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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
ANDRÉA MARIA SARMENTO MENEZES
MEMÓRIA GERACIONAL E RISCOS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI
São Cristóvão – Sergipe
2013
ANDRÉA MARIA SARMENTO MENEZES
MEMÓRIA GERACIONAL E RISCOS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do Título de Mestre pelo Núcleo de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.
Área de Concentração: Desenvolvimento
Regional.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Antônio Vital
Menezes de Souza.
São Cristóvão – Sergipe
2013
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Menezes, Andréa Maria Sarmento
M543m Memória geracional e riscos ambientais no século XXI / Andréa Maria Sarmento Menezes ; orientador Antônio Vital Menezes de Souza. – São Cristóvão,
2013. 131 f. : il.
Dissertação (mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Universidade Federal de Sergipe,
2013.
O 1. Riscos ambientais. 2. Memórias geracionais. 3.
Futuro. I. Souza, Antônio Vital Menezes de, orient. II.
Título.
CDU: 504.4”20”
ii
ANDRÉA MARIA SARMENTO MENEZES
MEMÓRIA GERACIONAL E RISCOS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do Título
de Mestre ao Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
Universidade Federal de Sergipe, vinculado ao Programa Regional de Pós-
Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente- PRODEMA, Área de
Concentração: Desenvolvimento Regional.
Aprovado (a) com média: _________________
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Antônio Vital Menezes de Souza, Doutor em Educação.
Universidade Federal de Sergipe - UFS/ PRODEMA
Orientador
_____________________________________________________________
Maria José Nascimento Soares, Doutora em Educação.
Universidade Federal de Sergipe - UFS/PRODEMA
1º Examinador
_____________________________________________________________
José Mário Aleluia Oliveira, Doutor em Educação.
Universidade Federal de Sergipe – UFS/DED
2º Examinador
São Cristóvão (SE), 20 de Dezembro de 2013.
iii
Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento e
Meio Ambiente.
______________________________________
Prof. Dr. Antônio Vital Menezes de Souza
Orientador – Universidade Federal de Sergipe
iv
É concedida ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
Universidade Federal de Sergipe permissão para disponibilizar, reproduzir cópias, emprestar
ou vender tais cópias desta dissertação.
______________________________________
Andréa Maria Sarmento Menezes
Universidade Federal de Sergipe
______________________________________
Prof. Dr. Antônio Vital Menezes de Souza
Orientador – Universidade Federal de Sergipe
v
Dedico este trabalho ao meu filho
Rodrigo com muito amor.
vi
AGRADECIMENTOS
Para a realização desta dissertação, pude contar com o apoio e ajuda de algumas
pessoas. A essas pessoas presto os meus agradecimentos:
À família pela compreensão nos momentos de ausência. A Ricardo e ao meu filho
Rodrigo, pelo carinho e ternura, fontes de inspiração em minha vida.
Ao professor Doutor Antônio Vital, orientador, pelo apoio, compreensão e,
principalmente, por dividir comigo seus conhecimentos.
A todos os professores do PRODEMA pelo conhecimento transmitido e pelas
discussões enriquecedoras;
Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Tecnologias Intelectuais, Mídias e Educação
Contemporânea - SEMINALIS, pelas discussões fecundas.
Aos colegas da turma 2012, em especial, às amigas Roseanne, Ana Maria e Danielle
pela amizade e dedicação nos trabalhos desenvolvidos em equipe;
Ao corpo administrativo, Najó, Val, Luzia pela presteza no atendimento às minhas
solicitações;
Aos colegas do Departamento Financeiro (DEFIN/UFS) - Carminha, Jussara, Adriana
- em especial, aos da Divisão de Contabilidade (DICON/UFS) Magno, Bruno, Clara, Rosana,
Maurício, Albérico, Marcel, Cristiane, que nunca se opuseram em ajudar-me nos momentos
difíceis.
A todos, meus sinceros agradecimentos.
vii
Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo claro e brevemente? [...]
e que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro – se o
passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se
fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, como
poderíamos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a
mesma pela qual deixará de existir?
Santo Agostinho.
viii
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a caracterização das projeções futuras de diferentes
gerações quanto aos riscos ambientais. Trata-se da análise dos tipos de influência de
memórias geracionais exercidos na caracterização da ideia de futuro ambiental, considerando
a sensação de insegurança socioambiental, advinda das experiências sociais diretas e/ou
indiretas em torno de flagelos e/ou catástrofes ocorridas no século XXI. A abordagem teórica
sobre o tema é demarcada pela natureza interdisciplinar de pesquisa, descrita pelo diálogo
entre autores distintos, particularmente (Barbrook (2009); Bauman (2006; 2007; 2008a;
2008b e 2009); Beck (2010); Becker (2011), Dubet (1996); Espinheira (2008); Fischer
(2011); Grings (2002); Lemos (2012); Mannhein (1982); Morin (1997 e 2001); Navarro
(2005); Rushkoff (1999); Thompson (1998); Toynbee (1973); Bergson (2006);
Halbwachs(1990); Bosi (1994,2003) dentre outros. A pesquisa foi realizada no Campus José
Aloísio de Campos da Universidade Federal de Sergipe, situado no município de São
Cristovão. Participaram desta pesquisa 294 indivíduos distribuídos em quatro grupos
(menores de 15 anos, jovens com idade entre 15 e 24 anos, adultos de 25 a 59 anos e idosos
com idade igual ou superior a 60 anos). A metodologia se insere no paradigma
interpretativo/qualitativo e no método descritivo-fenomenológico de pesquisa. Os principais
instrumentos utilizados na coleta de informações foram entrevistas semidirigidas, questionário
fechado e diário de campo. Os resultados alcançados explicitam a identificação da crença na
intervenção humana como contributiva no agravamento das catástrofes e/ou flagelos naturais.
Os entrevistados quando se referem ao futuro ambiental não alteram de imediato seu
comportamento ante audiência de flagelos ou catástrofes ambientais produzidos pelos
veículos de cultura de massa. O que eles alimentam é a insegurança que apela por novo
consumo da mesma porção de medo a fim de mantê-los com a sensação de viventes em
direção provável à extinção. Por isso mesmo, vivem entre atônitos e sobressaltados riscos na
relação cotidiana de perceber, esquecer e voltar à consciência a finitude imprevista de
qualquer instante em qualquer direção. Há tendência de transferirmos nossas
responsabilidades em relação ao meio ambiente para os "outros" da nossa geração e os das
próximas. Por fim, o futuro ambiental como projeto do presente traduz a dinâmica social
contemporânea em seus movimentos de idas e vindas, de seguir com outro tipo de
consciência, seja focada em longos e médios prazos, seja em pequenas porções de momentos.
PALAVRAS-CHAVE: Memórias Geracionais. Futuro. Riscos Ambientais.
ix
ABSTRACT
This research has as its object of study the characterization of future projections of different
generations about environmental risks. It is the analysis of the types of influences from
generational memories exercised in the characterization of the idea of future environmental,
considering the feeling of insecurity, socioenvironmental consequential social experiences
direct and/or indirect around scourges and/or disasters in the 21st century. The theoretical
approach on the topic is demarcated by interdisciplinary nature of research, built by dialog
between distinct authors, particularly (Barbrook (2009); Bauman (2006; 2007; 2008a; 2008b e
2009); Beck (2010); Becker (2011), Dubet (1996); Espinheira (2008); Fischer (2011); Grings
(2002); Lemos (2012); Mannhein (1982); Morin (1997 e 2001); Navarro (2005); Rushkoff
(1999); Thompson (1998); Toynbee (1973); Bergson (2006); Halbwachs (1990); Bosi
(1994,2003), among others. The research was conducted on Campus Jose Aloisio de Campos,
at the Federal University of Sergipe (UFS), situated in São Cristóvão city. Two hundred e
ninety-four individuals participated in this survey, distributed in four groups (younger than 15
years, young people aged between 15 and 24 years old, adults from 25 to 59 years and elderly
with age above than or equal to 60 years). The methodology fits into interpretative
paradigm/qualitative and descriptive method of phenomenological research. The main
instruments used to collect information were semi-structured interviews, closed questionnaire
and field diary. The results explain the identification of belief in human intervention as
contributory to worsening disasters and/or natural calamities. The interviewees when referring
to future environmental does not alter their behavior immediately ante audience of scourges or
environmental disasters produced by vehicles of mass culture. What they nourish is the
insecurity which calls for new consumption of the same portion of fear in order to keep them
with the feeling of living in direction likely to extinction. For this reason, live between
amazed and startled everyday risks in relation to perceive, forget and return to consciousness
the finiteness of any unexpected moment in any direction.For this reason, living between
amazed and startled everyday risks in relation to perceive, forget and return to consciousness
the finiteness of any unexpected moment in any direction.There is a tendency to transfer our
responsibilities in relation to the environment to the "other" of our generation and the next.
Finally, the future as environmental project of the presente days could be translated to
contemporary social dynamics in its movements of comings and goings, to follow with
another type of conscience, be it focused on long and medium term, be it in small portions of
moments.
KEY WORDS: Generational Memories. Future. Environmental Risks.
x
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1
2 (IN) SEGURANÇA E FUTURO NO LIMIAR DO SÉCULO XXI .................................. 8
2.1 DO MEDO E DA INSEGURANÇA ................................................................................ 8
2.2 CULTURA DE MASSA, A INDIVIDUALIZAÇÃO E A CRISE DA SOCIEDADE .. 12
2.3 O FUTURO COMO ALTERNATIVA AO APOCALIPSE (?) ..................................... 24
3 RISCOS AMBIENTAIS NA CONTEMPORANEIDADE .............................................. 33
3.1 RISCOS E PERIGOS: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES ....................................... 33
3.2 SOCIEDADE DE RISCO ............................................................................................... 47
4 MEMÓRIA DA (NA) SOCIEDADE ................................................................................. 52
5 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 67
5.1 DO LOCAL DA PESQUISA ......................................................................................... 72
5.2 DA AMOSTRA .............................................................................................................. 72
5.3 DOS INSTRUMENTOS ................................................................................................. 75
5.4 ETAPAS DA PESQUISA .............................................................................................. 76
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................................... 79
6.1 PERCEPÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS SOB AS FORMAS DOS FLAGELOS,
CATÁSTROFES OU DESTRUIÇÃO NATURAL DE MÉDIA OU DE GRANDES
PROPORÇÕES. .................................................................................................................... 83
6.2 VISÃO PESSOAL A RESPEITO DO “FUTURO” (DEFINIÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO). ........................................................................................................ 91
CONCLUSÕES ....................................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 102
APÊNDICES ......................................................................................................................... 111
APÊNDICE A – ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA ........................................................... 112
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO FECHADO ............................................................... 113
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA REALIZAÇÃO DA
PESQUISA NAS DEPENDÊNCIAS DA UFS .................................................................. 115
APÊNDICE D – CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PRODEMA ................................. 116
APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............. 117
xi
LISTA DE TABELAS
Número
Título Página
Tabela 1
Distribuição das quatro amostras geracionais em função do
gênero, nível de escolaridade.
82
Tabela 2
Meios de comunicação mais utilizados para se manter
informado.
82
Tabela 3
Associação de riscos ambientais à ação antropogênica e/ou
natural
84
Tabela 4
Sensações e Comportamentos diante da audiência ou
percepção a respeito de notícias veiculadas pelos meios de
comunicação.
85
Tabela 5
Ideia a respeito do futuro. 92
Tabela 6
Crença de ser afetado ou não pelos riscos ambientais no
presente.
95
Tabela 7
Crença de ser afetado ou não pelos riscos ambientais no
futuro.
96
1Introdução 1
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teve origem nas experiências vividas por mim nos últimos vinte e cinco
anos. Entre 1986 e 2011 mantive contato com uma diversidade de experiências, circunstâncias
de interação com pessoas de gerações diferentes, seja no campo do trabalho, na formação
inicial em fisioterapia, seja nas interações cotidianas com familiares ou amigos próximos. As
primeiras reflexões sobre as questões ambientais surgiram desde o desafio de compreensão
mais ampla a respeito do conceito de saúde. O complexo conceito de meio ambiente,
apareceu, desse modo, em torno das minhas angústias pessoais de formação e de
profissionalização. De modo específico, em igual intensidade, deparei-me com a problemática
do futuro e com os modos distintos com que cada subjetividade, em sua origem cultural,
expressa sensações de (in) segurança ante os desastres, flagelos e/ou catástrofes naturais de
médias ou grandes proporções. Tais sensações de insegurança ou relativa despreocupação
foram percebidas e partilhadas, principalmente pelas influências geracionais de diferentes
atores sociais no cotidiano das relações que fui estabelecendo no decorrer de minha própria
história de vida.
Em tais contextos, percebia-me envolvida e afetada diretamente pelos tipos de
conversação, emissões de opinião e de crenças partilhadas por diferentes atores sociais a
respeito do futuro ante a apreensão perceptiva de algum flagelo natural. Porém, pouco a
pouco, fui observando que existiam diferentes modos de percepção e de apreensão destas
mesmas mensagens por distintas gerações. Crianças, jovens, e adultos exprimiam-se e
observavam de maneira ora divergente, ora partilhada ora apaticamente ante a noção de futuro
da biosfera e das condições de vida humana no planeta Terra. Então prossegui nos últimos
cinco anos exercitando a observação indireta de tais fenômenos a tal ponto que decidi torná-la
objeto de pesquisa científica dentro do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e
Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.
Em 1995, durante formação acadêmica inicial em fisioterapia, já se delineava o
percurso de inquietações intelectual em torno do tema. A experiência de vivenciar e/ou
acompanhar diretamente a angústia de pacientes em torno da possibilidade da finitude da
vida, em casos específicos do trabalho com a saúde humana, depreendia de minhas atitudes
profissionais em formação um constante encontro com a noção de futuro. A possibilidade (ou
sua negação) da existência de um futuro breve ou em longo prazo desafiava e alterava o modo
1Introdução 2
como cada um dos atores sociais desenvolvia-se no contexto social das cenas de interação
cultural. Particularmente, a participação simultânea nas disciplinas acadêmicas relativas aos
estudos de Fisioterapia Aplicada à Pediatria, Fisioterapia Aplicada à Neurologia e Fisioterapia
Aplicada à Geriatria foi determinante neste sentido. Nestes termos, o contato com as
diferentes gerações durante a graduação e a especialização (2000) contribuiu para a apreensão
de que a sensação de (in) segurança ou uma visão negativa quanto ao futuro da humanidade
era diferentemente expressada por muitas pessoas, principalmente, após o acontecimento de
catástrofes ambientais divulgados pelos veículos de comunicação de massa. As divulgações
midiáticas eram construídas em termos apocalípticos e transpareciam que o problema das
mudanças climáticas era inevitável e por culpa antropogênica.
Estas experiências culminaram na aproximação com o campo da pesquisa em ciências
ambientais, sobretudo, em torno das questões relacionadas à ideia de riscos, meio ambiente,
memória e meios de comunicação de massa. Com base nestas trajetórias, as projeções futuras
de diferentes gerações quanto aos riscos ambientais ((in) segurança socioambiental frente aos
flagelos e/ou catástrofes naturais) foram se consolidando como objeto de pesquisa em minha
trajetória intelectual.
Toynbee (1973) destaca que as rápidas transformações da vida moderna refletem-se
sobre todos e, em especial, sobre os jovens. Embora presente em todas as idades, é na
juventude que o sentido da vida é mais questionado, principalmente por esta tentar
compreender as circunstâncias em que se encontra. Consequentemente, a ideia de futuro se
consolida como problema difuso nos estudos sobre juventude. Um dos argumentos centrais
debatidos pelo autor é a ideia segundo a qual a juventude deve ser estudada como uma
circunstância sociohistórica de compreensão da natureza humana e descoberta dos
enfrentamentos intensivos e crísicos no que se refere ao sentido da vida.
E isto decorre da busca autonegada do amor transcendental o que significa que o
homem deveria empreender toda sua “habilidade e força” no sentido de alcançar os objetivos
da vida: viver para amar, compreender e criar. De outra forma, que o “homem se dê a outrem,
ao mundo ou a um espírito maior” (TOYNBEE,1973,p.14-15). O autor descreve a
necessidade de existir uma atividade extrapessoal em benefício dos outros no que se refere à
sociedade do futuro. Por isso, é possível afirmar que é para os jovens que a humanidade se
volta ao tentar assegurar o futuro e que, portanto, as gerações mais velhas devem buscar
1Introdução 3
conciliar-se com as novas, mesmo que isto seja difícil dada a atual crise das relações
humanas.
Bauman (2008a, 2008b) discorre sobre o abandono do indivíduo a uma luta solitária
para impor sentido e objetivo em suas vidas sem que, necessariamente, existam recursos
suficientes para enfrentá-la. A individualização, enquanto característica das sociedades
modernas, traz uma sensação crescente de liberdade para experimentar, mas, ao mesmo
tempo, vem revestida da tarefa de lidar com suas consequências.Nessa perspectiva, a ideia
segundo a qual a liberdade do indivíduo moderno veio acompanhada da incerteza, falta de
proteção e a insegurança pode ser associada ao conceito de medo desenvolvido por Espinheira
(2008). Entre ambos, a referência à ideia de medo e insegurança se sustenta dentro das
seguintes proposições: (a) o medo orienta comportamentos; (b) o medo é ubíquo; (c) O medo
fabricado desemboca num futuro que está fora de nosso controle.
A primeira proposição fundamenta-se na ideia de que o medo é visto como um
enfrentamento a uma ameaça direta ocorrido no passado. Isto se perpetua mesmo que não haja
um novo fator desencadeador. A segunda proposição refere-se ao fato de temermos ameaças
de todos os lugares, pois o mundo está cheios de perigos que podem abater-se sobre nós. Esta
inclui, ainda, a vulnerabilidade a que estamos dispostos, o que depende muito mais de uma
falta de confiança nas defesas disponíveis que da possibilidade de ameaças reais. Tememos
ameaças da natureza, tememos as atrocidades de outros indivíduos, enfim, tememos tudo que
venha a atingir nossas vidas, lares, empregos. Porém, a terceira proposição se desenvolve em
torno da ideia que a economia de consumo depende de consumidores produzidos para
consumirem seus produtos que, logicamente, causam alívio ou expurgam os medos
cotidianamente fabricados.
Nesse sentido, o “futuro” pode ser definido como uma promessa do presente. O
determinismo tecnológico preconiza o presente como um instante-já (futuro) glorioso. No
entanto, cabe-nos a reflexão sobre o que determina o futuro em relação às práticas históricas
com as quais a humanidade em si se desenvolveu, usando as tecnologias e ferramentas,
construindo-o de acordo com seus interesses. Nesse contexto, a exploração de recursos
naturais e a poluição, sob a égide de um futuro onde todos terão acesso aos bens tecnológicos,
devem ser repensadas, haja vista que a utopia dos benefícios à sociedade não se concretizou,
ou seja, a revolução tecnológica não implicou uma revolução social. (PASQUALI, 2004;
BARBROOK, 2002; GRINGS, 2002). A partir daí, esta pesquisa pretende analisar as
1Introdução 4
projeções futuras de diferentes gerações como constructo social de primeira ordem frente aos
riscos ambientais.
Beck (2010) define que os riscos ambientais são invisíveis e em muitos casos
imprevisíveis. Este fato exigiria medidas preventivas e responsabilidades por danos futuros,
mesmo que estes ainda não tenham ocorrido. Dessa forma, a estruturação do conceito de
riscos ambientais não pode ser amplamente debatida sem considerarmos suas dimensões
sociais, ecológicas, políticas e administrativas. Afirmamos isto ao concordamos com o Fisher
(2011) que entende que as transformações culturais estão diretamente relacionadas à ideia de
manutenção, conservação alterações ou mudanças em torno da ideia de futuro.
A percepção dos riscos ambientais, enquanto construída em determinados contextos
históricos, depende de cruzamento entre o perigo fornecido pelos elementos naturais (risco
ambiental objetivo) e as experiências vividas. Nesse sentido, a evocação da memória é
fundamental e, para cada geração, terá um enfoque diferente. De acordo com Queirós (2006),
a memória histórica geracional pode ser vista como a reunião complexa das memórias
comuns - adquiridas ou apropriadas dos participantes de uma situação de geração e das
memórias coletivas que grupos concretos desses participantes tenham construído, não sendo
incomum que as representações que compõem uma ou algumas destas memórias coletivas
adquiram predominância sobre as demais e se difundam mais amplamente no seio de uma
dada geração.
Assim sendo, o problema dessa pesquisa é a caracterização de influências das
projeções futuras de diferentes gerações quanto aos riscos ambientais. Trata-se da análise
dos tipos de influência de memórias geracionais exercidos na caracterização da ideia de futuro
ambiental, considerando a sensação de insegurança socioambiental advinda das experiências
sociais diretas e/ou indiretas de imagens e notícias propagadas pelos veículos de comunicação
de massa em torno de flagelos e/ou catástrofes ocorridas no século XXI. Para desenvolver
esse estudo, foi elaborada a seguinte pergunta:
Que tipos de influências as memórias geracionais exercem na
caracterização do “futuro ambiental” em decorrência da ideia de riscos
ambientais?
O objetivo dessa pesquisa é caracterizar as projeções futuras de diferentes gerações
frente aos riscos ambientais. Ademais, pretende-se analisar os tipos de influências exercidas
1Introdução 5
pelas memórias geracionais na caracterização do “futuro ambiental”, considerando a
percepção dos riscos ambientais nas condutas sociais verbais de atores sociais de diferentes
gerações quanto às experiências sociais diretas ou indiretas advindas estabelecidas entre os
atores sociais de diferentes gerações.
A relevância social e científica desta pesquisa é justificada por dois elementos. O
primeiro está no reconhecimento das experiências sociais como elementos de efetiva
influência na estruturação, funcionalidade e expressões da vida sociocultural partilhada pelos
atores sociais, dentro da caracterização e desenvolvimento do objeto de pesquisa; o segundo
explicita a importância das pesquisas em ciências ambientais demarcarem-se pela inclusão e
complementaridade entre as diferentes dimensões peculiares aos atores sociais (dinâmica
socioantropológica e biopsicossocial).
Metodologicamente, a pesquisa está situada no paradigma interpretativo, pois visa
compreender e interpretar a dinamicidade relativa ao objeto de pesquisa. Baseia-se na
pesquisa do tipo qualitativa e no método fenomenológico. Participaram dessa pesquisa 294
indivíduos distribuídos entre as faixas etárias estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2011). Para os jovens, consideramos os indivíduos com idade
entre quinze e vinte e quatro anos. Os adultos, aqueles com idade variável entre vinte e cinco
e cinquenta e nove anos. Por fim, os idosos, aqueles com idade superior a sessenta anos.
Sendo o local de estudo o Campus José Aloísio de Campos da Universidade Federal de
Sergipe, incluímos também como sujeitos de pesquisa alunos do Colégio de Aplicação
(CODAP) com idade inferior a 15 anos. Utilizamos como instrumentos de coletas de dados a
entrevista semiestruturada, desenvolvida frente-a-frente com auxílio do gravador de áudio,
após prévia autorização do entrevistado, e questionário fechado. Foram ainda recorrentes
anotações pontuais sistematizadas em diário de campo.
Por fim, a pesquisa teve três etapas. Na primeira, o estudo consistiu de pesquisa
bibliográfica sobre as categorias de análise. Para tanto, buscamos fundamentos teóricos em
Zigmund Bauman (Medo Líquido e a Sociedade Individualizada) e Gey Espinheira(Sociedade
do medo) para a construção acerca da (in)segurança e do medo da sociedade atual. No
contexto da abordagem da problematização histórica da cultura de massas, foram
desenvolvidos estudos sobre as obras de Edgar Morin (Cultura de massas no século XX:
neurose e Cultura de massas no século XX: necrose). Para a compreensão dos riscos
ambientais na contemporaneidade, ancoramo-nos em Ulrich Beck (A sociedade do risco).
Quanto ao futuro, debruçamo-nos em Arnolde Joseph Toynbee (A sociedade do futuro),
1Introdução 6
Douglas Rushkoff (Um jogo chamado futuro: como a cultura dos garotos pode nos ensinar a
sobreviver na era do caos) entre outros teóricos.
Na segunda etapa, selecionamos e entrevistamos os sujeitos, conforme faixas etárias já
definidas. Em seguida, tratamos de analisar os discursos refletindo sobre a relevância dos
dados baseada na questão norteadora da pesquisa. Nesta etapa, também validamos a
interpretação dos relatos dos sujeitos que vivenciaram o fenômeno por meio da recorrência e
diálogo das interpretações conclusivas com as opiniões dos autores-pesquisadores envolvidos
na construção teórica dessa pesquisa.
Esta dissertação está dividida em cinco capítulos, antecedidos pela introdução e
seguidos pela conclusão da pesquisa, e pelas referências utilizadas na construção de todo o
trabalho. Na Introdução foram situadas as motivações que levaram à construção do objeto de
pesquisa. Também, foi apresentada uma contextualização sintética do tema e apresentação do
objetivo da pesquisa. Destacamos ainda a relevância social e científica em que se
fundamentou esta pesquisa.
No Capítulo I, intitulado (in) segurança e futuro no limiar do Século XXI,
desenvolvemos teoricamente a ideia de futuro na sociedade individualizada, na qual o medo e
a insegurança, advindos de ameaças externas, são vistos como fatores que imobilizam o
indivíduo e o tornam cada vez mais individualizado. Portanto, nessa perspectiva, deve-se
evitar os espaços públicos, as ruas. Sendo o público esvaziado, o privado, o familiar, torna-se
lugar seguro contra tais perigos.
No Capítulo II, intitulado Riscos Ambientais na Contemporaneidade, foram abordadas
desde a definição de risco, até as formas e as dificuldade de gestão e/ou enfrentamento
técnico-político ante as demandas instaladas. Mesmo considerando que os riscos tornaram-se
uma constante ameaça às pessoas e ao meio ambiente, sendo cada vez mais difíceis de serem
controlados, a dimensão do perigo não corresponde com a sua percepção pelos indivíduos
ameaçados. Nessa direção, é que a caracterização das projeções futuras de diferentes gerações
quanto aos riscos ambientais fez-se importante elemento de análise científica, aqui, elaborado
como objeto de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio e
Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.
No Capítulo III, os conceitos relativos às “memórias” foram discutidos levando-se em
consideração a visão anatômica, filosófica e psicossociológica. Em seguida, debatemos a ideia
1Introdução 7
do problema sociológico das gerações proposto por Karl Mannheim, a experiência social
definida por François Dubet e por último as representações sociais de Serge Moscovici.
No Capítulo IV está delineada a “Metodologia da Pesquisa”. Destacamos o método
fenomenológico, o paradigma interpretativo e todos os demais elementos formais que
correspondem aos procedimentos de análise escolhidos para o desenvolvimento desse estudo.
São apresentados e definidos os instrumentos de coleta de informações, suas finalidades e
critérios específicos.
O Capítulo V, intitulado “Análise e interpretação dos dados”, corresponde às análises
dos discursos produzidos nas entrevistas tendo em vista as categorias de análise: futuro e
percepção de riscos ambientais diante dos flagelos e catástrofes naturais.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 8
2 (IN) SEGURANÇA E FUTURO NO LIMIAR DO SÉCULO
XXI
2.1 DO MEDO E DA INSEGURANÇA
A adesão dos indivíduos ao sistema fabril e urbano inclinou a associação do tempo às
horas de trabalho e ao relógio. Em benefício de um futuro melhor, sacrificou-se o tempo
presente. No entanto, o salto para a tão esperada modernidade caracterizada pela certeza no
progresso tecnológico e científico que nos guiaria a um futuro distante dos medos e
inseguranças não foi expurgador destes sentimentos. A erosão das certezas do positivismo e
das promessas deterministas de progresso, na passagem do século XIX para o século XX,
atinge seu auge nas duas grandes guerras, cedendo lugar a uma modernidade líquida
assinalada por uma velocidade acelerada da vida e individualismo diante da não credulidade
na ciência, na tecnologia, nas instituições clássicas etc.
As expectativas não atendidas no passado e no presente contribuíram para a ruína da
ideia de um futuro glorioso entre nós. Nossa existência é muito mais angustiante e
permanecemos à espera de fatos e acontecimentos que possam nos atingir, mesmo que estes
realmente não aconteçam. Vivemos a contemporaneidade como uma era de medos e tendemos
a nos proteger de tudo e todos que nos cercam. No século XIX, a oposição entre sociedade e
natureza serviu ao propósito do conhecimento e controle desta com intuito de contrapor a
irracionalidade da sociedade agrária estamental, instituindo uma sociedade industrial.
Naquele século, os privilégios do Estado soberano e das imagens religiosas foram
corroídos e cederam lugar ao entendimento de que uma sociedade industrial, desenvolvida em
suas estruturas esquemáticas de vida e de trabalho, seus setores produtivos, papéis de gêneros
definidos, sua compreensão científica e tecnológica são constituintes de uma sociedade
moderna. Este pensamento se estendeu ao século XX e na oposição entre sociedade e natureza
esta última foi subjugada e explorada. Ao longo deste processo de exploração e transformação
tecnológico-industrial, a natureza foi absorvida, passando de um fenômeno externo e pré-
determinado, para interno e fabricado. O consumo da natureza revela uma sociedade que, sem
seu contrário, encontra a si mesma, pondo em desencanto seus fundamentos balizadores da
sociedade industrial: progresso, ciência, classes, família nuclear, democracia.. Em outros
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 9
termos, ao se concretizar, a sociedade industrial se desestabiliza. (BECK, 2010).
No cenário da modernidade sólida, as formas tradicionais de controle do medo e da
segurança mantidas pelo Estado, pela família, instituições religiosas, papéis definidos de
gêneros são destituídas do caráter de solidariedade no quadro da modernidade líquida,
passando-se para o indivíduo este controle: o indivíduo é remetido a si mesmo e ao seu
próprio destino individual no mercado de trabalho, com todos os riscos, contradições e
oportunidades. E isto não reflete uma emancipação bem-sucedida do indivíduo, mas sim a
uma dependência do mercado de trabalho, das instituições e do consumo pala padronização
dos estilos de vida. (BECK, 2010).
Neste contexto, Bauman (2008a, 2008b) discorre sobre o abandono do indivíduo a
uma luta solitária para impor sentido e objetivo em suas vidas sem que, necessariamente,
existam recursos suficientes para enfrentá-la. A individualização, enquanto característica da
modernidade líquida, trouxe uma sensação crescente de liberdade para experimentar, mas, ao
mesmo tempo, veio revestida da tarefa de lidar com suas consequências.
Nessa perspectiva, a ideia segundo a qual a liberdade do indivíduo moderno veio
acompanhada da incerteza, falta de proteção e a insegurança pode ser associada ao conceito
de medo desenvolvido por Espinheira (2008). Para estes autores, a referência à ideia de medo
e insegurança se sustenta dentro das seguintes proposições: (a) o medo orienta
comportamentos, quer haja ou não uma ameaça presente; (b) o medo é ubíquo; (c) O medo
fabricado desemboca em um futuro que está fora de nosso controle.
A primeira proposição fundamenta-se na ideia de que o medo é visto como um
enfrentamento a uma ameaça direta ocorrido no passado. Isto se perpetua mesmo que não haja
um novo fator desencadeador de reações que oscilem desde a fuga à agressão. E, sendo
produto de uma experiência anterior, o medo pode ser reciclado, servindo como modelo para
o comportamento humano, mesmo que não exista um perigo iminente. É um “sentimento de
ser susceptível ao perigo” (BAUMAN, 2008a, p.09).
Diferentemente dos animais, o homem experimenta um medo não instintivo, social e
reciclado que orienta seu comportamento. Assim, o medo disseminado que acompanha o
indivíduo é muito mais desconfortante e assustador quando é
difuso, disperso, indistinto, desvinculado, desancorado, flutuante, sem endereço nem
motivos claros; quando nos assombra sem que haja uma explicação visível, quando
ameaça que devemos temer pode ser vislumbrada em toda parte, mas em lugar
algum se pode vê-la. (BAUMAN,2008b,p.08)
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 10
Uma sensação de insegurança, já que estamos sujeitos a perigos que podem abater-se
sobre nós a qualquer momento, e vulnerabilidade, uma vez que poderemos não ter sucesso na
defesa ou fuga a uma ameaça. A vulnerabilidade é muito mais decorrente da não credulidade
nos mecanismos de defesa que propriamente na intensidade e força de uma ameaça real. Para
este autor,
uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e
a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína,
às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo; o ‘medo derivado’
adquire a capacidade de autopropulsão. (Bauman, 2008a, p.09).
No entanto, o medo reciclado pode ser desvencilhado dos perigos que o produz,
independente das contribuições e responsabilidades de cada um deles. Assim, as reações de
defesa ou de enfrentamento podem ser direcionadas para longe dos perigos responsáveis pela
insegurança.
A segunda proposição refere-se ao fato de temermos ameaças de todos os lugares, pois
o mundo está cheios de perigos que podem abater-se sobre nós. Tememos ameaças da
natureza (furacões, terremotos, inundações, deslizamentos etc.), tememos as atrocidades de
outros indivíduos (assassinatos, agressões sexuais, contaminação de alimentos, ar e água
poluídos etc.), enfim, tememos tudo que venha devastar nossas vidas, lares, empregos. Além
de poderem surgir de qualquer lugar, pessoa (conhecidas ou impercebíveis) e da natureza,
estas ameaças ainda vêm de uma zona de produção diária de perigos que, prontos a nos
atacarem sem aviso, está longe de terminar. Como afirma o autor, de uma
[...] terceira zona entorpecente de sentidos e irritante, até agora sem nome, por onde
se infiltram medos cada vez mais densos e temíveis, ameaçando destruir nossos
lares, empregos e corpos com desastres: naturais, mas nem tanto; humanos, mas não
de todo; ao mesmo tempo naturais e humanos, embora diferentes de ambos
(BAUMAN, 2008a, p.11).
Porém, a terceira proposição se desenvolve em torno da ideia que a economia de
consumo depende de consumidores produzidos para consumirem seus produtos que,
logicamente, causam alívio ou expurgam os medos fabricados. Para este autor, numa
sociedade de consumo, os consumidores produzidos são amedrontados e buscam nos produtos
oferecidos no mercado o alívio e conforto para seus mais temerosos sentimentos frente aos
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 11
perigos iminentes. Enfim, o enfrentamento dos medos é uma luta diária e sem fim e os perigos
provocadores destes sentimentos são indissociáveis da vida humana.
