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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA EM ASSOCIAÇÃO AMPLA DE IES (UFC/UECE/UNIFOR) ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA EXPERIÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE CRISE DE SUJEITOS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO: ANÁLISE DE NARRATIVAS FORTALEZA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA

EM ASSOCIAÇÃO AMPLA DE IES

(UFC/UECE/UNIFOR)

ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

EXPERIÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE CRISE DE SUJEITOS EM SOFRIMENTO

PSÍQUICO: ANÁLISE DE NARRATIVAS

FORTALEZA

2013

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ADRIANO RODRIGUES DE SOUZA

EXPERIÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE CRISE DE SUJEITOS EM SOFRIMENTO

PSÍQUICO: ANÁLISE DE NARRATIVAS

Tese submetida à Coordenação do Curso de

Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da

Universidade Federal do Ceará (UFC) e das

Universidades Estadual do Ceará (UECE) e

Fortaleza (UNIFOR) com Associação de

IES – Ampla, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutor em Saúde

Coletiva.

Área de concentração: Políticas, Gestão e

Avaliação em saúde.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo José Soares

Pontes

FORTALEZA

2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências da Saúde

S713e Souza, Adriano Rodrigues de.

Experiências em situação de crise de sujeitos em sofrimento psíquico: análise de narrativas /

Adriano Rodrigues de Souza. – 2013.

149f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Doutorado em Associação Ampla de IES

(UECE/UFC/UNIFOR), Fortaleza, 2013.

Área de concentração: Avaliação de programas de vigilância e controle, serviços e modelos

assistenciais; avaliação de modelos de formação e integração ensino-serviço.

Orientação: Prof. Dr. Ricardo José Soares Pontes.

1. Saúde Mental. 2. Intervenção na Crise. 3. Narração. 4. História. I. Título.

CDD 616.8915

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A minha querida e amada mãe (in memória),

Fransquinha, que me ensinou que sem estudo a

pessoa não cresce. Ela sempre dizia: estude ou

vai dá murro em ponta de faca... Te amo!

Mãe, onde esteja.

A minha companheira, amiga e incentivadora,

Aline, com quem compartilho um amor

imenso e intenso. Agradeço pela amizade e

paciência no decorrer deste trabalho.

As minhas filhas Alice e Cecília, que

compreenderam em sua sabedoria infinita o

tempo ausente de seu pai nas brincadeiras e

nos feriados.

A minha irmã, Adriana, pelos incentivos.

E, ao meu pai, Dadá, que após anos de vida,

começou a estudar e buscar o conhecimento

que lhe foi tirado pelos desígnios de vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu rochedo e o meu lugar forte.

À minha segunda família, meu sogro, João, e a minha sogra, Socorro, que foram apoiadores

desta luta. As minhas queridas e lindas cunhadas, Evelyne, Caroline e Sabrine, pelo incentivo

e a esta última, agradeço pelos trabalhos realizados que contribuíram para confecção deste

estudo.

Aos alunos do grupo de pesquisa em saúde coletiva da UNIFOR que contribuíram para

transcrição das narrativas, mesmo correndo o risco de falhas e esquecimentos, cito: Renata

Silveira, Joyce Carla, Aldeniza Gadelha, Cristianne Barros. A todas que contribuíram de uma

forma ou de outra para o engrandecimento desta tese.

Ao meu orientador, Professor Dr. Ricardo Pontes, pelas inúmeras vezes que me ausentei por

compromissos profissionais... Orientador paciente e um exemplo de mestre que devemos nos

espelhar.

À minha amiga que fiz no doutorado, se assim posso considerar, que passei a respeitar e

admirar, professora Dra. Maria Salete Bessa Jorge.

Aos colegas da Coordenação do Colegiado de Saúde Mental, especialmente Rane que soube

compreender minhas ausências profissionais. Muito obrigado!

À Coordenação do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza, pelo incentivo ao

meu crescimento profissional. Obrigado por integrar esta grande família.

Às amigas da disciplina Enfermagem em Saúde Pública I da UNIFOR, pela disposição em me

ajudar nas horas de sufoco.

À banca examinadora pela disponibilidade em contribuir neste trabalho.

Aos meus amigos verdadeiros, cujos nomes não cito com receio de esquecer alguém, obrigado

por compartilhar esta nova conquista de vida.

Aos familiares e sujeitos em sofrimento psíquico que contribuíram com suas historias de vida

para a concretização deste estudo.

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[...] Não era a primeira vez que ela vinha ali. Mais de uma dezena já subira

aquela larga escada de pedra, com grupos de mármores de Lisboa de um

lado e do outro, a Caridade e Nossa Senhora da Piedade; penetrara por

aquele pórtico de colunas dóricas, atravessara o átrio ladrilhado, deixando à

esquerda e à direita, Pinel e Esquirol, meditando sobre o angustioso mistério

da loucura; [...].

Só o nome da casa metia medo. O hospício! É assim como uma sepultura

em vida, um semi-enterramento, enterramento do espírito, da razão

condutora, de cuja ausência os corpos raramente se ressentem. A saúde não

depende dela e há muitos que parecem até adquirir mais força de vida,

prolongar a existência, quando ela se evola não se sabe por que orifício do

corpo e para onde.

Com que terror, uma espécie de pavor de cousa sobrenatural, espanto de

inimigo invisível e onipresente, não ouvia a gente pobre referir-se ao

estabelecimento da praia das Saudades! Antes uma boa morte, diziam.

No primeiro aspecto, não se compreendia bem esse pasmo, esse espanto,

esse terror do povo por aquela casa imensa, severa e grave, meio hospital,

meio prisão, com seu alto gradil, suas janelas gradeadas, a se estender por

uns centos de metros, em face do mar imenso e verde, lá na entrada da baía,

na Praia das Saudades. Entrava-se, viam-se uns homens calmos, pensativos,

meditabundos, como monges em recolhimento e prece.

De resto, com aquela entrada silenciosa, clara e respeitável, perdia-se logo a

ideia popular da loucura; o escarcéu, os trejeitos, as fúrias, o entrechoque de

tolices ditas aqui e ali. Não havia nada disso; era uma calma, um silêncio,

uma ordem perfeitamente naturais. No fim, porém, quando se examinavam

bem, na sala de visitas, aquelas faces transtornadas, aqueles ares

aparvalhados, alguns idiotas e sem expressão, outros como alheados e

mergulhados em um sonho íntimo sem fim, e via-se também a excitação de

uns, mais viva em face à atonia de outros, é que se sentia bem o horror da

loucura, o angustioso mistério que ela encerra, feito não sei de que

inexplicável fuga do espírito daquilo que supõe o real, para se apossar e

viver das aparências das cousas ou de outras aparências das mesmas.

Quem uma vez esteve diante deste enigma indecifrável da nossa própria

natureza fica amedrontado, sentindo que o germe daquilo está depositado

em nós e que por qualquer cousa ele nos invade, nos toma, nos esmaga e nos

sepulta numa desesperadora compreensão inversa e absurda de nós mesmos,

dos outros e do mundo. Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há

mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele

vem a ser após. E essa mudança não começa, não se sente quando começa e

quase nunca acaba.

[...] Todos os Santos (Rio de Janeiro), janeiro - março de 1911

(LIMA BARRETO)

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RESUMO

Este estudo buscou resgatar a vivencia dos familiares e sujeitos em sofrimento psíquico

durante situações de crise. Historicizando esses fatos foi possível retratar um contexto de vida

que se ramifica de diversas formas para alcançar um atendimento digno e resolutivo. Trata-se

de estudo qualitativo que utilizou a História Oral Temática como método de apreensão das

narrativas. As narrativas estão apresentadas na íntegra, com textualização do autor, cujo

objetivo foi manter a singularidade e especificidade contidas no discurso. Como narradores,

tivemos setes sujeitos, seis mulheres e um homem, estes foram identificados de diversas

formas, tendo como ponto zero o Sistema de Atendimento Médico de Urgência (SAMU).

Para desvelar as ideias contidas nas narrativas, utilizei o referencial metodológico de Paul

Ricoeur que considera a compreensão como ordenação do enunciado narrativo e quando esta

estrutura organizacional não se estabelece, não é possível compreender a narrativa, requer

uma explicação. Objetivando alcançar esta explicação, optamos por utilizar aspectos

codificados, explicação causal do sofrimento mental a partir da visão dos sujeitos do estudo

do reconhecimento da crise a busca por apoio terapêutico e seus descaminhos, a rede de

atenção em saúde mental como recurso de apoio buscado pelos sujeitos, o cuidado e suas

dimensões: perspectiva da família e da rede, o porvir na visão do familiar e do sujeito em

crise. As narrativas revelaram sofrimento psíquico marcado por multicausalidades,

potencializado pelo meio ao qual o sujeito encontra-se inserido. A ausência de rede de

assistência emergencial às situações de crise foi registrada em todas narrativas coletadas,

tendo como foco principal a carência de estruturas de retaguarda aos serviços substitutivos, o

que gera sofrimento psíquico em familiares, sujeito e vizinhos. Marcaram, também, os relatos

excessivos de violência praticados pelo sujeito em situações de crise. A terapêutica com ervas

ganhou notória importância nos relatos dos familiares, seguido pelos atos espirituais, medidas

buscadas para suprir a ausência da assistência adequada. A partir deste contexto, o cuidado

ganha relevante importância no compreender as situações de crise instaladas, uma vez que é

possível encontrar diversas formas de tratamentos, inclusive métodos arcaicos à segregação

prisional. Por fim, encontrei nas narrativas a esperança de cura ou tratamento que permita aos

familiares e sujeitos retornarem a uma vida saudável e normal. Evidenciei no estudo relatos

peculiares da realidade vivenciada no contexto das situações de crises psíquicas, como a não

formação da tríade de cuidado sujeito, família e rede de atenção, que a despeito de a família

perceber que o hospital psiquiátrico não é a estrutura assistencial desejada, lança mão deste

por ser o único recurso existente e que é preciso rever o suporte de retaguarda dos novos

serviços instalados pela Reforma Psiquiátrica.

Palavras-Chave: Saúde Mental, Intervenção na Crise, Narração, História.

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ABSTRACT

This study ought to redeem experiences of families and individuals in psychological distress

during crisis situations. Historicizing these facts, it was possible to portray a life context that

branches in various ways to achieve a dignified and decisive care. It is a qualitative study that

used thematic oral history as a method of seizure of narratives. The narratives are presented in

full, with textualization of the author, whose objective was to maintain the uniqueness and

specificity contained in the speech. As storytellers, we had seven subjects, six women and one

man, these were identified in several ways, with the Zero point the System of Emergency

Medical Service (SAMU). To disclose the ideas contained in the narratives, I used Paul

Ricoeur’s methodological referential, that consider understanding as a ordination of the

narrative enunciation and when this organizational structure is not established , it is not

possible to understand the narrative, requires an explanation. In order to achieve this

explanation, I chose to use aspects encoded as therapeutic measures and their diversity; care

and its dimensions in the family perspective in relation to the health care network, the future

vision of the family and the individual in crisis. The narratives revealed psychological distress

marked by multi-causalities, enhanced through which the subject is inserted. The absence of

network emergency assistance to crisis situations was recorded in all narratives collected,

focusing mainly on the lack of structures to rear services, which generates psychological

distress in relatives, individuals and neighbors. Marked also the reports of excessive violence

by the subject in crisis situations. Therapy with herbs gained remarkable importance in the

accounts of family members, followed by spiritual acts, measures sought to address the lack

of adequate assistance. From this context, care gain relevant importance in understanding the

crisis installed, since it is possible to find different forms of treatments, including archaic

methods to segregational prison. Finally, I found in the narratives hope of cure or treatment

that enables individuals and families return to a healthy and normal life. Found in the study

reports the peculiar reality experienced in the context of psychic crisis situations, such as non-

formation of the triad of subject care, and family care network, which in spite of the family

realize that the psychiatric hospital care structure is not desired, makes use of this because it is

the only resource available and it is necessary to review the support behind the new services

installed by the Psychiatric Reform.

Keywords: Mental Health, Crisis Intervention, Storytelling, History.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES, QUADRO E TABELA

FIGURA 1 Distribuição das Internações Psiquiátricas de Fortaleza de

2005 a 2011.............................................................................

37

FIGURA 2 Redes Assistenciais da atenção integral à saúde do Sistema

Municipal de Saúde de Fortaleza............................................

40

FIGURA 3 Protocolo de urgências psiquiátricas de Fortaleza.................. 44

FIGURA 4 Distribuição geográfica do município de Fortaleza por

SER..........................................................................................

50

FIGURA 5 Esquema de captação dos entrevistados.................................. 53

FIGURA 6 Fluxograma seguindo pelos familiares na busca por

assistência no momento da crise.............................................

104

FIGURA 7 Fluxograma demonstrativo de um projeto

terapêutico...............................................................................

112

QUADRO 1 Critérios de inclusão e exclusão.............................................. 53

TABELA 1 Tipos de Estabelecimentos de Saúde do município de

Fortaleza cadastrados no CNES..............................................

51

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LISTA DEABREVIATURAS E SIGLAS

ABP Associação Brasileira de Psiquiatria

ABRASME Associação Brasileira de Saúde Mental

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CCSM Colegiado de Saúde Mental de Fortaleza

CEVEPI Célula de Vigilância Epidemiológica

CFP Conselho Federal de Psicologia

CT Comunidades Terapêuticas

DINSAM Divisão Nacional de Saúde Mental

ESF Estratégia Saúde da Família

ESP Escola de Saúde Publica

EUA Estados Unidos da América

HSMM Hospital de Saúde Mental de Messejana

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

MOP Movimento Popular em Saúde

MTSM Trabalhadores em Saúde Mental

PACS Programa de Agentes Comunitário de Saúde

PSF Programa Saúde da Família

RASM Rede de Atenção em Saúde Mental

RT Residência Terapêutica

SAMU Serviço de Atenção Médica de Urgência

SER Secretaria Executiva Regional

SILOS Sistemas Locais de Saúde

SUS Sistema Único de saúde

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UNIFOR Universidade de Fortaleza

IPC Instituto de Psiquiatria do Ceará

CMSF Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza

PT Partido dos Trabalhadores

PSOL Partido Socialista e liberdade

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DPU Defensoria Pública da União

SMSE Sistema Municipal de Saúde Escola

CAB Célula de Atenção Básica

MS Ministério da Saúde

HG Hospitais Gerais

IJF Instituto Dr. José Frota

ABRAV Associação Brasileira de Agentes de Viagem

GPSMS Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde

CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

HOV História Oral de Vida

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

APH Atendimento pré-hospitalar

CEDECA Centro de Defesas da Criança e Adolescente.

SMS Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza

TCE Traumatismo Crânio Encefálico

EEG Eletroencefalograma

IML Instituto Médico Legal

AVC Acidente Vascular Cerebral

CIOPS Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13

1.1 Trajetória profissional e implicação do investigador ......................................................... 13

1.2 Delimitação do objeto de estudo .......................................................................................... 16

2 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 18

2.1 Geral ....................................................................................................................................... 18

2.2 Específicos .............................................................................................................................. 18

3 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................... 20

3.1 O manicômio: lugar de “saber-poder” do sofrimento psíquico ........................................ 20

3.2 Os novos espaços de cuidado em saúde mental .................................................................. 25

3.3 O contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira: uma revisita........................................... 30

3.4 O sujeito de sofrimento psíquico em situação de crise: definições conceituais ................ 33

3.5 O sujeito em sofrimento psíquico em situação de crise na rede de atenção de saúde

mental de Fortaleza ..................................................................................................................... 36

4 PERCUSSO METODOLÓGICO ........................................................................................... 48

4.1 Marco conceitual da hermenêutica de Paul Ricoeur ......................................................... 48

4.2 Trajetória da pesquisa e procedimentos ............................................................................. 49

4.2.1 Cenário da pesquisa ............................................................................................................ 49

4.2.2 Amostra intencional e sujeitos investigados ....................................................................... 52

4.2.3 Técnicas e questões norteadoras para busca das narrativas ............................................. 53

4.2.4 Análise e interpretação das experiências............................................................................ 56

4.2.5 Textualização e transcriação das entrevistas .................................................................... 57

4.2.5.1 A história de Geia ............................................................................................................. 58

4.2.5.1.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 58

4.2.5.1.2 A narrativa ...................................................................................................................... 59

4.5.2.2 A história de Iris ................................................................................................................ 69

4.5.2.2.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 69

4.5.2.2.2 A Narrativa ..................................................................................................................... 70

4.5.2.3 A história de Orfeu ............................................................................................................ 75

4.5.2.3.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 75

4.5.2.3.2 A narrativa ...................................................................................................................... 76

4.5.2.4 A história de Hestia ........................................................................................................... 79

4.5.2.4.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 79

4.5.2.4.2 A narrativa ...................................................................................................................... 79

4.5.2.5 A história de Afrodite ........................................................................................................ 81

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4.5.2.5.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 81

4.5.2.5.2 A narrativa ...................................................................................................................... 82

4.5.2.6 A história de Hera ............................................................................................................. 84

4.5.2.6.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 84

4.5.2.6.2 A narrativa ...................................................................................................................... 85

4.5.2.7 A história de Atena ............................................................................................................ 90

4.5.2.7.1 Contexto e caracterização ............................................................................................... 90

4.5.2.7.2 A narrativa ...................................................................................................................... 90

4.2.6 Questões éticas ..................................................................................................................... 94

5 RESULTADOS: CATEGORIAS ANALÍTICAS .................................................................. 95

5.1 Explicação causal do sofrimento mental a partir da visão dos sujeitos do estudo .......... 95

5.2 Do reconhecimento da crise a busca por apoio terapêutico e seus descaminhos ............ 100

5.3 A rede de atenção em saúde mental como recurso de apoio buscado pelos sujeitos ...... 106

5.3.1 SAMU ................................................................................................................................. 106

5.3.2 Polícia e bombeiros ............................................................................................................ 109

5.3.3 Hospital Mental de Messejana ........................................................................................... 109

5.3.4 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ............................................................................ 110

5.4 O Cuidado e suas dimensões: perspectiva da família e da rede ....................................... 111

5.5 O porvir na visão do familiar e do sujeito em crise ........................................................... 118

6 REFLETINDO SOBRE A COMPREENSÃO DAS HISTÓRIAS DOS SUJEITOS DO

ESTADO ..................................................................................................................................... 122

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 132

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 135

APÊNDICES ............................................................................................................................... 143

ANEXOS ...................................................................................................................................... 14

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13

1 INTRODUÇÃO

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na

intensidade com que acontecem...” (Fernando Pessoa).

1.1 Trajetória profissional e implicação do investigador

Foi na intensidade com que as coisas aconteceram na minha vida que inicio o

relato acerca do interesse pelo campo da saúde mental. Desde 1994, quando ingressei na

Universidade Vale do Acaraú para cursar Enfermagem, direcionei a conhecer e vivenciar a

saúde mental. Foi a primeira experiência, não apenas na disciplina Psiquiatria, mas no campo

de estágio da disciplina Médico Cirúrgico, em que me deparei na sala de recuperação da Santa

Casa de Misericórdia de Sobral, Ceará, com o meu primeiro sujeito em situação de crise.

Não recordo o nome da paciente, assim, será, aqui, tratada de Maria. Maria,

sujeito em sofrimento psíquico, encontrava-se na sala sentada no chão e rodeada de

profissionais de saúde que objetivavam aplica-lhe um anestésico, pois precisava submeter-se à

cirurgia. Ao perceber aquela agitação e observando como Maria estava assustada, solicitei à

professora que me permitisse intervir e fui prontamente proibido; não desistindo, sai às

escondidas e quando percebi estava sentado no chão junto à Maria. Conversei e expliquei a

Maria sobre o que sucedia e esta aceitou que realizasse a punção venosa, solicitada a uma

profissional mais hábil.

Ainda na Faculdade, vivenciaria outro fato que marcaria minha trajetória no

campo da saúde mental. Durante estágio na Casa de Repouso Guararapes1, observei um

sujeito em crise epilética; ao cair no chão, um dos auxiliares do setor se aproximou do sujeito

e desferiu-lhe alguns pontapés e, em seguida, atirou-lhe terra. Aquilo me revoltou, motivo de

protesto verbal, logo contido pelo professor. Conheci ali a cruel realidade da Instituição

Psiquiátrica, do isolamento aos maus-tratos.

Antes mesmo de terminar a Faculdade, mantive os primeiros contatos com o

secretário municipal de saúde de Crateús, minha terra natal, na tentativa de garantir meu

primeiro emprego. Solicitaram-me a comparecer no início do ano para ser direcionado ao

trabalho: com tamanho entusiasmo, compareci no feriado do dia primeiro de janeiro de 1998,

1 Clínica psiquiátrica conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) de Sobral que foi condenada pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) devido à morte de Damião Ximenes Lopes, em

04/10/1999 (SILVA, 2011).

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uma quarta feira, à Secretaria de Saúde de Crateús, em busca da função. No dia seguinte,

retornei e, em conversa com o Secretário, fui encaminhado ao Programa de Agente

Comunitário de Saúde (PACS) e designado a estruturar o setor de vigilância epidemiológica.

Colaborei com a implantação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) daquela cidade, em

1999. Neste período, convivi com alguns militantes da Reforma Psiquiátrica cearense.

Eram tempos de transformação no campo da saúde, consolidava-se a

municipalização da saúde, descentralizavam-se os processos gerenciais e expandia-se o

Programa Saúde da Família (PSF), atual Estratégia Saúde da Família (ESF). Aconteciam

transformações de ordem organizacional e sanitária. O Sistema Único de Saúde (SUS) se

consolidava como política, assim, tornava-se primordial implantarem-se os Sistemas Locais

de Saúde (SILOS). Impulsionado pelo gestor local da saúde, em 2001, inicie o Curso de

Especialização em Vigilância Epidemiológica, da Escola de Saúde Publica do Ceará (ESP),

concluindo com a monografia intitulada: Conhecendo o fazer informação: o Sistema de

Informação em Saúde de Crateús.

Em 2002, fui aprovado em seleção pública para a 5ª microrregional de saúde de

Canindé2, em que permaneci por nove meses. Em 2003, fui convocado pelo município de

Fortaleza para assumir concurso público. No momento da lotação, optei por integrar a equipe

multiprofissional do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), da Secretaria Executiva

Regional (SER) IV3. Nesta atividade, tive a oportunidade de conhecer e acompanhar diversos

sujeitos psiquiátricos e conviver com o sofrimento psíquico destes. Por dois anos, acompanhei

as dificuldades e os desafios deste espaço de tratamento.

Foram momentos de sofrimento pessoal por deparar-me com situações sem

perspectiva de solução. Aquilo me angustiava, atormentava, a ponto de refletir em patologias

físicas. Contudo, foram dias que me excitaram a transformar o espaço em que estava inserido.

Voltei neste espaço a vivenciar situações de emergência com sujeitos em situação de crise

psíquica. Ao chegar um dia para o expediente de trabalho, deparei-me com uma paciente em

crise no leito do consultório de enfermagem. Não dispunha de medicação injetável que

controlasse seu estado. As colegas que a acompanhavam tinham acionado o Sistema de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), sem êxito. Por várias vezes, o enfermeiro e o

2 A regionalização é a diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS) que orienta o processo de

descentralização das ações e serviços de saúde e os processos de negociação e pactuação entre os gestores (Pacto

pela Saúde 2006, Portaria/GM n.º 399, de 22 de fevereiro de 2006) (CEARÁ, 2012). 3 O município de Fortaleza encontra-se divido em regiões administrativas, denominadas Secretarias

Executivas Regionais (SER). As SER dividem a cidade em seis regiões administrativas, com a função executiva

das políticas setoriais (FORTALEZA, 2006).

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médico do plantão da tarde também tentaram essa solução, em vão. Foi necessário, ao final,

transportar a referida paciente para o hospital psiquiátrico em transporte particular.

Essa situação proporcionou várias reflexões que me instigaram a novos desafios e

questionamentos. Foram cogitações de diversas ordens, dentre estas, emergiu a necessidade

de conhecer os usuários que frequentavam os CAPS de Fortaleza e o perfil social a que

pertenciam. Era uma questão interessante a ser investigada, realizada após ingresso no

Mestrado de Enfermagem, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2005, como

dissertação.

No mesmo ano, busquei um novo desafio, o de integrar a equipe da Célula de

Vigilância Epidemiológica (CEVEPI), de Fortaleza. O primeiro contato com o coordenador

aconteceu e fui integrado à equipe com a condição de monitorar os dados da saúde mental do

município, atividade desafiadora pela completa ausência de informações neste campo. Mesmo

com os empecilhos encontrados, consegui estruturar uma avaliação mensal das internações

psiquiátricas, o que contribuiu para uma avaliação mais abrangente da rede de saúde mental

do município.

Em 2006, ainda no decorrer do Mestrado, submeti-me a um novo desafio

profissional: a docência acadêmica, assumindo a disciplina Saúde Mental, na Faculdade de

Enfermagem, da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Este fato oportunizou articular

experiências profissionais com o saber acadêmico. Iniciei, então, uma nova trajetória

profissional, que permitiria direcionar aos futuros profissionais de enfermagem os

conhecimentos epistêmicos do campo da saúde mental. Concluí, no ano seguinte, o Mestrado

em Enfermagem, com a defesa da dissertação: Centro de Atenção Psicossocial: perfil

epidemiológico.

O crescimento profissional e intelectual conquistado neste campo de atuação e na

academia motivou-me a integrar a coordenação do Colegiado de Saúde Mental de Fortaleza

(CCSM), ocorrido, simultaneamente, com meu ingresso no Doutorado em Saúde Coletiva, da

Universidade Federal do Ceará (UFC), em associação com a Universidade Estadual do Ceará

(UECE) e a Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

Cheguei, finalmente, ao doutorado em 2010, com saberes, vivências, emoções e,

acima de tudo, tormentos e inquietações intelectuais, que integraram e integram o campo

existencial, profissional e pessoal. Espero, no transcrever deste percurso de vida e no relato

destes fatos, sempre marcados por excessos ou ausências biográficas, ter traçado um perfil de

minha trajetória e de minha implicação com o tema saúde mental. Procurei reproduzir fatos,

momentos, situações que foram elementos fundamentais para minha formação intelectual e

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individual, elementos essenciais para compreender o caminho escolhido para trilhar no

doutorado o campo temático da saúde mental.

1.2 Delimitação do objeto de estudo

Como visto, minha trajetória profissional tem me proporcionado a lida com o

sofrimento psíquico de indivíduos, principalmente quando estão em situação de crise.

Uma das situações-limite recentes vivenciadas por mim neste contexto aconteceu

quando, como membro da equipe central de saúde mental do município de Fortaleza,

presenciei a conversa de uma colega ao telefone com uma coordenadora de CAPS. No

diálogo, a coordenadora relatava uma situação problema corriqueira na rede de serviços, em

que um de seus usuários encontrava-se em situação de crise e não apresentava melhoras do

quadro. Neste relato, a profissional expunha que o expediente de trabalho estava chegando ao

fim e com ele o dilema de qual destino seria dado a este paciente, pois, neste período, o

município não dispunha de uma emergência psiquiátrica ou mesmo de leitos de observação.

Passada a situação, procurei saber que encaminhamento havia sido dado ao referido caso. Fui

informado que naquele dia o paciente retornou a casa; e que, no dia seguinte, em seu bairro,

agrediu uma pessoa com uma arma branca (faca), encontrando-se preso.

Essa situação-limite fez emergir o problema central de meu estudo durante o

doutorado e algumas perguntas condutoras: como o sujeito em sofrimento psíquico vivencia

as situações de crise no cotidiano dos espaços assistenciais da rede de saúde mental? Como

ocorre o cuidado diante da situação de crise psíquica? Qual o fluxo de atendimento dos

sujeitos em situação de crise psíquica na rede de atenção em saúde mental de Fortaleza? Quais

as facilidades/dificuldades encontradas pelos sujeitos e familiares diante das situações de crise

psíquicas?

Ao considerar a conjuntura conceitual e institucional da Reforma Psiquiátrica e a

realidade vivida nos espaços onde atuo, defendo a tese de que a rede de atenção em saúde

mental de Fortaleza-CE não fornece atendimento adequado ao sujeito em adoecimento

psíquico em crise, que atenda, minimamente, suas necessidades, considerando a atenção

primária, secundária e terciária. Desta forma, a rede se apresenta, ainda, com graves nós-

críticos, principalmente, para situações de crise, além de fragilidades em relação ao cuidado

humanizado, com práticas, ainda, centradas na lógica hospitalocêntrica e farmacológica,

contribuindo para o surgimento ou prolongamento de sofrimento psíquico em famílias e

sujeitos adoecidos.

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A relevância do estudo centra-se primordialmente na possibilidade de fornecer

espaço de reflexão crítica sobre a atenção em saúde mental para sujeitos em situação de crise

no SUS de Fortaleza, além de oportunizar o direito de expressão a um grupo de pessoas

marginalizadas e desassistidas em suas necessidades de atenção à saúde mental. Logo,

pretendemos, a partir de seus relatos cheios de dramaticidade, propiciar o rompimento do

silêncio sobre essa situação existencial de sofrimento dos sujeitos e suas famílias, oferecendo

subsídios que o redirecionamento das políticas de saúde mental no enfrentamento da questão,

além de denunciar a relevância social do problema.

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2 OBJETIVOS

2.1 Geral

Compreender as experiências vivenciadas por sujeitos em sofrimento mental e seus

familiares na busca por assistência na rede de atenção em saúde mental de Fortaleza quando

em situações de crise.

2.2 Específicos

Identificar o itinerário de sujeito e familiar durante a atenção às situações de crise

psíquica;

Descrever como acontece a assistência ao sujeito em sofrimento psíquico durante as

situações de crise no município de Fortaleza.

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“CASA DE ORATES”

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo

médico, o Dr. Simão Bacamarte [...] o nosso médico mergulhou inteiramente no

estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou

especialmente a atenção,—o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não

havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal

explorada, ou quase inexplorada. [...] A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de

que é argüida pelos cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que

cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e, não curado, mas

descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício da vida; os mansos

andavam à solta pela rua. Simão Bacamarte entendeu desde logo reformar tão ruim

costume; pediu licença à Câmara para agasalhar e tratar no edifício que ia construir

todos os loucos de Itaguaí, e das demais vilas e cidades[...]. A proposta excitou a

curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é que dificilmente

se desarraigam hábitos absurdos, ou ainda maus. A idéia de meter os loucos na mesma

casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma sintoma de demência. [...] A Casa

Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor das janelas, que pela primeira vez

apareciam verdes em Itaguaí [...]; Itaguaí tinha finalmente uma casa de orates[...].O

principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus

diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o

remédio universal [...] — Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia fazer;

ele dá-me, porém, muito maior campo aos meus estudos. [...] E tinha razão. De todas

as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos,

eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro

meses, a Casa Verde era uma povoação. Não bastaram os primeiros cubículos;

mandou-se anexar uma galeria de mais trinta e sete. [...] o alienista procedeu a uma

vasta classificação dos seus enfermos. Dividiu-os primeiramente em duas classes

principais: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios,

alucinações diversas. [...]Isto feito, começou um estudo acurado e contínuo; analisava

os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os

gestos, as tendências; inquiria da vida dos enfermos, profissão, costumes,

circunstâncias da revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de

outra espécie, antecedentes na família, uma devassa, enfim, como a não faria o mais

atilado corregedor. E cada dia notava uma observação nova, uma descoberta

interessante, um fenômeno extraordinário. Ao mesmo tempo estudava o melhor

regímen, as substâncias medicamentosas, os meios curativos e os meios paliativos, não

só os que vinham nos seus amados árabes, como os que ele mesmo descobria, à força

de sagacidade e paciência [...] A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma

ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente. [...] No

conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto

com grande cópia de raciocínios, de textos, de exemplos. [...] Assim, apontou com

especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar,

Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc.,

uma enfiada de casos e pessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e

entidades ridículas. [...] Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, [...]

é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos

definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de

todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.

MACHADO DE ASSIS, 18...

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3 REVISÃO DE LITERATURA: ESTADO DA ARTE

3.1 O manicômio: lugar de “saber-poder” do sofrimento psíquico

A concepção de sofrimento psíquico vem sendo encarada de diversas formas ao

longo da história, sempre acompanhada por padrões culturais, sociais e político de cada

época. Historicamente, a doença mental tem se apresentado como um fenômeno social que

teve como modelo de atenção “na idade clássica” o internamento, cujas estruturas hospitalares

foram reformadas, adaptadas e construídas com objetivo de recolher, alojar, alimentar os que

para lá eram enviados (FOUCAULT, 2009).

Estes locais estabelecem-se como um poder semijurídico, estabelecido pelo rei

entre a polícia e a justiça, permitindo decidir, julgar e executar punições, tratamento e

internamentos contra qualquer indivíduo considerado sem-razão. Por séculos, a estrutura para

o tratamento da loucura centrava-se em instituições hospitalares conhecidas como

manicômios (FOUCAULT, 2009).

Etimologicamente, manicômio é um lugar de “cuidar de loucos” ou “casa de

loucos” (BARRIENTOS, 1999). O manicômio era entendido como um espaço de observação

sistemática que permitia descrever e classificar as alterações apresentadas pelo louco. O

primeiro exemplo de adequação manicomial foi visto em 1656, no Hospital Geral de Paris,

que passou por reformas e reorganização administrativa para receber os loucos (FOUCAULT,

2009). Enquanto isso, a Alemanha criou e expandiu por seu território as casas de correção

(FOUCAULT, 2009).

O constituir desses espaços instituiu a Grande Internação, em que se encarceram

indivíduos marginalizados, pervertidos, miseráveis, delinquentes e, entre estes, os loucos em

crise (FOUCAULT, 2009; AMARANTE, 2010). Vários espaços de cuidado se organizam

nesse período, recebendo diversos termos como: madhouse, ou casa de loucos e asylum,

encontrados em texto em inglês; em obras italianas, os termos utilizados são asilo e hospício.

O manicômio seria a instituição que se caracterizaria por acolher os doentes mentais e dar-

lhe o tratamento sistemático esperado (PESSOTI, 1996, p.152).

A instituição desses espaços de coação tiveram como delimitantes as situações de

crise que se apresentavam nas formas mais variadas possíveis, como: violências do furor,

culpabilidade, isolamento social, deterioração do funcionamento social, comportamento

estranho, deterioração do trato pessoal e higiene, embotamento afetivo ou afeto inapropriado,

alteração do discurso, crenças e pensamentos mágicos, percepção incomum das experiências e

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falta de iniciativa, interesse ou energia (CARVALHO; COSTA 2008). A permanente

necessidade de conter e imobilizar a doença mental estabelece o manicômio como estrutura de

força, espécie de entidade administrativa que, ao lado dos poderes constituídos, decide, julga e

executa a contenção e o isolamento do sujeito em furor (FOUCAULT, 2009).

Pessotti (1996), em sua análise sobre a loucura e as formas de concebê-la ou tratá-

la em diferentes épocas, considera que o século XIX merece o título de “século dos

manicômios”, pois:

Em nenhum outro século o número de hospitais destinados a alienados foi tão

grande; em nenhum outro a terapêutica da loucura foi tão vinculada à internação; em

nenhum outro século o número de internações atingiu proporções tão grandes das

populações. Mais ainda, em nenhum outro século a variedade de diagnósticos de

loucura, para justificar a internação, foi tão ampla. Como decorrência, a atenção

dada à loucura e ao manicômio, nos ambientes culturais e médicos, jamais foi tão

grande e tão difusa. E a medicina da loucura, em conseqüência, nunca floresceu

tanto antes do século passado...[sec. XIX]...seja como etiologia, seja como

semiologia ou terapêutica. O manicômio foi o núcleo gerador da psiquiatria como

especialidade médica (PESSOTI, 1996, p. 9).

É nesse espaço segregador que, durante o século XIX, Pinel encontrara os loucos

e lá os deixara, mas, sem antes, se vangloriar por “libertá-los” (FOUCAULT, 2009). A

libertação acontece com a retirada das correntes dos alienados de Paris, fato que se constituiu

em um grande progresso no tratamento do louco. Pois, a mera liberdade de movimentar-se e

de locomover-se os restituía à condição humana (PESSOTI, 1996).

Ao analisar a obra de Pinel em seu Tratado, datado de 1809, considerado fundador

da psiquiatria médica moderna, Pessotti (1996, p. 69) destaca que o papel fundamental do

manicômio é...

Sustentar a origem passional ou moral da alienação e propor que a essência dela e o

desarranjo de funções mentais destoavam gritantemente da atitude vigente até o final

do século XVIII. [...] Com Pinel, o manicômio se torna parte essencial do

tratamento, não será mais apenas o asilo onde se enclausura ou se abriga o louco,

será um “instrumento de cura”, conforme o definiu Esquirol.

Assim, estabelece-se a função curiosa do manicômio do século XVIII: lugar de

diagnóstico e classificação, retângulo botânico, cujas espécies de doenças são divididas em

compartimentos cuja disposição lembra uma vasta horta. Mas, também, espaço fechado para

um confronto, lugar de uma disputa, campo institucional onde se trata de vitória e de

submissão.

Foucault (2009), na Microfísica do Poder, em estudo clássico sobre o tema, afirma

que a internação é uma criação institucional própria do século XVIII.

... Antes do século XVIII, a loucura não era sistematicamente internada, e era

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essencialmente considerada como uma forma de erro ou de ilusão. Ainda no começo

da idade clássica, a loucura era vista como pertencendo às quimeras do mundo;

podia viver no meio delas e só seria separada no caso de tomar formas extremas ou

perigosas. Nestas condições compreende-se a impossibilidade do espaço artificial do

hospital em ser um lugar privilegiado, onde a loucura podia e devia explodir na sua

verdade. Os lugares reconhecidos como terapêuticos eram primeiramente a natureza,

pois que era a forma visível da verdade; tinha nela mesma o poder de dissipar o erro,

de fazer sumir as quimeras. As prescrições dadas pelos médicos eram de preferência

a viagem, o repouso, o passeio, o retiro, o corte com o mundo vão e artificial da

cidade. Esquirol ainda considerou isto quando ao fazer os planos de um hospital

psiquiátrico. Recomendava que cada cela fosse aberta para a vista de um jardim.

Outro lugar terapêutico usual era o teatro. Natureza invertida. Apresentava-se ao

doente a comédia de sua própria loucura colocando-a em cena. Emprestando-lhe um

instante de realidade fictícia. Fazendo de conta que era verdadeira por meio de

cenários e fantasias, mas de forma que, caindo nesta cilada, o engano acabasse por

estourar diante dos próprios olhos daquele que era sua vítima. Esta técnica por sua

vez também não tinha desaparecido completamente no século XIX. Esquirol, por

exemplo, recomendava que se inventassem processos aos melancólicos, para que sua

energia e seu gosto pelo combate fossem estimulados (FOUCAULT, 2009, p. 120-

121).

A prática do internamento no começo do século XIX coincidiu com o momento

em que a loucura era percebida menos com relação ao erro do que com relação à conduta

regular e normal. Momento em que aparece não mais como julgamento perturbado, mas como

desordem na maneira de agir, de querer, de sentir paixões, de tomar decisões e de ser livre.

Enfim, em vez de se inscrever no eixo verdade-erro-consciência, se inscreve no eixo paixão-

vontade-liberdade.

Qual poderia ser então o papel do asilo nesse movimento de volta às condutas

regulares? Certamente, ele teria de início a função que se confiava aos hospitais no fim do

século XVIII. Permitir a descoberta da verdade da doença mental, afastar tudo aquilo que, no

meio do doente, possa mascará-la, confundi-la, dar-lhe formas aberrantes, alimentá-la e

também estimulá-la. Mais que um lugar de desvelamento, o hospital, cujo modelo foi dado

por Esquirol, é um lugar de confronto. A loucura, vontade perturbada, paixão pervertida,

deveria encontrar uma vontade reta e paixões ortodoxas. Este afrontamento, este choque

inevitável e a bem dizer desejável, produzirão dois efeitos: a vontade doente que podia muito

bem permanecer inatingível, pois não é expressa em nenhum delírio, revelará abertamente seu

mal pela resistência que opõe a vontade reta do médico; e, por outro lado, a luta que a partir

daí se instala, se for bem levada, deverá conduzir a vontade reta à vitória, e a vontade

perturbada à submissão e à renúncia.

Técnicas ou procedimentos efetuados no asilo do século XIX - isolamento,

interrogatório particular ou público, tratamentos-punições como a ducha, pregações morais,

encorajamentos ou repreensões, disciplina rigorosa, trabalho obrigatório, recompensa,

relações preferenciais entre o médico e alguns de seus doentes, relações de vassalagem, de

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posse, de domesticidade e às vezes de servidão entre doente e médico - tudo tinha por função

fazer do personagem do médico o "mestre da loucura", aquele que a faz se manifestar em sua

verdade quando ela se esconde, quando permanece soterrada e silenciosa, e aquele que a

domina, acalma e a absorve depois de tê-la sabiamente desencadeado.

Soma-se a isso o pensamento de periculosidade do louco que estabelece a

necessidade de isolamento (internamento), tornando-se fundamental a criação e manutenção

de manicômios, em que se utiliza o poder absoluto para fechar nestas casas habitantes sãos,

como fez Simão Bacamarte, no alienista, qualquer sinal de desrazão, violência, furor ou

insanidade mental fazia-se necessário o cerceamento (FOUCAULT, 2009; ASSIS, 2007).

Pinel vai estabelecer ações que modificam a forma de tratamento disponibilizado

aos loucos, de regra, este tratamento ficava a cargo de pessoas sem formação médica e

religiosa. Tratamentos alheios ao saber médico e que se agravam quando se tratava de sujeitos

perigosos (PESSOTI, 1996). Isso antecipou e expandiu a necessidade de reformar a

instituição manicomial e instituir atividades que exercesse funções básicas de observação

sistemática do comportamento de sujeitos e de assegurar experiências reais que corrigissem

pedagogicamente os vícios de razão desviada (PESSOTI, 1996).

Para essas funções se instituírem, Esquirol, o primeiro e mais destacado discípulo

de Pinel, constituiu um novo processo de trabalho em manicômios, organizando

estatisticamente as enfermidades mentais da época. Lentamente, esta organização gerou as

primeiras formas de tratamentos terapêuticos (PESSOTI, 1996; BASTOS, 2009).

