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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCar Departamento de Engenharia Civil - DECiv PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA-PPGEU O Estatuto da Cidade e os Planejamentos de Transporte e de Circulação CATHERINE D’ANDREA Orientador: Archimedes Azevedo Raia Jr. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Engenharia Urbana. SÃO CARLOS JUNHO DE 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – UFSCar

Departamento de Engenharia Civil - DECiv

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA-PPGEU

O Estatuto da Cidade e osPlanejamentos de Transporte e de

Circulação

CATHERINE D’ANDREA

Orientador: Archimedes Azevedo Raia Jr.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós Graduação em Engenharia Urbana

da Universidade Federal de São Carlos –

UFSCar, como parte dos requisitos para

obtenção do título de mestre em

Engenharia Urbana.

SÃO CARLOS

JUNHO DE 2004

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

PPGEU - UFSCarCATHERINE D’ANDREA

i

Aos meus pais Flávio e Heliana, que sempre

me apoiaram, incentivaram e possibilitaram

a concretização de todos os meus objetivos.

Ao Eduardo, por sua compreensão e apoio

durante o desenvolvimento deste trabalho.

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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ii

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr., por sua dedicada orientação e

motivação no desenvolvimento deste trabalho.

À minha família pelo apoio e incentivo.

Às amigas Mariana, Daniela e Vivian pelo acolhimento e momentos alegres.

A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na execução deste trabalho.

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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RESUMO

Um dos maiores problemas enfrentados pelas cidades brasileiras é a falta deplanejamento e a crescente urbanização que ocorre de forma descontrolada, queimpactam significativamente, dentre outros, os sistemas de transporte ecirculação. Além disso, os planejamentos dos diversos sistemas urbanos, via deregra, são realizados de forma sectária. Porém, desde julho de 2001, as cidadesbrasileiras passaram a conviver com uma nova legislação que estabeleceuimportantes diretrizes para a política urbana, visando a um desenvolvimentourbano sustentável. É o “Estatuto da Cidade-EC”, nome dado à Lei 10.257/01, queregulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.

As diretrizes apresentadas no texto desta lei, no entanto, parecem não terdespertado quase nenhum interesse aos técnicos e pesquisadores das áreas deplanejamento de transportes e de circulação, visto que muito pouco foi publicado edebatido sobre o tema. Embasado no conceito de que o planejamento urbanodeve ser conduzido de maneira abrangente e harmônica, ou seja, considerando osdemais sistemas urbanos, tais como: transportes, circulação, saneamento, meioambiente, etc., admitiu-se como hipótese que, se o Estatuto é realmente umaferramenta importante para o planejamento das cidades, é igualmente significativopara os planejamentos de transportes e circulação.

Em vista disso, estabeleceu-se como objetivo deste trabalho realizar umapesquisa estritamente teórica, a partir de reflexões aprofundadas sobre o Estatutoda Cidade, sobre sua possível correlação com os sistemas de transportes ecirculação, para a comprovação da hipótese estabelecida. O método analíticoutilizado buscou interfaces entre as 16 diretrizes contidas no EC e osplanejamentos de transportes e circulação, por meio de experiências relatadas naliteratura, bem como reflexões pessoais do autor.

Os resultados obtidos puderam, de maneira geral, comprovar a hipóteseestabelecida. Algumas diretrizes, não só se mostraram fortemente correlacionadascom as áreas enfocadas como confirmaram a importância do transporte ecirculação na construção de cidades sustentáveis, objetivo geral do EC. Outrasdiretrizes se mostraram razoavelmente aderentes, enquanto poucas apresentaramuma tênue aderência.

Palavras Chave: - Estatuto da Cidade; Planejamento Urbano; Planejamento de

Transporte; Planejamento de Circulação.

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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ABSTRACTOne of the greatest problems faced by Brazilian cities today is the lack of planningand the increasing uncontrolled urbanization, which has had a significant impactover the transportation and circulation systems. Moreover, the planning of thediverse urban systems are usually carried through in a sectarian way. However,since July 2001, Brazilian cities have started to live under a new legislation whichhas established important guide lines for urban policy, aiming at a sustainableurban development: "Estatuto da Cidade-EC" (Statute of Cities) was the namegiven to the Law 10.257/01, which regulated articles 182 and 183 of the BrazilianFederal Constitution.

The guide lines presented by the law, however, don't seem to have caused mucheffect on the technicians and researchers of the transportation and circulationplanning areas, since not many works on the subject have been published orbrought to debate. Based on the concept that urban planning must be led in anincluding and harmonic way, that is, taking into consideration the other urbansystems, such as, transportation, circulation, sanitation, environment, etc. - it wasadmitted, as a hypothesis that, if the "Estatuto" really is an important tool for theplanning of cities, it ought to be equally significant for transportation and circulationplannings.

The objective of this work was to carry out a research based on reflectionsdeepened about the "Estatuto da Cidade" and on its possibility of correlation withthe transportation and circulation systems, for the evidence of the establishedhypothesis. The analytical method used searched interfaces between the 16 guidelines contained in the EC and the transportation and circulation plannings, bymeans of experiences reported on the literature, as well as by personal reflectionsof the author. The results suggested the established hypothesis was true. Someguide lines not only revealed themselves strongly correlated with the focusedareas, but, also, confirmed the importance of transportation and circulation in theconstruction of sustainable cities, which was general objective of the “Estatuto daCidade”. Other guide lines showed themselves reasonably adherent, while a fewpresented a tenuous tack.

Key Words:- "Estatuto da Cidade"; Urban Planning; Transportation Planning;Circulation Planning.

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1

1.1 OBJETIVO ................................................................................................................................. 2

1.2 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÃO......................................................................................... 3

1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO .................................................................................................. 3

2 PROBLEMÁTICA DAS CIDADES BRASILEIRAS ............................................ 5

2.1 PROCESSO DE URBANIZAÇÃO.............................................................................................. 5

2.2 PLANEJAMENTO URBANO...................................................................................................... 8

2.3 GESTÃO URBANA .................................................................................................................. 14

3 PLANEJAMENTO E GESTÃO DO TRANSPORTE URBANO ........................ 19

3.1 A CRISE DO TRANSPORTE................................................................................................... 19

3.2 PROBLEMAS RELACIONADOS AO TRANSPORTE E TRÂNSITO ...................................... 21

3.3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS COM TRANSPORTE URBANO ............ 24

4 O ESTATUTO DA CIDADE .............................................................................. 33

4.1 O ESTATUTO E SUAS DIRETRIZES ..................................................................................... 38

4.2 INOVAÇÕES CONTIDAS NO ESTATUTO DA CIDADE......................................................... 42

5 LEITURAS DO ESTATUTO DA CIDADE ........................................................ 46

5.1 LEITURA DO EC COM ENFOQUE NO PLANEJAMENTO URBANO EM GERAL ................ 47

5.2 LEITURA DO EC COM ENFOQUE NO PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE E DECIRCULAÇÃO................................................................................................................................... 53

6 METODOLOGIA ............................................................................................... 61

7 ESTUDO DAS DIRETRIZES ............................................................................ 64

7.1 DIRETRIZ I – GARANTIA DO DIREITO A CIDADES SUSTENTÁVEIS................................. 65

7.2 DIRETRIZ II – GESTÃO DEMOCRÁTICA POR MEIO DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃOEM PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO URBANO; .................................................................... 70

7.2 DIRETRIZ XIII – AUDIÊNCIA DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL E DA POPULAÇÃOINTERESSADA NOS PROCESSOS DE IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS ................... 71

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7.3 DIRETRIZ III – COOPERAÇÃO ENTRE GOVERNOS, A INICIATIVA PRIVADA E OSDEMAIS SETORES DA SOCIEDADE NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO................................. 76

7.4 DIRETRIZ IV – PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES, DADISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO E DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS DOMUNICÍPIO DE MODO A EVITAR E CORRIGIR AS DISTORÇÕES DO CRESCIMENTO URBANO

81

7.5 DIRETRIZ V – OFERTA DE EQUIPAMENTOS URBANOS E COMUNITÁRIOS,TRANSPORTE E SERVIÇOS PÚBLICOS ADEQUADOS AOS INTERESSES E NECESSIDADESDA POPULAÇÃO .............................................................................................................................. 86

7.6 DIRETRIZ VI – ORDENAÇÃO E CONTROLE DO USO DO SOLO, DE FORMA A EVITAR: 88

7.7 DIRETRIZ VII – INTEGRAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES URBANAS E RURAIS................. 95

7.8 DIRETRIZ VIII – ADOÇÃO DE PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO DE BENS ESERVIÇOS E DE EXPANSÃO URBANA COMPATÍVEIS COM OS LIMITES DASUSTENTABILIDADE AMBIENTAL, SOCIAL E ECONÔMICA DO MUNICÍPIO............................. 98

7.9 DIRETRIZ IX – JUSTA DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS E ÔNUS DECORRENTES DOPROCESSO DE URBANIZAÇÃO................................................................................................... 100

7.10 DIRETRIZ X – ADEQUAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA ECONÔMICA,TRIBUTÁRIA E FINANCEIRA E DOS GASTOS PÚBLICOS AOS OBJETIVOS DODESENVOLVIMENTO URBANO.................................................................................................... 103

7.11 DIRETRIZ XI – RECUPERAÇÃO DOS INVESTIMENTOS DO PODER PÚBLICO DE QUETENHA RESULTADO A VALORIZAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS .............................................. 105

7.12 DIRETRIZ XII – PROTEÇÃO, PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTENATURAL E CONSTRUÍDO, DO PATRIMÔNIO CULTURAL, HISTÓRICO, PAISAGÍSTICO EARQUEOLÓGICO........................................................................................................................... 106

7.13 DIRETRIZ XIV – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE ÁREAS OCUPADASPOR POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA.......................................................................................... 110

7.14 DIRETRIZ XV – SIMPLIFICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE PARCELAMENTO, USO EOCUPAÇÃO DO SOLO E DAS NORMAS EDILÍCIAS ................................................................... 112

7.15 DIRETRIZ XVI – ISONOMIA DE CONDIÇÕES PARA OS AGENTES PÚBLICOS EPRIVADOS NA PROMOCÃO DE EMPREENDIMENTOS E ATIVIDADES RELATIVOS AOPROCESSO DE URBANIZAÇÃO................................................................................................... 114

8 RECOMENDAÇÕES CONCLUSÕES ............................................................ 116

FONTES CONSULTADAS ................................................................................. 121

ANEXO................................................................................................................ 134

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O Planejamento Urbano, no Brasil, tem se apresentado, de maneira geral,

dissociado das diversas áreas correlatas: transportes, circulação, saneamento,

meio ambiente, etc. Assim a gestão dos sistemas urbanos se desenvolve como se

cada um dos seus subsistemas fossem independentes e, portanto, planejados e

operados de forma segmentada.

Esta maneira de tratar o planejamento urbano, nas suas mais diferentes

manifestações e óticas, tem trazido conseqüências bastante danosas, com

impactos financeiros, sociais e em termos de deseconomias urbanas, dentre

outros.

Um dos problemas mais sérios enfrentados pelas cidades brasileiras é a

evolução urbana desordenada, agravada pela falta de planejamento. Esta

evolução desordenada tem alterado os padrões de acessibilidade intra-urbana e

afetado os sistemas de transportes de nossas cidades. Assim, é necessário

considerar as inter-relações das variáveis internas do sistema de transporte com

as demais variáveis da estrutura urbana.

1 INTRODUÇÃO

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No entanto, parece ter surgido uma nova ferramenta capaz de trazer algum

alento. Os municípios brasileiros passaram a conviver, desde julho de 2001, com

uma nova legislação que poderá trazer como conseqüência mudanças nas

condições de vida de toda a população, além de impactar significativamente a

gestão municipal e os administradores, legisladores, etc. É o “Estatuto da Cidade”,

nome dado à Lei 10.257/01, que regulamentou os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, trazendo em seu bojo, novas e importantes diretrizes, de

maneira geral, para a política urbana nacional, no âmbito dos municípios.

O Estatuto da Cidade estabelece dezesseis diretrizes gerais para a política

de desenvolvimento urbano sustentável, disponibilizando para os municípios e

regiões metropolitanas um conjunto de instrumentos que podem ser utilizados

para direcionar o desenvolvimento das cidades.

Como o Planejamento do Transporte Urbano (PTU) e o Planejamento de

Circulação (PC) são partes integrantes do Planejamento Urbano (PU), e

considerando que o Estatuto da Cidade (EC) traz importante diretriz para o PU,

por hipótese, pode-se adotar que o EC traz também importantes implicações para

os Planejamentos de Transporte e de Circulação. Apesar dessa hipótese, leituras

preliminares, abrangendo artigos, livros e textos em geral, mostraram que os

autores destacaram a importância, o significado e as implicações da nova lei, e

muito pouco se referenciaram aos Planejamentos de Transporte e de Circulação.

Vale ressaltar que este trabalho estabeleceu o objetivo que se segue, no

sentido de confirmar a hipótese aqui adotada como verdadeira.

1.1 OBJETIVO

Estabeleceu-se como objetivo precípuo deste trabalho a realização de um

estudo conceitual das diretrizes do Estatuto da Cidade, procurando-se demonstrar

a existência de supostas relações entre este novo instrumento urbanístico e os

Planejamentos de Transportes e de Circulação Urbana.

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1.2 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÃO

O desenvolvimento do ambiente urbano pode ser controlado e dirigido por

ações de planejamento no sentido amplo, seguido da adoção de medidas

concretas e específicas em vários setores. O mais abrangente deles é o que

define o uso e a ocupação do solo que, por sua vez, tem relação estreita com os

setores de transporte e de circulação.

O planejamento das atividades humanas é fundamental sob os mais

diversos enfoques. Planejar é tentar antever e diagnosticar problemas e mobilizar

recursos e esforços para corrigir e transformar positivamente as situações

indesejáveis e socialmente injustas.

No Brasil, o planejamento urbano, em geral, nem sempre atinge esses

objetivos, seja pela falta de coordenação de ações, pela falta de controles efetivos

sobre os agentes, por incapacidade de superar os conflitos políticos e econômicos

inerentes ao desenvolvimento urbano ou por excessiva rigidez na definição dos

padrões aceitáveis. Mudar esta situação é, portanto, um desafio para os

administradores municipais.

Diante disso, a contribuição esperada para este trabalho é a de auxiliar a

difusão, a reflexão, o aprofundamento desse instrumento, para que o Estatuto

possa ser adotado largamente pelas administrações municipais, ajudando, assim

na melhoria do processo de planejamento urbano brasileiro.

1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO

O presente trabalho está estruturado em 9 capítulos, cada um subdivido em

itens. O Capítulo 1 trata da introdução, e descreve o objetivo, a hipótese a ser

comprovada, a justificativa e a contribuição esperada.

O Capítulo 2 aborda a problemática das cidades brasileiras desde o

processo de urbanização até a falta de planejamento urbano e dificuldades na

gestão dos municípios.

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4

O Capítulo 3 é voltado para o planejamento de transporte em si,

explicitando os problemas relacionados ao transporte e circulação, e as possíveis

soluções para tais problemas.

A apresentação do mais novo instrumento urbanístico em forma de lei,

denominado Estatuto da Cidade, suas diretrizes e inovações encontra-se no

Capítulo 4.

Já o Capítulo 5 mostra as abordagens sobre o Estatuto da Cidade feitas por

especialistas urbanos e por profissionais ligados diretamente a área de transporte.

O Capítulo 6 descreve a metodologia a ser utilizada para comprovar a

hipótese descrita no início deste trabalho.

O estudo das diretrizes do Estatuto da Cidade, disposto como resultado

deste trabalho, está apresentada no Capítulo 7.

Recomendações e conclusões consideradas importantes fazem parte do

Capítulo 8.

Finalmente está relacionada a bibliografia consultada (citada ou não no

texto) para elaboração deste trabalho.

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2.1 PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

As cidades são criadas e desenvolvem-se para atender às necessidades

humanas. Estas somente podem ser atendidas por homens que vivam juntos,

numa organização comunitária. O comércio, a indústria, a administração

governamental, as vantagens culturais da região, a educação, a recreação e os

divertimentos, e ainda as oportunidades de contatos sociais e a fácil aquisição de

bens e serviços são forças responsáveis pela origem e desenvolvimento das

cidades (SEDU/PR, 1999).

As cidades se originaram a partir das vilas, ou de pequenas civilizações,

que tiveram influência de fatores, como a necessidade de fixar-se no espaço e

dividir-se em classe sociais. Segundo Mumford (1982, p.11),

“Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia;

antes da aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão

de pedras; e antes de tudo isso, houve certa predisposição para a

2 PROBLEMÁTICA DAS CIDADESBRASILEIRAS

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vida social que o homem compartilha, evidentemente, com diversas

outras espécies animais”.

Munford (1982) ainda assemelha a formação das cidades com a

organização de insetos como abelhas e formigas, principalmente pelas funções

sociais da colmeia e do formigueiro, da divisão do trabalho, da diferenciação das

castas, etc.

Todos esses fatores continuam a atrair gente para as comunidades

urbanas. A atração ou a combinação de atrações, causa determinante, a princípio,

do nascimento de uma cidade, nem sempre é responsável pelo seu subseqüente

desenvolvimento. Na verdade, as cidades crescem e definham na medida que as

forças, responsáveis por sua origem e desenvolvimento continuam em ação,

desaparecem ou são substituídas por outras.

As cidades podem crescer tanto de dentro para fora como de fora para

dentro. O primeiro caso resulta do excesso de nascimentos em relação aos óbitos,

não é, como regra, numericamente muito significativo. Já o segundo caso pode

derivar do desemprego de trabalhadores do campo em virtude do aperfeiçoamento

da maquinaria agrícola, de progressos industriais que atraem operários e

respectivas famílias das zonas rurais e de outras cidades, e de um complexo de

forças que têm provocado o constante movimento migratório para orlas marítimas,

fluviais ou lacustres do país, e para regiões metropolitanas.

A princípio, a topografia é de influência decisiva e determina,

freqüentemente, a direção do crescimento da cidade, desviando-se de colinas ou

barreiras aquáticas. Como regra geral, a terra plana é procurada para comércio,

as elevações moderadas para residências, o nível do mar para empresas de

transporte e respectivos armazéns e oficinas.

Para Serra (1987), o espaço a ser adaptado pode ser natural ou não, sendo

que o espaço natural é um dos determinantes da forma do espaço humano e pode

ser descrito por um conjunto de variáveis como relevo, hidrografia, clima, flora

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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disponibilidade de materiais de construção entre outros. E completa, afirmando

que:

“... a forma da adaptação construída dependerá da declividade do

terreno, de sua origem e orientação, da importância do isolamento e

das condições de conforto térmico, assim como, dos tipos de técnicas

e materiais empregados” (SERRA, 1987, p.54).

Os embriões das modernas comunidades urbanas surgiram a partir das

feiras e centros de intercâmbio, resultantes da intensificação das trocas comerciais

da Idade Média. Aqueles centros urbanos tinham uma estrutura simplificada, com

fatores produtivos pouco especializados e funções econômicas e organizacionais

uniformes e desconcentradas. Não tendo sido consolidados ainda mecanismos de

mercado para a produção e comercialização, as especializações no uso do solo

eram reduzidas, não havendo diferenciações acentuadas de funções entre os

centros urbanos.

Sabe-se que o grande impulso no processo de urbanização correspondeu,

nos dois últimos séculos, em grande parte, ao processo de industrialização. Este

resultou de uma interação da abertura de mercados, do aumento da escala de

produção, da aglutinação de pequenas unidades artesanais em unidades

produtivas maiores, e novos esquemas de divisão de trabalho, que condicionaram,

cumulativamente, acréscimos na produtividade e aumentos nos níveis de renda.

À medida que o processo de produção se tornava mais complexo e

aumentavam as densidades urbanas, verificava-se a dissociação espacial entre

locais de residência. Os cidadãos passavam a habitar locais nem sempre

próximos ao seu trabalho, ao contrário do que acontecia nas áreas rurais ou semi-

urbanas de origem.

O ritmo de crescimento nas cidades brasileiras vem aumentando ao longo

do tempo, principalmente no núcleo das aglomerações urbanas. Segundo

SEDU/PR (1999), desde a transição demográfica dos anos 1960 aos anos 1970,

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quando a maioria da população brasileira transformou-se de rural para urbana,

são crescentes os graus de urbanização atingidos no Brasil. De 56% de população

urbana, em 1970, as cidades passaram a abrigar 68% dos habitantes, em 1980 e,

em 1996, chegaram a 78%. Neste período, a população brasileira cresceu a uma

taxa de 22%, da década de 70 para a de 80, passando a cerca de 90 milhões para

120 milhões de habitantes; e de 31%, de 1980 para 1996, alcançando

aproximadamente 127 milhões de habitantes (IBGE, 2003).

Segundo o Censo de 2000, a população urbana do Brasil chegou a

aproximadamente 138 milhões, alcançando 81% da população total (IBGE, 2003).

Trata-se, portanto, de um acelerado processo de crescimento populacional,

impulsionado, fundamentalmente, pela população das cidades.

Segundo ANTP (2001), o modelo de desenvolvimento urbano brasileiro é

marcado pelas seguintes características:

• Industrialização com baixos salários – gerando um mercado residencial

restrito;

• Gestões urbanas (prefeituras e governos estaduais) com tradição de

investimentos regressivos – provocando áreas de acumulação de

investimento em detrimento das demais;

• Legislação ambígua e aplicação arbitrária da lei – consagrada em Planos

Diretores;

• Legislação elitista, convivendo lado a lado com o crescimento da cidade

ilegal.

2.2 PLANEJAMENTO URBANO

Os planos urbanísticos na maioria das cidades do mundo, desde a

antigüidade, têm refletido as funções principais para cujo preenchimento a cidade

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foi criada. As cidades medievais, por exemplo, limitadas pelas muralhas, foram

planejadas para servir à necessidade primordial de defesa militar (AIAM, 1965).

Quer o plano urbanístico original de uma cidade tenha sido fruto de uma

visão curta ou não, apresenta ele uma determinada característica: logo estará

superado e necessitará de modificações para satisfazer a mudança de condições.

O planejamento não termina com a conclusão do plano. Muitas

municipalidades assim pensaram; na maioria de tais casos é possível identificar a

cidade planejada originalmente – se o plano for obedecido – e o desenvolvimento

posterior não planejado. Não basta nomear uma comissão provisória de

planejamento ou contratar um técnico de planejamento para preparar o plano, e,

pronto este, considerar a tarefa terminada. O planejamento é uma função

necessária e contínua do governo.

A meta básica do planejamento urbano é a elaboração de um plano geral

para o desenvolvimento futuro da comunidade e, em seguida, a adoção de

medidas indicadas para efetivação do plano na prática (SEDU/PR, 1999).

O objetivo amplo do planejamento é promover o bem-estar dos habitantes

da comunidade, concorrendo para criar na mesma um ambiente cada vez melhor,

mais saudável, conveniente, eficiente e atraente. O planejamento urbano consiste

em métodos e técnicas para coordenar e harmonizar ao máximo as numerosas e

variadas construções públicas e particulares, e o aproveitamento dos terrenos.

Uma das partes mais importantes do planejamento urbano é a que se refere

ao uso do solo e distribuição do mesmo por toda a comunidade. O plano de uso

do solo determinará, dentro dos limites, onde o povo vai morar na cidade, onde vai

trabalhar e onde vai fazer as compras. As escolhas das áreas industriais,

residenciais e de lazer muito influirão no tempo a ser despendido pelos residentes

da cidade em transporte e locomoção.

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O desenvolvimento não planejado das cidades, sob a influência das forças

econômicas, não tem evitado a mistura indevida de tipos incompatíveis de

utilização do solo, inclusive a intromissão de usos industriais e comerciais dentro

de áreas residenciais. Isso resulta num congestionamento prejudicial ao bem estar

da comunidade, e à tendência para mudanças na questão do uso do solo, levando

a necessidade de um zoneamento da cidade (AIAM, 1965).

Por outro lado, usos mistos, que sejam compatíveis, tanto no sentido

construído, como no sentido ambiental, podem, em muitos casos, contribuir para o

controle dos congestionamentos e melhoria da vida da comunidade. Pois com a

concentração de vários tipos de uso do solo, como comercial, residencial,

industrial etc., desde que sua implantação não seja prejudicial à vizinhança, pode-

se diminuir o número de viagens por modo motorizado contribuindo-se para a

maior fluidez do trânsito.

O planejamento da cidade tratará dos serviços e instalações postos à

disposição da população pelos órgãos públicos e semipúblicos: ruas, vias férreas,

bondes, ônibus, edifícios públicos, água, eletricidade, lazer e outros serviços de

utilidade pública.

É válido lembrar que o plano da cidade é, primordialmente, um plano para o

povo. Os tipos de parques e outros centros de lazer, que a municipalidade

proporciona, e o programa que se leva avante com tais empreendimentos

ajudarão a determinar como os habitantes despenderão suas horas de lazer. As

ruas e os meios de transporte serão importantes para determinar a distância que

terão de percorrer na cidade e o tempo despendido nesses deslocamentos.

A forma como uma cidade se desenvolve é determinada por um conjunto de

forças e interesses individuais, do Estado e das organizações privadas, que se

entrelaçam de forma complexa. Os futuros possíveis para a cidade dependerão

muito das escolhas sociais e da organização urbana que forem feitas, e nelas

estão implícitas as opções que forem tomadas em relação aos transportes e à

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mobilidade espacial das pessoas. Todos os agentes e processos que interagem

de forma complexa, “produzindo” o espaço urbano (Estado, setor privado,

população, valor da terra e dinâmica da economia), influenciam a forma como os

sistemas de transporte e trânsito são organizados e usados. (RAIA JR. &

D’ANDREA, 2002).

As cidades brasileiras apresentam, em geral, um alto grau de concentração

espacial dos serviços, equipamentos e infra-estrutura pública; uma alta

concentração de renda em bairros bem equipados e cada vez mais exclusivos; um

aumento da ocupação irregular do solo urbano; um deslocamento da população

de baixa renda para as áreas mais distantes do centro da cidade e desprovidas de

urbanização, constituindo, geralmente áreas insalubres, como encostas de morro

e de canais hídricos; um declínio das finanças municipais e da capacidade do

Estado intervir na cidade; uma deficiência do transporte coletivo público; um

crescimento da violência urbana, dentre outros fenômenos. (SEDU/PR, 1999).

Assim, está ocorrendo um aprofundamento das desigualdades sócio-

espaciais das cidades brasileiras, com a produção de um padrão de uso do solo

urbano crescentemente segregado e disperso.

A falta de planejamento e controle – que deveriam ordenar o uso e a

ocupação do solo – permite que o desenho urbano seja paulatinamente construído

sob pressões das forças do mercado (inclusive o processo especulativo), que

tendem a direcionar seus investimentos em regiões que apresentem maior

acessibilidade, com resultados que constatam severos impactos ao meio ambiente

e ao sistema de circulação.