Os perigos desencadeadores de medos podem ser de três tipos: os que ameaçam o
corpo e a propriedade; os que ameaçam a ordem social e a confiabilidade nela da qual
depende a segurança o sustento; e “os perigos que a ameaçam o lugar da pessoa no mundo- a
posição na hierarquia social, a identidade (de classe, gênero, étnica, religiosa) e, de modo
mais geral, a imunidade à degradação e à exclusão sociais”. (BAUMAN, 2008b, p.10). Na
modernidade carente de certezas e segurança, ter medo tornou-se comum. Assim:
Os medos são muitos e variados. Pessoas de diferentes categorias sociais, etárias e
de gênero são atormentadas por seus próprios medos; há também aqueles que todos
nós compartilhamos-seja qual for a parte do planeta em que possamos ter nascido ou
que tenhamos escolhido (ou sido forçados a escolher) para viver. (BAUMAN,
2008b, p. 31).
Viver no mundo “líquido-moderno”, no qual o “amanhã não pode ser, não deve ser,
não será como hoje”, implica em um ensaio diário de desaparecimento, extinção e morte. E
assim, indiretamente, um ensaio da não finalidade da morte, de ressurreições recorrentes e
reencarnações perpétuas. Reprime-se o horror ao perigo, silenciando-se os medos derivados
de perigos que, pela preservação da ordem social, não devem ou não podem ser efetivamente
evitados. (BAUMAN, 2008b, p 12-13). A morte, neste caso, seria passageira e duraria até o
surgimento de um novo fato ou acontecimento.
No entanto, para o autor, ainda que possamos adiar despreocupadamente os perigos
iminentes, nem todos estes podem ser descartados. Para ultrapassarmos estas barreiras que
ficaram próximas demais de nossa tranquilidade e que não podem ser negligenciadas,
pensamos os perigos como “riscos”. Numa tentativa de prever suas conseqüências
indesejadas, calculamos os riscos e vivemos o mais próximo da certeza, ainda que esta não
seja de um todo possível, uma vez que perigos calculados ensejam uma probabilidade e não
previsibilidade.
E esta fuga do problema, nada mais é que um subterfúgio ou um caminho para não
minarmos nossa autoconfiança e mantermos nossa saúde mental, já que, desviando nossa
atenção para os riscos previsíveis, não nos preocupamos com aqueles que somos impotentes
para impedir. Isto até que outra catástrofe se apresente e nos mostre que eles são reais. Sobre
os riscos discutiremos com mais ênfase no Capítulo 3. Por ora, pontuaremos na sequência a
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 12
segunda industrialização e a formação da cultura de massa como fomentadores do processo de
individualização do homem.
2.2 CULTURA DE MASSA, A INDIVIDUALIZAÇÃO E A CRISE DA
SOCIEDADE
A segunda industrialização não é aquela que ocorre com o avanço tecnológico de
máquinas no ambiente fabril. De acordo com Morin (1997), trata-se daquela que se processa
nas imagens e nos sonhos, colonizando a alma e industrializando o espírito, dominando o
interior humano e derramando mercadorias culturais. Oriunda do cinema, imprensa, rádio,
televisão nos Estados Unidos na segunda metade do século XX, pós Segunda Guerra, a
segunda industrialização visava atender aos problemas emergentes da civilização que já não
se contentava com respostas prontas.
A vida privada e a cultura passam a ser fabricadas industrialmente e vendidas de forma
comercial. Os problemas periféricos do homem (amor, medo, fatos variados do coração e da
alma) retomam a centralidade das interrogações contemporâneas, contribuindo para a
formação da ‘Terceira Cultura’ ou cultura de massa. Ainda que produzida segundo as normas
de produção industrial,
ela constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à
vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas. Ela se
acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa, e entra em
concorrência com estas culturas. [...] A cultura de massa integra e se integra ao
mesmo tempo numa realidade policultural; faz-se conter, controlar, censurar (pelo
Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende a corroer, a desagregar as outras
culturas. A esse título, ela não é absolutamente e autônoma: ela pode embeber-se de
cultura nacional, religiosa ou humanista e, por sua vez, ela embebe as culturas
nacional, religiosa ou humanista. (MORIN, 1997, p. 15-16).
Se no começo do século XX as fronteiras das classes sociais, etárias, do nível de
educação demarcavam as respectivas zonas de cultura, é justamente com a instituição de
cultura de massa que estas são suprimidas. A sua produção visa atingir o maior número de
indivíduos, de variadas estruturas sociais, e este objetivo implicava na procura de um
denominador comum: misturam-se conteúdos, buscando atender a uma variedade de
interesses e gostos, obtendo-se, assim, o máximo de consumo. Destaca-nos o autor que a
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 13
cultura de massa é média em sua inspiração e seu objetivo, porque ela é cultura do
denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos, porque ela está
ligada a seu meio natural de formação, a sociedade na qual se desenvolve uma
humanidade média, de níveis de vida médios, de tipo de vida médio. (MORIN,
1997, p. 51).
Na homogeneização, não apenas das fronteiras anteriores, a cultura de massa traz
fundamentalmente a identificação de valores entre os distintos indivíduos, padronizando
gostos e interesses, democratizando o consumo e tornando-se lugar-comum entre as diferentes
classes e estratos. E este caráter se projeta transnacionalmente, enfraquecendo as
diferenciações culturais nacionais, principalmente por universalizar1 temas como amores e
medos romanceados, fatos distintos da alma e do coração comum a todos os humanos,
separando-os de folclores e tradições. Desta forma, as tradições não são destruídas, mas ficam
cada vez mais envolvidas com as formas de interação mediadas pelos veículos de
comunicação de massa, liberando-as das formas simbólicas das localidades da vida cotidiana.
(MORIN, 1997. THOMPSON, 2012).
A modificação das condições de vida pela técnica, a ampliação dos horizontes do bem-
estar, a possibilidade de mais consumo e a promoção de uma nova vida privada são fatores
que correspondem a um novo grau de individualização da existência humana. Neste aspecto, a
cultura de massa se apropria principalmente da área do lazer. Ela vai fornecer os modelos e
imagens que a vida privada do homem moderno aspira. Enquanto produto da organização do
trabalho industrial, o lazer refere-se não apenas a um tempo de descanso e repouso, mas um
tempo concedido para o consumo, em detrimento do fortalecimento da vida familiar
tradicional e das relações sociais. (MORIN, 1997).
É neste tempo que o indivíduo tenta reencontrar sua personalidade negada no trabalho
que, embora menos penoso fisicamente, se esvazia de qualquer substância pessoal dada sua
especialização. E, desta forma, por intermédio do espetáculo, do estético a “pobreza da vida
1 Ao destacar a universalização, Morin (1997) questiona se seria esse homem universal aquele comum a todos
os homens (homem médio). Deixa claro que sim, ao apontar os seguintes sentidos antropológicos: a) O homem
imaginário- aquele que se projeta, que responde às imagens pela identificação; b) O homem –criança - aquele
que se encontra em todo o homem, que gosta “do jogo, do divertimento, do mito, do conto”;c) o homem dotado
de “um tronco comum de razão perceptiva, de possibilidades de decifração, de inteligência”(p.45). Para este
homem, a linguagem adaptada é a audiovisual (imagem, som musical, palavra, escrita), “que se desenvolve
tanto mais sobre o tecido do imaginário e do jogo que sobre o tecido da vida prática”. Por outro lado, e ao
mesmo tempo, a cultura de massa “cria uma nova universalidade a partir de elementos culturais particulares à
civilização moderna e, singularmente, à civilização americana”. Neste sentido, o homem universal não apenas
é aquele comum a todos e sim aquele “homem novo que desenvolve uma civilização nova que tende à
universalidade”. (p.44-45).
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 14
real” é enriquecida de “liberdade antropológica” 2 quando o homem se direciona e se projeta
no mundo das imagens,
onde reinam a aventura, o movimento, a ação sem freio, a liberdade, não a liberdade
no sentido político do termo, mas a liberdade no sentido individual, afetivo, íntimo,
da realização das necessidades ou instintos inibidos ou proibidos. [...] E é porque a
cultura de massa se torna o grande fornecedor dos mitos condutores do lazer, da
felicidade, do amor, que nós podemos compreender o movimento que a impulsiona,
não só do real para o imaginário, mas também do imaginário para o real. Ela não é
só evasão, ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração. (MORIN,
1997, p.90).
Seja na violência projetiva, no erotismo difundido, na felicidade e no amor
identificativo em detrimento “dos valores tradicionais e das grandes transcendências”, o
indivíduo privado realiza-se individualmente. Neste aspecto, o tema da felicidade pessoal
liga-se ao tema do presente, dissolvendo-se o passado e o futuro. A felicidade projetiva
corresponde ao hedonismo do presente da civilização contemporânea. “Esse hedonismo é de
bem-estar, de conforto, de consumo: desenvolve-se em detrimento de uma concepção da
existência humana na qual o homem consagra seu presente a conservar os valores do passado
e a investir no futuro” (MORIN, 1997, p.126).
O dinheiro perde parte de seu valor cumulativo que visava à segurança e manutenção
do patrimônio familiar e volve-se para as despesas hedonistas. A procura por mais
mercadorias atende mais à satisfação, ao conforto e ao prestígio que propriamente às
necessidades. A felicidade moderna volta-se para o encontro entre “as prioridades de valores
afetivos e a prioridade dos valores materiais, a prioridade do ser e a prioridade do ter, e ao
mesmo tempo faz força para superá-la, para conciliar o ser e o ter”. (MORIN, 1997, p. 126-
127).
E, sob esta ótica, o homem moderno quer sempre estar jovem para amar e desfrutar
seu presente, desvalorizando a velhice e os “valores gerontocráticos” e afirmando a
2 Neste aspecto, a liberdade antropológica é para Morin aquela em que o homem não está mais a mercê da norma
social, das leis. Uma liberdade verdadeira que desemboca no maldito “a zona de sombra dos instintos e dos
interditos” (p.113). Na apreciação das imagens e impressos, o homem faz com toda a segurança a experiência
da insegurança. Vive-se toda a liberdade, haja vista ser o homem livre um homem sem segurança. Segundo o
autor, há um fundo de violência no humano que precede qualquer civilização e que não pode ser reduzida
indefinidamente. Sob a “crosta da civilização”, existem latentes energias adormecidas da espécie, prontas a
qualquer instante a irromperem ”não mais sobre as telas e os jornais, mas em cada um de nós. Todas as
experiências nos provam que ninguém está definitivamente civilizado [...] A cultura de massa nos entorpece,
nos embebeda com barulhos e fúrias. Mas ela não nos curou de nossas fúrias fundamentais. Ela as distrai, ela
as projeta em filmes e notícias sensacionalistas”. (MORIN, 1997, p. 117)
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 15
dominância dos valores juvenis3. Deprecia-se a experiência acumulada, haja vista que no
aceleramento de nossa evolução civilizacional muito mais importante é a “adesão ao
movimento”. O abrandamento ao acesso a idade adulta leva, por exemplo, ao apagamento da
família. A nucleação familiar (casal e filhos) declinou o valor da família baseada no pai chefe.
Nesta dimensão, o pai autoritário, ordenador, cede lugar para um pai mais humano, liberador.
Da mesma forma, a mãe envolvente e sempre presente, é substituída por uma mãe que
trabalha, que quer viver mais intensamente sua vida. A ausência destes pais arcaicos implica
numa contracorrente ao movimento de desenvolvimento: a experimentação pelos adolescentes
de um “vazio, angústia, aborrecimento” para a figura paterna, e a necessidade “de uma
comunhão, de uma fé, de uma religião ou de um clã” (MORIN, 1997p.149-150), para a figura
materna4.
Sendo a adolescência uma fase de busca de si mesmo, do sentido da existência
humana, de confrontação às normas e valores sociais vigentes, é ainda aquela que
contraditoriamente revela um indivíduo que pretende integrar-se à sociedade. Nessa sombra, a
cultura de massa apropria-se da função familiar e de ancestrais oferecendo modelos
imaginários de condutas5 que, ao mesmo tempo em que integram os temas da adolescência,
também atrofiam sua virulência e enfraquecem suas revoltas. Assim, para o autor:
a cultura de massa desagrega os valores gerontocráticos, acentua a desvalorização da
velhice, dá forma à promoção dos valores juvenis, assimila uma parte das
experiências adolescentes. Sua máxima é ‘sejam belos, sejam amorosos, sejam
jovens’. Historicamente, ela acelera o vir-a-ser, ele mesmo acelerado, de uma
civilização. Sociologicamente, ela contribui para o rejuvenescimento da sociedade.
3 Morin(1997) destaca existir uma nova Trindade que delineia o novo modelo de existência: o amor, beleza e
juventude. Neste modelo, centra-se “o adulto juvenil de trinta, quarenta, cinquenta, sessenta anos, logo além
sem dúvida, até às portas da morte, com a angústia da morte que confere uma certa febre ao presente”.Na
desvalorização da velhice, a supremacia da juventude se estabelece não como a juventude em si, porém como
a adolescência. E, desta forma, “A adolescência surge enquanto classe de idade na civilização do século XX.”
(p. 153, grifos do autor). O autor prefere manter a ambivalência do termo classe de idade ao considerar que a
noção de idade conduz ao transitório e a de classe, ao estável. E justifica o uso do termo pelo aparecimento em
grande escala de “traços distintos comuns”, principalmente a violência imaginária, da cultura adolescente que
contribui para fazê-la existir como uma realidade socio-histórica. (MORIN, 2001, p.141-142).
4
A decadência das figuras materna e paterna impulsiona, segundo Morin, a uma identificação com outras
entidades como a Igreja, o Estado-pai, a pátria-mãe e dos modelos disseminados pela cultura de massa.
5
Para Morin(1997), os olimpianos são os modelos mortais promovidos à divindade que ‘por meio de sua dupla
natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da
identificação(p. 107).Os astros de cinema, os campeões, os jogadores, os playboys, os artistas tornam-se
modelos de cultura, modelos de vida, substituindo os antigos modelos (pais, educadores, heróis nacionais). A
cultura de massa incentiva a divindade dos olimpianos, ao mesmo tempo em que mergulha em suas vidas
extraindo delas as particularidades que permitem a identificação.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 16
Antropologicamente, ela verifica a lei do retardamento contínuo do Bolk,
prolongando a infância e a juventude junto ao adulto. Metafisicamente, ela é um
protesto ilimitado contra o mal irremediável da velhice. (MORIN, 1997, p.157).
Nas polaridades globais6, a cultura de massa incita as necessidades de bem-estar, da
felicidade da vida individual ao mesmo tempo em que, em determinadas sociedades, torna-se
estimuladora de revolta e insatisfação. Para as classes mais favorecidas de todo o planeta, o
lançar-se sobre o consumo real pode ser alcançado, no entanto às classes mais populares é
dificultado este acesso. Nestas últimas, a realidade pode conduzir a um estado de revolta, dada
a análise crítica de suas condições de vida, ou de imobilização numa espécie de “catalepsia de
espectador”. (MORIN, 1997, p. 164).
O indivíduo privado, que busca suas realizações e felicidades privadas no presente,
está cada vez mais desenraizado de passado e tampouco se dispõe a encarar o futuro, visto que
não investe nada além de sua própria existência. Um indivíduo que “[...] poderia reconhecer
nos heróis de filmes a imagem exaltada de sua própria condição: heróis sem passado, sem
futuro além do happy end, e que respondem ao apelo do ‘realizem-se’”. (MORIN, 1997, p.
176). Para este autor, os valores por ela difundidos e exaltados, em detrimento das
transcendências, tendem a ser transitórios e precários, assim como o indivíduo que dela
emerge. A cultura de massa que privilegia o presente, a atualidade, que estimula e é
estimulada pelo consumismo, na qual tudo é passageiro ou em que “tudo se usa muito
depressa”, voltada à mitologia da felicidade, das futilidades e superficialidades, faz emergir,
por outro lado, uma contracorrente ao seu movimento.
Para Morin (2001), nas décadas de 60-70, a cultura de massa começa a perder seu
caráter homogeneizante, integrador e euforizante. A crise se estabelece justamente em seus
aspectos mais integradores como a “[...] promoção dos valores juvenis, a promoção dos
valores femininos, a promoção da libertinagem, e do princípio do prazer, enfim a promoção
da mitologia concreta dos lazeres/ férias, viagens.” (MORIN, 2001, p.10). A progressão desses
valores desenvolve-se de forma ambígua: ao mesmo tempo em que integra, apresenta um
desdobramento “reivindicativo e corrosivo”, provocando uma crise da cultura e,
consequentemente, uma crise da sociedade.
Ao passo que o indivíduo torna-se cada vez mais desejoso de objetos, estimula-se sua
subjetividade. Valores subjetivos, afetivos são impregnados nos objetos. O lazer, as férias, por
6 Tratamos este termo como referência aos Hemisférios Norte e Sul, Oriente e Ocidente.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 17
exemplo, tornam-se motivos de fuga para o indivíduo que, em sua atomização social, busca
um reencontro com a vida comunitária, com a natureza. É a liberação de “[...] virtualidades
abafadas na vida cotidiana urbana dedicada ao trabalho e às obrigações, e de outra parte, à
problemática da vida privada em que a cultura de massas apresenta os problemas do casal, da
sexualidade, da solidão etc.”. (MORIN, 2001, p. 109). Este retorno ao “neo-arcaísmo ou neo
naturismo” de final de semana torna-se, portanto, mais virulento e presente em oposição à fria
e artificial vida urbana. O que para o autor,
Mais que uma noção estável, a contratendência ‘neo-arcaica’ é uma espécie de
síndrome cuja definição bastante ampla permite pouco a pouco associar e explicar
múltiplos fenômenos: o surgimento de uma crise de identidade cultural regional, a
abertura ecológica, os diversos aspectos de uma contracultura juvenil (‘neo-
rousseauismo, neo-ruralismo’) estão, assim, ligados no seio de uma mesma
síndrome e definidos em suas relações com um modo de vida urbano e consumidor
fundado sobre o princípio da alternância trabalho-férias-lazeres. (MORIN, 2001, p.
175).
O neo-arcaísmo, apontado inicialmente na intelligentsia, seguida pela alta sociedade e
espalhando-se nas demais camadas burguesas e urbanas, surgiu como uma necessidade de
retorno à natureza (physis) e às origens (arché), porém não se recusa o bem estar e o conforto
da técnica (techné). Por sua vez, o neo-arcaísmo propiciou o despertar da consciência
ecológica, tornando-se forma de contestação e que põe em choque o ecossistema urbano-
industrial “[...] que tende a poluir as fontes primeiras da vida e a desagradar a própria vida. As
soluções, nestas condições, não podem ser tecnológicas: implicam uma reestruturação geral
do sistema, não apenas urbano, mas também civilizacional.” (MORIN, 2001, p.184).
Diante de tanto progresso na ciência e da tecnologia, o indivíduo, paradoxalmente,
sente uma necessidade de volta à baixa racionalidade. Comparativamente aos modelos neo-
arcáicos surgidos na década de 70, como o aparecimento da astrologia, o movimento contra-
cultural dos filhos do caos neste início de século, pode ser entendido como uma tentativa de
espiritualidade e amor genuínos em face da fria pós-modernidade urbana e cibernética. Estes
fenômenos são indicativos não apenas do desenvolvimento da subjetividade moderna, mas
também da atomização do indivíduo nas grandes aglomerações. (RUSHKOFF, 1999,
MORIN, 2001).
Os meios de comunicação de massa são notoriamente transformadores sociais,
políticos e pessoais. Ao passo que novos meios são desenvolvidos, as relações indivíduo a
indivíduo e as relações consigo mesmo tendem a ser modificadas. A produção e transmissão
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 18
de formas simbólicas num sentido único podem ser usadas por indivíduos, instituições
públicas ou privadas etc. com objetivo de intervir nos acontecimentos e produzir
consequências as mais diversas. Nestes termos, os meios de comunicação de massa são muito
mais de transmissão que de comunicação. Por outro lado, é importante destacar que o receptor
dos produtos midiáticos não é inteiramente passivo. O sentido que cada indivíduo dá ao
produto recebido depende de sua cultura, condição social e formação, de tal sorte que uma
mesma mensagem possa ser entendida de maneiras distintas e em diferentes contextos.
(THOMPSON, 2012).
Por meios de comunicação- ou os media - são entendidos os dispositivos tecnológicos
que suportam mensagens e permitem a sua difusão. Quando esta difusão é enviada a um
número grande de receptores, podem ser nomeados por mass media, ou meios de
comunicação de massa. Existem muitos meios de comunicação social por meio dos quais as
sociedades contemporâneas recorrem: rádio, a televisão, a imprensa, o cinema, a fotografia,
os discos, a internet. (SOUSA, 2006).
O campo do mass media é para Sousa (2006) diversificado. É nele que os diferentes
grupos sociais se articulam, se representam e se legitimam. Quanto à importância dos meios
de comunicação, o autor nos descreve:
A importância dos meios de comunicação para a sociedade assenta, efectivamente,
nessas enormes capacidades de representação das pessoas, da sociedade e da cultura;
de produção e reprodução, de construção e reconstrução dos processos sociais e
culturais. Os meios concorrem com outros agentes mediadores, como a família ou a
escola, mas têm um papel central na prescrição dos comportamentos e atitudes
aceitáveis e convenientes no meio social, no estabelecimento dos parâmetros da
normalidade, na disponibilização de informação, na promoção do conhecimento e na
oferta social de referentes sobre a realidade. A influência dos meios de comunicação
social nas pessoas e na sociedade é mais positiva do que negativa. Os meios tiveram
um papel importante, talvez mesmo decisivo, na emancipação das pessoas face à
ignorância e na construção do ambiente de "conhecimento geral" que caracteriza os
nossos tempos. (SOUSA, 2006, p. 539, grifo do autor).
A recepção dos produtos da mídia é uma atividade rotineira e prática na sociedade
moderna. Ela é uma atividade, posto que não seja passiva, dado que o material recebido pode
ser trabalhado e adaptado para suas próprias finalidades. Trata-se ainda de uma atividade
situada, haja vista que os produtos são recebidos por indivíduos situados em seus contextos
sócio-históricos (recursos disponíveis e poder), embora também permita o distanciamento dos
contextos de suas vidas diárias. É também uma atividade de rotina ao participar como
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 19
integrante da vida do indivíduo. E, ao mesmo tempo, é uma realização especializada, pois
depende de habilidades e competências adquiridas por meio de “[...] processos de
aprendizagem ou de acumulação socialmente diferenciados e diversamente acessíveis a
indivíduos de formação diferente”. (THOMPSON, 2012, p. 68).
Por fim, a recepção dos produtos é um processo hermenêutico devido à necessidade de
interpretações distintas para produtos distintos. Um processo ativo e criativo no qual o
indivíduo inclui uma “[...] série de conjecturas e expectativas para apoiar a mensagem que ele
procura entender.” (THOMPSON, 2012, p. 69). Dessa forma, a compreensão do produto varia
de um indivíduo para o outro e de um contexto sócio-histórico para o outro. Esta interpretação
também é incorporada e modifica a compreensão que o indivíduo faz de si e do outro. Torna-
se uma apropriação das formas simbólicas readaptadas a sua vida e contexto. Destaca-nos o
autor:
Na recepção e apropriação das mensagens da mídia, os indivíduos são envolvidos
num processo de formação pessoal e autocompreensão [...] uma consciência daquilo
que ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço. Nós estamos
constantemente modelando e remodelando nossas habilidades e nosso cabedal de
conhecimento, testando nossos sentimentos e gostos e expandindo os horizontes de
nossa experiência. [...] É um processo no qual algumas mensagens são retidas e
outras são esquecidas, no qual algumas mensagens se tornam fundamento de ação e
de reflexão, tópico de conversação entre amigos, enquanto outras deslizam pelo
dreno da memória e se perdem no fluxo e refluxo de imagens e ideias.
(THOMPSON, 2012, p. 71).
Em algumas situações, a recepção e apropriação das mensagens podem dar origem ao
que Thompson denomina formas conjuntas de ação responsiva. São aquelas em que distintos
indivíduos, em contextos diversos, respondem de maneira semelhante e até coordenadas. A
ação responsiva dos receptores pode ser guiada pela mensagem, mas não controlada ou
determinada por ela, principalmente porque corresponde a um conjunto de ações em que há
várias possibilidades de resposta. As reações sociais podem ser intensificadas ou estimuladas
e fugir do controle7.
Na maior parte da história da humanidade, as interações sociais sempre ocorriam face
a face. O desenvolvimento dos meios de comunicação proporcionou novas formas de
interações e relacionamentos sociais, que romperam com a barreira do tempo e do espaço,
7 O autor faz alusão a uma série de eventos sociais, como a Guerra do Vietnam, do Golfo Pérsico, as convulsões
do Leste Europeu, cuja participação da sociedade foi muito influenciada pela mídia. Para mais detalhes, ver
páginas 153 a 157.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 20
assim como de ações à distância, onde os indivíduos podem dirigir suas ações a outros
distantes, bem como responderem a ações ocorridas em ambientes distantes, com
consequências que ultrapassam seus limites de localização e contexto. (THOMPSON, 2012).
Neste tocante, Barbrook (2009) destaca que, desde a década de 90 do século passado,
as possibilidades culturais e políticas abertas pela internet se tornaram simbolizadas por
pessoas comuns. Para este autor, na maioria da população, a posição social é usada para
quebrar as regras e descobrir novas maneiras de fazer as coisas. “Através da extensão
cibernética da internet, indivíduos isolados tornaram-se uma nova e poderosa força política: a
‘inteligência crítica de massa’.” (BARBROOK, 2009, p. 380). Durante as últimas quatro
décadas, suas atitudes do “façam-vocês-mesmos” transformaram os veículos de comunicação
e informação em poderosas máquinas de sociabilidade e expressão pessoal. Os usuários da
internet, neste século XXI, são agora tanto consumidores quanto produtores de mídia.
Três principais tipos de interações8 são destacados por Thompson: a) interação face a
face que acontece no contexto da copresença, partilha comum de espaço e tempo, tem um
caráter dialógico ou de fluxo de informações. Nesta interação, os indivíduos empregam “[...]
uma multiplicidade de deixas simbólicas para transmitir mensagens e interpretar as que cada
um recebe do outro”. (THOMPSON, 2012, p. 120); b) interação mediada, aquela que implica
no uso do meio técnico, orientada para outro específico, que se estende no espaço e no tempo
e que, diante disto, pode incorrer no erro de interpretação da mensagem, haja vista que as
deixas simbólicas (gestos, entonação de voz etc.) não podem ser utilizadas ou ficam restritas;
c) a quase-interação-mediada, aquela estabelecida pelos meios de comunicação como a
televisão, o rádio, os livros etc. Neste caso, as formas simbólicas são direcionadas para um
número indefinido de receptores e o fluxo de informação ocorre num único sentido
(monológica).
A quase-interação-mediada pela televisão cria uma experiência denominada espaço
temporal descontínua. Aqueles que assistem à televisão suspendem temporariamente suas
coordenadas temporais e espaciais da vida cotidiana e se transportam para outras coordenadas
espaçotemporais. Viajando no espaço e no tempo, envolvem-se “[...] numa transação com
diferentes estruturas espaçotemporais e num intercâmbio de experiências mediadas de outros
tempos e lugares com suas próprias experiências cotidianas”. (THOMPSON, 2012, p.130).
8 No prefácio desta edição, o autor menciona as novas interações sociais mediadas pelo computador e celular
nesta década. Destaca que as formas descritas no livro não captam de maneira adequada essas formas de
interação, já que sua elaboração ocorreu na década 1990, no entanto, acredita que a abordagem possa
desvendar as consequências sociais, políticas e pessoais destes tipos de mídia.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 21
Por intermédio da quase-interação-mediada, os indivíduos experimentam outros mundos que
lhe são apresentados.
A separação dos lugares comuns e a dialogicidade permitida pelos meios de
comunicação de massa, notadamente a televisão, priorizam os sentidos da visão e da audição.
A nova forma de publicidade criada por este meio é semelhante à publicidade de copresença
tradicional (imprensa escrita). Neste aspecto, Thompson (2012) aborda algumas diferenças
importantes. A primeira diz respeito às ações e eventos visíveis a um número maior de
pessoas e em contextos diversos, por isso a necessidade da espetacularização.
A segunda tem a ver com o campo de visão do espectador, diferente do campo de
visão de seu contexto diário, cuja mensagem recebida, em muitos casos, é adaptada e
controlada pelos envolvidos na produção, não ficando o espectador livre para escolher o seu
campo de visão, tendo pouco controle sobre o que é visto. A terceira diferença corresponde à
“direcionalidade da visão”, ou seja, em sentido único. Há um contraste entre produtores e
receptores, na qual os indivíduos que aparecem na tela são visíveis e os que recebem a
mensagem não podem ser vistos. O principal disto tudo é que nos novos meios de
comunicação a publicidade separa-se da função dialógica em espaços compartilhados e ligou-
se de forma cada vez mais crescente ao tipo de visibilidade produzida e alcançada pela mídia.
A comunicação do mundo atual acontece numa escala cada vez mais global. Como já
mencionados, a distância e o tempo foram ofuscados e os indivíduos podem obter
informações de distintas partes do mundo. A reorganização espaço-temporal proporcionada
pela mídia está diretamente ligada ao fenômeno da globalização9. Embora este fenômeno
tenha iniciado com a expansão do mercantilismo dos séculos XV e XVI, sua intensificação na
últimas décadas contribuiu sobremaneira na globalização da comunicação, dada a organização
e concentração de poder econômico.
Thompson (2012) destaca três importantes aspectos que proporcionaram este
desenvolvimento: a) o advento do telégrafo como primeiro meio de comunicação a explorar o
potencial comunicativo da eletricidade e cujo aprimoramento, como telégrafos submarinos,
permitiu a rápida expansão da comunicação em escala global. As rotas refletiam a
organização do poder político e econômico. b) o estabelecimento das agências internacionais
de notícias que desde a Segunda Guerra mantêm-se em liderança10
. c) O uso de ondas
9 Aqui o termo é empregado em um modo mais geral e refere-se às formas de interconexão das diferentes partes
do planeta, proporcionando um processo complexo de interação e interdependência.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 22
eletromagnéticas para a transmissão de informação e a necessidade da regulação da
distribuição do espaço radioespectro dentro dos países e entre eles que culminou na criação de
organizações nacionais e internacionais de administração. Na primeira metade do século XX,
as comunicações transmitidas por estas ondas se estendiam apenas sobre áreas geográficas
específicas, Estados-nação e rotas de navegação marítima. Somente com o lançamento dos
satélites de comunicação na década de 60, a comunicação se tornou realmente global.
Esta globalização da comunicação no século XX foi um processo conduzido por
conglomerados de comunicação em grande escala, cujas origens remontam a transformação
da imprensa no século XIX. A mudança na base econômica dos jornais, diante dos novos
métodos de produção, promoveu um processo de acumulação e concentração nas indústrias da
mídia, que assumiu, mais tarde, um caráter transnacional. Parte dos interesses financeiros e
industriais foi direcionada para os setores de informação e comunicação, promovendo fusões,
compras ou outras formas de crescimento corporativo que dominaram a “[...] arma global do
comércio de informação e comunicação” (THOMPSON, 2012, p.209). A maior parte do
poder econômico e simbólico ficou, assim, controlada de forma privada e desigualmente
distribuída.
Localmente, a construção do self torna-se um processo ativo à medida que o indivíduo
apropria-se de materiais simbólicos na trajetória de suas vidas e vão construindo suas próprias
narrativas em interações face a face. No entanto, é importante lembrar que o self também é
condicionado socialmente, haja vista que os materiais simbólicos nem sempre são distribuídos
de maneira igual e o acesso a eles, neste caso, pode exigir habilidades que nem todos os
indivíduos possuem. Na recepção, interpretação e apropriação dos materiais simbólicos
crescentemente divulgados pela mídia, o processo de formação do self torna-se mais
reflexivo, posto que o conhecimento não local enriquece, alarga os horizontes dos recursos
simbólicos para esta construção. Desta forma, a formação reflexiva pode ter consequências
conflituosas tanto para as os indivíduos quanto para suas comunidades, visto permitir uma
reflexão crítica sobre si mesmo e sobre as reais circunstâncias de suas vidas. (THOMPSON,
2012).
Por outro lado, os aspectos negativos da nova forma de interação devem ser
destacados. Um destes refere-se à forma como a mídia, em alguns contextos, pode reforçar as
10
O autor destaca quatro principais conglomerados a Reuters, a AP ( Associated Press) a UPI (United Press
International) e a AFP (Agence France-Presse).
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 23
relações de poder muito mais que as enfraquecer, disseminando mensagens ideológicas11
nos
contextos práticos de vida diária. Outro aspecto diz respeito à dependência que a construção
do self tem dos produtos da mídia, os quais os receptores têm pouco controle. Distanciando os
indivíduos de seus contextos espaço temporais de vida, ao mesmo tempo em que contribuem
para a formação reflexiva, mais os indivíduos se tornam dependentes de materiais simbólicos
para sua formação. Aqui, destaca o autor que:
os indivíduos se tornam cada vez mais dependentes de um leque de instituições e
sistemas sociais que lhes proporcionam os meios- tanto materiais quanto simbólicos-
de construção de seus projetos de vida. A entrada no sistema educacional, no
mercado de trabalho, no sistema de assistência social, etc. são possíveis movimentos
no projeto de vida a que um indivíduo pode aspirar, mas as possibilidades de fazer
estes movimentos são diversamente distribuídas e dependentes de decisões alheias.
O acesso a estes e a outros sistemas é governado por agências e processos que
muitos indivíduos dificilmente podem de alguma maneira influenciar; [...] Este é o
paradoxo com o qual as pessoas se confrontam cada vez mais no século XX: a
acentuação da organização reflexiva do self acontece sob condições que tornam o
indivíduo ainda dependente de sistemas sociais sobre os quais tem relativamente
pouco controle. (THOMPSON, 2012, p. 273-274).
Outro aspecto negativo da extensa disponibilidade de materiais simbólicos mediados é
o seu efeito desorientador. A variedade e multiplicidade das mensagens acarretam numa
“sobrecarga simbólica”. O enfrentamento a este excesso pode ser realizado, em parte, pela
seleção dos materiais simbólicos, bem como por meio da construção individual de “sistemas
práticos de conhecimento para enfrentar o sempre crescente fluxo de formas simbólicas”
(THOMPSON, 2012, p.276). Este último pode ser creditado às opiniões de outros indivíduos
com os quais interagem ou a críticos e profissionais da própria mídia.