Nesse período, Emil Kraepelin, ainda, era estudante e nem imaginava que teria

seu nome ligado ao movimento da psiquiatria. Kraepelin classificou e documentou os

primeiros diagnósticos da loucura para o século XX. Finalizou sua obra com a criação de uma

sistemática nosológica e distinguiram as alienações endógeneas das exógeneas, o que

permitiria considerá-lo o ‘pai da psiquiatria moderna’ (AMARANTE, 1996). Como professor,

sua primeira lição era que “todo alienado constituísse de algum modo um perigo para seus

próximos, porém em especial para si mesmo” (OLIVEIRA, 2009, p. 31).

A contemporaneidade da psiquiatria foi marcada pelo destaque de diversos

autores organicistas, que ampliaram os conhecimentos das doenças mentais em uma

perspectiva psicológica, destacam-se: Freud (1856-1939), Pavlov (1849-1936), Kurt Lewin

(1890-1947) (PESSOTI, 1996). Destes, Freud tornou genial, criando a psicanálise.

As escolas médicas contestaram a descoberta de Freud. Como admitir a existência

de algo independente e mais poderoso que a consciência (inconsciente). Este algo

independente e mais poderoso revelou a parte animal do ser humano, fazendo o sujeito ser

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movido por forças que desconhecia o verdadeiro sentido de experiências que estavam em um

lugar cuja consciência não poderia chegar (BEZERRA, 1989).

A destituição do sujeito de sua razão, realizada por Freud, permite-o a torna-se

parte de seu processo terapêutico. Freud inclui o sujeito no processo de descoberta de seus

desejos, a partir da cadeia discursiva seria possível promover o deciframento do saber

inconsciente (RIBEIRO, 2006). Ao livrar-se das amarras do consciente, fez com que o sujeito

produzisse articulação discursiva que o levaria a distintas cenas do seu inconsciente. Freud,

ainda, contribuiu para o diagnóstico dos alienados quando afirmou que o homem aliena-se de

si ao retirar o sentido de seus desejos. Repressão, recusa e rejeição são os mecanismos

utilizados para este fim, engendrando as doenças mentais (TENENBAUM, 2010).

Com os novos conceitos idealizados por Freud, a alienação mental passou a ter

estrutura caracterizada por uma perda do relacionamento com o mundo, com o eu e a

instituição, trazendo com isso mudança, convocando os prestadores de assistência em saúde

mental a uma atualização conceitual e ética, com a finalidade de modificar os modos

assistenciais, buscando por desenvolver uma intervenção à doença baseado em projeto

terapêutico que incluíam as percepções dos sujeitos em sofrimento mental (AMARANTE,

1994; SILVIA; FONSECA, 2005).

Todavia, não foram os conceitos freudianos que se estabeleceram durante o século

XX, mas a nosologia de Kraepelin que inseriu o conceito de personalidade psicopática,

implantando a noção de anormalidade (AMARANTE, 1996). Neste sentido, ocorreu mudança

na concepção do saber médico, marcada pela substituição da doença mental - século XIX -

para a concepção de anormalidade do século XX.

A perturbação desse equilíbrio, dessa harmonia, é a doença, a anormalidade. A

Medicina ganha, ao longo do contexto histórico, o direito de restabelecer a harmonia, o

equilíbrio, expulsando a doença e restaurando a saúde. Em vez de se estabelecer como

terapêutica e resolutiva, opta por discutir e gerar diversos sistemas classificatórios de

enfermidades, principalmente da doença mental.

Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se o movimento psiquiátrico que propôs

a transformação da assistência psiquiátrica, estabelecendo que a mesma devesse ser

transformada ou abolida, pondo em contestação a assistência ofertada pelo hospital

psiquiátrico. Este movimento mobilizou a sociedade que passou a dirigir seus olhares para as

formas de cuidados disponibilizados pelos hospícios, descobrindo, assim, as condições de

vida oferecidas aos sujeitos psiquiátricos internados e percebendo que em nada se

diferenciava daquelas dos campos de concentração: o que se podia constatar era a absoluta

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ausência de dignidade humana! Nascendo, assim, “as primeiras experiências de Reformas

Psiquiátricas” (AMARANTE, 2007, p. 40).

A concentração em uma única forma terapêutica provocou a superpopulação nos

manicômios. Com isso, os custos de manutenção destes espaços tornaram-se inviáveis e em

vez de lugares de reeducação das ideias e dos hábitos, passaram a se distanciar da proposta

idealizada (PESSOTI, 1996). Deste modo, passaram a explicitar o preconceito, o abandono e

as más condições de tratamento e cuidado às pessoas internadas.

Isso caracterizou o movimento de Reforma Psiquiátrica instalado pelo mundo,

pois se tornou primordial enfrentar ao mesmo tempo as faces do problema, estabelecendo

cuidado cidadão ao sujeito em sofrimento psíquico.

3.2 Os novos espaços de cuidado em saúde mental

Desde a criação do isolamento como forma de tratamento, ainda, hoje, em vigor

em instituições, a psiquiatria tem tentado instituir as mais variadas formas de cuidar de

doentes, focando em um processo de desconstrução do modelo manicomial instituído.

A desconstituição do manicômio como único modelo de cuidado do sujeito em

sofrimento psíquico obriga a instituir serviços com características de acolhimento, cuidado e

trocas sociais. Serviços que aprazam relação integral entre profissionais, instituição e usuário,

através do estabelecimento de princípios libertários, humanitários e sociáveis que resultem em

reintegração deste sujeito. A reinserção exige substituição das práticas psiquiátricas para

práticas de cuidado por ações de cuidado que respeitem a dignidade e a necessidade do sujeito

em sofrimento psíquico (OLIVEIRA, 2009; GONÇALVES; SENA, 2001).

Pode se compreender o cuidado como a essência humana estabelecida através de

um processo de comunicação. Boff (2008) afirma que o cuidado entra na natureza e na

constituição do ser humano e torna-se uma das coisas fundamentais da vida. O cuidado vai

além de um ato, de uma atitude, abrange um momento de atenção, de zelo, de

responsabilização com o outro. Este processo de responsabilização nos novos aparatos de

atenção em saúde mental procura compartilhar com familiares e comunidade as obrigações de

criação de um estatuto de cidadania e autonomia dos sujeitos (SILVA, 2007).

O projeto reformista do campo da saúde mental vem sendo direcionado pelo

projeto de desinstitucionalização da loucura, iniciado na França, em que se impulsionaram os

movimentos reformistas contra os manicômios, pregando que deveriam ser retirados destes

espaços o maior número possível de sujeitos. Desenvolveram-se modificações e críticas, tanto

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de ordem conceitual quanto prática, que passaram a contestar a eficiência do manicômio no

tratamento do sujeito mental. Esta conjuntura transformadora idealizaria as novas formas de

assistência e uma destas seria a ideia de que o contato com a vida normal traria boa

recuperação aos doentes, contudo se buscava reduzir os crescentes números de internados e,

automaticamente, abater-se-iam os gastos públicos com este tipo de tratamento (PESSOTI,

1996).

O rompimento epistêmico do manicômio se estabeleceu de acordo com os

diferentes contextos históricos em que foram criados. O termo manicômio foi substituído

gradativamente pela especificação de hospital psiquiátrico, este, por sua vez, oficializou-se

como casa de correção, “não sendo necessário obter a permissão oficial para abrir um hospital

ou casa de correção: todos podem fazê-lo à vontade” (FOUCAULT, 2009, p. 54).

No entanto, este rompimento não aconteceu com essa facilidade, ao contrário, a

desconstrução do modelo percorreu décadas para sofrer modificação significativa. Toda

modificação, mesmo as mais simples, acarreta consequência significativa, por isso a liberação

dos doentes mentais de espaço secular precisou ser realizada com o cuidado e a garantia de

que este rompimento não causaria danos a eles.

O rompimento teve como objetivo a aproximação do doente, da doença e das

práticas terapêuticas, visando resgate desse sujeito e o rompimento da relação “objetal

profissional x sujeito para construção de um novo olhar, recorte teórico, relações interpessoais

e estratégias de abordagem terapêutica que resgate a condição de sujeito do doente mental”

(OLIVEIRA, 2005, p. 42).

Sobre essa óptica, movimentos de abordagem terapêuticos se estruturam no

cenário mundial, dos quais se destacaram: a Psiquiatria de Setor, na França; as Comunidades

Terapêuticas, na Inglaterra; a Psiquiatria Preventiva, nos Estados Unidos (EUA); e a

Desinstitucionalização italiana.

As Comunidades Terapêuticas (CT), no Reino Unido, constituíram-se as

primeiras experiências neste campo, tendo como objetivo recepcionar e atender aos soldados

que retornavam da guerra e precisavam de cuidados psíquicos, pois a rede hospitalar era

isoladora e segregante.

A expressão “comunidades terapêuticas” foi cunhada por Tom F. Main, em 1946,

em referência ao trabalho iniciado em 1943, por Wilfred R. Bion e John Rickman, no

Northfield Hospital. O termo foi aplicado também ao trabalho de Maxwell Jones, em Mill Hill

(1941 – 44), Dartford (1945), na divisão de reabilitação industrial de Belmont (1947 – 59) e

no Dingleton Hospital, em Melrose, Escócia. Estes psiquiatras ampliavam os recursos

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terapêuticos para além da relação médico/sujeito, envolvendo os auxiliares médicos e próprios

doentes no trabalho de cura e reabilitação (BARROS, 1994). Estas comunidades se

estabeleceram por permitir uma “democratrização das opiniões, tolerância, comunhão de

internações e objetivos e confronto com a realidade” (DESVIAT, 1999, p. 35).

Vanguardista desse período, a França instituiu a Psiquiatria de Setor e a

Psicoterapia Institucional. A Psiquiatria de Setor acreditava que as experiências do modelo

hospitalar estavam esgotadas, e que o mesmo deveria ser desmontado, isto é, deveria ser

tornado obsoleto a partir da construção de serviços assistenciais que iriam qualificando o

cuidado terapêutico. Com isso, o modelo liberal viu-se ameaçado por um serviço de

psiquiatria que planejava, assumia compromissos e proporcionava novas formas de assistência

(AMARANTE, 2007; DESVIAT, 1999).

A Psicoterapia Institucional foi cunhada por Georges Daumézon e Koechlin, em

1952, em referência a experiências alternativas francesas que exploravam terapeuticamente as

atividades laborativas, como terapia ocupacional. Os primeiros trabalhos de referência foram

desenvolvidos em Saint – Alban (1941) e na clínica privada de La Borde (1953) e tiveram

como referência a Psicanálise e a Sociologia. Buscava-se por promover intervenções junto ao

doente e espaço institucional (BARROS, 1994).

Nos EUA, desenvolveu-se a Psiquiatria Preventiva que também ficou conhecida

como Saúde Mental Comunitária e apresentava como entendimento que todas as doenças

mentais poderiam ser prevenidas, desde que detectadas precocemente. Como bases teóricas,

seu idealizador Gerald Caplan escreveu a obra “Princípios de Psiquiatria Preventiva” que

tinha como modelo inspirador a “História Natural da Enfermidade”, de Leavell e Clark,

porque a doença mental também apresentava uma História Natural e detectada precocemente,

poderia ser prevenida. Assim, foram estabelecidos três níveis de prevenção, de acordo com o

momento evolutivo da doença mental:

... Prevenção Primária [como]: intervenção nas condições possíveis de formação

da doença mental, condições etiológicas, que podem ser de origem individual e

(ou) do meio; prevenção secundária [entendida como] intervenção que busca a

realização de diagnóstico e tratamento precoces da doença mental e prevenção

terciária: que se define pela busca da readaptação do sujeito à vida social, após

a sua melhora (BIRMAN; COSTA, 1994, p. 54).

Dessa forma, ocorreu deslocamento da psiquiatria em duas linhas: a primeira

deslocou a psiquiatria para a saúde mental, resgatando também a noção de modo psicossocial,

o que representa sem dúvida ampliação do campo conceitual e inovação no aspecto ético da

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psiquiatria. O segundo deslocamento provocou a saída do hospício para a comunidade

(AMARANTE, 2007).

Completando o quadro das novas alternativas de atenção à doença mental, têm-se

também a Antipsiquiatria, termo cunhado nos anos de 1960 e que ficou identificado a uma

atitude de mera contestação e rebeldia (GOULART, 2007; AMARANTE, 2007). O

movimento congregou críticas à psiquiatria e às instituições psiquiátricas, por entender que a

loucura e a doença mental eram construções sociais e viam a instituição psiquiátrica como

agência de controle social (GOULART, 2007).

Porém, o movimento de maior impacto acontecido no contexto da Reforma

Psiquiátrica mundial foi o processo de desinstitucionalização italiana que representou

rompimento com o hospital psiquiátrico, com o modelo comunitário terapêutico inglês e com

a política de setor francesa, conservando destes movimentos apenas a democratização das

relações e a ideia de territorialidade (BARROS, 1994).

O movimento italiano tornou-se referência histórica importante nos movimentos

de Reforma Psiquiátrica que emergiram no mundo (GOULART, 2007). Pois, estabeleceu-se

por recomendar um tratamento alternativo ao modelo tradicional. Seu idealizador, Franco

Basaglia, psiquiatra, professor universitário, foi pressionado a gerenciar o manicômio da

província de Gorizia, no extremo norte da Itália, localidade sem o menor destaque do ponto de

vista político e acadêmico (AMARANTE, 1996).

Inicialmente, reconheceu o convite como um sepultamento de sua vida acadêmica,

no entanto, seguindo orientação do Prof. Belloni, assumiu e tornou-se o nome mais

importante de todo o conjunto de atores sociais e políticos que participaram do movimento de

reforma italiana. Foi, nas inquietações, reflexões e ações desse psiquiatra que se revelou

paradigmaticamente a construção de um sentido alternativo às normas e à cultura vigente da

época em relação ao sujeito em sofrimento psíquico (GOULART, 2007).

A transformação paradigmática não foi fácil, a chegada ao manicômio de Gorizia

foi tão intensa que fez Basaglia recordar do período que passou preso, pois encontrou os

internos fechados à chave (AMARANTE, 1996). Após um período de reflexão, assumiu o

desafio, pois vislumbrou uma experiência inovadora, sintonizada com a psiquiatria social

europeia do pós-guerra.

Basaglia encontrou em Gorizia uma arquitetura que contava com oito setores

fechados, quatro femininos e quatro masculinos, totalizando 629 internos, classificados como

“agitados”, “crônicos” e “tranquilos”, segundo os cânones da psiquiatria clássica

(GOULART, 2007). Basaglia iniciou por contestar a psiquiatria, isso se expressou no

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princípio de “negação do mandato institucional” (BASAGLIA, 1985). Para isso, proibiu a

contenção dos sujeitos nos leitos e estabeleceu, paulatinamente, novas regras de organização e

comunicação. Este seria, na opinião de Antônio Slavich, o momento fundante de todo o

movimento que se desenvolveria posteriormente (GOULART, 2007).

O momento veio atrelado à implantação de novos conceitos, como o de

desinstitucionalização. Abordada no movimento sobre a tríade da construção de uma nova

política de saúde mental, com centralização no trabalho terapêutico, objetivando enriquecer a

existência global e a construção de estruturas externas substitutivas, a internação manicomial

(ROTELLI; LEONARDIS; MAURI, 2001). Como consolidação do processo

desinstitucionalizador, teve-se o movimento que denunciou os maus-tratos, as formas

prisionais e ineficazes dos manicômios, resultando na desconstrução destes serviços

assistenciais e na consolidação do movimento antimanicomial.

A despeito da evolução ocorrida em Gorizia, a experiência de Basaglia não pode

ser utilizada como bem-sucedida, pois não se concretizou a sonhada desinstitucionalização ou

fechamento do manicômio (GOULART, 2007; BARROS, 1994). No entanto, foi na cidade de

Trieste que a experiência mais bem-sucedida e conhecida da Reforma Psiquiátrica italiana

ocorreria (GOULART, 2007). Nesta região, constituiu-se uma estratégia de transformação

que privilegiou o momento externo sem preocupar-se com o desmontar do manicômio,

esperando que enfraquecesse por si, após o advento dos serviços territoriais (BARROS,

1994).

Dessa experiência, eclodiu a Lei 180 (Lei Franco Basaglia), que proibiu a

construção de novos manicômios, impedindo novas admissões, regulamentando as

internações compulsórias e garantindo os direitos de autodefesa e autotutela (GOULART,

2007). Ademais, ressalta-se que a Psiquiatria Democrática, com matriz teórica no marxismo,

intentava revolucionar concepções e terapêuticas médicas vigentes mediante análise crítica da

cultura manicomial e do saber psiquiátrico (RANDEMARK; JORGE; QUEIROZ, 2004).

A Psiquiatria Democrática passou a contestar a posição da doença mental, já que,

historicamente, havia sido reduzida a loucura na conceituação da Medicina da época e o

sujeito aprisionado em seu mundo, juntamente com sua patologia. A Psiquiatria Democrática

não negou a existência da doença mental, a proposta de Basaglia foi colocar entre parênteses a

doença e, assim, destituir o indivíduo daquilo que poderia ser rótulo para defini-lo

(GOULART, 2007; BASAGLIA, 1985).

Assim, se produzir uma reformulação na relação sujeito-médico, sujeito-

terapêutica e sujeito-instituição, redimensionando os objetivos institucionais, tendo como

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princípio norteador as necessidades reais dos sujeitos, colocando-o como foco central da

atenção e não mais a doença, que na visão basagliana ficaria aprisionada. Destituíam-se as

ideias de que o doente mental era um indivíduo incompreensível e, como tal, perigoso e

imprevisível, impondo-lhe, como única alternativa, a morte social (BASAGLIA, 1985).

A luta teve por objetivo a mudança cultura, profissional e social, visando maior

tolerância e menor autoritarismo diante do sujeito mental (GOULART, 2007). Por esse

motivo, a Reforma Psiquiátrica italiana foi respaldada e recomendada pela Organização

Mundial de Saúde a converter-se em parâmetro para a reorientação das políticas de saúde

mental em todo o mundo, inclusive no Brasil (BARROS, 1994).

3.3 O contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira: uma revisita

Foram os êxitos apresentados pelo movimento reformista italiano, liderado por

Franco Basaglia, que fizeram com que o psiquiatra e seus colaboradores viessem ao Brasil em

duas situações históricas. A primeira, em 1978, para o I Congresso Brasileiro de Psicanálise,

Grupos e Instituições, no Rio de Janeiro, e a segunda, em 1979, para o III Congresso Mineiro

de Psiquiatria, em Belo Horizonte. As referidas vindas contribuíram decisivamente para

constituição do movimento reformista brasileiro (AMARANTE, 2007).

Os encontros foram o culminar de um movimento reformista idealizado por

trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), em 1978, que denunciaram

as más condições assistenciais dos hospitais psiquiátricos brasileiros, colocando em xeque a

política psiquiátrica brasileira (AMADOR, 2010). A visão de descaso na assistência ao sujeito

psiquiátrico, denunciada pela DINSAM, foi constatada e mostrada por Franco Basaglia,

quando em uma destas estadas no Brasil, visitou o Hospital Psiquiátrico de Barbacena,

expondo para sociedade brasileira a crueldade e violência da assistência psiquiátrica que era

prestada aos sujeitos mentais (AMARANTE, 2007).

O destratar do sujeito mental e a expansão da rede psiquiátrica particular

capitanearam significativos movimentos contrários à forma de assistência psiquiátrica que se

instituía no país, massificando-se, assim, as denúncias de maus-tratos e desassistência aos

sujeitos mentais, fazendo com que os manicômios fossem afrontados, questionados e que

novas formas interpretativas da loucura fossem elaboradas.

Indignando-se com o descaso da assistência ao sujeito mental e com as péssimas

condições de trabalho, emergiu-se o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental

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(MTSM)4, como movimento social que empunhou o lema: “Por uma Sociedade sem

Manicômios” (NICK; OLIVEIRA, 1998). O referido lema consolidou a influência da

“tradição basagliana”, no movimento de reforma brasileira, que passou a centrar sua luta

contra o hospitalocentrismo, instituindo-se o movimento de desinstitucionalização

(OLIVEIRA, 2005).

Para Rotelli, Leonardis e Mauri (2001), a palavra desinstitucionalização pode

assumir diferentes conceitos e objetivos, a depender do contexto cultural e político nos quais

está inserida. No Brasil, é fácil identificar linhas distintas na aplicação do processo de

desinstitucionalização, tendo reformistas que aplicam a conotação de desospitalização, com

política de altas hospitalares, de redução de leitos e fechamento dos hospitais psiquiátricos,

enquanto, outra linha institui a desinstitucionalização como processo social, complexo, que

transforma não apenas o modelo assistencial, mas o lugar social da loucura, da diferença e

divergência (AMARANTE, 2009).

Independente da forma de utilização do processo de desinstitucionalização, este se

tornou um marco epistêmico do movimento da Reforma Psiquiátrica. As visões instituídas

pelo processo da desinstitucionalização motivaram a reorientação do modelo de atenção à

saúde mental brasileira, em que se tentavam modificar o modelo centrado na doença mental,

executado no interior dos manicômios, para inclusão de um modelo centrado nos cuidados à

saúde mental, sem estigma e discriminação (BRASIL, 2004).

A reorientação proposta para o modelo de atenção ao sujeito em sofrimento

mental e o processo de desospitalização criaram a perspectiva de modificação das estruturas

assistenciais de atenção a este sujeito, instituindo, assim, as estruturas extra-hospitalares, que

deveriam assistir os sujeitos egressos de hospitais psiquiátricos e constituir um filtro contra

hospitalizações ulteriores (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI, 2001).

O MTSM observou que para empreender o processo de reforma e instituir os

aparatos extra-hospitalares, requeria-se a mobilização de diversos seguimentos sociais, em

que se integraram o Movimento Popular em Saúde (MOP), os militantes do Partido

Comunista Brasileiro e do Partido dos Trabalhadores (em estruturação na época), lideranças

religiosas, movimentos estudantil e, principalmente, familiares e usuários dos serviços

mentais que passaram a aderir ao movimento, desempenhando papel relevante na implantação

4 Esse movimento nasceu no Rio de Janeiro, deflagrado por uma crise na Divisão Nacional de Saúde

Mental (DINSAM). Teve, inicialmente, um caráter trabalhista, com reivindicações por melhores condições de

trabalho, para depois ampliar-se e causar impacto político (AMARANTE, 1995).

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de serviços alternativos ao manicômio (GOULART, 2007; BRASIL, 2005; NICK;

OLIVEIRA, 1998).

Essa mobilização civil incentivou a sociedade brasileira a incorporar-se na

discussão da loucura e assistência prestada em instituições, instigando congressista, como

Paulo Delgado (1989), a apresentar projetos de lei que propusessem a substituição da rede de

assistência hospitalar por um sistema de serviços substitutivos de atenção ao sujeito mental

(SOUZA, 2007; OLIVEIRA, 2005).

Delineou-se, então, a construção de uma política de saúde mental inovadora, que

diversificava em distintas estratégias a forma de atenção ao sujeito mental, que nesta nova

atenção, tornava-se “usuário” (OLIVEIRA, 2005). Este cuidado tem se dado através de vários

dispositivos, os quais se destacam os núcleos e Centros de Atenção Psicossociais: unidades

locais/regionais que se constituem em porta de entrada da rede de serviços para as ações

relativas à saúde mental, contando com população adscrita definida pelo nível local e

oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação

hospitalar (BRASIL, 2010a); as Residências Terapêuticas (RT) para egressos de hospitais

psiquiátricos com registro de longas internações, que não possuem mais suportes sociais e

nem laços familiares (BRASIL, 2000) e o Programa Federal “De volta para casa”, programa

de reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais, egressas de longas

internações psiquiátricas e proporciona o pagamento de um auxílio-reabilitação psicossocial

(BRASIL, 2010).

Porém, essa diversidade estrutural de serviços não foi suficiente para criar uma

rede de dispositivos articulados e muito menos para estabelecer a Reforma Psiquiátrica na

agenda estatal, justamente pela falta de linhas de financiamento específicas para a área

(GODOY, 2009). Por esse motivo, o processo de reforma apresentou implantações distintas

entre as regiões do país, sendo que a heterogeneidade apresentada não prejudicou a instituição

deste novo modelo de atenção ao usuário de saúde mental, uma vez que não houve precedente

de implantação de uma reforma deste tipo em um país com as características (geográficas,

políticas, sociais) do Brasil (BEZERRA JÚNIOR, 2007).

Com base nesses motivos, considera-se o processo de Reforma Psiquiátrica

brasileira consequência natural de uma transformação da própria ciência, que busca por

produzir atenção em saúde, focada na égide dos princípios do SUS, proporcionando ao

usuário compromisso de qualidade na assistência terapêutica dispensada, preservando os

direitos do sujeito mental e, com isso, contribuindo para transformação do modelo

hospitalocêntrico (AMARANTE, 2007).

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Para os gestores nacionais da Política de Saúde Mental brasileira, as alterações

ocorridas em três componentes comprovam a modificação do modelo de atenção à saúde

mental. Trata-se da expansão da rede comunitária, da redução de leitos com reconfiguração do

porte dos hospitais e da inversão do financiamento (DELGADO, 2007).

Afirmações desse tipo tendem a considerar a macro política, desconsiderando o

contexto político-administrativo de municípios que apresentam em suas realidades uma

transição deficitária, já que não oferecem uma rede extra-hospitalar sustentável que disponha

de estrutura mínima, como: CAPS, emergência psiquiátrica, leitos psiquiátricos em hospitais

gerais, em quantidades suficientes e em funcionamento. A ausência desta estrutura é,

facilmente, percebida em diversos municípios brasileiros, proporcionando, com isso,

desassistência aos sujeitos em sofrimento psíquico em situação de crise.

Os novos serviços psiquiátricos estruturados pela Reforma não atende...

à nova cronicidade que ultrapassa as consultas ambulatoriais. São novos padrões de

cronicidade de grande ubiquidade, onipresente em todas as reformas,

independentemente dos sistemas sanitários e de cobertura social que as sustentam,

em especial o grupo dos “jovens adultos crônicos”, de comportamentos psicopáticos,

que com seus atos interpelam tanto o sistema de saúde quanto os serviços sociais e o

aparato judicial (DESVIAT, 1999, p. 77).

Assim, tendem a apresentar priorização de demanda a partir da oferta,

proporcionando consultas rápidas e com intervalos de tempo demorados entre si, realidade

vivenciada nos CAPS de Fortaleza, cujo intervalo médio é de 45 a 60 dias entre as consultas,

incentivando, assim, a utilização da terapêutica farmacológica que transforma o usuário em

consumidor de medicamentos psicotrópicos, visando, essencialmente, contenção de

sofrimento abordado, exclusivamente, como sintoma de uma doença, sendo que a ausência

desta medicação motiva o sujeito à crise (GODOY, 2009; SOUZA, 2007; OLIVEIRA, 2005).

3.4 O sujeito em sofrimento psíquico em situação de crise: definições conceituais

A descontinuidade no processo de assistência acontecido nos novos serviços de

atenção em saúde mental tem contribuído para um aumento exacerbado da terapia

farmacológica, como também, para um desencadear de situações de crise psíquicas por parte

dos sujeitos em sofrimento psíquico. Por esse motivo, delimitamos como recorte para este

estudo as situações de crise ocorridas com sujeitos em sofrimento psíquico no espaço urbano-

territorial-assistencial, em uma capital de grande porte do nordeste do Brasil. Tal escolha se

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justifica e concretiza pelo simples motivo de ter sido a situação mais vivenciada pelo autor em

seu percurso profissional e por considerá-la uma das mais dramáticas no contexto atual da

reestruturação da rede de atenção em saúde mental em Fortaleza.

Devido à diversidade de termos presentes na literatura (transtorno, distúrbio,

doença, sofrimento), usados nos estudos de saúde mental para designar anomalias, sofrimento

ou comprometimento psicológico ou mental, utilizamos neste estudo a terminologia de

sofrimento psíquico, que remete a pensar um sujeito que sofre (AMARANTE, 2007). Neste

sentido, entendemos como sofrimento psíquico o que Sampaio (1993), define:

O conjunto de mal-estares e dificuldades de conviver com a multiplicidade

contraditória de significados, oriundo do antagonismo subjetividade/objetividade.

Caracteriza-se por dificuldade de operar planos e por definir o sentido da vida,

aliado ao sentimento de impotência e de vazio, o eu experimentado como coisa

alheia (SAMPAIO, 1993, p. 407).

O sofrimento psíquico, de uma forma geral, é uma experiência negativa complexa,

associado, geralmente, à dor e à infelicidade. Está relacionado com uma condição aversiva e

apresenta diversas formas de manifestação (COSTA, 2006). Geralmente, apresenta caráter

essencialmente subjetivo, pois está ligado à significação que assume no tempo e espaço, bem

como no corpo de cada indivíduo. Sendo que as manifestações e reações se agravam de

acordo com o ambiente desfavorável, no qual o indivíduo encontra-se inserido (BRANT;

MINAYO-GOMEZ, 2003).

Logo, o sofrimento psíquico pode ser entendido como uma manifestação subjetiva

e exclusiva de cada indivíduo. E, quando este sofrimento se manifesta de forma grave “remete

a noção de crise como sendo um momento de ruptura ou uma mudança de curso de um

equilíbrio...” (COSTA, 2010, p. 80).

Etimologicamente, a situação de crise é definida como o estado ou condição de

uma pessoa que atravessa uma situação crítica (FERREIRA, 2012). Em termos técnicos-

científico, a crise pode ser compreendida de diversas formas, como no modelo clássico da

psiquiatria que a classifica como uma situação na qual há grave disfunção, e ocorre,

exclusivamente, em decorrência da doença; ou, como no modelo psicossocial, em que é

concebida como a expressão de uma crise existencial, social e familiar, que envolve a

capacidade subjetiva do sujeito em responder às situações desencadeantes (AMARANTE,

2007).

Crise será compreendida neste estudo como:

...um momento individual específico, no qual efervescem questões, afetos, gestos e

comportamentos variáveis singulares, que afetam em graus diversos a vida cotidiana

da própria pessoa e daqueles de seu convívio, e costumam ser determinante das

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demandas e intervenções em serviços de Saúde Mental (JARDIM; DIMENSTEIN,

2007, p. 183).

A situação de crise específica no estudo caracteriza-se como um quadro psicótico,

compreendido como “perda do teste de realidade” (COSTA, 2006).

A palavra crise em sua origem grega, krisis, caracteriza um estado, no qual uma

decisão tem quer ser tomada. Neste contexto, crise não aborda apenas a experiência individual

e nem será um privilégio dos sujeitos em sofrimento psíquico (FERIGATO; CAMPOS;

BALLARIN, 2007). A utilização do termo crise pela primeira vez foi atribuída a Erich

Lindernann’s, em 1944, que trouxe à luz a “teoria da crise” que abordava as consequências

psicológicas causadas nos seres humanos após tragédias ou catástrofes (FERIGATO;

CAMPOS; BALLARIN, 2007).

Conforme Desviat (1999, p. 64),

A crise é um ‘estado limite’, um rompimento da continuidade habitual, um momento

difícil da vida de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. Portanto, a crise não é

uma entidade, nem manifestação específica, é uma alteração do corpo ou do sujeito

que requer técnica de intervenção terapêutica diferenciada.

Geralmente, a crise é precipitada por uma ou mais circunstâncias que, às vezes,

ultrapassam a capacidade de o indivíduo ou sistema de manter a sua homeostase

(FERIGATO; CAMPOS; BALLARIN, 2007). São de fase costumeiramente curtas e estão

associadas à sobrecarga mental por perdas imprevistas (DESVIAT, 1999).

No contexto psiquiátrico, Dell’Acqha e Mezzina (1998, p. 58) caracterizam como

“situações de crise”:

As que respondem a pelo menos três destes critérios: grave sintomatologia

psiquiátrica; grave ruptura no plano familiar e/ou social; recusa do tratamento;

recusa obstinada de contato e situação de alarme em seu contexto de vida e

incapacidade pessoal de afrontá-las.

Esses parâmetros “identificam aquelas situações que por alarme ou gravidade

eram enviadas ao hospital psiquiátrico com internação forçada, além de definidas como

perigosas para o sujeito ou para os outros” (DELL’AQCUA; MEZZINA, 1988, p. 59). A

evolução conceitual de loucura e, consequentemente, o conceito de crise teve sua constituição

no contexto social de cada época, o que hoje se denomina de crise psiquiátrica, entendida

outrora como manifestação de sabedoria, de possessão demoníaca, bruxaria, de subversão da

ordem social e, por fim, como doença (FOUCAULT, 2006; FERIGATO; CAMPOS;

BALLARIN, 2007).

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A crise também receberá a definição de desequilíbrio psíquico, no qual o sujeito

se encontra desprovido de suas competências, levando-o às situações de conflito (COSTA;

CARVALHO, 2008). Este desequilíbrio pode ser de ordem passageira ou se estabelecer

permanentemente, podendo ser classificada em:

Crises Evolutivas geradas pelos processos ‘normais’ de desenvolvimento físico,

emocional ou social. Na passagem de uma fase a outra do processo evolutivo

(...) conflitos podem ser gerados, levando à desadaptação, que não sendo

elaborados pela pessoa podem conduzir à doença mental; Crises Acidentais,

imprevistas, precipitadas por uma grande ameaça de perda ou por uma perda, que

por sua capacidade de perturbação emocional teria a capacidade de poder levar

futuramente à doença (BIRMAN; COSTA, 1994, p. 57).

Uma pessoa em crise, geralmente, precisa de ajuda e, em alguns casos, esta deve

ser imediata (JARDIM; DIMENSTEIN, 2007). Pois, as crises tornam o indivíduo suscetível

ao adoecimento psíquico, podendo desencadear, agravar e cronificar a loucura.

3.5 O sujeito em sofrimento psíquico em situação de crise na rede de atenção de saúde

mental de Fortaleza-CE.

Nos últimos anos, o município de Fortaleza tem optado pela implantação de uma

política de substituição da rede hospitalocêntrica. Com isso, o município vem estruturando e

implantando ações estratégicas de substituição a este aparato assistencial, exemplo disso é a

expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que passaram de três, em 2005, para

14, em 2006, sendo seis CAPS do tipo geral, um por Secretaria Executiva Regional (SER),

seis CAPS ad um por SER e dois CAPS infantil, um na SER III e outro na SER IV. Ainda, há

16 leitos psiquiátricos em hospital geral, três ocas comunitárias e duas residência terapêutica,

um serviço hospitalar de álcool e outras drogas - com leitos de observação e dois consultório

de rua5. Nesta rede, ainda, há presença de cinco hospitais psiquiátricos. No momento da

escrita deste texto, havia sido fechadas a Casa de Saúde São Gerardo (2007) e a Clínica de

Saúde Mental Dr. Suliano LTDA (2010) (FORTALEZA, 2011).

No intuito de atingir os princípios norteadores e organizativos do SUS, a

Secretaria de Saúde de Fortaleza opta por instituir um modelo integral de atenção à saúde,

criando o Sistema Municipal de Saúde Escola (SMSE), composto por Redes Assistenciais

(Estratégia Saúde da Família, Especializada, Urgência e Emergência, Saúde Mental),

5 São dispositivos públicos clínico-comunitários que fazem oferta de cuidados em saúde aos usuários em

seus próprios contextos de vida, adaptada para as especificidades de uma população complexa (BRASIL, 2010).

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Vigilância à Saúde (Inteligência Epidemiológica – vigilância epidemiológica, sanitária e

ambiental), Gestão, Pesquisa e Controle social (Figura 1) (FORTALEZA, 2007). Isso

motivou diálogos constituídos com outras áreas do conhecimento, fortalecendo a organização

e o funcionamento do modelo integral de saúde.

Fonte: ANDRADE, 2006.

Figura 1 – Redes Assistenciais da Atenção Integral à Saúde do Sistema Municipal de Saúde

de Fortaleza-CE.

A estrutura organizacional de redes de atenção à saúde teve início na década de

1920, no Reino Unido, concepção dawsoniana que tomara forma de sistema integrado de

saúde no início dos anos de 1990, nos Estados Unidos, e foi inovada com adaptações

necessárias, para ser hoje o Sistema de Saúde Público (MENDES, 2007).

Na perspectiva de desenvolver uma atenção à saúde mental, organizada em ações

articuladas e compartilhada entre gestão e sociedade civil, estrutura-se a Rede de Saúde

Mental (RASM) de Fortaleza. As estruturações de uma RASM articulada, através de ações

intersetoriais e interinstitucionais, buscam por enrijecer as parcerias entre poder público e

movimentos sociais.

VISA

INTEGRALIDADE

ESF

GESTÃO DO CUIDADO

REDE DE SAÚDE

MENTAL

URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

HOSPITAIS

ESPECIALIZADAS

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Os novos arranjos organizacionais estabelecidos com a instituição das redes de

saúde vêm colaborando para a constituição de um processo democrático, emancipatório e

inovador na forma de assistir o sujeito de sofrimento psíquico. Nesta conjuntura, foram

realizadas discussões e debates na elaboração da Política de Saúde Mental, realizada

contratação de assessores e supervisores para acompanhar a Rede de Saúde Mental, ampliação

do número de serviços e profissionais na rede e estabelecimento de parcerias com as demais

redes, principalmente, com a Célula de Atenção Básica (CAB) e o Serviço de Atendimento

Móvel de Urgência (SAMU) (FORTALEZA, 2007).

Esses pontos foram importantes para a consolidação da RASM, contudo a

ampliação dos aparatos assistenciais foram os que mais impactaram na estruturação da rede.

Em 2004, o município contava com uma assistência psiquiátrica focada no

hospitalocentrismo, com a presença de sete hospitais psiquiátricos: Hospital São Vicente de

Paulo, Casa de Saúde São Gerardo, Hospital de Saúde Mental de Messejana, Instituto de

Psiquiatria do Ceará, Instituto Espírita Nosso Lar, Hospital Mira y Lopes, Clinica de Saúde

Mental Dr. Suliano LTDA. e apenas três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),

localizados nas SER III, IV e VI (CEARÁ, 2008).

A expansão dos novos serviços de atenção em saúde mental em Fortaleza

acontece lenta e, geralmente, impulsionada por resoluções do Conselho Municipal de Saúde

(CMSF). Em 2001, em sua 14ª reunião extraordinária, o CMSF deliberou sobre a necessidade

da existência de uma política de Saúde Mental para o município de Fortaleza, centrada nos

CAPS e em ações de saúde mental por área de abrangência (FORTALEZA, 2001).

Todavia, essa deliberação não surtiu o efeito esperado, tendo como possíveis

causas o desinteresse político e a pressão da indústria hospitalocêntrica, que sempre procurou

por demonstrar a importância do hospital psiquiátrico ao tratamento do sujeito de sofrimento

psíquico. No entanto, em 21 de dezembro de 2004, na 33ª reunião extraordinária do CMSF,

decidiu-se por aprovar a proposta da Comissão Municipal de Saúde Mental e Reforma

Psiquiátrica de instituir uma Política de Saúde Mental para Fortaleza, a qual teria como base a

consolidação do Modelo de Atenção Integral à Saúde Mental, com o sistema de referência e

contrarreferência, tendo a atenção básica como porta de entrada do sistema e a retaguarda dos

serviços especializados, como os CAPS, Hospitais-Dia e Hospitais Gerais (FORTALEZA,

2004).

A aprovação culminou com a mudança de gestão municipal, que implicou em um

projeto de reformulação da administração pública. Na saúde, a proposta de implantação de

uma política de saúde mental, ancorada nos princípios do SUS e centrada em uma rede de

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serviços públicos substitutivos (CAPS, Residência terapêuticas, Centros de convivência etc.),

fundamentada no compromisso de qualidade na assistência, na defesa dos direitos dos sujeitos

de sofrimento psíquico e na desconstrução do modelo manicomial (FORTALEZA, 2007).

A despeito disso, o município não tem se isentado da polêmica da hospitalização

psiquiátrica, que tem se instalado com severas críticas à política de atenção disponibilizada

pelo município. As contestações tiveram início em 2007, com o fechamento da Casa de Saúde

São Gerardo, segunda estrutura hospitalar implantada no Ceará (1935), primeira privada. No

ano do fechamento, a unidade hospitalar contava com 154 leitos privados e 97 mantidos pelo

Sistema Único de Saúde (SUS) (FORTALEZA, 2008).

O fechamento foi impulsionado pelos dados positivos da redução de internações

psiquiátricas que o município apresentava e também pelo compromisso assumido pela gestão

municipal da ampliação da rede substitutiva, principalmente, com a implantação de leitos

psiquiátricos em hospitais gerais. Esta ampliação foi possível devido à articulação entre o

Hospital Batista Memorial6, o Instituto Vandick Ponte

7 e o município de Fortaleza, que

resultou na Unidade de Saúde Mental, no Hospital Geral Ana Carneiro8, inaugurada em julho

de 2007, com capacidade operacional de 30 leitos.

Em 2009, com o rompimento entre as entidades, cessou-se a Unidade de Saúde

Mental Ana Carneiro. Uma redução de 30 leitos psiquiátricos ocorreu. A partir deste fato,

constatou-se estagnação na expansão da rede substitutiva do município de Fortaleza, fosse

pela não restituição dos leitos em hospitais gerais e não abertura ou ampliação de novos

serviços substitutivos. Esta inércia potencializou o hospital psiquiátrico, do qual se tornou o

único local de amparo aos sujeitos de sofrimentos psíquicos em crise. Mesmo que a rede

implantada proporcionasse impactos terapêuticos, como demonstraram os dados de

internações, ainda não era suficiente para suprir as necessidades de atenção aos usuários. A

inexistência de uma estrutura de retaguarda aos CAPS, principalmente na questão da crise

psíquica, é facilmente encontrada na rede de atenção à saúde mental de Fortaleza.

Todavia, a ampliação ocorrida, em 2006, promoveu resultados satisfatórios.

Exemplo disso foi a redução das internações psiquiátricas que, mesmo com a diminuição de

leitos, apresentaram declínios. Consoante ao Relatório de Gestão da CCSM de 2006, houve

6 Unidade hospitalar que teve início em 03 de julho de 1967, funcionando hoje com 106 leitos e atendendo a

Clínicas Médicas, Cirúrgica, Obstétrica e exames (HOSPITAL BATISTA, 2011). 7 Instituição implantada em 2005, sem fins lucrativos que realiza atendimento a sujeitos de sofrimento

psíquico (FONSECA, 2012). 8 Unidade psiquiátrica em hospital geral que prestava assistência a sujeitos em sofrimento psíquico

graves e aos usuários de substâncias psicoativas. Os usuários são assistidos por uma equipe que atua de forma

interdisciplinar (FONSECA, 2012).