A crescente urbanização e crescimento econômico tendem a agravar cada

vez mais as dificuldades dos deslocamentos de pessoas e mercadorias, assim

como a diferenciação nos padrões de uso do solo, nas cidades de médio e grande

porte, que reflete um complexo processo de diversificação das atividades

econômicas, sociais, de lazer, etc. O uso do solo é condicionado não só pelas

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especializações produtivas, bem como pelas relações internas - entre setores

produtivos, e externas, envolvendo um processo interativo das áreas urbanas com

as economias regional e nacional, e também pela divisão social do trabalho.

Mas, além das características de sua estrutura econômica, um outro fator

importante no condicionamento do uso do solo é a acessibilidade. Por

acessibilidade, entende-se a disponibilidade de infra-estrutura viária e sistemas

operacionais adequados à circulação de pessoas e bens, e expressa a distância

percorrida, o tempo despendido e o custo do transporte nos deslocamentos da

população.

A cidade ilimitada, sob o impulso do uso ampliado do automóvel e do

frenético movimento do mercado imobiliário, estimula, a médio prazo, a expansão

urbana e a dispersão das atividades, eleva o consumo de energia, e cria grandes

diferenças de acessibilidade às atividades, desafiando continuamente as

ineficientes redes de transporte (SEDU/PR, 1999).

Sendo assim, a garantia de mobilidade e facilidade de contatos que o

sistema de transporte pode proporcionar ao cidadão (habitante urbano em geral),

é de extrema importância, pois um dos mais relevantes propósitos das

concentrações urbanas é justamente o de facilitar contatos e aproximar atividades.

A falta de um planejamento é na maioria das vezes a principal causa do

crescimento descontrolado das cidades e dos processos de urbanização

inadequados e aleatórios que causam enormes problemas para à vida urbana.

Toda essa problemática passa, dentre outros motivos, pela pouca cultura

de planejamento existente no Brasil. Afirma Souza (2002), que em países que

possuem tradição e cultura de planejamento consolidada, o planejamento urbano

é um campo que congrega os mais diferentes tipos de profissionais. Nesses

países, o planejamento tem a participação não só de urbanistas, mas também de

cientistas sociais, profissionais das mais diversas formações e da população

organizada.

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Segundo Gondim (1994), as soluções para os problemas das cidades,

como habitação, saneamento básico, transporte, segurança, etc. não podem ser

encontradas separadamente das soluções para os problemas socioeconômicos

como desemprego ou subemprego, acesso a serviços de saúde e educação, e isto

remete à necessidade de se dotar um enfoque interdisciplinar para o

equacionamento dos problemas urbanos.

O planejamento não pode ser competência de um único técnico, ou de

vários deles de uma mesma categoria profissional, aponta Ferrari (1977), pois

deve haver um grupo de trabalho multidisciplinar, de tal forma que ele seja

abrangente e compreensivo.

A elaboração do planejamento urbano, no Brasil, comumente, se dissocia

da elaboração dos planejamentos de transporte e de circulação. No entanto, em

um rápido exercício de análise pode-se concluir que a integração desses

planejamentos é absolutamente imprescindível.

A dissociação entre o Planejamento Urbano e o Planejamento de

Transportes Urbanos no Brasil, assim como, em muitos casos, a ausência de

planejamento dos transportes vem desde muito tempo atrás.

No contexto político–institucional pós Constituição 1988, o Município tem se

destacado como Ente da Federação que mais avançou no campo do

desenvolvimento urbano, tendo implementado políticas urbanas, e tomado

iniciativas que resultaram na melhoria dos serviços públicos, atuando em áreas

onde a presença da união tradicionalmente ocorria (NETTO, 1994).

Mesmo limitado pela ausência de regulamentação dos dispositivos

constitucionais, o Município também tem evoluído no sentido de planejar e ordenar

o crescimento urbano, procurando atribuir função social à cidade e à propriedade.

Historicamente, no Brasil, os Municípios têm sido responsáveis pela

administração das cidades e, portanto, os mais solicitados a encontrar respostas

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concretas para os problemas urbanos. A partir da reforma institucional da

Constituição de 1988, da aprovação das novas leis orgânicas Municipais e das

eleições municipais de 1988, fortaleceram-se as teses municipalistas da gestão

do processo de desenvolvimento intra-urbano (NETTO, 1994).

Segundo Pires et al. (1997), os municípios devem ter controle efetivo sobre

o seu desenvolvimento físico-territorial, o que implica ter instrumentos legais de

organização do uso e ocupação do solo. Isto pode ser conseguido pela formação

de recursos humanos adequados e pela promulgação de normas legais

pertinentes a estes controles, principalmente os planos diretores e as leis de

zoneamento.

O crescimento desordenado da cidade e a desconsideração dos seus

efeitos sobre os sistemas de transporte e de circulação têm causado enormes

prejuízos às cidades brasileiras. Grandes construções e ocupações que ocorrem

na cidade – escolas, centros de escritórios, shopping-centers - têm impacto

significativo nas condições de transporte e trânsito e precisam ter suas instalações

submetidas a regras e limites definidos pela municipalidade. O Código de Trânsito

Brasileiro, de 1998, torna essa análise obrigatória.

O patrimônio histórico e arquitetônico das cidades tem sido destruído pelo

crescimento desordenado e pela criação de sistemas agressivos de circulação de

veículos. A sua defesa pode ser organizada por instrumentos legais,

principalmente aqueles referentes ao plano diretor da cidade e com estímulos

através de políticas tributárias e fiscais.

2.3 GESTÃO URBANA

A maior parcela da população brasileira, no início do século XXI, está

concentrada nas cidades. Os problemas ambientais decorrentes dessas

aglomerações têm conseqüências diretas na vida das pessoas, entre as quais a

carência de saneamento básico, a poluição em diversas formas, os conflitos de

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uso do solo, a localização inadequada de atividades especializadas e os graves

contrastes sociais.

Todos esses fatores fazem da gestão urbana uma questão altamente

complexa que exige não apenas respostas técnicas, mas necessita também de

instrumentos para a implementação de estratégias e programas a partir de uma

perspectiva abrangente que incorpore a dimensão política, integrando os aspectos

ecológicos, econômicos e socioculturais no enfrentamento dos problemas de meio

ambiente e desenvolvimento urbano.

O termo gestão urbana vem sendo gradualmente utilizado a partir da

segunda metade dos anos 80. Segundo Souza (2002), o termo gestão tem se

apresentado com um “sucedâneo” do termo de planejamento, que vem sendo

amplamente desacreditado e ligado às práticas antidemocráticas e autoritárias na

esteira da crise do planejamento urbano e regional que, inicialmente, em um

patamar ideológico, chegou ao Brasil no início da década de 1980.

A gestão urbana, no Brasil, desde então, vem apresentando um quadro

pouco satisfatório, quando se considera, dentre outros aspectos, aqueles

relacionados com o controle e crescimento urbano, em que o planejamento (se

existente) tem se apresentado dissociado das diversas áreas (transportes,

saneamento, meio ambiente, etc.). A gestão do sistema urbano se configura como

se cada um dos seus subsistemas fossem independentes e, portanto, planejados

e operados de forma segmentada (RAIA JR., 2001).

Nos primeiros anos deste século, motivada pelos diversos instrumentos

(Constituição Federal, Código de Trânsito Brasileiro, Estatuto da Cidade, etc.) e

pelos conceitos da Gestão da Qualidade Total, gradativamente, e de forma ainda

insipiente, as administrações municipais vêm sofrendo pressões no sentido de

adotar novos modelos de gestão. A modernidade na ação de gerir uma

organização ou um instituto qualquer, basicamente adotada pela iniciativa privada,

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passa a ser assumida, ainda que de maneira tímida, nas cidades médias e

grandes.

Os centros urbanos estão crescendo, e também com eles crescem os

grandes problemas sociais e os desequilíbrios ambientais, apontando para o

futuro com queda acentuada na qualidade de vida, de degradação ambiental

acelerada e de riscos de governabilidade. Segundo Costa, J. (2001), essa

realidade tem provocado muito sofrimento, doenças e mortes, exigindo uma

resposta adequada por parte do Estado e da sociedade, fazendo com que

diferentes organismos internacionais formulem propostas que visem adequar o

processo de desenvolvimento ao de preservação do meio e da vida da população.

É necessário que se abandone a idéia de cidades como espaços caóticos e

se passe a buscar formas de administrá-las e de administrar os processos sociais

que as produzem e modificam. Urge que se construam políticas urbanas alinhadas

com os princípios da sustentabilidade, mas que se concretizem em estratégias,

procedimentos e ações que compreendam a especificidade desses espaços, suas

relações com seus espaços de entorno e a dinâmica social que neles ocorrem

(FURTADO, 2002).

As regiões metropolitanas sofrem as crises mais profundas, mas também

as cidades de porte médio já as conhecem, embora nelas ainda seja possível

manter condições de sustentabilidade, com custos mais baixos do que nas

grandes cidades e metrópoles. Nos centros menores, as condições ambientais

são melhores, mas os problemas de sustentabilidade persistem, embora com

formas diferentes, como as questões de carência de infra-estrutura para o

desenvolvimento e problemas ambientais ligados à suas bases físicas.

Ainda, segundo Furtado (2002), tem-se, assim, cidades grandes que

apresentam grandes disparidades entre si e no seu interior. Disparidades

socioeconômicas que se cristalizam em disparidades nas condições ambientais.

Para enfrentar o desafio de levar as cidades a estágios progressivos de

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sustentabilidade, destacar-se-ão aqui apenas alguns aspectos da gestão urbana,

que, embora centrais, certamente não cobrem toda a gama de aspectos relativos

ao tema:

• É preciso promover a produtividade e fortalecer as vantagens

comparativas das cidades que são moldadas pelos fatores locais e pela

diversidade. Assim, deve-se assegurar o dinamismo econômico das

cidades, evitando a obsolescência de sua infra-estrutura e o abandono de

seus espaços públicos. Estar-se-á, assim, evitando as chamadas

deseconomias urbanas, que, na medida que diminuem a produtividade da

economia urbana, aumentam a pobreza e a queda da qualidade de vida da

população.

• A crescente dependência dos processos urbanos das condições

macroeconômicas gerais, do país e do mundo: mesmo que as primeiras

análises dos efeitos da globalização dos mercados nacionais sobre as

cidades brasileiras sejam desestimulantes, não se pode deixar de

reconhecer a irreversibilidade de alguns dos seus aspectos e a sua

importância para o desenvolvimento urbano. A gestão deverá garantir a

integração de cada cidade à rede urbana da qual faz parte, compreendendo

e explorando a sua articulação com as cadeias produtivas existentes, sejam

elas regionais, nacionais ou internacionais.

• A questão tecnológica também deve ser parte importante da gestão

urbana sustentável. A inovação tecnológica é fundamental porque as

condições de sustentabilidade estão definidas pela população, pela

tecnologia, pelos processos sociais e pelos padrões de consumo. Isso não

significa que ela seja suficiente. Algumas tecnologias utilizadas para

resolver problemas ambientais urbanos estão mostrando sinais de

esgotamento, deixando mais difícil e caro baixar os volumes adicionais de

contaminação e mitigar outros impactos ambientais. Para resolver esses

problemas, conjuntamente com a questão tecnológica, será necessário

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atuar na organização espacial da cidade e cuidar da interação setorial das

políticas públicas.

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3.1 A CRISE DO TRANSPORTE

A crise do transporte urbano se deve, em grande parte, às características

específicas do processo de crescimento adotado. Depois dos anos 1950, o país

optou por uma política apoiada no modal rodoviário, com o abandono de outros

modos de transporte e o apoio crescente aos usuários do transporte individual,

cujo crescimento acompanhava o da indústria automobilística e do poder aquisitivo

da classe média, no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Os efeitos da crise foram

agravados pela aplicação de abordagens teóricas e metodológicas que

desconsideravam, nos projetos de melhoria dos transportes urbanos, o controle da

demanda pelo disciplinamento do uso do solo.

A queda na inflação, a partir de 1995, levou a uma estabilização econômica

com impacto imediato na demanda de bens, principalmente entre as camadas de

renda mais baixa, que tinham sofrido muitas desvantagens no período

inflacionário. Para a classe média, as novas condições permitiriam o aumento da

compra de automóveis, dado que a indústria automobilística começou a oferecer

3 PLANEJAMENTO E GESTÃO DOTRANSPORTE URBANO

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carros compactos por prestações mensais acessíveis, com uma política de juros

privilegiados. Como resultado destes fatores, o aumento da frota de automóveis,

verificado historicamente, acelerou-se.

A cultura do automóvel como sinônimo de desenvolvimento e status social

tem marcado o comportamento da sociedade brasileira, que vem se tornando

cada vez mais egoísta, sectária e excludente. O automóvel representa a grande

revolução do século XX, colocando a cidade aos seus pés. Mais de 40% dos

espaços das cidades lhe são reservados: ruas e avenidas, viadutos,

estacionamentos, oficinas, postos de abastecimento etc. O seu uso indiscriminado

tem implicado a segregação de praças, a destruição de edifícios históricos, a

elevada interferência em áreas residenciais, a ampliação exagerada das áreas

urbanas e os delitos de trânsito que, na sua maioria, são acobertados pela

legislação vigente (AFFONSO,1995).

As deseconomias urbanas provocadas por esse modelo de mobilidade se

fazem sentir duramente sobre o sistema de Transporte Coletivo, de maneira

especial, e sobre as cidades de maneira geral. As deseconomias são mais

acentuadas nas duas maiores cidades brasileiras - São Paulo e Rio de Janeiro -,

fenômeno que começa a se estender para outras cidades de médio e grande

portes, como Campinas, Recife e Belo Horizonte. O estudo do IPEA/ANTP (1998),

mostra que se gasta cerca de 240 mil horas/ano nos congestionamentos, observa-

se um desperdício de 200 milhões de litros/ano de gasolina e de 4 milhões de

litros/ano de diesel. Concluindo- se, o Brasil perde, anualmente, cerca de R$ 500

milhões.

Em paralelo, os investimentos no transporte público, como aqueles voltados

para ampliação das redes de metrô e ferrovias urbanas, por exemplo, são cada

vez mais insuficientes frente à demanda crescente e diferenciada, gerada pelo

crescimento e urbanização da população brasileira. Em contraposição, nos últimos

anos, a frota de automóveis foi duplicada.

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A crescente motorização dos deslocamentos das famílias brasileiras, cada

vez mais ávidas por possuir o seu próprio automóvel, somada à queda na

performance dos serviços públicos de transporte, estão na origem da crise atual,

que tem no aumento do transporte informal, por peruas e vans, sua maior

expressão. A depender de sua evolução, esse fenômeno ameaça a

regulamentação do setor, vindo a submeter os serviços de transporte público às

"regras de negócio". Esse processo em curso tem implicações gravíssimas para a

eficiência e a qualidade de vida nas cidades e constitui uma ameaça à

sobrevivência do transporte público regular e integrado.

3.2 PROBLEMAS RELACIONADOS AO TRANSPORTE E TRÂNSITO

As cidades brasileiras apresentam, neste início de século XXI, um quadro

sério de problemas relacionados com o transporte, trânsito, com a falta de controle

e ordenação do crescimento urbano, com o meio ambiente, etc. As cidades têm

também apresentado, principalmente aquelas de portes médio e grande, queda

acentuada na mobilidade e acessibilidade, degradação do meio ambiente,

congestionamento, número elevado de acidentes de trânsito, etc., com um

aumento significativo de problemas com os transportes urbanos.

Esses problemas são decorrentes de uma série de fatores sociais, políticos,

econômicos, além de políticas urbanas, de transporte e trânsito que vigoraram e,

em alguns casos, ainda prevalecem (RAIA JR., 2001). Cidades de portes médio e

grande, tal como ocorre em muitos outros países em desenvolvimento, foram

desenhadas e adaptadas nos últimos 40 ou 50 anos, para o uso do automóvel,

com ampliações no sistema de vias e o uso de técnicas que têm favorecido o uso

do transporte individual.

Com a colocação de um número cada vez maior de veículos nas vias,

menos confiável e lento se torna o transporte coletivo urbano, fazendo com que a

demanda e a receita sejam menores, necessitando a colocação de uma maior

quantidade de ônibus nas ruas para a prestação do mesmo serviço, provocando o

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aumento dos custos. Com isso, os usuários cativos do sistema se sentem

desestimulados no seu uso, procurando uma alternativa que lhes seja viável, ou

seja, o automóvel, fazendo crescer o congestionamento. Forma-se, por

conseguinte, um círculo vicioso.

Criou-se, desta forma, aquilo que se poderia chamar de cultura do

automóvel, que vem drenando uma quantidade muito grande de recursos para o

atendimento das necessidades advindas desta escolha, que muitos consideram

equivocada. Paralelamente, afirmam Pires et al. (1997) que o sistema de

transporte público, apesar da ocorrência de alguns investimentos de caráter

pontual e específico, permaneceram insuficientes para o atendimento da demanda

de viagens. Com isto, o setor vive crises cíclicas originadas, dentre outros motivos,

pela incompatibilidade entre custos, tarifas e receitas, gestões deficientes, além de

não receber prioridade de circulação.

O sistema de transporte público vivencia uma queda na sua importância

junto aos usuários e a comunidade, em geral, transparecendo uma imagem de um

serviço considerado como um “mal necessário”, para as pessoas que não

possuem outra alternativa, a não ser o transporte coletivo. Como conseqüência,

criou-se no Brasil uma linha divisória entre as parcelas de população que

efetivamente têm acesso ao transporte individual e aquelas que são dependentes

do transporte público, refletindo as grandes disparidades e iniqüidades sociais e

econômicas da sociedade brasileira. Enquanto uma parcela reduzida desfruta de

melhores condições de transporte, a maioria continua limitada nos seus direitos de

deslocamento e acessibilidade (PIRES et al., 1997).

Essa situação tende a se agravar: a falta de transporte público de qualidade

e capaz de corresponder às necessidades do usuário estimula o uso do transporte

individual que aumenta os níveis de congestionamentos e poluição. O uso do

automóvel estimula, no médio prazo, a expansão urbana e dispersão das

atividades, elevando o consumo de energia e criando problemas de acessibilidade

(LIMA, 1998).

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O crescimento que experimenta a maioria das cidades de portes médio e

grande, em grande parte dos casos

“vem seguido de um espalhamento da mancha urbana, fazendo com

que os grupos de baixa renda sejam compulsoriamente expulsos para

a franja periférica das cidades, tendo-se que realizar viagens cada

vez mais longas e demoradas” (RAIA JR. & SILVA, p.175, 1999).

As redes de equipamentos públicos, tais como água, esgoto, pavimentação,

drenagem, iluminação pública, telefonia, etc., tornam-se mais dispendiosas. Os

ônibus passam a fazer trajetos sempre maiores, reduzindo sua rentabilidade.

Algumas áreas tornam-se críticas, principalmente em locais periféricos, com o

transporte público altamente deficitário. A cidade caminha para a

insustentabilidade (PIRES et al., 1997).

A falta de planejamento e controle que deveriam ordenar o uso e a

ocupação do solo permitem que o desenho urbano seja paulatinamente construído

sofrendo pressões das forças de mercado (inclusive o processo especulativo), que

tendem a direcionar seus investimentos em regiões que apresentem maior

acessibilidade, com resultados que constatam severos impactos ao meio ambiente

e ao sistema de circulação.

Um agravante para esta situação é a ausência de mecanismos adequados,

tanto de ordem legal como gerencial, que orientem o uso e a ocupação do solo

conforme critérios de equidade e competitividade, levando a idéia de que a

configuração da cidade seja definida por forças especulativas do mercado,

causando graves impactos ambientais e gerando crescentes dificuldades de

circulação local (LIMA, 1998).

Neste processo, passeios de pedestres, praças, áreas verdes, áreas de

convivência são, de maneira progressiva, usados para a circulação e

estacionamento de veículos. Neste sentido, Pires et al. (1997) são enfáticos: “ruas

de trânsito local transformam-se em vias de articulação do sistema viário, praças

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se transformam em rotatórias, cruzamentos semaforizados ou terminais, e áreas

de fundo de vale passam a abrigar avenidas”.

Existe, na verdade, um círculo vicioso, em que o aumento do interesse pelo

automóvel traz como conseqüência o incentivo à expansão urbana, com aumento

de distâncias e custos para o sistema de transporte público, o aumento da sua

ineficiência, com um prejuízo para a comunidade, principalmente para os usuários

cativos, em geral, de baixa renda.

3.3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS COM TRANSPORTE

URBANO

A cidade pode ser considerada um complexo sistema de inter-relações que

está sofrendo constantes mudanças. A maneira como ocorre o uso do solo e as

condições socioeconômicas da população determinam a quantidade e o tipo de

viagens necessárias, e que precisam ser atendidas com a utilização da infra-

estrutura viária e dos veículos de transportes ofertados.

A Constituição Brasileira de 1988 consagrou o papel de diferentes esferas

de governo. De maneira particular, deu grande ênfase aos municípios, que

ganharam mais força, podendo, desde então, definir políticas de trânsito e

transportes. Assim, passaram a ter competência para tratar dos principais

problemas relacionados com trânsito e transportes, nas formas apresentadas a

seguir (BRASIL, 1988):

“Organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou

permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o

transporte coletivo, que tem caráter essencial” (Art. 30, V);

“Promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso do solo, do parcelamento e

da ocupação do solo urbano” (Art. 30,VIII);

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“O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para

cidades com mais de 20 mil habitantes, é o instrumento básico da

política de desenvolvimento e expansão urbana” (Art. 182, § 4o);

O Estado promoverá programas de assistência obedecendo ao

seguinte preceito: “normas de construção dos logradouros e dos

edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte

coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de

deficiência” (Art. 227, § 2o).

Os municípios passaram a ter competências para iniciar um processo de

resolução dos principais problemas que afetam ou virão afetar a qualidade de

vida, de acordo com o seu porte, podendo cumprir as seguintes ações:

• Propor e monitorar políticas de uso do solo;

• Formular políticas de circulação e de transportes que venham ao encontro

das necessidades dos cidadãos;

• Assumir de forma efetiva a função de gestor da circulação de pessoas e

de carga;

• Estabelecer tarifas de transporte coletivo, táxi, de forma a restituir ao

operador os custos da operação de cada sistema;

• Propor parcerias com o setor privado ou outros órgãos públicos, visando a

resolução de problemas existentes ou novos investimentos;

• Propor ferramentas que possam restituir ao Poder Público ganhos obtidos

por pessoas físicas (contribuição de melhoria) ou jurídicas (taxa de

transporte , baseada no Versement Transport, francês).

A gestão deste complexo sistema de inter-relações exige uma organização

adequada da Administração Pública, seja ela em nível Municipal, Estadual ou

Federal. Uma das possibilidades de intervenção da Administração Municipal é

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avaliar as condições de transporte e trânsito segundo três áreas principais:

planejamento urbano, planejamento de transportes e de circulação, de acordo com

PIRES et al., (1997):

A. Planejamento urbano - é a atividade que define as condições de uso e

ocupação do solo, tais como: usos habitacionais, industriais, comerciais e de lazer.

Essa atividade define também a localização dos equipamentos públicos como

escolas, creches, praças, parques, hospitais, conjuntos habitacionais etc. Os

deslocamentos cotidianos de pessoas e de mercadorias, entre origens e destinos,

são diretamente influenciados pelas decisões dos técnicos da área de

planejamento urbano. Essa ação está, em geral, ligada a uma Secretaria ou

Departamento de Planejamento da Prefeitura, embora possa estar sob a

responsabilidade de outros órgãos municipais. Isto dependerá do tamanho da

cidade e estrutura da Prefeitura.

B. Planejamento de transporte - é a atividade que define a infra-estrutura

necessária para assegurar a circulação de pessoas e mercadorias, bem como os

sistemas de transporte que estarão sujeitos à regulamentação pública.

• No caso da infra-estrutura de transporte, são definidos dois componentes

básicos: i) ruas, calçadas, ferrovias, ciclovias e hidrovias; e ii) terminais de

passageiros ou de cargas.

• No caso dos sistemas de transportes, o planejamento define a tecnologia

a ser utilizada e o nível de serviço (NS) a ser ofertado, ou seja, veículos,

itinerários, freqüência de viagens, tarifas, formas de controle, etc.

Ao definir esses sistemas, o planejamento de transporte condiciona a

acessibilidade ao espaço por parte das pessoas, podendo melhorá-la ou piorá-la

conforme a decisão específica tomada. O planejamento de transporte está

normalmente ligado a uma Secretaria ou Departamento Municipal de Transportes.

Em muitas cidades, principalmente naquelas de menor porte, a definição do

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sistema viário está ligado a uma outra secretaria, por exemplo, Secretaria ou

Departamento de Obras e Vias Públicas.

C. Planejamento da circulação - é a atividade ligada ao trânsito, ou seja,

aquela que define como a infra-estrutura viária poderá ser utilizada por pessoas e

veículos. Essa definição envolve também as atividades de administração do

aparato de trânsito, de fiscalização sobre o comportamento dos usuários e de

promoção da educação para o trânsito. Ao definir como as vias podem ser usadas,

o planejamento da circulação influencia a escolha dos caminhos e dos meios de

transporte que têm melhores condições de serem utilizados. O planejamento da

circulação está ligado aos órgãos municipais de trânsito ou está incluído na

Secretaria ou Departamento Municipal de Transportes e Trânsito.

As três áreas de planejamento têm relações diretas entre si; eis alguns

exemplos mais rotineiros dessas relações, ainda segundo Pires et al. (1997):

• A definição de uma área como região destinada à habitação, pelo

planejamento urbano, cria uma necessidade de transporte de pessoas entre

o local de moradia e as atividades de trabalho, estudo, lazer, saúde, bem

como a necessidade de abastecimento da região por mercadorias. A

necessidade de infra-estrutura e de meios de transporte vão então afetar o

planejamento de transportes, e a necessidade de organizar o trânsito nas

vias vai afetar o planejamento da circulação.

• A implantação de uma nova infra-estrutura de transportes, definida pelo

planejamento de transportes, ou seja, vias, corredores de ônibus, metrô,

etc., aumenta a acessibilidade das regiões por ela servidas. Isso provoca,

em médio prazo, uma pressão pela alteração no uso e na ocupação do

solo, abalando o planejamento urbano. Provoca também, e freqüentemente

em curto prazo, um aumento ou modificação do tráfego local, afetando o

planejamento da circulação.

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• A mudança das mãos de direção de determinadas vias pelo planejamento

da circulação, associada ao aumento de tráfego, cria pressões de médio

prazo para mudanças no uso e na ocupação do solo, afetando o

planejamento urbano. Da mesma forma, pode aumentar o grau de

congestionamento, com impactos nas decisões do planejamento de

transporte, a respeito da necessidade de nova infra-estrutura ou meios de

transportes.

Em suma, as alterações no uso do solo geram novas demandas de

transporte e trânsito; a criação de novos sistemas de transporte gera por sua vez

alterações no uso do solo; a mudança nas condições do trânsito também pode

gerar mudanças no uso do solo e nas condições do transporte público. Apenas

uma ação coordenada nas três áreas pode reduzir os problemas e desenhar um

espaço de circulação com mais qualidade e eficiência.

Nas cidades brasileiras, na maioria dos casos, o enfoque mostrado acima

não é bem conhecido e/ou entendido pelas equipes de planejamento. Em geral, o

planejamento urbano está em uma secretaria de planejamento, o de transporte e

circulação está, muitas vezes, pendurado em uma secretaria de Serviços e Obras,

e em alguns casos, em uma secretaria ou empresa pública de transportes e

trânsito, e acabam trabalhando de maneira isolada uma das outras.

A criação e a estruturação de um Órgão Gestor para realizar o

planejamento e o controle do transporte e do trânsito são providências básicas

que uma Prefeitura deve tomar com o objetivo de assegurar as necessidades de

deslocamento da população, com confiança e confiabilidade. Tomando-se como

base a estrutura mais simples, tal como a do Conselho Municipal de Trânsito e

Transportes, pode-se evoluir paulatinamente para um organismo cuja atuação seja

abrangente e permanente.

Segundo ANTP (2001), de maneira geral e de forma sintética, frente às

necessidades de desenvolvimento urbano, do trânsito e do transporte público,

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levando-se em consideração a legislação em vigor, os municípios brasileiros têm

diversas obrigações, por exemplo, nos seguintes âmbitos:

• Legal: desenvolver o Plano Diretor Municipal; organizar as leis de

Zoneamento urbano; organizar os sistemas de transportes urbanos; garantir

condições seguras ao trânsito; responder às solicitações dos munícipes;

participar de programas nacionais;

• Institucional: organizar órgão gestor municipal de transporte e trânsito;

organizar o processo de fiscalização do trânsito local; organizar sistema de

compensação de multas de trânsito; organizar coordenadorias e escolas de

educação de trânsito;

• Financeiro: aplicar os recursos das multas de trânsito no próprio trânsito; 5

% do total de multas arrecadadas para programas nacionais; definir a tarifa

do transporte público;

• Técnico: planejar e controlar o transporte público; planejar, operar e

organizar o trânsito local; disponibilizar a sinalização viária; controlar obras

no sistema viário; controlar e organizar a circulação de veículos especiais;

controlar a instalação de pólos geradores de tráfego.

Os órgãos gestores de algumas das grandes cidades brasileiras, como São

Paulo, por exemplo, surgiram a partir de empresas multinacionais que operavam o

transporte coletivo por bondes.

Em 1887, quando foi autorizada a concessão para o lançamento de bondes

elétricos em São Paulo, os concessionários brasileiros resolveram buscar capital

no Canadá e fundaram a “The São Paulo Railway Light and Power Co”, que, em

1899, com a incorporação da Inglaterra, passou a ser chamada de “The São Paulo

Tramway Railway Co” (STIEL, 1984).

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O contrato com a municipalidade para os serviços de bonde, prestados por

essa companhia, terminaria em 1941 e, em 1937, a “Cia. Light” anunciou não mais

empregar suas atividades de prestação de serviços de Transporte Coletivo na

Capital com o término do contrato. Então, em 1939, pouco antes do término do

contrato, o governo federal emitiu um decreto-lei obrigando a Companhia a manter

seus serviços. Assim, a “Cia. Light” começou a manter seus serviços em estado

precário e com desinteresse total pelo sistema, o que acarretou uma falta de

integração com os demais setores municipais (STIEL, 1984).

Em síntese, pode-se afirmar que a própria “Light” tinha uma maior

preocupação com o aspecto operacional do que propriamente com o planejamento

e gestão do sistema. Isto poderia explicar o surgimento dos demais órgãos

gestores, de outras cidades, sem uma cultura de estruturação e planejamento.

Estimulado pela precária estruturação das administrações municipais e pelo

fato de os usuários pouco exigirem das empresas operadoras e órgãos gestores, o

quadro de pouca eficiência e qualidade do sistema de transporte urbano vinha, ao

longo do tempo, se perpetuando.

No entanto, essa realidade vem sendo transformada gradativamente e,

atualmente, existe uma pressão crescente da sociedade por desonerar os

brasileiros de custos com atividades que lhes consomem tempo e dinheiro e

pouco lhes agregam valor, principalmente no que se refere a serviços públicos

(PIRES et al., 1997).

O setor de transporte tem reagido, embora lentamente, de maneira positiva

diante dos novos paradigmas, principalmente as empresas privadas operadoras

urbanas; essa lentidão na resposta é devido aos condicionantes da qualidade

intrínseca ao transporte e aos serviços em geral (LIMA, 1996).

É necessária uma visão de planejamento urbano que possa se antecipar às

necessidades de locomoção, com uma ampla política voltada para a reforma do

uso do solo urbano. Reforma essa que contemple a distribuição dos equipamentos

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e serviços pela cidade, de modo a reduzir as necessidades dos deslocamentos. É

preciso desenvolver uma política de descentralização organizada, capaz de

proporcionar à população residente em uma determinada região condições de

acessibilidade ao trabalho, à escola, aos hospitais, ao lazer, sem a necessidade

de percorrer grandes distâncias. Para isso, deve-se ter como princípio a busca da

maximização na utilização da infra-estrutura existente, com investimentos voltados

ao gerenciamento do sistema, não se limitando à execução de obras físicas de

grande porte (LIMA, 1998).

A região metropolitana de Curitiba, reconhecidamente competente no

processo de planejamento urbano, tem uma visão mais sistêmica e abrangente do

planejamento da cidade. Isto se exprime nas ações articuladas de seus

segmentos de planejamento, por exemplo, na definição do Plano de

Desenvolvimento Integrado, o PDI. Este Plano expressa claramente que a sua

Primeira Etapa tem como objetivo a definição de alguns temas críticos,

inicialmente no que tange ao uso do solo, recursos hídricos, desenvolvimento

econômico, transportes e sistema viário, habitação social e aspectos jurídicos e

institucionais.

O PDI da Região Metropolitana de Curitiba estabelece que a integração na

sociedade em rede é um dos principais fatores condicionantes da competitividade

das cidades, e é preciso definir os parâmetros propulsores que determinam essa

integração. Dentre eles cita a qualificação da infra-estrutura de logística - porque a

integração física e a velocidade de transporte são fundamentais para o processo

de diversificação espacial da produção e integração dos mercados (PARANÁ,

2001).

Uma frase bastante significativa é citada por Freitag (2001, p.D05):

“... o planejamento urbano no Brasil tem sido fundamentalmente

discurso, cumprindo missão ideológica de ocultar os problemas das

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maiorias urbanas e os interesses dominantes na produção do espaço

urbano”.

Para Eduardo Hotz, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento de

SP, e citado por ANTP (2002), “nós não temos uma experiência de planejamento

integrado entre entes diferenciados”.

Como se pode verificar, à medida que as cidades crescem, aumentam os

congestionamentos nas vias urbanas e surgem os problemas com relação à

poluição ambiental, a segurança e mobilidade de pedestres e um considerável

descontrole no crescimento urbano. Durante esse período de crescimento

acelerado das cidades brasileiras, as administrações locais experimentaram a

aplicação de diversos instrumentos urbanísticos. Como o Planejamento do

Transporte Urbano e de Circulação são partes integrantes do Planejamento

Urbano, é de se presumir que novas diretrizes para este, como é o caso do

Estatuto da Cidade, tragam conseqüências também para aqueles.

Com a aprovação do Estatuto da Cidade foram abertas novas perspectivas

que potencializarão a administração pública com fundamento no direito às cidades

sustentáveis e à gestão democrática do desenvolvimento urbano.

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O Movimento pela Reforma Urbana surgiu a partir de iniciativas de setores

da Igreja Católica, como a CPT- Comissão Pastoral da Terra, com a intenção de

unificar as numerosas lutas urbanas pontuais que emergiram nas grandes cidades

em todo o país, a partir de meados dos anos 1970.

Apesar de haver uma diversidade de interpretações sobre seu conceito e

seus objetivos, pode-se dizer que o momento de maior repercussão e divulgação

da Reforma Urbana foi o da elaboração e coleta de assinaturas para a emenda

Constitucional da Reforma Urbana, promovidas pela iniciativa popular.

Segundo MARICATTO (1994), de acordo com a emenda popular os

objetivos da Reforma Urbana eram:

• Em relação à propriedade imobiliária urbana: instrumentos de

regularização de áreas ocupadas; captação da valorização imobiliária;

aplicação da função social da propriedade; proteção ambiental urbanística e

cultural;

4 O ESTATUTO DA CIDADE

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• Em relação à política habitacional: programas públicos habitacionais com

finalidade social; aluguel ou prestação da casa própria proporcional a renda

familiar; agência nacional e descentralização na gestão da política;

• Em relação aos transportes e serviços públicos: natureza pública dos

serviços sem lucros, com subsídios; reajustes nas tarifas proporcionais aos

reajustes salariais; participação dos trabalhadores na gestão dos serviços;

• Em relação à gestão democrática: conselhos democráticos; audiências

públicas; plebiscitos; referendo popular; iniciativa legislativa e veto as

proposta do legislativo.

Segundo MVU (2001), as considerações prévias para uma Reforma Urbana

devem ser baseadas nas seguintes proposições:

1. O desenvolvimento urbano é essencialmente dinâmico, sujeito a

decisões da população, empresas e Estado. O êxito da política Urbana

depende mais dos instrumentos de coordenação destas decisões do que

das ações do Estado.

2. As atuações individuais geram externalidades e tornam indispensáveis

as regulações e medidas corretivas ao funcionamento do mercado, para

harmonizar as decisões individuais com a eficiência econômica, com a

eqüidade social e a proteção ao meio ambiente.

3. O desenvolvimento urbano tem significativas implicações sociais,

distributivas, culturais e econômicas, razão pela qual é necessário conciliá-

lo com os grandes objetivos nacionais de crescimento, igualdade e

qualidade de vida.

4. O desenvolvimento do país depende, de certo modo, da qualidade das

políticas urbanas, as quais afetam não só a qualidade de vida da

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população, mas também o desenvolvimento econômico e a competitividade

do país.

5. Ao setor privado cabe uma alta responsabilidade sobre o

desenvolvimento urbano, na capacidade de inovação, melhoramento e

construção das cidades. O setor privado tem grande participação no total

edificado nas cidades.

6. Parte dos recursos públicos está direta ou indiretamente destinada ao

funcionamento e desenvolvimento das cidades. Isto não está

adequadamente explicitado quando se analisa o gasto público. Daí a

necessidade de melhorias na coordenação do estado.

7. O Estado carece de uma adequada estrutura institucional para enfrentar

a gestão do desenvolvimento urbano. Apesar dos avanços, ainda existe

uma alta dispersão administrativa de funções, uma falta de autonomia tanto

local quanto regional para dirigir o desenvolvimento urbano e um crescente

surgimento de conflitos de competência entre Ministérios, Serviços e

Governos locais, devido à superposição de leis e decretos.

O CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, ligado ao

Ministério do Interior, em 1983, entregou ao Congresso Nacional a proposta de

“Lei de Desenvolvimento Urbano”, abarcando aspectos relacionados ao ambiente

das cidades. Segundo MARICATO (2001, p.2):

“Havia muita pressão nessa época, muita ocupação de terra urbana.

E também havia uma pressão da Igreja, que divulgou, em 1975, um

documento muito importante que se chamava Uso do Solo e Ação

Pastoral . Então, em 1983, já se propunha uma série de instrumentos

e medidas para se valer à função social da propriedade. O objetivo já

era diminuir os poderes absolutos do proprietário privado em função

do interesse público e coletivo“.

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Durante o processo de consolidação da Constituição de 1988, um

movimento multissetorial e de abrangência nacional lutou para incluir no texto

constitucional instrumentos que levassem à instauração da função social da

cidade e da propriedade no processo de construção das cidades. Retomando a

bandeira da Reforma Urbana, esse movimento reatualizava, para as condições de

um Brasil urbanizado, uma plataforma construída desde os anos 1960, no país. As

tentativas de construção de um marco regulatório em nível federal para a política

urbana remontam às propostas de lei de desenvolvimento urbano elaboradas pelo

então Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, nos anos 1970, que

resultaram no Projeto de Lei n° 775/83, aprovado pela Comissão de Justiça da

Câmara Federal em 1983.

Como resultado dessa luta, pela primeira vez na história, a Constituição

incluiu um capítulo específico para a política urbana, que previa uma série de

instrumentos para a garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, da

defesa da função social da cidade e da propriedade, e da democratização da

gestão urbana (artigos 182 e 183).

No entanto, o texto constitucional requeria uma legislação específica de

abrangência nacional, para que os princípios e instrumentos enunciados na

Constituição pudessem ser implementados; era necessária, por um lado, uma

legislação complementar de regulamentação dos instrumentos; por outro, a

construção obrigatória de planos diretores que incorporassem os princípios

constitucionais em municípios com mais de 20.000 habitantes.

Iniciou-se, então, na esfera federal, um período de mais de uma década de

elaborações, negociações, idas e vindas em torno de um projeto de lei

complementar ao capítulo de política urbana da Constituição (BRASIL, 2001b).

Sofrendo diversas modificações, o Projeto de Lei 775/83 (que passou a ser

denominado como PL- Projeto de Lei - nº 5.788/90) que instituiu o chamado

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Estatuto da Cidade, depois de 11 anos de negociações e adiamentos, foi

finalmente sancionado em 10 de julho de 2001, pelo Presidente da República.

A Lei Federal nº10.257/2001 regulamenta os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal de 1988, e estabelece diretrizes e normas para a aplicação

de importantes instrumentos de reforma urbana como: o parcelamento, edificação

ou utilização compulsórios; a desapropriação com pagamentos em Títulos da

Dívida Pública; direito de superfície; direito de preempção; a outorga onerosa do

direito de construir; a transferência do direito de construir; as operações

consorciadas; e o Estudo de Impacto de Vizinhança (BRAGA, 2001).

Esse conjunto de instrumentos – edificação compulsória, IPTU progressivo

e desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública - pode representar

uma possibilidade de intervir efetivamente no crescimento da cidade, promovendo

uma ocupação mais intensa nas áreas onde a infra-estrutura é mais presente e

dessa maneira reduzir a pressão pela urbanização das áreas periféricas, sem

infra-estrutura e ambientalmente frágeis. Esse combate ao espraiamento significa

menores necessidades de deslocamento, otimização do uso da malha viária e das

redes de transporte público (CYMBALISTA, 2001).

O Estatuto da Cidade pode se constituir num avanço social sem

precedentes, pois tem por finalidade e objetivo promover o planejamento urbano

de forma sustentável, elegendo como foco principal a qualidade de vida das

pessoas que moram em aglomerados urbanos, e em cidades com mais de 20.000

habitantes, bem como buscar a proteção ambiental como forma de melhorar essa

qualidade de vida.

Acredita-se estar diante de uma verdadeira Revolução Social na

Propriedade Urbana, conseqüência inevitável de profundas transformações no

processo que converteu o Brasil rural em um país urbano e industrial. À primeira

vista, para os proprietários de imóveis urbanos que serão atingidos pelos

instrumentos introduzidos pelo Estatuto da Cidade, o dano ao patrimônio, à livre

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propriedade e iniciativa comercial será maior do que efetivamente o será para a

maioria da população a ser beneficiada com o implemento da política urbana.

Parece haver concordância da maioria que o EC não é somente mais uma

lei dentre as tantas que existem e apenas “dormem no papel”, apesar de algumas

opiniões contrárias, o que pode ser evidenciado pelas manifestações

apresentadas a seguir:

• “EC é uma lei longamente esperada e ansiosamente aguardada por

setores e profissionais interessados.” (CASTILHO, 2000, p.08);

• “Tudo indica estarmos diante de mais uma lei admiravelmente progressista,

arejada, com vocação democrática, autenticamente preocupada com o futuro de

nossas cidades e das novas gerações de moradores...” (FREITAG, 2001, p. D05);

• “O EC vem suprir uma carência normativa na área da política urbana...”

(CIDADES DO BRASIL, 2002, p.1);

• “Vejo o instrumento [Estatuto] como uma obra de arte, um sonho...” [a lei]

é necessária, ética e justa...” (MARICATO, 2001, p.1);

• “... pela primeira vez na história brasileira, temos uma regulação federal para a

política urbana (...). O Estatuto da Cidade dá respaldo constitucional a uma nova

maneira de realizar planejamento urbano.” (CYMBALISTA, 2001a, p.1);

• “O EC é fundamental para regular o desenvolvimento urbano com justiça

social” (BONDUKI, 2001, p. A3).

4.1 O ESTATUTO E SUAS DIRETRIZES

O Estatuto da Cidade estabelece 16 diretrizes gerais para a política de

desenvolvimento urbano sustentável e disponibiliza para os municípios e regiões

metropolitanas um conjunto de instrumentos que podem ser utilizados para

direcionar o desenvolvimento das cidades. Trata-se da garantia do direito à terra,

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à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos

serviços públicos, assim como ao trabalho e ao lazer.

As dezesseis diretrizes são apresentadas a seguir (BRASIL, 2001a):

I - Garantia do direito a cidades sustentáveis:

“Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito

à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura

urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,

para as presentes e futuras gerações.”

II - Gestão democrática:

“Gestão democrática por meio da participação da população e de

associações representativas dos vários segmentos da comunidade na

formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e

projetos de desenvolvimento urbano.”

III - Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores

da sociedade:

“Cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais

setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento

ao interesse social.”

IV - Planejamento do desenvolvimento das cidades:

"Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição

espacial da população e das atividades econômicas do Município e

do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as

distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o

meio ambiente”;

V - Oferta adequada de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e

serviços públicos:

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“Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e

serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da

população e às características locais.”

VI - Ordenação e controle do uso do solo:

“Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou

inadequados em relação à infra-estrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam

funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-

estrutura correspondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua

subutilização ou não utilização;

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

g) a poluição e a degradação ambiental.”

VII - Complementaridade entre as atividades urbanas e rurais:

“Integração e complementaridade entre as atividades urbanas e

rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do

Município e do território sob sua área de influência.”

VIII - Produção de bens e serviços nos limites da sustentabilidade

ambiental:

“Adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de

expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade

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ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua

área de influência.”

IX - Justa distribuição dos benefícios e ônus da urbanização:

“Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de

urbanização.”

X - Privilégio para investimentos geradores de bem-estar geral:

“Adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e

financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento

urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-

estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais.”

XI - Recuperação, de investimentos que valorizaram os imóveis urbanos:

“Recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha

resultado a valorização de imóveis urbanos.”

XII - Proteção do meio ambiente natural e do patrimônio cultural:

“Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e

construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e

arqueológico.”

XIII - Audiência do Poder Público local e da população interessada para a

implantação de empreendimentos impactantes:

“Audiência do Poder Público municipal e da população interessada

nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades

com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural

ou construído, o conforto ou a segurança da população.”

XIV - Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda:

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“Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas

especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,

considerada a situação socioeconômica da população e as normas

ambientais.”

XV - Simplificação da legislação:

“Simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do

solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos

custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais.”

XVI - Isonomia de condições para os agentes públicos e privados:

“Isonomia de condições para os agentes públicos e privados na

promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de

urbanização, atendido o interesse social”.

4.2 INOVAÇÕES CONTIDAS NO ESTATUTO DA CIDADE

Segundo Rolnik (2001a), as inovações contidas no Estatuto situam-se em

três campos:

• Um conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltados para

induzir – mais do que normatizar – as formas de uso e ocupação do solo;

• Ampliação das possibilidades de regularização das posses urbanas, até

hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.

• Uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação

direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade;

No primeiro conjunto, a evidente interação entre regulação urbana e a

lógica de formação de preços no mercado imobiliário é enfrentada por meio de

dispositivos que procuram coibir a retenção especulativa de terrenos e de

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instrumentos que consagram a separação entre o direito de propriedade e o

potencial construtivo dos terrenos atribuído pela legislação urbana.

O segundo conjunto de instrumentos trata da regularização fundiária de

áreas ocupadas e não tituladas da cidade. Os números não são precisos, porém

pode-se afirmar que mais da metade das cidades é constituída por assentamentos

irregulares, ilegais ou clandestinos, que contrariam de alguma maneira as formas

legais de urbanização. Uma parte significativa destes assentamentos é composta

por posses de propriedades públicas ou privadas abandonadas ou não utilizadas.

Desde a década de 1970, os municípios vêm investindo nas favelas,

reconhecendo sua existência como parte da cidade. Entretanto, embora a

urbanização das favelas venha sendo defendida e praticada há décadas, a

titularidade definitiva destas áreas para seus verdadeiros moradores esbarra em

processos judiciais intermináveis e enormes dificuldades de registro junto aos

cartórios.

No terceiro conjunto de instrumentos, o Estatuto incorpora o que existe de

mais vivo e vibrante no desenvolvimento da democracia – a participação direta (e

universal) dos cidadãos nos processos decisórios. Audiências públicas,

plebiscitos, referendos, estudos de impacto de vizinhança, além da

obrigatoriedade de implementação de orçamentos participativos, são assim

mencionados como instrumentos que os municípios devem utilizar para ouvir,

diretamente, os cidadãos em momentos de tomada de decisão sobre sua

intervenção sobre o território (BRASIL, 2001b).

Os aglomerados urbanos irregulares têm, no Estatuto da Cidade, uma

forma legal de regularização. Ao administrador público é facultado, pelos

instrumentos que lhe foram outorgados pela lei, implementar em sua cidade um

planejamento urbano, visando dar às propriedades ociosas uma função social

compulsória, no caso de não aproveitamento do solo.

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A partir de agora, áreas vazias ou subutilizadas na mancha urbana, em

áreas dotadas de infra-estrutura estão sujeitas ao pagamento de IPTU progressivo

no tempo e a edificação e parcelamento compulsórios, de acordo com a

destinação prevista para região pelo Plano Diretor (ROLNIK, 2001b).

A implantação e o conhecimento do Estatuto da Cidade interessa

sobremaneira tanto ao administrador público como ao investidor, pois haverá um

conseqüente novo mercado imobiliário a partir de sua implantação.

Segundo Cymbalista (2001), o Estatuto incorpora a idéia de participação

direta e universal dos cidadãos nos processos decisórios da política urbana,

tornando obrigatória a participação popular na definição da política urbana nos

âmbitos nacional, estadual e municipal, audiências e consultas públicas, além da

obrigatoriedade de implementação do Orçamento Participativo.

Alem disso, dá aos municípios o poder de interferir sobre os processos de

urbanização e sobre o mercado imobiliário. Isso significa que a prefeitura pode

mexer com as práticas e privilégios muito arraigados, principalmente no que se

refere aos maiores proprietários urbanos.

O Estatuto consagra também a idéia do Solo Criado, através da

institucionalização do Direito de Superfície e Outorga Onerosa do Direito de

Construir. A idéia é muito simples: se as potencialidades dos diferentes terrenos

urbanos devem ser distintas em função da política urbana (áreas que em função

da infra-estrutura instalada devem ser adensadas, áreas que não podem ser

intensamente ocupadas por apresentarem alto potencial de risco – de

desabamento ou alagamento, por exemplo), não é justo que os proprietários

sejam, penalizados – ou beneficiados – individualmente por esta condição, que

independeu totalmente de sua ação sobre o terreno (ROLNIK, 2001c).

Enfim, o Estatuto da Cidade define dezesseis diretrizes gerais para política

urbana de cidades sustentáveis; algumas de caráter geral e outras de caráter mais

específico, abordando alguns assuntos mais técnicos. A política urbana tem por

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objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da

propriedade urbana, mediante essas diretrizes.

Apesar de tantos aspectos positivos encontrados no instrumento, ainda não

há garantia de que ele vá ser efetivamente implementado nas cidades. Mesmo se

a Lei estabelece, por exemplo, a obrigatoriedade do Plano Diretor, para cidades

com mais de 20 mil habitantes, que não tenha sido aprovado até a data da entrada

em vigor da Lei, deverão fazê-lo no prazo de até 5 anos (art. 50), poucos são os

municípios que estão trabalhando no sentido de providenciar a elaboração do

Plano.

Para Bonduki (2001), “não podemos, no entanto, nos iludir com o Estatuto

das Cidades”, pois “será absolutamente insuficiente se não houver, nos governos

locais, disposição e vontade política para intervir”.

O Estatuto confere aos municípios poder de interferir no mercado imobiliário

e processos urbanos, isto poderá mexer com grandes proprietários e práticas

clientelistas, que tentarão provavelmente insistir na permanência desses

privilégios, dificultando a implementação da Lei (CYMBALISTA, 2001a).

Maricato (2001, p.1) foi muito enfática e cética quanto às mudanças que

poderão advir do EC:

“Pode mudar muita coisa e pode não mudar nada. Digo isto porque

no Brasil, dependendo dos interesses dos poderosos, a lei se aplica

ou não. Eu acredito que se a elite brasileira tiver sensibilidade e

perceber que ela está sendo engolida pelos dramas decorrentes da

falta de moradia, principalmente nas metrópoles, e que ninguém vai

se salvar desta hecatombe, a lei vai ser aplicada. Nem tanto porque

ela é necessária, ética ou justa, mas principalmente porque a elite

deveria perceber que ela precisa salvar seu pescoço”.

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Diante da diversidade dos artigos e textos publicados e analisados neste

trabalho sobre o Estatuto da Cidade foram feitas duas leituras diferentes sobre seu

conteúdo.

A primeira delas se concentra em uma análise do Estatuto feita por

especialistas urbanos, que abordam as características gerais da lei e enfatizam os

aspectos urbanos como um todo.

A segunda se volta para uma interpretação mais específica do Estatuto da

Cidade, com enfoque na área de transporte e circulação, relacionando temas que

estão explícitos e implícitos na lei sobre o planejamento desses itens.

Essa divisão se justifica pelo fato de que a discussão do Estatuto, desde a

concepção de suas primeiras idéias, vem sendo conduzida, em grande parte, por

pessoas que, embora ligadas ao planejamento das cidades, parecem só enxergar

aspectos relacionados ao urbanismo.

5 LEITURAS DO ESTATUTO DACIDADE

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Na primeira leitura encontra-se uma quantidade relativamente grande de

autores que procuram enfatizar aspectos relacionados com o crescimento urbano,

suas formas de controle, instrumentos urbanísticos, etc. Na segunda, são raros os

trabalhos que dão enfoque aos aspectos mais diretamente associados ao

planejamento de transporte e de circulação que, como foi abordado anteriormente,

possuem um estreita ligação com o planejamento urbano.

5.1 LEITURA DO EC COM ENFOQUE NO PLANEJAMENTO URBANO EM

GERAL

Desde o ano 2000, com a iminência da aprovação da Lei do Estatuto, vários

estudos, análises e leituras vêm sendo feitos por diversos especialistas de

distintas áreas ligadas ao ambiente urbano, revelando, dentre outros aspectos, a

sua importância, as virtudes, defeitos, dificuldades de implantação, etc. As

reflexões apresentadas têm se restringido quase que especificamente às áreas de

atuação dos autores, como se o planejamento urbano pudesse ser visto apenas

por um ângulo, sem levar em conta os demais, ainda que de forma superficial.

Chama a atenção o fato de o EC quase ter passado quase despercebido

aos técnicos urbanos ligados às áreas de transportes e circulação, como se ele

não atingisse diretamente o planejamento dessas áreas, o que não deixa de ser

preocupante, principalmente considerando a abordagem sistêmica do

planejamento, que vem sendo esperada e cobrada pela sociedade.

Com estudos apresentados ainda antes da sanção presidencial, diversos

autores abordaram o Estatuto, com distintos enfoques. Castilho (2000) apresenta

um histórico do EC, desde a idéia inicial do Projeto de Reforma Urbana, do

Governo João Goulart (1961-1964), até o ano de 1999, com a aprovação do

Estatuto da Cidade pela Comissão Permanente de Desenvolvimento Urbano e

Interior da Câmara dos Deputados, além de aspectos gerais do projeto. Aborda

também aspectos relacionados ao plano diretor e sua difusão. Francisco (2000)

faz um estudo sobre a produção dos vazios urbanos e estabelece uma correlação

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dessa produção com a oferta de transporte coletivo urbano. Aponta o EC como um

mecanismo para conter o avanço e mesmo provocar a sua redução. As

implicações do EC, com visão voltada para a produção e acesso à moradia são

apresentadas por Castro (2000).

As dificuldades de implantação de instrumentos jurídicos para a gestão das

cidades, particularmente nos seus aspectos territoriais, tomando como temas o

zoneamento urbano e a contribuição oferecida pelo EC, é apresentada por

Carvalho (2000). Por outro lado, Falcoski (2000) defende a necessidade premente

da aprovação da Lei, tida como instrumento estratégico e sinalizador para uma

reforma urbana. Uma outra leitura, feita por Braga (2000), apresenta um quadro

comparativo entre o Projeto de Lei 5788/90, apresentado pelo Senador Pompeu

de Souza, em sua versão original, e o substitutivo aprovado pela Comissão de

Desenvolvimento Urbano e Interior, em 1999.

Alguns autores fazem apenas comentários gerais do Estatuto da Cidade,

como é o caso de Rodrigues (2001) e Bonduki (2001), que cobram mais vontade

política dos governos como condição sine qua non para viabilizar a implantação da

Lei. Cidades do Brasil (2002) e Bassul (2002) fazem comentários das principais

diretrizes e instrumentos dispostos no bojo da Lei. Freitag (2001), considerando a

própria formação em sociologia, acredita que a Lei seja “progressista, arejada,

com vocação democrática, autenticamente preocupada com o futuro de nossas

cidades e das novas gerações de moradores que as habitarão”. Embora Maricato

(2001) seja também uma defensora do instrumento, coloca uma série de dúvidas

demonstrando o seu ceticismo quanto ao sucesso da Lei, alegando que, contrárias

às inovações trazidas, há forças poderosas que apostam na sua inviabilização.

Cymbalista (2001a) comenta os principais instrumentos que fazem parte do

Estatuto e mostra a melhor maneira de aplicação do mesmo, apontando também

as prováveis dificuldades a serem vencidas. Uma radiografia sobre a necessidade

de apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), previsto no art. 36, é

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apresentado pelo autor, além de dispor de alguns exemplos de que essa idéia já

vem sendo aplicada em diversas cidades do Brasil.

Ceneviva (2001) apresenta uma série de 10 artigos que comentam o EC

sob o enfoque jurídico, destacando alguns itens considerados mais importantes e

aqueles que poderão trazer batalhas jurídicas, que dificultarão a implementação

do instrumento. Saule Jr (2001) relata, em seu artigo, a efetiva participação do

Instituto Pólis, do Fórum Nacional de Reforma Urbana, de ONGs e entidades de

classe no processo de elaboração e depuração do Estatuto ao longo dos anos.

Na tentativa de tornar a Lei mais acessível à sociedade, a Caixa Econômica

Federal encomendou um trabalho a Área de Desenvolvimento Urbano e Meio

Ambiente do Instituto Brasileiro de Administração Municipal-IBAM (Oliveira, 2001).

Trata-se de um esforço do Governo Federal em traduzir a linguagem jurídica da

Lei em um texto que possa ser entendido por pessoas comuns da comunidade, as

quais deverão ter um papel importante de participação na gestão urbana das

cidades, a partir do Estatuto.

Um estudo bastante abrangente foi desenvolvido pelo Instituto Pólis, a

pedido da Câmara Federal, procurando dissecar a nova Lei, com comentários

jurídicos e administrativos (BRASIL, 2001b).

Nessa publicação, os autores apresentam o Estatuto da Cidade, relatando

toda a trajetória de concepção até sua aprovação, relacionam as diretrizes gerais

e comentam os instrumentos contidos na lei para a indução do desenvolvimento

urbano.

Segundo Brasil (2001b), o Estatuto da Cidade oferece um conjunto de

instrumentos que, incorporando a avaliação dos efeitos da regulação sobre o

mercado de terras, oferece ao poder público uma maior capacidade de intervir – e

não apenas normatizar e fiscalizar – uso, ocupação e rentabilidade das terras

urbanas, realizando a função social da cidade e da propriedade.

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Dentre os instrumentos comentados nesse estudo, alguns estão

relacionados a seguir:

• Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios; IPTU Progressivo

no Tempo; Desapropriação com Pagamento em Títulos; Consórcio

Imobiliário são instrumentos que, se bem aplicados, podem promover uma

Reforma Urbana, estruturando uma política fundiária que garanta a função

social da cidade e da propriedade.

• Ao estabelecer o Direito de Superfície, o Estatuto da Cidade dá um passo

além, tornando este direito de construir na superfície, espaço aéreo ou

subsolo do terreno, independente do direito de propriedade. Isso quer dizer

que, além de representar uma limitação do direito de propriedade, aquilo

que se pode fazer sobre ou sob ela pode ser separado dela e desta forma

ser concedido para outro, sem que isto represente a venda, concessão ou

transferência da própria propriedade.

• A Transferência do Direito de Construir foi um instrumento concebido de

modo a permitir que os proprietários de imóveis a serem preservados

fossem compensados pelo fato de que em seus imóveis o coeficiente ou

densidade básicos estabelecidos para o território urbano não pode ser

atingido sob pena de comprometer o objetivo da preservação de imóveis de

interesse histórico, paisagístico ou ambiental. O objetivo da transferência do

direito de construir é viabilizar a preservação de imóveis ou áreas de

importante valor histórico ou ambiental.

• Operações urbanas consorciadas constituem um tipo especial de

intervenção urbanística voltada para a transformação estrutural de um setor

da cidade. As operações envolvem simultaneamente: o redesenho deste

setor (tanto de seu espaço público como privado); a combinação de

investimentos privados e públicos para sua execução e a alteração, manejo

e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e obrigações de

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urbanização. Trata-se, portanto, de um instrumento de implementação de

um projeto urbano (e não apenas da atividade de controle urbano) para

uma determinada área da cidade, implantado por meio de parceria entre

proprietários, poder público, investidores privados, moradores e usuários

permanentes. O objetivo do instrumento das operações urbanas é viabilizar

intervenções de maior escala, em atuação conjunta entre o poder público e

os diversos atores da iniciativa privada.

O CEPAM-Centro de Estudos da Administração Municipal, ligado à

Fundação Prefeito Faria Lima, publicou uma coletânea de análises e estudos

sobre o Estatuto, dividida em três partes: diretrizes gerais, instrumentos

urbanísticos e, o Estatuto da Cidade e o CEPAM. Constam deste documento 29

artigos produzidos por diversos especialistas (CEPAM, 2001).

Em muitos desses artigos, os autores também fazem uma abordagem ao

Estatuto da Cidade mais voltada para o planejamento urbano de maneira geral,

dentre eles, pode-se citar Somekh (2001), que descreve o desenvolvimento das

cidades e do urbanismo, apontando os principais problemas a serem enfrentados

hoje por uma Administração Municipal. Mostra alguns princípios para a definição

da função social através do Plano Diretor e sinaliza o que a Lei de

Desenvolvimento Urbano estabelece de novo para o cumprimento da função

social da cidade e da propriedade.

Somekh (2001) defende ainda que o Plano Diretor é um instrumento já

previsto pela Constituição para a definição da função social da cidade e

propriedade e que a função social da cidade estará sendo atendida de forma plena

quando forem reduzidas as desigualdades sociais, e promovidas a justiça social e

a qualidade de vida urbana.

Ancona (2001) dirige o seu artigo para o desenvolvimento urbano

sustentável e comenta o Projeto de Lei 5.788/90 como instrumental para a

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proteção e conservação dos recursos naturais, com vistas a um processo de

desenvolvimento urbano sustentável.

Ancona (2001, p.91) ainda faz uma crítica ao zoneamento, ao dizer que:

“O zoneamento funciona como instrumento de disciplinamento do

uso do solo apenas nos bairros ocupados pelas classes de maior

renda, onde ele de fato é demandado, estabelecendo referências e

garantias para a atuação do mercado imobiliário formal, preservando

o valor de uso dos imóveis e a qualidade de vida das elites. Nas

demais áreas, que constituem a maior parcela do espaço intra-

urbano, o zoneamento não é atendido, porque seus padrões são

estabelecidos em função das demandas das elites – muito acima das

necessidades básicas da maioria – e seu resultado é perverso para

as classes populares, pois define a irregularidade/clandestinidade dos

seus bairros e das suas moradias” .

Rolnik (2001) coloca o Estatuto da Cidade como um avanço no trato da

equação urbanística brasileira, e o distingue da legislação tradicional, pois ocupa-

se da garantia de espaços específicos para a política no marco legal do

planejamento urbano.

Moreira (2001) faz um histórico do Plano Diretor e o apresenta como uma

ferramenta para utilização da função social da propriedade urbana, função essa, já

apresentada no Estatuto da Cidade como instrumento voltado para promoção do

desenvolvimento urbano. E diz que:

“Os municípios que pretenderem utilizar esse instrumento precisam

ter um plano diretor, aprovado por lei municipal, que configure a

função social da propriedade urbana” (MOREIRA, 2001, p.145).

Macruz & Macruz (2001) discorrem sobre a competência constitucional do

município em matéria de urbanismo, lembrando que o conceito de urbanismo que

antes era tido como uma arte de embelezamento, e que se destacava por corrigir

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as distorções urbanas visando a estética da cidade, evoluiu ao procurar organizar

e planejar a ocupação dos espaços urbanos, tendo como alvo o bem-estar da

coletividade. E colocam também que:

“Para realizar as ações destinadas ao desenvolvimento das funções

urbanas da cidade, deve o Poder Público exercer sua atividade

urbanística consistente no planejamento, na ordenação do solo,

socorrendo-se de instrumentos de intervenção urbanística, e na

ordenação das edificações” (MACRUZ & MACRUZ, 2001, p.49).

Em síntese, um número ainda maior de trabalhos e autores poderia ser

citado e com grande riqueza de abordagens e óticas. Mas, não sendo este o

objetivo precípuo deste trabalho, procurou-se apresentar apenas uma parcela,

relativamente pequena, quando comparada com o universo de escritos sobre o EC

e sua relação estreita com o planejamento urbano. Aqui, o planejamento urbano é

citado na forma com que é colocado em prática na grande maioria das cidades

brasileiras. Esse, porém, não representa o pensamento do autor, que defende

enfoque sistêmico, ou seja, o planejamento deve considerar além do enfoque

tradicional, os planejamentos de transporte, de circulação, de meio ambiente, de

saneamento, etc.

5.2 LEITURA DO EC COM ENFOQUE NO PLANEJAMENTO DE

TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

Da revisão bibliográfica geral realizada sobre o Estatuto da Cidade, alguns

autores sequer citam as palavras transportes, trânsito ou circulação, ou mesmo

palavras delas derivadas. Outros citam essas palavras, porém reproduzindo

textualmente trechos da Lei; alguns, porém, tecem pequenos comentários sobre a

área de transportes; e um grupo ainda menor faz uma análise um pouco mais

aprofundada da correlação entre o EC e o planejamento e gestão do transporte e

circulação.

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Freitag (2001) se refere a críticas feitas por alguns autores contra os

“instrumentos apontados pela Lei para ordenar e regularizar o caos urbano já

concretizado nos grandes centros brasileiros, a saber, o planejamento urbano, os

planos diretores, o saneamento urbano, a privatização de certos serviços, entre os

quais o transporte urbano”. Maricato (2001) coloca que o EC tem papel

importante ao enfatizar a gestão democrática da cidade. Cita como exemplo, a

recente gestão na Prefeitura de São Paulo, que contrariamente à orientação do

plano diretor, investiu maciçamente em “grandes obras viárias” que “quebraram a

cidade e não resolveram o problema do tráfego”.

O combate ao espraiamento, que se torna possível com o IPTU

progressivo, segundo Cymbalista (2001a), proporcionará “menores necessidades

de deslocamentos, otimizando o uso da malha viária e das redes de transporte

público”. Em outro trabalho, o mesmo autor aponta que a aplicação do Estudo de

Impacto de Vizinhança, previsto pelo EC, para grandes empreendimentos, pode

evitar grandes impactos às cidades, dentre eles a sobrecarga do sistema viário,

demanda por transporte coletivo e a poluição sonora (CYMBALISTA, 2001b).

Francisco (2000) aponta que o EC será um instrumento eficaz no combate

à “indústria” dos vazios urbanos, que por sua vez estaria diretamente relacionada

com o transporte público. Só há a ocupação de áreas após os vazios, se o

transporte público estiver presente. A adoção do EC pode significar “uma luz no

fim do túnel”, pois a cidade média ou grande “não tem uma ocupação

precocemente estendida, levando os governos a uma necessidade absurda de

investimentos em ampliação de redes de infra-estrutura – pavimentação,

saneamento, iluminação, transporte...”. E mais, “a cidade média ou grande ”não é

obrigada a transportar cotidianamente a maior parte da população para os locais

onde se concentram os empregos ...” (ROLNIK, 2001a).

Motta (2001) se mostra preocupada com a área de transportes, em geral,

em seu estudo histórico das propostas de legislação federal sobre política urbana

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e o desafio da gestão das cidades. A autora se refere várias vezes à área de

transportes inclusive cobrando uma política mais clara para o setor.

Macruz & Macruz (2001) apontam não só a competência constitucional do

município sobre o transporte urbano, mas também cobram que a cidade deve

cumprir a sua função social, a todos que nela vivem, assegurando-lhes o direito “à

moradia, aos equipamentos e serviços urbanos, transporte público...”, colocando

em prática as três funções fundamentais do urbanismo que proporciona qualidade

de vida à população. Essas funções são: habitar, trabalhar e recrear. Os principais

objetos das funções do urbanismo são: a) ocupação do solo; b) a organização da

circulação; c) a legislação”.

Somekh (2001, p.85) afirma que :

“Enquanto essa população {de baixa renda} não tiver acesso à

moradia, transporte público, saneamento (...), não haverá como

postular a defesa de que a cidade esteja atendendo à sua função

sócial.”

Ancona (2001, p.90) critica os zoneamentos urbanos, afirmando que eles:

“São ineficazes para resolver grande parte dos problemas urbanos,

em especial os relacionados com as demandas dos setores

populares referentes a habitação, transporte, saúde”

Rolnik (2001c, p.114) faz uma contundente crítica ao planejamento urbano

disseminado nas administrações municipais, na década de 1970, afirmando que

ele é excludente, empurrando a população de menor renda para a periferia, e ao

concentrar as oportunidades de emprego em um fragmento da cidade. Isto faz

com que,

“esse urbanismo de risco crie a necessidade de transportar

multidões para os locais de trabalho e devolvê-los aos seus bairros

ao final do dia, gerando assim uma necessidade de circulação

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imensa, o que, nas grandes cidades, tem gerado o caos nos

sistemas de circulação”

Aponta a autora que o planejamento urbano da época idealizava um projeto

da cidade do futuro, executado ano a ano, até chegar ao produto final. A

implementação do plano seria executada através de investimentos em

transportes, sistema viário, infra-estrutura (...) sobre a ação dos agentes

privados disciplinados via zoneamento; esse é também o pensamento de Di

Giuseppe (2001). As limitações do Legislativo e a desarticulação da sociedade

civil provocaram um isolamento no planejamento urbano, que aliado à “sua

separação da esfera de gestão provocou uma espécie de discurso esquizofrênico

nas Administrações”. Reconhece que o EC “representa um importante avanço no

trato da questão urbanística, diferentemente da legislação tradicional, pois ocupa-

se da garantia de espaços específicos para a política no marco legal do

planejamento urbano”.

Antenor (2001) reflete que os avanços tecnológicos, em especial nos meios

de transportes e de telecomunicações, promovem alterações significativas na

organização e distribuição espacial das atividades produtivas, econômicas e

sociais nas cidades. Aponta, também, a autora, a equivocada política pública de

permitir e incentivar a implantação de núcleos habitacionais de baixa renda –

devido ao baixo custo das terras – na região periférica, o que causa um aumento

significativo nos custos de redes de infra-estrutura urbana (pavimentação,

drenagem, etc.) e de transportes. Assim também pensa De Villa (2001, p.240),

apontando que:

“É dispendioso atender à população instalada num tecido urbano

esgarçado e franjado porque as redes de infra-estrutura e serviços –

como o fornecimento de água potável, os transportes coletivos e a

coleta de lixo, por exemplo – não podem passar apenas na frente dos

lotes ocupados; precisam seguir nos trechos de ruas próximos a lotes

vagos e atravessar glebas desocupadas para alcançar os

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assentamentos isolados. Quem paga esses serviços acaba, assim,

tendo que arcar, de uma ou outra forma, com o custo extra de se

vencer essas distâncias. De maneira semelhante, a dispersão dos

moradores no território torna difícil e caro seu acesso a equipamentos

urbanos como creches, escolas e postos de saúde” .

Recomenda, ainda, Antenor (2001), que na elaboração do plano diretor e

da lei municipal específica, para estabelecer a área sujeita ao parcelamento, à

edificação ou à utilização compulsórios, de que trata o EC, a prefeitura deverá

definir, dentre outros, os fatores urbanísticos que traduzam a dinâmica urbana da

cidade. Um dos fatores que deverão ser considerados é a acessibilidade por

transporte coletivo.

Estudos apontam que o Estatuto da Cidade é “uma ferramenta importante e

perfeitamente alinhada com a Gestão da Qualidade em administrações

municipais”, particularmente se adotada em órgãos gestores de trânsito e

transportes.

Raia Jr. & D’Andrea (2002a e 2002c) estudaram especificamente nove

diretrizes e apontaram que o EC deixa evidenciados vários aspectos que fazem

parte dos fundamentos da Qualidade de um Programa de Gestão, inclusive da

gestão pública. Dentre outros aspectos citam que o foco no munícipe, a

responsabilidade social da Alta Direção, a visão de futuro de longo alcance, a

gestão baseada em fatos e processos, a qualidade do serviço centrada no cliente,

o comprometimento da Alta Direção, etc.

Em trabalho apresentado no I Congresso Nacional pelo Direito à Cidade,

em 2001, a Associação Nacional de Transportes Públicos indica que a

mobilidade, o transporte público e o Estatuto da Cidade são desafios para um

desenvolvimento urbano sustentável. Salienta o texto que:

“O transporte público não precisa forçar a própria natureza para

servir a uma vida urbana ecologicamente sustentável. Ele pode ser o

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melhor instrumento para a requalificação urbana das cidades. (...) Ao

se estabelecer uma política de desenvolvimento ambiciosa, que

considere importante a valorização dos espaços públicos e sua

retomada para os pedestres, o transporte público aparece com

todas as suas vantagens. A recuperação das áreas verdes, hoje

comprometidas para estacionamentos, o aumento da

acessibilidade às áreas centrais adensadas e as áreas destinadas

exclusivamente a pedestres, tudo isto pode ser garantido pelo

transporte público, que organizado em rede, deve assegurar o

acesso a todos equipamentos de interesse coletivo, como

universidades, centros esportivos e culturais, museus e parques,

além dos locais de trabalho” (ANTP, 2001, p.5).

ANTP(2001, p.5), conclui a reflexão recomendando que:

“É preciso superar os objetivos que conduziram inicialmente a

implantação dos serviços públicos de transportes, centrados quase

que exclusivamente na oferta de viagens entre locais de trabalho e

de moradia. Mais que um serviço de transporte, os sistemas de

transporte cumprem uma missão essencial ao serviço social,

necessário à manutenção da solidariedade social e de coesão

geográfica de uma cidade e de uma região, assegurando o acesso a

cidade para todos”.

ANTP (2001) relata opiniões e análises que tiveram como enfoque “O

Estatuto da Cidade, o transporte e o trânsito”. O técnico Anive Soares, da

Urbanização de Curitiba-URBS, reporta que Curitiba vem se preparando para

adequar-se ao Estatuto, ao instituir o Grupo Técnico Multidisciplinar, que tem

como objetivo estudar e compreender o EC e o que a administração municipal

deve fazer para se adequar às suas determinações. Pretende-se “definir um

modelo para gestão urbana, através de critérios: uma matriz local de consenso,

adequada à nova política urbana nacional”, que compreende a formulação de

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planos setoriais, voltados para as áreas de mobilidade urbana, transporte

urbano e integração metropolitana.

Luis Carlos Bertotto, secretário de transportes de Porto Alegre, afirma que o

município possui um Plano Diretor, aprovado em 1998, e devidamente revisado

em 2000, e que está sendo rediscutido com a população, visando à sua

adequação ao EC. Baseado no Plano Diretor do município vem sendo debatido o

Plano Diretor de Transportes, previsto na Lei e essencial para incluir

socialmente as pessoas que moram em locais periféricos, levando-as a participar

da vida urbana (ANTP, 2001).

Em virtude da revisão apresentada, pode-se constatar que a vinculação do

EC com o planejamento de transporte e de circulação, encontrada nos estudos e

escritos, se resume, quase que na sua totalidade, a pequenas citações retóricas e

superficiais. Excetuando ANTP (2001) e Raia Jr. & D’Andrea (2002a, 2002b e

2002c), que procuram claramente aprofundar a correlação EC e os planejamentos

de transporte e de circulação, as demais referências aqui apresentadas não

mostraram essa preocupação.

Uma pesquisa adicional foi realizada junto aos Anais dos dois mais

importantes Congressos de Transportes no Brasil. O primeiro, Congresso Nacional

de Pesquisa e Ensino de Transportes – promovido pela ANPET, com

predominante caráter científico dos seus artigos e, o segundo, Congresso

Nacional de Transportes e Trânsito – promovido pela ANTP, cujos artigos trazem

as experiências técnicas mais relevantes no campo de aplicação das áreas de

transportes e circulação. A pesquisa procurou levantar o número de artigos

apresentados nestes congressos, a partir de 2002, e quantos deles trouxeram

alguma referência ao Estatuto da Cidade que entrou em vigor em 2001.

O resultado obtido foi que no Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino de

Transportes – promovido pela ANPET em 2002, em um total de 138 artigos, não

houve nenhuma referência ao Estatuto da Cidade, em 2003 o total de artigos foi

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de 123, e novamente nenhum deles sequer menciona o Estatuto. Já no Congresso

Nacional de Transportes e Trânsito – promovido pela ANTP, em 2003, em um total

de 224 artigos, apenas 4 fizeram referência ao Estatuto da Cidade

Esses dados tornaram evidente a falta de interesse de pesquisadores e

técnicos das áreas de transportes e circulação com o tema Estatuto da Cidade, ao

menos até o momento.

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Segundo Silva & Menezes (2001), existem várias formas de classificar as

pesquisas. As formas clássicas de classificação são: do ponto de vista da sua

natureza; do ponto de vista da forma de abordagem do problema, e do ponto de

vista de seus objetivos.

Dentre essas várias formas de classificação de pesquisa, pode-se

enquadrar o presente trabalho como sendo uma Pesquisa Aplicada, do ponto de

vista da sua natureza, por gerar conhecimento para aplicação prática.

Quanto à sua abordagem, pode ser considerada uma Pesquisa Qualitativa

que não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas e nem exige

interpretação dos fenômenos, além disso, neste caso, o pesquisador é

considerado um instrumento – chave para realização da pesquisa.

Já do ponto de vista de seus objetivos, pode-se afirmar que se está diante

de uma Pesquisa Exploratória, pois envolve um levantamento bibliográfico e uma

análise de exemplos que estimulam sua compreensão (Silva & Menezes, 2001).

6 METODOLOGIA

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O método a ser empregado na realização desta pesquisa é baseado em

uma análise estritamente teórica. Propõe-se aqui destrinchar, com alguma

profundidade, o texto do Estatuto da Cidade. Tentar-se-á, também, fazer uma

leitura pormenorizada e reflexiva, subtraindo do texto da lei aspectos gerais do

ambiente urbano, para destacar interfaces implícitas ou explícitas desse ambiente

com a área de planejamento de transporte e de circulação.

O processo de entendimento, reflexão e, posterior extração de idéias e

objetivos que emergem do texto do Estatuto está baseado no conhecimento e

sensibilidade adquiridos pelo pesquisador, refinados pelo aprofundamento na

literatura, reflexões, e no debate de trabalhos sobre o assunto, apresentados pelo

pesquisador em congressos, como etapas que vêm sendo construídas ao longo

do mestrado.

O Estatuto trata de maneira genérica a questão dos transportes, levando o

leitor menos atento a entendê-lo somente como uma norma de política urbana

mais voltada para o controle do crescimento das cidades, na aplicação de

instrumentos urbanísticos, etc., porém sem grandes mensagens (ou cobranças, já

que se trata de uma lei) e diretrizes relacionadas ao planejamento de transporte

urbano e de circulação.

Espera-se, a partir de reflexões mais aprofundadas, fazer uma leitura

cuidadosa e, assim, dar um possível alinhamento entre as principais diretrizes

contidas no Estatuto e os Planejamentos de transporte e de Circulação.

Apesar de a análise desenvolvida por este trabalho ser de caráter

estritamente teórico, para melhor entendimento do método da pesquisa utilizado,

tentar-se-á relacionar suas etapas, a seguir. A etapas de revisão bibliográfica, que

nos trabalhos de pesquisa, em geral, não fazem parte propriamente do método de

pesquisa, neste, em particular, devido ao seu caráter teórico, não só é parte

integrante do método, como também é um passo fundamental para se atingir os

objetivos aqui definidos.

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As etapas do método de pesquisa assim se definem:

• Revisão do texto da lei que criou o Estatuto da Cidade, incluindo

publicações que descrevem as idéias que motivaram a apresentação do

projeto de lei, desde sua fase embrionária. Essa etapa abrange textos que

descrevem a evolução do processo de amadurecimento/refinamento das

propostas, as várias modificações pelas quais passou o anteprojeto, no

âmbito do Congresso Nacional. Faz parte dela um estudo aprofundado e

reflexivo, em que se procura conhecer as idéias apresentadas nas diretrizes

da lei e que, de forma explícita ou implícita, tenham relação com a área de

planejamento de transporte e circulação urbana;

• Revisão bibliográfica envolvendo as mais diversas publicações, artigos de

periódicos, artigos de congressos, livros, etc. que de uma forma ou de outra

fazem algum tipo de leitura, sob as mais variadas óticas, sobre as

mensagens contidas no todo do Estatuto. Aqui, procurar-se-á conhecer

como cada autor, pesquisador ou administrador fez a sua leitura,

interpretação e implicações da lei;

• Confrontação das duas primeiras etapas, tendo de um lado a leitura,

aprofundada e reflexiva, feita pelo pesquisador, sob a ótica do planejamento

de transporte e de circulação e, de outro, as leituras gerais apresentadas

pela literatura;

A partir da hipótese adotada de que o Estatuto da Cidade tem uma relação

muito mais íntima com a área de planejamento de transporte e de circulação do

que aquela até então apresentada na literatura, essa etapa se consumará com

uma apresentação, sistematizada e abrangente, das conclusões obtidas pelo

pesquisador sobre a relação Estatuto da Cidade - Planejamentos de Transporte e

de Circulação.