Por último, destacamos ainda própria absorção do self na quase interação mediada.
Nestes casos, os indivíduos podem confiar e apegar-se emocionalmente a materiais
simbólicos mediados. Eles deixam de ser recursos de reflexão para a construção do self e
tornam-se objetos de identificação. Não é uma suspensão da reflexividade, mas um tipo de
extensão do caráter reflexivo do eu. O autor, neste ponto, afirma que:
É precisamente porque o indivíduo é capaz de incorporar reflexivamente materiais
simbólicos mediados num processo de autoformação, que estes materiais podem se
11
Thompson (2012) dá enfoque a uma “[...] concepção de ideologia que focaliza a atenção nas maneiras em que
as formas simbólicas servem, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de
domínio”(p. 271). Desta forma, as formas simbólicas, seriam ideológicas somente até onde servem.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 24
tornar fins em si mesmos, ideais simbólicos ao redor dos quais o indivíduo começa a
organizar sua vida e seu sentido. Por isso a absorção do self na quase-interação
mediada não é um fenômeno qualitativamente diferente da organização reflexiva do
self: é uma versão dele, de tal modo que os materiais simbólicos mediados não são
simplesmente um recurso para o self, mas sua preocupação central. (THOMPSON,
2012, p. 277)
Além das experiências vividas que ainda permanecem fundamentais, o indivíduo
experimenta uma crescente suplementação, por meio das interações mediadas ou quase
interação mediada, de eventos que dificilmente seriam presenciados no curso normal de suas
vidas. Um dos aspectos diferentes das experiências vividas é que improvavelmente os eventos
mediados, dada sua distância espacial, seriam afetados pelas ações dos indivíduos. Por isso
destacamos a necessidade do entendimento da cultura de massa e da mídia na sociedade
contemporânea, haja vista a importância destas experiências sociais indiretas na construção e
formação do indivíduo.
Outro ponto seria o fato de que a experiência mediada é sempre uma experiência
recontextualizada, já que ela acontece num contexto diferente daquele do evento. Neste caso,
a recontextualização pode assumir um lado positivo ao permitir que o indivíduo se desloque
de seu contexto espaçotemporal e experimente novos e diferentes espaços sem que haja
alteração de seu contexto prático diário. Contrariamente, também pode permitir que o
indivíduo sinta-se chocado com realidades que destoam dramaticamente da sua. A
recontextualização, neste ponto, nos levaria a tomar decisões ou assumir responsabilidades
por partes distantes do mundo. Mais um ponto importante é a inclinação que fazemos para
experiências que fazem parte das prioridades de construção do self que queremos. Se o
indivíduo coloca esta experiência mediada como centro deste projeto de construção, muito
provavelmente ela se tornará um aspecto integral e particular de sua vida. Se, por outro lado, o
indivíduo tem a construção do self com experiências vividas, este terá pouco contato com
formas mediadas.
2.3 O FUTURO COMO ALTERNATIVA AO APOCALIPSE (?)
Irrompendo a barreira do tempo e do espaço, as experiências adquiridas pela mídia
causam-nos medo tanto quanto as experiências vividas. Os variados infortúnios, mesmo que
não venham a ocorrer, proporcionam ao indivíduo a sensação de que ele pode ser ignorado de
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 25
seus efeitos. (Bauman, 2008). Ou seja, podemos ser atingidos ou não até que uma nova
advertência global seja propalada.
A experiência da insegurança decorrente de situações catastróficas noticiadas por
veículos de comunicação de massa, por exemplo, pode ser vivenciada com toda a segurança
do lar, uma vez que não somos diretamente afetados por ela. E, neste aspecto, os mortos
destas tragédias, ainda que bem reais, são ofertados em “sacrifício à infelicidade e à morte [...]
A catarse é como que dirigida no cotidiano, isto quer dizer que o grande tema de sacrifício,
‘eles morrem em meu lugar’, se atenua num ‘são os outros que morrem, e não eu’”. (MORIN,
2000, p.115). Nessa perspectiva:
A vida líquida flui ou se arrasta de um desafio para outro e de um episódio para
outro, e o hábito comum dos desafios e episódios é sua tendência a terem vida curta.
Pode-se presumir o mesmo em relação à expectativa de vida dos medos que afligem
as nossas esperanças. Além disso, muitos medos entram em nossa vida juntamente
com os remédios sobre os quais muitas vezes você ouviu falar antes de ser
atemorizados pelos males que esses prometem remediar. (BAUMAN, 2008b, p.14).
É nesse sentido que o “futuro” pode ser definido como uma promessa do presente. O
determinismo tecnológico difundido pelos meios de comunicação garante que um futuro
glorioso pode ser consolidado no instante-já, graças aos avanços da ciência e da tecnologia.
Retardamos a frustração, mas não a satisfação. Vive-se o agora, pois se o futuro está fora de
nosso controle este pode ser consumido por antecipação. Amparados na certeza desta
descontinuidade do presente, pressentimos um futuro incerto, embora não saibamos de que
forma ou grau este venha a acontecer, e vivemo-lo no instante imediato. Nesta linha:
E se o futuro se destina a ser tão detestável quanto se supõe, pode-se consumi-lo
agora, ainda fresco e intacto, antes que chegue o desastre e que o futuro tenha a
chance de mostrar como esse desastre pode ser detestável. (É isso, pensando bem,
que faziam os canibais de outrora, encontrando no hábito de comer seus inimigos a
maneira mais segura de pôr fim às ameaças de que estes eram portadores: um
inimigo consumido, digerido e excretado não era mais assustador. Embora,
infelizmente, não seja possível comer todos os inimigos. À medida que mais deles
são devorados, suas fileiras parecem engrossar em vez de encolher). (BAUMAN,
2008b, p.16-17).
Neste ponto, cabe-nos pontuar as reflexões de Michio Kaku . Para este autor, estamos
vivendo uma “nova e dinâmica era da ciência e da tecnologia”, no ápice de uma transição,
passando de observadores passivos da natureza a coreógrafos ativos. (KAKU, 2001, p.18-19).
Desconsiderando qualquer outra visão que não a dos profissionais cientistas (aqueles que
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 26
ajudaram a moldar ou a criar a tecnologia), o autor considera em três os pilares da ciência: a
matéria, a vida e a mente. O conhecimento dos componentes básicos destes pilares culminou
na (1) revolução quântica, cujo auge é o modelo padrão que pode prever todas as coisas, na
(2) revolução informática, na qual a descoberta dos movimentos das correntes de elétrons e
das vacâncias de elétrons, que corresponderiam aos elétrons positivos, permitiu a
amplificação dos sinais elétricos, formando a base da eletrônica atual e, por último, na (3)
revolução biomolecular, cuja explicação da vida poderia ser dada pelo código genético.
Sucintamente, Kaku (2001) enfatiza que a sinergia e o cruzamento entre estas
revoluções nos permitiriam no século XXI manipular e definir novas formas de matéria,
manipular o fenômeno da inteligência, com a decodificação do genoma humano, manipular a
vida, segundo nossa vontade. E, logicamente, a prosperidade, a riqueza e o poder no futuro
seriam das nações que privilegiem investimentos e dominem estas revoluções. Para este autor,
uma civilização dita avançada no espaço, diante de um possível esgotamento de suprimentos
energéticos, deveria encontrar outras fontes de energia a sua disposição: além de seu planeta,
buscar-se-ia, sua estrela e sua galáxia.
Contudo, cabe-nos a reflexão sobre o que determina o futuro em relação às práticas
históricas com as quais a humanidade em si se desenvolveu, usando as tecnologias e
ferramentas, construindo-o de acordo com seus interesses. Nesse contexto, a exploração de
recursos naturais e a poluição, sob a égide de um futuro onde todos terão acesso aos bens
tecnológicos, devem ser repensadas (PASQUALI, 2004; BARBROOK, 2002; GRINGS,
2002).
E, neste aspecto, reflexões sobre a tecnologia permitem-nos vislumbrar os caminhos e
as mudanças que a sociedade escolheu. A tecnologia não pode ser vista unicamente como
objeto de consumo. “[...] Ela é matéria-prima pronta para ser moldada em aplicações que
fogem do óbvio”. (LEMOS, 2012, p.146). Por trás dela existe um plano em que se embutem
questões políticas, econômicas, culturais e sociais no contexto presente. Atendendo aos
interesses econômicos, percebemos que a tecnologia tornou os humanos seus servos, sendo,
atualmente, um grande desafio o contrário: torná-la serva da humanidade. (LEMOS, 2012)
Por certo, tanto delírio sobre as incertezas que provocam os possíveis futuros é sempre
decorrente de situações estratégica e mercadologicamente criadas. A centralidade existencial
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 27
do homem12
na economia separou-o dos princípios básicos da convivência (justiça, amor e
solidariedade) e dos princípios sociais à dignidade e ao bem comum (GRINGS, 2002). De,
como afirma Jonas (2006), uma responsabilidade substantiva que objetiva o tratamento com
respeito, dignidade e que pretende o bem estar de outros.
Num mundo planejado onde tudo finda em termos da economia de mercado, o que
vislumbramos é o esforço sequioso do homem em predizer o futuro, de transpassar a barreira
da opacidade, de determiná-lo e definir tudo de forma antecipada. Assim, tudo se torna “[...]
pré-construível, sem espontaneidades, surpresas ou imprevistos” (PASQUALI,2002, p.14),
evitando-se o fator azar e mantendo-se a tão desejada segurança. Neste esforço constante de
reduzir o fosso entre o futuro previsível e o futuro imprevisível, Pasquali enfatiza ser
enclausurada a liberdade a um futuro. O autor ainda afirma que:
Tempo futuro como única dimensão considerável e valiosa de nossa inserção na
temporalidade, justamente por seu caráter meôntico, de não ser ainda, de única
abertura livre ao ainda-não-necessário e, todavia, possível. Futuro, contudo, semi-
incompreensível e semi-ingovernável por antonomásia, por ser a única dimensão da
temporalidade em que, apesar de tudo, o fator túje ou azar ainda campeia de pleno
direito. Porvir repleto então de inabordáveis e anabrangíveis, amorfo e refratário a
nossos avanços, se formos compará-lo com o crescente império que exercemos sobre a dimensão do espaço. (PASQUALI, 2002, p10-11)
E não poderia ser diferente, posto que esteja no futuro a abertura para o projetável. A
compreensão de si mesmo depende desta projeção como se fosse um processo de renovação
do indivíduo. E que seria de nós se não existisse esta possibilidade? Onde assentaríamos
nossa esperança? É nessa perspectiva que concordamos com Grings (2002) quando afirma
que o apagamento do futuro é o desengano da continuidade da vida e que a esperança é a
memória do futuro.
Para este autor, “[...] Esperar supõe um futuro no qual possamos colocar o objeto de
nossa esperança” (GRINGS, 2002, p.38). Mas, o sentido dessa esperança não deve ser
confundido com um futuro com expectativas concretas e objetos determinados, ainda que
estes possam momentaneamente trazer felicidade individual. Enquanto memória do futuro, a
esperança dá sentido à vida, pois está intimamente ligada ao exercício da comunhão e torna
12 GRINGS (2002) afirma que a humanidade centraliza sua existência em alguma referência. Seria um centro
espiritual, posto não ser físico, no qual os interesses e empenho das pessoas tende a gravitar. Para este autor, o
centro deslocou-se nos últimos quatro séculos. A) Na Idade Média, prevalecia o Teocentrismo e a teologia
organizava o pensamento humano; B) Na Idade Moderna, o centro deslocou-se para a metafísica, para o ser; C)
Da metafísica, mudou-se para a “moral humanitária”, centralizando a ação humana na ética e na moral; D) Por
fim, em nossos dias, o centro espiritual da existência humana passa a ser o da economia.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 28
capaz de esperar mesmo que existam motivos contrários. O futuro, nessa perspectiva, “[...]
seria um tempo que nos é dado para viver, para esperar, para crer, para amar e ser felizes”
(GRINGS, 2002, p.40).
Para Toynbee (1973), as rápidas transformações da vida moderna refletem sobre
todos, contudo há uma influência especial sobre os jovens, haja vista ser a juventude a fase de
idade em que mais o sentido da vida é questionado, principalmente por esta tentar
compreender a situação em que se encontra. A ideia de futuro se consolida como problema
difuso nos estudos sobre juventude. Um dos argumentos centrais debatidos pelo autor é a
ideia segundo a qual a juventude deve ser estudada como uma circunstância sociohistórica de
compreensão da natureza humana e descoberta dos enfrentamentos intensivos e crísicos no
que se refere ao sentido da vida.
E isto decorre da busca autonegada do amor transcendental o que significa que o
homem deveria empreender toda sua habilidade e força no sentido de alcançar os objetivos da
vida: viver para amar, compreender e criar. De outra forma, que o “[...] homem se dê a
outrem, ao mundo ou a um espírito maior” (TOYNBEE, 1973, p.14-15). O autor descreve a
necessidade de existir uma atividade extrapessoal em benefício dos outros no que se refere à
sociedade do futuro. Por isso, é possível afirmar que é para os jovens que a humanidade se
volta ao tentar assegurar o futuro e que, portanto, as gerações mais velhas devem buscar
conciliar-se com as novas, mesmo que isto seja difícil, dada a atual crise das relações
humanas.
Diante do apagamento do futuro à medida que a vida acelera, destacamos, então, as
ideias de Rushkoff (1999). Embora muitos indicadores de saúde da sociedade indiquem uma
crise e que pareça estarmos vivendo o fim, o autor questiona se seria ingenuidade admitir que
os sinais não apontariam o apocalipse, mas sim, apenas parecer sê-lo e se, na verdade, essa
confusão não seria muito mais um problema de percepção do que um problema real.
Destacando ser a mente aberta da juventude o aporte necessário para criar uma visão
de mundo que não culmine com a “decadência, a decomposição e a morte”. O autor frisa que
a cultura dos garotos surge como um prazeroso campo comum para todos esses tipos de
desenvolvimento digitais, mágicos e biológicos. Para adaptar-nos ao próximo milênio, temos
de procurar nossos filhos na busca de respostas diante das “[...] incertezas associadas ao
colapso da cultura que aprendemos a conhecer e amar” (RUSHKOFF, 1999, p. 07-08), pois
olhar o mundo das crianças é olhar para frente, visto serem estas o futuro evolutivo.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 29
Para o autor, “[...] o grau de mudança a que as três últimas gerações se submeteram se
compara com o de espécies em mutação. O ‘screenager’ moderno - a criança nascida numa
cultura mediada pela televisão e pelo computador” (RUSHKOFF, 1999, p. 09). - interage
com seu mundo de maneira muito diferente da de seu avô. O que se considera nesse cenário
é a presença de evolução complexa e a elaboração de níveis mais altos de consciência
geracional. Esta evolução também reflete que estamos cada vez mais conectados,
interligados, revelando-se uma nova forma de vida colonial. O que, para uma sociedade que
preserva a individualidade, é amedrontador.
Rushkoff (1999) dá centralidade aos estilos de vida empregados pelas novas gerações
frente às transformações, alterações e mudanças ocorridas em nosso século. Para
sobrevivência na era do caos, as pessoas devem desenvolver em si habilidades essenciais, o
que leva à possibilidade de co-evolução com a tecnologia como uma alternativa ao
apocalipse. Tais estilos de vida ou "modos de vida" decorrem da experiência sociocultural
direta com os artefatos sociotécnicos produzidos nos últimos trina anos.
Entretanto, a experiência sociocultural não se reduz ao uso de tais artefatos, mas, à
produção e à incessante apropriação e alteração desses mesmos artefatos, incrementando-os
no cotidiano das relações sociais como processos-produtos da formação cultural e social. A
redução da fronteira entre o real e o virtual permite-nos vivenciar experiências como, por
exemplo, relações afetivo-sexuais, a integração a uma banda de música, tornar-se um
fazendeiro etc. Dentre estas e outras tantas possibilidades de interação social, as discussões
culturais e sociais minadas expandem-se e transformam a própria sociedade. (LEMOS,
2012; RUSHKOFF,1999).
A ideia da espera do fim do mundo13
é mantida usando-se histórias lineares14
em
detrimento das evolutivas e de “metáforas estáticas para representar nossa realidade”.
(RUSHKOFF,1999, p.270). Utilizando-se do modelo da religião, assegura que, quando
13
E a virada do século, neste aspecto, parece ter sido um ponto importante nesta visão. Pasquali (2002) destaca
que a reaparição do milenarismo e do quiliasmo acrescentada dos prováveis futuros divergentes (permanecer
na terra por um curto espaço, porém acalentado e aproveitando os benefícios da ciência e da tecnologia, ou a
possibilidade iminente de perecer no arsenal atômico) contribuiu para esta sensação do apocalipse.
14 Outra forma linear pode ser a que torna possível a salvação por meio da ciência e da tecnologia. Para Toynbee
(1973), na era da automação serão os indivíduos altamente especializados que desenvolverão e conservarão as
máquinas, tornando-se, portanto monopolizadores do poder. E, embora toda a sociedade tenha se transformado
num extenso laboratório de computação, esta condição é garantida mantendo-se o mistério da tecnologia de
forma secreta e isolada. Desenvolve-se um campo místico e mágico em torno do avanço tecnológico, onde os
detentores superiores de seu controle, assim como os sacerdotes religiosos, criam um público supersticioso que
acredita fielmente que o conhecimento e a salvação são estados recebidos e não deslocados à pessoa média.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 30
comparadas com as experiências caóticas modernas, as histórias bíblicas tornam-se
problemáticas. É na concepção da obediência às cláusulas da religião que os indivíduos
podem ser salvos quando o apocalipse chegar e a ideia de que podemos fazer algo para
melhorar o mundo, como donos de nosso próprio destino, contraria os princípios básicos do
fim. Segundo o autor, usar os sentidos para julgar a metáfora não quer dizer rejeição ou um
ataque aos dogmas religiosos. Trata-se apenas do crescimento da civilização e , à medida que
crescemos, tornamo-nos menos lineares e hierárquicos não nos enquadrando em parábolas
simplificadoras. Dessa forma, o fim a ocorrer não é o do mundo, mas sim das histórias
lineares que utilizamos para explicar o mundo. Então, assim afirma:
Mas, a evolução dá a humanidade uma saída simples: mudar. Desenvolver.
Aprender a tolerar as diferenças. Incluir. Se nosso destino é a evolução no sentido de
uma organização inteiramente interligada, como poderemos excluir quem quer que
seja? Quem podemos marcar como pecadores? Como poderíamos nos considerar
salvos se ninguém for condenado? O apocalipse com que contamos nem mesmo
aconteceria. (RUSHKOFF,1999, p. 271).
E por mais assustador que possa parecer, um mundo em evolução, em caos, é um
mundo sem Deus, pelo menos o conhecido pelas doutrinas religiosas mais fundamentalistas.
Se adotarmos a escolha de sermos donos de nossos próprios destinos, isso também significa
que estamos sós, pois não temos orientadores a nos dizer o caminho certo a seguir. Porém,
isso não indica que deixamos nossos impulsos religiosos. Somos autoconscientes da
necessidade do amor espiritual, por isso o autor destaca não precisarmos perder nossa religião,
mas sim vivê-la de forma que não atrapalhe nossa evolução.
A predeterminação ou a manipulação do futuro torna-nos moralmente responsáveis
por nossos atos no aqui e agora. Dessa forma, concordamos que o planejamento do futuro
como tentativa de inversão da degradação ambiental galopante seja louvável. Nesta
perspectiva, o Relatório Brundland, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”,
elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no ano de
1987 constitui um bom exemplo de planejamento do futuro. Este relatório representou um dos
primeiros esforços globais em constituir uma agenda mundial que modificasse o paradigma
do desenvolvimento humano vigente.
Em seu primeiro capítulo, Um Futuro Ameaçado, apresenta-se uma série de sintomas e
causas que teve grande impacto sobre o meio ambiente e que deveria ser combatida para a
promoção de um futuro mais próspero e igual. Dentre estes, destacamos: a pobreza de muitas
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 31
nações devido à desigualdade de distribuição de bens e de terra; o crescimento populacional
que contribui para o aumento da degradação ambiental15
; a sobrevivência, que trata do
aumento do uso de recursos naturais e da emissão de dióxido de carbono para atender as
crescentes necessidades humanas contribuindo para o aquecimento global; e da crise
econômica que ocorre devido à degradação dos recursos ambientais.
Diante destes sintomas e causas, novas abordagens para o meio ambiente e o
desenvolvimento passam a ser pensadas como desafios interligados que deveriam ser
conjuntamente tratados. Além dos problemas ambientais diretamente causados pela
industrialização e da previsão e antecipação de outros danos, deveria também ser promovido o
desenvolvimento social por meio de modificações nos fatores culturais e políticos como a
melhoria da posição social feminina, a proteção de grupos vulneráveis e a participação local
na tomada de decisão. Visando o atendimento das necessidades do presente sem comprometer
a capacidade de atendimento das gerações futuras, o relatório traz o conceito de
desenvolvimento sustentável (DS) como uma estrutura para a integração das políticas
ambientais e o desenvolvimento em todo o mundo.
O DS exige a satisfação das necessidades básicas de todos, bem como do atendimento
das aspirações por uma melhor qualidade de vida. No entanto, para atendimento destas
aspirações seria necessária a promoção de valores que estimulasse padrões de consumo dentro
dos limites do possível ecológico. Embora destacasse ser importante a conservação de
espécies e plantas, tendo em vista que estes não são renováveis, o termo permitiria que os
recursos naturais fossem degradados desde que considerados três aspectos: (1) o caráter
crítico de esgotamento do recurso fóssil mineral; (2) que as tecnologias fossem responsáveis
pela redução do uso destes recursos; e (3) que fosse equilibrado este uso até que existissem
substitutos disponíveis para ele.
No Relatório, há o reconhecimento de que os problemas ambientais ocorrem pela
disparidade existente entre o poder econômico e o poder político, contudo existe também o
destaque de que as pessoas poderiam ser persuadidas a agirem no interesse comum, em parte
por intermédio da educação, pelo desenvolvimento institucional ou pela aplicação direta da
lei. Em sentido específico, o termo DS necessitaria da confluência de diversos sistemas: o
15
No ponto sobre o crescimento populacional, o Relatório traz a conotação, à época, que induzia ao pensamento
de que a pressão sobre a biosfera dar-se-ia pelo atendimento das necessidades materiais crescente dos países
em desenvolvimento. Esta pressão não seria tão evidenciada pelos países industrializados, visto que estes, com
alguns “possíveis futuros ajustes” na emissão de poluentes, já detinham a tecnologia avançada para a
manutenção do consumo de energias e matérias-primas.
2(In) Segurança e Futuro no Limiar do Século XXI 32
político, que visasse uma maior participação do cidadão nas tomadas de decisões; o
econômico, que fosse capaz de gerar excedentes e conhecimentos técnicos em uma base
suficiente; o social, que fornecesse soluções para as tensões decorrentes dos
desenvolvimentos desarmônicos; o de produção, que respeitasse a base ecológica; o
tecnológico, que desenvolvesse sempre novas soluções; o internacional, que promovesse
padrões sustentáveis de comércio e finanças; por fim, o de administração flexível com
capacidade de se autocorrigir.
Entretanto, as defesas ambientalistas para “salvar o planeta” parecem-nos não ser
necessárias. Afirmamos isto diante de duas considerações: A primeira está no reconhecimento
de que o agir imediato no aqui e agora serve muito mais para mantermos um planeta viável à
nossa hospedagem e a continuidade da vida de nossa espécie que propriamente da “salvação
do planeta”. Este sobreviverá muito bem sem nós. Se criarmos a desorganização, a natureza
não evitará em impor sua organização, mesmo que para isso sejamos neutralizados por um
dos muitos outros sistemas reguladores. O planeta que nos gerou não é nossa mãe e
continuará indiferente à nossa luta pela sobrevivência.
Segundo, quaisquer que sejam as propostas ou projetos para o futuro, a ação
consciente só pode ser realizada no presente. Como ter uma ética da responsabilidade com as
gerações futuras, como propões Jonas (2006), se o mundo do sensível, a consciência do
Dasein (ser-aí, ser-no-mundo) que nos afirma Heidegger (1989) está no presente? E a
propósito, teríamos mesmo um futuro comum ou um futuro individual? Parece-nos que,
diluindo-nos no todo, a nossa responsabilidade também é diluída e, assim, esperamos sempre
as ações dos “outros” em detrimento das nossas próprias ações e responsabilidades com o
meio ambiente no presente e no futuro.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 33
3 RISCOS AMBIENTAIS NA CONTEMPORANEIDADE
De acordo com Toynbee (1973), enquanto primitivo, o homem encontrava-se à mercê
da natureza da realidade do universo. Era necessário lutar para alimentar-se, contra seu
extermínio por outros animais selvagens e contra as condições inóspitas do ambiente. Foi no
despertar da consciência e por meio do desenvolvimento de suas tecnologias que o homem
passou a dominá-la. A divulgação das tecnologias eram “virtualmente estáticas”, dada a
dificuldade de locomoção e comunicação existente naquele período. Inicialmente, estas
tecnologias visavam apenas a transformação de objetos encontrados na natureza objetivando
adequá-los à necessidade humana. O autor destaca que é a partir da Revolução Industrial que
se inicia o domínio da natureza. Assim:
aquela que consideramos cientificamente como Revolução Industrial (cujos
fundamentos científicos encontram-se no século XVIII) não foi a primeira revolução
industrial da humanidade.[...] A característica distinta dessa revolução industrial[..]
foi a utilização da energia como força motriz, substituindo a energia muscular do
homem e do animal.[...] A partir da Revolução Industrial o homem tornou-se capaz
de dominar a natureza e isso parece ser definitivo e irreversível, a menos que o
homem se autodestrua.(TOYNBEE, 1973, p.41-42).
.
Na oposição sociedade/natureza, o desenvolvimento científico industrial expôs os
indivíduos a riscos nunca antes observados, modificando sua natureza, o contexto que estes
aparecem e a capacidade que a sociedade tem em compreender e geri-los. Nesta perspectiva, e
diante da complexidade do risco na sociedade contemporânea, traremos neste capítulo as
diferentes abordagens relacionadas ao termo.
3.1 RISCOS E PERIGOS: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES
O risco constitui-se num importante conceito e tem sido utilizado em diversos campos da
sociedade como a economia (análise do risco-país, risco das bolsas de valores), a saúde
(riscos ocupacionais, riscos de contaminações), a engenharia (riscos de acidentes na
construção), os seguros etc. Dada a polissemia do termo, o seu estudo tornou-se
particularizado e fragmentado sendo comum a problemática em torno das conceituações e
entendimentos dos termos risco, perigo, acidente, azar, desastre, entre outros. Nessas
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 34
situações, frequentemente, o termo é substituído ou está associado a potencial,
susceptibilidade, vulnerabilidade, sensibilidade ou danos potenciais. A ausência de um acordo
na terminologia chegou a inaugurar uma nova ciência na década de oitenta cujo objetivo foi o
de estudar e limitar os riscos aos quais estavam expostas as populações: a Cindinologia ou
Cindínica. No entanto, ainda assim, continua a não existir um conceito universalmente aceito
do risco. (ALMEIDA, 2012; DAGNINO; CARPI Jr., 2007; MARANDOLA JR. e HOGAN,
2004a; QUEIRÓS, 2006).
Para Almeida (2012), a confusão do termo advém da complexidade como característica
inerente à sociedade contemporânea permeada pelo medo, insegurança e incertezas. Assim,
destaca que a origem do termo risco é considerada como incerta por alguns autores16
, embora
esteja presente em todas as línguas europeias: risk em inglês, rischio em italiano, riesgo em
espanhol, risque em francês. O termo também é referido por outros autores ao castelhano
antigo “resegue”, que significa ressecar, cortar, e ao latim rixare (brigar) e resecare (extirpar,
suprimir). Há, ainda, em grego rhizikon e o árabe risk. De forma geral, para esta autora, o
termo “[...] risco pode ser tomado como categoria de análise associada às noções de incerteza,
exposição ao perigo, perda e prejuízos materiais e humanos, atrelados não só a processos
naturais, mas também a processos oriundos das atividades humanas.” (ALMEIDA, 2012,
p.19).
De forma semelhante, Souza e Zanella (2009) destacam que a imprecisão da terminologia
da palavra risco ocorre justamente por não existir um corresponde em português, ou em outra
língua de origem latina como o Espanhol ou Francês, da palavra inglesa hazard, muito
comum na literatura norte-americana. Assim, em levantamento sobre a terminologia, os
autores destacam:
Em língua portuguesa, autores da Geografia têm interpretado o termo hazard ora
como risco, ora como acidente. Xavier (1996) procurou adotá-lo como sinônimo de
risco, já Monteiro (1991) optou pela tradução como acidente. Na versão em
português da obra de Gregory (1992), o termo foi traduzido como acaso. Em língua
espanhola, Castro (2000) propôs a tradução de hazard como perigo, traduzindo mais
fielmente o sentido da expressão em inglês e fornecendo um significado similar à
ideia de ameaça, considerada enquanto possibilidade. (SOUZA; ZANELA, 2009,
p.15). 17
16
Almeida (2012) cita Veyret (2007) e Aneas de Castro (2000).
17 Os correspondentes autores e obras citados são: XAVIER, H. Percepção geográfica dos deslizamentos de
encostas em áreas de risco no município de Belo Horizonte, MG.1996. 222 f. Tese (Doutorado em
Geografia) – Instituto de geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1996.
MONTEIRO, C. A. F. Clima e excepcionalismo: conjecturas sobre o desempenho da atmosfera como
fenômeno geográfico. Florianópolis: Ed. UFSC, 1991. GREGORY, K. J. A natureza da geografia física. Rio
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 35
Por fim, os autores defendem que o melhor significado para a palavra inglesa hazard
seria entendê-la como sinônimo de ameaça ou perigo, uma vez que existe também o termo
risk que, em outra análise18
, refere-se à existência conjunta de ameaça (ou perigo) e
vulnerabilidade. Nestes termos, os autores completam que:
Logo, os riscos devem ser tratados como resultado da intricada relação entre ameaça
e vulnerabilidade, que apresentam uma profunda dependência entre si. A noção de
risco se estabelece com base na relação conflituosa entre o homem e o seu ambiente,
em um processo de mútua influência. Portanto, deve se procurar também rejeitar a
ideia maniqueísta da existência de um evento natural agressor atuando sobre uma
sociedade que, por sua vez, é tida como vítima. (SOUZA; ZANELA, 2009,
p.16).
Risco é um constructo social, ou seja, é uma percepção humana ou de um grupo de
indivíduos da probabilidade de ocorrência de um evento perigoso e causador de danos, diante
da vulnerabilidade deste indivíduo ou grupo. Conflituosamente, a noção de risco é confundida
com a noção do próprio evento causador de perigo e ameaça. Assim, o perigo corresponde à
possibilidade ou a ocorrência de um evento causador de prejuízo. É uma ameaça potencial às
pessoas e seus bens. Risco, contudo, é uma probabilidade de ocorrência de perigo e de
geração de perdas. (ALMEIDA, 2012).
A palavra risco vem sempre acompanhada de um adjetivo que o qualifica e o associa ao
cotidiano da sociedade. As classificações mais correntemente citadas na literatura são: risco
tecnológico, risco natural, risco social e risco ambiental.
Os riscos tecnológicos, de acordo com Veyret (2007), podem ser classificados como
tipos de poluições. Estas podem ser as crônicas, quando os fenômenos ocorrem de maneira
perigosa e recorrente e, por vezes, lenta e de forma difusa, ou as acidentais, aquelas que
ocorrem quando há vazamentos de produtos tóxicos, explosões, incêndios. Para Dagnino e
Carpi Jr. (2007), três fatores são indissociáveis deste tipo de risco, sendo que, onde quer que
exista um desses fatores, haverá a probabilidade do risco: o processo de produção (recursos,
técnicas, maquinários e equipamentos), o processo de trabalho (relações entre direções
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. CASTRO, S. D. A. Riesgos y peligros: uma visión desde la Geografía.
Scripta Nova. Revista Eletrónica de Geografía y Ciências Sociales, Barcelona, n. 60, 2000. Disponível em:
<htt p://www.ub.es/geocrit/sn-60.htm>. Acesso em: 20 ago. 2005.
18
Está versão é defendida segundo Souza e Zanella (2009) por : SMITH, K. Environmental hazards: assessing
risk and reducing disaster.3nd. ed. London: Routledge, 2001.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 36
empresarias e estatais e empregados) e a condição humana (existência individual e coletiva,
ambiente).
Os riscos naturais são assim denominados quando os riscos não podem ser relacionados
ou atribuídos à ação humana, podendo, contudo, serem agravados pelo homem. Para Veyret
(2007), os riscos naturais são aqueles pressentidos, percebidos e suportados por um indivíduo
ou grupo diante de uma possível ação de um evento natural. Apresentam causas físicas, sendo
difícil a intervenção ou previsão humana. Dentre estes, a autora cita os de origem litosférica,
como os terremotos, vulcões, desmoronamento de solo, e os de origem hidroclimática, como
os ciclones, as tempestades, nevascas, inundações, secas etc. Quando agravados pela ação
humana, os riscos naturais tendem a impactar mais gravemente. Assim, a autora cita como
exemplos a erosão, a desertificação, os incêndios, a poluição, inundações etc.
Os riscos sociais implicam uma diversidade de atores e variáveis a serem consideradas.
Deste modo, diante da polissemia da palavra social, pode-se identificar como risco social a
maior parte dos riscos. Riscos relacionados a elementos naturais como furacões, terremotos,
epidemias, secas etc., bem como os riscos decorrentes das sociedades e das formas políticas e
de administração adotadas (crescimento urbano, industrialização, grande densidade em alguns
bairros) podem afetar ou ser afetados pelos riscos sociais. (DAGNINO; CARPI Jr., 2007).
Os riscos ambientais para Veyret (2007) seriam a síntese dos riscos naturais e os riscos
decorrentes de processos naturais agravados pela intervenção e ocupação humana. Souza e
Zanella (2009), por outro lado, inferem que, conhecendo a diferença entre hazard e risk, a
expressão risco ambiental refere-se a uma situação de ameaça ambiental (de ordem física,
tecnológica e até mesmo social) atuando sobre uma população reconhecidamente vulnerável.