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redução de 34% (922) das internações psiquiátricas de pessoas com transtornos mentais e

comportamentais devido ao uso de álcool e 11% (4.719), em relação às pessoas com

transtornos esquizofrênicos, esquizotípicos e delirantes (FORTALEZA, 2007). Quando

correlacionado às internações entre os anos de 2006 (ano da implantação da RASM) e 2012, a

redução ampliou-se para 42,4% (531) nas internações psiquiátricas de pessoas com transtorno

mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e de 24,3% (3.163), em relação às pessoas

com transtornos esquizofrênicos, esquizotípicos e delirantes. Registro de elevação foi

identificado entre os usuários de substância psicoativos, justificado pela disseminação do

crack (BRASIL, 2010).

Figura 2 - Distribuição das internações psiquiátricas por ano. Fortaleza, CE, Brasil, 2005 a

2012.

Em 2011, o Colegiado de Saúde Mental, em continuidade ao processo de

implementação da Política de Saúde Mental de Fortaleza, que teve como modelo de atenção

em Saúde Mental a implantação de uma rede de serviços substitutivos ao modelo

hospitalocêntrico, continua com o processo de desinstitucionalização de pessoas com

transtorno mental.

Ao utilizar-se da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e

os direitos do sujeito em sofrimento psíquico e redireciona o modelo assistencial em saúde, o

Colegiado de Saúde Mental de Fortaleza desenvolveu a Comissão de Avaliação da Clínica de

Saúde Mental Dr. Suliano, com vista ao seu descredenciamento junto ao SUS. No discurso do

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Colegiado, este descredenciamento resultaria na implantação da segunda residência

terapêutica do município (FORTALEZA, 2010).

O fechamento ocorreu em fevereiro de 2011, sendo desativados 96 leitos

psiquiátricos públicos (credenciado pelo SUS) e quatro (4) particulares. Em março do mesmo

ano, o Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC) comunicou ao Conselho Municipal de Saúde de

Fortaleza (CMSF) o fechamento de 80 leitos, inicialmente cerrados para reforma, que

terminou com o fechamento definitivo em dezembro de 2011. Com isso, somaram-se 180

leitos psiquiátricos a menos na rede de atenção à saúde mental de Fortaleza. Como

consequência desta drástica redução, a central de regulação de leitos do município passou a

registrar um aumento na filha de espera por leitos psiquiátricos, com média de 16 sujeitos por

dia. Esta concentração de sujeito resultou no aumento das internações psiquiátricas em julho

de 2011 e em 2012 (BRASIL, 2011).

A acentuada redução no número de leitos de internação psiquiátrica no município

passou a pautar as redações dos jornais locais e a estimular as audiências públicas na câmara

municipal, na assembleia estadual e promotoria de justiça de defesa da saúde pública.

Manchetes como: Hospital Mental: 25 doentes disputam uma única vaga, de 13/05/2011;

Reduzir leitos psiquiátricos, mas com reposição de vagas, de 23/05/2011; Seis horas é limite

máximo de espera por leito psiquiátrico, de 18/11/2011, publicadas no Diário do Nordeste.

Soma-se a essas a matéria vinculada no jornal O Povo, com título: Audiência discute a falta

de leitos, de 13.08.2011.

Nas abordagens, a discussão principal foi a redução de leitos psiquiátricos e o

sofrimento enfrentado pelos sujeitos de sofrimento psíquico em conseguir vaga de internação.

Reportagens retrataram a situação dos sujeitos que se encontravam largados no chão, sem

espaço para internação, e familiares angustiados, "acampados" há mais de uma semana na

entrada do Hospital Mental de Messejana. Transcorrido seis meses deste relato, o jornal

retornou ao hospital e deparou-se com a mesma situação: gritaria por todos os lados, sujeitos

empilhados e dormindo ao relento, com água e comida minguada à espera de atendimento

hospitalar (GIRÃO, 2011).

A disputa por leitos desencadeou uma sequência de audiências nos mais diversos

espaços políticos e jurídicos do município de Fortaleza. Uma das primeiras ocorridas foi na

Câmara Municipal de Fortaleza, em 19/05/2011, convocada pelo vereador Ronivaldo Maia

(PT), que debateu o fim dos manicômios. Em 18/10/2011, a convocação de audiência foi

realizada pelo vereador João Alfredo (PSOL) e aventou as condições físicas e estruturais do

CAPS da SER IV. Em nível de assembleia estadual, a comissão de seguridade social vem

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convocando este debate, através do deputado Heitor Ferrer, que convocou audiência para

discutir o fechamento dos leitos de hospitais psiquiátricos de Fortaleza (FORTALEZA, 2011;

FÉRRER, 2012).

Sem dúvida, a audiência de maior impacto foi a promovida pela promotoria de

justiça de defesa de saúde pública, ocorrida em 13/08/2011, que teve como tema central o

impacto da redução dos leitos psiquiátricos e a capacidade e qualidade oferecida pelos CAPS

da capital (GONÇALVES, 2011).

Exausta por esperar resolução e não obter; e solidária ao sofrimento dos sujeitos

em sofrimento psíquico e seus familiares, a Defensoria Pública da União (DPU) solicitou

liminar contra a União, o Estado do Ceará e o município de Fortaleza, exigindo que os réus

impelidos restituíssem o funcionamento dos 106 leitos fechados no Estado. Através desta

interpelação, o juiz da 6ª vara federal, Ricardo Arruda, determinou, em decisão liminar, que

os sujeitos em sofrimento psíquico em crise, com indicação de internação, não poderiam

esperar mais que seis horas por um leito (GIRÃO, 2011).

Com a determinação, gestores estaduais e municipais tinham tempo limitado para

traçar estratégias que solucionassem a situação de precariedade apresentada na atenção aos

sujeitos em sofrimento psíquicos em crise. O município defendeu-se relatando a expansão de

sua rede substitutiva e prometendo, para o mais breve possível, a implantação de um CAPS

tipo III, com funcionamento 24 horas (inaugurado em abril de 2012), assim como a abertura

da segunda residência terapêutica (em funcionamento desde março de 2012), a qual se figura,

ainda, como promessas municipais a disponibilização de 20 leitos para internações

psiquiátricas nos hospitais gerais do município. O Estado garantiu a abertura de 21 leitos na

cidade de Sobral e negociação de vagas para os hospitais Albert Sabin e Waldemar de

Alcântara.

Ao pressupor a inexistência de serviços específicos em atenção à crise psíquica

junto aos novos serviços, o sujeito constrói um itinerário terapêutico baseado no significado

que atribui à doença e que, por um processo cultural de aflição causada pela patologia, leva-o

à rede hospitalar. Em Fortaleza, os sujeitos em situação de crise psíquica são conduzidos aos

Hospitais de Saúde Mentais de Messejana (HSMM) e ao Instituto de Psiquiatria do Ceará

(IPC), geralmente, conduzidos por ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de

Urgência (SAMU).

Conforme indicadores do Ministério da Saúde (MS) estima-se em,

aproximadamente, 20%, a prevalência de transtornos mentais na população, em Fortaleza.

Este percentual corresponderia, hoje, a 489 mil pessoas, utilizado para o cálculo a população

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de 2.447.409 (OLIVEIRA, 2011), necessitando de algum cuidado em saúde mental. Ao

mesmo tempo considera-se que 3% da população necessitam de atenção emergencial em

função de situações de crise, o que equivaleria ao quantitativo de 73 mil pessoas (BRASIL,

2011).

No entanto, a cobertura desta estrutura não é capaz de absorver a demanda da

população de Fortaleza, principalmente de pessoas com transtorno mental cronificado,

reforçando a existência dos hospitais psiquiátricos (BASTOS, 2009). Acrescente-se a isso a

ausência de serviços de atenção substitutivos de 24 horas, a inexistência de emergência

psiquiátrica municipal, a carência de uma rede de referência e contra referência entre as redes

de atenção. Estes fatos fazem com que os diversos casos de crise psiquiátrica sejam atendidos

pelo Serviço Móvel de Urgência (SAMU) e encaminhados à emergência psiquiátrica estadual

do HSMM ou a do Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC).

Dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) apontam a grande

demanda oriunda das crises psiquiátricas, fato que motivou a disponibilização de uma

ambulância exclusiva para o atendimento desta demanda. Em 2011, este serviço atendeu

2.548 chamados, sendo 27,5% (701) por agitação psicomotora, 17,2% (439) por surto

psicótico e 2,7% (69), tentativa de suicídio. Entre os hospitais de destino, tem-se o Hospital

de Saúde Mental de Messejana com 64% (1.625) dos encaminhamentos (FORTALEZA,

2011).

A Resolução 60, do CMSF, que implanta a política de saúde mental de Fortaleza

orienta para uma organização de serviço que tenha como porta de entrada a Atenção Básica.

Quanto às crises psiquiátricas, devem ser atendidas nas Urgências Psiquiátricas instaladas nos

Hospitais Gerais (HG) municipais ou no Instituto Dr. José Frota (IJF) Centro (FORTALEZA,

2004).

Porém, o que se observa é a centralização das urgências psiquiátricas no Serviço

de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A família, por dificuldade de transportar a

pessoa adoecida até o aparato assistencial, quando esta se encontra em crise, termina

acionando este serviço, mesmo sabendo que, na maior parte dos casos, a intervenção é muito

traumatizante (CAVALHERI, 2010). O SAMU de Fortaleza tem como critério de prioridade

para atendimento pré-hospitalar da urgência em saúde mental a presença de comportamento

agressivo auto ou heterodirigido, seguindo o protocolo de urgências psiquiátricas (Figura 3)

(FORTALEZA, 2011).

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Figura 3 – Protocolo de urgências psiquiátricas de Fortaleza.

O sujeito, geralmente, é removido diretamente para uma unidade hospitalar, uma

vez que os HG recusam-se a recebê-lo, mesmo quando o quadro é clínico e não psíquico.

Experiência parecida acontecia em Triste, quando no modelo anterior à Reforma havia relação

fechada entre hospital geral e hospital psiquiátrico no itinerário da pessoa em situação de

crise: quando esta chegava à sala de emergência do HG, sem que se considerasse a natureza

ou os motivos para a crise, após exame superficial, era enviada, compulsoriamente, ao

hospital psiquiátrico (NORCIO, 2001).

A resposta às emergências psiquiátricas deve ser significativa, com prevenção e

redimensionamento da própria situação, procurando por priorizar a prestação de melhores

cuidados. O despreparo da rede de saúde mental no atender ao sujeito de sofrimento psíquico

em situação de crise resulta na transferência e delegação dessa tarefa aos serviços de

Síndrome de

abstinência

alcoólica

(SAA)

Nível Grave*

NÃO

SIM

C1

Enviar USB

Comportamento

Agressivo

SIM

NÃO

Enviar

USB

Ideação

suicida?

NÃO

SIM

Enviar

USB

Agitação Não

Agressiva

SIM

NÃO

Enviar

USB

C1

* Nível Grave

•Biológico: agitação psicomotora intensa; sudorese

profusa; convulsão.

•Psicológico: desorientadação temporoespacial; história

de violência auto ou heterodirigida; pensamento

descontínuo, rápido e de conteúdo desagradável e

delirante; alucinações auditivas, táteis ou visuais

(FORTALEZA, 2011)

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emergências psiquiátricas, fato que permite que a rede de saúde mental valorize o hospital

psiquiátrico, pois esta não apresenta recursos substitutivos e profissionais habilitados na

atenção à situação da crise psiquiátrica.

Torna-se comum observar redes de atenção à saúde mental reféns de emergências

psiquiátricas, por não terem em suas estruturas órgãos de maior complexidade na atenção a

estas crises, fortalecendo, assim, o fluxo de internamentos, sem terem controle desta porta de

entrada, pondo em risco os preceitos da Reforma Psiquiátrica (JARDIM; DIMENSTEIN,

2007).

A RASMF pode ser considerada uma dessas reféns, pois a porta de entrada das

internações encontra-se centrada na única emergência psiquiátrica do Estado, HSMM.

Segundo Bastos (2009) isso acontece porque o grupo conservador elabora estratégias para

manutenção do sistema hospitalocêntrico, muitas vezes, não enfrentando o grupo

transformador, mas, se utilizando do poder cedido pelo município de Fortaleza – controle da

porta de entrada para o sistema através de internações psiquiátricas – para consolidação de

prática reprodutora.

Porém, é facilmente observada, na rede de atenção à saúde mental de Fortaleza, a

lógica seletiva de organização de serviços, em que constantemente os serviços (Atenção

Básica, Hospitais Gerais e CAPS) lançam mãos, por conta própria, dos reenvio da demanda a

outras estruturas assistenciais, desresponsabilizando-se e abandonando as situações e os

usuários considerados graves (NICÁCIO; CAMPOS, 2004).

Souza, Sales e Gomes (2011) referem que a sobrecarga de chamadas é facilmente

encontrada em relatório diário do SAMU de Fortaleza e que o aglomerado encontrado no

início de cada plantão se constituí em fator estressor aos profissionais da unidade. As tensões

diárias dessa atividade, os riscos físicos e psicológicos que provoca e os baixos salários

ofertados pela área, somam-se para contribuir com o déficit de profissionais disponíveis a

trabalhar nessa atividade.

Ressalta-se que o processo de trabalho em saúde, no campo dos transtornos

mentais, apresenta potencial risco de periculosidade e insalubridade e, mesmo expostos a

esses riscos, os profissionais do SAMU de Fortaleza que trabalham com o sujeito em

sofrimento psíquico não contam com gratificações adicionais. Outro fato constado pelo estudo

foi a ausência de integralidade nos serviços de saúde, este relato caracteriza a desintegração

da rede de assistência, além de sinalizar a sobrecarga e a dificuldade no desenvolvimento das

atividades devido à ausência e diminuição dos leitos psiquiátricos (SOUZA et al., 2011).

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O estudo, ainda, evidenciou a necessidade de estabelecer maior vínculo entre a

equipe do SAMU e a RASM, proporcionando ampliação deste serviço de resgate e transporte

dos sujeitos em sofrimento psíquico. No entanto, a reflexão extraída deste trabalho aludiu ao

fato de que o sujeito em sofrimento psíquico continua segregado e excluído da rede de

atenção à saúde, necessitando recorrer aos hospitais psiquiátricos para suprir angústias

(SOUZA et al., 2011).

A restrição e ausência de respostas aos problemas e sofrimentos dos sujeitos em

situação de crise fazem com que as situações de crise produzam a prova de realidade que o

psiquiatra precisa para funcionar enquanto médico, constituindo em doença mental a demanda

que chega a ele, conduzindo e autorizando internamento (JARDIM; DIMENSTEIN, 2007).

Enquanto a RASMF não implantar no seu atual cenário de Reforma Psiquiátrica

novas composições e conexões entre os diferentes programas, ações e serviços das redes

substitutivas que sejam capazes de absorverem o sofrimento físico, psíquico e sociocultural

dos usuários envolvidos nesta rede, não conseguirão produzir respostas às situações de crise

que possibilitem a superação da demanda de internação no hospital psiquiátrico (NICÁCIO;

CAMPOS, 2004). Para isso, é preciso distanciar-se do discurso do fechamento do hospital

psiquiátrico e partir para a implantação de dispositivos, como o CAPS tipo III e a emergência

psiquiátrica do município, estruturas que ocuparão lugar estratégico nesse itinerário.

Não se pode admitir a aflição do sujeito em sofrimento psíquico, os preceitos da

reforma transformaram os modos de tratamento deste sujeito, cuja doença cede lugar ao

cuidar do sofrimento do indivíduo e sua relação com o corpo social (CAVALHERI, 2010).

Este foco pressiona os serviços a modificarem sua forma tradicional de atender o sujeito, não

se admitindo mais sua “redução à condição de objetos, ou de algo muito mais próximo ao

estado de coisa do que de sujeito” (CAMPOS, 1997, p. 243).

A precariedade na atenção ao sujeito em sofrimento psíquico, no momento das

crises, gera tensões nos integrantes do núcleo familiar. Isso faz a instituição familiar não se

mostrar favorável ao processo de desisntitucionalização, principalmente por não identificar

aparato capaz de substituir os hospitais psiquiátricos, no momento das situações de crise dos

entes.

Diante dessa situação, a rede de atenção à saúde mental deve proporcionar

resolubilidade a esse problema, centrando a atenção na integração do sistema de redes

assistenciais. A instabilidade produzida pela rede extra-hospitalar no momento da crise,

resultante de despreparo institucional e profissional, motiva o abandono do tratamento desses

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sujeitos, bem como a rápida cronicização das estruturas alternativas (DESVIAT, 1999).

Todavia, pesquisas demonstram o reconhecimento valorativo da assistência extra-hospitalar.

... foi bom para a pessoa adoecida, mas não necessariamente para eles. Além disso,

apontam que, em muitos momentos se sentem solitários, desamparados, e sem ter a

quem recorrer, pois, embora o serviço passe a ser referência para o sujeito e

funcione ininterruptamente, não conta com todos os técnicos, em especial com o

médico, durante 24 horas e nem em finais de semana e feriados (CAVALHERI,

2010, p. 55).

Evidenciam, também, a insegurança e a incerteza enfrentadas por familiares no

momento que requerem atenção mais próxima, o que faz com que a figura do hospital

psiquiátrico não se apague da memória.

A família, primordialmente o cuidador, associa a extinção do hospital psiquiátrico

à transferência de responsabilidade, ordem, controle e verdade sobre a doença do familiar para

si. Produzindo, assim, o enclausuramente deste ser, processo que se mostra calamitoso para

quem cuida, pois o destitui de sua vida própria, o conduzindo ao padecer conjunto

(CAVALHERI, 2010).

Portanto, a transformação tão esperada pela Reforma Psiquiátrica se concretizará

no momento em que for garantida, ao familiar, que o doente terá retaguarda assistencial no

momento da crise psíquica e que os serviços extra-hospitalares se estruturarem para atenção

do sujeito em crise ou cronificado. E, para isso, é preciso coragem, competência, audácia e

ciência. É preciso arte, interdisciplinaridade e espírito de união para enfrentar o cuidado ao

doente mental e à cuidadora (GONÇALVES; SENA, 2001).

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4 PERCURSO METODOLÓGICO

4.1 Marco conceitual da hermenêutica de Paul Ricoeur

Paul Ricoeur foi um dos grandes filósofos e pensadores francês, nasceu em 27 de

fevereiro de 1913 e faleceu em 20 de maio de 2005. É através do método hermenêutico, que

Ele inicia sua transição de pensamento, que o conduzira para transformação da fenomenologia

pura em fenomenologia hermenêutica, tendo como marco as concepções de símbolo e

interpretação. O símbolo é a mediação universal do espirito entre nós e o real; ele pretende

exprimir antes de tudo a não imediatidade de nossa apreensão da realidade (RICOEUR,

1977, p. 21).

No que concerne ao distanciamento, Barreto (1999, p. 110), alerta que à medida

que se interpreta, mais evidente se torna a necessidade de um maior distanciamento para

uma compreensão mais ampla e maior aproximação da essência do texto interpretado. Pois,

o distanciamento conserva a subjetividade do texto, mas, confirma a finitude do existir.

O distanciamento não é uma imposição metodológica; ao contrário, é a

possibilidade de o homem se conhecer e enfrentar ilusões em uma dialética de distanciamento

da apropriação. À medida que se distancia, sai do acidental, chega ao essencial (BARRETO,

1999). A apropriação ocorre quando o intérprete apodera-se do significado de um texto, em

que busca se apropriar das propostas de sentido, compreendendo e explicando o sentindo

contido no texto (BONA, 2010).

Quanto à explicação e compreensão, Ricoeur (1989, p. 182), explica que:

A compreensão é, antes, o momento não metódico que, nas ciências da

interpretação, se forma com o momento metódico da explicação. Este momento

precede, acompanha, limita e também envolve a explicação. Em contrapartida, a

explicação desenvolve, analiticamente a compreensão.

A explicação e a compreensão provocarão a oposição da obra de Ricoeur, a saber,

a oposição entre explicação da natureza e a compreensão do espírito (BONA, 2010). Neste

contexto, entende-se que não se objetiva compreender o discurso, mas sua significação, o seu

sentindo, assim o discurso (...) é realizado como acontecimento, mas compreendido como

sentido (RICOEUR, 1989, p. 116).

O texto é um discurso fixado pela escrita (RICOEUR, 1989, p. 141). Para

Ricoeur, não existe diálogo no texto, não há troca, o leitor não responde para o autor e nem

vice-versa. Porque o texto é o discurso fixado pela escrita (RICOEUR, 1989, p.142) e para

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compreendê-lo, é preciso se colocar sob as leis da compreensão do outro que se manifesta no

texto, pois, a interpretação não está no que foi dito no texto, mas, na compreensão do outro

que nele se expressa (RICOEUR, 1988).

Para que se alcance a essência desta compreensão, é preciso que se distancie do

texto e, assim, possa determinar a objetividade do sentido que nele está contido. Logo, o

homem somente consegue se conhecer “a si mesmo através das suas expressões e só pode

enfrentar as suas ilusões numa dialética de distanciamento e apropriação” (BARRETO, 1999,

p. 98).

É a distanciação que a ficção introduzirá como forma de apreendemos a realidade.

Esta distanciação proporcionará relação entre o afastamento à aproximação desta realidade.

Neste distanciamento proposto por Ricoeur (1989), o sujeito distancia-se do texto, libertando-

se de ilusões e conceitos pré-definidos, conseguindo, assim, novas formas de compreender os

objetivos do texto.

4.2 Trajetória da pesquisa e procedimentos

4.2.1 Cenário da pesquisa

O estudo foi realizado no município de Fortaleza-CE, centrado na Rede de

Atenção em Saúde Mental (RASM), tendo como foco de produção dos dados o Sistema de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).

O município de Fortaleza foi criado em 1725, através de Carta Régia, e tem a

denominação toponímia proveniente da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. Encontra-se

localizado no nordeste do Estado, apresenta clima tropical quente subúmido, com

temperaturas em torno de 26º a 28º. A economia do município gira em torno da atividade de

serviços, comércio, indústria e, nos últimos anos, do turismo. A cidade tornou-se um grande

polo turístico, apresentando média de acréscimo no fluxo turístico de 16,5% ao ano entre

1995 e 2000 e tornando-se destinos turísticos mais procurados do Brasil, nos anos de 2004 e

2005, segundo a Associação Brasileira de Agentes de Viagem (ABRAV) (CEARÁ, 2010).

A sede do município segue divisão regionalizada realizada por meio da reforma

administrativa promovida pela Lei 8.000, de 1º de janeiro de 1997, que modificou a

distribuição das atribuições e da administração pública municipal. Hoje, existem seis

Secretarias Executivas Regionais (SER), que congregam 116 ou 117 bairros onde residem

2.447.409 habitantes (OLIVEIRA, 2011).

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Figura 4 - Distribuição geográfica do município de Fortaleza-CE por SER.

Na área da saúde, o município encontra-se habilitado na Gestão Plena do Sistema

Municipal de Saúde (GPSMS), pela Portaria nº1452/GM, de 13 de agosto de 2002, e é sede da

Macrorregião Estadual de Saúde, sendo referência para diversos municípios da região

metropolitana e do restante do Estado.

O sistema de saúde de Fortaleza é composto de 4.156 unidades, destas, 823

(18,8%) clínicas especializadas, 104 (2,4%) unidades básicas de saúde e 47 (1,1%) hospitais

especializados, destes últimos, cinco especializados em tratamentos psiquiátricos (Tabela 1).

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Tabela 1 - Tipos de Estabelecimentos de Saúde do município de Fortaleza cadastrados no

CNES, em fevereiro/2013*. Fortaleza, CE, Brasil, 2012

Descrição Total %

Centro de Saúde/Unidade Básica 104 2,4

Policlínica 7 0,2

Hospital Geral 37 0,8

Hospital Especializado 47 1,1

Pronto Socorro Geral 4 0,1

Pronto Socorro Especializado 11 0,3

Consultório Isolado 3.167 72,4

Clínica especializada/Ambulatório de especialidade 823 18,8

Unidade de Apoio Diagnose eTerapia (sadt isolado) 85 1,9

Unidade Móvel de Nível Pré-Hosp - Urgência/emergência 30 0,7

Farmácia 2 0,0

Unidade de Vigilância em Saúde 7 0,2

Cooperativa 20 0,5

Hospital Dia - isolado 11 0,3

Central de Regulação de Serviços de Saúde 1 0,0

Laboratório Central de Saúde Pública Lacen 1 0,0

Secretaria de Saúde 3 0,1

Centro de Atenção Hemoterapia e ou Hematológica 2 0,0

Unidade de Home Care 1 0,0

Centro de Atenção Psicossocial 14 0,3

Total 4.156 100 Fonte: Ministério da Saúde – Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil

* Atualizado em: 18/02/2013

Como exposto, a Rede de Atenção em Saúde Mental do município encontra-se

integrada ao Sistema Municipal de Saúde de Fortaleza e conta com os seguintes aparatos

assistenciais:

a) Catorze Centros de Atenção Psicossocial – serviços voltados ao atendimento da

população com transtornos mentais do município. É distribuído pelas seis regionais

administrativas da cidade, um CAPS geral e um CAPS ad por SER e ainda dois CAPS

infantis que dividem o atendimento da cidade em dois grandes blocos;

b) Duas Residências Terapêuticas – espaços de moradia para oito pessoas que perderam

ou não possuem mais vínculo familiar. Hoje, a RT tem possibilitado processo de

ressocialização e de resgate da cidadania;

c) Uma Emergência Psiquiátrica Especializada – no Hospital Estadual (HSMM), que

funcionam como porta de entrada das crises psiquiátricas;

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d) Cinco Hospitais Psiquiátricos – ofertam a internação hospitalar em seus 1095 leitos,

sendo 885 integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 196 não SUS;

e) Nove Emergências Clínicas – em funcionamento nos Hospitais Gerais do município;

f) Três Ocas Comunitárias – serviço que objetiva discutir e realizar, na comunidade,

trabalho de saúde mental preventiva e curativa, contando com massoterapia, argiloterapia e

Ofurô. Encontram-se instaladas nos bairros do Bom Jardim (SER V), Pirambu (SER I) e

Conjunto São Cristovão (SER VI);

g) Dezesseis equipes de Apoio Matricial em Saúde Mental – serviço estruturado que

objetiva assegurar retaguarda especializada a equipes de referência da atenção básica, de

forma dinâmica e interativa;

h) Uma unidade básica do serviço móvel de atendimento às urgências e emergências

(SAMU) em saúde mental - serviço que oferta atendimento as crise psíquicas da comunidade

fortalezense (FORTALEZA, 2010; BRASIL, 2011).

É importante ressaltar que a RASM de Fortaleza é ampla e diversificada. No

entanto, a coleta de dados se concentrou no serviço móvel de urgência, por considerá-lo

absorvedor dos potenciais participantes do estudo. Porém, não se anulou os demais serviços

como potenciais fornecedores de sujeitos da pesquisa.

4.2.2 Amostra intencional e sujeitos investigados

Os sujeitos da pesquisa (sete entrevistados) constituem uma amostra intencional

que foi identificada e selecionada tendo como fonte de referência principal a demanda

daqueles usuários do sistema público de saúde em crise psíquica que utilizaram os serviços de

urgência psiquiátrica do SAMU do Município de Fortaleza (seis sujeitos), embora, em alguns

casos específicos, tenham sido usados alguns espaços diferentes (dois sujeitos), conforme as

redes esquematizadas.

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r

Figura 5 - Esquema de captação dos entrevistados.

Na formação dos dois grupos de entrevistados foram utilizados os seguintes

critérios de inclusão e exclusão.

Quadro 1 - Critérios de inclusão e exclusão.

Critério de inclusão Critério de exclusão

Familiar ou responsável pelo tratamento

do sujeito em situação de crise, residente

em Fortaleza.

Sujeito com sofrimento psíquico residente

em Fortaleza.

Sujeito sem condições emocionais e

cognitivas de responder às questões da

entrevista.

Para organização dos critérios de inclusão, foram priorizados os familiares de

sujeito com sofrimento psíquico que passaram por situações recentes de crise com o familiar,

o que facilitou a narrativa do fato. Em relação ao sujeito de sofrimento psíquico, a prioridade

foi para aqueles que receberam cuidados de saúde mental e que os familiares participaram do

estudo. Isto facilitou o contato, pois havia sido estabelecido vínculo com o familiar.

4.2.3 Técnicas e questões norteadoras para busca das narrativas

Em busca da melhor forma de reconstituir as histórias de crise vivenciadas pelos

sujeitos da pesquisa e de obter amplas narrativas destes momentos, optamos pelo referencial

teórico-metodológico estruturado na história oral temática que, consoante Meihy e Holanda

AUDIÊNCIA

PUBLICA GEIA

SAMU

ORFEU

IRIS

AFRODITE

HESTIA

HERA ATENA

Familiar Sujeito

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(2010), consistem em práticas de apreensão de narrativas realizadas por meio do uso de

recursos eletrônicos e destinadas a recolher testemunhos, promover análise de processos

sociais do presente e facilitar o conhecimento. História Oral, como metodologia, divide-se em

três ramos: a história oral de vida, a tradição oral e a história oral temática (MEIHY;

HOLANDA, 2010).

História Oral de Vida (HOV) foi idealizada por W.O. Thomas e F. Zananiecki, em

1927, na Escola de Sociologia de Chicago. Trata-se de narrativas dos fatos da vida que

dependem da memória, dos ajeites, dos contornos, das derivações, imprecisões e até das

contradições naturais da fala (MEIHY; HOLANDA, 2010). Para isso, a HOV estabelece o

propósito de fidelidade de experiências e interpretações do sujeito sobre seu mundo; o

entrevistador, como captador destas experiências, deve estabelecer medidas para assegurar

que o narrador relate informações necessárias, sem que fatos sejam omitidos e que estes sejam

checados e confirmados através de documentos ou informações de outros sujeitos

(HAGUETE, 2003).

Com objetivo de captar o relato mais fidedigno do narrador, o entrevistador deve

proceder como estimulador ao depoente, deixando-o em total liberdade de expressão para que

possa relatar a experiência pessoal vivenciada. Agindo desta forma, o entrevistador

conseguirá recuperar informações não registradas de outra forma e constituir visão do todo;

esta totalização pode ser obtida de forma única, através do confronto entre a experiência

vivida e os questionamentos do entrevistador (HAGUETTE, 2003).

É importante evidenciar que o entrevistador oral é algo mais que um coletador de

gravações. Geralmente, assumir papel ativo na pesquisa. Este tipo de ação pode ser

demonstrado na tradição oral, que estabelece como forma de captação o viver junto aos

informantes-chave, estabelecendo condições de apreensão dos fenômenos, de maneira a

favorecer o conhecimento do universo dos pesquisados, apresentando como complexidade o

reconhecimento do outro nos detalhes autoexplicativos (MEIHY; HOLANDA, 2010).

O adentrar na realidade do sujeito torna a tradição oral difícil, intrigante, mas bela,

pois não se limita a encontrar o sujeito e aplica-lhe a entrevista, mas busca conviver com o

grupo de entrevistados, “estabelecendo condições de apreensão dos fenômenos de maneira a

favorecer a melhor tradução possível do universo mítico do segmento” (MEIHY;

HOLANDA, 2010, p. 40).

Por esse motivo, a tradição oral toma mais tempo do entrevistador, além de exigir

conhecimento aprofundado do objeto de pesquisa, estabelecendo a necessidade de

compreender a conjuntura cultural do espaço da pesquisa. Portanto, a complexidade da

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tradição oral estabelece-se no reconhecimento do outro e em seus detalhes autoexplicativos de

sua cultura. Ricoeur (1989) afirma que a narrativa pode ser mediadora entre a experiência

vivida e o discurso proferido, superando, assim, o distanciamento entre o explicar e

compreender.

Os relatos orais englobam explicitamente a experiência subjetiva do narrador,

podendo repousar em testemunhos oculares, boatos ou em uma nova criação a partir da

diversidade de textos orais existentes. Este fato foi considerado limitação deste método, mas,

atualmente, estas histórias são reconhecidas como virtude da história oral, já que para

entender o passado, é necessário construir, processar e integrar à vida dos indivíduos

(FERREIRA; AMADO, 2006; ZERBO, 2010).

A individualização dos relatos orais conduz à terceira metodologia da história

oral, a história oral temática, que se apresenta com caráter social e conceitual, centrado no

testemunho e na abordagem de um recorte temático, admitindo e utilizando questionários que

promovam as discussões específicas sobre um assunto (MEIHY; HOLANDA, 2010).

A possibilidade de gerar políticas públicas inovadoras e a necessidade de trilhar

um percurso metodológico que proporcione contemplar a relevância social da temática em

estudo reconhece na história oral temática o método ideal para este estudo. Para isso, alguns

pontos nortearam a escolha da história oral temática como metodologia. Inicialmente, a

possibilidade de fornecer voz a pessoas e/ou setores desprezados, seguido da proposta de

relevância social, a qual define a situação de um grupo em determinado local e em um

acurado tempo (MEIHY; HOLANDA, 2010). E, finalmente, por acreditar que a narrativa

histórica de uma patologia envolve pluralidade de ações, fatos e acontecimentos marcantes na

vida do indivíduo e familiar que a vivencia.

O caráter eminentemente social, desenvolvido pela história oral temática,

possibilitou o confronto das narrativas dos sujeitos da pesquisa com as políticas públicas

implantadas pela Rede de Atenção em Saúde Mental (RASM) de Fortaleza para atenção ao

sujeito de sofrimento psíquico em situação de crise. A centralização em um único foco, no

caso, a situação de crise, concorreu para obtenção de um esclarecimento deste ou forneceu

suporte para identificar o sofrimento psíquico enfrentado por usuário e família na busca por

um cuidado à situação de crise.

A narrativa dessa peregrinação, através da historia oral, conduziu ao âmbito

subjetivo da experiência humana, parte central desse método, possibilitando esclarecer as

nuanças da vida de sujeito em sofrimento psíquico, em situação de crise, e de familiares,

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identificando as limitações produzidas pela doença e as dificuldades encontradas na busca

pelo tratamento (FERREIRA; AMADO, 2006).

A entrevista, como ferramenta da historia oral, foi a estratégia escolhida para

apreender as narrativas dos sujeitos. As entrevistas junto ao corpus, formado por familiares e

sujeitos em sofrimento psíquicos, constituíram a documentação oral desta pesquisa (MEIHY;

HOLANDA, 2010; FERREIRA; AMADO, 2006).

Ferreira e Amado (2006) definem corpus como um grupo de pessoas que se

dispõem a depor sobre um determinado tema. Para constituição do corpus foi preciso o

estabelecimento de relações de confiança entre o narrador e o pesquisador. Nesta pesquisa, o

processo dialógico se colocou como fundamental para o estabelecimento da confiabilidade

entre os sujeitos, facilitando, assim, a coleta das informações.

As entrevistas, como estratégia da história oral, foram gravadas, sendo solicitado

o consentimento para utilização do meio eletrônico (gravador). Para constituir as entrevistas,

tivemos dois roteiros de perguntas semiestruturadas (Apêndice A e B). Foi lido e explicado

aos sujeitos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi assinado,

como forma de assegurá-los da confidencialidade e privacidade das informações. Utilizamos

os codinomes Gregos - Geia, Orfeu, Iris, Hera, Hestia, Afrodite e Atena - como forma de

preservar o anonimato dos sujeitos.

As gravações tornaram-se o ápice desta pesquisa, pois materializaram a

informação, mas a apreensão da narrativa conseguida no estudo somente foi possível devido à

escolha do corpus, pois o caráter testemunhal definiu a qualidade do dossiê documental que

obtive. A partir desta qualidade, é possível compreender a conjuntura da vida social dos

sujeitos em sofrimento psíquico em situação de crise (ONOCKO; CAMPOS; MIRANDA,

2008; STRAUSS, 2008).

4.2.4 Análise e interpretação das experiências

Neste estudo, a compreensão das experiências ocorreu a partir do referencial

metodológico de Ricoeur (1989), que considera a compreensão como ordenação do enunciado

narrativo e quando esta estrutura organizacional não se estabelece, não é possível

compreender a narrativa, requerendo explicação. Assim, deve-se ter um olhar desde a

explicação à compreensão, isto é, quando não compreendo espontaneamente, solicito

explicação.

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Com o propósito de proporcionar a compreensão do contexto narrativo, a análise,

como compreensão ingênua, torna-se compreensão esclarecida, através da explicação

(RICOUER, 1989). A explicação, no campo do sofrimento psíquico, é mais subjetiva do que

nos demais campos de pesquisa. Geralmente, estudos neste campo vão além do compreender,

pois, intentam transformar realidades.

De posse das narrativas, optamos por utilizá-las em sua totalidade, pois

consideramos que, desta forma, contribuiria para refletir a realidade dos relatos. Antes,

realizamos a transcrição literal das narrativas tais como foram gravadas. Na segunda etapa,

realizamos o que Meihy (1998) denomina de textualização, organizando a narrativa,

suprimindo as perguntas e dando-lhe sentindo a partir de uma frase de destaque surgida

durante a entrevista. Na terceira etapa, realizamos a transcriação, redigimos as narrativas com

pequenas interferências do autor como forma de organizar um sentido ao texto.

Os dados de identificação e as impressões sobre a condição da entrevista que

constam no início de cada narrativa foram resultantes das anotações realizadas no diário de

campo, registro procedido antes de iniciar a entrevista e logo após terminá-la. Hesitamos em

categorizar os resultados obtidos nas narrativas desde o início da análise dos resultados,

contudo era necessário permitir que as narrativas falassem por si, em vez de aplicar sobre os

dados um conjunto de conceitos ou categorias predeterminadas (TERTO JÚNIOR, 2000). A

partir desta conjuntura, resolvemos correlacionar às narrativas coletadas e traçar dimensões

comuns na problemática da situação de crise psíquica, capazes de fornecer suporte à

problematização proposta pelo estudo.

A compreensão profunda das experiências desvelou os núcleos de sentidos que

foram utilizados na organização dos resultados da investigação apresentados posteriormente,

quais sejam: itinerário terapêutico e suas diversidades; o cuidado e suas dimensões na

perspectiva da família em relação à rede assistencial; o porvir: a visão do familiar e do sujeito

em crise.

4.2.5 Textualização e transcriação das entrevistas

Inicialmente, procuramos efetivar o processo de textualização e transcriação das

narrativas dos sete entrevistados desta pesquisa, objetivando contextualizar descritivamente o

fenômeno estudado através das percepções dos próprios sujeitos entrevistados. Esta

apresentação se encontra disposta em duas partes: na primeira parte consta o nome fictício

que identifica o narrador, seguido de dados gerais elaborados a partir da entrevista e das notas

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de campo. Procuramos, de forma sucinta, relatar as impressões marcantes que ocorreram

durante o encontro, na tentativa de situar o leitor.

A segunda parte caracteriza-se pela utilização de uma frase que caracteriza de

alguma forma o narrador ou a situação por ele vivenciada, seguida da entrevista transcriada na

íntegra. Buscamos conservar termos e características linguísticas típicas da região para não

perder a originalidade.

5.1 A história de Geia9

5.1.1 Contexto e caracterização

Geia, 37 anos, nascida em Fortaleza, casada, dois filhos, formada em História pela

Universidade Federal do Ceará (UFC), tem como ocupação os afazeres do lar e vive com

renda média de dois salários mínimos. Residente no bairro Jockey Clube, que compõe a

Secretaria Executiva Regional III. O filho encontrava-se doente há seis anos, tinha 14 anos.

No contexto da doença, foram seis internações e diversas situações de crises psíquicas.

A entrevista foi realizada em duas seções, com média de 50 minutos cada. O

primeiro contato com Geia ocorreu na câmara municipal de Fortaleza durante audiência

pública que debatia a situação da rede de saúde mental de Fortaleza. Geia, neste dia, dirigiu-se

à tribuna e fez um relato emocionante do seu sofrimento com as situações de crise vivenciadas

com o filho. Após sua fala, aproximei-me e mantive o primeiro contato e convidei-a a

participar da pesquisa. De pronto, ela se colocou à disposição.

A primeira entrevista ocorreu no Centro de Atenção Psicossocial infantil da SER

III, local onde o filho fazia terapia. Na narrativa, Geia tomou a iniciativa de relatar sua

história, então, somente me restou ligar o gravador e escutá-la. Esta narrativa foi a mais longa

dos dois encontros que tivemos, quando ela iniciou com sua identificação e relatou sua

história de vida. Este relato, em alguns momentos, foi carregado de emoções. A entrevistada

não apresentou dificuldade alguma de relatar sua história, ao contrário, foi um relato rico de

detalhes. Neste dia, a entrevista foi encerrada pelo retorno do filho da terapia. Tive a

oportunidade de constatar a dificuldade que Geia tem em contê-lo, colocando-me à disposição

para levá-los até a parada de ônibus, o que enriqueceu minhas observações.

Mesmo dispondo de muitos relatos, percebi a necessidade de um segundo contato,

o qual foi marcado com a mesma receptividade e ocorreu no hall de um hospital psiquiátrico

9 Deusa da terra, a mãe terra. Mãe geradora de todos os deuses. Aqui representa uma mãe que deseja ver

seu filho bem e ter uma vida normal (GRAVES, 2008).

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de Fortaleza, pois o filho havia apresentado mais uma crise psíquica que o levou a

hospitalização. Neste dia, Geia se apresentou sofrida e cansada; como na primeira entrevista,

ela foi logo relatando todo o sofrimento vivenciado na última situação de crise. Porém, nesta

entrevista intervi mais do que na primeira, devido à situação que se apresentava. Mas, as

intervenções não foram prejudiciais à coleta da narrativa, pelo contrário, foram estimuladoras

de relatos ainda inéditos.

5.1.2 A narrativa

Meu filho nunca precisou ser contido por eles, porque quando eles chegam à crise

já passou.

Assim que soube que estava grávida... eu namorava o pai dele... nós não

vivíamos juntos.... Ele tinha terminado o namoro, então eu fui contar e ele aceitou muito mal,

ele me tratou mal, não quis assumir, não quis reatar o namoro... então naquele momento foi

um momento de crise para mim.

O rompimento não veio da gravidez, veio por outros motivos, mas eu não sabia

que estava grávida. Eu comecei a perceber nele atitudes muito esquisitas, ele era uma pessoa

que tinha ideias meio nazistas... assim, tipo, para acabar o sofrimento dos africanos é preciso

exterminá-los... eles vão morrer e não vão mais ficar sofrendo. De início, quando eu ouvia

isso, eu achei que era brincadeira, não levava a sério de forma nenhuma.... era universitário,

fazia mestrado e gostava de beber, só pode está bêbado para dizer uma coisa dessas, mas em

outras ocasiões, ele dizia outras coisas também. Por exemplo, que era fã de Friedrich

Nietzsche, o filósofo... ele estava certo, os fortes tinham que dominar os fracos, haveria que

ter uma supremacia de uma raça superior... eu comecei... esse cara é maluco, eu acho que eu

vou terminar esse namoro.