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O Estatuto da Cidade, estudado neste trabalho, é composto por capítulos,

seções e artigos específicos, que têm como objetivo colocar em prática

importantes instrumentos de política urbana, já previstos desde 1988. Apesar da

grande abrangência do EC e suas especificidades características de uma lei, o

estudo aqui apresentado concentrou-se em suas dezesseis diretrizes gerais que

visam o ordenamento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

Dentre essas diretrizes, várias delas (doze diretrizes) puderam ser

fortemente ligadas com o planejamento de transporte e circulação, portanto, foram

analisadas individualmente. As demais diretrizes (apenas quatro), por terem uma

ligação mais superficial com a questão dos transportes, foram tratadas

conjuntamente e agrupadas conforme suas similaridades.

Os estudos de correlação entre as diretrizes e os planejamentos de

transporte e circulação são apresentadas a seguir.

7 ESTUDO DAS DIRETRIZES

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7.1 DIRETRIZ I – GARANTIA DO DIREITO A CIDADES SUSTENTÁVEIS

A conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, aprovou um documento,

denominado Agenda 21, que estabelece um pacto pela mudança do padrão de

desenvolvimento global para o próximo século. A Agenda 21 Global traduz em

ações o conceito de Desenvolvimento Sustentável, "aquele que harmoniza o

imperativo do crescimento econômico com a promoção da eqüidade social e

preservação do patrimônio natural, garantindo assim que as necessidades das

atuais gerações sejam atendidas sem comprometer o atendimento das

necessidades das gerações futuras" (BEZERRA & FERNANDES, 2000).

Para entender do que se trata o termo “desenvolvimento sustentável”, pode-

se tomar o conceito apresentado por Bremer (2001) que o coloca como o

equilíbrio entre os níveis de desenvolvimento e os estoques de recursos naturais,

desenvolvimento este que deve dar-se de modo a não prejudicar o ambiente

natural ou as gerações futuras.

Bremer (2001) considera ainda as próprias cidades como recursos que

necessitam de proteção, e assim, coloca que as possibilidades para o seu

planejamento devem ser encaminhadas em busca da sustentabilidade. O autor

defende, que não deve ser permitido um decréscimo dos estoques de recursos

naturais ao longo do tempo, pois estes apresentam características de

irreversibilidade, e que, a igualdade entre as gerações deve ser entendida como

crucial ao tema desenvolvimento sustentável, por pressupor a garantia de que a

geração seguinte tem o direito de ter acesso mínimo à mesma base de recursos

da geração anterior.

A garantia do direito às cidades sustentáveis, dentre outros, presume o

direito ao transporte para a presente e as futuras gerações. Direito ao transporte,

no sentido de proporcionar a acessibilidade e mobilidade às pessoas, associando

os termos acessibilidade e mobilidade tanto aos aspectos espaciais de distribuição

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de atividades, como às características socioeconômicas da pessoa que realiza o

deslocamento.

Para os países em desenvolvimento, a preocupação pode ser direcionada

para os grupos que têm sérias restrições de mobilidade, particularmente (os

grupos de baixa renda) pela falta de oferta dos sistemas públicos de transportes e,

principalmente, pela ausência de recursos nos seus orçamentos para o

pagamento das tarifas. Estas, quase sempre, muito elevadas e incompatíveis com

os ganhos de grande parcela da população. A constatação é que a mobilidade e

acessibilidade estão decaindo rapidamente em grande parte do mundo em

desenvolvimento (RAIA JR., 2000).

Assim, conforme Raia Jr. & Silva (1999), não é suficiente oferecer à

população simplesmente uma determinada infra-estrutura urbana, mas é

necessário também assegurar a adequação efetiva dos recursos disponíveis às

possibilidades do usuário.

Como já explicitado anteriormente, a ausência de planejamento e controle

do uso e ocupação do solo acaba por deixar que o desenho da cidade seja

resultante de forças do mercado, que tendem a investir nas áreas de maior

acessibilidade, freqüentemente com graves impactos ambientais.

O crescimento urbano acelerado vem quase sempre acompanhado de um

espalhamento urbano, em que os grupos de renda mais baixa vão sendo expulsos

para periferia urbana. Como conseqüência, as viagens desses grupos ficam cada

vez mais longas e demoradas, comprometendo assim sua acessibilidade e

mobilidade, ou melhor, o direito ao transporte.

Para agravar ainda mais o problema, tem-se, de um lado, o crescimento

baseado no automóvel, com taxas de viagens cada vez maiores por modo

motorizado particular e, de outro, em muitas cidades, devido ao alto custo das

passagens do transporte urbano, grande parcela da população com sua

capacidade de deslocamento restringida.

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67

As facilidades do uso do automóvel incentivam a expansão urbana. As

distâncias aumentam e novas vias são necessárias. As redes de equipamentos

públicos - água, esgoto, iluminação, sistema viário, etc. – tornam-se caras. Os

ônibus precisam trafegar mais, reduzindo sua rentabilidade. Algumas áreas

tornam-se críticas, como o transporte público altamente deficitário. A área urbana

aproxima-se da insustentabilidade (PIRES et al., 1997).

ANTP (2000) enfatiza que a cada dia fica mais evidente a estreita

vinculação existente entre a qualidade de vida de nossas cidades e o tipo de

circulação que elas possuem.

Lima (2002) acrescenta que quem mais sofre com tudo isso são os pobres,

pois possuem dificuldades de ter acesso a tudo nas grandes cidades – não têm

acesso à terra urbana, à habitação, à infra-estrutura e aos serviços urbanos.

Também não têm acesso à segurança nos bairros pobres e favelas – locais onde

a criminalidade é grande. Não têm acesso aos transportes públicos de qualidade.

Essa situação contradiz o direito às cidades sustentáveis, apresentada na primeira

diretriz do Estatuto da Cidade.

Mas, com a aplicação deste novo instrumento urbanístico, que dispõe sobre

a garantia do direito às cidades sustentáveis, entendido como direito à moradia, ao

saneamento ambiental e aos transportes, entre outros, para a presente e as

futuras gerações, é possível que se reverta a situação de caos urbano, que fica

evidenciada pela expansão urbana descontrolada e dependente do uso do

automóvel, gerando uma ocupação dispersa e fragmentada.

Deve-se, segundo MC (2003), incentivar a articulação efetiva entre as

políticas públicas de transporte e trânsito e as políticas definidas para as áreas de

habitação, desenvolvimento urbano e meio ambiente, com o objetivo de promover

um desenvolvimento sustentável, que reduza as necessidades de deslocamentos

da população.

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Parâmetros como consumo de energia, aspirações por qualidade de vida,

melhores condições de mobilidade e acessibilidade e deslocamentos de pessoas

e de bens devem ser tidos como fundamentais ao se buscar o desenvolvimento

urbano sustentável.

A priorização do transporte multimodal deve visar a diminuição do tempo

gasto em deslocamentos, com o aumento de produtividade em todos os setores

da cidade, gerando tempo livre e conseqüentemente melhor qualidade de vida

para os cidadãos.

O incentivo e a adoção de transportes sustentáveis, tais como os modos a

pé, bicicleta, e os modos coletivos, tais como ônibus, bonde, VLT, trem, metrô, são

caminhos para a construção de cidades com mais qualidade de vida.

Uma das alternativas para se aproximar da sustentabilidade das cidades é

a adoção da Gestão da Demanda de Transportes (Transportation Demand

Management - TDM), um termo geral que descreve as estratégias que resultam

em um uso mais eficiente da infra-estrutura de transportes em uma cidade. Esse

procedimento tem sido uma resposta cada vez mais comum para os problemas

acarretados pelo uso intensivo dos automóveis no transporte urbano (VTPI, 2003).

As várias estratégias que integram as políticas de Gestão da Demanda de

Transporte têm como objetivo principal desestimular o uso do automóvel e podem

proporcionar diversos benefícios, incluindo redução dos índices de

congestionamentos, diminuição da poluição ambiental e sonora, acidentes de

trânsito, uso do solo mais eficiente, etc. Entre as estratégias citam-se as

seguintes:

• Planejamento do Transporte sem Automóveis (Car-Free Planning):

envolve estratégias para reduzir as viagens por automóvel, por meio de

medidas que proíbem a utilização do transporte motorizado individual, em

determinados períodos e locais;

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• Moderação de tráfego (Traffic Calming): trata de projetos especiais de

vias, como a implantação de redutores de velocidade (lombadas, valetas),

estreitamento de vias, sinalização, vias sinuosas, etc., visando reduzir o

volume e a velocidade do tráfego em alguns trechos. Traffic Calming é uma

técnica que tem sido aceita, principalmente, em países europeus e,

recentemente, nos Estados Unidos e Austrália, como capaz de proteger as

áreas urbanas, em parte, dos efeitos nocivos do tráfego de veículos e ao

mesmo tempo criar um ambiente seguro, calmo, agradável e atraente;

• Melhorias para bicicletas: estratégias que incentivam o uso da bicicleta

não só como lazer, mas também como modo de transporte para viagens

utilitárias. Para essa finalidade pode-se citar: melhorias nas vias,

implantação de ciclovias e ciclofaixas, estacionamento próprio para as

bicicletas, etc., além de políticas para tornar o ciclismo mais conveniente,

seguro e agradável;

• Melhorias para pedestres: assim como as anteriores, são estratégias para

tornar mais convenientes, seguras e agradáveis as caminhadas,

proporcionando caminhos atrativos e confortáveis para os pedestres;

• Uso do solo orientado para o transporte coletivo (Transit Oriented Design):

Incentiva uma maior utilização do transporte coletivo, a partir de uma

configuração de uso do solo que propicia a melhoria deste modo de

transporte, contribuindo para a criação de cidades mais acessíveis e

agradáveis;

• Crescimento Inteligente (Smart Growth): Aborda a gestão mais eficiente

do uso do solo, otimizando a infra-estrutura existente, desestimulando a

criação dos vazios urbanos e conseqüentemente a especulação imobiliária;

etc.

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70

Alcançar a acessibilidade urbana sustentável é uma etapa essencial para a

melhoria global do ambiente urbano e para a manutenção da viabilidade

econômica das cidades. Para Martins (1999), o transporte deve ser percebido

como estratégia de produção urbana e assim tornar possível a identificarção de

perspectivas de políticas integradoras. Enfim, o direito às cidades sustentáveis, no

que diz respeito ao transporte, está diretamente ligado à garantia de

acessibilidade e mobilidade das pessoas.

A cidade de São Paulo já fez a tentativa de transformar toda a frota de

ônibus diesel em motores movidos a gás natural. No entanto, a idéia não passou

de uma lei não cumprida.

Fica aqui evidente que o alcance do objetivo de se construir cidades

sustentáveis passa, necessariamente, pelo setor de transportes. Porém, apesar de

todos os movimentos em prol da sustentabilidade urbana, por enquanto, ainda se

vê que cada vez mais a expansão urbana é incentivada pelas facilidades do uso

do automóvel, que a infraestrutura pública torna-se cada vez mais cara e o

transporte coletivo deficitário. Propicia-se, dessa forma, grandes restrições de

acessibilidade e mobilidade para a maior parte da população.

Como o uso do automóvel e a frota de veículos automotores, sejam eles

movidos a gasolina ou a diesel, é cada vez maior, conseqüentemente a poluição

do ar e da água, é crescente. Assim, pode-se afirmar que essa diretriz é uma das

mais importantes e o seu fiel cumprimento só será viabilizado como fruto de uma

transformação radical nas ações relativas à política urbana, por parte dos

administradores, políticos e técnicos municipais, estaduais e federais.

Enfim, cidades sustentáveis só serão possíveis com sistemas e modais de

transportes igualmente sustentáveis.

7.2 DIRETRIZ II – GESTÃO DEMOCRÁTICA POR MEIO DA PARTICIPAÇÃO

DA POPULAÇÃO EM PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO URBANO;

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71

DIRETRIZ XIII – AUDIÊNCIA DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL E DA

POPULAÇÃO INTERESSADA NOS PROCESSOS DE IMPLANTAÇÃO DE

EMPREENDIMENTOS

A preconização da gestão democrática possibilita a participação da

comunidade na discussão do nível de serviço, custo e atendimento de transportes.

Segundo Affonso (2002), a mobilidade é um atributo associado às pessoas

e aos bens, está diretamente ligada às necessidades de deslocamento do

indivíduo, e pode ser afetada por fatores como: renda, idade, sexo e capacidade

do indivíduo.

O meio urbano oferece condições desiguais de acessibilidade, abrigando

fatores tais como: o tratamento físico dado às vias; a existência de redes regulares

de transporte urbano; a qualidade dos seus serviços e o preço dos mesmos.

Esses fatores contribuem para tornar uma cidade mais ou menos acessível.

Hoje, aproximadamente 80% da população brasileira vive em áreas

urbanas, nas quais a maioria das pessoas depende do transporte público para

deslocar-se. As condições atuais de transporte, no entanto, são inadequadas para

a maior parte dessa população, pelo desconforto, congestionamento e acidentes.

Há uma grande probabilidade de as dificuldades nos deslocamentos de

pessoas e de mercadorias agravarem-se à medida que a urbanização prosseguir

da maneira descontrolada como vem acontecendo.

Em virtude dos impactos negativos relacionados ao crescimento

desordenado das cidades, requer-se, com urgência, um reexame do modelo atual

de transporte e circulação das cidades brasileiras. Com um sistema melhor

estruturado e de acordo com a situação atual das cidades é possível assegurar

uma melhor distribuição das oportunidades de deslocamento, ao lado de uma

maior eficiência geral.

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72

As ações destinadas à ampliação da oferta de serviços sociais e

comunitários precisam ser combinadas com uma melhor utilização da capacidade

de atendimento das estruturas já implantadas:

• Levar escolas para bairros carentes e organizar o transporte escolar;

• Criar condições de acesso à rede de transporte para pessoas com

redução de mobilidade;

• Levar a rede de saúde para perto das pessoas;

• Garantir a mobilidade e acessibilidade de todos para o trabalho, lazer,

escola.

Para tanto, é imprescindível que haja a participação da população no

processo de desenvolvimento urbano e na discussão de políticas de transporte e

trânsito, que devem ser revistas de forma a gerar um balanceamento mais

adequado entre os vários modos de transporte, otimizando a eficiência geral do

sistema e garantindo melhores condições para a maioria dos usuários.

Segundo Pires et al. (1997), a participação da comunidade nas decisões

relativas às políticas públicas tem o objetivo de garantir os seus direitos

constitucionais de informação sobre decisões governamentais e de aprimorar a

qualidade das decisões, aproximando–as da vontade da maioria.

A efetivação desta participação requer a abertura de órgãos de gestão e

dos operadores de sistemas públicos de transporte ao controle dos usuários e das

associações civis interessadas na questão. Requer, também, que ocorra uma

descentralização das decisões para os níveis mais próximos do usuário final, sem

prejuízo das necessidades de manutenção de capacidade mínima de coordenação

e de desenvolvimento nos níveis hierárquicos mais altos (PIRES et al. 1997).

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A garantia da participação popular atende também aos novos requisitos de

defesa da cidadania e melhoria da qualidade de vida na prestação dos serviços

públicos.

Representantes da administração pública, de órgãos gestores e operadores

de transporte, assim como dos responsáveis pelo planejamento de transporte e

circulação devem organizar-se para atender as reivindicações dos usuários e

devem expor seus objetivos e projetos para a sociedade, garantindo uma política

clara de procedimentos que devem ser realizados em prol da comunidade.

A Constituição Federal, de 1988, as Constituições Estaduais e as Leis

Orgânicas Municipais incorporam uma série de direitos e de instrumentos que

podem ser utilizados para viabilizar a vontade popular:

• O direito ao plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei;

• O mandado de segurança individual e coletivo;

• O acesso a informações de interesse coletivo e particular dos órgãos

públicos;

• A possibilidade de participação das associações civis organizadas no

planejamento municipal.

Esses direitos devem ser remetidos também ao planejamento de transporte

e de circulação. Segundo MC (2003), para democratizar e propiciar a cidadania à

gestão da Mobilidade Urbana devem ser incentivadas políticas que promovam

acima de tudo a participação cidadã, tanto no nível dos movimentos populares,

quanto da sociedade civil organizada e dos cidadãos não engajados, fomentando

um efetivo controle social das políticas públicas de transporte e trânsito.

Em termos de participação popular, existem algumas experiências antigas,

como por exemplo, a de Florianópolis, onde a participação popular, no setor de

transportes, começou a fazer parte do governo municipal, a partir do reajuste que

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seria concedido à tarifa de ônibus, em fevereiro de 1987, com o término do

congelamento de preços definido pelo Governo Federal, de fevereiro/86 a

fevereiro/87. Para tanto, o Núcleo de Transporte Coletivo – NTC/PMF, órgão

gerenciador do sistema de transporte público de passageiros, veio discutindo com

as comunidades de bairro as questões que se referem a decisões e medidas

tomadas para o setor. A participação popular seria da maior relevância na

definição da nova tarifa, levando-se em conta toda a expectativa gerada em torno

de alterações em salários e despesas familiares (EBTU, s.d.).

O orçamento público, no Brasil, foi durante muito tempo elaborado a partir

de uma visão estritamente técnico-administrativa sem qualquer consulta ou

participação da população. O resultado de tal prática era quase sempre uma peça

de ficção que não contemplava os interesses da maioria da população.

Nos últimos anos, uma nova forma de conceber a gestão pública passou a

ser discutida por vários setores organizados da população no Brasil. Esses

setores reivindicavam uma maior democratização dos processos de decisão em

questões que afetavam as suas vidas. Dessa forma ganhou força a idéia de que o

processo de elaboração do orçamento público deveria contemplar uma efetiva

participação popular nas discussões e definições de políticas públicas.

A Constituição Federal, de 1988, já havia incorporado o princípio da

participação direta na administração pública, além de estabelecer vários

mecanismos de reforços a iniciativas populares, no sentido da ampliação da

cidadania política, como o referendo e o plebiscito.

Em Porto Alegre, em 1989, foi eleito o primeiro governo da Frente Popular,

numa coligação de partidos de esquerda cuja plataforma principal de seu

programa político era a democratização das relações entre o Estado e a

Sociedade.

Já no primeiro ano, o governo da Administração Popular de Porto Alegre

materializou essa idéia ao inserir em seu programa de ação a participação popular

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para discutir os investimentos e gastos do poder público. Essa participação se deu

principalmente com a abertura de um canal de discussão e deliberação da

população juntamente com os movimentos populares urbanos. Tal procedimento

foi decisivo para a construção do Orçamento Participativo que apresenta entre

suas prioridades a melhoria do transporte e circulação (POZZOBON, 2000).

A gestão democrática por meio da participação da população na discussão

dos projetos de desenvolvimento urbano, que por sua vez englobam os projetos

de transporte e circulação assegurando a mobilidade das pessoas e dos bens, é

indispensável para que se consiga melhorar a qualidade de vida dos cidadãos

brasileiros.

A audiência do poder público e da população interessada nos processos de

implantação de empreendimentos apresentadas na diretriz XIII do Estatuto da

Cidade é uma das formas de realizar a gestão democrática por meio da

participação popular apresentada na diretriz II desta mesma lei.

No que diz respeito à área dos transportes, tem-se como exemplo as

Audiências Públicas realizadas, em 2003, para avaliar o impacto ambiental dos

trechos Sul, Leste e Norte do Rodoanel Mário Covas, que corta diversos trechos

urbanos na Região Metropolitana de São Paulo.

Nessas audiências foi enfatizada a importância da preservação da Serra da

Cantareira, garantindo que não haveria risco real para o abastecimento de água, e

também, que o Rodoanel é um dos elementos básicos para a qualidade de vida da

população e que isso já está sendo possível de ser avaliado no trecho Oeste,

entregue em outubro de 2002.

É importante ressaltar que essas audiências públicas têm como objetivo

trazer os diferentes setores da sociedade para integrar as discussões e, juntos

com o Governo do Estado, definir o melhor traçado para as próximas etapas do

Rodoanel Mário Covas – trechos Sul, Leste e Norte (SECTRAN, 2004).

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De modo geral, a prática de audiências públicas vem ocorrendo em vários

municípios brasileiros. Este é o caso de Bauru, que vem realizando audiências

públicas para discussão do novo Plano Diretor. Dentre as propostas apresentadas

e debatidas concluiu-se pela necessidade de ampliação do atual sistema viário do

município para melhorar a interligação entre bairros e setores da cidade.

(SCHIAVONE, 2004).

Apesar de haver algumas experiências mais antigas, somente nos últimos

anos, têm-se percebido uma maior mobilização e conscientização da população,

para a importância da participação da comunidade nas discussões sobre

desenvolvimento urbano, sobretudo no que diz respeito aos transportes e

circulação. Felizmente, vê-se que as administrações públicas, de maneira geral,

estão se preocupando cada vez mais com a opinião e necessidades dos cidadãos

e que estes têm-se dedicado em participar do desenvolvimento dos projetos

urbanos para conseguir melhorar sua qualidade de vida.

7.3 DIRETRIZ III – COOPERAÇÃO ENTRE GOVERNOS, A INICIATIVA

PRIVADA E OS DEMAIS SETORES DA SOCIEDADE NO PROCESSO DE

URBANIZAÇÃO

Segundo SEDU (2001), o transporte é uma função urbana que interage

diretamente com o desenvolvimento e a organização das cidades.

A forma de ocupação espacial urbana define uma determinada rede de

transporte e essa rede, mediante investimento na infra-estrutura viária urbana,

pode induzir a ocupação da cidade.

A ocupação da cidade e a provisão do transporte de pessoas e bens, assim

como outros procedimentos para viabilizar a vida social e econômica das cidades,

podem ser feitas de forma planejada ou anárquica.

Para que essa ocupação e uso do espaço urbano se dêem de forma

planejada, assegurando um melhor funcionamento do sistema de circulação e

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acessibilidade das pessoas, é necessária uma gestão compartilhada ou uma

articulação entre órgãos que definem as diretrizes para o desenvolvimento urbano

e os órgãos executores dessas diretrizes nas distintas áreas: habitação,

transporte, trânsito, saneamento e equilíbrio ambiental.

“O planejamento de transporte é a atividade que define a infra-

estrutura necessária para assegurar a circulação das pessoas e

mercadorias e que organiza os sistemas de transporte que estarão

sujeitos à regulamentação pública, inclusive a tecnologia e o nível de

serviço a ser ofertado” (PIRES et al., 1997, p.43).

Utiliza-se o planejamento de transportes para aumentar as chances de que

os objetivos sejam alcançados, com a qualidade, o custo e o prazo definidos

previamente como adequados. Formalmente, a organização adequada do

transporte público urbano é uma obrigação do município, explicitada na

Constituição Federal, de 1988.

Porém, o processo de planejamento de transporte pode e deve oferecer

possibilidade de parcerias entre os setores público e privado, ou seja, devem

dividir responsabilidades em troca de benefícios, em favor do desenvolvimento e

da infra-estrutura das cidades.

Dentre as situações em que tornam possíveis as parcerias na área de

transporte urbano podem ser citadas:

• A necessidade de complementar obra pública com investimentos de

entidades privadas;

• A aquisição de recursos adicionais para obras e serviços em troca de

benefícios para financiadores privados;

• A cobrança, de entidades privadas, dos custos causados por sua

intervenção no espaço da cidade.

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Segundo Pires et al. (1997), as parcerias podem ser divididas em três tipos:

• Espontânea – quando o setor privado toma a iniciativa de procurar o

Poder Público para obter autorização para implantar um projeto ou serviço

de seu interesse;

• Incentivada – quando a colaboração do setor privado se dá em troca de

algum tipo de benefício pela Prefeitura, como isenções fiscais, por exemplo;

• Compulsória – é aquela induzida por iniciativa do Poder Público como pré-

condição para aprovação de grandes empreendimentos nos espaços das

cidades – como a construção de equipamentos públicos para serem doados

ao Poder Público sem nenhuma indenização ao setor privado.

De acordo com Martins (1999), até hoje o investimento em infra-estrutura

urbana para que a propriedade pudesse ter valor de troca coube ao Estado. Mas a

história reclama a participação do capital privado na transformação urbanística

para o futuro. A inserção do capital privado pode ser uma solução para o problema

relacionado à necessidade de adensamento com a minimização de impactos

negativos. A possibilidade de oferecer atributos ao capital imobiliário (fundiário,

financeiro e construtor) por meio da exploração de espaços públicos estratégicos,

como ferrovias e vias arteriais, pode ser feita por instrumentos do tipo urbanização

consorciada ou operação interligada.

Ainda segundo Martins (1999), com a redefinição do papel do Estado e a

participação do capital privado na oferta dos serviços urbanos, já se pode

estabelecer propostas e negociações que permitam a viabilização da tese da

“arquitetura da circulação” de Buchanan, a qual tem como pressuposto a

redefinição de espaços públicos e privados da cidade, ao mesmo tempo em que

se pode investir em qualidade ambiental urbana, que clama por transporte público

de qualidade e redefinição do zoneamento urbano, no sentido de se evitar a

excessiva concentração e especialização de atividades urbanas.

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Assim, em troca de poder explorar economicamente o que hoje é espaço

público, o empreendedor deveria arcar com os custos de construção de estações

de integração modal e financiar o transporte popular, que também ofereceriam ao

seu empreendimento vantagens de localização, por estar bem servido de

transporte público.

Explorar espaços públicos estratégicos significaria para o capital imobiliário

um atrativo irrecusável. Afinal, como a dinâmica urbana depende da articulação do

uso do solo com as facilidades de transporte, a proposta estaria vinculando essa

articulação prioritariamente à rede de centros de comércio e serviços

(empreendimento privado).

As Operações Urbanas, já previstas no Estatuto como instrumento de

desenvolvimento urbano, poderiam ser inseridas no setor de transporte, como

forma de parceria entre o poder público e o setor privado. As Operações Urbanas

consorciadas constituem um tipo especial de intervenção urbanística voltada para

a transformação estrutural de um setor da cidade. As operações envolvem

simultaneamente: o redesenho deste setor (tanto de seu espaço público como

privado); a combinação de investimentos privados e públicos para sua execução e

a alteração, manejo e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e

obrigações de urbanização (BRASIL, 2001b).

Como exemplo, pode-se citar a construção de linhas de metrô, com o

loteamento e edificações situados nas proximidades das estações ou a construção

de uma via com a participação de financiadores privados, que paralelamente

desenvolvem projetos de edifícios comerciais, hotelaria, centros de lazer e

shopping centers.

Como exemplo de aplicação deste conceito pode ser destacado o projeto

Eixo Tamanduatehy, no município de Santo André-SP, que se propõe a

requalificar o principal eixo de transportes da cidade, correspondendo a uma faixa

situada entre a Avenida dos Estados, a estrada de ferro e a Avenida Industrial.

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Porém, em uma primeira etapa, foram feitas propostas para o projeto de

requalificação da área, sem que, no entanto, se chegasse a um projeto que

sintetizasse e integrasse o conjunto das propostas. Assim, o Eixo Tamanduatehy

não configurou um projeto de lei de Operação Urbana. Mesmo na ausência do

projeto síntese, foram realizadas pequenas operações urbanas, referentes a

empreendimentos isolados e implementadas por meio de leis específicas, para

cada projeto (BRASIL, 2001b).

Como exemplo de parceria entre governos na área de transporte e

circulação, pode-se citar o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de

Transporte Urbano e Trânsito, criado em junho de 1990, por solicitação da Frente

Nacional de Prefeitos. Esse Fórum tem como objetivo reunir responsáveis pela

gestão de transporte urbano e trânsito, na defesa de projetos de lei nessa área,

visando também, estabelecer um canal permanente de divulgação e troca de

experiências bem sucedidas.

Segundo ANTP (2004), o grande impulso que se teve a partir da idéia da

criação do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Transporte Urbano e

Trânsito foi a percepção de que a força conjunta de mentes, inteligências e desejo

político têm conseguido derrubar barreiras, e facilitado o desenvolvimento de um

município por intermédio do desenvolvimento do transporte e do trânsito.

Dessa forma, idéias que já tiveram sucesso em uma cidade podem, e

devem, ser divulgadas e aplicadas em todo o território nacional, para se evitar

perda de tempo e dinheiro em novas pesquisas sobre o mesmo problema, em

outra localidade.

Em regiões metropolitanas e áreas conurbadas, os aspectos relacionados

ao transporte devem ser tratados em conjunto, com ênfase na parceria entre os

governos, pois, ao se traçar diretrizes comuns, a chance de amenizar os

problemas é maior. Ações desse tipo podem ser realizadas por um único órgão,

como é o caso das EMTUs - Empresas Metropolitanas de Transportes Urbanos.

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A idéia de criação desses órgãos foi uma iniciativa Federal, que ocorreu na

década de 1970. A proposta era que cada Região Metropolitana existente no país

tivesse uma empresa que cuidasse de todo o planejamento e gerenciamento dos

transportes públicos. Algumas EMTUs chegaram a ser criadas, mas hoje restam

apenas duas: em São Paulo e em Recife.

De maneira geral, pode-se dizer que a cooperação entre governos, agentes

públicos e privados e demais setores da sociedade, exigida na diretriz III do

Estatuto da Cidade, pode facilitar a obtenção de transporte com adequação.

Essa parceria já vem sendo realizada em algumas regiões brasileiras há

algum tempo, mostrando que existe um pensamento unânime entre secretários e

dirigentes da área de transporte de que é preciso transformar, radicalmente, a

fisionomia do transporte e do trânsito no país, e assim por meio de um sério

trabalho conjunto, alcançar resultados positivos e promissores.

7.4 DIRETRIZ IV – PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DAS

CIDADES, DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO E DAS

ATIVIDADES ECONÔMICAS DO MUNICÍPIO DE MODO A EVITAR E

CORRIGIR AS DISTORÇÕES DO CRESCIMENTO URBANO

O espalhamento urbano nas cidades brasileiras se deve basicamente à

formação de grandes vazios urbanos. A especulação imobiliária, entendida como

ganho sem investimento, a não ser o inicial na compra da terra, é a principal causa

do espalhamento urbano.

O espalhamento urbano pode ocorrer como conseqüência de dois

processos: a falta de continuidade da malha urbana; ou vazios urbanos que

ocorrem porque novos loteamentos são implantados em áreas não contíguas aos

loteamentos existentes, dotados de alguma infra-estrutura. Assim, áreas de terras

desocupadas são mantidas entre os antigos bairros e os novos, as quais adquirem

uma valorização pelo efeito das externalidades positivas geradas no seu contorno;

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e também pelas baixas densidades resultantes de lotes com áreas grandes (RAIA

JR., 1995).

Dentre os dois processos anteriormente identificados como causa do

espalhamento urbano, as cidades brasileiras sofrem principalmente pela falta de

continuidade da malha urbana, resultante de um grande número de vazios

urbanos dentro da área urbanizada. Geralmente são encontrados cerca de 30

lotes por hectare, o que representa, em média, 100 habitantes por hectare (se

todos estivessem ocupados), mesmo com apenas uma edificação por lote. No

entanto, devido aos vazios urbanos, a densidade média encontrada para as

cidades de porte médio é de apenas 40 pessoas por hectare (MASCARÓ &

MASCARÓ, 2003).

A especulação com a terra urbana é a principal causa dos vazios urbanos.

Ela expulsa os pobres para a periferia, e provoca um crescimento descontrolado,

principalmente pela retenção de terrenos vazios à espera da valorização

decorrente de obras de infra-estrutura e superestrutura implantadas pelo poder

público.

Pode-se dizer, também, que o advento do automóvel contribuiu com uma

mudança significativa na ocupação de áreas periféricas, ao diminuir os tempos de

viagem, a presença do automóvel assim como do transporte coletivo por ônibus

tornaram possível a ocupação de grandes áreas nas periferias das cidades.

No entanto, deve-se levar em consideração que as cidades serão mais

densas quanto maior for o uso do transporte coletivo e, menos densas, quando

prevalecer o uso do transporte individual motorizado.Isso ocorre por causa da

ociosidade de infra-estrutura urbana e seu alto custo, ocasionado quando o trajeto

do transporte coletivo passa por áreas desocupadas para se chegar à periferia,

como afirma Campos Filho (1989).

Por esses e outros motivos, as cidades brasileiras, assim como as cidades

dos demais países em desenvolvimento, apresentam graves problemas de

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transporte e qualidade de vida. Queda da mobilidade e da acessibilidade,

degradação das condições ambientais, congestionamentos crônicos e altos

índices de acidentes de trânsito já constituem graves problemas em muitas

cidades.

Com cinqüenta anos de crescimento baseado no automóvel, cidades como

Camberra, Phoenix, Denver, Houston, entre outras cidades americanas e

australianas, espalharam-se até o limite de conforto das viagens por carro. Muitos

dos residentes de áreas suburbanas não conhecem outro estilo de cidade. Novos

subúrbios, além de estarem situados a quarenta ou cinqüenta quilômetros do

centro, estão cada vez mais isolados das amenidades urbanas básicas, sendo que

o nível de problemas associados à dependência do automóvel em tais localidades

está crescendo rapidamente (COSTA, G., 2001).

No Brasil, a situação não é diferente, grandes cidades como São Paulo,

Porto Alegre e outras apresentam graves problemas urbanos, principalmente pela

adoção de uma política habitacional desarticulada da política urbana, estendendo

a área urbanizada para além do que seria necessário para abrigar a população,

gerando custos elevados na implantação de infra-estrutura e tornando necessária

a criação de linhas de transporte coletivo deficitárias.

A diminuição dos custos dos serviços públicos, tais como redes de água,

esgoto, energia elétrica e, sobretudo transporte coletivo e pavimentação, pode ser

bastante significativa quando se eleva a densidade urbana. A passagem do

transporte coletivo pode ser reduzida à metade, com a ocupação plena e contínua

das cidades, assim a classe mais pobre da população, que cada vez se utiliza

menos do ônibus, pela impossibilidade de pagar a tarifa, será beneficiada (RAIA

JR, 1995).

Como já citado anteriormente, a falta de planejamento urbano e o uso e

ocupação do solo desordenado geram demandas variadas e complexas de

transporte, ocasionando sérios problemas de ineficiência do sistema. A

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desproporção no espalhamento urbano com acúmulo populacional em alguns

pontos e vazios em outros acarretam a ociosidade da infra-estrutura do transporte.

Conjuntamente com a promoção do planejamento do desenvolvimento das

cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do

município, evitando e corrigindo as distorções do crescimento urbano, pode-se

promover, segundo SEDU (2001), políticas de gestão territorial municipal e

controle do uso do solo que privilegiem a utilização do transporte coletivo urbano.

Em grandes cidades, um numero elevado de pessoas gasta muito tempo

nos seus deslocamentos por transporte coletivo, chegando a mais de duas horas

por dia para quase 50% delas. A necessidade de realizar transferências, devido às

grandes distâncias a serem percorridas, causa desconforto e aumento de custo e

tempo de viagem.

Com a ordenação e controle do uso do solo pode-se deter a retenção

especulativa do imóvel urbano, evitando-se a conseqüente formação de vazios

urbanos, que acarretam impactos significativos nos custos das redes de transporte

público.

O planejamento e a distribuição espacial da população, dispostos na

Diretriz IV, poderão auxiliar no controle do crescimento urbano, promovendo

cidades mais compactas e racionais com menores custos de transporte coletivo.

É preciso estimular o uso misto do solo, favorecendo a descentralização da

economia e também dos serviços públicos. Se mais pessoas morarem mais perto

do emprego, em bairros com escolas, hospitais, comércio e serviços, menos

necessidade de realizar deslocamentos e, portanto, menos motorizada, barulhenta

e poluída será a cidade. As pessoas poderão utilizar os modos não motorizados, a

pé ou bicicleta, todos se deslocarão mais rapidamente e haverá menos acidentes

de trânsito. Cidades compactas têm mais qualidade de vida (ANTP, 2002a).

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Com a construção de cidades mais compactas, diminuiem-se as viagens

excessivamente longas e tarifas cada vez mais altas, possibilitando uma maior

acessibilidade da população, em geral, aos serviços de transporte público, que

dessa forma se tornam mais eficientes e confortáveis.

A proposta de cidades compactas surgiu na Europa, com base na

justificativa de ser ambientalmente desejável já que reduz deslocamentos e

promove melhor qualidade de vida. Para tanto, propõe-se a volta de usos mistos

nas cidades, bem como o fim da expansão urbana extensiva, de tal forma que

novos empreendimentos aconteçam dentro dos limites urbanos existentes. A

ênfase do argumento recai sobre redução de custos e eficiência na utilização de

recursos energéticos e de transportes.

Porém, não se vê, no Brasil, um esforço, por parte das administrações

públicas, em se promover cidades mais compactas, pois, cada vez mais, são

implantados conjuntos habitacionais e equipamentos públicos em áreas distantes

dos centros urbanos, principalmente pelo valor da terra. Isso contribui justamente

para uma situação contrária à da proposta de cidades racionais, auxiliando no

espalhamento das cidades e conseqüente ociosidade da infra-estrutura de

transporte.

A grande influência promovida pelos grupos de empreendedores urbanos,

que se beneficiam justamente do quadro de cidades espalhadas, muitas vezes

financia campanhas políticas. Em contrapartida, estes grupos promovem a

manutenção do quadro atual de liberalidade no controle do crescimento urbano.

Afinal, a especulação neste país é uma realidade nas mais diversas áreas, e

também no processo de produção do espaço urbano. A transformação dessa

prática requer uma grande mudança de pensamento e atitudes do brasileiro, em

geral.

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7.5 DIRETRIZ V – OFERTA DE EQUIPAMENTOS URBANOS E

COMUNITÁRIOS, TRANSPORTE E SERVIÇOS PÚBLICOS ADEQUADOS

AOS INTERESSES E NECESSIDADES DA POPULAÇÃO

Com a tendência acentuada do uso do automóvel nas cidades modernas

torna-se cada vez mais difícil deslocar-se por meios não motorizados.

Recentemente as cidades experimentaram um crescimento muito intenso,

gerando distâncias médias, que em geral, não podem ser percorridas a pé ou de

bicicleta.

Assim, a dependência do transporte motorizado tornou-se inevitável em

cidades médias e grandes, exigindo que alguma forma de transporte motorizado

esteja disponível fisicamente (infra-estrutura e veículos) e seja acessível

economicamente.

Também a especulação da terra, a debilidade dos controles públicos sobre

o crescimento urbano e a segregação espacial de classes e grupos sociais foram

fatores que contribuíram para gerar agrupamentos sociais altamente diferenciados

por renda e características sociais, com as camadas mais pobres sendo

deslocadas para as áreas mais periféricas.

Tais formas de segregação social afetam diretamente a provisão de infra-

estrutura e de equipamentos públicos como escolas, hospitais, postos de saúde e

creches, afetando, portanto, as condições de acesso das pessoas e reforçando

ainda mais a dependência do transporte motorizado (VASCONCELOS, 2000).

Com as maiores distâncias a percorrer e com os serviços precários de

transporte, a maioria da população precisa aumentar os gastos de tempo para

realizar suas atividades essenciais. A conseqüência mais marcante é que os

setores de renda mais baixa têm sua acessibilidade bastante limitada, com quase

todas as viagens feitas apenas para os motivos de trabalho, estudo e compras.

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Um dos problemas mais freqüentes encontrados pelos planejadores da

administração municipal está relacionado à localização dos equipamentos

públicos. De maneira geral, a localização desses equipamentos, como hospitais,

creches, escolas, postos de saúde, etc. tem obedecido a critérios de

disponibilidade de áreas públicas, com a economia de aquisição do imóvel, sem

levar em consideração a localização adequada, a qual deve proporcionar

acessibilidade para a população de maneira eqüitativa (RAIA JR. & PEREIRA,

2001).

Dutra (1998) mostra a importância do planejamento e distribuição de

escolas em área urbana, de maneira a minimizar os custos com deslocamentos.

Dutra apresenta um aumento superior a 20% nos percursos de caminhada das

crianças após a reorganização escolar realizada no município de São Carlos,

interior de São Paulo, onde os alunos de 1a a 4a séries foram separados dos

demais níveis.

A rigor, os bens públicos devem estar distribuídos de forma equilibrada;

assim, próximo a cada aglomeração residencial deve haver equipamentos urbanos

que atendam às necessidades da população local, com a finalidade de se diminuir

o trânsito motorizado das pessoas.

Um exemplo interessante vem ocorrendo no Estado de São Paulo, onde

desenvolve-se um projeto que prevê a concentração de serviços. São unidades

chamadas de Poupatempo. O Poupatempo é uma instalação que reúne em um só

lugar diversos órgãos e empresas públicas, prestando diversos serviços à

comunidade. Seu objetivo principal é a agilidade e eficiência na solicitação de

documentos, pagamento de contas, recebimento de informações, etc. E, por outro

lado, acaba por contribuir com a redução de viagens, com a diminuição de

congestionamentos e com a melhoria na fluidez do trânsito.

Seguindo o pensamento de Joaquim (1999), existe um déficit na oferta de

serviços e infra-estrutura urbana, segregação social e iniqüidade nas condições de

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acesso e custo, determinados por um sistema de transporte que dá prioridade ao

uso do automóvel em detrimento do transporte público e modos não motorizados.

Esses aspectos determinam prejuízos significativos à qualidade de vida da maior

parcela da população, que, no caso de países em desenvolvimento, é

representada pelas classes de baixa renda.

As políticas de transportes constituem instrumentos muito importantes para

gerenciar o crescimento das cidades de forma eficiente e sustentável e com uma

preocupação social mais clara. Essas políticas devem ser usadas para reduzir a

desigualdade, além de inibir as tendências de reprodução da pobreza.

Para Vasconcelos (2000), as metodologias de planejamento disponíveis

estão sendo aplicadas no sentido de manter as desigualdades e vêm produzindo

um crescimento ineficiente das cidades, quando se considera o aspecto ambiental,

além de serem excludentes nos aspectos sociais.

É evidente que muitas das soluções para os problemas das cidades não

dependem somente das políticas de transportes. É importante que se mudem os

paradigmas sobre as políticas e o planejamento urbano no Brasil e para isso

conta-se com a efetiva implementação do Estatuto da Cidade, que pode contribuir,

entre outros aspectos, para a melhoria da oferta dos equipamentos urbanos e

comunitários e conseqüentemente para a melhoria da acessibilidade e mobilidade

das pessoas a todos os serviços públicos e privados.

7.6 DIRETRIZ VI – ORDENAÇÃO E CONTROLE DO USO DO SOLO, DE

FORMA A EVITAR:

• Utilização inadequada dos imóveis urbanos;

• Proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

• O parcelamento do solo, a edificação ou uso excessivos ou

inadequados em relação à infra-estrutura;

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• A instalação de empreendimentos ou atividades que possam

funcionar como pólos geradores de tráfego, sem previsão da infra-

estrutura correspondente;

• Retenção especulativa do imóvel urbano, que resulte na sua

subutilização ou não utilização;

• Deterioração de áreas urbanizadas;

• Poluição e degradação ambiental.

As cidades precisam cuidar dos projetos de expansão urbana, prevendo

redes integradas de transportes e trânsito para as novas regiões a serem criadas.

E precisam também controlar a implantação em área já ocupada, de novos

empreendimentos que atraiam muitas pessoas e automóveis, ou seja, os pólos

geradores de tráfego, realizando conjuntamente o Estudo de Impacto de

Vizinhança, que tem a função de avaliar a proximidade de usos incompatíveis ou

inconvenientes.

Os pólos geradores de tráfego são construções urbanas que atraem grande

quantidade de viagens de pessoas ou cargas, como por exemplo, escolas,

shopping centers, grandes áreas de lazer, etc.

A instalação de empreendimentos que funcionam como pólos geradores de

tráfego está diretamente ligada ao planejamento e gestão do transporte e

circulação. Os pólos geradores de tráfego podem ser controlados por instrumentos

legais e técnicos que definam a obrigatoriedade de que novas construções e

ocupações com certas características sejam submetidas à análise dos órgãos

competentes de transporte e trânsito.

A Secretaria Municipal de Transportes – SMT do município de São Paulo,

através da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, (SMT/CET, 2000), já

tinha essa preocupação, bem antes da vigência do EC. Para tanto, desenvolveu

um trabalho de análise do impacto de Pólos Geradores com o objetivo de: garantir

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a melhor inserção possível do empreendimento proposto na malha viária

existente; diminuir ao máximo a perturbação do tráfego de passagem em virtude

do tráfego gerado pelo empreendimento; viabilizar a absorção, internamente à

edificação, de toda a demanda por estacionamento gerada pelo empreendimento;

assegurar que as operações de carga e descarga ocorram nas áreas internas da

edificação; reservar espaços seguros para circulação e travessia de pedestres; e

assegurar a existência de vagas de estacionamento para deficientes físicos e

motocicletas.

É necessário que haja uma previsão da infra-estrutura correspondente

quando da instalação de empreendimentos que possam funcionar como pólos

geradores de tráfego, no sentido de minimizar ou eliminar os impactos

indesejáveis que possam ter sobre o transporte e o trânsito da área de influência,

e que são causas importantes das más condições de circulação nas cidades de

médio e grande porte (RAIA JR., 2001).

Seguindo-se essa diretriz que propõe a ordenação do uso do solo de forma

a controlar, entre outros problemas, a instalação de pólos geradores de tráfego

sem previsão de infra-estrutura correspondente, podem ser evitadas:

• A inserção inadequada de grandes empreendimentos na malha viária

existente;

• A perturbação indevida no tráfego de passagem em virtude do tráfego

gerado pelo empreendimento;

• A falta de vagas de estacionamento no pólo gerador de tráfego, levando à

redução da capacidade do sistema viário em suas proximidades com

estacionamento irregular de veículos;

• A falta de segurança na circulação de pedestres no entorno do

empreendimento.

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A retenção especulativa do imóvel urbano é a principal causa dos vazios

urbanos que expulsam os pobres para a periferia, tanto nas grandes como nas

pequenas cidades, mas o processo de especulação não teria sido tão intenso sem

a presença do automóvel e também sem a flexibilidade do ônibus, que tornou

possível a ocupação de enormes áreas na periferia das cidades (SILVA, 1993).

Algumas políticas públicas também são responsáveis pelo espalhamento

urbano e conseqüente especulação imobiliária, como programas governamentais

para a construção de habitações populares em terras localizadas longe da

mancha urbana em virtude do preço de aquisição do terreno ser bem mais baixo

do que aqueles mais próximos ao centro.

Embora o automóvel seja um dos mais importantes contribuintes para o

espalhamento urbano, nos países em desenvolvimento, eles servem apenas a

uma parcela relativamente pequena de pessoas, considerada como uma elite,

deixando a maior parte da população sem transporte adequado.

Desta forma, para atender à população, geralmente de baixa renda e

dependente do transporte coletivo, que fica nas franjas periféricas das cidades, é

necessário levar os serviços para essas localidades, o que torna a infra-estrutura

ociosa e assim aumenta seus custos.

Combatendo o espalhamento urbano e a especulação imobiliária, evitar-se-

á situação antiestética das cidades espalhadas, mas, sobretudo o aumento dos

custos com serviços urbanos (basicamente infra-estrutura como transporte, água,

energia elétrica).

Ao se pensar no desenvolvimento da cidade, o Plano Diretor, que com o

Estatuto da Cidade, torna-se obrigatório para cidades com mais de 20.000

habitantes, deverá considerar de forma integrada o transporte público, o trânsito e

o uso e ocupação do solo.

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O Plano Diretor deve propor políticas habitacionais para privilegiar a

consolidação de áreas urbanas já ocupadas, como prédios sem uso localizados

nos centros das cidades, ou revitalizar os bairros degradados, entre outras. Essas

medidas fazem com que as cidades se adensem em áreas que já contam com

infra-estrutura urbana.

Como exemplo da relação direta dos transportes com a deterioração das

áreas urbanizadas pode-se citar o caso da área portuária do Rio de Janeiro,

abordado por Silva & Lentino (2003). Eles apontam que a área portuária do Rio,

em sua maior parte, apresentava um aspecto de decadência com imóveis mal

conservados e até em ruínas, ruas esburacadas, muitas construções sem uso e

vários terrenos mal aproveitados. Recentemente, alguns armazéns originais da

construção do cais foram reformulados para abrigar novos usos como eventos e

armazéns de escolas de samba. A legislação em vigor ainda é bastante restritiva.

A classificação como zona portuária permite somente uma tipologia ligada a essa

atividade, como galpão, telheiro e edificação industrial. O uso residencial é apenas

tolerado e com restrições quanto à tipologia e ao gabarito de altura.

Dessa forma, a organização do transporte público se torna ineficiente para

integrar internamente a zona portuária e esta com o centro administrativo da

cidade do Rio de Janeiro. Essa falha do sistema se deve ao fato de a zona

portuária, que dispõe de instalações destinadas ao transporte marítimo,

apresentar ausência de atividades e conseqüentemente ausência de fluxos de

circulação. As linhas de ônibus usam a área como passagem e não funcionam

como transporte específico para servir o bairro.

Assim, como o Rio de Janeiro, a maioria das cidades brasileiras, precisa

redefinir a função das áreas subutilizadas e promover uma revisão das Leis de

Uso e Ocupação do Solo que permita a requalificação do espaço urbano e a

melhoria da acessibilidade para a comunidade.

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Um outro exemplo importante de áreas subutilizadas é o caso das

instalações ferroviárias, desativadas em um grande número de cidades brasileiras.

Com a ascensão do transporte sobre pneus, as ferrovias muito utilizadas até

meados do século XX, hoje estão desativadas, e suas estruturas subutilizadas. A

reativação dessas ferrovias pode significar a recuperação de áreas degradadas

além de uma maneira de desafogar o trânsito, uma vez que as ferrovias são uma

das formas mais baratas de se transportar cargas.

Quanto à degradação e poluição ambiental, uma das maiores desvantagens

em relação ao número excessivo de carros e motos é a poluição ambiental.

Grande parte da frota de veículos particulares é velha, com motores desregulados.

E, mesmo que um automóvel novo polua menos, ao se somar com milhões de

outros, acaba por contribuir para a contaminação do ar; nas grandes cidades, os

automóveis e as motos são responsáveis por até 70% das emissões de gases

poluentes.

IPEA/ANTP (1998) desenvolveram um estudo sobre as deseconomias

advindas do congestionamento em função do aumento do consumo de

combustível, da emissão de poluentes, do impacto no sistema de ônibus, do

tempo gasto e da ocupação do espaço urbano. No que diz respeito à emissão de

poluentes, o estudo mostra que os coeficientes desta emissão por veículos

automotores variam em função das condições dos combustíveis e dos veículos. A

pesquisa concentrou-se na emissão dos quatro principais poluentes nocivos à

saúde: monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC), óxido de nitrogênio

(NOx) e materiais particulados (MP).

O estudo do IPEA/ANTP apresenta o aumento das emissões de CO e HC e

a diminuição de NOx à medida que a velocidade média diminui. Os resultados são

que as emissões de HC variam de 5,97g/km a uma velocidade de 10km/h a 0,50

g/km a 80km/h e as emissões de CO variam de 68,32 g/km a 10km/h a 13,15 g/km

a 80km/h; já as emissões de NOx aumentam de 1,04g/km a 10 km/h para

1,51g/km a 80km/h.

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O controle das emissões de poluentes pelos veículos mostra-se essencial

para reduzir os efeitos negativos do congestionamento; a melhor ordenação do

tráfego pode elevar a velocidade média e reduzir o consumo. Nesse sentido, são

muito importantes duas ações: a instalação de equipamentos de controle de

tráfego de melhor qualidade, associada à manutenção de equipes profissionais

especializadas, e na área operacional, referente à manutenção de serviços

eficientes de operação de trânsito (IPEA/ ANTP, 1998).

As pessoas que vêem os ônibus parados em congestionamentos, podem

até imaginar que sejam eles os vilões do tráfego e da poluição. Mas a realidade é

outra, em comparação com os ônibus, os modos de transporte individuais

motorizados, automóveis e motos, são caros e ineficientes, pois ocupam mais

espaço nas vias, gastam mais energia e poluem muito mais o meio ambiente.

Os automóveis são os maiores responsáveis pelos congestionamentos,

obrigando a maior parte da população, que utiliza o transporte público, a gastar

mais tempo de viagem e sofrer as conseqüências da poluição.

Pode ser verificado que nas localidades com maior concentração de

veículos, como é o caso da região metropolitana de São Paulo, o setor de

transporte é a maior fonte poluidora, ultrapassando até mesmo o nível de poluição

gerada com a produção de energia (CETESB, 1994 apud OLIVEIRA et al, 2003).

Para se reverter essas expectativas negativas, será preciso desestimular o

uso do automóvel nas cidades, e oferecer transporte público suficiente,

confortável, seguro e barato.

A comunidade pode utilizar o transporte individual de forma mais racional,

integrando-o ao transporte coletivo ou até mesmo trocando-o pelo transporte

público de boa qualidade, para realizar os deslocamentos diários, contribuindo

assim para diminuição da poluição ambiental.

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Uma outra questão relacionada à degradação ambiental é a utilização dos

recursos naturais que precisam ser preservados. Para isso, é necessário utilizar-

se de energia renovável, como o álcool, os óleos vegetais e as fontes alternativas.

É preciso, também por esse motivo, aumentar o uso do transporte público -

que consome menos energia - e reduzir o uso do transporte individual. É de igual

importância que haja uma melhor organização do trânsito, com prioridade para o

transporte público.

No entanto, apesar da difícil situação econômica brasileira, a grande

produção de automóveis e as facilidades na sua aquisição estão aumentando

cada vez mais o número de carros circulando nas ruas. Além disso, não há

incentivos para o uso do transporte coletivo que se torna cada vez mais caro e

com seu nível de serviço cada vez mais baixo. Dessa maneira, não se vêem

grandes chances, em curto prazo, de reduzir o uso do automóvel e aumentar o

uso do transporte coletivo para que se possa adquirir um meio ambiente mais

saudável.

7.7 DIRETRIZ VII – INTEGRAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES URBANAS E

RURAIS

Esta diretriz que visa a integração entre as atividades urbanas e rurais pode

ser diretamente relacionada à área de transporte e circulação com base, por

exemplo, na necessidade do transporte escolar adequado, nas áreas rurais.

As crianças e adolescentes da área rural não podem ficar à margem dos

esforços que os três níveis do governo vêm fazendo para que todas as crianças

do país alcancem a educação do ensino fundamental. O transporte é o único meio

de dar à população rural em idade escolar oportunidades de educação

equivalentes às que são oferecidas à população urbana. Pode-se então dizer que

a falta de transporte corresponde a uma discriminação de uma população em

relação à outra.

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A construção de escolas em locais adequados da área rural seria sem

dúvida a solução ideal, mas ela só é viável do ponto de vista pedagógico,

administrativo e financeiro se complementada por um sistema de transporte que

busque os alunos que não possam alcançar esses centros de ensino a pé. Ocorre

que, independentemente dos locais escolhidos da área rural para instalação

desses centros, os alunos dependentes de transporte serão sempre a grande

maioria, e escolas na área rural só serão viáveis se atraírem alunos residentes

tanto em locais próximos quanto em locais distantes (GEIPOT, 2004).

Nos municípios mais pobres do Brasil, as crianças residentes na área rural

vão a pé para a escola — quando há escola nas redondezas. Não raro são

obrigadas a caminhar 10, 12 e até 15 quilômetros por dia. Todo esse esforço para

chegar às tradicionais escolinhas rurais. A professora, muitas vezes, também

precisa fazer longas caminhadas para chegar à escola.

Nas demais localidades não urbanas, veículos de propriedade ou

contratados pela prefeitura — de todos os tipos, inclusive caminhões e pick-ups,

velhos e superlotados — recolhem as crianças nas fazendas ou nas encruzilhadas

das estradas vicinais, para levá-las a escolas localizadas nas cidades, vilas ou

povoados do município ou de municípios vizinhos. Mesmo assim, há crianças que

precisam caminhar 5, 6 ou 8 quilômetros por dia para pegar o veículo escolar.

Não há como exigir da maioria das prefeituras um transporte melhor. São

centenas ou milhares de crianças a transportar em todas as direções. Um

transporte seguro, pontual e confortável e com capacidade suficiente, consumiria

grande parte do orçamento municipal, em muitas cidades brasileiras. Poucos

estados ajudam os municípios a financiar o Transporte Rural Escolar. Se um

programa em que a participação dos três níveis de governo no custeio

permanente do Transporte Rural Escolar não for concebido e implementado, não

há perspectivas de reverter a situação.

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Há muito tempo já vêm sendo realizadas, no Brasil, pesquisas sobre o

transporte rural com atenção especial para o segmento escolar, como é o caso do

GEIPOT, hoje desativada e substituída pela ANTT – Agência de Transportes

Terrestres que, desde 1992, vinha realizando pesquisas nessa área. O Relatório

Final da primeira pesquisa chegou às seguintes conclusões (GEIPOT, 2004):

• A implantação e o desenvolvimento de um transporte que atenda as

necessidades mínimas da população, que reside e/ou trabalha na área

rural, serão factíveis e socialmente rentáveis se forem conjugados os

esforços e recursos dos governos federal, estadual e municipal.

• A implantação e o desenvolvimento desse transporte devem ser iniciados

pelo Segmento Escolar, em razão de sua reconhecida prioridade e das

oportunidades e condições favoráveis criadas para o desenvolvimento dos

demais segmentos.

Outro problema encontrado, em relação ao transporte e circulação, quando

se fala em integração de atividades urbanas e rurais, é o transporte dos

trabalhadores rurais. Devido à dinâmica demográfica brasileira das últimas cinco

décadas, caracterizada pelo processo de urbanização acelerado, tem-se, em

alguns casos, grande parte dos trabalhadores rurais morando nas cidades e sendo

transportados diariamente ao campo. Na maioria das vezes, esse transporte é

precário, tornando a viagem desconfortável e perigosa.

Sendo assim, torna-se necessária a conscientização de que, ao se pensar

em integração rural e urbana, é indispensável que se analise, enfaticamente, a

questão dos transportes e da circulação.

Há de se falar na política de melhoria das estradas vicinais que, além de

atender às necessidades de escolares e trabalhadores rurais, servem igualmente

e de forma não menos importante, ao escoamento da produção rural. Em grande

parte dos municípios, a rede vicinal é de competência do município. Para as

propriedades rurais, em geral, a abertura, manutenção e melhoria das vias vicinais

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ajudam no escoamento da produção para grandes centros consumidores e

distribuidores; para as pequenas propriedades, possibilita a chegada da produção

às quitandas, mercearias e supermercados da cidade. Ações deste tipo poderão,

inclusive, baratear o transporte da produção, fazendo com que o custo final seja

reduzido, beneficiando diretamente o consumidor.

7.8 DIRETRIZ VIII – ADOÇÃO DE PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO

DE BENS E SERVIÇOS E DE EXPANSÃO URBANA COMPATÍVEIS COM

OS LIMITES DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL, SOCIAL E

ECONÔMICA DO MUNICÍPIO

Segundo Brasil (2001b), coloca-se a idéia do direito às cidades

sustentáveis, como um dos princípios básicos da política urbana. A

sustentabilidade, apresentada nesta diretriz, é percebida no seu sentido mais

amplo, indo além do equilíbrio ambiental e incorporando as dimensões

econômicas e sociais.

A adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços

compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do

município pode ser voltada para a área dos transportes, ainda que de forma tênue.

As cidades podem e devem incentivar o uso de modais de transportes que

venham a ser ambiental, social e economicamente compatíveis com suas

características naturais e/ou construídas.

Assim, pode-se citar o caso de cidades planas como Santos, Araçatuba,

Rio Claro entre outras, cujo relevo é propício para utilização da bicicleta. Em

cidades como estas poderiam ser oferecidos subsídios e isenções públicas para

fabricação e/ou comercialização de bicicletas como forma de incentivo a esse

modo de transporte.

Paralelamente, a implantação de dispositivos que estimulem o uso desse

modal, tais como ciclofaixas, ciclovias, estacionamentos, segurança, sinalização

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adequada, equipamentos em escolas, fábricas, para que os ciclistas possam

tomar banho, etc. é fundamental.

A bicicleta é acima de tudo um modo de transporte sustentável, pois não

coloca em risco a saúde pública ou ecossistemas e atende às necessidades de

mobilidade de forma consistente com o uso de recursos renováveis.

No entanto, parece que as cidades onde o modo bicicleta tinha uma

importância superlativa, pouco a pouco vão deixando que o automóvel, numa ação

predatória sem precedentes, vá tomando conta das estatísticas de uso de modais

urbanos de transportes. Esse problema parece não ser exclusivamente de cidades

brasileiras. Recentemente, assiste-se à gradativa substituição do uso do modal

bicicleta e seus derivados pelos automóveis, nas cidades chinesas.

Trata-se, no entanto, de uma questão basicamente de cultura, pois em

alguns países europeus, mais especificamente na Holanda, o uso da bicicleta é

plenamente incentivado para todas as classes, desde o trabalhador até o

executivo.

De maneira geral, o modo a pé deve ser estimulado para qualquer tipo de

cidade, com distâncias compatíveis com a capacidade humana. Isso é ainda mais

válido para cidades com topografias favoráveis. Para isso, deve haver uma

mudança de paradigmas, em que o administrador deixe de pensar exclusivamente

na infra-estrutura para o automóvel e passe a se preocupar também com aquela

voltada para o pedestre. O Código de Trânsito Brasileiro deixa bem claro que a

responsabilidade sobre o sistema viário para pedestres é do órgão gestor

municipal de trânsito.

Uma vez que esses meios de transporte não são poluentes, dever-se-ia,

cada vez mais, incentivar a adoção dessas alternativas em cidades brasileiras,

diante dos avisos globais sobre o efeito estufa, camada de ozônio, recursos

energéticos limitados e outros problemas ecológicos, que não são agravados com

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uso da bicicleta nem pelo seu processo industrial (simples e barato) e pelo modo a

pé.

Estudos de engenharia de tráfego indicam que uma faixa de via rodoviária

pode transportar o dobro de pessoas em bicicletas do que em automóveis. Com

velocidades de tráfego de 16 km/h, velocidades médias das bicicletas, o

automóvel não apresentaria nenhuma vantagem.

Fica claro que o aproveitamento das características intrínsecas de algumas

cidades deve ser utilizado para se obter cidades mais sustentáveis, principalmente

com o incentivo e facilitação para do uso de modos de transportes também mais

sustentáveis. A mudança de paradigmas deve ser entendida como uma

necessidade a ser buscada nas próximas décadas. Em alguns países, o Estado

chega, em alguns casos, a não só incentivar o uso da bicicleta, por exemplo, como

também a financiar a sua compra e manutenção. No Brasil, o mesmo incentivo

fiscal que é dado à indústria automobilística não é oferecido à indústria de

bicicletas.

7.9 DIRETRIZ IX – JUSTA DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS E ÔNUS

DECORRENTES DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

Para conter o espalhamento urbano, sugerem alguns autores que o

mercado de terras urbanas seja capaz de se auto–regulamentar sem a

interferência do poder público. Outros autores, no entanto, pensam o contrário e

não acreditam numa mudança de consciência dos especuladores brasileiros, pelo

menos a curto prazo. É necessário que se aplique um instrumento capaz de

corrigir essa distorção (SILVA, 1993).

Estratégias de taxação surgem como uma alternativa para o problema de

terras urbanas ociosas no Brasil. A Constituição Federal dispõe, no seu artigo 182,

que vem agora ser regulamentado pelo Estatuto da Cidade, que o proprietário da

terra urbana não utilizada ou sub-utilizada que não promover a ocupação desta

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terra poderá sofrer taxação progressiva, culminando com a desapropriação do lote

(BRASIL, 1988).

Silva et al (2000) colocam que uma política de taxação, baseada nos custos

adicionais de transporte e infra-estrutura produzidos pela terra urbana ociosa,

pode ser uma forma de reduzir o problema dos altos custos dos transportes e

infra-estrutura enfrentados pelas cidades espalhadas.

Essa taxação é baseada na idéia de que a urbanização com densidades

adequadas pode reduzir os custos com transporte e infra-estrutura, seguindo

recomendações da Constituição Federal de 1988.

Silva (1993) e Raia Jr. (1995) propõem como alternativa para minimizar os

problemas do espalhamento urbano, causados pela presença de vazios urbanos,

a taxação dos terrenos ociosos, tomando como referência os custos adicionais de

transporte e infra-estrutura por eles causados.

As propostas de Silva (1993) e Raia Jr. (1995) consistem na utilização de

modelos matemáticos para cálculo dos custos de transporte e infraestrutura e

seus usos na tributação de terrenos ociosos. Com a aplicação dessa metodologia,

por Raia Jr. (1995), na cidade de Araraquara, interior do Estado de São Paulo, foi

possível simular diferentes cenários para a cidade, podendo-se avaliar o impacto

das alterações realizadas no adensamento urbano.

Como resultado teve-se que, na configuração real, na cidade com uma

densidade de 25 hab/ha, os custos com transporte e infraestrutura chegam a

aproximadamente U$1,80/hab e na configuração ideal, com uma densidade de 83

hab/ha, estes custos ficaram em torno de U$0,80/hab. Isso mostra que na cidade

mais compacta os custos com transporte e infraestrutura podem cair,

praticamente, pela metade, e que os terrenos ociosos mantidos para fins

especulativos devem ser ocupados, para se conter o espalhamento urbano.

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Raia Jr. (1995) estimou que os custos adicionais provocados pelo

espalhamento urbano para a cidade de Araraquara, se devidamente cobrados dos

donos de terrenos não edificados, segundo os critérios por ele adotados, trariam

ressarcimento substancial ao erário público.

Assim, a tributação de terrenos ociosos demonstra-se viável para minimizar

a distorção urbana ocasionada pelo espalhamento das cidades, conseguindo

recursos a serem aplicados nas áreas desprovidas de infra-estrutura.

O IPTU Progressivo, regulamentado pelo Estatuto da Cidade, pode gerar

recursos a serem utilizados, por exemplo, no financiamento da implementação e

melhoria da qualidade dos transportes e redes de infra-estrutura básica nas áreas

periféricas.

Segundo Silva (1993), em muitos países da Europa, as Prefeituras já

cobram uma taxa especial dos proprietários de terrenos cujo valor aumentou

devido alguma melhoria de transporte público. O dinheiro arrecadado é revertido

para o próprio setor de transporte público.

Porém, sabe-se que, no Brasil, esse tipo de procedimento não é fácil de ser

aplicado, principalmente pela forte reação contra qualquer tipo de estratégia que

possa reduzir os ganhos de grupos influentes. E, por esse motivo, pouco se vê em

termos de aplicação desse instrumento, principalmente devido às forças contrárias

exercidas pelos especuladores imobiliários urbanos.

Somente com a conscientização da população e principalmente com a

intervenção do Poder Público, por intermédio da utilização adequada dos

instrumentos apresentados no Estatuto, pode-se conseguir uma justa distribuição

dos benefícios e ônus provocados pelo espalhamento urbano.

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7.10 DIRETRIZ X – ADEQUAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA

ECONÔMICA, TRIBUTÁRIA E FINANCEIRA E DOS GASTOS PÚBLICOS

AOS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO

A adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira

aos objetivos do desenvolvimento urbano, apresentada na diretriz X do Estatuto

da Cidade, pode ser remetida à área de transporte e circulação no que se refere

aos cortes de alguns impostos sobre o transporte urbano.

Alguns autores e técnicos da área de transporte defendem a idéia de

isenção fiscal para o transporte urbano como uma das soluções para o problema

sofrido pelas grandes cidades brasileiras, de correrem risco de viver um colapso

no sistema de transporte. Considerando o transporte urbano como um serviço

básico, assim como a saúde e a educação, ele deve ter políticas de isenção fiscal.

Dessa forma, a tarifa do transporte público poderá ficar até 50% mais

barata e com esse dinheiro poderão ser feitas melhorias nos veículos. Assim,

parte das pessoas que hoje andam de carro vai preferir o transporte coletivo

porque ficará mais barato, e será um serviço, provavelmente, de boa qualidade

(CARVALHO, 2002).

Porém, para conseguir cortar as tarifas pela metade, deve haver uma

mudança na tributação sobre os encargos sociais, não só na esfera municipal

como é o caso do corte do ISS - Imposto Sobre Serviço, mas também na esfera

federal como a isenção de alterações que aumentam a alíquota do COFINS –

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.

Um outro tributo considerado uma inadequação da política econômica e

tributária em relação ao desenvolvimento urbano é a taxa de gerenciamento do

transporte coletivo, entendida como um percentual (que varia de município para

município de 1% a 5%) sobre o faturamento do transporte de passageiros urbanos

efetuado pelas empresas permissionárias que atendem a população.

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A taxa de gerenciamento sobre os serviços de transporte público coletivo

urbano ou metropolitano incide sobre a mesma base de cálculo do ISS,

constituindo uma bitributação, prática essa inconstitucional, em face do Artigo 145

da Constituição Federal, o qual define que a taxa não poderá ter a mesma base de

cálculo do imposto.

Assim, a taxa de gerenciamento não possui a sustentação legal necessária,

e dessa forma, deve-se buscar a desoneração desse custo sobre a tarifa,

tornando-a mais acessível à população de usuários deste serviço público

(PALMEIRA, 2004).

Um outro problema relacionado ao alto preço da tarifa do transporte coletivo

é o chamado subsídio cruzado, que é compulsório, obrigando o trabalhador a

transferir parcela do seu orçamento para grupos privilegiados de usuários, como,

por exemplo, idosos, policiais, estudantes, etc. (RAIA JR., 1995).

Cerca de 20% dos usuários de ônibus têm desconto total ou parcial nas

tarifas, mas quem paga por isso são todos os outros usuários. Em grande parte

dos casos, os que financiam têm menor renda do que aqueles que são

beneficiados, configurando uma redistribuição de renda negativa. Para corrigir

esse problema sugere-se que as gratuidades e os abatimentos somente serão

concedidos se o proponente dessas vantagens garantir a liberação dos recursos

financeiros compensatórios necessários (RAIA JR, 1995). Uma outra alternativa

seria o governo federal assumir o ônus da gratuidade e dos descontos do

transporte coletivo.

De maneira geral, há um interesse por parte de técnicos e pesquisadores

da área de transportes em encontrar formas de diminuir o valor das tarifas, para

que o transporte coletivo seja acessível a toda população. Porém, não se tem

percebido nenhuma atitude, por parte dos órgãos gestores de transporte ou das

administrações municipais, para adoção das práticas propostas por alguns

técnicos no sentido de possibilitar o uso eqüitativo do transporte urbano.

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Muito se fala das altas tarifas, que oneram significativamente o trabalhador

usuário do transporte coletivo. No entanto, pouco se vê em termos de ações

concretas no sentido de diminuir o impacto dos custos dos transportes no

orçamento familiar, principalmente das classes menos favorecidas.

7.11 DIRETRIZ XI – RECUPERAÇÃO DOS INVESTIMENTOS DO PODER

PÚBLICO DE QUE TENHA RESULTADO A VALORIZAÇÃO DE IMÓVEIS

URBANOS

Quanto à recuperação dos investimentos do poder público, as cidades

brasileiras podem melhorar de maneira significativa as condições de trânsito e

transportes urbanos utilizando investimentos adequados e compatíveis aos seus

recursos.

O artigo 47 do EC traz esperanças, pois prevê que “as tarifas relativas a

serviços públicos, serão diferenciadas em função do interesse social”, podendo

fazer retornar ao sistema de transporte público a parcela da população que dele

se afastou devido ao exagerado custo das tarifas constatado nos últimos anos.

Além do orçamento, existem diversas fontes externas de recursos que

podem ser usadas: órgãos financiadores, iniciativa privada e sociedade em geral.

Como exemplo, pode-se citar a taxa de transporte, que é uma taxa derivada da

Versement Transport, criada na França em 1971(RAIA JR., 2001).

A Taxa de Transporte seria paga por proprietários de estabelecimentos

industriais comerciais e de serviços, localizados ao longo de corredores de

transporte coletivo e que desfrutam de uma acessibilidade privilegiada,

proporcionada pelo transporte, garantindo acesso de clientes e funcionários.

A taxa é uma contraprestação de serviços, cobrada das pessoas jurídicas

do município e abrange o comércio, a indústria e setor de serviços, tendo por base

o número de empregados de cada empresa. Seu fundamento é que os transportes

coletivos municipais são um insumo de produção para as atividades econômicas,

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assim como a água ou a eletricidade. Nada mais justo, portanto, que os

estabelecimentos sediados no município co-responsabilizem-se pelos

investimentos que o poder público municipal se vê obrigado a realizar para

promover a melhoria e ampliação desse serviço. Apesar de pouco usada no Brasil,

houve algumas iniciativas de implantação, como foi o caso de Campinas.

Uma outra forma de se obter a recuperação dos investimentos públicos, no

que diz respeito ao setor de transporte, é a Contribuição de Melhoria, já prevista

na Constituição Federal de 1988, que deve ser aplicada aos moradores residentes

em áreas servidas por melhorias realizadas e que promovem valorização dos

imóveis localizados próximos às facilidades de transportes recém implantadas.

Apesar de estar prevista na Constituição Federal de 1988, a Contribuição de

Melhoria praticamente não é utilizada no Brasil, por questões políticas.

7.12 DIRETRIZ XII – PROTEÇÃO, PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO

MEIO AMBIENTE NATURAL E CONSTRUÍDO, DO PATRIMÔNIO

CULTURAL, HISTÓRICO, PAISAGÍSTICO E ARQUEOLÓGICO.

O chamado meio ambiente natural, ou físico, engloba ar, água, solo,

subsolo, flora e fauna. Ao lado do meio ambiente natural, tem-se o meio ambiente

construído ou artificial, ou seja, aquele produzido pela ação do homem ao

transformar a natureza, compondo as cidades. A planejada ocupação do solo

urbano, determinando as limitações ao direito de construir, informa como e para

onde a cidade irá crescer, como fluirá o trânsito, onde estarão localizadas as áreas

verdes, etc. Um meio ambiente construído sadio contribui para o bem-estar da

população que ali vive; por outro lado, um meio ambiente artificial hostil gera o

abandono, o descaso e a agressão ao espaço público.

A crescente preocupação com as questões ambientais, objetivando a busca

do desenvolvimento sustentável, torna cada vez mais evidente a necessidade de

se buscar alternativas de proteção e preservação do meio onde se vive,

principalmente no que diz respeito aos impactos causados pelos transportes.

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As cidades são constituídas por espaços funcionais e áreas de circulação

que estão em contínua transformação e crescimento. A metamorfose urbana

implica, entre outros aspectos, na renovação e ocupação de novos espaços e na

conseqüente expansão de suas fronteiras (PORTO JR & MACHADO, 2003).

Assim, os investimentos em projetos de desenvolvimento da infra-estrutura e de

serviços urbanos envolvem uma ampliação da rede viária, sem garantia de um

correspondente aumento das áreas para circulação de pedestres, ciclistas e

transporte público.

Neste sentido, é de extrema importância que seja dado tratamento

urbanístico adequado às vias da rede estrutural e aos corredores de transportes,

de modo a garantir a segurança dos cidadãos e a preservação do patrimônio

histórico, ambiental, cultural, paisagístico, urbanístico e arquitetônico das cidades.

A técnica denominada Traffic Calming, citada no item I deste capítulo, pode ser

uma boa alternativa para contribuir com a preservação do patrimônio e com a

recuperação de áreas degradadas. Por meio da utilização de alguns mecanismos

da técnica Traffic calming como, por exemplo, estreitamento de vias e

conseqüente alargamento de calçadas, implantação de vias sinuosas, etc. que

têm como objetivo reduzir a velocidade dos veículos, podem, ao mesmo tempo,

contribuir com a estética e recuperação de áreas degradadas e auxiliar na

segurança de pedestres e motoristas.

A degradação de áreas urbanas centrais é um fenômeno bastante comum

em cidades que adquirem um porte grande ou mesmo médio. As áreas centrais

começam a ser substituídas por outras regiões da cidade na função de centro de

atração de investimentos e de consumo de setores mais abastados.

No entanto, nos últimos anos, pôde-se perceber uma maior preocupação

com a revitalização dos centros urbanos caracterizando-se não somente por

critérios funcionais, mas também políticos, sociais e ambientais. Esses critérios

conferem às intervenções uma nova vitalidade não só econômica, mas sobretudo

social.

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Entre as principais iniciativas de revitalização de áreas centrais estão: a

redefinição de usos da via pública, a melhoria do padrão de limpeza e

conservação dos logradouros e a priorização da acessibilidade por transporte

coletivo e transporte não motorizado.

No Brasil, projetos de intervenção em áreas centrais utilizando pelo menos

alguns conceitos de revitalização disseminaram-se a partir do final da década de

1970. Em São Luís-MA (cerca de 700 mil habitantes), o Projeto Reviver vem

promovendo ações de revitalização no centro e em outros setores históricos da

cidade. Dentre as atividades realizadas, destacam-se a reconstituição de calçadas

originais, praças, e iluminação pública; a restauração de edifícios públicos e

orientação de proprietários para restaurar e conservar prédios particulares; a

construção de habitações para a população encortiçada e a criação de centros

culturais em edifícios históricos. Outras experiências têm sido realizadas em

Recife-PE, Rio de Janeiro - RJ, São Paulo-SP, Belém-PA, Curitiba-PR,

Florianópolis-SC, São Sebastião-SP, Santos-SP e Poços de Caldas-MG (VAZ,

2003).

Como exemplo de empreendimentos ligados ao setor de transporte e

circulação, que interferem no meio ambiente natural e construído, pode-se citar a

implantação do Rodoanel Mário Covas que se configura como uma via perimetral

que circunda o núcleo central da Região Metropolitana de São Paulo. O Rodoanel

é um empreendimento que tem como principal objetivo a melhoria da qualidade de

vida da Grande São Paulo. Além de tornar o trânsito ágil, eliminando o tráfego de

passagem, deixará a cidade mais livre para o transporte coletivo.

A justificativa do empreendimento, segundo EIA/RIMA (2003), é que os

objetivos da obra visam melhorar a qualidade de vida da região metropolitana de

São Paulo envolvendo aspectos ambientais e socioeconômicos e ordenar o

tráfego de passagem na região, hierarquizar e estruturar o transporte de

passageiros e de cargas, proporcionando integração modal. O empreendimento

inclui adotar medidas específicas de proteção para as áreas ambientalmente

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protegidas incluindo mananciais e parques florestais e promover o

desenvolvimento eco-sustentável na área de influência ordenando o uso e

ocupação do solo.

Além disso, há a preocupação em articular as rodovias estaduais e federais

que acessam a Região Metropolitana de São Paulo, evitando que o tráfego das

mesmas se sobreponha ao fluxo veicular urbano, aumentando os

congestionamentos e as emissões no meio urbano, proporcionando

desenvolvimento sustentado da região.

Um outro exemplo é a duplicação da Rodovia dos Imigrantes que liga a

cidade de São Paulo à Baixada Santista. A rodovia possui trechos urbanos, e no

que diz respeito ao meio ambiente natural, a sua preservação foi uma

preocupação constante durante todas as etapas da construção de sua segunda

pista. Uma das medidas de proteção ambiental foi a instalação de uma estação de

Tratamento de Água - ETA - em cada túnel, para evitar que a água que escorria

constantemente com escavação dos túneis contaminasse o meio ambiente. A

construção da pista não chegou a afetar 40 hectares da Mata Atlântica, e cada

árvore derrubada foi substituída por outras dez (VERLANGIERI, 2003).

No entanto, Oliveira (2003) coloca que não foram feitos estudos dos

impactos sobre as malhas viárias dos municípios da Baixada Santista e com o

aumento imprevisível de fluxo de veículo; questiona também a forma como será

controlado o trânsito. Além disso, com o aumento populacional, é bastante

provável que haja um conseqüente aumento de acidentes, e esses municípios têm

graves problemas de atendimento hospitalar, e não terão condições de atender a

população.

De qualquer maneira, para implantação de empreendimentos que

interferem no meio ambiente é necessária a realização de Estudos de Impacto

Ambiental e de Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente – EIA/RIMA, para que se

garanta sua preservação.

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O uso indiscriminado das vias urbanas pelo fluxo não controlado de

veículos pode comprometer significativamente o patrimônio privado, além das

edificações de interesse histórico, cultural e arquitetônico. Nesse sentido, o

Estatuto da Cidade pode trazer significativa contribuição para a mitigação do

problema.

7.13 DIRETRIZ XIV – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE

ÁREAS OCUPADAS POR POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA

No transcorrer das ultimas décadas, as políticas governamentais de

remoção e substituição de favelas se revelaram ineficazes e onerosas sob vários

pontos de vista, sobretudo no que diz respeito ao atendimento das necessidades e

expectativas das comunidades envolvidas.

A partir do final dos anos 1970, a questão dos assentamentos informais

passa a ser tratada de modo distinto, com o surgimento de propostas de

permanência dessas populações nos seus locais de moradia, com a urbanização

das respectivas áreas. Com essa nova abordagem, o conceito de urbanização é

ampliado, uma vez que, além das melhorias promovidas nos espaços de uso

coletivo, através de implantação da infra-estrutura urbana, é prevista a construção

de postos de saúde, escolas comunitárias e creches, assim como a legalização da

posse da terra (PEREIRA JR., 2003).

Além das dificuldades cotidianas, a favela convive com problemas

relacionados aos inúmeros serviços de construção comprimidos em pequenos

espaços e pode ser considerada como um canteiro de obras permanente Um

projeto urbanístico para a favela deve procurar organizar esse canteiro, para

produzir melhor e minimizar transtornos.

Dessa forma, para a urbanização de uma favela, é necessário garantir a

existência de praças de acesso, com um conjunto múltiplo de funções que incluem

terminais de transporte tanto para passageiros quanto para mercadorias,

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mudanças e disposição temporária de materiais de construção. O transporte

interno deve ser facilitado por um sistema viário hierarquizado, que encurte

distâncias e viabilize o acesso mecânico na maior extensão possível, como por

exemplo, o uso de vielas em rampa. As vias de penetração, as de circulação

interna e as residenciais devem prever espaço para combinar as funções de

conjunto com as funções pontuais de servir como espaços semiprivados. Assim, a

criação de alargamentos e recuos permite bases de apoio aos trabalhos de

construção, que podem também receber tratamento de paisagismo e se tornar

recantos de amenização ao longo das vias. Em um sistema viário e de transporte

interno racionalizado para a entrada de materiais e mudanças pode-se tirar o lixo e

o entulho comumente espalhados pelas favelas em depósitos históricos

(PEREIRA JR., 2003).

Deve-se prever o dimensionamento de rampas e escadas, faixa de

circulação de pedestres, veículos, etc. Pavimentar, quando possível, todas as vias

públicas e em trechos íngremes, aproveitar e criar alargamentos para implantar

pequenas praças e armazenamento provisório de materiais de construção.

O acúmulo de lixo também é um dos graves problemas da vida nas favelas.

Planejar um sistema eficiente de coleta e retirada do lixo é um fator importante

para se obter bons resultados ambientais com urbanização. A ação de planejar o

sistema de coleta e retirada do lixo das favelas está diretamente ligada ao sistema

de transporte e circulação, pois requer uma revisão dos acessos existentes para

permitir a circulação e o acesso dos veículos de coleta.

Essas ações têm como objetivo modificar o tecido urbano da favela, para

que se torne semelhante ao da cidade formal. No entanto, os espaços públicos

são quase inexistentes em uma favela, o que obriga a remoção de várias

habitações para que sejam introduzidos os tais valores da cidade formal.

Como na maioria das vezes os acessos existentes são poucos e estreitos,

torna-se bastante difícil a abertura de vias para o acesso carroçável, sem que haja

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um número muito grande de relocações. Por tanto, não é possível viabilizar o

acesso carroçável a todos os domicílios, bem como a construção de verdadeiras

praças nas favelas, o que dificulta a transformação física do espaço e sua

pretendida leitura como bairro da cidade (MOREIRA, 2002).

Um outro fator correspondente às intervenções urbanas, diz respeito às

questões legais, como a regularização fundiária, a delimitação da área da favela

como Área de Especial Interesse Social, e a execução de uma legislação local,

além do reconhecimento dos logradouros existentes. Dentre essas ações, a

questão fundiária é uma das mais importantes, já que tem como objetivo transferir

o título de propriedade da terra para os seus moradores, que assim deixariam de

ocupar terreno de propriedade alheia, não se configurando como invasões e

ocupações ilegais de terra.

Diante dessa realidade, pode-se dizer que a regularização fundiária e a

urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, como é o caso das

favelas, apresentada pela diretriz XIV do Estatuto da Cidade, estão diretamente

relacionadas ao sistema de transporte e circulação. E que juntamente com

saneamento básico, de igual importância, a infra-estrutura viária, que proporciona

acessibilidade das pessoas e circulação de bens e serviços, deve ser priorizada

para que se possa realizar a transformação das favelas em bairros urbanizados.

7.14 DIRETRIZ XV – SIMPLIFICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE

PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO E DAS NORMAS

EDILÍCIAS

Se a simplificação da legislação do parcelamento, uso e ocupação do solo e

normas edilícias estiver realmente voltada para a desburocratização do sistema,

levando em consideração a proximidade de usos compatíveis, essa diretriz pode

ser encarada de forma positiva, e assim contribuir não só para o aumento da

oferta de lotes e unidades habitacionais, mas também para um planejamento do

transporte e da circulação coerentes.

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Incentivando-se o adensamento racional, pode-se minimizar o número de

viagens motorizadas e aumentar o uso dos modos não motorizados, considerados

sustentáveis.

A grande preocupação está no fato de que, se o adensamento se tornar

descontrolado, devido às facilidades da lei, esse instrumento poderá ter efeito

negativo, pois as altas densidades poderão sobrecarregar as redes urbanas,

dentre elas, a rede de transporte. Como exemplo, tem-se o caso das áreas

centrais, urbanizadas no início da criação das cidades. Pela falta de rigidez nas

legislações mais antigas, ou até mesmo pela ausência destas, houve uma grande

concentração de edifícios altos e, conseqüentemente, uma alta densidade

populacional nestas áreas; a infra-estrutura, sub-dimensionada, acabou, na

maioria dos casos, ficando sobrecarregada, num primeiro momento. O contrário

também se apresenta como verdadeiro ao se considerar, num segundo momento,

muitas das cidades brasileiras.

Em algumas delas, as regiões centrais, que no passado eram super

adensadas e valorizadas, passaram por processo de esvaziamento e transferência

de parte de suas atividades para bairros localizados em uma “região central

expandida”. Com isso, as regiões centrais ficaram com excesso de oferta de infra-

estrutura, subutilizada em grande parte do dia. Nesse sentido, uma ocupação

mista deve ser incentivada, por meio de uma simplificação nas leis de zoneamento

e uso e ocupação do solo para permitir uma ocupação mais adequada e racional.

Portanto, as leis, mesmo que simplificadas, devem estabelecer parâmetros

para uma ocupação racional considerando a previsão de infra-estrutura adequada.

Por outro lado, a preocupação com a simplificação da legislação em regiões

periféricas, em áreas de interesse social, deve levar em conta não só a

necessidade de oferta de mais lotes e moradias às populações mais pobres, mas

também garantir que o novo uso e ocupação do solo seja parcimônico com as

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redes e equipamentos urbanos, particularmente aqueles destinados aos

transportes e circulação.

De acordo com Brasil (2001b), os parâmetros complexos e exigentes

dificultam e reduzem a possibilidade de oferta de lotes e moradia pelo mercado

formal. A simplificação da legislação deve ser buscada, de maneira a permitir –

dentro da lei – um uso intenso e racional dos recursos territoriais e dos

investimentos públicos, sem que isso ameace a salubridade e a qualidade

ambiental. Se a legislação for mais simples, certamente será mais conhecida e

praticada pelo conjunto dos cidadãos.

7.15 DIRETRIZ XVI – ISONOMIA DE CONDIÇÕES PARA OS AGENTES

PÚBLICOS E PRIVADOS NA PROMOCÃO DE EMPREENDIMENTOS E

ATIVIDADES RELATIVOS AO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

As regras de produção da cidade devem ser fruto de um pacto entre entes

públicos e privados, como já foi apresentado na diretriz III do Estatuto da Cidade,

a qual se refere à cooperação entre governos e iniciativa privada, e uma vez

estabelecidas estas regras devem ser respeitadas por todos.

Fazendo-se uma ligação com outra diretriz do Estatuto, a diretriz II, que

preconiza a gestão democrática, pode-se combater práticas, ultrapassadas de

intervenções estatais autoritárias, que urbanizam e implementam equipamentos

sem dialogar com a cidade e sua população. As regras de uso e ocupação do

solo, assim como os procedimentos para aprovação e licenciamento das obras,

devem ser obedecidos igualmente por todos (Brasil, 2001b).

Como já foi colocado em itens anteriores, o processo de urbanização e

implantação de equipamentos urbanos estão diretamente relacionados com a área

de transportes. Assim, quando se propõe isonomia de condições para os agentes

públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao

processo de urbanização, subentende-se que deva se levar em consideração a

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relação direta entre planejamento de transporte e circulação e planejamento

urbano principalmente no que diz respeito às regras de uso e ocupação do solo e

aprovação de empreendimentos em geral.

Assim fica claro, portanto, que as regras devem ser elaboradas

considerando todos os aspectos do planejamento urbano e devem ser respeitadas

tanto pelos agentes públicos como pelos agentes privados.

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116

A revisão bibliográfica realizada permitiu confirmar, que o Estatuto da

Cidade, de maneira geral, veio com o objetivo, dentre outros, de fornecer diretrizes

para subsidiar o planejamento urbano, este entendido em sua forma tradicional,

isolada. Os vários autores pesquisados quase sempre relacionaram o EC ao

controle do crescimento, à utilização de ferramentas de gestão urbana, ao Plano

Diretor, etc. A impressão clara que se teve, com raras exceções, é que as

interpretações do EC pouco explicitam a respeito dos planejamentos de

transportes e de circulação, como se não estivessem intimamente correlacionados

ao planejamento urbano, este entendido aqui, como próprio de uma visão geral,

incluindo todos os sistemas urbanos.

Os técnicos e planejadores de transporte e circulação parecem não se

sentir atingidos pela lei – EC. Ao menos foi a impressão extraída pelos poucos

trabalhos publicados nas áreas de transporte e de circulação, aos quais teve–se

acesso na realização deste trabalho.

Mais uma vez, ficam evidenciadas as visões estanques, sectárias e

individuais de planejadores urbanos, de transportes e circulação. Visão esta que

8 RECOMENDAÇÕES CONCLUSÕES

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tem contribuído para que o país não avance com a velocidade necessária para a

resolução dos sérios problemas urbanos, tais como queda acentuada na

mobilidade e acessibilidade, altos custos de transportes e deseconomias urbanas

(congestionamentos, acidentes, poluição, etc.).

Acreditando-se na visão abrangente do planejamento urbano, ou seja, de

que as áreas de urbanismo, transportes e circulação são efetivamente

correlacionadas, pôde-se estabelecer a hipótese desse trabalho.

Recapitulando a hipótese adotada, têm-se: se o EC está sendo considerado

de grande importância para o planejamento urbano e este, sendo fortemente

correlacionado com os planejamentos de transportes e de circulação, então o EC

é igualmente importante para esses dois últimos planejamentos.

A conclusão principal a que se pôde chegar, a partir deste trabalho,

embasada nas reflexões apresentadas no capítulo 7, “Estudo das Diretrizes”, é de

que existe forte aderência entre o EC e os Planejamentos de Transportes e de

Circulação.

O Estudo das Diretrizes, longe de pretender esgotar as manifestações de

correlações entre o EC e os Planejamentos de Transporte e de Circulação,

puderam trazer uma idéia mais clara desse fato.

Todas as diretrizes do Estatuto da Cidade, algumas mais fortemente, outras

de maneira mais superficial, puderam ser diretamente relacionadas com as áreas

de transporte e de circulação, demonstrando que o planejamento urbano e o

planejamento de transporte e de circulação não podem ser pensados de maneira

dissociada.

Pôde-se avaliar que o direito a cidades sustentáveis, no que diz respeito ao

transporte, está diretamente ligado à garantia de acessibilidade e mobilidade das

pessoas e ao uso de modais de transportes mais sustentáveis.

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A gestão democrática por meio da participação da população engloba a

discussão dos projetos de transporte e circulação assegurando a mobilidade das

pessoas e dos bens. E a prática de audiências públicas vem sendo adotada em

vários municípios brasileiros envolvendo discussões sobre transporte e sistema

viário.

A cooperação entre governos e iniciativa privada por meio de parcerias

pode auxiliar o sistema de transporte e circulação no sentido de facilitar a

obtenção de transporte com adequação. O apoio da iniciativa privada à área de

transportes assim como a criação de órgãos públicos ligados ao transporte, que

visam estabelecer um canal permanente de divulgação e troca de experiências

bem sucedidas, podem contribuir significativamente para a melhoria da qualidade

dos serviços de transporte e condições de acessibilidade e circulação.

Como foi apresentado anteriormente, a desproporção no espalhamento

urbano com acúmulo populacional em alguns pontos e vazios em outros, acarreta

a ociosidade da infra-estrutura de transporte. Porém, com o planejamento do

desenvolvimento das cidades e da distribuição espacial da população, proposto no

Estatuto da Cidade, poder-se-á promover o desenvolvimento de cidades mais

compactas e racionais com menores custos de transporte coletivo.

Entre outros aspectos abordados no Estatuto, a regularização fundiária e a

urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, como é o caso das

favelas, estão diretamente relacionadas ao sistema de transporte e circulação, e

assim a infra-estrutura viária, que proporciona acessibilidade das pessoas e

circulação de bens e serviços, deve ser priorizada para que se possa realizar a

transformação das favelas em bairros urbanizados.

A efetiva implementação do Estatuto da Cidade pode contribuir para a

melhoria da oferta dos equipamentos urbanos e comunitários e conseqüentemente

com a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas a todos os serviços

públicos e privados. Porém, é importante ressaltar que muitas das soluções para

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os problemas das cidades não dependem somente das políticas de transportes,

mas também de políticas de planejamento urbano, uma vez que o planejamento

de transporte e o planejamento urbano devem ser realizados em conjunto.

O estudo das 16 diretrizes contidas no Estatuto da Cidade e a possível

aderência das mesmas aos planejamentos de transportes e de circulação

deixaram claro que algumas dessas diretrizes (I, II, III, IV, V, IX, XII) possuem uma

correlação muito grande. Outras diretrizes (VI, VII, VIII, X, XI, XIII, XIV, XV, XVI)

mostraram ligações um pouco menos fortes com os planejamentos de transportes

e de circulação.

Há que se citar que as diretrizes I (Direito a cidades sustentáveis), IV

(Desenvolvimento das cidades de modo a evitar distorções no crescimento e

efeitos ao meio ambiente), V (Oferta de equipamentos urbanos e comunitários,

transportes) só podem ser atingidas pela gestão municipal se bem articuladas às

áreas de transporte e de circulação.

De maneira geral, pode-se concluir que o Estatuto da Cidade, assim como

todas as ações de planejamento urbano, de uma forma mais ou menos intensa,

têm implicações diretas ou indiretas com o planejamento de transporte e

circulação.

Mudanças de paradigmas deverão ocorrer para quebrar a práxis do

planejamento dos sistemas urbanos, e o Estatuto da Cidade, a partir do estudo

aqui apresentado, pode ser uma ferramenta que agregue de maneira adequada os

planejamentos dos sistemas urbanos.

Afinal, vale a pena citar uma frase de Raia Jr. (1997) que parece refletir

bem o significado da inter-relação planejamento urbano e de transportes:

“O transporte pode ser considerado como o sangue da cidade,

fazendo-se uma analogia ao corpo humano. Se falta sangue, o corpo

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O ESTATUTO DA CIDADE E OS PLANEJAMENTOS DE TRANSPORTE E DE CIRCULAÇÃO

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morre; se este sangue está doente, todo o corpo está doente e,

portanto, a cidade padece”.

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10 ANEXO

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LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizesgerais da política urbana e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacionaldecreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DIRETRIZES GERAIS

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 daConstituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto daCidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o usoda propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar doscidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimentodas funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintesdiretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terraurbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, aotransporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes efuturas gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e deassociações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,execução e acompanhamento de planos, programas e projetos dedesenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setoresda sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacialda população e das atividades econômicas do Município e do território sob suaárea de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbanoe seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviçospúblicos adequados aos interesses e necessidades da população e àscaracterísticas locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequadosem relação à infra-estrutura urbana;

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d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionarcomo pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estruturacorrespondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilizaçãoou não utilização;

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

g) a poluição e a degradação ambiental;

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sobsua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e deexpansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, sociale econômica do Município e do território sob sua área de influência;

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo deurbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeirae dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo aprivilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos benspelos diferentes segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultadoa valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural econstruído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nosprocessos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitospotencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o confortoou a segurança da população;

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas porpopulação de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais deurbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situaçãosocioeconômica da população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo edas normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento daoferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados napromoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização,atendido o interesse social.

Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da políticaurbana:

I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;

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II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, oDistrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista oequilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;

III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o DistritoFederal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria dascondições habitacionais e de saneamento básico;

IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,saneamento básico e transportes urbanos;

V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação doterritório e de desenvolvimento econômico e social.

CAPÍTULO II

DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA

Seção I

Dos instrumentos em geral

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e dedesenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas emicrorregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

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a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociaismenos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto devizinhança (EIV).

§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação quelhes é própria, observado o disposto nesta Lei.

§ 2o Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuaçãoespecífica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicospoderá ser contratada coletivamente.

§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio derecursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social,garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedadecivil.

Seção II

Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

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Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderádeterminar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solourbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições eos prazos para implementação da referida obrigação.

§ 1o Considera-se subutilizado o imóvel:

I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ouem legislação dele decorrente;

II – (VETADO)

§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para ocumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório deregistro de imóveis.

§ 3o A notificação far-se-á:

I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, aoproprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenhapoderes de gerência geral ou administração;

II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação naforma prevista pelo inciso I.

§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto noórgão municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras doempreendimento.

§ 5o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a leimunicipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas,assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como umtodo.

Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posteriorà data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ouutilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.

Seção III

Do IPTU progressivo no tempo

Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos naforma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstasno § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre apropriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante amajoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específicaa que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valorreferente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

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§ 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida emcinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que secumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributaçãoprogressiva de que trata este artigo.

Seção IV

Da desapropriação com pagamento em títulos

Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que oproprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização,o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento emtítulos da dívida pública.

§ 1o Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federale serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais esucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis porcento ao ano.

§ 2o O valor real da indenização:

I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montanteincorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde omesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei;

II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juroscompensatórios.

§ 3o Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório parapagamento de tributos.

§ 4o O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazomáximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.

§ 5o O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo PoderPúblico ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se,nesses casos, o devido procedimento licitatório.

§ 6o Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o asmesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o

desta Lei.

Seção V

Da usucapião especial de imóvel urbano

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de atéduzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e semoposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á odomínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,independentemente do estado civil.

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§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmopossuidor mais de uma vez.

§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de plenodireito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião daabertura da sucessão.

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metrosquadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cincoanos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar osterrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidascoletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvelurbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro deimóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cadapossuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvohipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideaisdiferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível deextinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços doscondôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição docondomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serãotomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também osdemais, discordantes ou ausentes.

Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarãosobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a serpropostas relativamente ao imóvel usucapiendo.

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapiãoespecial urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II – os possuidores, em estado de composse;

III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade,regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamenteautorizada pelos representados.

§ 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção doMinistério Público.

§ 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita,inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

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Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada comomatéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registrono cartório de registro de imóveis.

Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o ritoprocessual a ser observado é o sumário.

Seção VI

Da concessão de uso especial para fins de moradia

Art. 15. (VETADO)

Art. 16. (VETADO)

Art. 17. (VETADO)

Art. 18. (VETADO)

Art. 19. (VETADO)

Art. 20. (VETADO)

Seção VII

Do direito de superfície

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito desuperfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, medianteescritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou oespaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,atendida a legislação urbanística.

§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos queincidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente àsua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objetoda concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contratorespectivo.

§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos ostermos do contrato respectivo.

§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seusherdeiros.

Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, osuperficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, emigualdade de condições à oferta de terceiros.

Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:

I – pelo advento do termo;

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II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelosuperficiário.

Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o plenodomínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado ocontrário no respectivo contrato.

§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície seo superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual forconcedida.

§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registrode imóveis.

Seção VIII

Do direito de preempção

Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipalpreferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entreparticulares.

§ 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em queincidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cincoanos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.

§ 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigênciafixado na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentesao mesmo imóvel.

Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Públiconecessitar de áreas para:

I – regularização fundiária;

II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

III – constituição de reserva fundiária;

IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas deinteresse ambiental;

VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;

IX – (VETADO)

Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deveráenquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais dasfinalidades enumeradas por este artigo.

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Art. 27. O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, paraque o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seuinteresse em comprá-lo.

§ 1o À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compraassinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço,condições de pagamento e prazo de validade.

§ 2o O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornallocal ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nostermos do caput e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da propostaapresentada.

§ 3o Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica oproprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições daproposta apresentada.

§ 4o Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentarao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação doimóvel.

§ 5o A alienação processada em condições diversas da proposta apresentadaé nula de pleno direito.

§ 6o Ocorrida a hipótese prevista no § 5o o Município poderá adquirir o imóvelpelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na propostaapresentada, se este for inferior àquele.

Seção IX

Da outorga onerosa do direito de construir

Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construirpoderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entrea área edificável e a área do terreno.

§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico únicopara toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zonaurbana.

§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos peloscoeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitidaalteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a seremobservadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,determinando:

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;

II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;

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III – a contrapartida do beneficiário.

Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito deconstruir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nosincisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Seção X

Das operações urbanas consorciadas

Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitarárea para aplicação de operações consorciadas.

§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções emedidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dosproprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com oobjetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais,melhorias sociais e a valorização ambiental.

§ 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outrasmedidas:

I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso eocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias,considerado o impacto ambiental delas decorrente;

II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas emdesacordo com a legislação vigente.

Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciadaconstará o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:

I – definição da área a ser atingida;

II – programa básico de ocupação da área;

III – programa de atendimento econômico e social para a populaçãodiretamente afetada pela operação;

IV – finalidades da operação;

V – estudo prévio de impacto de vizinhança;

VI – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes einvestidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos Ie II do § 2o do art. 32 desta Lei;

VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado comrepresentação da sociedade civil.

§ 1o Os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na forma do inciso VIdeste artigo serão aplicados exclusivamente na própria operação urbanaconsorciada.

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§ 2o A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas aslicenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas emdesacordo com o plano de operação urbana consorciada.

Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderáprever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados depotencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizadosdiretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

§ 1o Os certificados de potencial adicional de construção serão livrementenegociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objetoda operação.

§ 2o Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencialadicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere ospadrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limitefixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada.

Seção XI

Da transferência do direito de construir

Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar oproprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, oualienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretorou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel forconsiderado necessário para fins de:

I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,ambiental, paisagístico, social ou cultural;

III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreasocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

§ 1o A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar aoPoder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III docaput.

§ 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas àaplicação da transferência do direito de construir.

Seção XII

Do estudo de impacto de vizinhança

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados oupúblicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio deimpacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção,ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos enegativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida dapopulação residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo,das seguintes questões:

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I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV,que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Públicomunicipal, por qualquer interessado.

Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação deestudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislaçãoambiental.

CAPÍTULO III

DO PLANO DIRETOR

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende àsexigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidadede vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas,respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico dapolítica de desenvolvimento e expansão urbana.

§ 1o O plano diretor é parte integrante do processo de planejamentomunicipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamentoanual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

§ 2o O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.

§ 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cadadez anos.

§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de suaimplementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação dapopulação e de associações representativas dos vários segmentos dacomunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informaçõesproduzidos.

§ 5o (VETADO)

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Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentosprevistos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades comsignificativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

§ 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadradosno inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração doplano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.

§ 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá serelaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o planodiretor ou nele inserido.

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado oparcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência deinfra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;

II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;

III – sistema de acompanhamento e controle.

CAPÍTULO IV

DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados,entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual emunicipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional,estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos dedesenvolvimento urbano;

V – (VETADO)

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trataa alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates,audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei dediretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória parasua aprovação pela Câmara Municipal.

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Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomeraçõesurbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e deassociações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo agarantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de áreaatingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimentodeste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilizaçãofinanceira do aproveitamento do imóvel.

§ 1o Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos deurbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao PoderPúblico municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, comopagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.

§ 2o O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário serácorrespondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado odisposto no § 2o do art. 8o desta Lei.

Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas aserviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.

Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social,desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuaçãoespecífica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveispúblicos:

I – terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não seaplicando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;

II – constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos definanciamentos habitacionais.

Art. 49. Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir daentrada em vigor desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição dediretrizes de empreendimentos urbanísticos, aprovação de projetos deparcelamento e de edificação, realização de vistorias e expedição de termo deverificação e conclusão de obras.

Parágrafo único. Não sendo cumprida a determinação do caput, ficaestabelecido o prazo de sessenta dias para a realização de cada um dos referidosatos administrativos, que valerá até que os Estados e Municípios disponham em leide forma diversa.

Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nosincisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data deentrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos.

Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e aoGovernador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, aMunicípio e a Prefeito.

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Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e daaplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidadeadministrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:

I – (VETADO)

II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamentodo imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o

desta Lei;

III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordocom o disposto no art. 26 desta Lei;

IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito deconstruir e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;

V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordocom o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;

VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do §4o do art. 40 desta Lei;

VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observânciado disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;

VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25a 27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente,superior ao de mercado.

Art. 53. O art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigoraracrescido de novo inciso III, renumerando o atual inciso III e os subseqüentes:.(Vide Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001)

"Art. 1o .......................................................

.......................................................

III – à ordem urbanística;

......................................................." (NR)

Art. 54. O art. 4o da Lei no 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinteredação:

"Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para osfins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o danoao meio ambiente, ao consumidor, à ordemurbanística ou aos bens e direitos de valorartístico, estético, histórico, turístico e paisagístico(VETADO)." (NR)

Art. 55. O art. 167, inciso I, item 28, da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de1973, alterado pela Lei no 6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com aseguinte redação:

"Art. 167. .......................................................

I - .......................................................

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.......................................................

28) das sentenças declaratórias de usucapião,independente da regularidade do parcelamento dosolo ou da edificação;

......................................................." (NR)

Art. 56. O art. 167, inciso I, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigoraracrescido dos seguintes itens 37, 38 e 39:

"Art. 167. .......................................................

I – .......................................................

37) dos termos administrativos ou das sentençasdeclaratórias da concessão de uso especial parafins de moradia, independente da regularidade doparcelamento do solo ou da edificação;

38) (VETADO)

39) da constituição do direito de superfície deimóvel urbano;" (NR)

Art. 57. O art. 167, inciso II, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigoraracrescido dos seguintes itens 18, 19 e 20:

"Art. 167. .......................................................

II – .......................................................

18) da notificação para parcelamento, edificaçãoou utilização compulsórios de imóvel urbano;

19) da extinção da concessão de uso especialpara fins de moradia;

20) da extinção do direito de superfície do imóvelurbano." (NR)

Art. 58. Esta Lei entra em vigor após decorridos noventa dias de suapublicação.

Brasília, 10 de julho de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOPaulo de Tarso Ramos RibeiroGeraldo Magela da Cruz QuintãoPedro MalanBenjamin Benzaquen SicsúMartus TavaresJosé Sarney FilhoAlberto Mendes Cardoso