Cerri e Amaral (1998) afirmam que nas diferentes formas de classificação dos riscos, os
riscos ambientais assumem a classe maior quando são consideradas as situações potenciais de
perdas e danos ao homem (vide figura 1). Os autores propõem na figura que os riscos
naturais, sociais e tecnológicos seriam subclasses dos riscos ambientais. Como exemplos de
riscos tecnológicos, destacam os vazamentos de produtos tóxicos, inflamáveis, radioativos,
colisão de veículos, queda de aviões etc. Dentre os riscos sociais, enfatizam os assaltos
guerras, conflitos, sequestros, atentados.
Para estes autores, os riscos naturais, enquanto componente do risco ambiental, ainda são
subdivididos em riscos físicos e riscos biológicos (associados à fauna e à flora). Os riscos
físicos são tripartidos em riscos atmosféricos (furacões, secas, tempestades, granizo etc.),
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 37
riscos hidrológicos (enchentes e inundações) e riscos geológicos. Estes últimos, podem ser
ainda classificados quanto ao seu caráter endógeno, associado aos processos da geodinâmica
interna, (terremotos, atividades vulcânicas e tsunamis) e exógeno, associado à geodinâmica
externa, (escorregamentos e processos correlatos, erosão/assoreamento, subsistências e
colapsos de solo, solos expansivos).
Os riscos biológicos associados à fauna correspondem às doenças que seriam provocadas
por vírus e bactérias, pragas, como gafanhotos e roedores, picadas de animais venenosos etc.
Por fim, os riscos biológicos associados à flora seriam aqueles determinadores de doenças
provocadas por fungos, pragas como as ervas daninhas, ervas tóxicas e venenosas etc.
Figura 1. Riscos Ambientais. Adaptado de Cerri e Amaral, 1998, p. 302.
Para Marandola Jr. e Hogan (2004a, b), o fato da natureza dos riscos não estar restrita a
uma única dimensão da realidade, exprimindo toda a complexidade da sociedade
contemporânea em seus diferentes embates e naturezas, enseja uma postura de análise
multidimensional e transescala para um melhor conhecimento da sua dinâmica. Estes autores
destacam que as abordagens correntes sobre o tema envolvem desde leituras altamente
objetivistas, encarando-o como eventos probabilísticos, a outras que entendem o risco
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 38
subjetivamente somente como fonte de interações sociais. Entre ambas, contudo, existem
outras tendências com diferentes graus de objetivismo e subjetivismo.
Muitas destas abordagens estão, para os autores, voltadas para estudos com escalas de
análise coletivas, relegando-se a individual e não levando em consideração como as
populações experienciam ou como percebem o risco em suas vidas. Este fato deve-se
principalmente por estas análises direcionarem-se a espaços-tempos distintos (localizados),
sem que se haja uma ligação com as macroestruturas sociais ou culturais. Os teóricos da
Sociedade de Risco é que passam a estudar esta amplitude, colocando o risco no próprio
mecanismo de produção social. Marandola Jr. e Hogan (2004b) dividem as abordagens e
tendências sobre o risco em quatro grupos: (1) Avaliação e Gestão do Risco; (2) Percepção do
Risco; (3) Eventos e Sistemas Ambientais; (4) Sociedade de Risco, conforme veremos a
seguir.
Avaliação e Gestão do Risco trata-se de uma forma de abordagem fortemente objetivista.
É propriamente a análise do risco. Suas características fundam-se na importância de que
estudos de identificação, avaliação e gestão do risco poderiam diminuir as incertezas com as
quais convivemos diariamente, assim como, fornecer bases seguras para a ação política por
meio do conhecimento científico. Estes foram estudos defendidos pelos primeiros geógrafos
envolvidos com os natural hazard (perigos naturais), bem como em trabalhos preocupados
com a saúde pública.
William Rowe (1987) no artigo Alternative risk evaluation paradigms, define o que vem
a ser a gestão e avaliação risco:
[...] avaliação do risco [...] significa estimar o risco e a gestão do risco significa a
redução ou controle do risco para um nível ‘aceitável’, se é que este nível pode ser
explicitamente determinado. Na verdade estes dois processos são inseparáveis desde
que a incerteza em um afete os nossos julgamentos sobre o outro e vice versa
(ROWE, 1987, p.1-2 apud MARANDOLA JR., HOGAN, 2004b).
Ainda para Rowe (1987), a análise do risco seria uma ferramenta de análise política
que combinaria conhecimentos científicos associados à ciência da informação política para
auxiliar na tomada de decisões. Seria um subsídio para a decisão e sua importância e utilidade
derivariam de suas aplicações e sucesso na resolução das decisões envolvidas. Este autor
salienta que a análise não seria um modelo, mas, sim, um arcabouço de princípios norteadores
para a formulação de metodologias aplicadas em distintos contextos. Esta concepção do
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 39
importante papel da ciência na política ambiental era fortemente defendida por organismos
supranacionais, bem como por associações acadêmicas internacionais,como a Scientific
Committe on Problems of the Environment (SCOPE). Marandola e Hogan (2004b) trazem
duas considerações a respeito da avaliação objetivista do risco:
em primeiro lugar, a linha de investigação surge a partir de problemas empíricos,
principalmente ligados à gestão. Em segundo lugar, apesar de reconhecer a
incerteza, assenta-se sobre uma concepção de ciência onde ela é encarada como
possuidora de meios para disciplinar a incerteza, promovendo uma base segura para
a tomada de decisões. Temos uma certa reserva com respeito a esta crença, embora
não neguemos o papel do conhecimento científico em auxiliar a elaboração de
políticas públicas. No entanto, este auxílio deve ser realizado a partir da participação
dos cientistas na construção dos conhecimentos, juntamente com as populações
afetadas e o poder público, e não estabelecendo um processo de cima para baixo.
Seria talvez este o papel da percepção neste quadro. (MARANDOLA JR.; HOGAN,
2004b, p.32).
Na Percepção do Risco, a ênfase é dada à cultura e aos processos socioconstrucionistas.
Dentre os trabalhos precursores nesta área e que tiveram resultados reveladores, Souza e
Zanella (2007) mencionam o de Kates (1962 e 1967) que tinha por objetivo traçar um
comparativo entre a visão dos técnicos e pesquisadores com a dos cidadãos comuns diante das
inundações em diferentes áreas dos Estados Unidos e das tempestades tropicais no Leste
daquele país, respectivamente. Estes estudos mostraram que as imagens dos cidadãos frente
aos riscos e as medidas de combates podiam ser muito diferentes daquelas observadas pelos
técnicos.Contudo, os autores também enfatizam que até mesmo os mais informados ou
instruídos podem sofrer influências dos fatores subjetivos, logo, é necessário considerar o
papel da percepção tanto na avaliação leiga quanto na avaliação técnica e científica dos riscos.
Na abordagem sobre a percepção, enriquecida com trabalhos oriundos da Sociologia,
Antropologia e Psicologia, o risco recebe um tratamento mais subjetivista, embora não fique
totalmente descolado dos processos sociais. Navarro (2005) destaca a importância dos
estudos sobre os riscos envolverem a percepção dos envolvidos, tendo em vista que, diante da
segunda modernidade, novos padrões cognitivos estão se desenvolvendo no que tange a
tomada de decisões tanto no âmbito governamental quanto no cotidiano da vida dos
indivíduos.
A objetividade dada em alguns estudos compromete a importância do processo cognitivo
elaborador da percepção do risco. Sendo este um fenômeno que se processa em concorrência
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 40
com a autopercepção no contexto coletivo, o enfrentamento ou não de situações de risco,
segundo a autora:
dependerá do contexto que posiciona o indivíduo em um determinado lugar, ou seja,
sua inserção em um dado evento (cotidiano ou esporádico), da função que ocupa o
indivíduo em determinado espaço social, dos aspectos culturais, da personalidade,
da história de vida, das características pessoais e das pressões e/ou demandas do
ambiente. Influenciados por um sistema de valores, os indivíduos tendem a construir
uma auto-imagem e a consolidar o que pensam ser um determinado potencial
humano, baseando-se neste sentimento para promoverem auto-avaliações para se
exporem ou não a riscos. (NAVARRO, 2005, p. 68).
Outro aspecto enfatizado é a dificuldade no reconhecimento e tratamento dos perigos,
uma vez que muitos indivíduos não se declaram cognitivamente proprietários ou vítimas
destes perigos potenciais. Tal fato deve-se ao descuido nas observações precisas das situações
de perigos o que leva a “[...] elas não se inscrevam num campo de competências bem
definidas, causando a dispersão de interesses e prerrogativas para análises bem pontuadas
capazes de transformar as situações difusas de perigo em riscos definidos.” (NAVARRO,
2005, p.68).
A autora assegura que a complexidade em que se situa a problemática do risco, e sua
distribuição na sociedade contemporânea, demanda atitudes e escolhas individuais que
relegam questões voluntárias como a afetividade ou o desejo. Estas escolhas são elaboradas
por processos cognitivos balizadores que envolvem objetividades e subjetividades. Como
exemplos, a autora cita situações de dúvidas cotidianas: os riscos do consumo dos alimentos
geneticamente modificados, a confiança e fidelidade no parceiro em relação às doenças
sexualmente transmissíveis. Entretanto, estas mesmas situações que transformam o perigo
difuso em risco definido desenvolvem, em paralelo, condições de mobilização, sejam na
esfera individual, sejam pelo intermédio de associações, sindicatos etc., que se revertem em
conquistas legais e sociais.
Para Souza e Zanella (2007), levando-se em consideração os prejuízos das
comunidades afetadas por desastres ambientais, percepções distintas, assim como percepções
semelhantes, podem ser identificadas em grupos socioeconômicos e culturais diferenciados.
Algumas características ou qualidades das situações de risco são capazes de influenciar a
percepção de forma a atenuar ou a agravar a avaliação que se faz da realidade. No Quadro 1,
elencamos os principais fatores que podem influenciar a percepção:
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 41
FORTE INFLUÊNCIA FRACA INFLUÊNCIA
Alta probabilidade de ocorrência Baixa probabilidade de ocorrência
Curto intervalo de recorrência Impactos nunca experimentados
Expectativa de que ocorra em breve Expectativa de que ocorra no futuro
Evento extremo Baixa variação em torno do habitual
Evento imaginável, de fácil definição. Início e fim difíceis de identificar
Fortes consequências Fracas consequências
Impacto direto sobre o bem-estar Efeitos indiretos sobre o bem-estar
Perdas de vidas humanas Sem perdas de vidas humanas
Vítimas identificáveis Vítimas tratadas estatisticamente
Impactos concentrados Impactos aleatórios
Razoável certeza de que irá ocorrer Incerteza de que irá ocorrer
Mecanismos e efeitos inteligíveis Mecanismos e efeitos não entendidos
Impactos dramáticos Impactos pouco perceptíveis
Quadro 1. Principais características climáticas que influenciam a percepção. Adaptado
de Souza e Zanella (2007, p. 38) apud Whyte (1985, p.101).
Os autores destacam que, mesmo diante da importância de todas as características, o
impacto do evento apresenta-se como a principal influência no processo de avaliação
subjetiva dos riscos. Assim, os desastres experimentados quando, por exemplo,
acompanhados de perdas humanas e financeiras tendem a ser os mais concretos e evidentes.
Contudo, é necessária a consideração dos valores inerentes a cada indivíduo (cultura, religião
etc.).
Outra variante na percepção do risco a avaliar é a de indivíduos que observam o
fenômeno de um ponto de vista externo, como os gestores públicos. Souza e Zanella (2007)
apontam que a tomada de decisão, nestes casos, envolvem análises de custo-benefício
assentadas na racionalidade econômica. Este modelo, na maioria dos casos, tende ao fracasso
ao materializar-se.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 42
Os estudos relacionados aos eventos e sistemas ambientais são riquíssimos em
empiria, no entanto, sua abordagem conceitual necessita de avanço. De forma geral, a base
conceitual aplicada à empiria é sempre relacionada a uma anterior. Os riscos avaliados,
tratando-se de eventos naturais, são principalmente os ligados à Geomorfologia, à
Climatologia, à Hidrologia e à Geologia. (MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2004b).
Nos estudos ligados à Geomorfologia19
, destacam existir uma ligação muito estreita
com as características intrínsecas dos sistemas ambientais. Os estudos voltavam-se à dinâmica
dos sistemas em relação aos eventos externos, assim, os riscos seriam expressos pela
vulnerabilidade, suscetibilidade ou fragilidade dos próprios sistemas a estes eventos que, em
geral, eram de origem antrópica. Os perigos pouco aparecem e, geralmente, de uma forma não
muito bem conceituada relacionada mais aos riscos ou às consequências dos eventos.
Nos riscos avaliados e ligados à Climatologia, abordagens foram feitas considerando o
fenômeno das cheias20
, de origem natural, mas com forte influência da geomorfologia e da
ação humana. Outra vertente estuda este fenômeno considerando também a vulnerabilidade
das áreas21
. Nos estudos dedicados aos recursos hídricos e aquíferos, os autores ressaltam as
contribuições de Foster & Hirata (2003)22
. Para a determinação dos riscos e vulnerabilidades
nesta natureza de investigação, foram utilizados “[...] medições bioquímicas, análise
geológica e geomorfológica, estudos de drenagem e de recarga, pluviosidade, análises
químicas da qualidade da água, perfurações etc.” (MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2004b, p.
38). O homem é marginalizado no processo e teria um caráter meramente contaminante,
relegando-se, assim, discussões acerca das causas e estruturas que contribuiriam para a
contaminação.
19
MARANDOLA Jr. & HOGAN (2004b) atribuem a Jurandyr Ross a proposta metodológica de análise da
fragilidade do relevo, contudo ressaltam uma série de outros estudiosos que trataram os riscos desvinculando-
os das fragilidades e dos perigos naturais. Foram abordagens enfocadas nas áreas de risco, nas vulnerabilidades
e nas susceptibilidades. Assim, como contribuinte desta linha, os autores destacam o artigo escrito por Nelson
F. Fernandes e Cláudio P. do Amaral: “Movimentos de massa: uma abordagem geológico-geomorfológica”
(FERNANDES & AMARAL, 2000).
20 Cf. MONTEIRO, Carlos A. de F. Clima e excepcionalismo:conjecturas sobre o desempenho da atmosfera
como fenômeno geográfico. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1991. 241p.
21 Cf. SOUZA, Cristiane M. Avaliação ambiental estratégica como subsídio para o planejamento urbano.
2003. Tese (Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
22 Cf. FOSTER, Stephen & HIRATA, Ricardo. Determinação do risco de contaminação das águas
subterrâneas. Um método baseado em dados existentes. (trad. Ricardo Hirata et al) São Paulo: Instituto
Geológico, 1993. 92p. [Boletim n.10]
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 43
Outros trabalhos dão ênfase à relação entre as dinâmicas físicas e a ação antrópica.
Neste caso, em primeiro lugar é determinada a vulnerabilidade para, em seguida, cruzar os
dados físicos e humanos em forma de mapas, produzindo, consequentemente, o que se
denomina de Unidades de Risco, que “[...] podem ser caracterizadas conforme a capacidade
que apresentam para armazenar ou mobilizar os contaminantes mediante alguma ação, seja ela
antrópica ou natural” (HADLICH, 1997, p.68 apud MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2004b, p.
39).
Por último, os autores debatem abordagens em diversos contextos efetuadas por
demógrafos. Os conceitos, nesta discussão, referem-se às populações em situação de risco,
capacidade de suporte e vulnerabilidade. O foco dos estudos localiza-se no reconhecimento
dos fenômenos (enchentes, deslizamentos, inundações, enquanto dinâmicas físicas) e o
entendimento das dinâmicas sociais que expõem determinadas populações de determinados
segmentos sociais a estes riscos (populações em situações de risco). Neste aspecto, as
dinâmicas demográficas e sociais são evidenciadas e a vulnerabilidade para os autores é
entendida :
mais como vulnerabilidade das populações diante de tais eventos (capacidade de
diminuir ou dar resposta ao risco), enquanto o estudo das dinâmicas físicas fica
restrito ao limite suficiente para avaliá-las enquanto causadoras de danos às
populações e passíveis de ser controladas por políticas de gestão. No entanto, em
geral, entende-se que os riscos advêm do mau uso do solo, e que a razão dos riscos é
a sobreposição de ocupação humana em áreas onde já existiam dinâmicas anteriores
ou, ainda, que não possuiu capacidade de suporte para aquele uso. (MARANDOLA
Jr. ;HOGAN, 2004b, p. 40).
Quem não se recorda do Furacão Sandy23
que provocou mais de 250 mortes no Caribe e
nos Estados Unidos em 2012? Ou das chuvas24
que causaram deslizamento e enchentes na
região Serrana do Rio de Janeiro em 2011? Estes e muitos outros exemplos de catástrofes
refletem a vulnerabilidade da civilização contemporânea. Hogan e Marandola Jr. (2006)
ressaltam que as dinâmicas e fenômenos ambientais, além de fazerem parte do dia a dia de
23
Para mais informações sobre o Furacão Sandy, consultar: Sandy, a devastadora tempestade: como furacão,
"sandy" nunca chegou a superar a categoria 2 de um máximo de 5 da escala de saffir-simpson disponível em
:< http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/noticias/sandy-a-devastadora-tempestade>. Acesso em:
27 mai.2013.
24 Mais informações, consultar : CASTILHO, L.V; OLIVEIRA, P.M.C; FABRIANI, C.V. Análise de uma
tragédia ambiental e a participação da população no equacionamento dos problemas de moradia: um estudo de
caso da tragédia na região serrana do rio de janeiro. In: VI Encontro Nacional da ANPPAS, 2012, Anais...
Belém, 1996. Disponível em: < VI Encontro Nacional da ANPPAS18 a 21 de setembro de 2012Belém – Pará –
Brasil>. Acesso em : 27 mai. 2013.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 44
cada indivíduo, passaram a ocupar destaque na agenda política e econômica mundial. De uma
questão do domínio de ativistas e ecologistas, as consequências da inadequada relação
sociedade-natureza atingem dimensões globais.
Assim, outra vertente que surge com bastante força para o conceito de risco é a
vulnerabilidade. E, por estar correntemente associado ao risco, o termo traz conflituosa
discussão. Citando Rebelo (2003), Dagnino e Carpi Jr.(2007) destacam que a confusão entre
os termos utilizados para tratar de riscos e vulnerabilidades está associada às diferentes ideias
que são empregadas. Para os franceses, o termo está ligado a ideia de “aleatório” (aléa). Os
anglo-saxónicos adotaram a de “acaso” ou “casualidade” (hazard); Alguns espanhóis,
italianos e portugueses, ao manifestarem a ideia de ameaça optaram pelas palavras
peligrosidad, pericolosità e “perigosidade”, respectivamente.
Contudo, os autores afirmam existir um ponto de confluência que independe das palavras
empregadas. O risco, neste aspecto, corresponderia ao somatório de algo que nada tem a ver
com a vontade do homem (aleatório, acaso, casualidade ou perigosidade), com algo que
resulta da presença direta ou indireta do homem, ou seja, a vulnerabilidade.
Com objetivo de levantar elementos das diferentes abordagens do termo vulnerabilidade,
Hogan e Marandola Jr. (2006) enfocaram seus estudos em dois grandes temas: pobreza,
exclusão e marginalização e, o segundo, a problemática ambiental. Neste último, informam
as conseqüências nefastas da inadequada relação sociedade natureza eram tratadas nas
primeiras décadas após a Segunda Guerra como fenômenos naturais (desastres ou catástrofes
naturais). Ao longo das décadas, os estudos passaram a incorporar perspectivas mais
complexas e holísticas, “[...] visando compreender a intricada rede de relações humano-físico-
socias que estão na base da trama genética dos desastres”. (HOGAN; MARANDOLA Jr.,
2006, p. 33).
Dessa forma, outros fenômenos tecnológicos, como as contaminações e intoxicações
industriais, desastres químicos, acidentes nucleares, além dos fenômenos sociais como a
fome, a pobreza e a violência, também foram incorporados aos estudos, mostrando a
indissociação entre as problemáticas ambientais e sociais. Assim, ao incluírem a crítica de
Cutter, (1996) aos estudos dos perigos naturais que não incorporavam a discussão sobre o
desenvolvimento e a pobreza em suas análises, não mencionando as causas da vulnerabilidade
social aos desastres, os autores destacam que:
Se, por um lado, os estudos sobre os perigos naturais traziam uma ampla gama de
questões sobre as respostas, ajustamentos e percepção do risco e do perigo,
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 45
buscando alternativas para a gestão, previsão e planejamento do perigo e de seus
danos, por outro, não se discutia detidamente as capacidades ou possibilidades de
proteção. A análise dos eventos era externa, passando de imediato à percepção, sem
uma discussão sobre os processos sociais diretamente envolvidos não apenas na
gênese, mas, sobretudo, nas formas de proteção contra o desastre. É aqui que a
vulnerabilidade aparece como conceito que irá proporcionar esta análise mais
complexa. Assim, os estudos sobre os perigos e desastres, no campo da geografia,
passam a abarcar desde os processos biofísicos e sociais do evento até suas
conseqüências no campo ambiental, social e individual, passando pelas decisões,
escolhas e ajustamentos individuais, coletivos e estatais. (HOGAN; MARANDOLA
Jr., 2006, p. 33-34).
A partir da década de 80, a adoção do termo vulnerabilidade aos estudos produz uma
série de conceitos e aplicações que estão mais ou menos relacionados. As variações vão desde
aplicações ligadas diretamente às dinâmicas naturais a outras estritamente sociais, existindo
também aquelas que procuram equilibrar estas dimensões. (HOGAN; MARANDOLA JR.,
2006). No Quadro 1, é possível visualizar estas nuances de conceitos adotados por distintos
autores, conforme Cutter (1996):
Quadro 1 – Variações conceituais a respeito da vulnerabilidade
VARIAÇÕES CONCEITUAIS A RESPEITO DA VULNERABILIDADE
Gabor e Griffith (1980): Vulnerabilidade é a ameaça (perigos materiais), à qual as pessoas estão expostas
(incluindo agentes químicos e evento ecológico das comunidades e seu nível de preparação para
emergências). Vulnerabilidade é o contexto de risco.
Timmerman (1981): A vulnerabilidade é o grau em que um sistema atua negativamente para a ocorrência de
um evento perigoso. O grau e a qualidade da reação adversa são condicionados pela resiliência do sistema
(uma medida da capacidade do sistema de absorver e se recuperar do evento).
UNDRO (1982): A vulnerabilidade é o grau de perda para um determinado elemento ou conjunto de
elementos em risco resultante da ocorrência de um fenômeno natural de uma determinada magnitude.
Susman et al. (1984):A vulnerabilidade é o grau em que diferentes classes da sociedade estão
diferencialmente em risco.
Kates (1985): Vulnerabilidade é a "capacidade de sofrer danos e reagir negativamente".
Pijawka e Radwan (1985): Vulnerabilidade é a ameaça ou a interação entre risco e preparação. É o grau em
que os materiais perigosos ameaçam a uma determinada população (risco) e a capacidade da comunidade para
reduzir os riscos ou consequências adversas de lançamentos de materiais perigosos.
Bogard (1989): A vulnerabilidade é operacionalmente definida como a incapacidade de tomar medidas
eficazes para assegurar-se contra perdas. Quando aplicada a indivíduos, a vulnerabilidade é uma
consequência da impossibilidade ou improbabilidade de mitigação eficaz é uma função de nossa capacidade
de selecionar os perigos.
Mitchell (1989): A vulnerabilidade é o potencial de perda.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 46
Liverman (1990): Faz distinção entre a vulnerabilidade como condição biofísica e vulnerabilidade como
definida pelas condições políticas, sociais e econômicas da sociedade. Ela defende vulnerabilidade no espaço
geográfico (onde as pessoas e os lugares mais vulneráveis estão localizados) e vulnerabilidade no espaço
social (quem em qual lugar é vulnerável).
Downing (1991): Vulnerabilidade tem três conotações: refere-se a um efeito (por exemplo, a fome) em vez de
uma causa (por exemplo, está vulnerável à fome), e é um termo relativo que diferencia entre grupos ou
regiões socioeconômicas, ao invés de uma medida absoluta de privação.
Dow (1992): A vulnerabilidade é a capacidade diferencial de grupos e indivíduos lidarem com os riscos, com
base em suas posições nos mundos físico e social.
Smith (1992): Risco de um perigo específico varia ao longo do tempo e de acordo com as mudanças em
qualquer exposição física (ou ambos) ou vulnerabilidade humana (a amplitude da tolerância social e
econômica disponível no mesmo local).
Alexander (1993): A vulnerabilidade humana é uma função dos custos e benefícios de habitar em áreas de
risco para desastres naturais.
Cutter (1993): A vulnerabilidade é a probabilidade de que um indivíduo ou um grupo será exposto e
prejudicado por um perigo. É a interação dos perigos do lugar (risco e mitigação) com o perfil social das
comunidades.
Watts e Bohle (1993): A vulnerabilidade é definida em termos de exposição, capacidade e potencialidade.
Assim, a resposta prescritiva e normativa para a vulnerabilidade é reduzir a exposição, aumentar a capacidade
de enfrentamento, reforçar o potencial de recuperação e reforçar o controle de danos (ou seja, minimizar as
consequências destrutivas) através de meios públicos e privados.
Blaikie et al. (1994): Por vulnerabilidade entende as características de uma pessoa ou grupo em termos de sua
capacidade de antecipar, lidar, resistir e se recuperar do impacto de um perigo natural. Trata-se de uma
combinação de fatores que determinam o grau em que a vida de alguém e sua subsistência são postas em risco
por um evento capaz e discreto que pode ser identificado na natureza ou na sociedade.
Bohle et al. (1994): Vulnerabilidade é melhor definida como uma medida agregada do bem-estar humano que
integra a exposição ambiental, social, econômica e política de uma gama de potenciais perturbações
prejudiciais. Vulnerabilidade é um espaço social de múltiplas camadas e dimensões definida por determinadas
capacidades políticas, econômicas e institucionais de pessoas em locais e tempos específicos.
Dow e Downing (1995): Vulnerabilidade é a suscetibilidade diferencial de circunstâncias que contribuem
para ela. Fatores biofísicos, demográficos, econômicos, sociais e tecnológicos, como as idades das
populações, a dependência econômica, o racismo e a idade da infraestrutura são alguns dos fatores que foram
examinados em associação com os riscos naturais.
Fonte: Adaptado na tradução da língua inglesa para a portuguesa de Cutter, 1996.Cutter, 1996, p.531-532.
White, Kates e Burton (2001) retomando o conceito de vulnerabilidade de Blaike et
al,(1994), citam que alguns grupos da sociedade são mais propensos do que outros ao dano, à
perda e ao sofrimento no contexto de diferentes perigos. As principais características nas
variações de impacto incluiriam a classe social, a etnia, o gênero, incapacidade, idade ou a
senilidade. Por fim, os autores destacam que junto ao crescimento do interesse no conceito de
vulnerabilidade veio o reconhecimento do papel das forças sociais mais amplas, mais
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 47
profundas e mais poderosas que restringem a escolha e que não podem ser combatidas com
correções técnicas ou sociais.
Em termos gerais, entendemos ser a vulnerabilidade uma condição de fragilidade, seja
de ordem física, social, econômica e/ou política, em que um indivíduo, ou grupo de
indivíduos, estaria mais susceptível à exposição de eventos nas mais distintas situações.
3.2 SOCIEDADE DE RISCO
Se as ciências sociais já haviam entrado no debate dos riscos, a grande mudança ocorre
no deslocamento da discussão acerca dos riscos: de tema marginal, ela passa para o centro da
teoria social, tomando dimensões de um paradigma. Assim, por meio dos teóricos como
Ulrich Beck e Anthony Giddens, ocorreu uma ampliação que colocou o risco no próprio
mecanismo de reprodução social da sociedade contemporânea. Tanto Beck quanto Giddens
identificam uma mudança da organização social na transição da sociedade industrial para a
Sociedade de Risco sem que existisse uma alteração na razão predominante (MARANDOLA
Jr.; HOGAN, 2004b). Esta transição pode ser resumidamente visualizada no Quadro 2:
Quadro 2 - Características das sociedades tradicionais, 1ª modernidade e 2ª modernidade,
segundo Beck
Sociedades tradicionais 1ª Modernidade 2ª Modernidade
Estruturas comuns
Influência da família na
construção da
individualidade;
Tradição;
Religião/crenças;
Dogmas.
Peso do Estado-nação;
Estrutura de classes sociais;
Pleno emprego;
Rápida industrialização;
Exploração de natureza não
visível.
Reflexividade;
Destradicionalização;
Indivivdualização;
Globalização;
Desemprego;
Liberdade de escolha;
Revolução do gênero;
Progresso tecnológico;
Poder tecnocrata.
Segurança
Previsibilidade
Confiança
Norma
Dúvida quotidiana;
Incerteza;
Fragmentação cultural;
Insegurança
Comportamentos predefinidos Pensar antes de agir
Fonte: QUEIRÓS, 2001, p.06.
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 48
Beck (2010) afirma que o mundo hoje se encontra em uma disposição de perigo que
atinge a todos. Para ele, o risco é global e da civilização e que a correspondente produção
social da riqueza veio acompanhada da produção social do risco. No que denomina
modernidade tardia, a lógica da produção e distribuição igualitária do risco, ainda que não
acompanhada da distribuição igualitária da riqueza, está historicamente ligada a duas
condições: primeira, consuma-se quando se é objetivamente reduzida e socialmente isolada a
autêntica carência material, por meio do nível alcançado pelas forças produtivas humanas e
tecnológicas bem como das garantias e regras jurídicas do Estado Social; segunda, na
produção exponencial do processo de modernização são desencadeados riscos até então
desconhecidos.
De acordo com o autor, a redução de riscos e ameaças não se trata mais da utilização
econômica da natureza para libertar as pessoas de sujeições tradicionais, mas, e sobretudo, de
liberá-las dos problemas decorrentes do próprio desenvolvimento técnico-econômico. Assim,
o processo de modernização “[...] torna-se reflexivo, convertendo-se a si mesmo em tema e
problema” (BECK, 2010, p.24). Destaca ainda que enquanto algumas sociedades (países em
desenvolvimento) o pensamento e a ação das pessoas girarem sobre a escassez material, o
processo de modernização encontrará terreno fértil sobre a pretensão de ter o
desenvolvimento científico-tecnológico que leve ao “acesso” às fontes de riqueza.
No entanto, nos Estados de Bem-Estar do Ocidente, a luta pelo pão de cada dia, o
combate à miséria, cede lugar ao problema da nova pobreza, o excesso de peso, fazendo cair o
fundamento da legitimidade do processo de modernização sob esta ótica. Segundo o autor,
paralelamente a este ponto “dissemina-se a consciência de que as fontes de riqueza estão
contaminadas por ameaças colaterais.” (BECK, 2010, p. 25).
O autor afirma que os riscos do desenvolvimento industrial são tão antigos quanto ele
mesmo, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento posterior. Ameaçando a
vida no planeta, a produção destes riscos desloca-se do lócus da fábrica e da percepção
sensorial e assume uma característica coletiva justamente por conta da globalidade de seu
alcance (homem, fauna e flora). No entanto, essa dimensão do perigo não corresponde com a
sua percepção pelos indivíduos ameaçados.
Em sua obra Sociedade de Risco, os temores individuais são interpretados como uma
disposição social, relegando-se a disposição individual. Para Beck, há uma dependência
cognitiva do indivíduo para o reconhecimento destes riscos da modernização. Isto se deve ao
fato de que riscos e ameaças que prejudicam a saúde ou destroem a natureza são geralmente
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 49
imperceptíveis a olhos nus e, mesmo que evidentes, eles sempre necessitam da argumentação
e o juízo comprovado de algum especialista para sua afirmação objetiva.
Nas definições de risco, há sempre interesses, pretensões e pontos de vista
concorrentes e conflitivos que se desdobram em definições no sentido de causa e efeito. Esta
conflituosa pluralização da definição visa rechaçar os efeitos ameaçadores ao mercado.
Assim,
Ameaças ao solo, à flora, ao ar, à água e à fauna ocupam uma posição especial nesta
luta de todos contra todos em torno das definições de risco mais lucrativas, na
medida em que dão espaço ao bem comum e às vozes daqueles que não têm voz
própria (talvez só mesmo direitos eleitorais ativos e passivos estendidos às
gramíneas e minhocas serão capazes de trazer as pessoas à razão). No que diz
respeito aos referenciais dos riscos em termos de valores e interesses, tal
pluralização é evidente: alcance, urgência e existência de riscos oscilam com a
diversidade de valores e interesses. (BECK, 2010, p. 37-36).
Nesta esfera argumentativa de causa-efeito, para onde quer que seja apontado um
produtor potencial de risco, sempre existirá um especialista de plantão para contra argumentar
e indicar outras possíveis causas e culpados, na medida do possível, com uma “contra-
ciência” institucionalizada em termos empresariais. Desta forma, o autor afirma que:
A imagem diversifica-se. O acesso à mídia torna-se crucial. A incerteza no interior
da indústria aprofunda-se: ninguém sabe quem será o próximo sob o holofote da
moral ecológica. Bons argumentos, ou pelo menos argumentos capazes de se impor
publicamente, convertem-se em condição prévia do sucesso profissional. Os artesãos
da esfera pública, os “carpinteiros argumentativos”, têm sua grande chance
profissional. (BECK, 2010, p.38).
Não respeitando fronteiras sociais e nacionais, os riscos apresentam, ainda, um caráter
ambivalente: além de ameaças, estes se configuram como oportunidades de mercado
originando, daí, as disputas por definição em torno da extensão, do grau e da urgência dos
riscos. De outra forma, manipulando-se os riscos e definindo-os conforme alguns interesses
poderiam ser geradas novas necessidades e, consequentemente, novos mercados, o que, para
Beck, significaria um risco autofabricável. Para o autor,
É precisamente com o avanço da sociedade de risco que se desenvolvem como
decorrência as oposições entre aqueles que são afetados pelos riscos e aqueles que
lucram com eles. Da mesma forma, aumenta a importância social e política do
conhecimento, e consequentemente do acesso aos meios de forjar o conhecimento
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 50
(ciência e pesquisa) e disseminá-lo (meios de comunicação de massa). A sociedade
do risco é, nesse sentido, também a sociedade da ciência, da mídia e da informação.
Nela, escancaram-se assim novas oposições entre aqueles que produzem definições
de risco e aqueles que as consomem.(BECK, 2010, p. 56, grifo do Autor).
O autor destaca que aqueles que apontam os riscos são difamados como “estraga
prazeres” e reais produtores de risco. Os efeitos para o meio ambiente e o homem são vistos
como exagerados, sendo necessárias novas pesquisas para a definição dos riscos e das
medidas a serem tomadas. Desta forma, a confiança na racionalidade da ciência e na
tecnologia em encontrar soluções para todos os problemas é professada. A crítica à ciência e
as inquietações quanto ao futuro são estigmatizadas como irracionalidades. Contudo, o
predomínio dessa interpretação não deveria enganar quanto à realidade. Ao negá-la, há uma
produção maior daquilo que se nega: “as situações de perigo da sociedade de risco” (BECK,
2010, p. 55).
Neste aspecto, destaca que, quando o excedente de risco supera o excedente de riqueza, a
aparente inofensiva diferenciação entre a estipulação científica do risco (racional) e a
percepção (irracional) dos riscos ganha importância, perdendo até sua razão de ser. A posição
de dogma da concepção científica dos riscos é contraposta pela percepção social diante de
riscos e ameaças civilizacionais crescentes que nos conduzem a um presente de mudanças
urgentes e um futuro ameaçador.
O autor aponta que os efeitos sociais dos riscos independem da pluralidade de
interpretações causais e de interesses. Em termos de mercado globalizado e da visão
sistêmica, somos todos causa e efeito, ou seja, há a ausência de causas específicas e
responsabilidades isoladas. Nesse sentido, a sociedade de risco dispõe de novas formas de
conflitos e de consenso. Diante do potencial de autoameaça civilizacional, do efeito
equalizador, um novo tipo de solidariedade global surge: a superação do risco, ou seja, “[...]
aprender a sentar à mesa e a encontrar e a implementar soluções para as ameaças
autoinfligidas capazes de atravessar todas as fronteiras.”(BECK, 2010, p. 58). Por fim, se na
sociedade de classes a solidariedade girava sob a ótica da carência, na sociedade do risco, esta
gira sob o medo, tornando-se força política.
A consciência do risco proposto por Beck centra-se no futuro, esperando-se dele algo
desastroso que impossibilita qualquer ação corretiva. Os riscos são sempre indicativos de um
futuro que precisa ser evitado. Neste aspecto, escreve o autor:
3 Riscos Ambientais na Contemporaneidade 51
De um lado, muitas ameaças e destruições já são reais: rios poluídos, ou mortos,
destruição florestal, novas doenças etc. De outro lado, a verdadeira força social do
argumento do risco reside nas ameaças projetadas no futuro. São, nesse caso, riscos
que, quando quer que surjam, representam destruições de tal proporção que qualquer
ação em resposta a elas se torna impossível e que, já como suposição, como ameaça
futura, como prognóstico sincreticamente preventivo, possuem e desenvolvem
relevância ativa. O núcleo da consciência do risco não está no presente, e sim no
futuro. Na sociedade de risco, o passado deixa de ter força determinante em relação
ao presente. Em seu lugar, entra o futuro, algo todavia inexistente,construído e
fictício como “causa” da vivência e da atuação presente. Tornamo-nos ativos hoje
para evitar e mitigar problemas ou crises do amanhã ou do depois de amanhã, para
tomar precauções em relação a eles - ou então justamente não. [...] Na discussão
com o futuro, temos portanto de lidar com uma “variável projetada”, com uma
“causa projetada” da atuação (pessoal e política) presente, cuja relevância e
significado crescem em proporção direta à sua incalculabilidade e ao seu teor de
ameaça, e que concebemos (temos de conceber) para definir e organizar nossa
atuação presente. (BECK, 2010, p. 40, grifo do autor).
Embora nossa consciência esteja no presente, os riscos são cálculos que fazemos
projetando-os sempre para o futuro. Esta relação das dimensões entre presente, passado e
futuro é realizada por meio da memória. Por isso, continuamos com breves considerações
desta relação entre as dimensões temporais e a memória no capítulo seguinte.
4.Memória da (na) Sociedade 52
4 MEMÓRIA DA (NA) SOCIEDADE
Antes de discorremos sobre a memória, é preciso uma breve consideração a respeito
do tempo. Em Temporalidades na Formação, Gaston Pineau (2003, p. 24) afirma ser o tempo
“[...] uma daquelas noções básicas no limite da compreensão”. O indivíduo sabe o que é,
porém se questionado não sabe responder ao seu interlocutor. Isto se reflete porque o tempo
“[...] está ligado às matérias-primas, ao telúrico, ao cósmico, ao físico, ao biológico, ao
psíquico, ao social.” Ao citar Gabel (1962), o autor destaca ser o tempo a dimensão dialética
por excelência, pois sua progressão realiza uma síntese dialética constantemente renascente
do passado, presente e futuro.
Existem atrativos temporais (palavras do vocabulário temporal) que presentificam a
ausência do substantivo tempo. Muitas dessas palavras podem se classificar conforme a
referência: no sentido de movimento, os verbos porvir, devir e sobrevir exprimem mudança
em relação ao futuro ou passado; no sentido da estagnação ou cisão ao movimento, existe uma
série de palavras que expressam uma imobilidade, “uma certa duração: é o presente, o
momento.” (PINEAU, 2003,p.35).
O autor representa o tempo como um iceberg no qual se tenta chegar à ponta por dois
declives submersos muito escorregadios: do sobrevir e do porvir, do passado e do futuro . A
duração consciente do presente, que neste caso seria o topo do iceberg, não duraria em termos
quantificáveis mais que 1/16º de segundo. Contudo, para o autor:
a transformação ocorrida não desaparece como se nada tivesse acontecido, ela passa
para a memória e pode se conectar com as seguintes. A linguagem constitui, então,
uma ferramenta importante de construção do tempo humano [...]. Ela utiliza o
cérebro constantemente, com movimentos tão rápidos que anda mais rápido que
qualquer outro tempo, podendo até voltá-los para trás. Ela permite operações de
reversibilidade: pode-se - intelectualmente – voltar para trás, lembrar-se, refletir,
assim como em operações de antecipação: prevenir, prever, projetar. Sobre os vários
declives escorregadios do iceberg, a humanidade dispõe, nessa situação, para
construir seu tempo, de vantagens capitais, o cérebro e a linguagem. (PINEAU,
2003, p.36, grifo do autor.).
A existência histórica exige a conjugação acrobática das partes emersas e imersas
deste iceberg e não o simples manejo dos verbos ou dos advérbios de tempo (agora, neste
4.Memória da (na) Sociedade 53
momento, ontem, hoje, depois, durante etc.). Assim, toda conduta verbal seria uma conduta
temporal ao passo que torna presente aquilo está ausente (passado e futuro) no espaço ou atual
momento (o presente).
Em referência a Borges (1960), Izquierdo (1989) afirma existir, duas maneiras de
conceber o fluxo do tempo: desde o passado em direção ao futuro, ou desde o futuro em
direção ao passado. O autor destaca que
Em qualquer um dos casos, o fluxo nos atravessa num ponto, que denominamos
presente. Um ponto não tem superfície nem volume; é intangível e fugaz. É curioso
que, em ambas concepções do tempo, o futuro (ou o passado) sejam conseqüências
de algo quase imaterial como é o presente; de um simples ponto. Esse ponto
evanescente, porém, é nossa única posse real: o futuro não existe ainda (e a
palavra ainda é uma petição de princípio) e o passado não mais existe, salvo sob a
forma de memórias. Não há tempo sem um conceito de memória; não há presente
sem um conceito do tempo; não há realidade sem memória e sem uma noção de
presente, passado e futuro. (IZQUIERDO, 1989, p.89, grifo do autor.).
Neste contexto, o que evocamos ao dizer a palavra memória? Que nos sobressai à
mente? Passado, lembranças, histórias? Para Izquierdo (1989), a memória é nosso senso
histórico e nosso senso de identidade pessoal. Na memória, há a conservação do passado por
meio de imagens ou representações que podem ser evocadas. A memória, na visão deste
neurocientista, é a evocação da informação armazenada no cérebro que foi adquirida por meio
das experiências individuais dos homens e dos animais, aquela que de alguma maneira se
registra no cérebro.
De acordo com o autor, ela é fruto de algo que percebemos ou sentimos e, dessa
forma, a memória adquirida em estado de alerta e com certa carga emocional ou afetiva é
mais bem lembrada que aquela de fatos inexpressivos ou adquiridas em estado de sonolência.
Esta aquisição de memórias denomina-se aprendizado e as experiências seriam aqueles pontos
intangíveis que chamamos presente. Assim, não há memória sem aprendizado, nem há
aprendizado sem experiências. E, como existem muitas e variadas experiências, seria mais
correto expressar a palavra memórias e não memória.
Izquierdo (1989) ressalta que a variedade de memórias possíveis é tão grande que é
evidente que a capacidade de adquirir, armazenar e evocar informações é inerente a muitas
áreas ou subsistemas cerebrais, não sendo função exclusiva de nenhuma delas. Contudo, para
o autor, existem:
4.Memória da (na) Sociedade 54
certas estruturas e vias (o hipocampo, a amígdala, e suas conexões com o
hipotálamo e o tálamo) que regulam a gravação e evocação de todas, de muitas, ou
pelo menos da maioria das memórias. Este conjunto de estruturas constitui
um sistema modulador que influi na decisão, pelo sistema nervoso, ante cada
experiência, de que deve ser gravado e de que deve ou pode ser evocado. O
hipocampo e a amígdala estão interligados entre si e recebem informação de todo.
[...] Estas estruturas e suas conexões estão, portanto, estrategicamente localizadas
para modular o processamento de informações baseadas na experiência.
(IZQUIERDO, 1989, p.92).
Para o autor, por existir esta variedade de memórias, seu estudo não deve reduzir-se a
modelos experimentais. Um dos fatores que colaborou para esta afirmação é o refinamento
crescente das técnicas e dos conceitos neuropsicológicos. Estes ratificaram não ser admissível
adequar a enorme variedade de memórias possíveis dentro de um número restrito de esquemas
ou modelos, nem reduzir seu alto grau de complexidade a mecanismos bioquímicos ou
processos psicológicos únicos ou simples.
Para Jedlowski (2001), a palavra "memória" na linguagem cotidiana e científica
refere-se a um vasto conjunto de fenômenos não sendo, assim, homogênea. Em seu sentido
mais amplo, a memória pode ser considerada como a capacidade de um sistema (vivo ou
artificial) para responder ao evento, armazenar a informação resultante e modificar a sua
estrutura de tal maneira que a resposta a eventos subsequentes seja afetada por aquisições
anteriores. Num sentido mais restrito, seria a memória entendida como a faculdade humana de
preservação de certos traços de experiências passadas e de poder acessá-los, ao menos em
parte, por meio da recordação.
Em termos filosóficos, Jedlowski (2000, 2001) entende a memória como campo de
uma dialética temporal complexa: de um lado, o fluxo da vida ao longo do tempo produz
efeitos que condicionam o futuro; por outro, embora o passado estruture o presente por meio
do seu legado, é o presente que molda o passado, ordenando, reconstruindo e interpretando
seu legado, juntamente com as expectativas e esperanças também ajudando a selecionar o que
melhor serve para o futuro. Sociologicamente, a memória passa a ser estudada quando há o
reconhecimento da importância dimensão temporal nos assuntos da humanidade. Tanto a
continuidade quanto a descontinuidade da vida social implicam mecanismos de lembrar e
esquecer, selecionar e processar o que o passado deixou para trás.
Nos princípios proposto por Bergson (2006) em Memória e Vida, a duração tem o
sentido de memória, pois o que sentimos, pensamos e quisemos desde o nascimento é
preservado sob a forma de lembranças e de características adquiridas. Nesse contexto, a
duração não seria “[...] um instante que substitui outro instante: nesse caso haveria sempre
4.Memória da (na) Sociedade 55
apenas presente, não haveria prolongamento do passado no atual, não haveria evolução, não
haveria duração concreta”. (BERGSON, 2006, p.47). A duração seria o progresso contínuo, o
incessante crescimento do passado “que rói o porvir” e sua conservação indefinida. Dessa
forma, a memória é que nos permite estabelecer relação entre as existências presentes e as
anteriores, religar dois instantes um ao outro.
Em Bergson, a memória é uma atividade do espírito, a conservação do espírito pelo
espírito, sendo o mecanismo cerebral “feito precisamente para recalcar a quase totalidade do
passado no inconsciente e só introduzir na consciência o que for de natureza que esclareça a
situação presente, que ajude a ação e em preparação, que forneça, enfim um trabalho útil”.
(BERGSON, 2006, p.48). O autor enfatiza que, mesmo que não tivéssemos uma ideia clara
disso e que só utilizemos uma parte desse passado como representação, é com ele inteiro,
“inclusive com nossa curvatura de alma original, que desejamos, queremos e agimos”
(BERGSON, 2006, p.48).
Afastando-nos do presente para retomarmos o passado, nossa lembrança evocada
assume uma virtualidade inicial. Aos poucos, ela surge “[...] como uma névoa que se
condensasse; de virtual, passa ao estado atual; e, à medida que seus contornos vão se
desenhando e sua superfície vai ganhando cor, tende a imitar a percepção” (BERGSON, 2006,
p.49). Contudo, mantém-se enraizada no passado, à sua virtualidade original e contrasta com
o presente, sendo daí reconhecida como lembrança. O passado é apreendido por nós quando
ele se manifesta como imagem presente. E nisso consiste o erro do associacionismo entre
imagem e lembrança que o autor adverte:
instalado no atual, esgota-se em vãos esforços para descobrir, num estado realizado
e presente, a marca de sua origem passada, para distinguir a lembrança da percepção
e para erigir em diferença de natureza o que ela condenou de antemão a ser apenas
uma diferença de grandeza.
Imaginar não é lembrar. Uma lembrança, à medida que se atualiza, sem
dúvida tende a viver numa imagem; mas a recíproca não é verdadeira, e a imagem
pura e simples não me remeterá ao passado a menos que tenha sido de fato no
passado que eu a tenha ido buscar, seguindo assim o progresso contínuo que a levou
da obscuridade para a luz. (BERGSON, 2006, p.49, grifo do autor).
O autor traz a diferença de natureza entre lembrança e percepção ao considerar o
presente como um jorro que se desdobra em dois jatos: um que cai para o passado (a
lembrança) e o outro que cai para o porvir (a percepção). A ilusão de que a lembrança sucede
a percepção se dá em decorrência da consciência descartar a lembrança, considerando-a
4.Memória da (na) Sociedade 56
inexistente, haja vista que “[...] Não temos o que fazer com a lembrança das coisas enquanto
temos as próprias coisas” (BERGSON, 2006, p.50).
Há também, segundo o autor, outra fonte que leva a esta ilusão: a impressão que a
lembrança reavivada, consciente causa em nós de ser a própria percepção ressuscitando numa
forma modesta. A diferença existente entre a percepção e a lembrança ocorreria na
intensidade e no grau e não na natureza. E por ser a diferença de natureza, “[...] a lembrança
aparece duplicando a cada instante a percepção, nascendo com ela, desenvolvendo-se ao
mesmo tempo que ela e sobrevivendo a ela[..]”.(BERGSON, 2006, p.52).
Entretanto, o autor questiona como o passado que cessou de ser poderia conservar-se
por si mesmo. Na verdade, a questão consistiria em definir se o passado deixou de existir ou
se ele apenas deixou de ser útil. Para Bergson (2006), nada existe menos que o presente, o
momento ínfimo que separa o passado do porvir. Assim, ao referir que concebemos o presente
como o que existe, ele afirma que simplesmente o presente é o que se faz. Nestes termos, o
autor, destaca:
Quando pensamos este presente como devendo existir, ele ainda não existe; e,
quando o pensamos como existente, ele já passou. Se, ao contrário, você considerar
o presente concreto e realmente vivido pela consciência, pode-se dizer que esse
presente consiste em grande parte no passado imediato. Na fração de segundo que
dura a mais curta percepção possível da luz, ocorreram trilhões de vibrações, a
primeira das quais está separada da última por um intervalo enormemente dividido.
Sua percepção, por mais instantânea que seja, consiste portanto numa incalculável
quantidade de elementos rememorados e, na verdade, toda percepção já é memória.
Na prática, percebemos apenas o passado, sendo o presente puro o inapreensível
avanço do passado roendo o porvir. (BERGSON, 2006, p.90, grifo do autor).
Destaca existirem duas memórias profundamente distintas, mas, ao mesmo tempo
ligadas: uma fixada no organismo e a outra a memória verdadeira. A memória fixada no
organismo corresponde ao conjunto dos mecanismos montados que “[...] garantem uma
réplica adequada às diversas interpelações possíveis” (BERGSON, 2006, p. 91). Ela promove
adaptação à situação presente e reflete uma reação apropriada às ações sofridas por nós. Seria
muito mais o hábito que propriamente memória. Ela atua por meio da experiência passada,
mas não evoca sua imagem. A memória verdadeira é a coextensiva à consciência. Ela alinha e
retém “[...] todos os nossos estados à medida que se produzem, reservando para cada fato seu
lugar e, por conseguinte, marcando-lhe sua data, movendo-se realmente no passado
definitivo”. (BERGSON, 2006, p.91).
4.Memória da (na) Sociedade 57
No caráter psicológico da memória, a ideia de “lembrar” de algo está revestida da
existência de um evento e de um indivíduo. Esta corresponderia à noção individual de
memória, ao passo que entendemos ser necessária a existência de um indivíduo que tenha
participado de um fato, na forma ativa ou passiva, e que, lembrando-se daquele evento, seja
capaz de relatá-lo e armazená-lo. A memória individual, neste aspecto, seria uma capacidade
de armazenamento de informações. Halbwachs (1990), afirma a existência desta memória
individual, no entanto esta se inscreveria em quadros sociais. A memória para este autor não
se consistiria em reviver o passado, mas a reconstrução deste passado a partir das experiências
coletivas.
A existência da memória individual não é cessada, porém ela está enraizada em
diferentes contextos e com diferentes participantes. A memória individual passa a ser coletiva
quando há a uma transposição da memória pessoal para se converter num conjunto de eventos
compartilhados por um grupo. Há uma relação inerente entre a memória individual e a
memória coletiva, visto não ser possível ao indivíduo recordar de lembranças de um grupo
com o qual suas lembranças não se identificam. (HALBWACHS, 1990).
As lembranças permaneceriam coletivas e nos seriam lembradas pelos outros, “[...]
mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos
que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós” (HALBWACHS,1990, p.26).
Destaca ser necessária a existência de testemunhos para fortalecer ou debilitar, mas também
completar um fato ou evento que já conhecemos. A primeira testemunha a apelarmos seria a
nós mesmos. Contudo, para o autor, não seria necessária a existência material de outros
homens no evento, posto que exista “[...] sempre conosco e em nós uma quantidade de
pessoas que não se confundem”. (HALBWACHS,1990, p.26).
Segundo o autor, há uma condição para que o relato das testemunhas tenha valor no
processo de complementação das lembranças: que estas reapareçam primeiro, que se
mantenham conservadas no espírito. Assim, descreve-nos:
Quando dizemos que um depoimento não nos lembrará nada se não permanecer em
nosso espírito algum traço do acontecimento passado que se trata de evocar, não
queremos dizer todavia que a lembrança ou que uma de suas partes devesse
substituir tal e qual em nós, mas somente que, desde o momento em que nós e as
testemunhas fazíamos parte de um mesmo grupo e pensávamos em comum sob
alguns aspectos, permanecemos em contato com esse grupo, e continuamos capazes
de nos identificar com ele e de confundir nosso passado com o seu.
(HALBWACHS, 1990, p. 28).
4.Memória da (na) Sociedade 58
Na análise sobre a memória individual e a memória coletiva, Epelboim (2004) traz a
contraposição da ideia de memória intacta, individual e revivida de Bergson com a ideia de
memória trabalhada e não sonhada de Halbwachs. A autora destaca que para Halbwachs
(1990) a memória do sujeito dependeria de sua relação com a família, com a classe social,
escola e com todos os grupos aos quais pertencesse. A lembrança conservada do passado seria
impossível, na medida em que o indivíduo “[...] não poderia manter intacto seu sistema de
representações, hábitos e relações sociais da sua infância” ( EPELBOIM, 2004, p.26).
Qualquer mudança do ambiente atingiria a qualidade da memória, vinculando a memória da
pessoa à memória grupo em que está inserido “[...] e, esta última, à esfera maior da tradição,
que representaria a memória coletiva de cada sociedade.” (EPELBOIM, 2004, p. 26).
Em Memória e sociedade: lembrança de velhos, Ecléa Bosi (1994) destaca que a força
da evocação da memória pode depender do grau de interação envolvida. Assim, na
memorização, eventos restritos diferem daqueles que foram revividos por anos a fio. Todavia,
estes eventos “sofrem o processo de desfiguração, pois a memória grupal é feita de memórias
individuais.” (BOSI, 1994, p. 419). A autora, neste aspecto, relata:
Será a memória individual mais fiel que a social? Sim, enquanto a percepção
original obrigar o sujeito a conter as distorções em certos limites porque ele viu o
fenômeno. Mas o quando, o como, entram na órbita de outras motivações. Se a
memória grupal pode sofrer os preconceitos e tendências do grupo, sempre é
possível um confronto e uma correção dos relatos individuais e a história salva-se de
espelhar apenas os interesses e distorções de cada um. A memória pode percorrer
um longo caminho de volta, remando contra a corrente do tempo. Ela corre o perigo
de se desviar quando encontra obstáculos, correntes que se cruzam no percurso. São
as mudanças, os deslocamentos dos grupos, a perda de um meio estável em que as
lembranças pudessem ser retomadas sempre pelos que as viveram. (BOSI, 1994,
p.420, grifo da autora).
Nos relatos de velhos destacados, a autora consegue identificar que a apreensão do
tempo é dependente da ação passada e da presente e é diferente em cada indivíduo. Esse
tempo que é relativo, social e que envolve lembranças é constituidor da natureza humana.
Para a autora, esse é “[...] tempo represado e cheio de conteúdo, que forma a substância da
memória” (BOSI, 1994, p.422). No que denomina substância social da memória (memória
política, memória familiar, memória do trabalho), captada nas oralidades, Bosi (2003) afirma
ser a memória oral um instrumento precioso na constituição da crônica cotidiana ao revelar
paixões individuais que se escondem atrás de eventos e que não são repassadas pelas histórias
apoiadas em documentos oficiais.
4.Memória da (na) Sociedade 59
Neste contexto entre memória e história, é importante destacar que para Nora tudo que
se denomina memória não é memória, mas história. A memória verdadeira, imediata,
espontânea, social e coletiva é, na sociedade contemporânea, substituída pela memória
indireta “[...] transformada por sua passagem em história” (NORA, 1993, p.14). Assim, a
memória passa a ser voluntária, deliberada, vivida como um dever, individual, psicológica e
subjetiva.
O autor destaca ser o fenômeno da mundialização, da democratização, da massificação
e da mediatização contributo para o desmoronamento central da nossa memória. Em
substituição aos meios da memória (igreja, escola, família, grupo, etnias) instituem-se os
lugares onde a memória se cristaliza e se refugia (museus, arquivos, mídias). Os lugares de
memória são construções históricas com tríplice significado: lugares materiais, como um
depósito de arquivos, onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos;
lugares funcionais porque têm ou adquiriram a função de cristalizar a lembrança e garantir sua
transmissão; e lugares simbólicos visto que caracterizam um acontecimento ou uma
experiência vivenciados por poucos e que são concentrados na lembrança de uma maioria que
deles não participou.
Nesta perspectiva, Bosi (2003, p.18) ressalta que a memória oral também tem “[...]
seus desvios, seus preconceitos, sua inautenticidade”. As testemunhas orais muitas vezes são
dominadas e se rendem à memória institucional. A autora percebeu a força da memória
coletiva, trabalhada ideologicamente, sobre a memória individual do recordador, mesmo que
este tenha participado e testemunhado os fatos. A autora afirma parecer existir “[...] sempre
uma NARRATIVA COLETIVA privilegiada no interior de um mito ou de uma ideologia. E
essa narrativa explicadora e legitimadora serve ao poder que a transmite e a difunde.” (BOSI,
2003, p.17-18, grifo da autora).
Haveria uma memória coletiva no interior de uma classe, que se difunde e se alimenta
de imagens, ideias, sentimentos e valores que dão identidade àquela classe. Assim, quando um
evento político agita um grupo social, a memória de seus membros “[...] é afetada pela
interpretação que a ideologia dominante dá desse acontecimento. Portanto, uma das faces da
memória pública tende a permear as consciências individuais.” (BOSI, 2003, p. 22).
A autora destaca a face geradora de futuro da memória. O passado reconstruído não
seria refúgio, mas uma fonte de motivos para continuar lutando. E retoma Merleau-Ponty ao
citar que o tempo da lembrança não é o passado, mas o futuro do passado. A nostalgia, neste
4.Memória da (na) Sociedade 60
aspecto, seria uma crítica da sociedade atual e o desejo de que o presente e o futuro devolvam
alguma coisa perdida. (BOSI, 2003).
No artigo Memória histórica uma perspectiva psicossocial, Celso Sá (2012) discute a
retomada do estudo da memória por parte da psicologia social e o consequente processo de
constituição de uma perspectiva psicossocial da memória. Caracteriza sucintamente a
psicologia social da memória em termos do reconhecimento de cinco princípios unificadores
do seu campo de estudo, do mapeamento deste campo em sete diferentes instâncias de
fenômenos da memória e da utilização do termo memória social. O autor ressalta que, em seus
esforços para se manter não-psicologista e não-sociologista, a perspectiva psicossocial
contribui para que as extremas riqueza e complexidade dos fenômenos da memória em
sociedade possam emergir, notadamente no que se refere à memória histórica.
Na sistematização da perspectiva psicossocial da memória, o autor destaca o resultado
de uma seleção, exploração e articulação de contribuições teórico-conceituais de diferentes
origens disciplinares, com ênfase sobre as perspectivas pioneiras de Halbwachs e de Bartlett,
servindo o uso da memória social como um “termo guarda-chuva”, para designar o inteiro
conjunto dos fenômenos psicossociais da memória. Entretanto, ressalta que a psicossociologia
procura não confundir o seu nível de análise com os de tais disciplinas. Assim, mesmo se
apropriando das contribuições sociais, “[...] a perspectiva psicossocial não adere à proposição
da existência de uma ‘memória da sociedade’, nos termos de Halbwachs, mas prefere estudar
os mesmos fenômenos como uma ‘memória na sociedade’, segundo a fórmula devida a
Bartlett”. (SÁ, 2012, p.95, grifo do autor).
O autor assegura que ao se falar em memória social está se referindo na psicologia
social de coisas diversas e não muitos diferentes entre si, porém até certo ponto distinguíveis.
Dessa forma, destaca cinco princípios extraídos de fontes diversas que unificam o campo do
estudo psicossocial da memória:
(1) a memória tem um caráter socialmente construtivo, e não meramente reprodutivo
das experiências individuais passadas; (2) são as pessoas que se lembram e se
esquecem, embora o que ou como se lembram e se esquecem seja determinado pela
sociedade, pela cultura e, em especial, pela linguagem; (3) a construção da memória
não se produz senão através da interação e da comunicação sociais; (4) lembranças e
pensamentos estão sempre e intrinsecamente associados nos fenômenos de memória
social; (5) motivação, afeto e sentimento desempenham um papel importante na
construção da memória social.[...] os primeiros dois princípios se complementam
numa rejeição simultânea de posições psicologistas e sociologistas; o terceiro
confere à interação social – variável naturalmente privilegiada na psicologia social –
um status explicativo máximo da construção da memória; o quarto e o quinto
4.Memória da (na) Sociedade 61
sustentam que, à diferença das separações artificiais freqüentemente estabelecidas
pela psicologia, os processos cognitivos – pensamento e memória, por exemplo – e
afetivos são produzidos e mobilizados de forma necessariamente interdependente na
vida cotidiana.( SÁ, 2012,p.95-96).
Sá (2007, 2012) descreve sete instâncias da memória social ao levar em consideração
denominações clássicas e outras emergentes: memórias pessoais, memórias comuns,
memórias coletivas, memórias históricas documentais, memórias históricas orais, memórias
práticas e memórias públicas. Mas, ressalta não se tratar de uma classificação da memória,
haja vista que “[...] as categorias não são mutuamente excludentes e algumas delas podem se
transformar em outras, além do que o sistema não é exaustivo, podendo incorporar ainda
‘outras memórias’” (2012, p.96).
Jedlowski (2000) destaca as memórias comuns como recordações comuns a um
grupo de pessoas sem que necessariamente exista interação social entre elas. Este tipo de
memória, que se refere a objetos ou eventos de transmissão no panorama social que muitas
pessoas têm sido expostas ao mesmo tempo, é extremamente importante e também constitui
uma das bases para a formação de grupos geracionais.
O termo geração quase sempre está associado ao "sentimento de pertencer" a um
grupo que compartilha de um dado patrimônio cultural, situado em um determinado período
histórico. Feixa e Leccardi (2010), ao proporem uma revisão no artigo O conceito de geração
nas teorias sobre juventude, repensam o conceito de geração a partir de uma perspectiva
histórica. Para estes autores:
O conceito de geração pode ser delimitado em termos sociológicos pelas referências
a Comte e Dilthey, dois autores do século XIX que, apesar das diferenças entre suas
abordagens teóricas, lançam as bases para reflexões subsequentes no século XX. Em
seguida, pode ser considerado à luz do pensamento de Mannheim, visto como o
fundador da abordagem moderna do tema gerações; posteriormente, de forma
sumária, a partir de Ortega y Gasset e Gramsci e, finalmente, pela teoria apresentada
por Abrams (1982).6 As duas primeiras teorias - uma positivista (Comte), outra
histórico-romântica (Dilthey) - são as que Mannheim (1928) usou como base para as
suas reflexões sobre gerações. Mannheim, além da importância dos demais
pensadores, será referência obrigatória para a análise das relações entre sociologia e
história.( FEIXA; LECCARDI, 2010, p.187)
Na visão positivista proposta por Augusto Comte, de acordo com os autores, o esforço
concentrava-se em identificar um tempo quantitativo e objetivamente mensurável como
4.Memória da (na) Sociedade 62
critério para o progresso linear. Comte sugeria calcular o tempo médio em que uma geração
seria substituída na vida pública (algo em torno de 30 anos). O progresso, neste aspecto, seria
conduzido pelo equilíbrio entre as mudanças propostas pela nova geração e a estabilidade
oferecida pelas velhas gerações. O organismo social, assemelhando-se ao organismo humano,
fica sujeito ao desgaste, contudo, suas partes poderiam ser substituídas: as novas gerações
tomariam o lugar das velhas. O desequilíbrio aconteceria somente se as velhas gerações se
estendessem por muito tempo, impedindo o poder inovador das novas gerações e se, por outro
lado, existisse a brevidade da vida e ocorresse a permanência do instinto inovador.
Feixa e Leccardi (2010) trazem a visão historicista de Dilthey como oposição às de
Comte. Assim, entre os ritmos da história e os ritmos das gerações configura-se uma conexão
mais qualitativa baseada nos vínculos que os indivíduos das gerações mantêm em conjunto. A
formação das gerações se dá numa temporalidade concreta, formada de eventos,
acontecimentos e experiências compartilhadas.
Em termos mais gerais, para Dilthey as experiências históricas delimitam o
pertencimento a uma geração, porque se fundam na existência humana. Esta visão
só é compreensível se tivermos em mente a interpretação ampla que Dilthey
atribuiu à temporalidade. Ele opôs o tempo humano – concreto e contínuo – ao
tempo abstrato e descontínuo da natureza. A continuidade do padrão provém da
capacidade da mente humana – ao contrário da qualidade do tempo que a natureza
possui – de transcender o tempo percorrido e construir acontecimentos individuais
dentro de um todo homogêneo e coerente. Para Dilthey, ademais, a vida humana é
uma temporalidade (noção posteriormente retomada por Heidegger). A conexão
entre o tempo humano e o tempo histórico provém principalmente da capacidade
de moldar, uniformizar o tempo pessoal e interpretá-lo num todo significativo.
Mas ela também está intimamente associada à historicidade decorrente de um
ponto de vista adicional. É a história que possibilita de fato à mente humana
emancipar-se da tradição da natureza. De acordo com Dilthey, o tempo desta
última, ao contrário do tempo humano, é formado por uma série de eventos
descontínuos de valor igual, destituída de uma estrutura de passado, presente e
futuro. A natureza não tem história e é, consequentemente, teoricamente
irrelevante. (FEIXA; LECCARDI, 2010, p.188-189).
A formulação sociológica de Mannheim afastava-se das duas visões anteriores. Sua
teoria foi desenvolvida em paralelo aos movimentos sociais do século XX. Para Mannheim, o
que caracterizava a geração não é uma data de nascimento comum, mas é a parte do processo
histórico que jovens da mesma idade-classe de fato compartilham (a geração atual). Nesta
partilha, existem dois componentes centrais: a presença de acontecimentos que marcam e
dividem a vida em “antes e depois” no coletivo; e o fato de que esta cisura ou descontinuidade
4.Memória da (na) Sociedade 63
é experienciada pelos membros de um grupo etário tornando-se estas experiências “primeiras
impressões” ou “experiências juvenis”.( FEIXA; LECCARDI, 2010.)
Sá (2012) destaca que a base conceitual de Mannheim extrai a hipótese quanto a um
período crítico de idade em que há maior retenção de experiências. Assim, este período se
situaria na adolescência e nos primeiros anos de vida adulta. De outra forma,
enquanto tais estratos etários estivessem se constituindo como uma geração dotada
de identidade e características próprias e únicas. [...] aqueles conjuntos de pessoas
que mais intensamente se recordassem de certos fatos, processos ou períodos
históricos como “coisas do seu tempo” seriam os mais prováveis produtores de
novos “documentos”, que terminariam por alimentar a memória histórica das
gerações subseqüentes (SÁ, 2012.p. 99-100).