Eu não sabia como dar esta notícia para os meus pais, porque eu tinha vinte

anos, filha única e isso gerou em mim um desespero. Então, eu acho que todo este desespero

passou para o feto. Foi um dia muito difícil na minha vida... neste dia, eu tomei um grande

porre, quase entro em coma alcoólico, desmaiei, fiquei vendo tudo preto, escuro, baixou a

glicose, baixei a pressão, eu fiquei muito fria, muito gelada... no dia que contei para ele que eu

estava grávida. Eu já deveria estar perto de um mês de gravidez. Depois desse primeiro

momento difícil, eu fiquei em casa, os meus pais me aceitaram, não me colocaram para fora

de jeito nenhum, eles me amavam... só que eu entrei em depressão, não tinha vontade de

comer, eu vomitava muito, já por conta da gravidez. Não tinha vontade de fazer nada, eu só

queria dormir, eu não queria sair, eu não queria que as pessoas me vissem, eu não queria

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conversar com ninguém. Algumas vezes passou pela minha cabeça algumas ideias suicidas...

assim tipo enfiar uma coisa, um prego dentro de uma tomada.

Mas, ao mesmo tempo, a minha mãe estava perto de mim, me apoiava. Mas eu

não tomei nenhum tipo de remédio... no pré-natal, ela contou para a médica sobre a minha

depressão e a médica disse que não acharia conveniente eu tomar antidepressivo na gravidez...

então eu tive que suportar os seis meses de gravidez com depressão... por mais que eu

quisesse reagir era difícil, eu não conseguia dormir direito, tinha pesadelos. Só aceitei meu

filho depois de três meses de nascido...tinha que amar esse filho que tinha nascido. A minha

família fez um chá de bebê para mim, para me animar.

No dia do nascimento... eu não estava sentindo uma dor na unha... o médico

tinha feito um ultrassom no dia anterior, numa sexta-feira, era um médico de confiança da

minha mãe e ele disse assim: olha, vamos fazer logo esse parto, porque ela já está uns dez dias

antes, isso era dia 11 de agosto e estava previsto para 18 de agosto, vamos fazer logo esse

parto, é um sofrimento sem necessidade... porque eu estava urinando muito, a bexiga baixa,

dor nas costas e a barriga muito grande para meu tamanho. No dia seguinte, eu fui sem sentir

nada, ele fez um parto induzido, mas normal e foi o que me prejudicou, porque era para ele ter

feito cesariana... ele botou o soro que eu ia sentir contração, então, quando deu meio-dia,

antes da hora que ele foi almoçar, ele estourou a bolsa e disse que quando ele chegasse do

almoço, eu já estava próxima de ter o nenê... só que eu não estava próxima, eu fui até 17:15,

eu fiquei sem a água na bolsa, sentindo contrações e sangrando, sentindo muita dor... um

assistente dele fez o meu parto.

Meu filho foi crescendo e aprendeu a mamar, ele mamava bem, ele se alimentou

bem, ele pegou logo peso, ele ficou bem gordinho. Mas ele era assim... ele não era igual aos

outros porque ele era muito calmo... quando ele tinha assim uns sete meses, por exemplo, ele

começou a assistir televisão... a gente o botava no carrinho de frente para televisão e ele

ficava olhando para televisão, e ele não reclamava de ficar olhando a televisão...não queria

sair ou ir para o meu braço ou para o braço da avó... e a vizinha achou isso estranho. O tempo

foi passando e ele não falava... ele andou com um ano normal, andou... mas ele não falava, ele

fez dois anos e ele não falava... ele dizia cinco palavras, ele dizia tudo com bobo, bobó, que

era vovô e vovó.

Não me chamava de mãe, não chamava mamãe, às vezes ele esboçava alguma

coisa chamando... era baú, que era mingau... aba que era água ...e eu acho que ele me

chamava de nenê ...eu ficava dizendo... mas esse menino já esta andando, correndo, e ele não

fala, ele só fala cinco palavras... tem menino de dois anos que já está contando uma história...

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mas as pessoas falavam assim, ele vai falar, não se preocupe. Passou um ano, ele fez três

anos, eu resolvi botar ele no maternal... ele já falava mais um pouco, mas não muita coisa...

ele não dizia uma frase, ele dizia só as palavras que ele queria dizer, ele dizia coca-cola, bife,

me dá, eu quero... com três anos, ele não dizia uma frase, dizia uma palavra por vez... levamos

para o maternal, escolinha particular... na primeira semana, a diretora me chamou, ela disse:

olha mãezinha a sua criança é um pouco diferente dos outros...primeiro que ele não fica na

salinha do maternal, ele sai correndo, ele não quer brincar com as outras crianças, ele vai para

um canto e fica com um brinquedo só para ele...e ele não esta fazendo nenhuma atividade, de

pintar, de usar a massa de modelar, nada.

Disseram que eu o levasse na neuropediatra... quando eu o levei para essa

primeira consulta, ele era muito inquieto, muito hiperativo, ele não ficava no meu colo ... ao

contrário de quando ele era bebê, depois de dois anos, ele ficou o oposto de quando ele era

bebê, ele ficou super agitado... ele não dormia de noite, a gente revessava eu e a minha mãe

para ver se ele dormia, ele tinha insônia, ele queria passar a noite brincando ou cantando,

fazendo barulhos, menos dormir. A gente, então, fazia chá de camomila, chá de erva doce,

suco de maracujá, e não sabia o que fazer para o menino dormir direito. Falei com a médica,

mas como ele só fazia quatro anos em agosto, ela disse... vai remarcar essa consulta e me

indicou o Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI) para fonoaudiologia... eu fui e

comecei a fazer o tratamento dele de fala ... e quando ele fez quatro anos eu retornei na

médica e ela passou ritalina10

, meio comprimido por dia e pronto. Tomando meio comprimido

por dia ele ficou estranho... ele ficava babando, ele não falava direito, a minha mãe dizia que

ele estava grog... a gente usou ainda umas quatro caixas até voltarmos na doutora e dissemos

que ele tinha ficado um pouco mais quieto, mas que a gente não estava satisfeito com a

maneira que ele estava... a doutora disse: mas o remédio para a hiperatividade é esse, se vocês

não estão satisfeitas, então vocês procurem outro profissional... nós procuramos, começamos

a ir no Albert Sabin, ele começou a ser consultado lá... eles tiraram a ritalina e ele passou a

tomar benerim em gotas. Coloquei no jardim I depois, mas foi a mesma coisa, as mesmas

reclamações na escola... que ele não interagia com os meninos, de que ele deu chute na caixa

de som que estava para as crianças ouvirem música, de que ele mexia no som onde as crianças

ouviam cd infantil...que ele era um transtorno para a escola toda, de que ele subia escada e

10

Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH): O TDAH era anteriormente conhecido como

distúrbio de déficit de atenção ou disfunção cerebral mínima. Ritalina é indicado como parte de um programa de

tratamento amplo que tipicamente inclui medidas psicológicas, educacionais e sociais, direcionadas a crianças

estáveis com uma síndrome comportamental caracterizada por distratibilidade moderada a grave, déficit de

atenção, hiperatividade, labilidade emocional e impulsividade. O diagnóstico deve ser feito de acordo com o

critério DSM-IV ou com as normas na CID-10 (BRASIL, 2010).

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não tinha quem segurasse ele... eu resolvi tirar ele da escola regular e botei no recanto

psicopedagógico com cinco anos... aí ele ficou dos cinco aos seis anos no recanto

pedagógico... eu comecei a ver uma melhora significativa na fala, ele aprendeu a falar tudo,

ele falava muito bem, ele aprendeu a ler.

Quando meu filho fez seis anos, minha mãe morreu e ele teve uma regressão

enorme... ele queria a minha mãe todo dia e não chorava, não chorava, mas demonstrava que

alguma coisa muito ruim estava acontecendo... então ele pegava às vezes um garfo e pinicava

a parede para ver se caia o reboco... ficou mais hiperativo ainda, ficou mais difícil ainda de

lidar com ele... uma vez ele pegou uma faca e fez assim, apontou a faca para mim, a faca da

cozinha desse tamanho, aí meu pai tomou logo dele... ele dizia olha isso aqui não é brinquedo,

isso aqui é perigoso, corta o dedo sai sangue. Foi difícil para ele aceitar que a minha mãe

tinha morrido... eu dizia que estava no céu... ele queria subir na árvore, na goiabeira, porque

eu acho que na cabeça dele ele queria chegar perto do céu... e eu tinha medo que ele caísse...

então a vida ficou muito difícil.

Nesse período, eu tinha passado no vestibular e então, o coloquei em uma escola

próxima da Universidade Federal do Ceará (UFC). Nessa mesma escola que ele estuda hoje, o

Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA), assim eu ia para UFC e ele ia para

escola e a gente estava no mesmo horário. Lá ele desenvolveu uma escrita que dava para

entender, uma escrita de letra de forma, mas que dava para entender, ele fazia as tarefas... de

vez em quando é que ele enlouquecia, como por exemplo, um dia que choveu ... ele tirou a

farda e ficou pulando no meio da chuva. Ele não quis obedecer à professora de jeito nenhum,

a pessoa se agarrava com ele para vestir o calção dele, mas ele empurrava, entendeu... tinha

força, ele já tinha uns sete para oito anos... quando eu cheguei lá, ele estava encharcado. Ela

disse: olha, foi muito difícil hoje, ele não quis sair da chuva de jeito nenhum, não quis vestir o

calção de jeito nenhum, empurrou as professoras, e se agarrou com a gente, e deu chute na

canela, e aí está ele molhado.

Então resolvi pagar uma consulta numa psiquiatra, uma psiquiatra infantil ... ela

fez uma anamnese bem feita, uma consulta de uma hora quase... ela ficou primeiro comigo,

depois ficou mais de meia hora sozinha com ele... propôs várias coisas... desenhos, um monte

de teste... e ela disse que ele era autista com toda certeza, sem sombra de dúvidas, ele era

autista, por tudo que eu contei. No primeiro momento, eu fiquei triste, mas fiquei feliz por já

ter certeza do que ele tinha. Ela disse que uma vida normal... normal não, mas ele poderia ter

uma vida próxima do normal, ele poderia até quem sabe terminar os estudos... ela disse que

existiam autistas que conseguiam terminar os estudos, e que existiam autistas que conseguiam

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trabalhar, desde que fosse um trabalho bem focado. Ela me deu essa esperança... eu saí de lá

meio triste, arrasada, ... ela disse que é a genética, a pessoa já nascia assim, como poderia

reverter uma doença que já vinha nos cromossomos.

Depois desse quadro da infância, ele começou a piorar, ele começou a ficar

agressivo... por volta dos 10 anos, ele batia no meu pai... ele pegava o cabo de vassoura e

batia no meu pai e saia até sangue às vezes. O meu pai batia nele de cinturão, eu batia nele de

cinturão para ele entender que ele tinha que ter limites, para ele entender que não podia fazer

isso com o vovô e que ele tinha que respeitar o vovô e a mamãe... mas só que ele ficava mais

agressivo ainda, entendeu. Então ele começou a quebrar as coisas dentro de casa... ele

quebrou uma cadeira de plástico, arremessou a cadeira contra um muro, ele quebrou um

som... eu lembro que ele, nessa época tinha 10 anos... era um som portátil que ele quebrou.

O meu pai ficou muito preocupado, porque ...como é que vai ser daqui para a

frente... esse menino tem 11 anos, esse menino já tem a força de quebrar uma televisão de 14

polegadas, esse menino arranca a borracha da geladeira, quebra a porta do armário, quebra a

maçaneta da outra porta, dá chute nas portas ... e quando ele ficar adolescente, quando ele

ficar maior como vamos contê-lo? Neste período, ele estava tomando a medicação

Risperidona11

e frequentava a Casa da Esperança12

.

Meu pai morreu em 2007... ele tinha feito 12 anos... então ele piorou ainda mais,

apresentando uma crise mesmo fenomenal... quando ele voltou do velório do meu pai, ele

quebrou tudo, ele pegou um armário, ele tacou no chão, tinha vidros... ele pegou um balcão

maior que era mesa, arrastou e começou a tirar os compensados... eu nunca tinha visto ele

assim, eu chamei os vizinhos e eles seguraram ele. Mas, eles também ficaram assustados,

porque a gente sabia que ele era um menino que quebrava as coisas, mas não nesse sentido de

destruição total.

11

Risperdal é indicado no tratamento de uma ampla gama de pacientes esquizofrênicos incluindo: - a primeira

manifestação da psicose - exacerbações esquizofrênicas agudas - psicoses esquizofrênicas agudas e crônicas e

outros transtornos psicóticos nos quais os sintomas positivos (tais como alucinações, delírios, distúrbios do

pensamento, hostilidade, desconfiança), e/ou negativos (tais como embotamento afetivo, isolamento emocional e

social, pobreza de discurso) são proeminentes. - alívio de outros sintomas afetivos associados à esquizofrenia

(tais como depressão, sentimentos de culpa, ansiedade). - tratamento de longa duração para a prevenção da

recaída (exacerbações agudas) nos pacientes esquizofrênicos crônicos. Risperdal é indicado para o tratamento de

curto prazo para a mania aguda ou episódios mistos associados com transtorno bipolar I. Risperdal é indicado

para o tratamento de transtornos do comportamento em pacientes com demência nos quais os sintomas tais como

agressividade (explosão verbal, violência física), transtornos psicomotores (agitação, vagar) ou sintomas

psicóticos são proeminentes. Risperdal também pode ser usado para o tratamento de irritabilidade associada ao

transtorno autista, em crianças e adolescentes, incluindo sintomas de agressão a outros, auto agressão deliberada,

crises de raiva e angústia e mudança rápida de humor (BRASIL, 2010). 12

A Casa da Esperança é uma fundação que atua no atendimento integral e na defesa dos direitos de pessoas

com transtornos do espectro autista. Nosso trabalho é reconhecido nacionalmente, e já colaborou com centros

internacionais de pesquisa e atendimento (DOURADO, 2013).

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Eu o tranquei no quarto e ele ficou chutando a porta do quarto, chutando,

chutando, chutando... então foi um dia dificílimo para mim. No dia seguinte, eu abri o quarto

de novo porque eu queria pelo menos varrer, tirar os bagulhos... enquanto existia uma coisa

que lembrasse meu pai, ele não parou de destruir, ele só parou quando não tinha mais nada, só

a parede e a janela... o quarto ficou com dois armadores, a parede a janela e as telhas. As

lembranças que tinha, ele destruiu tudo... televisão ele quebrou quatro televisores, toda hora,

de repente do nada, ele rebolava a televisão no chão, quebrava a televisão... eu não tinha uma

grade para botar...hoje eu tenho... isso ocorreu durante o ano de 2008.

Não o internei... eu achava que ele era muito novinho, tinha 12 anos, quando ele

teve essa crise. Eu o levei até a médica, ela prescreveu três novos medicamentos: Risperidom,

três vezes ao dia, e 40 gotas de Neozine13

de manhã, 40 gotas de Neozin de tarde e noite. Mas

não tinha jeito... continuaram as crises... e foi a primeira vez que eu chamei uma ambulância

para ele tomar uma injeção... porque estava de uma maneira destruindo tudo...ele estava

tentando arrancar a porta do banheiro.... ele já tinha 13 anos... ele conseguiu arrancar uma

porta, deixar só os pedaços entendeu... então estava de uma maneira assim impressionante.

Ele subia em cima de uma pia e pulava, sabe, para ver se a pia desabava no chão. Quando o

SAMU chegou lá, ele não estava mais quebrando, porque estava suado e exausto. Ele fez

muita força para arrancar essa porta, então ele não tinha mais força... ele já estava sentado no

chão suado, sujo, nu e comendo as coisas que tinha dentro da geladeira... ele estava quieto,

estava exaurido... quando cheguei lá, eu apenas banhei ele, vesti e levei-o... não deu trabalho

nenhum para entrar na ambulância... aí a gente o levou ao hospital de Messejana, foi A

primeira vez que eu pisei no hospital de Messejana para dar uma injeção. Nesse dia, eu estava

chorando, aflita, sem saber o que fazer, porque eu nunca imaginei que ele chegasse a tanto...aí

ele tomou uma injeção e foi para o Mira y Lopes e ficou na intercorrência clínica... com 13

anos.

A maior dificuldade em cuidar dele é porque ele já é um adolescente e quando

está em crise é muito forte... ele é pesado, é alto e eu sempre necessito da presença do meu

esposo na hora da crise. Eu não posso contar com a presença dele o tempo inteiro. Então, ele

faz coisa arriscada, põe a vida dele em risco... ele corre, atravessa em frente de carro, de

ônibus, ele foge de casa, ele me agride fisicamente. Ele rasga as coisas, destrói móveis. Faz

várias coisas perigosas. A dificuldade é contê-lo, segurá-lo para ele não se machucar, não

machucar a mim. Como conter se ele é um rapaz e eu ainda sou uma pessoa frágil, pequena,

13

Apresenta um vasto campo de aplicação terapêutica. Está indicado nos casos em que haja necessidade de uma

ação neuroléptica, sedativa ou antálgica (BRASIL, 2010).

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eu não consigo. Então, já pensou se o estado pagasse, para essas determinadas pessoas, um

cuidador, para que você pudesse ter mais esse suporte domiciliar. Seria muito melhor, a gente

não precisaria estar internando a pessoa o tempo todo, a gente poderia cuidar da pessoa em

casa... se houvesse um cuidador, alguém que fosse... ficasse na sua casa, por um determinado

período, te ajudando. Na hora de uma crise, o rapaz o conteria, o segurava. A última crise

começou... ele já vinha há vários dias fazendo coisa que não deveria... ele, na segunda feira...

vou fazer um retrospecto... na segunda feira, ele chegou da Casa da Esperança e ele saiu

correndo, atravessou Avenida Lineu Machado... que já é um risco muito grande e foi correndo

até a casa de um amigo meu... que ele sabe que lá tem palmeirinha que ele gosta. Ele invadiu

a casa e destruiu o jardim inteiro da pessoa. A esposa do meu amigo estava lá, ele trabalha na

Casa da Esperança, por sorte ele sabe. Ele não ficou chateado, mas se fosse um estranho, ele

teria chamado o ronda... porque ele quebrou um jarro de cimento enorme, ele destruiu todas as

plantas, ele arrancou tudo com os dentes, as mãos. E eu não sabia como fazer para ele parar...

então, consegui, com muito custo e com a ajuda da esposa (do dono da casa), que ele saísse e

levei-o para casa. Na terça feira, ele também tentou fugir de casa e destruiu alguns objetos em

casa. Rasgou roupa... rasgando a camisa de malha dele e tudo mais... mesmo assim a gente

ainda conseguiu que ele fosse para Casa da Esperança. Na terça feira, ele chegou a rasgar o

banco do transporte escolar com uma mordida... na quarta-feira, eu fui com ele para evitar

isso, fui e voltei com ele no transporte escolar. Assim que o rapaz o desceu de dentro do

carro... que eu abro a casa e coloco a bolsa dentro... ele saiu novamente pelo portão...

atravessou avenida e foi novamente quebrar todos os galhos, árvores que ele encontrou na rua

Goiânia ... que é a minha rua... aí eu peço ajuda a um amigo na rua... ele me dá uma corda...

então eu amarro as pernas dele para ele não correr e também amarro a mão dele com a camisa

dele. Você vê... é muito constrangedor, você ter que amarrar seu próprio filho e sair amarrado

com ele pela rua. Só assim consegui chegar a casa com ele.

Quando cheguei a casa com ele, ele foi arrancar um galho e bateu na minha mão

aqui... que arrancou um pouco a pele do meu braço... ele chegou em casa muito agressivo, ele

me chutou, chutou meu joelho, ficou arrancando meu cabelo, puxando meu cabelo... ai eu

resolvi desistir, desistir de ficar perto dele, porque eu vi que ele ia me machucar... eu desço as

escadas... aí ele pega a cômoda e tenta arremessar a cômoda escada abaixo, para ver se a

cômoda pegava em mim. Chamo a ambulância, chamei o SAMU. O SAMU demora muito...

demorou quatro horas. Como é apenas uma ambulância... que é um caso até de denuncia...

então não pode uma cidade como Fortaleza com mais de dois milhões de habitantes ter apenas

uma ambulância psiquiátrica... então a espera é enorme. Se um sujeito em crise matar uma

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pessoa, quando a ambulância chegar vai estar só o cadáver, não vai mais dar tempo de fazer

nada... porque eu chamei a ambulância uma hora e eles chegaram às quatro e meia da tarde,

quatro horas depois que eu chamei. Quando eles chegam... meu filho nunca precisou ser

contido por eles, porque quando eles chegam a crise já passou. Aí ele entra bem, é bem

atendido pelos rapazes lá da ambulância e tal... até eles conversam comigo e tal, já me

conhecem... mas se houvesse mais ambulâncias teria um atendimento melhor porque não é

possível uma pessoa esperar quatro, cinco, seis horas por um atendimento. O atendimento é

prejudicado pela falta de ambulância.

Nós fomos com ele para Messejana... é mais outra espera grande... que eu tive que

dormir no chão, muita humilhação, as pessoas têm que dormir no chão... inclusive uma pessoa

lá dos funcionários molhou o chão sabendo que as pessoas estavam dormindo no chão. Eles

não têm respeito pelas pessoas... as pessoas estão ali humilhadas, realmente necessitando

daquele atendimento... se submetem a essa coisa degradante, de ficar no frio, no chão sujo...

tem que se submeter ou então ficar a noite inteira sentada numa cadeira até de manhã.

Eu acho que os fatores que dificultam os atendimentos na própria Casa da

Esperança... ou no CAPS quando ele fazia... ele precisa muito desenvolver a comunicação, ele

precisa de um atendimento “fonoaudiólogico” ... bom, e ele não tem. Se ele conseguisse

expressar mais o que ele quer, o que ele deseja, ele diminuiria as crises. Como ele não

consegue dizer o que ele quer, ele fica nervoso. Isso também faz com que ele fique nervoso...

então se ele tivesse um atendimento... ele precisava fazer uma hora de fono praticamente

todos os dias para ele conseguir se comunicar... era o primeiro passo... porque, antes quando

ele era pequeno, ele conseguia falar direito e a gente conseguia entender o que ele queria... a

partir de uns dois anos para cá vem perdendo a condição de dizer as palavras... ele não abre

direito mais a boca, ele fala entre os dentes, muito difícil. Como eu não consigo

compreender... eu tento compreender... mas às vezes nem eu consigo, que sou a mãe, imagina

os outros... aí ele surta... também quer falar e não consegue ser ouvido.

É tudo muito deficiente, porque não há, por parte de nenhum desses lugares,

empenho... não quero ver esse sujeito melhor, eu quero ver ele se desenvolvendo. O que eu

tenho de crítica em relação... por exemplo... a Casa da Esperança onde ele está agora, eles têm

muito mais empenho com as crianças pequenas... eu acho que dá até para entender... a criança

pequena tem mais progresso, eu entendo isso. Então ele que já tem 16 anos... eles não se

empenham tanto... então tem um empenho maior em cuidar dos pequenininhos, dar mais

assistência aos pequenos...e naqueles meninos que mostram que tem a capacidade de

escolarização é feito um trabalho melhor com eles. O meu filho aprendeu a ler e escrever com

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quatro anos, hoje em dia ele está regredindo nesses processos porque ele não está tendo uma

ajuda... eu tento, me esforço, eu até tentei matricular ele numa escola regular para ver se lá ele

melhorava, mas como ele sempre está em crise, fica difícil levar ele...a escola não vai

compreender o problema dele.

A escola não aceita um aluno especial. É lei, mas eles, também, não vão conseguir

conter ele numa crise. Aqui por exemplo, aqui nem se fala, aqui o pessoal tem que se virar

sozinho (hospital). O sujeito que não tem um acompanhante... ele está meio que jogado à

própria sorte... claro, tem a alimentação garantida e tal, o banho e tudo mais... mas assim, a

gente não vê um trabalho de terapia ocupacional regular com eles. A gente não vê... é a sexta

vez que eu estou no hospital, eu sei como é que é. A gente não vê um empenho de uma

psicóloga querendo saber a história deles, para ver se dá um jeito de melhorar eles. O que a

gente vê é que aqueles sujeitos que tem família próxima têm mais um cuidado, mas aqueles

que não têm família, são abandonados.

Minha opinião é que precisa de uma série de coisas para melhorar. Primeiro, o

CAPS deveria funcionar para esses sujeitos o dia inteiro... era um CAPS que deveria ter

tempo integral, que eles pudessem ser atendidos por vários profissionais... psicólogo,

terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo... e ter um médico, claro, um médico é importantíssimo

também para acompanhar a medicação. Que eles pudessem chegar oito horas da manhã e vir

para casa às cinco horas da tarde... era o ideal, eles almoçariam no CAPS entendeu? Teriam

reuniões regulares com os familiares para explicar como lidar com eles em casa. E nesses

casos que o sujeito tivesse apresentando um quadro muito difícil, ter um cuidador que pudesse

ir até a casa da pessoa quando ele não pudesse ir... eu não posso levá-lo de ônibus quando ele

está assim. Ele faz uma loucura dentro do ônibus também, dentro de qualquer lugar ele pode

fazer. Então, nesses casos que eu não posso levar... ter uma pessoa que fosse até a minha casa,

ter um terapeuta ocupacional que fosse até a minha casa atendê-lo. Ai quando ele estivesse

melhor, voltaria para essa rotina dele. A Casa da Esperança disponibiliza o serviço de tempo

integral, mas tem que ser pago e é caro... é um salário mínimo para cima e nem todo mundo

pode. Eu já pago trezentos reais de transporte escolar, porque o estado não disponibiliza... por

exemplo, o transporte escolar para as pessoas que não têm condições de ficar pagando o

transporte para levar para o tratamento. Se você não pode pagar ou levar de ônibus, você não

leva, você fica em casa.

Então, seria isso, uma atenção maior, um cuidado maior, junto com a família. Não

dá para você dizer que uma pessoa vai melhorar se ficar uma hora, uma vez por semana... ela

não vai melhorar, ela vai continuar do mesmo jeito. E no hospital, contratar mais pessoal para

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atender... porque são muitos e eles não têm uma equipe que dê para atender tantos. Não dá

para fazer uma coisa personalizada porque são muitos sujeitos... e no hospital, para ter um

maior cuidado, uma maior atenção... para saber a história deles, para ver se existe uma

recuperação... porque é só dar remédio, comida e ele ir pra casa.

A gente vê muita reincidência... ele vai, vai para casa, está mais estabilizado,

daqui a um mês ou dois ele volta... então fica nesse vai e volta o tempo inteiro. Não seria

melhor fazer um trabalho para que ele ficasse muito mais tempo em casa e poucas vezes no

hospital, o hospital ser realmente uma emergência. Para certas pessoas, o hospital é a casa

deles porque eles passam muito mais tempo no hospital do que em casa... às vezes, a família

nem quer mais eles em casa. Eu conheço uma mãe... claro que não vou dizer quem é... que o

filho dela está aqui... ela interna o filho dela desde os 12 anos de idade... ele tem trinta e

tantos... naquela época não existia estatuto da criança e do adolescente, podia fazer isso... ela

interna o filho dela desde criança, praticamente, porque ela não pode, não tem condições de

cuidar... ele já não tem mais como ficar em casa, ele já não se habitua a ficar mais em casa.

Então existe uma série de coisas que tem que mudar... mais ambulâncias, pelo menos umas

quatro, para fazer esse transporte para levar para Messejana...e em Messejana, as pessoas não

terem mais que dormir no chão, que é absurdo a família ter que passar por isso... mais vagas,

mais leitos hospitalares, e mais cuidados mesmo... ver eles como seres humanos e não como

uma subpopulação... eu vejo alguns aqui de uma forma tão massacrada, doente, magro, que eu

comparo eles com aqueles judeus no campo de concentração, sabe... a aparência física deles, é

tão maltratado de uma maneira que você pensa... não é possível, eles não são tratados feito

gente.

Olha, sinceramente, é triste eu dizer isso, mas eu acho que é uma esperança em

Deus... porque eu não vejo nesse tratamento uma melhora nele não, do jeito que está hoje eu

não vejo. É triste dizer isso porque eu queria muito viver numa casa com meus móveis, minha

cama direitinho, com tudo direitinho, sabe... eu queria ver meu filho bem... eu queria ter uma

vida digamos quase normal, porque é difícil você dizer vida normal com uma pessoa com

transtorno, é muito difícil, mas uma vida próxima à vida que as outras pessoas têm... eu não

tenho essa vida, eu durmo no chão porque ele não deixa eu ter uma cama. Então eu vejo

pouca esperança, do jeito que está hoje, eu não vejo muito jeito não, sabe? Eu tenho pena de

dizer que eu agora posso estar com ele no hospital, porque ele é menor de idade... e quando

ele ficar de maior, eu vou ser obrigada a deixar ele sozinho...vou ser obrigada a vê-lo apanhar

dos outros, acontecer uma coisa de ruim com ele, até um estupro de um sujeito com outro, que

acontece isso, infelizmente. Eu vou ver meu filho nesse estado... eu não queria ver ele nesse

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estado, eu queria ver tudo diferente... por isso que eu estou no movimento Crítica Radical

porque eu acredito que um dia, não agora, mas haverá a sociedade de emancipação humana...

se a gente não conseguir lutar por ela hoje, a gente não vai vê-la construída daqui a 20, 30

anos. Então eu já estou lutando por isso hoje, fazendo minha parte... e só tem um jeito mesmo,

é acabar com o sistema capitalista porque do jeito que está, não tem como ficar.”

5.2 A história de Iris14

5.2.1 Contexto e caracterização

Iris, 57 anos, casada, dois filhos, ensino médio completo, do lar, com renda média

de um salário mínimo. Residente no bairro Colônia, que compõe a Secretaria Executiva

Regional I. É responsável pela sua irmã há 25 anos, mesmo tempo de sua doença. Durante

este período da doença, foram mais de 15 internações, sendo uma por ano.

Iris foi identificada através das chamadas do Serviço Móvel de Urgência e

Emergência (SAMU) e sua escolha ocorreu pela quantidade de chamadas realizadas a este

serviço. Mantive contato com Iris via telefone, quando ela iniciou, ainda por esse meio do

telefone, a relatar suas angústias. De forma delicada, consegui marcar um encontro

pessoalmente e desligar a chamada, mas no dia agendado, não consegui comparecer. Mantive

contato com Iris, novamente, e ela me informou que sua irmã encontrava-se em crise e que

ainda não havia conseguido ambulância.

Nesse dia, comentei que trabalhava na Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza

(SMS) e ela solicitou que eu fosse para ajudá-la. Na semana seguinte, liguei para Iris e

agendei a realização da entrevista. Neste dia, compareci e tive dificuldade em identificar a

residência da entrevistada. Depois de um tempo, encontrei-a e vale este relato, porque, no

contexto da narrativa, esta localização terá muito influência no relacionamento das redes

sociais que Iris tem. A casa fica atrás de outra residência, como fosse o quintal da casa da

frente.

A recepção não foi das mais calorosas, percebi que Iris estava com um tom

agressivo e grosseiro. Ela relatou logo de cara que o sistema de saúde não era eficiente e que

trazia muitos transtornos. Depois de conversamos por alguns minutos, ela concordou em

gravar a narrativa.

14

Iris, a deusa mensageira, sempre pronta para transmitir mensagens dos deuses aos mortais. Descia suavemente

através do arco íris que ligava o céu a terra. Representa na tese a irmã revoltada e mensageira de um serviço sem

resolutividade. As ambulâncias são mostradas, mas quando a gente precisa é dificuldade toda. Eu não tenho

nada a dizer por isso, porque não adianta...(GRAVES, 2008).

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Quando iniciei a gravação, apareceu um senhor de idade mediana, que me pareceu

sob efeito de álcool e começou a criticar o procedimento. Referiu que não passava de

enrolação e que era coisa política - infelizmente, o período político eleitoral encontrava-se em

pleno desenvolvimento. Depois destas intercorrências, consegui iniciar as entrevistas.

Iris relatou com facilidade o quadro psíquico de sua irmã, mas, por mais de uma

vez, a entrevista foi interrompida pelos filhos e neto. Como a entrevista foi realizada na casa

de Iris, isso atrapalhou bastante, mas foi possível perceber como a família sofre a influência

da doença do ente querido.

5.2.2 A Narrativa

O que eu queria saber, já até perguntei para o médico, doutor, porque ela tomando

o remédio ela entra em crise?

Bom, no começo não era muito ruim cuidar dela porque ela me obedecia. Eu dizia

faça isso, vá dormir, vá tomar banho e ela ia. Mas, agora, ultimamente, de uns quatro para

cinco anos, ela não me atende mais... ela está agressiva comigo, ela salta na minha cara. Um

dia desses, ela tacou a bacia na minha cara, quebrou meu nariz... que eu mudei até os óculos.

Ficou isso aqui meu todo dolorido. Por esse motivo, eu a deixo passar a semana sem tomar

banho, porque não posso obrigar, ela me agride. É muito difícil, muito difícil mesmo. Tem

hora que a gente pensa até em abandonar, mas, como vai abandonar... vou deixar esta criatura

morrer no meio da rua? Não tenho coragem, tenho que enfrentar e aguentar até o dia que Deus

quiser.

Eu cuido dela há uns 20 anos. No começo, ela sempre ia passar o final de semana

na casa dos irmãos, mas, ultimamente, ela estava se perdendo e não acertava voltar. Então, eu

insisti e ela aprendeu meu endereço. Quando ela se perdia, ela chegava para as pessoas e dizia

que estava perdida, queria voltar para casa, que morava na colônia, na Rua Francisco Colaça,

o povo dava dinheiro para ela pegar o ônibus, a botava no ônibus e mandava ela descer na

igrejinha. Mas da última vez, ela se perdeu, ela não conseguiu voltar, passou quatro dias fora.

Andei procurando tudo, fui aos CAPS, liguei para Messejana, já estava certa de ir até lá e dar

uma busca. No hospital de Messejana, a assistente social que me atendeu disse: “...a senhora

vem amanhã que vamos resolver este problema”. Quando foi no outro dia, ela apareceu, sem

nada mais apareceu ali. Tinha sofrido um acidente, mas ela não me contou como foi o

acidente. Ela disse que fumou um cigarro, segundo ela um baseado e passou mal, acharam ela

para as bandas de Maracanaú. Por lá levaram ela no hospital e não fizeram nada, só deram o

remédio para dor, ela disse que estava com dor de cabeça.

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Eu sei que a bichinha chegou com as costas toda arranhada, o braço arranhado,

arrancado o pedaço, o tornozelo, sabe, toda ferida. Eu perguntei, ligamos para lá, minha filha

foi lá, conversou com eles lá, eles disseram que aparentemente, ela estava bem. Ninguém fez

nada não, só fez dar um remedinho para dor e deixaram ela repousando. Vieram deixar em

casa, quando foi com dois dias, ela começou a sentir dor de cabeça, chorava com dor de

cabeça. Eu levei para o Frotão, deixei chegar o dia de levá-la ao Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS), porque ela faz um tratamento lá e tinha que levar ela lá, se não ela

perdia a consulta. No dia que eu levei ela para o CAPS, eu peguei um táxi e levei-a até o

Frotão. Cheguei lá, deu traumatismo crânio encefálico (TCE). Ela estava com o olho todo

roxo, ela ficou uma semana internada, passou três dias lá e veio terminar o tratamento aqui no

Fernandes Távora, porque o médico neurologista trabalhava aqui e era pertinho da minha

casa. Ela passou uma semana lá e ficou boa. Graças a Deus!

Nesta última crise, eu a internei ontem. Deste problema que ela teve, ela nunca

mais ficou boa. Só que as crises dela sempre eram assim, mas, desta vez, foi pior e eu internei.

Saí na segunda feira de madrugada, porque os vizinhos chamaram a polícia, porque ela estava

desesperadamente gritando, ultimamente ela só faz gritar, ela não chora. É tipo chorando, mas

não sai uma lagrima, é só grito e falando que os tarados tão transando com ela e começa a

gritar. Ela começou a gritar, o vizinho chamou a polícia, quando eles chegaram conversaram

comigo. Contei a história, que já tinha tentado a ambulância e não tinha conseguido, disseram

que estava na fila de espera. Eu ligava para lá e ela me dizia que tinha vários na minha frente,

eu fiquei esperando, até o dia de chegar minha vez. Só que neste dia, ela foi demais, ela gritou

dia e noite, o vizinho foi e chamou a polícia. Não foi por maldade não, chamou para ver se

eles resolviam como de fato, graças a Deus, resolveu.

Chegaram, conversaram comigo, eu contei a história, eles ligaram para a

ambulância, num instante a ambulância veio, duas horas da madrugada. Passei o resto da

manhã todinha lá em Messejana... quando no dia seguinte, às 11 horas da noite, ela foi

internada. A gente vai para Messejana porque lá é tipo um anexo, vai e fica aguardando a

vaga, aí eu fiquei aguardando esta vaga de madrugada, o dia todinho e quando deu dez horas

da noite ela saiu de lá, eu sei que o internamento dela foi feito mais de onze e meia, terminado

lá vou eu saindo para pegar ônibus no meio da rua, sozinha. Eu estava na João Pessoa, que é

ali no São Vicente de Paulo, sem conhecer nada. Ela foi para lá de Kombi, que foi cheia de

sujeito.

Antes de interná-la, eu fui falar com a assistência social para conseguir uma vaga

para falar com o médico, eu fui à médica dela lá do posto que era aqui na Álvaro de Lima,

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mas, agora mudou lá para o Carlito. Falei com a doutora, contei todo o problema dela, ela

mudou o remédio. Mudou para Risperidona, começou a tomar Risperidona e não deu certo,

ela continuo do mesmo jeito, ela tomou quatro meses: janeiro, fevereiro, março, abril. Quando

foi agora, no começo do mês, no mês passado, fim do mês passado de julho de 2012, eu fui de

novo porque tinha um médico lá, botaram um médico plantonista. Este médico é para atender

estas pessoas, graças a Deus. Muito bom o médico, muito bom mesmo, eu falei com ele,

contei o problema todinho e ele mudou o remédio dela para um Olanzapina15

, pronto, mas

também não deu certo. Então, comecei a ligar para ambulância, porque eu não queria levá-la

para internar, porque eu sei o sofrimento, eu sei como é. Só levo quando ela fica sem comer e

sem tomar o remédio. Como ela estava... eu estava aguentando os gritos delas, os estresses

dela, porque eu sabia que era da doença. Mas, mesmo assim não consegui. Por fim, ela já não

estava mais comendo, dizia que eu colocava comida para ela em um prato de defunto. Não

estava mais tomando banho, porque a roupa também era do meu irmão que morreu e eu dei

para ela. Tudo coisa da cabeça dela, aí foi o jeito internar. Mas eu só interno no último caso.

Liguei para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Ficou a

dificuldade para conseguir esta ambulância. Acho que demorou uns quinze dias. Uns 15 dias

da primeira vez que eu liguei. Porque é tipo assim... ela queria que a gente ligasse todo dia. Só

que é aquela coisa que às vezes você fica com abuso, que dá é desgosto, a gente pensar que

vai ouvir a mesma coisa. Olhe, ligava de manhã, eles diziam assim: ligue à tarde, quando eles

mandavam ligar à tarde, eu não ligava, ligava no outro dia, entendeu. Eles diziam: ligue à

noite... eu ficava comigo... se ligam de dia eles não vem, a noite é que eles não vêm mesmo.

Eu desistia de ligar, eu nunca liguei à noite, eu já tenho levado ela à noite, mas sabe como eu

levo? Tinha um rapaz que é primo do meu marido que trabalha no SAMU, ele é motorista e

ele conseguia, falava com o médico lá e conseguia a ambulância. Era assim.

Mas, eles mesmos não mandavam o socorrista não. Vinha o motorista. Uma vez

veio o motorista e uma enfermeira, eles me deram aquela... aquele bichinho para conter o

sujeito. Eles ficaram olhando, eu pedi, me ensinem pelo menos como é que a gente faz. Ela

estava lá na rua, não a deixei nem entrar no portão, para exatamente facilitar para eles... uma

criatura, ela é magrinha, ela não mete medo em ninguém. Ela só é estressada com a gente,

porque é da família. Ela não agride ninguém de fora não, aliás agride, mas com palavras, ela

só agride a gente. Deram-me estas ataduras para colocar nela, mas eu não consegui... começou

a me agredir, tive ajuda da minha sobrinha, minha cunhada, um policial que mora aqui e meu

15

Esquizofrenia e outras psicoses que apresentem delírios, alucinações, hostilidade e isolamento emociona

(MOMENTO TERAPÊUTICO).

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filho para poder conter ela... e eles olhando lá, porque se eles tivessem chegado, conversando

direitinho, ela tinha ido. Esta foi a penúltima crise dela.

Nessa última foi numa boa. A polícia veio, falou comigo, eu contei a história,

contei todinha, aí eles solicitaram o SAMU. O SAMU veio rapidinho, disse que tinha três

ocorrências, mas não deu para ele atender três ocorrências não, porque deu meia hora, eles

chegaram. O rapaz ligou, eu acho que era uma hora, antes das duas horas chegaram. Ela

estava do lado de fora, porque quando ela começa a se estressar, ela abre a porta, pode ser a

hora que for, de madrugada, duas, três horas. Ela abre a porta e fica rodando os quintais, por

isso incomoda os vizinhos. Ela abre a porta e fica gritando no quintal, eu fecho tudo para ela

não entrar e não se esconder debaixo das coisas, porque a menina já tinha ligado para

ambulância, só que ela não tinha ligado para ambulância, tinha ligado para polícia. Eu a

deixei no quintal e fui lá falar com a polícia, eles ligaram e ambulância veio.

Quando eles chegaram, quando a moça chegou, eles ficaram com medo. A gente

vê mesmo na televisão que eles sofrem atentado, os sujeitos os agridem e eles ficam com

medo. Mas eu disse que eles poderiam ir que ela não fazia nada. Só que ela estava atrás das

pedras, tinham umas pedras ali atrás. “Vixe, mas junto com as pedras?” Não, podem ir que eu

garanto que não faz nada não. Ela faz comigo, mas com vocês ela não faz não, mas eles

tiveram medo. Eu disse: deem-me uma lanterninha porque lá é escuro, a gente vai e fui na

frente, cheguei lá, ela quis me agredir e eu disse: calma ninguém vai fazer nada com você,

tenha calma, saia daqui... ela começou a me esculhambar, querendo pegar em um pau, sabe.

Mas, se a gente ficar com medo é pior, eu não tenho medo dela, eu não tenho, porque eu sei

que ela não vai fazer nada comigo, mas a gente nunca sabe, mas eu tenho confiança. Aí,

quando eles viram que ela não era tão agressiva, eles chegaram, se aproximaram e disseram,

vamos. Ela disse: vou não, vou não, podem ir embora que eu não vou. Vamos, não vamos

fazer nada com você, vamos para o médico. Pegaram na mãozinha dela e ela foi numa boa,

amarraram as ataduras e foi tudo numa boa mesmo.

A família é meio incompreensiva, eles se estressam, reclamam, não dão muita

atenção a ela. Ela não aceita que ninguém converse com ela, a gente vai conversar com ela:

“O que foi tia?” Meu filho vai perguntar, ela responde: “não quero conversar contigo” e

começa a chamar palavrão, a gente tem de sair de perto e isolar ela, entendeu? Se a gente

tenta conversar, ela acha ruim e chama palavrão com a gente, esculhamba a gente e se a gente

não conversa, ela reclama: “vocês não ligam nem para mim. Não prestam nem atenção

quando eu estou chorando”. Se a gente comentar que ela esculhamba, a situação piora. A

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gente tenta isolar porque é isso que é melhor para ela e para a gente. Pode não ser para ela,

mas para a gente é o melhor.

As meninas do CAPS vêm aqui e lá no CAPS ela é bem tratada. Não tenho o que

reclamar do CAPS. As meninas todo mês vêm dar uma injeção nela, a enfermeira veio, eu

marquei uma consulta com este médico que chegou lá. Elas vieram buscar ela na Kombi, ela é

bem tratada lá, ela é que não gosta de ir, não gosta de fazer a terapia, não gosta nada disso. O

que eu queria saber, já até perguntei para o médico: “doutor, porque ela tomando o remédio e

entra em crise?” Mas ninguém me responde e nem eu sei o porquê. Porque ela toma, eu sou

consciente que eu dou o remédio, eu a vejo tomando e ela entra em crise. Eu não sei por que.

Só que depois que ela entra em crise, ela só fica boa se ela se internar. Não fica boa as minhas

custas, quer dizer, eu ajudando aqui em casa, só se for ao hospital.

Uma coisa importante que eu vejo atualmente são as formas de assistência dos

hospitais, quando o sujeito melhora um pouco, eles jogam para casa, teve uma vez que

fizeram isso com ela, ela melhorou um pouquinho e botaram para casa. Passou foi tempo para

ela ficar boa. Não sei o que poderia ser feito, mas isso aí eu acho um ponto muito negativo,

porque, às vezes, a pessoa não está completamente boa. Ontem mesmo eu vi uma menina lá

que estava de alta, a menina toda impregnada, de olho duro, eu pensei que ela estivesse se

internando, ela estava saindo. Inclusive ela morava até no interior, estava tentando fazer uma

ligação para conseguir chamar o carro de lá, foi a maior burocracia. Do CAPS eu não tenho

muito que reclamar, porque o CAPS é que está me ajudando da maneira que eles podem. O

difícil é porque tem muita gente, mas sinceramente, eu não tenho o que reclamar do CAPS. O

médico custa muito a ver o sujeito, a última consulta dela foi marcada com oito meses, quer

dizer, vai ser em dezembro ainda, mas na hora que a gente precisar do remédio, a gente vai

falar com o outro médico, só que o outro médico não pode fazer nada. Para a gente conseguir

falar com o médico da pessoa, a gente tem que marcar uma consulta extra. Para isso, você

marcar uma consulta com a assistente social, vai dizer tal dia, vai lá fala com a doutora,

quando é que a senhora pode atender, ela marca para tal dia. Eu acho as consultas de lá e os

retornos muito prolongados. Se o sujeito tiver em crise, amanhã e a gente chamar vamos ao

médico? Eu não posso fazer isso, entendeu? Eu vou receber o remédio, é um remédio que

passa com a assinatura dele, mas ele não pode mudar nada. Nem o horário do medicamento

eles podem mudar. Só quem pode é o médico do sujeito e isso está certo. Só que eu acho que,

como eu lhe disse, o retorno é muito demorado.

Última consulta dela foi trinta de três e o retorno está marcado para dezessete do

doze. No dia trinta tem uma consulta extra que eu pedi e depois só em dezembro. Fazendo as

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contas do mês de abril são oito meses. Não tem condições! Não era assim, o máximo entre as

consultas eram de três meses. Aí passou para quatro, passou para cinco e está assim agora. Ela

tentou fazer terapia, mas ela não quer, foi uma única vez e não quis mais ir. Ela diz: “não vou,

eu não sei de nada, eu sou burra”. Eu digo: “não, mulher, mas vamos ao menos para se

divertir. Tu fica lá e eu fico contigo”. Só uma vez que ela foi. Está aqui o remédio que ela está

tomando olonzampina, quinze miligramas não, alguém deve ter botado errado, porque ela

recebe uma caixa com dez miligramas. Estou com a receita aqui, mas ela recebe outra caixa

com cinco miligramas, são quinze no total. Ela toma dez miligramas durante a manhã e cinco

à noite e à noite toma mais dois Haldol de cinco miligramas, não serve de nada, é mesmo que

tomar um copo d’água. Não dorme um cochilo ontem ela passou o dia todinho em pé lá no

hospital, passou a manhã, a madrugada e o dia em pé, eu não sei como é que ela aguenta.

No hospital, a assistente social pega os dados, faz algumas perguntas e anota lá,

depois a gente vai para o médico. Fui bem tratada e ela tomou uma injeção e logo ela

melhorou comigo, ela se acalmou, ficou minha amiga, conversou comigo. Mas, o estresse

dela com esse negócio de gritar, de chorar não passaram, ontem até a hora dela se internar não

tinha passado. Comigo ela já esta numa boa, já tinha passado a raiva de mim.

Eu acho o seguinte: que mesmo que eu tenha alguma coisa a dizer, não vai

adiantar nada. Porque nós não somos maioria e a gente fala, fala, porque o que a gente vê na

televisão são as ambulâncias sendo mostradas e os anjos da noite socorrendo não sei quem. E

quando a gente precisa é uma dificuldade toda, eu não tenho nada a dizer por isso, porque não

adianta nada. Bem que eu teria, mas eu não vou dizer, porque não vai adiantar, não vai

adiantar o meu pedido, bem que eu queria dizer “faça isso, eu gostaria que fizesse assim”,

porque não adianta. Inclusive eu até me estressei com o senhor, mas é porque faz raiva

mesmo, a gente está precisando de uma coisa e não ser atendido. Eu teria bem o que dizer

mesmo, mas deixe para lá, não adianta, não vou reclamar porque não adianta.

5.3 A história de Orfeu16

5.3.1 Contexto e caracterização

Orfeu, 31a, solteiro, graduado em Letras, fala quatro idiomas, é professor de

línguas. Tem uma renda média de quatro salários mínimos, reside sozinho no bairro Damas,

16

Orfeu, poeta e médico. Era o poeta mais talentoso que já viveu. Quando tocava sua lira, os pássaros paravam

de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo (GRAVES, 2008). O entrevistado era um sujeito

estudioso, graduado em Letras, poliglota e professor de línguas.

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Secretaria Executiva Regional IV. É responsável pela irmã que apresenta transtorno bipolar e

vem apresentando crise constante há quatro anos.

O contato com Orfeu foi através do relatório do SAMU e a sua receptividade à

pesquisa nos facilitou coletar sua narrativa. No momento do contato, sua história mereceu

atenção, pois relatou que não era uma única irmã e sim duas. Comentou que as duas irmãs

moravam sozinhas e que uma cuidava da outra.

Retornei à ligação e agendei a entrevista que ficou marcada para uma tarde,

lembro que Orfeu relatou que deveria ser na hora exata, pois seria no intervalo de suas aulas e

que teríamos duas horas para a conversa. A primeira dificuldade encontrada foi na localização

da residência de Orfeu. Ao chegar, fui bem recebido, preparei tudo para começar e iniciei a

coleta da narrativa.

Orfeu, como professor e estudioso, colocou-se à disposição para relatar tudo

novamente, pois não consegui captar os detalhes relatados no primeiro momento. Tudo

transcorreu normalmente e como Orfeu foi bem disponível, solicitei que fizesse o contato com

sua irmã para que eu coletasse a narrativa da mesma e tudo ocorreu bem.

5.3.2 A narrativa

Eu prefiro acreditar não numa cura completa... mas no tratamento com a família.

Eu lembro que desde pequena, entre cinco e dez anos, ela já apresentava algumas

anomalias em termos de comportamento. Ela nunca foi uma criança totalmente carinhosa ou

afetuosa, quando a gente levava à escola, ela não admitia de forma alguma que ninguém

pegasse na mão dela para atravessar a rua ou para caminhar nas avenidas mais perigosas. Ela

sempre demonstrava ter uma aversão, nojo, dos irmãos ou da mãe, não queria que ninguém

pegasse na mão dela ou tocasse nela. Até mesmo quando minha mãe demonstrava um

carinho, pegava no cabelo dela, ela sentia nojo, corria onde houvesse água para se lavar e isso

foi ficando cada vez mais comum.

Quando maiorzinha, entre 12 e 14 anos, ela começou a demonstrar que era

intolerante a qualquer tipo de ruído ou conversa, não suportava escutar a voz de algumas

pessoas da família, ela se incomodava. Quando ela estava no quarto dela e tinha alguém

conversando na sala, ela começava a bater na parede com o pé, com a mão, seja com o que

fosse, para que parasse de falar. Neste mesmo período, ela desenvolveu um problema na

coluna vertebral, apresentou um desvio formando tipo um `S´ e uma das minhas irmãs, que

hoje mora fora, foi quem fez o acompanhamento de todo o tratamento dela sobre esta questão.

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Ela tinha muita vergonha deste problema, porque era algo que a gente percebia. Ela já tinha

consciência que não haveria solução, poderia melhorar um pouco, mas não tinha solução e

que ela ficaria com o tronco um pouco atrofiado. E isso a deixava com uma vergonha muito

grande. É tanto que quando o médico falou que o problema dela era quase sem solução, ela

ficou insistindo para fazer uma cirurgia. Ele disse que era possível, mas era de muito risco e

que talvez, mesmo com a cirurgia, ela não ficasse totalmente recuperada, totalmente perfeita.

Mas, ela insistia e o problema se agravou porque ela conseguiu uns três aparelhos para usar,

mas nunca usou o aparelho de forma correta. Isso era uma coisa que me incomodava muito,

ela terminava de tomar banho, se vestia e não botava o aparelho. Ela queria brincar, correr,

como toda criança, queria se divertir, queria brincar, andar de bicicleta, subir no muro, pular,

mas ela não podia, ela tinha que ter todo esse acompanhamento. Precisava usar o aparelho

direto, mas ela nunca usou nenhum dos três que ela conseguiu então, o problema dela se

agravou muito. Hoje, ela tem o tronco muito atrofiado, devido à questão da coluna.

O desenvolvimento do problema dela atual ocorreu depois dos 16 anos de idade,

quando ela já era uma mocinha mesmo e tinha esse problema, eu acredito que esse problema

da coluna afetou muito também. Apesar de outros problemas, para mim é como se fosse um

somatório de problemas que foram se acumulando e teve um estopim. A primeira crise

ocorreu com 16 anos, nesta época, a minha mãe e minha irmã a levaram para a igreja,

apelaram primeiro para a questão da religião. Ela desde a primeira crise é uma sujeito que

tinha alguns momentos de violência, sendo necessário levá-la ao hospital, mas ela não passou

por internamento na primeira crise, foi só medicada.

Nas últimas crises, as características apresentadas foram bem semelhantes, sendo

que nas duas últimas, ela não foi tão violenta como as do meio do processo. Como a família é

grande, cada um acredita numa forma de tratar particular, uns acreditam mais na questão da

religiosidade, apelaram para fé e para o exorcismo, outros acreditavam mais no tratamento da

saúde, através da medicação, acompanhamento e internamento. Já no meu caso, eu prefiro

acreditar não numa cura completa, até porque eu acredito que o problema também seja

genético pelo fato de ter uma avó e um primo que tem o mesmo problema. Mas, eu acredito

no tratamento com a família. No momento de crise de violência, acredito que seja necessário

tomar uma medicação para se acalmar, mas eu não acredito na questão da recuperação

completa e, também, não acredito no tratamento com internação, no isolamento.

Ela já fez um tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas

resolveu abandonar o tratamento. Como minha mãe deixou a casa, não conseguiu mais lidar

com a situação, porque ela já é uma pessoa de idade, ela ficou morando com minha irmã, que

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também tem problema, mas, resolveu não tomar mais nenhum medicamento. Ela fazia o

acompanhamento, mas, resolveu desistir por conta própria. Ela é uma que inicia muitas coisas

e não termina, como: curso de idiomas, pré-vestibular, até mesmo trabalho, ela já trabalhou.

Ela trabalhou em uma empresa grande como a Norsa (indústria de bebidas), representante da

Coca-Cola no Ceará, mas, não passou muito tempo. Ela ficou cerca de dois meses, nesse

período, ela chegou até morar comigo, dividindo aluguel, mas, é uma pessoa muito difícil

para conviver, porque ela é muita cabeça dura mesmo, as coisas dela são do jeito dela. Ela

chegou a alugar uma casa para ficar aqui perto mesmo e trabalhava durante a semana, de sete

às dezessete horas e passava o resto do dia dormindo, o final de semana todo dormindo. E

retomava as atividades na semana seguinte, nesse período, ela trabalhava e fazia o curso de

inglês aos sábados. Logo após sair do trabalho, mais ou menos duas ou três semanas após, ela

entrou em crise.

De fato, eu não confio no tratamento com isolamento, internação. Os CAPS, eu

aprovo, até o ponto em que eles tenham espaço para se ocupar com alguma atividade, para ter

um acompanhamento com psicólogo, com psiquiatra, com a questão da medicação, e reprovo

no sentido de misturar os sujeitos que são dependentes químicos, usuários de drogas, com

sujeitos que têm apenas crises de sofrimento psíquico. Eu, particularmente, não acredito numa

cura total, mas, na amenização do problema a partir do tratamento adequado que, para mim,

seria um acompanhamento com a família. A família tem que ser muito bem esclarecida para

lidar da forma mais correta possível com o problema. Compreender o sujeito, controlar,

porque em alguns momentos a gente chega a ter raiva, outros momentos a gente chega a ter

pena. Controlar esses sentimentos, visto que a gente se considera pessoa normal diante deles

que têm um problema que consideramos anormais. Então, a gente tem que se comportar -

diante de uma crise – de uma forma adequada, mais adequada possível para não magoar o

sujeito, nem de forma física e nem psíquica.

Eu não concordo com a questão dos hospitais, que fazem tratamento com

internação, porque, pela experiência que eu tenho visto, eles não estão realmente em condição

de tratar. As estruturas físicas, no meu ponto de vista, não são adequadas para tratar um

sujeito desse tipo, falta alimentação de qualidade, terapeutas ocupacionais, recurso material,

para criar atividades que envolvam esses sujeitos e profissionais mais qualificados, porque

alguns dos funcionários deixam muito a desejar. Funcionários que não tratam o interno com

amor, que chegam a “xingar” com palavrões, que eu cheguei a ver, funcionários que negam

água.

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5.4 A história de Hestia17

5.4.1 Contexto e caracterização

Hestia, 24a, solteira, universitária, tendo como única ocupação o estudo. Renda

média de um salário mínimo, residia com sua irmã que apresentava transtorno bipolar há 12

anos, no bairro Messejana, Secretaria Executiva Regional VI. O contato com Hestia se deu

através de seu irmão Orfeu e nosso objetivo inicial era coletar a narrativa da irmã que

apresentou a situação de crise psíquica.

Ao chegar à casa de Hestia, esta iniciou o seu relato de vida sem solicitação, como

todas as pessoas que convive com alguém em sofrimento psíquico, a mesma encontrava-se

ansiosa para descarregar seu sofrimento.

Constatei logo no início que Hestia também apresentava algum sofrimento

psíquico, durante sua narrativa revelou que sofria de síndrome do pânico e que já havia sido

internada no Hospital Mira y Lopes. Mas, procurou logo registrar que estava curada e agora

só dedicava-se a cuidar da irmã. Mesmo na ânsia de relatar seu sofrimento, Hestia não foi

descuidada, no momento de assinar o Termo de Consentimento, solicitou para não colocar o

número completo de seu documento.

5.4.2 A narrativa

No meu caso é diferente, porque eu sei o que eu faço, eu sei o que eu estou fazendo

e ela esquece que ela está em si e ela não faz as coisas certas.

Eu lembro que ela fala que foi pela perda do meu irmão que cometeu o suicidou.

Ela fala que não aceitou, a gente era criança e ela mal falava. Ela se fechava, não queria falar

com ninguém. Última crise dela foi no mês passado, ela chegou aqui não queria comer e ficou

alterada, querendo bater. Eu terminei chamando a polícia para ela, porque ela estava muito

agressiva.

Geralmente, nas situações de crise, eu chamo a ambulância, mas não vem. Às

vezes preciso chamar duas, três vezes, mas sempre não vem. Neste último caso, chamei a

polícia porque ela estava muito agressiva, foi o jeito chamar. Nas situações de crise, eu já

chamei bombeiros, foi quando ela estava trancada não queria abrir a porta. Neste dia, eu

17

É a deusa grega dos laços familiares, simbolizada pelo fogo da lareira (GRAVES, 2008). Representa aqui a

irmã dedicada que cuida da irmã e quando ela está iniciando a crise “eu corro faço um suco de maracujá, eu vou

procurar um erva para fazer alguma coisa para a calma ela”.

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fiquei assustada, a gente fica assustada de qualquer forma, mas a mulher me disse que não

tinha como conter.

Eu já estou bem acostumada a lidar com este tipo de situação, porque minha avó

tinha problemas mentais, a gente sabe que a pessoa fica nervosa e tudo, mas, a gente fica

assustada. Vê que a pessoa não esta fazendo a coisa certa, a gente pede para a pessoa fazer

uma coisa e ela faz o contrário. Aí, a gente ver que não é uma atitude de pessoa normal.

Inclusive eu já tive muito nervosa, que fiquei assim muito assustada, muita alterada e isso

acontece com todo mundo. No meu caso, é diferente, porque eu sei o que eu faço, eu sei o que

eu estou fazendo e ela esquece que ela está em si e ela não faz as coisas certas. A gente diz

faça isso, ela faz o, tipo não sei, coisa paranormal, não sei.

Ela até fazia um tratamento no CAPS geral da Secretaria Executiva Regional

(SER VI), eu sempre disse para ela, tem que se tratar, não pode passar a noite toda acordada.

A gente quer dormir, os vizinhos querem dormir e ela passa a noite acordada. Isso incomoda,

com certeza, tanto a mim, que estou aqui dentro de casa, quantos aos vizinhos que tem

criança, tem pessoas idosas. Quando ela está assim, ela fala muito alto, chega a incomodar,

isso é chato. Quando percebo o quadro dela alterando, eu corro faço um suco de maracujá, eu

vou procurar uma erva para fazer alguma coisa para acalmá-la. Graças a Deus, tem dado

certo, pois quando eu vejo que ela esta alterada, vou ali fazer uma coisa com alface, ou alface

e mel para acalmá-la. Ela toma e é instantâneo, ela já fica calada, calma.

Atualmente, ela não toma nenhum medicamento. Na última crise que ela foi para

o hospital eu não sei, porque das vezes que levaram para medicá-la, eu não fui. Às vezes, a

gente não está com condições de ficar com a pessoa em casa, ela fica muito assim, elétrica,

não para, não sei explicar, só sei que é difícil. Não sei porque ela deixou o tratamento no

CAPS, aquele ambiente é pesado e eu não gosto de está ali, não sei. Não gosto de está em um

ambiente daquele. As psicólogas já vieram aqui falar com ela, mas, é uma coisa que não

depende só do CAPS, depende muito dela. Porque para a pessoa se tratar, a pessoa tem que

querer, depende primeiro da pessoa, mas, quando a pessoa não quer o tratamento, fica difícil.

O hospital deixa a desejar, não sei se é falta de profissionais. Assim, quando a

pessoa esta precisando de um tipo de assistência, a gente quer uma ajuda de uma pessoa para

orientar, o que devo fazer quando ela está assim? E não tem, fica a desejar. Tem o problema

da alimentação, a alimentação de lá não é legal. É um local que têm pessoas delinquentes,

pessoa que já mataram, já praticaram muitos erros na vida. E, quando a gente vai e fica perto

dessas pessoas, é estranho. Porque o comportamento delas é diferente, quando você fica perto

delas e olha para elas, a gente ver que não é um olhar normal. É um olhar assim querendo

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agredir você, agridem a gente com o olhar, é ruim esse ambiente. Se eu tivesse em casa seria

melhor, porque a gente não consegue dormir, não consegue fazer nada que a gente gosta, não

é um ambiente sadio.

Eu lembro que fiquei alterada, fiquei nervosa e fui tomar uma medicação, depois

dormir. Bem, o que eu lembro que foi o estresse do dia a dia, eu ainda não cuidava

diretamente da minha irmã, mas eu auxiliava em alguma coisa. A gente fica assim, pelas

raízes familiares, árvore genealógica e tudo. O hospital é ruim porque é um ambiente com um

monte de pessoa, sei lá, eu acho até que seja um preconceito, que eu tenha preconceito com

esse tipo de pessoa. Porque uma pessoa que se comporta normal, como qualquer outra pessoa,

está no meio daquele tipo de pessoas, é ruim.

Eu percebo a pessoa que está com uma boa intenção e qual a pessoa que já está

querendo uma ajuda, mas, daquele tipo de ajuda que a gente fica sempre com o pé atrás, com

a intenção da pessoa. A minha mãe foi uma pessoa que me ajudou, eu fui levada pela família,

fizeram uma triagem, todo aquele processo. Fizeram um monte de pergunta e eu respondi,

eles ficam fazendo muitas perguntas, eu acho até chato. Que tem pergunta que não precisava

nem fazer, porque ele está vendo a situação. Quando eu estava lá, a minha mãe me visitava,

outra vez foi o meu irmão, meu pai. Mas, a pessoa que eu mais gostava quando me visitava

era a minha mãe e foi também uma vizinha, que já chegou até a falecer.

Hoje, isso já passou, não significa mais nada, porque o que passou, passou. Não

vai alterar nada, porque o que eu estou vivendo hoje é uma coisa diferente e o passado não vai

me afetar em nada. Porque o passado já passou. A perspectiva de vida é com certeza crescer é

“galgar” meu caminho. Eu não preciso ficar me martirizando, porque eu vivi isso, porque

minha família fez isso comigo, e sim criatura tu vai ficar nessa até quando? Sim, tu não vai

tirar proveito de nada deste fato para sua experiência de vida?

5.5 A história de Afrodite18

5.5.1 Contexto e caracterização

Afrodite, 33a, solteira, ensino médio completo, vendedora ambulante. Renda

média de um salário mínimo, residia com sua irmã no bairro Messejana, Secretaria Executiva

Regional VI. Doente há 12 anos, com histórico de várias crises psíquica e três internações

psiquiátricas.

18

É a deusa do amor, da beleza e da sexualidade na mitologia grega (GRAVES, 2008). Representa a

entrevistada, pois ela se referia muito ao amor.

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Após entrevistar Hestia, solicitei a permissão para falar com sua irmã e o primeiro

contato foi meio receoso, tanto de minha parte como de Afrodite. Ao chegar à sala, Afrodite

perguntou a sua irmã se eu era da saúde e após explicar meus objetivos, ela sentou e

concordou em conversar. Como vinha da minha atividade profissional, encontrava-me com

uma blusa que tinha escrito enfermagem e ela comentou que enfermagem era da saúde.

Depois de realizado os trâmites burocráticos, iniciei a coleta da narrativa que no

caso dela, tornou-se quase uma entrevista, pois a mesma apresentava resposta sucinta,

necessitando ser estimulada a aprofundar a narrativa. Depois de coletados todos os seus

relatos marcados, principalmente, pela preocupação do sujeito com a mãe, ela foi até o quarto

e voltou com seu artesanato e me deu de presente. Tentei pagar pela sua arte e ela não aceitou

e ainda me deu uma foto sua, segundo ela só poderíamos ser amigos se eu tivesse uma foto

dela. Insistir que me tonaria seu amigo mesmo sem a foto, mas, a mesma não aceitou e tive

que trazer a foto que está guardada junto com os Termos de Consentimento.

5.5.2 A narrativa

Eu tenho 34 anos e tenho o diagnóstico de transtorno bipolar...

Eu iniciei o problema com 12 anos, quando meu irmão tirou a vida dele. Eu fiquei

perturbada. Todos nós aqui somos da igreja Batista e vamos sempre à igreja, sempre buscar a

Deus. Desde este dia em diante, fiquei perturbada, perturbou meu humor, eu fiquei assim. A

minha mãe teve que tomar diazepam19

também, ela passou apresentar um batimento forte,

porque ela trabalhava muito e fazia calo, assim como eu. Quando eu começo a trabalhar,

começa a dá calo nos meus pés, eu fui criada trabalhando igual a minha avó. A minha avó saia

vendendo as coisinhas dela, chiclete, bombons, essas coisas. Eu fui criada trabalhando e não

me canso não. Eu tenho 34 anos e tenho o diagnóstico de transtorno bipolar, tem vezes que eu

fico só chorando, porque eu não sou uma pessoa violenta, eu sei me comportar, eu sei entrar,

eu sei sair. Eu só sou nervosa.

Última crise? Lembro não. Eu só sei que fico lembrando-me das coisas ruins que

acontecem, das coisas ruins que eu vejo. Assim como se alguém estivesse me perseguindo. Eu

fico com a cabeça toda baratinada, tem vez que eu saio para vender as coisas e fico com uma

tontura. O povo diz “minha filha, quando você tiver com estas tonturas não saia para vender”.

Às vezes eu vejo as coisas, as coisas ruins e as coisas boas que acontece, eu já ouvi vozes.

19

O diazepam é usado no tratamento de estados de excitação associados à ansiedade aguda e pânico, assim como

na agitação motora e no delirium tremens (MOMENTO TERAPÊUTICO).

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Quando eu estou assim, quem cuida de mim? É Deus! Aqui na terra é a família, a

família que gosta da gente. É a minha irmã quando está em casa, que cuida é quem está em

casa. Eu sei que não preciso ir para nem um local, porque aqui é meu lugar, o lugar certo. Eu

não estou fazendo nenhuma coisa errada, não estou maltratando ninguém. Eu me controlo, eu

sei me controlar. Eu tomo um chá de erva doce e eu consigo dormir, eu não atrapalho a vida

de ninguém. Eu concordo com o pessoal da saúde, mas não concordo em tomar estes

remédios velhos, eu tomava sete tipos de remédios e ficava toda impregnada assim [fez a

forma].

Eu não preciso dos remédios, eu já me desintoxiquei e mais nunca na minha vida

vou precisar, porque pedi minha libertação a Deus, e não foi a ninguém da terra não. Foi a

Deus, não preciso mais. Eu continuo fazendo o tratamento no CAPS, só que vou quando eu

estou precisando mesmo, quando eu estou precisando conversar eu vou lá. Nesse mês, eu

ainda não fui nem uma vez. Eu já me desintoxiquei dos remédios porque eu só dormia com

eles, vivia com a cabeça inchada feita um bicho, toda suja, sete remédios: clorpromazina20

,

diazepam, menino era tanto remédio do cão que eu não tomo mais não. Eu só tomo chá de

erva doce e consigo dormir. Depois de deixar os medicamentos, só tive uma crise, depois do

medicamento, foi só uma crise grave. Eu durmo, mas eu fico assim só chorando, só pensando.

Os pensamentos negativos vêm porque todo mundo pensa ruim, mas eu tento controlar para

não fazer mal A ninguém e nem a mim mesmo, porque eu fico só chorando pensando nas

coisas ruins.

A minha mãe é a mãe que mais cuida da gente. A mamãe se preocupa tanto que

entra em choque, ela se esquece de comer, ela passa cinco dias sem dormir. Isso também me

abala. Oh! Meu Deus, a mãe não merece isso, nem uma pessoa no mundo merece sofrer tanto.

Ela sofre. Eu já tentei me aposentar três vezes, mas não consegui, por causa deste engancho

de ter que morar só. Eu preciso, eu necessito porque quando eu tiver velha, coroca...kkkk.

Quem vai cuidar de mim, imagino isso para o futuro, porque vendedora autônoma, as vendas

tem dia que não vende dez reais, dá para fazer o que com dez reais? Fico preocupada, isso fica

assim preocupando minha cabeça. Às vezes eu fico desorientadinha, sem saber o que fazer.

Eu estava vendendo as coisas e o meu sobrinho disse que eu coloquei o dinheiro no aparelho e

dei a descarga, eu estava tão perturbada do juízo de um jeito que fiz isso. Eu não sei o que eu

fiz, ele disse que eu tinha botado o dinheiro no aparelho, não fui eu, foi uma força.

20

Clorpromazina está indicado no controle de manifestações de desordens psicóticas; no controle de náusea e

vômitos; no alívio da agitação e apreensão antes de cirurgias; na porfiria aguda intermitente; como adjuvante no

tratamento de tétano (MOMENTO TERAPÊUTICO).

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Quando eu estou em crise, eu peço muita força a Deus, eu não sou violenta, nunca

na minha vida eu encostei a mão em ninguém. Graça a Deus! Eu só fico me tremendo assim,

somente o nervosismo, assim cansada. Eu não gosto de ver as coisas que eu vejo de errado no

mundo, ai isso me preocupa. A gente ver que ninguém vem assim para ajudar, por exemplo,

minha senhora, está com peso, posso ajudar? Porque hoje em dia não existe mais

hospitalidade, eu sofro com isso. Porque eu não gosto de ver isso, isso é horrível. Não chega

ninguém, chega para beber seu sangue, tomar café. Cadê a merenda? Testemunha de vista,

meu avó que morreu, ele dizia testemunha de vista é a pior coisa que existe em sua casa.

Você está na sua casa, passa o dia trabalhando, vai fazer sua comida, quer ter um

sossego, paz, chega gente. O que tem para comer? Abre a geladeira. Testemunha de vida é

isso, entendeu? O que você comprou? [murmurou] ela foi para onde? Quantas sacolas ela vem

na mão? Fica assim, isso me perturba muito. Eu só sou nervosa, o meu problema é só

nervosismo.

5.6 A história de Hera21

5.6.1 Contexto e caracterização

Hera, 54a, casada, ensino fundamental incompleto, do lar. Vivia com uma renda

familiar de um salário mínimo, residia com o marido na Granja Portugal, Secretaria Executiva

Regional V.

Mesmo agendando a visita com Hera, quando cheguei à sua residência, ela estava

chegando com uma filha e ficou surpresa com minha chegada. Solicitou-me um tempo para

um rápido descanso para que pudéssemos iniciar a conversa. O contato com Hera foi mediada

pelo genro, já que foi ele que fez o contato com o SAMU e seu relato me marcou por dois

motivos: primeiro por ser a primeira crise e o segundo pela violência que marcou a situação.

Hera organizou umas cadeiras na garagem e ficamos conversando por uns quinze

minutos antes de iniciar a coleta. Iniciei a coleta e logo ela se emocionou, vale ressaltar que

durante a conversa informal, a filha de Hera estava presente e no início da gravação da

narrativa, ela se ausentou e acredito que isso fez com que Hera ficasse à vontade para se

21

É a deusa do casamento, esposa de Zeus, rei dos deuses, e rege a fidelidade conjugal (GRAVES, 2008).

Retrata aqui a mulher dedicada que não quer ver seu marido sendo maltratado.

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expressar. Durante alguns momentos da entrevista, Hera se emocionou e parou por alguns

momentos, mas não ocorreu choro.

5.6.2 A narrativa

Mais como eu digo, não quero que ninguém o maltrate, ele fez o que fez, mas eu não

quero que ninguém maltrate...

Tudo começou quando viajamos para Canindé. Daí para cá, foi muito sofrimento

para mim. Sofri muito lá no Canindé, porque foi nesse dia que nós nos separamos, lá na

rodoviária do Canindé. Porque ele quis me matar, ele bateu em muita gente lá. A morte que

ele diz ter feito, ele não fez, ele diz para todo mundo, mas ele não matou ninguém, porque eu

já fui lá me informar e não tem essa morte, mas bater em muita gente lá, ele bateu. Daí para

cá, ele vem assim violento, os filhos tiveram que se esconder porque ele queria matar todos.

Meu menino mais novo teve que sair daqui por causa dele, porque queria matar ele, a mulher

e o menino, desde esse dia, ele ficou desse jeito.

Agora recentemente, meu menino conseguiu pegar ele e levar para internar, mas

ele está marcando o menino, disse que o menino está jurado para morrer. Eu não sei como vai

ficar o caso dele, porque os médicos não dizem, quando se pergunta, um diz que ele não tem

nada, outros diz que tão cedo ele não vai sair. Porque tem que fazer estes exames,

eletroencefalograma (EEG), para saber como vai ficar. Ele é muito revoltado com as pessoas,

principalmente com minha filha, ele não era assim, ele ficou nessa situação agora, ele era uma

pessoa boa, uma pessoa normal, ele ajudava as pessoas. De repente aconteceu isso.

O motivo é o seguinte: ele tem um filho que ele não se une desde os dez anos de

idade, que não se une um com ele. Quando chegamos ao Canindé, na casa da madrasta dele,

ele ficou 12h em ponto em cima de uma pedra gritando pelo nome do menino. Onde você

está? O que você está fazendo? Ele não quer que ninguém fale o nome deste filho, mas nesse

dia aconteceu isso, dai para cá, ele passou fazer as coisas que o filho fazia, ele passou fazer

idêntico ao filho, ele detestava pessoa com a faca na mão, ele só estava querendo andar

armado, do jeito que meu filho colocava a faca no coes, ele estava botando. Nos lugares onde

meu menino perdia dinheiro emprestado, que era para me visitar no interior, porque eu estava

muito mal, ele passou em todos os cantos pedindo dinheiro, dizia tudo que meu menino dizia,

as coisas ruins que meu menino dizia ele estava dizendo.

Por esse motivo, a gente está achando que o meu filho não existe mais. Inclusive

nesta semana, a gente vai andar nos hospitais, no Instituto Médico Legal (IML), para ver se a

gente encontra alguma coisa sobre ele. Porque o meu marido foi naquela igreja universal do

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centro e eles disseram para ele que ele estava com um encosto de um jovem que perseguia ele,

então, esse jovem para nós é ele. Está com mais de um mês que um amigo meu viu meu filho

e ele disse que ele estava falando bem arrastado, só os ossos, ele disse para este meu amigo

que só ia sossegar quando tirasse a vida do pai dele. Diz que ele não fala em outra coisa,

somente isso.

O pai dele expulsou porque ele queria tirar as coisas da gente para gastar, ele

queria obrigar a gente ficar dando dinheiro a ele para ele usar drogas e a gente nunca aceitou

esse tipo de coisa. A polícia não faltava na minha porta, quando não era a polícia era a gangue

fazendo quebradeira na minha casa atrás de matá-lo, eu não vou encobrir isso, eu tenho que

dizer. Então o pai teve que se obrigar a dizer que não queria mais ele na casa, a gente

arranjava emprego para ele, a gente botava nos cantos bons, a gente só arranjava canto bom

para colocá-lo e ele só fazia desordem. Por último, foi arranjada uma casa da igreja aqui, a do

irmão A. Ele estava bem gordinho, bem limpinho o irmão cuidava dele direito. Sabe o que ele

fez? Aproveitou a ausência do irmão, escolheu os aparelhos mais caros que tinha na Igreja e

tirou para usar as coisas dele lá, desta época para cá, ele sumiu.

A gente ouvia o povo, ele esta em tal parte, mas quando foi hoje, este rapaz disse

que a última vez que o viu faz mais de mês, só a casca. Ele disse que ele estava pedindo ajuda.

Eu disse para ele que se visse ele em algum canto, ele voltasse e viesse me dá as dicas onde

ele estava para tomarmos as providências. Mas sem o pai dele saber, porque o pai dele não

quer ver e nem ouvir o nome dele, só neste dia que ele chamou por ele, eu não sei como vou

reagir com tanta coisa. Alias, só eu venho dominando ele 24h, porque eu não queria que

ninguém o maltratasse, ele não queria ir para o hospital e ficava falando não me leve a força e

eu dizia eu não vou levar a força o que der para fazer por você, eu faço. E eu disse a ele: “o

que puder fazer por você eu faço” e tudo que ele pediu, eu fiz por ele.

Quando eu fazia algo ele dizia assim: “não está prestando, você não fez direito”.

Eu dizia “está bem, está certo”, eu não o agitava, eu combinava tudo, tudo que ele pedia, eu

fazia. Neste momento, era só eu, porque os outros da família não encostaram e os meus filhos

como estavam jurados, só faziam entrar em contato através do telefone escondido, para que

eles não se apresentavam para não complicarem mais. Quando eu queria falar com eles, eu

vinha aqui para dentro de casa, eu entrava no banheiro e comunicava com os meninos: “está

assim” e eles diziam: “pois mãe, qualquer coisa, a mãe entra em contato que a gente chega por

aí, a gente ver como está, a gente chama uma ambulância”. Mas, tudo eu fazia, uma polpa de

maracujá e dava a ele, botava um remédio dentro, tranquilizava-o e eu ia vencendo, mas

chegou o momento que não teve mais jeito, não tive condição de controlar mais.

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Mas, como eu digo, não quero que ninguém o maltrate, ele fez o que fez, mas não

quero que ninguém maltrate, porque o que eu puder fazer por ele, eu faço e um dia, eu estarei

vivendo em nossa casa de novo igual nós vivíamos. Deus vai nos ajudar, as pessoas que

podem nos ajudar a controlar isso, as pessoas dizem porque é que tu tens tanta força? Porque

eu peço ajuda a Deus e eu já passei pelo CAPS, eu já vi muito sofrimento das pessoas lá e eu

já sei como é que é, já assisti muitas reuniões no CAPS e então, eu tenho que seguir do jeito

que elas passaram na reunião. E, assim, vou levando ele, meu menino é que diz, “mãe você

tem muita paciência”. É porque eu ouvi no CAPS, nas reuniões, elas explicam como a gente

deve lutar com as pessoas assim, portanto eu vou lutar até quando Deus quiser.

Ontem, eu fui vê-lo, eu não tinha mais visto ele. Porque a gente entrou em contato

com o meu menino que mora lá na Messejana, a minha menina se comunicou com a vizinha

que está com o filho dela internado também e ela disse: “olhe chame a ambulância ao chegar,

aqui entra um na frente, fica conversando com ele, o rapaz da ambulância vai conversar com

ele e assim a gente fez”. Quando meu menino entrou, ele estava lavando esta área, o meu

menino entrou, conversou e ele disse e esta ambulância? Pai, essa ambulância é do amigo aqui

da dona S. O rapaz ficou escutando ali fora, o rapaz se apresentou, entrou falou com ele. Sr.

F., o senhor vai agora ao hospital comigo, e ele disse, não, eu não vou para o hospital, não

estou sentindo nada. O rapaz disse: “o senhor vai se consultar porque o senhor não está bem”.

Quando ele quis se alterar, o rapaz disse: “Como é que é? O Senhor quer ir numa

boa ou quer ir amarrado?” “Não, amarrado não, eu vou numa boa. Não sei o que vocês vão

fazer comigo, mas vou numa boa”. E entrou na ambulância e foi normalmente e se internou.

Meu filho foi com ele, eu não me apresentei neste momento, eu estava na casa da minha irmã.

Meu menino mais velho foi quem foi assinou um termo para ele entrar e ele só sair se meu

filho assinar o termo para ele sair. A médica que atendeu falou: “teu pai só sai daqui se tu

vieres assinar, enquanto tu não assinar para ele sair, nós não deixaremos sair”. Está nesta

situação, ele só sai se o meu menino for assinar para ele sair. Quando ele estiver de alta tudo

bem, quando elas derem alta a gente vai trazer ele. O meu menino não assina para ele sair, ele

disse: “mãe só vou assinar para o pai sair quando ele ficar bom, quando vermos que o pai tem

condições de vir para casa, enquanto não, nós não vamos levar o pai”.

Meu filho está sendo bem atendido, ele está sendo bem cuidado, a gente leva as

coisas para ele. Lá ele está em local reservado porque ele tem problema de diabetes,

hipertensão, os rapazes disseram que eles estão tendo muito cuidado com ele lá, porque estas

pessoas com estes problemas devem ter vários cuidados para que não tenham complicações,

mas o problema dele é o peso. Porque está perdendo peso rápido demais, da doença para cá,

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ele perdeu 22 quilos, vou ter quer ir ao centro de diabetes marcar a consulta dele, porque é

duas consulta por ano. Neste período, era para eu ter marcado, mas com este problema todo,

eu não consegui ir, nesta semana eu vou ao centro de diabetes, eu vou falar com a médica dele

para ver como vai ficar esta situação. Vou contar como ele está, falar que o peso dele está

caindo rapidamente, porque não é para está perdendo deste jeito, era para perder os poucos,

mas ele está perdendo muito, tá ficando magro, ele está tomando medicação para inchaço,

para o coração, porque ele tem problema de coração crescido e para diabetes e hipertensão.

Quando ele chegou lá, teve que tomar as medicações psicotrópicas, para ir

controlando. Não estou me sentindo muito bem não, porque nós nunca nos separamos desta

forma, 36 anos nós nunca nos separamos. Assim, nos deixamos por um momento, mas foi

besteira de casal, como o senhor sabe. Mas, desta forma, assim, nós nunca tínhamos nos

separado e toda vida eu cuidei muito bem dele, porque ele sempre foi uma pessoa muito legal,

nunca deixou eu ficar com as minhas coisas na cabeça, sem ter condições. Graças a Deus, isso

nunca aconteceu, sempre foi uma pessoa que nunca deixou faltar nada dentro de casa. Eu

estou sofrendo, porque eu não posso ficar direto na minha casa, eu venho cuido de alguma

coisa, do uma geral e vou para casa da minha menina, para casa do meu menino, vou para

casa da minha irmã, fico neste jogo, eu não me sinto bem, eu me sinto bem na minha casa.

Eles cuidam bem, é todo tempo com cuidado em mim, mas eu não me sinto bem

como no meu canto. A família da parte dele, não procura ele, só a da minha parte está

assumindo. Da parte dele tem irmão, irmã, mas ninguém quer ouvir a voz dele por causa

destes problemas, mas eles podiam colocar na realidade que não foi o primeiro. Ele está

abandonado pela família dele, só é eu e os meus filhos tomando conta dele e eu digo vocês

têm que visitar ele, vocês tem que entrar em contato com ele, porque são irmãos e eles querem

que eu vá à visita e avisem como ele está para poderem ir visitar. Hoje, eu vou ver se dá

tempo de ligar para eles, porque eu tenho muita coisa para resolver, eu estou me sentindo só,

coisas que eu não resolvia agora, eu tenho que resolver.

Ele disse lá no hospital que eu estou sofrendo muito, eu não estou me alimentando

direito, ele já sabe quem sou eu, eu não tenho é força de vencer a batalha. Ele fica colocando

aquilo na cabeça que eu não estou me alimentando, que eu estou sofrendo, que eu não gosto

disso, eu não gosto daquilo e ele sabe tudo, ele está internado, mas ele está sentindo o que eu

estou passando, eu só sei que farei o que puder fazer por ele, eu vou fazer até o fim. Se for

problema da cabeça, eles podem resolver, mas se tiver outras coisas pelo meio, já não é

problema deles, porque lá por essa igreja disseram que ele estava com espírito, até orientaram

ele procurar um centro espírita porque era para tirar, mas ele disse que não. Ele chegou a se

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zangar até com uma mulher lá no Canindé porque a mulher falou isso para ele, ele não gosta

que fale este nome para ele.

Eu não sei depois que baterem este eletro da cabeça, a gente pode saber a

realidade, se ele tem alguma coisa na cabeça, se aconteceu alguma coisa, porque as pessoas

dizem que Acidente Vascular Cerebral (AVC) dá de vários tipos e ele já teve começou de

infarto, foi só um começo, mas todo eletro que ele tira do coração acusa que ele teve e a

médica disse tenha cuidado, porque de uma hora para outra você pode ter uma coisa mais

forte. Por isso, eu fiquei com medo neste período agora, porque ele esta fraco, não quer se

alimentar, o negócio dele é só água, para ele tomar um copo de sopa, um suco era um

sacrifício, tudo tinha mau cheiro.

Eu estou com esperança que vão resolver o problema dele e ele vai se recuperar

para a gente viver a vida da gente, resolvendo as coisas, porque desse jeito, ele lá e eu cá, não

dá certo, é muito complicado, eu quero é que ele se recupere. Minhas irmãs dizem assim, “não

se ele ficar bom e vocês ainda voltarem, nós não somos mais suas irmãs”, mas elas deviam

entender, elas não vivem mais com os maridos dela porque Deus já levou. Mas eu tenho que

fazer minha parte, porque eu não posso viver toda vida no poder dos filhos e de irmã. Eu

tenho que viver no meu canto, até quando Deus quiser. O pior não é o que eu estou passando,

porque ele está lá se tratando, está lá guardado. O pior eu estava passando vendo a hora

acontecer algo com ele, porque ele chibatava todo mundo, ele parava todos os carros e perdia

para os carros matarem ele, esculhambava todo mundo. Disse “pronto aqueles mendigos no

meio da rua”, um policial fez foi dizer, “senhora tenha cuidado, porque o seu marido insulta

todo mundo, principalmente estes mendigos, estes mendigos não tem nada a perder, uma hora

podem pegar ele sozinho, podem fazer alguma coisa com ele”. Eu não posso fazer nada, tem

que internar, mas ele respondia que não podia levar ele a força não, quando ele ficava batendo

nas pessoas, a polícia vinha.

Um dia ele falou com a polícia da farda verde lá de Canindé, eles olharam assim e

disseram não podiam fazer nada, vocês não podem fazer nada não, porque os mendigos

estavam insultando com ele, eu vou mostrar como eu vou fazer. Pegou o sujeito e meteu a

porrada, quando ele estava chibatando o criatura, eles deram a volta pelo outro lado e foram

assistir e ainda disseram rapaz porque você fez isso, ele respondeu: “eu pedi a ajuda de vocês

e vocês não fizeram nada e ficou por isso”. Na praça azul, ele chibatou um homem que estava

atrás de roubar, chamou o ronda, não posso fazer nada não, quando o ronda saiu, ele pegou o

sujeito e meteu a pancada, porque ele estava querendo roubar a mercadoria lá e ficava por

isso.

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5.7 A história de Atena22

5.7.1 Contexto e caracterização

Atena, 54a, viúva, ensino fundamental completo, costureira, com renda familiar

de um salário mínimo e meio. Residia com os filhos e uma neta na Granja Portugal, Secretaria

Executiva Regional V.

A entrada de Atena na pesquisa foi interessante, após coletar a narrativa de Hera,

entrei no meu carro e antes de sair fui abordado por Atena, ela me perguntou se eu era do

SAMU e eu perguntei o porquê. Ela respondeu que tinha um filho internado e que a última

crise dele tinha sido gravíssima. Parei o carro e prontifiquei a ouvi-la, logo no início de seu

relato, Atena começou a chorar, precisando interromper um pouco a coleta dos dados. Após se

recompor, Atena relatou seu sofrimento com riqueza de detalhes.

O jovem que apresenta as crises psíquicas era um filho adotivo, mas que Atena

preocupou-se logo em justificar que não havia diferença. Retornou sua narrativa que somente

foi interrompida pela neta, filha deste jovem internado. A coleta da narrativa de Atena ficou

um pouco prejudicada por ter sido realizada na calçada e sofrida influência do ambiente

externo. O que marcou esta narrativa foi a forma como foi captada a narradora.

5.7.2 A narrativa

É difícil, só quem conviver com louco é que sabe do tamanho do perigo que está

correndo.

A minha situação é muito difícil, porque é complicada, às vezes a gente está

sozinha em casa, ele quebra as coisas dentro de casa. Ele, aqui em casa, eu não tenho mais

nada, porque ele quebra tudo. Quebrou a televisão, o som, a porta. Esse portão aqui já é o

terceiro portão que eu boto e ele quebra, estraga tudo. Então, é difícil, muito difícil, ainda

mais que esses hospitais estão fechando, estão querendo fechar os hospitais de louco. Já tem é

muito fechado e vai fica mais difícil, porque esses CAPS não adiantam, porque não tem como

a gente se socorrer no CAPS. Nos CAPS não tem médico, se tem médico, mas esta em crise,

não fica lá, manda para os hospitais, então é difícil, complicado. A gente que trabalhar com

pessoas especiais porque as pessoas assim são especiais.

22

Deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, da estratégia, das artes, da justiça e da habilidade (GRAVES,

2008). Representa uma mãe que busca cuidar de seu filho adotivo que apresenta sofrimentos psíquicos graves.

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É muito difícil porque têm uns familiares que entende e tem outros que não

entende. Uns diz que é “sem-vergonhice”, outros diz que eu só “puno” por ele. É porque a

gente vê a necessidade, porque a pessoa que é doente mental, a gente conhece só no

conversar. E quando ele está em crise, ele fica muito revoltado, tudo ele fala, tudo ele

reclama. Por exemplo, a minha filha, ele não gosta da filha da minha filha, ele não gosta do

esposo da minha filha, então ele fica rejeitando as pessoas, fica difícil a convivência em casa.

Quando ele está em crise, quebrando tudo, eu tenho que chamar a ambulância.

Então, o amarram e colocam dentro do carro e leva ele para tomar medicamento. Muitas vezes

não tem carro e muitas vezes não vão porque tem medo dele virar o carro, porque fica

pulando dentro do carro fica fazendo coisas, “estrebuchando”, fica difícil, é complicado. A

ambulância é muito difícil para conseguir para ele agora, tive que recorrer a um amigo pastor,

porque ele fez muita ligação, eu fiz muita, mas só diziam que não tinha ambulância, que não

tinha ambulância. Mas, eu conheço um pastor que trabalha nessas ambulâncias, foi que eu

liguei para ele e ele veio aqui e levou-o. Ele veio com a turma dos bombeiros, e amarraram-no

e levaram.

Eles o amarraram e ainda passou dois dias amarrado no hospital. Porque não tinha

como ele ficar solto porque ele queria quebrar tudo. Dizia que ia bater até nos médicos, é

difícil. Aqui ninguém dorme de noite, porque ele passa a noite todinha querendo derrubar as

coisas, quebrando as coisas, tendo visões, ouvindo vozes. Faca, garfo é tudo escondido, nada

aqui de arma a gente deixa assim, pau, ninguém pode deixar por perto, nem nada, porque é

perigoso.

Ele é meu filho adotivo, eu o crio desde um mês. Nasceu e botaram na minha

porta. Depois, com dois ou foi três anos, a mãe dele apareceu, mas ela não queria saber dele e

eu já gostava dele, já o amava como meu filho. Só Deus sabe quanto eu o amo! [choro]. Sei

que é difícil, muito difícil. Em 2006, na primeira crise dele, foi porque ele estava bebendo na

pracinha, então um cara roubou um depósito e veio com um “bocado” de papel, com vários

contracheques, não sei o que mais e botaram em cima dele. E quando ele entra em crises, ele

anda com os papéis para cima e para baixo, entendeu. Quando a pessoa está normal, não faz

um negócio desses.

Então, a polícia veio e prendeu-o, como ladrão, foi que ele enlouqueceu mesmo,

ele pirou de uma vez, que não teve mais cura. Só sei que ele se internou, passou mais de um

mês internado e pronto, daí para cá, ele ficou nas crises direto. Pegaram o ladrão, esta com

seis, sete meses que chegou um papel do fórum, informando que ele está com a ficha limpa.

Tiraram o nome dele, não tinha prova que tinha sido ele, outra coisa, ele não fez mais isso.

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Porque isso não foi ele, porque a mãe conhece o filho, a mãe conhece porque eles começam a

roubar dentro de casa. E, aqui em casa, ele nunca tirou nada, não é porque eu quero punir por

ele não, isso aqui o deixou com a ficha limpa. Mas, quando foi agora que fomos internar ele,

puxaram a ficha dele e disse que ele tinha um problema na Coordenadoria Integrada de

Operações de Segurança (CIOPS), um negócio aberto para ele, só que eu não sei o que é. Se

ele fez alguma coisa por aí, eu não sei, porque quando ele está assim, ele anda muito, ele anda

sem destino, ele não para quieto em canto nenhum, mas se tivesse, já tinha vindo à minha

porta, tem meu endereço, eu estou com os papéis do fórum aqui.

Eu tenho que até resolver este negócio para poder tirar os documentos dele,

porque ele não tem nenhum documento, ele rasga, quando ele está assim em crise, ele rasga

tudo. Antes dele vim para o hospital, ele rasgou a roupa dele todinha, ele não tem uma roupa

mais, ele só está com a roupa do corpo lá, ainda bem que lá não precisa levar roupa porque

dão, mas eu tenho que comprar roupa para ele porque quando ele vier, ele tem que ter roupas.

É por tudo isso que eu digo que é muito difícil, é muito difícil a situação, lutar com uma

pessoa doente mental, muito difícil. E eu acho isso revoltante, este governo meu irmão querer

fechar estes hospitais, que na hora da necessidade, só quem nos acolhe é eles.

Porque dentro de casa não dá para cuidar de louco não, essa crise que ele teve

agora, o médico disse para mim: “minha filha, faça um quarto lá no fundo do quintal e bote

ele dentro, a senhora bote grade”. E eu disse: “o senhor vai preso no meu lugar? Porque se eu

fizer isso eu vou presa, então, onde tem que ficar é nos hospitais, não é dentro de casa preso

não, porque preso dentro de casa não tem vaga não”. Eu só sei que neste dia ele não quis

internar porque tinha que esperar não sabe quanto tempo, era lá em Messejana, onde a gente

fica lá fora no chão deitado com esses doidos, dão medicamento a eles lá no chão. Eu passei

dois dias com ele lá, foi que graças a Deus abriu uma porta e surgiu uma vaga no São Vicente

de Paulo e o botei ele lá. Eu que acompanho, desta vez foi eu e minha filha, porque não dava

para ficar só, porque fiquei tão nervosa que passei mal. Eu já estou tomando remédio

controlado para poder aguentar o barco da doença dele.

Os CAPS não resolvem, não resolvem porque o sujeito só vai quando ele quer e o

meu não vai, não tem nem perigo dele ir. Para dizer que ele nunca foi neste tempo todinho, ele

foi umas três vezes, ele não vai, ele diz: “eu não vou, eu não vou” e bate o pé e não vai... Eles

não dão receita sem ver o sujeito, porque é obrigação deles quando estava tendo uma reunião

lá, eu sempre vou para as reuniões, que era obrigação do pessoal dos CAPS virem na casa da

gente ver o sujeito, já que o sujeito não vai, eles têm como vir em casa e eles não vem. Ele

estava este tempo todinho sem ir ao CAPS que fica aqui no Bom Jardim, eles me disseram

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que tinha que fazer uma triagem, ia marcar um dia de uma triagem para eu levá-lo para poder

fazer. Eu disse: “minha irmã, se ele não vem sem triagem, imagina com triagem, aí é que ele

não vem mesmo”. Quando eu falei para ele, ele enlouqueceu e não foi ele já estava nas crises.

No dia que eu estava lá no hospital tinha um rapazinho, um jovem de 17 anos,

bem bonitinho, o bichinho fazia era pena, louco, louco e vinha do CAPS, porque no CAPS

não tinha como ficar lá. Estes CAPS não eram para existir não, era para existir hospitais, abrir

estes hospitais que estão todos fechados, abrir para colocar este pessoal para dá sossego a

gente, porque a gente não tem sossego. Quem convive com louco não tem paz, porque muitas

vezes eu não como, porque não dá para comer. A gente não se alimenta direito, não dorme

direito, não tem sossego, principalmente no final de semana que tem bebedeira e o pessoal

dão bebida para louco. O pessoal sabe, conhece, mas ainda dão, porque o meu toma porque o

pessoal fornece e assim fica mais difícil lutar com louco e com bebida, quando juntam as duas

coisas e o remédio que ele toma o caboclo fica mais doido. Assim, ele adoece todo muito,

todo mundo fica nervoso, é muito difícil. Eu chamei muitas vezes, já passei dois dias aqui

chamando direto, mas direto, pense e eles só diziam que não tinha ambulância hoje não, para

essa área não tem ambulância, só consegui através deste pastor. Eu ligava de 10 em 10 min e

fui conseguir através deste pastor, porque ele estava trabalhando e eu liguei para ele e ele

trouxe a ambulância. Mas, o SAMU, não traz a ambulância de jeito nenhum.

Quando teve a reunião lá no hospital disseram que era bom que as mães e os pais

se reunissem e fossem lutar para que os hospitais não fechem, mas se uma vai duas não vão e

assim fica difícil uma andorinha só não faz verão. Eu disse lá, se reunir um grupo, eu garanto

ir com vocês, mas uma pessoa só não adianta, porque se eu for sozinho, o que eu vou fazer lá,

porque não adiantar eu só falar, tem que ter multidão, para sermos ouvido temos que ter

multidão.

Esta aqui é a filhinha dele, é linda! Ele é um rapaz novo, bonito, trabalhador. Mas

é assim mesmo a vida da gente, mas um dia melhora, tudo é prova que Deus nos dá para ver

se a gente aguenta a luta. Eu creio que Deus vai transformar aquela vida, ele pode curar, ele

tem todo o poder de curar e libertar, porque Deus tem o poder, nós não podemos nada, mas

ele pode, porque ele é o médico dos médicos. Eu creio que um dia ele vai fazer a obra, porque

para mim é mais difícil porque eu não tenho marido, porque se eu tivesse um homem que me

ajudasse nesta caminhada, um marido, um esposo, mas não tenho. O pai dele e nada é a

mesma coisa, é um pai que não tem amor por ele, me manda botar ele no meio da rua isso é

coisa de pai. Lugar de doido é no hospital, o que ele diz é isso com o filho, no lugar de ajudar,

só atrapalha cada vez mais, porque ele o vê dizendo isso, ele coloca na cabeça, mesmo assim

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ele é louco pelo pai. Quando fui visitá-lo ontem, ele foi logo perguntando, “mãe cadê o pai?

Não vem me ver não?” “Meu filho, não se preocupe com seu pai, quando ele tiver tempo ele

vem”. “Vem não mãe, vem não”.

Quando ele está em crise, eu percorro os seguintes caminhos, primeiramente, a

Deus, porque se não fosse Deus a gente não vencia esta batalha e segundo é procurar

hospitais, procurar a medicina para vê se a gente tem um pouco de paz, é aonde eu vou.

Primeiro a Deus, sem Deus a gente não tem força, se eu não tivesse fé em Deus eu não estava

nem viva, porque ele já quis me matar, ele disse que viu um velho com um olho que entrava e

saia e que este velho queria me matar, então ele agarrou na minha garganta dizendo que era a

garganta do velho. É difícil, só quem conviver com louco é que sabe do tamanho do perigo

que está correndo com aquela pessoa, principalmente ele, porque ele muda de repente, ele está

aqui bonzinho e de repente ele dá aquele surto. Tem que acompanhar 24h, porque é perigoso.

Este rapaz que está entrando aí, ele já quis matá-lo. Nós estávamos aqui e de repente lá vem

ele correndo lá de dentro com a faca na mão, eu vou matar ele, vou matar ele, é um perigo, é

muito perigoso. Tem que está tudo escondido, se ele pegar uma faca e der um surto nele ali

mesmo, ele mata um, porque ele não sabe nem o que está fazendo, porque é de repente, a

mente dele muda. Eu sei que é complicado, mas eu creio que Deus tenha solução para tudo.

4.2.6 Questões éticas

O projeto foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Federal do Ceará (UFC), e aprovado conforme parecer nº 111/11. Os sujeitos

que aceitarem participar da pesquisa assinaram voluntariamente o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice C) que contém justificativa, objetivos, metodologia,

riscos e benefícios do estudo.

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5. RESULTADOS: CATEGORIAS EMPÍRICAS

5.1 Explicação causal do sofrimento mental a partir da visão dos sujeitos do estudo

As narrativas apresentam um complexo diversificado de causalidade atribuídas

pelos sujeitos como originárias do desenvolvimento do problema psíquico, variando desde

causas mais concretas até fatores abstratos, como rituais e perseguições espíritas. Entre as

causas concretas estão a finitude da vida e as consequentes perdas dos entes familiares de alto

grau de relação afetiva, como avô, avó e irmão. Essa concepção multicausal vem estabelecer a

dimensão coletiva para o fenômeno saúde-doença mental.

Podemos perceber a presença da multicausalidade no trecho da narrativa:

O desenvolvimento do problema dela atual ocorreu depois dos 16 anos de idade,

quando ela já era uma mocinha mesmo e tinha esse problema, eu acredito que esse

problema da coluna afetou muito também. Apesar de outros problemas, para mim é

como se fosse um somatório de problemas que foram se acumulando e teve um

estopim (Orfeu) [grifos nossos].

A multicausalidade é representada a partir de fatores mais concretos. É possível

perceber que esses fatos foram marcantes no sentido de isolar, embotar e perturbar os

sujeitos, levando-os a vivenciarem seus mundos na via do sofrimento psíquico.

Observamos que se estabelece uma fronteira entre o normal e o patológico a partir das

crenças e dos rituais. Mesmo após séculos de descoberta do processo saúde-doença e como

este se estabelece, o processo de adoecimento permanece marcado por uma visão não

natural no desenvolvimento dos sofrimentos mentais.

A interpretação do processo de instalação do sofrimento psíquico é marcada por

essa multicausalidade durante a vida. Desta forma, o processo saúde-doença está atrelado à

forma como o ser humano lida com suas amarguras, angústias e temores.

Eu iniciei o problema com 12 anos, quando meu irmão tirou a vida dele. Ai eu fiquei

perturbada. Todos nós aqui somos da igreja Batista e vamos sempre à igreja, sempre

buscar a Deus. Desde este dia em diante eu fiquei perturbada, perturbou meu humor,

ai eu fiquei assim. A minha mãe teve que tomar diazepam também, ela passou

apresentar um batimento forte [...] (Afrodite).

Eu lembro que ela fala que foi pela perda do meu irmão, que se suicidou. Ela fala

que não aceitou, a gente era criança e ela mal falava. Ela se fechava não queria falar

com ninguém (Héstia) [relato sobre Afrodite].

Ele é meu filho adotivo, eu o crio desde um mês. Nasceu e botaram na minha porta.

Depois, com dois ou foi três anos a mãe dele apareceu, mas ela não queria saber dele

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e eu já gostava dele, já o amava como meu filho. Só Deus sabe quanto eu o amo!

(choro). Sei que é difícil muito difícil. Em 2006, na primeira crise dele foi porque

ele estava bebendo na pracinha, então um cara roubou um depósito e veio com um

bocado de papel, com vários contracheques, não sei o que mais e botaram em cima

dele. E quando ele entra em crises ele anda com os papeis para cima e para baixo,

entendeu. Quando a pessoa esta normal não faz um negócio desses. Então a polícia

veio e prendeu-o, como ladrão, foi que ele enlouqueceu mesmo, ele pirou de uma

vez, que não teve mais cura. Só sei que ele se internou, passou mais de um mês

internado e pronto, daí para cá, ele ficou nas crises direto (Atena) [grifos nossos].

Tudo começou quando viajamos para Canindé. Dai para cá foi muito sofrimento

para mim. Sofri muito lá no Canindé, porque foi nesse dia que nós nos separamos, lá

na rodoviária do Canindé. [...]. Ele tem um filho que ele não se une desde os dez

anos de idade, que não se une um com ele. Quando chegamos ao Canindé lá na casa

da madrasta dele, ele ficou 12h em ponto em cima de uma pedra gritando pelo nome

do menino (filho dele). “Onde você está? O que você está fazendo?” Ele não quer

que ninguém fale o nome deste filho, mas nesse dia aconteceu isso, dai para cá ele

passou fazer as coisa que o filho fazia, ele passou fazer idêntico ao filho, ele

detestava pessoa com a faca na mão, ele só estava querendo anda armado, do jeito

que meu filho colocava a faca no coes ele estava botando. Nos lugares onde meu

menino perdia dinheiro emprestado, que era para me visitar no interior, porque eu

estava muito mal, ele passou em todos os cantos pedindo dinheiro, dizia tudo que

meu menino dizia, as coisas ruins que meu menino dizia ele estava dizendo (Hera)

[grifos nossos].

Além disso, há busca pela compreensão do fenômeno adoecimento na religião.

Portanto, podemos atribuir dois sentidos: 1) ele acreditava naquela igreja ou 2) ele queria

parar de sofrer. Pois cabe lembrar que o slogan da igreja que o esposo de Hera procurou é

“Pare de Sofrer!”. Nesse caso, a doença assume o significado de “um encosto”.

Porque o meu marido foi naquela igreja universal do centro e eles disseram para ele

que ele estava com um encosto de um jovem que perseguia ele, então, esse jovem

para nós é ele (filho). Está com mais de um mês que um amigo meu viu meu filho e

ele disse que ele estava falando bem arrasto, só os ossos, ele disse para este meu

amigo que só ia sossegar quando tirasse a vida do pai dele. Diz que ele não fala em

outra coisa, somente isso (Hera) [grifos nossos].

Outro aspecto importante é o contexto onde se manifestam as causas de forma que

a conjuntura do meio influencia no estabelecimento das causas da doença.

Eu lembro que desde pequena, entre cinco e dez anos, ela já apresentava algumas

anomalias em termos de comportamento. Ela nunca foi uma criança totalmente

carinhosa ou afetuosa, quando a gente levava a escola ela não admitia de forma

alguma que ninguém pegasse na mão dela para atravessar a rua ou para caminhar

nas avenidas mais perigosas. Ela sempre demonstrava ter uma aversão, nojo, dos

irmãos ou da mãe, não queria que ninguém pegasse na mão dela ou tocasse nela. Até

mesmo quando minha mãe demonstrava um carinho, pegava no cabelo dela, ela

sentia nojo, corria onde houvesse água para se lavar e isso foi ficando cada vez mais

comum (Orfeu).

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Eu iniciei o problema com 12 anos, quando meu irmão tirou a vida dele. Ai eu fiquei

perturbada (Afrodite) [grifos nossos].

Quando maiorzinha, entre 12 e 14 anos, ela começou a demonstrar que era

intolerante a qualquer tipo de ruído ou conversa, não suportava escutar a voz de

algumas pessoas da família... ela se incomodava. Quando ela estava no quarto dela e

tinha alguém conversando na sala, ela começava a bater na parede com o pé, com a

mão, seja com o que fosse, para que parasse de falar. Neste mesmo período ela

desenvolveu um problema na coluna vertebral, apresentou um desvio formando tipo

um `S´ e uma das minhas irmãs, que hoje mora fora, foi quem fez o

acompanhamento de todo o tratamento dela para esta questão. Ela tinha muita

vergonha deste problema, porque era algo que a gente percebia. Ela já tinha

consciência que não haveria solução, podia melhorar um pouco, mas não tinha

solução e que ela ficaria com o tronco um pouco atrofiado. E isso a deixava com

uma vergonha muito grande (Orfeu). [grifos nossos].

Um aspecto importante é que o processo de sofrimento psíquico não se instala de

repente, mesmo que ele apresente fator desencadeador do processo. Mas, a história de vida do

indivíduo acometido apresentará fatos e causas que se somarão e serão fundamentais para o

desenvolvimento da patologia.

Fatos esses marcados pela interface existente entre os sofrimentos psíquicos e os

fatores comportamentais, sociais, culturais e ambientais. Quando estas interfaces são

desconsideradas e não há valorização na identificação das causas envolvidas e na forma como

participam no processo da doença, o indivíduo fica vulnerável à influência do meio, fato que

pode comprometer seu estado de saúde e levá-lo a desenvolver uma patologia.

A representação sintomatológica advém no próprio estado patológico, em que a

mesma tem dificuldade de controlar os seus pensamentos em coisas negativas.

[...] Eu dormia, mas eu ficava assim só chorando, só pensando [...] Quando os

pensamentos negativos vêm, porque todo mundo pensa ruim. Mas eu tento controlar

para não fazer mal a ninguém e nem a mim mesmo, porque eu fico só chorando

pensando nas coisas ruim [....] (Afrodite).

Estes pensamentos são resultantes da instalação da doença e são consequência da

alteração do quadro psíquico e da transformação ocorrida no bem-estar pessoal da informante.

Eu só sei que fico lembrando-me das coisas ruins que acontecem das coisas ruins

que eu vejo. Assim como se alguém estivesse me perseguindo. Eu fico com a cabeça

toda baratinada, tem vez que eu saio para vender as coisas e fico com uma tontura

assim. O povo diz minha filha, quando você tiver com estas tonturas não saia para

vender não. Às vezes eu vejo as coisas, as coisas ruins e as coisas boas que acontece,

eu já ouvi vozes (Afrodite).

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No caso do sofrimento psíquico, diversos fatores podem ocasionar a instalação do

estado patológico e o não acompanhamento correto deste estado resulta em um processo de

desequilíbrio, que não ocorre instantaneamente, mas é resultante da somatória de momentos

difíceis não solucionados, de frustrações, de desencantos e desesperança. Às vezes, o estado

de crise é resultante de conflitos existentes no contexto familiar, motivado pela imposição da

família em controlar o sujeito, por acreditar que ele não tenha condições de gerir sua própria

vida ou pelas exigências e caprichos deste sujeito.

Bom, no começo não era muito ruim cuidar dela porque ela me obedecia. Eu dizia

faça isso, vá dormir, vá tomar banho e ela ia. Mas agora, ultimamente, de uns quatro

para cinco anos, ela não me atende mais... ela está agressiva comigo, ela salta na

minha cara. Um dia desses, ela tacou a bacia na minha cara, quebrou meu nariz...

que eu mudei até os óculos. Ficou isso aqui meu todo dolorido. Por esse motivo eu a

deixo passar a semana sem tomar banho, porque não posso obrigar, ela me agride

(Iris).

...as coisas dela são do jeito dela e aí ela chegou a alugar uma casa para ficar aqui

perto e trabalhava durante a semana, de 7h às 17h da tarde, e passava o resto do dia

dormindo, o final de semana todo dormindo (Orfeu).

Para a família do sujeito em sofrimento psíquico, ele tem que se comportar de

acordo com as regras estabelecidas por ela e quando estas regras são rompidas, instalam-se os

conflitos. O sujeito, geralmente, é tratado como incapaz e incompetente na execução de seus

afazeres e os familiares tendem a definir por este o que devem fazer. Estas definições

desencadeiam os conflitos entre os sujeitos e seus familiares e se instalam as situações de

crise. A família tem a intenção de definir a forma de viver do seu ente.

É necessário que a família compreenda que cada indivíduo tem seu estilo e sua

forma de viver e procurar perceber que algumas condições consideradas inadequadas à vida

não podem ser motivo de culpabilidade deste indivíduo. As imposições de um modo de vida

aos sujeitos em sofrimento psíquico, estabelecido por suas famílias, podem resultar em

situações de crise severas.

É muito difícil... tem hora a gente pensa até em abandonar, mas como vai

abandonar? Vou deixar esta criatura morrer no meio da rua? Não tenho coragem,

tenho que enfrentar e aguentar até o dia que Deus quiser. Para a família é meio

compreensivo, eles se estressam...não dão...atenção para ela...ela não aceita que

ninguém converse com ela...o que foi tia? Meu filho vai perguntar. Não quero

conversar contigo não... começa a chamar palavrão...[então ele] sai de perto e isola

ela...se a gente tenta conversar ela acha ruim e chama palavrão...esculhamba...e

se...não conversa ela reclama, vocês não ligam nem pra mim...não prestam nem

atenção quando eu estou chorando...se...for falar...a gente não olha porque tu

esculhamba...é pior...a gente tenta isolar porque é isso que é melhor para ela... e para

a gente. Pode não ser pra ela, mas para gente é o melhor [...] (Iris).

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É uma pessoa muito difícil convivência, porque ela é muito cabeça dura ...as coisas

dela é do jeito dela e aí ela chegou a alugar uma casa para ficar aqui perto e

trabalhava durante a semana, de 7h às 17h da tarde, e passava o resto do dia

dormindo, o final de semana todo dormindo. E retomava as atividades na semana

seguinte... nesse período, ela trabalhou e fazia o curso de inglês aos sábados. Logo

após saiu do trabalho, mais ou menos duas a três semanas após ela teve a [primeira

crise] (Orfeu) [grifos nossos].

O conflito está presente em todos os relacionamentos humanos. No contexto

familiar, estes conflitos são mais complexos, pois cada indivíduo é singular na sua história,

temperamento, idade, composição genética etc. Entretanto, na família que existe um sujeito

em sofrimento psíquico, estes conflitos ficam mais proeminentes, pois cada pessoa formar sua

própria percepção com relação ao problema de saúde que seu ente apresenta.

É muito difícil porque têm uns familiares que entende e têm outros que não entende.

Uns diz que é “sem-vergonhice”, outros diz que eu só “puno” por ele. É porque a

gente vê a necessidade, porque a pessoa que é doente mental, a gente conhece só no

conversar. E quando ele esta em crise ele fica muito revoltado, tudo ele fala, tudo ele

reclama. Por exemplo, a minha filha, ele não gosta da filha da minha filha, ele não

gosta do esposo da minha filha, então ele fica rejeitando as pessoas, fica difícil a

convivência em casa (Atena).

Observamos que a “super proteção” tende a ampliar os conflitos entre familiares e

potencializar os desejos do filho com sofrimento psíquico, que passa a exigir com mais vigor

e revolta que seus desejos sejam atendidos.

Quando ele está em crise quebrando tudo [...] (Atena).

Ao não gerenciar os focos de conflito e a não imposição de limites aos desejos do

sujeito com sofrimento psíquico faz com que se instale o estado de crise que geralmente é

marcado por atos violentos e por fatos que põem em risco de vida o sujeito e seus familiares.

[...] ele destruiu tudo... televisão ele quebrou quatro televisores, toda hora, de

repente do nada, ele rebolava a televisão no chão, quebrava a televisão... eu não

tinha uma grade para botar[...]hoje eu tenho..[...] estava de uma maneira destruindo

tudo[...]ele conseguiu arrancar uma porta, deixar só os pedaços entendeu... então

estava de uma maneira assim impressionante. Ele subia em cima de uma pia e

pulava, sabe, para ver se a pia desabava no chão [...] (Geia).

Quando cheguei em casa com ele, ele foi arrancar um galho e bateu na minha mão

aqui [...] que arrancou um pouco a pele do meu braço... ele chegou em casa muito

agressivo, ele me chutou, chutou meu joelho, ficou arrancando meu cabelo, puxando

meu cabelo... ai eu resolvi desistir, desisti de ficar perto dele, porque eu vi que ele ia

me machucar... eu desço as escadas... aí ele pega a cômoda e tenta arremessar a

cômoda escada abaixo, para ver se a cômoda pegava em mim (Geia).

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Um dia desses, ela tacou a bacia na minha cara, quebrou meu nariz [...] que eu

mudei até os óculos. Ficou isso aqui meu todo dolorido (Iris).

[...] ele quebra as coisas dentro de casa. Ele, aqui em casa, eu não tenho mais nada,

porque ele quebra tudo. Quebrou a televisão, quebrou som, quebrou porta. Esse

portão aqui já é o terceiro portão que eu boto e ele quebra, estraga tudo (Atena).

[...] não tem nenhum documento porque ele rasga, quando ele está assim ele rasga

tudo. Antes dele vim para o hospital ele rasgou a roupa dele todinha, ele não tem

uma roupa [...] (Atena).

5.2 Do reconhecimento da crise a busca por apoio terapêutico e seus descaminhos.

Compreender a forma como se manifestou o adoecer e como tem se dado o

itinerário da assistência após a instalação do sofrimento mental em cada indivíduo, ajuda a

reconstituir os descaminho de desassistência e o sofrimento gerado ou ampliado nesse

percurso. Neste sentido, itinerário terapêutico será compreendido como:

... um determinado curso de ações, uma ação realizada ou um estado de coisas

provocado por elas (...) é um nome que designa um conjunto de planos, estratégias e

projetos voltados para um objetivo preconcebido: o tratamento da aflição

(RABELO; ALVES; SOUZA, 1999, p. 133).

A maior dificuldade em cuidar dele é porque ele já é um adolescente e quando está

em crise é muito forte... ele é pesado, é alto e eu sempre necessito da presença do

meu esposo na hora da crise. [...]Então ele faz coisa arriscada, põe a vida dele em

risco... ele corre, atravessa em frente de carro, de ônibus, ele foge de casa, ele me

agride fisicamente. Ele rasga as coisas, destrói moveis. Faz várias coisas perigosas.

A dificuldade é contê-lo, segurá-lo para ele não se machucar, não machucar a mim.

Como conter se ele é um rapaz e eu ainda sou uma pessoa frágil, pequena, eu não

consigo (Geia).

A última crise começou... ele já vinha há vários dias fazendo coisa que não deveria...

ele na segunda feira... vou fazer um retrospecto... na segunda feira [...] ele saiu

correndo, atravessou Avenida Lineu Machado... que já é um risco muito grande e foi

correndo até a casa de um amigo meu[...]. Ele invadiu a casa e destruiu o jardim

inteiro da pessoa[...] ele quebrou um jarro de cimento enorme, ele destruiu todas as

plantas, ele arrancou tudo com os dentes, as mãos. E eu não sabia como fazer para

ele parar... então, consegui com muito custo e com a ajuda da esposa (do dono da

casa) que ele saísse e levei-o para casa. Na terça feira, ele também tentou fugir de

casa e também destruiu alguns objetos em casa. Rasgou roupa... rasgando a camisa

de malha dele e tudo mais[...] Na terça feira ele chegou a rasgar o banco do

transporte escolar de uma mordida... na quarta-feira eu fui com ele para evitar isso,

fui e voltei com ele no transporte escolar. Assim que o rapaz o desceu de dentro do

carro[...] ele saiu novamente pelo portão... atravessou avenida e foi novamente

quebrar todos os galhos, árvores que ele encontrou na [...] minha rua... aí eu peço

ajuda a um amigo na rua... ele me dá uma corda... então eu amarro as pernas dele

para ele não correr e também amarro a mão dele com a camisa dele. Você vê... é

muito constrangedor, você ter que amarrar seu próprio filho e sair amarrado com ele

pela rua. Só assim consegui chegar a casa com ele (Geia) [grifos nossos].

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Um ponto em comum é o comportamento de destruição que se instala no

momento das crises. Infelizmente, estes atos violentos são direcionados aos familiares mais

próximos.

[...] Ela só é estressada com a gente, porque é da família. Ela não agride ninguém de

fora não, só agride, mais com palavras, ela só agride a gente da família (Iris).

Última crise dela [...], ela chegou aqui não queria comer e ficou alterada, querendo

bater. Eu terminei chamando a policia para ela porque ela estava muito agressiva.

Geralmente, nas situações de crise eu chamo a ambulância, mas não vem. Às vezes

preciso chamar duas, três vezes, mas sempre não vem. Neste ultimo caso chamei a

policia porque ela estava muito agressiva foi o jeito chamar a polícia. Nas situações

de crise eu já chamei bombeiros, foi quando ela estava trancada não queria abrir a

porta. Neste dia eu fiquei assustada, a gente fica assustada de qualquer forma, mas a

mulher me disse que não tinha como conter (Hestia).

Importante destacar que o sujeito até busca como primeira opção de apoio a

ambulância, mas como não é atendida, este tenta outros meios de ajuda e proteção para a

família. A presença destes atos violentos corrobora a ideia de que todo doente mental é

violento e agressivo, no entanto, as agressividades se manifestam após horas, dias e, até

meses, sem assistência adequada durante a instalação das crises.

Não desejamos descartar que o sujeito em sofrimento psíquico no estado de crise

não apresente um risco aumentado à violência, porém é o discurso em torno da crise psíquica

– devido ao risco de atos violento e agressivos – que despertará na sociedade o sentimento de

medo e trará para o cenário social a noção de periculosidade (WILLRICH et al., 2010).

Porém, a violência somente se instalará se nada for procedido para conter e

controlar o estado de crise que este sujeito se encontra. Quando se institui uma comunicação e

uma escuta terapêutica a este sujeito, reduzem- se os riscos de sequestro da liberdade do

mesmo.

Ela desde a primeira crise é uma sujeito que tinha alguns momentos de violência,

sendo necessário levá-la ao hospital, mas ela não passou por internamento na

primeira crise, foi só medicada (Orfeu).

O sujeito em situação de crise deve receber atendimento imediato, tendo

direcionado a ele atenção redobrada que estabeleça vínculo e diálogo terapêutico. Em alguns

casos, os atos de violência já se apresentam na primeira situação de crise, requerendo, com

isso, atendimento mais estruturado e adequado para a contenção desta situação.

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Infelizmente, a condição mental que os sujeitos apresentam, no momento de crise

inviabiliza o discernimento entre o certo e o errado, portanto, uma assistência adequada pode

prevenir que eles se tornem objetos ou agentes de atos violentos.

A grande sobrecarga do cuidado do ente com sofrimento psíquico, geralmente,

fica a cargo das mães, por esse motivo é que as principais narrativas foram realizadas com

elas. Esta sobrecarga tende a ocasionar sofrimento físico e psíquico às mães, que

constantemente, assumem atitudes que são incompreendidas pelos demais familiares,

motivando os conflitos.

As situações de crise, quando não controladas, tendem a desenvolver situações de

emergência que se caracterizam por situações de risco significativo (vida ou injuria grave),

para o sujeito ou outros, necessitando de intervenção terapêutica imediata. A ausência, em

Fortaleza, de uma rede de assistencial deficiente ou ineficiente vem contribuindo para o

agravamento e, até mesmo, desencadeamento de situações de crise em sujeito em sofrimento

psíquico. Hoje, Fortaleza conta, apenas, com uma emergência psiquiátrica, a qual funciona no

Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSMSM) e encontra-se em implantação um CAPS

tipo III, que está disponibilizando vagas para atender sujeitos em situação de crise

(FORTALEZA, 2013).

A escassez deste serviço contribui para potencializar a violência nas crises

psíquicas.

... só quem convive com louco é que sabe...do tamanho do perigo que está correndo

com aquela pessoa...principalmente ele, porque ele muda de repente, ele tá aqui

bonzinho e de repente ele dá aquele surto...tem que esta de olho 24h nele, porque é

perigoso. Este rapaz que está ai ele já quis matar ele, nós estávamos aqui lá vem ele

correndo lá de dentro com a faca na mão, eu vou matar ele, vou matar ele...é um

perigo, é muito perigoso. Tem que esta tudo escondido, se ele pegar uma faca e der

um surto nele ali mesmo ele matar um, porque ele não sabe nem o que esta fazendo,

porque é de repente... a mente dele muda de repente (Atena).

Já que a rede de saúde mental de Fortaleza disponibiliza apenas uma ambulância

voltada para atender estas situações, por esse motivo, as famílias permanecem em completa

desassistência.

Rapaz, eu acho que demorou uns quinze dias: Liguei para o serviço de atendimento

móvel de urgência (SAMU). Ficou nesta dificuldade para conseguir esta

ambulância.. Uns 15 dias da primeira vez que eu liguei (Iris).

Quando o SAMU chegou lá ele não estava mais quebrando, porque estava suado e

exausto. Ele fez muita força para arrancar essa porta, então ele não tinha mais

força... ele já estava sentado no chão suado, sujo, nu e comendo as coisas que tinha

dentro da geladeira... ele estava quieto, estava exaurido... quando cheguei lá eu

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apenas banhei ele, vesti e levei-o... não deu trabalho nenhum para entrar na

ambulância...(Geia).

... ele chegou em casa muito agressivo, ele me chutou, chutou meu joelho, ficou

arrancando meu cabelo, puxando meu cabelo... ai eu resolvi desistir, desistir de ficar

perto dele, porque eu vi que ele ia me machucar [...] aí eu chamo a ambulância,

chamei o SAMU. O SAMU demora muito [...] demorou 4 horas [...] (Geia).

Como é apenas uma ambulância... que é um caso até de denuncia... então não pode

uma cidade como Fortaleza com mais de dois milhões de habitantes terem apenas

uma ambulância psiquiátrica... então a espera é enorme. Se um sujeito em crise

matar uma pessoa, quando a ambulância chegar vai estar só o cadáver, não vai mais

dar tempo de fazer nada... porque eu chamei a ambulância uma hora e eles chegaram

às quatro e meia da tarde, quatro horas depois que eu chamei [....] mas se houvesse

mais ambulâncias aí sim teria um atendimento melhor porque não é possível uma

pessoa esperar quatro, cinco, seis horas por um atendimento. O atendimento é

prejudicado pela falta de ambulância (Geia).

Eu desistia de ligar (para ambulância), mas sabe como eu levo? eu desistia de ligar

eu nunca liguei a noite, eu já tenho levado ela a noite, mas sabe como eu levo?

Tinha um rapaz que é primo do meu marido que trabalha no SAMU ... ele é

motorista e ele conseguia, falava com o médico lá e conseguia a ambulância. Era

assim (Iris).

Acometidos por essa completa desassistência, as famílias tendem a lançar mão de

diversos recursos para tentar superar estes momentos de crise. As diversas formas de tentar

intervir na situação de crise de seus familiares são apresentadas por meio de um fluxograma

(Figura 6). O fluxograma representa sucintamente os caminhos ou meios utilizados na

tentativa de anular o estado de crise de seu familiar. Inicialmente, a família utiliza tratamentos

alternativos de seu conhecimento, geralmente, oriundos de saberes popular ou familiar.

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Figura 6 - Fluxograma seguindo pelos familiares na busca por assistência no momento da

crise.

A tradição de utilizar plantas capazes de aliviar o sofrimento dos doentes esteve

presente neste estudo. As respostas terapêuticas conseguidas, em alguns casos, e os relatos

populares que valorizam este tipo de tratamento tendem a gerar um clima de confiança e

valorização deste tipo de tratamento.

Esgotados os recursos das terapêuticas a base de ervas, as famílias recorrem à

ajuda espiritual, encaminhando os familiares às igrejas ou outras crenças de suas confianças.

Eu tomo um chá de erva doce e eu consigo dormir, [...] Eu concordo com o pessoal

da saúde, mas não concordo em tomar estes remédios velhos. Eu tomava sete tipos

de remédios e ficava toda impregnada assim (fez a forma). Eu não preciso dos

remédios. Eu já me desintoxiquei e mais nunca na minha vida vou precisar, porque

pedi minha libertação a Deus, e não foi a ninguém da terra não. Foi a Deus, não

preciso mais. [...] Eu já me desintoxiquei dos remédios porque eu só dormia com

eles, vivia com a cabeça inchada feita um bicho toda suja, sete remédios:

clorpromazina, diazepam. Menino era tanto remédio do cão que eu não tomo mais

não. Eu só tomo chá de erva doce e consigo dormir (Afrodite).

BANHOS (frios/

mornos)

INTERNAÇÃO

CHÁS/

SUCOS

(Calmante)

DESCARREGOS

EXORCISMO

ESTADO

AGRESSIVO

TRATAMENTO ALTERNATIVO

IGREJA

AMBULÂNCIA

HOSPITAL

CAPS

POLÍCIA

VIOLÊNCIA

MEDICALIZAÇÃO

INÍCIO DA

CRISE

(Cuidado

Familiar)

PASTOR

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É possível observar um entrelaçar de tratamentos que se busca para tentar

conseguir a cura ou controle das doenças. Primeiramente, os tratamentos alternativos são

utilizados, em seguida inicia-se a ajuda espiritual e com isso passa a descartar os recursos

medicamentosos tradicionais porque se acredita que a cura já foi estabelecida.

Eu fazia uma polpa de maracujá e dava a ele, botava um remédio dentro,

tranquilizava-o e eu ia vencendo, mas chegou o momento que não teve mais jeito,

não tive condição de controlar mais (Hera).

A automedicação está associada aos tratamentos alternativos. Essa associação se

configura como grave problema de saúde para população. Importante destacar que não

estamos apontando os efeitos negativos das terapias complementares, sobre as quais não nos

detemos neste estudo, e sim apontamos que a associação do uso de ervas medicinal com o

tratamento medicamentoso, sem orientação de profissional, competente é um problema de

saúde que precisa ser enfrentado.

Comumente, as medicações são indicadas por vizinhos ou familiares que estão

utilizando-as em algum tratamento. A medicalização social vem apontando falsas soluções

para o sofrimento, de forma que as pessoas passam a fazer uso de analgésicos, anti-

inflamatórios, ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos por conta própria. Na maioria das

vezes, conforme assinala Tesser (2010), os sujeitos que buscam a automedicação são mães

que perderam seus filhos vítimas da violência nos bairros, cidadãos em condições de trabalho

desumanas, subempregados, pessoas que migram para as capitais e perderam seus referenciais

de solidariedade e pertencimento.

A gente, então, fazia chá de camomila, chá de erva doce, suco de maracujá, e não

sabia o que fazer para esse menino dormir direito (Geia).

Quando percebo o quadro dela alterando, eu corro faço um suco de maracujá, eu vou

procurar uma erva para fazer alguma coisa para acalmá-la. Graças a Deus, tem dado

certo, pois quando eu vejo que ela está alterada, “vixe” vou ali fazer uma coisa com

alface, ou alface e mel para acalmá-la. Ai ela toma e é instantâneo, ela já fica calada,

calma (Hestia).

O contexto espiritual alcança forte conotação, seja pela busca das causas que o

levaram ao desenvolvimento do sofrimento psíquico, seja na busca por tratamento. A

religiosidade pode ser considerada suporte protetor ao sofrimento destes indivíduos, pois, a fé

e a confiança em Deus lhes darão a resignação necessária para enfrentar as fraquezas e males

ocasionados pela patologia. Vale destacar que a palavra Deus, com exceção dos nomes dos

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deuses gregos que foram nomeados os informantes, aparece trinta vezes no conjunto das sete

narrativas. Todos os informantes buscavam Deus como ajuda ao adoecimento.

Quando ele está em crise eu percorro os seguintes caminhos, primeiramente, a Deus,

porque se não fosse Deus a gente não vencia esta batalha e segundo é procurar

hospitais, procurar a medicina para vê se a gente tem um pouco de paz, é aonde eu

vou. Primeiro a Deus, sem Deus a gente não tem força se eu não tivesse fé em Deus

eu não estava nem viva, porque ele já quis me matar, ele disse que viu um velho

com um olho que entrava e saia e que este velho queria me matar, então ele agarrou

na minha garganta dizendo que era a garganta do velho (Atena) [grifos nossos].

Porque o meu marido foi naquela igreja universal do centro e eles disseram para ele

que ele estava com um encosto de um jovem que perseguia ele, então, esse jovem

para nós é ele (Hera).

Se for problema da cabeça, eles (médicos) podem resolver, mas se tiver outras

coisas pelo meio já não é problema deles, porque lá por essa igreja (universal)

disseram que ele estava com espírito, até orientaram ele procurar um centro espírita

porque era para tirar, mas ele disse que não (Hera).

Todos nós aqui somos da igreja Batista e vamos sempre à igreja, sempre buscar a

Deus [...]. Quando eu estou assim quem cuida de mim? É Deus! [...]. Eu não preciso

dos remédios, eu já me desintoxiquei e mais nunca na minha vida vou precisar,

porque pedi minha libertação a Deus, e não foi a ninguém da terra não. Foi a Deus,

não preciso mais (Afrodite).

A primeira crise ocorreu com 16 anos, nesta época a minha mãe e minha irmã a

levaram para a igreja, apelaram primeiro para a questão da religião (Orfeu).

5.3 A rede de atenção em saúde mental como recurso de apoio buscado pelos sujeitos.

5.3.1 SAMU

Primordialmente, os familiares recorrem ao Serviço de Atendimento Móvel de

Urgência (SAMU), seja pelo fato de que a crise psíquica encontra-se em uma situação de

urgência ou que é essa a referência que os familiares já adquiriram em busca de uma estrutura

que possa proporcionar uma contenção desta crise.

A porta de entrada da rede de saúde mental de Fortaleza são os serviços

secundários de assistência. Desta forma, é possível observar que os serviços da rede de

assistência em saúde mental de Fortaleza não são resolutivos. Um dos aspectos que demonstra

essa situação é que a porta de entrada da rede de assistência tem sido o SAMU, ou seja, é este

o serviço que os familiares têm buscado nas situações de crises. Entretanto, observamos que

familiares e sujeitos em situações de necessidades urgentes não têm encontrado assistência

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junto aos equipamentos e recursos institucionais da rede de saúde mental. A estrutura atual da

rede não corresponde às demandas que a população com sofrimento psíquico apresenta.

eu desço as escadas... aí ele pega a cômoda e tenta arremessar a cômoda escada

abaixo, para ver se a cômoda pegava em mim. Aí eu chamo a ambulância, chamei o

SAMU. O SAMU demorou 4 horas. Como é apenas uma ambulância... que é um

caso até de denuncia, como pode uma cidade como Fortaleza com mais de dois

milhões de habitantes ter apenas uma ambulância psiquiátrica então a espera é

enorme. Se um sujeito em crise matar uma pessoa...quando a ambulância chegar vai

esta só o cadáver, não vai mais da tempo de fazer nada, porque eu chamei a

ambulância, a ambulância uma hora e eles chegaram as quatro e meia da tarde,

quatro horas depois que eu chamei...fomos com ele para Messejana [...] (Geia).

Mas a ambulância é muito difícil vir. Porque eu consegui pra ele agora, porque foi

através de um pastor (Atena).

Quando o SAMU chegou lá ele não estava mais quebrando, porque estava suado e

exausto. Ele fez tanta força para arrancar essa porta, então ele não tinha mais força

[...] (Geia).

[...] eu acho que demorou uns quinze dias. Uns 15 dias da primeira vez que eu

liguei. Por que é tipo assim, ela queria que a gente ligasse todo dia. Só que é aquela

coisa que às vezes você fica com abuso, que dá é desgosto, a gente pensa que vai

ouvir a mesma coisa. Olhe ligavam de manhã eles dizia assim: ligue à tarde, quando

eles mandavam ligar a tarde eu não ligava, ligava no outro dia, entendeu. Eles

diziam: ligue a noite, eu ficava comigo se ligam de dia eles não vem, a noite é que

eles não vêm mesmo. Eu desistia de ligar, eu nunca liguei a noite, eu já tenho levado

ela a noite, mas sabe como eu levo? (Iris).

Eu chamo a ambulância, mas geralmente não vem... Eu chamo duas, três vezes. Mas

sempre não vem (Hestia).

A rede de saúde mental de Fortaleza que disponibiliza uma viatura exclusiva para

assistir as situações de crise psíquica ocorridas em seu território não é suficiente para

proporcionar uma assistência eficiente a esta situação. Souza et al. (2010) identificaram que a

sobrecarga de chamadas é facilmente encontrada em relatório diário do SAMU de Fortaleza,

do total de 100% de chamadas realizadas para este serviço que solicitam assistência, apenas

21% eram atendidas. Esse quadro quantitativo pode ser compreendido nas narrativas dos

sujeitos da pesquisa.

Ressaltamos também o “como” ocorre a assistência disponibilizada no momento

da abordagem dos profissionais do SAMU ao sujeito em situação de crise. A abordagem é

marcada por um completo despreparo por parte dos profissionais que atuam neste serviço: o

tom do diálogo com o sujeito em crise é impositivo, a forma de aproximação com sua

realidade é dominadora, de forma a instalar tensão e terror na relação, uma transferência de

responsabilidade a respeito da resolução da situação, ou seja, o serviço não apresenta

respostas às reais demandas da população e, ainda, é prestado sem profissionalismo.

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O objetivo do SAMU é prestar assistência a uma situação cujo indivíduo lida com

conflitos que alteram seu estado homeostático e o põem em conflitos, mas, o que se ver é um

tensionamento e um terrorismo.

Quando ele está em crise quebrando tudo eu tenho que chamar a ambulância. Então,

o amarra e coloca dentro do carro e leva ele para tomar medicamento. Muitas vezes

não tem carro, e muitas vezes não vão porque tem medo dele virar o carro, porque

fica pulando dentro do carro fica fazendo coisa, “estrebuchando”. Aí fica difícil, é

complicado (Atena).

[...]o rapaz (profissional do SAMU) ficou escutando ali fora, ai o rapaz se

apresentou, entrou falou com ele: Sr. F. o senhor vai agora ao hospital comigo, ele

responde: não, eu não vou para o hospital, não estou sentindo nada. O rapaz disse: o

Sr. vai porque o senhor vai se consultar porque o Sr. não esta muito bem... Quando

ele quis se alterar o rapaz disse: como é que é? O Sr. quer ir numa boa ou quer ir

amarrado? Não, amarrado não. Eu vou numa boa, não sei o que vocês vão fazer

comigo mais vou numa boa. E entrou na ambulância e foi normalmente (Hera).

Quando o SAMU... conseguia [vir], [...]eles mesmos não mandavam o socorrista,

uma vez veio o motorista e uma enfermeira [...] eles me deram aquela, aquele

bichinho... é para conter o sujeito. Eles ficaram olhando... ensine pelo menos como é

que...faz. Ela estava lá na rua, não deixei ela entrar para exatamente facilitar para

eles[...]ela é magrinha, ela não mete medo em ninguém. Ela só é estressada com a

família ela não agride ninguém[...]ela não é violenta [...]me deram estas ataduras

para colocar nela, mas eu não consegui... ela... me agrediu...foi minha sobrinha,

minha cunhada, um policial que mora aqui e meu filho para poder contê-la...se eles

tivessem chegado conversando direitinho, vamos...ela tinha ido[...] (Iris).

O diálogo inicial é considerado primordial para a eficácia da terapia. Portanto, na

ausência de uma abordagem terapêutica, não é possível estabelecer um vínculo entre o sujeito

e o socorrista (do SAMU). Desta formam, não se constituem laços de confiança para

possibilitar a intervenção terapêutica. Outro fator importante é que a atenção, no primeiro

contato, deve ser direcionada ao sujeito em crise, somente em seguida, atende-se às demandas

da família (SOUZA et al., 2010).

Entretanto, percebemos que a assistência prestada pelo SAMU junto aos sujeitos em

situação de crise está repleta de contradições: seja pela necessidade de agregar conceitos de

assistência que garantam os preceitos da reforma psiquiátrica, seja pela deficiência na

operacionalização e atendimentos das chamadas ou, ainda, pelo não direcionamento de uma

assistência que considerem um protocolo de conduta, assim, como, de influências externas de

terceiros (polícia, pastor evangélico, amigos) na central de atendimento do SAMU.

[...] eu conheço... um pastor que ele, que ele, trabalha nessas ambulâncias. Aí foi que

eu liguei pra ele, e ele (pastor) veio aqui e levou ele (filho) (Atena).

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[...] nessa ultima [crise] foi numa boa [...]a polícia solicitou o SAMU. O SAMU veio

rapidinho (Iris).

Estes fatos retratam que muitas famílias não podem considerar a sua posição nesta

lista de chamada, pois podem ser colocadas de lado ou mesmo direcionadas ao final da fila em

função da necessidade do atendimento de uma solicitação permeada por interferências

políticas e pessoais.

5.3.2 Polícia e bombeiros

A polícia e os bombeiros se colocam como segunda opção de ajuda que os

familiares buscam na situação de crise de seus entes. Estes apareceram no contexto estudado

como agentes de proteção contra os estados agressivos de seus parentes em crise psíquica. A

presença da polícia significa que as questões burocráticas de atendimento e trâmites internos

das instituições serão resolvidas com mais facilidade. A presença dos bombeiros significa

proteção para os familiares e o sujeito em crise.

Ainda que o chamado à polícia aconteça pelos vizinhos, a família com parentes

em situação de crise concorda e agradece porque percebem na polícia recurso que resolve a

situação de perigo em que muitas vezes se encontram.

A policia foi chamada contei a historia, que já tinha tentado a ambulância não tinha

conseguido, disseram que estava na fila de espera... Eu ligava pra lá e ela me dizia

que tinha não sei quantos na minha frente... ai nada, eu fiquei esperando, até o dia de

chegar minha vez... só que neste dia ela foi demais, ela gritou dia e noite... o vizinho

foi e chamou a policia. Não foi por maldade não, chamou para ver se eles resolviam

como de fato, graças a Deus, resolveram. Chegaram, conversaram comigo, eu contei

a historia, eles ligaram para ambulância, no instante a ambulância veio. Duas horas

da madrugada. Passei o resto da manhã todinha lá, passei o dia todinho ontem,

quando foi ontem (Iris).

A ambulância, em seguida, mas sempre sem resposta. Neste ultimo caso chamei a

polícia porque ela estava muito agressiva, ai foi o jeito chamar a polícia. Nas

situações de crise eu já chamei bombeiros, foi quando ela estava trancada não queria

abrir a porta (Hestia).

5.3.3 Hospital Mental de Messejana

Seguindo o fluxograma do itinerário de resolução das situações de crise, após

assistência prestada pela ambulância, o sujeito é conduzido ao Hospital Mental de Messejana,

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em que passa pela triagem e, em seguida, é encaminhado ao médico, só neste momento que a

ambulância é liberada, isso causa atrasos e perda de tempo na assistência às demais chamadas.

A análise da assistência disponibilizada no interior dos hospitais será realizada a

partir das narrativas dos pesquisados, pois a assistência hospitalar não é objetivo deste estudo.

Não fazer menção a este fato, no entanto, é obscurecer ainda mais o sofrimento

vivenciado por familiares e sujeitos na busca por uma assistência de qualidade e resolutiva. O

hospital psiquiátrico é deficiente no processo de cuidar, pois apresenta deficiências de várias

ordens. Além disso, esse equipamento institucional é marcado pelo estigma, adquirido por

séculos, de maus-tratos, isolamento e segregação.

Eles não têm um pingo de respeito pelas pessoas, às pessoas estão ali humilhadas,

realmente necessitando daquele atendimento, se submetem a essa coisa degradante,

de ficar no frio, no chão sujo, tem que se submeter ou então ficar a noite inteira

sentada numa cadeira até de manhã (Geia).

[...] estruturas físicas não adequadas para tratar um sujeito desse tipo, falta

alimentação de qualidade, faltam terapeutas ocupacionais, recurso material, para

criar atividades que envolvam esses sujeitos e profissionais mais qualificados,

porque alguns profissionais do tipo médicos, psiquiatras, psicólogos, mas outros

tipos de funcionários realmente deixam muito a desejar (Orfeu).

5.3.4 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

O CAPS não aparece como recurso de proteção em situação de crises dos sujeitos

com sofrimento psíquico. A ausência de estrutura mínima de ordem física, de recursos

materiais, medicamentosos e de equipe preparada para lidar com a situação de crise nos CAPS

inviabiliza o acesso deste sujeito e de seus familiares a esta unidade. A orientação da gestão

municipal é que o CAPS seja a porta de entrada da rede de assistência para essas situações, no

entanto, o que observamos é que estes recursos não estão preparados para lidar com este tipo

situação.

Há algumas ações que demonstram a tentativa de manter o estado de controle dos

sujeitos psicóticos que tendem a desenvolver as situações de crise, como a aplicação mensal

em domicílio da medicação. Entretanto, no momento da situação de crise não se encontra

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ação desenvolvida pelos CAPS junto a este sujeito. Isso faz com que os familiares não

apresentem confiança nos trabalhos desse equipamento de saúde.

[...] as meninas do CAPS vem...no CAPS ela é bem tratada...não tenho o que

reclamar do CAPS...As meninas todo mês vem dar uma injeção nela, a enfermeira

veio, eu marquei...uma ... consulta com este médico que chegou lá que eu disse. Elas

vieram buscar ela na kombi...Ela bem tratada lá. Ela é que não gosta de ir...não gosta

de fazer terapia, não gosta nada disso...Ela toma uma injeção mensal as meninas

vem dá em casa porque ela não estava mais indo para lá (Iris).

Nos CAPS num tem médico, se tem médico, se tem a crise não fica lá, manda prós

hospitais, então é difícil, complicado. Os CAPS não resolvem, não resolvem porque,

porque o sujeito só vai quando ele quer e o meu não vai, não tem nem perigo dele ir.

Para dizer que ele não foi neste tempo todinho, ele foi uma a três vezes só, ele não

vai, ele diz: eu não vou, eu não vou e bate o pé e não vai... Eles não dão receita sem

vê o sujeito, porque é obrigação deles quando estava tendo uma reunião lá, eu

sempre vou para as reuniões lá, que era obrigação do pessoal dos CAPS virem na

casa da gente ver o sujeito, já que o sujeito não vai, eles têm como vir em casa e eles

não vem. Ele estava este tempo todinho sem ir, ai a gente foi lá, eles (CAPS), fica

aqui no bom jardim, ele me disseram que tinha que fazer uma... triagem, iam marcar

um dia de uma triagem para mim levar ele para poder fazer. Então é difícil, muito

difícil, ainda mais que esses hospitais que querem fechar... tem é muito fechado e

fica mais difícil, porque esses “CAPS” num adianta não... Aí não tem como, a gente

se socorrer nos “CAPS” (Atena).

5.4 O Cuidado e suas dimensões: perspectiva da família e da rede

A dimensão do cuidado ganha relevante importância no contexto das situações de

crise por se constituir em uma forma de lidar e compreender os quadros instalados no

momento da crise. O cuidado se constitui de um conjunto de saberes e práticas que se instituí

por novas formas de assistir, compondo-se, assim, em um território interdisciplinar sob o

signo da multiplicidade (RINALDI; LIMA, 2006).

Esta multiplicidade implica na necessidade de uma participação ativa de todos os

atores sociais no processo de elaboração, escolha e execução do projeto terapêutico que o

sujeito se submeterá. Para isso, requer esforço intenso e consistente da equipe de saúde,

família e sujeito, na elaboração de um plano terapêutico que gere um novo processo de cuidar

(fluxograma).

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Figura 7 - Fluxograma demonstrativo de um projeto terapêutico.

Observamos completa desintegração entre equipe de saúde e familiares, angústia

de familiares na busca por explicação quanto aos episódios de crise, em um contexto de

completo desconhecimento da situação de tratamento.

[...] eu não sei como vai ficar porque os médicos não dizem, um diz que ele não tem

nada, outros dizem que tão cedo ele não vai sair (Hera).

Era isso que eu queria saber, que eu já até perguntei para o médico: doutor, por que

ela tomando o remédio ela entra em crise? Mas, ninguém me responde e nem eu sei

por que...Eu sou consciente que eu dou o remédio...eu...vejo tomando e ela entra em

crise...depois que ela entra em crise, ela só fica boa se ela se internar....se for no

hospital (Iris).

É possível perceber que o sujeito não é considerado no contexto dos diálogos que

conduzem seus diagnósticos, uma vez que não há, nos relatos, comentários que exponham se

o sujeito chegou a ser ouvido ou examinado. Infelizmente, ocorre, simplesmente, o sequestro

da liberdade do sujeito.

[...] o médico disse para mim [mãe do sujeito]: minha filha faça um quarto lá no

fundo do quintal e bote ele lá dentro, a senhora bote grade. E eu disse o senhor vai

preso no meu lugar? Porque se eu fizer isso eu vou presa (Atena).

A rede não dispõe de estrutura que recepcione, oriente um processo de

acompanhamento nas situações de crise. Acreditamos que a instituição de protocolos e de

FAMÍLIA

PROJETO

TERAPÊUTICO

EQUIPE DE

SAÚDE

SUJEITO

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planos terapêuticos singulares em muito contribuiriam para reduzirem as constantes situações

de crise.

O grande desafio do século XXI, com relação ao cuidado em saúde mental, é

romper com antigos paradigmas de saber, que ainda são instituídos no momento das

assistências profissionais, caso do médico citado que, equivocadamente, propõe assistência

baseada em perniciosos métodos de retrocesso das formas de coerção física, próprias do

tratamento moral. Torna-se necessário instituir um movimento que estimule a coprodução de

cuidado, tendo em vista o processo paulatino de responsabilização de atores e instâncias

sociais pelo cuidado no contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira, abrangendo familiares e

vizinhos de sujeitos psiquiátricos – como também pastores de igrejas locais e mesmo patrões

no ambiente de trabalho – têm sido instigados a “participar” da política pública,

principalmente no lugar de “cuidadores” e de “suporte social”, embora oficialmente

considerados “parceiros” (SILVA, 2009).

Aspecto que vale ressaltar é a confiança em uma entidade superior. A presença de

Deus, nesse aspecto não está ligada, apenas, ao exercício espiritual da fé. Na realidade, ao

buscar a Deus, em um determinado curso da doença, os sujeitos e suas famílias expressam o

desamparo e a ausência de cuidados da rede de atenção, ficando apenas presença da família.

Ou seja, o sentimento de não existir a quem recorrer, no plano material, quando as

necessidades surgem.

Quando eu estou assim quem cuida de mim? É Deus! Aqui na terra é a família, a

família que gosta da gente (Afrodite).

Eu passei dois dias com ele lá [Hospital Mental de Messejana] sabe, foi que graças a

Deus abriu uma porta e surgiu uma vaga no São Vicente de Paulo e botei ele lá

(Atena).

[...]eu creio que Deus vai transformar aquela vida, ele pode curar, ele tem todo o

poder de curar e libertar...porque Deus tem o poder. Nós não podemos nada, mas ele

pode, porque ele é o médico dos médicos (Atena).

Por outro lado, o abandono do tratamento, aparentemente como um ato consciente

do indivíduo com transtorno mental, pode representar ausência do cuidado da família. Ao

passo que, geralmente, essa ausência pode ser uma fuga do sofrimento vivenciado. Assim, o

sofrimento passa a não ser acolhido e se configura como fatalidade. A fuga dessa fatalidade é

representada pelo não cuidado da família.

Porém, o processo de cuidar não pode ser rompido pela decisão tomada pelo

sujeito. Faz-se necessária intervenção por parte de algum dos integrantes da cadeia cuidadora.

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O ato de cuidar envolve muitas implicações. É imprescindível o compromisso

familiar e profissional nesse processo para que sejam garantidas ao sujeito em sofrimento

mental as intervenções necessárias, seja de ordem institucional (consulta, medicação, terapia

etc.), intersetorial (habitação, trabalho, esporte, cultura e etc.) ou familiar (atenção à pessoa,

escuta, carinho etc.).

Ela fez tratamento no CAPS [...] agora não. Ela resolveu abandonar o tratamento...

minha mãe deixou a casa, não conseguiu mais lidar com a situação – e ela já é uma

pessoa de idade aí minha própria irmã – que tem o problema – resolveu não tomar

mais nenhum medicamento [...] Ela fazia o acompanhamento, mas resolveu desistir

por conta própria [...] (Orfeu).

[...] porque das vezes [que] foram medica-la eu não fui[...] (Hestia).

O processo de assistência se dá, principalmente, em dois espaços institucionais: o

SAMU e o hospital psiquiátrico. Percebemos que o processo do cuidado ocorre nesses

serviços devido a desestrutura da rede substitutiva existente em Fortaleza, conforme já

discutido anteriormente. Ou seja, o espaço hospital psiquiátrico, embora muito condenado por

seus múltiplos problemas na assistência ao usuário do serviço, tem-se mantido como porta de

entrada para os casos de crise psíquica porque não há outro mecanismo de assistência ao

sujeito com necessidades de cuidados em saúde mental.

Portanto, o fluxo seguido pela família foi chamar o SAMU para que este possa

conduzir o sujeito ao hospital psiquiátrico. Todos esses fatos apresentam a ausência de uma

rede extra-hospitalar capaz de fornecer respostas às necessidades de saúde dos usuários do

serviço de saúde pública.

Ainda que os familiares saibam que o hospital não é o espaço ideal para cuidar do

seu ente em sofrimento mental, eles recorrem a esse serviço, se submetem ao caos e, ainda,

defendem a unidade hospitalar. Tudo isso porque não há outro espaço no qual os familiares

possam recorrer no momento de profundo sofrimento dos seus entes, como são as crises. O

hospital é percebido como local ideal para um processo de contenção emergencial.

A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza implantou suporte de assistência à

situação de crise, abrindo um CAPS tipo III, no final do ano de 2012. No entanto, restringiu a

assistência disponibilizada pelo aparato a sua rede de CAPS. Desta forma, a única maneira de

adentrar neste novo serviço é estar em situação de crise em um CAPS da rede de Fortaleza,

assim, a demanda oriunda das ambulâncias do SAMU continua sem opção extra-hospitalar

para conduzir seu sujeito.

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Estes CAPS não eram para existir não, era para existir hospitais, abrir estes hospitais

que estão todos fechados, abrir para colocar este pessoal para dá sossego a gente,

porque a gente não tem sossego não [...](Atena).

A internação involuntária, do tipo que ocorre sem o consentimento do usuário e a

pedido de terceiro foi instituída pela Lei 10.216 como forma de o indivíduo em sofrimento ter

um responsável por si e, assim, não ser abandonado e esquecido nos hospitais (BRASIL,

2010). Esta lei institui os direitos do sujeito mental e define as formas de internação do

indivíduo quando as formas de assistência extra-hospitalar estiverem esgotadas.

Mesmo que os procedimentos legais estejam sendo respeitados, não foi procurada

outra forma de assistência, sem ser o espaço hospitalar.

Meu menino mais velho foi quem foi [...]ele assinou o termo para ele entrar e ele só

sair se meu filho assinar o termo para ele sair, a Dra. ontem falou S. teu pai só sai

daqui se tu vier assinar. Enquanto tu não assinar para ele sair nós não podemos

deixar ele sair daqui, porque você tem que assinar o termo da saída dele. Ai tá nesta

situação [...] ele só sai se o meu menino for assinar para ele sair (Hera).

O cuidado que os familiares têm dado ao sujeito mental apresenta algumas

questões: a primeira é a desconfiança na assistência disponibilizada pelos serviços extra-

hospitalares, geralmente consequência de desconhecimento dos serviços disponibilizados

nestas unidades ou devido a tentativas frustradas por atendimento em situações de crise. A

segunda é o fato de a família considerar o hospital como um espaço que lhe proporcionará

sossego daquela situação vivenciada que, em um primeiro momento, parece uma coisa

horripilante e segregadora. No entanto, este sentimento surge, não como uma forma de se

livrar do familiar em situação de crise, não porque a família o considere um peso no contexto

de vida, não porque não ame, mas, simplesmente, por encontrar-se exaurida no ato de cuidar.

Cavalheri (2010) afirma que mesmo as famílias preferindo manter seus familiares em casa a

vê-los internados, expressam cansaço, exaustão e necessidade de ter um tempo para si, um

tempo livre.

É importante ressaltar que o sujeito mental está sendo entregue à família sem o

devido conhecimento das reais necessidades e condições da família, especialmente das

cuidadoras em termos materiais, psicossociais, de saúde e qualidade de vida, aspectos estes

profundamente interligados. Esta simples transferência de responsabilidade, tirando-o de

dentro dos muros hospitalares e o confinado a vida familiar, tende a ocasionar prejuízo ao

sujeito e a seus familiares (GONÇALVES; SENA, 2001).

Quando o sujeito apresenta pequena melhora é devolvido aos familiares sem que

tenha alcançado recuperação adequada. Este fato pode ser observado de duas maneiras, na

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primeira, a devolução pode ocorrer de forma precipitada devido à rede hospitalar, que se

encontra encharcada, produzindo o efeito conhecido como porta giratória, cujo hospital

regulará a entrada e a saída dos sujeitos e assim disponibilizar mais leitos para internação e,

consequentemente, mais recursos financeiros. O segundo olhar centra no desejo da família de

manter seu familiar assistido em um hospital, possibilitando, assim, um convívio familiar

salutar.

...muito importante que eu acho os hospitais... [mas] quando a sujeito melhora um

pouco...eles joga pra casa...às vezes, a pessoa continua... fizeram isso com

ela...melhorou um pouquinho, botaram...para casa. Passou foi tempo para ela ficar

boa...isso...eu acho um ponto muito negativo...porque, às vezes, a pessoa não está

completamente boa. Ontem mesmo eu vi uma menina lá que estava de alta, a menina

toda impregnada, de olho duro... eu pensei que ela tivesse se internado, ela tinha

saído do internamento... (Iris).

A família do sujeito em sofrimento psíquico vivencia o conflito entre internar

ou não seu parente, por um lado precisa internar, pois não encontra na rede substitutiva de

Fortaleza aparato capaz de prestar assistência eficiente a este sujeito e, por outro lado, sofre

com a internação por conhecer as formas de (des) cuidado disponibilizado no interior dos

hospitais psiquiátricos.

A família conhece os procedimentos disponibilizados na rede hospitalar e que

prorroga ao máximo a internação de seu parente, somente recorrendo a este suporte quando se

esgotam os recursos disponíveis ou o sujeito encontra-se em risco de morte.

[...] eu sei o sofrimento, eu sei como é. Só levo quando ela fica sem comer e sem

tomar o remédio. Como ela estava... aguentando...mas, mesmo assim não consegui.

Por fim ela já não estava mais comendo, dizia que eu colocava comida pra ela em

um prato de defunto... (Iris).

O hospital é percebido como local ideal para um processo de contenção

emergencial. A busca de cuidado para o ente é um momento de sofrimento para a família que

tem como causa a ausência de serviços que proporcione assistência adequada a estes sujeitos

em situação de crise. Esse fato é ponto de tensão emocional na família.

[...] eu vinha dominando ele 24h porque eu não queria que ninguém o maltratasse,

ele não queria ir para o hospital... “não me leve a força” (filho). Não, eu não vou

levar a força, o que der para fazer por você eu faço... o que puder fazer por você eu

faço, tudo que dizia... e pedia que eu fizesse por ele eu fazia (Hera).

O ambiente hospitalar reflete na família e no sujeito percepção de vigilância, de

punição, estigmatização, administração sistemática do vexame, a disciplinarização, as

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relações verticais e assimétricas, a proibição da palavra, a “privatização” do sofrimento

psíquico, a medicalização, são alguns analisadores eloquentes (KAZI, 1999).

[...] o sujeito que não tem um acompanhante, ele está meio que jogado a própria

sorte. Claro tem a alimentação garantida e tal, o banho e tudo mais, mas assim, a

gente não ver um trabalho [de] terapia ocupacional regular... É a sexta vez que eu

estou no hospital. Eu sei como é que é. A gente não vê um empenho de uma

psicóloga querendo saber a história deles para vê se dá um jeito de melhorar[...]o

que a gente vê é que aqueles sujeitos que têm família próximo tem mais um cuidado

mas, aqueles que não tem família[silêncio]são abandonados[...] (Geia).

A forma de assistir dos hospitais psiquiátricos encontra-se em decadência,

requerendo transformação emergencial e que já tarda a necessidade de implantar uma rede

que seja resolutiva à problemática da situação de crise psíquica no município de Fortaleza. O

que se tem é a existência de uma assistência à situação de crise centrada no atendimento

emergencial, fato que centra a atenção no serviço do SAMU e tem como porta de entrada os

hospitais psiquiátricos.

A deficiência encontrada nos serviços extra-hospitalares do município de

Fortaleza incha os hospitais psiquiátricos que, assim, permanecem obrigados a receber os

usuários em situações de crises psíquicas porque esses sujeitos não tem outro espaço para

buscar assistência. A ausência de um serviço de qualidade que oferte ao sujeito suporte

assistencial efetivo no momento ou na fase pré-crise, garantindo o acesso à assistência de

qualidade e na rede de serviço extras hospitalares.

[...] a última consulta dela foi marcada com oito meses(CAPS)vai ser em

dezembro...mas na hora que a gente quiser o remédio a gente vai falar com o outro

médico, mas... o outro médico não pode fazer nada...Para... falar com o médico da

pessoa...[precisa] marcar uma consulta extra...Eu acho as consultas de lá, os retornos

de lá, muito prolongado...Se o sujeito estiver em crise, amanhã vamos para o

médico? Eu não posso fazer isso, entendeu? ...a última consulta... foi...a oito meses!

Tem condição? ... e não era desse jeito. O máximo que passava era três

meses...passou para quatro, passou para cinco e...tá agora [assim] (Iris).

Transcorridos mais dez anos da implantação do primeiro CAPS no município de

Fortaleza, ainda, é possível visualizar problemas de ordem administrativa, como ausência de

estruturas físicas, de profissionais e, principalmente, de protocolo de atendimento que permita

identificar e recepcionar os sujeitos que estejam apresentando sintomas pródromos de crise

psíquica.

O intervalo entre as consultas é outro problema que pode ser considerado fator

potencializador das crises psíquicas, pois se torna inadmissível um intervalo de oito meses

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entre uma consulta e outra de um sujeito que esteja em situação de crise. É imprescindível

realizar acompanhamento adequado da evolução deste sujeito, acompanhar as possíveis

reações medicamentosas e programar conduta terapêutica capaz de inibir a manifestação da

crise.

5.5 O porvir na visão do familiar e do sujeito em crise

Conseguir uma assistência de qualidade ao cuidado em saúde mental é,

seguramente, o primeiro problema que a família do sujeito em sofrimento psíquico busca

como perspectiva para o futuro. Infelizmente, não depende deles a estruturação de uma rede

de cuidados, todavia, são as maiores vítimas da ausência dela.

Os serviços extra-hospitalares devem assumir a posição de protagonista da

assistência ao sujeito em sofrimento psíquico e colocar-se como dispositivo de acolhimento,

de cuidado e ressocialização. Somente quando implantada uma rede de saúde mental que

garanta atenção de qualidade ao sujeito em sofrimento psíquico é que seus familiares poderão

sonhar ou vivenciar uma melhor qualidade de vida para seu familiar em sofrimento psíquico.

O porvir, na visão da família, é refletido no desejo de ter uma vida que eles

consideram normal. E o normal para eles é simplesmente “ter uma cama para dormir” ou

“comer em paz”.

É triste dizer isso porque eu queria muito viver numa casa com meus moveis, minha

cama direitinho, com tudo direitinho... ver meu filho bem, eu queria ter uma vida

digamos quase normal porque é difícil você dizer vida normal com uma pessoa com

transtorno...uma vida próximo a vida que as outras pessoas tem, eu não tenho essa

vida, eu durmo no chão porque ele não deixa eu ter uma cama...eu vejo pouca

esperança, do jeito que tá hoje... (Geia).

O sofrimento é uma realidade concreta e uma característica comum entre as

famílias do estudo. O lar desses grupos de indivíduos é claramente marcado pela ausência de

paz, vivência de experiências angustiantes e de completa falta de esperança em dias melhores,

tanto em relação à assistência em saúde, quanto à situação financeira. Pois, a rede disponível

ao tratamento não é a ideal e, em vez de estimular uma reabilitação deste sujeito, tende a

produzir mais tensões, agressões e violações de ordem física e psíquica.

Quem convive com louco não tem paz, porque muitas vezes eu não como, porque

não dá para comer. A gente não se alimenta direito, não dorme direito, não tem

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sossego, principalmente no final de semana que tem bebedeira e o pessoal dão

bebida para louco [...] (Atena).

[...]eu agora posso tá com ele no hospital porque ele é menor de idade e quando ele

ficar de maior eu vou ser obrigada a deixá-lo sozinho...vou ser obrigada a ver ele

apanhar dos outros, acontecer uma coisa de ruim com ele, até um estupro de um

sujeito com outro que acontece isso infelizmente... (Geia).

Quando ele (filho) está em crise [...]vou procurar a medicina para vê se a gente tem

um pouco de paz, [...] (Atena).

[...] já tentei três vezes me aposentar não consegui... por causa deste engancho

de...ter que morar só para dizer que precisa... eu preciso, eu necessito porque quando

eu tiver velha, coroca (risos) quem vai cuidar de mim, imagino isso para o futuro,

[...] (Afrodite).

O sujeito mental é colocado à margem da sociedade e do mercado de trabalho e

passa a depender de benefícios para obter renda mensal que, muitas vezes, é a única renda da

família.

A ausência de intervenção terapêutica adequada expõe os sujeitos mentais a

repetidas crises, e estas, por sua vez, modificam o convívio dos membros da família: separam

os entes de forma a interferir nos laços afetivos da família; membros se destituem de suas

posições no grupo familiar; deixam de ser chefes de família, pais, esposos porque assumem

atitude de revolta e não acolhem o sofrimento de conviver com um sujeito com crises

psíquicas. Assim, redes sociais são abruptamente rompidas e novas rotinas de

responsabilidades e decisões são estabelecidas no interior das famílias.

Não estou me sentindo muito bem não, porque nós nunca nos separamos desta

forma, 36 anos nós nunca nos separamos. [...]desta forma assim nós nunca tínhamos

nos separado não e toda vida eu cuidei muito bem dele, porque ele sempre foi uma

pessoa muito legal, nunca deixou...eu ficar com as minhas coisas na cabeça, sem ter

condições. Graças a Deus isso ai nunca aconteceu ele sempre foi uma pessoa que

nunca deixou faltar nada dentro de casa... eu estou sofrendo, porque assim, eu não

posso ficar direto na minha casa... eu venho cuido de alguma coisa, do uma geral...e

vou para casa da minha menina, para casa do meu menino. Eu me sinto [só] coisas

que eu não resolvia agora eu tenho que resolver...ele disse lá que eu estou sofrendo

muito, eu não estou me alimentando direito, que ele já sabe quem sou eu...eu não

tenho é força de vencer a batalha (Hera).

É mais difícil porque eu não tenho marido, porque se eu tivesse um homem que me

ajudasse nesta caminhada, um marido, um esposo, mas não tenho. O pai dele e nada

é uma coisa só...é um pai que não tem amor por ele, manda eu botar ele no meio da

rua...isso é coisa de pai? ... Lugar de doido é no hospital, o que ele diz é isso com o

filho. No lugar de ajudar só atrapalha cada vez mais... (Atena).

O convívio com a doença mental é muito difícil, desgastante e cansativo para o

grupo familiar e agrava-se quando este cuidado centra-se em uma única pessoa, pois a torna

vulnerável a manifestações de ordem física, emocional e econômica. Outra constatação no

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cuidar no contexto familiar é que a maioria dos cuidadores é do sexo feminino, somente na

ausência destas é que um familiar do sexo masculino assume esta atividade, conforme

assinala Cavalheri (2010).

Diante da dificuldade de assistir o sujeito em sofrimento mental em casa,

percebemos duas posturas distintas. Uma crítica e ativista, em que surgem sugestões que

representam desejos de um serviço que proporcione assistência digna a esta população, de

forma que possibilite ressocialização e a socialização de seu familiar. E uma postura de quem

se encontra vencido: passivo e sem perspectivas de mudanças do contexto contraditório que

ora se apresenta.

Na alusão ao “cuidador domiciliar” e às “visitas domiciliares”, registramos o

desejo da família de continuar cuidando de seu ente.

[...] então já pensou se o Estado...pagasse um cuidador... para que você pudesse ter

mais esse suporte domiciliar...Seria muito melhor, a gente não precisaria esta

internando a pessoa o tempo todo, a gente poderia cuidar da pessoa em casa, se

houvesse um cuidador, alguém que fosse, ficasse na sua casa, por um determinado

período... te ajudando[...] (Geia).

Eu acho o seguinte: que mesmo que eu tenha alguma coisa a dizer, não vai adiantar

nada, viu. Porque nós não somos maioria e a gente fala, fala, porque o que a gente

vê na televisão são as ambulâncias sendo mostradas e os anjos da noite socorrendo

não sei quem. E quando a gente precisa é uma dificuldade toda, eu não tenho nada a

dizer por isso, porque não adianta nada. Bem que eu teria, mas eu não vou dizer,

porque não vai adiantar, não vai adiantar o meu pedido, bem que eu queria dizer faça

isso, eu gostaria que fizesse assim, porque não adianta. Inclusive eu até me estressei

com o senhor, mas é porque faz raiva mesmo, a gente está precisando de uma coisa e

não ser atendido. Eu teria bem o que dizer mesmo, mas deixe para lá, não adianta,

não vou reclamar porque não adianta eu reclamar (Iris).

...maior atenção para saber a historia deles, para vê se existe uma recuperação,

porque... [não] é só dar remédio, comida e ele ir pra casa... a gente vê muita

reincidência...fica nesse vai e volta o tempo inteiro. Não seria melhor fazer um

trabalho para que...ficasse muito mais tempo em casa e poucas vezes no hospital, o

hospital ser realmente uma emergência[...] (Geia).

[...]ter um terapeuta ocupacional que fosse até a minha casa atende-lo lá...quando ele

estivesse melhor voltaria para essa rotina dele... ter um serviço de tempo integral[...]

(Geia).

[...] o CAPS deveria funcionar para esses sujeitos o dia inteiro...um CAPS que

deveria ter tempo integral, que eles pudessem ser atendidos por vários

profissionais... psicólogo, terapia ocupacional, fonoaudiólogo...ter um médico claro,

um médico é importantíssimo também pra acompanhar a medicação. Que eles

pudessem chegar oito horas da manhã e vim para casa cinco horas da tarde era o

ideal, eles almoçariam no CAPS... teriam reuniões regulares com os familiares para

explicar como lidar com eles em casa (Geia).

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A base das sugestões apresentadas nesses resultados é o princípio da dignidade da

pessoa humana. Pois, antes de qualquer necessidade que o ser humano venha a apresentar, ele

é uma pessoa, portanto deve ser tratada com dignidade.

vê eles como seres humanos e não como um sei lá...subpopulação... eu... as

vezes...vejo alguns aqui de uma forma tão massacrada, doente, magro,

que...comparo eles com aqueles judeus no campo de concentração...aparência física

deles, é tão maltratado de uma maneira que você pensa, não [é] possível...não são

tratados feito gente (Geia).

Destacamos a importância do acompanhamento terapêutico do sujeito no

domicílio, uma vez que a visita domiciliaria é fundamental para aproximar sujeito, família e

instituição. A visita domiciliaria ou assistência em ambientes externos é uma forma de as

equipes dos serviços de saúde expandir suas ações e, também, a oportunidade de conhecer o

contexto familiar e a estrutura das famílias para cuidar de seu familiar. Na maioria das vezes,

essas famílias não têm estrutura física, nem psicológica para cuidar do ente com sofrimento

mental.

As unidades de saúde, no nível local, foram constituídas para ofertarem um

serviço de tempo integral, com alimentação, terapias e convívio humanizado. Contudo, a

grande demanda, agravadas pela existência de poucos serviços extra-hospitalares, inviabiliza

ofertar estes serviços a todos os frequentadores dos CAPS, sendo selecionado número

reduzido de sujeitos para receberem estes serviços. Além disso, a alimentação, nem sempre, é

constante, pois, barra na burocracia das licitações municipais.

No contexto da assistência emergencial, ressaltamos a ampliação no número de

ambulâncias, já que o município de Fortaleza dispõe apenas de uma viatura para atender a

estas chamadas e, a nível hospitalar, é requerida a contratação de recursos humanos para

proporcionar melhor assistência aos internos.

O presente estudo apresenta importantes contribuições para a gestão municipal de

saúde de Fortaleza, na área de saúde mental, de forma que medidas de caráter intervencionista

sejam implantadas em caráter de urgência.

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6 REFLETINDO SOBRE A COMPREENSÃO DAS HISTORIAS DOS SUJEITOS DO

ESTUDO

Este estudo possibilitou adentrar no drama humano e assistencial vivenciado por

familiares e sujeitos em sofrimento psíquico, em um dos momentos mais angustiante deste

fenômeno: a crise. No contexto sócio-institucional de Fortaleza, campo empírico da

investigação, não foi possível identificar uma rede substitutiva alternativa que contemple as

necessidades do sujeito psíquico, tendo-se constatado falhas dramáticas no momento crítico

representado pela crise psíquica.

Verificamos a complacência da rede substitutiva na coexistência com a rede

hospitalocêntrica, pois o município não teve condições ou não optou por implantar uma

estrutura de serviços substitutivos que possibilite assistência a estes quadros psíquicos de

crise. Ainda que a rede municipal implantada proporcione impactos terapêuticos positivos, a

inexistência de estrutura de retaguarda aos CAPS, principalmente na situação de crise

psíquica, constitui-se ponto de estrangulamento crítico da Rede de Atenção em Saúde Mental

(RASM) municipal: os casos pesquisados lançaram mão da rede de atenção terciária

composta pela díade SAMU-Hospital Psiquiátrico para resolver as situações de crise de seus

familiares. Constatamos, também, a partir dos relatos dos entrevistados, que a rede

substitutiva não apresenta condição de prestar assistência no momento da situação de crise.

Desse modo, realizamos reflexão panorâmica sobre este problema a nível

nacional, de modo a situar o caso específico estudado neste contexto mais geral do país.

Como visto com maior detalhe e aprofundamento em capítulo anterior, o processo de

Reforma Psiquiátrica brasileira vem se consolidando no cenário nacional como movimento

histórico e revolucionário da luta antimanicomial. Tem como objetivo-estratégia fundamental

o questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico, centrado

no paradigma psiquiátrico hegemônico.

Assim, procura instituir, no país, o processo de desinstitucionalização e a

concretização de uma rede substitutiva de atenção à saúde mental, que rompa com a lógica

hospitalocêntrica. As mudanças têm se referenciado em um processo de restituição da

cidadania do doente mental, visando socialização e rompimento com a dependência hospitalar

e introduzindo-o em um contexto novo de atenção, que proporcione relações interpessoais e

terapêuticas mais adequadas e humanizadas (AMARANTE, 2008).

Entretanto, na prática assistencial concreta dos serviços de saúde mental,

confluindo, paradigmaticamente, para uma situação semelhante a de Fortaleza, sérios

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problemas assistenciais tem sido identificados e denunciados por diferentes atores sociais a

merecer reflexão crítica por parte dos gestores e defensores da Reforma Psiquiátrica.

Utilizaremos como panorama-referência (“viva”) para essas reflexões sobre o

contexto de assistência à saúde mental que vem sendo prestado no país o embate político-

conceitual recorrente nos últimos anos, na mídia nacional, sobre o tema, tendo como atores

selecionados a Associação Brasileira de Psiquiatria, supostamente defensora de interesses

privatistas no setor; o escritor-articulista Ferreira Gullar que, no caso, trata-se de um usuário

familiar (com voz midiática) do sistema de saúde e dos serviços de saúde mental, e as

entidades identificadas como defensoras da Reforma Psiquiátrica.

Os setores prestadores de serviços e os defensores das internações psiquiátricas

consideram que a concepção manicomial, associada ao tradicional hospital psiquiátrico, já

estaria superada, sendo o dispositivo hospitalar, ainda, essencial na atenção da saúde mental

em situações determinadas. Inclusive porque a rede substitutiva não se instalou por completo,

continua ineficiente no atendimento ao sujeito em crise e delega essa tarefa aos serviços de

urgência dos hospitais psiquiátricos (JARDIM; DIMENSTEIN, 2007).

Nessa linha de argumentação, encontra-se a Associação Brasileira de Psiquiatria

(ABP), que teve suas contestações e críticas publicadas através de matérias e artigos

jornalísticos. A ABP utilizou do espaço de O Globo, do dia 20/07/2006, para escrever: O

grande equívoco da política de saúde mental. No artigo, a ABP, representada pelo seu

presidente [Dr. Josimar França], aduziu severas críticas ao Programa de Saúde Mental do

Ministério da Saúde:

...seu planejamento foi desenvolvido a partir de antigos preconceitos e com viés

populista, [e que] ... fugiu de critérios clínicos e foi fundamentado na percepção

equivocada, construída durante anos, de que todos os internos em unidades

psiquiátricas sofrem maus tratos. Para isso ressuscitaram o conceito de manicômio e

toda a carga pejorativa que acompanha a palavra (FRANÇA, 2009).23

É importante lembrar que os conceitos, os preconceitos e as percepções que

caracterizam os manicômios, atualmente, são oriundos de concepções historicamente fixadas

nos conceitos de loucura como doença. É a partir deste pensamento que se constitui a

periculosidade do louco e se estabelece a necessidade do isolamento (internamento), sendo

criadas as casas de repouso, em que se utilizou o poder absoluto para isolar habitantes sãos

(FOUCAULT, 2009). A adoção do manicômio como modelo de assistência aos sujeitos

alienados mentais do século XIX possibilitou a observação sistemática da loucura,

23

Disponível em: <http://www.jmpsiquiatria.com.br/edicao_24/grandeequivoco.html>. Acesso em: 26

jan. 2009.

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considerada pelos psiquiatras da época o ideal para o tratamento ao louco (AMARANTE,

1996; OLIVEIRA, 2009).

Será que toda a herança da prática institucional manicomial está superada a ponto

de tornar o hospital psiquiátrico como espaço viável ao tratamento dos sujeitos em sofrimento

psíquico? Segundo os defensores deste espaço de tratamento, ele somente não se estabelece

porque os defensores da Reforma tendem a difundir o discurso de que a internação

psiquiátrica não é um procedimento adequado. No entanto, não foi isso que ouvimos nos

relatos dos sujeitos entrevistados nesta pesquisa: mesmo sendo o único recurso existente para

assistir o sujeito psíquico no momento de sua crise, os cuidadores resistem em internar o

familiar, procurando administrar a situação de crise até o limite possível. Finalmente, não

vislumbrando outra alternativa que consiga solucionar o problema da crise, os familiares

recorrem ao hospital psiquiátrico, o que o mantem vivo.

Porém, a ABP acredita que o descredito do hospital psiquiátrico é resultante do

processo de Reforma Psiquiátrica estabelecida no Brasil.

... numa movimentação batizada de “reforma psiquiátrica” (como se a especialidade

médica necessitasse de reforma...), fecharam leitos em hospitais públicos, vejam

bem, públicos, e posaram de “salvadores da pátria” para os flashes. Quem precisa de

reforma é o modelo assistencial e não os médicos. Na mais recente medida em busca

da unção popular, atraíram a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da

Presidência da República para a assinatura de uma portaria interministerial que trata

de saúde mental. Mais explícito o objetivo, impossível. Conseguiram oficializar a

relação entre tratamento de transtornos mentais com os maus-tratos.6

Em 2009, uma figura importante da literatura brasileira adentra a discussão,

Ferreira Gullar, poeta, escritor e colunista do jornal Folha de São Paulo. Utilizou-se de seu

espaço jornalístico para escrever a crônica Uma lei errada, onde critica o fechamento dos

leitos psiquiátricos e o formulador, no Congresso Nacional, da Lei 10.216, a quem se dirigiu

da seguinte forma:

Havia, naquela época, um deputado... que aderiu à proposta, passou a defendê-la e

apresentou um projeto de lei no Congresso. Certa vez, declarou a um jornal que "as

famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles". E eu, que lidava

com o problema de dois filhos nesse estado, disse a mim mesmo: "Esse sujeito é um

cretino”. Não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas, que muitas vezes

ameaçam se matar ou matar alguém. Não imagina o quanto dói a um pai ter que

internar um filho, para salvá-lo e salvar a família. “Esse idiota tem a audácia de

fingir que ama mais a meus filhos do que eu”.24

A relação entre a família e o tratamento do sujeito em sofrimento psíquico centrou

a reflexão crítica de Gullar nesse trecho, ao questionar o pressuposto de que a internação do

24

Disponível em: < http://www.portalliteral.com.br/artigos/uma-lei-errada>. Acesso em: 04 abr. 2009

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doente mental seria uma forma de a família livrar-se de seu parente, sem considerar as

situações-limite, inclusive de risco de vida, a que os cuidadores e seus familiares em crise são

submetidos, recorrentemente.

Na mesma direção, outro estudo aponta que alguns familiares visualizam o

processo de desinstitucionalização como etapa de transferência de responsabilidade, em que a

ordem, o controle e a verdade sobre a doença do familiar, que era definida pelo hospital

psiquiátrico, agora era transferido para si (RANDEMARK; QUEIROZ; JORGE, 2004).

Focault (2006) destaca a relação privilegiada do asilo com a família, em que este é visto como

lugar de formação da verdade.

É importante, ainda, ressaltar que o processo de desospitalização instalado, em

muitos casos, não observou a sobrecarga que a família enfrentaria na convivência com este

doente, desencadeando atitudes de incompreensão familiar e até de rejeição, motivadoras de

reinternações sucessivas ou de internações permanentes (GONÇALVES; SENA, 2001).

Cavalheri (2010) enfatiza que o processo de desinstitucionalização tem alto

impacto para familiares, pois, ao mesmo tempo em que possibilita a convivência e a

manutenção do vínculo, impõe à família a sobrecarga de cuidar do ente familiar em períodos

de manifestação aguda. A família, por outro lado, permaneceu na expectativa da construção

da rede substitutiva preconizada, capaz de suprir as necessidades de tratamento dos egressos

dos manicômios. A não constituição desta rede contra hegemônica tem reflexo sobre o

sofrimento de familiares e sujeitos, em situação de crise, reforçando a desassistência e a

crítica ao processo de reforma psiquiátrica..

As matérias selecionadas refletem isso e mostram a confluência na crítica de

polos-interesses não, necessariamente, idênticos, entre si, ou concordantes em suas

fundamentações, motivações e consequências, como ocorrem em relação a uma entidade

corporativa como a ABP e o usuário-familiar Ferreira Gullar. Ambos criticam, embora de

lugares diferentes, a forma como o movimento de reforma psiquiátrica associa o termo

manicômio com hospitalização, pois a palavra “manicômio” acreditam, já está em desuso e,

por si já é repleta de conotações negativas, sendo utilizada em uma época em que não existe

mais este tipo de hospital.

A possibilidade de expressão pública da sobrecarga de ordem física, emocional e

econômica provocada na dinâmica familiar e enfrentada pelos cuidadores do doente, e a

ineficácia de uma atenção de saúde mental satisfatória, fez com que a manifestação de Gullar

recebesse diversas adesões à sua crônica. Esse fato o levou a se expressar, mais uma vez,

através do texto jornalístico A sociedade sem traumas, em que referiu que a maioria dos

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apoios recebidos em sua manifestação vem de familiares que têm experimentado as

consequências da Lei. Ressaltou, também, que elogios foram lançados aos bons atendimentos

na rede substitutiva, mas, mantinha sua crítica à impossibilidade das internações dos sujeitos.

Neste aspecto, fez comentários desfavoráveis à “Psiquiatria Democrática”, por condenar a

internação.

Se a doença, porém, for esquizofrenia, a coisa muda de figura: para a "psiquiatria

democrática", interná-lo é atentar contra a sua liberdade. É que, na verdade, para os

antimanicomiais, a esquizofrenia não é uma doença, como o é, por exemplo, a

tuberculose ou a diabetes. Para eles, trata-se apenas de um "transtorno" psicológico,

cujas causas estão fora do indivíduo: estão na família e na sociedade. Família e

sociedade que, para ocultar sua culpa, o internam25

.

Recoloca-se, deste modo, outra discussão, o fato de o transtorno mental ser

tratado como distúrbio social e não como patologia, ideia propagada pela antipsiquiatria26

da

década de 1960, que procurou definir que a experiência patológica não acontece no indivíduo,

enquanto corpo e mente doente, mas, nas relações estabelecida entre ele e a sociedade

(AMARANTE, 2007).

Gullar retornou à temática com certa constância, fosse através de novos artigos

(Boas Intenções e Volto a resmungar, 2009) ou como fez em 2011, participando do XXIX

Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Em cada situação de retomada do assunto, Gullar

manteve posisionamente crítico quanto à Reforma, reforçando que o tratamento oferecido nos

hospitais psiquiátricos apresentava problemas, mas, que foram superados e não fazia sentido

“demonizar” a internação psiquiátrica (CFP, 2011). E, ressaltava que, tampouco, acreditava

que a internação, por si, resolveria os problemas, mas era inegável que, para casos de surto

psicótico agudo, ela era imprescindível (GULLAR, 2009).

As afirmações e questões conceituais-práticas levantadas pelo escritor deveriam

ser ouvidas-escutadas com a devida atenção e respeito que se deve ao outro, particularmente

no caso de um familiar que vivencia existencialmente o fenômeno da doença mental, sem as

usuais desqualificações, muitas vezes ideologizadas, que fogem ao debate mais profundo e

resistem em submeter-se ao escrutínio da crítica social, no caso, de um usuário do SUS,

inusualmente com possibilidades de “direito a voz”. Todavia, compreendemos que não se

25

Disponível em: < http://www.portalliteral.com.br/artigos/uma-lei-errada>. Acesso em: 04 abr. 2009

26

Movimento iniciado na Inglaterra no final dos anos de 1950 e que teve seu apogeu nos tumultuados anos de

1960, apresentou como principais idealizadores Ronald Laing e David Cooper. Fez crítica profunda à teoria da

psiquiatria e defendeu que não existiria, enfim, a doença mental enquanto objeto natural como considerava a

psiquiatria, e sim uma determinada experiência do sujeito em sua relação com o ambiente social (AMARANTE,

2007).

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pode destituir do hospital psiquiátrico os seus malefícios, como um passe de mágica. Afinal,

foram nestes espaços que se instituíram as formas mais segregadoras dos doentes mentais que

se tem notícia. Ao passo que, também, não se pode acreditar que uma rede substitutiva suprirá

as demandas oriundas das crises psíquicas. Devem ser lembrados os transtornos que um

sujeito psiquiátrico em crise, ocasiona e que, geralmente, a família não dispõe de suporte para

resolver tal situação. Portanto, se os defensores da Reforma Psiquiátrica afirmam que os

hospitais psiquiátricos continuam sendo manicômios segregadores de seres considerados

“diferentes”, deve-se indagar que dispositivo a Reforma estrutura para o atendimento a este

sujeito em situação de crise.

Nesse aspecto, os defensores do campo da Reforma Psiquiátrica, ao se

posicionarem nesse debate sobre as críticas referidas, apresentam a rede dos serviços

substitutivos como alternativa ao modelo hospitalocêntrico e reinteraram as contradições,

conflitos e retrocessos do modelo asilar e manicomial.

A ABRASME assim se manifestou sobre as colocações de Gullar:

...desqualifica todo um processo social complexo, que vem evoluindo nos últimos 30

anos no Brasil, com a participação de diversos segmentos sociais, desde médicos

psiquiatras, outros profissionais de saúde mental e de saúde pública, poderes

legislativo, executivo e judiciário, cientistas sociais, sujeito em sofrimento psíquico,

seus familiares e diversos outros setores, denominando-o simplesmente de

“campanha contra a internação de doentes mentais”.27

A nota ressaltou que o autor pareceu incorrer no mesmo vácuo de compreensão de

muitos que confundem amplo processo social de discussão das instituições, com a ideia

simplória da desospitalização (OLIVEIRA, 2009b). Salientou, ainda, que nenhum profissional

de saúde mental sério defenderia uma posição de não internação de uma pessoa, quando

necessário.

Nessa perspectiva, o processo de Reforma tem estruturado serviços que garantem

tratamento e assistência digna ao portador de transtorno mental, sendo lugares de vida, de

estímulo, de confronto, de oportunidade, de diversas relações interpessoais e coletivas,

visando mudança cultural e política, antes social que sanitária (AMARANTE, 2008).

Estes serviços têm rompido e superado os espaços manicomiais que, segundo a

ABRASME, continuam a existir:

Os manicômios continuam existindo, continuam sendo desumanos, tratando seres

humanos como animais, produzindo mais doença e, com seu papel de depósito

27

Disponível em:http://www.abrasme.org.br/RESPOSTA_DA%20ABRASME_A%20FERREIRA_GULLAR.pdf.

Acesso: 25 mai. 2009b.

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humano (temos milhares de pessoas internadas por 20, 30, 40 anos), continuam

sangrando o dinheiro público28

.

A instituição de uma rede substitutiva ao manicômio torna-se um desafio aos

militantes da Reforma, já que, assim, tornaria o hospital psiquiátrico objeto obsoleto e

ultrapassado. No entanto, a não estruturação deste serviço tornou os serviços comunitários

grandes captadores e encaminhadores de nova clientela para os hospitais psiquiátricos

(OLIVEIRA, 2009). É por esse motivo que militantes pró-hospital procuram por revitalizá-lo,

proclamando sua eficiência.

Em busca por interromper toda essa massificação de eficiência do hospital

psiquiátrico, a ABRASME propôs que se conheçam lugares que caracterizam verdadeiros

manicômios e aponta que pesquisas vêm evidenciando cientificamente avaliações positivas do

novo formato de atenção à saúde mental. Por fim, a entidade ressaltou o interesse existente

por trás de matérias deste modo, que buscavam por valorizar tratamentos ultrapassados.

Há, também, interesses no velho sistema de internações que não têm nada a ver com

a intenção de melhorar a saúde dos usuários, são herança da mentalidade do INPS,

onde as internações, e por quanto mais tempo melhor, são negócios que dependem

da hotelaria, dos serviços, das licitações e da medicalização excessiva dos sujeitos.28

A disseminação de matérias sobre a saúde mental brasileira tem conquistado

espaço considerável nos últimos anos na impressa brasileira, algumas com interesse de

demonstrar a evolução do sistema de atenção à saúde mental. Todavia, segundo a

ABRASME, muitas têm a má intenção e tentativa de manipulação da opinião pública. É

focada na tese da má utilização da informação que o Conselho Federal de Psicologia (CFP)

caracteriza o artigo do jornalista Gullar.

Usando e abusando de falácias, o seu artigo na verdade tem como finalidade

advogar, na contra mão das tendências mundiais, a favor da manutenção dos

hospitais psiquiátricos como feudos corporativos e contra o incômodo fim dos

privilégios dos empresários da Psiquiatria e de certa elite acadêmica - a Psiquiatria

de gravata - que se utiliza destes estabelecimentos como campo privilegiado para

experimentos locais, teleguiados pela indústria farmacêutica mundial29

.

28

Disponível em:

http://www.abrasme.org.br/RESPOSTA_DA%20ABRASME_A%20FERREIRA_GULLAR.pdf. Acesso: 25 mai.

2009b.

29

Disponível em: <http://www.abrapso.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=101>. Acesso em:

25.05.2009.

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Para que a linha de defesa utilizada pelo CFP seja concretizada, é preciso

transformação do paradigma de atenção à saúde mental, ocorrendo transformação da

instituição psiquiátrica. Esta transição paradigmática tem que ser manifestada em todo projeto

sanitário, do contrário, continuar-se-á mantendo os empresários da loucura e alimentando os

experimentos farmacológicos nos novos aparatos assistenciais (FIGUEIREDO, 2007;

ROTELLI, 2001).

Em outra parte da nota de contestação ao artigo de Gullar, o CFP criticou a

tentativa de revitalizar a força do hospital psiquiátrico e manter o privilégio de psiquiatras no

domínio do conhecimento das patologias psíquicas.

...uma tentativa de não participação do médico no cotidiano dos cuidados hoje

desenvolvidos nos serviços substitutivos de forma integrada por todos os integrantes

da equipe multiprofissional. ... Como sabem aqueles que realmente trabalham em

serviços territoriais: sujeito preso (internado) no hospício, médico solto; sujeito solto

no território, médico preso no serviço.30

Amarante (2007) destaca que a natureza do campo da saúde mental vem

contribuindo para que se pense de forma diferente, não mais com o paradigma da verdade

única e definitiva, mas, em termos de complexidade, simultaneidade, transversalidade de

saberes.

Concordando com o autor referido sobre a complexidade e a necessidade de

múltiplos olhares e saberes para o pensar-fazer do campo da saúde mental e a relatividade e

perspectivismo das verdades, incorporamos ao conjunto de debatedores já apresentados, para

concluir, mas não finalizar a discussão, os informantes-cuidadores dos sujeitos em sofrimento

psíquico em situação de crise participantes desta pesquisa, no caso representados por Geia,

para que, pelo menos, deste modo, possam participar do debate, ainda que de modo restrito e

desigual. Espero, ao dar voz através desta pesquisa a usuários da rede de saúde mental do

Município de Fortaleza, contribuir com debate crítico, sob a perspectiva do usuário, e com a

melhoria do cuidado do sujeito em situação de crise:

“[...] de vez em quando é que ele enlouquecia...um dia que choveu ... ele tirou a

farda e ficou pulando no meio da chuva...não quis obedecer à professora...a pessoa se

agarrava...para vestir o calção...ele empurrava...tinha força...tinha uns sete para oito anos...

quando eu cheguei lá...estava encharcado...ela disse...foi muito difícil hoje...não quis sair da

chuva...não quis vestir o calção...empurrou as professoras...se agarrou com a gente...deu chute

30

Disponível em: <http://www.abrapso.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=101>. Acesso em:

25 mai 2009.

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na canela...depois desse quadro da infância... começou a piorar...a ficar agressivo...por volta

dos 10 anos...pegava o cabo de vassoura...batia no meu pai...saia até sangue...ele começou a

quebrar as coisas dentro de casa... quebrou uma cadeira de plástico...arremessou a cadeira

contra um muro...quebrou um som...meu pai ficou muito preocupado...como é que vai ser

daqui para a frente...esse menino...já tem a força de quebrar uma televisão de 14

polegadas...arranca a borracha da geladeira... quebra a porta do armário...quebra a maçaneta

da outra porta...dá chute nas portas... quando ele ficar adolescente...quando ele ficar maior

como vamos contê-lo?...ele já tinha 13 anos...conseguiu arrancar uma porta...deixar só os

pedaços...estava de uma maneira assim impressionante...subia em cima de uma

pia...pulava...para ver se a pia desabava no chão... quando o SAMU chegou...ele não estava

mais quebrando...porque estava suado e exausto...fez muita força para arrancar essa

porta...não tinha mais força...já estava sentado no chão suado... sujo...nu...comendo as coisas

que tinha dentro da geladeira... estava quieto...exaurido.. quando cheguei lá eu apenas

banhei...vesti e levei-o...não deu trabalho nenhum para entrar na ambulância...a gente o levou

ao hospital de Messejana...foi à primeira vez que eu pisei no hospital de Messejana para dar

uma injeção... eu estava chorando...aflita... sem saber o que fazer... porque eu nunca imaginei

que ele chegasse a tanto...aí ele tomou uma injeção...foi para o Mira y Lopes...ficou na

intercorrência clínica...com 13 anos...a maior dificuldade em cuidar dele...já é um

adolescente...quando está em crise é muito forte...é pesado...é alto ...eu sempre necessito da

presença do meu esposo na hora da crise..não posso contar com a presença dele o tempo

inteiro...ele faz coisa arriscada...põe a vida dele em risco... corre...atravessa em frente de

carro...de ônibus...foge de casa...me agride fisicamente...rasga as coisas... destrói moveis...faz

várias coisas perigosas...a dificuldade é contê-lo... segurá-lo para ele não se machucar... não

machucar a mim... como conter se ele é um rapaz...eu ainda sou uma pessoa frágil...

pequena...eu não consigo...já pensou se o estado pagasse...um cuidador para que você pudesse

ter mais esse suporte domiciliar...seria muito melhor...não precisaria estar internando a pessoa

o tempo todo...poderia cuidar da pessoa em casa...se houvesse um cuidador, alguém que

fosse...na hora de uma crise...o conteria...o segurava...a última crise começou...ele já vinha há

vários dias fazendo coisa que não deveria...na segunda-feira chegou...saiu

correndo...atravessou Avenida...é um risco muito grande...foi correndo até a casa de um

amigo...ele sabe que lá tem uma palmeirinha que ele gosta...invadiu a casa...destruiu o jardim

inteiro...a esposa do meu amigo estava lá...ele trabalha na casa da esperança... por sorte ele

sabe...não ficou chateado... mas se fosse um estranho ele teria chamado o ronda...ele quebrou

um jarro de cimento enorme...destruiu todas as plantas...arrancou tudo com os dentes...as

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mãos...eu não sabia como fazer para ele parar...consegui que ele saísse...levei-o para casa...na

terça-feira ele também tentou fugir de casa...destruiu alguns objetos em casa..rasgou roupa...a

camisa de malha dele e tudo mais... a gente ainda conseguiu que ele fosse para casa da

esperança...ele chegou a rasgar o banco do transporte escolar de uma mordida...na quarta-feira

eu fui com ele para evitar isso..fui e voltei com ele no transporte escolar...assim que o rapaz o

desceu de dentro do carro... que eu abro a casa e coloco a bolsa dentro...ele saiu novamente

pelo portão...atravessou avenida...foi novamente quebrar todos os galhos...árvores que ele

encontrou na rua ... aí eu peço ajuda a um amigo na rua...ele me dá uma corda...eu amarro as

pernas dele para ele não correr...também amarro a mão dele com a camisa dele...é muito

constrangedor...você ter que amarrar seu próprio filho...sair amarrado com ele pela rua...só

assim consegui chegar a casa com ele...quando cheguei... ele foi arrancar um galho...bateu na

minha mão...arrancou um pouco a pele do meu braço...chegou em casa muito

agressivo...chutou meu joelho...ficou arrancando meu cabelo...puxando meu cabelo...eu

resolvi desistir...de ficar perto dele...vi que ele ia me machucar...desço as escadas...ele pega a

cômoda e tenta arremessar a cômoda escada abaixo...para ver se a cômoda pegava em

mim...eu chamo a ambulância...chamei o SAMU...o SAMU demora muito... demorou 4

horas...como é apenas uma ambulância...não pode uma cidade...com mais de dois milhões de

habitantes terem apenas uma ambulância psiquiátrica...a espera é enorme...se um sujeito em

crise matar uma pessoa...quando a ambulância chegar vai estar só o cadáver...não vai mais dar

tempo de fazer nada...eu chamei a ambulância uma hora...eles chegaram às quatro e meia da

tarde...quando eles chegam...meu filho nunca precisou ser contido por eles...eles chegam a

crise já passou...aí ele entra bem....é bem atendido pelos rapazes...até eles conversam

comigo...já me conhecem...nós fomos com ele para Messejana...é mais outra espera

grande...tive que dormir no chão...muita humilhação as pessoas tem que dormir no chão...uma

pessoa lá dos funcionários molhou o chão sabendo que as pessoas estavam dormindo no

chão...não têm um pingo de respeito...as pessoas estão ali humilhadas...necessitando daquele

atendimento...se submetem a essa coisa degradante...ficar no frio...no chão sujo...tem que se

submeter...ficar a noite inteira sentada numa cadeira até de manhã.” [...]

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória deste estudo foi árdua e marcada por inquietações, conflitos e

perplexidades. Como em todo trabalho científico, muitas dúvidas me consumiram, me

torturaram, como, também, me enriqueceram no conhecimento acadêmico. Após definir o

trajeto que seguiria, entrei em campo e fui envolvido por uma realidade que me marcará para

a vida inteira. Os narradores se colocaram colaborativos e valorizados por obter uma

oportunidade de relatarem seu sofrimento ao cuidar de um parente em situação de crise e os

sujeitos tiveram na narrativa a oportunidade de expressar angústias, medos e temores. Todo o

contexto apreendido neste estudo marcará por longo tempo, pois percebi que no contexto da

Reforma Psiquiátrica brasileira, nem tudo são flores e que há espinhos dolorosos que são

encobertos ou desconhecidos.

Insurge das narrativas um relato peculiar da realidade vivenciada no contexto

das situações de crises psíquicas e a apreensão somente foi possível pela utilização da história

oral temática como metodologia. É bem verdade que hesitei, por algum instante, ouvir toda

história oral de vida, mas, contive-me por perceber que não daria conta de abordar um

contexto tão amplo. Mas isso em nada prejudicou o estudo. Pelo contrário quando da

confrontação das narrativas, obtive uma realidade detalhada da situação social e histórica que

as situações de crise psíquica representam no contexto familiar.

Ao insistir na história oral temática como metodologia para esta tese, percebo que

não estava errado, pois, o campo provou-me que há espaço imenso a ser buscado e ampliado

pela saúde coletiva com essa metodologia. A escolha, também, foi fundamental para

materialização das narrativas e para análise peculiar daquilo que a memória permitiu recriar.

Vale ressaltar que o estudo apresenta algumas limitações, entre elas o fluxo de

atendimento que são desenvolvidos no interior da rede hospitalar na chegada do sujeito em

situação de crise. Infelizmente, não conseguimos dispor de recursos que me levasse a adentrar

tal contexto. Mesmo assim, alguns pontos relativos a esta problemática foram visualizados no

corpo do trabalho, mas, ressalto que são oriundos dos relatos dos narradores e não de

aprofundamento na problemática.

Estruturado na premissa metodológica e respondendo aos objetivos e critérios

acadêmicos, chego a algumas conclusões.

1. O processo saúde/doença que se instala no contexto social e cultural das famílias passa

a gerar conflitos e sofrimento mental em seus membros. A partir desta instalação, inicia-se o

processo por uma assistência. Geralmente, a busca por esta assistência ocorrerá quando o

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sujeito em sofrimento psíquico estiver infringindo as regras impostas por seus familiares,

quando deixar de obedecer e seguir os padrões considerados como normais. A percepção por

essa necessidade de cuidado é oriunda dos familiares já que o sujeito em sofrimento psíquico,

dificilmente, percebe a necessidade de ajuda e esta busca por ajuda, geralmente, surge quando

o sujeito encontra-se em um estado de agressividade e destruição relevante.

Ao iniciar a busca por uma ajuda, inicia-se também o processo de dificuldade que a família

enfrentará para alcançar o atendimento de seu ente. Primeiramente, a inexistência de uma rede

extra-hospitalar que receba este tipo de situação. Em seguida, a ineficiência no atendimento

do serviço de assistência médica de urgência (SAMU), que devido à deficiência no

quantitativo de viaturas tende a apresentar longo tempo de demora. Também percebi que

existe influência externa dentro do serviço do SAMU, que facilita o encaminhamento da

viatura em alguns casos. Mas, o fato primordial percebido foi à carência ou ausência de

qualificação da equipe em emergência que, pelos relatos dos familiares, não apresentam

conduta adequada na forma de abordar o sujeito na situação de crise. A presença da polícia,

como forma de apoio buscado pelos familiares foi outro fato marcante, isso demostra que a

necessidade da utilização da força na contenção do sujeito em sofrimento psíquico ainda

encontra-se internalizada na mente de seus familiares.

2. Nas relações de cuidado que se formaram durante as narrativas, percebi que não há

interface que integre a tríade sujeito, família e rede de atenção, pelo contrário, ocorrem um

isolamento integral do sujeito neste processo. Esse fato motiva profissional a propor

tratamentos ultrapassados e segregadores, como o médico que sugeriu a Atena o isolamento

de seu filho em um quarto no fundo do quintal de sua residência. A participação familiar no

plano terapêutico de seu sujeito é marcada por ausência do corpo familiar, centralizando o ato

de cuidar em um único individuo, geralmente, a mãe. No contexto familiar, encontrei a

ausência por completo da familiar extensiva, ficando centrado todo o cuidado a família

nuclear.

3. Por fim, o cuidado desenvolvido no interior das unidades hospitalares se revela como

grande conflito para as famílias, pois percebendo a inexistência de um plano terapêutico

definido e adequado ao cuidado de seu familiar, hesitam em interná-lo ou não. Mesmo

percebendo que o hospital psiquiátrico não é a estrutura assistencial desejada para assistir seu

familiar em sofrimento, mas é o único recurso existente, as famílias terminam preferindo

interna-los que vê-los presos por terem agredido alguém querido da família.

Acredito que o grande desafio da Reforma Psiquiátrica brasileira é detectar as

lacunas existentes na assistência ao sujeito em sofrimento psíquico em situação de crise e

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proporcioná-lo integração a este modelo inovador de atenção. A Reforma também deve

direcionar novamente seu olhar para o interior dos hospitais psiquiátricos, já que emergiu de

dentro deste espaço a este espaço deve voltar para produzir ali dentro o que vem produzindo

no seu exterior, pois acredito que, mesmo considerado ultrapassado em sua forma de atenção,

este aparato, ainda, apresentará influência clínica e assistencial junto à rede de atenção de

saúde mental do Brasil por alguns anos, devido à extensão territorial do país e devido à

instalação heterogênea da rede substitutiva.

Espero que o estudo apresentado seja transformador na forma de assistir o sujeito

em sofrimento psíquico e que gestores estaduais, municipais se sensibilizem com a situação

desta população e, no meu caso, comprometo em divulgar e relatar o sofrimento desta

população através de artigos científicos, palestras e entrevistas. Pois, acredito que a

disseminação de uma solução deve partir de uma primeira intervenção que se somando a

diversas outras trará a transformação desejada.

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143

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semiestruturado

Identificação: ________________________.

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Idade: ______

Estado Civil: ___________

Escolaridade: _________________________

Ocupação: ______________________

Renda Familiar: _________________________.

Tempo da Doença ___________________.

Bairro: __________________. SER ______________.

N° de internações: _____________________.

N° de crise: __________________.

1. Como você experiência as situações de crise de seu familiar?

2. Quais os caminhos que você percorreu ao cuidar do seu familiar durante os momentos

de crise?

3. Como você lida com o seu familiar nas situações de crise?

4. Quais as ações nas redes assistenciais que você considera importantes para a melhora

do seu familiar?

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144

APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista Semiestruturado do Sujeito

Identificação: ________________________.

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Idade: ______

Estado Civil: ___________

Escolaridade: _________________________

Ocupação: ______________________

Renda Familiar: _________________________.

Tempo da Doença ___________________.

Bairro: __________________. SER ______________.

N° de internações: _____________________.

N° de crise: __________________.

1. Fale sobre sua experiência em momentos de crise.

2. Fale como você percebe o cuidado quando está em crise

3. Como você se relaciona com a equipe que cuida de você nos momentos de crise?

4. Fale sobre a participação de sua família quando você esta em crise.

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145

APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS DE SAÚDE

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Você está sendo convidado a participar como voluntário de uma pesquisa. Você não deve participar contra

sua vontade. Leia atentamente as informações abaixo e faça qualquer pergunta que desejar, para que todos os

procedimentos desta pesquisa sejam esclarecidos.

Sou Aluno do curso de Doutorado em Saúde Coletiva em Associação de IES AMPLA AA - UECE-UFC-

UNIFOR sobre a orientação do Prof. Dr. Ricardo José Soares Pontes e estou desenvolvendo a pesquisa:

Experiências em situação de crise dos sujeitos em sofrimento psíquico: análise de narrativas. Tendo por

objetivo:

Compreender as experiências vivenciadas por sujeitos em sofrimento mental e seus familiares na busca

por assistência na rede de atenção em saúde mental de Fortaleza quando em situações de crise.

Identificar o itinerário de sujeito e familiar durante a atenção às situações de crise psíquica;

Descrever como acontece a assistência ao sujeito de sofrimento psíquico durante as situações de crise

no município de Fortaleza.

Informo que durante a entrevista, utilizarei um gravador para melhor captar as informações repassadas.

Deste modo, venho solicitar a sua colaboração para participar da pesquisa respondendo a uma entrevista semi-

estruturada, sobre a qual esclarecemos que:

As informações coletadas somente serão utilizadas para os objetivos da pesquisa;

O (A) Sr.(A) tem liberdade de desistir a qualquer momento de responder aos questionamentos;

As informações ficarão em sigilo e sua identidade será preservada;

Esta pesquisa não trará nenhum tipo de dano físico a seus participantes abordados, não oferecendo,

portanto, nenhum tipo de risco; Os possíveis desconfortos resultantes dos questionamentos serão

acompanhado pelo pesquisador e quando este não conseguir solucioná-los, lança-se-a mão da Rede de

Saude Mental de Fortaleza.

Os principais benefícios da pesquisa ficarão por conta das contribuições junto a organização dos

serviços de emegências psiquiátrica, na melhoria do atendimento psiquiátrico aos pacientes em crise e

na orientação das novas politicas publicas da Rede de Saúde Mental de Fortaleza.

A sua participação muito contribuirá na execução desta pesquisa. ATENÇÃO: Para informar qualquer questionamento durante a sua participação no estudo, dirija-se ao: Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará Rua Coronel Nunes de Melo, 1127 Rodolfo Teófilo. Telefone: 3366.8338 Endereço do responsável pela pesquisa: Nome: Adriano Rodrigues de Souza Instituição: Universidade Federal do Ceará

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Endereço: Rua Professor Costa Mendes, 1608. 5º andar. Rodolfo Teófilo. Fortaleza-CE. CEP: 60430-140.

Tel. (85) 3366-8045 Telefones p/ contato: 3452.6989 (trabalho) e 8877.1801.

O abaixo-assinado, ______________________________________________________, ______, anos.

RG no. ________________ declara que é de livre e espontânea vontade que está participando como voluntário

da pesquisa. Eu declaro que li cuidadosamente este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que, após sua

leitura tive oportunidade de fazer perguntas sobre o conteúdo do mesmo, como também sobre a pesquisa e recebi

explicações que responderam por completo minhas dúvidas. E declaro ainda estar recebendo uma cópia assinada

deste Termo.

Fortaleza, ________/________/________. Nome do Voluntário ____________________________________________________________ Data: _______/________/_______. Assinatura: ___________________________________________________________________ Nome do Pesquisador __________________________________________________________. Data: _______/________/_______. Assinatura: ___________________________________________________________________ Nome da Testemunha (se o voluntário não souber ler) _____________________________________________________________________________ Data: _______/________/_______. Assinatura: ___________________________________________________________________

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ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa