâneo consistia em dividir os

discípulos em classes ou turmas para que os conteúdos escolares fossem

ministrados a todos num só tempo. Até mesmo a leitura seguiria esse ritmo. No

método individual, o conteúdo era ministrado a um aluno de cada vez. Sobre o

ensino simultâneo, ele aponta:

[...] o Professor manda ler a cada um em voz alta, e os outros vão

seguindo com seus livros ou cadernos. O professor passa

sucessivamente de uma a outra classe, tendo o cuidado em que

estejão empregadas em alguma cousa aquellas a que não assiste

neste intervalo [...] (MONTEVERDE, 1869, p. 5).

Monroe (1987), citando Diesterweg transcreveu uma das características do

ensino individual. Comparando-o com o método simultâneo, observamos as

diferenças entre os dois sistemas:

[...] Cada criança lê sozinha, o método simultâneo não era

conhecido. Uma após outra encaminhava-se para a mesa que está

sentado o professor. Este aponta uma letra de cada vez e a nomeia

a criança repete depois dele, então exercita a criança em reconhecer

e exercitar cada letra [...] (DIESTERWEG, apud MONROE, 1987, p.

256).

Souza (2006, p. 37) compreende que o método individual cedeu lugar ao

ensino simultâneo: “[...] A escola unitária foi paulatinamente substituída pela

escola de várias classes e vários professores [...]” (SOUZA, 2006, p. 37).

Analisando as afirmações de Monteverde (1869), consideramos que o ensino

simultâneo iniciou o que, hoje, denominamos de salas seriadas, porém essas

classes ainda não eram separadas por série, o que existia era uma espécie de

escolas unidocentes18, que prevaleceram no Brasil por quase todo o século

XIX. Segundo Monteverde (1869, p. 6), “[...] Sucede muitas vezes que um

18 Na década de 1870, no Espírito Santo, muitas escolas funcionaram com uma única classe. Os professores lecionaram para uma classe heterogênea num mesmo espaço e horário. Segundo Pereira (2000), no século XX, especificamente em 1930, sob a justificativa de densidade demográfica das áreas rurais, alguns professores continuavam lecionando para alunos de diferentes níveis, idades e habilidades.

único professor não basta para as diversas classes, principalmente se o

número de alunos é considerável [...]”. Nessa direção, entendemos que, dentro

de uma mesma sala de aula, existiam alunos com vários níveis de

conhecimento. Os apontamentos do autor revelam, ainda, que, nas classes

seriadas, os professores precisavam de ajudantes. Na escola capixaba da

década de 1870, as dificuldades na adoção do método simultâneo levaram à

utilização do método misto, que consiste numa espécie de mescla dos três

métodos conhecidos: o simultâneo, o mútuo e o individual.

Considerando que as práticas de ensino constituídas no Brasil refletem as

configurações do ensino em outros países, compreendemos que o método

simultâneo, a exemplo do ensino mútuo, também objetivou a escolarização de

um quantitativo maior de pessoas a custos baixos para os governos das

províncias. Segundo Souza (2006, p. 36), um dos grandes desafios da escola

do século XIX foi o de implantar o método simultâneo para difundir a

escolarização das massas.

Souza (2006) analisa os estudos de Giolito (2006) e assinala a existência de

um dicionário referente à educação. Esse dicionário teve uma edição no ano de

1911 e trazia informações importantes sobre o que foi pensado em matéria de

renovação pedagógica no século XIX. De acordo com as ponderações feitas

nesse material, Souza (2006, p. 38) transcreveu um pouco sobre a prática do

ensino na França em 1874 (ano de publicação da primeira edição do referido

dicionário). Nas transcrições que se seguem, observamos a existência da

aplicação do método simultâneo. O dicionário intitulado Dicionário de las

ciências de la educación enfatiza:

[...] Sistema de organização vertical do ensino por cursos ou níveis

que sucedem. As características principais da escola graduada são:

a – agrupamento dos alunos segundo um critério nivelador pelo geral

e a idade cronológica para obter grupos homogêneos; b –

professores designados a cada grau; c – equivalência entre um ano

escolar do aluno e um ano de progresso instrutivo; determinação

prévia dos conteúdos das diferentes matérias para cada grau; e o

aproveitamento do rendimento do aluno é determinado em função do

nível de estabelecido para o grupo e o nível em que se encontra; f –

promoção rígida e inflexível dos alunos grau a grau [...] (GIOLITO,

2006, apud SOUZA, 2006, p. 37).

Tentamos evidenciar, nas ponderações acima registradas, como a escola

simultânea trouxe contribuições para um ensino graduado que se configurou na

organização de nosso modelo de ensino na atualidade. E mais:

[...] A classificação igualitária (homogênea) dos alunos constitui-se

numa das grandes revoluções na organização da escola elementar,

considerada a essência da escola graduada. Juntamente com ela

surgem as noções de classe e série [...] (SOUZA, 2006, p. 38).

Os estudos de Souza (2006, p.39), baseando-se em Hamilton (1989),

demonstram, ainda, que o ensino simultâneo passou por revisões pedagógicas

ao longo do século XIX. Entre 1820 e 1830, significava ensinar leitura e escrita

e a prática de repetição de lições de forma uníssona. Em 1830, o uso dessa

metodologia significava o comando do professor e a obtenção de atenção

simultânea de todos os alunos da classe. Ainda citando o mesmo autor, a

pesquisadora ressalta um grande interesse por parte dos professores quanto à

utilização do sistema de ensino simultâneo, no entanto o número de escolas de

ensino mútuo era um obstáculo. No Espírito Santo, esse obstáculo não estava

relacionado apenas ao número de escolas, ou seja, havia, por parte dos

educadores, o receio de perder o controle da disciplina. Sobre a avaliação do

uso do método simultâneo, um dos inspetores da província do Espírito Santo

relatou: “[...] faltão-lhe aquela disciplina e inspeção inerentes ao méthodo que

admite monitores [...]” (O ESPÍRITO-SANTENSE, n.41 p. 1 1871).

Além disso, segundo Souza (2006), faltavam professores preparados para

atuar com o método simultâneo, as aulas existentes eram ministradas por

monitores, que ainda utilizavam o método individual. Nos outros países, as

dificuldades não anulavam as tentativas de uso desse sistema. Na Inglaterra,

por exemplo, “[...] os grupos de alunos mesclavam-se em seções ou divisões

para ser trabalhada a instrução simultânea em galerias [...]” (SOUZA, 2006, p.

39).

A partir de 1860, o termo ensino simultâneo passou por mudanças. Assim, de

acordo com Souza (2006, p. 40), instrução simultânea e ensino de classes

passaram a ter o mesmo significado de ensino simultâneo. Segundo os

estudos da autora, um manual escrito em 1869, intitulado The teacher’s

manual of method and organization, recomendava que a palavra classe deveria

ser aplicada a qualquer agrupamento de crianças a cargo de um professor

recebendo a mesma matéria (SOUZA, 2006, p.40). O trabalho desse

pesquisador revela que, nesse período, os debates concernentes à educação

pública giravam em torno da organização do ensino e das escolas, ou seja, se

as aulas deviam ser ministradas “[...] em salas comuns ou separadas – quem

deveria ensiná-las – se um professor ajudante ou titular [...]” (SOUZA, 2006, p.

40). O resultado dos debates foi a construção de escolas com classes seriadas

na Inglaterra ainda nos anos de 1870.

De acordo com o regulamento de 1877, adotado no Espírito Santo, o

presidente Afonso Peixoto de Abreu Lima também pretendeu construir edifícios

para o funcionamento das aulas, mas não obteve êxito. Nessa direção, muitas

escolas continuaram funcionando em casas alugadas. O artigo 34 endossava a

existência de casas para funcionamento das aulas no lugar dos edifícios

próprios para esse fim:

[...] Art.34. – As escolas devem funcionar em edifícios próprios,

especialmente construídos para este fim.

Na falta alugar-se-há provisoriamente casas particulares, que tenhão

as precisas acomodações [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO

PÚBLICA DE 1877, p. 6).

Souza (2006) também analisou as pesquisas de Giolitto (1983) no que se

refere à educação na França no período de 1815 a 1882 e ressaltou que,

nesse país, o método simultâneo trouxe a necessidade de dividir as escolas.

Nesse contexto, tal divisão implicou rever idades e séries dos alunos, as séries

a serem cursadas, a duração dos estudos considerados elementares (básicos)

e a estruturação dos programas de ensino.

Na província do Espírito Santo, o método simultâneo foi concretizado

oficialmente a partir de 1848 e, em 1861, o regulamento da instrução pública

reforça sua utilização, explicitando, no artigo 62:

[...] O método de ensino será em geral o simultâneo podendo-se

adoptar outro por ordem da presidência sob informação do inspetor

de districto, o qual informará acerca dos livros que devão ser

admitidos nas aulas, sendo a tal respeito ouvidos os demais

inspetores de sorte que a presidência possa escolher as obras mais

idôneas para o ensino em toda a província [...] (REGULAMENTO DA

INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1861, p. 6).

No capítulo pertinente à situação do ensino público no Espírito Santo na

década de 1870, assinalamos que as autoridades imperiais desejavam

uniformizar os modos de ensino da língua, mas também tinham conhecimento

da precariedade do estado da educação pública. Por esse motivo, garantiam

a possibilidade de escolha de metodologias diferentes do ensino simultâneo,

caso fossem necessárias. De fato, escolhas diversas ocorriam, no entanto

não se davam somente por conta da precariedade das condições de ensino

na província, mas também pelos objetivos educacionais que perpassavam as

práticas. Apesar de o método simultâneo ter sido oficializado na província, ele

encontrou dificuldades para utilização efetiva, principalmente, porque os

professores da província possuíam, de certa forma, autorização para utilizar

outros métodos, de acordo com a necessidade de cada escola.

Dessa maneira, muitas vezes, o método simultâneo era amalgamado ao

mútuo não somente pelo fato de se pensar na aprendizagem do aluno, mas

também para garantir a manutenção do silêncio nas classes. Nas escolas, só

eram permitidas as movimentações dadas por ordem de comando: leia,

escreva, repita o texto em voz alta, movimente apenas os olhos para

acompanhar a leitura. O texto extraído da imprensa, na década de 1870,

permite visualizar quão difícil era ser criança num tempo em que os

movimentos corporais eram regidos pela vontade dos adultos em fabricar

sujeitos passivos:

[...] O modo por que nós hoje criamos nossos filhos, é muito

differente do que era na antiguidade. Quando devíamos ser mais

previstos e mais experientes, porque nos dizemos mais civilizados,

não o somos. O resultado é termos homens débeis em vez de

homens robustos e fortes. Conforme as leis de Minos, a vida das

crianças de certa idade devia ser dura e sóbria. Isto é costumavam-

se a contentar-se com pouco, a sofrer o calor e o frio. A caminhar

sobre o chão áspero e pedregoso, e vestiam-na com vestidura

simples, larga e ligeira, tanto no inverno como no verão. Os bons

educadores aconselham que as crianças se dê uma cama dura, quer

dizer apenas um enxergão, que concorrerá para lhes dar força e

robustez. Não se tema que não durma uma criança, dorme até sobre

pedras. Se a quereis enfraquecer dai-lhes cama macia. Bom é

também que elas se habituem a suportar algumas privações como,

por exemplo, a fome e a sede. Deste modo saberão que o apetite é o

melhor cozinheiro. Looke diz as mães de família: “Se o vosso filho te

pedir de comer entre as horas para isso destinadas, não lhe deis

mais que um pedaço de pão seco. Se for por ter fome comei o

alimento muito bem. Se for por vício ou gulodice, pouco importa que

não o coma”. E também conveniente proporcionar-lhes o exercício

que esteja em harmonia com suas forças. Uma criança gosta de

brincar, correr e saltar, porque a natureza lho pede. Goldsmith diz

que o exercício e a temperança são os dois pólos sobre o que

repousa a educação corporal da infância. São esses entre os outros

meios que contribuem para fortificar-lhes os órgãos e assegurar-lhes

a saúde. Bem basta o que nos colégios e liceos têm depois de

sofrer, em desconto do vigor e talvez da vida [...] (CORREIO DA

VICTÓRIA, 1871, n. 81, p. 2).

Essa visão de como a criança deve ser educada influencia a proposição nos

regulamentos da instrução pública capixaba de penalidades e prêmios que

devem ser aplicados, respectivamente, aos maus e aos bons alunos.

Porém é importante ressaltar um aspecto que chamou nossa atenção no

período investigado e que, também, pode ser considerado em outros

momentos da história da alfabetização. Os materiais impressos que serviam de

base para o ensino da leitura e da escrita, independentemente do método de

ensino adotado oficialmente, enfatizavam quase sempre os mesmos

conteúdos. Esses materiais traziam lições de cunho moralizante, que tinham

por finalidade apontar para os malefícios da indisciplina. As leituras constituíam

verdadeiros tratados de regras de comportamento. Como exemplo,

apresentamos uma das propostas de leitura de Luis Francisco Midosi.

A obra desse autor, que será analisada posteriormente de forma mais

detalhada, circulou na província do Espírito Santo durante o século XIX,

especialmente, nas décadas de 1860 e 1870. Ao visualizar a imagem que se

segue de uma das páginas do livro do autor, percebemos como os textos

tinham a finalidade de incentivar a disciplina. Assim, antes do texto, intitulado

“Funestos efeitos da falta de cautela”, está escrita a seguinte mensagem: “−

Meninos, sede attentos e quietos; e jámais vos chegueis perto do lume”

(MIDOSI, 1877, p. 39). A imagem, no início da página, ajuda a construir os

sentidos do texto: devido à falta de cautela, a menina teve a pior pena. Ela

morreu queimada ao brincar com fogo.

Figura 3 – Página do livro de Luis Francisco Midosi.

Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Nas práticas do ensino simultâneo, as leituras poderiam ser feitas em voz

audível por toda a classe. Desse modo, os comportamentos e as normas de

conduta valorizados na sociedade poderiam ser apropriados de forma coletiva.

Nessa direção, o ensino simultâneo, com a ajuda de alguns livros, como os de

Luis Francisco Midosi, era fundamental, pois, ao realizarem a leitura coletiva,

os alunos aprenderiam a um só tempo sobre as normas de comportamento.

No regulamento de 1861, artigo 4.º, parágrafo 1.º, previa-se a inspeção das

práticas dos professores sobre a conduta dos alunos. Os inspetores deviam,

nas suas visitas, verificar:

§ 1.º Se os professores cumprem as obrigações, não somente pelo

que respeita ao ensino, como também a educação dos alumnos [...]

(REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO ESPÍRITO SANTO,

1862, p. 6).

O relatório do presidente José Fernandes da Costa, já mencionado neste

trabalho, ao tratar da instrução pública na província, em 1861, apresenta uma

descrição da prática de ensino do professor João Ortiz quanto ao método

simultâneo. A descrição evidencia que os alunos desse professor liam

coletivamente um mesmo texto e, ao mesmo tempo, registra que a leitura

correta de um dos integrantes da classe ajudava outros alunos a aperfeiçoarem

a leitura, pois, enquanto um aluno efetuava a leitura, os demais deveriam

acompanhar o texto com os olhos. Schwartz e Falcão (2006, p. 8), ao

analisarem as práticas de leitura do ensino simultâneo, transcreveram algumas

especificidades desse método. Assim, “[...] cada discípulo lê a seu turno, ao

passo que os mais estão attentos seguindo com os olhos a leitura que aquele

faz com a minha aprovação [...]” (ORTIZ, apud SCHWARTZ & FALCÃO, 2006,

p. 8).

Um aspecto que chama a atenção, na fala do professor João Ortiz, diz respeito

aos níveis de desenvolvimento dos alunos. Ela indica que, mesmo que as

pretensões dos métodos de ensino fossem a homogeneidade, as classes não

eram homogêneas. Além disso, podemos considerar que a homogeneidade,

em termos de aprendizagem e desenvolvimento, era quase impossível, devido

a vários fatores. Dentre eles, a idade dos alunos que variava muito. Na década

de 1860, eles poderiam ser matriculados na escola pública dos 6 aos 15 anos.

É possível que muitos desses alunos tenham iniciado seus estudos em

momentos diferenciados.

Na legislação de 1877, podemos observar a adoção de mais um método de

ensino e a abertura para a adoção de outros métodos. Consideramos que essa

abertura pode ser devida à falta de livros e papéis para que todos estivessem

realizando a mesma lição simultaneamente, ou seja, a dificuldade de prover as

escolas com materiais apropriados ao método simultâneo:

[...] O méthodo do ensino será, em geral, o misto ou simultâneo;

poderá todavia o Inspetor Geral, ouvindo o Conselho Diretor, e

precedendo informações dos Delegados, determinar, quando julgar

conveniente, que se adopte outro em quaesquer escolas, conforme

os recursos e necessidades [...] (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO

PÚBLICA, 1877, p. 7).

O artigo 27 determinava as matérias que seriam ensinadas nas escolas de

ensino primário. Observando a listagem dos conteúdos, concluímos que o

programa de ensino continuava seguindo a mesma direção das propostas do

Regimento das Escolas de Primeiras Letras de 1871, que regulamentou o

método mútuo, e do regulamento de 1873, que regulamentou o método misto.

O ensino da língua continuou priorizando a caligrafia e a leitura de textos

religiosos. Segundo os parágrafos do referido artigo, as escolas ensinariam

leitura e caligrafia, elementos de gramática portugueza, exercício de

correspondência epistolar, doutrina cristã e elementos da história sagrada,

elementos de história e geografia pátria, “principalmente da província”,

elementos de aritmética e suas aplicações em números inteiros quebrados e

complexos, sistema legal de pesos e medidas, costuras e trabalhos de agulha

mais necessários ao sexo feminino.

É importante destacar que o regulamento de 1877 ainda previa que os

professores fariam exames dessas disciplinas para serem contratados para

lecionar. No momento do exame, os professores também fariam exames

pertinentes aos métodos de ensino:

Art. 51. Versará este concurso ou exame não só sobre as matérias de

que trata o Art. 27, como também sobre o systema e méthodo do

ensino, guardando-se a respeito as instruções que forem dadas pelo

Presidente da província, sob a proposta do inspetor geral.

(REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1877, p. 8).

Os livros escolares, conforme o artigo 16, parágrafo 2.º, do regulamento de

1877, deveriam passar pela revisão do Conselho Central que, também, era

responsável pela adoção dos compêndios e livros para as escolas. O artigo 35

complementava que “[...] Não serão admittidos livros ou compêndios que não

tenham sido competentemente autorizados pelo Conselho Central [...]”

(REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1877, p. 7).

De acordo com as listagens de solicitações de livros feitas pelos professores,

observamos que estes continuaram solicitando os livros de Emílio Achilles

Monteverde e Abílio César Borges. Conforme já dito, isso significa que a

adoção oficial desse ou daquele método não provocava mudanças

significativas nas práticas de ensino da leitura e da escrita, pois as obras

traziam os mesmos conteúdos, ou seja, continuaria existindo a primazia de

textos que enfatizavam valores morais, religiosos e de boa conduta, além de

aspectos específicos do ensino da língua, que serão analisados

posteriormente.

Os registros localizados no livro de número 358 evidenciam que o ensino da

língua também continuava priorizando a cópia e a gramática. Dizemos isso

porque, na página 21, no ofício de número 112, datado de 6 de outubro de

1878, o professor da paróquia de São Mateus estava marcando exames de

caligrafia e ortografia de seus alunos.

Outro aspecto que nos leva a perceber que, independentemente do método

adotado oficialmente, as práticas de ensino não foram alteradas foi a

solicitação do conserto de “taboletas” para as aulas de primeiras letras A

leitura da página 24 do livro de número 358, da série 751, localizado no Arquivo

Público Estadual do Espírito Santo, evidencia o uso desse material. Segundo

pesquisas de Faria Filho (2008), essas “taboletas” se constituíam de pequenas

mesas cercadas de umas “taboletas” cheias de areia bem lisa e serviam para

que as crianças realizassem suas atividades de escrita. Segundo o autor,

essas “taboletas” substituíam o uso dos papéis e das lousas. Ao analisar a

utilidade desse material, observamos que eram muito semelhantes aos usos

das tabuinhas e dos areeiros que constituíam as práticas de ensino no método

mútuo e misto.

4.2 O MÉTODO MÚTUO

Mencionamos, no tópico referente à organização da instrução primária no

Brasil, que o governo imperial promulgou a lei de 15 de outubro de 1827,

definindo que o método oficial deveria ser o mútuo. O artigo 5.º dessa lei

tratava do provimento dos recursos para o funcionamento das escolas:

Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que

couberem com a suficiência nos lugares delas, arranjando-se com os

utensílios necessários à custa da Fazenda Pública e os professores

que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se

em curto prazo e a custa dos seus ordenados nas escolas das

capitais.

A legislação de 1827 só foi conclamada oficialmente na província capixaba em

1828. Nas comemorações do centenário da instrução pública no Brasil, em

1927, Archimino Mattos evidenciou a “execução” da referida lei na câmara dos

deputados:

[...] Aos quinze de fevereiro de 1828 nesta cidade de Victória Capital

da Província do Espírito Santo no Palácio do Governo reunido o

Conselho do mesmo governo, em uma das salas de suas secções,

pelo Ex.mo Presidente da Província foi apresentada a Carta da Lei de

15 de outubro de 1827 a cerca da creação de escolas de primeiras

letras a qual ao depois de lida resolveu o Conselho se escrever a

todas as Câmaras para cumprimento do artigo 2.º da mesma Lei,

que manda que o presidente da Província em Conselho e com

audiência das respectivas Câmaras enquanto não estiverem em

exercício os Conselhos Geraes, marcarão um número e localidades

das escolas podendo extinguir as que existem em logares pouco

populosos e remover os professores dellas para crearem dando

conta a Assembléia Geral para final resolução; e que em

observância do artigo 15, chamem-se os actuaes professores para

se instruírem no método Lancaster [...] (MATTOS, 1927, p.12).

Observamos que a província acatou a recomendação de utilização do método

mútuo. Segundo Saviani (2007), ao adotar esse método, o governo imperial

almejou ampliar a oferta de escolarização a custos baixos. Monroe (1978, p.

348) considera que o método lancasteriano se prestou a educar as massas.

Nessa direção, o ensino mútuo possuía os mesmos objetivos do método

simultâneo. Considerando que, com esse método, os investimentos eram

menores, o Império tratou de se apropriar desse recurso para cumprir, mesmo

que precariamente, sua função de escolarizar a população. Segundo Saviani

(2008, p. 129), não existe elogio ao método mútuo. Citando Vilella (1999), o

autor diz que o mais importante nesse processo era o quantitativo de pessoas

que poderiam ser atendidas. Porém o método mútuo é adotado no Espírito

Santo, na década de 1870, pelo Regimento Interno das Escolas de Primeiras

Letras. É importante observar que não havia indicação explícita de sua

utilização nos regulamentos da instrução pública que vigoraram nesse período.

Porém, conforme mencionamos, o método misto era concebido como a

possibilidade de utilização de três métodos simultaneamente (individual,

simultâneo e misto). Assim, podemos pensar que, para os gestores da

educação, na época, não havia diferenças conceituais significativas entre os

métodos.

Na concepção iluminista, não era mais possível a ignorância intelectual. O

método mútuo ensinaria os conteúdos escolares com muita disciplina e de

forma gradual. Leitura, escrita e aritmética seriam ensinadas às crianças com a

formalidade requerida pela escola. Além disso, a educação doméstica seria

substituída pela educação das massas:

[...] O grande serviço que o sistema lancasteriano prestou aos

Estados Unidos foi o de acostumar o povo às escolas para as suas

massas, a contribuir para a manutenção delas individualmente e,

gradualmente educar o povo para considerar a educação como uma

função do Estado. Além disto, introduziu um melhor sistema de

graduação, pois todas as escolas lancasterianas eram rigorosamente

graduadas à base do trabalho de aritmética e também da ortografia e

da leitura. Daí a promoção ser possível numa só matéria mesmo

quando não era em outra. Isso trouxe um melhor arranjo e

classificação do material e uma melhor organização e disciplina

escolares [...] (MONROE, 1978, p. 348).

Gontijo (2008) ressalta que o método mútuo já vinha sendo utilizado no Brasil

desde 1808 e só em 1827 ele foi oficializado. Citando Manacorda (1995), a

pesquisadora afirma que, nos anos da Revolução Francesa, adolescentes

eram instruídos pelo mestre e por monitores. Estranhamente, atualmente e em

pleno século XXI, esse tipo de ensino ganha força novamente no Brasil com a

adoção de um modelo precário de educação a distância.

De acordo com Monroe (1978), o ensino mútuo é oriundo dos movimentos

filantrópicos religiosos. Segundo esse autor, esses movimentos entraram como

elementos constituintes na formação do sistema de escolas públicas. De

acordo com o autor, os movimentos filantrópicos religiosos foram responsáveis

pela expansão dos sistemas de escolas públicas, pois as escolas filantrópicas

“[...] eram mantidas por organizações privadas, principalmente por empresas

voluntárias fundadas por movimentos religiosos e filantrópicos [...]” (MONROE,

1978, p.46), mas a sua manutenção era de responsabilidade do Estado. Ainda

conforme aponta o autor, existia também a filantropia em que o próprio Estado

reconhecia e aceitava toda a responsabilidade pela educação do povo. Era

uma espécie de gratuidade fundamentada na generosidade, ocupando o lugar

da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino a pequenas parcelas da

população, pois nem todos tinham acesso à escola.

O sistema monitorial de Bell Lancaster empregava meninos mais velhos para

instruir os mais jovens. Lancaster seguiu esse modelo na Inglaterra conforme

fizera anteriormente no asilo de órfãos. Segundo Monroe (1987, p. 348), o

sistema de ensino lancasteriano se tornara substituto do sistema de escolas

estruturadas pelo Estado. No entanto o autor esclarece que o fato de esse

método ter tido relações com as escolas das igrejas inglesas resultou em

recusas quanto à sua utilização, especificamente, em algumas escolas da

América.

No Espírito Santo, o método mútuo foi concretizado no Regimento das Escolas

de Primeiras Letras em 1871. É interessante observar que, em 1870, a Câmara

dos Deputados discutiu sobre a questão da responsabilidade da Igreja com a

educação. O jornal O Espírito-Santense, de 11 de novembro de 1870, publicou

o texto da seção na Câmara dos Deputados ocorrida no dia 5 de novembro de

1870, que discutiu essa questão. Vejamos parte do diálogo:

[...] O Sr. Cintra: − Não preciso mais que a supressão de 11 escolas

para poder dar aos professores um ordenado maior de 600$000 e

aos párochos uma gratificação é mais do que suficiente. É na

Inglaterra, Sr. Presidente, que a educação é confiada a igreja; é

nesse paiz que todos nós invocamos como norma do systema

representativo que a instrução pública é confiada aos ministros de

Deus. Porém não desejo nem de leve introduzir na província o

systema completo da instrucção primária da Inglaterra. Entendo

todavia que nesse systema mais coisa que nos pode ser útil. Essa

idéia dos vigários serem também professores seria muito

conveniente debaixo dos dois pontos de vista [...].

[...] O Sr. Paiva: − Todos nós deveríamos querer que o alphabeto

fosse penetrasse nos pontos mais remotos da província.

O Sr. Cintra: − Mas não com esse systema [...]. (O ESPÍRITO-

SANTENSE, n.13 p. 1, 1870).

Podemos avaliar, considerando o contexto da época, que entregar a educação

ao cargo de religiosos poderia representar uma espécie de declaração de

impotência do Estado em prover esse importante serviço. O governo imperial

precisava demonstrar sua eficiência, porque, nesse período, o discurso

republicano estava em plena efervescência.

O Regulamento das Escolas de Primeiras Letras do Espírito Santo estabelecia

sobre todos os aspectos da organização dessas aulas. Segundo Gontijo

(2008), entre os 17 títulos da lei de 1871, constavam os materiais de ensino. O

artigo 90 tratava especificamente dos artefatos a serem utilizados nas escolas.

Assim, cada classe deveria ter a imagem do Senhor Crucificado, a cadeira do

professor, bancos e escrivaninhas, tinteiros fixos, um relógio, um quadro

pintado de preto, esponja e giz, ardósia, papel, tinta, lápis, livros para meninos

pobres, modelos de escritas ou traslados, dois quadros, um branco com

moldura dourada para lançar os nomes dos meninos ótimos e um quadro preto

para lançar os nomes dos meninos “máos”. Para cada aula, deveria haver

ainda o regulamento e o regimento.

O jornal Correio da Victória, de 9 de abril de 1872, publicou uma lista de

materiais que estavam sendo solicitados por uma das escolas da província.

Comparando a listagem publicada no periódico com os materiais listados no

Regimento das Escolas de Primeiras Letras, observamos que, muitos materiais

solicitados eram também listados no Regimento. Vejamos:

[...] De ordem do Il.mo Sr. Inspetor desta tesouraria faço público que

por determinação da província tem esta repartição de contratar o

fornecimento dos seguintes objetos necessários à aula de primeiras

letras da colônia do Rio Novo do Sul, a saber:

1 Imagem do Senhor crucificado.

1 Relógio de parede.

2 Livros em branco de 50 folhas de papel almaço.

25 ardósias.

50 lápis para as mesmas.

1 escrivaninha de metal.

6 dúzias de lápis de páo.

2 Ditas canetas.

1 canivete fino.

1 copo de folha.

4 resmas de papel machina liso e pautado.

3 garrafas com tintas.

12 exemplares do método facílimo de Monteverde.

12 compêndios de Catecismo da doutrina cristã pelo Cônego

Pinheiro.

6 Compêndios de caligrafia por Parcker.

12 ditos de compêndio de aritmética por Coruja.

12 modelos de escrita completos.

12 libras de giz.

½ quarto de esponja de giz. (CORREIO DA VICTÓRIA, n. 39, p. 4,

1872).

Segundo Gontijo (2008), a imagem de Nosso Senhor era colocada na parede

por cima da cadeira do professor, num santuário, o que nós, hoje,

denominamos oratório. Os bancos e escrivaninhas eram inclinados com

tinteiros fixos colocados em frente ou ao lado do professor, o relógio também

ficava em frente do professor, pois o ajudava na regulação dos tempos de cada

aula.

A campainha, o tinteiro, o areeiro, o lápis, a régua e o canivete ficavam sobre a

mesa do professor. Convém ressaltar que a orientação para a utilização dos

materiais era extensiva à disposição do mobiliário. Dessa maneira, “[...] Os

bancos e as escrivaninhas deveriam ser dispostos na frente ou ao lado do

professor, de modo que este de sua cadeira, colocado em um tablado mais

alto, pudesse observar o que se passava na sala, mesmo nos lugares mais

distantes [...]” (GONTIJO, 2008, p. 81).

Lendo os trabalhos de Inácio (2006) sobre o ensino da língua na província de

Minas Gerais, conseguimos capturar alguns detalhes sobre o areeiro

explicitado por Gontijo (2008). Segundo Inácio (2006), o areeiro era uma caixa

com areia onde os alunos, principalmente os mais novos, treinavam a escrita

antes de passarem ao uso do papel.

Também encontramos documentos solicitando penas e tinteiros. O livro de

número 239 da série de 751 livros que guardavam os ofícios remetidos pelas

autoridades imperiais aos presidentes da província do Espírito Santo evidencia

que alguns professores solicitavam esses objetos. Alguns ofícios do livro

denominado Fundo de Educação de número 69 também explicitaram pedidos

de envio de tabuinhas. Segundo Silva (2006, p.12), as tabuinhas tinham a

mesma função do areeiro. De acordo com a autora, num artigo referente à

apropriação do método mútuo no Brasil, as crianças recebiam uma tábua com

areia onde escreviam com o dedo as lições. Não podemos inferir que esse

procedimento também era utilizado no Espírito Santo, mas podemos dizer que

esse era um dos suportes que também foram utilizados no momento da escrita,

pois encontramos muitas solicitações desses materiais.

A aquisição dos materiais solicitados não era fácil. A lista requerida pela escola

de primeiras letras de Rio Novo do Sul, por exemplo, não seria enviada de

qualquer maneira. Segundo informações do mesmo jornal que a publicou,

haveria uma espécie de licitação. Sobre a compra dos materiais listados, o

jornal noticiou que venceria a melhor proposta: “[...] As pessoas a quem convier

este fornecimento deverão apresentar suas propostas em carta fechada, até o

dia 17 do corrente mês, preferindo-se aquela que maiores vantagens oferecer à

Fazenda Nacional [...]” (CORREIO DA VICTÓRIA, n. 29, p. 4, 1871). As

licitações também seriam feitas para a compra de mobiliário. De acordo com a

Resolução de número 61, publicada no jornal Correio da Victória, de 15 de abril

de 1871, antes da compra sempre deveria haver a “proposta do licitante”.

Na maior parte das vezes, as solicitações não eram atendidas. Quatro anos

após a aprovação do Regimento das Escolas de Primeiras Letras de 1871,

percebemos a ausência de materiais para a prática do método mútuo:

[...] O relatório apresentado ao presidente da Província, Domingos

Peixoto, pelo inspetor-geral da Instrução Pública, Joaquim Gomes da

Silva Neto, em junho de 1875, informava que não existiam em

nenhuma escola da Província, os materiais e utensílios

imprescindíveis às Escolas de primeiras letras previstos no

Regimento e que o estado das escolas era lamentável [...]

(GONTIJO, 2008, p. 81).

A fala do presidente transcrita por Gontijo (2008) espelha a raridade de

materiais nas escolas de primeiras letras da província na década de 1870. É

importante considerarmos que a solicitação de materiais deveria ser feita em

conformidade com o regimento de 12 de abril de 1871. Era preciso que os

professores solicitassem os materiais e os livros didáticos para uso dos alunos,

observando uma tabela pré-fixada que determinava a quantidade de objetos e

o valor destinado a cada escola. Com essa tabela, a quantidade de livros que

chegava às escolas não era suficiente para todos. Além disso, alguns desses

impressos eram vendidos, e uma quantidade bem insignificante era doada aos

desfavorecidos economicamente, preferencialmente, aos que apresentassem

por escrito condições de extrema miséria.

Se adquirir os livros por meio dos atestados de pobreza era difícil, comprá-los

também não era muito fácil. Em 1872, o diretor da instrução pública, Joaquim

José Fernandes Maciel, enviava um relatório ao presidente da província, Dr.

Antônio Gabriel de Paula Fonseca, reclamando que os livros e compêndios

eram vendidos a preços muito elevados:

[...] É também precioso pôr-se termo ao vexame introduzido na

província de se obrigar os pais ou tutores a comprarem para

compêndios livros de preço elevado, quando pelo $ 4.º do art. 21 do

regulamento de 20 de fevereiro de 1848 os compêndios devem ser

accommodados à economia e necessidade das localidades [...] (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n. 218, p. 3, 1873).

Quanto à aplicação dos objetos solicitados pelos professores, não encontramos

relatos. Os documentos analisados remeteram apenas às listagens de

solicitações e envios. Temos apenas algumas suposições abstraídas a partir

das leituras dos próprios documentos e textos de jornais que nos foram

disponibilizados para análise. Nessa direção, retomamos a primeira listagem

referente aos pedidos da escola de Rio Novo do Sul. Uma das primeiras coisas

que percebemos é a existência de dois tipos de lápis, um para escrita na

ardósia e outro denominado lápis de páo. Segundo Inácio (2006), de fato

existiram os lápis de gesso, que eram próprios para escrever em ardósias.

Esse é um dado muito interessante e nos permite visualizar que, na província

do Espírito Santo, o professor utilizava, pelo menos, dois recursos para as

atividades de escrita dos alunos. A ação do professor em discriminar os dois

objetos significa que havia abertura na legislação para que os dois materiais

fossem solicitados. O pedido do giz é indicativo de que os conteúdos não eram

aprendidos somente no livro didático, mas o professor também passava

conteúdos no quadro pintado de preto. A solicitação dos compêndios de

caligrafia por Parker e dos modelos de escrita são indicativos de que, na escola

de Rio Novo do Sul, havia aulas de escrita, e as crianças utilizavam os modelos

de letras também constituídos nesses materiais. A solicitação do livro de Emílio

Achilles Monteverde é indicativo de que o professor adotava o mecanismo da

memorização, pois, conforme nos aponta Corrêa (1999, p. 6), Monteverde

indicava a metodologia da memorização dos conteúdos.

Os livros de leitura e de caligrafia e os compêndios mencionados nas listagens

eram úteis à leitura e, também, à cópia de lições, objetivando o perfeito

traslado das letras. O “méthodo” facílimo de aprender a ler de Emílio Achilles

Monteverde e a obra de Luis Francisco Midosi, também adotada na província,

eram constituídos por lições que se prestavam também a esse fim, chegando a

apresentar, na mesma página, textos religiosos com modelos de letras

distintos, para que as crianças pudessem memorizar e copiar.

Ao analisar o regimento de 1871, Gontijo (2008, p. 79) expressa que “[...] o

professor tinha o dever de cultivar nos seus alunos a inteligência, a memória, o

respeito a Deus, à pátria, à família e a si mesmo”. As colocações da autora são

pertinentes, porque, além do anúncio de compra de compêndios citados no

jornal O Espírito-Santense, encontramos várias relações de envio desses

materiais relacionados ao ensino da religião, no livro de número 69 do Fundo

de Educação, referente à instrução pública na província do Espírito Santo na

década de 1870, localizado no Arquivo Público Estadual da cidade de Vitória,

ES.

Retomando a leitura da solicitação feita pela escola de Rio Novo do Sul,

percebemos o quanto os conteúdos religiosos eram priorizados na década de

1870. Ao solicitar o livro de Emílio Achilles Monteverde e o Catecismo da

Doutrina Cristã pelo Cônego Pinheiro, a escola estava fortalecendo esse

ensino, já que a obra de Monteverde também trazia lições de cunho religioso.

Conforme mencionamos anteriormente, quando falávamos a respeito do

método simultâneo, na maioria das vezes, as escritas transcritas dos livros e de

outros impressos eram feitas em pedras de ardósia. Assim, na prática do

método mútuo, quando os alunos não escreviam em ardósias, tabuletas ou

tabuinhas, eles escreviam em folhas, utilizando as penas, a caneta ou o lápis.

Mesmo assim, esses materiais não eram artefatos comuns a todos. Os alunos

pobres, por exemplo, só teriam acesso se os recebessem como objeto de

doação por parte da Secretaria de Instrução Pública. Os professores

solicitavam esses materiais, mas muitas vezes esses não eram

disponibilizados:

[...] Diretoria de 10 de dezembro de 1872, expedindo o seo offício de

15 do mez do findo no qual acompanhou um pedido de papel, penas,

tinta, lápis e canetas para serem distribuídos pelos alumnos pobres

que freqüentam a eschola a sua casa não podem ter lugar a sua

requisição [...] (LIVRO DE REGISTRO DA EXPEDIÇÃO DE

OFFÍCIOS DA SECRETARIA DE INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1872,

p. 98).

Nas reflexões postas até aqui, elencamos alguns impressos que foram

solicitados pelas escolas e enviados pela Secretaria de Instrução Pública, com

a devida autorização da Tesouraria provincial, mas ressaltamos que outros

materiais constituíram as práticas de ensino do método mútuo das escolas da

província na década por nós delimitada. Especialmente nos três primeiros anos

da década de 1870, existiu a comercialização de impressos numa dita

typografia, localizada na Ladeira do Sacramento, número 8, em Vitória. Dentre

os materiais comercializados, encontravam-se os livros de Emílio Achilles

Monteverde, os Cathecismos da Agricultura, manuais e eclesiásticos e a

Selecta Brasiliense escrita por José Marcelino Pereira de Vasconcellos, muito

utilizada nas escolas públicas, e outros materiais como as Cartas do A B C e as

fábulas de La Fontaine. Esses dois últimos materiais não foram mencionados

no registro de solicitação e envio de materiais, mas supomos que foram

utilizados na instrução doméstica ou escolar, pois a comercialização se deu

com intensidade. Os jornais Correio da Victória e O Espírito-Santense

apresentavam diariamente a propaganda desses materiais.

É importante ressaltar que a constituição dos materiais estava totalmente de

acordo com o regulamento, mas isso não significava que os resultados eram

satisfatórios, nem que os livros eram condizentes com as classes a que se

destinavam. Sobre os livros utilizados nas escolas da província, o diretor da

instrução pública, Joaquim José Fernandes Maciel, também disse, ao final do

ano de 1872:

[...] Esta multidão de livros dispendiosos e que não estão ao alcance

da inteligência da criança não tem outro fim senão favorecer aos seos

autores a extracção delles. Sobrecarregando aos pais ou tutores dos

alumnos [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 168 p. 3, 1873).

Não encontramos legislações proibindo que, nas práticas do método mútuo,

fossem utilizadas as Cartas do A B C, mas é de nosso conhecimento que o Dr.

Abílio, que doava seus livros para as províncias brasileiras, não era favorável à

utilização delas. Talvez, isso coibisse as autoridades de utilizar esse material

nas escolas. O então escritor era terminantemente contra a utilização dessas

cartas e deixava isso bem claro na apresentação de seus livros. Já na

introdução, mencionava sua opinião:

[...] Defeitos do ensino primário: Em nossas escholas quase sem

excepção, o método pelo qual se ensina a leitura, é ao mesmo passo

que o mesmo segundo à natureza e a razão, o mais penoso as

creanças. Mette-se nas mãos de um menino de 5 anos de idade uma

carta de a, b, c à cuja composição não presídio Idea alguma de

systema e nella ao turno de três, quatro e maiz longos meses de um

trabalho enfadonho e deprimente, a quase sempre a custa de bem

dores e lágrimas aprende ele a conhecer e nomear as letras e

liga'las em síllabas eternas, vasia de sentido, a combinar as mesmas

em palavras, chegando afinal a ler corretamente, mas como um

papagaio sem consciência do que faz e sempre sem o mínimo de

interesse pela leitura, por não compreender a significação das

palavras, e portanto sem vantagem para o seu desenvolvimento

intelectual. Ao mesmo tempo as cartas do a,b, c metem-se naquelas

mãozinhas tão pequenas e tão incapazes de movimentos seguros e

regulares, em umma Penna e um lápis, e manda-se-lhe que escreva!

Novo martírio, novas dores, novas lágrimas. E sempre a perspectiva

medonha da palmatória a amargar-lhe os camndidos e inocentes

dias da infância e a fazer-lhes odiosos os mestres, a escola e o

estudo!! [...] (BORGES, 1870, p. 3-4).

Algumas ponderações do escritor são muito pertinentes. De fato, precisar

memorizar as letras e as sílabas contidas naquelas cartas não era nada fácil.

Segundo Cagliari (2002, p. 122), as letras têm um valor funcional. Esses

valores são “[...] fixados pela história das letras, pelo processo de adaptação a

uma determinada língua e, principalmente, pela ortografia das palavras [...]”.

Isso não era levado em conta no ensino a partir das cartas. Quanto às

afirmações do Barão de Macahúbas, cremos que seus questionamentos tinham

relação com o fato de ele querer defender o uso de suas próprias obras.

Quanto menos as cartas fossem utilizadas, mais espaço haveria para a

utilização de seus livros. Era muito comum que os autores defendessem seus

materiais. Além de ganhos financeiros, isso representava prestígio. Dizemos

isso, porque a prática de ensino proposta pelo Dr. Abílio não se distanciava do

ensino mecânico. Pelo menos, no seu terceiro livro de leitura, ao qual nós

tivemos acesso, o autor apresentou uma sequência de textos pertinentes à

leitura para a aprendizagem dos conteúdos de ciências, história e moral nada

próximos da compreensão da criança. Por certo, esse era um material

destinado às crianças que já dominavam a leitura, mas denota a compreensão

de ensino abarcada pelo barão.

Para além dos materiais, a prática do ensino mútuo na década de 1870 não era

uma atividade corriqueira. Da mesma maneira que os materiais, os conteúdos

escolares também estavam submissos à legislação. A organização do ensino

previa horários para o ensino dos conteúdos e o programa de cada matéria.

Segundo análises de Gontijo (2008), o horário destinado às aulas era de cinco

horas e meia:

[...] O tempo de cada matéria, em cada dia da semana, foi

rigorosamente distribuído. Assim, por exemplo, na segunda-feira,

das 8h30min às 9h30min, nas classes dos meninos, seria trabalhada

a escrita e, nas classes das meninas, a escrita e a leitura em prosa.

Das 9h30min às 10h30min para os meninos seria trabalhada a

leitura e, para as meninas, a leitura em versos. Das 10h30min às

11h30min, os meninos e as meninas estudariam gramática. Das

11h30min às 12h, seria ensinada aritmética para as meninas e

leitura para os meninos. Exceto nas quintas-feiras, em que era

ensinada aritmética, no ultimo horário, nas classes do sexo feminino,

deveriam ser ensinados costura e outros trabalhos de agulha [...]

(GONTIJO, 2008, p. 81).

Ressaltamos que a organização do horário descrita por Gontijo não era

inflexível, pois o importante era o cumprimento da carga horária e das

respectivas matérias, e algumas escolas se organizavam com horários de

entrada e saída distintos. Segundo notícias publicadas no dia 16 de janeiro de

1871, no jornal O Espírito-Santense, o Colégio Nossa Senhora da Penha, onde

estudavam as meninas, distribuía as disciplinas de leitura, escrita, aritmética,

história sagrada e doutrina cristã pela manhã, das 9h ao meio-dia. A parte da

tarde era destinada aos trabalhos de agulha.

É interessante analisar que as aulas destinadas aos trabalhos de agulha

assumiam uma prática social de cunho mercadológico muito importante na

província. A primeira atividade econômica mais desenvolvida era a agrária, a

segunda era a de costura. Nos mapas da província anexados ao Dicionário

histórico, geográfico e estatístico do Espírito Santo, publicado no ano de 1878,

há registros da intensidade desse trabalho. Mesmo as paróquias mais distantes

da capital possuíam um grande número de mulheres que realizava esse ofício.

Nessa direção, aprender os trabalhos de agulha não estava ligado apenas às

atividades domésticas, visando servir aos esposos.

Os alunos eram avaliados quanto aos aspectos da caligrafia e da ortografia.

Segundo o artigo 89 da lei de 1871, eles deveriam escrever um trecho de

algum texto, de forma que a primeira linha fosse escrita em letra maiúscula, e

as demais linhas, em letra cursiva. É importante observar que a avaliação não

servia somente para aprovar ou reprovar, mas também para classificar os

sujeitos em capazes e incapazes: “[...] A classificação dos alunos era feita

semanalmente e atuava como mecanismo que, certamente, proporcionava

competição entre eles [...]” (GONTIJO, 2008, p. 82). Os trabalhos de Gumperz

(1987) explicitam o caráter classificatório e seletivo da escolarização da leitura

e da escrita no século XIX. Segundo esse autor, a escola passou a ser um

lugar de testagem, um lugar de diferenciação dos sujeitos:

[...] O desenvolvimento sistemático da alfabetização e escolarização

significou uma nova divisão na sociedade, entre os educados e os

não educados (ou escolarizados e não escolarizados) e uma nova

forma de controle social cada vez mais poderoso que podia ser

exercitado através do currículo [...] (GUMPERZ, 1987, p. 40).

Ao observar o artigo 12 do Regimento das Escolas de Primeiras Letras de

1871, percebemos que professor e aluno passavam por um verdadeiro ritual no

momento da aula. Tudo se iniciava a partir dos resultados de cada avaliação.

Era um ritual coletivo em que todos participavam observando a hierarquia. Os

chefes de sala e os monitores auxiliavam o professor na realização das

atividades em sala de aula. Essa era uma forma de dividir as tarefas e fazer

funcionar o método mútuo seguindo as prescrições do regimento:

[...] Ao chegarem à classe, os alunos deveriam tomar seus lugares,

indicados de acordo com a classificação que tivessem nessa

matéria. Dez minutos após o começo das aulas, atendendo a um

sinal de campainha do professor, deveriam ficar de pé para fazer

uma pequena oração, que era recitada pelo professor e repetida

pelos alunos de uma só vez (Art. 12). Após a oração e mediante um

sinal do professor, os chefes das classes, alunos mais adiantados

em caligrafia – deveriam encaminhar-se à mesa do professor para

receberem papel, penas, exemplares e outros materiais necessários

às aulas e distribuí-los entre os colegas. Cada aula poderia ter até

oito classes. Após a distribuição, eles tomariam seus lugares nas

classes que lhes fossem designadas para realizar os trabalhos

“debaixo do maior silêncio”. Durante o tempo em que os alunos

escreviam, o professor e o monitor deviam percorrer as classes para

verificar e corrigir a posição de seus corpos “e o modo defeituoso de

pegar a penna” (Art. 16). Somente à medida que todos os alunos iam

terminando, o chefe da classe tomava o seu lugar para fazer sua

prova de caligafia. Quando o monitor percebia que as classes

estavam concluindo a prova, comunicava esse fato ao professor,

que, ao sinal da campainha, anunciava o início da correção das

provas caligráficas, começando nas classes mais atrasadas. Diante

da mesa do professor, as provas feitas pelos alunos eram entregues

pelo chefe da classe por ordem de adiantamento dos alunos. O

professor fazia, então minuciosamente, a correção de uma escrita

para que toda a classe aproveitasse, e apontava ligeiramente, nos

outros trabalhos, os "defeitos mais salientes" (Art.20). Ele devia

observar o tempo, para que a correção não ultrapassasse uma hora,

e devia cuidar, ainda, para compensar, no dia seguinte, a correção

que foi abreviada em decorrência do tempo. A correção dos

trabalhos de caligrafia deveria ser feita individualmente pelo

professor [...] (GONTIJO, 2008, P. 83).

Escrever exigia critérios. Era uma prática que regulava o modo de pegar na

pena e também o corte desse objeto. Escrever nas formas prescritas exigia dos

monitores e do professor um trabalho de observação dessa atividade.

A realização de todo o trabalho na sala de aula com a ajuda dos monitores era

um preceito adotado pelo seu divulgador Joseph Lancaster. De igual modo, a

presença dos chefes de classe também colaborava com as práticas em sala de

aula. Quando finalizavam as tarefas de auxiliar os alunos, os monitores e os

chefes de classe iam realizar suas atividades escolares. Nesse momento, eles

realizavam, inclusive, as avaliações, não eram poupados em nada, suas

avaliações tinham o mesmo peso dos demais alunos.

O parágrafo 16 do Regimento das Escolas de Primeiras Letras era bem claro

quanto às atividades de escrita durante as aulas. O professor deveria explicar

aos alunos a forma das letras, observando inclusive as inclinações e a largura

de cada uma. O ato de escrever consistia numa atividade mecânica com

critérios previamente prescritos legalmente. Os estudos de Gontijo (2008)

esclarecem que, também, era feito o uso de tabelas para que os professores

trabalhassem a escrita na sala de aula. A pesquisadora salienta que esse

conteúdo era trabalhado observando-se o grau de dificuldade:

1.º Linhas rectas e curvas.

2.º Outras formas de linhas primitivas.

3.º Linhas superiores e inferiores.

4.º Em papel A B C em letras maiúsculas.

5.º A B C em letras minúsculas.

6.º Sentença em cursivo de exemplares ou dictadas.

As atividades referentes à leitura também não escapavam do mecanicismo.

Gontijo (2008), ao analisar o parágrafo 14 do Regimento das Escolas de

Primeiras Letras de 1871, percebeu um ensino da leitura voltado para a

pronúncia das palavras. As práticas referendadas pelo regimento de 1871 não

foram modificadas nos anos subsequentes à década:

[...] o trabalho com a leitura compreendia a pronúncia clara e exata dos

sons consonantais e vocálicos, a aprendizagem de que as letras têm

vários sons, o entendimento dos textos lidos, a distinção dos

elementos de uma frase, além do que poderíamos chamar de leitura

fluente. Assim podemos observar no Regimento a tentativa de

conciliar, no ensino da leitura, elementos de decifração da escrita e de

entendimentos do texto [...] (GONTIJO, 2008 p. 84).

Para ensinar a leitura, os professores obedeciam a regras. Novamente o início

dependia de avaliações, pois tudo começava pelas classes mais adiantadas:

[...] Os alunos das classes mais adiantadas deveriam ler em prosa e

verso em dias alternados e letra manuscrita uma vez por semana. O

professor só deveria passar para a leitura de versos após os alunos

aprenderem a ler corretamente. Dessa forma o professor só tomava

a leitura das classes mais adiantadas: primeira e segunda. Nas

demais, o trabalho deveria ser feito pelo chefe de classe. Ele tomaria

a lição dos discípulos “a meia voz” para não perturbar aos outros

alunos. Ao professor caberia, nesse momento, circular pelas classes

para verificar o cumprimento do dever pelos chefes das classes.

Após terminar o trabalho, o chefe de classe deveria ficar de pé diante

da classe, cuidando para que fosse cultivado o silêncio. Nesse

contexto é importante acentuar que o trabalho inicial com a leitura

ficava a cargo dos chefes das classes. O monitor deveria comunicar

ao professor o término dos trabalhos de leitura. Ao sinal da

campainha do professor os chefes, começando pelas classes mais

atrasadas, deviam dar parte dos “alunnos” que não “souberão” as

lições, a fim de serem castigados ou “repreendidos”. Os castigos e

as repreensões também foram previstos no Regimento [...]

(GONTIJO, 2008 p. 85).

A punição daqueles que não alcançavam resultados satisfatórios poderia variar

da expulsão da escola a ficar de joelhos em cima do banco. Essas espécies de

torturas prescritas não foram únicas. Segundo relatos do Barão de Macahúbas

(1870), a palmatória também era utilizada. Conforme explicitamos na exposição

do método simultâneo, esse tipo de emulação só foi proibido legalmente no

regulamento de 1873.

Conforme mencionamos no início deste tópico, existiu um esforço das

autoridades em potencializar a utilização do método mútuo com a formação de

professores. Na década de 1870, a província do Espírito Santo também se

preocupou em dar continuidade às práticas de ensino da leitura e da escrita

pelas vias do método mútuo. Para alcançar esse objetivo, em 18 de outubro de

1872, a câmara dos deputados aprovou a criação de uma escola normal com a

finalidade de fortalecer a instrução primária. Antes dessa escola, existia um

“Lyceo”, que se encarregava de instrumentalizar os professores, no entanto os

parlamentares compreendiam que a dita instituição não estava cumprindo essa

função:

[...] É preciso meus senhores que o indiferentismo não tenha mais

tempo e guarida. Porque a êlle bem se póde attribuir o estado infelliz

da instrucção pública nesta província.

O Sr. Heliodoro: — O nobre deputado sabe que, mesmo a respeito

da escola normal, já se fez tentativas.

O Sr. Presidente: — Attenção! O Sr. A. Pires. Entendo Sr. presidente

que a creação de uma escola normal será um dos melhores meios

para engrandecimento da moral da província do Espírito Santo.

O Sr. Heliodoro: — Mas já existe uma escola normal...

O Sr. C. Daemon: — Mas temos um lycêo.

O Sr. Pires: — O Sr. Presidente acha conveniente e de intuitiva

necessidade preparar, desde já os mestres de modo, que possão de

futuro instruir e dirigir os sôs discípulos, fazendo-os dignos de si. Não

peço meos senhores que qualquer auctoridade forme e nomeie

professores; o que quero é que se funde uma escola normal onde

elles se habillitem de modo, a poderem bem desempenhar o sêo

ministério.

O Sr. B. Freire: — Apoiado. [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 135, p.

2, 1872).

De acordo com as ponderações dos parlamentares, a escola normal seria

muito importante. Prepararia os mestres "para o futuro". Na perspectiva dos

deputados, esse futuro era o método mútuo, mas essa prática exigia

preparação dos professores em longo prazo. Nesse contexto, a Assembleia

Provincial redigiu os artigos da "nova" instituição de formação de professores.

Foram 47 artigos, que evidenciaram a prática de ensino do método mútuo. A

escola normal ficaria localizada na capital e se encarregaria de ensinar aos

futuros mestres a prática do método mútuo, denominado na lei de método

elementar. Na instituição, os(as) normalistas aprenderiam conteúdos a serem

ensinados aos alunos nas aulas da instrução primária:

[...] Art. 2.º: Esta escola compreenderá duas cadeiras, uma na qual

se ensinará praticamente o método de ensino elementar,

compreendendo a leitura, escripta, ortographia, elementos da

gramátyca portugueza, princípios da dotrina cristã, as quatro

operações da aritmética, prática de quebrados, decimais e

proporções. – Outra em que se ensinará calligraphia, desenho linear,

gramática philosóphica da língua portugueza, com anályse e

imitação dos nossos clássicos [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 135,

p. 2, 1872)

Analisando o programa de ensino da escola normal, observamos que os

conteúdos eram semelhantes aos da escola de instrução primária. De igual

modo, a prática a ser ensinada nessa instituição continuaria privilegiando a

cópia nas aulas destinadas à escrita, e, mais uma vez, os conteúdos referentes

à doutrina cristã eram regulamentados. Convêm ressaltar que os artigos que

regulamentaram o ensino na escola normal também regulavam as matérias

indicadas para serem lecionadas nas aulas da instrução primária naquele

período:

[...] Art. 15: Os professores das aulas de instrução primária ensinarão

a ler, escrever, as quatro operações de aritmética prática, de

quebrados, decimais e proporções, elementos de gramática

portugueza, princípios do desenho linear e doutrina cristã [...] (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n. 135 p. 3, 1872).

É interessante analisar que a escola normal também seria encarregada de

apresentar a literatura clássica. Isso é indicativo de que os estudantes da

instrução primária também poderiam ter tido os clássicos portugueses como

referência de leitura e também de escrita, pois seus futuros mestres

aprenderiam a analisar e a imitar essa literatura, o que, com certeza, refletiria

nas práticas de ensino das classes de alfabetização.

Diante das ações das autoridades provinciais em organizar o ensino pelas vias

do método mútuo, o resultado foi a utilização desse modelo durante toda a

década de 1870, pois a adoção do método misto, em 1873, e a sua

manutenção no regulamento de 1877, juntamente com o método simultâneo,

indicam a possibilidade de o sistema de monitoria continuar a ser utilizado nas

escolas para garantir a disciplina na classe, já que uma das grandes

dificuldades para a utilização do método simultâneo estava ligada ao receio dos

professores em não conseguirem manter a disciplina.

Queremos ressaltar que o ensino da língua não alcançou êxito com a prática

do método mútuo. Mesmo depois de tentar uniformizar a prática, com a criação

de escolas de formação de professores, os problemas persistiam, porque,

assim como no presente, no passado, a melhoria da educação e,

consequentemente, dos índices de alfabetismo não é exclusivamente uma

questão de métodos.

4.3 O MÉTODO MISTO

Para Thomé da Silva, presidente da província no período de 1872 a 1873,

organizar a instrução pública significava, entre outras coisas, prover as

camadas populares do ensino da leitura e da escrita, uniformizando os

métodos de ensino. Nessa direção, dizemos que Thomé da Silva também

acreditava que o ensino pudesse ser organizado a partir da formação de

professores:

[...] Apesar de deficiente como era, e já tive ocasião de dizer-vos, a

authorização, que já havíeis conferido à presidência para reformar a

instrução pública julgando todavia, de maior necessidade a creação

de uma Escola Normal, creei-a como tereis de ver, sob a forma

modesta de um simples internato. Tanto basta para se começar a

preparar os Professores e uniformisar na província a instrução

pública [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n.218 p. 1, 1873).

A escola normal pensada na administração de Thomé da Silva foi aprovada em

20 de maio de 1873, trazendo para si a responsabilidade de habilitar sujeitos

para o exercício do magistério. Um dos maiores desafios da instituição

consistia em aprimorar as práticas de ensino na escola primária. Uma das

características do século XIX foi o interesse pela escola elementar. O artigo 1.º

trouxe a seguinte redação:

[...] O fim da escola normal da cidade da Victória é dotar a Província

com um pessoal de professores habilitados para o ensino da

instrução primária por meio methódico e educação exemplar [...] (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n.218, p. 1, 1873).

Considerando os dados coletados nos jornais da província da década de 1870,

entendemos que a escola normal instalada em 1873 ensinava os métodos de

ensino existentes e, ao mesmo tempo, instruía os(as) normalistas quanto aos

conteúdos que seriam ensinados nas classes de alfabetização. Segundo o

jornal O Espírito-Santense, de 24 de junho de 1873, a escola normal instalada

no Atheneu Provincial contava com salas de aula do ensino primário19 anexas

ao seu “prédio”, e essas salas de aula eram classes de aplicação prática dos

conteúdos ensinados com a utilização do método misto. As aulas de ensino

prático dos normalistas eram fundamentadas pela disciplina denominada

Pedagogia, aprendida no segundo ano. Nessa disciplina, os alunos mestres 19 Nas classes de instrução primária anexas ao Colégio Ateneu, os normalistas praticavam o ensino que deveria ser ministrado nas demais escolas da província, pois essa instituição funcionava como uma escola modelo.

passariam os ideários pretendidos pelo regime imperial, pois era também, no

segundo ano, que os normalistas estudavam as noções de filosofia que

engendrariam suas práticas:

[...] Pedagogia, este ensino se dividirá em três partes: 1.ª da

educação em geral e da educação escolar; 2.ª dos méthodos de

ensino e da disciplina escholar; 3.ª dos caracteres que distinguem o

mestre escola e de seos deveres. O aluno mestre depois de ouvir as

lições do professor as porá em prática na escchola anexa,

encarregando-se da regência de uma classe sob a direção do

professor; ao depois tomará como professor e enquanto um aluno

dirige a escola, os outros dirigem a classe [...] (O ESPÍRITO-

SANTENSE, n. 219, p. 1, 1873).

Analisamos que, no ensino dos métodos, na escola normal, e na prática do

método misto, na escola de instrução primária anexa a essa instituição, existia

uma prática fundamentada no ensino da leitura a partir da soletração. O jornal

O Espírito-Santense retrata essa informação, em 24 de junho de 1873, quando

descreve os conteúdos a serem ensinados na escola primária localizada no

Colégio Ateneu e, também, nas demais escolas da província. Ressaltava-se

que a lei deveria ser seguida com rigor. Havia uma carga horária fixa para a

aplicação do programa curricular. A legislação priorizava a cópia,

preferencialmente, da letra cursiva, pois, no século XIX, escrever em letra

cursiva ampliava as oportunidades de colocação no mercado de trabalho:

[...] Escripta; Este ensino compreenderá linhas e os caracteres das

letras maiúsculas, bastardo, bastardinho e cursiva, sendo este mais

cultivado por ser de mais uso devendo o professor explicar aos

allumnos e por em prática todas as regras de calligrafia:

Orthographia, sendo o exercício verbal o dictado.

Leitura: Este ensino compreenderá o abecedário, soletração, leitura

corrente, fazendo o professor com que os alumnos entenderão o que

lêem, adquirão boa pronúncia ouvindo dos preceitos o exemplo,

gastando-se n'este ensino ¼ da hora para a 1.ª classe, ½ hora para

a segunda, ¾ para a terceira, e uma hora para a 4.ª classe (a dos

pensionistas) [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 232, p. 2, 1873).

A prática de ensino do método misto também previa a dissociação da leitura e

da escrita, determinando pouco tempo para a leitura. As classes iniciantes

possuíam um tempo bem menor para a aprendizagem desse ensino. A

gramática também seria ensinada, dando-se prioridade a “[...] aplicações de

suas regras; anályses gramatical [...]” (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 232, p. 2,

1873).

O programa de ensino de História do Brasil preocupava-se em ensinar

aspectos pertinentes a geografia e história geral e do Brasil. É importante

analisar que tudo isso deveria ser ensinado pela memorização. A exemplo dos

outros regulamentos, no regulamento de 1873, o ensino moral e religioso foi

lembrado:

[...] Educação moral e religiosa: o professor deve manter ou crear no

coração de seos alumnos as virtudes Moraes propriamente ditas e

religiosas; e para isto conseguir o professor servir-se-há do exemplo

que deve dar elle mesmo; contos Moraes, exercícios religiosos; o

cathecismo, história santa, e consideração das maravilhas da

natureza [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 232, p. 2, 1873).

Em nossas considerações, as práticas voltadas para o ensino da moral e da

religião utilizaram as fábulas de La Fontaine. Dizemos isso, porque esse ensino

mencionava a leitura de contos morais, e essas fábulas foram comercializadas

na tipografia localizada na capital, já mencionada neste capítulo. O conteúdo

dessas fábulas são lições que ensinam normas de conduta. Além dessas

fábulas, não poderíamos deixar de registrar a circulação da obra O adolescente

educado e instruído na sciência, na moral e na indústria. Não tivemos acesso a

esse material, porém o título nos induz a pensar que a utilização desses

materiais reforçava a educação voltada para a submissão às regras do mercado

de trabalho. Observemos que as leituras dessas obras visavam alcançar o

objetivo de "crear no coração dos alumnos as virtudes moraes", mencionadas na

lei.

As leituras eram complementadas pelo sistema de punições e recompensas

semelhantes às estabelecidas no método simultâneo e mútuo. Esse sistema

seria utilizado tanto para as normalistas quanto para os alunos da instrução

primária. Quanto à “modelagem” dos alunos, a submissão às propostas de

Thomé da Silva foi bem estruturada. Aboliram-se os castigos corporais,

incluindo-se um programa bem fundamentado: ”[...] Os professores não poderão

castigar com palmatória, porquanto o espírito não se rege fazendo-se padecer o

corpo [...]” (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 232, p. 3, 1876). Pressupunha-se que

os corpos não padeceriam durante as aulas, mas, em longo prazo, ficariam ainda

mais conformados com o sistema de divisão de classes e com suas péssimas

condições de trabalho.

Como dito anteriormente, todo o conteúdo era ensinado debaixo do silêncio, mas

ressaltamos que as matérias constituídas no programa do regulamento de 1873

não foram as únicas responsáveis pelo treinamento da boa conduta dos alunos.

No Colégio Ateneu, nas salas de aula, os professores da instrução primária

também cobravam o silêncio. Essa era uma exigência prescrita no parágrafo 7.º

do artigo 22. Fora das salas de aula, existia a imagem física do censor. Este

sujeito cuidava de toda a disciplina da escola. Nesse sentido, era encarregado

de vigiar os normalistas e os alunos matriculados na escola anexa onde

funcionava a escola de instrução primária. O censor deveria residir na própria

instituição. A ele competia manter todo o silêncio. Conforme podemos concluir, a

presença do censor no Colégio Ateneu indica que a disciplina rígida requerida,

nas práticas do método mútuo, continuaria a existir por muito mais tempo nas

escolas da província, pois os alunos aprendizes e alunos mestres estavam

vivenciando esse modelo durante toda a permanência na instituição. Valendo-se

de sons emitidos pela mesma sineta que era utilizada no método mútuo, esse

profissional vigiava e punia por quase 24 horas diárias. Nada passava

despercebido a esse censor. Suas interferências estavam presentes também no

horário de dormir. O artigo 16, que regulamentava o ensino no Colégio Ateneu,

explicita suas funções. Observamos que as crianças eram vigiadas até na hora

do banho. Ao censor caberia:

[...] § 2.º A disciplina, políciamento e economia interna.

§ 3.º Velar que os professores cumpram com os seos deveres,

dando parte ao director das faltas commetidas.

§ 4.º Ter toda vigilância em que nas aulas e no estabelecimento se

mantenha o maior silêncio.

§ 5.º Acompanhar os alumnos pensionistas e meio-pensionistas ao

jantar à uma hora da tarde, sentando-se no lugar competente; e

quando terminar a comida deverá sahir com elles para o lugar

marcado, onde se observará até que a signeta dê signal das aulas.

§ 6.º Às cinco horas da tarde vigiar aos alumnos no recreio, até o

toque de estudo à noite.

§ 7.º Às 9 horas da noite acompanhará os alumnos pensionistas ao

chá; finda a ceia subirá para o dormitório, assistirá ao fechamento

das portas; e só então se retirará para o seo aposento.

§ 8.º Às cinco horas da manhã pelo verão e às seis no inverno

vigiará o alumno na lavagem e no estudo, observando se estão

decentemente vestidos e calçados; feito o que acompanhará os

meninos às 7 ½ horas para o almoço; tudo como para o jantar.

§ 9.º Acompanhar os alumnos à missa nos domingos e à tarde ao

passeio.

§ 10.º Tanto no refeitório como no silêncio, no recreio, ou no passeio,

deverá usar de moderação em seos actos e palavras repreendendo

os alumnos [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 230, p. 1, 1873).

Estudar nas escolas de ensino misto de 1873 também significava aprender o

ensino prático de geometria, desenho linear e canto:

[...] para quem também terá lugar dois dias da semana, o ensino de

desenho linear prático, suas definições decoradas, mandando o

professor fazer o alumno traçar à mão qualquer espécie de linhas e

figuras de geometria e copiar, à mão com instrumentos modelos de

objetos úteis, planos de construção, etc. Dando-lhes as convenientes

explicações; e bem assim música vocal [...] (O ESPÍRITO-

SANTENSE, n. 232, p. 3, 1876).

Comparando-se os conteúdos estudados pelos alunos na escola de instrução

primária com os conteúdos ensinados na escola normal, concluímos que houve

uma tendência em repassar aos normalistas os mesmos conteúdos que estes

lecionariam nas escolas de instrução primária nos momentos do ensino da

língua. Logo no primeiro ano, ensinava-se a leitura, objetivando que os

normalistas observassem as regras de pontuação, a pronúncia correta das

palavras e a compreensão do texto. Para ensinar aos alunos nas escolas,

também era preciso traçar as letras da mesma forma como os aprendizes da

língua deveriam aprender. Nesse sentido, aos normalistas cabia aprender os

mesmos modelos de letras das crianças. Quanto aos conteúdos da gramática

na escola normal, a prioridade estava fundamentada na gramática normativa.

Para melhor visualização do que estamos analisando, transcrevemos parte do

regulamento do funcionamento das aulas da escola normal:

[...] Art. 10. – No curso dos estudos da escola normal será observado

o seguinte programa empregando os professores uma hora em cada

dia o no ensino das matérias, que formão o referido curso: 1.º Anno,

1.ª cadeira: Leitura: deverá o professor fazer, com que o alumno

observe com exatidão as regras da pontuação, tenha uma pronúncia

fácil, correcta, e compreenda o que lê. Escripta: Este ensino

compreenderá os caracteres de letras maiúsculas bastardo,

bastardinho e cursivo, sendo este mais cultivado, por ser de uso

mais geral; devendo o professor explicar e por em prática o melhor

méthodo de ensino da escripta. Gramática e língua nacional: n'este

ensino o professor fará os alumnos aplicarem-se as regras de

syntaxe e annályse gramatical e lógica; a escripta corrigida pelo

próprio professor ou pelos próprios alunos sob sua direção. Ao

alumnos que forem mais adiantados farão os exercícios de

redacção, extractando ou resumindo o que tiverem lido, e de

composição sobre assumptos usuaes [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE,

n. 219, p. 1, 1873).

Após a listagem dos conteúdos a serem aprendidos na escola normal de 1873,

ficou evidente que os normalistas não eram instrumentalizados para refletir

sobre suas práticas de ensino durante os momentos de ensino da língua,

porque as aulas se constituíam num verdadeiro treinamento. E não nos

esqueçamos de que o treino tinha bases filosóficas muito bem estruturadas,

aprendidas também no segundo ano do ensino normal. Essas bases eram

muito próximas do ensino moral proposto nas escolas de primeiras letras:

[...] Noções de philosophia: objecto da moral; dos diversos motivos

das nossas acções e qual a sua importância relativa; os

phenômenos Moraes, consciência moral, sentimento ou noção do

dever; distinção do bem e do mal; obrigação moral, divisão dos

deveres do homem para consigo mesmo e para com os seos

semelhanttes e para com o Estado; moral religiosa ou deveres para

com Deos; destino do homem [...] (O ESPÍRITO-SANTENSE,

n. 219, p. 1, 1873).

A transcrição das matérias aprendidas na escola normal e ensinadas nas

escolas de instrução primária da província nos leva a analisar que os materiais

utilizados nas escolas de primeiras letras eram conhecidos pelos normalistas.

Dizemos isso porque o maior objetivo da criação da escola normal foi

uniformizar o ensino primário. Nessa direção, compreendemos que os livros de

Emílio Achilles Monteverde, Luis Francisco Midosi e do Dr. Abílio Cesar

Borges, que atendiam muito bem às propostas das instituições de ensino

primário, provavelmente estiveram muito presentes nas aulas da escola normal

para que os normalistas aprendessem a ensinar por eles de forma apropriada.

Nossas análises também se fundamentam na forma de organização curricular

da escola normal. Conforme já dito, naquelas instituições, existia a

obrigatoriedade de que cada normalista praticasse a profissão na escola de

instrução primária anexa à instituição de ensino normal, a partir do segundo

ano. O ensino teórico-prático estava previsto pelo artigo 166, do regulamento

de 1873. Esse aspecto implicava o conhecimento dos materiais que estavam

sendo utilizados nas escolas de primeiras letras, pois, se iriam ensinar os

normalistas, também precisariam conhecer os materiais que estavam sendo

utilizados.

Os materiais listados no parágrafo acima eram constituídos por textos da

doutrina cristã, da história sagrada, da história universal, sem entrar na

particularidade de cada povo, e, ainda, apresentavam toda a escrita desses

conteúdos nos modelos de letras exigidos no programa. Esse é um dado

interessante, pois nos esclarece também sobre a não utilização de outros

materiais nas classes de alfabetização como o método Bacadafá, escrito por

Antônio Pinheiro de Aguiar.

Segundo registro encontrado no livro denominado Negócios do Império,

datado de 13 de dezembro de 1871, o método era destinado ao ensino da

leitura e da escrita. É importante salientar que o Secretário desse Ministério

comunicou ao Palácio do Governo o recebimento do método e que este foi

enviado pelo seu autor:

[...] Palácio do Governo em 13 de dezembro de 1871 Il.mo e Ex.mo Sr.

Tenho a honra de acusar o recebimento de offício que V.Ex.a me

dirigio em data de 21 do mez findo no qual acompanhou um

exemplar das cartas e taboadas para o ensino primário pelo método

denominado bacadafá oferecido pelo seo autor Antônio Pinheiro de

Aguiar, cumprindo-me significar a V. Ex.a que serei solícito fazendo

conhecido e vulgarizado sobre o dito método nesta província [...]

(OFÍCIOS EXPEDIDOS PELO SECRETÁRIO DE NEGÓCIOS DO

IMPÉRIO NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO, 1871, p. 198-

199).

Segundo Shueler (2007), o autor do método Bacadafá era professor e

propagava que a utilização desse material possibilitaria a leitura em apenas 20

dias. Ele lecionava na escola pública como professor de instrução primária da

3.ª classe e recebeu autorização para experimentar a ideia em sua classe.

Dessa forma, ensinava aos alunos pelo método de sua autoria. Era seu desejo

ver seu método divulgado. Nesse sentido, enquanto ensinava aos alunos,

também ensinava aos seus adjuntos. Entretanto seu maior divulgador foi o

professor Antônio Estevam da Costa e Cunha. Esse professor foi avaliador do

método Bacadafá na classe em que seu autor lecionava. Na ocasião, Antônio

Estevam da Costa e Cunha aprendeu a ministrar o método Bacadafá,

atestando seu bom resultado. A partir daquele momento, foi nomeado pelas

autoridades da instrução pública da Corte para ser o divulgador daquele

material que considerava genuinamente nacional.

Analisando o prólogo de um exemplar da obra de Antônio Pinheiro de Aguiar

editada em 1877, percebemos que a publicação do material ocorreu na década

de 1870, mas, em 1858, o autor já havia participado de uma exposição, em que

apresentou sua metodologia. Já na década de 1850, o autor fora aprovado de

forma extraoficial com relação ao seu trabalho. Assim, “[...] foi no dia 7 de

novembro de 1858 que em uma exposição pública, em São Cristovão, provou

que em vinte lições os meninos conseguirão ler em leitura corrente [...]”.

Segundo o próprio autor, ele expôs seu material em outras ocasiões e, em

nenhum momento, foi contestado quanto às propostas de ensino da língua

constituídas em seu livro. Diante das aprovações, as publicações foram

iniciadas com a devida autorização das autoridades provinciais. Sobre os

propósitos de sua prática, o autor evidenciou a pretensão de reorganizar o

ensino primário para além do ensino da leitura e da escrita:

[...] Dessa forma, viabilizava, simultaneamente, os processos de

aprendizagem de três ramos: escrita e leitura (também chamados

“ramos literários”), desenho e música (referidos como “ramo

artístico”) e aritmética (a “contabilidade”), que continuaria a ser

ensinada pelo clássico recurso das tabuadas, sempre cantadas em

voz alta, individual e/ou coletivamente, de “cor e salteado”. Com isso,

o objetivo era proporcionar a prática destes saberes de forma ligeira,

num processo crescente de dificuldade, em que incluíam-se

progressivamente a aprendizagem de sílabas e letras, a leitura

vagarosa, corrente ou ligeira e expressiva ou analítica, além das

regras escriturais de sintaxe, gramática, ortografia e fonética

(entoação de voz em “leitura alta e baixa”) [...] (SHUELER, 2007, p.

102).

Tivemos acesso somente às páginas do livro de Antônio Pinheiro de Aguiar

referentes ao ensino da leitura e da escrita. Todavia a explanação de Shuller

(2007) nos deixa à vontade para dizer que seu livro também contemplou

conteúdos de Matemática. Além disso, a própria divulgação feita no Espírito

Santo dizia que um dos conteúdos era a tabuada.

O método Bacadafá apresentava momentos em que as crianças eram levadas

a pensar nos sons das sílabas. Segundo Mortatti (2000), a própria fonética

começa a ser pensada na metade do século XIX, passando a auxiliar o estudo

biológico da linguagem. Era o início de uma época que se pensava sobre a

fisiologia humana que envolvia a produção da fala.

Analisando as páginas do livro referente ao ensino da leitura e da escrita,

encontramos uma prática que conjugava elementos da silabação e da

palavração. Utilizando nomes de uma família de quatro personagens indígenas,

Antônio Pinheiro de Aguiar iniciava a alfabetização das crianças contando uma

“historieta” em que eram mencionadas pequenas sentenças formadas por duas

vogais:

[...] Para conhecimento das vogais estabeleceu-se a historieta

seguinte: O índio pai achando-se doente gemia constantemente

desse modo ai, ai, ai. Um carreiro passando pela porta, ouvindo esse

gemido fez parar o carro com esse gemido ô, ô, ô para o boi parar e

perguntou: Quem está gemendo? Eu, eu, respondeu o doente. Eis

aqui os sons das cinco vogais. a i e u o [...] (AGUIAR, 1877, p.10).

Após o ensino das cinco vogais, o autor ensinava as outras dezesseis letras do

alfabeto (as consoantes), que constituíam os nomes dos personagens

indígenas: O pai (Bacadafá), a mãe (Gajalamá), a filha (Naparasa) e o filho

(Tavaxaza). As consoantes utilizadas nos nomes dos personagens indígenas

seriam as bases da constituição das sílabas formadas por consoantes e vogais.

Figura 3 – Método bacadafá ou leitura abreviada de Antônio Pinheiro de Aguiar.

Fonte: Acervo do Arquivo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Considerando a exposição do autor, evidenciada na imagem acima, Shueler

(2007, p. 106) assinala que o ensino da língua consistia em partir do concreto

para o abstrato:

Acerca desta consideração, o próprio autor explica que, no seu

programa, as crianças aprendiam a ler e a escrever do “mais

elementar ao mais complexo”, do concreto ao abstrato, misturando,

sucessivamente, a percepção gráfica, fonética e semântica de letras,

sílabas, palavras e frases.

Compreendemos que Aguiar (1877) concebia que a apropriação da leitura por

parte da criança acontecia de forma gradual. Esse é um dado muito importante,

pois deixa transparecer que ele também se apropriou das concepções de

ensino concretizadas em livros que foram amplamente utilizados no Espírito

Santo. Isso poderia nos levar a analisar que a proposta de ensino desse autor

deveria ter sido aceita sem reservas para utilização nas escolas de primeiras

letras da província, no entanto isso não aconteceu. Não encontramos

documentos que pudessem indicar a sua adoção ou uso financiado pelos

cofres públicos.

Na época em que a província do Espírito Santo recebeu o método bacadafá

para divulgação, a escola pública de instrução primária estava regulamentada

pelo Regimento das Escolas de Primeiras Letras. É importante destacar que,

de acordo com esse documento, o ensino se daria pelas vias do método

mútuo, e as práticas de ensino da escrita pressupunham uma rotina

determinada, com horários fixos para os exercícios de caligrafia. O método

bacadafá não priorizava as cópias, nem o traslado das letras no momento

inicial do ensino da língua. Além disso, apresentava apenas letras na forma de

imprensa. Não encontramos páginas em letras cursivas destinadas a cópia.

Segundo Shueler (2007), a ausência desse tipo de atividade num livro

destinado ao ensino da leitura representava uma inovação, pois os demais

autores enfatizavam muito o uso da letra cursiva. Porém, considerando o

currículo previsto nos regulamentos da instrução pública e no Regimento das

Escolas de Primeiras Letras, esse material não era adequado. Schueler (2007,

p. 107) aponta:

[...] Quanto às inovações desta proposta, são apontadas pela ruptura

com práticas tradicionais de ensino da escrita nas escolas primárias,

que, segundo Antonio Aguiar, enfatizavam a arte da caligrafia, ou

seja, a aprendizagem de uma escritura manuscrita de acordo com

regras e modelos formais, e, ao se preocuparem demasiadamente

com o formalismo estético traziam sérios problemas ao ensino da

leitura e da escrita, pois acarretava longa demora e, muitas vezes, a

saída das crianças da escola sem que tivessem adquirido as

habilidades elementares do escrever [...].

A publicação do método bacadafá se deu em um momento em que a educação

era debatida intensamente. Os periódicos ampliaram o debate e fizeram

denúncias de que a educação escolarizada não estava cumprindo sua função

de prover o ensino das classes populares. Cada vez mais eram cobrados os

resultados no ensino da língua. Na província do Espírito Santo, os mapas

mostraram um grande número de pessoas analfabetas. Diante desse contexto,

era de se esperar que um método como o de Aguiar, que prometia alfabetizar

em 20 dias, fosse oficializado. No entanto isso não aconteceu. Apesar de não

ter, conforme assinala o autor, encontrado opositores, o livro não foi adotado

oficialmente nas províncias.

Shueler (2007) analisa que a prática de ensino da língua proposta por Aguiar

era uma mescla do método sintético com o analítico, porque o autor conjugava

o ensino das sílabas e das letras com a palavração. Isso também contradizia

as propostas de ensino pela soletração, pois essa prática parte unicamente das

unidades menores da língua:

[...] Entretanto, este programa apresentava-se como uma metodologia

intermediária entre os “tradicionais” métodos sintéticos (que incluíam

tanto a denominada soletração do alfabeto, a começar pelas vogais,

quanto a silabação: o b-a - ba) e os “modernos” métodos analíticos,

nos quais predominavam a palavração e a análise de frases, onde a

aprendizagem da leitura se realizava por intermédio da representação

gráfica e fonética das palavras, e de pequenas orações delas

derivadas, mas, sobretudo, de sua decodificação semântica. Nestas

últimas, enfatizavam-se os processos de cognição, interpretação e

produção de sentidos no uso da língua e da linguagem [...]

(SHUELER, 2006, p. 103).

Apesar de ser um livro de publicação nacional, outro fator que pode ter

contribuído para a não utilização desse material é a presença de um ensino da

leitura e da escrita pautado em nomes de personagens indígenas. Ensinar por

sílabas, que constituíam nomes de personagens indígenas, significava falar da

história desses sujeitos. De acordo com o regulamento de 1873, nas aulas de

História, os normalistas deveriam aprender:

[...] Noções de história universal, e história do Brasil: N’este ensino o

professor deve tractar dos grandes agradecimentos dos diversos

impérios, dos progressos notáveis nas sciências e nas artes sem

contudo, entrar com a particularidade sobre a história de cada povo,

devendo pelo contrário, estender-se sobre a história sagrada, que

compreenderá o Antigo e o Novo Testamento, a história Nacional e

com a particularidade a da Província do Espírito Santo [...] (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n. 219, p. 1, 1873).

Como já dito, o objetivo da escola normal era uniformizar o ensino primário.

Nesse sentido, se os normalistas não aprendiam nada sobre outros povos,

também não poderiam ensinar. Assim, o artigo transcrito anteriormente nos

ajuda a compreender, dentre outros, a utilização do livro de Emílio Achilles

Monteverde nas escolas, ao invés do método bacadafá. O primeiro trazia rezas

e, também, ensinava os grandes feitos dos europeus. Assim, as propostas de

Monteverde estavam em harmonia com as orientações do regulamento de

1873. Vejamos as páginas do livro de Monteverde que se seguem:

Figura 4 - Páginas 118 e 119 do Méthodo facílimo para aprender a ler tanto letra redonda como a manuscrypta no mais curto epaço de tmpo possível.Fonte: HTTP:// WWW.redalfa.estudiantesunlu.com.ar/galerias/portugal/galculturamaterial/in dex.php?list=2

Figura 5 - Páginas 118 e 119 do Méthodo facílimo para aprender a ler tanto letra redonda como a manuscrypta no mais curto epaço de tmpo possível.Fonte: HTTP:// WWW.redalfa.estudiantesunlu.com.ar/galerias/portugal/galculturamaterial/index.php?list=2

Ressaltamos que, apesar de as páginas que reproduzimos para visualização

não trazerem conteúdos pertinentes à alfabetização e sim ao ensino de história

e religião, consideramos oportuno disponibilizá-las para ilustrar a nossa

análise, porque essas páginas também poderiam servir como instrumento de

leitura. E pensemos que era uma leitura cuja base estava fundamentada na

memorização. Retomando as pesquisas de Corrêa (1999, p. 6), lembramos que

a obra desse autor era constituída por um conjunto de perguntas e respostas

que permitia ao leitor, frequentador da escola ou não, realizar as leituras,

responder às questões e, depois, conferir suas próprias respostas. Segundo

esse autor, “[...] a arquitetura do texto no formato de perguntas e respostas

remete a um modelo de ensino centrado na leitura, memorização e repetição dos

conteúdos lidos [...]” (CORRÊA, 1999, p. 6).

As práticas de ensino do método misto também abarcavam um sistema de

testagem que já vinha sendo utilizado no método mútuo. Se, nas práticas do

método mútuo, regulamentadas pelo Regimento das Escolas de Primeiras

Letras, as atividades tinham seu início após o resultado das avaliações, no

regulamento de 1873, os professores eram obrigados a avaliar seus alunos e,

portanto, conforme prescrevia o parágrafo 6.º, a “[...] Marcar sabattinas com

regularidade [...]” (O ESPÍRITO-SANTENSE, n. 230, p. 2, 1873). O parágrafo

8.º, por sua vez, previa que o professor devia “[...] Examinar por meio de

perguntas, e chamando os alumnos à lição se estudaram ou não [...]” (O

ESPÍRITO-SANTENSE, n. 230, p. 2, 1873). Conforme estamos explicitando,

existia a arguição sobre os conteúdos. Esse era o único momento em que as

crianças podiam falar na sala de aula. E era um momento difícil, pois seriam

impressas as marcas de fracasso, caso não fossem bem sucedidas.

Conforme já mencionamos neste tópico, os materiais utilizados para as práticas

de ensino da língua, anteriores à regulamentação do método misto, não foram

modificados. Encontramos várias solicitações de materiais que já vinham sendo

utilizados ao longo das práticas do método mútuo. De igual modo, o comércio

não foi alterado com a oferta de outros impressos. Isso significa que os

sentidos atribuídos ao ensino da língua também não foram alterados. A

exemplo do método mútuo e do método simultâneo, o ensino da língua

privilegiou o ensino mecânico dos sons e das letras. O ensino era centrado no

professor. A criança não era compreendida como sujeito social. As práticas de

ensino não consideravam as relações dialógicas existentes na linguagem. A

forma como estava organizado o conteúdo de leitura e escrita deixa

transparecer que, na província do Espírito Santo, os horários destinados ao

ensino da língua continuavam a ser momentos constituídos por atividades que

privilegiavam a cópia de textos.

4.4 OS MATERIAIS IMPRESSOS DESTINADOS AO ENSINO DA LÍNGUA

QUE CIRCULARAM NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA DÉCADA DE

1870

O objetivo deste tópico é analisar as cartilhas e os livros de leitura que

circularam na província do Espírito Santo na década de 1870. Iniciamos nossas

observações ressaltando que, com exceção do método bacadafá, de autoria de

Antônio Pinheiro de Aguiar, esses materiais nortearam as práticas pedagógicas

a partir dos métodos marcha sintética. Nessas circunstâncias, o ensino da

língua privilegiou a soletração e a silabação. Esses materiais estiveram

atrelados à prática dos métodos mútuo, simultâneo e misto, regulamentados na

província do Espírito Santo, e reforçam a ideia de que a mudança dos métodos

de ensino não levou a mudanças importantes nas práticas de ensino.

Ressaltamos que os livros adotados na província do Espírito Santo no período

em que nos propusemos a estudar foram os livros de Abílio César Borges, o

Méthodo Facílimo para Aprender a Ler tanto Letra Redonda como a

Manuscrypta no mais Curto Espaço de Tempo Possível, de autoria de Emílio

Achilles Monteverde, e a obra intitulada o Expositor portuguêz ou rudimentos

de ensino da língua materna, de autoria de Luis Francisco Midosi. O terceiro

livro de leitura do professor Abílio e o livro de Luis Francisco Midosi foram

localizados nos arquivos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sendo que a

obra completa de autoria de Luis Francisco Midosi também pode ser

encontrada nas páginas da internet. A obra de Monteverde não foi

disponibilizada na sua totalidade, encontramos somente algumas páginas na

internet. Em decorrência da impossibilidade de localização da obra completa

desse autor, não a analisamos neste capítulo. Ressaltamos que estamos

analisando apenas as páginas introdutórias do livro do professor Abílio, em que

o autor evidencia suas concepções de ensino da língua, e a totalidade da obra

de Midosi.

Para discutir as propostas de ensino constituídas nos impressos, utilizamos os

trabalhos de Chartier (2007), Shueler (2006), Gondra (2002), Saviani (2007),

Gontijo (2008) e Cagliari (1999). O primeiro trabalho faz referência aos

impressos que tinham como prática o ensino graduado. Nessa direção, ele

possibilitou uma análise mais consistente do material de leitura proposto por

Midosi. Os trabalhos de Gondra e Saviani nos permitiram analisar as propostas

do professor Abílio Cesar Borges a partir do contexto político e ideológico que

engendravam as práticas pedagógicas no Espírito Santo e no Brasil na década

de 1870. A leitura do trabalho de Shuller (2007) contribuiu para analisar o

conteúdo da proposta de ensino constituída no método de ensino bacadafá, ao

mesmo tempo em que nos propiciou compreender por que da não adoção

oficial desse material na província do Espírito Santo. As leituras das pesquisas

de Gontijo possibilitaram a análise dos impressos a partir da própria

historiografia da alfabetização na província do Espírito Santo, pois, como já

dito, na contextualização desta pesquisa, essa autora apresenta dados

pertinentes ao ensino da língua na província na década de 1870. Finalmente,

os estudos de Cagliari nos ajudaram a analisar os impressos, considerando os

equívocos que podem ter sido cometidos nos momentos do ensino da leitura e

da escrita nas escolas da província.

Os livros que circularam na província foram listados no início deste tópico.

Esses livros têm especificidades quanto a sua edição. O livro de Midosi, que

será analisado, data de 1831 e foi publicado em Londres. Saber a origem das

publicações nos auxilia a compreender os aspectos ideológicos que

perpassaram as práticas de ensino constituídas nos impressos. As propostas

de Abílio Cesar Borges fizeram parte de uma produção nacional de livros

didáticos, mas foram publicadas em Bruxelas.

O ensino da leitura e da escrita é influenciado por interesses políticos de uma

dada época. No Brasil, o controle dos portugueses impediu, por muito tempo, a

publicação de livros nacionais e até mesmo a aquisição de outros materiais

impressos. Segundo Hallewell (1985, p. 5), os portugueses desenvolveram a

tipografia em outras colônias, mas, no Brasil, impediram a sua existência. Esse

é um dos fatores que pode explicar a utilização de impressos produzidos em

outros países. Ainda de acordo com o autor,

[...] Tais diferenças foram determinadas em parte, pelas

necessidades do controle político. Nos lugares em que os governos

gozavam de um grau considerável de autonomia, eles eram

encarregados de regulamentar o trabalho das tipografias locais [...]

(HALLEWELL, 1985, p. 5).

Segundo Hallewell (1985, p. 21), em 1875, foram proibidas todas as

manufaturas no Brasil. Em 1720, um alvará proibiu as letras impressas em todo

o território. A proibição “[...] implica que devia haver alguém em algum lugar,

que precisava ser impedido de imprimir na colônia, naquela época”

(HALLEWELL, 1985, p.21). As restrições portuguesas eram um empecilho para

que qualquer artefato entrasse na colônia. Outros produtos também eram

retidos em decorrência da severidade das leis. Independentemente da classe

social, todos eram atingidos pelos obstáculos, ou seja, “[...] Um rico fazendeiro

podia não ter como oferecer a cada um de seus hóspedes uma faca à mesa.

Às vezes um único copo circulava entre todos os comensais [...]”

(HALLEWELL, 1985, p. 21). Dessa forma, conforme aponta o autor, de um

regime que não se preocupava com satisfação de necessidades do dia a dia,

“[...] não se poderia esperar qualquer preocupação com suas necessidades

literárias: em tais circunstâncias, dificilmente se poderia pensar que houvesse

suprimento maior de livros do que facas ou copos [...]” (HALLEWELL, 1985, p.

21).

Assim, conforme exposto, as privações de ordem material eram acompanhadas

de outras de ordem intelectual. Como comunidade de base agrária e com

poucos habitantes, no Brasil Colônia, a tipografia praticamente inexistiu neste

País. Os poucos materiais impressos eram importados da Europa. Nesse

sentido, Hallewell (1985, p. 15) ressalta que a escassez de produtos

manufaturados, os altos preços desses materiais, a ausência quase total de

trabalhador qualificado (alfabetizado) para a produção na tipografia e o alto

preço dos equipamentos obrigavam a importação de impressos. Sendo assim,

“[...] o material impresso local jamais poderia competir, em preço, com o trazido

da Europa [...]” (HALLEWELL, 1985, p. 20). Nesse contexto, as publicações e

outros materiais como o próprio papel era uma raridade nas escolas do País.

Além das dificuldades já mencionadas, existia ainda a morosidade nas

publicações. Muitas vezes, se conhecia uma obra muito tempo depois de sua

escrita. Segundo Hallewell (1985), qualquer escrito produzido no Brasil deveria

ser, forçosamente, publicado na Europa ou permanecer manuscrito. A

publicação de um manuscrito podia não ocorrer, também, devido à censura,

“[...] que podia proibir um livro tanto por não se adaptar aos cânones literários

aceitos do gosto literário quanto por seu conteúdo de idéias [...]” (HALLEWELL,

1985, p. 22). Num contexto, a escola de primeiras letras, no Brasil, foi se

constituindo, fazendo uso de impressos publicados na Europa. Nesse sentido,

podemos dizer que os impressos apresentavam ideários educacionais que

circulavam na Europa.

4.4.1 As propostas de Abílio César Borges

Abílio Cesar Borges, também conhecido como Barão de Macahúbas, foi um

renomado escritor de livros e compêndios destinados ao ensino escolarizado.

Seus livros circularam pelas províncias brasileiras na década de 1870. A partir

de doações substanciais de seus livros, o autor foi um dos maiores

propagadores de suas obras. Na província do Espírito Santo, eram constantes

as solicitações de livros desse autor nas décadas de 1870 e de 1880. Em 1876,

o autor fez uma de suas maiores doações à província capixaba. Sobre essa

doação, o presidente da província, Antônio Joaquim de Miranda, relatou, em 3

de março de 1877:

[...] Por esta ocasião cabe-nos a satisfação de comunicar-vos o

valioso oferecimento que fez o Sr. Dr. Abílio César Borges esforçado

e incançavel propugnador da instrucção popular de 3.000

exemplares de seus livros escolares para as escolas desta província,

aos quaes já forão recebidos e estão sendo distribuídos [...]

(RELATÓRIOS DE PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO

SANTO, 1877, p. 7).

De acordo com Gondra (2002), na biografia que elaborou sobre o autor, o

Barão de Macahúbas tem nacionalidade brasileira e naturalidade baiana. Ele

exerceu atividades relacionadas à medicina num momento anterior ao exercício

do magistério. Falava cinco idiomas e fazia viagens à Europa com a finalidade

de conhecer as inovações pedagógicas. A convite do imperador, ele foi

membro do Conselho de Instrução do município da Corte no período de 1872 a

1877. Segundo Saviani (2008), a proximidade com o imperador é denotativo de

que as ideias pedagógicas do Barão eram as ideias extraoficiais do monarca.

Gontijo (2008) considera que os livros de Abílio César Borges acompanharam

o movimento de nacionalização dos livros escolares no Brasil e que a produção

do autor foi influenciada pelas práticas pedagógicas constituídas na Europa. O

autor publicou uma série graduada de livros de leitura e, segundo Corrêa

(1999, p. 12),

[...] Cada série graduada era resultante do trabalho de uma mesma

autoria e, tal como o nome sugere, consistia em uma coleção de

livros (composta com 3 ou até 6 volumes) destinados aos diferentes

estágios do aprendizados da leitura. A coleção apresenta uma forma

de organização onde as lições e temas a serem ensinados ao longo

de todo o ensino primário são gradualmente distribuídos nos

diferentes volumes. Desta maneira teríamos um livro de leitura para

cada ano letivo. Essa graduação era realizada a partir de operações

que buscavam ajustar a grafia e a extensão dos textos, bem como a

complexidade dos assuntos, aos diferentes segmentos de alunos.

Para alunos iniciantes, pequenos textos e assuntos mais amenos;

para as classes mais avançadas, assuntos mais densos e textos

mais longos. Em geral o primeiro volume destas séries graduadas

traz orientações para o aprendizado inicial da leitura, e exerceriam

um papel equivalente ao das cartilhas [...].

Quanto à organização de seus livros para atendimento ao ensino gradual,

Gontijo (2008, p. 142-143), citando Filho (1999, p. 4), esclarece que existiu um

4.º livro do Barão de Macahúbas organizado em quatro partes. Uma primeira

parte “[...] voltada para o ensino das primeiras letras incluindo o alfabeto e as

vogais, acompanhado de um conjunto de sílabas, cuja intenção era a formação

de palavras, frases e sílabas [...]” (GONTIJO, 2008, p. 143).

Segundo Gondra (2002), os escritos de Abílio César Borges evidenciam que o

referido professor dedicou-se à causa educacional, deixando transparecer, pelo

menos no discurso, o desejo de presenciar reformas educacionais:

[...] A reforma pretendida para a escola era ampla, compreendendo

os aspectos estruturais, teóricos, metodológicos, didáticos,

disciplinares, morais e religiosos para os quais apresentou projetos,

em diferentes momentos de sua trajetória, conforme se pode verificar

na sua produção escrita [...] (GONDRA, 2002, p. 36).

Conforme Gondra (2002, p. 36), algumas inovações pretendidas por Abílio

Cesar Borges foram postas em prática por causa das posições por ele

ocupadas e, também, pelas estratégias traçadas. Gondra destaca que uma das

estratégias foi a produção de regras para a instrução no Brasil. Quanto às

posições ocupadas por Macahúbas, o pesquisador ressalta:

[...] Em função disso, é oportuno um comentário sobre a sua

presença em quatro cenários: na condição de Diretor da Instrução

Pública da Bahia, bem como na de fundador e Diretor do Ginásio

Baiano, do Colégio do Abílio da Corte e do Colégio Abílio de

Barbacena [...] (GONDRA, 2002, p. 37).

Algumas questões formuladas por Abílio abarcavam melhorias na qualidade do

ensino, outras, no entanto, eram arcaicas. Com relação às ideias de cunho

reformista, Saviani (2008) assinala que ele se posicionou com relação à

formação de professores e às condições de precariedade da educação. Ele

defendeu, ainda, a instituição de escolas normais, a distribuição gratuita de

periódicos para professores, a construção de prédios escolares separados da

residência dos professores, a autorização para alocação de recursos para a

construção de escolas por meio da loteria, a liberdade do ensino particular e a

criação do Ministério Nacional da Instrução. É interessante notar que, no

Espírito Santo, na década de 1870, as escolas recebiam as revistas intituladas

A escola e A instrução pública, esta última também denominada de Jornal da

instrução pública.

De acordo com Gondra (2002), os aspectos listados permitem que se

compreenda o seu pensamento reformista. Exemplificando sua fala, o

pesquisador destaca, com referência à escola normal, que

[...] A preocupação do Dr. Abílio com a formação dos professores foi

uma constante em seu discurso e ganhou uma visibilidade no

Congresso Pedagógico de Buenos Aires, no qual apresentou uma

tese sobre esse problema e a viu aprovada ao final do mesmo. Nesse

congresso foram discutidos dois temas: a influência dos internatos

normais sobre o melhoramento e a difusão da instrução primária e os

melhores meios de, nas escolas, sustentar a disciplina e fomentar,

nos meninos o gosto pela instrução. No projeto de resolução do

referido evento foi aprovado: 1. Que os Estados não poderiam obter

os mestres e bens que necessitavam para a regência das escolas,

sem que fundassem internatos normais [...] (GONDRA, 1856, p. 38).

Quanto à formação de professores pretendida por Abílio César Borges, Gondra

(2002, p. 38) ainda comenta que, de acordo com o discurso do referido

professor, o magistério deveria ter uma formação especial. Nessa direção,

Gondra evidencia que ele também defendia a formação prática dos normalistas

acompanhada de “[...] lições da Cadeira Teórica [...]” (GONDRA, 2002, p. 38).

Além disso, de acordo com esse autor, o professor Abílio achava pertinente

que os candidatos ao preenchimento das vagas do ensino normal fossem

examinados nos conhecimentos de Português, Francês e Latim, e, do total de

vagas oferecido pela instituição de ensino normal, dois terços fossem ofertados

às moças, e o terço restante, para os rapazes. Ressalta-se que o ensino nas

escolas normais seria estruturado sob a forma de internato:

[...] Afora estas vantagens, senhores, têm os internatos a de

afugentar dos templos desatinados à formação dos futuros mestres

essa turba de profanos, que inteiramente, desprovidos do fogo

sagrado, tomam os lugares dos verdadeiros apóstolos do ensino, e

não são mais que flagelos das frágeis crianças, quando o espírito

abatem, quando o não correspondem e envilecem [...] (MACAHÚBAS,

apud GONDRA, 2002, p. 38).

Analisando o discurso do professor Abílio César Borges, percebemos uma

preocupação com o ensino da língua nas escolas de primeiras letras, pois o

fato de propor os exames pertinentes ao ensino da língua é indicativo de que

esses profissionais deveriam ter um conhecimento mínimo da língua para

poder ensinar. Como já dito, sabemos que, muitas vezes, esses exames foram

barganhados por apadrinhamentos, mas a ideia era positiva.

Com relação ao caráter não reformista das ideias de Abílio César Borges,

citamos o sistema de internato pretendido para a instrução de ensino normal,

pois essa ação resultaria em impedimentos para que muitas pessoas

cursassem essa modalidade de ensino. Segundo Gondra (2002, p. 38), a

frequência a essas instituições dependeria da indicação das autoridades

provinciais. Portanto essa modalidade de ensino não era accessível a todos

que desejassem. A abertura para a rede privada eximia o governo imperial de

uma parte da responsabilidade com a instrução pública. Além disso, apenas

uma parte da população teria acesso a esse tipo de instituição, pois a maior

parte das famílias não possuía renda suficiente para o custeio.

Gondra (2002) aponta ainda, de acordo com as ideias de Macahúbas, a

obrigatoriedade dos professores em acompanhar os alunos às missas. Esse

preceito também foi adotado na província do Espírito Santo. Segundo os

regulamentos de 1862 e 1871, os professores eram incumbidos de levar os

alunos à missa. No ano de 1873, as alunas do Colégio Ateneu iam à missa aos

domingos acompanhadas do profissional denominado censor.

Outros temas abordados por Macahúbas foram os castigos e as recompensas

muito utilizados no Espírito Santo e nas demais províncias brasileiras na

década de 1870. Os estudos de Saviani (2008) também explicitam que, em seu

discurso, o professor Abílio era contrário ao sistema de recompensas e de

punições adotadas nas instituições educacionais das províncias, pois ele havia

se convencido “[...] de sua inteira inutilidade e, mais que isso, da danosa

influência que exerciam sobre o espírito da criança [...]” (SAVIANI, 2008, p.

147). O referido pesquisador ainda ressalta que Abílio César Borges confessou

ter distribuído entre os alunos prêmios por 16 anos, mas, em 1875, “aboliu”

essa prática por considerar que tanto os alunos premiados quanto aqueles que

sofriam punições não alteravam o rendimento. Os alunos punidos não

conseguiam se sobressair na aprendizagem após serem castigados:

[...] Com efeito, observou ele que tanto os premiados como os que

nenhum prêmio recebiam continuavam com o mesmo comportamento

e a mesma aplicação nos estudos, com uma diferença, porém: “os

primeiros se tornavam cada vez mais orgulhosos e vaidosos, e

portanto menos tratáveis, e os outros, ou desanimavam, ou tornavam-

se piores, enfezados pela humilhação sofrida diante de seus colegas

e de seus pais e parentes” [...] (SAVIANI, 2007, p. 147).

Concordamos com o autor, pois, de fato, as punições imprimiam marcas de

fracasso, especialmente, porque essas eram aplicadas em público, diante de

toda a classe, e ocorriam, também, nos momentos em que os alunos não

apresentavam rendimentos satisfatórios em relação à aprendizagem dos

conteúdos.

Ainda segundo Saviani (2007), Abílio concebia a criança como um ser

pensante, com paixões e afetos que deveriam ser regulados, mas não

violentados; a alma do homem deveria ser sempre alimentada com o ensino

moral. Ele criticava os sermões dos padres, porque entendia que os preceitos

da moral seriam aprendidos com exemplos vivos. Saviani (2007) compreende

que o pensamento de Abílio era eclético, não se fundamentava apenas na

religião, ele também tinha bases nos estudos de filosofia cursados na

faculdade de Medicina. Sendo assim, educação e ensino moral se constituíam

no pão do espírito necessário para que a criança se enquadrasse na sociedade

esperada pela escola.

Quanto à organização estrutural do ensino brasileiro, Saviani (2007) esclarece

que o Barão de Macahúbas percebia a necessidade de um ensino mais

consistente dos conteúdos referentes às matérias de ciências naturais. Além

disso, entre 1866 e 1868, o barão compreendia que as matérias Língua e

Literatura Nacional, Matemática, História e Geografia Pátrias deveriam ocupar

boa parte do currículo. Com exceção do ensino de Ciências Naturais, essas

ideias foram apropriadas na forma de regulamento no ano de 1877, na

província do Espírito Santo, pois esse regulamento trazia propostas de ensino

dessas disciplinas. Em relação à escola elementar, “[...] o objetivo era a leitura

corrente, combinada com cópias, ditados, conjugações, problemas e lições de

História, Geografia e Ciências, que exercitavam também a leitura [...]”

(CHARTIER, 2007, p. 119).

Segundo Gondra (2002), os alunos que cursavam as escolas criadas por Abílio

eram meninos bem abastados que podiam "comer o pão do espírito". Os

estudos de Saviani explicitam que ele era favorável a um ensino mais

prazeroso e elogiava uma escola mais ativa, no entanto, ao mesmo tempo, se

dizia favorável aos métodos mais antigos:

[...] Quanto a mim o método antigo, se razoavelmente modificado,

isto é, descarregado daquela infinidade indigesta de sílabas soltas e

vãs, é ainda preferível, pela razão de não exigir propagadores

especiais para ser explicado. Todos os mestres, ainda os mais

ignorantes, podem aplicá-lo, começando pelas mães, que devem ser

os primeiros mestres de leitura dos meninos [...] (MACAHÚBAS,

apud SAVIANI, 2007, p. 156).

Assim, podemos concluir, de acordo com Gondra (2002) e com Saviani (2007),

que o Barão de Macahúbas não avançou em suas propostas. Isso pode ser

observado na própria organização de seu terceiro livro de leitura, a que

também tivemos acesso. Ressaltamos que esse foi o único exemplar do autor

que encontramos para análise. Embora não seja um exemplar destinado às

aulas de ensino da leitura e da escrita, lemos as páginas iniciais referentes à

apresentação do material, porque elas tratam da metodologia de ensino da

língua. Percebemos que, quanto ao ensino da leitura e da escrita, ele também

propunha a cópia e a leitura de textos que tratavam da moral e da boa conduta.

Conforme já anunciamos neste capitulo, quando mencionamos os métodos de

ensino que constituíram as práticas de ensino no Espírito Santo na década de

1870, o Barão de Macahúbas era contrário ao uso das Cartas do A B C. Para

ele, usar essas cartas no ensino da língua era o mesmo que fazer uma opção

por uma prática "vazia de sentido". Trindade (2002), citando Pfromm Neto,

Rosamilha e Dib (1974, p. 171), ressalta que as publicações dos livros de

leitura escritos por Abílio César Borges representaram um avanço para a época

de suas edições. A pesquisadora expressa que, antes dessas publicações, a

aprendizagem da leitura no Brasil se dava pelos abecedários, papéis de

cartório e "toscas cartilhas”. Ela ressalta que a publicação do referido professor

se opunha a esses outros materiais, porque não era favorável à soletração de

sílabas sem sentido.

De posse do conhecimento das restrições do Barão de Macahúbas ao método

da soletração, analisamos as propostas metodológicas do livro. Indagamo-nos

sobre os sentidos de sua prática. Percorremos suas explicações na tentativa de

capturar detalhes metodológicos. Relacionando seu discurso reformador com o

discurso escrito no prólogo de seu terceiro livro de leitura, percebemos que

Gondra (2002) analisou apropriadamente a trajetória desse intelectual. Se, na

fala de Gondra (2002), ele reformava o particular para manter o geral, em

nossas análises também percebemos que, na escrita do prólogo de seu

terceiro livro, ele mantinha práticas muito semelhantes aos antigos métodos.

Quanto aos preceitos morais, eram semelhantes aos que já vinham sendo

abordados por Luis Francisco Midosi, autor da obra O expositor portuguêz ou

rudimentos de ensino da língua materna, também utilizada no ensino da língua

na província do Espírito Santo, na década de 1870.

Como dito, uma das primeiras falhas que Abílio César Borges apontava no

ensino brasileiro era a soletração. Ele dizia que as crianças liam como um

papagaio, sem entendimento, sem interesse pela leitura e sem compreensão

das palavras, o que não promovia o “[...] desenvolvimento intelectual [...]”

(BORGES, 1870, p. 4). Concordamos com o escritor, pois, de fato, a leitura

requer uma produção de sentidos do que está sendo lido, no entanto

ressaltamos que não encontramos, na organização do terceiro livro do

professor Abílio, a possibilidade para que isso acontecesse.

Esse livro consistia numa exposição de conteúdos de Ciências e História

totalmente descontextualizados da vivência dos alunos. Como as crianças

poderiam desenvolver o intelecto sem contextualização do que estava sendo

lido? Outra ambiguidade na fala e na proposta do autor pode ser percebida

pela forma como ele propunha a leitura: “[...] Para fazer boa leitura deve o leitor

ler com moderação, mudando o tom de voz, e dando as pausas

convenientemente segundo requerem o objeto de leitura e os diferentes sinaes

de pontuação [...]” (BORGES, 1870, p 6). Ressaltamos que ler moderadamente

também significava, na perspectiva de Borges, ler por frases, observando-se a

pontuação:

[...] Vou dar-vos exemplos de tudo isto, queridos meninos: continuai

a ler-me com muita atenção: – Não é por certo bom filho/ o menino

que não é dócil/ nem amigo da verdade/ e que/ além disto/ não se

esforça em cumprir seus deveres [...] (BORGES, 1870, p. 6).

O livro do Barão de Macahúbas evidencia, ainda, a continuidade dos exercícios

de caligrafia e nos faz retomar uma de suas falas transcritas por Saviani

(2007), quando se refere aos métodos de ensino. Ele concordava que fossem

utilizados os métodos mais antigos, porque não haveria necessidade de formar

professores para aplicá-los, e até mesmo as mães poderiam iniciar o ensino

das letras com seus filhos. A alusão à proposta de que o método antigo poderia

ser ensinado pelas mães torna explícito que Borges não considerava os dados

da realidade brasileira, pois era grande o número de mães analfabetas. Se as

mulheres não tiveram grandes oportunidades de se apropriar da cultura

escolarizada, como iriam ensinar?

Nas últimas páginas, o autor apresentou alguns textos referentes à conduta

moral para serem copiados pelos alunos. Essas cópias nos levam a perceber

que o autor concordava com a continuidade do modo como estava organizada

a aula de caligrafia nas escolas de primeiras letras. Pelo menos, na província

do Espírito Santo, era essencial não descuidar das cópias. Haja vista que

materiais como o areeiro, as tabuinhas e as tabuletas estiveram presentes nos

momentos de ensino da língua na década de 1870. O professor Borges era

bem enfático quanto à aceitação da ideia de que as crianças precisavam

apresentar uma boa caligrafia: “[...] aconselho-vos meus amiguinhos e muito

vos recomendo que dos vossos traslados não tireis os olhos [...]” (BORGES,

1870, p. 6). As propostas do referido professor encontraram terreno fértil na

província do Espírito Santo, pois, nos regulamentos que tratavam da instrução

pública na década de 1870, estiveram presentes artigos e parágrafos que

regulamentaram o ensino da leitura e da escrita.

Conforme já anunciamos, algumas ideias propostas por Macahúbas foram

muito importantes. Reconhecemos que conquistas como a implantação do

ensino da Língua e da Literatura Nacional nos regulamentos das províncias

brasileiras foram importantes, porque nos colocava em contato com uma

produção nacional, mas, do ponto de vista prático, o ensino da leitura e da

escrita defendido pelo barão não se diferenciava das propostas que vigoravam

na época. Segundo nossas análises, concordar com o método antigo, por ser

mais conhecido e por facilitar as mães, significa concordar com práticas por ele

mesmo criticadas de ensino da língua.

4.4.2 O expositor portuguêz, ou rudimentos de ensino da língua materna

Iniciamos nossas reflexões sobre os impressos utilizados na província do

Espírito Santo pela obra de Midosi (1831), cuja primeira página é apresentada

em seguida.

Figura 6 – Primeira folha do livro O expositor portuguêz ouou rudimentos de ensino da língua de Luis Francisco Midosi. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Nas páginas iniciais de sua obra, o autor inicia as explicações referentes à

metodologia. Na apresentação da obra, intitulada “Advertência”, Midosi (1831,

p. 4) explicita que o sistema de ensino por ele adotado era apropriado às

crianças. Nessa direção, ressaltou que o “sistema de marcar e dividir”, “cada

uma das lições” parecia-lhe o mais natural para a inteligência e

desenvolvimento dos meninos.

Um aspecto que chama a atenção na obra de Midosi é a imponência com que

realiza seu projeto. Suas considerações se constituíam numa propaganda para

fazer o leitor pensar que seu trabalho era eficaz e, por esse motivo, deveria ser

adotado pelos professores. Assim, assinala: “[...] Julgo que meu trabalho será

de algum proveito, principalmente se houver à testa de alguns

estabelecimentos de ensino não simples mercenários ignorantes, porém

mestres zelosos e inteligentes [...]” (MIDOSI, 1831, p. 5).

Uma das bandeiras que a escola do século XIX pretendia hastear era a

eficiência no ato de ensinar a ler e escrever. No entanto, segundo aponta

Midosi (1831, p. 4), isso não acontecia. Na apresentação de seu livro, o autor

explicita que as crianças encontravam dificuldades para aprender a ler e a

escrever. Na concepção do autor, essas dificuldades poderiam ser sanadas se

as crianças tivessem acesso aos livros e se fosse utilizado um método. Ele

ressaltou que, ao visitar mais de 200 escolas em Londres, não viu crianças que

não conseguissem progresso na aprendizagem da língua. Segundo Midosi

(1831), o sucesso era oriundo de práticas de ensino fortalecidas pelo uso de

livros e de um método de ensino. Assim se posiciona o autor:

[...] Tendo visitado muitos dos melhores estabelecimentos de ensino

de educação neste reino, já na capital, já nas províncias, cessou a

minha admiração pelos rápidos progressos que os meninos aqui

fazem nos primeiros conhecimentos da sua língua, a respeito do

modo de fallar e de escrever, bem como da facilidade com que

passam ainda em tenros annos para estudos de maior importância.

Os livros elementares, ou cartilhas, assim como o método mais

aperfeiçoado de facilitar o ensino são a causa única destes

extraordinários progressos. Posso afirmar que não vi, apesar de

muitas diligências que fiz (em mais de 200 escolas) um só menino,

que pudesse dizer propriamente que fosse estúpido: ainda mais as

diferenças entre a disposição ou talento de uns e outros, eram tão

pequenas, insignificantes que apenas pelo decurso do tempo os

mestres podiam marcar [...] (MIDOSI, 1831, p. 4).

A proposição de Midosi retrata uma ideia que parecia muito presente no

discurso educacional do século XIX. Essa ideia era a exaltação ao livro e aos

métodos de ensino. Consideramos que essa primeira ideia era desdobrada

numa segunda ideia, muito presente no referido século: a valorização da

cultura escolarizada. Conforme Graf (1987) e Gumperz (1987), no século XIX,

a aprendizagem escolarizada ganhou status e superioridade. Esse status

conferiu à escola a incumbência de organizar didaticamente os programas de

ensino e, ao mesmo tempo, cuidar para que os conteúdos curriculares fossem

dispostos em materiais impressos como livros e cartilhas. Observemos, na

transcrição de sua fala, que até a desenvoltura da linguagem oral era atribuída

ao ensino livresco. As concepções de Midosi a respeito da superioridade do

conteúdo livresco também foram comungadas pela imprensa capixaba. O jornal

O Espírito-Santense publicou um artigo, em 4 de fevereiro de 1871, exaltando o

livro: ”[...] É o livro esse amigo fiel, esse companheiro das nossas dores, essa

luz que refletindo no âmago do nosso peito, o acorda ou consola [...]”.

Midosi organiza o trabalho de ensino da leitura e da escrita embasado,

inicialmente, na prática da soletração. Na quarta seção de seu livro, a partir da

página 76, o autor inicia suas explicações sobre a sua concepção de

linguagem. As explicações são feitas a partir de um questionário constituído de

perguntas e respostas. No início, o autor explicita o que é linguagem e quais os

elementos que a constituem:

[...] P. Que entendeis por linguagem?

R. Entendo por certo número de sons, ou sinaes, pelos quaes

exprimimos as nossas ideas.

P. Que entendeis por sons?

R. As articulações que proferimos, quando fallamos.

P. E por sinaes?

R. As figuras convencionadas com que escrevemos.

P. Que é o que constitue a linguagem?

R. São as letras, syllabas, palavras, sentenças [...] (MIDOSI, 1831, p.

76).

Desse modo, Midosi considera que a linguagem é constituída das unidades

menores da língua oral (sons) e da língua escrita (sinais). Por meio dessas

unidades, segundo o autor, exprimimos nossas ideias. Nesse sentido, podemos

notar que a linguagem é pensada como um código que permite a expressão do

pensamento ou das ideias.

Ao expor sua concepção de linguagem, o autor evidencia que a escola deveria

ensinar, em primeiro lugar, os constituintes da linguagem. De modo geral, o

processo ensino-aprendizagem deveria ser graduado, considerando-se os

elementos que constituem a linguagem, ou seja, as letras, as sílabas, as

palavras e as sentenças.

Assim, de acordo com sua concepção de linguagem, o autor propõe,

inicialmente, o ensino das letras e seus respectivos sons. Para isso, em cada

página, dispôs um conjunto de quatro letras. Cada letra, nas formas maiúscula

e minúscula, foi inserida em um quadrado que contém, ainda, a imagem de um

objeto cujo som inicial é o da letra apresentada e a palavra escrita dividida em

sílabas. Desse modo, o autor concretiza a sua concepção de linguagem,

ensinando cada letra e o som correspondente, ou seja, os elementos que

constituem a linguagem.

Entendemos que o uso da imagem e da palavra para ensinar as letras e seus

respectivos sons representa um avanço para a época, porque os antigos

métodos de soletração não tinham essa preocupação. Justificamos nossa

proposição lendo o trabalho de Mortatti (2000, p. 53), pertinente ao ensino da

língua, na província de São Paulo. Essa pesquisadora transcreveu a fala do

professor Pedro Canto, explicitada em 24 de janeiro de 1876. Na fala do

professor, percebemos que os métodos de ensino em voga não propunham

práticas que fizessem a relação entre as letras e os sons, ou entre as imagens

e as palavras:

[...] Método antigo – este método tem por fim o ensino do alphabeto

na sua ordem lexiccográfica, em seguida o sylabário, cartas de

nomes e leitura corrente. Segundo este as consonâncias são

precedidas de – um – e – mudo e as palavras soletrão da maneira

seguinte e – me – esse= mes = te – erre – e= ter= mestre. Como se

vê é baldo de harmonia e não há ligação entre os sons elementares e

os silábicos de que são formadas as palavras [...] (CANTO, apud

MORTATTI, 1876, p. 53).

Além da descrição metodológica do professor Pedro Canto, também queremos

ressaltar que as Cartas do A B C, comercializadas na tipografia da província,

não possibilitavam que a criança fizesse a relação som e letra/letra e som nos

momentos de ensino da língua. Essa afirmação pode ser confirmada por

Ariobaldo Léllis Horta, na crônica intitulada “Como era o ensino”. O referido

cronista escreveu algumas crônicas fazendo alusão à cidade de Vitória – ES.

Ariobaldo Lellis Horta foi estudante do ensino primário na província, no final da

década de 1880, e descreveu o ensino pelas Cartas do A B C. Segundo sua

exposição, percebemos que, de fato, o ensino da língua idealizado por Luis

Francisco Midosi se constituiria numa inovação pelo menos até a década de

1880, pois, no Espírito Santo, ao final dessa década, ainda eram utilizadas as

cartas que não faziam relação entre as letras e seus respectivos sons, mas

levavam o aluno a memorizar, primeiro, as letras do alfabeto, isoladamente, e,

depois, as sílabas:

[...] O curso primário se fazia no mínimo, em três anos, cabendo a um

só professor ensinar ao aluno desde o abecedário até o fim. Não

havia, portanto, classes com distribuição das mesmas por vários

professores. Os alunos mais adiantados eram monitores,

encarregando-se de tomar lições dos mais atrasados, dos que

estavam ainda no primeiro livro, chamado vulgarmente “Carta de A B

C”, e dos que estavam no segundo, de leitura corrente por cima, não

obrigada a soletração. Começávamos por decorar o abecedário,

gravando na memória, ao mesmo tempo, o nome e a forma da letra.

Nesta primeira fase, perguntava-se ao aprendiz quais as letras

indicadas, só se passando para a segunda, quando o aluno

respondia, com facilidade e certeza, quais os símbolos. Uma vez

familiarizado com o alfabeto, reconhecendo prontamente as letras, ia-

se adiante. A segunda consistia na associação de duas vogais, ou de

uma consoante com uma vogal, para a formação dos ditongos e das

sílabas. Feita esta aprendizagem, passava-se a terceira fase, a

formação das palavras, a princípio de duas sílabas, depois de três

sílabas, até que o discípulo soubesse ler por cima, isto é, sem

precisar soletrar. Na formação das palavras, as sílabas eram sempre

separadas, a fim de facilitar o principiante a soletração, para a

formação do vocábulo [...] (HORTA, 1951, p. 28-29).

Vejamos, nas imagens das páginas do livro de Midosi, como ele organizava o

ensino dos constituintes da linguagem:

Figura 7 – Página do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 8 – Página do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 9 – Página 9 do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 10 – Página 9 do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 11 – Página 10 do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 12 – Página 11 do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luiz Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 13 – Página 12 do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, do autor Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Após a exposição dos elementos constitutivos da linguagem, o autor explicita

suas concepções acerca da constituição da palavra escrita. Para alcançar seu

objetivo, ele explica o que é a letra e de que maneira as letras podem formar as

sílabas e, por conseguinte, as palavras. A formação das palavras se daria com

a junção de vogais e de vogais com as consoantes:

[...] P. Que cousa é a letra?R. Letra é a primeira coisa para a existência de uma palavra.P. Quantas letras há?R. Vinte e cinco, a que chamamos alfabeto.

P. Dizei-vos quaes ellas são.R. A, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, v, x, y, z.P. Como se dividem essas letras?R. Em vogaes e consoantes.P. Quais são as vogaes?R. A, e, i, o, u, y.P. Quais são as consoantes?R. B, c, d, f, g, h, j, k, l, m, n, p, q, r, s, t, x, z.P. Que coisa é a vogal?R. Vogal é toda letra, que por si só forma som perfeito, sem necessitar ajuda de qualquer outra.P. O que é uma consoante?R. Consoante é toda letra que por si só não se pode pronunciar e precisa do auxílio da vogal.P. Que coisa é a síllaba?R. É o som de uma ou mais vogaes, com auxílio de outras letras ou sem elle.P. Uma sílaba tem sempre vogaes?R. Sim, pois nenhum som se pode formar sem vogal [...] (MIDOSI, 1831, p. 77).

Analisando as explicações do autor, percebemos que ele acreditava que o

sucesso da aprendizagem da língua dependia do conhecimento das unidades

menores da língua e, por isso, esse aprendizado deveria ser iniciado pelo

conhecimento das letras. Ele concretiza as suas concepções sobre o que são

vogais e consoantes em uma página:

Figura 14 – Página do livro O expositor portuguêz ourudimentos de ensino da lingua, de Luis Francisco Midosi. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Como pode ser observado, no alto da página, estão as vogais em letras

maiúsculas. Em seguida, as consoantes são apresentadas usando-se o mesmo

tipo de letra. Após apresentar as vogais e as consoantes separadamente, o

autor apresenta o abecedário em letra pequena ou minúscula, que se segue da

apresentação das vogais e consoantes com o mesmo tipo de letra. Por fim, é

apresentado o abecedário itálico ou grifo. Segundo explicações do autor, era

necessário que a criança aprendesse sobre as diferenças entre letras

maiúsculas e minúsculas, pois essas possuíam funções distintas no momento

da escrita das sentenças. As letras maiúsculas serviriam para escrever os

substantivos próprios e iniciar as frases:

Figura 15 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da lingua, de Luis Francisco Midosi.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

As explicações do autor são superficiais, se considerarmos que as letras

maiúsculas não servem apenas para escrever nomes próprios e iniciar as

frases depois do ponto final. Na escrita, as letras maiúsculas também podem

aparecer depois dos outros sinais de pontuação como o ponto de interrogação

e o ponto de exclamação.

Na página seguinte do livro de Midosi, são apresentadas as vogais e as

consoantes do tipo itálico ou grifo:

Figura 16 – Página do livro O expositor portuguez ou rudimentos de

ensino da língua, do autor Luis Francisco Midosi. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Como pode ser verificado, na página do livro, também é apresentado o

abecedário grande ou maiúsculo de letra de mão. Na página seguinte, o autor

expõe o alfabeto pequeno. Assim, a apresentação dos tipos de alfabeto segue

sempre a mesma ordem:

Figura 17 – Página do livro O expositor portuguez ou rudimentos de

ensino da língua, do autor Luis Francisco Midosi. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Desse modo, as três páginas expostas anteriormente demonstram a

preocupação do autor do livro em ensinar os tipos de alfabeto. Ressaltamos

que essa preocupação é coerente com o que tem sido discutido na atualidade.

Segundo Cagliari (1999), é muito importante que as crianças aprendam sobre a

categorização gráfica das letras. Segundo esse autor, a categorização gráfica

se refere às variedades e aos estilos das formas gráficas das letras. Ele

ressalta que as letras seguem um padrão estético (design). O padrão estético

ou design que cada letra apresenta não altera suas características mais

comuns. Essa reflexão é muito importante, pois, segundo o referido autor, não

existe um único alfabeto, mas diversos alfabetos, porque existem vários estilos

para cada letra. É muito importante que as crianças consigam perceber essa

especificidade e sejam ensinadas a reconhecer e a grafar os diferentes

alfabetos, para que, dessa forma, possam se apropriar da leitura e da escrita.

O não reconhecimento dos diversos estilos dificulta o processo de

alfabetização, pois, não conhecendo os aspectos gráficos das letras, a criança

também não consegue estabelecer a relação dessas letras com os sons que

elas podem representar.

Ressaltamos que o desconhecimento desse detalhe referente à categorização

gráfica das letras por parte dos professores e de alguns editores ou escritores

de livros didáticos destinados à alfabetização pode gerar alguns equívocos no

momento do ensino da língua. Lendo as considerações de Cagliari (1999, p.57)

a respeito do emprego das letras maiúsculas e minúsculas, compreendemos

que Midosi cometeu um desses equívocos ao dizer que as letras minúsculas

são pequenas e as maiúsculas grandes. Explicações como esta são

subterfúgios inconsistentes, pois tanto as letras maiúsculas como as

minúsculas podem apresentar tamanhos variados, já que os adjetivos podem

ter um sentido relativo, quando são restritivos, pois é preciso haver parâmetros

referenciais:

[...] Além disso, é importante acabar com o uso quase etimológico das

definições de letra maiúscula (como letra grande) e letra minúscula

(pequena), uma vez que os usos que delas fazemos em nossa

sociedade mostram que, muitas vezes, uma letra minúscula pode ser

maior em tamanho do que uma letra maiúscula [...] (CAGLIARI, 1999,

p. 57).

É importante ressaltar que o conhecimento referente à forma gráfica das letras

também foi abordado nas páginas finais do livro de Midosi, pois o autor

disponibilizou algumas palavras polissílabas em letra cursiva, para que os

aprendizes pudessem copiar. O autor justificava a inclusão desse conteúdo no

livro, dizendo que os outros manuscritos apresentados às crianças na escola

não eram convenientes:

Figura 18 – Página do livro O expositor portuguez ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Subentendemos que o autor considerava que tais manuscritos indicados pela

escola não eram bem apresentados graficamente. Dizemos isso,

fundamentando-nos no conhecimento dos recursos utilizados nas aulas de

caligrafia das escolas de primeiras letras da província do Espírito Santo. Como

dito, muitas vezes, os professores utilizavam cartas manuscritas para que os

alunos pudessem copiar e aprender o traslado da letra cursiva.

Como apontamos, as letras e os sons, na perspectiva de Midosi, são os

constituintes da linguagem. Desse modo, a aprendizagem das letras e a sua

distinção entre vogais e consoantes possibilita a passagem para o ensino das

sílabas. O ensino das sílabas é graduado, considerando-se, principalmente, o

número de letras que ela possui. As páginas em seguida evidenciam a

organização do ensino pensado pelo autor:

Figura 19 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Figura 20 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.

Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Sendo assim, de acordo com a primeira seção, o ensino das sílabas era

iniciado com as sílabas de duas letras b, ç e c, d, f, g, h, j, k, e l. Logo após a

apresentação dessa sequência, as crianças aprenderiam as sílabas formadas

pelas letras m, n, p, r, s, t, v, x e z. Inicialmente, vogais seriam unidas às

consoantes. Num primeiro momento, obedeceriam à ordem consoante +

vogal (ba-be-bi-bo-bu). Logo após, seriam ensinadas as sílabas formadas por

vogal + consoante (ab, ic, of, al, is, etc.). Como dito, a apresentação das

sílabas obedece a um quantitativo crescente do número de letras que as

constituíam: sílabas de duas letras, sílabas de três letras e sílabas de

quatro letras. Midosi justificava essa organização:

[...] Para isto se conseguir é sem dúvida necessário em primeiro logar

tornar fácil e gradual o trabalho de aprender. Digo gradual, por quanto

marchando das noções do mais simples às mais compostas;

classificando as matérias para effeito de remover toda a confusão,

fica ao depois fácil de praticar qualquer método aperfeiçoado, que se

escolha; e que será tanto melhor quanto mais singelo [...] (MIDOSI,

1831, p. 4).

Analisando os conteúdos referentes à primeira seção, observamos que a

criança não pensava sobre o processo de apropriação da leitura e da escrita.

Com uma prática de ensino da língua mecânica, o aprendiz deveria memorizar

as sílabas para que, numa etapa posterior, pudesse ler palavras soletrando.

Midosi explicita como compreende o que é a sílaba nas explicações que se

seguem:

Figura 21 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

De acordo com essas explicações, o autor graduava o ensino das sílabas,

propondo, primeiro, palavras compostas de consoantes e de ditongos:

Figura 22 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Na apresentação dos monossílabos, algumas palavras já constituíam um

substantivo, um verbo, ou um pronome. Percebemos isso na escrita das

sílabas mão e vou transcritas nas sílabas abaixo. A primeira é um substantivo,

e a segunda, um verbo. Outro aspecto a ser analisado é que os monossílabos

foram todos finalizados por ditongo. Alguns desses ditongos têm sons

nasalizados e outros finalizados com a letra u. Ressaltamos que, também para

os ditongos, existia uma explicação: por ditongo o autor compreendia que eram

duas vogais juntas, no entanto não explicitou quais seriam essas vogais.

Sendo coerente com suas explicações, o autor apresentou três sílabas

formadas por vogais: – eu, ou e ão. Segundo o autor, formar sílabas por vogais

era uma coisa possível, pois a vogal forma um som perfeito, sem precisar de

ajuda de qualquer outra letra.

Após essa primeira apresentação, Midosi expôs uma outra sequência de

monossílabos. Novamente ocorreu a preocupação em graduar o ensino.

Primeiro, monossílabos de duas letras: formados apenas por vogais, por

consoante e vogal e por vogal e consoante. Nessa exposição, observamos que

alguns monossílabos foram acentuados, e a maioria foi finalizada por vogal.

Quanto aos acentos, ressaltamos que, para Midosi, eles eram utilizados para

marcar as sílabas que deveriam ser pronunciadas com mais força: “[...] Que

entendeis por acento? R: Entendo um certo sinal que se põe sobre as vogaes

para que se faça pronunciar com mais força [...]” (MIDOSI, 1831, p. 81).

Na segunda exposição, o autor destacou monossílabos constituídos por três

letras, finalizados, em sua maioria, por consoantes. Na terceira sequência, a

preocupação foram os monossílabos formados por quatro letras, porém, nessa

sequência, a prioridade foi a apresentação de monossílabos finalizados por

consoantes. Ressaltamos que, nas lições XII, XIII e XIV, as sílabas formadas

se constituíam em substantivos, verbos e pronomes. Supomos que uma das

intenções do autor pode ter sido a de fazer com que o aluno memorizasse

essas palavras para poder aplicá-las na escrita dos textos:

Figura 23 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Após a apresentação dos monossílabos, é proposto o ensino dos dissílabos.

Analisando essa exposição, observamos que, primeiro, ele se preocupou em

evidenciar os vocábulos iniciados e finalizados por vogais, sendo que essas

vogais iniciais já se constituíam numa sílaba (A-ba, U-va). Especificamente na

lição XV, as palavras se constituíam por vogal, consoante e vogal. (U = vogal, v

= consoante, a = vogal = Uva). Num segundo momento, ocorreu uma mescla

de palavras escritas por uma vogal, duas consoantes e uma vogal (A-bra=

Abra), uma vogal, uma consoante, uma consoante e uma vogal (Ar-ma=

Arma), uma vogal, uma consoante, uma consoante e uma vogal (As-no=Asno),

uma vogal, uma consoante, uma consoante e uma vogal (A-pto=Apto), uma

consoante, uma vogal, uma consoante e uma vogal (Ca-pa=Capa) e,

finalmente, as palavras escritas por vogal, consoante, vogal e consoante (A-

nil= Anil). Essa preocupação do autor em detalhar bem as sílabas era

primordial para que seu método fosse seguido, pois, a partir das divisões das

sílabas, o aprendiz poderia soletrar os textos por sílabas até aprender a ler por

períodos. Isso estava bem explícito nas lições do autor quanto à aprendizagem

da leitura:

Figura 24 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Analisando a representação gráfica da escrita das palavras divididas em

sílabas, observamos que todos os vocábulos foram escritos com as letras

iniciais maiúsculas. Diante das orientações do autor de que as letras

maiúsculas serviam para iniciar frases, compreendemos que, ao apresentar as

palavras com as iniciais maiúsculas, ele também estava pretendendo

evidenciar que essas palavras poderiam ser utilizadas no início das frases:

Figura 25 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Na segunda seção do livro de Midosi, a proposta objetivava mais do que ler

textos soletrados. Essa atividade se constituía na apresentação de 10 lições

em que os alunos aprenderiam a juntar as sílabas estudadas e, ao mesmo

tempo, se apropriariam de conceitos morais e normas disciplinares. No texto

abaixo, por exemplo, o autor apresentou dois personagens, um dos quais era

um cachorro. O texto salienta que até mesmo esse animal devia obediência ao

seu dono, pois carregava a carne na alcofa para entregá-la em tempo hábil.

Essa atitude do cachorro, ainda que fictícia, poderia levar a criança a imaginar

que, se até um cão era disciplinado, ela também deveria ser:

Figura 26 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Chartier (2007, p. 100) nos leva a considerar que essa forma de ensinar a

leitura fazia parte do modelo francês baseado na tradição do ensino cristão:

“[...] letras, sílabas, textos silabados, com palavras divididas em sílabas, textos

não silabados, sem listas de palavras entre as sílabas [...]”. Analisando a

proposta de ensino de Midosi, percebemos que ele seguia parte dessa

trajetória. Primeiro, os textos silabados para soletração das sílabas, depois, os

textos sem divisão silábica. Essa prática do autor também era semelhante à do

francês Jean-Baptiste de la Salle: “[...] o aluno passava diretamente das sílabas

ao texto silábico, o abecedário introduzia as palavras isoladas, classificadas em

função de seu tamanho ou do seu traço fonético [...]” (CHARTIER, 2007, p. 88).

Segundo Chartier (2007), quando essa proposta de ensinar textos pelas vias

da silabação foi adotada, teria sido necessário que fossem realizados

exercícios de viva voz, com duração de três a quatro horas diárias, com

professores em tempo integral para principiantes. Remetendo-nos ao ensino na

província do Espírito Santo na década de 1870, podemos dizer que isso era

quase impossível. Primeiro, porque os regulamentos da instrução pública

primária não previam professores particulares em tempo integral para nenhum

grupo específico com ônus para o governo. Existiam grupos que tinham suas

aulas com preceptores, mas esses grupos não eram pagos com dinheiro dos

cofres públicos. Segundo, porque, na província, não existiam grupos

específicos de alunos iniciantes. Conforme já explicitamos, as matrículas

abarcavam alunos de diferentes idades, e até mesmo os alunos repetentes

ficavam numa mesma classe junto aos iniciantes. As turmas eram mescladas.

Na terceira seção, os alunos aprenderiam a ler os textos por sentenças.

Segundo Midosi (1831), isso significava ler por período. O autor disponibilizou

13 textos para esse fim. Esse bloco de textos não apresentava mais a leitura

soletrada por sílabas, no entanto pressupunha a continuidade da soletração,

pois, após a exposição desses textos, o autor explicitava que o aluno poderia

continuar soletrando para alcançar uma leitura mais fluente, pois o simples fato

de saber soletrar já era indicativo de domínio da leitura.

Ao apresentar o texto “Lições de ler em períodos”, Midosi estava, também,

prescrevendo um modo de ler, aplicando as explicações dadas por ele próprio

no questionário de perguntas e respostas referentes ao ensino da língua. O

próprio título do texto, “Lições de ler em períodos”, já remetia o leitor a buscar

respostas ou a relembrar as questões postas no questionário, pois o autor

explicitava esse assunto nas páginas 82 e 83, quando também ensinava sobre

o que era pontuação:

[...] P. Que é necessário entender para bem entender a pontuação?

R. É necessário primeiro que tudo, saber o que é frase, o que é

período.

P. Que cousa é a frase?

R. É uma união de palavras que formam entre si um sentido

completo, se bem que dependentes de outras para os tornar perfeito.

P. Que cousa é um período?

R. É a união de diversas frases dependentes umas das outras,

ligadas entre si para formarem um sentido perfeito [...] (MIDOSI,

1831, p. 83).

Uma das preocupações do autor era explicar que a compreensão de um texto

dependia diretamente da constituição de suas frases. Esse era um aspecto

muito relevante, pois, se bem trabalhado, levaria o aluno a pensar que, na

leitura ou na escrita de um texto, não se poderia descuidar de relacionar as

frases para que o texto tivesse um sentido:

Figura 27 – Página do livro O expositor portuguêz ou rudimentos de ensino da língua, de Luis Francisco Midosi.Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Além das perguntas pertinentes à constituição das frases, o autor propunha

outras explicações quanto ao uso dos sinais de pontuação. Por certo, Midosi

esperava que, com o auxílio de suas explicações, o professor pudesse aplicar

o método por ele proposto.

Consideramos que as propostas de alfabetização constituídas no livro de

Midosi (1831) se adequavam aos programas de ensino dos regulamentos da

província na década de 1870. Além de apresentar os textos de base religiosa, a

obra ainda trazia textos e palavras para serem copiados nas aulas de caligrafia

e ainda focava o ensino da leitura e da escrita pelo método da soletração,

oficializado no ano de 1873.

O contexto educacional vivenciado por Midosi não abria mão de disciplinar os

sujeitos que frequentavam as escolas e acreditava no êxito do ensino da leitura

e da escrita pelas vias das unidades menores da língua. Concluir as análises

de suas propostas a partir dos estudos de Gontijo (2005) nos possibilita

evidenciar que as crianças da década de 1870 que foram alfabetizadas nessa

proposta não ultrapassaram a leitura mecânica dos textos. Infelizmente, as

crianças da década de 1870 não foram as únicas a serem privadas desse

benefício, pois, nos dias atuais, no Estado do Espírito Santo, muitas escolas

ainda adotam livros que partem das unidades menores do ensino da língua

para as aulas de alfabetização.

Finalizando as análises dos materiais e dos métodos de ensino que circularam

no Espírito Santo na década de 1870, concluímos que, apesar de ser corrente,

na década de 1879, o discurso sobre grandes inovações pedagógicas, as

práticas de ensino da língua não foram alteradas. Os livros de leitura utilizados

e os currículos previstos nos regulamentos demonstram também que as

mudanças nos métodos oficiais não implicaram modificações no ensino da

leitura e da escrita. As listagens de solicitação e envio de materiais

demonstram que havia uma prioridade em levar o aluno a copiar textos e letras,

objetivando uma boa caligrafia, pois, ao longo da década, materiais como

tabuinhas continuavam a fazer parte das listas de solicitações dos professores.

Desse modo, percebemos uma tendência em privilegiar o ensino pelo método

de marcha sintética. A não oficialização da proposta do método bacadafá, que

mesclava o método sintético e analítico, por si só, representa que, apesar do

discurso reformista, as práticas de ensino da leitura e da escrita não foram

alteradas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dialogando com os trabalhos de Graff (1111) e Gumperz (1111) percebemos

que durante o século XIX, a alfabetização foi concebida como instrumento

medidor da saúde social. De acordo com as análises constituídas no corpus

desse trabalho a população deveria ser escolarizada para que a ignorância

intelectual não ocasionasse situações de pobreza e criminalidade. Nessa

direção, a década de 1870, período por nós eleito para análise do ensino da

leitura e da escrita no Espírito Santo, também esteve permeada pelos ideários

iluministas.

De acordo com as colocações dos dois autores citados no parágrafo anterior

concluímos que o ensino da língua passou a ser promovido pela escola, sendo

organizado numa estrutura curricular que pressupunha a realização de testes

como instrumentos medidores da capacidade intelectual dos sujeitos. Nessa

direção, a escola passou a preparar os testes e a listar os materiais

necessários ao ensino. Sendo designada para organizar o currículo a escola

também passou a listar os materiais necessários as práticas de ensino e a

propor a uniformidade de metodologias que incidissem em práticas

pedagógicas mais satisfatórias. Essas peculiaridades da busca pelo ensino

metodologicamente uniformizado podem ser percebidas nos discursos das

autoridades imperiais quanto a instrução pública primária nas escolas de

primeiras letras brasileiras. Os trabalhos de Mortatti (2000) e Trindade (2002)

apontam a ocorrência de intensos debates em prol a metodização do ensino da

língua. Nas discussões não faltaram à ânsia por metodologias que de fato

dessem conta de alfabetizar um maior número de sujeitos e de programas que

atendessem as exigências dos ideais iluministas, que na época objetivavam

ensinar a ler, escrever e contar. Era grande o número de pessoas analfabetas.

Na província do Espírito Santo, no século XIX, os ideários pedagógicos

também objetivavam disseminar as luzes sobre toda a população. A

efervescência de discursos reformistas visando a melhoria das práticas de

ensino da leitura e da escrita foram recorrentes. Especificamente na década de

1870, os jornais transcreveram as falas dos inspetores da instrução pública

primária e demais autoridades evidenciando a necessidade de reformas na

instrução em detrimento da melhoria do ensino. Esses discursos reformistas

não partiam exclusivamente de autoridades como os inspetores, mas também

eram originados das falas dos deputados nas ocasiões em que esses

parlamentares se reuniam para tratar das políticas públicas pertinentes a

educação primária. Os presidentes da província também se enunciaram em

seus relatórios deixando transparecer a necessidade de reformar a instrução

pública.

Como dito em nosso estudo a instrução pública capixaba passou por três

regulamentos e um regimento ao longo da década de 1870. É importante

salientar que essas quatro propostas buscaram entre outras coisas metodizar

oficialmente o ensino e ao mesmo prescrever os programas de ensino

destinados ao ensino da leitura e da escrita. Ao longo do período tivemos a

oficialização do método mútuo, do método simultâneo, do misto e até mesmo

da autorização para a mescla de métodos. O método misto e o simultâneo

eram considerados mais modernos, a utilização do primeiro garantia a

continuidade de métodos antigos como o mútuo e o individual. Isso nos leva a

analisar que apesar do discurso reformista a utilização do método misto tem a

demonstrar que as práticas não eram modificadas, pois se esse método

congregava elementos de métodos mais antigos constituindo-se em práticas

conservadoras já instituídas não haveria mesmo modificação no ensino da

leitura e da escrita.

Em curto período tivemos uma verdadeira oscilação metodológica que vinha

sempre acompanhada do desejo de melhoria do ensino, mas apesar da

eloqüência dos discursos reformistas, isso não aconteceu, porque políticas

públicas de alfabetização fortalecedoras de práticas de ensino promotoras da

aprendizagem da leitura e da escrita precisam ser pensadas para além da

economia de recursos, e na verdade tanto o método simultâneo como o

método misto não tinham outra finalidade, senão a de prover a alfabetização

com parcos recursos, mantendo-se os espaços físicos escolares em péssimas

condições e uma ausência de provimento da formação de professores.

Reformas educacionais que não tem clareza de seus objetivos ou que não

estejam voltadas para a formação da consciência crítica do sujeito não podem

resultar em melhoria na qualidade do ensino. Além disso, a oficialização de

metodologias não basta para resolver problemas de analfabetismo, entre

outras coisas, e preciso prover a formação e a remuneração dos profissionais

da educação, o número de escolas suficientes para os alunos e as condições

adequadas de funcionamento das escolas. Infelizmente, essa não era uma

realidade da província, desde o início da década de 1870, na oficialização do

método mútuo, se pensava em escolarizar um grande quantitativo de pessoas,

mas não existiam escolas suficientes e sem utilização dos recursos dos cofres

públicos esse serviço ficava inviável.

Com programas que se destinavam a ensinar a ler, escrever e contar, se

pensava em ensinar alguns rudimentos de gramática a partir de impressos de

marcha sintética sem considerar aspectos como a relação sons e letras e da

relevância do trabalho da produção de textos orais e escritos discutidos por

Gontijo (2005). Estranhamente estamos há uma distância cronológica de pelo

menos 140 anos da década de 1870, e ainda não vislumbramos mudanças. As

políticas públicas de alfabetização ainda são inconsistentes, imediatistas e por

mais curioso que possa parecer, o governo do Estado do Espírito Santo ainda

usa como marketing da Secretária de Estado da Educação e Cultura, um

projeto de ensino intitulado “Ler, escrever e contar”. Ainda estamos em busca

dessa conquista.

Vale a pena ressaltar que a concepção que orientou os programas de ensino e

os materiais impressos utilizados na província do privilegiou o estudo das

unidades menores. A decomposição do ensino em sílabas, palavras e frases

visava alcançar a leitura de textos que inicialmente também eram decompostos

em sílabas e depois em frases, no entanto esse procedimento não trazia bons

resultados, os relatos das autoridades provinciais deixaram transparecer que

as crianças não aprendiam a ler, e ainda eram constrangidas por torturas

físicas e psicológicas por não aprender, e mesmo assim não conseguiam bons

resultados. Refletir sobre esses aspectos é muito importante, e nos leva a

perceber que as punições não podem gerar aprendizado. Fortalecidos em

Vigotski (1111) dizemos que a cultura é o resultado da prática social do

indivíduo. Nessa direção dizemos que a linguagem escrita que também é

resultado dessa prática social precisa ser ensinada a partir da mediação. É

necessária uma prática de ensino que faça a criança refletir sobre aspectos

relevantes da língua. Essa reflexão precisa ser orientada por um trabalho

pedagógico contextualizado a partir de textos que instiguem a problematização

sobre aquilo que está sendo lido.

Infelizmente as práticas de ensino que se constituíram na província na década

de 1870 não levaram em conta a problematização dos textos, a ênfase do

ensino estava voltada para a cópia e a memorização. As crianças decifravam

letras e textos, e não esqueçamos que tudo era feito sem que o aluno pudesse

se expressar oralmente. O silêncio era uma marca registrada do século XIX e

foi traçado como metodologia no método mútuo acompanhando o percurso

trilhado pelo método simultâneo e o misto. Isso também nos traz reflexões

muito instigantes e nos leva a perceber que embora o sujeito tivesse uma

responsividade ou dúvida acerca do conteúdo não poderia expressar. Isso

gerava um desconforto que não seria rompido.

Ao finalizar é importante destacar que os problemas apontados nesse relatório

romperam a década de 1870. Não ocorreram mudanças de qualquer ordem. As

escolas continuaram funcionando em condições de precariedade, os

professores não obtiveram formação adequada e os materiais de ensino não

foram suportes que facilitaram a aprendizagem da língua, mas também não

foram substituídos por materiais mais modernos. Parece que as falas

reformistas, não romperam o plano discursivo. Até mesmo a gratuidade tão

defendida pelo presidente Tomé da Silva em 1873 logrou êxitos. Sobre esse

quadro de dificuldades no ensino da língua na década de 1870, temos a dizer

que não foi modificado. Temos um grande número de crianças que não

conseguem aprender, ainda não há vaga para todos e curiosamente, segundo

dados apresentados pelo NEPALES, o material impresso mais solicitado para

as aulas de ensino da língua no Espírito Santo também não privilegia a

produção de textos orais e escritos e não trabalha na perspectiva do

desenvolvimento da consciência crítica. Estamos novamente falando na

necessidade de mudanças nas práticas, mas estamos caminhando na direção

contrária.

6 REFERÊNCIAS

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Relatório apresentado pelo exm. O sr. Dr. Manoel José de Menezes Prado na instalação da Assembléia Provincial do Espírito Santo na sessão de 18 de setembro de 1876.

Relatório apresentado pelo exm. o sr. Dr. Dias Paes Leme ao diretor geral da instrução pública na província do Espírito Santo na sessão extraordinária em 11 de junho de 1870 ao presidente da província Fernando Affonso de Mello.

Relatório apresentado pelo exm. o sr. Dr. Dias Paes Leme ao diretor geral da instrução pública na província do Espírito Santo ao coronel Dionísio Álvaro Resendo, na sessão extraordinária da Câmara do deputados em 13 de setembro de 1870. Typografia Espírito-Santense, 1870.

Relatório apresentado por Francisco Ferreira Correa, diretor da instrução pública da província do Espírito Santo no ano de 1871. Typografia Correio da Vitória, 1872.

Relatório apresentado pelo presidente da província do Espírito Santo ao diretor da instrução pública Antônio Gabriel de Paula Fonseca em 2 de outubro de 1872. Typografia Espírito-Santense, 1872.

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Falla com que o exmo. Sr. Dr. Domingos Monteiro Peixoto instalou a Assembléia Provincial do Espírito Santo na sessão da Câmara dos deputados no dia 18 de setembro de 1875. Victória, Typografia Espírito-Santense, 1875.

Relatório apresentado pelo exmo o sr. Dr. Manoel José de MENEZES Prado na instalação da Assembléia Provincial do Espírito Santo no dia 15 de outubro de 1876. Victória, Typografia do Espírito-Santense, 1876.

Relatório apresentado pelo exmo. Sr. Dr. Manoel da Silva Mafra a Assembléia Provincial do Espírito Santo no dia 22 de outubro de 1878. Victória. Typografia da Actualidade, 1878. Tite page imperfect.

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Livro número 239, da série 751 livros contendo correspondências trocadas entre o presidente da província do Espírito Santo, , thesouraria de fazenda da província, professores das escolas e párocos responsáveis por paróquias entre os anos de 1870 a 1877.

Livro número 69 do Fundo de Educação contendo contendo correspondências trocadas entre o presidente da província do Espírito Santo, , thesouraria de fazenda da província, professores das escolas e párocos responsáveis por paróquias entre os anos de 1872 a 1878.

Livro número 358 da série 751 livros contendo correspondências trocadas entre o presidente da província do Espírito Santo, thesouraria de fazenda da

província, professores das escolas e párocos responsáveis por paróquias entre os anos de 1876 a 1878.

Livro número 501 da série 751 livros contendo informações sobre os exames feitos pelos professores para assunção nas escolas da província. Entre os anos de 1871 a 1878.

Livro número 75 da série 751 livros contendo correspondências trocadas entre o presidente da província do Espírito Santo, thesouraria de fazenda da província, ministro do império e Ministério da Guerra do Império no período de 1871 a 1873.

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ANEXOS

ANEXO A – QUADRO GERAL DA POPULAÇÃO DA PAROCHIA

DE SÃO JOSÉ DO QUEIMADO

ANEXO B – POPULAÇÃO O CONSIDERADA EM RELAÇÃO AS

PROFISSÕES DA PAROCHIA DE SÃO JOÃO DE CARIACICA

ANEXO C – REGULAMENTO DA INSTRUÇÃP PÚBLICA DE 1º

DE DEZEMBRO DE 1861

ANEXO D – REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA

PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO DE 20 DE MAIO DE 1873

ANEXO E – REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA

PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO DE 17 DE DEZEMBRO DE

1877