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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELIESÉR TORETTA ZEN PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA VITÓRIA 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELIESÉR TORETTA ZEN

PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA

VITÓRIA

2006

ELIESÉR TORETTA ZEN

PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO

PROFESSOR SEM-TERRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Erineu Foerste.

VITÓRIA

2006

AGRADECIMENTOS

“O que pode o sentimento não pode o saber, nem o mais claro proceder, nem o mais amplo pensamento (...) Só o amor com sua ciência nos torna tão inocentes”.7

Chegado o momento de agradecer às pessoas que tornaram o caminho da descoberta,

encontro e construção, fluido e confiante, me inspiro na poesia de Violeta para

expressar a todos minha gratidão que se faz sentimento encarnado em cada uma das

letras que compõem a palavra agradecer. O sentimento verdadeiro que todos me

fizeram sentir e que hoje tento retribuir, foi maior que qualquer problema, solidão e

cansaço. Agradeço primeiramente a Deus fonte de vida, bondade e amor! Agradecido

estou aos meus pais Maria e Vanderley que me ensinaram o amor aos pequenos.

Agradeço de forma especial à minha esposa, Hilda Maria de Jesus Toretta Zen pelo

incentivo, confiança e amor. Aos meus filhos Eliesér Toretta Zen Júnior e Yasmin de

Souza Toretta Zen por existirem e alegrarem o meu viver! Ao professor Dr. Erineu

Foerste pela confiança, incentivo e compreensão nos momentos difíceis da caminhada.

Por ter confiado neste trabalho e em mim meus sinceros agradecimentos. Se não fosse

sua compreensão como orientador não teria chegado até aqui! A todos os professores

e colegas da turma 17 do Mestrado que contribuíram para o meu aprendizado e

amadurecimento intelectual. Aos companheiros (as) da segunda turma do Curso

Pedagogia da Terra, com quem tive a oportunidade de conviver e me identificar ao

fazer este trabalho. Espero ter correspondido a toda confiança e amizade que vocês

tiveram em mim. Meu muito obrigado!

7 Violeta Parra. Volver a los 17. In Las últimas composiciones de Violeta.

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo analisar o Curso Pedagogia da Terra da

Universidade Federal do Espírito Santo em seus diferentes espaços-tempos-saberes e

sua relação com os princípios da educação no e do campo. O problema que a pesquisa

buscou compreender foi perceber como os espaços-tempos-saberes mobilizados no

Curso Pedagogia da Terra (segunda turma), contribuem para a construção da

educação do campo. Para a investigação utilizamos no decorrer da pesquisa diferentes

instrumentos metodológicos tais como: análise documental, observação, participação

nos espaços-tempos do curso, entrevistas a alunos, professores e coordenadores, que

nos possibilitaram conhecer melhor o cotidiano do curso e o movimento de formação do

professor sem-terra. As referências teóricas para análise foram fornecidas pelos

estudos de alguns pesquisadores do MST e da área de educação, bem como do

movimento nacional de luta por uma educação do campo. Os resultados revelaram, que

o Curso Pedagogia da Terra por meio de seus diferentes espaços-tempos-saberes tem

contribuído de forma peculiar para a formação do professor sem-terra e para o

fortalecimento de políticas públicas que respeitem e valorizem os saberes, a cultura e a

identidade dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo.

Palavras – chave: MST. Educação do Campo. Pedagogia da Terra. Professor Sem

Terra. Espaços-Tempos-Saberes.

RÉSUMÉ

Ce travail a pour objectif d´analyser le Cours de Pédagogie de la Terre de

l´Université Fédérale de Espírito Santo dans ses différents "espaces-temps-savoirs" et

sa rélation vis-à-vis les principes de léducation dans et sur les champs. La

problématique analysée par la recherche c´était comprendre comment les espaces

temps-savoirs abordés dans le cours Pédagogie de la Terre (deuxième groupe) peuvent

contribuer à la construction de l´éducation "du champ". On a utilisé pendant la recherche

des différents outils méthodologiques à savoir: l´analyse de documents, l´observation, la

participation dans les espaces-temps du cours, des entretiens avec les élèves,

professeurs et coordinateurs, ce qui nous a possibilité de mieux connaître le quotidien

du Cours ainsi que le mouvent de formation du professeur "Sem Terra".

Les références théoriques utilisés pour cette analyse ont été fournies par

des études de quelques chercheurs du MST et de ceux du domaine de

l´éducation du champs, aussi bien que du mouvement nationale de lutte pour

une éducation du champ. Les résultats ont montré que le Cours de Pédagogie de la

Terre à travers ses différents espaces temps-savoirs contribuent de manière très

particulière à la formation du professeur Sem-Terra ainsi comme à l´amélioration des

politiques publiques qui respectent et valorisent les savoirs, la culture et l´identité des

individus qui vivent dans les champs et y travaillent.

Mots-Clés: MST. Pédagogie de la Terre. Éducation du Champ. Espaces-Temps-

Savoirs. Professeurs Sem Terra.

LISTA DE SIGLAS

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

IPAR - Instituto de Pastoral Regional

ULTABS - União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

CEBs - Comunidades Eclesiais de Base

CPT - Comissão Pastoral da Terra

TdL- Teologia da Libertação

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNER - Campanha Nacional de Educação Rural

CNEA - Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

CBPE - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais

INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

LDBEN - Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEB - Movimento de Educação de Base

CPC - Centro Popular de Cultura

MCP - Movimento de Cultura Popular

MEC - Ministério da Educação e Cultura

JUC - Juventude Universitária Católica

MEPES - Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

ENERA - Encontro Nacional de Educadores (as) da Reforma Agrária

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores

CNE - Conselho Nacional de Educação

USAID - Agency for International Development Union State

EFAS - Escolas Famílias Agrícola

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MAB - Movimento Atingidos por Barragem

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CEUNES - Coordenação Universitária Norte do Espírito Santo

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

Origem do Tema

Certa vez alguém afirmou que toda busca que fazemos por conhecer algo ou alguma

coisa é no fundo uma tentativa de conhecer a nós mesmos. Estou aqui a pensar o que

isso tem a ver com o tema que estou investigando e com a minha história de vida. Em

que momentos os dois se encontram e percorrem juntos essa jornada? Comecemos

destacando alguns acontecimentos que marcaram a vida do sujeito pesquisador e que

contribuíram para que chegasse ao tema da pesquisa.

Alguns acontecimentos importantes em minha história pessoal foram formando o meu

modo de ser e de estar no mundo, juntamente com minhas opções e valores. O fato de

ter nascido numa família pequena e empobrecida fez com que desde muito cedo

experimentasse o drama da luta pela sobrevivência como tantos trabalhadores urbanos

e rurais. Meus pais, como muitos sem-terras, foram expulsos da roça e vieram para a

cidade engrossar as fileiras dos desempregados. A entrada no Seminário da Diocese

de São Mateus para cursar Filosofia e Teologia também foi um momento importante

nessa caminhada. No seminário pude desenvolver de forma mais intensa os valores

humanos e cristãos nos quais fui educado. Através da participação na vida de oração,

na comunidade e nos trabalhos pastorais.

O curso de Filosofia possibilitou-me o contato com uma gama de pensadores e

correntes filosóficas que ajudaram a abrir meus horizontes e alargar minha

compreensão da sociedade e do ser humano. O contato e o conhecimento da Filosofia

e Teologia da Libertação (TdL) foi outro marco importante nessa minha caminhada.

Fizeram-me repensar a minha vocação e a minha fé.

A Filosofia e a Teologia da Libertação surgem a partir da reflexão que intelectuais como

Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez e Enrique Dussel desenvolvem buscando pensar a

Filosofia e a própria Teologia a partir da realidade do oprimido e não a partir do

opressor. A Teologia da Libertação surge na década de 60 como resultado de uma

práxis de uma Igreja que opta preferencialmente e solidariamente pelos empobrecidos8.

A questão de fundo que perpassa a Teologia da Libertação consiste em pensar e viver

a fé encarnada num contexto de opressão e dominação como o é a América Latina

objetivando uma práxis libertadora. A grande inspiração que está presente na Teologia

da Libertação é buscar relacionar a libertação (social e econômica) com e sobre a

Salvação, a práxis com e sobre a fé. Procurar estabelecer uma relação entre o Mistério

de Deus e a história dos homens. Sua pergunta fundamental é: o que é Deus para um

continente empobrecido como a América Latina? Como Deus se revela aos oprimidos?

O que é ser cristão num mundo de famintos?

Podemos sintetizar em alguns pontos a contribuição que a Teologia da Libertação deu

para repensar a relação fé e vida: contribuiu a lembrar a Igreja o sofrimento dos pobres

e a interpelação que lhe lançam à conversão e à solidariedade; elaborou teoricamente a

refutação prática da religião como ópio, mostrando que nas Igrejas da América Latina

ela é e deve ser fermento de justiça; propôs a concepção de uma religião profética,

superando a idéia de uma religião mistificadora e consagradora da injustiça; procurou

tomar os empobrecidos como sujeitos principais do projeto evangelizador; deslocou o

lugar principal de elaboração teológica da academia para as Comunidades Eclesiais de

Base9.

8 É importante chamar atenção para esta expressão no sentido de que o empobrecido é aquele de quem lhe foram tiradas as condições de vida digna, aquele que foi espoliado e usurpado em sua humanidade. O trabalhador não é pobre, pois pelo trabalho de suas mãos gera riqueza, o problema é que o fruto de seu trabalho não lhe pertence. Neste sentido o empobrecido se assemelha aos sem-terra que não possuem terra para nela trabalharem e viverem por terem sido expulsos dela.9 As CEBs fizeram parte de um movimento de abertura e renovação da Igreja Católica iniciado na década de 1960 caracterizado, principalmente, pela “opção pelos pobres” por parte da Igreja e pela pregação da Teologia da Libertação. No primeiro capítulo deste trabalho será aprofundado a relação das CEBs com o MST.

As Comunidades Eclesiais de Base, por exemplo, serviram como um dos espaços onde

trabalhadores rurais sem-terra expulsos do campo se encontraram para refletir, à luz da

Palavra de Deus a realidade de opressão e exclusão a que foram submetidos pelo

sistema capitalista. Neste sentido podemos afirmar que a Teologia da Libertação (TdL)

por meio das CEBs e da Comissão Pastoral da Terra (CPT)10 contribuiu para a

organização, conscientização e luta dos trabalhadores sem-terra em prol de uma

sociedade justa e fraterna. Segundo Valadão (1999, p. 89) a CPT foi um dos

mediadores no processo de organização e luta dos trabalhadores sem-terra:

Como uma leitura crítica da realidade social, a CPT se propôs a estimular os trabalhadores à luta pela construção do reino de justiça entre os homens... O princípio pedagógico que norteia sua ação está calcado na práxis refletida e na ação concreta pensada, programada e avaliada coletivamente.

As CEBs e a CPT foram mediadoras fundamentais na construção da identidade dos

sem-terra na medida em que possibilitou aos camponeses desempregados expulsos de

suas terras a conquistarem a dignidade que antes haviam perdido, enquanto seres

humanos.

Justificativa

O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da

Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Espírito Santo foi criado no final de 1999 pela

parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos

Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária-INCRA/PRONERA e Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.

10 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Espírito Santo foi criada em 1976, após várias reuniões com a Arquidiocese de Vitória e a Diocese de São Mateus. Inicialmente ficou vinculada à Caritas-Vitória, desvinculando-se desta pouco tempo depois, para instalar sua secretaria regional no município de São Mateus. Seus primeiros trabalhos foram na área sindical, especialmente na formação do movimento de oposição sindical.

Podemos fundamentar a importância do Curso Pedagogia da Terra a partir de três

dimensões: a dimensão da parceria; a dimensão do processo de formação dos

professores que leve ao fortalecimento da educação do campo e a dimensão da luta

por uma sociedade justa e fraterna. Em relação aos parceiros envolvidos no projeto do

curso (citados acima) interessa fundamentar discussões para a implementação de

políticas públicas que consolidem programas de educação no\do campo, tendo como

um de seus eixos articuladores fundamentais o princípio de que o processo educativo

deve se constituir como estratégia de desenvolvimento territorial sustentável (Kolling et

all., 1999 e 2002; Arroyo e Fernandes, 1999; Benjamin e Caldart, 2000; Foerste, 2006).

Nesse sentido a parceria firmada entre MST, UFES e INCRA apresenta-se, em

princípio, como iniciativa interinstitucional concreta, enquanto projeto que busca atender

a demandas de educação no contexto rural, com o intuito de reforçar a luta pela

Reforma Agrária e da educação voltada para a realidade e os sujeitos no\do campo.

Que importância tem pesquisar um curso como esse: o Curso Pedagogia da Terra?

Que contribuição pode a Universidade oferecer para a formação dos professores do

MST? Assim como podemos perguntar o inverso: que contribuições o Curso Pedagogia

da Terra pode dar para repensarmos o processo de formação do professor na

Universidade?11 Que espaços-tempos-saberes são mobilizados no Curso Pedagogia da

Terra que contribui para o fortalecimento da educação no/do campo? A partir dessas

questões, podemos nos perguntar sobre a importância de se pesquisar um curso como

esse. A reflexão sobre essas questões poderá nos ajudar a pensar um processo

específico e alternativo de formação de professores, que contemple as reais

necessidades de uma educação voltada para a realidade no/do campo, bem como a

relação entre a Universidade e os Movimentos Sociais. Como terceira dimensão que

fundamenta a importância dessa pesquisa podemos afirmar a luta por uma sociedade

justa e fraterna.

11 Consultar o relatório final da avaliação externa do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA, 2004).

Pesquisar um curso que nasceu das necessidades vivenciadas nos diversos

acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária do MST-ES e sua contribuição

para ampliar e reforçar a luta por um novo modelo de educação e de sociedade tem

realmente uma relevância singular que vai além das palavras, tornando-se realidade no

cotidiano da vida dos sujeitos que participam desse movimento pela vida e vida plena.

Nesse sentido partimos do pressuposto de que estudar o Curso Pedagogia da Terra é

relevante em pelo menos três aspectos: na busca de uma educação comprometida com

os saberes, a cultura, os valores e os sujeitos do campo; no processo de formação dos

professores do MST e na luta pela Reforma Agrária como uma das condições

indispensáveis para a construção de uma sociedade sem exclusão social e solidária.

Problema: Como os espaços-tempos-saberes mobilizados no Curso Pedagogia da

Terra contribuem para a construção da Educação do Campo?

Objetivos: 1- Revisar a produção teórica disponível sobre o processo de formação do

professor Sem-Terra; 2- Analisar o Curso Pedagogia da Terra da Universidade Federal

do Espírito Santo - UFES em seus diferentes espaços-tempos-saberes e sua relação

com os princípios da educação do campo.

Quadro Teórico:

Nesta breve revisão teórica gostaria de destacar o aprendizado obtido em algumas

disciplinas do curso e como contribuíram para o meu crescimento como pessoa

humana e para a compreensão do tema da pesquisa. A disciplina de psicologia ajudou-

me a refletir sobre a dimensão social do psiquismo humano e do processo de

constituição da identidade não como algo estático, mas como um movimento, uma

construção sócio-histórica. A concepção da identidade como sendo um processo sócio-

histórico possibilitou-me a elaboração de questionamentos a respeito do tema a ser

investigado como, por exemplo, quais são os traços ou feições humanas que

caracterizam o professor sem-terra?

Quais os espaços-tempos-saberes que mobilizam o processo de formação do professor

sem-terra? Como seres humanos que antes eram sobrantes (Valadão, 1999),

excluídos, desfigurados em sua dignidade e humanidade passaram a ter um rosto e um

nome próprio: sem-terra (Caldart, 2000).

Na disciplina Tópicos I: Formação e Práxis Político-Pedagógica do Professor tivemos a

oportunidade de aprofundar alguns aspectos relacionados ao processo de formação e

da identidade do professor. Foram lidos, analisados e discutidos em sala de aula alguns

textos e artigos que enfocavam aspectos variados da formação e da identidade do

professor, dentre eles: A pesquisa sobre a formação de professores no Brasil – 1990 –

1998 de autoria de Marli André, onde se analisa a produção de trabalhos (dissertações

e teses) sobre a formação de professores nos programas de pós-graduação em

educação no período de 1990 a 1998, nas Universidades e Institutos de Ensino

Superior no Brasil; o texto: Estado da arte da formação de professores no Brasil de

autoria de Marli André, Regina H.S.Simões, Janete Magalhães Carvalho e Iria

Brzezinski. O texto faz uma síntese do conhecimento sobre a formação do professor

com base na análise das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-

graduação em educação no Brasil de 1990 a 1996;

No artigo intitulado: “Identidade e profissionalização docente: um retrato delineado a

partir dos periódicos nacionais” de autoria da professora Dr. Janete Magalhães

Carvalho e Dr. Regina Helena Silva Simões ao analisar a produção teórica sobre a

questão do professor como profissional, em periódicos especializados no período de

1990 a 1997, apontou na amostra pesquisada de 115 artigos sobre o tema mais amplo

da sua formação e práxis, 33 artigos dedicados à identidade e profissionalização

docente, sendo esta, portanto, a temática mais freqüente abordada nos periódicos. A

identidade do professor como temática central foi, entretanto definida através de

subtemáticas, ou seja, ela se colocou de forma multidimensional e interdimensional,

visto ser percebida como perpassada por fatores como:

proletarização/profissionalização do magistério; condições de trabalho e remuneração

dos professores; socialização para o trabalho; práticas culturais e saberes dos

professores; organização político-sindical; políticas públicas dirigidas ao professor e

questões de gênero. Enguita (1991) por sua vez aborda a questão da profissionalização

docente apontando como principal causa da crise de identidade do professor a

ambivalência da posição docente, localizada num lugar intermediário e instável entre a

profissionalização e a proletarização, no espaço de uma semiprofissão, constituindo um

grupo assalariado cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais, mas

que, submetido à autoridade de seus empregadores, busca manter ou ampliar sua

autonomia quanto à distribuição de renda, ao poder e ao prestígio.

A revisão da bibliografia nacional sobre o processo de formação e práxis-político-

pedagógica do professor realizado em algumas disciplinas do Curso de Mestrado em

Educação da UFES foi muito importante em pelo menos dois aspectos: perceber como

os (as) diferentes autores (as) tratavam da questão da formação e da práxis político-

pedagógica do professor e identificar a quase que total ausência da produção nacional

sobre o processo de formação do professor sem-terra. Isso nos ajudou a perceber que

a produção nacional sobre a formação do professor sem-terra começou a ser feita a

partir da década de 1990 quando da organização nacional do Setor de Educação do

MST e mesmo assim sendo situado na região sul do país tendo como destaque as

reflexões de Caldart (2000).

Um segundo momento importante nesse movimento de construção do sujeito-objeto na

caminhada da pesquisa foi marcado pelo estudo independente. O estudo independente

se constitui em um dos momentos fundamentais na construção do sujeito-objeto da

pesquisa em pelo menos duas dimensões: na primeira dimensão gostaria de destacar a

relação orientador-orientando (ressaltamos aqui a convivência, o diálogo, os

questionamentos, a sinceridade, a franqueza, a humildade e a empatia) que se fizeram

presentes e que contribuíram positivamente no engajamento e no envolvimento com o

tema;

Na segunda dimensão destacamos o conhecimento mais profundo sobre o objeto-

sujeito da pesquisa através da leitura, reflexão, aprofundamento de algumas obras,

entre as quais destacarmos: Cadernos de educação do MST; Boletim de Educação do

MST; Cadernos de Formação; Cadernos da Coleção: Por uma educação básica do

campo12 (números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 ); do Caderno de Subsídios: Referências para uma

Política Nacional de Educação do Campo resultado dos trabalhos realizados pelo grupo

permanente de trabalho de educação do campo e dos seguintes livros: Escola do MST:

uma utopia em construção – Valter Morigi (2003); Além da Terra: cooperativismo e

trabalho na educação do MST (Menezes Neto, 2003); Educação e campesinato: uma

educação para o homem do meio rural ( Ana Maria Speyer,1983); Pedagogia do

Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola ( Roseli Salete Caldart, 2000) ; A

formação do MST no Brasil (Bernardo Mançano Fernandez, 2000);

Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire, 1970); Educação Popular e Educação de Adultos

(Vanilda Paiva, 1987); O Cativeiro da Terra (José de Souza Martins, 1990);

Assentamentos sem-terra: a importância dos mediadores (Vanda de Aguiar Valadão,

1999); Educação Popular, Igreja Católica e política no movimento de educação de base

( Luiz Eduardo Warnderley, 1984)13. No movimento da caminhada foram pesquisadas

também as seguintes dissertações de mestrado: O Desafio da Formação: Estudo

psicossocial dos movimentos da identidade em alunos do curso pedagogia do MST de

autoria de Márcia Roxana Cruces Cuevas, Neste trabalho a autora buscou

compreender como a participação na formação acadêmica refletiu no processo de

construção da identidade dos sujeitos estudados; Ocupando a Escola: uma cartografia

das práticas educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

de Jocilene Marquesini Mongim.

12 A partir do número 4 mudou-se a terminologia de “Por uma educação básica do campo” para “Por uma educação do campo” no sentido de chamar nossa atenção para o fato de que os sujeitos do campo querem uma educação que vá além do final do Ensino Médio e também além dos limites da escola formal. 13 As referências completas dos Cadernos, livros e dissertações situam-se nas referências bibliográficas no final da dissertação.

A autora neste trabalho trata dos processos de subjetivação engendrados nas práticas

educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Os

Saberes do Professorado Rural: construídos na vida, na lida e na formação de autoria

de Maria do Socorro Silva defendida na Universidade Federal de Pernambuco;

Formação e Práxis dos Professores em Escolas Comunitárias Rurais – Por uma

Pedagogia da Alternância de Flávio Moreira. O autor busca analisar como as

dimensões da cultura e do imaginário social se fazem presente na comunidade escolar

(professores, pais e alunos) e interferem na práxis dos professores no âmbito da

Pedagogia da Alternância praticada nas Escolas Comunitárias Rurais de Jaguaré; O

papel sócio-político e pedagógico dos pequenos agricultores, pais e mães de alunos, na

formação continuada e na práxis dos professores das escolas comunitárias rurais

municipais de Jaquaré-ES de autoria de Nelbi Alves da Cruz; Formação e Práxis dos

Professores do Curso de Pedagogia do Pólo Universitário de São Mateus: 1995-1999 a

Interiorização no Contexto Sócio-Político do Norte do Estado do Espírito Santo de

autoria de Damián Sánchez Sánchez.

Como trabalho pioneiro nas discussões sobre educação do campo merece destaque o

trabalho de Adelar João Pizzeta: Formação e Práxis dos Professores de Escolas de

Assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo, defendida junto ao Programa

de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo em 1999

sob a orientação da professora Dr. Janete Magalhães Carvalho. O trabalho buscou

analisar a proposta pedagógica do MST no âmbito das escolas de assentamentos no

Estado do Espírito Santo, tendo como eixo norteador o processo de formação de

professores e a própria organicidade do MST. Teve a particularidade e originalidade de

ter sido elaborado por alguém que participa dos processos de luta e organização do

MST, como membro e militante, contribuindo para o resgate histórico da luta pela terra

no Estado do Espírito Santo, a partir da década de 80 e da sistematização da práxis

educacional nas escolas dos assentamentos do MST.

Foi feita também uma pesquisa em alguns periódicos nacionais entre os quais

destacamos: Cadernos de Pesquisa; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos;

Educação e Sociedade; Revista Brasileira de Educação. Escolhemos esses periódicos

por considerá-los de maior circulação. Buscamos produções a partir de 1990 sobre o

processo de formação dos professores do MST, bem como sobre a educação do

campo. Entre os textos que abordam a questão da educação do campo e da formação

do professor sem-terra e que contribuíram para nossa investigação podemos destacar:

Pessoa (1999), Ribeiro (2001) e Beltrame (2002).

Pessoa (1999) busca mostrar que além de incorporar a terra ao seu processo de

reprodução como categoria social, pode-se atribuir aos trabalhadores sem-terra uma

identidade diferenciada, por estar construindo uma nova dinâmica em termos de

produção e de transmissão do saber. Segundo Ribeiro (2001), podemos visualizar

alguns desafios que o trabalho cooperativo desenvolvido pelos agricultores assentados

está apontando para a educação básica e, em particular, para o ensino fundamental.

Finalmente, Beltrame (2002) discute a experiência de professores (as) das escolas de

assentamentos organizadas pelo MST, no oeste catarinense. Este estudo possibilitou a

apreensão de aspectos significativos do universo cultural dos sujeitos, destacando as

relações construídas na vida familiar, no desempenho da profissão e na participação

política no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.

Destacamos também debates realizados no XII Encontro Nacional de Didática e Prática

de Ensino - ENDIPE,14 realizado em Curitiba/PR, em 2004. Os ENDIPE’s são realizados

regularmente a cada dois anos e vêm se constituindo crescentemente em um fórum

nacional de discussões sobre educação, com a participação de profissionais do ensino

nos diferentes níveis. Tem como finalidade divulgar o conhecimento sistematizado

14 O primeiro ENDIPE foi realizado no ano de 1982, contando com a participação de 60 profissionais da educação, com o objetivo de revisar os conteúdos das áreas da Didática e Prática de Ensino de forma a contextualizá-los a partir dos determinantes sócio-político, econômico e cultural do país. Esse movimento se fortaleceu de maneira a agregar nos últimos encontros, um público com mais de 3.000 (três mil) participantes. Atualmente é um dos maiores eventos de caráter científico na área de Educação, em que acumulou nessa trajetória uma vasta produção de conhecimento, em ciruculação no país, com divulgação em outros países.

historicamente e discutir questões do ensino, pesquisa e extensão, incluindo temáticas

relativas ao campo do currículo, da comunicação e informação e da formação de

professores etc. O ENDIPE é, portanto, um espaço privilegiado de socialização do

conhecimento, de troca de saberes, de perspectivas e questionamentos para novas

investigações. Neste sentido analisamos alguns textos publicados nos anais impressos

e digitais (CD – ROM) e que contribuíram para estabelecer um diálogo crítico com

outros interlocutores sobre a possibilidade de construção de uma educação do campo.

Entre os trabalhos discutidos no evento destacamos: Souza (2004), Chassot (2004),

Santos (2004) e Foerste (2004) 15. Em seu estudo, Souza (2004) objetiva evidenciar

aspectos da trajetória da Educação Rural e da Educação do Campo, focalizando

dimensões da política educacional brasileira e busca responder ao seguinte

questionamento: quais as configurações existentes na Educação do Campo neste início

de século? Para Chassot (2004) há saberes populares no contexto da educação do

campo que precisam ser investigados tendo em vista sua legitimação como saberes

escolares. O texto de Santos (2004) busca refletir sobre o Projeto Político Pedagógico

da Escola Cabana em Belém/PA no período de 1997 a 2001. A autora destaca que a

Escola Cabana organiza a Educação Fundamental em Ciclos de Formação, o que

objetiva um rompimento com a lógica fragmentada do processo pedagógico e a

flexibilização dos tempos de aprender-ensinar-desenvolver para possibilitar uma

formação global e humanizadora. Em suas pesquisas Foerste (2004) identifica na

formação de professores sem-terra possibilidades concretas de fortalecimento de lutas

pela profissionalização dos professores na perspectiva da indissociabilidade entre os

saberes acadêmicos e saberes da experiência docente.

15 Em 2004 identificamos quatro trabalhos que foram publicados a respeito da experiência de formação de professores sem-terra na parceria da Universidade Federal do Espírito com o MST. Consultar: a) FOERSTE, Erineu et al. Pedagogia da terra; uma avaliação da experiência da Universidade Federal do Espírito Santo (reltório final de pesquisa). Vitória/Brasília: UFES/PRONERA/MST, 2004; b) FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit. Professores sem-terra e universidade: qual parceria? In: ANDRADE, Márcia Regina et al. Educação na reforma agrária em perspectiva; uma avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. São Paulo/Brasília: Ação Educativa/PRONERA, pp. 211 – 228, 2004; c) FOERSTE, Erineu. Professores sem-terra e universidade: Qual parceria? Anais do II Simpósio de Pesquisa em Educação. Vitória: PPGE/UFES, 2004b.

Uma análise da produção acadêmica feita nas reuniões anuais da Associação Nacional

de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd16 possibilitou identificar em

produtos de pesquisa, tanto nos anais impressos como digitalizados (CD – ROM e site).

Os GTs temáticos constituem núcleos disseminadores de informações sobre suas

temáticas específicas, atuando durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd.

Neste sentido destacamos alguns textos dos Grupos de Trabalho - GTs (3, 4, 5, 6, 8 e

12) dos anais das 27ª e 28ª Reuniões Anuais da ANPEd: Paiva (2004), Foerste (2004),

Viana (2004), Martins (2004), Barreto (2005), Cavaleiro (2005), Nascimento (2005),

Silva (2005), Fernandes (2005), Foerste (2005b)17, Vieira (2005), Almeida (2005),

Batista (2005), Brand (2005), Falkembach (2005), Marcon (2005), Almeida (2005) e

Terrazan (2005). Um aspecto a ser destacado neste levantamento de produções da

ANPEd sobre a temática da educação do campo e da formação de professores é um

aumento significativo de trabalhos discutidos durante o ano de 2005. Observamos um

movimento nacional no âmbito acadêmico de mobilização investigativa para a

construção coletiva de referenciais teóricos e práticos para uma educação do campo

diferenciada.

16 A ANPEd foi fundada em 1976 graças ao esforço de alguns Programas de Pós-Graduação da área de Educação. Em 1979, consolidou-se como sociedade civil e independente, admitindo pesquisadores e estudantes de pós-graduação em educação. As atividades da associação estruturam-se em dois campos: o Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação, sócios institucionais da ANPEd; e os Grupos de Trabalho – GTs temáticos, os quais congregam pesquisadores de áreas de conhecimento especializado da educação. A ANPEd tem como objetivo geral o desenvolvimento e a consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da Educação no país.17 Em 2005 identificamos dois trabalhos que foram publicados a respeito da experiência de formação de professores sem-terra na parceria da Universidade Federal do Espírito com o MST: FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ, Gerda Margit. Professores de assentamentos do MST e Universidade: Parceria entre movimento social e academia. Anais do VII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. Belo Horizonte: ANPEd/Região Sudeste, 2005; b) FOERSTE, Erineu. Pädagogik dês Landes: eine qualitative Bevertung dês Zusammenarbeit zwischen der “Bewegung Landloser Bauern”//Movimento Sem-Terra und der Universität. Anais do Painel Brasileiro-Alemão de Pesquisa/IV Fórum Internacional de Investigação Qualitativa. Juiz de Foera: PPGE/UFFJ, 2005a. Cabe ressaltar que já se encontra no prelo o texto: FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit. Discussões acerca do projeto político da educação do campo. In: FOERSTE, Erineu, SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit & SCHNEIDER, Maria Laura. Por uma educação do campo (Caderno nº 6). (no prelo).

Metodologia:

A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa não pretendeu ser uma

camisa de força na qual o objeto deveria se enquadrar previamente. Os instrumentos

de coleta e análise de dados, tais como: entrevistas, análise de relatórios, da grade

curricular do curso e de aulas de professores, cadernos de reflexão dos alunos,

caderno de memória da segunda turma, não pretenderam esgotar a possibilidade e

riqueza do que se é produzido no Curso Pedagogia da Terra – UFES em seus

diferentes espaços-tempos-saberes nem tampouco absolutizar o olhar do iniciante-

pesquisador. Há muito há ser pesquisado ainda e muita riqueza a ser encontrada.

Buscamos, pelo contrário, uma aproximação com o objeto de estudo de tal forma que

ele se revelasse a nós em seus diferentes momentos formativos.

O próprio sujeito ao se aproximar do objeto não foi armado a fim de enquadrá-lo em sua

pretensa metodologia; o que não significou que fomos neutros ao encontro do objeto. É

justamente no momento em que o pesquisador se aproxima do objeto de estudo não

como alguém que detém a verdade sobre ele e quer enquadrá-lo em sua teoria, mas

como alguém que quer compreendê-lo em seu movimento, em sua historicidade, em

seus diferentes espaços-tempos-saberes que se pautou o desenvolvimento da

pesquisa. Foi na convivência, no diálogo, na parceria e na trajetória com os sujeitos-

objetos da pesquisa que buscamos a construção do caminho percorrido. Sujeito

pesquisador e sujeito-objeto-pesquisado não constituem, relações fragmentadas e

hierarquizadas; mas juntos se constituem à medida que ambos se fecundam

mutuamente. Tanto o sujeito-objeto fala ao pesquisador-iniciante quanto o sujeito-

pesquisador-inciante fala ao sujeito-objeto-pesquisado. E foi nessa relação amorosa e

dialógica entre ambos é que se pautou o movimento de desenvolvimento da pesquisa.

Buscamos dessa forma realizar um levantamento e análise dos diferentes materiais

disponíveis sobre o Curso Pedagogia da Terra – UFES, como, por exemplo, atas de

reuniões, pareceres, relatórios e outros que contribuíram para o desenvolvimento da

pesquisa; participamos das aulas onde pudemos realizar observações no diário de

campo; vivenciamos a dinâmica da organização dos espaços-tempos-saberes do curso,

dos trabalhos, das aulas, das místicas, enfim de todo o processo educativo e formativo

do professor sem-terra; diagnosticamos condições de infra-estrutura física e acadêmica

do ambiente em que se realiza o curso; registramos por meio de entrevistas semi-

estruturadas e fotos a percepção de professores e alunos sobre o curso em seu

processo de criação, gestão e desenvolvimento. Como fonte importante para o

desenvolvimento de nossas investigações contamos com o auxílio do Banco de dados

da pesquisa de “Avaliação do PRONERA” (Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária). A pesquisa do PRONERA sobre a avaliação do Curso Pedagogia da

Terra – UFES forneceu dados importantes para o aprofundamento do tema a ser

investigado nos aspectos relativos ao funcionamento do curso, aos alunos (as) que

participam do curso, aos professores (as) que lecionam no curso, aos coordenadores,

ao projeto político-pedagógico do curso e outros. Vale ressaltar aqui os gráficos que se

encontram no Relatório Final de Avaliação do Curso Pedagogia da Terra – UFES,

contém informações sobre vários aspectos relacionados ao Curso Pedagogia da Terra.

Além disso, o PRONERA possui algumas publicações sobre Educação do Campo,

como, por exemplo, os cadernos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Por uma Educação Básica do Campo

produzidos com a participação de várias organizações sociais e com o apoio de

diversas instituições e Universidades, entre elas: a CNBB (Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil); Universidade de Brasília – Unb e a Universidade Federal do Espírito

Santo – UFES; INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Conta

também com uma página na Internet (www.pronera.gov.br) com vários artigos,

dissertações e teses sobre a questão da Educação do Campo. Alguns desses materiais

foram consultados e contribuíram significativamente para o desenvolvimento da

pesquisa. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas gravadas com professores da

Universidade, que ministraram atividades ao longo do curso para a segunda turma; com

a coordenadora do curso, com os coordenadores do curso no MST, com os alunos (as)

da segunda turma do curso e outros sujeitos que se fizerem necessários durante o

desenvolvimento da pesquisa. As entrevistas gravadas foram transcritas para posterior

análise; adotamos o diário de campo, onde o pesquisador-iniciante foi registrando as

impressões pessoais subjetivas e dados que julgou pertinentes aos objetivos do estudo.

Estrutura da Dissertação:

O primeiro capítulo traz como tema norteador: a luta pela terra no Brasil e o nascimento

do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Neste capítulo procuramos

identificar na história do Brasil os principais movimentos que antecederam o MST na

luta pela terra. Trazemos alguns dados da brutal concentração de terras no Brasil com

base nos estudos feitos pelo IBGE e por alguns autores, entre eles, Moura (2000),

Martins (1990) e da violência praticada contra aqueles (as) que lutaram para derrubar

as cercas do latifúndio e da exclusão social. O segundo capítulo tem como tema: a

educação do campo no contexto da educação brasileira e os seguintes objetivos:

identificar na história da educação brasileira, sem a intenção de aprofundar, os

movimentos de luta em prol de uma educação popular libertadora; ao mesmo tempo

problematizar e criticar o projeto dual de educação que vigorou no Brasil: uma

educação para a elite e uma educação para o povo.

O terceiro capítulo tem como título: o movimento de luta por uma educação do campo e

as matrizes pedagógicas da educação do campo. Tem como objetivo fundamental

identificar e refletir sobre as matrizes pedagógicas da educação do campo e relacioná-

las com o processo de formação do professor sem-terra. Também busca recuperar a

história coletiva da luta por uma educação do campo, que começou oficialmente com a

I Conferência Nacional: Por uma educação do campo e culminou com o I Encontro do

PRONERA da Região Sudeste realizado em Vitória capital do Espírito Santo em 2004.

O quarto e último capítulo da dissertação traz como tema: Pedagogia da Terra: a

formação do professor sem-terra. Temos como objetivo fundamental identificar, analisar

e refletir a partir da vivência, dos documentos do curso (grade curricular, programas de

disciplinas, plano de aula, caderno de memória da segunda turma, cadernos de reflexão

dos alunos), das entrevistas realizadas a alunos, professores e coordenadores, os

espaços-tempos-saberes do movimento de formação do professor sem-terra.

CAPÍTULO I

A LUTA PELA TERRA NO BRASIL E O NASCIMENTO DO MST

“Lavrar a terra, lavrar a vida”. Roseli Salete Caldart

O objetivo fundamental deste primeiro capítulo consiste em identificar na história do

Brasil os movimentos que antecederam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra na luta pela terra e nela pela sobrevivência. Também tem como finalidade

questionar a histórica concentração da terra em nosso país, bem como a violência

praticada contra os sem-terra. O Brasil é um país-continente com 600 milhões de

hectares de terras cultiváveis. Desse total, 362 milhões de hectares estão nas mãos

dos grandes fazendeiros, que representam apenas 2% dos proprietários rurais. Os 98%

restantes, cerca de 4,5 milhões de pessoas, são os pequenos proprietários. A terra vem

sendo mal distribuída desde 1530, quando foram criadas as capitanias hereditárias e as

sesmarias, que deram origem aos latifúndios modernos. De acordo com o dados do

Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

nos últimos dez anos a área ocupada por imóveis rurais era de 353 milhões de

hectares, divididos em 4,8 milhões de propriedades. Dessas propriedades, 49% tinham

menos de 10 hectares, ocupando 2,2 % da área. Nesse mesmo período, as

propriedades com mais de 1000 hectares representavam apenas 1% do total de

propriedades rurais, ocupando 45% da área. Assim Moura (2000, p. 91) afirma:

a área total dos latifúndios brasileiros (mais de 4 milhões de quilômetros quadrados) só é menor que a superfície de cinco países: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos e ex-URSS. Os 27 maiores detentores de terras e latifúndios no país concentram um total de 25,5 milhões de hectares, área equivalente à superfície do Estado de São Paulo. Essa área corresponde a 250 mil quilômetros quadrados e é maior que 101 países.

Ainda segundo este autor os 79 detentores de 276 imóveis rurais superiores a 200 mil

há (45 pessoas físicas e 34 jurídicas) ocupam uma área de 38,9 milhões de hectares, o

que dá em média para cada um quase meio milhão de hectares.A área total

correspondente a 389 mil quilômetros quadrados é maior do que 117 nações do

planeta. A concentração da propriedade da terra em níveis tão altos, um traço histórico

da realidade social do Brasil, vem acompanhada da violência. A violência é uma arma

permanente da qual se recorrem os latifundiários. A violência se manifesta na

destruição de roças, na invasão de lares, na tortura, no trabalho escravo, estupro de

camponesas, intimidação e assassinatos individuais ou de grupos de trabalhadores no

campo. Para isto recorrem a pistoleiros profissionais, capangas, ou mesmo criminosos

comuns. No período que vai de 1985 a 1999, foram assassinadas 1.169 pessoas entre

lideranças de trabalhadores, religiosos, sindicalistas, advogados de trabalhadores,

deputados e outras. Em relação a esses crimes, apenas 58 pessoas foram incriminadas

e julgadas; dessas, somente 11 foram condenadas enquanto 47 foram inocentadas,

apesar das provas; dos 11 condenados, só 3 continuam presos. (MORRISAWA, 2001).

O IPAR (Instituto de Pastoral Regional) através da reportagem “a questão fundiária no

Brasil” publicada na Revista Teológico-Pastoral - Amazônia em Outras Palavras,

denuncia a absurda concentração de terras no Brasil. Fazendeiros, madeireiros,

plantadores de soja, acobertados pelo discurso da produtividade, avançam sobre as

terras públicas, sobre territórios ocupados por populações tradicionais – indígenas,

ribeirinhos e posseiros. Dados como esses revelam a dupla face da questão da terra no

Brasil: por um lado a brutal concentração expressa na imensa estrutura latifundiária que

perpassa a história de nosso país, conjugada com a violência praticada contra aqueles

que lutam para derrubar as cercas do latifúndio e da exclusão social.Podemos afirmar

como Moura (2000) que a situação fundiária no Brasil tem as seguintes características:

1-Intensa concentração fundiária; 2-Existência do trabalho escravo e semi-escravo

nesses latifúndios e 3-Violência sem limites para manter sob controle o

descontentamento e o protesto camponês.

E devemos acrescentar uma quarta característica: a impunidade. A impunidade é um

mecanismo acionado através de pressões políticas e econômicas. A Justiça não existe

no campo. Juízes venais, máquina judiciária viciada, interesses pessoais dos próprios

juízes e suas famílias determinam que praticamente a Justiça não exista. Um olhar

atento sobre a nossa história enquanto nação nos remete aos Períodos Colonial e

Imperial, onde o modelo agrário brasileiro era fundamentado na grande propriedade

escravista voltada para a exportação. José de Souza Martins (1990, p.13) afirma que o

trabalho livre, onde a figura do colono substitui a figura do escravo, na segunda metade

do século XIX, deve ser entendido como uma:

Transformação das relações de produção como meio para preservar a economia colonial, isto é, para preservar o padrão de realização do capitalismo no Brasil, que se definia pela subordinação da produção ao comércio. Tratava-se de mudar para manter.

A economia colonial caracterizava-se pela predominância do comércio na determinação

das relações de produção. Nesta forma de organização, o próprio trabalhador escravo

entrava no processo como mercadoria, já que, antes de ser produtor direto, tinha que

ser objeto de comércio, ou seja, o trabalhador escravo tinha que produzir lucro antes de

começar a produzir mercadorias. Além disso, o escravo representava uma mercadoria

importantíssima na medida em que a terra sem o trabalho não gerava riqueza. Portanto

o trabalho que era exercido pelo escravo era de fato o gerador de toda a riqueza para o

latifundiário e isso explica em grande parte o valor que os fazendeiros pagavam na

compra dos escravos em sua maioria negros vindos do continente africano. Ao analisar

a economia cafeeira da segunda metade do século XIX e início do século XX, Martins

(1990, p.18) afirma:

[...] as transformações das relações de produção têm menos a ver, num primeiro momento, com as modificações no processo de trabalho da fazenda de café e mais a ver com modificações na dinâmica de abastecimento da força de trabalho de que o café necessitava.

A partir do momento em que não interessava mais ao desenvolvimento do capitalismo a

escravidão, o escravo vai aos poucos sendo substituído pelo imigrante europeu, por

meio do colono ou do regime do colonato18. Essa mudança não implicou, simplesmente,

a transformação da condição jurídica do trabalhador, mas a transformação do próprio

trabalhador, produzindo-se, assim, uma força de trabalho mais adequada às

necessidades do capital e ao lugar que o Brasil19, como país dependente da Inglaterra,

ocupava nesse contexto. Sendo assim, as novas relações de produção, fundadas no

trabalho livre do colono imigrante dependiam de novas formas de legitimação e

subordinação, de modo que “[...] a exploração da força de trabalho fosse considerada

legítima, não mais apenas para o fazendeiro, mas também pelo trabalhador que a ela

se submetia” (MARTINS, 1990, p. 18).

Dessa forma estava justificado para o trabalhador livre, ou seja, o colono, as relações

capitalistas de produção e com elas a exploração e a expropriação de seu trabalho,

sem as quais o capitalismo não sobrevive. Enquanto o trabalho escravo se fundava na

vontade do senhor, o trabalho livre devia basear-se na vontade do trabalhador e na

aceitação legítima da exploração pelo capital. Nessas relações, portanto, não havia

lugar para o trabalhador que aceitasse a liberdade como negação do trabalho, como

era o caso do escravo, mas apenas para o que considerasse o trabalho como uma

condição de liberdade. Com a abolição da escravatura era necessário, portanto,

encontrar uma outra forma de renda capitalizada para a economia cafeeira.

18 Relação de trabalho em que os imigrantes europeus recebiam, por contrato, cada qual uma área do cafezal, em geral cinco mil pés de café, para cuidar e colher. Por esse contrato, toda a família do colono, inclusive as crianças, estavam envolvidas como força de trabalho. Toda a produção deveria ser entregue ao fazendeiro. Os colonos recebiam em troca um pagamento em dinheiro, uma casa para morar e uma pequena área de terra onde podiam fazer suas roças e criar animais para subsistência e para vender.19 A abolição da escravatura no Brasil e no Mundo está relacionada com a mudança, em âmbito mundial, da economia do eixo mercantilista para o eixo industrial. No Brasil, entretanto, somente a partir da década de 30 do século XX é que se pode perceber algum esforço mais significativo em direção à industrialização do País. De qualquer forma, todas essas transformações culminaram com a abolição da escravatura e a entrada de uma grande massa de imigrantes europeus no país foram fundamentais para a criação de condições de construção de relações capitalistas de produção baseadas nos princípios liberais.

Além disso, era preciso construir novas formas de sujeição ao trabalho, o que poderia

ser dificultado pela existência de grandes áreas de terras devolutas no Brasil, que

poderiam simplesmente ser ocupada pelos escravos recém-libertos ou imigrantes que

chegavam ao país. Com o objetivo de resolver estas questões, foi criada a “Lei de

Terras”, em 1850, que institui a compra e venda como únicos mecanismos de acesso

às terras e cria novas formas de garantir o crédito hipotecário. Seguindo essa análise,

Martins (1990, p.32) afirma:

Combinavam-se de novo, sob outras condições históricas e, portanto, de outra forma, aparentemente invertidos, os elementos de sustentação da economia colonial. A renda capitalizada no escravo transforma-se em renda territorial capitalizada: num regime de terras livres o trabalho tinha que ser cativo; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa.

Dessa forma podemos perceber que a abolição da escravatura não representou

realmente a libertação do negro e a melhoria das condições de sua existência e sim

uma nova forma de sujeição do trabalhador, tanto o negro, agora “livre”, quanto o

colono imigrante, aos mecanismos de exploração capitalista; nesse processo podemos

perceber também como a terra vai sendo privatizada impossibilitando ao negro e ao

colono o acesso a ela. A “Lei de Terras” promulgada em 1850 ao estabelecer como

único critério de acesso a terra a compra impossibilitava que aqueles que não tinham

dinheiro para comprá-la pudessem adquiri-la, portanto, na prática o negro e o colono

estão excluídos do acesso a ela. Com a nova Lei, determinou-se a transferência de

terras devolutas do patrimônio da União para o patrimônio dos Estados e proibiu-se a

abertura de novas posses, ficando também proibidas as aquisições de terras devolutas

por outro título que não fosse o da compra. Sendo assim, a “Lei de Terras” de 1850,

[...] transformava as terras devolutas em monopólio do Estado e o Estado controlado por uma forte classe de grandes fazendeiros. Os camponeses não-proprietários, os que chegassem depois da Lei de Terras ou aqueles que não tiveram suas posses legitimadas em 1850, sujeitavam-se, pois, como assinalaria na época da Abolição da escravatura um grande fazendeiro de café e empresário, a trabalhar para a grande fazenda, acumulando pecúlio, com o qual pudessem mais tarde comprar terras, até do próprio fazendeiro (Idem, ibidem).

Sendo assim, a “Lei de Terras” representou na prática a união entre o capital e a

propriedade privada da terra, transformando-a numa mercadoria que somente alguns

poucos poderiam ter acesso.

1.1 As origens Camponesas do MST

José de Souza Martins (1990) afirma que apesar de a grande maioria da população

brasileira ser camponesa até pelo menos a segunda metade do século XX, o

campesinato foi considerado como um resquício de um passado feudal que deve ser

esquecido, como se fosse parte de um outro modo de produção. O campesinato

produz-se com a expansão das relações capitalistas de produção no campo. É fruto do

conseqüente processo de expropriação forjado na luta pela terra. Não é um camponês

que não quer “entrar na terra”, pois nunca a teve, devido aos diversos mecanismos de

concentração de terra existentes no país desde o Período Colonial, como já vimos

anteriormente. Assim, nosso camponês não é um “enraizado” preso a terra, mas, ao

contrário,

[...] o camponês brasileiro é um desenraizado, é migrante, é itinerante. A história dos camponeses posseiros é uma história de perambulação. [...] Tanto o deslocamento do posseiro quanto o deslocamento do pequeno proprietário são determinados fundamentalmente pelo avanço do Capital sobre a terra (MARTINS, 1990, p. 17).

A história das lutas camponesas consiste na recusa desse lugar a quem não é

convidado, a quem não sabe como ou não quer participar das grandes decisões

políticas do Brasil; é uma luta pelo seu pertencimento e enraizamento a terra e nela por

melhores condições de vida! É um processo de luta contra um sistema que os exclui e

os desumaniza, desfigurando o ser do camponês, a sua identidade, os seus valores, a

sua cultura. Como afirma Fernandez (2000), a história do Brasil é a de um campesinato

progressivamente insubmisso, primeiramente, contra a dominação pessoal de

fazendeiros e “coronéis”; depois, contra a expropriação territorial efetuada por grandes

proprietários, grileiros e empresários; e já agora, também contra a exploração

econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista.

Nesse sentido podemos identificar na história do Brasil alguns movimentos que foram

fundamentais nesta luta camponesa pela terra, que vai desde o famigerado

“descobrimento” até aproximadamente a metade do século XX. Segundo Fernandes

(2000) a luta pela terra no Brasil não é recente, datando do período colonial, com os

povos nativos na defesa de seu território contra as “entradas” e “bandeiras”,

patrocinadas pelo governo português e por fazendeiros da época. Nesse sentido a luta

pela terra começou com a resistência dos nativos contra o genocídio histórico. A caça

aos aborígines para escravizá-los teve diversos movimentos de resistência, como por

exemplo: a Confederação dos Tamoios e a Guerra dos Potiguaras. Outra grande luta

contra a escravidão aconteceu onde hoje é a região fronteiriça do Sul do Brasil com a

Argentina, Paraguai e Uruguai. Nestas terras, disputadas por Portugal e Espanha,

foram construídas as missões religiosas pelos padres jesuítas. Em terras comuns

viveram os Trinta Povos Guaranis, onde cada povoado chegou a ter entre 1500 a 12 mil

nativos. Atacados constantemente pelos bandeirantes e pelo exército de Espanha e

Portugal, os povos guaranis resistiram até o limite de suas forças. Segundo Morissawa

(2001, p. 60) em 1756, ocorreu o massacre brutal e derradeiro que culminou com a

morte de seu líder Sepé Tiaraju,

...Quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, em 1750, a região onde hoje se situa o Rio Grande do Sul passou para o domínio de Portugal. Pelo acordo, todos os habitantes da região deveriam transferir-se para o outro lado do rio Uruguai, que pertencia à Espanha. Os guaranis se recusaram a deixar suas terras, onde plantavam e criavam gado, e deram início a uma guerra que durou de 1753 a 1756. O líder guarani dessa guerra foi Sepé Tiaraju, um cacique educado pelos jesuítas e que, em carta aos inimigos, deixou clara a decisão de seu povo de não deixar a terra. A resistência contra as tropas portuguesas e espanholas durou até a exaustão, em fevereiro de 1756, quando Sepé e outros 1.500 guerreiros foram massacrados.

Símbolo da luta pela terra e contra a escravidão foram os quilombos. Segundo

Fernandes (2000, p.26) :

Os quilombos foram espaços de resistência e para se defenderem os quilombolas também atacavam engenhos e fazendas da região. Palmares foi o maior quilombo. Localizava-se na Zona da Mata, a cerca de 70 quilômetros do litoral. Era um conjunto de povoados socialmente organizados que formou a União dos Palmares. Nessas terras os palmarinos cultivavam suas roças de milho, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, criavam galinhas, caçavam e

pescavam. Estima-se que por volta de 1670, perto de 20 mil pessoas viviam nessa região. Ganga Zumba e Zumbi foram seus principais líderes. De 1602 a 1694, Palmares resistiu, quando o exército do bandeirante Domingos Jorge Velho, enfrentou e destruiu o exército de Zumbi, aniquilando o território de palmares.

Essas lutas ganharam impulso no final do século passado e acabaram influenciando e

inspirando o nascimento das principais lideranças do MST. A primeira delas ocorreu no

sertão da Bahia, na região de Canudos, entre os anos de 1870 e 1897, tendo como

líder Antônio Conselheiro, derrotado depois de brutais incursões das tropas federais.

Para Fernandes (2000) a Guerra de Canudos foi o maior exemplo da organização de

resistência camponesa no Brasil. Conselheiro e seus seguidores instalaram-se na

fazenda Canudos em 1893 e passaram a chamar o lugar de Belo Monte. A organização

econômica se realizava por meio do trabalho cooperado, o que foi essencial para a

reprodução da comunidade. Todos tinham direito a terra e desenvolviam a produção

familiar, garantindo um fundo comum para uma parcela da população, especialmente

os velhos e desvalidos, que não tinham como viver dignamente. Em Canudos viveram

aproximadamente 10 mil pessoas. Segundo Moura (2000, p.47):

Os grandes proprietários de terras e as estruturas de poder que os representavam saíram vitoriosos... O liberalismo republicano num pacto com as oligarquias latifundiárias destruiu até o último homem os habitantes de Canudos que ousaram pôr em execução um projeto de sociedade igualitária e de comunitarismo rústico, mas capaz de satisfazer os seus desejos e necessidades.

Acusados, falsamente, de defender a volta da monarquia, foram atacados por

expedições militares de quase todo o Brasil. Mais de cinco mil soldados combateu

contra os sertanejos de Conselheiro. De outubro de 1896 a outubro 1897, os ataques

do exército foram enfrentados e refreados até o cerco completo e o massacre do povo

de Canudos. Como bem afirmou Moura (2000) era preciso sufocar e massacrar

Canudos, pois a sua vitória representaria a possibilidade de criar um outro modelo de

sociedade.

Esta era a contradição entre os dois modelos de sociedades que se defrontaram: de um

lado Canudos que desenvolvia um tipo de sociedade comunitária e solidária, embora as

suas forças produtivas fossem ainda rudimentares e a outra tecnologicamente muito

mais “evoluída”, mas cujo modelo era a exploração do trabalho da maioria dos seus

membros pelos latifundiários. Outro movimento importante de luta pela terra aconteceu

na região do Contestado, divisa do Paraná com Santa Catarina entre os anos de 1912 e

1916. Liderado pelo Monge José Maria, milhares de camponeses lutaram e

derramaram seu sangue pela conquista da terra. Esses conflitos fazem parte da

primeira fase de lutas pela terra no Brasil, no período republicano, sendo seguidos por

outras formas de combates em momentos posteriores. Além dos conflitos citados até

aqui, podemos identificar conforme nos aponta Bezerra (1999) e Fernandes (2000) um

segundo momento de lutas pela terra que tiveram um caráter violento, com a utilização

de milícias armadas, entre as quais destacam-se: a luta dos posseiros de Teófilo Otoni

em Minas Gerais que perdurou de 1945 a 1948.

Na região de Minas Gerais, desde o início da década de 40, os posseiros enfrentaram

fazendeiros interessados nas terras da construção da rodovia Rio-Bahia. Para formar

as fazendas, os fazendeiros impuseram aos posseiros a condição de derrubar a mata

para a formação de pastos, e só poderiam plantar para a subsistência. A Revolta de

Dona “Nhoca”, no Maranhão é outro símbolo de luta pela terra. Segundo Fernandes

(2000) de 1950 a 1960 muitas famílias sem-terra migraram para a região, que se

transformou em grande produtora de arroz. Chegaram os grileiros, constituíram a elite

local e assumiram o poder político da região. Alianças políticas, entre prefeitos,

governadores e grileiros, formaram o pacto da grilhagem das terras do oeste

maranhense. Desde essa época teve início os conflitos entre grilheiros e posseiros que

transformaram a região em uma das mais violentas do Brasil, com intensos conflitos por

terra e de contínua resistência dos camponeses. Ainda de acordo com Fernandes

(2000) a Revolta de Trombas e Formoso, marcou a luta pela terra no estado de Goiás.

Trombas e Formoso eram dois povoados localizados no município de Uruaçu. Esses

povoados foram atacados por jagunços e pela Polícia Militar.

No final da década de 50, toda a região estava organizada e dominada pelos posseiros.

Fundaram a Associação dos Lavradores de Formoso e Trombas, elegeram José

Porfírio a deputado estadual, em 1962, fortalecendo o movimento e conquistando

espaço político para negociar com o governo a manutenção da posse da terra. Criaram

o município de Formoso e a região da resistência tornou-se território dos camponeses.

Com o golpe de 1964, muitos líderes foram presos e torturados. José Porfírio refugiou-

se em Balsas, no Maranhão. Descoberto pela Polícia Federal, retorna para a região de

Trombas e Formoso e passa a viver na clandestinidade. Foi preso em 1972 e solto em

7 de junho de 1973. Dois dias depois desapareceu. Suspeita-se de seqüestro e

assassinato. No Espírito Santo merece destaque como símbolo de luta pela terra o

massacre dos camponeses de Ecoporanga no Estado do Espírito Santo.

Conforme estudos realizados por Fernandes (2000) nesse mesmo período, entre os

vales dos rios Mucuri e Doce, no Espírito Santo, ocorreram vários conflitos, onde muitos

camponeses foram assassinados pela Polícia Militar e jagunços. Nessa região está

localizado o município de Ecoporanga. No final da década de 40, a região era

contestada pelos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Essas terras estavam

ocupadas por posseiros e passaram a ser disputada por fazendeiros e grileiros, que

procuravam tirar vantagem daquela situação indefinida. A fonte da violência era a

aliança entre o governo estadual e os latifundiários-grileiros, que promoveram uma

intensa guerra contra os posseiros, com o objetivo de se apropriarem das terras

daquela região. Neste sentido, Dias (1984, p. 77) em sua obra Massacre em

Ecoporanga, relata através das vozes, dos conflitos, das torturas e da própria vida dos

posseiros, meeiros, camponeses dos povoados de Cotaxé, Estrela do Norte e Itapeba,

a luta pela terra:

Acendeu-se a luta: sucediam-se os espancamentos, prisões, assassinatos de posseiros. O atual deputado Osvaldo Zanello, então secretário do Governo, enviou para a região o tenente Jadir Resende com a incumbência de tirar pela força os posseiros. De uma vez prendeu 40 deles. Estas recordações estão bem vivas na memória de quantos ali residem e nos foram relatadas por um dos mais antigos líderes dos posseiros de Cotaxé. A luta havia se acendido, os lavradores começaram a se organizar.

A realização do I Congresso Estadual dos Lavradores em 1957 em Belo Horizonte e do

II Congresso Estadual dos Lavradores em 1962, realizado em Vitória, reunindo

representantes de todos os municípios do Estado do Espírito Santo, foram importantes

na organização e na luta dos camponeses pela Reforma Agrária. Como medidas

fundamentais e indispensáveis para a solução da questão da Reforma Agrária o II

Congresso Estadual dos Lavradores apresentou as seguintes resoluções:

Radical transformação da atual estrutura agrária do país, com a liquidação do monopólio da propriedade da terra, principalmente com a desapropriação, pelo Governo Federal, dos latifundiários, substituindo-se a propriedade monopolista da terra pela propriedade camponesa, em forma individual ou associada, e a propriedade estatal; Máximo acesso à posse e ao uso da terra pelos que nela desejam trabalhar, à base da venda, usufruto ou aluguel a preços módicos, das terras desapropriadas aos latifundiários e da distribuição gratuita das terras devolutas; Urgente e completo levantamento cadastral de todas as propriedades de área superior a 500 hectares e de seu aproveitamento; Proibição da entrega de terras públicas àqueles que as possam utilizar para fins especulativos.

No Espírito Santo assim como em quase todo o território brasileiro a luta pela terra foi

marcada por conflitos e violência por parte da Polícia Militar, do poder judiciário, dos

latifundiários em relação aos posseiros. Sempre que foi preciso o governo enviou tropas

militares para enfrentar os camponeses revoltosos. Os ataques da Polícia Militar

resultavam em queima de roças, de casas e assassinatos. Também os grileiros

colocavam seus jagunços na tentativa de conter a organização dos camponeses. Essa

luta resistiu até o golpe de 1964, quando foi intensamente reprimida e seus militantes

dispersos ou presos. Uma terceira fase de luta pela terra se daria a partir da década de

30, quando Getúlio Vargas assume o poder e temos uma primeira tentativa de

industrialização do país. Esse processo trouxe implicações na estrutura latifundiária do

país que passou a ser um problema para toda a sociedade. De acordo com Linhares e

Silva (1999 p. 125-126):

[...] O campo era tratado como a atividade natural, única possível do país; era a época do Brasil, país essencialmente agrícola; agora o campo passa a ter uma função no programa, ainda difuso, de desenvolvimento nacional. E um pouco mais do que isso: o campo, com seu homem tradicional, passa a ser visto como um problema, uma questão, a do obstáculo ao pleno desenvolvimento do conjunto do país. Para os homens que assumem o poder na década de 1930, o

desenvolvimento era sinônimo de indústria, de população bem alimentada, saudável e de erradicação do analfabetismo e de endemias. [...] Neste contexto surge uma questão: como fazer o campo brasileiro ajudar e participar do desenvolvimento nacional?

O período compreendido entre 1945 e 1964 teve como uma de suas principais

características, uma aceleração do processo de industrialização. Com relação ao setor

agrário, o processo iniciado na década de 1930 não seria mais detido: a capitalização

do campo. Nesse contexto, explodiram por quase todo o território nacional, conflitos

entre posseiros e grileiros. Como exemplo, temos uma série de conflitos ocorridos em

Minas Gerais, na região do Rio Doce. Já na década de 1940, muitos posseiros estavam

sendo expulsos de suas terras por fazendeiros. Assim aos poucos esses posseiros vão

transformando-se em sem-terras.

Segundo estudos desenvolvidos por Fernandes (2000) entre 1950 a 1960 muitas

famílias sem-terra migraram para a região, que se transformou em grande produtora de

arroz. Chegaram os grileiros, constituíram a elite local e logo se tornou o poder político

da região. Alianças políticas, entre prefeitos, governadores e grileiros, formaram o pacto

da grilhagem de terras da região. Nesse sentido podemos identificar uma terceira fase

de luta pela terra que compreende o período de 1950-1964 com o surgimento de vários

movimentos camponeses organizados em entidades como as ULTABs (União de

Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), nas regiões Sul e Sudeste do país.

Em Pernambuco, surgiu no Engenho Galiléia uma associação de foreiros denominada

“Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco”, logo conhecida

como “Liga Camponesa”. De acordo com Fernandes (2000 p. 33):

Em 1954, em Pernambuco, no município de Vitória de Santo Antão, em uma propriedade denominada Engenho da Galiléia, foi criada a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, que por sua forma de organização ficou conhecida como a Liga Camponesa da Galiléia. Seus associados eram foreiros que pagavam ao fazendeiro renda da terra em forma de aluguel anual (foro). Reagiram ao aumento da exploração e tentativa de expropriação pelo dono do engenho e buscaram apoio com o advogado e deputado Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro, que passou a representá-los.

Em 1962, foram realizados vários encontros e congressos das Ligas, reunindo

representantes de vários estados. A essa altura, a mobilização era por uma reforma

agrária radical. Em suas lutas os camponeses resistiram na terra e passaram a realizar

ocupações. Parte das Ligas tentou organizar grupos guerrilheiros, quando então

ocorreu a prisão de muitos trabalhadores e os grupos dispersos pelo Exército. Com o

golpe militar de 1964, as Ligas Camponesas e outros movimentos foram aniquilados,

todas as organizações de trabalhadores rurais foram fechadas, e as principais

lideranças camponesas foram presas ou exiladas, quando não assassinadas. Em 1964,

o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de Reforma Agrária no

Brasil, em quinhentos anos, que foi denominada “Estatuto da Terra”.

Ela vinha em resposta à necessidade de distribuição de terras como formas de evitar

novas revoluções sociais. Embora decretada pelo primeiro governo militar, essa lei,

tinha um caráter progressista. O “Estatuto da Terra” distinguia as propriedades rurais

não apenas em relação ao tamanho, mas também em relação à intensidade de

exploração. Assim, classificava-se em minifúndio, latifúndio por dimensão e latifúndio

por exploração. Além disso, definia a função social da terra, pela qual o proprietário que

a utilizava com respeito ao meio ambiente, de forma adequada, e cumpria a legislação

trabalhista, estava dando a terra sua função social. Mas o “Estatuto da Terra” jamais foi

implantado. Era um “faz-de-conta” para resolver pelo menos momentaneamente os

problemas do campo. Para viabilizar a sua política econômica, o Estado manteve a

questão agrária sob o controle do poder central. Por essa política, o acesso a terra ficou

fechado aos camponeses e totalmente aberto à empresa capitalista e aos latifundiários.

Em termos práticos, como afirma Morissawa (2001, p. 100) o “Estatuto da Terra”

acabou por favorecer os latifundiários:

Escancarou-se, então, como um instrumento estratégico para controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra. As únicas e pouquíssimas desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização. De 1965 até 1981, foram realizadas oito desapropriações em média por ano, apesar de terem ocorrido pelo menos setenta conflitos por terra anualmente.

O “Estatuto da Terra” escancarou-se, então, como um instrumento estratégico para

controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra. As únicas e pouquíssimas

desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de

colonização. Desse modo, apesar de o “Estatuto da Terra” aparecer, por suas

definições, como querendo modificar a estrutura fundiária e punir o latifúndio, a política

agrícola e agrária dos militares promoveu a modernização tecnológica das grandes

propriedades. Ao mesmo tempo, os grandes proprietários tinham livre acesso aos

órgãos do Estado, como o Ministério da Agricultura, o Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA) etc., exercendo forte controle sobre o Poder Judiciário e o

Congresso Nacional. Enfim, o “Estatuto da Terra” não saiu do papel e a política agrária

real do Regime Militar significou, de fato, a entrega de mais terra aos comerciantes e

industriais. Nesse período, grandes extensões de terras públicas da região amazônica

foram entregue a grupos empresarias e também a multinacionais que, segundo o

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), possuem hoje 30

milhões de hectares de terras no Brasil.

Que importância tem para o tema deste capítulo fazermos a memória histórica da luta

pela terra? Tem uma relevância especial, pois podemos perceber nesse processo os

precursores da luta pela terra dos quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra é herdeiro e continuador. É neste contexto histórico de enfrentamento, conflito,

resistência, esperança e de luta pela terra, em que vários movimentos e pessoas deram

suas próprias vidas, que surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST). Podemos afirmar que o MST nasceu das lutas concretas pela conquista da

terra, que os camponeses foram desenvolvendo de forma isolada em quase todas as

regiões do Brasil, num momento em que aumentava a concentração de terras e

ampliava a expulsão dos pobres da área rural, devido à modernização da agricultura e

à crise do processo de colonização implementado pelo Regime Militar?

Concordamos com Caldart (2000) e Fernandes (2000) quando afirmam que a luta pela

sobrevivência foi a marca histórica da resistência camponesa no Brasil. Foi assim que

em 1979, no dia sete de setembro, 110 famílias ocuparam a gleba Macali, no município

de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. Essa ocupação inaugurou o processo de

formação do MST. De 1979 a 1984 aconteceu o processo de gestação do MST.

Chamamos de gestação o movimento iniciado desde a gênese, que reuniu e articulou

as primeiras experiências de ocupações de terra, bem como as reuniões e os encontros

que favoreceram em 1984, o nascimento do MST ao ser fundado oficialmente pelos

trabalhadores em seu Primeiro Encontro Nacional, realizado nos dias 21 a 24 de

janeiro, em Cascavel, no Estado do Paraná. O marco da fundação do MST foi o

“Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra”, realizado em Cascavel, no

Paraná, em janeiro de 1984. O encontro contou com a participação de 150 delegados

de 12 estados brasileiros, inclusive do Espírito Santo.

Esse encontro tinha como finalidade reunir todas as categorias de trabalhadores rurais que, de alguma forma, lutavam para obter terra para plantar. Estimulados pelas lutas contra a ditadura militar, os trabalhadores rurais sem-terra (que antes tinham apenas a Igreja como espaço para discussão de seus problemas, sobretudo através das pastorais sociais e, principalmente, a Comissão Pastoral da Terra), resolveram se articular nacionalmente para fazer uma luta conjunta em defesa da conquista da terra. (BEZERRA NETO, 1999, p. 14).

Um aspecto fundamental no processo de formação do MST foi o trabalho desenvolvido

com os trabalhadores rurais pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica

(CEBs), sobretudo pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975. O

nascimento das CEBs nos remete a um movimento mais amplo de renovação eclesial,

iniciados no século XX e sancionados pelo Concílio Vaticano II. Este concílio revelou

seu potencial pastoral em sua abertura para o mundo e para a história e, ao mesmo

tempo, sua densidade de reflexão, postulando a imagem da igreja como sendo povo de

Deus a caminho. As CEBs vivenciaram na prática a opção preferencial pelos pobres

através da releitura que a Conferência de Medellin (1968) e Puebla (1979) fizeram na

América Latina. Medellin preencheu o imaginário eclesial com a temática da Libertação

e Puebla com a evangélica opção pelos pobres.

Neste sentido afirma os números 640 e 643 da Conferência de Puebla (1979 p. 250,

251 e 252):

Nas pequenas comunidades, mormente nas mais bem construídas, cresce a experiência de novas relações interpessoais na fé, o aprofundamento da palavra de Deus, a participação na eucaristia e um maior compromisso com a justiça na realidade social dos ambientes em que se vive. As comunidades eclesiais de base são a expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo.

Mesmo que se tenha certa dificuldade em encontrar traços homogêneos e constantes

em todas as CEBs, há alguns elementos que, em geral, podem ser identificados: a

leitura e a reflexão sobre a Palavra de Deus é um dos traços característicos das CEBs;

a participação e a discussão dos problemas em forma de assembléia; a metodologia

participativa que inclui a colaboração de todos na discussão, na solução e no

encaminhamento concreto para resolução de problemas que aflige a comunidade e por

fim a prática concreta de Jesus e o sonho de realizar o Reino de Deus.20 As

Comunidades Eclesiais de Base foram um dos espaços onde trabalhadores rurais sem-

terra expulsos do campo se encontraram para refletir, iluminados pela Palavra de Deus

a realidade de opressão e exclusão a que foram submetidos pelo sistema capitalista. É

nesse contexto histórico de luta pela terra e por uma sociedade justa e fraterna que

deve ser entendida a criação do MST. No seu Primeiro Encontro Nacional (1984) o

MST definiu como sendo seus objetivos gerais:

1 - Que a terra esteja nas mãos de quem nela trabalha; 2-Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados; 3-Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para conquistar a reforma agrária; 4-Organizar os trabalhadores rurais na base; 5-Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político; 6-Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores; 7-Articular-se com trabalhadores da cidade e da América Latina (MST, 1984).

20 Reino de Deus é uma categoria teológica fundamental para as CEBs e consiste numa mudança tanto das estruturas sociais que geram a morte como numa mudança do coração do homem que doravante deverá viver a partir dos valores do Reino: justiça, solidariedade, fraternidade e o amor incondicional ao próximo.

O MST deliberou, como diretriz, que as suas conquistas sociais e políticas só poderiam

ocorrer a partir das ações de massas. E já nesta ocasião delimitou-se o que seria a sua

marca: caminhadas, passeatas, ocupações de órgãos públicos, concentrações e

ocupações. O Encontro Nacional também apresentou as principais reivindicações do

que passaria a se constituir o MST. São elas:

1- Legalização das terras ocupadas pelos trabalhadores; 2-Estabelecimento de área máxima para as propriedades rurais; 3-Desapropriação de todos os latifúndios; 4-Desapropriação das terras das multinacionais; 5-Demarcação das terras indígenas, com reassentamento de posseiros pobres em área da região; 6-Apuração e punição de todos os crimes contra os trabalhadores rurais; 7-Fim de incentivos e subsídios do governo ao Proálcool e outros projetos que beneficiam os fazendeiros; 8-Mudança de política agrícola do governo dando prioridade ao pequeno produtor; 9-Fim da política de colonização. (MST, 1987).

O MST definiu como princípio a luta pela reforma agrária (TERRA PARA QUEM NELA

TRABALHA) e uma política agrícola que assegurasse a possibilidade de os agricultores

permanecerem em suas terras. Outra marca importante do MST foi a luta por uma

sociedade sem exploradores e explorados. Usando o lema “SEM REFORMA AGRÁRIA

NÃO HÁ DEMOCRACIA” procurou forçar os governantes da Nova República a realizar

a Reforma Agrária, reivindicando que fosse feita sob o controle dos trabalhadores.

Nesse mesmo período lançou o lema: “TERRA NÃO SE GANHA, SE CONQUISTA”,

deixando clara sua disposição de luta pela terra em oposição ao modelo de colonização

tímido dos militares. Em janeiro de 1985, o MST realizou o primeiro Congresso

Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Curitiba-PR, com 1.500 delegados,

escolhidos em encontros ou reuniões estaduais ao longo de 1984, que definiram a luta

pela terra com o lema: “OCUPAÇÃO É A SOLUÇÃO” as estruturas organizativas,

associativas e suas instâncias de deliberação. Foi eleita a primeira coordenação

nacional, bem como a primeira direção nacional do movimento.

Faz-se necessário observar que o MST, no decorrer dos anos, modifica-se e recria-se

nas suas ações políticas, apresentando-se, a partir dos anos 90, como um movimento

social que luta por mudanças mais amplas que a simples divisão de terra. A ampliação

das reivindicações e das ações é fundamental para o crescimento do MST. Analisando

as aspirações dos trabalhadores rurais, MARTINS (1990) afirma que eles:

...Querem mais do que a reforma agrária encabrestada pelos agentes da mediação. Querem uma reforma agrária para as novas gerações, uma reforma que reconheça a ampliação histórica de suas necessidades sociais, que os reconheça não apenas como trabalhadores, mas como pessoas com direito à contrapartida de seu trabalho, aos frutos de seu trabalho. Querem, portanto, mudanças sociais que os reconheçam como membros integrantes da sociedade.

O Movimento dos sem-terra, apesar de todas as dificuldades vividas, principalmente

nos embates com o poder dominante, com a mídia e com setores políticos

conservadores, firma-se no cenário político brasileiro nos anos 90. Em 1995 no seu

terceiro Congresso Nacional, o MST reelabora os seus objetivos gerais:

Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital; 2- A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade; 3- Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas; 4- Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; 5- Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais; 6- Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher (MST, 1995).

Observa-se que, seguindo a tendência dos movimentos sociais nos anos 90, o MST

demonstra preocupação com temas relacionados à cultura, gênero, valores e trabalho.

Busca, também, ampliar sua atuação, afirmando que a terra deve estar a serviço de

toda a sociedade. Após vinte anos de luta, o Movimento está organizado em 23 estados

da Federação, reunindo 1,5 milhão de pessoas, com 350 mil famílias assentadas e

cerca de 100 mil famílias vivendo em acampamentos.

1.2 Gestação e Nascimento do MST no Estado do Espírito Santo

De acordo com estudos realizados por Fernandes (2000) no Espírito Santo o MST

nasceu em 1985 e seu processo de gestação começou em 1983. Foi nesse ano que

aconteceram as primeiras reuniões e encontros com grupos de famílias sem-terra na

favela do Pé Sujo (dizem que este nome surgiu por causa da rua de terra que nos dias

de chuva virava um lamaçal), na periferia da cidade de São Mateus, no Litoral Norte

Espírito-santense.

Essas famílias foram expropriadas e expulsas pelos grandes projetos agroindustriais,

principalmente, eucalipto e cana-de-açúcar, por meio de incentivos fiscais e financeiros,

que ocorreram desde meados da década de 1960. As reuniões para discussão das

realidades dessas famílias eram parte dos trabalhos das Comunidades Eclesiais de

Base, que recebiam orientação e apoio da Comissão Pastoral da Terra21 e do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de São Mateus. No que diz respeito ao processo de

construção e consolidação do MST no Espírito Santo podemos afirmar conforme Pizetta

(1999, p. 100),

Nota-se, [portanto no trabalho desses grupos] uma confluência de esforços no sentido de articular os trabalhadores excluídos, explorados, tendo como metodologia pedagógica o trabalho de base, os grupos de comunidade, os círculos bíblicos, os grupos de oposição sindical, os quais, em muitos momentos, acabavam se transformando em grupos de sem-terra, cuja discussão central era a necessidade de possuir a terra para viver e trabalhar, visto que muitas das terras da região não estavam sendo utilizadas. Aí, as leituras bíblicas e as comparações com a realidade que vivia incentivavam a luta pela terra.

Nesse mesmo ano, em diversos municípios da região, outros grupos de famílias

começaram a se organizar com o objetivo de negociar terra e trabalho com os governos

municipal e estadual.

21 A CPT Nacional foi criada em Goiânia, em 1975 e no Espírito Santo, no ano de 1976.

Segundo dados do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)22

a organização do Movimento Sem Terra no Estado do Espírito Santo, assim como no

Brasil, remete às Comunidades Eclesiais de Base e à Comissão Pastoral da Terra com

significativo impulso a partir da década de 1970, auge da Ditadura Militar. Os

trabalhadores rurais sem-terra e agricultores de renda familiar organizaram-se para

partilhar problemas e encaminhar possíveis lutas pela conquista de condições dignas

de vida, de cidadania. Ainda durante o Regime Militar, as CEBs se constituíam em

lugar-espaço onde o povo simples e pobre conseguia partilhar suas angústias,

problemas e esperanças individuais e coletivas.

Inspirada nos ideais da Teologia da Libertação23 (TdL) as CEBs se constituíram em um

espaço de conscientização sobre a realidade de exploração a que estava submetida

grande parte da população. As CEBs desenvolveram uma pedagogia fundamentada no

método VER, JULGAR e AGIR que à luz da palavra de Deus buscava compreender a

realidade de opressão a que estavam submetidos e ao mesmo tempo transformar esta

realidade. O livro do Êxodo, que descreve a luta do povo Hebreu em busca da terra

prometida, servia de exemplo e referência para a situação de injustiças a que estavam

submetidos os trabalhadores sem-terra. Segundo Fernandes (2000 p. 120):

As CEBs tornaram-se lugares de reflexão, o espaço de socialização política, onde o objetivo do trabalho pastoral era a conscientização acerca da realidade dos participantes. Esses lugares são transformados em lugares de liberdade, uma vez que ali podia falar, ouvir e pensar. As CEBs tornavam-se um espaço da socialização política, onde as famílias se reuniam para se conhecer e pensar seu papel na sociedade.

22 Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária. Trata-se do relatório final da pesquisa sobre o Curso Pedagogia da Terra/ES. A pesquisa foi realizada em 2004 sob a coordenação do Prof.Dr. Erineu Foerste com o objetivo específico de avaliar os impactos referentes ao curso que já se encontra na segunda turma composta de 58 professores sem-terra.23 A Teologia da Libertação surge na década de 60 como resultado de uma práxis de uma Igreja que opta preferencialmente e solidariamente pelos empobrecidos. A questão de fundo da Teologia da Libertação consiste em pensar e viver a fé encarnada num contexto de opressão e dominação como o é a América Latina objetivando uma práxis libertadora.

Partindo da perspectiva do MST as lutas pela terra no Estado do Espírito Santo, as

análises feitas por Pizzeta (1999), podem ser agrupadas em cinco períodos

fundamentais, a saber: primeiro período (a terra negociada – 1983 a 1984); segundo

período (esgotamento da estratégia anterior e implantação do MST/ES -1985 a 1988);

Terceiro período (imprevisto: conflito, repressão e refluxo – 1989 a 1991); quarto

período (resistindo à violência: novos aliados\novas lutas-1992 a 1994); quinto período

(consolidação e expansão do MST – a partir de 1995). Os trabalhadores rurais sem-

terra organizaram o MST no Espírito Santo em 1983, em São Mateus. O primeiro

assentamento ocorreu no município de Jaguaré-ES, em 13 de setembro de 1983. Ficou

conhecido como Assentamento Córrego de Areia, beneficiando um total de 31 famílias

de trabalhadores rurais desempregados em São Mateus. Ainda em dezembro de 1984,

fruto desse mesmo processo, o segundo grupo de sem-terra, composto de dez famílias,

foi instalado em Jaguaré, num local próximo à comunidade de São Roque, razão pela

qual foi denominado Assentamento São Roque.

Durante algum tempo, a negociação foi a estratégia encontrada por esses grupos de

trabalhadores na luta pela terra. De acordo com os estudos realizados por Pizzeta

(1999) a partir de 1985, percebe-se o esgotamento dessa estratégia de luta. Além

disso, a participação de uma delegação de trabalhadores rurais capixabas no I

Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado em janeiro de

1985 em Curitiba, onde se definiu a ocupação24 como a principal forma de luta e

pressão, trouxe para o Estado a disposição de fundar o MST e de rever as estratégias

de enfretamento. Assim, em 27 de maio de 1985, realizou-se a primeira ocupação do

MST no Estado, ocasião em que 300 famílias provenientes de diversos municípios do

norte do Estado do Espírito Santo ocuparam a fazenda Georgina, no interior do

município de São Mateus.

24 É importante chamar a atenção para esse conceito. Ao contrário do termo “invadir” que significa um ato de força para tomar alguma coisa de alguém, no caso do MST como diz a mídia tomar a terra; o MST utiliza o conceito de “ocupar” no sentido de preencher um vazio, no caso, terras que não cumprem sua função social. Ao utilizar o conceito de ocupação o MST está relativizando o valor absoluto da propriedade da terra e subordinando-o ao direito à vida e ao trabalho.

Essa ocupação, segundo Fernandes (2000 p. 140):

Marcou o nascimento do MST no Espírito Santo e diferenciava-se das anteriores por sua forma de organização e seus objetivos. Aqueles trabalhadores não estavam dispostos apenas a lutar por aquela terra. Compreendiam que essa luta significava a construção do Movimento que levaria a luta para outras terras, territorializando o Movimento para outras regiões do estado.

Como se pode observar foi a partir da socialização dos problemas, das esperanças e

das reivindicações, principalmente a luta pela terra que transformou esses indivíduos

que antes faziam parte do contingente de desempregados e excluídos da sociedade,

sem direitos, sem dignidade, em uma coletividade organizada e com uma identidade

própria que passou a ser denominada de sem-terra. Segundo Caldart (2000 p. 79):

[...] Trata-se da marca da escolha das pessoas de reagir à sua condição de sem terra lutando pela terra, e de passar a perceber um problema que parecia de cada trabalhador, ou no máximo de cada família como um problema coletivo, e com alternativas de solução também coletivas. A grande diferença, entre um trabalhador sem-terra e um trabalhador sem-terra ligado ao MST, é que o primeiro não consta do ponto de vista social e político. A sua miséria ou o seu desenraizamento são problemas dele, ou no máximo são vistos como um problema social por outras pessoas ou por outros sujeitos, que podem decidir, ou não, ajudá-lo a sair desta sua condição desumana.

Concordamos com Caldart (2000) quando afirma que a pessoa que se integra a um

movimento social e luta pelo seu direito a ser um trabalhador da terra, e sobreviver

dignamente deste trabalho, passa a fazer diferença, a entrar nas estatísticas, na

sociedade, passa a ter um rosto, uma identidade. Pode apanhar da polícia, pode ser

despejado das terras que ocupa, pode ser considerado um desordeiro, mas existe

socialmente, é sujeito da história, e, mesmo que deixe de participar do MST, jamais

será o sem-terra de antes. Abraçou de corpo e alma a sua salvação social, e isto

alterou sua concepção e seu modo de ver o mundo. Segundo Valadão (1999) esse

processo de enraizamento e humanização transformou a vida de pessoas que antes

estavam excluídas, sobrantes, à margem da história, em sujeitos humanos com

dignidade e capacidade coletiva de construirem novas relações sociais.

É neste processo que se dá a construção de uma identidade coletiva de pertencimento

a um movimento social que tem uma dimensão de humanização das pessoas como é o

MST.

1.3 Estrutura Organizativa do MST

O MST, como já afirmamos anteriormente nasceu a partir das lutas pela terra iniciadas

no processo de dominação e resistência que caracteriza a nossa história brasileira. O

marco de sua fundação, enquanto movimento organizado através da sigla MST, no

entanto, foi janeiro de 1984, no primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais

Sem Terra realizado em Cascavel - PR, do qual participaram 150 delegados. Esse

encontro tinha como finalidade reunir todas as categorias de trabalhadores rurais que

lutavam para obter terra para plantar. Nesse encontro o MST definiu como princípio a

luta pela Reforma Agrária – “Terra para quem nela trabalha” e uma política agrícola que

assegurasse aos trabalhadores do campo a possibilidade de permanecerem em suas

terras, já que estavam sendo expropriados e expulsos delas.

Segundo Fernandes (2000) das lutas realizadas pelas famílias sem-terra e das

reflexões e estudos das histórias de movimentos camponeses precedentes, nasceram

as experiências de construção da forma de organização do MST. E assim, homens,

mulheres, jovens e crianças foram fazendo o Movimento. Do mesmo modo que não

podemos ignorar que o MST nasceu da luta pela terra que o antecedeu, não é possível

compreendê-lo na sua essência sem conhecer as lutas desenvolvidas pelas famílias

sem-terra. No processo de construção de experiências nasceram as necessidades que

resultaram em diversas comissões, equipes, núcleos, setores e outras formas de

atividades em que se organizaram para discutir, refletir e praticar a luta pela terra em

todas as suas dimensões.

A organização do MST é composta pelas seguintes instâncias:

1- Congresso Nacional, realizado a cada cinco anos e que tem como objetivo a

definição de linhas conjunturais e estratégicas; a confraternização entre os sem-terra e

com a sociedade;

2- Encontro Nacional, realizado a cada dois anos para avaliar, formular e aprovar linhas

políticas e os planos de trabalho dos setores de atividades;

3- Coordenação Nacional, composta por dois membros de cada estado, eleitos no

Encontro Nacional, um membro do Sistema Cooperativista dos Assentados de cada

estado e por dois membros dos setores de atividades, que se reúnem de acordo com

um planejamento anual. É responsável pelo cumprimento das deliberações do

Congresso e Encontro Nacional, bem como pelas decisões tomadas pelos setores de

atividades;

4- Direção Nacional, é uma representação composta por um número variável de

membros indicados pela Coordenação Nacional. As funções e divisão dos trabalhos

dos membros da Direção Nacional são ratificadas pela Coordenação Nacional, que

devem acompanhar e representar os estados, bem como trabalhar na organicidade do

Movimento por meio de setores de atividades;

5- Encontros Estaduais, realizados anualmente para avaliar as linhas políticas, as

atividades e as ações do MST. Programam atividades e elegem os membros das

Coordenações Estadual e Nacional;

6- Coordenações Estaduais, compostas por membros eleitos nos Encontros Estaduais.

São responsáveis pela execução das linhas políticas do MST, pelos setores de

atividades e pelas ações programadas nos Encontros Estaduais;

7- Direções Estaduais, são representações compostas por um número variável de

membros indicados pelas coordenações estaduais. Seus membros também são

responsáveis pelo acompanhamento e representação das regiões do MST nos estados,

bem como pela organicidade e desenvolvimento dos setores de atividades;

8- Coordenações Regionais, compostas por membros eleitos nos encontros dos

assentados, contribuem com a organização das atividades referentes às instâncias e

aos setores;

9- Coordenações de Assentamentos e Acampamentos, compostas por membros eleitos

pelos assentados e acampados, são responsáveis pela organicidade e

desenvolvimento das atividades dos setores;

10- Na formação das instâncias de representação e de setores de atividades, nos

assentamentos e nos acampamentos, com maior ou menor vinculação, foram formados

grupos de base. Esses grupos são compostos por famílias, por jovens ou por grupos de

trabalhos específicos: educação, formação, frente de massa, cooperação agrícola,

comunicação, finanças etc., que compõem a coordenação dos assentamentos.

Em síntese podemos afirmar fundamentados em Fernandes (2000) e Bezerra (1999),

que o MST tem como forma de organização várias frentes de trabalhos ou setores que

discutem entre si coletivamente a melhor forma de conduzir os trabalhos nos

acampamentos e assentamentos, entre os quais destacamos: Frente de Massa: é a

responsável pelo trabalho de base, reúne os sem-terra procurando conscientizá-los

para a importância da ocupação de terras como forma de luta organizada:

1- Setor de produção dos assentamentos: cuida da organização da produção dos

assentamentos resultantes de conquistas na luta pela Reforma Agrária desenvolvida

pelo Movimento. Além disso, é responsável por programar espaços-tempos para

estudar as formas de produção nos assentamentos, tendo presente a importância

da preservação do solo e do meio ambiente;

2-Setor de Formação: é responsável pela formação política dos militantes e agricultores

trabalhadores rurais. Busca encaminhar e planejar a realização de cursos, seminários

que tenham a participação conjunta de todo o Movimento, de pessoas simpatizantes

e\ou entidades que apóiam a luta pela terra;

3-Setor de Educação: responsável pela educação formal ou informal das crianças,

jovens e adultos dos acampamentos e assentamentos. Esse setor está organizado em

nível nacional, contando com um coletivo nacional, estadual e regional;

4-Setor de comunicação e propaganda: responsável pela divulgação do MST

(encontros, mobilizações, sociedade) e pelas denúncias nos momentos de conflitos ou

confrontos com a polícia.

Esse setor tem uma importância muito grande no sentido de desdemonizar25 a imagem

negativa que a Mídia em geral (tanto a televisiva como a jornalística) inventa em

relação ao Movimento com intuito de denegrir a imagem do mesmo perante a opinião

pública e toda a sociedade. Nesse mesmo sentido cabe a este setor a desjudicialização

do Movimento perante a sociedade. Geralmente quando ocorrem os despejos dos

acampados, pela Polícia Militar essa já vem munida da ordem de despejo ou de

reintegração de posse concedida pela justiça, ou seja, os poderes dominantes

constituídos se unem para impedir que os injustiçados, no caso os trabalhadores rurais,

façam a justiça sair do papel e cumprir sua verdadeira vocação: estar a serviço da

defesa da vida, principalmente do mais pobres e excluídos da sociedade.

5- Setor de finanças e projetos: responsável pela elaboração e acompanhamento dos

projetos financeiros que dão sustentação ao Movimento;

25 Utilizo o termo no sentido dado por Bruno Konder em sua obra: A ação política do MST. Segundo o autor a mídia em geral tenta associar as ações do MST com ações demoníacas ou comunistas.

6- Setor de saúde: responsável pela saúde nos acampamentos e assentamentos.

Programa cursos voltados para a medicina e alimentação alternativas;

7- Setor de gênero: está começando a se estruturar, sua função é discutir nos

acampamentos, assentamentos e em todo o Movimento os assuntos ligados á questão

do gênero, como por exemplo, a participação da mulher nas diversas instâncias do

Movimento.

É essa estrutura organizativa que faz com que o Movimento seja diferente de outros

movimentos sociais, possuindo uma estrutura dinâmica e descentralizada com uma

forte organização de base a nível nacional, estadual e regional. Após esse breve

resgate da memória da luta pela terra em nosso país e do nascimento do MST, pode-se

perguntar: que importância tem para a nossa pesquisa o resgate dessa história? Será

que cada sem-terra carrega em si (ainda que não saiba disso) a herança rebelde de

Sepé Tiaraju, de Zumbi dos Palmares, dos camponeses, que lutaram em Canudos,

Trombas e Formoso, Constestado, nas Ligas Camponesas, no massacre dos

camponeses do Espírito Santo?

Que saberes os sem-terra estão construindo no enfretamento e na luta pela terra? O

que podemos aprender com a forma como se organizam? É o sentimento de

pertencimento a uma coletividade fundamental nesse processo de formação e

humanização dos sem-terra? Que importância tem o MST para repensarmos uma

sociedade alternativa fundada na justiça social e em processos sociais, culturais e

econômicos humanizadores? É o MST um sujeito coletivo que educa e forma os sem-

terra? Têm o Curso Pedagogia da Terra em sua estrutura e organização semelhanças

com o MST?

1.4 Terra é Mais do que Terra: da Luta Pela Terra à Luta Por Educação

Nesta trajetória da história da luta pela terra o MST buscou democratizar a terra a fim

de que a mesma exerça a sua função social, para isso lutou organizadamente e

coletivamente. E foi nesta luta pela terra que o MST percebeu que terra é mais do que

terra. Terra é mais do que terra em pelo menos dois sentidos: ao conquistar a terra se

conquista a vida, no sentido de que para se viver é preciso trabalhar, morar, comer; e

no sentido de que é após a conquista da terra que se coloca o desafio de permanecer

na terra e fazê-la produzir. Portanto podemos afirmar que a preocupação do MST com

a questão da educação surge a partir do momento em que percebe a necessidade de

educar os sujeitos do campo para que continue a luta pela terra.

A educação surge como uma necessidade das famílias, das crianças, dos

adolescentes, dos adultos, dos sujeitos que vivem e trabalham no campo como forma

de garantir a luta pela Reforma Agrária e na conquista efetiva de seus direitos, de sua

cultura, de sua dignidade, de sua identidade como sujeitos que fazem a história. Na

origem do trabalho do MST com a educação escolar podemos identificar conforme

afirma Caldart (2000) pelo menos cinco fatores: o primeiro diz respeito ao contexto

social em que se insere o nascimento do MST como Movimento, como componente

específico da realidade da educação em nosso país e particularmente da situação do

meio rural. O mesmo modelo de desenvolvimento que gera os sem-terra também os

exclui de outros direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola.

A grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e uma experiência

pessoal de escola que não deseja para seus filhos: discriminação, professores

despreparados, reprovação e exclusão. O segundo fator foi a preocupação das famílias

sem-terra com a escolarização de seus filhos. O terceiro elemento ou circunstância que

pressionou fortemente o início dos trabalhos do MST com a educação escolar foi a

iniciativa das mães e professoras em levar adiante esta preocupação que aparecia nas

famílias sem-terra.

Esta iniciativa incluía três dimensões principais: a organização das atividades

educacionais com as crianças acampadas; a pressão exercida para mobilização das

famílias e lideranças de cada acampamento e assentamento em torno da luta por

escola; a preocupação das professoras com sua própria articulação e formação para

assumirem a tarefa de educar as crianças sem-terra de um jeito diferente26. De acordo

com Caldart (2000 p. 150):

Na criação das chamadas equipes de educação pode ser identificado o início da discussão do que seria depois a proposta pedagógica do MST. A equipe (de educação) surgiu por iniciativa de algumas professoras que estavam iniciando o seu trabalho nas recém-criadas escolas dos acampamentos e assentamentos, tendo necessidade de discutir sua prática com as companheiras. O que moveu o grupo (umas dez professoras) foi a certeza de que uma escola de assentamento e ligada ao MST não pode ser igual às escolas tradicionais. Ela deve ser diferente.

Neste sentido podemos nos perguntar se o Curso Pedagogia da Terra em seus

diferentes espaços-tempos-saberes dá conta de formar e preparar os professores para

preservarem, valorizarem e cultivarem os valores, os saberes, a cultura e a identidade

dos sujeitos que vivem trabalham e educam-se no campo? O último fator que

impulsionou os trabalhos do MST com a questão da educação trata-se do valor que o

estudo tinha na vida das pessoas que ajudaram a organizar o MST e que se tornaram

suas principais lideranças. Nesta trajetória da questão da educação no MST Caldart

(2000) afirma como referência cronológica nacional o Primeiro Encontro Nacional de

Professores de Assentamento, que aconteceu em julho de 1987, no município de São

Mateus, Espírito Santo, organizado pelo MST para começar a discutir uma articulação

nacional do trabalho que já se desenvolvia, de forma mais ou menos espontânea, em

vários estados brasileiros.27 O encontro nacional de 1987 representou uma mudança de

eixo no processo de preocupação da escola pelos sem-terra.

26 Uma escola onde os professores e alunos sintam orgulho de hastear a bandeira do MST, de cantar seus hinos e canções, que cultive a memória, os valores e a identidade de ser Sem Terra! Será que o Curso Pedagogia da Terra em seus espaços-tempos-saberes dá conta de preparar os professores para esta realidade? Como essa dimensão da mística e dos símbolos se manifesta no Curso Pedagogia da Terra?27 Para uma análise mais detalhada da questão da educação nos assentamentos do Espírito Santo, remetemos o leitor ao trabalho de Adelar João Pizzeta – Formação e práxis dos professores de escolas de assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado, 1999, PPGE (Programa de Pós-graduação em Educação – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES).

Da organização mais ou menos espontânea surgida nos estados do centro-sul do país

nasceu o Setor de Educação do MST, que passou a ser organizado com este nome nos

estados, principalmente a partir de 1988, acompanhando a nova estruturação do

Movimento em setores, com elos de ligação desde a base local até as instâncias

nacionais. Para Caldart (2000) a principal função do Setor de Educação seria a de

articular e potencializar as lutas e as experiências educacionais já existentes, ao

mesmo tempo em que desencadear a organização do trabalho onde ele não havia

surgido de forma espontânea, ou nos assentamentos e acampamentos que fossem

iniciados a partir daquele momento. Foi com a participação dos coletivos municipal,

estadual que o Coletivo Nacional de Educação em 1990 chegou à conclusão de que

devia ser elaborada por escrito uma proposta de educação do MST.

A partir das discussões acumuladas até aquele momento chegou-se à conclusão de

que apenas o relato oral não dava conta de sistematizar uma reflexão que ajudasse os

educadores a pensar sua própria prática. O desafio era duplo: avançar na elaboração

da proposta e ao mesmo tempo traduzi-la numa linguagem que fosse acessível ao

conjunto do Movimento, em especial aos professores e militantes. Neste sentido o

primeiro texto escrito: O que queremos com as escolas dos assentamentos, passou por

cinco ou seis versões antes de ser editado sob a forma de cartilha em meados de 1991.

O conjunto de materiais escritos pelo Movimento que se seguiram a esse primeiro texto

teve um processo semelhante.28

28 Segundo Caldart (2000) o conjunto de materiais produzidos pelo MST pode ser sintetizado da seguinte forma: os Caderno de Formação; os Cadernos de Educação que a cada número vai socializando o avanço da proposta pedagógica do MST, bem como sua própria ampliação do conceito de escola. Até 1999 foram produzidos dez destes cadernos, combinados com outras três coleções: Boletim de Educação, com subsídios mais gerais para o trabalho dos educadores, Fazendo história, literatura específica para crianças e adolescentes e, a mais recente, Fazendo escola, que retoma em outra forma a prática inicial de intercâmbio de experiências entre os educadores. Podemos notar e destacar o aprendizado coletivo do processo de construção da proposta pedagógica: cada material editado passa pelas seguintes fases: primeiro, o coletivo discute sobre o que será produzido; depois uma pessoa ou uma equipe recebe a tarefa de fazer a primeira versão do texto. Esta versão passa então por diversos coletivos, de preferência não somente os da educação, para que seja apreciado; o coletivo inicial de discussão é o que geralmente tem a palavra final para dizer se o texto já o representa. Podemos afirmar que esse processo coletivo de discussão e aprendizado constitui um movimento dialético em que se parte da prática a fim de refleti-la retornando à prática de forma enriquecida, ou seja, à práxis.

De acordo com os estudos realizados por Caldart (2000) na produção inicial dos

princípios da educação do MST29 podem ser identificadas três fontes principais: a

experiência dos sujeitos que estavam diretamente envolvidos com o trabalho de

educação nos assentamentos e acampamentos; o próprio Movimento como um todo,

através de seus objetivos, princípios e aprendizados coletivos e alguns elementos de

teoria pedagógica presentes na prática de algumas professoras e também pedagogos

que começaram a ajudar na sistematização da proposta educativa do Movimento.

Destaca-se neste sentido a ênfase no estudo de Paulo Freire e também de alguns

pensadores e pedagogos socialistas: Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí,

sendo que estes dois últimos já eram estudados há mais tempo dentro do MST, pelas

contribuições que traziam a outros setores de atuação do Movimento.

Podemos afirmar como tentativa de síntese que o eixo fundamental da elaboração da

proposta educativa do MST desde o início foi e continua sendo a prática dos sujeitos

sem-terra e a construção de processos educativos ligados à realidade destes sujeitos

que vivem e trabalham no e do campo. É importante situarmos esse processo coletivo

de construção da proposta educativa do MST e percebermos como o Curso Pedagogia

da Terra vai trazer em sua estrutura organizativa muito dessas dimensões propostas

pelo Movimento: tais como a preocupação de que a formação dos professores para

atuarem nas escolas do campo deve ser diferenciada no sentido de respeitar a

realidade dos sujeitos que vivem e trabalham no meio rural; a vinculação da educação

com os processos sociais, políticos e econômicos; a necessária relação entre teoria e

prática e educação para a transformação da realidade social.

29 O Caderno de Educação número 8 intitulado: Princípios da educação no MST trazem uma síntese dos princípios filosóficos e dos princípios pedagógicos do Movimento, entre eles podemos destacar: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com/para valores humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e transformação humana; relação entre teoria e prática; a realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura; auto-organização dos estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; atitude e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Podemos perceber nestes princípios da educação do MST o modo diferente de conceber o ser humano e a educação e sua preocupação de garantir uma educação que respeite os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem no e do campo.

CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

“Ser educador do MST é ter o compromisso de desenvolver uma nova pedagogia, a pedagogia que liberta, a pedagogia que faz e que ajuda na transformação social”.30

Neste segundo capítulo buscaremos traçar em linhas gerais, sem a intenção de

aprofundar ou mesmo esgotar, o complexo e contraditório processo histórico da

educação brasileira para que melhor possamos entender o contexto em que se insere a

educação do campo. Nosso objetivo consistirá em analisar a luta de setores da

sociedade civil, movimentos estudantis, intelectuais, educadores, organismos e

instituições em prol de uma educação comprometida com os valores, a cultura e a

identidade dos sujeitos do campo.

Historicamente a educação foi privilégio de uma elite e esteve a seu serviço, mas é

preciso ver (e só se vê bem com a mente e o coração) e interpretar o movimento

contraditório da própria realidade percebendo nela a luta e os embates que se travaram

em defesa de uma educação de qualidade para todos. Constatamos que, durante os

primeiros séculos da época colonial, os jesuítas eram os únicos educadores do país. E,

preocupados com a difusão da fé e com a educação de uma elite, foram responsáveis

por terem criado um sistema educacional que, em última análise, fornecia à classe

dominante, representada principalmente pelos senhores de engenho, uma educação

humanista idêntica ao ideal europeu da época.

30 Frase dita por um aluno da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra quando foi perguntado sobre o que significava para ele ser professor do MST.

Segundo Romanelli (1998 p.33):

As condições objetivas que, portanto favoreceram essa ação educativa foram, de um lado, a organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da formação mesma dos padres da Companhia de Jesus. A primeira condição consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número restrito, porquanto estavam excluídos dessa minoria as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada.

A vinda da Família Real portuguesa para o Brasil em 1808 teve como conseqüência, no

campo cultural, a criação de escolas superiores e a preocupação com o

desenvolvimento do ensino destinado ao aprimoramento da cultura das elites em geral.

Mesmo assim, esse aprimoramento já vinha com atraso ao Brasil. A Independência do

Brasil é um marco importante nessa segunda fase. Após a sua proclamação, uma das

primeiras preocupações da Assembléia Legislativa Constituinte fora a tentativa de

legislar sobre a educação. Conforme análises feitas por Speyer (1983) após seis meses

de conturbado funcionamento, a Comissão de Instrução Pública produziu dois projetos

de lei referentes à educação pública: o projeto do Tratado de Educação para a

Mocidade Brasileira e o projeto de Criação de Universidade.

Depois de inúmeras propostas em favor da educação popular, a nova Comissão de

Instrução apresentou à Câmera dos Deputados, em 1827, um projeto de lei que

propunha a criação de escolas primárias. No final do mesmo ano, em 15 de outubro, foi

sancionada a primeira Lei sobre a instrução pública nacional que foi o Decreto das

Escolas das Primeiras Letras. De acordo com os estudos realizados por Romanelli

(1998) marco significativo nessa caminhada de decretos, reformas e legislação é o

parecer-substitutivo de Rui Barbosa em 1882 que aponta a miséria absoluta em que se

encontra o ensino popular.

Este parecer, apresentado à Assembléia Geral, em nome da Comissão de Instrução

que estudou a reforma Leôncio de Carvalho31, embora não tenha provocado ação

conseqüente, é um marco de destaque no panorama educacional brasileiro. O

resultado de sua apresentação foi inexpressivo em termos de ação, mas teve o mérito

de elaborar diagnóstico exaustivo e realista da situação educacional, apresentando três

teses básicas que perduram até os dias de hoje: a necessidade da interferência federal

em favor do ensino elementar universal e obrigatório; a necessidade de uma política

nacional de educação; a necessidade de criação de fundos para o financiamento das

atividades educativas. A Constituição da República de 1891, que institui o sistema

federativo de governo, consagrou o sistema dualista de ensino que vinha mantendo-se

desde o tempo do Império. Era de fato, a nova oficialização da distinção entre a

educação da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores)

e a educação do povo (escolas primárias e escolas profissionais).

A realidade educacional refletia diretamente a brutal desigualdade da organização da

sociedade brasileira. O quadro político da República Velha se altera com a Primeira

Guerra Mundial. As modificações provocadas pela Primeira Guerra Mundial na vida do

país favoreceram o surgimento de novas discussões dos problemas educacionais

brasileiros. Na década de 20 aparecem os primeiros educadores a introduzirem idéias

da escola renovada, estimulando preocupações com a qualidade do ensino. A origem

de todos os nossos problemas é atribuída à precária situação do ensino no país e

iniciam-se as primeiras campanhas contra o analfabetismo. De acordo com Ribeiro

(1998, p.99) o modelo de escolarização que estava sendo assinalado era o da Escola

Nova:

O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem caracterizam a década dos anos 20, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos diversos níveis e tipos.

31 Leôncio de Carvalho entendia que muito havia a ser feito para imprimir um impulso à educação. Entre as medidas necessárias estavam: liberdade de ensino; o exercício do magistério era incompatível com o de cargos públicos e administrativos; liberdade de freqüência, ou seja, dar liberdade para os alunos dos cursos, secundário e superior estudarem como e com quem entendessem. À escola caberia, especialmente, ser severa nos exames.

É essa inclusão sistemática dos assuntos educacionais nos programas de diferentes organizações que dará origem àquilo que na década de 20 está sendo denominado de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico.

O ano de 1922 reúne eventos significativos que assinalam o princípio de uma nova

conjuntura que virá eclodir apenas com a Revolução de 30.32 Foram programados e

realizados vários congressos e conferências, onde eram debatidos os princípios

fundamentais que deveriam orientar a educação nacional. E, nestes debates, duas

orientações se conflitavam. Uma, era já tradicional, representada pelos educadores

católicos, que defendiam a educação subordinada à doutrina religiosa (católica), a

educação em separado e, portanto, diferenciada para os sexos masculino e feminino, o

ensino particular, a responsabilidade da família quanto à educação etc.

A outra, era representada pelos educadores influenciados pelas “idéias novas” e que

defendiam a laicidade, a co-educação, a gratuidade, a responsabilidade pública em

educação. A escola, pública, gratuita e leiga era vista pelos educadores como a

situação ideal, justamente com vistas ao atendimento das aspirações individuais e

sociais, o que equivale ao contrário de qualquer imposição orientadora, quer seja de

ordem religiosa, quer seja de ordem política.

Foi a partir da Revolução de 1930 que se intensificou a participação do governo central

em todos os níveis do sistema escolar. A concentração demográfica que se deu em

decorrência das transformações sociais e econômicas por que passava o país, levou a

uma crescente concentração de renda no setor industrial, que resultou na concentração

das unidades escolares nos centros de maior densidade demográfica.

32 Na verdade o que se convencionou chamar de Revolução de 1930 foi o ponto alto de uma série de revoluções e movimentos armados que, durante o período compreendido entre 1920 e 1964, se empenharam em promover vários rompimentos políticos e econômicos com a velha ordem social oligárquica. (Romanelli,1998)

A escolarização urbana passou a fazer parte desse ideário como suporte para a

industrialização, e, a priori, o processo escolar rural permaneceu inalterado, o qual

segundo Maia (1982, p. 28) estava:

Comprometido com a manutenção do “status-quo”, contribui para uma percepção viesada da contradição cidade-campo como algo “natural”, concorrendo conseqüentemente para sua perpetuação. Ao que parece, a grande “missão” do professor rural seria a de demonstrar as “excelências” da vida no campo, convencendo o homem a permanecer marginalizado dos benefícios da civilização urbana.

As proposições getulistas do Estado Novo33 de certa forma mantiveram a tradição dual

da escola brasileira, garantindo a obrigatoriedade e a gratuidade da escolaridade,

porém, dando ênfase ao trabalho manual nas escolas primárias e secundárias e ao

desenvolvimento de uma política educacional voltada para o ensino vocacional urbano

destinado especialmente às classes populares.

Com base num processo de industrialização amplo, Getúlio, através de seu ministro

Gustavo Capanema34, estipulou primeiramente uma escolaridade voltada para a

capacitação profissional, mediante as novas exigências do mercado de trabalho. Fica

reafirmada aqui, a discriminação e a dualidade do processo educacional brasileiro. A

reforma Capanema, iniciada em 1942 vigorou até a aprovação da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, em 1961.

33 É difícil chegar-se a um consenso sobre o que representou o Estado Novo para a vida nacional. Para uns, ele foi o golpe de morte nos interesses latifundiários e o favorecimento dos interesses da burguesia industrial. Para outros, ele favoreceu as camadas populares, com amplo programa de Previdência Social e Sindicalismo. Para outros, ainda, ele foi o resultado da união de forças entre o setor moderno, o setor arcaico e o capital internacional, contra os interesses das classes trabalhadoras. Segundo Nelson Wernek Sodré, por exemplo, foi da aliança da burguesia com o latifúndio e o imperialismo que nasceu o Estado Novo, para fazer frente aos movimentos de oposição que tinham surgido em 1935.34 Segundo Ribeiro (1998, p.147) em 1942 foi decretada a reforma Capanema, que abrangeu o ensino secundário e técnico-industrial. Assinalando o caráter educativo do ensino secundário de formação da personalidade acompanhada de uma cultura geral, estabeleceu uma uniformidade de currículo e de organização.

2.1 A Luta por uma Educação Popular35: Antecedentes da Luta por uma Educação do Campo

Durante o Governo Vargas o Estado assumiu mais ativamente a tarefa de propulsor do

desenvolvimento, assentando as bases para a implantação da indústria pesada. No

entanto, foi no Governo de Kubitschek que o processo de internacionalização de nossa

economia se intensificou com a política do desenvolvimentismo36 e do incentivo à

industrialização. Com isso, no transcorrer do governo de Juscelino, há uma tentativa de

conciliar o modelo político - nacional-desenvolvimentista - com o modelo econômico –

substituição de importações em sua segunda fase, agora contando basicamente com a

participação do capital estrangeiro.

Sendo assim, os anos de 1956 a 1961, constituíram o período “áureo” do

desenvolvimento econômico, aumentando as possibilidades de emprego, mas

concentrando os lucros marcadamente em setores minoritários internos e, mais que

tudo, externos. Como se vê é a partir da segunda metade do século XX que o Brasil

experimenta um aumento no seu parque industrial acompanhado do processo de saída

do homem do campo para as cidades. As mudanças introduzidas nas relações de

produção e, sobretudo, a concentração cada vez mais ampla da população em centros

urbanos tornaram imperiosa a necessidade de se eliminar o analfabetismo e dar um

mínimo de qualificação para o trabalho a um número maior de pessoas.

35 Estamos empregando o termo educação popular no sentido de ser gratuita, universal e de qualidade. Portanto em contraposição ao projeto dual de educação forjado na história de nosso país em que se criou uma educação para as elites e uma educação para o povo; a primeira visava formar os dirigentes através do ensino humanístico e a segunda tinha como objetivo apenas a formação técnica, destinada às massas (divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual). A educação popular que defendemos implica uma educação de qualidade para todos, em que se valorize os saberes, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que nela estão envolvidos.36 Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart venceram as eleições com o programa de fazer o Brasil progredir “50 anos em 5”, atacando o problema das estradas, da energia, dos transportes e a construção de Brasília.

A partir dos estudos realizados por Romanelli (1998) podemos afirmar que o

capitalismo, notadamente, o capitalismo industrial, engendra a necessidade de fornecer

conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria

produção, seja pelas necessidades de consumo que essa produção acarreta. Se de um

lado o acesso à leitura e à escrita representava uma forma de sobrevivência e

expansão do próprio sistema capitalista, contraditoriamente, ou ao mesmo tempo,

representava a possibilidade de emancipação das massas oprimidas.

Para Leite (2002) as discussões sobre a educação, acontecidas na década de 193037,

adiantaram as proposições que surgiram em meados da década de 1940, pois,

terminada a II Guerra Mundial e, em conformidade com a política externa norte-

americana de Educação das Populações Rurais, que tinha como objetivo a implantação

de projetos educacionais na zona rural e o desenvolvimento das comunidades

campesinas: mediante a criação de Centros de Treinamento (para professores

especializados que repassariam as informações técnicas aos camponeses), a

realização de Semanas Ruralistas (debates, seminários, encontros, dia-de-campo), e

também a criação e implementação dos chamados Clubes Agrícolas e dos Conselhos

Comunitários Rurais. Assim de acordo com Leite (2002) o objetivo imediato da

Extensão Rural foi o combate à carência, à subnutrição e às doenças, bem como à

ignorância e a outros fatores negativos dos grupos empobrecidos no Brasil,

principalmente aqueles que integravam as sociedades rurais, classificadas como

desprovida de valores, de sistematização de trabalho ou mesmo de capacidade para

37 A preocupação dos educadores com uma política nacional de educação pode ser percebida através de todo o texto do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por numerosos educadores. Destacamos do texto alguns princípios: a educação é considerada em todos os seus graus como uma função social e um serviço essencialmente político que o Estado é chamado a realizar com a cooperação de todas as instituições sociais; Cabe aos estados federados organizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com os princípios e as normas gerais estabelecidos na Constituição e em leis ordinárias pela União, a quem compete a educação na capital do país, uma ação supletiva onde quer que haja deficiência de meios e a ação fiscalizadora, coordenadora e estimuladora pelo Ministério da Educação; o sistema escolar deve ser estabelecido nas bases de uma educação integral; em comum para os alunos de um e outro sexo e de acordo com suas aptidões naturais; única para todos, e leiga, sendo a educação primária (7 a 12 anos) gratuita e obrigatória; o ensino deve tender progressivamente à obrigatoriedade até 18 anos e à gratuidade em todos os graus.

tarefas socialmente significativas. Os princípios teóricos que sustentavam o Programa

de Extensão Rural primavam pela organização comunitária dos sujeitos do campo.

Embora o campo tenha ampliado e melhorado seu nível de vida, as condições de

dependência político-ideológico foram reforçadas e a vivência democrática e cidadã

ficou mais uma vez submetida à vontade dos grupos dominantes.

2.2 A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER)

Como vimos anteriormente se de um lado o acesso à leitura e à escrita representava

uma forma de sobrevivência do próprio sistema capitalista, contraditoriamente, ou ao

mesmo tempo, representava a possibilidade de emancipação das massas oprimidas.

Neste contexto é que situamos a Campanha Nacional de Educação Rural. A partir dos

estudos realizados por Paiva (1987) podemos afirmar que a CNER nasceu em 1952,

depois da realização da experiência de Itaperuna38.

Através das Missões Rurais a Campanha deveria promover entre as populações do

campo a consciência do valor da entreajuda para que os problemas locais pudessem

ser resolvidos e seu trabalho se consolidava e institucionalizava através da criação de

Centros Sociais de Comunidade. A CNER tinha como objetivo contribuir para acelerar o

processo evolutivo do homem rural, nele despertando o espírito comunitário, a idéia de

valor humano e o sentido de suficiência e responsabilidade para que não se

acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde

tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a disseminação de

endemias, a consolidação do analfabetismo, a subalimentação e o incentivo às

superstições e crendices. Ainda de acordo com Paiva (1987) as atividades da

38 Esta experiência, iniciada em 1950, tinha como objetivo principal obter o maior número possível de elementos que permitissem indicar, no plano nacional, diretrizes técnicas de processos educativos e assistenciais visando à melhoria das condições de vida econômica e social do meio rural. O método de trabalho seria, de início, o de organização social da comunidade; o instrumento de execução seria uma Missão Rural de Educação de Adultos. Para tanto foi escolhido o município de Itaperuna não somente pelos índices demográficos, extensão territorial ou importância econômica, mas principalmente pela grande variedade de situações econômico-sociais em que viviam as populações dos seus distritos onde encontram-se comunidades decadentes e subdesenvolvidas próximas de comunidades prósperas.

Campanha Nacional de Educação Rural tinham dois pontos básicos de apoio: as

Missões Rurais, cuja metodologia derivava da experiência de Itaperuna e os Centros de

Treinamento (destinados aos professores leigos, à preparação dos filhos de agricultores

para as atividades agrárias e à preparação de técnicos em audiovisuais aplicados à

educação de base). A CNER desenvolveu suas atividades entre 1952 e 1963, quando

foi extinta juntamente com as demais campanhas do MEC, chegando a atuar em

numerosos Estados do país (principalmente no Nordeste) e a manter 18 Missões em

funcionamento que logo após foram desativadas. Centrada na ideologia do

desenvolvimento comunitário, a modernização do campo nada mais foi do que a

internacionalização da economia brasileira aos interesses monopolistas e capitalista, e

a CNER, ao realizar seu trabalho educativo, desconsiderou a realidade do campesinato

brasileiro em seus aspectos culturais, políticos e sociais. Além disso, as lutas ou

reivindicações das minorias rurais ficaram obscurecidas, sucumbindo frente aos

interesses capitalistas hegemônicos. Segundo Leite (2002) quanto à filosofia da CNER,

a Campanha limitou-se a repetir fórmulas tradicionais de dominação, uma vez que ela

não trouxe à tona, em suas discussões, os mecanismos verdadeiros da problemática

rural.

2.3 A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA)

Para Paiva (1987) a CNEA foi criada em 1958 e pretendia ser um programa

experimental destinado à educação popular em geral. Ela surgiu no momento em que

se iniciava no país uma nova etapa da educação de adultos: reconhecia-se

amplamente a ineficácia das Campanhas anteriores e mobilizavam-se os educadores

em busca de novas soluções para o problema, com a criação do Centro Brasileiro de

Pesquisas Educacionais (CBPE)39 um setor destinado ao estudo dos problemas de

39 O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais foi criado oficialmente pelo decreto n. 38.460 de 28/12/1955 e funcionou na sede do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). O INEP por sua vez foi criado pela Lei 580 de 30/07/1938. O CBPE desenvolveu atividades com o intuito de fortalecer o processo de formação de profissionais e pesquisadores na área de educação em nosso país. Para tanto contou com o apoio dos Centros Regionais que funcionavam como pólos que o representavam nos estados de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife.

educação e ciências sociais. A criação da Campanha já era resultado de todo um

processo de busca de soluções em andamento desde finais de 1956, quando alguns

educadores e economistas ligados ao governo Juscelino Kubitschek começaram a

rejeitar a idéia de que o desenvolvimento econômico é que criaria condições para

elevar o nível educacional. A rejeição desta idéia implicava propor que o

desenvolvimento educacional é pré-condição para o crescimento econômico; acreditar

que o desenvolvimento econômico e a mudança orgânica da sociedade brasileira

dependiam, principalmente, da formação do homem. De acordo com as análises feitas

por Leite (2002) em relação aos problemas da educação no meio rural as Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024 de 21-12-61) e a Reforma do

Ensino de Primeiro e Segundo Graus (Lei n. 5.692 de 11-8-71) trouxeram muito pouco.

Suas virtudes estão na abertura que concederam. Deixando sob a responsabilidade dos

municípios a estruturação da escola fundamental na zona rural, a Lei 4.024/61 omitiu-se

quanto à escola no campo, uma vez que a maioria das prefeituras municipais do interior

é desprovida de recursos humanos e, principalmente, financeiros.

Os estudos realizados por Paiva (1987) mostram que em meados da década de 1960, o

país vivenciou o início da crise do modelo desenvolvimentista através das ondas

migratórias das populações carentes do meio rural para os grandes centros urbanos; do

Golpe Militar de 1964, que modificou extremamente a estrutura sócio-política do país e

cristalizou o modelo de dependência econômica do Brasil em relação aos países do

bloco capitalista; da anulação dos direitos civis e da cidadania; do desenvolvimento do

“milagre econômico” e da aproximação do país do Fundo Monetário Internacional (FMI).

É nesse contexto que constatamos a penetração incisiva da Extensão Rural e de sua

ideologia no campo. Na contramão dessa ideologia e na perspectiva de um projeto de

sociedade e educação alternativo situam-se os trabalhos de Freire (1970) e Wanderley

(1984), Paiva (1987). É também neste período que surgem os movimentos de

educação popular buscando conscientizar a população adulta para que tomasse parte

ativa na vida política do país.

Paiva (1987) em sua tese “Educação Popular e Educação de Adultos” apresenta

enfoques bastante pertinentes sobre a educação popular, inclusive no meio rural. A

obra de Freire (1970) igualmente, se concentra nas experiências de educação de

adultos. Freire (1970) não buscou sistematizar nem a educação formal, nem a informal,

mas a partir da práxis dos grupos de periferias urbanas e/ou da zona rural, revolucionou

a prática educativa, criando os métodos de educação popular, tendo por suporte

filosófico-ideológico os valores e o universo sociolingüístico-cultural desses grupos.

Dialeticamente percebido, no confronto entre escola formal/tradicional e educação

informal/popular, rompeu com a dicotomia até então presente e vivenciada pela escola

brasileira, na tentativa de possibilitar uma educação voltada para a solidariedade, para

a práxis, em que a dimensão social, política, econômica e cultural constituíssem a

tessitura do processo ensino-aprendizagem. Sua proposta foi amplamente utilizada,

levando-se em consideração o trabalho do Movimento de Educação de Base (MEB) e

as rupturas ideológicas sócias-políticas internas acontecidas a partir de 1964 em

relação à Ditadura Militar.

O Movimento de educação popular ganhou inúmeros seguidores e rapidamente se

espalhou pelo país, não só como forma de resistência e/ou contestação ao processo

escolar subalternas, mas também como nova metodologia de alfabetização de adultos.

De certa forma fundamentadas no método de Freire (1970), várias comunidades rurais

desenvolveram a “educação libertadora”, geralmente com o apoio de grupos

progressistas, partidos políticos e pessoas engajadas em ideologias socializantes. O

enfoque principal do método de Freire (1970) é a conscientização do cidadão ante as

pressões advindas do capitalismo excludente e seu papel diante das distorções

histórico-sociais por ele produzidas. Objetivamente, é uma pedagogia que contraria os

princípios básicos de uma escola voltada para a submissão e subserviência das classes

trabalhadoras, bem como para o acatamento irrestrito aos planejamentos econômico-

capitalistas.

2.4 O Movimento de Educação de Base (MEB)

Segundo Wanderley (1984) e Paiva (1987) os movimentos que surgiram na primeira

metade da década dos anos 60 lutavam pela transformação das estruturas sociais,

econômicas e políticas do país; buscavam criar a oportunidade de construção de uma

sociedade justa e humana. Além disso, fortemente influídos pelo nacionalismo,

pretendiam o rompimento dos laços de dependência do país com o exterior e a

valorização da cultura autenticamente nacional, a cultura do povo. A perspectiva

educativa desses movimentos caracteriza-se por métodos pedagógicos adequados à

preparação do povo para a participação política. Esses métodos combinam a

alfabetização e educação de base40 com diversas formas de atuação sobre a

comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da

cultura popular e a conscientização da população em relação às condições sócio-

econômicas e políticas do país.

Podemos destacar como principais movimentos: os Centros Populares de Cultura, os

Movimentos de Cultura Popular e o Movimento de Educação de Base os quais

caracterizam-se como movimentos de contestação da ordem social vigente41. Segundo

os estudos realizados por Paiva (1987) podemos afirmar que o MEB aparece em 1961,

ligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e ao governo da União,

caracterizando-se, no ano seguinte, como movimento de cultura popular. Os primeiros

passos no sentido da criação do MEB foram dados ainda antes da posse de Jânio

40 Segundo Luiz Eduardo Wanderley (1984) uma educação de base é aquela que proporciona os conhecimentos mínimos para se levar uma vida humana. Educação de base não é, portanto, aquela que é primeira apenas temporalmente, ou seja, inicial, como é a alfabetização para a instrução, mas que é primeira na medida em que é a mais radical para o ser humano. Se a educação de base pretende dar os conhecimentos mínimos para se viver humanamente, ela não se afirma somente como a educação inicial, mas parte do fundamento último, portanto, princípio primeiro daquilo que torna a própria vida, humana, ou seja, parte do que é mais radical: a própria exigência da pessoa humana de se humanizar.41 É importante diferenciar esses movimentos dos Programas de Extensão Rural patrocinados pelos organismos internacionais. Ao contrário dos Programas e das Missões de Extensão Rural, esses movimentos buscavam desenvolver junto com o povo a sua cultura, seus valores a fim de que adquirissem consciência crítica e possibilitasse ações concretas de libertação popular e a luta pela transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas injustas.

Quadros. Foi dirigida uma carta ao presidente eleito propondo a criação de um

movimento educativo sob a responsabilidade da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil (CNBB). Aceitando a proposta, o novo presidente da República, através do

decreto n. 50.370 de 21 de março de 1961 determinou que o governo federal forneceria

recursos para a realização de um Movimento de Educação de Base por intermédio das

emissoras católicas, através de convênios com o MEC e outros órgãos da

administração federal. De acordo com Paiva (1987 p.241):

Tomando como base a idéia de que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da transformação do mundo. Esta transformação, no Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um movimento engajado com o povo nesse trabalho de mudança social, comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou qualquer instituição que pretende substituir o povo.

Durante seu primeiro ano de funcionamento o MEB tratou da organização do sistema

de rádio-educação, concentrando suas atividades no Nordeste. Para Paiva (1987) as

atividades do MEB tinham como unidade básica de organização o sistema, composto

de professores, supervisores, locutores e pessoal de apoio que se encarregavam da

preparação dos programas e de sua execução através da emissora da diocese local e

do contato com as classes. Progressivamente, refletem-se no movimento as

transformações do pensamento cristão no Brasil e a crise atravessada pela Juventude

Universitária Católica (JUC). A mobilização político-ideológico do período exercerá

influência no MEB que, a partir de 1962, começa a caracterizar-se como um movimento

de cultura popular e a buscar uma metodologia que fosse além da mera organização de

escolas radiofônicas. De acordo com Paiva (1987) o MEB tinha como meta inicial

oferecer à população rural oportunidade de alfabetização num contexto mais amplo de

educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua

preparação para as reformas básicas, tais como a reforma agrária.

Fundamentalmente visava oferecer uma educação de base que levasse o camponês a

uma concepção de vida, tornando-o consciente de seus valores físicos, espirituais,

morais e cívicos; um estilo de vida que guiasse seu comportamento nas esferas

pessoal, familiar e social; e uma mística de vida que atuasse como uma força interior

que assegurasse dinamismo e entusiasmo no cumprimento dos seus deveres e no

exercício de seus direitos. Os estudos realizados por Wanderley (1984) e Paiva (1987)

nos permitem afirmar que embora o MEB pretendesse responder a perguntas mais

abstratas sobre a existência humana, ele também colocava entre seus objetivos

oferecer respostas às questões relativas ao comportamento social, tais como o

conhecimento do meio, o valor da ajuda mútua e da solidariedade, da moderação, da

propriedade, da família e do trabalho: o trabalho humano e sua história, trabalho e

capital, organização e nobreza do trabalho, consciência profissional e de classe e

sindicalização.

À medida que o trabalho se desenvolvia e que se difundiam as novas idéias sociais

cristãs, os agentes do MEB começaram a ansiar por uma reinterpretação do papel, dos

objetivos e dos métodos do movimento. O I Encontro de Coordenadores, realizado em

dezembro de 1962, concluiu pela necessidade dessa tarefa, tomando como base a

idéia de que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da

transformação do mundo. Neste sentido conforme Paiva (1987) o MEB redefine sua

linha de ação engajando-se na luta pela transformação da sociedade. Aceitando o

postulado de que a luta entre as classes existe no Brasil, assim como em toda

sociedade onde os desequilíbrios sociais causam conflitos entre os interesses dos

diversos grupos, o MEB definia sua posição nessa luta colocando-se na defesa das

classes menos favorecidas. Recusava-se o papel de ser um movimento paliativo ou

veículo de alienação do povo, em face da injusta situação sócio-econômica do nosso

país, pois considerava que, do ponto de vista cristão, salvar homens no Brasil, implica

em criar as condições para que os mesmos conquistem sua dignidade e humanidade; a

promoção humana estava intimamente ligada à preparação para a participação na vida

econômica, social e política do país através da conscientização.

Esta conscientização não se esgotava na consciência histórica, mas se calcava sobre

as próprias exigências de humanização das pessoas. O humanismo cristão assumia

uma dimensão histórica e comprometia-se com a transformação social e o combate à

dominação de uns homens sobre os outros.

2.5 O Processo Educativo no MEB

Conforme os estudos de Wanderley (1984) o processo educativo no MEB girava em

torno de noções fundamentais, tais como: pessoa, ação humana, homem como agente

de criação de cultura, comunicação entre os homens, trabalho revelador do sentido do

homem e de sua transcendência sobre o mundo, criatura humana feita à imagem e

semelhança de Deus, mudança de atitudes, capacitação das comunidades,

conscientização e animação popular.

a educação de base sintetiza dois aspectos: um engajamento real, uma resposta às necessidades concretas de humanização, aqui e agora; a universalidade de seus fundamentos, para que, enquanto se personaliza na História, o homem possa sempre afirmar seu sentido transcendente (Idem, ibidem, p.109).

Considerando a formação integral e total do homem, entende-se como educação de

base o processo de autoconscientização das massas, para uma valorização plena do

homem e uma consciência crítica da realidade. Uma educação que parte da realidade

dos oprimidos, integrada em uma autêntica cultura popular, que leve a uma ação

transformadora. Os objetivos do MEB se concretizam em conscientização, mudança de

atitudes e capacitação das comunidades. Neste sentido destaca-se o método de

educação proposto por Freire (1975 p.107):

Mas como realizar esta educação? Como proporcionar ao homem meios de superar suas atitudes, mágicas ou ingênuas, diante de sua realidade? Como ajudá-lo a criar, se analfabeto, sua montagem de sinais gráficos? Como ajudá-lo a inserir-se? A resposta nos parecia estar: num método ativo, dialogal, crítico

e criticizador; na modificação do conteúdo programático da educação; no uso de técnicas como o da Redução e da Codificação.

Ao antidiálogo, Freire (1970) opõe o diálogo, enquanto método para conseguir o que

era pretendido. Para que se procedesse à mudança do conteúdo, necessário se fez,

como primeira fase de elaboração e execução prática do método, o levantamento do

universo vocabular dos grupos; como segunda fase, a escolha das palavras geradoras

selecionadas no universo vocabular pesquisado; como terceira etapa, a criação de

situações existenciais típicas do grupo; como quarta fase, a elaboração de fichas-roteiro

que auxiliassem os coordenadores e, como quinta etapa, a feitura de fichas com

decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores. Para

o MEB a conscientização ocorre quando os educandos tomam consciência de seus

valores, da significação vivencial de seu trabalho de Homem no mundo. O Movimento

de Educação de Base entende que a conscientização é intrínseca à própria educação,

pois ela significa ajudar alguém a tomar consciência do que é (consciência de si), do

que são os outros (consciência da alteridade) e do que é o mundo (coisa intencionada),

que são os três fundamentos de toda educação integral. A mudança de atitudes está

intimamente relacionada à conscientização, representa disposição para a ação

consciente e livre, a partir da compreensão e da crítica das situações concretas.

A mudança de atitude se expressa na autocrítica, na valorização de si e do outro, na

mudança e na cooperação. A capacitação representa informação e habilitação, em

termos de capacidade de análise, de produção e de organização. Para Wanderley

(1984) o método educativo proposto pelo MEB se fundamenta nas seguintes ações: ler,

escrever e interpretar textos com situações e vocabulário próprio de lavradores;

distinguir e identificar as principais relações, que existem entre as instituições e

estruturas sociais, econômicas, políticas e religiosas mais importantes e suas principais

tendências; as técnicas de produção são classificadas em saber utilizar os

procedimentos básicos de higiene e saúde; saber utilizar as operações matemáticas

necessárias às suas relações de produção e consumo; saber utilizar a legislação e os

costumes referentes a sua realidade; saber dinamizar as potencialidades econômicas

da comunidade onde vive; e por último os elementos de organização são classificados

em conhecer as técnicas de trabalho em grupo; conhecer a legislação básica sobre

associações; saber fundar e dinamizar clubes, sindicatos e cooperativas. Ao tratar da

autoconscientização, consciência crítica da realidade, partindo das necessidades e dos

meios populares de libertação, integrados na cultura popular, reconhecia-se a

existência prévia de um conhecimento popular e que deveria ser desenvolvido,

transformado, com a ajuda dos agentes do MEB. O MEB tinha clareza de que o

conhecimento é uma forma de poder e que elevar o conhecimento do trabalhador rural

seria a alavanca propulsora de outras práticas sociais dos educandos. A prática

educativa do MEB questionava o poder dominante na sociedade e fornecia elementos

mínimos para que os educandos populares descobrissem seus próprios meios e

caminhos de aprimorar o conhecimento adquirido a fim de transformar a realidade em

que viviam e a do país. A relação entre teoria e prática constitui um dos componentes

fundamentais do processo educativo do MEB. Ela se manifesta na prática educativa

dos educandos e dos monitores das comunidades.

Vinculando-se à prática dos educandos, numa atitude de escuta e aprendizado, o

educador recria a teoria partindo da prática, redimensionando os seus conceitos tendo

como base as exigências do trabalho, questionando a realidade concreta em que vivem

os trabalhadores e o real estágio de sua consciência de classe; enfim passa a acreditar

que o próprio povo é capaz de, à sua maneira de elaborar a teoria que nasce da

prática, e assim, traçar o rumo de sua ação. Que relação há entre o MEB e o Curso

Pedagogia da Terra? Em que sentido a metodologia utilizada pelo MEB pode ser

importante para pensarmos e analisarmos o Curso Pedagogia da Terra? Tem o MEB

dimensões educativas que se fazem presentes no Curso Pedagogia da Terra e

contribuem para o fortalecimento da educação do campo? Como veremos no último

capítulo do presente trabalho o Curso Pedagogia da Terra traz em seus diferentes

espaços-tempos-saberes42 diversos componentes educativos presentes no MEB. Assim

como o MEB tinha como um dos seus objetivos oferecer à população rural oportunidade

42 Sobre os espaços-tempos-saberes que constituem o movimento de formação dos professores sem terra será trabalhado no último capítulo da dissertação.

de alfabetização, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua preparação

para as reformas básicas, tais como a Reforma Agrária; o Curso Pedagogia da

Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar profissionais com formação e

titulação adequados às características e aos desafios da realidade do campo, para

atuarem na escolarização da educação infantil até o ensino médio nas áreas de

assentamentos rurais. A qualificação de educadores traz também o sentido de suprir

uma deficiência histórica no meio rural, possibilitando o acesso ao ensino superior aos

jovens do campo. Podemos estabelecer relação entre o MEB e o Curso Pedagogia da

Terra/ES também nos aspectos social e político. O MEB como movimento educativo

engajou-se na luta pela transformação da sociedade e definiu sua luta colocando-se a

serviço da defesa das classes menos favorecidas; também o Curso Pedagogia da

Terra/ES em seu processo educativo busca aliar a formação técnica ao compromisso

político de transformação das estruturas sociais injustas em especial a luta pela reforma

agrária, marca histórica do MST. A dimensão política da formação do professor sem-

terra se manifesta no conjunto da organização do Curso e em seus diferentes espaços-

tempos-saberes. O MEB tinha uma concepção de educação que partia da realidade dos

oprimidos, integrada em uma autêntica cultura popular e a transformação da realidade.

O MEB buscou em Freire (1970) um dos seus teóricos mais importantes no sentido de

valorização dos saberes e da cultura popular.

Que contribuições têm o pensamento de Paulo Freire para pensarmos a educação do

campo e como ele se faz presente no Curso Pedagogia da Terra/ES? Como veremos

no último capítulo da dissertação os princípios da educação defendidos por Freire se

fazem presentes em todos os espaços-tempos-saberes formativos do Curso Pedagogia

da Terra/ES, desde a participação dos alunos que se dá através da prática da gestão

compartilhada nas decisões do Curso, passando pelo corpo docente que é selecionado

a partir de alguns critérios como, por exemplo, qualificação profissional, domínio de

conteúdos, experiência com movimentos sociais e afinidade com a metodologia

freiriana e fundamentalmente pela valorização dos saberes e da experiência dos alunos

que fazem o Curso. Os professores buscam partir da realidade dos alunos, interagindo,

dialogando, compartilhando e construindo coletivamente o conhecimento.

A problematização do conhecimento e sua importância como instrumento a serviço da

transformação da realidade, do resgate dos valores e da identidade dos sujeitos que

vivem e trabalham no campo é fundamental nesse processo. Se para o MEB a relação

teoria e prática é um dos componentes fundamentais no processo educativo,

manifestando-se na prática dos monitores e dos educandos; para o Curso Pedagogia

da Terra/ES a relação entre teoria e prática é extremamente importante constituindo um

dos pilares da formação do professor sem-terra. A relação teoria-prática está presente

nos espaços-tempos-saberes aula e no espaço-tempo-saber trabalho produtivo. O

primeiro diz respeito à carga horária de oito horas diárias de aula que os alunos

desenvolvem, contando com diferentes conteúdos das disciplinas que compõe a Grade

Curricular do Curso e o segundo diz respeito aos trabalhos práticos realizados durante

uma hora todos os dias, que podem ser: cuidado com a horta, pintura, capina, limpeza,

etc.

2.6 Os Centros Populares de Cultura (CPC)

De acordo com os estudos realizados por Paiva (1987) os Centros Populares de

Cultura, que floresceram em todo o país entre 1962 e início de 1964, tiveram como

ponto de partida o Centro Popular de Cultura surgido em 1961, em íntima ligação com a

União Nacional dos Estudantes (UNE). Os estudantes universitários questionaram a

marginalização do artista em relação à vida política e social do país e perceberam a

necessidade de atingir um novo público, mais amplo. A base de atuação do Centro

Popular de Cultura da UNE, era a rua e a produção de peças e sua montagem era a

sua principal atividade. Essas ações ecoavam em todo o país, através dos CPCs

criados nos diversos Estados e a elas somavam-se as produções locais. Apesar das

divergências, os diversos CPCs se uniam em torno do objetivo principal, o de contribuir

para o processo de transformação da realidade brasileira, principalmente através de

uma arte de conteúdo político. Optando pelo compromisso com as classes oprimidas, o

CPC orientava sua ação a partir da tese de que toda arte exprime uma ideologia e de

que, por isso, os artistas conscientes deveriam produzir uma arte que atuasse como

veículo de conscientização dessas classes. Esta seria uma arte popular revolucionária;

popular porque identificada com as aspirações fundamentais do povo e revolucionária

porque pretendia passar o poder a esse povo. Ao conceito de arte popular

revolucionária correspondia um conceito de cultura popular. Opondo-se à cultura

alienada que defende a autonomia do plano cultural e protesta contra a utilização das

estruturas culturais para a obtenção de fins extraculturais e à cultura desalienada que

abre a luta no plano da cultura, mas cuja ação se desenvolve, unicamente, dentro dos

marcos limitadores do mundo cultural. Para Paiva (1987 p. 234): “a cultura popular diria

respeito à consciência que imediatamente deságua na ação política e cujo propósito

último é a educação revolucionária das massas; a cultura popular era, portanto a cultura

produzida pelo povo”.

Como veremos no último capítulo desse trabalho o Curso Pedagogia da Terra/ES, em

seu espaço-tempo-saber mística desenvolve atividades (teatro, dança, música)

buscando suscitar uma reflexão que envolve aspectos do cotidiano do curso, ao mesmo

tempo, chama nossa atenção e nos sensibiliza para uma atitude de contestação social

e de luta por uma sociedade onde não haja exploradores e explorados, cujos alicerces

se encontram na justiça social. Ao participar das aulas da disciplina de Artes que

compõe a grade curricular do Curso Pedagogia da Terra/ES observamos que a

professora valorizava as expressões artísticas e culturais dos alunos, possibilitando um

resgate dos valores e da cultura desses sujeitos e de sua realidade campesina. Nesse

sentido destacamos a fala da professora Maria Aparecida que lecionou a disciplina

Artes e Educação II:

Acho que vimos um pouco isso quando a gente fala da inserção da vida nos espaços do curso. A arte que eu acredito e defendo não consegue penetrar em todos os lares como a mídia consegue com essas porcarias que se apresentam enquanto produção cinematográfica, enquanto produção de novela, enquanto produção de musical, as coisas que aparecem são muito pobres; do ponto de vista de arte mesmo, como valor cultural, como possibilidade de libertação e de expressão de um homem para outro homem, de uma mulher para outra mulher, de um ser humano para outro ser humano!

A arte nesse sentido tem uma dimensão de recuperar a humanidade dos excluídos,

daqueles sujeitos que estão à margem da sociedade, de legitimarem os seus saberes e

de libertá-los de todas as formas de subjugação. A arte como manifestação e

recordação da memória, da história, dos valores e da identidade dos sujeitos do campo.

2.7 Os Movimentos de Cultura Popular (MCP)

Com base nos estudos realizados por Wanderley (1984) podemos afirmar que os

Movimentos de Cultura Popular se originaram no Movimento de Cultura Popular de

Recife, criado em maio de 1960 e ligado à prefeitura de Recife. O movimento nasceu da

iniciativa de estudantes universitários, artistas e intelectuais pernambucanos que se

aliaram ao esforço da prefeitura da capital no combate ao analfabetismo e elevação do

nível cultural do povo, buscando aproximar a juventude e a intelectualidade do povo,

sob a influência de idéias socialistas e cristãs. Para Paiva, (1987, p. 236):

O movimento pretendia encontrar uma fórmula brasileira para a prática educativa ligada às artes e à cultura do povo e suas atividades estavam voltadas, fundamentalmente, para a conscientização das massas através da alfabetização e da educação de base. Esta fórmula foi encontrada no próprio contato com as massas, a partir do qual as atividades do MCP começaram a se diversificar.

Neste sentido o movimento passou a atuar através do teatro, da organização de

núcleos de cultura popular, do incentivo e divulgação das artes plásticas e artesanato,

do canto, da dança e da música popular, da construção de praças, centros e parques

de cultura, da organização de cine e teleclubes e de galerias de arte popular, além de

atividades educativas sistemáticas destinadas à alfabetização. Pretendia-se

compreender a cultura popular, ou seja, interpretar e sistematizar aquilo que houvesse

de mais específico e significativo na cultura do povo, valorizando a produção cultural

das massas e criando condições para que o povo pudesse não somente produzir como

também usufruir sua própria cultura, orgulhando-se dela.

Assim como os Movimento de Cultura Popular, podemos afirmar que o Curso

Pedagogia da Terra/ES possibilita o resgate e a valorização da cultura, dos valores e da

identidade dos sujeitos do campo:

A gente tem uma discussão hoje muito profunda sobre qual é a cara do homem do campo. E ao longo de todo o processo capitalista neoliberal que foi imposto pra gente, o homem do campo se descaracterizou muito, nós perdemos a nossa cultura, as nossas tradições e assimilamos uma cultura externa à nossa que foi imposta a nós. O importante pra gente não é dar uma nova cara para o homem do campo e sim resgatar no homem do campo o que foi perdido realmente. Nós queremos resgatar as culturas nossas que foram perdidas, fazer um resgate de nossa cara enquanto camponês, que não é cara feia, suja, a unha cheia de terra que foi colocado pra gente. Antigamente quase todo mundo era do campo e ninguém tinha vergonha de ser do campo, então a gente tem de resgatar esse orgulho de ser da roça. Eu tenho orgulho de estar na roça capinando. Plantar uma semente pra mim é a maior dádiva que existe de poder plantar meu milho e ver meu milho crescer sem precisar usar veneno, um milagre da vida. A verdadeira cara do camponês, do caipira, do da roça é essa! (Aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).

A valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e o estímulo ao

desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionavam no MCP, como a própria

condição de diálogo entre a intelectualidade e o povo: partia-se da arte para chegar à

análise e à crítica da realidade social. Segundo Paiva (1987) buscava-se desta forma a

autenticidade da cultura nacional, a valorização do homem brasileiro, a desalienação da

nossa cultura; a conscientização da massa popular, a formação de uma consciência

política e social que preparasse o povo para a efetiva participação na vida do país. É

importante estabelecermos uma certa relação entre o MCP e o Curso Pedagogia da

Terra/ES. Podemos perceber esse processo de alfabetização como algo que vai além

do aprender a ler e a escrever, na valorização dos valores, da cultura e da identidade

dos sujeitos do campo em uma entrevista feita à professora que lecionou a disciplina

Alfabetização I:

Porque eu acho que dominar a leitura e a escrita numa sociedade como a nossa, ela não é a resolução de todos os problemas, mas eu acho que se cada professor começa a partir do que trabalhamos aqui tentar construir novas práticas, veja que eu não estou tentando dar receitas, estou pensando em construir práticas de alfabetização levando em conta essas diversas realidades. Neste sentido eu achei interessante na turma o registro, as pessoas que aprendem a ler e a escrever podem registrar suas práticas. Eu acho que em qualquer lugar, se você lida com a criança do morro, do meio

rural, de uma cidade pequena, se você lida com a criança do centro da cidade, quer dizer existem diferenças, culturas e práticas que não podem desaparecer em função de um modelo imposto por uma cultura e que precisam ser preservados e por isso eu tenho dito sempre que a alfabetização é uma prática social e cultural.

É interessante pensarmos que se em toda a história da educação brasileira os sujeitos

do campo sempre foram marginalizados do processo de alfabetização e que isso se

situa dentro de uma lógica de dominação, de exclusão que o sistema capitalista impôs

a esses sujeitos; o Curso Pedagogia da Terra/ES ao buscar formar os professores para

que sejam capazes de ensinar a ler e a escrever as crianças, os adolescentes, os

jovens e os idosos está contribuindo na construção e na luta por uma nova sociedade e

por uma educação que valorize os saberes, a cultura e a identidade desses sujeitos.

Em síntese podemos nos perguntar que contribuições o Movimento de Educação de

Base, os Centros Populares de Cultura e os Movimentos de Cultura Popular nos dão

para pensarmos o processo de formação do professor sem-terra? Que relação há entre

o processo educativo desenvolvido por esses movimentos e os espaços-tempos-

saberes mobilizados no Curso Pedagogia da Terra? Como se dá a relação entre teoria

e prática no Curso Pedagogia da Terra? Que concepção de arte está sendo construída

nos diferentes espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra e que relação

tem com o significado de arte presente nesses movimentos? Como esses movimentos

nos ajudam a pensar uma educação do campo que resgate os saberes, a cultura e

dignidade dos sujeitos que vivem nessa realidade?

2.8 O Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES)

Apesar de ter nascido em contextos social, econômico e político diferente do Brasil, no

caso a França em 1935 e se espalhado pelo mundo a partir da década de 1960 e ter

chegado ao Brasil especificamente no Estado do Espírito Santo na década de 1970, o

MEPES pode ser inserido no contexto da luta por uma educação diferenciada para os

sujeitos do campo.

Como movimento que antecede a luta por uma educação do campo, podemos afirmar

que o MEPES foi um dos protagonistas no sentido de valorizar os saberes, a cultura e

os sujeitos que vivem e trabalham nessa realidade. Diferentemente dos outros

movimentos anteriores o MEPES surgiu em um contexto diferenciado e com uma outra

estrutura de organização e funcionamento. De acordo com Speyer (1983) o Movimento

de Educação Promocional do Espírito Santo teve sua origem na escola-família ou

pedagogia da alternância43.

Os agricultores idealizaram um tipo de ensino para seus filhos que permitia a

alternância na família e na paróquia, a fim de conciliar o trabalho agrícola com o estudo.

A iniciativa foi posteriormente alterada para que o jovem permanecesse uma semana

no interior e duas ou três realizando trabalhos práticos na propriedade familiar. A

experiência francesa foi reproduzida na Itália, na Espanha, no norte da África, na

Argentina e no Brasil. No Brasil, as experiências localizam-se no Estado do Espírito

Santo e, em geral, em regiões colonizadas por imigrantes europeus. A alternância se dá

com uma semana na escola e 15 dias com a família.

Enquanto uma turma permanece na escola, em regime de internato, outras duas

permanecem com as famílias, nas propriedades rurais. A metodologia utilizada,

denominada “pedagogia da alternância”, consiste em integrar a formação do jovem do

meio rural em períodos de escola e família. Busca-se, desta forma, conciliar a escola e

a vida, não permitindo que o jovem se desligue de seu ambiente. Consiste em uma

pedagogia onde se aprende mais pelas situações que se vive (ambiente educativo) do

que pelas tarefas que se realizam na escola. E esta relação entre escola e ambiente

familiar permite que o jovem reflita sobre o seu meio.

43 O Movimento das Casas Familiares Rurais nasceu em 1935, a partir da iniciativa de três agricultores e de um padre de um pequeno vilarejo da França que, de um lado, prestaram atenção na provocação de um adolescente de quatorze anos que rejeitava a escola na qual tinha sido matriculado e, de outro, estavam atentos a seu meio, que queriam promover e desenvolver. A pedagogia praticada baseia-se na Alternância, o que significa: alternância de tempo e de local de formação, ou seja, de períodos em situação sócio-profissional e em situação escolar; alternância significa, sobretudo, uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. A alternância significa uma maneira de aprender pela vida, partindo da própria realidade, dos momentos experiências, colocando assim a experiência antes do conceito.

O MEPES utiliza alguns instrumentos pedagógicos no desenvolvimento de suas

atividades educativas, entre eles podemos citar: o plano de estudo, o caderno da

propriedade e os recursos pedagógicos específicos. Conforme afirma Speyer (1983) o

plano de estudo consiste num guia de observação, composto de perguntas ordenadas,

elaboradas pelos alunos, sobre um tema anteriormente escolhido ou programado,

dentro das atividades de formação do ano escolar. As respostas são pesquisadas

durante o período em que o aluno está em casa, com a participação de seus pais e de

membros da comunidade. Na volta à escola, cada jovem revê e corrige sua síntese

individual com a ajuda do monitor. Faz a colocação em comum, com ampla discussão

das respostas, pelo grupo. Outro instrumento metodológico importante é o caderno

pessoal de anotações44, no qual se revelam as atitudes, os gestos e a personalidade

dos alunos. Ele assegura a unidade entre a escola e a família, entre os monitores e os

pais. Têm valor próprio independente das áreas de ensino.

Além destes dois instrumentos metodológicos o MEPES utiliza diversos recursos

pedagógicos a fim de facilitar o relacionamento do jovem com a escola e a família:

estágios técnicos em propriedades agropecuárias e hospitais; viagens de estudos, a fim

de conhecerem e analisarem outras realidades; visitas periódicas dos monitores às

famílias; realização de festas na escola-família; participação na vida da comunidade;

realização de cursos para os pais e agricultores da região; valorização da realidade

rural que o cerca, como instrumento pedagógico; maior participação dos pais na vida

escolar dos filhos e garantia de uma formação global através da reflexão sobre a

experiência vivida e a própria realidade, mediante análise de várias atividades durante

os períodos de alternância. Quais as dimensões educativas presentes na proposta do

MEPES podemos encontrar nos espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da

Terra/ES? Tem o Curso Pedagogia da Terra/ES em sua metodologia elementos que se

aproxima da pedagogia da alternância? Que instrumentos pedagógicos o Curso

44 É interessante observar que esse instrumento metodológico também se faz presente no Curso Pedagogia da Terra/ES com o nome de Caderno de Reflexão Pessoal, onde cada aluno (a) ao final do dia faz uma reflexão pessoal dos espaços-tempos-saberes vividos.

Pedagogia da Terra/ES utiliza no processo de formação dos professores sem-terra?

Podemos identificar a partir da pesquisa que realizamos junto ao Curso Pedagogia da

Terra/ES, das entrevistas realizadas a alunos e professores, dos espaços-tempos-

saberes presentes no curso algumas dessas dimensões educativas. O Curso

Pedagogia da Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar profissionais com

formação e titulação adequados às características e aos desafios da realidade da

educação no e do campo.

O Curso Pedagogia da Terra/ES, por exemplo, está organizado em módulos, realizados

em regime de alternância, dividido nos tempos educativos, períodos de aula presencial

(espaço-tempo-sala de aula) e nos demais espaços-tempos-saberes formativos

(atividades práticas e tempo-comunidade), com trabalhos orientados em cada uma das

disciplinas, totalizando uma carga horária em torno de 2500 horas. O tempo-escola

ainda está subdividido em várias outras atividades, tais como oficinas, estudos,

trabalho. Neste sentido assim se expressa um aluno do curso:

Um dos princípios da pedagogia da alternância e que se faz presente na organização do curso pedagogia da terra é não desligar o aluno do seu meio. Então todo o trabalho, a metodologia, os conteúdos que os professores utilizam estão voltados para a realidade dos alunos, dos assentamentos. O plano de estudo, por exemplo, faz a ligação entre a realidade das famílias, dos assentamentos e da escola. Daí surge a questão do tempo escola e do tempo comunidade. O tempo escola é o tempo em que o aluno estuda a parte teórica e o tempo comunidade o aluno está em contato com a prática dos assentamentos. Os planos de estudos buscam aprofundar a realidade dos alunos e a partir daí se faz o planejamento. Matemática, por exemplo, vai trabalhar a partir da realidade das famílias dos alunos. Quando a gente está estudando as matérias sempre fazemos essa ligação com a nossa realidade e leva os professores a fazerem. O grupo ajuda os professores à estarem colocando a realidade dos movimentos em seus conteúdos. O curso é diferente porque a gente consegue colocar matérias dentro do curso que interessa à nossa realidade.

Escutando a voz dos alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra/ES pode-se

perceber um reconhecimento positivo, por exemplo, no que se refere ao currículo do

curso. De acordo com o PRONERA (2004, p. 76) por meio do relatório geral de

avaliação externa:

Há uma clara percepção das inovações pedagógicas neste campo, que engloba desde a introdução de temas ligados à realidade dos assentamentos como, por exemplo, ´Alternativas educacionais para o campo`, ´A questão agrária no Brasil`, ´Educação para o cooperativismo`, temas como arte, conjuntura sócio-econômica e política, oficinas pedagógicas, saídas a campo, trabalhos em grupos para a realização de sínteses dos conteúdos aprendidos.

Segundo depoimento de uma professora, participar de um curso como Pedagogia da

Terra/ES impõe desafios teórico-práticos que emergem na própria relação com os

alunos:

Eles nos ensinam um jeito especial de ser professor, em tudo que fazem. A forma como se organizam para trabalhar (...) está pautada no respeito ao outro, no direito à palavra de cada um. Mostram-nos uma maneira diferente de se posicionar frente aos desafios e problemas da vida. Revoltam-se, mas se solidarizam; calam-se, para ensinar com gestos lições simples da vida. Seu espírito de solidariedade e trabalho coletivo é imensurável, para tornar cada uma das etapas do curso mais proveitosa possível às necessidades colocadas pelo Setor de Educação do MST.

A fala de uma aluna do Curso Pedagogia da Terra/ES retrata bem essa troca de

saberes e experiências, implicando um repensar a sua prática pedagógica e postura

perante a vida:

Embora as condições aqui não sejam as mais favoráveis para fazermos bem o nosso curso de pedagogia, não podemos ficar parados esperando. Isso aprendemos nos acampamentos e assentamentos do MST, que a gente só conquista direitos lutando mesmo, de forma organizada, para superar nossas dificuldades. Por isso muitos, que chegam de outros contextos, se surpreendem com a nossa disciplina e força de vontade. Para nós não há nada de anormal ou fora de série. Tudo isso faz parte das nossas lutas, da nossa identidade sem-terra.

Esse confronto propicia um movimento de desconstrução e reconstrução de sentidos,

vinculado a uma prática educativa permanente em todas as esferas da vida, aprendido

na vivência das lutas coletivas para a superação das desigualdades sociais e o

fortalecimento de uma educação voltada para as raízes, os valores, a cultura e a

identidade dos sujeitos do campo.

2.9 A Educação do Campo em Face da Lei 5.692/71 e da Lei 9.394/96

De acordo com os estudos realizados por Leite (2002) no que diz respeito à educação,

a demanda pela escolaridade aumentou significativamente na década de 1960,

provocando séria crise no processo escolar brasileiro, uma vez que a sociedade

(principalmente as classes médias) reclamava da escassez das escolas e do número

de vagas existentes, bem como da baixa qualidade do ensino praticado em sala de

aula. O ponto culminante dessas exigências deu-se em 1968, resultando na extinção da

UNE (União Nacional dos Estudantes) e dos diretórios acadêmicos de várias

faculdades, principais estopins dos movimentos contra a Ditadura Militar. Para

Romanelli (1998, p. 196) a crise no sistema educacional brasileiro a partir da

implantação do Regime Militar:

[...] Acabou por servir de justificativa para a assinatura de uma série de convênios entre MEC e seus órgãos e a Agency for International Development (AID) – para assistência técnica e cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro. Este é, então, o período dos chamados Acordos MEC-USAID.

Na verdade dentro dos interesses capitalistas, pretendia a AID, entre outros objetivos, a

eficiência e eficácia educacional, a ampliação curricular da escola brasileira com vistas

ao desenvolvimento econômico-produtivo, a modernização dos canais educacionais

extraclasse, como forma de ampliação das informações a serem veiculadas, e a

reestruturação do ensino superior nacional, tendo por modelo as universidades norte-

americanas. A Lei 5.692/71, a partir de seus objetivos gerais e de caráter conservadora,

dada sua ênfase liberal, não trouxe, de fato, novidades transformadoras. Pelo contrário,

acentuou as divergências sócias-políticas existentes na escolaridade do povo brasileiro

e consagrou o elitismo que sempre esteve presente no processo escolar nacional.

Embora sem meios adequados para alcançar seus objetivos, a LDB pretendeu eliminar

a seletividade social, com a ampliação do ensino fundamental até a oitava série e a

dualidade entre ensino técnico-profissional e formação propedêutica (com a criação do

ensino profissionalizante obrigatório no segundo grau). Concordamos com Leite (2002,

p.47):

Tendo por objetivo o atendimento às peculiaridades regionais, a LDB teoricamente abriu espaço para a educação rural, porém restrita em seu próprio meio e sem contar com recursos humanos e materiais satisfatórios, na maioria das vezes não conseguiu atingir os objetivos preconizados pela legislação. Isso porque a Lei 5.692/71, distanciada da realidade sócio-cultural do campesinato brasileiro, não incorporou as exigências do processo escolar rural em suas orientações fundamentais nem mesmo cogitou possíveis direcionamentos para uma política educacional destinada, exclusivamente, aos grupos campesinos. A presença de projetos como o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (PSECD) evidencia na prática o descaso do governo em relação à educação da população campesina.

Se o plano do ponto de vista teórico recomendava a valorização da escola rural, o

trabalho do homem do campo, a ampliação das oportunidades de renda e de

manifestação cultural do rurícola, a extensão dos benefícios da previdência social e

ensino ministrado de acordo com a realidade da vida campesina. Contraditoriamente

recomendava também um mesmo calendário escolar para toda escola rural, tendo por

base o calendário urbano, e entendia a unidade escolar rural como agência de

mudanças e transformações sociais. Conforme as análises realizadas por Leite (2002)

na prática em raros momentos o plano considerou como inadequado ao projeto a

formação urbana dos professores que atuavam no ensino rural, os quais demonstravam

pouco interesse pelas atividades campesinas e pelos padrões sócio-culturais e

produtivos da zona rural. Mais uma vez, a resolução dos problemas básicos que

afligiam a escolaridade dos rurícolas foi omitida. Também não foi motivo de

preocupação do referido plano a presença do professor leigo, das salas multisseriadas,

da inadequação do material didático e das instalações físicas da escola, na maioria das

vezes em estado lastimável. Ainda segundo Leite (2002) a atual Lei de Diretrizes e

Bases promove a desvinculação da escola rural dos meios e da performance escolar

urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à vida rural e de certo

modo desurbanizado. Porém, não estão explicitamente colocados, na nova LDB

9.394/96, os princípios e as bases de uma política educacional para as populações

campesinas. Em termos institucionais, o ensino fundamental sob a responsabilidade

dos municípios, em princípio, contará com um calendário escolar próprio e “... deverá

adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do

respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto

nesta lei” (Brasil/MEC, LDB 9.393/96, art. 23) de modo a favorecer a escolaridade rural

com base na sazonalidade do plantio/colheita e outras dimensões sócio-culturais do

campo. Igualmente dispõe o artigo 28 da mesma lei sobre as adaptações necessárias

da estrutura curricular às exigências das unidades escolares instaladas na zona rural,

respeitando-se os dispositivos do artigo 32 e seus incisos, no que tange à organização

e à estruturação do ensino fundamental. À luz dos artigos 208 e 210 da Carta Magna de

1988, e inspirada, de alguma forma, numa concepção de mundo rural enquanto

espaços específicos, diferenciados e, ao mesmo tempo, integrado no conjunto da

sociedade, a Lei 9.394/96 estabelece que:

“Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural”.

A nova LDB 9.394/96, ao submeter o processo de escolarização à realidade dos

sujeitos do campo, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política de

atendimento escolar no país. Não mais se satisfaz com a adaptação pura e simples.

Reconhece a diversidade sócio-cultural e o direito à igualdade e à diferença,

possibilitando a definição de diretrizes operacionais para a educação rural sem, no

entanto, recorrer a uma lógica exclusiva e de ruptura com um projeto global de

educação para o país. Importa notar que o pano de fundo da escolaridade campesina, a

partir de agora, não se limita ao modelo urbano-industrial, como fora outrora nas

décadas de 1960 a 1980. A sustentação dessa escolaridade encontra-se na

consciência ecológica, na preservação dos valores culturais e da práxis dos sujeitos

que vivem no e do campo. É neste sentido que podemos situar a luta “Por uma

Educação do Campo” 45que teve início com o I Encontro Nacional de Educadoras e

Educadores da Reforma Agrária (I ENERA) realizado em julho de 1997. Esta

Conferência, promovida a nível nacional pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem

Terra), pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), pela Unb (Universidade

de Brasília) e outras entidades internacionais como a UNESCO, foi preparada nos

estados através de encontros que reuniram os principais sujeitos de práticas e de

preocupações relacionadas à educação do campo.

Nesta Conferência se reafirmou a convicção de que o campo existe, que está em

movimento e que é legítima a luta por políticas públicas específicas e por um projeto

educativo alternativo para quem nele vive. No campo estão milhões de brasileiras e

brasileiros, da infância até a terceira idade, que vivem e trabalham como: pequenos

agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados,

reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra,

agregados, caboclos, meeiros, bóia-fria, entre outros. O caderno número 4 “Por Uma

Educação do Campo” assim expressa:

Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos processos que produzem sua existência vão se produzindo como seres humanos (Seminário Nacional Por uma Educação do Campo: 2002, p. 16)

Portanto, se queremos de fato construir uma Educação do Campo é preciso resgatar os

valores, a cultura, a dignidade dos sujeitos que vivem no e do campo. Somente uma

educação que esteja vinculada à sua realidade, aos seus valores, à sua cultura será

45 A articulação nacional “Por Uma Educação do Campo” começou no processo de preparação da Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia, Goiás, de 27 a 31 de julho de 1998. O termo educação do campo substitui o conceito de educação rural no sentido não apenas da nomenclatura, mas fundamentalmente de resgate e valorização dos valores, da cultura e da identidade dos povos que vivem no/do campo.

capaz de recuperar os saberes, o modo de ser e de viver dos sujeitos do campo. O

número 4 da Coleção Por Uma Educação do Campo nos chama atenção para os

graves problemas por que passa a educação do campo: faltam escolas para atender a

todas as crianças e jovens; falta infra-estrutura nas escolas e ainda há muitos docentes

sem a qualificação necessária; falta uma política de valorização do magistério; falta

apoio às iniciativas de renovação pedagógica; há currículos deslocados das

necessidades e das questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos; os mais

altos índices de analfabetismo estão no campo, e entre as mulheres do campo; a nova

geração está sendo deseducada para viver no campo, perdendo sua identidade de raiz

e seu projeto de futuro. Para enfrentar estes desafios a luta “Por Uma Educação do

Campo” está articulada a um Projeto Nacional de Educação em que se afirma que a

preocupação fundamental de toda educação é o ser humano e o processo de sua

humanização46; de que é necessário e imperioso educar os sujeitos do campo para

viverem no/do campo; reafirmar o direito dos sujeitos do campo à educação pública,

gratuita e de qualidade, voltada aos interesses e à realidade da vida no campo.

Vincular a luta por uma educação do campo a um projeto de desenvolvimento

alternativo para o povo brasileiro; quando afirmamos Por Uma Educação do Campo

estamos afirmando a necessidade de duas lutas: a ampliação do direito à educação e à

escolarização no campo e a construção de uma escola que esteja no campo, mas que

também seja do campo: uma escola política e pedagogicamente vinculada à história, à

cultura e às causas sociais e humanas dos sujeitos do campo, e não um mero

receptáculo da escola urbana. Um ganho importante nesse movimento de luta por

políticas públicas de educação do campo foi a publicação em 2004 pelo MEC do

documento: Referências Para uma Política Nacional de Educação do Campo. O

documento nasceu da mobilização do Seminário Nacional de Educação do Campo

realizado em outubro de 2003, que teve a participação do MST, da Confederação

Nacional de Trabalhadores na Agricultura, da CPT, dos Centros Familiares de

Formação por Alternância e de outros movimentos engajados e comprometidos na luta

por uma educação no e do campo.

46 Estamos entendendo o processo de humanização como o resgate dos valores, da cultura, da identidade dos sujeitos que vivem no e do campo e que ao produzirem sua existência se humanizam.

CAPÍTULO III

O MOVIMENTO DE LUTA POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO E AS MATRIZES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO.

“Pedagogia: arte de conduzir alguém na arte de ser gente”. 47 Paulo Freire.

Neste terceiro capítulo temos como objetivo fundamental identificar e refletir sobre as

matrizes pedagógicas da educação do campo e relacioná-las com o processo de

formação dos professores sem-terra. Para tanto se faz necessário recuperarmos a

história coletiva da luta por uma educação do campo que começou oficialmente com a I

Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo. A I Conferência Nacional:

Por uma Educação Básica do Campo foi um processo de reflexão e de mobilização do

povo em favor da educação que considere nos seus conteúdos e na metodologia, o

específico do campo. Esse processo foi iniciado como consta na Coleção (números 1,

2, 3, 4 e 5) Por uma educação básica do campo, no final do I Encontro Nacional de

Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), promovido pelo Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em julho de 1997, em Brasília, em

parceria com diversas entidades, como a Universidade de Brasília (UnB), o Fundo das

Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB). O trabalho coletivo dessas entidades e instituições partiu do pressuposto do

que seria específico da educação do campo, ou seja, que leve em conta a cultura, as

características, as necessidades e os sonhos dos que vivem no e do campo.

47 Frase escrita na camisa de uma aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra/ES e que foi registrada no diário de campo do pesquisador para posterior análise e reflexão. Como formar professores que ajudem os alunos a trilharem o caminho de ser gente? Como o MST contribui para formar novos seres humanos com dignidade e identidade de ser sem-terra? Quais são as matrizes pedagógicas que contribuem para o processo de formação dos professores sem-terra? Quais são os espaços-tempos-saberes em que se formam os professores sem-terra?

A proposta da Conferência teve nos seu horizonte a consecução de políticas públicas e

a defesa de um projeto popular de desenvolvimento do campo48. O primeiro volume da

Coleção: por uma educação básica do campo traz em seu conteúdo o resgate histórico

da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo; as concepções e

princípios pedagógicos de uma escola do campo e as conclusões a que chegaram os

participantes-parceiros da Conferência. A Conferência foi organizada de forma que os

participantes puderam debater e refletir coletivamente sobre os seguintes temas:

Desenvolvimento rural e educação no Brasil: desafios e perspectivas; situação da

educação rural no Brasil e na América Latina; Políticas Públicas em Educação no

Brasil; Financiamento da Educação e Política Educacional para Escolas Indígenas; Em

busca de um Novo Projeto de Desenvolvimento para o Brasil; Projeto Popular de

Desenvolvimento para o Campo e o compromisso de ser educador e educadora do

campo. O primeiro volume da Coleção: por uma educação básica do campo, traz uma

importante reflexão sobre os conceitos de educação, básica e do campo.

48 Como pode haver desenvolvimento se uma considerável parcela de seres humanos que vivem e trabalham no campo e na cidade estão excluídos dos direitos sociais fundamentais? Neste sentido podemos afirmar juntamente com Ribeiro (2002) que um projeto de desenvolvimento na ótica dos movimentos sociais busca integrar o desenvolvimento sustentável com o desenvolvimento social. O projeto popular de desenvolvimento que está sendo construído pelos movimentos sociais se fundamenta em cinco pilares: a soberania, a solidariedade, o desenvolvimento, a sustentabilidade e a democracia popular. O desenvolvimento social é aquele que propicia as condições ou que cria um ambiente para que o desenvolvimento econômico a ele subordinado seja criador de riquezas que correspondam às demandas da maioria da população. Por sua vez, o projeto de desenvolvimento sustentável na ótica dos movimentos sociais rompe com a lógica do capital e subordina-o a um projeto de desenvolvimento social, cultural, no qual os seres humanos tenham prioridade.

No que diz respeito ao conceito de educação o documento chama atenção no sentido

de se garantir uma educação específica e diferenciada para os sujeitos do meio rural,

propiciando aos sujeitos do campo um processo de formação humana plena. Uma

educação que contemple as necessidades, interesses e que cultive os valores e a

identidade dos sujeitos que vivem no e do campo. Em relação ao conceito de educação

básica o documento utiliza o mesmo significado atribuído pela Lei de Diretrizes Básicas

(LDB)49, que identifica a educação básica como um dos níveis da educação escolar (o

outro é o da educação superior), formada pela educação infantil, ensino fundamental e

ensino médio e que inclui também a educação de jovens e de adultos e a educação

profissional, integrada, mas não necessariamente vinculada aos níveis de

escolarização. Utilizando a definição dada pela LDB ao conceito de educação básica o

documento vai mais além quando chama nossa atenção para duas questões

fundamentais: a escolarização não é toda a educação50, mas é um direito social

fundamental a ser garantido para todo o povo, seja do campo ou da cidade; a

expressão educação básica carrega em si a luta popular pela ampliação da noção de

escola pública51, embora a legislação atual só garanta a obrigatoriedade do ensino

fundamental, já começa a ser incorporada em nossa cultural a idéia de que todos

devem galgar níveis mais elevados de estudo. Outra contribuição do documento

consiste na ressignificação do conceito de rural para o conceito de campo52. O

documento assim se expressa:

49Lei n. 9.394/9650 Nesse aspecto, pode-se concordar com o próprio conceito de educação que se encontra no artigo 1º da nova LDB: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.51 Os povos do campo têm o direito humano e social de estudar não somente até cumprir o mínimo exigido pela legislação (educação básica), mas a de galgar níveis maiores no sistema educacional, o que se coloca como importante no sentido de legitimar socialmente os saberes e a cultura dos sujeitos do campo.52 Não se trata simplesmente de uma mudança de grafia, mas de uma concepção. Se na expressão rural se tinha em conta uma educação que vinha de fora, geralmente nos moldes urbanos ou urbanocêntrica e quando muito era adaptada à realidade do meio rural; a expressão do campo quer chamar nossa atenção para o fato de que uma educação autenticamente do campo deve partir da realidade dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo, procurando desenvolver conteúdos e metodologias que fortaleçam os princípios, os valores e a identidade desses sujeitos. Portanto, não se trata mais de construir uma educação para o homem do meio rural e sim de construir uma educação com os sujeitos do campo.

Utilizar-se-á a expressão campo, e não a mais usual meio rural, com o objetivo de incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência desse trabalho (Por Uma Educação Básica do Campo: 1999, p.26).

Nesse sentido busca fazer um resgate histórico e político do conceito de camponês,

que em nossa história aparece quase sempre de forma depreciativa. Portanto uma

educação do campo tem o dever ético de lutar contra essa falsa imagem que se

construiu em relação aos sujeitos do campo.

O segundo volume da Coleção: Por uma educação básica do campo, traz publicados

importantes trabalhos, entre eles um texto do professor Arroyo53 e outro texto do

professor Fernandes. O professor Arroyo pronunciou em Luziânia, no dia 29 de julho de

1998, uma palestra, a partir do que ele viveu, como profissional da educação, em seus

contatos com os Movimentos Sociais do Campo e de sua atenta presença no que

estava acontecendo na Primeira Conferência. Partindo da constatação do processo

pedagógico que os Movimentos Sociais do Campo vivem, realizam gestos concretos,

mobilizações, bandeiras de luta acreditam e lutam por uma proposta de um Brasil

Popular tendo como compromisso o desenvolvimento democrático do campo, das

expressões culturais dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo, Arroyo nos

ajuda a refletir sobre o significado de uma educação básica do campo em alternativa ao

modelo hegemônico da escola urbana.

Nos conduz a pensar uma escola diferente que está sendo gestada pelos movimentos

sociais do campo. Parte do pressuposto que de que os Movimentos Sociais são em si

mesmos educativos em seu modo de se expressar, pois o fazem mais por gestos,

mobilizações, realizando ações concretas, ocupações (inclusive da escola e da

universidade como exemplo temos o Curso Pedagogia da Terra/ES) do que por

palavras. A segunda parte do segundo volume da Coleção: por uma educação básica

do campo, traz um importante trabalho do professor Fernandes54 intitulado: por uma

educação básica do Campo, elaborado em função dos Seminários Estaduais e do

texto-base da Primeira Conferência Por uma Educação Básica do Campo.

53 Miguel Gonzales Arroyo é professor titular, aposentado da UFMG. Foi secretário adjunto de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte, coordenando a elaboração e implantação da Escola Plural. Vem acompanhando propostas educativas em várias redes estaduais e municipais. Organizador de Da escola carente à escola possível (Edições Loyola), é autor de “Educação e exclusão da cidadania”, in: Educação e cidadania (Editora Cortez) e tem sido um dos interlocutores e mediadores na reflexão de uma escola comprometida com a realidade dos sujeitos do campo. 54 Bernardo Mançano Fernandes, geógrafo, professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Coordenador do NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), onde está implantando o Dataluta (Banco de Dados da Luta pela Terra). Membro do Setor de Educação do MST. Membro da diretoria da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), 1986-1994. Autor de MST: Formação e territorialização (Editora Hucitec) e A formação do MST no Brasil (Editoras Vozes).

Segundo Fernandes (2000) a política vigente inferioriza o campo, vê o camponês como

atrasado, não moderno e dependente do urbano. A revolução tecnológica está a serviço

somente da produção patronal. Não há interesse por uma tecnologia voltada para a

agricultura familiar. É o movimento social do campo que, enfrentando todas as

dificuldades possíveis, luta por uma tecnologia adequada às suas necessidades. A

agricultura familiar é um modelo que não só gera emprego e garante qualidade de vida,

mas assegura também um desenvolvimento sustentável e em harmonia com o meio

ambiente. A política educacional brasileira ignora a necessidade de um projeto

específico para a escola rural. Não queremos uma escola do campo ou para o campo,

nem uma escola da cidade no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no

campo, mas uma escola do campo, com a cultura, os valores e a identidade dos

sujeitos que vivem, trabalham, sonham, aprendem e se educam no campo.

O terceiro volume da Coleção: por uma educação básica do campo, tem como título:

Projeto Popular e Escolas do Campo. Este terceiro volume tem por objetivo dar

continuidade à reflexão e ao debate sobre a Educação básica do campo, que mais

sistematicamente vem sendo articulada, no Brasil desde 1998. Busca num primeiro

momento refletir sobre um projeto popular para o Brasil que nosso povo deseja

construir e num segundo momento, refletir sobre as escolas do campo e como elas se

inserem na dinâmica das lutas pela implementação deste projeto. O documento traz

como reflexão o texto de César Benjamim: um projeto popular para o Brasil. Benjamim

estimula nossa reflexão sobre o projeto popular para o Brasil, comentando cada um dos

termos da proposta: “projeto, popular e Brasil”. Em seguida questiona se o referido

projeto é necessário e viável. Analisa a necessidade de alguns princípios a serem

seguidos, assim como de mudanças na política dominante para tornar possível o

projeto proposto. Em seguida Caldart (2000)55 situa a experiência concreta do MST no

contexto de luta por um projeto popular para o Brasil e nele do campo. O eixo

fundamental de sua reflexão é a caminhada da educação do campo.

55 Roseli Salete Caldart é membro do Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Destaca-se por dois livros pela Editora Vozes, Educação em Movimento: formação de educadores e educadoras do MST (1997) e Pedagogia do Movimento Sem Terra (2000), dentre outras publicações.

Afirma que existe no Brasil uma importante mobilização organizada pelo povo do

campo em prol da Reforma Agrária e de uma justa política agrícola. E nesta

mobilização ocupa lugar de destaque a educação do campo. Existe de fato, uma nova

prática de escola que está sendo construída neste movimento. As educadoras e os

educadores do campo vem participando intensamente do processo de transformação

que nele vem acontecendo e estão convencidos de que é preciso aprender a

potencializar mais os elementos presentes nas diversas experiências, e transformá-los

em um movimento consciente de construção das escolas do campo como escolas que

ajudem no processo mais amplo de humanização, e de reafirmação dos povos do

campo como sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história. O texto de Caldart

parte da experiência particular do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) um

dos sujeitos sociais que vêm pondo o campo em movimento, através da sua luta

incansável para que se realize a Reforma Agrária no Brasil.

O texto apresenta dez lições principais da caminhada do MST em sua relação com a

escola, refletindo-as desde o ponto de vista da reflexão que estamos fazendo em torno

da educação do campo. Segundo Caldart (2000) a partir das experiências acumuladas

pelo MST sobre a questão da educação podemos extrair algumas lições: a escola não

move o campo, mas o campo não se move sem a escola; quem faz a escola do campo

são os povos do campo, organizados e em movimento; as lutas sociais dos povos do

campo estão produzindo a cultura do direito à escola no campo; quanto mais amplos

são os objetivos de uma organização maior é a valorização da escola pelos seus

sujeitos; a escola do campo ajuda a formar lutadores do povo quando trabalha com dois

elementos básicos: raiz e projeto; a escola do campo precisa ser ocupada pela

pedagogia do movimento que forma os sujeitos sociais do campo; as relações sociais

são a base do ambiente educativo de uma escola; sem um coletivo de educadores não

se garante o ambiente educativo e escola do campo é escola em movimento. Uma

escola do campo é aquela que trabalha desde os interesses, a política, a cultura e a

economia dos diversos grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo.

É uma escola com o jeito, o rosto e a identidade dos sujeitos que vivem, trabalham e

estudam no e do campo. Uma escola do campo é uma escola reconhecendo e

ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem

ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua

história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito de ser e viver. As escolas do

campo devem ajudar a formar os lutadores do povo. Os lutadores do povo são pessoas

que estão em permanente movimento pela transformação da injustiça que reina em

nossa sociedade. São movidos pelo sentimento de dignidade, de indignação contra as

injustiças, e de solidariedade com as causas do povo. Não estão preocupados apenas

em resolver os seus problemas, conquistar os seus direitos, mas sim em ajudar a

construir uma sociedade mais justa, mais humana, onde os direitos de todos sejam

respeitados e onde se cultive o princípio de que nada é impossível de mudar.

Por isso se engajam em lutas sociais coletivas e se tornam sujeitos da história. Uma

escola do campo fortalece os processos de enraizamento humano através do cultivo da

memória, da mística e dos valores de seus sujeitos que vivem e trabalham na terra.

Celebrar a (mística) construir e transmitir, especialmente às novas gerações, os

valores, a memória coletiva da luta pela terra e pela escola e nela pelos direitos sociais

constitui um dos traços fundamentais das escolas do campo. O quarto volume da

Coleção: Por uma educação do campo traz como tema: a educação do campo:

identidade e políticas públicas. O documento foi escrito logo depois do Seminário

Nacional Por uma Educação do Campo, realizado no ano de 2002, entre os dias 26 e

29 de novembro, no Centro Comunitário Athos Bulcão, no Campus da Universidade de

Brasília, DF.

Houve neste evento 372 participantes de 25 Estados e representando várias

Organizações Sociais: Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos

Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimentos Indígenas, Conselho Indigenista

Missionário, Comunidades Quilombolas, Pastoral da Juventude Rural, Comissão

Pastoral da Terra, Escola-Família Agrícolas, Movimento de Organização Comunitária,

entre outras.

Também participaram representantes de diversas Universidades do país, de

Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e de outros órgãos públicos federais.

A organização do Seminário contou com estudos sobre a situação e as perspectivas do

povo do campo no Brasil de hoje; resgate de experiências de como vêm sendo

construídas e implementadas as políticas públicas a nível municipal, estadual e federal

e uma reflexão atenta de como estão sendo implementadas as Diretrizes Operacionais

para a Educação Básica nas Escolas do Campo, recentemente aprovada pelo

Conselho Nacional de Educação; socialização das experiências de construção de

escolas do campo e os desafios a serem enfrentados nesta caminhada. O Caderno

número quatro da Coleção Por Uma Educação do Campo afirma ainda como

fundamental a escolarização da população do campo e entende que a educação

compreende todos os processos sociais de formação das pessoas como sujeitos de

seu próprio destino. Sendo assim a educação tem relação com cultura, com valores,

com jeito de produzir, com formação para o trabalho e para a participação social.

Neste sentido Caldart (2002) identifica alguns traços que considera fundamental para

pensarmos a educação do campo: a educação do campo identifica uma luta pelo direito

de todos à educação; os sujeitos da educação do campo são os sujeitos do campo; a

educação do campo se faz vinculada às lutas sociais do campo; a educação do campo

se faz no diálogo entre seus diferentes sujeitos; a educação do campo identifica a

construção de um projeto educativo; a educação do campo inclui a construção de

Escolas do Campo; as educadoras e os educadores são sujeitos da educação do

campo. O documento apresenta quatro textos importantes para a Educação do Campo

na perspectiva da luta por políticas públicas. O primeiro traz na íntegra as “Diretrizes

Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo: Parecer do CNE/CEB n.

36/2001 e Resolução CNE/CEB n. 01/2002”. O segundo, do professor Bernardo

Mançano, da UNESP, “Diretrizes de uma caminhada”, é um comentário pertinente

sobre o documento do CNE/CEB. O terceiro texto traz as “Diretrizes Nacionais para o

funcionamento das escolas indígenas”, Resolução CNE/CEB, n. 3/1999. O quarto texto,

da professora Rosa Helena Dias da Silva, membro do Conselho Missionário Indigenista

(CIMI), órgão da CNBB, faz uma leitura das “Diretrizes Operacionais para a Educação

Básica nas Escolas do Campo “, a partir da temática da educação escolar indígena,

comparando e aproximando estas caminhadas. É importante ressaltar que a partir do

Caderno de número quatro da Coleção não será usado mais o termo educação

“básica”56 por entender-se que os sujeitos que vivem e trabalham no campo tem o

direito e o dever de estudarem para além do Ensino Médio (última etapa formal da

educação básica) e também de irem além dos limites da escola formal. Neste sentido

também o Caderno de número cinco da Coleção reafirma essa nova concepção de

educação:

A articulação e o movimento foram denominados inicialmente de Por Uma Educação Básica do Campo; a partir dos debates realizados no seminário nacional de 2002 alteramos o nome para Por Uma Educação do Campo, em vista de afirmar, primeiro, que não queremos educação só na escola formal; temos direito ao conjunto de processos formativos já constituídos pela humanidade; e segundo, que o direito à escola pública do campo pela qual lutamos compreende da educação infantil à universidade. (Coleção Por Uma Educação do Campo: 2004, p.19).

O Caderno de número cinco traz como objetivos socializar as análises sobre as

referências teóricas que estão sendo construídas por diferentes sujeitos, ao analisar o

próprio campo e o projeto político e pedagógico de Educação do Campo. Para isso o

caderno traz quatro textos, o primeiro de Caldart, com sua leitura atenta à luta por terra

e por direitos, protagonizada pelos movimentos sociais, chama a atenção para alguns

elementos que considera fundamental na construção de um projeto político e

pedagógico da Educação do Campo. A identidade dessa educação a partir de seus

sujeitos, da cultura, do trabalho, das lutas sociais e modos de vida dos camponeses,

forma um conjunto de condições que não se limitam à escola, mas dela também se

alimenta pela sua vocação universal de ajudar no processo de humanização das

pessoas. O segundo texto escrito por Fernandes e Molina desenvolve uma reflexão que

busca ampliar a compreensão do campo e as múltiplas faces do desenvolvimento

capitalista, explicitando a existência de diferentes paradigmas de desenvolvimento em

confronto neste território.

56 O próprio Caderno Nº. 4 da Coleção: Por Uma Educação Básica do Campo assim afirma a respeito da mudança: “ Estamos mudando para deixar mais claro em nosso nome que a educação que queremos vai além do final do Ensino Médio e também dos limites da escola formal”.

Neste sentido a educação do campo tem se configurado como uma das estratégias que

pode provocar transformações no campo brasileiro porque o resgata não só como

espaço da produção, mas como território de relações sociais, de cultura, de novas

relações com a natureza e como território de vida e vida plena.

3.1 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Movimento de Luta por Políticas Públicas de Educação do Campo:

O compromisso de dar continuidade à luta por uma educação do campo empreendida

pelos sujeitos sociais ganha força com uma das recentes conquistas materializada no

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, cuja proposta começou a se

consolidar no I ENERA. Aprovado em abril de 1998, vinculado ao então Ministério

Extraordinário de Política Fundiária, atualmente Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA), e, posteriormente, em 2001, incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária, o PRONERA é um programa de educação de trabalhadores rurais em

Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária57. Tem como “princípio operacional” às

parcerias entre instituições estatais (Instituições de Ensino Superior, Superintendências

Regionais do INCRA, Prefeituras, Governos Estaduais e Secretarias Municipais e

Estaduais de Educação, Agricultura, Saúde e outras afins) e movimentos sociais

especificamente do campo, sendo o MST o parceiro mais presente, tanto na elaboração

como na execução deste programa educacional. Percebe-se, pois, um movimento

histórico de conquista pelos movimentos sociais do campo, articulação nacional Por

uma Educação do Campo, de políticas públicas que considere a realidade da educação

do campo. Trata-se da conquista do direito à educação que considere os espaços-

tempos-saberes dos sujeitos que vivem no campo e do campo.

57 PRONERA. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Manual de Operações. NDA/INCRA. Brasília, agosto de 2001. O PRONERA é executado mediante uma ampla articulação interinstitucional, que envolve Estado, universidades e movimentos sociais. O objetivo geral do PRONERA é fortalecer a educação nos assentamentos estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias específicas para o campo. O programa tem como essência a preocupação de capacitação de membros das próprias comunidades onde serão desenvolvidos os projetos, na perspectiva de que sua execução seja um elemento estratégico na promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável.

Como analisa Fernandez (2000) é importante compreender que a Educação do Campo

é um conceito forjado por este movimento do campo, ou seja, existe uma preocupação

de forjar um território teórico. Trata-se do direito de uma população conceber o mundo

segundo sua realidade social e cultural. Em termos de proposta formal o PRONERA por

meio do Manual de Operações, documento que se destina à orientação dos

interessados (Universidades, Movimentos Sociais entre outros) nos procedimentos para

apresentação de projetos, as linhas apoiadas pelo programa são as que atendam aos

seguintes objetivos:

Geral:

. Fortalecer a educação nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária,

estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais,

utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista

contribuir para o Desenvolvimento Rural Sustentável;

Específicos:

1- Alfabetizar e oferecer formação e educação fundamental a jovens e adultos nos

Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária;

2- Desenvolver a escolarização e formação de monitores para atuar na promoção de

educação nos projetos de Assentamentos de Reforma Agrária;

3- Oferecer formação continuada e escolarização média e superior aos educadores de

jovens e adultos – EJA – e do ensino fundamental nos Projetos de Assentamento de

Reforma Agrária;

4- Oferecer aos assentados escolarização e formação técnico-profissional com ênfase

em áreas do conhecimento que contribuem para Desenvolvimento Rural

Sustentável;

5- Produzir os materiais didático-pedagógicos necessários à consecução dos objetivos

do programa.

Portanto, em conformidade com estes objetivos os projetos apoiados seriam os de:

1- Alfabetização e escolarização de jovens e adultos, e capacitação e escolarização de

monitores para o ensino fundamental em Projetos de Assentamentos de Reforma

Agrária;

2- Formação continuada e escolarização de professores de Projetos de

Assentamentos de Reforma Agrária (Nível Médio e Superior – Curso Pedagogia da

Terra);

3- Formação técnico-profissional e escolarização – nível fundamental ou médio – de

jovens e adultos de Projetos de Assentamento de Reforma Agrária.

Está claro no Manual de Operações, que a própria gestão nacional e estadual dos

projetos do PRONERA terão representação dos movimentos sociais. Nacionalmente,

participam do Colegiado Executivo e da Comissão Pedagógica e no âmbito do estado

da Federação, no colegiado Executivo Estadual. Cabe ressaltar que a equipe que

elaborou o Manual de Operações contou com a participação de representantes dos

movimentos sociais (MST e um da CONTAG), e de Universidades (Unb) além de

representantes do INCRA. Mesmo assim, o processo que constitui o PRONERA, do

movimento social a sua organização formal, alguns aspectos chamam atenção.

O primeiro dele é o fato de estar ligado burocraticamente ao Ministério do

Desenvolvimento Agrário e não ao Ministério da Educação, afinal trata-se de uma

política pública para a Educação. O PRONERA não é uma política pública permanente,

ou seja, os projetos apoiados podem ou não continuar a serem desenvolvidos, e, a

educação requer políticas públicas que dêem continuidade e não políticas

compensatórias. A proposta de escolarização é originária do movimento pela educação

do campo, incorporada ao PRONERA na formulação dos objetivos proposto pelo

Programa, assim como em suas formulações teórico-metodológicas e pedagógicas.

Neste sentido destacamos a presença do MST, este possui um histórico acúmulo nas

formulações sobre educação do campo, sobretudo ricas experiências, as quais são

importantes orientadores no processo de construção do PRONERA enquanto política

pública educacional do campo. Uma conquista importante nesse movimento de luta por

uma educação do campo foi a publicação do Caderno de Subsídios intitulado:

Referências Para Uma Política Nacional de Educação do Campo (2004), produto do

Seminário Nacional de Educação do Campo realizado em outubro de 2003, que contou

com a participação dos sujeitos públicos e sociais envolvidos na concepção, elaboração

e na execução das políticas públicas para as populações do campo brasileiro, traz uma

importante contribuição para refletirmos sobre as condições em que se encontra a

educação e formação do professor do campo. Na primeira parte apresenta o

diagnóstico da Escolarização do Campo no Brasil. Constam informações sobre a

situação socioeconômica da população que reside no meio rural, acesso, qualidade da

educação, perfil da rede de ensino, condições de funcionamento das escolas e a

situação dos professores do meio rural. Em relação à formação do professor o

documento destaca a importância do mesmo no processo de progressão e aprendizado

dos alunos.

Apesar dessa constatação as condições de trabalho desses profissionais têm-se

deteriorado cada vez mais. No caso específico da área rural, além da baixa qualificação

e salários inferiores aos da zona urbana, eles enfrentam, entre outras, as questões de

sobrecarga de trabalho, alta rotatividade e dificuldades de acesso à escola, em função

das condições das estradas e da falta de ajuda de custo para locomoção. O documento

ainda revela dados sobre o nível de escolaridade dos professores, mais uma vez, a

condição de carência da zona rural é superior ao das áreas urbanas. No Ensino

Fundamental de 1ª a 4ª série, apenas 9% apresentam formação superior, enquanto na

zona urbana esse contingente representa 38% dos docentes. O percentual de docentes

com formação inferior ao Ensino Médio corresponde a 8,3% na zona rural, indicando a

existência de 18.035 professores sem habilitação mínima para o desenvolvimento de

suas atividades. Isso sem considerar aqueles que, apesar de terem formação em nível

médio, não são portadores de diploma de ensino médio normal.

Na zona urbana esse contingente corresponde a 0,8%. Nas séries finais do ensino

fundamental o percentual de docentes com apenas o Ensino Médio completo

corresponde a 57% do total. O nível de formação dos docentes do Ensino Médio

também reforça a questão de desigualdade entre a educação básica oferecida à

população da zona rural e a da zona urbana. Apesar de uma rede física bastante

reduzida, com 9.712 docentes que atuam em 948 estabelecimentos, 22% têm

escolaridade de nível médio, ou seja, 2.116 funções docentes são exercidas por

profissionais que atuam no mesmo nível de ensino que a sua escolaridade. Mais grave

ainda é a existência de docentes com formação no nível de Ensino Fundamental. O

documento traz também os dados do SAEB 2001 que mostram ser a remuneração dos

professores das áreas rurais bem inferior àquela de seus colegas que lecionam em

escolas urbanas. Os professores que atuam na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental,

em exercício na área rural, recebem praticamente a metade do salário dos que atuam

na área urbana. Diante desse quando, é evidente a necessidade do estabelecimento de

uma política para a educação que valorize os profissionais da educação no campo e na

cidade.

Neste sentido destacamos o convênio do PRONERA/UFES/MST no sentido de ofertar o

Curso de Pedagogia da Terra (Licenciatura em Pedagogia para Educadores e

Educadoras da Reforma Agrária) aos professores dos acampamentos e assentamentos

rurais. O Curso Pedagogia da Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar

profissionais com formação e titulação adequados às características e aos desafios da

realidade do campo, para atuarem na escolarização da educação infantil até o ensino

médio nas áreas de assentamentos rurais. A qualificação de educadores traz o sentido

de suprir uma deficiência histórica no meio rural, possibilitando o acesso ao ensino

superior aos jovens do campo. No Espírito Santo a primeira turma já se formou e se

encontra em andamento o processo de formação da segunda turma. O PRONERA

solicitou uma avaliação do processo de formação dos professores do Curso Pedagogia

da Terra à Universidade Federal do Espírito Santo – UFES que foi realizada em 2004 e

sistematizada em um relatório pelo coordenador da pesquisa enviada à coordenadora

geral do PRONERA.

3.2 O MST e as Matrizes Pedagógicas da Educação-Formação do Professor Sem-Terra.

Na origem do trabalho do MST com a educação escolar podemos identificar conforme

os estudos feitos por Caldart (2000) pelo menos cinco fatores: o primeiro diz respeito ao

contexto social em que se insere o nascimento do MST como Movimento, com o

componente específico da realidade da educação em nosso país e particularmente da

situação do meio rural. O mesmo modelo de desenvolvimento que gera os sem-terra

também os exclui de outros direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola. A

grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e uma experiência

pessoal de escola que não deseja para seus filhos: discriminação, professores

despreparados, reprovação e exclusão. O segundo fator foi à preocupação das famílias

sem-terra com a escolarização de seus filhos. O terceiro elemento ou circunstância que

pressionou fortemente o início dos trabalhos do MST com a educação escolar foi a

iniciativa das mães e professoras em levar adiante esta preocupação que aparecia nas

famílias sem-terra. Esta iniciativa incluía três dimensões principais: a organização das

atividades educacionais com as crianças acampadas; a pressão exercida para

mobilização das famílias e lideranças de cada acampamento e assentamento em torno

da luta por escola. A preocupação das professoras com sua própria articulação e

formação para assumirem a tarefa de educar as crianças sem-terra de um jeito

diferente58. De acordo com Caldart (2000, p. 150):

Na criação das chamadas equipes de educação pode ser identificado o início da discussão do que seria depois a proposta pedagógica do MST. A equipe (de educação) surgiu por iniciativa de algumas professoras que estavam iniciando o seu trabalho nas recém-criadas escolas dos acampamentos e assentamentos, tendo necessidade de discutir sua prática com as companheiras. O que moveu o grupo (umas dez professoras) foi a certeza de que uma escola de assentamento e ligada ao MST não pode ser igual às escolas tradicionais. Ela deve ser diferente.

58 Uma escola onde os professores e alunos sintam orgulho de hastear a bandeira do MST, de cantar seus hinos e canções, que cultive a memória, os valores e a identidade de ser Sem Terra. Como esses símbolos da educação do campo se fazem presentes nos espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra – UFES?

O último fator que impulsionou os trabalhos do MST com a questão da educação trata-

se do valor que o estudo tinha na vida das pessoas que ajudaram a organizar o MST e

que se tornaram suas principais lideranças. Nesta trajetória da questão da educação no

MST Caldart (2000) afirma como referência cronológica nacional o Primeiro Encontro

Nacional de Professores de Assentamento, que aconteceu em julho de 1987, no

município de São Mateus, Espírito Santo, organizado pelo MST para começar a discutir

uma articulação nacional do trabalho que já se desenvolvia, de forma mais ou menos

espontânea, em vários estados brasileiros.59 O encontro nacional de 1987 representou

uma mudança de eixo no processo de preocupação da escola pelos sem-terra. Da

organização mais ou menos espontânea surgida nos estados do centro-sul do país

nasceu o Setor de Educação do MST, que passou a ser organizado com este nome nos

estados, principalmente a partir de 1988, acompanhando a nova estruturação do

Movimento em setores, com elos de ligação desde a base local até as instâncias

nacionais.

A principal função do Setor de Educação seria a de articular e potencializar as lutas e

as experiências educacionais já existentes, ao mesmo tempo em que desencadear a

organização do trabalho onde ele não havia surgido de forma espontânea, ou nos

assentamentos e acampamentos que fossem iniciados a partir daquele momento. Foi

com a participação dos coletivos municipal, estadual que o Coletivo Nacional de

Educação em 1990 chegou à conclusão de que devia ser elaborada por escrito uma

proposta de educação do MST. A partir das discussões acumuladas até aquele

momento chegou-se ao consenso de que apenas o relato oral não dava conta de

sistematizar uma reflexão que ajudasse os educadores a pensar sua própria prática. De

acordo com Caldart (2000) o desafio era duplo: avançar na elaboração da proposta e

ao mesmo tempo traduzi-la numa linguagem que fosse acessível ao conjunto do

Movimento em especial aos professores e militante. Neste sentido o primeiro texto

escrito: O que queremos com as escolas dos assentamentos, passou por cinco ou seis 59 Para uma análise mais detalhada da questão da educação nos assentamentos do Espírito Santo sugerimos a leitura do trabalho de Pizetta, Adelar – Formação e práxis dos professores de escolas de assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado, 1999, PPGE (Programa de Pós-graduação em Educação – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES).

versões antes de ser editado sob a forma de cartilha em meados de 1991. O conjunto

de materiais escritos pelo Movimento que se seguiram a esse primeiro texto teve um

processo semelhante.60 Na produção inicial dos princípios da educação do MST61

podem ser identificadas três fontes principais: a experiência dos sujeitos que estavam

diretamente envolvidos com o trabalho de educação nos assentamentos e

acampamentos; o próprio Movimento como um todo, através de seus objetivos,

princípios e aprendizados coletivos e alguns elementos de teoria pedagógica presentes

na prática de algumas professoras e também pedagogos que começaram a ajudar na

sistematização da proposta educativa do Movimento. Destaca-se neste sentido a

ênfase no estudo de Paulo Freire e também de alguns pensadores e pedagogos

60 Segundo Caldart (2000) o conjunto de materiais produzidos pelo MST pode ser sintetizado da seguinte forma: os Caderno de Formação; os Cadernos de Educação que a cada número vai socializando o avanço da proposta pedagógica do MST, bem como sua própria ampliação do conceito de escola. Até 1999 foram produzidos dez destes cadernos, combinados com outras três coleções: Boletim de Educação, com subsídios mais gerais para o trabalho dos educadores, Fazendo história, literatura específica para crianças e adolescentes e, a mais recente, Fazendo escola, que retoma em outra forma a prática inicial de intercâmbio de experiências entre os educadores. Podemos notar e destacar o aprendizado coletivo do processo de construção da proposta pedagógica: cada material editado passa pelas seguintes fases: primeiro, o coletivo discute sobre o que será produzido; depois uma pessoa ou uma equipe recebe a tarefa de fazer a primeira versão do texto. Esta versão passa então por diversos coletivos, de preferência não somente os da educação, para que seja apreciado; o coletivo inicial de discussão é o que geralmente tem a palavra final para dizer se o texto já o representa. Podemos afirmar que esse processo coletivo de discussão e aprendizado constitui um processo dialético em que se parte da prática a fim de refleti-la retornando à prática de forma enriquecida, ou seja, à práxis. Para um aprofundamento sobre as publicações do MST sobre educação recomendamos consultar: Boletim da Educação n.8. Pedagogia do Movimento Sem Terra: acompanhamento às Escolas; Caderno de Educação n. 3. Alfabetização de Jovens e Adultos: como organizar; Caderno de Educação n.4. Alfabetização de Jovens e Adultos: didática da linguagem; Caderno de Educação n.5. Alfabetização de Jovens e Adultos: educação matemática; Caderno de Educação n.6. Como fazer a escola que queremos: o planejamento; Caderno de Educação n.8. Princípios da Educação no MST; Caderno de Educação n.9. Como fazemos a escola de educação fundamental; Caderno de Educação n.10. Ocupando a Bíblia; Caderno de Educação n.11. Educação de Jovens e Adultos; Cadernos de Educação n.12. Educação Infantil; Caderno de Formação n.18. O que queremos com as escolas dos assentamentos; Caderno de Formação n.23. Programa de Reforma Agrária; Caderno de Formação n. 34. O MST e a cultura.61 O Caderno de Educação número 8 intitulado: Princípios da educação no MST traz uma síntese dos princípios filosóficos e dos princípios pedagógicos do Movimento, entre eles podemos destacar: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com\para valores humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e transformação humana; relação entre teoria e prática; a realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura; auto-organização dos estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores e das educadoras; atitude e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Podemos perceber nestes princípios da educação do MST o modo diferente de conceber o ser humano e a educação e sua preocupação de garantir uma educação que respeite os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem no e do campo.

socialistas: Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí, sendo que estes dois últimos

já eram estudados há mais tempo dentro do MST, pelas contribuições que traziam a

outros setores de atuação do Movimento. Podemos afirmar como tentativa de síntese

que o eixo fundamental da elaboração da proposta educativa do MST desde o início foi

e continua sendo a prática dos sujeitos sem-terra e a construção de processos

educativos ligados à realidade destes sujeitos que vivem e trabalham na terra.

Ao analisar historicamente o surgimento do MST no Brasil Caldart (2000) identifica-o

como sujeito coletivo que através de sua organização, luta e defesa da vida constrói um

conjunto de pedagogias que põe em movimento o processo de formação-educação dos

Sem Terra. Essas pedagogias nascem do seio do próprio Movimento que nos seus

diferentes momentos, espaços, tempos (no acampamento, no assentamento, numa

marcha, numa celebração-mística, no enfrentamento com a polícia) põe em movimento

valores, princípios, utopias, sentimentos que aos poucos vão possibilitando um

processo de formação e educação de seus membros.

Neste sentido podemos pensar o MST como sujeito coletivo pedagógico.

Especialmente quando identificamos as duas dimensões fundamentais do processo de

formação dos sem-terra ligados ao MST: a que vincula cada família sem-terra à

trajetória histórica do Movimento e a luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil,

tornando-a fruto e raiz (sujeito) desta história; a que faz de cada pessoa que integra o

MST um ser humano em transformação permanente, à medida que participa como

sujeito das vivências coletivas que exigem ações, escolhas, tomadas de posição,

superação de limites, e assim conformam seu jeito de ser, sua humanidade em

movimento.

As perguntas que podemos fazer a partir das análises de Caldart (2000) são: quem é o

sujeito educativo neste processo? Quem está formando ou educando os Sem Terra?

Qual é a base da concepção de formação humana que está na experiência educativa

do MST? Neste sentido o MST se constitui enquanto movimento educativo do processo

de formação dos sem-terra, quando através dele (do Movimento) passam as diferentes

vivências educativas de cada pessoa que o integra, seja em uma ocupação, um

acampamento, um assentamento, uma marcha, uma escola, uma celebração ou

mística, ou um curso como o de Pedagogia da Terra/ES. Para Caldart (2000, p.205):

Os sem-terra se educam como Sem Terra (sujeito social), pessoa humana, nome próprio sendo do MST, o que quer dizer construindo o Movimento que produz e reproduz sua própria identidade ou conformação humana e histórica. Mas quem é este Movimento que se transforma em matriz educativa de seus próprios sujeitos?

No movimento, os sem-terra aprendem que o mundo e o ser humano estão para ser

feitos ou, que o mundo não é o mundo que está sendo (no sentido da fatalidade

histórica) como afirma Freire (1997) e que o movimento da realidade, constituído

basicamente de relações que precisam ser compreendidas, produzidas ou

transformadas, deve ser o grande educador deste processo formativo. Existem alguns

processos pedagógicos básicos que podem ser identificados no Movimento e que

possibilitam a formação-humanização dos sem-terra do MST, entre eles podemos citar:

luta, organização, coletividade, terra, trabalho e produção, cultura e história. As

principais matrizes pedagógicas, no sentido de processos educativos básicos que

possibilitam a formação dos sem-terra são: a pedagogia da luta social; a pedagogia da

organização coletiva; a pedagogia da terra e a pedagogia da cultura.

3.3 A Matriz Pedagógica da Luta Social

O Movimento é constituído pela luta, e, ao mesmo tempo, a conforma. Ser sem-terra

quer dizer estar permanentemente em luta para transformar a realidade de opressão e

exclusão em que se encontram milhares de seres humanos que foram excluídos não só

da terra como também de sua própria dignidade enquanto pessoa.

Assim podemos afirmar como Caldart (2000, p.208):

Tudo se conquista com luta e a luta educa as pessoas. Neste sentido, o virar o mundo de ponta-cabeça, que está presente na ação de ocupar um latifúndio, também está em tornar uma terra produtiva, em conquistar o apoio da sociedade para a causa da Reforma Agrária, em demonstrar quando um saque de alimentos pode não ser considerado um roubo, em conseguir trazer a escola para o campo, em aprender a ler mesmo já tendo muita idade, em manter-se como família nas diversas ações da luta pela terra, em enfrentar derrotas, em manter o brio nas situações de indignidade.

Conforme vimos no primeiro capítulo deste trabalho os sem-terra educam-se e

humanizam-se ao buscarem transformar a situação de miséria e de exclusão às quais

estão submetidos. Ao lutarem contra a injustiça e a exploração acabam por rebelar-se

contra a desumanização a que foram relegados pelo sistema capitalista; e é neste

processo dinâmico e contraditório de luta pela terra e nela pelas condições dignas de

existência que se afirma sua dignidade e sua humanidade. Este processo em si mesmo

é educativo. Olhando para a nossa sociedade, e para o caos social e humano em que

estamos inseridos enquanto país, enquanto modelo de sociedade e concepção de

mundo, o MST a partir de suas práticas e vivências educativas que se dão na luta pela

terra e nela pela ampliação dos direitos fundamentais do ser humano pode nos ajudar a

pensar um outro tipo de sociedade e de ser humano.

Junto com o aprendizado de que nada nos deve parecer impossível de mudar62 vem

outro muito importante: o aprender a produzir utopias63, no sentido de construir um olhar

para a vida e o mundo que projete um futuro balizado na convicção de que tudo pode

ser diferente do que é; a esperança de que podemos construir uma nova sociedade e

um novo ser humano. Antes de entrar na luta pela terra, as famílias sem-terra têm

diante de si a fome, a doença, o desemprego, a exclusão e a desesperança.

62 Que Paulo Freire diz ser também um dos princípios de quem trabalha com educação: ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.63 O termo utopia no sentido que estamos utilizando não se refere a devaneio ou a algo que nunca poderá ser realizado e sim no sentido de algo que não existe, mas que pela ação coletiva e organizada poderá vir a existir.

Quando ocupam uma terra, estas famílias põem os pés no seu futuro, e já enxergam

aquela terra produzindo a fartura de alimentos que naquele momento ainda lhes falta; e

se o MST realizar seu projeto educativo, logo estarão enxergando não apenas a sua

terra cultivada, mas cultivando um olhar que alcance todas as terras do país sendo

produzidas e produzindo gente com saúde, dignidade, sonhos. Outro aprendizado que

nasce da luta pela terra é o da postura política e cultural de contestação social, ou seja,

ao agir para transformar a situação de miséria e de exclusão na qual se encontram, os

sem-terra contribuem para a superação das injustiças sociais. Concordamos com

Caldart (2000) quando afirma que o sentimento de indignação diante das injustiças da

sociedade não é inerente à condição de oprimido, mas um aprendizado a ser

construído, sendo a luta social um ambiente bastante fecundo para que ele se produza.

Uma das condições para a formação de contestadores ou lutadores do povo é a

capacidade de sensibilidade social ou aquilo que poderíamos denominar de indignação

frente às injustiças.

Quem não é capaz de sentir de todo o coração e de toda alma a injustiça cometida

contra um ser humano não é capaz de se tornar um lutador ou contestador social.

Nesse sentido podemos nos perguntar se o Curso Pedagogia da Terra/ES contribui

para a formação de um professor com essas características? O Curso Pedagogia da

Terra/ES em seus diferentes espaços-tempos-saberes contribui para o

desenvolvimento da reflexão crítica, do desenvolvimento de valores como

solidariedade, fraternidade, senso de justiça e utopia tão necessários aos que desejam

e lutam por uma nova sociedade e um novo ser humano? Na forma como realizam as

tarefas, no empenho, na organização, nas celebrações (mística), na vontade de

aprender novos conhecimentos e na ajuda mútua entre os alunos, se manifesta de

forma muito clara a dimensão da luta social. Uma das professoras que lecionou no

Curso Pedagogia da Terra/ES assim refere-se ao jeito de ser dos alunos:

Eles nos ensinam um jeito especial de ser professor, em tudo que fazem. A forma como se organizam para trabalhar, seja individualmente ou no coletivo, está pautada no respeito ao outro, no direito à palavra de cada um. Mostram-nos uma maneira diferente de se posicionar frente aos desafios e problemas da vida. Revoltam-se, mas se solidarizam; calam-se, para ensinar com gestos lições simples da vida.

Seu espírito de solidariedade e trabalho coletivo é imensurável, para tornar cada uma das etapas do curso mais proveitosa possível às necessidades colocadas pelo Setor da Educação do Movimento Sem Terra.

A nossa sociedade atual fundada na concentração da terra e das riquezas nas mãos de

uma pequena elite nacional e transnacional busca incutir em nossas mentes e corações

por meio da mídia e da totalidade da vida social a insensibilidade frente aos problemas

sociais, a banalização da vida e a perda do valor da dignidade do ser humano, ora

ignorando-os ou banalizando-os, ou ainda reduzindo-os a problemas do indivíduo que,

por falta de competência e mérito, não foi capaz de superá-los ou galgar seu espaço no

mercado.

O MST através do Curso Pedagogia da Terra/ES busca recuperar a capacidade

humana de abertura e bem querer ao próximo levando-nos a sentir-nos solidários do

mesmo destino que nossos irmãos, produz em cada um de seus participantes uma

nova maneira de ser e de viver. Podemos identificar nesta prática um aprendizado

muito importante que contribui para a formação do professor sem-terra como um lutador

do povo: a luta por justiça social.

Portanto, afirmamos conforme Caldart (2000) que o MST através do Curso Pedagogia

da Terra/ES educa e forma os sem-terra no movimento da própria luta pela vida. Nas

pedagogias tradicionais a educação é concebida para manter a ordem e ensinar a

passividade através do discurso, do verbalismo, do autoritarismo e da apatia social. O

Curso Pedagogia da Terra/ES coloca em movimento a pedagogia da luta social: uma

pedagogia libertadora como nos ensinou Freire (1997) na medida em que contesta,

inconforma-se com a injustiça e luta por uma nova sociedade e um novo ser humano.

Esse é o horizonte que define o caráter de educação do Curso Pedagogia da Terra/ES,

ou seja, um processo de educação que se assume como político, que se vincula

organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade

atual, e a construção de uma nova sociedade fundada na justiça.

3.4 A Matriz Pedagógica da Organização Coletiva

Assim como afirma Caldart (2000) acreditamos que todo ser humano necessita de

raízes, e somente consegue criá-las participando de uma coletividade. Através dela

consegue manter vivos certos tesouros do passado, ao mesmo tempo em que cultiva

projetos de futuro. O MST cria raízes ao enraizar os sem-terra em uma coletividade que

ele mesmo constrói através de sua organização e de sua luta. Fazer parte de um

movimento social como o MST é sem dúvida uma das experiências mais decisivas na

conformação humana do sujeito sem-terra. O MST é a organização ou a coletividade

produzida pelos sem-terra em luta. Neste sentido, dizer que os sem-terra se educam

através da organização se refere aos dois significados combinados: os sem-terra se

educam à medida que se organizam para lutar; e se educam também por tomar parte

em uma organização que lhes é anterior, quando considerados como pessoas ou

família específica.

Neste sentido identificamos alguns componentes educativos desta matriz pedagógica

presentes no Curso Pedagogia da Terra/ES: o enraizamento; a coletividade em luta; a

força educativa do coletivo e da comunidade. O Curso Pedagogia da Terra é formado

em sua maioria por professores que pertencem ao MST e que foram desenraizados,

por terem sido expulsos da terra, mas também por um conjunto de processos de

exclusão social a que isto acabou levando. Voltar a ter raízes é certamente uma das

grandes e primeiras conquistas dos sem-terra que entram no MST e que participam do

Curso Pedagogia da Terra, e é ele que permite a cada professor abrir-se para a

possibilidade de continuar sua formação como sujeito. Assim destaca Caldart (2000, p.

215 e 216):

O MST se enraíza enraizando os sem-terra em uma coletividade que eles mesmos constroem através de sua luta e organização. Fazer parte da coletividade chamada MST é, sem dúvida, uma das experiências decisivas na conformação humana do sujeito Sem Terra. Na experiência de formação dos sem-terra pelo Movimento, pois, a organização coletiva também figura como princípio educativo. Os espaços-tempos de enraizamento estão presentes no grupo do acampamento, na terra, na família sem-terra, na cultura material de quem luta e trabalha na terra, nas diversas práticas sociais, na possibilidade de

estar em uma escola, (em um Curso como o da Pedagogia da Terra) e na própria cultura do Movimento (grifo nosso).

A maior contribuição reflexiva desta pedagogia da organização coletiva presente na

experiência de formação humana do Curso Pedagogia da Terra/ES está em trazer de

volta para nossa atenção a potencialidade educativa das relações sociais ou, na

expressão de Arroyo (2000), seu peso formador e humanizador. Nesta perspectiva, a

experiência de participar do Curso Pedagogia da Terra/ES é formadora dos professores

sem-terra basicamente pelas relações sociais que produz e reproduz, e que acabam

interferindo pedagogicamente em diversas dimensões do ser humano. Essa dimensão

educativo-formadora da organização coletiva se manifesta nos diferentes espaços-

tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra/ES e se configura como um dos

princípios da educação do curso: na auto-organização dos alunos, por exemplo. Auto-

organizar-se significa ter um tempo e um espaço autônomos para que os estudantes

possam se encontrar, discutir e organizar suas próprias atividades. Assim se expressa

uma aluna do Curso:

Trabalhar o coletivo numa sociedade capitalista é muito difícil. As pessoas quando chegam no Movimento Sem Terra estão muito impregnadas dessa mentalidade individualista do capitalismo. E às vezes o processo de se passar por isso é muito doloroso. Se a gente falar assim eu sou um socialista, eu vivo como um socialista vamos estar mentindo. Nós vivemos em uma sociedade capitalista e a gente ainda é muito individualista. Trabalhar a coletividade pra nós enquanto sociedade capitalista é um processo doloroso. Não é fácil estar numa turma de 58 pessoas estudando, trabalhando os tempos todo juntos, mas pra nós é um processo de extrema importância que vai criando em nós as condições de trabalhar melhor o coletivo depois que sairmos daqui. Todos os problemas, as dificuldades são necessárias para passarmos pelo processo de transformação e de crescimento.

Há muitos aprendizados que estão em jogo nesta prática: a capacidade de agir por

iniciativa própria, ao mesmo tempo, que respeitando as decisões tomadas pelo coletivo;

a busca de soluções para os problemas sem esperar salvação de fora; o exercício da

crítica e da autocrítica; a capacidade de liderança; a atitude de humildade, mas também

de autoconfiança e de ousadia; o compromisso pessoal com os resultados de cada

ação coletiva e o espírito de sacrifício em prol do coletivo.

3.5 A Matriz Pedagógica da Terra ou como os Professores Sem-Terra Educam-se em sua relação com a Terra, o Trabalho e a Produção.

Esta matriz pedagógica busca estabelecer o elo de ligação entre a terra, o trabalho, a

produção e o processo de educação e formação dos sem-terra. Como afirma Caldart

(2000) assim como é possível lavrar a terra, trabalhando-a para que se reproduza em

vida, alimentos, beleza, também é possível lavrar o ser humano, justamente para que

se produza e reproduza na plenitude de sua humanidade, no seu fazer-se humano, no

seu devir histórico. O ser humano, nas várias culturas e fases históricas, revelou essa

intuição segura: pertencemos a Terra; somos filhos e filhas da Terra; somos Terra que

atingiu um estágio de consciência e de reflexividade. Daí que a palavra homem vem de

húmus. Viemos da Terra e a ela voltaremos. “A terra não está à nossa frente como algo

distinto de nós mesmos. Temos a Terra dentro de nós” (Boff, 1999, p. 72).

Esta matriz pedagógica é uma das mais antigas, pois se faz presente na formação do

próprio Movimento e que põe em movimento a formação dos sem-terra através do

processo de produção das condições materiais da existência. O Curso Pedagogia da

Terra/ES coloca em movimento um processo de formação e educação dos professores

sem-terra através dos espaços-tempos-saberes promovendo o reencontro dos

professores sem-terra com a terra, com o conhecimento, que acaba sendo também

uma forma de encontro consigo mesmo, com seu ser que se havia perdido ou que o

sistema lhe havia negado.

O Curso Pedagogia da Terra/ES possibilita o trabalho na terra: preparar a terra, plantar

a semente, adubar, molhar e cuidar nos diz que as coisas não nascem prontas,

precisam ser cuidadas e cultivadas. São as mãos do agricultor, do camponês, da

camponesa, da criança, do jovem, do velho, do professor, da professora que vão

fazendo com que cada planta cresça e se desenvolva, com que cada criança aprenda e

tenha orgulho de ser sem-terra. É do trabalho de suas mãos que os professores sem-

terra se tornam sujeitos de sua formação e produzem sua existência, produzem o pão,

o leite, o arroz, o feijão, o remédio, o conhecimento e tudo que necessitam para viverem

com dignidade e humanidade. Se no capitalismo o fruto do trabalho é privilégio de uma

minoria, no Curso Pedagogia da Terra os resultados do trabalho são distribuídos entre

todos de forma igualitária não havendo necessitados entre eles64. Neste sentido assim

se expressou um professor e uma aluna do curso:

O trabalho como auto-educativo por si próprio. Porque a terra é o fundamento da própria construção do trabalho. Eu acho que humanizar no sentido cultural, do ponto de vista marxista o trabalho é a realização humana, é a referência fundamental; e esse trabalho se refere fundamentalmente a terra. Nesse sentido há uma pedagogia porque a marca do MST aponta para o socialismo ou da superação da propriedade privada no sentido de que a terra é da natureza, a terra não é de ninguém, a terra é de quem nela trabalha. O tempo trabalho, todos os dias nós trabalhamos divididos por setores, então no momento agora estou no setor de pomar e viveiro e tem outros setores. Acredito assim que é uma contribuição que a gente dá para o local que estamos. Esse local aqui nós consideramos como nosso porque a partir do momento que você sai de sua casa para ficar aqui 40 dias então a gente considera como nosso. Então temos de ter cuidado na produção.

É nesse processo coletivo de produzir sua existência material e espiritual que os

professores sem-terra se formam e se educam. Nesse sentido o trabalho ganha uma

dimensão educativa e formativa dos professores sem-terra. De acordo com Menezes

(2003) o trabalho constitui uma atividade humana no processo de transformação da

natureza e, conseqüentemente, na recriação de novas relações sociais. O ser humano

interage, modifica e transforma a natureza e ao transformá-la modifica a si mesmo. Mas

o ser humano não age isolado, e agindo ou trabalhando em conjunto, constrói o mundo

em que vivemos. O trabalho, desta forma, é a prática fundamental no processo de

humanização e socialização dos professores sem-terra. Pelo trabalho o homem produz

sua existência material e, indo além, estabelece relações sociais e culturais que

possibilitam um processo de educabilidade do ser humano. No entanto, Marx (1984)

nos adverte do caráter contraditório do trabalho. Se por um lado, pelo trabalho o

homem imprime sua marca no mundo, será pelo mesmo trabalho que as relações de

exploração e extração de mais-valia irão realizar-se.

64 Podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra/ES em seus diferentes espaços-tempos-saberes busca construir novas relações entre os seres humanos, um projeto alternativo de sociedade fundada na justiça social e na igualdade entre os seres humanos.

Portanto, o trabalho não pode ser visto apenas de forma positiva, pois, historicamente,

ele está se dando de forma perversa para os trabalhadores. E no capitalismo, o

trabalho serve à reprodução do capital. A vida, produzida e recriada pelo trabalho

humano, torna-se submetida à reprodução do capital. No Curso de Pedagogia da Terra

o trabalho tem um valor fundamental. Para professores do curso, vincular os processos

educativos do curso com a realidade dos alunos significa incluir o trabalho como uma

dimensão educativa fundamental na formação. Para os alunos do curso, vincular a

educação com o trabalho é condição para realizar os objetivos políticos e pedagógicos

do MST. Os processos pedagógicos não podem ficar alheios às exigências cada vez

mais complexas dos processos produtivos, seja os da sociedade em geral, seja os dos

assentamentos, em particular. E o curso realiza isso quando seleciona conteúdos

vinculados ao mundo do trabalho e da produção presentes na realidade e na vida dos

estudantes.

3.6 A Matriz Pedagógica da Cultura

Esta matriz pedagógica se encontra nos diferentes espaços-tempos-saberes do Curso

Pedagogia da Terra/ES. A cultura se faz presente na luta pela terra, na organização

coletiva, no processo produtivo, nos momentos de celebração e mística, nas palavras

de ordem, nas músicas. O que nos chamou atenção no Curso Pedagogia da Terra/ES

foi o sentimento de pertença ao MST que os professores demonstram nos diferentes

espaços-tempos-saberes do processo de formação. Esse sentimento de pertença se

manifesta através dos símbolos, das frases, dos cartazes, da mística, da bandeira do

MST, do boné, da camisa, da organização, da postura e do comportamento de cada

aluno que participa do curso. Não é somente a sala de aula que educa e sim todos os

espaços-tempos-saberes do curso, se convertem em um ambiente educativo dos

alunos, professores, coordenadores e pesquisadores. No movimento de formação do

professor sem-terra, trata-se de compreender como o próprio MST vai se

transformando em referencial cultural educativo dos professores sem-terra através de

seus símbolos e ações.

A cultura pode ser entendida a partir de diferentes perspectivas, neste trabalho a

entendemos como Caldart (2000) que a considera como um conjunto de práticas,

comportamentos, valores, posturas, convicções, idéias, que se produzem desde uma

luta social e que projetam um mundo diferente. Neste sentido podemos entender a

cultura como um modo de vida que articula costumes, objetos, comportamentos,

convicções, valores, saberes, que embora díspares e por vezes até contraditórios entre

si, possuem um eixo integrador ou uma base primária que nos permite distinguir um

modo de vida de outro, uma cultura de outra, um projeto de sociedade de outro. O

Curso Pedagogia da Terra intencionaliza ações, valores, comportamentos, símbolos

que favorecem a formação e o processo de educação e valorização dos saberes, da

cultura e da identidade dos professores sem-terra, fortalecendo a luta coletiva por uma

educação no e do campo? Acreditamos que sim. Podemos identificar esse componente

educativo na fala de uma das alunas do curso:

Ao longo de todo o processo capitalista neoliberal que foi imposto pra gente, o homem do campo se descaracterizou muito, nós perdemos a nossa cultura, as nossas tradições e assimilamos uma cultura externa à nossa que foi imposta a nós. O homem do campo hoje quase não se diferencia do homem urbano. O importante pra gente não é dar uma nova cara para o homem do campo e sim resgatar no homem do campo o que foi perdido realmente. Queremos valorizar a cultura, as raízes dos sujeitos do campo!

A mística65, por exemplo, é um processo que pode ser interpretado nesta perspectiva,

ou seja, de fortalecimento da identidade de ser sem-terra e de pertencer a um

Movimento como é o MST. Se entendermos a mística como um dos componentes da

cultura e cultura como um conjunto de práticas, comportamentos, valores, posturas,

convicções, idéias, que se produzem desde uma luta social e que projetam um mundo

diferente, então podemos afirmar que a matriz pedagógica da cultura66 projeta um modo

65 Acreditamos que a mística é um dos espaços-tempos-saberes fundamentais no processo de formação dos sem-terra que se faz presente no Movimento e no Curso Pedagogia da Terra. No último capítulo da dissertação procuraremos abordar melhor a dimensão educativa e formativa da mística.66 Um simples olhar para a nossa realidade social nos aponta os contra-valores da ordem do dia para o sistema capitalista: individualismo, ambição, competição, coisificação das relações humanas e o pior de todos eles: o enfraquecimento ou o esquecimento do senso de justiça acompanhado da insensibilidade social diante do sofrimento dos excluídos. O capitalismo tem gerado uma situação social de degradação humana, de desenraizamento das pessoas e de morte do horizonte utópico. O MST ao construir sua cultura ancorada num processo de enraizamento e humanização dos sem-terra possibilita uma prática contra-hegemônica e alternativa ao sistema atual.

de ser que conduz ao resgate da memória histórica da luta pela terra, do cultivo dos

valores de solidariedade e de justiça que possibilita o enraizamento e o processo de

formação dos professores sem-terra. Se o Curso Pedagogia da Terra é portador de

cultura, de valores, práticas, comportamentos que possibilitam um processo de

formação e humanização dos professores sem-terra, então podemos afirmar que as

ações dos sujeitos do curso são questionadoras do sistema capitalista vigente. Na

contramão dos valores apregoados pela educação no sistema capitalista, como o

individualismo, a competição, a mercantilização e a transformação da educação em

mercadoria, o curso coloca em movimento práticas alternativas de educação, tais como

o valor do coletivo, da solidariedade e ajuda mútua, a educação como direito social e

dever do Estado, da cooperação e da luta por justiça social.

CAPÍTULO IV

4 PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA

“A Pedagogia da Terra leva a marca do próprio MST na medida em que veio como uma conquista, o movimento se organizou levando a sua própria marca, ocupou o campus de São Mateus, ocupou a universidade e isso foi uma coisa maravilhosa do ponto de vista do exemplo político de como se fazem as coisas. O Curso Pedagogia da Terra foi uma conquista ganha dentro do processo de ocupação, luta, porque, a universidade pública é uma universidade do povo brasileiro”. (Professor que lecionou na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).67

4.1 Considerações Iniciais

Neste quarto e último capítulo temos como objetivo fundamental identificar, analisar e

refletir a partir da vivência, dos documentos do curso (grade curricular, programas de

disciplina, plano de aula, caderno de memória da turma, caderno de reflexão pessoal),

das entrevistas realizadas a alunos (as), professores (as) e coordenadores os espaços-

tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Com o objetivo de

situarmos o leitor no capítulo realizamos uma pequena memória da caminhada até

chegarmos aos itens que fazem parte do capítulo. É interessante pensarmos na relação

do sujeito pesquisador com o objeto a ser pesquisado. Como pesquisador iniciante meu

primeiro contato com o tema da pesquisa foi a partir das leituras do MST, quanto mais

lia e aprofundava no conhecimento do MST mais me apaixonava pelo tema da

pesquisa. Era necessário conhecer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

para depois conhecer o processo de formação dos professores do Curso Pedagogia da

Terra.

67 O nome do professor foi mantido em sigilo por fazer parte do desenvolvimento da pesquisa.

Neste processo considero fundamental para o conhecimento e a identificação com o

MST, no conjunto da leitura realizada duas obras: Brava gente: a trajetória do MST e a

luta pela terra no Brasil de autoria de João Pedro Stédile em parceria com Bernardo

Mançano Fernandes e Pedagogia do Movimento Sem Terra de autoria de Roseli Salete

Caldart. Essas obras ajudaram-me a conhecer e admirar o MST e a pensar na

importância do Movimento como sujeito coletivo educativo dos sem-terra.

Era necessário, no entanto, um contato mais direto com o objeto-sujeito da pesquisa.

Foi assim que em Janeiro de 2004 tive meu primeiro encontro com os alunos da

segunda turma do Curso Pedagogia da Terra - UFES, no Pólo Universitário de São

Mateus – CEUNES. Nesse primeiro encontro com a segunda turma do Curso

Pedagogia da Terra três gestos marcaram-me: o primeiro diz respeito à cordialidade e à

solidariedade com que a turma acolheu-me; o segundo foi o esforço, a dedicação e a

organização dos alunos nas diversas atividades do curso, inclusive após as oito horas

diárias de aulas; e o terceiro foi às celebrações, o que eles chamam de mística.

Os alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES acordam às 5 h e

30 min, tomam um café reforçado e se preparam para as atividades do dia. A mística é

realizada diariamente e é a primeira ação que fazem ao amanhecer. Cada dia um grupo

de alunos da turma fica responsável por prepará-la e realizá-la. Os alunos trazem para

o momento da mística, acontecimentos que se relacionam com a história do MST, com

a história do país, com os direitos sociais como a educação, saúde, moradia e também

com o cotidiano do curso. Na semana que permaneci com eles pude participar de

algumas celebrações em que essas questões foram tratadas de forma bastante criativa

e crítica assumindo uma dimensão de contestação social. Logo após a mística os

alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra dão início às atividades

acadêmicas. São oito horas diárias de aula com intervalo para almoço e lanche. Os

conteúdos abordados nas aulas são desenvolvidos de acordo com as disciplinas que

integram a Grade Curricular do Curso. Os professores procuram utilizar uma

metodologia participativa onde os alunos possam expressar dúvidas, questionamentos

e relacionarem os conhecimentos das diferentes disciplinas com a experiência que

possuem nas escolas dos assentamentos. Depois de oito horas consecutivas de aula

os alunos do Curso Pedagogia da Terra se preparam para as atividades referentes ao

espaço-tempo-trabalho produtivo. A turma organiza-se em grupos de trabalhos e dá

início às atividades, tais como: capina, horta, tirar leite de vaca, pintura, fabricação de

remédios caseiros etc. Terminada essa etapa os alunos se dedicam à higiene pessoal:

tomar banho, preparar seus pertences pessoais (roupas) e em seguida acontece o

jantar. Durante à noite alguns grupos dedicam-se à preparação da mística; outros

participam de reuniões com a coordenação do curso e há ainda atividades de leituras

para serem feitas, como livros e textos referentes aos conteúdos trabalhados pelas

disciplinas da Grade Curricular do Curso. Esse foi um pequeno relato de minha

participação em um dia no Curso Pedagogia da Terra. Meu segundo encontro com a

segunda turma do Curso Pedagogia da Terra foi na realização da pesquisa do

PRONERA em 2004. Nesse momento, a partir da experiência que havia vivido pensei

que poderia aprofundar meu olhar sobre o curso fazendo aos alunos e professores do

curso, algumas questões, como por exemplo: o que significa para eles (alunos do

curso) ser professor do MST?

Que importância tem a mística no processo de formação dos professores sem-terra?

Que espaços-tempos-saberes são produzidos e mobilizados durante as etapas do

curso que favorecem o processo de formação dos professores sem-terra? Qual é a

concepção de mística do MST e que papel ou função educativa tem a mística no Curso

Pedagogia da Terra? Uma questão que mais tarde vim a pensar foi se a mística do

MST tem origem nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica e como

essa dimensão educativa aparece no movimento de formação do professor sem-terra?

A partir da pesquisa do PRONERA pude perceber que a mística era realmente um dos

eixos no processo de formação do professor sem-terra e que mereceria uma atenção

especial e maior aprofundamento, vindo a constituir-se em um dos espaços-tempos-

saberes fundamentais do movimento de formação dos professores sem-terra. A

participação no I Encontro do PRONERA da Região Sudeste também contribuiu para

reforçar a importância que os sujeitos sem-terra atribuem à mística como memória e

fortalecimento da luta por uma educação do campo. Por meio da mística os sujeitos do

campo expressam sua cultura, seus valores, seus saberes e sua identidade campesina

e revivem a história da luta pela terra. E foi nesse movimento que fomos tecendo os

temas a serem trabalhados neste capítulo.

4.2 O Curso Pedagogia da Terra – UFES

O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da

Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Estado do Espírito Santo68 foi criado no final

de 1999 pela parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de

Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo –

MST/CIDAP69, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional

de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA e Universidade Federal do

Espírito Santo – UFES70. O processo de criação do Curso Pedagogia da Terra nos

68 Um breve resgate de aspectos da história do Curso Pedagogia/UFES remete a 1972, ao Departamento de Pedagogia do Centro de Estudos Gerais (grosso modo este equivalia às Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do período anterior à Reforma Universitária – Lei n.5.540/68. Em 1975 foi criado o Centro Pedagógico, tendo o Curso de Pedagogia habilitações, como: Supervisão, Administração Escolar, Orientação Educacional. A partir de 1990, foram feitas reformas curriculares dando ênfase na formação de Professores de 1a a 4 séries e Educação Infantil. Atualmente o Centro de Educação/UFES oferece um Curso de Especialização lato sensu em Pedagogia, qualificando especialistas de educação para exercerem funções de Orientação, Supervisão, Administração Escolar.69 O Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores – CIDAP/ES foi fundado em dezembro de 1987. Caracteriza-se como uma associação sem fins lucrativos, objetivando negociar projetos e programas para assentamentos. Tem um caráter jurídico para representar o MST. Hoje conta com uma sede construída numa área de 10 hectares (doada pelo Assentamento de Juerana) localizada no Km 41 da Rodovia São Mateus – Nova Venécia. O CIDAP vem cumprindo um papel significativo enquanto Centro de Formação do MST e atualmente a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra está realizando suas atividades de formação no CIDAP, possibilitando um espaço mais amplo e em condições de funcionamento melhores do que aquelas disponibilizadas no pólo da CEUNES em São Mateus.70 Conforme depoimentos da professora Julieta Ida Dallapione (2002), durante a realização da II Conferência Estadual por uma Educação Básica do Campo, realizada em Porto Alegre/RS, no mês de abril de 2002, em 1997 a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/UNIJUI iniciou, através de convênio entre o INCRA/MST/UNIJUÍ, à primeira turma de formação de professores de assentamentos do MST em nível superior, por meio do Curso de Pedagogia para Formação de Professores do Ensino Fundamental e Coordenadores da Escolarização dos Assentamentos de Reforma Agrária, cujo curso logo passou a ser chamado de Pedagogia da Terra.

remete, como vimos no desenvolvimento da dissertação, à luta dos trabalhadores (as)

rurais sem-terra para romperem a cerca do latifúndio e da ignorância. Os trabalhadores

sem-terra recusando-se a permanecerem excluídos da terra, da dignidade, do

conhecimento e da educação mobilizaram-se coletivamente para conquista e ocupar o

latifúndio do saber forçando a Universidade a desempenhar o seu papel social de estar

a serviço do povo brasileiro. O Curso Pedagogia da Terra situa-se neste movimento de

luta por uma educação do campo, não foi uma doação da Universidade ou do

PRONERA, nasceu e se tornou realidade a partir da luta organizada do MST. Homens

e mulheres que tecem no cotidiano de suas lutas, enfrentamentos, dificuldades e

sonhos uma nova concepção de educação que contemple os valores, a cultura e a

identidade dos sujeitos do campo. A organização do Movimento Sem Terra no Estado

do Espírito Santo, assim como no Brasil, remete às Comunidades Eclesiais de Base –

CEBs, conforme discutimos no primeiro capítulo da dissertação e Comissão Pastoral da

Terra/CPT, criada em Goiânia em 1975 e no Espírito Santo no ano seguinte, com

significativo impulso a partir da década de 1970, auge da Ditadura Militar.

Os trabalhadores rurais sem terra e agricultores de renda familiar organizaram-se para

partilhar seus problemas e encaminhar possíveis lutas pela conquista de condições

dignas de vida, de cidadania. Isso possibilitou uma pedagogia popular que favoreceu

discussões a partir dos problemas concretos vividos pelo homem oprimido do campo,

estimulando processos de reflexão individuais e coletivos. A ênfase nos trabalhos

desenvolvidos passou a se dar no campo da conscientização, no sentido proposto por

Freire (1970), na formação de lideranças e animação de grupos. Os trabalhadores

rurais sem-terra lutaram para conquistar um pedaço de chão, garantindo a subsistência

de suas famílias. No Estado do Espírito Santo ampliou-se esse processo desde 1983,

em cujo movimento a bandeira da educação como um direito fundamental dos sem-

terra sempre se fez presente. Cabe perguntar: por que o Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra começa a lutar não só pela terra, mas também por educação e por

outros direitos sociais? Ocorre que os altos índices de analfabetismo no Movimento, a

necessidade de garantir às crianças que acompanhavam seus pais na luta pela terra o

direito de escolarização e, sobretudo, o fato dos trabalhadores rurais sem terra

defenderem em suas lutas a relevância da educação formal e informal como

instrumento de luta no processo de transformações sociais vem mobilizando o MST e

diferentes grupos da sociedade civil para garantir o direito dos trabalhadores rurais a

uma escola voltada para as necessidades dos sujeitos do campo. Neste sentido a fala

de uma professora que lecionou para a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é

esclarecedora:

Eu acho interessante porque esse Movimento se fortalece ou se enfraquece no contexto atual onde os direitos sociais estão sendo cassados! Você fala em direitos sociais, hoje cada um deles e a cada dia estão sendo desconsiderados, a todo tempo, então esse Movimento se faz mais importante ainda porque diz novamente, fala novamente da necessidade que nós temos de garantir os direitos sociais: da educação, da moradia, da terra, da saúde que estão cada dia sendo restringidos.

Na luta pelos direitos sociais e em especial à educação, o MST institui em 1984 a

primeira escola de assentamento no Estado do Espírito Santo, assessorado por uma

equipe de professores da Escola Família Agrícola de Jaguaré. Muitas lutas foram

travadas para que o governo estadual e prefeituras municipais se responsabilizassem

por oferecer infra-estrutura às escolas, aceitassem critérios colocados pelo Movimento

para o processo de seleção de professores em escolas de assentamentos, garantissem

pagamento em dia de salários da equipe escolar, oferecessem material didático e

dessem reconhecimento oficial e legal ao projeto educativo construído coletivamente

pelos sem-terra. Em 1987 organizou-se o I Seminário Nacional de Educação em

Assentamentos, realizado em São Mateus nos dias 27 a 30 de julho. Houve

participação de comitivas de treze estados do país. Das discussões acumuladas nas

múltiplas frentes de luta do MST por uma educação no/do campo, criou-se o Coletivo

Nacional de Educação do MST neste mesmo ano. Desde então encontra destaque na

pauta de lutas a demanda de uma educação diferenciada que atenda às

particularidades e à realidade dos sujeitos que vivem no e do campo, à necessidade de

programas institucionalizados de formação política e pedagógica dos professores de

assentamento.

Neste sentido em 1989 o MST, através do Centro Integrado de Desenvolvimento dos

Assentados e Pequenos Agricultores do Estado do Espírito Santo - CIDAP, inaugura

sua primeira parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo com cursos de

extensão nas áreas de Pedagogia, Administração e Agronomia. Em 30 de maio de

1994 o Setor de Educação do MST/ES, após negociação com a UFES, encaminha

pedido à Coordenação Universitária do Norte do Espírito Santo/CEUNES (campus

avançado da UFES em São Mateus), solicitando uma nova parceria entre a UFES,

Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo - SEDU e MST, para a criação do

Curso de Habilitação para o Magistério. Reivindicava-se uma formação que fosse

coerente com as especificidades e a realidade da educação nos assentamentos.

Em face das dificuldades legais encontradas, firmou-se finalmente convênio entre o

MST/CIDAP e a Escola de I e II Graus Santo Antônio, localizada no município de São

Mateus. O curso foi iniciado em julho de 1995, no Centro de Formação do CIDAP. Os

estudantes da primeira turma, assim que concluíram seus estudos, mobilizaram-se para

iniciar novas negociações com a UFES, através do Setor de Educação do MST, a fim

de garantir a continuidade do processo de formação para além da Educação Básica.

Assim tiveram início as negociações entre lideranças do Setor de Educação do MST e a

Universidade para a construção de um projeto que possibilitasse a formação superior

em pedagogia para os professores das escolas de assentamentos. A preocupação com

a formação dos professores que atuam nas escolas de assentamentos como vimos

remonta ao início do Movimento, mais especificamente a partir de 1987, quando o

Movimento iniciou uma série de debates com o objetivo de procurar parcerias que

viabilizassem esta formação. A motivação para este debate vinculava-se a idéia de

garantir aos professores uma formação que levasse em consideração a realidade, a

cultura e a identidade dos sujeitos do campo. Neste sentido, assim afirma Caldart

(2000, p. 157).

Depois de conquistada a escola junto ao município ou ao estado, era designada para estas áreas professoras da rede oficial de ensino que, muitas vezes, iam para lá por imposição, e em alguns casos tendo uma visão bastante preconceituosa em relação aos sem-terra.

A luta que o Movimento assumiu quando decidiu reivindicar a formação superior em

Pedagogia era possibilitar aos jovens, homens e mulheres, que viviam do trabalho do

campo, o acesso a uma formação acadêmica que levasse em conta as peculiaridades e

realidade destes sujeitos que vivem no e do campo, pensar uma educação que não

fosse simplesmente um transplante da educação urbana71, mas que tivesse relação e

fosse coerente com o contexto e a realidade da educação e da vida dos sujeitos do

campo. Foi assim que em 1999 foi firmada a parceria entre o Movimento Sem

Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores

do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA com

o objetivo de garantir a realização do Curso de Pedagogia da Terra. A oferta total de 60

vagas do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadoras e Educadores

da Reforma Agrária MST/ES tornou-se realidade com a assinatura do Convênio de n.

2001/1999, publicado no Diário Oficial da União – DOU em 08 de novembro de 1999.

4.3 Características Gerais do Curso Pedagogia da Terra - UFES

Não foram poucas as discussões travadas na Universidade Federal do Espírito Santo

sobre o caráter público ou não do Curso Pedagogia da Terra. Alguns professores

defendiam a necessidade e a legalidade do Curso; outros criticavam, dizendo que era

uma demanda particular e feriria o caráter público da Universidade, na medida em que

se estaria abrindo exceções para que um determinado grupo ingressasse de forma não

oficial, ou seja, sem passar por todos os procedimentos normais de acesso à 71 A educação urbana está indissociavelmente ligada a um projeto de educação fruto da Modernidade, erigido sob o princípio do universalismo, que pretendeu estender pelos quatro cantos do mundo, os ideais da civilização. No seu afã civilizatório, esse projeto educacional sufocou de forma totalitária a realidade da cultura e da identidade dos sujeitos que vivem e se educam no/do campo. Não houve por parte da educação urbana a preocupação em aproveitar as experiências e os saberes dos sujeitos do campo; muito pelo contrário em muitos casos o homem do campo foi tratado como sendo jeca, caipira e desprovido de cultura, contribuindo desta forma para uma visão negativa do homem e da mulher do campo.

Universidade. Reforçando a importância do curso para a formação dos professores das

escolas dos assentamentos do MST, assim se expressa uma professora que lecionou

na quinta etapa do Curso Pedagogia da Terra/ES:

Agora uma coisa interessante que muitos dirigentes universitários não pensam é que nós vivemos numa sociedade extremamente excludente e cursos dessa natureza permitem que algumas pessoas que estariam excluídas sempre possam se inserir na universidade; tem toda uma relação com a questão do sistema de cotas; eu gostaria que tivesse escola para todo mundo e universidade para todos, agora, enquanto não temos, precisamos garantir de alguma maneira que algumas pessoas possam participar do processo de formação que ocorre dentro da universidade, porque de outra maneira eles não vão conseguir; a universidade, independente de ter um estatuto, precisa pensar essa questão.

Podemos pensar que se a Universidade é pública ela deve estar a serviço do povo,

principalmente daquela parcela da população que sempre e historicamente vem sendo

excluída dos direitos de cidadania em nosso país. Desta forma o Curso Pedagogia da

Terra constituiu-se em um espaço privilegiado onde professores sem-terra têm acesso

a um conhecimento científico e a uma formação que legitime seus saberes e sua

experiência, levando em consideração a realidade e a identidade dos sujeitos do

campo72. Após a leitura, análise de documentos e das entrevistas realizadas com

professores e alunos da segunda turma, pode-se afirmar que o Curso Pedagogia da

Terra/ES visa aos seguintes objetivos: proporcionar aos professores que residem nas

áreas de assentamentos uma Licenciatura Plena de Pedagogia, para atuarem na pré-

escola e nas séries iniciais de ensino fundamental; preparar professores para levarem

em frente a implementação da proposta pedagógica de educação libertadora73, que

valorize os saberes do homem do campo e que contribua com novos conhecimentos

para garantir a qualidade de vida do mesmo; desenvolver uma metodologia que

possibilite aos sujeitos do campo a construção de uma proposta pedagógica no e do

72 Neste sentido convém destacar o Curso de Pedagogia que busca preparar professores indígenas para atuarem nas escolas das aldeias de Aracruz e o curso a distância (EAD) ambos em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Está em processo de discussão a possibilidade de um curso de extensão para professores que atuam em comunidades pomeranas para sanar as lacunas da Pedagogia/EAD que não leva em consideração as questões relacionadas com a educação do campo, bilingüismo e cultura local. 73 Uma educação libertadora no sentido de que nos fala Paulo Freire: que busca o resgate dos valores, dos saberes e da cultura dos oprimidos!

campo e à implementação nas escolas dos assentamentos, através de pesquisas, da

valorização cultural, do referencial teórico e científico, valorizando a cultura do homem

do campo como condição para o resgate da sua identidade e cidadania. Esses são em

linhas gerais os objetivos do Curso Pedagogia da Terra/ES que orientam em cada

etapa do Curso os trabalhos das diferentes disciplinas que compõem a Grade

Curricular. Pela experiência que tivemos em vivenciar juntamente com os alunos e

professores da segunda turma algumas etapas do Curso Pedagogia da Terra, das

entrevistas realizadas com alunos e professores, da participação ativa nos espaços-

tempos-saberes do processo de formação e das conversas informais que tive com

alguns alunos, pode-se afirmar que em grande parte esses objetivos estão sendo

alcançados. De fato fica evidente na fala de professores e alunos a importância desse

curso no sentido de construir uma educação que respeite os saberes, as experiências e

a cultura dos sujeitos do campo, que recupere a humanidade e a dignidade de sujeitos

que historicamente e sistematicamente têm sido excluídos de todo o processo

educacional em nosso país. Neste sentido, assim se expressa uma professora que

lecionou no Curso Pedagogia da Terra:

Eu vejo a educação como um processo, não na perspectiva daquele processo, não na perspectiva daquilo que está colocada na mensagem que nós lemos ainda a pouco, da Mídia; mas independente de onde as pessoas estejam, de quem são as pessoas, eu vejo a educação como um processo fundamental para a humanização.Tornar-se humano, na verdade a gente aprende a ser, ser humano! E ser humano pra mim tem que ter essa dimensão crítica, da necessidade do outro, tem que ter essa dimensão da coletividade, pra mim esse é um processo de humanização!

Podemos pensar que em toda a história da educação brasileira os sujeitos do campo

sempre foram marginalizados e que isso se situa dentro de uma lógica de dominação,

de exclusão que o sistema capitalista impôs a esses sujeitos; e na medida em que o

MST como movimento social através desse Curso busca formar esses professores para

que sejam capazes de ensinar as crianças, os adolescentes, os jovens, os anciãos com

conhecimentos que lhes possibilitem compreender a sua realidade e o seu mundo, está

efetivamente contribuindo na luta por uma educação libertadora que respeite os

saberes, a cultura e a identidade dos sujeitos no/do campo. Sendo assim podemos

afirmar que o Curso Pedagogia da Terra através de seus espaços-tempos-saberes, das

disciplinas que formam a Grade Curricular e das metodologias desenvolvidas em sala

de aula pelos professores está contribuindo efetivamente para esse processo de

formação-humanização dos professores do campo.

4.4 Estrutura de Funcionamento do Curso Pedagogia da Terra - UFES

Tanto na primeira turma quanto na segunda turma, a duração total do curso foi e está

sendo de três anos, tendo um tempo de ensino presencial (Tempo Escola), cumprido

nos meses que são destinados às férias escolares (janeiro, fevereiro e julho), e outro

tempo de estudos à distância (Tempo Comunidade), realizado nos demais meses do

ano e nos próprios locais de origem das (os) aluna (os). Essa estrutura do Curso

Pedagogia da Terra – UFES se assemelha à da Pedagogia da Alternância, conforme

discutimos no segundo capítulo deste trabalho. O curso está estruturado em oito

etapas74, cada uma delas envolvendo um período de ensino presencial e um de estudos

à distância. O curso consta de oito etapas com cinco disciplinas de 60 horas,

perfazendo um total de 300 horas em cada etapa, com exceção do oitavo período,

contando somente com a disciplina Estágio de 300 horas. O Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra considerou necessário e importante que neste último

período os estudantes desenvolvessem uma monografia final do curso75, que totaliza

cento e vinte horas. Desta forma a carga horária do curso é de 2.520 horas. As etapas

letivas Intensivas destinam-se à apresentação e aos trabalhos das disciplinas que

compõem a Grade Curricular do Curso: à orientação; discussão e reformulação das

resenhas e estudos das etapas intermediárias; à socialização das experiências e

74 É importante chamar a atenção para esta forma de organização do curso, pois aí se encontra uma das diferenças do Curso Pedagogia da Terra em relação aos demais cursos convencionais, onde a estrutura segue uma lógica seriada e fragmentada. No Curso Pedagogia da Terra cada etapa se constitui levando em conta os diferentes espaços-tempos-saberes que configuram o movimento de formação dos professores sem-terra.75 Ainda que o Curso de Pedagogia regular de Vitória não tenha como exigência a monografia no final de curso, o coletivo da educação do Movimento encaminhou discussões junto à Universidade, destacando a importância e a necessidade para a construção coletiva de uma alternativa de educação no/do campo, por meio de pesquisas para elaboração de um trabalho monográfico final. Neste sentido nas monografias já defendidas da turma Paulo Freire, constata-se uma variedade de temas relacionados à realidade dos assentamentos. Consultar: UFES. Resumos das monografias dos alunos da pedagogia da terra; primeira turma. Vitória: UFES, 2003.

conhecimentos apreendidos pela elaboração e pelas leituras. A Grade Curricular do

Curso Pedagogia da Terra além de contemplar as disciplinas necessárias à formação

do pedagogo do ponto de vista técnico, constam também algumas disciplinas

relacionadas à educação do campo e que foram incluídas na grade curricular como

forma de garantir uma educação diferenciada e específica para a realidade do campo.

Entre essas disciplinas estão: Alternativas da Educação do Campo; A questão Agrária

no Brasil; A educação para o cooperativismo no campo e Bases Psicossociais da

Educação de Jovens e Adultos. As etapas letivas intensivas perfazem 75% da carga

horária total de cada disciplina. Durante todo o ano letivo do calendário escolar,

ocorrem às etapas letivas intermediárias, com um tempo previsto para o

acompanhamento e a orientação aos alunos em cada município.

As etapas intermediárias destinam-se aos vinte e cinco por cento (25%) da carga

horária restante de cada disciplina, onde cada aluno fica responsável de realizar leituras

e estudos dirigidos pelo docente. Tais atividades precederão à etapa seguinte do curso,

contemplando assim um conteúdo mínimo para o início do período intensivo. As etapas

intermediárias destinam-se à prática da pesquisa de campo, à pesquisa bibliográfica, e

à reorientação dos projetos de pesquisas dos estágios. Nas etapas intermediárias os

alunos têm o tempo necessário para o aprofundamento e reelaboração dos conceitos

trabalhados nas etapas intensivas, nos períodos letivos. Através de leitura, grupos de

estudos e de pesquisas e do contato com a realidade dos assentamentos os alunos têm

espaço e tempo de reflexão, que lhes permitem avançar e apropriar-se com maior

segurança dos conhecimentos desenvolvidos em sala de aula, além de estabelecer o

vínculo necessário entre teoria e prática.

4.5 Coordenação Político-Pedagógica do Curso Pedagogia da Terra - UFES

A Coordenação Político Pedagógica da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é

composta por um membro da direção do Movimento, setor de educação e três

representantes dos estudantes e possuem as seguintes tarefas: garantir a continuidade

de inserção dos educandos (as) no processo pedagógico, dando sustentabilidade à

gestão durante todas as etapas do curso; articular os interesses dos participantes para

a realização das metas de aprendizagem e de produção; acompanhar

pedagogicamente os educandos (as) através dos núcleos de base, equipes, setores e

também individualmente, levando em conta as condições objetivas e subjetivas do

processo de formação; preparar juntamente com os educandos (as) e professores (as)

o Tempo Comunidade. Cada etapa do curso é constituída de um Tempo Escola (etapa

intensiva) e de um Tempo Comunidade (etapa intermediária). O Tempo Escola é o

período de realização das atividades presenciais do curso; o Tempo Comunidade é o

período de realização das atividades de estudo à distância, de práticas pedagógicas

complementares realizadas pelos estudantes, bem como de uma maior e

intencionalizada inserção na forma de organização do próprio Movimento. Lembremos

que tanto o Tempo Escola quanto o Tempo Comunidade constituem os pilares da

Pedagogia da Alternância.

Conforme as discussões realizadas no segundo capítulo deste trabalho, a Pedagogia

da Alternância, se faz presente no Estado do Espírito Santo em 1965 com as primeiras

Escolas Famílias, através do trabalho de um jesuíta, o padre Humberto Pietrogrande.

Não poderia afirmar uma identidade da proposta do Curso Pedagogia da Terra com o

conjunto da proposta político-pedagógica destas Escolas, mas houve sim uma

inspiração metodológica na sua modalidade de ensino alternado (Tempo Escola e

Tempo Comunidade). Propor atividades e orientações para os estágios; buscar a

qualidade do ensino nas disciplinas, seminários e nas oficinas; acompanhar as

atividades dos educandos em vista da observância pedagógica e se for necessário, da

influência pedagógica; acompanhar o processo de crítica e autocrítica dos educandos

(as); encaminhar a leitura diária; garantir a participação da Coordenação Político

Pedagógica (CPP) nos trabalhos produtivos.

As equipes são formadas tendo como composição um representante de cada Núcleo de

Base76 escolhido pelo próprio núcleo. O Curso Pedagogia da Terra possui as seguintes

equipes com as respectivas funções ou tarefas: a equipe de disciplina tem a função de

76 Os nomes das equipes já demarcam uma identidade do professor sem-terra como um lutador do povo: Rosa Luxemburgo, Quilombo, Mandacaru estão entre os nomes mais expressivos.

garantir o cumprimento do regimento interno da turma, inquirir casos extras regimentos

e propor possíveis alternativas para soluções dos fatos; a equipe de esporte, cultura e

lazer têm como finalidade planejar e coordenar os eventos culturais como também as

práticas esportivas realizadas durante cada etapa; equipe de saúde tem como tarefa

zelar da saúde dos participantes do curso, de maneira a se prevenirem contra possíveis

doenças, organizar e controlar a distribuição e uso de medicamentos homeopáticos,

fitoterápicos e encaminhar pessoas que necessitam de atendimento médico ao hospital.

A equipe de comunicação tem como tarefa organizar a comunicação geral da turma,

expor as principais notícias, informes e acontecimentos internos e externos, bem como

de zelar e coordenar a utilização dos equipamentos; a ciranda tem a função de cuidar e

manter o bem-estar dos sem-terrinhas, bem como coordenar e planejar as atividades

juntamente com as educadoras infantis.

Conforme estudos realizados por Caldart (2000) o nome “sem terrinha” surgiu por

iniciativa das crianças que participaram do Primeiro Encontro Estadual das Crianças

Sem Terra de São Paulo, em 1997. Elas começaram a se chamar assim durante o

Encontro e o nome acabou ficando, espalhando-se rápido pelo país inteiro. É

importante destacar que o nome sem-terrinha nos remete ao movimento de constituição

da própria identidade das crianças que começam já desde o ventre da mãe a assumir a

luta, os valores, a cultura e a identidade de ser sem-terra. Numa sociedade excludente

como a nossa, em que as crianças são as maiores vítimas da fome, da desnutrição e

da exclusão social, a luta dos SEM TERRINHA se insere dentro da luta maior do

próprio Movimento no sentido de resgate da dignidade e humanidade dos sujeitos do

campo. A equipe de finanças tem a função de viabilizar meios e recursos para angariar

fundos no sentido de possibilitar a realização das atividades extras e formatura. No que

se refere à organização do Curso Pedagogia da Terra temos ainda os setores de

produção e serviços. O trabalho dos setores está previsto dentro da Proposta

Pedagógica do Centro de Formação Maria Olinda, sendo composto pelos seguintes

setores: setor de horta, setor de lavouras, setor de jardinagem-embelezamento e

artesanato, setor de pecuária, setor de secretaria-biblioteca, setor de viveiro-pomar,

setor de cozinha-refeitório e setor de construção e infra-estrutura. A segunda turma do

Curso Pedagogia da Terra iniciou suas atividades no Centro de Formação Maria Olinda

(juridicamente conhecido como CIDAP) a partir da quarta etapa; as etapas anteriores

aconteceram no Pólo Universitário da CEUNES em São Mateus. Após a avaliação feita

pelo Relatório Final da Pesquisa do PRONERA, já citado no início deste capítulo,

observou-se que a CEUNES não oferecia as condições necessárias para o

desenvolvimento de todas as atividades pertinentes ao Curso. Neste sentido a

mudança de local da CEUNES para o Centro de Formação Maria Olinda representou

um ganho qualitativo para alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra,

oferecendo melhores condições objetivas para o bom andamento das atividades

previstas no processo de formação, tais como:

Espaço físico ampliado com refeitório, sala de aula com maior espaço físico para

abrigar os alunos, biblioteca com livros específicos sobre a questão da educação do

campo, sala com computadores a disposição dos alunos, dormitórios masculino e

feminino com cama e colchões, horta, lavoura, pomar, farmácia, campo de futebol para

lazer dos alunos, secretaria, ciranda infantil. No entanto, apesar do CIDAP fornecer

melhores condições de trabalho que a CEUNES, atualmente apresenta algumas

dificuldades que necessitam atenção por parte dos parceiros envolvidos na luta pelo

fortalecimento da educação do campo. O salão onde acontecem às aulas é muito

grande, o que dificulta a comunicação entre professores e alunos e no período de

janeiro e fevereiro em que o calor é muito forte torna-se difícil e quase impossível

permanecer dentro dele; a biblioteca é muito pequena necessitando de mais espaço

físico, organização e um maior acervo de livros, inclusive para serem emprestados aos

alunos do Curso no período em que retornam aos assentamentos.

Cada setor tem sua tarefa específica a ser realizada nas respectivas etapas do curso

pelos alunos (as); o setor de horta é composto de 16 membros e tem como tarefa

principal, elaborar um planejamento da horta e do horto medicinal e executá-lo de modo

a atender às demandas do Centro de Formação durante a etapa do curso; o setor de

lavouras é constituído de 15 membros e tem como função dar continuidade aos

trabalhos iniciados e elaborar um planejamento de produção, a partir da estrutura

existente e da área disponível; Integram o setor de jardinagem-embelezamento e

artesanato quatro membros da turma, levando em consideração as habilidades

pessoais para a realização das atividades de organização de canteiros ornamentais,

placas educativas e indicativas, confecção de faixas e painéis e produção de

artesanatos diversos; o setor de pecuária é constituído de 04 membros e tem como

função fazer um planejamento de acordo com as estruturas e iniciativas já existentes no

local. Este setor tem como linhas de produção o gado leiteiro e a criação de porcos.

Na quinta etapa do curso, por exemplo, pude observar mais de perto a realização

destas atividades participando durante os 20 dias que permaneci no Centro de

Formação, das diversas atividades desenvolvidas pelos respectivos setores, tais como

capina da lavoura, da horta, pintura e embelezamento do jardim. Essas atividades

desenvolvidas pelos setores acontecem diariamente no curso contando com um tempo

de uma hora de duração e envolve todos os estudantes do curso, que organizados

coletivamente em setores, buscam dar o melhor de si para o bem da coletividade.

Neste sentido assim se expressa um aluno da segunda turma do Curso Pedagogia da

Terra:

A gente considera todos os espaços como educativos e políticos-pedagógicos. E você vê a importância de um dos princípios da organização que é o trabalho, principalmente o trabalho coletivo. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática. Você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica.

A responsabilidade coletiva pela realização das diferentes atividades do curso constitui-

se em um momento formativo possibilitando o intercâmbio e a troca de experiências

entre os alunos por meio do trabalho prático, realizando desta forma um dos aspectos

da relação entre teoria e prática. Além disso, torna possível aos alunos (as) um

momento de descanso intelectual após uma carga horária de oito horas de aula

consecutivas. O setor de secretaria-biblioteca é composto de 03 pessoas. Cabe a este

setor a organização e o funcionamento da secretaria do Curso. Dentre as tarefas está a

de organizar e controlar os materiais, digitar textos, organizar a memória do curso, tirar

cópias de apostilas, textos das diferentes disciplinas para os alunos, grampear as

apostilas, recolher os relatórios, fazer relato das atividades diariamente e secretariar as

assembléias; Integram o setor de viveiro-pomar seis (06) membros que tem a

incumbência de realizar um planejamento, com o objetivo, de cultivar mudas diversas

para ornamentação, arborização e reflorestamento do Centro de Formação;

Representam o setor de cozinha-refeitório três (03) pessoas que têm a função de

planejar e auxiliar a execução da produção de alimentos, controle de estoques, limpeza

e higiene da cozinha, refeitório e bebedouro; o último setor, que é o de construção e

infra-estrutura possui 07 membros, tendo como responsabilidade ajudar na infra-

estrutura, manutenção, cuidar do bar e do lixo advindo das dependências do Centro de

Formação. Como discutimos no primeiro capítulo deste trabalho podemos observar que

a organização do Curso Pedagogia da Terra reflete em grande parte a própria

organicidade do MST que tem como um dos seus princípios formativo a educação para

o trabalho e a cooperação.

4.6 O Projeto Político-Pedagógico do Curso Pedagogia da Terra - UFES

O Curso Pedagogia da Terra - UFES foi ofertado para a primeira turma a partir de

setembro de 1999, culminando com as defesas de monografia no mês de julho de

2002. A segunda turma iniciou a primeira etapa do Curso em 2003. O currículo para

ambas as turmas foi composto da mesma grade curricular, contendo oito períodos de

300 horas cada, mais 120 horas de monografia no último período. Para agilizar os

trâmites legais do projeto do curso, considerou-se prudente adotar a mesma proposta

curricular do curso de pedagogia ofertado no campus da UFES em Vitória e na

CEUNES. “O curso tem estrutura curricular equivalente ao curso de pedagogia

ministrado no Centro Pedagógico da UFES, aprovado pelo CNE, através do parecer n.

923/89 de 9.11.89” (UFES/CP: 2002 p. 8). No entanto, o MST iniciou diálogo com

equipes do Centro de Educação para introduzir na grade curricular, disciplinas

específicas de interesse do Setor de Educação do MST, sobre a educação no/do

campo, a saber: Alternativas da Educação no Campo; A Questão Agrária no Brasil;

Educação para o Cooperativismo no Campo e Trabalho de Conclusão do Curso. De

acordo com as entrevistas realizadas aos alunos do curso, grande parte dos

professores indicados pela UFES acaba redimensionando seus planejamentos na

medida em que interagem com a turma e percebem as necessidades dos professores

do MST. Neste sentido assim se expressa uma aluna do curso:

Para o trabalho com a turma faz uma diferença muito grande quando o professor (a) já tem um certo conhecimento do trabalho que o Movimento realiza através das escolas do campo e então busca relacionar os conteúdos científicos de sua disciplina com essa realidade interligando os aspectos teóricos com os aspectos práticos. A formação deve estar vinculada com a realidade das escolas do campo. A educação do campo deve unir as dimensões da teoria com a prática.

A proposta do MST de incluir as disciplinas ligadas à realidade dos professores deu-se

no sentido de garantir que no processo de formação estivessem presentes a cultura, os

valores, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Assim incluíram mais 120

horas no curso para o “Trabalho de Conclusão de Curso”.77 Desse modo a carga horária

total do curso é de 2.520 horas. No que se refere à adequação dos horários buscou-se

construir uma proposta que atendesse às necessidades dos professores de

assentamentos que participam do curso. Desse modo definiu-se que os semestres,

cada um com cinco disciplinas de 60 horas, totalizando 300 horas cada, seriam

77 Houve uma variedade significativa de temas ligados à realidade dos assentamentos, abordados nas monografias defendidas pela primeira turma. Tive a oportunidade de ler algumas monografias dos alunos da primeira turma e observei que os alunos buscaram realizar uma síntese do conhecimento adquirido no curso com a realidade da educação do campo. No entanto, percebi também uma certa fragilidade na fundamentação teórica do trabalho necessitando de um maior aprofundamento. Consultar: UFES. Resumos das monografias dos alunos da pedagogia da terra: primeira turma. Vitória, 2003.

distribuídos em oito etapas intensivas nos meses de janeiro, fevereiro e julho. Na oitava

etapa é ministrada somente a disciplina de Estágio Supervisionado de 300 horas. Como

exigência do MST, nesta última etapa os estudantes devem concluir a monografia final

do curso, que conta com 120 horas. Em cada etapa, as atividades estão centradas na

oferta de disciplinas previstas na grade curricular, ministradas pelos docentes

especialistas da UFES, com orientação de estudos, discussão e formulação e

reformulação de trabalhos, realização de seminários, programação de estudos

orientados semipresenciais, enfim, na realização de tarefas práticas e teóricas

pertinentes à formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental.

Entre uma etapa e outra, os alunos recebem trabalhos orientados em cada uma das

disciplinas desenvolvidas na etapa anterior, correspondendo a uma carga horária total

de 25%, isto é, 15 horas para cada uma das disciplinas que compõe a grade curricular

do curso. Na dinâmica de funcionamento do curso, entende-se que a alternância entre

períodos de atividades teóricas na Universidade e de atividades práticas nas escolas

dos assentamentos possibilita a integração entre os conhecimentos acadêmicos do

curso e a realidade da educação do campo onde atuam os professores do MST.

Podemos identificar isso na fala de um aluno do curso:

Outro exemplo que a gente pode dar bem recente, nós tivemos a disciplina Educação Infantil e aí no trabalho extra-classe nas quinze horas não presenciais a gente tinha uma tarefa de construir um parque infantil; mas esse parque infantil não era uma mera construção concreta, mas que esse parque deveria envolver toda a comunidade e sua função era fazer com que as crianças tivessem seu momento de lazer, os pais das crianças conhecessem a importância da educação, chamando atenção da comunidade para que se integre no meio educativo da escola. A gente briga muito por isso: que a escola sem a comunidade falta um pedaço! Então veja como esse momento foi rico!

Ao indagarmos os alunos e professores sobre as demandas de educação nos

assentamentos e se o Curso Pedagogia da Terra, através das diferentes disciplinas,

objetivos, conteúdos e metodologia, consegue dar conta da especificidade dessa

educação, percebemos que de modo geral os estudantes reconhecem que sim, apesar

de que ainda faltam a alguns professores mais conhecimento e afinidade com os

princípios da educação do campo. Neste sentido podemos afirmar conforme Foerste

(2004) se de início há um sentimento de que as coisas chegam prontas da

Universidade, na medida em que sujeitos históricos colocam-se em movimento

interativo, com suas múltiplas identidades e inserções na sociedade, abrem-se

possibilidades objetivas para a construção coletiva de um outro projeto educacional que

tanto fertiliza debates no contexto tradicional da academia como estimula a

sistematização de uma alternativa de educação comprometida com as necessidades e

desafios dos sujeitos do campo. O gráfico abaixo sinaliza para essa questão:

Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

De fato, estudantes, coordenadores e professores do curso reconhecem que o projeto

curricular prescrito nem sempre é levado pelos sujeitos do processo às últimas

conseqüências, na prática, uma vez que a dinâmica do curso possibilita múltiplas

alternativas reflexivas que colocam saberes acadêmicos valorizados pela Universidade

e saberes da prática dos professores de assentamento em diálogo, abrindo

possibilidades para a construção de um novo projeto curricular vivido, marcado pelas

Direcionamento do curso quanto aos conteúdos para a educação do campo.

25

33

Sim

Em parte

condições concretas de vida dos sujeitos envolvidos no processo e colocados em

prática, através de utopias, esperanças e compromissos políticos em favor da

transformação da sociedade de classes.

4.7 O Corpo Discente do Curso Pedagogia da Terra - UFES

Na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES estão matriculados

regularmente 58 estudantes, estavam previstas 60 vagas de início (houve desistência

de dois alunos). Os alunos estão distribuídos por Estado da seguinte forma: 43 do ES,

13 da BA e 02 RJ – Do total de 58 alunos, 45 são do sexo feminino e 13 do sexo

masculino. Um total de 24 estudantes atua há pelo menos cinco anos como professor.

Podemos observar esses dados de forma mais detalhada através do gráfico abaixo:

Municipio dos Entrevistados (58 Alunos)

1

4

3 3

2

1 1

2

3

1 1

3

1

3

1

5

3 3

1

2

6

2

1

4

1

0

1

2

3

4

5

6

7

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Iguaí

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Nova

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Pedro

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Pinhe

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São M

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Municipios

Nº d

e A

luno

s

Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

Muni cipio dos Entrevi stados ( 58 Aluno s)

1

4332

1123

1 1

3

1

3

1

5

3 3

12

6

21

4

101234567

AracruzConceiç

ão da BarraEcoporanga

FundãoGuaçuí

IguaíImaraju ItamarajuJaguaréJaperí

LinharesMontanha

MucuriMuquiNo

va IguaçuNova VenéciaPedr

o Canário PinheirosPonto Belo

Porto SeguroPrado

Santa Tereza

São Gabriel da Palha

São Mateus

Vitória da Conquista

Mun icipios

Nº de Alunos

Os estudantes da segunda turma organizam-se em oito núcleos: Núcleo Esperança;

Núcleo Sementes de Esperança; Núcleo Oziel; Núcleo Flamboyant; Núcleo Ciclo da

Vida; Núcleo Amor à Causa; Núcleo Liberdade; Núcleo Desafiador. Para cada dia da

semana, as tarefas ficam sob responsabilidade de execução dos membros de um dos

núcleos, tais como: limpeza e organização do alojamento, dos banheiros, do pátio, do

refeitório, da cozinha, da sala de aula e a coordenação da mística diária. Todo

professor, quando inicia seus trabalhos com a turma é informado a respeito da maneira

como os alunos se organizam internamente, desde o amanhecer até o horário de se

recolher para o descanso noturno, sendo convidado a participar dos espaços-tempos-

saberes do curso, tais como: as refeições, as celebrações da mística, as atividades

culturais e os trabalhos produtivos. As atividades começam as 5 h 30 min com o nascer

do dia e terminam por volta das 22 horas, com intervalos de uma a duas horas no

máximo, após o almoço e jantar. Os finais de semana estão programados para muito

trabalho, com realização de seminários, reuniões de planejamento e avaliação,

palestras, estudo em grupo, organizados pelos Coordenadores do Curso do MST e/ou

pelos estudantes. Estas atividades centram-se no aprofundamento de aspectos teórico-

práticos de interesse dos professores de assentamentos do MST:

Só complementando, ainda sobre essa questão, nós estamos trabalhando, estudando pela parte da manhã, tarde e noite e, durante os intervalos que temos de almoço, lanche, nós temos outras atividades porque durante quarenta dias, nós moramos aqui. Então, aqui, nós temos que dar conta de tudo. A única coisa que nós não fazemos durante a semana, é só o almoço. Todas as outras coisas a gente faz, mas isso já é de praxe, o curso é uma vivência do Movimento Sem Terra, que trouxe e traz para nós e é muito bom, porque a gente se dá conta de que é capaz de fazer muita coisa. (Aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).

Os alunos afirmam que o Curso Pedagogia da Terra é uma conquista importante para a

construção coletiva da parte do MST de um projeto de educação no/do campo.

Reconhecem que uma formação de terceiro grau dos professores que trabalham em

escolas de assentamentos possibilita trocas importantes de experiências entre

Universidade, Movimentos Sociais e o PRONERA.

4.8 O Corpo Docente do Curso Pedagogia da Terra - UFES

O corpo docente envolvido no Curso Pedagogia da UFES está distribuído em três

departamentos do Centro de Educação, contando com a colaboração de professores

pesquisadores de áreas afins, como os cursos de Letras, Artes, Geografia, etc. De

acordo com a pesquisa desenvolvida pelo PRONERA (Foerste, 2004) os professores

são convidados a ministrar disciplinas no Curso Pedagogia da Terra conforme as

especificidades das pesquisas que estão desenvolvendo, sua formação e da

identificação com as lutas dos trabalhadores rurais sem terra. No caso do Centro de

Educação, cada departamento avalia a solicitação feita pela Coordenação Pedagógica

do Curso, tomando as providências para a liberação do docente para trabalhar na

respectiva etapa do curso para a qual é solicitado. Na prática ocorre com freqüência de

professores se colocarem à disposição do trabalho no Curso Pedagogia da Terra pela

simpatia ao MST, porque acreditam no projeto de transformação social. Um professor

que lecionou na segunda turma assim se refere quando perguntado sobre os critérios

de seleção para atuar no curso:

Aí eu acho que tem que ser pela própria seleção dos professores, porque os alunos eles já são selecionados previamente. Todo professor que se destina a ir para um curso deste ele tem que ter a marca da militância, não é qualquer professor! Não pode ser um professor burocrata que vai lá para ganhar um dinheiro a mais! Não pode ser um professor que vai lá para ter uma marca maior em seu currículo! Fundamentalmente ele tem que trocar com seus alunos os sinais, estar disposto a aprender, a vivenciar e a conviver! É muito diferente você se envolve a nível emocional, você passa uma semana todos os dias, três períodos envolvido com os alunos! Então eu acho que a diferença é essa: está na seleção de professores!

O Setor de Educação do MST tem indicado nomes de pesquisadores de outras

Universidades ou instituições de ensino e pesquisa para ministrar algumas disciplinas,

sobretudo aquelas que tratam das questões do campo: Alternativas de Educação do

Campo, A Questão Agrária no Brasil, A Educação para o Cooperativismo no Campo,

Trabalho de Conclusão do Curso.

No processo de planejamento e avaliação das diferentes etapas, o Setor de Educação

do MST tem reivindicado a presença de alguns professores de fora dos quadros da

universidade (ligados a movimentos sociais), mas os departamentos responsáveis

pelas disciplinas na UFES argumentam que disponibilizam de docentes qualificados e

interessados para assumirem e coordenar as atividades programadas no currículo.

Nesse sentido a partir da pesquisa do PRONERA (Foerste, 2004) podemos afirmar que

essa situação gera um certo desconforto entre os alunos e professores no início de

cada etapa do curso. Felizmente, na maior parte dos casos, os problemas acabam

sendo superados, na medida em que a relação professor-aluno desencadeia processos

interativos pautados em práticas de diálogo e colaboração, fundamentadas no trabalho

coletivo, no respeito às diferenças, na vivência e exercício permanente da

solidariedade.

Os professores da UFES reconhecem que trabalhar no Curso Pedagogia da Terra

implica desafios teórico-práticos que sugerem uma abertura para o trabalho coletivo,

motivado pelas lutas históricas de significativas parcelas oprimidas da sociedade de

classes por uma vida digna para todas as pessoas, sem distinção étnica, religiosa e de

gênero. Isso supõe um projeto alternativo de sociedade onde os excluídos possam ser

incluídos, ter sua dignidade e os direitos sociais como, terra, trabalho, educação,

moradia e saúde, garantidos. Nos depoimentos dos professores da UFES, foi

praticamente unânime a idéia de que trabalhar com os professores dos assentamentos

significa colocar-se num movimento de desconstrução da racionalidade técnica que

permeia o processo de formação de profissionais do ensino na Universidade. Conforme

discussões feitas por Foerste (2005), o resgate da profissão docente em nossa época

implica debates que possibilitem a construção coletiva de políticas públicas

interinstitucionais de profissionalização do professor. A hipertrofia da dimensão teórica

na Universidade, gerada pelo engessamento das disciplinas e territorialização do

conhecimento, despreza a dinâmica e contribuições dos saberes da experiência na

qualificação de profissionais capazes de produzir transformações significativas no

contexto social.

Sendo assim um currículo construído a partir de pressupostos da práxis pode levar a

uma nova postura dos professores favorecendo mudanças necessárias, fundamentadas

em uma nova prática profissional capaz de superar as contradições da sociedade de

classes. A prática social do MST se dá na dinâmica dos embates da luta coletiva pela

superação das desigualdades sociais da sociedade atual. Tal concepção está presente

nos espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra e se

traduz em gestos, olhares, palavras que buscam na educação algo que está para além

dela: a conquista da terra e nela da própria vida.

4.9 Pedagogia da Terra: Os Espaços-Tempos-Saberes do Movimento de Formação do Professor Sem-Terra.

Entre os dias 05 a 10 de janeiro de dois mil e quatro estive em São Mateus norte do

Estado do Espírito Santo para participar de mais uma etapa do Curso Pedagogia da

Terra. Estavam presentes participando ativamente do curso os professores (as) do MST

de três estados brasileiros (RJ, ES e BA). Participou do encontro como professora

durante os dias 05 a 10 a professora Isabela Camini educadora do MST a nível

nacional, que ministrou a disciplina: Alternativas para a educação do campo. No

primeiro dia da semana a professora fez uma breve apresentação de todos os

participantes da turma e da proposta de trabalho da disciplina: Alternativas para a

educação do campo. Falou da importância da disciplina e de como seria organizada a

semana em termos de horários e atividades a serem desenvolvidas juntamente com a

turma. Pela parte da manhã a professora realizou uma breve apresentação sobre o

tema da educação do campo e logo após propôs à turma um trabalho de grupo.

A turma se auto-organizou em grupos e se distribuíram pelo espaço da Coordenação

Universitária Norte do Espírito Santo (CEUNES) e deu início à leitura em pequenos

grupos do texto: “Educação básica e movimentos sociais” de autoria de Arroyo (1999).

A leitura do texto foi seguida de reflexão, na busca de um entendimento do conteúdo

textual e na tentativa de estabelecer uma relação entre a teoria e a experiência dos

professores (as) nas escolas dos assentamentos. Depois de um intervalo para o almoço

(das 12 h até as 14 h) os grupos retornaram para a sala de aula a fim de socializarem

em plenário a reflexão realizada nos pequenos grupos. A professora conduziu o

trabalho solicitando aos alunos (as) o levantamento das palavras-chave do texto; depois

pediu que os alunos (as) destacassem entre elas as 10 mais importantes; em seguida

solicitou aos alunos que identificassem a que classe gramatical a palavra pertencia

(verbo, substantivo, adjetivo) e que reconstruíssem o texto a partir da realidade da

educação do campo78.

Pelo período da noite, após o jantar (que se dava sempre às 18 h 30 min) a turma

assistiu a uma fita de vídeo sobre “desenvolvimento sustentável e educação básica do

campo” proferida pelo líder nacional do MST: João Pedro Stédile79. Em sua exposição

falou sobre os dois projetos de desenvolvimento sustentável para o campo: o projeto

liberal da burguesia e das oligarquias nacionais e multinacionais que entendem o

desenvolvimento sustentável apenas e tão somente a partir de uma lógica do mercado

e do lucro. Para os interesses capitalistas a natureza e o ser humano não têm um valor

em si mesmo, mas valem, à medida que são úteis ao sistema e ao acúmulo de riquezas

e de terra.

Ao analisar a situação da agricultura brasileira e da educação do campo destacou três

grandes modelos econômicos adotados na nossa economia e na nossa agricultura. Na

época colonial predominou o que chamou de modelo agro-exportador em que toda a

produção de nossa sociedade era organizada em torno de produtos agrícolas

destinados à exportação para as metrópoles européias; com o processo de

industrialização de nossa economia, a Revolução de 30, quando a nascente burguesia

78 Essa metodologia utilizada em sala de aula nos chamou atenção no sentido de desenvolver nos alunos (as) a capacidade de leitura, interpretação e reconstrução textual levando em consideração a realidade da educação do campo em que os alunos estão inseridos, ou seja, a professora conseguiu fazer a ponte entre a teoria e a prática social dos alunos.79 Nasceu em 25 de dezembro de 1953 em Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, Brasil. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, possui pós-graduação na UNAN (México). Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), um dos fundadores do MST e membro atual do Diretório Nacional. Autor de diversos livros sobre a questão agrária brasileira, dentre os quais destacamos: Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, 2000 em parceria com Bernardo Mançano Fernandes.

industrial destrona a oligarquia rural, instala-se o modelo de industrialização

dependente um processo rápido de instalações de fábricas e indústrias no país, mas

dependente do capital estrangeiro. Com esse modelo, surgiram algumas mudanças

econômicas importantes no meio rural. Acabou-se a escravidão, mas os negros não se

transformaram em camponeses. Fez ainda uma crítica contundente à Lei de Terras, de

1850, onde os ex-escravos ficaram excluídos do acesso à terra, pois a lei somente

permitia ter acesso à terra a quem tivesse dinheiro para regularizá-la perante a coroa. O

modelo de desenvolvimento baseado na industrialização dependente deu certo para a

indústria, transformou o país de agrário para a oitava potência industrial do mundo.

Levou a um processo de urbanização, mas entrou em crise na década de 1980. É no

contexto dessa crise que surge o modelo que subordina nossa economia ao capital

internacional. Nesse modelo quem passa a ganhar mais dinheiro, quem passa a

acumular em nossa economia são, fundamentalmente, os grandes grupos econômicos,

multinacionais e o setor financeiro. O líder nacional do MST terminou sua fala afirmando

que o projeto popular de desenvolvimento sustentável que está em construção através

das ações dos movimentos sociais está centrado na agricultura familiar, na reforma

agrária e na preservação da natureza em sua totalidade, incluindo nela o ser humano e

as gerações futuras.

No final da exibição da fita, a professora solicitou aos alunos (as) que registrassem no

caderno os pontos importantes que cada um (a) destacou e que na manhã do dia

seguinte seria realizado um debate sobre o conteúdo da fita a partir dos apontamentos

e assim foi feito. Além de participar dos trabalhos de grupos tive a oportunidade de

conversar com a coordenadora da turma. A conversa aconteceu informalmente nos

momentos de café, almoço e não teve um guia com perguntas prévias a serem feitas.

Perguntei a ela sobre a organização curricular do curso e sobre os professores (as) que

ministravam as diversas disciplinas. Segundo seu depoimento, o Curso Pedagogia da

Terra é composto pelas disciplinas normais do curso de pedagogia da UFES e algumas

disciplinas ligadas diretamente a terra, como a que estava sendo ofertada durante

aquela semana: Alternativas da educação do campo.

Acredito que aí está a justificativa do nome Pedagogia da Terra, ou seja, uma

pedagogia voltada para a terra, para a realidade dos sujeitos que vivem na e da terra.

Podemos afirmar também que esta seja uma das diferenças fundamentais entre o curso

de pedagogia e o curso de Pedagogia da Terra, ou seja, o Curso Pedagogia da Terra

não é simplesmente um transplante ou cópia do curso de pedagogia da UFES. Quanto

aos professores (as) que ministram as disciplinas, alguns são indicados pela

Universidade (UFES) e outros são escolhidos e indicados pelo próprio Movimento

(MST). Neste ponto indaguei se ela percebia diferença entre a prática pedagógica dos

professores (as) que são indicados pela Universidade daqueles que são indicados e

escolhidos pelo próprio Movimento.

Os professores (as) que têm uma prática de militância ou algum envolvimento com o

MST conseguem fazer melhor a relação entre o conteúdo das disciplinas com a

realidade dos alunos (as), ou seja, articulam melhor teoria e prática, possibilitando aos

alunos (as) uma aprendizagem mais significativa e uma releitura de sua própria

experiência (nas escolas dos assentamentos). No caso dos professores (as) que não

têm nenhum envolvimento com o MST ou com a proposta pedagógica do Movimento

encontram maior dificuldade de realizar um intercâmbio entre os conteúdos específicos

de uma determinada disciplina com os Princípios Filosóficos, Pedagógicos e

Metodológicos do MST80. Podemos confirmar isso através do depoimento de um aluno

do Curso:

Eu não poderia falar aqui de forma generalizada, mas eu posso dizer que os professores que vêm da UFES, pelo menos aqueles que já tem um conhecimento da pedagogia que o Movimento almeja, então esses professores já chegam aqui com uma metodologia de trabalho adequada com aquilo que nós pensamos, que nós realizamos.

Perguntando sobre quem são os intelectuais que fundamentam do ponto de vista

filosófico, pedagógico e metodológico a proposta de educação do MST, a coordenadora 80 Conferir o Caderno de Educação do MST número oito, onde o Movimento destaca de forma bem objetiva os Princípios da Educação em que acreditam e que buscam colocar em prática em suas escolas. Em sua totalidade os princípios filosóficos, pedagógicos e metodológicos buscam teorizar e praticar uma educação comprometida com a realidade, com os saberes, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos do campo.

da turma respondeu que em síntese são: Paulo Freire, Florestan Fernandes, Miguel

Gonzales Arroyo, Roseli Salete Caldart, Bernardo Fernandes Mançano, pois são

intelectuais comprometidos com a transformação da sociedade e com a luta do povo81.

“É no diálogo, fecundo e amoroso com a obra desses pensadores, comprometidos com

a luta do povo que aprendemos/ensinamos a lutar por nossos direitos, nossa dignidade

e na construção de uma sociedade justa e fraterna”.

A participação em algumas etapas do curso, na pesquisa do PRONERA, no I Encontro

do PRONERA da Região Sudeste, no Seminário sobre o MST e a educação promovido

pela UFES, as leituras realizadas no decorrer da pesquisa, tudo isso foi importante para

o amadurecimento e a construção do olhar do pesquisador sobre o objeto investigado

favorecendo a construção e elaboração de um roteiro de pesquisa. Nesse sentido com

o objetivo de participarmos e registrarmos o processo de formação do professor sem-

terra, elaboramos um documento que deveria servir como uma espécie de guia de

nossa pesquisa82.

O documento foi elaborado tendo como objetivo identificar no cotidiano do curso os

espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Nesse

sentido entregamos aos membros da equipe de coordenação um documento escrito

onde citava os objetivos e os procedimentos metodológicos da pesquisa. Neste

documento propomos para o bom andamento da investigação a formação de um grupo

de pesquisa composto de cinco a seis pessoas selecionadas a partir dos seguintes

critérios: ser aluno regular do Curso Pedagogia da Terra; ser professor nas escolas de

assentamento e ou acampamentos sem-terra.

Ser assentado pelo MST; ciclo de vida profissional de no mínimo cinco anos de atuação

docente e estar disposto livremente de participar da pesquisa. Como podemos verificar

81 Lutadores do povo é o nome que os professores sem-terra dão às pessoas intelectuais ou não que lutam para que se construa uma nova sociedade e um novo ser humano. Uma sociedade livre da dominação do homem pelo homem, justa, fraterna e soberana. Podemos afirmar que no rosto e nas mãos dos lutadores do povo estão os traços e as feições de um novo homem e de uma nova sociedade. No espaço-tempo-saber mística os professores sem-terra fazem memória aos lutadores do povo, ou seja, relembram suas palavras, gestos e ações em defesa da vida e da luta pela terra.82 Esse documento foi escrito com o objetivo de ser apenas um guia e não uma camisa de força. Sua importância estava em contribuir para a pesquisa no sentido de auxiliar o pesquisador iniciante na observação dos espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra.

no gráfico 14 alunos (as) do Curso Pedagogia da Terra possuem entre três a cinco

anos, de atuação profissional como professor e 24 alunos (as) têm mais de cinco anos

de experiência profissional:

Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.

Esse grupo de pesquisa juntamente com o pesquisador teria como meta: observar,

participar de entrevistas individualmente ou em grupo, tomar nota no diário de campo83

das seguintes questões relativas ao processo de formação do Curso Pedagogia da

Terra: como se processa a formação nos espaços-tempos-saberes das aulas, tais como

conteúdos ministrados pelos professores, metodologia utilizada no desenvolvimento

das aulas, sistema de avaliação adotado pelos professores, relação professor-aluno,

83 Nome com o qual designamos o caderno onde pesquisador e os alunos deveriam ir registrando as suas percepções e observações em relação ao processo de formação do professor sem-terra.

Tempo de atuação como professor

10

14

24

1

9

de 1 a 2 anos

de 3 a 5 anos

mais de 5 anos

Não sabe

Não informou

Muni cipio dos Entrevi stados ( 58 Aluno s)

1

4

33211

23

1 1

3

1

3

1

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12

6

21

4

1012345

67

AracruzConceição da Barra EcoporangaFundãoGu

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loPorto SeguroPradoSanta

Tereza São Gabriel da PalhaSão Mate

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Nº de Alunos

Muni cipio dos Entrevi stados ( 58 Aluno s)

1

4332

1123

1 1

3

1

3

1

5

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12

6

21

4

101234567

AracruzConceiç

ão da BarraEcoporanga

FundãoGuaçuí

IguaíImaraju ItamarajuJaguaréJaperí

LinharesMontanha

MucuriMuquiNo

va IguaçuNova VenéciaPedr

o Canário PinheirosPonto Belo

Porto SeguroPrado

Santa Tereza

São Gabriel da Palha

São Mateus

Vitória da Conquista

Mun icipios

Nº de Alunos

dificuldades encontradas no processo ensino-aprendizagem; organização do espaço-

tempo do curso, que inclui a formação política, a mística, noites culturais, tempo livre,

trabalhos práticos, viagens de estudo e passeio; relação teoria e prática entre os

conhecimentos acadêmicos do curso com a realidade da educação do campo. Durante

a conversa, a equipe pedagógica argumentou que se poderia formar o grupo a fim de

entrevistar cada componente, mas que seria muito difícil e pesado para os alunos à

realização do diário de campo, já que os mesmos estavam com muitas atividades

referentes ao processo de formação do curso e que mais uma atividade representaria

uma sobrecarga extra de trabalho, acarretando uma perda em relação a alguma

atividade do curso. Atendendo às considerações da equipe de coordenação do curso,

procuramos replanejar nossas atividades em relação ao desenvolvimento da pesquisa.

A partir de critérios estabelecidos em conjunto com a equipe de coordenação,

selecionamos um grupo de seis pessoas para participar da pesquisa. Esse grupo foi

composto de seis pessoas, cinco mulheres e um homem, e foi indicado pela equipe de

coordenadores. Realizamos entrevista com todo o grupo com perguntas abertas onde

podiam expressar livremente suas idéias e pensamentos sobre as dimensões técnica,

política e cultural do processo de formação do professor sem-terra e uma entrevista

individual com cada aluno do grupo sobre questões relativas ao Curso Pedagogia da

Terra. Com esse grupo, reunimo-nos para realizar a entrevista focal, onde as perguntas

eram abertas e todos podiam falar livremente sobre elas84. Combinamos a possibilidade

de entrevistar individualmente cada membro respeitando o tempo e a disponibilidade de

cada um. Desta forma marcamos com cada participante do grupo um dia e horário para

as entrevistas individuais de maneira que não prejudicasse o encaminhamento das

outras atividades acadêmicas. Além dos alunos selecionados para a entrevista do

grupo focal e individual, conversamos com outros alunos do curso a possibilidade de

estar lendo os seus escritos do caderno pessoal de reflexão. Ao todo consegui ter

acesso a dez cadernos. O caderno de reflexão pelo que pudemos observar e a partir do

que os alunos disseram em entrevista e em conversas informais, constitui um

documento em que cada aluno registra individualmente o que considerar importante

84 O documento contendo algumas das perguntas a serem feitas aos alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra foi entregue à equipe de coordenação do Curso.

sobre o seu processo de formação; caracteriza-se como um documento importante no

sentido de conter registros pessoais sobre o processo de formação do professor, bem

como de sua própria subjetividade. Neste sentido podemos afirmar que o caderno de

reflexão tem uma dimensão formativa muito rica, no sentido de possibilitar a cada aluno

de forma individual e coletiva, um pensar sobre o processo de formação, sua dinâmica,

seus espaços-tempos-saberes, a relação teoria e prática, em busca de uma práxis

emancipadora e libertadora. As entrevistas realizadas com os alunos (as), professores

(as), coordenadora, as observações registradas pelo pesquisador, os registros do

caderno de memória da turma e do caderno de reflexão dos alunos, os documentos

referentes ao curso, tais como grade curricular, programas de disciplinas, foram

importantes instrumentos metodológicos que serviram de base para a análise dos

diferentes espaços-tempos-saberes da formação do professor sem-terra.

Ao pensar nesse movimento de formação do professor sem-terra, procuramos

relacioná-lo com algumas dimensões que consideramos fundamentais: dimensão

técnica, que se refere aos conteúdos das diferentes disciplinas que compõem a grade

curricular do curso conformando os conhecimentos acumulados nas diferentes áreas do

saber humano constituindo desta forma uma das dimensões basilares do exercício da

profissionalidade docente. A dimensão política, própria do ato de educar e que no caso

do Curso Pedagogia da Terra diz respeito à luta por um modelo alternativo de

sociedade ancorado na utopia da justiça social e na luta pela Reforma Agrária como um

dos caminhos possíveis desta nova sociedade; a dimensão cultural refere-se à

formação da consciência organizativa, à cooperação, à solidariedade, à vivência de

valores e o cultivo da capacidade de sonhar, de ter esperança, de projetar o futuro,

pessoal e coletivo.85

Nesse sentido podemos afirmar conforme (Tardif, 2002) que os saberes da formação

são produzidos pelas ciências humanas e da educação, sobre o professor, o ensino e a

aprendizagem e transmitidos pelas instituições formadoras para serem incorporados à 85 Acredito que essas três dimensões se articulam com os saberes docentes propostos por Tardif, como sendo os saberes da formação profissional, os saberes referentes às disciplinas e os saberes da experiência. Essa discussão sobre os saberes do professor bem como os estudos dela decorrentes são praticamente inaugurados no Brasil, a partir da tradução\transcrição de um artigo de Tardif e outros (1991), no qual apontam e discutem a existência de uma certa relação problemática dos professores com os saberes e sugerem perspectivas de pesquisa sobre essa temática.

formação e à prática do professor. Entre esses saberes podemos citar: os saberes das

disciplinas, os saberes curriculares e os saberes da experiência. Os saberes das

disciplinas correspondem às diferentes áreas do conhecimento e integram a formação

inicial e a formação contínua dos professores, mediante as diversas disciplinas

específicas que compõem os currículos dos cursos universitários. No Curso Pedagogia

da Terra, os saberes das disciplinas estão contemplados na grade curricular e dizem

respeito aos conhecimentos da Filosofia, da Sociologia, da Biologia e outros,

necessários ao exercício da profissionalidade docente.

Os saberes curriculares referem-se aos conteúdos programáticos; são recortes das

diferentes áreas do conhecimento humano que são selecionados e definidos pelos

sistemas e/ou pelas instituições escolares como sendo relevantes e necessários à

formação dos alunos, num dado nível de ensino.Os saberes curriculares fazem parte

tanto das diretrizes de ensino, propostas no âmbito do sistema escolar, como dos

programas de ensino, traduzidos em conteúdos, objetivos e métodos, no âmbito das

escolas, faculdades e universidades. No Curso Pedagogia da Terra esses saberes se

manifestam nos conteúdos trabalhados nas diferentes etapas do processo de formação

do professor sem-terra. Assim os professores do Curso Pedagogia da Terra buscam

integrar o conhecimento teórico das disciplinas que lecionam com a realidade dos

alunos:É importante também destacar a relação que temos com os professores, mesmo que eles não conheçam a nossa realidade, eles se encaixam, a gente acaba tendo um convívio bom. Isto reflete nossa prática, os professores se encaixam eles conseguem desenvolver o trabalho voltado para nós e nós para eles; isto é importante para a gente, e também na prática de sala de aula, a gente leva muitos conhecimentos bons dos professores, porque aqui não se discute somente, o que acontece nas quatro paredes. O nosso curso é voltado para a teoria e a prática, ele tem esta visão de estudo e trabalho, porque estudamos e trabalhamos ao mesmo tempo, porque na nossa prática em nossa escola também no assentamento e acampamento é assim.

Na avaliação dos alunos, o Curso Pedagogia da Terra tem reconhecido e valorizado os

saberes, os valores, a cultura e a realidade do campo. Há nesse sentido uma

percepção das inovações pedagógicas que englobam desde a introdução de temas

ligados à realidade dos assentamentos, como exemplo, as disciplinas: Alternativas

educacionais para o campo, cooperativismo, temas como arte, conjuntura sócio-

econômica e política, oficinas pedagógicas, saídas a campo, trabalhos em grupos para

a realização de sínteses dos conteúdos aprendidos. Os saberes da experiência ou

saberes da prática conformam a dimensão cultural do processo de formação dos

professores sem-terra referem-se aos saberes especificamente desenvolvidos no

exercício da docência e na prática profissional, fundamentados e validados pela

experiência dos professores, no seu meio e no dia a dia de sua profissão.

Constituem um repertório de saberes e de práticas que não provêm dos cursos de

formação ou dos currículos estabelecidos, nem tampouco se encontram sistematizados

num corpo teórico. Estão incorporados como uma cultura docente em ação que preside

as decisões individuais e coletivas e permite lidar com as situações concretas, muitas

vezes imprevisíveis, transitórias, singulares e dificuldades com que o professor sem-

terra se depara em sua realidade nas escolas dos assentamentos. Nesse sentido,

assim se expressa um aluno do Curso Pedagogia da Terra:

Quando fizemos a disciplina Filosofia da Educação foi muito útil para mim, eu estava terminando um período com a Educação de Jovens e Adultos. Então para colocar essa teoria na prática lá, a gente provocava o aluno a pensar, a colocar em prática o seu conhecimento que é riquíssimo, são muitos alunos com mais de 40 anos de vida, imagina quanto conhecimento não há numa pessoa que já viveu 40 anos. Então a gente provocava essa pessoa a colocar no papel o seu conhecimento. Ele chega tão humilde, desmotivado, achando que o seu conhecimento é inútil, aí vai essa provocação tanto da criança, do adulto e do jovem a pensar que é importante para nós que cada um tenha seu pensamento crítico sobre o mundo. E de certa forma são científico também; eles já provaram na prática que dá certo, que suas experiências dão certo; a gente pode chamar de científico também!

Essa interação entre os saberes é fundamental no processo de formação do professor

sem-terra, pois possibilita o vínculo com sua realidade, valorizando seus valores, sua

cultura e sua identidade. Portanto, podemos afirmar que um currículo que contempla as

particularidades sócio-culturais e que busca consolidar uma nova visão do campo é o

diferencial do Curso Pedagogia da Terra.

4.10 O Espaço-Tempo-Saber Aula: “Caneta na Mão, Enxada no Chão, Lutando Todos em Prol da Libertação” ·

As leituras e análises realizadas nos cadernos de reflexão nos apontam para a

predominância de questões relativas ao espaço-tempo-sala de aula e questões mais

ligadas à vivência subjetiva dos alunos (as). As reflexões giraram em torno de

conteúdos referentes às disciplinas que compõem a Grade Curricular do Curso

Pedagogia da Terra nas suas diferentes etapas, demonstrando a importância de cada

uma para o processo de formação do professor. Alguns alunos (as) destacaram a

importância da mística como momento marcante do dia, seu conteúdo e significado

para o resgate dos valores, da cultura e da identidade do professor sem-terra. Merecem

destaque também as questões de ordem pessoal e subjetiva dos alunos, tais como a

saudade dos familiares, as dificuldades encontradas durante o processo de formação,

as alegrias e vitórias alcançadas. Neste sentido destacamos uma frase de uma aluna

do Curso Pedagogia da Terra: “na pedagogia do MST alfabetizar vai além do ler e

escrever” e ainda uma outra, “Educação do campo direito nosso, dever do Estado”.

Observei ainda que alguns alunos, entre os dez cadernos a que tive acesso,

destacaram a dimensão política de transformação da sociedade capitalista e a

educação do campo como uma ferramenta importante nesta luta. Não é qualquer

educação que serve para os sujeitos do campo. Os alunos do Curso Pedagogia da

Terra têm consciência de que o processo de formação do curso deve garantir essa

integração entre os conhecimentos teóricos e a experiência que trazem de sua

realidade enquanto educadores nos assentamentos do MST.

Uma questão a ser destacada e que merece ser trabalhada no curso consiste na

dificuldade que alguns alunos tiveram na escrita, ao redigir o pensamento, em fazer a

concordância verbal e nominal, em escrever e acentuar as palavras corretamente. Em

conversas e entrevistas com alguns professores e mesmo com alunos, esta parece ser

uma das dificuldades que precisam ser vencidas no processo de formação do professor

sem-terra86. Os professores que ministraram disciplinas na segunda turma do Curso

Pedagogia da Terra, pelo menos os que pudemos entrevistar, destacaram a

importância de se estar desenvolvendo um trabalho no sentido de melhorar a leitura e a

escrita dos alunos de forma geral. Neste sentido assim se expressou uma professora

do Curso:

A gente tem que trabalhar os conhecimentos oriundos da realidade dos alunos, mas temos que fazer com que esses alunos conheçam outras realidades e para chegar a isso a leitura é fundamental! Sozinha ela não dá conta do conhecimento, mas ela é um instrumento de trabalho! Eu não consigo pensar um curso superior em que os alunos não desenvolvam a prática da leitura e conseqüentemente da produção escrita.

Para a professora a leitura e escrita constituem alicerces fundamentais no processo de

formação do professor, tanto na formação inicial quanto na formação continuada. No

espaço-tempo-sala de aula a professora buscou desenvolver uma metodologia que

levasse aos alunos escreverem e falarem de sua experiência com a leitura e a escrita.

No caso específico das professoras que trabalharam com a disciplina Alfabetização I,

foi realizado um debate em pequenos grupos em sala sobre o sentido e o significado

que cada aluno atribuiu à sua experiência com a leitura e a escrita. Os alunos

identificaram muitos obstáculos em relação à sua história pessoal com a leitura e a

escrita e a dificuldade que sentem o desenvolvimento da leitura e da escrita mesmo

depois de alfabetizados. A importância da leitura e da escrita foi aprofundada na

disciplina “Alfabetização I”. As professoras que ministraram essa disciplina buscaram 86 Também pude perceber isso ao ler algumas monografias dos alunos da primeira turma do Curso Pedagogia da Terra. Realmente essa questão precisa ser pensada pelos parceiros envolvidos na luta pelo fortalecimento da educação do campo. Possibilitar maior acesso e desenvolvimento da leitura e da escrita aos alunos do Curso Pedagogia da Terra é fundamental para o processo de formação inicial e continuada dos professores sem-terra.

situar do ponto de vista histórico-filosófico o nascimento e o desenvolvimento da escrita.

Começou questionando o conceito de “analfabeto” , como sendo o estado ou a

condição de ser analfabeto, como privação de algo. Mostrou que essa concepção

serviu para justificar e legitimar a exclusão das pessoas, principalmente os sujeitos do

campo. Avançando um pouco mais a professora afirmou que alfabetização é a ação de

alfabetizar, aprender a ler e a escrever as letras do alfabeto. Para além da dimensão

mecânica da alfabetização destacaram-se as dimensões de compreensão e expressão

de significados, de sentidos. A própria história do MST é rica de experiências neste

sentido, de compreender a alfabetização dentro de um contexto social, histórico, político

e econômico. O MST como vimos nos primeiros capítulos deste trabalho, ao lutar contra

as cercas do latifúndio, da ignorância e do capital nos ensina um novo modo de ler e

escrever o mundo. Assim podemos ler no Caderno de Educação n.11 do MST (2003, p.

34) que traz como tema: Educação de Jovens e Adultos:

Alfabetizar no MST está relacionado à construção de significados coletivos para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo; alfabetização é construção de significados, tanto pela pessoa que aprende como pelo sujeito coletivo, o Movimento. Sempre que os Sem Terra aparecem na mídia, aparecem fazendo; cortando a cerca do latifúndio, da ignorância, empunhando a bandeira, entoando canções que denunciam as injustiças e anunciam um novo projeto de desenvolvimento, e dizendo palavras de ordem que indicam firmeza na luta. Estas ações precisam ser consideradas na alfabetização.

Portanto, ensinar a ler e a escrever é muito mais que um desenvolvimento de

habilidades motoras. Para o MST não basta o domínio do código da escrita e da leitura

de nosso idioma. A concepção de alfabetização do Movimento e que se faz presente no

Curso Pedagogia da Terra é aquela que está intimamente ligada a um processo de

educação/formação do ser humano: alfabetizar é mais que alfabetizar; é educar-se,

fazer-se humano. Há um vínculo entre educação, formação e alfabetização. Neste

sentido, podemos estabelecer uma relação com o conceito de alfabetização do MST,

com as reflexões desenvolvidas por Wanderley (1984) e Paiva (1987) sobre o MEB,

desenvolvidas no segundo capítulo deste trabalho. Para esses autores o MEB tinha

como objetivo oferecer à população rural oportunidade de alfabetização num contexto

mais amplo de educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em

sua preparação para a participação na vida social, econômica, cultural e política do

país, através da conscientização. Considerando a formação integral da pessoa, o MEB

buscava construir uma educação que levasse em consideração a realidade dos

oprimidos, seus valores, sua cultura e sua identidade. Para isso utilizou-se do método

de alfabetização proposto por Freire (1970) que partia do levantamento vocabular, da

escolha das palavras geradoras e da criação de situações existenciais dos alunos. A

professora fez uma exposição para os alunos sobre as duas correntes da psicologia

que tem explicado o desenvolvimento da escrita: a psicologia sócio-histórica-cultural e a

perspectiva construtivista.

Em seguida falou sobre o pensamento de Vygotsky (1984) em relação ao processo de

desenvolvimento da leitura e da escrita. Neste sentido, passo a relatar algumas

anotações que realizei no diário de campo. A professora procurou explicar que

compreender a questão da “mediação”, que caracteriza a relação do homem com o

mundo e com os outros homens é de fundamental importância, porque é através deste

processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se

desenvolvem.

Existem dois processos básicos responsáveis para que essa mediação se efetive: o

instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo, que

regula as ações sobre o psiquismo das pessoas. Vygotsky (1984) atribui enorme

importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano. Uma das

mais significativas contribuições das teses que formulou está na tentativa de explicar

como o processo de desenvolvimento é socialmente construído. O comportamento da

criança recebe influências dos costumes e objetos de sua cultura. Através da ajuda do

adulto, as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas

pela história social ao longo de milênios: ela aprende a sentar, a andar, a controlar os

objetos, a falar, a sentar-se à mesa, a comer com talheres, a tomar líquidos em copos

etc.

Neste sentido o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes

interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais

sofisticadas emergem da vida social. O aprendizado da escrita, como produto cultural

construído ao longo da história da humanidade é um processo bastante complexo:

A complexidade deste processo está associada ao fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade extremamente sofisticado, que se constitui num conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada: no entanto, gradualmente essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo intermediário. (Vygotsky,1984, p.131)

Desta forma o aprendizado da linguagem escrita envolve a elaboração de todo um

sistema de representação simbólica da realidade. Em outras palavras, essas atividades

contribuem para o desenvolvimento da representação simbólica (onde signos

representam significados), e conseqüentemente, para o processo de aquisição da

linguagem escrita. Aprender a linguagem escrita é produzir cultura, bem como se

apropriar da cultura produzida historicamente pela humanidade. Assim sendo, o

trabalho com a linguagem na alfabetização deve estar articulado às experiências

culturais dos sujeitos do campo e no caso específico do Curso Pedagogia da Terra com

as experiências dos professores sem-terra.

Como síntese das observações realizadas no diário de campo do pesquisador podemos

dizer que são nas diferentes experiências culturais das crianças, dos adolescentes,

jovens, adultos e dos sujeitos do campo, ou seja, nas formas de trabalho, na

organização da vida das famílias, na mística, na cooperação, na comunicação, nas

relações de gênero dos educandos (as), que a alfabetização precisa inspirar-se para o

trabalho com a linguagem escrita. Alfabetizar no MST e para os professores que fazem

o Curso Pedagogia da Terra está relacionado à construção de significados coletivos na

luta em prol do fortalecimento da educação do campo, uma educação que considere a

realidade, os saberes e as experiências dos sujeitos que vivem no e do campo. Neste

sentido, a aprendizagem dos processos, métodos e conteúdos da alfabetização devem

permitir aos professores sem-terra desenvolver melhor o seu trabalho nas escolas dos

assentamentos. Formar os professores sem-terra para que dominem o processo de

ensinar uma criança a ler e a escrever tem uma dimensão libertadora em pelo menos

dois sentidos: pedagógico e político. Pedagógico porque os sujeitos sem-terra

(crianças, adolescentes, jovens, anciãos) adquirem a capacidade de escrever e ler, o

que é fundamental numa sociedade como a nossa, em que a cultura letrada está

presente em todos os espaços e tempos da vida social e cultural e para o resgate de

seus valores, de sua própria cultura, enquanto camponês e de sua dignidade e

identidade enquanto sem-terra. Político porque é através da escrita e leitura que esses

mesmos sujeitos podem desenvolver uma consciência crítica a respeito da sociedade

em que vivem e potencializar ações coletivas em prol da luta por políticas públicas que

contemplem a construção coletiva de uma educação comprometida com os anseios e

as necessidades dos sujeitos do campo.

4.11 O Espaço-Tempo-Saber Mística: A Utopia de uma Pedagogia Libertadora

O dia começou com a Mística onde os alunos (as) da segunda turma do Curso

Pedagogia da Terra através de cantos e músicas hastearam a bandeira do MST e

marcharam em direção à conquista da terra. Estamos usando o conceito de mística no

sentido atribuído por Boff (1999) como sendo o conjunto de convicções profundas, as

visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na

vontade de mudanças ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer

dificuldades ou que sustentam a esperança face aos fracassos. Durante a marcha

houve um confronto com os capangas do fazendeiro levando à morte de dezenove

sem-terras. A turma neste momento faz memória do confronto entre fazendeiros e sem-

terra ocorrido no Pará (Eldorado dos Carajás) no dia 17 de abril de 1996 em que

morreram dezenove sem-terras. Entre os feridos estavam sessenta e nove sem-terras e

doze policiais militares. A data se converteu num símbolo da luta pela terra. Essa

vivência foi carregada de significados e emoções relembrando a morte dos

companheiros sem-terra, os alunos tornaram presente simbolicamente à histórica luta

dos sem-terra por uma sociedade justa e fraterna. Utilizo o termo vivência em oposição

ao de encenação.

A vivência não deve ser confundida com uma encenação ou apresentação teatral, não

é esse o caráter da mística, ela se propõe a ser muito mais profunda e complexa que

uma apresentação teatral, pois, sendo a tradução de uma utopia determinada, ela

objetiva mexer com os sentimentos e certezas das pessoas diante do mundo em que

elas vivem e não simplesmente retratar um fato diretamente como ele é, além do que,

em uma encenação teatral o ator que está em cena pode estar dramatizando uma

realidade que revela valores, princípios e desejos que ele necessariamente não

acredita e assume como seus na vida real. Por isso, na mística não são simplesmente

as palavras que tocam as pessoas, não é o discurso por mais bonito e racional que seja

que mobiliza o coletivo; o que traz a lágrima aos olhos ou o sorriso esperançoso nos

lábios, o que toca o coração e acende a chama da esperança é muito mais forte do que

as simples palavras. Nesse sentido a mística possui uma dimensão profundamente

pedagógica libertadora e formadora e se constitui em um espaço-tempo-saber

fundamental no movimento de formação do professor sem-terra. Segundo Medeiros

(2001, p.12):

Ao dramatizar a vida dos Sem Terra – as lutas travadas, a repressão sofrida e as vitórias conquistadas – e permitir o resgate da memória do próprio MST e a reflexão coletiva e individual sobre o seu cotidiano, de forma simples e criativa, a mística faz do real, do dia-a-dia, da história dos trabalhadores e do povo oprimido, um conteúdo possível de ser revisto criticamente por esses trabalhadores, possibilitando-os e estimulando-os a questionamentos capazes de lhes conduzir à percepção de si também como sujeitos dos acontecimentos que lhes rodeiam, por vezes como vítimas da opressão, em outras como reprodutores dela, mas acima de tudo como possuidores da capacidade de transformação destas situações.

A mística nesta perspectiva pode ser pensada e compreendida como tendo um sentido

libertador e formador professor sem-terra, estando em relação direta com as matrizes

pedagógicas da educação do campo, trabalhadas no terceiro capítulo da dissertação,

tais como: a matriz pedagógica da luta social e a matriz pedagógica da cultura. De

acordo com Caldart e Cerioli (1999) é por meio da mística que o MST celebra sua

própria memória. O que educa os sem-terra é o próprio movimento da luta, em suas

contradições, enfrentamentos, conquistas e derrotas.

As matrizes pedagógicas da luta social e da cultura (e a mística é um instrumento

delas) educam para uma postura diante da vida que é fundamental para a identidade de

um lutador do povo: nada é impossível de mudar e quanto mais inconformada com a

degradação e a exclusão do ser humano, mais humana é a pessoa. A mística com toda

sua potencialidade pedagógica coloca-se como instrumento fundamental no processo

de formação do professor sem-terra e constitui-se em um espaço-tempo-saber presente

em todos os momentos do Curso Pedagogia da Terra.

No contexto do Curso Pedagogia da Terra, diante da reflexão que foi construída,

podemos afirmar que a mística fertiliza todos os espaços-tempos-saberes do processo

de formação do professor sem-terra, ou seja, no contexto da sala de aula com o

objetivo de estimular a criatividade dos educandos; de resgatar a memória dos fatos

históricos estudados ou vividos; de contribuir para o processo de socialização,

avaliação e auto-avaliação dos educandos e educadores; de humanizar e democratizar

as relações pedagógicas. Neste sentido podemos afirmar que a mística contribui para o

fortalecimento da educação do campo.

Ela potencializa a vivência, a reflexão e o estudo de questões relacionadas à luta pela

terra, a luta por uma educação do campo e a construção de valores humanistas, integra

em si mesma as várias dimensões do processo de formação humana explicitadas pelo

MST através dos princípios filosóficos e pedagógicos do MST, entre eles: educação

para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação

voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com e para valores

humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e

transformação humana. Este é o horizonte que define o caráter da educação do MST,

ou seja, um processo de educação que se assume como político, que se vincula

organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade

atual, e à construção de uma nova sociedade fundada na justiça, na radicalidade

democrática e nos valores humanistas e socialistas. Para isso é fundamental uma

formação que supere os valores dominantes da sociedade capitalista, centrada no

individualismo e no lucro desenfreados. Em alguns momentos da mística desenvolvida

nas etapas do Curso Pedagogia da Terra vivenciamos com os alunos e professores a

possibilidade de construção de novos valores que coloquem no centro dos processos

de transformação da pessoa humana e sua liberdade, mas não como indivíduo isolado

e sim como ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação destes bens

e à igualdade na participação de todos nestes processos. Entre os alunos (as) da

segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, este tipo de sentimento reflete uma forte

relação de pertença ao MST, que resulta não só do período vivenciado nas etapas do

Curso, mas decorrente de toda uma trajetória percorrida por cada um dentro do

Movimento. Esse sentimento se expressa de diferentes formas, no amor e respeito aos

símbolos, ideais, princípios do MST e no compromisso com a causa pela qual dedicam

suas vidas: a transformação de todas as estruturas capitalistas que escravizam e

oprimem o ser humano, em especial o homem do campo.

4.12 O Espaço-Tempo-Saber Trabalho Produtivo

A mudança na base tecnológica do processo produtivo traz novos desafios para a

compreensão das relações entre trabalho e educação no conjunto das relações sociais.

Nesse sentido Frigotto (1984) elabora de forma bastante contundente uma crítica à

concepção de que o avanço da tecnologia corresponde à melhoria generalizada das

condições de vida e da qualidade de vida. Como vimos no primeiro capítulo deste

trabalho, no Brasil, por exemplo, o avanço científico e tecnológico veloz não significou a

universalização da melhoria das condições de vida, tais como, emprego, moradia,

saúde, alimentação e educação, para a maioria dos brasileiros.

A terceira revolução industrial se caracteriza por uma velocidade e descontinuidade

brutal no processo tecnológico, na escala da produção, na organização do processo

produtivo, na centralização do capital e organização do processo de trabalho e na

qualificação dos trabalhadores. Essa revolução é marcada pela robótica, informática,

microeletrônica e máquinas de comando numérico, biotecnologia e produção de

sintéticos. A tecnologia passa a ser matéria prima por excelência.

Trata-se de uma revolução tecnológica que possibilita a organização da produção de

forma, autocontrolável e auto-ajustável mediante processos informatizados,

robotizados, através de um sistema eletrônico. Como fica, por exemplo, a questão do

trabalho na terra nesta nova etapa da reconfiguração do capitalismo mundial? Como

pensar o trabalho do camponês nesse quadro de novas tecnologias e do

agronegócio87? Como esse novo aparato científico-tecnológico pode contribuir para

potencializar o trabalho do camponês, auxiliando-o na produção de uma agricultura

familiar e na construção do desenvolvimento sustentável? No MST o trabalho produtivo

está voltado para a satisfação das necessidades dos assentados e para o

fortalecimento da agricultura familiar:

A produção deverá levar em conta a combinação das necessidades básicas de alimentação das famílias assentadas, ou seja, cada assentado deve ter no seu lote ou no coletivo, várias espécies de frutas e verduras que são cultivadas em diferentes épocas do ano. Vários tipos de cereais que são necessários à alimentação humana e também animais e aves que garantem a carne, leite, queijo, banha, ovos etc. Essas atividades que terão o objetivo de produção e industrialização para abastecimento do mercado local e regional. Devemos discutir também os aspectos ambientais e tecnológicos da produção pretendida. Assim ganha importância o planejamento das áreas de reservas existentes, das fontes de água, das matas ciliares (MST: Construindo o Caminho, 2001, p. 87).

Nestes vinte anos de organização e de lutas, o MST vem ajudando a construir um novo

projeto de desenvolvimento rural, em sintonia com as necessidades e os interesses

sociais dos trabalhadores do campo e da cidade. O espaço-tempo-saber trabalho

produtivo presente no movimento de formação do professor sem-terra não deixa de

considerar a questão da luta pela Reforma Agrária e os desafios para a implementação

de novas relações de produção no campo e na cidade. Para o MST, nesta perspectiva,

uma educação voltada para a realidade do campo é aquela que ajuda a solucionar os

problemas que vão aparecendo no dia a dia dos assentamentos e dos acampamentos,

que forma os trabalhadores e as trabalhadoras para o trabalho no campo, ajudando a

construir reais alternativas de permanência e enraizamento dos sujeitos no campo e de

87 O agronegócio emprega uma tecnologia de ponta para aumentar a produtividade e baixar os custos da produção. São características do agronegócio as monoculturas e a utilização de imensa quantidade de terras. No Estado do Espírito Santos têm as plantações de Eucalipto, mamão e a criação do gado leiteiro por meio de grandes pastagens de terras e no sul do país as plantações de soja.

melhorar a qualidade de vida da população campesina. Neste sentido pode-se afirmar

que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra busca desenvolver as

potencialidades, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem e trabalham

no e do campo. Esse significado assemelha-se ao utilizado por Frigotto (1984) quando

concebe o trabalho na perspectiva de um modo humano de existência, constituindo-se

como princípio educativo na construção da sociedade socialista e comunista. O trabalho

aparece aqui na sua dimensão positiva, como manifestação da vida, como forma de os

homens se apropriarem e transformarem o mundo da natureza em si mesmos, em seu

devir.

No Curso Pedagogia da Terra o trabalho refere-se às diversas atividades práticas

realizadas pelas equipes e setores que se fazem presentes no cotidiano do processo de

formação do professor sem-terra. A concepção de trabalho como uma atividade

humana no processo de transformação da natureza e, conseqüentemente, na recriação

de novas relações sociais, nos remete, como vimos no terceiro capítulo dessa

dissertação, à luta do MST para criar novas relações de produção e de convivência

entre os seres humanos. Neste sentido o trabalho, se converte em um espaço-tempo-

saber fundamental no processo de formação do professor sem-terra. Na percepção de

um dos alunos da segunda turma do curso:

O trabalho, principalmente o trabalho coletivo, tem uma dimensão educativa. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. A gente tenta unir essas duas coisas tanto o pedagógico quanto o político. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática; você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica. E também na nossa forma de organização, você vê quando a gente tem que tomar uma decisão, a gente faz uma reunião para discutir; estamos sempre fazendo aquele processo democrático onde todos participam. O espaço tempo produtivo coletivo é um espaço político que estamos desenvolvendo!

Neste sentido o trabalho adquire uma dimensão importante na formação dos

professores sem-terra. Nas relações capitalistas trabalhamos para viver, para produzir

um meio de vida, mas nosso trabalho não é vida em si, porquanto trata-se de uma

atividade imposta por uma necessidade externa, a necessidade do capital. Para superar

essa alienação Frigotto (1991) retoma o conceito de politecnia. Os elementos básicos

do conceito de politecnia são: a concepção de homem omnilateral; o trabalho produtivo

e a articulação entre trabalho manual e intelectual e as bases científico-técnicas. A

concepção de omnilateralidade do homem centra-se na apreensão do homem enquanto

uma totalidade histórica que é, ao mesmo tempo natureza, individualidade e, sobretudo,

relação social. Uma unidade na diversidade física, psíquica e social; um ser de

necessidades em cuja satisfação se funda sua possibilidade de crescimento em outras

esferas. O MST por meio do Curso Pedagogia da Terra põe em movimento uma prática

de educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana:

O que poderíamos dizer usando uma expressão mais curta: educação onilateral. A palavra onilateral vem de Marx, que usava a expressão “desenvolvimento onilateral do ser humano”, para chamar a atenção de que uma práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar. Ou seja, uma educação onilateral se opõe a uma educação unilateral, que se preocupa só com um lado de cada vez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais, ou só os aspectos morais, ou só os políticos (MST – Caderno de Educação Nº 8).

Estamos defendendo então que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra

está estreitamente ligado ao de formação humana e esta sendo entendida numa

perspectiva onilateral. Neste sentido queremos destacar algumas dimensões principais:

a formação político-ideológica; a formação técnico-profissional; a formação do caráter

ou moral e a formação cultural e estética. Como vimos, na matriz pedagógica da terra, é

através do trabalho que o MST põe em movimento uma das dimensões fundamentais

do processo de formação do professor sem-terra. Assim como para o MST não é

possível pensar a terra sem aqueles que nela trabalham, também para o Curso

Pedagogia da Terra não é possível pensar o processo de formação do professor sem-

terra sem o espaço-tempo-saber trabalho produtivo. O professor sem-terra é um

camponês e trabalhador que vive na e da terra, traz para o curso toda uma experiência

de luta, de cuidado, de resistência e pertença a terra. O Curso Pedagogia da Terra, ao

valorizar as experiências e conhecimentos advindos da realidade dos professores do

MST e potencializá-los através dos diversos trabalhos práticos realizados durante as

suas diferentes etapas, permite aos professores fazer a integração entre os

conhecimentos teóricos obtidos no curso e a realidade dos assentamentos, bem como

fortalece o sentido de enraizamento dos professores sem-terra com a própria terra.

Como afirma Caldart (2000) trabalhar na terra, plantar a semente, molhar a terra e

adubar a semente significa que as coisas não nascem prontas, que precisam de

cuidado. Assim o trabalho no Curso Pedagogia da Terra traz a própria marca do MST

como movimento social que luta pela terra, que trabalha e vive na e da terra. Não seria

possível pensarmos o processo de formação do professor sem-terra sem a dimensão

do trabalho.

Os trabalhos práticos realizados durante as etapas do Curso Pedagogia da Terra

situam-se no rompimento do trabalho na lógica do capitalismo. No capitalismo os frutos

do trabalho são apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria

de muitos; a divisão social do trabalho se fundamenta na competição e no

individualismo; os meios de produção se encontram em poder de uma única classe. No

Curso Pedagogia da Terra, a concepção de trabalho e sua realização situam-se em

uma outra lógica: os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e todos

indistintamente se beneficiam dele, não havendo nem ricos e nem pobres, mas seres

humanos satisfeitos em suas necessidades vitais; a divisão do trabalho obedece à

lógica da cooperação e da solidariedade; o curso também busca superar o machismo

nas relações de trabalho, valorizando a participação da mulher em todas as tarefas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo procurou compreender como se desenvolve o processo de formação do

professor sem-terra. A investigação centrou-se basicamente na análise de documentos,

entrevistas e na participação em algumas etapas do curso. Nesse sentido cabe

destacar a importância que teve para o desenvolvimento da pesquisa como um todo e

para o crescimento pessoal do pesquisador a participação efetiva em algumas etapas

do Curso Pedagogia da Terra. O pesquisador então buscou uma aproximação

intelectual e afetiva com o tema a ser investigado. A leitura de obras referentes ao MST

ajudou-me a conhecer melhor o Movimento e a compreender com a mente e o coração

a sua nobre luta: a luta pela terra. Neste sentido ressaltamos duas contribuições

importantes: a primeira consiste em mostrar como a luta pela terra é bem mais antiga

que o MST e a segunda em perceber que é na luta pela terra que surge a luta por uma

educação do campo, não sendo possível compreender a luta pela educação dissociada

de uma luta maior que é a luta pela terra. Essa questão foi trabalhada no primeiro

capítulo, onde procuramos com a ajuda de Fernandes (2000), Martins (1999), Dias

(1984) e outros interlocotores identificar na história do Brasil os movimentos que

antecederam o MST na luta pela terra e nela por diginidade.

A luta dos movimentos sociais e em especial do MST por uma educação do campo só

tem sentido se for compreendida a partir da perspectiva de valorização da cultura, dos

saberes e da identidade dos sujeitos que vivem, trabalham e se educam no campo.

Neste sentido podemos afirmar como contribuição importante que a pesquisa traz para

a nossa reflexão e que foi objeto de discussão neste trabalho nos capítulos dois e três:

a questão de que não é possível entender a luta por uma educação do campo

dissociada de uma luta maior, a luta de todos por uma educação de qualidade, que

tenha presente em seus objetivos, conteúdos e metodologia, os saberes, a cultura e

identidade dos que vivem no campo e na cidade.

O Curso Pedagogia da Terra surgiu como uma necessidade dos professores sem-terra

de se qualificarem e do próprio MST de garantir uma educação de qualidade e

diferenciada para os sujeitos que vivem no e do campo. A luta que o Movimento

assumiu quando decidiu reivindicar a formação superior em pedagogia era possibilitar

aos jovens, homens e mulheres, que vivem do trabalho do campo, o acesso a uma

formação acadêmica que leve em consideração as peculiaridades e a realidade dos

sujeitos que vivem no e do campo, pensar uma educação que não fosse simplesmente

um transplante da educação urbana.

As discussões feitas nos capítulos terceiro e quarto do trabalho a partir de Caldart

(2000), Foerste (2004, 2005) nos apontam para uma questão que emerge como um

ganho importante tanto para O MST quanto para a Universidade, que se traduziu na

parceria entre PRONERA/MST/UFES. A prática da parceria introduz uma dinâmica que

favorece a construção coletiva de uma nova política de profissionalização do

magistério, em cuja base se evidenciam possibilidades concretas para a superação da

racionalidade técnica que tem determinado a dinâmica curricular dos cursos das mais

diferentes áreas do conhecimento na Universidade, entre elas, a Licenciatura.

Conforme as análises realizadas por Foerste (2004) podemos afirmar que a cooperação

do INCRA, do MST e da UFES favoreceu o incremento da interinstitucionalidade e a

introdução de práticas dialogadas, num terreno em que a academia reconhecidamente

necessita ampliar interlocuções, trabalhando através de parcerias com diferentes

segmentos da organização social. Para o INCRA a parceria entre a Universidade e

MST, através do Curso de Pedagogia da Terra, constitui-se num ganho importante para

consolidar o processo de assentamentos rurais no país. A educação é um dos pilares

fundamentais para que os assentados se coloquem num amplo movimento pela

produção da subsistência, através da agricultura familiar sustentável. Um projeto

interinstitucional como este, viabilizado pelo PRONERA, inaugura uma nova fase dos

trabalhos no INCRA e no MST, no que se refere à educação do campo.

A parceria tem possibilitado negociações que estimulam reflexões que vão além das

dimensões técnicas das políticas oficiais para o campo, coordenadas pelo INCRA. Ao

mesmo tempo, o MST está percebendo que a implementação de políticas públicas de

educação, nos assentamentos implica uma abertura por parte do Setor de Educação

para dialogar e trabalhar com outros movimentos organizados do campo, como por

exemplo, o Movimento dos Pequenos Agricultores, as Escolas Comunitárias Rurais e

as Escolas Família Agrícola. Na perspectiva da Universidade, podemos afirmar que o

Curso Pedagogia da Terra vem possibilitando incursões teórico-práticas na formação

de profissionais do ensino para atuarem em projetos educacionais em assentamentos

rurais. As experiências decorrentes da parceria da Universidade com os Movimentos

Sociais em especial o MST podem fortalecer projetos em andamento e/ou possibilitar

múltiplas e quem sabe alternativas inovadoras de trabalho.

Reconhecemos que a Universidade tem uma função social a cumprir e que apesar de

historicamente estar a serviço das classes dominantes, a parceria com os movimentos

sociais como o MST, abre novos horizontes no sentido de dar oportunidades àqueles

que sempre estiveram excluídos do acesso ao saber e, portanto do exercício da

cidadania plena. Neste sentido o Curso Pedagogia da Terra nos ajuda a pensar no

papel que tem a Universidade como o lócus da formação do professor, ao mesmo

tempo em que questiona a fragilidade teórico-prática dos cursos de formação de

professores na universidade pela inexistência de uma política interinstitucional de

profissionalização do magistério, construída coletivamente pelos profissionais da

educação (Foerste, 1998, 2002, 2004, 2005).

A pesquisa contribuiu, principalmente nas questões discutidas no último capítulo,

através das vozes dos sujeitos pesquisados (alunos e professores da Segunda Turma

do Curso Pedagogia da Terra), a perceber que ainda falta abertura e vontade política

por parte da Universidade para incrementar programas de parceria que possibilitem a

introdução e valorização nos cursos de licenciatura de novos sujeitos, novos saberes e

novos espaços-tempos de formação, viabilizados por uma cultura de colaboração e

solidariedade entre os diferentes movimentos sociais interessados na formação do

professor e na construção de uma educação de qualidade para todos. Nesse sentido o

Curso Pedagogia da Terra favorece discussões coletivas que contribuem para

repensarmos os cursos de licenciaturas de um modo geral e para o resgate da

profissão docente. A cultura do trabalho coletivo, que mobiliza os professores de

assentamentos para a construção de um novo projeto de educação no e do campo

(Caldart, 2002; Molina, 2002; Foerste, 2004), desafia a academia a deixar que os

cursos de licenciatura se repensem na sua essência, com a introdução e valorização de

novos sujeitos, novos saberes e novos espaços-tempos no processo de socialização da

profissão docente. Isto significa dizer que a formação do professor necessita de uma

maior articulação com o contexto social e com os movimentos sociais. Que saberes os

movimentos sociais estão construindo quando exigem que o Estado cumpra sua função

de garantir uma educação de qualidade para todos? O que nós professores e a

Universidade pode aprender com o MST na luta contra o latifúndio da terra e do saber?

Nesse sentido a parceria entre PRONERA/UFES/MST para ofertar o Curso Pedagogia

da Terra impulsiona novos olhares sobre o processo de formação inicial e continuada

de professores. Como o trabalho coletivo pode contribuir para o engajamento em

atividades de ensino-pesquisa-extensão na perspectiva do compromisso social, nas

lutas dos oprimidos pelo resgate da cidadania e respeitos às diferenças étnicas,

religiosas e de gênero? Através desse tipo de trabalho coletivo criam-se algumas

condições que, sem dúvida, possibilitam inovações, trazendo benefícios a diferentes

movimentos organizados da sociedade nas lutas por uma educação pública de

qualidade. Neste sentido, as discussões feitas no terceiro capítulo deste trabalho, com

a contribuição do movimento nacional de luta por uma educação do campo, ajudaram-

nos a compreender o PRONERA não como política pública compensatória, embora

esteja inserido na lógica das atuais políticas sociais do neoliberalismo, pois supera e

contradiz essa perspectiva na medida em que é uma conquista da luta dos movimentos

sociais do campo, cuja participação do MST é fundamental. Trata-se, pois de uma

política pública de educação já que foi a participação popular, que a originou e a

desenvolveu, ou seja, sujeitos coletivamente organizados que exigiram o direito a uma

educação de qualidade que esteja em sintonia com a realidade do campo. A luta por

uma educação de qualidade é um direito dos sujeitos do campo e um dever do Estado.

O Estado deve oferecer uma educação pública de qualidade no qual os grupos sociais

em desvantagem no campo sejam autores, que tenham sua experiência social como

ponto de partida, seus valores, sua cultura e sua identidade reconhecida e valorizada.

Disso decorre uma questão fundamental que a pesquisa como um todo, nos ajuda a

pensar: a educação do campo não é uma doação que o poder público faz aos sujeitos

do campo; nem é algo que os sujeitos do campo recebem pronto do Estado; a

educação do campo não está pronta; os sujeitos sociais do campo estão construindo-a

através de suas lutas, de sua cultura, de seus valores e do seu amor à terra a educação

do campo, uma educação que tenha a sua “cara”, e a sua identidade de sem-terra.

Outro grande achado da pesquisa diz respeito ao Curso Pedagogia da Terra, à

particularidade que o constitui enquanto um projeto de formação de professores de

assentamentos. Criam-se algumas condições que favorecem a visualização de uma

nova perspectiva para a profissão docente. Trata-se de um novo ethos profissional do

professor, fundamentado no trabalho coletivo solidário e colaborativo dos sem-terra e

dos segmentos oprimidos da sociedade, em suas lutas permanentes pela conquista dos

direitos sociais como o direito à terra, à moradia, ao saneamento básico, à saúde, etc,

na perspectiva de uma sociedade justa e solidária.

Em relação ao processo de formação que se dá no Curso Pedagogia da Terra, pode-se

afirmar como uma contribuição importante que a pesquisa traz é pensar o MST como

sujeito coletivo que educa os professores sem-terra e que se faz presente no ambiente

educativo do curso. Nesse sentido podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra

tem uma estrutura organizativa semelhante àquela que os alunos (professores sem-

terra) encontram nos assentamentos do MST. Não são somente as aulas, os conteúdos

das diferentes disciplinas, os professores da UFES com sua experiência e

conhecimentos que educam e formam os professores sem-terra. O que

fundamentalmente educa e forma os professores sem-terra é o próprio MST na medida

em que se faz presente nos espaços-tempos-saberes do curso através dos símbolos,

das frases, dos cartazes, das palavras de ordem, da mística e dos próprios professores

sem-terra. Neste sentido podemos nos perguntar: quem educa e forma os professores

sem-terra? É o MST um sujeito coletivo educativo? Outra contribuição que a pesquisa

traz diz respeito às principais matrizes pedagógicas, no sentido de processos

educativos básicos que possibilitam a formação dos professores sem-terra e o

fortalecimento da educação do campo: a matriz pedagógica da luta social; a matriz

pedagógica da organização coletiva; a matriz pedagógica da terra e a matriz

pedagógica da cultura. Essas matrizes se manifestam na forma como os alunos do

curso realizam as tarefas, no empenho, na organização, nas celebrações (mística), na

vontade de aprender novos conhecimentos, na ajuda mútua, no trabalho coletivo, no

senso de justiça e bem querer ao próximo.

Como vimos no último capítulo da dissertação o Curso Pedagogia da Terra coloca em

movimento uma pedagogia libertadora, (Freire, 1970; Caldart, 2000) na medida em que

contesta, inconforma-se com a injustiça e luta por uma nova sociedade e um novo ser

humano. Um dos achados importantes da pesquisa que ajuda compreender melhor o

processo de formação dos professores sem-terra foram os espaços-tempos-saberes do

curso. O espaço-tempo-saber aula formado a partir dos conteúdos ministrados pelos

professores das diferentes disciplinas que compõe a grade curricular do curso (currículo

prescrito) e de conhecimentos e experiências (currículo vivido) que os próprios alunos

do MST trazem da realidade dos assentamentos.

Como vimos no desenvolvimento da pesquisa e em particular no último capítulo, o

Curso ainda carece de uma maior integração e intercâmbio entre os saberes da

academia e os saberes oriundos da realidade dos alunos (Foerste, 2004) no sentido de

um maior comprometimento com a construção de uma educação do campo. O espaço-

tempo-saber mística se faz presente em todos os momentos formativos do Curso

Pedagogia da Terra: nas falas dos alunos, nos símbolos do MST, nas noites culturais,

nas apresentações dos trabalhos em sala de aula. Neste sentido podemos afirmar que

a mística constitui um dos espaços-tempos-saberes fundamentais do processo de

formação do professor sem-terra buscando estimular a criatividade dos educandos; no

resgate da memória histórica; no sentimento de pertença e enraizamento ao MST e na

socialização e democratização das relações entre professores e alunos em sala de

aula. Então podemos nos perguntar como pensar a relação entre mística, memória,

MST e o Curso Pedagogia da Terra? Que papel tem a mística para o resgate dos

valores, dos saberes, da cultura e da identidade dos professores sem-terra? Como a

mística ajuda na formação dos professores sem-terra para que assumam as causas

dos lutadores do povo? Como vimos no último capítulo da dissertação a mística

possibilita aos alunos e professores a vivência, a reflexão e o estudo de questões

relacionadas à luta pela terra e à luta por uma educação comprometida com os valores,

a cultura, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Em síntese a mística

demarca bem o horizonte de educação no Curso Pedagogia da Terra, ou seja, um

processo de educação que se assume como político, que se vincula organicamente

com os processos sociais que visam à transformação da sociedade atual e à

construção de novas relações entre os seres humanos, alicerçadas na justiça social.

O espaço-tempo-saber trabalho produtivo discutido no último capítulo da dissertação

diz respeito aos trabalhos realizados pelos alunos durante as etapas do curso e situam-

se na superação do trabalho na ótica do capitalismo contribuindo na formação onilateral

(Frigotto, 1991) do professor sem-terra. No capitalismo os frutos do trabalho são

apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria de muitos; no

Curso Pedagogia da Terra os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e

todos indistintamente se beneficiam dele, não havendo necessitados entre eles. Neste

sentido podemos nos perguntar: como esse espaço-tempo-saber trabalho produtivo

potencializa novas relações entre os seres humanos, fundadas na justiça e na

solidariedade? Que importância tem o trabalho para o MST? Como o trabalho pode

converte-se em espaço-tempo-saber de realização do ser humano superando a

alienação imposta pelo sistema capitalista?

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