De acordo com o autor, como a composição etária de uma população em qualquer
época é heterogênea, sempre estarão coexistindo distintas memórias geracionais acerca de
qualquer determinado fato, processo ou período histórico. As “memórias adquiridas” pelos
que, numa idade ou noutra, foram testemunhas dos fatos e processos do período histórico em
questão podem apresentar diferenças em relação às “memórias apropriadas” – ou seja, apenas
pela educação e pela mídia – daqueles que nasceram após o término do período. Neste ponto,
Bosi (1994, 2003) afirma que cada geração traz em si a memória de acontecimentos que
permanecem como pontos de demarcação em sua história de sua cidade e que a memória de
velhos, funcionando como um mediador informal da cultura entre nossa geração e as
testemunhas do passado, faz intervir pontos de vistas contraditórios e até distintos da
unilateralidade das memórias formais constituídas pelas instituições.
Retomando Feixa e Leccardi (2010), estes apontam o aprofundamento e expansão da
noção histórico-social de geração ao relacioná-la à identidade, na análise das contribuições
teóricas do sociólogo inglês Philip Abrams. Para ele, a individualidade e a sociedade são
construções históricas, sendo daí necessária a análise de suas interconexões e suas mudanças
ao longo do tempo. A identidade, neste aspecto, seria construída por meio dos recursos e
significados social e historicamente disponíveis, dependendo, assim, do entrelaçamento da
história individual e social e não meramente da execução de papéis sociais. Novas gerações,
portanto, criam novas identidades e novas possibilidades de ação. Dessa forma, gerações,
sociologicamente, não surgem da cadência temporal estabelecida por uma sucessão de
gerações biológicas:
4.Memória da (na) Sociedade 64
Elas cessam quando novos e grandes eventos históricos – ou, mais frequentemente,
quando lentos e não catastróficos processos econômicos, políticos e de natureza
cultural – tornam o sistema anterior e as experiências sociais a ela relacionadas sem
significado. Consequentemente, para Abrams ou para Mannheim, o início de uma
geração é marcado por descontinuidades importantes até então dominantes em
determinada época histórica e institucional. Novamente, o tempo histórico-social e
seus ritmos é visto como central para a definição das novas gerações e identidades
sociais. Mais precisamente: é o processo de mudança que produz o anterior e o
posterior. Nesta perspectiva, gerações é o lugar em que dois tempos diferentes – o
do curso da vida, e o da experiência histórica – são sincronizados. O tempo
biográfico e o tempo histórico fundem-se e transformam-se criando desse modo uma
geração social (FEIXA; LECCARDI, 2010, p. 191).
A compreensão do conceito de experiência social proposto por François Dubet deve
ser aqui contextualizada. Em sua obra Sociologia da Experiência, Dubet (1996) afirma que o
indivíduo da sociedade pós-moderna, caracterizada pela diversidade cultural e multiplicidade
de ação social, destaca-se pela capacidade de distanciamento do sistema e pela capacidade de
iniciativa de escolha. Para ele, é na ação que se constrói o conhecimento da sociedade.
Segundo o autor, a experiência social é resultado da articulação autônoma entre a lógica da
integração – em que na identidade o que prevalece é a interiorização de valores e modelos
culturais institucionalizados através de papéis-vínculos com a comunidade; a lógica da
estratégia - na qual o que fundamenta ação é o poder e a identidade é vinculada a um status
social que influencia os outros a partir de sua posição e interesses particulares; e a lógica da
subjetivação – quando o ator é um sujeito crítico não reduzido a papéis ou a interesses, mas
que se percebe como sujeito/autor e não expectador de sua própria vida e que luta contra uma
sistemática dominante e de alienação.
Para Dubet, há diversidade de lógicas de ação numa mesma realidade social. A
experiência social é atividade crítica pela qual o indivíduo pode construir uma identidade
social ao articular estas lógicas, procurando dar sentido a suas condutas. É importante destacar
que a experiência social não é apenas da ação e da linguagem, mas também das
representações. Sendo daí necessário a discussão em termos da teoria da representação social
de Serge Moscovici (2010) que explica os fenômenos do homem numa perspectiva macro
sem renunciar o individual. Estando relacionada com trocas simbólicas em nossas relações
sociais e interpessoais, tem a finalidade tornar o incomum em algo familiar. Assim, a
representação social é todo conceito, ideia, conteúdo de natureza psicossocial partilhada por
diversas pessoas. Para sua existência é preciso, então, que as pessoas partilhem dos mesmos
conceitos e ideias que tenha um repertório comum.
4.Memória da (na) Sociedade 65
Para Moscovici (2010), origens distintas, tanto dos indivíduos quanto dos grupos,
acrescidas da importância da comunicação, conduzem estes indivíduos a uma rede de
interações na qual qualquer fenômeno pode se tornar social ou vice-versa. No processo da
comunicação, as representações sociais se elaboram na contradição interativa na qual são ao
mesmo tempo geradas e adquiridas. O importante papel das comunicações em massa na
modernidade permite que as representações expliquem o modo pelo qual o novo é constituído
nos processos de interações sociais e como estes as produzem.
Becker pontua que os diferentes tipos de riscos enfrentados pelos indivíduos são
percebidos e valorizados de acordo com o contexto social no qual as percepções humanas são
formadas. Destaca ainda que as influências primárias (amigos, família) e as secundárias
(figuras públicas e mídia) atuam fortemente na percepção individual e/ou coletivas. Para a
autora, ao citar Hannigan, estas influências:
funcionam como filtros na difusão de informação na comunidade e reafirmam o
risco enquanto uma construção sociocultural determinada pelas forças estruturais na
sociedade, a exemplo da organização das estruturas políticas e administrativas, além
das crenças históricas, tradicionais e culturais” (BECKER, 2011, p.96).
A autora frisa a preocupação em verificar como os argumentadores da mídia têm
produzido seus argumentos, principalmente pelo fato do espaço da mídia ser ocupado pelos
produtores de notícia. Desta forma, é importante destacar o que Watier (2003), ao citar Dubet,
afirma que a televisão, é um aglomerado múltiplo e heterogêneo que abre espaço para vários
tipos de interpretação social. Objeto de propaganda e de alienação, ela é também "espelho",
isto é “espaço de projeção da sociedade e dos indivíduos”, espaço de socialização, por revelar
os problemas sociais e ensinar estratégias de comportamento. Para ela,
a experiência do telespectador se constrói, assim, na tensão entre diferentes lógicas
que se confundem. A televisão é um objeto de consumo, mas também é uma forma
de vínculo social (e assim produz sentido); ela também permite um distanciamento
na formação e expressão da opinião (sobre o conteúdo dos programas ou sobre a
própria TV). Desta forma, a televisão é um palco de representação social, e a mídia
em geral não só dá uma definição do mundo, mas o registra e o constrói (WATIER,
2003, p.200-201).
4.Memória da (na) Sociedade 66
Assim, como apontado por Sousa (2007), a mídia televisiva é constituidora de sua
própria narrativa e a oferta aos telespectadores, como se esses relatos fossem a própria
realidade refletida na tela.
Os fatos, metamorfoseados em notícias, passam a representar eventos únicos,
autônomos e plenos em si, o que para muitos é interpretado como a própria
realidade. Essa naturalização das notícias esconde o cerne da questão de que fatos” e
“notícias” não existem por si só, como entidades “naturais”. Ao contrário, são assim
designados por alguém (por exemplo, por um editor), por motivos (culturais, sociais,
econômicos, políticos) que nem sempre são óbvios. Mas essa operação fica oculta
sob o manto mistificador da suposta objetividade jornalística (SOUSA, 2007,p.03).
A experiência social de fazer programas midiáticos para determinada audiência, para
determinado grupo é sempre demarcada pela escolha ou pela opção recortada da, pela e na
experiência social. Ou seja, os planejadores de mídia não trazem à tona seus produtos sem
inteligentemente estabelecer intencionalidades em relação às vivências dos atores sociais.
Jedlowski (2005) ressalta a crescente homogeneização das memórias pelos meios de
comunicação de massa, reduzindo os espaços da elaboração coletiva. Na medida em que as
memoriais comuns, constituídas pelas experiências sociais indiretas, assumem uma amplitude
grande na sociedade contemporânea, a importância de seus estudos cresce neste mesmo
sentido.
Nesta perspectiva, o que viria a ser o futuro? Uma elaboração sócio-cultural, por que
nasce das expectativas de sujeitos de atores sociais e de grupos sociais? Essas expectativas
decorrem da própria experiência. Observar essa experiência social significa dizer que o modo
como cada um de nós, dentro do grupo social, vai se apropriar dessa ideia de futuro depende
da expressão de elementos de natureza sociocultural, o que para cada geração apresentar-se-ia
distintamente.
5 Metodologia da Pesquisa 67
5 METODOLOGIA DA PESQUISA
Esta pesquisa tem como base epistemológica o paradigma interpretativo de pesquisa.
Savoie-Zajc e Karsenti (2000) destacam a importância desse tipo de paradigma nas pesquisas
de natureza qualitativa. Portanto, pode-se afirmar que esta pesquisa tem o pressuposto
fenomenológico-hermenêutico, caracterizando-se como pesquisa do tipo descritiva e
exploratória quanto aos objetivos procedimentais. Define-se como fenomenológica por
assumir a intencionalidade durante o desenvolvimento e análise contextual e interpretativa
ante a realidade estudada.
Existem três tradições fenomenológicas predominantes: 1) a escola transcendental ou
descritiva criada por Husserl; 2) a abordagem interpretativa ou hermenêutica desenvolvida por
Heidegger; 3) a tendência contemporânea que consiste na integração das duas tradições
anteriores. Na concepção de Husserl (1989, 22p.), “a fenomenologia é a ciência das essências,
em que se integra a ciência da essência do conhecimento” e não dos fatos. No entanto, ao
longo de sua vida, o conceito de fenômeno evoluiu. Em sua obra Investigações Lógicas
referia-se primeiramente apenas às realidades possíveis de serem alcançadas pelos sentidos.
Entendia-se a fenomenologia como psicologia descritiva. Assim, inferiu que:
As ‘Investigações Lógicas’ fazem passar a fenomenologia por psicologia descritiva
(embora fosse nelas determinante o interesse teórico-cognoscitivo) [...] concerne à
simples esfera das vivências, segundo o seu conteúdo incluso. As vivências são
vivências do eu que vive, e nessa medida referem-se empiricamente às objetividades
da natureza. Mas, para uma fenomenologia que pretende ser gnosiológica, para uma
doutrinada essência do conhecimento (a priori), fica desligada a referência empírica.
(HUSSERL, 1989, 13-14p.)
Posteriormente, passou a incluir no conceito de fenomenologia todas as formas de
estar consciente de algo, qualquer espécie de sentimento, pensamento, desejo e vontade. Nesta
fase evidenciada em sua obra A Ideia de Fenomenologia, apresenta e define a fenomenologia
transcendental, ou método fenomenológico, como uma “[...] atitude intelectual
especificamente filosófica, o método filosófico” (HUSSERL, 1989, p.46.). Uma
fenomenologia que pretende, como já mencionado, ser uma ciência das essências. Neste
5 Metodologia da Pesquisa 68
ponto, a fenomenologia husserliana diferencia-se da kantiana25
justamente por considerar a
ideia básica de constituição. Segundo o autor,
A fenomenologia transcendental é fenomenologia da consciência constituinte e,
portanto, não lhe pertence sequer um único axioma objetivo (referente a objetos que
não são consciência). O interesse gnosiológico, transcendental, não se dirige ao ser
objetivo e ao estabelecimento de verdades para o ser objetivo, nem, por conseguinte,
para a ciência objetiva. O elemento objetivo pertence justamente às ciências
objetivas, e é afazer delas e exclusivamente delas apenas alcançar o que aqui falta
em perfeição à ciência objetiva. O interesse transcendental, o interesse da
fenomenologia transcendental dirige-se para a consciência, enquanto consciência,
vai somente para os fenômenos, fenômenos em duplo sentido: 1) no sentido da
aparência (Erscheinung) em que a objetividade aparece; 2) por outro lado, no sentido
da objetividade (Objektität) tão só considerada, enquanto justamente aparece nas
aparências e, claro está,«transcendentalmente», na desconexão de todas as posições
empíricas (HUSSERL, 1989, p.14).
Para Husserl, os fenômenos seriam aqueles manifestados pelas vivências na
consciência- aquilo que se manifesta de imediato na consciência, isto é mostradas como são
em si mesmas- e sua capacidade imanente de conceder sentido às coisas enquanto puro
pensado- antes de toda reflexão e juízo. Nesse sentido, o fenômeno em Husserl se confunde
com a aparência sensível, podendo ser, ele próprio, aquilo que aparece à manifestação da
realidade. O ser que aparece em Husserl é o ser da intuição. (ARAÚJO, 2007).
Para a fenomenologia ser a ciência das essências, é necessária a redução eidética ou a
epoché. Segundo Husserl, toda vivência psíquica corresponde a um fenômeno puro que exibe
sua essência imanente por via desta redução. A redução eidética consiste em depurar o
fenômeno de tudo que não lhe seja essencial e invariável. O método fenomenológico é a
exploração do fenômeno tal como é dado à consciência, livre de qualquer crença e de
qualquer juízo, para alcançar a essência este não deve ser influenciado por conhecimentos
prévios e nem da forma como o fenômeno se apresente. Assim, a redução eidética é etapa
fundamental para a análise fenomenológica da apreensão da realidade e trata-se de uma “[...]
análise de essências e exploração dos estados de coisas genéricos que se podem constituir na
intuição imediata” (HUSSERL, 1989, p. 87).
Araújo (2007) descreve este caráter aprisionador da redução eidética em Hurssel.
Segundo a autora, o estudo dos fenômenos puros da consciência transcendental não estimula a
25
Não nos compete neste trabalho aprofundar a crítica que Husserl faz às ciências naturais. No entanto,
acreditamos ser necessário distinguir sucintamente a fenomenologia kantiana da husserliana com a citação de
Dartigues: “enquanto a fenomenologia do tipo kantiano concebe o ser como o que limita a pretensão do
fenômeno ao mesmo tempo em que ele próprio permanece fora do alcance, [...] a fenomenologia husserliana se
propõe como fazendo ela própria, as vezes, de ontologia pois, segundo Husserl, o sentido do ser e o do
fenômeno não podem ser dissociados. (DARTIGUES, 1992, p.03).
5 Metodologia da Pesquisa 69
crítica pela compreensão-interpretação dos sentidos e significados daqueles que percebem o
que é percebido. A autora assim descreve:
o pensamento husserliano assume uma dimensão monológica do indivíduo-sujeito
da noese, espectador desinteressado do saber do outro, que somente reproduz pela
descrição a percepção da objetividade do objeto –apenas alguma coisa do mundo,
visada pela consciência. Na descrição da análise fenomenológica husserliana reduz-
se, dessa maneira, a amplificação das vozes na busca de sentido ou unidade dada nas
consciências cognoscentes. A essência ou unidade de sentido, dessa maneira, torna-
se apenas uma simples descrição daquilo que se dá à consciência pela redução
fenomenológica. A fenomenologia que surge como tentativa de capturar a
pluralidade de sentidos da vida, aprisiona-se pelo princípio redutor da epoché.
(ARAÚJO, 2007, p.77, grifo nosso).
A abordagem interpretativa ou hermenêutica desenvolvida por Heidegger, surge
quando este autor afasta-se da concepção originária da intencionalidade da consciência
husserliana. Para Nunes (2010), Ser e Tempo é composto do estudo do homem, numa
ontologia fundamental, do ponto de vista de seu ser, o Dasein26
. Há a reinterpretação da
fenomenologia de Hurssel em “íntima relação com a hermenêutica”. (NUNES, 2010.p.11).
Esta reinterpretação permite ver o fenômeno, mostrando-se por si mesmo e liberado de seus
encobrimentos.
E aquilo que assim se mostra é o ser do ente focalizado, uma vez que na
fenomenologia reinterpretada, a intencionalidade não é mais, como foi para Hurssel,
a propriedade fundamental da consciência, mas a direção para o ser compreendido,
isto é, para o ser pré-descoberto, de que a consciência é o ponto de abertura.
(NUNES, 2010.p.11).
Deste ponto, a fenomenologia se torna ontológica e, como tal, é hermenêutica, pois a
descrição do fenômeno é a interpretação “aplicada ao Dasein- não de fora para dentro, mas de
dentro para fora, uma vez que parte do Dasein e é pelo Dasein mesmo conduzida.”( NUNES,
2010, p. 12). Para Heidegger (2005 a, p.58), deve-se manter o significado de fenômeno “o que
se revela, o que se mostra em si mesmo”, o que os gregos identificavam simplesmente como
entes. Contudo, os entes podem mostrar-se de várias maneiras, até mesmo da maneira que não
é. Nesta maneira de mostrar-se, Heidegger chama de aparecer, parecer e aparência. Assim, o
fenômeno também em grego assume “[...] o significado do que ‘se faz ver assim como’, da
‘aparência’, do que ‘parece e aparece’” (HEIDEGGER, 2005, p.58, grifo do autor). Para ele,
26
O Dasein pode ser entendido como o ser-aí, o homem, o ser-no-mundo, a existência.
5 Metodologia da Pesquisa 70
A compreensão posterior de fenômeno depende de uma visão de como ambos os
significados de fenômeno (fenômeno como o que se mostra, e fenômeno como
aparecer, parecer e aparência) se inter-relacionam reciprocamente em sua estrutura.
Somente na medida em que algo pretende mostrar-se em seu sentido, isto é, algo
pretende ser fenômeno, é que pode mostrar-se como algo que ele mesmo não é, pode
“apenas se fazer ver assim como”...[...] O que ambos exprimem, porém, nada tem a
ver, em princípio, com o que se chama de “manifestação” (Erscheinung) e muito
menos com “mera manifestação”(blosse Erscheinung). (HEIDEGGER, 2005, p. 58-
59, grifo do autor).
Ao discorrer sobre a manifestação de uma doença, o filósofo conclui que “[...]
manifestação enquanto manifestação de alguma coisa não diz um mostrar-se a si mesmo, mas
um anunciar-se de algo que não se mostra”. (HEIDEGGER, 2005, p. 59). Dessa forma, a
manifestação em Heidegger é um não mostrar-se que depende do ser do Dasein para ser
anunciada e pré-compreendida. (Araújo, 2007).
Assim, tratar em termos fenomenológicos o significado de Ser “[...] é partir de nossa
própria experiência de Ser: mas isso não significa examinar em nossas mentes as nossas
experiências interiores, nem separar (como foi a tendência do primeiro Hurssel) a nossa
consciência de seus objetos”. (MATTHEWS,2001, p. 22). Nosso Ser é Ser-no-mundo e não
existimos separados do mundo de nossa experiência. Somos seres que existem em lugares e
espaços definidos e que, dessa forma, interagem com o mundo circundante.
Rezende (1990) afirma ser o método fenomenológico “discursivo e não apenas
definitivo das essências”. A intuição da essência diz respeito à significação de uma essência
existencial que como tal deve ser descrita. Essa descrição deve explicitar “[...] em que sentido
há sentido, e mesmo em que sentidos há sentidos. Mais ainda nos fazer perceber que há
sempre mais sentido além de tudo aquilo que podemos dizer”. (REZENDE, 1990, p. 17, grifo
do autor). O fenômeno aparece como uma realidade do mundo humano, e o símbolo
concentra, articula e reúne as diversas manifestações do sentido na constituição do discurso
existencial. O autor justifica que ao se falar em discurso existencial, há uma tomada de
posição fenomenológica. Assim descreve que:
toda significação é inseparável da existência. Por esta razão, é toda história humana
que aparece como discurso: o discurso cultural, vivido por indivíduos e grupos
humanos, através de gerações sucessivas. Se podemos falar de uma tipologia do
discurso, é na medida em que também a existência se diversifica em função dos
lugares ou tópicos em que o sentido toma corpo. O discurso fenomenológico
pretende corresponder à encarnação do sentido em seus diversos lugares de
manifestação através da história. Uma palavra, uma frase, uma definição, nunca
poderão dizer o que há a dizer. Temos necessariamente de recorrer ao discurso para
5 Metodologia da Pesquisa 71
nos aproximarmos o mais possível da densidade semântica do fenômeno humano.
(REZENDE, 1990, p.18, grifo do autor).
Por isso mesmo, destacamos ser esta pesquisa descritiva por apresentar e voltar-se aos
detalhes dos elementos de determinado contexto sociohistórico, fruto de uma consciência
perceptiva que se dedica a descrever as características e relações entre variáveis, ideias e/ou
processos. É também exploratória por ter a finalidade de desenvolver e modificar conceitos e
ideias, com vistas à formulação de fenômenos mais fiáveis, objetivando a caracterização de
projeções futuras de diferentes gerações sobre os riscos ambientais propagados pelas mídias
de massa, tanto quanto a sensação de insegurança e ações dos atores sociais decorrentes das
informações recebidas sobre o meio ambiente.
Quanto à forma de abordagem do problema, a presente pesquisa pode ser classificada
como qualitativa com aporte na quantitativa. Para tanto, utilizamos para esta pesquisa a
Triangulação27
não apenas como forma de validação cumulativa, mas também como maneira
de integrar diferentes perspectivas no fenômeno em estudo (complementaridade), produzindo
um retrato mais completo do que o alcançado por um único método. De acordo com Duarte
(2009), na Triangulação Intermétodos, os métodos qualitativos e os quantitativos podem
combinar-se de diferentes formas numa mesma investigação. Apesar de existir, comumente,
uma preponderância do quantitativo sobre o qualitativo, tanto uma quanto a outra podem ser
facilitadoras no processo de investigação e até mesmo ambas podem assumir a mesma
importância.
A autora destaca que na combinação dos métodos podem existir várias cambiantes,
ressaltando que diferentes métodos podem ser utilizados ao longo da investigação de forma
simultânea ou consecutiva. A combinação pode realizar-se no plano de estudo/investigação ou
até mesmo na análise de dados e na articulação de resultados. Para o desenvolvimento desta
pesquisa, utilizamos metodologia quantitativa sequenciada pela qualitativa.
27
Duarte (2009) faz menção aos estudos de Denzin (1989) que descreve quatro tipos de possíveis triangulações:
a) a triangulação de dados que se refere à recolha de dados recorrendo a diferentes fontes (tempo, espaço e
indivíduos diferentes); b) Triangulação do investigador , na qual os investigadores recolhem dados uns dos
outros sobre o mesmo fenômeno em estudo e procedem à comparação de resultados. É a comparação da
influência dos vários investigadores sobre os problemas e os resultados da pesquisa; c) Triangulação teórica,
em que diferentes teorias são utilizadas para interpretar um conjunto de dados de um estudo, verificando-se a
sua utilidade e capacidade; d) triangulação metodológica, na qual múltiplos métodos são utilizados para estudar
um determinado problema de investigação, existindo daí dois subtipos: a triangulação intramétodo – que
envolve a utilização do mesmo método em diferentes ocasiões – e a triangulação intermétodos – que significa
usar diferentes métodos em relação ao mesmo objeto de estudo.
5 Metodologia da Pesquisa 72
5.1 DO LOCAL DA PESQUISA
A Fundação Universidade Federal de Sergipe (FUFS) foi instituída através do
Decreto-Lei n. 269 de 1967, contudo, sua instalação efetivou-se em 15 de maio de 1968. A
sede central está situada na Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, localizada no
Jardim Rosa Elze, município de São Cristóvão. Atualmente, a UFS conta com os campi:
Alberto de Carvalho em Itabaiana, de Laranjeiras e de Ciências da Saúde em Lagarto. Além
destes, a UFS dispõe do Campus da Saúde (Hospital Universitário - HU), no município de
Aracaju e o Campus Rural, utilizado pelos cursos da área de Ciências Agrárias no município
de São Cristóvão. Para o desenvolvimento da pesquisa, elegemos como local para coleta de
dados o Campus José Aloísio de Carvalho (UFS,2013).
5.2 DA AMOSTRA
Os dados mais recentes da UFS obtidos por meio do Relatório de Gestão 2012
apontam um universo de 30053 indivíduos, sendo 25.115 matriculados em 2011/2 na
graduação, 1.589 matriculados em 2011/2 na pós-graduação stricto sensu, 54 residentes. No
tocante ao seu quadro funcional, a instituição conta, atualmente, com 1.069 docentes efetivos,
241 temporários, 1.154 servidores técnico-administrativos em atividade e efetivos e 831
terceirizados que dão suporte aos serviços técnicos e às atividades de apoio da instituição.
(UFS,2013). Acrescentem-se a estes o total de 454 aluno do Colégio de Aplicação (CODAP),
totalizando um universo final de 30507 indivíduos para o ano de 2012.
No aspecto quantitativo da pesquisa com a aplicação de questionários, foi definido o
cálculo de uma amostra probabilística aleatória simples, considerando-se que cada grupo da
população com o mesmo número de elementos teria a mesma chance de ser incluída na
amostra. A princípio, distribuímos em três diferentes grupos: (a) Grupo de Jovens; (b) Grupo
de Adultos e (c) Grupo de Idosos. Como critérios de escolhas para os grupos estabelecidos,
foram considerados os elementos etários, os quais adotamos os estabelecidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011). De outro modo: para os jovens, foram
considerados os indivíduos com idade entre 15 e 24 anos; para os adultos, aqueles com idade
entre 25 e 59 anos. Por fim, os idosos, aqueles com idade superior a 60 anos. No entanto,
5 Metodologia da Pesquisa 73
durante a pesquisa de campo, encontramos um grupo que também fazia parte da UFS e da
qual não possuíamos conhecimento: os adolescentes com idade entre 11 e 14 anos do ensino
fundamental do Colégio de Aplicação (CODAP). Estes, então, passaram a constituir um novo
grupo de pesquisa que denominamos menores de 15 anos.
Portanto, utilizou-se a amostragem por conglomerados que deve ser utilizada quando
a população pode ser subdividida em conglomerados heterogêneos representativos da
população global. A amostragem é feita sobre os conglomerados, e não mais sobre os
indivíduos da população. (BARBETTA, 2002). De acordo com o autor, para que uma amostra
represente com segurança as características do universo, alguns pontos devem ser levados em
consideração: a extensão do universo, os recursos existentes, o nível de confiança
estabelecido, o erro máximo permitido e a percentagem com a qual o fenômeno se verifica.
Sendo o universo finito, ou seja, com população inferior a 100.000 (cem mil)
indivíduos, e a pretensão do nível de confiança28
ser estimada em 95%, determinou-se o
desvio-padrão 2. Para erro amostral não superior a 5% (cinco pontos percentuais) e a
percentagem com a qual o fenômeno se verifica29
de 25% (haja vista existirem quatro grupos
e que, a priori, desejou-se uma representatividade equitativa entre eles), consideramos a
seguinte fórmula:
Onde:
n = Tamanho da Amostra;
σ = Nível de confiança escolhido, expresso em números de desvio padrão;
p = Percentagem com a qual o fenômeno se verifica;
28
O nível de confiança é aquele que indicará os desvios-padrão em relação à sua média. Usualmente, estabelece-
se 1(um) desvio-padrão quando se deseja 68% de nível de confiança; 2(dois) desvios-padrão para 95.5% de
nível de confiança; e 3(três) desvios-padrão para 99.7% de nível de confiança. (BARBETTA,2002).
29 E a estimação previa da percentagem com que se verifica um fenômeno. Quanto maior percentual, maior o
tamanho da amostra.
n= σ² . p . q . N
e² (N-1) + σ² . p . q
5 Metodologia da Pesquisa 74
q = Percentagem complementar (100-p)
e = Erro máximo permitido;
N = Tamanho da população;
Como resultado dos cálculos, obteve-se o valor aproximado de 286 indivíduos como
amostra. A amostra da pesquisa foi constituída de trezentos 303 indivíduos (valor superior em
5,94% ao calculado) do corpo de servidores ativos (técnicos e docentes), terceirizados e
estudantes que compõem a UFS Campus José Alberto de Carvalho. Contudo, após a
tabulação dos dados, a amostra final foi constituída de 294 indivíduos, sendo superior ao
calculado em 3,06%.
O aporte para definição da amostra em termos qualitativos foi desenvolvido nas
acepções teóricas de Moreira (2002). Para este autor, o caso da pesquisa qualitativa, em
particular no método fenomenológico, a amostra não tem o viés estatístico, mas sim
intencional. A escolha dos sujeitos ocorre por determinadas características que o habilitam a
compor a amostra. Assim, fica fora de questão tratar de generalização estatística na pesquisa
qualitativa e, tratando-se de amostra intencional, o trato é feito em termos da generalização
lógica ou de generalização estatística. O autor neste ponto descreve:
Com as amostras intencionais, é possível falar apenas de generalização lógica ou de
generalização naturalística. Este tipo de generalização é sempre mais limitado em
relação à generalização estatística: os resultados obtidos com a amostra intencional
podem ser (supondo-se validade interna satisfatória) transpostos para uma parcela
mais ou menos definida da população de trabalho que tenha fortes semelhanças com
os sujeitos da amostra. Esse julgamento de adaptação poderá ser explicitamente feito
pelo pesquisador nos seus comentários, mas será frequentemente feito também pelo
leitor ou pelo usuário da pesquisa. (MOREIRA, 2002, p.147, grifo do autor).
Na etapa consecutiva de entrevistas, foram selecionados 19 indivíduos que
responderam ao questionário. Os critérios para seleção foram os mesmos para a aplicação dos
questionários: ter vínculo com a UFS (servidores, terceirizados e alunos) e, para equilíbrio dos
dados, pertencerem equitativamente às quatro faixas etárias já definidas.
5 Metodologia da Pesquisa 75
5.3 DOS INSTRUMENTOS
Os instrumentos utilizados para a coleta de informações foram a entrevista
semiestruturada (vide Apêndice A), questionário fechado (vide Apêndice B) e o diário de
campo. A entrevista foi desenvolvida frente-a-frente com auxílio, após prévia autorização do
entrevistado, do gravador de áudio e de anotações. Embora a análise dos dados tenha ocorrido
em todo o processo da coleta, a densificação ocorreu a partir dos registros, transcrição e
análise categorial e relacional dos discursos (depoimentos). A reflexão sobre a relevância dos
dados foi baseada nas questões norteadoras da pesquisa. Em seguida, fizemos a redução
eidética, na qual se lê:
se determina e se seleciona as partes da descrição que são consideradas “essenciais”,
e aquelas que, no momento, não sejam avaliadas como significativas. [...] A técnica
usual e comum para realizar a redução fenomenológica é denominada variação
imaginativa. Consiste em refletir sobre as partes da experiência que nos parece
possuir significados cognitivos, afetivos e conotativos, e, sistematicamente, imaginar
cada parte como estando presente ou não na experiência. (MACEDO, 2000, 203p.).
Nesse sentido, a entrevista é um dos principais instrumentos na pesquisa social para
coletar as informações sobre elementos próprios ao objeto de pesquisa e/ou ao fenômeno
pesquisado. Para Alves-Mazzotti (1998), a entrevista consolida a presença do investigador no
processo da construção da pesquisa de modo a oferecer perspectivas possíveis de diálogo e
desenvolvimento do estudo em ter clima de liberdade e a espontaneidade necessárias às
devidas finalidades pretendidas.
Por isso mesmo, a entrevista do tipo semidirigida se organizou em torno de perguntas
relevantes e centrais para a resolução de um problema de pesquisa, disposto sob forma de
pergunta. Foi as denominadas questão de pesquisa, mantida entre diálogos e reelaboração
concêntrica aos propósitos ou objetivos da pesquisa que favorecem amplo campo de
interrogações, fruto de novas perguntas que foram surgindo à medida que se recebiam as
respostas do informante. As entrevistas semidirigidas foram organizadas (ver Apêndice A) a
partir de dois eixos básicos:
I. Percepção de riscos ambientais sob as formas dos flagelos, catástrofes ou
destruição naturais de média ou de grandes proporções;
II. Visão Pessoal a respeito do “futuro” (definição e caracterização, magens e
sensações,mensagens para a geração futura).
5 Metodologia da Pesquisa 76
O instrumento diário de campo serve para registrar as informações, após a coleta e
análise destas informações (Bogdan e Biklen, 1994). De outro modo, no diário de campo o
pesquisador sistematiza as descrições de fenômenos sociais e/ou físicos, procurando
acompanhar seu desenvolvimento, dando-lhes interpretações, estabelecendo explicações,
relações e especificando a natureza dos elementos que constituem o fenômeno central a ser
pesquisado. Nesse contexto, o diário de campo foi utilizado como potencialidade heurística
durante a categorização do objeto de estudo.
A leitura interpretativa dos dados foi realizada considerando as categorias analíticas
relativas às projeções futuras, aos riscos ambientais e à memória geracional produzidos pelas
interações constantes dos atores sociais com notícias propagadas pelos veículos de
comunicação de massa, particularmente aqueles relacionados aos flagelos, catástrofes ou
destruições naturais de médias ou grandes proporções. Objetivando-se maior validação da
interpretação da pesquisadora, ante relatos dos sujeitos que participarão da pesquisa, fez-se
confrontação das interpretações conclusivas com as opiniões dos autores envolvidos.
5.4 ETAPAS DA PESQUISA
Foram desenvolvidas três etapas distintas e complementares no decorrer dessa
pesquisa. A primeira foi destinada à Produção Teórico-conceitual da Pesquisa. Nesse
momento, a dedicação foi exclusivamente direcionada às leituras de variadas fontes teóricas e
trabalhos científicos já publicados sobre o tema. Tratou-se de momento importante porque
permitiu a sistematização das informações e o desenvolvimento de análises sistemáticas a
respeito do problema de pesquisa em busca de respostas aos questionamentos levantados.
Contudo, foi um procedimento complementar e não serviu como guia padrão para o
desenvolvimento das análises elaboradas no decorrer da categorização dos primeiros
resultados. A segunda etapa esteve ligada à interação com os sujeitos da pesquisa. Foi
dividida em dois momentos:
a) Pré-teste (momento de contato direto com o campo de pesquisa, interagindo para a
sistematização e delimitação mais precisa os enunciados do problema de pesquisa. Nesse
momento, foram efetuadas entrevistas iniciais e a busca de resposta aos questionários de
pesquisa com a finalidade de exercitar o método científico de coleta e sistematização de
dados, assim como, concretizar a possibilidade de reescrever qualitativamente o processo de
5 Metodologia da Pesquisa 77
interação com os sujeitos participantes do estudo. Este momento foi executado com 06 (seis)
componentes do Grupo de Pesquisa em Tecnologias Intelectuais, Mídias e Educação
Contemporânea (SEMINALIS) e, após análise das entrevistas e questionários, verificou-se
que as perguntas e o roteiro atendiam aos objetivos iniciais da pesquisa.
b) Descrição da experiência: neste momento, relata-se como foi executado todo o
trabalho de pesquisa em torno da necessidade de responder às questões de pesquisa propostas
para o desenvolvimento do estudo. Para tanto, inicialmente foi solicitada autorização ao
dirigente máximo da UFS, Reitor Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli, para realização da
coleta de dados nas dependências da instituição (vide Apêndice C), assim como também foi
requerido uma carta de apresentação junto ao PRODEMA (Apêndice D) para formalização de
todo o processo nos diversos setores da UFS. Como a pesquisa incluiu gerações distintas, esta
foi cadastrada em setores estratégicos que atendiam diretamente a três faixas etárias: No
Núcleo de Pesquisas e Ações da Terceira Idade (NUPATI), para coleta de dados com
indivíduos com idade superior a 60 anos; no CODAP, para os menores de 15 anos e aqueles
entre 15 e 24 anos, no entanto também foram entrevistados servidores com idade superior a
esta faixa. Por tratar-se de questionários e entrevistas aplicados a menores de 18 anos, foi
elaborado termo de consentimento livre e esclarecido que foi encaminhado aos pais e
responsáveis pelos alunos (vide Apêndice E).
Os questionários foram aplicados em dois momentos: a) o primeiro, presencial,
consistiu na aplicação direta dos questionários impressos aos pesquisados no CODAP e em
diversos setores da UFS. Esta aplicação resultou numa amostra de 292 indivíduos, sendo que
05 questionários foram descartados por não conter as respostas de forma total. b) Como a
agregação de idosos foi baixa, apenas 22 do total, e iniciou-se em 30/09/2013 o período de
férias dos alunos, incluiu-se um segundo momento de aplicação por meio eletrônico. Para
tanto, foi disponibilizado o questionário, como formulário, pela internet (Google docs, cujo
link de acesso foi https://docs.google.com/forms/d/1urioqW5sJK-QygE308CXQSy
ED70aEc0urUi49B4sKP0/viewform). Este questionário foi encaminhado ao NUPATI e
direcionado aos servidores com mais de 60 anos por e-mail. Para encaminhamento aos
servidores, foi solicitado junto ao Departamento de Pessoal (DP) da UFS um relatório
contendo todos os servidores ativos, cujo critério de seleção fosse ter idade igual ou superior a
60 anos. Obteve-se uma quantidade de 213 servidores técnicos e docentes. Com e-mail
informado, a amostra reduziu para 118. Ainda assim, diante de duas tentativas, só foram
obtidas respostas de apenas 06 indivíduos. Enfim, a amostra total valida de toda a pesquisa
correspondeu a 294 indivíduos.
5 Metodologia da Pesquisa 78
Sequencialmente à aplicação dos questionários, foram realizadas entrevistas gravadas
em aúdio, (com prévia autorização dos indivíduos) e as transcrições destas entrevistas
semidirigidas (instrumento de coleta padrão, conforme roteiro disponibilizado no Apêndice A,
contendo eixos temáticos e com relativa liberdade para emprego e consecução dos objetivos
da pesquisa em termos de coleta de informações necessárias à resolução do problema de
pesquisa). Foram entrevistados 19 indivíduos. Destes, 04 corresponderam aos menores de 15
anos, 04, aos que tinham entre 15 e 24 anos, 07, entre 25 e 59 anos, e 04 com idade igual ou
superior a 60 anos.
A terceira e última etapa foi destinada à sistematização de dados e análise dos
resultados Naquele momento, a dedicação ao trabalho deu-se por meio da organização de
informações coletadas durante o trabalho de campo e sua formalização através de categorias
de análise que erigiram durante o processo de interação qualitativa com os sujeitos que
integraram a pesquisa. Por fim, tratou-se da escrita do relatório final da pesquisa, cumprindo-
se as normas científicas aplicadas ao trabalho de dissertação acadêmica.
6 Resultados e Discussões 79
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Embora existam dados quantitativos, informamos que nossa pesquisa além de levantar
estes fatos não tem objetivo de medir a frequência de alguns padrões. Visamos
substancialmente a apreciação das diferentes construções e significados que os indivíduos
possam atribuir como sua experiência diante de seus contextos histórico, cultural e social. Por
isso mesmo, Duarte (2009), ao citar Flick (2005), enfatiza que os dados dos questionários
quase não permitem a revelação do contexto de cada resposta. Isto só poderia ser conseguido
pela utilização explícita de métodos adicionais, como entrevistas complementares a uma parte
da amostra.
Espera-se que os resultados da pesquisa contribuam com o alargamento do debate
sobre o tema das projeções futuras de diferentes gerações quanto aos riscos ambientais, tanto
quanto possibilite compreender as influências de memórias geracionais e suas relações com as
questões da insegurança socioambiental advinda das experiências sociais indiretas de imagens
e notícias propagadas pelos veículos de comunicação de massa em torno de flagelos e/ou
catástrofes ocorridas no século XXI.
Quantitativamente, do total de 294 indivíduos que responderam aos questionários, 74
(25,17%) faziam parte do grupo de menores de 15 anos; 111 (37,75%) pertenciam ao grupo
de indivíduos com idade entre 15 e 24 anos; 81 (27,55%), ao grupo daqueles com idade entre
25 e 59 anos; e apenas 28 (9,52%) apresentavam idade superior a 60 anos no período da
aplicação dos questionários. O equilíbrio entre as amostras não se apresentou por razões já
explicitadas anteriormente. Contudo, tratando-se nosso objetivo da evidenciação dos
fenômenos e não a determinação de padrões, este fato não implica maiores consequências à
pesquisa.
Devido à facilidade de acesso aos alunos do CODAP, justifica-se a incidência alta de
indivíduos na amostra com nível de escolaridade situado no ensino médio incompleto (144
indivíduos ou 48,98% do total). Uma melhor distribuição por faixa etária, gênero e
alfabetização pode ser visualizada nos Gráficos 1, 2 e 3 abaixo:
6 Resultados e Discussões 80
Gráfico 1- Distribuição de indivíduos por faixas etárias
Gráfico 2- - Distribuição de indivíduos por gênero em cada faixa etária pesquisada e
total.
6 Resultados e Discussões 81
Gráfico 3- Distribuição de indivíduos por faixas etárias e nível de escolaridade. NA- não
alfabetizado, EFI- Ensino fundamental incompleto, EFC- Ensino fundamental completo,
EMI- Ensino médio incompleto, EMC- Ensino médio completo, ES- Ensino superior,ELS-
Especialização Latu Sensu, M-Mestrado, D- Doutorado.
Na análise quantitativa da pesquisa, foi também objetivo deste trabalho a comparação
intragrupal. Apresentam-se na Tabela 1 as composições das quatro amostras em termos de
gênero (masculino e feminino) e grau de instrução (não alfabetizado, ensino fundamental
incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo,
ensino superior, especialização lato sensu, mestrado e doutorado).
6 Resultados e Discussões 82
Tabela 1- Distribuição das quatro amostras geracionais em função do gênero, nível de
escolaridade. Legenda: Masc.(masculino), Fem.(feminino), não alfabetizado (NA), ensino
fundamental incompleto (EFI), ensino fundamental completo (EFC), ensino médio
incompleto (EMI), Ensino médio completo (EMC), Ensino superior (ES), Especialização
Latu Sensu,(ELS), Mestrado (M), Doutorado (D).
Gênero Grau de Instrução
Amostra
(anos)
Sujeito M F NA EFI EFC EMI EMC ES ELS M D
<15 74 33 41 0 0 0 74 0 0 0 0 0
Entre 15
e 24
111 49 62 0 9 1 69 12 20 0 0 0
Entre 25
e 59
81 32 49 1 1 1 0 20 26 20 9 3
>60 28 21 7 0 0 0 1 12 6 5 1 3
Total 294 135 159 1 10 2 144 44 52 25 10 6
Na tabela 2, pode-se observar que os meios de comunicação mais utilizados são a
televisão(56,12%) e a internet(40,13%). À medida que as experiências sociais indiretas
proporcionadas por estes meios assumem uma amplitude grande na formação das memórias
comuns na sociedade, estes dados explicitam a importância de estudos destas formas de
experiências, como já mencionado por Jedlowski (2005).
Podemos considerar os meios de comunicação de massa como lugares da memória,
conforme nos indica Nora (1993), principalmente por se constituírem em espaços
privilegiados no arquivamento e produção da memória contemporânea. Lugares que servem a
interesses particulares na construção de identidades e projetos na sociedade.
Tabela 2- Meios de comunicação mais utilizados para se manter informado
Tipo de veículo de comunicação que mais utiliza para se
manter informado sobre notícias gerais
Amostra
(anos)
Sujeitos Televisão Rádio Jornais e
revistas
impressos
Internet Outros
<15 74 56 0 0 18 0
Entre 15
e 24
111 45 1 1 62 1
6 Resultados e Discussões 83
Entre 25
e 59
81 45 2 4 30 1
>60 28 17 1 2 8 0
Total 294 163 4 7 118 2
As análises dos questionários e entrevistas semidirigidas serão descritas conforme os
dois eixos básicos já delineados no Capítulo 5 – Metodologia- e que são retomados, por
conseguinte:
I. Percepção de riscos ambientais sob as formas dos flagelos, catástrofes ou
destruição natural de média ou de grandes proporções;
II. Visão Pessoal a respeito do futuro ambiental (definição e caracterização,
imagens e sensações, mensagens para a geração futura).
O método fenomenológico, de acordo com Rezende (2009), não impõe ao fenômeno
um caminho traçado que a reflexão deva trilhar. Em termos didáticos, utilizamos nesta
pesquisa a fenomenologia dialética que trabalha o discurso descritivo, sem fazer análise deste
discurso. Rezende destaca que o discurso descritivo deve empreender três principais noções:
1- ser significante, aspecto indispensável à descrição; 2- ser pertinente, pois se o fenômeno for
estruturado, ele apresentaria uma multiplicidade de sentido e de sentidos, assim o fenômeno
não se revela numa palavra, numa frase, mas no discurso; 3- ser relevante, pois o que se
apresenta menos pertinente e relevante é menos significante.
O lugar que a fenomenologia descritiva ocupa nesta pesquisa, o topos, assenta-se na
consciência da pesquisadora que reflete o discurso produzido por outras consciências. Acerca
dos eixos, foram desenvolvidas questões que, ao nosso ver, mantinham íntima relação com as
noções. Antes de tudo, ressalto que, em algumas partes do texto, há mudança da primeira
pessoa do plural para o singular no processo descritivo, justamente por tratar-se de uma
consciência que explicita suas sensações diante das sensações dos entrevistados.
6.1 PERCEPÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS SOB AS FORMAS DOS
FLAGELOS, CATÁSTROFES OU DESTRUIÇÃO NATURAL DE MÉDIA
OU DE GRANDES PROPORÇÕES.
6 Resultados e Discussões 84
Para a associação de riscos ambientais a eventos naturais e/ou à ação do homem na
natureza, a Tabela 3 mostra a crença na intervenção humana como contributiva no
agravamento das catástrofes e/ou flagelos naturais. Assim, 97,28% (286) dos entrevistados ou
creem na ação antropogênica exclusiva (37,42%), ou nesta ação associada aos eventos
naturais (59,86%).
Tabela 3- Associação de riscos ambientais à ação antropogênica e/ou natural.
Você associa riscos ambientais a:
Amostra
(anos)
Sujeitos
Ação do homem
na natureza
Eventos naturais a que
todos podem estar
submetidos
Eventos tanto naturais
quanto por ação humana na
natureza e que podem
afetar a todos
<15 74 29(39,19%) 8 (10,81%) 37(50%)
Entre 15
e 24
111 40(36,04%) 0 71(63,96%)
Entre 25
e 59
81 31(38,27%) 0 50(61,72%)
>60 28 10(35,71%) 0 18(64,29%)
Total 294 110(37,42%) 8 (2,72%) 176(59,86%)
Muitas dessas catástrofes em parte são naturais e em outras partes são causadas
pelos próprios humanos. O próprio aquecimento, pelo..., destruição, ou a construção
em lugares onde a natureza predominava. Muitas catástrofes que dizem que a
natureza atacou a cidade, na verdade foi a cidade que invadiu o lugar da natureza. A
natureza só está fazendo sua parte, normalmente, E tá passando muitas catástrofes,
porque realmente tá uma situação muito frágil “pra”... Hoje em dia ta piorando
muito. Tendo muito acidentes, muitos problemas mesmo, talvez pela concentração, e
pela falta de educação também entre o meio ambiente, o que respeitar, muito lixo
também jogado por aí... (C, 17 anos.)
Eu acho que as catástrofes ambientais não têm nada haver com o planeta em si,
porque o planeta só está fazendo aquilo que é o trabalho dele, ele só está tentando se
defender da gente, nós somos os invasores, entendeu? (P,14 anos).
Ao falar em concentração, C refere-se à questão da concentração humana que, de
acordo com Souza e Zanela (2009), vêm expondo de forma desigual os indivíduos. Não
apenas a concentração humana em determinadas localidades é promotora do agravamento dos
efeitos dos riscos. Eventos e manifestações da natureza considerados normais podem trazer
6 Resultados e Discussões 85
consequências graves, sobretudo, para aqueles que estão mais vulneráveis. Contudo, C
destaca a questão da educação também como um agravante para a ocorrência de catástrofes.
Da mesma forma, P entende que as catástrofes ambientais são uma forma da natureza
responder às agressões humanas.
Diante da audiência ou percepção a respeito de notícias veiculadas por jornais,
revistas, televisão etc. o comportamento e as sensações poderiam ser expressos em três
alternativas: 1) Medo, insegurança referente às catástrofes/ flagelos ambientais, mas não
alterando o comportamento: 2) Medo, insegurança referente às catástrofes/ flagelos
ambientais e alteração de comportamento; 3) Não me sinto afetado ou altero meu
comportamento.
Na tabela 4, os dados mostram que 53,74% (158 dos 294) dos entrevistados referem
não alterar seu comportamento diante da percepção ou audiência de flagelos ou catástrofes
ambientais, contudo, destes, 62,66% admitem sentir medo e insegurança. Dos 294 indivíduos,
79,93% referem medo e insegurança diante das catástrofes. Entretanto, dentre as gerações,
aqueles com idade superior a 60 anos são os que mais revelam, proporcionalmente, não se
sentirem afetados pelas notícias sobre as catástrofes ambientais ou alterarem seu
comportamento em função disso.
Tabela 4- Sensações e Comportamentos diante da audiência ou percepção a respeito de
notícias veiculadas pelos meios de comunicação.
Diante da audiência ou percepção a respeito de notícias veiculadas por meios de
comunicação seu comportamento expresso corresponde a:
Amostra
(anos)
Sujeitos
Medo, insegurança
referente às catástrofes/
flagelos ambientais,
MAS NÃO altero meu
comportamento.
Medo, insegurança
referente às catástrofes/
flagelos ambientais,
altero meu
comportamento.
Não me sinto
afetado ou altero
meu
comportamento.
<15 74 40(54,06%) 17(22,97%) 17(22,97%)
Entre 15
e 24
111 30(27,03%) 59(53,15%) 22(19,82%)
Entre 25
e 59
81 22(27,16%) 51(62,96%) 8(9,88%)
>60 28 7(25%) 9(32,14%) 12(42,86%)
Total 294 99(33,67%) 136(46,26%) 59(20,06%)
6 Resultados e Discussões 86
Da mesma forma, foram os idosos, e aqueles com idade próxima a 60 anos, a
exteriorizarem a crença e fé numa entidade sobrenatural que as protegem e as livram das
catástrofes. Como podemos ver abaixo nos relatos dos indivíduos H, 64 anos, A, 59 anos, R,
63 anos:
Quando a senhora vê essas catástrofes pela televisão, a senhora sente medo ou
não sente, a senhora muda seu comportamento ou não muda?30
Eu tenho assim
muito respeito pelas coisas das naturezas e quando vejo não sinto medo, né? Até
porque eu creio em um Deus que tem controle sobre todas as coisas. Pela minha fé,
eu creio que há um controle e uma proteção sobrenatural naquele que crê em um
Deus todo poderoso, né? Aquele que criou o céu e a terra. Então, quando nós temos
certa consciência do que nós fazemos,né?, O que é que a gente produz e o que é que
a gente se prepara pra um futuro, né? Dentro da nossa fé, quando a gente milita
numa fé sobrenatural, a gente não tem medo do avançar e do que vai acontecer então
a gente tem consciência quando vê a destruição. Mas, quando você faz a sua parte,
você nunca espera que aquilo te atinja... Aquilo pode te atingir!, Eu mesmo não
tenho medo porque eu creio numa proteção sobrenatural de um Deus que pode todas
as coisas e que pode nos guardar de todos acontecimentos. (H, 64 anos.)
Olha isso são catástrofes naturais, das quais homem nenhum, a não ser o poder de
Deus, pode evitar. Homem nenhum pode evitar terremoto, homem nenhum pode
evitar maremoto, homem nenhum pode evitar nenhuma catástrofe como acontece.
ISSO É ATO DA NATUREZA! Então, não adianta homem nenhum querer se
envolver. Olha, uma coisa eu não acredito nunca na vida, é... Os homens falam na
televisão muitas mentiras: Ah, porque o planeta vai acabar a água! Aonde?! Nunca o
planeta vai acabar a água, porque, em questão de minutos, Deus bota água em todo
planeta, para todo mundo morrer afogado [...]. Então, o senhor acha que tudo
depende da intervenção de Deus? Deus é o poder supremo e que cria muitas
coisas. Veja bem, nós temos o continente asiático que fica do outro lado do mundo,
onde nunca se imaginaria que exista terra, mas foi toda a terra onde Deus andou,
onde Deus criou, onde Deus fez e aconteceu. Mas, nós temos pessoas... Os países
ali, naquele continente, que não respeitam nem acreditam nunca que exista Deus,
entendeu? Os japoneses não acreditam que “existe” Deus, que o deus dele é
qualquer animal que eles queiram fazer, né? O senhor acredita que essas
catástrofes na Ásia são em decorrência da intervenção divina? É um tanto de
castigo, porque aquele povo não acredita em Deus [...] Veja uma coisa! Analise o
que acontece, o mundo a fora, e analise o que acontece em nosso país, a não ser o
ato de muita violência, se nós vivemos tendo esse tipo de coisa. Não, porque, como
o povo diz que Deus é brasileiro, entendeu? O povo tem muita gente católica que
acredita em Deus. Então, Deus também anda e vê que aquele povo não merece tanto
absurdo, tal de miséria como muitos vivem enfrentado por aí.[...] Isso é ato de
pecados que as pessoas têm.( A, 59 anos).
Acredito que eles são naturais, eles não são provocados, acredito que tudo isso que
vem acontecendo é tudo natural, não pelo contrario, a não ser que em alguns casos
podem ser provocados, né?..., pelo homem, sei lá, o destino, mas ainda vejo na
minha visão que seja natural. Certo, é a minha visão. [...] Eu acredito, eu tenho
muita fé assim, sabe, eu sou muito católica, mas hoje o catolicismo, não é só, o
espiritismo, eu acho que tudo hoje é um Deus só pra todos, eu vejo, respeito a
religião de qualquer pessoa, entendeu, apesar de ser católica eu respeito a religião de
qualquer pessoa. Então eu vejo assim que a gente tem que ter mais fé, pensar mais,
REZAR MAIS, nem sei se é falta disso, sabe, fé, orações e tudo, por isso muita
30
Nas transcrições, as frases em negrito correspondem às intervenções da pesquisadora no momento da
entrevista.
6 Resultados e Discussões 87
coisa vem acontecendo talvez por conta também de um pouco disso, por que a gente
num... A fé pra mim é muito importante. EXATAMENTE, entendeu?(R, 63 anos).
Os relatos de H, 64 anos e A, 59anos, referendam o risco ambiental como um constructo
social defendido por Almeida (2012). A probabilidade de ocorrência de um evento perigoso,
causador de danos, não se afirma na percepção humana porque o sentir-se vulnerável é
apagado diante da fé em Deus. O Deus protetor que vê as ações do devoto e o protege de
todos os acontecimentos. A, 59 anos, ainda destaca a penalidade imposta àqueles que não
acreditam em Deus, referindo que as catástrofes nada mais seriam que frutos da incredulidade
e dos pecados.
A religiosidade cristã que permeia nossa sociedade parece oferecer aos indivíduos a
certeza da possibilidade de intervenção divina nos momentos de perigo, já que há crença na
impotência humana de resolver as catástrofes, pois elas são naturais. R destacou a
necessidade de mais fé, mais orações. Em outro momento da entrevista, H ressalta não poder
fazer nada diante do sofrimento alheio, a não ser pedir “[...] a Deus que tenha misericórdia...”.
Vejamos:
E essas pessoas que são atingidas, o que a senhora sente quando as vê? Quando
eu vejo, eu fico assim, é..., um sentimento de todos “os ser humano”, de pena que
poderia não ter acontecido, sentindo assim compaixão das pessoas que estão
sofrendo aquelas consequências. E fico muitas vezes pedindo a Deus que tenha
misericórdia... E isso somente, porque não podemos fazer grande coisa. Cada um
tem que fazer sua parte, eu sou consciente de que eu faço a minha parte, né? Mas,
quando eu vejo as pessoas sofrendo, as consequências dessas coisas que estão aí
pelo mundo, fico lamentando, como todo ser humano, né? Mas a gente não pode
fazer nada porque é uma coisa da própria natureza. (H, 64anos).
O relato de B, 60anos, aponta a dificuldade em definir risco ambiental quando este é
experienciado pela mídia. Contudo, crê na impotência de fazer algo para contornar este
problema e que a ambição humana traz cada vez mais consequências desastrosas que se
refletem no presente. O risco como projeção para o futuro, conforme propõe Beck (2010),
deixa de ser risco e torna-se um perigo real quando se observa eventos cada vez mais
desastrosos, face à destruição do ambiente natural.
Olha, em relação a situação que você acabou de frisar, é um pouco, assim, difícil pra
aquelas pessoas que não viveram, apenas viram, o que, através da mídia, os
acontecimentos em alguma parte do país, do mundo. Então, mas mesmo assim eu,
como creio qualquer ser humano, lamento muito por situações como essa. De
antemão, é... , não podemos, é..., fazer nada assim que possa mudar esse curso
porque, é... , quando a gente pensa em tecnologia quando a gente pensa em avanços,
é..., todo mundo querendo ser melhor, tornar seu país melhor do que o outro, é...,
6 Resultados e Discussões 88
atrair turista, é.., só que, no meu ponto de vista, está fazendo algo contra a essa
atração, este convite ao mundo quando, é... Digamos, assim: derrubam matas, tiram
os animais e constroem prédios. Eu, na minha concepção, não vejo isso como
vantagem para contribuir no sentido de futuro, de um progresso, é..., para qualquer
parte do mundo em qualquer ser humano.
[...] considerando essa sua ideia de futuro, E essa possibilidade ocorrerem mais
catástrofes, como o senhor definiria os riscos ambientais? Bom, fica aí uma
subjetividade e na qual eu diria que: nada mais é do que acontece cada dia que passa.
Cada, é...., problemas que surgem, é..., comprometer a natureza em geral, trazendo
riscos de destruição, né? Que já acontece, que já nem é mais nem risco. Tem
acontecido realmente, é..., verdadeiramente é..., regiões destruídas, vidas perdidas.
Isso, na proporção que avança o mundo, agente pode mais ou menos imaginar que...
Como dizer? A cada dez anos aumenta dez por cento de destruição. E isso posso
codificar como dez por cento de risco a cada dez anos. E, aí, é difícil para eu dizer
que exatamente um porcentual ou final ou um risco real exatamente que possa
acontecer daqui para frente. Nada de bom podemos esperar! Isso, é..., eu acho que é
inevitável ser dito por qualquer ser humano e só vai o risco piorar cada vez mais e
mais e mais...(B, 60 anos).
Para os jovens, a possibilidade de não ser atingido recai muito mais pelas favoráveis
aparentes condições geográficas em que estão situados. Há o reconhecimento da existência de
catástrofes e/ou flagelos de grandes proporções em outras partes do planeta, entretanto ser
afetado estaria num futuro remoto, os atingidos seriam sempre as vítimas expostas na
televisão. Para Bauman (2008), os infortúnios, mesmo que não venham a ocorrer,
proporcionam ao indivíduo a sensação de que ele pode ser ignorado de seus efeitos.
A percepção ou sensação da insegurança e do medo frente aos eventos, catástrofes ou
flagelos naturais é construída pelas experiências sociais indiretas formadas pela audiência a
jornais televisivos. Vivenciando-se estes fatos no conforto e segurança do lar, as vítimas das
tragédias são oferecidas em sacrifício à infelicidade e à morte. A catarse a que se refere Morin
(2000) pode ser observada quando M, 14 anos, destaca sentir medo, mas não acredita ser
afetado pelos infortúnios:
Em termos de futuro, esse medo, essa insegurança que você sente, que imagens
vêm à sua cabeça?Gente correndo (risos). Gente correndo? É, água!((risos)).
Sempre penso em águas. Em águas? Demolição, prédios caindo... E eu sempre
penso que aqui vai ser o último lugar, a gente vai ver isso no jornal e vai ficar com
medo (risos). [...] Aqui vai ser o último lugar? Com certeza, eu penso assim. Eu
sempre penso assim. Sei lá! Porque aqui, por exemplo, aqui não é de ter terremoto...
Aqui é muito afastado. Aí, eu sempre penso que aqui possa ser o último lugar. Você
vai ver isso no jornal, você vai ficar com medo... A gente tem que se preparar, mas,
de qualquer forma, alguém será atingido. [...] mas você acha que aqui, a gente não
será atingido? Tal- vez futuramente. O tempo é dono de tudo, então, com o tempo,
não daqui a cinquenta anos, mais tempo, é..., provavelmente. (M, 14 anos.)
Contudo, explicitamos o relato de D, 14 anos, que, ao sentir medo, expressa a
necessidade de precaução. Embora não sejam comuns eventos de grande proporção no Estado
6 Resultados e Discussões 89
de Sergipe, as imagens associadas aos riscos são sempre referentes a grandes eventos como
tsunamis, furacões, terremotos. Os riscos, neste aspecto, refletem uma face natural, implicado
pelo processo civilizatório:
O que são riscos ambientais para você? Eu acho que é uma coisa natural, que uma
hora com todos esses (efeitos), tudo isso que o humano está fazendo, uma hora teria
uma consequência, exemplo: prédios destruídos, uma hora teria consequências, e... é
isso. Que imagens surgem em sua cabeça em relação a estes riscos, catástrofes?
terremotos, é... tsunamis, furacões, não sei, talvez uhn...(...) e o que você sente
quando vem essas imagens à sua cabeça, o que você sente? Um tanto de medo e
um tanto de... precaução. Eu tenho vontade de me precaver, porque, se tem alguma
coisa vindo, eu acho que a melhor coisa a fazer é ficar com ela. (B, 14 anos.)
Risco ambiental é o que pode ocorrer, é..., que pode afetar nossas vidas, né?, Como
aconteceu no Haiti, aqueles terremotos. Eu sofri o terremoto, eu viajei pra Itália e lá
teve um terremoto. Eu vi muitas pessoas, muita casa no chão, as pessoas
desesperadas sem casa correndo pelo meio da rua, com crianças sangrando, né?, Ali,
a gente vê como é difícil quando as pessoas passam por um negócio desses, né? A
gente até tentou ajudar, lá, mas a gente não entendia a língua, essas coisas. Mas a
gente vê as dificuldades que as pessoas têm. (F, 31 anos).
O entrevistado F nos revela um lado significante da construção do que vem a ser risco
ambiental. Para ser esta categoria, há que necessariamente existir perdas humanas e materiais.
Mesmo presenciando o último terremoto ocorrido na Itália em Maio de 201231
, o fato de F
não ter sido diretamente afetado ainda o distancia da possibilidade de que algo ocorra com
ele. Há sempre acontecimentos com os “outros”.
Se voltarmos à Tabela 3, percebemos que somente 08 indivíduos, todos menores de
15 anos, acreditam ser os riscos ambientais apenas eventos naturais. Este fato põe-nos a
refletir sobre a forma que a narrativa jornalística ou até a educação formal tem sido imposta.
Se para uma parcela dos mais jovens, a ideia de riscos está associada unicamente a eventos
naturais, como pensar um futuro para as próximas gerações, se não temos como agir sobre
coisas da própria natureza? Que memória ou memórias estão sendo divulgadas? A quem
interessa? Ou, quais projetos estariam por trás destas narrativas e imagens propagadas?
Por outro lado, aos que atribuem os riscos ambientais como resultado da relação entre
eventos naturais e ação antropogênica, há o reconhecimento de que os riscos sempre
existiram. Eles estão mais em evidência por conta da mídia e da contribuição humana neste
processo. O entrevistado G nos traz isto quando afirma que tudo está naturalmente posto no
ambiente, contudo o homem é quem potencializa os fenômenos e eventos ao manipular os
recursos naturais.
31
O entrevistado F refere-se ao terremoto de magnitude 5,8 ocorrido em Modena e que deixou 16 mortos em
Maio de 2012.
6 Resultados e Discussões 90
“Pra” alguns fenômenos eu fico muito preocupado, tem alguns que é... assim, eu me
preocupo bastante. No entanto, eu percebo o seguinte: que esses fenômenos eles já
foram futuros no passado. Então, é como se eu tivesse querendo dizer aqui que esses
fenômeno já aconteceram no passado, né?, Não sei se pelo fato da mídia agora
divulgar mais e saber mais, então esses fenômenos ficam mais, como posso dizer?
Mais acentuado, é..., eles ficam mais em evidencia. Mas eu vejo que eles já foram
futuros. Eu me preocupo, na verdade, porque assim: eles já existiram, é um fato. No
entanto, eles tão mais evidentes, tão mais de forma efetiva por conta da nossa
interferência. Não venha me dizer que é um fenômeno que acontece naturalmente!
Lógico que a gente ta influenciando em alguns pontos pra que esta catástrofe venha
acontecer, né?! Tais como enchentes, esse tal derretimento de geleiras, aconteceu
sempre naturalmente, mas a evidencia vem sempre, é..., mais efetiva devida a nossa
interferência. [...] Pois é, esses riscos ambientais, é..., estes fenômenos sempre
aconteceram. Por exemplo: a geleira tem que derreter, é um fluxo natural, ele faz
parte do fluxo natural, no entanto, elas estão derretendo mais rápido, porque agente
ta interferindo nesse meio, que é com a questão de emissão de gases, então esses
riscos ambientais, é..., na verdade, se não todo, mas que, na maioria deles, é tudo
influência nossa. A questão de produção de gases... Pronto! Posso falar aqui o que
acontecia em Cubatão. Não existia vida em Cubatão. Qual era o risco ambiental lá
em Cubatão? Os gases tóxicos de enxofre. Hoje, não! Hoje, Cubatão é uma cidade
que você pode chegar lá e parece... Se você chegar lá hoje, nunca vai acreditar que
aquela cidade era há um tempo, porque os riscos ambientais foram excluídos de lá,
daquele meio. Então, esses riscos ambientais, posso colocá-los, é..., numa
definição... Não sei! São... O que? São materiais produzidos por nós mesmo. Assim,
tudo que agente produz é um risco ambiental. Porque, assim, tudo tá na natureza,
mas quando você tira e processa, você joga pra natureza de forma que ela vai ter
uma efetividade. Então, esses riscos, eles... É tudo que o homem produz, eu vejo
nesse sentido (G, 46 anos).
A tendência de transferirmos nossas responsabilidades em relação ao meio ambiente
para os "outros" da nossa geração e os das próximas pode ser observado no relato de J, 24
anos:
Se continuar do jeito que vai, a tendência é piorar. Eu acredito que tinha que ter uma
reeducação com relação ao meio ambiente, porque é algo necessário, é a vida
humana, é o ser humano. E que, infelizmente, muitos não dão, não tomam cuidados,
não dão valor, não pensam. Eu acredito que não pensem nem como pode ser daqui a
alguns anos, de como estará o que esta acontecendo aqui. Com certeza que só piora
as coisas só aumente com relação a isso [...] você tem esse cuidado no presente?
“pra” ser sincera não, tanto não. [...] Epor que você acha, você transfere para os
outros essa responsabilidade? Realmente, eu não tenho sido mais para o futuro do
que penso no agora. Do que pode ser feito no agora e não só pensar como estará
daqui alguns anos. E quando relaciono aos outros... porque no meu modo de pensar
AGORA, eu não estou agindo de forma que eu acharia que fosse errada, com relação
ao meio ambiente, o que possa ser melhorado, caso feito melhorado por mim. (J, 24
anos).
Embora volte sua consciência para o presente, a entrevistada J nos revela uma ser-no
mundo impessoal, diluído na cotidianidade, no ambiente familiar. Para Heidegger (2005),
mais originário é o Dasein no estranhamento, no afastamento ao familiar. Entretanto, é muito
mais comum a fuga de si, o encobrimento de seu ser-no-mundo.
Outro aspecto relevante é a sensação de ação mínima verificada no relato de L, 21
anos. A entrevistada nos transmite que os atos quando pensados e efetuados individualmente,
6 Resultados e Discussões 91
criam a falsa sensação de que há um efeito mínimo sobre o meio ambiente, quando, na
verdade, torna-se ampliado no coletivo. Vejamos:
[...] e sua geração, você acredita que ela é responsável? Eu acho que hoje em dia
como tá sendo muito discutido, tá...Cada um tá tendo mais consciência, mas muitos,
ainda, é..., fazem mal, mesmo sabendo ainda prejudica o meio ambiente. [...] E a
que você credita isso? Ah, pelo o que vejo mesmo! Muita gente, às vezes, não tem
noção do que faz, às vezes, tem noção, mas diz assim: “Ah, só eu, então vou fazer!”
E, então, é uma coisa assim, de consciência mesmo. [...] Certo, a pessoa acha que
se só ela vai fazer não tem problema? É. E, aí, cada um, todo mundo pensa e todo
mundo faz [...] do mesmo jeito? É. Um coletivo, termina ficando um coletivo? É.
(L, 21 anos)
6.2 VISÃO PESSOAL A RESPEITO DO “FUTURO” (DEFINIÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO).
Riscos ambientais e futuro são fenômenos inter-relacionados. Não há como separá-los,
pois os riscos são sempre probabilidades de que algum evento possa ocorrer no futuro. Por
isso, alguns trechos anteriormente descritos faziam também referência ao futuro. Esta parte da
descrição está dividida em três momentos: a) como os indivíduos definem o futuro; b) Se há
crença de serem afetados pelos riscos no presente e no futuro; c) Mensagem para a sua e para
as próximas gerações.
a) Definição de futuro:
Quanto à ideia a respeito do futuro, pretendíamos inicialmente observar sob quais
perspectivas os indivíduos faziam suas projeções. Existiria uma preocupação com o futuro? E
se existisse, como este seria imaginado? Sob uma perspectiva apocalíptica, ou esperançosa?
Para estas perguntas, elaboramos três respostas que poderiam ser escolhidas pelos indivíduos:
1) Melhor que hoje para a vida humana; 2) Ameaçador à vida humana 3)Não tenho ideia, não
me preocupo com o futuro.
Na tabela 5, fica evidente a superioridade das projeções voltadas para um futuro
ameaçador em todas as gerações (63,27%), se compararmos estes dados com aqueles
referentes a um futuro melhor para a vida humana (30,95%).
6 Resultados e Discussões 92
Tabela 5- Ideia a respeito do futuro
Sua ideia a respeito do futuro planetário é:
Amostra
(anos)
Sujeitos Melhor que hoje
para a vida
Humana
Ameaçador à
vida humana
Não tenho ideia, não me
preocupo com o futuro
<15 74 39(52,7%) 30(40,54%) 5 (6,76%)
Entre 15 e
24
111 25(22,52%) 78(70,27%) 8 (7,21%)
Entre 25 e
59
81 22(27,16%) 56(69,14%) 3 (3,70%)
>60 28 5 (17,86%) 22(78,57%) 1 (3,57%)
Total 294 91(30,95%) 186(63,27%) 17(5,78%)
Ao definir futuro, P, 14 anos, traz duas visões: a de um futuro melhor, quando este é
vivido e traçado individualmente, e um futuro ameaçador quando analisado sob uma
perspectiva do coletivo:
Assim, sinceramente eu não me preocupo muito com o futuro. Eu acho que não vou
viver pra sempre, nem quero ter filho, nem netos, então eu não me importo muito
com o futuro. E como foi dito anteriormente, é..., a gente planta o que a gente colhe,
então, provavelmente nosso futuro não será nem um pouco agradável [...]. E por
que você tem essa certeza? Pelo o que a gente vê hoje, pelo o que a gente, é..., no
presente não está sendo fácil pra viver. O futuro provavelmente não será tão melhor
que isso, né? [...] Eu acho que futuro é o produto do presente. O futuro, ele vem
daquilo que você faz hoje. Se você faz coisas boas, virão coisas boas por mais que
tudo ao seu redor esteja ruim. Então, o futuro é aquilo que você faz [...] e por que
você não se preocupa com o futuro? Porque eu traçarei o meu futuro, então, o meu
futuro será da melhor maneira pra mim. E eu acho que todos não devemos nos
importar... SIM, se importar com o próximo, mas olhar pra dentro da gente e
procurar o melhor pra nós, entendeu? E isso será consequência. Nós...cuidando de
nós, cuidando do planeta, o planeta será um lugar bom pra todos no futuro.Eu
acredito nisso. (P, 14 anos).
Assim, desde um tempo eu já penso que talvez no futuro não tenha uma vida
muito... Ou vai acontecer mais catástrofe, vai piorar a situação, talvez a população
não consiga viver mais no futuro. Ou, se piorar muito a situação, vai ficar mais
difícil a vida mesmo. Poucas pessoas vão sobreviver se piorar a situação. Depende
de como é que vai seguir, é..., eu não posso dizer como é que vai seguir, mas a
situação ta muito ruim mesmo. Não tão seguindo com sua parte. [...] uma pequena
decepção, né? [...] Então você acredita que a vida humana possa se extinguir
aqui na Terradiante dessas catástrofes ou não? Eu acho que de certa forma pode.
E vai chegar um extremo que a população não vai conseguir viver. Hoje em dia, já ta
difícil... Inclusive muitas partes já estão deixando de ser “habitada”, porque a
situação já piorou. Já vi documentários que os antigos em partes e dá.... Até do
6 Resultados e Discussões 93
Nordeste, aqui mesmo, uns que “era” habitáveis antes e que hoje já não são. Eu,
minha família é de interior, eu já vejo muitos comentários que antes a vida era
melhor, que tinha mais gados. Hoje, tem muitas terras desérticas, o mundo está
virando um verdadeiro deserto no Nordeste. Uma vez lá, no Rio, no Sudeste, tá
piorando a situação. E já dá pra perceber que não só no Brasil como em várias partes
do mundo tão evacuando e a criminalidade também ajudando nisso. As partes em
que eles estão evacuando, e..., em parte estão evacuando por causa da escassez de
alimentos, por causa do sol forte ou por causa de chuva, tempestades e naquela parte
onde as pessoas estão chegando, tão se concentrando tantas gentes que a
criminalidade está acabando com as pessoas ali. Então, está realmente uma situação
deplorável. (C, 17 anos).
O entrevistado C, 17 anos, percebe um futuro ameaçador tendo em vista a situação
presente. Destacando as áreas em que já há evacuação humana, C entende que isto não se
deve apenas pelos fatores ambientais, mas também pela violência.
Pensar ou projetar um futuro transmite em alguns entrevistados a sensação de medo e
insegurança. O futuro como projeto do presente, em alguns casos, é pensado para atingir
metas pessoais relacionadas à família, ao trabalho, aos estudos.
Dá um pouco de medo (risos), por que eu acredito que nos próximos anos só tende a
piorar a situação, acredito que depende muito do ser humano de como ele deve agir
e pensar. Como você caracteriza o futuro?Quando paro “pra” pensar no futuro, eu
penso mais em relação à família, como eu devo estar, como o mundo em si está,
como o mundo continuaria.... No caso, e espero que melhore, não tenda a piorar
como está acontecendo. É nisso como eu imagino no futuro, quando paro “pra”
pensar basicamente relacionada a isso. [...] e no presente você relaciona a quê?
Quando você pensa na sua família, nos seus projetos. No presente, estar com
minha família, é..., com relação a estudo, trabalho, por enquanto só. Só isso, só!
Limitado mesmo. NÃO, no momento não penso tanto no que está acontecendo no
que pode acontecer, mas me preocupo sim com o futuro... Agora, nem tanto (J, 24
anos).
A tendência de transferirmos nossas responsabilidades em relação ao meio ambiente
para os "outros" da nossa geração e os das próximas também é observado no relato de J. Ela
nos desvela um ser absorvido no público, no impessoal e na familiaridade. Para
Heidegger,(2005) mais originário é o Dasein no estranhamento, no não se sentir em casa.
Contudo, o comum é a fuga da situação de estar jogado no mundo e entregue a si mesmo.
Se continuar do jeito que vai, a tendência é piorar. Eu acredito que tinha que ter uma
reeducação com relação ao meio ambiente, porque é algo necessário, é a vida
humana, é o ser humano. E que, infelizmente, muitos não dão, não tomam cuidados,
não dão valor, não pensam. Eu acredito que não pensem nem como pode ser daqui a
alguns anos, de como estará o que esta acontecendo aqui. Com certeza que só piora
as coisas só aumente com relação a isso [...] você tem esse cuidado no presente?
6 Resultados e Discussões 94
“Pra” ser sincera não, tanto não. [...] e por que você acha, você transfere para os
outros essa responsabilidade? Realmente, eu não tenho sido mais para o futuro do
que penso no agora. Do que pode ser feito no agora e não só pensar como estará
daqui alguns anos. E quando relaciono aos outros, porque no meu modo de pensar,
AGORA, eu não estou agindo de forma que eu acharia que fosse errada, com relação
ao meio ambiente o que possa ser melhorado, caso feito melhorado por mim.(J, 24
anos).
Na nossa discussão e reavaliação das escutas, os idosos e aqueles com idade próxima a
60 anos, revelaram não se sentir à vontade para falar de futuro. Isto se deve ao fato de
sentirem, por um lado, que as conquistas materiais já foram alcançadas. O futuro, neste
aspecto, seria um passado que já foi projetado e se realizou. Por outro lado, na escala da
evolução, o avançar da idade não os permite projetar algo mais, assim, o futuro está em
função da expectativa de vida. O entrevistado A nos revela que a vida finda quando a
dimensão profissional é extinta e as conquistas financeiras são concretizadas.
Pessoas indicadas a você “pra” dizer, falar a respeito do futuro, não vai ser eu, nem
uma pessoa assim da minha idade, não. Acredito que pessoas que tem...O meu
futuro está avançado já! O que eu quis conseguir, eu já consegui. O que eu poderia
ter, eu já tenho. Então, eu já tenho o meu futuro em mãos. Agora, o futuro de muita
gente, de meus netos, de meu filho que tem 36 anos, o futuro do nosso amigo ali que
tem apenas 25 anos (em referência a um colega de trabalho que assistia a entrevista),
é uma coisa a pensar, né? Ou imaginar o que possa ser o futuro de cada um. Não
uma pessoa com 59 anos a pensar no futuro. Até quando? Até quando nós vamos
imaginar que nós podemos viver? É um tanto difícil, entendeu? pensar no futuro já
com 59 anos. Então, o senhor acha que o futuro seriam essas conquistas que o
senhor já tem? Exatamente! Eu já tive minhas conquistas, graças a Deus acima de
tudo, entendeu? E, hoje, estou bem satisfeito com o que Deus já me deu, ou possa
vir a me dar amanhã ou depois, entendeu? Mas, que pensar: “Ah, vou pensar no meu
futuro...” A quem? Há cem anos? Fica difícil....O senhor pensa o presente? Na
verdade, é. O presente é o ideal, entendeu? Questão de futuro vai ficar “pra” quem
tá crescendo, prá quem tá começando a vida... Eu, hoje em dia, já passei de me
aposentar, vou pensar em futuro? (A, 59 anos).
[...] Como a senhora caracteriza o futuro? É porque dentro dos meus conceitos
religiosos eu vejo assim: o homem nasce, cresce e morre, né? Mas há o estágio.
Cada estágio da vida, ele tem a infância, a adolescência, adulto e a senilidade. Então,
quando a gente chega nesse estágio que olha pra trás, a gente vê que poderia ter feito
muito mais,né? Que poderia ter feito mais alguma coisa. Então, quando a gente é
educado “pra” construir, né? Fazer construção, o que é construir pra mim? Construir
é proporcionar um bem-estar tanto pra mim como “pra” todos que nos cercam,
aonde a gente vive. Então, eu acho que, eu vejo e olho “pro” futuro, assim... Eu vejo
que há muito descaso, né? Até do próprio poder público, dos agentes que
administram, que estão à frente do poder, que deveria ter mais consciência de que se
nós não cuidarmos desse planeta, ele vai entrar num estagio que não vai ter mais
sobrevivência. Essa é a minha visão e na minha expectativa de vida, como eu já
tenho sessenta e quatro anos, eu espero que haja um maior processo de
conscientização pra que as pessoas vivam bem e que respeitem a natureza. (H, 64
anos).
6 Resultados e Discussões 95
O que você pensa do futuro? Que ideia você tem do futuro? O futuro é o
resultado do que, resultado do que eu estou fazendo agora no presente. (D, 14 anos)
Futuro pra mim... O futuro é tão (risos) tão indefinido,né? A gente, eu, na verdade
imagino muitas coisas boas. Claro,né? A gente sempre pensa. Agora... “pra” eu lhe
dizer em que sentido com relação aos riscos, eu acho que muito ainda tem que ser
feito “pra” que, a futura geração elas possam ter uma vida mais saudável. (K, 28
anos)
O que é futuro? É quando a gente realmente quer idealizar uma coisa melhor para
cada um de nós ou para sociedade, então pra mim o futuro se planta agora e não
esperar que aconteça, depender de governo ou de outras coisas que venham
acontecer, a partir da nossa posição que é tomada agora (M, 55anos)
Após o término da entrevista, K confessa estar nervosa e tensa e referiu um
desconforto físico, pois nunca havia refletido sobre os riscos ambientais ou sobre possíveis
eventos no futuro.
b) Crença de ser afetado pelos riscos no presente e no futuro;
Para esta parte relacionada ao futuro, trazemos as tabelas 6 e 7. Embora na tabela 6
exista o equilíbrio entre as gerações referente à sensação de ser afetado pelos riscos
ambientais no presente (76,53%), na tabela 7, podemos verificar que este sentimento é ainda
maior (97,62%) quando projetado para um futuro mais distante.
Tabela 6 - Crença de ser afetado ou não pelos riscos ambientais no presente.
Você sente que os problemas ambientais podem afetá-lo diretamente agora?
Amostra (anos) Sujeitos SIM NÃO
<15 74 50(67,56%) 24(32,43%)
Entre 15 e 24 111 85(76,58%) 26(23,42%)
Entre 25 e 59 81 70(86,42%) 11(13,58%)
>60 28 20(71,43%) 8(28,57%)
Total 294 225(76,53%) 69(23,47%)
6 Resultados e Discussões 96
Você sente que pode ser atingido neste momento? É..., sempre a gente anda
assim, com medo, qualquer coisa pode acontecer, qualquer hora. Você ver um caso
assim passando no jornal, você pensa: E se fosse comigo? E você se previne de
qualquer forma. Mesmo quem diz que não tem medo, tem medo. Ela só esconde isso
dos outros, mas ela tem? Ela se precaver de certa forma, de uma outra forma, mais a
gente sabe que, por enquanto, dá pra viver. Mas no futuro, com meus filhos, meus
netos, vai ficar mais difícil ainda e... eu sei que talvez nem chegue lá,né? (C, 17
anos.).
Você acredita que esses riscos podem atingi-los agora? Não, de imediato não.
Pelo menos onde eu moro (...) E no futuro? No futuro que vai ser presente
provavelmente, onde moro eu acredito que não, a gente não tem essa possibilidade
de algumas catástrofes. As catástrofes que vemos agora “é “catástrofe de chuvas, de
enchentes, pode até ser. (G, 46 anos).
Tabela 7- Crença de ser afetado ou não pelos riscos ambientais no futuro
c) Mensagem para a atual e para as próximas gerações.
É... Consciência! Que teremos que tomar consciência, que cada um deverá fazer a
sua parte dentro da natureza para termos um mundo melhor futuramente. Para outras
gerações que vêm aí [...] E essa geração, você acha que o mundo pode ser
melhor? Essa, a depender de conscientização de cada um, pode. A depender de cada
um fazer sua parte, (isso acontece) na natureza, na sociedade (M, 55anos).
Viva para o próximo e não pra você mesmo. Você viver pensando no próximo, é
essa mensagem que eu tenho, que você viver no próximo que vai estar aqui e não
pensando só em você no seu eu ( G, 46 anos).
É...,que vocês estão colhendo o que a gente plantou (M, 14 anos).
Você sente que os problemas ambientais podem afetá-lo diretamente no futuro?
Amostra (anos) Sujeitos SIM NÃO
<15 74 72(97,30%) 2(2,70%)
Entre 15 e 24 111 108(97,30%) 3(2,70%)
Entre 25 e 59 81 79(97,53%) 2(2,47%)
>60 28 28(100%) 0
Total 294 287(97,62%) 7(2,38%)
6 Resultados e Discussões 97
Assim, que as pessoas têm que se conscientizar que não é só o presente, Tem que
olhar muito o futuro dos nossos filhos, eu tenho uma filha e eu ensino muito isso a
ela, que ela tem que ajudar as pessoas, que ela tem que ver o lado das pessoas,Em
caso de acidente, de catástrofe a mesma coisa, ela tem que sentir e ajudar e ajudar as
pessoas (F, 31anos).
Eu acho que já esta na hora de parar, de fazer gerar... Gerar concepções do que é
melhor, porque o bom o mundo já nasceu com tudo que era. Então, o homem não
precisa dar essa de querer ser o tal, porque não vai contribuir nada para o mundo. O
homem tem apenas que amar a natureza, amar seu semelhante e agradecer todos os
momentos. Assim... como eu agradeço esse exato momento de tá passando essa
informação pra você (B, 60 anos).
Eu gostaria de dizer que todos nós temos a responsabilidade sobre o nosso futuro,
cada um tem que cumprir sua parte, né? Qualquer agressividade ao meio ambiente
qualquer coisa que venha desvirtuar a natureza, que vier transformar pelo próprio
poder humano, poder do homem, então isso pode causar dano. Então, tem que ter
uma consciência de que precisamos ter de garantir o nosso futuro e a continuidade
da espécie humana (H, 64 anos).
Diante do relato de G, percebemos que o lar é um refúgio seguro. Mais uma vez, “os
outros” podem ser afetados. Nós sentimos que somos ignorados dos fenômenos, justamente,
por não existir um contato direto com estes eventos. Em grande parte, as mensagens sinalizam
a tomada de consciência como processo e como fenômeno de consequências e de realização
palpáveis. A garantia da espécie humana, ainda, foi identificada como elemento de maior
predominância. Como pesquisadora, entendo que esses elementos são significativos. Destaco
quatro motivos relevantes na análise dessa parte da pesquisa.
Em relação às mensagens intergeracionais dos sujeitos pesquisados, o primeiro motivo
relevante é a identificação de foco antropocêntrico. Isso significa que a relação homem-
natureza é valorizada pela predominância do homem como sujeito e senhor, racional e digno
de vida, sobrepujando-se além da natureza e se diferenciando dela.
O segundo motivo corresponde à insistente referência ao parentesco e à filiação
genética. São os filhos, os humanos mais citados nas discussões sobre futuro e catástrofes
ambientais. A predominância desse aspecto faz brotar um altruísmo restrito no qual a
solidariedade é muitas vezes sustentada pela manutenção de heranças genéticas próprias ou
pertencentes a um determinado grupo de indivíduos. Os filhos, netos e descendentes formam a
parcela mais intimamente direcionada à preocupação dos entrevistados.
O terceiro motivo está relacionado ao romantismo idealista em relação à natureza. Os
participantes da pesquisa fazem referências ao “amor à natureza”, distorcendo e alimentando
uma relação supervalorizada e inacessível, como se não fizessem parte da própria natureza e,
ao mesmo tempo, se envolvessem na troca ou usufruto da mesma de modo conflitante e não
6 Resultados e Discussões 98
harmônico. Assim como na relação “amorosa” entre humanos, os conflitos existem em picos
de altos e baixos, amando e rejeitando, recompondo aos caprichos de um egoísmo tolo, a
relação constituída.
O quarto motivo é de natureza política em relação à vida. Identifica-se esse elemento
no recorrente apelo “às garantias” de um futuro digno para todos. Considerando o conjunto de
todos os elementos identificados nessa pesquisa, este último, condensa importante papel de
articulação entre todos os outros. “Garantia” significa não apenas possibilidade de manter a
vida no planeta, sobretudo, a manutenção da espécie humana. Quando se aborda tais
“garantias” é possível encontrar um substrato de ideologia capitalista sustentando toda lógica
do discurso. Garantia significa direito privado, antes do público; direito individual, em
primeira ordem ao coletivo.
Além disso, é possível inferir, com base nas entrevistas e nas interações com os
participantes da pesquisa que a “garantia” não é realizável pelo anseio de todos para todos,
mas se concentra nas mãos de um grupo de pessoas mais aptas a tornar possível cada etapa a
ser cumprida (aqui encontramos romantismo, alienação e subordinação à autoridade). O lema
“cada um faz sua parte” aparece insistentemente. Nisso, entende-se que os participantes
colidem entre seus interesses, sua liberdade individual e os ranços de subordinação a que
estão gravemente dispostos desde épocas distantes. É preciso, pois, perceber tais elementos na
disposição de cada um de seus limites, pertinência e relevância para a pesquisa em ciências
ambientais e interdisciplinaridade. Não são verdades, apenas pontos de vista, nascidos de toda
relação de entrega, aprendizagem e interesse em compreender em profundidade as faces de
todo o problema de pesquisa desenvolvido.
Conclusões 99
7 CONCLUSÕES
A conclusão de um trabalho de pesquisa requer um esforço não apenas pessoal, mas
representativo de todas as pessoas, circunstâncias e momentos vivenciados ao longo de sua
realização. É um momento de autoencontro, alteridade e de reflexão mútua. Esta pesquisa
teve como característica peculiar esse movimento. Desde seu início, habitando e construindo
uma relação não muito honesta e lúcida em relação ao tempo e suas temporalidades, vivi,
como pessoa, as sensações de seguir transitando sem a devida percepção centrada no que me
ocorria à frente, aqui e agora ou, ainda, naquilo que foi, como passado. Deparei-me com a
sensação do futuro: o que será? Nisso, a pesquisa me fez cessar esse modo de habitar o
tempo! Passado, presente e futuro se mesclam e fazem brotar a consciência, mesmo cheia de
incessa ‘nte e inconsistente relação com o vivido, o percebido, o partilhado, o visto junto.
É complexo e muito agradável falar dessa pesquisa. Com ela pude perceber processos
e mecanismos em valiosa interação dentro do tempo. As sensações humanas de insegurança,
medo, transtornos e dificuldades nascem dentro de um tempo e suas facetas de temporalidade.
É ao mesmo tempo cronologia e modo de vivência que vem de dentro para fora e que constrói
os contextos nos quais circulamos com nossos corpos, nossas ideias, nossas atitudes, escolhas,
ações etc. Como parte da conclusão desse trabalho, é possível elencar uma diversidade de
temas e de especificidades variadas que nos servem como resultados. Na fenomenologia,
resultados são enunciados significantes, relevantes e pertinentes ao problema de pesquisa
desenvolvido. Optei, como pesquisadora, elencar os mais insistentes encontrados na
construção fenomenológica pela qual essa pesquisa foi desenhada.
O primeiro enunciado corresponde, entre os pesquisados, à identificação da crença na
intervenção humana como contributiva no agravamento das catástrofes e/ou flagelos naturais.
Nesse sentido, o homem pode amenizar ou evitar maiores tragédias quando o assunto são os
flagelos naturais. Não é possível evita-los, todos. Mas é fundamental evitar que se acelerem
em frequência e proporção. Logo, a intervenção humana surge como revisão de posturas,
decisões e realização de comportamentos ou ações individuais, nacionais, setoriais, industriais
ou de consumo sobre os recursos naturais.
O segundo enunciado tangencia a questão da educação. A educação é apontada como
um agravante para a ocorrência de catástrofes. Mais a ausência de projetos consistentes e
menos superficiais em relação ao meio ambiente do que a inexistência de tentativas sobre a
Conclusões 100
problemática do futuro ambiental e da vida planetária. Assim, a educação é apontada como
não tendo eficácia concreta na consolidação de outro modo de se relacionar com as questões
planetárias e frente às questões do futuro ambiental e das catástrofes. A educação, tanto
formal quanto a informal, tem servido mais como elemento ilustrativo e informativo do que
como possuindo poderosa consolidação formativa do caráter humano. Conscientização não é
saber sobre algo ou discursar. Este foi um dos “vazios” encontrados na pesquisa.
O terceiro enunciado é representativo pelos próprios entrevistados quando se referem
não alterar seu comportamento diante da percepção ou audiência de flagelos ou catástrofes
ambientais produzidos pelos veículos de cultura de massa. O percentual de 53,74% admitem
sentir medo e insegurança, mas, não se mantêm na atenção focada sobre a problemática
anunciada pelos veículos de cultura de massa e nem é possível identificar a repetição, o
enquadramento e a estruturação das notícias, propagandas etc quando feitos com a mesma
intencionalidade de comunicação. Nisso, os participantes sentem medo e insegurança, mas
sentem-se atônitos brevemente e desligados momentos seguintes. O que eles alimentam é a
insegurança que apela por novo consumo da mesma porção de medo a fim de mantê-los com
a sensação de viventes em direção provável à extinção.
Há peculiaridades nesse terceiro enunciado de pesquisa. Dentre as gerações, aqueles
com idade superior a 60 anos são os que mais revelam, proporcionalmente, não se sentirem
afetados pelas notícias sobre as catástrofes ambientais ou alterarem seu comportamento em
função disso. Todavia, para os jovens, a possibilidade de não ser atingido recai muito mais
pelas favoráveis aparentes condições geográficas em que estão situados. Há o reconhecimento
da existência de catástrofes e/ ou flagelos de grandes proporções em outras partes do planeta,
entretanto ser afetado estaria num futuro remoto, os atingidos seriam sempre as vítimas
expostas na televisão. Os participantes da pesquisa menores de 15 anos acreditam ser os riscos
ambientais apenas eventos naturais. Logo, vivem entre atônitos e sobressaltados riscos na
relação cotidiana de perceber, esquecer e voltar à consciência a finitude imprevista de
qualquer instante em qualquer direção.
O quarto enunciado explicita a tendência de transferirmos nossas responsabilidades em
relação ao meio ambiente para os "outros" da nossa geração e os das próximas. Foi recorrente
essa dinâmica de construção social, expressa pelos participantes da pesquisa. Há conflitante
relação entre duas lógicas: individual e coletiva. Quanto ao plano individual, viver aqui-agora,
não assume como incompatível o consumo exagerado, fundado por uma necessidade de
participar do “bolo social”. Em nenhuma época tivemos tantas oportunidades de usufruto e de
Conclusões 101
estocagem à venda. Então, poder monetário associado à ideologia de consumo e ao
individualismo fundamenta a primeira lógica: individual. Quanto ao plano coletivo, o futuro
ambiental torna-se ameaçador. Quando analisado sob uma perspectiva do coletivo, o futuro
ambiental se associa às ações dos outros. São os outros ou as pessoas que deveriam, que
precisam etc. Individualmente pensar ou projetar um futuro ambiental transmite sensação de
medo e insegurança. Escapa às mãos de cada um e ao mesmo tempo depende disso. Futuro
ambiental é algo distante e não existente no aqui-agora.
O quinto e último enunciado elucida o futuro ambiental como projeto do presente.
Reflete todos os processos do quarto enunciado da pesquisa. Mas com uma característica: o
futuro é privado, mesmo coletivamente construído. A ideia de lar foi apresentada como um
refúgio seguro e como elemento que tem mantido a solidariedade entre os atores sociais
contemporâneos. Entretanto, o lar, mais intimista que a ideia de “casa”, advinda da ecologia,
corresponde ao cotidiano e suas atualizações e novidades contemporâneas. Lar significa
proteção e individualismo, direito a suprir necessidades individuais e garantias de
acolhimento e minimilização do medo. Lar é qualquer agrupamento que possa aquiescer o
frio da incerteza e nos dispor da momentânea sensação de “estamos juntos”. Mas, como
elemento contemporâneo, não se retém no tempo e nem permanece por muito tempo. Então,
futuro ambiental como projeto do presente traduz a dinâmica social contemporânea em seus
movimentos de idas e vindas, de seguir com outro tipo de consciência, seja focada em longos
e médios prazos, seja em pequenas porções de momentos. Futuro ambiental, riscos e medos
habitam em lares e nessa diversidade não estamos certos que estaremos assim tão seguros.
Referências 102
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Apêndices 111
APÊNDICES
Apêndices 112
APÊNDICE A – ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PROSGRAP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
jk
INTRODUÇÃO. Fulano (a). Quero agradecer pela oportunidade de conversarmos um pouco sobre o tema dessa nossa pesquisa que gira em torno da ideia de futuro, riscos ambientais e catástrofes ou flagelos naturais. Procure falar com o máximo de liberdade de opinião, baseando-se em suas crenças e em momentos de sua história de vida, dentro do recorte de suas memórias sobre riscos ambientais e a noção de futuro planetário. Fique tranquilo (a) e diga apenas o que for importante para você. Se em algum momento eu tiver dúvidas, permita-me fazer-lhe outras perguntas para que a gente possa entender melhor seu pensamento e suas opiniões e experiências de vida. Peço-lhe permissão para gravar seu depoimento e uso posterior na análise e escrita da dissertação porque será muito importante para o desenvolvimento e resultados da pesquisa.
1. Para iniciar, gostaria de concentrar nossa conversa pensando um pouco
sobre a sua percepção a respeito dos flagelos, catástrofes ou destruição naturais de média ou de grandes proporções. Fale-me um pouco sobre como você percebe tais fenômenos e o que você sente quando relaciona tais fenômenos à ideia de futuro.
2. Fale-me um pouco mais sobre sua visão a respeito do “futuro”. O que é futuro para você (definição), como você o caracteriza?
3. E os riscos ambientais? Como você os define, considerando a sua ideia de futuro e da possibilidade de ocorrerem mais catástrofes naturais de média e de grandes proporções.
4. Que imagens surgem na sua cabeça quando associamos os termos futuro, insegurança, riscos ambientais, catástrofes ou flagelos naturais? Diante dessas imagens, o que você sente?
5. Que mensagem você gostaria de deixar para a sua geração e para as gerações futuras a respeito do tema de nossa conversa (futuro, riscos ambientais e catástrofes ou flagelos naturais).
Agradeço e peço autorização para dividir com a Universidade, através da
escrita da dissertação, a riqueza de suas experiências.
ENTR
EVIS
TA S
EMID
IRIG
IDA
Apêndices 113
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO FECHADO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PROSGRAP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO
AMBIENTE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
INTRODUÇÃO. Caríssimo (a), inicialmente agradece sua colaboração no desenvolvimento dessa pesquisa. A caracterização da ideia de futuro, riscos ambientais e catástrofes ou flagelos naturais é o ponto central do nosso trabalho. Procure assinalar as alternativas com o máximo de liberdade de opinião que você possa exercitar, baseando-se em suas crenças e em momentos de sua história de vida, dentro do recorte de suas memórias sobre riscos ambientais e a noção de futuro planetário. Fique tranquilo (a)! Será rápido. Peço-lhe permissão para utilizar esse questionário durante a análise e escrita da dissertação porque será muito importante para o desenvolvimento e resultados da pesquisa.
1. Iden 1. Identificação Nome: ______________________________________ Faixa Etária: entre 15 e 24 anos entre 25 e 59 anos. acima de 60 anos Sexo masculino Feminino Grau de Instrução não alfabetizado ensino fundamental incompleto ensino fundamental completo ensino médio incompleto ensino médio completo ensino superior (graduação) ensino superior (especialização Lato Sensu) ensino superior (mestrado) ensino superior (doutorado) 2. Sua ideia a respeito do futuro planetário é:
Melhor que hoje para a vida humana Ameaçador à vida humana
Não tenho ideia
QU
ESTI
ON
ÁR
IO F
ECH
AD
O
Apêndices 114
3. Tipo de veículo de comunicação que mais utiliza para se manter informado sobre notícias gerais Televisão Rádio Jornais e revistas impressos Internet
Outros:__________________________ 4. Você associa riscos ambientais a
Ação do homem na natureza Eventos naturais a que todos podem estar submetidos Eventos tanto naturais quanto por ação humana na natureza e que podem afetar a todos
5. Diante da audiência ou percepção a respeito de notícias veiculadas
por jornais, revistas, televisão etc. seu comportamento expresso corresponde a: Medo, insegurança referente às catástrofes/flagelos ambientais, mas
não altero meu comportamento. Medo, insegurança referente às catástrofes/flagelos ambientais, altero meu comportamento.
Não me sinto afetado ou altero meu comportamento.
6. Você sente que os problemas ambientais podem afetá-lo diretamente agora? Sim Não
7. Você sente que os problemas ambientais podem afetá-lo diretamente no futuro? Sim
Não
QU
ESTI
ON
ÁR
IO F
ECH
AD
O
Apêndices 115
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA REALIZAÇÃO
DA PESQUISA NAS DEPENDÊNCIAS DA UFS
Apêndices 116
APÊNDICE D – CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PRODEMA
Apêndices 117
APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E
MEIO AMBIENTE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O menor __________________________________________, sob sua responsabilidade, está
sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa “MEMÓRIA
GERACIONAL E RISCOS AMBIENTAIS NO SÉCULO XXI”. Nesta pesquisa,
pretendemos “CARACTERIZAR AS PROJEÇÕES FUTURAS DE DIFERENTES
GERAÇÕES FRENTE AOS RISCOS AMBIENTAIS”.
Pretende-se analisar os tipos de influências exercidas pelas memórias de diferentes
gerações na caracterização do “futuro ambiental”, considerando a percepção dos riscos
ambientais nas condutas de atores sociais de diferentes gerações quanto às experiências
sociais diretas ou indiretas. Para esta pesquisa adotaremos os seguintes procedimentos:
“aplicação de questionário fechado com 05 questões e entrevistas semi-dirigidas
gravadas em áudio com duração de aproximadamente 10 minutos.” Para participar desta
pesquisa, o menor sob sua responsabilidade não terá nenhum custo, nem receberá qualquer
vantagem financeira. Ele será esclarecido (a) em qualquer aspecto que desejar e estará livre
para participar ou recusar-se a participar. Você, como responsável pelo menor, poderá retirar
seu consentimento ou interromper a participação dele a qualquer momento. A participação
dele é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade. O menor não
será identificado em nenhuma publicação. Esta pesquisa não apresenta risco ao menor.
Os resultados estarão à sua disposição quando finalizados. O nome ou o material que
indique a participação do menor não será liberado sem a sua permissão. Os dados e
instrumentos utilizados na pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um
período de 5 (cinco) anos, e após esse tempo serão destruídos. Este termo de consentimento
encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador
Apêndices 118
responsável, e a outra será fornecida a você. Anexo, está o termo de consentimento
conseguido junto à autoridade máxima da UFS para a realização desta pesquisa nas
dependências da Instituição.
Eu, _________________________________________, portador (a) do documento de
Identidade ____________________, responsável pelo menor
____________________________________, fui informado (a) dos objetivos do presente
estudo de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento
poderei solicitar novas informações e modificar a decisão do menor sob minha
responsabilidade de participar, se assim o desejar. Recebi uma cópia deste termo de
consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas
dúvidas.
São Cristóvão-SE ____ de ______________ de 20___.
_____________________________________
Assinatura do (a) Responsável
_____________________________________
Assinatura da Pesquisadora
Em caso de dúvidas com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá consultar:
PESQUISADOR RESPONSÁVEL: ANDRÉA MARIA SARMENTO MENEZES
ENDEREÇO: AV. MARECHAL RONDON, S/N. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CEP: .49.100-00 –SÃO CRISTÓVÃO-SE FONE: (79)2105-6487. E-MAIL: