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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ELIESÉR TORETTA ZEN
PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA
VITÓRIA
2006
ELIESÉR TORETTA ZEN
PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR SEM-TERRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Erineu Foerste.
VITÓRIA
2006
AGRADECIMENTOS
“O que pode o sentimento não pode o saber, nem o mais claro proceder, nem o mais amplo pensamento (...) Só o amor com sua ciência nos torna tão inocentes”.7
Chegado o momento de agradecer às pessoas que tornaram o caminho da descoberta,
encontro e construção, fluido e confiante, me inspiro na poesia de Violeta para
expressar a todos minha gratidão que se faz sentimento encarnado em cada uma das
letras que compõem a palavra agradecer. O sentimento verdadeiro que todos me
fizeram sentir e que hoje tento retribuir, foi maior que qualquer problema, solidão e
cansaço. Agradeço primeiramente a Deus fonte de vida, bondade e amor! Agradecido
estou aos meus pais Maria e Vanderley que me ensinaram o amor aos pequenos.
Agradeço de forma especial à minha esposa, Hilda Maria de Jesus Toretta Zen pelo
incentivo, confiança e amor. Aos meus filhos Eliesér Toretta Zen Júnior e Yasmin de
Souza Toretta Zen por existirem e alegrarem o meu viver! Ao professor Dr. Erineu
Foerste pela confiança, incentivo e compreensão nos momentos difíceis da caminhada.
Por ter confiado neste trabalho e em mim meus sinceros agradecimentos. Se não fosse
sua compreensão como orientador não teria chegado até aqui! A todos os professores
e colegas da turma 17 do Mestrado que contribuíram para o meu aprendizado e
amadurecimento intelectual. Aos companheiros (as) da segunda turma do Curso
Pedagogia da Terra, com quem tive a oportunidade de conviver e me identificar ao
fazer este trabalho. Espero ter correspondido a toda confiança e amizade que vocês
tiveram em mim. Meu muito obrigado!
7 Violeta Parra. Volver a los 17. In Las últimas composiciones de Violeta.
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo analisar o Curso Pedagogia da Terra da
Universidade Federal do Espírito Santo em seus diferentes espaços-tempos-saberes e
sua relação com os princípios da educação no e do campo. O problema que a pesquisa
buscou compreender foi perceber como os espaços-tempos-saberes mobilizados no
Curso Pedagogia da Terra (segunda turma), contribuem para a construção da
educação do campo. Para a investigação utilizamos no decorrer da pesquisa diferentes
instrumentos metodológicos tais como: análise documental, observação, participação
nos espaços-tempos do curso, entrevistas a alunos, professores e coordenadores, que
nos possibilitaram conhecer melhor o cotidiano do curso e o movimento de formação do
professor sem-terra. As referências teóricas para análise foram fornecidas pelos
estudos de alguns pesquisadores do MST e da área de educação, bem como do
movimento nacional de luta por uma educação do campo. Os resultados revelaram, que
o Curso Pedagogia da Terra por meio de seus diferentes espaços-tempos-saberes tem
contribuído de forma peculiar para a formação do professor sem-terra e para o
fortalecimento de políticas públicas que respeitem e valorizem os saberes, a cultura e a
identidade dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo.
Palavras – chave: MST. Educação do Campo. Pedagogia da Terra. Professor Sem
Terra. Espaços-Tempos-Saberes.
RÉSUMÉ
Ce travail a pour objectif d´analyser le Cours de Pédagogie de la Terre de
l´Université Fédérale de Espírito Santo dans ses différents "espaces-temps-savoirs" et
sa rélation vis-à-vis les principes de léducation dans et sur les champs. La
problématique analysée par la recherche c´était comprendre comment les espaces
temps-savoirs abordés dans le cours Pédagogie de la Terre (deuxième groupe) peuvent
contribuer à la construction de l´éducation "du champ". On a utilisé pendant la recherche
des différents outils méthodologiques à savoir: l´analyse de documents, l´observation, la
participation dans les espaces-temps du cours, des entretiens avec les élèves,
professeurs et coordinateurs, ce qui nous a possibilité de mieux connaître le quotidien
du Cours ainsi que le mouvent de formation du professeur "Sem Terra".
Les références théoriques utilisés pour cette analyse ont été fournies par
des études de quelques chercheurs du MST et de ceux du domaine de
l´éducation du champs, aussi bien que du mouvement nationale de lutte pour
une éducation du champ. Les résultats ont montré que le Cours de Pédagogie de la
Terre à travers ses différents espaces temps-savoirs contribuent de manière très
particulière à la formation du professeur Sem-Terra ainsi comme à l´amélioration des
politiques publiques qui respectent et valorisent les savoirs, la culture et l´identité des
individus qui vivent dans les champs et y travaillent.
Mots-Clés: MST. Pédagogie de la Terre. Éducation du Champ. Espaces-Temps-
Savoirs. Professeurs Sem Terra.
LISTA DE SIGLAS
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
IPAR - Instituto de Pastoral Regional
ULTABS - União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CPT - Comissão Pastoral da Terra
TdL- Teologia da Libertação
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNER - Campanha Nacional de Educação Rural
CNEA - Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
CBPE - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
LDBEN - Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEB - Movimento de Educação de Base
CPC - Centro Popular de Cultura
MCP - Movimento de Cultura Popular
MEC - Ministério da Educação e Cultura
JUC - Juventude Universitária Católica
MEPES - Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo
PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
ENERA - Encontro Nacional de Educadores (as) da Reforma Agrária
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores
CNE - Conselho Nacional de Educação
USAID - Agency for International Development Union State
EFAS - Escolas Famílias Agrícola
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MAB - Movimento Atingidos por Barragem
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CEUNES - Coordenação Universitária Norte do Espírito Santo
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo
Origem do Tema
Certa vez alguém afirmou que toda busca que fazemos por conhecer algo ou alguma
coisa é no fundo uma tentativa de conhecer a nós mesmos. Estou aqui a pensar o que
isso tem a ver com o tema que estou investigando e com a minha história de vida. Em
que momentos os dois se encontram e percorrem juntos essa jornada? Comecemos
destacando alguns acontecimentos que marcaram a vida do sujeito pesquisador e que
contribuíram para que chegasse ao tema da pesquisa.
Alguns acontecimentos importantes em minha história pessoal foram formando o meu
modo de ser e de estar no mundo, juntamente com minhas opções e valores. O fato de
ter nascido numa família pequena e empobrecida fez com que desde muito cedo
experimentasse o drama da luta pela sobrevivência como tantos trabalhadores urbanos
e rurais. Meus pais, como muitos sem-terras, foram expulsos da roça e vieram para a
cidade engrossar as fileiras dos desempregados. A entrada no Seminário da Diocese
de São Mateus para cursar Filosofia e Teologia também foi um momento importante
nessa caminhada. No seminário pude desenvolver de forma mais intensa os valores
humanos e cristãos nos quais fui educado. Através da participação na vida de oração,
na comunidade e nos trabalhos pastorais.
O curso de Filosofia possibilitou-me o contato com uma gama de pensadores e
correntes filosóficas que ajudaram a abrir meus horizontes e alargar minha
compreensão da sociedade e do ser humano. O contato e o conhecimento da Filosofia
e Teologia da Libertação (TdL) foi outro marco importante nessa minha caminhada.
Fizeram-me repensar a minha vocação e a minha fé.
A Filosofia e a Teologia da Libertação surgem a partir da reflexão que intelectuais como
Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez e Enrique Dussel desenvolvem buscando pensar a
Filosofia e a própria Teologia a partir da realidade do oprimido e não a partir do
opressor. A Teologia da Libertação surge na década de 60 como resultado de uma
práxis de uma Igreja que opta preferencialmente e solidariamente pelos empobrecidos8.
A questão de fundo que perpassa a Teologia da Libertação consiste em pensar e viver
a fé encarnada num contexto de opressão e dominação como o é a América Latina
objetivando uma práxis libertadora. A grande inspiração que está presente na Teologia
da Libertação é buscar relacionar a libertação (social e econômica) com e sobre a
Salvação, a práxis com e sobre a fé. Procurar estabelecer uma relação entre o Mistério
de Deus e a história dos homens. Sua pergunta fundamental é: o que é Deus para um
continente empobrecido como a América Latina? Como Deus se revela aos oprimidos?
O que é ser cristão num mundo de famintos?
Podemos sintetizar em alguns pontos a contribuição que a Teologia da Libertação deu
para repensar a relação fé e vida: contribuiu a lembrar a Igreja o sofrimento dos pobres
e a interpelação que lhe lançam à conversão e à solidariedade; elaborou teoricamente a
refutação prática da religião como ópio, mostrando que nas Igrejas da América Latina
ela é e deve ser fermento de justiça; propôs a concepção de uma religião profética,
superando a idéia de uma religião mistificadora e consagradora da injustiça; procurou
tomar os empobrecidos como sujeitos principais do projeto evangelizador; deslocou o
lugar principal de elaboração teológica da academia para as Comunidades Eclesiais de
Base9.
8 É importante chamar atenção para esta expressão no sentido de que o empobrecido é aquele de quem lhe foram tiradas as condições de vida digna, aquele que foi espoliado e usurpado em sua humanidade. O trabalhador não é pobre, pois pelo trabalho de suas mãos gera riqueza, o problema é que o fruto de seu trabalho não lhe pertence. Neste sentido o empobrecido se assemelha aos sem-terra que não possuem terra para nela trabalharem e viverem por terem sido expulsos dela.9 As CEBs fizeram parte de um movimento de abertura e renovação da Igreja Católica iniciado na década de 1960 caracterizado, principalmente, pela “opção pelos pobres” por parte da Igreja e pela pregação da Teologia da Libertação. No primeiro capítulo deste trabalho será aprofundado a relação das CEBs com o MST.
As Comunidades Eclesiais de Base, por exemplo, serviram como um dos espaços onde
trabalhadores rurais sem-terra expulsos do campo se encontraram para refletir, à luz da
Palavra de Deus a realidade de opressão e exclusão a que foram submetidos pelo
sistema capitalista. Neste sentido podemos afirmar que a Teologia da Libertação (TdL)
por meio das CEBs e da Comissão Pastoral da Terra (CPT)10 contribuiu para a
organização, conscientização e luta dos trabalhadores sem-terra em prol de uma
sociedade justa e fraterna. Segundo Valadão (1999, p. 89) a CPT foi um dos
mediadores no processo de organização e luta dos trabalhadores sem-terra:
Como uma leitura crítica da realidade social, a CPT se propôs a estimular os trabalhadores à luta pela construção do reino de justiça entre os homens... O princípio pedagógico que norteia sua ação está calcado na práxis refletida e na ação concreta pensada, programada e avaliada coletivamente.
As CEBs e a CPT foram mediadoras fundamentais na construção da identidade dos
sem-terra na medida em que possibilitou aos camponeses desempregados expulsos de
suas terras a conquistarem a dignidade que antes haviam perdido, enquanto seres
humanos.
Justificativa
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Espírito Santo foi criado no final de 1999 pela
parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos
Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária-INCRA/PRONERA e Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
10 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Espírito Santo foi criada em 1976, após várias reuniões com a Arquidiocese de Vitória e a Diocese de São Mateus. Inicialmente ficou vinculada à Caritas-Vitória, desvinculando-se desta pouco tempo depois, para instalar sua secretaria regional no município de São Mateus. Seus primeiros trabalhos foram na área sindical, especialmente na formação do movimento de oposição sindical.
Podemos fundamentar a importância do Curso Pedagogia da Terra a partir de três
dimensões: a dimensão da parceria; a dimensão do processo de formação dos
professores que leve ao fortalecimento da educação do campo e a dimensão da luta
por uma sociedade justa e fraterna. Em relação aos parceiros envolvidos no projeto do
curso (citados acima) interessa fundamentar discussões para a implementação de
políticas públicas que consolidem programas de educação no\do campo, tendo como
um de seus eixos articuladores fundamentais o princípio de que o processo educativo
deve se constituir como estratégia de desenvolvimento territorial sustentável (Kolling et
all., 1999 e 2002; Arroyo e Fernandes, 1999; Benjamin e Caldart, 2000; Foerste, 2006).
Nesse sentido a parceria firmada entre MST, UFES e INCRA apresenta-se, em
princípio, como iniciativa interinstitucional concreta, enquanto projeto que busca atender
a demandas de educação no contexto rural, com o intuito de reforçar a luta pela
Reforma Agrária e da educação voltada para a realidade e os sujeitos no\do campo.
Que importância tem pesquisar um curso como esse: o Curso Pedagogia da Terra?
Que contribuição pode a Universidade oferecer para a formação dos professores do
MST? Assim como podemos perguntar o inverso: que contribuições o Curso Pedagogia
da Terra pode dar para repensarmos o processo de formação do professor na
Universidade?11 Que espaços-tempos-saberes são mobilizados no Curso Pedagogia da
Terra que contribui para o fortalecimento da educação no/do campo? A partir dessas
questões, podemos nos perguntar sobre a importância de se pesquisar um curso como
esse. A reflexão sobre essas questões poderá nos ajudar a pensar um processo
específico e alternativo de formação de professores, que contemple as reais
necessidades de uma educação voltada para a realidade no/do campo, bem como a
relação entre a Universidade e os Movimentos Sociais. Como terceira dimensão que
fundamenta a importância dessa pesquisa podemos afirmar a luta por uma sociedade
justa e fraterna.
11 Consultar o relatório final da avaliação externa do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA, 2004).
Pesquisar um curso que nasceu das necessidades vivenciadas nos diversos
acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária do MST-ES e sua contribuição
para ampliar e reforçar a luta por um novo modelo de educação e de sociedade tem
realmente uma relevância singular que vai além das palavras, tornando-se realidade no
cotidiano da vida dos sujeitos que participam desse movimento pela vida e vida plena.
Nesse sentido partimos do pressuposto de que estudar o Curso Pedagogia da Terra é
relevante em pelo menos três aspectos: na busca de uma educação comprometida com
os saberes, a cultura, os valores e os sujeitos do campo; no processo de formação dos
professores do MST e na luta pela Reforma Agrária como uma das condições
indispensáveis para a construção de uma sociedade sem exclusão social e solidária.
Problema: Como os espaços-tempos-saberes mobilizados no Curso Pedagogia da
Terra contribuem para a construção da Educação do Campo?
Objetivos: 1- Revisar a produção teórica disponível sobre o processo de formação do
professor Sem-Terra; 2- Analisar o Curso Pedagogia da Terra da Universidade Federal
do Espírito Santo - UFES em seus diferentes espaços-tempos-saberes e sua relação
com os princípios da educação do campo.
Quadro Teórico:
Nesta breve revisão teórica gostaria de destacar o aprendizado obtido em algumas
disciplinas do curso e como contribuíram para o meu crescimento como pessoa
humana e para a compreensão do tema da pesquisa. A disciplina de psicologia ajudou-
me a refletir sobre a dimensão social do psiquismo humano e do processo de
constituição da identidade não como algo estático, mas como um movimento, uma
construção sócio-histórica. A concepção da identidade como sendo um processo sócio-
histórico possibilitou-me a elaboração de questionamentos a respeito do tema a ser
investigado como, por exemplo, quais são os traços ou feições humanas que
caracterizam o professor sem-terra?
Quais os espaços-tempos-saberes que mobilizam o processo de formação do professor
sem-terra? Como seres humanos que antes eram sobrantes (Valadão, 1999),
excluídos, desfigurados em sua dignidade e humanidade passaram a ter um rosto e um
nome próprio: sem-terra (Caldart, 2000).
Na disciplina Tópicos I: Formação e Práxis Político-Pedagógica do Professor tivemos a
oportunidade de aprofundar alguns aspectos relacionados ao processo de formação e
da identidade do professor. Foram lidos, analisados e discutidos em sala de aula alguns
textos e artigos que enfocavam aspectos variados da formação e da identidade do
professor, dentre eles: A pesquisa sobre a formação de professores no Brasil – 1990 –
1998 de autoria de Marli André, onde se analisa a produção de trabalhos (dissertações
e teses) sobre a formação de professores nos programas de pós-graduação em
educação no período de 1990 a 1998, nas Universidades e Institutos de Ensino
Superior no Brasil; o texto: Estado da arte da formação de professores no Brasil de
autoria de Marli André, Regina H.S.Simões, Janete Magalhães Carvalho e Iria
Brzezinski. O texto faz uma síntese do conhecimento sobre a formação do professor
com base na análise das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-
graduação em educação no Brasil de 1990 a 1996;
No artigo intitulado: “Identidade e profissionalização docente: um retrato delineado a
partir dos periódicos nacionais” de autoria da professora Dr. Janete Magalhães
Carvalho e Dr. Regina Helena Silva Simões ao analisar a produção teórica sobre a
questão do professor como profissional, em periódicos especializados no período de
1990 a 1997, apontou na amostra pesquisada de 115 artigos sobre o tema mais amplo
da sua formação e práxis, 33 artigos dedicados à identidade e profissionalização
docente, sendo esta, portanto, a temática mais freqüente abordada nos periódicos. A
identidade do professor como temática central foi, entretanto definida através de
subtemáticas, ou seja, ela se colocou de forma multidimensional e interdimensional,
visto ser percebida como perpassada por fatores como:
proletarização/profissionalização do magistério; condições de trabalho e remuneração
dos professores; socialização para o trabalho; práticas culturais e saberes dos
professores; organização político-sindical; políticas públicas dirigidas ao professor e
questões de gênero. Enguita (1991) por sua vez aborda a questão da profissionalização
docente apontando como principal causa da crise de identidade do professor a
ambivalência da posição docente, localizada num lugar intermediário e instável entre a
profissionalização e a proletarização, no espaço de uma semiprofissão, constituindo um
grupo assalariado cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais, mas
que, submetido à autoridade de seus empregadores, busca manter ou ampliar sua
autonomia quanto à distribuição de renda, ao poder e ao prestígio.
A revisão da bibliografia nacional sobre o processo de formação e práxis-político-
pedagógica do professor realizado em algumas disciplinas do Curso de Mestrado em
Educação da UFES foi muito importante em pelo menos dois aspectos: perceber como
os (as) diferentes autores (as) tratavam da questão da formação e da práxis político-
pedagógica do professor e identificar a quase que total ausência da produção nacional
sobre o processo de formação do professor sem-terra. Isso nos ajudou a perceber que
a produção nacional sobre a formação do professor sem-terra começou a ser feita a
partir da década de 1990 quando da organização nacional do Setor de Educação do
MST e mesmo assim sendo situado na região sul do país tendo como destaque as
reflexões de Caldart (2000).
Um segundo momento importante nesse movimento de construção do sujeito-objeto na
caminhada da pesquisa foi marcado pelo estudo independente. O estudo independente
se constitui em um dos momentos fundamentais na construção do sujeito-objeto da
pesquisa em pelo menos duas dimensões: na primeira dimensão gostaria de destacar a
relação orientador-orientando (ressaltamos aqui a convivência, o diálogo, os
questionamentos, a sinceridade, a franqueza, a humildade e a empatia) que se fizeram
presentes e que contribuíram positivamente no engajamento e no envolvimento com o
tema;
Na segunda dimensão destacamos o conhecimento mais profundo sobre o objeto-
sujeito da pesquisa através da leitura, reflexão, aprofundamento de algumas obras,
entre as quais destacarmos: Cadernos de educação do MST; Boletim de Educação do
MST; Cadernos de Formação; Cadernos da Coleção: Por uma educação básica do
campo12 (números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 ); do Caderno de Subsídios: Referências para uma
Política Nacional de Educação do Campo resultado dos trabalhos realizados pelo grupo
permanente de trabalho de educação do campo e dos seguintes livros: Escola do MST:
uma utopia em construção – Valter Morigi (2003); Além da Terra: cooperativismo e
trabalho na educação do MST (Menezes Neto, 2003); Educação e campesinato: uma
educação para o homem do meio rural ( Ana Maria Speyer,1983); Pedagogia do
Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola ( Roseli Salete Caldart, 2000) ; A
formação do MST no Brasil (Bernardo Mançano Fernandez, 2000);
Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire, 1970); Educação Popular e Educação de Adultos
(Vanilda Paiva, 1987); O Cativeiro da Terra (José de Souza Martins, 1990);
Assentamentos sem-terra: a importância dos mediadores (Vanda de Aguiar Valadão,
1999); Educação Popular, Igreja Católica e política no movimento de educação de base
( Luiz Eduardo Warnderley, 1984)13. No movimento da caminhada foram pesquisadas
também as seguintes dissertações de mestrado: O Desafio da Formação: Estudo
psicossocial dos movimentos da identidade em alunos do curso pedagogia do MST de
autoria de Márcia Roxana Cruces Cuevas, Neste trabalho a autora buscou
compreender como a participação na formação acadêmica refletiu no processo de
construção da identidade dos sujeitos estudados; Ocupando a Escola: uma cartografia
das práticas educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
de Jocilene Marquesini Mongim.
12 A partir do número 4 mudou-se a terminologia de “Por uma educação básica do campo” para “Por uma educação do campo” no sentido de chamar nossa atenção para o fato de que os sujeitos do campo querem uma educação que vá além do final do Ensino Médio e também além dos limites da escola formal. 13 As referências completas dos Cadernos, livros e dissertações situam-se nas referências bibliográficas no final da dissertação.
A autora neste trabalho trata dos processos de subjetivação engendrados nas práticas
educativas escolares do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Os
Saberes do Professorado Rural: construídos na vida, na lida e na formação de autoria
de Maria do Socorro Silva defendida na Universidade Federal de Pernambuco;
Formação e Práxis dos Professores em Escolas Comunitárias Rurais – Por uma
Pedagogia da Alternância de Flávio Moreira. O autor busca analisar como as
dimensões da cultura e do imaginário social se fazem presente na comunidade escolar
(professores, pais e alunos) e interferem na práxis dos professores no âmbito da
Pedagogia da Alternância praticada nas Escolas Comunitárias Rurais de Jaguaré; O
papel sócio-político e pedagógico dos pequenos agricultores, pais e mães de alunos, na
formação continuada e na práxis dos professores das escolas comunitárias rurais
municipais de Jaquaré-ES de autoria de Nelbi Alves da Cruz; Formação e Práxis dos
Professores do Curso de Pedagogia do Pólo Universitário de São Mateus: 1995-1999 a
Interiorização no Contexto Sócio-Político do Norte do Estado do Espírito Santo de
autoria de Damián Sánchez Sánchez.
Como trabalho pioneiro nas discussões sobre educação do campo merece destaque o
trabalho de Adelar João Pizzeta: Formação e Práxis dos Professores de Escolas de
Assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo, defendida junto ao Programa
de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo em 1999
sob a orientação da professora Dr. Janete Magalhães Carvalho. O trabalho buscou
analisar a proposta pedagógica do MST no âmbito das escolas de assentamentos no
Estado do Espírito Santo, tendo como eixo norteador o processo de formação de
professores e a própria organicidade do MST. Teve a particularidade e originalidade de
ter sido elaborado por alguém que participa dos processos de luta e organização do
MST, como membro e militante, contribuindo para o resgate histórico da luta pela terra
no Estado do Espírito Santo, a partir da década de 80 e da sistematização da práxis
educacional nas escolas dos assentamentos do MST.
Foi feita também uma pesquisa em alguns periódicos nacionais entre os quais
destacamos: Cadernos de Pesquisa; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos;
Educação e Sociedade; Revista Brasileira de Educação. Escolhemos esses periódicos
por considerá-los de maior circulação. Buscamos produções a partir de 1990 sobre o
processo de formação dos professores do MST, bem como sobre a educação do
campo. Entre os textos que abordam a questão da educação do campo e da formação
do professor sem-terra e que contribuíram para nossa investigação podemos destacar:
Pessoa (1999), Ribeiro (2001) e Beltrame (2002).
Pessoa (1999) busca mostrar que além de incorporar a terra ao seu processo de
reprodução como categoria social, pode-se atribuir aos trabalhadores sem-terra uma
identidade diferenciada, por estar construindo uma nova dinâmica em termos de
produção e de transmissão do saber. Segundo Ribeiro (2001), podemos visualizar
alguns desafios que o trabalho cooperativo desenvolvido pelos agricultores assentados
está apontando para a educação básica e, em particular, para o ensino fundamental.
Finalmente, Beltrame (2002) discute a experiência de professores (as) das escolas de
assentamentos organizadas pelo MST, no oeste catarinense. Este estudo possibilitou a
apreensão de aspectos significativos do universo cultural dos sujeitos, destacando as
relações construídas na vida familiar, no desempenho da profissão e na participação
política no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Destacamos também debates realizados no XII Encontro Nacional de Didática e Prática
de Ensino - ENDIPE,14 realizado em Curitiba/PR, em 2004. Os ENDIPE’s são realizados
regularmente a cada dois anos e vêm se constituindo crescentemente em um fórum
nacional de discussões sobre educação, com a participação de profissionais do ensino
nos diferentes níveis. Tem como finalidade divulgar o conhecimento sistematizado
14 O primeiro ENDIPE foi realizado no ano de 1982, contando com a participação de 60 profissionais da educação, com o objetivo de revisar os conteúdos das áreas da Didática e Prática de Ensino de forma a contextualizá-los a partir dos determinantes sócio-político, econômico e cultural do país. Esse movimento se fortaleceu de maneira a agregar nos últimos encontros, um público com mais de 3.000 (três mil) participantes. Atualmente é um dos maiores eventos de caráter científico na área de Educação, em que acumulou nessa trajetória uma vasta produção de conhecimento, em ciruculação no país, com divulgação em outros países.
historicamente e discutir questões do ensino, pesquisa e extensão, incluindo temáticas
relativas ao campo do currículo, da comunicação e informação e da formação de
professores etc. O ENDIPE é, portanto, um espaço privilegiado de socialização do
conhecimento, de troca de saberes, de perspectivas e questionamentos para novas
investigações. Neste sentido analisamos alguns textos publicados nos anais impressos
e digitais (CD – ROM) e que contribuíram para estabelecer um diálogo crítico com
outros interlocutores sobre a possibilidade de construção de uma educação do campo.
Entre os trabalhos discutidos no evento destacamos: Souza (2004), Chassot (2004),
Santos (2004) e Foerste (2004) 15. Em seu estudo, Souza (2004) objetiva evidenciar
aspectos da trajetória da Educação Rural e da Educação do Campo, focalizando
dimensões da política educacional brasileira e busca responder ao seguinte
questionamento: quais as configurações existentes na Educação do Campo neste início
de século? Para Chassot (2004) há saberes populares no contexto da educação do
campo que precisam ser investigados tendo em vista sua legitimação como saberes
escolares. O texto de Santos (2004) busca refletir sobre o Projeto Político Pedagógico
da Escola Cabana em Belém/PA no período de 1997 a 2001. A autora destaca que a
Escola Cabana organiza a Educação Fundamental em Ciclos de Formação, o que
objetiva um rompimento com a lógica fragmentada do processo pedagógico e a
flexibilização dos tempos de aprender-ensinar-desenvolver para possibilitar uma
formação global e humanizadora. Em suas pesquisas Foerste (2004) identifica na
formação de professores sem-terra possibilidades concretas de fortalecimento de lutas
pela profissionalização dos professores na perspectiva da indissociabilidade entre os
saberes acadêmicos e saberes da experiência docente.
15 Em 2004 identificamos quatro trabalhos que foram publicados a respeito da experiência de formação de professores sem-terra na parceria da Universidade Federal do Espírito com o MST. Consultar: a) FOERSTE, Erineu et al. Pedagogia da terra; uma avaliação da experiência da Universidade Federal do Espírito Santo (reltório final de pesquisa). Vitória/Brasília: UFES/PRONERA/MST, 2004; b) FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit. Professores sem-terra e universidade: qual parceria? In: ANDRADE, Márcia Regina et al. Educação na reforma agrária em perspectiva; uma avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. São Paulo/Brasília: Ação Educativa/PRONERA, pp. 211 – 228, 2004; c) FOERSTE, Erineu. Professores sem-terra e universidade: Qual parceria? Anais do II Simpósio de Pesquisa em Educação. Vitória: PPGE/UFES, 2004b.
Uma análise da produção acadêmica feita nas reuniões anuais da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd16 possibilitou identificar em
produtos de pesquisa, tanto nos anais impressos como digitalizados (CD – ROM e site).
Os GTs temáticos constituem núcleos disseminadores de informações sobre suas
temáticas específicas, atuando durante todo o ano e nas reuniões anuais da ANPEd.
Neste sentido destacamos alguns textos dos Grupos de Trabalho - GTs (3, 4, 5, 6, 8 e
12) dos anais das 27ª e 28ª Reuniões Anuais da ANPEd: Paiva (2004), Foerste (2004),
Viana (2004), Martins (2004), Barreto (2005), Cavaleiro (2005), Nascimento (2005),
Silva (2005), Fernandes (2005), Foerste (2005b)17, Vieira (2005), Almeida (2005),
Batista (2005), Brand (2005), Falkembach (2005), Marcon (2005), Almeida (2005) e
Terrazan (2005). Um aspecto a ser destacado neste levantamento de produções da
ANPEd sobre a temática da educação do campo e da formação de professores é um
aumento significativo de trabalhos discutidos durante o ano de 2005. Observamos um
movimento nacional no âmbito acadêmico de mobilização investigativa para a
construção coletiva de referenciais teóricos e práticos para uma educação do campo
diferenciada.
16 A ANPEd foi fundada em 1976 graças ao esforço de alguns Programas de Pós-Graduação da área de Educação. Em 1979, consolidou-se como sociedade civil e independente, admitindo pesquisadores e estudantes de pós-graduação em educação. As atividades da associação estruturam-se em dois campos: o Fórum de Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Educação, sócios institucionais da ANPEd; e os Grupos de Trabalho – GTs temáticos, os quais congregam pesquisadores de áreas de conhecimento especializado da educação. A ANPEd tem como objetivo geral o desenvolvimento e a consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área da Educação no país.17 Em 2005 identificamos dois trabalhos que foram publicados a respeito da experiência de formação de professores sem-terra na parceria da Universidade Federal do Espírito com o MST: FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ, Gerda Margit. Professores de assentamentos do MST e Universidade: Parceria entre movimento social e academia. Anais do VII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. Belo Horizonte: ANPEd/Região Sudeste, 2005; b) FOERSTE, Erineu. Pädagogik dês Landes: eine qualitative Bevertung dês Zusammenarbeit zwischen der “Bewegung Landloser Bauern”//Movimento Sem-Terra und der Universität. Anais do Painel Brasileiro-Alemão de Pesquisa/IV Fórum Internacional de Investigação Qualitativa. Juiz de Foera: PPGE/UFFJ, 2005a. Cabe ressaltar que já se encontra no prelo o texto: FOERSTE, Erineu & SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit. Discussões acerca do projeto político da educação do campo. In: FOERSTE, Erineu, SCHÜTZ-FOERSTE, Gerda Margit & SCHNEIDER, Maria Laura. Por uma educação do campo (Caderno nº 6). (no prelo).
Metodologia:
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa não pretendeu ser uma
camisa de força na qual o objeto deveria se enquadrar previamente. Os instrumentos
de coleta e análise de dados, tais como: entrevistas, análise de relatórios, da grade
curricular do curso e de aulas de professores, cadernos de reflexão dos alunos,
caderno de memória da segunda turma, não pretenderam esgotar a possibilidade e
riqueza do que se é produzido no Curso Pedagogia da Terra – UFES em seus
diferentes espaços-tempos-saberes nem tampouco absolutizar o olhar do iniciante-
pesquisador. Há muito há ser pesquisado ainda e muita riqueza a ser encontrada.
Buscamos, pelo contrário, uma aproximação com o objeto de estudo de tal forma que
ele se revelasse a nós em seus diferentes momentos formativos.
O próprio sujeito ao se aproximar do objeto não foi armado a fim de enquadrá-lo em sua
pretensa metodologia; o que não significou que fomos neutros ao encontro do objeto. É
justamente no momento em que o pesquisador se aproxima do objeto de estudo não
como alguém que detém a verdade sobre ele e quer enquadrá-lo em sua teoria, mas
como alguém que quer compreendê-lo em seu movimento, em sua historicidade, em
seus diferentes espaços-tempos-saberes que se pautou o desenvolvimento da
pesquisa. Foi na convivência, no diálogo, na parceria e na trajetória com os sujeitos-
objetos da pesquisa que buscamos a construção do caminho percorrido. Sujeito
pesquisador e sujeito-objeto-pesquisado não constituem, relações fragmentadas e
hierarquizadas; mas juntos se constituem à medida que ambos se fecundam
mutuamente. Tanto o sujeito-objeto fala ao pesquisador-iniciante quanto o sujeito-
pesquisador-inciante fala ao sujeito-objeto-pesquisado. E foi nessa relação amorosa e
dialógica entre ambos é que se pautou o movimento de desenvolvimento da pesquisa.
Buscamos dessa forma realizar um levantamento e análise dos diferentes materiais
disponíveis sobre o Curso Pedagogia da Terra – UFES, como, por exemplo, atas de
reuniões, pareceres, relatórios e outros que contribuíram para o desenvolvimento da
pesquisa; participamos das aulas onde pudemos realizar observações no diário de
campo; vivenciamos a dinâmica da organização dos espaços-tempos-saberes do curso,
dos trabalhos, das aulas, das místicas, enfim de todo o processo educativo e formativo
do professor sem-terra; diagnosticamos condições de infra-estrutura física e acadêmica
do ambiente em que se realiza o curso; registramos por meio de entrevistas semi-
estruturadas e fotos a percepção de professores e alunos sobre o curso em seu
processo de criação, gestão e desenvolvimento. Como fonte importante para o
desenvolvimento de nossas investigações contamos com o auxílio do Banco de dados
da pesquisa de “Avaliação do PRONERA” (Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária). A pesquisa do PRONERA sobre a avaliação do Curso Pedagogia da
Terra – UFES forneceu dados importantes para o aprofundamento do tema a ser
investigado nos aspectos relativos ao funcionamento do curso, aos alunos (as) que
participam do curso, aos professores (as) que lecionam no curso, aos coordenadores,
ao projeto político-pedagógico do curso e outros. Vale ressaltar aqui os gráficos que se
encontram no Relatório Final de Avaliação do Curso Pedagogia da Terra – UFES,
contém informações sobre vários aspectos relacionados ao Curso Pedagogia da Terra.
Além disso, o PRONERA possui algumas publicações sobre Educação do Campo,
como, por exemplo, os cadernos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Por uma Educação Básica do Campo
produzidos com a participação de várias organizações sociais e com o apoio de
diversas instituições e Universidades, entre elas: a CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil); Universidade de Brasília – Unb e a Universidade Federal do Espírito
Santo – UFES; INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Conta
também com uma página na Internet (www.pronera.gov.br) com vários artigos,
dissertações e teses sobre a questão da Educação do Campo. Alguns desses materiais
foram consultados e contribuíram significativamente para o desenvolvimento da
pesquisa. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas gravadas com professores da
Universidade, que ministraram atividades ao longo do curso para a segunda turma; com
a coordenadora do curso, com os coordenadores do curso no MST, com os alunos (as)
da segunda turma do curso e outros sujeitos que se fizerem necessários durante o
desenvolvimento da pesquisa. As entrevistas gravadas foram transcritas para posterior
análise; adotamos o diário de campo, onde o pesquisador-iniciante foi registrando as
impressões pessoais subjetivas e dados que julgou pertinentes aos objetivos do estudo.
Estrutura da Dissertação:
O primeiro capítulo traz como tema norteador: a luta pela terra no Brasil e o nascimento
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Neste capítulo procuramos
identificar na história do Brasil os principais movimentos que antecederam o MST na
luta pela terra. Trazemos alguns dados da brutal concentração de terras no Brasil com
base nos estudos feitos pelo IBGE e por alguns autores, entre eles, Moura (2000),
Martins (1990) e da violência praticada contra aqueles (as) que lutaram para derrubar
as cercas do latifúndio e da exclusão social. O segundo capítulo tem como tema: a
educação do campo no contexto da educação brasileira e os seguintes objetivos:
identificar na história da educação brasileira, sem a intenção de aprofundar, os
movimentos de luta em prol de uma educação popular libertadora; ao mesmo tempo
problematizar e criticar o projeto dual de educação que vigorou no Brasil: uma
educação para a elite e uma educação para o povo.
O terceiro capítulo tem como título: o movimento de luta por uma educação do campo e
as matrizes pedagógicas da educação do campo. Tem como objetivo fundamental
identificar e refletir sobre as matrizes pedagógicas da educação do campo e relacioná-
las com o processo de formação do professor sem-terra. Também busca recuperar a
história coletiva da luta por uma educação do campo, que começou oficialmente com a
I Conferência Nacional: Por uma educação do campo e culminou com o I Encontro do
PRONERA da Região Sudeste realizado em Vitória capital do Espírito Santo em 2004.
O quarto e último capítulo da dissertação traz como tema: Pedagogia da Terra: a
formação do professor sem-terra. Temos como objetivo fundamental identificar, analisar
e refletir a partir da vivência, dos documentos do curso (grade curricular, programas de
disciplinas, plano de aula, caderno de memória da segunda turma, cadernos de reflexão
dos alunos), das entrevistas realizadas a alunos, professores e coordenadores, os
espaços-tempos-saberes do movimento de formação do professor sem-terra.
CAPÍTULO I
A LUTA PELA TERRA NO BRASIL E O NASCIMENTO DO MST
“Lavrar a terra, lavrar a vida”. Roseli Salete Caldart
O objetivo fundamental deste primeiro capítulo consiste em identificar na história do
Brasil os movimentos que antecederam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra na luta pela terra e nela pela sobrevivência. Também tem como finalidade
questionar a histórica concentração da terra em nosso país, bem como a violência
praticada contra os sem-terra. O Brasil é um país-continente com 600 milhões de
hectares de terras cultiváveis. Desse total, 362 milhões de hectares estão nas mãos
dos grandes fazendeiros, que representam apenas 2% dos proprietários rurais. Os 98%
restantes, cerca de 4,5 milhões de pessoas, são os pequenos proprietários. A terra vem
sendo mal distribuída desde 1530, quando foram criadas as capitanias hereditárias e as
sesmarias, que deram origem aos latifúndios modernos. De acordo com o dados do
Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
nos últimos dez anos a área ocupada por imóveis rurais era de 353 milhões de
hectares, divididos em 4,8 milhões de propriedades. Dessas propriedades, 49% tinham
menos de 10 hectares, ocupando 2,2 % da área. Nesse mesmo período, as
propriedades com mais de 1000 hectares representavam apenas 1% do total de
propriedades rurais, ocupando 45% da área. Assim Moura (2000, p. 91) afirma:
a área total dos latifúndios brasileiros (mais de 4 milhões de quilômetros quadrados) só é menor que a superfície de cinco países: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos e ex-URSS. Os 27 maiores detentores de terras e latifúndios no país concentram um total de 25,5 milhões de hectares, área equivalente à superfície do Estado de São Paulo. Essa área corresponde a 250 mil quilômetros quadrados e é maior que 101 países.
Ainda segundo este autor os 79 detentores de 276 imóveis rurais superiores a 200 mil
há (45 pessoas físicas e 34 jurídicas) ocupam uma área de 38,9 milhões de hectares, o
que dá em média para cada um quase meio milhão de hectares.A área total
correspondente a 389 mil quilômetros quadrados é maior do que 117 nações do
planeta. A concentração da propriedade da terra em níveis tão altos, um traço histórico
da realidade social do Brasil, vem acompanhada da violência. A violência é uma arma
permanente da qual se recorrem os latifundiários. A violência se manifesta na
destruição de roças, na invasão de lares, na tortura, no trabalho escravo, estupro de
camponesas, intimidação e assassinatos individuais ou de grupos de trabalhadores no
campo. Para isto recorrem a pistoleiros profissionais, capangas, ou mesmo criminosos
comuns. No período que vai de 1985 a 1999, foram assassinadas 1.169 pessoas entre
lideranças de trabalhadores, religiosos, sindicalistas, advogados de trabalhadores,
deputados e outras. Em relação a esses crimes, apenas 58 pessoas foram incriminadas
e julgadas; dessas, somente 11 foram condenadas enquanto 47 foram inocentadas,
apesar das provas; dos 11 condenados, só 3 continuam presos. (MORRISAWA, 2001).
O IPAR (Instituto de Pastoral Regional) através da reportagem “a questão fundiária no
Brasil” publicada na Revista Teológico-Pastoral - Amazônia em Outras Palavras,
denuncia a absurda concentração de terras no Brasil. Fazendeiros, madeireiros,
plantadores de soja, acobertados pelo discurso da produtividade, avançam sobre as
terras públicas, sobre territórios ocupados por populações tradicionais – indígenas,
ribeirinhos e posseiros. Dados como esses revelam a dupla face da questão da terra no
Brasil: por um lado a brutal concentração expressa na imensa estrutura latifundiária que
perpassa a história de nosso país, conjugada com a violência praticada contra aqueles
que lutam para derrubar as cercas do latifúndio e da exclusão social.Podemos afirmar
como Moura (2000) que a situação fundiária no Brasil tem as seguintes características:
1-Intensa concentração fundiária; 2-Existência do trabalho escravo e semi-escravo
nesses latifúndios e 3-Violência sem limites para manter sob controle o
descontentamento e o protesto camponês.
E devemos acrescentar uma quarta característica: a impunidade. A impunidade é um
mecanismo acionado através de pressões políticas e econômicas. A Justiça não existe
no campo. Juízes venais, máquina judiciária viciada, interesses pessoais dos próprios
juízes e suas famílias determinam que praticamente a Justiça não exista. Um olhar
atento sobre a nossa história enquanto nação nos remete aos Períodos Colonial e
Imperial, onde o modelo agrário brasileiro era fundamentado na grande propriedade
escravista voltada para a exportação. José de Souza Martins (1990, p.13) afirma que o
trabalho livre, onde a figura do colono substitui a figura do escravo, na segunda metade
do século XIX, deve ser entendido como uma:
Transformação das relações de produção como meio para preservar a economia colonial, isto é, para preservar o padrão de realização do capitalismo no Brasil, que se definia pela subordinação da produção ao comércio. Tratava-se de mudar para manter.
A economia colonial caracterizava-se pela predominância do comércio na determinação
das relações de produção. Nesta forma de organização, o próprio trabalhador escravo
entrava no processo como mercadoria, já que, antes de ser produtor direto, tinha que
ser objeto de comércio, ou seja, o trabalhador escravo tinha que produzir lucro antes de
começar a produzir mercadorias. Além disso, o escravo representava uma mercadoria
importantíssima na medida em que a terra sem o trabalho não gerava riqueza. Portanto
o trabalho que era exercido pelo escravo era de fato o gerador de toda a riqueza para o
latifundiário e isso explica em grande parte o valor que os fazendeiros pagavam na
compra dos escravos em sua maioria negros vindos do continente africano. Ao analisar
a economia cafeeira da segunda metade do século XIX e início do século XX, Martins
(1990, p.18) afirma:
[...] as transformações das relações de produção têm menos a ver, num primeiro momento, com as modificações no processo de trabalho da fazenda de café e mais a ver com modificações na dinâmica de abastecimento da força de trabalho de que o café necessitava.
A partir do momento em que não interessava mais ao desenvolvimento do capitalismo a
escravidão, o escravo vai aos poucos sendo substituído pelo imigrante europeu, por
meio do colono ou do regime do colonato18. Essa mudança não implicou, simplesmente,
a transformação da condição jurídica do trabalhador, mas a transformação do próprio
trabalhador, produzindo-se, assim, uma força de trabalho mais adequada às
necessidades do capital e ao lugar que o Brasil19, como país dependente da Inglaterra,
ocupava nesse contexto. Sendo assim, as novas relações de produção, fundadas no
trabalho livre do colono imigrante dependiam de novas formas de legitimação e
subordinação, de modo que “[...] a exploração da força de trabalho fosse considerada
legítima, não mais apenas para o fazendeiro, mas também pelo trabalhador que a ela
se submetia” (MARTINS, 1990, p. 18).
Dessa forma estava justificado para o trabalhador livre, ou seja, o colono, as relações
capitalistas de produção e com elas a exploração e a expropriação de seu trabalho,
sem as quais o capitalismo não sobrevive. Enquanto o trabalho escravo se fundava na
vontade do senhor, o trabalho livre devia basear-se na vontade do trabalhador e na
aceitação legítima da exploração pelo capital. Nessas relações, portanto, não havia
lugar para o trabalhador que aceitasse a liberdade como negação do trabalho, como
era o caso do escravo, mas apenas para o que considerasse o trabalho como uma
condição de liberdade. Com a abolição da escravatura era necessário, portanto,
encontrar uma outra forma de renda capitalizada para a economia cafeeira.
18 Relação de trabalho em que os imigrantes europeus recebiam, por contrato, cada qual uma área do cafezal, em geral cinco mil pés de café, para cuidar e colher. Por esse contrato, toda a família do colono, inclusive as crianças, estavam envolvidas como força de trabalho. Toda a produção deveria ser entregue ao fazendeiro. Os colonos recebiam em troca um pagamento em dinheiro, uma casa para morar e uma pequena área de terra onde podiam fazer suas roças e criar animais para subsistência e para vender.19 A abolição da escravatura no Brasil e no Mundo está relacionada com a mudança, em âmbito mundial, da economia do eixo mercantilista para o eixo industrial. No Brasil, entretanto, somente a partir da década de 30 do século XX é que se pode perceber algum esforço mais significativo em direção à industrialização do País. De qualquer forma, todas essas transformações culminaram com a abolição da escravatura e a entrada de uma grande massa de imigrantes europeus no país foram fundamentais para a criação de condições de construção de relações capitalistas de produção baseadas nos princípios liberais.
Além disso, era preciso construir novas formas de sujeição ao trabalho, o que poderia
ser dificultado pela existência de grandes áreas de terras devolutas no Brasil, que
poderiam simplesmente ser ocupada pelos escravos recém-libertos ou imigrantes que
chegavam ao país. Com o objetivo de resolver estas questões, foi criada a “Lei de
Terras”, em 1850, que institui a compra e venda como únicos mecanismos de acesso
às terras e cria novas formas de garantir o crédito hipotecário. Seguindo essa análise,
Martins (1990, p.32) afirma:
Combinavam-se de novo, sob outras condições históricas e, portanto, de outra forma, aparentemente invertidos, os elementos de sustentação da economia colonial. A renda capitalizada no escravo transforma-se em renda territorial capitalizada: num regime de terras livres o trabalho tinha que ser cativo; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa.
Dessa forma podemos perceber que a abolição da escravatura não representou
realmente a libertação do negro e a melhoria das condições de sua existência e sim
uma nova forma de sujeição do trabalhador, tanto o negro, agora “livre”, quanto o
colono imigrante, aos mecanismos de exploração capitalista; nesse processo podemos
perceber também como a terra vai sendo privatizada impossibilitando ao negro e ao
colono o acesso a ela. A “Lei de Terras” promulgada em 1850 ao estabelecer como
único critério de acesso a terra a compra impossibilitava que aqueles que não tinham
dinheiro para comprá-la pudessem adquiri-la, portanto, na prática o negro e o colono
estão excluídos do acesso a ela. Com a nova Lei, determinou-se a transferência de
terras devolutas do patrimônio da União para o patrimônio dos Estados e proibiu-se a
abertura de novas posses, ficando também proibidas as aquisições de terras devolutas
por outro título que não fosse o da compra. Sendo assim, a “Lei de Terras” de 1850,
[...] transformava as terras devolutas em monopólio do Estado e o Estado controlado por uma forte classe de grandes fazendeiros. Os camponeses não-proprietários, os que chegassem depois da Lei de Terras ou aqueles que não tiveram suas posses legitimadas em 1850, sujeitavam-se, pois, como assinalaria na época da Abolição da escravatura um grande fazendeiro de café e empresário, a trabalhar para a grande fazenda, acumulando pecúlio, com o qual pudessem mais tarde comprar terras, até do próprio fazendeiro (Idem, ibidem).
Sendo assim, a “Lei de Terras” representou na prática a união entre o capital e a
propriedade privada da terra, transformando-a numa mercadoria que somente alguns
poucos poderiam ter acesso.
1.1 As origens Camponesas do MST
José de Souza Martins (1990) afirma que apesar de a grande maioria da população
brasileira ser camponesa até pelo menos a segunda metade do século XX, o
campesinato foi considerado como um resquício de um passado feudal que deve ser
esquecido, como se fosse parte de um outro modo de produção. O campesinato
produz-se com a expansão das relações capitalistas de produção no campo. É fruto do
conseqüente processo de expropriação forjado na luta pela terra. Não é um camponês
que não quer “entrar na terra”, pois nunca a teve, devido aos diversos mecanismos de
concentração de terra existentes no país desde o Período Colonial, como já vimos
anteriormente. Assim, nosso camponês não é um “enraizado” preso a terra, mas, ao
contrário,
[...] o camponês brasileiro é um desenraizado, é migrante, é itinerante. A história dos camponeses posseiros é uma história de perambulação. [...] Tanto o deslocamento do posseiro quanto o deslocamento do pequeno proprietário são determinados fundamentalmente pelo avanço do Capital sobre a terra (MARTINS, 1990, p. 17).
A história das lutas camponesas consiste na recusa desse lugar a quem não é
convidado, a quem não sabe como ou não quer participar das grandes decisões
políticas do Brasil; é uma luta pelo seu pertencimento e enraizamento a terra e nela por
melhores condições de vida! É um processo de luta contra um sistema que os exclui e
os desumaniza, desfigurando o ser do camponês, a sua identidade, os seus valores, a
sua cultura. Como afirma Fernandez (2000), a história do Brasil é a de um campesinato
progressivamente insubmisso, primeiramente, contra a dominação pessoal de
fazendeiros e “coronéis”; depois, contra a expropriação territorial efetuada por grandes
proprietários, grileiros e empresários; e já agora, também contra a exploração
econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista.
Nesse sentido podemos identificar na história do Brasil alguns movimentos que foram
fundamentais nesta luta camponesa pela terra, que vai desde o famigerado
“descobrimento” até aproximadamente a metade do século XX. Segundo Fernandes
(2000) a luta pela terra no Brasil não é recente, datando do período colonial, com os
povos nativos na defesa de seu território contra as “entradas” e “bandeiras”,
patrocinadas pelo governo português e por fazendeiros da época. Nesse sentido a luta
pela terra começou com a resistência dos nativos contra o genocídio histórico. A caça
aos aborígines para escravizá-los teve diversos movimentos de resistência, como por
exemplo: a Confederação dos Tamoios e a Guerra dos Potiguaras. Outra grande luta
contra a escravidão aconteceu onde hoje é a região fronteiriça do Sul do Brasil com a
Argentina, Paraguai e Uruguai. Nestas terras, disputadas por Portugal e Espanha,
foram construídas as missões religiosas pelos padres jesuítas. Em terras comuns
viveram os Trinta Povos Guaranis, onde cada povoado chegou a ter entre 1500 a 12 mil
nativos. Atacados constantemente pelos bandeirantes e pelo exército de Espanha e
Portugal, os povos guaranis resistiram até o limite de suas forças. Segundo Morissawa
(2001, p. 60) em 1756, ocorreu o massacre brutal e derradeiro que culminou com a
morte de seu líder Sepé Tiaraju,
...Quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, em 1750, a região onde hoje se situa o Rio Grande do Sul passou para o domínio de Portugal. Pelo acordo, todos os habitantes da região deveriam transferir-se para o outro lado do rio Uruguai, que pertencia à Espanha. Os guaranis se recusaram a deixar suas terras, onde plantavam e criavam gado, e deram início a uma guerra que durou de 1753 a 1756. O líder guarani dessa guerra foi Sepé Tiaraju, um cacique educado pelos jesuítas e que, em carta aos inimigos, deixou clara a decisão de seu povo de não deixar a terra. A resistência contra as tropas portuguesas e espanholas durou até a exaustão, em fevereiro de 1756, quando Sepé e outros 1.500 guerreiros foram massacrados.
Símbolo da luta pela terra e contra a escravidão foram os quilombos. Segundo
Fernandes (2000, p.26) :
Os quilombos foram espaços de resistência e para se defenderem os quilombolas também atacavam engenhos e fazendas da região. Palmares foi o maior quilombo. Localizava-se na Zona da Mata, a cerca de 70 quilômetros do litoral. Era um conjunto de povoados socialmente organizados que formou a União dos Palmares. Nessas terras os palmarinos cultivavam suas roças de milho, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, criavam galinhas, caçavam e
pescavam. Estima-se que por volta de 1670, perto de 20 mil pessoas viviam nessa região. Ganga Zumba e Zumbi foram seus principais líderes. De 1602 a 1694, Palmares resistiu, quando o exército do bandeirante Domingos Jorge Velho, enfrentou e destruiu o exército de Zumbi, aniquilando o território de palmares.
Essas lutas ganharam impulso no final do século passado e acabaram influenciando e
inspirando o nascimento das principais lideranças do MST. A primeira delas ocorreu no
sertão da Bahia, na região de Canudos, entre os anos de 1870 e 1897, tendo como
líder Antônio Conselheiro, derrotado depois de brutais incursões das tropas federais.
Para Fernandes (2000) a Guerra de Canudos foi o maior exemplo da organização de
resistência camponesa no Brasil. Conselheiro e seus seguidores instalaram-se na
fazenda Canudos em 1893 e passaram a chamar o lugar de Belo Monte. A organização
econômica se realizava por meio do trabalho cooperado, o que foi essencial para a
reprodução da comunidade. Todos tinham direito a terra e desenvolviam a produção
familiar, garantindo um fundo comum para uma parcela da população, especialmente
os velhos e desvalidos, que não tinham como viver dignamente. Em Canudos viveram
aproximadamente 10 mil pessoas. Segundo Moura (2000, p.47):
Os grandes proprietários de terras e as estruturas de poder que os representavam saíram vitoriosos... O liberalismo republicano num pacto com as oligarquias latifundiárias destruiu até o último homem os habitantes de Canudos que ousaram pôr em execução um projeto de sociedade igualitária e de comunitarismo rústico, mas capaz de satisfazer os seus desejos e necessidades.
Acusados, falsamente, de defender a volta da monarquia, foram atacados por
expedições militares de quase todo o Brasil. Mais de cinco mil soldados combateu
contra os sertanejos de Conselheiro. De outubro de 1896 a outubro 1897, os ataques
do exército foram enfrentados e refreados até o cerco completo e o massacre do povo
de Canudos. Como bem afirmou Moura (2000) era preciso sufocar e massacrar
Canudos, pois a sua vitória representaria a possibilidade de criar um outro modelo de
sociedade.
Esta era a contradição entre os dois modelos de sociedades que se defrontaram: de um
lado Canudos que desenvolvia um tipo de sociedade comunitária e solidária, embora as
suas forças produtivas fossem ainda rudimentares e a outra tecnologicamente muito
mais “evoluída”, mas cujo modelo era a exploração do trabalho da maioria dos seus
membros pelos latifundiários. Outro movimento importante de luta pela terra aconteceu
na região do Contestado, divisa do Paraná com Santa Catarina entre os anos de 1912 e
1916. Liderado pelo Monge José Maria, milhares de camponeses lutaram e
derramaram seu sangue pela conquista da terra. Esses conflitos fazem parte da
primeira fase de lutas pela terra no Brasil, no período republicano, sendo seguidos por
outras formas de combates em momentos posteriores. Além dos conflitos citados até
aqui, podemos identificar conforme nos aponta Bezerra (1999) e Fernandes (2000) um
segundo momento de lutas pela terra que tiveram um caráter violento, com a utilização
de milícias armadas, entre as quais destacam-se: a luta dos posseiros de Teófilo Otoni
em Minas Gerais que perdurou de 1945 a 1948.
Na região de Minas Gerais, desde o início da década de 40, os posseiros enfrentaram
fazendeiros interessados nas terras da construção da rodovia Rio-Bahia. Para formar
as fazendas, os fazendeiros impuseram aos posseiros a condição de derrubar a mata
para a formação de pastos, e só poderiam plantar para a subsistência. A Revolta de
Dona “Nhoca”, no Maranhão é outro símbolo de luta pela terra. Segundo Fernandes
(2000) de 1950 a 1960 muitas famílias sem-terra migraram para a região, que se
transformou em grande produtora de arroz. Chegaram os grileiros, constituíram a elite
local e assumiram o poder político da região. Alianças políticas, entre prefeitos,
governadores e grileiros, formaram o pacto da grilhagem das terras do oeste
maranhense. Desde essa época teve início os conflitos entre grilheiros e posseiros que
transformaram a região em uma das mais violentas do Brasil, com intensos conflitos por
terra e de contínua resistência dos camponeses. Ainda de acordo com Fernandes
(2000) a Revolta de Trombas e Formoso, marcou a luta pela terra no estado de Goiás.
Trombas e Formoso eram dois povoados localizados no município de Uruaçu. Esses
povoados foram atacados por jagunços e pela Polícia Militar.
No final da década de 50, toda a região estava organizada e dominada pelos posseiros.
Fundaram a Associação dos Lavradores de Formoso e Trombas, elegeram José
Porfírio a deputado estadual, em 1962, fortalecendo o movimento e conquistando
espaço político para negociar com o governo a manutenção da posse da terra. Criaram
o município de Formoso e a região da resistência tornou-se território dos camponeses.
Com o golpe de 1964, muitos líderes foram presos e torturados. José Porfírio refugiou-
se em Balsas, no Maranhão. Descoberto pela Polícia Federal, retorna para a região de
Trombas e Formoso e passa a viver na clandestinidade. Foi preso em 1972 e solto em
7 de junho de 1973. Dois dias depois desapareceu. Suspeita-se de seqüestro e
assassinato. No Espírito Santo merece destaque como símbolo de luta pela terra o
massacre dos camponeses de Ecoporanga no Estado do Espírito Santo.
Conforme estudos realizados por Fernandes (2000) nesse mesmo período, entre os
vales dos rios Mucuri e Doce, no Espírito Santo, ocorreram vários conflitos, onde muitos
camponeses foram assassinados pela Polícia Militar e jagunços. Nessa região está
localizado o município de Ecoporanga. No final da década de 40, a região era
contestada pelos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Essas terras estavam
ocupadas por posseiros e passaram a ser disputada por fazendeiros e grileiros, que
procuravam tirar vantagem daquela situação indefinida. A fonte da violência era a
aliança entre o governo estadual e os latifundiários-grileiros, que promoveram uma
intensa guerra contra os posseiros, com o objetivo de se apropriarem das terras
daquela região. Neste sentido, Dias (1984, p. 77) em sua obra Massacre em
Ecoporanga, relata através das vozes, dos conflitos, das torturas e da própria vida dos
posseiros, meeiros, camponeses dos povoados de Cotaxé, Estrela do Norte e Itapeba,
a luta pela terra:
Acendeu-se a luta: sucediam-se os espancamentos, prisões, assassinatos de posseiros. O atual deputado Osvaldo Zanello, então secretário do Governo, enviou para a região o tenente Jadir Resende com a incumbência de tirar pela força os posseiros. De uma vez prendeu 40 deles. Estas recordações estão bem vivas na memória de quantos ali residem e nos foram relatadas por um dos mais antigos líderes dos posseiros de Cotaxé. A luta havia se acendido, os lavradores começaram a se organizar.
A realização do I Congresso Estadual dos Lavradores em 1957 em Belo Horizonte e do
II Congresso Estadual dos Lavradores em 1962, realizado em Vitória, reunindo
representantes de todos os municípios do Estado do Espírito Santo, foram importantes
na organização e na luta dos camponeses pela Reforma Agrária. Como medidas
fundamentais e indispensáveis para a solução da questão da Reforma Agrária o II
Congresso Estadual dos Lavradores apresentou as seguintes resoluções:
Radical transformação da atual estrutura agrária do país, com a liquidação do monopólio da propriedade da terra, principalmente com a desapropriação, pelo Governo Federal, dos latifundiários, substituindo-se a propriedade monopolista da terra pela propriedade camponesa, em forma individual ou associada, e a propriedade estatal; Máximo acesso à posse e ao uso da terra pelos que nela desejam trabalhar, à base da venda, usufruto ou aluguel a preços módicos, das terras desapropriadas aos latifundiários e da distribuição gratuita das terras devolutas; Urgente e completo levantamento cadastral de todas as propriedades de área superior a 500 hectares e de seu aproveitamento; Proibição da entrega de terras públicas àqueles que as possam utilizar para fins especulativos.
No Espírito Santo assim como em quase todo o território brasileiro a luta pela terra foi
marcada por conflitos e violência por parte da Polícia Militar, do poder judiciário, dos
latifundiários em relação aos posseiros. Sempre que foi preciso o governo enviou tropas
militares para enfrentar os camponeses revoltosos. Os ataques da Polícia Militar
resultavam em queima de roças, de casas e assassinatos. Também os grileiros
colocavam seus jagunços na tentativa de conter a organização dos camponeses. Essa
luta resistiu até o golpe de 1964, quando foi intensamente reprimida e seus militantes
dispersos ou presos. Uma terceira fase de luta pela terra se daria a partir da década de
30, quando Getúlio Vargas assume o poder e temos uma primeira tentativa de
industrialização do país. Esse processo trouxe implicações na estrutura latifundiária do
país que passou a ser um problema para toda a sociedade. De acordo com Linhares e
Silva (1999 p. 125-126):
[...] O campo era tratado como a atividade natural, única possível do país; era a época do Brasil, país essencialmente agrícola; agora o campo passa a ter uma função no programa, ainda difuso, de desenvolvimento nacional. E um pouco mais do que isso: o campo, com seu homem tradicional, passa a ser visto como um problema, uma questão, a do obstáculo ao pleno desenvolvimento do conjunto do país. Para os homens que assumem o poder na década de 1930, o
desenvolvimento era sinônimo de indústria, de população bem alimentada, saudável e de erradicação do analfabetismo e de endemias. [...] Neste contexto surge uma questão: como fazer o campo brasileiro ajudar e participar do desenvolvimento nacional?
O período compreendido entre 1945 e 1964 teve como uma de suas principais
características, uma aceleração do processo de industrialização. Com relação ao setor
agrário, o processo iniciado na década de 1930 não seria mais detido: a capitalização
do campo. Nesse contexto, explodiram por quase todo o território nacional, conflitos
entre posseiros e grileiros. Como exemplo, temos uma série de conflitos ocorridos em
Minas Gerais, na região do Rio Doce. Já na década de 1940, muitos posseiros estavam
sendo expulsos de suas terras por fazendeiros. Assim aos poucos esses posseiros vão
transformando-se em sem-terras.
Segundo estudos desenvolvidos por Fernandes (2000) entre 1950 a 1960 muitas
famílias sem-terra migraram para a região, que se transformou em grande produtora de
arroz. Chegaram os grileiros, constituíram a elite local e logo se tornou o poder político
da região. Alianças políticas, entre prefeitos, governadores e grileiros, formaram o pacto
da grilhagem de terras da região. Nesse sentido podemos identificar uma terceira fase
de luta pela terra que compreende o período de 1950-1964 com o surgimento de vários
movimentos camponeses organizados em entidades como as ULTABs (União de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), nas regiões Sul e Sudeste do país.
Em Pernambuco, surgiu no Engenho Galiléia uma associação de foreiros denominada
“Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco”, logo conhecida
como “Liga Camponesa”. De acordo com Fernandes (2000 p. 33):
Em 1954, em Pernambuco, no município de Vitória de Santo Antão, em uma propriedade denominada Engenho da Galiléia, foi criada a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, que por sua forma de organização ficou conhecida como a Liga Camponesa da Galiléia. Seus associados eram foreiros que pagavam ao fazendeiro renda da terra em forma de aluguel anual (foro). Reagiram ao aumento da exploração e tentativa de expropriação pelo dono do engenho e buscaram apoio com o advogado e deputado Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro, que passou a representá-los.
Em 1962, foram realizados vários encontros e congressos das Ligas, reunindo
representantes de vários estados. A essa altura, a mobilização era por uma reforma
agrária radical. Em suas lutas os camponeses resistiram na terra e passaram a realizar
ocupações. Parte das Ligas tentou organizar grupos guerrilheiros, quando então
ocorreu a prisão de muitos trabalhadores e os grupos dispersos pelo Exército. Com o
golpe militar de 1964, as Ligas Camponesas e outros movimentos foram aniquilados,
todas as organizações de trabalhadores rurais foram fechadas, e as principais
lideranças camponesas foram presas ou exiladas, quando não assassinadas. Em 1964,
o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de Reforma Agrária no
Brasil, em quinhentos anos, que foi denominada “Estatuto da Terra”.
Ela vinha em resposta à necessidade de distribuição de terras como formas de evitar
novas revoluções sociais. Embora decretada pelo primeiro governo militar, essa lei,
tinha um caráter progressista. O “Estatuto da Terra” distinguia as propriedades rurais
não apenas em relação ao tamanho, mas também em relação à intensidade de
exploração. Assim, classificava-se em minifúndio, latifúndio por dimensão e latifúndio
por exploração. Além disso, definia a função social da terra, pela qual o proprietário que
a utilizava com respeito ao meio ambiente, de forma adequada, e cumpria a legislação
trabalhista, estava dando a terra sua função social. Mas o “Estatuto da Terra” jamais foi
implantado. Era um “faz-de-conta” para resolver pelo menos momentaneamente os
problemas do campo. Para viabilizar a sua política econômica, o Estado manteve a
questão agrária sob o controle do poder central. Por essa política, o acesso a terra ficou
fechado aos camponeses e totalmente aberto à empresa capitalista e aos latifundiários.
Em termos práticos, como afirma Morissawa (2001, p. 100) o “Estatuto da Terra”
acabou por favorecer os latifundiários:
Escancarou-se, então, como um instrumento estratégico para controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra. As únicas e pouquíssimas desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização. De 1965 até 1981, foram realizadas oito desapropriações em média por ano, apesar de terem ocorrido pelo menos setenta conflitos por terra anualmente.
O “Estatuto da Terra” escancarou-se, então, como um instrumento estratégico para
controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra. As únicas e pouquíssimas
desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de
colonização. Desse modo, apesar de o “Estatuto da Terra” aparecer, por suas
definições, como querendo modificar a estrutura fundiária e punir o latifúndio, a política
agrícola e agrária dos militares promoveu a modernização tecnológica das grandes
propriedades. Ao mesmo tempo, os grandes proprietários tinham livre acesso aos
órgãos do Estado, como o Ministério da Agricultura, o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA) etc., exercendo forte controle sobre o Poder Judiciário e o
Congresso Nacional. Enfim, o “Estatuto da Terra” não saiu do papel e a política agrária
real do Regime Militar significou, de fato, a entrega de mais terra aos comerciantes e
industriais. Nesse período, grandes extensões de terras públicas da região amazônica
foram entregue a grupos empresarias e também a multinacionais que, segundo o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), possuem hoje 30
milhões de hectares de terras no Brasil.
Que importância tem para o tema deste capítulo fazermos a memória histórica da luta
pela terra? Tem uma relevância especial, pois podemos perceber nesse processo os
precursores da luta pela terra dos quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra é herdeiro e continuador. É neste contexto histórico de enfrentamento, conflito,
resistência, esperança e de luta pela terra, em que vários movimentos e pessoas deram
suas próprias vidas, que surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). Podemos afirmar que o MST nasceu das lutas concretas pela conquista da
terra, que os camponeses foram desenvolvendo de forma isolada em quase todas as
regiões do Brasil, num momento em que aumentava a concentração de terras e
ampliava a expulsão dos pobres da área rural, devido à modernização da agricultura e
à crise do processo de colonização implementado pelo Regime Militar?
Concordamos com Caldart (2000) e Fernandes (2000) quando afirmam que a luta pela
sobrevivência foi a marca histórica da resistência camponesa no Brasil. Foi assim que
em 1979, no dia sete de setembro, 110 famílias ocuparam a gleba Macali, no município
de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. Essa ocupação inaugurou o processo de
formação do MST. De 1979 a 1984 aconteceu o processo de gestação do MST.
Chamamos de gestação o movimento iniciado desde a gênese, que reuniu e articulou
as primeiras experiências de ocupações de terra, bem como as reuniões e os encontros
que favoreceram em 1984, o nascimento do MST ao ser fundado oficialmente pelos
trabalhadores em seu Primeiro Encontro Nacional, realizado nos dias 21 a 24 de
janeiro, em Cascavel, no Estado do Paraná. O marco da fundação do MST foi o
“Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra”, realizado em Cascavel, no
Paraná, em janeiro de 1984. O encontro contou com a participação de 150 delegados
de 12 estados brasileiros, inclusive do Espírito Santo.
Esse encontro tinha como finalidade reunir todas as categorias de trabalhadores rurais que, de alguma forma, lutavam para obter terra para plantar. Estimulados pelas lutas contra a ditadura militar, os trabalhadores rurais sem-terra (que antes tinham apenas a Igreja como espaço para discussão de seus problemas, sobretudo através das pastorais sociais e, principalmente, a Comissão Pastoral da Terra), resolveram se articular nacionalmente para fazer uma luta conjunta em defesa da conquista da terra. (BEZERRA NETO, 1999, p. 14).
Um aspecto fundamental no processo de formação do MST foi o trabalho desenvolvido
com os trabalhadores rurais pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica
(CEBs), sobretudo pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975. O
nascimento das CEBs nos remete a um movimento mais amplo de renovação eclesial,
iniciados no século XX e sancionados pelo Concílio Vaticano II. Este concílio revelou
seu potencial pastoral em sua abertura para o mundo e para a história e, ao mesmo
tempo, sua densidade de reflexão, postulando a imagem da igreja como sendo povo de
Deus a caminho. As CEBs vivenciaram na prática a opção preferencial pelos pobres
através da releitura que a Conferência de Medellin (1968) e Puebla (1979) fizeram na
América Latina. Medellin preencheu o imaginário eclesial com a temática da Libertação
e Puebla com a evangélica opção pelos pobres.
Neste sentido afirma os números 640 e 643 da Conferência de Puebla (1979 p. 250,
251 e 252):
Nas pequenas comunidades, mormente nas mais bem construídas, cresce a experiência de novas relações interpessoais na fé, o aprofundamento da palavra de Deus, a participação na eucaristia e um maior compromisso com a justiça na realidade social dos ambientes em que se vive. As comunidades eclesiais de base são a expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo.
Mesmo que se tenha certa dificuldade em encontrar traços homogêneos e constantes
em todas as CEBs, há alguns elementos que, em geral, podem ser identificados: a
leitura e a reflexão sobre a Palavra de Deus é um dos traços característicos das CEBs;
a participação e a discussão dos problemas em forma de assembléia; a metodologia
participativa que inclui a colaboração de todos na discussão, na solução e no
encaminhamento concreto para resolução de problemas que aflige a comunidade e por
fim a prática concreta de Jesus e o sonho de realizar o Reino de Deus.20 As
Comunidades Eclesiais de Base foram um dos espaços onde trabalhadores rurais sem-
terra expulsos do campo se encontraram para refletir, iluminados pela Palavra de Deus
a realidade de opressão e exclusão a que foram submetidos pelo sistema capitalista. É
nesse contexto histórico de luta pela terra e por uma sociedade justa e fraterna que
deve ser entendida a criação do MST. No seu Primeiro Encontro Nacional (1984) o
MST definiu como sendo seus objetivos gerais:
1 - Que a terra esteja nas mãos de quem nela trabalha; 2-Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados; 3-Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para conquistar a reforma agrária; 4-Organizar os trabalhadores rurais na base; 5-Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político; 6-Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores; 7-Articular-se com trabalhadores da cidade e da América Latina (MST, 1984).
20 Reino de Deus é uma categoria teológica fundamental para as CEBs e consiste numa mudança tanto das estruturas sociais que geram a morte como numa mudança do coração do homem que doravante deverá viver a partir dos valores do Reino: justiça, solidariedade, fraternidade e o amor incondicional ao próximo.
O MST deliberou, como diretriz, que as suas conquistas sociais e políticas só poderiam
ocorrer a partir das ações de massas. E já nesta ocasião delimitou-se o que seria a sua
marca: caminhadas, passeatas, ocupações de órgãos públicos, concentrações e
ocupações. O Encontro Nacional também apresentou as principais reivindicações do
que passaria a se constituir o MST. São elas:
1- Legalização das terras ocupadas pelos trabalhadores; 2-Estabelecimento de área máxima para as propriedades rurais; 3-Desapropriação de todos os latifúndios; 4-Desapropriação das terras das multinacionais; 5-Demarcação das terras indígenas, com reassentamento de posseiros pobres em área da região; 6-Apuração e punição de todos os crimes contra os trabalhadores rurais; 7-Fim de incentivos e subsídios do governo ao Proálcool e outros projetos que beneficiam os fazendeiros; 8-Mudança de política agrícola do governo dando prioridade ao pequeno produtor; 9-Fim da política de colonização. (MST, 1987).
O MST definiu como princípio a luta pela reforma agrária (TERRA PARA QUEM NELA
TRABALHA) e uma política agrícola que assegurasse a possibilidade de os agricultores
permanecerem em suas terras. Outra marca importante do MST foi a luta por uma
sociedade sem exploradores e explorados. Usando o lema “SEM REFORMA AGRÁRIA
NÃO HÁ DEMOCRACIA” procurou forçar os governantes da Nova República a realizar
a Reforma Agrária, reivindicando que fosse feita sob o controle dos trabalhadores.
Nesse mesmo período lançou o lema: “TERRA NÃO SE GANHA, SE CONQUISTA”,
deixando clara sua disposição de luta pela terra em oposição ao modelo de colonização
tímido dos militares. Em janeiro de 1985, o MST realizou o primeiro Congresso
Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Curitiba-PR, com 1.500 delegados,
escolhidos em encontros ou reuniões estaduais ao longo de 1984, que definiram a luta
pela terra com o lema: “OCUPAÇÃO É A SOLUÇÃO” as estruturas organizativas,
associativas e suas instâncias de deliberação. Foi eleita a primeira coordenação
nacional, bem como a primeira direção nacional do movimento.
Faz-se necessário observar que o MST, no decorrer dos anos, modifica-se e recria-se
nas suas ações políticas, apresentando-se, a partir dos anos 90, como um movimento
social que luta por mudanças mais amplas que a simples divisão de terra. A ampliação
das reivindicações e das ações é fundamental para o crescimento do MST. Analisando
as aspirações dos trabalhadores rurais, MARTINS (1990) afirma que eles:
...Querem mais do que a reforma agrária encabrestada pelos agentes da mediação. Querem uma reforma agrária para as novas gerações, uma reforma que reconheça a ampliação histórica de suas necessidades sociais, que os reconheça não apenas como trabalhadores, mas como pessoas com direito à contrapartida de seu trabalho, aos frutos de seu trabalho. Querem, portanto, mudanças sociais que os reconheçam como membros integrantes da sociedade.
O Movimento dos sem-terra, apesar de todas as dificuldades vividas, principalmente
nos embates com o poder dominante, com a mídia e com setores políticos
conservadores, firma-se no cenário político brasileiro nos anos 90. Em 1995 no seu
terceiro Congresso Nacional, o MST reelabora os seus objetivos gerais:
Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital; 2- A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade; 3- Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas; 4- Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; 5- Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais; 6- Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher (MST, 1995).
Observa-se que, seguindo a tendência dos movimentos sociais nos anos 90, o MST
demonstra preocupação com temas relacionados à cultura, gênero, valores e trabalho.
Busca, também, ampliar sua atuação, afirmando que a terra deve estar a serviço de
toda a sociedade. Após vinte anos de luta, o Movimento está organizado em 23 estados
da Federação, reunindo 1,5 milhão de pessoas, com 350 mil famílias assentadas e
cerca de 100 mil famílias vivendo em acampamentos.
1.2 Gestação e Nascimento do MST no Estado do Espírito Santo
De acordo com estudos realizados por Fernandes (2000) no Espírito Santo o MST
nasceu em 1985 e seu processo de gestação começou em 1983. Foi nesse ano que
aconteceram as primeiras reuniões e encontros com grupos de famílias sem-terra na
favela do Pé Sujo (dizem que este nome surgiu por causa da rua de terra que nos dias
de chuva virava um lamaçal), na periferia da cidade de São Mateus, no Litoral Norte
Espírito-santense.
Essas famílias foram expropriadas e expulsas pelos grandes projetos agroindustriais,
principalmente, eucalipto e cana-de-açúcar, por meio de incentivos fiscais e financeiros,
que ocorreram desde meados da década de 1960. As reuniões para discussão das
realidades dessas famílias eram parte dos trabalhos das Comunidades Eclesiais de
Base, que recebiam orientação e apoio da Comissão Pastoral da Terra21 e do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de São Mateus. No que diz respeito ao processo de
construção e consolidação do MST no Espírito Santo podemos afirmar conforme Pizetta
(1999, p. 100),
Nota-se, [portanto no trabalho desses grupos] uma confluência de esforços no sentido de articular os trabalhadores excluídos, explorados, tendo como metodologia pedagógica o trabalho de base, os grupos de comunidade, os círculos bíblicos, os grupos de oposição sindical, os quais, em muitos momentos, acabavam se transformando em grupos de sem-terra, cuja discussão central era a necessidade de possuir a terra para viver e trabalhar, visto que muitas das terras da região não estavam sendo utilizadas. Aí, as leituras bíblicas e as comparações com a realidade que vivia incentivavam a luta pela terra.
Nesse mesmo ano, em diversos municípios da região, outros grupos de famílias
começaram a se organizar com o objetivo de negociar terra e trabalho com os governos
municipal e estadual.
21 A CPT Nacional foi criada em Goiânia, em 1975 e no Espírito Santo, no ano de 1976.
Segundo dados do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)22
a organização do Movimento Sem Terra no Estado do Espírito Santo, assim como no
Brasil, remete às Comunidades Eclesiais de Base e à Comissão Pastoral da Terra com
significativo impulso a partir da década de 1970, auge da Ditadura Militar. Os
trabalhadores rurais sem-terra e agricultores de renda familiar organizaram-se para
partilhar problemas e encaminhar possíveis lutas pela conquista de condições dignas
de vida, de cidadania. Ainda durante o Regime Militar, as CEBs se constituíam em
lugar-espaço onde o povo simples e pobre conseguia partilhar suas angústias,
problemas e esperanças individuais e coletivas.
Inspirada nos ideais da Teologia da Libertação23 (TdL) as CEBs se constituíram em um
espaço de conscientização sobre a realidade de exploração a que estava submetida
grande parte da população. As CEBs desenvolveram uma pedagogia fundamentada no
método VER, JULGAR e AGIR que à luz da palavra de Deus buscava compreender a
realidade de opressão a que estavam submetidos e ao mesmo tempo transformar esta
realidade. O livro do Êxodo, que descreve a luta do povo Hebreu em busca da terra
prometida, servia de exemplo e referência para a situação de injustiças a que estavam
submetidos os trabalhadores sem-terra. Segundo Fernandes (2000 p. 120):
As CEBs tornaram-se lugares de reflexão, o espaço de socialização política, onde o objetivo do trabalho pastoral era a conscientização acerca da realidade dos participantes. Esses lugares são transformados em lugares de liberdade, uma vez que ali podia falar, ouvir e pensar. As CEBs tornavam-se um espaço da socialização política, onde as famílias se reuniam para se conhecer e pensar seu papel na sociedade.
22 Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agrária. Trata-se do relatório final da pesquisa sobre o Curso Pedagogia da Terra/ES. A pesquisa foi realizada em 2004 sob a coordenação do Prof.Dr. Erineu Foerste com o objetivo específico de avaliar os impactos referentes ao curso que já se encontra na segunda turma composta de 58 professores sem-terra.23 A Teologia da Libertação surge na década de 60 como resultado de uma práxis de uma Igreja que opta preferencialmente e solidariamente pelos empobrecidos. A questão de fundo da Teologia da Libertação consiste em pensar e viver a fé encarnada num contexto de opressão e dominação como o é a América Latina objetivando uma práxis libertadora.
Partindo da perspectiva do MST as lutas pela terra no Estado do Espírito Santo, as
análises feitas por Pizzeta (1999), podem ser agrupadas em cinco períodos
fundamentais, a saber: primeiro período (a terra negociada – 1983 a 1984); segundo
período (esgotamento da estratégia anterior e implantação do MST/ES -1985 a 1988);
Terceiro período (imprevisto: conflito, repressão e refluxo – 1989 a 1991); quarto
período (resistindo à violência: novos aliados\novas lutas-1992 a 1994); quinto período
(consolidação e expansão do MST – a partir de 1995). Os trabalhadores rurais sem-
terra organizaram o MST no Espírito Santo em 1983, em São Mateus. O primeiro
assentamento ocorreu no município de Jaguaré-ES, em 13 de setembro de 1983. Ficou
conhecido como Assentamento Córrego de Areia, beneficiando um total de 31 famílias
de trabalhadores rurais desempregados em São Mateus. Ainda em dezembro de 1984,
fruto desse mesmo processo, o segundo grupo de sem-terra, composto de dez famílias,
foi instalado em Jaguaré, num local próximo à comunidade de São Roque, razão pela
qual foi denominado Assentamento São Roque.
Durante algum tempo, a negociação foi a estratégia encontrada por esses grupos de
trabalhadores na luta pela terra. De acordo com os estudos realizados por Pizzeta
(1999) a partir de 1985, percebe-se o esgotamento dessa estratégia de luta. Além
disso, a participação de uma delegação de trabalhadores rurais capixabas no I
Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado em janeiro de
1985 em Curitiba, onde se definiu a ocupação24 como a principal forma de luta e
pressão, trouxe para o Estado a disposição de fundar o MST e de rever as estratégias
de enfretamento. Assim, em 27 de maio de 1985, realizou-se a primeira ocupação do
MST no Estado, ocasião em que 300 famílias provenientes de diversos municípios do
norte do Estado do Espírito Santo ocuparam a fazenda Georgina, no interior do
município de São Mateus.
24 É importante chamar a atenção para esse conceito. Ao contrário do termo “invadir” que significa um ato de força para tomar alguma coisa de alguém, no caso do MST como diz a mídia tomar a terra; o MST utiliza o conceito de “ocupar” no sentido de preencher um vazio, no caso, terras que não cumprem sua função social. Ao utilizar o conceito de ocupação o MST está relativizando o valor absoluto da propriedade da terra e subordinando-o ao direito à vida e ao trabalho.
Essa ocupação, segundo Fernandes (2000 p. 140):
Marcou o nascimento do MST no Espírito Santo e diferenciava-se das anteriores por sua forma de organização e seus objetivos. Aqueles trabalhadores não estavam dispostos apenas a lutar por aquela terra. Compreendiam que essa luta significava a construção do Movimento que levaria a luta para outras terras, territorializando o Movimento para outras regiões do estado.
Como se pode observar foi a partir da socialização dos problemas, das esperanças e
das reivindicações, principalmente a luta pela terra que transformou esses indivíduos
que antes faziam parte do contingente de desempregados e excluídos da sociedade,
sem direitos, sem dignidade, em uma coletividade organizada e com uma identidade
própria que passou a ser denominada de sem-terra. Segundo Caldart (2000 p. 79):
[...] Trata-se da marca da escolha das pessoas de reagir à sua condição de sem terra lutando pela terra, e de passar a perceber um problema que parecia de cada trabalhador, ou no máximo de cada família como um problema coletivo, e com alternativas de solução também coletivas. A grande diferença, entre um trabalhador sem-terra e um trabalhador sem-terra ligado ao MST, é que o primeiro não consta do ponto de vista social e político. A sua miséria ou o seu desenraizamento são problemas dele, ou no máximo são vistos como um problema social por outras pessoas ou por outros sujeitos, que podem decidir, ou não, ajudá-lo a sair desta sua condição desumana.
Concordamos com Caldart (2000) quando afirma que a pessoa que se integra a um
movimento social e luta pelo seu direito a ser um trabalhador da terra, e sobreviver
dignamente deste trabalho, passa a fazer diferença, a entrar nas estatísticas, na
sociedade, passa a ter um rosto, uma identidade. Pode apanhar da polícia, pode ser
despejado das terras que ocupa, pode ser considerado um desordeiro, mas existe
socialmente, é sujeito da história, e, mesmo que deixe de participar do MST, jamais
será o sem-terra de antes. Abraçou de corpo e alma a sua salvação social, e isto
alterou sua concepção e seu modo de ver o mundo. Segundo Valadão (1999) esse
processo de enraizamento e humanização transformou a vida de pessoas que antes
estavam excluídas, sobrantes, à margem da história, em sujeitos humanos com
dignidade e capacidade coletiva de construirem novas relações sociais.
É neste processo que se dá a construção de uma identidade coletiva de pertencimento
a um movimento social que tem uma dimensão de humanização das pessoas como é o
MST.
1.3 Estrutura Organizativa do MST
O MST, como já afirmamos anteriormente nasceu a partir das lutas pela terra iniciadas
no processo de dominação e resistência que caracteriza a nossa história brasileira. O
marco de sua fundação, enquanto movimento organizado através da sigla MST, no
entanto, foi janeiro de 1984, no primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais
Sem Terra realizado em Cascavel - PR, do qual participaram 150 delegados. Esse
encontro tinha como finalidade reunir todas as categorias de trabalhadores rurais que
lutavam para obter terra para plantar. Nesse encontro o MST definiu como princípio a
luta pela Reforma Agrária – “Terra para quem nela trabalha” e uma política agrícola que
assegurasse aos trabalhadores do campo a possibilidade de permanecerem em suas
terras, já que estavam sendo expropriados e expulsos delas.
Segundo Fernandes (2000) das lutas realizadas pelas famílias sem-terra e das
reflexões e estudos das histórias de movimentos camponeses precedentes, nasceram
as experiências de construção da forma de organização do MST. E assim, homens,
mulheres, jovens e crianças foram fazendo o Movimento. Do mesmo modo que não
podemos ignorar que o MST nasceu da luta pela terra que o antecedeu, não é possível
compreendê-lo na sua essência sem conhecer as lutas desenvolvidas pelas famílias
sem-terra. No processo de construção de experiências nasceram as necessidades que
resultaram em diversas comissões, equipes, núcleos, setores e outras formas de
atividades em que se organizaram para discutir, refletir e praticar a luta pela terra em
todas as suas dimensões.
A organização do MST é composta pelas seguintes instâncias:
1- Congresso Nacional, realizado a cada cinco anos e que tem como objetivo a
definição de linhas conjunturais e estratégicas; a confraternização entre os sem-terra e
com a sociedade;
2- Encontro Nacional, realizado a cada dois anos para avaliar, formular e aprovar linhas
políticas e os planos de trabalho dos setores de atividades;
3- Coordenação Nacional, composta por dois membros de cada estado, eleitos no
Encontro Nacional, um membro do Sistema Cooperativista dos Assentados de cada
estado e por dois membros dos setores de atividades, que se reúnem de acordo com
um planejamento anual. É responsável pelo cumprimento das deliberações do
Congresso e Encontro Nacional, bem como pelas decisões tomadas pelos setores de
atividades;
4- Direção Nacional, é uma representação composta por um número variável de
membros indicados pela Coordenação Nacional. As funções e divisão dos trabalhos
dos membros da Direção Nacional são ratificadas pela Coordenação Nacional, que
devem acompanhar e representar os estados, bem como trabalhar na organicidade do
Movimento por meio de setores de atividades;
5- Encontros Estaduais, realizados anualmente para avaliar as linhas políticas, as
atividades e as ações do MST. Programam atividades e elegem os membros das
Coordenações Estadual e Nacional;
6- Coordenações Estaduais, compostas por membros eleitos nos Encontros Estaduais.
São responsáveis pela execução das linhas políticas do MST, pelos setores de
atividades e pelas ações programadas nos Encontros Estaduais;
7- Direções Estaduais, são representações compostas por um número variável de
membros indicados pelas coordenações estaduais. Seus membros também são
responsáveis pelo acompanhamento e representação das regiões do MST nos estados,
bem como pela organicidade e desenvolvimento dos setores de atividades;
8- Coordenações Regionais, compostas por membros eleitos nos encontros dos
assentados, contribuem com a organização das atividades referentes às instâncias e
aos setores;
9- Coordenações de Assentamentos e Acampamentos, compostas por membros eleitos
pelos assentados e acampados, são responsáveis pela organicidade e
desenvolvimento das atividades dos setores;
10- Na formação das instâncias de representação e de setores de atividades, nos
assentamentos e nos acampamentos, com maior ou menor vinculação, foram formados
grupos de base. Esses grupos são compostos por famílias, por jovens ou por grupos de
trabalhos específicos: educação, formação, frente de massa, cooperação agrícola,
comunicação, finanças etc., que compõem a coordenação dos assentamentos.
Em síntese podemos afirmar fundamentados em Fernandes (2000) e Bezerra (1999),
que o MST tem como forma de organização várias frentes de trabalhos ou setores que
discutem entre si coletivamente a melhor forma de conduzir os trabalhos nos
acampamentos e assentamentos, entre os quais destacamos: Frente de Massa: é a
responsável pelo trabalho de base, reúne os sem-terra procurando conscientizá-los
para a importância da ocupação de terras como forma de luta organizada:
1- Setor de produção dos assentamentos: cuida da organização da produção dos
assentamentos resultantes de conquistas na luta pela Reforma Agrária desenvolvida
pelo Movimento. Além disso, é responsável por programar espaços-tempos para
estudar as formas de produção nos assentamentos, tendo presente a importância
da preservação do solo e do meio ambiente;
2-Setor de Formação: é responsável pela formação política dos militantes e agricultores
trabalhadores rurais. Busca encaminhar e planejar a realização de cursos, seminários
que tenham a participação conjunta de todo o Movimento, de pessoas simpatizantes
e\ou entidades que apóiam a luta pela terra;
3-Setor de Educação: responsável pela educação formal ou informal das crianças,
jovens e adultos dos acampamentos e assentamentos. Esse setor está organizado em
nível nacional, contando com um coletivo nacional, estadual e regional;
4-Setor de comunicação e propaganda: responsável pela divulgação do MST
(encontros, mobilizações, sociedade) e pelas denúncias nos momentos de conflitos ou
confrontos com a polícia.
Esse setor tem uma importância muito grande no sentido de desdemonizar25 a imagem
negativa que a Mídia em geral (tanto a televisiva como a jornalística) inventa em
relação ao Movimento com intuito de denegrir a imagem do mesmo perante a opinião
pública e toda a sociedade. Nesse mesmo sentido cabe a este setor a desjudicialização
do Movimento perante a sociedade. Geralmente quando ocorrem os despejos dos
acampados, pela Polícia Militar essa já vem munida da ordem de despejo ou de
reintegração de posse concedida pela justiça, ou seja, os poderes dominantes
constituídos se unem para impedir que os injustiçados, no caso os trabalhadores rurais,
façam a justiça sair do papel e cumprir sua verdadeira vocação: estar a serviço da
defesa da vida, principalmente do mais pobres e excluídos da sociedade.
5- Setor de finanças e projetos: responsável pela elaboração e acompanhamento dos
projetos financeiros que dão sustentação ao Movimento;
25 Utilizo o termo no sentido dado por Bruno Konder em sua obra: A ação política do MST. Segundo o autor a mídia em geral tenta associar as ações do MST com ações demoníacas ou comunistas.
6- Setor de saúde: responsável pela saúde nos acampamentos e assentamentos.
Programa cursos voltados para a medicina e alimentação alternativas;
7- Setor de gênero: está começando a se estruturar, sua função é discutir nos
acampamentos, assentamentos e em todo o Movimento os assuntos ligados á questão
do gênero, como por exemplo, a participação da mulher nas diversas instâncias do
Movimento.
É essa estrutura organizativa que faz com que o Movimento seja diferente de outros
movimentos sociais, possuindo uma estrutura dinâmica e descentralizada com uma
forte organização de base a nível nacional, estadual e regional. Após esse breve
resgate da memória da luta pela terra em nosso país e do nascimento do MST, pode-se
perguntar: que importância tem para a nossa pesquisa o resgate dessa história? Será
que cada sem-terra carrega em si (ainda que não saiba disso) a herança rebelde de
Sepé Tiaraju, de Zumbi dos Palmares, dos camponeses, que lutaram em Canudos,
Trombas e Formoso, Constestado, nas Ligas Camponesas, no massacre dos
camponeses do Espírito Santo?
Que saberes os sem-terra estão construindo no enfretamento e na luta pela terra? O
que podemos aprender com a forma como se organizam? É o sentimento de
pertencimento a uma coletividade fundamental nesse processo de formação e
humanização dos sem-terra? Que importância tem o MST para repensarmos uma
sociedade alternativa fundada na justiça social e em processos sociais, culturais e
econômicos humanizadores? É o MST um sujeito coletivo que educa e forma os sem-
terra? Têm o Curso Pedagogia da Terra em sua estrutura e organização semelhanças
com o MST?
1.4 Terra é Mais do que Terra: da Luta Pela Terra à Luta Por Educação
Nesta trajetória da história da luta pela terra o MST buscou democratizar a terra a fim
de que a mesma exerça a sua função social, para isso lutou organizadamente e
coletivamente. E foi nesta luta pela terra que o MST percebeu que terra é mais do que
terra. Terra é mais do que terra em pelo menos dois sentidos: ao conquistar a terra se
conquista a vida, no sentido de que para se viver é preciso trabalhar, morar, comer; e
no sentido de que é após a conquista da terra que se coloca o desafio de permanecer
na terra e fazê-la produzir. Portanto podemos afirmar que a preocupação do MST com
a questão da educação surge a partir do momento em que percebe a necessidade de
educar os sujeitos do campo para que continue a luta pela terra.
A educação surge como uma necessidade das famílias, das crianças, dos
adolescentes, dos adultos, dos sujeitos que vivem e trabalham no campo como forma
de garantir a luta pela Reforma Agrária e na conquista efetiva de seus direitos, de sua
cultura, de sua dignidade, de sua identidade como sujeitos que fazem a história. Na
origem do trabalho do MST com a educação escolar podemos identificar conforme
afirma Caldart (2000) pelo menos cinco fatores: o primeiro diz respeito ao contexto
social em que se insere o nascimento do MST como Movimento, como componente
específico da realidade da educação em nosso país e particularmente da situação do
meio rural. O mesmo modelo de desenvolvimento que gera os sem-terra também os
exclui de outros direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola.
A grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e uma experiência
pessoal de escola que não deseja para seus filhos: discriminação, professores
despreparados, reprovação e exclusão. O segundo fator foi a preocupação das famílias
sem-terra com a escolarização de seus filhos. O terceiro elemento ou circunstância que
pressionou fortemente o início dos trabalhos do MST com a educação escolar foi a
iniciativa das mães e professoras em levar adiante esta preocupação que aparecia nas
famílias sem-terra.
Esta iniciativa incluía três dimensões principais: a organização das atividades
educacionais com as crianças acampadas; a pressão exercida para mobilização das
famílias e lideranças de cada acampamento e assentamento em torno da luta por
escola; a preocupação das professoras com sua própria articulação e formação para
assumirem a tarefa de educar as crianças sem-terra de um jeito diferente26. De acordo
com Caldart (2000 p. 150):
Na criação das chamadas equipes de educação pode ser identificado o início da discussão do que seria depois a proposta pedagógica do MST. A equipe (de educação) surgiu por iniciativa de algumas professoras que estavam iniciando o seu trabalho nas recém-criadas escolas dos acampamentos e assentamentos, tendo necessidade de discutir sua prática com as companheiras. O que moveu o grupo (umas dez professoras) foi a certeza de que uma escola de assentamento e ligada ao MST não pode ser igual às escolas tradicionais. Ela deve ser diferente.
Neste sentido podemos nos perguntar se o Curso Pedagogia da Terra em seus
diferentes espaços-tempos-saberes dá conta de formar e preparar os professores para
preservarem, valorizarem e cultivarem os valores, os saberes, a cultura e a identidade
dos sujeitos que vivem trabalham e educam-se no campo? O último fator que
impulsionou os trabalhos do MST com a questão da educação trata-se do valor que o
estudo tinha na vida das pessoas que ajudaram a organizar o MST e que se tornaram
suas principais lideranças. Nesta trajetória da questão da educação no MST Caldart
(2000) afirma como referência cronológica nacional o Primeiro Encontro Nacional de
Professores de Assentamento, que aconteceu em julho de 1987, no município de São
Mateus, Espírito Santo, organizado pelo MST para começar a discutir uma articulação
nacional do trabalho que já se desenvolvia, de forma mais ou menos espontânea, em
vários estados brasileiros.27 O encontro nacional de 1987 representou uma mudança de
eixo no processo de preocupação da escola pelos sem-terra.
26 Uma escola onde os professores e alunos sintam orgulho de hastear a bandeira do MST, de cantar seus hinos e canções, que cultive a memória, os valores e a identidade de ser Sem Terra! Será que o Curso Pedagogia da Terra em seus espaços-tempos-saberes dá conta de preparar os professores para esta realidade? Como essa dimensão da mística e dos símbolos se manifesta no Curso Pedagogia da Terra?27 Para uma análise mais detalhada da questão da educação nos assentamentos do Espírito Santo, remetemos o leitor ao trabalho de Adelar João Pizzeta – Formação e práxis dos professores de escolas de assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado, 1999, PPGE (Programa de Pós-graduação em Educação – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES).
Da organização mais ou menos espontânea surgida nos estados do centro-sul do país
nasceu o Setor de Educação do MST, que passou a ser organizado com este nome nos
estados, principalmente a partir de 1988, acompanhando a nova estruturação do
Movimento em setores, com elos de ligação desde a base local até as instâncias
nacionais. Para Caldart (2000) a principal função do Setor de Educação seria a de
articular e potencializar as lutas e as experiências educacionais já existentes, ao
mesmo tempo em que desencadear a organização do trabalho onde ele não havia
surgido de forma espontânea, ou nos assentamentos e acampamentos que fossem
iniciados a partir daquele momento. Foi com a participação dos coletivos municipal,
estadual que o Coletivo Nacional de Educação em 1990 chegou à conclusão de que
devia ser elaborada por escrito uma proposta de educação do MST.
A partir das discussões acumuladas até aquele momento chegou-se à conclusão de
que apenas o relato oral não dava conta de sistematizar uma reflexão que ajudasse os
educadores a pensar sua própria prática. O desafio era duplo: avançar na elaboração
da proposta e ao mesmo tempo traduzi-la numa linguagem que fosse acessível ao
conjunto do Movimento, em especial aos professores e militantes. Neste sentido o
primeiro texto escrito: O que queremos com as escolas dos assentamentos, passou por
cinco ou seis versões antes de ser editado sob a forma de cartilha em meados de 1991.
O conjunto de materiais escritos pelo Movimento que se seguiram a esse primeiro texto
teve um processo semelhante.28
28 Segundo Caldart (2000) o conjunto de materiais produzidos pelo MST pode ser sintetizado da seguinte forma: os Caderno de Formação; os Cadernos de Educação que a cada número vai socializando o avanço da proposta pedagógica do MST, bem como sua própria ampliação do conceito de escola. Até 1999 foram produzidos dez destes cadernos, combinados com outras três coleções: Boletim de Educação, com subsídios mais gerais para o trabalho dos educadores, Fazendo história, literatura específica para crianças e adolescentes e, a mais recente, Fazendo escola, que retoma em outra forma a prática inicial de intercâmbio de experiências entre os educadores. Podemos notar e destacar o aprendizado coletivo do processo de construção da proposta pedagógica: cada material editado passa pelas seguintes fases: primeiro, o coletivo discute sobre o que será produzido; depois uma pessoa ou uma equipe recebe a tarefa de fazer a primeira versão do texto. Esta versão passa então por diversos coletivos, de preferência não somente os da educação, para que seja apreciado; o coletivo inicial de discussão é o que geralmente tem a palavra final para dizer se o texto já o representa. Podemos afirmar que esse processo coletivo de discussão e aprendizado constitui um movimento dialético em que se parte da prática a fim de refleti-la retornando à prática de forma enriquecida, ou seja, à práxis.
De acordo com os estudos realizados por Caldart (2000) na produção inicial dos
princípios da educação do MST29 podem ser identificadas três fontes principais: a
experiência dos sujeitos que estavam diretamente envolvidos com o trabalho de
educação nos assentamentos e acampamentos; o próprio Movimento como um todo,
através de seus objetivos, princípios e aprendizados coletivos e alguns elementos de
teoria pedagógica presentes na prática de algumas professoras e também pedagogos
que começaram a ajudar na sistematização da proposta educativa do Movimento.
Destaca-se neste sentido a ênfase no estudo de Paulo Freire e também de alguns
pensadores e pedagogos socialistas: Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí,
sendo que estes dois últimos já eram estudados há mais tempo dentro do MST, pelas
contribuições que traziam a outros setores de atuação do Movimento.
Podemos afirmar como tentativa de síntese que o eixo fundamental da elaboração da
proposta educativa do MST desde o início foi e continua sendo a prática dos sujeitos
sem-terra e a construção de processos educativos ligados à realidade destes sujeitos
que vivem e trabalham no e do campo. É importante situarmos esse processo coletivo
de construção da proposta educativa do MST e percebermos como o Curso Pedagogia
da Terra vai trazer em sua estrutura organizativa muito dessas dimensões propostas
pelo Movimento: tais como a preocupação de que a formação dos professores para
atuarem nas escolas do campo deve ser diferenciada no sentido de respeitar a
realidade dos sujeitos que vivem e trabalham no meio rural; a vinculação da educação
com os processos sociais, políticos e econômicos; a necessária relação entre teoria e
prática e educação para a transformação da realidade social.
29 O Caderno de Educação número 8 intitulado: Princípios da educação no MST trazem uma síntese dos princípios filosóficos e dos princípios pedagógicos do Movimento, entre eles podemos destacar: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com/para valores humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e transformação humana; relação entre teoria e prática; a realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura; auto-organização dos estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; atitude e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Podemos perceber nestes princípios da educação do MST o modo diferente de conceber o ser humano e a educação e sua preocupação de garantir uma educação que respeite os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem no e do campo.
CAPÍTULO II
A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
“Ser educador do MST é ter o compromisso de desenvolver uma nova pedagogia, a pedagogia que liberta, a pedagogia que faz e que ajuda na transformação social”.30
Neste segundo capítulo buscaremos traçar em linhas gerais, sem a intenção de
aprofundar ou mesmo esgotar, o complexo e contraditório processo histórico da
educação brasileira para que melhor possamos entender o contexto em que se insere a
educação do campo. Nosso objetivo consistirá em analisar a luta de setores da
sociedade civil, movimentos estudantis, intelectuais, educadores, organismos e
instituições em prol de uma educação comprometida com os valores, a cultura e a
identidade dos sujeitos do campo.
Historicamente a educação foi privilégio de uma elite e esteve a seu serviço, mas é
preciso ver (e só se vê bem com a mente e o coração) e interpretar o movimento
contraditório da própria realidade percebendo nela a luta e os embates que se travaram
em defesa de uma educação de qualidade para todos. Constatamos que, durante os
primeiros séculos da época colonial, os jesuítas eram os únicos educadores do país. E,
preocupados com a difusão da fé e com a educação de uma elite, foram responsáveis
por terem criado um sistema educacional que, em última análise, fornecia à classe
dominante, representada principalmente pelos senhores de engenho, uma educação
humanista idêntica ao ideal europeu da época.
30 Frase dita por um aluno da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra quando foi perguntado sobre o que significava para ele ser professor do MST.
Segundo Romanelli (1998 p.33):
As condições objetivas que, portanto favoreceram essa ação educativa foram, de um lado, a organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da formação mesma dos padres da Companhia de Jesus. A primeira condição consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número restrito, porquanto estavam excluídos dessa minoria as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada.
A vinda da Família Real portuguesa para o Brasil em 1808 teve como conseqüência, no
campo cultural, a criação de escolas superiores e a preocupação com o
desenvolvimento do ensino destinado ao aprimoramento da cultura das elites em geral.
Mesmo assim, esse aprimoramento já vinha com atraso ao Brasil. A Independência do
Brasil é um marco importante nessa segunda fase. Após a sua proclamação, uma das
primeiras preocupações da Assembléia Legislativa Constituinte fora a tentativa de
legislar sobre a educação. Conforme análises feitas por Speyer (1983) após seis meses
de conturbado funcionamento, a Comissão de Instrução Pública produziu dois projetos
de lei referentes à educação pública: o projeto do Tratado de Educação para a
Mocidade Brasileira e o projeto de Criação de Universidade.
Depois de inúmeras propostas em favor da educação popular, a nova Comissão de
Instrução apresentou à Câmera dos Deputados, em 1827, um projeto de lei que
propunha a criação de escolas primárias. No final do mesmo ano, em 15 de outubro, foi
sancionada a primeira Lei sobre a instrução pública nacional que foi o Decreto das
Escolas das Primeiras Letras. De acordo com os estudos realizados por Romanelli
(1998) marco significativo nessa caminhada de decretos, reformas e legislação é o
parecer-substitutivo de Rui Barbosa em 1882 que aponta a miséria absoluta em que se
encontra o ensino popular.
Este parecer, apresentado à Assembléia Geral, em nome da Comissão de Instrução
que estudou a reforma Leôncio de Carvalho31, embora não tenha provocado ação
conseqüente, é um marco de destaque no panorama educacional brasileiro. O
resultado de sua apresentação foi inexpressivo em termos de ação, mas teve o mérito
de elaborar diagnóstico exaustivo e realista da situação educacional, apresentando três
teses básicas que perduram até os dias de hoje: a necessidade da interferência federal
em favor do ensino elementar universal e obrigatório; a necessidade de uma política
nacional de educação; a necessidade de criação de fundos para o financiamento das
atividades educativas. A Constituição da República de 1891, que institui o sistema
federativo de governo, consagrou o sistema dualista de ensino que vinha mantendo-se
desde o tempo do Império. Era de fato, a nova oficialização da distinção entre a
educação da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores)
e a educação do povo (escolas primárias e escolas profissionais).
A realidade educacional refletia diretamente a brutal desigualdade da organização da
sociedade brasileira. O quadro político da República Velha se altera com a Primeira
Guerra Mundial. As modificações provocadas pela Primeira Guerra Mundial na vida do
país favoreceram o surgimento de novas discussões dos problemas educacionais
brasileiros. Na década de 20 aparecem os primeiros educadores a introduzirem idéias
da escola renovada, estimulando preocupações com a qualidade do ensino. A origem
de todos os nossos problemas é atribuída à precária situação do ensino no país e
iniciam-se as primeiras campanhas contra o analfabetismo. De acordo com Ribeiro
(1998, p.99) o modelo de escolarização que estava sendo assinalado era o da Escola
Nova:
O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem caracterizam a década dos anos 20, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos diversos níveis e tipos.
31 Leôncio de Carvalho entendia que muito havia a ser feito para imprimir um impulso à educação. Entre as medidas necessárias estavam: liberdade de ensino; o exercício do magistério era incompatível com o de cargos públicos e administrativos; liberdade de freqüência, ou seja, dar liberdade para os alunos dos cursos, secundário e superior estudarem como e com quem entendessem. À escola caberia, especialmente, ser severa nos exames.
É essa inclusão sistemática dos assuntos educacionais nos programas de diferentes organizações que dará origem àquilo que na década de 20 está sendo denominado de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico.
O ano de 1922 reúne eventos significativos que assinalam o princípio de uma nova
conjuntura que virá eclodir apenas com a Revolução de 30.32 Foram programados e
realizados vários congressos e conferências, onde eram debatidos os princípios
fundamentais que deveriam orientar a educação nacional. E, nestes debates, duas
orientações se conflitavam. Uma, era já tradicional, representada pelos educadores
católicos, que defendiam a educação subordinada à doutrina religiosa (católica), a
educação em separado e, portanto, diferenciada para os sexos masculino e feminino, o
ensino particular, a responsabilidade da família quanto à educação etc.
A outra, era representada pelos educadores influenciados pelas “idéias novas” e que
defendiam a laicidade, a co-educação, a gratuidade, a responsabilidade pública em
educação. A escola, pública, gratuita e leiga era vista pelos educadores como a
situação ideal, justamente com vistas ao atendimento das aspirações individuais e
sociais, o que equivale ao contrário de qualquer imposição orientadora, quer seja de
ordem religiosa, quer seja de ordem política.
Foi a partir da Revolução de 1930 que se intensificou a participação do governo central
em todos os níveis do sistema escolar. A concentração demográfica que se deu em
decorrência das transformações sociais e econômicas por que passava o país, levou a
uma crescente concentração de renda no setor industrial, que resultou na concentração
das unidades escolares nos centros de maior densidade demográfica.
32 Na verdade o que se convencionou chamar de Revolução de 1930 foi o ponto alto de uma série de revoluções e movimentos armados que, durante o período compreendido entre 1920 e 1964, se empenharam em promover vários rompimentos políticos e econômicos com a velha ordem social oligárquica. (Romanelli,1998)
A escolarização urbana passou a fazer parte desse ideário como suporte para a
industrialização, e, a priori, o processo escolar rural permaneceu inalterado, o qual
segundo Maia (1982, p. 28) estava:
Comprometido com a manutenção do “status-quo”, contribui para uma percepção viesada da contradição cidade-campo como algo “natural”, concorrendo conseqüentemente para sua perpetuação. Ao que parece, a grande “missão” do professor rural seria a de demonstrar as “excelências” da vida no campo, convencendo o homem a permanecer marginalizado dos benefícios da civilização urbana.
As proposições getulistas do Estado Novo33 de certa forma mantiveram a tradição dual
da escola brasileira, garantindo a obrigatoriedade e a gratuidade da escolaridade,
porém, dando ênfase ao trabalho manual nas escolas primárias e secundárias e ao
desenvolvimento de uma política educacional voltada para o ensino vocacional urbano
destinado especialmente às classes populares.
Com base num processo de industrialização amplo, Getúlio, através de seu ministro
Gustavo Capanema34, estipulou primeiramente uma escolaridade voltada para a
capacitação profissional, mediante as novas exigências do mercado de trabalho. Fica
reafirmada aqui, a discriminação e a dualidade do processo educacional brasileiro. A
reforma Capanema, iniciada em 1942 vigorou até a aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em 1961.
33 É difícil chegar-se a um consenso sobre o que representou o Estado Novo para a vida nacional. Para uns, ele foi o golpe de morte nos interesses latifundiários e o favorecimento dos interesses da burguesia industrial. Para outros, ele favoreceu as camadas populares, com amplo programa de Previdência Social e Sindicalismo. Para outros, ainda, ele foi o resultado da união de forças entre o setor moderno, o setor arcaico e o capital internacional, contra os interesses das classes trabalhadoras. Segundo Nelson Wernek Sodré, por exemplo, foi da aliança da burguesia com o latifúndio e o imperialismo que nasceu o Estado Novo, para fazer frente aos movimentos de oposição que tinham surgido em 1935.34 Segundo Ribeiro (1998, p.147) em 1942 foi decretada a reforma Capanema, que abrangeu o ensino secundário e técnico-industrial. Assinalando o caráter educativo do ensino secundário de formação da personalidade acompanhada de uma cultura geral, estabeleceu uma uniformidade de currículo e de organização.
2.1 A Luta por uma Educação Popular35: Antecedentes da Luta por uma Educação do Campo
Durante o Governo Vargas o Estado assumiu mais ativamente a tarefa de propulsor do
desenvolvimento, assentando as bases para a implantação da indústria pesada. No
entanto, foi no Governo de Kubitschek que o processo de internacionalização de nossa
economia se intensificou com a política do desenvolvimentismo36 e do incentivo à
industrialização. Com isso, no transcorrer do governo de Juscelino, há uma tentativa de
conciliar o modelo político - nacional-desenvolvimentista - com o modelo econômico –
substituição de importações em sua segunda fase, agora contando basicamente com a
participação do capital estrangeiro.
Sendo assim, os anos de 1956 a 1961, constituíram o período “áureo” do
desenvolvimento econômico, aumentando as possibilidades de emprego, mas
concentrando os lucros marcadamente em setores minoritários internos e, mais que
tudo, externos. Como se vê é a partir da segunda metade do século XX que o Brasil
experimenta um aumento no seu parque industrial acompanhado do processo de saída
do homem do campo para as cidades. As mudanças introduzidas nas relações de
produção e, sobretudo, a concentração cada vez mais ampla da população em centros
urbanos tornaram imperiosa a necessidade de se eliminar o analfabetismo e dar um
mínimo de qualificação para o trabalho a um número maior de pessoas.
35 Estamos empregando o termo educação popular no sentido de ser gratuita, universal e de qualidade. Portanto em contraposição ao projeto dual de educação forjado na história de nosso país em que se criou uma educação para as elites e uma educação para o povo; a primeira visava formar os dirigentes através do ensino humanístico e a segunda tinha como objetivo apenas a formação técnica, destinada às massas (divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual). A educação popular que defendemos implica uma educação de qualidade para todos, em que se valorize os saberes, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que nela estão envolvidos.36 Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart venceram as eleições com o programa de fazer o Brasil progredir “50 anos em 5”, atacando o problema das estradas, da energia, dos transportes e a construção de Brasília.
A partir dos estudos realizados por Romanelli (1998) podemos afirmar que o
capitalismo, notadamente, o capitalismo industrial, engendra a necessidade de fornecer
conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria
produção, seja pelas necessidades de consumo que essa produção acarreta. Se de um
lado o acesso à leitura e à escrita representava uma forma de sobrevivência e
expansão do próprio sistema capitalista, contraditoriamente, ou ao mesmo tempo,
representava a possibilidade de emancipação das massas oprimidas.
Para Leite (2002) as discussões sobre a educação, acontecidas na década de 193037,
adiantaram as proposições que surgiram em meados da década de 1940, pois,
terminada a II Guerra Mundial e, em conformidade com a política externa norte-
americana de Educação das Populações Rurais, que tinha como objetivo a implantação
de projetos educacionais na zona rural e o desenvolvimento das comunidades
campesinas: mediante a criação de Centros de Treinamento (para professores
especializados que repassariam as informações técnicas aos camponeses), a
realização de Semanas Ruralistas (debates, seminários, encontros, dia-de-campo), e
também a criação e implementação dos chamados Clubes Agrícolas e dos Conselhos
Comunitários Rurais. Assim de acordo com Leite (2002) o objetivo imediato da
Extensão Rural foi o combate à carência, à subnutrição e às doenças, bem como à
ignorância e a outros fatores negativos dos grupos empobrecidos no Brasil,
principalmente aqueles que integravam as sociedades rurais, classificadas como
desprovida de valores, de sistematização de trabalho ou mesmo de capacidade para
37 A preocupação dos educadores com uma política nacional de educação pode ser percebida através de todo o texto do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por numerosos educadores. Destacamos do texto alguns princípios: a educação é considerada em todos os seus graus como uma função social e um serviço essencialmente político que o Estado é chamado a realizar com a cooperação de todas as instituições sociais; Cabe aos estados federados organizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com os princípios e as normas gerais estabelecidos na Constituição e em leis ordinárias pela União, a quem compete a educação na capital do país, uma ação supletiva onde quer que haja deficiência de meios e a ação fiscalizadora, coordenadora e estimuladora pelo Ministério da Educação; o sistema escolar deve ser estabelecido nas bases de uma educação integral; em comum para os alunos de um e outro sexo e de acordo com suas aptidões naturais; única para todos, e leiga, sendo a educação primária (7 a 12 anos) gratuita e obrigatória; o ensino deve tender progressivamente à obrigatoriedade até 18 anos e à gratuidade em todos os graus.
tarefas socialmente significativas. Os princípios teóricos que sustentavam o Programa
de Extensão Rural primavam pela organização comunitária dos sujeitos do campo.
Embora o campo tenha ampliado e melhorado seu nível de vida, as condições de
dependência político-ideológico foram reforçadas e a vivência democrática e cidadã
ficou mais uma vez submetida à vontade dos grupos dominantes.
2.2 A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER)
Como vimos anteriormente se de um lado o acesso à leitura e à escrita representava
uma forma de sobrevivência do próprio sistema capitalista, contraditoriamente, ou ao
mesmo tempo, representava a possibilidade de emancipação das massas oprimidas.
Neste contexto é que situamos a Campanha Nacional de Educação Rural. A partir dos
estudos realizados por Paiva (1987) podemos afirmar que a CNER nasceu em 1952,
depois da realização da experiência de Itaperuna38.
Através das Missões Rurais a Campanha deveria promover entre as populações do
campo a consciência do valor da entreajuda para que os problemas locais pudessem
ser resolvidos e seu trabalho se consolidava e institucionalizava através da criação de
Centros Sociais de Comunidade. A CNER tinha como objetivo contribuir para acelerar o
processo evolutivo do homem rural, nele despertando o espírito comunitário, a idéia de
valor humano e o sentido de suficiência e responsabilidade para que não se
acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde
tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a disseminação de
endemias, a consolidação do analfabetismo, a subalimentação e o incentivo às
superstições e crendices. Ainda de acordo com Paiva (1987) as atividades da
38 Esta experiência, iniciada em 1950, tinha como objetivo principal obter o maior número possível de elementos que permitissem indicar, no plano nacional, diretrizes técnicas de processos educativos e assistenciais visando à melhoria das condições de vida econômica e social do meio rural. O método de trabalho seria, de início, o de organização social da comunidade; o instrumento de execução seria uma Missão Rural de Educação de Adultos. Para tanto foi escolhido o município de Itaperuna não somente pelos índices demográficos, extensão territorial ou importância econômica, mas principalmente pela grande variedade de situações econômico-sociais em que viviam as populações dos seus distritos onde encontram-se comunidades decadentes e subdesenvolvidas próximas de comunidades prósperas.
Campanha Nacional de Educação Rural tinham dois pontos básicos de apoio: as
Missões Rurais, cuja metodologia derivava da experiência de Itaperuna e os Centros de
Treinamento (destinados aos professores leigos, à preparação dos filhos de agricultores
para as atividades agrárias e à preparação de técnicos em audiovisuais aplicados à
educação de base). A CNER desenvolveu suas atividades entre 1952 e 1963, quando
foi extinta juntamente com as demais campanhas do MEC, chegando a atuar em
numerosos Estados do país (principalmente no Nordeste) e a manter 18 Missões em
funcionamento que logo após foram desativadas. Centrada na ideologia do
desenvolvimento comunitário, a modernização do campo nada mais foi do que a
internacionalização da economia brasileira aos interesses monopolistas e capitalista, e
a CNER, ao realizar seu trabalho educativo, desconsiderou a realidade do campesinato
brasileiro em seus aspectos culturais, políticos e sociais. Além disso, as lutas ou
reivindicações das minorias rurais ficaram obscurecidas, sucumbindo frente aos
interesses capitalistas hegemônicos. Segundo Leite (2002) quanto à filosofia da CNER,
a Campanha limitou-se a repetir fórmulas tradicionais de dominação, uma vez que ela
não trouxe à tona, em suas discussões, os mecanismos verdadeiros da problemática
rural.
2.3 A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA)
Para Paiva (1987) a CNEA foi criada em 1958 e pretendia ser um programa
experimental destinado à educação popular em geral. Ela surgiu no momento em que
se iniciava no país uma nova etapa da educação de adultos: reconhecia-se
amplamente a ineficácia das Campanhas anteriores e mobilizavam-se os educadores
em busca de novas soluções para o problema, com a criação do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE)39 um setor destinado ao estudo dos problemas de
39 O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais foi criado oficialmente pelo decreto n. 38.460 de 28/12/1955 e funcionou na sede do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). O INEP por sua vez foi criado pela Lei 580 de 30/07/1938. O CBPE desenvolveu atividades com o intuito de fortalecer o processo de formação de profissionais e pesquisadores na área de educação em nosso país. Para tanto contou com o apoio dos Centros Regionais que funcionavam como pólos que o representavam nos estados de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife.
educação e ciências sociais. A criação da Campanha já era resultado de todo um
processo de busca de soluções em andamento desde finais de 1956, quando alguns
educadores e economistas ligados ao governo Juscelino Kubitschek começaram a
rejeitar a idéia de que o desenvolvimento econômico é que criaria condições para
elevar o nível educacional. A rejeição desta idéia implicava propor que o
desenvolvimento educacional é pré-condição para o crescimento econômico; acreditar
que o desenvolvimento econômico e a mudança orgânica da sociedade brasileira
dependiam, principalmente, da formação do homem. De acordo com as análises feitas
por Leite (2002) em relação aos problemas da educação no meio rural as Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024 de 21-12-61) e a Reforma do
Ensino de Primeiro e Segundo Graus (Lei n. 5.692 de 11-8-71) trouxeram muito pouco.
Suas virtudes estão na abertura que concederam. Deixando sob a responsabilidade dos
municípios a estruturação da escola fundamental na zona rural, a Lei 4.024/61 omitiu-se
quanto à escola no campo, uma vez que a maioria das prefeituras municipais do interior
é desprovida de recursos humanos e, principalmente, financeiros.
Os estudos realizados por Paiva (1987) mostram que em meados da década de 1960, o
país vivenciou o início da crise do modelo desenvolvimentista através das ondas
migratórias das populações carentes do meio rural para os grandes centros urbanos; do
Golpe Militar de 1964, que modificou extremamente a estrutura sócio-política do país e
cristalizou o modelo de dependência econômica do Brasil em relação aos países do
bloco capitalista; da anulação dos direitos civis e da cidadania; do desenvolvimento do
“milagre econômico” e da aproximação do país do Fundo Monetário Internacional (FMI).
É nesse contexto que constatamos a penetração incisiva da Extensão Rural e de sua
ideologia no campo. Na contramão dessa ideologia e na perspectiva de um projeto de
sociedade e educação alternativo situam-se os trabalhos de Freire (1970) e Wanderley
(1984), Paiva (1987). É também neste período que surgem os movimentos de
educação popular buscando conscientizar a população adulta para que tomasse parte
ativa na vida política do país.
Paiva (1987) em sua tese “Educação Popular e Educação de Adultos” apresenta
enfoques bastante pertinentes sobre a educação popular, inclusive no meio rural. A
obra de Freire (1970) igualmente, se concentra nas experiências de educação de
adultos. Freire (1970) não buscou sistematizar nem a educação formal, nem a informal,
mas a partir da práxis dos grupos de periferias urbanas e/ou da zona rural, revolucionou
a prática educativa, criando os métodos de educação popular, tendo por suporte
filosófico-ideológico os valores e o universo sociolingüístico-cultural desses grupos.
Dialeticamente percebido, no confronto entre escola formal/tradicional e educação
informal/popular, rompeu com a dicotomia até então presente e vivenciada pela escola
brasileira, na tentativa de possibilitar uma educação voltada para a solidariedade, para
a práxis, em que a dimensão social, política, econômica e cultural constituíssem a
tessitura do processo ensino-aprendizagem. Sua proposta foi amplamente utilizada,
levando-se em consideração o trabalho do Movimento de Educação de Base (MEB) e
as rupturas ideológicas sócias-políticas internas acontecidas a partir de 1964 em
relação à Ditadura Militar.
O Movimento de educação popular ganhou inúmeros seguidores e rapidamente se
espalhou pelo país, não só como forma de resistência e/ou contestação ao processo
escolar subalternas, mas também como nova metodologia de alfabetização de adultos.
De certa forma fundamentadas no método de Freire (1970), várias comunidades rurais
desenvolveram a “educação libertadora”, geralmente com o apoio de grupos
progressistas, partidos políticos e pessoas engajadas em ideologias socializantes. O
enfoque principal do método de Freire (1970) é a conscientização do cidadão ante as
pressões advindas do capitalismo excludente e seu papel diante das distorções
histórico-sociais por ele produzidas. Objetivamente, é uma pedagogia que contraria os
princípios básicos de uma escola voltada para a submissão e subserviência das classes
trabalhadoras, bem como para o acatamento irrestrito aos planejamentos econômico-
capitalistas.
2.4 O Movimento de Educação de Base (MEB)
Segundo Wanderley (1984) e Paiva (1987) os movimentos que surgiram na primeira
metade da década dos anos 60 lutavam pela transformação das estruturas sociais,
econômicas e políticas do país; buscavam criar a oportunidade de construção de uma
sociedade justa e humana. Além disso, fortemente influídos pelo nacionalismo,
pretendiam o rompimento dos laços de dependência do país com o exterior e a
valorização da cultura autenticamente nacional, a cultura do povo. A perspectiva
educativa desses movimentos caracteriza-se por métodos pedagógicos adequados à
preparação do povo para a participação política. Esses métodos combinam a
alfabetização e educação de base40 com diversas formas de atuação sobre a
comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da
cultura popular e a conscientização da população em relação às condições sócio-
econômicas e políticas do país.
Podemos destacar como principais movimentos: os Centros Populares de Cultura, os
Movimentos de Cultura Popular e o Movimento de Educação de Base os quais
caracterizam-se como movimentos de contestação da ordem social vigente41. Segundo
os estudos realizados por Paiva (1987) podemos afirmar que o MEB aparece em 1961,
ligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e ao governo da União,
caracterizando-se, no ano seguinte, como movimento de cultura popular. Os primeiros
passos no sentido da criação do MEB foram dados ainda antes da posse de Jânio
40 Segundo Luiz Eduardo Wanderley (1984) uma educação de base é aquela que proporciona os conhecimentos mínimos para se levar uma vida humana. Educação de base não é, portanto, aquela que é primeira apenas temporalmente, ou seja, inicial, como é a alfabetização para a instrução, mas que é primeira na medida em que é a mais radical para o ser humano. Se a educação de base pretende dar os conhecimentos mínimos para se viver humanamente, ela não se afirma somente como a educação inicial, mas parte do fundamento último, portanto, princípio primeiro daquilo que torna a própria vida, humana, ou seja, parte do que é mais radical: a própria exigência da pessoa humana de se humanizar.41 É importante diferenciar esses movimentos dos Programas de Extensão Rural patrocinados pelos organismos internacionais. Ao contrário dos Programas e das Missões de Extensão Rural, esses movimentos buscavam desenvolver junto com o povo a sua cultura, seus valores a fim de que adquirissem consciência crítica e possibilitasse ações concretas de libertação popular e a luta pela transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas injustas.
Quadros. Foi dirigida uma carta ao presidente eleito propondo a criação de um
movimento educativo sob a responsabilidade da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Aceitando a proposta, o novo presidente da República, através do
decreto n. 50.370 de 21 de março de 1961 determinou que o governo federal forneceria
recursos para a realização de um Movimento de Educação de Base por intermédio das
emissoras católicas, através de convênios com o MEC e outros órgãos da
administração federal. De acordo com Paiva (1987 p.241):
Tomando como base a idéia de que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da transformação do mundo. Esta transformação, no Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um movimento engajado com o povo nesse trabalho de mudança social, comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou qualquer instituição que pretende substituir o povo.
Durante seu primeiro ano de funcionamento o MEB tratou da organização do sistema
de rádio-educação, concentrando suas atividades no Nordeste. Para Paiva (1987) as
atividades do MEB tinham como unidade básica de organização o sistema, composto
de professores, supervisores, locutores e pessoal de apoio que se encarregavam da
preparação dos programas e de sua execução através da emissora da diocese local e
do contato com as classes. Progressivamente, refletem-se no movimento as
transformações do pensamento cristão no Brasil e a crise atravessada pela Juventude
Universitária Católica (JUC). A mobilização político-ideológico do período exercerá
influência no MEB que, a partir de 1962, começa a caracterizar-se como um movimento
de cultura popular e a buscar uma metodologia que fosse além da mera organização de
escolas radiofônicas. De acordo com Paiva (1987) o MEB tinha como meta inicial
oferecer à população rural oportunidade de alfabetização num contexto mais amplo de
educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua
preparação para as reformas básicas, tais como a reforma agrária.
Fundamentalmente visava oferecer uma educação de base que levasse o camponês a
uma concepção de vida, tornando-o consciente de seus valores físicos, espirituais,
morais e cívicos; um estilo de vida que guiasse seu comportamento nas esferas
pessoal, familiar e social; e uma mística de vida que atuasse como uma força interior
que assegurasse dinamismo e entusiasmo no cumprimento dos seus deveres e no
exercício de seus direitos. Os estudos realizados por Wanderley (1984) e Paiva (1987)
nos permitem afirmar que embora o MEB pretendesse responder a perguntas mais
abstratas sobre a existência humana, ele também colocava entre seus objetivos
oferecer respostas às questões relativas ao comportamento social, tais como o
conhecimento do meio, o valor da ajuda mútua e da solidariedade, da moderação, da
propriedade, da família e do trabalho: o trabalho humano e sua história, trabalho e
capital, organização e nobreza do trabalho, consciência profissional e de classe e
sindicalização.
À medida que o trabalho se desenvolvia e que se difundiam as novas idéias sociais
cristãs, os agentes do MEB começaram a ansiar por uma reinterpretação do papel, dos
objetivos e dos métodos do movimento. O I Encontro de Coordenadores, realizado em
dezembro de 1962, concluiu pela necessidade dessa tarefa, tomando como base a
idéia de que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da
transformação do mundo. Neste sentido conforme Paiva (1987) o MEB redefine sua
linha de ação engajando-se na luta pela transformação da sociedade. Aceitando o
postulado de que a luta entre as classes existe no Brasil, assim como em toda
sociedade onde os desequilíbrios sociais causam conflitos entre os interesses dos
diversos grupos, o MEB definia sua posição nessa luta colocando-se na defesa das
classes menos favorecidas. Recusava-se o papel de ser um movimento paliativo ou
veículo de alienação do povo, em face da injusta situação sócio-econômica do nosso
país, pois considerava que, do ponto de vista cristão, salvar homens no Brasil, implica
em criar as condições para que os mesmos conquistem sua dignidade e humanidade; a
promoção humana estava intimamente ligada à preparação para a participação na vida
econômica, social e política do país através da conscientização.
Esta conscientização não se esgotava na consciência histórica, mas se calcava sobre
as próprias exigências de humanização das pessoas. O humanismo cristão assumia
uma dimensão histórica e comprometia-se com a transformação social e o combate à
dominação de uns homens sobre os outros.
2.5 O Processo Educativo no MEB
Conforme os estudos de Wanderley (1984) o processo educativo no MEB girava em
torno de noções fundamentais, tais como: pessoa, ação humana, homem como agente
de criação de cultura, comunicação entre os homens, trabalho revelador do sentido do
homem e de sua transcendência sobre o mundo, criatura humana feita à imagem e
semelhança de Deus, mudança de atitudes, capacitação das comunidades,
conscientização e animação popular.
a educação de base sintetiza dois aspectos: um engajamento real, uma resposta às necessidades concretas de humanização, aqui e agora; a universalidade de seus fundamentos, para que, enquanto se personaliza na História, o homem possa sempre afirmar seu sentido transcendente (Idem, ibidem, p.109).
Considerando a formação integral e total do homem, entende-se como educação de
base o processo de autoconscientização das massas, para uma valorização plena do
homem e uma consciência crítica da realidade. Uma educação que parte da realidade
dos oprimidos, integrada em uma autêntica cultura popular, que leve a uma ação
transformadora. Os objetivos do MEB se concretizam em conscientização, mudança de
atitudes e capacitação das comunidades. Neste sentido destaca-se o método de
educação proposto por Freire (1975 p.107):
Mas como realizar esta educação? Como proporcionar ao homem meios de superar suas atitudes, mágicas ou ingênuas, diante de sua realidade? Como ajudá-lo a criar, se analfabeto, sua montagem de sinais gráficos? Como ajudá-lo a inserir-se? A resposta nos parecia estar: num método ativo, dialogal, crítico
e criticizador; na modificação do conteúdo programático da educação; no uso de técnicas como o da Redução e da Codificação.
Ao antidiálogo, Freire (1970) opõe o diálogo, enquanto método para conseguir o que
era pretendido. Para que se procedesse à mudança do conteúdo, necessário se fez,
como primeira fase de elaboração e execução prática do método, o levantamento do
universo vocabular dos grupos; como segunda fase, a escolha das palavras geradoras
selecionadas no universo vocabular pesquisado; como terceira etapa, a criação de
situações existenciais típicas do grupo; como quarta fase, a elaboração de fichas-roteiro
que auxiliassem os coordenadores e, como quinta etapa, a feitura de fichas com
decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores. Para
o MEB a conscientização ocorre quando os educandos tomam consciência de seus
valores, da significação vivencial de seu trabalho de Homem no mundo. O Movimento
de Educação de Base entende que a conscientização é intrínseca à própria educação,
pois ela significa ajudar alguém a tomar consciência do que é (consciência de si), do
que são os outros (consciência da alteridade) e do que é o mundo (coisa intencionada),
que são os três fundamentos de toda educação integral. A mudança de atitudes está
intimamente relacionada à conscientização, representa disposição para a ação
consciente e livre, a partir da compreensão e da crítica das situações concretas.
A mudança de atitude se expressa na autocrítica, na valorização de si e do outro, na
mudança e na cooperação. A capacitação representa informação e habilitação, em
termos de capacidade de análise, de produção e de organização. Para Wanderley
(1984) o método educativo proposto pelo MEB se fundamenta nas seguintes ações: ler,
escrever e interpretar textos com situações e vocabulário próprio de lavradores;
distinguir e identificar as principais relações, que existem entre as instituições e
estruturas sociais, econômicas, políticas e religiosas mais importantes e suas principais
tendências; as técnicas de produção são classificadas em saber utilizar os
procedimentos básicos de higiene e saúde; saber utilizar as operações matemáticas
necessárias às suas relações de produção e consumo; saber utilizar a legislação e os
costumes referentes a sua realidade; saber dinamizar as potencialidades econômicas
da comunidade onde vive; e por último os elementos de organização são classificados
em conhecer as técnicas de trabalho em grupo; conhecer a legislação básica sobre
associações; saber fundar e dinamizar clubes, sindicatos e cooperativas. Ao tratar da
autoconscientização, consciência crítica da realidade, partindo das necessidades e dos
meios populares de libertação, integrados na cultura popular, reconhecia-se a
existência prévia de um conhecimento popular e que deveria ser desenvolvido,
transformado, com a ajuda dos agentes do MEB. O MEB tinha clareza de que o
conhecimento é uma forma de poder e que elevar o conhecimento do trabalhador rural
seria a alavanca propulsora de outras práticas sociais dos educandos. A prática
educativa do MEB questionava o poder dominante na sociedade e fornecia elementos
mínimos para que os educandos populares descobrissem seus próprios meios e
caminhos de aprimorar o conhecimento adquirido a fim de transformar a realidade em
que viviam e a do país. A relação entre teoria e prática constitui um dos componentes
fundamentais do processo educativo do MEB. Ela se manifesta na prática educativa
dos educandos e dos monitores das comunidades.
Vinculando-se à prática dos educandos, numa atitude de escuta e aprendizado, o
educador recria a teoria partindo da prática, redimensionando os seus conceitos tendo
como base as exigências do trabalho, questionando a realidade concreta em que vivem
os trabalhadores e o real estágio de sua consciência de classe; enfim passa a acreditar
que o próprio povo é capaz de, à sua maneira de elaborar a teoria que nasce da
prática, e assim, traçar o rumo de sua ação. Que relação há entre o MEB e o Curso
Pedagogia da Terra? Em que sentido a metodologia utilizada pelo MEB pode ser
importante para pensarmos e analisarmos o Curso Pedagogia da Terra? Tem o MEB
dimensões educativas que se fazem presentes no Curso Pedagogia da Terra e
contribuem para o fortalecimento da educação do campo? Como veremos no último
capítulo do presente trabalho o Curso Pedagogia da Terra traz em seus diferentes
espaços-tempos-saberes42 diversos componentes educativos presentes no MEB. Assim
como o MEB tinha como um dos seus objetivos oferecer à população rural oportunidade
42 Sobre os espaços-tempos-saberes que constituem o movimento de formação dos professores sem terra será trabalhado no último capítulo da dissertação.
de alfabetização, buscando ajudar na promoção do homem rural e em sua preparação
para as reformas básicas, tais como a Reforma Agrária; o Curso Pedagogia da
Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar profissionais com formação e
titulação adequados às características e aos desafios da realidade do campo, para
atuarem na escolarização da educação infantil até o ensino médio nas áreas de
assentamentos rurais. A qualificação de educadores traz também o sentido de suprir
uma deficiência histórica no meio rural, possibilitando o acesso ao ensino superior aos
jovens do campo. Podemos estabelecer relação entre o MEB e o Curso Pedagogia da
Terra/ES também nos aspectos social e político. O MEB como movimento educativo
engajou-se na luta pela transformação da sociedade e definiu sua luta colocando-se a
serviço da defesa das classes menos favorecidas; também o Curso Pedagogia da
Terra/ES em seu processo educativo busca aliar a formação técnica ao compromisso
político de transformação das estruturas sociais injustas em especial a luta pela reforma
agrária, marca histórica do MST. A dimensão política da formação do professor sem-
terra se manifesta no conjunto da organização do Curso e em seus diferentes espaços-
tempos-saberes. O MEB tinha uma concepção de educação que partia da realidade dos
oprimidos, integrada em uma autêntica cultura popular e a transformação da realidade.
O MEB buscou em Freire (1970) um dos seus teóricos mais importantes no sentido de
valorização dos saberes e da cultura popular.
Que contribuições têm o pensamento de Paulo Freire para pensarmos a educação do
campo e como ele se faz presente no Curso Pedagogia da Terra/ES? Como veremos
no último capítulo da dissertação os princípios da educação defendidos por Freire se
fazem presentes em todos os espaços-tempos-saberes formativos do Curso Pedagogia
da Terra/ES, desde a participação dos alunos que se dá através da prática da gestão
compartilhada nas decisões do Curso, passando pelo corpo docente que é selecionado
a partir de alguns critérios como, por exemplo, qualificação profissional, domínio de
conteúdos, experiência com movimentos sociais e afinidade com a metodologia
freiriana e fundamentalmente pela valorização dos saberes e da experiência dos alunos
que fazem o Curso. Os professores buscam partir da realidade dos alunos, interagindo,
dialogando, compartilhando e construindo coletivamente o conhecimento.
A problematização do conhecimento e sua importância como instrumento a serviço da
transformação da realidade, do resgate dos valores e da identidade dos sujeitos que
vivem e trabalham no campo é fundamental nesse processo. Se para o MEB a relação
teoria e prática é um dos componentes fundamentais no processo educativo,
manifestando-se na prática dos monitores e dos educandos; para o Curso Pedagogia
da Terra/ES a relação entre teoria e prática é extremamente importante constituindo um
dos pilares da formação do professor sem-terra. A relação teoria-prática está presente
nos espaços-tempos-saberes aula e no espaço-tempo-saber trabalho produtivo. O
primeiro diz respeito à carga horária de oito horas diárias de aula que os alunos
desenvolvem, contando com diferentes conteúdos das disciplinas que compõe a Grade
Curricular do Curso e o segundo diz respeito aos trabalhos práticos realizados durante
uma hora todos os dias, que podem ser: cuidado com a horta, pintura, capina, limpeza,
etc.
2.6 Os Centros Populares de Cultura (CPC)
De acordo com os estudos realizados por Paiva (1987) os Centros Populares de
Cultura, que floresceram em todo o país entre 1962 e início de 1964, tiveram como
ponto de partida o Centro Popular de Cultura surgido em 1961, em íntima ligação com a
União Nacional dos Estudantes (UNE). Os estudantes universitários questionaram a
marginalização do artista em relação à vida política e social do país e perceberam a
necessidade de atingir um novo público, mais amplo. A base de atuação do Centro
Popular de Cultura da UNE, era a rua e a produção de peças e sua montagem era a
sua principal atividade. Essas ações ecoavam em todo o país, através dos CPCs
criados nos diversos Estados e a elas somavam-se as produções locais. Apesar das
divergências, os diversos CPCs se uniam em torno do objetivo principal, o de contribuir
para o processo de transformação da realidade brasileira, principalmente através de
uma arte de conteúdo político. Optando pelo compromisso com as classes oprimidas, o
CPC orientava sua ação a partir da tese de que toda arte exprime uma ideologia e de
que, por isso, os artistas conscientes deveriam produzir uma arte que atuasse como
veículo de conscientização dessas classes. Esta seria uma arte popular revolucionária;
popular porque identificada com as aspirações fundamentais do povo e revolucionária
porque pretendia passar o poder a esse povo. Ao conceito de arte popular
revolucionária correspondia um conceito de cultura popular. Opondo-se à cultura
alienada que defende a autonomia do plano cultural e protesta contra a utilização das
estruturas culturais para a obtenção de fins extraculturais e à cultura desalienada que
abre a luta no plano da cultura, mas cuja ação se desenvolve, unicamente, dentro dos
marcos limitadores do mundo cultural. Para Paiva (1987 p. 234): “a cultura popular diria
respeito à consciência que imediatamente deságua na ação política e cujo propósito
último é a educação revolucionária das massas; a cultura popular era, portanto a cultura
produzida pelo povo”.
Como veremos no último capítulo desse trabalho o Curso Pedagogia da Terra/ES, em
seu espaço-tempo-saber mística desenvolve atividades (teatro, dança, música)
buscando suscitar uma reflexão que envolve aspectos do cotidiano do curso, ao mesmo
tempo, chama nossa atenção e nos sensibiliza para uma atitude de contestação social
e de luta por uma sociedade onde não haja exploradores e explorados, cujos alicerces
se encontram na justiça social. Ao participar das aulas da disciplina de Artes que
compõe a grade curricular do Curso Pedagogia da Terra/ES observamos que a
professora valorizava as expressões artísticas e culturais dos alunos, possibilitando um
resgate dos valores e da cultura desses sujeitos e de sua realidade campesina. Nesse
sentido destacamos a fala da professora Maria Aparecida que lecionou a disciplina
Artes e Educação II:
Acho que vimos um pouco isso quando a gente fala da inserção da vida nos espaços do curso. A arte que eu acredito e defendo não consegue penetrar em todos os lares como a mídia consegue com essas porcarias que se apresentam enquanto produção cinematográfica, enquanto produção de novela, enquanto produção de musical, as coisas que aparecem são muito pobres; do ponto de vista de arte mesmo, como valor cultural, como possibilidade de libertação e de expressão de um homem para outro homem, de uma mulher para outra mulher, de um ser humano para outro ser humano!
A arte nesse sentido tem uma dimensão de recuperar a humanidade dos excluídos,
daqueles sujeitos que estão à margem da sociedade, de legitimarem os seus saberes e
de libertá-los de todas as formas de subjugação. A arte como manifestação e
recordação da memória, da história, dos valores e da identidade dos sujeitos do campo.
2.7 Os Movimentos de Cultura Popular (MCP)
Com base nos estudos realizados por Wanderley (1984) podemos afirmar que os
Movimentos de Cultura Popular se originaram no Movimento de Cultura Popular de
Recife, criado em maio de 1960 e ligado à prefeitura de Recife. O movimento nasceu da
iniciativa de estudantes universitários, artistas e intelectuais pernambucanos que se
aliaram ao esforço da prefeitura da capital no combate ao analfabetismo e elevação do
nível cultural do povo, buscando aproximar a juventude e a intelectualidade do povo,
sob a influência de idéias socialistas e cristãs. Para Paiva, (1987, p. 236):
O movimento pretendia encontrar uma fórmula brasileira para a prática educativa ligada às artes e à cultura do povo e suas atividades estavam voltadas, fundamentalmente, para a conscientização das massas através da alfabetização e da educação de base. Esta fórmula foi encontrada no próprio contato com as massas, a partir do qual as atividades do MCP começaram a se diversificar.
Neste sentido o movimento passou a atuar através do teatro, da organização de
núcleos de cultura popular, do incentivo e divulgação das artes plásticas e artesanato,
do canto, da dança e da música popular, da construção de praças, centros e parques
de cultura, da organização de cine e teleclubes e de galerias de arte popular, além de
atividades educativas sistemáticas destinadas à alfabetização. Pretendia-se
compreender a cultura popular, ou seja, interpretar e sistematizar aquilo que houvesse
de mais específico e significativo na cultura do povo, valorizando a produção cultural
das massas e criando condições para que o povo pudesse não somente produzir como
também usufruir sua própria cultura, orgulhando-se dela.
Assim como os Movimento de Cultura Popular, podemos afirmar que o Curso
Pedagogia da Terra/ES possibilita o resgate e a valorização da cultura, dos valores e da
identidade dos sujeitos do campo:
A gente tem uma discussão hoje muito profunda sobre qual é a cara do homem do campo. E ao longo de todo o processo capitalista neoliberal que foi imposto pra gente, o homem do campo se descaracterizou muito, nós perdemos a nossa cultura, as nossas tradições e assimilamos uma cultura externa à nossa que foi imposta a nós. O importante pra gente não é dar uma nova cara para o homem do campo e sim resgatar no homem do campo o que foi perdido realmente. Nós queremos resgatar as culturas nossas que foram perdidas, fazer um resgate de nossa cara enquanto camponês, que não é cara feia, suja, a unha cheia de terra que foi colocado pra gente. Antigamente quase todo mundo era do campo e ninguém tinha vergonha de ser do campo, então a gente tem de resgatar esse orgulho de ser da roça. Eu tenho orgulho de estar na roça capinando. Plantar uma semente pra mim é a maior dádiva que existe de poder plantar meu milho e ver meu milho crescer sem precisar usar veneno, um milagre da vida. A verdadeira cara do camponês, do caipira, do da roça é essa! (Aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).
A valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e o estímulo ao
desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionavam no MCP, como a própria
condição de diálogo entre a intelectualidade e o povo: partia-se da arte para chegar à
análise e à crítica da realidade social. Segundo Paiva (1987) buscava-se desta forma a
autenticidade da cultura nacional, a valorização do homem brasileiro, a desalienação da
nossa cultura; a conscientização da massa popular, a formação de uma consciência
política e social que preparasse o povo para a efetiva participação na vida do país. É
importante estabelecermos uma certa relação entre o MCP e o Curso Pedagogia da
Terra/ES. Podemos perceber esse processo de alfabetização como algo que vai além
do aprender a ler e a escrever, na valorização dos valores, da cultura e da identidade
dos sujeitos do campo em uma entrevista feita à professora que lecionou a disciplina
Alfabetização I:
Porque eu acho que dominar a leitura e a escrita numa sociedade como a nossa, ela não é a resolução de todos os problemas, mas eu acho que se cada professor começa a partir do que trabalhamos aqui tentar construir novas práticas, veja que eu não estou tentando dar receitas, estou pensando em construir práticas de alfabetização levando em conta essas diversas realidades. Neste sentido eu achei interessante na turma o registro, as pessoas que aprendem a ler e a escrever podem registrar suas práticas. Eu acho que em qualquer lugar, se você lida com a criança do morro, do meio
rural, de uma cidade pequena, se você lida com a criança do centro da cidade, quer dizer existem diferenças, culturas e práticas que não podem desaparecer em função de um modelo imposto por uma cultura e que precisam ser preservados e por isso eu tenho dito sempre que a alfabetização é uma prática social e cultural.
É interessante pensarmos que se em toda a história da educação brasileira os sujeitos
do campo sempre foram marginalizados do processo de alfabetização e que isso se
situa dentro de uma lógica de dominação, de exclusão que o sistema capitalista impôs
a esses sujeitos; o Curso Pedagogia da Terra/ES ao buscar formar os professores para
que sejam capazes de ensinar a ler e a escrever as crianças, os adolescentes, os
jovens e os idosos está contribuindo na construção e na luta por uma nova sociedade e
por uma educação que valorize os saberes, a cultura e a identidade desses sujeitos.
Em síntese podemos nos perguntar que contribuições o Movimento de Educação de
Base, os Centros Populares de Cultura e os Movimentos de Cultura Popular nos dão
para pensarmos o processo de formação do professor sem-terra? Que relação há entre
o processo educativo desenvolvido por esses movimentos e os espaços-tempos-
saberes mobilizados no Curso Pedagogia da Terra? Como se dá a relação entre teoria
e prática no Curso Pedagogia da Terra? Que concepção de arte está sendo construída
nos diferentes espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra e que relação
tem com o significado de arte presente nesses movimentos? Como esses movimentos
nos ajudam a pensar uma educação do campo que resgate os saberes, a cultura e
dignidade dos sujeitos que vivem nessa realidade?
2.8 O Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES)
Apesar de ter nascido em contextos social, econômico e político diferente do Brasil, no
caso a França em 1935 e se espalhado pelo mundo a partir da década de 1960 e ter
chegado ao Brasil especificamente no Estado do Espírito Santo na década de 1970, o
MEPES pode ser inserido no contexto da luta por uma educação diferenciada para os
sujeitos do campo.
Como movimento que antecede a luta por uma educação do campo, podemos afirmar
que o MEPES foi um dos protagonistas no sentido de valorizar os saberes, a cultura e
os sujeitos que vivem e trabalham nessa realidade. Diferentemente dos outros
movimentos anteriores o MEPES surgiu em um contexto diferenciado e com uma outra
estrutura de organização e funcionamento. De acordo com Speyer (1983) o Movimento
de Educação Promocional do Espírito Santo teve sua origem na escola-família ou
pedagogia da alternância43.
Os agricultores idealizaram um tipo de ensino para seus filhos que permitia a
alternância na família e na paróquia, a fim de conciliar o trabalho agrícola com o estudo.
A iniciativa foi posteriormente alterada para que o jovem permanecesse uma semana
no interior e duas ou três realizando trabalhos práticos na propriedade familiar. A
experiência francesa foi reproduzida na Itália, na Espanha, no norte da África, na
Argentina e no Brasil. No Brasil, as experiências localizam-se no Estado do Espírito
Santo e, em geral, em regiões colonizadas por imigrantes europeus. A alternância se dá
com uma semana na escola e 15 dias com a família.
Enquanto uma turma permanece na escola, em regime de internato, outras duas
permanecem com as famílias, nas propriedades rurais. A metodologia utilizada,
denominada “pedagogia da alternância”, consiste em integrar a formação do jovem do
meio rural em períodos de escola e família. Busca-se, desta forma, conciliar a escola e
a vida, não permitindo que o jovem se desligue de seu ambiente. Consiste em uma
pedagogia onde se aprende mais pelas situações que se vive (ambiente educativo) do
que pelas tarefas que se realizam na escola. E esta relação entre escola e ambiente
familiar permite que o jovem reflita sobre o seu meio.
43 O Movimento das Casas Familiares Rurais nasceu em 1935, a partir da iniciativa de três agricultores e de um padre de um pequeno vilarejo da França que, de um lado, prestaram atenção na provocação de um adolescente de quatorze anos que rejeitava a escola na qual tinha sido matriculado e, de outro, estavam atentos a seu meio, que queriam promover e desenvolver. A pedagogia praticada baseia-se na Alternância, o que significa: alternância de tempo e de local de formação, ou seja, de períodos em situação sócio-profissional e em situação escolar; alternância significa, sobretudo, uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. A alternância significa uma maneira de aprender pela vida, partindo da própria realidade, dos momentos experiências, colocando assim a experiência antes do conceito.
O MEPES utiliza alguns instrumentos pedagógicos no desenvolvimento de suas
atividades educativas, entre eles podemos citar: o plano de estudo, o caderno da
propriedade e os recursos pedagógicos específicos. Conforme afirma Speyer (1983) o
plano de estudo consiste num guia de observação, composto de perguntas ordenadas,
elaboradas pelos alunos, sobre um tema anteriormente escolhido ou programado,
dentro das atividades de formação do ano escolar. As respostas são pesquisadas
durante o período em que o aluno está em casa, com a participação de seus pais e de
membros da comunidade. Na volta à escola, cada jovem revê e corrige sua síntese
individual com a ajuda do monitor. Faz a colocação em comum, com ampla discussão
das respostas, pelo grupo. Outro instrumento metodológico importante é o caderno
pessoal de anotações44, no qual se revelam as atitudes, os gestos e a personalidade
dos alunos. Ele assegura a unidade entre a escola e a família, entre os monitores e os
pais. Têm valor próprio independente das áreas de ensino.
Além destes dois instrumentos metodológicos o MEPES utiliza diversos recursos
pedagógicos a fim de facilitar o relacionamento do jovem com a escola e a família:
estágios técnicos em propriedades agropecuárias e hospitais; viagens de estudos, a fim
de conhecerem e analisarem outras realidades; visitas periódicas dos monitores às
famílias; realização de festas na escola-família; participação na vida da comunidade;
realização de cursos para os pais e agricultores da região; valorização da realidade
rural que o cerca, como instrumento pedagógico; maior participação dos pais na vida
escolar dos filhos e garantia de uma formação global através da reflexão sobre a
experiência vivida e a própria realidade, mediante análise de várias atividades durante
os períodos de alternância. Quais as dimensões educativas presentes na proposta do
MEPES podemos encontrar nos espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da
Terra/ES? Tem o Curso Pedagogia da Terra/ES em sua metodologia elementos que se
aproxima da pedagogia da alternância? Que instrumentos pedagógicos o Curso
44 É interessante observar que esse instrumento metodológico também se faz presente no Curso Pedagogia da Terra/ES com o nome de Caderno de Reflexão Pessoal, onde cada aluno (a) ao final do dia faz uma reflexão pessoal dos espaços-tempos-saberes vividos.
Pedagogia da Terra/ES utiliza no processo de formação dos professores sem-terra?
Podemos identificar a partir da pesquisa que realizamos junto ao Curso Pedagogia da
Terra/ES, das entrevistas realizadas a alunos e professores, dos espaços-tempos-
saberes presentes no curso algumas dessas dimensões educativas. O Curso
Pedagogia da Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar profissionais com
formação e titulação adequados às características e aos desafios da realidade da
educação no e do campo.
O Curso Pedagogia da Terra/ES, por exemplo, está organizado em módulos, realizados
em regime de alternância, dividido nos tempos educativos, períodos de aula presencial
(espaço-tempo-sala de aula) e nos demais espaços-tempos-saberes formativos
(atividades práticas e tempo-comunidade), com trabalhos orientados em cada uma das
disciplinas, totalizando uma carga horária em torno de 2500 horas. O tempo-escola
ainda está subdividido em várias outras atividades, tais como oficinas, estudos,
trabalho. Neste sentido assim se expressa um aluno do curso:
Um dos princípios da pedagogia da alternância e que se faz presente na organização do curso pedagogia da terra é não desligar o aluno do seu meio. Então todo o trabalho, a metodologia, os conteúdos que os professores utilizam estão voltados para a realidade dos alunos, dos assentamentos. O plano de estudo, por exemplo, faz a ligação entre a realidade das famílias, dos assentamentos e da escola. Daí surge a questão do tempo escola e do tempo comunidade. O tempo escola é o tempo em que o aluno estuda a parte teórica e o tempo comunidade o aluno está em contato com a prática dos assentamentos. Os planos de estudos buscam aprofundar a realidade dos alunos e a partir daí se faz o planejamento. Matemática, por exemplo, vai trabalhar a partir da realidade das famílias dos alunos. Quando a gente está estudando as matérias sempre fazemos essa ligação com a nossa realidade e leva os professores a fazerem. O grupo ajuda os professores à estarem colocando a realidade dos movimentos em seus conteúdos. O curso é diferente porque a gente consegue colocar matérias dentro do curso que interessa à nossa realidade.
Escutando a voz dos alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra/ES pode-se
perceber um reconhecimento positivo, por exemplo, no que se refere ao currículo do
curso. De acordo com o PRONERA (2004, p. 76) por meio do relatório geral de
avaliação externa:
Há uma clara percepção das inovações pedagógicas neste campo, que engloba desde a introdução de temas ligados à realidade dos assentamentos como, por exemplo, ´Alternativas educacionais para o campo`, ´A questão agrária no Brasil`, ´Educação para o cooperativismo`, temas como arte, conjuntura sócio-econômica e política, oficinas pedagógicas, saídas a campo, trabalhos em grupos para a realização de sínteses dos conteúdos aprendidos.
Segundo depoimento de uma professora, participar de um curso como Pedagogia da
Terra/ES impõe desafios teórico-práticos que emergem na própria relação com os
alunos:
Eles nos ensinam um jeito especial de ser professor, em tudo que fazem. A forma como se organizam para trabalhar (...) está pautada no respeito ao outro, no direito à palavra de cada um. Mostram-nos uma maneira diferente de se posicionar frente aos desafios e problemas da vida. Revoltam-se, mas se solidarizam; calam-se, para ensinar com gestos lições simples da vida. Seu espírito de solidariedade e trabalho coletivo é imensurável, para tornar cada uma das etapas do curso mais proveitosa possível às necessidades colocadas pelo Setor de Educação do MST.
A fala de uma aluna do Curso Pedagogia da Terra/ES retrata bem essa troca de
saberes e experiências, implicando um repensar a sua prática pedagógica e postura
perante a vida:
Embora as condições aqui não sejam as mais favoráveis para fazermos bem o nosso curso de pedagogia, não podemos ficar parados esperando. Isso aprendemos nos acampamentos e assentamentos do MST, que a gente só conquista direitos lutando mesmo, de forma organizada, para superar nossas dificuldades. Por isso muitos, que chegam de outros contextos, se surpreendem com a nossa disciplina e força de vontade. Para nós não há nada de anormal ou fora de série. Tudo isso faz parte das nossas lutas, da nossa identidade sem-terra.
Esse confronto propicia um movimento de desconstrução e reconstrução de sentidos,
vinculado a uma prática educativa permanente em todas as esferas da vida, aprendido
na vivência das lutas coletivas para a superação das desigualdades sociais e o
fortalecimento de uma educação voltada para as raízes, os valores, a cultura e a
identidade dos sujeitos do campo.
2.9 A Educação do Campo em Face da Lei 5.692/71 e da Lei 9.394/96
De acordo com os estudos realizados por Leite (2002) no que diz respeito à educação,
a demanda pela escolaridade aumentou significativamente na década de 1960,
provocando séria crise no processo escolar brasileiro, uma vez que a sociedade
(principalmente as classes médias) reclamava da escassez das escolas e do número
de vagas existentes, bem como da baixa qualidade do ensino praticado em sala de
aula. O ponto culminante dessas exigências deu-se em 1968, resultando na extinção da
UNE (União Nacional dos Estudantes) e dos diretórios acadêmicos de várias
faculdades, principais estopins dos movimentos contra a Ditadura Militar. Para
Romanelli (1998, p. 196) a crise no sistema educacional brasileiro a partir da
implantação do Regime Militar:
[...] Acabou por servir de justificativa para a assinatura de uma série de convênios entre MEC e seus órgãos e a Agency for International Development (AID) – para assistência técnica e cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro. Este é, então, o período dos chamados Acordos MEC-USAID.
Na verdade dentro dos interesses capitalistas, pretendia a AID, entre outros objetivos, a
eficiência e eficácia educacional, a ampliação curricular da escola brasileira com vistas
ao desenvolvimento econômico-produtivo, a modernização dos canais educacionais
extraclasse, como forma de ampliação das informações a serem veiculadas, e a
reestruturação do ensino superior nacional, tendo por modelo as universidades norte-
americanas. A Lei 5.692/71, a partir de seus objetivos gerais e de caráter conservadora,
dada sua ênfase liberal, não trouxe, de fato, novidades transformadoras. Pelo contrário,
acentuou as divergências sócias-políticas existentes na escolaridade do povo brasileiro
e consagrou o elitismo que sempre esteve presente no processo escolar nacional.
Embora sem meios adequados para alcançar seus objetivos, a LDB pretendeu eliminar
a seletividade social, com a ampliação do ensino fundamental até a oitava série e a
dualidade entre ensino técnico-profissional e formação propedêutica (com a criação do
ensino profissionalizante obrigatório no segundo grau). Concordamos com Leite (2002,
p.47):
Tendo por objetivo o atendimento às peculiaridades regionais, a LDB teoricamente abriu espaço para a educação rural, porém restrita em seu próprio meio e sem contar com recursos humanos e materiais satisfatórios, na maioria das vezes não conseguiu atingir os objetivos preconizados pela legislação. Isso porque a Lei 5.692/71, distanciada da realidade sócio-cultural do campesinato brasileiro, não incorporou as exigências do processo escolar rural em suas orientações fundamentais nem mesmo cogitou possíveis direcionamentos para uma política educacional destinada, exclusivamente, aos grupos campesinos. A presença de projetos como o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (PSECD) evidencia na prática o descaso do governo em relação à educação da população campesina.
Se o plano do ponto de vista teórico recomendava a valorização da escola rural, o
trabalho do homem do campo, a ampliação das oportunidades de renda e de
manifestação cultural do rurícola, a extensão dos benefícios da previdência social e
ensino ministrado de acordo com a realidade da vida campesina. Contraditoriamente
recomendava também um mesmo calendário escolar para toda escola rural, tendo por
base o calendário urbano, e entendia a unidade escolar rural como agência de
mudanças e transformações sociais. Conforme as análises realizadas por Leite (2002)
na prática em raros momentos o plano considerou como inadequado ao projeto a
formação urbana dos professores que atuavam no ensino rural, os quais demonstravam
pouco interesse pelas atividades campesinas e pelos padrões sócio-culturais e
produtivos da zona rural. Mais uma vez, a resolução dos problemas básicos que
afligiam a escolaridade dos rurícolas foi omitida. Também não foi motivo de
preocupação do referido plano a presença do professor leigo, das salas multisseriadas,
da inadequação do material didático e das instalações físicas da escola, na maioria das
vezes em estado lastimável. Ainda segundo Leite (2002) a atual Lei de Diretrizes e
Bases promove a desvinculação da escola rural dos meios e da performance escolar
urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à vida rural e de certo
modo desurbanizado. Porém, não estão explicitamente colocados, na nova LDB
9.394/96, os princípios e as bases de uma política educacional para as populações
campesinas. Em termos institucionais, o ensino fundamental sob a responsabilidade
dos municípios, em princípio, contará com um calendário escolar próprio e “... deverá
adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do
respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto
nesta lei” (Brasil/MEC, LDB 9.393/96, art. 23) de modo a favorecer a escolaridade rural
com base na sazonalidade do plantio/colheita e outras dimensões sócio-culturais do
campo. Igualmente dispõe o artigo 28 da mesma lei sobre as adaptações necessárias
da estrutura curricular às exigências das unidades escolares instaladas na zona rural,
respeitando-se os dispositivos do artigo 32 e seus incisos, no que tange à organização
e à estruturação do ensino fundamental. À luz dos artigos 208 e 210 da Carta Magna de
1988, e inspirada, de alguma forma, numa concepção de mundo rural enquanto
espaços específicos, diferenciados e, ao mesmo tempo, integrado no conjunto da
sociedade, a Lei 9.394/96 estabelece que:
“Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural”.
A nova LDB 9.394/96, ao submeter o processo de escolarização à realidade dos
sujeitos do campo, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política de
atendimento escolar no país. Não mais se satisfaz com a adaptação pura e simples.
Reconhece a diversidade sócio-cultural e o direito à igualdade e à diferença,
possibilitando a definição de diretrizes operacionais para a educação rural sem, no
entanto, recorrer a uma lógica exclusiva e de ruptura com um projeto global de
educação para o país. Importa notar que o pano de fundo da escolaridade campesina, a
partir de agora, não se limita ao modelo urbano-industrial, como fora outrora nas
décadas de 1960 a 1980. A sustentação dessa escolaridade encontra-se na
consciência ecológica, na preservação dos valores culturais e da práxis dos sujeitos
que vivem no e do campo. É neste sentido que podemos situar a luta “Por uma
Educação do Campo” 45que teve início com o I Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (I ENERA) realizado em julho de 1997. Esta
Conferência, promovida a nível nacional pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra), pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), pela Unb (Universidade
de Brasília) e outras entidades internacionais como a UNESCO, foi preparada nos
estados através de encontros que reuniram os principais sujeitos de práticas e de
preocupações relacionadas à educação do campo.
Nesta Conferência se reafirmou a convicção de que o campo existe, que está em
movimento e que é legítima a luta por políticas públicas específicas e por um projeto
educativo alternativo para quem nele vive. No campo estão milhões de brasileiras e
brasileiros, da infância até a terceira idade, que vivem e trabalham como: pequenos
agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados,
reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra,
agregados, caboclos, meeiros, bóia-fria, entre outros. O caderno número 4 “Por Uma
Educação do Campo” assim expressa:
Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos processos que produzem sua existência vão se produzindo como seres humanos (Seminário Nacional Por uma Educação do Campo: 2002, p. 16)
Portanto, se queremos de fato construir uma Educação do Campo é preciso resgatar os
valores, a cultura, a dignidade dos sujeitos que vivem no e do campo. Somente uma
educação que esteja vinculada à sua realidade, aos seus valores, à sua cultura será
45 A articulação nacional “Por Uma Educação do Campo” começou no processo de preparação da Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia, Goiás, de 27 a 31 de julho de 1998. O termo educação do campo substitui o conceito de educação rural no sentido não apenas da nomenclatura, mas fundamentalmente de resgate e valorização dos valores, da cultura e da identidade dos povos que vivem no/do campo.
capaz de recuperar os saberes, o modo de ser e de viver dos sujeitos do campo. O
número 4 da Coleção Por Uma Educação do Campo nos chama atenção para os
graves problemas por que passa a educação do campo: faltam escolas para atender a
todas as crianças e jovens; falta infra-estrutura nas escolas e ainda há muitos docentes
sem a qualificação necessária; falta uma política de valorização do magistério; falta
apoio às iniciativas de renovação pedagógica; há currículos deslocados das
necessidades e das questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos; os mais
altos índices de analfabetismo estão no campo, e entre as mulheres do campo; a nova
geração está sendo deseducada para viver no campo, perdendo sua identidade de raiz
e seu projeto de futuro. Para enfrentar estes desafios a luta “Por Uma Educação do
Campo” está articulada a um Projeto Nacional de Educação em que se afirma que a
preocupação fundamental de toda educação é o ser humano e o processo de sua
humanização46; de que é necessário e imperioso educar os sujeitos do campo para
viverem no/do campo; reafirmar o direito dos sujeitos do campo à educação pública,
gratuita e de qualidade, voltada aos interesses e à realidade da vida no campo.
Vincular a luta por uma educação do campo a um projeto de desenvolvimento
alternativo para o povo brasileiro; quando afirmamos Por Uma Educação do Campo
estamos afirmando a necessidade de duas lutas: a ampliação do direito à educação e à
escolarização no campo e a construção de uma escola que esteja no campo, mas que
também seja do campo: uma escola política e pedagogicamente vinculada à história, à
cultura e às causas sociais e humanas dos sujeitos do campo, e não um mero
receptáculo da escola urbana. Um ganho importante nesse movimento de luta por
políticas públicas de educação do campo foi a publicação em 2004 pelo MEC do
documento: Referências Para uma Política Nacional de Educação do Campo. O
documento nasceu da mobilização do Seminário Nacional de Educação do Campo
realizado em outubro de 2003, que teve a participação do MST, da Confederação
Nacional de Trabalhadores na Agricultura, da CPT, dos Centros Familiares de
Formação por Alternância e de outros movimentos engajados e comprometidos na luta
por uma educação no e do campo.
46 Estamos entendendo o processo de humanização como o resgate dos valores, da cultura, da identidade dos sujeitos que vivem no e do campo e que ao produzirem sua existência se humanizam.
CAPÍTULO III
O MOVIMENTO DE LUTA POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO E AS MATRIZES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO.
“Pedagogia: arte de conduzir alguém na arte de ser gente”. 47 Paulo Freire.
Neste terceiro capítulo temos como objetivo fundamental identificar e refletir sobre as
matrizes pedagógicas da educação do campo e relacioná-las com o processo de
formação dos professores sem-terra. Para tanto se faz necessário recuperarmos a
história coletiva da luta por uma educação do campo que começou oficialmente com a I
Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo. A I Conferência Nacional:
Por uma Educação Básica do Campo foi um processo de reflexão e de mobilização do
povo em favor da educação que considere nos seus conteúdos e na metodologia, o
específico do campo. Esse processo foi iniciado como consta na Coleção (números 1,
2, 3, 4 e 5) Por uma educação básica do campo, no final do I Encontro Nacional de
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), promovido pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em julho de 1997, em Brasília, em
parceria com diversas entidades, como a Universidade de Brasília (UnB), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB). O trabalho coletivo dessas entidades e instituições partiu do pressuposto do
que seria específico da educação do campo, ou seja, que leve em conta a cultura, as
características, as necessidades e os sonhos dos que vivem no e do campo.
47 Frase escrita na camisa de uma aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra/ES e que foi registrada no diário de campo do pesquisador para posterior análise e reflexão. Como formar professores que ajudem os alunos a trilharem o caminho de ser gente? Como o MST contribui para formar novos seres humanos com dignidade e identidade de ser sem-terra? Quais são as matrizes pedagógicas que contribuem para o processo de formação dos professores sem-terra? Quais são os espaços-tempos-saberes em que se formam os professores sem-terra?
A proposta da Conferência teve nos seu horizonte a consecução de políticas públicas e
a defesa de um projeto popular de desenvolvimento do campo48. O primeiro volume da
Coleção: por uma educação básica do campo traz em seu conteúdo o resgate histórico
da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo; as concepções e
princípios pedagógicos de uma escola do campo e as conclusões a que chegaram os
participantes-parceiros da Conferência. A Conferência foi organizada de forma que os
participantes puderam debater e refletir coletivamente sobre os seguintes temas:
Desenvolvimento rural e educação no Brasil: desafios e perspectivas; situação da
educação rural no Brasil e na América Latina; Políticas Públicas em Educação no
Brasil; Financiamento da Educação e Política Educacional para Escolas Indígenas; Em
busca de um Novo Projeto de Desenvolvimento para o Brasil; Projeto Popular de
Desenvolvimento para o Campo e o compromisso de ser educador e educadora do
campo. O primeiro volume da Coleção: por uma educação básica do campo, traz uma
importante reflexão sobre os conceitos de educação, básica e do campo.
48 Como pode haver desenvolvimento se uma considerável parcela de seres humanos que vivem e trabalham no campo e na cidade estão excluídos dos direitos sociais fundamentais? Neste sentido podemos afirmar juntamente com Ribeiro (2002) que um projeto de desenvolvimento na ótica dos movimentos sociais busca integrar o desenvolvimento sustentável com o desenvolvimento social. O projeto popular de desenvolvimento que está sendo construído pelos movimentos sociais se fundamenta em cinco pilares: a soberania, a solidariedade, o desenvolvimento, a sustentabilidade e a democracia popular. O desenvolvimento social é aquele que propicia as condições ou que cria um ambiente para que o desenvolvimento econômico a ele subordinado seja criador de riquezas que correspondam às demandas da maioria da população. Por sua vez, o projeto de desenvolvimento sustentável na ótica dos movimentos sociais rompe com a lógica do capital e subordina-o a um projeto de desenvolvimento social, cultural, no qual os seres humanos tenham prioridade.
No que diz respeito ao conceito de educação o documento chama atenção no sentido
de se garantir uma educação específica e diferenciada para os sujeitos do meio rural,
propiciando aos sujeitos do campo um processo de formação humana plena. Uma
educação que contemple as necessidades, interesses e que cultive os valores e a
identidade dos sujeitos que vivem no e do campo. Em relação ao conceito de educação
básica o documento utiliza o mesmo significado atribuído pela Lei de Diretrizes Básicas
(LDB)49, que identifica a educação básica como um dos níveis da educação escolar (o
outro é o da educação superior), formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio e que inclui também a educação de jovens e de adultos e a educação
profissional, integrada, mas não necessariamente vinculada aos níveis de
escolarização. Utilizando a definição dada pela LDB ao conceito de educação básica o
documento vai mais além quando chama nossa atenção para duas questões
fundamentais: a escolarização não é toda a educação50, mas é um direito social
fundamental a ser garantido para todo o povo, seja do campo ou da cidade; a
expressão educação básica carrega em si a luta popular pela ampliação da noção de
escola pública51, embora a legislação atual só garanta a obrigatoriedade do ensino
fundamental, já começa a ser incorporada em nossa cultural a idéia de que todos
devem galgar níveis mais elevados de estudo. Outra contribuição do documento
consiste na ressignificação do conceito de rural para o conceito de campo52. O
documento assim se expressa:
49Lei n. 9.394/9650 Nesse aspecto, pode-se concordar com o próprio conceito de educação que se encontra no artigo 1º da nova LDB: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.51 Os povos do campo têm o direito humano e social de estudar não somente até cumprir o mínimo exigido pela legislação (educação básica), mas a de galgar níveis maiores no sistema educacional, o que se coloca como importante no sentido de legitimar socialmente os saberes e a cultura dos sujeitos do campo.52 Não se trata simplesmente de uma mudança de grafia, mas de uma concepção. Se na expressão rural se tinha em conta uma educação que vinha de fora, geralmente nos moldes urbanos ou urbanocêntrica e quando muito era adaptada à realidade do meio rural; a expressão do campo quer chamar nossa atenção para o fato de que uma educação autenticamente do campo deve partir da realidade dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo, procurando desenvolver conteúdos e metodologias que fortaleçam os princípios, os valores e a identidade desses sujeitos. Portanto, não se trata mais de construir uma educação para o homem do meio rural e sim de construir uma educação com os sujeitos do campo.
Utilizar-se-á a expressão campo, e não a mais usual meio rural, com o objetivo de incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência desse trabalho (Por Uma Educação Básica do Campo: 1999, p.26).
Nesse sentido busca fazer um resgate histórico e político do conceito de camponês,
que em nossa história aparece quase sempre de forma depreciativa. Portanto uma
educação do campo tem o dever ético de lutar contra essa falsa imagem que se
construiu em relação aos sujeitos do campo.
O segundo volume da Coleção: Por uma educação básica do campo, traz publicados
importantes trabalhos, entre eles um texto do professor Arroyo53 e outro texto do
professor Fernandes. O professor Arroyo pronunciou em Luziânia, no dia 29 de julho de
1998, uma palestra, a partir do que ele viveu, como profissional da educação, em seus
contatos com os Movimentos Sociais do Campo e de sua atenta presença no que
estava acontecendo na Primeira Conferência. Partindo da constatação do processo
pedagógico que os Movimentos Sociais do Campo vivem, realizam gestos concretos,
mobilizações, bandeiras de luta acreditam e lutam por uma proposta de um Brasil
Popular tendo como compromisso o desenvolvimento democrático do campo, das
expressões culturais dos sujeitos que vivem e trabalham no e do campo, Arroyo nos
ajuda a refletir sobre o significado de uma educação básica do campo em alternativa ao
modelo hegemônico da escola urbana.
Nos conduz a pensar uma escola diferente que está sendo gestada pelos movimentos
sociais do campo. Parte do pressuposto que de que os Movimentos Sociais são em si
mesmos educativos em seu modo de se expressar, pois o fazem mais por gestos,
mobilizações, realizando ações concretas, ocupações (inclusive da escola e da
universidade como exemplo temos o Curso Pedagogia da Terra/ES) do que por
palavras. A segunda parte do segundo volume da Coleção: por uma educação básica
do campo, traz um importante trabalho do professor Fernandes54 intitulado: por uma
educação básica do Campo, elaborado em função dos Seminários Estaduais e do
texto-base da Primeira Conferência Por uma Educação Básica do Campo.
53 Miguel Gonzales Arroyo é professor titular, aposentado da UFMG. Foi secretário adjunto de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte, coordenando a elaboração e implantação da Escola Plural. Vem acompanhando propostas educativas em várias redes estaduais e municipais. Organizador de Da escola carente à escola possível (Edições Loyola), é autor de “Educação e exclusão da cidadania”, in: Educação e cidadania (Editora Cortez) e tem sido um dos interlocutores e mediadores na reflexão de uma escola comprometida com a realidade dos sujeitos do campo. 54 Bernardo Mançano Fernandes, geógrafo, professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Coordenador do NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), onde está implantando o Dataluta (Banco de Dados da Luta pela Terra). Membro do Setor de Educação do MST. Membro da diretoria da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), 1986-1994. Autor de MST: Formação e territorialização (Editora Hucitec) e A formação do MST no Brasil (Editoras Vozes).
Segundo Fernandes (2000) a política vigente inferioriza o campo, vê o camponês como
atrasado, não moderno e dependente do urbano. A revolução tecnológica está a serviço
somente da produção patronal. Não há interesse por uma tecnologia voltada para a
agricultura familiar. É o movimento social do campo que, enfrentando todas as
dificuldades possíveis, luta por uma tecnologia adequada às suas necessidades. A
agricultura familiar é um modelo que não só gera emprego e garante qualidade de vida,
mas assegura também um desenvolvimento sustentável e em harmonia com o meio
ambiente. A política educacional brasileira ignora a necessidade de um projeto
específico para a escola rural. Não queremos uma escola do campo ou para o campo,
nem uma escola da cidade no campo ou para o campo, nem uma escola da cidade no
campo, mas uma escola do campo, com a cultura, os valores e a identidade dos
sujeitos que vivem, trabalham, sonham, aprendem e se educam no campo.
O terceiro volume da Coleção: por uma educação básica do campo, tem como título:
Projeto Popular e Escolas do Campo. Este terceiro volume tem por objetivo dar
continuidade à reflexão e ao debate sobre a Educação básica do campo, que mais
sistematicamente vem sendo articulada, no Brasil desde 1998. Busca num primeiro
momento refletir sobre um projeto popular para o Brasil que nosso povo deseja
construir e num segundo momento, refletir sobre as escolas do campo e como elas se
inserem na dinâmica das lutas pela implementação deste projeto. O documento traz
como reflexão o texto de César Benjamim: um projeto popular para o Brasil. Benjamim
estimula nossa reflexão sobre o projeto popular para o Brasil, comentando cada um dos
termos da proposta: “projeto, popular e Brasil”. Em seguida questiona se o referido
projeto é necessário e viável. Analisa a necessidade de alguns princípios a serem
seguidos, assim como de mudanças na política dominante para tornar possível o
projeto proposto. Em seguida Caldart (2000)55 situa a experiência concreta do MST no
contexto de luta por um projeto popular para o Brasil e nele do campo. O eixo
fundamental de sua reflexão é a caminhada da educação do campo.
55 Roseli Salete Caldart é membro do Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Destaca-se por dois livros pela Editora Vozes, Educação em Movimento: formação de educadores e educadoras do MST (1997) e Pedagogia do Movimento Sem Terra (2000), dentre outras publicações.
Afirma que existe no Brasil uma importante mobilização organizada pelo povo do
campo em prol da Reforma Agrária e de uma justa política agrícola. E nesta
mobilização ocupa lugar de destaque a educação do campo. Existe de fato, uma nova
prática de escola que está sendo construída neste movimento. As educadoras e os
educadores do campo vem participando intensamente do processo de transformação
que nele vem acontecendo e estão convencidos de que é preciso aprender a
potencializar mais os elementos presentes nas diversas experiências, e transformá-los
em um movimento consciente de construção das escolas do campo como escolas que
ajudem no processo mais amplo de humanização, e de reafirmação dos povos do
campo como sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história. O texto de Caldart
parte da experiência particular do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) um
dos sujeitos sociais que vêm pondo o campo em movimento, através da sua luta
incansável para que se realize a Reforma Agrária no Brasil.
O texto apresenta dez lições principais da caminhada do MST em sua relação com a
escola, refletindo-as desde o ponto de vista da reflexão que estamos fazendo em torno
da educação do campo. Segundo Caldart (2000) a partir das experiências acumuladas
pelo MST sobre a questão da educação podemos extrair algumas lições: a escola não
move o campo, mas o campo não se move sem a escola; quem faz a escola do campo
são os povos do campo, organizados e em movimento; as lutas sociais dos povos do
campo estão produzindo a cultura do direito à escola no campo; quanto mais amplos
são os objetivos de uma organização maior é a valorização da escola pelos seus
sujeitos; a escola do campo ajuda a formar lutadores do povo quando trabalha com dois
elementos básicos: raiz e projeto; a escola do campo precisa ser ocupada pela
pedagogia do movimento que forma os sujeitos sociais do campo; as relações sociais
são a base do ambiente educativo de uma escola; sem um coletivo de educadores não
se garante o ambiente educativo e escola do campo é escola em movimento. Uma
escola do campo é aquela que trabalha desde os interesses, a política, a cultura e a
economia dos diversos grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
É uma escola com o jeito, o rosto e a identidade dos sujeitos que vivem, trabalham e
estudam no e do campo. Uma escola do campo é uma escola reconhecendo e
ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem
ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua
história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito de ser e viver. As escolas do
campo devem ajudar a formar os lutadores do povo. Os lutadores do povo são pessoas
que estão em permanente movimento pela transformação da injustiça que reina em
nossa sociedade. São movidos pelo sentimento de dignidade, de indignação contra as
injustiças, e de solidariedade com as causas do povo. Não estão preocupados apenas
em resolver os seus problemas, conquistar os seus direitos, mas sim em ajudar a
construir uma sociedade mais justa, mais humana, onde os direitos de todos sejam
respeitados e onde se cultive o princípio de que nada é impossível de mudar.
Por isso se engajam em lutas sociais coletivas e se tornam sujeitos da história. Uma
escola do campo fortalece os processos de enraizamento humano através do cultivo da
memória, da mística e dos valores de seus sujeitos que vivem e trabalham na terra.
Celebrar a (mística) construir e transmitir, especialmente às novas gerações, os
valores, a memória coletiva da luta pela terra e pela escola e nela pelos direitos sociais
constitui um dos traços fundamentais das escolas do campo. O quarto volume da
Coleção: Por uma educação do campo traz como tema: a educação do campo:
identidade e políticas públicas. O documento foi escrito logo depois do Seminário
Nacional Por uma Educação do Campo, realizado no ano de 2002, entre os dias 26 e
29 de novembro, no Centro Comunitário Athos Bulcão, no Campus da Universidade de
Brasília, DF.
Houve neste evento 372 participantes de 25 Estados e representando várias
Organizações Sociais: Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos
Atingidos por Barragens, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimentos Indígenas, Conselho Indigenista
Missionário, Comunidades Quilombolas, Pastoral da Juventude Rural, Comissão
Também participaram representantes de diversas Universidades do país, de
Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e de outros órgãos públicos federais.
A organização do Seminário contou com estudos sobre a situação e as perspectivas do
povo do campo no Brasil de hoje; resgate de experiências de como vêm sendo
construídas e implementadas as políticas públicas a nível municipal, estadual e federal
e uma reflexão atenta de como estão sendo implementadas as Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo, recentemente aprovada pelo
Conselho Nacional de Educação; socialização das experiências de construção de
escolas do campo e os desafios a serem enfrentados nesta caminhada. O Caderno
número quatro da Coleção Por Uma Educação do Campo afirma ainda como
fundamental a escolarização da população do campo e entende que a educação
compreende todos os processos sociais de formação das pessoas como sujeitos de
seu próprio destino. Sendo assim a educação tem relação com cultura, com valores,
com jeito de produzir, com formação para o trabalho e para a participação social.
Neste sentido Caldart (2002) identifica alguns traços que considera fundamental para
pensarmos a educação do campo: a educação do campo identifica uma luta pelo direito
de todos à educação; os sujeitos da educação do campo são os sujeitos do campo; a
educação do campo se faz vinculada às lutas sociais do campo; a educação do campo
se faz no diálogo entre seus diferentes sujeitos; a educação do campo identifica a
construção de um projeto educativo; a educação do campo inclui a construção de
Escolas do Campo; as educadoras e os educadores são sujeitos da educação do
campo. O documento apresenta quatro textos importantes para a Educação do Campo
na perspectiva da luta por políticas públicas. O primeiro traz na íntegra as “Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo: Parecer do CNE/CEB n.
36/2001 e Resolução CNE/CEB n. 01/2002”. O segundo, do professor Bernardo
Mançano, da UNESP, “Diretrizes de uma caminhada”, é um comentário pertinente
sobre o documento do CNE/CEB. O terceiro texto traz as “Diretrizes Nacionais para o
funcionamento das escolas indígenas”, Resolução CNE/CEB, n. 3/1999. O quarto texto,
da professora Rosa Helena Dias da Silva, membro do Conselho Missionário Indigenista
(CIMI), órgão da CNBB, faz uma leitura das “Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo “, a partir da temática da educação escolar indígena,
comparando e aproximando estas caminhadas. É importante ressaltar que a partir do
Caderno de número quatro da Coleção não será usado mais o termo educação
“básica”56 por entender-se que os sujeitos que vivem e trabalham no campo tem o
direito e o dever de estudarem para além do Ensino Médio (última etapa formal da
educação básica) e também de irem além dos limites da escola formal. Neste sentido
também o Caderno de número cinco da Coleção reafirma essa nova concepção de
educação:
A articulação e o movimento foram denominados inicialmente de Por Uma Educação Básica do Campo; a partir dos debates realizados no seminário nacional de 2002 alteramos o nome para Por Uma Educação do Campo, em vista de afirmar, primeiro, que não queremos educação só na escola formal; temos direito ao conjunto de processos formativos já constituídos pela humanidade; e segundo, que o direito à escola pública do campo pela qual lutamos compreende da educação infantil à universidade. (Coleção Por Uma Educação do Campo: 2004, p.19).
O Caderno de número cinco traz como objetivos socializar as análises sobre as
referências teóricas que estão sendo construídas por diferentes sujeitos, ao analisar o
próprio campo e o projeto político e pedagógico de Educação do Campo. Para isso o
caderno traz quatro textos, o primeiro de Caldart, com sua leitura atenta à luta por terra
e por direitos, protagonizada pelos movimentos sociais, chama a atenção para alguns
elementos que considera fundamental na construção de um projeto político e
pedagógico da Educação do Campo. A identidade dessa educação a partir de seus
sujeitos, da cultura, do trabalho, das lutas sociais e modos de vida dos camponeses,
forma um conjunto de condições que não se limitam à escola, mas dela também se
alimenta pela sua vocação universal de ajudar no processo de humanização das
pessoas. O segundo texto escrito por Fernandes e Molina desenvolve uma reflexão que
busca ampliar a compreensão do campo e as múltiplas faces do desenvolvimento
capitalista, explicitando a existência de diferentes paradigmas de desenvolvimento em
confronto neste território.
56 O próprio Caderno Nº. 4 da Coleção: Por Uma Educação Básica do Campo assim afirma a respeito da mudança: “ Estamos mudando para deixar mais claro em nosso nome que a educação que queremos vai além do final do Ensino Médio e também dos limites da escola formal”.
Neste sentido a educação do campo tem se configurado como uma das estratégias que
pode provocar transformações no campo brasileiro porque o resgata não só como
espaço da produção, mas como território de relações sociais, de cultura, de novas
relações com a natureza e como território de vida e vida plena.
3.1 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Movimento de Luta por Políticas Públicas de Educação do Campo:
O compromisso de dar continuidade à luta por uma educação do campo empreendida
pelos sujeitos sociais ganha força com uma das recentes conquistas materializada no
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, cuja proposta começou a se
consolidar no I ENERA. Aprovado em abril de 1998, vinculado ao então Ministério
Extraordinário de Política Fundiária, atualmente Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), e, posteriormente, em 2001, incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, o PRONERA é um programa de educação de trabalhadores rurais em
Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária57. Tem como “princípio operacional” às
parcerias entre instituições estatais (Instituições de Ensino Superior, Superintendências
Regionais do INCRA, Prefeituras, Governos Estaduais e Secretarias Municipais e
Estaduais de Educação, Agricultura, Saúde e outras afins) e movimentos sociais
especificamente do campo, sendo o MST o parceiro mais presente, tanto na elaboração
como na execução deste programa educacional. Percebe-se, pois, um movimento
histórico de conquista pelos movimentos sociais do campo, articulação nacional Por
uma Educação do Campo, de políticas públicas que considere a realidade da educação
do campo. Trata-se da conquista do direito à educação que considere os espaços-
tempos-saberes dos sujeitos que vivem no campo e do campo.
57 PRONERA. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Manual de Operações. NDA/INCRA. Brasília, agosto de 2001. O PRONERA é executado mediante uma ampla articulação interinstitucional, que envolve Estado, universidades e movimentos sociais. O objetivo geral do PRONERA é fortalecer a educação nos assentamentos estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias específicas para o campo. O programa tem como essência a preocupação de capacitação de membros das próprias comunidades onde serão desenvolvidos os projetos, na perspectiva de que sua execução seja um elemento estratégico na promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável.
Como analisa Fernandez (2000) é importante compreender que a Educação do Campo
é um conceito forjado por este movimento do campo, ou seja, existe uma preocupação
de forjar um território teórico. Trata-se do direito de uma população conceber o mundo
segundo sua realidade social e cultural. Em termos de proposta formal o PRONERA por
meio do Manual de Operações, documento que se destina à orientação dos
interessados (Universidades, Movimentos Sociais entre outros) nos procedimentos para
apresentação de projetos, as linhas apoiadas pelo programa são as que atendam aos
seguintes objetivos:
Geral:
. Fortalecer a educação nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária,
estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais,
utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista
contribuir para o Desenvolvimento Rural Sustentável;
Específicos:
1- Alfabetizar e oferecer formação e educação fundamental a jovens e adultos nos
Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária;
2- Desenvolver a escolarização e formação de monitores para atuar na promoção de
educação nos projetos de Assentamentos de Reforma Agrária;
3- Oferecer formação continuada e escolarização média e superior aos educadores de
jovens e adultos – EJA – e do ensino fundamental nos Projetos de Assentamento de
Reforma Agrária;
4- Oferecer aos assentados escolarização e formação técnico-profissional com ênfase
em áreas do conhecimento que contribuem para Desenvolvimento Rural
Sustentável;
5- Produzir os materiais didático-pedagógicos necessários à consecução dos objetivos
do programa.
Portanto, em conformidade com estes objetivos os projetos apoiados seriam os de:
1- Alfabetização e escolarização de jovens e adultos, e capacitação e escolarização de
monitores para o ensino fundamental em Projetos de Assentamentos de Reforma
Agrária;
2- Formação continuada e escolarização de professores de Projetos de
Assentamentos de Reforma Agrária (Nível Médio e Superior – Curso Pedagogia da
Terra);
3- Formação técnico-profissional e escolarização – nível fundamental ou médio – de
jovens e adultos de Projetos de Assentamento de Reforma Agrária.
Está claro no Manual de Operações, que a própria gestão nacional e estadual dos
projetos do PRONERA terão representação dos movimentos sociais. Nacionalmente,
participam do Colegiado Executivo e da Comissão Pedagógica e no âmbito do estado
da Federação, no colegiado Executivo Estadual. Cabe ressaltar que a equipe que
elaborou o Manual de Operações contou com a participação de representantes dos
movimentos sociais (MST e um da CONTAG), e de Universidades (Unb) além de
representantes do INCRA. Mesmo assim, o processo que constitui o PRONERA, do
movimento social a sua organização formal, alguns aspectos chamam atenção.
O primeiro dele é o fato de estar ligado burocraticamente ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário e não ao Ministério da Educação, afinal trata-se de uma
política pública para a Educação. O PRONERA não é uma política pública permanente,
ou seja, os projetos apoiados podem ou não continuar a serem desenvolvidos, e, a
educação requer políticas públicas que dêem continuidade e não políticas
compensatórias. A proposta de escolarização é originária do movimento pela educação
do campo, incorporada ao PRONERA na formulação dos objetivos proposto pelo
Programa, assim como em suas formulações teórico-metodológicas e pedagógicas.
Neste sentido destacamos a presença do MST, este possui um histórico acúmulo nas
formulações sobre educação do campo, sobretudo ricas experiências, as quais são
importantes orientadores no processo de construção do PRONERA enquanto política
pública educacional do campo. Uma conquista importante nesse movimento de luta por
uma educação do campo foi a publicação do Caderno de Subsídios intitulado:
Referências Para Uma Política Nacional de Educação do Campo (2004), produto do
Seminário Nacional de Educação do Campo realizado em outubro de 2003, que contou
com a participação dos sujeitos públicos e sociais envolvidos na concepção, elaboração
e na execução das políticas públicas para as populações do campo brasileiro, traz uma
importante contribuição para refletirmos sobre as condições em que se encontra a
educação e formação do professor do campo. Na primeira parte apresenta o
diagnóstico da Escolarização do Campo no Brasil. Constam informações sobre a
situação socioeconômica da população que reside no meio rural, acesso, qualidade da
educação, perfil da rede de ensino, condições de funcionamento das escolas e a
situação dos professores do meio rural. Em relação à formação do professor o
documento destaca a importância do mesmo no processo de progressão e aprendizado
dos alunos.
Apesar dessa constatação as condições de trabalho desses profissionais têm-se
deteriorado cada vez mais. No caso específico da área rural, além da baixa qualificação
e salários inferiores aos da zona urbana, eles enfrentam, entre outras, as questões de
sobrecarga de trabalho, alta rotatividade e dificuldades de acesso à escola, em função
das condições das estradas e da falta de ajuda de custo para locomoção. O documento
ainda revela dados sobre o nível de escolaridade dos professores, mais uma vez, a
condição de carência da zona rural é superior ao das áreas urbanas. No Ensino
Fundamental de 1ª a 4ª série, apenas 9% apresentam formação superior, enquanto na
zona urbana esse contingente representa 38% dos docentes. O percentual de docentes
com formação inferior ao Ensino Médio corresponde a 8,3% na zona rural, indicando a
existência de 18.035 professores sem habilitação mínima para o desenvolvimento de
suas atividades. Isso sem considerar aqueles que, apesar de terem formação em nível
médio, não são portadores de diploma de ensino médio normal.
Na zona urbana esse contingente corresponde a 0,8%. Nas séries finais do ensino
fundamental o percentual de docentes com apenas o Ensino Médio completo
corresponde a 57% do total. O nível de formação dos docentes do Ensino Médio
também reforça a questão de desigualdade entre a educação básica oferecida à
população da zona rural e a da zona urbana. Apesar de uma rede física bastante
reduzida, com 9.712 docentes que atuam em 948 estabelecimentos, 22% têm
escolaridade de nível médio, ou seja, 2.116 funções docentes são exercidas por
profissionais que atuam no mesmo nível de ensino que a sua escolaridade. Mais grave
ainda é a existência de docentes com formação no nível de Ensino Fundamental. O
documento traz também os dados do SAEB 2001 que mostram ser a remuneração dos
professores das áreas rurais bem inferior àquela de seus colegas que lecionam em
escolas urbanas. Os professores que atuam na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental,
em exercício na área rural, recebem praticamente a metade do salário dos que atuam
na área urbana. Diante desse quando, é evidente a necessidade do estabelecimento de
uma política para a educação que valorize os profissionais da educação no campo e na
cidade.
Neste sentido destacamos o convênio do PRONERA/UFES/MST no sentido de ofertar o
Curso de Pedagogia da Terra (Licenciatura em Pedagogia para Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária) aos professores dos acampamentos e assentamentos
rurais. O Curso Pedagogia da Terra/ES vem atender a uma demanda de assegurar
profissionais com formação e titulação adequados às características e aos desafios da
realidade do campo, para atuarem na escolarização da educação infantil até o ensino
médio nas áreas de assentamentos rurais. A qualificação de educadores traz o sentido
de suprir uma deficiência histórica no meio rural, possibilitando o acesso ao ensino
superior aos jovens do campo. No Espírito Santo a primeira turma já se formou e se
encontra em andamento o processo de formação da segunda turma. O PRONERA
solicitou uma avaliação do processo de formação dos professores do Curso Pedagogia
da Terra à Universidade Federal do Espírito Santo – UFES que foi realizada em 2004 e
sistematizada em um relatório pelo coordenador da pesquisa enviada à coordenadora
geral do PRONERA.
3.2 O MST e as Matrizes Pedagógicas da Educação-Formação do Professor Sem-Terra.
Na origem do trabalho do MST com a educação escolar podemos identificar conforme
os estudos feitos por Caldart (2000) pelo menos cinco fatores: o primeiro diz respeito ao
contexto social em que se insere o nascimento do MST como Movimento, com o
componente específico da realidade da educação em nosso país e particularmente da
situação do meio rural. O mesmo modelo de desenvolvimento que gera os sem-terra
também os exclui de outros direitos sociais, entre eles o de ter acesso à escola. A
grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e uma experiência
pessoal de escola que não deseja para seus filhos: discriminação, professores
despreparados, reprovação e exclusão. O segundo fator foi à preocupação das famílias
sem-terra com a escolarização de seus filhos. O terceiro elemento ou circunstância que
pressionou fortemente o início dos trabalhos do MST com a educação escolar foi a
iniciativa das mães e professoras em levar adiante esta preocupação que aparecia nas
famílias sem-terra. Esta iniciativa incluía três dimensões principais: a organização das
atividades educacionais com as crianças acampadas; a pressão exercida para
mobilização das famílias e lideranças de cada acampamento e assentamento em torno
da luta por escola. A preocupação das professoras com sua própria articulação e
formação para assumirem a tarefa de educar as crianças sem-terra de um jeito
diferente58. De acordo com Caldart (2000, p. 150):
Na criação das chamadas equipes de educação pode ser identificado o início da discussão do que seria depois a proposta pedagógica do MST. A equipe (de educação) surgiu por iniciativa de algumas professoras que estavam iniciando o seu trabalho nas recém-criadas escolas dos acampamentos e assentamentos, tendo necessidade de discutir sua prática com as companheiras. O que moveu o grupo (umas dez professoras) foi a certeza de que uma escola de assentamento e ligada ao MST não pode ser igual às escolas tradicionais. Ela deve ser diferente.
58 Uma escola onde os professores e alunos sintam orgulho de hastear a bandeira do MST, de cantar seus hinos e canções, que cultive a memória, os valores e a identidade de ser Sem Terra. Como esses símbolos da educação do campo se fazem presentes nos espaços-tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra – UFES?
O último fator que impulsionou os trabalhos do MST com a questão da educação trata-
se do valor que o estudo tinha na vida das pessoas que ajudaram a organizar o MST e
que se tornaram suas principais lideranças. Nesta trajetória da questão da educação no
MST Caldart (2000) afirma como referência cronológica nacional o Primeiro Encontro
Nacional de Professores de Assentamento, que aconteceu em julho de 1987, no
município de São Mateus, Espírito Santo, organizado pelo MST para começar a discutir
uma articulação nacional do trabalho que já se desenvolvia, de forma mais ou menos
espontânea, em vários estados brasileiros.59 O encontro nacional de 1987 representou
uma mudança de eixo no processo de preocupação da escola pelos sem-terra. Da
organização mais ou menos espontânea surgida nos estados do centro-sul do país
nasceu o Setor de Educação do MST, que passou a ser organizado com este nome nos
estados, principalmente a partir de 1988, acompanhando a nova estruturação do
Movimento em setores, com elos de ligação desde a base local até as instâncias
nacionais.
A principal função do Setor de Educação seria a de articular e potencializar as lutas e
as experiências educacionais já existentes, ao mesmo tempo em que desencadear a
organização do trabalho onde ele não havia surgido de forma espontânea, ou nos
assentamentos e acampamentos que fossem iniciados a partir daquele momento. Foi
com a participação dos coletivos municipal, estadual que o Coletivo Nacional de
Educação em 1990 chegou à conclusão de que devia ser elaborada por escrito uma
proposta de educação do MST. A partir das discussões acumuladas até aquele
momento chegou-se ao consenso de que apenas o relato oral não dava conta de
sistematizar uma reflexão que ajudasse os educadores a pensar sua própria prática. De
acordo com Caldart (2000) o desafio era duplo: avançar na elaboração da proposta e
ao mesmo tempo traduzi-la numa linguagem que fosse acessível ao conjunto do
Movimento em especial aos professores e militante. Neste sentido o primeiro texto
escrito: O que queremos com as escolas dos assentamentos, passou por cinco ou seis 59 Para uma análise mais detalhada da questão da educação nos assentamentos do Espírito Santo sugerimos a leitura do trabalho de Pizetta, Adelar – Formação e práxis dos professores de escolas de assentamentos: a experiência do MST no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado, 1999, PPGE (Programa de Pós-graduação em Educação – Universidade Federal do Espírito Santo – UFES).
versões antes de ser editado sob a forma de cartilha em meados de 1991. O conjunto
de materiais escritos pelo Movimento que se seguiram a esse primeiro texto teve um
processo semelhante.60 Na produção inicial dos princípios da educação do MST61
podem ser identificadas três fontes principais: a experiência dos sujeitos que estavam
diretamente envolvidos com o trabalho de educação nos assentamentos e
acampamentos; o próprio Movimento como um todo, através de seus objetivos,
princípios e aprendizados coletivos e alguns elementos de teoria pedagógica presentes
na prática de algumas professoras e também pedagogos que começaram a ajudar na
sistematização da proposta educativa do Movimento. Destaca-se neste sentido a
ênfase no estudo de Paulo Freire e também de alguns pensadores e pedagogos
60 Segundo Caldart (2000) o conjunto de materiais produzidos pelo MST pode ser sintetizado da seguinte forma: os Caderno de Formação; os Cadernos de Educação que a cada número vai socializando o avanço da proposta pedagógica do MST, bem como sua própria ampliação do conceito de escola. Até 1999 foram produzidos dez destes cadernos, combinados com outras três coleções: Boletim de Educação, com subsídios mais gerais para o trabalho dos educadores, Fazendo história, literatura específica para crianças e adolescentes e, a mais recente, Fazendo escola, que retoma em outra forma a prática inicial de intercâmbio de experiências entre os educadores. Podemos notar e destacar o aprendizado coletivo do processo de construção da proposta pedagógica: cada material editado passa pelas seguintes fases: primeiro, o coletivo discute sobre o que será produzido; depois uma pessoa ou uma equipe recebe a tarefa de fazer a primeira versão do texto. Esta versão passa então por diversos coletivos, de preferência não somente os da educação, para que seja apreciado; o coletivo inicial de discussão é o que geralmente tem a palavra final para dizer se o texto já o representa. Podemos afirmar que esse processo coletivo de discussão e aprendizado constitui um processo dialético em que se parte da prática a fim de refleti-la retornando à prática de forma enriquecida, ou seja, à práxis. Para um aprofundamento sobre as publicações do MST sobre educação recomendamos consultar: Boletim da Educação n.8. Pedagogia do Movimento Sem Terra: acompanhamento às Escolas; Caderno de Educação n. 3. Alfabetização de Jovens e Adultos: como organizar; Caderno de Educação n.4. Alfabetização de Jovens e Adultos: didática da linguagem; Caderno de Educação n.5. Alfabetização de Jovens e Adultos: educação matemática; Caderno de Educação n.6. Como fazer a escola que queremos: o planejamento; Caderno de Educação n.8. Princípios da Educação no MST; Caderno de Educação n.9. Como fazemos a escola de educação fundamental; Caderno de Educação n.10. Ocupando a Bíblia; Caderno de Educação n.11. Educação de Jovens e Adultos; Cadernos de Educação n.12. Educação Infantil; Caderno de Formação n.18. O que queremos com as escolas dos assentamentos; Caderno de Formação n.23. Programa de Reforma Agrária; Caderno de Formação n. 34. O MST e a cultura.61 O Caderno de Educação número 8 intitulado: Princípios da educação no MST traz uma síntese dos princípios filosóficos e dos princípios pedagógicos do Movimento, entre eles podemos destacar: educação para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com\para valores humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e transformação humana; relação entre teoria e prática; a realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura; auto-organização dos estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores e das educadoras; atitude e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Podemos perceber nestes princípios da educação do MST o modo diferente de conceber o ser humano e a educação e sua preocupação de garantir uma educação que respeite os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem no e do campo.
socialistas: Krupskaya, Pistrak, Makarenko e José Martí, sendo que estes dois últimos
já eram estudados há mais tempo dentro do MST, pelas contribuições que traziam a
outros setores de atuação do Movimento. Podemos afirmar como tentativa de síntese
que o eixo fundamental da elaboração da proposta educativa do MST desde o início foi
e continua sendo a prática dos sujeitos sem-terra e a construção de processos
educativos ligados à realidade destes sujeitos que vivem e trabalham na terra.
Ao analisar historicamente o surgimento do MST no Brasil Caldart (2000) identifica-o
como sujeito coletivo que através de sua organização, luta e defesa da vida constrói um
conjunto de pedagogias que põe em movimento o processo de formação-educação dos
Sem Terra. Essas pedagogias nascem do seio do próprio Movimento que nos seus
diferentes momentos, espaços, tempos (no acampamento, no assentamento, numa
marcha, numa celebração-mística, no enfrentamento com a polícia) põe em movimento
valores, princípios, utopias, sentimentos que aos poucos vão possibilitando um
processo de formação e educação de seus membros.
Neste sentido podemos pensar o MST como sujeito coletivo pedagógico.
Especialmente quando identificamos as duas dimensões fundamentais do processo de
formação dos sem-terra ligados ao MST: a que vincula cada família sem-terra à
trajetória histórica do Movimento e a luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil,
tornando-a fruto e raiz (sujeito) desta história; a que faz de cada pessoa que integra o
MST um ser humano em transformação permanente, à medida que participa como
sujeito das vivências coletivas que exigem ações, escolhas, tomadas de posição,
superação de limites, e assim conformam seu jeito de ser, sua humanidade em
movimento.
As perguntas que podemos fazer a partir das análises de Caldart (2000) são: quem é o
sujeito educativo neste processo? Quem está formando ou educando os Sem Terra?
Qual é a base da concepção de formação humana que está na experiência educativa
do MST? Neste sentido o MST se constitui enquanto movimento educativo do processo
de formação dos sem-terra, quando através dele (do Movimento) passam as diferentes
vivências educativas de cada pessoa que o integra, seja em uma ocupação, um
acampamento, um assentamento, uma marcha, uma escola, uma celebração ou
mística, ou um curso como o de Pedagogia da Terra/ES. Para Caldart (2000, p.205):
Os sem-terra se educam como Sem Terra (sujeito social), pessoa humana, nome próprio sendo do MST, o que quer dizer construindo o Movimento que produz e reproduz sua própria identidade ou conformação humana e histórica. Mas quem é este Movimento que se transforma em matriz educativa de seus próprios sujeitos?
No movimento, os sem-terra aprendem que o mundo e o ser humano estão para ser
feitos ou, que o mundo não é o mundo que está sendo (no sentido da fatalidade
histórica) como afirma Freire (1997) e que o movimento da realidade, constituído
basicamente de relações que precisam ser compreendidas, produzidas ou
transformadas, deve ser o grande educador deste processo formativo. Existem alguns
processos pedagógicos básicos que podem ser identificados no Movimento e que
possibilitam a formação-humanização dos sem-terra do MST, entre eles podemos citar:
luta, organização, coletividade, terra, trabalho e produção, cultura e história. As
principais matrizes pedagógicas, no sentido de processos educativos básicos que
possibilitam a formação dos sem-terra são: a pedagogia da luta social; a pedagogia da
organização coletiva; a pedagogia da terra e a pedagogia da cultura.
3.3 A Matriz Pedagógica da Luta Social
O Movimento é constituído pela luta, e, ao mesmo tempo, a conforma. Ser sem-terra
quer dizer estar permanentemente em luta para transformar a realidade de opressão e
exclusão em que se encontram milhares de seres humanos que foram excluídos não só
da terra como também de sua própria dignidade enquanto pessoa.
Assim podemos afirmar como Caldart (2000, p.208):
Tudo se conquista com luta e a luta educa as pessoas. Neste sentido, o virar o mundo de ponta-cabeça, que está presente na ação de ocupar um latifúndio, também está em tornar uma terra produtiva, em conquistar o apoio da sociedade para a causa da Reforma Agrária, em demonstrar quando um saque de alimentos pode não ser considerado um roubo, em conseguir trazer a escola para o campo, em aprender a ler mesmo já tendo muita idade, em manter-se como família nas diversas ações da luta pela terra, em enfrentar derrotas, em manter o brio nas situações de indignidade.
Conforme vimos no primeiro capítulo deste trabalho os sem-terra educam-se e
humanizam-se ao buscarem transformar a situação de miséria e de exclusão às quais
estão submetidos. Ao lutarem contra a injustiça e a exploração acabam por rebelar-se
contra a desumanização a que foram relegados pelo sistema capitalista; e é neste
processo dinâmico e contraditório de luta pela terra e nela pelas condições dignas de
existência que se afirma sua dignidade e sua humanidade. Este processo em si mesmo
é educativo. Olhando para a nossa sociedade, e para o caos social e humano em que
estamos inseridos enquanto país, enquanto modelo de sociedade e concepção de
mundo, o MST a partir de suas práticas e vivências educativas que se dão na luta pela
terra e nela pela ampliação dos direitos fundamentais do ser humano pode nos ajudar a
pensar um outro tipo de sociedade e de ser humano.
Junto com o aprendizado de que nada nos deve parecer impossível de mudar62 vem
outro muito importante: o aprender a produzir utopias63, no sentido de construir um olhar
para a vida e o mundo que projete um futuro balizado na convicção de que tudo pode
ser diferente do que é; a esperança de que podemos construir uma nova sociedade e
um novo ser humano. Antes de entrar na luta pela terra, as famílias sem-terra têm
diante de si a fome, a doença, o desemprego, a exclusão e a desesperança.
62 Que Paulo Freire diz ser também um dos princípios de quem trabalha com educação: ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.63 O termo utopia no sentido que estamos utilizando não se refere a devaneio ou a algo que nunca poderá ser realizado e sim no sentido de algo que não existe, mas que pela ação coletiva e organizada poderá vir a existir.
Quando ocupam uma terra, estas famílias põem os pés no seu futuro, e já enxergam
aquela terra produzindo a fartura de alimentos que naquele momento ainda lhes falta; e
se o MST realizar seu projeto educativo, logo estarão enxergando não apenas a sua
terra cultivada, mas cultivando um olhar que alcance todas as terras do país sendo
produzidas e produzindo gente com saúde, dignidade, sonhos. Outro aprendizado que
nasce da luta pela terra é o da postura política e cultural de contestação social, ou seja,
ao agir para transformar a situação de miséria e de exclusão na qual se encontram, os
sem-terra contribuem para a superação das injustiças sociais. Concordamos com
Caldart (2000) quando afirma que o sentimento de indignação diante das injustiças da
sociedade não é inerente à condição de oprimido, mas um aprendizado a ser
construído, sendo a luta social um ambiente bastante fecundo para que ele se produza.
Uma das condições para a formação de contestadores ou lutadores do povo é a
capacidade de sensibilidade social ou aquilo que poderíamos denominar de indignação
frente às injustiças.
Quem não é capaz de sentir de todo o coração e de toda alma a injustiça cometida
contra um ser humano não é capaz de se tornar um lutador ou contestador social.
Nesse sentido podemos nos perguntar se o Curso Pedagogia da Terra/ES contribui
para a formação de um professor com essas características? O Curso Pedagogia da
Terra/ES em seus diferentes espaços-tempos-saberes contribui para o
desenvolvimento da reflexão crítica, do desenvolvimento de valores como
solidariedade, fraternidade, senso de justiça e utopia tão necessários aos que desejam
e lutam por uma nova sociedade e um novo ser humano? Na forma como realizam as
tarefas, no empenho, na organização, nas celebrações (mística), na vontade de
aprender novos conhecimentos e na ajuda mútua entre os alunos, se manifesta de
forma muito clara a dimensão da luta social. Uma das professoras que lecionou no
Curso Pedagogia da Terra/ES assim refere-se ao jeito de ser dos alunos:
Eles nos ensinam um jeito especial de ser professor, em tudo que fazem. A forma como se organizam para trabalhar, seja individualmente ou no coletivo, está pautada no respeito ao outro, no direito à palavra de cada um. Mostram-nos uma maneira diferente de se posicionar frente aos desafios e problemas da vida. Revoltam-se, mas se solidarizam; calam-se, para ensinar com gestos lições simples da vida.
Seu espírito de solidariedade e trabalho coletivo é imensurável, para tornar cada uma das etapas do curso mais proveitosa possível às necessidades colocadas pelo Setor da Educação do Movimento Sem Terra.
A nossa sociedade atual fundada na concentração da terra e das riquezas nas mãos de
uma pequena elite nacional e transnacional busca incutir em nossas mentes e corações
por meio da mídia e da totalidade da vida social a insensibilidade frente aos problemas
sociais, a banalização da vida e a perda do valor da dignidade do ser humano, ora
ignorando-os ou banalizando-os, ou ainda reduzindo-os a problemas do indivíduo que,
por falta de competência e mérito, não foi capaz de superá-los ou galgar seu espaço no
mercado.
O MST através do Curso Pedagogia da Terra/ES busca recuperar a capacidade
humana de abertura e bem querer ao próximo levando-nos a sentir-nos solidários do
mesmo destino que nossos irmãos, produz em cada um de seus participantes uma
nova maneira de ser e de viver. Podemos identificar nesta prática um aprendizado
muito importante que contribui para a formação do professor sem-terra como um lutador
do povo: a luta por justiça social.
Portanto, afirmamos conforme Caldart (2000) que o MST através do Curso Pedagogia
da Terra/ES educa e forma os sem-terra no movimento da própria luta pela vida. Nas
pedagogias tradicionais a educação é concebida para manter a ordem e ensinar a
passividade através do discurso, do verbalismo, do autoritarismo e da apatia social. O
Curso Pedagogia da Terra/ES coloca em movimento a pedagogia da luta social: uma
pedagogia libertadora como nos ensinou Freire (1997) na medida em que contesta,
inconforma-se com a injustiça e luta por uma nova sociedade e um novo ser humano.
Esse é o horizonte que define o caráter de educação do Curso Pedagogia da Terra/ES,
ou seja, um processo de educação que se assume como político, que se vincula
organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade
atual, e a construção de uma nova sociedade fundada na justiça.
3.4 A Matriz Pedagógica da Organização Coletiva
Assim como afirma Caldart (2000) acreditamos que todo ser humano necessita de
raízes, e somente consegue criá-las participando de uma coletividade. Através dela
consegue manter vivos certos tesouros do passado, ao mesmo tempo em que cultiva
projetos de futuro. O MST cria raízes ao enraizar os sem-terra em uma coletividade que
ele mesmo constrói através de sua organização e de sua luta. Fazer parte de um
movimento social como o MST é sem dúvida uma das experiências mais decisivas na
conformação humana do sujeito sem-terra. O MST é a organização ou a coletividade
produzida pelos sem-terra em luta. Neste sentido, dizer que os sem-terra se educam
através da organização se refere aos dois significados combinados: os sem-terra se
educam à medida que se organizam para lutar; e se educam também por tomar parte
em uma organização que lhes é anterior, quando considerados como pessoas ou
família específica.
Neste sentido identificamos alguns componentes educativos desta matriz pedagógica
presentes no Curso Pedagogia da Terra/ES: o enraizamento; a coletividade em luta; a
força educativa do coletivo e da comunidade. O Curso Pedagogia da Terra é formado
em sua maioria por professores que pertencem ao MST e que foram desenraizados,
por terem sido expulsos da terra, mas também por um conjunto de processos de
exclusão social a que isto acabou levando. Voltar a ter raízes é certamente uma das
grandes e primeiras conquistas dos sem-terra que entram no MST e que participam do
Curso Pedagogia da Terra, e é ele que permite a cada professor abrir-se para a
possibilidade de continuar sua formação como sujeito. Assim destaca Caldart (2000, p.
215 e 216):
O MST se enraíza enraizando os sem-terra em uma coletividade que eles mesmos constroem através de sua luta e organização. Fazer parte da coletividade chamada MST é, sem dúvida, uma das experiências decisivas na conformação humana do sujeito Sem Terra. Na experiência de formação dos sem-terra pelo Movimento, pois, a organização coletiva também figura como princípio educativo. Os espaços-tempos de enraizamento estão presentes no grupo do acampamento, na terra, na família sem-terra, na cultura material de quem luta e trabalha na terra, nas diversas práticas sociais, na possibilidade de
estar em uma escola, (em um Curso como o da Pedagogia da Terra) e na própria cultura do Movimento (grifo nosso).
A maior contribuição reflexiva desta pedagogia da organização coletiva presente na
experiência de formação humana do Curso Pedagogia da Terra/ES está em trazer de
volta para nossa atenção a potencialidade educativa das relações sociais ou, na
expressão de Arroyo (2000), seu peso formador e humanizador. Nesta perspectiva, a
experiência de participar do Curso Pedagogia da Terra/ES é formadora dos professores
sem-terra basicamente pelas relações sociais que produz e reproduz, e que acabam
interferindo pedagogicamente em diversas dimensões do ser humano. Essa dimensão
educativo-formadora da organização coletiva se manifesta nos diferentes espaços-
tempos-saberes do Curso Pedagogia da Terra/ES e se configura como um dos
princípios da educação do curso: na auto-organização dos alunos, por exemplo. Auto-
organizar-se significa ter um tempo e um espaço autônomos para que os estudantes
possam se encontrar, discutir e organizar suas próprias atividades. Assim se expressa
uma aluna do Curso:
Trabalhar o coletivo numa sociedade capitalista é muito difícil. As pessoas quando chegam no Movimento Sem Terra estão muito impregnadas dessa mentalidade individualista do capitalismo. E às vezes o processo de se passar por isso é muito doloroso. Se a gente falar assim eu sou um socialista, eu vivo como um socialista vamos estar mentindo. Nós vivemos em uma sociedade capitalista e a gente ainda é muito individualista. Trabalhar a coletividade pra nós enquanto sociedade capitalista é um processo doloroso. Não é fácil estar numa turma de 58 pessoas estudando, trabalhando os tempos todo juntos, mas pra nós é um processo de extrema importância que vai criando em nós as condições de trabalhar melhor o coletivo depois que sairmos daqui. Todos os problemas, as dificuldades são necessárias para passarmos pelo processo de transformação e de crescimento.
Há muitos aprendizados que estão em jogo nesta prática: a capacidade de agir por
iniciativa própria, ao mesmo tempo, que respeitando as decisões tomadas pelo coletivo;
a busca de soluções para os problemas sem esperar salvação de fora; o exercício da
crítica e da autocrítica; a capacidade de liderança; a atitude de humildade, mas também
de autoconfiança e de ousadia; o compromisso pessoal com os resultados de cada
ação coletiva e o espírito de sacrifício em prol do coletivo.
3.5 A Matriz Pedagógica da Terra ou como os Professores Sem-Terra Educam-se em sua relação com a Terra, o Trabalho e a Produção.
Esta matriz pedagógica busca estabelecer o elo de ligação entre a terra, o trabalho, a
produção e o processo de educação e formação dos sem-terra. Como afirma Caldart
(2000) assim como é possível lavrar a terra, trabalhando-a para que se reproduza em
vida, alimentos, beleza, também é possível lavrar o ser humano, justamente para que
se produza e reproduza na plenitude de sua humanidade, no seu fazer-se humano, no
seu devir histórico. O ser humano, nas várias culturas e fases históricas, revelou essa
intuição segura: pertencemos a Terra; somos filhos e filhas da Terra; somos Terra que
atingiu um estágio de consciência e de reflexividade. Daí que a palavra homem vem de
húmus. Viemos da Terra e a ela voltaremos. “A terra não está à nossa frente como algo
distinto de nós mesmos. Temos a Terra dentro de nós” (Boff, 1999, p. 72).
Esta matriz pedagógica é uma das mais antigas, pois se faz presente na formação do
próprio Movimento e que põe em movimento a formação dos sem-terra através do
processo de produção das condições materiais da existência. O Curso Pedagogia da
Terra/ES coloca em movimento um processo de formação e educação dos professores
sem-terra através dos espaços-tempos-saberes promovendo o reencontro dos
professores sem-terra com a terra, com o conhecimento, que acaba sendo também
uma forma de encontro consigo mesmo, com seu ser que se havia perdido ou que o
sistema lhe havia negado.
O Curso Pedagogia da Terra/ES possibilita o trabalho na terra: preparar a terra, plantar
a semente, adubar, molhar e cuidar nos diz que as coisas não nascem prontas,
precisam ser cuidadas e cultivadas. São as mãos do agricultor, do camponês, da
camponesa, da criança, do jovem, do velho, do professor, da professora que vão
fazendo com que cada planta cresça e se desenvolva, com que cada criança aprenda e
tenha orgulho de ser sem-terra. É do trabalho de suas mãos que os professores sem-
terra se tornam sujeitos de sua formação e produzem sua existência, produzem o pão,
o leite, o arroz, o feijão, o remédio, o conhecimento e tudo que necessitam para viverem
com dignidade e humanidade. Se no capitalismo o fruto do trabalho é privilégio de uma
minoria, no Curso Pedagogia da Terra os resultados do trabalho são distribuídos entre
todos de forma igualitária não havendo necessitados entre eles64. Neste sentido assim
se expressou um professor e uma aluna do curso:
O trabalho como auto-educativo por si próprio. Porque a terra é o fundamento da própria construção do trabalho. Eu acho que humanizar no sentido cultural, do ponto de vista marxista o trabalho é a realização humana, é a referência fundamental; e esse trabalho se refere fundamentalmente a terra. Nesse sentido há uma pedagogia porque a marca do MST aponta para o socialismo ou da superação da propriedade privada no sentido de que a terra é da natureza, a terra não é de ninguém, a terra é de quem nela trabalha. O tempo trabalho, todos os dias nós trabalhamos divididos por setores, então no momento agora estou no setor de pomar e viveiro e tem outros setores. Acredito assim que é uma contribuição que a gente dá para o local que estamos. Esse local aqui nós consideramos como nosso porque a partir do momento que você sai de sua casa para ficar aqui 40 dias então a gente considera como nosso. Então temos de ter cuidado na produção.
É nesse processo coletivo de produzir sua existência material e espiritual que os
professores sem-terra se formam e se educam. Nesse sentido o trabalho ganha uma
dimensão educativa e formativa dos professores sem-terra. De acordo com Menezes
(2003) o trabalho constitui uma atividade humana no processo de transformação da
natureza e, conseqüentemente, na recriação de novas relações sociais. O ser humano
interage, modifica e transforma a natureza e ao transformá-la modifica a si mesmo. Mas
o ser humano não age isolado, e agindo ou trabalhando em conjunto, constrói o mundo
em que vivemos. O trabalho, desta forma, é a prática fundamental no processo de
humanização e socialização dos professores sem-terra. Pelo trabalho o homem produz
sua existência material e, indo além, estabelece relações sociais e culturais que
possibilitam um processo de educabilidade do ser humano. No entanto, Marx (1984)
nos adverte do caráter contraditório do trabalho. Se por um lado, pelo trabalho o
homem imprime sua marca no mundo, será pelo mesmo trabalho que as relações de
exploração e extração de mais-valia irão realizar-se.
64 Podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra/ES em seus diferentes espaços-tempos-saberes busca construir novas relações entre os seres humanos, um projeto alternativo de sociedade fundada na justiça social e na igualdade entre os seres humanos.
Portanto, o trabalho não pode ser visto apenas de forma positiva, pois, historicamente,
ele está se dando de forma perversa para os trabalhadores. E no capitalismo, o
trabalho serve à reprodução do capital. A vida, produzida e recriada pelo trabalho
humano, torna-se submetida à reprodução do capital. No Curso de Pedagogia da Terra
o trabalho tem um valor fundamental. Para professores do curso, vincular os processos
educativos do curso com a realidade dos alunos significa incluir o trabalho como uma
dimensão educativa fundamental na formação. Para os alunos do curso, vincular a
educação com o trabalho é condição para realizar os objetivos políticos e pedagógicos
do MST. Os processos pedagógicos não podem ficar alheios às exigências cada vez
mais complexas dos processos produtivos, seja os da sociedade em geral, seja os dos
assentamentos, em particular. E o curso realiza isso quando seleciona conteúdos
vinculados ao mundo do trabalho e da produção presentes na realidade e na vida dos
estudantes.
3.6 A Matriz Pedagógica da Cultura
Esta matriz pedagógica se encontra nos diferentes espaços-tempos-saberes do Curso
Pedagogia da Terra/ES. A cultura se faz presente na luta pela terra, na organização
coletiva, no processo produtivo, nos momentos de celebração e mística, nas palavras
de ordem, nas músicas. O que nos chamou atenção no Curso Pedagogia da Terra/ES
foi o sentimento de pertença ao MST que os professores demonstram nos diferentes
espaços-tempos-saberes do processo de formação. Esse sentimento de pertença se
manifesta através dos símbolos, das frases, dos cartazes, da mística, da bandeira do
MST, do boné, da camisa, da organização, da postura e do comportamento de cada
aluno que participa do curso. Não é somente a sala de aula que educa e sim todos os
espaços-tempos-saberes do curso, se convertem em um ambiente educativo dos
alunos, professores, coordenadores e pesquisadores. No movimento de formação do
professor sem-terra, trata-se de compreender como o próprio MST vai se
transformando em referencial cultural educativo dos professores sem-terra através de
seus símbolos e ações.
A cultura pode ser entendida a partir de diferentes perspectivas, neste trabalho a
entendemos como Caldart (2000) que a considera como um conjunto de práticas,
comportamentos, valores, posturas, convicções, idéias, que se produzem desde uma
luta social e que projetam um mundo diferente. Neste sentido podemos entender a
cultura como um modo de vida que articula costumes, objetos, comportamentos,
convicções, valores, saberes, que embora díspares e por vezes até contraditórios entre
si, possuem um eixo integrador ou uma base primária que nos permite distinguir um
modo de vida de outro, uma cultura de outra, um projeto de sociedade de outro. O
Curso Pedagogia da Terra intencionaliza ações, valores, comportamentos, símbolos
que favorecem a formação e o processo de educação e valorização dos saberes, da
cultura e da identidade dos professores sem-terra, fortalecendo a luta coletiva por uma
educação no e do campo? Acreditamos que sim. Podemos identificar esse componente
educativo na fala de uma das alunas do curso:
Ao longo de todo o processo capitalista neoliberal que foi imposto pra gente, o homem do campo se descaracterizou muito, nós perdemos a nossa cultura, as nossas tradições e assimilamos uma cultura externa à nossa que foi imposta a nós. O homem do campo hoje quase não se diferencia do homem urbano. O importante pra gente não é dar uma nova cara para o homem do campo e sim resgatar no homem do campo o que foi perdido realmente. Queremos valorizar a cultura, as raízes dos sujeitos do campo!
A mística65, por exemplo, é um processo que pode ser interpretado nesta perspectiva,
ou seja, de fortalecimento da identidade de ser sem-terra e de pertencer a um
Movimento como é o MST. Se entendermos a mística como um dos componentes da
cultura e cultura como um conjunto de práticas, comportamentos, valores, posturas,
convicções, idéias, que se produzem desde uma luta social e que projetam um mundo
diferente, então podemos afirmar que a matriz pedagógica da cultura66 projeta um modo
65 Acreditamos que a mística é um dos espaços-tempos-saberes fundamentais no processo de formação dos sem-terra que se faz presente no Movimento e no Curso Pedagogia da Terra. No último capítulo da dissertação procuraremos abordar melhor a dimensão educativa e formativa da mística.66 Um simples olhar para a nossa realidade social nos aponta os contra-valores da ordem do dia para o sistema capitalista: individualismo, ambição, competição, coisificação das relações humanas e o pior de todos eles: o enfraquecimento ou o esquecimento do senso de justiça acompanhado da insensibilidade social diante do sofrimento dos excluídos. O capitalismo tem gerado uma situação social de degradação humana, de desenraizamento das pessoas e de morte do horizonte utópico. O MST ao construir sua cultura ancorada num processo de enraizamento e humanização dos sem-terra possibilita uma prática contra-hegemônica e alternativa ao sistema atual.
de ser que conduz ao resgate da memória histórica da luta pela terra, do cultivo dos
valores de solidariedade e de justiça que possibilita o enraizamento e o processo de
formação dos professores sem-terra. Se o Curso Pedagogia da Terra é portador de
cultura, de valores, práticas, comportamentos que possibilitam um processo de
formação e humanização dos professores sem-terra, então podemos afirmar que as
ações dos sujeitos do curso são questionadoras do sistema capitalista vigente. Na
contramão dos valores apregoados pela educação no sistema capitalista, como o
individualismo, a competição, a mercantilização e a transformação da educação em
mercadoria, o curso coloca em movimento práticas alternativas de educação, tais como
o valor do coletivo, da solidariedade e ajuda mútua, a educação como direito social e
dever do Estado, da cooperação e da luta por justiça social.
CAPÍTULO IV
4 PEDAGOGIA DA TERRA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR SEM-TERRA
“A Pedagogia da Terra leva a marca do próprio MST na medida em que veio como uma conquista, o movimento se organizou levando a sua própria marca, ocupou o campus de São Mateus, ocupou a universidade e isso foi uma coisa maravilhosa do ponto de vista do exemplo político de como se fazem as coisas. O Curso Pedagogia da Terra foi uma conquista ganha dentro do processo de ocupação, luta, porque, a universidade pública é uma universidade do povo brasileiro”. (Professor que lecionou na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).67
4.1 Considerações Iniciais
Neste quarto e último capítulo temos como objetivo fundamental identificar, analisar e
refletir a partir da vivência, dos documentos do curso (grade curricular, programas de
disciplina, plano de aula, caderno de memória da turma, caderno de reflexão pessoal),
das entrevistas realizadas a alunos (as), professores (as) e coordenadores os espaços-
tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Com o objetivo de
situarmos o leitor no capítulo realizamos uma pequena memória da caminhada até
chegarmos aos itens que fazem parte do capítulo. É interessante pensarmos na relação
do sujeito pesquisador com o objeto a ser pesquisado. Como pesquisador iniciante meu
primeiro contato com o tema da pesquisa foi a partir das leituras do MST, quanto mais
lia e aprofundava no conhecimento do MST mais me apaixonava pelo tema da
pesquisa. Era necessário conhecer o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
para depois conhecer o processo de formação dos professores do Curso Pedagogia da
Terra.
67 O nome do professor foi mantido em sigilo por fazer parte do desenvolvimento da pesquisa.
Neste processo considero fundamental para o conhecimento e a identificação com o
MST, no conjunto da leitura realizada duas obras: Brava gente: a trajetória do MST e a
luta pela terra no Brasil de autoria de João Pedro Stédile em parceria com Bernardo
Mançano Fernandes e Pedagogia do Movimento Sem Terra de autoria de Roseli Salete
Caldart. Essas obras ajudaram-me a conhecer e admirar o MST e a pensar na
importância do Movimento como sujeito coletivo educativo dos sem-terra.
Era necessário, no entanto, um contato mais direto com o objeto-sujeito da pesquisa.
Foi assim que em Janeiro de 2004 tive meu primeiro encontro com os alunos da
segunda turma do Curso Pedagogia da Terra - UFES, no Pólo Universitário de São
Mateus – CEUNES. Nesse primeiro encontro com a segunda turma do Curso
Pedagogia da Terra três gestos marcaram-me: o primeiro diz respeito à cordialidade e à
solidariedade com que a turma acolheu-me; o segundo foi o esforço, a dedicação e a
organização dos alunos nas diversas atividades do curso, inclusive após as oito horas
diárias de aulas; e o terceiro foi às celebrações, o que eles chamam de mística.
Os alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES acordam às 5 h e
30 min, tomam um café reforçado e se preparam para as atividades do dia. A mística é
realizada diariamente e é a primeira ação que fazem ao amanhecer. Cada dia um grupo
de alunos da turma fica responsável por prepará-la e realizá-la. Os alunos trazem para
o momento da mística, acontecimentos que se relacionam com a história do MST, com
a história do país, com os direitos sociais como a educação, saúde, moradia e também
com o cotidiano do curso. Na semana que permaneci com eles pude participar de
algumas celebrações em que essas questões foram tratadas de forma bastante criativa
e crítica assumindo uma dimensão de contestação social. Logo após a mística os
alunos da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra dão início às atividades
acadêmicas. São oito horas diárias de aula com intervalo para almoço e lanche. Os
conteúdos abordados nas aulas são desenvolvidos de acordo com as disciplinas que
integram a Grade Curricular do Curso. Os professores procuram utilizar uma
metodologia participativa onde os alunos possam expressar dúvidas, questionamentos
e relacionarem os conhecimentos das diferentes disciplinas com a experiência que
possuem nas escolas dos assentamentos. Depois de oito horas consecutivas de aula
os alunos do Curso Pedagogia da Terra se preparam para as atividades referentes ao
espaço-tempo-trabalho produtivo. A turma organiza-se em grupos de trabalhos e dá
início às atividades, tais como: capina, horta, tirar leite de vaca, pintura, fabricação de
remédios caseiros etc. Terminada essa etapa os alunos se dedicam à higiene pessoal:
tomar banho, preparar seus pertences pessoais (roupas) e em seguida acontece o
jantar. Durante à noite alguns grupos dedicam-se à preparação da mística; outros
participam de reuniões com a coordenação do curso e há ainda atividades de leituras
para serem feitas, como livros e textos referentes aos conteúdos trabalhados pelas
disciplinas da Grade Curricular do Curso. Esse foi um pequeno relato de minha
participação em um dia no Curso Pedagogia da Terra. Meu segundo encontro com a
segunda turma do Curso Pedagogia da Terra foi na realização da pesquisa do
PRONERA em 2004. Nesse momento, a partir da experiência que havia vivido pensei
que poderia aprofundar meu olhar sobre o curso fazendo aos alunos e professores do
curso, algumas questões, como por exemplo: o que significa para eles (alunos do
curso) ser professor do MST?
Que importância tem a mística no processo de formação dos professores sem-terra?
Que espaços-tempos-saberes são produzidos e mobilizados durante as etapas do
curso que favorecem o processo de formação dos professores sem-terra? Qual é a
concepção de mística do MST e que papel ou função educativa tem a mística no Curso
Pedagogia da Terra? Uma questão que mais tarde vim a pensar foi se a mística do
MST tem origem nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica e como
essa dimensão educativa aparece no movimento de formação do professor sem-terra?
A partir da pesquisa do PRONERA pude perceber que a mística era realmente um dos
eixos no processo de formação do professor sem-terra e que mereceria uma atenção
especial e maior aprofundamento, vindo a constituir-se em um dos espaços-tempos-
saberes fundamentais do movimento de formação dos professores sem-terra. A
participação no I Encontro do PRONERA da Região Sudeste também contribuiu para
reforçar a importância que os sujeitos sem-terra atribuem à mística como memória e
fortalecimento da luta por uma educação do campo. Por meio da mística os sujeitos do
campo expressam sua cultura, seus valores, seus saberes e sua identidade campesina
e revivem a história da luta pela terra. E foi nesse movimento que fomos tecendo os
temas a serem trabalhados neste capítulo.
4.2 O Curso Pedagogia da Terra – UFES
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária (Pedagogia da Terra) no Estado do Espírito Santo68 foi criado no final
de 1999 pela parceria entre o Movimento Sem Terra/Centro Integrado de
Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo –
MST/CIDAP69, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA e Universidade Federal do
Espírito Santo – UFES70. O processo de criação do Curso Pedagogia da Terra nos
68 Um breve resgate de aspectos da história do Curso Pedagogia/UFES remete a 1972, ao Departamento de Pedagogia do Centro de Estudos Gerais (grosso modo este equivalia às Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do período anterior à Reforma Universitária – Lei n.5.540/68. Em 1975 foi criado o Centro Pedagógico, tendo o Curso de Pedagogia habilitações, como: Supervisão, Administração Escolar, Orientação Educacional. A partir de 1990, foram feitas reformas curriculares dando ênfase na formação de Professores de 1a a 4 séries e Educação Infantil. Atualmente o Centro de Educação/UFES oferece um Curso de Especialização lato sensu em Pedagogia, qualificando especialistas de educação para exercerem funções de Orientação, Supervisão, Administração Escolar.69 O Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores – CIDAP/ES foi fundado em dezembro de 1987. Caracteriza-se como uma associação sem fins lucrativos, objetivando negociar projetos e programas para assentamentos. Tem um caráter jurídico para representar o MST. Hoje conta com uma sede construída numa área de 10 hectares (doada pelo Assentamento de Juerana) localizada no Km 41 da Rodovia São Mateus – Nova Venécia. O CIDAP vem cumprindo um papel significativo enquanto Centro de Formação do MST e atualmente a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra está realizando suas atividades de formação no CIDAP, possibilitando um espaço mais amplo e em condições de funcionamento melhores do que aquelas disponibilizadas no pólo da CEUNES em São Mateus.70 Conforme depoimentos da professora Julieta Ida Dallapione (2002), durante a realização da II Conferência Estadual por uma Educação Básica do Campo, realizada em Porto Alegre/RS, no mês de abril de 2002, em 1997 a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/UNIJUI iniciou, através de convênio entre o INCRA/MST/UNIJUÍ, à primeira turma de formação de professores de assentamentos do MST em nível superior, por meio do Curso de Pedagogia para Formação de Professores do Ensino Fundamental e Coordenadores da Escolarização dos Assentamentos de Reforma Agrária, cujo curso logo passou a ser chamado de Pedagogia da Terra.
remete, como vimos no desenvolvimento da dissertação, à luta dos trabalhadores (as)
rurais sem-terra para romperem a cerca do latifúndio e da ignorância. Os trabalhadores
sem-terra recusando-se a permanecerem excluídos da terra, da dignidade, do
conhecimento e da educação mobilizaram-se coletivamente para conquista e ocupar o
latifúndio do saber forçando a Universidade a desempenhar o seu papel social de estar
a serviço do povo brasileiro. O Curso Pedagogia da Terra situa-se neste movimento de
luta por uma educação do campo, não foi uma doação da Universidade ou do
PRONERA, nasceu e se tornou realidade a partir da luta organizada do MST. Homens
e mulheres que tecem no cotidiano de suas lutas, enfrentamentos, dificuldades e
sonhos uma nova concepção de educação que contemple os valores, a cultura e a
identidade dos sujeitos do campo. A organização do Movimento Sem Terra no Estado
do Espírito Santo, assim como no Brasil, remete às Comunidades Eclesiais de Base –
CEBs, conforme discutimos no primeiro capítulo da dissertação e Comissão Pastoral da
Terra/CPT, criada em Goiânia em 1975 e no Espírito Santo no ano seguinte, com
significativo impulso a partir da década de 1970, auge da Ditadura Militar.
Os trabalhadores rurais sem terra e agricultores de renda familiar organizaram-se para
partilhar seus problemas e encaminhar possíveis lutas pela conquista de condições
dignas de vida, de cidadania. Isso possibilitou uma pedagogia popular que favoreceu
discussões a partir dos problemas concretos vividos pelo homem oprimido do campo,
estimulando processos de reflexão individuais e coletivos. A ênfase nos trabalhos
desenvolvidos passou a se dar no campo da conscientização, no sentido proposto por
Freire (1970), na formação de lideranças e animação de grupos. Os trabalhadores
rurais sem-terra lutaram para conquistar um pedaço de chão, garantindo a subsistência
de suas famílias. No Estado do Espírito Santo ampliou-se esse processo desde 1983,
em cujo movimento a bandeira da educação como um direito fundamental dos sem-
terra sempre se fez presente. Cabe perguntar: por que o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra começa a lutar não só pela terra, mas também por educação e por
outros direitos sociais? Ocorre que os altos índices de analfabetismo no Movimento, a
necessidade de garantir às crianças que acompanhavam seus pais na luta pela terra o
direito de escolarização e, sobretudo, o fato dos trabalhadores rurais sem terra
defenderem em suas lutas a relevância da educação formal e informal como
instrumento de luta no processo de transformações sociais vem mobilizando o MST e
diferentes grupos da sociedade civil para garantir o direito dos trabalhadores rurais a
uma escola voltada para as necessidades dos sujeitos do campo. Neste sentido a fala
de uma professora que lecionou para a segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é
esclarecedora:
Eu acho interessante porque esse Movimento se fortalece ou se enfraquece no contexto atual onde os direitos sociais estão sendo cassados! Você fala em direitos sociais, hoje cada um deles e a cada dia estão sendo desconsiderados, a todo tempo, então esse Movimento se faz mais importante ainda porque diz novamente, fala novamente da necessidade que nós temos de garantir os direitos sociais: da educação, da moradia, da terra, da saúde que estão cada dia sendo restringidos.
Na luta pelos direitos sociais e em especial à educação, o MST institui em 1984 a
primeira escola de assentamento no Estado do Espírito Santo, assessorado por uma
equipe de professores da Escola Família Agrícola de Jaguaré. Muitas lutas foram
travadas para que o governo estadual e prefeituras municipais se responsabilizassem
por oferecer infra-estrutura às escolas, aceitassem critérios colocados pelo Movimento
para o processo de seleção de professores em escolas de assentamentos, garantissem
pagamento em dia de salários da equipe escolar, oferecessem material didático e
dessem reconhecimento oficial e legal ao projeto educativo construído coletivamente
pelos sem-terra. Em 1987 organizou-se o I Seminário Nacional de Educação em
Assentamentos, realizado em São Mateus nos dias 27 a 30 de julho. Houve
participação de comitivas de treze estados do país. Das discussões acumuladas nas
múltiplas frentes de luta do MST por uma educação no/do campo, criou-se o Coletivo
Nacional de Educação do MST neste mesmo ano. Desde então encontra destaque na
pauta de lutas a demanda de uma educação diferenciada que atenda às
particularidades e à realidade dos sujeitos que vivem no e do campo, à necessidade de
programas institucionalizados de formação política e pedagógica dos professores de
assentamento.
Neste sentido em 1989 o MST, através do Centro Integrado de Desenvolvimento dos
Assentados e Pequenos Agricultores do Estado do Espírito Santo - CIDAP, inaugura
sua primeira parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo com cursos de
extensão nas áreas de Pedagogia, Administração e Agronomia. Em 30 de maio de
1994 o Setor de Educação do MST/ES, após negociação com a UFES, encaminha
pedido à Coordenação Universitária do Norte do Espírito Santo/CEUNES (campus
avançado da UFES em São Mateus), solicitando uma nova parceria entre a UFES,
Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo - SEDU e MST, para a criação do
Curso de Habilitação para o Magistério. Reivindicava-se uma formação que fosse
coerente com as especificidades e a realidade da educação nos assentamentos.
Em face das dificuldades legais encontradas, firmou-se finalmente convênio entre o
MST/CIDAP e a Escola de I e II Graus Santo Antônio, localizada no município de São
Mateus. O curso foi iniciado em julho de 1995, no Centro de Formação do CIDAP. Os
estudantes da primeira turma, assim que concluíram seus estudos, mobilizaram-se para
iniciar novas negociações com a UFES, através do Setor de Educação do MST, a fim
de garantir a continuidade do processo de formação para além da Educação Básica.
Assim tiveram início as negociações entre lideranças do Setor de Educação do MST e a
Universidade para a construção de um projeto que possibilitasse a formação superior
em pedagogia para os professores das escolas de assentamentos. A preocupação com
a formação dos professores que atuam nas escolas de assentamentos como vimos
remonta ao início do Movimento, mais especificamente a partir de 1987, quando o
Movimento iniciou uma série de debates com o objetivo de procurar parcerias que
viabilizassem esta formação. A motivação para este debate vinculava-se a idéia de
garantir aos professores uma formação que levasse em consideração a realidade, a
cultura e a identidade dos sujeitos do campo. Neste sentido, assim afirma Caldart
(2000, p. 157).
Depois de conquistada a escola junto ao município ou ao estado, era designada para estas áreas professoras da rede oficial de ensino que, muitas vezes, iam para lá por imposição, e em alguns casos tendo uma visão bastante preconceituosa em relação aos sem-terra.
A luta que o Movimento assumiu quando decidiu reivindicar a formação superior em
Pedagogia era possibilitar aos jovens, homens e mulheres, que viviam do trabalho do
campo, o acesso a uma formação acadêmica que levasse em conta as peculiaridades e
realidade destes sujeitos que vivem no e do campo, pensar uma educação que não
fosse simplesmente um transplante da educação urbana71, mas que tivesse relação e
fosse coerente com o contexto e a realidade da educação e da vida dos sujeitos do
campo. Foi assim que em 1999 foi firmada a parceria entre o Movimento Sem
Terra/Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores
do Espírito Santo – MST/CIDAP, Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – INCRA/PRONERA com
o objetivo de garantir a realização do Curso de Pedagogia da Terra. A oferta total de 60
vagas do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para Educadoras e Educadores
da Reforma Agrária MST/ES tornou-se realidade com a assinatura do Convênio de n.
2001/1999, publicado no Diário Oficial da União – DOU em 08 de novembro de 1999.
4.3 Características Gerais do Curso Pedagogia da Terra - UFES
Não foram poucas as discussões travadas na Universidade Federal do Espírito Santo
sobre o caráter público ou não do Curso Pedagogia da Terra. Alguns professores
defendiam a necessidade e a legalidade do Curso; outros criticavam, dizendo que era
uma demanda particular e feriria o caráter público da Universidade, na medida em que
se estaria abrindo exceções para que um determinado grupo ingressasse de forma não
oficial, ou seja, sem passar por todos os procedimentos normais de acesso à 71 A educação urbana está indissociavelmente ligada a um projeto de educação fruto da Modernidade, erigido sob o princípio do universalismo, que pretendeu estender pelos quatro cantos do mundo, os ideais da civilização. No seu afã civilizatório, esse projeto educacional sufocou de forma totalitária a realidade da cultura e da identidade dos sujeitos que vivem e se educam no/do campo. Não houve por parte da educação urbana a preocupação em aproveitar as experiências e os saberes dos sujeitos do campo; muito pelo contrário em muitos casos o homem do campo foi tratado como sendo jeca, caipira e desprovido de cultura, contribuindo desta forma para uma visão negativa do homem e da mulher do campo.
Universidade. Reforçando a importância do curso para a formação dos professores das
escolas dos assentamentos do MST, assim se expressa uma professora que lecionou
na quinta etapa do Curso Pedagogia da Terra/ES:
Agora uma coisa interessante que muitos dirigentes universitários não pensam é que nós vivemos numa sociedade extremamente excludente e cursos dessa natureza permitem que algumas pessoas que estariam excluídas sempre possam se inserir na universidade; tem toda uma relação com a questão do sistema de cotas; eu gostaria que tivesse escola para todo mundo e universidade para todos, agora, enquanto não temos, precisamos garantir de alguma maneira que algumas pessoas possam participar do processo de formação que ocorre dentro da universidade, porque de outra maneira eles não vão conseguir; a universidade, independente de ter um estatuto, precisa pensar essa questão.
Podemos pensar que se a Universidade é pública ela deve estar a serviço do povo,
principalmente daquela parcela da população que sempre e historicamente vem sendo
excluída dos direitos de cidadania em nosso país. Desta forma o Curso Pedagogia da
Terra constituiu-se em um espaço privilegiado onde professores sem-terra têm acesso
a um conhecimento científico e a uma formação que legitime seus saberes e sua
experiência, levando em consideração a realidade e a identidade dos sujeitos do
campo72. Após a leitura, análise de documentos e das entrevistas realizadas com
professores e alunos da segunda turma, pode-se afirmar que o Curso Pedagogia da
Terra/ES visa aos seguintes objetivos: proporcionar aos professores que residem nas
áreas de assentamentos uma Licenciatura Plena de Pedagogia, para atuarem na pré-
escola e nas séries iniciais de ensino fundamental; preparar professores para levarem
em frente a implementação da proposta pedagógica de educação libertadora73, que
valorize os saberes do homem do campo e que contribua com novos conhecimentos
para garantir a qualidade de vida do mesmo; desenvolver uma metodologia que
possibilite aos sujeitos do campo a construção de uma proposta pedagógica no e do
72 Neste sentido convém destacar o Curso de Pedagogia que busca preparar professores indígenas para atuarem nas escolas das aldeias de Aracruz e o curso a distância (EAD) ambos em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Está em processo de discussão a possibilidade de um curso de extensão para professores que atuam em comunidades pomeranas para sanar as lacunas da Pedagogia/EAD que não leva em consideração as questões relacionadas com a educação do campo, bilingüismo e cultura local. 73 Uma educação libertadora no sentido de que nos fala Paulo Freire: que busca o resgate dos valores, dos saberes e da cultura dos oprimidos!
campo e à implementação nas escolas dos assentamentos, através de pesquisas, da
valorização cultural, do referencial teórico e científico, valorizando a cultura do homem
do campo como condição para o resgate da sua identidade e cidadania. Esses são em
linhas gerais os objetivos do Curso Pedagogia da Terra/ES que orientam em cada
etapa do Curso os trabalhos das diferentes disciplinas que compõem a Grade
Curricular. Pela experiência que tivemos em vivenciar juntamente com os alunos e
professores da segunda turma algumas etapas do Curso Pedagogia da Terra, das
entrevistas realizadas com alunos e professores, da participação ativa nos espaços-
tempos-saberes do processo de formação e das conversas informais que tive com
alguns alunos, pode-se afirmar que em grande parte esses objetivos estão sendo
alcançados. De fato fica evidente na fala de professores e alunos a importância desse
curso no sentido de construir uma educação que respeite os saberes, as experiências e
a cultura dos sujeitos do campo, que recupere a humanidade e a dignidade de sujeitos
que historicamente e sistematicamente têm sido excluídos de todo o processo
educacional em nosso país. Neste sentido, assim se expressa uma professora que
lecionou no Curso Pedagogia da Terra:
Eu vejo a educação como um processo, não na perspectiva daquele processo, não na perspectiva daquilo que está colocada na mensagem que nós lemos ainda a pouco, da Mídia; mas independente de onde as pessoas estejam, de quem são as pessoas, eu vejo a educação como um processo fundamental para a humanização.Tornar-se humano, na verdade a gente aprende a ser, ser humano! E ser humano pra mim tem que ter essa dimensão crítica, da necessidade do outro, tem que ter essa dimensão da coletividade, pra mim esse é um processo de humanização!
Podemos pensar que em toda a história da educação brasileira os sujeitos do campo
sempre foram marginalizados e que isso se situa dentro de uma lógica de dominação,
de exclusão que o sistema capitalista impôs a esses sujeitos; e na medida em que o
MST como movimento social através desse Curso busca formar esses professores para
que sejam capazes de ensinar as crianças, os adolescentes, os jovens, os anciãos com
conhecimentos que lhes possibilitem compreender a sua realidade e o seu mundo, está
efetivamente contribuindo na luta por uma educação libertadora que respeite os
saberes, a cultura e a identidade dos sujeitos no/do campo. Sendo assim podemos
afirmar que o Curso Pedagogia da Terra através de seus espaços-tempos-saberes, das
disciplinas que formam a Grade Curricular e das metodologias desenvolvidas em sala
de aula pelos professores está contribuindo efetivamente para esse processo de
formação-humanização dos professores do campo.
4.4 Estrutura de Funcionamento do Curso Pedagogia da Terra - UFES
Tanto na primeira turma quanto na segunda turma, a duração total do curso foi e está
sendo de três anos, tendo um tempo de ensino presencial (Tempo Escola), cumprido
nos meses que são destinados às férias escolares (janeiro, fevereiro e julho), e outro
tempo de estudos à distância (Tempo Comunidade), realizado nos demais meses do
ano e nos próprios locais de origem das (os) aluna (os). Essa estrutura do Curso
Pedagogia da Terra – UFES se assemelha à da Pedagogia da Alternância, conforme
discutimos no segundo capítulo deste trabalho. O curso está estruturado em oito
etapas74, cada uma delas envolvendo um período de ensino presencial e um de estudos
à distância. O curso consta de oito etapas com cinco disciplinas de 60 horas,
perfazendo um total de 300 horas em cada etapa, com exceção do oitavo período,
contando somente com a disciplina Estágio de 300 horas. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra considerou necessário e importante que neste último
período os estudantes desenvolvessem uma monografia final do curso75, que totaliza
cento e vinte horas. Desta forma a carga horária do curso é de 2.520 horas. As etapas
letivas Intensivas destinam-se à apresentação e aos trabalhos das disciplinas que
compõem a Grade Curricular do Curso: à orientação; discussão e reformulação das
resenhas e estudos das etapas intermediárias; à socialização das experiências e
74 É importante chamar a atenção para esta forma de organização do curso, pois aí se encontra uma das diferenças do Curso Pedagogia da Terra em relação aos demais cursos convencionais, onde a estrutura segue uma lógica seriada e fragmentada. No Curso Pedagogia da Terra cada etapa se constitui levando em conta os diferentes espaços-tempos-saberes que configuram o movimento de formação dos professores sem-terra.75 Ainda que o Curso de Pedagogia regular de Vitória não tenha como exigência a monografia no final de curso, o coletivo da educação do Movimento encaminhou discussões junto à Universidade, destacando a importância e a necessidade para a construção coletiva de uma alternativa de educação no/do campo, por meio de pesquisas para elaboração de um trabalho monográfico final. Neste sentido nas monografias já defendidas da turma Paulo Freire, constata-se uma variedade de temas relacionados à realidade dos assentamentos. Consultar: UFES. Resumos das monografias dos alunos da pedagogia da terra; primeira turma. Vitória: UFES, 2003.
conhecimentos apreendidos pela elaboração e pelas leituras. A Grade Curricular do
Curso Pedagogia da Terra além de contemplar as disciplinas necessárias à formação
do pedagogo do ponto de vista técnico, constam também algumas disciplinas
relacionadas à educação do campo e que foram incluídas na grade curricular como
forma de garantir uma educação diferenciada e específica para a realidade do campo.
Entre essas disciplinas estão: Alternativas da Educação do Campo; A questão Agrária
no Brasil; A educação para o cooperativismo no campo e Bases Psicossociais da
Educação de Jovens e Adultos. As etapas letivas intensivas perfazem 75% da carga
horária total de cada disciplina. Durante todo o ano letivo do calendário escolar,
ocorrem às etapas letivas intermediárias, com um tempo previsto para o
acompanhamento e a orientação aos alunos em cada município.
As etapas intermediárias destinam-se aos vinte e cinco por cento (25%) da carga
horária restante de cada disciplina, onde cada aluno fica responsável de realizar leituras
e estudos dirigidos pelo docente. Tais atividades precederão à etapa seguinte do curso,
contemplando assim um conteúdo mínimo para o início do período intensivo. As etapas
intermediárias destinam-se à prática da pesquisa de campo, à pesquisa bibliográfica, e
à reorientação dos projetos de pesquisas dos estágios. Nas etapas intermediárias os
alunos têm o tempo necessário para o aprofundamento e reelaboração dos conceitos
trabalhados nas etapas intensivas, nos períodos letivos. Através de leitura, grupos de
estudos e de pesquisas e do contato com a realidade dos assentamentos os alunos têm
espaço e tempo de reflexão, que lhes permitem avançar e apropriar-se com maior
segurança dos conhecimentos desenvolvidos em sala de aula, além de estabelecer o
vínculo necessário entre teoria e prática.
4.5 Coordenação Político-Pedagógica do Curso Pedagogia da Terra - UFES
A Coordenação Político Pedagógica da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra é
composta por um membro da direção do Movimento, setor de educação e três
representantes dos estudantes e possuem as seguintes tarefas: garantir a continuidade
de inserção dos educandos (as) no processo pedagógico, dando sustentabilidade à
gestão durante todas as etapas do curso; articular os interesses dos participantes para
a realização das metas de aprendizagem e de produção; acompanhar
pedagogicamente os educandos (as) através dos núcleos de base, equipes, setores e
também individualmente, levando em conta as condições objetivas e subjetivas do
processo de formação; preparar juntamente com os educandos (as) e professores (as)
o Tempo Comunidade. Cada etapa do curso é constituída de um Tempo Escola (etapa
intensiva) e de um Tempo Comunidade (etapa intermediária). O Tempo Escola é o
período de realização das atividades presenciais do curso; o Tempo Comunidade é o
período de realização das atividades de estudo à distância, de práticas pedagógicas
complementares realizadas pelos estudantes, bem como de uma maior e
intencionalizada inserção na forma de organização do próprio Movimento. Lembremos
que tanto o Tempo Escola quanto o Tempo Comunidade constituem os pilares da
Pedagogia da Alternância.
Conforme as discussões realizadas no segundo capítulo deste trabalho, a Pedagogia
da Alternância, se faz presente no Estado do Espírito Santo em 1965 com as primeiras
Escolas Famílias, através do trabalho de um jesuíta, o padre Humberto Pietrogrande.
Não poderia afirmar uma identidade da proposta do Curso Pedagogia da Terra com o
conjunto da proposta político-pedagógica destas Escolas, mas houve sim uma
inspiração metodológica na sua modalidade de ensino alternado (Tempo Escola e
Tempo Comunidade). Propor atividades e orientações para os estágios; buscar a
qualidade do ensino nas disciplinas, seminários e nas oficinas; acompanhar as
atividades dos educandos em vista da observância pedagógica e se for necessário, da
influência pedagógica; acompanhar o processo de crítica e autocrítica dos educandos
(as); encaminhar a leitura diária; garantir a participação da Coordenação Político
Pedagógica (CPP) nos trabalhos produtivos.
As equipes são formadas tendo como composição um representante de cada Núcleo de
Base76 escolhido pelo próprio núcleo. O Curso Pedagogia da Terra possui as seguintes
equipes com as respectivas funções ou tarefas: a equipe de disciplina tem a função de
76 Os nomes das equipes já demarcam uma identidade do professor sem-terra como um lutador do povo: Rosa Luxemburgo, Quilombo, Mandacaru estão entre os nomes mais expressivos.
garantir o cumprimento do regimento interno da turma, inquirir casos extras regimentos
e propor possíveis alternativas para soluções dos fatos; a equipe de esporte, cultura e
lazer têm como finalidade planejar e coordenar os eventos culturais como também as
práticas esportivas realizadas durante cada etapa; equipe de saúde tem como tarefa
zelar da saúde dos participantes do curso, de maneira a se prevenirem contra possíveis
doenças, organizar e controlar a distribuição e uso de medicamentos homeopáticos,
fitoterápicos e encaminhar pessoas que necessitam de atendimento médico ao hospital.
A equipe de comunicação tem como tarefa organizar a comunicação geral da turma,
expor as principais notícias, informes e acontecimentos internos e externos, bem como
de zelar e coordenar a utilização dos equipamentos; a ciranda tem a função de cuidar e
manter o bem-estar dos sem-terrinhas, bem como coordenar e planejar as atividades
juntamente com as educadoras infantis.
Conforme estudos realizados por Caldart (2000) o nome “sem terrinha” surgiu por
iniciativa das crianças que participaram do Primeiro Encontro Estadual das Crianças
Sem Terra de São Paulo, em 1997. Elas começaram a se chamar assim durante o
Encontro e o nome acabou ficando, espalhando-se rápido pelo país inteiro. É
importante destacar que o nome sem-terrinha nos remete ao movimento de constituição
da própria identidade das crianças que começam já desde o ventre da mãe a assumir a
luta, os valores, a cultura e a identidade de ser sem-terra. Numa sociedade excludente
como a nossa, em que as crianças são as maiores vítimas da fome, da desnutrição e
da exclusão social, a luta dos SEM TERRINHA se insere dentro da luta maior do
próprio Movimento no sentido de resgate da dignidade e humanidade dos sujeitos do
campo. A equipe de finanças tem a função de viabilizar meios e recursos para angariar
fundos no sentido de possibilitar a realização das atividades extras e formatura. No que
se refere à organização do Curso Pedagogia da Terra temos ainda os setores de
produção e serviços. O trabalho dos setores está previsto dentro da Proposta
Pedagógica do Centro de Formação Maria Olinda, sendo composto pelos seguintes
setores: setor de horta, setor de lavouras, setor de jardinagem-embelezamento e
artesanato, setor de pecuária, setor de secretaria-biblioteca, setor de viveiro-pomar,
setor de cozinha-refeitório e setor de construção e infra-estrutura. A segunda turma do
Curso Pedagogia da Terra iniciou suas atividades no Centro de Formação Maria Olinda
(juridicamente conhecido como CIDAP) a partir da quarta etapa; as etapas anteriores
aconteceram no Pólo Universitário da CEUNES em São Mateus. Após a avaliação feita
pelo Relatório Final da Pesquisa do PRONERA, já citado no início deste capítulo,
observou-se que a CEUNES não oferecia as condições necessárias para o
desenvolvimento de todas as atividades pertinentes ao Curso. Neste sentido a
mudança de local da CEUNES para o Centro de Formação Maria Olinda representou
um ganho qualitativo para alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra,
oferecendo melhores condições objetivas para o bom andamento das atividades
previstas no processo de formação, tais como:
Espaço físico ampliado com refeitório, sala de aula com maior espaço físico para
abrigar os alunos, biblioteca com livros específicos sobre a questão da educação do
campo, sala com computadores a disposição dos alunos, dormitórios masculino e
feminino com cama e colchões, horta, lavoura, pomar, farmácia, campo de futebol para
lazer dos alunos, secretaria, ciranda infantil. No entanto, apesar do CIDAP fornecer
melhores condições de trabalho que a CEUNES, atualmente apresenta algumas
dificuldades que necessitam atenção por parte dos parceiros envolvidos na luta pelo
fortalecimento da educação do campo. O salão onde acontecem às aulas é muito
grande, o que dificulta a comunicação entre professores e alunos e no período de
janeiro e fevereiro em que o calor é muito forte torna-se difícil e quase impossível
permanecer dentro dele; a biblioteca é muito pequena necessitando de mais espaço
físico, organização e um maior acervo de livros, inclusive para serem emprestados aos
alunos do Curso no período em que retornam aos assentamentos.
Cada setor tem sua tarefa específica a ser realizada nas respectivas etapas do curso
pelos alunos (as); o setor de horta é composto de 16 membros e tem como tarefa
principal, elaborar um planejamento da horta e do horto medicinal e executá-lo de modo
a atender às demandas do Centro de Formação durante a etapa do curso; o setor de
lavouras é constituído de 15 membros e tem como função dar continuidade aos
trabalhos iniciados e elaborar um planejamento de produção, a partir da estrutura
existente e da área disponível; Integram o setor de jardinagem-embelezamento e
artesanato quatro membros da turma, levando em consideração as habilidades
pessoais para a realização das atividades de organização de canteiros ornamentais,
placas educativas e indicativas, confecção de faixas e painéis e produção de
artesanatos diversos; o setor de pecuária é constituído de 04 membros e tem como
função fazer um planejamento de acordo com as estruturas e iniciativas já existentes no
local. Este setor tem como linhas de produção o gado leiteiro e a criação de porcos.
Na quinta etapa do curso, por exemplo, pude observar mais de perto a realização
destas atividades participando durante os 20 dias que permaneci no Centro de
Formação, das diversas atividades desenvolvidas pelos respectivos setores, tais como
capina da lavoura, da horta, pintura e embelezamento do jardim. Essas atividades
desenvolvidas pelos setores acontecem diariamente no curso contando com um tempo
de uma hora de duração e envolve todos os estudantes do curso, que organizados
coletivamente em setores, buscam dar o melhor de si para o bem da coletividade.
Neste sentido assim se expressa um aluno da segunda turma do Curso Pedagogia da
Terra:
A gente considera todos os espaços como educativos e políticos-pedagógicos. E você vê a importância de um dos princípios da organização que é o trabalho, principalmente o trabalho coletivo. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática. Você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica.
A responsabilidade coletiva pela realização das diferentes atividades do curso constitui-
se em um momento formativo possibilitando o intercâmbio e a troca de experiências
entre os alunos por meio do trabalho prático, realizando desta forma um dos aspectos
da relação entre teoria e prática. Além disso, torna possível aos alunos (as) um
momento de descanso intelectual após uma carga horária de oito horas de aula
consecutivas. O setor de secretaria-biblioteca é composto de 03 pessoas. Cabe a este
setor a organização e o funcionamento da secretaria do Curso. Dentre as tarefas está a
de organizar e controlar os materiais, digitar textos, organizar a memória do curso, tirar
cópias de apostilas, textos das diferentes disciplinas para os alunos, grampear as
apostilas, recolher os relatórios, fazer relato das atividades diariamente e secretariar as
assembléias; Integram o setor de viveiro-pomar seis (06) membros que tem a
incumbência de realizar um planejamento, com o objetivo, de cultivar mudas diversas
para ornamentação, arborização e reflorestamento do Centro de Formação;
Representam o setor de cozinha-refeitório três (03) pessoas que têm a função de
planejar e auxiliar a execução da produção de alimentos, controle de estoques, limpeza
e higiene da cozinha, refeitório e bebedouro; o último setor, que é o de construção e
infra-estrutura possui 07 membros, tendo como responsabilidade ajudar na infra-
estrutura, manutenção, cuidar do bar e do lixo advindo das dependências do Centro de
Formação. Como discutimos no primeiro capítulo deste trabalho podemos observar que
a organização do Curso Pedagogia da Terra reflete em grande parte a própria
organicidade do MST que tem como um dos seus princípios formativo a educação para
o trabalho e a cooperação.
4.6 O Projeto Político-Pedagógico do Curso Pedagogia da Terra - UFES
O Curso Pedagogia da Terra - UFES foi ofertado para a primeira turma a partir de
setembro de 1999, culminando com as defesas de monografia no mês de julho de
2002. A segunda turma iniciou a primeira etapa do Curso em 2003. O currículo para
ambas as turmas foi composto da mesma grade curricular, contendo oito períodos de
300 horas cada, mais 120 horas de monografia no último período. Para agilizar os
trâmites legais do projeto do curso, considerou-se prudente adotar a mesma proposta
curricular do curso de pedagogia ofertado no campus da UFES em Vitória e na
CEUNES. “O curso tem estrutura curricular equivalente ao curso de pedagogia
ministrado no Centro Pedagógico da UFES, aprovado pelo CNE, através do parecer n.
923/89 de 9.11.89” (UFES/CP: 2002 p. 8). No entanto, o MST iniciou diálogo com
equipes do Centro de Educação para introduzir na grade curricular, disciplinas
específicas de interesse do Setor de Educação do MST, sobre a educação no/do
campo, a saber: Alternativas da Educação no Campo; A Questão Agrária no Brasil;
Educação para o Cooperativismo no Campo e Trabalho de Conclusão do Curso. De
acordo com as entrevistas realizadas aos alunos do curso, grande parte dos
professores indicados pela UFES acaba redimensionando seus planejamentos na
medida em que interagem com a turma e percebem as necessidades dos professores
do MST. Neste sentido assim se expressa uma aluna do curso:
Para o trabalho com a turma faz uma diferença muito grande quando o professor (a) já tem um certo conhecimento do trabalho que o Movimento realiza através das escolas do campo e então busca relacionar os conteúdos científicos de sua disciplina com essa realidade interligando os aspectos teóricos com os aspectos práticos. A formação deve estar vinculada com a realidade das escolas do campo. A educação do campo deve unir as dimensões da teoria com a prática.
A proposta do MST de incluir as disciplinas ligadas à realidade dos professores deu-se
no sentido de garantir que no processo de formação estivessem presentes a cultura, os
valores, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Assim incluíram mais 120
horas no curso para o “Trabalho de Conclusão de Curso”.77 Desse modo a carga horária
total do curso é de 2.520 horas. No que se refere à adequação dos horários buscou-se
construir uma proposta que atendesse às necessidades dos professores de
assentamentos que participam do curso. Desse modo definiu-se que os semestres,
cada um com cinco disciplinas de 60 horas, totalizando 300 horas cada, seriam
77 Houve uma variedade significativa de temas ligados à realidade dos assentamentos, abordados nas monografias defendidas pela primeira turma. Tive a oportunidade de ler algumas monografias dos alunos da primeira turma e observei que os alunos buscaram realizar uma síntese do conhecimento adquirido no curso com a realidade da educação do campo. No entanto, percebi também uma certa fragilidade na fundamentação teórica do trabalho necessitando de um maior aprofundamento. Consultar: UFES. Resumos das monografias dos alunos da pedagogia da terra: primeira turma. Vitória, 2003.
distribuídos em oito etapas intensivas nos meses de janeiro, fevereiro e julho. Na oitava
etapa é ministrada somente a disciplina de Estágio Supervisionado de 300 horas. Como
exigência do MST, nesta última etapa os estudantes devem concluir a monografia final
do curso, que conta com 120 horas. Em cada etapa, as atividades estão centradas na
oferta de disciplinas previstas na grade curricular, ministradas pelos docentes
especialistas da UFES, com orientação de estudos, discussão e formulação e
reformulação de trabalhos, realização de seminários, programação de estudos
orientados semipresenciais, enfim, na realização de tarefas práticas e teóricas
pertinentes à formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental.
Entre uma etapa e outra, os alunos recebem trabalhos orientados em cada uma das
disciplinas desenvolvidas na etapa anterior, correspondendo a uma carga horária total
de 25%, isto é, 15 horas para cada uma das disciplinas que compõe a grade curricular
do curso. Na dinâmica de funcionamento do curso, entende-se que a alternância entre
períodos de atividades teóricas na Universidade e de atividades práticas nas escolas
dos assentamentos possibilita a integração entre os conhecimentos acadêmicos do
curso e a realidade da educação do campo onde atuam os professores do MST.
Podemos identificar isso na fala de um aluno do curso:
Outro exemplo que a gente pode dar bem recente, nós tivemos a disciplina Educação Infantil e aí no trabalho extra-classe nas quinze horas não presenciais a gente tinha uma tarefa de construir um parque infantil; mas esse parque infantil não era uma mera construção concreta, mas que esse parque deveria envolver toda a comunidade e sua função era fazer com que as crianças tivessem seu momento de lazer, os pais das crianças conhecessem a importância da educação, chamando atenção da comunidade para que se integre no meio educativo da escola. A gente briga muito por isso: que a escola sem a comunidade falta um pedaço! Então veja como esse momento foi rico!
Ao indagarmos os alunos e professores sobre as demandas de educação nos
assentamentos e se o Curso Pedagogia da Terra, através das diferentes disciplinas,
objetivos, conteúdos e metodologia, consegue dar conta da especificidade dessa
educação, percebemos que de modo geral os estudantes reconhecem que sim, apesar
de que ainda faltam a alguns professores mais conhecimento e afinidade com os
princípios da educação do campo. Neste sentido podemos afirmar conforme Foerste
(2004) se de início há um sentimento de que as coisas chegam prontas da
Universidade, na medida em que sujeitos históricos colocam-se em movimento
interativo, com suas múltiplas identidades e inserções na sociedade, abrem-se
possibilidades objetivas para a construção coletiva de um outro projeto educacional que
tanto fertiliza debates no contexto tradicional da academia como estimula a
sistematização de uma alternativa de educação comprometida com as necessidades e
desafios dos sujeitos do campo. O gráfico abaixo sinaliza para essa questão:
Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.
De fato, estudantes, coordenadores e professores do curso reconhecem que o projeto
curricular prescrito nem sempre é levado pelos sujeitos do processo às últimas
conseqüências, na prática, uma vez que a dinâmica do curso possibilita múltiplas
alternativas reflexivas que colocam saberes acadêmicos valorizados pela Universidade
e saberes da prática dos professores de assentamento em diálogo, abrindo
possibilidades para a construção de um novo projeto curricular vivido, marcado pelas
Direcionamento do curso quanto aos conteúdos para a educação do campo.
25
33
Sim
Em parte
condições concretas de vida dos sujeitos envolvidos no processo e colocados em
prática, através de utopias, esperanças e compromissos políticos em favor da
transformação da sociedade de classes.
4.7 O Corpo Discente do Curso Pedagogia da Terra - UFES
Na segunda turma do Curso Pedagogia da Terra – UFES estão matriculados
regularmente 58 estudantes, estavam previstas 60 vagas de início (houve desistência
de dois alunos). Os alunos estão distribuídos por Estado da seguinte forma: 43 do ES,
13 da BA e 02 RJ – Do total de 58 alunos, 45 são do sexo feminino e 13 do sexo
masculino. Um total de 24 estudantes atua há pelo menos cinco anos como professor.
Podemos observar esses dados de forma mais detalhada através do gráfico abaixo:
Municipio dos Entrevistados (58 Alunos)
1
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Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.
Muni cipio dos Entrevi stados ( 58 Aluno s)
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Porto SeguroPrado
Santa Tereza
São Gabriel da Palha
São Mateus
Vitória da Conquista
Mun icipios
Nº de Alunos
Os estudantes da segunda turma organizam-se em oito núcleos: Núcleo Esperança;
Núcleo Sementes de Esperança; Núcleo Oziel; Núcleo Flamboyant; Núcleo Ciclo da
Vida; Núcleo Amor à Causa; Núcleo Liberdade; Núcleo Desafiador. Para cada dia da
semana, as tarefas ficam sob responsabilidade de execução dos membros de um dos
núcleos, tais como: limpeza e organização do alojamento, dos banheiros, do pátio, do
refeitório, da cozinha, da sala de aula e a coordenação da mística diária. Todo
professor, quando inicia seus trabalhos com a turma é informado a respeito da maneira
como os alunos se organizam internamente, desde o amanhecer até o horário de se
recolher para o descanso noturno, sendo convidado a participar dos espaços-tempos-
saberes do curso, tais como: as refeições, as celebrações da mística, as atividades
culturais e os trabalhos produtivos. As atividades começam as 5 h 30 min com o nascer
do dia e terminam por volta das 22 horas, com intervalos de uma a duas horas no
máximo, após o almoço e jantar. Os finais de semana estão programados para muito
trabalho, com realização de seminários, reuniões de planejamento e avaliação,
palestras, estudo em grupo, organizados pelos Coordenadores do Curso do MST e/ou
pelos estudantes. Estas atividades centram-se no aprofundamento de aspectos teórico-
práticos de interesse dos professores de assentamentos do MST:
Só complementando, ainda sobre essa questão, nós estamos trabalhando, estudando pela parte da manhã, tarde e noite e, durante os intervalos que temos de almoço, lanche, nós temos outras atividades porque durante quarenta dias, nós moramos aqui. Então, aqui, nós temos que dar conta de tudo. A única coisa que nós não fazemos durante a semana, é só o almoço. Todas as outras coisas a gente faz, mas isso já é de praxe, o curso é uma vivência do Movimento Sem Terra, que trouxe e traz para nós e é muito bom, porque a gente se dá conta de que é capaz de fazer muita coisa. (Aluna da segunda turma do Curso Pedagogia da Terra).
Os alunos afirmam que o Curso Pedagogia da Terra é uma conquista importante para a
construção coletiva da parte do MST de um projeto de educação no/do campo.
Reconhecem que uma formação de terceiro grau dos professores que trabalham em
escolas de assentamentos possibilita trocas importantes de experiências entre
Universidade, Movimentos Sociais e o PRONERA.
4.8 O Corpo Docente do Curso Pedagogia da Terra - UFES
O corpo docente envolvido no Curso Pedagogia da UFES está distribuído em três
departamentos do Centro de Educação, contando com a colaboração de professores
pesquisadores de áreas afins, como os cursos de Letras, Artes, Geografia, etc. De
acordo com a pesquisa desenvolvida pelo PRONERA (Foerste, 2004) os professores
são convidados a ministrar disciplinas no Curso Pedagogia da Terra conforme as
especificidades das pesquisas que estão desenvolvendo, sua formação e da
identificação com as lutas dos trabalhadores rurais sem terra. No caso do Centro de
Educação, cada departamento avalia a solicitação feita pela Coordenação Pedagógica
do Curso, tomando as providências para a liberação do docente para trabalhar na
respectiva etapa do curso para a qual é solicitado. Na prática ocorre com freqüência de
professores se colocarem à disposição do trabalho no Curso Pedagogia da Terra pela
simpatia ao MST, porque acreditam no projeto de transformação social. Um professor
que lecionou na segunda turma assim se refere quando perguntado sobre os critérios
de seleção para atuar no curso:
Aí eu acho que tem que ser pela própria seleção dos professores, porque os alunos eles já são selecionados previamente. Todo professor que se destina a ir para um curso deste ele tem que ter a marca da militância, não é qualquer professor! Não pode ser um professor burocrata que vai lá para ganhar um dinheiro a mais! Não pode ser um professor que vai lá para ter uma marca maior em seu currículo! Fundamentalmente ele tem que trocar com seus alunos os sinais, estar disposto a aprender, a vivenciar e a conviver! É muito diferente você se envolve a nível emocional, você passa uma semana todos os dias, três períodos envolvido com os alunos! Então eu acho que a diferença é essa: está na seleção de professores!
O Setor de Educação do MST tem indicado nomes de pesquisadores de outras
Universidades ou instituições de ensino e pesquisa para ministrar algumas disciplinas,
sobretudo aquelas que tratam das questões do campo: Alternativas de Educação do
Campo, A Questão Agrária no Brasil, A Educação para o Cooperativismo no Campo,
Trabalho de Conclusão do Curso.
No processo de planejamento e avaliação das diferentes etapas, o Setor de Educação
do MST tem reivindicado a presença de alguns professores de fora dos quadros da
universidade (ligados a movimentos sociais), mas os departamentos responsáveis
pelas disciplinas na UFES argumentam que disponibilizam de docentes qualificados e
interessados para assumirem e coordenar as atividades programadas no currículo.
Nesse sentido a partir da pesquisa do PRONERA (Foerste, 2004) podemos afirmar que
essa situação gera um certo desconforto entre os alunos e professores no início de
cada etapa do curso. Felizmente, na maior parte dos casos, os problemas acabam
sendo superados, na medida em que a relação professor-aluno desencadeia processos
interativos pautados em práticas de diálogo e colaboração, fundamentadas no trabalho
coletivo, no respeito às diferenças, na vivência e exercício permanente da
solidariedade.
Os professores da UFES reconhecem que trabalhar no Curso Pedagogia da Terra
implica desafios teórico-práticos que sugerem uma abertura para o trabalho coletivo,
motivado pelas lutas históricas de significativas parcelas oprimidas da sociedade de
classes por uma vida digna para todas as pessoas, sem distinção étnica, religiosa e de
gênero. Isso supõe um projeto alternativo de sociedade onde os excluídos possam ser
incluídos, ter sua dignidade e os direitos sociais como, terra, trabalho, educação,
moradia e saúde, garantidos. Nos depoimentos dos professores da UFES, foi
praticamente unânime a idéia de que trabalhar com os professores dos assentamentos
significa colocar-se num movimento de desconstrução da racionalidade técnica que
permeia o processo de formação de profissionais do ensino na Universidade. Conforme
discussões feitas por Foerste (2005), o resgate da profissão docente em nossa época
implica debates que possibilitem a construção coletiva de políticas públicas
interinstitucionais de profissionalização do professor. A hipertrofia da dimensão teórica
na Universidade, gerada pelo engessamento das disciplinas e territorialização do
conhecimento, despreza a dinâmica e contribuições dos saberes da experiência na
qualificação de profissionais capazes de produzir transformações significativas no
contexto social.
Sendo assim um currículo construído a partir de pressupostos da práxis pode levar a
uma nova postura dos professores favorecendo mudanças necessárias, fundamentadas
em uma nova prática profissional capaz de superar as contradições da sociedade de
classes. A prática social do MST se dá na dinâmica dos embates da luta coletiva pela
superação das desigualdades sociais da sociedade atual. Tal concepção está presente
nos espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra e se
traduz em gestos, olhares, palavras que buscam na educação algo que está para além
dela: a conquista da terra e nela da própria vida.
4.9 Pedagogia da Terra: Os Espaços-Tempos-Saberes do Movimento de Formação do Professor Sem-Terra.
Entre os dias 05 a 10 de janeiro de dois mil e quatro estive em São Mateus norte do
Estado do Espírito Santo para participar de mais uma etapa do Curso Pedagogia da
Terra. Estavam presentes participando ativamente do curso os professores (as) do MST
de três estados brasileiros (RJ, ES e BA). Participou do encontro como professora
durante os dias 05 a 10 a professora Isabela Camini educadora do MST a nível
nacional, que ministrou a disciplina: Alternativas para a educação do campo. No
primeiro dia da semana a professora fez uma breve apresentação de todos os
participantes da turma e da proposta de trabalho da disciplina: Alternativas para a
educação do campo. Falou da importância da disciplina e de como seria organizada a
semana em termos de horários e atividades a serem desenvolvidas juntamente com a
turma. Pela parte da manhã a professora realizou uma breve apresentação sobre o
tema da educação do campo e logo após propôs à turma um trabalho de grupo.
A turma se auto-organizou em grupos e se distribuíram pelo espaço da Coordenação
Universitária Norte do Espírito Santo (CEUNES) e deu início à leitura em pequenos
grupos do texto: “Educação básica e movimentos sociais” de autoria de Arroyo (1999).
A leitura do texto foi seguida de reflexão, na busca de um entendimento do conteúdo
textual e na tentativa de estabelecer uma relação entre a teoria e a experiência dos
professores (as) nas escolas dos assentamentos. Depois de um intervalo para o almoço
(das 12 h até as 14 h) os grupos retornaram para a sala de aula a fim de socializarem
em plenário a reflexão realizada nos pequenos grupos. A professora conduziu o
trabalho solicitando aos alunos (as) o levantamento das palavras-chave do texto; depois
pediu que os alunos (as) destacassem entre elas as 10 mais importantes; em seguida
solicitou aos alunos que identificassem a que classe gramatical a palavra pertencia
(verbo, substantivo, adjetivo) e que reconstruíssem o texto a partir da realidade da
educação do campo78.
Pelo período da noite, após o jantar (que se dava sempre às 18 h 30 min) a turma
assistiu a uma fita de vídeo sobre “desenvolvimento sustentável e educação básica do
campo” proferida pelo líder nacional do MST: João Pedro Stédile79. Em sua exposição
falou sobre os dois projetos de desenvolvimento sustentável para o campo: o projeto
liberal da burguesia e das oligarquias nacionais e multinacionais que entendem o
desenvolvimento sustentável apenas e tão somente a partir de uma lógica do mercado
e do lucro. Para os interesses capitalistas a natureza e o ser humano não têm um valor
em si mesmo, mas valem, à medida que são úteis ao sistema e ao acúmulo de riquezas
e de terra.
Ao analisar a situação da agricultura brasileira e da educação do campo destacou três
grandes modelos econômicos adotados na nossa economia e na nossa agricultura. Na
época colonial predominou o que chamou de modelo agro-exportador em que toda a
produção de nossa sociedade era organizada em torno de produtos agrícolas
destinados à exportação para as metrópoles européias; com o processo de
industrialização de nossa economia, a Revolução de 30, quando a nascente burguesia
78 Essa metodologia utilizada em sala de aula nos chamou atenção no sentido de desenvolver nos alunos (as) a capacidade de leitura, interpretação e reconstrução textual levando em consideração a realidade da educação do campo em que os alunos estão inseridos, ou seja, a professora conseguiu fazer a ponte entre a teoria e a prática social dos alunos.79 Nasceu em 25 de dezembro de 1953 em Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, Brasil. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, possui pós-graduação na UNAN (México). Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), um dos fundadores do MST e membro atual do Diretório Nacional. Autor de diversos livros sobre a questão agrária brasileira, dentre os quais destacamos: Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, 2000 em parceria com Bernardo Mançano Fernandes.
industrial destrona a oligarquia rural, instala-se o modelo de industrialização
dependente um processo rápido de instalações de fábricas e indústrias no país, mas
dependente do capital estrangeiro. Com esse modelo, surgiram algumas mudanças
econômicas importantes no meio rural. Acabou-se a escravidão, mas os negros não se
transformaram em camponeses. Fez ainda uma crítica contundente à Lei de Terras, de
1850, onde os ex-escravos ficaram excluídos do acesso à terra, pois a lei somente
permitia ter acesso à terra a quem tivesse dinheiro para regularizá-la perante a coroa. O
modelo de desenvolvimento baseado na industrialização dependente deu certo para a
indústria, transformou o país de agrário para a oitava potência industrial do mundo.
Levou a um processo de urbanização, mas entrou em crise na década de 1980. É no
contexto dessa crise que surge o modelo que subordina nossa economia ao capital
internacional. Nesse modelo quem passa a ganhar mais dinheiro, quem passa a
acumular em nossa economia são, fundamentalmente, os grandes grupos econômicos,
multinacionais e o setor financeiro. O líder nacional do MST terminou sua fala afirmando
que o projeto popular de desenvolvimento sustentável que está em construção através
das ações dos movimentos sociais está centrado na agricultura familiar, na reforma
agrária e na preservação da natureza em sua totalidade, incluindo nela o ser humano e
as gerações futuras.
No final da exibição da fita, a professora solicitou aos alunos (as) que registrassem no
caderno os pontos importantes que cada um (a) destacou e que na manhã do dia
seguinte seria realizado um debate sobre o conteúdo da fita a partir dos apontamentos
e assim foi feito. Além de participar dos trabalhos de grupos tive a oportunidade de
conversar com a coordenadora da turma. A conversa aconteceu informalmente nos
momentos de café, almoço e não teve um guia com perguntas prévias a serem feitas.
Perguntei a ela sobre a organização curricular do curso e sobre os professores (as) que
ministravam as diversas disciplinas. Segundo seu depoimento, o Curso Pedagogia da
Terra é composto pelas disciplinas normais do curso de pedagogia da UFES e algumas
disciplinas ligadas diretamente a terra, como a que estava sendo ofertada durante
aquela semana: Alternativas da educação do campo.
Acredito que aí está a justificativa do nome Pedagogia da Terra, ou seja, uma
pedagogia voltada para a terra, para a realidade dos sujeitos que vivem na e da terra.
Podemos afirmar também que esta seja uma das diferenças fundamentais entre o curso
de pedagogia e o curso de Pedagogia da Terra, ou seja, o Curso Pedagogia da Terra
não é simplesmente um transplante ou cópia do curso de pedagogia da UFES. Quanto
aos professores (as) que ministram as disciplinas, alguns são indicados pela
Universidade (UFES) e outros são escolhidos e indicados pelo próprio Movimento
(MST). Neste ponto indaguei se ela percebia diferença entre a prática pedagógica dos
professores (as) que são indicados pela Universidade daqueles que são indicados e
escolhidos pelo próprio Movimento.
Os professores (as) que têm uma prática de militância ou algum envolvimento com o
MST conseguem fazer melhor a relação entre o conteúdo das disciplinas com a
realidade dos alunos (as), ou seja, articulam melhor teoria e prática, possibilitando aos
alunos (as) uma aprendizagem mais significativa e uma releitura de sua própria
experiência (nas escolas dos assentamentos). No caso dos professores (as) que não
têm nenhum envolvimento com o MST ou com a proposta pedagógica do Movimento
encontram maior dificuldade de realizar um intercâmbio entre os conteúdos específicos
de uma determinada disciplina com os Princípios Filosóficos, Pedagógicos e
Metodológicos do MST80. Podemos confirmar isso através do depoimento de um aluno
do Curso:
Eu não poderia falar aqui de forma generalizada, mas eu posso dizer que os professores que vêm da UFES, pelo menos aqueles que já tem um conhecimento da pedagogia que o Movimento almeja, então esses professores já chegam aqui com uma metodologia de trabalho adequada com aquilo que nós pensamos, que nós realizamos.
Perguntando sobre quem são os intelectuais que fundamentam do ponto de vista
filosófico, pedagógico e metodológico a proposta de educação do MST, a coordenadora 80 Conferir o Caderno de Educação do MST número oito, onde o Movimento destaca de forma bem objetiva os Princípios da Educação em que acreditam e que buscam colocar em prática em suas escolas. Em sua totalidade os princípios filosóficos, pedagógicos e metodológicos buscam teorizar e praticar uma educação comprometida com a realidade, com os saberes, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos do campo.
da turma respondeu que em síntese são: Paulo Freire, Florestan Fernandes, Miguel
Gonzales Arroyo, Roseli Salete Caldart, Bernardo Fernandes Mançano, pois são
intelectuais comprometidos com a transformação da sociedade e com a luta do povo81.
“É no diálogo, fecundo e amoroso com a obra desses pensadores, comprometidos com
a luta do povo que aprendemos/ensinamos a lutar por nossos direitos, nossa dignidade
e na construção de uma sociedade justa e fraterna”.
A participação em algumas etapas do curso, na pesquisa do PRONERA, no I Encontro
do PRONERA da Região Sudeste, no Seminário sobre o MST e a educação promovido
pela UFES, as leituras realizadas no decorrer da pesquisa, tudo isso foi importante para
o amadurecimento e a construção do olhar do pesquisador sobre o objeto investigado
favorecendo a construção e elaboração de um roteiro de pesquisa. Nesse sentido com
o objetivo de participarmos e registrarmos o processo de formação do professor sem-
terra, elaboramos um documento que deveria servir como uma espécie de guia de
nossa pesquisa82.
O documento foi elaborado tendo como objetivo identificar no cotidiano do curso os
espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra. Nesse
sentido entregamos aos membros da equipe de coordenação um documento escrito
onde citava os objetivos e os procedimentos metodológicos da pesquisa. Neste
documento propomos para o bom andamento da investigação a formação de um grupo
de pesquisa composto de cinco a seis pessoas selecionadas a partir dos seguintes
critérios: ser aluno regular do Curso Pedagogia da Terra; ser professor nas escolas de
assentamento e ou acampamentos sem-terra.
Ser assentado pelo MST; ciclo de vida profissional de no mínimo cinco anos de atuação
docente e estar disposto livremente de participar da pesquisa. Como podemos verificar
81 Lutadores do povo é o nome que os professores sem-terra dão às pessoas intelectuais ou não que lutam para que se construa uma nova sociedade e um novo ser humano. Uma sociedade livre da dominação do homem pelo homem, justa, fraterna e soberana. Podemos afirmar que no rosto e nas mãos dos lutadores do povo estão os traços e as feições de um novo homem e de uma nova sociedade. No espaço-tempo-saber mística os professores sem-terra fazem memória aos lutadores do povo, ou seja, relembram suas palavras, gestos e ações em defesa da vida e da luta pela terra.82 Esse documento foi escrito com o objetivo de ser apenas um guia e não uma camisa de força. Sua importância estava em contribuir para a pesquisa no sentido de auxiliar o pesquisador iniciante na observação dos espaços-tempos-saberes do processo de formação do professor sem-terra.
no gráfico 14 alunos (as) do Curso Pedagogia da Terra possuem entre três a cinco
anos, de atuação profissional como professor e 24 alunos (as) têm mais de cinco anos
de experiência profissional:
Fonte: PRONERA, Relatório Final de Pesquisa. Pedagogia da Terra: uma avaliação da experiência da
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2004.
Esse grupo de pesquisa juntamente com o pesquisador teria como meta: observar,
participar de entrevistas individualmente ou em grupo, tomar nota no diário de campo83
das seguintes questões relativas ao processo de formação do Curso Pedagogia da
Terra: como se processa a formação nos espaços-tempos-saberes das aulas, tais como
conteúdos ministrados pelos professores, metodologia utilizada no desenvolvimento
das aulas, sistema de avaliação adotado pelos professores, relação professor-aluno,
83 Nome com o qual designamos o caderno onde pesquisador e os alunos deveriam ir registrando as suas percepções e observações em relação ao processo de formação do professor sem-terra.
Tempo de atuação como professor
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de 3 a 5 anos
mais de 5 anos
Não sabe
Não informou
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o Canário PinheirosPonto Belo
Porto SeguroPrado
Santa Tereza
São Gabriel da Palha
São Mateus
Vitória da Conquista
Mun icipios
Nº de Alunos
dificuldades encontradas no processo ensino-aprendizagem; organização do espaço-
tempo do curso, que inclui a formação política, a mística, noites culturais, tempo livre,
trabalhos práticos, viagens de estudo e passeio; relação teoria e prática entre os
conhecimentos acadêmicos do curso com a realidade da educação do campo. Durante
a conversa, a equipe pedagógica argumentou que se poderia formar o grupo a fim de
entrevistar cada componente, mas que seria muito difícil e pesado para os alunos à
realização do diário de campo, já que os mesmos estavam com muitas atividades
referentes ao processo de formação do curso e que mais uma atividade representaria
uma sobrecarga extra de trabalho, acarretando uma perda em relação a alguma
atividade do curso. Atendendo às considerações da equipe de coordenação do curso,
procuramos replanejar nossas atividades em relação ao desenvolvimento da pesquisa.
A partir de critérios estabelecidos em conjunto com a equipe de coordenação,
selecionamos um grupo de seis pessoas para participar da pesquisa. Esse grupo foi
composto de seis pessoas, cinco mulheres e um homem, e foi indicado pela equipe de
coordenadores. Realizamos entrevista com todo o grupo com perguntas abertas onde
podiam expressar livremente suas idéias e pensamentos sobre as dimensões técnica,
política e cultural do processo de formação do professor sem-terra e uma entrevista
individual com cada aluno do grupo sobre questões relativas ao Curso Pedagogia da
Terra. Com esse grupo, reunimo-nos para realizar a entrevista focal, onde as perguntas
eram abertas e todos podiam falar livremente sobre elas84. Combinamos a possibilidade
de entrevistar individualmente cada membro respeitando o tempo e a disponibilidade de
cada um. Desta forma marcamos com cada participante do grupo um dia e horário para
as entrevistas individuais de maneira que não prejudicasse o encaminhamento das
outras atividades acadêmicas. Além dos alunos selecionados para a entrevista do
grupo focal e individual, conversamos com outros alunos do curso a possibilidade de
estar lendo os seus escritos do caderno pessoal de reflexão. Ao todo consegui ter
acesso a dez cadernos. O caderno de reflexão pelo que pudemos observar e a partir do
que os alunos disseram em entrevista e em conversas informais, constitui um
documento em que cada aluno registra individualmente o que considerar importante
84 O documento contendo algumas das perguntas a serem feitas aos alunos e professores do Curso Pedagogia da Terra foi entregue à equipe de coordenação do Curso.
sobre o seu processo de formação; caracteriza-se como um documento importante no
sentido de conter registros pessoais sobre o processo de formação do professor, bem
como de sua própria subjetividade. Neste sentido podemos afirmar que o caderno de
reflexão tem uma dimensão formativa muito rica, no sentido de possibilitar a cada aluno
de forma individual e coletiva, um pensar sobre o processo de formação, sua dinâmica,
seus espaços-tempos-saberes, a relação teoria e prática, em busca de uma práxis
emancipadora e libertadora. As entrevistas realizadas com os alunos (as), professores
(as), coordenadora, as observações registradas pelo pesquisador, os registros do
caderno de memória da turma e do caderno de reflexão dos alunos, os documentos
referentes ao curso, tais como grade curricular, programas de disciplinas, foram
importantes instrumentos metodológicos que serviram de base para a análise dos
diferentes espaços-tempos-saberes da formação do professor sem-terra.
Ao pensar nesse movimento de formação do professor sem-terra, procuramos
relacioná-lo com algumas dimensões que consideramos fundamentais: dimensão
técnica, que se refere aos conteúdos das diferentes disciplinas que compõem a grade
curricular do curso conformando os conhecimentos acumulados nas diferentes áreas do
saber humano constituindo desta forma uma das dimensões basilares do exercício da
profissionalidade docente. A dimensão política, própria do ato de educar e que no caso
do Curso Pedagogia da Terra diz respeito à luta por um modelo alternativo de
sociedade ancorado na utopia da justiça social e na luta pela Reforma Agrária como um
dos caminhos possíveis desta nova sociedade; a dimensão cultural refere-se à
formação da consciência organizativa, à cooperação, à solidariedade, à vivência de
valores e o cultivo da capacidade de sonhar, de ter esperança, de projetar o futuro,
pessoal e coletivo.85
Nesse sentido podemos afirmar conforme (Tardif, 2002) que os saberes da formação
são produzidos pelas ciências humanas e da educação, sobre o professor, o ensino e a
aprendizagem e transmitidos pelas instituições formadoras para serem incorporados à 85 Acredito que essas três dimensões se articulam com os saberes docentes propostos por Tardif, como sendo os saberes da formação profissional, os saberes referentes às disciplinas e os saberes da experiência. Essa discussão sobre os saberes do professor bem como os estudos dela decorrentes são praticamente inaugurados no Brasil, a partir da tradução\transcrição de um artigo de Tardif e outros (1991), no qual apontam e discutem a existência de uma certa relação problemática dos professores com os saberes e sugerem perspectivas de pesquisa sobre essa temática.
formação e à prática do professor. Entre esses saberes podemos citar: os saberes das
disciplinas, os saberes curriculares e os saberes da experiência. Os saberes das
disciplinas correspondem às diferentes áreas do conhecimento e integram a formação
inicial e a formação contínua dos professores, mediante as diversas disciplinas
específicas que compõem os currículos dos cursos universitários. No Curso Pedagogia
da Terra, os saberes das disciplinas estão contemplados na grade curricular e dizem
respeito aos conhecimentos da Filosofia, da Sociologia, da Biologia e outros,
necessários ao exercício da profissionalidade docente.
Os saberes curriculares referem-se aos conteúdos programáticos; são recortes das
diferentes áreas do conhecimento humano que são selecionados e definidos pelos
sistemas e/ou pelas instituições escolares como sendo relevantes e necessários à
formação dos alunos, num dado nível de ensino.Os saberes curriculares fazem parte
tanto das diretrizes de ensino, propostas no âmbito do sistema escolar, como dos
programas de ensino, traduzidos em conteúdos, objetivos e métodos, no âmbito das
escolas, faculdades e universidades. No Curso Pedagogia da Terra esses saberes se
manifestam nos conteúdos trabalhados nas diferentes etapas do processo de formação
do professor sem-terra. Assim os professores do Curso Pedagogia da Terra buscam
integrar o conhecimento teórico das disciplinas que lecionam com a realidade dos
alunos:É importante também destacar a relação que temos com os professores, mesmo que eles não conheçam a nossa realidade, eles se encaixam, a gente acaba tendo um convívio bom. Isto reflete nossa prática, os professores se encaixam eles conseguem desenvolver o trabalho voltado para nós e nós para eles; isto é importante para a gente, e também na prática de sala de aula, a gente leva muitos conhecimentos bons dos professores, porque aqui não se discute somente, o que acontece nas quatro paredes. O nosso curso é voltado para a teoria e a prática, ele tem esta visão de estudo e trabalho, porque estudamos e trabalhamos ao mesmo tempo, porque na nossa prática em nossa escola também no assentamento e acampamento é assim.
Na avaliação dos alunos, o Curso Pedagogia da Terra tem reconhecido e valorizado os
saberes, os valores, a cultura e a realidade do campo. Há nesse sentido uma
percepção das inovações pedagógicas que englobam desde a introdução de temas
ligados à realidade dos assentamentos, como exemplo, as disciplinas: Alternativas
educacionais para o campo, cooperativismo, temas como arte, conjuntura sócio-
econômica e política, oficinas pedagógicas, saídas a campo, trabalhos em grupos para
a realização de sínteses dos conteúdos aprendidos. Os saberes da experiência ou
saberes da prática conformam a dimensão cultural do processo de formação dos
professores sem-terra referem-se aos saberes especificamente desenvolvidos no
exercício da docência e na prática profissional, fundamentados e validados pela
experiência dos professores, no seu meio e no dia a dia de sua profissão.
Constituem um repertório de saberes e de práticas que não provêm dos cursos de
formação ou dos currículos estabelecidos, nem tampouco se encontram sistematizados
num corpo teórico. Estão incorporados como uma cultura docente em ação que preside
as decisões individuais e coletivas e permite lidar com as situações concretas, muitas
vezes imprevisíveis, transitórias, singulares e dificuldades com que o professor sem-
terra se depara em sua realidade nas escolas dos assentamentos. Nesse sentido,
assim se expressa um aluno do Curso Pedagogia da Terra:
Quando fizemos a disciplina Filosofia da Educação foi muito útil para mim, eu estava terminando um período com a Educação de Jovens e Adultos. Então para colocar essa teoria na prática lá, a gente provocava o aluno a pensar, a colocar em prática o seu conhecimento que é riquíssimo, são muitos alunos com mais de 40 anos de vida, imagina quanto conhecimento não há numa pessoa que já viveu 40 anos. Então a gente provocava essa pessoa a colocar no papel o seu conhecimento. Ele chega tão humilde, desmotivado, achando que o seu conhecimento é inútil, aí vai essa provocação tanto da criança, do adulto e do jovem a pensar que é importante para nós que cada um tenha seu pensamento crítico sobre o mundo. E de certa forma são científico também; eles já provaram na prática que dá certo, que suas experiências dão certo; a gente pode chamar de científico também!
Essa interação entre os saberes é fundamental no processo de formação do professor
sem-terra, pois possibilita o vínculo com sua realidade, valorizando seus valores, sua
cultura e sua identidade. Portanto, podemos afirmar que um currículo que contempla as
particularidades sócio-culturais e que busca consolidar uma nova visão do campo é o
diferencial do Curso Pedagogia da Terra.
4.10 O Espaço-Tempo-Saber Aula: “Caneta na Mão, Enxada no Chão, Lutando Todos em Prol da Libertação” ·
As leituras e análises realizadas nos cadernos de reflexão nos apontam para a
predominância de questões relativas ao espaço-tempo-sala de aula e questões mais
ligadas à vivência subjetiva dos alunos (as). As reflexões giraram em torno de
conteúdos referentes às disciplinas que compõem a Grade Curricular do Curso
Pedagogia da Terra nas suas diferentes etapas, demonstrando a importância de cada
uma para o processo de formação do professor. Alguns alunos (as) destacaram a
importância da mística como momento marcante do dia, seu conteúdo e significado
para o resgate dos valores, da cultura e da identidade do professor sem-terra. Merecem
destaque também as questões de ordem pessoal e subjetiva dos alunos, tais como a
saudade dos familiares, as dificuldades encontradas durante o processo de formação,
as alegrias e vitórias alcançadas. Neste sentido destacamos uma frase de uma aluna
do Curso Pedagogia da Terra: “na pedagogia do MST alfabetizar vai além do ler e
escrever” e ainda uma outra, “Educação do campo direito nosso, dever do Estado”.
Observei ainda que alguns alunos, entre os dez cadernos a que tive acesso,
destacaram a dimensão política de transformação da sociedade capitalista e a
educação do campo como uma ferramenta importante nesta luta. Não é qualquer
educação que serve para os sujeitos do campo. Os alunos do Curso Pedagogia da
Terra têm consciência de que o processo de formação do curso deve garantir essa
integração entre os conhecimentos teóricos e a experiência que trazem de sua
realidade enquanto educadores nos assentamentos do MST.
Uma questão a ser destacada e que merece ser trabalhada no curso consiste na
dificuldade que alguns alunos tiveram na escrita, ao redigir o pensamento, em fazer a
concordância verbal e nominal, em escrever e acentuar as palavras corretamente. Em
conversas e entrevistas com alguns professores e mesmo com alunos, esta parece ser
uma das dificuldades que precisam ser vencidas no processo de formação do professor
sem-terra86. Os professores que ministraram disciplinas na segunda turma do Curso
Pedagogia da Terra, pelo menos os que pudemos entrevistar, destacaram a
importância de se estar desenvolvendo um trabalho no sentido de melhorar a leitura e a
escrita dos alunos de forma geral. Neste sentido assim se expressou uma professora
do Curso:
A gente tem que trabalhar os conhecimentos oriundos da realidade dos alunos, mas temos que fazer com que esses alunos conheçam outras realidades e para chegar a isso a leitura é fundamental! Sozinha ela não dá conta do conhecimento, mas ela é um instrumento de trabalho! Eu não consigo pensar um curso superior em que os alunos não desenvolvam a prática da leitura e conseqüentemente da produção escrita.
Para a professora a leitura e escrita constituem alicerces fundamentais no processo de
formação do professor, tanto na formação inicial quanto na formação continuada. No
espaço-tempo-sala de aula a professora buscou desenvolver uma metodologia que
levasse aos alunos escreverem e falarem de sua experiência com a leitura e a escrita.
No caso específico das professoras que trabalharam com a disciplina Alfabetização I,
foi realizado um debate em pequenos grupos em sala sobre o sentido e o significado
que cada aluno atribuiu à sua experiência com a leitura e a escrita. Os alunos
identificaram muitos obstáculos em relação à sua história pessoal com a leitura e a
escrita e a dificuldade que sentem o desenvolvimento da leitura e da escrita mesmo
depois de alfabetizados. A importância da leitura e da escrita foi aprofundada na
disciplina “Alfabetização I”. As professoras que ministraram essa disciplina buscaram 86 Também pude perceber isso ao ler algumas monografias dos alunos da primeira turma do Curso Pedagogia da Terra. Realmente essa questão precisa ser pensada pelos parceiros envolvidos na luta pelo fortalecimento da educação do campo. Possibilitar maior acesso e desenvolvimento da leitura e da escrita aos alunos do Curso Pedagogia da Terra é fundamental para o processo de formação inicial e continuada dos professores sem-terra.
situar do ponto de vista histórico-filosófico o nascimento e o desenvolvimento da escrita.
Começou questionando o conceito de “analfabeto” , como sendo o estado ou a
condição de ser analfabeto, como privação de algo. Mostrou que essa concepção
serviu para justificar e legitimar a exclusão das pessoas, principalmente os sujeitos do
campo. Avançando um pouco mais a professora afirmou que alfabetização é a ação de
alfabetizar, aprender a ler e a escrever as letras do alfabeto. Para além da dimensão
mecânica da alfabetização destacaram-se as dimensões de compreensão e expressão
de significados, de sentidos. A própria história do MST é rica de experiências neste
sentido, de compreender a alfabetização dentro de um contexto social, histórico, político
e econômico. O MST como vimos nos primeiros capítulos deste trabalho, ao lutar contra
as cercas do latifúndio, da ignorância e do capital nos ensina um novo modo de ler e
escrever o mundo. Assim podemos ler no Caderno de Educação n.11 do MST (2003, p.
34) que traz como tema: Educação de Jovens e Adultos:
Alfabetizar no MST está relacionado à construção de significados coletivos para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo; alfabetização é construção de significados, tanto pela pessoa que aprende como pelo sujeito coletivo, o Movimento. Sempre que os Sem Terra aparecem na mídia, aparecem fazendo; cortando a cerca do latifúndio, da ignorância, empunhando a bandeira, entoando canções que denunciam as injustiças e anunciam um novo projeto de desenvolvimento, e dizendo palavras de ordem que indicam firmeza na luta. Estas ações precisam ser consideradas na alfabetização.
Portanto, ensinar a ler e a escrever é muito mais que um desenvolvimento de
habilidades motoras. Para o MST não basta o domínio do código da escrita e da leitura
de nosso idioma. A concepção de alfabetização do Movimento e que se faz presente no
Curso Pedagogia da Terra é aquela que está intimamente ligada a um processo de
educação/formação do ser humano: alfabetizar é mais que alfabetizar; é educar-se,
fazer-se humano. Há um vínculo entre educação, formação e alfabetização. Neste
sentido, podemos estabelecer uma relação com o conceito de alfabetização do MST,
com as reflexões desenvolvidas por Wanderley (1984) e Paiva (1987) sobre o MEB,
desenvolvidas no segundo capítulo deste trabalho. Para esses autores o MEB tinha
como objetivo oferecer à população rural oportunidade de alfabetização num contexto
mais amplo de educação de base, buscando ajudar na promoção do homem rural e em
sua preparação para a participação na vida social, econômica, cultural e política do
país, através da conscientização. Considerando a formação integral da pessoa, o MEB
buscava construir uma educação que levasse em consideração a realidade dos
oprimidos, seus valores, sua cultura e sua identidade. Para isso utilizou-se do método
de alfabetização proposto por Freire (1970) que partia do levantamento vocabular, da
escolha das palavras geradoras e da criação de situações existenciais dos alunos. A
professora fez uma exposição para os alunos sobre as duas correntes da psicologia
que tem explicado o desenvolvimento da escrita: a psicologia sócio-histórica-cultural e a
perspectiva construtivista.
Em seguida falou sobre o pensamento de Vygotsky (1984) em relação ao processo de
desenvolvimento da leitura e da escrita. Neste sentido, passo a relatar algumas
anotações que realizei no diário de campo. A professora procurou explicar que
compreender a questão da “mediação”, que caracteriza a relação do homem com o
mundo e com os outros homens é de fundamental importância, porque é através deste
processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se
desenvolvem.
Existem dois processos básicos responsáveis para que essa mediação se efetive: o
instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo, que
regula as ações sobre o psiquismo das pessoas. Vygotsky (1984) atribui enorme
importância ao papel da interação social no desenvolvimento do ser humano. Uma das
mais significativas contribuições das teses que formulou está na tentativa de explicar
como o processo de desenvolvimento é socialmente construído. O comportamento da
criança recebe influências dos costumes e objetos de sua cultura. Através da ajuda do
adulto, as crianças assimilam ativamente aquelas habilidades que foram construídas
pela história social ao longo de milênios: ela aprende a sentar, a andar, a controlar os
objetos, a falar, a sentar-se à mesa, a comer com talheres, a tomar líquidos em copos
etc.
Neste sentido o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir das constantes
interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais
sofisticadas emergem da vida social. O aprendizado da escrita, como produto cultural
construído ao longo da história da humanidade é um processo bastante complexo:
A complexidade deste processo está associada ao fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade extremamente sofisticado, que se constitui num conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada: no entanto, gradualmente essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo intermediário. (Vygotsky,1984, p.131)
Desta forma o aprendizado da linguagem escrita envolve a elaboração de todo um
sistema de representação simbólica da realidade. Em outras palavras, essas atividades
contribuem para o desenvolvimento da representação simbólica (onde signos
representam significados), e conseqüentemente, para o processo de aquisição da
linguagem escrita. Aprender a linguagem escrita é produzir cultura, bem como se
apropriar da cultura produzida historicamente pela humanidade. Assim sendo, o
trabalho com a linguagem na alfabetização deve estar articulado às experiências
culturais dos sujeitos do campo e no caso específico do Curso Pedagogia da Terra com
as experiências dos professores sem-terra.
Como síntese das observações realizadas no diário de campo do pesquisador podemos
dizer que são nas diferentes experiências culturais das crianças, dos adolescentes,
jovens, adultos e dos sujeitos do campo, ou seja, nas formas de trabalho, na
organização da vida das famílias, na mística, na cooperação, na comunicação, nas
relações de gênero dos educandos (as), que a alfabetização precisa inspirar-se para o
trabalho com a linguagem escrita. Alfabetizar no MST e para os professores que fazem
o Curso Pedagogia da Terra está relacionado à construção de significados coletivos na
luta em prol do fortalecimento da educação do campo, uma educação que considere a
realidade, os saberes e as experiências dos sujeitos que vivem no e do campo. Neste
sentido, a aprendizagem dos processos, métodos e conteúdos da alfabetização devem
permitir aos professores sem-terra desenvolver melhor o seu trabalho nas escolas dos
assentamentos. Formar os professores sem-terra para que dominem o processo de
ensinar uma criança a ler e a escrever tem uma dimensão libertadora em pelo menos
dois sentidos: pedagógico e político. Pedagógico porque os sujeitos sem-terra
(crianças, adolescentes, jovens, anciãos) adquirem a capacidade de escrever e ler, o
que é fundamental numa sociedade como a nossa, em que a cultura letrada está
presente em todos os espaços e tempos da vida social e cultural e para o resgate de
seus valores, de sua própria cultura, enquanto camponês e de sua dignidade e
identidade enquanto sem-terra. Político porque é através da escrita e leitura que esses
mesmos sujeitos podem desenvolver uma consciência crítica a respeito da sociedade
em que vivem e potencializar ações coletivas em prol da luta por políticas públicas que
contemplem a construção coletiva de uma educação comprometida com os anseios e
as necessidades dos sujeitos do campo.
4.11 O Espaço-Tempo-Saber Mística: A Utopia de uma Pedagogia Libertadora
O dia começou com a Mística onde os alunos (as) da segunda turma do Curso
Pedagogia da Terra através de cantos e músicas hastearam a bandeira do MST e
marcharam em direção à conquista da terra. Estamos usando o conceito de mística no
sentido atribuído por Boff (1999) como sendo o conjunto de convicções profundas, as
visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na
vontade de mudanças ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer
dificuldades ou que sustentam a esperança face aos fracassos. Durante a marcha
houve um confronto com os capangas do fazendeiro levando à morte de dezenove
sem-terras. A turma neste momento faz memória do confronto entre fazendeiros e sem-
terra ocorrido no Pará (Eldorado dos Carajás) no dia 17 de abril de 1996 em que
morreram dezenove sem-terras. Entre os feridos estavam sessenta e nove sem-terras e
doze policiais militares. A data se converteu num símbolo da luta pela terra. Essa
vivência foi carregada de significados e emoções relembrando a morte dos
companheiros sem-terra, os alunos tornaram presente simbolicamente à histórica luta
dos sem-terra por uma sociedade justa e fraterna. Utilizo o termo vivência em oposição
ao de encenação.
A vivência não deve ser confundida com uma encenação ou apresentação teatral, não
é esse o caráter da mística, ela se propõe a ser muito mais profunda e complexa que
uma apresentação teatral, pois, sendo a tradução de uma utopia determinada, ela
objetiva mexer com os sentimentos e certezas das pessoas diante do mundo em que
elas vivem e não simplesmente retratar um fato diretamente como ele é, além do que,
em uma encenação teatral o ator que está em cena pode estar dramatizando uma
realidade que revela valores, princípios e desejos que ele necessariamente não
acredita e assume como seus na vida real. Por isso, na mística não são simplesmente
as palavras que tocam as pessoas, não é o discurso por mais bonito e racional que seja
que mobiliza o coletivo; o que traz a lágrima aos olhos ou o sorriso esperançoso nos
lábios, o que toca o coração e acende a chama da esperança é muito mais forte do que
as simples palavras. Nesse sentido a mística possui uma dimensão profundamente
pedagógica libertadora e formadora e se constitui em um espaço-tempo-saber
fundamental no movimento de formação do professor sem-terra. Segundo Medeiros
(2001, p.12):
Ao dramatizar a vida dos Sem Terra – as lutas travadas, a repressão sofrida e as vitórias conquistadas – e permitir o resgate da memória do próprio MST e a reflexão coletiva e individual sobre o seu cotidiano, de forma simples e criativa, a mística faz do real, do dia-a-dia, da história dos trabalhadores e do povo oprimido, um conteúdo possível de ser revisto criticamente por esses trabalhadores, possibilitando-os e estimulando-os a questionamentos capazes de lhes conduzir à percepção de si também como sujeitos dos acontecimentos que lhes rodeiam, por vezes como vítimas da opressão, em outras como reprodutores dela, mas acima de tudo como possuidores da capacidade de transformação destas situações.
A mística nesta perspectiva pode ser pensada e compreendida como tendo um sentido
libertador e formador professor sem-terra, estando em relação direta com as matrizes
pedagógicas da educação do campo, trabalhadas no terceiro capítulo da dissertação,
tais como: a matriz pedagógica da luta social e a matriz pedagógica da cultura. De
acordo com Caldart e Cerioli (1999) é por meio da mística que o MST celebra sua
própria memória. O que educa os sem-terra é o próprio movimento da luta, em suas
contradições, enfrentamentos, conquistas e derrotas.
As matrizes pedagógicas da luta social e da cultura (e a mística é um instrumento
delas) educam para uma postura diante da vida que é fundamental para a identidade de
um lutador do povo: nada é impossível de mudar e quanto mais inconformada com a
degradação e a exclusão do ser humano, mais humana é a pessoa. A mística com toda
sua potencialidade pedagógica coloca-se como instrumento fundamental no processo
de formação do professor sem-terra e constitui-se em um espaço-tempo-saber presente
em todos os momentos do Curso Pedagogia da Terra.
No contexto do Curso Pedagogia da Terra, diante da reflexão que foi construída,
podemos afirmar que a mística fertiliza todos os espaços-tempos-saberes do processo
de formação do professor sem-terra, ou seja, no contexto da sala de aula com o
objetivo de estimular a criatividade dos educandos; de resgatar a memória dos fatos
históricos estudados ou vividos; de contribuir para o processo de socialização,
avaliação e auto-avaliação dos educandos e educadores; de humanizar e democratizar
as relações pedagógicas. Neste sentido podemos afirmar que a mística contribui para o
fortalecimento da educação do campo.
Ela potencializa a vivência, a reflexão e o estudo de questões relacionadas à luta pela
terra, a luta por uma educação do campo e a construção de valores humanistas, integra
em si mesma as várias dimensões do processo de formação humana explicitadas pelo
MST através dos princípios filosóficos e pedagógicos do MST, entre eles: educação
para a transformação social; educação para o trabalho e a cooperação; educação
voltada para as várias dimensões da pessoa humana; educação com e para valores
humanistas e socialistas; educação como um processo permanente de formação e
transformação humana. Este é o horizonte que define o caráter da educação do MST,
ou seja, um processo de educação que se assume como político, que se vincula
organicamente com os processos sociais que visam à transformação da sociedade
atual, e à construção de uma nova sociedade fundada na justiça, na radicalidade
democrática e nos valores humanistas e socialistas. Para isso é fundamental uma
formação que supere os valores dominantes da sociedade capitalista, centrada no
individualismo e no lucro desenfreados. Em alguns momentos da mística desenvolvida
nas etapas do Curso Pedagogia da Terra vivenciamos com os alunos e professores a
possibilidade de construção de novos valores que coloquem no centro dos processos
de transformação da pessoa humana e sua liberdade, mas não como indivíduo isolado
e sim como ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação destes bens
e à igualdade na participação de todos nestes processos. Entre os alunos (as) da
segunda turma do Curso Pedagogia da Terra, este tipo de sentimento reflete uma forte
relação de pertença ao MST, que resulta não só do período vivenciado nas etapas do
Curso, mas decorrente de toda uma trajetória percorrida por cada um dentro do
Movimento. Esse sentimento se expressa de diferentes formas, no amor e respeito aos
símbolos, ideais, princípios do MST e no compromisso com a causa pela qual dedicam
suas vidas: a transformação de todas as estruturas capitalistas que escravizam e
oprimem o ser humano, em especial o homem do campo.
4.12 O Espaço-Tempo-Saber Trabalho Produtivo
A mudança na base tecnológica do processo produtivo traz novos desafios para a
compreensão das relações entre trabalho e educação no conjunto das relações sociais.
Nesse sentido Frigotto (1984) elabora de forma bastante contundente uma crítica à
concepção de que o avanço da tecnologia corresponde à melhoria generalizada das
condições de vida e da qualidade de vida. Como vimos no primeiro capítulo deste
trabalho, no Brasil, por exemplo, o avanço científico e tecnológico veloz não significou a
universalização da melhoria das condições de vida, tais como, emprego, moradia,
saúde, alimentação e educação, para a maioria dos brasileiros.
A terceira revolução industrial se caracteriza por uma velocidade e descontinuidade
brutal no processo tecnológico, na escala da produção, na organização do processo
produtivo, na centralização do capital e organização do processo de trabalho e na
qualificação dos trabalhadores. Essa revolução é marcada pela robótica, informática,
microeletrônica e máquinas de comando numérico, biotecnologia e produção de
sintéticos. A tecnologia passa a ser matéria prima por excelência.
Trata-se de uma revolução tecnológica que possibilita a organização da produção de
forma, autocontrolável e auto-ajustável mediante processos informatizados,
robotizados, através de um sistema eletrônico. Como fica, por exemplo, a questão do
trabalho na terra nesta nova etapa da reconfiguração do capitalismo mundial? Como
pensar o trabalho do camponês nesse quadro de novas tecnologias e do
agronegócio87? Como esse novo aparato científico-tecnológico pode contribuir para
potencializar o trabalho do camponês, auxiliando-o na produção de uma agricultura
familiar e na construção do desenvolvimento sustentável? No MST o trabalho produtivo
está voltado para a satisfação das necessidades dos assentados e para o
fortalecimento da agricultura familiar:
A produção deverá levar em conta a combinação das necessidades básicas de alimentação das famílias assentadas, ou seja, cada assentado deve ter no seu lote ou no coletivo, várias espécies de frutas e verduras que são cultivadas em diferentes épocas do ano. Vários tipos de cereais que são necessários à alimentação humana e também animais e aves que garantem a carne, leite, queijo, banha, ovos etc. Essas atividades que terão o objetivo de produção e industrialização para abastecimento do mercado local e regional. Devemos discutir também os aspectos ambientais e tecnológicos da produção pretendida. Assim ganha importância o planejamento das áreas de reservas existentes, das fontes de água, das matas ciliares (MST: Construindo o Caminho, 2001, p. 87).
Nestes vinte anos de organização e de lutas, o MST vem ajudando a construir um novo
projeto de desenvolvimento rural, em sintonia com as necessidades e os interesses
sociais dos trabalhadores do campo e da cidade. O espaço-tempo-saber trabalho
produtivo presente no movimento de formação do professor sem-terra não deixa de
considerar a questão da luta pela Reforma Agrária e os desafios para a implementação
de novas relações de produção no campo e na cidade. Para o MST, nesta perspectiva,
uma educação voltada para a realidade do campo é aquela que ajuda a solucionar os
problemas que vão aparecendo no dia a dia dos assentamentos e dos acampamentos,
que forma os trabalhadores e as trabalhadoras para o trabalho no campo, ajudando a
construir reais alternativas de permanência e enraizamento dos sujeitos no campo e de
87 O agronegócio emprega uma tecnologia de ponta para aumentar a produtividade e baixar os custos da produção. São características do agronegócio as monoculturas e a utilização de imensa quantidade de terras. No Estado do Espírito Santos têm as plantações de Eucalipto, mamão e a criação do gado leiteiro por meio de grandes pastagens de terras e no sul do país as plantações de soja.
melhorar a qualidade de vida da população campesina. Neste sentido pode-se afirmar
que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra busca desenvolver as
potencialidades, os valores, a cultura e a identidade dos sujeitos que vivem e trabalham
no e do campo. Esse significado assemelha-se ao utilizado por Frigotto (1984) quando
concebe o trabalho na perspectiva de um modo humano de existência, constituindo-se
como princípio educativo na construção da sociedade socialista e comunista. O trabalho
aparece aqui na sua dimensão positiva, como manifestação da vida, como forma de os
homens se apropriarem e transformarem o mundo da natureza em si mesmos, em seu
devir.
No Curso Pedagogia da Terra o trabalho refere-se às diversas atividades práticas
realizadas pelas equipes e setores que se fazem presentes no cotidiano do processo de
formação do professor sem-terra. A concepção de trabalho como uma atividade
humana no processo de transformação da natureza e, conseqüentemente, na recriação
de novas relações sociais, nos remete, como vimos no terceiro capítulo dessa
dissertação, à luta do MST para criar novas relações de produção e de convivência
entre os seres humanos. Neste sentido o trabalho, se converte em um espaço-tempo-
saber fundamental no processo de formação do professor sem-terra. Na percepção de
um dos alunos da segunda turma do curso:
O trabalho, principalmente o trabalho coletivo, tem uma dimensão educativa. Então você vê que aqui a gente tenta fazer justamente o que Marx chama de práxis. A gente tenta unir essas duas coisas tanto o pedagógico quanto o político. Na divisão das tarefas, por exemplo, a gente tenta quebrar o machismo e coloca a questão do gênero onde o homem não está limitado só a algumas tarefas, mas todas as tarefas nós somos capazes de fazer e a mesma coisa com as mulheres, muitas tarefas que no dia a dia no seu cotidiano normal não se acham aptas a fazer, aqui a gente tenta colocar em prática; você está vendo que tem mulheres aí trabalhando em construção, com a parte elétrica. E também na nossa forma de organização, você vê quando a gente tem que tomar uma decisão, a gente faz uma reunião para discutir; estamos sempre fazendo aquele processo democrático onde todos participam. O espaço tempo produtivo coletivo é um espaço político que estamos desenvolvendo!
Neste sentido o trabalho adquire uma dimensão importante na formação dos
professores sem-terra. Nas relações capitalistas trabalhamos para viver, para produzir
um meio de vida, mas nosso trabalho não é vida em si, porquanto trata-se de uma
atividade imposta por uma necessidade externa, a necessidade do capital. Para superar
essa alienação Frigotto (1991) retoma o conceito de politecnia. Os elementos básicos
do conceito de politecnia são: a concepção de homem omnilateral; o trabalho produtivo
e a articulação entre trabalho manual e intelectual e as bases científico-técnicas. A
concepção de omnilateralidade do homem centra-se na apreensão do homem enquanto
uma totalidade histórica que é, ao mesmo tempo natureza, individualidade e, sobretudo,
relação social. Uma unidade na diversidade física, psíquica e social; um ser de
necessidades em cuja satisfação se funda sua possibilidade de crescimento em outras
esferas. O MST por meio do Curso Pedagogia da Terra põe em movimento uma prática
de educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana:
O que poderíamos dizer usando uma expressão mais curta: educação onilateral. A palavra onilateral vem de Marx, que usava a expressão “desenvolvimento onilateral do ser humano”, para chamar a atenção de que uma práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar. Ou seja, uma educação onilateral se opõe a uma educação unilateral, que se preocupa só com um lado de cada vez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais, ou só os aspectos morais, ou só os políticos (MST – Caderno de Educação Nº 8).
Estamos defendendo então que o conceito de trabalho no Curso Pedagogia da Terra
está estreitamente ligado ao de formação humana e esta sendo entendida numa
perspectiva onilateral. Neste sentido queremos destacar algumas dimensões principais:
a formação político-ideológica; a formação técnico-profissional; a formação do caráter
ou moral e a formação cultural e estética. Como vimos, na matriz pedagógica da terra, é
através do trabalho que o MST põe em movimento uma das dimensões fundamentais
do processo de formação do professor sem-terra. Assim como para o MST não é
possível pensar a terra sem aqueles que nela trabalham, também para o Curso
Pedagogia da Terra não é possível pensar o processo de formação do professor sem-
terra sem o espaço-tempo-saber trabalho produtivo. O professor sem-terra é um
camponês e trabalhador que vive na e da terra, traz para o curso toda uma experiência
de luta, de cuidado, de resistência e pertença a terra. O Curso Pedagogia da Terra, ao
valorizar as experiências e conhecimentos advindos da realidade dos professores do
MST e potencializá-los através dos diversos trabalhos práticos realizados durante as
suas diferentes etapas, permite aos professores fazer a integração entre os
conhecimentos teóricos obtidos no curso e a realidade dos assentamentos, bem como
fortalece o sentido de enraizamento dos professores sem-terra com a própria terra.
Como afirma Caldart (2000) trabalhar na terra, plantar a semente, molhar a terra e
adubar a semente significa que as coisas não nascem prontas, que precisam de
cuidado. Assim o trabalho no Curso Pedagogia da Terra traz a própria marca do MST
como movimento social que luta pela terra, que trabalha e vive na e da terra. Não seria
possível pensarmos o processo de formação do professor sem-terra sem a dimensão
do trabalho.
Os trabalhos práticos realizados durante as etapas do Curso Pedagogia da Terra
situam-se no rompimento do trabalho na lógica do capitalismo. No capitalismo os frutos
do trabalho são apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria
de muitos; a divisão social do trabalho se fundamenta na competição e no
individualismo; os meios de produção se encontram em poder de uma única classe. No
Curso Pedagogia da Terra, a concepção de trabalho e sua realização situam-se em
uma outra lógica: os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e todos
indistintamente se beneficiam dele, não havendo nem ricos e nem pobres, mas seres
humanos satisfeitos em suas necessidades vitais; a divisão do trabalho obedece à
lógica da cooperação e da solidariedade; o curso também busca superar o machismo
nas relações de trabalho, valorizando a participação da mulher em todas as tarefas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo procurou compreender como se desenvolve o processo de formação do
professor sem-terra. A investigação centrou-se basicamente na análise de documentos,
entrevistas e na participação em algumas etapas do curso. Nesse sentido cabe
destacar a importância que teve para o desenvolvimento da pesquisa como um todo e
para o crescimento pessoal do pesquisador a participação efetiva em algumas etapas
do Curso Pedagogia da Terra. O pesquisador então buscou uma aproximação
intelectual e afetiva com o tema a ser investigado. A leitura de obras referentes ao MST
ajudou-me a conhecer melhor o Movimento e a compreender com a mente e o coração
a sua nobre luta: a luta pela terra. Neste sentido ressaltamos duas contribuições
importantes: a primeira consiste em mostrar como a luta pela terra é bem mais antiga
que o MST e a segunda em perceber que é na luta pela terra que surge a luta por uma
educação do campo, não sendo possível compreender a luta pela educação dissociada
de uma luta maior que é a luta pela terra. Essa questão foi trabalhada no primeiro
capítulo, onde procuramos com a ajuda de Fernandes (2000), Martins (1999), Dias
(1984) e outros interlocotores identificar na história do Brasil os movimentos que
antecederam o MST na luta pela terra e nela por diginidade.
A luta dos movimentos sociais e em especial do MST por uma educação do campo só
tem sentido se for compreendida a partir da perspectiva de valorização da cultura, dos
saberes e da identidade dos sujeitos que vivem, trabalham e se educam no campo.
Neste sentido podemos afirmar como contribuição importante que a pesquisa traz para
a nossa reflexão e que foi objeto de discussão neste trabalho nos capítulos dois e três:
a questão de que não é possível entender a luta por uma educação do campo
dissociada de uma luta maior, a luta de todos por uma educação de qualidade, que
tenha presente em seus objetivos, conteúdos e metodologia, os saberes, a cultura e
identidade dos que vivem no campo e na cidade.
O Curso Pedagogia da Terra surgiu como uma necessidade dos professores sem-terra
de se qualificarem e do próprio MST de garantir uma educação de qualidade e
diferenciada para os sujeitos que vivem no e do campo. A luta que o Movimento
assumiu quando decidiu reivindicar a formação superior em pedagogia era possibilitar
aos jovens, homens e mulheres, que vivem do trabalho do campo, o acesso a uma
formação acadêmica que leve em consideração as peculiaridades e a realidade dos
sujeitos que vivem no e do campo, pensar uma educação que não fosse simplesmente
um transplante da educação urbana.
As discussões feitas nos capítulos terceiro e quarto do trabalho a partir de Caldart
(2000), Foerste (2004, 2005) nos apontam para uma questão que emerge como um
ganho importante tanto para O MST quanto para a Universidade, que se traduziu na
parceria entre PRONERA/MST/UFES. A prática da parceria introduz uma dinâmica que
favorece a construção coletiva de uma nova política de profissionalização do
magistério, em cuja base se evidenciam possibilidades concretas para a superação da
racionalidade técnica que tem determinado a dinâmica curricular dos cursos das mais
diferentes áreas do conhecimento na Universidade, entre elas, a Licenciatura.
Conforme as análises realizadas por Foerste (2004) podemos afirmar que a cooperação
do INCRA, do MST e da UFES favoreceu o incremento da interinstitucionalidade e a
introdução de práticas dialogadas, num terreno em que a academia reconhecidamente
necessita ampliar interlocuções, trabalhando através de parcerias com diferentes
segmentos da organização social. Para o INCRA a parceria entre a Universidade e
MST, através do Curso de Pedagogia da Terra, constitui-se num ganho importante para
consolidar o processo de assentamentos rurais no país. A educação é um dos pilares
fundamentais para que os assentados se coloquem num amplo movimento pela
produção da subsistência, através da agricultura familiar sustentável. Um projeto
interinstitucional como este, viabilizado pelo PRONERA, inaugura uma nova fase dos
trabalhos no INCRA e no MST, no que se refere à educação do campo.
A parceria tem possibilitado negociações que estimulam reflexões que vão além das
dimensões técnicas das políticas oficiais para o campo, coordenadas pelo INCRA. Ao
mesmo tempo, o MST está percebendo que a implementação de políticas públicas de
educação, nos assentamentos implica uma abertura por parte do Setor de Educação
para dialogar e trabalhar com outros movimentos organizados do campo, como por
exemplo, o Movimento dos Pequenos Agricultores, as Escolas Comunitárias Rurais e
as Escolas Família Agrícola. Na perspectiva da Universidade, podemos afirmar que o
Curso Pedagogia da Terra vem possibilitando incursões teórico-práticas na formação
de profissionais do ensino para atuarem em projetos educacionais em assentamentos
rurais. As experiências decorrentes da parceria da Universidade com os Movimentos
Sociais em especial o MST podem fortalecer projetos em andamento e/ou possibilitar
múltiplas e quem sabe alternativas inovadoras de trabalho.
Reconhecemos que a Universidade tem uma função social a cumprir e que apesar de
historicamente estar a serviço das classes dominantes, a parceria com os movimentos
sociais como o MST, abre novos horizontes no sentido de dar oportunidades àqueles
que sempre estiveram excluídos do acesso ao saber e, portanto do exercício da
cidadania plena. Neste sentido o Curso Pedagogia da Terra nos ajuda a pensar no
papel que tem a Universidade como o lócus da formação do professor, ao mesmo
tempo em que questiona a fragilidade teórico-prática dos cursos de formação de
professores na universidade pela inexistência de uma política interinstitucional de
profissionalização do magistério, construída coletivamente pelos profissionais da
educação (Foerste, 1998, 2002, 2004, 2005).
A pesquisa contribuiu, principalmente nas questões discutidas no último capítulo,
através das vozes dos sujeitos pesquisados (alunos e professores da Segunda Turma
do Curso Pedagogia da Terra), a perceber que ainda falta abertura e vontade política
por parte da Universidade para incrementar programas de parceria que possibilitem a
introdução e valorização nos cursos de licenciatura de novos sujeitos, novos saberes e
novos espaços-tempos de formação, viabilizados por uma cultura de colaboração e
solidariedade entre os diferentes movimentos sociais interessados na formação do
professor e na construção de uma educação de qualidade para todos. Nesse sentido o
Curso Pedagogia da Terra favorece discussões coletivas que contribuem para
repensarmos os cursos de licenciaturas de um modo geral e para o resgate da
profissão docente. A cultura do trabalho coletivo, que mobiliza os professores de
assentamentos para a construção de um novo projeto de educação no e do campo
(Caldart, 2002; Molina, 2002; Foerste, 2004), desafia a academia a deixar que os
cursos de licenciatura se repensem na sua essência, com a introdução e valorização de
novos sujeitos, novos saberes e novos espaços-tempos no processo de socialização da
profissão docente. Isto significa dizer que a formação do professor necessita de uma
maior articulação com o contexto social e com os movimentos sociais. Que saberes os
movimentos sociais estão construindo quando exigem que o Estado cumpra sua função
de garantir uma educação de qualidade para todos? O que nós professores e a
Universidade pode aprender com o MST na luta contra o latifúndio da terra e do saber?
Nesse sentido a parceria entre PRONERA/UFES/MST para ofertar o Curso Pedagogia
da Terra impulsiona novos olhares sobre o processo de formação inicial e continuada
de professores. Como o trabalho coletivo pode contribuir para o engajamento em
atividades de ensino-pesquisa-extensão na perspectiva do compromisso social, nas
lutas dos oprimidos pelo resgate da cidadania e respeitos às diferenças étnicas,
religiosas e de gênero? Através desse tipo de trabalho coletivo criam-se algumas
condições que, sem dúvida, possibilitam inovações, trazendo benefícios a diferentes
movimentos organizados da sociedade nas lutas por uma educação pública de
qualidade. Neste sentido, as discussões feitas no terceiro capítulo deste trabalho, com
a contribuição do movimento nacional de luta por uma educação do campo, ajudaram-
nos a compreender o PRONERA não como política pública compensatória, embora
esteja inserido na lógica das atuais políticas sociais do neoliberalismo, pois supera e
contradiz essa perspectiva na medida em que é uma conquista da luta dos movimentos
sociais do campo, cuja participação do MST é fundamental. Trata-se, pois de uma
política pública de educação já que foi a participação popular, que a originou e a
desenvolveu, ou seja, sujeitos coletivamente organizados que exigiram o direito a uma
educação de qualidade que esteja em sintonia com a realidade do campo. A luta por
uma educação de qualidade é um direito dos sujeitos do campo e um dever do Estado.
O Estado deve oferecer uma educação pública de qualidade no qual os grupos sociais
em desvantagem no campo sejam autores, que tenham sua experiência social como
ponto de partida, seus valores, sua cultura e sua identidade reconhecida e valorizada.
Disso decorre uma questão fundamental que a pesquisa como um todo, nos ajuda a
pensar: a educação do campo não é uma doação que o poder público faz aos sujeitos
do campo; nem é algo que os sujeitos do campo recebem pronto do Estado; a
educação do campo não está pronta; os sujeitos sociais do campo estão construindo-a
através de suas lutas, de sua cultura, de seus valores e do seu amor à terra a educação
do campo, uma educação que tenha a sua “cara”, e a sua identidade de sem-terra.
Outro grande achado da pesquisa diz respeito ao Curso Pedagogia da Terra, à
particularidade que o constitui enquanto um projeto de formação de professores de
assentamentos. Criam-se algumas condições que favorecem a visualização de uma
nova perspectiva para a profissão docente. Trata-se de um novo ethos profissional do
professor, fundamentado no trabalho coletivo solidário e colaborativo dos sem-terra e
dos segmentos oprimidos da sociedade, em suas lutas permanentes pela conquista dos
direitos sociais como o direito à terra, à moradia, ao saneamento básico, à saúde, etc,
na perspectiva de uma sociedade justa e solidária.
Em relação ao processo de formação que se dá no Curso Pedagogia da Terra, pode-se
afirmar como uma contribuição importante que a pesquisa traz é pensar o MST como
sujeito coletivo que educa os professores sem-terra e que se faz presente no ambiente
educativo do curso. Nesse sentido podemos afirmar que o Curso Pedagogia da Terra
tem uma estrutura organizativa semelhante àquela que os alunos (professores sem-
terra) encontram nos assentamentos do MST. Não são somente as aulas, os conteúdos
das diferentes disciplinas, os professores da UFES com sua experiência e
conhecimentos que educam e formam os professores sem-terra. O que
fundamentalmente educa e forma os professores sem-terra é o próprio MST na medida
em que se faz presente nos espaços-tempos-saberes do curso através dos símbolos,
das frases, dos cartazes, das palavras de ordem, da mística e dos próprios professores
sem-terra. Neste sentido podemos nos perguntar: quem educa e forma os professores
sem-terra? É o MST um sujeito coletivo educativo? Outra contribuição que a pesquisa
traz diz respeito às principais matrizes pedagógicas, no sentido de processos
educativos básicos que possibilitam a formação dos professores sem-terra e o
fortalecimento da educação do campo: a matriz pedagógica da luta social; a matriz
pedagógica da organização coletiva; a matriz pedagógica da terra e a matriz
pedagógica da cultura. Essas matrizes se manifestam na forma como os alunos do
curso realizam as tarefas, no empenho, na organização, nas celebrações (mística), na
vontade de aprender novos conhecimentos, na ajuda mútua, no trabalho coletivo, no
senso de justiça e bem querer ao próximo.
Como vimos no último capítulo da dissertação o Curso Pedagogia da Terra coloca em
movimento uma pedagogia libertadora, (Freire, 1970; Caldart, 2000) na medida em que
contesta, inconforma-se com a injustiça e luta por uma nova sociedade e um novo ser
humano. Um dos achados importantes da pesquisa que ajuda compreender melhor o
processo de formação dos professores sem-terra foram os espaços-tempos-saberes do
curso. O espaço-tempo-saber aula formado a partir dos conteúdos ministrados pelos
professores das diferentes disciplinas que compõe a grade curricular do curso (currículo
prescrito) e de conhecimentos e experiências (currículo vivido) que os próprios alunos
do MST trazem da realidade dos assentamentos.
Como vimos no desenvolvimento da pesquisa e em particular no último capítulo, o
Curso ainda carece de uma maior integração e intercâmbio entre os saberes da
academia e os saberes oriundos da realidade dos alunos (Foerste, 2004) no sentido de
um maior comprometimento com a construção de uma educação do campo. O espaço-
tempo-saber mística se faz presente em todos os momentos formativos do Curso
Pedagogia da Terra: nas falas dos alunos, nos símbolos do MST, nas noites culturais,
nas apresentações dos trabalhos em sala de aula. Neste sentido podemos afirmar que
a mística constitui um dos espaços-tempos-saberes fundamentais do processo de
formação do professor sem-terra buscando estimular a criatividade dos educandos; no
resgate da memória histórica; no sentimento de pertença e enraizamento ao MST e na
socialização e democratização das relações entre professores e alunos em sala de
aula. Então podemos nos perguntar como pensar a relação entre mística, memória,
MST e o Curso Pedagogia da Terra? Que papel tem a mística para o resgate dos
valores, dos saberes, da cultura e da identidade dos professores sem-terra? Como a
mística ajuda na formação dos professores sem-terra para que assumam as causas
dos lutadores do povo? Como vimos no último capítulo da dissertação a mística
possibilita aos alunos e professores a vivência, a reflexão e o estudo de questões
relacionadas à luta pela terra e à luta por uma educação comprometida com os valores,
a cultura, os saberes e a identidade dos sujeitos do campo. Em síntese a mística
demarca bem o horizonte de educação no Curso Pedagogia da Terra, ou seja, um
processo de educação que se assume como político, que se vincula organicamente
com os processos sociais que visam à transformação da sociedade atual e à
construção de novas relações entre os seres humanos, alicerçadas na justiça social.
O espaço-tempo-saber trabalho produtivo discutido no último capítulo da dissertação
diz respeito aos trabalhos realizados pelos alunos durante as etapas do curso e situam-
se na superação do trabalho na ótica do capitalismo contribuindo na formação onilateral
(Frigotto, 1991) do professor sem-terra. No capitalismo os frutos do trabalho são
apropriados de forma particular, gerando o lucro de alguns e a miséria de muitos; no
Curso Pedagogia da Terra os frutos do trabalho são repartidos igualmente entre todos e
todos indistintamente se beneficiam dele, não havendo necessitados entre eles. Neste
sentido podemos nos perguntar: como esse espaço-tempo-saber trabalho produtivo
potencializa novas relações entre os seres humanos, fundadas na justiça e na
solidariedade? Que importância tem o trabalho para o MST? Como o trabalho pode
converte-se em espaço-tempo-saber de realização do ser humano superando a
alienação imposta pelo sistema capitalista?
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